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BEPA

Boletim Epidemiológico Paulista


INFORME MENSAL SOBRE AGRAVOS À SAÚDE PÚBLICA ISSN 1806-4272
Ano 3 Número 26 fevereiro de 2006

Nesta Edição

Tratamento da Leishmaniose Tegumentar Americana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2


Treatment of American Tegumentary Leishmaniasis

Leishmaniose Visceral: situação atual e perspectivas futuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7


Visceral leishmaniasis: current situation and future perspectives

Violência: o estresse nosso de cada dia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12


Violence: our day to day stress

Distúrbios de voz relacionados ao trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16


Voice disorders related to work

Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Notes

Expediente
Maria Clara Gianna
Centro de Referência e
Treina
COORDENADORIA
DE CONTROLE
DE DOENÇAS
Polido Garcia
O Boletim Epidemiológico Paulista é uma Centro de Vigilância Epidemiológica
publicação mensal da Coordenadoria de Maria Cristina Megid
Controle de Doenças (CCD), Centro de Vigilância Sanitária
da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Carlos Adalberto
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Marcos Rosado – NIVE/CVE/CCD


Zilda Souza – NIVE/CVE/CCD

Coordenadoria de Controle de Doenças


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Artigo de revisão

Tratamento da Leishmaniose Tegumentar Americana


Treatment of American Tegumentary Leishmaniasis

Valdir Sabbaga Amato

Ambulatório de Leishmanioses da Divisão de Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitárias, do Hospital das Clínicas,
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

Resumo
A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é um importante problema de
saúde pública em vários países. No Brasil ocorrem cerca de 45.000 casos
anualmente. A LTA apresenta importante morbidade, especialmente na sua
forma mucosa, podendo ocasionar até mesmo risco de vida para o paciente. O
tratamento da LTA, em algumas situações, persiste como um desafio de alta
complexidade, seja para o clínico ou para o especialista, principalmente no
tocante aos indivíduos idosos portadores de co-morbidades como miocardiopa-
tias, nefropatias e diabetes mellitus, dificultando sobremaneira o manejo
terapêutico com as drogas atualmente disponíveis. A presente revisão tem,
pois, o intuito de deli-near a atual situação do tratamento da LTA, corroborando
assim para o correto manuseio das drogas utilizadas no seu tratamento.

Palavras-chave: Leishmaniose Tegumentar Americana; Leishmanioses,


Antimonial pentavalente; Anfotericina B desoxicolato; Isotionato de pentamidi-
na, Miltefosina; Anfotericina de dispersão coloidal; Anfotericina lipossomal.

Abstract
American Cutaneous Leishmania (LTA) is an important problem in public he-
alth in many different countries. In Brazil, approximately 45.000 cases occur per
year. This disease presents significant morbidity, especially when occurring in
mucosa form, and may even risk the patient's life. Treatment of LTA, in some
situations, remains as a highly complex challenge for the physician as well as for
the specialist, mainly when dealing with aging patients who also suffer from co-
morbidities such as miocardiopathy, nefropathy and diabetes mellitus, which
make therapeutic management increasingly harder, with the currently available
drugs. This review intends to trace the state of the art in treating LTA, concurring
to the adequate management of drugs employed in the treatment of this disease.

Key words: American Tegumentary Leishmaniasis; Leishmaniasis;


Pentavalent Antimonial; Deoxycholate amphotericin B; pentamidine isothionate;
Miltefosin; liposomal amphotericin B; amphotericin B colloidal dispersion.

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Antimoniais pentavalentes ! Monitoramento de toxicidade, contra-


indicações, eficácia e efeitos adversos
! Histórico e apresentação comercial Antes da utilização do antimonial, devem ser rea-
A Organização Mundial da Saúde e o Ministério lizados eletrocardiograma, dosagem sérica de uréia
da Saúde do Brasil recomendam para o tratamento e creatinina, enzimas hepáticas e leucograma.
da leishmaniose tegumentar americana (LTA) os an- Durante o tratamento, o eletrocar-diograma deve
timoniais pentavalentes como drogas de primeira ser realizado duas vezes por semana e os demais
13,14
escolha. Coube a um cientista brasileiro, Gaspar exames ao menos uma vez por semana .
Vianna, a vanguarda na utilização de um composto
Contra-indicações ao uso dos antimoniais, são:
antimonial, o tártaro emético, para o tratamento da
gestantes, portadores de cardiopatias, nefropatias
leishmaniose. A importância desta descoberta foi
viabilizar o tratamento da LTA, com repercussões e hepatopatias13. Quanto às nefropatias, deve ser
inclusive fora do Brasil. O primeiro antimônio penta- ressaltado que os antimoniais pentavalentes não
valente sintetizado foi o estibogluconato de sódio são dialisáveis, ocorrendo acúmulo em indivíduos
Pentostam®, em 1945; neste mesmo ano, ocorreu a com clearance de creatinina rebaixado e, portanto,
síntese de outro composto pentavalente, o antimo- podendo levar a arritmias graves.
niato de N-metil glucamina. As variações da eficácia terapêutica dos anti-
12
Atualmente, a apresentação do Glucantime® , monias pentavalentes na LTA podem ser conse-
antimonial utilizado no Brasil, é em frascos de 5ml, qüência de: diferentes esquemas posológicos
contendo 81 mg de Sbv (antimônio pentavalente) por utilizados nos diversos estudos; resultados tera-
ml. A dose para tratamento deve ser calculada base- pêuticos não homogêneos em diferentes regiões
ando-se no conteúdo de Sbv em cada ampola, nunca geográficas e falta de padronização do conteúdo
ultrapassando a dose de três ampolas/dia, ou seja, de Sbv em cada lote do antimoniato de N-metil glu-
15ml/dia. 18
camina . Outros fatores relacionados à eficácia
terapêutica dos antimonias pentavalentes esta-
! Mecanismo de ação riam relacionados ao agente causal e à imunidade
Os antimoniais pentavalentes parecem atuar no do hospedeiro10.
mecanismo bioenergético das formas amastigotas A terapia com os antimoniais pode apresentar
da leishmânia, por meio de glicólise e beta- 17
falha, na forma cutânea , especialmente na forma
oxidação, que ocorrem nas organelas denominadas mucosa. Embora os estudos não possam ser
glicossomas. Outro mecanismo aventado é o de absolutamente comparáveis, devido a diferentes
ligação com sítios sulfidrílicos, deflagrando a morte esquemas posológicos utilizados, insucesso
4
destes protozoários . terapêutico ou recidivas podem ocorrer com estes
medicamentos na LTA15.
! Posologia e vias de administração13, 14 Em caso de falha terapêutica ao antimonial
As recomendações terapêuticas para o tratamen- usado isoladamente, foi demonstrado que a
to da LTA, segundo o Ministério da Saúde, são: associação com um inibidor do fator de necrose
- Lesões cutâneas localizadas e disseminadas: tumoral, a pentoxifilina, pode produzir bons
v
15mg/Sb /kg/dia, durante 20 dias seguidos. resultados. A posologia nestes casos é de
v
- Na forma cutânea difusa, embora as recidivas 20mg/Sb /kg/dia de antimônio pentavalente com
sejam invariavelmente freqüentes, a dose é de 400mg de pentoxifilina três vezes ao dia, por
v 11
20mg/Sb /kg/dia, durante 20 dias seguidos. 30 dias .
- Lesões mucosas, 20 mg/Sbv/kg/dia, durante 30 Os efeitos adversos dos antimoniais são13,14: artral-
dias seguidos. gia, mialgia, náusea, vômito, cefaléia, anorexia, au-
- A aplicação dos antimoniais deve ser por via intra- mento de transaminases, fosfatase alcalina, lípase e
muscular (IM) ou endovenosa. A aplicação IM deve amilase, leucopenia, alargamento do intervalo QT e
ser em região glútea e pode haver dor local. supra ou infra-desnivelamento do segmento ST.
- Por via endovenosa, a aplicação deve ser com Outros efeitos colaterais menos freqüentes são: au-
agulha fina, lentamente (duração de 5 minutos), e mento de uréia e creatinina, arritmia cardíaca, morte
sem diluição. súbita e herpes zoster.

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Drogas de segunda escolha ! Pentamidina
7 Histórico e apresentação comercial
! Anfotericina B desoxicolato A pentamidina é considerada droga de segunda
7 Histórico escolha para o tratamento da LTA.
23,24
Os primeiros relatos da eficiência da anfotericina B Em 1952, Orsini e Silva obtiveram sucesso tera-
no tratamento da LTA foram de Lacaz e Sampaio21,22, no pêutico no tratamento da alguns casos da forma cutâ-
final da década de 1950 e início dos anos 1960. nea de LTA. Trabalhos posteriores na década de 1980 e
Posteriormente, outros estudos analisaram a utilização início dos anos 1990 estimularam maiores estudos
da anfotericina B no tratamento da LTA, demonstrando para o tratamento de diversas formas de LTA16.
pequeno número de recidivas e melhor ação sobre as A pentamidina é comercializada sob a forma de
lesões mucosas em comparação aos antimoniais .
7 isotionato, em frascos que contêm 300 mg de droga.

7 Mecanismo de ação e administração 7 Mecanismo de ação e administração


A anfotericina B interage especificamente com o A pentamidina, provavelmente, age interferindo na
ergosterol, esteróide da membrana das leishmânias, síntese do DNA, alterando morfologicamente o cine-
causando aumento de permeabilidade e morte do toplasto e fragmentando a membrana mitocondrial8.
parasito5. A administração do isotionato de pentamidina
A anfotericina B é aplicada unicamente por via en- pode ser realizada por via endovenosa ou intramus-
dovenosa, diluída em soro glicosado 5% e infundida cular. Esta última pode causar abscesso muscular
em quatro horas. A concentração da droga na solução estéril. Nós administramos a pentamidina diluída
não deve exceder 0,1 mg/ml, para evitar flebite. No em 200 ml de soro glicosado a 10%, em infusão len-
intuito de prevenir os efeitos colaterais durante a infu- ta, com duração de duas horas (VS Amato: dados
são, pode-se utilizar hidrocortisona na dose de 25-50 não publicados).
mg, imediatamente antes da aplicação14.
7 Posologia13
7 Posologia13,14 - Forma cutânea: três até dez aplicações de 4
mg/kg/dia, em dias alternados.
Deve-se atingir as seguintes doses acumuladas de
anfotericina B desoxicolato para o tratamento da LTA: - Forma mucosa ou cutâneo-mucosa: três até dez
aplicações de 4 mg/kg/dia em, dias alternados.
- Formas cutâneas: 1 g
A toxicidade da pentamidina é relacionada à dose
- Forma mucosa e cutâneo-mucosa: 2,5 a 3 g
acumulada, de preferência não se deve aplicar doses
totais acima de 2g.
7 Contra-indicações e efeitos colaterais Na região Norte do Brasil, tem-se obtido sucesso no
- A anfotericina B desoxicolato é contra-indicada tratamento da forma cutânea, causada por Leishmania
em gestantes e em indivíduos com cardiopatias e (Viannia) guyanensis, com três aplicações de
nefropatias14. 4mg/kg/dia, em dias alternados, no total de 720mg13.
13,14
- Os efeitos colaterais são : febre, calafrios
cefaléia, hipocalemia, hipomagnesemia, anemia, 7 Contra-indicações e efeitos adversos13,14
leucopenia, flebite e nefrotoxidade. Efeitos As contra-indicações são: gravidez, diabetes, ne-
adversos raros são: arritmias e alterações do fropatias com insuficiência renal e cardiopatias. O
segmento ST e onda T. isotionato de pentamidina pode causar: náuseas,
vômitos, cefaléia, hipoglicemia, hipotensão durante a
7 Monitoramento de tratamento e considera- infusão, aumento de uréia e creatinina, síncope, dia-
ções sobre a eficácia betes, leucopenia pancreatite e alterações inespecífi-
cas do segmento ST e da onda T.
Deve-se dosar duas vezes por semana níveis séri-
cos de sódio, potássio, magnésio, uréia e creatinina,
além de realizar hemograma e eletrocardiograma14. 7 Monitoramento de tratamento e considera-
Desde os primeiros estudos utilizando a anfo- ções sobre a eficácia
tericina B, evidenciou-se sua grande utilidade no Durante a terapia com o isotionato de pentamidina
tratamento da LTA, especialmente nas formas muco- deve-se realizar duas vezes por semana: glicemia de
sas em que houve falha terapêutica aos antimoniais. jejum, creatinina, uréia e eletrocardiograma.

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Pacientes que receberam doses superiores a 1 g de- utilizando a miltefosina no tratamento da forma cutâ-
vem ter a glicemia monitorizada por seis meses após nea da doença resultaram em boa eficácia contra L
14
o término do tratamento . (V.) panamensis, mas para L (V.) braziliensis, não
20
A pentamidina é droga extremamente eficaz no tra- houve eficiência adequada . São necessários maio-
tamento da LTA, especialmente em lesões cutâneas, res estudos com esta medicação para verificar sua
cuja dose acumulada aparentemente não necessita eficiência em relação às espécies de leishmânias
ser tão expressiva. Esta droga pode ser eficaz na forma existentes no Brasil.
cutânea, seja causada por Leishmania (Viannia) brazi-
9
liensis ou por Leishmania (Viannia) gyuanensis . Critério de cura na LTA
13

Na forma mucosa ou cutâneo-mucosa o limite de Na forma cutânea da LTA o critério de cura é defi-
dose para evitar a toxicidade, especialmente pan- nido pelo aspecto clínico das lesões, reepitelização
creática, pode comprometer a eficácia do tratamento. das lesões ulceradas ou não ulceradas, regressão
Em nosso meio faltam estudos para comprovar que 2 total da infiltração e eritema até três meses após a
g de dose total de pentamidina seriam suficientes conclusão do esquema terapêutico. Na forma muco-
para o tratamento da leishmaniose mucosa. Doses sa, o controle é definido pela regressão de todos os
maiores de pentamidina, embora aumentem o risco sinais clínicos ao exame otorrinolaringológico, até
de toxicidade pancreática, evidenciaram em um estu- seis meses após a conclusão do tratamento. Senão
do expressivo sucesso terapêutico na forma mucosa houver cicatrização, no período de tempo estipula-
da LTA1. do para qualquer das duas formas de LTA descritas
acima, novo esquema terapêutico com antimônio
Outras alternativas terapêuticas pentavalente deve ser instituído. No caso de nova
falha terapêutica, droga de segunda escolha deve
ser utilizada.
! Formulações lipídicas da anfotericina B
Formulações lipídicas da anfotericina B (FLAB)
têm sido utilizadas esporadicamente no tratamento Referências bibliográficas
das formas cutâneas e mucosas da LTA, seja em pa- 1. Amato V, Amato J, Nicodemo A, Uip D, Amato-
cientes imunocompetentes ou com alguma forma de Neto V, Duarte M. Treatment of mucocutaneous
imunossupressão, incluindo indivíduos infectados leishmaniasis with pentamidine isothionate.
pelo vírus da imunodeficiência humana
2,3,6,19
. As FLAB Annales de Dermatologie et de Vénérélogie
têm apresentado resultados promissores, embora 125:492-495,1998.
estudos com maior casuística sejam necessários, 2. Amato VS, Nicodemo AC, Amato JG, Boulos M,
especialmente para se determinar a dose adequada Neto VA. Mucocutaneous leishmaniasis associa-
para cada forma de leishmaniose. A despeito da dose ted with HIV infection treated successfully with
por quilo de peso das FLAB não estar estabelecida liposomal amphotericin B (AmBisome) The
com precisão, utilizamos para a forma cutânea dose Journal of Antimicrobial Chemotherapy 2000;
total acumulada de 1,5 g da anfotericina B de disper- 46:341-342.
são coloidal, e 2 g para a forma mucosa e cutâneo- 3. Amato VS, Rabello A, Rotondo-Silva A, Kono A,
mucosa (VS Amato: dados não publicados). O em- Maldonado TPH, Alves IC et al. Successful treat-
prego das FLAB no tratamento da leishmaniose cons- ment of cutaneous leishmaniasis with lipid formu-
titui-se em alternativa terapêutica nos casos de falha lations of amphotericin B in two immunocompromi-
ou contra-indicações dos antimoniais, e medicações sed patients. Acta Tropica 92:127-132, 2004.
de segunda escolha. 4. Berman JD, Waddell D, Hanson BD.
Biochemical mechanisms of the antileishmanial
Miltefosina activity of sodium stibogluconate. Antimicrobial
A miltefosina foi a primeira droga de uso oral usada Agents and Chemotherapy 27:916-920, 1985.
no tratamento da Leishmaniose Visceral (LV). Na LV 5. Berman JD. Human leishmaniasis: clinical, diag-
causada por L. donovani, na Índia, os resultados fo- nostic and chemotherapeutic developments in the
ram bastante promissores. Os mecanismos de ação last 10 years. Clinical Infections Diseases 24: 684-
da miltefosina contra a leishmânia ainda não são bem 703, 1997.
entendidos. Sabe-se que esta droga é capaz de blo- 6. Brown M, Noursadeghi M, Boyle J, Davidson
quear a síntese e alterar a composição da membrana RN. Successful lipossomal amphotericin B
do parasita. Existem poucos efeitos adversos, tais treatment of Leishmania braziliensis cutaneous
como vômito e diarréia. Em relação à LTA, estudos leishmaniasis. The British Journal of

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15. Oliveira MRF, Macêdo VO, Carvalho M, Barral
A, Marotti JG, Bittencourt A, Abreu MVA, Orge MGO,

Correspondência/Correspondence:
Dr. Vadlir Sabbaga Amato – Divisão de Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitárias, do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP).
Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 4º andar – Cerqueira César, São Paulo-SP – CEP: 05403-010 – Tel: (11) 3069-6530 – Fax: (11) 3256-2389
valdirsa@netpoint.com.br

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Artigo de Revisão

Leishmaniose visceral: situação atual e perspectivas futuras


Visceral leishmaniasis: current situation and future perspectives

José Angelo Lauletta Lindoso1 e Hiro Goto2

1. Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da Universidade de São Paulo (LIM-HC/FMUSP) e Instituto de Infectologia
Emílio Ribas da Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP); 2. Instituto de Medicina Tropical de São Paulo-USP e
Departamento de Medicina Preventiva-FMUSP.

Resumo
A leishmaniose visceral ocorre em quatro continentes, em 65 países, atingin-
do principalmente as regiões tropicais e subtropicais; 90% dos casos ocorrem
na Índia, Sudão, Bangladesh, Nepal e Brasil. Alterações climáticas, fluxo popu-
lacional migratório, migração devido à fome e guerra e alteração do ecossiste-
ma causada pelo homem são importantes fatores de risco para ocorrência da
doença. O espectro de manifestação clínica varia desde a forma assintomática
até a doença plenamente manifesta, entretanto, em pacientes imunodeficientes
pode haver manifestações clínicas atípicas com comprometimento de órgãos
usualmente não afetados. O arsenal terapêutico, apesar de eficaz, é limitado.
As ferramentas atualmente utilizadas para inibir o avanço da leishmaniose vis-
ceral, quer seja atuando na eliminação dos hospedeiros domésticos, quer seja
na luta antivetorial, não têm se mostrado eficazes. Desta forma, a busca por
outros instrumentos tem sido a tônica nos últimos tempos, com avanços no cam-
po da vacina e, mais ainda, a busca por porções antigênicas do parasito capa-
zes de induzir resposta imunológica eficaz no hospedeiro. Apesar de todo esfor-
ço, a leishmaniose continua avançando, com modificações importantes na sua
epidemiologia, atingindo centros urbanos populosos, o que nos levar a pensar
numa adaptação do vetor a essas novas situações epidemiológicas. Diante do
cenário atual da LV é necessário inseri-la cada vez mais no campo da discussão
de saúde pública no Brasil e intensificar ações coletivas de combate ao avanço
da doença, minimizando os seus efeitos sobre a população mais carente e bus-
cando-se reduzir os efeitos danosos na economia de determinadas regiões.

Palavras-chave: Leishmaniose visceral; Tratamento; Vacina; Manifestação


clinica; Co-infecção.

Abstract
Visceral leishmaniasis (VL) is present in 65 countries, mainly in tropical and
subtropical region. The majority (90%) of VL occur in Bangladesh, India, Nepal,
Sudan and Brazil. Climatic alteration, massive migrations due war and misery
and environmental disorder caused by human being are risk factors to VL. The
are different clinical manifestation of VL, since assintomatic form until hepatos-
plenomegaly associated to fever, loss of weigh and anaemia, however it is possi-
ble presence of atypical manifestation in immunosupression patient with com-
promise of different organ, usually non affected. The therapeutic is limited and
the tools used to control of disease progression are not efficient. Nowadays, the
research to control of disease advancement is based on development of vacci-
nes; it found new epitopes from Leishmania that induce efficient immunological
response. Despite of efforts, VL is improvement, with important epidemiological
modification. Nowadays, the disease occurs in urbanization area. This fact can
be secondary to vector adaptation. Consequently Leishmaniasis is part of those

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diseases, which still requires improved control tools. The development of new
strategies to control of the VL, should reduce the effect at economy of poor popu-
lation and should produce significant results in priority areas.

Key words: Visceral Leishmaniasis; treatment, Vaccine; Clinical manifestation;


Co-infection.

Introdução em áreas consideradas livre da doença. Até os


A leishmaniose visceral (LV) é uma doença com anos 1990, a quase totalidade dos casos ocorria na
6
ampla distribuição mundial, atingindo principalmente região Nordeste do Brasil , entretanto, ao longo dos
as regiões tropicais e subtropicais, sendo que 90% dos anos, houve uma expansão para as regiões Norte,
casos humanos ocorrem na Índia, Sudão, Bangladesh, Sudeste e Centro-oeste.
Nepal e Brasil. Estima-se que 12 milhões de pessoas Na avaliação de uma série histórica de 1993 a
vivam em áreas de risco para leishmanioses, com 2003, observa-se a expansão da doença no País,
13
cerca de 500.000 casos novos/ano de LV . Podemos mantendo-se um número estável de casos no Nor-
considerá-la uma doença negligenciada, já que 80% deste e aumento em outras regiões, fato que
dos casos ocorrem em populações de baixa renda, que modificou o perfil de incidência (Figura 1). No ano de
sobrevive com menos de dois dólares por dia5. A LV é 2003, o percentual de casos no Nordeste foi de 58%,
transmitida ao homem por vetores flebotomíneos, enquanto na região Norte foi 15%, na Centro-oeste
sendo no Brasil a Lutzomyia longipalpis a principal de 7% e no Sudeste de 19%.
espécie transmissora. Três espécies de Leishmania Outra mudança que se observa é a urbanização
pertencentes ao complexo Leishmania donovani são de uma doença que antes ocorria basicamente em
causadoras de doença visceral no mundo, sendo que a zona rural, atingindo grandes centros urbanos, tais
Leishmania (L.) chagasi é a causadora da LV no Brasil8. como São Luís (MA), Teresina (PI), Fortaleza (CE),
Natal (RN) e, mais recentemente, Belo Horizonte
(MG), Palmas (TO), Campo Grande (MT), Araçatuba
Distribuição geográfica (SP) e Corumbá (MS) (fonte: SVS-MS-Brasil). No
No Brasil, a LV está presente em quatro das cinco Estado de São Paulo a LV foi reintroduzida a partir de
regiões, ocorrendo principalmente no Nordeste. No 1999, quando os primeiros casos humanos foram
entanto, nos últimos anos houve o reaparecimento notificados na cidade de Araçatuba. Atualmente, está
Norte
4500 Nordeste 500
Centro-Oeste
Sudeste
400

3000
300
Número de casos

Número de casos

200
1500

100

0 0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Fonte: MS/SVS; SES e Sinan, disponível em http://portal.saude.gov.br.

Figura 1. Série histórica de dez anos. Distribuição dos casos de leishmaniose visceral notificados, segundo região de ocorrência no Brasil.

Página 8 Coordenadoria de Controle de Doenças fevereiro de 2006


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presente em 24 municípios, obedecendo, Em pacientes imunossuprimidos e principalmente


principalmente, uma distribuição ao longo da rodovia quando associada à síndrome da imunodeficiência
Marechal Rondon (fonte: CVE-SES-SP). Analisando- adquirida, são descritas manifestações clínicas não
se uma série histórica de 1999 a 2005, no Estado de usuais, ocorrendo comprometimento de trato gastroin-
São Paulo, nota-se a expansão da doença, aumento testinal, pulmão e pleura. Porém, a tríade caracterizada
do número de casos e ainda mortalidade em média por pancitopenia, hepatomegalia e esplenomegalia é
1
de 10% ao longo dos anos (Figura 2). mais freqüente nestes pacientes . Na co-infecção
180
Leishmania/HIV a recidiva é mais freqüente e apresen-
ta maior letalidade. No Brasil, a urbanização da leish-
maniose visceral, assim como a ruralização da Aids,
120
poderá incrementar a co-infecção Leishmania/HIV, o
que poderá revelar manifestações clínicas atípicas da
leishmaniose visceral nessa população, como já visto
em outros países.
60

Tratamento
0 Apesar da LV ser conhecida há algum tempo, o
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 arsenal terapêutico é lmitado. As drogas utilizadas
Ano
para o tratamento da LV no Brasil são os antimoniais
Fonte: CVE/SES-SP, disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br. pentavalentes: antimoniato-N-metil glucamina e esti-
bogluconato de sódio e a anfotericina B, havendo três
Figura 2. Série histórica de 1999 a 2005. Distribuição dos casos de
leishmaniose visceral (LV) no Estado de São Paulo, segundo o
diferentes formulações para uso (desoxicolato de
número de casos, número de municípios com casos de LV e anfotericina B; anfotericina B de dispersão coloidal e
letalidade da doença. anfotericina B de dispersão lipossomal). O desenvol-
Diversos fatores contribuem para a expansão e vimento de novos fármacos eficazes contra
modificação das características epidemiológicas da Leishmania é perseguido ao longo dos anos.
LV. Situação esta que está intimamente relacionada Pentamidina é fármaco de segunda linha no trata-
ao fluxo migratório, com introdução de hospedeiros mento da LV, entretanto, devido ao potente efeito tóxi-
infectados onde já havia a presença do vetor, desma- co, seu uso é cada vez menos freqüente7.
tamento e alterações no ecossistema provocadas Recentemente, a miltefosina está sendo emprega-
pelo homem5. Outro fator intimamente relacionado da no tratamento do calazar indiano resistente aos
10,11,12
com o aparecimento da leishmaniose visceral é a antimoniais, com sucesso . No entanto, é mister
susceptibilidade do hospedeiro. Desnutrição, imu- que ensaios terapêuticos sejam realizados para ava-
nossupressão relacionada ao uso de drogas imunos- liar a eficácia da miltefosina no tratamento da leish-
supressoras e transplante de órgãos são condições maniose visceral no Brasil, devido ao fato de não se
que facilitam o desenvolvimento da doença, assim conhecer a efetividade sobre a espécie prevalente no
como a co-infecção com HIV ratificado pelo aumento nosso meio, que é Leishmania (L.) chagasi.
considerável nos casos humanos de leishmaniose Um ponto a considerar é a associação de drogas,
visceral associada à síndrome da imunodeficiência utilizando-se baixas doses de antimonal associado a
adquirida (Aids) nos países do Mediterrâneo (França, anfotericina B, o que poderia reduzir os efeitos adver-
Portugal, Itália e, principalmente, Espanha)1. sos das drogas utilizadas. Assim também é a utiliza-
ção, cada vez mais freqüente, de drogas sabidamen-
Manifestações clínicas te eficazes contra leishmaniose e que reduzem o tem-
po de tratamento da LV, bem como o tempo de inter-
A leishmaniose visceral é uma doença espectral, nação dos pacientes que assim requererem.
manifestando-se sob três formas clínicas distintas:
forma assintomática, forma oligossintomática e forma
2
clássica . No Sudão, na Etiópia e, principalmente, na Controle da leishmaniose visceral
Índia encontra-se, ainda, a leishmaniose dérmica O controle da transmissão da LV baseia-se em
pós-calazar, que se manifesta após a cura da doença ações que atuam no inseto vetor, no hospedeiro
com o tratamento e é caracterizada por lesões cutâ- vertebrado e no diagnóstico e tratamento precoces
neas com presença do parasito3. A forma clássica de dos casos humanos. A luta antivetorial é um dos
doença plenamente manifesta ocorre em todas as principais pilares, com aplicação de inseticidas e uso
faixas etárias; entretanto, em crianças pode ser co- de equipamentos de proteção individual (barreiras
mum a associação com infecções bacterianas. que empeçam o acesso de vetores, tais como redes)

fevereiro de 2006 Coordenadoria de Controle de Doenças Página 9


Boletim Epidemiológico Paulista ISSN 1806-4272 BEPA
em áreas com transmissão de LV. Outro ponto Ao longo dos anos nota-se que a LV está em
bastante explorado no controle da LV é a identificação franca expansão no Brasil, e isto é bem claro em São
de hospedeiros vertebrados (cães) doentes ou Paulo, desde a doença reinstalou-se no Estado. É
infectados e sua subseqüente eliminação. O diagnós- notório que a partir do momento em que a LV se
tico e tratamento precoce dos casos humanos fazem instalada numa região dificilmente consegue-se
parte do controle da doença com diminuição conside- erradicá-la. Isto é sustentado pela dificuldade em
3,5
rável da morbimortalidade . controlar os vetores, utilizando-se somente insetici-
em áreas com transmissão de LV. Outro ponto das disponíveis. Além disso, é imperioso o manejo
bastante explorado no controle da LV é a identificação adequado do solo, o que torna importante à participa-
de hospedeiros vertebrados (cães) doentes ou ção da comunidade dos locais onde ocorra caso
infectados e sua subseqüente eliminação. O diagnós- autóctone de LV. Também é necessária a avaliação
tico e tratamento precoce dos casos humanos fazem de possíveis outros vetores que poderiam ser poten-
parte do controle da doença com diminuição conside- ciais transmissores da Leishmania.
rável da morbimortalidade3,5. Além dos vetores, também contribui para dificultar
O desenvolvimento de estratégias, tanto no a erradicação o aparecimento de casos novos em
campo da terapêutica como no controle do vetor, e humanos, que às vezes depreende-se muito tempo
eliminação do hospedeiro doméstico, não tem se para o diagnóstico, aliado ao fato de poder haver
mostrado eficaz em conter a epidemia. Desta forma, casos em pacientes imunodeficentes, favorecendo o
a busca de novas ferramentas que contribuam de aparecimento de manifestações atípicas, dificultando
forma determinante e efetiva no combate às leishma- e retardando mais ainda o diagnóstico. É necessário
nioses é imprescindível. que tratemos a LV como doença atual e tragamos sua
importância para a esfera das discussões de doenças
As vacinas são uma das ferramentas utilizadas e
que causam impactos na saúde pública e impactos
almejadas no combate às várias doenças causadas
econômicos para o Brasil.
por patógenos infecciosos, inclusive contra leishmanio-
ses, que determine resposta imune protetora eficaz e
duradoura. Atualmente, não existe uma vacina eficaz Referências bibliográficas
contra leishmaniose visceral humana. Os resultados 1. Alvar J, Canavate C, Gutierrez-Solar B et al.
até o momento obtidos com a vacinação utilizando para- Leishmania and human immunodeficiency virus
sito bruto não demonstram eficácia esperada. A prote- coinfection: the first 10 years. Clin. Microbiol.
ção obtida com essas vacinas nas mais variadas for- Rev. 1997; 10 (2): 298-319.
mulações é muito baixa em relação ao que se espera
2. Badaro R, Jones T, Lorenço R et al. A
de uma resposta vacinal14,15. A busca por moléculas do
prospective study of visceral Leishmaniasis in an
parasito que sejam potencialmente imunogênicas e
endemic area of Brazil. J. Inf. Dis. 1986: 154: 639-
possam ser utilizadas na formulação de vacinas segu-
649.
ras e eficazes tem sido a tônica das pesquisas atuais.
Recentes avanços no desenvolvimento da vaci- 3. Berman JD. Human Leishmaniasis: clinical,
nas contra leishmaniose foram feitos no campo da diagnostic and chemotherapeutic developments in
biologia molecular, caracterização de possíveis the last 10 years. Clin. Infect. Dis. 1997; 24: 684-
703.
antígenos imunogênicos ou utilização de componen-
tes do inseto vetor ou, ainda, o uso de parasitos 4. Coler RN and Reed SG. Second-generation
atenuados4. Um dos problemas a ser considerado no vaccines against Leishmaniasis. Trends Parasitol
desenvolvimento de vacinas contra leishmaniose é o 2005; 21(5): 244-249.
fato de que as até hoje desenvolvidas, sejam as de 5. Desjeux P. Leishmaniasis: current situation and
parasitos vivos, mortos ou atenuados e ainda as new perspectives. Comparative Immunology,
frações antigênicas candidatas à vacina, são todas Microbiol. Infect. Dis. 2004; 27: 305318.
provenientes da forma promastigota, enquanto que a 6. Evans TG, Teixeira MJ, Mcauliffe IT et al.
amastigota é a causadora da patogenia no hospedei- Epidemiology of visceral Leishmaniasis
ro. Talvez este fato dificulte o desenvolvimento de in Northeast Brazilian. J. Inf. Dis. 1992; 166:
uma vacina protetora com estas últimas formas. 1124-1132.
7. Guerrin PJ, Olliaro P, Boelaert M et al. Visceral
Considerações finais Leishmaniasis: current status of control, diagnosis,
A LV é uma doença de notificação compulsória. and treatment, and a proposed research and
Porém, estima-se que ocorra subnotificação da development agenda. Lancet Infect. Dis. 2002; 2
doença, devido, principalmente, ao não reconheci (8): 494-501.

Página 10 Coordenadoria de Controle de Doenças fevereiro de 2006


BEPA ISSN 1806-4272 Boletim Epidemiológico Paulista

8. Lainson R, Shaw JJ. Evolution, classification 12. Singh S and Sivakumar R. Challenges and new
and geographical distribution. In: Peters W; Killick- discoveries in the treatment of Leishmaniasis. J
Kendrick R. The Leishmaniasis in biology and Infect Chemother 2004; 10 (6): 307-15.
medicine. Eds. London, Academic Press Inc., 1 13. World Heath Organization. Division of control
(cap.7): p.1-120, 1987. of tropical disease. Leishmaniasis control.
9. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Geographical distribution. 2005. WHO/CTD.
em Saúde. Departamento de Vigilância Disponível em: http://www.who.int/ctd/html/
Epidemiológica. Manual de vigilância e controle da leisgeo.html.
Leishmaniose Visceral. Brasília (DF) 2004. 14. Moddaber, F. Development of vaccines against
10. Murray HW. Treatment of visceral Leishmaniasis. Scand. J. Infect. Dis. 1990;
Leishmaniasis in 2004. Am J Trop Med Hyg. 76: 72-78.
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11. Rosenthal E and Marty P. Recent randomised, double-blind, controlled trial of a killed
understanding in the treatment of visceral L. major vaccine plus BCG against zoonotic
Leishmaniasis. J Postgrad. Med. 2003 49: cutaneous Leishmaniasis in Iran. Vaccine 1998;
61-82. 17: 466-472.

Correspondência/Correspondence
José Angelo Lauletta Lindoso – Instituto de Medicina Trpocal
Avenida Dr. Enéas Carvalho Aguiar, 500, Sala 3, 4º andar – Prédio II – CEP: 05403-000 – Telefone: (+55) 11 3865 2040 – Email: jlindoso@usp.br

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Artigo de Revisão

Violência: o estresse nosso de cada dia


Violence: our day to day stress

Vilma Pinheiro Gawryszewski


Grupo Técnico de Prevenção a Acidentes e Violência,
Centro de Vigilância Epidemiolágica “Professor Alexandre Vranjac”,
Coordenadoria de Controle de Doenças,
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – GTPAV/CVE/CCD/SES-SP

Resumo
Entre os diversos efeitos da violência na saúde das pessoas encontra-se o
estresse pós-traumático, que vem ganhando espaço na literatura científica in-
ternacional. A população que vive nas grandes cidades brasileiras é submetida
à situação de sensação de insegurança e violência crônicas. O presente artigo
tem como propósito apresentar e discutir o problema do estresse pós-
traumático do ponto de vista da saúde pública. Trata-se de um estudo de revi-
são bibliográfica, que procura levantar as principais definições e conceitos acer-
ca do tema. O estresse pode ser agudo ou crônico, dependendo do tempo em
que os sintomas iniciam ou duram, e os sintomas vão desde quadros leves até
mais intensos, podendo se resolver rapidamente ou demandar cuidados de
saúde. O tipo de reação pode variar de pessoa para pessoa. As reações podem
ser físicas, emocionais cognitivas e comportamentais. A sensação de insegu-
rança, medo e desesperança pode estar presente.

Palavras-chave: Violência; Estresse pós-traumático; Desastre.

Abstract
Among the many diverse effects of violence over people's health, there is
post traumatic stress, which is gaining space in the international scientific litera-
ture. People living in the large Brazilian cities is subjected to a feeling of chronic
insecurity and violence. This paper intends to present and to discuss the pro-
blem of post traumatic stress from the point of view of public health. This is a bi-
bliographical review study, designed to collect major definitions and concepts on
this subject. Stress may be acute or chronic, depending on the time during which
the symptoms start or last, and symptoms vary from light manifestations to more
intense forms; they may also solve themselves quickly or demand health care.
The type of reaction may vary from person to person. Reactions can be physical,
emotional, cognitive and behavioral. Feelings of insecurity, fear and hopeless-
ness may be present.

Key words: Violence; Post-traumatic stress disorder (PTSD); Disaster.

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Introdução Resultados e discussão


Nos últimos meses, as duas maiores cidades
brasileiras sofreram episódios marcantes de violên- As reações ao estresse
cia. Em novembro de 2005, pessoas que voltavam
Existem diferentes categorias de estresse, agudo
do seu trabalho, da escola ou simplesmente se-
ou crônico, dependendo do tempo em que os sinto-
guiam a rotina das próprias vidas foram cruelmente
mas se iniciam (podendo ser imediatos ao evento ou
incendiadas em um ônibus que circulava na Zona
aparecer depois de meses) ou duram. Também exis-
Norte da cidade do Rio de Janeiro, em uma área
tem diferentes níveis de estresse que vão desde qua-
considerada de menor poder aquisitivo. Cerca de
dros leves aos mais intensos. O tipo de reação pode
um mês depois, na antevéspera do Natal, uma bom-
variar de pessoa para pessoa. O quadro pode se re-
ba explodiu em uma rua comercial da cidade de São
solver rápida e espontaneamente ou ser mais difícil
Paulo, importante símbolo do comércio popular, por
de resolver, demandando serviços de saúde.
isso foco de atração de milhares de pessoas.
Ambos os atentados deixaram um saldo de mortos Inicialmente vamos discutir o estresse agudo,
(entre eles uma mãe com um filho de um ano nos que é a resposta imediata a um estímulo. O estresse
braços), feridos, forte indignação e uma população é uma resposta normal do ser humano, sendo uma
atônita e ainda mais assustada. preparação adaptativa para a ação do homem fren-
te à situação ameaçadora. Uma ameaça física ou
A construção de uma proposta de vigilância de aci-
psicológica produz reações fisiológicas no corpo,
dentes e violências para o Estado de São Paulo tem
envolvendo principalmente o sistema nervoso e
como propósito subsidiar políticas públicas para a pre-
endócrino. Quando estamos sob estresse há uma
venção e controle desses agravos. Mas é preciso co-
descarga de neurotransmissores, o coração e a
nhecer bem o problema para orientar as ações de con-
respiração aceleram, o sangue é “desviado” para o
trole. Por isso, o estabelecimento de um bom sistema
sistema músculo-esquelético, mudam a temperatu-
de informação é atividade prioritária. Desse modo, os
ra e a pressão sanguínea, a garganta fica seca, a
informes até agora divulgados pelo Grupo Técnico de
digestão pára e a visão melhora.
Prevenção de Acidentes e Violências, do Centro de
Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”, Este conjunto de reações prepara o corpo para a
órgão da Coordenadoria de Controle de Doenças fuga ou para a luta e são encontradas em todos os
(GTPAV/CVE/CCD), estiveram principalmente volta- animais. Considera-se que esta resposta foi muito
dos para a disseminação de dados epidemiológicos. A útil aos nossos ancestrais para sobreviver ao ata-
violência traduzida em números e taxas. que de animais perigosos (muito provavelmente
Porém, em muitas oportunidades, foi salientado para correr deles)1. Porém, na sociedade atual o
que o sofrimento humano determinado pelos aciden- que percebemos como perigo apresenta faces bas-
tes e violências é considerável, não podendo ser me- tante diferentes. Geralmente, apresentamos este
dido. Diante das circunstâncias que envolveram es- tipo de reação quando envolvidos em eventos como
tes episódios, considerou-se este momento oportuno um acidente de trânsito ou durante um assalto,
para abordar um tema que vem se tornando, cada vez por exemplo.
mais, uma preocupação entre os profissionais que
trabalham nesta área, que é o estresse pós- O que é um evento traumático?
traumático. O presente artigo tem como propósito Um evento ou uma série de eventos que cau-
apresentar e discutir o problema do estresse pós- sam moderadas ou intensas reações de estresse é
traumático do ponto de vista da saúde pública. chamado de evento traumático. O estresse pós-
traumático é caracterizado por sentimentos de
Metodologia terror, desesperança, por lesões ou ameaça de
Este artigo se caracteriza como um estudo de lesões graves. Eles afetam os sobreviventes, os
revisão bibliográfica. O material utilizado é composto familiares e até os profissionais de saúde neles
por documentos disponibilizados pela Organização envolvidos. Também podem afetar as pessoas que
Mundial de Saúde (OMS) e Centers for Diseases testemunham tais eventos, ao vivo ou pela televi-
Control and Prevention (CDC), de Atlanta (Estados são. As reações mais comuns estão relacionadas
Unidos). Foi priorizada a apresentação dos conceitos e no quadro abaixo. A literatura também registra a
definições. Deve ser ressaltado que estes conceitos e o ocorrência de sonhos e lembranças recorrentes
próprio tema ainda se encontram em construção. O do evento traumático, sensação de perda de con-
propósito é chamar atenção para um problema ainda trole sobre o presente e o futuro.
pouco discutido e reconhecido no Brasil, não se O estresse pós-traumático pode afetar as vítimas
pretendendo esgotar o assunto. de violência sexual, crimes violentos, seqüestros,

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acidente de trânsito e de avião, entre outros. Entre estressores? Sabe-se que o estresse crônico tende
os exemplos de eventos traumáticos sociais encon- a ter solução mais complexa, até porque submete o
trados na literatura estão os grandes acidentes, os organismo aos estímulos por longo tempo. Entre
2,3
desastres naturais, os ataques terroristas . estes efeitos pode ser citada a fadiga crônica, as
Pensando na realidade brasileira, entre estes exem- doenças coronarianas e a depressão6. Mas, o que
plos não poderia ser incluída uma noite de intenso fazemos para continuar tocando a vida como se
tiroteio em uma das favelas cariocas? tudo estivesse dentro da normalidade? Certamente
Por ser um tema novo, não foram encontrados esta resposta, se existe, não é fácil.
dados de prevalência para o nosso meio. Estima-se
que nos Estados Unidos mais de cinco milhões de A complexidade da violência
adultos com idades entre 18 e 54 anos tenham sofrido De fato, a violência é um fenômeno muito com-
da doença. Também se estima que cerca de 30% dos plexo. Não existe um único fator para explicar por
veteranos do Vietnam desenvolveram estresse pós- que uma pessoa e não outra se comporta de uma
traumático depois da guerra4, bem como os vetera- maneira violenta nem por que uma determinada co-
5
nos da Guerra do Golfo . As mulheres norte- munidade é afetada pela violência enquanto a comu-
americanas são duas vezes mais suscetíveis à doen- nidade vizinha não está afetada. A Organização
ça que os homens5. Mundial da Saúde considera que a violência decorre
da interação de vários fatores: individuais, familiares,
Respostas mais comuns aos eventos traumáticos3
7
sociais, culturais, econômicos e políticos .
Hoje, mais do que nunca, é preciso reconhecer e
Cognitivas Emocionais Físicas Comportamentais
transpor a profunda desigualdade existente na so-
• baixa • choque • náusea • desconfiança ciedade brasileira, para que possamos superar a
8
concentração • numbness • tontura • irritabilidade situação de violência a que estamos expostos .
• Porém, diante das circunstâncias que envolveram
confusão • depressão • problemas • conflitos com os chocantes episódios referidos no primeiro pará-
• desorientação • sensação de perda gastrointestinais amigos ou grafo deste artigo ou também os episódios de tiros
• indecisão • medo de ferir a si • taquicardia pessoas em massa em escolas norte-americanas (o mais
• pouca atenção próprio ou • tremores queridas famoso deles ocorreu em Columbine High School,
• perda de pessoas queridas • cefaléia • depressão uma pequena comunidade do Colorado, em 2000),
memória • sentimento de • ranger de dentes • silêncio é difícil acreditar que apenas diferenças sociais,
• dificuldade de nada • fadiga excessivo níveis de pobreza e outras explicações exclusiva-
tomar • sentimento de • insônia • humor mente socioeconômicas sejam suficientes para
decisões abandono inadequado explicar as manifestações de violência.
• dores
• incerteza das • aumento ou
• sobressaltos
diminuição do
emoções Conclusões finais
• volatilidade das apetite Mas não podemos nos considerar impotentes dian-
emoções • mudanças no te das adversidades. Sabemos que o ser humano tem
desejo ou na a habilidade para suportar a adversidade, adaptar-se,
função sexual recuperar-se e ascneder a uma vida significativa e
• fumar mais produtiva. Tal capacidade é chamada de resiliência9
• aumento no (também um conceito em construção). Os apoios do
uso/abuso de sistema familiar e da comunidade fazem com que
substâncias indivíduos e comunidades possam resistir mais forte-
mente às situações de violência. Além disso, a coe-
E quanto ao estresse crônico? são social é fator protetor para a ocorrência de situa-
Enquanto as reações ao estresse agudo são ções de violência.
mais conhecidas e o estudo sobre o pós-traumático Se entendermos que as raízes da violência estão
vem ganhando espaço na literatura2,4,5, ainda pouco em vários níveis, a paz pode ser construída por in-
se publica acerca dos efeitos decorrentes do estres- vestimentos na área social, na economia, na redu-
se crônico a que estão submetidos os sobressalta- ção das desigualdades etc. Mas também será cons-
dos habitantes de cidades violentas. Quais são os truída por todos os gestos de solidariedade com o
problemas para o corpo e a mente humanos quando outro que pudermos fazer; com todas as palavras
nos sentimos constantemente ameaçados ou, em de gentileza que pudermos dizer no nosso dia-a-
linguagem mais científica, submetidos a múltiplos dia; com a compreensão de que pensar ou ser dife-

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rente de nós não é uma ameaça, é apenas Contractual report of findings from the National
um dado natural da vida, e por todo o cuidado e cari- Vietnam veterans readjustment study. Research
nho que pudermos oferecer às nossas crianças Triangle Park, NC: Research Triangle Institute,
e jovens. 1988.
5. National Institute of Mental Health, USA.
Referências bibliográficas Reliving Trauma: Post-Traumatic Stress Disorder.
1. Kowalski KM. Component in Your Emergency 6. Agency for Toxic Substances and Disease
Management Plans: The Critical Incident Stress Registry. Surviving Field Stress for First
Factor. Consulta em 27/12/2005. Disponível em Responders. USA, maio 2005.
http://www.cdc.gov/niosh/mining/pubs/pdfs/ 7. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB,
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2. US Department of Veterans Affairs. The effects Switzerland: World Health Organization; 2002.
of natural disasters. Consulta em 09/1/2005. 8. Gawryszewski VP, Costa LS. A mortalidade por
Disponível em: http://www.ncptsd.va.gov/facts/ homicídios e as desigualdades sociais no municí-
disasters/fs_natural_disasters.html. pio de São Paulo. Rev Saúde Pública, abril 2005,
3. Centers for Disease Control and Prevention, v.39 (2).
USA. Coping With a Traumatic Event: Information 9. Junqueira MFPS, Deslandes FS. Resiliência e
for Health Professionals. maus-tratos a crianças. Cad. Saúde Pública, Rio
4. Kulka RA, Schlenger WE, Fairbank JA et al. de Janeiro, 19 (1):227-235, jan-fev, 2003.

Correspondência/Correspondence:
Vilma Pinheiro Grawryszewswi – Avenida Dr. Arnaldo, 359 – sala 609
Cerqueira César, São Paulo-SP – CEP: 01246-902 – vilmapg@saude.sp.gov.br

fevereiro de 2006 Coordenadoria de Controle de Doenças Página 15


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Informe técnico

Distúrbios de voz relacionados ao trabalho


Voice disorders related to work

Centro de Referência em Saúde do Trabalhador


Coordenadoria de Controle de Doenças
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

Introdução Disfonia
A melhoria do nível geral de saúde dos trabalhado- A voz é fundamental para que o ser humano pos-
res constitui-se em objetivo imediato e permanente sa se comunicar, transmitindo seus pensamentos e
para o desenvolvimento sustentável de todas as re- idéias, e constitui uma das extensões mais fortes da
giões do Estado de São Paulo. As questões ligadas à personalidade. Ela é peculiar ao sujeito e varia
saúde dos trabalhadores e, em particular, sua relação de acordo com o sexo, a idade, a profissão, a perso-
com as condições de trabalho, devem ser considera- nalidade e o estado emocional do falante, bem co-
das de forma indissociável de um modelo de desen- mo com a intenção com a qual é utilizada e o tipo
volvimento econômico que tenha como um de seus de interlocutor¹.
pontos de base a inclusão social.
A importância da voz e da comunicação humana
O poder decisório que compõe a atual estrutura do é inquestionável. É visível nos dias atuais um au-
Ministério da Saúde defendeu a saúde do trabalhador mento progressivo dos profissionais que dependem
como eixo orientador das políticas de saúde e segu- da voz como instrumento de trabalho. Grande parte
rança do trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS) dessas atividades decorre das mudanças tecnológi-
e consolidou a Rede Nacional de Saúde Integral do cas, que permitem uma comunicação mais amplia-
Trabalhador (Renast) como ferramenta estratégica da, como o telemarketing. Para esses profissionais,
para as práticas diferenciadas nesta área. O
ter uma voz saudável possibilita maior eficiência na
Ministério da Saúde considera a “Renast como parte
relação interpessoal, o que é fundamental para o
de um esforço de construção no interior do SUS de
bom desempenho profissional, assim como para o
uma cultura de reconhecimento da sua competência
relacionamento social.
para a saúde do trabalhador”.
Definida como uma rede de abrangência nacio- A voz profissional foi conceituada como uma “for-
nal, com conexões organizadas nos diferentes ní- ma de comunicação oral utilizada por indivíduos que
veis de gestão para a produção de informação e dela dependem para exercer sua atividade ocupacio-
uma estratégia de estruturação baseada na implan- nal”². A caracterização do uso profissional da voz pres-
tação, até o fim de governo, de 350 Núcleos Inter- cinde da necessidade de que o indivíduo ganhe seu
municipais de Saúde do Trabalhador (NISATs) nas sustento por meio dela³.
microrregiões e 103 Centros de Referência em É bastante comum a ocorrência de alterações de
Saúde do Trabalhador (CRST) nas regiões do País, voz nas atividades nas quais ela é exigida como ins-
a Renast poderá representar a mais completa tradu- trumento de trabalho. As alterações de voz, em geral,
ção da institucionalização da saúde do trabalhador são chamadas de disfonias. A disfonia “representa
no SUS. qualquer dificuldade na emissão vocal que impeça a
Respeitadas as responsabilidades e prerrogativas produção natural da voz”¹.
dos municípios, dentre as ações de saúde do trabalha- Para melhor caracterizar o quadro, as disfonias
dor do gestor estadual destaca-se: “O Estabelecimento são divididas em três grandes categorias etiológicas:
de normas técnicas, com base na organização de co-
nhecimentos, e, se necessário, no desenvolvimento de ! Disfonia orgânica: independe do uso vocal, poden-
projetos específicos, e apoiar os municípios e regiões do ser causada por diversos processos, com con-
do Estado a adaptá-las às suas realidades”. seqüência direta sobre a voz. Como exemplos,
podemos citar alterações vocais por carcinoma da
Dessa forma, o Centro de Referência em Saúde
laringe, doenças neurológicas, inflamações ou
do Trabalhador de São Paulo (Cerest/SP), com base
infecções agudas relacionadas a gripes, laringites
nos preceitos da Renast de institucionalização da
e faringites.
saúde do trabalhador, tem voltado sua atenção tam-
bém para a questão da saúde vocal de profissionais ! Disfonia funcional: é uma alteração vocal decor-
que utilizam a voz como instrumento de trabalho. rente do próprio uso da voz, ou seja, um distúrbio

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do comportamento vocal. Pode ter como etiologia privadas que prestam consultoria em saúde ocupacio-
o uso incorreto da voz, inadaptações vocais e alte- nal; médicos do trabalho da Associação Brasileira de
rações psicogênicas, que podem atuar de modo Telemarketing (ABT) e do Cerest/SP; o Sindicato dos
isolado ou concomitantemente. Professores e Funcionários Municipais (Aprofem); o
! Disfonia organofuncional: é uma lesão estrutural Sindicato dos Artistas e Dubladores (Sated) e o
benigna secundária ao comportamento vocal ina- Sindicato dos Radialistas.
dequado ou alterado. Geralmente, é uma disfonia Além disso, foram convidados profissionais repre-
funcional não tratada, ou seja, por diversas cir- sentantes de diversos segmentos da sociedade, enti-
cunstâncias a sobrecarga do aparelho fonador dades de classes e sindicais, entre eles: Delegacia
acarreta uma lesão histológica benigna das pre- Regional do Trabalho (DRT), Associação Nacional de
gas vocais. Medicina do Trabalho (Anamt), Fundação Nacional de
Para aprimorar o diagnóstico e o tratamento do Saúde (Funasa), Sociedade Brasileira de
distúrbio de voz, verificando sua relação com o am- Otorrinolaringologia (SBORL), Academia Brasileira de
biente e a organização do trabalho, propõe-se a clas- Laringologia e Voz (ABLV), Centros de Referência em
sificação de uma nova categoria: o distúrbio de voz Saúde do Trabalhador do Município de São Paulo,
relacionado ao trabalho. Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), Força
Sindical e Central Única dos Trabalhadores (CUT).
O documento final foi apresentado em 2005, du-
Elaboração de normas técnicas rante o IX Seminário sobre Voz, organizado pela
As alterações vocais ocasionadas principalmente PUC-SP. Uma das grandes conquistas deste docu-
pelas questões relacionadas à organização do traba- mento é a determinação do papel dos fatores am-
lho têm levado diversas categorias, como professo- bientais e organizacionais do trabalho e a forma
res, operadores de telemarketing e radialistas, a com que atuam como fatores de risco para o desen-
situações de afastamento e incapacidade para o volvimento do distúrbio de voz relacionado ao traba-
desempenho de suas funções, o que implica custos lho, bem como os impactos gerados na vida do tra-
financeiros e sociais. balhador. Portanto, o que se pretende, a partir des-
Por outro lado, as ações de vigilância e a elabora- se trabalho, é conquistar novas formas de lidar com
ção de normas técnicas que adequem o conhecimen- as repercussões que esses impactos causam na
to científico acumulado às novas condições e deman- saúde do trabalhador.
das de trabalho são praticamente inexistentes e fa- O texto apresentado a seguir foi elaborado a partir
zem-se necessárias, urgentemente, uma vez que um desse documento, que se encontra disponível, na
número crescente de trabalhadores ingressa em cate- íntegra, no Cerest/SP e pode ser solicitado via e-mail:
gorias profissionais que utilizam a voz como instru- cerestsp@saude.sp.gov.br.
mento de trabalho.
Acreditamos que esforços conjuntos entre
Ministério da Saúde, do Trabalho e da Previdência Distúrbios de voz: impacto nas atividades
Social são a única forma que se faz necessária e ur- profissionais
gente de regulamentar legislações para prevenir os Entende-se por distúrbio de voz relacionado ao
agravos à saúde vocal de trabalhadores dessas cate- trabalho qualquer alteração vocal diretamente rela-
gorias, incluindo o distúrbio da voz relacionado ao cionada ao uso da voz durante a atividade profissio-
trabalho no quadro das doenças ocupacionais do nal que diminua, comprometa ou impeça a atuação
INSS e do Ministério. e/ou a comunicação do trabalhador. Os fatores ambi-
Dessa forma, em abril de 2004, o Cerest/SP organi- entais e organizacionais do trabalho atuam como
zou um fórum de debates a fim de discutir o distúrbio de fatores de risco para o desenvolvimento desse distúr-
voz como dano relacionado ao trabalho e produzir um bio, que freqüentemente ocasiona incapacidade labo-
documento técnico que pudesse orientar todos os en- ral temporária. Pode ou não haver uma lesão histoló-
volvidos nesse processo. Participaram das reuniões: o gica nas pregas vocais secundária ao uso vocal.
superintendente do INSS; a Sociedade Brasileira de Os distúrbios de voz podem ter diversos impactos
Fonoaudiologia (SBFa), com representantes do na atividade profissional. Destaca-se o próprio impac-
Comitê de Voz e do Comitê de Telemarketing; o to vocal, que gera limitações na expressão vocal, e o
Conselho Regional de Fonoaudiologia 2ª Região impacto emocional, que causa forte estresse e ansie-
(CRFa); o Departamento de Saúde do Trabalhador dade, colocando em risco a carreira e a sobrevivência
5
Municipal (Desat); o Hospital do Servidor Público do trabalhador . A consideração de que a voz é o pro-
Municipal (HSPM); a Pontifícia Universidade Católica duto da história e da dinâmica entre os aspectos psí-
de São Paulo (PUC-SP); representantes de empresas quico e social do sujeito acrescenta o impacto social

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dos distúrbios de voz, uma vez que diferentes situa- sa, durante o ano corrente e durante a carreira. Os
ções de interação determinam mudanças vocais6. resultados mostraram 16% de problemas vocais no
Entre os profissionais que utilizam a voz como momento da pesquisa; 20% durante o ano corrente e
principal instrumento de trabalho, os professores são 19% durante a carreira (12,9% no gênero masculino
7
alvo da maioria das pesquisas , representando, apro- e 22% no feminino).
ximadamente, dois milhões de trabalhadores no Em estudo comparativo entre professores de
Brasil. Diversas pesquisas que utilizaram um mesmo creche e enfermeiras25, pesquisadores relataram a
instrumento – questionário – foram realizadas em prevalência dos sintomas: cansaço vocal (31% en-
São Paulo e em outros Estados e tiveram como resul- tre os professores e 11% entre as enfermeiras) e
tados uma porcentagem que variou de 54% a 79,6% rouquidão (26% entre os professores e 10% entre
de queixas relacionadas à voz
8,9,10,11,12,13
. A menor por- as enfermeiras).
26
centagem (30%) estava relacionada a professores Outro estudo comparou professores em exercício
que lecionavam para surdos14. A variação dessa por- (45%) e futuros professores (55%). Quando os grupos
centagem pode ser explicada por inúmeros fatores, foram comparados, os professores em exercício apre-
quer ambiental quer de organização do trabalho ou sentaram número superior de sintomas vocais e entre
mesmo próprios do indivíduo. Rouquidão, cansaço estes foram citados rouquidão (37% entre os professo-
ao falar e garganta seca são os sintomas mais men- res em exercício e 7,4% entre os futuros professores) e
cionados por esses profissionais. cansaço vocal (44,7% entre os professores em exercí-
Outros dados comprovam a presença do distúrbio cio e 10,5% entre os futuros professores).
de voz decorrente do trabalho nessa população. Em Descrição de estudos comparativos entre diferen-
levantamento realizado pelo Departamento de Saúde tes profissionais que procuram atendimento em de-
27,28,29
do Trabalhador (Desat), da Prefeitura de São Paulo, corrência de alterações vocais , apontou número
constatou-se que as licenças médicas e as readapta- quatro vezes maior de professores na população
ções funcionais por distúrbios de voz tiveram distri- atendida em clínicas de tratamento para este fim do
buição irregular entre as profissões dos servidores que outros profissionais, e concluindo que a docência
municipais, apresentando-se relacionadas à função constitui profissão de maior risco para o desenvolvi-
do ensino – ou seja, ao uso da voz e, portanto, com mento de alterações vocais.
15 30
forte nexo com a atividade laboral . Observou-se que Estudo comparativo entre professores (49%) e
97% das readaptações funcionais por distúrbios da sujeitos que não desenvolviam práticas docentes
voz estão concentrados entre as profissões relacio- (50,9%), ou seja, uma parcela da população em ge-
nadas ao ensino (professor, auxiliar de desenvolvi- ral, revelou mais significantes nos professores: alte-
mento infantil e coordenador pedagógico, entre ou- ração vocal durante algum momento da vida (57,7%
tros). Em relação às licenças médicas, houve aumen- entre os professores e 28,8% na população em ge-
to de aproximadamente 62%, comparando-se os ral), assim como no momento de coleta (11% entre os
números levantados em 1999 com os de 2002. Esta professores e 6,2% na população em geral).
situação é a mesma encontrada na literatura interna- Pesquisa31 aponta que um terço da população
cional. Diversos autores16,17,18,19,20,21 apontam a presen- necessita do bom funcionamento da voz para exercer
ça de alterações orgânicas decorrentes de proble- sua função profissional, destacando considerável
mas funcionais em professores. presença de risco para a saúde vocal de professores,
Outros estudos22 referem que os professores apre- especialmente ocasionado por fatores ambientais
sentam alto risco para desenvolver distúrbio vocal de em escolas infantis e fundamentais. O autor aponta
ordem ocupacional. Dos professores pesquisados, que a legislação atual proposta pela Occupational
60% apresentaram voz alterada, o que dificultava o Health and Safety (OSH), na União Européia, afirma
23
desempenho profissional. Em outro estudo os autores que a compreensão dos problemas de saúde relacio-
referem que, entre os sintomas vocais, os mais citados nados ao trabalho deve partir da observação da inte-
foram rouquidão (24,1% nos homens e 28,2% nas ração entre o trabalhador, o ambiente e as condições
mulheres) e cansaço vocal (15% nos homens e 21,1% de seu posto de trabalho.
nas mulheres) e, quando os gêneros foram compara- Ser professor é uma profissão geralmente carac-
dos entre si, as mulheres apresentaram maior número terizada pelo alto nível de estresse, gerado por diver-
de sintomas vocais. sos fatores que vão desde questões administrativas e
Em pesquisa realizada por meio de questioná- político-educacionais até de motivação e problemas
24
rios , com professores de pré-escola da rede estadu- de comportamentos dos alunos, o número excessivo
al do Sul da Austrália, procuro-se investigar a preva- de alunos por sala, a falta de segurança no trabalho,
lência de problemas vocais auto-referidos por esses com possibilidade de violência na escola, além dos
profissionais em três momentos: momento da pesqui- riscos físicos presentes no ambiente de trabalho,

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como o ruído, entre outros. Professores que têm um referiram um ou mais sintomas, representados por
segundo emprego podem estar expostos a fatores de rouquidão e cansaço vocal, entre outros. Os operado-
riscos adicionais que podem afetar a saúde, incluindo res de telemarketing apresentaram relação estatísti-
a voz e a saúde mental32. ca significativa para a presença de 8 em 14 sintomas,
Quanto aos operadores de telemarketing, outra quando comparados aos estudantes. Os operadores
categoria profissional também bastante pesquisada, demonstraram possuir 2,1 vezes o risco de apresen-
observa-se demanda vocal de seis horas diárias ou tar um ou mais sintomas vocais, quando comparados
mais, quando realizam horas extras. O fato, aliado a aos estudantes.
fatores ergonômicos e organizacionais desfavoráve- Estudos epidemiológicos em outras categorias pro-
is, pode gerar comprometimento da voz, dificultar ou fissionais ainda são poucos e devem ser ampliados.
mesmo impedir o exercício da função. Estudo33 apon- O desenvolvimento do distúrbio de voz relaciona-
ta como principais queixas relatadas, em ordem de- do ao trabalho é multicausal, podendo estar associa-
crescente: ressecamento da garganta, cansaço ao do a diversos fatores, que podem desencadear ou
falar, rouquidão, perda da voz, pigarro constante, agravar o quadro de alteração vocal do trabalhador,
falta de ar, tosse constante, dor ao falar e ao engolir. de forma direta ou indireta. Os fatores de risco não
São apontados como sintomas relatados por traba- são independentes, já que existe a interação destes
lhadores de call center tensão na região de pescoço, nos locais de trabalho.
ombros e coluna, pigarro, cansaço ao falar e rouqui-
dão34. Foi demonstrado35 que o operador de telemar-
Fatores de risco
keting pode ser caracterizado como um profissional
da voz que possui especificidades tais como deman- Na caracterização dos fatores de risco devem
da vocal e operacional, ou seja, está inserido em uma ser considerados os seguintes aspectos: a intensi-
realidade de trabalho que envolve metas, desafios e dade, o tempo de exposição a esses fatores e a orga-
tempos de atendimento a serem seguidos, entre ou- nização temporal da atividade, como a duração do
tros aspectos como produção e exigência vocal, com ciclo de trabalho, a distribuição das pausas ou a
possíveis queixas e alterações vocais e laríngeas estrutura de horários.
relacionadas ao trabalho. Os fatores de risco dos distúrbios de voz relaciona-
Sabe-se que a prevalência de distúrbios de voz dos ao trabalho podem ser agrupados da seguin-
relacionados ao trabalho em operadores de tele- te forma:
marketing pode ser explicada por transformações a) Organizacionais do processo de trabalho –
no trabalho, caracterizadas pelo estabelecimento Jornada de trabalho prolongada; sobrecarga, acúmulo
de metas, considerando apenas sua produtividade, de atividades ou de funções; demanda vocal excessi-
sem levar em consideração os limites físicos e psi- va; ausência de pausas e de locais de descanso duran-
cossociais dos trabalhadores. Há forte exigência de te a jornada; falta de autonomia; ritmo de trabalho es-
adequação dos trabalhadores às características tressante; trabalho sob forte pressão e insatisfação
38
organizacionais das empresas, com intensificação com o trabalho e/ou com a remuneração .
do trabalho e padronização dos procedimentos, b) Ambientais –
ausência e impossibilidade de pausas espontâ-
neas, necessidade de permanecer em posturas
! Riscos físicos: nível de pressão sonora acima de
65 dB (A) (limite aceitável para efeito de confor-
inadequadas por tempo prolongado, exigência de 39
informações específicas, necessidade de concen- to ); falta de planejamento em relação ao mobiliá-
39
tração para não cometer erros, além de mobiliário, rio e aos recursos materiais ; desconforto e cho-
equipamentos e instrumentos inadequados ao de- que térmico; ventilação inadequada do ambiente e
senvolvimento da atividade, dificultando qualquer utilização de aparelhos de ar condicionado.
manifestação de criatividade e flexibilidade .
36
! Riscos químicos: exposição a produtos químicos
Estudo37 com operadores de telemarketing e estu- irritativos de vias aéreas superiores (solventes,
dantes colegiais similares em idade, gênero, nível de vapores metálicos, gases asfixiantes) e presença
escolaridade e consumo de cigarro, investigou a pre- de poeira e/ou fumaça no local de trabalho.
valência de problemas vocais nesses operadores em Além dos riscos diretamente relacionados ao
comparação com os estudantes (população em ge- trabalho, outros podem estar presentes e devem
ral). Os resultados revelaram que os dois grupos com- ser considerados. Os principais inimigos biológi-
portaram-se de maneira semelhante quanto ao con- cos da voz são as alterações advindas da idade,
sumo de cigarro (45% dos operadores e 40% dos alergias, infecções de vias aéreas superiores, in-
estudantes). Em relação à presença de sintomas fluências hormonais, medicações, etilismo, taba-
vocais, 68% dos operadores e 48% dos estudantes gismo e falta de hidratação. Além dessas, há a

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necessidade de investigar a presença de sinais de trabalho, exigência de tempos e pausas, existência
refluxo gastroesofágico40. de sobrecarga vocal e psíquica, presença de compe-
Entretanto, vale ressaltar que na presença de um tição sonora, formas de pressão de chefias, exigência
fator não-ocupacional, para que este seja significati- de produtividade, existência de prêmio por produção,
vo como causa, são necessárias intensidade e fre- falta de flexibilidade de tempo, mudanças no ritmo ou
qüência similar àquela dos fatores ocupacionais co- na organização do trabalho, ambiente estressante,
nhecidos. O achado de uma doença não-ocupacional falta de reconhecimento profissional e sensação de
não descarta a existência concomitante de doenças perda de qualificação profissional, entre outros as-
relacionadas ao trabalho. pectos citados anteriormente.
A conclusão diagnóstica deve considerar o cruza-
Diagnóstico e tratamento mento dos subitens acima, com especial atenção à
história ocupacional. É importante lembrar que os
O distúrbio de voz relacionado ao trabalho mani-
exames complementares devem ser interpretados à
festa-se por diversos sinais e sintomas, que podem
luz do raciocínio clínico. A doença é considerada ocu-
estar presentes concomitantemente ou não. Os mais
pacional quando existe relação com o trabalho, mes-
encontrados são: rouquidão, fadiga vocal, ardor e/ou
mo havendo fatores concomitantes não relacionados
dor na região da garganta e pescoço, pigarro cons-
tante, tosse crônica, esforço durante a emissão, difi- à atividade laboral.
culdade em manter a voz, variações na freqüência O diagnóstico precoce e o tratamento imediato do
fundamental, falta de volume e projeção vocal, perda distúrbio de voz relacionado ao trabalho possibilitam
na eficiência vocal, pouca resistência ao falar e afo- melhor prognóstico. Isto depende de vários fatores,
nia. São queixas encontradas em diferentes graus de como grau de informação do trabalhador; efetividade
severidade, dependendo do quadro clínico. do programa de prevenção e controle médico da em-
É importante caracterizar as queixas e sintomas presa; direção da mesma e possibilidade do trabalha-
quanto ao tempo de duração, momentos e formas dor manifestar suas queixas de saúde, sem sofrer
de instalação, fatores de melhora e piora e varia- represálias explícitas ou implícitas.
ções no tempo. O papel do médico do trabalho, bem como dos
O início dos sintomas é insidioso, com predomi- demais membros da equipe de saúde e segurança da
nância nos finais de jornada de trabalho ou no fim da empresa, é fundamental no diagnóstico precoce, no
semana e diminuição após repouso noturno ou nos controle dos fatores de risco, na inclusão do trabalha-
finais de semana. Aos poucos, os sintomas vão tor- dor em um programa de promoção de saúde e pre-
nando-se presentes continuadamente durante a venção, no afastamento do trabalhador, na reabilita-
jornada de trabalho ou durante todo o dia, sem recu- ção e na readaptação de função.
peração, mesmo com repouso vocal. Nesta fase, Após o diagnóstico do distúrbio de voz relacionado
dificilmente o trabalhador consegue exercer sua ao trabalho, deve ser realizado o tratamento, que
função, principalmente nos episódios de afonia perda poderá envolver equipe multidisciplinar composta por
total da voz. atendimento médico e fonoaudiológico. Outros profis-
Para o diagnóstico do distúrbio de voz relacionado sionais, como fisioterapeuta, psicólogo e terapeuta
ao trabalho devem ser levados em consideração os ocupacional, também podem auxiliar no processo de
seguintes aspectos: reabilitação. O programa de tratamento e reabilitação
deve ser específico para cada caso, buscando-se a
! história clínica, ocupacional e epidemiológica; recuperação da saúde do trabalhador.
! avaliação médica clínica, de laringe e outros exa- A ação terapêutica, em seu conjunto, deve abor-
mes complementares; dar a reflexão sobre as condições e organização do
! avaliação fonoaudiológica, incluindo exame fun- trabalho, ou seja, a dimensão coletiva implicada no
cional da voz; desenvolvimento do distúrbio vocal. Durante o trata-
mento, o trabalhador pode permanecer em sua fun-
! levantamento das condições e fatores de risco
ção ou, em havendo a necessidade, afastar-se tem-
ambientais e organizacionais do trabalho e
porariamente, o que deve ser considerado afasta-
! levantamento de comportamentos e hábitos rele- mento de função por doença ocupacional. Nesse
vantes. caso, o trabalhador pode ser readaptado para outra
Especificamente na elaboração da história clínico- função, na qual não haja risco na utilização da voz.
ocupacional é fundamental perguntar, detalhada- Caso a readaptação não seja possível, o mesmo
mente, como e onde o paciente trabalha, procurando deve ser encaminhado ao INSS para afastamento
investigar sua rotina laboral: duração da jornada de com benefício.

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Medidas preventivas Referências bibliográficas


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priorizadas ações de prevenção que possam evitar o
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incluem-se a adoção de ações de proteção e preven-
ção da saúde vocal, que devem atender as especifici- 3. Boone DR. Sua voz está traindo você? Porto
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pode-se citar: 4. Costa HO. Distúrbios da Voz Relacionados com
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vocais; balho. Volume 2. São Paulo: Atheneu, 2003.
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! ações educativo-terapêuticas voltadas à adequa- Fonoaudiologia. São Paulo: Lovise, 1996, p.701-
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6. Chun RYS. A voz na interação verbal: como a
siologia do aparelho fonador, cuidados vocais,
interação transforma a voz. [Tese de doutorado]
aquecimento e desaquecimento vocal e expressi-
São Paulo: PUC, 2000.
vidade vocal;
7. Ferreira LP e Oliveira SMRP. Voz Profissional:
! identificação e redução/eliminação dos riscos exis- Produção Científica da Fonoaudiologia Brasileira.
tentes à saúde vocal no ambiente e/ou organiza- 1ª edição. São Paulo: SBFa., 2004.
ção do trabalho e
8. Sesi. Serviço Social da Indústria. Projeto Saúde
! ações educativas voltadas à promoção de saúde e Vocal. São Paulo, 2000.
prevenção de queixas/alterações vocais, como a
participação em Sipat (Semana Interna de 9. Simões M. Prevalência de disfonia e estudo de
Prevenção de Acidentes), palestras, campanhas, seus fatores associados em educadoras de cre-
oficinas e treinamentos específicos. che [Dissertação de mestrado – Saúde Pública]
São Paulo: Departamento de Epidemiologia da
A notificação da doença é fundamental para que Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
seja possível dimensionar e qualificar sua distribui- São Paulo, 2001.
ção, para que o planejamento das ações preventiva e
de assistência sejam eficazes. Portanto, recomenda- 10. Zanon NG. Condições de produção vocal do
se que em havendo suspeita de distúrbio de voz rela- professor de natação [Monografia de especializa-
cionado ao trabalho deve ser emitida a Comunicação ção]. São Paulo: PUC, 2001.
de Acidente do Trabalho (CAT). Esta deve ser emitida 11. Alves IAV. Perfil vocal de docentes do ensino
mesmo nos casos em que não acarrete incapacidade municipal e privado da cidade de Jataí – Goiás [Dis-
laborativa, para fins de registro e não necessariamen- sertação de mestrado]. São Paulo: PUC, 2002.
te para o afastamento do trabalho. 12. Lima WR. Perfil vocal dos professores dos mu-
nicípios de Vitória e Vila Velha. [Dissertação de
Considerações finais mestrado]. São Paulo: PUC, 2002.
Consideramos que a elaboração do documento, 13. Ferreira LP et al. Condições de Produção Vocal
feita em grupo composto por diferentes técnicos e de Professores da Rede do Município de São Paulo.
representantes dos profissionais que utilizam a voz In: Revista dos Distúrbios da Comunicação
como instrumento se trabalho, foi uma experiência 2003. São Paulo, v. 14, n.2, p. 275-308.
muito rica e deverá ser repetida em outros temas. O 14. Benedetti PH. A voz do professor de alunos
desafio que agora se coloca é que os órgãos públicos deficientes auditivos [Monografia de especializa-
responsáveis pela prevenção, assistência, reabilita- ção]. São Paulo: PUC, 2001.
ção, notificação e pagamento de benefícios ao traba-
lhador possam ser sensibilizados para a questão do 15. Carneiro S. Distúrbios da voz no trabalhador
distúrbio da voz relacionado ao trabalho e, dessa for- público do município de São Paulo. Anais do XIII
ma, tomem decisões e medidas importantes que mo- Seminário de Voz PUC-SP. São Paulo, 2003.
difiquem o quadro de distribuição dessa doença, tão 16. Oyarzún R et al. Disfonia em Professores. Rev
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among day care center teachers compared with - Work and workers, vol. 1, 1998. p. 24.1-24.21.
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of Voice 2001; 15 (3): 413-423. 37. Jones KMS et al. Prevalence and risk factors
for voice problems among telemarketers. Arch
26. Yiu EML. Impact and prevention of voice pro- Otolaryngol head neck surg 2002; 128: 571-577.
blems in the teaching profession: embracing the
consumer´s view. Journal of Voice 2002; 16 (2): 38. Guérin F et al. Compreender o trabalho para
215-228. transformá-lo: a prática da Ergonomia. Tradução:
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27. Williams NR. Occupational groupos at risk of Blücher, Fundação Vanzolini, 2004.
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3.751 de 23 de novembro de 1990: aprova o texto
28 Fritzell B. Voice disorders and occupations. Log da Norma Regulamentadora n.° 17 Ergonomia.
Phon Vocal 1996; 21: 7-12. Diário Oficial da União, São Paulo, 1990.
29. Titze IR, Lemke J e Montequim D. Populations 40. Boone DR e McFarlane ST. A voz e a terapia
in the US Work force who rely on voice as a primary vocal, 5ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas,
tool of trade. A preliminary report. Journal of Voice 1994.
1997; 11:254.

Página 22 Coordenadoria de Controle de Doenças fevereiro de 2006


BEPA ISSN 1806-4272 Boletim Epidemiológico Paulista
Notas

Sistema de Vigilância Epidemiológica Vacina contra Rotavírus no


das IH Calendário de Vacinação

A Divisão de Infecção Hospitalar realizou, no No último dia 23, com o objetivo de atualizar as
último dia 16 de fevereiro, no Instituto de Infectologia informações sobre a vacina contra o rotavírus, a
Emílio Ribas, o debate “Vigilância Epidemiológica Coordenadoria de Controle de Doenças – por meio da
das Infecções Hospitalares no Estado de São Paulo: Divisão de Imunização, do Centro de Vigilância
Limites e Possibilidades”, no qual apresentou os Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac” (CCD/CVE)
resultados preliminares do sistema de vigilância – promoveu o “Simpósio Estadual - Vacina Contra
epidemiológica das IH do Estado. Durante o evento, Rotavírus”. Voltado para os profissionais de saúde que
foram discutidas as possíveis limitações e sugestões atuam diretamente na área de vacinação, o evento,
para aprimoramento do sistema, bem como as ações realizado em São Paulo, foi organizado pelo Fesima,
governamentais direcionadas pelos dados obtidos. com apoio da Furp e das Sociedades de Pediatria de
Participaram do encontro 120 profissionais de São Paulo e de Cirurgia Pediátrica.
diversas regiões do Estado, envolvidos com o contro- A vacina contra o rotavírus será incluída no
le de infecção hospitalar, que atuam nos hospitais e calendário de vacinação nacional e estará disponí-
nas equipes de vigilância epidemiológica e sanitária vel em todos os centros de saúde do País a partir
das Diretorias Regionais de Saúde (DIR) e dos deste mês. A Rotarix®, do laboratório
municípios. O debate, uma das etapas de retro- GlaxoSmithKline Biologicals, foi escolhida por não
alimentação previstas no sistema de vigilância das ter apresentado risco aumentado de invaginação
infecções hospitalares, contou com apoio da intestinal nos estudos com 63.225 lactentes, dos
Associação Paulista de Controle de Infecção quais 31.673 receberam as duas doses da vacina e
Hospitalar (Apecih), que indicou os especialistas 31.552, placebo.
participantes: as médicas Ana Sara Levin, da A utilização da primeira vacina contra rotavírus (a
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do RotaShield®, Wyeth-Lederle, licenciada nos Estados
Hospital das Clínicas da USP (FMUSP), e Nédia Unidos, em 1998) foi suspensa no ano seguinte. A
Maria Hallage, professora da Faculdade de Medicina RotaShield® oral, atenuada, tetravalente, com
do ABC, e a enfermeira Vera Lúcia Borrasca, membro rearranjo símio e humano, aplicada no esquema de
da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do três doses aos 2, 4 e 6 meses de idade, apresentou
Hospital Sírio Libanês. aumento de casos de invaginação intestinal.
Cilmara Polido Garcia, diretora do Centro de A Rotarix® também é uma vacina oral, atenuada,
Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac” monovalente (G1P[8]), com eficácia para diarréia
(CVE), apresentou o modelo de inserção do progra- grave foi de 84,7% (IC95%:71,7-92,4%) e hospitali-
ma de vigilância da IH na estrutura da saúde em São zação de 85% (IC95%:69,6-93,5%). A proteção tem
Paulo, suas interfaces institucionais e seus objeti- início cerca de duas semanas após a segunda dose.
vos. Maria Clara Padoveze, diretora da Divisão de O esquema vacinal recomendado é de duas doses,
Infecção Hospitalar, mostrou os dados preliminares aos 2 e 4 meses de idade, com intervalo mínimo de
do sistema, referentes a 2004. Os dados foram quatro semanas entre elas.
debatidos pelas especialistas e público presente. A primeira dose deve ser aplicada aos 2 meses
As próximas etapas da fase de retro-alimentação (idade mínima 1 mês e 15 dias de vida, máximo de 3
do sistema prevêem, entre outras ações, a publica- meses e 7 dias de vida. Já a segunda, 4 meses (idade
ção dos resultados, com disseminação em todos os mínima 3 meses e 7 dias de vida, máximo de 5 meses
hospitais das redes pública e privada, e a promoção e 15 dias de vida.
de outros eventos envolvendo os profissionais que A vacina não deve, de forma alguma, ser aplicada
irão utilizar os dados obtidos como ferramentas fora destes prazos. Em função do risco aumentado de
para a prevenção das IH. O documento será dispo- invaginação intestinal observado com a vacina
nibilizado na íntegra na próxima edição do Bepa, em RotaShield, os estudos realizados com as novas
abril, e também em versão impressa que será distri- vacinas contra rotavírus não foram feitos fora das
buída aos hospitais do Estado e às DIRs. faixas etária.

fevereiro de 2006 Coordenadoria de Controle de Doenças Página 23


Boletim Epidemiológico Paulista ISSN 1806-4272 BEPA
5ª Expoepi Diversos treinamentos foram realizados desde 2000
para os recursos humanos envolvidos com a RF. O
estudo avaliou se esses conhecimentos transmitidos
A 5ª Mostra Nacional de Experiências Bem estavam sendo adotados na prática pelas salas de
Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle vacinas do Município de São Paulo. Nessa avaliação,
de Doenças (Expoep), realizada entre 6 e 8 de a sistematização da supervisão foi identificada como
novembro de 2005, premiou três trabalhos paulistas. instrumento de consolidação dos conhecimentos
Entre as 21 melhores experiências escolhidas por júri técnicos adquiridos nos treinamentos.
popular estão: De março de 2004 a novembro de 2005, 50 casos
! “Avaliação do conhecimento e prática adotados de difilobotríase foram identificados por meio da
na conservação dos imunobiológicos utilizados vigilância ativa com base em laboratório. No Brasil
na rede pública do Município de São Paulo” , até 2003 não havia registro de casos autóctones da
autores Clélia Maria Aranda, da Divisão de doença. A investigação epidemiológica evidenciou
Imunização do Centro de Vigilância que o salmão foi a causa do surto e, a partir disso,
Epidemiológica (CVE) da Secretaria de Estado medidas foram tomadas. Entre elas, ampla divulga-
da Saúde de São Paulo (SES) e José Cássio de ção de recomendações para o consumo adequado
Moraes, do Departamento de Medicina Tropical do peixe e educação sanitária para impedir que a
da Santa Casa de São Paulo; parasitose intestinal se tornasse endêmica. A
investigação foi o tema do trabalho premiado na
! “Primeiro surto de difilobotríase registrado no Expoepi e mereceu o seguinte comentário da
Estado de São Paulo, Brasil – aspectos epidemio- Comissão de Experts: “A investigação estabelece o
lógicos e medidas de controle, 2004-2005”, autora real significado do surto: identifica e caracteriza o
principal Maria Bernadete de Paula Eduardo, da agente; define a população de risco e delimita a
Divisão de Doenças de Transmissão Hídricas do área estudada, se inserindo numa concepção de
CVE/SES; uma vigilância ativa”.
! “Sistema de vigilância em acidentes do trabalho Um mapa dos acidentes de trabalho ocorridos no
(Sivat), da Secretaria Municipal de Saúde de município de Piracicaba e a avaliação das notifica-
Piracicaba”, autor principal Ricardo Cordeiro, da ções o subnotificações do agravo ao sistema de
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade vigilância foram destacados no trabalho apresenta-
Estadual de Campinas (Unicamp). do e premiado pela Expoepi. Na avaliação dos
O trabalho apresentado por Clélia Aranda ressal- autores, o Sivat/Piracicaba subsidia as discussões
tou a importância da Rede de Frio (RF) na excelência sobre as políticas públicas e contribui para o apri-
dos resultados dos Programas de Imunização. moramento dos sistemas de informação sobre
Segundo o trabalho, a forma como as vacinas são acidentes do trabalho no Brasil. O trabalho foi
manuseadas durante o transporte e estocadas pode publicado na forma de artigo nos Cadernos de
comprometer tanto a ampliação das coberturas Saúde Pública, edição de setembro/outubro de
vacinais quanto a eficácia dos imunobiológicos. 2005 (www.ensp.fiocruz.br/csp/).

Página 24 Coordenadoria de Controle de Doenças fevereiro de 2006


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Instruções aos Autores

O Boletim Epidemiológico Paulista (Bepa) informes técnicos, deverão ter resumo em


publicação mensal da Coordenadoria de Controle de Português e em Inglês (Abstract), dimensionado
Doenças, órgão da Secretaria de Estado da Saúde de entre 150 palavras (comunicações breves) e no
São Paulo (CCD/SES-SP) veicula artigos relacionados máximo 250 palavras (artigos originais, revisões,
aos agravos à saúde pública ocorridos nas diversas atualizações e informes epidemiológicos). Para
áreas de controle, assistência e diagnóstico laboratorial os artigos originais, o resumo deve destacar os
do Sistema Único de Saúde de São Paulo (SUS-SP). propósitos do estudo, procedimentos básicos
Além de disseminar informações entre os profissionais adotados (seleção de sujeitos de estudo ou animais
de saúde de maneira rápida e precisa, o Bepa tem como de laboratório, métodos analíticos e observacionais),
objetivo incentivar a produção de trabalhos que principais descobertas e conclusões. Devem ser
subsidiem as ações de prevenção e controle de enfatizados novos e importantes aspectos do estudo
doenças na rede pública, apoiando, ainda, a atuação ou das observações. Uma vez que os resumos são a
dos profissionais do sistema de saúde privado, principal parte indexada do artigo em muitos bancos
promovendo a atualização e o aprimoramento de de dados eletrônicos, e a única parte que alguns
ambos. leitores lêem, os autores precisam lembrar que eles
Os documentos que podem ser publicados neste devem refletir, cuidadosamente, o conteúdo do
boletim estão divididos nas seguintes categorias: artigo. Para os demais textos, o resumo deve ser
narrativo, mas com as mesmas informações.
1. Artigos originais – destinados à divulgação de ! Descritores (unitermos ou palavras-chave) –
resultados de pesquisa original inédita, que possam ser Seguindo-se ao resumo, devem ser indicados no
replicados e/ou generalizados. Devem ter de 2.000 a mínimo três e no máximo dez descritores do
4.000 palavras, excluindo tabelas, figuras e referências. conteúdo, que têm por objetivo facilitar indexações
cruzadas dos textos e podem ser publicados
2. Revisão – Avaliação crítica sistematizada da
juntamente com o resumo. Em Português, os
literatura sobre assunto relevante à saúde pública.
descritores deverão ser extraídos do vocabulário
Devem ser descritos os procedimentos adotados,
“Descritores em Ciências em Saúde” (DeCS), da
esclarecendo a delimitação e limites do tema. Extensão
Bireme. Em Inglês, do “Medical Subject Headings”
máxima: 5.000 palavras.
(Mesh). Caso não sejam encontrados descritores
3. Comunicações breves – São artigos curtos adequados à temática abordada, termos ou
destinados à divulgação de resultados de pesquisa. No expressões de uso corrente poderão ser
máximo 1.500 palavras, uma tabela/figura e cinco empregados.
referências.
! Introdução – Contextualiza o estudo, a natureza dos
4. Informe epidemiológico – Textos que têm por problemas tratados e sua significância. A introdução
objetivo apresentar ocorrências relevantes para a deve ser curta, definir o problema estudado,
saúde coletiva, bem como divulgar dados dos sistemas sintetizar sua importância e destacar as lacunas do
de informação sobre doenças e agravos. Máximo de conhecimento abordadas.
3.000 palavras.
! Metodologia (Métodos) – A metodologia deve incluir
5. Informe técnico – Trabalhos que têm por
apenas informação disponível no momento em que foi
objetivo definir procedimentos, condutas e normas
escrito o plano ou protocolo do estudo; toda a
técnicas das ações e atividades desenvolvidas no
informação obtida durante a conduta do estudo
âmbito da saúde coletiva. No máximo 5.000 palavras.
pertence à seção de resultados. Deve conter
A estrutura dos textos produzidos para a publicação descrição, clara e sucinta, acompanhada da
deverá adequar-se ao estilo Vancouver, cujas linhas respectiva citação bibliográfica, dos procedimentos
gerais seguem abaixo. adotados, a população estudada (universo e amostra),
! Página de identificação – Ttulo do artigo, conciso e instrumentos de medida e, se aplicável, método de
completo, em Português e Inglês; nome completo de validação e método estatístico.
todos os autores; indicação da instituição à qual cada ! Resultados – Devem ser apresentados em seqüência
autor está afiliado; indicação do autor responsável pela lógica no texto, tabelas e figuras, colocando as
troca de correspondência; se subvencionado, indicar descobertas principais ou mais importantes primeiro.
nome da agência de fomento que concedeu o auxílio e Os resultados encontrados devem ser descritos sem
respectivo nome do processo; se foi extraído de incluir interpretações e/ou comparações. Sempre que
dissertação ou tese, indicar título, ano e instituição em possível, devem ser apresentados em tabelas e
que foi apresentada. figuras auto-explicativas e com análise estatística,
! Resumo – Todos os textos, à exceção dos evitando-se sua repetição no texto.

fevereiro de 2006 Coordenadoria de Controle de Doenças Página 25


Boletim Epidemiológico Paulista ISSN 1806-4272 BEPA
! Discussão – Deve enfatizar os novos e importantes S. Epidemiologia do medicamento: princípios gerais.
aspectos do estudo e as conclusões que dele São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco; 1989.
derivam, sem repetir material colocado nas seções D) Dissertações e teses:
de introdução e resultados. Deve começar com a 5. Moreira MMS. Trabalho, qualidade de vida e
apreciação das limitações do estudo, seguida da envelhecimento [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola
comparação com a literatura e da interpretação dos Nacional de Saúde Pública; 2000. p. 100.
autores, apresentando, quando for o caso, novas
hipóteses. E) Trabalhos de congressos, simpósios,
encontros, seminários e outros:
! Conclusão – Traz as conclusões relevantes,
6. Barboza et al. Descentralização das políticas
considerando os objetivos do trabalho e formas de
públicas em DST/Aids no Estado de São Paulo. In: III
continuidade. Se tais aspectos já estiverem incluídos
Encontro do Programa de Pós-Graduação em Infecções
na discussão, a conclusão não deve ser escrita.
e Saúde Pública; 2004 ago; São Paulo: Rev IAL. P. 34
! Referências bibliográficas – A exatidão das [resumo 32-SC].
referências bibliográficas é de responsabilidade dos
F) Periódicos e artigos eletrônicos:
autores.
7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
! Citações bibliográficas no texto, tabelas e (IBGE). Síntese de indicadores sociais 2000. [Boletim
figuras: deverão ser colocadas em ordem numérica, on-line]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br [2004
em algarismo arábico, sobrescrito, após a citação, mar 5]
constando da lista de referências bibliográficas.
Exemplo: G) Publicações e documentos de organizações
governamentais:
“Os fatores de risco para a infecção cardiovascular
estão relacionados à imunocompetência do 8. Brasil. Decreto 793, de 5 de abril de 1993. Altera os
hospedeiro1.” Decretos 74.170, de 10 de junho de 1974, e 79.094, de 5
de janeiro de 1977, que regulamentam,
! Referências bibliográficas: devem ser numeradas respectivamente, as Leis 5991, de 17 de janeiro de
consecutivamente, obedecendo à ordem em que 1973, e 6360, de 23 de setembro de 1976, e dá outras
aparecem pela primeira vez no texto, de acordo com o providências. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 6
estilo Vancouver. A ordem de citação no texto obedecerá abr 1993. Seção 1. p. 4397.
esta numeração. Até seis autores, citam-se todos os
nomes; acima disso, apenas os seis primeiros, seguidos 9. Organización Mundial de la Salud (OMS). Como
da expressão em Latim “et al”. É recomendável não investigar el uso de medicamentos em los servicios de
ultrapassar o número de 30 referências bibliográficas salud. Indicadores seleccionados del uso de
por texto. medicamentos. Ginebra; 1993. (DAP. 93.1).
A) Artigos de periódicos – As abreviaturas dos Casos não contemplados nesta instrução devem
títulos dos periódicos citados devem estar de acordo ser citados conforme indicação do Committee of
com o Index Medicus, e marcadas em negrito. Medical Journals Editors (Grupo Vancouver)
(http://www.cmje.org).
Exemplo:
Tabelas – Devem ser apresentadas em folhas
1. Ponce de Leon P; Valverde J e Zdero M.
separadas, numeradas consecutivamente com
Preliminary studies on antigenic mimicry of Ascaris
algarismos arábicos, na ordem em que forem citadas no
Lumbricoides. Rev Lat-amer Microbiol 1992; 34:33-38.
texto. A cada uma deve ser atribuído um título breve,
2. Cunha MCN, Zorzatto JR, Castro LLC. Avaliação NÃO SE UTILIZANDO TRAÇOS INTERNOS
do uso de Medicamentos na rede pública municipal de HORIZONTAIS OU VERTICAIS. Notas explicativas
Campo Grande, MS. Rev Bras Cien Farmacêuticas devem ser colocadas no rodapé das tabelas e não no
2002; 38:217-27. cabeçalho ou título.
B) Livros A citação de livros deve seguir o exemplo Quadros – São identificados como tabelas,
abaixo: seguindo uma única numeração em todo o texto.
3. Medronho RA. Geoprocessamento e saúde: uma Figuras – Fotografias, desenhos, gráficos etc.,
nova abordagem do espaço no processo saúde- citados como figuras, devem ser numerados
doença. Primeira edição. Rio de Janeiro: consecutivamente com algarismos arábicos, na ordem
Fiocruz/CICT/NECT.
em que foram mencionados no texto, por número e título
C) Capítulos de livro – Já ao referenciar capítulos abreviado no trabalho. As legendas devem ser
de livros, os autores deverão adotar o modelo a seguir: apresentadas em folha à parte; as ilustrações devem ser
4. Arnau JM, Laporte JR. Promoção do uso racional suficientemente claras para permitir sua reprodução.
de medicamentos e preparação de guias Não são permitidas figuras que representem os
farmacológicos. In: Laporte JR, Tognoni G, Rozenfeld mesmos dados.

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