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Universidade Federal de Pelotas – UFPel

Centro de Artes
Disciplina: História da Música I
Material didático produzido pelo Prof. Dr. Werner Ewald

Monodia Secular
(Considerações Gerais)

Antes de tudo, é preciso esclarecer o termo secular: ele será utilizado aqui no
sentido de não religioso, ou, não ligado a uma instituição religiosa. Pode ser entendido,
neste texto, também como popular ou folclórico.
Até aqui estudamos a canção monódica devocional, ou seja, a música mágico-
religiosa por assim dizer, embora o termo monodia não tenha sido aplicado àquelas
canções. Isto porque, em história da música, o repertório tradicionalmente caracterizado
como “monodia secular” são as canções -ou mesmo as peças puramente instrumentais-
de cunho não religioso ou, podemos dizer, de cunho popular ou folclórico.
Este repertório teve um importante papel na sociedade medieval, embora pouco
do mesmo tenha sido preservado por escrito, justamente por seu caráter popular
(secular) e, portanto, não ser do interesse dos centros de estudo localizados nos
monastérios e a cargo da igreja. Evidências históricas documentadas apontam a França,
Alemanha, Espanha e Inglaterra como principais regiões onde a poesia e melodias
seculares mais se desenvolveram neste período.
Os músicos que “faziam” este repertório eram, em geral, chamados de
menestréis e eram também, frequentemente, malabaristas e acrobatas que juntamente
com a música e dança, faziam o entretenimento das cortes e/ou das classes mais baixas
da população. Na França eram conhecidos por “jongleurs,” ou “trouveres,” na
Alemanha como “minnesingers,” (que significa os cantores do amor), na Espanha como
“juglar” e na Inglaterra como “gleemen.” Os músicos que tocavam para dança ou
acompanhamento quase sempre tocavam de memória ou improvisando e muito pouco
da música instrumental foi anotada.
Figura 1- Onde estão os músicos?? Música e dança popular- Cena medieval de
Pieter Brueghl
Figura 2: Dança da corte

Do ponto de vista histórico-literário estes músicos-artistas são extremamente


importantes, pois eles mantiveram viva e divulgaram a literatura musical popular da
Idade Média. É comum encontrar entre estes músicos, mesmo sendo a grande maioria
dos mesmos anônimos, figuras nobres e de destaque na sociedade como, por exemplo, o
rei Ricardo Coração de Leão (Inglaterra) que compôs várias canções de amor, ou o
nobre alemão Walther Von der Vogelweide. Além das canções de galanteio, também o
tema das Cruzadas, que era a perseguição aos muçulmanos, eram descritas em tais
canções, bem como canções religiosas (para-litúrgicas) destacando a piedade popular
como, por exemplo, a coleção de canções conhecidas por “Cantigas de Santa Maria”
(Espanha). Esta coleção de mais de quatrocentas canções, foi coletada pelo rei Alfonso
X o Sábio, preservada em belíssimos manuscritos ilustrados e descreve os milagres da
Virgem Maria e peregrinações dos fiéis em honra a santa. Este variado repertório
popular impulsionou, mais tarde, a música secular contrapontística e instrumental do
período do Renascimento. Notem que essas canções, mesmo sendo de temática
religiosa, não são consideradas canções religiosas ou da igreja (para serem usadas nos
rituais litúrgicos) mas, antes, expressões de uma piedade popular.

Obs: Para um exemplo contemporâneo de piedade popular em música brasileira


(monodia) vocês podem pensar na canção “Romaria” de Renato Teixeira. Preste atenção
no texto. Quem não conhece, procure na internet que vai encontrar muitas
interpretações.

Outra destas coleções de monodia secular (além das Canções de Santa Maria) é a
chamada “Carmina Burana”, uma expressão latina que significa “Canções de (Benedikt)
beuern” É uma coleção de cerca de 200 poemas e canções medievais encontrados na
abadia de Benediktbeuern na Alemanha na região da Bavária. São poemas em latim
medieval, alemão e outros dialetos dos monges e eruditos errantes, chamados também
de Goliardos e suas temáticas incluem assuntos amorosos, farra, traição, dinheiro,
comida e bebida, etc. Esse codex de poesia medieval foi encontrado em 1803 e
publicado em 1847 por um especialista em dialetos (Johann Andreas Schmeller) sob o
título “Carmina Burana”.
Obs: No século XX o compositor alemão Carl Orff, lançou não deste material para a
composição de sua famosa obra que intitulou “Carmina Burana,” porque usou os textos
destas canções de poesia medieval.

A canção secular (a monodia secular) era estilisticamente mais diversificada do


que o canto litúrgico da igreja e se diferenciava deste de várias formas:
1- Assim como o cantochão, foi notado monofônico. Muito embora evidência pictória
aponte para o fato de que tal repertório foi acompanhado de instrumentos
(acompanhamento improvisado), os manuscritos de época contêm apenas a linha da
melodia.

2- Diferentemente do cantochão era métrico regular e preferencialmente em compasso


ternário.

3- Caracterizava-se pelo emprego de curtas repetições rítmicas (padrões rítmicos).

4- Possuía estrutura dividida em seções claras e repetição de refrões.


5- Usou os modos eclesiásticos, mas também fez uso extensivo do modo iônio (maior) e
eólio (menor).

6- Era preferencialmente silábica, usando alguns poucos melismas nas últimas palavras
da frase musical.

7- Usou preferencialmente o vernacular em contraste com o latim do canto gregoriano.

8- Incluía em seus temas uma variada gama de temas como feitos heróicos, canções de
ofício, canções para comer e beber, disputa entre trovadores, felicidades e tristezas do
amor, canções em honra a amada, canções em honra aos senhores feudais, piedade
popular, etc.

Música Instrumental - A Estampie ( em português Estampida)


A forma de música instrumental mais antiga que sobreviveu foi a estampie.
Instrumentistas que tocavam música para dança na Idade Média tocavam de memória ou
de forma improvisada. Assim pouquíssimas melodias foram notadas (anotadas). No
entanto um manuscrito de uma peça de meados do século treze conhecida como “Le
manuscript du roi” (o manuscrito do rei) e que atualmente se encontra preservado na
Biblioteca Nacional Francesa em Paris, inclui oito melodias para dança conhecidas
como “estampies reais.” Esse manuscrito foi muito provavelmente comissionado entre
os anos de 1250-70 por Guillaume of Villehardouin, príncipe de Moria. A inclusão
destas danças no manuscrito sugere que eram melodias muito conhecidas e apreciadas,
mas se tinham alguma conexão especial com a corte é fato desconhecido.
A estampie é uma dança rápida em tempo triplo com uma série de frases
musicais, cada uma tocada duas vezes mas com finais diferentes.
Figura 3- Instrumentos (músicos) medievais

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