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Texto - A Transformaà à o Do Espaà o Pedagà Gico em Espaà o Clà - Nico - Ativ. 3
Texto - A Transformaà à o Do Espaà o Pedagà Gico em Espaà o Clà - Nico - Ativ. 3
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Esse processo de medicalização ocorre em escala crescente nas sociedades
ocidentais e, na maior parte das vezes, representa a pura biologização de
conflitos sociais. Como elemento final comum recorre-se ao reducionismo
biológico, segundo o qual a situação de vida e o destino de indivíduos e grupos
poderiam ser explicados por - e reduzidos a - características individuais. Por
essa visão de mundo, as circunstâncias sociais, políticas, econômicas,
históricas teriam mínima influência sobre a vida das pessoas; daí decorre que o
indivíduo seria o maior responsável por seu destino, por sua condição de vida,
por sua inserção na sociedade. O sistema sociopolítico é praticamente
desresponsabilizado, em uma concepção funcionalista bastante bem-elaborada
e eficiente. Eficiente a ponto de terminar pela culpabilização da vítima,
segundo RYAN (1976), e de conseguir que a própria vítima se considere
culpada!
Até alguns anos atrás, a biologização da Educação era feita basicamente pela
ciência médica, concretizada pelos profissionais médicos, atuando tanto na
Rede Pública de Saúde, como em consultórios particulares e, principalmente,
nas faculdades. Dessa circunstância advém o termo medicalização para
nomear essa prática. Entretanto, mais recentemente, com a criação/ampliação
de campos do conhecimento, novas áreas, com seus respectivos profissionais,
estão envolvidas nesse processo. São psicólogos, fonoaudiólogos, enfermeiros,
psicopedagogos que se vêm aliar aos médicos em sua prática biologizante. Daí
a substituição do termo medicalização por um outro mais abrangente -
patologização -,uma vez que o fenômeno tem-se ampliado, fugindo dos limites
da prática médica.
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De que maneira ocorre a patologização do fracasso escolar? Basicamente sob
duas vertentes(3):
' Discutirem profundidade cada uma destas duas formas de apresentação de um mesmo processo
ideológico foge aos objetivas deste texto e, para tanto, remetemos a outros trabalhos de nossa autoria, já
publicados e listados na bibliografia apresentada ao final deste texto.
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Em pesquisa recente, desenvolvida por nós na Rede Municipal de Ensino de
Campinas, entrevistando diretores e professores sobre quais seriam as causas
do fracasso escolar, encontram-se algumas falas que ilustram nossas
afirmações anteriores.
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moda atualmente. Sobre este assunto, podemos afirmar que até hoje, cem anos
depois de terem sido aventados pela primeira vez por um oftalmologista inglês,
não se provou sua existência. É uma longa trajetória de mitos, estórias criadas,
fatos reais que são perdidos/omitidos... Trata-se de uma pretensa doença
neurológica jamais comprovada; inexistem critérios diagnósticos claros e
precisos como exige a própria ciência neurológica; o conceito é vago demais,
abrangente demais...
Uma outra agravante decorre do fato de que parece que a única preocupação
consiste em encontrar "diagnósticos" que expliquem, justifiquem o
não-aprender. Não se trata de buscar um diagnóstico real para uma ação
efetiva, no sentido de minimizá-lo, ou mesmo anulá-lo. Uma vez feito o
"diagnóstico", cessam as preocupações e angústias... Uma professora de 1á
série em uma Escola em Campinas encaminhou dez crianças (de uma classe
com 31 alunos) para serem avaliadas por profissionais do Serviço de Saúde
Mental; dessas, três foram triadas para um tratamento com a psicopedagoga
do serviço, porém ficaram aguardando vagas. A partir daí, a professora, mais
tranqüila, só se refere a esses alunos como os DMs (Deficientes Mentais):
5 Para uma discussão mais adequada do assunto, indicamos o trabalho "A História Não
Contada dos Distúrbios de Aprendizagem", Cadernos Cedes, 28.
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E quando indagada se não gostaria que alguém esclarecesse o que estaria
acontecendo com eles e se não achava que, no caso, a psicóloga deveria dar-lhe
algum tipo de orientação, respondeu:
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Com isto, o espaço eminentemente pedagógico da instituição escolar tem-se
esvaziado, tem-se tornado vago. Uma instituição social em que seus atores - os
profissionais da Educação -,rebaixados na escala social, com salários
aviltantes, sentindo-se incapazes, expropriados de seu saber, estão prontos a
delegar seu espaço, prontos a submeterem-se a uma nova ordem. O trabalho
pedagógico, desqualificado, cede terreno para o trabalho de outros
profissionais, estimulados pela necessidade de mercado de trabalho.
O espaço escolar, voltado para a aprendizagem, para a normalidade, para o
saudável, transforma-se em espaço clínico, voltado para os erros e distúrbios.
Sem qualquer melhoria dos índices de fracasso escolar... Porém, se as crianças
continuam não aprendendo, a isto agrega-se, em taxas alarmantes, a
incorporação da doença... uma doença inexistente...
Bibliografia
RYAN, W. Blaming the victim. New York: Vintage Books Edition, 1976.
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