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PEDRA NEGRA

Segundo o itaunense e gene- famílias, todas unidas pelo san- Belmiro, as provisões eram dis-
alogista Guaracy de Castro No- gue partilhado e por vestígios tê- tribuídas de acordo com as ne-
gueira, na margem esquerda do nues da sua herança africana. O cessidades individuais de cada
rio São João, adjacente à vila da mais velho deles era Belmiro, membro da comunidade, garan-
Beira do Rio, no município de que ocupava o estimado cargo tindo a sua sobrevivência cole-
Itaúna/MG, estendia-se uma sig- de patriarca, respeitado por to- tiva. Os habitantes desta comu-
nificativa extensão de terreno dos. O genealogista ressalta que nidade tinham interação mínima
cultivado, delimitada por um o patriarca revelou várias histó- com a cidade; eles eram quase
“antigo muro de pedras”. rias de outros antepassados da totalmente autossuficientes. En-
Este local abrigou a família mesma linhagem que outrora volvidos em atividades como
Rodrigues, remanescente de habitaram esta mesma terra, agricultura, colheita e tecela-
quilombo, constituída inteira- embora as suas identidades per- gem, não tinham interesse em
mente por afrodescendentes. As manecessem envoltas em misté- documentos de propriedade ou
visitas a este local revelaram rio. dinheiro. Em vez disso, o seu de-
algo verdadeiramente extraordi- sejo era encontrar uma nova
A própria terra ostentava
nário para a nossa região em terra onde pudessem manter o
solo fértil e água abundante, re-
meados do século XX. Neste re- seu modo de vida atual.
sultando em colheitas variadas.
fúgio isolado residiam várias Sob a sábia liderança do velho

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constataram de que a terra em
si não era tão fértil como espe-
ravam. Consequentemente, to-
maram a decisão de vender suas
propriedades. Inicialmente,
aqueles que procuravam um re-
tiro à beira do lago eram os prin-
cipais compradores. Infeliz-
mente, a cidade não se mostrou
benéfica para muitos deles e
apenas alguns fizeram algum
progresso significativo.
Às vezes, ainda segundo Gua-
racy, recebia mensagens solici-
tando transporte de barco para
levar Belmiro ao hospital, pois
foi um amigo fiel até sua morte.
A companheira de Belmiro,
Dona Conceição, também fale-
ceu na cidade após viver uma
vida marcante e longa ao lado
do patriarca.
O historiador ainda ressalta
que as histórias de todos aque-
les habitantes permaneceram
intacta em suas memórias, in-
cluindo Joaquim Rodrigues (vi-
úvo), João Rodrigues casado
com Mercês Maria Rodrigues;
Guaracy, em seu caráter in- Em certas ocasiões, o histori- Marinho Rodrigues c/c Maria
formativo, revela que obteve ador atravessava o lago de Severina de Jesus; Francisco Ro-
com sucesso autorização de di- barco, acompanhado de alguns drigues c/c Vicentina Rodrigues
versas empresas e procedeu à amigos, e comemorava com “fo- de Paula; José Rodrigues c/c Ma-
compra do restante da Fazenda guetes, bebidas e biscoitos” ria Alves Rodrigues; Divino Ro-
do João Alves de Morais (vulgo junto com os quilombolas. Estas drigues c/c Raimunda Vieira Ro-
João do Aarão). Neste terreno confraternizações festivas pro- drigues, bem como outros indi-
foram construídas seis casas, longavam-se até altas horas da víduos ainda menores de idade.
cada uma com sua área cercada manhã, com danças animadas
Destaca que se tratava de
e escritura oficial. Além disso, foi no terreiro ao ritmo da cabeci-
pessoas de bom caráter, honra-
proporcionado a eles acesso à nha de égua, acompanhadas pe-
dos, humildes, indiferentes às
água, garantindo que tivessem los sons melodiosos dos oito
agruras da vida, exemplificando
tudo o que desejavam. Como contrabaixos de Vicente Ven-
a natureza pacífica e vida dinâ-
gesto de compensação, cada ca- tura.
mica daqueles verdadeiros qui-
sal também recebeu Cr$
Os indivíduos expressaram lombolas.
10.0000,00 (dez mil cruzeiros)
profunda gratidão, no entanto,
em 26 de janeiro de 1956.

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HIPÓTESE
Após realizar uma breve investigação sobre o líder quilombola Belmiro, estou confiante de que
as informações que encontrei estão alinhadas com as conclusões do pesquisador Guaracy. Para
verificar ainda mais a veracidade, seria necessário o acesso às escrituras de terra daquela época.
Com base nos documentos que examinei posso fornecer os seguintes dados: o nome completo
do patriarca era Belmiro Severino Rodrigues, natural de Itaúna. Faleceu em 17 de abril de 1968,
aos 78 anos, no dia seguinte foi sepultado no Cemitério Central do município de Itaúna. O registro
de óbito o categoriza como filho de Carlota de tal, o que é bastante intrigante. Vale ressaltar que
o nascimento de Belmiro ocorreu por volta de 1890, período pós-abolição. A partir disto, pode-
se razoavelmente presumir que a sua mãe provavelmente tinha sido escravizada antes deste ato
significativo de mobilização.

Referências:

Pesquisa e organização: Charles Aquino - Historiador Registro Profissional nº 343/MG

Fonte Impressa: NOGUEIRA, Guaracy de Castro. In Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna em deta-
lhes. Ed. Jornal Folha do Povo, 2003, fascículo 34.

Imagem Ilustrativa: Autor Johann Moritz Rugendas, Escravidão, Habitation de négres, 1827. Brasiliana
Iconográfica, Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil. Coleção Brasiliana/Fundação Estudar.
Doação da Fundação Estudar, 2007. Disponível em: https://www.brasilianaiconogra-
fica.art.br/obras/19497/habitation-de-negres

Imagem Ilustrativa: Victor Frond, Escravidão, Négresse de la roca, Acervo: Coleção Brasiliana Itaú, 1861.
Disponível em: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/18406/negresse-de-la-roca

Cemitérios Municipais: Prefeitura Municipal de Itaúna. Registro de óbito. Disponível em:


https://www.itauna.mg.gov.br/portal/cemiterios/7207/

Certidão de óbito MG Cidadão: Disponível em: https://cidadao.mg.gov.br/#/login

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PEDRA NEGRA
HISTÓRIA & MEMÓRIA

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