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Guiné-Bissau

Cinco países. Cinco


viagens. Cinco
reportagens. Mais
de 100 entrevistas
em busca das
heranças do
colonialismo e da
forma como marcou
as relações raciais
20 | Domingo 6 Dezembro 2015 | 2
A COLÓNIA ONDE TODAS À
ADRIANO MIRANDA
beira da estrada os vendedores
ocupam os passeios com panos,
tachos e panelas feitos com restos
de latas de refrigerantes, comida,
chinelos, ténis, roupa, aparelhos
electrónicos. Setembro já não é
o mês pior das chuvas, mas o céu
ainda está cinzento e carregado

AS FATUMATA TINHAM
quando atravessamos de carro a
zona da Chapa de Bissau. Há gente
e gente na rua, mulheres a caminhar com quilos
de fruta ou frutos secos na cabeça, muitos car-
ros a circular por uma terra laranja-forte.
Era aqui que a cidade de Bissau começava
durante o colonialismo. Começava em termos

DE SE CHAMAR MARIA
de vida, de infra-estruturas, de cidade. Havia
um posto de controlo que exigia a chamada
“guia de marcha”, autorização onde se des-
crevia o motivo da deslocação. Ninguém podia
atravessar descalço a fronteira que dava acesso
a Bissau, cidade que em 1941 substitui Bolama
como capital.
O antropólogo e arquivista Fodé Mané ain-
da conserva as guias de marcha da mãe. “Um
assimilado podia andar onde quisesse, um in-
A Guiné-Bissau arrancou para a independência com pouco mais de dez licen- dígena tinha de ir à administração pedir uma
guia e responder a várias perguntas. Não podia
ciados, mas foi o primeiro país africano a libertar-se de Portugal. No período ultrapassar os dias que foram concedidos para
estar no centro urbano.”
colonial havia um sino que mandava os negros sair do centro da cidade, e Além da guia de marcha, o indígena tinha
uma caderneta, obrigatória a partir de 1920,
até bem tarde dominou o trabalho forçado. Os cabo-verdianos foram usados para todos os homens. Num exemplar da Ca-
derneta do Indígena vêem-se várias folhas, cada
pelos portugueses para mandar. O racismo estava longe de ser brando. “É uma com itens que alguém preencheria: as ca-

altura de deixar de fazer propaganda e de escrever a história como ela foi” racterísticas, o imposto indígena, a contribui-
ção braçal, castigos e condenações…
O estatuto do indigenato, lei que tinha como
JOANA GORJÃO HENRIQUES, EM BISSAU, BAFATÁ E CACHEU objectivo a assimilação, vigorou oficialmente
até 1961, mas vários relatos dizem que na práti-
ca continuou a ser aplicado até à independên-
cia. Ao assimilado era exigido que comesse à
mesa, usasse garfo e faca, tivesse um salário
e que, enfim, adoptasse o estilo de vida por-
tuguês.
Não é difícil imaginar agora um posto de
controlo algures na estrada da Chapa. Seria
idêntico às cordas que hoje os miúdos esticam
na estrada principal que sai de Bissau em direc-
ção a Leste e servem para travar a passagem de
viaturas, cobrar os impostos aos camiões que
levam mercadoria ou pedir uma contribuição
pelo arranjo dos buracos da estrada.
Muita gente conta que havia quem caminhas-
se quilómetros e quilómetros descalço até ali
chegar.
“Durante a época colonial, havia uma divisão
clara, uma linha”, conta, por seu lado, Djamila
Gomes, arquitecta. “Há até piadas sobre isso.
Por exemplo, a quem vem de Bafatá para vi-
ver em Bissau diz-se: ‘Pulaste a corda.’ Porque
antes havia uma corda. Lembro-me de que a
minha mãe tinha uma autorização para vir a
Bissau.”
Sentada na rua da zona antiga de Bissau, hoje
degradada e com estradas e prédios a precisar
de urgente recuperação, Djamila Gomes expli-
ca o desenho da cidade, explica como se dava a
dinâmica racial em Bissau. “Os empregados não
residiam [na cidade]. Vinham e iam embora.” A
separação “entre os guineenses e portugueses
era real”, completa.
Bissau funcionava como uma ilha. Os edifí-
cios eram construídos quase todos com a mes-
ma arquitectura, que ainda hoje se mantém: em
baixo casas comerciais, em cima residências.
“Ainda hoje não temos nenhum outro impacto
arquitectónico que se compare — temos o estilo
colonial só aqui na cidade de Bissau”, explica
a também administradora de outra das mais
importantes cidades guineenses, Bafatá.
Está de visita a Bissau por causa dos acon-
tecimentos que levaram o Presidente da Re-
pública, José Mário Vaz, a demitir o Governo

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ADRIANO MIRANDA
liderado por Domingos Simões Pereira, ambos
do PAIGC (Partido Africano da Independência
da Guiné e Cabo Verde). A sede do partido,
mesmo no centro, está neste momento em
obras — literal e metaforicamente. O edifício,
com um desenho arquitectónico típico da
época do Estado Novo, está a ser pintado por
dentro. No pátio, os pioneiros preparam a co-
reografia para as cerimónias de comemoração
do aniversário do partido e da independência,
ambas no mês de Setembro. Ouve-se o coro a
entoar “as glórias” do PAIGC.
Um enorme busto de Amílcar Cabral afirma-
se à entrada, e um quadro gigante em cores vi-
vas com o seu rosto olha-nos de frente quando
subimos as escadas para o primeiro andar, a
caminho do auditório. Amílcar Cabral é ainda
hoje uma figura admirada na Guiné-Bissau,
mas também em vários países africanos. É
uma referência para a luta dos direitos dos
negros. Ouvimos gente citá-lo dizendo que
“a luta de libertação não era contra os portu-
gueses, a luta era contra o sistema colonial”.
É um mantra que serve a muitos para subli-
nhar que não existe animosidade contra os
portugueses, apesar da violência cometida
pelo sistema colonial português.

O APITO DAS SEIS DA TARDE


Estamos na Praça dos Heróis Nacionais, anti-
ga Praça do Império: o centro é ocupado pelo
Monumento ao Esforço da Raça (1941). É uma
rotunda que fica em frente à sede do PAIGC e
do Palácio Presidencial — de manhã e ao final
do dia, muitos andam ali em círculo a fazer para os trabalhos domésticos” ou de baixa colonial — daí dizer-se que a Guiné era uma paredes verde-claras, está razoavelmente bem
desporto. qualificação. colónia da colónia. conservada. Como era ser muçulmano num
Um pouco antes das 18h a bandeira no Pa- A época colonial de que Fodé Mané, 50 Com mais de 30 etnias, a língua portuguesa país colonizado por uma potência católica?
lácio Presidencial é retirada da haste e toca o anos, se lembra é a do governador António é falada por uma minoria de 14%, vigorando Ao imã, Tcherno Culabio Ba, nunca forçaram
hino nacional — é uma ordem todos ficarem de Spínola (1968-73), altura em que estava em o crioulo. A política colonial portuguesa usou que mudasse o seu nome para um nome ca-
de pé, caso contrário pode-se ser multado. Os marcha a política Por Uma Guiné Melhor (que a divisão étnica a seu favor, criando cisões e tólico, pois ele era o filho do imã da mesqui-
carros param. A conversa com Fodé Mané, que ficaria registada em livro, 1970). “Já não havia adoptando aliados como os fula. ta. Mas teve de fazer a tropa portuguesa, por
estudou o estatuto do indígena, é interrompi- a implementação da segregação do indígena”, exemplo. “Era difícil viver durante o período
da, criando a sensação de qualquer coisa de
anacrónico e, ao mesmo tempo, paradoxal.
comenta. Era a política de criar mais escolas,
mais infra-estruturas para travar a luta de li-
ESTRADAS COM TRABALHO FORÇADO colonial. Até para Portugal era difícil, só depois
da democracia é que se tornou melhor. Agora
Ficamos em silêncio. Minutos depois continua: bertação que estava a crescer. “Mas uma re- Bafatá é uma cidade no Centro-Leste de Bissau. estamos livres e soberanos, dantes tínhamos
“Quando uma pessoa requeria o estatuto de vogação não desaparece da mentalidade das Tem uma população maioritariamente muçul- de cumprir, ninguém podia recusar.”
assimilado, tinha de provar que já não praticava pessoas”, continua. “Vivemos a diferenciação mana. Os poucos edifícios coloniais estão com O ourives Saliu Tcham, 69 anos, fala pou-
as cerimónias tradicionais e que se vestia como entre os que tinham beneficiado do estatuto ar abandonado. Nas ruas de terra vermelha co português, e é um dos filhos que traduz a
um europeu. As mulheres tinham de desfrisar do indigenato, dos que não tinham a possibili- e buracos provocados pela chuva há gente a conversa no alpendre de sua casa. As paredes
o cabelo, desfazer as tranças africanas e até se dade de ser assimilados e de ter o estatuto de vender, como em qualquer pequena locali- de um verde-claríssimo estão desbotadas e
perguntava aos comerciantes quantos litros cidadãos com plenos direitos, e aqueles que dade na Guiné-Bissau. A vida faz-se cá fora, têm números escritos a carvão. Cá fora uma
de vinho a pessoa comprava por semana, se eram filhos de funcionários públicos e podiam apesar do calor. mulher aquece uma panela com comida no
comprava bacalhau e grão-de-bico. Como con- estudar nas escolas do Estado. Para estudar, A mesquita foi inaugurada em 1962, segundo pequeno fogareiro. Um galo canta. Tcham tem
trapartida, podia aceder ao funcionalismo pú- a pessoa tinha de ter registo ou certidão de o actual imã. Os altifalantes chamam para a umas mãos enormes. É um homem alto. Vive
blico, porque só um cidadão assimilado é que nascimento ou um conjunto de documentos oração, homens entram depois de se lavarem ali desde que nasceu. A profissão herdou-a do
podia ser funcionário público e os seus filhos que o grosso da população não tinha.” e descalçarem, alguns chegam de bicicleta. A pai, que durante muito tempo foi também seu
tinham direito a escolas centrais, a escolas do Mesmo pelos nomes nota-se quem foi re- fachada branca, com quadrados rendilhados e patrão. “Os portugueses mandavam fazer tra-
Estado. Havia um conjunto de serviços próprios gistado antes ou depois da época colonial: FREDERICO BATISTA FREDERICO BATISTA

para indígenas e havia um conjunto de serviços “Por exemplo, o meu nome Fodé Mané, na
para assimilados.” época colonial não podia ter o nome comple-
A exigência fazia parte de um código colonial, tamente africano, tinha de ter um Fernando
e a fronteira existia para separar os indígenas ou um João, depois não podia ter um nome
dos assimilados, dos portugueses e, em muitos tão curto.”
casos, dos cabo-verdianos também. Com pouco mais de 1,6 milhões de habi-
Leopoldo Amado, historiador, director tantes, a Guiné-Bissau foi a primeira colónia
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa portuguesa a obter a independência em 1973,
(INEP), lembra a época em que um apito dava fruto da luta de libertação liderada por homens
ordens de entrada e saída da população negra como Amílcar Cabral, iniciada no princípio
na cidade. Bissau começou a desenvolver-se dos anos 1960. Tem uma história marcada pe-
a partir do porto e no porto havia um mu- la resistência, orgulho de muitos guineenses.
ro para separar as populações africanas dos Tendo feito parte do Império Mali e do Reino
moradores, que eram os comerciantes portu- Gabu, a Guiné-Bissau nunca seria ocupada
gueses. “Em 1940, este muro ainda existia, foi totalmente pelos portugueses. Historiadores
derrubado quando o nacionalismo começou como Leopoldo Amado defendem que a colo-
a despertar”, no final dos anos 1950, explica. nização efectiva durou apenas de 1936 (a data
“Nesse território com o muro em Bissau, na oficial do final das campanhas de pacificação)
pequena cidadela, alguém usava um apito às até ao despertar do nacionalismo, por volta
seis da tarde e os africanos sabiam que era ho- dos anos 1960.
ra de saíram daquele espaço, a urbe colonial. A Guiné foi administrada por Cabo Verde
Voltava-se a apitar às seis da manhã para entra- até 1879 como Guiné de Cabo Verde e até à
rem e darem início aos trabalhos domésticos. descolonização eram os cabo-verdianos que
A presença dos negros era admitida apenas formavam o grosso da administração pública

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tória, que é de dominação mas que em mim
não faz sentido — estou enquadrado num outro
desafio identitário, numa outra luta de preser-
vação da identidade.”
Hoje há uma pequena parte da população
que é privilegiada e isso remonta ao passado
colonial de divisão étnica e diferenciação ra-
cial. “Os descendentes dos portugueses ten-
dencialmente acabam por ocupar posições
de maior privilégio. Ocupavam durante uma
fase inicial porque herdaram os recursos. Mas
com o passar do tempo os espaços de privilé-
gio foram-se diversificando e começou a haver
uma maior mistura. Numa fase inicial podemos
fazer essa ligação não só com os descendentes
de portugueses mas também com pessoas que
vieram da luta de libertação numa condição
de privilégio; quem ocupou os lugares vagos
pelos colonialistas? Amílcar Cabral dizia que
a pequena burguesia era vital para o processo
de libertação porque tem consciência da desi-
gualdade, convive directamente com ela. Mas
esta classe após o processo de libertação vai ter
tendência para ocupar o lugar do colonizador,
então tem de se suicidar enquanto classe.”

DUAS RELIGIÕES, DOIS “COLONIZADORES”


Na parede do escritório de Abdulai Sila estão
penduradas algumas capas dos seus livros.
Nascido em 1958, em Catió, o escritor fundou
uma empresa de informática com o irmão e
é lá, em Bissau, que nos encontramos numa
manhã chuvosa.
Sentamo-nos numa cadeira junto a uma me-
Em baixo, da esq. balhos forçados. Querendo ou não querendo, percebeu que uma coisa foi o que deu na esco- sa comprida perto da porta, a secretária está
para a dir.: Abdulai eu fazia serviço sem ser pago.” la, outra foi aquilo que aconteceu de facto. ao fundo, à janela. Escreveu A Última Tragé-
Sila, Augusta Segundo conta, os portugueses não pagavam Sentado na sala de sua casa em Bissau, pa- dia, onde aborda a questão racial durante o
Henriques, ao pai, que punha a família a trabalhar. Entre ra onde regressou há dois anos depois de ter colonialismo. É pelo seu nome que começa
Samantha Fernandes 1968 e 1971, ele trabalhou de graça. Nunca es- estado 17 a viver em Portugal, Dautarin fala de a conversa: o pai nunca aceitou que os filhos
e Dautarin da Costa tudou. Ficou contente quando os portugue- idas à tabanca (casa de campo) da família, onde ficassem com outros nomes que não fossem
ses saíram. “Foi uma grande festa.” Lembra costumava conversar com o avô. “Numa dessas aqueles que lhes deu. “Um dos aspectos mais
também que “nunca o preto podia comer com conversas, o meu avô disse-me que entraram violentos do colonialismo era despir as pes-
o branco”. Ele costuma conversar sobre isto na tabanca e agarraram jovens [incluindo ele] soas completamente, aquilo que Franz Fanon
com os filhos. Um deles queria ir para Portu- para construir a estrada que me levou até ele chamou Pele Negra, Máscaras Brancas. Vivía-
gal estudar, ele desaconselhou porque tinha sem ser remunerado. Então fiz as contas e o mos essa lavagem do colonialismo, de todas
medo que fosse vítima de racismo. Enumera meu avô foi escravizado numa altura posterior as formas, diariamente”, lembra.
uma série de coisas que não havia na altura e à data da abolição da escravatura. Aquilo me O pai sempre recusou a submissão. Pagou
fala do imposto da palhota que era preciso os marcou imenso e abriu-me outras perspectivas um preço para manter a dignidade. Dizia-lhe:
guineenses pagarem — quem não o pagasse sobre a dominação: ou seja, a coisa não foi tão “Tens de ser tu mesmo, não o que o outro quer
era sujeito a trabalho forçado. higiénica como os livros apresentam. Comecei que tu sejas. Tens um nome, uma posição, tens
Não foi apenas o estatuto do indígena que a perceber que há uma dimensão formal da de ser coerente contigo, não tens de aceitar
separou raças na Guiné-Bissau. Dautarin da dominação e outra mais prática que persistiu que o outro te oprima.”
Costa, 34 anos, lembra-se de ter aprendido na depois dos tratados. Para mim, aquilo foi um Por outro lado, Abdulai Sila cresceu com
escola, no seu 8.º ano, as datas de abolição da marco da profunda desigualdade entre euro- uma educação religiosa dupla: católica e mu-
escravatura. Era “dado com tanta proprieda- peus, africanos, entre pretos e brancos; co- çulmana. Na escola oficial só havia lugar para
de”, conta, que “um estudante acreditava” que mecei a perceber que houve um processo de filhos de portugueses ou assimilados, então o
tinha sido mesmo abolida. Porém, mais tarde, dominação e o meu avô foi vítima.” pai escolheu para o filho uma escola católica.
FREDERICO BATISTA FREDERICO BATISTA O avô estava numa situação de desprivilé- Sendo os pais muçulmanos praticantes, per-
gio, não era considerado cidadão de pleno di- mitir “a conversão” — “era de facto conversão”
reito. Entretanto, algumas coisas mudaram: — criava conflitos na comunidade. Abdulai Sila
“Deixámos de ser portugueses de segunda e ia, então, a uma escola corânica e a uma es-
de terceira para passarmos a ser guineenses. cola missionária católica; aprendeu as duas
Mas a maior parte dos guineenses está numa religiões ao mesmo tempo, praticou as duas
situação de pobreza.” religiões ao mesmo tempo — hoje não segue
Dautarin tem várias etnias a correr-lhe no nenhuma, é ateu.
sangue. É manjaco do lado do pai, papel do O racismo era algo que sentia quotidiana-
lado da mãe, tem um trisavô português e um mente na escola. “Lembro-me uma vez de ter
bisavô cabo-verdiano. “O meu apelido, Costa, feito uma prova e ter uma nota melhor que o
não é do meu pai, que era indígena. Foi atri- meu colega. A professora entregou-lhe o teste
buído por causa do colonialismo: não tenho e disse: ‘Não tens vergonha, o preto teve uma
o meu apelido africano. Na região de Cacheu, nota melhor que a tua’.”
houve uma divisão: todos os manjacos têm ape- Para quem beneficiava do sistema, havia
lidos como Costa, Gomes, Mendes. Aboliram uma tentativa de lutar pela sua manutenção,
os apelidos que tínhamos.” mas Sila estava “do outro lado”, era tratado
Sociólogo, lê esta característica como a ne- como “cidadão de classe inferior”, tinha no BI
cessidade de os dominadores controlarem a o traço B. “Não sabia o que era traço B. O que
identidade dos que eram dominados, de modo era o traço B? Era cidadão de segunda classe.
a perpetuar a dominação. “É uma estratégia Havia os assimilados e os gentios — eu fazia
que visava estratificar e retirar elementos de parte desses.”
resistência ao povo indígena. Claro que gostaria A mãe não falava português, o pai falava
de ter o meu verdadeiro apelido mas, não o pouco. Era preciso comer à mesa, desfrisar o
tendo, interpreto como um processo da his- cabelo, usar peruca, e ele não se identificava

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com nada disso porque, no fundo, era “rejeitar
e assumir a outra personalidade”, fazendo-lhe
lembrar que era inferior. “Hoje continua a ha-
ver perucas e a gastar-se dinheiro no cabelo.
Gasta-se mais dinheiro em cabelo falso do que
em livros. Qual o objectivo? Parecer-se com o
branco, o modelo que se tem na cabeça. Essa
deturpação vem de onde? Lá, daqueles tem-
pos. Portanto não me admira que muita gente
continue a achar que o outro tempo foi pacífi-
co, lindinho, quando os outros que andaram
na mata são os maus da fita. Não souberam
nunca o que é ser maltratado, humilhado, es-
pancado, preso.”
Racismo na Guiné-Bissau seria ignorância,
defende. Mas continua a haver um “certo com-
plexo”. Boa parte dos decisores “está ligada a
essa mentalidade de cariz racista na qual cres-
ceu e da qual não se libertou”. Como se mani-
festa? “[Na atitude de] ‘Nós somos inferiores
e precisamos de ajuda.’ E passam o tempo a
pedir ajuda. Há muitas formas de racismo que
são invisíveis. Uma delas é sentir-se inferior
porque toda a educação era feita nessa base:
‘Vocês não são capazes de se autogovernar, são
bárbaros, selvagens.’ E quando não se conse-
gue remover o bombardeamento isso fica, fica
na cabeça: ‘Tu és inferior, és infeliz’.”
Saico Baldé tem duas datas de nascimento: a
real, em 1958, e a do papel, em 1964. Natural do
Sul da Guiné-Bissau, e do campo, foi registado
oficialmente como sendo mais novo a seguir
à independência, para frequentar um liceu
onde estava a ser dada prioridade a miúdos
nascidos depois dele.
Durante alguns anos, porém, estudou na quem lidava com o nativo não era o colono da estavam a reivindicar as melhores condições
escola corânica do Senegal, por ordens do tio, metrópole, era o [cabo-verdiano] vindo de São de trabalho fossem “pessoas ditas civilizadas”,
régulo. Foi na época em que estava em curso Vicente ou da Praia”. não aconteceria o que aconteceu, considera.
a guerra de libertação e muitos se tinham re- Esta presença de cabo-verdianos em posi- Com 74 anos Mário Cabral, ex-ministro da
fugiado naquele país. Ele viveu um episódio ções de chefia na Guiné-Bissau provocou ten- Educação, membro do bureau político do
que recorda com preocupação: foi fotografado sões raciais, que ainda hoje estão presentes nas PAIGC, lembra-se do episódio de Pidjiguiti,
pelo PAIGC para um panfleto de propagan- narrativas sobre a composição racial bissau- altura em que as consciências se abriram,
da política no Senegal e esse panfleto chegou guineense. Muitas vezes, o chefe do posto que criando “um maior sentimento de medo”, até
às mãos da PIDE. Mais tarde, ao atravessar a executava as medidas da administração colo- porque “começaram a vir [para a Guiné-Bissau]
fronteira para passar férias e visitar a família, nial era cabo-verdiano e para mostrar trabalho os agentes da PIDE que vigiavam tudo”.
seria apanhado — “claro” que a família ficou feito obrigava a população a executar trabalho Na altura não havia segregação racial, como
sob vigilância. forçado, exemplifica. “Quem é que sabia quem na África do Sul, mas notava-se “que todos os

Há formas de
Actualmente a fazer um doutoramento sobre assinava os decretos? Eu, chipaio, que estava pretos eram pobres, viviam em habitações pre-
os migrantes guineenses em Portugal, Saico ali com o chicote, recebia determinadas orien- cárias e o nível de vida era diferente — e eram
Baldé tem vários papéis espalhados na secretá- tações” — e cumpria-as. diferentes tanto dos portugueses como dos

racismo que
ria do seu escritório no INEP, documentos que O uso do chicote não é metáfora. Teodora cabo-verdianos”.
anda a consultar para as suas pesquisas. Inácia Gomes, um dos rostos da luta de liber- Notava-se também a separação em certos
Cita dados do período colonial na conversa tação, nasceu no Sul, e no sítio onde vivia, locais públicos, entre quem tinha acesso ao
que acontece no INEP, ao final da tarde. Os Empada, lembra-se de ver as pessoas a ser cinema ou ao café Império, por exemplo. “Mar-
mais velhos falam-lhe de muitas histórias de
trabalhos forçados, de humilhações — e a pior
discriminação é ser humilhado perante a famí- são invisíveis. chicoteadas, de as ver a ser agarradas e de
lhes baterem até sangrar por não pagarem o
imposto da palhota.
cou muita gente e muita gente foi para a luta
porque se sentiu discriminado no seu próprio
país. As discriminações eram feitas a todos os

Uma delas
lia, defende. “Os velhos contam que, quando se Entre as reuniões do partido, recebe-nos na negros à excepção daqueles que, pelo seu es-
abriam as estradas, as pessoas eram obrigadas biblioteca do PAIGC ao final do dia. À volta da tatuto, conseguiam elevar-se, mas não tinham
a ir trabalhar — ai de quem não cumprisse. Hoje sala imensas fotografias de Amílcar Cabral e acesso a [determinados locais].”

é sentir-
estava a ler um despacho da conferência dos de outros líderes da luta, a preto e branco.
administradores e uma das recomendações
era negar ao indígena qualquer pretensão de
Imagens com o mato e guerrilheiros em fun-
do, imagens de reuniões e de celebrações pú-
ATIRAR CÃES À MÃE NEGRA

-se inferior
ser chefe. Isto é uma forma violenta… A pessoa blicas. Diz-nos que “o objectivo principal do Quando andava no colégio Ramalhão, em
tem o direito de sonhar. Negar isso com um colonialismo é explorar o povo” e que no seu Sintra, Portugal, Augusta Henriques (n. 1952),
decreto, ser uma política…” tempo “as populações não tinham voz nem fundadora de uma das mais importantes or-
Com grande convicção, e uma voz segura, direito a nada”. “O chipaio pressionava as ganizações não-governamentais guineenses,
defende que “é altura de deixar de fazer pro-
paganda e de [começar] a escrever a história
como ela foi”. Um dos factos que há a sublinhar porque toda populações para acatar as ordens, obrigava a
pagar imposto, a trabalhar nas estradas e nas
construções.”
a Tiniguena, era uma negra no meio de bran-
cas. Mexiam-lhe no cabelo e faziam perguntas
sobre como tinha ficado daquela cor. Não fez

a educação
é que a colonização não chegou a todo o ter- A imagem da repressão colonial é repetida uma única amiga nesse tempo. Quando ia de
ritório do país, o interior “teve contacto com nas narrativas sobre a época. Um dos episódios férias para o Norte, o pai guiando o seu Ca-
população branca tardiamente” e sobretudo mais referidos da história do século XX gui- dillac, havia sempre uma pequena multidão

era feita
com os militares. Isso leva a outra questão: neense foi, de resto, o massacre de Pidjiguiti, de curiosos atrás, tinham de fechar os vidros
“Quem eram os administradores? Raramente em 1959: um grupo de trabalhadores da Casa do carro: “‘Olha o preto, olha o preto, olha o
eram os lisboetas, os minhotos — muitas vezes Gouveia fez greve por melhores salários, tendo preto!’”, gritavam.

nessa base
eram os cabo-verdianos. Aliás, [dados de um a PIDE disparado sobre eles no porto de Bissau Eram os anos 1960, a época de um “Portu-
relatório] 70% dos funcionários coloniais em e feito dezenas de mortos e feridos. gal tacanho”. E ignorante. A mentalidade dos
1971 eram cabo-verdianos: então não lidámos O que aconteceu mostra que a reivindicação portugueses na Guiné-Bissau não era muito
com o colono directamente mas com o subcon- da melhoria das condições de vida foi negada diferente. A história da família de Augusta Hen-
tratado. Isso deixou outra marca, a rivalidade
entre a ala originária de Cabo Verde e a da
Guiné. Os restantes 30% estavam cá em cima: Abdulai Sila “por sermos identitariamente subalternos”,
comenta o sociólogo Miguel de Barros. Ou seja,
em circunstâncias normais, se as pessoas que
riques comprova-o. O avô paterno era portu-
guês, de Mangualde, foi para a Guiné com uma
namorada que acabaria por morrer. Teria filhos

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FREDERICO BATISTA
com uma mestiça, a avó de Augusta. Mas a ela
depois atirava cães para não a deixar ver os VALORIZAR O QUE É OCIDENTAL colonialismo transmitida era a de “que foram
os descobridores — mas os portugueses quan-
filhos, conta a neta. Era um homem “prepoten- Aos 29 anos, Mamadu Baldé é gestor na Aca- do chegaram já existia uma civilização”. Hoje
te” e violento, com quem os filhos acabaram demia Ubuntu, uma ONG portuguesa que tem analisa que o que era valorizado estava ligado
por cortar relações, o típico colono português um braço em Bissau e que trabalha na área da aos valores ocidentais: “Na altura, os que iam
a quem “o sistema não punha limites”. A mãe “liderança servidora” e empreendedorismo passar as férias a Portugal eram os melhores,
de Augusta era de origem cabo-verdiana. social. Encontramo-nos no pequeno escritório os que falavam português eram os mais inte-
“O racismo colonial é algo de uma época. da academia, onde frases inspiradoras estão ligentes, os que tinham amigos brancos eram
Toda a ultrapassagem da dominação tem de se pintadas na parede. os mais importantes, os que comiam bacalhau
fazer com o exercício interno de catarse; nós Nascido em Bissorã, estudou numa escola eram os mais ricos, os que vestiam calças jeans
não gostamos de mostrar essa parte de sofri- portuguesa durante dois anos. É com a me- eram os mais… Não vejo isso como consequên-
mento porque isso para nós ia ser sinal de fra- mória desse tempo em fundo que afirma a ne- cia do colonialismo por si só, mas da globali-
queza. Como é que a gente pode perdoar? Não cessidade de desmistificar o que foi o colonia- zação em geral.”
resolvemos profundamente as questões.” lismo, “que tipo de relação vivemos, que tipo
Estamos no escritório de casa de Augusta
Henriques, no bairro Chão de Papel, onde
de marcas ficaram”.
Na sua geração, os comentários sobre o colo-
HIERARQUIAS RACIAIS
há fotografias da sua família e da família do nialismo variam muito, entre os que sentem as Nelvina Barreto nasceu numa posição de pri-
seu actual companheiro. Nos álbuns que tira suas marcas de forma mais forte e os que não vilégio na Guiné-Bissau. Os pais eram funcio-
de um baú, podemos ver as diversas fases da se interessam sequer pelo tema. nários da administração colonial: a mãe, cabo-
vida familiar, inclusivamente a altura em que No escritório da academia, um pequeno verdiana, era enfermeira, o pai trabalhava na
o pai tinha uma propriedade e se dedicava à espaço no centro de Bissau, Mamadu diz que conservatória do registo civil. Em 1967, foram
agricultura, partilhando a gestão com a mãe, não acredita na existência de “um colonialis- transferidos para Moçambique, tinha Nelvina
uma das primeiras “pretas a ter carta de con- mo suave”, porque “estamos a falar de uma Barreto dois anos.
dução” no país. relação de dominação e de uma relação que O pai viajou primeiro, e a mãe fez uma para-
Augusta recorda também o tempo em que chegou ao ponto em que alguém decidiu que gem em Lisboa com as duas filhas para ir a con-
andou num colégio de freiras em Bor, onde as FREDERICO BATISTA
estava na altura de lutar contra ela”. Há, po- sultas médicas. Nesse período, contratou uma
freiras, muitas com nível de instrução baixo, rém, necessidade de se perceber as marcas que ama para cuidar das crianças — uma senhora
tinham crianças negras ou mulatas ao seu cui- ficaram e ele reconhece influências dos dois mais velha, branca. Na véspera de embarcar
dado e havia o sentimento de que “tudo lhes lados: “A luta pela independência teve muita de Lisboa para Moçambique, a mãe ligou ao
era permitido”. “Havia castigos corporais incrí- influência na democratização de Portugal. E pai a dizer: “As miúdas estão muito habituadas
veis. Lembro do caso concreto de uma moça não podemos esquecer que a forma como as à ama, eu queria levar a senhora e a senhora
muito bonita que tinha ataques epilépticos; várias etnias [guineenses] se relacionam entre está disponível para ir connosco’.” O pai dela
achavam que era o diabo que se tinha apode- si teve muito que ver com o colonialismo. Não disse: “‘Olha que a situação aqui é diferente da
rado da miúda. Uma das coisas que me ficou acredito que o colonialismo tenha sido suave Guiné. Aí em Portugal ela é a ama das meninas,
marcada foi baterem com a cabeça da miúda ou brando — não permitiu a educação dos na- ou seja, ela é tua empregada. Quando vocês
no chão, darem uma reguada no sexo dela para tivos; foi sempre muito claro naquilo que era o chegarem aqui, as coisas são bem capazes de
lhe ‘expulsar o diabo do corpo’.” objectivo de tentar dividir e aproximar alguns se inverter.’ Não era bem compreendido que
Na escola, a discriminação acontecia de for- para, através disso, manter o poder.” uma branca fosse empregada de uma família
ma evidente quando os alunos eram obrigados Mamadu acredita que existe uma marca no de negros’.” A ama nunca chegou a ir para Mo-
a saber os rios e serras de Portugal e pouco ou colonialismo que “pende muito para o racis- çambique com eles.
nada se ensinava sobre o país onde nasceram. mo”. “Quando dizemos que ‘vamos civilizar Nelvina Barreto acha que na Guiné-Bissau
“Viu alguma montanha [na Guiné-Bissau] para um povo’, estamos a partir do princípio de que não seria possível, na altura, existir uma ama
a gente fazer ideia do que era uma montanha, nada deste povo nos pode servir. Amílcar Ca- branca a tomar conta de crianças negras “pela
uma serra, um vale?”, pergunta retoricamen- bral pergunta: ‘Quem são os portugueses para simples razão de que a relação interétnica e
te. “Tínhamos de saber todos os caminhos-de- dizer que não somos civilizados?’ E acrescenta: interracial era feita noutras premissas”.
ferro, capitais de distrito…. e tínhamos de saber ‘Qual a maior prova de civilização do que um Em Moçambique, sentiu, porém, a diferença
em português.” povo que pega em armas para defender a sua de tratamento simplesmente por ser guineen-
Augusta Henriques é uma mulher expressiva liberdade?’” se. Na escola primária pública, a professora da
e é com indignação que afirma: “A história do Admira a postura de Cabral em relação ao co- 4.ª classe tratava-a como se pertencesse a “uma
ensino marcou incrivelmente o que é a Guiné lonialismo ao defender que o inimigo do povo espécie de negro de primeira”, numa hierar-
hoje. Foi feita sempre numa língua estrangeira FREDERICO BATISTA da Guiné-Bissau não são os portugueses, mas quia em que os negros de segunda eram os de
[o português]; foi feita sempre com um refe- o sistema. “Isso acaba por fazer uma cura e Moçambique. “Do ponto de vista do branco,
rencial que o guineense não conhece, foi feita leva a que um guineense hoje não veja o povo nós, da Guiné e de Cabo Verde, éramos privile-
sempre com um mundo que não é seu, aonde português como colonialista mas como povo giados em relação aos autóctones. Entendiam
eu tinha de recorrer à memória, perceber pela irmão”, acredita. que tínhamos mais educação — e era verdade,
astúcia o que é que o outro quer que eu lhe res- Por outro lado, nota que existe “algum pater- porque quem ia para lá no quadro da adminis-
ponda, não o que é certo e errado, mas o que nalismo”, há uma franja da sociedade que gos- tração colonial portuguesa já tinha um deter-
ele espera — e até hoje o guineense tem isto.” taria que, no papel de ex-colonizador, Portugal minado nível sociocultural. Naturalmente isto
Fez o curso no Instituto de Serviço Social estivesse disposto a ajudar mais o país. “Não sei reflectia-se nos filhos, enquanto as outras crian-
de Lisboa, trabalhou nas SAAL, projecto de se isso é bom. Já é tempo de assumirmos as nos- ças provinham de ambientes mais modestos.
promoção habitacional do pós-25 de Abril, e sas responsabilidades. O melhor que podemos Lembro-me de que a professora estava sempre
quando regressou à Guiné-Bissau depois da fazer é dar os passos necessários, fazer aquilo a mostrar a diferença entre um negro educado
revolução percebeu que afinal tinha um país que é da nossa responsabilidade, mas não espe- e um negro que não tem educação. Íamos para
idílico na cabeça. “Vir de férias é uma coisa, rar que alguém nos apoie e ensine como andar. o Clube Ferroviário da Beira, éramos quatro,
viver é outra. Para encontrar o meu canto nesta Muito embora a história da Guiné-Bissau não três de Moçambique: a professora levava-nos
Guiné… até hoje brigo por ele; porque mais possa ser dissociada da história colonial, dos no carro e punha-me sentada ao lado dela. Isto
uma vez a minha pele diz que eu sou ‘talvez’. problemas do colonialismo e dos problemas já estabelecia uma hierarquia: ‘Entre os negros,
Como dizia Pepetela: o mulato é talvez.” que tivemos no pós-colonialismo.” és a mais educada, a que merece um tratamen-
Há várias verdades sobre a questão racial, Os dois países não fazem uma reflexão sobre to mais diferenciado’.”
defende. A sua experiência de mulher mesti- a questão racial e isso faz falta, defende. Em Com uns pais politizados que sempre explica-
ça na Guiné-Bissau é que passa pela ideia de Portugal, onde se licenciou, lembra que falar ram às filhas o que era discriminação, Nelvina
que “‘esta é terra de pretos’, portanto tens de de colonialismo era polémico, “havia a ideia Barreto cresceu a receber mensagens a desmis-
te adaptar a terra de pretos’”, desabafa. “Não de que ‘isto foi assim’ não vamos discutir”. E tificar e desconstruir o que lhe era ensinado na
se fala tanto de pretos mas de africanos, mas o “foi assim” era que o colonialismo “foi sua- escola e no espaço público como sendo o lugar
quando se fala de africano à frente de um mes- ve”. Porém, para ele não faz sentido haver uma do negro. Seja como for, sempre lhe pareceu
tiço como se fosse elemento de fora… A maior Comunidade de Países de Língua Portuguesa que as clivagens raciais na Guiné-Bissau não
parte do tempo o mestiço está a ter de provar Manuela Lopes Mendes, Miguel de Barros (CPLP) “que não discuta isto”, defende. eram tão grandes como em Moçambique e An-
que é tão guineense como os pretos. Há pesso- e Saliu Tcham A ausência de reflexão sobre o sistema co- gola. “Mas houve [clivagem] de outra forma, em
as que não falam de preto mas falam de ‘po di lonial e a ideia de que era suave passou para relação ao cabo-verdiano. Por força da educa-
terra’, o que tem a raiz 100% africana — quando a geração mais nova. Samantha Fernandes, ção e de alguns traços culturais que herdámos,
tem uma pele mais clara, parte-se do princípio 25 anos, jurista, lembra-se de que na escola sentimos [alguma discriminação]. O guineense
de que não é 100% africana. Isto vê-se até em portuguesa onde estudou “pouco era falado autóctone tem um maior ressentimento em
muita malta nova.” da história da Guiné-Bissau”. A imagem do relação ao cabo-verdiano do que em relação

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FREDERICO BATISTA
ao branco português, porque o cabo-verdiano têm propensão para promiscuidade sexual, vi- zação política, onde os partidos exacerbaram
foi a face visível da repressão portuguesa, era vem na degenerescência moral. A par de tudo a condição da pertença étnica, regional, local
o intermediário do branco.” quanto era racismo, criava-se uma ideologia para ganhar o seu espaço de protagonismo na
Leopoldo Amado (n. 1960) é hoje um dos para poderem continuar com a empresa da arena pública. Esse elemento fez com que a
mais conhecidos e respeitados historiadores colonização.” questão étnica, que já estava a ser superada,
bissau-guineenses e é ele quem afirma: a partir A teoria do luso-tropicalismo de Gilberto voltasse com carga muito mais forte e mais pe-
de determinada altura, a Guiné era um fardo Freyre (1900-1987) suportou a ideologia do rigosa. Há uma designação daqueles que são
para o sistema colonial português. É uma terra Estado Novo sobre a excepcionalidade portu- da praça e daqueles que são da tabanca, do
com tradição guerreira que não permitiu que a guesa de estar nos trópicos, baseada na cordia- campo; essa dicotomia foi algo implementa-
colonização fosse efectiva e há relatórios que, a lidade, miscigenação, capacidade de adaptação do durante a vigência colonial, mas quando
dada altura, mostram Portugal a ter mais des- e assimilação. Tem, para Leopoldo Amado, “al- o partido libertador ascendeu ao poder não
pesa do que lucros com o país. Portugal não gum substrato” porque “há uma maneira par- conseguiu superar essa dicotomia.”
se desfez da Guiné apenas porque o império ticular de ser português”: mas “isso não isenta Com a independência, o país foi confrontado
colonial era tido como um todo: se a Guiné- de maneira nenhuma” o “ser racista”. “Salazar com uma necessidade, sublinha: como conse-
Bissau caísse, as restantes colónias tentariam e Marcelo precisavam de uma teoria como a de guir afirmar a ideia de um novo Estado sem a
seguir-lhe os passos, acredita. Gilberto Freyre. A tese de Salazar era a de que memória da presença colonial?
Como Portugal tinha muito poucos meios, havia portugueses de outra cor, mas isto era
usou o sistema de “engavetamento étnico”:
inventou etnias; dividiu para melhor reinar.
para consumo externo, porque entre os portu-
gueses de outra cor existia o trabalho forçado,
COMBATER AO LADO DOS PORTUGUESES
“Houve casos em que os portugueses tiveram o sistema que substituiu a escravatura.” Durante a sua infância em Bissau, Deolinda
o desplante de colocar fulas a dirigir manjacos, Estes mitos prejudicam ainda hoje a relação Mendes, hoje com 57 anos, conviveu com por-
manjacos a dirigir bijagós, provocando movi- entre portugueses e guineenses, afirma. Agora, tugueses. O pai era funcionário público, a mãe
mentações de etnias com o propósito de os anos depois, com o recuo histórico que temos, doméstica, ambos assimilados; nem um nem
dividir, e colocando sobre eles uma autoridade é hora de o revelar. “Tenho uma relação espe- outro conheceram o regime do indigenato, e
a que chamavam Assuntos Indígenas.” cial com Portugal e com os portugueses, mas essa era “a questão fundamental”: “Costumo
FREDERICO BATISTA
No colonialismo existiam quatro categorias isso não pode ofuscar-me ao ponto de não ad- dizer que indígenas somos todos, depende se
raciais, contextualiza: os grumetes (permane- mitir que o sistema colonial português tenha era o avô ou o pai”, comenta na sala de sua
ciam na tradição, viviam à beira das cidades), cometido atrocidades ou tenha sido um sistema casa, em Bissau.
tangomãos (participavam no comércio e eram racista em todos os sentidos. A elite académica Sentamo-nos no sofá ao lado de uma mesa
uma espécie de assimilados), os brancos, e os continua a reproduzir a ideia de que há uma redonda onde estão espalhadas fotografias da
lançados, os filhos da terra (brancos que nas- particularidade da colonização portuguesa, família. Da cozinha vem o cheiro do almoço a
ceram na Guiné-Bissau). “Um dos factores de que tiveram uma colonização mais branda, etc. abrir o apetite. Podíamos, de facto, estar numa
submissão foi exactamente a interiorização no Mesmo em Portugal há a ideia de que é um casa portuguesa. Na verdade, Deolinda Men-
negro da sua inferioridade pela via da sepa- país de brandos costumes. Brandos costumes des passou muitos anos fora: viveu nos Estados
ração”, sublinha. Por isso usavam o muro de para quem?” Unidos, onde estudou Sociologia, viveu tam-
Bissau, por exemplo. “Não que os portugue- bém em Portugal e regressou definitivamente
ses fossem mais racistas que os outros, mas
tinham de utilizar isso como método, a ideia
DIVIDIR PARA REINAR à Guiné-Bissau há nove anos. “Os valores do
colono eram os ocidentais e quem vai sociali-
de inferioridade para levarem avante os seus Quem for à Guiné-Bissau acabará por conhecer zar a criança vai socializar dentro desses valo-
propósitos. Tudo isso foi feito num ambiente Miguel de Barros. Director executivo de uma res. Lembro-me de que o meu pai nunca falou
em que os portugueses, eles próprios, assi- das mais antigas e prestigiadas ONG, a Tinigue- crioulo, para ele era o expoente máximo. Agora
milavam valores africanos. Os colonos que se na, é o anfitrião de quem todos ouviram falar. acho que isso era o extremo da assimilação.”
deixavam levar pela cultura africana e viviam Em 40 minutos dá-nos uma aula sobre a Guiné- Só mais tarde é que, olhando para trás, per-
com os africanos eram considerados ‘cafre’, o Bissau de hoje e de ontem, explicando que as cebeu que tinha sido privilegiada — na época
termo para classificar as pessoas que se tinham transformações sociais de agora são marcadas interagia com iguais, as turmas da escola eram
degenerado, e eram considerados do ponto de pelas dinâmicas de segregação que serviram a normalmente compostas por filhos de funcio-
vista religioso como almas perdidas porque se estrutura colonial. nários públicos, alguns filhos de portugueses,
submetiam à forma de estar do africano — aliás, A geração de Miguel de Barros (n. 1980) é des- outros assimilados. “Vimos de fora a discrimi-
criou-se o termo ‘cafrealização’.” cendente de pais que não nasceram em Bissau nação. Havia diferença de tratamento, claro.
Como estratégia, os portugueses aproxima- mas em várias partes do país, nota o sociólo- Mas entre vizinhos, entre os filhos dos colegas
ram-se dos fula, criaram exércitos de fula, de go. Esses cruzamentos fazem com que as suas FREDERICO BATISTA de trabalho, não havia.”
balanta, de outras etnias, com o objectivo de “identidades sejam menos sectárias” e tenham Deolinda Mendes sabe, hoje, que na sua clas-
acicatar as diferenças. Com o Centro de Es- um “maior nível de hibridismo” do que a ge- se a discriminação acontecia em termos de pro-
tudos da Guiné Portuguesa, criado em 1945, ração anterior. “O meu pai nasceu no Sul, de moções, mas não existia uma discriminação
forneciam-se elementos ao poder político para família já mista, a minha mãe nasceu no Leste aberta. “Os nossos pais foram claramente dis-
melhor compreender as dinâmicas étnicas. “O de uma família já mista com o cruzamento de criminados.” Depois eram induzidos a ter a ati-
contrário do racismo é exactamente isso, trazer um catolicismo e de crioulização de matrizes tude do “‘és melhor, então também não deixes
à nossa convivência, viver com eles, permitir de raiz africana e outra parte islamizada… por- os teus filhos se misturarem com o pior’” — os
que tenham acesso à escola, à saúde, que me- tanto, qual é a minha etnia? A minha etnia é a indígenas. Havia pais que mandavam educar os
lhorem as condições de vida. Na Guiné-Bissau minha nacionalidade e a minha nacionalidade filhos com famílias de assimilados para ensinar
isso não aconteceu: as poucas infra-estruturas é a guineense. Esse nível de pertença cada vez o que “era suposto ser o normal, o melhor, que
só foram construídas porque havia necessidade mais está a contribuir para a superação criada era ser ocidental — imitar na maneira de ser e
de dar vazão às questões da guerra.” desde a administração colonial. A presença de estar os valores dos portugueses”. Mas o pai
Apesar de tudo, o sistema dava oportunidade colonial foi um elemento decisivo: se por um de Deolinda tinha claramente a noção de uma
de ascensão social a alguns guineenses. O pai lado cristalizou essa diferenciação entre as injustiça: não ter “desenvolvido o seu potencial
de Leopoldo Amado, por exemplo, era director diferentes manifestações etnoculturais, por por ser negro”.
dos correios, posição à qual chegou no final outro alertou para a consciência da integração Olhando para trás, identifica um regime colo-
da carreira, “não sem problemas pelo meio”, dos que hoje fazem o mosaico etnocultural da nial racista na Guiné-Bissau, algo “encoberto”,
sendo “alvo de discriminação de todo o tipo”. Guiné-Bissau.” em que se filtrava o acesso às promoções, por
A ideia era o sistema colonial usar uma parte O sistema colonial trabalhou a divisão étnica exemplo. “A justiça não era cega. Se houvesse
ínfima da população como intermediária entre em vários momentos, explica o sociólogo. Num injustiça, o povo não se podia queixar. Havia
os seus interesses e as populações. primeiro, durante a instalação da administra- castigos, muitos castigos, muita prepotência.
Depois apareceu uma literatura colonial ção colonial, houve a integração das etnias que Havia trabalho de escravatura; lembro-me em
etnográfica para estudar a psique do negro, considerava mais próximas à sua cultura, uma pequenina ver isso. Moía-me por dentro.” Is-
adianta o historiador. “O negro praticava a gula, classe média mista que teve acesso à estrutura so deixou marcas em muitas pessoas, visíveis
o pecado dos cristãos, logo era preciso civilizá- administrativa colonial. ainda hoje.
lo. O negro é um ente que tem uma potência Num segundo momento, mais crítico, usou De cima para baixo: António Spencer Fundado em 1956 com o objectivo de auto-
sexual acima da média, quase boçal, quase um a diferenciação para instigar a desconfiança Embaló, Saico Baldé e Nelvina Barreto nomizar a Guiné-Bissau e Cabo Verde do im-
animal, que tem atitudes animalescas. Todas e a luta no seio do próprio movimento de li- pério colonial português, o PAIGC iniciou um
estas ideias foram reproduzidas nesta literatu- bertação “em função daqueles que eram ca- processo de luta pela independência. Enquanto
ra colonial. Reproduziu-se também a ideia de bo-verdianos, aqueles que eram considerados se trava uma guerra entre os dois lados, o exér-
que o negro é um irresponsável, propenso a crioulos ou detentores de alguma civilidade”, cito português tenta captar guineenses para
bebedeira; no caso das mulheres, são lascivas, continua. “Isto transportou-se com a liberali- o seu lado.

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ADRIANO MIRANDA
tra camada. Por que se criou um liceu em Cabo
Verde e não na Guiné? Em Cabo Verde houve
muita mistura, muitos filhos de europeus e de
africanos. Eram mais próximos porque eram
‘nossos filhos’. Era mais fácil lidar com a ideia
de instruir, provavelmente a ideia de revolta
não era tão forte, mas essa era uma divisão
com base em quê? Os ideais do colonialismo
são iguais ao do nazismo, é uma ideia de supe-
rioridade de raça: somos superiores, por isso
vamos evangelizar.”

PATERNALISMO
O regime colonial era “profundamente racista”:
disso Dautarin da Costa não tem dúvida, “por-
que partiu de uma premissa óbvia de superiori-
dade dos europeus, dos brancos em relação aos
africanos, ao preto”, continua. “Para haver do-
minação, é preciso uma condição fundamental,
o dominado tem de acreditar que o dominador
é realmente mais forte e o dominado tem de
acreditar que é inferior ao dominador. É muito
mais difícil ganhar independência desse pensa-
mento do que conquistar a independência ou
a liberdade. Mudar o esquema mental é muito
mais forte porque o dominado é o reprodutor
da sua própria condição e o dominador domina
tanto que já nem precisa de estar muito presen-
te no processo de dominação, aquilo já está no
esquema mental do dominado.”
A ideia de que o colonialismo português foi
mais brando é veiculada desde o ensino básico.
Isso é “uma falácia”. “Como qualquer outro
sistema, o colonialismo português sub-huma-
O pai da procuradora Manuela Lopes Men- tinham educação e podiam ajudar a comuni- nizou, subalternizou e brutalizou pessoas em
des, investigadora na organização não-governa- dade”. Foi usado pela administração colonial, nome de uma ideia de superioridade; indepen-
mental Voz di Povo, foi tropa colonial, comba- como tantos, para servir de interface entre a dentemente das estratégias usadas, é mau. E
teu ao lado dos portugueses. “A família aceitou, administração colonial e o seu grupo étnico. é mau de tal maneira que tem influências nos
não houve retaliação; mas os que estiveram “Os balantas estavam, em grande parte, ao dias de hoje no nosso processo de desenvol-
ao lado dos portugueses eram considerados lado do PAIGC. Spínola apostava num outro vimento.”
traidores. Nunca questionei o meu pai por is- grupo étnico importante que eram os fula e Se é verdade que existiu interacção com os
so, nem me indignou porque foram tantos os manjaco para criar um contrapoder.” Isso indígenas, e mestiçagem por causa disso, isso
casos”, comenta. explica a abertura para que os fula tivessem não significa que o regime tenha sido menos
Manuela Lopes tem hoje a imagem do colo- acesso à educação, completa. O avô foi dos racista, defende Nelvina Barreto. Houve, sim,
nialismo como “o todo-poderoso”, que “chega primeiros a levar membros da comunidade a predominância de um tom paternalista, con-
junto de um povo, demonstra superioridade, muçulmana a Meca com apoio da adminis- sidera, “no sentido de que ‘estes coitadinhos

O colonialismo
tenta impor os seus valores e cultura — é a tração colonial portuguesa. não sabem pensar, não têm educação, não têm
imagem de um dominador”. “A Guiné-Bissau nada. Enquanto o colono francês e inglês tinha
era uma província ultramarina portuguesa, SER SUPERIOR, EVANGELIZAR uma percepção diferente: vamos dar condi-

português
até hoje temos leis portuguesas extensíveis” ções, escolas e etc., mas eles que fiquem con-
ao país. Nascido em 1978, António Spencer Embaló finados, sem haver interacção”.
Duvida de que o pai tenha tido uma visão ne- acha difícil alguém da sua geração ser pró-co- Portugal tem uma visão superficial e frag-
gativa do colonialismo, ao contrário dela, que lonialismo, mas na geração do pai isso, sim, mentada da sua história colonial e é necessá-

sub-humanizou vê traços de racismo — “o tratamento não era


igualitário”, define. “O racismo também pode
ser explicado em termos de aspectos económi-
acontece. O PAIGC fez promessas que não cum-
priu, o país anda politicamente às avessas. O
pai diz que é português e fala com saudosismo
rio perceber que teve políticas, intervenções
e vivências diferentes nas suas diferentes co-
lónias. “A tendência é para se pensar que foi

e brutalizou
cos e culturais; não é igual a mim, é um povo desse tempo em que havia uma certa disciplina. igual porque se fica na superfície. A coloniza-
inferior que tem uma cultura diferente.” “São frutos daquela época: nasceram portu- ção portuguesa não foi igual em todas as suas
O pai de Manuela Lopes não foi, de longe, gueses. Pode dizer-se que eram portugueses colónias. É isto que é necessário que Portugal

pessoas em
um caso raro. Idrissa Djalo, líder do Partido de de segunda, terceira ou de quinta, mas eram esteja disposto a compreender melhor.”
Unidade Nacional, é filho de um homem que portugueses.” O racismo português foi violento, conclui,
combateu contra os portugueses, mas neto de Na família havia quem fosse “muito pró- por seu lado, Augusta Henriques, mas “medir

nome de
outro que fazia parte do sistema colonial — e PAIGC” e quem fosse próximo dos portugue- intensidades de violência é uma calculadora
que viu todos os seus filhos lutarem pela in- ses, mas olha para o colonialismo como “algo que não existe”, afirma. “Sou fruto disso: o
dependência. preconceituoso e etnocêntrico.” Diz: “Tem por meu avô era português e um grande colono.
Esse avô foi dos que encontraram no sistema detrás uma ideia de superioridade racial. Em Levei um tempo a fazer trabalho comigo mes-

uma ideia de a realização pessoal, como muitos guineenses


na altura. Era um homem lúcido, descreve hoje
o neto, “sabia que o futuro era a independên-
determinado momento, [essa ideia] foi abso-
lutamente vincada: ‘Somos superiores e que-
remos mostrar como é que se faz, como é que
ma. Tenho poder suficiente para exercer essa
opressão. Portanto, é um desafio para cada
um de nós. O que nos dá o direito de oprimir

superioridade
cia”. “A mim dizia: o meu mundo é o mundo se veste, como é que se come, etc.’” o outro?”
colonial, o mundo dos meus filhos é o das in- Na sala de sua casa no Bairro da Ajuda está
dependências mas não tenho a certeza de que a figura de Amílcar Cabral em desenho. Tem Próxima reportagem em Janeiro:

Dautarin
o mundo deles vai ser melhor. Falámos muito também uma caricatura dele próprio, feita por Cabo Verde
daqueles que estavam do lado dos portugue- um grupo de jovens em Portugal. Cita o líder Esta série foi realizada em parceria com a
ses e sofreram — os fula e manjaco. As pessoas africano, que dizia que “o problema está no

da Costa
eram estigmatizadas como traidores da pátria. colono que nos retira liberdade cultural” e por
Porque a guerra foi também interna, entre uma isso defendia que “a nossa luta era fundamen-
parte da população ao lado do sistema colonial talmente uma luta cultural”, pela identidade.
e outra ao lado do PAIGC.” Spencer não tem dúvidas em classificar o
Com 53 anos, Idrissa Djalo lembra hoje que regime colonial como racista: “Se assim não
o avô foi “figura importante da comunidade fosse, não vejo porque privilegiar determinada Ver documentário em
tribal dos fulas porque era dos poucos que camada para se instruir em detrimento de ou- www.publico.pt/revista2

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