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A realidade constitucional da República

Federal da Alemanha

Ana Letícia Queiroga de Mattos

Sumário
1. Introdução. 2. História da Alemanha: dos
bastidores da I Guerra Mundial às conseqüên-
cias advindas da II Guerra Mundial. 3. O país
hoje: dados gerais. 3.1. A geografia. 3.2. A lín-
gua. 3.3. Os Estados Federais – Länder. 3.4. Re-
lações da Alemanha com o exterior. 4. Estado,
Constituição e Direito. 4.1. Os Órgãos Consti-
tucionais. 4.2. A Lei Fundamental de BONN. 5.
Reforma da Constituição da Alemanha. 6. Con-
clusão.

1. Introdução
O artigo em questão tem por objetivo
apresentar uma visão geral da República Fe-
deral da Alemanha, passando por uma aná-
lise histórica até suas implicações no país
hoje, bem como, também, visa apreciar os
processos de reforma ali presentes, numa
tentativa de averiguar se a Constituição e,
como conseqüência, o Direito Constitucional
daquele país acompanham e compartilham
da verdadeira “realidade constitucional”.
Nesse sentido, o trabalho segue dividi-
do em seis capítulos que demandam, para
Ana Letícia Queiroga de Mattos é Gradua- melhor compreendermos os processos de
da em Direito e Mestranda em Direito Público Reforma da Constituição Federal da Alema-
pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifí- nha, a análise de questões como a História
cia Universidade Católica de Minas Gerais. da Alemanha desde os primórdios da Pri-
Professora de Direito Constitucional de curso
meira Guerra Mundial até os resquícios dei-
preparatório para concurso público em Belo
Horizonte e professora de Hermenêutica e Te- xados pela Segunda Guerra Mundial naque-
oria da Argumentação Jurídica e de Direito le país, com o intuito de se situar o objeto de
Constitucional da Pontifícia Universidade Ca- estudo. Dando continuidade, abordar-se-ão
tólica de Minas Gerais. os dados gerais sobre a República Federal
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da Alemanha, descrevendo-se o país quan- ministros, homens sem maiores representa-
to à sua geografia, língua, divisão política e tividades, iam, cada vez mais, cedendo à
linhas gerais da política exterior alemã. pressão do alto comando militar. Os Esta-
Além disso, será feita uma abordagem da dos Unidos entraram na guerra em 1917.
situação da Alemanha no campo jurídico/ Embora a Alemanha já se encontrasse com-
político, ou seja, estrutura e funcionamento pletamente debilitada, o general Erich
do regime político da Lei Fundamental de Ludendorff, desconhecendo a situação, in-
1949, ocasião em que serão explicitados os sistia numa paz vitoriosa até setembro de
Órgãos Constitucionais atuantes no país, 1918 e, após isso, passou a exigir, repenti-
bem como a Lei Fundamental de BONN namente, uma trégua imediata. A derrota
de 1949, desde sua promulgação, passan- política acompanhou a derrota militar e, sem
do pelos princípios-base da Ordem Naci- nenhuma resistência ou oposição, impera-
onal da Lei Fundamental, até as implica- dor e príncipes abandonaram seus tronos,
ções da Lei Fundamental nos tempos em novembro de 1918, tornando-se a Ale-
atuais. manha, portanto, uma república.
Somente após a tomada de conhecimen- A partir de então, o poder passou aos
to de todos esses elementos é que se mostra social-democratas, que consideravam como
possível, pois, passar-se à análise da Refor- sua principal incumbência a garantia da
ma da Constituição da Alemanha, de uma transição ordenada da velha para a nova
forma mais específica e detalhada. forma de Estado. Continuou da mesma for-
ma a propriedade privada na indústria e na
2. História da Alemanha – dos agricultura. Além disso, os magistrados e
bastidores da I Guerra Mundial os funcionários públicos, quase todos de
perfil anti-republicano, permaneceram em
às conseqüências advindas da II
suas funções e os oficiais do império con-
Guerra Mundial servaram o comando das tropas. A maioria
Fazer uma pontuação da História da na Assembléia Nacional, órgão eleito em ja-
Alemanha no início da 1a Guerra Mundial neiro de 1919 e que se reunira em Weimar
mostra-se mais didático/objetivo para se para deliberar uma nova Constituição para
proceder a uma reconstrução dos aconteci- o “Reich”, estava nas mãos dos três parti-
mentos. dos exclusivamente republicanos:
A I Guerra Mundial foi desencadeada, – o Partido Social Democrata;
entre outros fatores, pelo assassinato do – o Partido Democrata Alemão;
sucessor do trono austríaco, em 28 de junho – e o Partido do Centro.
de 1914. Naquela época (e até mesmo hoje), Durante o curso da década de 20, torna-
não se soube quem havia sido o culpado, ram-se fortes, no âmbito da sociedade, do
mas, na verdade, a Alemanha e a Áustria, povo e do parlamento, as forças que tinham
de um lado, e a França, a Rússia e a Inglater- uma postura um tanto quanto reservada e
ra, de outro, não queriam necessariamente restrita em relação ao Estado Democrático.
uma guerra, estando, no entanto, dispostos A República de Weimar chegou até a ser cha-
a correr aquele risco devido a seus objetivos mada de “República sem republicanos” por
bélicos. ter sido fortemente combatida por seus ad-
Após a derrota da Alemanha na batalha versários e defendida com pouco empenho
do Marne, a luta permaneceu no oeste, numa pelos seus partidários. Contributos para tal
guerra de trincheiras que deu lugar a gran- efeito foram as dificuldades econômicas do
des batalhas e, conseqüentemente, a muitas pós-guerra e as condições da paz impostas
perdas, tanto de material, quanto de vidas. pelo Tratado de Versalhes, que a Alemanha
Desde o começo da guerra, os primeiros- foi obrigada a assinar em 1919. Tudo isso

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fez crescer uma descrença profunda em re- chegar a uma situação de total ausência de
lação à República, gerando, conseqüente- direitos. Aqueles que tinham condições ten-
mente, uma enorme instabilidade política tavam fugir para o exterior. A perseguição
interna. dos adversários políticos, bem como a re-
A comoção e os percalços do pós-guerra pressão da liberdade de expressão e infor-
alcançaram seu ponto máximo em 1923, com mação, levou milhares de pessoas a aban-
a inflação, com a ocupação da região do rio donar o país. Em meio a isso, muitos inte-
Ruhr, com o intento de golpe de estado por lectuais, artistas e cientistas alemães emi-
Hitler, bem como com as tentativas dos co- graram – o que por si só é suficiente para se
munistas de tomar o poder, entre outros. verificar o tamanho e a extensão da perda
Posteriormente veio uma onda de calmaria (irreparável) para a vida cultural e intelec-
com a recuperação econômica. No entanto, tual daquele país.
o declínio da República de Weimar iniciou- Hitler, porém, ainda estava insatisfeito.
se com a crise econômica que o mundo esta- Tão logo deu início às suas atividades, pla-
va vivendo no ano de 1929. Situações como nejou uma guerra que lhe asseguraria o do-
o desemprego e a miséria geral foram apro- mínio de toda a Europa. Em março de 1939,
veitadas por radicalismos de esquerda e de demonstrou e confirmou sua intenção ao
direita. No Parlamento, não eram capazes mandar suas tropas invadirem a Tchecos-
de constituir maiorias aptas a governar e, lováquia. No dia 10 de outubro de 1939,
nesse sentido, o movimento nazista de Adolf após invasão da Polônia, foi dado lugar à II
Hitler, até então dotado de grande insignifi- Guerra Mundial, que durou cinco anos e meio,
cância, começou a ganhar relevo, a partir de período de maior devastação que se tem
1930, tornando-se, em 1932, o partido mais notícia na Europa, e custou a vida de mais
forte no momento. Assim, em 30 de janeiro de cinqüenta e cinco milhões de pessoas.
de 1933, Hitler é eleito chanceler. Os horrores do sistema (“solução final
Na ditadura nazista, Hitler rompeu com da questão judaica”) e os insucessos milita-
seus aliados, assegurando a si mesmo com- res contribuíram para o crescimento da re-
petências praticamente sem limites com a sistência interna contra Hitler. Em troca de
aprovação de uma “Lei Plenipotenciária”, inúmeras vítimas, Hitler deu prosseguimen-
proibindo a existência de todos os partidos, to à luta, até que todo território do “Reich”
excluindo o seu, por óbvio. Os sindicatos estivesse tomado pelos aliados. Em 30 de
foram desfeitos, os direitos fundamentais fo- abril de 1945, o ditador cometeu o suicídio e
ram revogados e extinguiu-se a liberdade o seu sucessor, designado por ele em seu
de imprensa. O regime agiu com crueldade testamento, o almirante-mor Karl Dönitz, as-
e terrorismo sobre as pessoas que não lhe sinou, oito dias depois, a rendição incondi-
agradavam e milhares dessas pessoas de- cional.
sapareceram em meio aos campos de con- A Alemanha sofrera a maior derrota de
centração instalados. Em 1934, quando toda sua história. A maioria das cidades en-
Hindenburg faleceu, Hitler assumiu também contrava-se em ruínas, 25% das casas fo-
a função de presidente (acumulando com a ram destruídas ou vigorosamente danifica-
de chanceler), apossando-se do comando das, a economia e o transporte paralisados,
supremo das forças armadas, que ainda etc.
gozavam de certa autonomia. Em 5 de junho de 1945, as potências vi-
Tão logo tomou o poder, Hitler, median- toriosas, quais sejam, os Estados Unidos da
te seu regime nazista, iniciou a concretiza- América, a Inglaterra, a França e a União
ção de seu programa anti-semita e, pouco a Soviética, assumiram o poder no território
pouco, os judeus foram sendo privados de do “Reich”. O objetivo principal era estabe-
seus direitos individuais e cívicos, até se lecer o pleno poder de disposição sobre a

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Alemanha, em conformidade com o proto- trução. Assim, no momento em que na Zona
colo de Londres (que havia sido assinado Soviética se realizava a socialização da in-
em 12 de setembro de 1944). A meta dessa dústria, exigia-se na Alemanha Ocidental
política girava em torno da intenção de se um modelo de economia social de mercado,
dividir o país em três zonas de ocupação, e essa meta econômica foi integralizada pela
com a capital Berlim dividida em três (tripar- Lei Fundamental de BONN, por meio de seus
tida) e administrada por um conselho con- princípios do Estado de Direito e Estado
trolador integrado pelos três comandantes- Social, bem como com a estruturação
chefes. federativa da República Federal da Alema-
Em fevereiro de 1945, procedeu-se à Con- nha. Nesse sentido, foi proposital a utiliza-
ferência de Ialta e, nesse sentido, a França ção do termo Lei Fundamental, em vez de
foi admitida no círculo dos Três Grandes, Constituição, denotando seu caráter provi-
sendo acolhida como a quarta potência con- sório. Afinal, a Constituição definitiva só
troladora, ocasião em que lhe foi destinada deveria ser ratificada posteriormente, tão
uma zona específica de ocupação. logo o país readquirisse sua unidade. A Lei
Apesar de a intenção dos Aliados ter Fundamental de BONN entrou em vigor em
sido a supressão da existência da Alema- 23/05/1949, após sua promulgação pelo
nha como Estado, sem parcelar demais o Conselho Parlamentar em BONN.
território, Stalin estava interessado em con- As grandes potências de ocupação oci-
servar a unidade econômica da Alemanha dentais inseriram na Lei Fundamental vári-
e, assim, como reparação pelos danos sofri- os de seus conceitos e crenças e, em 1o de
dos pela URSS em decorrência da inva- julho de 1948 (Documentos de Frankfurt),
são alemã, exigiu pagamentos exorbitan- encarregaram os governadores dos estados
tes, extrapolando a possibilidade de uma ocidentais da Alemanha da elaboração do
zona. texto constitucional.
O país foi dividido em: De acordo com Juan Fernando Badía
– Zona de ocupação ocidental e setores (1995, p. 311), a Lei Fundamental da RFA
ocidentais de Berlim (a partir de 1949, Re- estabelecia dois caminhos para se proceder
pública Federal da Alemanha); à reunificação da Alemanha:
– Zona de ocupação soviética e setor ori- – artigo 23: dizia ser a RFA um Estado
ental de Berlim (a partir de 1949, República federal aberto, na medida em que mantém
Democrática da Alemanha); uma possibilidade de incorporação à RFA
– Territórios orientais sob administração de outras partes da Alemanha. Conseqüen-
polonesa e soviética. temente, as ampliações territoriais da RFA
Após desentendimentos e desencontros efetuadas pelo procedimento previsto no
acerca das políticas de ocupação, principal- artigo 23 não exigiriam nenhuma reforma
mente no que tange a questões econômicas, da Lei Fundamental;
administrativas e políticas, no dia 3 de agos- – artigo 146: previa uma assembléia cons-
to de 1948, Stalin reivindica o reconhecimen- tituinte de toda Alemanha, surgida de elei-
to de Berlim Oriental como capital da RDA, ções gerais livres em todo território alemão. A
que, mais tarde, em 7 de outubro de 1949, expressão “povo alemão” prevista no arti-
ganhou um governo próprio. go 146, quer dizer a totalidade do povo ale-
Os Estados Unidos da América passa- mão, ou seja, tanto a parte oriental, quanto a
ram a ajudar a Alemanha Ocidental a partir parte ocidental.
de 1946, mas só com o Plano Marshall de O autor supra menciona ainda que tais
luta contra a fome, a pobreza, o desespero e artigos (23 e 146) não se excluem pelo fato
o caos a Alemanha Ocidental recebeu o su- de estarem previstos para situações dife-
porte decisivo de largada para sua recons- rentes.

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Por outro lado, a RDA previa no artigo O território da República Federal da Ale-
8.2 de sua Constituição o princípio de apro- manha conta com 357.000 km2 de superfície
ximação gradual dos Estados alemães, até e as fronteiras da República Federal da Ale-
uma unificação, sobre as bases da democra- manha têm uma extensão total de 3.754 km.
cia e do socialismo. Sua população gira em torno de 82,1 milhões
O marco inicial do processo de reunifi- de habitantes, sendo, depois da Federação
cação alemã se deu em setembro de 1989, Russa, o país mais populoso da Europa,
ocasião em que a Hungria abriu suas fron- seguido pelo Reino Unido, com 58,9, a Fran-
teiras para o oeste da Alemanha e mais de ça, com 58,5 e a Itália, com 57,5 milhões de
15 mil alemães da parte oriental escaparam, habitantes.
pela Áustria, para a Alemanha Ocidental.
Posteriormente, Cláudia Maria Toledo da 3.2. A língua
Silveira (2000, p. 73) menciona o fato de que, O alemão é pertencente ao grupo das lín-
após uma série de manifestações pacíficas guas indo-germânicas, mais especificamen-
na Berlim Oriental, o muro de Berlim (que te ao grupo das línguas germânicas e apre-
havia sido construído em agosto de 1961) senta grande semelhança com o dinamar-
caiu e o portão de Brandemburgo foi reaber- quês, o norueguês, o sueco, o holandês, o
to1. Dias depois, o então chanceler federal flamengo e com o inglês. A tradução da Bí-
Helmut Kohl (1982 – 1998) apresentou o Pro- blia por Martinho Lutero foi um dos princi-
grama de Reunificação, tendo sido mais tar- pais motivos que levaram à formação da lín-
de elaborado o Tratado da Unificação, con- gua culta comum a todos os alemães.
solidando-se como a base da integração da Não obstante a língua ser o alemão, a
República Democrática da Alemanha à Re- Alemanha é rica em dialetos e, segundo o
pública Federal da Alemanha. E, em 3 de ou- dialeto e a pronúncia, pode-se reconhecer,
tubro de 1949, é formalizada a unificação da na maioria das situações, seu lugar de ori-
Alemanha, tornando-se a Lei Fundamental gem. Tais dialetos chegam a ser muito dife-
de BONN de 1949 válida para toda a nação. rentes entre si e, dessa forma, muitas vezes,
Nesse sentido, a via utilizada para o pro- habitantes de diferentes estados, ao conver-
cesso reunificador foi aquela prevista no sarem exclusivamente por dialetos, chegam
antigo artigo 23, da incorporação territori- a não entender o que o outro diz.
al. Aplicou-se, portanto, a ampliação do O alemão é língua materna de mais de
âmbito de validade da Lei Fundamental aos 100 milhões de pessoas no mundo. De cada
Länder da ex-RDA. dez livros publicados no mundo, pelo me-
Como conseqüência da unificação, a Lei nos um está escrito na língua alemã; o ale-
Fundamental de 1949 teve seu preâmbulo e mão ocupa o terceiro lugar entre as línguas
alguns artigos emendados mediante o Tra- das quais mais se fazem traduções, perden-
tado da Unificação acima citado. do somente para o inglês e o francês.
3.3. Os Estados Federais – Länder
3. O país hoje – dados gerais2
São dezesseis os Estados que compõem
3.1. Geografia a República Federal da Alemanha. Na
Alemanha, Estados federais são chamados
Atualmente a República Federal da Ale- de Länder e são os seguintes: Baden-
manha está situada no centro da Europa, Württemberg (Stuttgart), Baviera (Munique),
fazendo fronteira com nove países, quais se- Berlim (capital federal), Brandemburgo
jam: Dinamarca, Holanda, Bélgica, Luxem- (Potsdam), Bremen, Hamburgo, Hessen (Wi-
burgo, França, Suíça, Áustria, República esbaden), Mecklemburgo-Pomerânia Oci-
Tcheca e a Polônia. dental (Schwerin), Baixa Saxônia (Hano-

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ver), Renânia do Norte-Vestfália (Düssel- cipais objetivos perseguidos pela Alema-
dorf), Renânia-Palatinado (Mogúncia), Sarre nha. Assim, a atual política alemã está vol-
(Saarbrücken), Saxônia (Dresden), Saxônia- tada aos objetivos de manutenção da paz e
Anhalt (Magdeburg), Schleswig-Holstein da prosperidade, promoção da democracia
(Kiel) e Turíngia (Erfurt). Tanto Berlim, quan- e do avanço dos direitos humanos em todo
to Bremen e Hamburgo são cidades-estados. o mundo e, nesse sentido, o país estabele-
Até a unificação da Alemanha em 1990, ceu alguns pontos para sua atuação na po-
a República Federal da Alemanha contava lítica externa, como se descreve a seguir
com onze Estados, constituídos nas antigas (ALEMANHA..., 2000, p. 192-193):
zonas de ocupação ocidentais e cujas cons- – dar prosseguimento à ampliação da
tituições democráticas foram promulgadas União Européia, para que ela desenvolva a
entre 1946 e 1957. sua capacidade de ação em todos os setores
Na zona de ocupação soviética, foram e no plano global;
formados cinco Estados no território que se – fortalecimento da cooperação de toda a
tornou, mais tarde, a República Democráti- Europa, no âmbito da OSCE (Organização
ca da Alemanha, mas, no dia 3 de outubro para Segurança e Cooperação na Europa);
de 1990, foi consumada a adesão da RDA à – continuar aprimorando a OTAN (Or-
RFA. ganização do Tratado do Atlântico Norte);
Berlim é a atual capital alemã e sua trans- – fortalecer as organizações internacio-
formação em capital da República Federal nais, sobretudo a ONU (Organização das
da Alemanha já está concluída. Segundo o Nações Unidas);
cronograma estabelecido anteriormente – a promoção e a observância dos direi-
para a mudança do governo federal, do Par- tos humanos em todo o mundo;
lamento federal e do Conselho federal de – manter o planeta habitável e digno de
BONN para Berlim, estão praticamente con- viver para as futuras gerações;
cluídas as obras de modernização. Em se- – ampliação das relações de parceria com
tembro de 1999, o Parlamento federal ini- as regiões limítrofes à União Européia, em
ciou seus trabalhos e, desde então, a Alema- nome do desenvolvimento e da estabilidade;
nha voltou a ser governada por sua antiga – a cooperação intensificada com os pa-
capital, Berlim. íses do Sul do Saara e da África, como re-
gião prioritária da política alemã de desen-
3.4. Relações da Alemanha com o exterior volvimento.
Em razão até mesmo de sua posição es- Não obstante, a política exterior alemã
tratégica (a Alemanha encontra-se situada permanece comprometida com a meta de um
no coração da Europa) e por estar bastante desenvolvimento global. A República Fede-
correlata à economia mundial como nação ral da Alemanha mantém relações diplomá-
exportadora, a globalização é evento certo e ticas com praticamente todos os países do
presente no país. mundo, possuindo mais de duzentas mis-
Por terem as experiências históricas sões diplomáticas no exterior.
comprometido a Alemanha de maneira es-
pecial com o Estado de Direito e com os Di- 4. Estado, Constituição e Direito
reitos Humanos, a nova política alemã ori-
enta-se mundialmente pelos princípios dos 4.1. Os Órgãos Constitucionais
direitos humanos e da dignidade humana;
pretende, com isso, servir-se à estabilidade, O Presidente Federal é o chefe de Estado
à paz e ao desenvolvimento. da República Federal da Alemanha. Ele não
A assunção de uma maior responsabili- é eleito por sufrágio universal, mas, sim, por
dade no mundo em mudança é um dos prin- uma Assembléia Nacional, que é um órgão

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constitucional que se forma e reúne exclusi- O Parlamento Federal (Bundestag) da Ale-
vamente para esse fim. O artigo 54 da Lei manha constitui a representação do povo
Fundamental de BONN atribui a eleição do da República Federal da Alemanha. Ele se
Presidente Federal à Assembléia Nacional, forma por eleição do povo a cada quatro
que é um órgão composto pelos membros anos e suas principais tarefas (definidas)
integrantes da Dieta Federal e um número são o controle do governo federal, a legisla-
igual de deputados dos Parlamentos dos ção e a eleição do Chanceler federal.
Estados (Länder), eleitos segundo critérios Ao Parlamento Federal cumpre a tarefa
de proporcionalidade (artigo 54.1.2 da Lei de “votar leis, eleger o Chanceler Federal e
Fundamental de BONN), exigindo-se a mai- exercer outras competências positivadas ju-
oria absoluta dos votos da Assembléia Na- rídico-constitucionalmente” (HESSE, 1998,
cional (FERNANDO BADÍA, 1995, p. 264). p. 428). Hesse (1998, p. 428), menciona tam-
O Presidente federal é eleito para um perío- bém que “não menos importante é, todavia,
do de cinco anos, podendo ser reeleito uma sua participação na configuração de políti-
única vez. ca interna e externa por representação e for-
O Presidente Federal representa a Repú- mulação de aspirações políticas diferentes,
blica Federal da Alemanha no plano do di- por desenvolvimento de iniciativas própri-
reito internacional. Em nome da Federação, as, por exercício de influência e por controle
ele celebra tratados e acordos com outros do governo e administração”.
países: credencia e recebe embaixadores. Mas A eleição dos deputados do Parlamento
a política exterior é da competência do gover- Federal se dá de forma geral, em pleito dire-
no federal (ALEMANHA..., 2000, p. 150). to, livre, igualitário e secreto. Os deputados
Além disso, o Presidente Federal tem do Parlamento Federal são tidos como re-
como função a incumbência de nomear e exo- presentantes do povo em seu conjunto, não
nerar os juízes federais, os funcionários pú- estando ligados a mandatos nem instruções,
blicos da Federação, os oficiais e suboficiais estando unicamente sujeitos a suas consci-
das Forças Armadas, bem como também é o ências.
Presidente que concede indulto a delinqüen- O Conselho Federal (Bundesrat) represen-
tes e verifica a constitucionalidade de uma ta os dezesseis Estados federais (Länder).
lei antes mesmo de ser publicada no Diário Apresenta ele uma enorme contribuição por
Oficial da República. meio da participação na legislação e na ad-
De acordo com as maiorias parlamenta- ministração da Federação. Konrad Hesse
res, é o Presidente Federal que propõe ao (1998, p. 452) afirma que “as tarefas do Con-
Parlamento federal um candidato ao cargo selho Federal estão menos em determinação
de Chanceler federal e é ele também que no- e direção autônoma do que em cooperação e
meia e exonera os Ministros e Ministros Fe- exercício de influência controlador e corre-
derais, por indicação do Chanceler. tor”. Mas aqui, diferentemente do Parlamen-
Desde a promulgação da lei Funda- to Federal (Bundestag), os membros do Conse-
mental de BONN em 1949, estiveram no car- lho Federal não são representantes eleitos di-
go de Presidente Federal os seguintes no- retamente pelo voto popular, pois o Conse-
mes: Theodor Heuss (FDP 3) 1949-1959; lho Federal é formado por membros dos go-
Heinrich Lübke (CDU4) 1959-1969; Gustav vernos estaduais ou por seus representantes.
Heinemann (SPD 5 ) 1969-1974; Walter O presidente do Conselho Federal é elei-
Scheel (FDP) 1974-1979; Karl Carstens to pelo próprio Conselho pelo período de
(CDU) 1979-1984; Richard v. Weizsäcker um ano, segundo um sistema rotativo já pre-
(CDU) 1984-1994; Roman Herzog (CDU) viamente definido; quando o Presidente Fe-
1994-1999; Johannes Rau (SPD) 1999-2004; deral se encontrar impedido, é o presidente
Horst Köhler (CDU) desde 23 de maio de 2004. do Conselho Federal que o representará.

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O Governo Federal, também conhecido federal tem de eleger simultaneamen-
como gabinete ministerial, é composto pelo te um sucessor, com maioria de votos”
Chanceler Federal e pelos Ministros (ALEMANHA..., 2000, p. 156).
Federais. O Chanceler Federal se encontra A derrubada do Chanceler Federal por
numa função de destaque dentro do Gover- meio da utilização da mencionada “moção
no Federal, assumindo uma posição autô- construtiva de desconfiança” foi tentada
noma dentro do governo, bem como perante apenas duas vezes até os dias de hoje, mas
os Ministros federais. somente uma vez essa tentativa logrou êxi-
Os três princípios que regem a estru- to, quando em outubro de 1982 foi eleito
tura de funcionamento de um Governo Helmut Kohl para o cargo após a utilização
são, de acordo com Fernando Badía (1995, do voto de desconfiança contra o Chanceler
p. 288): Helmut Schmidt. Mas o instituto da “mo-
“1) Princípio de ‘colegialidad’ pura, ção de desconfiança” só recai sobre Chan-
segundo o qual toda decisão há que celeres e em hipótese alguma sobre Minis-
ser manifestação da vontade comum. tros federais.
É o Conselho de Ministros que, como Desde a promulgação da lei Fundamen-
órgão coletivo, atua; tal de BONN em 1949, estiveram no cargo
2) Princípio monocrático absolu- de Chanceler Federal os seguintes nomes:
to, por ele que se dá a completa subor- Konrad Adenauer (CDU) 1949-1963; Lu-
dinação dos ministros ao Presidente dwig Erhard (CDU) 1963-1966; Kurt Georg
do Conselho. Os ministros são meros Kiesinger (CDU) 1966-1969; Willy Brandt
auxiliares do Presidente do Conselho (SPD) 1969-1974; Helmut Schmidt (SPD)
ou Chefe de Governo; 1974-1982; Helmut Kohl (CDU) 1982-1998;
3) Princípio ministerial individu- Gerhard Schröder (SPD) desde 1998.
al, que supõe a total autonomia de O Tribunal Constitucional Federal possui
cada Ministro nos assuntos de seu de- sede na cidade de Karlsruhe e tem como ta-
partamento.” refa principal velar pela observância e com-
O Chanceler Federal (kanzler) possui o prometimento com a Lei Fundamental. O
privilégio de estabelecer as diretrizes da TCF somente atua mediante provocação.
política do governo e é exatamente aí que se Quanto à natureza do TCF, podemos dizer
encontra a razão/motivo da forte posição que o “reconhecimento da jurisdição cons-
do Chanceler no Governo Federal. titucional como uma atividade eminente-
“O Chanceler federal é o único mente judicial é algo que decorre paralela-
membro do gabinete ministerial eleito mente à implantação do TC como um au-
pelo Parlamento federal e é o único a têntico Tribunal de Direito, e não como um
prestar contas ao mesmo. Esta respon- órgão político que atua por via jurídica”
sabilidade pode manifestar-se na ‘mo- (FERNANDO BADÍA, 1995, p. 294).
ção construtiva de confiança’, intro- “O Tribunal Constitucional Federal é, di-
duzida pela Lei Fundamental para se ante de todos os órgãos constitucionais res-
diferenciar conscientemente da Cons- tantes, um tribunal da federação, autônomo
tituição da República de Weimar. Seu e independente (§ 1o da Lei sobre o Tribunal
objetivo é evitar que os grupos de opo- Constitucional)” (HESSE, 1998, p. 488). Isso
sição – que estejam de acordo entre si pode ser ilustrado pelo fato de que a admi-
quanto à rejeição do governo, mas não nistração do Tribunal é independente, não
quanto a um programa governamen- possuindo subordinação com relação a ne-
tal alternativo – possam derrubar o nhum ministério, bem como também por
gabinete. Ao negar a confiança ao possuir o órgão um plano autônomo no pla-
Chanceler federal, o Parlamento no orçamentário da federação; além disso,

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seus membros (juízes) possuem uma regu- BONN, que, naquela época, contava com
lação diferente daquela dos demais juízes uma população girando em torno de 100.000
de outros tribunais. habitantes (naquele período, houve uma
O Tribunal Constitucional Alemão é um disputa acirrada com a cidade de Frankfurt,
órgão constitucional bastante aberto, na me- para ser a Capital Federal).
dida em que todo cidadão tem direito de in- No entanto, posteriormente à reunifica-
terpor um recurso constitucional junto a ele ção da Alemanha, foi decidido pelo Parla-
quando se sentir lesado em seus direitos mento Federal, em 20 de junho de 1991, com
fundamentais pelo Estado. Antes, porém, os 337 contra 320 votos, que se deveria transfe-
cidadãos têm, em geral, de tentar todos os rir o Parlamento e o governo da cidade de
recursos nos tribunais competentes. Daí, Bonn para a cidade de Berlim7. Adicional-
portanto, um certo caráter subsidiário/su- mente, em 27 de setembro de 1996, também
pletivo. foi aprovada pelo Conselho Federal sua mu-
A título de ilustração, o Tribunal Consti- dança para a cidade de Berlim, decisão essa
tucional Alemão decidiu até os dias atuais que foi integralmente realizada em 1999.
cerca de 130.000 processos, dos quais
125.000 casos tratavam de recursos consti- 4.2. A Lei Fundamental
tucionais. E desses 125.000 casos, somente A seguir, um quadro comparativo das
cerca de 3.500 foram deferidos6. Constituições alemãs até se chegar à Lei
A composição do Tribunal Constituci- Fundamental de BONN (Constituição
onal Federal Alemão se dá da seguinte for- atualmente vigente):
ma: o Tribunal é composto por dois “Se- Em julho de 1948, reúnem-se os Minis-
nados” que possuem oito juízes cada um, tros-Presidentes da zona de ocupação oci-
sendo que a metade dos juízes é designa- dental (Trizona) em Rittersturtz, para deci-
da pelo Parlamento federal e a outra meta- direm acerca da elaboração de uma norma
de pelo Conselho federal. O mandato dos fundamental para os Estados alemães sob
juízes membros do TCF é de doze anos, sen- ocupação das potências ocidentais
do, no entanto, vedada a possibilidade de (FERNANDO BADÍA, 1995, p. 264). Os ór-
reeleição. gãos constituintes de 1948 foram as Assem-
A Capital Federal da Alemanha foi esco- bléias Legislativas dos Estados que foram
lhida pelo Conselho Parlamentar (apenas criados nas zonas de ocupação ocidentais e
provisoriamente), em 10 de maio de 1949, o Conselho Parlamentar, que foi eleito pelas
como sendo a cidade universitária de Assembléias Legislativas. E foi o Conselho

REGIME FORMA DE SISTEMA DE


APROVAÇÃO VIGÊNCIA
POLÍTICO ESTADO GOVERNO
1849 _______8 Monarquia Confederação Parlamentar
Limitada
1871 Até 1918 Monarquia Confederação Semiparlamentar
Imperial
1919 Até 19339 República Federação10 Semipresidencialista

1949 Em vigor República Federação Parlamentarismo


de chanceler

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 135


Parlamentar, presidido pelo Chanceler nha propriamente um caráter de de-
Konrad Adenauer, que aprovou a Lei Fun- claração programática, sem compro-
damental, promulgada no dia 23 de maio misso” (ALEMANHA..., 2000, p. 145).
de 1949 pelo Conselho Parlamentar, após A Ordem Nacional da Lei Fundamental é
aprovação pelas Assembléias Legislati- matizada por cinco princípios-base: a Ale-
vas. manha é uma república, uma democracia,
Assim, já em 2004, os alemães contam um Estado federativo, um Estado de direi-
com a celebração de mais de meio século to e um Estado social.
(exatamente 55 anos) de experiência com O nome dado ao país de República Fe-
essa “nova” Constituição. A aceitação/le- deral da Alemanha no texto constitucional
gitimação da Lei Fundamental de BONN foi denota expressamente a forma republicana
a maior ocorrida perante os cidadãos, como do Estado. E a principal característica des-
antes nenhuma outra Constituição havia se princípio está no fato de o Presidente fe-
sido. Um Estado de Direito como hoje o é a deral (eleito por voto) ser o chefe de Estado.
República Federal da Alemanha, país esse O regime democrático foi escolhido pela
livre de maiores crises constitucionais, só Alemanha mediante a LF tendo em vista as
foi possível após a promulgação da Lei Fun- experiências vividas na República de
damental em 1949. Weimar, em que os partidos radicais, “os
Conforme dito anteriormente, a Lei inimigos”11 da Constituição, destruíram
Fundamental não foi feita para ser uma qualquer noção que se tinha de democracia.
Constituição definitiva, possuindo, des- O alicerce da forma democrática do Estado
de sua entrada em vigor, um caráter está no princípio da soberania popular.
transitório. A escolha pelo Estado Federativo signi-
A Lei Fundamental de BONN enumera fica que não só a Federação, mas também
os direitos fundamentais dos cidadãos logo os dezesseis Estados federais se encon-
no início do seu corpo de texto, o que deno- tram na qualidade de Estados autônomos.
ta, para muitos, a preocupação em se evitar O cerne do Estado de Direito é a idéia
(e mesmo prevenir) os erros cometidos no do domínio do direito e um elemento es-
passado, erros esses que deram ensejo ao sencial para sua visualização é o princí-
ocaso da República de Weimar, e, ao fazê- pio da separação dos poderes.
lo, a Constituição alemã, por meio do Esta- Finalmente, o princípio do Estado So-
do (e vice-versa), compromete-se a respeitar cial é o último princípio-base da Ordem
e proteger os cidadãos, tendo como suporte Nacional da Lei Fundamental e é ele uma
essencial o princípio da dignidade da pes- complementação à idéia do Estado de Di-
soa humana. reito. O Estado Social se concretiza para o
De acordo com a Lei Fundamental, povo com a seguridade social, a assistên-
“a maioria dos direitos fundamentais cia social, os subsídios habitacionais, os
pode ser restringida numa certa me- auxílios prestados às famílias, o direito
dida, diretamente, através de lei pró- trabalhista, entre vários outros.
pria, ou indiretamente, em decorrên-
cia de uma lei. Jamais, porém, a lei 5. Reforma da Constituição
pode afetar a substância de um direi- da Alemanha
to fundamental. Os direitos funda-
mentais são direitos de vigência ime- A Lei Fundamental ou a “Grundgesetz
diata e esta é uma das principais ino- für die Bundesrepublik Deutschland, de 23
vações da Lei Fundamental em rela- de maio de 1949, no seu artigo 79, § 1o, esta-
ção às Constituições anteriores, cujo tui que ‘a Lei Fundamental só pode ser alte-
elenco de direitos fundamentais ti- rada por uma lei que expressamente com-

136 Revista de Informação Legislativa


plete ou modifique o seu texto’” (FIÚZA, lativo, Executivo e Judiciário subverterem a
1997, p. 330). Percebe-se, portanto, como ordem constitucional.
salienta o autor mencionado, que se trata de Com isso, verifica-se, pois, que qualquer
emendas aditivas ou modificativas, encon- alteração constitucional que atinja o núcleo
trando-se aí incluídas as supressivas. material ou núcleo essencial/permanente
Prosseguindo, e talvez até mesmo em (núcleo “duro”) da Constituição está abso-
atenção ao momento em que a Constituição lutamente proibida.
foi promulgada – ou seja, logo após os hor- Para Konrad Hesse (1998, p. 511), em sua
rores da Segunda Guerra Mundial, com to- obra “Elementos de Direito Constitucional
das as suas perdas, o genocídio dos cam- da República Federal da Alemanha”,
pos de concentração, etc. –, o mesmo artigo “nenhuma Constituição pode, por
estabelece que, em se tratando de tratados uma proibição de determinadas mo-
internacionais relativos à regulamentação dificações constitucionais, ser manti-
da paz, à preparação de uma regulamenta- da viva se ela perdeu sua força nor-
ção da paz, ou à extinção de uma ordem mativa. De outro lado, tampouco ela é
jurídica criada pela ocupação, ou que sejam capaz de cumprir sua tarefa quando
destinados a servir à defesa da República ela, em sua totalidade, é posta à dis-
Federal da Alemanha (RFA), será suficien- posição de uma maioria de dois ter-
te, para esclarecer que as disposições da ços: nesse caso, o artigo da modifica-
Constituição não se opõem à conclusão e à ção converte-se em núcleo da Consti-
entrada em vigor de tais tratados, incluir no tuição: a única coisa que está estabe-
texto da Lei Fundamental uma complemen- lecida é que tudo pode ser alterado ou
tação ou um adendo que se limite a esse es- eliminado”.
clarecimento. Para o mesmo autor, a Constituição deve
O artigo 79 (2), por sua vez, determina o prever uma abertura para que se produza a
quorum para aprovação das leis de revisão conservação da continuidade na transfor-
constitucional, e esse quorum requer dois ter- mação histórica, isso porque somente a his-
ços dos membros do Parlamento Federal tória pode se sobrepor ao estabelecimento
(Bundestag) e um mínimo de dois terços dos tido como definitivo por (e em) uma Consti-
votos12 do Conselho Federal (Bundesrat). tuição. Assim, prossegue o autor afirmando
No entanto, e de acordo com o artigo que, quando a Constituição não mais apre-
79 (3), certas disposições da Lei Funda- senta essa abertura, possibilitando “uma
mental são imutáveis/intocáveis, as cha- adaptação na transformação das situações
madas cláusulas de “eternidade” ou clá- históricas, a autorização do legislador mo-
usulas “intangíveis”. Entre esses princí- dificador da Constituição” (HESSE, 1998,
pios constitucionais, enumeram-se: p. 511) deve abrolhar para suprir essa defi-
– a Federação em Länder; ciência. Nesse sentido, é facilmente verifi-
– o princípio da participação dos Länder cável que a Lei Fundamental autoriza o le-
na legislação; gislador modificador da Constituição so-
– os princípios consignados nos arti- mente no quesito modificação, não, po-
gos 1 o e 20 da própria Lei Fundamental. rém, para abolição ou eliminação da es-
No artigo 1o, tem-se uma preocupação sência ou integridade da Constituição. E
com a proteção da dignidade do homem, bem o que ocorre é o seguinte: a Constituição
como com a vinculação do Poder Estatal aos permanece porque há possibilidade de
direitos fundamentais, e o artigo 20 trata dos reforma (seja por mutação constitucional
fundamentos de ordem estatal e do direito interpretativa, seja por reforma formal). A
de resistência, como sendo a última alterna- Constituição permanece exatamente por-
tiva no caso de os órgãos dos Poderes Legis- que não permanece.

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 137


A Lei Fundamental de BONN possui papel a ser desempenhado pelo Parlamen-
um texto com cento e quarenta e seis arti- to Federal (Bundestag) e pelos Länder no pro-
gos e cerca de cinqüenta e duas Revisões/ cesso de desenvolvimento da integração
Emendas à Lei Fundamental. européia, mediante a afirmação de uma
Fazendo uma breve avaliação das revi- União Européia.
sões constitucionais até então realizadas, po- Em novembro de 1995, entrou em vi-
demos citar aqui algumas delas, considera- gor a emenda no 43, alterando o artigo 106
das as mais expressivas. (3) e (4), estabelecendo a política de dis-
A revisão constitucional de no 17, data- tribuição da entrada de tributos, como o
da de 24 de junho de 1968, entre outras coi- imposto de renda. Já em 1997, a emenda
sas, deu poderes ao Parlamento Federal no 44 tratou da garantia da autonomia
(Bundestag) para autorizar, por meio de lei, municipal.
a vigilância sobre comunicações, sem aviso A emenda no 45, aprovada em 26 de mar-
ao vigiado. Além disso, o controle das ço de 1998, cuida da inviolabilidade de do-
ações dos órgãos criados para supervisi- micílio e a emenda no 46 reforma questões
onar essas atividades (de vigilância) foi sobre a Legislatura, constituição e convoca-
retirado do Poder Judiciário, tendo sido ção do Parlamento Federal (Bundestag).
entregue às autoridades administrativas. Por fim, uma das mais recentes emen-
A emenda no 36, aprovada em 31 de agos- das, a de no 50, cuidou da proteção aos ani-
to de 1990, que teve como base o Tratado de mais.
Unificação, reformou13 o preâmbulo, os arti- A título de ilustração, dois casos questi-
gos 23, 51 (2), 135 (2), 143 e 146. Visando já onando a constitucionalidade de emendas
a abertura dos mercados, bem como a har- à Lei Fundamental serão aqui (sucintamen-
monização de toda a Europa, foram feitas te) avaliados, casos esses aventados por
emendas constitucionais de amplo efeito Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 148-159), em
prático para as privatizações da Ferrovia sua obra A Constituição e sua Reserva de Justi-
Federal Alemã – emenda no 40 (art. 87e, de ça. Cabe salientar, porém, que, até os dias de
20 de dezembro de 1993) – e do Correio Fe- hoje, o Tribunal Constitucional Federal
deral Alemão – emenda no 41 (art. 87f, de 30 (TCF) jamais julgou inconstitucional uma
de dezembro de 1994). emenda em face da Lei Fundamental de
Foram aprovadas novas revisões consti- 1949 por ter sido violadora das cláusulas
tucionais tratando das metas estatais de pro- constitucionais “intangíveis” ou das cha-
teção ao meio ambiente, de implementação madas cláusulas constitucionais de “eter-
real da igualdade de direitos entre o homem nidade”. No entanto, conforme ponderação
e a mulher, bem como da proteção dos defi- do autor supra, a argumentação utilizada
cientes. Além disso, foram feitos acréscimos pelo Tribunal Constitucional Federal não
modificadores na matéria atinente à distri- afasta a possibilidade dessa função vir a ser
buição das competências legislativas entre exercida.
a Federação e os Länder.
Considerando a nova situação do Trata- a) “Privacidade de Comunicação” –
do de Maastricht, foi aprovada outra emen- “BverfGE” (decisão de 1970)
da constitucional, estatuindo no sentido de Conforme já adiantado anteriormente, a
que a Lei Fundamental agora deve prever emenda no 17 cuidou da questão da privaci-
um esforço da República Federal da Alema- dade de comunicação. Com o intuito de ve-
nha em buscar e se empenhar sempre em rificar/vigiar atos de espionagem e sabota-
atingir uma Europa que seja unida, solidá- gem, Grã-Bretanha, França e Estados Uni-
ria e democrática. Após a reforma constitu- dos mantiveram o sistema de comunicações
cional, o novo artigo 23 regula também o alemão sob sua supervisão até que acordas-

138 Revista de Informação Legislativa


sem acerca da transferência desse poder ao ‘dignidade humana’, uma vez que os
Governo alemão. Para tanto, foi aprovada indivíduos não seriam deixados ao
uma emenda ao art. 10 da Lei Fundamental, arbítrio das autoridades públicas, mas
emenda essa que dava poderes ao Parlamen- deveriam ser protegidos por alguma
to para autorizar, por intermédio de lei, a ‘função equivalente ao controle
vigilância sobre comunicações sem que a jurisdicional’”(VIEIRA, 1999, p. 151).
pessoa sob vigilância tivesse que ser infor- Concordando com os votos dissidentes
mada, bem como, retirava da esfera judicial no caso em questão, entende-se que o artigo
o controle das ações dos órgãos criados para 79 (3) da LF protege não só os valores preco-
supervisionar as comunicações, deixando nizados nos artigos 1o e 20 de sua total abo-
a cargo das autoridades administrativas. Os lição, mas também, e especialmente, de qual-
Länder Hessen e Bremen, juntamente com um quer alteração que afete sua essência ou sua
grupo de advogados e juízes, ajuizaram al- integridade. Afinal, conforme afirmou a mi-
gumas ações de inconstitucionalidade jun- noria no Tribunal, “direitos só devem ser
to ao TCF, argüindo que a emenda violava restringidos em situações de emergência,
os artigos 1o e 20 da Lei Fundamental. não em situações legais cotidianas: ‘é con-
O Tribunal, em sua maioria, considerou traditório abandonar princípios constituci-
constitucional tanto a emenda quanto a lei onais inalienáveis para proteger a Consti-
que a regulamentava, alegando que, desde tuição’” (VIEIRA, 1999, p. 152).
que respaldadas pela lei, restrições a direi-
tos em função da proteção da integridade b) “O Tratado da União Européia” –
da República Federal e de seu sistema de- “BverfGE” (decisão de 1993)
mocrático eram tidas como válidas. Medi- A chamada “cláusula européia” é resul-
ante a utilização da doutrina da “democra- tado de uma Emenda feita ao artigo 23 da
cia militante” (Streitbare Demokratie), “o Tri- Lei Fundamental com vistas a torná-la com-
bunal declarou que ataques à democracia patível com o processo de unificação da
liberal não podem ser tolerados em nome de União Européia, ou seja, para tornar a rati-
um uso abusivo dos direitos fundamentais” ficação do Tratado de Maastricht compatí-
(VIEIRA, 1999, p. 150). vel com a LF.
Para o Tribunal, o escopo do artigo 79 A alegação objeto de questionamento da
(3) da LF está em proteger os valores incor- constitucionalidade de tal revisão perante
porados pelos artigos 1o e 20 apenas em re- o Tribunal Constitucional Federal se deu
lação à sua completa eliminação. Além dis- pelo fato de que tanto o Tratado de
so, para a maioria, nem o princípio da “dig- Maastricht quanto a própria emenda viola-
nidade humana” nem o do “Estado de Di- vam diretamente o princípio da democra-
reito” foram violados, já que somente os prin- cia. “Para os requerentes, a transferência de
cípios da “separação de poderes”, “submis- poderes soberanos para uma instituição que
são da legislação à Constituição” e “sub- exercita este poder sem legitimação popu-
missão dos poderes ao Direito e à Justiça” lar é incompatível com a Lei Fundamental”
estão assegurados pelo artigo 20. O que ex- (VIEIRA, 1999, p. 157); além disso, a trans-
cede tais princípios não está protegido pelo ferência de poderes do Bundesbank para o
artigo 20. Banco Central Europeu demonstraria ain-
Quanto ao princípio da “dignidade da da mais uma infração do princípio demo-
pessoa humana”, o Tribunal, em sua maio- crático.
ria, afirmou que a Quanto à transferência de poderes sobe-
“exclusão da possibilidade de revisão ranos para uma organização supranacio-
dos atos do Executivo pelo Judiciário nal, o Tribunal declarou que não houve
também não violava o princípio da transgressão ao princípio da democracia em

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 139


razão de o Parlamento (por ser um órgão outra Constituição anterior” (ALEMA-
eleito pelo povo) continuar sendo o cerne NHA..., 2000, p. 143).
do poder. Por outro lado, quanto à alegação Verifica-se, portanto, que o respeito e o
de transferência de poderes do Bundesbank reconhecimento que se tem na Lei Funda-
para o Banco Central Europeu, o Tribu- mental ultrapassam obstáculos, como, v.g.,
nal declarou que a imposição da Constituição, o período de
“Esta alteração no princípio demo- turbulência característico do momento em
crático, com o propósito de proteger que precedeu ou que foi aprovada – na se-
a confiança depositada no valor da qüência dos horrores da 2a Guerra –, que
moeda, é aceitável porque leva em poderiam facilmente ter enfraquecido e de-
conta as características especiais sacreditado aquela nova proposta. Mas por
(testadas e aprovadas – também em outro lado, e de uma maneira até admirável,
termos científicos – no sistema jurí- o povo daquele país, já marcado pelo sofri-
dico alemão), que um Banco Central mento e desgaste do período, preferiu dar
independente é uma melhor garan- um voto de confiança àquela perspectiva que
tia do valor da moeda, e assim de se apresentara.
uma sadia base econômica para as É sabido que a Lei Fundamental de
políticas orçamentárias consisten- BONN não foi aprovada para ser uma Cons-
tes e para o planejamento privado e tituição definitiva, categórica. Desde o iní-
comercial, no exercício de direitos cio, foi-lhe reconhecido um caráter efêmero.
de liberdade econômica, do que ins- Mas, a despeito disso, a identificação cons-
tituições estatais (...) que se apóiam titucional foi tão grande que, mesmo tendo
no consenso – no curto prazo – das a Alemanha recuperado sua autonomia e
forças políticas” (VIEIRA, 1999, p. poder, ainda assim, o povo alemão decidiu
158). pela permanência da Lei Fundamental em
sua essência.
6. Conclusão É claro que, para que isso fosse possível,
ou seja, para que a Lei Fundamental perma-
Numa tentativa de traçar um perfil para necesse no tempo, era necessário promover
(e da) República Federal da Alemanha, sua adaptação às distintas situações e evo-
torna-se tarefa fácil verificar o quão sóli- luções que estavam emergindo.
do é o constitucionalismo ali presente. A Nesse sentido, e conforme ventilado no
Constituição da Alemanha foi, como Lei decorrer deste trabalho, o Estado Federal
Fundamental, a Lei Fundamental de Alemão, algumas vezes corretamente e ou-
BONN, e essa denominação se deu de for- tras, porém, deixando margem a questiona-
ma propositada, já que os alemães não mentos, mas de uma maneira geral dentro
admitiam chamar de Constituição aquela das regras impostas pelo Estado Democrá-
norma constitucional que havia sido im- tico de Direito, tentou buscar soluções para
posta pelos vencedores da 2o grande Guer- o problema das gerações futuras e, dessa
ra Mundial, em especial os Estados Uni- forma, procurou encontrar adaptações ao
dos da América. que estava preconizado, por meio de rein-
Não obstante isso, e por ocasião da come- terpretações, e, quando isso não foi possí-
moração de 20 anos da República Federal da vel, abriu-se espaço para reconstruções por
Alemanha, “em 1969, a Lei Fundamental foi emendas ou revisões constitucionais.
celebrada como sendo a melhor e mais liberal Assim, conforme já salientado, em meio
Constituição que vigorou em território ale- à aprovação de várias emendas, houve a pre-
mão, em qualquer época. A Lei Fundamen- ocupação em alinhar o país aos ditames do
tal foi aceita pelos cidadãos como nenhuma Tratado de Unificação, na busca de uma

140 Revista de Informação Legislativa


solidariedade em toda a Europa. Preocu- Notas
pou-se com a abertura de mercados, com a
proteção ao meio ambiente, questão da mais 1
“Com respeito à queda do Muro, em novem-
extrema importância nos dias de hoje, com bro de 1983, e à consumação da unidade alemã em
3 de outubro de 1990, muitos alemães ainda conti-
a proteção dos deficientes, mediante uma nuaram admirados com a rapidez com que esse
postura cada vez mais saliente, a do cuida- inesperado desenvolvimento histórico se processou.
do com a inclusão do outro, do diferente. A obrigação da reunificação já estava prescrita na
Além disso, buscou, ainda que tardiamen- Lei Fundamental da República Federal da Alema-
te, estabelecer a igualdade de direitos entre nha, mas a maioria das pessoas já tinha perdido a
esperança de que algum dia ambas as partes da
o homem e a mulher. Eminentemente, apro- Alemanha pudessem se reunificar. O objetivo da
priou sua política às novas definições esta- RDA era o socialismo, que só poderia ser alcança-
belecidas no Tratado de Maastricht, com do contra o oeste, lado a lado com a nação irmã, a
vistas a superar a divisão do continente e, União Soviética. Os cidadãos não podiam nem
com isso, simbolizando o fortalecimento da mesmo entoar o texto do seu hino nacional, pois
nele havia a frase ‘Alemanha, pátria unida’. Foi
democracia e do potencial econômico da exatamente esta sentença que se tornou o fanal dos
Europa como um todo. manifestantes nas cidades da Alemanha oriental
Portanto, é imperioso reconhecer o em- em 1989. Sim, é verdade: o fim do Estado comunis-
penho da República Federal da Alemanha ta de trabalhadores e camponeses foi a primeira
em se promover, sempre de uma maneira revolução alemã bem-sucedida e, além do mais,
pacífica e democrática. Aquele que, naqueles dias,
fundamentada e evolucionista. A Lei Fun- participou pessoalmente ou acompanhou pela tevê
damental de BONN demonstra corretamen- a festa de alegria na Porta de Brandemburgo, que
te saber coordenar a “rigidez” e a “mobili- finalmente estava novamente aberta, se recordará
dade” da Constituição. Afinal, ambas as ca- sempre dessa data com grande emoção e com a
racterísticas são sensação de ter presenciado um dos momentos
decisivos da história mundial”. (SCHMID, 2003,
“por causa da tarefa da Constituição, p. 6-7).
necessárias a abertura e amplitude, 2
Dados/informações retirados da obra Perfil
porque somente elas possibilitam sa- da Alemanha publicada pelo Departamento de Im-
tisfazer a transformação histórica e a prensa e Informação do Governo Federal alemão
diferenciabilidade das condições de em 2000, da Revista Deutschland, Frankfurt, n o 4
ago./set. 2003 e de página na Internet. Disponível
vida, as determinações obrigatórias, em: <www.government.de. (Bundesregierung
porque elas, em seu efeito estabiliza- Deutschland).
dor, criam aquela constância relativa, 3
Partido Liberal Democrata (FDP).
que somente é capaz de preservar a 4
União Democrata Cristã da Alemanha (CDU).
vida da coletividade de uma dissolu-
5
Partido Social Democrático da Alemanha
(SPD).
ção em mudanças permanentes, imen- 6
Dados/informações retirados da obra Perfil
sas e que não mais podem ser venci- da Alemanha publicada pelo Departamento de Im-
das. É necessária a coordenação des- prensa e Informação do Governo Federal alemão
ses elementos para que ambos possam em 2000.
cumprir sua tarefa. O persistente não
7
“Berlim é ao mesmo tempo um Estado e uma
cidade e também a capital da República Federal da
deve converter-se em impedimento Alemanha. Com 3,4 milhões de habitantes – dos
onde movimento e progresso são da- quais 440.000 são estrangeiros provenientes de 182
dos: senão o desenvolvimento passa nações –, Berlim é a maior cidade entre Paris e Mos-
por cima da normalização jurídica. O cou. Abrangendo uma área de 892 quilômetros
movente não deve abolir o efeito esta- quadrados – o tamanho de Munique, Stuttgart e
Frankfurt do Meno juntas –, a mais nova metrópole
bilizador das fixações obrigatórias: reúne em si os mais diversos centros, bairros e dis-
senão a tarefa da ordem fundamental tritos”. (KARASEK, 2003, p. 30).
jurídica da coletividade permanece 8
Em 1849, o imperador austríaco recusou a
invencível”(HESSE, 1998, p. 45). coroa da Alemanha unida alegando que sua auto-

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 141


ridade sobre a Hungria ficaria enfraquecida e o rei Referências
da Prússia à época, Frederico Guilherme IV, tam-
bém recusou a coroa, mas por considerá-la extre- ALEMANHA. Ley Fundamental para la Republica Fe-
mamente liberal. Nesse sentido, não se conside- deral de Alemania. Bonn: Departamento de Prensa e
ra uma Constituição para o período que vai de
Información Del Gobierno Federal, 1949.
1848 a 1871, exatamente porque não havia uma
consolidação/solidificação constitucional sufi- ALEMANHA. Perfil da Alemanha. Tradução de
ciente para se falar em uma Norma Constitu- Assis Mendonça. Frankfurt, Meno: SocietätsVerlag,
cional. 2000.
9
Não obstante nunca ter havido um ato formal
FERNANDO BADÍA, Juan (Coord.). Regímenes
de revogação expressa, a “Lei de Habilitação” ado-
políticos actuales. 3. ed. rev. e aum. Madrid: Tecnos,
tada pelo Estado Nacional-socialista suspendeu
1995.
materialmente a vigência da Constituição da Re-
pública de Weimar. DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constitui-
10
Para muitos doutrinadores, não se pode falar ção e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte:
em um Federalismo weimariano, por afirmarem que Mandamentos, 1998.
a República se aproxima muito mais de um mode-
lo de Estado unitário descentralizado sob forma FIÚZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Direito consti-
regional. tucional comparado. 3. ed. rev. Belo Horizonte: Del
11
Para Carl Schmitt (considerado um conserva- Rey, 1997.
dor revolucionário que teve seu apogeu entre as HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional
duas grandes guerras, ou seja, nas décadas de 20 e da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís
30, portanto, contemporâneo à República de Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Weimar), a dualidade amigo/inimigo constitui es- Editor, 1998.
tritamente a Política. Para Schmitt (apud DINIZ,
1998, p. 155) é importante identificar claramente KARASEK, Hellmuth. Um resumo ilustrado da
quem pode representar a ameaça à sobrevivência capital alemã: retrato de um Estado federado.
do que ele considera como o “meu grupo”. “O ini- Deutschland, Frankfurt, n. 6, p. 30-38, dez./jan. 2003.
migo político, pois, é o permanente inimigo públi- MAGALHÃES, José Luiz Quadros (Coord.). Pacto
co. A relação política, isto é, a relação amigo/ini- federativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.
migo, é concreta e existencial, além disso, é deter-
minada em virtude de uma decisão da autoridade SILVEIRA, Claúdia Maria Toledo da. O Estado
política”. Federal Alemão. In: MAGALHÃES, José Luiz Qua-
12
“A expressão votos do Conselho Federal se dros (Coord.). Pacto federativo. Belo Horizonte: Man-
explica pelo fato de que tal órgão é formado por damentos, 2000.
membros dos governos dos Estados federados, sen-
SCHMID, Klaus-Peter. 13 anos de unificação ale-
do que cada Estado tem, pelo menos, três votos,
mã. Como se unificam as partes de um todo?.
podendo ter mais, conforme o seu número de habi-
Deutschland, Frankfurt, n. 4, p. 05-13, ago./set. 2003.
tantes”. (FIÚZA, 1997, p. 330).
13
Salienta-se que as reformas ocorridas podem STATE and citizens. Bundesregierung Deutschland.
ser dos seguintes tipos: reforma, derrogação e agre- Disponível em: <www.government.de/>. Acesso
gação, dependendo de cada caso. em: 27 maio 2004.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva
de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao
poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999.

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