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Análise do custo de produção em cultivos de tilápias

alimentadas com ração comercial no


Litoral Norte de Santa Catarina
Henrique Boeira Appel1

Litoral Norte de Santa Ca- orgânica, dejeto animal, em um carpa-húngara (6,51%); 100 de

O tarina, compreendendo as
Regiões do Baixo Vale de
Itajaí e Joinville, produziu 4.843t
viveiro de produção melhora a
disponibilidade de alimento natu-
ral, tornando o sistema menos
carpa-capim (1,30%) e 80 de carpa-
cabeça-grande, (1,05%) totalizando
2,84 peixes/m². O sistema de
de peixes de águas mornas no ano dependente do insumo ração, produção foi sem renovação, com
de 2002, que correspondem a 25,3% quando explorado por uma espécie entrada de água apenas para
da produção de Santa Catarina filtradora como a tilápia. compensar as perdas por evaporação
(Roczanski, 2003). e infiltração de água, com aeração
Embora existam alguns cultivos Acompanhamento da diária de 4 horas, acionada por
de peixes integrados com animais propriedade “timer” a partir das 4 horas da
domésticos, principalmente com madrugada após os animais
suínos e aves, esta região tem seu Visando identificar os principais atingirem o peso médio de 150g.
sistema de produção baseado no custos de produção de tilápia em No manejo alimentar foi
emprego de ração comercial como sistemas que utilizam ração comer- utilizado ração comercial extrusada
base para alimentação dos peixes. cial como base da alimentação, foi com 32% de proteína bruta (PB) nos
Esta característica permitiu o realizado o acompanhamento de um primeiros 30 dias e de ração com
desenvolvimento de espécies não- viveiro de cultivo no qual remu- 28% de PB dos 30 dias até o final do
filtradoras, como o pacu (Piaractus neraram-se os principais custos cultivo. A taxa de alimentação
mesopotamicus) e o bagre-ame- operacionais. A análise a seguir inicial, tomando-se como referência
ricano – “cat-fish” (Ictalurus visou identificar a relação entre o o peso médio da tilápia, foi de 5%,
punctatus), em sistemas mais baixo crescimento da produção de sendo reduzida progressivamente
intensivos de produção. pescados de águas interiores desta até 1% no final do ciclo.
A produção de tilápia no Litoral região e a falta de viabilidade As taxas de arraçoamento foram
Norte foi de 32,6% da tilápia econômica deste sistema de adequadas conforme os seguintes
produzida em Santa Catarina no produção. Para tanto, foi realizado critérios: realização de biometrias
ano de 2002 e 45,9% do pescado da um acompanhamento dos principais mensais durante o período frio e
região (2.222t) (Roczanski, 2003). custos operacionais, bem como quinzenais durante o período verão-
Por outro lado, Boll et al. (2004) amortização da construção de um outono; oferta de ração apenas com
observaram menor crescimento viveiro de 2.700m 2 e respectivos o nível de oxigênio dissolvido acima
nessa região, 154% no período de equipamentos, em uma propriedade de 2mg/L e temperatura da água
1996 a 2002, enquanto que no do município de Blumenau. acima de 20oC; e pequenos ajustes
Estado o crescimento foi de 394% Para elaboração do custo de na oferta da ração flutuante
no mesmo período, ultrapassando produção foi utilizada a metodologia (aumento ou redução) de acordo
pela primeira vez a produção de proposta por Casaca & Tomazelli com as respostas de consumo dos
carpas em 20 anos, com 6.814t. Nas (2001). O período de cultivo foi de 19 peixes.
regiões onde o sistema de produção de janeiro a 23 de setembro de 2002
de peixes é praticado de forma (247 dias), com valores de receitas e Resultados
integrada com outras atividades, despesas atualizados para julho de
como a suinocultura e avicultura, 2006. O povoamento foi realizado A Tabela 1 discrimina os 3.033kg
a produção manteve-se estável no com 7.680 alevinos II, sendo 7 mil de peixes produzidos, bem como a
ano de 2002. O aporte de matéria unidades de tilápia (91,14%), 500 de formação do preço médio recebido
Aceito para publicação em 21/7/06.
1
Eng. agr., M.Sc., Epagri/Campo Experimental de Pisicultura de Camboriú, C.P. 20, 88340-000 Camboriú, SC, fone: (47) 3365-1319,
e-mail: appel@epagri.rct-sc.br.

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e a receita total. Os principais
custos operacionais da unidade de Tabela 1. Produção comercializada no viveiro analisado
avaliação são apresentados na
Tabela 2. O custo de alimentação Espécie Quantidade Preço unitário Receita total
se destaca, pois responde com
aproximadamente 60% do custo kg .....................R$.......................
total. Em segundo plano aparecem Tilápia 2.415 2,50 6.037,50
os custos de alevinos (11,65%),
juros sobre o custo de implantação Carpa-húngara 495 2,00 990,00
(7,12%), depreciação anual (6,80%) Carpa-capim 48 2,00 96,00
e mão-de-obra (5,83%).
O custo de produção de R$ 1,98/ Carpa-cabeça-grande 75 1,80 135,00
kg de peixe produzido (Tabela 3)
Total 3.033 2,39 7.258,50
evidencia uma seleção no mercado
que irá absorver o peixe produzido
neste sistema de produção, que
neste caso foi o pesque-pague local, Tabela 2. Custos operacionais da unidade de produção
que praticou um preço médio de R$
2,39. Custos operacionais Unidade Quanti- Preço Custo Custo
Sendo a produção comercializada dade unitário(1) total(1)
no próprio município para um
pesque-pague local, o transporte de ...............R$............... %
peixes vivos foi facilitado, realizado Custos variáveis
de maneira simples, sem a utilização
Alevinos Unidade 7.680 0,091 698,88 11,65
de intermediários.
Os principais componentes do Mão-de-obra + encargos Salário 1 350,00 350,00 5,83
custo de produção foram:
• Alimentação: Dentro dos Alimentação/ração kg 4.500 0,81 3.645,00 60,75
componentes do custo de produção, Calagem t 0,3 235,00 70,50 1,17
o item ração tem destaque com
participação de 60,75%, ou seja, Combustível L 50 2,50 125,00 2,08
gasta-se R$ 1,20 de ração para
Energia elétrica kWh 65 0,35 22,75 0,38
produzir 1kg de peixe (Tabela 3).
O manejo alimentar adotado Manutenção R$ 150,00 2,50
permitiu a obtenção de um índice
Análise química Unidade 5 12,00 60,00 1,00
de conversão alimentar de 1,48:1,
que é considerado razoável, Outros custos variáveis R$ 1 42,72 42,72 0,72
levando-se em conta que parte do
período de cultivo foi desenvolvido Subtotal 5.164,85 86,08
na estação de inverno. A expressiva Custos fixos
contribuição da alimentação no
custo final de produção torna a Depreciação anual R$ 407,78 6,80
eficiência de utilização da ração uma Juros sobre o custo de
peça-chave neste modelo de
produção, em que reduções na con- implantação % 8 427,51 7,12
versão alimentar podem inviabilizar Subtotal 835,29 13,92
economicamente este sistema de
cultivo. Custo total 6.000,14 100,00
Segundo Kubitza (2001), o (1)
Valores de julho de 2006.
emprego de ração caseira, obtida a
partir da mistura de farináceos na
propriedade, como estratégia para amido (gelatinização) durante o cia da depreciação, verificou-se uma
baixar este custo deve ser analisado processo de extrusão, conferindo a participação de 6,80% do custo de
criteriosamente, em função dos característica de flutuabilidade do produção (Tabela 2) que, se não
custos de aquisição e amortização grânulo de ração. As rações remunerado anualmente, dificul-
de equipamentos (moinhos, extrusadas, além de facilitar o tará ao piscicultor a reposição de
misturador e peletizadora), além consumo pelos peixes, permitem equipamentos, bem como a ma-
de uma possível redução na con- ajustar a quantidade ofertada pela nutenção de infra-estrutura de
versão alimentar, em torno de 1,8:1 observação de sobras. produção. Os juros de 8% ao ano
para a tilápia-do-nilo até a faixa de • Custos fixos: O custo de pro- sobre custo de implantação geram
peso de 500g, em relação às rações dução, muitas vezes, é erronea- um custo fixo de R$ 427,50, com
comerciais. O mesmo autor afirma mente expresso apenas como participação de 7,12% sobre o custo
que as rações extrusadas apre- custeio, considerando apenas o final de produção. A depreciação
sentam melhor digestibilidade, em material de consumo que foi utili- anual e os juros sobre os custos de
função de um pré-cozimento do zado. Evidenciando-se a importân- implantação representam um custo
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parte do pescado produzido é,
Tabela 3. Indicadores técnicos e econômicos do cultivo também, uma vantagem competi-
tiva, uma vez que os custos de
Indicador Unidade Quantidade transporte estão cada vez mais
expressivos.
Quantidade produzida kg 3.033 O acompanhamento econômico
Quantidade de alevinos estocados Número 7.680 revelou uma margem de lucro muito
pequena para este viveiro amos-
Período de cultivo Dias 247 trado, de R$ 0,41/kg de peixe. O lu-
Quantidade de ração kg 4.500 cro calculado no viveiro acompa-
nhado é apenas um indicativo de
Produtividade do cultivo kg/ha/ano 17.074,15 margens pequenas sobre o custo de
produção para sistemas arraçoados
Receita bruta R$ 7.258,50
com tilápia. Provavelmente,
Preço médio de venda R$/kg 2,39 alguma retração na produção deve-
se a piscicultores que, devido a uma
Custo de produção/kg produzido R$/kg 1,98 baixa eficiência produtiva, com-
Custo da ração/kg produzido R$/kg 1,20 prometeram a rentabilidade da
atividade e, conseqüentemente, o
Valor da produção/kg de alimento R$/kg 1,61 estímulo para produção. Como
ocorre em demais áreas do setor
Lucro R$ 1.258,36
agropecuário, a eficácia está sendo
Taxa de retorno de capital % 39,18 cada vez mais exigida para a
manutenção da atividade. Estão se
Período de recuperação do capital Anos 3,21 mantendo na atividade os pis-
Ponto de equilíbrio da produção kg 2.507,19 cicultores profissionalizados, que
tratam a piscicultura como atividade
Margem bruta R$ 2.093,65 econômica e que tenham sistemas
Conversão alimentar (ração) kg 1,48 de produção e comercialização
previamente definidos. A análise
Custo de implantação do projeto R$ 5.343,80 econômica deste informe técnico
foi uma amostragem dos custos de
fixo de R$ 835,29, equivalente a (5,83%). Por outro lado, cultivos de um determinado viveiro de
13,92% sobre o custo total de primavera-verão deverão ter o produção e da receita obtida por um
produção (Tabela 2). período de cultivo menor em relação mercado consumidor específico.
• Alevinos: Com expressiva ao atual, reduzindo, com isso, a Considerando que a Região do
participação no custo de produção, participação da mão-de-obra e, Litoral Norte não apresenta um
o insumo alevino ocupa o segundo conseqüentemente, o custo final de sistema de produção definido e o
lugar do componente de custo de produção. Neste item foi remu- mercado consumidor é bastante
produção, com participação de nerada a mão-de-obra para o arra- diversificado, os resultados econô-
11,65% (Tabela 2). Este prova- çoamento, amostragens (biome- micos poderão sofrer alterações
velmente seja um item a ser trias), análises de água e despesca. conforme cada situação.
trabalhado visando baixar o custo
final de produção. A produção de Considerações finais Literatura citada
alevinos para consumo próprio
1. BOLL, M.G.; ROCZANSKY, M.;
talvez não seja uma prática O custo final de produção na GAZOLLA, A.C. A produção de peixes
recomendada em função da propriedade, de R$ 1,98, revelado cultivados na região Litoral Norte de
disponibilidade atual de unidades pela análise econômica, selecionará Santa Catarina, Brasil (1996-2002):
produtoras que se preocupam em o mercado que irá absorver o Resultados e tendências. In: CON-
ofertar alevinos de boa qualidade pescado produzido neste sistema de GRESSO DA SOCIEDADE BRASI-
LEIRA DE AQÜICULTURA E BIOLO-
genética, com baixos índices de produção. Contudo, deve-se con- GIA AQUÁTICA, 1, 2004, Vitória, ES.
consangüinidade, além de boa siderar que tilápias produzidas de Anais..., Vitória, 2004. p.361.
eficiência na reversão sexual forma integrada com outros
(tilápia). Na propriedade rural animais domésticos, em ambientes 2. CASACA, J. de M.; TOMAZELLI
poderia ser realizada a recria dos de cultivos com boa disponibilidade JUNIOR, O. Planilhas para cálculos de
alevinos I até a fase de alevinos II de alimento natural, poderão custo de produção de peixes.
Florianópolis: Epagri, 2001. 38p.
ou juvenis em pequenos viveiros ou ameaçar estes mercados por serem (Epagri. Documentos, 206).
tanque-rede. Considerando que a mais competitivas economica-
diferença é de aproximadamente mente. Como pontos fortes para o 3. KUBITZA, F. Tilápia R$ 1,30 é possível?
100% entre as duas categorias de sistema arraçoado destaca-se a Panorama da Aqüicultura, v.11, n.67,
alevinos, a redução no custo final grande aceitação, entre os consu- p.31-45, 2001.
de produção seria bem expressiva. midores em geral, pelo pescado 4. ROCZANSKI, M. Dados de produção
• Mão-de-obra + encargos: A produzido neste modelo de produ- de peixes em Santa Catarina do ano de
mão-de-obra é outro importante ção. O fato da própria Região do 2002. Florianópolis, 2003. Relatório não
componente do custo de produção Litoral Norte absorver a maior publicado.

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