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DIREITO DOS ANIMAIS

2. Os Animais e a Jurisprudência dos Tribunais Cíveis (Propriedade Horizontal, Arrendamento e Responsabilidade Civil)

tribunal, «no mínimo, a demonstração de que (…) os donos do cão podiam e deviam ter
previsto» o seu comportamento «e adoptado as medidas para o evitar».

É significativa a verbalização firme do dever dos donos de animais de garantirem que os


animais mantidos à sua guarda não importunem os demais cidadãos, não agridam a sua
liberdade, não perturbem a sua tranquilidade e não atinjam a respectiva integridade física,
feita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2009 (processo n.º 2805/2006).

Neste mesmo âmbito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.10.2020


(processo n.º 1394/2017) recordou, com relevo, a presunção de culpa emergente do n.º 1 do
art. 493.º do Código Civil, colocada sobre os ombros daqueles que «têm a seu cargo a
vigilância de animais» e que tal «presunção legal implica uma inversão do ónus da prova, de
harmonia com o preceituado nos artºs 487º, nº. 1 e 350º, nº. 1 do Código Civil, podendo ser
ilidível mediante prova em contrário pelo lesante de que nenhuma culpa houve da sua parte ou
que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua». Neste
mesmo sentido se pronunciou, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de
11.01.2018 (processo n.º 73/16).

Chegam ao Tribunal Constitucional questões incidentes sobre responsabilidade por danos


provocados por animais.
Num contexto de protecção das espécies, mais propriamente do lobo ibérico, o referido
Tribunal pronunciou-se de forma muito circunstanciada sobre a denominada «indemnização
por sacrifício» motivada pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos
– cf. o Acórdão n.º 83/2022.
Ponderou aí, o referido Tribunal, à luz da Lei Fundamental, as medidas estaduais de proteção
do lobo-ibérico, mais propriamente o regime público de ressarcimento das lesões sofridas
pelos produtores que detenham explorações pecuárias nas áreas dos seus habitats.
Designadamente, analisou a existência e validade de limites à indemnização da titularidade dos
cidadãos directamente prejudicados pela acção do lobo e concluiu que a quantia a fixar a título
indemnizatório «tem necessariamente de corresponder ao valor integral da coisa perdida ou
danificada, não podendo o Governo (…) sujeitá-la a qualquer requisito ou limite adicional».

b) Danos sofridos pelos donos de animais


No que tange aos danos sofridos pelos donos em virtude dos danos provocados em animais a
si pertencentes, uma vertente relevante da jurisprudência incide sobre a ressarcibilidade do
dano moral sofrido pelo dono em virtude da perda de um animal de companhia.
Neste campo, encontramos no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.07.2021 (no
processo n.º 23105/19.0T8LSB.L1-2), o reconhecimento expresso do carácter indemnizável do
dano não patrimonial resultante do «choque e desgosto associados à morte do concreto e
insubstituível animal de companhia».
Pode-se extrair, do cruzamento de algumas decisões recentes que esse dano moral vem sendo
definido ao redor da quantia de 2.000,00 Eur.
Aliás, colhe-se, sobretudo, o enunciado de um critério. Com efeito, diz-se a este propósito, com
inegável relevo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2009 (processo n.º
2805/2006) que «na indemnização por danos não patrimoniais há que compensar realmente o
lesado pelo mal que lhe foi causado, atribuindo-lhe um valor significativo e não meramente

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simbólico, como forma de mitigar o abalo moral suportado, encontrando um grau justo,
evitando desproporções e que satisfaça o escopo legal padronizado».
Verificamos porém, que o estatuto dos animais não se revelou suficiente para permitir
qualificar como «acidente de viação a morte de um animal provocada pela manobra de um
veículo automóvel», conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de
18.11.2008 (1775/04.3.TBPBL.C1).
No entanto, não se deixou, aí, de considerar que tal facto não isentava «a respectiva
seguradora de responder civilmente pelo dano» havendo culpa do segurado. Esta conclusão foi
extraída com alargamento de uma noção convencional de animal de companhia, já que estava
em causa o atropelamento de uma simples catatua.

5. EPÍLOGO
Das decisões referidas neste breve roteiro podemos extrair, creio, duas importantes noções.
A primeira é a de que a jurisprudência vem reflectindo, neste domínio, aliás, como se intuiria à
partida face à sua posição de espaço de expressão de conflitos – (e nem sequer com a grande
descolagem temporal natural entre a vida e acto de julgar) uma imagem relevante da realidade
social e das convicções em cada momento dominantes, suas contradições e mutações, que
revela o abandono de um paradigma e o acolhimento de um outro no domínio da relação do
Homem com os animais, particularmente dos que elege para integrarem o seu mundo,
também ao nível dos afectos.
Se houvesse que caracterizar esse câmbio, talvez se pudesse considerar o mesmo marcado por
alguma mitigação de uma noção antropocêntrica do universo e pelo reconhecimento de
arremedos de direitos ou proto-direitos aos próprios animais, sempre em nome da sua
sensibilidade, sobretudo da sua capacidade se sofrer e de tomar consciência desse sofrimento.
Introduz-se, assim, no espaço relacional, sobretudo urbano, uma centelha de compaixão e
generosidade que ultrapassa o clássico modelo económico, egoísta e exclusivamente centrado
no Homem.
A segunda noção é a de que, com grande mérito, os Tribunais portugueses souberam, bastas
vezes, neste sector, antecipar-se aos tempos das normas e sentir o pulsar da sociedade mesmo
antes das consagrações normativas.
Assim continuará a ser, certamente.
Depende de cada um de nós envolver na sobre-humana função de julgar a capacidade de
sentir a voz do tempo e o fluir deste, por forma a administrarmos uma Justiça sempre moldada
aos interesses e anseios dos cidadãos que no-la pedem.

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