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QUARTO CAPÍTULO

Temporalidade e cotidianidade

§ 68. A temporalidade da abertura em geral

Desiderato
Uma vez superado o prévio delineamento dos existenciais fundamentais
conquistados em toda análise preparatória, o pensador do ser, nesse
passo, apresenta as estruturas temporais dos existenciais fundamentais a
partir dos modos de temporalização ek-stática, em sentido próprio e
impróprio. O que constitui temporalmente cada um dos existenciais da
abertura, “(...) conduz cada vez àquela temporalidade única que
possibilita a unidade estrutural do entender, do encontrar-se, do decair e
do discurso”.

PREÂMBULO

Esta conferência será dividida em dois momentos

a) A temporalidade do entender
b) A temporalidade do encontrar-se

c) A temporalidade do decair
d) A temporalidade do discurso
Precisamos compreender a temporalidade do Dasein a partir dos modos
de ser(-tempo) próprio e impróprio.

Rememoremos o § 9. quando Heidegger escreve:

“(...) porque o Dasein é, cada vez, essencialmente sua possibilidade, esse


em seu ser pode se “escolher”, pode ganhar a si mesmo ou pode se
perder (...) Ele só pode se haver perdido ou ainda não se ter ganhado na
medida [mesma proporção] em que, segundo sua essência (cuidado), é
um possível ser próprio, (...) modi-de-ser da propriedade e da impropriedade
(...) fundam-se em que o Dasein é em geral determinado pelo ser-cada-
vez-meu (jemeinigkeit)”. (Ser e Tempo, p. 141)

Alguns caracteres nos saltam, a saber:


● Ser sempre meu na finitude do meu ser
● O quem eu sou existe modalmente
● Em cada situação o quem eu sou
● Propriamente quem sou enquanto sou
● Quem eu sou temporaliza-se propriamente na antecipação
● Quem eu sou impropriamente temporaliza-se no aguardar
● Propriamente ou impropriamente o quem sou existe virtuando-se
● Em seu ser esse ente já se antecipou em possibilidades
● O quem eu sou se antecipa compreendendo-se e encontrando-se

“Apreendido, no sentido existenciário originário, o compreender


significa: o ser-projetante em um poder-ser em-vista-do-qual (worumwillen) o
Dasein cada vez existe”. (ibidem, p. 915)
A) A TEMPORALIDADE DO ENTENDER

Quando o Dasein antecipa-se em suas possibilidades como ser-decisão,


futuriza-se propriamente.

“O ser-resoluto (entschlossenheit) se deu como existir originário e próprio.


(...) o Dasein permanece de pronto e no mais das vezes não-resoluto
(unentschlossen), isto é, fechado [indeciso] no seu poder-ser mais próprio
(...) Isto significa que a temporalidade não se temporaliza
constantemente a partir do futuro próprio. Contudo, essa inconstância
não significa que às vezes falte futuro à temporalidade, mas que a
temporalização [ser-modo-de-ser-tempo] é variável”. (ibidem, p. 915)

Heidegger caracteriza o futuro próprio [futurizar-se do Dasein] com a


expressão adiantar-se (vorlaufen).
Antecipar-se é futurizar-se no modo de ir em favor no encontrar-se
“em” seu próprio destino. (Kadu Santos)

No porvir o Dasein “(...) deve ganhar o futuro (zukunft) para si não a


partir do presente (gegenwart), mas somente a partir do futuro
impróprio”. (ibidem, p. 917)

ENTENDER PROPRIAMENTE
● O ser-resoluto enquanto antecipação se apropria das suas
possibilidades (mönglischkeit).
● Em sua apropriação o Dasein se comporta em relação ao seu ser a
frente de si-mesmo.

FUTURO IMPRÓPRIO

Quando se aguarda algo é porque algo é esperado. No aguardar o Dasein


futuriza-se impropriamente.

O futuro impróprio nunca pode ser presente [atualidade], pois se o


fosse, não seria nada. Nada de Dasein.

“É a partir daquilo de aquilo-de-que-se ocupa que o Dasein vem a si. O


futuro impróprio tem o caráter do aguardar. (...) O aguardar já deve ter
aberto cada vez o horizonte e o âmbito a partir do qual algo pode ser
esperado. O esperar é modus do futuro fundado no aguardar, futuro que se
temporaliza propriamente como adiantar-se”.

“Ao futuro impróprio corresponde, no aguardar, um próprio ser-junto-a


aquilo-de-que-se-ocupa”. (ibidem, p. 919)

ENTENDER IMPROPRIAMENTE
● Existindo impropriamente o Dasein se antecipa em projetos que
são determinados pelas coisas mesmas.

● Projetando o seu ser naquilo que as concreções existenciárias lhes


oferecem o Dasein se compreende como quem é exitoso ou
fracassado ao se ocupar.
FUTURO PRÓPRIO NO INSTANTE

“Ao adiantar-se do ser-resoluto pertence um presente (...)


[que] é trazido de volta da dispersão [daquilo que se ocupa],
[que] é mantido no futuro e no ser-do-sido”. (ibidem, p. 919)

“O presente, mantido na temporalidade própria, sendo um presente


próprio, nós o chamamos de instante (augenblick)”. (ibidem, p. 919)

Instante (augenblick) ≠ Agora (jetzt) ≠ Presente (gegenwart)

Instantâneo e presencizante

O presencizar (Gegenwärtigen) extrai o seu sentido temporal a partir da


decadência “(...) na medida em que o entender impróprio projeta o
poder-ser a partir de aquilo-de-que-pode-se-ocupar, isto significa que o
entender se temporaliza a partir do presencizar. Ao oposto, o instante
(Augenblick) se temporaliza em sentido contrário a partir do futuro
próprio”. (ibidem, p. 921)

Instante “(...) significa a saída-para-fora-de-si do Dasein, resoluta [saída]


e mantida no ser-resoluto, aberta para o que na situação vem-de-encontro
nas possibilidades e circunstâncias [certo, não obstante indeterminado]
de-que-pode-se-ocupar”. (ibidem, p. 919)
Agora é um fenômeno temporal, pertencente ao tempo como
temporalidade-do-interior-do-mundo: o agora “em que” algo surge
deixa-de-ser ou é subsistente”. (ibidem, p. 919)

“Entendido formalmente, todo presente é presencizante, mas nem todo


presente é instantâneo ``. (ibidem, p. 921)

O futuro impróprio nunca pode ser presente [atualidade], pois se o


fosse, não seria nada. Nada de Dasein.

A MORTE

● Antecipando-se no ir ao encontro do seu ser para a morte o Dasein


porvindouro existe propriamente para o seu fim.

● Ocupando-se enquanto espera “em “ aguardando a sua morte o


Dasein futuriza-se impropriamente.

Nesse sentido: “O entender, como existir no poder-ser, qualquer que


seja o modo como este sempre se projete, é primariamente adveniente”.
(ibidem, p. 919)

Isso significa que independente das modalidades, o Dasein sempre se


encontra (befindlichkeit) numa compreensão (verstehen) antecipadora, isto
é, ele sempre volta a si a partir do futuro (zukunft) e não do presente
(gegenwart).
Presente (Gegenwart) < Fixo

Presencização (Gegenwärtigen) < Fixação

Instante (Augenblick) < Acontecência

O Dasein é um ente, que em cada caso se mantém finitamente ek-stático


temporalizando-se a partir do futuro (aí-do-ser) coorigináriamente
determinado pelo seu passado-sido (gewesenheit) e pelo presente
(gegenwart).

“Na antecipação, o Dasein é o seu por-vir, mas de tal maneira que, neste
ser-porvir, ele regressa ao seu passado e ao seu presente. Concebido na
sua possibilidade de ser mais extrema, o Dasein não é no tempo, ele é
mesmo o tempo”. (Martin Heidegger. O conceito de tempo. 1924, p.51. ed.
bilingue, trad. Irene Borges)

“Trazer o tempo à sua quantificação significa tomá-lo como o agora da


actualidade. Perguntar “quanto tempo” significa estar absorto na
ocupação com algo actualmente presente”. (idem, p. 57)

“O relógio mostra-nos o agora, mas nunca nenhum relógio mostrou o


futuro nem o passado”. (ibidem, p. 57)

Passado (Vergangenheit) seu impróprio passado > irrecuperável

Ser-sido (Gewesenheit) seu próprio passado > recuperável


Passado por ser potência, isto é poder ser recuperado em suas
estruturas.

“(...) pela caracterização ôntico-ontológica do utilizável e do subsistente


“em” [“in”] o mundo-ambiente (Umwelt); a investigação pôs em relevo o
ser-do-interior-do-mundo para neste tornar visível o fenômeno da
mundidade em geral”.

B) A TEMPORALIDADE DO ENCONTRAR-SE

“Ao ser-do-sido próprio damos o nome de repetição (Wiederholung)”. O


projetar-se impróprio nas possibilidades extraídas de aquilo-deque-se-
ocupa mediante a presencização deste só é possível se o Dasein se
esqueceu do seu dejectado poder-ser mais-próprio. (ibidem, p. 921)

“E só sobre o fundamento desse esquecimento é que o presencizar


ocupado no aguardo pode reter algo, a saber, o ente não conforme ao
Dasein que do mundo ambiente vem-de-encontro”. (ibidem, p. 923)

Estados de ânimo abrem o Dasein em sua dejecção.

Estados de ânimo abrem ou fecham a compreensão de si mesmo de


cada Dasein.

Ao se encontrar em um determinado estado de humor o Dasein se


temporaliza propriamente a partir do seu ser-sido.
MODOS DO ENCONTRAR-SE

Questões diretoras:
● Como fazer com que se torne visível a constituição do ser-do-estado-de-
ânimo?

● Como tornar visível a conexão entre o encontrar-se e o entender, a partir


da unidade estática da temporalidade correspondente?

Para este passo da análise Heidegger propõe “(...) apresentar a prova de


que os estados-de-ânimo, no que significam e no “como” significam
existencialmente, não são possíveis senão sobre o fundamento da
temporalidade”. (ibidem, p. 927)

O encontrar-se sempre se encontra num modi temporal ek-stático. Nesse


sentido, as disposições fundamentais do medo e da angústia serão
interpretados em suas respectivas temporalidades.

MEDO

“O caráter do estado-de-ânimo ou o caráter afetivo do medo consiste em


que o aguardar amedrontador “se” amedronta, isto é, o ter medo diante
de… é cada vez ter medo por… em que consiste o caráter de estado-de-
ânimo e o caráter-de-afecto do medo”.

O esquecimento do sido [passado existencial] caracteriza-se por uma


apropriação confusa e opressiva do ente que lhe ameaça. Em um só tempo,
no esquecimento de si o Dasein factualmente ameaçado busca guarida
em um outro ente no interior do mundo. O Dasein se ocupa de um
utilizável.

A ameaça em seu ser-no-mundo confuso “(...) força o Dasein a voltar a


sua dejecção, mas de tal maneira que está precisamente se fecha. A
confusão fundamenta-se no esquecimento”. (ibidem, p. 929)
“O esquecimento da[na] confusão modifica também o aguardar
(Gegenwartigen) e o caracteriza como o aguardar oprimido e confuso, o
que o diferencia de um puro esperar”. (ibidem, p. 929) Grifo meu.

“(...) o amedrontar-se, temporaliza-se primariamente a partir do


esquecimento (...) A temporalidade do medo é um esquecimento que no
aguardar presenciza [impropriamente]”. (ibidem, p. 929)

ANGÚSTIA

Na disposição fundamental da angústia, o ser-no-mundo familiarizado


se afunda numa total insignificância. “(...) o mundo assim aberto só
deixa em liberdade o ente que tem o caráter de não-conjuntação
(Umbewantnis)”.

“O diante-de-quê da angústia já é, porém, “aí” o Dasein ele mesmo”.

Diferente da disposição do medo que aguarda o mal futuro e nisso se


ocupa em precaver-se do perigo iminente, a disposição fundamental da
angústia deixa e faz ver a nulidade do ente objeto da ocupação como
possível de ser causa ou resolução da angústia. (Kadu Santos)

Na disposição fundamental própria da angústia o Dasein se ilumina


como ser-resoluto em suas possibilidades de si mesmo. Qual o sentido
temporal do revelar a si mesmo angustiado? O ser dejectado em seu
estranhamento.

“Ela [angústia] traz de volta [seu-sido] para o puro quê [motivo] da


mais-própria e isolada dejecção”. (ibidem, p. 933)

“Conquanto o presente da angústia se mantenha, ele ainda não tem,


porém, o caráter do instante, que se temporaliza na resolução. A
angústia somente leva ao estado-de-ânimo de uma possível resolução.
Seu presente mantém o instante —pelo qual e só por ele esse presente é
possível —pronto para o salto”. (ibidem, p. 935)

“Esse “irromper” da angústia a partir do Dasein, temporalmente


entendido, significa: o futuro e o presente da angústia se temporalizam a
partir de um ser-do-sido originário, no sentido do trazer-de-volta para a
repetibilidade. Mas a angústia só pode irromper propriamente em um
Dasein de ser-resoluto”. (ibidem, p. 937)

“A angústia surge do futuro [é adveniente e certo, não obstante


indeterminado em seu quando] do ser-resoluto; o medo, a partir do
presente perdido que, cheio de medo, tem medo do medo, e por isso
justamente cai nele”. (ibidem, p. 937) Grifo meu
EM RESUMO

Quanto aos existenciais:

EXISTENCIAIS PRÓPRIOS IMPRÓPRIOS


Compreensão Antecipar-se Aguardar
Disposição Rememoração Esquecimento
Decadência Acontecência Presecização

Quanto aos seus modos de ser e movimentos:

MODOS MODIFICAÇÕES MOVIMENTO


Existencialidade Ser-resoluto Por-vir
Factualidade Ser-culpado Votar-a-si
Decadência Ser situação Junto-a

Quanto aos termos:

TEMPORALIDADE PRÓPRIA IMPRÓPRIA


Futuro (Zukunft) Vorlaufen Gewärtigens
Passado (Gewesenheit) Wiederholung Vergessenheit
Presente (Gegenwart) Augenblick Gegenwärtigen (nulo)

Quanto a temporalização:

EXISTENCIAIS DA MODO DE EK-STASE


ABERTURA TEMPORALIZAÇÃO TEMPORAL
ENTENDER é cada vez Presente-sendo-sido
ENCONTRAR-SE temporaliza-se no modo Futuro-atualizante
DECAIR surge de ou Futuro-sido-retido

ENTENDER se enraíza no FUTURO


ENCONTRAR-SE se enraíza no PASSADO
DECAIR se enraíza no PRESENTE

O MISTÉRIO DA INTERDEPENDÊNCIA DO TEMPO ORIGINÁRIO

O adiantar-se-em-relação-a-si funda-se [Passado] no futuro.

O já-ser-em… manifesta [Presente] o em si o ser-sido.

O ser-junto-a… só é possibilitado [Futuro] no presencizar.

Nota
Nota: de tão intrigante, merece ser habitado, num permanecer duradouro.
“A temporalidade é o originário “fora de si” em si mesmo e para si mesmo”
(ibidem, p. 895)

A TEMPORALIDADE DE OUTROS ESTADOS DE ÂNIMO

Nos últimos passos da análise da temporalidade do encontrar-se


(befindlichkeit) Heidegger, ainda que de maneira esboçada, apresentará o
sentido temporal de outras stimmungs que também constituem o modo
de ser do Dasein cotidiano e indiferente.

Como pensar a temporalidade dos outros estados-de-ânimo tais como:


● Esperança e tédio
● Alegria e tristeza
● Entusiasmo e melancolia
● Serenidade e desespero

Heidegger proporá que a interpretação temporal para esses estados-de-


ânimo “(...) deve se assentar sobre a base de uma analítica existenciária
do Dasein por inteiro elaborada”. (ibidem, p. 937)

De modo que a esperança que aparenta se encontrar antecipando-se, isto


é, aberta como “quem aguarda um bem adveniente”, e portanto fundada no
futuro, deve ser analisada do mesmo modo que a disposição
fundamental do medo.
● Esperança aguarda um bem futuro
● O medo aguarda um mal futuro

O que é fundamental para a análise da temporalidade desses fenômenos


não é tanto a sua temporalidade [futuro] daquilo com que (worauf) a
esperança [ou medo] se relaciona [o ente intramundano que vem de
encontro] e sim o sentido existenciário do esperar ele mesmo.

A espera é sempre:
Espera para si <> Em virtude do qual <> Dasein existe <> Existindo para si
Propriamente <> Impropriamente <> Indiferente.

“O que[m] espera como [aquele] que[m] se inclui na esperança e vai ao


encontro do esperado”. Mas isso pressupõe que ele [esperado] já se
tenha ganho. (ibidem, p. 939)

A esperança alivia o medo. Nela o Dasein encontra-se no modo do seu


ser-sido sobrecarregado. O alívio que se espera, alivia o ser-sido de uma
carga que amedronta e ameaça o ser-no-mundo.

ENCONTRAR-SE INDIFERENTE

A relação indiferente do encontrar-se que se entrega no modo de “deixar


a vida lhe levar” como quem não se apega a nada, não se inclina a nada,
não espera, não age e se deixa (lassen) à deriva, de pronto entregue para
as surpresas do que cada dia lhe traga, “(...) funda-se em um olvidante
abandonar-se à dejecção”. (ibidem, p. 939)
“Este estado-de-ânimo surge do ser-resoluto como um relance
instantâneo sobre as possíveis situações do poder-ser-um-todo-aberto no
adiantar-se para a morte”. (ibidem, p. 939)

C) A TEMPORALIDADE DO DECAIR

“Assim como o futuro possibilita primariamente o entender e o ser-do-


sido possibilita o estado-de-ânimo, assim também o terceiro momento
estrutural constitutivo da preocupação, o decair, tem seu sentido
existenciário no presente”. (ibidem, p. 941)

● Futuro abre compreensão


● Passado abre estados-de-ânimo
● Presente abre ocupação

A decadência abre os caracteres do falatório, ambiguidade e curiosidade.


Apesar disso, para a análise da temporalidade do decair, Heidegger
lança mão apenas da curiosidade, “(...) pois é nela que é mais fácil ver a
especificidade temporal do decair”. (ibidem, p. 941)

Na curiosidade o Dasein se ocupa de um poder-ver [concupiscência], que


não se limita, tanto o ver propriamente quanto o conceito de visão, aos
olhos biológicos.
Em sentido “amplo”, o que se vê para a percepção vem de encontro no
modo da subsistência ou no modo da utilizabilidade. “Esse deixar vir-
de-encontro funda-se em um presente”. (ibidem, p. 941)

O presencizar é o modo temporal de ser do Dasein detido no que é


sempre “novo de novo”. Isso porque, “(...) a curiosidade não presenciza
o subsistente para entender demorando-se nele, mas procura ver só para
ver e para ter visto”. (ibidem, p. 941)

A unidade ek-tática da curiosidade temporaliza-se como futuro (zukunft)


expectante que corresponde ao ser-sido (gewesenheit) cristalizado.

Nesse sentido a curiosidade se temporaliza impropriamente no advir


das possibilidades já-sido realizadas, mas que presencizando deseja
avidamente de salto em salto [como adveniente] realizá-las novamente.

Futuro  Presente  Passado


Possibilidades  Sidas Realizáveis
Detenção  Novidades  Fora de si

Heidegger dirá: "Inter-esse quer dizer: ser sob, entre e no meio das coisas
(res); estar numa coisa de permeio e junto dela assim persistir."
(HEIDEGGER - O que quer dizer pensar? 2008, pág. 113)

MANTENÇA OCUPADA FUGIDIA


O fenômeno da curiosidade produz impetuosamente seus modos de
fuga. Nesse movimento a temporalidade se atualiza [presenciza] na
ocupação do que se encontra na ocupação [o sempre novo], não obstante
para dele [novo] escapar.

Enquanto se ocupa [atualiza], o impetuoso aguardar [o novo] não se


atém como antecipador ser-para-a-morte [impendente], ao contrário
disso se detém na possibilidade fugidia e esquivadora mais própria do
seu ser.

O aguardar [aspecto modal]


● Aguardar o novo  expectação
● Aguardar fugidio  surgente

“Mas o “surgente” presencizar da curiosidade se “entrega” tão pouco à


“coisa” que, ao obter sua visão, também já afasta o olhar, pondo-o na
coisa seguinte”. (ibidem, p. 943)

“(...) o não demorar-se (...) caracteriza a curiosidade (...) presenciza em


vista do presente”. (ibidem, p. 943)

O aguardar [como expectação] que surge atrás do presencizar, como ser-


sido não latente [não-acontecência].

“(...) é condição existenciário-temporal da possibilidade da dispersão”.


(ibidem, p. 943)
UM CURTO PARÊNTESE PARA O ÂMBITO DO SEER (SEYN)

Não acontece propriamente como outro início, não há latência criadora


(poiesis) para a correspondência do seer (Seyn). O que há é o puro
presencizar que repete o passado sem propriamente acontecer.

Modificação ek-stática do aguardar porvindouro para o surgente


presencizar.

DE-ONDE MODALIDADE TEMPORALIDADE PARA-ONDE

Aguardar-porvindouro Imprópria Presente-ficante Surgente-Presencizar

EXPECTAÇÃO DISPERSÃO NÃO-LATENTE OCUPAÇÃO

“Presencizar em vista do presente. Assim o dispersivo não-demorar-se


que em si mesmo se enreda recebe o caráter do que não se detém. Este
modus do presente é o mais extremo fenômeno contrário ao instante
(augenblick)”. Naquele o Dasein em todo lugar e em nenhum. Este traz a
existência para a situação e abre o “aí” próprio”. (ibidem, p. 943)

A IMPOSSIBILIDADE DE PROJETAR-SE PROPRIAMENTE

“Quanto mais-impróprio é o presente, isto é, quanto mais o presencizar


chega a ele “mesmo” [vir a si como surgente aguardar] e, fechando, foge
de um poder-ser determinado, tanto menos o futuro pode voltar então
ao ente dejectado”. (ibidem, p. 945)

A ocupação cadente, tranca para o Dasein “cair-em-si” como dejectado.

Em outras palavras: absorto no fazer que projeta seu ser na sua


ocupação presencizante, este ente se compreende ente-ficando-se como
coisa entre coisas, no inter-esse [interesse] habitual, cotidiano, cadente e
esquecido da diferença ontológica, seu ser não é o ente.

O “EU” NOS MODOS DE SER FORA DE SI EK-STÁTICO

“O Dasein enreda-se em si mesmo e essa determinação tem um sentido


estático. O sair-de-si da existência no presencizar não significa, contudo,
que o Dasein se separe de seu eu e de seu si mesmo. Também no
presencizar mais extremo, o Dasein permanece temporal, isto é,
permanece aguardando, esquecendo. Mesmo presencizando, o Dasein
ainda se entende, se bem que alienado de seu poder-ser-si-mesmo mais-
próprio, primariamente fundado no modo próprio do futuro e do ser-
do-sido. Mas, na medida em que o presencizar oferece sempre “algo
novo”, ele não deixa o Dasein voltar a si mesmo e constantemente o
tranquiliza de novo. Mas essa tranquilização fortalece de sua parte a
tendência para o surgir. A curiosidade não é “causada” pela infindável
imensidão do que ainda não se viu, mas pelo modo cadente de
temporalização do presente surgente. Mesmo quando a-gente tudo viu, a
curiosidade inventa então algo novo”. (ibidem, p. 945)

“A origem do “surgir” do presente, isto é, do decair na perda, é a


temporalidade originária ela mesma própria, que possibilita o dejectado-
ser-para-a-morte”. (ibidem, p. 945)

JÁ-SENDO-EM JUNTO-A DA FACTUALIDADE E DECADÊNCIA

“O Dasein é arrastado pela dejecção (...) como dejectado no mundo ele se


perde no “mundo”, em seu factual (faktischen) ser remetido a aquilo-de-
que-tem-de-se-ocupar”. (ibidem, p. 947)

A IMPOSSIBILIDADE DO SALTO A PARTIR DO PRESENTE

O ser-arrastado na dejecção não pode a partir da ocupação presencizante


que projeta o seu ser no inter-esse curioso alcançar, “(...) por si mesmo
um outro horizonte estático…” (ibidem, p. 947)

O instante (augenblick) recolhido [ser-sido mnemosyne] na antecipação


[pode] abrir “(...) a situação respectiva e, junto com ela, a originária
“situação-limite” do ser-para-a-morte”. (ibidem, p. 947)
D) A TEMPORALIDADE DO DISCURSO

É no discurso (rede) que o Dasein em sua abertura [aí] articula a


compreensão e o encontrar-se cadente. “(...) o discurso não se
temporaliza primariamente numa estase determinada”. (ibidem, p. 947)

“O discurso é temporal em si mesmo, na medida em que todo discorrer


sobre… de… e a… funda na unidade estática da temporalidade. (...) Mas
porque o discurso cada vez discorre sobre ente, se bem que não primária
e principalmente no sentido da enunciação teórica, a análise da
constituição temporal do discurso e a explicação dos caracteres
temporais das formações-da-língua só podem ser levadas a cabo quando
se tenha resolvido o problema da conexão de princípio de ser e verdade
[salto kehre] a partir da problemática da temporalidade (zeitlichkeit).
(ibidem, p. 949)

NESTE SENTIDO …

Poder-se-ia delimitar, então, o sentido ontológico do “é”, que uma


superficial teoria da proposição e do juízo [ratio] deformou em “cópula”.
(ibidem, p. 949)

A RESSALVA

Para elucidarmos o que seria a formação de um conceito existencial de


discurso e sua significação, em sentido ontológico, seria necessário uma
compreensão da temporalidade do ser do Dasein em sua abertura, bem
como a sua correspondência ao logos como abertura [acesso] ao ser de
tudo o que há [ser em geral].

EM SUMA

“A temporalidade temporaliza-se [cooriginariamente] como (als) futuro-


presencizante-sendo-sido”. (ibidem, p. 951)

A temporalidade originária não se dá como uma sucessão de


acontecimentos no interior do tempo, mas emerge da nascente ek-stático
temporal na comum-pertença de ser o ente (Dasein) temporalizando no
aberto da temporaneidade (temporralität).

Temporalidade (zeitlichkeit) própria do Dasein


Temporaneidade (Temporralität) própria da nascente

“Mas a abertura concerne sempre cooriginariamente ao completo ser-em-


o-mundo, tanto o ser-em como o mundo”. (ibidem, p. 951)

PARA O PRÓXIMO PASSO

A análise temática da constituição temporal do ser-no-mundo conduz a


que se pergunte:
● em que modo é em geral possível algo assim como mundo?
● em que sentido mundo é?
● que e como é transcendido pelo mundo e como o ente “independente” do-
interior-do-mundo “depende” do mundo transcendente?
Para tais perguntas não se intenta respostas, afinal, elas apenas expôe o
problema da transcendência do mundo e desse modo mentem a
investigação em curso.

Para o próximo passo Heidegger explicita-rá as estruturas do ser-em-o-


mundo a partir da interpretação temporal [das estruturas] em três
modos, a saber:

a) A temporalidade da ocupação circuspecta


b) O sentido temporal que modifica a ocupação circunspecta para a
ocupação detida ao ente (subsistente) intramundano
c) O problema temporal da transcendência do mundo.

“Ser feliz é uma questão de acontecência”.


Jorge Vercillo
Ser temporaliza-se. “É” temporalizar-se.

Te espero na próxima conferência

Kadu Santos

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