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Psicologia: Teoria e Pesquisa

Jan-Abr 2001, Vol. 17 n. 1, pp. 049-057

Aspectos Cognitivos e Comportamentais na Média Meninice


de Crianças Nascidas Pré-Termo e com Muito Baixo Peso1
Maria Beatriz Machado Bordin2,
Maria Beatriz Martins Linhares e Salim Moysés Jorge
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto

RESUMO - O objetivo deste estudo consiste em avaliar o desenvolvimento cognitivo e o comportamento de 20 crianças de 8
a 10 anos nascidas pré-termo e baixo peso (≤ 1500g) no HCFMRP. Na avaliação cognitiva utilizou-se o RAVEN, o WISC e a
avaliação assistida e na avaliação do comportamento utilizou-se a Escala de Rutter. Verificou-se que as crianças apresentaram
desempenho intelectual na média, tendendo ao rebaixamento cognitivo. Na avaliação cognitiva assistida, a maior parte das
crianças foi classificada como “ganhadora” e foram capazes, com a ajuda da examinadora, de implementar e manter estratégias
eficientes para a resolução do problema. Quanto ao comportamento, foram detectados índices sugestivos de necessidade de
atendimento psicológico para a maioria das crianças. Verificaram-se correlações significativas entre os resultados das avalia-
ções cognitivas entre si e entre estas e a do comportamento. Os resultados apontam para a necessidade de seguimento psicoló-
gico longitudinal desse grupo de risco para problemas de desenvolvimento.

Palavras-chave: pré-termo; muito baixo peso; desenvolvimento cognitivo.

Cognitive and Behavioral Aspects of Preterm


Low Birthweight Children at School Age
ABSTRACT - The aim of this study was to assess cognitive development and behavior of 20 preterm and very low birthweight
children at school age. For the cognitive assessment it was used psychometric assessment (RAVEN and WISC) and assisted
assessement approaches. Rutter´s Scale was used to assess behavior. Results show that children presented average intellectual
level in the psychometric tests used, with a tendency of cognitive impairment. The results of the assisted cognitive assessment
showed that most children were classified as “gainners”; the children improved their performance with the examiner´s assis-
tance and were able to implement efficient strategies to solve the task problem. Behavioral data indicated the necessity of
psychological treatment for most children. There were correlations between the results of the cognitive assessments them-
selves and between results of the cognitive assessment and the behavioral assessment. These results indicate the need to
follow-up the high risk neonatal child’s psychological development.

Key words: pre-term; very low birth weight; cognitive development.

Nos últimos anos tem crescido o interesse de profissio- cultural, nível sócio econômico). No primeiro conjunto in-
nais e pesquisadores que atuam na área da Saúde em favore- cluem-se as condições de prematuridade e baixo peso ao
cer as condições de vida da criança, procurando garantir sua nascimento, que são fatores orgânicos de alto risco ao de-
boa adaptação no decorrer de seu desenvolvimento. Refle- senvolvimento infantil.
te-se, desta forma, em um investimento cada vez maior em O Centro Nacional de Epidemiologia, órgão vinculado
estudos que tenham como meta a prevenção de problemas, ao Ministério da Saúde, realizou recentemente um levanta-
por meio da identificação de fatores de risco ao desenvolvi- mento para configurar “o mapa dos nascidos vivos” no Bra-
mento infantil. sil. De acordo com esse estudo, 212 mil bebês nasceram com
Lewis, Dlugokinski, Caputo e Griffin (1988) destacam baixo peso no país em 1996, o que corresponde a 8% do
três conjuntos de fatores que devem ser considerados na iden- total de crianças nascidas nesse mesmo período. Além dis-
tificação de crianças com risco de problemas de desenvolvi- so, 18.100 crianças nasceram até o sétimo mês, ou seja, nas-
mento: a) fatores de risco da própria criança (componentes ceram pré- termo. Os dados revelam ainda que a taxa de
biológicos, temperamento e sintomatologia); b) fatores de mortalidade é maior no caso de crianças nascidas prematu-
risco do ambiente familiar (história parental e funcionamento ras e/ou com baixo peso (Bernardes, 1998).
familiar) e da comunidade (suporte social, escola, contexto Devido aos avanços na área de Neonatologia, tem havi-
do um aumento na taxa de sobrevivência de recém-nascidos
pré-termo com muito baixo peso, desde que recebam aten-
dimento especializado em UTI neonatal. Diante disso,
1 Este trabalho faz parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora Beckwith e Rodning (1991) propõem uma subdivisão na
sob orientação da segunda, a qual foi realizada com bolsa da FAPESP.
classificação de crianças nascidas com peso ≤ 2.500g. São
2 Endereço: Av. Nove de Julho 980/Depto. Neurologia, Psiquiatria e
Psicologia Médica, CEP: 14025-000/Ribeirão Preto-SP. consideradas crianças muito baixo peso aquelas nascidas com
E-mail: beatriz.bordin@netsite.com.br peso < 1.500g, enquanto que as crianças com peso ao nasci-

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M. B. M. Bordin & cols.

mento < 1.000g são definidas como de extremamente baixo las sem prejuízo neurológico nos domínios da inteligência,
peso. Particularmente esses dois subgrupos constituem-se habilidades viso- motoras e memória visual.
em crianças vulneráveis com risco de problemas de cresci- A maioria dos estudos que vêm demonstrando que cri-
mento físico e de desenvolvimento psicológico. anças nascidas com baixo peso apresentam risco na sua evo-
De um lado, no campo da Medicina tem havido contri- lução, deixam claro também que, quanto mais baixo o peso
buições inestimáveis no que se refere ao aperfeiçoamento mais baixo o coeficiente de inteligência e, conseqüentemen-
da assistência médica, produzindo conseqüentemente aumen- te, maior é a probabilidade de desenvolverem dificuldades
to da sobrevida dessas crianças; por outro lado são poucos de aprendizagem. Waber e McCornick (1995) examinaram
os estudos em nosso meio que esclarecem sobre o desenvolvi- 635 crianças, subdivididas em quatro grupos: extremamen-
mento e as condições de vida dessas crianças do ponto de te muito baixo peso (≤ 1.000g), muito baixo peso (1.001g-
vista psicológico. Novello, Degraw e Kleinman (1992) salien- 1500g), baixo peso (1.501g-2500g) e com peso adequado
tam a importância de se acompanhar o desenvolvimento de para a idade gestacional (> 2.500g). Os resultados aponta-
crianças com problemas neonatais, a fim de evitar que se ram a existência de deficiência cognitiva, principalmente nos
potencializem os fatores de risco, transformando-se em pro- grupos extremamente baixo peso e muito baixo peso. As
blemas. crianças extremamente baixo peso também apresentaram
Crianças nascidas pré-termo com baixo peso quando dificuldades em matemática e no processamento visual em
comparadas a crianças nascidas com peso ≥ 2.500g ou a ter- maior proporção do que as demais. Taylor e cols. (1995)
mo são mais propensas a apresentar dificuldades cognitivas demonstraram que crianças com menos de 750g e sem pro-
(Bradley & cols.,1993; Dammann & cols., 1996; Smedler, blemas neurológicos, obtiveram escores mais baixos nos tes-
Faxelius, Bremme & Lagerström,1992; Waber & McCor- tes de desempenho matemático e na área de reconhecimento
nick, 1995; ), de desempenho escolar (Taylor, Hack, Klein de palavras quando comparadas a crianças com peso entre
& Schatschneider, 1995), comportamentais (Brandt, Mag- 750g e 1.499g.
yary, Hammond & Barnard, 1992) e de crescimento físico Apesar de o baixo peso ser considerado uma condição
(Werner,1986). Ressalta-se porém, que as condições neuroló- adversa significativa para o desenvolvimento da criança, não
gicas (Antunha, 1994; Brazelton, 1994; Fitzhardinze & Ste- significa que este fator, por si só, implique em comprometi-
ven, 1972) e familiares (Bradley & cols., 1993; Bradley & mento do desenvolvimento psicológico, como demonstram
cols., 1994; Liaw & Brooks-Gunn, 1993; Werner,1986) da os estudos sobre resiliência, definida como a capacidade de
criança atuam de modo significativo a atenuar ou agravar o enfrentar efetivamente o estresse interno e externo, apesar
desencadeamento dessas dificuldades. das adversidades (Werner, 1986). Bradley e cols. (1994) ava-
A busca de entendimento acerca do desenvolvimento cog- liaram 243 crianças prematuras (idade gestacional ≤ 37 se-
nitivo de crianças com baixo peso ao nascer tem motivado manas) e de baixo peso (≤ 2.500g) vivendo em condições de
várias pesquisas que avaliam o nível intelectual dessas cri- pobreza, a fim de verificar se a qualidade dos cuidados que
anças em diferentes idades, visto que a cognição constitui- tais crianças recebiam proporcionavam a elas alguma medi-
se em variável importante na estruturação e dinâmica do da de proteção contra as conseqüências da pobreza e da
desenvolvimento global da criança e pode fornecer indica- prematuridade. Somente 26 foram identificadas com funci-
dores sugestivos acerca do seu desempenho futuro. Sansavini, onamento normal quanto aos aspectos cognitivo, social/
Rizzardi, Alessandroni e Giovanelli (1996) relataram que adaptativo, de saúde e de crescimento. Estas crianças, que
crianças nascidas pré-termo com muito baixo peso apresen- mostraram sinais de resiliência, diferiram de crianças não
taram desenvolvimento cognitivo mais rebaixado quando resilientes no que se refere ao ambiente familiar: recebiam
comparadas a crianças controle. As primeiras mostraram atra- mais aceitação, estimulação e cuidados, e também viviam
sos cognitivos, motores e sociais no primeiro ano de vida, em condições de segurança e em lares com menos pessoas.
atrasos lingüísticos até 24 meses e atrasos cognitivos gerais Havia, também, indicações de que a inteligência materna e a
até cinco anos, em comparação com as segundas. Contudo, saúde perinatal adequada da criança foram fatores que for-
os escores das crianças pré- termo nos testes encontravam- neceram alguma medida de proteção para as crianças pre-
se dentro da faixa de normalidade. maturas que viviam em condições de pobreza.
Dammann e cols. (1996) avaliaram crianças nascidas com Parece que paralelamente às dificuldades no âmbito
muito baixo peso (≤ 1.500g) com o objetivo de examinar cognitivo de crianças que nascem em condições pré-termo
seu desempenho cognitivo através de avaliação neuro- com baixo peso, encontram-se estudos que mostram que elas
pediátrica e psicológica. Foram diagnosticadas desordens podem se desenvolver adequadamente, desde que devida-
neurológicas aos seis anos de idade em 64% das crianças mente estimuladas pelo ambiente. Kalmár (1996) ressalta
estudadas. De um lado, a morbidade neurológica influen- que a qualidade do ambiente familiar tem mais peso do que
ciou o desenvolvimento cognitivo em todos os domínios fatores de risco perinatais em sua capacidade para predizer
avaliados. Por outro, o nível social das crianças influenciou resultados a longo prazo. Mutch, Leyland e McGee (1993) e
o seu desempenho, principalmente nos domínios da inteli- Forslund e Bjerre (1990) destacam a classe social e o nível
gência e linguagem. Além disso, crianças nascidas com muito educacional da mãe como fatores relevantes para o desen-
baixo peso com hiperatividade, desajeitadas (“clumsy”) ou volvimento cognitivo na idade de quatro anos das crianças
com paralisia cerebral diferiram significativamente daque- pré-termo. Brazelton (1994) mostra que, apesar de as crian-

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Cognição e Comportamento da Criança Pré-Termo

ças prematuras apresentarem dificuldades, tais como preju- ção do desenvolvimento e aprendizagem dessas crianças em
ízo neurológico, dificuldades de aprendizagem, distúrbios nosso meio, propõe-se o presente estudo. Este tem por obje-
de atenção ou hiperatividade, essas podem apresentar recur- tivo3: a) avaliar aspectos do desempenho cognitivo e do com-
sos para recuperação do sistema nervoso, desde que um tra- portamento de crianças na fase escolar, com idade de oito a
balho de intervenção precoce seja realizado por profissio- dez anos, nascidas pré-termo com muito baixo peso (£
nais e familiares. Essa recuperação parece estar associada à 1.500g); b) proceder à avaliação cognitiva dessas crianças
plasticidade cerebral (Antunha, 1994). combinando duas abordagens: avaliação psicométrica da
Na avaliação das crianças pré-termo com baixo peso, além inteligência e avaliação assistida em situação de resolução
do desenvolvimento cognitivo, outra área investigada rela- de problemas (Linhares, 1996; Tzuriel & Klein, 1987 ). Esta
ciona-se ao padrão comportamental alterado (Carvalho, última modalidade de avaliação tem demonstrado ser útil
Linhares & Martinez, no prelo). Desde o nascimento essas com crianças com desvantagens, diagnóstico de deficiência
crianças são percebidas por suas mães como mais irritáveis, mental ou com problemas de aprendizagem, por permitir
choronas e hipoativas que as crianças nascidas a termo (Levy- diferenciações intra-grupo, revelando recursos potenciais
Shiff, Einat, Mogilner, Lerman & Krikler, 1994; Stjernqvist, individuais do ponto de vista cognitivo (Brown & Ferrara,
1993). Distúrbios de comportamento, tais como hiperati- 1985; Linhares, 1996; Linhares, Santa Maria Escolano &
vidade, problema de temperamento, desatenção, comporta- Gera, 1998; Santa Maria & Linhares, 1999). Permite com-
mento opositor, ansiedade, inibição social, tiques e compor- parar o desempenho da criança em diferentes momentos de
tamento estereotipado, são também observados no decorrer uma situação de resolução de problemas: sem ajuda do exa-
do desenvolvimento de crianças nascidas pré-termo com minador, com assistência e após a suspensão da mesma, com-
baixo peso em comparação com crianças a termo. Tais difi- parando o sujeito consigo mesmo no processo de avaliação.
culdades são intensificadas quando a criança pré-termo apre-
senta complicações neonatais, como por exemplo, hemorra- Método
gia intraventricular, prejuízo neurológico/sensorial, má for-
mação genética e doenças metabólicas (Landry, Chapieski, Participantes
Richardson, Palmer & Hall, 1990; Laucht, Esser & Schmit,
1997). A amostra foi composta por 20 crianças nascidas pré-
Weiglas-Kuperus, Koot, Baerts, Fetter e Sauer (1993) termo com peso abaixo de 1500g no Hospital das Clínicas
salientam que dois padrões de comportamento aparecem em da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universida-
maior escala em crianças nascidas pré- termo com baixo peso: de de São Paulo (HCFMRP) entre os anos de 1988 a 1991.
depressivo (provavelmente relacionado à qualidade do rela- Os sujeitos tinham de oito anos a dez anos e dois meses (Md
cionamento familiar) e de desatenção (provavelmente rela- = 9 anos) e a maioria era do sexo feminino (n = 13). O peso
cionado a anomalias cerebrais). ao nascimento dessas crianças variou de 540 a 1475g (Md =
Na adolescência, crianças nascidas prematuras e com 1210 g). Oito das crianças avaliadas estavam cursando a 3ª
baixo peso tendem a apresentar desajustamento emocional, série, seis estavam cursando a 1ª série e quatro a 2ª série.
sinais de depressão e de ansiedade, agressividade e auto- Uma criança freqüentava escola especial, uma segunda cri-
estima baixa no contexto familiar e escolar quando compara- ança freqüentava o pré-primário de uma sala especial para
das a grupos controle (Levy-Shiff, Einat, Har-Even, Mogil- deficientes auditivos e uma terceira criança estava em classe
ner, Lerman & Krikler, 1994; Levy-Shiff, Einat, Mogilner especial de 1ª série para deficiente auditivo. Duas crianças
& cols., 1994). apresentavam história de repetência escolar. A grande maio-
A associação entre o fator de risco biológico da prema- ria (75%) freqüentava série compatível com a idade crono-
turidade e do baixo peso e fatores proximais de risco am- lógica, predominantemente em escola pública.
biental (alto nível de estresse familiar, baixa responsividade As mães das crianças eram jovens (Md = 33 anos; AV =
materna e dificuldade em exercer a maternidade) e/ou distais 26-48 ) e o grau de escolaridade variava da 2ª série incom-
(baixo nível educacional e sócio-econômico dos pais, situa- pleta do 1° grau ao nível superior incompleto. Pouco mais
ção conjugal irregular) parecem contribuir para o surgimento da metade das mães das crianças avaliadas trabalhavam fora,
de problemas de comportamento (Brandt & cols.,1992; exercendo atividades não qualificadas ou de qualificação
Gennaro, Brooten, Roncoli & Kumar, 1993; Levy-Shiff, inferior, segundo classificação de Soares e Fernandes (1989).
Einat, Mogilner & cols., 1994; Sobotková, Dittrichová & Os pais, por sua vez, apresentavam grau de escolaridade
Mandys, 1996). Os fatores proximais atuam diretamente e variando da 2ª série do 1° grau ao 2° grau incompleto. A
no contexto atual de desenvolvimento da criança, enquanto maioria dos pais exercia funções de nível não qualificado ou
que os fatores distais atuam indiretamente ou são condições de qualificação inferior. A renda per capita variava de R$
antecedentes. 38,34 a R$ 500,00 (Md =124,55).
Considerando-se: a) a necessidade de avaliar crianças de
risco nascidas pré-termo com muito baixo peso, a médio
prazo, após a passagem do enfrentamento de tarefas
evolutivas significativas de aquisição e domínio da lingua- 3 O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do HCFMRP
gem e entrada na escola; b) a escassez de estudos de avalia- – USP

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M. B. M. Bordin & cols.

Local assistência (GDA) e não ganhador (NG), cujas definições


operacionais encontram-se descritas em e Linhares e cols.
O estudo teve a coleta de dados realizada em salas dos (1998) e Santa Maria e Linhares (1999). Em geral, a criança
ambulatórios da Neonatologia do Hospital das Clínicas da alto escore, já na fase inicial sem ajuda, apresenta estratégi-
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. as eficientes de perguntas relevantes de busca e acertos; a
ganhadora mantenedora é aquela que melhora ou mantém
Material o desempenho na fase de assistência em relação à fase inicial
sem ajuda, assim como mantém o ganho do desempenho na
Foram utilizados os seguintes materiais: a) Teste das fase de manutenção; a ganhadora dependente da assistên-
Matrizes Progressivas Coloridas - Escala Especial (Raven), cia é aquela que melhora ou mantém o desempenho na fase
com padronização brasileira de Angellini, Alves, Custódio e de assistência em relação à fase inicial sem ajuda, mas não
Duarte (1988); b) Escala de Inteligência Wechsler para Cri- mantém o ganho no desempenho na fase de manutenção e a
anças (WISC), traduzida e adaptada por Poppovic (1964); não ganhadora é aquela que não melhora o desempenho na
c) Avaliação Assistida, com Jogo de Perguntas de Busca com fase de assistência em relação à fase inicial sem ajuda.
Figuras Geométricas (Linhares,1996; Linhares & cols. ,1998; Na avaliação da Escala de Rutter foi atribuída a cada item
Santa Maria & Linhares, 1999); d) Escala de Comportamento uma pontuação de zero a dois, considerando-se: valor 0 (zero)
Infantil A2 de Rutter, traduzida e padronizada por Graminha = ausente, os itens que, na avaliação da mãe, nunca se apli-
e Coelho (1994); e) Gravador e Fitas cassete. cavam a seu filho; valor 1(um) = moderado, os itens que se
aplicavam ocasionalmente e valor 2 (dois) = severo, os itens
Procedimento que se aplicavam com certeza. Em seguida, calculava-se a
pontuação geral de cada criança, para então, compará-la com
Coleta de Dados a padronização de Graminha e Coelho (1994), que indica o
escore maior que 16 como sugestivo da necessidade de aten-
As três primeiras sessões com a criança realizadas por dimento psicológico ou psiquiátrico.Finalmente, foram cal-
psicóloga treinada em avaliação psicológica tiveram a se- culados os coeficientes de correlação de Spearman entre os
guinte ordem de aplicação: Raven, WISC (Escalas Verbal e resultados na prova de Raven (percentil), WISC (QI Geral,
de Execução completas) e Avaliação Assistida. Esta consiste QI Verbal e QI de Execução), Avaliação Assistida (perfil de
em situação de resolução de problema, utilizando-se o Jogo desempenho cognitivo) e Escala de Rutter (escores total e
das Perguntas de Busca com Figuras Geométricas, com o das sub-áreas).
delineamento de três fases: inicial sem ajuda, fase com as- Os dados da avaliação psicométrica e avaliação assistida
sistência e fase de manutenção, de acordo com procedimen- foram analisados por dois avaliadores independentes
to descrito por Linhares (1996), e com o gradiente de medi- especializados em avaliação psicológica e treinados em ava-
ação na fase de assistência conforme proposto por Santa liação assistida. Quando ocorriam dúvidas ou desacordos
Maria e Linhares (1999). Na quarta sessão a mãe foi solici- nos resultados um terceiro avaliador realizava avaliação in-
tada a responder a Escala de Rutter. As sessões tiveram dependente para esclarecimento ou desempate para obten-
espaçamento semanal. ção da avaliação final.

Análise dos Dados Resultados

Os testes psicométricos de inteligência foram quantifica-


dos de acordo com as normas dos mesmos e obtidos o per- A Figura 1 apresenta os resultados da avaliação intelec-
centil na escala de Raven e o nível intelectual no WISC. Os tual dos sujeitos através da prova de Raven, em termos de
dados da Avaliação Assistida foram analisados segundo o percentil (n = 20).
sistema de categorias, definidas operacionalmente, propos- Os resultados obtidos através da aplicação da prova de
to por Linhares (1996) e Santa Maria e Linhares (1999), Raven reunidos na Figura 1 permitem verificar que ocorreu
quanto aos indicadores de desempenho na tarefa de resolução uma amplitude de variação do percentil de 5 a 95 e houve
de problemas: relevância das perguntas de busca de informa- um predomínio de crianças (65%) classificadas como
ção e poder de restrição de alternativas (perguntas relevan- definidamente abaixo da média ou deficientes. Destas, a
tes, irrelevantes, incorretas ou repetidas) e tipos de tentativas maior parte das crianças apresentaram percentil 25, indicador
de resolução dos itens (corretas, incorretas e corretas ao aca- de inteligência limítrofe e apenas 15% classificaram-se como
so). A partir desses indicadores, verificava-se o desempenho deficientes mentais, segundo a padronização brasileira. Foi
potencial na Avaliação Assistida, revelado pela comparação encontrado ainda que 35% das crianças estão na média ou
entre o desempenho na fase inicial sem ajuda e as fases de acima da média na classificação intelectual da prova de
assistência e de manutenção (após a suspensão de assistên- Raven.
cia), respectivamente. Os sujeitos eram então classificados A Figura 2 apresenta os resultados da avaliação intelec-
em termos de perfis de desempenho cognitivo: alto escore tual das crianças, obtidos através das escalas Geral, Verbal e
(AE), ganhador mantenedor (GM), ganhador dependente da de Execução do WISC, em termos de classificação do nível

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Cognição e Comportamento da Criança Pré-Termo

Figura 1. Avaliação intelectual através do Raven - Escla Especial (n = 20).

Figura 3. Perfil de Desempenho Cognitivo na Avaliação Assistida (n = 18).

ras Geométricas), especificamente o número de perguntas


de busca relevantes formuladas e o número de acertos quan-
do comparadas a fase inicial sem ajuda com as fases de as-
sistência e de manutenção, respectivamente, percebe-se que
dez crianças (56%) classificaram-se como ganhadores man-
tenedores, ou seja, melhoraram seu desempenho na fase de
assistência em relação à fase inicial sem ajuda, assim como
mantiveram o ganho no desempenho na fase de manuten-
ção. Outras sete crianças (38%) classificaram-se como ga-
nhadores dependentes da assistência da examinadora, isto
é, melhoraram seu desempenho na fase de assistência em
WISC
relação à fase inicial sem ajuda mas, em contrapartida não
Figura 2. Avaliação Intelectual através do WISC - Classificação nas Escalas mantiveram o ganho no desempenho na fase manutenção.
Geral (n = 19), Verbal (n = 19) e de Execução (n = 20).
Apenas uma criança classificou-se como alto escore, isto é,
apresentou proporções de perguntas relevantes de busca e
intelectual. Dos 20 sujeitos, um sujeito não conseguiu reali- de acertos na fase inicial sem ajuda, independente da ajuda
zar a Escala Verbal, devido à deficiência auditiva. da examinadora, conseguindo mantê-las até a fase de manu-
A análise dos dados referentes ao teste WISC apresenta- tenção.
dos na Figura 2 mostra que, com relação à Escala Geral, a Com relação à avaliação do comportamento, segundo a
maioria das crianças (63%) apresentou nível intelectual mé- percepção das mães, avaliado através da Escala de Compor-
dio e apenas 26% classificaram-se como deficientes men- tamento Infantil A2 de Rutter, verificou-se que 75% das cri-
tais. Na Escala Verbal, permanece a mesma tendência da anças avaliadas apresentaram escores acima de 16, o que,
Escala Geral, sendo 53% crianças com resultados na média segundo a padronização da escala realizada com escolares
e 26% com classificação de deficiência mental. Na Escala de Ribeirão Preto, este índice constitui-se em indicador de
de Execução, por sua vez, permanece a tendência de crian- necessidade de atendimento psicológico ou psiquiátrico.
ças na média (65%). Entretanto, menos crianças classifica- O escore total médio obtido na Escala de Rutter foi de
ram-se como deficientes mentais (15%) em relação à Escala 23, com amplitude de variação de 10 a 37. Os tipos de com-
Verbal. Os dados apresentados a seguir referem-se à avalia- portamentos que mais incidiram (≥ 70%), em ordem de maior
ção assistida em situação de resolução de problema envol- ocorrência, na amostra estudada foram: agitação (85%),
vendo estratégias de perguntas de busca de informação e impaciência (80%), não permanência nas atividades (75%),
restrição de alternativas. Dos 20 sujeitos, dois não realiza- agarramento à mãe (75%), dor de cabeça (75%), mau hu-
ram esta avaliação, visto que a aplicação de tal procedimen- mor (75%) e preocupação (70%)
to tornou-se inviável para as crianças portadoras de defici- A Tabela 1 mostra os coeficientes de correlação de
ência auditiva, por tratar-se de procedimento que depende Spearman referentes aos resultados da avaliação dos sujei-
fundamentalmente de verbalização para a compreensão e tos na prova de Raven (percentil), WISC (QI Geral, QI Ver-
realização da tarefa. bal e QI de Execução), Avaliação Assistida (perfil de desem-
A Figura 3 mostra a distribuição das crianças de acordo penho cognitivo) e Escala de Comportamento Infantil A2 de
com o perfil de desempenho cognitivo obtido através da ava- Rutter (Escore total e escores nas sub-áreas Saúde (S), Há-
liação assistida. bitos (H) e Comportamento (C).
Levando-se em conta o desempenho de cada criança na Os dados da Tabela 1 mostram correlação positiva signi-
avaliação assistida (Jogo de Perguntas de Busca com Figu- ficativa entre os procedimentos utilizados para a avaliação

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M. B. M. Bordin & cols.

cognitiva, indicando que os sujeitos com os melhores resul- classificaram-se como deficientes mentais. A mesma tendên-
tados em um procedimento de avaliação mantêm seu de- cia pode ser observada nas escalas Verbal e de Execução.
sempenho nas demais provas. Pode-se afirmar que as crian- Comparando-se os resultados nas duas provas, verificou-
ças que obtêm os melhores resultados no Raven são as mes- se que as crianças tendem a apresentar os mesmos níveis de
mas com os melhores desempenhos no WISC e na avaliação desempenho nas duas provas psicométricas, em que se veri-
assistida, respectivamente, e vice-versa. Por outro lado, existe fica uma correlação positiva entre esses dois procedimen-
uma correlação negativa significativa entre a escala de Rutter tos. Esses resultados corroboram os achados de diferentes
(escore total) e as duas provas psicométricas (Raven e WISC), autores, que encontraram deficiências cognitivas em dife-
indicando que as crianças com os escores mais elevados na rentes amostras de crianças nascidas prematuras e com bai-
Rutter e, portanto, com indicação de problema de compor- xo peso, assim como crianças com recursos cognitivos, com
tamento e com maior necessidade de atendimento psicoló- classificações intelectuais na média ou mesmo acima da
gico ou psiquiátrico, apresentam desempenho mais rebaixa- média (Bradley & cols.,1993; Carvalho & cols., no prelo;
do na avaliação psicométrica de inteligência. Essa correla- Dammann & cols., 1996; Rieck, Arad & Netzer., 1996;
ção foi observada no WISC, especificamente nos escores Smedler & cols.,1992; Waber & McCornick,1995). Prova-
das escalas Geral e de Execução. Pode ser detectada, com velmente estas últimas, quanto à esfera cognitiva, seriam cri-
relação à escala Rutter, correlação negativa significativa en- anças com sinais de resiliência, que são aquelas que enfren-
tre os resultados na área de Hábitos e as provas psicométricas tam positivamente as adversidades na sua trajetória de de-
de inteligência (Raven, WISC-G, WISC-V e WISC-E), as- senvolvimento, apesar de sua condição de vulnerabilidade
sim como entre esta área e o perfil de desempenho cognitivo (Bordin, 2000; Carvalho, 2000; Rutter, 1987; Werner, 1986).
na avaliação assistida. A área de Comportamento da escala Apesar de a prematuridade e baixo peso de nascimento,
Rutter, por sua vez, mostrou correlação negativa significati- assim como as condições orgânicas adversas decorrentes
va com as provas Raven e WISC-E. (apgar baixo, PH abaixo de 7.20 , hemorragia intracraniana),
constituírem-se em um quadro de “estresse perinatal” (Laucht
Discussão & cols, 1997), correlacionando-se com deficiência cognitiva,
parece ser necessário cautela no estabelecimento dessa rela-
A vulnerabilidade da criança nascida pré-termo com ção.
muito baixo peso (≤ 1500g) constitui-se em alto risco para o Nem sempre essa relação de nascimento pré-termo - bai-
desencadeamento de problemas de desenvolvimento, espe- xo peso e comprometimento cognitivo é linear, conforme
cialmente nas áreas cognitiva e de adaptação psicossocial, demonstrado por Carvalho (2000) e Carvalho e cols. (no
em diferentes etapas evolutivas. Considerando-se essa con- prelo). Kalmár (1996) e Bradley e cols. (1994) mostram a
dição, foi desenvolvido o presente estudo, com o objetivo de importância do ambiente na promoção do desenvolvimento
avaliar aspectos cognitivos e comportamentais desse grupo infantil, demonstrando que a qualidade do ambiente famili-
de risco na média meninice, ou seja, na fase escolar. ar tem mais peso que fatores de risco perinatais em sua ca-
Com relação à avaliação cognitiva, verificou-se que os pacidade para predizer resultados a longo prazo. Crianças
resultados obtidos através dos testes psicométricos Raven e nascidas pré-termo com baixo peso vivendo em condições
WISC foram coerentes entre si. Considerando-se as provas de pobreza, mas experimentando um ambiente com três ou
psicométricas, no Raven, metade das crianças encontram-se mais fatores protetores (variedade de estimulação, suporte
classificadas com percentil 25, em uma zona limítrofe à fai- emocional, responsividade parental e aceitação do compor-
xa de inteligência média. Na outra metade, a maior parte tamento infantil) são mais propensas a mostrar sinais de
encontra-se na média ou acima e apenas 15% classificaram- resiliência. O ambiente, então, assume um papel importan-
se como deficientes. No WISC, mesmo sem ter padroniza- te, na medida em que recursos externos podem ser mobili-
ção brasileira, 63% das crianças apresentaram um padrão de zados no sentido de promover mediação adequada a essas
inteligência na média na Escala Geral e 26% das crianças crianças, dando-lhes condições para a ativação dos recursos

Tabela 1. Coeficientes de correlação de Spearman entre os resultados dos diferentes procedimentos utilizados para a avaliação cognitiva: Raven, WISC
(WISC-G, WISC-V e WISC-E) , Avaliação Assistida (AVASS) e Escala de Comportamento Infantil A2 de Rutter (Rutter-T, Rutter-S, Rutter-H e Rutter-C)

RAVEN WISC- G WISC-V WISC-E AVASS Rutter-T Rutter-S Rutter-H Rutter-C


RAVEN 1.00
WISC-G 0.61 * 1.00
WISC-V 0.53 * 0.92 * 1.00
WISC-E 0.64 * 0.92 * 0.74 * 1.00
AVASS 0.54 * 0.85 * 0.81 * 0.79 * 1.00
Rutter-T - 0.74 * - 0.51 * - 0.45 * - 0.52 * - 0.51 * 1.00
Rutter- S 0 0.14 0.01 0.20 0.01 0.26 1.00
Rutter – H - 0.61 * - 0.73 * - 0.70 * - 0.69 * - 0.70 * 0.81 * 0.09 1.00
Rutter – C - 0.74 * - 0.44 * - 0.33 - 0.51 * - 0.46 * 0.96 * 0.07 0.73 * 1.00
* p ≤ 0.05

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Cognição e Comportamento da Criança Pré-Termo

que lhes permitirão um funcionamento cognitivo dentro de cia da ajuda da examinadora na tarefa de resolução de pro-
parâmetros satisfatórios. blemas.
Na amostra estudada, duas crianças (10%) apresentaram Isso indica que as crianças com rebaixamento intelectu-
deficiência sensorial auditiva, o que, certamente, influenciou al da amostra estudada mostraram-se pouco sensíveis à
os resultados obtidos pelas mesmas nas provas psicométricas otimização da avaliação assistida, indicando poucos recur-
de inteligência. A deficiência auditiva tem sido encontrada sos potenciais e necessidade de maior monitoramento, dife-
por outros pesquisadores em amostras de pré-termo de bai- rentemente dos sujeitos com dificuldade de aprendizagem
xo peso (Carvalho, 2000; Gyler, Dudley, Blinkhorn & com indicação de deficiência cognitiva do estudo de Santa
Barnett,1993; Novello & cols., 1992; O’Brien, Soliday & Maria e Linhares (1999), que revelaram um subgrupo que
McCluskey-Fawcett,1995). se beneficiava com a assistência e melhorava o seu desem-
Complementando-se a avaliação tradicional psicométrica penho apenas com a otimização da situação de avaliação.
da inteligência com a abordagem de avaliação cognitiva as- Os resultados dos três procedimentos utilizados para a
sistida, conforme recomendação de Brown e Ferrara (1985), avaliação cognitiva são, portanto, coerentes entre si e demons-
Swanson (1995) e Linhares e cols. (1998), foram obtidas in- tram que: a) de maneira geral, as crianças apresentam sinais
formações quanto aos indicadores de recursos cognitivos po- de funcionamento cognitivo com indicação de capacidades
tenciais para a aprendizagem na amostra estudada. Na situa- e recursos; b) houve uma tendência a um bom desempenho
ção de resolução de problemas envolvendo perguntas de bus- cognitivo mesmo no WISC, que consiste em um teste sem
ca de informação e restrição de alternativas, em uma modali- padronização brasileira; mais da metade das crianças obteve
dade de avaliação com assistência da examinadora, verificou- classificação média de desempenho intelectual nas três es-
se que mais da metade das crianças são “ganhadoras mantene- calas; c) embora haja uma tendência favorável para o bom
doras”, isto é, melhoram o seu desempenho na tarefa frente à funcionamento cognitivo, não deve ser descartada a preocu-
ajuda mediada da examinadora para resolver a tarefa e man- pação com as crianças que apresentam sinais de deficiência,
têm os ganhos após a suspensão da ajuda. Isso indica a pre- como pode ser observado em uma parcela encontrada na
sença de recursos potenciais dessas crianças, com necessida- amostra estudada; d) há uma parcela de 50% de crianças
de de pouco monitoramento para melhorar o seu desempe- com desempenho limítrofe na escala de Raven em uma “zona
nho e boa sensibilidade à instrução, conforme encontrado em de risco”, assim como 38% de crianças que apresentam per-
outros estudos com amostras de crianças com desvantagens, fil de desempenho na avaliação assistida que as classifica
tais como: dificuldade de aprendizagem, deficiência mental como “ganhadores dependentes da assistência”, denotando
ou desvantagem cultural (Brown & Ferrara,1985; Ferrioli & a necessidade de monitoramento para obtenção de sucesso
Linhares, no prelo; Linhares, 1996; Linhares e cols., 1998; no desempenho de tarefa de resolução de problema.
Santa Maria & Linhares, 1999; Swanson,1995). Confirmando os recursos detectados na área cognitiva
Observou-se outro subgrupo menor de crianças que me- da amostra estudada quanto à aprendizagem, pode ser ob-
lhoraram o desempenho com a ajuda da examinadora, mas servado que em sua maioria esta apresenta bom desempe-
que precisaram de maior quantidade de pistas e tempo de nho escolar, cursando série compatível com a idade crono-
monitoramento para obter sucesso na resolução tarefa. Ape- lógica. Apenas duas crianças apresentam história de repe-
nas a otimização da avaliação, através do suporte instrucional tência escolar e outras duas estão em classe especial. Esses
temporário oferecido pela examinadora à criança, não foi resultados demonstram que, no grupo estudado, todas as cri-
suficiente para a manutenção da melhora do seu desempe- anças estão na escola enfrentando o desafio, específico da
nho e de suas estratégias de resolução do problema. Essas fase da média meninice, da tarefa evolutiva de “produtivida-
crianças sinalizam a necessidade de mediação de aprendiza- de” ou realização, formulada na teoria psicossocial de Erik
gem intensiva e prolongada em relação às demais, podendo Erikson (Erikson, 1971) para crianças na fase escolar.
desempenhar-se melhor, desde que efetivamente mediadas Com relação ao comportamento, avaliado através da Es-
em processos de intervenção do tipo educacional ou tera- cala de Rutter, a maioria das mães relatam queixas comporta-
pêutica. Cabe salientar que nenhuma criança classificou-se mentais nos filhos, em nível sugestivo de indicação da ne-
como “não ganhadora”, diferentemente dos resultados en- cessidade de atendimento psicológico ou psiquiátrico. Os
contrados em outros estudos com amostras de crianças defi- problemas apresentados caracterizam o padrão de compor-
cientes mentais e/ou com dificuldade de aprendizagem tamento da “criança difícil”, com sinais de desadaptação
(Linhares, 1996; Santa Maria & Linhares, 1999) . psicossocial, envolvendo, de um lado, agitação, impaciên-
Observou-se neste estudo correlação positiva entre os cia, não permanência nas atividades e por outro lado, oscila-
diferentes resultados na avaliação cognitiva, indicando que: ção de humor, preocupação e agarramento à mãe. Esse re-
quando havia rebaixamento intelectual, verbal ou não ver- sultados corroboram os achados de Carvalho e cols. (no
bal, observava-se a necessidade de maior assistência da exa- prelo) e indicam a relevância que deve ser atribuída aos cui-
minadora para a criança resolver eficientemente a situação dados no manejo da regulação do comportamento e na
de resolução de problemas. Por outro lado, quando as crian- implementação de práticas educativas adequadas às neces-
ças apresentavam desempenho médio nas avaliações sidades de cada criança.
psicométricas de inteligência, apresentavam bom desempe- Destaca-se o fato de haver correlação entre as deficiên-
nho, com manutenção de ganhos, autonomia e independên- cias intelectuais e problemas comportamentais. Sugere, nesse

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M. B. M. Bordin & cols.

sentido, que na amostra estudada existe um subgrupo de cri- Bernardes, B. (1998). Estudo traça perfil de recém-nascidos. Folha
anças com comprometimentos tanto na esfera cognitiva quan- de São Paulo.
to na comportamental, que requer intervenção especializada Bordin, M.B.M. (2000). Aspectos cognitivos, emocionais e com-
educacional e terapêutica para mediar o seu desenvolvimento. portamentais na fase escolar de crianças nascidas baixo peso:
estudo comparativo entre crianças muito baixo peso (≤ 1500g)
e crianças baixo peso limítrofe (2000 a 2500g). Dissertação de
Considerações Finais
Mestrado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
As crianças nascidas pré-termo e baixo peso avaliadas Bradley, R.H.; Whiteside, L., Caldwell, B.M., Casey, P.H., Kelleher,
neste estudo apresentam dificuldades maiores na área K., Pope, S., Swanson, M., Barret, K. & Cross, D. (1993).
comportamental que na área cognitiva, embora sejam iden- Maternal IQ, the home environment, and child IQ in low
tificadas algumas crianças com um nível intelectual limítrofe birthweight, premature children. International Journal of Be-
havioral Development, 16, 61-74.
ou abaixo da média necessitando de suporte instrucional
adicional mediado para ativar recursos potenciais de apren- Bradley, R.; Whiteside, L.; Mundfrom, D.; Casey, P.H.; Kelleher,
dizagem e desenvolvimento. K.J. & Pope, S.K. (1994). Early indications of resilience and
Confirmam ser um grupo de risco, com uma parcela que their relation to experiences in the home environments of low
requer intervenção especializada, isto é, crianças que po- birthweight, premature children living in poverty. Child De-
velopment, 65, 346-360.
dem ser beneficiadas através de programas efetivos de inter-
venção educacional ou terapêutica. Liaw e Brooks-Gunn Brandt, P.; Magyary, D.; Hammond, M. & Barnard, K. (1992).
(1993) demonstraram que o desempenho cognitivo de cri- Learning and behavioral-emotional problems of children born
anças pré-termo e baixo peso está associado à participação pre-term at second grade. Journal of Pediatric Psychology, 17,
precoce em programas de intervenção, os quais, segundo 291-311.
Achenbach (1992), devem voltar-se mais à promoção do Brazelton, T.B.(1994). Momentos decisivos do desenvolvimento
desenvolvimento que ao alívio de desconfortos ou à remo- infantil.(J.L. Camargo, Trad.) São Paulo: Martins Fontes. (Tra-
ção de sintomas. balho original publicado em 1992).
A condição de vulnerabilidade advinda da prematuridade Brown, A.L. & Ferrara, R.A. (1985). Diagnosing zone of proximal
e do baixo peso não pode ser considerada apenas sob o as- development. Em: J.V. Wertsch (Org.). Culture, Communica-
pecto de risco ao desenvolvimento mas sim, e acima de tudo, tion and Cognition: Vygotskian perspectives (pp. 273-305).
pela identificação e busca de mecanismoss protetores pre- Cambridge: Cambridge University Press.
sentes no interjogo entre risco e recurso, conforme proposto Carvalho, A.E.V. (2000). Sobrevivência e qualidade de vida: histó-
por Lewis e cols. (1988) e Linhares, Carvalho, Bordin e Jor- ria de desenvolvimento, aprendizagem e adaptação psicossocial
ge (no prelo). Assim, fica claro que a condição de baixo peso de crianças nascidas pré-termo e com muito baixo peso (<
e prematuridade não deve ser considerada de maneira isola- 1500g) em comparação com crianças nascidas a termo. Disser-
tação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
da quando se busca a compreensão do impacto no decorrer
do desenvolvimento da criança. Considerá-la como fator Carvalho, A.E.V.; Linhares, M.B.M. & Martinez, F.E. (no prelo).
operante de um sistema bastante complexo, em que diversos História de desenvolvimento e comportamento de crianças prema-
aspectos encontram-se inter-relacionados em contexto es- turas e de baixo peso (< 1500g). Psicologia: Reflexão e Crítica.
pecífico e individual, determinando as formas de interação Dammann, O.; Walther, H.; Allers, B.; Schröder, M.; Drescher, J.;
do indivíduo com o meio, é a maneira mais recomendável. Lutz, D.; Veelken, N. & Schulte, F.J. (1996). Development of a
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