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ITAÚNA DÉCADAS

Fora da escola, era muito presente nos versos que


procurada para aulas parti- escreveu, em 1934, sobre
culares, sobretudo de por- a demolição da antiga Ma-
tuguês. Possuía algum dom triz de Sant’Ana de Itaúna.
para a música. Tocava ban- Eis a duas últimas estrofes:
dolim. Em religião, era “Espelho da vida! Imagem
adepta do espiritismo Kar- de minha alma, sem santo,
decista. Participava com sem sino, sem altar ...”
convicção das atividades fi-
Retribuindo um cartão ao
lantrópicas e religiosas do
professor Márcio Auril, ela
seu Centro Espirita. Mas
terminava assim: “Sua ve-
não era sectária, nem pro-
lha e desiludida amiga,
selitista. Respeitava as opi-
Nise”
niões diferentes da sua.
E acostumava visitá-la.
Desde cedo manifestou
Aproximava - se o Natal e
dotes literários. Seu irmão,
lembrei-me de que era
José Maria Álvares da Silva
preciso ir vê-la. Mas antes
Nise Álvares da Silva Campos nasceu Campos, farmacêutico, era
disso recebi a notícia de
em Itapecerica (MG), aos 6 de se- também poeta. Muito
sua partida. Faleceu aos
tembro de 1907. Seus pais foram nova ainda, Nise escreveu
18 de dezembro, depois de
Inácio Álvares da Silva Campos, suas primeiras composi-
uma longa e penosa enfer-
membro da Guarda Nacional do Im- ções poéticas. Em seus es-
midade, que suportou
pério, e Dona Luíza Álvares da Silva critos sempre transparecia
com resignação estoica.
Contagem. um espírito muito humano
meditativo e uma certa Itaúna perdeu, nos derra-
Fez o curso primário na cidade de melancolia. Colaborou em deiros dias de 1987, uma
Pompéu e veio prosseguir os estu- diversos jornais itaunen- figura de valor. A profes-
dos na famosa Escola Normal de Ita- ses. sora e escritora Nise Cam-
úna. Integrou a primeira turma de pos era uma personali-
professoras aqui formadas, em Por ocasião da morte de
dade cativante, pela ri-
1925. O quadro, com os retratos das Cotinha, uma pobre louca
queza interior que possuía
quatorze formandas, encontra-se que andava pelas ruas,
e manifestava com simpli-
no Colégio Estadual. Nise publicou uma crônica
cidade. Morreu esquecida.
que bem representa o seu
A jovem voltou a Pompéu, onde co- Seus escritos permanecem
estilo. Tenho como seu
meçou a lecionar, mas retornou a dispersos.
mais belo poema a “Ode
Itaúna, em 1930, ano em que a Es- ao Tempo”.
cola Normal foi oficializada. Aqui
exerceu o magistério até a aposen- Às vezes, aparecia uma ou-
tadoria no Grupo Escolar José Gon- tra face do seu espírito:
çalves de Melo. Ficou conhecida uma moderada crença re-
pela sua competência e dedicação. ligiosa. Este ceticismo está
ITAÚNA DÉCADAS
Nise Álvares da Silva Cam- conhecida como Carola, Ele destaca que durante
pos, mais conhecida como que ocupava cargo na Es- uma época em que preva-
Nise Campos, foi trineta cola Normal, hoje Escola leciam os preconceitos so-
de Joaquina Bernarda da Estadual de Itaúna e Nise ciais em torno das afilia-
Silva de Abreu Castelo Campos que seguiu car- ções religiosas, as irmãs
Branco Souto Mayor de reira como professora e inspiravam grande res-
Oliveira Campos ou tam- escritora, enquanto Jan- peito e admiração. O con-
bém conhecida como dira trabalhava na agência ceito de ecumenismo,
Dona Joaquina do Pom- do correio local. ainda não era abraçado
péu. naquela época, mas
No início da década de 60,
mesmo assim elas foram
Segundo pesquisas genea- as irmãs Campos se uni-
aceitas e respeitadas na
lógicas dos historiadores ram com o propósito de se
comunidade de Itaúna —
Coriolano e Jacinto regis- aprofundar nos ensina-
“chegaram, viram e vence-
tradas na obra “Dona Joa- mentos do Evangelho Se-
ram”.
quina do Pompéu” de gundo o Espiritismo. As-
1956, Nise Campos teve sim, em 8 de julho de Em 1965, através da Lei
mais de nove irmãos — o 1963, na residência da rua Municipal de nº 775, a
farmacêutico José Maria Melo Viana, centro da ci- Professora Nise Campos
Álvares da Silva Campos dade, Ferdinando Suppa, foi agraciada com o título
(1888-1975), a professora Jandira Campos e Nise de Cidadania Honorária
Maria José Álvares da Silva Campos realizaram “a pri- em Itaúna — O Povo do
Campos (1890), Maria Ca- meira reunião de preces” Município de Itaúna, por
rolina Álvares da Silva registrado em ata oficial seus representantes, de-
Campos (1892-1977), José em 14 de setembro de creta e eu, em seu nome,
Luís Álvares da Silva Cam- 1964 a criação do GEFA – sanciono a seguinte Lei:
pos (1894), o tabelião Raul Grupo Espírita Francisco Art. 1º Concede o título de
Álvares da Silva Campos de Assis – no município de cidadã honorária de Ita-
(1895-1949), Martinho Ál- Itaúna/MG. úna à professora aposen-
vares da Silva Contagem tada Nise Álvares da Silva
Segundo o historiador
(1897-1956), Iara Álvares Campos, de acordo com a
Guaracy de Castro No-
da Silva Campos (1902), Lei Municipal que regula a
gueira, relata que foi uma
Jupira Álvares da Silva Bi- matéria. Prefeitura Muni-
imensa honra e privilégio
calho (1905) e Jandira Ál- cipal de Itaúna, 6 de de-
ter a oportunidade de con-
vares da Silva Campos zembro de 1965 — pelo
viver com as irmãs Cam-
(1910-1991). Prefeito Municipal Milton
pos que se dedicaram de
de Oliveira Penido.
Desses dez irmãos, três ir- todo o coração a esta
mãs se estabeleceram em crença religiosa específica.
Itaúna. Uma delas foi Ma-
ria Carolina, também
ITAÚNA DÉCADAS
ONDE AO TEMPO
1933

Eu te saúdo, tempo amigo,


Pelo teu poder e pela tua força!
És tão velho, tão velhinho,
Que eu não te sei contar os anos! ...
E a tua energia é sempre moça,
Desafiando as potências do Universo!
O teu domínio, amigo, é forte e inquebrantável!
Pois que é o único rei a que o homem não venceu!
Deus te pôs como sentinela ao mundo,
Sentinela que corre, que voa e que castiga...
Sob a tua força, tudo passa e tudo morre...
E, indiferente, vais vivendo e vais passando...
Não te retêm nem o sorriso, nem a graça...
Nada te comove: nem a dor, nem o pranto...
Coração, si o tens, amigo, ele é de pedra!
Nise escreveu esta peça em 1 de janeiro de
E, si alma tens, ó tempo, ela é de fogo!
1933, época em que o País era varrido pela
Mas espera! Para, um instante só! moda modernista, vinda da Semana de Arte
Moderna, com Mário e Oswaldo de Andrade.
Não te cansaste ainda de correr e de voar? Nise foi madrinha de uma récita poética em
1981. Nesta obra, ela faz uma saudação ao
Ouve, ó tempo, o que minha alma fala! tempo, a quem coloca como “o único rei que o
homem não venceu”, ressaltando a irreversibi-
Espera para ouvir-me, porque te chamo amigo...
lidade do envelhecer. De sua farta obra, român-
Eu quero te dizer baixinho alguma coisa tica e basicamente só em prosa poética, Nise
destacou, para um compêndio de trabalhos
Um minuto só! Espera, que eu te digo! ... seus, que juntou aos de escritores de renome
nacional e internacional, como Guilherme de
Assim eu rogo todo ano ao tempo, Almeida e Cruz e Souza, entre outros, o belís-
simo “Ode ao Tempo”
Mas ele nunca parou para me escutar...
Vou andando e vou correndo para ver si o alcanço
E é ele mesmo que um dia há de me fazer parar!
ITAÚNA DÉCADAS
FELICIDADE
1934

Vem, Felicidade! Vem de leve

Cariciar-me com tuas mãos macias...

É Primavera. Vem, Felicidade!

Em meu jardim já se abriram rosas.

O céu distante se vestiu de azul.

Felicidade, pode vir devagarinho.

As manhãs são frias em sua luz tão doce!

As aves cantam nos seus ninhos

E dos ninhos voam só canções de amor...

E, em torno delas, os colibris adejam...

Anda, Felicidade, vem ver a festa

Que a natureza ostenta: — há prata no orvalho,


Nise Campos em Pitangui/MG
Cristal na fonte, ouro novo nos ocasos há... Sexta-feira da Paixão 1930

Em minha alma, só pranto e cisma

E, fora jorram turbilhões de luz!

Vem. Não tenhas medo, Felicidade...


ITAÚNA DÉCADAS
1934

Pobre matriz, velha e abandonada!


Sem santo, sem sino, sem altar ...

Imagem viva das cousas mortas ...

Que vontade tenho de ainda aí rezar ...

A vossas torres, que para o azul subiram,

Parecem dormir e querem sonhar ...

Foram-se os sinos .... As andorinhas foram ...

Mas a saudade ficou. Só saudade! ...

Ruína! Tapera! Aniquilamento!

Velhice santa, que se deve amar!

Espelho da vida! Imagem da minha alma,

Sem santo, sem sino, sem altar ...


ITAÚNA DÉCADAS
Itaunense, Mineiro, Gente do Brasil inteiro.
Integrem-se na campanha do verde, movimento de redenção.
O verde é a vida da terra, como a esperança é a vida do coração.
Para fazer o bem, o homem movimenta-se, anda, fala, luta,
O mesmo faz para praticar o mal,
Pois o Homem pode ser anjo ou ser chacal. EXALTAÇÃO À ÁRVORE
A árvores não. Ereta, firme, presa ao solo, 1986
É da terra laboratório de oxigênio, de água e luz.
Parece até que a primeira árvore foi aqui plantada
Pelas mãos augustas de Jesus.
Quando se rebela, o Homem se transforma em animal
ou fera. A árvore não.
Quando se enfurece, ela até parece de Deus sentinela.
E como é sublime! E como é bela, varrendo o céu,
Espanando o espaço, sanando a atmosfera! ...
Ela embala o berço dos passarinhos
Que se aconchegam felizes em seus ninhos.
Ensinando ao Homem a beleza do lar,
Pois quando vem o entardecer,
Ou quando o sol torna a sair,
Eles cantam a alegria de viver.
Quando ela tomba, ao golpe do machado,
É ainda um gênio alado
Que acende a lareira e nos dá calor.
Para enfeitar a casa, lar do nosso amor ...
Caesalpinea Ferrea plantada em
Amemo-la. Plantemo-la em profusão,
1935 pelo prefeito Arthur Contagem
Porque ela é a vida e da terra o pulmão. Vilaça e preservada pelos motoristas
do estacionamento de taxi. Prefeitura
E no fim de nossos dias Municipal de Itaúna e Lions Clube.
Ela nos agasalha o corpo num gesto de perdão.
ITAÚNA DÉCADAS
Aniversário Nise Campos
06 de setembro de 1980 – 73 anos

Sábado dia 5, transcorreu num ambiente saudável o aniversário da poetisa Nise Campos.
A partir das 16 até 20 horas estiveram presentes Lauro de Faria matos, Francisquinho e
seu violão, Antônio exímio violinista de Pará de Minas e, como cantora, Dona Maria
Helena.

Variados números foram executados pelos instrumentistas e Maria Helena cantou lindas
canções, numa manifestação espontânea dos presentes à aniversariante. Os olhos da po-
etisa e ilustre professora Nise Campos marejaram de lágrimas da sua indivisível alegria,
emoções e preciosas reminiscências. A pedido, foram apresentados dois números de po-
esias do Lauro, tendo a aniversariante recitado também uma das lindas composições
poéticas.

Francisquinho leu seu acróstico dedicado a aniversariante. Esperamos, com ajuda de


Deus, que no próximo ano, Nise Campos, esteja bem forte e disposta, para outra passa-
gem natalícia, porque Itaúna muito lhe deve por tantos anos de magistério. Sua grande
bagagem cultural serviu muitos itaunenses, em diversos concursos, vestibulares, visando
somente praticar o bem, sem interesse pecuniário. Felicidades Dona Nise!

Cosme Silva
ITAÚNA DÉCADAS
CIDADÃ HONORÁRIA

LEI Nº 775, 06 DE DEZEMBRO DE 1965


O Povo do Município de Itaúna, por seus representantes, decreta e eu, em seu nome,
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Concede o título de cidadã honorária de Itaúna à professora aposentada Nise
Álvares da Silva Campos, de acordo com a Lei Municipal que regula a matéria.
Art. 2º Revogadas as disposições em contrário, esta Lei entrará em vigor, na data de
sua publicação.
Mando, portanto, a todas autoridades, a quem o conhecimento desta Lei pertencer,
que a cumpram e a façam cumprir tão inteiramente como nela se contém e declara.

Prefeitura Municipal de Itaúna, 06 de dezembro de 1965


Milton de Oliveira Penido — Prefeito Municipal
ITAÚNA DÉCADAS
BATISMO NISE CAMPOS

SÃO BENTO DO TAMANDUÁ - MINAS GERAES, 6 DE SETEMBRO DE 1907

REGISTRO DE BATISMO

ITAPECERICA/ MG

NISE
“Aos vinte e oito de Janeiro de mil novecentos e oito, na Matriz de Tamanduá, baptisei
solenemente a NISE, nascida a seis de septembro do anno passado, filha de Ignacio Al-
vares da Silva Campos e Luisa Alvares da Silva Contagem, padrinhos José Maria Álvares
da Silva Campos e Maria Carolina Ferreira da Silva. Padre Herculano Francisco da
Silva Paz. Aos trinta de Janeiro de mil novecentos e oito na Matriz.”
ITAÚNA DÉCADAS
AS VELHINHAS DO ASILO DE PITANGUI
1962
A tarde vem descendo sobre a cidade num suave encanta-
mento. Parece nascer de suas serras mistério desta hora. A
alma emotiva e vibrante dos sinos derrama uma saudade triste
no coração dos morros. As velhinhas do asilo rezam a oração
da tarde ...

As suas mãos cansadas e trêmulas, aquelas mãos afeitas ao tra-


balho rude, mal seguram os rosários de contas grandes. Aque-
las vozes, que já acalentaram tantos sonos, nas cantigas tristes
de motivos afro-brasileiros, parecem vir de longe, das brumas
do passado...

Nos seus olhos, que a neblina do tempo vela, dançam sobras


de dor e saudade... Descansam aqueles braços na recordação dos berços que embalaram
...

Rezem as velhinhas do Asilo a sua oração da tarde. Rezem e sonham ... Só agora podem
sentir a emoção dos dias que viveram ... Aqueles longos dias que eram seus ...

Sentem livres o pensamento e o coração, agora que lhes faltam asas para a liberdade.
Quanta doçura naqueles olhos que voltam longe no tempo e no espaço, onde só antigas
visões podem vislumbrar! ...

E as paredes brancas da capela amiga vão se afastando e desaparecem ... Abre-se, lenta-
mente, o largo cenário.

O EITO... O FEITOR... A SENZALA... A CASA GRANDE... Ave, Maria, cheia de


graça... Surgem, vagarosamente muito brancas, as paredes da capela. É o presente que
volta. Caem lágrimas daqueles olhos tristes. Saudades? ... Bela e santa abnegação.

Beijo vos, em espirito, as mãos, doces velhinhas ... dedicadas mães pretas de meus pais e
avôs. Na missão que cumpriste, fizestes mais do que manda a divina lei: Amastes o pró-
ximo mais do que a vós mesmas! ...
ITAÚNA DÉCADAS

SANT’ANNA
1934

Corre o São João, ao longe, preguiçosamente, A alma se levanta com o fragor das má-
quinas.
Talvez as suas tradições cantando ...
E o espírito dorme no fervor da prece!
Como soberano, corta a várzea ao meio
Olho o poente, onde a cor deslumbra,
E segue o seu caminho ...
Irisando o céu onde as nuvens erram...
— Que será que esse rio pensa?
Rogam numa saudade as águas do rio...
— Nem um pescador na praia! ...
E Itaúna dorme como Sant’Anna Velha...
— Nem uma morena a lavar cantando! ...
Deixemos que ele chore a Sant’alma antiga,
Pois que o eco do progresso nos acorda ...
Canta a indústria e o comércio canta...
E a alma vibra longe do rio ...
Itaúna vive à luz de um claro sol,
Que ilumina a escola e a oficina aquece...
ITAÚNA DÉCADAS
Referências:

Organização, arte e pesquisa: Charles Aquino - Historiador Registro Nº343/MG

Acervo: Professor Marco Elísio Chaves Coutinho (In Memoriam), Instituto Cultural Ma-
ria de Castro Nogueira, Charles Aquino, Lindomar Batista Lage, Prefeitura Municipal de
Itaúna, Shorpy e redes sociais.

Batismo Nise Campos: https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:939N-D94M-


Z?cc=2177275&wc=M5F8-SPX%3A370095701%2C370095702%2C370421401

Colaboradora: Lindomar Batista Lage e Cláudia Lage

Entrevista com, Guaracy de Castro Nogueira - GEFA ITAÚNA - História Espiritismo em


Itaúna Documentário. Produção Naron Tabajara. Disponível em: https://www.you-
tube.com/watch?v=76eDyPLJG8A&t=497s

Fotografia: Benevides Garcia (In Memoriam)

Grupo Espírita Francisco de Assis – GEFA. Disponível em: https://gefaitauna.net/site/so-


bre/

Jornal Brexó. 1988, p.2 Itaúna, J.R. Bachelaine. Acervo: Instituto Cultural Maria de Cas-
tro Nogueira.

Jornal Diário do Oeste, Divinópolis, nº 824, 1 de junho de 1962, p.13

Jornal Folha do Oeste, Itaúna 23/02/1980

Jornal Ita Vox, janeiro de 1987, p.7.

Poesias: Nise Álvares da Silva Campos (In Memoriam)

Textos: Professor Padre José Raimundo Batista Bechelaine, Charles Aquino

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