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frente às estrelas

costas contra a madeira


no ancoradouro
de Madre Deus
meus olhos vão
com elas
no vão
meu corpo todo desmede-se
despede-se de si
descola-se do então
do onde
longe do longe
some o limite
entre o chão e o não

trecho da canção Madre Deus, de Caetano Veloso e


José Miguel Wisnik, 2005, álbum: Onqotô

Curso de Extensão “O ensino de Arte e a Pedagogia Histórico-Crítica” - UNIVASF

Encontro 3 (29/05) - Planejamento de Ensino_ Felipe Tonelli


Uma vez que este plano de ensino é orientado para o meu trabalho com crianças do
Ensino Fundamental 1, não farei nesta oportunidade maiores considerações sobre a letra
da música, composta em 2005 para o espetáculo Onqotô, do Grupo Corpo, nem
aprofundaremos suas referências às cantigas trovadorescas medievais (que foram tema
de outro trabalho da companhia no ano 2011, Sem Mim) ou à poesia concreta.

Usaremos a imagem poética que a música sugere para encontrar uma posição de apoio
(em decúbito dorsal) com as costas para o chão (sustentando nele o peso das pernas,
dos pés, da cabeça, dos braços e das mãos).

O professor reproduz o trecho da música (até 1’10”) uma primeira vez e pergunta: como o
corpo escuta os sons? Existe diferença entre escutar em pé, sentado e deitado? Nesse
intervalo de duração os alunos são convidados a dar atenção ao movimento de deitar.
Na segunda escuta do trecho selecionado, a intenção é voltada para a sensibilização da
função motora, através da observação dos gestos, sua relação com os tecidos corporais
e a criação de um tônus a partir da música.

Antes de realizar a escuta, as consignas do professor devem orientar movimentos lentos


com os dedos, um a um, como se uma linha puxasse a ponta de cada um para o teto e os
tirasse do chão. Quem se move primeiro: a pele, o osso, os músculos? Também há
movimentos nos nervos? Onde o movimento do dedo começa? E quando a linha
imaginária se rompe, como seus dedos voltam para o lugar? Pedir para que a linha
imaginária puxe os dedos para o alto, trazendo as mãos junto e fazendo com que elas
alcancem o campo de visão (a criação de um faz-de-conta pode ajudar, por exemplo a
narrativa de uma planta nascendo). Olhar para as mãos em direção ao teto. Gire e
movimente suas mãos, observe as palmas, as costas, o espaço entre os dedos, os
encaixes, as dobras.
Ao fim da reprodução, pedir para que cada aluno encontre um apoio confortável
para os braços (ombros, escápulas, cotovelos e punhos).

Na terceira escuta, coordenar o movimento de cada dedo com cada som que
“entra em cena”. Nesse momento introdutório, acontece um desfile de sons
apresentando-se quase individualmente, quase numa sequência. Depois eles
passam a compor harmonias com sobreposições mais complexas. Como as
mãos traduzem e interpretam esse movimento musical? Você consegue separar
os sons em dedos diferentes? Como você toca os sons com os seus dedos, com
as pontas, fazendo curvas, fazendo vibrações?

Obs.: Se houver a possibilidade de colaboração do professor de música no exercício de


percepção, explorem o movimento dos dedos e as respectivas notas musicais, ou os timbres
de cada instrumento, ou a altura e assim por diante.
Na última escuta do trecho de aproximadamente um minuto, a atenção é voltada para
as palavras, com o objetivo de formar imagens dos significantes que geraram sentido
verbais para os alunos

...chão – madeira – olhos – corpo – vão – estrelas…

quais classes de palavras as crianças compreendem o significado?


Nomes, verbos, advérbios? Registrar as palavras na lousa ou em um painel coletivo.

Em roda, você pode convidar as crianças a falarem sobre a experiência de realizar 4


tipos diferentes de escuta durante a aula.

Fim da Parte I.
Parte II - Desinventar as mãos

Leitura do poema de Manoel de Barros.

(…) Desinventar objetos. O pente, por exemplo.


Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma. (...)

Manoel de Barros. O livro das ignorãças, 2000.


Em roda, alguns apontamentos didáticos podem ser
feitos pelo professor:

O que mais chama nossa atenção nessas imagens? Problematização


Como você imagina que foram feitas, com qual
material? E quem são essas figuras? Elas estão Que tipo de uso das
fazendo alguma coisa? mãos surgiu primeiro na
história: o desenho ou a
A imagem do lado esquerdo é de uma escultura modelagem do barro?
mexicana antiga, feita de barro há mais de 3000 Em qual contexto essas
anos, usando diversas técnicas: ferramentas para práticas aconteceram?
riscar contornos, texturas, além de modelagem com O que possibilita uma
as mãos para unir as partes e dar acabamento. Já a determinada sociedade
imagem do lado direito mostra um desenho do pintor desenvolver a técnica
modernista Henri Matisse feito com uso de pincel e cerâmica?
tinta nanquim.
Conforme já relatei, uma vez que meu trabalho se realiza com crianças de até 10 anos,
busquei adequar a atividade-guia que serve de força motriz para o desenvolvimento das
funções psíquicas. Primeiro, estimulando a exploração sensório-motora e, ainda, ampliando
seus desdobramentos para a imaginação (através do faz-de-conta). Já nas turmas do
Fundamental 2 os aspectos conceituais poderiam ser melhor aprofundados.

O exercício proposto foi a (des)invenção das mãos para que as crianças pudessem sugerir
a existência de qualquer objeto, forma ou narrativa. Havendo disponibilidade para uso de
tintas, os resultados das acrobacias manuais podem se enriquecer.

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