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CONSTITUIÇÕES DO JAPÃO: 1890 E ]947

HAROLDO S. QUIGLEY
Da Universidade de Mlnnesota

f/UMARIO: I - Promulgada Nova Constituiçeio 11 - < Forma


e modelos III - Soberania e Soberano IV - < Renúncia
à guerra V - Direitos civis. VI - Govêrno Parmmentar.
<

VII - Abandono do dualismo. VIll - Contrõle judicial


e independência do Judiciário. IX - Auto-gavêrno local.
X -- Emendas. Xl - Conclusões .

.. I. A Constituição de Meiji 1 vigorou durante cinqüenta e


seis anos e aproximadamente nove meses, de 29 de novembro
de 1890 a 3 de maio de 1947. A atual Constituição que, depois
da morte do Imperador Hiroito, poderá ser conhecida como
Constituição de Showa,2 foi declarada em vigor pelo Primeiro
Ministro Yoshida Shigeru na presença de Hiroito, em 3 de maio
de 1947. A proclamação foi lida de uma plataforma na praça
do Palácio, em Tóquio. A assistência de cinco mil pessoas, que
permaneceu na chuva, diante do palanque, foi pequena, com-
parada com a imensa multidão que cercou a carruagem im-
perial em 3 de novembro de 1946; por ocasião da cerimônia ofi-
cial da promulgação, mas era igualmente entusiástica em suas
demonstrações de lealdade. Em ambas as oportunidades fi-
cou evidente que era o Imperador - de óculos, pequeno e de-
sajeitado - , e não a Constituição, o centro do interêsse po-
pular.
Dizia a mensagem imperial divulgada em 3 de novem-
bro:

• Título do original: Japan's Constit"Uoll" 1890 afiá 1947. Artigo publl·


cado em The American Polítical Scilincc R,'view. vol. XLI, ps. 865 n. Tradu-
ção de Vitor Nunes LeaL
1 lIieiji: título do reinado do Imperador :\l:utsuhito. sIgnificando "Governo
Esclarecido". A data da vigência efetiva da conatltuição coincidiu com a da
lnauguraçlio da Dieta <

2 Showa: titulo no reinado do Imperador Hirolto. slgnlt1cando "Paz Ra·


diante" .
(

"Escolhi o dia de hoje para ser promulgada a Constitui~


ção do Japão. Esta Constituição representa uma completa :re-
visio da Constituição imperial. Procura basear a :reconst:ru~
çio nacional no princípio universal da humanidade. Foi VOe'
tada pela vontade do povo livremente manifestada. Declara
expressamente que o povo do Japão :renuncia à guerra por de-
cisão própria, aspira a uma paz permanente, fundada na jus~
tiça e na ordem em todo o mundo, e, pelo constante respeito
aos direitos humanos fundamentais, conduzirá os negócios na-
cionais na Unha invariavel da democracia. E' desejo meu jun·
tar-me a meu povo para dirigir todos os nossos esforços no
sentido de cumprir devidamente esta Constituição e construir
uma nação de cultura temperada pelo senso da moderaçio e da
responsabilidade e dedicada à liberdade e à paz". 3
A cerimônia oficial da promulgação foi levada a efeito no
recinto da Câmara dos Pares, com a presença dos membros de
ambas as casas. .As galerias foram franqueadas aos visitantes
e estavam repletas. Lâmpadas Klieg, por trãs e por cima, ilu-
minavam ao tribuna e a cadeira imperial. Estavam presentes
à imprensa e os cinematografistas. Uma solenidade de profun-
deza funérea caracterizou o protocolo. A sessão não teve presi-
dente, ninguém pediu a atenção da Câmara e nenhum dos orado~
res foI apresentado. () primeiro ministro Yoshida e seus colegas
de gabinete eufileiraranNle diante da tribuna pouco antes da
entrada do Imperador Hiroito. Sua vestimenta de azul escuro,
abotoada até o pescoço, apresentava um aspecto militar, com
uma só e grande condecoração. 1!:le ficou de pé diante da sua
cadeira de brocado vermelho e leu em voz alta o !'escrito de
promulgação, que lhe foi entregue pelo Camareiro~Mor. Em
seguida, o primeiro ministro recebeu o resento e leu uma breve
resposta, depois de voltar ao :recinto da câmara e de tornar a SU~
bir à tribuna. 4 Os presidentes da Câmara dos Pares e da Cã~
mara dos Representantes também leram respostas ao rescrito.
Não houve banzai (hurras) por parte dos parlamentares, que
permaneceram em silêncio durante tôda a cerimônia e se cur-
varam quando os principais participantes o faziam. Dentro
de quinze minutos já o Imperador tinha deixado a Câmara e a
memorável cerimônia terminou sem uma declaração formal
de encerramento.

8 Official. G(I;liette. extra, :3 de tIO'If. 1M"'.


4, 08 degMIus da u!lmn>i eram de Seq.a dttfctl, ronforme Ô UI§(j) tndlcionlíll,
l!YIi!!1! n~o hOUVll lllcidenteg.
-76-

A continuidade entre o velho e o novo documento foi de-


clarada no restrito de promulgação: "Regozijo~me por terem si-
do lançados os alicerces para a construção de um novo Japão de
acôrdo com a vontade do povo japonês, e por isso a sanção e
promulgação das emendas à Constituição imperial japonesa
foram efetivadas mediante parecer do Conselho Privado e de-
cisão da Dieta Imperial, na conformidade do art. 73 da re-
ferida Constituição" .5 Contudo, as palavras "revisão" e "emen-
das" designam somente o processo seguido. A nova Constitui~
ção não é, de fato, uma revisão, mas um instrumento de go-
vêrno inteiramente novo. A lei fundamental do Japão foi pro-
fundamente alterada. Se haverá, ou não, mudança correspon-
dente na vida política do Japão, transfundindo realidade na
legalidade, só o tempo o dirá.
n. A nova Constituição é intitulada simplesmente "Cons s

tituição do Japão", e no seu texto os têrmos "império" e "im-


perial" são usados menos freqüentemente do que na antiga. 6
De um modo geral a seqüência dos capítulos é idêntica nos dois
documentos, mas o novo tem onze capítulos, e no antigo só
havia sete. Os capítulos adicionais são: o segundo: "Renúncia
à Guerra"; o oitavo: "Auto-govêrno local"; o nono: "Emen-
das", e o décimo: "Lei suprema". Há 103 artigos na nova Cons-
tituição; a anterior tinha 76. Na terminologia, o novo texto é
um tanto retórico, menos jurídico (legalistic) e preciso do que o
de !to Hirobumi e seus co-redatores de Meiji.
As Constituições da Prússia e de outros Estados alemães
do início da década de 1880 foram os modelos usados pelos es-
tadistas de Meiji, mas predominam na atual Constituição os
princípios americanos, britânicos e internacionalistas. Não se
pode sentir esta mudança revolucionária de modo mais vigas
raso do que pela leitura de uns poucos períodos dos respectivos
preâmbulos. Em 1889, o Imperador Mutsuito prefaciou a ou-
torga de liberdades com estas palavras:
"'rendo ascendido, pela glória de nossos antepassados, ao
trono de uma dinastia, em linha reta, ininterrompida desde
as idades eternas. .. aqui promulgamos. . . uma lei fundamen-
tal do Estado para revelar os princípios pelos quais seremos
guiados em nossa conduta. .. Herdamos de nossos antepassa-

5 Official Gazette. extra, 3 de nov. de 1946, p. 1.


6 A nova Constituição foi publicada. em tradução ingl@sa. na Offú:ial (}a-
lIJette japonesa, de 3 de nov. de 1946. e editada em follieto pelo secretariado do
Gabinete; a antiga Constituição é encontrada em H. Ioo, C01nmentams 07t th6
ComtU"Ution of the Japan (TÓQuio. 1889 e 1906). e em H. S. Qulgley, Ja'lxm.el1€
Government IJnd PoliHcs (~ew. York, 1932). apêndice IV.
-77~

dos os direitos de soberania do Estado e os legaremos aos nos 8

800 descendentes ... "


No preâmbulo de 1947 lê-se:
"Nós, o povo japonês, através de nossos representantes
devidamente eleitos para a Dieta Nacional... proclamamos
que o poder soberano reside no povo c, em plena convi cão, for-
mulamos esta Constituição. O govêrno é um instrumento sa~
grado do povo, sua autoridade deriva do povo e seus benefÍ-
cios são usufruídos pelo povo. E' êste um princípio uníversal
da humanidade sôbre que assenta esta COIU>ütuição. Repeli-
mos e revogamos tôdas as Constituições, leis, regulamentos e
reE~ritos em conflito com as pn.'OOntes disposições".
ill. E' óbvio que nenhum japonês concebeu ou escreveu as
linhas do novo preâmbulo acima transcritas. Elas foram redi-
gidas quando a antiga Constituição ainda estava em vigor e
teriam sido caracterizadas como flagrante wse majesté. Mas
hoje fazem parte da lei suprema do Japão, que todos os japo-
neses, ocupem ou não cargos públicos, são obrigados a "respei-
tar e cumprir". E' provável que a maioria do povo não saiba
o que elas significam e que elementos de influência somente
as tenham aceito sob pressão e procurem diluÍ-las por via de
interpretação. Entre êstes figuram honestas pessoas que te-
mem que uma rápida democratização produzirá desordem e
guerra civil. Outros afagam os privilégios da oligarquia e da
burocracia. Ambos os aspectos dessa atitude ~ que, conquan-
to anti-militarista e favorável ao Ocidente, está profundamen-
te ligada à tradição para bem receber a soberania popular ~­
estão provàvelmente revelados na posição assumida pelo Dr.
Kanamori Tokujiro, o ministro de Estado que teve por infor-
túnio o pesado encargo de explicar as disposições da nova ('Ans-
tituição aos membros da Dieta. Quando foi interpelado pelo
Dr. Sasaki Soichi, eminente professor de direito constitucio-
nal, sôbre se a nova Constituição importava mudança na forma
de govêrno do país (kukutai), Kanamori respondeu negativa-
mente, sustentando que a Constituição não altera as "caracte-
rísticas do Estado". Retrucou o Dr. Sasaki que a principal carac-
terística do Estado japonês tem sido a soberania do Imperador
em virtude de sua linhagem; com o desaparecimento dêste traço
característico alterava-se fundamentalmente a forma de go--
vêrno. Argumentou, porém, Kanamori, com o apoio do pri-
meiro ministro Yoshida, que Sasaki estava apontando uma
simples mudança de ordem jurídica, que não afetaria a posi-
-78 -

ção moral da dinastia, a verdadeira característica do Estado


japonês. 7
A interpretação de Kanamori é compreensível para o povo
japonês. O Imperador, de fato, tem sido um chefe moral, não
político. Conseqüentemente, para os japoneses, a soberania é
um conceito moral, não é um conceito político ou jurídico. ~ste
fato fortalecerá os adversários da democracia, os quais argu-
mentarão que os princípios não foram mudados, tendo sido ape-
nas instalada uma maquinaria de caráter mais científico. E'
lamentável que êste processo de solapamento do movimento
democrático possa ter comêço durante o período de gestação
do verd!ideiro constitucionalismo. A opinião do Dr. Sasaki-
segundo a qual a soberania é um conceito jurídico e não moral,
e o Imperador tem sido ao mesmo tempo um líder moral e um
soberano, mas delegou a soberania, conservando para si a li-
derança moral - , essa opíníão revela certa compreensão do
problema. A menos que os estadistas do Japão sejam exposi-
tores voluntários e vigorosos da doutrina da soberania popu~
lar, o resultado só pode ser um período de pensamento confuso,
que culminará numa luta pelo poder entre as fôrças do libera-
lismo e da reação.
Foi uma deferência para com os sentimentos japoneses
que inspirou a concessão que, à semelhança da Constituição
anterior, foi feita no capítulo I relativamente à posição do Im-
pera dor. Mas o art. 1 de 1947 contrasta com o art. 1 9 de 1889.
Q

Aquêle dispõe: "O Imperador será a símbolo do Estado e da uni-


dade do povo. Sua posição provém da vontade do povo, em
quem reside o poder soberano". O outro declara: "No Império
do Japão reinará e governará uma linha de imperadores inin~
terrompida desde as idades eternas".
Em têrmos políticos, o Imperador, dotado pela antiga
Constituição dos supremos poderes executivo, legislativo e ju-
diciário, tem sido um símbolo do govêrno, não um governan-
te. 8 Assim, a nova Constituição corporifica na lei um fato po-
lítico velho de muitos séculos. O Imperador é autorizado a pra-
ticar certos "atos de Estado", mas é especificamente proibido
de exercer "poderes relativos ao govêrno". Esta proibição é
vaga e de execução difícil J mas sua intenção é clara. .Ã luz da
história, há pequena probabilidade de que um imperador do
I

7 Câmara <los Pares, 90." sessão. 2H de agôsro de 1946, p. 17; 30 de agôsto,


p,;. 15-16,
8 H. S. Qulgley, 01). cit., capo V.
{
!
I

Ja,pão procure governar. Ali, o adversário da democracia não


é a autocracia, mas a burocracia.
IV. A nova Constituição é. única na história no que res-
:peita à renúncia à guerra e à ameaça ou uso da fôrça como
meio de resolver disputas internacionais. O direito de auto-
defesa não foi abolido, mas será ineficiente sem fôrças milita-
res, e qualquer espécie de fôrças armadas ~ diz o texto - "ja~
mais será mantida" no país. Estas disposições e as que expri-
mem confiança "na justiça" e "fé nos povos do mundo amantes
da paz" soam de modo estranho na presente siÇlação mun-
dial. Que elas possam sobreviver ao restabelecimento da inde-
pendência do Japão é mais do que duvidoso. Contra a sua per-
manência não há somente probabilidades politicas; também
o direito internacional pode ser chamado a justificar o seu
repúdio, a menos que os outros Estados sigam o exemplo que
o Japão, forçosamente, oferece.
V. O princípio de que os "súditos" gozarão de direitos
civis era, em certa medida, reconhecido e complementado na
antiga Constituição> De um modo geral, estavam enumerados
aquêles direitos habitualmente garantidos pelas Constituições
dos Estados democráticos. Não eram, porém, assegurados
constitucionalmente, pois a sua definição ficava a cargo da lei,
e desta dependia o seu reconhecimento pelos tribunais. O con-
trôle de um executivo burocrático, e por vêzes militarista, só--
bre a Dieta, seu extenso poder regulamentar (ordinance power)
e a fraqueza das agências de expressão da opinião pública con-
tribuiam para transformar a antiga declaração de direitos (ar~
tigos 18-32) em uma declaração de ideais.
Uma calorosa simpatia pelo homem comum vitaliza o ca-
pítulo dos direitos civis da nova Constituição. Em linguagem
mais eloquente tio que precisa, foi posta ênfase sôbre "os di~
reitos humanos", declarados "eternos e invioláveis" e perten-
centes, não aos súditos ou cidadãos, mas "ao POYO". São ga-
rantidos pela própria Constituição, tendo sido abolidos todos
(18 antigos preceitos que permitiam a sua limitação pelas "'dis-

posições da lei". Em alguns artigos foram copiadas literal-


mente frases inteiras da declaração americana de direitos. Mas
o caráter geral dt> tais prescrições deve ser encontrado no de-
sejo de destruir as sobrevivências feudais, para assegurar o
respeito pelo indivíduo, para encorajá-lo a lutar por seus di-
rpitos, para eliminar a discriminação entre as classes sociais,
cs sexos e as religiõt"s, entre marido e mulher, entre rico e po-
bre. A Carta das Nações Unidas pode ter influenciado a reda-
-80-
ção dês&s artigos, mas êles também encontram precedentes
na legi~lação oriental, que vai mais longe que a do Ocidente
na mistura de elevados preceitos com disposições imediata-
mente aplicáveis.
VI. Embora o art. 5,') da C.onstituição de Meiji - "Os
respectivos ministros de Estado darão conselhos ao Impera~
"lor e serão responsáveis por êle" - fôsse impreciso quanto
ao destinatário da responsabilidade política, na prática os mi-
nistr:os eram responsáveis principalmente perante o trono; e,
(orno o trono era mais um símbolo do poder do que sua sede,
r;s ministros eram na realidade responsáveis perante si mesmos
ou perante a oligarquia que governava por trás do trono. Des-
.,arte, o ramo executivo exercia, efetivamente, o poder legis-
lativo que a Constituição outorgava ao Imperador, que agia
mediante aprovação da Dieta. O Gabinete não era obrigado a
resignar por motivo de voto de desconfiança. Se obstado em
seu programa legislativo, poderia demitir-se e pleitear novo
mandato nas urnas. Seus poderes regulamentares ( ordinance
power) eram enormes. Mas seu principal ponto de apoio era
a velhíssima tradição de govêrno burocrático, que mantinha
em cativeiro não só o povo como seus representantes eletivos.
Hoje, o sistema parlamentar, segundo o modêlo britânico,
é a característica central do govêrno japonês. A Dieta é "o
mais elevado órgão de poder estatal e ... o único órgão legislati-
vo do Estado" (art. 41) . O primeiro ITÚnistro é eleito pela Dieta
e o Gabinete é responsável perante ela. A um voto de descon-
fiança por parte da Câmara dos Representantes deve seguir-se
a demissão do ministério ou o apelo eleitoral à nação, e a maio-
ria dos membros do Gabinete deve pertencer à Dieta.
A menos que a deferência pelo poder executivo, que ca-
racterizava a Dieta, continue a paralisar os partidos políticos,
haverá rápido progresso no caminho da democracia. A nova
Constituição não se limita a. subordinar decisivamente o Gabi-
nete à Dieta; ela enfraquece o executivo como um todo, pela
supressão de disposições e usos da antiga Constituição, que im-
pediam a um Gabinete de orientação libera.l manifestar-se res-
ponsável perante a Dieta. Agora o Gabinete, sem a ajuda ou
sem o estôrvo de um Conselho Privado, de um. Ministério da
Casa Imperial e de um grupo de poderosas agências militares,
deve aceitar o princípio da responsabilidade e precisa não re-
cear tal procedímento. Privado do poder de legislar através
de regulamentos, tem êle de recorrer à Dieta para a realização
f
\
\
I -81~

de seus programas. Também desapareccI*dJ'j'j seus grande8 'PO"


deres financeiros.
Com a abolição do parlato e com a disposição (art. 43)
que declara ambas as casas da Dieta eletivas e "representati-
vas de todo o povo", a subordinação da câmara alta à câmara
baixa carece da justificação que tem na Grã Bretanha Mas o

isso corrêsponde ao receio de que a nova câmara alta, conquan-


to eleita pelo voto popular, possa tender para o conservantis-
mo como a sua predecessora. A exemplo da Grã Bretanha, onde
o Gabinete era e é responsável perante a Câmara dos Comuns,
também, logicamente, a Câmara de Conselheiros, como a Câ-
mara dos Lordes, não poderá vetar as propostas do Gabinete.
Mas uma câmara consultiva, combinando os atributos úteis do
antigo Conselho Privado e da Câmara dos Pares, mas destituí~
da do poder esmagador que esta possuía, é um requisito essen 5

cial para que seja bem sucedido o parlamentarismo no Japão o

VII. A posição constitucional do conjunto de órgãos


denominado Comando Supremo criou na ação do executivo
um dualismo que embaraçava e por vêzes paralisava o Gabi-
nete . 9 Manifestando-se de modo mais evidente no tocante aos
negócios exteriores, êsse dualismo afetava todo o conjunto
da ação política. Uma vez que o Comando Supremo, manten-
do-se coeso, podia forçar a aceitação de seus pontos de vista,
() resultado óbvio dessa dualidade era a dominação militar do
govêrno.
A nova Constituição, conforme observamos anteriormen-
te, proíbe a manutenção de fôrças militares de qualquer tipo.
Era d® se esperar que também tivesse vedado a organização
de ministérios da guerra, marinha, defesa nacional e de outros
órgãos de administração militar, mas não há tais disposições.
Ao contrário, dispondo o arl. 66 que "o Primeiro Ministro e os
demais ministros devem ser civis", a conseqüência é que po-
dem ser criados ministérios militares. 10 Contudo, não há qual-
quer disposição sôbre o exercício da autoridade militar fora do
Gabinete, ao qual esta confiado o poder executivo. O dualismo
constitucional, a que nos referimos, foi abolido. O fracasso dos
esforços de Bara, Hamaguchi, Inukai, Saionji e Takahashi
para reservar uma esfera própria ao poder militar constitui

S H. S. Quigley, op. cit., 87089, 104~117.


10 A disposição transcrita foi acresce)ltada 00 projeto primitivo n.. Câ-
mara dos Pares e foi explicada pelo presidente da Comissão especial, a que ioi
submetido o projeto, como destinada a excluir os antigos ofic1ala militares doo
postos do Gabinete.
-82 -

garantia para se acreditar que os futuros conspiradores con-


tra o govêrno civil não serão capazes de reinstalar o contrôle
militarista em bases constitucionais.
VIll. Os juizes do Japão têm sido homens de competên-
cia, integridade e conhecimentos, e têm estado protegidos cons-
titucionalmente contra a demissão e contra a interferência do
executivo. Têm-se considerado os tribunais um ramo separado
do govêrno, embora agindo em nome do Imperador, depositá-
rio d,o poder judicial, e suas decisões não eram revogáveis pelo
ministro da Justiça. O propósito que tiveram os elaboradores
da Constituição de Meiji, de tornar o Judiciário independente
dos funcionários administrativos, foi realizado em considerá-
vel medida.
O que tem obstado a sua completa independência é, em
parte, a tendência dos juízes a declinar para a administração
- uma herança dos tempos feudais - e, em parte, a autori-
dade do ministro da Justiça para expedir normas processuais,
fazer nomeações, recomendar promoções, dirigir o trabalho
dos procuradores e iniciar a acusação em todos os casos cri-
minais. A nova Constituição (art. 6) procura fortalecer a po~
sição dos tribunais, denegando poder jurisdicional conclusivo
a qualquer órgão ou agência do executivo, dctaedo a Côrte Su-
prema de extensos poderes normativos (rule-making powers)
e autorizando-a a nomear os juí:r.es dos tribunais inferiores.
Provàvelmente serão feitas por via legal outras reformas ade-
qua~as.
A Côrte Suprema dispunha do poder de declarar a incons-
titucionalidade dos regulamentos (ordinanc6s). Esta c-ompetên~
eia foi, agora, ampliada para abranger as leis, mas tal reform"t
é, no terreno jurídico, menos revolucionária do que poderia
parecer, já que os tr'ibunais tem sido considerados órgãos de
realização da ilimitada prerrogativa ímPerial.1 1 Na prática, po-
rém, a mudança é revolucionária, pois capacita a Côrte Supre-
ma a exercer o poder político de contrabalançar (to check) a
Dieta em nome do povo soberano.
A questão de saber se este poder dará como resultado o
fortalecimento da Dieta contra um executivo só agora respon-
sável perante aquele órgão, ou se reagírá em apoio da buro-
cracia intransigente, isso dependerá do grau de amadurecimen-
to do espírito democrático.

11 H. Ito, tOlll..lIIcnlarie,'i Ol~ IhtJ Con~ditlttloll t2. a ed.), ps. 111·2.


(
I
IX" A n.ova Constituição {',stabeleceu () princípio da au~
tunumia das prefeituras e lllllliicipalidades, deleg'nndo i Dieta
a tarefa de o regulamentar" Nenhuma mudança específica no
atual sistema de govêrno local foi prescrita pela Constituição,
a não ser a eleição popular dos prefeitos (prefedural gover·
'1UJ1"lJ) •
X. O conttôle pelo executivo da iniciativa da revisão
constitucional foi substituído pelo da Dieta, exigindo-se, para
completar a processo de emenda, a sua ratificação pelo povo.
Uma simplicidade admirável caracteriza todo o processo: apro~
vação por dois terços da totalidade dos membros de cada câma~
ra; ratificação pelo voto majoritário em referendum especial,
ou eleição específica.
XI. Até aqui não fizemos qualquer tentativa para ava m

liar a importância relativa das contribuições de órgãos ou per~


Bonalidades das potências aliadas que se acham representa-
das no governo de ocupação, nem de órgãos ou personalidades
japonesas. Faltam provas oficiais a êsi:e respeito. 12 Mas a con-
sideração substancial do doc.,'umento revela claramente que .a
nova Constituição, no fundamental, é obra de redatores oci~
dentais e não japoneses. Ela não representa as opiniões dos
homens que compõem o atual govêrno japonês, nem daqueles,
que formam a maioria conservadora da Dieta.
O Professor T. Minooo, o principal comentado!" liberal do
direito constitucional japonês, opunha-se à revogação da COflS-
tituição de Meiji. Açreditava êle que a democracia podia avan-
çar sob sua égide, contanto que fôsse apropriadamente executa-
da. 13 O Professor Minobe devotou sua vida a interpretar a an-
tiga Constituição à !lu: de principias democrátícos. Ninguém
conhece como êle quanto êsse trabalho foi difícil e perigoso.
Por outro lado, durante os últimos cinqüenta e sete anos, a
democracia progrediu no Japão. Quem poderá dizer que as
novas fôrças, libertadas do cativeiro pela derrota, não teriam
infundido nova significação ao velho documento? As lioorda-
des inscritas na nova Constituição não teriam sido mais cla-
ramente entendidas e prezadas se tivessem resultado de uma

12 o Dl'. D. N. Rowe cita o Ch1'Mtian Sclence Monitor em referência a


rona afirmação de que o projeto de 6 de março de 1946, que sofreu apenas U-
geiras emendas antes de ser promulgado, ~era obra integral da Secção de Co-
vêmo" do 8. C. A. P.; ver seu artigo '"The Japanese ConsUtuUon", l, em FaT
Eastern Suroey de 'l.'/ de jlln. de 1947, ps. 1~17. As at.a<l da Dieta corroboram
eSIiriIl afirmaçáo.
13 McmtM1I Summaf'll' 01 N()1I. MUiitary Actimsl'l, Japlio, S. C. A. P. lWV ••
dê 194:>, :!:). 3.
- 84-

luta e não de uma dádiva? Talvez a resposta seja que as cons-


tituições não são o que está escrito, mas o que efetivamentê
se pratica, e que a luta para impedir a revisão ou o desvirtua~
mento da nova Constituição japonesa proporcionará plena opor-
tunidade de ação às novas fôrças na medida em que forem sur-
gindo.
Admitindo que se manifestem estas novas fôrças liberais,
não sentirão elas o handicap ou não se ressentirão das impli-
cações de uma Constituição imposta pelos conquistadores es-
trangeiros? Se tão árduos e sinceros esforços são muito
apressados e pretensiosos, não serão os seus resultados varri-
dos por um ímpeto nacionalista? Muitos fatores - a opinião
dos japoneses quanto à política de ocupação, as relações co-
merciais posteriores ao tratado de paz, a atitude das Nações
Unidas e a posição da Rússia - poderão atuar no sentido de
preservar ou destruir êsse documento" Tal como a de Weimar,
esta Constituição reprE'-senta, politicamente, o centro. E o Ja-
pão de hoje, como a Alemanha de 1920, não dispõe de um forte
partido do centro. A nação pode inclinar-se muito para a di-
reita ou muito para a esquerda. A nova Constituição é, eo-
tretél.nto, uma projeção das tendências que estavam evidentes
antes da crise da Mandchúria. ~sse fato é um augúrio da sua
sobrevivência.

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