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O desfecho do filme 

Estômago mostra o crime cometido por


Raimundo Nonato: matou sua noiva e seu chefe. Íria, uma
prostituta que inicia o namoro em troca da boa comida feita
por Raimundo, possui uma única regra no ofício: não beijar na
boca. Giovanni, chef de renome, dono de importante
restaurante, contrata Raimundo porque percebe o seu dom e o
seu potencial. Mas o triângulo é aperfeiçoado quando Giovanni
encontra Íria, e os dois são por Raimundo flagrados no
restaurante: comida, sexo e… beijo na boca!
Os fatores preponderantes do homicídio privilegiado, cujo
“privilégio” se justifica na diminuição da pena, são,
alternativamente: o relevante valor social, o relevante valor
moral e o domínio de violenta emoção em resposta a atual e
injusta provocação da vítima.

No homicídio passional é comum entender que a traição,


principalmente no contexto sexual – mais que no amoroso ou
sentimental – revela com precisão a ideia de “injusta
provocação da vítima”. Ao trair a confiança do parceiro, o
traidor (vítima) se dirige ao traído (algoz) de maneira
provocativa e injusta: é provocativo (desafiador, ultrajante,
ofensivo, abusivo) estar com outro, o verdadeiro “inferno” de
Sartre; é injusto romper a equidade do casal originário
(o outro acresce o peso do prato da balança do traidor).
A “atualidade” da resposta (homicídio) delimita e distingue o
privilégio da premeditação ou da vingança. Se a resposta não
ocorre no imediato instante em que o algoz é provocado, retira-
se-lhe o privilégio, e provavelmente estaremos diante de um
homicídio qualificado.

Mas a maior problemática para o homicídio privilegiado está


no elemento dolo. Ora, é o dolo, no homicídio, aintenção de
matar, a figura volitiva que desencadeia um comportamento
criminoso (matar). A questão que merece ser colocada é a
seguinte: se o privilégio na violenta emoção é caracterizado
pela ausência de planejamento, de premeditação, de vingança,
porquanto preenchido pela instantaneidade da resposta à
injusta provocação, e – mais ainda – se a violenta emoção, em
resposta a tal provocação, configura um pequeníssimo (e
intensíssimo) momento de perda completa das razões, das
faculdades cognitivas, das calculabilidades, capaz de retirar por
completoqualquer intenção do algoz (tanto positiva: o perdão
ou a indiferença, quanto negativa: o homicídio), como
pretender ser o homicídio privilegiado por domínio de
violenta emoção em resposta a atual e injusta provocação da
vítima um homicídio doloso? (pois, desprovido de intenção e
tomado pelo momento de uma cena atordoante, o traído/algoz
meramente e instintivamente reage a uma ação atual, injusta
e provocativa do traidor/vítima).

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