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Conselho Editorial de

Educação
BIBLIOTECA
José Cerchi Fusari BASICA
Marcos Antonio Lorieri da HISTORIA
Marcos Cezar de Freitas
Marti Andréé
da EDUCACAO
Pedro Goergen
BRASILEIRA
Terezinha Azerêdo Rios
Valdemar Sguissardi
Vitor Henrique Paro

História social da educação


noBrasil ( 1926-1996
Dados Internacionais de
Catalogação
(Câmara Brasileira do Livro,
na
Publicação (CIP)
SP, Brasil)
Freitas, Marcos Cezar de
História social da
Marcos Cezar de educação no Brasil (1926-1996).
-

São Paulo Freitas, Maurilane de Souza Biccas.


Cortez,
história da educação 2009. (Biblioteca básica da
-

brasileira; v. 3)
Bibliografia.
ISBN 978-85-249-1484-3

1.
Educação - Brasil- História
Brasil 1926-1996 2. Educaço
1.
Titulo. l. Série. Biccas, Maurilane de Souza. H.

09-03993
CDD-370.981

Indices para
1. Brasil: catálogo sistemático:
Educação :
História 370.981
Alfabetização e ditadura militar:
o Mobral em açãoo
No periodo da ditadura militar que se iniciou em março de 1964,
no Brasil, os movimentos de educação e culturas populares foram des

mantelados e reprimidos, suas lideranças perseguidas, as ideias de


todo
transformação social foram silenciadas. Estudantes e professores,
nessas práticas
o amplo espectro de católicos progressistas engajados

também foram perseguidos, cassados e alguns exilados.


O Plano Nacional de Alfabetização foi extinto pelo Decreto
n. 53.886/64 e o MEB teve a atuação fortemente inibida tanto pela
repressão dos militares quanto pelo distanciamento de parte da hierar

quia católica em relação å base optando pelo resguardo institucional


no âmbito de sua missão evangelizadora.
A educação de jovens e adultos pós-1964 foi totalmente refor
mulada, passando a ocupar um importante lugar no processo de n
diação entre o Estado e a sociedade brasileira. Esse é um momento
histórico em que contradição e autoritarismo se alimentam recipro-
camente.
De um lado, a Educação de Jovens eAdultos (EJA) foi utilizada
como possibilidade de incrementar a coesão socjal. Por outro, foi
pro
jetada como o simbolo de uma sociedade "democrática" em um "regi-
me de exceção". Mais uma vez, o país assistiu à mistificação da educa
ção tratada como estratégica possibilidade para a mobilidade social
dos indivíiduos. Em decorrência, o acesso à escola se reapresentava
como passo fundamental para assegurar a "igualdade" de condições

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Freitas e Biccas
História social da educação no Brasil (1926-1996)

para ascensão nesse novo cenario. Ou seja, mais uma vez se apresen- Em 15 de dezembro de 1967, por meio da Lei n.
tava para a população a necessidade de que a 5.379, foi criado
escolarização "cumpris o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), que pretendia ser a
se a missão" de realizar o crescimento eo desenvolvimento
econômico resposta do Estado frente aos elevados índices de analfabetismo da
do país.
população brasileira. O censo de 1970 indicava a presença de 17.936.887
No anseio de substituir rapidamente as ações educacionais junto pessoas analfabetas acima de quinze anos de idade, no Brasil, o que
aos jovens e adultos, o governo militar incentivou a criação da Cruzada
correspondia a 33% da população adulta.
da Ação Básica Cristá (Cruzada ABC),
programa concebido no Recife a Como o problema do analfabetismo tinha dimensões abissais, no
partir de uma visão de integração nacional e contou com recursos inicio da década de 1970, o Mobral passou por uma grande reestrutura-
internacionais.
cão com o objetivo, na palavra de seus mentores, de atacar o
proble
O objetivo do programa educacional comunitário empreendido ma do analfabetismo de forma prioritária. A dinmica organizacional
pela Cruzada era "capacitar
homem analfabeto marginalizado a ser
o
admitiu uma forte descentralização, estruturando-se, o Movimento,
participante na sua sociedade contemporânea, como contribuinte do em três niveis administrativos: Mobral Central; Coordenaçães Estadu-
desenvolvimento socioeconômico e recebedor de seus bens" (ScocuGLIA, ais e Territoriais e Comissões Municipais. Após essa
reestruturação, as
2003, p. 81). ações empreendidas passaram a repercutir em grande escala, cobrindo
A Cruzada
pretendia ainda formar aquilo que os ditadores dissemi- todo o país.
navam como se fosse uma consciência "democrática cristä", O analfabetismo no Brasil classificado
que, no pelo presidente como "ver-
entender daqueles que se beneficiavam com a ditadura deveria contra- gonha nacional" deveria ser erradicado em um prazo de dez anos e o
por-se à "exploração política dos grupos extremistas" e apoiar o golpe Mobral constituiu-se em um instrumento próprio da ditadura, imposto,
militar naconcretização de seus objetivos. implementado e estruturado em todo o país sem consulta à sociedade
Na prática, essa campanha de massa acabou por destruir completa- em sua
proposição e estratégias de planejamento.
mente os programas oficiais que ainda existiam, combatendo fortemen No repertório das falas que, no final da década de 1970, referia-se
te as iniciativas que ainda se inspiravam no método de Paulo Freire. ao Mobral, era frequente encontrar alusões ao
projeto de "levar a
A Cruzada sofreu inúmeras críticas e oposições. A Igreja Católica clientela a participar ativamente da vida comunitária, tornando-se
fez oposição porque perdeu espaço para os protestantes com o recuo agente e beneficiária do processo de desenvolvimento". Essa era, aliás,
das ações educacionais do MEB. Paralelamente, muitos outros criticos a justificativa para a
elaboração de uma metodologia própria visando
rejeitavam as ações assistencialistas e filantrópicas da Cruzada que a propiciar ao indivíduo a tomada consciencia sobre sua
condição e
chegava a distribuir alimentos para os professores e alunos que fre- sobre suas possibilidades.
quentavam regularmente os cursos visando, com isso, atrair novos Nesse sentido,Mobral investiu em quatro programas: Alfabetização
o
alfabetizandos. Funcional; Educação Integrada; Mobral Cultural e o de Profissionalização.
A Cruzada funcionou de 1964 a
1969, projetando-se como "braço O Programa Alfabetização Funcional visava fazer com que os alfa-
pedagógico" do governo militar. Contudo, não teve êxito em consoli- betizandos aprendessem as técnicas básicas de leitura, escrita e
dar-se como um movimento de de massa, de
cálcu
alfabetização abrangên- lo de forma a responder às demandas apresentadas pelo meio social
cia nacional.
em que viviam. As habilidades almejadas eram as de aprender a ler,
*****"**********

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História social da educação no Brasil (1926-1996)

escrever e contar; de ampliar o


vocabulário; de desenvolver o racioci. Em 1973, foi criado o Programa de Profissionalização, estabeleci
nio; de consolidar hábitos em relação ao trabalho; de estimular a cria- do por meio de convênios com a PIPMO (Programa Intensivo de Prepa
tividade, etc. ração de Mão de Obra) e com a Fundação Gaúcha do Trabalho, com o
Programa de Educação Integrada (PEI), implantado em
O propósito de oferecer melhores condições socioeconômicas para os
1971,
tinha por finalidade promover a continuidade dos estudos dos alunos pobres alfabetizados pelo Mobral e que desejavam continuar
alunos
que haviam iniciado no Programa de Alfabetização Funcional. estudando. A proposta visava atender o maior número de alfabetizan-
No
periodo de 972 a 1976, houve uma grande desse expansão programa
dos em todo o país, investindo naquilo que correntemente se designava
que, por sinal, foi ampliado com base em convênios estabelecidos com por qualificação profissional.
as Secretarias de Educação. Talvez tenha sido essa a mais Todos esses programas ancoravam-se em quatro linhas de. ação
impactante
iniciativa do Mobral. que estruturavam o Mobral:
Nesse mesmo período, a) descentralização da ação, que significava delegar tarefas para
o governo regulamentou o ensino supletivo
por intermédio da Lei n. 5692, de 1971, que será analisada logo mais que as decisões pudessem ser tomadas mais rapidamente nos locais
adiante. onde havia projetos do Mobral. Essa descentralização operava a partir
de uma base organizadora e reguladora que tentava assegurar capilari
Destacava-se, então, a perspectiva de formar mais adequadamen-
te mão de obra e de repor a escolaridade
dade e abrangência às atividades desenvolvidas em todo o território
para aqueles que não logra-
ram ser escolarizados na infância e na adolescência. Essa modalidade nacional;
de b) centralização do controle, dimensão essa que, de certa for
educação se propunha "a recuperar
atraso, a reciclar o presente
o
ma, condicionava a anterior, indicando que as atividades descentrali
formando uma mão-de-obra que contribuísse no esforço para o desen zadas deveriam ser fiscalizadas na perspectiva de "assegurar a har-
volvimento nacional, através de um novo modelo de escola" (HADoAD e
monia às operações desenvolvidas no campo pelas Coordenações de
DI PERRO, 2006, p. 12).
A partir de 1977, o PEI passou por um processo de avaliação e atu-
Comissões Municipais". A estratégia consistia em centralizar os obje
tivos politicos e o controle vertical por coordenadores e supervisores,
alização, definindo um plano de metas que visava acompanhar os mu-
encarregados por implantar e fazer cumprir as orientações gerais do
nicipios que tinham um maior número de classes de aula. Os novos Mobral;
objetivos traçados pretendiam melhorar a autoconfiança dos alfabeti
zandos e ajudá-los a aplicar na vida cotidiana os conhecimentos adqui
c)relacionamentos funcionais, que visavam garantir rapidez na
execução dos trabalhos e, ao mesmo tempo, estabelecer uma relação
ridos no curso. entre os diversos órgos que participavam das ações desenvolvidas
O Programa Mobral Cultural, criado em 1973, como um desdobra- pelo Mobral. O que se esperava é que essa noção de funcionalidade
mento e continuidade dos programas educacionais, procurava estabe evitasse o paralelismo da estrutura frente aos demais programas de
lecer um processo de educação permanente para reforçar o processo educação;
de alfabetização já iniciado e motivar os alfabetizandos a continuar d) definição de objetivos, proclamada como estratgia para o bom
frequentando os cursos. Nessa situação, o lema do apoio da comunida- funcionamento de cada ação delineada, a fim de que se garantissee o
de era frequentemente utilizado. equilibrio do sistema Mobral.

***********

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Freitas e Biccas

História social da
educação no Brasil (1926-1996)
Haddad e Di Pierro (2006) consideram
que essas características
básicas do Mobral confirmaram seus Os meios de
objetivos fundadores e comunicação massa como o rådio, a
de
-se adequadas ao caráter
doutrinário e disciplinador de uma revelaram- revistas, somados a outros televisão, as
suportes de informação como cartazes
de massa. campanha outdoor, foram utilizados intensamente e

Comissões Municipais, em àmbito


As para influenciar e convencer a
local, funcionavam de forma opinião pública de que o Mobral era um
a controlar e fiscalizar tanto o "revolucionário e aberto".
programa de alfabetização
treinamento do pessoal envolvido no
programa quanto o desenvolvimento das A questão tornou-se
atividades junto ao tão estratégica em termos
-alvo. O processo
pedagógico era também centralizadoe público criada uma Gerência de políticos que foi
Mobilização do Mobral Central na Assessoria de
do, uma vez que os
professores não tinham autonomia parahierarquiza
planejar e
Relações Públicas do Gabinete da Presidencia da
desenvolver as atividades junto aos rádio e a televisão
O República.
jovens e adultos. participavam ativamente na difusão
Os envolvidos no deia nacional dos em ca-
processo eram tutelados por coordenadores e grandes eventos do
supervisores responsáveis Mobral,
como, por exemplo, a
por acompanhar diretamente este
processo. comemoração do Día Internacional da Alfabetização.
Além disso, como veremos mais adiante, os Haddad (1991) assinala
professores eram
direcio que a argumentação sobre o caráter
nados no agir por coleções didáticas desenvolvidas especificamente gógico das ações empreendidas pelo peda
Mobral não se fazia
para utilização nos vários projetos desenvolvidos pelo Mobral uma vez que os recursos
necessária,
em todo financeiros estavam
pais. assegurados, os meios de
comunicação controlados, oposições silenciadas, enfim,
as
havia
Os coordenadores uma
supervisores tinham a responsabilidade de
e campanha estruturada no sentido de o assegurar "sucesso" dos objeti-
assegurar a implantação das orientações gerais do Mobral e vos delineados.
para
isso eram treinados em encontros nacionais 0
que tinham por objetivo financiamento das atividades do Mobral
difundir
era feito pela loteria
fundamentos ideológicos que fundamentavam os
os
esportiva, pelo imposto renda e por doações
progra-
mas. O clima festivo e descontraído
desses eventos servia para es- Em maio de 1970 foi de empresários.
treitar e selar os vinculos de
regulamentada a Lei n. 594, que instituiu a
compromisso entre os supervisores e o destinação de 30% da renda da liquida Loteria
Mobral. de
Esportiva" para os pro-
gramas alfabetização do Mobral. Em 1972,
exemplo, foram por
Os recursos financeiros utilizados nesses encontros eram
abundan- passados US 14.191.420 dólares, o que equivalia a 86.000.000 re
tes, como comprova o fato que tais pessoas se reuniam no Rio de ros, valor significativo para o cruzei
contexto.
Janeiro, no Hotel Nacional. Em tais ocasioes, centenas de coordenado- A Loteria
Esportiva, além de repassar recursos financeiros para o
res e supervisores de todas as partes do país deslocavam-se para partí Mobral, também ajudou na divulgação de seus
cipar dos encontros. Para muitos, aqueles gastos eram, em verdade, programas de alfabeti-
Zação para todo pais; programas esses que eram mencionados
o
nos
desperdicio de dinheiro. Amesma crítica era dirigida às propagandase folhetos quais as pessoas registravam suas apostas.
com os
ao material didático. Essa
situação culminou com a abertura de uma Vejamos a figura a seguir.
Comissão Parlamentar de Inquérito contra o
Mobral, em 1975 (HADDAD,
199; PAIVA, 1987). 12 A renda da Loteria
Esportiva neste periodo era distribuida da seguinte forma: 40% para
de Assistencia (LBA), 30% a Legião Brasileira
para o Conselho Nacional de Desporto e 30%
para o Mobral.

******************

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Freitas e Biccas
História social da educação no Brasil (1926-1996)

Caixa Econonlca Federal


Figura 2. Boleto Loteria
Esportiva Divulgação Tabela 2. Matrícula de alunos nos programas do Mobral de 1972
otero Esportivo Mobral
CONCURSO TEsTE DE 9 e 20'05;73
Contira cou cando, para nio sr projuoicado. Veritiqu
o r e v e o e d o r CoroOCCu on
Ano Programas
Nome:
A partir de
1970, Decreto-lei n.
com o
En0eo
N 00 CARTAO
1.124, o imposto de renda passou a figurar Cursos de
Educação Integrada
Desenvolvimento
Total
Alfabetização das Comunidades
como mais uma
importante fonte de re 1972

Cursos Mobral. A vigência desse De.


para o
7.354.000 950.000 508.0.000 8.812.000
EM QUALOUER
LUGAR DO
EXISTE UM POSTO o MOBRA.
BRASIL| creto, previsto inicialmente para vigorar Fonte: Relatório UNESCO, 1974.
L E V E ATE L QUE" NO
LER E ESCREVER
SABE
até 1973, acabou permanecendo até 1976.
Um grande nümero de coleções didáticas produzidas em larga escala não foram elabo-
As
MOBRAL/Decada do Desemvovimento empresas,
NUMERO CE APOETAS-
radas pelas equipes técnicas do Mobral. Todo aquele aparato didático
aproximadamente 60.000, contribuiu com
-A PAGAR-

C.S
a Abril
cLuBE EMPATE recursos financeiros para o Mobral. e pedagógico foi produzido por três grandes empresas privadas:
X Gráfica Editora Primor S.A.
1Palzelras [SP} Em Cultural S.A., a Bloch Editores S.A. e a
Sad Palo sr)_. 1973,
Mobral pôde contar com o
o
No quadro 3, podemos verificar os objetivos e os títulos produzidos:
orçamento de CR$ 202.000.000ou US
Oreates fSsC d

34.000.000 de dólares (UNESCO, 1974). Quadro 3.


CEI3 L adenles (CE)|
S9Crt keche PU ludco ( P ) .
Podemos verificar que nos seus primeiros
CoRança (5]| Editoriais
METFA) U n a 1450 PA . anos de funcionamento o volume de re-
Antica R) Propósito
13C. R Bizsil (4) CS. Alagoano (Al}
cursos financeiros aplicados nas ações de Gráfica Editora
Abril S.A. Bloch Editores S.A.
Primor S.A.
alfabetização foram muito vultuosos, pois
o governo militar não poupou esforços para rapidamente substituir as Roteiro de Alfa-
Apoiar a aprendizagerm Livro de leitura 66 p. betização (Guía de Leitura 62 P.
ações até então desenvolvidas por grupos engajados na educação po- da leitura elementar Alfabetização 64 p.)

pular como tema da educação conscientizadora.


Os materiais didáticos produzidos nos domínios do Mobral podem Livro de exercicios Roteiro de Exercicios Exercicios de
Prática da escrita elementar de Linguagem 66 p. escita 63 p.
66 p.
ser considerados uma forte marca do programa tanto por sua abundân-
cia quanto pela sua diversificação.
Roteiro de Exercicios
A partir de 1970, grande parte dos seus recursos financeiros foram Apoiar a aprendizagem Livro de matemática
de Matemática 66 p.
Matemática 62 p.
do cálculo elementar 66 P

utilizadospára a produção de materiais didáticos voltados para os pro-


de
gramas alfabetização, para a educação integrada e para o desenvol Sugerir ao alfabetizador nor Manual do Professor Roteiro do Guia do Professor

vimento das comunidades. mas didaticas aplicaveis ao


6 P
Alfabetizador 66 p. 62 p.
processo de alfabetização

Na tabela 2, poderemos verificar o número de alunos inscritos em


cada uma dessas atividades. Os dados referentes ao ano de 1972 aju- livros
dam-nos a dimensionar a relação entre o volume de material produzido perceber que as três empresas produziram
E interessante
de ensino e aprendizagem para a
e distribuido gratuitamente e o número de
participantes dos programas para atender aos mesmos objetivos
acirrada entre
do Mobral. alfabetização. Isso pode indicar, de um lado, a disputa
****"
********"**"**

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Freitas e Biccas Historia social da educação no Brasil (1926-1996)

grandes empresas para garantir participação num novo e grande filão A exuberância dos números nos causa perplexidade e estranheza.
de ganhos financeiros. Pode indicar, por outro lado, como o governo Como exemplo do que se pode estranhar, podemos cotejar os dados de
militar agiu para levar a efeito seus interesses mais amplos. Não se 1972, apresentados na tabela 2, em relação aos dados apresentados no
pode ignorar que, como consequência, o governo trazia para perto de quadro 4.
si uma boa parte da grande imprensa brasileira. Para os 7.354.000 alunos inscritos no curso de alfabetização foram
Vejamos, no próximo quadro, as tiragens no mínimo astronômicas publicados e distribuidos 4.844.000 livros de leitura, 12.171.000 ívros
das coleções produzidas em 1970, 1971 e 1972. de leitura complementar e 48.000.000 diários do Mobral. Como expli
car a tiragem do livro de leitura, muito aquém do número de inscritos?
Quadro 4. Materiais didáticos produzidos por editoras privadas para o Mobral (1970-1972) E, de outra parte, como entender a tiragem do livro de leitura comple
Publicações mentar, muito superior à demanda da inscrição?
1970 1971 1972 Os materiais didáticos deveriam ser utilizados em todo o território
Alfabetização
nacional. Nesse sentido, apoiavam-se em uma interpretação global da
Manual para o Alfabetizador 75.040 118.000 200..100
sociedade brasileira, buscando apresentar a heterogeneidade da reali-
Livro de Leitura 1.526.000 2.310.000 4.844.000
dade do país por meio de fotografias das cidades, do meio rural, da
Livro de Matemática 1.526.000 2.310.000 4.844.000

Livro de Escrita 1.526.000 2.310.000 4.844.000


indústria.
Livro de Leitura Complementar 1.524.300 9.600.000 12.171.000 Os problemas do país foram estampados em publicações de ex-

Cartazes Didáticos 1.200..800 1.760.000 3.793.000 celente qualidade de papel e gráfica, mas a direção dada à reflexão
"Diario do Mobral" 32.000.000 48.000.000 dos temas abordados nas coleções era condicionada por uma viso
Educação Integrada embebida do mais tosco nacionalismo, descrevendo um país extrema-
1.400.000
Textos mente diversificado submetido a um único projeto, o de obtero de-
Livros de Consulta 1.400.000

Livro de Matemática 900.000 senvolvimernto. Todos os materiais didáticos eram distribuidos gratui-
tamente.
Manual do Professor 61..580

Livros de Leitura Complementar 6.201.000


A Editora Abril chegou a criar uma "Escola Portátil", produzindo
Cartazes Didáticos 515.000 uma maleta do professor contendo os manuais, livros, cadernos, lápis,
Periódico "Integração" 11.600.000 lanterna etc., para atender uma sala de até 20 alunos.
Desenvolvimento de Comunidade Nas coleções de alfabetização, o método utilizado era o analitico
Voce é Lider 15.000 sintético, que se apropriava do léxico de outros autores, como as pala-
42.000 vras geradoras, presumidas pelos editores simplesmente como expres
Vocêé Açao
Voce è lmportante 1.200.000
sões próprias do cotidiano do povo.
Fonte: Relatório UNESCO, 1974. "A experiência brasileira de alfabetização de adultos: o Mobral".
Com base em tais palavras e a partir delas era feita uma decom
E dificil entender os critérios que presidiram a definição das tira- posição sílabas ampliando sucessivamente as dificuldades lin-
em

gens e do número de exemplares de cada um dos livros que compõem guisticas, compondo novas palavras e frases. As editoras produziram
as coleções criadas. manuais para o alfabetizador no sentido de ajudá-lo a organizar o

*******************
******

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Freitas e Biccas

História social da educação no Brasil (1926-1996)

processo de ensino-aprendizagem; a dominar as técnicas para desen-


volver o trabalho em grupo; a ensinar a ler, escrever e contar
tir das caracteristicas dos jovens e adultos. As
nas cartilhas e livros de leitura indicavam
a par-

mensagens presentes mobralteca


que a incorporação dos
adultos analfabetos na "sociedade moderna" só seria
fosse
alcançada se
expressão de um esforço individual, não havendo espaço, evi-
dentemente, para uma reflexão sobre o analfabetismo pautado na
analise das causas estruturais da exclusão a que muitos estavam sub-
metidos (Vóvio, 2007). ROTEIRa
Os livros de leitura
complementar eram distribuídos aos alunos a
partir do terceiro ms em que estavam inseridos no processo de alfa-
10
betização. Neles, os temas abordados relacionava-se ao civismo, à fa fe fi fo fu
saúde, à economia doméstica, às orientações para o trabalho e para a ta te ti to tu

vida em comunidade. Os alfabetizandos recebiam ainda com ba be bi bo bu


regulari- al el il ol ul
dade o Jornal do Mobral, produzido com
linguagem simples,
rico em
alto
imagens, trazendo informações nacionais e internacionais. Editado salgado folga barril
calça papel bola filme
quinzenalmente, jornal chegou a ter uma tiragem de aproximada-
esse capital jOgo bolsa adulto
mente 2 milhões de exemplares (UNESCO,
1974).
O Programa de Educação Integrada
apoiava-se em materiais de
leitura também produzidos pelas mesmas empresas. O
futebol
conjunto didá- Fábio é do time do bairro.
tico era composto por um livro com textos
geradores que abordavam fu te bol Ele joga todo sábado.

varios aspectos da vida do homem brasileiro, mais um livro de


matemá Figuras 3, 4, 5 e 6. Cartilhas do Mobral
tica, mais um de vocabulário que era organizado alfabeticamente fa
vorecendo a auto instrução.
Para o educador foi produzido também um guia para ajudar a fa-
de, potencialidades e, ainda, utilizar técnicas adequadas para
suas

zer a integração das diferentes áreas suscitadas pelos textos gerado orientação de trabalhos em grupo e para coordenação de projetos;
Você é Importante, que se
res. Atiragem e distribuição dos conjuntos para esta modalidade tam- destinava aos adultos que participavam do
programa e pretendia incentivá-los a resolver os problemas da
bém atingiram a marca dos milhões de exemplares.
dade de forma planejada.
comuni
Para o Programa de Desenvolvimento da Comunidade foi criada
Os compromissos ideológicos do Mobral podem ser
uma série especial com três manuais: Você é
Lider, dirigido para os percebidos
tanto nas orientações metodológicas, quanto nos materiais didáticos
membros das Comissões Municipais visando ajudar a atuar na
organiza produzidos, falseando e esvaziando a densidade dos
ção das comunidades; Você é Ação, elaborado para os animadores procedimentos
cais
lo que reconhecidamente fundamentaram as experiências educacionais
e que oferecia subsídios sobre como melhor conhecer a comunida dirigidas aos jovens e adultos na década de 1960.

258 *****************

259
28 R2882828902889 RRRRR99ggggggegggngaaonnnnm
Freitas e Biccas História social da educação no Brasil (1926-1996)

Chama a atenção a ausência de qualquer possibilidade de proble de material e depois acabou o Mobral. (Depoimento da Profa. Maria do
matizar e questionar a realidade. A educação era projetada como sim- Rosário, do Mato Grosso, citado por Souza e CArDOSo, 2006, pp. 7-8)
bles adaptação e preparaçao de sujeitos com base na promessa de in- O rico ilustra
depoimento alguns aspectos essenciais da organiza-
serir a todos nas demandas do projeto nacional que estava em ção do Mobral.
andamento, um projeto de desenvolvimento sem os entraves das ten Não existiam critérios definidos para selecionar os agentes que
sões sociais. atuariam em seus programas. Na maioria das vezes, eram mobilizadas
Tempos obscuros. 0 "toque de Midas" da ditadura tornava incon- pessoas sem que em suas trajetórias pudéssemos encontrar elementos
sistente tudo o que se reestruturava sob seu comando. da formação pregressa suficientes para justificar seu engajamento no
Vale ainda a pena destacar a diferença entre a proposta do Mo- esforço de erradicar o analfabetismo no país.
bral e as experiências de educação popular que foram pautadas pelo Não havia um processo seletivo, não se exigia nem o 2° grau e nem
método de Paulo Freire. Vejamos, por exemplo, o depoimento de o nível universitário para atuar em tais programas educacionais. Os
uma professora do Mato Grosso que relatou sua experiëência no
Mobral:
escolhidos, denominados então como monitores, recebiam uma forma
ção inicial que Ihes proporcionava um conjunto de orientações para
Eu fui convidada pelo prefeito para ser alfabetizadora do Mobral, acho utilizar os conjuntos didáticos do programa.
que foi em 1969. Ele prometeu que eu receberia uma gratificação por A supervisäão estava a cargo das Comissões municipais visando, com
número de alunos matriculados, era simbólico, mas na época... Para con-
seguir esses alunos tinha que visitar casa por casa procurando aqueles que isso,assegurar o controlee a coesão do projeto politico pedagógico de
não sabiam ainda ler e nem escrever. Na minha turma tinha alunos de 16 lineado para tais programas. Haddad (1991) indica com precisão que o
anos a 66 anos. Tudo era de graça, tinha cartilha, lápis, caderno, uma fi- Mobral gerou um problema quando utilizou professores leigos, pois estes
cha de matricula e até tinha diploma no final do curso. O curso durava seis
meses e nem todos conseguiam terminar, mas eram poucos os que desis- ofereciam um ensino de baixa qualidade àqueles que tinham menos ou
tiam, geralmente por motivo de trabalho. Passou um tempo e eu saí, não nenhum prestigio social, o que contribuiu para que o ensino oferecido
lembro bem as datas por causa de medicamentos que tomo. Depois disso,
fui convidada para ser Coordenadora de Area - incluía a cidade P oco
pelo Mobral fosse sempre visto como precário, de má qualidade.

né, Nossa Senhora do Livramento e Chapada dos Guimaräes. Ah!, lembrei


Diferentemente dos monitores do Mobral, os educadores
de que quando fui alfabetizadora fiz um treinamento de uma semana com populares,14 na sua, maioria, tinham formação universitária, recebiam
uns professores que vieram de Cuiabá. Como Coordenadora recebia até
uma boa formação para o desenvolvimento
ações junto aos de suas
um bom salário, tinha curso em Cuiabá, eles faziam muitas reuniðes que
eram traçadas metas e programações a serem cumpridas. Como coordena- movimentos populares e produziam seus próprios materiais, como já
dora eu atendia tanto as turmas da zona urbana como da zona rural, tinha
até sala que usava lampião para ter aula. Havia fichas de matrículas que
mencionamos anteriormente, na perspectiva de concretizar as
propos
tas educativas fundamentadas nos principios de Paulo Freire. Não se
eram enviadas para Cuiabá, ficha de frequência que ficava em Poconé,
tinha diário mas não se registrava nenhuma atividade, o planejamento era
13 Cf. Anais do Seminário de
feito num caderninho. Muitos foram alfabetizados, mas aquilo era só um Educação de 2006, promovido pela Universidade Federal do Mato Grosso. Comu-

começo, quem tinha força de vontade dava continuidade, uns saiam lendo
nicacão intitulada:
1947 1990,
a
Alfabetizaço de Jovens e Adultos em Mato Grosso: leitura das Campanhas
uma
de autoria de Aneslia Prazeres Veloso de Souza Cancionilla Janzkovski
e
Oficias de
Cardoso, ambas da UFMT,
no site: www.ie.ufmt.br/semiedu2006/GT16
e escrevendo outros apenas assinando o nome e conhecend algumas pa
14 Denominação utilizada a partir da década de
lavras. Passou um tempo e mudou toda a filosofia, novo treinamento, 1960, filiada às concepções freireanas, designava de maneira
gerals agentes engajados nas experiências de alfabetização e nos programas não formais de educação de jo-
material mais moderno, mas com o tempo diminuiram as reuniðes, o envio vens e adultos.

*******"

260 261
Freitas e Biccas
História social da educação no Brasil (1926-1996)

pode esquecer tambem que o tema da educação


popular mostrou-se 1985. objetivo da Fundação Educar era o de promover a
O
permeável àreflexão politica emanada de outros execução de
politica como o marxismo e depois a teologia da
espectros de reflexão programas de alfabetização e de educação básica
não-formais, volta-
Mas a ação deletéria da
libertação.'5 dos para pessoas cuja experiência de
empobrecimento resultou na
ditadura não silenciou de todo a voz dos exclusão do acesso à escola.
engajados na educação popular. Paralelamente às Todos os bens do Mobral foram repassados para a
ações eppreendidas Fundação Educar,
pelo Mobral articulou-se um movimento
clandestino, marginal, si- que foi vinculada diretamente ao Ministério da
lencioso que buscava resistir às Educaçãoe Cultura. No
ações governamentais de então e que âmbito dessa estrutura, a Fundação focava sua
atenção educação
na
cresceu e sobreviveu mesmo
após o período ditatorial. básica, mas não executava diretamente nenhum programa de alfabeti-
Renovando os repertórios da crítica à zação de adultos, apoiando apenas, com recursos financeiros e técni-
ausência de ética das socie-
dades submetidas à
desumanização capitalismo, um canto de resis-
do cos, os projetos apresentados pelos Estados e
municípios. Anos mais
tência se fez ouvir nas Comunidades Eclesiais tarde, em março de 1990, a Fundação Educar foi extinta pelo governo
de Base e se espalhou
pelo movimentos e associações de moradores e por muitas Collor.
coes de trabalhadores.
organiza-
Paulo Freire, mesmo no seu momento de exílio, continuou contri
buindo coma educação de adultos em outros
paises da América Latina
e Africa, consolidando
merecidamente um grande reconhecimento in-
ternacional.
O Mobral contou sempre com forte
aparato governamental e teve
continuamente à
disposição fartos recursos financeiros para
sua
executar seus programas. No entanto, segundo o censo de 1980, seus
resultados foram pifios, absolutamente insatisfatórios. As pessoas
que
não sabiam ler nem escrever representavam 25,8% da
populaço.
Tomando por base a taxa de analfabetismo de 1979, que era de
33,6%, a redução promovida pelo Mobral não superoua marca de 7,8%.
As campanhas das décadas de 1950 1960
e lograram resultados mais
consistentes em condições de funcionamento demasiadamente precá-
rias e com poucos recursos financeiros (PAIVA, 2003).
A presença do Mobral na história da educação brasileira estendeu
se até 1985, quando foi extinto, e no seu lugar foi criada a Fundação
Educar, com a publicação do Decreto n.
91.980, de 25 de novembro de
15 Segundo Boff (1998), a
Teologia da Libertação surgiu nos anos 1960 em resposta à crescente miséria da
população na América Latina.

********
**************

262 263
4
A Reforma Universitária de 1968:
a resposta à radicalização do
movimento estudantil
************************************* ***************************"****************************************************"*********
..
......

do setor pri
Na Era Vargas ocorreu uma grande expansão
imuni-
vado ligado à educação. O governo, além de oferecer uma
instituições educacionais em todos os níveis,
reconheceu
dade fiscal às
a Pontifícia Universi-
também a primeira universidade privada do país,
dade Católica do Rio de Janeiro.
O governo central atuou de forma, por assim dize, controladora
tanto que transformou a
junto ao setor público do ensino superior,
Universidade do Rio de Janeiro em Universidade do Brasil, almejando
com isso criar referência para submeter às outras iniciativas uni
uma

versitárias de caráter federal criadas no Rio Grande do Sul, São Paulo e


no próprio Distrito Federal (CUNHA, 2004).
período de 1945 a 1964, manifestaram-se muito claramente as
No
ambiguidades das políticas públicas para o ensino superior. De um lado,
ocorreu um grande crescimento do setor privado, de outro, estabele
ceu-se o processo de federalização de faculdades estaduais e privadas,
reunidas em universidades.

Segundo Fávero (2006), a atuação do movimento estudantil foi in-


tensa década de 1960. Esse foi o
na contexto, inclusive, da criação da
Universidade de Brasília (UnB), instituida pela Lei n. 3.998, de 15 de

tanto refere às suas finalidades


dezembro de 1961, um marco no que se

maneira o impacto
quanto na sua forma de organização, reeditando à sua
exercido por universidades como a USP e a UDF na década de
1930.
O movimento estudantil projetava a reforma universitária
como

se fosse ela uma das "reformas de base". Na perspectiva de produzir


um debate sobre as bases da reforma universitária, a União Nacional

*******"

265
História social da educação no Brasil (1926-1996)
Freitas e Biccas

lógicas que denunciavam uma certa acomodação de alunos e professo


dos Estudantes (UNE) promoveu três seminários nacionais, em 1961 na
res. Essa crítica a acomodação, na verdade, era uma crítica aos proces
Bahia, 1962 no Paraná 1963 em Minas Gerais.
e em
tema das mobilizações amplas
sos institucionais e uma abertura ao
e
No seminário da Bahia, em 1961, foi redigida uma Carta que cuidou
revolucionários consideradas hipóteses plausíveis e "mais rápidas" que
de delinear o papel da universidade na formação de profissionais de
os processos institucionais.
Cunha (2004) lembra que o apoio dos uni-
nivel superior. As diretrizes traçadas alinhavavam-se com as demandas
versitários aos movimentos de educação de adultos ganhou muita força
de modernização do ensino superior de setores ligados ao Estado e de
neste momento.
instituições de pesquisa, como a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC). A plataforma sugeria a O regime de cátedra em vigor sustentava um personalismo que che-
gava àquela situação muito desgastado, sendo considerado, inclusive,
(...) quebra das barreiras entre as faculdades da mesma universidade; cria- entrave para a produção científica, cultural e tecnológica. O movimento
ção de institutos de pesquisa; organização do regime departamental; traba
ho docente e discente em tempo integral; extinção da cátedra vitalicia; estudantilteve, assim, um papel fundamental na luta pela defesa da
estruturação da carreira docente a partir de cursos de pós-graduação, de
tempo de serviço e de realizações profissionais; remuneração justa para os extinção da cátedra, indicando a criação dos departamentos, inspirado
professores e assistência aos estudantes, como bolsas, alimentação, aloja no modelo norte-americano, idealizados como possibilidades de práticas
mento e trabalho remunerado dentro da universidade; incentivo à pesquisa universitárias que integrassem ensino, pesquisa e extensão.
cientifica, artistica e filosófica. (CUNHA, 2000, p. 176).
Fernandes (1975, p. 153) assinala que a reforma universitária de-
Ainda Carta da Bahia, o projeto do movimento estudantil
na preten veria estar conectada a outras manifestações da sociedade brasileira.
dia neutralizar o poder das "cúpulas dirigentes da universidade",
visan Segundo ele, "as pressões de mudança, a partir do meio externo e da
do com essa reivindicação conquistar a autonomia da universidade pe- própria universidade, precisariam tornar-se muito fortes para que ela
rante o governo, o que possibilitaria à instituição universitária realizar se desencadeasse". Para o autor, o movimento estudantil foi o segmen-
seus próprios orçamentos de acordo com suas prioridades. responsável por pressionar universitárias produzir
to as instituições a
Estava também na pauta a eleição dos próprios dirigentes; a ela- as mudanças necessárias.
boração e a modificação dos estatutos da universidade; a definição dos A reforma só se deu em virtude da radicalização do movimento estudantil e
curriculos e programas e a modificação dos sistemas de ingresso e de sua concepção de que não se transformaria a universidade sem se trans
aprovação para as universidades (CUNA, 2000; FAVERO, 1994). formar a sociedade; a reforma universitária se daria no bojo das reformas
de base (FERNANDES, 1975, p. 154).
A questão da autonomia da universidade também foi amplamente
discutida no que se refere ao seu funcionamento interno. Nesse senti- Sendo assim:
do, o movimento estudantil defendia uma pauta extensa que tocava (.) a reforma universitária, depois de adquirir a consistência e as influên
pontos criticos e tensos como a composição das instâncias de governo cias de um movimento social, equacionou ideais novos de organização da
sociedade. O repúdio às "estruturas arcaicas do ensino superior" fez-se
universitário.
acompanhar por uma busca inquieta e ardente de soluções alternativas,
A proposta chegava à minúcia de indicar a proporcionalidade para a adaptadas à melhor utilização dos recursos humanos e materiais existentes
distribuição dos votos nos processos eleitorais universitários: professores ou exploráveis à autonomização educacional e cultural da sociedade brasi
leira (ibidem, 161).
40%, estudantes 40%, profissionais indicados por órgãos de classe 20%.
Nos seminários realizados no Paraná e em Minas Gerais, as Cartas Uma caracteristica marcante do periodo foi a expansão da rede de
produzidas sinalizavam o tom mais radical de correntes politico-ideo ensino e da escolaridade básica, que contaram com os acordos de
coo
266 267
Freitas e Biccas História social da educação no Brasil (1926-1996)

peracão assinados entre o Ministério da Educação e Cultura e a Agency cipios de autonomia e autoridade; a dimensão técnica e administrativa

for International Development (USAID) dos Estados Unidos. do processo de reestruturação do ensino superior; a ênfase nos princí
No periodo de 1964 a 1968 foram assinados 12 acordos como obje- pios de eficiência e produtividade; a necessidade de reformulação do
tivo de produzir diagnósticos na perspectiva de resolver os problemas regime de trabalho docente; criação de centro de estudos básico".
educacionais brasileiros. Muitos brasileiros, especialmente os setores Um cenário de repressão e enquadramento estava se delineando
no fatídico ano de 1968. Basta
mais enriquecidos, encontravam no campo de interlocução aberto com nas antessalas da reforma que chegaria
Lei n. 4.464, conhecida como Lei Suplicy, que
os norte-americanos encaminhamento para a solução de questões can lembrar, por exemplo, a

proibiu o funcionamento da UNE.


dentes, todas elas apresentadas sempre como demanda necessária para
que o Brasil lograsse alcançar desenvolvimento e a modernização. Em novembro de 1968 foi promulgada a Lei n. 5.540 que reformou o
A abertura consentida a tais repertórios de soluções acarretou não ensino superior no Brasil. Essa reforma logrou modificar estruturalmente
somente um processo de "mediocrização" como também subordinou a a universidade brasileira. Tais modificações podem ser avaliadas com a

de alguns artigos "estratégicos" que caracterizaram a nova lei:


educação brasileira a estratégias completamente alheias aos proble leitura
mas estruturais da sociedade brasileira, passando, nossa educação, a
fazer parte de um cenário de crise permanente. Lei 5.540, de 28 de
n. novembro de 1968
Fávero (1994, pp. 152-153), destaca, nesse sentido, três instâncias Do Ensino Superior
que materializaram as intenções do governo militar: a) o plano de assis- Capitulo I
tência técnica estrangeira, concretizado por meio dos Acordos MEC Art. 1. O ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento
das ciências, lerras e artes e a formação de profissionais de nível universitário
USAID; b) o Plano Atcon (1966); c) o Relatório Meira Mattos (1968).
Art. 2. O ensino superior, indissociável da pesquisa, será ministrado emn
A intervenção USAID não ocorreu somente no Brasil, espalhando seu
três excepcionalmente, estabelecimentos isolados, organizados co-
espectro de ação em quase toda América Latina. Ë possível perceber
universidades e, em

mo instituições de direito püblico ou privado.


linhas de ação que ultrapassavam fronteiras e nacionalidades: a) a assis-
tência técnica; b) a assistência financeira (traduzida em recursos para Art. . As universidades e os estabelecimemtos de ensino superior isolados cons
financiamento de projetos e compra de equipamentos nos EUA); c) a ou em fundações de
tituir-se-ão, quando oficiais, em autarquias de regime especial
assistência militar (efetivada pela vinda de consultores militares norte- direito público e quando particulares, sob a forma de fundações ou associações.
americanos ao Brasitl e pelo treinamento de militares brasileiros nos Es
tados Unidos, assim como do fornecimento de equipamentos militares). Art. 11. As universidades organizar-se-ão seguintes caracteristicas:
com as

O Plano Atcon refere-se a um documento que resultou de um es base em departamentos reunidos 0u não em uni-
b) orgånica
estrutura com

americano Rudolph Atcon, em 1965, a convite do dades mais amplas;


tudo produzido pelo
MEC, que construía o
e itinerário a seguir na implantação de uma nova

Art. 17. INas universidades e nos estabelecimentos isolados de ensino superior


estrutura administrativa para universidades, visando torná-las mais
as
de
poderáo ser ministradas as seguintes modalidades
cursos:

produtivas e eficientes, o que permanentemente foi "vendido e com


candidatos diplomados em cur-
b) de pós-graduação, abertos à matricula de
prado" como necessidade para o increnmento produtivo do país. so de graduação que preencham as condiçóes preseritas
em cada caso;

Fávero (2005) aponta que o projeto da Reforma Universitária incor


porou algumas propostas do Planto Atcon, tais como a "defesa dos prin

**********

269
268
Freitas e Biccas
História social da educação Brasil
no (1926-1996)

Art. 21. O concurso vestibular, referido letra do artigo 17, como também já
ocorria na Universidade de Brasília. Adotou-se tam-
na a
abrangerd
os conhecimentos comuns às diversas formas de educação do segundo grau sem bém a estrutura de departamentos, mantendo a unidade de ensino e
ultrapasar este nivel de complexidade para avaliar a formação recebida pelos
candidatose sua aptidão intelectual para estudos superiores. pesquisa e introduzindo a obrigatoriedade de frequência do ensino pa-
ra alunos e professores (FRETAG, 2005).
Art. 25. Os Segundo Vieira (1988, p. 135), o projeto da reforma universitária
profissionais poderão, segundo a área abrangida, apresen-
cursos
tar modalidades diferentes quanto ao número à deveria ser examinado como resposta a crise da educação superior no
duraçáo, fim de corresponder
e a
às condiçóes do mercado de traballho. Brasil a partir de três dimensões:
. Seräo
organizados cursos profissionais de curta duração, destinados a
Era representada pela existencia de uma elevada demanda de candidatos ao
proporcionar habilitaçocs intermediárias de grau superior. ensino superior, sem uma correspondente oferta de vagas. Nesse sentido,
...) promover a reforma seria uma maneira de criar condições para viabilizar
Art. 29. Será obrigatória, no ensino superior, frequéência de professores
a e uma expansão ordenada do ensino, já que a expansão desordenada realizada
alunos, bem como a execuçáo integral dos programas de ensino. até então era seguidamente criticada pelos formuladores da politica educa-
cional. A segunda dimensão da crise era assinalada pela defasagem que os
Capitulo ll. Do corpo docente reformadores acreditavam haver entre o ensino superior existente e o proje-
Art. 33. Os cargos e to de desenvolvimento nacional. Caberia, assim, å universidade atender a
funçoes de magistério, mesmo os já ecriados ou
providos, umademanda econômica, através da formação de recursos humanos que
serão desvinculados de campos especificos de conhecimentos.
assegurasse a expansão da economia nacional. Outro objetivo da reforma
I.3. Fica extinta a cátedra ou cadeira na organização do ensinosuperior do era solucionar a crise de autoridade identificada no sistema educacional.
Pais. Quanto a este aspecto, deveriam ser estabelecidas formas que permitissem
Ár. As universidades deverio progressivamente e na medida de seu in-
34.
teresse e de suas
ao Governo exercer controles mais rigorosos sobre as universidades. Por esta
possibilidades, estender a seus docentes o Regime de Dedicaçáo razão, o projeto apresentaria uma concepção autoritária de reforma.
exclusiva às atividades de ensino e pesquisa.
(... De acordo com Cunha (2004), a ambiguidade na forma de investir
Capitulo III. Do corpo discente no ensino superior foi radicalizada pelos governos militares que inves-
Árt. 38. O corpo discente terá representação, com direito a voz e voto, nos tiram recursos financeiros nas universidades públicas: a) criando a
orgãos colegiados das universidades e dos estabelecimentos isolados de ensino supe pós
rior, bem como em comissóes instituidas
-graduação; b) institucionalizando a profissão docente superior; c)
naforma dos estatutos e regimentos.
construindo novos edifícios e equipando laboratórios; d) criando novas
Art. 41. As universidades deveráo criar as funçóes de monitor para alunos universidades federais, estaduais e nas antigas foram expandidas suas
do curso de graduação que se submeterem a provas especificas, nas quais demons- atividades. A outra face da moeda revelou incentivos diretos e indire-
trem capacidade de desempenho em atividades técnico-didáticas de determinada
tos à iniciativa privada, que estavam massivamente presentes e repre
disciplina. sentados no Conselho Federal de Educação (CFE).
Parágrafo único. As funçóes de monitor deverão ser remuneradas e conside-
radas titulo para posterior ingresso em carreira de
magistério superior. A proposta de construir parâmetros a partir das instituições públi-
cas federais logo caiu por terra, uma vez que o houve uma explosão do
setor privado (CUNHA, 1982, FAvERO, 1994).
A reforma universitária do ensino superior se inspirou no modelo
Para Cury (2005) o Grupo de Trabalho da Reforma Unive ia
universitário norte-americano, estruturando o ensino em básico e pro (GTRU), instituído em 1968, como propósito estudar a
de reforma uni-
fissional; em dois niveis de pós-graduação, o mestrado e o doutorado; versitária brasileira "visando à sua efici ncia, modernização, flexibili-
adotando o sistema de créditos, introduzindo a matrícula por matérias,
dade administrativa e formação de recursos humanos de alto nivel pa
*************

270
271
Freta e Bc

O Conmethe Federal de
a odesenvolvimento do pais" (Decreto Lei n.
Educação foi criado como
orgae colegiodo da
62.937/68), acabou contribuindo para a criação
dos curs0s de
pós-graduação nas instituições fe.
5
144,se
03/02 1962, *
derais de ensino superior. A Lei n. 5.692/71 e a Reforma
0 autor sinaliza que apesar do clima adverso
provoriamentr ate a
mposto pelo regime militar, o GTRU acabou de
do ensino de 1° e 2 graus:
de regimente proprto
ea Pkrtaris n 60, de
finindo a universidade de forma adequada ao da arte de produzir desertos
feVreIrede 1967, caracteriza-la como uma instituição de pesquisa,
omgent ia ae FE komar ensino e extensão. Destaca ainda a defesa
ciexisões,. cgpirnat, analihar apre De meados da década de 1960 até o apagar das luzes do
sentada no relatório sobre a urgéncia em
consoli sangrento século XX, um crescente, continuo e poderoso processo
dar os cursos de pós- graduação no pais, para que
medidas gara organizaao de "desumanização" das relações sociais ganhou visibilidade e surtiu
o mais rápido possivel pudesse se iniciar a
forma-
efeitos täo duradouros quanto destrutivos. Conter esse processo de
ção dos nossos próprios cientistas, professores e
Farmalizaxàc das bases
"desumanização" foi uma das fortes aspirações politicas que se arti-
tecnicos que até então eram obrigados ir a outros
Organiza cistrKuits
paises para cursar a universidade. cularam nas últimas duas décadas do mesmo século, como veremos ao
final.
Segundo Cunha (1989) as universidades bra Algumas ideias foram decisivas e alguns argumentos persuadiram
sileiras antes da década de 1970, recebiam esta
residente d2 Repubik, denominação mas não passavam de instituições multiplicadores de opiniäo ensejando a disseminação de concepções
de ensino. 0 cenário sombrio, para além dos segundo as quais aspectos fundamentais das interacões individuais e
es
o i ~ v saber e
tragos que ensejou, possibilitou também algu- sociais, educação e o trabalho, poderiam ser reduzidas à di
como a
mas mudanças que desde as primeiras
regula mensão da produtividade economica, de cujo repertório
"gerencialista
mentações redefiniram as universidades federais não nos livramos até hoje.
Carsehc, presia=nte
d Repubika ievart e repercutiram, principalmente, na estrutura- Tomemos, por exemplo, a definição de capital humano apresenta
ção da pos-graduação em todo o país. da na obra international encyclopedia of the social sciences, na sua
eaiënte A expansão do ensino superior no Brasil diz edição de 1968, do economista da Universidade de Chicago Theodore
respeito a uma teia analitica que demanda um W. Schultz, um dos principais fundadores da teoria do capital humano
inventano proprio de subtemas a des
temas e
e Prêmio Nobel de economia em 1979:
F5tere ofTia trinchar e que derivam do campo de criaçãoe
a t u a (ei 4.024/61
art E . Antes deie fomentação de um portentoso "negócio" que se as capacidades herdadas de uma população são semelhantes às propriedades
LeietD n19.850 originárias da terra no sentido de que são dadas pela natureza em qualquer
consolidará no final do século XX. periodo de tempo significativo para a análise econômica. As variações gené-
Em 1968, a reforma universitâria esteve no ticas que poderiam afetar a distribuição e nivel dessas capacidades
11/4931 aconte
coração das principais tensões vividas pela so- cem tão vagarosamente que não têm relev ncia para a análise econômica. Da

Ciedade brasileira naquele ano intenso mas de mesma forma parece ser verdadeiro que distribuição das capacidades her
a
dadas dentro de uma grande população mantém-se, aos efeitos práticos,
triste, muito triste memória. constante ao longo do tempo, e que a distribuição dessas habilidades é
apro
272
273
ximadamente a mesma seja o pais
pobre ou rico, atrasado ou
pre que a
população seja numerosa (Scaarz, 1968, pp. 322 e moderno, sem- especialmente no bojo de uma politica educacional que se dizia condi-
ss). cionada pelas definições econômicas, como era o caso das ações em-
O conceito de capital humano despontou como um preendidas pelo governo militar que falaciosamente remetia o debate
capacidades, habilidades e destrezas com valor econômico.conjunto de educacional ao campo das "necessidades" do desenvolvimento e de
cidades foram representadas como se Tais capa
fossem produto de um aceleração do crescimento econômico.
mento prévio realizado pelo individuo, pela família ou investi A aplicação dos principios da Teoria do Capital Humano na educa
De acordo com Schultz, todas pela sociedade.
ção ancorava-se na relação entre escolaridade e renda, projetando
as
capacidades úteis dos habitantes, se
jam elas herdadas ou adquiridas, conformam o capital humano de uma para cada individuo a responsabilidade de administrar um certo patri
população, embora para efeito do cálculo econômico monio de escolarização. Era como se cada indivíduo pudesse possuir
das "as que mais sejam as adquiri- um "passaporte" para obter maiores chances de bons
interessam". empregos e con-
A noção de sequentemente maiores salários.
"capacidade útil" está no coração dessa
o quadro é bastante diferente no caso das
argumentação: A partir dessa referência a taxa de escolaridade deveria ser toma-
valor econômico. A capacidades adquiridas que têm da para compreender mecanismos capazes de determinar a renda
os
formação e manutenção dessas capacidades säo análo
gas à formação manutenção do capital humano
e
individual e até a produtividade que a sociedade pode alcançar.
cidades, evidentemente, são sujeitas reproduzivel. Essas
à depreciação e obsolescência. capa
disso, a distribuição e o nivel das Além Foi a aceitação acritica de que a sociedade tem um ponto de pro-
dos capacidades adquiridas podem ser altera dutividade mensurável predominantemente com base nos indices de
significativamente durante o periodo de tempo que é relevante
análise economica. Historicamente, elas têm sido para a
nos paises que desenvolveram uma economia modernaalteradas profundamente escolarização que conduziu muitos responsáveis pela elaboração de
(SCHULTZ, ibidem). politicas educacionais a considerar essa lógica produtivista um argu-
Vamos nos lembrar aqui do mento inquestionável eaaceitar,
exemplo que utilizamos na
apresenta- também, a ideia de que oplanejamento
ção deste livro. Quando ao inicio educacional deve estar vinculado aa mercado.
rememoramos a obra consagrada de
Reimers que, após estudar as políticas A presença marcante desses
educacionais de muitos países da postulados pode ser verificada na for-
América Latina, concluiu que ma como se deu o delineamento de
inúmeros projetos de formação
"alguns homens eram pobres descalços
porque não tinham estudo", tínhamos em fundamentados racionalidade e na eficiência, visando atender
na

sentíamos diante da força acumulada


mente a perplexidade que mandas falaciosamente apresentadas como se fossem
de
pelo "argumento econômico" no exigências postas
coração das análises que se referem aos pelo sistema produtivo, sistema esse permanentemente representado
Em certo sentido, a
problemas educacionais. como se fosse um ente dependente das
argumentação de Reimersé uma apropriação políticas educacionais para
sofisticada do legado de Schultz, sem acumular ou não riqueza.
que isso signifique adesão
dicional império argumentativo do professor de
ao incon O principio do capital humano faz do conhecimento um bem agre-
Vem de Schultz a Chicago. gado ao sujeito trabalhador. O problema é que, levada a teoria do ca-
teorização que explica a diferença entre os
ses pobres e ricos
com base na pai pital humano às útimas consequências, a pobreza e os chamados fra-
constituição do capital constituído pelas cassos pessoais e familiares recaem como
capacidades com valor econômico. culpa sobre os próprios
No Brasil a teoria do individuos. Desponta a percepçåo de que os individuos no fizeram
capital humano foi amplamente difundida no por
final da década de 1960. merecer situação melhor do que aquela que têm ou
Schultz tornou-se que não souberam
um autor lido e comentado, fazer escolhas
as profissionais adequadas.
***

Na mesma linha de raciocínio e deslocando do plano individual A circulação da Teoria do Capital Humano facilitou a disseminação
para o plano macroeconömico, as sociedades e as nações desprovidas de ideias que se batiam pelo aumento da renda nacional e facilitou
daquilo que convencionou chamar de desenvolvimento econômico
se
também a "exportação de um madelo" supostamente aplicável às na-
são consideradas responsáveis pela própria
situação como resultado ções que visavam mudar sua condição econômica.
histórico da ausëncía de investimento correto e adequado, ou seja, na Nesse sentido, a expectativa era que os sistemas educacionais pu-
perspectiva de produzir sujeitos com capacidades de valor econômico. dessem assumir a responsabilidade pela formação desse novo tipo de
O argumento de que existe uma
relação inultrapassável entre taxa capital
de escolaridade e mercado produtivo passou a compor o cerne de mui- No final da década de 1960 e no transcorrer de toda a década de
tas politicas educacionais que se abriram a esses
repertórios na imple 1970 adquiriu tom ufanista a disponibilidade de muitos para aceitar
mentação de ações voltadas para a educação. que a educação deveria sujeitar-se às deliberações da economia.
Dependendo da forma como a Teoria do Capital Humano se apresen Em muitos países simultaneamente, mas muito particularmente no
tava, sua lógica interma parecia ser irrefutável. Todavia, sua lógica era Brasil, a Teoria do Capital Humano passou a fundamentar o planejamen-
mais perversa do que irrefutável. Além do mais, a aquisição do saber que to educacional implementado pelo regime militar. Essa perspectiva ga-
a educação escolar conforma em si foi deslocada do campo argumenta
nhou mais força a partir do jå mencionado acordo estabelecido entre o
tivo dos direitos para instalar-se no campo prescritivo das obrigações Internacional
concernentes a todo individuo e todo país interessados em
Ministério da
Educaçãoe Culturae a United StatesAgencyfor
"prosperar"
De acordo com Schultz (1973), a inalienabilidade podia ser
Development, passado à posteridade como acordo MEC-USAID.
consi As debilidades do acordo eram tantas que muitos estudiosos do
derada a caracteristica fundamental do capital humano. Sua
explica periodo encontraram no adjetivo "tecnicista" uma abrangência sufi-
ção pautava-se na ideia de que a educação ofertada era uma forma de
ciente para indicarocerne da tragédia que estava a acontecer na
capital humano, uma vez que, ao ser dada, ela passaria a fazer parte
educação brasileira nos anos da ditadura.
da pessoa que a recebia, tornando-se, assim, constitutiva da pröpria
Frigotto (1993, p. 40) considera que, naquele momento:
pessoa. Nesse sentido, a educação, como parte integral da pessoa, não
poderia ser comprada ou vendida ou tratada pelas instituições como O processo educativo, escolar ou não, é reduzido à função de produzir um
conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas
propriedade. No entanto, e contraditoriamente, a educação não deixa- atitudes, transmissão de um determinado volume de conhecimentos que
va de ser uma forma de capital que prestava serviço e, portanto, pos funcionamcomogeradores de capacidades de trabalho e, consequentemente,
de produção. A educação passa a constituir-se num dos fatores fundamen
suía um determinado valor.
tais para economicamente as diferenças de capacidades de traba-
explicar
Nas palavras do próprio autor a educação deveria ser pensada co- produtividade e renda.
tho, e, consequentemente, as diferenças de
mo meio para formar a capacidade produtora de cada um e para defi
Ainda nas palavras de Frigotto (2001, p. 7) foi efetivamente a par
nir, também, as dimensões dos ganhos particulares:
tir da década de 1970 que a Teoria do Capital Humano apresentou-se
Aeducação, sem dúvida alguma, aumenta a mobilidade de uma determina-
formula
da força de trabalho, mas os beneficios em mudar-se de lugar a fim de ao pais como uma teoria do desenvolvimento económico. A
conseguir melhores vantagens quanto a oportunidades de trabalho (empre- investi-
oferecida para solucionar os nossos problemas centrou-se no
go) são predominantemente, senão totalmente, beneficios de ordem priva
na perspectiva
da (ScHULTZ, 1973, p. 176). mento do sistema educacional, mirando os indivíduos,

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Freitas e Biccas História social da educação no Brasil (1926-1996)

do mercado, voltado para o setor procitivo, procurando consequente- S1. Observar-se-ão as seguintes prescrições na definição dos conteúdos
curriculares:
mente gerar crescimento económico, desenvolvimento global e mobi- 1.O Conselho Federal de Educação fixar para cada grau as matérias relati
lidade social. vas ao núcleo comum, definindo-hes os objetivos ea amplitude.
os respectivos sistemas de
Nesse sentido, a Lei
5.692, de 11 de janeiro de 1971, produziu uma
n. II. Os Conselhos de Educação relacionaro, para
matérias dentre as quais poderá cada estabelecimento escolher
das mais impactantes reformas do ensino primário e secundário do país. ensino, as
diversificada.
as que devam constituir a parte
Freitag (2005) aponta très conjuntos de inovações introduzidas pela II. Com aprovação do competente Conselho de Educação, o estabelecimen
Lei n. 5.692/1971. Aprimeira, refere-se a extensão do ensino obrigatório decorrentes de materiais relacionadas de
to poderá incluir estudos não
acordo com o incis anterior.
de quatro para oito anos, gratuito em escolas públicas, reduzindo conse-
S2°. No ensino de 19 e 2° graus dar-se-å especial relevo ao estudo da língua
quentemente, o ensino médio que era de 7 anos para 3 ou 4. e como expressão da cultura
nacional, como instrumento de comunicação
Tais mudanças foram explicitadas nos artigos a seguir: brasileira.

(...)
S3. Parao ensino de 2 grau, o Conselho Federal de Educação fixará, alémn
do núcleo comum, o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional
Art. 18. 0 ensino de 1° grau terá a duração de oito anos letivos e compreen-
Ou conjunto de habilitações afins.
dera, anualmente, pelo menos 720 horas de atividades. estabeleci-
S 4P. Mediante aprovação do Conselho Federal de Educação, os
...)
Art. 20. 0 ensino de 1° grau será obfigatório dos 7 aos 14 anos, cabendo aos mentos de ensino poderão oferecer outras habilitações profissionais para as
quais não haja mínimos de curriculo previamente estabelecidos por aquele
Municipios promover, anualmente, o levantamento da população que alcan-
a validade nacional dos respectivos estudos.
ce a idade escolar e proceder à sua chamada para matrícula. órgão, assegurada
Parágrafo único. Nos Estados, no Distrito Federal, nos Territórios e nos Mu- Art. 5. As disciplinas, áreas de estudo e atividades que resultem das maté-

nicipios, deverá a administração do ensino fiscalizar o cumprimento da obri- rias fixadas na forma do artigo anterior, com as disposições necessárias ao
seu relacionamento, ordenação e sequência, constituirão para cada grau o
gatoriedade escolar e incentivar a frequència dos alunos.
curriculo pleno do estabelecimento.
Art. 22. 0 ensino de 2 grau terá três ou quatro séries anuais, conforme S 1. Observadas as normas de cada sistema de ensino, o curriculo pleno
previsto para cada habilitação, compreendendo, pelo menos, 2.200 ou terá uma parte de educação geral e outra de formação especial, sendo
2.900 horas de trabalho escolar efetivo, respectivamente. organizado de modo que:
Parágrafo único. Mediante aprovação dos respectivos Conselhos de Educa a) no ensino de primeiro grau, a parte de educação geral seja exclusiva nas
ção, os sistemas de ensino poderão admitir que, no regime de matrícula por séries iniciais e predominantes nas finais;
disciplina, o aluno possa concluir em dois anos no mínimo, e cinco no máxi- b) no ensino de segundo grau, predomine a parte de formação especial.
mo, os estudos correspondentes a três séries da escola de 2 grau. S2. A parte de formação especial de currículo:
a) terá o objetivo de sondagem de aptidõese iniciação para o trabalho, no
O segundo conjunto de inovações, talvez o mais polêmico da lei ensino de 1 grau, e de habilitação profissional, no ensino de 28 grau;
refere-se à centralidade assumida b) será fixada, quando se destina a iniciação e habilitação profissional, emn
em questão, pela questão da profis consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional,
sionalização do ensino médio, como se depreende da leitura dos arti- à vista de levantamentos periòdicamente renovados.
gos 4, 5 e 10: S 39. Excepcionalmente, a parte especial do curriculo poderá assumir, no
ensino de 2 grau, o caráter de aprofundamento em determinada ordem de
.)
estudos gerais, para atender a aptidão específica do estudante, por indica-
Art. 4. Os curriculos do ensino de
1 e 2" graus terão um núcleo comum, obri ção de professores e orientadores.
gatório em âmbito nacional, e uma parte diversificada para atender, confor Art. 10. Será instituida obrigatoriamente a Orientação Educacional, incluin
me as necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais,
planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos.
aos
do aconselhamento vocacional, em cooperação com os professores, a fami-
lia e a comunidade.

******************

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Freitas e Biccas
História social da educação no Brasil (1926-1996)

O úttimo bloco de inovação referia-se ao funcionamento do ensino Aumenta-se o tempo da escolaridade e


nos moldes de escola integrada, a ser adotado nos curriculos de 19 e de recursos com
justificativa
retira-se.a.vinculação constitucional
2 a de maior flexibilidade
orçamentária. Mas
graus. alguém teria de pagar a conta, pois a intensa
urbanização
pelocrescimento da rede física escolar. O corpo docente
do país pedia
No que concerne ao primeiro conjunto de inovações, a legisla- pagoua conta com
duplo ônus: financiou a expansão com o rebaixamento de seus salários e a
ção de forma definitiva organizou o sistema educacional em três duplicação ou triplicação da jornada de trabalho.
graus sucessivos. O primeiro incorporouo
antigo ensino primário e o O tema da
ginasial, configurando oito anos de
escolarização obrigatória. O profissionalização ou a formação
para o trabalho foi o
aspecto mais discutido e debatido da Lei n. 5.692/1971.
segundo grau passava a corresponder ao segundo ciclo do antigo
ensino médio. O ensino superior Rearticulava-se a trama social que fazia circular a
passou a ser denominado de tercei- valorização de
credenciais para os postos de trabalho. Alterações no åmbito da
r o grau. legisla-
Destaca-se ainda, ção levadas a efeito em sociedades com acentuada desigualdade social
abolição definitiva dos exames de admissão,
a
ou, como no caso do Brasil, alterações que intensificavam as distâncias
em
vigor desde 1925. O impacto da eliminação de tais exames foi co-
lossal para as redes estaduais e municipais, ocorrendo uma sociais acarretavam efeitos contraditórios no que tocava a obtenção de
ampliação
gigantesca de alunos matriculados. trabalho"mediante" a apresentação de novas credenciais escolares.
A mudança nos níveis de escolaridade da
A titulo de comparação tomaremos os dados do Anuário do 1BGE de população acabou por
1965 que apontavam que nas séries que hoje compõem o ensino funda- elevar a seletividade dos critérios de admissão por parte das
empresas.
mental registravam-se 11,6 milhões de matrículas; em 1970 esse Travessia.
Os critérios estabilizados para o acesso aos
numero passa para 15,9 milhões. postos de trabalho fo
ram alterados de modo a fazer com os
Oliveira (2007, p. 667) calculou que o crescimento médio das ma- que empregos que tinham por
trículas no período da ditadura militar (1965-1985) foi de 3,9% ao ano. exigência mínima de escolaridade o 1° grau passassem a exigir o 2° grau
As implicações para as redes de ensino que acumulavam dificulda- e, seguindo esse "escalonamento", os postos que demandavam a
esco
des há tempos, manifestaram-se insuficiência de escolas de infra laridade de 2 grau passaram a exigir o curso
na e superior.
estrutura adequada. Foi um momento que se destacou negativamente No que se refere ao ensino profissionalizante estabeleceu-se a
vincu
pela impressionante precariedade dos materiais didáticos, pela pre- lação da formação escolar às exigências postas pelo argumento econõmico
assumido pelo governo militar no espirito de suas leis. Isto pode ser cons
sença de poucos professores formados e pelo problema estrutural dos
tatado tanto pela reversão das
salários baixos. possibilidades de equivalência facultada
Como a lei não resolveu problemas antigos e, para além disso, até entäo pela malha legal da educação, quanto pela
profissionalização
ensejou e acumulou novos, a soma de todos esses fatores
problemas compulsória de todos os campos curriculares das escolas.
tornou a implementação do 1 e do 2 graus bastante lenta e sujeita a No entanto, o aumento da população escolarizada e com a certifi-
incongruências de toda espécie. cação de 1 e 2° graus não correspondeu, como era propagado, a uma
No que se refere a extensão da obrigatoriedade de quatro para progressiva ampliação do acesso às ocupações do mercado de trabalho.
oito anos, outra importante consequência foi destacada por Cury Aqueles que estavam saindo da escola profissionalizante de 2 grau vi
(2000, p. 574): ram suas credenciais escolares serem
paulatinamente desvalorizadas.
*********" ******************

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Freitas e Biccas História social da educação no Brasil (1926-1996)

Os argumentos apresentados para defender a formação de téc Art. 24. O ensino supletivo terá por finalidade:
nicos ancorava-se, por um lado, na falta desses profissionais no a) suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham
seguido ou concluido na idade própria;
mercado de trabalho e, por outro, na necessidade de construir uma b) proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento
alternativa para os jovens que não conseguiram ingressar na univer ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou emn

sidade e que, ao mesmo tempo, não possuíam nenhuma habilitação parte.


Parágrafo único. O ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organiza
profissional.
dos nos vários sistemas de acordo com as normas baixadas pelos respectivos
A reforma universitária de 1968, conforme já mencionamos, tam- Conselhos de Educação.
bém foi concebida valendo-se do argumento de que era preciso Art. 25. O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, des
subsi de a iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional defi
diar o desenvolvimento nacional. Isso gerou não só o desmantelamento
nida em lei específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a
da estrutura universitária que se tinha, mas também a abertura de atualização de conhecimentos.
inúmeras faculdades particulares, operação que se escorava igualmen- 1 . Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajus-
tem às suas finalidades próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam.
te no argumento de que era preciso direcionar a formação profissional
52. Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização
para o mercado de trabalho. de rádios, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permi-
A reestruturação do sistema de ensino que criou o 1 e o 2° graus tam alcançar o maior número de alunos.

tem nas mudanças curriculares uma questão decisiva para entendi Art. 26. Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do
núcleo comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao pros-
mento do quanto o do regime militar
projeto educacional
teu-se com propostas deletérias. Com um certo grau de obscurantismo
comprome seguimento de estudos em caráter regular, e podero, quando realizadas para o
exclusivo efeito de habilitação profissional de 2° grau, abranger somente o mini-
os conteúdos considerados de caráter acadêmico foram retirados para mo estabelecido pelo mesmo Conselho.
S 1. Os exames a que se refere este artigo deverão realizar-se:
que fosse possivel introduzir disciplinas que abordavam, predominan a) ao nivel de conclusão do ensino de 1° grau, para os maiores de 18 anos;
temente, as temáticas profissionalizantes. b) ao nivel de conclusäo do ensino de 2° grau, para os maiores de 21 anos.
A retirada do curriculo das disciplinas História e Geografía, substi S2. Os exames supletivos ficarão a cargo de estabelecimentos oficiais ou reco
nhecidos indicados nos vários sistemas, anualmente, pelos respectivos Conselhos
tuindo-as por Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica, ministradas
de Educação.
com base em manuais que eram, na realidade, canais de comunicação
S 3. Os exames supletivos poderão ser unificados na jurisdição de todo um siste-
dos repertórios políticos governamentais, demonstrava a projeção ma de ensino, ou parte deste, de acordo com normas especiais baixadas pelo

idealizadora de um futuro trabalhador invulnerável aos apelos da luta respectivo Conselho de Educação.
Art. 27. Desenvolver-se-ão, ao nível de uma ou mais das quatro últimas séries do
por direitos e por democracia.
politica ensino de 1 grau, cursos de aprendizagem, ministrados a alunos de 14 a 18 anos,
Outra dimensão importante da reforma do ensino de 1° e 2° graus, em complementação da escolarização regular, e, a esse nível ou ao de
2 grau,
ensejada pela Lei n. 5.692/1971, diz respeito à educação de jovens e cursos intensivos de qualificação profissional.

adultos, com a tônica também na formação para o trabalho e que pro- Parágrafo único. Os cursos de aprendizagem e os de qualificação darão direito a
prosseguimento de estudos quando incluirem disciplinas, áreas de estudo e ativi-
moveu uma aproximação em relação às ações já desenvolvidas pelo dades que os tornem equivalentes ao ensino regular conforme estabeleçam as
Mobral. normas dos vários sistemas.
Art. 28. Os certificados de aprovação em exames supletivos e os relativos à con-
Vejamos a seguir o capítulo da Lei dedicado especialmente a essa
clusão de cursos de aprendizagem e qualificação serão expedidos pelas
modalidade de ensino. ções que os mantenham.
institui

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Freitase Biccas
História social da educação Brasil
no
(1926-1996)

Para o ensino supletivo foram apontadas duas importantes finali- independente do ensino regular, articulando-se a ele na
mas
dades. A primeira indicava a necessidade de suprir a escolarização re- tiva de compor o Sistema Nacional de Educação e Cultura.
perspec
gular para os adolescentes e adultos que não tiveram acesso ou não A segunda linha delineada reforçava os fundamentos
que susten-
conseguiram concluir o ensino regular na idade considerada própria. A tavam de uma maneira geral a legislação, ou seja, concebendo o
segunda finalidade era proporcionar, mediante retornos sistemáticos à
ensi
no supletivo na perspectiva do desenvolvimento
nacional. Nesse caso,
escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualizações para aqueles ti- proposta consistia em integrar, via alfabetização, sujeitos vistos co-
vessem acompanhado o ensino regular mesmo que de forma fragmen- mo mão de obra posta à margem pela impossibilidade de ler e
escrever,
tada ou incompleta (FREITAG, 2005). devendo colaborar, portanto, no "abastecimento" de força de trabalho
Haddad e Di Pierro (2000) assinalam que apesar da Lei n. 5.692/71 mais qualificada.
dedicar um capitulo específico ao ensino supletivo, sua
fundamentação A última inha, apontava que o ensino supletivo deveria esboçar
e caracterização foram objeto de detalhamento apresentado em ou princípios e metodologia adequadas e conectadas com a "magnitude de
tros dois documento sua missão". A ideia era que o ensino supletivo pudesse construir uma
primeiro documento foi o Parecer n. 699, produzido pelo maneira distinta e diferenciada para escolarizar os jovens e adultos,
Conselho Federal de Educação, publicado em julho de 1972, de autoria buscando, assim, contrapor aos modelos que inspiraram as experiências
de Valnir Chagas. O segundo documento "Politica para o Ensino de alfabetização empreendidas pelos movimentos de cultura popular.
Suple-
tivo" foi fruto da sistematização de um grupo de trabalho que teve Os objetivos do ensino supletivo voltavam-se para a
recuperação
igualmente Valnir Chagas como relator. Este último documento foí en- do atraso, a atualização do presente e a formação de mão de obra
tregue ao Ministro da Educação em setembro de 1972. adequada àquilo que se considerava imprescindivel ao projeto de de-
No Parecern. 699, o ensino supletivo esboçava-se como uma nova senvolvimento nacional.
concepção de escola, como uma linha diferenciada de escolarização A legislação educacional, definiu, então, quatro funções e moda-
não formal, foi assim entendida e considerada pela primeira vez em lidades para o ensino
supletivo:
uma reforma educacional de caráter nacional. Jarbas Passarinho, em 1) Aprendizagem, compreendida como a formação metódica nos
1971, já explicitava a importância dessa modalidade de ensino que moldes oferecido tanto pelo SENAI quanto pelo SENAC;
deveria "suprir a escolarização regular e promover crescente oferta de 2) Qualificação, referindo-se aos cursos especiais de profissionali-
educação continuada". zação, preocupados com a formação de recursos humanos para o tra-
A lei atenderia ao duplo objetivo de recuperar o atraso dos que não pude- balho, a exemplo do PIPMO (Programa Intensivo de Preparação de Mão
ram realizar a sua escolarização na época adequada, complementando o de Obra). A transmissão de conhecimentos e a chamada cultura geral
exito empolgante do Mobral que vinha rápida e drasticamente vencendo não eram
o analfabetismo no Brasil" e germinar a educação do futuro (...) (HADDAD,
prioridades nesta
modalidade;
DI PlERRO, 2000, p. 116). 3) Suplência que de fato era a própria alfabetização que já estava
sendo desenvolvida pelo Mobral;
A proposta para o ensino
supletivo estabelecida na legislaç 4) Suprimento, função encarregada de proporcionar, mediante re-
apontava para três grandes linhas de fundamentação. A primeira se petida voltaà escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para
referia à definição dessa modalidade como um subsistema
integrado, Os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte. Contem-

*******

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285
Freitase Biccas

plava ainda os cursos de atualizaçãoe aperfeiçoamento em qualquer


nivel.
A flexibilidade prevista na legislação possibilitou concretizar a
organtzação do ensino em várias modalidades: cursos supletivos, cen-
tros de estudo e ensino à distäncia, entre outras. Além dessas modali
dades, a Lei n. 5.692/1971 manteve os exames supletivos como meca-
nismo
de certificação,
atualizando
existentes desde longa data.
os exames de madurezajá
Naanálise dessa reforma educacional é importante salientar que o
tema da educação para as crianças com idade inferior a 7 anos foi abor
dado de forma aligeirada no Titulo l: Do Ensino de grau no artigo 19:
1
Art. 19. Para o ingresso no ensino de 1 grau, deverá o aluno ter a idade
minima de sete anos.
S 19. As normas de cada sistema disporão sobre a
possibilidade de ingresso
no ensino de primeiro grau de alunos com menos de sete anos de idade.
52. Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade
inferior a
sete anos recebam conveniente educação
infância e instituições equivalentes.
em escolas maternais, jardins de

Desde já é importante destacar que a educação das crianças pe


quenas, ainda que implícita nos enunciados da Lei, foi, na realidade,
fortemente desconsiderada, situação essa que foi retificada na pro-
mulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
A final da década de 1970, o regime militar já manifestava seu
esgotamento perdendo, aos poucos, a sustentação interna e externa
que desfrutava para empreender, em nome da segurança nacional, um
processo de modernização fortemente amparado em niíveis imorais de
desigualdade social.
Por isso mesmo, um grande número de movimentos sociais emer
giu. Entre eles, destacavam-se os movimentos vinculados aos sindica-
tos, os de luta pela anistia, os relacionados às históricas lutas das mu
heres, o de luta por educação pública, os de luta por creche e
pré-escola, os coletivos de bairro entre tantos outros.
De uma maneira geral, os movimentos sociais ostentavam a ban
deira da democracia. A democracia, por sua vez, necessitava ser "re
plantada" em todos os setores da vida nacional.

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