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“Tudo o que o homem se compromete a realizar, seja pela ação, pela palavra ou de
outro modo, deve brotar do conjunto de suas forças reunidas; tudo o que é isolado deve
ser rejeitado.”
Goethe (1811)
“As verdades científicas serão sempre paradoxais se julgadas pela experiência de todos
os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas.”
A maioria dos estudos e ensaios da década de 30, tem por recorte um marco temporal
muito claro em torno do ‘objeto’ das pesquisas, voltam-se sempre para as tendências
acerca do caráter inteligível da filosofia racionalista moderna que se originou em
Descartes, segundo a concordância comum à historiografia filosófica. Assim como Marx,
1
ENGELS, Friedrich. “Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã” (1886). In: Obras Escolhidas
de Karl Marx e Friedrich Engels. São Paulo: Ed. Alfa-Omega, s/d. Vol. 3, pp. 171-207.
através de uma extensa investigação crítica-estrutural da Economia Política2, “achou” a
unidade contraditória elementar do modo de produção, circulação e acumulação
capitalista, Max Horkheimer alertou-nos para a necessidade de uma profunda reflexão
crítica acerca do nascimento do sujeito moderno, cindido entre a sua substância espiritual
e material, entre o ser e pensar.
A avaliação depurada desse ponto cardinal para o moderno, tornou-se possível graças
a tradição oitocentista, especialmente, aquela alicerçada no nascimento da dialética
histórica de Hegel então entendida, na posse do spiritus rector dos frankfurtianos, como
o alvorecer da filosofia social dissolvedora do solipsismo cognoscente do idealismo
subjetivista e de seu dever através de seu imperativo categórico3. No entanto, como
estamos no campo do idealismo, a constatação do ponto nevrálgico não significa
necessariamente em seu desenlace real, característica consonante ao aspecto contraditório
da conciliação entre método e sistema. O todo se concilia como afirmação da sociedade
ao tratar com enaltecimento a conservação das figuras que já deveriam ser superadas no
processo, desprezando assim, o itinerário da alienação do sujeito (entäusserung) através
do movimento de interiorização das formas de objetividade, então revogadas
misticamente no sujeito imanente e transcendente. Mesmo assim, podemos constatar nas
de obras de juventude de Hegel, inúmeras manifestações de sobriedade racional diante de
uma compreensão adequada à relação entre o universal e a complexa possibilidade de sua
transformação através dos indivíduos conscientes:
2
ROSDOLSKY, Roman. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Trad. César Benjamin. Rio de
Janeiro: EDUERJ; Contraponto, 2001.
3
HORKHEIMER, Max. “A Presente Situação da Filosofia Social e as Tarefas de um Instituto de Pesquisas
Sociais” (1931). Vários tradutores. Revista praga, n. 7. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 122.
4
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito (1807). Trad. Paulo Menezes. – 9. ed. – Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014. pp. 324-325.
responsável pela gestação do comportamento crítico, de modo que tenha sido basilar para
a formação do pensamento dialético não-conclusivo, isto é, daquele capaz de refinar o
entendimento condizente com a totalidade social.
Por ser um amante impenitente da razão6, a busca por uma efetiva sociedade racional
se converteu na grande tarefa de Horkheimer e de seus companheiros, delineando assim,
o reencontro da própria filosofia enquanto meio da plena realização da vontade unificada
do sujeito em sociedade (sujeito-objeto idêntico). O giro copernicano necessário em seu
presente histórico, não passa pela busca do sujeito estigmatizado em sua
transcendentalidade (que foi de grande relevância para a emancipação do indivíduo do
iluminismo através dos direitos universais dos homens), em outras palavras, por aquela
subjetividade geral de que depende a cognição individual condicionada pelo poder da
lógica transcendental. A roda da História girou, transformando assim o conceito
condicionante do sujeito produtor e, por consequência, fazendo com que todos os
princípios progressistas do iluminismo - através do perecimento de seus conceitos fixos
e imutáveis - demonstrassem, já em sua origem, o caráter regressivo e evanescente (“o
5
Idealisticamente, Hegel vê no trabalho a mobilização das forças da natureza independentemente de
suas tendências naturais, até mesmo contra suas tendências naturais, com base no conhecimento de
causalidade nelas presente e de sua utilização pela teleologia do trabalho concreto enquanto força
separável da matéria não qualificada. In:
ENGELS, Friedrich. Dialética da natureza. Trad. Nélio Schneider -1 ed. -São Paulo: Boitempo, 2020. p.
188.
6
Em torno de uma perspectiva sintética sobre a discussão acerca da angustiante aporia reflexiva do
autor, engendrada pela radical crítica autorreferente da razão pós-Dialética do Esclarecimento (1944):
HABERMAS, Jürgen. “Max Horkheimer: Para a história do desenvolvimento de sua obra”. In Textos e
Contextos. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. p. 85-102.
início é o fim”). Hegel, com sua típica astúcia do movimento contraditório, indicou-nos
a propensão da racionalidade em seguir por caminhos obscuros, isso caso a sua crítica
negativa assumisse uma postura negligente diante do pensamento condicionado. Através
de seu clamor à História, ele imputa que o “não saber o verdadeiro e só reconhecer a
aparência do temporal e do aleatório – somente o que é vão, foi esta vaidade que se
alastrou na filosofia e ainda hoje continua a se alastrar e a falar alto”7.
Para a teoria crítica da sociedade, não há como adversar quanto a tautologia de que
essa tendência se tornou predominante após tal declaração. Hegel enunciou,
inconscientemente, a progressiva limitação compulsória da reflexão filosófica e da
percepção humana como uma possibilidade efetiva do vir-a-ser. De forma panorâmica,
podemos descrever essa trajetória da progressiva décadence através da simplificação
expositiva do sequenciamento entre Iluminismo, Positivismo e Irracionalismo: Aqui jaz
o primeiro esboço do que, posteriormente, foi consagrado como um grande aforismo da
dialética frankfurtiana de “esclarecimento como mistificação”. Limitada neste momento
de juventude da Escola, ao recorte moderno desvinculado daquela longue durée
compreendida pelos estudos em torno da pré-história da reificação, isto é, daquele trauma
com que os homens conceberam a compulsoriedade da dominação social ao se depararem
com a natureza enquanto totalidade indomável; enquanto ‘apoteose xamânica’.8
A partir dos seus primeiros ensaios da década de 30, Horkheimer desenvolveu suas
precisões racionais sempre levando em consideração as desmedidas do modo de vida
capitalista, isso porque o infortúnio do progresso que se arruinou já se manifestava como
o cerne da sua compreensão acerca da consolidação monumental da burguesia9. Um
pouco mais tarde, ele definiria esse conceito dialético totalizante da seguinte maneira: “A
maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão” 10. Toda essa insensatez
objetivada é latente à condição disparatada de que, nunca antes foi materialmente possível
7
HORKHEIMER, Max. “Materialismo e Metafísica” (1933). In: Teoria Crítica I – uma documentação.
Tradução de Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 1990. p. 52.
A referência à Hegel, citado pelo autor, trata-se do Discurso na abertura de suas aulas em Berlim, em 22
de outubro de 1818, Sämtliche Werke, Glockner, tomo VIII, Stuttgart, 1929, p. 35.
8
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Tradução de Guido A. de
Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 36 e p. 40.
9
BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história” (1940). In Obras Escolhidas – vol. 1: Magia e técnica;
Arte Política. Tradução de Sergio Paulo Rounet. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Contida na Tese VII: “(...) Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um
monumento da barbárie”.
10
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Ibidem. p. 41.
satisfazer as necessidades humanas e os símbolos de seus desejos como no agora, mas
mesmo assim, a humanidade se consumiu nas chamas de uma inédita barbárie mecanizada
de proporções ímpares. A natureza da crise, aparentemente permanente, tornou-se o
grande tormento da sua existência intelectual. Já a partir da segunda metade da década de
30, verifica-se cada vez mais elaborado em seus ensaios a constatação de que o âmago
dessa desmedida se encontrava na ideia de compulsoriedade humana extraída do conceito
elaborado por Marx da livre troca de mercadorias. Ao voltarmos ao método de exposição
d’O Capital, percebe-se que só foi possível elaborar um rigoroso encadeamento dialético
dos conceitos originados na economia política num “circuito fechado”, graças a
compulsoriedade do conceito básico da mercadoria, onde “então é deduzido, numa
construção puramente mental, o conceito de valor”11. No devir da sociedade burguesa,
compulsoriedade é o pressuposto da racionalidade e, graças a tal condicionamento, então
central às ponderações de Horkheimer, assim como foi inicialmente desenvolvido por
Marx, se reconhece que “a forma atual da sociedade ainda está compreendida na crítica
da economia política”.12 Conforme esse desígnio teórico, o sentido de todos os processos
sociais nas áreas econômicas, políticas e todas as demais áreas da cultura humana devem
ser facilitados por aquele conhecimento irradiador. Isso porque:
11
HORKHEIMER, Max. “Sobre o problema da verdade” (1935), op cit., p. 164.
12
Ibidem.
13
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: Uma Polêmica (1887). São Paulo: Companhia das Letras,
1999. p. 59.
capitalismo de Estado. Isso porque a apreensão das leis tendências capitalistas, devem ser
o cerne da reflexão crítica dos processos contra tendenciais e, diga-se isso, em todas as
formas de manifestação fenomênica passíveis de uma investigação crítica como, por
exemplo, através das pesquisas sociais desenvolvidas pelo Instituto e demais
colaboradores, isto é, daquilo que se convencionou a denominar como “materialismo
interdisciplinar” 14.
Posto isto, podemos pressupor que do mesmo modo que a sociedade burguesa, desde
os seus primórdios, nunca abandonaria suas exigências fundamentais, os seus exaltadores
14
HABERMAS, Jürgen. Ibidem. p. 87.
15
HORKHEIMER, Max. “Ascensão e declínio do indivíduo”. In: Eclipse da razão (1947). São Paulo:
Centauro, 2003.
16
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro III: o processo global da produção capitalista.
Trad. Rubens Enderle; edição de Friedrich Engels. - 1 ed. – São Paulo: Boitempo, 2017. p. 499-500.
jamais deixariam de adversar no que diz respeito à efetividade das presunções
elementares como desencadeadores das principais morbidades sociais. Desde então, tanto
o racionalismo como o irracionalismo estão a serviço da transfiguração da realidade, isso
independe do fato do seu âmago teórico achar insuportável o inevitável destino (ex. a
resignação weberiana e de todo aquele clima pessimista do pensamento filosófico dos fins
do oitocentos). Nessa altura, começamos a compreender melhor o combate dos
frankfurtianos diante das pretensões ideológicas da metafísica...
17
HORKHEIMER, Max. “Um Novo Conceito de Ideologia” (1930). Trad. Vladimir Puzone da edição
original In: Gesammelte Schriften vol. 2. Frankfurt am Main: Fischer, 2012. pp. 272-294.
declarar um aguerrido combatente das tendências dualistas e formalistas, através de um
novo revigoramento da experiência social, ele presumiu ter preenchido adequadamente
os limites das determinações situacionais do sujeito em sociedade - uma nobre intenção,
desde que sejam realmente reconhecidas as verdadeiras circunstâncias materiais das
condições históricas. Assentado no relacionismo entre as grandes visões de mundo
(weltanschauung), ele julgou estar elevado sob a sociedade enquanto objeto em-si do
conhecimento sociológico. É inevitável dizer que, Mannheim se acorrentou ao mesmo
dualismo racionalista a qual, em sua principal obra, considerou refutar partindo da
primazia da sociologia. Particularmente, ele apresenta ferramentas analíticas bem
interessantes, mas que se entendidas na inteligibilidade de sua própria teoria social, tende
assumir a intenção política desfiguradora do proletariado. Sendo assim, Mannheim nos
oferece certas cogitações verdadeiras, mas que evidenciam-se como mal desenvolvidas
no seu todo teórico.
Dentre essas questões, a mais profícua é aquela que aborda a intenção de descobrir os
motivos que, parcialmente, condicionam os indivíduos a interpretarem o mundo a partir
de uma perspectiva embasada em uma visão particular do totalizante. Em outros termos,
como através do seu próprio reconhecimento social, o sujeito cognoscente desenvolve a
sua ideia perpassada por categorias específicas e que, geralmente, pressupõe limites em
torno do seu próprio campo de atuação na experiência. No entanto, embriagado pelo
caráter resignativo da tradição teórica já denunciada acima, Mannheim absolutizou tais
fronteiras cognitivas por mais que busque inúmeros recursos que demonstrem a
possibilidade da desfixação das determinações ideológicas, principalmente, através da
circulação dos membros em sociedade (ex. deslocamentos entre rural e urbano). Talvez
essa última intuição somente poderia tornar-se atrativa por meio da possibilidade de uma
catalisação da mobilidade social, pois a simples circulação espacial não expandiria a
weltanschauung do indivíduo, mas surtiria um efeito de afirmar a sua condicionalidade
através do retorno de sua consciência-de-si, isso após uma experiência aleatoriamente
imediata e que acabou por assumir o caráter de uma realidade aparente/ilusória (Schein-
Wirklichkeit)18.
18
Para uma compreensão etimológica depurada desse conceito para a teoria marxista:
MARCUSE, Herbert. “Sobre o caráter afirmativo da cultura”. In: Cultura e sociedade, vol. 1, p. 89-136.
São Paulo, Paz e Terra, 1997. p. 118.
Sendo assim, através do seu âmbito contemplativo que resguarda a teoria dentro de
uma aparência imparcial, Mannheim pouco mudou em relação a longa tradição ao qual
buscou pertencer. Nos parece que se apegou mais as preleções de Simmel do que as de
Lukács, já que a depuração das formas dos limites humanas ficou muito mais no campo
da aparência, designando a essência ao âmbito oculto do intraespiritual. É inegável que
ele poderia ter desenvolvido uma crítica construtiva da categoria generalizante da
consciência atribuída do jovem Lukács, já que o próprio o fez posteriormente, ao declarar
de maneira enfática ter sido “mais hegeliano do que o próprio Hegel”19. No entanto, em
sua Ideologia e Utopia, Mannheim prescindiu da necessidade de “tornar acessível ao
entendimento comum, o racional no método que Hegel descobriu e em seguida
mistificou”20 para, em seguida, assumir um posicionamento crítico quanto ao pensamento
dialético já estereotipado.
19
LUKÁCS, György. “Prefácio” (1967). In: História e Consciência de Classe – estudos sobre a dialética
marxista (1922). Trad. Rodnei do Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
20
MARX, Karl. Carta de 16 de janeiro de 1858. Marx-Engels Werke, vol. 29, p. 260.
21
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia (1929). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972.
22
HEGEL, G W. F. Encyclopädie, §81 (1817). cit. In: LUKÁCS, Georg. “A reificação e a consciência do
proletariado” (1922). op cit., p. 355-356.
Deste modo, percebe-se o quanto a consciência contemplativa se demonstra imprecisa
quando concede espaço ao menosprezo diante do caráter transfigurador das ideologias,
aceitando passivelmente os delírios das relações de forças e dos arbítrios das mais
mirabolantes e vertiginosas visões de mundo. Vale ressaltar que, para isso, é preciso cair
em um mar de contradições que só podem ser resolvidas idealmente em um plano
suprassensível. No entanto, Mannheim nem mesmo se deparou com o sujeito real ao
declarar que esse pode falhar cognitivamente em sua orientação em sociedade, o motivo
dessa falha é o mesmo ensejo do sujeito reificado. Por mais que se argumente o contrário,
Mannheim permaneceu cativo da autodeterminação subjetivista e relativista presente
desde o alvorecer do mundo burguês. Essa longa trajetória da autoafirmação do potencial
dos indivíduos na teoria in stricto sensu, foi um dos grandes marcos ideológicos das
antinomias do pensamento moderno, mesmo que na realidade progressiva, os indivíduos
estejam com seus sentidos globais totalmente dilacerados (ex. empirismo e, na décadence,
niilismo). A impropriedade orientativa das visões de mundo pelo à qual os sujeitos
atuantes acabam por se submeter, é um fator de grande magnitude que não pode ser
minimamente rejeitado.
Para Horkheimer, “os capítulos mais importantes da Crítica da Razão Pura, Kant
tentou fundamentar com maior precisão essa “afinidade transcendental”, essa
determinidade (Bestimmtheit) subjetiva do material sensível, sobre o qual o indivíduo
nada sabe.”23 Sendo assim, a natureza dos seus limites cognitivos, a impossibilidade de
realizar-se através do conjunto de suas forças reunidas, passa a ser um problema de
extrema importância a partir de Hegel. Em última instância, a condicionalidade
primordial são os aspectos materiais da vida em sociedade, aquelas capazes de levantar
as barreiras do embrutecimento humana diante do horizonte da emancipação do
proletariado, aqueles obstáculos representados, idealmente, pelas imposturas do reino
animal do espírito (Hegel, 1807): “uma condição de miserabilidade tende a gerar uma
consciência miserável”24. Desta maneira, vemos uma virada decisiva nos ensaios de
Horkheimer em defesa do materialismo histórico e contra toda pretensiosidade teórica
negligente aos alicerces indispensáveis para a cultura (interior) e civilização (exterior)
humana.
23
HORKHEIMER, Max. “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” (1937). In: Textos Escolhidos (Os Pensadores).
São Paulo: Abril Cultural, 1991 (5. Ed.). p. 41.
24
ENGELS, Friedrich. “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” (1845). São Paulo: Boitempo.
2007.
II
25
HORKHEIMER, Max. “Materialismo e Moral” (1933). In: Teoria Crítica I – uma documentação, op. cit.,
p. 88.
26
LUKÁCS, György. “A tragédia no ético”. In: O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista
(1938). 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2018.
Essa tendência harmonística da realidade, arrebatada em princípios morais e éticos,
está embriagada por uma equivocada interpretação da complexa relação entre a realidade
natural e social. Já que nessa perspectiva, visando os interesses comuns inatos ao
desenvolvimento das forças produtivas, se estaria partindo da necessidade de sacrifícios
humanos em prol de uma advinda promessa de felicidade que, no falso idealismo
moderno, só se encontra no mundo das intuições estéticas acerca das plenas realizações
humanas, ou seja, interiorizado nas profundezas da monadal alma humana (vida
privada) 27. No entanto, essa conceitualização macabra não pode se efetivar no vir-a-ser,
pois tais imolações não foram oferecidas às exigências de um demiurgo histórico (Hegel
jamais aceitaria a primazia da matéria sob a infinitude do pensar absoluto), mas sim a
mamon e sua cobiça desenfreada deduzida da acumulação ampliada de capital. É possível
até compreender com certa dignidade as nobres intenções da filosofia e economia clássica
em sua época áurea, mas elas só podem ser um embrionário estágio da enunciação dos
problemas da sociedade capitalista, não as armas teóricas de sua superação efetiva.
27
HORKHEIMER, Max. “Egoísmo y movimento liberador” (1936). In: Teoria Crítica. Buenos Aires/
Madrid: Amorrotu Editores, 2003. pp. 151-222.
* Marx demonstra de maneira genial a relação entre o entusiasmo espiritista no período reacionário
(pós-1948) e o caráter “sensível-suprassensível” (sinnlich übersinnliche) da mercadoria. In:
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo:
Boitempo, 2013. p. 146.
28
HORKHEIMER, Max. “Filosofia e Teoria Crítica” (apêndice a Teoria Tradicional e Teoria Crítica, em Os
Pensadores), op. cit., pp. 69-75.
ser remitidas a Kant e a Hegel. O primeiro expoente do idealismo clássico busca, através
de sua “doutrina da sensibilidade meramente passiva e do entendimento ativo,
amadurecer o problema da previsão segura pelo entendimento em relação ao múltiplo
da realidade sensível”. Sua explicação, sintetizada por Horkheimer é a de que “as
aparências sensíveis do sujeito transcendental já estão enformadas (geformt) através da
atividade racional quando registradas pela percepção e julgadas com consciência” 29.
Tal antinomia pode ser deduzida das suas análises da gnose, preceito que interioriza
de modo intransparente, toda marca do passado histórico no Eu da subjetividade
transcendental; aqui também podemos manter uma comparação de semelhança com a Er-
innerung hegeliana, mas que se alocam em posições distintas em seus respectivos arranjos
conceituais. A demonstração desses aspectos limites do entendimento racional, implica
em uma crítica cabal de Kant ao desenvolvimento de uma psicologia empírica no esteio
29
HORKHEIMER, Max. “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” (1937), op. cit., p. 41.
30
Ibidem, p. 41.
31
Ibidem, p. 42.
da ciência, isso em contraposição às percepções irracionais. Do desenvolvimento do
conceito de gnose, podemos nos orientar pela perspectiva do romantismo crítico,
perpassadas por inúmeros pensadores desde Schiller e Goethe à Nietzsche. Para o último,
a gnose passa pela a suspeita daquilo que denominou como transmundano, já que a
essência (Wesen) oculta vem ao encontro do pensamento dialético na medida em que
constitui desordem, abuso (Unwesen)32. Portanto, podemos concluir através deste ponto
que, graças ao caráter violento da vida real dos homens singulares, Kant mantem uma
certa repulsão racional diante do irracional real devido a necessidade da constituição de
uma categoria afirmativa para a totalidade, por mais que as atrocidades e o arbítrio sejam
o essencial no “estado exceção” geral dos homens oprimidos no conceito da História.
Partindo desse pressuposto, chegamos em uma convicção importante para toda a
posterioridade da tradição frankfurtiana, que já começa a ser desenlaçada aqui, nas
interpretações dos anos 30, acerca da metafísica idealista alemã: A totalidade constitui
uma categoria essencialmente crítica! Posteriormente, um Adorno tardio demonstraria
claramente os limites dialéticos da totalidade, pois:
32
“Grava-se algo a fogo, para que fique na memória: apenas o que não cessa de causar dor fica na
memória". In: NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: Uma Polêmica. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999. p. 50.
33
ADORNO. Theodor W. “Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã” (1967). In:
Textos Escolhidos (Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1991 (5. Ed.). p. 133, grifo meu.
34
HORKHEIMER, Max. Ibidem, p. 42.
consciências para o entendimento acerca da predição do perecimento de suas formas de
vida.
Em seus Cadernos filosóficos, Lenin transcreve duas vezes a afirmação segundo a qual
“a razão governa o mundo”, para assim destacar a sua importância para a teoria da
emancipação, mas além disso ele faz um apontamento preciso em torno dessa assertiva:
“O que é real é racional, mas há uma diferença entre mundo fenomênico e efetividade”35.
É através da efetividade que é possível delimitar um sentido estratégico que, por mais
inseparável que esteja da imediatez empírica, jamais pode ser alçado ao mundo
suprassensível do espírito enquanto determinação sócio-histórica: Aqui jaz o conceito que
ficou alcunhado como comportamento crítico pois, para “os sujeitos [deste
comportamento], o caráter discrepante cindido do todo social, em sua figura atual, passa
a ser contradição consciente”, que entende a condicionalidade social atual como “uma
função que advém da ação humana e que poderia estar possivelmente subordinada à
decisão planificada e a objetivos racionais”36.
35
LÊNIN, Vladímir I. Cadernos Filosóficos: Hegel (1914-1915). Trad. Edições Avante! e Paula Vaz de
Almeida, São Paulo: Boitempo, 2018. p. 288.
36
HORKHEIMER, Max. Ibidem, p. 44.
37
Ibidem, p. 45.
38
MARX, Karl. O Capital. Livro III, Tomo II. São Paulo: Abril Cultural, 1985. p. 271.
III
Parte considerável desse problema, pode ser explicado pelo equívoco teórico de
conceber a revolução proletária sob a forma estrutural das revoluções burguesas: isso
porque, muitos dos críticos da revolução bolchevique de 1918 (enfoque para a dissolução
da Assembleia Constituinte pela guarda vermelha de então) flertaram com esse engano.
Acredito que esse não seja o caso de Horkheimer, pois tal concepção parte do pressuposto
de que o desenvolvimento natural do capitalismo - principalmente, a partir da perda da
legitimidade técnica do proprietário privado em relação as finalidades dos grandes
negócios movidos pela esfera tecnocrática do mercado de capitais – levaria à uma maior
socialização dos ganhos derivados do progresso. No entanto, ao negligenciar que a
definição conceitual para Marx é distinta dessa tendência, já que ele não parte do caráter
afirmativo como Hegel, mas sim da relação entre a realidade e o seu conceito, acabou-se
por desprezar o fato de que a objetividade é “sempre o produto da adaptação do poder à
suas condições de existência”.40 Diferentemente da burguesia nascente, o movimento
operário não tem o respaldo alcançado pelo poderio material antes mesmo da tomada do
poder político, pois a realpolitik progressista da patogênese do burguês já tinha
encontrado um fecho e penetrado na estrutura do Estado absolutista em sua dissolução
enunciada pelo devir de uma totalidade ética (ex. a tentativa de ocultamento do processo
de dissolução fracassado pelo dualismo moral de Turgot)41. Na crise iminente do
39
HORKHEIMER, Max. Estado Autoritario. Itaca: México, 2006. p. 12.
40
Ibidem. p. 24.
41
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. o. Rio de
Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 2016. pp. 121-137.
capitalismo, “não só a liberdade é possível, mas também futuras formas de opressão” e,
nessa encruzilhada, o SPD optou por se apegar a constituição política e a miragem da
troca de equivalentes da burguesia: Se esse último apreço livre-cambista tinha a intenção
de “velar a desigualdade, a planificação fascista é o roubo declarado”.42
Nessa sequência, torna-se possível entender alguns pontos centrais da transição entre
as ideias liberais apologéticas do capitalismo monopolista (ex. economia vulgar das
aparências) para as ideias irracionalistas do Estado total-autoritário: apesar de suas
diferenças, ambas são imperiosas quanto a defesa irrestrita da propriedade privada
(‘aufhebung’). Nesse aspecto, podemos compreender claramente a dívida histórica do
liberalismo tardio com o nazifascismo, principalmente, na esfera dos economistas mais
vulgarizadores (ex. von Mises)43. Na prática, vemos que o confluir dessas forças obscuras
podem ser constatadas pelos acontecimentos que levaram o Terceiro Reich a quebrar a
espinha dorsal do sindicalismo de esquerda, digo isso, enquanto continuum da mesma
ordem dos eventos que aniquilaram os conselhos de fábricas através dos freikorps (os
embriões dos SA). O Reichsleiter Robert Ley, chefe da Frente Alemã do Trabalho,
prometeu que seria concedida a “autoridade absoluta ao dirigente natural da fábrica,
quer dizer, ao patrão [...] Só o patrão pode tomar decisões. Durante muitos anos, os
patrões tiveram de pedir licença ao “dono da casa”. Agora vão ser eles de novo o ‘dono
da casa’”44.
42
HORKHEIMER, Max. Ibidem, p. 25.
43
MARCUSE, Herbert. “O combate do liberalismo na concepção totalitária do Estado”. In: Cultura e
sociedade, vol. 1. São Paulo, Paz e Terra, 1997. p. 55.
44
SHIRER, William L. The Rise and Fall of the Third Reich. A History of Nazi Germany, 2 vols., London: The
Folio Society. p. 220, minha tradução.
45
HORKHEIMER, Max. “Autoridade e Família” (1936). In: Teoria Crítica I, op. cit., p. 208.
ideologicamente. Ao percebemos esse aspecto nos termos do desenvolvimento histórico
tratado até aqui, Max Scheler representa o continuum daquela tendência limitativa da
percepção dos sujeitos históricos, no entanto, o problema se agravou porque agora eles
são subordinados à interiorização completa do racionalismo analítico que foi
desenvolvido até então pela grande indústria monopolista. Apesar de todas as premissas
éticas indispensáveis ao conhecimento filosófico, o pensador da valoração em-si, não
ignorou o direito relativo do pragmatismo científico, permanecendo assim, apesar de toda
a sua base existencialista, no esteio da história concreta das ideias positivistas de ciência.
O avanço da interiorização da razão instrumental, por si só já legitimada enquanto
hypóstasis do lógos, foi condição sine qua non para o avanço irrefreável da objetividade
transfiguradora.
46
HORKHEIMER, Max. “Da discussão do Racionalismo na Filosofia Contemporânea”. In: Teoria Crítica I,
op. cit., p. 108.
47
Ibidem, p. 107.
48
JÜNGER Ernst. Der Arbeiter, 2. Ed., Hamburgo, 1932, p. 71. cit. In: HORKHEIMER, Max. “Da discussão
do Racionalismo na Filosofia Contemporânea”, op. cit., p.130.
* John Ramsay MacCulloch (1789-1864): economista inglês, autor do livro "A Literatura de Economia
Política" e outros, vulgarizador da doutrina econômica de Ricardo.
sociedade capitalista. Sendo assim, todo pensamento crítico que se opõe à essa condição
de padecimento social, deve ser ‘taxado’ como materialismo filisteista (Alfred
Rosenberg), então em voga pela dominação ideológica consonante com os arbítrios dos
donos do poder desde o advento da burguesia industrial moderna. Para compreender esse
continuum, Marx denuncia que:
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NOTA IMPORTANTE: O interesse principal do escritor desse texto, é a busca por uma
orientação acadêmica do prof. Ricardo Musse. Visando assim, o aprimoramento e
desenvolvimento adequados acerca dos argumentos aqui enunciados sinteticamente e
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MARX, Karl. Teorias da mais-valia. História crítica do pensamento econômico, Vol. III. Trad. Reginaldo
Sant’Anna. São Paulo: Difel, 1985. p. 1.316.
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MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São
Paulo: Boitempo, 2013. p. 307.
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Morgenrot (1933), filme realizado por Gustav Ucicky e com argumento de Gerhard Menzel.
limitados cronologicamente. Com a entrega do seu trabalho final, me formo na graduação
em História (FFLCH-USP) e ambiciono não perder o contato intelectual como o senhor...