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CIÊNCIA & TÉCNICA

ENTRADA DO ARTIGO OUTUBRO 2015

O papel do pai numa unidade


de neonatologia – relato de
experiência de ensino clínico
MARÇO 2015

VERONICA CHAIÇA FERNANDA LOUREIRO


34 Estudante de Enfermagem na Escola Superior de Saúde Licenciada em Enfermagem, Mestre em Ciências da
Egas Moniz Educação, Mestre em Enfermagem Saúde Infantil e
Pediatria, Doutoranda em Enfermagem na Universidade
Católica Portuguesa, Enfermeira na Unidade de Urgência
Pediátrica, Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E., Hospital
de São Bernardo

RESUMO ABSTRACT
Relato de experiência de ensino clínico no Report of clinical teaching experience in the
contexto de neonatologia. A observação context of neonatology. The observed rela-
da relação entre pai e recém-nascido pro- tionship between father and newborn provi-
porcionou a reflexão fundamentada numa ded substantiated reflection for learning and
óptica de aprendizagem e construção de building skills. The nursing staff must identify
competências. A actuação da equipe de en- and value the father and its active role in the
fermagem deve passar pela identificação e care of newborn implementing interventions
valorização do pai e do seu papel activo nos aimed at the establishment of a parent-child
cuidados ao recém-nascido implementando relationship that promotes the integrating of
intervenções que visem o estabelecimento the baby in the family.
de uma relação pai-filho fomentadora da in- Key words: neonatology; father-child relations;
tegração do bebé na família. infant, premature.
Descritores: neonatologia; relações pai-filho;
prematuro.
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INTRODUÇÃO cia foi-se expandindo de forma a integrar a


Os ensinos clínicos são parte integrante da qualidade de vida (COSTA E PADILHA, 2011).
formação em enfermagem e constituem o Assim, pretende-se que os cuidados pres-
primeiro impacto do aluno com a prática clí- tados sejam humanizados de forma a pro-
nica assumindo uma importância no desen- mover o desenvolvimento neurológico mas
volvimento enquanto pessoas e profissionais também a integração na família.
(CUNHA, 2010). Pretende-se com esta eta- Neste contexto, é no decorrer dos cuidados
pa da formação base garantir a aquisição/ junto dos pais que os estudantes desenvol-
construção de conhecimentos, aptidões e vem os aspectos relacionais e comunicacio-
atitudes fundamentais às intervenções autó- nais. Confrontada com uma situação prática,
nomas e interdependentes do exercício pro- a estudante desenvolveu um trabalho de
fissional de enfermagem sendo, neste senti- reflexão em torno da vivência numa óptica
do, importante a reflexão na e sobre a acção de aprendizagem. A análise da situação, fun-
enquanto elemento facilitador da aprendiza- damentada na literatura, permitiu um novo
gem (SANTOS, 2009). É no confronto com a olhar sobre a prática potenciando assim, o
prática em ensino clínico, que o aluno mobi- desenvolvimento de competências.
liza as competências já adquiridas e desen- O pai na unidade de neonatologia
volve outras, sendo este percurso mediado
O ensino clínico decorreu ao longo de 6 se-
pelo orientador do serviço e pelo docen-
manas. Sendo o tempo de permanência no
te (CUNHA, 2010). A importância do regis-
local de estágio apontado como um factor
to, análise e reflexão sobre as situações de 35
importante no desenvolvimento da relação
estágio em formato de diário ou registo de
de confiança/segurança entre estudante e
aprendizagem é uma estratégia identificada
enfermeiro orientador (ROCHA E OLIVEIRA,
como útil e que visa uma melhor percepção
2004), podemos também, extrapolar a im-
das experiências do estudante tendo em vista
portância deste aspecto para o estabeleci-
o crescimento pessoal e profissional (ROCHA
mento de relação com pais no contexto de
E OLIVEIRA, 2004). .Ao colocar por escrito a
neonatologia. Neste sentido, enquanto alu-
situação vivenciada, o aluno distancia-se da
na, uma das situações mais marcantes foi o
mesma o que lhe permite uma análise da si-
papel do pai nos cuidados. Por volta de 4ª
tuação mais detalhada e reflectida.
semana, numa etapa de maior segurança nas
Em continuidade, a situação que se relata relações com os pais, verificou-se a existência
decorreu num contexto de ensino clínico de de discrepância entre os cuidados prestados
saúde infantil, enquanto parte integrante do pelas mães e os cuidados desenvolvidos pe-
curso de licenciatura, mais concretamente los pais. Constatou-se que, os cuidados que
numa unidade de neonatologia. Estes servi- se pretendem focados na tríade (pai, mãe
ços, inicialmente tinham por objectivo asse- e bebé) eram mais centralizados na díade
gurar a sobrevivência do recém-nascido pela (mãe e bebé), devido ao papel passivo dos
implementação de cuidados técnicos alta- pais na relação com os recém-nascidos. Este
mente especializados, contudo gradualmen- facto justifica-se por serem os pais os pri-
te a preocupação exclusiva com sobrevivên- meiros a ter contacto com o início do inter-
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namento, pois frequentemente são os pais ela que o recém-nascido criou laços in-útero.
que acompanham os recém-nascidos desde Como tal, pode-se averiguar que a mãe tem
a sala de partos até às unidades de neona- uma relação estabelecida mais favoravel-
tologia, e acabam por assistir a procedimen- mente com o recém-nascido, do que o pai.
tos invasivos realizados ao recém-nascido, Cuidados de enfermagem centrados na tría-
assim como, os momentos mais vulneráveis de
e instáveis (CARDOSO, OLIVEIRA e SOUTO,
Contudo, o papel do pai é essencial, e o
2006; HOLLYWOOD E HLLYWOOD, 2011).
incentivo deste ao contacto com o recém-
Neste momento os pais experienciam sen-
nascido é a prática correcta (CARDOSO, OLI-
timentos de ansiedade, medo do desconhe-
VEIRA e SOUTO, 2006) e que deve ser fo-
cido e de impotência. Enquanto, as mães só
mentada. No entanto, os pais relatam que os
têm encontro com o recém-nascido já numa
profissionais se concentram mais nas mães
fase mais calma. Este primeiro impacto faz
e no bebé do que no pai (HOLLYWOOD E
com que os pais no restante internamento
HLLYWOOD, 2011). Deste modo, é da com-
tenham um comportamento mais cauteloso
petência da equipa de enfermagem dos ser-
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em relação ao recém-nascido, principalmen-


viços de neonatologia, incentivar e reforçar
te, quanto aos valores dos parâmetros res-
a relação entre os pais e o recém-nascido,
piratórios, aos comportamentos do recém-
para que estes sejam mais proactivos, na
-nascido, assim como receio de os colocar ao
prestação de cuidados ao filho (CARDOSO,
colo, por medo que algo aconteça. Enquanto,
OLIVEIRA e SOUTO, 2006), como tomar ba-
36 que as mães demonstram um instinto mais
nho, dar o biberão, estar com ele ao colo. E
protetor e efetuoso com o recém-nascido,
não, serem apenas pais, que olham para os
devido à díade que foi formada ainda com o
recém-nascidos com medo que a qualquer
bebé in-útero, permite que o relacionamen-
instante os recém-nascidos descompensem.
to entre ambos seja mais facilitador, o que é
Segundo a vivência, enquanto aluna, pode-
constatado, na maneira facilitada com que a
-se constatar que existe uma discrepância
mãe coloca o recém-nascido ao colo, ou o
entre os vários comportamentos dos pais
bebé se acalma ao só da sua voz (CARDOSO,
que têm os seus filhos internados na unida-
OLIVEIRA e SOUTO, 2006).
de. E, essa discrepância parece derivar da ex-
É de notar que o processo de vinculação é
periência que os pais vivenciaram aquando
bastante mais favorecido entre mãe-bebé do
do internamento dos seus filhos na unidade,
que pai-bebé dado que, a vinculação traduz-
ou seja, os pais que assistiram a momentos
-se como a relação afetiva e privilegiada que
iniciais de instabilidade do recém-nascido,
o recém-nascido/ criança estabelece com a
são aqueles que têm mais receio de chegar
mãe ou outra pessoa significativa, que lhe
perto do filho, e quando estão presentes, es-
satisfaça as suas necessidades (CAMARNEI-
tão mais concentrados nos valores dos mo-
RO, 2009). Neste contexto, a pessoa que lhe
nitores, do que nos recém-nascidos propria-
satisfaz mais as necessidades é a mãe, pois é
mente ditos. Relativamente, aos pais que não
esta que está mais tempo com ele ao colo, é
assistiram a nenhum momento mais aflitivo,
ela que lhe dá alimento, assim como foi com
pode-se constatar que são mais proactivos,
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mostram desejo em participar nos cuidados, ção prática. Da experiência vivenciada salien-
e querem estar implicados o mais possível tam-se como estratégias úteis: a consulta de
nos cuidados do seu filho questionando com literatura da área, a observação da prestação
mais frequência a equipe de enfermagem. de cuidados pelos enfermeiros mais expe-
Da literatura destaca-se os conflitos emocio- rientes, o investimento na colheita de dados
nais no momento de cuidar dos filhos pois e planeamento dos cuidados e a reflexão so-
por um lado sentem-se assustados e inca- bre as vivências quer escrita quer debatida
pazes mas, ao mesmo tempo desejam este com docente e orientador. Sendo, que foi
momento e criam expectativas (BARRADAS, nesta fase que, o papel da enfermeira orien-
2008; CAMARNEIRO, 2009). Salientam-se tadora é crucial, uma vez que enquanto alu-
ainda dois momentos relatados pelos pais: na, ainda existe muita insegurança e receio
o momento inicial de desesperança, tristeza no estabelecimento da relação com pais, as-
e medo relacionado com a instabilidade do sim como na adoção das técnicas de modo a
bebé e, um segundo momento que decorre integrar mesmo nos cuidados. Foi nesse con-
do contacto com a unidade e habitualmente texto, que a enfermeira orientadora, teve um
melhoria clínica da criança onde se relatam papel fulcral ao longo do ensino clinico, pois
sentimentos de fé e esperança (CARDOSO, devido a sua experiência demonstrou as va-
OLIVEIRA e SOUTO, 2006). riadas abordagens que se devem realizar aos
Enquanto aluna, a procura de novas oportu- pais consoante o estado de ansiedade, assim
nidades de aprendizagem é uma constante e como a sua capacidade de assimilação de
face a situações de maior instabilidade pro- informação que estes demostravam perante 37
cura-se assimilar os procedimentos técnicos situação do seu recém-nascido. Bem como,
e actuação da equipe não sendo, nesta fase aquando do planeamento dos cuidados,
inicial, a atenção focada nos aspectos rela- contou-se sempre com o suporte e apoio da
cionais. Contudo, procurou-se integrar os enfermeira orientadora, pois no sentido que
pais nos cuidados incentivando a sua presen- me aconselhava qual a melhor abordagem a
ça, explicando os procedimentos e pedindo seguir de acordo com o tipo de pai e a situa-
colaboração sempre que possível, reforçan- ção clinica do recém-nascido.
do as competências parentais elogiando aos
cuidados prestados pelos pais, esclarecendo CONCLUSÃO
dúvidas e reforçando a informação acerca da
Em síntese, esta análise foi bastante impor-
criança, sendo este último cuidado apontado
tante para o percurso como aluna e futura
como um aspecto importante e significativo
enfermeira, pois em situações futuras, haverá
para os pais especificamente (HOLLYWOOD
mais capacitação para actuar perante os pais
E HLLYWOOD, 2011). Estes cuidados, realiza-
mais renitentes à prestação de cuidados de
dos de forma natural pela equipa de enfer-
modo a favorecer a vinculação deste com o
magem do serviço, são para um aluno fonte
bebé. Transpõe-se também para outra rea-
de stress não só porque exigem uma prepa-
lidade, nomeadamente em adultos, estando
ração teórica extensa mas sobretudo porque
mais atenta aos comportamentos da família
é preciso segurança e destreza na sua aplica-
do doente, nomeadamente da pessoa sig-
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nificativa, de modo a perceber até onde ela [Em linha]. Vol. 32, n.º 2 (2011), p. 248-255.
está disponível para colaborar nos cuidados, Disponível na internet: <URL: http://www.
e caso se não esteja utilizar as estratégias scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
identificadas de modo a interliga-la nos cui- =S1983-14472011000200006>. ISSN 1983-
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1517-3852.
COSTA, Roberta; PADILHA, Maria Itayra - A
Unidade de Terapia Neonatal possibilitan-
do novas práticas no cuidados ao recém-
-nascido. Revista Gaúcha de Enfermagem

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