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Cadernos MAGIS- Constitucional

CONSTITUCIONALISMO

1. Introdução

No constitucionalismo encontram-se as principais etapas da evolução do Direito Constitucional, po-


dendo ser definido em dois sentidos, quais sejam: sentido amplo e sentido estrito. O primeiro refere-se
à existência de uma constituição dentro do Estado (pouco utilizado, pois todo Estado possui Constitui-
ção, mesmo que não seja escrita). O segundo refere-se à garantia de direitos e à limitação de poderes
que devem existir dentro de um Estado (sentido estrito).

Destaca-se que no sentido estrido, o constitucionalismo contrapõe-se ao absolutismo. Nas palavras de


Karl Loewenstein: “a história do constitucionalismo não é senão a busca pelo homem político das limi-
tações do poder absoluto exercido pelos detentores do poder, assim como o esforço de estabelecer uma
justificação espiritual, moral ou ética da autoridade, em vez da submissão cega à facilidade da autori-
dade existente”.

Segundo Dirley da Cunha Jr., o constitucionalismo: “nada mais é do que uma história da evolução cons-
titucional. O conceito de constitucionalismo está vinculado à noção e importância da Constituição, na
medida em que é através desta que aquele movimento pretende realizar o ideal de liberdade humana,
com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se,
desde sua origem, a governos arbitrários, independente de época e lugar. O constitucionalismo se des-
pontou no mundo como um movimento político e filosófico inspirado por ideias libertárias que reivin-
dicou, desde seus primeiros passos, um modelo de organização política lastreada no respeito dos direi-
tos dos governados e na limitação do poder dos governantes”.

Essas ideias são tão importantes para o Constitucionalismo que a Declaração Universal dos Di-
reitos do Homem e do Cidadão, de 1789, dispõe, em seu art. 16, que toda a sociedade na qual não é
assegurada a garantia de direitos, nem determinada a separação de poderes, não tem uma verdadeira
Constituição.

A história do constitucionalismo é a da busca pela limitação do poder. Nessa busca, três ideias
principais sempre se encontram presentes: garantia de direitos, separação dos poderes e princípio do
governo limitado.
2. Etapas do constitucionalismo1

1 A classificação exposta é bastante detalhada, não sendo adotada pela unanimidade dos autores de direito
constitucional.

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2.1. Constitucionalismo antigo
2.1.1. período
O constitucionalismo antigo vai da antiguidade clássica até fins do século XVIII.
2.1.2. experiências históricas importantes
No constitucionalismo antigo, há quatro experiências importantes: i) Estado Hebreu (como se
tratava de um estado teocrático, o governo era limitado por dogmas religiosos); ii) Grécia; iii) República
Romana; e iv) Inglaterra (apenas no ano 2000 que a Inglaterra incorporou um tratado internacional de
direitos humanos, que passou a ser considerado sua constituição escrita).
2.1.3. características
São características do constitucionalismo antigo: i) inexistência de uma constituição escrita; ii)
forte influência da religião; e iii) supremacia do monarca ou do Parlamento.
No constitucionalismo antigo não havia controle de constitucionalidade etc. Sequer se falava na
existência de um Poder Judiciário. As constituições eram consuetudinárias ou baseadas nos preceden-
tes judiciais (é o caso da Inglaterra).
2.2. Constitucionalismo clássico ou liberal2
2.2.1. período
O constitucionalismo clássico ou liberal começa no fim do século XVIII e vai até o fim da Primeira
Guerra Mundial (1918).
2.2.2. características básicas
O principal diferencial do constitucionalismo clássico, em relação à fase anterior, é o apareci-
mento das primeiras constituições escritas. A partir delas, surgem as noções de rigidez constitucional
(o que define a rigidez das constituições é o processo diferenciado de modificação e não a presença de
cláusulas pétreas) e supremacia da constituição.
Nesse período histórico o Estado se caracterizava por ser absolutista. O Estado regulava tudo. O
que a burguesia queria com as revoluções liberais era exatamente que a sua liberdade fosse respeitada
pelos poderes públicos.

Os direitos de liberdade são os direitos chamados de direitos de primeira geração, porque são
aqueles primeiros direitos consagrados nos textos constitucionais em razão da demanda existente na-
quela época.

2 Liberal: Está relacionado ao valor “liberdade”.


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As constituições, basicamente, consagravam direitos civis, que são direitos individuais, como, por
exemplo, direito à vida, direito à igualdade, ainda que apenas formal, direitos de liberdade de locomo-
ção, de manifestação do pensamento, liberdade religiosa, liberdade artística e direito de propriedade.

Obs.: Os direitos civis são chamados de direitos de defesa, porque eles protegem os indivíduos
contra o arbítrio do Estado. Eles são utilizados na defesa dos indivíduos contra a atuação estatal. Têm
um caráter negativo, por exigirem do Estado não uma atuação positiva, mas sim uma abstenção.

2.2.3. experiências históricas importantes

Nesta primeira fase, duas experiências podem ser destacadas, quais sejam a experiências norte-
americana e a experiência francesa.

2.2.3.1. constitucionalismo norte-americano

Cada vez mais o constitucionalismo europeu atual (neoconstitucionalismo) se aproxima do mo-


delo americano de 200 anos atrás, cujas características são:
i) criação da primeira constituição escrita, elaborada em 1787
A Constituição norte-americana manteve-se por 200 anos, pois, sendo concisa, é mais facilmente
preservável no tempo. Originariamente, tinha sete artigos. Além disso, ela possui dispositivos bastante
amplos. Na verdade, ela foi e vem sendo alterada, mas pelo Poder Judiciário (mudança constitucional
pela via judicial).
ii) surgimento do primeiro controle de constitucionalidade tendo como parâmetro uma constitui-
ção escrita
Na Inglaterra, já havia experiências de “judicial review”. Todavia, o controle de constitucionali-
dade, como conhecido hoje, surgiu através do famoso caso Marbury vs. Madison (1803).
Na eleição presidencial dos EUA de 1800, Thomas Jefferson derrotou John Adams. Após a der-
rota, John Adams resolveu nomear vários juízes para cargos relevantes, para que pudesse manter certo
controle sobre o Estado, dentre os quais William Marbury, nomeado Juiz de Paz. O secretário de justiça
de John Adams, contudo, não entregou o diploma de nomeação a Marbury. Já com Jefferson presi-
dente, seu novo secretário de justiça James Madison, também se negou a intitular Marbury, o qual
apresentou um writ of mandamus perante a Suprema Corte Norte-Americana exigindo a entrega do
diploma.
O processo foi relatado pelo Presidente da Suprema Corte, Juiz John Marshall, em 1803, que con-
cluiu que a lei federal que dava competência à Suprema Corte para emitir mandamus contrariava a
Constituição Federal, motivo pelo qual não cabia a ela decidir o pedido.
A decisão tem muitas falhas, por exemplo: i) O Juiz John Marshall tinha atuado como secretário
de John Adams e fora o responsável pela não titulação de Marbury; ii) Marshall podia adotar várias
soluções mais plausíveis, mas fez um raciocínio complexo, com o objetivo de contrariar o Poder Execu-
tivo e confirmar o poder dos Tribunais de deixarem de aplicar leis federais inconstitucionais.
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O caso Marbury vs. Madison foi decidido em 1803 pela Suprema Corte dos Estados Unidos, sendo
considerado a principal referência para o controle de constitucionalidade difuso exercido pelo Poder
Judiciário3. Nos EUA, até hoje se questiona a legitimidade da Suprema Corte para a realização do con-
trole de constitucionalidade.
iii) fortalecimento do Poder Judiciário.
Na obra “Os Federalistas”, Hamilton ensina que o Poder Judiciário é o mais fraco dos poderes,
por não possuir a espada nem o cofre. Os norte-americanos tinham bastante medo dos abusos perpe-
trados pelo Parlamento inglês, razão pela qual optaram pelo fortalecimento do Judiciário.
iv) importante contribuição para as noções de separação dos poderes, forma federativa, sistema
republicano e presidencialista e regime democrático
v) existência de declarações de direitos
A Declaração de Direitos da Virgínia é anterior à própria constituição (1776).
Interessante notar que a busca pela felicidade já constava da Constituição desde aquela época. O
tema é atual, pois há PEC tramitando no Congresso, da autoria de Cristovão Buarque, pretendendo
inseri-la na CR/88.
2.2.3.2. constitucionalismo francês
O marco inicial do constitucionalismo francês é a Revolução Francesa, de 1789. A primeira cons-
tituição francesa escrita é de 1791.
Duas ideias que constam da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
são fundamentais para a compreensão do constitucionalismo francês: garantia de direitos e separação
dos poderes:
Art. 16º - Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia de direitos, nem estabele-
cida a separação dos poderes não tem Constituição.
São características fundamentais do constitucionalismo francês:
i) consagração do princípio da separação dos poderes
Montesquieu foi estudar no direito britânico a separação dos poderes. Os franceses, que não en-
tendiam esse sistema, originário de um país de common law, foram buscar inspiração nos EUA, onde
a separação dos poderes foi bem recebida. Na verdade, os sistemas francês e norte-americano se inter-
penetraram reciprocamente em seu surgimento.
ii) distinção entre poder constituinte originário e derivado

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Como será estudado adiante, a grande maioria da doutrina diz que o controle de constitucionalidade di-
fuso teria surgido da decisão proferida por John Marshall. Na verdade, segundo Novelino, foi a primeira vez que
a Suprema Corte norte-americana declarou uma lei inconstitucional, mas não a primeira em que ela exerceu o
controle de constitucionalidade, o que já havia ocorrido em dois casos: “Hayburn’s case” (1792) e “Hylton vs US”
(1796).

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O francês Abade Emmanuel Joseph Sieyès foi o téorico do poder constituinte (“Qu’est-ce que le
tiers état?” – O que é o terceiro Estado? A Constituinte Burguesa). Nesta obra, Sieyès, com base na
doutrina do contrato social (John Locke, Jean-Jacques Rousseau), vislumbrava a existência de um po-
der imanente à nação, superior aos poderes ordinariamente constituídos e por eles imodificáveis: o po-
der constituinte. Além de legitimar a ascensão do Terceiro Estado (o povo) ao poder político, a obra
traçou as linhas mestras da Teoria do Poder Constituinte, ainda hoje relevante para o estudo do Direito
Constitucional.
iii) supremacia do Parlamento
No modelo francês de constitucionalismo clássico, o Parlamento era considerado o poder su-
premo. Somente nos dias de hoje é que isso começa a mudar (a primeira vez que um tribunal francês
exerceu o controle repressivo de constitucionalidade foi em março de 2010).
iv) surgimento da escola da exegese, a partir do Código de Napoleão de 1804
Para a escola da exegese, a interpretação era uma atividade mecânica, e ao Judiciário cabia so-
mente dizer o que já estava na lei. O juiz deveria somente expressar o que a lei continha, e não interpre-
tar. Os adeptos dessa teoria entediam que o Código de Napoleão já era algo perfeito e acabado e não
tinha de ser interpretado, muito menos complementado.
2.2.4. constitucionalismo clássico e as gerações (ou dimensões) dos direitos
fundamentais
Correlato ao estudo do constitucionalismo clássico é o das gerações (ou dimensões) dos direitos
fundamentais, que será desenvolvido no tópico relativo à teoria geral dos direitos fundamentais.
Por ora, cumpre salientar que com as constituições do constitucionalismo clássico surge a 1ª ge-
ração (ou dimensão) dos direitos fundamentais, dos direitos relacionados à liberdade.
Com efeito, as constituições liberais (americana e francesa) preocupavam-se precipuamente com
o valor liberdade. Por isso o nome “Revoluções Liberais”. Os direitos fundamentais de primeira geração
são chamados até hoje de “Direitos Civis e Políticos”. Têm um caráter negativo, pois impõem principal-
mente uma abstenção do Estado. São direitos basicamente individuais, oponíveis ao Estado pelo indi-
víduo, fruto da luta burguesa contra o arbítrio estatal. Nessa época, não se falava em invocar os direitos
fundamentais contra um particular. Tinham eficácia somente vertical. Hoje se fala na eficácia horizontal
dos direitos humanos, que é justamente a invocação de direitos fundamentais também contra particu-
lares.
2.2.5. sistematização do conceito de Estado de Direito
No constitucionalismo clássico, surge a primeira sistematização coerente do conceito de Estado
de Direito. Estado de Direito e Estado Liberal são palavras usadas com o mesmo sentido.
2.2.5.1. concretizações do Estado de Direito
As três principais concretizações do Estado de Direito são: i) rule of Law (Inglaterra); ii) re-
chtsstaat (Prússia); e iii) état legal (França).
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2.2.5.2. características do Estado de Direito

São características que identificam o Estado de Direito o liberalismo político e econômico.


Liberalismo Político (Estado limitado) é uma doutrina a respeito dos limites aos poderes pú-
blicos, segundo a qual: i) a limitação do Estado pelo direito se estende ao soberano. Ao contrário do
Estado absolutista, onde o monarca estava acima do direito, acima da lei, sem qualquer tipo de respon-
sabilidade jurídica ou política, no Estado de Direito, todos estão sob o império da lei, inclusive o sobe-
rano; ii) há limitação da administração pública pela lei (princípio da legalidade da administração pú-
blica); e iii) os indivíduos têm direitos fundamentais oponíveis ao Estado. Os direitos fundamentais
correspondem, basicamente, aos direitos da burguesia. Ex.: Direito de propriedade, de liberdade, igual-
dade no aspecto formal etc.
Liberalismo Econômico (Estado mínimo), por sua vez, preconiza um mínimo de intervenção
do Estado em relações econômicas e sociais. A função do Estado Liberal é a de defesa da ordem e da
segurança públicas. A ideia é a de um estado abstencionista, que deixa as questões econômicas a serem
resolvidas pela livre concorrência.
2.3. Constitucionalismo moderno ou social
2.3.1. período
O constitucionalismo moderno ou social vai do fim da Primeira Guerra Mundial (1918) até o fim
da Segunda Guerra Mundial (1945).
O Estado Liberal funciona quando há equilíbrio de condições entre as pessoas. A crise econômica
do pós-guerra aprofunda as desigualdades econômicas existentes, ocasionando, como consequência, a
crise do Estado Liberal, que teve de deixar de ser abstencionista.
2.3.2. experiências históricas importantes
Os dois principais modelos de Constituição do constitucionalismo moderno foram a Constituição
Mexicana (1917) e a Constituição de Weimar (1919).
Lembrar que a Constituição Mexicana (1917) foi a primeira a incluir os direitos trabalhistas entre
os direitos fundamentais.
2.3.3. constitucionalismo moderno e as gerações (ou dimensões) dos direitos
fundamentais
Com as constituições do México e de Weimar surge a 2a geração (ou dimensão) dos direitos fun-
damentais (direitos ligados à igualdade), em razão das profundas desigualdades sociais que havia no
período, agravadas pela Primeira Guerra.
A igualdade de que se trata na segunda geração dos direitos fundamentais é a material, na medida
em que a formal já havia sido reconhecida no liberalismo.
Os direitos de 2a dimensão (sociais, econômicos e culturais) servem para a redução das desigual-
dades no plano fático. Têm um caráter essencialmente positivo. Exigem prestações por parte do Estado,

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tanto jurídicas quanto materiais (construção de escolas, fornecimento de medicamentos etc.) Daí a di-
ferença entre o Estado Liberal (abstencionista) e o Social (intervencionista). Direitos sociais, econômi-
cos e culturais são basicamente coletivos.
Nessa época, surgem as chamadas “garantias institucionais”4. São garantias de determinadas ins-
tituições fundamentais para a sociedade, como a família, o funcionalismo público, a imprensa livre etc.
Percebeu-se que tais instituições seriam merecedoras da mesma proteção antes conferida somente ao
indivíduo.
Na prática, os direitos individuais têm uma efetividade muito maior que os sociais, não somente
por uma questão política, mas pelo próprio caráter excessivamente oneroso destes. O fator econômico
(a reserva do possível) influencia na efetividade dos direitos que exigem prestações do Estado.
2.3.4. do Estado de Direito ao Estado Social
No período do constitucionalismo moderno, verifica-se em alguns Estados a transformação do
Estado de Direito (ou Liberal) em Estado Social, cujas principais características são as seguintes:
i) intervenção no âmbito social, econômico e laboral
O Estado Social abandona a postura abstencionista e passa a intervir nas relações econômicas,
sociais e trabalhistas.
ii) papel decisivo na produção e distribuição de bens
iii) garantia de um mínimo de bem estar social “Welfare State” (“O Estado do Bem Estar Social”)
Exemplo de garantia do mínimo existencial no ordenamento jurídico brasileiro é o benefício cha-
mado “salário social”, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), através do qual pessoa
idosa ou incapaz com renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo recebe um salário
mínimo do Estado, sem a exigência de haver contribuído para a Previdência.
iv) sofisticação da interpretação do direito
Em 1850, surgem os elementos interpretativos desenvolvidos por Savigny. A interpretação deixa
de ser a exegética e fica mais sofisticada, com quatro elementos: gramatical (ou literal), lógico, sistemá-
tico e histórico. A eles foi posteriormente acrescido um quinto, que não chegou a ser desenvolvido por
Savigny, o teleológico (dos fins sociais a que a lei se destina), adotado pela LINDB, em seu art. 5º:
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum.
Os elementos interpretativos de Savigny são até hoje os mais importantes. Muitos dos métodos
de interpretação moderna são baseados neles.
2.4. Constitucionalismo contemporâneo

4 O tema foi questão de prova do CESPE.

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O constitucionalismo contemporâneo é chamado pela Escola do Rio de Janeiro de “neoconstitu-
cionalismo5”, expressão criticada pelos doutrinadores da Universidade de São Paulo.
2.4.1. período
O constitucionalismo contemporâneo surge com o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), a par-
tir das experiências e atrocidades terríveis praticadas pelo Nazismo.
O valor constitucional supremo e fundamental passa a ser a dignidade da pessoa humana. Essa é
a grande mudança de paradigma: a preocupação com o ser humano e sua dignidade, independente de
qualquer condição pessoal.
2.4.2. características
São características do constitucionalismo contemporâneo:
2.4.2.1. reconhecimento definitivo da normatividade da Constituição
O marco teórico do reconhecimento da normatividade constitucional é a obra de Konrad Hesse:
“A força normativa da Constituição” (1959).
Os críticos do constitucionalismo contemporâneo dizem que a normatividade da constituição
sempre existiu, exemplificando com a força normativa da constituição americana.
Todavia, as constituições europeias, que sempre foram vistas como instrumentos de caráter polí-
tico (sempre se entendeu que os direitos fundamentais não vinculavam o legislador), começam a ser
encaradas como instrumentos de vinculação normativa.
Nesse sentido, o legislador era considerado um amigo dos direitos fundamentais, o grande res-
ponsável pela efetividade desses direitos, ou seja, pela implementação na prática, razão pela qual os
direitos fundamentais não se opunham a ele. Os direitos fundamentais eram considerados apenas con-
selhos, exortações morais ao legislador, sem caráter vinculante (“normas programáticas” = normas des-
providas de normatividade, de obrigatoriedade, de vinculatividade).
Tem-se, ainda, a normatividade dos princípios. Os princípios não eram considerados normas ju-
rídicas. O reconhecimento pleno da normatividade dos princípios apareceu há algumas décadas apenas.
Todos os dispositivos da constituição são considerados vinculantes para todos os poderes públicos.
Hoje, toda constituição é considerada uma norma vinculante, não existindo dispositivos que não vincu-
lem, pois todos são considerados normas.
2.4.2.2. centralidade da Constituição

Até a segunda guerra mundial, os textos constitucionais não consagravam a dignidade da pessoa
humana. Não que ela não existisse, ou não fosse importante, ou mesmo que ela não fosse o fundamento
dos direitos fundamentais, mas ela era um valor moral e o direito não se preocupava em consagrá-la

5 A rigor, o constitucionalismo contemporâneo e o neoconstitucionalismo não significam exatamente a


mesma coisa. O constitucionalismo contemporâneo é apenas uma das acepções nas quais o neoconstitucionalismo
é utilizado. O neoconstitucionalismo possui várias acepções.
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nos textos jurídicos. Praticamente todas as constituições passaram a consagrar este valor em razão das
experiências ocorridas durante o nazismo. A partir da segunda guerra mundial, começou a haver uma
preocupação em todo o mundo, inclusive na própria Alemanha, com a dignidade, ou seja, com o trata-
mento de todos os seres humanos com o mesmo respeito e consideração sem qualquer tipo de hierar-
quização entre eles.
Em resumo, a centralidade da Constituição é a noção de “constitucionalização do direito”, que
tem basicamente três significados:
i) consagração na Constituição de normas originariamente pertencentes a outros ramos do di-
reito.
Ex.: o art. 5o da CR contém normas de Direito Penal, Processual Penal, Civil. O art. 37 contém
normas de Direito Administrativo etc.
ii) interpretação conforme a constituição (filtragem constitucional)
Além de os demais ramos do direito buscarem seu fundamento na Constituição, os valores con-
sagrados no texto constitucional devem servir de fonte para a interpretação da legislação infraconstitu-
cional.
Assim, os dispositivos da lei devem ser passados pelo “filtro” da constituição para que deles possa
ser extraído o melhor significado, ou seja, aquele significado que seja mais harmônico com os valores
constitucionalmente consagrados, como fez o Supremo, por exemplo, no julgamento do dispositivo do
Código Civil que trata da união estável entre homens e mulheres, em virtude da dignidade da pessoa
humana, igualdade, isonomia etc.
iii) eficácia horizontal dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais que, originariamente, eram oponíveis apenas ao Estado (relação vertical
com o indivíduo), já que os direitos que surgiram nas primeiras constituições foram os direitos de defesa
(defesa do indivíduo contra o arbítrio do Estado), passaram a ser aplicados também às relações entre
particulares, que são relações horizontais, de coordenação, de igualdade jurídica. Por isso, hoje, não
apenas se fala em eficácia vertical, mas também em eficácia horizontal.
O Brasil admite a eficácia horizontal direta (ex.: ampla defesa no processo de expulsão de associ-
ado de clube). O tema será tratado adiante, no tópico relacionado à teoria geral dos direitos fundamen-
tais.
2.4.2.3. maior abertura da interpretação e aplicação da Constituição

Relacionada à hermenêutica constitucional, a amplitude da interpretação e da aplicação da Cons-


tituição decorre do reconhecimento da normatividade dos princípios.

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A doutrina atual (pós-positivista6) entende que a norma jurídica é gênero, que tem como
espécies os princípios e as regras.
O método de aplicação dos princípios, em geral, é a ponderação (ou sopesamento). O das regras,
a subsunção (premissa maior, premissa menor e conclusão).
O sopesamento dá ao intérprete uma margem de atuação bastante ampla. Ou seja, ampliam-se as
possibilidades decisórias. O meio de controle dessa atividade, que não pode ser subjetiva, é a argumen-
tação. A subjetividade nunca acabará no direito. É ilusão imaginar uma interpretação neutra, mecâ-
nica7.
2.4.2.4. fortalecimento do Poder Judiciário

Com o novo modelo, o Poder Judiciário ganhou muita força, por caber a ele assegurar a suprema-
cia constitucional. Com este fortalecimento, surge o fenômeno da judicialização, tanto da política
quanto das relações sociais
A CF atribui poderes aos legislativo, executivo e judiciário, ou seja se ela estabelece as “regras do
jogo político” por uma questão lógica, ela deve estar acima dos que participam do jogo.
Estabelece-se como guardião da porque, em tese, o judiciário é o poder mais neutro politicamente,
e por assim o ser, este seria o poder mais indicado à proteção da supremacia da constituição.
Esse fenômeno dá origem a duas expressões muito em voga:
i) judicialização da política
Questões que antes eram consideradas meramente políticas, hoje são definidas em âmbito judi-
cial. Minorias que perdem no Congresso tentam resolver a questão no STF (ex.: CPI´s, verticalização,
fidelidade partidária, questão da “ficha limpa”etc.)
ii) judicialização das relações sociais
Todas as questões importantes na sociedade são discutidas e definidas no STF (ex.: aborto do
anencéfalo, demarcação das terras indígenas, união homoafetiva etc.)

6 Em filosofia e nos modelos de pesquisa científica, pós-positivismo (também chamado de pós-empiri-


cismo) é uma instância meta teorética que critica e aperfeiçoa o positivismo. Os juristas de alguns países, notada-
mente da Espanha e do Brasil, apelidam de pós-positivismo uma opção teórica que considera que o direito de-
pende da moral, tanto no momento de reconhecimento de sua validade como no momento de sua aplicação. Nessa
visão, os princípios constitucionais, tais como a dignidade humana, o bem-estar de todos ou a igualdade, influen-
ciariam a aplicação das leis e demais normas concretas. Essa visão do direito é inspirada em obras de filósofos do
direito como Robert Alexy e Ronald Dworkin (apesar de eles não utilizarem o termo pós-positivismo). Alguns
preferem denominar essa visão do direito "moralismo" ou “neoconstitucionalismo”.

7 Acerca do tema, recomendam-se os vídeos de Marcelo Novelino em que ele trata da “leitura moral da
Constituição”.

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Uma das principais críticas feitas ao neoconstitucionalismo é o excessivo fortalecimento do Judi-
ciário em detrimento do legislador, o que seria antidemocrático (substituição do legislador pelos juízes).
O ideal é haja um equilíbrio entre os poderes e não o fortalecimento excessivo de um ou outro poder.
2.4.2.5. rematerialização das constituições

As Constituições do segundo pós-guerra (constitucionalismo contemporâneo) são, em geral, pro-


lixas, tratando de vários temas e os especificando de maneira mais pormenorizada. São ecléticas (pos-
suem valores do liberalismo e do estado social) e totalizantes (tratam de vários temas da sociedade).
Significa a consagração de um extenso rol de direitos fundamentais, diretrizes e opções políticas,
esta característica é que faz com que o neoconstitucionalismo seja um misto da experi-
ência americana e da experiência francesa.
Da francesa retira o extenso conteúdo (envolve o tratamento de várias matérias, ou seja, prolixi-
dade) e o reconhecimento da normatividade da constituição, e da constituição norte americana retira a
garantia jurisdicional, ou seja, o Judiciário com o papel de garantir a efetividade da constituição. No
constitucionalismo francês, a garantia jurisdicional da constituição não era assegurada, ou seja, não
havia efetiva normatividade da constituição.
2.4.3. constitucionalismo contemporâneo e as gerações (ou dimensões) dos
direitos fundamentais
No constitucionalismo contemporâneo, surgiram a terceira, a quarta e a quinta dimensões de di-
reitos fundamentais8.
2.4.3.1. terceira dimensão dos direitos fundamentais
A terceira dimensão dos direitos fundamentais é a dos direitos ligados à fraternidade e à solidari-
edade.
Paulo Bonavides apresenta rol exemplificativo de direitos de terceira dimensão: direito ao desen-
volvimento (ou progresso), autodeterminação dos povos, direito ao meio ambiente, direito de proprie-
dade sobre o patrimônio comum da humanidade etc. São direitos transindividuais, alguns difusos, ou-
tros coletivos.
O direito ao meio-ambiente é um bom exemplo do acerto da teoria de Bobbio, segundo o qual os
direitos fundamentais são históricos, ou seja, conquistados pela sociedade a partir de determinadas
demandas. A proteção ambiental somente se tornou necessária depois da Revolução Industrial. Antes,
não se falava no tema. Até poucos anos, não havia sentido em falar no direito à identificação genética.
Com o avanço da tecnologia, o direito vem sendo reconhecido como direito fundamental, decorrente da
dignidade da pessoa humana.

8 A classificação adotada por Marcelo Novelino é a de Paulo Bonavides. Relativamente às duas primeiras
gerações, há consenso entre os autores. A partir da terceira, entretanto, há diferentes posições na doutrina.

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2.4.3.2. quarta dimensão dos direitos fundamentais

A quarta dimensão dos direitos fundamentais é a dos direitos ligados à democracia, à informação
e ao pluralismo (“DIP”)9.
Ela não possui nenhum valor que identifique os direitos que consagra. Eles protegem principal-
mente as minorias, ainda que nem todos tenham esse viés. Dalai Lama disse que o maior problema da
nossa civilização não é a ausência de solidariedade das pessoas, mas da falta de tolerância para com as
pessoas que não nos parecem iguais. Os direitos de 4a dimensão cuidam dos direitos de tolerância.
2.4.3.2.1. democracia
A democracia, sob seu aspecto formal, tem como premissa a vontade da maioria, o poder do povo.
No direito constitucional contemporâneo, contudo, a democracia não é vista segundo esse enfoque me-
ramente formal (o qual, apesar de não ser o único, talvez ainda seja o principal).
Hoje, ela é vista como algo mais amplo: a chamada democracia material (ou substancial). Para
Norberto Bobbio, a democracia é a observância das regras do jogo. Segundo essa concepção, para a
manifestação livre da vontade, é indispensável a presença de certos requisitos, ou pré-condições, como
a observância das liberdades de pensamento e reunião.
Além disso, a democracia em seu aspecto material abrange a observância de direitos fundamen-
tais básicos de todos, inclusive os das minorias. Segundo a definição de Ronald Dworkin, a Democracia
Constitucional consiste no tratamento de todos com igual respeito e consideração.
Existe uma tensão forte entre democracia e constitucionalismo. Se de um lado há a busca pela
prevalência da vontade da maioria, de outro há a proteção de direitos fundamentais. Na medida em que
determinados direitos fundamentais são consagrados, eles são retirados da vontade e do âmbito de dis-
ponibilidade da maioria (cláusulas pétreas). A maioria não pode, por exemplo, instaurar a pena de
morte ou o fim da liberdade religiosa. Assim, ao consagrar o direito de todos com igual direito e consi-
deração, o conceito de Dworkin harmoniza as noções historicamente conflitantes de democracia e cons-
titucionalismo.
2.4.3.2.2. pluralismo
O pluralismo está previsto no art. 1o, V, da CR. É um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
V – o pluralismo político
Tal pluralismo não é apenas político-partidário, mas muito mais amplo, abrangendo também a
diversidade cultural, artística, religiosa e de concepções de vida.

9 Há quem considere que os direitos tecnológicos, como o biodireito, seriam de quarta geração.

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Boaventura de Souza Santos (sociólogo), tratando do assunto, faz um contraponto entre o direito
à diferença e o princípio da isonomia. Segundo o autor, temos o direito de ser iguais quando a diferença
nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza10.
2.4.3.3. quinta dimensão dos direitos fundamentais

A quinta dimensão dos direitos fundamentais é a do direito à paz. Até a edição de 2008/2007,
Bonavides classificava a paz como direito fundamental de 3a dimensão. A partir de então, ele mudou o
entendimento e passou a classificá-la como de 5a dimensão, notadamente com o objetivo de dar à paz
maior visibilidade, em decorrência da importância desse direito.
2.4.4. surgimento do Estado Democrático de Direito
O modelo de Estado surgido no constitucionalismo contemporâneo é do chamado “Estado Demo-
crático de Direito”. Marcelo Novelino prefere chamá-lo de “Estado Constitucional Democrático”, para
afastar a ideia do império da lei, típica e historicamente associada ao Estado de Direito, ideia surgida
na Europa, após as Revoluções Liberais11.
Quando se fala em Estado Constitucional Democrático, destaca-se a mudança de paradigma para
a supremacia da Constituição. No entanto, a expressão “Estado Democrático de Direito” é mais aceita
na doutrina, tendo sido consagrada pela própria CR.
São características do Estado Democrático de Direito:
i) consagração, pelo ordenamento jurídico, de instrumentos de participação direta do povo na
vida política do Estado
Nas constituições do segundo pós-guerra, surgem instrumentos de democracia direta, como o
plebiscito (consulta prévia), o referendo (consulta posterior à elaboração da lei), a iniciativa popular de
lei (ex.: a lei da ficha limpa), a ação popular etc. Há uma ampliação gradativa da participação democrá-
tica.
ii) preocupação com a efetividade e a dimensão material dos direitos fundamentais
A preocupação com a efetividade e a dimensão material dos direitos fundamentais é outro aspecto
que distingue o Estado Democrático de Direito e o constitucionalismo contemporâneo. O problema não
é mais a consagração formal dos direitos, mas fazer com que eles sejam cumpridos na prática, ou seja,
a realização da finalidade para a qual foram criados, principalmente os sociais, econômicos e culturais.
A igualdade não é vista mais como igualdade formal, mas como princípio voltado à redução das
desigualdades fáticas existentes. Os direitos ganharam uma dimensão mais ampla, para serem usufru-
ídos por todas as pessoas.

10 A esse respeito, ver as seguintes obras: Álvaro Ricardo, “Direito à diferença”, e Daniel Sarmento, “Livres
e iguais”, Lúmen Iuris.

11 O Estado norte-americano nunca se transformou em Estado Social.

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iii) a limitação do Poder Legislativo deixa de ser meramente formal e passa a abranger também o
conteúdo das leis e as omissões do legislador
Uma das críticas que se faz ao neoconstitucionalismo é que as características dele sempre existi-
ram, principalmente nos EUA. Todavia, na Europa percebe-se essa evolução. Kelsen falava do controle
concentrado das leis, mas não no que se refere ao conteúdo delas. Tal controle, para o autor, estaria
adstrito à forma da produção do direito (quórum etc.). Ele entendia que a Constituição que consagrasse
direitos de forma ampla daria muito poder aos juízes.
Na Europa, as Declarações de Direito historicamente não vinculavam o legislador, que era visto
como amigo das Constituições. A teoria de Kelsen também não fala em controle das omissões do legis-
lativo. A inconstitucionalidade por omissão surgiu somente em 1974, na Iugoslávia, e em 1976, em Por-
tugal.
iv) surgimento de uma Jurisdição Constitucional para assegurar a supremacia da Constituição e
a proteção efetiva dos direitos fundamentais
Jurisdição Constitucional é a proteção da Constituição pelo Judiciário, através de vários mecanis-
mos criados pela própria Carta Magna. Talvez não exista nenhuma no mundo que tenha tantos meca-
nismos de proteção da constituição e de direitos fundamentais como a brasileira.
v) Democracia substancial.
Quando se fala em democracia, geralmente, ela é associada à vontade da maioria, ou seja, é asso-
ciada à premissa majoritária. Esta democracia que corresponde à vontade da maioria é a democracia
meramente formal. Hoje, a democracia é vista, não só neste aspecto formal, que é importante, mas
também em seu aspecto substancial.
Em seu aspecto substancial, a democracia significa não só a vontade da maioria, mas o respeito
aos direitos fundamentais de todos, inclusive das minorias.
2.5. Constitucionalismo do futuro
Há alguns anos, foram realizados debates para a discussão do futuro do Direito Público. Na opor-
tunidade, os autores buscaram adivinhar quais seriam os valores fundamentais do constitucionalismo
do futuro.
Restaram propostos os seguintes12:
i) verdade: as Constituições do futuro não trarão promessas inexequíveis, pois isso as desvaloriza
(ex.: na anterior Constituição brasileira constava a previsão de uma colônia de férias para trabalhado-
res).
ii) solidariedade: haverá uma nova ideia de igualdade, baseada na solidariedade entre os povos (a
base do princípio da igualdade).

12 Ver, a esse respeito, o artigo do argentino Jose Roberto Dromi.

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iii) integração: trata-se da integração também entre os povos, ou seja, do fim dos limites nacio-
nais, de tratamentos diferentes entre estrangeiros e nacionais. Observa-se essa tendência no Mercosul
e na União Europeia.
iv) continuidade: a Constituição não deve sofrer mudanças que descaracterizem a identidade
constitucional (a CR tem 67 emendas, que não a têm descaracterizado, na medida em que a base man-
tém-se a mesma).
v) consenso: as constituições do futuro serão fruto de um consenso democrático.
vi) participação: trata-se da exigência de uma participação mais ativa e responsável do povo nas
decisões políticas.
vii) universalidade: como todos os direitos fundamentais têm um núcleo comum (dignidade da
pessoa humana) e todos os seres humanos, independentemente de qualquer condição, têm dignidade,
os direitos fundamentais devem ser universalizados. Serão afastadas as alegações de diferenças cultu-
rais para fundamentar, por exemplo, o apedrejamento de uma mulher.

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CLASSIFICAÇAO ONTOLÓGICA OU ESSENCIALISTA13
Esta classificação ontológica é de autoria do jurista Karl Loewenstein, que utilizou o critério da
concordância das normas constitucionais com a realidade do processo de poder, a partir da premissa
de que a constituição é aquilo que os detentores e destinatários do poder fazem dela na prática.
Toda classificação de constituição deve ser feita com base em um critério, mas o importante é que
a classificação tenha utilização prática.
Nesta classificação ontológica (ontologia é o estudo do ser), leva-se em consideração a essência
da constituição, ou seja, a relação entre as normas constitucionais e a realidade de poder.
1. Constituição Semântica
Constituição Semântica é aquela utilizada pelos detentores do poder com o objetivo de se perpe-
tuar nele. Só é constituição no nome, pois na essência não é uma constituição. O objetivo das constitui-
ções é limitar o poder e garantir os direitos, e não é o que se observa neste tipo de constituição. A cons-
tituição utilizada pelos detentores do poder para nele se perpetuarem não é realmente uma constituição.
Seu objetivo essencial foi desvirtuado.
Este tipo de constituição tem validade e efetividade, mas não tem legitimidade. Ou seja, esta cons-
tituição vale como norma jurídica, tem efetividade, pois corresponde à realidade, mas não é legítima,
vez que a finalidade das constituições não é perpetuar ninguém no poder, ao contrário, limitar o poder
e garantir direitos. Exemplo: constituições napoleônicas e constituição brasileira de 1967 e de 1969.
2. Constituição Nominal
Apesar de válida sob o ponto de vista jurídico, a constituição nominal não consegue conformar o
processo político às suas normas, carecendo de força normativa adequada. Esta constituição não tem
efetividade, pois sucumbe perante a realidade, não possuindo mecanismos para alterá-la. Exemplo:
constituição alemã de Weimar de 1819. Geralmente são constituições de democracias incipientes.
3. Constituição Normativa
Normativas são aquelas constituições cujas normas efetivamente dominam o processo político,
ou seja, realmente têm força normativa capaz de alterar a realidade, conformar o processo de poder e
não se submeter a ele. Exemplo: constituição norte-americana de 1787 e a Lei Fundamental de Bonn
(constituição alemã do segundo pós-guerra de 1949).
A Constituição brasileira de 1988 é classificada como normativa (Pedro Lenza) ou nominal (Ber-
nardo Fernandes), segundo a classificação de Karl Loewenstein. Há divergência na doutrina. Novelino
entende que a CR/88 não consegue se encaixar perfeitamente em nenhuma das duas classificações,

13
Este tema não está inserido no tema constitucionalismo.

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aproximando-se cada vez mais da constituição normativa (quando surgiu era muito mais nominal, mas
tem evoluído com o passar do tempo).

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PODER CONSTITUINTE

1. Conceito
Poder constituinte é o poder responsável por criar uma nova constituição ou modificar a existente.
2. Espécies
O poder constituinte costuma ser classificado em espécies, ainda que, a rigor, somente a primeira
delas seja realmente poder constituinte.
2.1. Poder constituinte originário
2.1.1. Conceito
O poder constituinte originário é o responsável pela criação de uma nova constituição, que pode
ser a primeira de um Estado, no caso de um Estado que acaba de surgir, ou uma nova constituição, num
Estado existente.
Esse poder dá início a todo um novo ordenamento jurídico. Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário são considerados poderes constituídos, pois tiram sua força da Constituição. O poder cons-
tituinte originário está acima da constituição e, como consequência, de todo o direito positivo, de todo
o ordenamento jurídico.
2.1.2. Natureza
Numa visão juspositivista, como está acima do direito positivo, o poder constituinte seria
um poder político (ou de fato). Isto é, ele não retira sua força de uma norma jurídica. É
apenas um poder político, retirando sua força da sociedade.
Já o jusnaturalismo, concepção que defende que o direito natural está acima do direito positivo
(ou seja, o direito positivo está limitado pelos princípios do direito natural), entende que o poder cons-
tituinte originário seria um poder de direito. Ora, se o poder constituinte originário tem de observar
as normas jurídicas do direito natural, ele não é um poder de fato, mas jurídico.
Sem dúvida, o entendimento que prevalece e é cobrado é o positivista (poder constituinte como
poder de fato, político).

2.1.3. Características essenciais

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O poder constituinte originário tem características peculiares, que o diferenciam dos poderes
constituídos.
2.1.3.1. concepção positivista
De acordo com uma concepção positivista (Georges Burdeau), seriam quatro as características
essenciais do poder constituinte originário: inicial, autônomo e incondicionado.
2.1.3.1.1. inicial
O poder constituinte originário é inicial porque não existe nenhum outro poder antes ou acima
dele. É ele quem dá início à todo o ordenamento jurídico, Ele faz a constituição, que é a norma suprema
e originária.
2.1.3.1.2. autônomo
O poder constituinte originário é autônomo porque cabe apenas a ele escolher livremente a ideia
de direito que prevalecerá e será consagrada na constituição (social, liberal), o tipo de estado, os direitos
fundamentais consagrados etc.
2.1.3.1.3. incondicionado
O poder constituinte originário é incondicionado porque não está sujeito a nenhuma regra jurí-
dica anterior relativa à forma de produção e ao conteúdo do direito.
A constituição rompe com todo o ordenamento jurídico de um Estado. Faz-se uma nova consti-
tuição, em geral, através de um golpe de estado ou uma revolução (ruptura brusca). Com a CR/88,
todavia, houve fenômeno diverso: a chamada “transição constitucional” (Jorge Miranda). Não houve
uma mudança drástica, mas uma transição com relação às constituições de 1967/69, tendo inclusive
sido observadas determinadas regras nelas previstas.
Alguns autores sustentam até hoje que, por conta disso, a atual constituição não teria surgido de
um poder constituinte originário. Marcelo Novelino entende em sentido diverso, mesmo com o fenô-
meno da transição democrática, pois os constituintes não estavam limitados a nenhuma norma da cons-
tituição anterior.
2.1.3.1.4. soberano, independente e ilimitado juridicamente
É possível dizer, ainda, que o poder constituinte originário é soberano, independente e ilimitado
do ponto de vista jurídico.
2.1.3.2. Concepção de Emmanuel Sieyès

Um dos principais formuladores do poder constituinte originário foi Abade Emmanuel Sieyès, um
teórico com viés jusnaturalista, doutrina predominante à época, como se pode verificar das constitui-
ções francesa e americana.
Para Sieyès, o poder constituinte originário teria as seguintes características:
2.1.3.2.1. permanente
O poder constituinte originário é permanente porque ele não se esgota com seu exercício.
Ele não deixa de existir, ainda que a constituição tenha sido criada. Para o autor, uma vez elaborada a

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Carta Magna, ele fica em estado latente, até que seu titular resolva convocá-lo para fazer nova cons-
tituição.
2.1.3.2.2. inalienável
O poder constituinte originário é inalienável, pois a sua titularidade não pode ser transfe-
rida.
Para Sieyés, a titularidade do poder constituinte originário pertence à nação, independentemente
de quem o exerça. A teoria evoluiu e, hoje, fala-se que o titular seria o povo, um conceito mais amplo e
abrangente que o de nação.
De qualquer forma, cumpre diferenciar a titularidade do exercício. Exercício está relacionado a
quem elabora a constituição. Caso uma junta militar tome o poder e elabore uma constituição, ela não
se torna titular do poder constituinte originário, que continua sendo o povo. Ela só exerceu esse poder.
A importância de se distinguir o titular do poder daquele que o exerce é permitir a análise da
legitimidade. A junta militar exerce o poder constituinte de forma ilegítima. Já uma assembleia nacional
constituinte (conjunto de representantes do povo eleitos para aquela finalidade) exerce o poder de
forma legítima.
2.1.3.2.3. incondicionado pelo direito positivo
Como ressaltado, Sieyés era jusnaturalista. O poder constituinte originário, para ele, teria de ob-
servar certos princípios de direito natural.
A teoria do direito natural sofreu grande evolução na doutrina. Hoje, não mais se fala em princí-
pios superiores e imutáveis. A teoria sofreu reestruturação no pós Segunda Guerra, notadamente após
os abusos causados pelo nazismo. Autores como Otto Bachof e Gustav Radbruch trataram da matéria
na Alemanha. Segundo a fórmula de Radbruch, o direito extremamente injusto não é direito. Ela foi
utilizada nos julgamentos dos nazistas no pós-guerra.
Em resumo:

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2.1.4. Limitações materiais


A visão positivista, vista acima, prevaleceu no Brasil até alguns anos atrás. Contudo, há uma ten-
dência de mudança nesta visão positivista. Os concursos têm cobrado a existência de limites materiais
ao poder constituinte originário.
Desse modo, a globalização e a necessidade de fortalecimento dos direitos humanos têm flexibili-
zado o conceito de soberania e, por consequência, trazido limitações ao poder constituinte originário.
Jorge Mirante preconiza três espécies de limitações ao poder constituinte:
2.1.4.1. limitações materiais transcendentes14
Limitações materiais transcendentes são as dirigidas ao poder constituinte material, advindas de
imperativos do direito natural ou de valores éticos ou de uma consciência jurídica coletiva.
Poder constituinte material é o responsável pela escolha do conteúdo a ser consagrado dentro da
constituição (“material” justamente porque a substância da constituição será escolhida por ele). O poder
constituinte formal é o responsável pela formalização desse conteúdo, consagrando-o em normas cons-
titucionais. O material relaciona-se ao povo, enquanto o formal à assembleia constituinte. São dois mo-
mentos distintos, dois lados da mesma moeda.

14 A teoria da vedação ao retrocesso social caiu em prova do MPF com o nome de non cliquet, um nome
importado do alpinismo, que veda movimentos que retrocedam.

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A limitação material dependerá da teoria adotada. Jusnaturalistas ou positivistas darão explica-
ções diferentes acerca da origem de tais limitações.
Entre os limites transcendentes inclui-se a “cláusula de proibição de retrocesso15”, segundo
a qual a concretização dos direitos sociais, previstos em cláusulas abertas, não pode retroceder
(vedação do retrocesso social). Em matéria de poder constituinte originário, o raciocínio é aná-
logo: os direitos fundamentais conquistados por uma sociedade não podem sofrer
um retrocesso quando da elaboração de uma nova constituição.
Na vedação do retrocesso social há uma limitação a poderes constituídos. Na vedação do retro-
cesso, o poder constituinte originário resta limitado, em decorrência da proibição de retrocesso com
relação a direitos fundamentais básicos, em torno dos quais há um consenso profundo na sociedade,
assim, impede-se que o grau de concretização alcançado por um direito social seja objeto de um retro-
cesso. Ex.: a CR/88 veda a possibilidade de pena de morte, salvo em caso de guerra. Para os defensores
da limitação material transcendente, uma nova constituição não poderia retroceder nessa conquista
social, prevendo pena de morte para o caso de guerra não declarada.
Outro exemplo é o voto direto. Se outra constituição consagrasse o voto indireto, isso poderia ser
considerado um retrocesso, pois há um consenso profundo na sociedade da necessidade do voto direito.
O professor acredita que esse exemplo é melhor que o da pena de morte, pois o consenso é muito mais
profundo em relação ao direito de voto direto.
De acordo com a fórmula de Radbruch, o direito extremamente injusto não pode ser considerado
direito. Essa fórmula estabelece um limite à injustiça. Pode até haver injustiça, porém, se o direito atin-
gir um nível de injustiça extremamente alto, ele não pode ser considerado direito. Na Alemanha, havia
uma norma jurídica que permitia fossem confiscados todos os bens pertencentes aos judeus. No pós-
guerra, ela foi afastada pelo Tribunal Constitucional Federal, pois o tribunal considerou que se tratava
de um direito extremamente injusto, que ultrapassava os limites do tolerável, e por isso não poderia ser
considerado direito. Muitos judeus ajuizaram ação de indenização contra o Estado Alemão e ganharam
as demandas.
2.1.4.2. limitações imanentes
As limitações imanentes são relacionadas à configuração do Estado à luz do poder constituinte
material ou à própria identidade do Estado, da qual a constituição representa apenas um momento em
sua marcha histórica.
Aquele conteúdo escolhido pelo povo tem de ser o consagrado pela assembleia constituinte. É
uma limitação imposta ao poder constituinte formal pela escolha feita pelo poder constituinte material.

15 Há um outro termo utilizado para vedação de retrocesso, qual seja efeito “cliquet”, que é um termo muito
comum no alpinismo. O efeito cliquet impede o alpinista de retroceder nos seus movimentos, para que não haja o
risco de despencar.
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Para Jorge Miranda, a constituição é apenas uma fase na marcha histórica do estado. Ela deve
respeitar determinadas características, sob pena de restar sem qualquer efetividade. Ex.: no estado
norte-americano, uma constituição que acabasse com o federalismo estaria fadada à ineficácia. A sobe-
rania é também considerada uma limitação imanente.
2.1.4.3. limitações heterônomas16

Limitações heterônomas são as impostas por outros ordenamentos jurídicos. Ex.: hoje se fala
numa Constituição Europeia. Se aprovada, haverá nos países que compõem o bloco um limite heterô-
nomo, que restringirá o poder constituinte originário daqueles países. O mesmo ocorreria se houvesse
uma Constituição do MERCOSUL. Na CR/88, teriam de ser adaptadas determinadas normas às da nova
constituição.
Há um movimento cada vez mais forte no sentido de um sistema internacional forte de proteção
aos direitos humanos, que limitará o poder constituinte e as constituições dos Estados.
2.2. Poder constituinte decorrente
2.2.1. Conceito
O poder constituinte decorrente é o que permite a elaboração das constituições estaduais.
No Brasil, ele tem previsão em dois dispositivos da CR/88: art. 11 do ADCT e art. 25 da CR.
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados
os princípios desta Constituição. (...)
Art. 11. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes17, elaborará a Constituição do Es-
tado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios
desta.
Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de
seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto
na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
Discute-se na doutrina se poderia haver nova revisão com base, por exemplo, em novo dispositivo
constitucional incluído por emenda constitucional. Não há uma posição pacífica sobre o tema, mas a
doutrina em sua maioria é contrária à nova revisão. O professor entende que até poderia haver nova
revisão, mas deve haver um acontecimento que justifique, por sua excepcionalidade, a revisão consti-
tucional. Exemplo: em 60 anos, caso não se queira fazer uma nova constituição, poderia haver uma
revisão da constituição.
2.2.2. Natureza do PCD

16 Observação: poder constituinte supranacional é o responsável pela elaboração de uma constituição su-
pranacional (ex.: poder constituinte responsável pela Constituição Europeia). Ele é formado pelos cidadãos que
compõem todos aqueles países.

17 Tese da professora Anna Cândida


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Embora seja denominado de constituinte decorrente, há uma grande controvérsia com relação a
sua natureza.
i) Constituinte (Anna Cândida da Cunha Ferraz);
Para a autora, tem a natureza de um poder constituinte, porque é ele que constitui o estado-mem-
bro; é ele que estrutura o estado-membro; que organiza o estado-membro da federação.
ii) Derivado (Celso Bastos);
Para o autor, não se trata de um poder constituinte, mas sim um poder derivado, porque estar
consagrado na constituição.
iii) Dupla (Raul Machado Horta).
Para o autor, o poder constituinte decorrente tem uma dupla natureza. Ele seria um poder cons-
tituinte em relação ao estado-membro, já que ele organiza/constitui o estado-membro, mas seria um
poder constituído em relação à Constituição da República, já que ele está previsto nela.
2.2.3. Princípio da simetria
Da exegese dos Arts. 25 da CF e 11 do ADCT, o STF extrai o chamado princípio da simetria (uma
criação da jurisprudência do tribunal), segundo o qual as constituições estaduais devem observar o mo-
delo estabelecido pela Constituição da República.
Os paradigmas e princípios estabelecidos pela CR devem ser seguidos pela constituição estadual,
o que não significa que ela deva ser uma cópia da CR (deverá seguir apenas o modelo estabelecido).
Cumpre observar que as assembleias legislativas de que trata o art. 11 do ADCT (norma de eficácia
exaurida) não foram convocadas para esse fim. O poder constituinte decorrente foi atribuído pelo ADCT
à assembleia já existente na ocasião.
Segundo o parágrafo único do art. 11, a Lei Orgânica municipal tem de observar uma dupla sime-
tria: a das constituições estadual e da República. Ex.: a CR não fala na possibilidade de edição de medida
provisória pelo Governador. A constituição estadual pode trazer essa previsão (ex.: Santa Catarina).
Relativamente aos prefeitos, para o professor, se a constituição estadual permite a edição de MP pelo
Governador, a lei orgânica municipal também poderá permitir, por questão de simetria. Caso não haja
a previsão na constituição estadual, não poderá a lei orgânica dar ao Prefeito o poder de editar medida
provisória. Essa questão, contudo, não é pacífica.
Para o STF, o princípio da simetria é consagrado no art. 25 da CR, na expressão “observados os
princípios desta constituição”. Autores como Daniel Sarmento e Ana Paula de Barcellos entendem que
o princípio não teria previsão na CR, sendo uma mera invenção do STF.
Obs.: Existe PCD no Distrito Federal e Municípios?
Em relação ao DF, não há maiores polêmicas. O entendimento majoritário na doutrina é de que
há um poder constituinte decorrente também no DF, embora a Constituição denomine a norma que
organiza o DF de lei orgânica, esta tem a mesma natureza de uma Constituição estadual.

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Em relação aos municípios, a visão é um pouco diferente. A maioria da doutrina entende que não
há um poder constituinte decorrente nos municípios, por terem as leis orgânicas municipais que obe-
decer, não só a Constituição da República, mas também as constituições estaduais (Art. 29, CF). Como
elas têm que obedecer a esta dupla normatividade, Dirley da Cunha Júnior, por exemplo, sustenta que
a lei orgânica dos municípios não é uma norma elaborada pelo poder constituinte decorrente.
2.2.4. Limitações ao poder constituinte decorrente
Segundo José Afonso da Silva, o poder constituinte decorrente está limitado por três grupos de
princípios constitucionais: sensíveis, extensíveis e estabelecidos.
2.2.4.1. princípios constitucionais sensíveis
Princípios constitucionais sensíveis são aqueles relacionados à essência da organização constitu-
cional da federação brasileira. São consagrados no art. 34, VII, da CR:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a pro-
veniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos
de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
A violação aos princípios constitucionais sensíveis permite a decretação de intervenção federal no
estado-membro, a qual somente poderá ser realizada pelo chefe do Executivo (Presidente da Repú-
blica), desde que presente um pressuposto: a procedência de uma ADI interventiva pelo STF. Trata-se
de uma ação de controle concentrado proposta pelo Procurador Geral da República (art. 36, III):
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: (...)
III – de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da
República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004) [A “representação” a que se refere o art. 36 é justa-
mente a ADI interventiva.]
O Presidente só pode decretar a intervenção em estado, no DF ou em Município localizado em
território. Município localizado em estado não pode ser objeto de intervenção federal. Quem pode de-
cretar a intervenção em município é o Governador (note que é sempre o chefe do Executivo a autoridade
competente para a decretação da intervenção).
O julgamento da ADI interventiva é reservado ao STF. É, portanto, um instrumento de controle
concentrado. Não é um controle concentrado abstrato, feito em tese. Neste caso, o estado concreta-
mente viola um princípio constitucional sensível. Portanto, é um controle concentrado concreto (por
ser realizado com base em um caso concreto).
O PGR atua como substituto processual, no interesse da coletividade, com a finalidade de preser-
var a federação.
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A natureza da decisão do STF é político-administrativa e não jurídica. Isso é relevante, pelas se-
guintes razões:
i) no caso de violação dos princípios sensíveis da CE pelo Município, o PGJ (autoridade simétrica
ao PGR) pode ajuizar ADI interventiva no TJ;
ii) justamente por conta dessa natureza político-administrativa, o STF entende que, em se tra-
tando de decisão do TJ, não cabe RE;
iii) julgada procedente a ADI, o Presidente, para a maioria da doutrina, está vinculado à decisão
do STF. Esse entendimento é reforçado pelo art. 12, 3, da Lei 1.079/1950:
Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias: (...)
3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal Federal ou do Tri-
bunal Superior Eleitoral;
Se o Presidente não atende à requisição do STF, ele comete crime (a menos que se entenda que o
dispositivo não teria sido recepcionado pela CR).
2.2.4.2. Princípios constitucionais extensíveis
Os princípios constitucionais extensíveis são normas organizatórias da União extensíveis aos es-
tados, que têm de observá-las.
Há duas espécies de princípios constitucionais extensíveis:
i) expressos (arts. 28 e 75 da CR)
Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos,
realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em
segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse
ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77.
§ 1º Perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função na administração pú-
blica direta ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no art.
38, I, IV e V.
§ 2º Os subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado serão fixados
por lei de iniciativa da Assembleia Legislativa, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II,
153, III, e 153, § 2º, I.

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composi-
ção e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e
Conselhos de Contas dos Municípios. [O dispositivo estende aos Tribunais de Contas Estaduais
as normas do TCU.] (...)
Trata-se das chamadas “normas de observância obrigatória”. Geralmente, ao utilizar a expressão,
o STF refere-se aos princípios extensíveis, ainda que os sensíveis sejam também de observância obriga-
tória.
ii) não expressos

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São exemplos de princípios constitucionais extensíveis o art. 58, §3o, da CR (CPI), os arts. 59 e
seguintes da CR (processo legislativo)18. Exemplos: leis de iniciativa privativa do presidente são também
de iniciativa do Governador; o quórum para as Emendas Constitucionais é o mesmo etc.
Art. 58 (...) § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo,
sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a respon-
sabilidade civil ou criminal dos infratores.
2.2.4.3. Princípios constitucionais estabelecidos
Segundo José Afonso da Silva, princípios constitucionais estabelecidos são aqueles que impõem
limitações aos estados e estão espalhados de forma assistemática na Constituição:
i) regras mandatórias:
São aquelas que impõem ao Estado a observância de determinados princípios, constrangendo sua
liberdade organizatória aos limites positivados. Ex.: 37, caput, da CR (os Estados não têm opção senão
adotar os princípios ali previstos):
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, morali-
dade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998) (...)
b) regras vedatórias:
São aquelas que proíbem os Estados de adotarem determinados atos ou procedimentos. Elas po-
dem ser expressas (ex.: art. 19 da CR) ou implícitas (ex.: art. 22 da CR):
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei,
a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)


Relativamente ao art. 22, note que se as competências são privativas da União, implicitamente os
estados estão proibidos de delas tratarem.
2.3. Poder constituinte derivado (reformador, instituído ou consti-
tuído)

18 Acerca desta hipótese, havia dispositivo que previa expressamente a extensão na CR/1969. O STF man-
teve o entendimento então consolidado.

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2.3.1. Conceito
O poder constituinte derivado é o responsável pela modificação da constituição.
Como visto acima, a rigor, constituinte é o poder originário, motivo pelo qual Marcelo Novelino
prefere a expressão “poder derivado reformador”.
O poder constituinte derivado está previsto no art. 60 da CR (que será analisado adiante).
2.3.2. Limitações
Há quatro espécies de limitações impostas ao PCD: temporais, circunstanciais, formais (ou pro-
cessuais) e materiais (ou substanciais).

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2.3.2.1. Limitações temporais


As limitações temporais impedem a modificação da constituição durante um determinado perí-
odo de tempo. Ex.: o art. 174 da Constituição de 1824 proibia a alteração da constituição nos primeiros
4 anos de vigência. Era um prazo para dar estabilidade à primeira constituição brasileira:
O art. 60 da CR/88 não estabeleceu nenhuma limitação temporal. O art. 3o do ADCT, no entanto,
é uma limitação temporal (aplicável ao poder revisor, não ao reformador):
Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da
Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
2.3.2.2. Limitações circunstanciais
As limitações circunstanciais impedem a alteração da constituição em situações excepcionais, de
extrema gravidade, nas quais a livre manifestação do poder derivado possa estar ameaçada. Note que
se tratam de situações, não de períodos de tempo.
Elas estão previstas no art. 60, § 1o, da CR:
Art. 60 (...) § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de

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estado de defesa ou de estado de sítio.
São elas: i) intervenção federal (art. 34); ii) estado de defesa (art. 136); e iii) estado de sítio (art.
137). A intervenção federal suspende a tramitação das emendas19.
2.3.2.3. Limitações formais (ou processuais)

As limitações formais (ou processuais) relacionam-se ao processo de elaboração das emendas


constitucionais. Trata-se de limitações porque não é possível a modificação da CR de outra maneira,
devendo o poder constituinte derivado as observar, obrigatoriamente.
Assim, são limitações que impõem determinadas formalidades a serem observadas quando da
alteração da Constituição.
São limitações formais:
i) iniciativa para a proposta de emenda constitucional (art. 60, I a III, da CR) – Limitação formal
subjetiva:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-
se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. (...)
Observe que, no caso de iniciativa de leis, a amplitude de legitimados é bem maior que no das
emendas constitucionais (art. 61). Isso porque a CR/88 é rígida (ou seja, prevê um procedimento espe-
cial para a sua alteração).
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos,
na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...)
A CR exige a proposta de, ao menos, 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal.
Além deles, pode propor emenda o Presidente da República. Cumpre atentar para o fato de que o
Presidente é o único legitimado que pode propor lei e emenda. Correlata a esse tema, há uma questão
muito importante: a única participação que o Presidente tem na elaboração da emenda constitucional
é a iniciativa. Ele não participa de nenhuma outra etapa (não sanciona, não veta, não promulga e não
publica). Com efeito, não existe sanção de emenda. Aprovada a proposta, ela vai direto para a
promulgação pelas mesas do Senado e da Câmara conjuntamente.
Além desses legitimados, podem propor emenda mais de 50% das Assembleias Legislativas das
unidades da Federação, pela maioria relativa de seus membros. No Brasil há 26 estados e o DF. Por-
tanto, para que a proposta de emenda possa ser apresentada dessa forma, pelo menos 14 unidades da

19 Os dispositivos serão analisados adiante, no tópico “Estados de Legalidade Extraordinária”.

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Federação teriam de participar da iniciativa e em cada uma das respectivas Assembleias teria de ser
aprovada a proposta por maioria relativa (ou seja, mais de 50% dos presentes)20.
Essa previsão existe nas constituições brasileiras desde 1891. Até hoje, nenhuma proposta de
emenda foi apresentada através desse procedimento, que é extremamente complexo.
ii) votação e promulgação da PEC (art. 60, § 2º, da CR):
Art. 60 (...) § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respec-
tivos membros21.
As fases de discussão, votação e aprovação das emendas constitucionais serão iniciadas na Câ-
mara ou no Senado, a depender do legitimado. Para que a PEC seja aprovada, são necessários 3/5 (60%)
dos votos dos respectivos membros, em dois turnos de votação.
Ocorrendo a votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados, por exemplo, há um interstí-
cio mínimo previsto no Regimento Interno. Posteriormente, é realizada nova votação, em segundo
turno, com mesmo quórum. O mesmo procedimento ocorre no Senado. Feita eventual alteração pela
segunda casa, retorna à primeira somente a parte alterada, não a totalidade do projeto.
Discutida, votada e aprovada, a emenda constitucional (que depois de aprovada deixa de ser PEC)
é promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados E do Senado Federal (“e”, não “ou”:
repare que as Casas promulgam a emenda conjuntamente):
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
iii) impossibilidade de reapresentação da PEC rejeitada na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5º,
da CR):
Art. 60 (...) § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada
não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
Alguns autores consideram a limitação acima como de natureza temporal. Entretanto, pela pró-
pria definição acima (limitação formal é a relativa ao processo de elaboração das emendas) e segundo a
maioria da doutrina, não se trata de limitação temporal, pois a CR não está impedida de ser modificada
por uma questão de tempo, mas de forma.
A sessão legislativa está prevista no art. 57, caput, da CR:
Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17
de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
(...)

20 Observação: a maioria relativa tem esse nome por ser variável, dependendo do número de presentes. A
maioria absoluta corresponde a mais de 50% dos membros da Casa. Sendo o número de membros fixo, ela não
variará. Na Câmara dos Deputados, a maioria absoluta corresponde a 257 Deputados.

21 Na hora da prova lembrar 3/5 é 60% (Art. 60), dois turnos é o § 2º!
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Trata-se do período de trabalho parlamentar, também chamado de “sessão legislativa ordinária
(anual)”. Vai de 2 de fevereiro a 17 de julho e reinicia-se em 1º de agosto, indo até 22 de dezembro. Veja
que há anualmente dois recessos.
Rejeitada uma PEC em 2013, ela somente poderá ser apresentada a partir de 2 de fevereiro de
2014.
Sessão legislativa, período anual, não se confunde com Legislatura, que é um período de 4 anos,
o período de mandato dos Deputados (art. 44, parágrafo único, da CR):
Art. 44 (...) Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.
O art. 62, § 10, da CR prevê às medidas provisórias uma regra muito parecida com a do art. 60, §
5º:
Art. 62 (...) § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha
sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitu-
cional nº 32, de 2001)
2.3.2.4. Limitações materiais (ou substanciais): as cláusulas pétreas
2.3.2.4.1. Conceito e nomenclatura
As limitações materiais impedem a alteração de determinados conteúdos consagrados no texto
constitucional.
A essas normas, que limitam substancialmente o poder reformador, dá-se o nome de “cláusulas
pétreas”. Oscar Vilhena, que tem a melhor obra sobre poder reformador (“A constituição e sua reserva
de justiça”) refere-se a elas como “cláusulas superconstitucionais”. Na Alemanha, são chamadas de
“cláusulas intangíveis” ou “cláusulas de eternidade”. Nos EUA, de “cláusulas entrincheiradas” ou “cra-
vadas na pedra”.
Assim, são aquelas normas que proíbem modificações violadoras do núcleo essencial de certos
princípios e institutos, ou seja, elas não proíbem que haja qualquer tipo de alteração na Constituição,
não tornam o dispositivo intocável.

Nesse sentido, nota-se que a expressão “tendente a abolir” deve ser interpretada como uma pro-
teção ao núcleo essencial de certos princípios e institutos.
Portanto, a conclusão é no sentido de que o texto das cláusulas pétreas pode ser alterado, desde
que o seu núcleo essencial seja preservado22. Ex.: mudança ocorrido no art. 16 da Constituição.

2.3.2.4.2. Cláusulas pétreas na Constituição Federal


i) Cláusulas Pétreas expressas (Art. 60, § 4º CF)

22 -STF – ADI 3.685: “A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/1993 em nada alterou seu conteúdo
principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regula-
mentação do processo eleitoral. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de
que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/2006 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua
vigência.”
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a) Forma federativa de estado
A forma federativa de estado é considerada cláusula pétrea desde a primeira constituição republi-
cana (Constituição de 1891). A pedra angular desta cláusula pétrea é a autonomia conferida aos entes
federativos. Não podem haver modificações na Constituição que afetem a autonomia da União, dos Es-
tados-membros, do DF e dos Municípios. Essa autonomia é uma ideia tão inerente à forma federativa
do Estado que o STF considerou o princípio da imunidade tributária recíproca como cláusula pétrea
decorrente da forma federativa de estado, uma vez que um ente federativo não pode tributar o outro,
porque isso poderia atingir a autonomia financeira de determinados entes23.
b) O voto direto, secreto, universal e periódico
O voto direto é aquele no qual a escolha se efetiva sem que haja intermediários entre o povo e os
que serão eleitos para representá-lo.
A sigilosidade do voto, por sua vez, é garantida pelo escrutínio secreto, que resguarda a manifes-
tação do eleitor de especulações ou devassas. Atualmente nosso sistema de vocação é informatizado,
recolhendo-se o eleitor a uma cabine indevassável para o exercício do voto através da digitação numé-
rica em uma urna eletrônica.
Quanto à universalidade, decorre de o direito ao sufrágio abranger a todos os cidadãos, sem qual-
quer distinção referente, por exemplo, à classe social, econômica, ou ao sexo.
Obs.: A rigor, o que é secreto não é o voto, mas sim o escrutínio, que é o modo como o exercício
do direito de voto se realiza.
Obs.: A rigor, o que é universal não é o voto, mas sim o sufrágio, que pode ser universal ou restrito.
Obs.: Nota-se que o voto obrigatório não é cláusula pétrea expressa, portanto, em tese, a obriga-
toriedade poderia ser retirado da CF, que poderia prever sua facultatividade.
c) Separação dos poderes
De início, importante notar que não impede qualquer tipo de alteração, mudança ou ajuste. O que
é vedado são mudanças extremas, mudanças capazes de afetar a independência e a har-
monia entre os poderes. O que não pode haver é uma afetação da independência de um Poder por
outro.
Nesse sentido, cada constituição vai cuidar da relação dos poderes, não há um modelo de consti-
tuição a ser seguido. Não há nenhum lugar em que as competências dos poderes sejam delimitadas de
forma ESTANQUE. A ideia de separação de poderes não foi essa, ela foi criada com o objetivo de limitar
o poder, para que não ficasse concentrado em apenas um órgão o poder de elaborar e executar as nor-
mas.
Montesquieu: todo aquele que tem poder não encontrando limites, tende a dele abusar. A limita-
ção do poder tem como finalidade proteger as liberdades.

23 Este entendimento foi adotado pelo Supremo na ADI 939/DF.


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Não pode haver desiquilíbrios entre os poderes, de forma a subordinar um ao outro, o que afetaria
a essência da separação de poderes, sendo que o STF já decidiu dessa forma24.
d) Direitos e garantias individuais
Essa cláusula pétrea é, sem dúvida, a que mais encontra controvérsia na doutrina.
Tal fato se dá uma vez que o legislador constituinte originário poderia ter dito direito e garantias
fundamentais, que é o gênero do qual os direitos e garantias individuais são espécies, entretanto a opção
do constituinte foi pela expressão “direitos e garantias individuais” e não “direitos e garantias funda-
mentais”.
Nesse sentido, nota-se que o art. 5º da CF trata dos direitos e garantias individuais. Esses direitos
e garantias individuais estão no título II, que é dos direitos e garantias fundamentais.
A questão levantada é no sentido de que todos os direitos fundamentais seriam cláusulas pétreas
ou se seriam apenas os direitos e garantias individuais.
Em uma interpretação literal, a cláusula compreenderia apenas os direitos de defesa previstos no
art. 5º da CF.
De outro lado, tem-se que:
1ªCorrente: Ingo Sarlet e Paulo Bonavides – Consideram que não só os direitos e garantias indi-
viduais, mas também os DIREITOS SOCIAIS seriam cláusulas pétreas. ARGUMENTO: os direitos so-
ciais também devem ser considerados porque são pressupostos para as pessoas exercerem os direitos
individuais, de modo que não se vislumbra na Constituição nenhuma diferença de tratamento entre os
direitos individuais e os demais direitos fundamentais. Ex.: como uma pessoa que não tem direitos so-
ciais básicos, direito à informação, saúde, alimentação, irá exercer, terá a capacidade de exercer os di-
reitos individuais como o voto?
2ªCorrente: Marcelo Novelino (majoritária) – se o DIREITO SOCIAL for ligado à dignidade da
pessoa humana, como o mínimo existencial por exemplo, deve ser considerado cláusula pétrea. Então
para ele, alguns devem ser considerados e outros que não são importantes não devem ser considerados.
3ªCorrente: Para outros – Carlos Velloso, por exemplo, todos Direitos Fundamentais são consi-
derados cláusulas pétreas.
STF: os direitos e garantias individuais, apesar de serem sistematicamente elencados no art. 5º
não se restringem a ele, encontram-se espalhados por toda a constituição. Ou seja, não são todos DF’s
que são protegidos pelas cláusulas pétreas, apenas os individuais, entretanto, estes não estão alocados
somente no art. 5º.
ii) Cláusulas Pétreas implícitas (limitações implícitas ao PCDR)
Conforme visto, as limitações do poder reformador estão expressas (explícitas) no texto constitu-
cional. Porém, a doutrina também prevê algumas limitações que estão implícitas na CF.

24 Na ADI 3367, ao analisar a criação do CNJ, o STF entendeu que não afetaria a separação de poderes, eis
que o a função do CNJ é administrativa (fiscalização) e não jurisdicional.
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Se o PCDR pudesse alterar a limitação imposta por um poder superior a ele (PCO) aquela não
seria uma limitação, não teria sentido. Por isso, é sustentado que embora não seja expresso, o art. 60
não pode ser alterado, por ser uma limitação implícita lógica.
Nesse sentido, uma vez que o PCO estabelece limitações ao poder reformador, o próprio poder
reformador não poderia alterar esses limites, pois, caso contrário, estaria modificando um limite im-
posto por um poder superior que é o poder constituinte originário.

Ex.: Não poderia, por exemplo, revogar o art. 60, §4º, e abolir as cláusulas pétreas. Não poderia
mudar o quórum de 3/5 para maioria relativa e transformar a Constituição em uma Constituição
flexível.

Isso, inclusive, impede a chamada dupla revisão ou dupla reforma, que é quando se altera pri-
meiro uma limitação ao poder reformador para, em seguida, se alterar uma outra parte substancial.

Exemplo de dupla revisão: seria revogado o inciso IV do art. 60, deixando os direitos e garantias
individuas de serem cláusulas pétreas. Após, seria feita outra emenda à constituição, instituindo a pena
de morte para crimes hediondos.
Jorge Miranda admite esta possibilidade. No entanto, a maioria da doutrina majoritária no Brasil
NÃO admite essa hipótese de dupla revisão, pelo argumento que seria uma forma de se fraudar a cons-
tituição.
Outras duas limitações implícitas são apontadas pela doutrina dizem respeito à vedação da alte-
ração do titular do poder constituinte originário (povo) e à vedação de alteração do titular do poder
constituinte reformador (legislador).
Por fim, há a discussão acerca se o sistema presidencialista e a forma republicana seriam cláusulas
pétreas implícitas e se poderiam ser alteradas, há três posicionamentos:
1º Corrente: (minoritário) – pode haver alteração porque não há previsão expressa.
2º Corrente: (Ivo Dantas) – não, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes. O
doutrinador entende assim, porque, quando o legislador constituinte originário submeteu esse sistema
e essa forma de governo à deliberação popular (art. 2º do ADCT), através do plebiscito em 1993, o que
ele quis foi transferir ao povo, momentaneamente, a decisão sobre esses temas, mas, uma vez decidido
a respeito, isso foi retirado do âmbito da deliberação popular. Assim, para alterar o sistema presidenci-
alista, seria necessário alterar a separação dos poderes, esta sim cláusula pétrea, portanto, indireta-
mente seria o sistema presidencialista uma cláusula pétrea.
3º Corrente: (majoritária)- se foi feito plebiscito, não havia certeza, então não seria cláusula pé-
trea, não queria petrificar o sistema. Portanto, poderá ser alterada, desde que ocorra nova consulta po-
pular.
2.3.2.4.3. Finalidades
Como visto anteriormente, existe uma tensão entre o constitucionalismo e a democracia, pois a
esta é associada, em geral, a vontade da maioria, e a consagração de cláusulas pétreas na Constituição
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obstaculiza a imposição dessa vontade. Ex.: ainda que a maioria entenda que deva haver pena de morte
para crimes comuns ou que o princípio da presunção de inocência deva ser afastado, as cláusulas pé-
treas impedem que essa vontade prevaleça.
Para Marcelo Novelino, as cláusulas pétreas têm três finalidades principais:
i) preservar a identidade material da constituição:
Toda constituição tem traços que a caracterizam. A brasileira é republicana, democrática, consa-
gradora de direitos fundamentais etc. Se essa identidade pudesse ser livremente modificada, ela perde-
ria o sentido, deixando de ser ela própria.
Assim, se visa impedir que a Constituição seja desfigurada em seu conteúdo, ou seja, se o intenção
da reforma se dá para que a Constituição perca a sua identidade, é melhor que outra seja feita, o que é
tarefa do PCO e não do PCD reformador.
ii) proteger institutos e valores essenciais:
Trata-se da proteção de valores que a sociedade considera muito importantes e que por sua
importância não podem se submeter à vontade momentânea das maiorias.

Nesse sentido, determinados institutos e valores são retirados do âmbito de deliberação demo-
crática, porque a sociedade pode, agindo por impulso, em momento de fraqueza, adotar medidas
que, a longo prazo, acabam se mostrando indevidas. Busca-se resguardar as metas de longo prazo,
impedindo que essas metas acabem sendo desvirtuadas por maiorias momentâneas que querem ma-
ximizar os seus interesses. Exemplo são os direitos e garantias individuais previstos no art. 5º da CR.

iii) assegurar a continuidade do processo democrático:


A cláusula pétrea assegura a observância das regras do jogo. Isso é importante, pois, caso não seja
protegido o processo democrático, a democracia acaba asfixiada. Aqueles que têm o poder tendem a
querer nele se perpetuar, sufocando as minorias. Exemplo de regra que busca evitar esse fenômeno é a
inaplicabilidade da nova regra eleitoral antes de um ano da sua edição (Art. 16 CF), cujo objetivo é evitar
que aquele grupo momentâneo que está no poder faça alterações das regras do jogo para se beneficiar.
Thomas Jefferson utilizava, para criticar a ideia das cláusulas pétreas, a expressão “governo dos
mortos sobre os vivos”. Nos EUA, a discussão acerca da legitimidade das cláusulas pétreas faz muito
sentido, na medida em que eles possuem a mesma constituição há mais de 200 anos.
2.3.2.4.4. Teorias de justificação das cláusulas pétreas
i) teoria do pré-comprometimento (Jon Elster)
Segundo a teoria do pré-comprometimento, a proteção de determinados conteúdos pelas consti-
tuições visa a assegurar o próprio processo democrático, resguardando metas a longo prazo, a fim de
proteger a sociedade de suas inconsistências temporais.
A cláusula pétrea seria um mecanismo de autovinculação da sociedade, voltado à proteção de si
própria contra suas paixões e fraquezas, resguardando metas a longo prazo. O ser humano tem certa
miopia para enxergar interesses a longo prazo, muitas vezes mais importantes que os de médio e curto

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prazo. Não houvesse as cláusulas pétreas, a maioria sempre tentaria fazer prevalecer seus interesses,
para se perpetuar no poder.
O autor faz uma analogia com a Odisseia, na passagem do “canto das sereias”. Quando Ulisses
passa pela região da tentação das sereias, ele é amarrado no mastro. Essa é justamente a ideia: evitar
que a sociedade sucumba ao “canto das sereias”.
O próprio autor, todavia, alterou posteriormente seu entendimento, por considerá-lo inocente
demais. Em nova obra, intitulada “Ulisses desacorrentado” (“Ulysses Unbound”), ele passou a defender
que a maioria, na verdade, acorrenta o outro com o receio de que, no futuro, ele venha a se tornar ma-
joritário. Ou seja, a maioria está na verdade acorrentando as minorias do momento, para que elas não
se tornem depois maioria e queiram mudar as regras do jogo. Assim, não seria Ulysses se acorrentando,
mas acorrentando os outros.
ii) teoria da democracia dualista (Bruce Ackerman)
O autor faz distinção entre dois tipos de política, a extraordinária e a ordinária. Política extraor-
dinária corresponde aos momentos de intensa manifestação da cidadania, que ocorrem em contextos
de grande mobilização cívica. Política ordinária é aquela realizada cotidianamente, por meio das deli-
berações de órgãos de representação popular.
O contexto de política extraordinária ocorre, por exemplo, quando da elaboração de uma consti-
tuição. No Brasil, esse momento ocorreu por ocasião do movimento “Diretas Já”. Trata-se de um mo-
mento de grande expressão da cidadania.
Para o autor, a política extraordinária, justamente por ocorrer nesses momentos de mobilização
cívica, seria superior à ordinária, razão pela qual ela pode estabelecer as cláusulas pétreas.
2.3.2.4.5. O STF e as cláusulas pétreas
Há dois tipos de cláusulas pétreas, as expressas (art. 60, § 4o) e as implícitas, que não estão pre-
vistas expressamente, mas são por alguma razão consideradas imodificáveis.
Art. 60 (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Uma proposta de emenda tendente a abolir cláusula pétrea é uma violação tão intensa que sequer
pode ser objeto de deliberação. Daí a possibilidade de controle de constitucionalidade preventivo pelo
STF, através do Mandado de Segurança.
Qual é a extensão da expressão “tendente a abolir”? A maioria dos Ministros do STF (o entendi-
mento não é pacífico no tribunal) entende que as cláusulas pétreas devem ser interpretadas no sentido
de proteger o núcleo essencial dos princípios e institutos elencados no dispositivo, e não a sua intangi-
bilidade literal (ou seja, o dispositivo não se torna “intocável”: garante-se o seu núcleo essencial).
Ex.: a separação dos poderes é cláusula pétrea, mas isso não significa que nenhuma atribuição
dos poderes possa ser modificada. Emenda constitucional que retirasse a competência do Senado para
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suspender a eficácia da lei (art. 52, X), não atingiria a separação dos poderes em seu núcleo essencial.
Para Daniel Sarmento, sequer acabar com o Senado violaria a separação dos poderes. Assim, é possível
que haja alteração de competências constitucionais. O que é vedado é que determinada emenda forta-
leça sobremaneira um poder em relação ao outro, desequilibrando a independência e a harmonia que
deve haver entre eles.
O STF analisou essa questão por ocasião do julgamento de constitucionalidade da criação do CNJ.
Dentre as cláusulas pétreas expressas, a única que recebe tratamento pormenorizado pela CR é o
voto, que deve ser direto, secreto, universal e periódico. Ainda assim, entretanto, é possível interpreta-
ção acerca do seu núcleo imodificável. Ex: emenda que previsse eleições de 5 anos em 5 anos não violaria
a periodicidade do voto, o que já ocorreria em se tratando de emenda que aumentasse o prazo para 20
anos. O voto obrigatório também não é cláusula pétrea, segundo Marcelo Novelino.
A forma federativa de Estado também é uma cláusula pétrea. Sepúlveda Pertence cunhou expres-
são que acabou sendo muito usada pelos outros Ministros e é importante para fins de concurso: “a
forma federativa de estado, consagrada desde a primeira constituição republicana, é princípio intan-
gível da nossa Constituição”. Por conta do quanto dito anteriormente, poder-se-ia imaginar que a ex-
pressão estivesse equivocada. Todavia, trata-se muito mais de retórica do que de entendimento do STF
propriamente dito. Segundo Marcelo Novelino, “a forma federativa é princípio intangível, mas nem
tanto”. Não fosse assim, a própria criação de um novo estado violaria a forma federativa.
O STF entende que o princípio da imunidade tributária recíproca (art. 150, IV, “a”, da CR) é uma
cláusula pétrea decorrente da forma federativa de estado. A decisão foi tomada na ADI 939, que ques-
tionou o IPMF, criado por emenda constitucional para que a ele não se aplicassem certas limitações
constitucionais ao poder de tributar, umas das quais era justamente a imunidade tributária recíproca,
que serve para evitar o enfraquecimento de um ente em relação ao outro, prejudicando a forma federa-
tiva do estado.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; (...)
Essa tentativa de burlar a constituição por emenda é chamada de “atalhamento constitucional”,
expressão criada por Karl Loewenstein e utilizada por Celso de Melo. Significa a busca por “atalhos”
constitucionais.
No gênero “direitos e garantias fundamentais” há as espécies: i) direitos e garantias individuais;
ii) direitos sociais; iii) direitos de nacionalidade; e iv) direitos políticos. A CR fala também em “direitos
coletivos”, mas Novelino não os considera uma categoria autônoma, pois eles podem estar inseridos
entre os individuais e os sociais. Diz-se que os direitos de associação e de associação sindical seriam
coletivos. Todavia, trata-se de direito individual de expressão coletiva.

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Alguns autores sustentam que não somente os individuais, mas todos os direitos e garantias fun-
damentais seriam cláusulas pétreas (Ingo Sarlet, Rodrigo Brandão). Novelino não considera esse o me-
lhor entendimento. O art. 60, § 4º, IV é expresso quanto aos “direitos individuais”. Caso tivesse se equi-
vocado quanto à expressão e quisesse abranger os direitos políticos, a CR não teria previsto expressa-
mente o voto como cláusula pétrea, que já estaria abrangido dentre os direitos políticos. Isso não signi-
fica que determinados direitos sociais ou o de nacionalidade não possam ser considerados cláusulas
pétreas implícitas.
O STF consagrou o entendimento de que o princípio da anterioridade eleitoral (que está entre os
direitos políticos) é cláusula pétrea. Isso não significa que todos os direitos políticos sejam cláusula
pétrea. A leitura que Novelino faz da decisão é que o STF entendeu que o princípio é garantia individual
do eleitor e, como tal, cláusula pétrea expressa. Os direitos e garantias individuais não se restringem ao
art. 5o da CR.
Novelino considera cláusula pétrea a maioridade penal, por se tratar de direito individual.
O STF considerou cláusula pétrea expressa fora do art. 5º o princípio da anterioridade tributária
(art. 150, III, “b”), por ser uma garantia individual do contribuinte. Aliás, as limitações constitucionais
ao poder de tributar são cláusulas pétreas, na medida em que protetivas de direitos individuais (ex.:
legalidade tributária).
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
III - cobrar tributos: (...)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
(...)
Autores como Paulo Bonavides e José Afonso da Silva entendem que o art. 60 seria cláusula pétrea
implícita. Ele estabelece limitações ao poder constituinte derivado. Quem estabeleceu essas limitações
foi o poder constituinte originário, que está acima do derivado. Não faria sentido que o poder derivado
pudesse alterar as suas próprias limitações, impostas pelo poder constituinte originário. Se pudesse,
não seriam elas consideradas limitações.
A dupla revisão é justamente a alteração da norma proibitiva, para que se possa posteriormente
alterar a cláusula pétrea. Trata-se uma espécie de atalhamento constitucional. Amaral Neto tinha como
bandeira parlamentar a pena de morte, que é cláusula pétrea. Ele propôs uma PEC buscando revogar o
art. 60, § 4o, IV, da CR. Se essa PEC fosse aprovada, os direitos e garantias individuais deixariam de ser
cláusula pétrea e, com isso, seria possível a previsão da pena de morte.
Outro exemplo de dupla revisão seria o de PEC diminuindo o quórum para a aprovação das emen-
das constitucionais, para depois apresentar determinada PEC.
A dupla revisão, para a maioria da doutrina brasileira, não é admitida. É uma espécie de fraude à
Constituição, uma burla ao poder constituinte originário.

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Alguns autores também consideram cláusula pétrea implícita a forma republicana de governo e o
sistema presidencialista. Em prova objetiva, deve-se sustentar a posição diversa. Marcelo Novelino con-
sidera que não são cláusulas pétreas. Em 1993, houve o plebiscito para a escolha entre as formas e sis-
temas de governo. Na assembleia constituinte de 1988, havia uma frente parlamentarista forte, mas o
parlamentarismo não conseguiu ser implementado. Todavia, algumas normas foram criadas pensando
em posterior criação daquele sistema (ex.: a previsão de medidas provisórias). Ainda que não tenha sido
possível implementar o parlamentarismo de plano, os parlamentaristas conseguiram a previsão da hi-
pótese do plebiscito, que restou confirmando o status quo.
Ivo Dantas entende que, a partir do momento em que houve o plebiscito, a forma e o sistema
escolhidos teriam se tornado cláusulas pétreas, por incompatíveis com a separação dos poderes. O pro-
fessor entende que a implementação da monarquia não seria possível, por ferir princípios republicanos,
mas o sistema parlamentarista seria plenamente possível, desde que houvesse novo plebiscito ou refe-
rendo, para não burlar a vontade do povo já manifestada (ou seja, por mera emenda não seria possível
a alteração do sistema).
Além da reforma, a CR fala também em revisão. A reforma é o meio ordinário de modificação da
constituição. A revisão é a via extraordinária. O art. 3º do ADCT previu hipótese de revisão constituci-
onal, a ser realizada após 5 anos da criação da CR. O dispositivo trouxe duas limitações à revisão: uma
temporal (5 anos) e uma formal (maioria absoluta e sessão unicameral). O dispositivo não menciona
limitações circunstanciais e materiais, mas a doutrina entende que elas têm de ser observadas na revi-
são.
A revisão já ocorreu e não pode ocorrer novamente, com base nesse dispositivo. Trata-se de norma
com eficácia exaurida.
2.3.3. Quadro sinótico

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A CONSTITUIÇÃO

1. Fundamento da Constituição
Neste tópico, serão estudadas as diferentes concepções de constituição, cada qual surgida numa
época diferente. Na verdade, são formas de ver o fenômeno constitucional sob ângulos distintos. Com

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efeito, cada uma dessas concepções enxerga a constituição a partir de um determinado fundamento (ou
seja, são olhares diferentes sobre a mesma matéria)25.
1.1. Concepção sociológica (Ferdinand Lassale)
A concepção sociológica é a defendida por Ferdinand Lassale, decorrente de uma palestra profe-
rida por ele em 1862 na Prússia. Naquele tempo, a constituição não tinha força normativa como tem
hoje. Para entender a concepção sociológica, é importante que se faça uma distinção entre constituição
escrita (ou jurídica) e constituição real (ou efetiva).
Para Lassale, no Estado há o documento constitucional (constituição escrita) e, ao lado dela, há
uma constituição real, formada pela soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada na-
ção. Tais fatores seriam compostos por aquelas pessoas que realmente detém o poder.
De acordo com o autor, se a constituição escrita não corresponder à realidade, deverá prevalecer
a constituição efetiva.
Atribuem a Lassale a ideia segundo a qual, se a constituição escrita não corresponde à realidade,
ela seria uma mera “folha de papel”. Esta é, hoje, uma concepção ultrapassada.
1.2. Concepção política (Carl Schmitt)
A concepção política, defendida por Carl Schmitt em 1928, será também tratada por ocasião do
estudo da teoria da desconstitucionalização.
De acordo com ela, o fundamento da constituição se encontra na decisão política fundamen-
tal que a antecede. O autor faz uma distinção entre constituição propriamente dita (direitos fundamen-
tais, estrutura do estado, organização dos poderes) e leis constitucionais (matérias não relacionadas à
decisão política fundamental). Essas constituições são formalmente iguais, mas materialmente distin-
tas, pois não decorrem de uma decisão política fundamental. Ou seja, como ambas estão no texto cons-
titucional, o que as diferencia é o conteúdo26.
1.3. Concepção jurídica (Hans Kelsen)
A concepção jurídica é defendida por Hans Kelsen (a primeira edição da “Teoria Pura do Direito”
é de 1925), contemporâneo de Carl Schmitt. Para este autor, o verdadeiro guardião da constituição seria
o presidente do Reich. Para Kelsen, deveria ser o tribunal constitucional (um tribunal específico, des-
vinculado do Poder Judiciário). Na Europa, prevaleceu o entendimento do Kelsen (controle concen-
trado feito pelo tribunal constitucional).

25 Novelino aconselha decorar o nome de cada expoente da cada corrente.

26 Por exemplo: art. 242, § 2º, da CF, que determina a manutenção do Colégio Pedro II na órbita federal. As
leis constitucionais e a Constituição propriamente dita são formalmente iguais, por estarem contidas no mesmo
documento; contudo, são materialmente distintas.
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Para a concepção jurídica, a constituição é formada por um conjunto de normas e, por-
tanto, é uma lei como todas as demais, cujo fundamento se encontra no plano jurídico.
Para Kelsen, o filósofo jurídico não precisaria recorrer à sociologia, à política ou qualquer ciência para
encontrar o fundamento da constituição. Sendo a constituição uma lei, o fundamento dela seria encon-
trado no próprio ordenamento jurídico. A constituição não pertenceria assim ao mundo do “ser” (como
defendia Lassale, ao tratar da constituição real), mas ao mundo do “dever-ser”. Difere-se, portanto, das
leis das demais matérias não jurídicas, que trazem previsões do que ocorre (ex.: lei da gravidade).
Kelsen diferencia a chamada constituição em sentido lógico-jurídico e em sentido jurídico-
positivo. No topo da pirâmide normativa, está a constituição de 1988. Essa constituição, na concepção
de Kelsen, é a constituição no sentido jurídico-positivo, feita pelo poder constituinte originário.
Mas Kelsen, buscando conferir lógica ao Direito e tratá-lo como ciência, começa a questionar o
fundamento de validade da constituição (onde estaria escrito que se deve obedecer à constituição?).
Então ele cria uma teoria fictícia, no sentido de que a constituição em sentido jurídico-positivo deveria
ser observada porque, acima dela, estaria a norma hipotética fundamental (constituição em sentido
lógico-jurídico). Trata-se de uma norma hipotética porque pressuposta, e não posta.
A norma hipotética fundamental não é positivada em nenhum ordenamento, mas toda a socie-
dade parte do pressuposto de que essa norma existe e deve ser observada. De acordo com Kelsen, o
conteúdo dessa norma hipotética seria o seguinte: todos devem obedecer à constituição. Se a sociedade
não partisse do pressuposto de que deve obedecer a constituição, ela não seria obedecida e reinaria o
caos.
1.4. Concepção normativa (Konrad Hesse)
Konrad Hesse defendeu a concepção normativa (ou culturalista) em 1959.
No tópico relacionado à evolução do constitucionalismo, foi estudado que após a segunda guerra
mundial, o constitucionalismo social restou substituído pelo neoconstitucionalismo (o estado social foi
substituído pelo estado democrático de direito). E uma das principais causas dessa mudança foi o reco-
nhecimento da força normativa da constituição. A constituição deixou de ser vista como documento
político e passou a ser vista como documento jurídico (conjunto de normas). Um dos marcos para essa
mudança foi a obra de Konrad Hesse (“A força normativa da constituição”, tradução de Gilmar Mendes).
Essa concepção de Konrad Hesse foi criada para rebater a tese de Ferdinand Lassale. Para aquele
autor, ainda que seja inegável que muitas vezes uma constituição jurídica possa sucumbir à realidade,
deve-se atribuir a essa constituição uma força normativa capaz de modificar esta mesma realidade.
Para isso, é necessário que exista uma “vontade de constituição” e não apenas uma “vontade de poder”.
Hesse admite que, de fato, o que prevalece na prática é a realidade. Mas entender que sempre a
constituição escrita sucumbiria à realidade ou que o papel da constituição escrita seria apenas descrever
a realidade, ao invés de mudá-la, seria reconhecer que a constituição serviria apenas para descrever o

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que acontece na prática. Seria, portanto, inútil. A vontade de constituição seria a vontade de tornar
realidade a constituição.
1.5. Concepção culturalista (Meirelles Teixeira)
A Constituição contempla vários fundamentos: aspecto sociológico, aspecto político, aspecto po-
lítico, aspecto normativo. Para Meirelles Teixeira, tais concepções seriam complementares, e não anta-
gônicas. Traz a ideia de uma Constituição total, por abranger as demais concepções.
Definição de Meirelles Teixeira: “Conjunto de normas fundamentais condicionadas pela cultura
total, e ao mesmo tempo condicionante desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e
reguladora da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder político”.
Assim, ao mesmo tempo que a Constituição é condicionada pela cultura (por surgir a partir de uma
expressão cultural), é também condicionante desta mesma cultura.
2. A constituição e seu papel
O pape desempenhado pela Constituição no ordenamento jurídico pode ser analisado segundo a
liberdade de conformação atribuída ao legislador e aos cidadãos, conforme abaixo:
2.1. Constituição-lei
Esta visão parte do pressuposto de que a Constituição é um conjunto de normas como outro qual-
quer, sem supremacia sobre outras leis e sem o poder e conformação sobre o legislador.
Dentro dessa visão, as normas constitucionais não seriam vinculantes e obrigatórias, mas meras
diretrizes, que podem ou não ser seguidas pelo legislador, de acordo com sua vontade.
Essa concepção prevaleceu na Europa na primeira metade do século XX, prevalecendo a leitura
política dos dispositivos constitucionais. Todavia, ela é incompatível com a visão moderna de Consti-
tuição, uma vez que é unânime na doutrina que todo o conteúdo constitucional é formado por normas
jurídicas, com força cogente.
2.2. Constituição fundamento (Constituição-total)
Corresponde a ideia de uma Constituição total, partindo do pressuposto que a Constituição não
só fundamenta as atividades relacionadas ao Estado, mas toda a vida social, que deve ser nela regula-
mentada. Assim, a margem de liberdade de conformação do legislador se torna bastante restrita, am-
plamente limitada pelas normas constitucionais.
Segundo Virgílio Afonso da Silva, ainda que tenha pouca aceitação em outros países, essa visão é
pressuposta no Brasil por grande parte da doutrina brasileira, ainda que implicitamente.

Em críticas feitas a essa concepção, segundo Forsthoff, a Constituição se tornaria um “ovo jurídico
originário” (Forsthoff), origem de todas as normas, desde o Código Penal às regras de fabricação de
termômetros. Para Böckenförde, por sua vez, essa posição poderia conduzir a um “totalitarismo consti-
tucional”, uma vez que não sobra espaço para atuação do legislador.

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2.3. Constituição-moldura (ordem-quadro)
Nesta visão, bastante parecida com a do Kelsen em relação à norma jurídica, a Constituição fun-
cionaria como uma forma de moldura, dentro da qual o legislador poderia atuar, preenchendo-a con-
forme a oportunidade política. Nesta visão a liberdade de conformação do legislador é muito mais ampla
que na visão anterior.
Esta teoria é adotada sobretudo na Alemanha, como alternativa à teoria dos princípios, do Robert
Alexy. É uma visão um pouco mais branda do papel da Constituição dentro do ordenamento jurídico.
2.4. Constituição dúctil (Constituição suave27)
Esta visão possui como pressupostos as características que as sociedades atuais possuem. São
sociedades pluralistas, dotadas de certo grau de relativismo e marcadas pela diversidade de interesses
e ideologias, que conduzirão à aplicação constitucional. Essa visão é marcada pela necessidade de a
Constituição refletir os interesses sociais, com suas características de pluralismo e diversidade.
O papel da constituição seria de assegurar as condições possíveis para a vida em comum, seme-
lhante aos materiais de construção em uma obra, como se fosse apenas uma plataforma de partida para
a construção de um edifício completo, que se faria por meio do uso dos materiais fornecidos pela Cons-
tituição, sendo que a mistura dos materiais é feita pelos poderes públicos.
É uma concepção mais branda, de uma Constituição que se conforma aos nuances sociais.

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

1. Métodos específicos de interpretação da constituição


Estes métodos foram reunidos por Ernst Böckenförde e citados na obra de J. J. Gomes Canotilho,
que possui grande influência sobre a doutrina brasileira, embora sejam pouco vistos na prática dos Tri-
bunais.
São cinco os métodos específicos de interpretação da constituição, cada um mencionado em uma
obra distinta.
Os autores que propõem estes métodos apontam algumas especificidades próprias do Direito
Constitucional, e que, portanto, exigiriam métodos específicos para a interpretação da Constituição.
A primeira das dificuldades está na tipologia das normas constitucionais (sobretudo na parte dos
direitos fundamentais), considerada de complexidade inerente à aplicação dos princípios.
Um segundo aspecto que também dificulta a interpretação constitucional é o objeto e a eficácia
da Constituição: o conteúdo da Constituição é o mais diversificado que existe, pois todos os ramos do

27 Por Gustavo Zagrebelsky (“costituzione mite”).


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direito têm nela as suas normas regentes. E, além dos diferentes objetos, as normas constitucionais têm
diferentes eficácias (eficácia plena, contida, limitada, etc.).
Uma terceira dificuldade é a superioridade hierárquica da Constituição: acima da Constituição
não há nenhuma norma jurídica. Assim, a interpretação da Constituição não pode ser feita à luz de
normas superiores.
Constituições democráticas e pluralistas resultam de um compromisso entre várias correntes ide-
ológicas distintas (origem compromissória). Assim, os mais diversos interesses estão presentes no mo-
mento da elaboração de uma Constituição democrática. A consagração de valores conflitantes entre si,
também dificulta a interpretação.
Por fim, a alta carga moral e política das normas constitucionais (em especial as de direitos fun-
damentais) reclama a adoção de métodos próprios. Tais aspectos tendem a ser muito influentes na in-
terpretação da Constituição, pois quanto maior a carga moral e política do dispositivo, maior esta pro-
pensão, sobretudo, em se tratando de dispositivos redigidos em termos vagos e imprecisos.
1.1. Método hermenêutico-clássico ou jurídico (Ernst Forsthoff)
Ernst Forsthoff é o principal expoente do método hermenêutico-clássico (ou jurídico). Para o au-
tor, a constituição é uma lei como as demais, razão pela qual deve ser interpretada pelos mesmos mé-
todos tradicionais utilizados na interpretação das leis.
Ou seja, não haveria uma diferença tão substancial entre constituição e lei para que ela depen-
desse de métodos de interpretação específicos. Ele parte da chamada tese de identidade (identidade
entre lei e constituição, ainda que a constituição tenha peculiaridades).
O método é denominado de hermenêutico-clássico porque utiliza os elementos clássicos de inter-
pretação, desenvolvidos por Savigny: gramatical, histórico, lógico e sistemático.
Há uma crítica importante à tese de Forsthoff: os elementos desenvolvidos por Savigny para o
direito privado são insuficientes para dar conta das complexidades envolvendo a interpretação consti-
tucional. Ninguém nega a importância deles, que ainda são os principais elementos de interpretação até
hoje. O que se questiona é a suficiência para interpretar a constituição e determinados temas. Ex.: ques-
tão da anencefalia, união homoafetiva, células-tronco etc.
1.2. Método científico-espiritual (Rudolf Smend)
O método científico-espiritual é defendido por Rudolf Smend. Também chamado de método va-
lorativo, porque ele busca os valores subjacentes à constituição (o “espírito” da constituição, valores que
estão por trás das normas constitucionais), importantes para auxiliar na interpretação dela. Foi o tipo
de interpretação da qual o STF se utilizou quando decidiu a questão da união homoafetiva.
O preâmbulo da constituição é um importante reduto axiológico. Lá há os valores supremos da
sociedade brasileira.

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Outro nome que se dá ao método é “integrativo”. Por ser a constituição o principal elemento de
integração comunitária, o intérprete deve buscar soluções que favoreçam a sua unidade. Isso lembra
muito o método sistemático (as normas não devem ser interpretadas isoladamente, mas como um todo).
Por fim, o método é também conhecido como sociológico. Isso porque ele leva em consideração
fatores extraconstitucionais, como a realidade social. Canotilho diz que esse método tem mais uma fei-
ção política que jurídica: à medida que o contexto social muda, a interpretação também será alterada.
Novelino discorda dessa crítica, afirmando que não há como interpretar a constituição desconsiderando
a realidade.
1.3. Método tópico-problemático (Theoddor Viehweg)
O método tópico-problemático foi desenvolvido por Theoddor Viehweg. Tópico porque ele se ba-
seia em determinados “topos” (ou “topoi”), que é uma forma de raciocínio, de argumentação, um es-
quema de pensamento. Ex.: o Supremo diz que normas excepcionais devem ser interpretadas restriti-
vamente. Esta é uma forma de raciocínio, de interpretação.
Os topos são extraídos da jurisprudência, da doutrina ou do senso comum. Ex.: quem lida com a
coisa pública deve ser como a mulher de César: não deve ser honesta apenas, deve também parecer
honesta. Esse é um topos do senso comum, muito usado para quem se refere aos administradores.
Trata-se de um método de argumentação em torno de um problema a ser resolvido. As pessoas
vão se reunir em torno desse problema e sugerir soluções. Aquele que for mais convincente nas argu-
mentações vai prevalecer.
A principal utilidade deste método é (i) complementação de lacunas, como ponto de apoio o con-
senso e (ii) a comprovação de resultados obtidos por outros métodos.
Uma das maiores críticas a esse método é que a solução deve partir da norma para o problema e
não o inverso. Ou seja, esse método pensa na solução mais justa e depois busca as normas do ordena-
mento que deem respaldo para essa fundamentação. Isso é muito criticável, pois pode levar a um casu-
ísmo. Mas, na prática, é o que muitos juízes fazem quando estão diante de um caso difícil.
1.4. Método hermenêutico-concretizador (Konrad Hesse)
O método hermenêutico-concretizador é defendido por Konrad Hesse. O autor foi o idealizador
do catálogo de princípios instrumentais, que serão estudados adiante (ex.: princípio da força norma-
tiva).
O método parte da ideia de que interpretação e aplicação constituem um processo unitário. Se-
gundo ele, só é possível falar em interpretação se for para aplicar a norma ao caso concreto. Não há
como interpretar um dispositivo de forma abstrata.
No método de Konrad Hesse, há três elementos básicos: i) norma a ser concretizada; ii) problema
a ser resolvido (só há interpretação se houver caso concreto a ser resolvido); e iii) compreensão prévia
do intérprete (não é qualquer pessoa que interpreta a constituição, o intérprete deve ter um conheci-
mento prévio, não é leigo).
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A principal diferença entre o método hermenêutico-concretizador e o tópico-problemático, é que
no primeiro há uma primazia da norma sobre o problema a ser resolvido. Ou seja, parte-se da norma
para solucionar o problema (a norma não é apenas mais um topos, um argumento).
1.5. Método normativo-estruturante (Friedrich Müller)
Defendido por Friedrich Müller, o método normativo-estruturante é bem semelhante ao anterior,
pois também é um método concretista. A concretização da norma constitucional é estruturada por Mül-
ler através de vários elementos, que são etapas nesta concretização.
Müller estabelece uma estrutura de concretização da norma que deve ser utilizada pelo intérprete,
feita através de vários elementos de concretização. Por exemplo:
i) Elementos metodológicos: são os elementos tradicionais de interpretação (de Savigny) e
os princípios instrumentais (princípio da unidade, da força normativa, da concordância
prática etc.)
ii) Elementos dogmáticos: doutrina e jurisprudência (usa-se o entendimento de determinado
autor ou de determinados precedentes).
iii) Elementos teóricos: são fornecidos pela teoria da constituição, de conhecimento indispen-
sável para o intérprete. Um leigo não conseguirá interpretar a Constituição, sem conheci-
mento prévio da teoria constitucional;
iv) Elementos de política constitucional: Ex.: reserva do possível (se refere à efetivação dos
direitos sociais).
Críticas: neste método, há uma hierarquia entre os elementos estruturantes. Segundo Müller, os
elementos com relação direta com a norma prevalecem sobre os outros elementos – o que é considerado
um ponto falho.
Obs.: Qual a diferença de programa normativo para domínio normativo? O programa normativo
tanto compreende o texto da norma, como a norma propriamente dita. O domínio normativo compre-
ende a realidade social que está sendo tratada no texto, na norma.
Obs.: Qual a diferença de texto para norma? O texto apenas limita e dirige a interpretação, o texto
nada mais é que a exteriorização da norma jurídica, a norma jurídica se apresenta através de seu texto.
Então, a função do texto é impor limites a interpretação e direcioná-la. Dessa interpretação, resultará a
norma.

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2. Os sujeitos da interpretação constitucional (“Método concretista


da Constituição aberta – sociedade aberta de intérpretes - Peter
Häberl”)
O método concretista da Constituição aberta foi proposto por um autor alemão chamado Peter
Häberle, em livro traduzido para o português por Gilmar Mendes (“A sociedade aberta de intérpretes”).
A ideia principal é a seguinte: classicamente, sempre se considerou que a interpretação constitu-
cional estava circunscrita a determinadas autoridades. Segundo a teoria, entretanto, deve haver uma
abertura da interpretação constitucional, que não deve ficar restrita a um número restrito de intérpre-
tes.
Assim, todo aquele que vive uma Constituição deve ser considerado como um legítimo intérprete
dela. O autor propõe um alargamento do círculo de intérpretes da Constituição, para que a democracia
esteja presente não apenas no momento prévio, de elaboração, mas também no da aplicação da Lei
Maior.
Se a constituição se dirige a toda a sociedade, o indivíduo a ela submetido, para cumpri-la, tem de
interpretá-la. O autor não nega que o intérprete definitivo (que tem a palavra final) é a Corte Constitu-
cional. Mas quem vive a constituição é um pré-interprete.
As figuras do amicus curiae (mais conhecida após a Lei 9.868/1999) e as audiências públi-
cas (como as realizadas nos casos do aborto, do uso de células-tronco embrionárias e no caso do Mais

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Médicos), previstas na legislação brasileira, foram fortemente influenciadas pelo método concretista da
Constituição aberta, tornando mais democrática e conferindo maior legitimidade social às decisões do
Supremo Tribunal Federal.
Críticas: o alargamento excessivo do círculo de intérpretes pode levar a interpretações diver-
gentes, que quebram a unidade da Constituição e enfraquecem a força normativa da Constituição. To-
davia, a força normativa da Constituição não se enfraquece após a última palavra dada pelo ST, que
pacifica a interpretação, embora a questão possa ser rediscutida com a reação do Legislador (com exce-
ção da decisão sobre cláusula pétrea). Paulo Bonavides entende que este método traz alguns requisitos
para o seu bom funcionamento, tais como (i) sólido consenso democrático, (ii) instituições fortes e
(iii) cultura política desenvolvida, fatores não encontrados em sociedades em desenvolvimento.
3. Princípios instrumentais
3.1. Noções introdutórias
3.1.1. Humberto Ávila e os postulados normativos interpretativos
Os princípios instrumentais são também chamados de “hermenêuticos”, “interpretativos” ou, se-
gundo Humberto Ávila, de “postulados normativos interpretativos”.
Segundo Humberto Ávila, postulados normativos interpretativos são metanormas que estabele-
cem um dever de segundo grau consistente em estabelecer a estrutura de aplicação e os modos de raci-
ocínio e argumentação em relação a outras normas.
Normas de 1º grau seriam os princípios e as regras (art. 121, CP, princípio da isonomia). Postulado
normativo seria uma metanorma usada para interpretar a regra. Estabelece-se uma forma de raciocínio,
de interpretação de uma norma a ser usada no caso concreto. Ex.: o princípio da proporcionalidade
seria, nesse sentido, um postulado normativo, não um princípio no sentido clássico.
3.1.2. normas, regras e princípios: definições28

3.1.2.1. norma
Norma é o gênero, do qual são espécies os princípios e as regras.
3.1.2.2. regra

Regras são mandamentos de definição. Ou seja, são normas que devem ser cumpridas na
medida exata de suas prescrições. A regra possui um mandamento de caráter definitivo. Ex.: regra que
determina a aposentadoria compulsória aos 70 anos, estabilidade do servidor após 3 anos de efetivo
exercício etc.

28
Serão aqui estudadas as definições que serão trabalhadas ao longo do curso, valendo ressaltar que há
diversas outras na doutrina.

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Isso não significa que a regra deve ser interpretada literalmente. Todavia, uma vez interpretada,
não há ponderação: ou ela é aplicada ou não é. Segundo Dworkin, as regras obedecem à moda do tudo
ou nada. Não tem mais nem menos. Por isso o mandamento de definição.
Em geral, as regras são aplicadas através de subsunção (premissa maior, premissa menor e con-
clusão: se A, então B). Alguns autores minoritários admitem a ponderação de regras.
3.1.2.3. princípios
Segundo Robert Alexy (em “Direitos Fundamentais”) princípios são mandamentos de otimi-
zação. Ou seja, são normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo
com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes.
Essa medida possível, todavia, poderá ser limitada pelas circunstâncias fáticas (do caso concreto)
ou jurídicas (das outras normas envolvidas). Os princípios obedecem à lógica do mais ou menos. São
aplicados, segundo essa teoria, através da ponderação ou sopesamento.
Exemplos:
i) o direito fundamental à liberdade da manifestação de pensamento (art. 5º, IV, da CR) engloba
o direito de injuriar, difamar, caluniar, manifestar-se de forma racista, num mandamento prima facie,
não definitivo. Para saber se esses direitos estão definitivamente incluídos na liberdade, devem-se ana-
lisar as circunstâncias fáticas e jurídicas, como a criminalização da calúnia, por exemplo. Em razão
dessa norma jurídica, aquelas atitudes não estão incluídas no direito à liberdade de manifestação do
pensamento.
ii) a publicação de livros negando o holocaustro está dentro da manifestação do pensamento,
prima facie. Nesse caso, o STF, aplicando a ponderação das circunstâncias fáticas e jurídicas, entendeu
que o princípio da dignidade do povo judeu impedia as publicações daquela natureza (isso no Brasil,
pois nos EUA a liberdade possui um peso maior).
iii) mostrar as nádegas é ato obsceno? Está incluído na conduta de ato obsceno, mas o STF, ana-
lisando o contexto em que o ato aconteceu (uma peça teatral que envolvia atos sexuais, com pessoas
maiores, às 2h da manhã), entendeu que não configuraria crime.
Nos tópicos a seguir, serão analisados os princípios instrumentais de interpretação da constitui-
ção (catálogo elaborado por Konrad Hesse).
3.2. Princípio da unidade da constituição
Talvez o mais importante, o princípio da unidade da constituição significa que a constituição deve
ser interpretada de forma a se evitar antagonismos e contradições entre suas normas.
Assim, impõe-se ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições existentes entre
as normas da Constituição.
Uma Constituição democrática, feita em uma sociedade plural, consagra uma série de valores
muitas vezes conflitantes. Cabe ao intérprete harmonizar a tensão entre os dispositivos constitucionais,
de forma a não excluir nenhuma das normas constitucionais.

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Este princípio é uma especificação da interpretação sistemática: segundo o elemento sistemático
(Savigny), os dispositivos de uma lei ou Constituição fazem parte de um sistema. Assim, devem ser
interpretados em conjunto com os demais dispositivos daquele mesmo sistema.
Exemplos de utilização do princípio no Brasil:
i) propriedade e função social da propriedade;
ii) ADI 4097/DF: o Partido Social Cristão ajuizou a ação questionando a constitucionalidade da
norma que prevê a inelegibilidade dos analfabetos (art. 14, § 4º, da CR29). Ocorre que o dispositivo é
norma originária da CR, não tendo sido inserido por emenda. O Partido alegou que ela violava princí-
pios superiores da CR (isonomia, não discriminação e do sufrágio universal).
A tese utilizada da ADI é de Otto Bachof, que em 1950, na Alemanha, criou a teoria das normas
constitucionais inconstitucionais, utilizada para indenizar uma judia que teve seus bens confiscados em
virtude de norma constitucional permissiva. O Tribunal Constitucional Alemão entendeu que a norma
violava princípios superiores de justiça, direitos suprapositivos.
O STF considerou que o pedido do PSC era juridicamente impossível, em virtude da inexistência
de hierarquia entre normas de uma Constituição, na medida em que todas foram feitas pelo mesmo
poder constituinte originário.
O princípio da unidade é o que afasta a tese de hierarquia entre normas da constituição. Interpre-
tou-se o art. 14 como uma exceção à regra geral.
3.3. Princípio do efeito integrador
Segundo o princípio do efeito integrador, nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais,
deve ser dada primazia às soluções que favoreçam a integração política e social, produzindo um efeito
conservador da unidade.
Marcelo Novelino não vê diferença entre o princípio do efeito integrador e o da unidade da cons-
tituição. O STF nunca decidiu um caso concreto utilizando-o como parâmetro. Ambos traduzem a ideia
de interpretação sistemática de Savigny, de forma mais trabalhada.
O efeito integrador parte da premissa de que a constituição é o principal elemento de integração
da comunidade, de modo que se deve optar por interpretações que favoreçam tal integração.
3.4. Princípio da concordância prática ou da harmonização
Segundo o princípio da concordância prática ou da harmonização, nos casos de colisão, cabe ao
intérprete coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, fazendo uma redução proporcional do
âmbito de aplicação de cada um deles.
Os três princípios até aqui estudados têm pontos em comum, mas cabe uma distinção. O princípio
da unidade da constituição deve ser utilizado quando houver um conflito normativo em abstrato. Como

29
Art. 14 (...) § 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

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visto, há regra e exceção (exemplo do art. 14, § 4º como exceção aos princípios da isonomia, da não
discriminação e do sufrágio universal).
Já o princípio da concordância prática é utilizado para solucionar conflitos no caso concreto (a
“colisão” entre princípios). Há dois princípios que abstratamente tratam de direitos completamente
distintos, mas que na prática se chocam, do que decorre a redução proporcional de ambos.
É bastante emblemático o conflito entre a liberdade de informação e o direito à privacidade. Abs-
tratamente, os princípios não são hierarquizados, mas devem ser analisadas as possibilidades fáticas e
jurídicas existentes para se saber qual deles prevalecerá no caso concreto.
Exemplos:
i) eventualmente, determinada matéria acerca da vida privada de uma pessoa em uma revista de
“fofoca” pode ser proibida. Contudo, em se tratando da divulgação de matéria de suposto caso de cor-
rupção, o direito à informação poderá prevalecer. O rosto “borrado” que aparece em determinadas re-
portagens é um modo de harmonizar a liberdade de informação com o direito à privacidade.
ii) a Princesa Carolina de Mônaco quis proibir a divulgação de suas fotos. A Corte Europeia en-
tendeu que, sendo ela uma pessoa pública, se estivesse em local público não poderia ter uma expectativa
de privacidade. Em determinados locais onde haja tal expectativa, a proteção poderia ocorrer. Foi uma
tentativa de harmonização.
iii) Guilherme de Pádua conseguiu barrar a exibição de um programa “Linha Direta” (Globo) so-
bre seu caso, com base no direito à privacidade e no princípio da ressocialização do preso.
3.5. Princípio da convivência das liberdades públicas (ou princípio
da relatividade)
Segundo o princípio da convivência das liberdades públicas (ou princípio da relatividade), não
existem princípios (ou direitos, em algumas definições) absolutos, pois todos encontram limites em
outros direitos também consagrados na Constituição.
Para que as liberdades possam conviver entre si, elas devem ser limitadas. Ou seja, para que as
pessoas tenham liberdade, as liberdades têm de ser restringidas.
Usar a palavra “direito” pode, em alguns casos, gerar equívocos. Deve-se diferenciar o princípio
da regra. Há regras que comportam mandamentos inafastáveis (proibição de tortura, de trabalho es-
cravo, de extradição de brasileiro nato etc.). Nesses casos, o direito expresso na regra é absoluto.
Alguns autores entendem que a dignidade da pessoa humana seria um valor, direito ou princípio
absoluto. Todavia, deve-se tomar o cuidado com o sentido que se dá à palavra: numa acepção ampla, à
dignidade aplica-se o princípio da convivência das liberdades públicas. Caso contrário, como ficaria a
questão do conflito entre as dignidades de duas pessoas? A hipótese surgiu no julgamento da proibição
do aborto no caso de feto anencéfalo, em que estavam em jogo as dignidades da mãe e do feto.
3.6. Princípio da força normativa

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Segundo o princípio da força normativa, na aplicação da constituição deve ser dada pre-
ferência às soluções concretizadoras de suas normas que as tornem mais eficazes e per-
manentes.
Concretizar é aplicar a norma ao caso concreto. A fazê-lo, deve o intérprete optar pelas soluções
que favoreçam a permanência da eficácia dessa norma. O princípio da força normativa baseia-se na
ideia da “força normativa da constituição” e é muito utilizado pelo Ministro Gilmar Mendes, que foi o
tradutor do livro de Konrad Hesse.
O STF tem utilizado esse princípio para afastar as interpretações divergentes da Constituição,
segundo o seguinte raciocínio: se é o guardião da CR, cabe a ele dar a última palavra sobre como ela
deve ser interpretada (o STF é o interprete definitivo da CR). A manutenção de interpretações diver-
gentes enfraquece a força normativa da CR. Uma norma interpretada de maneiras diferentes perde a
sua eficácia, pois ninguém saberá ao certo como se comportar diante dela.
A principal aplicação deste princípio pelo STF tem sido para afastar interpretações divergentes da
Constituição – as quais enfraquecem a sua força normativa. Mesmo que a interpretação divergente pro-
ferida por Juiz ou Tribunal esteja em uma decisão judicial transitada em julgado, se o prazo da ação
rescisória não se esgotou, aquela decisão pode ser desconstituída – admitindo-se, portanto, a relativi-
zação da coisa julgada, para assegurar a força normativa da Constituição.
A Súmula nº 343/STF (“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a
decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”) não
se encontra superado, já que o STF faz o distinguishing (distinção), aplicando a Súmula nos casos em
que haja divergência sobre a interpretação de lei. Neste sentido: AI nº 555.805-AgR/MG30.
Recentemente, o STF fixou tese a respeito da possibilidade de uso da ação rescisória, diferenci-
ando a hipótese em que o juiz profere decisão sem que antes exista jurisprudência do Supremo daquela
em que decida de forma contrária à jurisprudência do Tribunal. Nessas situações, cabe ação rescisória.
Contudo, não cabe ação rescisória quando o Juiz decide com base no entendimento do STF à
época, que depois venha a ser alterado. Isso porque, nestes casos, haveria uma colisão entre os princí-
pios da segurança jurídica e da justiça/força normativa da Constituição, preponderando o princípio da
segurança jurídica.
Sobre isso, no RE nº 590.809/RS (repercussão geral) o STF fixou a tese de que “Não cabe ação
rescisória quando o julgamento estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do
Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do
precedente”.

30 STF - AI 555.806 AgR/MG: “[...] 2. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena
de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.”.
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Outro entendimento adotado pelo STF no final de 201831 foi no sentido de que, havendo diver-
gência de entendimento entre duas turmas do próprio STF, tendo sido o entendimento de uma das
turmas revisto posteriormente, as ações transitadas em julgado com base no entendimento superado
não podem ser modificadas por ação rescisória.
O Novo CPC traz dois dispositivos em relação ao tema: art. 525, §§ 12 e 15; art. 535, § 8º.
CPC/2015, art. 525, § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1o deste artigo, considera-se
também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação
da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição
Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
CPC/2015, art. 525, § 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da
decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

3.7. Princípio da máxima efetividade


O princípio da máxima efetividade é muito parecido com o da força normativa da constituição..
Para os autores que os diferenciam, enquanto este se aplica a todos os dispositivos da CR, sem exceção,
aquele é dirigido especificamente aos direitos fundamentais .
Parte da doutrina identifica o princípio da máxima efetividade com o art. 5º, § 1º:
Art. 5º (...) § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação ime-
diata.
Segundo Ingo Sarlet32, os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de forma a
que lhes seja assegurada a maior efetividade possível.
3.7.1. Validade x eficácia (positiva/negativa) x efetividade
I. A validade de uma norma é a relação de conformidade entre uma norma inferior e uma
norma superior. A norma inferior, para ser válida, deve ser produzida de acordo com as
formalidades previstas na norma superior. Além disso, deve ser observado o conteúdo da
norma superior.
II. Já a eficácia significa a aptidão da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios.
Não significa que esteja produzindo seus efeitos, mas que esteja apta a isso.
a) Eficácia negativa: a aptidão da norma para obstaculizar ou invalidar outras normas
que lhes sejam contrárias. Toda norma constitucional a possui.

31 STF - AR 2.422/DF: “ [...] uma alteração posterior de jurisprudência pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) não legitima o pedido rescisório, notadamente em razão de, à época de sua prolação, a interpretação sobre
o tema ser controvertida no próprio Tribunal.”.

32
in “A Efetividade dos Direitos Fundamentais”.

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b) Eficácia positiva: aptidão da norma para ser aplicada aos casos por ela previstos. Al-
gumas normas constitucionais dependem de lei regulamentadora para possuir eficácia
positiva.
III. Por fim, a efetividade significa o cumprimento da finalidade, da função social para a qual
a norma foi criada, sendo capaz de modificar a realidade (“lei que pegou”).
Com exceção das normas de eficácia exaurida (como as normas transitórias da ADCT), todas as
normas constitucionais possuem eficácia, ou seja, aptidão para produzir efeitos próprios. Mas nem to-
das, entretanto, possuem efetividade, já que não conseguem se concretizar e cumprir sua função social.
Exemplo de norma apta, mas inefetiva: direitos à integridade dos presos no Brasil.
3.8. Princípio da conformidade funcional (princípio da justeza)
O princípio da conformidade funcional, também conhecido como princípio da justeza, tem por
finalidade não permitir que os órgãos encarregados da interpretação da Constituição cheguem a um
resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pela Constituição.
É mais uma regra de competência que propriamente um princípio interpretativo. Significa que o
poder encarregado de interpretar a CR deve agir conforme a função que lhe foi atribuída pela própria
CR, não devendo usurpar funções de outros poderes. O principal destinatário deste princípio é o tribu-
nal constitucional, que é o guardião da Constituição.
Exemplo de aplicação prática desse princípio: no HC 82.959/SP, o STF, modificando seu enten-
dimento anterior, definiu que a vedação da progressão de regime da Lei de Crimes Hediondos é incons-
titucional. Tradicionalmente, a decisão em HC tem efeitos inter partes. Para a extensão da decisão a
todos, o mecanismo consagrado na CR está previsto no art. 52, X (competência atribuída ao Senado
Federal que, através de Resolução, pode suspender a lei, conferindo à decisão do STF um efeito erga
omnes33). Essa competência do Senado é aplicada, obviamente, em decisão proferida com efeitos inter
partes. No caso da Lei de Crimes Hediondos, seria necessária a edição de Resolução. Um juiz no Acre
entendeu que a decisão do STF não seria para ele vinculante. A DP do Acre, diante dessa postura, ajui-
zou Reclamação no STF, baseada em vários doutrinadores e tribunais, entendendo que essa decisão do
STF tinha efeitos erga omnes. Foi o entendimento que restou implícito nos votos de alguns dos Minis-
tros. O Relator da Reclamação (nº 4335/AC) foi Gilmar Mendes, que a julgou procedente.
Surgiu o problema: como fica o papel do Senado e a sua Resolução? Gilmar Mendes entendeu que
a Resolução teria sofrido uma mutação constitucional: o papel dela seria simplesmente de dar publici-
dade à decisão do STF, e não mais de suspender a execução da norma. Eros Grau acompanhou Gilmar
Mendes. Quando a questão parecia caminhar nesse sentido, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence,
em seus votos, entenderam que o efeito dado foi inter partes.

33
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X - suspender a execução, no todo ou em parte,
de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

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Em relação a essa tese da mutação do papel do Senado, não se pode dizer que a maioria dos Mi-
nistros do STF concordou com esse entendimento. Caso prevalecesse referido entendimento, para al-
guns, o STF estaria usurpando uma competência do Senado Federal, em violação ao princípio da con-
formidade funcional.34
3.9. Princípio da proporcionalidade
3.9.1. Noções introdutórias
Acerca da natureza jurídica da proporcionalidade, há duas posições. Para uma primeira corrente,
defendida por Robert Alexy e, no Brasil, por Virgílio Afonso da Silva, trata-se de uma regra (“regra da
proporcionalidade”). Para uma segunda posição, defendida por Humberto Ávila, trata-se de princípio.
De acordo com Guilherme Madeira, a doutrina brasileira faz uma “salada”. Mistura a nomencla-
tura de Humberto Ávila com o conteúdo de Alexy. Lembre que, na visão de Alexy, princípio é um man-
dado de otimização.
De acordo com o texto “O proporcional e o razoável”, de Virgílio, a proporcionalidade surge na
Alemanha, em 1948, no “Caso das Farmácias”. No Brasil, ela veio com uma concepção equivocada, no
sentido de que seria uma forma de restringir direitos fundamentais.
Na verdade, a proporcionalidade é conhecida como “principio da restrição das restrições”. Per-
mite ver em que medida uma intervenção estatal seria válida.
3.9.2. Proporcionalidade e razoabilidade
O princípio da proporcionalidade é também um princípio funcional (de interpretação da consti-
tuição), mas não faz parte do catálogo de Konrad Hesse.
Quanto à diferença entre proporcionalidade e razoabilidade, há dois posicionamentos:
1ª corrente (amplamente majoritária na doutrina, STF e STJ): proporcionalidade é sinô-
nimo de razoabilidade.
2ª corrente (Marcelo Novelino e outros autores): há diferença entre proporcionalidade e
razoabilidade35.

34 STF - ADIs 3.406 e 3.470: “A partir da manifestação do ministro Gilmar Mendes, o Colegiado entendeu
ser necessário, a fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, equalizar a decisão que se toma tanto em sede
de controle abstrato quanto em sede de controle incidental. O ministro Gilmar Mendes observou que o art. 535
do Código de Processo Civil reforça esse entendimento. Asseverou se estar fazendo uma releitura do disposto no
art. 52, X, da CF, no sentido de que a Corte comunica ao Senado a decisão de declaração de inconstitucionalidade,
para que ele faça a publicação, intensifique a publicidade. O ministro Celso de Mello considerou se estar diante de
verdadeira mutação constitucional que expande os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional” (Infor-
mativo 886).

35
A esse respeito, ver artigos no site www.injur.com.br, disponibilizados por Marcelo Novelino, um de Hum-
berto Ávila e outro de Virgílio Afonso da Silva (“O proporcional e o razoável”).

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Para a parcela da doutrina que faz a distinção, o princípio da proporcionalidade é o que será tra-
tado adiante.
3.9.3. Proporcionalidade na CR/88
Prevalece que a proporcionalidade é princípio implícito na CR. Todavia, quanto às normas da qual
ele é extraído, há 3 posições:
1ª corrente (prevalece, inclusive no STF): a proporcionalidade é extraída da cláusula do
devido processo legal, em seu caráter substantivo (art. 5o, LIV, CR). É a doutrina norte-ameri-
cana36:
Art. 5º (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
2ª corrente (doutrina e jurisprudência alemãs): a proporcionalidade é princípio deduzido
do princípio de Estado de Direito. Trata-se do entendimento de Gilmar Mendes.
3ª corrente (Robert Alexy): o princípio da proporcionalidade seria deduzido da própria
estrutura dos direitos fundamentais. Ou seja, seria uma decorrência lógica daquela estrutura. A
ideia é a seguinte: como muitos direitos fundamentais se manifestam através de princípios, é
dessa estrutura principiológica que a proporcionalidade seria extraída.
Como visto, com base na teoria de Alexy, proporcionalidade é regra e não princípio. Os critérios
da proporcionalidade não são ponderados com outro princípio, mas utilizados para a aplicação de ou-
tros princípios.
No Brasil, os manuais tradicionais tratam de princípio como norma mais importante que as outras
(legalidade, anterioridade e proporcionalidade). Para Alexy, esses três “princípios” são regras, em vista
da ausência de ponderabilidade.
3.9.4. Sub-regras da proporcionalidade
A proporcionalidade foi criada pela Suprema Corte Alemã, que a desdobrou em três sub-regras.
Segundo esse entendimento, para que a proporcionalidade seja atendida, têm de ser satisfeitos três cri-
térios, na ordem em que elencados abaixo (“teoria dos degraus” ou “teste de proporcionalidade”):
3.9.4.1. adequação
A adequação consiste na relação entre meio e fim. Para que o ato seja adequado, o meio utilizado
deve ser apto para alcançar ou promover o fim almejado. Ou seja, uma medida é adequada se ela é capaz
de estimular a obtenção do resultado pretendido.
Virgílio Afonso da Silva fala em “promover”, “fomentar”. Segundo o autor, a tradução de Gilmar
Mendes foi equivocada. Se a medida não for apta para alcançar ou promover o fim adequado, não será
proporcional.
3.9.4.2. necessidade

36
A posição já foi cobrada muitas vezes em prova da ESAF.

58

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Uma vez que se considere adequado o ato, deve-se analisar se ele é necessário. Trata-se do prin-
cípio da exigibilidade ou da menor ingerência possível: diante de medidas igualmente eficazes para al-
cançar o fim almejado, deve-se optar por aquela menos gravosa possível, causando a menor restrição a
um direito fundamental. Deve-se atentar para o fato de que os meios têm de ser igualmente eficazes.
3.9.4.3. proporcionalidade em sentido estrito

Atendida a necessidade, analisa-se se o ato atende à proporcionalidade em sentido estrito, con-


sistente no sopesamento (ponderação) entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido
e a importância da realização do direito fundamental a ser promovido.
3.9.5. Exemplos de aplicação do “teste de proporcionalidade”
i) (hipotético) lei federal que obrigasse todas as pessoas a fazerem o teste do HIV e determinasse
o isolamento das soropositivas do convívio com o restante da população:
Adequação: o fim almejado é evitar a contaminação das demais, de modo que o meio é apto a
promovê-lo. Necessidade: há outra medida tão eficaz como essa? Não dá pra imaginar outra com a
mesma eficácia (para continuar no exemplo, imaginaremos que não existe). Ponderação: do lado dos
direitos restringidos, estão a liberdade das pessoas contaminadas e a dignidade da pessoa humana; do
lado do direito promovido, está, de forma ampla, a saúde pública. Em uma ponderação, não seria razo-
ável que o direito à saúde causasse uma restrição tão grande à liberdade de todas as pessoas (obrigadas
à realização do exame) e à dignidade das soropositivas (que teriam sua liberdade restringida).
ii) a mesma solução já não ocorreria se se tratasse de quarentena em gripe suína, pois a contami-
nação ocorre pelo ar, seria evitada uma contaminação geral e a doença é curável.
iii) (exemplo concreto, julgado pelo STF) foi editada uma lei no Paraná determinando a obrigação
do vendedor de gás de pesar cada botijão de gás vendido e devolvido, descontando-se o gás não utilizado
do preço total, que sempre resta no botijão.
O meio é adequado, pois está protegendo o consumidor. A medida é a mais eficaz, pois a pesagem
feita por amostragem geral não promove tão bem o fim adequado. Quanto à proporcionalidade em sen-
tido estrito, estavam em jogo os princípios da livre iniciativa e da proteção do consumidor.
Nessa análise, o STF teve de levar em consideração certos aspectos fáticos: custo de uma balança
de alta precisão, que seria repassado ao consumidor final, fácil desregulação da balança e dificuldade
de venda às populações carentes, já que os botijões teriam de ser adquiridos nos postos de vendas. O
Supremo concluiu que a lei traria mais custos do que benefícios ao consumidor, de modo que feriria o
princípio da proporcionalidade37.

37
Obs.: ao julgar, o STF não fez expressamente o “teste de proporcionalidade”, apesar de citar os critérios
no julgado.

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3.9.6. Diferença entre “proibição de excesso” e “proibição de insuficiên-
cia”
A proibição de excesso tem por finalidade evitar cargas coativas excessivas (coação exagerada) em
relação aos direitos fundamentais. O que ela busca é evitar uma medida excessivamente gravosa. Os
exemplos vistos no tópico anterior tratam do excesso da medida. Na proibição de insuficiência, por sua
vez, o objetivo não é evitar uma medida excessiva, mas uma que não seja suficiente e adequada à pro-
teção do direito fundamental.
Muitos autores usam a proibição de excesso como sinônimo de proporcionalidade. Todavia, se-
gundo a doutrina alemã, ela abrange também a proibição de insuficiência, na medida em que exige dos
órgãos estatais o dever de tutelar de forma adequada e suficiente os direitos fundamentais.
Ex.: o art. 5º, caput, da CR estabelece a inviolabilidade do direito à vida. Se o CP estabelecesse
uma pena de multa para o homicídio, a proteção não seria adequada e suficiente. Esse exemplo é ab-
surdo, mas há casos em que a questão é mais delicada, como na necessidade de criminalizar o aborto
desde a concepção (nos EUA, por exemplo, o aborto de feto de até três semanas não é criminalizado), o
aborto do feto anencéfalo ou a utilização de trabalho infantil (indaga-se se seria suficiente, por exemplo,
multar o agente administrativamente).
Assim, para que uma medida seja proporcional, ela não pode ser nem excessiva nem insuficiente,
não devendo ser usada a proporcionalidade simplesmente como proibição do excesso.

NORMAS CONSTITUCIONAIS

1. Espécies normativas
Inicialmente, ressalta-se que a doutrina clássica distinguia normas de princípios, pois estes não
eram vistos como uma espécie de norma jurídica (gênero). Eram apenas conselhos, não eram vinculan-
tes. Por outro lado, as normas eram vistas como comandos que, obrigatoriamente, deveriam ser segui-
dos.
Atualmente, em razão da distinção contemporânea feita por Ronald Dworkin e Robert Alexy, as
normas jurídicas (gênero) possuem duas espécies: princípios e regras.
A obra dos referidos autores foi fundamental para o reconhecimento de que todos os dispositivos
da Constituição possuem caráter normativo.
i) Valores: São os fins que a sociedade considera relevantes e que são consagrados no orde-
namento jurídico, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, que é um valor ori-
ginariamente moral, mas que foi trazido para o direito nos textos constitucionais contem-
porâneos, transformando-se em um valor jurídico.

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ii) Norma jurídica: São os comandos/mandamentos contidos nos textos constitucionais e le-
gais. Trata-se de comando obrigatório e vinculante.
iii) Princípios e regras: São espécies de normas jurídicas, que serão tratadas a seguir.

1.1. Princípios e regras


Existem várias distinções feitas na doutrina, cada uma delas utilizando critérios diferentes (Ex.:
Uma distinção que era utilizada na doutrina clássica é de que os princípios são dotados de um alto grau
de generalidade e abstração. Se a norma tiver um grau de generalidade e abstração baixo, ela será tra-
tada como regra). Este critério deu origem, por exemplo, aos termos “princípio da legalidade”, “princí-
pio da não retroatividade das leis”. Esses “princípios”, na distinção contemporânea proposta por Robert
Alexy, seriam regras.
1.1.1. Concepção Clássica (Celso Antônio Bandeira de Melo)
A mais conhecida definição no direito brasileiro, é a feita por Celso Antônio Bandeira de Mello,
uma definição mais tradicional e ainda cobrada em concursos públicos:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispo-
sição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de cri-
tério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano” (Celso Antônio Bandeira de
Mello) (DPC/GO 2013).

Obs.: Nota-se que na definição acima, o que identifica um princípio é o seu caráter fundante den-
tro do ordenamento jurídico, é o seu papel de norma basilar do sistema, tanto que, na visão do autor, a
violação a um princípio era muito mais grave do que a violação a uma regra, por se tratar de um alicerce
do sistema jurídico.
1.1.2. Classificação segundo Humberto Ávila
Em seu livro, Teoria dos Princípios, Humberto Ávila, diferencia normas de primeiro e segundo
grau, encaixando no primeiro grupo os princípios e regras e, no segundo, os postulados normativos
aplicativos. O critério da classificação empreendido por Ávila é a natureza do comportamento prescrito
pela norma.
i) Princípios “são normas que estabelecem fins a serem buscados” (Humberto Ávila);
Ex.: Art. 3º da CF – “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil...”
ii) Regras “são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributi-
vas de poder” (Humberto Ávila)
Ex.: Normas atributivas de competência, como o Art. 22 da CF (“Compete privativamente à União
legislar sobre...”) ou normas que prescrevem comportamentos, como a que se insere no Art. 5º, II da
CF (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”).
61

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1.1.3. Classificação segundo Hage e Peczenik
Tratam-se de autores que não são extremamente conhecidos no Brasil, mas de relevância na Eu-
ropa, sendo que o Professor entende sua classificação como interessante, assim, segundo ambos auto-
res:
i) Princípios “são normas que fornecem “razões contributivas” para a decisão (Hage;
Peczenik);
A definição proposta por Hage e Peczenik expressa o papel desempenhado pelos princípios e
regras na decisão: os princípios seriam normas que fornecem razões contributivas para a decisão. O
comando contido no princípio nem sempre irá, necessariamente, prevalecer.
Quando um juiz decide com base nos princípios, as razões neles contidas não são suficientes. Isso
porque é preciso que o julgador confronte o conteúdo do princípio com outros que apontam em sentido
oposto. Só assim é possível obter uma solução para o caso. A título de exemplo, a liberdade religiosa
assegurada pela Constituição não autoriza matar alguém em um culto religioso, nem sacrificar animais
com crueldade.
Ex.: É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Nem sempre toda e qual-
quer manifestação do pensamento é juridicamente admitida. Existem outros princípios que restringem
a manifestação do pensamento, como, por exemplo, o direito à privacidade. Assim, o dispositivo não
fornece uma razão definitiva para a decisão, porque o juiz não pode decidir só com base nele. O juiz
deve levar em consideração outros princípios, sendo possível afirmar que da ponderação feita é que
surgirá a regra do julgamento do caso concreto.

ii) Regras: são normas que fornecem razões definitivas para a decisão. Ou seja, após
interpretar um texto, se dele for extraído uma regra e não um princípio, a razão fornecida
pela regra tem que ser aplicada para decidir o caso concreto.
A CF dispõe no art. 14, §3º, que a idade mínima como condição de elegibilidade para presidente
da república é de 35 anos. Trata-se de uma regra. A razão fornecida por este dispositivo é uma razão
definitiva; ou a pessoa tem mais de 35 anos na data da posse e pode se candidatar à presidência da
república, ou ela tem menos de 35 anos na data da posse e não pode se candidatar. Então, não há que
se ponderar neste caso outras razões (Ex.: se o candidato tem experiência em cargos políticos).
1.1.4. Classificação segundo Ronald Dworkin
i) Princípios são normas que trazem em si uma “exigência de justiça, de equidade ou al-
guma outra dimensão de moralidade”.
Para Dworkin, os princípios são aquelas normas que consagram opções ou valores politico-morais
acolhidos por uma determinada comunidade dentro de um determinado momento histórico. São nor-
mas que atuam como instrumentos de limitação do Poder, constituindo-se nos grandes fundamentos

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do Direito vigente nesta comunidade. Segundo o autor, não existe uma diferença de estrutura entre os
princípios e as regras (como preconiza Alexy). Os princípios são os grandes fundamentos do Direito.
Obs.: Dworkin não admite ponderação de princípios. Para o autor, existe uma única resposta cor-
reta. Assim, se a resposta é dada pelo princípio, o princípio tem que ser aplicado, não ponderado frente
a outro.
ii) Regras: são normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Ou seja, se aconteceu a
hipótese prevista pela regra, ela deve ser aplicada, a não ser que seja uma regra inválida
ou que existe exceção prescrita.
Assim, para o autor a definição coincide com o pensamento de Robert Alexy, se por isso, será
estudado com minúcias abaixo.
1.1.5. Classificação segundo Robert Alexy
i) Princípios são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes” (Robert Alexy)
Para Alexy, a diferença entre princípios e regras é estrutural, de modo que nenhuma destas espé-
cies normativas seria mais importante que a outra ou mais nuclear que a outra.
O que determinará a maior medida possível serão as possibilidades jurídicas e fáticas existentes.
Possibilidades jurídicas são as outras normas envolvidas no caso específico, especialmente os princípios
que apontam em sentido oposto. Assim, em um primeiro momento, há que se verificar quais são as
normas envolvidas no caso específico, bem como as direções para as quais elas apontam. As circuns-
tâncias fáticas existentes são as peculiaridades do caso concreto.
Ex.: Em caso de colisão entre a liberdade de manifestação do pensamento e o direito à privaci-
dade, é necessário verificar, no caso concreto, se a pessoa atingida por aquela manifestação de pensa-
mento é uma pessoa pública ou comum; se o fato é um fato atual ou antigo, dentre outros aspectos para
se definir qual dos dois princípios terá um peso maior naquele caso concreto.
Assim, dentro dessa definição pelo autor, é importante considerar o seguinte:
a) Os princípios são “mandamentos de otimização” (“Prima facie”)
Nesta visão, os princípios são mandamentos de otimização, já que são normas que ordenam que
algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.
Os princípios contêm um comando “prima facie”, ou seja, apontam para uma direção, mas o juiz
só terá certeza de que aquela direção apontada pelo princípio é a definitiva depois de analisar as cir-
cunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas. A solução dada pelo princípio é uma solução apenas provisó-
ria. Trata-se de um comando que fornece uma razão contributiva para a solução do caso em um primeiro
momento, mas que, após a análise dos demais princípios envolvidos, pode acabar sendo afastado.

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Ex.: Quando a Constituição estabelece a inviolabilidade do sigilo de correspondência, ela estabe-
lece um princípio, pois se se tratasse de uma regra, a correspondência não poderia ser violada em hipó-
tese alguma. É como se disséssemos que o sigilo da correspondência é inviolável, salvo se o conteúdo
de algum outro princípio de maior peso não exigir uma conduta contrária38.
b) Lógica do “mais ou menos”
Os princípios obedecem à lógica do “mais ou menos”, e não a lógica do “tudo ou nada” como no
caso das regras. A lógica do “mais ou menos” significa que o grau de aplicação de um princípio será em
uma medida maior ou menor conforme cada caso concreto.
c) Peso relativo
O peso dos princípios depende das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas, ou seja, do caso
concreto, motivo pelo qual, de acordo com esse raciocínio, não se pode ter uma hierarquização de prin-
cípios, o que ocorreria caso seu “peso” fosse absoluto. Por exemplo, há casos em que a intimidade irá
prevalecer sobre a liberdade e em outros ocorrerá o inverso.
d) Ponderação
Trata-se da diferença básica quanto a forma de aplicação, assim, se a regras (como abaixo) são
aplicadas pela forma da subsunção, os princípios são aplicados de forma ponderada, de forma a
sopesá-los para verificar no caso concreto qual terá o peso maior para ser aplicado em uma me-
dida maior ou menor do que o outro.
1º Primeiro se interpreta os dispositivos envolvidos
2º O resultado da interpretação do texto é a norma jurídica, que pode ser do tipo princípio ou do
tipo regra;
3º Se a norma for do tipo regra, aplica-se ao caso previsto por ela. Contudo, se, da interpretação
do texto, for extraído um princípio, este não é aplicado diretamente ao caso concreto. Existe uma outra
etapa, que é a ponderação, na qual é feito um balanceamento/sopesamento das razões fornecidas pelo
princípio com as razões fornecidas por outros princípios que apontam na direção oposta. Somente após
a ponderação é que será encontrada uma regra. De toda ponderação de princípios é extraída uma regra.
Obs.: Uma regra pode ser extraída de uma ponderação feita pelo juiz, como no caso acima, em
que o juiz sopesou dois princípios, extraiu uma regra e decidiu o caso concreto, ou a regra pode ser
resultado de uma ponderação de princípios feita pelo próprio legislador, seja o constituinte, seja o or-
dinário. Quando é o próprio legislador que faz uma ponderação de princípios, da interpretação do texto,
é possível extrair diretamente uma regra.
Ex.: A regra que diz que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos já foi
objeto de uma ponderação pelo legislador constituinte originário. O legislador já levou em consideração
os princípios que apontavam para direções diversas e chegou à conclusão de que, em nenhuma hipótese,

38 Como a intervenção do Diretor do presídio que pode intervir nessa inviolabilidade da correspondência
do preso.
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provas ilícitas podem ser admitidas. Neste caso, não cabe ao juiz fazer uma nova ponderação. O juiz, ao
interpretar o texto, tem que extrair dele a regra que foi o resultado da ponderação já feita pelo Poder
Constituinte Originário.
Ex.: No conflito entre a liberdade de informação (liberdade de imprensa) e o direito à privacidade,
o juiz, após analisar os princípios colidentes envolvidos, pode extrair a seguinte regra: por se tratar de
uma informação verdadeira e atual sobre uma pessoa pública, a liberdade de informação deve prevale-
cer sobre o direito à privacidade.
ii) Regras são “normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas”.
Significa que ou se aplica a regra, se ela for válida, ou, se ela não for válida, não se aplica, a não
ser que haja alguma exceção contida na regra. Não se pode deixar de aplicar uma regra válida se não
houver algum tipo de exceção.
a) As regras são mandamentos definitivos (medida exata). Medida exata: as regras não são
ponderadas com outras normas, devendo ser cumpridas na medida exata de suas prescrições.
b) Lógica do “tudo ou nada” (Ronald Dworkin): Se a regra for válida, será aplicada ao
caso concreto, a não ser que haja alguma exceção. Se a regra não for válida, não será aplicada.
Não há ponderação para aplicar um pouco mais ou um pouco menos.
c) Subsunção: enquanto os princípios são aplicados através da ponderação, as regras são
aplicadas através da subsunção. Após a interpretação do texto é possível que seja encontrada
uma regra como resultado da interpretação. Esta regra é a premissa maior. Se ela tratar da
situação no caso concreto (premissa menor), ocorre a subsunção lógica, que é a aplicação da
regra ao caso previsto por ela.
Obs.: No Brasil, Ana Paula Barcellos e Humberto Ávila admitem a ponderação de regras. No
entanto, Alexy defende que, nestes casos, embora se tenha a impressão de que seja possível ponderar
as regras, o que se está a ponderar são os princípios subjacentes a elas.
LEMBRE-SE: A norma é o resultado da interpretação do texto legal. Da interpretação podem
emergir normas- princípio com um comando prima-facie (que necessita ser ponderado com outros
comandos em sentido oposto para que se obtenha a regra de decisão aplicável ao caso concreto!), ou
normas-regras, onde a interpretação já fornece um comando definitivo, dispensando-se o procedimento
de ponderação.
1.1.5.1. Derrotabilidade ou superabilidade de regras

Há um fenômeno chamado derrotabilidade ou superabilidade da regra – em casos excepcionalís-


simos, o mandamento contido em uma regra pode ser afastado no caso específico. Todavia, isso não
significa que as regras possam ser ponderadas como os princípios.
Assim, a derrotabilidade consiste na não aplicação de regras válidas em razão da excepcionalidade
do caso concreto, cujas circunstâncias específicas não poderiam ser ordinariamente previstas pelo le-
gislador ordinário.

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O afastamento de uma regra válida poderá ocorrer em três situações excepcionais, vejamos:
a) Inconstitucionalidade em concreto (Min. Barroso usa em suas obras e em algumas deci-
sões já fez referência) – uma regra pode ser válida, mas em um caso concreto específico, para uma
situação específica, é considera inconstitucional, por violar algum princípio. Por isso, não poderá ser
aplica.
O Min. Sepúlveda Pertence considerou a inconstitucionalidade em concreto da regra que vedava
a concessão de medida liminar em face da Fazenda Pública. Entendeu que é constitucional, mas que em
determinadas situações não poderá ser aplicada, pois haverá inconstitucionalidade em concreto.
b) Manifesta injustiça – utiliza-se a Fórmula de Radbruch, segundo a qual o direito extre-
mamente injusto não é direito. Assim, havendo uma manifesta injustiça na aplicação da regra, no caso
concreto, poderá ser afastada.
Ex.: Na Alemanha nazista, havia vários dispositivos que permitiam o confisco de bens dos Ju-
deus. Após a segunda guerra mundial, embora esses dispositivos estivessem em leis constitucionais, o
Tribunal Constitucional Federal Alemão considerou que eram dispositivos extremamente injustos e
que, portanto, violavam normas de sobredireito.
c) Situações excepcionalíssimas e imprevisíveis – casos não previstos pelo legislador. Cita-
se, como exemplo, a hipótese de o regulamento da CBF prever que o Clube que não se apresentasse
ficaria excluído por 10 anos do futebol. Contudo, no caso do acidente com o time da Chapecoense não
seria razoável aplicar tal regra, tendo em vista se tratar de uma situação excepcional, a qual não poderia
ter sido prevista pelo legislador.
Em suma: a Derrotabilidade é a não aplicação de regras válidas ante a circunstâncias específicas
do caso concreto.
Quando ocorre a derrotabilidade ou a superabilidade de uma regra, não é que se esteja ponde-
rando a regra com princípios opostos. Segundo Alexy, o que se pondera são, de um lado, os princípios
subjacentes àquela regra, ou seja, os princípios que deram origem a ela, e, de outro lado, os princípios
que apontam em direção oposta. Se os princípios na direção oposta forem muito mais fortes do que
aqueles que justificam a manutenção da regra, a regra deve ser superada, afastada no caso concreto.
1.2. Postulados normativos
Trata-se de tema proposto por Humberto Ávila, que os define como deveres de segundo grau que,
situados no âmbito das metanormas, estabelecem a estrutura de aplicação e prescrevem modos de ra-
ciocínio e argumentação no tocante as normas.
Ressalta-se que o postulado normativo não é uma norma, mas sim uma metanorma. Ou seja,
trata-se uma norma que trata da aplicação de uma outra norma, não prevê o resultado do caso concreto,
mas estabelece a estrutura de aplicação das normas de primeiro grau.
Exemplo: A proporcionalidade não pode ser ponderada com princípios diversos para se chegar a
uma regra. A proporcionalidade, na verdade, estabelece a estrutura de aplicação de outras normas. Para

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sabermos se um determinado ato passa pelo crivo da proporcionalidade, temos que analisar os 3 sub-
critérios que a acompanham, no intuito de estruturar o raciocínio do intérprete-aplicador do Direito39.

2. Classificação das normas constitucionais


2.1. Introdução
A classificação estudada a neste tópico foi proposta por José Afonso da Silva, no final da década
de 1960. A despeito de muito criticada pela doutrina, ela é ainda muito utilizada no Brasil, em especial
pela jurisprudência, e cobrada em provas de concursos.
A subjetividade é inerente às classificações. Há várias classificações de normas constitucionais,
baseadas nos mais diversos critérios. Uma classificação deve servir para auxiliar no entendimento do
objeto (didática) e possuir um critério único, sob pena de restar incoerente.
Segundo o próprio José Afonso da Silva, a classificação por ele elaborada tem como critério a
eficácia da norma constitucional. Todavia, a diferenciação acaba por fundar-se não na eficácia, mas na
aplicabilidade daquelas normas.

39 A proporcionalidade será estudada com minúcias em item próprio abaixo.


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Obs.: Atente-se que toda norma constitucional possui EFICÁCIA40. Não há norma constitucional
desprovida de eficácia. O que varia é o grau de eficácia de cada uma delas. Isso, porém, não significa
que todas as normas constitucionais ostentam também o atributo da EFETIVIDADE.
2.2. Conceitos de eficácia
Há dois conceitos de eficácia úteis para o estudo da classificação das normas constitucionais: efi-
cácia positiva e eficácia negativa.
2.2.1. Eficácia positiva
A eficácia positiva consiste na aptidão da norma para ser aplicada aos casos por ela previstos.
Uma norma com eficácia positiva está apta a ser aplicada diretamente ao caso concreto, não depen-
dendo de nenhuma outra norma para tanto.
Eficácia, nesse sentido, é aptidão, capacidade. Ter eficácia positiva não significa que ela será apli-
cada na prática. Quando uma norma é dotada de eficácia positiva, mas não cumpre sua função social (o
fim para que foi criada), diz-se que ela não tem efetividade.
Ex.: no CTB, há duas normas com eficácia positiva: o pedestre deve andar na faixa e os motoristas
devem usar cinto de segurança. A primeira norma não tem efetividade. A segunda sim. Dificilmente se
vê um pedestre sendo multado por andar fora da faixa (haveria inviabilidade prática). É o que vulgar-
mente se chama de lei “que pega” e lei “que não pega”.

40 Conforme visto, eficácia é a aptidão da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios. Pode ser: (i)
positiva ou (ii) negativa. A eficácia positiva equivale à aptidão da norma para ser aplicada ao caso concreto inde-
pendentemente de vontade ou condição. A eficácia negativa, por sua vez, é a aptidão da norma para invalidar ou
obstaculizar normas que lhe são contrárias. Nesse sentido, vale lembrar que embora a norma de eficácia limitada
não possa ser aplicada ao caso concreto, ela tem o condão de impedir que o legislador faça leis que a contrariem.
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Essa questão é vista com clareza no caso da Lei Seca. No RJ, as pessoas têm efetivo receio de
serem pegas. A fiscalização amedronta as pessoas, de modo que houve efetiva redução nas mortes por
acidente naquele estado. Em outros estados, como MG, em virtude da ausência de fiscalização, a norma
simplesmente não tem eficácia.
2.2.2. Eficácia negativa
Eficácia negativa é a aptidão da norma para bloquear normas anteriores ou invalidar normas pos-
teriores. Ela não significa que a norma esteja apta a ser aplicada no caso concreto. Muitas vezes ela
depende de outra vontade para ser aplicada no caso concreto. Todavia, ela pode bloquear ou invalidar
a eficácia de norma que lhe seja contrária.
Toda norma constitucional possui eficácia, ainda que seja apenas uma eficácia negativa.
A eficácia situa-se exclusivamente no plano jurídico. A efetividade, por sua vez, está relacionada
ao plano fático, da realidade.
Segundo José Afonso da Silva, toda norma constitucional tem eficácia. O que as diferencia é o
grau de eficácia. A partir desse pressuposto, ele elabora a classificação das normas em normas de eficá-
cia plena, contida e limitada.
2.3. Normas constitucionais de eficácia plena
A norma de eficácia plena é aquela que tem aplicabilidade (aptidão para ser aplicada) direta, ime-
diata e integral.
Aplicabilidade direta significa que a norma não necessita de nenhum outro ato intermediador, de
nenhuma outra vontade (lei, ato administrativo) para ser aplicada no caso concreto.
Aplicabilidade imediata significa que a norma não tem nenhuma condição para ser aplicada. Um
tipo de condição seria a temporal (o Sistema Tributário Nacional teve um prazo de 6 meses para o início
de sua aplicação).
Aplicabilidade integral, que é o aspecto mais importante, polêmico e criticado da teoria, significa
que a norma não admite qualquer restrição para sua aplicação. Ela tem de ser aplicada integralmente
às hipóteses por ela previstas. O legislador não pode restringi-la. Todavia, para José Afonso da Silva,
ela admitiria uma conformação (e aí surge o problema).
Ex.: art. 53, caput, da CR (imunidade material do parlamentar):
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opi-
niões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) (...)
O dispositivo não precisa de lei para ser aplicado no caso concreto. Não depende de nenhuma
condição, prazo. E, para José Afonso, não pode ser restringido por lei. Entretanto, uma lei que dissesse
que a imunidade dos parlamentares estaria adstrita às palavras, votos ou opiniões relacionadas à função
parlamentar seria restrição ou conformação?
Note que o art. 53 fala em “quaisquer”. Pelo menos a literalidade do dispositivo estaria restringida.
Todavia, para José Afonso, a lei, nesse caso, estaria apenas realizando uma conformação. O problema é

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que é muito difícil haver conformação sem restrição do direito. Conformar é deixar algumas coisas de
fora. Por isso, Virgílio Afonso da Silva (filho de José Afonso) faz crítica contundente à teoria do pai.
A questão é que a teoria de José Afonso parte do pressuposto de que os direitos têm limites ima-
nentes (ele não diz expressamente, mas só assim a teoria faz sentido). É algo como que se o limite já
fizesse parte do direito, de modo que o legislador não estaria impondo limites, mas apenas revelando
os limites já existentes, ou seja, tornando-os mais claros.
Virgílio Afonso da Silva e Ingo Sarlet tecem as seguintes críticas à teoria de José Afonso:
i) dificuldade de diferenciar “conformação” de “restrição”;
Nesse sentido, em relação à impossibilidade de restrição da norma, a regulamentação implica em
forçosa restrição do conteúdo. Regulamentação e restrição possuem uma linha muito tênue, sendo di-
fícil analisar, em determinados casos, o que é regulamentação e o que é restrição.
ii) todos os direitos consagrados na CR poderão ser restringidos quando a norma restritiva tiver
por finalidade a promoção de um outro fim constitucional e passar pelo teste da proporcionalidade
(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
Para José Afonso, quando a CR diz “é inviolável a intimidade...”, a norma é de eficácia plena. Uma
lei elaborada limitando a intimidade para a proteção de outro bem, como a segurança pública ou o in-
teresse social, não seria possível, o que é absurdo, pois não há direitos absolutos.
Exemplos de normas de eficácia plena: normas que estabelecem as imunidades dos parlamenta-
res (ex.: art. 53), proibições (ex.: art. 145, § 2º41), vedações (ex.: art. 1942), imunidades tributárias (ex.:
art. 184, § 5º43) e prerrogativas (ex.: art. 128, § 5º, I44).

41 Art. 145 (...) § 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

42 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos reli-
giosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar fé
aos documentos públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

43 Art. 184 (...) § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência
de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

44 Art. 128 (...) § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respecti-
vos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, ob-
servadas, relativamente a seus membros: I - as seguintes garantias: a) vitaliciedade, após dois anos de exercício,
não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado; b) inamovibilidade, salvo por mo-
tivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da
maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do
art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;

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Nem todas as normas desses tipos serão de eficácia plena, mas em geral serão. No art. 95, pará-
grafo único, por exemplo, que estabelece vedações, os três primeiros incisos são de eficácia plena, mas
o inciso IV é de eficácia contida, apesar de ser norma de vedação:
Art. 95. (...) Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)

2.4. Normas constitucionais de eficácia contida (redutível ou res-


tringível)
As normas de eficácia contida têm aplicabilidade direta, imediata e possivelmente não inte-
gral.
Se a norma tem eficácia direta e imediata, ela tem eficácia negativa (bloqueadora) e positiva (apli-
cabilidade a casos concretos). Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a diferença entre as normas
de eficácia plena e a contida não é de eficácia (não há diferença de eficácia), mas de aplicabilidade (que,
na contida, é não integral).
Aplicabilidade possivelmente não integral significa que a norma admite restrição. Ou seja, admite
que o legislador infraconstitucional limite seu âmbito de incidência. Ela começa a produzir efeitos como
se fosse de eficácia plena, mas com o advento da lei regulamentadora ela é restrita.
O exemplo mais citado é o do art. 5º, XIII, da CR:
Art. 5º (...) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as quali-
ficações profissionais que a lei estabelecer;
Enquanto a lei não estabelecer as qualificações profissionais para determinada profissão, ela po-
derá ser livremente exercida. Ex.: dentistas práticos, rábulas (advogados práticos) e corretores de imó-
veis sem curso eram profissões não eram regulamentadas, que podiam ser exercidas por qualquer um.
No caso dos jornalistas, entretanto, o STF entendeu irrazoável a restrição, a despeito de haver lei
exigindo o curso de jornalista para o exercício da profissão. Isso porque o jornalismo envolve o exercício
da liberdade de informação, que poderá ser exercida por qualquer pessoa.
Se a lei que restringe a norma de eficácia contida não for editada, a aplicação dela será imediata,
concreta e integral, produzindo os mesmos efeitos de uma norma de eficácia plena.
Surge aí outra crítica à classificação de José Afonso: se a norma poderá ser restringida (mas não
é, inicialmente), por que o nome “contida”? Maria Helena Diniz chamam essa hipótese de norma de
eficácia redutível ou restringível. Isso porque, na verdade, a eficácia não é necessariamente contida,
mas poderá ser.
A norma de eficácia contida é a mais cobrada em provas de concurso. Por conta do nome, as pes-
soas tendem a achar que ela demandaria a existência de lei para ser aplicada. Na verdade, a norma de
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eficácia contida relaciona-se com a de eficácia plena (ambas nascem iguais), não podendo jamais ser
associada à de eficácia limitada.
2.5. Normas constitucionais de eficácia limitada (indireta ou medi-
ata)
Norma de eficácia limitada é a que tem aplicabilidade indireta ou mediata. Ela depende de outra
vontade (por isso que indireta) ou de uma condição (por isso que mediata).
A norma de eficácia limitada possui âmbito de incidência, mas não possui eficácia positiva (apli-
cabilidade a uma hipótese em concreto), somente negativa (aptidão para bloquear outras normas que
lhe sejam contrárias). Ela não tem eficácia positiva porque depende de outra vontade ou de outra con-
dição.
Ex.: art. 192, § 3º, da CR (norma que foi revogada e nunca chegou a ser aplicada, pois inserida em
época de inflação gigantesca):
Art. 192 (...) § 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remune-
rações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por
cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as
suas modalidades, nos termos que a lei determinar. (revogado)
O dispositivo era claro quanto à sua aplicabilidade, mas o STF entendeu que ele era de eficácia
limitada. Foi um artifício jurídico utilizado para negar aplicabilidade ao dispositivo.
Outro exemplo é o direito de greve, previsto no art. 37, VII, depende de lei específica. Conforme
entendimento do STF, a lei específica não tem a intenção de restringir o direito de greve, mas é uma lei
necessária para definir tal direito, sem esta lei o direito de greve não pode ser exercido, pois se trata de
exigência da própria CF, depende de vontade do legislador.
Como até hoje não há lei específica, o STF acabou suprindo a vontade do legislador, o qual esta-
beleceu os requisitos para que o direito de greve fosse exercido, via mandado de injunção
A norma de eficácia limitada precisa de outra norma que realize e intermediação entre ela e o caso
concreto.
José Afonso da Silva diferencia as normas de eficácia limitada em duas modalidades: normas de
princípio institutivo e normas de princípio programático.
2.5.1. Normas de princípio institutivo
Norma de princípio institutivo são normas de conteúdo eminentemente organizatório e regula-
tivo, dependem de intermediação legislativa para estruturar entidades, órgãos ou instituições contem-
plados no texto constitucional.
Tais normas dependem de outra vontade para dar corpo, forma ou estrutura a uma determinada
instituição consagrada no texto constitucional.
Exemplos:
i) art. 102, § 1º, da CR (ADPF):

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Art. 102 (...) § 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Cons-
tituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela
Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)
A estrutura da ADPF depende de lei, não podendo ser ajuizada antes da sua edição (no caso, a Lei
9.882/1999).
ii) art. 37, VII, da CR(direito de greve do servidor público):
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, morali-
dade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998) (...)
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Foi necessária a impetração de mandado de injunção para que os servidores pudessem exercer o
direito, pois o dispositivo, 23 anos depois da criação da CR, ainda não foi elaborado.
2.5.2. Normas de princípio programático
Normas de princípio programático são aquelas que estabelecem programas de ação a serem im-
plementados pelos Poderes Públicos.
Na norma de princípio programático, a CR estabelece um fim a ser alcançado (estabelece uma
obrigação de resultado, de fim), mas não diz qual o caminho. Quem define os meios para chegar a esse
fim é o legislador ou o Poder Público. Ex.: art. 3º da CR:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
A norma programática não deve ser entendida como um conselho ao legislador, mas um programa
de ação obrigatório, sob pena de cometer o Poder Público uma omissão inconstitucional. O art. 3º, IV,
foi um dos dispositivos utilizados pelo STF para permitir a união estável homoafetiva.
Outro exemplo é o do Art. 196 da CF45, uma vez que o dispositivo acima é claramente uma norma
de princípio programático, mas o Supremo, com o intuito de conferir efetividade à Constituição, passou
a interpretá-lo como norma de eficácia plena. Assim, como base neste dispositivo, vários deveres são
impostos ao Estado, como, por exemplo, fornecimento de medicamento, internação de pessoas etc.
2.6. Outras classificações

45 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.
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Além da classificação de José Afonso da Silva, há outras duas classificações das normas constitu-
cionais muito exigidas em concurso: normas constitucionais de eficácia absoluta (ou supereficazes) e
de eficácia exaurida.
2.6.1. Normas constitucionais de eficácia absoluta (ou supereficazes)
Maria Helena Diniz, em livro sobre os efeitos das normas constitucionais, traz a espécie “normas
constitucionais de eficácia absoluta ou supereficazes”. São aquelas normas com aplicabilidade direta,
imediata e integral (eficácia plena), mas com a seguinte diferença em relação às normas de eficácia
plena: não podem ser restringidas por lei nem por emenda. O exemplo dado pela autora é a cláusula
pétrea.
Para Marcelo Novelino e o STF, entretanto, a cláusula pétrea não significa intangibilidade integral
do dispositivo, mas apenas a preservação do seu núcleo essencial. Além dessa crítica à classificação de
Maria Helena, outra que se faz é que ela utiliza dois critérios diversos numa mesma classificação: apli-
cabilidade e restringibilidade.
2.6.2. Normas constitucionais de eficácia exaurida
As normas constitucionais de eficácia exaurida são classificação de paternidade discutida.
A norma de eficácia exaurida é a norma que, por já ter sido aplicada ao caso concreto, exauriu sua
eficácia.
A norma de eficácia exaurível é aquela que terá sua eficácia extinta após ser aplicada ao caso con-
creto.
Ex.: arts. 2º e 3º do ADCT:
Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (repú-
blica ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que
devem vigorar no País. (...)

Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da
Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Realizado o plebiscito, o dispositivo cumpriu sua finalidade e não tem mais aptidão para a produ-
ção de efeitos.
Para fins de reflexão, indaga-se: seria possível a realização de outro plebiscito ou esse dispositivo
possui eficácia negativa (invalidar emenda constitucional em sentido contrário). Novelino considera
que não seria possível, através de emenda, a mudança da forma e regime de governos, para não “passar
por cima” do plebiscito. Entretanto, defende que seria possível emenda constitucional que previsse a
realização de outro plebiscito.
O mesmo com relação ao art. 3º do ADCT: o dispositivo já teve sua eficácia positiva exaurida, mas
nada impede que futuramente seja promulgada emenda para permitir nova revisão constitucional.

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O PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO
É parte integrante das constituições. Tem a mesma origem e o mesmo sentido dos demais dispo-
sitivos.
A diferença entre o preâmbulo e os demais dispositivos, segundo parte da doutrina, seria quanto
à eficácia e ao papel que desempenha.
1. Teses
1.1. Tese da eficácia idêntica aos demais preceitos
O preâmbulo teria a mesma normatividade, o mesmo caráter vinculante que os demais dispositi-
vos da CF. Entendem que poderia ser parâmetro para o controle de constitucionalidade.
Não é a tese encampada pelo STF.
1.1. 1.2. Tese da relevância jurídica específica ou indireta
O preâmbulo participa das características jurídicas da constituição, mas não se confunde com seu
articulado.
Também não é adotado pelo STF.
1.2. 1.3. Tese da irrelevância jurídica do preâmbulo
Segundo este posicionamento, o preâmbulo não pertence ao direito, pertence à história ou à po-
lítica. STF adotou.
Exemplo: Estado do Acre. Único estado que não coloca “promulgamos sobre a proteção de Deus”
no preâmbulo de sua Constituição Estadual. Foi ajuizada uma ADI – dizendo que o preâmbulo da CF
brasileira era de observação obrigatória e que a CE do Acre estaria violando esta norma, portanto in-
constitucional. STF disse o seguinte: o preâmbulo não é norma de observação obrigatória, ele não tem
caráter normativo, ele não é vinculante.
OBS: Se ele não tem caráter normativo, ele pode servir como parâmetro para o controle de cons-
titucionalidade? NÃO. Ele não serve como parâmetro para o controle de constitucionalidade.
Importância do preâmbulo: DIRETRIZ HERMENÊUTICA, diretriz interpretativa.
Assim, o preâmbulo participa das características jurídicas da Constituição, embora não tenha um
caráter normativo. A ausência de caráter normativo, não significa que desempenhe uma função jurídica
irrelevante. A relevância jurídica do preâmbulo não é servir como parâmetro para controle, mas sim
como uma diretriz interpretativa. Nele estão previstos os valores supremos da sociedade brasileira.
Quando a CF fala que são os valores supremos, é uma importante diretriz hermenêutica para in-
terpretarmos a constituição, são os fins que a CF busca alcançar, devemos interpretar a CF de acordo
com esses fins.
Hermenêutica: Método científico-espiritual (valor) – buscar o espírito da lei.

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Para Novelino, portanto, não deveria ser considerado IRRELEVANTE o preâmbulo (eis que tem
importância para interpretação).

DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL


O tema aborda a relação estabelecida entre as normas constitucionais no tempo, ou seja, o que
ocorre com o surgimento de uma nova constituição.
1. Teoria da desconstitucionalização
A teoria da desconstitucionalização é de difícil aplicação prática. Ela não é adotada pela grande
maioria da doutrina no Brasil. Era defendida por Pontes de Miranda, e hoje o único autor vivo que a
defende é Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
Foi criada por Adhémar Esmein, na linha teórica de Carl Schmitt. Como visto, a concepção de
constituição adotada por Schmitt é a política, de acordo com a qual há uma diferença entre a constitui-
ção propriamente dita e as leis constitucionais.
Segundo o autor, nem todas as normas da constituição são constituição propriamente dita, pois
às vezes o texto constitucional consagra temas que não são decorrentes de uma decisão política funda-
mental. A constituição propriamente dita é apenas aquilo que decorre dessa decisão política fundamen-
tal, como os direitos fundamentais e as normas relacionadas à estrutura do estado e à organização dos
poderes.
Há uma teoria que denomina essas matérias clássicas de “normas materialmente constitucionais”.
Pois bem. Na constituição há normas formalmente constitucionais, que não integram o rol de
normas materialmente constitucionais. São as normas que Schmitt denomina “leis constitucionais”.
Exemplos: Colégio Pedro II (art. 242, 2º46), limitação de juros etc.
Por outro lado, há normas materialmente constitucionais que não se encontram no texto consti-
tucional, ou seja, que não são normas formalmente constitucionais. É o caso dos tratados internacionais
sobre direitos humanos adotados nos termos do art. 5º, § 3º:
Art. 5º (...) § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem apro-
vados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)
De acordo com a teoria da desconstitucionalização, aquilo que for constituição
propriamente dita (as normas que decorrem da decisão política fundamental) é revo-
gado pela superveniência de nova constituição. No entanto, aqueles dispositivos considerados

46 Art. 242 (...) § 2º - O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita
federal.

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leis constitucionais, se forem compatíveis com o conteúdo da nova constituição, serão recebidos por ela
como normas infraconstitucionais. Por isso o nome desconstitucionalização: elas perdem o status
de norma constitucional e passam a ter status infraconstitucional.
Cumpre atentar para o fato de que não se está, aqui, tratando da legislação infraconstitucional,
mas do conteúdo de leis constitucionais que integram a constituição anterior.
Por essa teoria, caso a nova constituição nada falasse acerca do Colégio Pedro II, o art. 242, § 2º
continuaria válido, mas seria recepcionado com status de lei ordinária.
Se a desconstitucionalização fosse teoria aceita no Brasil, o estudo jurídico demandaria a análise
de todas as constituições anteriores, a diferenciação das normas material e formalmente constitucionais
e a comparação de todas com a atual, para a verificação da compatibilidade.
Como não prevalece, no Brasil, com relação à Constituição de 1988, ocorreu a chamada revogação
por normação geral, ou seja, todas as normas da Constituição anterior, independentemente de serem
compatíveis ou não com o conteúdo da Constituição de 1988, independentemente de serem material-
mente ou formalmente constitucionais, foram revogadas por ela.
Obs.: a doutrina entende que se houver previsão expressa (ou seja, se a própria Constituição dis-
ser que normas da Constituição anterior serão recebidas com status de lei) a teoria pode ser aplicada.
Ex. CE/SP 1967, Art. 14747.

2. Teoria da recepção
A teoria da recepção trata de relação diversa da anterior, aquela estabelecida entre a nova consti-
tuição e normas infraconstitucionais antigas.
A constituição é a norma suprema e originária de todo o ordenamento. Por conta disso, do ponto
de vista teórico, surgida uma nova constituição, todo um novo ordenamento deveria ser construído, de
modo escalonado e hierarquizado. Todavia, do ponto de vista prático, essa ruptura total é inviável. Ha-
veria um buraco legislativo, que levaria a um caos total.
A teoria da recepção determina que quando uma nova constituição é criada, a anterior é inteira-
mente revogada, mas as normas infraconstitucionais anteriores que forem materialmente
compatíveis com a nova constituição são recepcionadas por ela.
De outro lado, as que forem materialmente incompatíveis não serão recepcionadas (não recepção,
que não se confunde com revogação, termo equivocadamente usado pelo STF por muito tempo, de
modo não técnico).

47 Art. 147: Consideram-se vigentes, com o caráter de lei ordinária, os artigos da Constituição promulgada
em 9 de julho de 1947 que não contrariem esta Constituição.
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Veja que a incompatibilidade formal do ordenamento infraconstitucional anterior à CR de 1988
não impede a recepção da norma pela nova ordem. Ou seja, como o fenômeno da recepção analisa ape-
nas a compatibilidade material da norma anterior com a nova CR, uma lei ordinária pré-constitucional
pode ser recepcionada como lei complementar (como ocorreu com o CTN).
O Fundamento para a aplicação da teoria é o princípio da unidade do ordenamento jurí-
dico, que impede que uma norma incompatível com a Constituição seja recepcionada por ela (o orde-
namento jurídico deve ser um todo unitário e coerente).
Portanto, para evitar o vácuo legislativo, a nova constituição receberá todas as leis cujo conteúdo
for compatível com ela. As leis anteriores cujo conteúdo não for considerado compatível não serão re-
cepcionadas.
O que ocorre se houver compatibilidade de conteúdo e incompatibilidade de forma? Ex.: o CTN
foi criado, em 1966, através de lei ordinária (Lei 5.172/1966). A Constituição de 1946 não previa a exis-
tência de lei complementar (que surgiu somente em 1967), exigindo que a matéria fosse tratada por lei
ordinária. A incompatibilidade formal superveniente (superveniente porque, quando nasceu, a norma
tinha forma compatível com a constituição vigente) não impede a recepção, mas faz com que aquela
norma adquira uma nova roupagem, um novo status. Por essa razão, o CTN foi recepcionado pela Cons-
tituição de 1967 com status de lei complementar, o qual restou mantido pela atual Constituição.
Esse novo status significa que a norma recepcionada somente poderá ser revogada por outra do
mesmo status adquirido.
Há, todavia, uma exceção. É uma hipótese em que, apesar de se tratar de incompatibilidade for-
mal, não se admite a recepção: quando a incompatibilidade formal for decorrente de uma mudança de
competência entre os entes da Federação.
Ex.: imaginando-se que a CR/88 atribua determinada matéria aos estados e a CR/2020 atribua
tal matéria à União. As 27 leis estaduais que tratam da matéria não serão recepcionadas como leis fe-
derais. O contrário é também válido. Se essa recepção fosse possível, 5000 leis municipais poderiam
ser consideradas recepcionadas como lei federal. Essa hipótese é inviável.
Entretanto, se a competência era de um ente maior e passa para um ente menor, o ente menor
pode recepcionar a lei que era do ente maior.
Ex.: A competência para legislar sobre Direito Penal, que é da União, passa a ser atribuída aos
Estados-membros. O Estado-membro pode recepcionar a legislação federal sobre o tema (Código Pe-
nal) até editar sua legislação própria.
Obs.: Recepção material de normas constitucionais: a recepção pode ocorrer, também, em relação
a normas constitucionais. Foi o que ocorreu, no Brasil, com relação ao art. 34 do ADCT48: a Constituição

48 ADCT, Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês
seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada
pela Emenda n.º 1, de 1969, e pelas posteriores.
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de 1988 recepcionou temporariamente o sistema tributário nacional instituído pela Constituição de
1969, pelo período de 5 meses, até o início da vigência do novo sistema tributário. Esta recepção só é
possível se houver previsão expressa, pois, caso contrário, ocorre a revogação por normação geral.

3. Teoria da constitucionalização superveniente


Na recepção, a lei nasce constitucional. Na teoria da constitucionalização superveniente, ocorre
hipótese diversa: a lei nasce inconstitucional.
O fenômeno ocorre quando uma norma originariamente inconstitucional é constitucionalizada
em razão do surgimento de uma nova Constituição ou emenda. Neste caso, portanto, há uma norma
que nasce inconstitucional, mas, graças a uma mudança de parâmetro (nova Constituição ou emenda à
Constituição), passa a ser compatível com o novo regramento.
Nota-se que se trata de um fenômeno diferente do anterior. Na recepção, a norma nasce consti-
tucional e, com o surgimento de uma nova constituição, torna-se incompatível, ou materialmente, caso
em que será revogada, ou formalmente, caso em que é recepcionada com novo status. Aqui, a norma
nasce inconstitucional, mas, com o surgimento de uma nova constituição, ela é constitucionalizada.
Ex.: o CP é alterado, reduzindo a maioridade penal para os 17 anos, violando o dispositivo da CR.
Antes da declaração de inconstitucionalidade pelo STF, é feita uma reforma na CR, diminuindo a mai-
oridade penal para os 17 anos. O dispositivo do CP, nascido incompatível com a constituição da época,
pode ser “constitucionalizado”? Essa dúvida surgiu em discussão travada em questão tributária.

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O STF49 não admite essa constitucionalização superveniente. Segundo o tribunal, a lei inconstitu-
cional é ato nulo (o STF adota a teoria da nulidade, ainda que haja tendência de modificação desse
entendimento). Assim, a lei tem vício de origem, já nasceu morta, não precisando de decisão para assim
considerá-la. Tal decisão terá natureza meramente declaratória.
Alguns autores falam em constitucionalidade superveniente, para designar o mesmo fenômeno.
Se adotasse a teoria de Kelsen50, no sentido de que a norma inconstitucional é anulável, o STF
adotaria a tese da inconstitucionalidade superveniente.
4. Teoria da repristinação
Segundo essa teoria, a lei “A” é revogada pela lei “B”. A lei “C” revoga a lei “B”. O fato de a lei “C”
revogar a lei “B” faz com que a lei “A” volte a ser válida, caso a represtinação seja expressa na lei revo-
gadora (art. 2º, § 3º, da LINDB):
Art. 2º (...) § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revoga-
dora perdido a vigência.

No direito constitucional, o entendimento é o mesmo: não se admite a repristinação, salvo se a


nova constituição fizesse menção expressa.
O fundamento pelo qual não se admite a repristinação tácita, todavia, é diverso do da LINDB.
Aqui, vedam a repristinação constitucional tácita dois princípios: o da segurança jurídica e o da estabi-
lidade das relações sociais.

49 (ADI 2.158 e ADI 2.189).


50 De acordo com Kelsen, a lei inconstitucional é um ato anulável, ou seja, depende de uma decisão judicial
para ser inconstitucional. A decisão possui um caráter constitutivo. Assim, com a mudança de parâmetro, é pos-
sível a constitucionalização superveniente.
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Em concurso, tem caído efeito parecido com a repristinação, mas que com ela não se confunde: o
efeito repristinatório tácito (alguns autores chamam, inclusive, de repristinação tácita). Ex.: a Lei
9.868/1999, no art. 11, § 2º, trata da medida cautelar concedida em ADI. Concedida cautelar em ADI
suspendendo os efeitos da lei “A”, que havia revogado uma lei “Z” anterior, de acordo com o dispositivo
citado, o fato de a lei “A” ter sido suspensa faz com que a legislação anterior volte a produzir efeitos,
enquanto a lei “A” estiver suspensa. Esse é o efeito repristinatório tácito. Se a lei “Z” for também incons-
titucional, o STF deve mencionar expressamente que a legislação anterior não será aplicável. Caso não
haja tal menção expressa, haverá o efeito repristinatório tácito.
Observe que não se trata de repristinação propriamente dita, pois a lei A somente está suspensa.
Ela não foi ainda declarada inconstitucional, nem foi revogada por outra lei.
Ex.: lei A foi revogada pela lei B. Todavia, nessa hipótese, o STF, em ADI, profere decisão defini-
tiva de mérito, declarando a lei B inconstitucional, com efeitos ex tunc. Nesse caso, a lei A revogada
volta a produzir efeitos, pois a lei B jamais poderia ter revogado a lei A. Caso a lei A também seja in-
constitucional, o STF deve se manifestar expressamente quanto à não aplicação dela. Caso contrário,
ela será aplicada.
Como ressaltado, em alguns concursos, usa-se a expressão “repristinação tácita” para designar o
“efeito repristinatório tácito”. Se ambas as expressões estiverem presentes, deve-se preferir a segunda,
para designar o fenômeno acima citado.
5. Teoria da mutação constitucional
5.1. Conceito
A mutação constitucional é realizada através de processos informais de alteração do conteúdo
da constituição, sem que ocorra qualquer modificação em seu texto. Ou seja, trata-se de uma mudança
de sentido (conteúdo), sem que o texto da constituição seja tocado.
A ideia da mutação constitucional foi criada por Paul Laband e aperfeiçoada por Georg Jellinek.
Surgiu em contraposição à teoria da reforma constitucional. A reforma, como visto, é um processo for-
mal de alteração da constituição. Possui, portanto, uma série de formalidades (ex.: legitimados, quó-
rum, exigências de promulgação etc.)
Na mutação, por outro lado, o processo de alteração da constituição é informal.
5.2. Processos informais de mutação constitucional
Há basicamente dois processos informais de mutação da constituição: alteração do costume cons-
titucional e interpretação constitucional.
5.2.1. Alteração do costume constitucional
A alteração do costume constitucional, mais comum nos países que adotam o sistema da common
law, ocorre através de mudança nas práticas da sociedade.

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Por ser a CR/88 muito prolixa, Novelino considera que no Brasil o único costume constitucional
conhecido é o do voto de liderança, que ocorre através da aprovação simbólica de determinada matéria,
sobre a qual não haja controvérsia no Congresso. O voto de liderança serve para que não haja a neces-
sidade de votação individual de cada Deputado ou Senador.
5.2.2. Interpretação constitucional
Através da interpretação constitucional, altera-se também o sentido da constituição (conteúdo),
sem alteração de texto.
Cumpre lembrar a diferença fundamental existente entre o texto (o escrito na CR) e a norma (que
é o produto da interpretação do texto). Através da interpretação de um texto, extrai-se o comando, que
é a norma.
Esse tema tem sido muito cobrado em concursos, pois está na pauta do dia, em virtude de uma
discussão em aberto no STF, há muito tempo parada, concernente à interpretação do art. 52, X51. Gilmar
Mendes e Eros Grau votaram favoravelmente a uma proposta de mutação constitucional do dispositivo
citado, no sentido de que a Resolução do Senado não teria mais a finalidade de suspender a execução
da lei, mas de dar publicidade às decisões do STF (seria um “Diário Oficial do STF”). Essa tentativa de
mutação se deve à inércia do Senado em realizar sua função. Atualmente, o julgamento está em 3 a 2
para o não conhecimento da reclamação, com recente voto de Lewandowski.
5.3. Critérios para a aferição da legitimidade da mutação constitu-
cional (Canotilho)
A mutação constitucional, em si, não é incompatível com a CR. Todavia, segundo Canotilho, de-
vem ser observados critérios para a aferição da sua legitimidade. Esse tema é muito divergente na dou-
trina. Autores norte-americanos e alemães têm concepções bastante diversas, que influenciam os dou-
trinadores que adotam um ou outro sistema.
Segundo Canotilho (critério alemão), para a legitimidade da mutação devem ser observados dois
critérios:
i) a mutação deve estar contida dentro do programa normativo
Programa normativo é expressão utilizada por Friederich Müller para designar, basicamente, o
texto da norma.
Segundo este critério, o texto da norma deve permitir a mudança (servir como limite dela, auto-
rizar a mudança de entendimento). Imaginando-se que um texto comporte uma determinada interpre-
tação “A” e outra “B”: a mutação deve estar circunscrita a essas duas hipóteses. Uma interpretação “C”
não abrangida não serve como resultado da mutação.

51 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X - suspender a execução, no todo ou em parte,
de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

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ii) a mutação não pode contrariar princípios estruturantes da constituição
Por conta desses requisitos, diversos doutrinadores têm criticado o entendimento dos Ministros
Gilmar Mendes e Eros Grau, na medida em que, além de “dar publicidade” não ser interpretação contida
no programa normativo do art. 52, X, a interpretação ofende a separação dos poderes, princípio estru-
turante da constituição.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1. Supremacia da Constituição: supremacia material e formal da


Constituição
Supremacia material é a supremacia de conteúdo (substância) da constituição.
O que confere supremacia material à constituição, tornando seu conteúdo superior ao das demais
normas do ordenamento é o fato de ela tratar de matérias fundamentais. As matérias constitucionais
típicas são: direitos fundamentais, estrutura do Estado e organização dos Poderes. Toda constituição
possui supremacia material, pouco importando se ela é rígida (processo de modificação mais solene) ou
flexível (processo de alteração igual ao da lei ordinária).
Para fins de controle de constitucionalidade, por outro lado, não importa a supremacia material,
mas somente a formal.
Apenas a constituição rígida possui supremacia formal. A consequência da supremacia formal da
Constituição, que permite o controle de constitucionalidade, é a hierarquia das normas da constituição
em relação às demais normas do ordenamento.
1. Parâmetro para o controle
Parâmetro não se confunde com objeto. O parâmetro para o controle de constitucionalidade é a
constituição. A lei que está sendo impugnada em face da Constituição é o objeto desse controle de cons-
titucionalidade. Outro termo utilizado como sinônimo de parâmetro é “norma de referência”.
A CR/88 possui três partes:
i) preâmbulo:
Quanto ao caráter normativo do preâmbulo, há três posições na doutrina, mas prevalece na juris-
prudência, inclusive no STF, que ele não possui caráter normativo e, portanto, não serve como parâme-
tro para o controle de constitucionalidade.
Ex.: a Constituição do Acre não reproduz o preâmbulo da CR, no tocante à proteção de Deus. Foi
ajuizada ação no STF questionando a constitucionalidade desse preâmbulo, em virtude da ausência da-
quela disposição. O STF concluiu que o preâmbulo não possui caráter normativo, não podendo ser uti-
lizado como norma de referência ao controle de constitucionalidade.

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Marcelo Novelino e parte da doutrina entendem que o preâmbulo tem uma função de diretriz
hermenêutica (a finalidade jurídica dele seria auxiliar na interpretação da CR). O preâmbulo contém os
valores supremos da sociedade, que devem ser utilizados como fins a serem buscados na hora de inter-
pretar.
ii) parte geral (arts. 1º a 250);
iii) Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
No Brasil, a ideia de ADCT foi desvirtuada, pois tradicionalmente ele serve para a transição entre
sistemas constitucionais e a adaptação da sociedade à nova realidade. Aqui, o ADCT é utilizado não só
para essa transição como para incluir normas transitórias oriundas de emendas da Constituição (ex.:
reforma da previdência e reforma tributária).
As normas do ADCT são elaboradas pelo mesmo processo de alteração da CR, de modo que tanto
ele quanto a parte geral servem de parâmetro para o controle.
Princípios implícitos no texto constitucional também podem servir como parâmetro para o con-
trole de constitucionalidade. Canotilho utiliza a expressão “ordem constitucional global” para abranger
as normas expressas e as implícitas da CR.
A EC/45 ampliou o parâmetro constitucional para incluir os tratados internacionais de direitos
humanos aprovados pelo mesmo processo de criação de Emendas Constitucionais (art. 5º, § 3º, da CR):
Art. 5º (...) § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem apro-
vados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)
A CR exige, portanto, o requisito material (tratar de direitos humanos) e o formal (processo legis-
lativo das emendas constitucionais). Há hoje um tratado sobre direitos humanos que ingressou no or-
denamento jurídico nessa condição: o tratado sobre os direitos das pessoas portadoras de deficiência,
aprovado pelo Dec. 6.949/2009 e seu Protocolo Facultativo.
O tratado não passa a integrar o texto da CR, mas a possuir o mesmo status hierárquico de emenda
constitucional. Uma lei pode ser declarada inconstitucional, portanto, se descumprir norma daquele
tratado.
Hoje, os tratados internacionais, segundo a jurisprudência do STF, possuem uma tripla hierar-
quia:
i) tratados internacionais:
Os tradados internacionais têm status de lei ordinária.
ii) tratados internacionais de direitos humanos não aprovados pelo processo de emenda constitu-
cional52:

52
Aprovação por três quintos dos membros de cada Casa, em dois turnos de votação.

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Os tratados internacionais de direitos humanos não aprovados pelo processo de emenda consti-
tucional têm status supralegal.
Trata-se de entendimento de Gilmar Mendes, oriundo do direito alemão, acompanhado por ou-
tros Ministros. Apesar de estar acima da lei, está abaixo da CR. É o que acontece com os tratados de
direitos humanos anteriores à EC 45/2004.
É possível a aprovação de tratado internacional de direitos humanos por quórum menos rigoroso,
como se extrai da interpretação literal do art. 5º, § 3º. Existe no Congresso Nacional uma recomendação
para votar os tratados com quórum de emenda. Ora, se há tal recomendação, é porque esse procedi-
mento não é obrigatório. O Pacto de São José da Costa Rica é exemplo de norma com status supralegal.
iii) tratados internacionais de direitos humanos aprovados com quórum de emenda constitucio-
nal:
Como visto, os tratados internacionais de direitos humanos aprovados com quórum de emenda
constitucional têm status de emenda.
Valério Mazzuoli entende que, quando o parâmetro é um tratado ou convenção internacional,
fala-se em controle de convencionalidade. Marcelo Novelino adota entendimento diverso, preferindo
falar de controle de convencionalidade somente em se tratando de convenção com status supralegal.
Não existe nenhum mecanismo previsto de controle de convencionalidade. Ele é feito dentro das ações
normais, de forma incidental.
Celso de Mello vem utilizando uma expressão em seus votos, originária do direito francês: “bloco
de constitucionalidade” (ADI 514/PI e ADI 595/ES). O termo é polêmico na doutrina, mas é utilizado
pelo Ministro no sentido de parâmetro de controle de constitucionalidade (“critério de aferição da cons-
titucionalidade de atos do Poder Público”).
Surgiu na França, onde se justifica, em virtude da peculiaridade local: lá, o “bloco” abrange, além
da Constituição de 1958, várias normas que não integram aquele texto, como o preâmbulo da Consti-
tuição Francesa de 1946, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e os princípios implícitos
revelados pelo Conselho Constitucional (como o da continuidade do serviço público).
Para Marcelo Novelino, no Brasil não faz muito sentido usar a expressão, salvo, talvez, para de-
signar os tratados internacionais com status de emenda.
2. Natureza da lei inconstitucional
A lei inconstitucional é um ato inexistente, nulo ou anulável?
1.3. 1º posicionamento: a lei inconstitucional é um ato inexistente
Do ponto de vista lógico, é mais coerente considerar a lei inconstitucional um ato inexistente.
Para que uma norma pertença ao ordenamento jurídico vigente, ela tem de ser elaborada de
acordo com seu fundamento de validade (norma superior). Não sendo assim, ela estaria fora do orde-
namento jurídico.

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Um dos autores que defendem esse ponto de vista chama-se Seabra Fagundes. Para o autor, se
para pertencer a um ordenamento jurídico a norma tem de ser feita de acordo com o seu fundamento
de validade, quando isso não ocorre a norma deve ser considerada juridicamente inexistente.
A inexistência a que se refere a doutrina é a inexistência dentro do ordenamento, no sentido de
não pertencer àquele ordenamento jurídico.
Esse posicionamento é o de menor prestígio.
1.4. 2º posicionamento: a lei inconstitucional é um ato nulo
O segundo entendimento é no sentido de que a lei inconstitucional é um ato nulo. Trata-se da
doutrina norte-americana.
Desde o famoso caso Marbury vs Madison, a doutrina e a jurisprudência norte-americanas enten-
dem que a lei inconstitucional é um ato nulo por possuir um vício de origem. Sendo nula a lei, a decisão
que determina a inconstitucionalidade tem natureza declaratória.
1.5. 3º posicionamento: a lei inconstitucional é um ato anulável
O terceiro posicionamento, defendido por Kelsen, é no sentido de que a lei inconstitucional seria
um ato anulável. Se a lei, enquanto não declarada inconstitucional, continua existindo e produzindo
efeitos, a lei inconstitucional só pode ser considerada um ato anulável.
De acordo com Kelsen, portanto, a decisão de inconstitucionalidade tem natureza constitutiva, e
não meramente declaratória.
Esse posicionamento é reforçado por um princípio aceito em grande parte dos ordenamentos ju-
rídicos: princípio da presunção de constitucionalidade das leis. O princípio existe para manter a impe-
ratividade da lei, evitando o descumprimento sob a alegação de inconstitucionalidade sem decisão ex-
pressa do Poder Judiciário nesse sentido. A presunção de que trata o princípio é relativa, admitindo
prova em contrário. Se fosse absoluta, não haveria controle de constitucionalidade.
Dentre as três teorias, a doutrina majoritária brasileira e o STF adotam a do direito norte-ameri-
cano, no sentido de que a lei inconstitucional seria um ato nulo. Todavia, em razão da possibilidade de
modulação temporal dos efeitos da decisão, esse posicionamento vem sendo questionado por parte da
doutrina.
3. Formas de inconstitucionalidade
1.6. Quanto ao tipo de conduta praticada pelo Poder Público
Sempre que a CR/88 faz menção a controle de constitucionalidade, ela se refere ao controle dos
atos do Poder Público. Nunca se refere a controle de constitucionalidade de atos praticados por parti-
cular, ainda que se possa dizer que o ato do particular fere a constituição. É nesse sentido que serão
analisadas neste tópico as questões atinentes ao controle de constitucionalidade.
A inconstitucionalidade, quanto à conduta praticada pelo Poder Público, pode ser por ação ou por
omissão.

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3.1.1. Inconstitucionalidade por ação


Inconstitucionalidade por ação é a conduta positiva incompatível com a CR, como a criação de
uma lei inconstitucional.
3.1.2. Inconstitucionalidade por omissão
Quando o Poder Público não adota ou adota de forma insuficiente as medidas necessárias para
tornar plenamente aplicáveis normas da Constituição que carecem de efetividade, normas da Consti-
tuição que necessitam de intermediação por parte do legislador.
Nos casos em que a Constituição exige que determinada conduta seja criminalizada como forma
de proteger um dado bem jurídico e o legislador queda-se inerte, há omissão parcial (Ex.: A Constituição
garante a inviolabilidade do direito à vida, mas o legislador não criminaliza o fato de uma pessoa matar
a outra).
A omissão parcial pode se dar também quando a norma não é autoexecutável/autoaplicável (Ex.:
Nos termos do Art. 7º, IV, CF, o salário mínimo unificado na forma da lei, deve atender as necessidades
vitais básicas previstas no texto constitucional. Se o legislador ordinário regulamentar a matéria e esta-
belecer um salário mínimo que não dê conta de suprir tais necessidades, ele recai em espécie de omissão
parcial). Observe que a omissão parcial acaba se confundindo com a inconstitucionalidade por ação
parcial, pois há uma conduta do Poder Público (isto é, ele não se omite totalmente), mas esta conduta é
insuficiente para proteger de forma adequada o bem jurídico constitucional.
Para sanar as omissões, a CR prevê dois instrumentos:
i) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO): é instrumento de controle concen-
trado abstrato
ii) Mandado de Injunção: criado pela CR/88 é instrumento de controle difuso limitado (pode ser
julgado por alguns tribunais, como será estudado oportunamente).
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Celso de Mello utiliza a expressão do autor alemão Karl Lowenstein “fenômeno da erosão da cons-
ciência constitucional” para designar o preocupante processo de desvalorização funcional da Constitui-
ção escrita. Segundo o autor alemão, quando a CR impõe um dever aos Poderes Públicos (legislar, criar
escolas etc.), a omissão deles pode fazer com que a Constituição perca a sua credibilidade, fique desa-
creditada.
3.1.2.1. O estado de coisas inconstitucional
O ECI é uma expressão criada na Corte Colombiana53, a qual foi trazida ao Brasil na ADPF 347,
que analisou o sistema carcerário brasileiro.
É composto tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos. Ele não se enquadra exclusiva-
mente na inconstitucionalidade por ação nem na inconstitucionalidade por omissão.
3.1.2.1.1. Pressupostos para a configuração
O ECI possui três pressupostos, denominados por Marcelo Novelino de fático, político e jurídico,
vejamos cada um deles:
i) FÁTICO = violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais a afetar um número
elevado e indeterminado de pessoas. Só haverá ECI quando a violação for coletiva, não será
individualizada. Por exemplo, na Colômbia as FARC estavam expulsando as pessoas de suas
residências.
Ressalta-se que o ECI afeta tanto a dimensão subjetiva (titular do direito) quanto a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais (coletividade). Por exemplo, o direito à vida é um direito subjetivo
de cada cidadão de não ser condenado a morte (salvo no caso de guerra declarada). Por outro lado,
alguns entendem que o feto e o embrião não são titulares do direito à vida, pois este direito inicia- se
somente com o nascimento com vida. No entanto, isso não significa que o feto e o embrião não estejam
protegidos pelo ordenamento jurídico, quando a Constituição diz que o direito à vida é inviolável. O
direito à vida do feto e do embrião é importante para a comunidade (dimensão objetiva)
No caso de violação sistêmica e generalizada há uma proteção deficiente ou insuficiente da di-
mensão objetiva de um determinado direito fundamental. Portanto, o direito fundamental não é prote-
gido de maneira adequada, incide o princípio da proibição da proteção deficiente.
ii) POLÍTICO = conjunto de ações e omissões reiteradas tendentes a perpetuar ou agravar o
quando de inconstitucionalidade. Ou seja, os poderes públicos ao invés de contribuírem para
que o problema seja solucionado, acabam agravando a crise. O melhor exemplo é o sistema
carcerário brasileiro, tendo em vista que presos não votam e que o investimento em qualidade

53 Os dois casos mais significativos foram: i) o de deslocamento forçado de pessoas de determinada regiões
da Colômbia que tiveram que abandonar suas casas em razão da invasão das FARC; ii) o de superlotação de pre-
sídios (mesmo caso em que o tema surgiu na jurisprudência do STF – ADPF 347 – foi declarado pelo STF o ECI
em relação ao sistema carcerário).
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de vida para os segregados não é visto com bons olhos pela sociedade, afinal para o senso co-
mum e defendido pela maioria dos parlamentares em busca de voto, “bandido bom é bandido
morto” (verdadeiro absurdo).
iii) JURÍDICO = necessidade de medidas estruturais para a solução das falhas. Por exem-
plo, a crise no sistema carcerário brasileiro é global, não é apenas do Executivo ou do Legisla-
tivo ou do Judiciário, mas sim é decorrente de um conjunto de falhas dos três poderes, devendo
ser adotadas medidas estruturais.
3.1.2.1.2. Medidas judiciais
As medidas judiciais são adotadas com o intuito de proteger a dimensão objetiva dos direi-
tos fundamentais, ou seja, são medidas voltadas a resolver um “litígio estrutural” que é caracterizado
pelo alcance a um número amplo de pessoas e órgãos, bem como implica ordens de execução complexa
(medidas não ortodoxas). Cita-se, como exemplo, reformulação dos ciclos orçamentários e de políticas
públicas.
Para isso, exige-se uma atuação proativa do Poder Judiciário, são adotadas medidas ca-
pazes de superar os desacordos políticos institucionais, a falta de coordenação dos órgãos públicos, os
temores dos custos políticos da decisão e de corrigir a sub-representação de grupos minoritários e dis-
criminados (presos, por exemplo).
Assim, o Poder Judiciário não se limita a determinar que o Poder Público faça algo, ele participa
tanto da parte de formulação quanto de execução de determinadas políticas. Para que o ECI possa ser
minimizado ou superado, o PJ busca minorar a falta de coordenação entre os órgãos públicos ou a omis-
são decorrente dos temores dos custos políticos de determinadas medidas (quando o Legislativo e o
Executivo não querem assumir tais custos políticos); no caso de sub-representação de grupos sociais
minoritários ou marginalizados (papel contra majoritário).
O Poder Judiciário não especifica qual é o tipo de medida a ser adotada. Formula “ordens flexí-
veis”, ou seja, cria determinados parâmetros, dentro dos quais o Legislativo e o Executivo devem atuar.
Em suma, o Poder Judiciário deixa uma margem de criação legislativa e de execução que devem ser
esquematizadas e avançadas pelos outros Poderes. Além de formular ordens flexíveis, para que haja um
bom funcionamento desta decisão, é necessário um monitoramento contínuo, a fim de garantir os re-
sultados.
O Poder Judiciário atua como um coordenador do “diálogo institucional” entre os Poderes, to-
mando a iniciativa de coordenar os Poderes Públicos para que eles possam dialogar a respeito daquela
questão.
Críticas: Basicamente, são as mesmas críticas que se faz ao Ativismo Judicial.
i) O Poder Judiciário estaria invadindo a esfera dos demais Poderes (violação ao princípio da
separação dos poderes).
No entanto, é preciso compreender que quando os Poderes Públicos se omitem, o Poder Judiciário
é obrigado a atuar de forma proativa.
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Nesse sentido, é imperioso notar que o conceito de democracia não é mais analisado sob a ótica
formal, ou seja, não se analisa o que é ou não democrático sob o crivo da vontade da maioria, deve ser
analisada a dimensão material, que abrange não só a premissa majoritária, mas também a necessidade
de proteger os direitos básicos de todos, inclusive o das minorias.
Nessa ordem de ideias, quem, por muitas vezes, deve atender à esse papel contramajoritário é o
judiciário uma vez que, em termos políticos é o mais neutro, pois, não depende do voto para se manter.
ii) Déficit de legitimidade democrática do Poder Judiciário. No entanto, atualmente, a democra-
cia não é vista apenas no seu aspecto formal (premissa majoritária), mas também no aspecto
substancial, ao exigir o respeito aos direitos básicos de todos, inclusive das minorias. A maioria
não pode impor sua vontade, deve-se observar os direitos básicos das minorias.
1.7. Quanto à norma constitucional ofendida (o parâmetro violado)
Quanto à norma constitucional ofendida (o parâmetro violado), a inconstitucionalidade pode ser
material ou formal.

3.1.3. Inconstitucionalidade material


A inconstitucionalidade material é a de conteúdo (o conteúdo da lei é incompatível com o conte-
údo de uma norma constitucional). Geralmente, a norma constitucional cujo conteúdo é ofendido ins-
titui um direito, como os Direitos Fundamentais. A Lei de Crimes Hediondos, no dispositivo da pro-
gressão de regime, foi declarada materialmente inconstitucional.

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3.1.4. Inconstitucionalidade formal
Na inconstitucionalidade formal, há uma norma de procedimento violada.
A inconstitucionalidade formal pode ser subjetiva ou objetiva.
3.1.4.1. Inconstitucionalidade formal propriamente dita
3.1.4.1.1. Inconstitucionalidade formal subjetiva
A inconstitucionalidade formal subjetiva é a relativa ao sujeito competente para a elaboração de
uma norma. Trata-se de um vício de iniciativa. Ex.: art. 61, § 1º, da CR:
Art. 61 (...) § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou au-
mento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e
pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabili-
dade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais
para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no
art. 84, VI (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabili-
dade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18,
de 1998)
Nas constituições estaduais e nas leis orgânicas municipais, essa norma tem de ser repetida, para
atribuir ao Governador ou ao Prefeito as mesmas competências.
A sanção presidencial não supre o vício de iniciativa. Há uma Súmula antiga do STF (Súmula
nº 554), elaborada antes da CR/88, cujo conteúdo não é mais aplicado pelo STF, devendo ser desconsi-
derada:
Não houve substituição formal, mas o STF, após a CR/88, passou a adotar o entendimento de que
o vício de iniciativa é insanável. Nessa hipótese, a lei será formalmente inconstitucional (inconstitucio-
nalidade formal subjetiva).
3.1.4.1.2. Inconstitucionalidade formal objetiva
Inconstitucionalidade formal objetiva é a inobservância do processo legislativo.
Hipótese comum é a oriunda da regulamentação de determinada matéria por lei ordinária,
quando a CR determina que se trate de matéria reservada à lei complementar (arts. 69 e 47, da CR):

54 Súmula 5 - A SANÇÃO DO PROJETO SUPRE A FALTA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO (VIDE


OBSERVAÇÃO).
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Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Co-
missões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. [Quórum
para a aprovação de lei ordinária.]
Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.
3.1.4.2. Inconstitucionalidade formal orgânica
Violação de norma constitucional que estabelece competência legislativa para tratar de alguma
matéria. É um termo utilizado pela doutrina (o Supremo só usa as designações “inconstitucionalidade
formal” e “material”). Ex: ADI 2220/SP. Essa ação tinha como parâmetro o art. 22, I, da CF, e em face
dele questionava a constitucionalidade de dispositivo da Constituição Estadual de SP, que previa o jul-
gamento dos crimes de responsabilidade por Tribunal Especial, quando, na verdade, somente a União
poderia legislar sobre o assunto (competência do art. 22, I, da CF é privativa da União).
1.8. Quanto à extensão da inconstitucionalidade
Quanto à extensão, a inconstitucionalidade pode ser total ou parcial.
3.1.5. inconstitucionalidade total
Exemplo de inconstitucionalidade total é aquela inconstitucionalidade formal em que o Estado-
membro veicula, por lei estadual, matéria privativa de lei federal.
3.1.6. inconstitucionalidade parcial
No que se refere à inconstitucionalidade parcial, indaga-se: pode ser declarada determinada pa-
lavra ou expressão inconstitucional?
A inconstitucionalidade parcial não se confunde com o veto parcial (art. 66, § 2º)
Art. 66 (...) § 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso
ou de alínea.
O disposto no art. 66, § 2º da CR não se aplica à inconstitucionalidade parcial. Com efeito, é ad-
missível a declaração de inconstitucionalidade de uma palavra ou expressão.
Exemplo interessante: as constituições de São Paulo e Minas Gerais possuem dispositivos pre-
vendo a competência do TJ para julgar a ADI de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da
CE e da CR. O que há de inconstitucional nessas normas é que a CR, em seu art. 125, § 2º55 diz caber
aos estados a representação de inconstitucionalidade 56 de lei ou ato normativo estadual em face da
Constituição Estadual, não autorizando que a CR seja o parâmetro para o TJ, pois o guardião da CR

55
Art. 125 (...) § 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou
atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação
para agir a um único órgão.

56
A “representação de inconstitucionalidade” é expressão utilizada pelas Constituições anteriores à de
1988. Melhor teria sido que o texto constitucional houvesse utilizado a nova nomenclatura, o que não ocorreu.

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é o STF, não o TJ. O STF somente considerou inconstitucional essa parte final dos dispositivos estadu-
ais.
O STF pode declarar inconstitucional uma palavra ou expressão de dispositivo desde que não haja
alteração de sentido do restante dele. Ex.: caso uma norma dissesse “não poderá ser praticada a conduta
‘A’”, o STF não poderia declarar inconstitucional a palavra “não”, sob pena de inversão do sentido da
norma.
1.9. Quanto ao momento em que ocorre a inconstitucionalidade
Quanto ao momento em que ocorre, a inconstitucionalidade pode ser originária ou superveniente.

3.1.7. Inconstitucionalidade originária


Na inconstitucionalidade originária, a lei já surge incompatível com a CR (tem um vício de ori-
gem). Ex.: norma constitucional originária de 1988 como parâmetro e uma lei elaborada em 1990 como
objeto de controle.
3.1.8. Inconstitucionalidade superveniente
Na inconstitucionalidade superveniente, a lei nasce compatível com a CR (caso da Lei de Im-
prensa, que era constitucional segundo a Constituição de 1967), mas torna-se incompatível com a nova
ordem constitucional.
Na inconstitucionalidade originária, o objeto é criado após o parâmetro. Na super-
veniente, o surgimento do objeto é anterior ao do parâmetro.
A lei que, originariamente, era constitucional, se torna incompatível com a nova Constituição.
A distinção entre as formas de inconstitucionalidade quanto ao momento em que ocorre é funda-
mental para a análise do mecanismo de controle concentrado cabível. Ex.: a constitucionalidade da Lei
de Imprensa foi objeto de ADPF, pois não poderia ter sido impugnada por ADI (não é inconstitucional
supervenientemente, mas não recepcionada, por isso não cabe a ADI).
No Brasil, não se adota a expressão “inconstitucionalidade superveniente”. Aqui, ela é tratada
como “não recepção” (ADPF 130). Em Portugal, há previsão expressa acerca da inconstitucionalidade
de norma por infração de norma constitucional posterior (art. 282, 2, da Constituição Portuguesa):

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Isso ocorre uma vez que no Brasil se adota a teoria de Hans Kelsen, de acordo com a qual um ato
só é inconstitucional quando o poder público age de forma contrária à Constituição. Na hipótese de
inconstitucionalidade superveniente, o poder público não age de forma contrária à Constituição; age de
forma compatível com a Constituição da época, só que, posteriormente, aquele parâmetro é alterado.
Com a alteração do parâmetro, aquela norma que era originariamente constitucional, acaba se tornando
incompatível.
Inicialmente, o STF utilizava o termo “revogação” para designar a não recepção, mas a expressão
é incorreta, é uma expressão equivocada, pois a revogação, tecnicamente, ocorre quando um mesmo
Poder faz outro ato de mesma densidade normativa revogando o anterior. Ou seja, uma vez que a norma
constitucional é fruto do Poder Constituinte, e não do Poder Legislativo, não pode um ato do Legislativo
revogar o ato do Poder Constituinte, assim como MP não revoga Lei ou Lei Federal uma Lei Estadual.
3.1.8.1. Mutação constitucional
Nos casos de mutação constitucional, a norma objeto é posterior ao dispositivo constitucional,
mas anterior à norma parâmetro, entretanto a doutrina entende pela inconstitucionalidade superveni-
ente.
Para se entender esta hipótese, é necessário lembrar que texto (dispositivo) e norma não se con-
fundem. Texto é o enunciado normativo contido na lei ou constituição (é o que está escrito nos artigos,
parágrafos, incisos e alíneas). Já a norma, é o produto/resultado da interpretação do texto.
Nesse sentido, v.g. quando a CF/88 foi criada, no art. 5º XLVI, foi consagrado o chamado princí-
pio da individualização da pena. Trata-se de um dispositivo originário da CF/88. Em 1990, o legislador
ordinário fez a Lei 8.072/90, prevendo em seu art. 2º, parágrafo 1º, a vedação da progressão do regime
em abstrato no caso da prática de crimes hediondos. Nota-se que esse dispositivo da Lei (norma objeto)
é posterior à norma parâmetro (Art. 5º, XLVI). Contudo, quando a CF/88 foi feita e na época em que a
Lei 8.072/90 foi introduzida, o STF interpretava esse princípio da individualização da pena de uma
maneira, extraindo do dispositivo a “norma A”. Posteriormente, o Supremo passou a extrair do mesmo
dispositivo uma norma diferente, qual seja a “norma B”. A Lei 8.072/90, que era considerada origina-
riamente constitucional em relação à interpretação dada pelo Supremo na época, com a mudança de
interpretação do STF, passou a ser incompatível com a nova inteligência do princípio da individualiza-
ção da pena. Segundo o Supremo, trata-se de hipótese de inconstitucionalidade.
3.1.9. Inconstitucionalidade progressiva
A inconstitucionalidade progressiva ocorre quando a norma, embora ainda constitucional, ante
às circunstâncias fáticas-jurídicas existentes, caminha progressivamente para a inconstitucionalidade.
Trata-se de uma situação constitucional imperfeita, situada entre a constitucionalidade plena da
norma e a inconstitucionalidade absoluta. A norma nem é plenamente constitucional nem é absoluta-
mente inconstitucional. Em uma análise de custo-benefício conclui-se que a manutenção da norma é

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melhor do que a sua exclusão do ordenamento jurídico. É melhor mantê-la temporariamente até que a
situação seja corrigida.57

1.10. Quanto ao prisma de apuração


Quanto ao prisma de apuração, há três espécies de inconstitucionalidade: antecedente (ou direta),
consequente (ou indireta) e reflexa ou oblíqua (também considerada indireta).

3.1.10. Inconstitucionalidade antecedente (ou direta)


Na inconstitucionalidade antecedente (ou direta), a lei ou o ato normativo viola diretamente a CR,
sem nenhum outro ato interposto.
Assim, resulta da violação frontal à Constituição, ante a inexistência de ato normativo situado
entre a norma-objeto e o parâmetro ofendido. Ex.: a violação à Constituição por uma lei =>
Neste caso, a lei poderá ser objeto de uma ADI, ADC OU ADPF!
3.1.11. Inconstitucionalidade consequente (ou indireta)

57 Ex. HC 70.514/RS – O Supremo entendeu que, de fato, deve haver uma igualdade entre as partes do
processo. Contudo, existe uma desigualdade fática neste caso entre a Defensoria Pública e o Ministério Público.
Na prática, a Defensoria Pública, na maioria dos Estados, não tem a mesma estrutura, o mesmo pessoal e a mesma
organização do MP. Se há uma desigualdade fática entre os dois órgãos, há uma justificativa para um tratamento
diferenciado. No dia em que a DP tiver a mesma estrutura que o MP, este dispositivo irá migrar para a inconsti-
tucionalidade.
95

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Na inconstitucionalidade consequente (ou indireta), como o próprio nome já diz, determinado
decreto regulatório de lei inconstitucional será considerado inconstitucional como consequência da in-
constitucionalidade da lei que ele regula. Ou seja, o decreto só é inconstitucional porque a lei que ele
disciplina é incompatível com a CR.
Ocorre quando há um ato interposto entre a CF e o ato impugnado, importante lembrar que esse
tipo de inconstitucionalidade, em regra, não desafia controle abstrato de constitucionalidade.
Ex.: Suponha-se que o ato impugnado seja um Decreto. Entre este Decreto e a Constituição existe
uma lei regulamentadora (ato interposto).
3.1.11.1. Inconstitucionalidade consequente

Ocorre nos casos onde o vício de uma norma atinge outra norma dela dependente. No exemplo
acima, a inconstitucionalidade da lei é direta/imediata e, por consequência, o decreto que a regulamenta
também será inconstitucional.
Ex: lei estadual tratou de uma matéria que era de competência da União. Essa lei é inconstitucio-
nal (inconstitucionalidade formal orgânica). É expedido um decreto regulamentando a lei estadual. A
inconstitucionalidade do decreto é uma consequência da inconstitucionalidade da lei. Mesmo que o STF
não seja questionado a respeito do decreto, mas apenas da lei, ele poderá declarar inconstitucional do
decreto por arrastamento.
Importante notar que o legitimado ativo pode impugnar, nesse caso, o decreto em eventual con-
trole abstrato, mas não somente ele, devendo a impugnação ser feita também em relação à lei estadual.
3.1.12. Inconstitucionalidade reflexa (ou oblíqua)
Na inconstitucionalidade reflexa (ou oblíqua), diferentemente da consequente, a lei é constituci-
onal.
Assim, resulta da violação a normas infraconstitucionais interpostas, isto é, localizadas entre a
Constituição e o ato violador. Nesse caso, a lei é constitucional, mas o decreto correspondente é ilegal
por exorbitar os limites da regulamentação legal, tratando de temas não contidos na lei, por exemplo.
Sendo o decreto ilegal, será também, por via reflexa ou oblíqua, inconstitucional.
De se notar que não há inconstitucionalidade consequente, mas o decreto é ilegal e, indiretamente
(de forma reflexa), atinge a Constituição (art. 84, IV, CR):
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para
sua fiel execução;
Se o chefe do Executivo emite um decreto que não seja para fiel execução da lei, além de violá-la,
ele viola também a Constituição. O decreto será submetido a controle de legalidade, não de
constitucionalidade, pois fere diretamente a lei, violando a CR somente de forma re-
flexa.
Observa-se que nem todo Decreto viola a Constituição de forma indireta. Pode ser que haja um
decreto autônomo, expedido pelo Presidente da República para tratar de tema previsto na Constituição.
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Nesta hipótese, o Presidente estará violando diretamente a Constituição de modo que cabe ADI ou ADC
contra ele. O mesmo se aplica as Resoluções que, de modo autônomo e regulando matéria que não está
prevista em lei, contrariam a Constituição.
A distinção das referidas espécies é fundamental para a análise de cabimento de controle abstrato.
Para caber ADI/ADC/ADPF, em regra, a norma tem que violar a Constituição diretamente, não pode
ser uma violação apenas indireta. Um Decreto ilegal, por exemplo, não pode ser objeto dessas ações.
Exceção: Como visto, nos casos da inconstitucionalidade consequente, na qual, como a lei é in-
constitucional, pode ser proposta uma ADI tendo como objeto esta Lei, mas, como o Decreto também é
inconstitucional em virtude da inconstitucionalidade da Lei, aquele que propõe a ADI pode pedir ao
Supremo a declaração de inconstitucionalidade da Lei e, por consequência, do Decreto. Mesmo que na
ADI apenas a Lei seja impugnada, nada impede que o Supremo, de ofício, por arrastamento, declare
também a inconstitucionalidade do Decreto.
Diversamente, a inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, não pode ser o decreto objeto de
ADI/ADC/ADPF, uma vez que a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade.
1.11. Quadro sinótico

4. Formas de controle da inconstitucionalidade

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1.12. Quanto à natureza do órgão que exercerá o controle
Quanto à natureza do órgão que o exercerá, o controle pode ser político e jurisdicional.
1.12.1. 5.1.1 – controle político
O controle político é aquele feito por qualquer órgão que não tenha natureza jurisdicional. É o
preconizado por Carl Schmitt, que defendia que o presidente do “Reicht” deveria controlar a lei.
A França adota o sistema político. O Conselho Constitucional é órgão de cúpula do poder francês.
Não integra nem o Executivo nem o Judiciário. Os ex-presidentes têm cadeira cativa no Conselho, po-
dendo participar de todos, alguns ou nenhum julgamento.
1.12.2. 5.1.2 – controle jurisdicional
Controle jurisdicional é aquele em que o controle de constitucionalidade é feito pelo Judiciário.
Os controles norte-americano e brasileiro são jurisdicionais, pois a função principal de exercer o con-
trole é do Judiciário. Ainda que outros poderes tenham, excepcionalmente, essa atribuição, é ele que dá
a palavra final.
1.12.3. 5.1.3 – controle misto
Na Suíça, há um sistema misto: as leis locais são controladas pelo Judiciário (controle jurisdicio-
nal), mas as leis nacionais são controladas pelo Poder Legislativo (o Parlamento Suíço, que realiza con-
trole político).
1.13. Quanto ao momento em que o controle ocorre
Quanto ao momento em que ocorre, o controle pode ser preventivo ou repressivo. Não se deve
não confundir esta classificação, que leva em conta o momento em que a inconstitucionalidade ocorre,
com a anterior, que leva em conta a natureza do órgão que exerce o controle.
O STF entende que o controle repressivo só pode ser feito depois que o ato for considerado como
pronto e acabado, isto é, após a lei ser editada, promulgada e publicada58. Há, no entanto, uma
exceção. Trata-se das situações em que a lei é publicada após a propositura da ação, mas antes do jul-
gamento. Neste caso, a publicação superveniente autoriza que seja realizado o controle concentrado59.

58 ADI 466/MC/DF.
59 ADI 3.367/DF.
99

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4.1.1. Controle preventivo
No controle de constitucionalidade preventivo, há mecanismos para evitar a ocorrência
da lesão. No Brasil, realizam controle preventivo o Legislativo, o Executivo e, excepcionalmente, o
Judiciário (em um único caso).
4.1.1.1. Legislativo
Os órgãos do Legislativo que realizam esse controle preventivo são as Comissões de Constitui-
ção e Justiça. Antes de qualquer projeto de lei ser votado em cada uma das Casas, ele passa pelo
controle da CCJ. O anteprojeto que modificava a proibição do aborto foi barrado pela CCJ, entendendo
os Deputados que ele violava o direito à vida.
O parecer da Comissão não é terminativo e vinculante para os demais parlamentares.
Assim, não só a CCJ pode realizar o controle preventivo, mas também o Plenário da Casa, uma
vez que se os parlamentares quiserem, eles podem recorrer para levar a questão ao Plenário, desde que
haja a manifestação nesse sentido de 1/10 de seus membros.
O Parlamento ainda exerce o controle preventivo nos casos de Delegação atípica (CRFB/88, Art.
68, § 3º), que diz respeito à possibilidade de delegação do Congresso Nacional ao Presidente da Repú-
blica para edição de lei chamada delegada. Pode a delegação ser típica ou atípica. Na típica, todo o res-
tante se passa no próprio Poder Executivo é ele quem elabora a lei e a promulga; na atípica, há o retorno
da lei ao Congresso Nacional para análise.
CRFB, Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá soli-
citar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os
de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei
complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus
membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2º A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional,
que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em
votação única, vedada qualquer emenda.
4.1.1.2. Executivo
O ato através do qual o chefe do Executivo realiza o controle preventivo é o veto jurídico (art.
66, § 1º, da CR60) e não o político (“contrário ao interesse público”, como o caso de aumento do salário
mínimo, realizado pelo Congresso, passível de causar problemas às finanças públicas).

60
Art. 66 (...) § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional
ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data
100

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4.1.1.3. Judiciário

O Poder Judiciário realiza o controle preventivo em um único caso: através de Mandado de Se-
gurança impetrado por parlamentar, quando não for observado o devido processo legis-
lativo constitucional. Trata-se de questão que vem sendo bastante cobrada em provas de concurso.
Nessa hipótese, a finalidade principal do controle não é assegurar a supremacia da Constituição, mas
proteger um direito subjetivo do parlamentar: o direito à observância do devido processo legislativo
constitucional. É por isso que apenas o parlamentar da casa na qual o projeto esteja em tra-
mitação é legitimado para impetrar o MS. Se não pertencer àquela Casa, o parlamentar não
estará participando do processo legislativo.
Exemplo clássico de concurso: cláusulas pétreas (art. 60, § 4º). Uma proposta de emenda capaz
de abolir cláusula pétrea é tão grave que sequer pode ser objeto de deliberação. Apresentada proposta
com tal conteúdo, o art. 60, § 4º pode desde logo ser considerado violado, de modo que o parlamentar
que participa do projeto legislativo respectivo já pode impetrar MS. Um Deputado Federal apresentou
PEC prevendo plebiscito para a inclusão de outros casos de pena de morte. Uma Deputada do PT impe-
trou MS e ganhou, de modo que a matéria sequer chegou a ser discutida.
Esse controle judicial preventivo, concentrado, é incidental ou concreto, e não abstrato, cuja fina-
lidade principal é proteger o direito do parlamentar.
Assim, deve-se frisar que a violação do processo legislativo deve ser referente à CF, de modo que
não cabe impetração de mandado de segurança se a norma violada for de regimento interno, pois, nesse
caso, será processo legislativo regimental, e não processo legislativo constitucional.
Ademais, com o término do mandato do parlamentar: por ser um direito subjetivo, o mandado de
segurança será extinto sem julgamento de mérito por perda do objeto (perda superveniente da legiti-
midade61)
Há autores que sustentam que, além do parlamentar, o Presidente da República seria legitimado
para a impetração do MS, mas a decisão do STF é bem clara no sentido de que só o Parlamentar possui
tal legitimidade. Novelino concorda com o STF, pois se o presidente entender que o projeto é inconsti-
tucional ele simplesmente veta (primeira participação do presidente no processo legislativo).
4.1.2. Controle repressivo

do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do
veto.

61 STF – MS 27.971/DF: Ementa: [...] perda superveniente, pelo impetrante, de sua condição político-jurí-
dica de parlamentar. impossibilidade de prosseguimento da ação mandamental. legitimação ativa “ad causam”
que deve estar presente, juntamente com as demais condições da ação, no momento da resolução do litígio (cpc,
art. 462).”
101

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O controle de constitucionalidade repressivo é realizado após a conclusão do processo legislativo,
com objetivo de reparar ofensa à Constituição. Ele também pode ser exercido pelos três Poderes.
4.1.2.1. Legislativo
O Legislativo pode exercer controle repressivo de constitucionalidade em três casos:
i) art. 49, V, da CR:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...)
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou
dos limites de delegação legislativa;
Nesta hipótese, há um ato normativo, já produzindo efeitos, elaborado pelo Presidente da Repú-
blica, que é sustado (suspenso) por violar o texto constitucional.
A expressão “exorbitem do poder regulamentar” significa que, se o decreto não for para a “fiel
execução da lei”, o Congresso Nacional pode sustar-lhe os efeitos, na parte irregular. Já a expressão “dos
limites da delegação legislativa” refere-se à lei delegada. Praticamente não há lei delegada no Brasil, em
virtude da existência das Medidas Provisórias. Caso o Congresso delegue a elaboração de determinada
lei ao Presidente e ele vá além dos limites da delegação, o Congresso pode também sustar a parte que
exorbita a delegação. Nos dois casos, portanto, há controle repressivo.
ii) art. 62 da CR (Medidas Provisórias):
Quando o Congresso rejeita uma MP por entender que ela viola a CR, está exercendo
controle de constitucionalidade.
iii) Súmula 347 do STF:
Súmula 347 - O tribunal de contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucio-
nalidade das leis e dos atos do poder público.
Na hipótese da Súmula 347 do STF, quem exercerá o controle de constitucionalidade é o Tribunal
de Contas. Ela é enquadrada dentro do controle repressivo realizado pelo Legislativo por ser o Tribunal
de Contas um órgão auxiliar do Poder Legislativo (ainda que seja autônomo, não subordinado a ele).
O controle é feito no exercício das atribuições: o Tribunal de Contas não é provocado para tanto.
Ex.: Itamar Franco, com base em dispositivo da CE/MG que permitia o ingresso de servidores sem con-
curso, nomeou dessa forma alguns servidores. O TC, ao fiscalizar essas nomeações, as considerou in-
constitucionais, antes mesmo da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo pelo STF.
Obs.: Esta súmula tem sido questionada pelo Min. Gilmar Mendes em alguns julgados, mas a
súmula continua válida.
Obs.: O Tribunal de Contas, ao exercer esse controle de constitucionalidade, tem de observar a
cláusula da reserva de plenário (art. 97, CF)? Não se aplica ao TC a cláusula da reserva de plenário, pois
não se trata de órgão do Poder Judiciário. Quando fala em “tribunal”, o art. 97 refere-se a um tribunal
do Judiciário, pois é um dispositivo localizado na parte que trata do Poder Judiciário, logo, não é qual-
quer tribunal que deve observar a cláusula.
4.1.2.2. Executivo

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Controle repressivo feito pelo Executivo: o chefe do Executivo pode negar cumprimento a
uma lei que entenda ser inconstitucional. Para que não fique caracterizado crime de responsabi-
lidade nem enquadramento na hipótese de intervenção, ele deverá motivar e dar publicidade ao seu ato.
Esta possibilidade é exclusiva do chefe do Executivo. Nenhuma outra autoridade dentro da Ad-
ministração Pública pode fazê-lo (Ministros, Secretários, servidores comuns etc.). O chefe do Executivo
pode negar cumprimento à lei até decisão do STF, que seja vinculante a ele, declarando a constitucio-
nalidade do dispositivo. Muitas pessoas questionam essa hipótese, mas a justificativa, basicamente,
passa pelo seguinte raciocínio: não existe hierarquia entre os Poderes. Se não há subordinação, o Exe-
cutivo e o Judiciário observam as leis por estarem subordinados à CR. Agora, se a lei é inconstitucional,
da mesma forma que o Juiz pode negar a aplicação da lei, também o Executivo pode fazê-lo. Enquanto
o STF não declara a constitucionalidade da lei, a presunção de constitucionalidade é relativa.
Alguns autores entendem que, se o Presidente e o Governador negam a aplicação da lei, devem,
por questão de coerência, ajuizar ADI ou ADC. Gilmar Mendes possui posicionamento pessoal nesse
sentido. Se a CE arrola o Prefeito como legitimado, também se aplica a ele esse entendimento.
Alguns autores sustentam que, após a CR, essa hipótese não é mais possível, pois antes dela so-
mente o PGR poderia propor ADI. Esses autores defendem que, uma vez legitimados para a ADI, deve-
riam ajuizá-la, com pedido liminar. Tanto o STF quanto o STJ entendem que, mesmo após a CR/88, é
possível a negativa de cumprimento62. Há jurisprudência do STF dizendo que o chefe do Executivo deve
negar cumprimento à lei inconstitucional.
Itamar Franco negou cumprimento à medida provisória do apagão (FHC), até a liminar concedida
pelo STF no sentido da constitucionalidade.
4.1.2.3. Judiciário
Controle repressivo feito pelo Judiciário: pode ser difuso (sistema americano) ou concentrado
(europeu). Enquanto no controle preventivo os órgãos encarregados são principalmente o Executivo e
o Legislativo, no repressivo o papel principal é exercido pelo Judiciário.
Como no Brasil há a combinação dos sistemas norte-americano e europeu, fala-se que aqui o sis-
tema jurisdicional de controle é misto ou combinado. Misto, aqui, não com relação aos sistemas político
ou jurisdicional, mas com relação aos sistemas difuso e concentrado. Nosso sistema é jurisdicional, mas,
dentro dele, misto (por isso, o professor prefere falar em combinado).
4.1.3. Quadro Sinótico

62 STF: ADI 221-MC. STJ: REsp 23.121. / STJ REsp 23.121


103

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1.14. Quanto à competência jurisdicional (ao número de órgãos


competentes para a realização)
Quanto ao órgão do Judiciário que pode exercê-lo, o controle de constitucionalidade pode ser
difuso ou concentrado.

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4.1.4. Controle difuso ou aberto


Difuso é o controle que pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, ao analisar processo de
sua competência. É aberto para todo o Poder Judiciário.
Surgiu nos EUA, razão pela qual é conhecido como sistema norte-americano de controle de cons-
titucionalidade. 99,9% da doutrina diz que ele teria surgido da decisão proferida por John Marshall, em
1803, no caso Marbury vs Madison63.
Na verdade, foi a primeira vez que a Suprema Corte norte-americana declarou uma lei inconsti-
tucional, mas não a primeira em que ela exerceu o controle de constitucionalidade, o que já havia ocor-
rido dois casos: i) “Hayburn’s case” (1792): decisão das Cortes de Circuito (equivalentes aos TRF’s); e
ii) “Hylton vs US” (1796): nesse caso, a lei foi declarada constitucional.
O controle difuso é adotado por países de common law, em que o precedente possui força de lei.
Nesses países, vige o conceito de stare decisis: exige-se que seja conferido o devido peso aos preceden-
tes. A decisão da Suprema Corte no controle difuso não possui somente efeito inter partes, mas vincu-
lante para todos os demais juízes e tribunais (o chamado binding effect, que nada mais é que o efeito
vinculante do Brasil).
No Brasil, Rui Barbosa foi o responsável por introduzi-lo na primeira Constituição republicana,
de 1891. O autor queria também introduzir o sistema das stare decisis, o que não foi aceito à época, de
modo que a decisão do STF acabava por ser apenas inter partes. Para tentar suprir a ausência do bin-

63 Marbury havia sido nomeado por John Adams, pouco antes de deixar o cargo de Presidente dos EUA,
mas não foi efetivado, porque o Thomas Jefferson assumiu e determinou ao Madison, que na época era o secretá-
rio de Estado, que não efetivasse, porque Adams havia nomeado vários juízes antes de deixar o cargo. O Marbury
ajuizou a ação para que o Judiciário determinasse a sua nomeação. John Marshall, para tentar sair da questão
política delicada -obrigar o Executivo a nomear, correndo o risco de ter sua decisão descumprida -, acabou dizendo
que a lei que previa esta competência do Judiciário para analisar tais casos era inconstitucional. Ao fundamentar
sua decisão, estabeleceu as bases teóricas do controle.
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ding effect, foram criadas, na Constituição de 1934, a suspensão da lei pelo Senado e, em 2004, a Sú-
mula Vinculante (tentativas de atribuição de efeito erga omnes às decisões proferidas no controle di-
fuso).
4.1.5. Controle concentrado ou reservado
O controle concentrado é conhecido como sistema europeu ou austríaco. Surgiu na Áustria, na
Constituição de 1920, mas a maioria dos países da Europa continental o adota.
É um sistema que foi criado na Áustria em 1920 por Hans Kelsen. Esse tipo de controle foi adotado
por vários países da Europa, por isso também é chamado de “sistema europeu”. Foi introduzido no
direito brasileiro pela emenda constitucional n.º 16/65 quando estava em vigor a Constituição de 1946.
Quais são os instrumentos utilizados hoje para o exercício do controle concentrado? ADI, ADC, ADO,
ADPF e ADI INTERVENTIVA.
É concentrado porque se concentra em apenas um órgão do Poder Judiciário.
1.15. Quanto à finalidade principal do controle
Quanto à finalidade principal, o controle de constitucionalidade pode ser concreto (incidental,
por via de exceção ou por via de defesa) e abstrato (principal ou por via de ação).
Fala-se em “finalidade principal” porque em ambos os casos a supremacia da Constituição existe,
mas em um deles será a finalidade principal, no outro não.

4.1.6. Controle concreto (incidental, por via de exceção ou por via de


defesa)
No controle concreto (incidental, por via de exceção ou por via de defesa), a finalidade principal
é a proteção de direitos subjetivos do cidadão.

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Nesta espécie, a pretensão é deduzida em juízo através de processo constitucional subjetivo, exer-
cido com a finalidade principal de solucionar controvérsia envolvendo direitos subjetivos.
Como a finalidade principal não é assegurar a supremacia da Constituição, mas sim o direito sub-
jetivo violado, o que a parte tem que pedir é a proteção de seu direito. Ela não precisa pedir a declaração
de inconstitucionalidade.
Ex.: A parte requer o não pagamento de um tributo, destacando a sua inexigibilidade em razão da
inconstitucionalidade da lei que o institui.
A inconstitucionalidade é apenas uma questão incidental, prejudicial de mérito - para julgar se o
indivíduo tem ou não o direito, o juiz, antes, tem que analisar a inconstitucionalidade da lei.
A inconstitucionalidade, no controle concreto, é apenas a causa de pedir, não o objeto do pedido.
O juiz diz se a lei é compatível ou não com a Constituição na fundamentação da sentença.
4.1.7. Controle abstrato (principal ou por via de ação)
Já no controle abstrato (principal ou por via de ação), a finalidade principal é a proteção da su-
premacia da Constituição. O que se pretende não é a proteção de um direito subjetivo, mas assegurar
aquela supremacia, ainda que, nessa hipótese, sejam indiretamente assegurados direitos subjetivos.
A inconstitucionalidade, no controle principal, é objeto do pedido, não a causa de pedir, e será
declarada no dispositivo da decisão (ex.: “julgo procedente a ADI para declarar a inconstitucionalidade
da lei X”).
Por isso, alguns autores dizem que no controle concreto a inconstitucionalidade é reconhecida,
enquanto que no abstrato ela é declarada.
No controle concreto, a pretensão é deduzida em juízo através de um processo constitucional sub-
jetivo. No abstrato, através de um processo constitucional objetivo (não existem partes formais, pois a
proteção é da ordem constitucional objetiva).

Controle concreto Controle abstrato


A finalidade principal é a proteção dos di- A finalidade principal é a proteção da suprema-
reitos subjetivos do cidadão. cia da constituição.

A inconstitucionalidade é causa de pedir. A inconstitucionalidade é objeto do pedido.


A (in)constitucionalidade é reconhecida na A (in)constitucionalidade é reconhecida no
fundamentação da decisão. dispositivo da decisão.
A inconstitucionalidade é reconhecida. A inconstitucionalidade é declarada.
A pretensão é deduzida em juízo através de um A pretensão é deduzida em juízo através de um
processo constitucional subjetivo. processo constitucional objetivo.
4.1.8. Controle difuso e concentrado vs. controle concreto e abstrato
Controle concentrado não se confunde com abstrato. E controle difuso não se confunde com con-
creto. Na Alemanha, o controle é concentrado (um só tribunal julga), mas pode ser concreto (num caso
concreto) ou abstrato (por ações específicas).
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Todo o controle difuso é concreto? No Brasil, como será visto adiante, todo controle difuso é ne-
cessariamente concreto (incidental, por via de exceção ou por via de defesa). Não existe controle difuso
abstrato no ordenamento jurídico brasileiro.
E todo controle concentrado é abstrato? O tema será visto adiante, mas cumpre adiantar que no
ordenamento jurídico brasileiro há uma ação de controle concentrado e concreto, a chamada “Ação
Direta de Inconstitucionalidade Interventiva” (ou “Representação Interventiva”), que será objeto de es-
tudo em tópico relacionado aos estados de legalidade extraordinária.
Como conjugar os tipos “difuso e concentrado” de controle com os tipos “concreto e abstrato”?
i. REGRA ABSOLUTA: controle difuso – concreto = diante de uma situação concreta sus-
cita-se a inconstitucionalidade.
ii. REGRA GERAL: controle concentrado – abstrato = geralmente o controle concentrado
é um controle abstrato; não é uma regra absoluta, pois há exceções.
iii. EXCEÇÕES: controle concentrado – concreto → são apontadas 03 ações:
a) ADI INTERVENTIVA (ou “representação interventiva”, como fala a CF).
b) ADPF incidental (lei 9.882/99, art. 1º, § único).
c) MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR PARLAMENTAR em caso de inobservân-
cia do devido processo legislativo constitucional.
Há quem entenda que o controle exercido pelo plenário ou pelo órgão especial de um tribunal
(cláusula da reserva de plenário, art. 97, CF) seria uma espécie de controle difuso e, ao mesmo tempo,
abstrato.
5. Efeitos da declaração da inconstitucionalidade pelo Judiciário
1.16. Quanto ao aspecto subjetivo
Trata-se dos sujeitos atingidos pela declaração de inconstitucionalidade.
5.1.1. Efeito inter partes
No controle concreto (ou incidental), o efeito da decisão é inter partes. Ou seja, a eficácia subjetiva
de decisão atinge somente as partes envolvidas no processo. Esse é, ao menos, o efeito tradicional, ainda
que esteja sendo discutida no STF eventual modificação desse entendimento, como visto anteriormente.
5.1.2. Eficácia erga omnes e efeito vinculante
No controle abstrato, por sua vez, a eficácia é erga omnes e o efeito é vinculante64.
Eficácia erga omnes significa que todos, sem exceção, são atingidos por aquela decisão (Poderes
Públicos e particulares). A declaração de inconstitucionalidade funciona como se o STF estivesse revo-
gando a lei, que não poderá ser aplicada em nenhuma hipótese. O Supremo, nessa hipótese, age como

64
O efeito vinculante foi introduzido no Brasil pela EC nº 3/1993.

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legislador negativo (expressão de Kelsen), “revogando” a norma existente (evidentemente, ele não a
revoga propriamente, mas o efeito é semelhante).
O efeito vinculante, por sua vez, não é dirigido ao particular, atingindo apenas os Poderes Públicos
(e somente alguns deles):
Art. 102 (...) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à admi-
nistração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
O efeito vinculante vincula o Judiciário todo, com exceção do próprio STF (veja que o dispositivo
fala em “demais órgãos do Poder Judiciário”).
A administração pública do DF fica vinculada? Ora, se as administrações municipais e estaduais
ficam vinculadas e o DF possui atribuições tanto municipais quanto estaduais, é evidente que ela fica
vinculada também.
Note que a norma não fala de vinculação do Poder Legislativo. Na verdade, a vinculação desse
poder não ocorre no que se refere à sua função legislativa. Há duas razões para isso:
i) em um Estado de Direito, o Judiciário não pode impedir o legislador de legislar.
O Legislador não está impedido de criar uma lei declarada inconstitucional pelo STF, em sede de
ADI. E nada impede que, em face da nova lei elaborada, o STF mude de ideia acerca da declaração de
inconstitucionalidade anterior.
ii) evitar o inconcebível fenômeno da “fossilização da constituição”, expressão utilizada pela ju-
risprudência do STF.
Se o STF e o legislador ficassem vinculados às decisões do STF, haveria uma petrificação da Cons-
tituição: não haveria uma evolução da mudança e da interpretação da Constituição. Uma vez não vin-
culados o STF e o Poder Legislativo, as portas ficam abertas para que novas soluções possam ser
adotadas.
Importante destacar, mais uma vez, que o legislador não fica vinculado em sua função legislativa.
Nas outras (jurisdicional e administrativa) ele fica. O STF, em suas funções administrativas, também
fica vinculado. A Súmula Vinculante nº 13, que trata do nepotismo, fala expressamente em “em qual-
quer dos Poderes”. Isso significa todos têm de observá-la, inclusive o STF, na medida em que ela se
refere à função administrativa:
Súmula Vinculante 13 - A NOMEAÇÃO DE CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE EM LI-
NHA RETA, COLATERAL OU POR AFINIDADE, ATÉ O TERCEIRO GRAU, INCLUSIVE, DA AUTORI-
DADE NOMEANTE OU DE SERVIDOR DA MESMA PESSOA JURÍDICA INVESTIDO EM CARGO DE
DIREÇÃO, CHEFIA OU ASSESSORAMENTO, PARA O EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO OU DE
CONFIANÇA OU, AINDA, DE FUNÇÃO GRATIFICADA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E
INDIRETA EM QUALQUER DOS PODERES DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E
DOS MUNICÍPIOS, COMPREENDIDO O AJUSTE MEDIANTE DESIGNAÇÕES RECÍPROCAS, VIOLA
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

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O legislador pode elaborar lei incompatível com a Súmula e o STF pode, se quiser, mudar seu
entendimento. O que tanto ele quanto o legislador não podem é descumprir o conteúdo da Súmula.
O chefe do Executivo só não ficará vinculado em suas atribuições relacionadas a atos legislativos.
Presidente, Governador e Prefeito participam do processo de elaboração legislativa (iniciativa privativa,
sanção, Medidas Provisórias). Se eles ficassem vinculados, ficariam impedidos de tomar essa iniciativa
ou obrigados a sancionar, ofendendo, indiretamente, o direito do legislador de elaborar as leis.
Todavia, na maioria dos casos o Presidente acaba vetando dispositivo declarado inconstitucional.
Desse modo, a rigor, é mais correto dizer que a função legislativa é que não é atingida pela decisão.
Novelino entende que não existe efeito vinculante em Recurso Extraordinário com repercussão
geral. Todavia, no julgamento da Reclamação 10.793, a Ministra Ellen Gracie utilizou a expressão “efeito
vinculante” para se referir ao RE com repercussão geral. Apesar disso, ela disse que não cabe reclamação
per saltum de decisões de juízes de 1º grau divergentes do posicionamento do STF em decisão proferida
em sede de RE, quando há reconhecimento de repercussão geral. Ou seja, o sujeito não pode, da decisão
de 1º grau, “pular” o tribunal e reclamar diretamente no STF. Deve primeiro recorrer ao tribunal, e,
após, Reclamar perante o STF.
Vale lembrar que se a decisão viola entendimento de Súmula Vinculante ou de decisão proferida
em ADI, ADC, ADPF ou ADO, cabe Reclamação diretamente no STF. Não cabe tal Reclamação direta
no caso de RE em que se tenha reconhecido a repercussão geral.
Após o julgamento da Reclamação 1.880/SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, o STF passou a admitir
reclamação proposta por qualquer pessoa afetada pela desobediência à decisão proferida em controle
abstrato, desde que comprove interesse de agir. Assim, qualquer prejudicado poderá, por meio de re-
clamação, atacar decisão judicial não transitada em julgado que contrarie acórdão sobre a constitucio-
nalidade de norma em ADC, por exemplo.
Por fim, fica a dúvida: qual a razão de existência do efeito vinculante, se a abrangência dele é
menor que a da eficácia erga omnes? O tema será tratado adiante. Por ora, cumpre esclarecer que a
eficácia erga omnes é subjetivamente mais ampla, mas o efeito vinculante, pelo menos em tese, deveria
ser objetivamente mais amplo, o que justificaria a necessidade de coexistirem ambos.
1.17. Quanto ao aspecto objetivo
Trata-se das partes da decisão judicial atingidas pela eficácia erga omnes e o efeito vinculante.
5.1.3. Dispositivo
Numa ADI, a parte da sentença que possui efeito erga omnes e vinculante é, em princípio, o dis-
positivo.
5.1.4. Fundamentação

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Já o efeito vinculante, dependendo da teoria adotada, abrange também a ratio decidendi65.
A teoria que sustenta essa posição é chamada de “transcendência dos motivos” ou “efeito trans-
cendente dos motivos determinantes”. Segundo ela, os motivos que levam o STF a decidir de determi-
nada forma transcendem a outros casos, atingindo as chamadas “normas paralelas”.
Ex.: o Estado de São Paulo promulgou lei permitindo a realização de interrogatório por videocon-
ferência, a qual restou julgada inconstitucional pelo STF, em controle difuso, sendo o fundamento prin-
cipal a incompetência legislativa do Estado. Se o controle houvesse sido feito via ADI e houvesse outras
leis idênticas de outros estados, os motivos determinantes para a declaração da inconstitucionalidade
transcenderiam para aqueles casos. Na prática: caberia Reclamação ao STF se um estado continuasse
aplicando a lei após a decisão. É isso o que significa “atingir as normas paralelas”.
É pacífico na doutrina e jurisprudência que a teoria não se aplica às questões obiter dicta66, ques-
tões mencionadas pelos Ministros, mas que não foram as essenciais para a decisão tomada. O Min. Celso
de Melo costuma teorizar sobre as questões ao julgar. Nem tudo o que ele diz é determinante para a
decisão. A teorização irrelevante para o julgamento da causa não vincula.
O STF adota a transcendência dos motivos? A resposta ainda está em aberto, pois a jurisprudência
do Supremo ainda não adotou um posicionamento definitivo a respeito. Há algumas decisões em que
ele utiliza a teoria, mas há um julgado decidindo especificamente isso. A decisão está empatada e um
dos Ministros pediu vista.
Se o STF não adotar a teoria da transcendência dos motivos, o efeito vinculante ficará esvaziado
e perderá totalmente seu sentido, pois o efeito erga omnes é mais amplo. A adoção da teoria racionaliza
e traz segurança jurídica às decisões.
1.18. Quanto ao aspecto temporal da declaração
Como visto em tópico anterior, há três posicionamentos na doutrina e na jurisprudência acerca
da natureza da lei inconstitucional (inexistente, nula e anulável), prevalecendo no Brasil a tese de que
ela seria um ato nulo (teoria norte-americana).
Se a lei inconstitucional é um ato nulo, em regra o efeito temporal da declaração de inconstituci-
onalidade é ex tunc (efeitos retroativos). A lei, segundo esse entendimento, já nasceu inconstitucional

65
Ratio decidendi é a fundamentação, as razões que levaram o Tribunal a decidir daquela forma, o motivo
determinante daquela decisão.

66
O obiter dictum refere-se àquela parte da decisão considerada dispensável, que o julgador disse por força
da retórica e que não importa em vinculação para os casos subsequentes. Referem-se aos argumentos expendidos
para completar o raciocínio, mas que não desempenham papel fundamental na formação do julgado. São
verdadeiros argumentos acessórios que acompanham o principal - ratio decidendi (razão de decidir). Neste caso,
a supressão do excerto considerado obiter dictum não prejudica o comando da decisão, mantendo-a íntegra e
inabalada.

111

CadernosMAGIS
Cadernos MAGIS- Constitucional
e a decisão que declara a inconstitucionalidade retroage. Essa é, vale lembrar, a regra. Se o tribunal não
se manifesta quanto aos efeitos da decisão, ela será retroativa.
Todavia, existe a possibilidade de modulação temporal dos efeitos da decisão. O tribunal
pode declarar a lei inconstitucional com efeitos ex nunc. Outro efeito, que é mais raro, mas pode ser
também utilizado é o pro futuro, hipótese em que o tribunal fixa um momento a partir do qual a decisão
valerá.
Para que a modulação temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade possa ser reali-
zada, devem estar presentes razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, nos termos
dos art. 27 da Lei 9.868/1999 (lei que regulamenta a ADI e a ADC) e art. 11 da Lei 9.882/1999 (lei que
regulamenta a ADPF):
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria
de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha efi-
cácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de


descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepci-
onal interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Os dispositivos determinam que a modulação deve ser expressa e feita por pelo menos 2/3 dos
Ministros do STF (dos onze, oito têm de concordar com ela).
Se o STF decide que a decisão só tem eficácia a partir de seu trânsito em julgado, está atribuindo
à decisão efeitos ex nunc.
A modulação é possível tanto no controle concentrado quanto no difuso. Apesar de estar prevista
apenas nas leis que regulamentam a ADI, ADC e ADPF, ela pode ser feita pelo STF também no controle
por via incidental. Neste caso, aplicam-se os mesmos critérios previstos no art. 27 da Lei 9.868/1999,
por analogia.
Exemplos:
i) no RE 442.683/RS, para evitar uma situação de insegurança jurídica, o STF declarou que a
inconstitucionalidade teria efeitos ex nunc.
ii) no RE 197.917/SP, à declaração de inconstitucionalidade foi concedido efeito pro futuro (hipó-
tese raríssima).
Segundo Novelino, no estudo do aspecto temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade
enquadra-se também a chamada “inconstitucionalidade progressiva” (ou norma ainda constitu-
cional). Trata-se de “situações constitucionais imperfeitas”, situadas entre a inconstitucionalidade
plena e constitucionalidade absoluta. Nelas, a norma está na famosa “zona cinzenta”, intermediária: ela
não é nem totalmente constitucional nem totalmente inconstitucional.

112

CadernosMAGIS
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Apesar de uma aparente inconstitucionalidade, as circunstâncias fáticas existentes no momento
da declaração justificam a manutenção da norma dentro do ordenamento jurídico.
No HC 70.514, o STF analisou incidentalmente a constitucionalidade do art. 5º, § 5º, da Lei
1.060/1950 (alterado pela Lei 7.871/1989)67. Incidentalmente, o MP questionou a constitucionalidade
da palavra “em dobro”. O STF entendeu que o prazo deveria ser, de fato, igual para o MP e para a DP.
Todavia, analisando o contexto fático envolvido, o STF verificou que o MP é muito mais estruturado e
aparelhado que a Defensoria Pública na maioria dos estados brasileiros, razão pela qual decidiu que,
enquanto houver essa desigualdade fática, justifica-se o tratamento desigual, sob pena de violação do
princípio da isonomia. À medida que as Defensorias vão recebendo a mesma estrutura do MP, a norma
vai se tornando progressivamente inconstitucional. Hoje, ela ainda é constitucional.
Outro exemplo de declaração de inconstitucionalidade progressiva ocorreu no RE 147.776, que
envolveu os arts. 68 do CPP e 134 da CR.
1.19. Quanto à extensão da declaração de inconstitucionalidade
A modulação não se restringe ao aspecto temporal. Podem ser restringidos os efeitos da decisão
quanto à extensão da declaração de inconstitucionalidade.
Contudo, diferentemente das técnicas estudadas no tópico anterior, as analisadas a seguir so-
mente podem ser utilizadas no controle concentrado (ADI, ADC e ADPF).
São as chamadas “declarações de nulidade” (ou “declarações de inconstitucionalidade”) sem re-
dução de texto ou com redução de texto. A declaração de nulidade com redução de texto pode, ainda,
ser total ou parcial.
5.1.5. Declaração de nulidade sem redução de texto
A declaração de nulidade sem redução de texto ocorre quando a lei for polissêmica ou plurissig-
nificativa, ou seja, quando possua mais de um significado possível.
Determinado dispositivo pode ser interpretado de maneiras diversas. Em sua decisão, o STF po-
derá dizer que, se interpretado de maneira “A”, o dispositivo será compatível com a CR e, se interpretado
da maneira “B”, será inconstitucional.
Ex.: uma lei criando e cobrando determinado imposto no mesmo ano poderá ser interpretada pelo
STF no sentido de que o tributo somente seria exigível no ano seguinte, e não no mesmo exercício fi-
nanceiro, por conta da existência do princípio da anterioridade (art. 150, III, b, da CR68). Note que o

67
Art. 5º (...) § 5º Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor
Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas
as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos. (Incluído pela Lei nº 7.871, de 1989)

68
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - cobrar tributos: (...) b) no mesmo exercício financeiro em que haja
113

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dispositivo legal continua existindo e não há redução de texto, permitindo-se que a ele seja dada outra
interpretação.
A declaração de nulidade sem redução de texto e a interpretação conforme a constituição são téc-
nicas de decisão judicial equivalentes (o resultado de ambas será o mesmo). Não são idênticas, todavia.
Com a interpretação conforme, a decisão ficaria da seguinte forma: o dispositivo é constitucional desde
que interpretado da maneira “A”. Note que a interpretação conforme exclui as outras possibilidades de
forma indireta.
Marcelo Novelino faz, em seu livro, uma distinção importante: interpretação conforme enquanto
técnica de decisão judicial e enquanto princípio interpretativo.
No exemplo acima, a interpretação conforme está sendo utilizada como técnica de decisão judi-
cial. Somente quando utilizada dessa forma é que será equivalente à declaração de nulidade sem redu-
ção de texto.
Mas a interpretação conforme pode ser também utilizada enquanto princípio interpretativo, hi-
pótese em que imporá que as leis sejam interpretadas à luz dos valores constitucionais. Nesse caso, pode
haver, por exemplo, duas interpretações “A” e “B” compatíveis com a CR, mas uma delas realizar melhor
os valores que a CR consagra.
Ex.: julgamento proferido pelo TJRS em que restaram interpretados os arts. 1.723, 1.725 e 1.658
do Código Civil69 à luz da isonomia e da dignidade da pessoa humana, para permitir a aplicação analó-
gica do regime da comunhão parcial de bens à união homoafetiva. Note que ambas as interpretações
(literal ou por analogia) seriam possíveis e compatíveis com a CR, mas a segunda, feita à luz da digni-
dade e da isonomia, é mais compatível que a outra.
A interpretação conforme enquanto técnica de decisão judicial só pode ser utilizada no controle
concentrado. No entanto, enquanto princípio interpretativo (ou instrumental) pode ser utilizada por
qualquer órgão do Poder Judiciário.
5.1.6. Declaração de nulidade com redução de texto

sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

69
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (...)

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoni-
ais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância
do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

114

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A declaração de nulidade com redução de texto já foi tratada anteriormente (tópico relacionado à
inconstitucionalidade parcial). Como visto, ela pode incidir sobre uma palavra ou expressão, desde que
não reste alterado o sentido do dispositivo.
Quando o STF realiza declaração de nulidade com redução de texto, ele atua como uma espécie
de “legislador negativo” (expressão criada por Kelsen), pois estaria “revogando” a lei, total ou parcial-
mente, sem nada acrescentar. Daí a palavra “negativo”.
5.1.7. Inconstitucionalidade por arrastamento ou atração
Por fim, cumpre analisar a inconstitucionalidade por arrastamento ou atração, hipótese de mo-
dulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no que se refere à sua extensão.
Como visto anteriormente, ao declarar a inconstitucionalidade de determinada lei, o STF, por ar-
rastamento, declara inconstitucional o decreto que a regulamenta: “Julgo procedente a ADI para de-
clarar a inconstitucionalidade da Lei X e, por arrastamento, a do Decreto que a regulamenta”.
O decreto, sozinho, não poderia ser objeto da ADI, por não estar violando diretamente a CR. Se a
inconstitucionalidade do decreto não fosse expressamente declarada, ele ficaria perdido no ordena-
mento jurídico.
Trata-se de hipótese excepcional em que um decreto regulamentar acaba sendo objeto de ADI,
para não ficar sem sentido no ordenamento jurídico.
6. Controle concentrado-abstrato
1.20. Noções introdutórias
Controle de constitucionalidade concentrado é aquele cuja competência concentra em apenas um
órgão do Poder Judiciário, que no Brasil é o STF, quando o parâmetro for a Constituição da República,
e o TJ, quando o parâmetro for a Constituição Estadual. Já o controle abstrato é aquele realizado por
via de uma ação específica, tendo por finalidade principal assegurar a supremacia da Constituição.
São instrumentos de controle concentrado-abstrato no Brasil:
i) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI);
ii) Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC);
iii) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO);
iv) Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Neste tópico “8” serão analisadas a ADI, a ADC e a ADPF. A ADO será objeto de estudo no tópico
“9”.
Como visto, no Brasil, o controle difuso somente pode ser exercido incidentalmente. Não existe
controle ao mesmo tempo difuso e abstrato. Todavia, no ordenamento jurídico brasileiro há uma ação
de controle concentrado e concreto, a chamada “Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva” (ou
“Representação Interventiva”), que também será objeto de estudo separado, em tópico relacionado aos
estados de legalidade extraordinária.

115

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6.1.1. Apuração de questões fáticas
No controle abstrato é possível haver apuração de questões fáticas, ou seja, de questões concretas,
já que se está falando de um controle em tese? O termo “controle abstrato” não é o mais indicado para
designar este tipo de controle, pois se admite a análise de questões fáticas, já que o tribunal só poderá
julgar com a análise de determinadas questões, a exemplo da ADPF 54 (abordo de anencéfalos), bem
como da ADI 3510 (pesquisa com células-tronco embrionárias). O termo mais adequado seria controle
por via principal. Portanto, a apuração de questões fáticas é perfeitamente possível, mesmo sendo, em
tese, um controle abstrato. Neste sentido, o art. 9º, 1º da Lei 9.868/9970.
6.1.2. Caráter dúplice ou ambivalente
A ADI e a ADC são ações que possuem a mesma natureza/essência, distinguindo-se apenas em
relação aos sinais, os quais são trocados. Na ADI, pretende-se a declaração de inconstitucionalidade da
lei ou ato normativo; na ADC, busca-se a declaração de constitucionalidade da lei. Entretanto, se qual-
quer delas for julgada improcedente, estar-se-á reconhecendo justamente o inverso do pleiteado
quando da propositura da ação. Se a ADC é julgada improcedente, a Lei é declarada inconstitucional e,
se a ADI é julgada improcedente, a Lei é declarada constitucional. Tanto é assim que, se uma mesma lei
for objeto das duas ações, ambas serão reunidas para julgamento conjunto.
Por isso, podem ser reunidas e julgadas no mesmo processo, nos termos do art. 24 da Lei
9.868/99, vejamos:
Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente
eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta
ou improcedente eventual ação declaratória.
a) Se existe uma presunção de constitucionalidade das leis, por qual razão propor uma ação para
declarar algo que já se presume?
Resposta: A presunção de constitucionalidade é apenas relativa, ou seja, ela pode ser questionada.
A ADC transforma a presunção relativa em uma presunção praticamente absoluta, porque, quando o
Supremo declarar a constitucionalidade da Lei, o juiz ou Tribunal não poderão mais decidir de forma
diferente, nem o Executivo poderá deixar de aplicá-la.
b) E quanto a suposta violação dos princípios processuais pela ADC?
Embora a Comissão de Notáveis composta pelo Prof.ª Ada Pelegrini e outros destacasse a violação
de alguns princípios processuais na lei da ADC, entende-se que a função desta ação é reafirmar a supre-
macia da Constituição e proteger a ordem constitucional objetiva e não tutelar direitos subjetivos, mo-
tivo pelo qual os princípios processuais não teriam total aplicabilidade nas ADC’s, nem nas demais ações
do controle abstrato.
6.1.3. Controvérsia judicial relevante

70

116

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Conforme visto acima, é certo que há uma presunção constitucionalidade das leis.

Quando a ADC foi criada, alguns juristas criticaram a sua constitucionalidade, uma vez que vio-
laria inúmeros princípios (contraditório, ampla defesa), bem como o princípio da presunção de consti-
tucionalidade das leis, pois não há sentido declarar a constitucionalidade de algo que já é constitucional.
Tais argumentos, foram rechaçados pelo STF, em uma questão de ordem (ADC 01).
Em relação aos princípios processuais, o STF afirmou que a ADC é um processo constitucional
objetivo, não existem partes formais. Assim, não há que se falar em contraditório, ampla defesa.
Com relação à presunção de constitucionalidade das leis, STF entendeu que se trata de uma pre-
sunção relativa. Com a declaração do STF passa a ser uma presunção quase absoluta vinculando todos
os demais órgãos, exceto o próprio STF e do Legislativo.
Para evitar que o STF acabasse virando apenas um órgão consultivo, a Lei 9.868/99, em seu art.
14, III, criou um pressuposto de admissibilidade para a ADC, qual seja: CONTROVÉRSIA JUDICIAL
RELEVANTE. Assim, deverá haver uma controvérsia no âmbito do Poder Judiciário para que o STF
possa declarar a constitucionalidade da lei.
Para elucidar, o Prof. Marcelo Novelino cita o exemplo da “MP do apagão” editada pelo Presidente
FHC. À época o AGU ingressou com uma ADC e juntou, aproximadamente, sete decisões, proferidas em
ACP, que declaravam de forma incidental a inconstitucionalidade da MP. Inicialmente, o STF entendeu
que o baixo número de decisões não era suficiente para demostrar a controvérsia judicial relevante.
Posteriormente, emendou-se a inicial a fim de demostrar que existiam mais decisões, ocasionando a
controvérsia.
Por fim, destaca-se que não se exige um número mínimo de decisões, mas sim que a controvérsia
seja efetivamente relevante.
6.1.4. O caráter subsidiário da ADPF
Somente terá cabimento quando inexistir outro meio igual ou similarmente eficaz para sanar a
lesividade, ou seja, quando não for cabível ADI, ADC ou ADO71.
Segundo o STF, para ser igualmente eficaz, o meio deve possuir a mesma efetividade, imediatici-
dade e amplitude da ADPF.
Geralmente, isso ocorre quando cabível outra ação de controle normativo abstrato, embora não
haja obrigatoriedade nesse sentido. Ex.: pedido de revisão ou de cancelamento de súmula vinculante -
mesma efetividade, imediaticidade e amplitude da ADPF; logo, não caberá o questionamento de súmula
vinculante por meio de ADPF72.

71 Lei 9.882/99, Art. 4º, § 1º. Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental
quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
72 ADPF nº 128.
117

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6.1.5. Fungibilidade das ações de controle abstrato
As ações de controle abstrato de constitucionalidade são fungíveis entre si, desde que ausente erro
grosseiro.73
6.1.6. Cumulação de pedidos nas ações de controle abstrato
Como decorrência lógica da fungibilidade, é perfeitamente, possível a cumulação de ações ou de
pedidos. Assim, em uma mesma ação poderemos ter um pedido de inconstitucionalidade e um pedido
de declaração de constitucionalidade74.
6.1.7. Possibilidade de acordo nas ações de processo constitucional ob-
jetivo (= controle concentrado)
O STF admitiu a possibilidade de acordo nos autos da ADPF 105, que tratava das perdas decor-
rentes dos expurgos inflacionários, constituindo-se este um exemplo de solução consensual no âmbito
do processo constitucional objetivo. Nestas ações, o Supremo não irá legitimar ou chancelar nenhuma
tese jurídica, mas apenas homologará as disposições patrimoniais subjacentes a discussão, quando hou-
ver.

1.21. Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de


Constitucionalidade
6.1.8. Introdução

73 ADI 4.163/SP – 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Impropriedade da ação. Conversão em Arguição


de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF. Admissibilidade. Satisfação de todos os requisitos exigidos
à sua propositura. Pedido conhecido, em parte, como tal. Aplicação do princípio da fungibilidade. Precedente.
74 Ex.: ADI 5.316 MC/DF – tinha como objeto a Emenda Constitucional que aumentou a aposentadoria
compulsória de 70 para 75 anos. Nesta Emenda Constitucional, existia a previsão de sabatina pelo Senado de
Ministros do Supremo que completassem 70 anos e fossem permanecer até os 75 anos. A AMB (Associação de
Magistrados Brasileiros), quando propôs a ADI 5.316, fez um pedido de declaração de inconstitucionalidade da
sabatina. Contudo, também existia um pedido de declaração de constitucionalidade. A Emenda só previa a apo-
sentadoria compulsória aos 75 anos de forma automática para Ministros do Supremo, do TCU e de Tribunais
Superiores. Para os demais juízes, era necessária a regulamentação por lei complementar. Alguns Tribunais co-
meçaram a decidir que, se a aposentadoria compulsória de Ministro do Supremo passou a ser aos 75 anos, inde-
pendentemente de regulamentação legal, o mesmo deveria ocorrer em relação a juízes e desembargadores. Nota-
se que havia uma controvérsia judicial relevante. O Supremo entendeu que é constitucional a previsão de aposen-
tadoria compulsória automática de 75 anos apenas para os referidos Ministros.
118

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Cadernos MAGIS- Constitucional
A ADI e a ADC possuem características muito semelhantes. Por isso serão estudadas conjunta-
mente. São ações com caráter dúplice ou ambivalente. Têm a mesma natureza: o que muda é simples-
mente o “sinal” (procedente ou improcedente, positivo ou negativo), mas o resultado é o mesmo (art.
24 da Lei 9.868/1999):
Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente
eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta
ou improcedente eventual ação declaratória.
Uma mesma lei, portanto, pode ser objeto, ao mesmo tempo, de uma ADI e de uma ADC. Nesse
caso, o STF as apensará, para julgamento conjunto.
A ADI é fruto do poder constituinte originário. A ADC, por sua vez, foi criada posteriormente, pela
EC 3/1993, ou seja, pouco menos de 5 anos depois da promulgação da CR/88. Muitos doutrinadores
questionaram a constitucionalidade da EC 3/1993, argumentando que se existe uma presunção de cons-
titucionalidade das leis, não haveria sentido em criar uma ação para declarar algo que já se presume.
O contexto histórico que deu origem à ADC liga-se ao surgimento do Plano Collor. Várias ações
foram propostas questionando a constitucionalidade das normas por ele instituídas, algumas sendo jul-
gadas procedentes, outras improcedentes. Até que a questão chegasse ao STF, haveria muita insegu-
rança jurídica. Daí a necessidade de um instrumento que pacificasse nacionalmente o entendimento
jurisprudencial acerca de determinado tema.
Todavia, para que a ADC não virasse um mecanismo de consulta, a Lei 9.868/1999 previu, em seu
art. 14, III, um requisito de admissibilidade: a existência de controvérsia judicial relevante:
Art. 14. A petição inicial indicará: (...)
III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação
declaratória.
Quem propõe a ADC tem de demonstrar haver controvérsia judicial relevante, consubstanciada
na existência de várias ações propostas sobre um mesmo tema, com soluções judiciais diferentes. Ou
seja, tem de demonstrar que há divergência judicial acerca do dispositivo cuja constitucionalidade se
questiona.
Ex.: FHC, quando Presidente da República, ajuizou ADC buscando o reconhecimento da consti-
tucionalidade da Medida Provisória do Apagão. Para demonstrar essa controvérsia relevante, foram
juntadas 6 ou 7 ações questionando o dispositivo. O STF determinou a emenda da inicial, para a juntada
de outras, o que foi posteriormente cumprido.
6.1.9. Peculiaridades da ADI e da ADC75
Na ADI, ADC e ADPF não há partes propriamente ditas. São ações de controle abstrato, em que a
pretensão é deduzida em juízo em processo de índole objetiva (“processo constitucional objetivo”). Há

75
As peculiaridades estudadas neste tópico são comuns à ADI, ADC e ADPF.

119

CadernosMAGIS
Cadernos MAGIS- Constitucional
legitimados para o ajuizamento e para a defesa do ato, mas não partes formais. Como visto, a finalidade
é a defesa da supremacia da constituição, e não de direitos subjetivos.
Na medida em que não há autor e réu, não se aplicam a essas ações alguns princípios processuais,
dentre os quais o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição. Tais princípios são, na
verdade, aplicáveis no controle difuso, em que o processo constitucional é de índole subjetiva.
Na ADI, ADC e ADPF não se admite intervenção de terceiros, assistência ou desistência.
Ambas as leis que regulamentam essas ações são expressas no sentido do descabimento da inter-
venção de terceiros. Gilmar Mendes, Marcelo Novelino e outros doutrinadores entendem que a figura
do amicus curiae76 não seria uma espécie de intervenção de terceiros, mas não há consenso. Para o STJ,
por exemplo, trata-se de intervenção de terceiros.
A assistência é vedada, ainda que se entenda não se tratar de hipótese de intervenção de terceiros,
por dispositivo expresso do Regimento Interno do STF.
A desistência também é incabível porque aquele que propõe a ação defende o interesse público.
Nessas ações, a decisão de mérito é irrecorrível, salvo a possibilidade de oposição de embargos
declaratórios para esclarecer o conteúdo da decisão, caso o recorrente vislumbre omissão, contradição
ou obscuridade. Quem decide o recurso é o órgão máximo do Poder Judiciário: o Pleno do STF.
Admite-se a interposição de agravo contra a decisão que indefere a inicial (lembre-se que irrecor-
rível é apenas a decisão de mérito).
Também não cabe ação rescisória de uma sentença que decide ADI, ADC e ADPF.
As decisões proferidas em ADI, ADC e ADPF se tornam obrigatórias a partir da publicação da ata
da sessão de julgamento no Diário Oficial77, e não do trânsito em julgado da decisão. Isso porque, não
havendo partes, os efeitos da decisão atingirão todas as pessoas, como se fosse uma lei. O raciocínio é
análogo ao do processo legislativo: se o conhecimento geral da lei ocorre com a publicação, o mesmo
vale para a decisão do STF.
Deve sempre haver provocação. Se não for instado, o STF não pode se manifestar sobre a lei ou o
ato reputado (a) inconstitucional, por conta do princípio da inércia da jurisdição. Proposta ADI, por
exemplo, questionando determinado dispositivo “A” do Código Civil, não pode o STF, em princípio, se
manifestar acerca da constitucionalidade do dispositivo “B”.
Como regra geral, no controle concentrado, o STF somente pode se manifestar quanto ao objeto
da provocação (os dispositivos questionados). Há, contudo, uma exceção. Um dispositivo pode ser de-
clarado inconstitucional pelo STF sem provocação quando possuir uma relação de interdependên-
cia com outro cuja inconstitucionalidade tenha sido reconhecida. Nessa hipótese, o Supremo declara
os demais dispositivos inconstitucionais por arrastamento (ou por atração).

76
O tema amicus curiae será desenvolvido em direito processual civil.

77
Essa questão vem sendo bastante cobrada em provas do CESPE.

120

CadernosMAGIS
Cadernos MAGIS- Constitucional
Veja que não se trata de uma lei e um decreto, mas de dois dispositivos legais constantes de uma
mesma lei. A forma de inconstitucionalidade, entretanto, é a mesma.
Importante observar que o princípio da inércia da jurisdição não se aplica no controle difuso por
via incidental, em que a inconstitucionalidade pode ser reconhecida pelo STF de ofício. Isso porque no
controle difuso a inconstitucionalidade não é objeto do pedido, mas a causa de pedir. O pedido é a pro-
teção do direito.
Já no controle concentrado a inconstitucionalidade é objeto do pedido e, em razão disso, tem de
haver provocação (salvo nos casos excepcionais de inconstitucionalidade por arrastamento78).
6.1.10. Legitimidade ativa para a ADI e ADC79
Antes da CR/88, somente existia uma ação de controle concentrado-abstrato: a representação de
inconstitucionalidade (uma espécie de ADI). O único legitimado a propô-la era o Procurador-Geral da
República. Com o advento da CR/88, o rol de legitimados foi muito ampliado: são nove, no total (art.
103 da CR):
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade [ADI] e a ação declaratória de
constitucionalidade [ADC, sendo que também se aplica à ADPF e ADO]: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Quando a ADC foi criada, o rol de legitimados para propô-la era mais restrito (Presidente, PGR,
Mesas da Câmara e do Senado). Com a EC 45/2004, o rol ficou igual nas quatro ações de controle con-
centrado-abstrato. Perceba que a CR fala apenas na ADI e na ADC, mas nas leis da ADO e da ADPF o
rol é idêntico.
A jurisprudência do STF faz uma distinção entre legitimados ativos universais e especiais80. Veja
que não há previsão legal ou constitucional para essa distinção. Os legitimados especiais precisam

78
Veja, quando há uma inconstitucionalidade consequente (forma de inconstitucionalidade), pode haver
uma declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (forma de declaração da inconstitucionalidade).

79
A legitimidade ativa é idêntica na ADI, ADC, ADPF e ADO.

80
Para fins de concurso, é importante memorizar o rol de legitimados. Dica: as autoridades da União são
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demonstrar pertinência temática, ou seja, a relação entre o interesse por eles defendido e o objeto
impugnado, que é verdadeira condição de admissibilidade da ação.
Ex.: o Conselho Federal de Medicina tem de demonstrar que a lei impugnada afeta, de algum
modo, a classe médica. O legitimado universal não está adstrito a tal demonstração.
Quadro sinótico (legitimidade):
Poder Exe- Ministério Poder Legis- Outros
cutivo Público lativo Fede-
ral
Esfera Fe- Presidente Procurador- Mesa da Câ- Conselho Fe-
deral (uni- Geral da Re- mara dos deral da OAB
versais) pública Deputados Partidos Polí-
Mesa do Se- ticos com re-
nado Fede- presentante
ral no Congresso
Nacional
Esfera Es- Governa- O chefe do MP Mesa da As- Confederação
tadual (es- dor de es- estadual não sembleia Le- Sindical ou
peciais) tado e DF tem legitimi- gislativa do entidade de
dade Estado ou do classe de âm-
DF bito nacio-
nal81

legitimados Universais. As autoridades Estaduais são legitimados Especiais.

81
A confederação sindical e a entidade de âmbito nacional evidentemente discrepam da informação do qua-
dro (não são de âmbito estadual), mas foram ali colocadas para facilitar a memorização.

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Observações:
Vice-Presidente e Vice-Governador não têm legitimidade para o ajuizamento dessas ações. Toda-
via, se as propuserem quando substituindo o titular, não o farão na condição de vices, mas de titulares.
A mesa do Congresso Nacional também não pode propor as ações. Só as da Câmara ou do Senado.
A interpretação do rol de legitimados é sempre literal ou restritiva. O Conselho Federal da OAB é
a única entidade de classe com legitimidade universal.
Relativamente aos partidos políticos, houve mudança de posicionamento do STF. Até 2004, se o
partido ajuizasse ADI, ADC, ADPF ou ADO e perdesse o representante no Congresso durante o julga-
mento da ação, ela era extinta. Hoje, o entendimento do Supremo82 é no sentido de que a legitimidade
do partido político deve ser aferida no momento da propositura da ação, pouco importando se o partido
vier a perder seu representante posteriormente.
Para ser considerada de âmbito nacional, segundo o STF, a entidade de classe deve estar presente
(ter representantes) em pelo menos 1/3 dos estados brasileiros (nove, portanto). Tem de ser represen-
tativa de uma categoria social ou profissional.
Outra mudança de posicionamento do STF, ocorrida também em 2004, refere-se à legitimidade
das associações. Até então, o STF somente admitia o ajuizamento das ações por associações formadas
por pessoas físicas. Hoje o Supremo confere legitimidade tanto às associações formadas por pessoas

82 STF – ADI 2.618 Agr-AgR/PR: “EMENTA: Agravo Regimental em Ação Direta de Inconstitucionalidade.
2. Partido político. 3. Legitimidade ativa. Aferição no momento da sua propositura. 4. Perda superveniente de
representação parlamentar. Não desqualificação para permanecer no polo ativo da relação processual. 5. Objeti-
vidade e indisponibilidade da ação. 6. Agravo provido.”.
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físicas como por outras pessoas jurídicas (hipótese em que utiliza a expressão “associação de associa-
ções”).
Segundo o STF, para a entidade de classe ser legitimada ativa, ela tem que ser representativa de
apenas uma determinada categoria profissional ou econômica. A CUT (Central Única dos Trabalhado-
res), por exemplo, não tem legitimidade ativa, por se tratar de entidade que congrega várias categorias
profissionais83. Pela mesma razão, a CGT (Central Geral dos Trabalhadores) também não tem.
Dentre os legitimados, não têm capacidade postulatória (precisam de advogado para o ajuiza-
mento) os partidos políticos, as confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional.
Todos os demais, segundo o STF, podem propor as ações diretamente (em nome próprio).
6.1.11. Parâmetro de controle
O parâmetro é a norma de referência, ou seja, a norma que será invocada quando for feito o pedido
de inconstitucionalidade
Importante notar que a causa de pedir é aberta nas ações de controle concentrado-abstrato, assim,
o STF não fica adstrito a causa de pedir. Significa que o STF não está adstrito ao parâmetro invocado na
inicial. O Supremo pode analisar aquele objeto impugnado tendo como parâmetro todo o texto consti-
tucional, independentemente do dispositivo indicado pelo requerente.
6.1.11.1. Parâmetros para ADI E ADC

Pode-se invocar, como parâmetro, qualquer norma formalmente constitucional.


Assim, salvo o preambulo, todas as normas da CF e as normas do ADCT de eficácia exaurível
podem ser invocadas como parâmetro.
Importante lembrar que as normas acima somente podem ser parâmetro para o controle se não
exauridas, ou seja, se não tiver produzido os efeitos que lhe são próprios ainda.
Assim, se já perdeu sua eficácia a norma não pode ser parâmetro de controle, uma vez que tais
ações objetivam proteger a supremacia da Constituição, e se já exauridas, a supremacia não está amea-
çada.
Nestas situações de perda da eficácia da lei impugnada ou de sua revogação, não prossegue a ação
de controle concentrado, tutelando-se os direitos subjetivos eventualmente afetados por elas em mo-
mento anterior por meio do controle incidental.
Ademais, os princípios expressos e implícitos, bem como as normas contidas em tratados e con-
venções internacionais de direitos humanos, desde que aprovados por 3/5 e em dois turnos de votação,
podem ser utilizados como parâmetro na ADI e na ADC.

83 STF – ADI 1.442/DF: “No plano da organização sindical brasileira, somente as confederações sindicais
dispõem de legitimidade ativa "ad causam" para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art.
103, IX), falecendo às centrais sindicais, em consequência, o poder para fazer instaurar, perante o Supremo Tri-
bunal Federal, o concernente processo de fiscalização normativa abstrata. Precedentes
124

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6.1.11.2. Parâmetro para ADPF

Apenas preceito fundamental da CF pode ser invocado como parâmetro.


Segundo José Afonso da Silva, o preceito fundamental equivale a uma norma imprescindível à
identidade da Constituição e ao regime por ela adotado. Cita-se, como exemplo:
a) Título I da CF - Princípios fundamentais;
b) Título II da CF – direitos e garantias fundamentais (preceitos);
c) Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII);
d) Cláusulas pétreas (expressas ou implícitas).
No entanto, o STF, na ADPF 1, afirmou que caberá ao próprio Supremo definir o que será ou não
considerado preceito fundamental, na análise do caso concreto.
6.1.12. Objeto da ADI e da ADC

6.1.12.1. Quanto à natureza (a essência) do objeto


Podem ser objeto de ADI e ADC a lei e o ato normativo. Veja que o objeto dessas ações tem de
possuir as características da generalidade e da abstração.
Se em relação ao parâmetro vigora a regra da causa de pedira aberta, em relação ao pedido, trata-
se da regra da adstrição.
Assim, se o pedido foi a declaração de inconstitucionalidade de uma lei “A”, o Supremo não pode
declarar a lei “B” inconstitucional. Se o pedido foi de declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da
lei “X”, o Supremo não pode declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, 3º, ou qualquer outro, desta
mesma lei. Se o pedido for de declaração de inconstitucionalidade material de uma determinada lei, o
Supremo não pode declarar a inconstitucionalidade formal daquela lei84.
Há, contudo, algumas exceções. Vejamos:
a) Interdependência – por vezes, determinados dispositivos não fazem sentido autonomamente
dentro de uma lei, precisam de outros para fazer sentido. Nestes casos, o STF pode declarar a
inconstitucionalidade de um dispositivo e por arrastamento de outro, a fim de que não fique
“solto” na lei. Haverá inconstitucionalidade por arrastamento horizontal85.
b) Inconstitucionalidade consequente – ocorre quando determinado ato é inconstitucional como
consequência da inconstitucionalidade da lei. Por exemplo, declara-se a inconstitucionalidade
de um decreto que regulamentava uma lei considerada inconstitucional. Haverá inconstituci-
onalidade por arrastamento vertical.

84 STF - ADI 2.182/DF: “1. Questão de ordem: pedido único de declaração de inconstitucionalidade formal
de lei. Impossibilidade de examinar a constitucionalidade material.”.
85 STF – ADI 4.451 MC-REF/DF: “[...] 8. Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e,
por arrastamento, dos § 4º e § 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei 12.034/2009.”.
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c) Revogação por ato de semelhante conteúdo – ocorre quando determinada lei é impugnada no
STF e é revogada por outra lei de conteúdo quase idêntica. Nestes casos, pode declarar a in-
constitucionalidade da nova lei86.
A lei ou o ato normativo, vigentes e eficazes que tenham ligação direta com a Constituição.
Quando isso ocorre, dá-se o nome de inconstitucionalidade direta ou antecedente87. Há a exceção do
decreto inconstitucional por arrastamento, mas, mesmo nessa hipótese, tem de haver lei inconstitucio-
nal regulamentada.
O STF não admitia como objeto de ADI ou ADC as chamadas leis de efeitos concretos (aquela que
não é dotada de generalidade nem de abstração). Esse entendimento era pacífico. Entretanto, em 2008
o STF alterou seu posicionamento (ADI 4048/Medida Cautelar). Hoje é possível ajuizar ADI ou ADC
contra leis de efeitos concretos desde que a controvérsia tenha sido suscitada em abstrato, pouco im-
portando caráter geral ou específico, concreto ou abstrato do objeto.
A lei de efeitos concretos questionada na ADI 4048 foi uma Medida Provisória que tratava de
matéria orçamentária. Na decisão, não fica claro se o entendimento vale somente para lei ou também
para ato normativo. A Novelino parece que o entendimento somente vale para o caso de lei, pois o ato
de efeitos concretos perde a característica de normativo88.
Em relação ao Ato normativo, aquele dotado de generalidade e abstração, deve-se analisar o con-
teúdo se o ato é de efeito concreto, ele é ato administrativo e não normativo, motivo pelo qual não pode
ser impugnado pela via da ADC ou ADI.
A jurisprudência do STF vem reiteradamente rejeitando que determinados atos sejam objeto de
ADI ou ADC:
i) Atos tipicamente regulamentares:
O fato de o STF não admitir atos tipicamente regulamentares como objeto de ADI ou ADC não
significa que decreto não possa ser questionado por essas ações. Se o decreto não estiver regulamen-
tando uma lei, ou seja, caso não exista nenhum ato intermediário entre o decreto e a constituição, ele
será autônomo e poderá ser objeto de ADI. Se, entre o decreto e a CR existir uma lei interposta, ele não
viola diretamente a CR. Será um ato tipicamente regulamentar e, em razão disso, não poderá ser objeto
de ADI.

86 STF – ADI 3.147-ED/PI: “A derrogação do ato normativo originalmente atacado (Decreto 11.435/2004
do Estado do Piauí) não impede a formulação de juízo de inconstitucionalidade do ato superveniente com seme-
lhante conteúdo (Decreto 11.248/2006) e, como o anterior, afrontoso à Súmula Vinculante/STF 2.

87
Dica: relacionar o “direta” da Ação Direta de Inconstitucionalidade com essa conexão “direta” entre a lei
ou o ato e a Constituição.

88
Deve-se atentar para a análise de provas de concursos anteriores, pois a alteração é recente.

126

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Mesmo quando o decreto exorbita os limites da regulamentação legal, ele não deixa de ser um
decreto tipicamente regulamentar, não podendo também ser objeto de ADI.
A única exceção, em que a constitucionalidade do decreto será objeto de ADI, é no caso de incons-
titucionalidade por arrastamento.
ii) Normas constitucionais originárias:
Tratam-se das elaboradas pelo Poder Constituinte Originário. As normas derivadas são aquelas
feitas pelo Poder Reformador/Revisor através de Emendas.
A norma feita por Emenda pode ser objeto de ADI, porque o Poder Reformador tem limites a
serem observados. Contudo, norma originária da Constituição não pode ser impugnada em ADI ou
ADC.
Obs.: É o princípio da unidade da Constituição que afasta a tese de que normas originárias pode-
riam ser inconstitucionais por violarem outras normas da Constituição superiores a elas.
iii) Leis temporárias ou leis já revogadas:
Em regra, o STF não admite que uma lei temporária, depois de seu completo exaurimento (em
função do esgotamento de seu lapso temporal), possa ser objeto de ADI. Isso porque ela já não mais
ameaça a CR. O mesmo ocorre com a lei revogada.
Há, todavia, uma exceção. O STF admite o controle de constitucionalidade de lei revogada
quando, durante o processo de julgamento da ADI, para evitar que o STF diga que determinada lei é
inconstitucional (com efeito ex tunc), o legislativo revoga a lei objeto de impugnação, editando outra
com conteúdo igual ou semelhante, com o objetivo de tentar subtrair do Supremo a análise da consti-
tucionalidade da lei. Nessa hipótese, que vem sendo denominada pelo STF de “fraude processual”, o
processo continua até o julgamento final.
Obs.: Se uma lei tem a sua execução suspensa pelo Senado, por exemplo, isso significa que ela não
pode mais ser aplicada, nem pela Administração, nem pelo Judiciário. Logo, se ela não produz mais
efeitos, não há ameaça a supremacia da Constituição que autorize a impugnação pela via da ADI ou
ADC.
iv) Norma declarada (in)constitucional pelo Pleno, tanto em controle abstrato quanto em
controle difuso (?)
O STF entende que se ele declara uma lei inconstitucional, essa declaração tem efeitos erga omnes
e vinculante, não podendo mais a lei ser aplicada. Logo, uma lei que foi declarada inconstitucional em
sede de controle normativo abstrato, nunca mais poderá ser impugnada perante o Supremo. Em tempos
anteriores, a declaração de inconstitucionalidade incidental pelo STF não impedia a sua aplicação por
outros juízes ou Tribunais, salvo nas hipóteses em que o Senado suspendesse a execução da mesma lei.
Logo, cabível era a proposição de ADI para conferir efeito erga omnes ao conteúdo do provimento
de inconstitucionalidade. Atualmente, porém, o STF equalizou os efeitos das decisões proferidas no
controle incidental e no controle normativo abstrato, ao prever que ambas têm efeitos erga omnes.

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Desta forma, a partir do momento em que o Pleno diz que uma lei é inconstitucional, ela não pode
ser aplicada a nenhum outro órgão e nem a ninguém. É como se essa lei fosse retirada do ordenamento
jurídico, não podendo a mesma lei ser novamente impugnada. Por outro lado, quando o Supremo de-
clara que uma lei é constitucional, ela continua tendo aplicação, podendo, em tese, ser impugnada.
No entanto, o STF só admite isso nas situações em que restar comprovada uma alteração subs-
tancial nas circunstâncias fáticas ou jurídicas que deram ensejo ao reconhecimento da constitucionali-
dade. Só essa mudança de natureza superveniente justifica uma nova provocação do Supremo para de-
cidir a questão pela via da ADC.
6.1.12.2. Quanto ao aspecto temporal do objeto

A ADI e a ADC somente podem ter como objeto lei ou ato normativo produzido após a promulga-
ção da CR, ocorrida em 5 de outubro de 1988. Como estudado, antes dessa data, a lei ou o ato incompa-
tível com a CR será considerado não recepcionado, e não inconstitucional.
Pode ocorrer, todavia, de o parâmetro invocado ser modificado através de Emenda. Nesse caso, o
objeto tem de ser posterior ao parâmetro. Ex.: lei promulgada em 2005 não pode ser objeto de ADI ou
ADC tendo como parâmetro a redação de um dispositivo constitucional alterado em 2010.
Só cabe ADI ou ADC, portanto, no caso de inconstitucionalidade originária. Só se admite como
objeto de ADI e ADC leis ou atos normativos posteriores ao parâmetro constitucional invocado.
A ADC admite, como objeto, atos anteriores à sua criação, desde que este objeto seja posterior ao
parâmetro constitucional invocado. Isso porque se trata de norma de natureza processual, e nesse caso
não há falar-se em irretroatividade. Veja: a ADC foi criada em 1993. A primeira ADC tinha como objeto
a LC 70/1991 (anterior, portanto, à criação da própria ADC). Para que esta lei complementar seja objeto
da ADC, o parâmetro constitucional invocado tem de ser anterior a 1991. Não pode ter como parâmetro
norma constitucional, por exemplo, introduzida por emenda constitucional de 1995.
6.1.12.3. Quanto ao aspecto espacial do objeto da ADI e da ADC

Quanto ao aspecto espacial, há diferença entre os objetos da ADI e da ADC (art. 102, I, “a”, da
CR):
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-
bendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
A ADI admite como objeto lei ou ato normativo das esferas federal ou estadual. Já a ADC admite
como objeto somente lei ou ato normativo da esfera federal. Existe PEC tramitando no Congresso com
o objetivo de ampliar o objeto da ADC, em seu aspecto espacial, para torná-lo idêntico ao da ADI.
A lei ou ato normativo do DF não pode ser objeto de ADC. Pode, todavia, ser objeto de ADI? A lei
ou ato do DF pode tratar tanto de conteúdo afeto à lei municipal quanto à lei estadual. Se o ato do DF

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tiver o conteúdo de lei estadual, poderá ser objeto do controle via ADI. Todavia, se tratar de matéria de
competência do município, não poderá ser objeto de ADI (Súmula 642 do STF):
Súmula 642 - Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do distrito federal derivada da
sua competência legislativa municipal.
O STF já analisou lei do DF de natureza mista, mas ressaltou que somente poderia tratar da ma-
téria relativa à competência estadual. Quanto à matéria objeto de competência municipal, a norma teria
de ser impugnada perante o TJDFT.
6.1.13. Participação de órgãos e entidades

6.1.13.1. Amicus curiae


O amicus curiae - em tradução literal, a expressão latina é compreendida como "amigo da corte"
- desempenha papel de acentuada relevância nas discussões concernentes ao controle concentrado e
difuso de constitucionalidade, visco que solicita seu ingresso para fornecer ao juiz ou Tribunal (órgão
julgador) elementos que melhor fundamentem sua decisão.
- O Amicus curiae não foi introduzido no direito brasileiro com a Lei 9.868/99, pois, desde a dé-
cada de 70, já havia previsão desta figura na legislação do CADE e da CVM, que trata de matérias muito
específicas. No entanto, essa figura se tornou mais conhecida no direito brasileiro a partir da Lei
9.868/99, que embora trate da figura apenas para a ADI, tem a sua aplicabilidade estendida por analo-
gia pelo STF.
i) Papel
Um dos objetivos da introdução do amicus curiae pela Lei n. 9.868/99 é justamente fazer com
que o debate constitucional seja pluralizado, que a decisão do STF se torne mais democrática, vez que a
sociedade participará da formação dessa decisão.
É possível associar a figura do amicus curiae à chamada sociedade aberta de intérpretes (Peter
Häberle). Häberle defende uma abertura da interpretação constitucional. Segundo ele, a democracia
deve estar presente não apenas no momento de elaboração das normas, mas também em momento
posterior de interpretação dos dispositivos.
No processo constitucional subjetivo, seu papel é diferente, uma vez que com o NCPC, houve uma
objetivação de algumas decisões. Em alguns casos, as decisões proferidas pelos Tribunais Superiores
são de observância obrigatória pelos Tribunais inferiores e podem afetar terceiros. Por isso, terceiros
interessados podem requerer a sua participação no processo com o objetivo de contribuir com a decisão
que os afetará.
ii) Natureza
Na doutrina processualista, há divergência a respeito deste tema. O Professor Novelino concorda
com o posicionamento do processualista Fredie Didier no sentido de que a participação do amicus cu-
riae não é uma hipótese de intervenção de terceiros (entendimento também adotado pelo Ministro Gil-
mar Mendes).

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O amicus curiae seria alguém que contribui para a decisão do tribunal, independentemente de
possuir interesse direto ou indireto na causa. No entanto, esse não é o entendimento que tem prevale-
cido na jurisprudência do STF, tampouco no âmbito legislativo. Ao tratar do amicus curiae no controle
difuso, o novo CPC alocou o artigo 138 na parte de intervenção de terceiros, ou seja, o legislador pro-
cessual civil claramente considerou a participação do amicus curiae como uma espécie de intervenção
de terceiros.
Além disso, a maioria dos Ministros do Supremo tratam o amicus curiae como hipótese de inter-
venção de terceiros. Portanto, o controle concentrado abstrato não admite intervenção de terceiros,
salvo no caso do amicus curiae. Seria uma exceção.
Atenção: embora a Lei n. 9.868/99 trate da figura do amicus curiae exclusivamente em relação à
ADI, por analogia, o STF em admitidto a aplicação do artigo 7º, § 2º, também às outras ações (ADPF e
ADC). No âmbito do controle difuso concreto ou incidental, a previsão está contida no artigo 138 do
novo CPC.
iii) Admissibilidade e requisitos
Há duas possibilidades. O órgão ou entidade (próprio interessado) pode requerer a participação,
por meio de petição, ou o STF pode, de ofício, convidá-lo para participar.
O artigo 7º, parágrafo 2º, prevê dois requisitos de admissibilidade. Um deles objetivo, diz respeito
à relevância da matéria, ao objeto da ação de controle de constitucionalidade. A matéria deve ser
especialmente relevante para se admitir a participação de órgãos e entidades. O segundo aspecto diz
respeito à representatividade dos postulantes, de natureza subjetiva, pois diz respeito ao sujeito
que solicita a participação como amicus curiae.
Além dos requisitos previstos na lei, a jurisprudência do STF tem exigido como requisito a
necessidade de se demonstrar pertinência temática, assim como acontece com os legitimados
especiais, bem como a vedação da participação de Pessoas Físicas.
ATENÇÃO: No processo constitucional subjetivo, cuja referência é o CPC, é perfeitamente pos-
sível que o amicus curiae seja Pessoa Física. No CPC, os requisitos para a participação do amicus curiae
são um pouco diferentes. Tal como no processo objetivo, exige-se que a (i) matéria seja relevante, mas
acrescentam-se outros como a (ii) especificidade do tema objeto da demanda (não precisa ser relevante,
apenas específico!) ou (iii) repercussão social da controvérsia.
iv) Prazo e recurso
Há dois momentos no STF89: o relator faz o voto e libera o processo para julgamento, depois o
Presidente do Supremo pauta aquele processo para ser julgado. A participação do amicus curiae, em

89 STF - RE 597.064/RJ: “[...] hodiernamente, o prazo para admissão dessa intervenção anômala passou a
ser a liberação do feito pelo relator para julgamento em plenário ou a apresentação em mesa em caso de julga-
mento de medida cautelar. Todavia, excepcionalmente, mesmo após a liberação pelo relator, admite-se, em casos
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regra, tem que ocorrer até o momento em que o relator liberar o processo para que ele seja pautado
para julgamento. A partir deste momento é que termina o prazo para ingresso do amicus curiae.
Em determinadas situações excepcionais, quando o Supremo entender que é de extrema impor-
tância a participação do amicus curiae, ele pode admitir até em momento posterior, até mesmo depois
do julgamento já ter sido iniciado.
O amicus curiae não pode recorrer porque não é parte. Não pode nem mesmo opor embargos de
declaração. Essa é a posição do STF90.
Vale ressaltar, no entanto, que o amicus curiae interpor agravo regimental, contra a de-
cisão do Relator que inadmitir sua participação no processo.
Ressalta-se que o STF no final de 2018 alterou o seu entendimento em um RE, isto é, em sede de
processo constitucional subjetivo, de modo a inadmitir qualquer recurso por parte do amicus curiae.91
Desse modo, é bem provável que o mesmo se aplique às ações do processo constitucional objetivo.
Em resumo, foram 3 (três) os fundamentos básicos para a mudança de posição por parte do
Supremo:

i) Ratio essendi da participação: o amicus curiae não é parte no processo, mas apenas um
agente colaborador. A intervenção é concedida ao amicus curiae não como um direito, mas
como um privilégio. E o privilégio acaba quando a sugestão de participação é feita.
ii) Vontade democrática exposta na legislação processual que disciplina a matéria:
a lei é clara quando diz que não cabe recurso da decisão do relator que admitiu o amicus curiae
iii) Possíveis prejuízos ao andamento dos trabalhos: em alguns processos há grande
número de requerimentos para participação na condição de amicus curiae e isso tem atrasado
o andamento dos processos.
v) Amicus curiae X CPC2015
Lei nº 9868/99 CPC/2015
POSTULANTES Apenas órgãos ou entidades. Pessoa natural ou jurídica,
Não admite pessoa física. bem como órgão ou entidade
especializada.

INTERPOSIÇÃO DE ADI, ADC, ADPF Embargos de declaração e


RECURSOS apenas agravo regimental, recurso da decisão que julgar o
contra decisão que não admite a incidente de resolução de
participação. demandas
repetitivas.

pontuais, que se permita essa intervenção tendo em vista a relevância da questão discutida e a representatividade
da entidade postulante.”.
90 (ADI 3615 ED/PB, rel. Min. Cármen Lúcia, 17.3.2008).
91 STF – RE 602.584 AgR/DF (17.10.2018): “É irrecorrível a decisão denegatória de ingresso, no feito, como
amicus curiae”. (Info 920).
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REQUISITOS Objetivo: relevância da
Objetivo: Relevância da
matéria. matéria, especificidade do
Subjetivo:Representatividade
tema objeto da demanda ou
dos postulantes repercussão social da
controvérsia
Subjetivo: representatividade
adequada.
6.1.13.2. Participação do Procurador-Geral da República
O PGR, no controle de constitucionalidade, atua na condição de custus constituitionis, ou seja,
como fiscal da supremacia da Constituição (art. 103, § 1º, da CR):
Art. 103 (...) § 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de
inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.
Assim como o Promotor atua nos processos de sua competência como custos legis - fiscal da lei,
no controle concentrado abstrato, o PGR atua como custos constitutionis, para que a ordem constituci-
onal objetiva seja resguardada, emitindo parecer a respeito da controvérsia.
Obs.: O PGR não pode desistir da ação. No entanto, o PGR pode dar um parecer em sentido con-
trário, seja porque ele mudou de ideia, com o passar do tempo, seja porque foi substituído por outro
PGR.
Note que ele atua como tal não só nas ações de inconstitucionalidade como em todos os processos
de competência do STF (sem exceção).
À primeira vista, essa norma causa certa estranheza. O STF fez uma interpretação do dispositivo
de forma a tornar viável essa participação: o PGR não precisa ser formalmente intimado em todos os
processos do STF. Basta que ele saiba da tese jurídica discutida. Ou seja, o que se exige é que a tese
tenha sido levada ao conhecimento do PGR, para manifestação. Caso contrário, ele simplesmente não
teria condições de atuar formalmente em todos os processos.
6.1.13.3. Participação do Advogado-Geral da União
A participação do AGU está prevista no art. 103, § 3º, da CR:
Art. 103 (...) § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese,
de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato
ou texto impugnado.
Trata-se de uma participação diferente da do PGR. “Em tese” significa que o AGU participará
somente dos casos de apreciação de constitucionalidade em controle concentrado-abstrato.
O AGU não atuará como custus constituitionis. Na verdade, ele está obrigado a defender a cons-
titucionalidade do ato impugnado: será o defensor legis. É obrigação do AGU funcionar como curador
da presunção de constitucionalidade das leis.
Há, todavia, duas exceções. O AGU não está obrigado a realizar a defesa do ato impugnado, ainda
que até possa fazê-lo: i) quando a tese jurídica já tiver sido considerada inconstitucional pelo STF; e ii)
quando o ato for contrário ao interesse da União. Novelino discorda da posição do STF nesta segunda

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hipótese, pois, segundo ele, o AGU nesse caso não atua na condição de defensor dos interesses da União,
mas de defensor da lei.
O AGU é obrigado a defender tanto a lei federal quanto a estadual (lembre-se que ambas podem
ser objeto de ADI), mesmo sendo o chefe da Advocacia-Geral da União.
6.1.14. Tutela cautelar92 na ADI e na ADC e seus efeitos
Na Ação Declaratória de Constitucionalidade, a cautelar somente pode ser concedida por maioria
absoluta dos membros do STF (art. 21, caput, da Lei 9.868/1999):
Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá
deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determi-
nação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação
da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo. (...)
Tanto na ADI quanto na ADC, os efeitos da medida cautelar são erga omnes e vin-
culantes.
Os efeitos da medida cautelar serão ex nunc, mas o tribunal pode conceder-lhes eficácia retroa-
tiva.
Art. 11 (...) § 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex
nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.
Todavia, na ADC há uma peculiaridade: não será requerida cautelarmente a declaração de cons-
titucionalidade da lei, pois já existe tal presunção, de modo que a cautelar terá como efeito so-
mente suspender o julgamento de processos nos quais a questão esteja sendo discutida.
Essa suspensão, que serve para evitar decisões divergentes, poderá durar por no máximo 180 dias.
Art. 21 (...) Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará pu-
blicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias,
devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda
de sua eficácia.
Se o STF não suspender os processos e determinada decisão proferida por juiz singular transitar
em julgado, caberá ação rescisória ou alegação de inexigibilidade de título em eventual execução.
Já na Ação Direta de Inconstitucionalidade, em regra a cautelar tem de ser concedida por maioria
absoluta. Todavia, durante o período de recesso do Supremo, admite-se a concessão de medida cautelar
pelo relator (art. 10 da Lei 9.868/1999):
Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão
da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos
órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se
no prazo de cinco dias. (...)

92
A Lei 9.868/1999, que disciplina a ADI e a ADC, fala em “cautelar”. Já a Lei 9.882/1999, que trata da
ADPF, fala em “liminar”.

133

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Assim como a decisão de mérito, a cautelar se torna obrigatória a partir da publicação da parte
dispositiva (ou ata da sessão de julgamento) no Diário Oficial, e não do trânsito em julgado.
Especificamente no caso da ADI, além dos efeitos erga omnes e vinculante e da suspensão do
julgamento dos processos93, a medida cautelar poderá suspender também a aplicação da lei ou do ato
normativo.
Quando a medida cautelar é concedida em ADI, suspendendo determinada lei ou ato normativo,
o efeito dessa decisão será, em regra, ex nunc. Isso porque o STF não está declarando a norma
inconstitucional, mas somente suspendendo a sua aplicação. Há, todavia, a possibilidade de modulação
dos efeitos temporais de decisão cautelar, conferindo a ela efeito ex tunc (art. 11, § 1º, da Lei
9.868/1999):
Art. 11 (...) § 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito
ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.
Concedida medida cautelar em ADI suspendendo determinada lei revogadora, pode ocorrer de a
lei anterior (revogada) se tornar automaticamente aplicável.
Trata-se do chamado de “efeito repristinatório tácito” ou “repristinação tácita” (“tácito” porque
na decisão o STF nada diz acerca da lei revogada). Se a lei revogada também for inconstitucional, o STF
pode expressamente vedar a retomada da eficácia dela (art. 11, § 2º, da Lei 9.868/1999):
Art. 11 (...) § 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior
[efeito repristinatório tácito] acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
O indeferimento de um pedido cautelar em ADI tem efeito vinculante? Ou seja, essa decisão de
indeferimento funcionaria como uma declaração de constitucionalidade, vinculando as demais instân-
cias do Poder Judiciário? Não. A decisão que nega a medida cautelar não produz efeito vinculante, ou
eficácia contra todos. Cada juiz ou tribunal pode continuar julgando da mesma maneira.
Ex.: na ADPF 54 (anencefalia), o Min. Relator Marco Aurélio concedeu monocraticamente a me-
dida cautelar. A partir desse momento, os juízes brasileiros não podiam mais proferir decisão em sen-
tido contrário, negando a antecipação terapêutica do parto. O Pleno não referendou a decisão cautelar,
principalmente por entender que aquela decisão não poderia ter sido proferida por juízo monocrático.
A partir de então, os juízes e tribunais voltaram a ser livres para concederem ou não a autorização.
6.1.15. Efeitos da decisão de mérito na ADI e na ADC
Como são ações de controle concentrado abstrato, sem partes formais (processo constitucional
objetivo) o efeito da decisão de mérito proferida em ADI e ADC será sempre erga omnes e vincu-
lante, tais efeitos decorrem da própria natureza dessas ações.
Como estudado anteriormente, antes de 1993 não havia na CR previsão de efeito vinculante, que
surgiu somente com a EC nº 3.

93
A suspensão do julgamento dos processos que tratam do mesmo tema em ADI não tem previsão expressa
na lei, mas decorre da aplicação do dispositivo relativo à ADC, por analogia.

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Uma das finalidades do efeito vinculante ter sido introduzido é o fato de que quando o Supremo
julgava improcedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), declarando que a norma ques-
tionada era sim constitucional, a sua decisão, por não ter eficácia vinculante, acabava não vinculando
os demais órgãos do Poder Judiciário, que podiam continuar a não aplicar a lei, assim como o Chefe do
Executivo poderia continuar negando cumprimento a lei por entender que ela era inconstitucional. As-
sim, a decisão na ADI só produzia eficácia contra todos quando era julgada procedente a ação. Por isso,
o efeito vinculante foi introduzido. Assim, embora ele tenha uma abrangência subjetiva menor, quando
a ação é julgada improcedente os demais poderes ficam vinculados a decisão do Supremo.
Veja que a eficácia erga omnes representa justamente a abrangência da decisão a todos, indistin-
tamente (Poderes Públicos e particulares), enquanto que o efeito vinculante está circunscrito “aos de-
mais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual
e municipal” (art. 102, § 2º, da CR):
Art. 102 (...) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e
à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Antes da abordagem dos seus efeitos, é importante lembrar que das decisões de mérito nessas
ações (ADI/ADC/ADPF) não cabe recurso, exceto os embargos declaratórios, cuja finalidade
é esclarecer algum ponto omisso, obscuro ou contraditório da decisão.
Os embargos servem para o aperfeiçoamento da decisão, não tendo como finalidade a alteração
da decisão em sua essência, muito embora, por vezes, o STF os admita com caráter infringente.
Obs.: Não cabe ação rescisória no controle concentrado.
6.1.15.1. Eficácia subjetiva e objetiva

Conforme visto acima os efeitos da decisão serão sempre vinculantes e contra todos. Assim,
quando se fala em eficácia objetiva, fala-se em partes da decisão que irá produzir efeitos
contra todos e efeito vinculante. Já eficácia subjetiva refere-se aos sujeitos que estão vinculados a de-
cisão do STF.
i) Eficácia subjetiva
É a eficácia em relação aos sujeitos atingidos pela decisão. O efeito erga omnes atinge a todos,
tanto particulares quanto os Poderes Públicos.
O efeito vinculante será apenas em relação aos Poderes Públicos (Poder Executivo, Poder Legis-
lativo e Poder Legislativo). Os particulares não são atingidos, pelo menos diretamente, pelo efeito vin-
culante.
a) Poder Judiciário

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A CF refere-se a efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário. Assim, o pleno do STF
está excluído da decisão, ou seja, não fica vinculado a sua própria decisão. Significa dizer que se o Su-
premo quiser adotar outra posição no futuro, ele pode.
Entretanto, o entendimento adotado no precedente deve ser observado nas decisões monocráticas
e das turmas, ou seja, somente pode o entendimento ser revisado pelo Plenário.
b) Poder Legislativo e Poder Executivo
A atividade legiferante, a função legislativa não pode ficar vinculada à decisão do STF, não
importa se for praticada pelo Poder Executivo, em sua função atípica, ou pelo Poder Legislativo, em sua
função típica.
Assim, o Chefe do Poder Executivo não fica vinculado para iniciativa de projeto de lei, sanção ou
veto de projeto de lei, edição de medidas provisórias, leis delegadas, celebração de tratados de leis, pois
fazem parte da sua atividade legiferante. Obviamente, fica vinculado nas questões administrativas.
Igualmente, o Parlamento não fica impedido de legislar sobre determinados temas, mesmo que o
STF entenda que é inconstitucional. Ficam vinculados nas atividades administrativas, a exemplo da SV
1394 e na atividade jurisdicional (ADPF 37895).
O tribunal de contas, embora orgão auxiliar do legislativo, fica vinculado no exercício de suas
atribuições, pois a ausencia de vinculação, como visto, resringe-se a função legiferante.
A não-vinculação seja do STF seja da atividade legiferante é para evitar a FOSSILIZAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO, ou seja, evitar a petrificação das suas normas, que impediria a sua modificação por
novos entendimentos.
ii) Eficácia objetiva
A Eficácia objetiva diz respeito às partes da decisão judicial que produzem efeitos erga omnes e
vinculante. Toda decisão pode ser dividida em três partes: relatório, fundamentação e dispositivo.
É certo que o dispositivo de toda decisão em processo objetivo constitucional terá efeitos
vinculantes e erga omnes.
Entretanto, para alguns doutrinadores que adotam a Teoria Extensiva o efeito vinculante atinge
não só o dispositivo, mas também a fundamentação, de forma que os motivos determinantes
para que se chegue à decisão também terão efeitos vinculantes.

94 A Súmula nº 13, que trata do Nepotismo, vincula o Poder Legislativo por tratar de uma matéria adminis-
trativa, não podendo os membros deste Poder contratar parentes, sob pena de violarem a determinação da Sú-
mula. O que é possível é a elaboração de uma lei por parte do Poder Legislativo com conteúdo contrário ao contido
no enunciado da Súmula. Vale anotar que os próprios ministros do Supremo estão vinculados e obrigados a cum-
prir o conteúdo da Súmula durante a sua vigência.
95 ADPF 378 – teve como objeto o impeachment da Dilma Rousseff, que foi julgado pelo Senado. O Senado
ficou vinculado à decisão do STF na ADPF 378, por se tratar de função jurisdicional.
136

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Isso significa que os motivos que foram determinantes para o tribunal decidir transcendem à de-
cisão proferida e se aplicam também a outros casos.
Não é tudo do que está na fundamentação que transcenderá a decisão, sendo vinculante so-
mente as razões que levaram o tribunal a tomar aquela decisão (ratio decidendi). Todo
o restante que está na fundamentação, mas que não é motivo determinante para o tribunal decidir da-
quela forma são apenas questões obter dicta, ou seja, questões ditas de passagem, acessórias do julgado,
não tendo por isso, efeito vinculante.
Tal teoria denomina-se de transcendência dos motivos determinantes, sendo que o STF não
aplica, pelo menos de maneira formal tal teoria, pois alguns Ministros (Barroso) adotam em decisões
monocráticas, geralmente, em reclamações.
Isso porque o efeito prático da transcendência dos motivos é evitar que outras leis de conteúdo
idêntico sejam objeto de outras demandas no STF. Veja: adotada a teoria, o instrumento apto a reco-
nhecer a inaplicabilidade de norma semelhante à declarada inconstitucional seria a Reclamação e não
o complexo processo objetivo constitucional.
Segundo Novelino, com o advento do NCPC, este tema seja revisto pelo STF e ele mude o
entendimento, assim como ele já sinalizou que vai mudar o entendimento em relação aos efeitos da
decisão no controle difuso concreto no sentido de equiparar os efeitos nos dois controles, difuso
incidental e concentrado abstrato. Mas, por enquanto, na prova, marque como sendo uma teoria não
admitida pelo STF96.
6.1.15.2. Modulação temporal dos efeitos
Assim como ocorre com a liminar, a obrigatoriedade da decisão ocorre apenas quando há publi-
cação no diário oficial.
Nesse sentido, importa lembrar que no Brasil é adotada a teoria da nulidade (norte-americana),
segundo a qual a lei inconstitucional é um ato nulo e não apenas um ato anulável. Logo, há nela um
vício de origem que impõe a sua anulação desde o momento em que foi criada. Assim, em regra, o
efeito é ex tunc, ou seja, tem eficácia retroativa.
De outro lado, é possível, entretanto, de maneira excepcional, realizar uma modulação temporal
e de extensão dos efeitos da decisão (ex-nunc / pro futuro), desde que preenchidos determinados re-
quisitos: (1) atender ao quórum qualificado de 2/3 dos ministros e (2) demonstrar a existência no caso
concreto de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.
Lei 9.868/99, Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal,

96 STF - RCL 2.990 AgR: “EMENTA: I. Reclamação. Ausência de pertinência temática entre o caso e o objeto
da decisão paradigma. Seguimento negado. II. Agravo regimental. Desprovimento. Em recente julgamento, o Ple-
nário do Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões
de ações de controle abstrato de constitucionalidade (RCL 2475-AgR, j. 2.8.07).”
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por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado.”
“Lei 9.882/99, Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo
de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica
ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” [redação
praticamente idêntica ao trecho citado anteriormente]
Obs.: Novelino e Fredie Didier entendem que quando o STF modula os efeitos das suas decisões,
essa decisão passa a ter natureza constitutiva e não meramente declaratória. É uma questão teórica. O
STF não decidiu num ou noutro sentido, mas há divergências na doutrina, não posicionamento do STF
a esse respeito.
6.1.15.3. Técnicas de decisão
i) Declaração de inconstitucionalidade com redução parcial/total de texto
Quando a declaração de inconstitucionalidade é total, toda a lei ou ato normativo é declarado
inconstitucional. O Supremo, neste caso, atua como uma espécie de legislador negativo (Kelsen). É
como se o STF estivesse exercendo a “função legislativa” de revogar aquela lei tida como inconstitucio-
nal.
A declaração de inconstitucionalidade com redução parcial de texto pode incidir sobre uma única
palavra ou sobre uma expressão, ao contrário do veto parcial, o qual deve abranger o texto integral do
artigo, parágrafo, inciso ou alínea. Vale lembrar que ao declarar inconstitucional uma palavra ou ex-
pressão, o STF acaba exercendo, ainda que indiretamente, a função de legislador positivo, não podendo,
todavia, modificar o sentido do texto.

ii) Declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto x interpretação conforme à


Constituição
Como, muitas vezes, a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e a interpretação
conforme à CF são usadas como equivalentes, iremos abordar seus pontos em comum e suas distinções.
Ressalta-se que a jurisprudência do STF, na maioria das vezes mistura as duas técnicas.
a) Pontos em comum:
I. Normas polissêmicas – são normas que possuem vários significados. É possível mais de
uma interpretação, tendo em vista que o texto não é unívoco.
II. Redução do âmbito de aplicação do dispositivo – como é possível mais de um
significado, o tribunal exclui um determinado sentido atribuível ao dispositivo, sem que
haja qualquer alteração no seu texto. O texto permanece igual, mas a interpretação sobre
ele é alterada. Para que um dispositivo constitucional se transforme em uma norma jurídica,
ele deve ser interpretado (a norma é o produto da interpretação – é a técnica mais admitida

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pela dogmática jurídica). Esse dispositivo pode ter uma interpretação “A” e gerar uma
“norma A”, ou pode-se interpretá-lo do modo “B”, que vai gerar a “norma B”. Se a norma B
for incompatível com a Constituição, o tribunal irá excluir o sentido atribuído à norma “B”.
III. Ausência de alteração no texto normativo – o texto não sofre qualquer tipo de modi-
ficação, permanece exatamente o mesmo. Altera-se o significado do dispositivo.
b) Diferenças
DECLARAÇÃO DE NULIDADE SEM INTERPRETAÇÃO CONFORME À
REDUÇÃO DE TEXTO CONSTITUIÇÃO
Técnica de decisão Técnica de decisão E Princípio interpretativo
Em tese, pode ser utilizado apenas no controle Pode ser utilizado tanto no controle difuso
concentrado. quanto no controle concentrado.
Obs.: STF utiliza no controle difuso incidental.
Afasta o sentindo inconstitucional e permite os Confere um sentido constitucional e afasta dos
demais significados. demais significados97.
iii) Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade
Tem por objetivo impedir o vácuo jurídico, assim, busca-se que a ausência daquela lei no or-
denamento jurídico crie um problema ainda mais grave. É como se o intérprete fizesse uma ponderação
entre os custos daquela Declaração de Inconstitucionalidade e os benefícios trazidos por ela.
Aqui, o STF faz uma modulação temporal dos efeitos da decisão, conferindo um efeito pro futuro.
Ou seja, o STF diz que norma é inconstitucional, mas não pronuncia sua inconstitucionalidade.
Fixa um prazo para que a nulidade se estabeleça, por razões de segurança jurídica ou excepcional
interesse social.
1.22. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
6.1.16. Introdução
A ADPF está prevista no art. 102, § 1º, da CR e também é fruto do poder constituinte originário.
Originariamente, ela constava do parágrafo único do dispositivo, o qual foi transformado em § 1º pela
EC 3/1993:

97 Obs.: Embora o STF não faça essa distinção, tratando-as de forma equivalente, a rigor são distintas.
Quando se faz uma declaração de nulidade sem redução de texto, está se fazendo um juízo de inconstitucionali-
dade, declarando que aquela interpretação é inválida; há exclusão de um sentido, permitindo-se a adoção dos
demais. Já na interpretação conforme ocorre justamente o inverso, pois se confere uma interpretação compatível
com o texto constitucional. Então, a rigor, no primeiro caso se declara que a lei é inconstitucional se interpretada
em determinado sentido, o qual é excluído, e no segundo caso, a lei é considerada constitucional, desde que inter-
pretada naquele sentido fixado pelo Tribunal.
Observe-se que se o dispositivo tem apenas duas interpretações possíveis não faz diferença a distinção entre
as técnicas, pois o resultado será o mesmo. Situação diversa ocorre quando o dispositivo tem mais de duas inter-
pretações possíveis, pois, se declarada a inconstitucionalidade de uma delas inconstitucional, as demais perma-
necem possíveis.
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Art. 102 (...) § 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Cons-
tituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela
Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)
A constitucionalidade de todos os dispositivos da Lei 9.882/1999, que regulamenta a ADPF, está
sendo questionada através da ADI 2231/DF, ajuizada em 2001 pela OAB. Veja que o ajuizamento de
uma ADPF somente se tornou possível após mais de 10 anos da promulgação da CR, com o advento da
lei.
Diferentemente das demais ações até aqui estudadas, trata-se da arguição do descumprimento de
um preceito fundamental, e não de uma inconstitucionalidade. Descumprimento da Constituição não é
sinônimo de inconstitucionalidade, sendo considerado pela doutrina como muito mais amplo que a in-
constitucionalidade. Segundo esse entendimento, o descumprimento de preceito fundamental abrange
a inconstitucionalidade, pois toda inconstitucionalidade é uma forma de descumprimento da CR. Mas,
além dela, há outras formas de descumprimento, como a incompatibilidade com a CR de uma norma
anterior a ela (hipótese de não recepção). Por conta dessa diferença, o objeto da ADPF é muito mais
amplo que o da ADI e da ADC.
Por outro lado, o parâmetro é mais restrito que na ADI e ADC98. Trata-se da arguição do descum-
primento apenas de preceitos fundamentais, e não de toda a CR. Na ADI e na ADC, o parâmetro é amplo,
abrangendo inclusive tratados internacionais. Na ADPF, por sua vez, o parâmetro não abrange todas as
normas constitucionais ou equiparadas.
6.1.17. Definição de preceito fundamental
Não há uma definição de preceito fundamental. Na ADPF nº 1, o Ministro Relator Néri da Silveira
disse o seguinte: “cabe apenas ao STF, como guardião da Constituição, dizer quais são os preceitos fun-
damentais”. Ou seja, não adianta tentar estabelecer um critério definidor de um rol exaustivo de pre-
ceitos fundamentais. Os preceitos fundamentais vão aparecendo conforme o STF for dizendo quais eles
são.
O entendimento do Min. Néri da Silveira não impede que a doutrina construa determinados cri-
térios para conceituar os preceitos fundamentais. Preceito é uma norma. A norma, como visto, pode ser
um princípio ou uma regra (mandamento de definição). Um preceito fundamental, portanto, pode ser
tanto um princípio quanto uma regra fundamental da CR.
José Afonso da Silva estabelece um critério para tentar definir quais normas seriam fundamen-
tais. Segundo o autor, “fundamental é aquele preceito que confere identidade à Constituição, ao regime
por ela adotado ou que consagra um direito fundamental”. Exemplos (rol exemplificativo):
i) Título I “Dos Princípios Fundamentais”: se são princípios fundamentais, são preceitos funda-
mentais.

98
Relembrando: objeto é o ato que viola a constituição. Parâmetro é a norma constitucional violada.

140

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ii) Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.
iii) Art. 34, VII (princípios constitucionais sensíveis): violados tais princípios, poderá o PGR ajui-
zar ADI interventiva que, se procedente, poderá ensejar intervenção federal no estado.
iv) cláusulas pétreas: são preceitos fundamentais por conferirem identidade à Constituição.
v) meio-ambiente.
6.1.18. Peculiaridades da ADPF
As peculiaridades da ADPF são exatamente idênticas às da ADI, para cujo estudo se remete (item
“8.2.2” acima).
6.1.19. Legitimidade para a propositura de ADPF
A legitimidade ativa para a ADPF é exatamente idêntica à da ADI, para cujo estudo se remete
(item “8.2.3” acima).
6.1.20. Objeto
O objeto da ADPF (lei ou ato normativo que viola a Constituição) é mais amplo que o da ADI e da
ADC, por ser o descumprimento de preceito fundamental um conceito mais amplo que o de inconstitu-
cionalidade.
O objeto amplo da ADPF está previsto no art. 1º, caput, da Lei 9.882/1999:
Art. 1o A arguição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o
Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante
de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo
federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (Vide ADIN 2.231-8, de 2000) (...)
A doutrina denomina a ADPF prevista no caput de “autônoma”. Subdivide-se em preventiva (na
medida em que serve para evitar a lesão) e repressiva (ajuizada posteriormente à ocorrência da lesão).
Já a ADPF prevista no parágrafo único, I, é chamada de “incidental”. Não há diferença de rito entre as
hipóteses. Essa distinção, entretanto, não é realizada pelo STF.
Essa observação é importante, pois o art. 3º, V, da Lei 9.882/1999, que exige a existência de con-
trovérsia constitucional para o cabimento de ADPF, foi pensado para funcionar como requisito da ADPF
incidental, mas o STF o considera inaplicável:
Art. 3º A petição inicial deverá conter: (...)
V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação
do preceito fundamental que se considera violado.
No projeto de Lei da ADPF, havia a previsão do ajuizamento de ADPF incidental por qualquer
pessoa do povo. Essa disposição foi vetada pelo Presidente da República, sob a justificativa de que ela
inviabilizaria os trabalhos do STF. Com o veto, a legitimidade ativa da ADPF acabou ficando exatamente
igual à da ADI e da ADC. Não haveria razão para o estabelecimento de um requisito a mais para a pro-
positura da ADPF incidental com relação à autônoma. Por isso, o STF ignora a exigência do art. 3º, V,

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da CR (comprovação da existência de controvérsia judicial relevante) e não diferencia as hipóteses dou-
trinárias de ADPF (autônoma e incidental).
Na verdade, o STF exige que haja controvérsia constitucional para o cabimento da ADPF, prevista
no art. 1º, parágrafo único, I, da Lei 9.882/199999.
Para evitar a propositura de ADI ou ADC juntamente com a ADPF, a Lei 9.882/1999 criou um
requisito a mais para a ADPF, denominado de “caráter subsidiário” (art. 4º, § 1º), segundo o qual ela
não é cabível se existir outro meio igualmente eficaz para sanar a lesividade:
Art. 4º (...) § 1o Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando
houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
Ex.: o objeto da ADPF 128 era uma Súmula Vinculante (um ato normativo). O STF entendeu que
ela não poderia ser objeto de ADPF, por haver um procedimento específico para o seu cancelamento ou
revisão, previsto na Lei 11.417/2006.
Para ser um meio igualmente eficaz, não se exige que se trate de instrumento de controle concen-
trado abstrato. Gilmar Mendes entende que meio eficaz é aquele que tem a mesma amplitude (mesmos
efeitos), imediaticidade (tão rápido quanto) e efetividade (abrangendo as mesmas pessoas) de uma
ADPF.
De acordo com o STF, a ADI e a ADPF são fungíveis. Esse entendimento surgiu em ADPF ajuizada
contra uma portaria (e não um decreto), dotada de generalidade e abstração, que violava diretamente a
CR. Em vez de julgar extinta a ADPF, o STF a admitiu como ADI.
6.1.20.1. Quanto à natureza (a essência) do objeto
Como visto, quanto à natureza, o objeto da ADI e da ADC tem de ser lei (de efeitos concretos ou
não) ou ato normativo. Da ADPF, além de lei e ato normativo, pode ser objeto qualquer ato do Poder
Público, como um ato administrativo de efeitos concretos ou uma sentença judicial.
Ex.: o STF julgou uma ADPF que teve por objeto decisões judiciais permitindo a importação de
pneus usados. No caso concreto, foi realizada ponderação dos princípios da livre iniciativa e da proteção
ao meio-ambiente, tendo prevalecido este último.
O STF não admite como objeto de ADPF:
i) enunciado de súmula:
O enunciado de uma súmula nada mais é que a consolidação do entendimento de um tribunal, de
modo que não faz sentido que, através de uma ADPF, seja cancelado um entendimento reiterado. Para
o cancelamento de uma súmula deve haver, na verdade, uma mudança de entendimento do próprio
tribunal.
Com a mudança trazida pelo novo CPC relativa à criação do sistema de precedentes, talvez esse
entendimento seja revisto, vez que os precedentes ocupam papel de destaque na lógica inaugurada pelo

99
Recomenda-se acompanhar a ADPF 2331-8/DF.

142

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CPC/2015 (agora as súmulas precisam ser obrigatoriamente observadas pelos juízes e tribunais). Por
sua vez, as súmulas vinculantes, não obstante o caráter normativo, possuem meio próprio de impugna-
ção (reclamação ao STF) com a mesma efetividade, imediaticidade e amplitude da ADPF, não estando
atendido o caráter subsidiário (só cabe ADPF quando não cabível outro meio imediato, amplo e eficaz
para impugnar o ato)(Ver ADPF 147 – AGR).
ii) proposta de emenda à constituição:
O STF entende que a PEC não é lei nem ato normativo do Poder Público.
São atos do poder público em formação e, portanto, podem sequer chegar a ser aprovados (Ver
ADPF 43 – AGR). Se a proposta de emenda fosse admitida como objeto de ADPF, seria um controle
preventivo de constitucionalidade e não um controle repressivo.
Afinal, a proposta de emenda não traduz um ato do Poder Público pronto e acabado. O controle
repressivo só é admitido após o ato ter sido promulgado e publicado, segundo o entendimento dos Mi-
nistros Celso de Mello e Marco Aurélio. O controle preventivo pelo Judiciário, no Brasil, só é admitido
no caso de impetração de mandado de segurança por parlamentar quando inobservado o devido pro-
cesso legislativo constitucional.
iii) veto:
Há dois tipos de veto, o jurídico e o político. O STF não faz essa distinção. Para o tribunal, a análise
do veto deve ser feita politicamente pelo Poder Legislativo (derrubada).
Novelino concorda com esse entendimento no que se refere ao veto político. Todavia, quando o
chefe do Executivo realiza veto por inconstitucionalidade, ele está realizando análise jurídica, de modo
que nada impediria o ajuizamento de ADPF.
Segundo o autor, a despeito da possibilidade de derrubada do veto, a questão não é tão simples.
Em se tratando de uma lei ordinária, por exemplo, têm de estar presentes à votação ao menos 257 De-
putados, do que resulta que para a aprovação a maioria relativa poderá corresponder a 129 votos. Já
para a derrubada do veto, exige-se maioria absoluta (257 votos). Assim, se o Presidente realiza equivo-
cadamente o veto jurídico, está automaticamente aumentando o quórum exigido para a aprovação do
projeto, relativamente ao dispositivo vetado.
iv) Decisões judiciais transitadas em julgado:
O STF tem admitido como objeto apenas decisão judicial não transitada em julgado, sob pena de
utilização da ADPF como sucedâneo da ação rescisória (ADPF 288 – MC)
v) VII) Leis revogadas (?).
A questão sempre foi motivo de muita divergência. Na ADPF 33, o Ministro Gilmar Mendes em
seu voto (questão obiter dictum, isto é, dita de passagem), asseverou que leis revogadas poderiam ser
objeto dessas ações, em função do seu caráter subsidiário, vez que não podem ser objeto de ADI/ADC.
Todavia, na ADPF 49, o Ministro Menezes Direito não admitiu lei revogada como objeto. O argumento
daqueles que admitem a propositura de ADPF para impugnar lei revogada é de que embora no momento
da propositura ela não mais viole a Constituição, o fato dela já ter o feito em momento anterior colocaria
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em risco a força normativa da Constituição, o que justificaria essa lei ser objeto de controle normativo
abstrato100.
6.1.20.2. Quanto ao aspecto temporal do objeto
O objeto da ADI e da ADC tem de ser necessariamente posterior ao parâmetro. Já na ADPF, o
objeto pode ser tanto anterior quanto posterior. Ex.: na ADPF 54, (abortamento do feto anencéfalo), o
objeto foi norma do Código Penal; a Lei de Imprensa foi objeto de controle de constitucionalidade via
ADPF.
Relativamente à modulação de efeitos da decisão proferida em ADPF, aplica-se tudo quanto visto
acerca do tema em ADI e ADC (art. 11 da Lei 9.882/1999), pelo que àquele estudo se remete:
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de
descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepci-
onal interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
6.1.20.3. Quanto ao aspecto espacial do objeto
Relativamente ao aspecto espacial, diferentemente das demais ações de controle concentrado-
abstrato, o objeto pode ser qualquer ato emanado do Poder Público, das esferas federal, estadual ou
municipal101.
Observação: além da ADPF, há uma hipótese em que a lei e o ato normativo municipais já eram
admitidos como objeto de controle concentrado abstrato junto ao STF. Trata-se da representação de
inconstitucionalidade (ADI interventiva).
A CR, em seu art. 125, § 2º, traz a previsão de uma representação de inconstitucionalidade (equi-
valente a uma ADI):
Art. 125 (...) § 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de
leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição
da legitimação para agir a um único órgão.
Em se tratando de ação de controle concentrado, o tribunal competente para o julgamento é o TJ
do respectivo Estado-membro. O objeto dessa ADI é sempre lei ou ato normativo estadual ou municipal
e o parâmetro é sempre a Constituição Estadual.

100 STF – ADI 2.028/DF: “[...] por coerência com os precedentes do Tribunal, as ações diretas ora em exame
devem ser conhecidas como Ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, já que estas admi-
tem a impugnação de atos normativos já revogados...”.

101
Dica: para memorização, devem ser colocadas as ações em ordem alfabética: i) ADC: federal; ii) ADI:
federal, estadual/distrital (desde que o conteúdo da lei ou ato seja de competência estadual); iii) ADPF: federal,
estadual e municipal.

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Todavia, segundo o STF, se a norma da constituição estadual violada for de reprodução obrigató-
ria102 caberá Recurso Extraordinário junto ao STF, por quem propôs a ação ou está defendendo o ato.
Esse RE é interposto no STF, que analisará a norma (lei ou ato normativo municipal ou estadual) pe-
rante a CR, e não a constituição estadual. O RE, neste caso, deixa de ser instrumento de controle difuso
e passa a ser utilizado, excepcionalmente, como instrumento de controle concentrado concreto.
6.1.21. Medida liminar na ADPF e seus efeitos
Como visto, a Lei que regulamenta a ADI e a ADC fala em “cautelar”, enquanto que a Lei que trata
da ADPF fala em medida “liminar”.
A liminar na ADPF, em regra, também tem de ser concedida por maioria absoluta dos mem-
bros do STF:
Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros,
poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Na ADC, a cautelar somente pode ser concedida pela maioria dos membros do STF. Na ADI, como
visto, a cautelar também exige a anuência da maioria, mas admite-se a concessão, pelo Ministro Relator,
na hipótese de recesso do tribunal.
Na ADPF, pelas peculiaridades inerentes ao seu objeto (ou seja, por se tratar de arguição do des-
cumprimento de um preceito fundamental), o Relator poderá conceder a liminar não somente no perí-
odo de recesso, mas quando vislumbrar hipótese de lesão ou extrema urgência, sempre submetendo a
decisão a referendo do Pleno103:
Art. 5º (...) § 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de
recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.
A medida liminar concedida na ADPF poderá ter um efeito específico: suspender a tramitação de
processos ou os efeitos de decisões judiciais ou quaisquer outras medidas, salvo se decorrentes de coisa
julgada (art. 5º, § 3º, da Lei 9.882/1999):
Art. 5º (...) § 3o A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam
o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente
relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se de-
correntes da coisa julgada. (Vide ADIN 2.231-8, de 2000)
Uma vez que a Lei 9.882/99 é silente em relação aos efeitos temporais da ADPF, por analogia,
aplica-se o disposto para a ADI, sendo, portanto, ex nunc o efeito da medida liminar.
6.1.22. Efeitos da decisão de mérito na ADPF
Todas as decisões de mérito na ADI, na ADC e na ADPF têm efeito erga omnes.

102
Exemplos de normas de repetição obrigatória: modelo das CPI´s previsto na CR, art. 75 da CR (aplicação
das normas do Tribunal de Contas da União aos Tribunais de Contas estaduais), normas relativas ao processo
legislativo etc.

103
A esse respeito, ver a ADPF 54 (abortamento do feto anencéfalo).

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Relativamente ao efeito vinculante, todavia, cumpre realizar uma observação quanto à ADPF: o
art. 10, § 3º, da Lei 9.882/1999, ao falar em “quanto aos demais órgãos do Poder Público”, aparente-
mente exclui apenas o STF:
Art. 10 (...) § 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais
órgãos do Poder Público.
Veja que a redação difere da do art. 102, § 3º, da CR, que trata do efeito vinculante da ADI e da
ADC e fala em “demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esfe-
ras federal, estadual e municipal”:
Art. 102 (...) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à admi-
nistração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
Ainda assim, prevalece que em geral o Poder Legislativo, na sua função legiferante, não fica vin-
culado pela decisão. Apesar de o texto legal ser diferente, o efeito vinculante da ADPF seria idêntico ao
da ADC e da ADI (art. 10, caput)
Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática
dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito funda-
mental. (...)
Para Novelino, a Constituição não ficaria fossilizada, por não ficar o STF adstrito à sua decisão.
Esse entendimento, contudo, é minoritário.
7. Controle difuso-incidental
1.23. Introdução
O controle difuso, como visto, é aquele exercido por qualquer juiz ou tribunal (modelo norte-
americano). Não há ação específica para realizá-lo, sendo feito incidentalmente nas ações processuais
regulares.
7.1.1. Competência
O controle difuso é o exercido por qualquer órgão do poder judiciário. Não se confunde com con-
trole concreto, no qual o judiciário é motivado em virtude de caso concreto.
Aqui se trata de processo constitucional SUBJETIVO, pois o pedido da ação é um direito subjetivo.
A inconstitucionalidade está na causa de pedir. Logo, a inconstitucionalidade é decidida na fundamen-
tação da sentença (questão incidental, incidenter tantum), uma vez que no dispositivo será decidida
apenas a procedência ou não do pedido (direito subjetivo).
LEMBRANDO: no Brasil todo controle difuso é concreto.
7.1.2. Finalidade
O controle concreto ou incidental é aquele que se contrapõe ao controle abstrato ou principal, este
visa assegurar a supremacia da constituição, trata-se de um processo constitucional objetivo.

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Por outro lado, no controle concreto a finalidade é a proteção de direitos subjetivos
(processo constitucional subjetivo). Portanto, aplicam-se aqui todas as regras de processo subje-
tivo, a inconstitucionalidade é questionada de forma incidental, podendo ser declarada em um habeas
corpus, em um mandado de segurança, em uma ação ordinária e em uma reclamação trabalhista.
O STF admite que a inconstitucionalidade seja declarada, inclusive, de ofício104.
7.1.3. Legitimidade passiva e ativa
No controle abstrato, como o objetivo é assegurar a supremacia da Constituição, é necessário que
haja previsão na lei ou na Constituição dos legitimados tanto ativos como passivos.
Por outro lado, no controle difuso, como a finalidade é assegurar direitos subjetivos, a lei não traz
nenhum rol de legitimados. Assim, qualquer pessoa que se alegue titular do direito, possui legitimidade
ativa. A legitimidade passiva é de quem irá arcar com o ônus da decisão.
7.1.4. Parâmetro para o controle difuso-incidental
No controle difuso incidental, assim como no controle concentrado abstrato, só pode ser invocado
como parâmetro uma norma formalmente constitucional (exclui apenas o preâmbulo da CF).
Ademais, também podem ser invocadas as normas formalmente constitucionais que não se en-
contram no texto constitucional, como, por exemplo, o Tratado de Marraquexe (e-books para pessoas
com deficiência visual) e a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Além dessas normas
expressas, também os princípios implícitos podem ser invocados.
No controle abstrato, como o objetivo principal é assegurar a supremacia da Constituição, a Cons-
tituição deve estar vigente. Assim, caso a Constituição tenha sido revogada por outra ou se aquela norma
invocada como parâmetro tiver sido modificada por uma emenda, a ação perde o objeto, pois não há
mais ameaça à supremacia da Constituição.
No controle difuso incidental é diferente. Como o objetivo é proteger direitos subjetivos, pode ser
que uma norma tenha sido revogada, mas durante o período em que ela esteve em vigor, tenha violado
direitos subjetivos.
Portanto, o que importa não é se a norma está vigente ou não, no momento da
propositura da ação, mas se a norma estava vigente ao tempo em que o fato ocorreu
(tempus regit actum).
7.1.5. Efeitos da decisão proferida no controle difuso-incidental

7.1.5.1. Quanto ao aspecto objetivo

104 STF – AI 666.523 AgR/BA: Todo e qualquer órgão investido do ofício judicante tem competência para
proceder ao controle difuso de constitucionalidade. Por isso, cumpre ao Superior Tribunal de Justiça, ultrapassada
a barreira de conhecimento do especial, apreciar a causa e, surgindo articulação de inconstitucionalidade de ato
normativo envolvido na espécie, exercer, provocado ou não, o controle difuso de constitucionalidade.
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Conforme visto, o aspecto objetivo refere-se às partes da decisão que são atingidas pela
declaração de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, diferente do que ocorre no controle concentrado abstrato, a inconstitucionali-
dade é analisada tão somente na fundamentação, tendo em vista que é uma questão incidental
(incidenter tantum). Trata-se de uma questão prejudicial de mérito, pois para julgar procedente ou im-
procedente o pedido, deve-se, obrigatoriamente, analisar a inconstitucionalidade.
No dispositivo, não haverá qualquer referência a inconstitucionalidade da lei, o que ocorre apenas
no controle concentrado abstrato.
7.1.5.2. Quanto ao aspecto subjetivo

Refere-se aos sujeitos atingidos pela decisão.


Em regra, produz efeitos apenas inter partes, ou seja, apenas para as partes que estão
envolvidas no processo, não ultrapassa.
Contudo, cogita-se no STF uma exceção a esta regra, quando o próprio STF é quem decide o caso.
Tradicionalmente o controle difuso incidental sempre teve efeito inter partes, em função da dis-
cussão acerca da violação de direito subjetivo.
Todavia, essa questão vem evoluindo no âmbito do controle difuso realizado pelo STF. Na Recla-
mação 4.335/AC, os ministros Gilmar Mendes e Eros Grau chegaram a cogitar a possibilidade de con-
ferir efeitos erga omnes a uma decisão proferida pelo Supremo no HC 82.959/SP, mas não prevaleceu
tal entendimento. Alguns ministros, entretanto, suscitaram que os efeitos deveriam ser mais abrangen-
tes, vez que o STF, como guardião da CRFB/88, deve decidir se aquela lei é ou não compatível com o
seu texto.
Na ocasião de julgamento da RECL 4335/AC105 prevaleceu o entendimento do Ministro Teori Za-
vascki que, sendo o relator do caso, determinou que as decisões proferidas pelo STF, embora não tivesse
efeitos erga omnes no controle difuso, teriam um efeito ultra partes. Ou seja, possuiriam uma eficácia
expansiva, que ultrapassaria os limites daquele caso concreto. Logo, os demais órgãos do Poder Judici-
ário deveriam observar aquele entendimento, embora não ficassem vinculados a ele.

105 STF - RCL 4.335/AC: “Ementa: Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão
reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado inconstitucional pelo Plenário do STF no HC
82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante n. 26. 5. Efeito ultra
partes da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6.
Reclamação julgada procedente.
STF - ADI 3.406/RJ e ADI 3.470/RJ (29.11.2017): “A partir da manifestação do ministro Gilmar Mendes,
o Colegiado entendeu ser necessário, a fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, equalizar a decisão que
se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em sede de controle incidental.” (Informativo 886/STF).
148

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Em síntese: o efeito da decisão proferida no controle difuso de constitucionalidade é, em regra,
inter partes. Todavia, no âmbito do STF, considerada a eficácia expansiva de suas decisões, a tese con-
sagrada deverá ser observada pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
Entretanto, no final do ano de 2017, o Supremo aparentemente concordou com o entendimento
do Ministro Gilmar Mendes, no sentido de que os efeitos da decisão, no controle difuso concreto, têm
que ser equivalentes aos efeitos da decisão no controle concentrado abstrato (não justifica a diferença).
Portanto, houve alteração do entendimento, de modo que atualmente a decisão do Su-
premo em controle difuso-incidental teria efeito erga omnes.
Importante lembrar que a despeito dessa equalização de efeitos, há decisões do Supremo posteri-
ores a adoção desse entendimento, no qual a Reclamação per saltum não é admitida quando a decisão
for proferida no controle difuso incidental, mas apenas quando se tratar de decisão com efeito vincu-
lante proferida em controle concentrado abstrato ou quando a parte compor a relação processual origi-
nária.
7.1.5.3. Eficácia temporal
Sob a perspectiva temporal, utiliza-se o mesmo raciocínio para o controle normativo abstrato: se
a lei inconstitucional é um ato nulo, contém um vício de origem, ou seja, é incompatível com o texto
constitucional desde a sua criação, razão pela qual os efeitos da declaração devem ser retroativos. Ou
seja, em regra, a decisão do controle difuso-incidental também tem efeitos ex tunc.
Entretanto, a despeito da inexistência de previsão específica na lei, o STF tem admitido a modu-
lação temporal dos efeitos da decisão aplicando, por analogia, o disposto no artigo 27 da Lei n.
9.868/99.
Assim, no controle difuso, o STF observa os mesmos requisitos previstos para a modulação no
controle abstrato (razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, com quórum de 2/3).
Indaga-se: qualquer juiz ou tribunal pode fazer a modulação? Em relação aos juízes e aos tribu-
nais, a questão não é pacífica. Novelino entende que não há impedimento (prevalece), mas há na dou-
trina entendimento contrário.
1.24. Ação civil pública como instrumento de controle de constituci-
onalidade
Não há, a priori, vedação à utilização de ação civil pública para a realização do controle de cons-
titucionalidade de uma lei. Todavia, para que uma ação civil pública possa ser admitida como instru-
mento de controle de constitucionalidade, a inconstitucionalidade deve ser apenas funda-
mento do pedido, questão incidental ou a causa de pedir ou uma questão prejudicial de
mérito, e não o pedido em si, que tem de ser de efeitos concretos.
Caso contrário, a ACP seria utilizada como uma espécie de ADI, uma vez que a ACP tem efeitos
erga omnes.

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Assim, o que vai ter efeito erga omnes é o conteúdo da decisão (o pedido, o dispositivo), que no
caso não é a inconstitucionalidade, eis que esta é analisada incidenter tantum, ou seja, ela é analisada
incidentalmente na causa de pedir. O pedido é de efeito concreto.
Caso contrário, ou seja, admitindo-se que a inconstitucionalidade fosse objeto do pedido da ACP,
significaria usurpação da competência do STF, hipótese em que seria cabível Reclamação junto ao pró-
prio STF, para que ele pudesse restabelecer sua competência. A esse respeito, ver os seguintes julgados:
REsp 557.646106, REsp 294.022 e RE 227.159.
Num deles, o MP ajuizou ACP requerendo o fechamento dos Bingos, com causa de pedir baseada
na inconstitucionalidade do decreto que autorizava o funcionamento. O Tribunal entendeu que não
houve usurpação da competência do STF, em virtude da concretude dos efeitos pedido.
1.25. Cláusula de reserva de plenário (full bench)
A cláusula de reserva de plenário (ou regra do “full bench”107) é o item mais cobrado em concursos
dentro do tema controle difuso. Está prevista no art. 97 da CR:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respec-
tivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato norma-
tivo do Poder Público.
O nome “reserva de plenário” se deve ao fato de que determinadas competências, como a decla-
ração de inconstitucionalidade, são reservadas ao pleno ou ao órgão especial do tribunal (art. 93, XI,
CR), não podendo ser exercidas por órgão fracionário (câmara ou turma). Algumas competências do
pleno podem ser delegadas ao órgão especial, que nesses casos fará as vezes do pleno:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto
da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...)
XI – nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constitu-
ído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício
das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno,
provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno; (Reda-
ção dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Pleno é o tribunal todo. O tribunal terá órgão especial quando possuir mais de 25 julgadores.
Maioria absoluta é mais de 50% dos membros (lembre-se: maioria relativa é mais de 50% dos presen-
tes). No caso do STF, o número de Ministros do Pleno para a declaração de inconstitucionalidade da lei

106 REsp 557.646/DF: “3. O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação civil pública
será de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a indivisibilidade do dano ou
ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e litígios concretos, por meio, principalmente, das tutelas con-
denatória, executiva e mandamental, que lhe asseguram eficácia prática, diferentemente da ação declara-
tória de inconstitucionalidade, que faz coisa julgada material erga omnes no âmbito da vigência
espacial da lei ou ato normativo impugnado.”

107
Em tradução livre, “tribunal cheio”, “tribunal completo”.

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é seis, pouco importando o número de presentes. O órgão especial pode ter entre 25 e 11 membros. Se
tiver 25, somente poderá declarar inconstitucional a lei com 13 votos.
Importante lembrar que a reserva de plenário aplica-se tanto ao controle difuso-inciden-
tal, quanto ao controle concentrado-abstrato, sendo condição para haja eficácia erga
omnes. A diferença está no fato de que no controle concentrado-abstrato a própria lei já prevê, expres-
samente, o quórum de maioria absoluta tanto para declarar a constitucionalidade quanto para a incons-
titucionalidade.
A cláusula de reserva de plenário só é exigida nos tribunais. O juiz de 1º grau é órgão monocrático,
não se submetendo a ela. No âmbito das turmas recursais não é necessária a observância da
reserva de plenário, pois não se trata de tribunal.
Ademais, prevalece o entendimento no sentido de que a cláusula de reserva de Plenário não
se aplica aos Tribunais de Contas108. No entanto, alguns Tribunais de Contas estaduais, como o de
Rondônia, observam a cláusula de reserva de plenário mesmo assim. Logo, embora a observação da
cláusula de reserva de plenário não seja algo obrigatório por parte dos Tribunais de Contas, nada im-
pede que eles a observem, sendo isso algo até desejável.
A CR exige a reserva de plenário para declarar a inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo, mas não para declarar a constitucionalidade, podendo o tribunal fazê-
lo através de seu órgão fracionário109.
Como visto, no Brasil, a inconstitucionalidade superveniente não é tratada como inconstituciona-
lidade, mas como hipótese de não recepção. Assim, no caso de normas pré-constitucionais (anteriores
à CR), não é necessária a observância da cláusula de reserva de plenário.
Na prática, a reserva de plenário ocorre da seguinte forma (Arts. 948 e 949 do CPC): o indivíduo
ajuíza demanda questionando, na causa de pedir, a constitucionalidade de determinada lei. O Juiz, in-
cidentalmente, afasta a aplicação da lei, por considerá-la inconstitucional. Quando a apelação chega ao
tribunal, é necessária a observância da cláusula de reserva de plenário. No TJ, se a Câmara entender
que a lei é constitucional, prossegue no julgamento do processo e acata o pedido.
Caso entenda inconstitucional, e não haja decisão do STF sobre a questão da constitucionalidade
ou do próprio plenário do Tribunal ou órgão especial, o órgão fracionário deve lavrar um acórdão re-
metendo o caso para o pleno do Tribunal ou órgão especial, para que este se manifeste especificamente
sobre a constitucionalidade daquela norma.

108 O TCU, inclusive, tem um acórdão nesse sentido.


109 RE 579.721/MG: “[...] A interpretação conforme a Constituição, por veicular juízo afirmativo da consti-
tucionalidade da norma interpretada, dispensa, quando exercida no âmbito do controle concreto e difuso de cons-
titucionalidade, a instauração do incidente processual atinente ao princípio da reserva de plenário (full bench) de
que trata o art. 97 da CR/88.”.
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Trata-se de controle feito in abstrato, como se o STF estivesse julgando uma ADI. É por este mo-
tivo que a regra prevista no CPC constitui exceção à regra geral (controle difuso-abstrato).
Importante ressaltar: o que será submetido ao pleno ou órgão especial é apenas a inconstitucio-
nalidade em tese (em abstrato) da norma, assim como faz o STF em ADI. Não é realizado, nessa etapa,
o julgamento do caso concreto.
Proferida a decisão pelo plenário, os autos são remetidos de volta para a Câmara, que julgará o
pedido, procedente ou improcedente, partindo, todavia, da premissa: a lei é constitucional ou inconsti-
tucional, conforme o resultado do julgamento.
A decisão do pleno ou órgão especial servirá como leading case para questionamentos idênticos
dentro do mesmo tribunal, não sendo a mesma questão remetida novamente ao pleno. O mesmo ocor-
rerá se já houver decisão no mesmo sentido do plenário do STF.
A decisão do STF, nesse caso, é a proferida no controle difuso (com efeito inter partes). Se já
houver decisão com efeito erga omnes e vinculante (controle abstrato), não haverá processo discutindo
a lei, pois ela já não poderia mais ser aplicada.
A Súmula Vinculante nº 10 determina que quando o Tribunal deixa de aplicar uma lei, no todo ou
em parte, mesmo que não a tenha expressamente declarado inconstitucional, viola a cláusula de reserva
de plenário:
Súmula Vinculante 10 - Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão
fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato nor-
mativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
Obs.: Muitos autores, quando do surgimento da Súmula Vinculante nº 10, que trata exatamente
da reserva de plenário, acharam que a súmula estava se dirigindo a hipótese de interpretação conforme,
porque, de fato, o texto dela gera dúvidas
Todavia, não se trata do caso, pois o objetivo dessa Súmula foi de evitar a declaração “escamote-
ada” de inconstitucionalidade, isto é, que os tribunais, para não submeterem ao plenário determinadas
questões, acabassem não declarando expressamente que a lei era inconstitucional, embora afastassem
sua aplicação ao caso concreto. Essa prática era bastante comum em diversos tribunais, sobretudo, no
STJ.
A inobservância da reserva de plenário gera a nulidade absoluta da decisão. O tribunal superior
anula a decisão e remete o feito novamente ao inferior, para novo julgamento.
1.26. Suspensão da execução da lei pelo Senado (art. 52, X, CR)
Como visto anteriormente, no Brasil foi introduzido o sistema norte-americano de controle de
constitucionalidade sem o instituto da stare decisis (vinculação da decisão da Corte Constitucional a
todos os demais órgãos judiciais).
Para o preenchimento dessa lacuna, foi criada a norma que hoje está reproduzida no art. 52, X,
CR: o Senado, se achar conveniente, pode editar Resolução determinando a suspensão da execução da
lei declarada inconstitucional, hipótese em que a decisão do STF passará a ter eficácia erga omnes:
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Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...)
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão de-
finitiva do Supremo Tribunal Federal;
Essa competência do Senado somente pode ser exercida quando há decisão definitiva (não limi-
nar) proferida pelo STF (e não outro Tribunal), proferida no controle difuso (art. 178 do Regimento
Interno do STF):
Art. 178 - Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos artigos 176
e 177, far-se-á a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois
do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do Art. 42, VII, da Constituição [dispositivo
da constituição anterior].
Note que a norma fala em “incidentalmente”, para se referir à decisão proferida em controle di-
fuso de constitucionalidade, com efeito inter partes. A decisão proferida em controle concentrado já
tem efeito erga omnes.
No Brasil, todo controle difuso é necessariamente concreto (incidental, por via de exceção ou por
via de defesa). Não existe, no ordenamento jurídico pátrio, controle difuso abstrato. Como visto, no
controle concreto o objeto principal não é a declaração da inconstitucionalidade, mas a defesa do direito
subjetivo.
Prevalece na doutrina que o Senado não está obrigado a suspender a execução da lei, sendo o ato
de suspensão meramente discricionário. Esse é também o entendimento do STF (RE 150.764).
A suspensão realizada pelo Senado tem efeito ex tunc ou ex nunc (suspensão desde a criação da
lei ou a partir da publicação da Resolução)? Há divergência. Dentre os autores que entendem que o
efeito da Resolução do Senado tem efeito retroativo está o Min. Gilmar Mendes. José Afonso da Silva
entende que o efeito é ex nunc. Para Marcelo Novelino, o entendimento de José Afonso é o mais correto:
se haverá a suspensão da lei (e não uma declaração de inconstitucionalidade), é mais lógico que ela se
realize ex nunc. Nada impede que o Senado atribua, desde que de forma expressa, efeitos retroativos à
Resolução, como já ocorreu.
O art. 52, X, da CR, fala em “suspender a execução, no todo ou em parte”. Declarada uma lei
totalmente inconstitucional (declaração de nulidade com redução total de texto), poderia o Senado sus-
pender parcialmente a lei? Ainda, declarada inconstitucional parte da lei, poderia o Senado suspender
toda a lei?
A suspensão da execução da lei pelo Senado deve se ater aos exatos limites da decisão proferida
pelo STF. “No todo ou em parte” não significa possibilidade de suspensão do Senado ao seu bel prazer.
O ato do Senado é discricionário, mas não pode fugir aos limites estabelecidos pela decisão do STF. “No
todo ou em parte” refere-se à decisão do STF, que pode ser relativa a parte ou a toda a lei.

153

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Na medida em que o art. 92, X fala em “inconstitucional”, não pode o Senado suspender a
execução de normas pré-constitucionais declaradas incompatíveis com a constituição,
pois, como visto, a hipótese não será de inconstitucionalidade, mas de não recepção110.
Sendo o Senado um órgão do Poder Legislativo Federal, poderia ele suspender a eficácia de uma
lei estadual ou municipal? Haveria, nesses casos, violação ao princípio federativo? O Senado pode sus-
pender a execução de leis federais, estaduais ou municipais porque nesta competência ele atua como
órgão de caráter nacional, e não apenas federal.
Quanto atua como órgão de caráter federal, o Senado está defendendo apenas interesses da União.
Ao suspender a eficácia de lei inconstitucional, o Senado está defendendo o interesse de todo o Estado
brasileiro (União, Estados, DF e Municípios). O Senado pode atuar com essa característica de órgão
nacional, no interesse de outros entes que não somente a União, pois ele é composto de representantes
dos Estados. É como se todos os estados-membros estivessem também participando dessa competência.
“Federal” relaciona-se somente à União; “nacional” relaciona-se a todos os órgãos que integram a nação.
7.1.6. Efeitos da Resolução do Senado
De acordo como Professor José Afonso da Silva, a resolução possui efeito ex nunc, suspendendo
a norma somente a partir da edição da resolução pelo Senado Federal. A suspensão, por uma questão
lógica, deve ter efeitos dali em diante - não para trás.
Mesmo antes de integrar o STF, o Ministro Gilmar Mendes já defendia que a suspensão deve ter
efeito ex tunc, sob pena de se obrigar todas as pessoas prejudicadas a recorrerem ao Judiciário buscando
o reconhecimento da inconstitucionalidade no período anterior. Isso contribuiria para sobrecarregar o
sistema e prejudicaria, em especial, as pessoas mais carentes, que sequer têm acesso à Defensoria Pú-
blica.
Essa divergência não impede que um decreto do Poder Executivo, no âmbito da Administração
Pública, confira efeitos retroativos à resolução do Senado, como o contido no Decreto n. 2.346/97111.
- Vale lembrar aqui que a questão envolvendo a mutação do papel do Senado foi novamente de-
fendida pelo Ministro Gilmar Mendes nas ADI’s nº 3406 e 3470. Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes
foi acompanhado apenas pelo Ministro Celso de Mello. Os demais ministros concordaram com a tese

110 RE 387.271 Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2007, publicado em
01-02-2008
111 Decreto 2.346/97, “Art. 1º, § 1º. Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare
a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produ-
zirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na
lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.”
“Art. 1º, § 2º. O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha
sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de
sua execução pelo Senado Federal.”
154

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de Gilmar Mendes apenas no sentido de que os efeitos devem ser equalizados. Ou seja: o controle inci-
dental e o controle abstrato devem ter o mesmo efeito em suas decisões (= erga omnes). Todavia, os
demais ministros não se manifestaram sobre a mutação do papel do Senado. Alguns autores já chegam
a afirmar que houve mutação. No entanto, isso não fica claro na decisão do Supremo e, ademais, a ques-
tão da mutação já foi rejeitada da última vez.
Marcelo Novelino entende que o sistema é realmente ilógico e incoerente. Entretanto, não dá para
simplesmente “passar por cima” da letra clara da Constituição, sob pena de transformar o STF em poder
constituinte originário. O limite da interpretação pode ser superado em alguns casos, mas nesse seria
uma exorbitância dos limites das atribuições do STF. Ele estaria violando o princípio da conformidade
funcional.
8. Instrumentos de controle das omissões constitucionais
Os instrumentos de controle das omissões constitucionais existentes no ordenamento jurídico
brasileiro são a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, § 2º, da CR) e o Mandado
de Injunção (art. 5º, LXXI, da CR)112:
Art. 103 (...) § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva
norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências ne-
cessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Art. 5º (...) LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamen-
tadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania;
A regulamentação da ADO foi realizada há cerca de dois anos, pela Lei 12.063/2009, que alterou
a Lei 9.868/1999. Já o Mandado de Injunção foi regulamentado pela Lei 13.300/2016, com aplicação
subsidiária da Lei do MS e do CPC113.
1.27. Finalidade
A finalidade da ADO, totalmente diversa da do Mandado de Injunção, é assegurar a supre-
macia da CR e a efetividade das normas constitucionais (note que o art. 103, § 2º, fala em
“tornar efetiva norma constitucional”).

112
Os institutos serão analisados conjuntamente, neste tópico.

113 CF, art. 5º, LXXI: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora
torne inviável o exercício [finalidade: viabilizar o exercício] dos direitos e liberdades constitucionais e das prerro-
gativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
Lei n. 13.300/16, art. 14: Aplicam-se subsidiariamente ao mandado de injunção as normas do mandado de
segurança, disciplinado pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, e do Código de Processo Civil, instituído pela
Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, observado o disposto em seus
arts. 1.045 e 1.046.
155

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A finalidade principal da ADO não é, portanto, assegurar direitos subjetivos, individuais. Trata-
se efetivamente de um instrumento de controle abstrato.
Assim, na ADO a pretensão é deduzida em juízo por meio de um processo constituci-
onal objetivo.
O Mandado de injunção, por sua vez, tem por finalidade precípua proteger o exercício de direitos
constitucionalmente consagrados.
A própria localização da disciplina dele na CR, dentre os direitos individuais (art. 5º, LXXI) rea-
firma esse entendimento. O Mandado de Injunção pressupõe um direito que necessita de norma regu-
lamentadora (de eficácia limitada, precipuamente), sem a qual ele não poderá ser exercido. Por essa
razão, trata-se de um instrumento de controle concreto de constitucionalidade (utilizado incidental-
mente no caso concreto).
No MI a pretensão é deduzida em juízo através de um processo constitucional subjetivo.
A CR não diz quais são os efeitos do Mandado de Injunção, mas, de certa forma, delimita o parâ-
metro dele (“direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à sobe-
rania e à cidadania”). Na ADO, a CR fala dos efeitos da decisão, mas não delimita seu parâmetro.
Fala-se em finalidade principal, pois os direitos que asseguram a supremacia da CR garantem
direitos subjetivos, e os que garantem direitos subjetivos também asseguram a supremacia da CR, ainda
que indiretamente.
1.28. Pretensão deduzida em juízo
No caso de controle abstrato, a pretensão é deduzida em juízo através de um processo constituci-
onal objetivo. Ou seja, um processo cuja finalidade é proteger a ordem constitucional objetiva, as nor-
mas, a efetividade e a supremacia da CR.
Já no mandado de injunção, a pretensão é deduzida em juízo através de um processo constituci-
onal subjetivo, pois, como visto, o objetivo é assegurar direitos subjetivos.
1.29. Competência
No Brasil, sempre que há controle abstrato de constitucionalidade (como é o caso da ADO), ele
será necessariamente concentrado. Não existe no ordenamento jurídico pátrio controle abstrato difuso.
Na esfera federal, quando o parâmetro é a CR, o controle concentra-se no STF. Em se tratando da
regulamentação da constituição estadual, o guardião será o Tribunal de Justiça. Apenas esses dois tri-
bunais podem processar e julgar a ADO.
A doutrina entende que o Mandado de Injunção tem uma característica um pouco diferente: a
competência para processá-lo e julgá-lo não é exclusiva de determinado órgão (ou determinados ór-
gãos), como seria no controle concentrado, mas não são todos os órgãos do Judiciário que têm compe-
tência para julgá-lo. Por isso, fala-se em controle difuso-limitado.
A CR atribui competência a quatro órgãos do Poder Judiciário para o julgamento do Mandado de
Injunção, que variarão conforme a autoridade responsável pela emissão do ato: STF, STJ, TSE e TRE.
156

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Outros tribunais e juízes de 1º grau também podem vir a ser competentes, desde que, para tanto, haja
lei regulamentadora.
No âmbito estadual, a competência para o julgamento do Mandado de Injunção dependerá da
regulamentação de cada constituição estadual. Em MG, por exemplo, se a competência para elaborar a
norma regulamentadora for de autoridade estadual, o TJ julgará a ação. Em se tratando de omissão de
autoridade municipal, a competência será do Juiz de 1º grau.
Em resumo:
COMPETÊNCIA QUANDO A ATRIBUIÇÃO PARA ELABORAR A NORMA
FOR DO(A)(S) ...
STF • Presidente da República
(art. 102, I, "q") • Congresso Nacional
• Câmara dos Deputados
• Senado Federal
• Mesas da Câmara ou do Senado
• Tribunal de Contas da União
• Tribunais Superiores
• Supremo Tribunal Federal.
STJ órgão, entidade ou autoridade federal, excetuados os casos de
(art. 105, I, "h") competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça
Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.
Juízes e Tribunais órgão, entidade ou autoridade federal nos assuntos de sua
da Justiça Militar, competência.
Justiça
Eleitoral, Justiça do
Trabalho
Juízes Federais e órgão, entidade ou autoridade federal, se não for assunto das demais
TRFs "Justiças" e desde que não seja autoridade sujeita à competência do
STJ.
Ex: compete à Justiça Federal julgar MI em que se alega omissão do
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) na edição de norma de
trânsito que seria de sua atribuição (STJ MI 193/DF).

Juízes estaduais e TJs órgão, entidade ou autoridade estadual, na forma como disciplinada
pelas Constituições estaduais, ex. CE/MG.

1.30. Legitimidade ativa


Sendo a ADO espécie de ação de controle abstrato, a legitimidade ativa tem de ter previsão na Lei
ou na CR. Como visto, a legitimidade ativa para a ADO é a mesma de todas as outras ações de controle
abstrato (ADI, ADC e ADPF): podem ajuizar a ação os legitimados previstos no 103 da CR:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitu-
cionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)

157

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VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. (...)
Cumpre lembrar a distinção feita pelo STF entre os legitimados ativos especiais, que precisam
demonstrar pertinência temática, e os universais, dispensados de tal demonstração.
É interessante notar que não terá legitimidade para propor a ação a autoridade que
for responsável pela omissão inconstitucional. Assim, a autoridade deverá suprir a omissão e
não propor uma ação direita de inconstitucionalidade por omissão.
Ex.: omissão do Presidente da República que deixou de propor um projeto de lei de sua iniciativa
exclusiva não autoriza a propositura de ADO, salvo se após ter sido proposto, o projeto ficou paralisado
no Congresso Nacional. No caso de omissão do Presidente da República, poderia a mesa da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal propor ADO.
Na medida em que se trata de um instrumento de controle que surge a partir da violação concreta
de um direito subjetivo, terá legitimidade para impetrar o mandado de injunção aquele que teve seu
direito subjetivo lesado.
Assim, para o Mandado de Injunção individual é legitimada qualquer pessoa cujo exercício de um
direito constitucionalmente assegurado seja inviabilizado por ausência de norma regulamentadora, nos
termos do Art. 3º da Lei 13.300/16:
Art. 3º: São legitimados para o mandado de injunção, como impetrantes, as pessoas naturais ou
jurídicas que se afirmam titulares dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas referidos no art. 2º e,
como impetrado, o Poder, o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora.
O art. 3º da Lei do MI, ao reconhecer legitimidade ativa às pessoas "que se afirmam titulares",
adota a "teoria da asserção". Para essa teoria, a legitimidade ad causam deve ser analisada à luz das
afirmações feitas pelo autor na petição inicial, devendo o julgador considerar a relação jurídica deduzida
em juízo in status assertionis, isto é, à vista do que se afirmou.
Em outras palavras, se o autor afirma que é titular daquele direito, para fins de legitimidade deve-
se tomar essa afirmação como sendo verdadeira. Ao final do processo, pode-se até reconhecer que ele
não é realmente titular, mas aí já será uma decisão de mérito. Para fins de reconhecimento de legitimi-
dade e processamento da ação, basta que o autor se afirme titular.
Para o MI coletivo, até 2016, os legitimados eram os mesmos do MS (doutrina a jurisprudência).
Entretanto, a partir da Lei 13.300/2016 houve regulamentação específica, sendo legitimado o MP, par-
tido político organização sindical, entidade de classe ou associação constituída e em funcionamento há
pelo menos um ano e pela DP, nos termos do art. 12:
Lei n. 13.300/16, art. 12: O mandado de injunção coletivo pode ser promovido:
I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a de-
fesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis; a
II- por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o
exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade
158

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partidária; b
III- por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constitu-
ída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liber-
dades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de
seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial; c
IV- pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a
promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma
do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.
Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção
coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas [direitos
difusos] ou determinada por grupo, classe ou categoria [coletivos]”
a) Ministério Público:
Antes da regulamentação do Mandado de Injunção, o STF, por analogia, aplicava a legislação do
Mandado de Segurança. Assim, no caso do Mandado de Injunção coletivo, o Supremo permitia os mes-
mos legitimados do Mandado de Segurança Coletivo (Art. 5º, LXX). Tais legitimados foram reproduzi-
dos na Lei nº 13.300, acrescentando-se, além deles, o Ministério Público e a Defensoria Pública.
b) Partidos Políticos:
A legitimidade do partido político não é universal, pois há necessidade de pertinência temática.
c) Organização sindical, entidade de classe ou associação
Existe uma diferença entre a atuação das associações prevista no artigo 5º, inciso XXI, da
CRFB/88 e a impetração de mandado de segurança coletivo ou mandado de injunção coletivo por elas.
Segundo o artigo 5º, XXI, as associações podem representar seus filiados judicial e extrajudicialmente.
Trata-se de hipótese de representação processual, para a qual se faz necessária uma autorização espe-
cífica dos associados, ainda que conferida em assembleia. Situação diversa diz respeito à impetração do
mandado de injunção coletivo ou do mandado de segurança coletivo - previsto no artigo 5º, inciso LXX
-, pois, segundo o STF, caracteriza hipótese de substituição processual ou legitimação extraordinária,
dispensada, portanto, a autorização específica114.
Assim, para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente, devem as associações possuir
autorização específica, por se tratar de hipótese de representação processual. Exceção: impetração
de MI ou MS coletivo, eis que se tratam de hipóteses de substituição processual ou legitimação
extraordinária115.
Outro ponto importante a ser levantado é que, em uma interpretação gramatical e teleológica do
dispositivo legal, apenas a Associação deveria atender o requisito de “funcionamento há pelo menos 1
(um) ano”.

114 Súmula. 630/STF: A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a
pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.
115 Súmula 629/STF: A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos
associados independe da autorização destes.
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Sobre o tema, o STF possui decisões aparentemente contraditórias116, e diante da divergência en-
tre os dois precedentes abaixo colacionados, duas interpretações são possíveis:
I) A organização sindical não necessita preencher o requisito do funcionamento há pelo me-
nos um ano, mas a entidade de classe sim. Essa interpretação é descabida, pois dissociada
do texto legal, isto é, ou todos necessitam desse requisito ou apenas a associação;
II) Deve prevalecer o último entendimento, pois mais recente, tendo o STF passado, com o
novo precedente, a exigir o prazo de um ano. Embora essa interpretação seja possível, não
é correta. A partir da leitura do conteúdo da decisão, verifica-se que em nenhum momento
o STF discutiu a questão do funcionamento há pelo menos um ano, não era tema do debate
esse requisito, tendo apenas constado no voto do relator. Já a imposição desse requisito
apenas para as associações se justifica plenamente em função da maior liberdade para sua
criação. Logo, seja por uma interpretação teleológica, seja por uma interpretação grama-
tical, o funcionamento há pelo menos 1 ano é requisito imposto só para as associações.
Em resumo:
Legitimado Situação
quando a tutela requerida for especialmente relevante
I - MINISTÉRIO PÚBLICO para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis.
II - PARTIDO POLÍTICO para assegurar o exercício de direitos, liberdades e
(com representação no Congresso Nacional) prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a
finalidade partidária.
III - ORGANIZAÇÃO SINDICAL, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e
ENTIDADE DE CLASSE OU ASSOCIAÇÃO prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus
(legalmente constituída e em membros ou associados, na forma de seus estatutos e
funcionamento há pelo menos 1 ano) desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para
tanto, autorização especial.

quando a tutela requerida for especialmente relevante


para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos
IV - DEFENSORIA PÚBLICA
direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma
do inciso LXXIV do art. 5º da CF/88.

1.31. Legitimidade passiva

116 RE 198.919: “Legitimidade do sindicato para a impetração de mandado de segurança coletivo indepen-
dentemente da comprovação de um ano de constituição e funcionamento.”
MI 689/PB: “O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente
admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano.”.
160

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Na ADO, há inefetividade de norma constitucional em decorrência de omissão em sua regulamen-
tação. Como a finalidade da ADO é tornar aquela norma efetiva, integrará o polo passivo o Poder Pú-
blico, geralmente o Poder Legislativo, podendo ser também demandado, em determinados casos, o Po-
der Executivo.
Sempre que a regulamentação de um dispositivo depender da iniciativa de determinada autori-
dade, é ela que integrará o polo passivo da ADO. Isso porque, nesses casos, sem a iniciativa o Parlamento
fica impossibilitado de elaborar a norma.
Quando a omissão é decorrente da inércia de um dos legitimados ativos, ele não poderá propor a
ADO para sanar a omissão a que deu causa. Não faria sentido.
O efeito da decisão da ADO é dar ciência ao Poder competente da sua omissão. Em razão disso,
tem de integrar o polo passivo somente esse poder.
No caso do Mandado de Injunção, além de integrar o polo passivo o poder, órgão ou autoridade
que tem o dever de regulamentar a norma, deveria ser demandado o ente que sofreria os efeitos da
decisão em concreto. Todavia, para o STF, o único legitimado passivo é aquele que tem o dever de ela-
borar a norma regulamentadora. O Supremo não admite litisconsórcio passivo.
1.32. Parâmetro de controle da omissão
Não é qualquer norma da CF que servirá como parâmetro nas omissões inconstitucionais. É ne-
cessário que seja uma norma que necessite de intermediação, a fim de que o direito seja exercido ou a
fim de que a constituição tenha efetividade.
Quando a norma é autoaplicável (não depende de intermediação), não se justifica a impetração
do MI e nem o ajuizamento da ADO.
Na ADO não pode ser norma autoaplicável. Assim, somente normas de eficácia limitada
(não autoaplicável) podem ser parâmetro na ADO.
No caso do MI, há divergência, tendo em vista a redação constitucional e legal, que preveem
norma não autoaplicável, relacionada ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prer-
rogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Ou seja, o parâmetro é mais restrito.
A seguir veremos a posição de quatro doutrinadores acerca do tema:
a) Manoel Gonçalves Ferreira Filho: O MI não alcança os direitos sociais, servindo para
garantir apenas os direitos, liberdades e prerrogativas diretamente vinculados ao status de nacional
(CF, arts. 5º e 12) e de cidadão (CF, arts. 14 a 17).
b) Celso Bastos: a expressão “direitos e liberdades constitucionais” abrange não somente
os direitos e garantias individuais, mas também os coletivos e sociais. É o entendimento que tem pre-
valecido na doutrina.

161

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c) José Afonso da Silva: visa assegurar o exercício (a) de “qualquer direito constitucional
(individual, coletivo, político ou social) não regulamentado; (b) de liberdade constitucional não regula-
mentada (...); (c) das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, também
quando não regulamentadas”.
d) Carlos Ari Sundfeld: são tuteláveis pela injunção não apenas os direitos, liberdades e
prerrogativas do artigo 5º ou do Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), mas também os
“previstos em qualquer dispositivo da Constituição”.
O STF não possui precedentes claros a respeito do tema. Em várias decisões isoladas, reconheceu
como parâmetro normas que não são de direitos fundamentais117. Portanto, a partir dessas várias deci-
sões, a leitura é que o Supremo adotada uma interpretação mais extensiva, como a proposta por Carlos
Ari Sundfeld.
1.33. Objeto do controle
Na ADO o objeto pode ser a ausência total (inexiste norma regulamentadora) ou parcial de
norma (norma é insuficiente para proteger ou assegurar de forma adequada o direito). Está previsto
expressamente no Art. 12-B da Lei 9.868/99.
No MI a ausência também poderá ser total ou parcial, conforme disposto no art. 2º da Lei
13.300/2016.
Obs.: O MI só será cabível quando o direito estiver previsto na Constituição. Não caberá MI para
regulamentação de direito previsto em lei, o direito deve estar consagrado na CF, com exercício invia-
bilizado devido à ausência da norma regulamentadora.
Dessa forma, é de se observar que o objeto da ADO e do MI é exatamente o mesmo: ausência
TOTAL ou PARCIAL de norma regulamentadora.

1.34. Efeitos da decisão e concessão da liminar


8.1.1. ADO
A CR diz expressamente, em art. 103, § 2º, que o efeito da ADO será apenas de dar ciência ao
poder que se omitiu, nunca sanar a omissão por si:
Art. 103 (...) § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva
norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias
e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

117 Fixação dos limites dos juros reais em 12% (CF/88, Art. 192, § 3º) (MI 361); Reparação de natureza
econômica aos cidadãos impedidos de exercer atividade profissional específica durante o regime militar (ADCT,
Art. 8º, § 3º) (MI 284); Isenção de contribuição para a seguridade social de determinadas entidades beneficentes
(CF/88, Art. 195, § 7º) (MI 232).
162

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Em se tratando de órgão administrativo, será fixado prazo de 30 dias para supri-la. Faz todo sen-
tido que o legitimado passivo seja somente aquele que tem de suprir a omissão (Poder Legislativo, Pre-
sidente e, em raríssimos casos, a administração pública).
Gilmar Mendes, em algumas decisões, vinha dizendo que nem sempre 30 dias seriam um prazo
razoável para o suprimento da omissão. A Lei 9.868/1999, ao regulamentar a ADO, trouxe uma abertura
para que o STF possa analisar, no caso concreto, a possibilidade fática da adoção da providência em 30
dias e, se o caso, dilatar o prazo (art. 12-H e § 1º, da Lei 9.868/1999):
Art. 12-H. (...) § 1o Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências
deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excep-
cionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público
envolvido. (Incluído pela Lei nº 12.063, de 2009). (...)
Para Novelino, a constitucionalidade do dispositivo poderia até ser questionada, entretanto, trata-
se de um prazo que o próprio judiciário poderia flexibilizá-lo em algumas situações. Assim, porque o
legislador não poderia fazê-lo expressamente no texto legal? Para o professor, inexiste inconstituciona-
lidade na hipótese, podendo o prazo ser diverso de trinta dias, excepcionalmente, a depender das cir-
cunstâncias do caso concreto e do interesse público envolvido.
Em relação à omissão pelo Legislativo, é certo que o Supremo Tribunal Federal (STF) não
pode obrigar o legislador a legislar dentro de um determinado período.
Em um Estado Democrático de Direito, nenhum órgão do Poder Judiciário pode obrigar o legis-
lador a elaborar uma lei. Todavia, é lícito ao STF fixar prazo, sendo que se dentro do prazo estipulado o
legislador não legislar, o STF poderá realizar o suprimento dessa omissão, tal como acontece
no Mandado de Injunção, ainda que não exista autorização legal ou constitucional expressa nesse sen-
tido118.
Assim, é possível afirmar que - O STF adotou para a ADO o posicionamento da corrente que, no
âmbito do MI, é chamada de concretista intermediária. Ou seja, fixa-se o prazo para que a omissão seja
sanada, de modo que se dentro deste prazo o legislador não sanar a omissão, o próprio Tribunal esta-
belece as condições para que haja a concretização da norma constitucional.

118 STF - ADO 25/DF: “O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a
ação para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da Lei Complementar prevista no art. 91 do
ADCT, fixando o prazo de 12 meses para que seja sanada a omissão, vencido, no ponto, o Ministro
Marco Aurélio. Na hipótese de transcorrer in albis o mencionado prazo, o Tribunal, por maioria,
deliberou que caberá ao Tribunal de Contas da União: a) fixar o valor do montante total a ser transferido aos
Estados-membros e ao DF, considerando os critérios dispostos no art. 91 do ADCT para fixação do montante a ser
transferido anualmente, [...]; b) calcular o valor das quotas a que cada um deles fará jus, considerando os enten-
dimentos entre os Estados-membros e o Distrito Federal realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política
Fazendária – CONFAZ;...”.
163

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Em relação à possibilidade de concessão de liminar, a posição antiga do STF era no sentido de
que, se o efeito da decisão da ADO é apenas dar ciência ao Poder competente, não faria sentido a con-
cessão de medida cautelar. Todavia, com a regulamentação da ação, passou-se a admitir a concessão de
liminar (art. 12-F e § 1º, da Lei 9.868/99), não somente nos casos de omissão parcial (que era antes
excepcionalmente admitida pelo STF), como nos de omissão total:
Art. 12-F. Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da
maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22 [quórum de 2/3], poderá conceder
medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional,
que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias. (Incluído pela Lei nº 12.063, de 2009).
§ 1o A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo
questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedi-
mentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal. (Incluído pela Lei nº
12.063, de 2009). (...)
Há casos em que a omissão é flagrante. Não há razão para que o STF não dê uma ciência anteci-
pada. Não há nenhum impedimento em relação a isso.
Os efeitos da liminar a ADO, quando a omissão for total, são parecidos com os efeitos da ADPF e
da ADI interventiva. Salienta-se que na ADPF não há suspensão dos efeitos de decisão ou de medidas
decorrentes de coisa julgada, já na ADO pode haver a suspensão tanto de processos como de procedi-
mentos administrativos ou ainda de outra providência que venha a ser fixada pelo Tribunal.

8.1.2. Mandado de injunção


Sempre houve grande divergência na doutrina sobre quais deveriam ser os efeitos da decisão de
mérito no que tange à concessão do MI. Assim, no longo período entre a elaboração da CRFB/88 - a
qual de forma inovadora criou o MI - e a lei regulamentadora - editada em 2016 -, as decisões eram
baseadas na doutrina e na jurisprudência do STF, que já atribuiu à medida diversos efeitos que, didati-
camente, podem ser divididos em duas correntes: não concretista e concretista (esta, por sua vez, sub-
dividida em geral, individual e intermediária).
i) Corrente não concretista. Estabelece que não cabe ao Poder Judiciário suprir a omissão
do Poder Legislativo, logo, ele não concretiza a norma constitucional. O Poder Judi-
ciário se limita a dar ciência ao poder competente acerca de sua omissão. Durante muitos anos
após a CRFB/88, essa foi a corrente adotada pelo STF.
ii) Correntes concretistas. Não cabe ao Poder Judiciário apenas dar ciência ao poder compe-
tente de sua omissão, como ocorre na ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O
efeito no MI deve ser diverso, sob pena de se tratar institutos diversos de maneira idêntica e,
por conseguinte, desfigurar sua finalidade.
A correntes concretistas se dividem em concretista geral, concretista individual e concretista in-
termediária.

164

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a) Para a concretista geral, o Poder Judiciário deve produzir a norma para suprir a omissão
com efeitos erga omnes. Foi adotada no MI 708 que tratou do direito de greve dos servidores
públicos. A decisão determinou que a lei de greve da iniciativa privada fosse aplicada, com
acréscimos e supressões, a todos os servidos públicos, e não apenas aos impetrantes.
b) Já a corrente concretista individual entende que o Poder Judiciário deve suprir a omis-
são, concretizando a norma, mas apenas para as partes envolvidas (inter partes). Foi adotada
pelo STF no MI 721, no qual discutida a aposentadoria especial do servidor público.
8.1.2.1. Quanto à natureza da injunção
Como regra geral, a Lei do MI adotou a Corrente concretista intermediária (Lei 3.300/2016, Art.
8º, I e II119).
Assim, como visto, para esta corrente cabe ao Poder Judiciário dar ciência ao Poder competente
acerca da omissão, antes de supri-la, com a fixação de um prazo para a tomada das medidas cabíveis.
Na própria decisão, já são fixadas as condições para o exercício do direito caso a omissão não seja su-
prida dentro do prazo estabelecido.
A exceção trazida pela Lei 13.300/16 estabelece que nos casos do Art. 8º, parágrafo único120, adota
a Corrente concretista direta
Como visto, a corrente concretista direta permite que a omissão seja diretamente sanada pelo
Tribunal nas hipóteses em que este já houver proferido decisão anterior decretando a mora do Poder
Judiciário. Em outras palavras, uma vez que o legislativo já foi notificado da omissão, não faz sentido o
Poder Judiciário fixar um prazo, devendo a omissão ser diretamente suprida nestes casos.
Entretanto, se o prazo já transcorreu in albis em outra oportunidade, o Tribunal vai fixar direta-
mente as condições para que o direito seja exercido.
Assim, o juiz ou Tribunal não precisará adotar a primeira providência (fixar prazo) e já poderá
passar direto para a segunda etapa, estabelecendo as condições, caso fique comprovado que já houver
outro(s) mandado(s) de injunção contra o impetrado e que ele deixou de suprir a omissão no prazo que
foi assinalado nas ações anteriores.
Em outras palavras, se já foram concedidos outros mandados de injunção tratando sobre o mesmo
tema e o impetrado não editou a norma no prazo fixado, não há razão lógica para estipular novo prazo,

119 Lei 13.300/2016, Art. 8º Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:
I. Determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;
II. Estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogati-
vas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria
visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.
120 Lei 13.300/2016, Art. 8º(...) Parágrafo único. Será dispensada a determinação a que se refere o inciso I
do caput quando comprovado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo
estabelecido para a edição da norma.
165

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devendo o juiz ou Tribunal, desde logo, estabelecer as condições para o exercício do direito ou para que
o interessado possa promover a ação própria.
8.1.2.2. Quanto à eficácia subjetiva
A eficácia subjetiva estabelece os sujeitos que aproveitarão a decisão de mérito proferida no MI, e
como regra, os seus efeitos serão inter partes, sendo possível afirmar que, nesse ponto, a Lei do MI
adotou a Corrente concretista individual (Lei n. 13.300/2016, Art. 9º121).
Importante lembrar que o Relator em decisão monocrática proferida em MI’s análogos, poderá
estender os efeitos da primeira decisão transitada em julgado, não havendo assim, necessidade de pro-
nunciamento do plenário sobre aquele tema novamente. (Lei n. 13.300/2016, Art. 9º, § 2º).
Excepcionalmente, será possível conferir eficácia ultra partes 122 (corrente concretista
transindividual) ou erga omnes (correte concretista geral)
A Lei nº 13.300/2016 afirma que poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à
decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da
prerrogativa objeto da impetração (art. 9º, § 1º).
Essa possibilidade se aplica tanto para o MI individual como para o coletivo (art. 13).
8.1.2.3. Efeitos da norma regulamentadora superveniente

Em regra, quando o legislador supre a omissão, a norma valerá dali em diante (efeitos ex nunc).
A decisão dada pelo STF vale desde o momento em que ela foi proferida até a edição da norma
regulamentadora123.
No entanto, quando a norma regulamentadora for mais benéfica do que a decisão anteriormente
proferida, o efeito será retroativo (ex tunc), evitando-se que a pessoa que recorreu ao Judiciário para
ver tutelado o seu direito seja prejudicada em razão da superveniência de uma norma mais benéfica.

8.1.2.4. Possibilidade de revisão da decisão

121 Lei n. 13.300/2016, Art. 9º. A decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá
efeitos até o advento da norma regulamentadora. § 1º. Poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à
decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prer-
rogativa objeto da impetração. § 2º. Transitada em julgado a decisão, seus efeitos poderão ser estendidos
aos casos análogos por decisão monocrática do relator.
122 O efeito ultra partes é aquele que opera além das partes do processo, atingindo todo grupo, categoria ou
classes a quem pertence o direito discutido.
123 Lei n. 13.300/2016, Art. 11. A norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em rela-
ção aos beneficiados por decisão transitada em julgado, salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favo-
rável [quando os efeitos serão ex tunc].
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A lei preve ainda a possibilida de derevisão da decisão anteriormente proferid havendo
provocação de qualquer interessado ao tribunal, nos termos do Art. 10 da Lei 13.300/16124.

1.35. Participação do AGU


O AGU atua em todas as ações de controle abstrato (ADI, ADC, ADPF e ADO). No caso da ADO,
ele é intimado para se manifestar (art. 12-E, § 2º):
Art. 12-E (...) § 2o O relator poderá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da União, que
deverá ser encaminhada no prazo de 15 (quinze) dias. (Incluído pela Lei nº 12.063, de 2009).
Veja que o dispositivo fala em “poderá”. Não há qualquer obrigatoriedade de o AGU defender a
constitucionalidade da omissão, podendo ele apresentar qualquer manifestação.
Diferentemente, o art. 103, § 3º, da CR determina que, quando o STF apreciar a inconstituciona-
lidade em tese de norma legal, o AGU deve ser citado para a defesa do ato ou texto impugnado:
Art. 103 (...) § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese,
de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato
ou texto impugnado.
Assim, a defesa obrigatória da norma será, em geral, feita na ADI e, por vezes, na ADPF e na ADO
parcial (até porque na omissão total não há defesa a ser apresentada).
Como visto anteriormente, o “defenderá” a que se refere o art. 103, § 3º, vem sendo relativizado
pelo STF, que excepciona a obrigatoriedade de defesa em determinados casos:
i) tese considerada inconstitucional pelo STF:
Exemplo: incompetência legislativa de outro Estado-membro para determinada hipótese, como a
edição de norma prevendo a hipótese de videoconferência.
Na ADI 3916, o AGU concordou com a inconstitucionalidade da norma, mesmo não havendo jul-
gamento de inconstitucionalidade anterior proferido pelo STF acerca do mesmo tema. Os Ministros
debateram essa hipótese. Quatro deles entenderam que não se poderia obrigar o AGU a defender o ato
impugnado, até mesmo em razão da inexistência de sanção. Nesse julgamento, o entendimento preva-
leceu: ficou em 4 a 2. Não houve maioria dos Ministros. Pode ser que a maioria entenda de modo di-
verso, de modo que, a rigor, não é possível atribuir esse posicionamento ao STF, somente ressaltar que
foi a última decisão do STF125.
ii) norma contrária aos interesses da União:

124 Lei n. 13.300/2016, Art. 10. Sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido
de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito.
Parágrafo único. A ação de revisão observará, no que couber, o procedimento estabelecido nesta Lei.

125
Ainda assim, deve-se atentar porque as provas de concurso podem cobrar o posicionamento como sendo
do STF.

167

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A maioria dos Ministros já adotou a tese de que, quando a norma violar interesse da União, o AGU
está dispensado da sua defesa.
1.36. Quadro sinótico
MANDADO DE INJUNÇÃO ADI POR OMISSÃO
Natureza e finalidade Natureza e finalidade.
Trata-se de processo no qual é discutido A finalidade é declarar que há uma
um direito subjetivo. A finalidade é omissão, já que não existe determinada
viabilizar o exercício de um direito. Há, medida necessária para tornar efetiva uma
portanto, controle concreto de norma constitucional.
constitucionalidade. Estamos diante, portanto, de processo
objetivo, em que há controle abstrato de
constitucionalidade.
Cabimento Cabimento
Cabível quando faltar norma Cabível quando faltar norma
regulamentadora de direitos e liberdades regulamentadora relacionada com
constitucionais e das prerrogativas qualquer norma constitucional de eficácia
inerentes à nacionalidade, à soberania e à limitada.
cidadania.
Legitimados ativos Legitimados ativos
MI individual: pessoas naturais ou Os legitimados da ADI por omissão estão
jurídicas que se afirmam titulares dos descritos no art. 103 da CF/88.
direitos, das liberdades ou das
prerrogativas.
MI coletivo: estão previstos no art. 12 da
Lei nº 13.300/2016.
Competência Competência
A competência para julgar a ação dependerá Se relacionada com norma da CF/88: STF.
da autoridade que figura no polo passivo e Se relacionada com norma da CE: TJ.
que possui atribuição para editar a norma.

Efeitos da decisão Efeitos da decisão


Reconhecido o estado de mora legislativa, Declarada a inconstitucionalidade por
será deferida a injunção para: omissão, o Judiciário dará ciência ao
I - determinar prazo razoável para que o Poder competente para que este adote as
impetrado promova a edição da norma providências necessárias.
regulamentadora; Se for órgão administrativo, este terá um
II - estabelecer as condições em que se prazo de 30 dias para adotar a medida
dará o exercício dos direitos, das necessária.
liberdades ou das prerrogativas Se for o Poder Legislativo, não há prazo.
reclamados ou, se for o caso, as condições
em que poderá o interessado promover
ação própria visando a exercê- los, caso
não seja suprida a mora legislativa no
prazo determinado.
168

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Obs.: será dispensada a determinação a
que se refere o inciso I quando
comprovado que o impetrado deixou de
atender, em mandado de injunção
anterior, ao prazo estabelecido para a
edição da norma.

9. Controle de constitucionalidade no âmbito estadual


O controle de constitucionalidade no âmbito estadual pode se dar tanto no âmbito do sistema
difuso quanto no sistema concentrado. Inicialmente, portanto, vamos analisar quais são as ações pos-
síveis nos estados tendo como base a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), visto que ela é a única
prevista no texto da Constituição.
O controle de constitucionalidade no âmbito estadual está previsto no art. 125, § 2º, da CR:
Art. 125 (…) § 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de
leis ou atos normativos estaduais ou municipais [objeto] em face da Constituição Esta-
dual [parâmetro], vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
Observe que a CR não utiliza o termo “ação direta de inconstitucionalidade”, mas “representação
de inconstitucionalidade”, que era a terminologia utilizada antes de 1988. Foi talvez um descuido na
elaboração, que não modifica a substância desse mecanismo, que é essencialmente a mesma da ADI.
A única vedação da CR é a atribuição de legitimidade ativa a um único órgão para o controle de
constitucionalidade. Antes da CR/88, somente o Procurador-Geral da República tinha legitimidade
para propor ADI. O dispositivo serve para evitar justamente que isso ocorra em âmbito estadual.
1.37. Competência
O art. 125, § 2º, quando fala em representação de inconstitucionalidade, refere-se a um controle
concentrado de constitucionalidade.
O controle concentrado de constitucionalidade caracteriza-se pela reserva de competência para
julgamento a apenas um órgão do Poder Judiciário. Como se trata de um controle de âmbito
estadual, essa competência concentra-se única e exclusivamente no Tribunal de Justiça
do respectivo estado.
Algumas constituições estaduais trouxeram previsão segundo a qual a ADI poderia ser julgada
pelo TJ ou pelo STF. Todavia, não pode a CE atribuir ao STF ou a juiz estadual a competência. Somente
ao TJ. Isso porque se trata de um controle concentrado (ADI 717126 e ADI 1669).

126 ADI 717 MC/AC: “[...] Incompetência do Supremo Tribunal Federal para a apreciação e julgamento de
ação direta de inconstitucionalidade de textos normativos locais, frente a Constituição do Estado-Membro. Não
conhecimento da ação.”.
169

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1.38. Legitimidade (ativa e passiva)
Existe simetria entre as constituições estaduais e a CR? O art. 103 é norma de reprodução obriga-
tória, devendo haver identidade entre os legitimados? Não. A legitimidade ativa não é de obser-
vância obrigatória.
Assim, as Constituições Estaduais não estão obrigadas a seguir o modelo do art. 103. Ex.: a Cons-
tituição de MG tem previsão exatamente idêntica à do art. 103, com as respectivas adaptações, obvia-
mente. A maioria das constituições estaduais fez isso, mas o STF já decidiu que não há observância
obrigatória, na medida em que a CR somente vedou a atribuição da legitimidade ativa a um único ór-
gão127.
Ademais, com relação à legitimidade passiva, o Supremo também possui entendimento consoli-
dado no sentido de que “Não é inconstitucional norma da Constituição do Estado que atribui ao pro-
curador da Assembleia Legislativa ou, alternativamente, ao procurador-geral do Estado, a incum-
bência de defender a constitucionalidade de ato normativo estadual questionado em controle abstrato
de constitucionalidade na esfera de competência do Tribunal de Justiça.”128

Como a CR se refere a “órgão”, a doutrina entende que não poderia haver previsão na CR de uma
espécie de iniciativa popular. Isso não é algo tão explícito assim, mas se trata de entendimento doutri-
nário. Não poderia qualquer pessoa do povo ajuizar uma chamada ADI popular (que não se confunde
com a ação popular prevista na CR). Isso porque a pessoa física não pode ser considerada um órgão.
Além disso, existe também outro fator que sustenta esse entendimento: a atribuição a qualquer pessoa
de ADI no TJ ocasionaria uma hiperinflação de processos, o que acabaria por inviabilizar o trabalho no
tribunal.
Na Lei 9.882/1999, que trata da ADPF, houve uma previsão inicial de que ela poderia ser proposta
por qualquer do povo. Todavia, o Presidente vetou o dispositivo, justamente por conta desse entendi-
mento. Na representação de inconstitucionalidade estadual o raciocínio é o mesmo.
Há basicamente dois modelos de legitimidade para a propositura de ADI:
i) modelo de introversão:
No modelo de introversão, a legitimidade é atribuída apenas para órgãos dos Poderes Públicos.
ii) modelo de extroversão:

127 ADI 558 MC/RJ:“[...] : Arguição de invalidade, em face do modelo federal do art. 103 CF, da outorga
de legitimação ativa a deputados estaduais e comissões da Assembleia Legislativa, assim como aos procurado-
res-gerais do Estado e da Defensoria Pública: suspensão cautelar indeferida, a vista do art. 125, par. 2., da
Constituição Federal.”.
128 ADI 119/RO.
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No modelo de extroversão, os legitimados não são órgãos pertencentes do Poder Público (ex.:
entidades de classe, sindicatos, partidos políticos, que são todos pessoas jurídicas de direito privado).
A constituição estadual pode adotar um dos dois modelos acima ou pode adotar ambos, como fez
a CR/88.
1.39. Parâmetro
O art. 125, § 2º, da CR prevê que o parâmetro do controle de constitucionalidade estadual é a
constituição estadual, inclusive, as de observância obrigatória, de mera repetição e remissivas.
Vale lembrar que tais normas podem ser apenas formalmente constitucionais, isto é, devem estar
previstas de modo expresso na Constituição estadual
Algumas constituições estaduais, ao instituírem a representação de inconstitucionalidade, esta-
beleceram como parâmetro também a CR (ex.: SP, MG). Outras incluíram como parâmetro também as
leis orgânicas municipais. Pode a CE estender esse parâmetro constitucionalmente previsto? Segundo
o STF, apenas a CE pode servir como parâmetro de controle de constitucionalidade em âmbito estadual.
Nenhum outro parâmetro pode ser estabelecido: nem a CR, nem a lei orgânica munici-
pal (RE 175.087)129.
Há quatro espécies de normas que as constituições estaduais podem estabelecer:
i) Normas de observância obrigatória:
São normas que não devem estar obrigatoriamente na CE mas que se estiverem, devem seguir
obrigatoriamente o modelo proposto pela CR, a exemplo do art. 62 da CF que trata da MP.
As CE não são obrigadas a prever medidas provisórias em seus textos, mas se trouxerem tal pre-
visão, obrigatoriamente deverão observar o modelo estabelecido no âmbito federal.
ii) Normas de reprodução obrigatória
São as normas que obrigatoriamente devem ser reproduzidas na CE, caso não estejam, são consi-
deradas implícita, p. ex., o art. 61, § 1º da CF que elenca as matérias de iniciativa privativa do Presidente
da República. No âmbito estadual, obrigatoriamente, essas matérias têm que ser atribuídas ao Gover-
nador, mesmo que não haja previsão no texto. Igualmente, o art. 75 da CF (Tribunal de Contas).
iii) Normas remissivas:
Normas remissivas são aquelas cujo conteúdo está contido em outra norma à qual ela faz referên-
cia. A norma remissiva não traz em si a disciplina do assunto. Ex.: a CE/PI, em seu art. 5º, determina
que o Piauí garante em seu território os direitos e garantias assegurados pela Constituição da República.
A CE/BA remete às normas do Sistema Tributário Nacional.
iv) Normas de mera repetição:

129
RE 650.898/RS: “Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis
municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de repro-
dução obrigatória pelos Estados.

171

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Na norma de mera repetição, o estado simplesmente repete a norma que está na Constituição
Federal porque quer. Não há obrigatoriedade na repetição pelos estados, mas eles assim o fazem. É o
caso das normas que tratam da vacância dos cargos do Chefe do Executivo, por exemplo.
Segundo o STF, todas essas três espécies de normas podem servir como parâmetro de controle de
constitucionalidade realizado em âmbito estadual. Muitos autores entendiam que as normas remissivas
não poderiam, mas o STF pacificou a questão (Reclamação nº 733).
Como visto, no controle difuso, como o objeto principal da ação é a proteção do direito (e não da
supremacia da constituição), cabe declaração de inconstitucionalidade de ofício. O mesmo não ocorre
no controle concentrado (salvo a hipótese de utilização da técnica de inconstitucionalidade por arrasta-
mento).
Em se tratando de controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos estaduais ou mu-
nicipais tendo como parâmetro a CR, o parâmetro tem de ser uma das três espécies de normas acima.
Todavia, tal parâmetro pode não estar de acordo com a CR.
Ex.: o PGJ ajuíza ADI perante o TJ, alegando que determinada lei estadual seria incompatível com
o art. 35 da constituição estadual. Todavia, o TJ observa que o art. 35 é incompatível com a CR, por
violar seu art. 5º.
Veja que se trata de um controle concentrado abstrato, no qual, em regra, não cabe ao tribunal
dizer a inconstitucionalidade de ofício, devendo ser provocado. Entretanto, nesse caso, o TJ pode de
ofício declarar a inconstitucionalidade do dispositivo da CE em faca da CR..
Trata-se da hipótese em que reconhece de ofício a inconstitucionalidade do parâmetro invocado,
previsto na Constituição Estadual, em relação à Constituição Federal.
Mesmo que não tenha sido provocado a respeito, como prejudicial de mérito (segundo o STF),
antes de analisar a violação da CE, o TJ tem de analisar se o dispositivo da CE é constitucional, em
cotejo com a CR. Se o TJ entender que o dispositivo é inconstitucional, desta decisão caberá Recurso
Extraordinário para o STF (mesmo em se tratando de controle concentrado abstrato).
1.40. Objeto
Neste tópico, serão estudados as leis e atos normativos que podem ser impugnados numa ação
direta de inconstitucionalidade promovida em âmbito estadual.
O art. 125, § 2º, da CR deixa claro o objeto:
Art. 125 (…) § 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de
leis ou atos normativos estaduais ou municipais [objeto] em face da Constituição Esta-
dual [parâmetro], vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
Assim, somente podem ser objeto, no âmbito estadual, leis ou atos normativos ema-
nados das esferas estaduais ou municipais.
Lembre-se que a Constituição Estadual não pode ampliar o objeto, para abranger, por exem-
plo, lei ou ato normativo federal. Não somente seria inviável o controle, como seria muito difícil que a
lei federal tivesse de observar as constituições de todos os estados.
172

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Ademais, é importante notar que uma mesma lei ou um mesmo ato normativo estadual pode ser
objeto de ADI nos âmbitos estadual federal. No âmbito estadual, o julgamento seria realizado pelo TJ
e, no âmbito federal, pelo STF.
Como esses processos simultâneos (simultaneus processus) se relacionam? Segundo a jurispru-
dência do STF130 na hipótese de processos simultâneos tendo por objeto a mesma lei estadual, haverá
a suspensão prejudicial do controle normativo abstrato instaurado perante o TJ. Ou
seja, o processo perante o TJ fica suspenso, aguardando a decisão do STF.
Note que, como regra, essa simultaneidade é possível em se tratando de lei estadual. A lei muni-
cipal pode até ser objeto de controle de constitucionalidade no âmbito federal, através de ADPF. Por-
tanto, pode até haver essa simultaneidade em relação à lei municipal, mas o que normalmente ocorrerá
é que uma lei estadual seja objeto concomitante de duas ADI´s, uma federal e outra estadual.
(CESPE) No caso de processos simultâneos, as decisões adotadas no TJ e no STF podem ser di-
versas? Podem ser decisões em sentidos opostos? A decisão proferida numa ADI pelo STF, como estu-
dado, tem efeito erga omnes e vinculante. Em razão de ser vinculante, vincula todo o Poder Judiciário,
de modo que o TJ ficará atingido pela decisão.
Surge a indagação: sendo vinculante a decisão do STF, poderia o TJ proferir outra, em sentido
diverso daquela? Há duas possibilidades:
i) caso o STF declare a lei inconstitucional, sobretudo se o fizer com efeito ex tunc, a ADI proposta
no TJ restará prejudicada, pois haverá perda do objeto. Uma lei incompatível com a CR nunca teria
ingressado validamente no ordenamento jurídico (devendo, portanto, ser retirada);
ii) caso o STF considere a lei constitucional, haverá a possibilidade de o tribunal de justiça dar
uma decisão declarando a lei inconstitucional, pois, neste caso, os parâmetros serão diferentes. Quando
o STF analisa a lei estadual, ele o faz em face da Constituição da República. Já o TJ analisa a constitu-
cionalidade da lei em face da Constituição Estadual. Existe, portanto, a possibilidade de a lei estadual
não violar a CR, mas violar a Constituição Estadual (nem todas as normas são idênticas). Quando a
norma da CE for de observância obrigatória, a decisão do STF será vinculante para o TJ. Caso contrário,
tendo um conteúdo diferente do da CR (ou não havendo norma idêntica na CR), não haverá tal vincu-
lação.
Assim, se a CE tiver como parâmetro norma de conteúdo idêntico ao da CR, o TJ não poderá
decidir de forma diversa, sendo a decisão do STF vinculante. Mas, se o parâmetro for diverso, há a
possibilidade de decisões divergentes.
1.41. Efeitos da decisão de mérito

130 ADI 3482/DF “Ocorrência de “simultaneus processus”. Hipótese de suspensão prejudicial do processo
de controle normativo abstrato instaurado perante o tribunal de justiça local. Necessidade de se aguardar, em tal
caso, a conclusão, pelo Supremo Tribunal Federal, do julgamento da ação direta. Doutrina. Precedentes (STF)”.
173

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Sendo a ação direta de inconstitucionalidade um processo constitucional objetivo (sem partes for-
mais), no âmbito estadual o efeito da decisão de mérito nunca poderia ser inter partes. A
ação não tem autor e réu envolvidos, como visto. Ela tem, na verdade, legitimados, ativos e passivos,
que não defendem interesse próprio, mas a supremacia da CR.
Não faria sentido, se eles não defendem interesses próprios, que a decisão do TJ valesse apenas
para os legitimados. Então, em razão da própria natureza deste tipo de ação, o efeito dessa
ADI, assim como de todo processo constitucional objetivo, de controle abstrato, será
erga omnes, independentemente de haver previsão a respeito na CE ou não, ou de ser a
decisão liminar ou definitiva. Não existe, no processo constitucional objetivo (que não tem par-
tes), uma decisão que somente produza efeitos inter partes.
Isso é importante, porque algumas constituições estaduais dizem que se o TJ declarar a lei in-
constitucional, essa decisão dependeria, para que lei fosse suspensa para todos, de uma suspensão da
lei pela assembleia legislativa do estado (ex.: CE/BA). Seria algo nos moldes do que ocorre, no controle
de constitucionalidade federal difuso. O STF, ao analisar esses dispositivos, determinou que não pode
a CE submeter a suspensão de uma lei declarada inconstitucional pelo TJ em ADI a uma deliberação da
assembleia legislativa. Isso esvaziaria completamente a competência do TJ.
A interpretação que se faz é que, quando a CE submete a decisão do TJ à assembleia, tal resolução
serve exclusivamente para conferir publicidade à decisão do TJ, nunca para suspendê-la. Trata-se do
mesmo raciocínio utilizado, no controle difuso, pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, na Recla-
mação 4335.
Aqui, todavia, há uma finalidade a ser observada: se dependesse da assembleia a suspensão da lei,
a decisão do TJ de nada valeria. Então, no âmbito estadual se justifica essa interpretação. Lá no controle
difuso em âmbito federal a questão é diversa, pois a interpretação estaria de fato esvaziando a compe-
tência do Senado Federal, constitucionalmente estabelecida. No âmbito federal, como visto, a questão
está pendente, mas a Novelino parece que a interpretação dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau
não prevalecerá.
Dessa decisão do TJ, o STF vem admitindo a interposição de Recurso Extraordinário, para o STF.
Aqui, o RE está sendo utilizado como instrumento de controle concentrado abstrato de constituciona-
lidade, de modo que eficácia erga omnes nacional. Note que se trata de uma exceção, pois o RE é nor-
malmente um instrumento utilizado no controle difuso de constitucionalidade.
Esse RE será cabível em duas hipóteses:
i) quando o TJ considerar inconstitucional o próprio parâmetro invocado (a norma da Constitui-
ção Estadual):
Trata-se daquela hipótese vista anteriormente, em que o TJ, ao analisar a ADI, observa que o
próprio dispositivo da CE é inconstitucional. O TJ pode, incidentalmente e de ofício, declarar a incom-
patibilidade da norma da CE com a CR.

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Observe que quando o TJ diz que norma da CE é inconstitucional, ele está alterando o próprio
parâmetro de controle (da norma da CE para uma norma da CR). De parâmetro, a norma da CE passa
a ser o objeto. Sendo parâmetro a norma da CR, seu guardião, o STF, analisará a questão. Daí o cabi-
mento do RE.
São legitimados para a interposição desse RE os que estiverem atuando na ADI perante o TJ. Se
quem propôs a ADI foi o Governador, e quem está no polo passivo, defendendo o ato, é o Procurador-
Geral do Município, serão eles os legitimados para a interposição do recurso, já que eles é que estão
atuando no processo.
ii) quando o parâmetro for dispositivo da CE interpretado contrariamente ao sentido de uma
norma de observância obrigatória da Constituição da República:
Ou seja, quando o dispositivo da CE utilizado como parâmetro é uma norma incompatível com a
interpretação de uma norma da CR, de observância obrigatória (uma norma que obrigatoriamente a CE
deveria observar).
Os legitimados são os mesmos: aqueles que participam do processo.
1.42. Outras ações de controle normativo abstrato
9.1.1. ADO
Quanto à ADO, O STF entende que é possível a criação. Os Estados RJ, SC, SP, MG, PB, PR, PE,
PI, RN, RS, GO, MA, MT, MS, AC, AL, AM, SE, CE, ES, RO trazem tal previsão em suas Constituições.
9.1.2. ADC
No caso da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), por ter a mesma natureza da ADI,
isto é, ações com caráter dúplice ou ambivalente, não haveria, a princípio, nenhum impedimento a que
os estados- membros e o Distrito Federal tragam a previsão de Ação Declaratória de Constitucionali-
dade em seus textos.
9.1.3. ADPF
No caso da ADPF, a questão é um pouco mais polêmica, uma vez que essa ação tem um caráter
subsidiário, de modo que as hipóteses que, em tese, não puderem ser suscitadas em outras ações, po-
deriam ser suscitadas pela via da ADPF no âmbito federal. Por esta razão, não haveria, a princípio,
motivo para que os estados criassem essa ação no âmbito estadual. Além disso, os estados não têm
competência para legislar sobre processo.
De todo modo, o STF nunca se manifestou sobre o tema, motivo pelo qual algumas Constituições
Estaduais consagram a ADPF em seus textos e outras não.
1.43. Suspensão da execução da lei (Controle difuso)
Como visto, no controle difuso de âmbito federal, a decisão do STF tem, classicamente, efeito inter
partes. Para que ela passe a ter efeitos erga omnes, é necessário que o Senado edite uma Resolução

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suspendendo a execução daquela lei (art. 52, X). Caso não haja tal Resolução, a decisão terá efeito inter
partes, apenas.
Quando o TJ profere uma decisão de inconstitucionalidade inter partes em controle difuso, para
que ela passe a ter efeito erga omnes (ou seja, valha para todos), a quem caberá a suspensão da lei (à
assembleia legislativa, à câmara municipal)? Há, no Brasil, dois modelos diferentes que vêm sendo ado-
tados pelas Constituições Estaduais, relativamente à suspensão de uma lei:
1º modelo: para que a decisão tenha efeitos erga omnes, pouco importando se a lei for estadual
ou municipal, cabe sempre à assembleia legislativa suspender a execução de uma lei considerada in-
constitucional pelo TJ no controle difuso (lembrando que todo controle difuso acabará sendo também
incidental).
Adotam este modelo os seguintes estados: RS, RN, MS, TO, SE, AM.
2º modelo: para que a decisão tenha efeitos erga omnes, a suspensão da execução de lei municipal
é atribuída à Câmara de Vereadores e a suspensão de lei estadual é atribuída à assembleia legislativa.
Todos os demais estados adotam este 2º modelo.
O STF já analisou essa diferença de tratamento dada pelas constituições estaduais e o entendi-
mento adotado foi de que ambos os modelos são constitucionais. Fica a critério de cada estado a escolha
por um ou outro, segundo julguem mais conveniente. Isso porque essa decisão, segundo o STF, pertence
à esfera de auto-organização dos estados.
10. ADI interventiva (representação interventiva)
Algumas das hipóteses de representação interventiva são consideradas controle concentrado de
constitucionalidade. Entretanto, o tema será tratado adiante, por ocasião do estudo dos estados de le-
galidade extraordinária.
1.44. Aspectos introdutórios
Tanto a representação interventiva estadual quanto a representação interventiva federal estão
previstas na CF, art. 35, VI e art. 36, III, respectivamente. Ademais, a Lei 12.562/2011 trata das duas
espécies.
Foi a primeira ação de controle concentrado de constitucionalidade existente no Brasil, sendo
criada pela Constituição de 1934, Art. 12, § 2º (com a representação de constitucionalidade)131.
Tem natureza de controle concentrado-CONCRETO, uma vez que o processo não é objetivo,
mas sim subjetivo. Existem partes p.ex a União de um lado e o estado membro em outro.
A finalidade principal da ADI interventiva é resguardar direitos e não garantir a supremacia
da Constituição como no controle abstrato-concreto.

131 A contrário do muitas vezes cobrado, o controle concentrado não surgiu com a EC 16/65. O que essa
emenda introduziu foi o controle concentrado abstrato, mas controle concentrado (que só pode ser exercido por
um órgão do judiciário) foi introduzido com a Constituição de 1934.
176

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1.45. Representação interventiva Federal
Encontra previsão legal no Art. 36 da CR.
CF/88: “Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: [...] III - de provimento, pelo Supremo
Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no
caso de recusa à execução de lei federal.”.
Quem decreta a intervenção é o chefe do executivo, e apenas ele, entretanto, nesse caso o Presi-
dente só pode decretar a intervenção mediante provimento pelo STF da representação interventiva in-
tentada pelo PGR.
Assim, a competência para o julgamento da ADI interventiva é exclusiva do STF e o único legi-
timado para sua propositura é o PGR.
Os parâmetros do controle são:
i) Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VIII), aqueles que, se violados, podem gerar
uma intervenção federal no Estado.
CF, art. 34: A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde.
ii) Recusa à execução de lei federal (CRFB/88, Art. 34, VI): Nesta hipótese, a
rigor, inexiste um controle de constitucionalidade, mas um não cumprimento pelo
estado de uma lei federal. Dependerá do provimento pelo STF de representação do
Procurador-Geral da República, como visto no art. 36, III, CF.

10.1.1. Liminar na representação interventiva federal


A jurisprudência do STF não admitia a concessão de liminar em ADI interventiva, entretanto, a
mesma passou a ser admitida com o advento da Lei 12.562/2011.
Nesse sentido, para a concessão de liminar, exige-se o quórum de maioria absoluta, não pode ser
concedida monocraticamente (não há exceções), nos termos do art. 5º da Lei 12.562/2011:
Art. 5º: O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá
deferir pedido de medida liminar na representação interventiva.
Ademais, os efeitos da limitar são parecidos com os da liminar em ADPF, não havendo ressalva
quanto à coisa julgada, nos termos do §2º do art. 5° da Lei 12.562/2011
Art. 5º, § 2º: “A liminar poderá consistir na determinação de que se suspenda o andamento de
processo ou os efeitos de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apre-
sente relação com a matéria objeto da representação interventiva

10.1.2. Decisão de mérito


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A decisão de mérito na ADI interventiva possui natureza político-administrativa. Ou seja,
o STF não analisará a questão com um viés estritamente jurídico mais sim leva em consideração aspec-
tos políticos e administrativos para julgar procedente ou não a representação. Sendo procedente, haverá
comunicação aos órgãos responsáveis pela medida e ao Presidente da República para que dê cumpri-
mento à decisão.
Note-se que a natureza da decisão irá refletir na vinculação ou não do Presidente da República e
para fins de cabimento de recurso extraordinário, quando esta decisão for proferida pelo TJ local na
representação interventiva estadual.
Nesse sentido, discute-se se o ato da decretação da intervenção pelo Presidente seria ato discrici-
onário ou vinculado.
O Prof. Marcelo Novelino entende é um ato vinculado, por duas razões:
a) Na Lei 1.079/50, que trata acerca dos crimes de responsabilidade, possui dispositivo prevendo
que é crime de responsabilidade do PR deixar de dar cumprimento às requisições feitas pelo STF e pelo
TSE. Trata-se, aqui, de uma requisição. Portanto, não dando cumprimento incorrerá em crime de res-
ponsabilidade. Logo, é um ato vinculado;
b) A Lei 12.562/2011, em seu art. 11, dispõe que o PR possui prazo improrrogável de 15 dias
para dar cumprimento à requisição.
art. 11: Julgada a ação, far-se-á a comunicação às autoridades ou aos órgãos responsáveis pela
prática dos atos questionados, e, se a decisão final for pela procedência do pedido formulado na repre-
sentação interventiva, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, publicado o acórdão, levá-lo-á ao co-
nhecimento do Presidente da República para, no prazo improrrogável de até 15 (quinze) dias, dar cum-
primento aos §§ 1º e 3º do art. 36 da Constituição Federal
Por fim, ressalta-se que da decisão proferida pelo STF não cabe qualquer espécie de recurso e nem
ação rescisória, nos termos do art. 12. Novelino entende pela possibilidade de oposição de Embargos de
Declaração para eventual complementação do julgado.

1.46. Representação interventiva Estadual

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Devido a não existência de hierarquia entre os entes políticos, existe a regra de não intervenção
da União nos estados e dos estados nos municípios.
No entanto, tal regra comporta exceções, como já vimos. Convém mencionar que a regra da não
intervenção da União nos municípios dos estados-membros não tem exceção.
Assim temos:
o A União só pode intervir, excepcionalmente, nos Municípios de seus territórios.
o A União só pode intervir, excepcionalmente, nos Estados, assim como estes, excepcionalmente,
podem intervir em seus municípios.
O inciso IV, por sua vez, apresenta três motivos para intervenção:
i. Garantir observância dos princípios estabelecidos na CE;
ii. Garantir a execução de lei;
iii. Prover ordem ou decisão judicial.
Assim, a decretação pelo Governador da intervenção estadual em um Município, nos casos de
inobservância dos princípios indicados na Constituição Estadual, da não execução de lei, de ordem ou
de decisão judicial, depende do provimento da representação interventiva pelo Tribunal
de Justiça, único órgão judicial competente para processá-la e julgá-la (CF, art. 35, IV).
CF, art. 35: O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados
em Território Federal, exceto quando:
IV - o Tribunal de Justiça [competência] der provimento a representação para assegurar a obser-
vância de princípios indicados na Constituição Estadual [parâmetro], ou para prover a execução de lei,
de ordem ou de decisão judicial [parâmetro]
A legitimidade ativa para a proposição da ADI interventiva estadual é do PGJ, em clara simetria
com a CR., conforme estabelece a Súmula 614/STF:
Súmula 614 STF: “Somente o Procurador-Geral da Justiça tem legitimidade para propor ação
direta interventiva por inconstitucionalidade de lei municipal.”

Conforme nos mesmo termos da ADI interventiva federal, a natureza da decisão é político-admi-
nistrativa.
O Tribunal de Justiça, assim como o STF, vai analisar politicamente a viabilidade ou não da de-
cretação da intervenção. Por isso, o STF sumulou o entendimento de que não cabe RE da decisão do TJ.
S. 637 STF: Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere
pedido de intervenção estadual em município.
O TJ julga procedente a ação ajuizada pelo PGJ e requisita ao governador a intervenção. O gover-
nador fica vinculado a expedir o decreto.
O decreto tem a função primária de suspender a lei ou ato que ensejou a ADI interventiva. Em
não sendo eficaz essa suspensão, cabe ao governador decretar a intervenção, nomeando um interventor
e afastando as autoridades responsáveis de seus cargos.
Percebe-se que a ADI interventiva tem uma dupla função:

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i. Suspender a lei ou ato que ofenda os princípios ou impeça a execução de lei (função jurí-
dica);
ii. Nomear interventor para restabelecer a situação de normalidade federativa (função polí-
tica).

DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

1. Teoria geral dos direitos fundamentais


1.1. Aspectos introdutórios
A distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais não é adotada por todos os autores,
sendo inclusive criticada por alguns. Todavia, para fins didáticos ela é importante.
Ambos estão relacionados aos valores liberdade e igualdade e são voltados à proteção e à promo-
ção da dignidade da pessoa humana. Até por isso, o conteúdo deles é basicamente o mesmo. Da liber-
dade e da igualdade, na verdade, decorrem diversos outros (ex.: da igualdade, decorrem os direitos so-
ciais).
A diferença é o plano no qual estão situados. Enquanto os direitos humanos estão consagrados no
plano internacional, os direitos fundamentais situam-se no plano interno, em geral nas Constituições.
Os direitos fundamentais de cada país variam: nos EUA, por exemplo, são admitidas prisão per-
pétua e pena de morte.
1.1.1. Hierarquia dos tratados
Inicialmente, a jurisprudência do STF, tradicionalmente, adotava o seguinte entendimento: todo
e qualquer tratado internacional tinha o status de lei ordinária, independentemente da matéria disci-
plinada.
Entretanto, alguns internacionalistas, em especial os Professores Flávia Piovesan, Antônio Au-
gusto Cansado Trindade, Celso Lafer e Valério Mazzuoli, sustentando que os tratados internacionais de
direitos humanos não eram equivalentes às leis ordinárias. Ao contrário, tais tratados possuíam status
constitucional, entendimento nunca seguido pelo STF

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Com o advento da EC 45/2004, foi estabelecido que os tratados e convenções internacionais de
direitos humanos, se aprovados por 3/5 e em dois turnos de votação em cada uma das casas, são equi-
valentes às emendas constitucionais, conforme previsto no art. 5º, § 3º, CF
Em 2008, o STF passou a adotar um novo posicionamento: manteve o entendimento de que, em
regra, os tratados internacionais tinham status de lei ordinária, e asseverou que em se tratando de tra-
tado internacional de direitos humanos, não aprovados pelo procedimento da EC (por 3/5 e em dois
turnos), como previsto pela EC 45/2004, o status seria supralegal - acima da legislação ordinária, mas
abaixo da Constituição.
Nota-se que além do aspecto material (versar sobre Direitos Humanos) o tratado deve observar
um critério formal (quórum de 3/5) para que seja considerado equivalente a uma norma constitucional.
Assim, que diferencia hierarquicamente os tratados sobre direitos humanos e as leis não é forma,
mas o conteúdo. Existe um movimento mundial no sentido da adoção de uma sistemática de proteção
de direitos humanos, tendência que restou observada pelo STF.

Obs.: -Paulo Portela sustenta que além dos tratados e convenções internacionais de Direitos Hu-
manos, teriam também status supralegal os tratados internacionais sobre matéria tributária e sobre
Processo Civil. Vale dizer, porém, que não é esse o entendimento adotado pela maioria da doutrina,
nem pelos Tribunais.
1.2. Classificações dos direitos e garantias fundamentais
1.2.1. Classificação feita pela CR/88
A CR trata dos direitos e garantias fundamentais como gênero (Título II), cujas espécies são:
i) direitos individuais:

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Apesar de estarem sistematicamente elencados no art. 5º, os direitos e garantias individuais tam-
bém podem ser encontrados em outras partes da CR. O STF já considerou, por exemplo, garantias in-
dividuais os arts. 16 e 150, III, “b” da CR:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Consti-
tucional nº 4, de 1993)

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
III - cobrar tributos: (...)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
A CR, em seu art. 60, § 4º, IV, não diz expressamente que são cláusulas pétreas os direitos funda-
mentais, mas “os direitos e garantias individuais”, que são uma das espécies de direitos fundamentais.
Existe doutrina que entende pela proteção de todos os direitos fundamentais, mas não predomina e
com ela não concorda o STF.
ii) direitos coletivos:
Há mais direitos coletivos dentre os direitos sociais (arts. 6º e seguintes) do que no art. 5º.
iii) direitos sociais;
iv) direitos de nacionalidade (art. 12);
v) direitos políticos (art. 14 e seguintes).
No Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), a Constituição ainda fala dos Partidos
Políticos. A classificação feita pela CR é relevante por conta da existência das cláusulas pétreas que,
como visto, segundo prevalece, somente protegem os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV).
Nesse sentido, ao tratar das cláusulas pétreas expressas, a Constituição dispõe que não será objeto
de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
A Constituição, portanto, não fala em direitos fundamentais, mas sim individuais. Portanto, em-
bora grande parte da doutrina sustente que não só os direitos individuais, mas todos os direitos funda-
mentais (inclusive os sociais) sejam cláusulas pétreas, esse entendimento é equivocado.
As cláusulas pétreas constituem exceção a regra constitucional, motivo pelo qual devem ser inter-
pretadas restritivamente.
Vale lembrar que as cláusulas pétreas são uma limitação da soberania popular, havendo prejuízo
em estender o sentido da lei para esses casos. Assim, embora alguns direitos sociais e de nacionalidade
sejam cláusulas pétreas, tais direitos estão contidos na categoria das cláusulas pétreas implícitas e não
na categoria das cláusulas pétreas expressas na Constituição. Dado a sua natureza implícita, é necessá-
rio um ônus argumentativo maior para justificar porque tais direitos se encaixam no gênero das cláu-
sulas pétreas, como, por exemplo, o direito à saúde.

182

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Assim, ao afirmar que determinado direito fundamental é cláusula pétrea cabe a quem está de-
fendendo este ponto de vista comprovar a alegação132.
1.2.2. Classificação de José Carlos Vieira de Andrade (trialista)
A classificação trialista feita por José Carlos Vieira de Andrade é muito utilizada no Brasil. Inspi-
rada na classificação feita por Jellinek, divide os direitos fundamentais em três espécies: direitos de
defesa, direitos a prestações e direitos de participação.
1.46.1.1. Direitos de defesa

Direitos de defesa são aqueles direitos fundamentais criados para a proteção do indivíduo
em face do Estado, têm um caráter eminentemente negativo (status negativo), por exigirem uma
abstenção por parte do Estado.
Tais direitos que surgiram com as Revoluções Liberais do final do século XVIII (Revolução Fran-
cesa e Revolução Norte-americana, para a proteção do indivíduo contra o arbítrio estatal. Além de se-
rem direitos de liberdade, são considerados direitos civis.
Os direitos de defesa são os chamados direitos clássicos ou liberais;
Americana). São eles: direito à vida, direito à liberdade, direito à igualdade formal e direito de
propriedade.
1.46.1.2. Direitos a prestações
Direitos a prestações são aqueles que exigem do Estado prestações materiais ou prestações jurí-
dicas (status positivo).
Os direitos que exigem essa atuação positiva estatal geralmente são direitos sociais (ex.: direito à
saúde, à educação, à moradia etc.)
Todavia, há direitos individuais que são direitos a uma prestação, como a assistência judiciária
gratuita, e há direitos sociais que não exigem prestações estatais, como a legislação trabalhista.
Os direitos a prestações ligam-se ao valor igualdade (material). Isso porque o objetivo principal
dessas prestações é a busca pela redução das desigualdades entre as pessoas. Ex.: o Estado fornece o
acesso à educação porque nem todos podem arcar com a educação dos filhos.
Muitos países, como a Alemanha, não consagram os direitos sociais em seu ordenamento. Há
autores que, equivocadamente, entendem que os direitos sociais não seriam fundamentais. Todavia,

132 Por exemplo: os direitos dos trabalhadores rurais sofreram alterações na Constituição quando o texto
constitucional foi modificado para incluir um prazo prescricional para que o trabalhador dessa categoria deman-
dasse em juízo pelos seus direitos trabalhistas. Assim, houve uma restrição, de modo que o trabalhador rural não
pode mais pleitear todo e qualquer direito a qualquer tempo, mas apenas aqueles que forem anteriores aos 5 anos
da data de propositura da ação. Se todo direito social fosse tido como cláusula pétrea, essa disposição jamais
poderia ter sido alterada.
183

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eles estão na base dos direitos fundamentais, pois não há como conceber o exercício da liberdade sem
prestações mínimas a todas as pessoas, como educação, saúde etc.
Os direitos prestacionais possuem uma efetividade (ou eficácia social) menor que os direitos de
defesa. Eles ainda não atingiram uma efetividade tão grande como os individuais, principalmente por
dependerem do nível de desenvolvimento e de recursos orçamentários de cada país. Países em crise
econômica cortam direitos sociais como primeira medida.
O orçamento não pode ser usado como desculpa para evitar a implementação desses direitos, mas
a dificuldade orçamentária deve ser levada em consideração.
1.46.1.3. Direitos de participação

Direitos de participação são aqueles que permitem a participação do indivíduo na vida política do
Estado (status ativo). São de participação os direitos políticos e, como pressuposto destes, os de nacio-
nalidade (com a exceção dos portugueses, caso haja reciprocidade).
Têm um duplo caráter, exigindo tanto uma atuação positiva quanto negativa do Estado. O Estado
atua positivamente, por exemplo, ao realizar a eleição e, negativamente, não interferindo na escolha dos
cidadãos.
Na verdade, essa distinção entre os caráteres negativo e positivo é muito falha, pois todo direito
possui um caráter negativo e positivo. Até mesmo o direito de locomoção pode tê-los. Na verdade, falar
em caráter positivo ou negativo é se referir ao caráter predominante de determinado direito.
1.2.3. Teoria dos status (Jellinek)
A teoria dos status foi desenvolvida por George Jellinek e trata das funções clássicas que os
direitos fundamentais desempenham nas relações entre o particular e o Estado.
Esses status serão atribuídos aos indivíduos conforme os direitos e deveres que lhes forem confe-
ridos. Portanto, de acordo com os direitos que possuem, os indivíduos terão um ou outro status.
i) Status passivo (subjectionis):
Uma vez que o Estado tem competência para vincular o indivíduo, através de mandamentos e
proibições, segundo o status passivo o indivíduo se encontraria em posição de subordinação em
relação aos poderes públicos, sendo detentor de deveres perante o Estado (exemplo: alistamento
eleitoral).
O status passivo refere-se a um dever que o sujeito possui, não a direitos a ele conferidos. As
pessoas estão em relação de subordinação, sujeitas ao comando estatal. Trata-se do status que é confe-
rido à pessoa em razão de um dever imposto pelo Estado.
ii) Status negativo:
O indivíduo possui um espaço de liberdade em face do Estado (direito ao não embaraço e à não
intervenção). Nesta espécie, o indivíduo que tem o status negativo possui uma zona de liberdade pro-
tegida em face do Estado (exemplo: direito a não censura, em razão da liberdade de pensamento e de

184

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informação). É negativo, pois exige do Estado principalmente uma abstenção, ou seja, o Estado não
pode intervir, embaraçar nem tolher a liberdade de indivíduo de maneira arbitrária.
Ressalta-se que esse direito de não intervenção não é absoluto, uma vez que o Estado pode inter-
vir, respeitados critérios previstos no texto constitucional.
iii) Status positivo:
É aquele no qual o indivíduo tem o direito de exigir do Estado uma atuação positiva. No status
negativo, o indivíduo tem uma zona de liberdade que não pode sofrer intervenção do Estado. Exige uma
não ingerência, um não fazer.
Já no status positivo, o indivíduo tem um direito a que o Estado realize determinadas prestações.
O Estado deve atuar positivamente para assegurar determinados direitos aos indivíduos. Exemplos:
direito à saúde e à educação. O indivíduo tem direito a exigir determinadas prestações materiais, como
que sejam construídas escolas de ensino básico ou que o Estado pague a matrícula em escolas particu-
lares, em razão da falta de estabelecimentos públicos de ensino.
iv) Status ativo
O indivíduo possui a capacidade de influenciar na formação da vida e da vontade política do Es-
tado, por exemplo, votando em representantes, através de plebiscito, referendo etc. Quando são confe-
ridos direitos políticos ao indivíduo, ele passa a influir na vida política do Estado. A partir do momento
em que o indivíduo passa a ter direito ao voto, ele adquire o poder de influenciar na vontade política do
Estado.
Importante lembrar que no Brasil, para que o indivíduo possa exercer seus direitos políticos, é
necessário que ele goze dos direitos de nacionalidade. Só tem direitos políticos o brasileiro nato ou na-
turalizado. Uma vez que a nacionalidade é pressuposto da cidadania em sentido estrito, o estrangeiro
não pode exercer direitos políticos no Brasil. A única espécie de estrangeiro que pode exercer direitos
políticos no Brasil é a do português equiparado. Trata-se de hipótese de quase nacionalidade, prevista
constitucionalmente no Art. 12, §1º. Os portugueses com residência no país, se houver reciprocidade
por parte de Portugal, poderão ter os mesmos direitos que os brasileiros naturalizados.

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1.3. Características dos direitos fundamentais


As características dos direitos fundamentais são extremamente controversas e polêmicas na dou-
trina.
1.3.1. Universalidade
Os direitos humanos e os fundamentais têm caráter universal, não sendo diferentes de acordo
com o país. O fato de eles terem como núcleo comum a dignidade da pessoa humana conduz a essa
caraterística.
Universalidade significa que pelo menos um núcleo mínimo de proteção desses di-
reitos tem de estar presente em todos os ordenamentos. Ex.: todos os países têm de proteger
o direito à vida, ainda que, em determinados Estados, ela possa ser maior ou menor (como visto, alguns
adotam a pena de morte). As mais problemáticas seriam as penas desumanas, degradantes, como a
pena de apedrejamento da mulher, no Irã.
Parte da doutrina sustenta que a universalidade dos direitos fundamentais é uma tentativa de
impor a conduta ocidental a outras culturas, tendo em vista que os direitos que a doutrina toma como
fundamentais são os direitos que a sociedade ocidental assim considera. Em outras culturas existem
outras visões, de modo que o respeito a cultura alheia imporia a necessidade de se relativizar certos
direitos fundamentais. Trata-se da corrente multiculturalista, que preza pelo respeito às outras culturas
que não a ocidental, além de considerar a questão dos aspectos intranacionais, que destaca a convivên-
cia entre diferentes culturas dentro de cada país.

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A ocidentalização dos direitos humanos é perigosa, pois pode ceifar as especificidades de cada
país133. Todavia, há um núcleo de direitos que deve ser preservado em todo lugar.
1.3.2. Historicidade
Os direitos humanos são históricos, pois surgem, evoluem gradativamente através do tempo e
possivelmente se extinguem.
Essa característica fica muito clara quando se estudam as diferentes dimensões dos direitos fun-
damentais. Eles aparecem através do tempo, de acordo com a evolução da sociedade. E mais, se trans-
formam. Veja o caso da igualdade: a consagrada na Declaração Francesa dos Direitos do Homem é a
igualdade formal, tanto que eles admitiam a escravidão. Hoje, ela é entendida em seu aspecto substan-
cial.
A historicidade dos direitos humanos afasta a tese jusnaturalista dos direitos fundamentais. Isso
porque, na medida em que eles surgem e se transformam, não são naturais, inatos e imutáveis.
Os jusnaturalistas rebatem a crítica historicista, dizendo que os direitos fundamentais já existiam,
sendo apenas reconhecidos. Novelino acha melhor dizer que eles foram surgindo ao longo do tempo
(tese positivista).
Como estudado, o direito ao meio-ambiente é um bom exemplo do acerto da teoria de Bobbio,
segundo o qual os direitos fundamentais são históricos, ou seja, conquistados pela sociedade a partir de
determinadas demandas. A proteção ambiental somente se tornou necessária depois da Revolução In-
dustrial. Antes, não se falava no tema. Até poucos anos, não havia sentido em falar no direito à identi-
ficação genética. Com o avanço da tecnologia, o direito vem sendo reconhecido como direito fundamen-
tal, decorrente da dignidade da pessoa humana.
1.3.3. Imprescritibilidade, inalienabilidade E irrenunciabilidade
Os direitos fundamentais não se perdem pelo advento da prescrição, ou seja não se extinguem
pelo seu não exercicio.
Além disso, eles são indisponíveis, intransferíveis e inegociáveis e deles não se pode abrir mão, ou
sejam são desprovidos de conteúdo patrimonial.
A imprescritibilidade, a inalienabilidade e a irrenunciabilidade são três características com viés
jusnaturalista, cuja fundamentação vem das primeiras Declarações de Direitos Humanos.
1.46.1.4. Titularidade e exercício

133 Ex. Na Colômbia, existe um direito intranacional, que respeita as especificidades das tribos
indígenas. A Suprema Corte colombiana entendeu que um castigo corporal da tribo, por não ser das
penas mais pesadas, poderia ser aplicado, em respeito ao aspecto cultural da tribo onde for o índio
condenado.
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Por conta dessa dificuldade, para tentar conciliar essas características com o que se observa na
prática, a doutrina distingue entre titularidade e exercício.
Entende-se que o que e inalienável, imprescritível e irrenunciável é a titularidade. A pessoa não
pode perder o direito de maneira total e definitiva. Ex.: o sujeito pode renunciar à herança, mas não
pode abrir mão de forma definitiva de receber toda e qualquer herança para o resto da vida. A pessoa
pode doar todo seu patrimônio, mas não pode abrir mão do direito de ter propriedade.
Já o exercício dos direitos fundamentais é renunciável, pois a renúncia ao exercício é sempre
parcial e temporária. Há países em que o direito de nacionalidade é renunciável, mas isso não ocorre
no Brasil. Exceção seria a renúncia ao direito à vida das testemunhas de Jeová (renúncia à vida não é
temporária).
1.46.1.5. Renúncia, não exercício, exercício negativo e perda de um
direito fundamental
Não se pode confundir a renúncia, o não exercício, o exercício negativo e a perda de um direito
fundamental.
i) RENÚNCIA: consiste em abdicar, de um modo juridicamente vinculativo e voltado para
o futuro, a um determinado direito ou ao seu exercício.
Ex. a pessoa renuncia o exercício deste direito para receber um tipo de benefício, a exemplo do
reality show, abre-se mão do direito à privacidade em razão de uma exposição ou de um benefício fi-
nanceiro. Ou se um brasileiro, voluntariamente, adquirir a nacionalidade de outro país, estará renunci-
ando a nacionalidade brasileira, caso não se admita a dupla nacionalidade.
O que não se admite em qualquer hipótese é a renúncia total, perpétua e definitiva da titularidade
de um direito. Entretanto, é perfeitamente admissível a renúncia parcial/temporária/reversível dos di-
reitos fundamentais, atendidos certos pressupostos.
a) Pressupostos para que renúncia seja válida:
I) Espécie de direito fundamental envolvido – não é todo direito fundamental que admite
renúncia parcial/temporária e reversível, por exemplo direito a vida.
II) Vontade livre e autodeterminada – renúncia não pode ser objeto de coações.
Obs.: quando há uma renúncia parcial, temporária e reversível, é sempre necessário realizar uma
ponderação entre o direito fundamental envolvido e a autodeterminação do indivíduo, verificando se
tal hipótese é válida ou não.
ii) NÃO EXERCÍCIO: trata-se da possibilidade de um determinado direito fundamental
não ser exercido pelo seu titular, a exemplo de contrato de plano de saúde quando o cliente
não questiona, no judiciário, a violação de uma cláusula do contrato.
iii) EXERCÍCIO NEGATIVO: é o não exercício fático e atual de uma posição jurídica por
seu titular. Ex. fica claro na liberdade de associação, uma vez que abrange o exercício po-
sitivo de associar-se e o negativo de não se associar.

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iv) PERDA DE DIREITO: caso de restrição heterônoma de direito, ou seja, não é uma au-
tolimitação voluntária como na renúncia, a exemplo da perda de nacionalidade (casos es-
pecíficos em lei).
Assim, a irrenunciabilidade relaciona-se à titularidade. Devem ser analisadas as circunstâncias
do caso concreto, mas em princípio é admitida a renúncia ao exercício de um direito, desde que respei-
tados os requisitos vistos acima.
1.3.4. Relatividade ou limitabilidade
Os direitos fundamentais não podem ser considerados absolutos porque encontram
limitações impostas por outros direitos também consagrados na Constituição.
Costuma-se dizer que os direitos fundamentais são relativos em virtude da existência de um sis-
tema de direitos fundamentais, de modo que não pode existir a prevalência de um sobre o outro.
Alguns autores sustentam que há valores absolutos. A dignidade da pessoa humana é um valor
absoluto, e não um princípio absoluto. Isso significa que não existe gradação de dignidade entre as
pessoas: ela é igual para todos, independentemente de qualquer tipo de distinção.
Todavia, o princípio da dignidade da pessoa humana (que não se confunde com o valor) não pode
ser considerado absoluto, sob pena de impossibilitar a gradação, no caso concreto. Ex.: no caso do
aborto do feto anencéfalo, há duas “dignidades” em jogo, a da mãe e a do feto, sendo que uma terá de
ser necessariamente afastada.
Bobbio, em seu livro “A Era dos Direitos”, sustenta que existem dois valores absolutos: i) o direito
de não ser torturado; e ii) o direito de não ser escravizado. A vedação de tortura e de tratamento desu-
mano ou degradante e a proibição da escravização, todavia, é uma regra pré-ponderada pelo consti-
tuinte, e não um princípio. Nas regras, há as chamadas “razões entrincheiradas”: a ponderação já foi
realizada pelo legislador, com base na dignidade.
O que não existem, portanto, são princípios absolutos, por poderem ser ponderados. Não há essa
possibilidade de ponderação nas regras. As regras têm essa aparência de absolutas porque são frutos de
uma ponderação prévia realizada pelo legislador.
Em resumo, os princípios não possuem o mesmo caráter de definitividade das regras.
Desse modo, quando os direitos fundamentais estão consagrados em princípios eles tem uma pro-
teção prima facie, mas podem ser restringidos por outros princípios ou interesses coletivos.
Por outro lado, quando consagrados em regras, os direitos fundamentais possuem uma aparência
de serem absolutos, tendo em vista que a regra já é o resultado de uma ponderação de princípios, motivo
pelo qual, nestes casos, os direitos fundamentais são definitivos.
1.4. Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais
1.4.1. Noções introdutórias

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Os direitos fundamentais foram consagrados nas Constituições para proteger o indivíduo em face
do Estado. Por se tratar a relação entre o Estado e o indivíduo de uma relação hierarquizada, a aplicação
dos direitos fundamentais é considerada vertical.
Eficácia vertical, portanto, é a aplicação dos direito fundamentais às relações en-
tre o Estado e o particular.
A partir da década de 1950, um autor alemão chamado Nipperdey (Juiz do Tribunal Federal do
Trabalho) passou a defender a tese da aplicação de direitos fundamentais em relações envolvendo par-
ticulares.
O raciocínio do autor se deu uma vez que a opressão e a violência contra os indivíduos não vinham
apenas por parte do Estado; muitas vezes, ocorria nas relações entre particulares, sobretudo com o pós
Revolução Industrial, quando começaram a surgir as grandes corporações, algumas delas maiores do
que vários Estados. A aplicação dos direitos fundamentais às relações particulares – relações de coor-
denação, de suposta igualdade jurídica – é denominada de eficácia horizontal.
Recentemente, começou a se falar em eficácia diagonal dos direitos fundamentais. Cor-
responde à aplicação dos direitos fundamentais àquelas relações em que há um desequilíbrio fático-
jurídico entre os particulares envolvidos. Embora entre particulares, há um desnível entre as partes
envolvidas; não há subordinação, mas também inexiste plena liberdade de manifestação da vontade.
Isso é apenas uma visão superficial do tema, sobre o qual há quatro principais teorias, que serão
estudadas no tópico a seguir.
1.4.2. Teorias relacionadas à eficácia horizontal dos direitos funda-
mentais

1.46.1.6. Teoria da ineficácia horizontal


Para a teoria da ineficácia horizontal, os direitos fundamentais não se aplicam às relações entre
particulares.
É a teoria adotada nos EUA. Com exceção à 13ª Emenda, que acabou com a escravidão, nenhum
outro dispositivo da constituição norte-americana, segundo a doutrina e jurisprudência americanas,
aplica-se ao particular. A constituição americana é a primeira do mundo e ainda está em vigor. Naquela
época, não se falava em eficácia horizontal.
Todavia, mesmo não admitindo expressamente, os norte-americanos desenvolveram uma dou-
trina, que cria um artifício para permitir a aplicação da eficácia horizontal em alguns casos: a state
action.

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A finalidade da doutrina é tentar afastar (contornar) a impossibilidade de aplicação dos direitos
fundamentais às relações entre particulares definindo, ainda que de forma casuística e assistemática,
em quais situações essa aplicação da eficácia horizontal seria possível134.
O pressuposto de que parte é que somente pode haver violação a direito fundamental por meio de
uma ação estatal. Todavia, o artifício que ela utiliza é a equiparação de alguns atos privados aos atos
estatais. Determinadas situações do particular acabariam por colocar um particular em situação de su-
perioridade em relação ao outro, o que acarretaria a equiparação ao Estado. Por isso state action: a
“ação estatal”.
Ex.: Caso Company Town - empresa que se assemelhava a uma cidade, na qual os funcionários
viviam em suas dependências, em determinado momento passou a proibir cultos religiosos (Testemu-
nhas de Jeová), ainda que fora do horário de trabalho. Levado o caso à Suprema Corte Norte-Ameri-
cana, decidiu-se que, embora se trate de uma empresa privada, sua medida restritiva pode ser equipa-
rada à atuação estatal. Comparativamente, não poderia o poder público de uma cidade impedir a pre-
gação religiosa. Se não pode o Estado proibir, essa empresa equiparada ao Estado também não poderá
fazê-lo. Temos aqui um exemplo da aplicação da doutrina da state action, que para tentar burlar a
impossibilidade de aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares, em determinadas
circunstâncias, equipara atos privados a atos estatais.
1.46.1.7. Teoria da eficácia horizontal indireta
Na Alemanha, prevalece hoje a teoria da eficácia horizontal indireta, de Dürig, e não mais a teoria
da eficácia horizontal direta. Segundo ela, para que os direitos fundamentais sejam aplicados às relações
entre particulares é necessária a intermediação do legislador.
Esta teoria defende que o direito fundamental pode ser aplicado à relação entre particulares, mas
o juiz não pode buscar a disciplina diretamente na constituição, feita para a proteção do indivíduo,
sendo necessária a intermediação do legislador, das leis de direito privado. Ou seja, deve haver a inter-
mediação entre o direito fundamental e o direito privado que disciplina o caso concreto.
Isso por conta do princípio de direito privado da autonomia da vontade, considerado um princípio
basilar. Para que a vontade autônoma seja respeitada, é necessária a existência da lei, regulamentando
de que maneira os direitos fundamentais ingressariam na relação entre particulares.
Assim, para essa teoria, os direitos fundamentais não ingressam nas relações entre particulares
como direitos subjetivos. O direito privado serve como uma espécie de ponto de infiltração dos direitos
fundamentais, pois a aplicação direta causaria uma desfiguração do direito privado e aniquilaria a au-
tonomia da vontade. A teoria quer evitar a transformação do direito privado em direito público.

134
Daniel Sarmento entende que a finalidade da doutrina seria não aplicar a eficácia horizontal. Virgílio
Afonso da Silva, diversamente, entende que a finalidade seria justamente tentar contornar a proibição. Para o
autor, eles não criariam uma doutrina para negar a aplicação (uma coisa óbvia).

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Para Virgílio, essa é a teoria adotada pela maioria dos países que estudam o tema com seriedade.
1.46.1.8. Teoria da eficácia horizontal direta (Drittwirkung)
Apesar de criada por um alemão, a teoria da eficácia horizontal direta não é adotada na Alemanha.
Adotam a teoria Portugal, Espanha, Itália e o Brasil.
Segundo seus defensores, não seriam necessárias artimanhas ou a intervenção do legislador para
a aplicação direta dos direitos fundamentais entre particulares, ainda que ela não ocorra na mesma
intensidade. Isso por conta da existência da autonomia da vontade, que tem de ser levada em conside-
ração, ponderada.
Ex.: o principio da isonomia tem uma aplicação diferente nas relações entre estado e particular e
entre particular e particular. O particular pode pagar mais caro para privilegiar um amigo. Todavia, o
dono de uma casa noturna não pode estabelecer critério discriminatório para a entrada no local, por se
tratar de um local público.
Acerca do tema, recomenda-se a leitura do RE 161.243/DF. A Air France tinha dois estatutos para
os empregados, com regimes diferentes para os franceses e os de outra nacionalidade. O STF entendeu
que o princípio da isonomia teria de ser aplicado a essa situação. A relação trabalhista não é uma relação
de igualdade: existe a necessidade de uma maior proteção, por conta da subordinação no plano fático.
Outro exemplo é o caso julgado no RE 158.215/RS. Alguns associados de determinada associação
deram uma entrevista desafiando os diretores, que os expulsaram. No estatuto, havia a previsão de am-
pla defesa. A questão não chegou ao STF por conta da violação do estatuto, mas da violação da ampla
defesa como garantia do indivíduo, aplicável no âmbito das associações. Hoje, no Código Civil, há pre-
visão de observância da ampla defesa no âmbito das associações.
Obs.: Críticas à aplicação direta dos direitos fundamentais (eficácia horizontal direta)
i) Desfiguração do direito privado: a aplicação da Constituição, norma de Direito Pú-
blico, a ambas as hipóteses operaria uma supressão da distinção entre Direito Público e
Direito Privado. O que caracteriza o Direito Privado é possibilidade das partes deliberarem
como bem entenderem, motivo pelo qual a incidência das normas constitucionais desfi-
guraria a relação privada.
ii) Ameaça à autonomia privada: os particulares não poderiam deliberar como bem en-
tendessem.
iii) Incompatibilidade com os princípios democrático, da separação dos poderes
e da segurança jurídica: ao aplicar os direitos fundamentais às relações privadas de
forma direta, o juiz estaria invadindo uma esfera de competência reservada ao Poder Le-
gislativo (= incompatibilidade com o princípio democrático). Em outras palavras, o juiz
poderia sobrepor sua vontade a vontade do legislador, o que lhe traria uma margem de
atuação muito grande (= prejuízo à segurança jurídica).
1.46.1.9. Teoria integradora (Alexy)

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A teoria integra as duas anteriores, da seguinte forma: o ideal é que exista a intermediação legis-
lativa. No entanto, na ausência de mediação do legislador, os direitos fundamentais poderiam ser apli-
cados diretamente, sob pena de prejudicar determinadas pessoas.
Para Novelino, a teoria mais adequada à realidade do Brasil é a da eficácia horizontal direta, sob
pena de violação constante de diretos fundamentais de pessoas hipossuficientes, em virtude da ausência
sistemática de regulamentação de determinados direitos.

1.5. Dimensões/perspectivas (subjetiva e objetiva dos direitos fun-


damentais)135
Reconhecer uma dupla dimensão aos direitos fundamentais é considerar que eles se apresentam
como direitos subjetivos individuais, essenciais à proteção da pessoa humana, bem como expressão de
valores objetivos de atuação e compreensão do ordenamento jurídico.
1.5.1. Dimensão subjetiva
É a dimensão clássica, tendo seu correspondente filosófico-teórico na teoria liberal dos direitos
fundamentais, a qual os vislumbra como forma de proteção do indivíduo contra a intervenção estatal
em seus direitos e liberdades.
Essa perspectiva tem foco principal no sujeito, no titular do direito. Desta forma, os
direitos fundamentais geram direitos subjetivos aos seus titulares, permitindo que estes exijam com-
portamentos, negativos ou positivos, dos destinatários.
De acordo com a formulação de Vieira de Andrade, o reconhecimento de um direito subjetivo está
ligado: “à proteção de uma determinada esfera de auto-regulamentação ou se um espaço de decisão
individual: tal como é associado a certo poder de exigir ou pretender comportamentos ou de produzir
autonomamente efeitos jurídicos”.
Não obstante a perspectiva subjetiva ser a de maior realce dos direitos fundamentais, eles não
devem ser apurados apenas sob a ótica dos direitos conferidos a seus titulares. Assim, ela convive com
a dimensão objetiva, com a qual mantém uma relação de complementaridade recíproca.
1.5.2. Dimensão objetiva
Os direitos fundamentais estão ligados a interesses essenciais da sociedade, necessários a uma
salutar convivência e para a proteção da dignidade da pessoa humana. As normas de direitos funda-
mentais funcionam como LIMITES ao poder estatal, bem como uma DIRETRIZ para a sua atuação.
Os direitos fundamentais, consagrados nas constituições democráticas, renderiam um esclareci-
mento, apontando quais são os bens jurídicos mais importantes para a sociedade. Assim, indicam os
valores básicos em torno dos quais todo o sistema jurídico esta construído.

135 Tema já cobrado no MP/RS, MP/PR e na segunda fase DPEES.


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A dimensão objetiva também dá ensejo a uma EFICÁCIA DIRIGENTE, criando para o Estado
o dever de permanente concretizar e realizar o conteúdo dos direitos materiais. O Estado existe para
realizar o bem comum. Se os bens mais importantes para a sociedade estão consagrados nos direitos
fundamentais, então eles indicam os valores que o Estado deve atuar para sempre proteger e incremen-
tar.
1.46.1.10. Aplicações da dimensão objetiva
i) Atuam como normas de competência negativa:
Aquilo que está sendo outorgado ao indivíduo em termos de liberdade para a ação e em termos
de livre-arbítrio, em sua esfera, está sendo objetivamente retirado do Estado.
Ex.: A CRFB/88 assegura a liberdade de associação. Não pode o Estado intervir no exercício dessa
liberdade, salvo nas hipóteses constitucionalmente previstas. Logo, ao atribuir ao indivíduo a liberdade,
no mesmo ato retira do Estado a competência para a correspondente intervenção.
ii) Atuam como pautas interpretativas e critérios para a configuração do direito
infraconstitucional:
Impõem que a legislação infraconstitucional seja interpretada à luz dos direitos fundamentais
(“interpretação conforme”). Ou seja, a legislação deve passar pelo filtro constitucional para que seja
extraído o melhor significado daqueles dispositivos136.
iii) Impõem o dever de proteção e promoção de posições jurídicas fundamentais
contra possíveis violações por terceiros, tornando-se verdadeiros manda-
mentos normativos direcionados ao Estado.
Ex. Direito à vida: ainda que se entenda que o feto ou embrião não são titulares desse direito,
ainda assim, pode se falar no direito à vida em sua dimensão objetiva. Ou seja, o Estado tem o dever de
proteger a vida do feto e do embrião. O direito à vida não pode ser visto apenas sob a dimensão do titular
do direito, pois não é apenas subjetivo. Trata-se de bem relevante para a sociedade, um dos mais im-
portantes, motivo pela qual deve ser protegido.
Em alguns casos, os direitos fundamentais impõem ao Estado um dever de proteção e de promo-
ção, independentemente da existência de um direito subjetivo envolvido. Assim, a dimensão objetiva
dos direitos fundamentais complementa a dimensão subjetiva - sem a dimensão objetiva os direitos
fundamentais subjetivos não seriam adequadamente protegidos137.

136 STF - RE 778.889/PE: “1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange
tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias. Interpre-
tação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre fi-
lhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do
interesse superior do menor.
137 ADI 3.510/DF (voto Min. Lewandowski): “[...] penso que a discussão travada nestes autos não deve li-
mitar-se a saber se os embriões merecem ou não ser tratados de forma condigna, ou se possuem ou não direitos
194

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1.6. As gerações (ou dimensões) dos direitos fundamentais 138


A classificação dos direitos fundamentais em gerações (ou dimensões) foi criada por um autor
tcheco-francês chamado Karel Wasak, em 1979. Norberto Bobbio inseriu-a em seu livro, tendo-a tor-
nado mundialmente conhecida.
Os autores hoje preferem utilizar a expressão “dimensões” ao invés de “gerações”, na medida em
que geração transmite uma ideia de exclusão, enquanto que “dimensão” pressupõe a convivência da
posterior com a anterior.
No Brasil, a classificação mais conhecida e cobrada, inclusive para fins de concursos, é a de Paulo
Bonavides. O autor fala na existência de cinco gerações, sendo as três primeiras correspondentes à de
Karel Wasak:
1ª geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais: direitos ligados à liberdade:
Como visto, as constituições liberais (americana e francesa) preocupavam-se precipuamente com
o valor liberdade. Por isso o nome “Revoluções Liberais”. Os direitos fundamentais de primeira geração
são chamados até hoje de “Direitos Civis e Políticos”. Têm um caráter negativo, pois impõem principal-
mente uma abstenção do Estado. São direitos basicamente individuais, oponíveis ao Estado pelo indi-
víduo, fruto da luta burguesa contra o arbítrio estatal. Nessa época, não se falava em invocar os direitos
fundamentais contra um particular. Tinham eficácia somente vertical. Hoje se fala na eficácia horizontal
dos direitos humanos, tema que será oportunamente estudado.
2ª geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais: direitos ligados à igualdade

subjetivos na fase pré-implantacional, ou, ainda, se são ou não dotados de vida antes de sua introdução em um
útero humano. (...) Creio que o debate deve centrar-se no direito à vida entrevisto como um bem co-
letivo, pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como um todo, sobretudo tendo em
conta os riscos potenciais que decorrem da manipulação do código genético humano.”.

138
As gerações (ou dimensões) dos direitos fundamentais já foram tratadas por ocasião do estudo da evo-
lução do constitucionalismo. Somente serão relembradas neste tópico.

195

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3ª geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais: direitos ligados à fraternidade e à solidari-
edade139:
Paulo Bonavides apresenta rol exemplificativo de direitos de terceira dimensão: direito ao desen-
volvimento (ou progresso), autodeterminação dos povos, direito ao meio ambiente, direito de proprie-
dade sobre o patrimônio comum da humanidade etc. São direitos transindividuais, alguns difusos, ou-
tros coletivos.
4ª geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais: dos direitos ligados à democracia, à infor-
mação e ao pluralismo (“DIP”)140.
5ª geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais: direito à paz.
Como estudado, até a edição de 2007/2008, Bonavides classificava a paz como direito fundamen-
tal de 3ª dimensão. A partir de então, ele mudou o entendimento e passou a classificá-la como de 5ª
dimensão, notadamente com o objetivo de dar à paz maior visibilidade, em decorrência da importância
desse direito.
1.7. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais
1.7.1. Fundamento da dignidade da pessoa humana
A dignidade é um direito? É um direito fundamental? É o ordenamento jurídico que confere dig-
nidade às pessoas?
Existem várias teorias sobre o fundamento da dignidade. Kant sustentava que seria a autonomia
do indivíduo. Novelino considera problemático fundamentar a dignidade na razão, pois isso poderia
levar à exclusão de determinadas classes de pessoas (feto, senil etc.)
Novelino também acha errado fundamentar a dignidade na vida, pois isso coloca a vida em situ-
ação de superioridade em relação à dignidade. O direito à vida realmente antecede ou está acima dos
demais (inclusive a dignidade)? Veja que a própria CR admite a pena de morte, mas não admite pena
cruel ou a tortura.
A dignidade não é vista pela maioria da doutrina como um direito. Ela é, na verdade, uma quali-
dade intrínseca do ser humano. A dignidade não tem fundamento, ela é o fundamento. Todos os direitos
fundamentais decorrem, direta ou indiretamente, da dignidade. Ela é o núcleo dos direitos fundamen-
tais. Os direitos fundamentais formam um sistema justamente porque a dignidade confere a eles esse
caráter sistêmico.

139 Segundo classificação de Jellinek, os direitos de 1ª geração são chamados de “Direitos de Defesa”, os
direitos sociais, econômicos e culturais são chamados de “Direitos Prestacionais” e os direitos políticos são cha-
mados de “Direitos de Participação“.

140 Há quem considere que os direitos tecnológicos, como o biodireito, seriam de quarta geração.

196

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Derivam da dignidade a liberdade, a igualdade (todos devem ser tratados com igual respeito e
consideração por terem dignidade), os direitos da personalidade e a integridade (tanto a física quanto
a mental). Qualquer violação a esses direitos acaba se refletindo numa violação à dignidade da pessoa
humana.
No art. 5º da CR há um extenso rol de direitos que densificam e concretizam a dignidade da pessoa
humana. Dificilmente haverá no Brasil uma violação à dignidade que não seja a violação de algum dis-
positivo concretizador. Ou seja, no direito brasileiro a função da dignidade será a de reforço argu-
mentativo: quando se quer dar ênfase à violação de um direito, cita-se o direito e a dignidade.
Nos países em que a Constituição não especifica os direitos de forma pormenorizada, a dignidade
servirá como fonte de formulação de regras (o Judiciário extrai as regras da dignidade para julgar
o caso concreto).
Grande parte da doutrina brasileira e da europeia considera a dignidade da pessoa humana o valor
supremo da Constituição, e, como tal, também de todo o ordenamento jurídico. Isso não significa que
ela será a norma suprema, mas o valor constitucional supremo. Considerar a dignidade a norma su-
prema é violar o princípio da unidade da Constituição.
A dignidade nem sempre preponderará quando em cotejo com outras normas da Constituição.
Dizer que a dignidade é o valor supremo significa que, em eventual cotejo com outros valores, ela terá
um valor maior, de modo que para afastá-la deverá haver vários valores suficientemente importantes
que o justifiquem e que necessitem ser preservados.
1.7.2. Consagração da dignidade no ordenamento jurídico brasileiro
Além dos direitos fundamentais, a dignidade é também o fundamento da República Federativa
do Brasil (art. 1º, III, da CR):
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana;
A dignidade é uma das normas que servem de estrutura da República Federativa do Brasil. Fun-
damento é o alicerce. Não é algo externo, mas a própria fundação do Estado brasileiro. Isso significa
que o Estado existe para o indivíduo, e não o indivíduo para o Estado. Ou seja, o Estado é meio e o
indivíduo o fim último.
Se não é um direito, mas uma qualidade intrínseca do ser humano, para que consagrá-la no orde-
namento jurídico brasileiro? Porque a partir do momento em que reconhecida e protegida pelo ordena-
mento, ela passa a ser considerada um valor jurídico, e não somente um valor moral.
1.7.3. Deveres decorrentes da consagração da dignidade enquanto va-
lor jurídico

197

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Dessa consagração no ordenamento decorrem algumas consequências jurídicas (ou deveres141):
i) dever de respeito à dignidade do ser humano, não somente por parte do Estado, mas de outros
particulares;
ii) dever de proteção da dignidade;
iii) dever de promoção de condições de vida digna.
Tanto o dever de proteção quanto o de promoção da dignidade são dirigidos, principalmente, ao
Estado.
1.7.4. Direitos decorrentes da consagração da dignidade enquanto va-
lor jurídico
A partir desses deveres, podem ser extraídas normas jurídicas (não se deve confundir dispositivo
com norma: dispositivo é o texto, norma é o que se extrai dele):
1.46.1.11. Proibição de tratamentos desumanos ou degradantes
O dever de respeito à dignidade do outro se exterioriza através da regra (e não princípio) prevista
no art. 5º, III da CR:
Art. 5º (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
A regra foi formulada na Alemanha, a partir da obra de Kant (“Fundamentação da Metafísica dos
Costumes”), que falava da “fórmula do objeto”: a dignidade é o que diferencia o ser humano das demais
coisas da natureza. Segundo o autor, “as coisas têm preço, o ser humano tem dignidade”. A dignidade
impõe que o ser humano seja tratado sempre como um fim em si mesmo, e não como um instrumento
(meio) para o atingimento de determinados fins.
É muito difícil definir dignidade, pois ela está ligada ao ser humano, que tem uma multiplicidade
de dimensões (todas baseadas na própria dignidade). Incluir todas essas dimensões seria praticamente
impossível, razão pela qual é mais fácil identificar o que seria um desrespeito à dignidade do que con-
ceituá-la.
O Tribunal Federal Constitucional Alemão matizou um pouco essa fórmula do objeto em virtude
da experiência ocorrida durante o nazismo, acrescentando a ela a regra da “expressão do desprezo” em
algumas decisões. Nem todo o tratamento do ser humano como meio viola a dignidade, mas somente
aqueles decorrentes de desprezo do ser humano, tratando-o como inferior.
Assim, a violação da dignidade seria a “fórmula do objeto” acrescida da “expressão do desprezo”.
Essa tese foi utilizada no caso de arremesso de anões, que se popularizou na França: as pessoas estavam
sendo tratadas como meio, como objeto, e a atividade foi considerada um desprezo ao ser humano, à
condição de anão (ridicularizados e desprezados por essa condição).

141
Tema baseado na obra de Ingo Sarlet, acerca da dignidade da pessoa humana.

198

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Os próprios anões, entretanto, se opuseram à proibição. Surgiu então a dúvida acerca de quem
seria competente para definir a violação à dignidade. Novelino sempre achou que a pessoa seria a com-
petente para avaliar a violação, sob pena de prejuízo à autonomia individual. Refletindo melhor, pon-
derou que a estigmatização oriunda do tratamento de anões acabaria por se refletir na esfera dos de-
mais. Mas a questão é bastante difícil e controversa.
Os deveres de proteção e promoção da dignidade se exteriorizam através de um princípio, e não
uma regra, na medida em que se trata de um mandamento de otimização (proteção e promoção na
maior medida possível).
1.46.1.12. Previsão de direitos individuais

O dever de proteção relaciona-se aos direitos individuais consagrados no art. 5º da CR.


1.46.1.13. Previsão de direitos sociais

O dever de promoção de condições dignas de sobrevivência relaciona-se aos direitos sociais, na


medida em que tal promoção ocorre através deles. Como não é possível a promoção de todos aqueles
direitos, em virtude da escassez orçamentária, a doutrina criou a teoria do mínimo existencial: trata-se
do conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna.
1.7.5. Dignidade enquanto metanorma
Além de atuar como princípio e regra de primeiro grau, a dignidade pode ser usada também como
metanorma. A metanorma é a norma de segundo grau, que serve para interpretar e aplicar outra norma
(a de primeiro grau).
Como visto, alguns autores chamam as metanormas de postulados normativos interpretativos.
Luiz Roberto Barroso as chama de princípios instrumentais. Assim, a dignidade pode ser usada como
norma de interpretação de outros dispositivos.
Interpretando-se o art. 5º, caput, literalmente, chegar-se-ia à conclusão de que o estrangeiro não
residente no Brasil não poderia invocar os direitos ali previstos (posição de José Afonso da Silva, em
obra de 1997). Se precisasse de proteção de direito fundamental, teria de recorrer aos tratados interna-
cionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
Esse entendimento, entretanto, não prevalece na doutrina e na jurisprudência do STF, que admite
HC impetrado por estrangeiro não residente no Brasil.
O raciocínio que se faz para essa interpretação extensiva do dispositivo é o de que os direitos in-
dividuais decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana. Se a dignidade é um atributo que todo
ser humano possui, independentemente de qualquer condição, não se pode excluir de determinadas
pessoas a possibilidade de invocarem esses direitos individuais, sob pena de violação à própria digni-
dade dessas pessoas.

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1.8. Conteúdo essencial142
A noção de conteúdo essencial surge no direito constitucional europeu a partir de sua introdução
como garantia dos direitos fundamentais na Lei Fundamental de Bonn de 1949.
1.8.1. Definição
A definição do conteúdo essencial do direito fundamental tem por finalidade evitar que a regula-
ção legal do exercício descaracterize, esvazie ou altere o direito fundamental que a Constituição consa-
gra.
A garantia do conteúdo essencial vincula todos os Poderes Públicos, mas o principal vinculado é
o Legislador.
1.8.2. Teorias acerca do conteúdo essencial dos direitos fundamentais
Há duas teorias acerca do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, a absoluta e a relativa.
1.46.1.14. Teoria absoluta
De acordo com a teoria absoluta, o direito fundamental tem duas partes: uma é o chamado “núcleo
duro”, intangível, no qual o legislador não pode entrar, sob pena de descaracterização. Outra é a parte
periférica, que não é intocável, podendo o legislador dela tratar, dentro de determinados parâmetros e
observando determinados princípios, como a proporcionalidade e a razoabilidade.
Esta teoria é chamada de absoluta porque o conteúdo essencial do direito é definido abstrata-
mente. Ex.: determinam-se as hipóteses de inviolabilidade do direito à liberdade. A dificuldade é definir
até que ponto seria possível estabelecer tal conteúdo. Por isso, é muito difícil encontrar autores adeptos
dessa teoria.
1.46.1.15. Teoria relativa
De acordo com a teoria relativa, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais variará de acordo
com cada caso concreto, ou seja, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes.
Deve-se analisar o caso concreto, as normas envolvidas, as circunstâncias fáticas para saber o
conteúdo essencial. Não há entre o núcleo duro e a parte periférica um limite intransponível, mas um
limite fraco: o conteúdo essencial de um direito poderá ser atingido ou justificado mediante o recurso à
regra da proporcionalidade143.

142
Acerca do conteúdo essencial, ver a obra de Virgílio Afonso da Silva: “Direitos fundamentais: conteúdo
essencial, restrições e eficácia”, Ed. Malheiros. Curioso observar que o principal crítico da obra de José Afonso da
Silva é o próprio filho, que busca derrubar a classificação do pai, já ultrapassada.

143
A proporcionalidade é regra, segundo a teoria de Alexy.

200

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No caso da teoria relativa, o importante é verificar se a restrição ao conteúdo essencial é uma
restrição proporcional, ou seja, se ela passa pelo crivo daquelas três regras que a compõem: adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Toda restrição a princípio serve para a promoção de outro. Na proporcionalidade em sentido es-
trito verifica-se se uma restrição justifica a outra.
Na teoria relativa, portanto, não há um limite intransponível entre o núcleo duro e a parte perifé-
rica, desde que a transposição seja justificável para a proteção de outros princípios consagrados na
Constituição.
Em outras palavras, para a teoria relativa não há como definir a priori os limites ao legislador, a
análise será feita pelo caso concreto, sendo necessário que a medida passe pelo crivo da proporcionali-
dade para verificar se viola ou não o núcleo essencial do direito. Desse modo, se a medida não for ne-
cessária, adequada ou proporcional em sentido estrito ela terá violado o núcleo essencial do
dirieto.
A única teoria compatível com a teoria dos princípios de Alexy é a relativa.
1.8.3. Teorias relativas à restrição dos direitos fundamentais
Diretamente ligado ao conteúdo essencial dos direitos fundamentais está o estudo das teorias re-
lacionadas à restrição dos direitos fundamentais. Há basicamente duas, a interna e a externa.
1.46.1.16. Teoria interna
De acordo com a teoria interna, o direito fundamental e seus limites imanentes formam um só
objeto. Definem-se os direitos imanentes de um direito a partir da análise desse próprio direito, e não
de outros que a Constituição consagra.
Ex.: o direito à informação não abrange informações inverídicas, não inclui o direito a dar infor-
mações sem interesse público ou obtidas de forma ilícita. Excluem-se a priori, abstratamente, determi-
nadas condutas. O conteúdo desse direito funciona como uma regra: a partir da interpretação, o direito
já é definido, não entrando em colisão com outro, como a privacidade. Para a teoria interna, não é ne-
cessária a ponderação.
Assim, o que vai definir os limites de um direito fundamental, ou seja, qual o seu âmbito de pro-
teção, o tipo de bem jurídico por ele protegido, é a interpretação do dispositivo constitucional e não
outras normas de direito fundamental.
Como visto, para essa teoria, todo direito fundamental, a partir do momento que ele tem seus limi-
tes definidos, passa a ter a estrutura de uma regra. Ou seja, a partir do momento em que todo o direito
fundamental tem os seus contornos precisamente definidos através da interpretação, não há colisão
entre eles, sendo dispensável a realização de ponderação
A teoria tem alguns problemas sérios. Primeiro, como definir a priori e abstratamente, de forma
precisa, o conteúdo de todos os direitos do ordenamento? Há determinadas situações localizadas em

201

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uma zona cinzenta (ex.: a liberdade de manifestação de pensamento abrange o discurso do ódio?). Os
autores que a utilizam se valem de exemplos absurdos.
Além disso, não há um critério claro para as definições, variando de acordo com a posição pessoal
do teórico. Não é uma teoria muito transparente, democrática.
1.46.1.17. Teoria externa

Segundo a teoria externa, a definição dos limites de um direito ocorre a partir de outros direitos
consagrados na Constituição.
Para ela, há dois direitos diferentes: um direito prima facie e um direito definitivo. O direito
prima facie seria um mandamento de otimização (princípio: uma norma que deve ser cumprida na
maior medida possível144). Outros direitos estabelecerão limite ao direito prima facie, e aí então se há
o direito definitivo.
Ex.: a liberdade de manifestação do pensamento seria um direito prima facie, limitado por outra
regra que proíbe o racismo. Daí decorre que não é possível fazer um discurso racista. O STF, no HC
82.424, tratou desse tema. Marco Aurélio e Gilmar Mendes utilizaram a teoria externa, mas chegaram
a resultados opostos. Na ponderação, o julgador tem de justificar, explicando os argumentos pelos quais
entende que um direito prevalece sobre o outro. Na teoria interna, adotada por Maurício Corrêa, exclui-
se a priori do âmbito da liberdade de proteção de manifestação do pensamento a prática do racismo.
Assim, para a teoria externa para saber o que está e o que não está definitivamente protegido pelo
direito, é necessário uma análise em duas etapas:

1ª etapa) identificação do conteúdo inicialmente protegido (direito prima facie =


princípio): o âmbito de proteção do direito deve ser identificado da maneira mais ampla possível,
englobando tudo que for possível. No caso da liberdade de expressão, deve ser incluída toda e qual-
quer forma de manifestação do pensamento, tais como, ofender a honra de alguém ou mesmo insul-
tar uma pessoa em razão da sua cor ou da sua orientação sexual. Diz-se prima facie porque não é um
direito definitivo, mas provisório; um direito que possui a estrutura de um princípio, não a estrutura
de uma regra como na teoria interna.

2ª etapa) definição dos limites externos (direito definitivo = regra).


A definição dos limites externos (conteúdo definitivamente protegido) é realizada a partir de ou-
tros direitos que a CRFB/88 também consagra. Pondera-se o princípio que consagra o direito funda-
mental com o princípio por ele atingido.

1.8.4. Restrição aos direitos fundamentais segundo as teorias interna


e externa

144
Teoria de Robert Alexy.

202

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Restrição é uma permissão para a intervenção no direito.
Segundo a teoria interna, o direito fundamental somente pode ser restringido se houver autoriza-
ção expressa da Constituição (ex.: ela tem de dizer: “na forma da lei”, “nos termos da lei” etc.) Ou seja,
a lei só pode exigir requisitos para o exercício de determinado direito se a Constituição permitir expres-
samente tal restrição. E esses requisitos da lei têm de observar a proporcionalidade e a razoabilidade.
Para os que adotam a teoria interna, existe uma diferença entre restrição e regulação. Como visto,
José Afonso da Silva divide as normas constitucionais em normas de eficácia plena, contida e limitada.
A norma de eficácia plena admite regulação, mas não restrição do direito. Isso porque se parte da pre-
missa de que a lei está apenas exteriorizando, revelando, e não criando os contornos do direito. Na
prática, entretanto, é muito difícil distinguir restrição e regulação, pois regular implica necessariamente
restringir.
Já para a teoria externa, há o direito prima facie, que abrange qualquer forma de manifestação
daquele direito (todas as condutas, sem exceção), mas para saber se existe o direito definitivo deve-se
fazer uma análise a partir dos outros direitos envolvidos, através de uma ponderação (por isso se trata
de teoria externa). Para a teoria externa, não existe diferença entre restrição e regulação. Toda regulação
implica restrição.
A classificação das normas constitucionais feita por José Afonso da Silva só é compatível com as
teorias absoluta e interna. Já a de Alexy só é compatível com as teorias relativa e externa.
1.8.3. Postulado da proporcionalidade145
Trata-se de um dos instrumentos metódicos mais importantes do Direito Constitucional contem-
porâneo. Cada vez mais, o modelo de aplicação do postulado da proporcionalidade do Direito alemão
vem sendo empregado pelo STF e cobrado nos concursos públicos.
Tradicionalmente, a proporcionalidade é rotulada de “princípio”. No entanto, a rigor, não se trata
de um princípio, pois ela não é ponderada frente a outros princípios. Na forma como vem sendo utili-
zada na jurisprudência do STF e no Direito brasileiro, a proporcionalidade é uma condição de possibi-
lidade de raciocínio com princípios, uma estrutura formal de pensamento para a análise da constituci-
onalidade de uma medida restritiva.
A proporcionalidade é denominada postulado por alguns, como Humberto Ávila. Por outros,
como Robert Alexy, é chamada de máxima. Postulado e máxima têm o mesmo significado: uma estru-
tura formal de raciocínio. Vale lembrar que a proporcionalidade não é uma norma, mas sim uma meta-
norma, isto é, uma norma que trata da aplicação de outras normas (os princípios).

145 Em complemento ao visto no item 3.9 do tema “Hermenêutica Constitucional”,


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Outra divergência terminológica é em relação aos termos proporcionalidade e razoabilidade. Nas
antigas decisões do STF, os dois termos eram utilizados como sinônimos146.
No entanto, há uma parte da doutrina que diferencia razoabilidade de proporcionalidade, sendo
que o postulado da proporcionalidade - utilizado na Alemanha, por exemplo -, costuma ser dividido em
três máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Já a razoabili-
dade é o termo utilizado nos países da common law, para avaliar se determinado ato é arbitrário147.
1.8.3.1. Máximas parciais
Na Alemanha, por exemplo, a máxima da proporcionalidade é amplamente utilizada, tanto no
tribunal constitucional quanto na doutrina. Os doutrinadores contrários à ponderação, adotam a má-
xima da proporcionalidade apenas nas duas primeiras perspectivas - adequação e necessidade.
Para Alexy, as máximas parciais tem estrutura de regras. Não é possível sopesar a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, mas sim analisar se uma determinada medida
estatal (ex.: lei) passa pelo crivo da proporcionalidade. Nesse sentido, pode-se dizer que ou a lei atende
a esses critérios e é proporcional, ou ela não atende a tais critérios e não é proporcional.
1.8.3.1.1. Adequação;
Trata-se de relação entre meio e fim, ou seja, as medidas adotadas devem ser aptas para fomentar
os objetivos almejados.
Ex.: Na Alemanha havia uma lei que obrigava os praticantes de falcoaria a ter porte de arma.
Questionada a constitucionalidade, foi concluído que a lei era desproporcional, pois a medida adotada
não era apta a fomentar o fim almejado, qual seja, a organização da caça (quem caça utilizando falcão
não utiliza armas de fogo).
Nas hipóteses em que há dificuldade de prognóstico quanto à adequação da medida a ser adotada,
aplica-se a chamada margem de ação epistêmica, que consiste no reconhecimento da competência le-
gislativa para avaliação de variáveis empíricas. Assim, havendo dúvidas razoáveis sobre a aptidão do
meio legal para se atingir um determinado resultado, o Poder Judiciário deve ser deferente em relação
às escolhas feitas pelo Legislador, porquanto este fora eleito democraticamente para fazer escolhas em
nome do povo. Assim, o Judiciário somente intervirá quando claramente o meio não for apto a atingir
o fim almejado.
Quando se fala em adequação, é necessário avaliar tanto o objetivo quanto o meio. Ambos devem
ser legítimos148.
Ultrapassado o crivo da adequação, o ato deve ser analisado à luz da necessidade ou exigibilidade.

146 Luís Roberto Barroso, por exemplo, assume a proporcionalidade e a razoabilidade como institutos sinô-
nimos.
147 -Sobre o tema, ver artigos de Gilmar Mendes, Virgílio Afonso da Silva (Revista dos Tribunais 798 (2002):
“O proporcional e o razoável”), Humberto Ávila e artigo de dois autores alemães.
148 Meio legítimo: o meio empregado deve ser precisamente designado e juridicamente avaliado.
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1.8.3.1.2. Necessidade (exigibilidade ou princípio da menor ingerência possível);
A necessidade prevê que havendo dois ou mais meios similarmente eficazes, deve-se optar pelo
menos oneroso possível, assim não basta que o meio seja apto para atingir o fim adequado, mas também
é necessário verificar se há outro meio similarmente eficaz, mas que afete menos o direito fundamental
do que o imposto.
De se notar que à necessidade também se aplica a margem de ação epistêmica, somente cabendo
ao Judiciário intervir quando constatada flagrante ausência de necessidade da medida adotada para se
alcançar o objetivo. Se houver dúvidas fundadas, a escolha legislativa deve ser entendida como legítima
e a medida constitucional.
1.8.3.1.3. Proporcionalidade em sentido estrito. (Ponderação de princípios)
A utilização do princípio da proporcionalidade pressupõe a existência de uma lei ou de algum tipo
de medida restritiva de um direito fundamental a ser submetida ao seu crivo. Para que a restrição seja
proporcional, além de adequada e necessária, é imprescindível que fomente ou promova um outro di-
reito fundamental. Somente é possível restringir um direito fundamental para promover um outro di-
reito que a Constituição também consagre, de modo que para ser proporcional em sentido estrito, o
meio deve trazer mais vantagens do que desvantagens.
Trata-se da aplicação da Lei material do sopesamento (Robert Alexy), que determina que
“quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a
importância da satisfação do outro”
Segundo Alexy, a restrição ao direito fundamental pode ocorrer em grau leve, médio ou sério. O
mesmo ocorre com a promoção do direito fundamental.
Deve-se analisar se o grau de não satisfação ou de afetação de determinado princípio é justificado
pelo grau de satisfação do outro. Se o direito fundamental é restringido de forma leve pela medida, para
que haja uma promoção em grau sério de um outro direito fundamental, significa que a medida é legí-
tima.
Diversamente, se um direito é afetado de maneira séria para promover de forma leve um outro
direito fundamental, a medida não passa no crivo da proporcionalidade, porque a satisfação do direito
fomentado não é suficientemente forte para justificar a restrição no outro direito fundamental.
Havendo empate entre o grau de afetação e de promoção dos direitos em pauta, incide o princípio
do legislador democraticamente eleito (princípio democrático).
Isto é, quando houver dúvidas fundadas sobre a proporcionalidade da medida, deve o tribunal
adotar uma postura de deferência em relação à escolha feita pelo legislador, deixando que ele dê a última
palavra.
Uma das críticas mais contundentes feitas à ponderação diz respeito à subjetividade da análise.
Há ainda direitos que não podem ser colocados na mesma balança, como por exemplo o direito à vida
e o direito à propriedade.
1.8.3.2. Proibição da proteção deficiente
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Como visto, a máxima da proporcionalidade se relaciona com a proibição do excesso, ou seja, a
proporcionalidade tem o viés de impedir a adoção de medidas excessivamente gravosas pelo ente estatal
com a intenção de proteger um direito fundamental.
Assim, deve o Estado adotar medidas que causem a menor ingerência possível no âmbito de pro-
teção do direito fundamental. Geralmente relacionada aos direitos de defesa (negativos), relacionados
às liberdades ou à propriedade, no objetivo de evitar ingerência estatal indevida, excessivamente gra-
vosa.
De outro lado, a proibição de proteção deficiente trata-se de uma outra face do princípio da pro-
porcionalidade, que exige dos órgãos estatais o dever de tutelar de forma adequada e suficiente deter-
minados direitos fundamentais consagrados na constituição.
Assim, pode-se dizer que enquanto a proibição do excesso tem por finalidade evitar intervenções
no âmbito dos direitos fundamentais além do necessário, a "proibição de proteção deficiente visa a im-
pedir que medidas constitucionalmente exigidas para a proteção e promoção dos direitos fundamentais
fiquem aquém do necessário.
Em resumo, a proibição de proteção insuficiente impõe aos poderes públicos, portanto, a obriga-
ção de medidas adequadas e suficientes para garantir a proteção e promoção dos direitos fundamentais,
sobretudo, daqueles que dependem de prestações materiais.
1.9. Limites dos limites
O legislador, através de uma lei, pode limitar um direito fundamental. Às vezes a própria Consti-
tuição o autoriza. Paradoxalmente, todavia, os direitos fundamentais surgiram exatamente para prote-
ger o indivíduo do Estado (inclusive do legislador).
Assim, ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais surgiram como limites para o legislador
(e todos os demais Poderes), o legislador poderá limitar esses mesmos direitos. Se o legislador não tiver
nenhum parâmetro para o estabelecimento desses limites, ele pode esvaziar os direitos.
Daí a criação da teoria dos limites dos limites. Trata-se dos limites que o legislador deve observar
ao limitar os direitos fundamentais. A expressão “limites dos limites” é de Betterman (1964).
São eles:
i) princípio da legalidade (art. 5º, II, CR):
Art. 5º (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei;
A restrição ao direito fundamental tem de ser estabelecida por lei (lei em sentido amplo, abran-
gendo Medida Provisória, Decreto Legislativo etc., a depender do direito). O que não é possível é um
ato infralegal restringir direito fundamental (Resolução, Portaria, Instrução Normativa etc.)
ii) princípio da não retroatividade (art. 5º, XXXVI, CR):
Art. 5º (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;

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A lei não pode retroagir para limitar um direito fundamental. Não pode violar direito adquirido,
ato jurídico perfeito e coisa julgada.
iii) princípio da proporcionalidade:
A lei limitadora deve passar pelas três sub-regras criadas por Alexy. Uma limitação que não atenda
o princípio da proporcionalidade não pode ser admitida.
iv) princípio da generalidade e da abstração:
Uma restrição a um direito fundamental tem de ser geral e abstrata, como decorrência do princí-
pio da isonomia. Não pode haver restrição para alguns, mas a todos que se encontrem na mesma situa-
ção.
v) princípio da salvaguarda do conteúdo essencial
Segundo o princípio, os limites estabelecidos por uma lei têm de observar a garantia do conteúdo
essencial, conforme as teorias vistas acima.
1.10. Destinatários dos direitos e garantias individuais
É certo que o caput do art. 5° da CF/88 somente referência, de modo expresso, os brasileiros -
natos ou naturalizados - e os estrangeiros residentes no país enquanto titulares dos direitos fundamen-
tais.
Dessa forma, numa interpretação literal desse dispositivo, os destinatários dos direitos e garantias
individuais são apenas os brasileiros - pessoas físicas natas ou naturalizadas e pessoas jurídi-
cas - e os estrangeiros residentes no País.
Essa interpretação literal é adotada, por exemplo, pelo Professor José Afonso da Silva, para o qual
os estrangeiros não residentes não podem invocar as garantias constantes do artigo 5º da CRFB/88.
Devem recorrer aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos para que recebam pro-
teção da ordem internacional. No entanto, essa interpretação literal não prevalece na doutrina nem na
jurisprudência do STF.
O simples fato de alguém ser estrangeiro ou não residir no Brasil não pode servir de justificativa
para que seja privado de direitos e garantias, em especial, daqueles diretamente ligados à dignidade da
pessoa humana.
Assim, no Brasil, assim como em outros países que possuem dispositivo constitucional seme-
lhante - como Espanha e Portugal -, é realizada uma interpretação ampla, de modo a estender a estran-
geiros não residentes a proteção de determinados direitos e garantias individuais, por força do princípio
da dignidade da pessoa humana.
Se a dignidade é atributo que todo ser humano possui independentemente de sua origem, local
de nascimento ou residência; e se os direitos fundamentais, em especial os individuais, existem para
proteger e promover a dignidade; logo, não se pode negar esses direitos ao indivíduo apenas por ser
estrangeiro e não residir no Brasil. A proteção extensiva refere-se unicamente aos direitos e garantias

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individuais, não se aplicando aos direitos sociais - não universais - ou políticos - destinados
apenas aos nacionais.
Atualmente, Pessoas jurídicas, tanto de direito privado quanto de direito público, podem invocar
determinados direitos e garantias individuais. É claro que isso não se refere a todos os direitos funda-
mentais, como os direitos de locomoção p. ex., mas apenas aos que forem pertinentes.
No caso das pessoas jurídicas de direito público, como os Estados-membros, podem ser invocados
direitos de caráter procedimental/instrumental – exemplo: contraditório, ampla defesa, devido pro-
cesso legal. Embora os direitos fundamentais tenham sido criados para proteger o indivíduo em face do
arbítrio estatal, em um Estrado Democrático de Direito eles servem como instrumentos de contenção
contra qualquer tipo de arbítrio.
2. Dos direitos individuais em espécie
Serão estudados neste tópico os direitos não tratados por outras matérias. Garantia e direito não
se confundem. Garantia é o instrumento que serve para proteger o direito, como o princípio da legali-
dade, o devido processo legal e as ações constitucionais.
Os 78 incisos do art. 5º protegem um dos cinco valores previstos no caput do dispositivo: vida,
liberdade, igualdade, propriedade e segurança (jurídica).
2.1. Direito à vida
2.1.1. Acepções do direito à vida
O direito à vida possui dupla acepção. Abrange tanto o direito de permanecer vivo, consubstanci-
ado na proteção contra a retirada da vida pelo Estado ou por terceiro (acepção negativa), quanto o di-
reito a uma vida humana digna (acepção positiva).
O direito à vida tem necessariamente de ser interpretado conjugado com a dignidade da pessoa
humana (arts. 1º, III e 170 da CR):
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (...)
Conforme visto acima, em se tratando de promoção de condições dignas de existência, é necessá-
rio lembrar que o direito à vida não é apenas um direito a sobreviver, a permanecer vivo, mas também
a ter uma vida com dignidade (acepção positiva). E, para isso, é necessário que determinadas con-
dições materiais mínimas sejam ofertadas aos indivíduos, trata-se do respeito ao mínimo existencial.
Alguns autores, como Ricardo Lobo Torres, defendem não ser possível definir quais direitos com-
poriam o chamado mínimo existencial, dado que isso variaria conforme o país, a sociedade e a época.
Em contrapartida, outros autores, como Ana Paula de Barcellos, sustentam que definir o conteúdo do

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mínimo existencial não só é possível como desejável, pois, do contrário, o instituto do mínimo existen-
cial ficaria muito vago e impreciso. Segundo a mesma autora, seriam parte do mínimo existencial: o
direito à educação básica, o direito a saúde em algumas situações, o direito de acesso à justiça enquanto
instrumento de tutela dos direitos materiais da pessoa humana e a assistência aos desamparados.
Obs.: em se tratando de garantia do mínimo existencial, o Estado não pode invocar limitações
orçamentárias para se eximir de sua obrigação. Ou seja, a Teoria da Reserva do Possível seria inaplicável
nestas situações.
1.46.1.18. Dimensões do direito à vida
Conforme visto na teoria geral, o direito à vida, assim como todos os demais direitos fundamentais
também possui duas dimensões à ser analisada.
i) A dimensão subjetiva consiste na análise do direito fundamental sob a perspectiva do
indivíduo, titular do direito.
ii) Na dimensão objetiva, os direitos fundamentais são vistos sob a perspectiva da comu-
nidade, como uma ordem objetiva de valores, que independentemente de assegurar di-
reitos subjetivos ao indivíduo, deve receber a proteção do Estado.
2.1.2. Inviolabilidade do direito à vida

1.46.1.19. Inviolabilidade e irrenunciabilidade


O art. 5º, caput, da CR fala em inviolabilidade do direito à vida. Como se sabe, uma das caracte-
rísticas dos direitos fundamentais é a irrenunciabilidade. O que diferencia a irrenunciabilidade da invi-
olabilidade do direito à vida? A vedação da renúncia a um direito fundamental é a proteção contra o
próprio titular do direito. A inviolabilidade protege o direito à vida contra terceiros.
1.46.1.20. Testemunhas de Jeová

Várias questões relacionadas à irrenunciabilidade do direito à vida são polêmicas e controversas,


não havendo posição firmada na doutrina e jurisprudência. Exemplos: eutanásia e ortotanásia. Existe
o direito a uma morte digna ou a pedir para outro abreviar a própria vida?
Um desses aspectos polêmicos diz respeito à recusa das Testemunhas de Jeová a receber transfu-
são de sangue. O que ocorre quando não há tratamento alternativo? A pessoa pode recusar-se ao trata-
mento, sabendo que vai morrer? É pacifico que o pai ou o responsável não pode renunciar a direito
alheio. Todavia, o sujeito capaz e consciente que se recusar a receber a transfusão pode ser compelido a
fazê-lo?
O TJRS decidiu que o direito à vida precede os demais, de modo que seria pressuposto para o
exercício deles. Novelino acha questionável o entendimento de que direito à vida teria precedência, na
medida em que a própria CR nega peremptoriamente a possibilidade de haver penas cruéis e tortura,

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mas não proíbe a pena de morte em caso de guerra (art. 5º, XLVII149) ou de legítima de defesa. Para
muitas pessoas, a vida não é o mais importante, dependendo da concepção de mundo e de vida de cada
um.
No caso das testemunhas de Jeová, as pessoas andam com declaração escrita recusando-se a, em
caso de emergência, receber sangue. Nesse caso, Novelino acha que a transfusão deve ocorrer, pois a
declaração não foi feita nas circunstâncias reais do caso concreto. De todo modo, o médico não deve ser
punido em nenhuma hipótese.
O Conselho da Justiça Federal criou um enunciado a respeito do tema e adotou uma diretriz que
considerada adequada:
Enunciado nº 403/CJF: “O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, pre-
visto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico,
inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele,
desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo re-
presentante ou assistente; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que
diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.”

2.1.3. Restrições ao direito à vida


Restrições são intervenções legítimas no âmbito de proteção do direito, isto é, ingerências
que apresentam uma justificativa constitucional adequada. Se ilegítima a intervenção, por não pos-
suir uma justificativa constitucional, denomina-se violação.
Nenhum direito fundamental é absoluto, porque todos os direitos encontram limites em outros
direitos ou em interesses coletivos consagrados na própria CRFB/88. O direito à vida, embora seja um
dos mais relevantes para a nossa sociedade, também não o é.
1.46.1.21. Pena de morte em caso de guerra declarada
É a única restrição expressa no texto constitucional
CF, art. 5º, XLVII –“não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
É disciplinado pelo Código Penal Militar (art. 56), sendo executada por fuzilamento150.
1.46.1.22. Aborto

Como visto, o direito à vida não é absoluto. Assim com a CR admite a pena de morte, o art. 128 do
Código Penal prevê hipóteses em que o aborto é permitido:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; [aborto necessário ou terapeutico]

149
Art. 5º (...) XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.
84, XIX;

150 Dec.-Lei n. 1.001/69, art. 56: “A pena de morte é executada por fuzilamento
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II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou,
quando incapaz, de seu representante legal. [Aborto no caso de gravidez resultante de estupro151]
Quanto ao aborto necessário, não há maiores questionamentos. Todavia, alguns autores susten-
tam que o aborto sentimental não teria sido recepcionado pela CR, na medida em que a dignidade da
pessoa humana do feto seria um direito absoluto e, portanto, a mãe não poderia abortar para preservar
direitos seus.
Mas a mãe não tem dignidade? Seria razoável o Estado obrigá-la a ter o filho e dele cuidar para o
resto da vida? Pode-se exigir isso da mulher? Trata-se de uma questão moral, na qual o direito não se
pode imiscuir.
Segundo Novelino, quando a gravidez é resultante de estupro. O legislador ordinário fez uma pon-
deração entre a vida do feto, de um lado, e a liberdade sexual da mãe juntamente com a sua dignidade,
de outro. Obrigar a mulher a gerar uma criança, fruto de um ato tão violento e perverso como o estupro,
e a conviver com aquela lembrança diariamente, pelo resto da sua existência, poderia ser uma espécie
de tortura psicológica, violadora da dignidade daquela pessoa. A mulher pode optar por gerar a criança,
mas não pode o Estado impor essa obrigação.
2.1.3.1.1. Interrupção da gravidez de feto com anencefalia
Anencefalia consiste na malformação do tubo neural, a caracterizar-se pela ausência parcial do
encéfalo e do crânio, resultante de defeito no fechamento do tubo neural durante o desenvolvimento
embrionário.
O CFM, mediante a Resolução 1.752/2004, considera os anencéfalos natimortos cerebrais. Desse
modo, segundo o Min. Marco Aurélio, os fetos anencéfalos jamais se tornariam pessoa. Assim, não se
trata de vida em potencial, porém, seguramente, de morte.
Para o STF, é inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo seria conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, I e II, do CP. A interrupção da gravidez de
feto anencéfalo é atípica. Não se exige autorização judicial para que o médico realize a interrupção de
gravidez de feto anencefálico. Assim, médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem inter-
romper a gravidez não cometem crime de aborto. Esta conduta é considerada atípica (atipicidade for-
mal).
2.1.3.1.2. Pesquisa com células tronco embrionárias
O STF adotou o entendimento de que essas pesquisas podem ser realizadas porque elas promo-
vem outros direitos consagrados no texto constitucional, como o direito à saúde152.

151 ABORTO SENTIMENTAL – é o abordo decorrente de estupro. Há uma ponderação entre direito à vida
do feto e a dignidade da pessoa humana da mãe, além de sua liberdade sexual. Seria uma espécie de tortura psi-
cológica obrigar a mulher, que sofreu o ato violento, a gerar uma criança contra a sua vontade.
152 ADI 3.510/DF: “A Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do corpo feminino esse ou
aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não
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2.1.3.1.3. Descriminalização do aborto
Outra questão delicada diz respeito à descriminalização do aborto em outras hipóteses que não
essas.
Em 2014 governo Lula reuniu uma Comissão para discutir a questão, a qual elaborou um ante-
projeto, que foi apresentado, prevendo a descriminalização do aborto nos três primeiros meses de ges-
tação. A Comissão de Constituição e Justiça, contudo, deu parecer no sentido da inconstitucionalidade,
tendo o anteprojeto sido arquivado. Para Novelino, a interpretação dada pela CCJ é muito restrita e não
deve prevalecer.
I) argumentos contrários à legalização do aborto
i) o direito à vida se inicia a partir da concepção:
Qualquer medida que não criminalize o aborto a partir desse momento seria insuficiente para
proteger o direito de forma adequada. A tese é baseada no princípio da proibição de proteção deficiente,
já estudado. Um ato pode ser desproporcional não somente quando é muito gravoso, mas também
quando a proteção é insuficiente para salvaguardar o direito.
Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal decidiu diversamente. Existe uma grande dis-
cussão acerca do momento do início da vida. Nunca existirá um consenso: concepção, nidação, forma-
ção do sistema nervoso central etc. Uma Juíza do TCA entendeu que da mesma forma que não cabe ao
direito definir quando se inicia a vida, não cabe a outras ciências dizer como e quando essa decisão deve
ser dada. Para o TCA, a vida começa com a formação do sistema nervoso central (a partir do 14º dia da
concepção), o que não significa que a partir desse momento o aborto tenha de ser criminalizado, po-
dendo ser adotadas medidas protetivas da vida do feto.
ii) a legalização do aborto poderia aumentar expressivamente o número de casos:
Existe um receio (justificável) no sentido de que legalizar o aborto poderia fazer dele uma espécie
de método contraceptivo. Esse argumento, entretanto, não tem base empírica em pesquisas realizadas
nos países em que o aborto foi permitido (não houve, nesses países, aumento significativo de casos).
II) Argumentos favoráveis à legalização do aborto:
i) proteção aos direitos fundamentais da gestante: a autonomia reprodutiva e a liberdade de es-
colha:
A dignidade da pessoa humana tem como um de seus fundamentos a liberdade de escolha. E a
mulher tem o direito de decidir se quer ou não interromper a gestação.
ii) direito à privacidade:
A Suprema Corte dos EUA, no leading case Roe vs. Wade (1973), entendeu que o direito à priva-
cidade da mulher é amplo o suficiente para que ela possa escolher se deve ou não interromper a gesta-

se cuida de interromper gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A ‘controvérsia constitucional em
exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto.’ (Ministro Celso de Mello).
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ção. Nenhum estado, segundo a decisão, pode criminalizar o aborto nos três primeiros meses de gesta-
ção. A partir do 3º mês, o estado pode tomar medidas protetivas. Na medida em que a gestação avança,
maior é a formação do indivíduo e maior deve ser a proteção.
ii) argumento de saúde pública:
Temporão, então Ministro da Saúde, defendeu esse argumento e foi massacrado pela opinião pú-
blica, tendo o diálogo se calado. O argumento que se utiliza é que criminalizar o aborto não impede que
ele ocorra. Na França, esse foi o argumento utilizado para permitir o aborto.
Estima-se que em 2007 tenham sido realizados no Brasil 1 milhão de abortos clandestinos, a par-
tir do número de atendimentos realizados pelo SUS de complicações decorrentes do aborto.
Para o argumento de saúde pública, a criminalização do aborto leva à clandestinidade, o que viola
a isonomia, na medida em que a gestante rica faz aborto em clínicas especializadas, enquanto que a
pobre aborta através de procedimentos arcaicos.

2.1.3.1.3.1. Descriminalização no primeiro trimestre de gestação

Último caso diria respeito, ainda, ao aborto de feto no 1º trimestre de gestação, que poderá ser
descriminalizado nos moldes da decisão da 1ª Turma do STF no HC 124.306/RJ, ainda pendente de
consenso no STF, cuja ementa expõe, sobretudo, a posição do Min. Luís Roberto Barroso153.
A questão está sendo analisada no julgamento da ADPF 442, proposta pelo PSOL, conforme visto
acima.
Obs.: Nos Estados Unidos, alguns governadores criaram leis criminalizando o aborto no primeiro
trimestre de gestação, inclusive no caso de estupro, com o intuito de que a questão chegue novamente
a Suprema Corte e ela, tendo atualmente maioria conservadora, reveja a decisão.
2.2. Direito à igualdade (princípio da isonomia)
No art. 5º, caput e inciso I, a CR trata da “igualdade” por três vezes:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (...)

153 STF – HC 124.306/RJ (1ª Turma): “[...] 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme
a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do
seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização,
nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade [...]
7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a inter-
rupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino
Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.”.
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Note que, em pequeno espaço, há várias consagrações do princípio da isonomia. Existem várias
posições divergentes na doutrina acerca do que ele seria. Também não há consenso sobre o que seria a
própria isonomia.

2.2.1. Evolução histórica


I) ANTIGO REGIME
No antigo regime, antes das revoluções liberais, os indivíduos não eram concebidos como iguais
pelo simples fato de serem humanos. A igualdade se dava pelo pertencimento a determinados grupos.
II) REVOLUÇÕES LIBERAIS
Consagraram a igualdade formal, extirpou privilégios de origem estamental e afirmou a igualdade
de todos perante a lei.
Exigência de tratamento isonômico a todos os seres de uma mesma categoria essencial. Exige que
todas aquelas pessoas que se encontrem em uma mesma situação devem receber o mesmo tipo de tra-
tamento. Não exige, porém, que todas as pessoas recebam o mesmo tratamento.
Não havia preocupação com o conteúdo da igualdade, apenas a forma de trata-
mento deveria ser isonômica, não importava se justa ou injusta. Por isso, tratava os senho-
res e os escravos de forma diferente, já que pertenciam a categorias distintas.
III) ESTADO SOCIAL
Com as revoluções industriais, houve uma nova configuração do princípio da isonomia. Com a
consagração dos direitos sociais nas constituições, começou a haver uma preocupação com o conteúdo
justo desse tratamento. Surge então a ideia de igualdade material, com o advento do Estado Social.
Nesse período, constatou-se que o mero dever de tratamento formal ocasionava diferenciações
arbitrarias e injustas. Com isso, passou-se a dotar a igualdade na sua concepção material, a qual defen-
dia um conteúdo justo e a redução das desigualdades existentes.
Tanto na igualdade formal quanto na igualdade material, a espinha dorsal é a ideia de justiça de
Aristóteles. Pessoas que estão em situações distintas devem ser tratadas de forma distinta. A diferença
é que na igualdade material existe uma preocupação com o conteúdo justo do tratamento.
Além da preocupação com conteúdo justo, há também uma preocupação com a redução das desi-
gualdades existentes.
2.2.2. Igualdade formal e igualdade material
Ao dizer que ”todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, a CR consagra
a igualdade em seu aspecto formal, que também é conhecido como igualdade civil, jurídica ou perante
a lei.
Para Novelino, igualdade formal é a exigência de tratamento isonômico a todos os seres que se
encontrem em uma mesma categoria essencial. Ex.: há vários tipos de trabalhadores: iniciativa privada,

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avulsos, servidores públicos. Cada um numa categoria essencial. O fato de um servidor ser tratado di-
ferentemente dos demais não viola a isonomia.
Segundo o critério proposto por Aristóteles, justiça é tratar os iguais de forma igual e os desiguais
de forma desigual, na proporção de suas desigualdades.
Para muitos, o primeiro trecho seria igualdade formal e o segundo igualdade material. Para José
Afonso da Silva, todo critério de justiça de Aristóteles está ligado à igualdade formal e justificou o tra-
tamento historicamente dado a determinadas pessoas ou grupos, como os escravos. Novelino adota uma
terceira posição: o tratamento desigual dado aos desiguais pode estar relacionado tanto à igualdade
formal quanto à material154.
O IR tem diferentes alíquotas, que variam de acordo com a renda do contribuinte. Para Novelino,
não se trata de igualdade material, mas formal: pessoas diferentes sendo tratadas de maneiras diferen-
tes. Não haveria, nessa hipótese, um direcionamento da norma no sentido de reduzir as desigualdades.
Dworkin, tratando acerca do tema, diz que “uma democracia constitucional exige o tratamento de
todos com igual respeito e consideração”. Essa ideia, nos EUA, costuma ser tratada como igualdade,
isonomia, pois lá eles não têm a dignidade da pessoa humana consagrada na CR. Habermas, por exem-
plo, trata da dignidade nesse sentido.
Se a igualdade exige um tratamento das pessoas com igual respeito e consideração, esse respeito
e essa consideração devem ser no sentido de respeitar as diferenças entre as pessoas, para que cada uma
possa viver segundo suas concepções de vida. Esse tratamento com igual respeito e consideração está,
portanto, intimamente ligado ao direito às diferenças.
No seguinte trecho de Boaventura de Souza Santos, essa ligação entre diferença e isonomia fica
muito clara: “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser
diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.
Uma diferença em razão de situação econômica não faz parte da identidade cultural de ninguém.
Entretanto, entre indígenas e as demais pessoas existem diferenças que devem ser respeitadas, justa-
mente por ser um aspecto ligado às especificidades culturais, e não em razão de desigualdade econô-
mica, física etc. Essa frase de Boaventura tem muita relação com a divergência de valores próprias da
sociedade pluralista preconizada hoje.
Isso não significa que pessoas não possam ser diferenciadas. O que a CR determina é que o critério
discriminador esteja a serviço de um fim constitucionalmente protegido. Ou seja, para se diferenciar
pessoas ou situações, deve-se ter como base outro fundamento legítimo, consagrador de um fim pre-
visto na CR.

154
Em concurso, a questão deveria aparecer em provas subjetivas. Entretanto, o critério de José Afonso da
Silva já foi exigido em prova objetiva.

215

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Ex.: a CR, em seu art. 7º, XXX, refere-se aos trabalhadores urbanos e rurais, mas o STF entende
que a norma é extensível aos servidores públicos. O dispositivo é uma concretização do princípio da
isonomia:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: (...)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
É possível o estabelecimento de critério de admissão em concursos públicos com base em altura,
idade (Súmula 683 do STF155), sexo etc., quando justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser
preenchido. Não se pode colocar em um cargo público uma pessoa que não tenha condições de exercê-
lo, em atenção a vários princípios, como o da eficiência do serviço público. Ex.: concurso público para
agentes fiscalizadores de entrada em presídios públicos masculinos pode ser aberto somente para ho-
mens sem ferir o princípio da isonomia.
Para José Afonso da Silva, não é o critério em si que definirá a inconstitucionalidade, mas a exis-
tência ou não de um fim constitucionalmente legítimo. O autor dá o exemplo de concurso só para negros
feito por uma universidade pública para a pesquisa acerca do desempenho esportivo de determinadas
etnias em relação a outras.
O STF exige, como requisitos para que esses critérios de discriminação possam ser considerados
legítimos156, os seguintes: i) razoabilidade da exigência, decorrente das atribuições do cargo a ser pre-
enchido; e ii) existência de previsão legal. Ou seja, o edital somente poderá estabelecer esses limites se
pautado por uma previsão na lei que regulamenta o cargo. E tais limites devem ser razoáveis.
Ao lado da igualdade formal, há a igualdade material (igualdade real, fática ou substancial), que
tem por finalidade a igualização dos desiguais, por meio da concessão de vantagens substanciais. A
igualdade material é real: sua finalidade não é conferir tratamento isonômico, mas diferenciado, para
reduzir as desigualdades existentes entre as pessoas.
A criação de um sistema de cotas trata desigualmente pessoas em situações iguais (concorrendo
a uma mesma prova, por exemplo). Há um conflito entre igualdade formal e material. Para que essa
diferença de tratamento seja legítima, deve haver um fim constitucionalmente legítimo.
A igualdade de fato exige uma desigualdade jurídica (Luis Prieto Sanchis). A igualdade material
pode ser extraída da CR através da conjugação de alguns dispositivos:
i) arts. 6º e seguintes: direitos sociais, que visam a igualização dos desiguais;

155
Súmula 683 - O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º,
XXX, da constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

156 STF - RE 417.019 AgR: “Concurso público: além da necessidade de lei formal prevendo-o como requi-
sito para o ingresso no serviço público, o exame psicotécnico depende de um grau mínimo de objetividade e
de publicidade dos atos em que se desdobra: precedentes.”.
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ii) art. 3º, III157 (redução das desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamen-
tais da República): exemplo são as medidas favorecedoras da Zona Franca de Manaus.
Assim, é possível notar que há um paradoxo da igualdade: quem deseja fomentar a igualdade
fática tem que estar disposto a aceitar uma desigualdade jurídica, isto é, uma desigualdade no trata-
mento.
Não há como reduzir as desigualdades fáticas sem um tratamento jurídico diferenciado, voltado a
redução das desigualdades existentes no plano concreto.

2.2.3. Âmbito de proteção e intervenção


A igualdade não tem um âmbito de proteção material específico, tal como acontece com o direito
à vida, à liberdade e à propriedade. Enquanto a maioria dos direitos fundamentais tem um bem jurídico
que pretendem tutelar, o direito à igualdade não tutela nenhum bem jurídico. Isso acontece porque a
igualdade é um conceito relacional, isto é, um conceito que necessita ser analisado sempre comparati-
vamente. É preciso analisar a igualdade do ponto de vista das pessoas e situações envolvidas a fim de
se verificar se houve ou não violação.
Nesse sentido, a intervenção se dá quando há tratamento igual a situações essencialmente desi-
guais ou desigual a situações essencialmente iguais. Isso, porém, não significa que a intervenção seja,
necessariamente, ilegítima (= violação), podendo ser apenas uma restrição.
i) Legítima: quando houver uma justificação constitucional adequada, a intervenção será le-
gítima.
ii) Ilegítima: quando os critérios utilizados para a intervenção forem arbitrários, preconcei-
tuosos, discriminatórios, dentre outros semelhantes, a intervenção será ilegítima, confi-
gurando-se a violação.
A proibição de arbítrio funciona como um parâmetro para o exame da intervenção do ponto de
vista da igualdade.
Se o tratamento desigual para situações essencialmente iguais, ou vice-versa for decorrente de
critérios arbitrários, discriminatórios, ou preconceituosos, haverá uma violação ao princípio da igual-
dade.
Ex. cargos públicos devem ser acessíveis à maior parte das pessoas, pois são públicos. Mas
também se faz necessário que o serviço público seja prestado de forma eficiente. Se um determinado
tipo de compleição física ou de deficiência impede que o exercício da função possa ocorrer dentro do
mínimo esperado, restrições podem ser impostas para o exercício daquele cargo.

157
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III - erradicar a po-
breza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

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2.2.4. Ações afirmativas e o sistema de cotas
Um dos temas mais polêmicos relacionados à igualdade material é o que envolve as chamadas
“ações afirmativas”, também conhecidas como “discriminações positivas” (discriminações feitas para
reduzir desigualdades existentes, e não para aumentá-las).
As ações afirmativas consistem em políticas públicas ou programas privados, com
caráter temporário (enquanto durar a situação de desigualdade), desenvolvidos com a
finalidade de reduzir as desigualdades (fática ou material) decorrentes de discrimina-
ções ou de uma hipossuficiência física ou econômica, por meio de concessão de algum
tipo de vantagem compensatória de tais condições.
As ações afirmativas são, em regra temporárias, pois o objetivo é que o tratamento diferenciado
seja concedido apenas enquanto perdurarem as diferenças no plano fático. Superadas as diferenças,
não mais se justifica a diferença de tratamento.
Se são definitivas é porque visam assegurar as diferenças e não colocar fim a elas.
Tanto é assim que Boaventura de Sousa Santos afirma: “temos o direito de ser iguais quando a diferença
nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”
No caso dos índios, por exemplo, a manutenção e preservação de ações afirmativas em seu favor
tem como objetivo respeitar a cultura do povo indígena, mantendo esse tipo de distinção.
A ação afirmativa é uma medida em que as pessoas em situação de inferioridade recebem certas
vantagens, para que elas possam se aproximar das pessoas que possuem já aquelas vantagens.
Muita gente diz que elas teriam surgido através das políticas do Presidente Kennedy, na década
de 1960, mas na verdade elas surgiram na Constituição da Índia de 1947.
O sistema de cotas é apenas uma das formas de ações afirmativas (e a mais questionada e polê-
mica). Há outras, como a concessão de bolsas de estudo, de benefícios fiscais para quem contrata defi-
cientes, a criação de cursinhos pré-vestibulares para carentes etc.
O STF158 analisa a constitucionalidade do sistema de cotas em algumas ações. Algumas universi-
dades já estão estudando medidas alternativas a ele, como um bônus, um percentual a mais acrescen-
tado à nota do aluno, para buscar a redução das desigualdades.

158 ADPF 186 (Cotas – UNB) [...] V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em
consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadê-
mica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Es-
tado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. [...] [...] VII – No entanto, as políticas de ação afir-
mativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condi-
cionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrá-
rio, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social,
mas em detrimento da coletividade como um todo e STF – ADC 41/DF: “[...] a desequiparação promovida pela
218

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1.46.1.23. Argumentos contrários ao sistema de cotas

Argumentos contrários ao sistema de cotas em geral:


i) o sistema de cotas fere o mérito, um critério republicano:
A expressão “segundo a capacidade de cada um”, prevista no art. 208, V, da CR seria a consagra-
ção do mérito no ordenamento jurídico brasileiro:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capa-
cidade de cada um;
Novelino observa que esse argumento é forte quando há pessoas que têm as mesmas condições
de partida. O problema é quando há pessoas em situações completamente diferentes. Não há compara-
ção do mérito, em virtude da diferença de meios.
ii) o sistema de cotas viola o princípio da isonomia, criando uma discriminação reversa:
Esse argumento está diretamente ligado ao conflito entre igualdade material e formal. Estar-se-
ia discriminando pessoas que estão na mesma situação. A questão é analisar a existência de um fim
constitucionalmente legítimo. Não se deve falar em violação à isonomia, mas em diferentes pesos da
igualdade (às vezes ela pesa para a formal, às vezes para a material).
iii) o sistema de cotas é uma medida imediatista e inapropriada para resolver o problema de forma
definitiva:
Para Novelino, trata-se de um argumento bastante consistente. É inegável que as ações afirmati-
vas não são as melhores medidas para resolver o problema da educação. O ideal seria uma boa educação.
Contudo, não vivemos hoje em um mundo ideal. Enquanto as medidas mais apropriadas não são toma-
das, ou enquanto elas não surtem efeito, o que fazer com as pessoas que não têm acesso?
Argumentos especificamente contrários ao sistema de cotas para negros:
i) o sistema de cotas para negros fomenta o ódio e o racismo:
Esse argumento foi muito utilizado nos EUA pelos que ajuizaram ações contra as cotas para ne-
gros nas universidades de medicina. Os que não entraram pelo sistema de cotas passariam a odiar os
negros que entraram pelas cotas. Além disso, seria criada uma noção de que os negros não teriam con-
dições de entrar normalmente.
ii) o sistema de cotas favoreceria os negros de classe econômica alta;
iii) impossibilidade de se estabelecer um critério objetivo:
O que é uma pessoa negra? No Brasil, prevalece a autodeclaração. Outros critérios utilizados fo-
ram desastrosos. Nos EUA, o critério foi a existência de ao menos um ascendente negro.

política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na ne-
cessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a
igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promo-
ção do reconhecimento da população afrodescendente. [...]”.
219

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1.46.1.24. Argumentos favoráveis ao sistema de cotas

i) justiça compensatória:
O sistema de cotas busca compensar uma injustiça ou uma falha ocorrida no passado. Ou seja, ele
busca conferir justiça no presente a uma injustiça cometida no passado. Foi o argumento utilizado no
Brasil para a criação do sistema de cotas para negros.
Os negros foram colocados em liberdade, mas não lhes foi ensinado nenhum ofício ou ocupação.
Novelino considera o argumento problemático, pois ele representaria forçar a geração atual a pagar pelo
erro da geração passada.
Exemplo de argumento de justiça compensatória: Paulo Paim apresentou anteprojeto prevendo
indenização de R$ 102.000,00 para cada cidadão que tivesse ascendência negra. Algo absurdo e inviá-
vel.
ii) justiça distributiva:
O sistema de cotas consiste na promoção de oportunidades para aqueles que não conseguem se
fazer representar de forma igualitária. Para Novelino, é um argumento mais sólido. Proporcionam-se
vantagens a alguns, que não as poderiam obter de outra maneira, para buscar reduzir desigualdades
(ex.: sistema de cotas para escolas públicas, para deficientes etc.)
iii) meio de promoção da diversidade:
Este foi o argumento base para declarar a constitucionalidade do sistema de cotas da Universi-
dade de Michigan. Segundo se entendeu, o sistema de cotas seria constitucional desde que servisse para
promover a diversidade. Ou seja, é constitucional a partir do momento em que contribui para uma so-
ciedade mais diversificada, aberta, tolerante, miscigenada e multicultural.
O sistema de cotas não é um sistema que beneficia apenas as pessoas que através dele ingressam,
mas a sociedade como um todo, permitindo que os demais que participam do grupo possam ter uma
experiência enriquecedora, enxergando o outro como próximo. Segundo essa ideia, ele torna as pessoas
mais tolerantes, na medida em que os preconceitos decorrem da distância entre os grupos diferentes.
O argumento está muito relacionado à ideia da inserção das crianças com deficiência em escolas
de crianças sem deficiência, experiência que proporciona um aprendizado recíproco e, como conse-
quência, a redução de desigualdades.
2.2.5. Destinatários dos direitos e garantias fundamentais159
Serão estudados neste tópico aqueles que podem invocar os direitos previstos no art. 5º (dentre
os quais a isonomia).

159
Apesar de inserido na análise do princípio da isonomia, o tema tratado neste tópico é aplicável a todos
os direitos e garantias fundamentais.

220

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No art. 5º, caput, a CR faz menção aos “brasileiros e estrangeiros residentes no país”. Uma in-
terpretação literal do dispositivo excluiria os estrangeiros não residentes no país. Todavia, como visto
anteriormente, toda pessoa que esteja no território nacional pode invocar os direitos do art. 5º.
Uma pessoa jurídica pode invocar não somente os direitos instrumentais do art. 5º (ex.: mandado
de segurança), como os materiais (ex.: reparação de danos morais). Não há qualquer divergência a esse
respeito.
Questão mais delicada diz respeito à invocação de direitos fundamentais por uma pessoa jurídica
de direito público (ex.: União, uma autarquia). A questão é polêmica, pois os direitos fundamentais
surgiram para a proteção do indivíduo em face do Estado. Poderia o Estado buscar proteção contra ele
próprio? O STF adota o entendimento segundo o qual pessoa jurídica de direito público pode invocar
garantias individuais de natureza instrumental (ex.: contraditório, ampla defesa e outras processuais),
e não as de natureza material (ex.: liberdade, igualdade).
2.2.6. Destinatários dos deveres correspondentes aos direitos e garan-
tias fundamentais160
Serão estudados neste tópico aqueles a quem os direitos previstos no art. 5o são oponíveis.
Alguns autores fazem distinção que dificulta a compreensão do tema, baseada no direito europeu,
entre igualdade perante a lei e igualdade na lei.
i) Perante a lei é a igualdade dirigida aos Poderes que aplicam a lei (Judiciário e Executivo).
Seria uma igualdade na aplicação da lei (ou seja, uma aplicação isonômica da lei para to-
dos).
ii) Igualdade na lei abrangeria não somente a aplicação (Judiciário e Executivo) como a cri-
ação da lei (Legislativo).
A igualdade deve ser observada tanto na aplicação da lei quanto na elaboração da lei pelo legisla-
dor. Trata-se do sentido moderno, no qual todos os Poderes Públicos encontram-se vinculados pelo
texto constitucional.
É destinado precipuamente ao legislador, a quem seria vedado usar-se da lei para realizar trata-
mentos discriminatórios entre pessoas que mereçam o mesmo tratamento. A igualdade, aqui, deve ser
aplicada no momento de elaboração da lei.
Há decisão do STF mencionando essa diferenciação161, mas ela não faz muito sentido no Brasil.
Na verdade, ela fazia sentido na Europa até a metade do século passado, quando as constituições da-
queles países não tinham caráter jurídico plenamente reconhecido. No Brasil, a CR fala em igualdade

160
Da mesma forma que no tópico anterior, apesar de inserido na análise do princípio da isonomia, o tema
tratado neste tópico também é aplicável a todos os direitos e garantias fundamentais.

161 STF - AI 360.461 Agr/MG: “O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as
instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política
221

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perante a lei, mas ninguém aqui ousa dizer que o Legislativo estaria isento da observância da isonomia
na hora de criá-la.
Assim, os destinatários dos deveres oriundos dos direitos fundamentais seriam os Poderes Públi-
cos (eficácia vertical) e os particulares (eficácia horizontal).
A única diferença que se tem de ter em mente é que, no caso dos particulares, a autonomia da
vontade faz com que a aplicação dos direitos fundamentais não se faça com a mesma intensidade.
2.2.7. Igualdade entre homens e mulheres
A igualdade entre homens e mulheres está prevista no art. 5º, I, da CR:
Art. 5º (...) I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Consti-
tuição;
O dispositivo seria completamente desnecessário, em virtude da menção à igualdade no caput,
por duas vezes. Todavia, o constituinte preferiu consagrar o direito expressamente.
“Nos termos desta Constituição” significa que a CR estabelece diversas diferenças de tratamento
(aposentadoria, licença maternidade etc.) A grande questão é: admite-se que a lei estabeleça diferenci-
ações? Sim, desde que para atenuar desníveis.
O objetivo do dispositivo não é tratar homem e mulher de forma idêntica. Na verdade, as diferen-
ças entre eles têm de ser levadas em consideração pelo legislador ordinário. A norma que vedava o di-
reito ao voto às mulheres é inconstitucional, mas uma norma que resguarda um número mínimo de
mulheres no partido, para fomentar a participação da mulher na vida política, não.
O mesmo ocorre com a Lei Maria da Penha. Dizia-se que ela seria inconstitucional por não prote-
ger também outras situações como a do casal homoafetivo ou o filho menor. Todavia, essa é uma inter-
pretação que reduz a proteção, em vez de aumentá-la. O melhor é pegar a medida protetiva da lei e
aplicá-la, por analogia, para ampliar a proteção. O STJ e o STF já analisaram a questão e entenderam
não haver nenhuma inconstitucionalidade.
Portanto, as diferenças de tratamento de gênero devem servir para a redução das desigualdades,
e não para aumentá-las.
2.3. Direitos de liberdade
Liberdade não é sinônimo de arbitrariedade. Liberdade pressupõe responsabilidade.
As liberdades não são absolutas, porém para que o poder público possa restringi-las, alguns limi-
tes devem ser observados (limites dos limites, ver acima). Não pode haver restrição que viole núcleo
essencial do direito, que não obedeça à reserva legal etc. Se isso não for observado, não há legitimidade
da restrição.

que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado
sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ 136/444-445).”.
222

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Importante a distinção entre liberdade negativa de liberdade positiva, feita por Norberto Bob-
bio, observe:
LIBERDADE NEGATIVA LIBERDADE POSITIVA
Também chamada de liberdade civil, dos Também chamada de liberdade política, dos
modernos e de agir. antigos e de querer.
É a situação na qual um sujeito tem a Situação na qual um sujeito tem a
possibilidade de agir sem ser impedido, ou de possibilidade de orientar seu próprio querer no
não agir sem ser obrigado por todos. sentido de uma finalidade, sem ser
Em suma: consiste em uma ausência de determinado pelo querer dos outros.
constrangimento. Consagra a autonomia da vontade.
A CR consagra vários direitos ligados à liberdade, alguns dos quais serão estudados neste tópico.
2.3.1. Liberdade de manifestação do pensamento
A liberdade de manifestação do pensamento está prevista no art. 5º, IV e V, da CR:
Art. 5º (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
A finalidade da liberdade de manifestar o pensamento é permitir que a livre competição no “mer-
cado de ideias”. Em outras palavras, é permitir que as pessoas digam aquilo que pensam para que as
melhores ideias possam prevalecer.
A CF não protege apenas o pensamento em si (e nem precisa, pois qualquer um pode pensar o que
bem entender sem necessidade de qualquer previsão), mas sim a liberdade de manifestar ou expressar
o pensamento.
Ademais, quando se fala em manifestação de pensamento, está se falando de um direito que é
essencial para a sobrevivência da própria democracia.
Assim, dentro de uma democracia, é muito importante que as pessoas possam se manifestar,
mesmo quando tal manifestação não agrade a maioria ou pareça ridícula e esdrúxula.
Logo, ainda que não seja uma liberdade a absoluta, a manifestação do pensamento goza de uma
posição preferencial no plano de proteção constitucional (= preferred position).
Isso não significa que a manifestação de pensamento tenha uma posição de supremacia em rela-
ção as demais liberdades, mas apenas que a liberdade de pensamento deve sempre ser assegurada em
um primeiro momento.
Ou seja, a priori, nenhum indivíduo deve ser impedido de manifestar o que ele
pensa, de modo que apenas o abuso da liberdade será penalizado com sanções civis (in-
denização) ou penal.
1.46.1.25. Limites constitucionalmente previstos
O direito à manifestação do pensamento é livre, mas essa liberdade não é absoluta nem ilimitada:
2.3.1.1.1. Regra Geral
i) Direito de resposta, proporcional ao agravo, e indenização:

223

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Ao assegurar o direito de resposta, proporcional ao agravo, e a indenização, a CR determina que
o abuso da liberdade de manifestação do pensamento não é permitido, o que representa uma clara li-
mitação constitucional ao direito.
ii) Vedação do anonimato:
A vedação ao anonimato visa permitir a responsabilização daqueles que utilizarem a liberdade de
manifestação do pensamento de forma abusiva. Vale lembrar que não existem direitos absolutos e ne-
nhuma liberdade pode assim ser considerada, pois, se assim o fosse, não haveria liberdade.
2.3.1.1.2. Exceções:
i) Bilhete apócrifo
Bilhete apócrifo ou carta anônima serve como prova no processo?
Em princípio não, pois se a CR veda o anonimato, o bilhete apócrifo seria incompatível com a
proteção constitucional. Isso não impede, entretanto, que a partir do bilhete a autoridade passe a inves-
tigar o fato.
Em duas situações excepcionais o STF admite o bilhete apócrifo ou a carta anônima como prova
no processo penal: i) quando forem produzidos pelo próprio acusado; ou ii) quando constituírem o
corpo de delito do crime. Ex.: um bilhete pedindo resgate, num sequestro, ou uma carta anônima envi-
ada a uma revista ofendendo a honra de alguém.
Essas não são, entretanto, as únicas situações. Os direitos fundamentais não permitem que se
delineiem exatamente as condutas que estão dentro ou fora da liberdade de manifestação do pensa-
mento, pois pode haver conflitos entre essa liberdade e outros direitos.
Como estudado anteriormente, para a teoria absoluta, o conteúdo essencial do direito é estabele-
cido a priori, a partir de uma interpretação sistemática da CR. Para a teoria relativa, não há como se
estabelecer o conteúdo essencial aprioristicamente, devendo-se fazer uma ponderação.
Na teoria relativa, geralmente se adota um suporte fático amplo. O âmbito de proteção do direito
(as condutas protegidas) é alargado. Como os princípios são medidas de otimização (devem ser cum-
pridos na maior medida possível), o âmbito de proteção do direito, prima facie, é o mais amplo possível,
abrangendo qualquer forma de manifestação do pensamento, seja ela sexista, racista, preconceituosa.
Mas a proteção não é definitiva. Para saber qual a proteção definitiva, devem-se analisar as circunstân-
cias fáticas (o caso concreto) e as jurídicas. Assim, um discurso do ódio não está protegido, porque ainda
que ele pareça possível prima facie, outros dispositivos contribuem para a sua vedação.
Através da teoria absoluta, o resultado seria o mesmo, mas a exclusão do discurso do ódio ocorre
de plano. O fato de ambas as teorias chegarem nesse exemplo ao mesmo resultado não significa que
elas chegarão sempre ao mesmo resultado.
O STF mistura as teorias, não utilizando nenhuma das duas puramente.
ii) Serviço de “Disque-denúncia”
No serviço de “Disque-denúncia”, o anonimato é garantido. Uma denúncia anônima não serve
como prova no processo, pois a CR veda o anonimato, mas serve como instrumento desencadeador de
224

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investigação pela autoridade competente (que é um dever funcional dela). Mas à autoridade cumpre
investigar com prudência, com parcimônia.
Segundo o STF162., a investigação é autônoma em relação à denúncia, ou seja, a autoridade policial
não fica impedida de realizar a investigação porque foi feita uma denúncia anônima, porque o policial
tendo conhecimento do fato iria investigar e acusaria conforme as provas da investigação.
Assim, em princípio, a denúncia anônima não é admitida como prova, nem pode ser utilizada
como fundamento para abertura de Inquérito Policial.
A denúncia anônima, contudo, serve para que a autoridade tome conhecimento do fato e, ao to-
mar conhecimento, tome as providências necessárias à investigação. Isso significa que o fato da denún-
cia em si não servir como prova, não impede a investigação autônoma feita pela autoridade. Vale dizer
que tal investigação é até mesmo um dever funcional da autoridade que toma conhecimento da possível
existência de fatos ilícitos
1.46.1.26. Restrições implícitas
Importante lembrar que segundo o STF163, outros princípios também consagrados na Constitui-
ção podem restringir legitimamente a liberdade de pensamento, como aqueles que protegem a honra
das pessoas e a dignidade da pessoa humana.
Assim, a incitação ao ódio (hate speech) não está protegida pela liberdade de manifestação do
pensamento.
2.3.2. Liberdade de consciência, crença e de culto (art. 5º, VI e VIII e
art. 19, I, da CR)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (...)

162 STF - Inq. 1.957 (voto do Min. Celso de Mello): “Nada impede, contudo, que o Poder Público, provo-
cado por delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, pre-
viamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual
situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela de-
nunciados em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da ‘persecutio criminis’, man-
tendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas”.
(g.n.).
163 RHC 146.303/RJ, STF: “a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não
está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. [...] Os postulados da igualdade
e da dignidade pessoal dos seres humanos constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode,
e não deve, ser exercida com o propósito subalterno de veicular práticas criminosas tendentes a fomentar e a
estimular situações de intolerância e de ódio público.”.
225

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VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica
ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei,
a colaboração de interesse público; (...)
1.46.1.27. 2.3.2.1 – liberdade de consciência versus liberdade de
crença
A liberdade de consciência é mais ampla que a liberdade de crença, abrangendo a liberdade de
crença e a de não ter crença alguma.
A liberdade de culto nada mais é que uma exteriorização da liberdade de crença: através do culto,
as pessoas exteriorizam sua crença.
1.46.1.28. 2.3.2.2 – proteção dos locais de realização dos cultos
Os locais de realização de cultos (os templos) são protegidos pela CR e têm imunidade (art. 150,
VI, “b”):
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
VI - instituir impostos sobre: (...)
b) templos de qualquer culto;
Essa imunidade é concedida porque o Estado brasileiro não é antirreligioso. Ele reconhece a im-
portância do papel das entidades religiosas, as protege e estimula. A maioria das religiões desempenha
uma função social importante, muitas vezes não exercida pelo Estado.
O culto não precisa ser realizado necessariamente no templo, podendo ocorrer em local aberto. O
direito de culto não é ilimitado. Em nome da liberdade religiosa, não é possível sacrifício de animais ou
mesmo o humano. Não pode a liberdade de crença ferir outros direitos assegurados pelo ordenamento
jurídico.
Com o advento da República, em 1889, houve a separação entre Estado e Igreja. O Estado brasi-
leiro passou a ser laico ou não confessional. Ou seja, o Estado não adota uma religião oficial (art. 19, I,
da CR). Ele pode manter relação com entidades religiosas ou limitá-las. O que não pode é favorecer ou
prejudicar determinadas religiões em detrimento de outras. Essa neutralidade (simetria) do Estado de-
corre da laicidade e é uma forma de evitar o conflito potencial entre as religiões, respeitando todas elas.
1.46.1.29. 2.3.2.3 – laicidade, laicismo e ateísmo
Laicidade não se confunde com laicismo e ateísmo. O fato de o Brasil ser um estado laico, não
confessional ou secular significa que ele adota a laicidade: a neutralidade religiosa, consubstanciada no
tratamento de todas as religiões com imparcialidade.

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O laicismo é uma espécie de antirreligião, o que não ocorre no Brasil, que protege as religiões e as
manifestações religiosas. Estado ateísta é aquele que nega a existência de Deus, o que não é o caso do
Brasil (basta ver o preâmbulo da CR). Os Estados comunistas são ateístas.
Os argumentos utilizados na esfera pública, num estado laico, devem ser racionalmente elabora-
dos. Não se devem admitir na esfera pública argumentos puramente religiosos. A República é o governo
das razões, de modo que todas as ações da República devem ser racionalmente justificáveis.
Não se excluem argumentos religiosos da discussão. O que não se admite é a utilização de argu-
mentos puramente religiosos. Todavia, para que eles possam entrar na esfera pública, tem de haver,
segundo Habermas, uma “tradução institucional”. Trata-se da transformação de argumentos religiosos
em argumentos racionalmente justificáveis. Isso significa que os argumentos têm de ser acessíveis a
todas as pessoas, e não somente aos que são daquela religião.
Ex.: não seria admissível que o Presidente da República vetasse um projeto de lei permitindo a
descriminalização do aborto alegando que ele fere os princípios da Bíblia. Tais argumentos, entretanto,
podem ser traduzidos institucionalmente da seguinte forma: “a lei não permite a descriminalização do
abordo porque a CR proíbe a inviolabilidade do direito à vida e, a partir da fecundação, há vida”. Trata-
se de um argumento técnico com evidente cunho religioso.
Se a maioria da população fosse Testemunha de Jeová, não poderia haver a edição de uma lei
vetando a transfusão, pois esse argumento não é traduzível institucionalmente.
Acerca do tema, o STF proferiu interessante decisão na STA (Suspensão de Tutela Antecipada) nº
389. Numa prova do ENEM, algumas pessoas da religião judaica pediram o direito de realizar a prova
em data alternativa, para não prejudicar o Sábado sagrado deles. No edital constava que eventual im-
pedimento (religioso, físico etc.) deveria ser comunicado, para que pudesse ser protegido.
O Min. Gilmar Mendes utilizou dois argumentos para suspender a tutela antecipada:
i) a designação de uma data alternativa para um determinado grupo religioso viola o princípio da
isonomia e pode gerar um efeito multiplicador, inviabilizando alguns certames (cada religião tem seu
dia de guarda, de modo que provas diferentes em dias diferentes nunca seriam igualmente difíceis, o
que violaria a isonomia); e
ii) a designação de uma data alternativa para um determinado grupo religioso viola o dever de
neutralidade do Estado em face do fenômeno religioso.
Isso não significa que, numa prova de vestibular ou concurso, não se deva tentar acomodar os
interesses em conflito.
1.46.1.30. 2.3.2.4 – colocação de símbolos religiosos em locais públi-
cos
Foram formulados diversos pedidos ao CNJ para a retirada dos crucifixos dos tribunais, sob o
argumento de que nos locais públicos essas manifestações religiosas não deveriam ocorrer. O CNJ de-
cidiu que os crucifixos, mais do que símbolos religiosos, são símbolos da cultura brasileira e, portanto,

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não violam o dever de neutralidade do Estado. No âmbito do Poder Judiciário, portanto, o CNJ decidiu
que eles não deveriam ser retirados.
Essa decisão do CNJ foi exatamente contrária à dada pelo Tribunal Constitucional Federal Ale-
mão (o único que exerce controle de constitucionalidade no país), em ação proposta por um grupo de
Mórmons, requerendo a retirada de crucifixos das salas de aula de uma determinada cidade. O tribunal
entendeu que a colocação de símbolos religiosos em locais públicos seria incompatível com o dever de
neutralidade do Estado.
A decisão causou muita polêmica e suscitou o debate acerca desse tema na Alemanha. As normas
alemãs acerca da neutralidade do Estado são muito parecidas com as brasileiras, razão pela qual merece
destaque a análise daquela decisão.
Ronald Dworkin, no livro “Is Democracy possible here?”, diz que em um Estado secular (oposto
ao Estado religioso) tolerante, ou seja, que não tem religião, mas é tolerante às várias manifestações
religiosas, os símbolos religiosos não devem ser considerados ilegais, mas também não devem ser colo-
cados nem permitidos em locais públicos. Assim, segundo esse entendimento, não seria possível, por
exemplo, a colocação de imagens ou símbolos em locais públicos, nem deveriam os discursos públicos
ter conteúdo religioso.
1.46.1.31. 2.3.2.5 – escusa de consciência

A CR, em seu art. 5º, VIII, traz a chamada escusa de consciência, também chamada de objeção de
consciência:
Art. 5º (...) VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Trata-se de um imperativo que o sujeito pode invocar para eximir-se de determinadas obrigações.
Serve justamente para a proteção da consciência. Não serve somente para o aspecto religioso, prote-
gendo também convicções filosóficas ou políticas.
Se a pessoa, em razão de suas convicções, entende que determinada conduta violaria sua consci-
ência, não pode ser obrigada pelo Estado a violá-la. Por isso, ela invoca o imperativo de consciência,
que se presta a afastar a necessidade de cumprir uma obrigação legal imposta a todos. Exemplos: serviço
militar, voto, participação no Tribunal do Júri.
Entendendo violada a consciência, a pessoa pode se recusar ao cumprimento da obrigação, mas
tem de cumprir uma prestação alternativa, fixada por lei em cada um desses casos.
Surge a questão: se a lei que fixa a obrigação alternativa não for criada, a pessoa é obrigada a
cumprir a obrigação legal? Não faria sentido que ficasse ao Estado o arbítrio de criar a lei e permitir a
escusa de consciência. A ausência de lei, portanto, não pode servir como obstáculo à invocação do im-
perativo de consciência. Ainda que não haja a lei, a escusa pode ser invocada.
Se a pessoa não cumpre a prestação alternativa, a penalidade prevista na CR, em seu art. 15, IV, é
a suspensão (para alguns seria a perda) dos direitos políticos:
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Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(...)
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º,
VIII;
Para Novelino, a redação do dispositivo é equivocada, pois a recusa ao cumprimento da obrigação
legal, por si só, não é vedada. O que a pessoa não pode é recusar o cumprimento da prestação alterna-
tiva.
Nenhum direito é absoluto. A invocação da escusa de consciência não pode ser realizada para a
prática de atos considerados ilícitos, como o consumo de substâncias entorpecentes em determinado
culto, ou o sacrifício de pessoas ou animais.
1.46.2. 2.3.3 – liberdade de associação
Vários dispositivos da CR tratam da liberdade de associação. Ela envolve o direito de se associar
ou não e de permanecer ou não associado.
1.46.2.1. 2.3.3.1 – contribuições do art. 8º, IV, da CR e a liberdade de
associação
Alguns autores entendem que o art. 8, IV, da CR violaria a liberdade de associação:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...)
IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será
descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, inde-
pendentemente da contribuição prevista em lei;
A contribuição confederativa, prevista na parte inicial do dispositivo (em amarelo), é fixada pela
assembleia geral e só é obrigatória para quem é associado. Na parte final, consta a previsão da contri-
buição sindical, que é tributo e deve ser prevista em lei.
Para Novelino, a previsão de contribuições sindicais não tem nada a ver com a obrigatoriedade de
a pessoa se associar. É simplesmente um tributo decorrente do fato gerador previsto em lei.
1.46.2.2. 2.3.3.2 – representação das associações sobre os interesses
de seus filiados
A representação das associações sobre os interesses de seus filiados está prevista no art. 5º, XXI,
da CR:
Art. 5º (...) XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade
para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
Segundo o STF, trata-se de hipótese de representação processual, e não de substituição proces-
sual. Isso significa que a associação pode representar seus filiados, mas para isso é necessária autoriza-
ção expressa. Tal autorização não precisa ser dada por cada um, individualmente, podendo ocorrer me-
diante assembleia. A representação processual tem de estar relacionada com os fins da entidade.
De acordo com o STF, a autorização estatutária genérica conferida à associação não é suficiente
para legitimar a sua atuação em juízo na defesa de direitos de seus filiados. Assim, para cada ação a ser
proposta, é indispensável que os filiados a autorizem de forma expressa e específica, seja por meio de
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assembleia, seja por declaração individual, hipótese em que a decisão somente valerá para os que pres-
taram a declaração (RE 573.232, Plenário, Informativo 746, julgado em 14 de maio de 2014).
Vale ressaltar que o STJ tem firme posição em sentido contrário. Para o tribunal, as associações
não precisam de autorização expressa de seus filiados (EREsp 766.638 e AgRg no AREsp 368.285, jul-
gado em 08/05/2014). Todavia, considerando que a matéria é constitucional e a decisão foi proferida
pelo Plenário sob a sistemática da repercussão geral, o STJ terá de se curvar ao entendimento do STF.
O art. 5º, LXX, “b”, prevê hipótese diversa:
Art. 5º (...) LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: (...)
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funciona-
mento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
No caso do Mandado de Segurança Coletivo, trata-se de hipótese de substituição processual (ou
legitimação extraordinária). Para o STF, não há necessidade de autorização expressa dos membros, pois
é a própria CR que confere essa legitimidade. O interesse pode ser apenas de parte da categoria, mas
deve haver vinculação aos fins da entidade. Portanto, no caso de impetração de MS coletivo, a associa-
ção não precisa da autorização específica dos filiados (RE 573.232, Plenário, Informativo 746, julgado
em 14 de maio de 2014).
Por fim, o sindicato, quando representa seus filiados (art. 8º, III), não precisa de autorização ex-
pressa.
Art. 8º (...) III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
Para o STF, também se trata de hipótese de substituição processual, pois é a própria CR que con-
fere a legitimidade aos sindicatos. Ou seja, em se tratando de sindicato, nenhum tipo de representação
depende de autorização expressa.
2.4. Direitos à privacidade
Os direitos fundamentais interpenetram-se, inter-relacionam-se. As separações estabelecidas en-
tre eles não são estanques.
Assim, embora não elencado no “caput” do art. 5º, o direito à privacidade encontra-se claramente
protegido por alguns de seus incisos, especialmente X (intimidade, vida privada e honra), XI (casa como
asilo inviolável) e XII (sigilo das comunicações).
Nesse sentido, serão estudados a seguir alguns aspectos relacionados aos direitos à privacidade,
em especial as situações em que eles acabam se confundindo com os direitos à liberdade.
2.4.1. Distinções conceituais
O direito à privacidade (gênero) engloba quatro espécies fundamentais de direitos: direito à in-
timidade, direito à vida privada, direito à imagem e direito à honra, sendo assegurada a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X).
A inviolabilidade a que se refere o inciso X não é absoluta. Assim são invioláveis a priori, ou prima
facie, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Dependendo do caso, a violação
230

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será admitida, de modo que a violação injustificada de qualquer um desses direitos poderá ensejar a
responsabilização civil, por perdas e danos, e criminal, dependendo do tipo de conduta.
Na Alemanha, a proteção do direito à privacidade costuma ser abordada com base na Teoria das
Esferas. As esferas e seu campo de proteção compreendem:
a. Esfera pública: uma pessoa pública que está em um local público não pode invocar o seu direito
à privacidade (ex.: Presidente da República ou Parlamentar fazendo um pronunciamento, pes-
soa pública em manifestação de rua, etc...).
b. Esfera privada: é a esfera que, a despeito de não ser sigilosa, não admite o compartilhamento
de determinadas informações da pessoa por terceiros sem que o direito à privacidade seja vio-
lado (ex.: pessoa que está em um ambiente familiar, pessoa que está em um clube, dados ban-
cários do indivíduo, etc...).
c. Esfera da intimidade: esfera dos segredos pessoais, sobre a qual o indivíduo deseja comparti-
lhar informações apenas com determinadas pessoas ou sequer deseja que esse compartilha-
mento aconteça (ex.: questões envolvendo doenças, orientação sexual ou outros segredos,
etc...).
1.46.2.3. Interceptação (ou “escuta”) ambiental
A interceptação é a captação ambiental (feita no ambiente) de sinais eletromagnéticos, óticos ou
acústicos feita por terceiros sem o conhecimento de algum dos interlocutores. A Escuta ocorre quando
há o conhecimento de ao menos um dos interlocutores.
Destaca-se que a interceptação pressupõe a participação de um terceiro, sem o conhecimento de
um ou de todos os interlocutores. Quando um dos interlocutores grava a conversa, haverá gravação
clandestina, pois ausente a terceira pessoa.
Será considerada ilícita quando violar:
a) Expectativa de privacidade: expectativa legítima que o indivíduo tem de estar em um
local reservado.
Obs.: não há expectativa de privacidade quando o ato é praticado na rua p. ex., nem quando cap-
tado por câmeras de vigilância.
b) Confiança decorrente das relações interpessoais ou profissionais.
A Lei de Organizações Criminosas, em seu art. 3º164, trata da interceptação ambiental e não esta-
belece a forma como a captação ambiental deve ocorrer. A doutrina, por analogia, entende que o proce-
dimento a ser observado é o mesmo das interceptações telefônicas (Lei 9.296/96).
1.46.2.4. Gravação clandestina

164 Lei n. 12.850/13, art. 3º: Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros
já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: (...) II - captação ambiental de sinais eletromagnéti-
cos, ópticos ou acústicos.
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A gravação clandestina consiste em uma gravação pessoal, ambiental ou telefônica feita por um
dos interlocutores, sem o consentimento dos demais. Ex.: colocação de câmera escondida, gravador
ambiental, escuta telefônica etc.
Pelo menos em regra, não existe nenhum impedimento legal de que uma pessoa
grave uma conversa própria.
O que não se pode é utilizar o conteúdo da gravação sem justa causa. Ex.: não é pos-
sível gravar uma conversa com alguém e colocar na Internet, sem motivo justo. Isso porque a utilização
da gravação clandestina viola o direito à privacidade (art. 5º, X, da CR):
Art. 5º (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, asse-
gurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A definição de justa causa depende de uma ponderação, como visto acima qualquer limitação de
direito fundamental só é justificada quando para salvaguardar outro direito constitucional, que no caso
concreto mereça ser sobreposto em relação aquele.
Será igualmente ilícita e violadora a gravação clandestina quando violar causa legal (ou contra-
tual) específica de sigilo.
Assim, se houver alguma norma estabelecendo sigilo naquela determinada relação, a divulgação da
gravação será ilícita
Em algumas hipóteses, a jurisprudência do STF admitiu a gravação clandestina:
i) pelo réu, no processo penal:
Em contraposição está o direito à intimidade, de um lado, e o direito à liberdade e à ampla defesa,
do outro. Justifica-se a utilização das gravações realizadas pelo réu no processo penal, uma vez que estes
direitos prevalecem sobre aquele.
ii) gravações feitas em legítima defesa:
São as gravações feitas contra sequestradores, chantagistas, estelionatários. É pacífico que essa
gravação pode ser utilizada como prova.
iii) gravação feita contra agentes públicos:
No caso das gravações feitas contra agentes públicos, o STF costuma ponderar, de um lado, o
direito à privacidade do agente e, do outro, os princípios da publicidade dos atos administrativos e da
moralidade administrativa.
Novelino tem dúvidas quanto às premissas adotadas pelo STF. O agente público, agindo como tal,
estaria acobertado pelo direito à privacidade, uma vez que vige o princípio da ampla publicidade? Am-
bos os raciocínios podem chegar ao mesmo local (a admissibilidade das gravações clandestinas feitas
contra agentes públicos).
Para Novelino, inclusive a divulgação pela mídia seria justificável, em virtude do interesse público
envolvido e da necessidade de prevenção geral gerada por elas.
iv) gravação para documentar uma conversa com a finalidade de exercer um futuro direito:

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No AI 560.223/AgRg (Informativo 623), o STF entendeu que a gravação feita por um dos interlo-
cutores é lícita quando não há causa legal específica de sigilo nem de reserva de conversação. Ex.: as
imagens das câmeras dos edifícios estão protegidas pelo sigilo, mas a divulgação das gravações pode ser
realizada, desde que haja justa causa.
As gravações de babás espancando crianças ou de enfermeiras em asilos espancando velhinhos
são permitidas? As câmeras estão colocadas em locais de trabalho. Para Novelino, não somente elas
podem ser utilizadas como provas como as informações podem ser divulgadas na mídia, para que a
sociedade conheça esses fatos e se previna (proteção geral).
Novelino nunca viu decisão do STF especificamente quanto a esses casos, mas há decisão em caso
semelhante, que pode perfeitamente ser usado. Trata-se de um caso em que um proprietário coloca uma
câmera em sua vaga para filmar o vizinho que riscava seu carro. O STF considerou válida a gravação.
Os exemplos dados são de casos já sedimentados pelo STF, o que não significa que outros não
possam ser permitidos. Isso porque, como visto, a inviolabilidade dos direitos à privacidade é apenas
prima facie, não definitiva.
1.46.2.5. Quebra de sigilo de dados

A quebra de sigilo consiste no acesso ao registro de dados bancários, fiscais, telefônicos ou


informáticos de determinado sujeito.
Quando se trata de dados públicos não há que se falar em violação da privacidade, somente ha-
vendo o direito à privacidade em relação à dados particulares do indivíduo.
A quebra do sigilo de dados será considera ilícita quando:
a) For desprovida de uma justificação constitucional (pressuposto material)
A quebra do sigilo afeta a privacidade, mas outros direitos consagrados na CF, como a segurança
pública, podem ser utilizados como justificativa.
b) Autoridade competente (pressuposto formal)
Em regra, apenas os órgãos do Poder Judiciário e as Comissões Parlamentares de
Inquérito (federal e estadual) são competentes para determinar a quebra do sigilo de dados.
CPI, em âmbito municipal, não pode determinar a quebra do sigilo de dados, eis que
não existe Poder Judiciário nos municípios.
O MP e o TCU não têm legitimidade para requisitar diretamente a quebra de sigilo
bancário, deve fazer através do Poder Judiciário.
Porém, houve uma exceção quando se tratou de dinheiro público. Desta forma, entende o STF,
que, em regra, o MP e o TCU não podem solicitar diretamente a quebra de sigilo bancário, salvo quando
houver verba pública envolvida, o que será detalhadamente estudado abaixo.
É vedada especificamente em relação a esses quatro tipos de sigilo, conforme será analisado a
seguir.
2.4.1.1.1. Quebra de sigilo telefônico

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A quebra de sigilo telefônico não se confunde com gravação clandestina e interceptação telefônica.
Na quebra, não se tem acesso ao conteúdo conversado, mas ao histórico das ligações. Analisam-se quais
os números, quando e por quanto tempo uma determinada pessoa conversou por telefone.
A quebra permite, inclusive, traçar o caminho percorrido pelas pessoas investigadas, através da
análise das torres telefônicas pelas quais o sujeito passou.
2.4.1.1.2. Quebra de sigilo informático
Quebra de sigilo informático é o acesso aos dados contidos em um computador.
Dados fiscais são as declarações de imposto de renda. Tais declarações têm proteção, mas que não
é absoluta: o servidor tem de apresentá-la quando entra em cargo público e sempre periodicamente.
Todavia, o órgão tem o dever de proteção das informações recebidas, não podendo divulgá-las.
2.4.1.1.3. Quebra de sigilo bancário
Havia divergência, inclusive no STF, mas hoje predomina o entendimento de que o sigilo bancário
está protegido pela CR. Para alguns, no art. 5º, X. Para outros, no art. 5º, XII, da CR (alguns Ministros
entendem que a palavra “dados” abrangeria os dados bancários, fiscais etc., mas não é o que prevalece):
Art. 5º (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, asse-
gurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das co-
municações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Tem legitimidade para determinar a quebra do sigilo bancário (e de todos os demais) o juiz. Além
dele, segundo o STF, também pode a CPI (federal ou estadual) quebrar o sigilo bancário. O dispositivo
que legitima esse entendimento é o art. 58, § 3º, da CR:
Art. 58 (...) § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo,
sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a respon-
sabilidade civil ou criminal dos infratores.
No caso de CPI estadual, a questão foi decidida pelo STF em votação apertada, de modo que esse
entendimento poderá mudar. A votação foi por 6 a 5, e vários Ministros já foram substituídos. Tratava-
se de CPI instaurada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Ministério Público e Tribunal de Contas não têm legitimidade para determinar a quebra de sigilo.
O MP pode requerer ao Juiz, mas ele próprio não pode fazê-lo.
Entretanto, há um caso em que restou admitida a quebra de sigilo bancário pelo MP. Foram soli-
citadas informações ao Banco do Brasil relativas a empréstimos feitos a usineiros. O BB recusou-se a
fornecê-las, alegando sigilo bancário. O STF entendeu que, nesse caso, o MP tinha legitimidade para
quebrar o sigilo bancário em virtude da existência de verba pública envolvida na operação, por ser o BB
sociedade de economia mista.

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Assim, o MPe o TCU não pode quebrar o sigilo bancário, exceto se houver dinheiro
público envolvido165.
A LC 105/2001 autoriza que as autoridades fazendárias requisitem diretamente as informações
bancárias para fins de fiscalização.
A lei que permite a quebra do sigilo pela autoridade fazendária não autoriza que qualquer autori-
dade possa solicitar dados do contribuinte. Na verdade, apenas determinadas autoridades podem ter
acesso ao sistema, mediante uma senha (são 36, no Brasil todo), e os dados devem ser preservados por
essa autoridade.
Assim, na visão do STF166, o que o art. 6º da LC 105/2001 faz não é quebra de sigilo bancário, mas
somente a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco. Os dados, até então protegidos pelo sigilo ban-
cário, prosseguem protegidos pelo sigilo fiscal. Pode parecer um eufemismo, no entanto, é importante
ficar atento porque isso pode ser exigido nas provas de concurso.
Obs.: Atenção com a Cláusula de Reserva de Jurisdição!
Segundo o STF, algumas matérias são reservadas ao Poder Judiciário, sobre as quais somente ele
pode dar a primeira e a última palavra. Para o STF, quando a CR fala em “autoridade judiciária compe-
tente”, há reserva de jurisdição. Há quatro direitos submetidos à reserva de jurisdição:
i) inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI):
Art. 5º (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem con-
sentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, du-
rante o dia, por determinação judicial;

165 STF - MS 21.729/DF: “[...] 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informa-
ções sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados
pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e docu-
mentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público.”.
MS 33.340/DF: TCU “não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e em-
presarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações
pontuais, do Poder Legislativo. [...]. 8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às operações finan-
ceiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da Administração Indireta
submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas mediante o em-
prego de recursos de origem pública.”.
166 RE 601.314/SP: “4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais,
ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos
objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como
manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do
dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. [...] 6. Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da
sistemática da repercussão geral: “O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário,
pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como
estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”.
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ii) interceptação telefônica (art. 5º, XII):
Art. 5º (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados
e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
iii) prisão (art. 5º, LXI):
Art. 5º (...) LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamen-
tada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei;
A legislação que permite a prisão pela CPI não foi recepcionada pela CR.
iv) sigilo imposto a processo judicial167:
Segundo o STF, nos casos constitucional e legalmente previstos de sigilo imposto a processo judi-
cial, não pode a CPI quebrá-lo. Esse entendimento surgiu na época de uma CPI que investigava grampos
telefônicos.

167
Hipótese mais recente das quatro.

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Em resumo:
SIGILO BANCÁRIO
Os órgãos poderão requerer informações bancárias diretamente das instituições
financeiras?
POLÍCIA NÃO. É necessária autorização judicial.
NÃO. É necessária autorização judicial (STJ HC 160.646/SP, Dje 19/09/2011).
Exceção: É lícita a requisição pelo Ministério Público de informações bancárias de contas
de titularidade de órgãos e entidades públicas, com o fim de proteger o patrimônio
MP público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário (STJ. 5ª Turma. HC
308.493-CE, j. em 20/10/2015).

NÃO. É necessária autorização judicial (STF MS 22934/DF, DJe de 9/5/2012).


Exceção: O envio de informações ao TCU relativas a operações de crédito originárias de
TCU recursos públicos não é coberto pelo sigilo bancário (STF. MS 33340/DF, j. em
26/5/2015).

SIM, com base no art. 6º da LC 105/2001. O repasse das informações dos bancos para o
Receita Federal Fisco não pode ser definido como sendo "quebra de sigilo bancário".

SIM, desde que regulamentem, no âmbito de suas esferas de competência, o art. 6º da


Fisco estadual,
LC 105/2001, de forma análoga ao Decreto Federal 3.724/2001.
distrital, municipal

SIM (seja ela federal ou estadual/distrital) (art. 4º, § 1º da LC 105/2001). Prevalece que
CPI
CPI municipal não pode.

1.46.2.6. Interceptação das comunicações

A interceptação das comunicações consiste na intromissão ou interrupção, por parte de terceiros,


sem o conhecimento de um (ou de ambos) dos interlocutores. Ela é vedada pelo art. 5º, XII, da CR:
Art. 5º (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados
e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
A interceptação das comunicações é diferente da gravação clandestina. Nesta, um dos comunica-
dores grava sua própria conversa; naquela, há um terceiro que a interrompe ou se intromete na comu-
nicação.
Segundo o STF, o dispositivo protege essencialmente a liberdade de comunicações. Para Novelino,
entretanto, também há proteção da privacidade, muito embora não tenha constado da decisão. A inter-
ceptação de uma correspondência contendo um recorte de jornal, sem qualquer conteúdo pejorativo,
enviada a um amigo, não viola a privacidade, mas a liberdade de comunicação. Ainda que o teor da
conversa não tenha caráter secreto ou sigiloso, a comunicação tem de ser preservada.

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Conforme já abordado acima, a inviolabilidade prevista na Constituição é uma inviolabilidade
prima facie (provisória, pois outros princípios constitucionais podem justificar uma intervenção/inge-
rência legítima no âmbito de proteção do direito à privacidade protegido pela inviolabilidade - não exis-
tem direitos fundamentais absolutos. Todos encontram limites, seja por conta de direitos de terceiro ou
da coletividade).
Das quatro hipóteses do art. 5º, XII (sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas), não será analisado o sigilo das comunicações telegráficas, pois
não há muito a dizer sobre ele. Serão vistos apenas o sigilo das correspondências, de dados e das comu-
nicações telefônicas.
2.4.1.1.4. Interceptação de correspondência
A inviolabilidade da correspondência, como as demais, não é absoluta. O STF admite uma hipó-
tese de violação da correspondência: “o sigilo epistolar não pode servir como um escudo protetivo para
salvaguardar práticas ilícitas”. Não pode o sujeito traficar drogas por meio do SEDEX, por exemplo.
Quando a CR consagrou a inviolabilidade do sigilo das correspondências, estava protegendo a
comunicação contra o arbítrio do Estado e do particular. Todavia, razões de segurança pública, contra-
bando de animais (ou outros crimes ambientais) justificam a violação de correspondência. Os Correios,
neste último caso, sequer precisam de autorização judicial para violarem a correspondência.
Ademais, de se notar que o STF admitiu que, excepcionalmente, poderia a direção de presídio
violar a correspondência de preso, tendo em vista o uso da correspondência para práticas ilícitas. O
preso tem direito à inviolabilidade de correspondência, todavia, no caso de suspeita deve ser violada.
Aqui, princípio de peso maior justifica a violação.168
A CR estabelece duas situações excepcionais que justificam a violação das correspondências:
i) estado de defesa (art. 136, § 1º, I, “b”):
Art. 136 (...) § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração,
especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a
vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de: (...)
b) sigilo de correspondência;
ii) estado de sítio (art. 139, III):
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser

168 STF - HC 70.814/SP: “A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública,
de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respei-
tada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência
remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir
instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.” ‘Topos’ do STF: Direitos fundamentais não po-
dem ser usados como escudos para práticas ilícitas. Ou seja, o objeto dos direitos fundamentais não é
proteger os indivíduos que praticam atos ilícitos, mas sim proteger os indivíduos dos abusos do Estado.
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tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...)
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à pres-
tação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
2.4.1.1.5. Interceptação da comunicação de dados
Parte da doutrina consagra o entendimento de que a palavra “dados” abarcaria somente o sigilo
de dados de informática. Justificam que nenhuma Constituição brasileira até hoje consagrou o sigilo de
dados, de modo que a inovação seria decorrente do avanço da informática (Tércio Sampaio Ferraz Jr. e
Manoel Gonçalves Ferreira Filho).
Novelino considera que o entendimento restringe direito fundamental sem a necessária justifica-
tiva, violando o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Para ele, a interpretação
tem de ser ampliativa, para abarcar outros dados, e a vontade do legislador não deve necessariamente
ser levada em consideração.
O STF169 tem um entendimento (com o qual Novelino não concorda) segundo o qual “o que o art.
5º, XII, protege, não são os dados em si, mas apenas a sua comunicação”. Essa posição baseia-se na-
quela linha segundo a qual o que o art. 5º, XII protege não é a privacidade, mas a liberdade de comuni-
cação.
Assim, para o STF, os dados constantes do computador poderiam estar protegidos pelo inciso X,
mas não pelo XII. Novelino considera que o entendimento do STF está equivocado, pois, quando a CR
diz que o sigilo é inviolável, não estaria se referindo à comunicação, mas ao conteúdo do quanto comu-
nicado. A correspondência violada não perde o caráter de sigilosa. Assim, independentemente de já
haver chegado ou não ao destinatário, o conteúdo da comunicação também deveria ser protegido.
2.4.1.1.6. Interceptação das comunicações telefônicas
Interceptação telefônica (em sentido estrito) não se confunde com escuta telefônica ou gravação
clandestina170.
A comunicação telefônica “abrange não apenas a conversa por telefone, mas também a transmis-
são, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza realizadas por telefone, e-mail, SMS, Telegram, WhatsApp, entre outras comunica-
ções. Por conseguinte, é possível a interceptação de qualquer comunicação via telefone, conjugada ou
não com a informática, o que compreende aquelas realizadas direta (fax, modens) e indiretamente (in-
ternet, e-mail, correios eletrônicos)” (Renato Brasileiro).

169 STF - MS 21.729 (voto do rel. min. Sepúlveda Pertence): “Da minha leitura, no inciso XII da Lei Funda-
mental, o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação ‘de dados’, e
não os ‘dados’, o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual fosse”.
170 Intercepção telefônica: uma pessoa liga para outra sem que ambas saibam que estão sendo gravadas
por um terceiro (interceptação em sentido estrito). Escuta telefônica é aquela gravação feita por um terceiro
com o conhecimento de um dos interlocutores (interceptação telefônica em sentido amplo). Gravação telefô-
nica clandestina: um dos interlocutores grava uma conversa telefônica sem que o outro saiba.
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A Constituição exige três requisitos para a violação das comunicações telefônicas, por se tratar de
interferência muito grave na intimidade e na privacidade das pessoas:
i) ordem judicial (cláusula de reserva de jurisdição):
A Cláusula de reserva de jurisdição reserva ao Judiciário a competência para dar, não só a
última, mas também a primeira palavra sobre o assunto. A intervenção no âmbito do direito,
neste caso, só pode ocorrer por ordem judicial. Nem mesmo a CPI, que tem poderes de investigação pró-
prios de autoridade judicial, pode determinar a intervenção legítima no âmbito de proteção do direito.
O Ministério Público, autoridade policial e autoridade administrativa também não podem inter-
ceptar comunicação telefônica diretamente, sem autorização judicial.
ii) observância dos requisitos previstos em lei:
Veda a realização da interceptação de comunicações telefônicas se inexistentes indícios razoáveis
da autoria ou participação em infração penal ou quando a prova puder ser feita por outros meios dispo-
níveis e menos gravosos. Outrossim, só admite a interceptação para casos em que o crime seja punido
com pena de reclusão (art. 2º):
Lei 9.296/96, Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando
ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder
ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investi-
gação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devi-
damente justificada
A interceptação poderá ser determinada pelo juiz ex officio, a requerimento da autoridade policial
ou do MP, podendo ter duração máxima de 15 dias – renovável uma única vez – deve ser processada
em autos apartados, a fim de ser garantido o sigilo.
As provas decorrentes da escuta telefônica não autorizada são igualmente ilícitas por aplicação da
doutrina “fruits of a poisonous tree”.
O sigilo profissional do advogado impede a interceptação da comunicação telefônica entre o acu-
sado e seu defensor, exceto se este também estiver envolvido na atividade criminosa.
iii) fins de investigação criminal ou instrução processual penal:
Trata-se da reserva legal qualificada, nesse sentido, a Constituição estabelece que tratamento
legal da matéria deve ser voltado para uma “finalidade específica”.
Pela reserva legal qualificada, o juiz não pode determinar interceptação telefônica para produzir
prova em processo civil ou administrativo. Todavia, surge a dúvida: uma interceptação feita para fins
de investigação penal poderia ser utilizada como prova emprestada em processo administrativo disci-
plinar?

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Nesse caso, a prova obtida com interceptação telefônica (para fins penais) pode ser usada em
PAD contra os mesmos acusados no processo penal ou até mesmo contra outros servi-
dores (prova emprestada) INQ (QO-QO) 2424/RJ171.
1.46.2.7. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI, da CR)

A inviolabilidade de domicílio está prevista no art. 5º, XI, da CR:


Art. 5º (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem con-
sentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, du-
rante o dia, por determinação judicial;
2.4.1.1.7. Conceito de casa
Inicialmente, necessário considerar o âmbito espacial de proteção. O que significa casa? A inter-
pretação que se faz do conceito de casa é bastante ampla, que foge da semântica natural de casa. É muito
próxima do conceito de casa previsto no art. 150, § 4º, do Código Penal:
Art. 150 (...) § 4º - A expressão "casa" compreende:
I - qualquer compartimento habitado;
II - aposento ocupado de habitação coletiva;
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
Para o STF172, o conceito jurídico de casa abrange escritórios, consultórios, estabelecimentos co-
merciais, industriais, quartos de hotel e compartimentos habitados.
Outros países, como Espanha e Portugal, também realizam a mesma interpretação do conceito de
casa. A norma do art. 5º, XI, da CR é chamada de “sub-inclusiva”, na medida em que não abrange todas
as hipóteses que deveria (ou seja, a norma diz menos do que deveria). Há também as chamadas normas
“sobre-inclusivas”, que dizem mais do que deveriam. Trabalha com esses conceitos um autor norte-
americano chamado Schauer.
Do “estabelecimento”, entra no conceito de casa apenas a parte não aberta ao público (ex.: escri-
tório de contabilidade do supermercado). A parte aberta ao público não está protegida pela proteção da
inviolabilidade oriunda do conceito de casa.

171 STF - Inq. 2.424 QO-QO/RJ: “Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas
ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução proces-
sual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas
em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à co-
lheita dessa prova”.
172 STF – HC 93.050/RJ: “... o conceito normativo de ‘casa’ revela-se abrangente e, por estender-se a qual-
quer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º,
III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritó-
rios profissionais, inclusive os de contabilidade, ‘embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita’
(NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes.”.
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A inviolabilidade do domicílio, consagrada na CR/88, afastou a autoexecutoriedade da adminis-
tração (STF). Assim, a administração fazendária (fiscalização), para invadir o estabelecimento e colher
provas, depende da autorização do dono ou de autorização judicial. Caso contrário, haverá nulidade da
prova produzida, por ilegalidade. A legislação que previa a hipótese de invasão do estabelecimento pela
administração fiscal-fazendária não foi recepcionada.
De se notar que o veículo, em regra, pode ser examinado mesmo sem mandado judicial.
Exceção: quando o veículo é utilizado para a habitação do indivíduo, como ocorre com trailers,
cabines de caminhão, barcos etc.173
2.4.1.1.8. Permissão E violação
Como visto, a Constituição protege a casa, que é reduto de privacidade, contra a penetração de
alguém sem o consentimento do morador. Se o morador consente com o ingresso em sua residência,
não se trata de violação. Jorge Reis Novaes entende que, quando o morador consente com a entrada na
casa, estaria havendo renúncia a esse direito. Novelino não concorda: a CR não proíbe a entrada na casa
de outrem. Quando há permissão, não há violação.
2.4.1.1.9. Situações emergenciais que excepcionam a inviolabilidade
O dispositivo prevê três situações emergenciais que excepcionam a inviolabilidade, sem limite de
horário e sem restrição quanto à pessoa (qualquer um pode entrar): desastre, flagrante de crime ou para
prestar socorro.
2.4.1.1.10. Violação de domicílio durante o dia, com ordem judicial
No caso de haver ordem judicial, somente durante o dia o domicílio pode ser invadido. Segundo
o STF, em razão de previsão expressa, a inviolabilidade de domicílio está sujeita à cláusula
de reserva de jurisdição. 174
O objetivo da restrição é fazer com que, primeiro, as pessoas tenham o seu período de descanso
respeitado (um cumprimento de mandado em período noturno poderia causar transtornos não só para
as pessoas que estão sendo procuradas como para seus familiares e para os vizinhos) e, segundo, como
há menos testemunhas, o cumprimento de mandado no período noturno daria margem para a ocorrên-
cia de abusos pelas autoridades.
Ademais, é importante salientar que deve haver um motivo previamente justificável
para que haja invasão do domicílio, ainda que tal justificativa seja apresentada em momento

173 STF - RHC 117.767/DF: “As apreensões de documentos no interior de veículos automotores, por consti-
tuírem hipótese de busca pessoal — caracterizada pela inspeção do corpo, das vestes, de objetos e de veículos
(não destinados à habitação do indivíduo) —, dispensam autorização judicial quando houver fundada sus-
peita de que neles estão ocultados elementos necessários à elucidação dos fatos investigados, a teor do disposto
no art. 240, § 2º, do CPP”.
174 Desse modo, a CPI pode até determinar a apreensão de documentos, mas se houver a necessidade de
invadir domicílio para apreendê-los, terá de haver autorização judicial.
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posterior. Do contrário, a invasão será considerada ilegítima, ou seja, as provas serão tidas como ilícitas,
além da possibilidade de responsabilização das pessoas que invadiram175.
A CR diz que a determinação judicial somente pode ser cumprida durante o dia. O que se entende
como dia? Há dois critérios utilizados pela doutrina e a jurisprudência:
i) critério cronológico:
Para o critério cronológico, dia é o período entre 6 e 18 horas. É esse o que prevalece e é geral-
mente mais utilizado.
ii) critério físico-astronômico:
De acordo com o critério físico astronômico, dia é dia. Ou seja, ocorrida a aurora, é dia; ocorrido
o crepúsculo, é noite. Para Novelino, é o critério mais adequado ao Brasil, que tem dimensões continen-
tais. Além disso, o critério anterior seria totalmente arbitrário. A meteorologia tem como determinar
com precisão o horário do nascimento e do pôr do sol em cada local.
Alexandre de Morais defende que ambos os critérios têm de ser utilizados em conjunto: se o sol
nascer às 5 horas da manhã, não será possível a invasão. Se nascer às 7 horas, somente a partir daí
poderá ocorrer a invasão.
Se o mandado começar a ser cumprido durante o dia e a diligência durar até a noite, o que ocorre?
Para o STF, no caso de ações de grande complexidade, quando o mandado começa a ser cumprido du-
rante o dia, ele pode se estender após o período noturno. Critério fundamental é a existência de ação de
grande complexidade. O que não pode haver é a entrada, mas a permanência é possível, nesse caso. Se
a ação não for de grande complexidade e a invasão ocorrer, por exemplo, às 17 horas e 55 minutos,
haveria invasão de privacidade. A análise dependerá das circunstâncias de cada situação concreta.
Obs.: O STF considerou válida a instalação de escuta ambiental por policiais, no escritório de ad-
vocacia de um advogado suspeito da prática de crimes. A colocação das escutas ocorreu no período da
noite por determinação judicial176.
Finalmente, salienta-se que segundo o STF, a autoexecutoriedade dos atos administrativos não
pode prevalecer sobre a garantia da inviolabilidade do domicilio, ou seja, se não houver o consentimento

175 A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando
amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre
situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e
de nulidade dos atos praticados. STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e
5/11/2015 (repercussão geral) (Info 806).
176 STF – Inq 2.424/RJ: “8. PROVA. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de
sinais óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para
instalação de equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracteriza-
ção. Suspeita grave da prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto de exercício da profissão.
Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional”.
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do responsável, é necessário que haja uma determinação judicial para que a autoridade de fiscalização
adentre no estabelecimento177.
Nesse caso, adotou-se a teoria relativa, segundo a qual é necessário analisar, caso a caso, à luz do
princípio da proporcionalidade, se houve violação ao núcleo essencial do direito.
Tanto é verdade que em situações emergenciais, para fomentar outros princípios de peso relativo
maior (ex. saúde pública), a inviolabilidade poderá ser restringida, após passar pelo crivo da proporci-
onalidade (medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito). Ex. o Art. 1 178 º da Lei
13.301/2016, que foi editada em momento que havia uma epidemia do vírus da dengue, da Zika e da
Chikungunya.
2.5. Direito de propriedade
2.5.1. Regime jurídico
O direito de propriedade está disciplinado em vários dispositivos da CR e do Código Civil.
O regime jurídico do direito de propriedade é público ou privado?179 Há corrente doutrinária de-
fendendo que essa divisão não existe mais. Todavia, o entendimento adotado pelo CESPE foi o de José
Afonso da Silva, para o qual se trata de um regime jurídico de direito público, na medida em que toda a
sede, a estrutura desse direito está prevista na CR. Segundo José Afonso, o Código Civil disciplina as
relações civis decorrentes do direito de propriedade, e não o direito de propriedade em si.
Novelino considera mais razoável falar em um regime híbrido do direito de propriedade, nem
exclusivamente público, nem exclusivamente privado.
2.5.2. Função social da propriedade

177 STF – HC 103.325 MC/RJ: “O atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos [...] não preva-
lece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo
Poder Público em sede de fiscalização tributária.”.
178 “Art. 1o. Na situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do vírus
da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika, a autoridade máxima do Sistema Único de Saúde - SUS de
âmbito federal, estadual, distrital e municipal fica autorizada a determinar e executar as medidas necessárias ao
controle das doenças causadas pelos referidos vírus, nos termos da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e
demais normas aplicáveis, enquanto perdurar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional - ESPIN.
§ 1o Entre as medidas que podem ser determinadas e executadas para a contenção das doenças causadas
pelos vírus de que trata o caput, destacam-se: [...] IV - ingresso forçado em imóveis públicos e particulares, no
caso de situação de abandono, ausência ou recusa de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, regu-
larmente designado e identificado, quando se mostre essencial para a contenção das doenças.”.

179
Questão de prova do CESPE.

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O art. 5º, XXII e XXIII determina que o direito de propriedade é assegurado e a propriedade
atenderá a sua função social. Analisando-se os dispositivos, haveria uma aparente antinomia, mas não
é o caso:
Art. 5º (...) XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Na doutrina, há divergências acerca da interpretação desses dispositivos. José Afonso da Silva
entende que o direito de propriedade será garantido desde que ela atenda a sua função social. Ou seja,
a função social da propriedade não seria apenas uma limitação ao direito de propriedade, como a usu-
capião, o confisco etc., mas parte da própria estrutura do direito de propriedade. Ou seja, a função social
seria inerente a este direito. Isso porque, para essa concepção, o direito de propriedade somente será
garantido se ela atender a sua função social. Portanto, para José Afonso da Silva os dispositivos devem
ser interpretados da seguinte forma: “o direito de propriedade deve ser garantido, desde que ela atenda
a sua função social”.
Todavia, o STF tem posição pacífica no sentido de que a invasão de terra para fins de reforma
agrária é ilegítima. Ou seja, o direito de propriedade recebe proteção constitucional mesmo que ele não
cumpra sua função social. Assim, por exemplo, ainda que o MST invada um grande latifúndio impro-
dutivo para a promoção de reforma agrária (sem procedimento administrativo e devido processo legal),
o direito de propriedade daquele latifundiário será protegido, mesmo sem o atingimento de sua função
social.
O entendimento adotado por Novelino e Daniel Sarmento é diferente do de José Afonso da Silva.
Entendem esses autores que o direito de propriedade recebe uma maior proteção quando a proprie-
dade atende a sua função social. Mas a propriedade que não atende a função social também é garantida,
ainda que de modo menos intenso.
2.5.3. Limitações constitucionais ao direito de propriedade
Como nenhum direito é absoluto, a CR prevê uma série de limitações à propriedade, algumas das
quais serão vistas a seguir.
1.46.2.8. Desapropriação
A desapropriação consiste na transferência compulsória de uma propriedade para o próprio Po-
der Público ou para um particular. O proprietário original perde o domínio sobre a coisa.
Ela pode ocorrer por necessidade pública, utilidade pública ou interesse social (art. 5º, XXIV, da
CR):
Art. 5º (...) XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados
os casos previstos nesta Constituição;
A indenização tem de ser prévia e justa. “Prévia” não significa que o valor será recebido antes da
desapropriação, mas que o título referente a essa indenização deve ser previamente recebido, ainda
que os valores sejam resgatados posteriormente.

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A CR faz uma ressalva final, referente ao pagamento em dinheiro, o que indica que nem toda a
indenização será paga em dinheiro (ex.: desapropriação-sanção).
1.46.2.9. Requisição
A requisição ocorre nos casos de emergência tal que não haveria tempo para o devido processo
legal. Na requisição não há transferência da propriedade, apenas uso ou ocupação temporária do bem.
Há duas espécies de requisição, a civil (art. 5º, XXV) e a militar (art. 139, VII). O instituto é o
mesmo, mas a diferença é que a militar ocorrerá somente em caso de guerra:
Art. 5º (...) XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de
propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...)
VII - requisição de bens.
A parte final do art. 5º, XXV assegura a indenização ao proprietário apenas “se houver dano”. Na
requisição, a indenização será sempre posterior, até porque não há como determinar se haverá ou não
dano e a extensão dele.
Quadro comparativo:
Desapropriação Requisição
A desapropriação está sempre relacionada a A requisição relaciona-se a bens e serviços. Ex.: re-
bens, uma vez que haverá transferência com- quisição de imóvel situado em fronteira e requisi-
pulsória da propriedade. Ex.: imóvel. ção de serviço de profissionais da área da saúde
para prestarem serviços em determinado local em
caso emergencial.
Na desapropriação, há aquisição da proprie- Na requisição, há uso da propriedade. A proprie-
dade. Como visto, trata-se de uma nova aquisi- dade mantém-se com o titular.
ção da propriedade, seja para o próprio Estado,
seja para outro particular.
Ocorre mediante acordo ou decisão judicial (na Decorre da autoexecutoriedade dos atos adminis-
ausência de acordo). trativos, pois não há tempo para a realização de
acordo ou discussão acerca da requisição.
É sempre indenizável. Sem exceção. Ainda que A indenização será devida apenas se houver dano
se trate de desapropriação-sanção, ela será in- à propriedade ou ao proprietário.
denizada.
A indenização será prévia, justa e, em geral, A indenização será sempre posterior e em di-
paga em dinheiro. Não será paga em dinheiro nheiro.
nos casos de desapropriação-sanção (penali-

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dade pelo descumprimento da sua função so-
cial), hipótese em que o pagamento será feito
em títulos, da dívida pública ou agrária.
A única hipótese em que o imóvel urbano é desapropriado e a indenização, apesar de justa e pré-
via, não é paga em dinheiro é a de desapropriação-sanção (art. 182, § 4º, III):
Art. 182 (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área in-
cluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente,
de: (...)
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e suces-
sivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Na desapropriação-sanção de imóvel urbano, não há privação arbitrária da propriedade por inob-
servância da função social da propriedade. Há previsão de determinações sucessivas impostas ao pro-
prietário: edificação compulsória, IPTU progressivo, desapropriação com pagamento mediante títulos
da dívida pública. O sujeito receberá títulos de resgate em até 10 anos, em parcelas anuais e sucessivas.
A única hipótese de desapropriação-sanção de imóvel rural é a prevista no art. 184 da CR: desa-
propriação para fins de Reforma Agrária (interesse social para fins de reforma agrária). A indenização
é prévia, justa e em títulos da dívida agrária:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imó-
vel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir
do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. (...)
No Informativo 626 do STF, consta importante decisão, proferida no MS 26.192/PB, que envolve
a interpretação do art. 185 da CR:
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não
possua outra;
II - a propriedade produtiva.
A questão é a seguinte: um imóvel rural pode ser desapropriado por interesse social em se tra-
tando de propriedade pequena ou média (desde que o proprietário não tenha outra)? E no caso de uma
propriedade grande e produtiva?
O art. 185 da CR determina que não pode haver desapropriação “para fins de reforma agrária”.
Não fala nada acerca do interesse social. No caso do julgado, a desapropriação não era para fins de
reforma agrária, mas para o assentamento de colonos, já que havia conflito de terras na região. Não era
caso de desapropriação-sanção.
O STF decidiu que, nos casos de necessidade pública, utilidade pública e interesse social (salvo
para fins de reforma agrária), as propriedades previstas no art. 185 podem ser desapropriadas. O inte-
resse coletivo prevalece sobre o interesse social, nesses casos. A diferença é que, como não se trata de

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penalidade (sanção), a indenização tem de ser paga sempre em dinheiro, nunca em títulos da dívida
agrária.
Essas transferências de imóveis feitas compulsoriamente, para fins de reforma agrária, são imu-
nes a tributos?180 O art. 184, § 5º, da CR determina que são isentas de impostos aquelas transferências.
A CR não fala em tributos. Imposto, como se sabe, é uma das espécies do gênero tributos:
Art. 184 (...) § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de trans-
ferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.
1.46.2.10. Confisco
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colo-
nos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao pro-
prietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. (...)
O confisco não se confunde com a desapropriação ou com a desapropriação-sanção. A única se-
melhança entre os institutos é a transferência compulsória da propriedade. A diferença é que, como
visto, a desapropriação será sempre indenizável. No confisco, nunca haverá qualquer indenização.
Não se deve confundir, todavia, o confisco de propriedade aqui estudado, permitido pela CR nos
casos do art. 243, com o tributo com efeitos confiscatórios, expressamente vedado pela CR.
Acerca do art. 243, cumpre destacar o seguinte julgado do STF (RE 543.974/MG): em uma pro-
priedade, havia destinação parcial de determinada gleba de terra para o cultivo de planta psicotrópica,
sendo que em outra parte do terreno havia o cultivo de plantas permitidas. Eros Grau entendeu que a
desapropriação não deveria ocorrer apenas da parte em que havia a planta ilícita, mas de toda a propri-
edade, sem qualquer indenização. Para o Ministro, esse é o sentido da norma.
O parágrafo único do art. 243 prevê outra hipótese de confisco. É muito comum a reversão de
bens em favor da Polícia, para o combate ao tráfico de drogas:
Art. 243 (...) Parágrafo único. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apre-
endido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho
escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma
da lei.
Finalmente, segundo entendimento do STF181, a responsabilidade do proprietário pelas atividades
que acarretem a expropriação- sanção será subjetiva (e não objetiva), com inversão do ônus da
prova em seu desfavor quanto à culpa (in vigilando ou in eligendo).
Segundo essa decisão, nos termos do voto relator, sendo hipótese de condomínio, havendo a boa-
fé de um dos proprietários, ainda assim este sofrerá as penas, devendo o inocente buscar reparação em
face do proprietário culpado.

180
Questão do CESPE e da ESAF.

181 STF - RE 635.336/PE: “A expropriação prevista no artigo 243, da Constituição Federal, pode ser afastada
desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in eligendo.”
248

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A previsão da exploração de trabalho escravo foi introduzida pela Emenda Constitucional
81/2014, mas a norma não é autoaplicável (... “na forma da lei” ...), dependendo de lei ordinária ainda
em fase de projeto.
1.46.2.11. Usucapião

A CR trata de duas hipóteses excepcionais de usucapião, diferentes das previstas no Código Civil,
em que o prazo previsto é reduzido (apenas 5 anos), tanto no caso de imóveis urbanos (art. 183) quanto
no de imóveis rurais (art. 191). É a chamada “usucapião constitucional ou especial”:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, ad-
quirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (...)

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu,
por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cin-
quenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua mora-
dia, adquirir-lhe-á a propriedade. (...)
Como os prazos são menores, os requisitos são maiores, mais específicos, e não estão previstos no
Código Civil.
Além de o usucapiente possuir o imóvel como se fosse seu (requisito tradicional), por cinco
anos ininterruptos há a necessidade de que o imóvel seja utilizado como moradia da própria
pessoa ou de sua família. A pessoa não pode ter outro imóvel, urbano ou rural, e há requi-
sitos específicos para as respectivas modalidades:
i) em se tratando de imóvel urbano, a área total não pode ser maior que 250 metros quadrados;
ii) em se tratando de imóvel rural, a área não pode ser maior que 50 hectares e o possuidor tem
de dar à propriedade uma função social (deve torná-la produtiva).
Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Questão interessante se verifica na hipótese de leis municipais limitarem o tamanho mínimo dos
terrenos localizados na localidade, e os reflexos sobre a usucapião especial, sobre o tema o STF se pro-
nunciou no sentido de que: “Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do di-
reito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstituci-
onal que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão
do lote).”182
A CR não admite usucapião de imóveis públicos (arts. 183, § 3º e 191, parágrafo único).
Art. 183 (...) § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191 (...) Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

182 STF – RE 422.349/RS


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A CR não diz quando a propriedade urbana cumpre sua função social. Ele transfere essa respon-
sabilidade ao Plano Diretor de cada município, obrigatório aos que tenham mais de 20.000 habitantes.
No caso do imóvel rural, a CR estabelece critérios que, ainda que tenham de ser regulamentados
por lei, devem ser observados para o cumprimento da sua função social (art. 186):
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, se-
gundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: [Na classificação
de José Afonso da Silva, esta seria uma norma de eficácia limitada, na medida em que
dependente de regulamentação para ser aplicada.]
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

3. Dos direitos sociais


Não serão estudados neste tópico os direitos sociais em espécie, somente as teorias mais impor-
tantes acerca deles.
3.1. Aspectos introdutórios
Importante destacar que o art. 6º da CF183, que traz os direitos sociais, já foi alterado algumas
vezes. Sempre para incluir mais algum direito social, assim os direitos à moradia (EC 26/2002), alimen-
tação (EC 64/2010) e transporte (EC 90/2015) não faziam parte da redação original do Art., pois, foram
introduzidos posteriormente.
Em uma interpretação literal do disposto no art. 60, § 4º, os direitos sociais não seriam cláusula
pétrea.
No entanto, na doutrina, um grande número dos autores sustenta que muitos dos direitos
sociais são, sem dúvida, cláusulas pétreas implícitas, como saúde, educação, assistência aos
desamparados, porque são pressupostos para que os direitos e garantias individuais se-
jam usufruídos. Não há como usufruir direitos individuais em sua plenitude sem que sejam resguar-
dados direitos sociais mínimos184.
Obs.: O Brasil viveu três fases na questão em relação aos direitos sociais:
1ª) Total ausência de normatividade, em que o art. 196 era visto como norma programática pelos
Tribunais Superiores, não se podendo exigir judicialmente do Estado prestações na área da saúde.

183 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o trans-
porte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desam-
parados, na forma desta Constituição
184 “Oferecer direitos políticos ou salvaguardas contra o Estado a homens seminus, analfabetos, subnutri-
dos, doentes, é zombar de sua condição: eles precisam de ajuda médica ou de educação antes de poderem com-
preender ou aproveitar o aumento em sua liberdade” (Isaiah Berlin).
250

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2ª) A mudança drástica no entendimento dos Tribunais, a ponto de concederem quase todas as
demandas sem parâmetro;
3ª) Busca-se estabelecer parâmetros racionais para a atuação do porder judiciário a fim de não criar
distorções e injustiças.
3.1.1. O problema da efetividade dos direitos sociais
Todo direito previsto na Constituição possui eficácia, ainda que seja negativa (que criam obstáculo
para normas inconstitucionais), com exceção das normas de eficácia exaurida do ADCT. A efetividade,
por outro lado, consiste no cumprimento da função para a qual o direito foi criado, quando se atinge a
sua finalidade (a lei que “pega”).
Nesse sentido, nota-se que os direitos sociais são consagrados em normas de “textura aberta” (ge-
ralmente princípios), ou seja, a concretização destes direitos fica a cargo dos poderes públicos.
Isso é próprio de uma sociedade pluralista, como a brasileira, pois assim os poderes públicos po-
dem concretizar estes direitos de acordo com a vontade da maioria.
A prioridade na definição de políticas públicas é do legislativo e do executivo, eleitos para esta
finalidade.
As escolhas das prioridades pelo PL ou PE em virtude da clara limitação orçamentária e dos mui-
tas vezes elevados custos de efetivação dos direitos sociais são denominadas de “Escolhas trágicas”,
mencionadas por Guido Calabresi e Philip Bobbit, em virtude da impossibilidade real do Estado de
atender a todos os direitos sociais com igual ênfase, ainda que sejam igualmente importantes.
Dessa forma, é possível verificar uma menor efetividade dos direitos sociais em relação aos
direitos de defesa, uma vez que estes apenas exigem a abstenção do Estado.
No entanto, isso não significa que não possa haver uma intervenção judicial quando os poderes
públicos se omitem ou retardam a concretização de direitos.
1.46.2.12. Críticas à Adjudicação
A doutrina tece diversas críticas a respeito da intervenção judicial na implementação dos direitos
sociais. Embora tais críticas não signifiquem obstáculos intransponíveis, possuem argumentos contri-
butivos, que devem ser levados em conta pelos juízes, como parâmetro de atuação.
I) Separação dos poderes/legislador positivo
Essa crítica parte da premissa de que o Judiciário não poderia intervir em políticas públicas, pois
seria uma usurpação de competências dos Poderes Legislativo e Executivo.
Advém da teoria clássica da Separação dos Poderes, de Montesquieu. Hoje em dia, o ordenamento
jurídico é mais complexo e não deve impedir a atuação do Judiciário, que tem o dever, todavia, conceder
prioridade às escolhas do Legislativo e Executivo. Assim, sendo proporcionais as escolhas dos demais
poderes, o judiciário não pode passar por cima delas.
Outro aspecto, advindo da teoria de Hans Kelsen do início do século XX, sustenta que o Judiciário
deveria atuar como “Legislador negativo”. No entanto, a teoria tomava por base constituições que não

251

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impunham tarefas aos poderes públicos. Hoje, até mesmo a decisão tomada em Mandado de Injunção
poderá ter eficácia ultra partes ou erga omnes, em alguns casos, permitindo ao Judiciário atuar como
“Legislador positivo” a fim de suprir as omissões deixadas por outros Poderes.
Contracrítica: Normatividade e supremacia da Constituição > papel do Poder Judiciário.
Todo o texto constitucional possui caráter vinculante e obrigatório. Caso o legislador se omita de
um papel atribuído a ele, o Judiciário possuirá legitimidade de intervir; a supremacia constitucional
está acima dos Poderes Legislativo e Executivo, inclusive, cabendo ao Judiciário garantir a sua obser-
vância.
II) Ausência de legitimidade democrática
O Poder Judiciário não teria legitimidade para a escolha das políticas públicas a serem prioriza-
das.
Origem dos recursos públicos > Prerrogativa para decidir
Se os recursos para a concretização de direitos advêm dos tributos pagos pelo povo, somente ca-
beria a seus representantes eleitos a escolha de sua destinação prioritária. Os juízes não foram eleitos
pela maioria, e por isso não teriam legitimidade democrática.
Contracrítica: O Judiciário implementa a democracia substancial, pela observância de direitos
fundamentais para todos, inclusive para as minorias.
Nesse sentido, a democracia não é apenas vontade da maioria, ou realização de eleições periódi-
cas.
Para que haja uma vontade verdadeiramente livre, é necessário assegurar a fruição de direitos
básicos. Hoje, a democracia não tem mais aquele caráter formal, ao lado deste tem um
caráter substancial também. A fruição dos direitos básicos deve ser a todos e não somente à mai-
oria. Como uma pessoa pode escolher um governante sem ter acesso à educação, informação, se não
tem comida? A escolha não será verdadeiramente livre como deveria. Está ligada a igualdade material.
3.2. Teoria da “reserva do possível”
3.2.1. Noções gerais
Existe uma tese enganosa acerca da ausência de custos de alguns direitos, com p. ex. os direitos
de defesa
Entretanto, é possível afirmar que todos os direitos possuem custos, diretos ou indiretos,
ainda que sejam direitos negativos185.
Os direitos sociais possuem um custo especialmente oneroso. Portanto, com a escassez de recur-
sos, toda decisão alocativa será também desalocativa de recursos.
Por isso, tem lugar a teoria da “reserva do possível”, em que o Estado aloca seus recursos nos
limites de suas possibilidades orçamentárias, requerendo cautela por parte do Poder Judiciário.

185 Stephen Holmes e Cass Sunstein (em “The costs of the rights”)
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A expressão “reserva do possível” surgiu em decisão proferida em 1972 pelo Tribunal Constituci-
onal Federal Alemão, em caso que tratava da questão das vagas em universidades.
Os autores da ação diziam que se a constituição assegurava o direito ao exercício de qualquer
trabalho, emprego ou profissão (assim como brasileira), eles tinham direito de acesso à universidade,
mesmo não havendo na constituição previsão de gratuidade obrigatória às universidades, sob pena de
restar inviabilizada aquela liberdade. O TCFA decidiu que, apesar de ser desejável o acesso às universi-
dades públicas, o Estado não tem como proporcionar a todos a vaga, em razão das limitações orçamen-
tárias.
A expressão “reserva do possível” foi trazida para o Brasil e é muito utilizada pela doutrina. To-
davia, muitos autores, como Andreas Krell, criticam essa transposição do conceito para o direito brasi-
leiro. Segundo ele, a teoria inviabiliza a efetividade dos direitos sociais, pois no Brasil as desigualdades
são enormes. Novelino discorda desse posicionamento, pois as limitações orçamentárias no Brasil são
muito maiores que na Alemanha.
Como visto, autores como Guido Calabresi e Phillip Bobbit chamam essas hipóteses de “escolhas
trágicas”. Sendo o orçamento limitado (ex.: ensino superior), sempre que o Judiciário determinar a
alocação de recurso em uma área haverá desalocação desse recurso em outra também importante. Ou
seja, toda decisão alocativa de recursos é também desalocativa.
Surge a dúvida: a quem cabem essas “escolhas trágicas”? Ao Judiciário? Ou ao Executivo e ao
Legislador? Foram democraticamente eleitos para a realização dessas escolhas o Executivo e o Legisla-
tivo. Assim, em princípio, são eles que devem fazê-las. Mas isso não significa que o Judiciário não possa
intervir. Quando a CR estiver sendo desrespeitada por aqueles Poderes, ele deve agir. Ainda que ele
possa atuar, não cabe a ele, prioritariamente, definir políticas públicas, mas ao Legislativo e ao Execu-
tivo, por uma questão democrática, de escolha da maioria.
O judiciário pode atuar porque se tudo ficasse nas mãos da maioria, correr-se-ia o risco de as
minorias não serem tratadas com igual respeito e consideração.
3.2.1. Dimensões para a reserva do possível
Ingo Sarlet entende que há três dimensões para reserva do possível: i) possibilidade fática, ii)
possibilidade jurídica e iii) razoabilidade da exigência e proporcionalidade da prestação.
1.46.2.13. Possibilidade fática
A possibilidade fática consiste na existência de recursos orçamentários para atender às pretensões
individuais.
Os direitos sociais, ao contrário dos individuais, têm caráter eminentemente positivo, pois exigem
do Estado prestações (uma atuação positiva). Para que o Estado atenda a essas prestações, ele precisa
ter recursos orçamentários. Ex.: é possível exigir do Estado a construção de uma casa, com base no art.
6º da CR, que traz a previsão do direito à moradia? Em principio, sim. Todavia, parece difícil imaginar
que o Estado consiga construir uma casa a todos que não têm onde morar.

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Assim, quando se fala na possibilidade fática, deve-se analisar, sob o ponto de vista coletivo (e não
individual), se o Estado tem condições de construir uma casa para todos. Essa análise sob o ponto de
vista universal deve ser realizada em virtude do princípio da isonomia. Isso porque, individualmente, o
Estado teria condições de atender à demanda, mas não teria condições de atender a todas as demandas.
O meio mais adequado, portanto, para a implementação dos direitos sociais é a ação coletiva.
Através dela, todas as pessoas que necessitam de determinada prestação estatal são atendidas, e não
somente aquelas que têm acesso ao Judiciário.
No Brasil, o Estado tende a ser muito mais generoso em ações individuais que em ações coletivas.
Ex.: em estudo realizado há dois anos no RJ, concluiu-se que 99% das ações individuais buscando me-
dicamentos foram julgadas procedentes.
Obs.: nesta dimensão, não confundir ausência de recurso com alocação indevida deles, pois esta
autoriza a intervenção judicial.
1.46.2.14. Possibilidade jurídica
A possibilidade jurídica envolve, basicamente, dois aspectos:
i) análise da existência de previsão orçamentária:
Trata-se do princípio da legalidade do orçamento. O limite orçamentário, entretanto, não pode
ser absoluto, sob pena de a possibilidade jurídica ficar exclusivamente nas mãos dos Poderes Executivo
e Legislativo, quando da elaboração do orçamento.
ii) análise das competências federativas:
Trata-se de saber qual ente federativo é o responsável pela demanda, o que nem sempre é fácil.
Em se tratando de saúde, por exemplo, a competência é dos três entes. Quem será demandado? Em
algumas demandas, como educação, essa divisão é mais fácil. Noutras não.
1.46.2.15. Razoabilidade da exigência e proporcionalidade da presta-
ção
Outra dimensão da reserva do possível é que a exigência deve ser razoável e a prestação propor-
cional. Ex.: analisando a construção de casas exclusivamente sob o aspecto da possibilidade fática, che-
gar-se-ia à conclusão de que o Poder Público sempre terá condições orçamentárias de atender à de-
manda, por poder, em última análise, aumentar os impostos ou até emitir mais dinheiro. Todavia, deve-
se analisar se é razoável alocar recursos da educação e da saúde, por exemplo, para a moradia.
A única ponderação que Novelino faz quanto a esse aspecto diz respeito à saúde. Em se tratando
da vida e da saúde das pessoas, é bastante difícil a alegação de limites orçamentários e reserva do pos-
sível. A saída para esses casos será estudada mais adiante.
A reserva do possível é matéria de defesa dos Poderes Públicos. Por isso, o ônus da prova cabe
ao Estado (a quem alega). É ele que tem de demonstrar não ter condições de atender àquela de-

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manda. Na prática os Procuradores alegam a reserva sem demonstrar, por se tratar de questão extre-
mamente complexa, que envolve cálculos complicados e análise dos orçamentos. O Estado acaba com-
pelido a atender à demanda.
3.3. Teoria do “mínimo existencial”
3.3.1. Noções gerais
“Mínimo existencial” é expressão que surgiu na Alemanha, em decisão proferida em 1953 pelo
Tribunal Federal Administrativo. Ela começou a ser repetida pelo TFCA e foi trazida para o Brasil por
Ricardo Lobo Torres. Posteriormente, passou a ser utilizada pelo STF. Celso de Melo comenta sobre o
mínimo existencial em várias das suas decisões.
Segundo a doutrina alemã, o mínimo existencial é deduzido: i) da dignidade da pessoa humana;
ii) do princípio da igualdade material; e iii) do princípio do estado social. Consiste no conjunto de
bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna. Ele está diretamente ligado aos
deveres decorrentes da dignidade da pessoa humana.
A CR consagra amplo rol de direitos sociais, dentro do qual há um núcleo, um subgrupo, que é
composto justamente pelo mínimo existencial. Não há como estabelecer um “máximo existencial”, pois
se todos os direitos custam, os sociais têm um custo especialmente oneroso, de modo que, quanto mais
esse rol é ampliado, menor é a efetividade deles. A razão para o estabelecimento de um mínimo
é, portanto, conferir máxima efetividade a esse núcleo.
3.3.2. Direitos que compõem o mínimo existencial
Quais direitos compõem o mínimo existencial? Autores como Ricardo Lobo Torres defendem que
isso varia de Estado para Estado, de modo que não haveria como definir, a priori, para todos os Estados,
qual seria o mínimo existencial.
Uma vez que tais direitos se alteram com o decorrer do tempo e nas mais diversas sociedades, nas
palavras do Prof. Ricardo Lobo Torres.
A partir da análise da CR e da legislação infraconstitucional, Ana Paula de Barcelos define os di-
reitos que integrariam o mínimo existencial no Brasil186:
i) direito à saúde:
Para Novelino, do rol de Ana Paula, o direito à saúde é o mais problemático, pois pode ter diversas
dimensões, em virtude da sua grande amplitude. Ex.: a pessoa pode exigir determinado tratamento que
só pode ser realizado nos EUA? Uma pessoa pode “pular a fila” de determinado tratamento, em casos
de mesma urgência? Havendo dois remédios, um muito mais caro e mais eficaz, e outro mais barato e
menos eficaz, qual será fornecido?
ii) educação básica:

186
Há autores que entendem estarem outros direitos abrangidos.

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Ana Paula fala em “educação fundamental”, pois o artigo dela foi escrito antes da EC 59/2009
(art. 208, I, da CR):
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegu-
rada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
O dispositivo não é princípio, mas regra. Todas as pessoas podem exigir do Estado o cumprimento
do seu conteúdo, o qual não pode alegar a reserva do possível para negar efetividade ao direito.
iii) assistência aos desamparados:
Segundo Ana Paula, o Estado deve intervir em casos de situação de extrema pobreza. O LOAS é
benefício que viabiliza o cumprimento da assistência aos desamparados.
iv) acesso à Justiça:
O acesso à Justiça é o instrumento necessário para garantir a efetividade desses direitos básicos.
Daí a sua importância.
3.3.3. Relação entre o mínimo existencial e a reserva do possível
Há dois posicionamentos acerca da relação entre o mínimo existencial e a reserva do possível:
i) posição de Daniel Sarmento:
O autor defende que o mínimo existencial não é absoluto e deve ser ponderado com a reserva do
possível e com o direito de terceiros (pessoas que deixarão de ser atendidas com a destinação de deter-
minada verba ao atendimento da reserva).
Assim, segundo o autor, todos os direitos sociais devem ser ponderados em face do princípio da
“reserva do possível”, dando maior peso àqueles que compõem o “mínimo existencial”, o que conferirá
maior ônus argumentativo àquele que enfrentar esse subnúcleo.
ii) posição de Ingo Sarlet:
Para o autor, a ponderação preconizada por Daniel Sarmento não é possível. Ingo sustenta que
não se pode opor a reserva do possível ao mínimo existencial. Se o direito integra o mínimo existencial,
ele deve ser atendido, ainda que o Estado tenha de atender a outras demandas ou os recursos sejam
limitados.
De certa forma, foi o posicionamento adotado pelo STF no RE 482.611/SC187. Segundo restou de-
cidido, a reserva do possível poderia ser usada para afastar a aplicação de outros direitos sociais, que
não o mínimo existencial.

187 “STF – RE 482611/SC: “[...] Impossibilidade de invocação, pelo Poder Público, da cláusula da reserva
do possível sempre que puder resultar, de sua aplicação, comprometimento do núcleo básico que qualifica
o mínimo existencial” (RTJ 200/191-197)”. Obs.: STJ adotou a tese REsp 1.185.474/SC. Informativo 431. Diz
que o Estado só pode utilizar este argumento quando se tratar pela real insuficiência de recursos em razão da
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3.4. Vedação de retrocesso social188
Inicialmente, importa lembrar que o princípio em questão diz respeito aos direitos sociais, diri-
gindo-se aos Poderes Públicos responsáveis por sua concretização, não se confundindo com a ve-
dação ao retrocesso dirigida ao Poder Constituinte Originário, que não o permite retroceder
quanto aos direitos fundamentais já conquistados.
A consagração constitucional do princípio é encontrada na segurança jurídica (caput do art.
5º e XXXVI), na dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), na máxima efetividade (art. 5º, § 1º),
no princípio do Estado Social e Democrático de Direito (caput do art. 1º) e no sistema internacional de
Direitos Humanos.
Como visto, a grande maioria dos direitos sociais é consagrada em normas abertas, que necessi-
tam de concretização pelos Poderes Públicos (é uma característica desses direitos). Isso porque os po-
deres públicos escolherão as prioridades de acordo com a vontade da maioria, através da escolha de
programas políticos. Por essa razão, em tese não caberia à constituição estabelecer as prioridades de
escolha.
Segundo a teoria da vedação do retrocesso social, a partir do momento em que os direitos
sociais restam concretizados, a norma concretizadora passa a fazer parte do próprio
direito social e, com isso, passa a ter status constitucional (passa a ser materialmente
constitucional, ainda que não o seja formalmente). É como se a norma passasse a fazer parte
do bloco de constitucionalidade.
Assim, a vedação ao retrocesso social consiste no impedimento dirigido aos Poderes Públicos, que
são responsáveis pela concretização da Constituição, de extinguir ou reduzir de forma desproporcional
e injustificada o grau de concretização alcançado por um direito fundamental prestacional.
Tendo status constitucional, a norma não pode mais ser objeto de retrocesso. Ou seja, a partir do
momento em que ocorre a concretização de um direito social, tal concretização não pode mais retroce-
der, sob pena de afetação do próprio direito social.
A doutrina aponta duas concepções sobre a vedação do retrocesso:
i) 1ª Corrente: Gustavo Zagrabelsky - a vedação de retrocesso impede qualquer redução
no grau de concretização alcançado por uma norma de direito social. O problema dessa
concepção é a questão orçamentária.

baixa arrecadação, quando se tratar de falta de recursos por “escolhas trágicas”, não poderia alegar a reserva do
possível.
188 Nomenclaturas sinônimas: “proibição de retrocesso”; “vedação de retrocesso social”, “efeito cli-
quet”, “proibição de contrarrevolução social”, “proibição de evolução reacionária”, “eficácia vedativa/impeditiva
de retrocesso” e “não retorno da concretização”.
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Crítica: O poder público acaba ficando engessado pelas prioridades estabelecidas pelos governan-
tes anteriores, pois não pode restringir o orçamento dado para outros direitos sociais a fim de concre-
tizar novas prioridades. Ela praticamente elimina a liberdade de conformação legislativa.
Ex: em um governo a prioridade é o lazer, no próximo governo é a segurança pública. Como o
próximo governo irá concretizar a segurança pública se não pode diminuir nada o lazer? Ele fica impos-
sibilitado de optar por direitos.
ii) 2ª Corrente: José Carlos Vieira de Andrade/Jorge Miranda: permite a redução no grau
de concretização de um direito apenas quando essa concretização se mostrar irrazoável ou
arbitrária.
A redução deve-se justificar (ex: pela redução do orçamento, pela prioridade de outros direitos...).
A segunda corrente é mais correta. Até porque a regra é a livre escolha de prioridades pelo poder
público. O princípio da vedação do retrocesso deve ser tratado como uma exceção.
Salienta-se que segundo o STF, o princípio protege os direitos sobre os quais há um “consenso
profundo” na sociedade a respeito do grau de concretização adquirido.189
4. Dos direitos de nacionalidade
4.1. Definição
Nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado, fazendo dele um com-
ponente do povo. Ou seja, a partir dela, o indivíduo passa a pertencer ao povo do Estado.
Povo não se confunde com população. População designa todos aqueles que residem num país
(estrangeiros, apátridas etc.), enquanto povo designa somente os nacionais (natos ou naturalizados).
4.2. Espécies de nacionalidade
4.2.1. Nacionalidade primária ou originária
Aquele que possui nacionalidade primária ou originária reconhecida pela CR é considerado bra-
sileiro nato. As hipóteses estão previstas no art. 12, I, da CR.
Um dos aspectos diferenciadores da nacionalidade originária para a adquirida é que a primeira é
adquirida por um fato natural (o nascimento: local ou filiação), e não por um ato de vontade.
Cada país possui soberania para definir quais critérios serão considerados para esse tipo de
nacionalidade, se territorial (local de nascimento do indivíduo) ou sanguíneo (sua ascendência), ou
até mesmo misto (territorial e sanguíneo).

189

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1.46.2.16. Critério territorial (jus soli)

Geralmente, é critério adotado por países em formação, de imigração. Foi adotado pelo Brasil na
época da independência, pois a população era formada primordialmente por estrangeiros.
O critério atualmente adotado pelo Brasil no art. 12, I, “a” é do jus soli “menos” o critério funcio-
nal:
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes
não estejam a serviço de seu país;
Toda pessoa que nasce no país é brasileiro nato, independentemente da nacionalidade dos pais, a
menos que os pais estejam a serviço de seu país. Observe que, para que o sujeito não tenha a nacionali-
dade brasileira reconhecida, ambos os pais devem estar a serviço do seu país. Além disso, os
pais têm de estar a serviço de seu próprio país, não de outro. Caso um diplomata argentino, a serviço
de seu país, se case com uma brasileira, seu filho será brasileiro nato, tanto no Brasil como na Argentina.
1.46.2.17. Critério sanguíneo (jus sanguinis)
Sempre que aparece na CR, o critério sanguíneo vem conjugado com outro.
i) no art. 12, I, “b”, há conjugação do jus sanguinis com um critério funcional:
Art. 12. São brasileiros:
I - natos: (...)
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja
a serviço da República Federativa do Brasil;
Ao contrário da hipótese anterior, na da alínea “b” não é necessário que ambos os pais estejam a
serviço do Brasil (ver que a CR fala em “ou”).
ii) no art. 12, I, “c”, a CR exige o critério sanguíneo, acrescido da residência no Brasil e a opção
pela nacionalidade brasileira (note que são três critérios cumulativos):
Art. 12. São brasileiros:
I - natos: (...)
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registra-
dos em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do

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Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade bra-
sileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)
Antes da EC 54/2007, se o filho de brasileiro nascesse no exterior e os pais não estivessem a ser-
viço do Brasil, ele não seria considerado brasileiro. Surgiu o movimento dos “brasileirinhos apátridas”:
residente em país que adota o ius sanguinis, como a Itália, a pessoa também não seria italiana. Seria
apátrida. Por conta desse problema, foi acrescentada exigência à alínea “c”: jus sanguinis “mais” regis-
tro na repartição brasileira competente.
Se os pais decidirem por não realizar o registro (ex.: país que adote o critério territorial), a pessoa
pode optar pela nacionalidade brasileira quando vier ao Brasil. Essa opção é personalíssima. Por isso a
exigência da maioridade.
Alguns autores sustentam que através da adoção também se adquire a nacionalidade brasileira,
em razão do disposto no art. 227, § 6º, da CR:
Art. 227 (...) § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Para que não haja diferença de tratamento entre filhos, se algum estrangeiro for adotado por pai
brasileiro, ele será considerado brasileiro nato, para essa corrente.
4.2.2. Nacionalidade adquirida
A nacionalidade adquirida é aquela em que o sujeito é considerado brasileiro naturalizado (art.
12, II). A naturalização pode ocorrer de duas hipóteses: naturalização tácita (ou grande naturalização)
e naturalização expressa.
1.46.2.18. Naturalização tácita
A naturalização tácita independe de manifestação de vontade expressa para aquisição da nacio-
nalidade. É geralmente adotada por países que estão começando a se desenvolver, com território grande
e povo pequeno.
No art. 6º, IV, da Constituição de 1824190, havia previsão segundo a qual os portugueses que aqui
viviam eram automaticamente considerados brasileiros natos, a menos que se manifestassem expres-
samente em contrário:
A Constituição de 1891 adotou a também a naturalização tácita (art. 69, 4º)191

190 Art. 6. São Cidadãos Brazileiros (...) IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já
residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram
á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residencia.
191 Art 69 - São cidadãos brasileiros: 4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de
1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a
nacionalidade de origem; 5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasilei-
ros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar
de nacionalidade;
260

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Naturalização tácita não se confunde com a involuntária, em que a nacionalidade é adquirida
mesmo contra a vontade da pessoa. Em determinados países, a mulher adquire a nacionalidade do ma-
rido com quem se casa. Segundo Novelino, a Itália adotava essa hipótese de naturalização involuntária.
As posteriores constituições e a CR/88 não adotaram a naturalização tácita. Somente a expressa.
1.46.2.19. Naturalização expressa

São hipóteses de naturalização expressa:


4.2.2.1.1. Naturalização expressa ordinária
A naturalização expressa ordinária está prevista no art. 12, II, “a”, da CR:
Art. 12. São brasileiros: (...)
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países
de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
No dispositivo, há duas hipóteses de naturalização expressa ordinária:
i) a regra geral:
São naturalizados os brasileiros que “na forma da lei”, adquirirem a nacionalidade brasileira. A
CR não trata desses requisitos, que vêm disciplinados pela Lei 13.445/2017 (Lei de Migração):

“Art. 64. A naturalização pode ser:


I. – ordinária; [prevista no art. 12 da CF, inciso II, alínea “a”]
II. - extraordinária; [prevista no art. 12 da CF, inciso II, alínea “b”]
III- especial; ou
IV - provisória.
Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condi-
ções: I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;
I. - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;
II - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e IV - não
possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.
Art. 67. A naturalização extraordinária será concedida a pessoa de qualquer nacionalidade
fixada no Brasil há mais de 15 (quinze) anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeira
a nacionalidade brasileira.
Art. 68. A naturalização especial poderá ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma
das seguintes situações:
I. - seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior
Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior; ou
II. - seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por
mais de 10 (dez) anos ininterruptos.
Art. 69. São requisitos para a concessão da naturalização especial:
I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e III - não
possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.
Art. 70. A naturalização provisória poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente
que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser
requerida por intermédio de seu representante legal.
261

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Parágrafo único. A naturalização prevista no caput será convertida em definitiva se o naturalizando ex-
pressamente assim o requerer no prazo de 2 (dois) anos após atingir a maioridade.”
ii) originários de países de língua portuguesa:
Observe que não se trata somente de portugueses, mas de países de língua portuguesa. Di-
versamente da anterior, nesta hipótese a CR estabelece diretamente os requisitos para a aquisição da
nacionalidade: um ano de residência ininterrupta e idoneidade moral.
Na hipótese de originários de países de língua portuguesa, a concessão da nacionalidade brasileira
é ato vinculado ou discricionário? Segundo o STF, trata-se de um ato discricionário, de soberania esta-
tal. Não há direito subjetivo.
4.2.2.1.2. Naturalização expressa extraordinária (ou quinzenária)
A naturalização expressa extraordinária (ou quinzenária) está prevista no art. 12, II, “b”:
Art. 12. São brasileiros: (...)
II - naturalizados: (...)
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há
mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade
brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
Veja que a própria Constituição prevê os requisitos da naturalização expressa extraordinária:
i) quinze anos de residência ininterrupta no Brasil (por isso quinzenária);
ii) ausência de condenação penal; e
iii) opção da pessoa pela nacionalidade brasileira.
Aqui, segundo do STF, trata-se de um ato vinculado e o indivíduo tem direito público
subjetivo ao reconhecimento da naturalização. Não se trata de ato de soberania brasileiro. A
diferença de tratamento para com a hipótese anterior, para o STF, está na parte final do dispositivo
“desde que requeiram”. Por conta dessa expressão, o STF entende que se trata de direito subjetivo, bas-
tando o requerimento da pessoa e o atendimento dos demais requisitos.
4.3. “Quase-nacionalidade”
Nessa hipótese, exclusiva aos portugueses, ainda que não conferida a nacionalidade, a Cons-
tituição garante ao indivíduo os mesmos direitos inerentes aos brasileiros.
A quase-nacionalidade está prevista no art. 12, § 1º, da CR:
Art. 12 (...) § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em
favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta
Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
Ela somente se aplica aos portugueses (e não a pessoas de outra nacionalidade, ainda que de lín-
gua portuguesa). Não se confunde com a hipótese de nacionalidade expressa ordinária.
A quase-nacionalidade somente ocorrerá se houver reciprocidade no reconhecimento desses di-
reitos aos brasileiros residentes em Portugal, na legislação portuguesa. Além da reciprocidade, o portu-
guês deve ter residência permanente no Brasil e estar alistado como eleitor.

262

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A CR não fala se serão atribuídos ao português os direitos do brasileiro nato ou naturalizado, mas
é pacífico que ele terá os mesmos direitos do brasileiro naturalizado.
Veja que o dispositivo, quando fala em “brasileiro”, quer dizer “brasileiro nato”. Para dizer que o
português terá direitos no naturalizado, a CR prevê a cláusula “salvo os casos previstos na Constituição”.
Assim, aos portugueses equiparados são atribuídos os mesmos direitos do brasi-
leiro naturalizado, ou, em outras palavras, os mesmos direitos dos brasileiros natos, “salvo os casos
previstos na Constituição”.
4.4. Diferenças de tratamento entre os brasileiros natos e naturali-
zados
Inicialmente, cumpre destacar que somente a CR pode estabelecer diferenças entre brasileiros
natos e naturalizados (art. 12, § 2º). O máximo que a lei pode fazer é regulamentar as hipóteses consti-
tucionalmente previstas.
Art. 12 (...) § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados,
salvo nos casos previstos nesta Constituição.

4.4.1. Diferenças em razão de cargos privativos


Alguns cargos são privativos de brasileiros natos:
i) a linha sucessória do Presidente da República:
Qualquer cidadão que puder ocupar o cargo de Presidente, ainda que temporariamente, tem de
ser brasileiro nato. Assim, têm de ser brasileiro nato: o Presidente, o Vice-Presidente, o Presidente da
Câmara dos Deputados (embora para ser deputado não é necessário ser nato), o Presidente do Senado
e o Presidente do STF.
ii) o cargo de Ministro do STF:
Todos os Ministros do STF têm de ser brasileiros natos. No STJ, por exemplo, pode haver brasi-
leiro naturalizado. O Presidente do CNJ necessariamente tem de ser brasileiro nato, na medida em ele
sempre será o Presidente ou o Vice-Presidente do STF (art. 103-B, § 1º, da CR):
Art. 103 (...) § 1º O Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e, nas
suas ausências e impedimentos, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 61, de 2009)

4.4.2. Diferenças em virtude de critério de segurança nacional


Por razões de segurança nacional, Carreiras Diplomáticas, Oficiais das Forças Armadas e Ministro
de Estado e da Defesa têm de ser brasileiro nato.
Além deles, seis assentos do Conselho da República obrigatoriamente serão de brasileiros natos,
com mais de 35 anos (art. 89, VII):
Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele
participam: (...)
VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois
nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos

263

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Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução.

4.4.3. Propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e


de sons e imagens
Também devem ser brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos os proprietários de
empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Dizem as más línguas que essa res-
salva de dez anos teve de ser inserida para que o dono da Editora Abril, que é naturalizado, pudesse
continuar dono da empresa.
4.4.4. Extradição
Brasileiro nato não pode ser extraditado em hipótese alguma, mesmo que tenha
outra nacionalidade192.
Já o naturalizado pode ser extraditado em duas situações:
i) se o sujeito praticar crime comum antes da naturalização:
Esta hipótese existe porque se presume que ele quis a nacionalidade para não ser extraditado.
Crime comum é expressão para evitar que o sujeito seja extraditado por crime político ou de opinião.
ii) se o sujeito praticar crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins:
Neste caso, pouco importa se o sujeito pratica o crime antes ou depois da naturali-
zação.
A extradição ocorre quando o sujeito pratica crime em outro país, não no Brasil. Ou seja, envolve
o crime praticado no país que requer a extradição.
O fato de ser casado com brasileira ou ter filho brasileiro não impede a extradição do estrangeiro
(Súmula 421 do STF):
Súmula 421 - Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira
ou ter filho brasileiro.
Obs.: Situação diferente ocorreu no ano de 2017, cuja repercussão deixou bastante confusão sobre
o tema. O STF concedeu extradição aos EUA de brasileira nata que voluntariamente se naturalizou na-
quele país. Conforme prevê a Constituição brasileira, nessas condições de aquisição de nacionalidade

192 “STF - HC 83.113 MC/DF: “O brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do
delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a Constituição da Repú-
blica, em cláusula que não comporta exceção, impede, em caráter absoluto, a efetivação da en-
trega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do “jus soli”, seja pelo critério do “jus sangui-
nis”, de nacionalidade brasileira primária ou originária. [...] Esse privilégio constitucional, que beneficia, sem ex-
ceção, o brasileiro nato (CF, art. 5º, LI), não se descaracteriza pelo fato de o Estado estrangeiro, por lei própria,
haver-lhe reconhecido a condição de titular de nacionalidade originária pertinente a esse mesmo Estado (CF, art.
12, § 4º, II, “a”).” (g.n.)
264

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estrangeira voluntária, o indivíduo perde a nacionalidade originária brasileira, abrindo caminho, assim,
para a extradição193.
Há outra regra, em sentido diametralmente oposto, que trata da expulsão (Súmula 1 do STF e a
art. 75 do Estatuto do Estrangeiro):
Art. 75. Não se procederá à expulsão: (...)
II - quando o estrangeiro tiver:
a) Cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que
o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou
b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.
(...)
Súmula 1 - É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro,
dependente da economia paterna.
Extradição, expulsão, deportação e entrega são quatro situações que não se confundem.
Na extradição, o sujeito pratica crime no outro país. Na expulsão, o crime é praticado dentro do
Brasil e o sujeito será expulso do território brasileiro. A deportação consiste na devolução compulsória
de um estrangeiro que tenha ingressado no Brasil de forma irregular no país (arts. 57 e 58 do Estatuto
do Estrangeiro194). Por fim, a entrega (ou “surrender”), prevista no Estatuto do TPI, há a entrega do
sujeito para julgamento perante aquele tribunal.
Alguns autores consideram que é a entrega seria uma extradição. Novelino entende que a natureza
e a finalidade das medidas são diversas. Nenhuma constituição admite que o nacional seja extraditado
para evitar que seja julgado por outro país, segundo as leis do outro país. Na entrega, a pessoa não é
entregue para ser julgada por um tribunal de outro país, segundo as leis de outro país, mas por uma
jurisdição internacional, da qual o Brasil faz parte e manifestou, expressamente, a sua aquiescência.

193 “STF – Ext 1.462/DF: “[...] 1. Conforme decidido no MS 33.864, a Extraditanda não ostenta naciona-
lidade brasileira por ter adquirido nacionalidade secundária norte-americana, em situação que não
se subsume às exceções previstas no § 4º, do art. 12, para a regra de perda da nacionalidade brasileira como de-
corrência da aquisição de nacionalidade estrangeira por naturalização.”.

194
Art. 57. Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este não se retirar voluntariamente
do território nacional no prazo fixado em Regulamento, será promovida sua deportação. (Renumerado pela Lei nº
6.964, de 09/12/81) § 1º Será igualmente deportado o estrangeiro que infringir o disposto nos artigos 21, § 2º, 24,
37, § 2º, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigo 105. § 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a
deportação far-se-á independentemente da fixação do prazo de que trata o caput deste artigo.

Art. 58. A deportação consistirá na saída compulsória do estrangeiro. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de
09/12/81) Parágrafo único. A deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro,
ou para outro que consinta em recebê-lo.

265

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O Tratado de Roma do TPI não admite ressalva quanto a brasileiro nato. Caso contrário, não ha-
veria entrega de ninguém. Deve-se lembrar que a CR expressamente menciona a adesão à jurisdição do
TPI (art. 5º, § 4º):
Art. 5º (...) § 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação
tenha manifestado adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Relativamente à extradição, cumpre realizar algumas observações:
i) sistema da contenciosidade limitada:
O Brasil, através da Lei 6.815/1980, adota o sistema de contenciosidade limitada: quando o Es-
tado estrangeiro faz o requerimento de extradição, o STF não analisa o mérito da medida (ex.: a culpa,
a ausência ou não de prova etc.) O processo de extradição se limita à análise dos pressupostos necessá-
rios à extradição. Não há contraditório, ampla defesa.
ii) a CR não admite extradição no caso de crime político ou de opinião:
Quando há hipóteses de entrelaçamento entre crime político (ou de opinião) e comum, a extradi-
ção deve ser indeferida, segundo a jurisprudência do STF, ainda que a lei preveja diversamente (a lei é
anterior à CR).
iii) princípio da dupla punibilidade:
A extradição só é autorizada quando o fato é punível nos dois Estados. Não basta que o fato seja
considerado típico e antijurídico. Se estiver prescrito, por exemplo, segundo as leis do estado brasileiro
ou do estado requerente, a extradição não é autorizada. O STF deve indeferir, neste caso, a extradição.
iv) princípio da especialidade:
O princípio da especialidade significa que o extraditando somente poderá ser processado pelos
crimes que foram objeto do pedido de extradição. Tal pedido deve elencar os fatos praticados, para a
análise do atendimento dos requeridos. O país somente pode julgar o extraditado pelos crimes previstos
no objeto inicial da extradição. Se o Estado descobrir a existência de outros crimes, somente poderá
julgar o sujeito se fizer um pedido de extensão ao Brasil.
v) extradição no caso de penas vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro:
Para o STF, quando a pena é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro (art. 5 o, XLVII195), so-
mente será autorizada a extradição se houver comutação da pena, ou seja, um comprometimento do
outro Estado no sentido de que somente punirá o sujeito por uma pena privativa de liberdade de até 30
anos. Esse entendimento não é unânime no STF, havendo quem defenda que ele fere a soberania do
outro Estado.
f) retroatividade dos tratados:
A assinatura do tratado pode ser posterior ao fato, ou seja, os tratados de extradição podem re-
troagir (não são normas penais).

195
Art. 5º (...)XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.
84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;

266

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Em resumo:

4.5. Perda da nacionalidade


A previsão das hipóteses de perda da nacionalidade brasileira encontra-se no art. 12, § 4º, da CR.
Basicamente, poderá ocorrer em duas situações: ação de cancelamento da naturalização e naturalização
voluntária.
4.5.1. Ação de cancelamento da naturalização (art. 12, § 4º, I)
Art. 12 (...) § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao in-
teresse nacional;
Evidentemente, trata-se de hipótese aplicável somente a brasileiros naturalizados. A naturaliza-
ção pode ser cancelada, segundo a CR, quando o brasileiro naturalizado pratica ato nocivo ao interesse
nacional. A competência para o julgamento desta ação é da Justiça Federal (art. 109, X, da CR):
Art. 109 (...) X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de
carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes
à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
Caso o sujeito perca a naturalização, a única chance de recuperá-la é por meio da ação rescisória.
Ele não poderá se naturalizar brasileiro novamente.
4.5.2. Naturalização voluntária (art. 12, § 4º, II)
Art. 12 (...) § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: (...)
II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 3, de 1994)
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda
Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

267

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b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado es-
trangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (In-
cluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
A naturalização voluntária ocorre quando o brasileiro adquire outra nacionalidade por livre e es-
pontânea vontade. Ex.: o sujeito escolhe outra nacionalidade para jogar pela seleção de futebol daquele
país.
Há duas exceções a essa regra:
i) reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira:
O reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira é exceção aplicável somente
para brasileiros natos. Se o brasileiro naturalizado adquire a nacionalidade de outro país, mesmo que o
outro país admita a dupla nacionalidade, ele perderá a nacionalidade brasileira.
Caso um brasileiro nato adquira voluntariamente a nacionalidade do outro país, que não admite
a dupla nacionalidade, ao abrir mão da nacionalidade brasileira ele passa a ter a condição de estran-
geiro.
Se essa pessoa mudar de ideia e quiser voltar a ter a nacionalidade brasileira, pode fazê-lo, dife-
rentemente da hipótese da ação de perda da nacionalidade. Nessa hipótese, havia divergência na dou-
trina quanto à condição com que ele reingressa:
1ª corrente: José Afonso da Silva entende que ele volta a ser brasileiro nato.
2ª corrente: Valério Mazzuoli, Alexandre de Morais e Novelino entendem que ele somente
pode retomar a condição de brasileiro como naturalizado. Para Novelino, o motivo é o seguinte:
para a aquisição da nacionalidade originária, é necessário um ato natural. Perdida a nacionalidade
brasileira, o sujeito torna-se estrangeiro e, para a aquisição da nacionalidade brasileira, é neces-
sário um ato de vontade, um processo de naturalização, de modo que o sujeito retoma a condição
de brasileiro, mas naturalizado (nacionalidade adquirida).
Recentemente, a Lei de Migração (13.445/2017) tratou da questão e foi regulamentado por
decreto:
“Art. 76. O brasileiro que, em razão do previsto no inciso II do § 4º do art. 12 da Constituição
Federal, houver perdido a nacionalidade, uma vez cessada a causa, poderá readquiri-la ou ter o ato que
declarou a perda revogado, na forma definida pelo órgão competente do Poder Executivo.”
Decreto 9.199/2017: “Art. 254. O brasileiro que houver perdido a nacionalidade, em razão do dis-
posto no inciso II do § 4o do art. 12 da Constituição, poderá, se cessada a causa, readquiri-la ou ter revo-
gado o ato que declarou a sua perda.
[...]
§ 7º O deferimento do requerimento de reaquisição ou a revogação da perda importará no resta-
belecimento da nacionalidade originária brasileira.”
Por esses dispositivos, verifica-se que foi adotado o entendimento minoritário de retorno à
condição de brasileiro nato, para a pessoa que readquirir a nacionalidade brasileira.
ii) nos casos de naturalização involuntária:

268

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Nos casos de naturalização involuntária, a pessoa é obrigada a adquirir a nacionalidade como
condição de permanência no país ou para o exercício de direitos civis (art. 12, § 4º, “b”).
Em resumo:

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

1. Distinção entre forma de governo, sistema de governo e forma


de Estado196
1.47. Formas de governo
Há duas formas tradicionais de governo, que se contrapõem: a monarquia e a república.
A Monarquia traz em si a ideia de um governo de indivíduos, não do povo. Ou seja, o poder não
pertence ao povo, mas ao monarca, investido do poder pelos deuses. A República, que surge exatamente
para se contrapor à monarquia, traz consigo a ideia de governo do povo. A soberania pertence ao povo,
que é o verdadeiro titular do poder.
Na monarquia, há irresponsabilidade política do monarca. Aquele que detém o poder não res-
ponde por crimes de responsabilidade, perante o Poder Legislativo ou o povo. Na república, existe uma
responsabilidade política do governante, que pode ser condenado à prática de crime dessa natureza.
Na monarquia, há vitaliciedade. O poder do monarca dura toda a sua vida, não havendo alternân-
cia de poder. A característica da República, por sua vez, que àquela se contrapõe, é a temporariedade.
Numa República, o governante tem mandato temporário: ele é eleito para um determinado período de
tempo.
É característica da monarquia a hereditariedade. O poder transmite-se de ascendente para des-
cendente. Na República, há a eletividade. O governante é eleito para ocupar determinado cargo.

196
ADCT: Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (repú-
blica ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem
vigorar no País. (Vide emenda Constitucional nº 2, de 1992)

CR: Art. 60. (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma
federativa de Estado; (...)

269

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Em 1993, foi realizado plebiscito no Brasil, em que uma das opções referia-se à forma de governo,
tendo o povo brasileiro optado pela forma republicana.
1.48. Sistemas de governo
Um dos temas ligados à reforma política no Brasil tem relação com o que será tratado neste tópico.
Sistemas de governo definem-se como formas ou mecanismos de distribuição horizontal do po-
der político. Trata-se, basicamente, da distribuição do poder entre o Executivo e o Legislativo.
Tradicionalmente, há dois sistemas de governo: o presidencialismo e o parlamentarismo.
O sistema presidencialista surgiu em 1787. É uma criação norte-americana, da Constituição da-
quele ano. O sistema adotado na Europa era o Parlamentarismo, surgido na Inglaterra, no início do
século XVIII. Vale notar que o sistema presidencialista surgiu justamente em contraposição ao parla-
mentarismo.
A primeira distinção fundamental entre os dois sistemas é a divisão do Poder Executivo. No pre-
sidencialismo há, na mesma pessoa (na mesma autoridade), duas funções distintas: a de chefe de estado
e a de chefe de governo. Ambas concentram-se na Presidência da República. Ex.: quando Dilma celebra
tratado internacional ou viaja ao exterior para defender interesses do Estado brasileiro, atua como re-
presentante do Brasil no exterior (portanto, como Chefe de Estado). Quando atua na definição de dire-
trizes de políticas internas, definição de políticas públicas, nomeações, elaboração de projetos de lei etc.,
ela atua como Chefe de Governo.
No parlamentarismo, as funções de chefe de estado e de governo são acometidas a pessoas distin-
tas. Exerce a chefia do estado o presidente (parlamentarismo republicano) ou o monarca (parlamenta-
rismo monárquico197). No parlamentarismo, o chefe de governo é o Primeiro Ministro, que governa com
a ajuda do Gabinete (uma espécie de “ministério”). É ele quem define as diretrizes políticas internas.
Quem escolhe o chefe de governo é o Parlamento, e não o povo, diretamente.
No presidencialismo, o presidente é eleito por determinado período (ou seja, tem mandato fixo).
No caso do Brasil, são quatro anos, mas já foram cinco. Há PEC buscando alterar a CR, para voltar a
cinco. No parlamentarismo, não há mandato fixo. Não existe prazo determinado para que o Primeiro
Ministro fique no governo. Ele fica no governo enquanto tiver a maioria do Parlamento. Quando perde
a maioria do Parlamento, pode ocorrer a chamada “moção de desconfiança” ou “voto de desconfiança”.
Nesse caso, a maioria escolhe um novo Primeiro Ministro. Essa é uma das vantagens do parlamenta-
rismo, para alguns: o primeiro ministro sempre terá governabilidade (o apoio da maioria do Congresso),
o que não ocorre no presidencialismo.
No presidencialismo, há a responsabilidade do Presidente da República, que ocorre em dois âm-
bitos distintos: penal e política.

197
É o caso da Espanha, Japão, Reino Unido etc.

270

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No Brasil, o art. 86, § 4º, da CR consagra a chamada “irresponsabilidade penal relativa do presi-
dente da república”:
Art. 86 (...) § 4º - O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser respon-
sabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Durante o mandato, o presidente só responderá por crimes relacionados à função Presidente da
República. Para a responsabilização do presidente por crimes comuns, é necessária autorização da Câ-
mara dos Deputados, por votos de dois terços de seus membros. Havendo aprovação para a instauração
de processo, o Presidente é julgado pelo STF.
Além da responsabilização penal, o presidente responde politicamente. Esse tipo de responsabi-
lização ocorre nos chamados crimes de responsabilidade. O reconhecimento desses crimes enseja o cha-
mado impeachment. A Câmara deve autorizar o julgamento, por dois terços de seus membros, cabendo
o julgamento ao Senado, que para condenar o Presidente necessitará de quórum de dois terços de seus
membros (art. 51, I e 52, I e parágrafo único, da CR):
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o
Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; (...)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabili-
dade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos
crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de
02/09/99) (...)
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo
Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do
Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública,
sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
Além dessas hipóteses, em alguns países existe o chamado recall, que não é um instituto de res-
ponsabilização política, mas de falta de apoio do eleitorado ao presidente (crise institucional). Trata-se
de uma hipótese na qual o eleitorado é convocado diretamente para se pronunciar acerca da permanên-
cia ou não de um governante no cargo. Essa hipótese ocorreu na Venezuela, em 2004. A Constituição
venezuelana trata o recall como “referendo”.
No parlamentarismo monárquico, não há previsão de responsabilização política do monarca. To-
davia, a depender de cada constituição, poderá haver tal responsabilização do presidente da república
ou do primeiro ministro, conforme o caso.
Há uma terceira espécie de sistema de governo, defendida por alguns autores, como Roberto Bar-
roso: o semipresidencialismo (ou semiparlamentarismo). Surgiu com a constituição francesa de 1958,
a que introduziu a chamada “quinta República francesa”.
Relativamente à divisão do poder, o semiparlamentarismo tem a mesma dualidade de poder do
parlamentarismo: as funções de chefe de estado e chefe de governo são exercidas por pessoas distintas.

271

CadernosMAGIS
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O chefe de estado não será um monarca, mas sempre um presidente da república, que é eleito direta-
mente pelo povo.
Além disso, o presidente titulariza competências políticas importantes. Essa característica é a que
diferencia o semiparlamentarismo do parlamentarismo. No parlamentarismo, o presidente exerce fun-
ções protocolares, simbólicas, de representação. No semiparlamentarismo, o presidente nomeia o Pri-
meiro Ministro, possui iniciativa de lei, conduz a política externa, convoca referendos, nomeia autori-
dades para os altos escalões, propõe ADI, dentre outras funções relevantes no plano político.
Já o chefe de governo, que é o primeiro ministro, não é nomeado pelo Parlamento, mas pelo pre-
sidente. O parlamento somente confirma (chancela ou não) a escolha do presidente. Exemplos de se-
miparlamentarismo: França, Portugal, Finlândia, Polônia, Colômbia etc. A Alemanha, índia, Coréia do
Sul, África do Sul e a Áustria adotam o parlamentarismo republicano.
1.49. Formas de Estado
O estudo das formas de estado liga-se ao da organização do estado brasileiro (o objeto deste capí-
tulo).
Enquanto nos sistemas de governo há distribuição de poder no plano horizontal (Legislativo, Exe-
cutivo e Judiciário), nas formas de estado são estudados os mecanismos de distribuição vertical do
poder político. A divisão vertical liga-se ao Estado (União, Estados e Municípios).
Note que ambas as funções vertical e horizontal têm por objetivo a limitação do poder.
Há basicamente duas formas de Estado: o unitário e o federal. Confederação não é forma de Es-
tado, apesar de alguns autores a classificarem dessa maneira (minoritários).
1.49.1. Estado unitário
Caracteriza o estado unitário o fato de ele ter apenas um centro de poder atuando sobre a mesma
população e o mesmo território.
Há três espécies de estado unitário:
i) estado unitário puro:
No estado unitário puro não existe nenhuma subdivisão de poder. Não há registro de estado com
centralização desse tipo, que seria cabível em territórios muito pequenos.
ii) estado unitário com descentralização administrativa:
No estado unitário com descentralização administrativa há centralização de poder (das decisões
políticas), mas a execução da das decisões é descentralizada, por órgãos administrativos.
iii) estado unitário com descentralização político administrativa:
No modelo de estado unitário com descentralização político administrativa, adotado por pratica-
mente todos os estados unitários europeus, a descentralização não é apenas administrativa (na execu-
ção das decisões políticas), mas também política (descentralização de governo e legislativa). Ex.: deter-
minadas regiões com governo próprio que tanto executam como editam suas próprias leis.

272

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A diferença entre esta hipótese de estado unitário com descentralização política e o estado federal
é a presença de determinadas características essenciais à caracterização do estado federal, que serão
estudadas a seguir.
No Brasil, foi adotado o estado unitário de 1500 (descobrimento do Brasil) até o advento da Re-
pública (Brasil colônia e, após a independência, Brasil império). O Brasil tornou-se estado federal a
partir da Constituição de 1891 (a primeira Constituição republicana). O estado unitário e a monarquia
foram formas encontradas para tentar manter a unidade nacional.
1.49.2. Estado federal

1.49.2.1. Federação
A palavra federação surge a partir do termo “foedus” (ou “foederis”), que significa união, pacto,
aliança. Trata-se de um “pacto”, uma aliança entre os estados. A CR, em seu art. 1º, caput, prevê a união
indissolúvel entre os estados, os municípios e o DF:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
A federação surge nos EUA, com a constituição de 1787. Karl Lowenstein aponta algumas experi-
ências anteriores à americana. Um dos exemplos é a aliança eterna dos cantões suíços, ocorrida nos
séculos XIV e XV. O autor cita também outros exemplos de estados muito pequenos, motivo pelo qual
a maioria da doutrina adota como marco inicial a federação americana, na Constituição de 1787.
Na época da independência daquele país, as 13 colônias se uniram e formaram inicialmente uma
Confederação, através de um tratado internacional, para que pudessem, juntas, se fortalecer e conseguir
a independência frente à Inglaterra.
Começou-se a perceber, todavia, um problema de inefetividade das decisões tomadas, em virtude
das diversas soberanias. Criou-se, por conta disso, a Federação. Nela, a soberania é transferida dos es-
tados ao estado federal, que mantém sua autonomia.
Na federação, portanto, a soberania é um atributo essencial. Além disso, ela é caracterizada pela
existência de mais de um centro de poder incidindo sobre a mesma população e um mesmo território.
Ex.: sobre o mesmo território e a mesma população de São Paulo, há a incidência dos poderes munici-
pal, estadual e federal.
1.49.2.1.1. Características essenciais do estado federativo
O que diferencia um Estado Federativo de um Estado Unitário; quais características essenciais
que determinam o modelo de Estado.
i) Descentralização político-administrativa fixada pela constituição;
A descentralização política importa na repartição de competências legislativas, com entes perifé-
ricos que podem elaborar suas próprias leis; enquanto a descentralização administrativa é a capacidade
de execução dessas leis, também de forma repartida, conforme fixado pela Constituição.

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No mundo, existem estados unitários com descentralização administrativa; o que os diferencia de
uma Federação é o fato desta ter sua descentralização estabelecida pela própria Constituição, enquanto
nos Estados Unitários ela se faz por meio de lei, editada pelo ente central, que delega suas competências,
mas pode retirá-las também por lei. O Estado Federal, por ter sua descentralização fixada pela Consti-
tuição, não pode desfazê-la.
ii) Participação das vontades parciais na formação da vontade nacional;
No Estado Federado, vários entes federativos o compõem, assim chamados de estados-membros.
O Brasil possui uma peculiaridade, única no mundo, em que os municípios e o Distrito Federal também
fazem parte da Federação.
Esses entes participam da votação das leis, por meio do Senado, composto por representantes dos
Estados (com 3 senadores para cada, independentemente da população).
Não há representantes dos Municípios, dada a peculiaridade de sua participação em nossa Fede-
ração. Por isso, alguns autores, como José Afonso da Silva, entendem que eles não devem ser conside-
rados entes federativos.
iii) Auto-organização dos Estados-Membros
Os entes possuem a capacidade de criar sua própria estrutura, por meio de Constituições próprias.
O Distrito Federal possui uma Lei Orgânica, que corresponde a sua Constituição Estadual. E todos os
Municípios possuem Leis Orgânicas, que são os instrumentos de auto-organização dos Municípios, em
similaridade à Constituição Federal e Estadual.
1.49.2.1.2. Requisitos para a manutenção da federação:
Esses requisitos não são essenciais para a identificação da Federação, mas são essenciais para que
ela não se dissolva com facilidade:
i) Rigidez constitucional;
A forma de alteração da Constituição deve ser mais difícil ou mais solene que as leis ordinárias,
para a perpetuação da forma federativa prevista no próprio texto constitucional.
ii) Imutabilidade da forma federativa;
Algumas Constituições, como a brasileira, tratam a forma federativa como cláusula pétrea (art.
60, § 4º, inciso I), não só dificultando o processo de alteração da forma federativa, mas impedindo
qualquer proposta contrária.
iii) Existência de órgão encarregado de exercer o controle de constitucionalidade.
Nada adianta a rigidez constitucional ou a cláusula pétrea, se não existe um órgão encarregado de
garantir a supremacia constitucional, contra eventual violação de algum dos Poderes.
1.49.2.2. Confederação
A confederação, como visto, não é forma de estado. A principal distinção em relação à federação
é que na confederação os estados não abandonam a sua soberania. Na federação, como visto, a sobera-
nia deixa de pertencer aos estados (ex.: às Colônias), e passa a pertencer a ela.

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Outra distinção importante é que na federação há uma constituição. Na confederação, a união
entre os estados ocorre por meio de tratados internacionais. Isso não significa que não há uma consti-
tuição na confederação (acerca de pontos comuns), mas o que caracteriza a confederação é a existência
de um tratado internacional.
A criação de uma confederação, em geral, é realizada por questões pragmáticas (muitas vezes em
estados pequenos), e não em razões de língua, história etc. São razões de defesa nacional, união mone-
tária, relações exteriores e comércio internacional. Isso para aumentar a força de barganha de determi-
nados estados, que passam a desempenhar relações internacionais mais fortes. Há confederações com
laços estreitos, que acabam se parecendo com uma federação, e outras com laços menos apertados,
assemelhando-se a uma organização internacional.
A confederação possui personalidade jurídica, mas sua capacidade no plano internacional é limi-
tada. Quando é criada, nem todas as competências passam a ser dela, permanecendo algumas com os
estados confederados. Por isso essa limitação no plano internacional.

Confederação Federação
Os estados são unidos por tratados inter- Os estados (entes federativos) são unidos
nacionais (em regra, pois em casos excep- por uma constituição.
cionais podem ser unidos por uma consti-
tuição).
Admite-se o direito de secessão, ou seja, os É vedado o direito de secessão, isto é, os
membros podem tornar-se independentes estados não podem se tornar independen-
a qualquer momento. tes.
As atividades são voltadas essencialmente As atividades são relacionadas a assuntos
aos negócios externos (defesa interna e internos e externos.
questões de comércio externo).
Os cidadãos são nacionais dos estados a Os cidadãos possuem uma única naciona-
que pertencem. O cidadão não tem a naci- lidade que é a do estado federal.
onalidade da confederação em si.
Na confederação, o congresso confederal é Na federação, o poder central é dividido
o único órgão em comum. Ou seja, os esta- em Legislativo, Executivo e Judiciário.
dos mantém seus órgãos.
2. Características essenciais da organização do Estado brasileiro
São características essenciais da organização do Estado brasileiro a descentralização político-ad-
ministrativa consagrada pela Constituição, o princípio da participação e a auto-organização por meio
de constituições próprias.

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2.1. Descentralização político-administrativa consagrada pela Consti-
tuição
A descentralização política importa na repartição de competências legislativas, com entes perifé-
ricos que podem elaborar suas próprias leis; enquanto a descentralização administrativa é a capacidade
de execução dessas leis, também de forma repartida, conforme fixado pela Constituição.
O que diferencia o estado unitário com descentralização político-administrativa do estado federal
é o fato de, neste, a descentralização ser prevista na Constituição. No estado unitário, o ente central
descentraliza através de lei, o que significa que pode haver lei revogando a previsão de descentralização.
2.2. Princípio da participação
Segundo o princípio da participação, numa federação há a participação das vontades parciais na
formação da vontade nacional. Cada um dos entes federativos participa da formação da vontade nacio-
nal através do Senado que, como se sabe, é composto por representantes dos estados. Todo estado tem
três Senadores, para que o equilíbrio federativo seja mantido. É através desses parlamentares que os
estados participam da formação da vontade nacional.
Adiante será tratada a questão dos municípios (se são ou não entes federativos). Um dos argu-
mentos dos que são contrários à tese do município como ente federativo é justamente a ausência de
participação deles na vontade nacional, com representação no Congresso Nacional.
2.3. Auto-organização por meio de constituições próprias
Os entes da federação se auto-organizam por meio de uma constituição própria. Com efeito, no
Brasil cada estado-membro tem sua constituição própria. Os municípios têm suas leis orgânicas, que
têm natureza semelhante à de uma constituição. O DF tem lei orgânica, que trata de matérias de com-
petência tanto dos estados quanto dos municípios. O DF, como é sabido, não pode ser dividido em mu-
nicípios. A CR é a Constituição do Estado brasileiro.
A “constituição” da União localiza-se onde? Há uma diferenciação, feita por alguns autores, entre
a Constituição Federal e a Constituição Nacional (ambas estariam dentro da Constituição da República).
A Constituição Federal seria a parte da Constituição da República dirigida exclusivamente para a
União. Exemplos:
i) arts. 59 e seguintes (processo legislativo federal): não há menção ao processo legislativo esta-
dual, tratado pela Constituição Estadual, ou municipal, tratado pela respectiva lei orgânica (ainda que
se trate, segundo o STF, de norma de observância obrigatória);
ii) art. 58, § 3º (CPI feita pela Câmara ou pelo Senado):
Art. 58 (...) § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo,

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sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a respon-
sabilidade civil ou criminal dos infratores.
Já a Constituição Nacional seria, para esses autores, a parte da CR que se refere a todos os entes
da Federação. Exemplos:
i) art. 19 da CR:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei,
a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
iii) art. 37 (administração pública em geral);
iv) arts. 150 e seguintes (Sistema Tributário Nacional).
Assim, a União não tem Constituição própria. A Constituição dela seria a parte da CR dirigida
exclusivamente à União.
Em direito tributário, Geraldo Ataliba trouxe do direito alemão essa distinção, para tratar das leis
federais (ex.: Lei 8.212) e nacionais (CTN).
Dentro da CR/88, a autonomia dos entes federativos não se resume à auto-organização. Além
dela, cada ente federativo possui outras três:
i) autolegislação: capacidade de elaborar suas próprias leis;
ii) autogoverno: cada um dos entes elege seus próprios representantes; e
iii) autoadministração: a capacidade para executar aquilo que foi estabelecido politicamente.
3. Soberania e autonomia
A soberania é classicamente definida como “um poder político supremo e independente”.
Essas duas palavras caracterizam a soberania.
Supremo relaciona-se à ordem interna: internamente, dentro de cada estado, a soberania é um
poder supremo. Ou seja, dentro de cada estado não existe nenhum poder acima do poder soberano. Ele
não está limitado por nenhum outro.
A característica da independência diz respeito à relação do Estado com a ordem internacional. O
poder é independente no plano internacional, por duas razões: i) não se submete a nenhuma regra que
não seja voluntariamente aceita; e ii) está em pé de igualdade com os poderes supremos de outros povos.
A globalização vem relativizando o conceito de soberania. O Estado que descumpre determinadas
normas de direito internacional sofre uma série de consequências. No plano internacional, infelizmente
a força ainda está muito acima do direito. A efetividade do direito internacional, ainda que tenha evo-
luído muito (notadamente no que se relaciona aos direitos humanos), ainda está aquém do almejado.

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A União não tem soberania. Trata-se de atributo do estado federal. A União é um ente federativo,
como os demais. A diferença é que ela exerce esse a soberania em nome do estado federal. A diferenci-
ação é a mesma feita com relação ao poder constituinte. A titularidade é do povo, mas quem o exerce,
na prática, são determinadas pessoas.
Soberania não se confunde com autonomia. Autonomia vem do grego “autus”, que significa “pró-
prio”, e “nomos”, que dá origem a “nomia”, significando norma. Autonomia, portanto é a capaci-
dade de elaborar suas próprias normas. Como visto, a autonomia dos entes federativos não é
apenas legislativa, tendo uma amplitude maior (auto-organização, autolegislação, autogoverno e auto-
administração).
A autonomia, diferentemente da soberania, é a limitada no plano interno. Esses limites estão na
Constituição. Num estado federal, portanto, quem tem soberania é o estado federal (República Federa-
tiva do Brasil). Os entes federativos têm autonomia, na medida em que limitados pela CR.
Segundo a nova Ordem Constitucional de 88, a autonomia dos entes federativos se materializa
em quatro capacidades / tipos de autonomia distintas:
a) Auto-organização;
Cada ente federativo possui competência para elaborar sua norma orgânica, que lhe dará
estrutura. Dentro da Federação, a União (como pessoa jurídica de direito público interno) não possui
soberania, mas autonomia, como os Estados e os Municípios, encontrando limites no texto
constitucional; o Estado Brasileiro, como República Federativa do Brasil, é quem possui soberania.
A auto-organização da União é feita por meio da Constituição Federal, especialmente em sua parte
dirigida indistintamente a todos os membros (art. 37, por exemplo), chamada, por influência do Direito
Alemão, de Constituição Nacional, enquanto outra parte rege apenas a União (art. 59 e seguintes, que
trata do processo legislativo nacional), cuja parte é denominada pela doutrina pela mesma doutrina de
Constituição Federal.
O Código Tributário Nacional, por exemplo, é considerado nacional por se aplicar a todos os entes
federativos; por outro lado, o regime jurídico dos servidores públicos (Lei 8.112/1990) é considerado
norma federal, já que não se aplica aos estados, municípios ou distrito federal, que possuem seus
próprios estatutos aos servidores públicos.
b) Autolegislação;
Como visto, cada ente federativo possui autonomia política, competência para elaborar suas
próprias leis. A União, por meio do Congresso Nacional; os Estados, por suas Assembleias Legislativas;
o Distrito Federal, por sua Assembleia Legislativa; e os Municípios, pelas Câmaras Municipais.
c) Autogoverno;
Cada ente tem a capaidade de eleger os seus proprios representantes no ambido do executivo e
legislativo. Assim, existem eleições diretas em âmbitos diferentes, visam garantir a escolha dos governos
próprios de cada um dos entes federativos.
d) Autoadministração.
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Como visto, cada ente federativo possui sua administração própria, cumprindo suas próprias leis
e, inclusive, executando as leis de outros entes federativos aos quais se subordinam.
4. Repartição de competências
4.1. Noções gerais
A repartição de competências, tema mais cobrado em concursos públicos, é caracterizada como a
forma e os critérios através dos quais a CR distribui as competências a cada ente federativo. Não há uma
lógica absoluta, mas uma diretriz (um princípio) que informará, de uma maneira geral, essa distribuição
de competências: o princípio da predominância do interesse. Veja que não se trata de princípio
do interesse absoluto ou exclusivo;
Pode haver interesses comuns a mais de um ente, mas a predominância será de um deles. Assim,
assuntos de interesse predominantemente geral serão, em regra, atribuídos à União. Assuntos predo-
minantemente locais serão atribuídos ao município. Aos estados são atribuídos interesses predominan-
temente regionais.
4.2. Critérios para a definição das competências
A partir do princípio geral da predominância do interesse, quatro critérios foram utilizados pela
CR para definir as competências, que serão analisados a seguir. Eles não são exclusivos do constitucio-
nalismo brasileiro e costumam ser adotados por constituições de estados federais. Ou seja, não são cri-
térios “inventados” pela CR. Na verdade essa parte da CR relacionada à organização do Estado tem forte
influência das Constituições dos EUA e da Alemanha.
4.2.1. Estabelecimento de campos específicos de competências adminis-
trativas e legislativas
Quando a CR diz “compete à União”, “compete aos estados”, está tratando de competências ad-
ministrativas. Quando trata de competência legislativa, em geral ela fala em “compete legislar”.
Essa distinção, no entanto, tem pouca ou nenhuma utilidade. Quando a CR atribui competência
administrativa a determinado ente, para que ele possa exercê-la deve haver previsão legal. Assim, o
estabelecimento de competência administrativa significa o estabelecimento indireto de competência
legislativa. E vice-versa.
Assim, quando a CR atribui uma competência administrativa a um determinado
ente da Federação, indiretamente está atribuindo a ele também uma competência le-
gislativa. O contrário também ocorre: quando atribui competência legislativa, ela indiretamente atri-
bui competência para a execução da lei, salvo se expressamente realizar a distinção.
Para alguns entes, a CR atribuiu poderes enumerados, ou seja, ela enumera as competências dos
entes federativos. No Brasil, os entes que têm rol de competências enumeradas são a União (art. 21:

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competências administrativas e art. 22: competências legislativas) e os Municípios (art. 30: competên-
cias administrativas e legislativas – Poderes indicativos198).
Para os estados, as competências não são enumeradas. Os poderes dos estados são residu-
ais ou remanescentes (art. 25, § 1º):
Art. 25 (...) § 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por
esta Constituição.
Para o DF, a CR atribuiu tanto poderes estaduais como municipais, na medida em que não existem
municípios no DF (art. 32, § 1º).
Art. 32 (...) § 1º - Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos
Estados e Municípios.
Algumas competências são mais importantes para fins de concurso: art. 22, I (privativas da
União) e 24, I (concorrentes da União, estados e DF).
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aero-
náutico, espacial e do trabalho;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrente-
mente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
Obs.:

A CR, em seu art. 25, § 1º, simplesmente copiou a constituição norte-americana. Todavia, nossa
Federação não tem a mesma origem que a norte-americana. No Brasil, estado não tem competência
“reservada”, mas residual, ainda que a CR utilize essa palavra.
Nos EUA, o Federalismo surgiu da independência das Treze Colônias Britânicas, que se uniram e
cederam sua soberania ao ente local. Trata-se, portanto, de um Federalismo por agregação: esses es-
tados se agregaram e formaram ente único. Eles tomaram algumas das competências e reservaram uma

198 Como os poderes não são tão detalhados quanto os da União, parte da doutrina os denomina de “poderes
indicativos” e não “enumerados”.
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parte delas para eles próprios. Por isso que, nos EUA, os estados têm competências legislativas muito
maiores que no Brasil (ex.: legislar sobre Direito Penal). Os estados guardaram para eles as competên-
cias que consideravam mais importantes. Por isso diz-se que eles reservaram para si determinadas com-
petências.
Nosso federalismo, ao contrário, surgiu por segregação: um ente unitário foi dividido em vários.
Não havia competências a serem reservadas. Houve distribuição das competências. Sempre que há dis-
tribuição, a tendência é de que aquele que distribui seja comedido ao fazê-lo. A União guardou para si
as competências que entendia mais importantes.
Assim, como não houve reserva de competências, a expressão utilizada pelo dispositivo é equivo-
cada199.
4.2.2. Possibilidade de delegação de competências de um ente a outro
Em geral, a possibilidade de delegação de competências é conferida ao ente que tem o maior nú-
mero de competências. No caso do Brasil, é a União quem pode delegar competências. A previsão está
no art. 22, parágrafo único, da CR:
Art. 22. (…) Parágrafo único. Lei complementar [federal] poderá autorizar os Estados a legislar
sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Essa possibilidade de delegação não pode ser materializada por qualquer tipo de
lei, mas somente através de Lei Complementar. A delegação pode ser feita somente aos estados.
Aos municípios não é possível haver delegação.
A CF exige alguns requisitos para que seja possível essa delegação:
i) Formais;
A Constituição exige dois requisitos formais para essa delegação: Lei Complementar e autorização
apenas aos Estados (ou Distrito Federal). E em razão da vedação de preferência entre os entes, a dele-
gação feita a um dos estados, deve se estender aos demais.
ii) Materiais.
A União somente pode delegar competências para tratar questões específicas das matérias trata-
das no art. 22, e não a matéria toda. Por exemplo, questões específicas de Direito Civil, mas não sobre
Direito Civil como um todo.

Há uma divergência na doutrina acerca da existência de distinção entre competências privativas


e exclusivas.
1ª corrente: a primeira corrente entende que a CR/88 não fez qualquer distinção entre as
duas espécies de competências (Gilmar Mendes, Fernanda Menezes).

199
Portanto, atenção: apesar de no Brasil os estados terem poderes “residuais”, a Constituição denomina a
sua competência de “reservada”.

281

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2ª corrente: a segunda corrente (José Afonso da Silva) entende que apesar de a Consti-
tuição não ter sido rigorosa na utilização dos dois termos, doutrinariamente é possível estabelecer
uma distinção.
Essa distinção seria a seguinte: a competência privativa é aquela atribuída a determinado ente (ou
seja, há apenas um legitimado), mas admite delegação ou competência suplementar. O constituinte, no
caput do art. 22 da CR, teria utilizado o termo corretamente, segundo o que entende essa corrente:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
A competência exclusiva é a competência atribuída a determinado ente, mas que, ao contrário da
privativa, não admite delegação nem competência suplementar200.
4.2.3. Estabelecimento de competências comuns (art. 23 da CR)
O art. 23 da CR estabelece competências administrativas (e não legislativas) e comuns a todos os
entes da Federação (União, Estados, DF e Municípios).
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
i. - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o
patrimônio público;
ii. - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de
deficiência;
iii. - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os
monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
iv. - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de
valor histórico, artístico ou cultural;
v. - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia,
à pesquisa e à inovação
vi. - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
vii. - preservar as florestas, a fauna e a flora;
viii. - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
ix. - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais
e de saneamento básico;
x. - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração
social dos setores desfavorecidos;
xi. - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de
recursos hídricos e minerais em seus territórios;
xii. - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Esta-
dos, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar
em âmbito nacional. Segundo entendimento doutrinário, as leis complementares referidas aqui serão
elaboradas pela União, podendo regulamentar cada inciso de maneira distinta, de acordo com a matéria
envolvida. A União fornecerá a parte substancial dos meios técnicos e financeiros e os Estados, DF e
Município executarão a atividade propriamente dita.

200
Dica mnemônica: a competência exclusiva “exclui” a possibilidade de delegação.

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4.2.4. Estabelecimento de competências concorrentes (art. 24 da CR)


Os critérios “4.2.3” e “4.2.4” têm de ser analisados em conjunto.
O art. 24 estabelece competências legislativas e concorrentes. Não são atribuídas a apenas um
ente, mas não são comuns a todos os entes. Elas ficam entre as privativas e as comuns: são de mais de
um, mas não de todos. Têm competência concorrente a União, os estados-membros e o DF. O município
não está previsto no caput do art. 24, dentre os entes que têm competência legislativa concorrente.
Pergunta-se: município pode legislar sobre as matérias do art. 24? Sim. Mesmo que não previsto
expressamente no caput do art. 24, o art. 30, II, da CR permite que o município legisle acerca daquelas
matérias:
Art. 30. Compete aos Municípios: (...)
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Observe que o art. 30, II, determina que os municípios, através de uma lei, em assuntos relacio-
nados à sua competência (“no que couber”), poderão tratar desses temas, suplementando a legislação
estadual e federal.
O município, entretanto, não poderá suplementar a legislação federal e estadual quando se tratar
de matéria de competência privativa ou exclusiva da União e dos estados. Esta competência suplemen-
tar só poderá ser exercida nos demais casos. Ex.: o município não pode legislar para suplementar as
matérias do art. 22 ou do art. 25, § 1º, da CR.
Assim, no caso do art. 24, a competência é concorrente, de modo que o município poderá legislar
para suplementar a legislação federal ou estadual, no que couber.
Os parágrafos do art. 24 serão analisados a seguir, na medida em que extremamente importantes
para fins de concursos:
Art. 24 (...) § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.
O princípio da predominância do interesse é o que informa esta competência da União: se o inte-
resse é geral, a competência é da União. Como identificar, todavia, uma norma geral e, como conse-
quência, se a União está ou não invadindo a competência dos demais entes?
No STF, há duas concepções sobre o que seriam normas gerais:
1ª concepção (Ex-ministro Carlos Velloso): normas gerais são aquelas dotadas de maior
abstração. Os princípios seriam exemplo de normas gerais (observe que os princípios, aqui, não
são referidos segundo a definição de Alexy, no sentido de “mandamento de otimização”, mas no
sentido tradicional da doutrina, que diferencia princípio e regra).
2ª concepção (Ministro Carlos Ayres Britto): normas gerais são aquelas que têm a possi-
bilidade de uma aplicação uniforme a todos os entes da Federação. Segundo essa concepção, a
norma geral é aquela que pode estabelecer o mesmo critério, que pode ser seguido por todos os
entes federativos.

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Art. 24 (...) § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a compe-
tência suplementar dos Estados.
A União estabelece a norma geral. O estado complementa a norma geral, de acordo com as pecu-
liaridades regionais. Estas competências do art. 24, portanto, são não cumulativas, uma vez que tanto
a União quanto os estados podem tratar das mesmas matérias. No entanto, eles não podem tratar cu-
mulativamente dos mesmos aspectos da matéria (a União cria normas gerais e os estado as suplemen-
tam). Se assim não fosse, haveria leis da União e dos Estados, prevalecendo sempre a última, o que
geraria uma “bagunça legislativa”.
Raul Machado Horta dizia que, neste caso, haveria um verdadeiro “condomínio legislativo” (ex-
pressão que designava o tratamento dado à matéria tanto pela União quanto pelos estados).
Existe alguma hierarquia entre a lei federal que estabelece normas gerais e a estadual, que as
complementa?
Como visto, a CR estabelece poderes enumerados à União (ex.: art. 22), aos Municípios (ex.: art.
30) e poderes residuais aos estados (art. 25, § 1º). Nesses campos específicos, há uma repartição hori-
zontal de competências, entre União, estados e municípios. Essa repartição horizontal significa que não
existe qualquer hierarquia entre os entes, na medida em que eles retiram suas competências direta-
mente da CR. Se a União legislar sobre assunto de competência municipal, a lei será inconstitucional.
No caso das leis estaduais suplementares, entretanto, há hierarquia entre as normas, na medida
em que o estado tem de respeitar a lei federal. Há uma repartição vertical de competências.
As consequências práticas dessa distinção são as seguintes:
i) no caso da repartição horizontal de competências, por não haver hierarquia entre as leis fe-
derais, estaduais e municipais, qualquer invasão de competência do outro ente acarretará uma violação
direta da Constituição, dando ensejo à possibilidade de ajuizamento de uma ADI ou da interposição de
um Recuso Extraordinário, dependendo do tipo de lei (será cabível RE se se tratar de lei municipal,
segundo Novelino).
ii) no caso da repartição vertical, por haver hierarquia entre a lei federal que estabelece as nor-
mas gerais e a lei estadual, se a lei estadual viola conteúdo de uma norma geral da União, a violação da
Constituição ocorrerá apenas de forma indireta. Quem estará sendo violada diretamente é a lei federal.
Neste caso, não caberia, por exemplo, ADI ou RE (que cabem quanto há violação da CR de forma direta).
Cabe, a depender do caso, ADPF ou REsp (STJ), por conta da violação da lei federal.
Veja que a hierarquia não se estabelece em razão da competência, mas do conteúdo da norma.
Art. 24 (...) § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
Caso a União se omita acerca do estabelecimento das normas gerais, o estado não fica impossibi-
litado de legislar sobre a matéria. A CR permite que os Estados exerçam competência legislativa plena,
elaborando não só a norma suplementar como a geral, que deveria ter sido feita pela União.

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Cadernos MAGIS- Constitucional
Para autores como André Ramos Tavares e Alexandre de Morais, a competência suplementar se-
ria um gênero, dividido em competência complementar e supletiva. Esses eram termos utilizados pela
CR de 67/69.
Para esses autores, a competência prevista no art. 24, § 2º, seria complementar (na medida em
que o Estado estaria complementando a norma geral feita pela União). A supletiva seria a competência
do art. 24, § 3º (na medida em que o estado supre a lacuna deixada em virtude da omissão da União).
Alguns autores, como José Afonso da Silva, entendem que a distinção não faz mais sentido, na
medida em que não foi reproduzida pela CR/88, que somente fala em competência “suplementar”.
O que ocorre com a norma geral estadual, elaborada nos termos do art. 24, § 3º, com a edição da
norma geral pela União? Observe que não há que se falar em revogação, que somente ocorre no caso de
entes que possuem a mesma competência legislativa.
A CR não “revoga” leis: as leis com ela incompatíveis são consideradas não recepcionadas. Medida
Provisória também não revoga lei, pois a lei é elaborada pelo Congresso Nacional e a MP pelo Presi-
dente. Quando a MP trata de um tema de lei, ocorre a mesma hipótese que será estudada neste tópico
entre a lei estadual e a federal: ela suspende a eficácia da lei. É o que diz o § 4º:
Art. 24 (...) § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário.
Assim, a norma geral federal não revoga a norma geral elaborada pelo estado, mas
somente suspende a eficácia dela.
O resultado não é o mesmo: se houvesse sido revogada pela lei federal, a norma estadual estaria
definitivamente retirada do ordenamento jurídico. Como se trata de suspensão de eficácia, a norma
estadual somente terá suspensa sua aptidão para produzir efeitos, permanecendo vigente no ordena-
mento. Caso a União resolva elaborar nova norma geral revogando a anterior, e esta legislação estadual,
que era incompatível com a anterior, passe a ser compatível com a nova norma geral, ocorrerá o fenô-
meno do chamado “efeito repristinatório tácito”.
Ou seja, no caso de uma nova lei federal sobre normas gerais revogar a anterior, a legislação esta-
dual cuja eficácia havia sido suspensa poderá ter um efeito repristinatório tácito se for compatível com
a nova legislação federal.
O efeito repristinatório tácito é o mesmo estudado quando da análise das normas constitucionais
no tempo. A legislação anterior volta a produzir efeitos em duas hipóteses: i) concessão de cautelar pelo
STF suspendendo determinada lei; e ii) declaração de inconstitucionalidade de determinada lei com
efeito ex tunc.
Há, ainda, uma quarta hipótese de efeito repristinatório tácito, que será estudada adiante e ocorre
quando a Medida Provisória que suspende a eficácia da lei anterior não é convertida em lei pelo Con-
gresso: a lei anterior volta a produzir efeitos. Há um caso concreto relativo a essa hipótese em direito
previdenciário.
Obs.: Itens mais cobrados nas provas de concursos:

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“CF/88, Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
XI - procedimentos em matéria processual;”
Finalmente, é de se notar que os Municípios, apesar de não estarem expressamente previstos no
caput do art. 24, poderão suplementar a legislação federal e a estadual no que se refere a assuntos de
sua competência (interesse local)201.
Este interesse é predominantemente local!
SV 38 – é competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento
comercial.
OBS.: Os Municípios não podem fixar o horário de funcionamento dos bancos, o que compete à
União. No entanto, podem fixar com relação à medida de segurança (guardas), tempo de espera em fila
(conforto, rapidez).
Não é toda a competência que os Municípios poderão suplementar, existem algumas ressalvas.
Não será cabível legislação municipal para suplementar as leis federais ou estaduais decorrentes de
competência privativa ou exclusiva da União ou dos Estados.
OBS.: A Constituição não diferencia as competências privativas das competências exclusivas, por
isso alguns doutrinadores entendem não haver distinção na CF/88, como Gilmar Mendes e Fernanda
Menezes. Parte dos autores, todavia, analisam dizendo que ambas são atribuídas a um único membro
(União como no caso dos arts. 22 e 21), mas se distinguem porque as competências privativas admitem
delegação, situação não possível com as exclusivas.
“A exclusiva exclui a possibilidade de delegação” (art. 21 da CF);
Enquanto as matérias do art. 22 seriam de competência exclusiva, segundo parte da doutrina, já
que seu parágrafo único permite delegação das matérias aos Estados. Outro dispositivo que permite a
delegação encontra-se no parágrafo único do art. 84 da CF, sendo com o art. 22, os únicos com essa
possibilidade.
Em resumo:

201 STF - RE 586.224/SP: “1. O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e
Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina
estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB).”
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5. Organização político-administrativa do Estado Brasileiro


5.1. Noções gerais
A organização político-administrativa do Estado Brasileiro é tratada nos arts. 1º e 18 da CR:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Observe que o art. 1º menciona todos os entes federativos, exceto a União. A “união” a que se
refere o dispositivo não é no sentido de ente federativo, mas união dos estados (federação, que vem de
foedus, significando união, pacto).
O art. 18 é mais específico. Traz elencados todos os entes que integram o Estado Brasileiro:
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Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

5.2. Princípio da indissolubilidade do pacto federativo


Quando fala em “união indissolúvel”, a CR consagra o princípio da indissolubilidade do
pacto federativo, que significa que os entes que formam a Federação não podem romper o pacto que
os une, vedando aos entes o direito de secessão.
Assim, se um estado tentar se separar do restante do país e se tornar independente, o mecanismo
constitucional para evitar tal ameaça é a intervenção federal, prevista no art. 34, I, da CR:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional; (...)
Cumpre observar que, para fins didáticos, determinadas normas que estão na Organização do
Estado serão estudadas quando da análise da Organização dos Poderes (ex.: normas relativas aos Go-
vernadores e ao Presidente da República).
Veja que a intervenção é uma exceção à regra. A União somente pode intervir no Estado, no DF
ou em eventuais municípios localizados em território federal. Quem intervém no município é o estado.
A intervenção feita pela União ocorre, na verdade, em nome dos estados. Ela não está acima dos estados.
5.3. Limites à auto-organização dos estados-membros
As limitações à auto-organização dos estados-membros, também chamadas de normas de obser-
vância obrigatória pelas constituições estaduais estão contidas nos princípios constitucionais sensíveis,
princípios constitucionais extensíveis e nos princípios constitucionais estabelecidos, de acordo com a
classificação de José Afonso da Silva.
Esses limites consagram o chamado princípio da simetria, segundo o qual, o modelo esta-
belecido pela Constituição Federal, tem de ser seguido pela Constituição Estadual e pelas Leis Orgâ-
nicas municipais, não bastando que apenas trate aquilo que não é vedado pela Constituição Federal.

5.3.1. Princípios constitucionais sensíveis


Os princípios constitucionais sensíveis referem-se à essência da organização constitucional da fe-
deração brasileira. Estão previstos no art. 34, VII, da CR:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a pro-
veniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos
de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

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Essa denominação foi criada por Pontes de Miranda. A doutrina discute porque seriam denomi-
nados princípios sensíveis. José Afonso da Silva os denomina “sensíveis” porque, violados, geram uma
ação imediata, qual seja, a intervenção federal no estado-membro ou no DF.
Nas hipóteses dos princípios sensíveis, só poderá haver intervenção se houver uma ADI interven-
tiva julgada procedente pelo STF, ou seja, não pode haver intervenção direta.
5.3.2. Princípios constitucionais extensíveis
Os princípios constitucionais extensíveis consagram normas organizatórias da União que devem
ser estendidas aos Estados.
O regramento geral é feito pela União (esfera federal). Geralmente, quando o STF utiliza a expres-
são “normas de observância obrigatória”, ele se refere a esses princípios. A CR regula como a União
deve se organizar, mas esta regulamentação deve ser estendida aos Estados. Eles podem ser: i) expres-
sos ou ii) implícitos.
Em relação aos princípios extensíveis implícitos, quem determina se a norma é extensível ou não
é o STF. Quando o STF entende que um determinado princípio deve ser estendido aos Estados, não
obstante a falta de previsão na CR, ele se baseia no princípio da simetria entre a CR e as constituições
estaduais. Exemplos de princípios extensíveis expressos:
i) art. 27, §§ 1º e 2º, da CR: os subsídios e a remuneração dos deputados federais devem ser es-
tendidos aos deputados estaduais, ou seja, a CE deve observar as normas organizatórias dos deputados
federais202;
ii) art. 28 da CR: a eleição do governador e do vice deve observar as normas estabelecidas no art.
77, que trata da eleição do presidente e do vice;
iii) art. 75 da CR: o regramento no âmbito federal dos Tribunais de Contas da União deve ser
estendido aos Estados e ao DF;
iv) princípios básicos do processo legislativo (art. 59 e seguintes da CR):
Todo processo legislativo estabelecido na CR é referente ao processo legislativo federal. Quem
estabelece o processo legislativo nos estados e municípios são as constituições estaduais e as leis orgâ-
nicas dos munícipios. Porém, segundo o STF, esse regramento estabelecido na CR deve ser observado
pelos estados e municípios.
Ex.: os requisitos para a criação de CPI no âmbito do Congresso Nacional, previstos no art. 58, §
3º, da CR, obrigatoriamente devem ser observados no âmbito estadual; o art. 83 da CR dispõe que o
Presidente não pode se ausentar do território nacional sem a autorização do Congresso, de modo que,

202 STF – ADI 4.587 MC/GO: “O art. 57, § 7º, do Texto Constitucional veda o pagamento de parcela indeni-
zatória aos parlamentares em razão de convocação extraordinária. Essa norma é de reprodução obrigatória pelos
Estados-membros por força do art. 27, § 2º, da Carta Magna.”.
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no âmbito estadual, o Governador não poderá se ausentar do território do Estado sem a autorização da
Assembleia Legislativa do Estado.
5.3.3. Princípios constitucionais estabelecidos
Os princípios constitucionais estabelecidos encontram-se espalhados de forma assistemática por
todo o texto constitucional e estabelecem o regramento para todos os entes federativos. Alguns são ex-
plícitos e outros são implícitos, como ocorre com os princípios extensíveis. José Afonso da Silva os se-
para em dois tipos:
i) Regras mandatórias:
Regras mandatórias são aquelas que impõem ao estado a adoção de certas medidas. Ex.: art. 37
da CR
ii) Regras vedatórias.
São aquelas que impedem a adoção de certas condutas pelos estados. Ex.: art. 19 da CR203.
Os princípios extensíveis e os estabelecidos ganham relevância quando cotejados com a ideia de
Constituição Federal e Nacional. O princípio extensível refere-se à Constituição Federal, pois as normas
que estabelecem tratam apenas do âmbito da União. Já o princípio estabelecido refere-se à Constituição
Nacional, pois estabelece normas para todos os entes federativos.
5.4. Municípios
A CR/88 expressamente colocou o município como ente federativo, ao lado da União, estados e
DF. É com base nos arts. 1º e 18 que o município é considerado, pela maior parte da doutrina, como
ente federativo.
Então, a organização político-federativa do estado brasileiro é composta pela União, pelos esta-
dos-membros, pelo DF e pelos Municípios. Todos os entes são dotados de autonomia. Nenhum
deles tem soberania, um atributo do Estado Brasileiro.
Os autores que sustentam que o município é entre federativo (grande maioria da doutrina) o fa-
zem com base em dois argumentos: i) o texto expresso dos arts. 1º e 18 da CR; e ii) o município tem as
mesmas autonomias dos demais entes (organização, legislação, governo e administração).
Há, no entanto, um posicionamento minoritário que defende ponto de vista oposto (José Afonso
da Silva). O autor utiliza dois argumentos para sustentar que o município não pode ser considerado
ente da federação brasileira:
i) os municípios não participam da formação da vontade nacional:

203 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos reli-
giosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar fé
aos documentos públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
290

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Como visto anteriormente, as características essenciais da federação são três: descentralização
político-administrativa, o princípio da participação e a auto-organização dos entes. Esta corrente sus-
tenta que a segunda característica não estaria presente, na medida em que não há representantes do
município no Congresso Nacional.
ii) não existe federação de municípios:
O que forma uma federação é a união de estados-membros. Tanto que, se retiradas as autonomias
dos municípios, é possível manter-se a federação.
Para José Afonso, o município é ente meramente administrativo, ou seja, autarquias territoriais
(como os territórios).
O posicionamento majoritário, todavia, é o de que o município é ente federativo.
Em prova do MP/RN, foi perguntado se o federalismo brasileiro era de segundo ou terceiro grau.
Até a CR/88, o federalismo pátrio era de segundo grau. Com a CR/88, passou a ser considerado de
terceiro grau.
Federalismo de primeiro grau seria o formado pela União. Alguns autores sustentam que seria
possível uma deformação do federalismo: federalismo sem estados. Federalismo de segundo grau é o
tradicional: formado pela União e Estados. Federalismo de terceiro grau é o formado pela União, esta-
dos e municípios. Não há quem diga que federalismo brasileiro seria de quarto grau, por conta do DF.
Celso Bastos defendia que, mesmo com a CR/88, o federalismo pátrio seria de segundo grau. A prova
do MP/RN (CESPE) considerou que o federalismo brasileiro é de terceiro grau.
5.5. Distrito Federal
A ideia do Distrito Federal é de haver um território neutro, onde se localize o governo e que não
seja o território de nenhum dos estados (como era no Rio de Janeiro). O DF já foi chamado de “muni-
cípio neutro”, mas depois da Constituição Imperial ele passou a ser considerado território neutro.
Na doutrina, há diversos posicionamentos acerca da natureza do DF (município, estado, estado-
município etc.)
Essa informação é importante para a resolução de uma questão prática que restou suscitada pe-
rante o STF, analisada na ADI 3756. A Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)
estabeleceu uma série de limites de gastos com pessoal. No caso da Câmara Legislativa do DF, estabe-
leceu limite de despesa equivalente aos dos estados (3%). Os membros da Câmara ajuizaram a ADI,
para que o DF fosse declarado município e obtivesse o limite maior, típico dos municípios (6%).
O STF adotou o entendimento de José Afonso da Silva, no sentido de que o DF não
é estado nem município, mas uma unidade federada com competências parcialmente
tuteladas pela União. Tais competências são aquelas relacionadas ao Poder Judiciário, MP, Defen-
soria Pública, polícia civil e militar e bombeiros: quem legisla, organiza e administra tais carreiras é a
União (arts. 21, XIII e XIV, 22, XVII e 48, IX, da CR):
Art. 21. Compete à União: (...)

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XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Dis-
trito Federal e dos Territórios;
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito
Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públi-
cos, por meio de fundo próprio; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e
dos Territórios, bem como organização administrativa destes;
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta
para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, espe-
cialmente sobre: (...)
IX - organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da
União e dos Territórios e organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito
Federal;
O STF entendeu que, apesar de não ser estado nem município, a estruturação do DF é muito mais
próxima da de um estado que de um município (o DF elege Senadores, possui Poder Judiciário etc.), de
modo que o dispositivo seria constitucional.
Obs.: Quanto à auto-organização o DF rege-se por sua lei orgânica, votada em dois turnos, com
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços (2/3) dos membros da Câmara Legislativa,
que a promulgará, acendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal (art. 32, caput,
CF/88).204
5.6. Territórios
O Território não é ente federativo. A CR/69, em seu art. 1º, previa que os territórios eram consi-
derados entes federativos. A CR/88 corrigiu esse ponto: o território é uma autarquia de natu-
reza administrativa, e não um ente da federação brasileira.
Criado um território, quem escolhe seu Governador é o Presidente da República. Ele não é eleito
democraticamente. Como não é ente federativo, o território não elege Senador uma vez que não parti-
cipa da formação da vontade nacional. A CR prevê que, independentemente da população de um terri-
tório, cada um deles poderá eleger quatro Deputados Federais.
Atualmente não existem territórios no Brasil; aqueles que existiam foram transformados em es-
tados ou incorporados a algum dos existentes. Todavia, nada impede que sejam criados.

CRFB/88, “Art. 33. A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios.
§ 1º. Os Territórios poderão ser divididos em Municípios205, aos quais se aplicará, no que
couber, o disposto no Capítulo IV deste Título.
§ 2º. As contas do Governo do Território serão submetidas ao Congresso Nacional, com parecer

204 Mnemônica  DDD


205 Os Municípios situados dentro de Territórios seriam entes federativos, já que os Territórios não o são?
A doutrina terá de enfrentar tal questão, caso venham a ser criados.
292

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prévio do Tribunal de Contas da União.
§ 3º. Nos Territórios Federais com mais de cem mil habitantes, além do Governador nomeado na
forma desta Constituição, haverá órgãos judiciários de primeira e segunda instância, membros do Minis-
tério Público e defensores públicos federais; a lei disporá sobre as eleições para a Câmara Territorial e
sua competência deliberativa.”

Art. 45, § 2º. Cada Território elegerá quatro Deputados;

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: XIV - nomear, após aprovação pelo
Senado Federal, [...] os Governadores de Territórios ...”
No mais, a CR não é muito detalhada acerca dos territórios, remetendo a disciplina deles a uma
Lei Complementar.
6. Tipos de federalismo
Na doutrina, há várias classificações acerca das espécies de federalismos. Novelino agrupou a
maioria delas, segundo determinados critérios. Há denominações muitas vezes utilizadas em sentidos
diversos.
6.1. Quanto ao surgimento
6.1.1. Federalismo por agregação
O federalismo por agregação ocorre quando estados soberanos se unem, cedendo uma parcela de
sua soberania para formar um estado único. Este é o federalismo norte-americano. Havia as treze colô-
nias soberanas, independentes, que resolveram, por questões práticas, formar um estado único, federal.
Daí a origem, inclusive, do termo federação (foedus, que significa “união”).
O movimento que dá origem a esta federação por agregação é centrípeto (da periferia para o cen-
tro) ou centrífugo (do centro para a periferia)? Quando os estados se agregam para formar um só estado,
os centros de poder são parcialmente deslocados a um poder central, ou seja, o poder vai para o centro.
Centrípeto, portanto.
Assim, o federalismo norte-americano é por agregação e o movimento é centrípeto.
6.1.2. Federalismo por segregação
O federalismo por segregação é aquele no qual o poder central (Estado unitário) é repartido para
várias unidades federadas. Nele, há o oposto da situação anterior: um estado unitário, com poder cen-
tral, que é dividido em vários estados-membros, cada um dotado de autonomia. Quando há essa divisão,
o poder que estava no centro é repartido entre cada uma das unidades. Ou seja, o movimento é centrí-
fugo (do centro para a periferia).
Exemplo desse tipo de federalismo é do Brasil. Com a Proclamação da República, a Constituição
de 1891 realiza essa repartição centrífuga entre as unidades da federação.
6.2. Quanto à concentração do poder
6.2.1. Federalismo centrípeto
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Veja que o nome é o mesmo da classificação anterior, mas os termos referem-se não ao movimento
que deu origem à federação, mas a onde o poder se localiza.
Federalismo centrípeto é aquele no qual há uma concentração excessiva de poder no ente central.
No que se refere à concentração de poder, tanto no aspecto constitucional quanto prático, o fede-
ralismo brasileiro pode ser considerado centrípeto. As competências da União são mais numerosas e
mais importantes. A arrecadação da União também é muito maior. Os Estados e Municípios dependem
do apoio do Governo Federal, mediante repasses, para controlar suas contas. Isso confere ao ente cen-
tral uma imensa concentração de poder.
Essa dinâmica tem uma justificativa histórica: a federação pátria surge, inicialmente, por segre-
gação. Todo aquele que faz repasses de competência tende a ser comedido. A CR/88 foi além das ante-
riores, mas ainda há uma excessiva concentração no poder central.
Portanto, o federalismo brasileiro surgiu através de um movimento centrífugo, mas quanto à con-
centração do poder ele pode ser classificado como federalismo centrípeto.
6.2.2. Federalismo centrífugo
Federalismo centrífugo, para a classificação aqui estudada, é aquele no qual há uma reação ao
fortalecimento excessivo do poder central, com uma repartição de competências mais equilibrada. Nele,
o poder é mais dividido entre os entes da federação. Por isso que se fala em centrífugo: fuga do centro.
O constitucionalismo norte-americano é centrífugo, em decorrência do surgimento do federa-
lismo deles. Os estados, que concederam competência ao ente central, também foram mais comedidos,
remanescendo a eles diversas competências.
6.3. Quanto à repartição de competências
Quanto à repartição de competências, o federalismo pode ser dualista, por integração ou coope-
rativo.
6.3.1. Federalismo dualista (ou dual)
Federalismo dualista é aquele em que há uma repartição horizontal de competências entre os en-
tes federativos, os quais se encontram em uma relação de coordenação.
É o federalismo clássico norte-americano, em que há um equilíbrio entra a União e os estados,
ambos subordinados à Constituição. A relação é de coordenação, não de subordinação.
É o modelo de federalismo adotado pelos EUA até a crise econômica de 1929. Após aquele ano,
eles deixaram de ser um país com federalismo dual.
6.3.2. Federalismo de (ou por) integração
O federalismo por integração é exatamente o oposto do anterior. Nele, há uma repartição vertical
de competências, sendo os estados subordinados à União.
As leis estaduais, no federalismo por integração, estão subordinadas às federais, que são hierar-
quicamente superiores. A relação entre os entes é de subordinação, e não de coordenação.

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Exemplo desse federalismo é o adotado no Brasil pela Constituição de 1969, o que ajuda a com-
preender a força que possui a União no país, o que vem gradativamente diminuindo.
6.3.3. Federalismo cooperativo
Federalismo cooperativo é aquele em que há uma relação de coordenação entre a União e os es-
tados (repartição horizontal de competências), mas algumas competências são tuteladas pela União.
Trata-se de uma mistura das modalidades anteriores.
É exatamente o que faz a CR/88, que consagra algumas competências horizontais (arts. 22, 25, §
1º, 30), mas algumas competências são tuteladas pela União (art. 24).
Além do Brasil, EUA e Alemanha adotam o federalismo cooperativo. Foi a melhor forma encon-
trada para solucionar problemas decorrentes da repartição de competências.
6.4. Quanto às características dominantes
Quanto às características dominantes, o federalismo pode ser simétrico ou assimétrico. Este cri-
tério é adotado por Raul Machado Horta (UFMG), que leva em consideração a adoção ou não pelo or-
denamento jurídico de determinados critérios tradicionais para caracterizar a federação206.
6.4.1. Federalismo simétrico
Segundo Raul Machado Horta, no federalismo simétrico podem ser observadas certas caracterís-
ticas tradicionais de estados federados. O federalismo, nesse caso, não foge ao modelo-padrão de fede-
ração.
Essas características tradicionais, encontradas em várias constituições dos estados federais, se-
riam:
i) possibilidade de intervenção federal nos estados (contemplada pela CR/88);
ii) poder judiciário dual (é o caso do Brasil, em que há um judiciário estadual e um federal);
iii) poder constituinte originário com sede na União e poder constituinte decorrente com sede nos
estados (poder constituinte decorrente é aquele que dá poder à elaboração das constituições estaduais).
Veja que o poder constituinte decorrente possui dupla natureza: é constituído (em relação à CR/88), e,
ao mesmo tempo, constituinte (em relação à constituição estadual);
iv) poder legislativo bicameral: há uma casa de representantes do povo (Câmara) e outra de re-
presentantes dos estados (Senado). Na Inglaterra (um estado Unitário), o Senado é de representantes
dos Lordes, não dos estados.
O Brasil, como visto, tem em sua Constituição todas as características do federalismo simétrico.
6.4.2. Federalismo assimétrico

206
Cuidado, pois os termos “simétrico” e “assimétrico” são utilizados em sentido absolutamente diverso por
outra classificação, que será estudada a seguir e leva em conta a relação entre os entes da federação.

295

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Para esta classificação, federalismo assimétrico é aquele em que há um rompimento com as linhas
tradicionais do federalismo simétrico, em razão do funcionamento do sistema federal. Há característi-
cas que o diferenciam dos federalismos simétricos.
No federalismo brasileiro, o reconhecimento do município como ente federativo representa uma
assimetria. Por conta dela (e de outras assimetrias), há divergência na doutrina sobre se o federalismo
brasileiro seria simétrico ou assimétrico:
1ª corrente (José Tarcísio de Almeida): o Brasil adota um federalismo assimétrico.
2ª corrente (Kildare Carvalho, do TJ/MG): o Brasil adota um federalismo simétrico, mas
com algumas concessões ao federalismo assimétrico.
Não há um consenso na doutrina. Até porque há autores que utilizam os termos simétrico e assi-
métrico em sentido diverso.
6.5. Quanto à simetria horizontal
Quanto à simetria horizontal, o federalismo é também classificado em simétrico e assimétrico.
A distinção entre as modalidades dependerá da existência ou não de uma distribuição igual de
competências e de um mesmo número de representantes no Senado de entes federativos que se encon-
tram num mesmo nível.
6.5.1. Federalismo simétrico ou homogêneo
Existem dois tipos de simetrias: a fática e a jurídica.
A simetria fática revela-se quando há a ocorrência de uma homogeneidade na realidade subja-
cente ao ordenamento jurídico. Na simetria fática, não se analisa qual é o tratamento jurídico conferido
aos entes, mas a análise restringe-se ao plano da realidade. Confere-se se a realidade de cada um dos
entes é uma realidade equivalente ou não equivalente. Ex.: analisa-se se a realidade econômica entre os
entes é equivalente ou não.
O melhor exemplo de simetria fática é o EUA: lá há certa equivalência entre os estados, no plano
cultural, social, econômico. Ou seja, não há uma diferença gritante entre eles.
A simetria jurídica, por sua vez, ocorre quando se verifica a existência de um equilíbrio na distri-
buição de competências entre entes federativos de um mesmo nível. Aqui, analisa-se o tratamento que
é dado pela CR, no plano jurídico: se a CR ao distribuir a competência entre esses entes o faz de forma
equilibrada e homogênea.
No Brasil, não existe diferença de competências entre vários estados ou municípios. Cada estado
e cada município possuem as mesmas competências. O tratamento dado pela CR é igual (distribuição
de competência igualitária, ainda que haja algumas diferenças que visam a diminuir a desigualdade
econômica existente).
Se a constituição atribui a mesma competência a todos os estados e confere o mesmo número de
representantes no Senado, ou no município, o federalismo será simétrico.
6.5.2. Federalismo assimétrico ou heterogêneo
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Caso haja diferenças de competências entre representantes ou competências entre estados, ou
entre municípios, o federalismo seria assimétrico.
Quem faz esta classificação é um autor mineiro chamado José Luiz Quadros. Veja que a simetria
a que se refere o autor é entre entes que se situam no mesmo nível, ou seja, entre estados e entre muni-
cípios. Comparam-se estados com estados e municípios com municípios, não estados com municípios.
6.6. Quanto às esferas de competência
Há doutrinadores que mencionam este critério, mas com outro sentido. O critério aqui são os
centros de competência existentes no território.
6.6.1. Federalismo de segundo grau
O federalismo de segundo grau também é conhecido como bipartite, bidimensional ou típico.
Caracteriza-se pela existência de duas esferas de competência: a esfera central (União) e as esferas
regionais (Estados-membros). É o federalismo típico, encontrado na maioria das federações.
6.6.2. Federalismo de terceiro grau
O federalismo de terceiro grau também é chamado de tripartite, tridimensional ou atípico.
Caracteriza-se pela existência de três esferas de competência: a esfera central (União), a esfera
regional (Estados) e a esfera local (Municípios). É o caso do federalismo brasileiro.
Na prova do CESPE (MPE/RN), foi cobrada essa classificação: o Brasil passou de um federalismo
de segundo grau para um federalismo de terceiro grau. O Município passou a ser considerado ente fe-
derativo a partir da CR de 1988.
O DF não é considerado uma quarta esfera de competência, pois não obstante haja quatro entes
federativos, ele titulariza as mesmas competências das esferas regionais e locais.
De acordo com Manuel Gonçalves Ferreira Filho, o federalismo brasileiro é de segundo grau, uma
vez que o poder de auto-organização dos Municípios se subordina à Constituição Estadual e à Consti-
tuição Federal. Como se pode notar, o autor utiliza um critério distinto em sua classificação.
Nesse modelo, havendo União e Estados, o federalismo é de primeiro grau, porque a constituição
estadual se subordina apenas à CR; o Brasil é um federalismo de segundo grau, pois a lei orgânica mu-
nicipal se subordina à constituição estadual, em primeiro grau, e à CR, em segundo grau. O critério é
totalmente distinto.
7. Criação de estados e municípios
Conforme visto acima, característica nuclear da federação é a vedação ao direito à secessão, como
consequência de o vínculo entre as unidades federadas ser indissolúvel.
Dessa forma, uma vez sob égide da Constituição de 1988, impossível que movimentos separacis-
cas logrem êxito e novos Estados Nacionais se formem a partir do território de nossos acuais Estados-
membros e Municípios.

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É certo que essas eventuais agitações políticas seriam imediatamente coibidas (pelo processo in-
terventivo) para a necessária manutenção do pacto federativo e reafirmação da inquebrantabilidade do
vínculo que une as entidades federativas.
De outro lado, a organização interna da República Federativa do Brasil pode ser reconstruída,
remodelada, por meio de alterações na estrutura político-administrativa da federação através da for-
mação de novas entidades políticas.
A alteração da divisão geopolítica interna tem como fundamentos normativos:
i) Constituição Federal, em seu art. 18, § 3º:
CRFB/88, Art. 18, § 3º. “Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou des-
membrar- se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante
aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacio-
nal, por lei complementar;”
CRFB/88, “Art. 18, § 4º. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios,
far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de
consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Es-
tudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei;”

ii) Lei n. 9.709/1998 – Trata da regulamentação do Art. 18 visto acima, especialmente em


relação ao necessário para que se proceda à aprovação da população diretamente interes-
sada através de plebiscito.
7.1. Formação de novos estados
Conforme visto, o Art. 18, § 3° da CR, estabelece que os Estados-membros podem incorporar-
se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos
Estados ou Territórios Federais.
7.1.1. Hipóteses de alteração da divisão geopolítica interna

7.1.1.1. Incorporação:
Ocorre a fusão entre dois ou mais Estados, originando a formação de novo Estado ou Território
Federal (A + B = C; os estados A e B deixam de existir).

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Assim, surge uma nova personalidade jurídica (estado C) com a extinção das anteri-
ores (estados A e B)
7.1.1.2. Subdivisão
Nessa situação. ocorre a cisão (divisão) do Estado originário em novos Estados (A = B + C; o
estado A deixa de existir);

7.1.1.3. Desmembramento:

a) Para anexação da parte desmembrada a um outro Estado, sem a criação de novo ente fede-
rativo (parte de A passa a integrar B; ambos continuam existindo)

b) Para formação de novo Estado-Membro (parte de A ou B forma um estado C; os três coexis-


tem por fim); ou para formação de Território Federal.

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7.1.2. Requisitos
Nos termos do artigo 18, observa-se que são três os requisitos para que haja a incorporação, a
subdivisão ou mesmo um eventual desmembramento entre Estados:
i) Consulta prévia à população diretamente interessada, por meio de plebiscito;
ii) Oitiva das Assembleias Legislativas dos Estados envolvidos;
iii) Aprovação do Congresso Nacional, consubstanciada na edição de uma lei complementar.
7.1.3. Procedimento
I) Convocação do plebiscito => Decreto legislativo (Lei 9.709/98, art. 3º);
II) Consulta à população diretamente interessada => Plebiscito;
Importante lembrar que o plebiscito é uma consulta prévia da população, diferenciando-se do
referendo, que ocorre posteriormente.
Caso a população consultada seja contrária, a Lei Complementar não poderá ser editada pelo Con-
gresso Nacional; caso seja favorável, o Congresso Nacional poderá ou não aprovar a Lei Complementar,
não estando vinculado ao resultado positivo do plebiscito.
Assim, a sendo a aprovação prévia da população condição indispensável a continui-
dade do procedimento, mas a decisão por ela é discricionária do CN.
III) Resultado favorável: O Congresso Nacional tem discricionariedade para aprovar ou não
a Lei Complementar, após oitiva da(s) respectiva(s) Assembleias Legislativas (CRFB/88, art. 48, VI).

Lei 9.709/98, “Art. 3º. Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo
ou do Poder Executivo, e no caso do § 3o do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo
são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que
compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei.
Art. 4º. A incorporação de Estados entre si, subdivisão ou desmembramento para se anexarem a
outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, dependem da aprovação da população dire-
tamente interessada, por meio de plebiscito realizado na mesma data e horário em cada um dos Estados,
e do Congresso Nacional, por lei complementar, ouvidas as respectivas Assembleias Legislativas.
Art. 7º. Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4o e 5o entende-se por população di-
retamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que
sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a população da área que se quer
anexar quanto a da que receberá o acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que
se manifestar em relação ao total da população consultada.
§ 1º. Proclamado o resultado da consulta plebiscitária, sendo favorável à alteração territorial pre-
vista no caput, o projeto de lei complementar respectivo será proposto perante qualquer das Casas do
Congresso Nacional.
§ 2º. À Casa perante a qual tenha sido apresentado o projeto de lei complementar referido no
parágrafo anterior compete proceder à audiência das respectivas Assembleias Legislativas.
§ 3º. Na oportunidade prevista no parágrafo anterior, as respectivas Assembleias Legislativas opi-
narão, sem caráter vinculativo, sobre a matéria, e fornecerão ao Congresso Nacional os detalhamen-

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tos técnicos concernentes aos aspectos administrativos, financeiros, sociais e econômicos da área geopo-
lítica afetada.
§ 4º. O Congresso Nacional, ao aprovar a lei complementar, tomará em conta as informações téc-
nicas a que se refere o parágrafo anterior.”.

7.2. Formação de novos municípios


Como forma de evitar a manipulação da fragmentação das unidades federadas foi o intuito da
EC15/1996, que alterou o art.18, §4º da CF/88 visto acima.
Assim emenda trouxe um novo requisito para a criação dos Municípios, a exigência de lei
complementar federal, numa clara intenção de conter o avanço desenfreado de novos Município,
muitos deles sem qualquer condição prática de se manter.
Assim, atualmente temos quatro requisitos constitucionais para que haja a criação, a incorpo-
ração, a fusão e o desmembramento de municípios;
i) Edição de lei complementar federal que fixará de modo genérico o período em que poderão
ocorrer.
Em relação a este requisito há clara omissão legislativa uma vez que inexiste lei que regulamente
a criação de novos Municípios conforme exige o § 4º do art. 18207.
Enquanto não houver lei, o efeito prático é a impossibilidade de criação de novos municípios,
especialmente após a Emenda Constitucional 15/1996 como visto.
Importante notar que os demais municípios já criados antes da promulgação dessa Emenda
16/1996 foram convalidados após decisão do STF na ADI 3.682 em 09/05/2007 e redação data ao art.
96 da ADCT, por razões de segurança jurídica208.

207 Um projeto de Lei chegou a ser aprovado, mas foi vetado pela Presidente Dilma Rousseff.
208 ADI 3.682/MT: “1. A Emenda Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18
da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos,
não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão trami-
tar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municí-
pios [...] A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo
à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador
na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora
em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses,
adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucio-
nal imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorren-
tes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão... Não se trata de impor um prazo para a atuação
legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o
prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais
que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal
seja promulgada contemplando as realidades desses municípios.”
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ii) Aprovação de lei ordinária federal, prevendo genericamente os requisitos a serem respei-
tados, bem como a publicação dos estudos de viabilidade municipal.
iii) Consulta prévia às populações dos municípios diretamente interessados (plebiscito);
O plebiscito é convocado pela Assembleia Legislativa em conformidade com a legislação federal e
estadual (Lei 9.709/98, art. 5º),
Conforme determinação do STF (na ADI 2.994-BA23), a manifestação plebiscitária deverá ser
conduzida pelo TRE e não pode ser substituída por pesquisas de opinião, abaixo-assinados ou declara-
ções de organizações comunitárias;
iv) Aprovação de lei ordinário estadual regulamentando a criação, a fusão ou o desmembra-
mento.

ESTADOS DE LEGALIDADE EXTRAORDINÁRIA


Nos estados de legalidade extraordinária, há situações excepcionais, por isso, justificam um tra-
tamento diferenciado: um estado de legalidade, mas com algumas regras próprias.
São situações tão excepcionais que nem a CR pode ser emendada nesse período: estado de sítio,
estado de defesa, intervenção federal nos estados e no DF e intervenção estadual no município.

1. Intervenção federal
1.1. Conceito

ADCT, “Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Muni-
cípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legisla-
ção do respectivo Estado à época de sua criação.”.
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A intervenção federal ou estadual pode ser definida como uma medida excepcional de natureza
política, consistente na possibilidade de afastamento temporário da autonomia política de um deter-
minado ente federativo, quando verificadas as hipóteses previstas na CR.
Essa definição é importante porque traz elementos característicos da intervenção:
i) natureza política:
A intervenção federal nos estados e no DF, bem como a dos estados nos municípios tem natureza
política, e não jurídica. A análise que se realiza dos pressupostos para que se decrete ou não a interven-
ção não é puramente de violação ou não da CR ou de normas jurídicas, mas sobre se, politicamente, a
intervenção é ou não necessária.
ii) excepcionalidade da medida:
A intervenção é excepcional, pois representa a antítese do princípio da autonomia dos entes fede-
rativos. Ou seja, a regra é que cada ente cuide de seus próprios negócios, tenha autonomia para se au-
togovernar, autolegislar, autoadministrar. No entanto, diante de circunstâncias excepcionais essa auto-
nomia pode ser afastada.
iii) nas hipóteses previstas na Constituição:
Como decorrência mesma da excepcionalidade da medida, as hipóteses previstas na CR de inter-
venção são numerus clausus, ou seja, são hipóteses taxativas (e não exemplificativas). São as únicas em
que a intervenção pode ocorrer. Assim, dispositivos não podem ser interpretados extensiva ou analogi-
camente e não pode a lei infraconstitucional estabelecer outros casos de intervenção.
iv) temporariedade da medida:
Todas as situações excepcionais que justificam a intervenção são temporárias. Caso contrário, não
seriam excepcionais.
1.2. Hierarquia entre os entes federativos
Há uma polêmica, quando se estuda a intervenção, que diz respeito à existência de uma possível
hierarquia entre os entes federativos. Será que o fato de a União poder intervir nos estados e no DF, e o
fato de os estados poderem intervir nos municípios poderia fazer extrair daí uma hierarquia de uns com
relação aos outros?
Há dois posicionamentos:
1ª corrente (Francisco Bilac Pinto Filho e Pinto Ferreira): segundo esses autores, o fato de
a União poder intervir nos estados e no DF significa uma superioridade hierárquica daquela em
relação a estes.
2ª corrente (Marcelo Novelino e Valber de Moura Agra): para esta corrente, a possibili-
dade de intervenção não significa qualquer hierarquia entre os entes federativos. Isso porque
quando a União intervém nos estados, ela não está agindo para a defesa de interesses próprios,

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ou seja, de interesses da União enquanto pessoa jurídica de direito público, mas buscando pre-
servar os interesses de toda a federação. É como se ela estivesse agindo em nome de todos os
demais entes federativos, defendendo justamente a integridade da federação.
A questão, entretanto, não é pacífica.
O art. 18 da CR determina o seguinte:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
(...)
Quando a CR estabelece quais os entes federativos e que todos são autônomos, nos termos da
Constituição, isso significa que todos eles se encontram no mesmo nível, subordinados única e exclusi-
vamente ao que diz a CR. E não um subordinado ao outro.
1.3. Pressupostos materiais para a decretação da intervenção federal
Neste tópico, serão estudados quais os fatos que podem dar origem a uma intervenção federal da
União nos estados e no DF.
A decretação da intervenção possui quatro finalidades diferentes (que são justamente os pressu-
postos materiais): defesa do Estado, defesa do princípio federativo, defesa das finanças públicas esta-
duais e defesa da ordem constitucional.
1.3.1. Defesa do Estado
A finalidade de defesa do Estado está consagrada no art. 34, I e II (primeira parte):
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
Observe que o dispositivo diz que a União não intervirá nos estados. Essa é, portanto, a regra, em
razão de a intervenção representar uma antítese ao princípio da autonomia, como visto acima.
Além disso, a intervenção federal somente pode ocorrer em estados ou no DF, e não nos municí-
pios (salvo no caso de município localizado em território, como determina o art. 35). Quem pode intervir
no município localizado em estado é apenas o próprio estado.
Manutenção da integridade nacional é a preservação da própria federação. Evita-se que o ente
federativo tente sair da federação, desvinculando-se do restante. Esta hipótese, em que o ente federativo
tenta sair da federação, tornando-se um estado soberano, é a do chamado “direito de secessão”. Esse
direito de secessão dos estados está vedado, sobretudo, pelo art. 1º da CR, que consagra o princípio
chamado “princípio da indissolubilidade do pacto federativo”:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
Quando o dispositivo fala em união indissolúvel, ela consagra o princípio da indissolubilidade,
que impede a separação dos estados da federação.

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A doutrina costuma designar a indissolubilidade da federação de princípio em razão da sua im-
portância, dentro da ideia de que princípios seriam as normas basilares do sistema (doutrina clássica).
Todavia, se utilizada a distinção entre princípios e regras adotada por Robert Alexy, na verdade o art.
1º seria uma regra, e não um princípio, porque não pode ser sopesado, devendo ser aplicado na medida
de suas prescrições.
A segunda hipótese de intervenção para a defesa do estado é a prevista no art. 34, inciso II, pri-
meira parte (“repelir a invasão estrangeira”). Ela tem como fundamento a defesa nacional.
1.3.2. Defesa do princípio federativo
A finalidade de defesa do princípio federativo está prevista no art. 34, II, segunda parte, III e IV:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...)
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
Portanto, se um estado, de qualquer forma, invadir outro, haverá intervenção federal para repeli-
la.
1.3.3. Defesa das finanças públicas estaduais
A finalidade de defesa das finanças públicas estaduais está prevista no art. 35, V, da CR:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...)
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de
força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos
prazos estabelecidos em lei;

1.3.4. Defesa da ordem constitucional


A finalidade de defesa da ordem constitucional está prevista no art. 34, VI e VII, da CR:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...)
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a pro-
veniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos
de saúde.
Os princípios constitucionais a que se refere o art. 34, VII, são os chamados princípios constitu-
cionais sensíveis.
Como será estudado adiante, nas hipóteses de provimento da execução de lei federal e de obser-
vância dos princípios constitucionais sensíveis não poderá a intervenção ser decretada diretamente pelo

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Presidente da República, dependendo de um pressuposto formal, consubstanciado numa representação
do PGR e um Provimento do STF.
1.4. Pressupostos formais para a decretação da intervenção federal
1.4.1. Decretação pelo Chefe do Poder Executivo
Toda decretação de intervenção somente pode ser feita pelo Chefe do Poder Executivo. O Presi-
dente da República é o único que pode fazê-lo em âmbito federal, até porque quem expede o decreto
executivo é ele.
Esta competência privativa do Presidente para a decretação da intervenção está prevista no art.
84, X:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)
X - decretar e executar a intervenção federal;
Note que a CR fala em competência privativa, mas fazendo-se a distinção segundo a qual a com-
petência privativa seria a delegável e a exclusiva indelegável, a do art. 84, X, seria, na verdade, exclusiva,
pois ela não pode ser delegada.
1.4.2. Observância de formalidades pelo decreto interventivo
As formalidades que o decreto interventivo deve observar estão previstas no art. 36, § 1º:
Art. 36 (...) § 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo [lembre-se
que a temporariedade é uma característica da intervenção] e as condições de execução e que,
se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia
Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.
Observe que nem sempre que houver a intervenção federal será necessária a nomeação de inter-
ventor, o que somente ocorrerá em duas hipóteses: i) intervenção no Poder Executivo; ou ii) intervenção
simultânea nos Poderes Executivo e Legislativo.
O art. 36, § 4º traz outra previsão constitucional de formalidade à intervenção:
Art. 36 (...) § 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a
estes voltarão, salvo impedimento legal.
Quando a autoridade local é afastada e é nomeado interventor federal, uma vez cessada a inter-
venção federal, aquela autoridade retoma seu cargo, a menos que haja algum outro impedimento cons-
titucional ou legalmente previsto (ex.: processo de impeachment).
1.5. Espécies de intervenção
Há três espécies de intervenção: espontânea, solicitada e requisitada.
1.5.1. Intervenção espontânea
A intervenção é espontânea quando a decretação dela depende apenas da ocorrência dos motivos
que a autorizam. Ou seja, o Presidente poderá decretá-la por conta própria, de ofício, não precisando
da solicitação ou da requisição de nenhum outro Poder, pois demanda uma análise de natureza política
meramente discricionária.

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São hipóteses de intervenção espontânea as previstas no art. 34, I, II, III e V.
1.5.2. Intervenção solicitada
A intervenção solicitada é aquela que depende de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo. Nela, o Presidente não pode decretar a intervenção de ofício, espontaneamente.
Somente o Legislativo e o Executivo podem solicitar a intervenção. Judiciário não faz solicitação,
mas requisição, como será visto oportunamente.
A solicitação é um pressuposto à intervenção, nesses casos previstos no art. 36, I, primeira parte:
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou
impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judi-
ciário; (...)

1.5.3. Intervenção requisitada


A intervenção requisitada é a que depende de requisição do Poder Judiciário.
O Legislativo e o Executivo somente fazem solicitação. Quem faz requisição é apenas o Poder Ju-
diciário, que não pode solicitar. A diferença entre a solicitação e a requisição é de fundamental impor-
tância.
Naquela, o ato do Presidente da República é discricionário. Ou seja, o Presidente não está obri-
gado a decretar a intervenção, nos casos de solicitação. Ainda que a solicitação seja um pressuposto da
intervenção (ele não pode decretar sem ela), ela não é vinculante. Já no caso da requisição, a de-
cretação da intervenção é um ato vinculado. Se o Presidente não o fizer, ele pode ser
processado por crime de responsabilidade (art. 12, 3, da Lei 1.079/1950):
Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias: (...)
3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal Federal ou do Tri-
bunal Superior Eleitoral;
São três as situações em que o Poder Judiciário poderá fazer essa requisição:
i) art. 36, I, segunda parte: quando a coação for praticada contra o Poder Judiciário estadual,
quem realiza a requisição é o STF. O presidente, como visto, está vinculado a essa determinação;
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou
impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judi-
ciário; (...)
Há uma vantagem e uma desvantagem em relação à solicitação de intervenção feita pelo Executivo
e pelo Legislativo: a vantagem é que se trata de requisição e não de solicitação, de forma que o Presi-
dente da República é obrigado a atender. A desvantagem é que a intervenção solicitada o é diretamente
ao Presidente pelos Poderes Executivo e Legislativo, ao passo que a requisição de intervenção tem pro-
cedimento mais complicado.

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O TJ não pede diretamente a intervenção ao Presidente: ele pede ao STF. O STF verifica se é ou
não caso de intervenção e, apenas se ele entender que é hipótese de intervenção, é que a requisitará ao
Presidente da República.
Nessa hipótese, o Presidente está obrigado a decretar a intervenção. Por isso, não é necessário
ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. Como não houve fase judicial, haverá
controle político pelo Congresso Nacional.
ii) art. 36, II:
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: (...)
II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária [lembre-se do art. 34, VI], de
requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Elei-
toral;
A requisição, nesta hipótese, emanará do STF, do STJ ou do TSE, a depender de quem era a com-
petência para proferir a ordem ou decisão descumprida.
Os demais tribunais também podem requisitar a intervenção, mas por intermédio do STF.
Igualmente, o Presidente deve atender à requisição do STF, motivo por que não é preciso ouvir o
Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.
Pela literalidade da CR, ficaria dispensado também o controle político, mas haveria intervenção
sem controle político e sem fase judicial. Parte da doutrina, então, entende que como não houve fase
judicial, haverá controle político pelo Congresso Nacional.
É nessa hipótese que se enquadra o não pagamento de precatórios. Isso porque o precatório é uma
ordem judicial de pagamento. Caso o Estado não pague o precatório e dessa forma descumpra uma
decisão judicial, ele poderá sofrer intervenção, salvo motivo de força maior. A força maior aqui é a
mesma vista acima, ou seja, falta de dinheiro para realizar o pagamento (é a velha história do “devo,
não nego, pago quando puder”). Comprovada a impossibilidade material, o STF não requisita a inter-
venção federal (nunca houve requisição).
iii) art. 36, III:
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: (...)
III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da
República, na hipótese do art. 34, VII [princípios constitucionais sensíveis], e no caso de recusa à
execução de lei federal.
Será realizada uma análise mais detida desta hipótese adiante, quando do estudo da ADI (ou re-
presentação) interventiva.
Havendo violação aos princípios constitucionais sensíveis ou recusa à execução de lei federal, o
PGR formula representação interventiva. Caso dê provimento à representação, o STF então requisita a
intervenção. Note que esta hipótese não se confunde com a anterior, em que o descumprimento é de
ordem ou decisão do STF, STJ ou TSE e a requisição independe de representação, podendo ser realizada
diretamente por qualquer daqueles tribunais.

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1.6. Controle político e jurisdicional


Tanto o Congresso Nacional quanto o Poder Judiciário podem exercer controle sobre a interven-
ção.
1.6.1. Controle político
O controle realizado pelo Congresso Nacional é político (art. 36, §§ 1º e 2º):
Art. 36 (...) § 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições
de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional
ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.
Nesses casos de intervenção, deve haver controle político pelo Parlamento, no prazo de 24 horas.
Esse controle político, entretanto, não é necessário nos casos do art. 36, § 3º:
Art. 36 (...) § 3º - Nos casos do art. 34, VI [recusa à execução de lei, ordem ou decisão
judicial] e VII [princípios constitucionais sensíveis], ou do art. 35, IV [hipótese simétrica à
representação interventiva federal, mas realizada no âmbito da intervenção do estado no
município, requisitada pelo TJ], dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assem-
bleia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar

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ao restabelecimento da normalidade.
Ou seja, quando o Poder Judiciário faz a requisição, nos casos de representação proposta pelo
chefe do MP, o controle político é dispensado, por já haver o Poder Judiciário submetido a questão à
sua apreciação.
1.6.2. Controle jurisdicional
O controle jurisdicional da intervenção é realizado pelo STF (art. 102, I, “f”):
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-
bendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: (...)
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e
outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
Tal controle, todavia, não pode ingressar no mérito do decreto interventivo (ou seja, dizer se a
decretação da intervenção deveria ocorrer ou não). Isso porque, como visto, trata-se de uma análise de
natureza política.
Isso, entretanto, não significa que o decreto interventivo esteja imune ao controle jurisdicional. A
regra no direito brasileiro é da inafastabilidade do Poder Judiciário. Exemplos de hipóteses em que o
controle jurisdicional será possível são aqueles casos que dependem de solicitação do Legislativo e do
Executivo ou de requisição do Poder Judiciário. O STF analisará o atendimento dos requisitos legal-
mente exigidos.
Ex.: no caso do DF, em que o Governador José Roberto Arruda foi afastado, houve uma suposta
violação do sistema representativo. O presidente não poderia decretar a intervenção diretamente. Seria
necessária uma representação do PGR, à qual o STF desse provimento. Se o Presidente decretasse a
intervenção diretamente, o STF poderia controlá-la, sob o fundamento da inobservância de um pressu-
posto formal.
1.7. Fases da intervenção federal
A intervenção federal possui quatro fases, mas nenhuma das formas de intervenção tem essas
quatro fases. É um pouco estranho, mas todas terão três das quatro fases. Algumas terão inciativa, fase
judicial e decreto interventivo; outras terão iniciativa, fase do decreto interventivo e controle político.
Há uma regra básica: a intervenção federal ou tem fase judicial ou tem controle político.
Intervenção federal espontânea, provocada por solicitação e as duas primeiras de intervenção
provocadas por requisição têm controle político e não têm fase judicial. Só possuem fase judicial (e não
controle político) as duas últimas hipóteses de intervenção federal provocadas por requisição (descum-
primento de lei federal ou de princípios sensíveis).
1.7.1. Iniciativa
A primeira fase da intervenção federal é a iniciativa. Trata-se de quem dispara o procedimento de
intervenção federal. Isso dependerá de qual hipótese de intervenção se trata.
i) espontânea:
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Na intervenção espontânea, a iniciativa é do Presidente da República. Nesse caso, o Presidente
recebe a ocorrência de uma das hipóteses e decreta espontaneamente a intervenção federal.
ii) provocada por solicitação:
A iniciativa aqui pode ser da Assembleia Legislativa, quando a intervenção for para proteger o
Legislativo, ou do Chefe do Executivo local (Governador de Estado), quando a intervenção for para de-
fesa do Executivo local.
iii) provocada por requisição:
Em se tratando da intervenção para a defesa do Judiciário local, a iniciativa é do TJ, mediante
representação ao STF.
Na intervenção em razão de descumprimento de ordem ou decisão judicial, a iniciativa pertence
ao STF, STJ ou TSE. Quando outro tribunal tem uma ordem judicial descumprida, deve representar ao
STF para que haja a intervenção.
Por fim, nas hipóteses de descumprimento de lei federal e de violação de princípio sensível, a
inciativa é do PGR. A iniciativa, nesses casos, é exercida por meio do ajuizamento de uma ação no STF
(ADI interventiva)
1.7.2. Fase judicial
A segunda fase é a judicial. Apenas têm processo para discutir a intervenção as duas últimas situ-
ações de intervenção provocadas por requisição do PGR. Ou seja, quando há descumprimento de lei
federal ou violação de princípios sensíveis.
O desenvolvimento da fase judicial se dá por meio do ajuizamento da ADI interventiva no STF
pelo PGR. Até dois anos atrás, o procedimento era regido pelo Regimento Interno do STF. No final de
2011, o ajuizamento da ADI interventiva e da ação para prover a execução de lei federal foi regulamen-
tado pela Lei 12.562/11.
Note que são duas ações: i) ação para prover a execução de lei federal; ii) ADI interventiva (des-
cumprimento de princípios sensíveis). O item “3”, a seguir, tratará do procedimento da ADI interventiva
e das inovações trazidas pela Lei 12.562/11.
1.7.3. Fase do decreto interventivo
A terceira fase é a do decreto interventivo. Trata-se do ato que operacionaliza a intervenção fede-
ral. Nele, devem constar quatro itens (art. 36, §1º, da CR):
Art. 36 (...) § 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições
de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional
ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.
i) prazo da intervenção: a intervenção pode durar muito ou pouco tempo, a depender do motivo
pelo qual for decretada;
ii) amplitude da intervenção: trata-se da definição dos objetivos da intervenção federal. Ela não é
um cheque em branco para que a União intervenha nos Estados da forma que entender. Existem requi-
sitos e prazos que devem ser rigorosamente obedecidos;
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iii) definição dos meios e condições de execução: trata-se de como será feita a intervenção. Ex.:
quais destacamentos do Exército participarão dela;
iv) nomeação do interventor.
1.7.4. Fase do controle político
Lembre que, se houver controle político, não haverá fase judicial. O controle político será visto em
tópico separado.
2. Intervenção estadual
2.1. Noções introdutórias
Como visto, a intervenção federal somente pode ocorrer em estado ou no DF, e não nos municí-
pios, a menos que o município esteja localizado em território porventura criado. No caso da intervenção
estadual, a decretação da intervenção somente pode ocorrer do estado no município.
Mutatis mutandis, em linhas gerais a base teórica da intervenção estadual é a mesma da inter-
venção federal (temporariedade, excepcionalidade, taxatividade das hipóteses etc.)
Antes da CR/88, a intervenção estadual não era tratada no texto da Constituição da República,
mas pelas constituições estaduais, que estabeleciam as hipóteses de cabimento e as formalidades. A
partir da CR/88, houve inovação e o tema passou a ser disciplinado no texto da Constituição da Repú-
blica.
Para Novelino, um dos motivos determinantes para esse tratamento diferenciado foi o reconhe-
cimento dos municípios como entes federativos. Ao reconhecer o município como ente federativo, do-
tado de autonomia (arts. 1º, caput, e 18, caput209), o constituinte houve por bem (com razão) disciplinar
esse tema, já que não há hierarquia entre estados e municípios. A disciplina tem de estar na CR, e não
na CE. Como antes da CR/88, ainda que tivesse algumas autonomias, o município não era considerado
ente federativo (uma peculiaridade do direito brasileiro), a CR não disciplinava o tema.
2.2. Pressupostos para a intervenção estadual nos municípios
2.2.1. Pressupostos materiais
Os pressupostos materiais, que são obviamente diferentes dos da intervenção federal, estão pre-
vistos no art. 35, I a IV, da CR:
Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em
Território Federal, exceto quando:

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (...)

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I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvi-
mento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; [hipótese semelhante ao art. 34, VII]
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de prin-
cípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão ju-
dicial [hipótese mais importante, simétrica ao art. 36, III, que será mais bem analisada
adiante].
Perceba, mais uma vez, que a regra é a não intervenção (“o Estado não intervirá em seus Municí-
pios, exceto...”). Nos casos excepcional e taxativamente previstos, a intervenção poderá ocorrer. Trata-
se dos pressupostos da intervenção estadual, ou seja, das situações previstas nos incisos acima.
2.2.2. Pressupostos formais
Pode decretar a intervenção somente o Chefe do Executivo (no caso, o Governador), mesmo
quando dependa de solicitação do Executivo ou do Legislativo ou de requisição do Judiciário.
Valem aqui as regras mencionadas anteriormente, relativamente ao decreto (art. 36, §§ 1º e 4º).
Ex.: amplitude, prazo, medidas tomadas, nomeação de interventor, retorno das autoridades etc.
2.3. Controle político e jurisdicional
2.3.1. Controle político
O controle político da intervenção estadual é simétrico ao que ocorre na intervenção federal. É
realizado pela assembleia legislativa estadual, que deve apreciar a intervenção no prazo de 24 horas.
Importante lembrar que este controle político é dispensado quando a hipótese de intervenção for
precedida de uma representação interventiva.
2.3.2. Controle jurisdicional
O controle jurisdicional da intervenção estadual também é simétrico ao da intervenção federal. O
poder judiciário não pode analisar o mérito da intervenção, que é de natureza política, mas pode anali-
sar o atendimento dos pressupostos formais. Neste caso, a análise será realizada não pelo STF, mas pelo
TJ.
3. Hipóteses de representação interventiva (ou ADI interven-
tiva)
3.1. Considerações iniciais
Existe uma divergência em relação à nomenclatura deste mecanismo de intervenção. Autores
como Dirley da Cunha Junior, por exemplo, entendem que se trata de ação, preferindo denominá-lo
ADI interventiva, e não representação interventiva. Já outros autores, como Gilmar Mendes, entendem
que não se trata de uma ação direta de inconstitucionalidade, mas de uma representação interventiva
efetivamente.

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De qualquer forma, trata-se de um controle de constitucionalidade, em alguns casos. Esse con-
trole é do tipo abstrato (concentrado) ou difuso (concreto)? A representação interventiva tem uma pe-
culiaridade importante. Ela foge da regra geral do sistema jurisdicional brasileiro. Geralmente, as mo-
dalidades que há de controle são dos tipos concentrado/abstrato ou difuso/concreto. A representação
interventiva, entretanto, é, ao mesmo tempo, um instrumento de controle de constitucionalidade con-
centrado e concreto.
Controle concentrado é aquele em que a competência é reservada a determinado órgão jurisdici-
onal. Não é qualquer órgão jurisdicional que pode processar e julgar a ADI interventiva, mas somente
o STF, nos casos de representação para intervenção federal, ou o TJ, nos casos de representação para
intervenção estadual.
Concreto é o controle que surge a partir da violação concreta de um dispositivo constitucional.
Não se trata de um controle feito em tese (em abstrato), do cotejo da norma com a CR. Na ADI inter-
ventiva, há uma violação de um dispositivo constitucional, de um caso concreto.
Esta ação é de processo constitucional objetivo ou subjetivo, ou seja, existem partes formais (autor
e réu)? Trata-se de uma ação de processo constitucional subjetivo, diversamente da ADI, da ADPF, em
que não há partes formais. Na ADI interventiva federal, o contraditório é estabelecido entre a União, de
um lado, e o Estado ou o DF do outro. Na ADI interventiva estadual, de um lado há o Estado-membro
e do outro o Município.

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3.2. Representação interventiva (ou ADI interventiva) federal


A representação interventiva federal está prevista no art. 36, III, da CR:
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: (...)
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III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da
República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal.

3.2.1. 3.2.1 – legitimidade ativa


O único legitimado para o ajuizamento da representação interventiva é o Procurador-Geral da
República. Nenhuma outra autoridade tem legitimidade para fazê-lo, diversamente do que ocorre nas
outras ações de controle concentrado (ADI, ADC, ADPF), em que há diversas autoridades legitimadas
(art. 103). Isso porque na ADI, na ADC e na ADPF o controle concentrado é abstrato, enquanto que na
ADI interventiva o controle concentrado é concreto.
O PGR, nesta ação, atua como substituto processual, representando os interesses da coletividade.
Ele atua com vinculação ou discricionariedade (note que a lei permite que um cidadão solicite a ele o
ajuizamento da ação)? Como todos os demais representantes do MP, o PGR tem independência funci-
onal (art. 127, § 1º), em razão da qual este ato de ajuizamento é considerado discricionário:
Art. 127 (...) § 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade
e a independência funcional.

3.2.2. 3.2.2 – parâmetros


A CR indica dois parâmetros à representação interventiva:
i) violação aos princípios constitucionais sensíveis, segundo a denominação de Pontes de Miranda
(art. 34, VII);
ii) recusa à execução de lei federal:
Antes da EC 45/2004 quem julgava esta demanda era o STJ (e não o STF, como ocorre hoje), pois
ele era imaginado o guardião da legislação federal. Era um equívoco, pois o que se protege aqui é a
ordem constitucional. A competência teria de ser mesmo do STF, como era na CR/67 e nas anteriores.
Existe uma controvérsia em torno deste tema. Gilmar Mendes entende que a recusa à lei federal
seria uma segunda hipótese de ADI interventiva. Ou seja, os princípios constitucionais sensíveis e a
recusa à execução de lei federal seriam dois parâmetros diversos de uma representação interventiva
federal.
Todavia, há na doutrina um segundo posicionamento, adotado por José Afonso da Silva, no sen-
tido de que, no caso de recusa à execução de lei federal, por não se tratar de controle de constituciona-
lidade, a ação deve ser considerada de outra espécie. Para o autor, como na verdade o que se busca é
fazer com que a lei federal seja cumprida, a despeito de ser necessária a representação do PGR perante
o STF, esta hipótese não seria uma representação interventiva, mas outra, denominada “ação de execu-
toriedade da lei”.
3.2.3. 3.2.3 – natureza da decisão do STF
Como visto, a decretação da intervenção é um ato de natureza política. Quando o STF julga a
representação do PGR, essa decisão não tem natureza jurídica, mas, segundo o próprio STF, político-
administrativa.

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Ou seja, não é só o ato de decretação de intervenção que tem natureza política, mas a decisão do
STF que a analisa também. Ex.: no caso do DF, o PGR ajuizou a representação interventiva por entender
que, em vista do envolvimento do Governador e de diversos parlamentares no suposto esquema de cor-
rupção, estaria em risco o sistema representativo e a ordem democrática. O STF não deu provimento à
representação, entendendo desnecessária a intervenção da União no DF. Essa decisão teve cunho polí-
tico, e não jurídico.
Portanto, a análise realizada pelo STF não é de violação ao texto constitucional (ou seja, uma aná-
lise com base em parâmetros meramente jurídicos), mas pautada em critérios políticos.
3.2.4. 3.2.5 – concessão de liminar
A liminar em ADI interventiva federal está regulamentada no art. 5º da Lei 12.562/2011:
Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá
deferir pedido de medida liminar na representação interventiva.
§ 1º O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como
o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de 5 (cinco) dias.
§ 2º A liminar poderá consistir na determinação de que se suspenda o andamento de processo ou
os efeitos de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apresente relação
com a matéria objeto da representação interventiva.
De acordo com o § 2º, a liminar poderá consistir na suspensão de processos judiciais ou adminis-
trativos, dos efeitos de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apresente
relação com a matéria objeto da representação interventiva.
Essa liminar é bastante abrangente e mistura efeitos concedidos pelo STF nas demais ações cons-
titucionais. Como afirmado, a liminar na ADI tem efeito erga omnes, efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Judiciário e da administração e, em regra efeito ex nunc. A ADC tem efeito de sus-
pender o julgamento das ações com ela relacionadas, por 180 dias. A ADPF tem efeito de suspender o
andamento das ações relacionadas ou das decisões judiciais ou qualquer outra medida com ela relacio-
nada. Na ADPF e na ADI por omissão, o STF pode suspender as decisões judicias, administrativas ou
qualquer outra medida relacionadas com elas.
Se o Relator deferir a inicial, será analisado eventual pedido de liminar. Da decisão que indeferir
o pedido de liminar, cabe agravo dirigido ao Pleno, no prazo de 5 dias. Para a concessão da liminar há
a possibilidade de oitiva do PGR, do AGU e do responsável pela ofensa ou negativa de cumprimento de
lei federal. O prazo é comum e de 5 dias.
3.2.5. 3.2.6 – cabimento de medida cautelar
É possível a concessão de cautelar na representação interventiva?
Se a decisão do STF, por si só, não é capaz de decretar a intervenção (é apenas uma requisição), a
medida cautelar não é compatível com a intervenção. O Presidente somente poderá decretar a interven-

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ção se houver uma decisão definitiva do STF. Não pode haver uma requisição provisória, com a decre-
tação da intervenção, e, depois, o julgamento do mérito. Pressupõe-se, para a intervenção, o provimento
da representação.
Portanto, não faz sentido a concessão de medidas cautelares na ADI interventiva, por descom-
passo com a própria natureza da ação.
3.2.6. 3.2.7 – vinculação do Presidente da República
Se o STF der provimento à representação, ele fará a requisição ao Presidente da República, que o
vincula. O Presidente não tem discricionariedade para decretar ou não a intervenção.
Não decretada a intervenção quando houver requisição, o Presidente poderá responder por crime
de responsabilidade (art. 12, 3, da Lei 1.079/1950).
3.2.7. 3.2.8 – desnecessidade de controle político pelo Congresso Nacio-
nal
Como estudado, na hipótese de representação interventiva federal, não existe a necessidade de
controle político do Congresso Nacional, que é dispensado pela CR, nos termos do art. 36, § 3º. Isso
porque tal análise já é realizada pelo STF.
3.2.8. 3.2.8 – prestação de informações
O responsável pela violação ou ofensa deve prestar informações em 10 dias. Prestadas as infor-
mações, haverá manifestações sucessivas do PGR e do AGU, também em 10 dias.
Eventuais provas podem ser analisadas. A rigor, a discussão nessa ação é de direito e não de fatos.
Pode haver prova se a discussão depender da solução de uma questão técnica. O Relator pode designar
perito, caso a seja perícia seja imprescindível para a resolução da questão jurídica. Pode, ainda, haver
audiências públicas (art. 7º da Lei 12.562/2011):
Art. 7º Se entender necessário, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito
ou comissão de peritos para que elabore laudo sobre a questão ou, ainda, fixar data para declarações, em
audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
Parágrafo único. Poderão ser autorizadas, a critério do relator, a manifestação e a juntada de do-
cumentos por parte de interessados no processo.

3.2.9. 3.2.9 – julgamento


O julgamento da ADI interventiva só será realizado se estiverem presentes oito Ministros, assim
como ocorre com as demais ações constitucionais. A decisão só será tomada com o voto para um lado
ou para outro de seis Ministros. Assim, o quórum de julgamento é de oito Ministros e o de votação é de
seis Ministros.
Se a ação for julgada procedente, o Estado sofrerá intervenção. O Estado responsável pela violação
será comunicado (intimado) da decisão e o Presidente da República será notificado para que, em 15
dias, decrete a intervenção federal. Esse prazo é improrrogável. É o que determina o art. 11 da Lei
12.562/2011:

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Art. 11. Julgada a ação, far-se-á a comunicação às autoridades ou aos órgãos responsáveis pela
prática dos atos questionados, e, se a decisão final for pela procedência do pedido formulado na repre-
sentação interventiva, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, publicado o acórdão, levá-lo-á ao co-
nhecimento do Presidente da República para, no prazo improrrogável de até 15 (quinze) dias, dar cum-
primento aos §§ 1º e 3º do art. 36 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado a partir do trânsito em julgado da
decisão, a parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da
União.

3.3. Representação interventiva estadual


A representação interventiva estadual segue a base da representação interventiva federal, com as
adaptações que devem ser realizadas. Há simetria da estadual com a federal, de modo que, basicamente,
cabe tudo quanto visto acima.
Na representação interventiva estadual, a autoridade simétrica ao PGR é o PGJ. Apenas ele pode
ajuizar a representação interventiva estadual. O art. 35, IV, não é expresso nesse sentido:
Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em
Território Federal, exceto quando: (...)
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de prin-
cípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão ju-
dicial.
Todavia, apesar disso, o STF, através da Súmula 614, estabeleceu que a única autoridade com
legitimidade para apresentar a representação é o Procurador-Geral de Justiça:
Súmula 614 - SOMENTE O PROCURADOR-GERAL DA JUSTIÇA TEM LEGITIMIDADE PARA
PROPOR AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA POR INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL.
Cabe ao TJ o julgamento da demanda (controle concentrado), cuja decisão também tem natureza
político-administrativa. Como se trata de requisição, também o Governador do Estado está vinculado.
Há, entretanto, um detalhe a mais quanto à decisão do TJ: exatamente por ter ela natureza polí-
tico-administrativa, o STF não admite Recurso Extraordinário contra ela (Súmula 637 do STF):
Súmula 637 - NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA ACÓRDÃO DE TRIBUNAL
DE JUSTIÇA QUE DEFERE PEDIDO DE INTERVENÇÃO ESTADUAL EM MUNICÍPIO.

4. Defesa do Estado e das instituições democráticas


A defesa do Estado e das instituições democráticas é também conhecida como “sistema constitu-
cional de crises”. Adiante, será analisado como a CR trata das situações de crise institucional, que são
as mais graves do Estado.
A CR dedica toda uma parte para esse sistema diferenciado de tutela de crises, pois em um estado
constitucional democrático todos os órgãos, poderes e indivíduos, em qualquer circunstância, estão
submetidos à Constituição (ela é vinculante para todos).
Para evitar que, em situações de extrema gravidade, esses poderes tenham de deixar de lado a CR
(o Legislativo produz normas pensando em situações de normalidade, não em situações da anormali-

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dade), há um sistema próprio, especificando os direitos restrigíveis e as medidas que podem ser toma-
das. Ou seja, os poderes somente podem agir dentro das normas constitucionais. É como se houvesse
um regramento para situações normais e outro para as de anormalidade.
Existem dois critérios utilizados para que se verifiquem as situações previstas nesse sistema cons-
titucional de crises:
i) necessidade:
A necessidade é um critério que se caracteriza pela ocorrência de situações de extrema gravidade,
que demandem a adoção de medidas excepcionais para a manutenção da estabilidade, da ordem cons-
titucional e das instituições democráticas.
ii) temporariedade:
A temporariedade impõe um prazo determinado para a duração do estado de legalidade extraor-
dinária, o qual somente pode perdurar enquanto houver a situação emergencial. Ou seja, essas situações
excepcionais somente poderão existir enquanto presente a estrita necessidade.
4.1. Estado de defesa (art. 136 da CR)
4.1.1. pressupostos materiais para a decretação do Estado de Defesa
Dica: em todos os casos de estados de exceção (intervenção federal, estado de defesa e de sítio),
os pressupostos materiais são alternativos. Ou seja, não precisa ocorrer mais de um dos pressupostos,
bastando que se verifique um deles.
Os pressupostos materiais são as condições fáticas nas quais é possível a decretação do estado de
defesa. Note que a determinação da ocorrência desses casos sempre cabe ao Chefe do Executivo, através
de decreto:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de De-
fesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos
e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade instituci-
onal ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. (...)
Trata-se da ordem pública ou a paz social ameaçadas por:
i) grave e iminente instabilidade institucional;
ii) calamidades de grandes proporções na natureza.
4.1.2. pressupostos formais para a decretação do Estado de Defesa
Além desses pressupostos materiais, que são alternativos, existem também pressupostos formais.
Diversamente dos materiais, os formais são cumulativos: é necessário o atendimento de todos eles:
i) manifestação do Conselho da República (art. 89) e do Conselho de Defesa Nacional (art. 91):
Ambos são órgãos consultivos do Presidente da República. Por conta disso, a opinião deles não é
vinculante ao Presidente, que pode entender cabível a decretação mesmo havendo opinião contrária
desses órgãos.
ii) decretação pelo Presidente da República:

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Como visto, somente o Chefe do Executivo pode decretar o Estado de Defesa e de Sítio.
iii) duração da medida por, no máximo, 30 dias, prorrogável uma única vez:
Art. 136 (...) § 2º - O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo
ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
Atenção: como será visto adiante, no estado de sítio também há o prazo de 30 dias, para algumas
hipóteses, com a possibilidade de prorrogação. Todavia, no estado de defesa, o período somente poderá
ser prorrogado uma única vez. Lá no estado de sítio, a prorrogação poderá ocorrer por mais de uma
vez, pois a situação é mais grave.
iv) especificação das áreas abrangidas (art. 136, § 1º, caput):
O decreto do estado de defesa deve especificar as áreas atingidas pela medida.
v) indicação das medidas coercitivas:
Estas medidas coercitivas estão previstas no art. 136, § 1º, I e II:
Art. 136 (...) § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração,
especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a
vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica; [note que são restrições a direitos e ga-
rantias individuais]
II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública,
respondendo a União pelos danos e custos decorrentes. (...)
Então, a União pode, na vigência do estado de defesa, temporariamente requisitar o direito de
propriedade. Trata-se da requisição de propriedade prevista no art. 5º, XXV, da CR, indenizável, em
caso de dano:
Art. 5º (...) XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de
propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

4.1.3. Mecanismos de controle do estado de defesa


O controle do estado de defesa pode ser feito tanto pelo Poder Legislativo quanto pelo Judiciário.
O controle legislativo pode ser prévio, concomitante ou posterior. Pelo judiciário, poderá ser concomi-
tante ou posterior.
4.1.3.1. Controle pelo Poder Legislativo
4.1.3.1.1. Controle prévio
O controle prévio está previsto no art. 136, § 4º:
Art. 136 (...) § 4º - Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República,
dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que
decidirá por maioria absoluta.
Note que se trata de um controle político. Quando o Presidente pretender decretar o estado de
defesa ou sua prorrogação, ele deve submeter a intenção ao Congresso Nacional, para que ele decida se

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a medida deve ou não ser tomada. O Congresso, por maioria absoluta, pode ou não autorizar o estado
de defesa.
4.1.3.1.2. Controle concomitante
O controle concomitante está previsto no art. 140 da CR:
Art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão com-
posta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao es-
tado de defesa e ao estado de sítio.
Durante a vigência dos estados de defesa e de sítio há uma comissão do Congresso, de cinco mem-
bros, que acompanha e fiscaliza a execução das medidas tomadas.
4.1.3.1.3. Controle posterior
O controle posterior está previsto no art. 141, parágrafo único:
Art. 141 (...) Parágrafo único. Logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, as medidas
aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso
Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos
e indicação das restrições aplicadas.
Essa prestação de informações pelo Presidente ao Congresso servirá para a realização do controle
posteriormente à medida.
4.1.3.2. Controle pelo Poder Judiciário

No caso do Poder Judiciário, somente haverá o controle concomitante e o posterior. Nunca o pré-
vio.
4.1.3.2.1. Controle concomitante
O controle concomitante do Poder Judiciário está previsto no art. 136, § 3º, I a III:
Art. 136 (...) § 3º - Na vigência do estado de defesa:
I - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comu-
nicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer
exame de corpo de delito à autoridade policial;
II - a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental
do detido no momento de sua autuação;
III - a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando
autorizada pelo Poder Judiciário;
4.1.3.2.2. Controle posterior
O controle posterior está previsto no art. 141, caput, que permite a responsabilização dos agentes
pelos ilícitos cometidos:
Art. 141. Cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos, sem pre-
juízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes. (...)

4.2. Estado de Sítio


4.2.1. Pressupostos materiais para a decretação do Estado de Sítio

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Cadernos MAGIS- Constitucional
Assim como os pressupostos materiais das demais modalidades de estados legalidade extraordi-
nária, os do estado de sítio são alternativos. As circunstâncias materiais que podem ensejar a sua de-
cretação, uma situação ainda mais grave que a que enseja a decretação do estado de defesa, estão pre-
vistas no art. 137 da CR:
Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de
medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. (...)
A comoção grave de repercussão nacional é a que coloca em risco as instituições democráticas ou
que ameaça o governo eleito.
O segundo pressuposto material é aquele em que o Presidente verifica que o estado de defesa não
foi suficiente à solução do problema. Neste caso, ele declara o estado de sítio.
No caso do inciso I, o estado de sítio tem prazo determinado: será de trinta dias, prorrogável, a
cada vez, por igual período (art. 138, § 1º). Já no inciso II, não existe prazo para o estado de sítio. Ele
poderá haver enquanto durar a guerra ou a resposta à agressão armada estrangeira:
Art. 138 (...) § 1º - O estado de sítio, no caso do art. 137, I, não poderá ser decretado por mais de
trinta dias, nem prorrogado, de cada vez [ou seja, é permitida mais de uma prorrogação], por
prazo superior; no do inciso II, poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agres-
são armada estrangeira.

4.2.2. Pressupostos formais para a decretação do Estado de Sítio


Os pressupostos formais para a decretação do Estado de Sítio são cumulativos:
i) oitiva do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional:
Da mesma forma que no estado de defesa, no estado de sítio a oitiva é apenas opinativa, não vin-
culando o Presidente da República.
ii) solicitação ao Congresso Nacional:
O Congresso Nacional tem de se manifestar quanto ao estado de sítio em cinco dias, se estiver em
recesso (art. 138, § 2º):
Art. 138 (...) § 2º - Solicitada autorização para decretar o estado de sítio durante o recesso parla-
mentar, o Presidente do Senado Federal, de imediato, convocará extraordinariamente o Congresso Na-
cional para se reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato.
iii) autorização do Congresso Nacional:
Essa autorização do Congresso Nacional é por maioria absoluta.
Art. 137 (...) Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o
estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso
Nacional decidir por maioria absoluta.
iv) decreto do Presidente da República (art. 138):
Art. 138. O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução
e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República
designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.
324

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4.2.3. Medidas que podem ser tomadas durante o estado de sítio (art.
139)
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à pres-
tação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião [assim como ocorre no estado de defesa];
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII - requisição de bens.
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de par-
lamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa.
Veja que a especificação das medidas foi feita pela CR apenas na hipótese de decretação fundada
no inciso I. No caso de guerra ou resposta a agressão estrangeira, a CR não determinou as medidas que
podem ser tomadas, o que faz presumir possam ser mais abrangentes que as previstas para a hipótese
do inciso I.

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

1. Noções gerais
1.1. Origem da organização dos poderes
Todas as nossas Constituições, exceto a imperial de 1824, adotaram a divisão orgânica de Mon-
tesquieu. Essa divisão foi sistematizada em 1748, na obra Do Espírito das Leis. Montesquieu, nessa
época, escrevia sobre a realidade francesa e inglesa da época.
Ele não foi o primeiro a falar da divisão de atribuições existente no Estado (criação da lei, aplica-
ção da lei, resolução dos conflitos que surgem da aplicação das leis). Este papel foi desempenhado por
Aristóteles em 340 A.C., que no livro ‘A Política’ assim disse: “Aquele que exerce poder dentro de um
Estado se manifesta de três maneiras: cria a norma geral, aplica esta norma geral aos casos concretos,
resolve os eventuais conflitos”.
O inglês Locke, por volta de 1690, no livro denominado ‘O segundo tratado do governo civil’, disse
que aquele que exerce poder exerce algumas atribuições: cria norma, aplica norma e resolve o conflito.
Nenhuma novidade.
A novidade de Montesquieu foi afirmar que cada uma das atribuições deve ser desempenhada por
um órgão autônomo e independente. A divisão funcional de Aristóteles virou a divisão orgânica de Mon-
tesquieu.

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Assim dizia o francês: ‘Tudo estaria perdido se no mesmo homem ou no mesmo corpo de homens
os três poderes forem exercidos’.
1.2. Impropriedade da expressão tripartição dos poderes
Tecnicamente, não é correto falar em divisão tripartite de poderes de Montesquieu, mas sim em
divisão orgânica e funcional. O poder é um só, manifestado por diferentes órgãos que exercem funções
(típicas e atípicas).
Assim, na verdade, o que há é uma divisão de funções e órgãos para exercer essas funções e não
uma divisão de poderes distintos propriamente ditos, para que, dessa forma, possa se evitar o abuso
do poder (sistema de freios e contrapesos), e também permitir a criação de órgãos especializados em
determinados temas para melhor exercer em sua função.

OBS: A Constituição de 1824 foi a única que adotou a tese de Benjamin Constant, que fazia refe-
rência a um quarto poder (poder moderador), que era desempenhado pelo imperador.
Em suma:
-Aristóteles: “A política”. Deve haver tripartição de funções.
-Locke: “Segundo tratado do governo civil”. Fala em uma bipartição de poderes. Executivo (fede-
rativo) e legislativo.
-Montesquieu: “O Espírito das Leis”. É a ideia da entrega de cada uma das funções a um órgão
distinto.
A ideia de divisão de poderes tem duas projeções: uma vertical e uma horizontal. Sob o ponto de
vista do federalismo, há uma repartição de competência entre as entidades federais: União, DF Estados
e municípios. A repartição horizontal é a que iremos estudar agora: judiciário, legislativo e executivo.
Podem vir a ser estabelecidos novos mecanismos de controle de um poder sobre o outro
(ampliação de freios e contrapesos). Um exemplo é a súmula vinculante. Quando da Emenda, foi
ajuizada uma ADI, e o STF, em um voto do Min. Sepúlveda Pertence, afirmou que os pormenores da
separação dos poderes não estão petrificados.
2. Poder Legislativo
2.1. Das Comissões Parlamentares de Inquérito
2.1.1. Objetivos
As Comissões Parlamentares em geral ganharam grande reconhecimento e visibilidade a partir
da CR/88. As principais razões para esse destaque são a diversidade de matérias e a complexidade de
assuntos tratados pelo Poder Legislativo (meio-ambiente, biotecnologia, criança e adolescente etc.) Te-
oricamente, dentro de cada uma dessas comissões deveria haver parlamentares especializados em de-
terminado tema (ex.: Pedro Taques é membro da Comissão de Constituição e Justiça). Ou seja, são
comissões bastante especializadas.

326

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A principal dentre as comissões temáticas é a CPI. O principal objetivo (função) da CPI é auxiliar
na tarefa legiferante. Talvez, por conta da visibilidade que elas recebem, essa tarefa acabe não ficando
tão clara. As CPI’s realizam investigação, apuração no âmbito do Congresso Nacional. Através das in-
formações colhidas no âmbito das CPI’s, os legisladores poderão construir leis mais efetivas.
O segundo objetivo das CPI’s é servir de instrumento de controle do governo e da administração
pública.
Observe que ambos os objetivos estão ligados diretamente às funções típicas do Legislativo (le-
gislar e fiscalizar o governo e a administração pública).
O terceiro (e último) objetivo das CPI’s é informar a opinião pública. Diz-se que as CPI’s são os
olhos e ouvidos do Parlamento. É através delas que o Parlamento colherá determinadas informações,
as quais servirão não somente para ajudar nas funções típicas do Congresso como para informar a opi-
nião pública, levando ao conhecimento do público a ocorrência de determinados fatos e sua apuração.
2.1.2. Composição das CPI’s
A composição da CPI deverá atender ao princípio da proporcionalidade, os membros devem ser
proporcionais à representação do partido dentro da Casa Legislativa.

Assim, a regra atende ao quanto determinado no Art. 58, §1º da CR:


CRFB/88, “Art. 58, § 1º. Na constituição das Mesas e de cada comissão, é assegurada, tanto
quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam
da respectiva Casa.”.
Entretanto, a representação proporcional deve ficar em segundo plano em hipóteses necessárias
a atendera à representação efetiva em todas as comissões da respectiva Casa.
2.1.3. Investigados
Se uma das funções do Congresso Nacional é fiscalizar a administração e o governo, podem ser
investigados pelas CPI’s as pessoas jurídicas de direito público, funcionários públicos, órgãos e institui-
ções públicos.
Os particulares (pessoa física ou jurídica) poderão ser investigados. Todavia, para tanto, eles têm
de possuir alguma relação com a gestão da coisa pública ou, de alguma forma, prestar contas sobre bens,
dinheiro ou valores públicos.
Portanto, uma CPI pode investigar organismos públicos e particulares. Para investigar algo, tem
de haver um interesse público envolvido: as CPI’s fazem parte do Congresso Nacional. O que as CPI’s
fazem é tão somente investigar. Elas não denunciam, acusam nem punem ninguém. Elas investigam e,
a partir dessas investigações, caso verifiquem indícios de infrações ou ilicitudes penal ou civil, remetem
as informações ao MP, para a adoção das providencias cabíveis.
As CPI’s podem ser municipais, estaduais e federais, cada qual com peculiaridades que justificam
o estudo separado.
2.1.4. CPI federal

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2.1.4.1. Requisitos para a criação de uma CPI federal

Para a criação de uma CPI federal, a CR exige três requisitos, que também serão exigidos pelos
estados e pelos municípios. Ou seja, o art. 58, § 3º, da CR é norma de observância obrigatória, ainda
que ele nada fale acerca das CPI’s estaduais e municipais:
Art. 58 (...) § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo,
sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a respon-
sabilidade civil ou criminal dos infratores.
2.1.4.1.1. Requerimento de pelo menos um terço dos membros da Câmara, do Senado ou de
cada uma das casas do Congresso Nacional, conforme o caso.
A CPI pode ser uma comissão parlamentar exclusiva da Câmara dos Deputados, exclusiva do Se-
nado Federal ou pode ser uma CPMI (comissão parlamentar mista de inquérito). O art. 58, § 3º, da CR,
quando menciona “em conjunto”, refere-se às CPMI’s. Quanto fala em “separadamente”, refere-se às
exclusivas da Câmara ou do Senado. No caso da CPMI, não se exige apenas um terço dos membros do
Congresso, pois, fosse assim, poderia haver CPMI com o requerimento de apenas um Senador, o que
não ocorre.
Esse requerimento de um terço faz com a as CPI’s sejam um instrumento das mi-
norias.
A CR, ao prever esse quórum, seguiu o modelo da Constituição alemã de Weimar de 1919, que foi
justamente a que consagrou a CPI como direito das minorias. Essa exigência tem um fundamento ló-
gico: em regra, eleito o Presidente da República, ele consegue a maioria do Congresso Nacional. A fun-
ção da CPI é primordialmente investigar o Executivo, de modo que, exigida a maioria, dificilmente seria
possível a instauração de CPI. Esse modelo alemão é o clássico e o mais utilizado no mundo, ainda que
haja países em que é exigida a maioria.
Houve um caso em que o Governo Lula conseguiu fazer com que determinados parlamentares
retirassem suas assinaturas para desconstituir determinada CPI instalada. A questão foi ao STF, que
decidiu que a exigência de um terço deve ser atendida no momento do protocolo do pedido perante
a mesa da Casa Legislativa, independentemente de posterior ratificação (MS 26.441210). Antes desse

210 STF – MS 26.441/DF: “A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a en-
sejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para
tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. [...] O requisito
constitucional concernente à observância de 1/3 (um terço), no mínimo, para criação de determinada CPI (CF,
art. 58, § 3º) refere-se à subscrição do requerimento de instauração da investigação parlamentar, que traduz exi-
gência a ser aferida no momento em que protocolado o pedido junto à Mesa da Casa legislativa, tanto que, "de-
pois de sua apresentação à Mesa", consoante prescreve o próprio Regimento Interno da Câmara
328

CadernosMAGIS
Cadernos MAGIS- Constitucional
protocolo, os parlamentares podem até retirar suas assinaturas. A partir do protocolo, a instalação da
CPI não depende de uma ratificação posterior, podendo a CPI ser instalada ainda que os parlamentares
mudem de ideia posteriormente.
Obs.: Nas CPI’S do Senado Federal, a retirada da assinatura pode ser realizada até o dia em que o
requerimento for lido em Plenário.
Apesar de ser o direito das minorias, na composição da CPI ocorre o mesmo que ocorre na de
todas as outras comissões do Congresso: os membros que a integram devem ter uma representação
proporcional aos partidos e grupos políticos. Esta proporcionalidade, que deve haver em todas as co-
missões e até nas mesas diretoras (órgão que dirigem as Casas), está prevista no art. 58, § 1º, da CR:
Art. 58 (…) § 1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto pos-
sível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respec-
tiva Casa.
A representação proporcional nunca ocorrerá na medida exata, mas sempre que possível deverá
ser tentada. Veja que o requerimento é da minoria, mas essa regra não é reproduzida em relação às
composições. De certa forma, isso acaba por enfraquecer o direito das minorias, mas, de qualquer
forma, existindo a comissão, a minoria pode adotar determinadas providências, atuando de maneira
investigatória.
2.1.4.1.2. Apuração de fatos determinados (Objeto determinado)
Somente pode haver criação de CPI para investigar fato ou fatos determinados.
Não é possível a criação genérica de CPI para apurar “a corrupção no Brasil”. A “CPI da corrupção”
não era genérica. Ela tinha fatos determinados a serem investigados: os que ocorreram no DNIT, os
ligados à “Operação Voucher”, fatos ocorridos no Ministério do Turismo etc.
A CPI federal é um longa manus do Congresso Nacional. Sendo assim, para que ela tenha com-
petência para investigar um fato, esse fato tem de ser de interesse da União (ou seja, de interesse geral).
Um fato de interesse exclusivamente municipal (ex.: corrupção havida na cidade “X”, escândalo do lixo
em Santo André) não pode ensejar a criação de CPI federal, sob pena de interferência do Congresso em
determinado ente federativo, em violação ao princípio federativo.
Assim, para não haver violação do princípio federativo, a CPI federal somente pode investigar
fatos de interesse geral, ou seja, relacionados à competência da União. Isso não significa que ela não
possa investigar fatos que tenham também interesse estadual ou municipal.
Ela não pode, na verdade, investigar fatos de interesse exclusivo de estados e municípios, hipótese
em que o fato será investigado pela Câmara Municipal ou pela Assembleia Legislativa, conforme o caso.

dos Deputados (art. 102, § 4º), não mais se revelará possível a retirada de qualquer assinatura.
- Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de
Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa”.
329

CadernosMAGIS
Cadernos MAGIS- Constitucional
Um mesmo fato poderá ensejar CPI’s federal, estadual e municipal concomitantes, cada qual in-
vestigando fatos relacionados ao respectivo âmbito de interesses. A investigação federal necessaria-
mente será mais ampla.
Para que o fato possa ser investigado, deve haver um interesse público envolvido. Fatos de inte-
resse exclusivamente privado não podem ser investigados pela CPI. Essa noção de presença de interesse
público ficou bastante clara quando do estudo das pessoas que podem ser investigadas pelas CPI’s.
Imaginando-se que seja criada uma CPI da corrupção, para a investigação de fatos determinados
no momento da investigação e, iniciadas as investigações, aparecem fatos novos, relacionados àqueles.
Esses fatos novos poderão ser investigados? Fatos novos e conexos com o objeto da investigação tam-
bém poderão ser apurados. Para isso, basta o aditamento da inicial, para a inclusão dos que surgiram
durante as investigações (STF Inquérito 2245211). Esse julgado menciona a possibilidade de aditamento,
mas a decisão leading case acerca da matéria foi proferida no STF MS 23.639.
2.1.4.1.3. Existência de prazo certo de duração
As CPI’s são temporárias.
De se notar que há Comissões permanentes, como a Comissão de Constituição e Justiça.
Todas as comissões temporárias (e não somente as CPI’s) devem se extinguir:
i) com o fim dos trabalhos:
Terminadas as investigações para as quais foram criadas, as comissões temporárias são extintas.
ii) com o término do prazo:
Toda comissão temporária tem prazo determinado.
Na inicial da CPI deve ser colocado, além dos fatos, o prazo de duração dela. Se não for possível a
investigação no prazo determinado, esse prazo pode ser prorrogado.
Obs.: Os prazos variam conforme a Casa legislativa que instaurar a CPI:
a) Câmara dos Deputados: 120 dias (prorrogável pela metade) (RICD, art. 35, § 3º);
b) Senado Federal: Prazo do requerimento inicial, que não pode ultrapassar a legislatura. RISF,
Art. 145, §1º e 76, § 4º.
c) Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI): Fim da sessão legislativa em que foi criada
(Lei 1.579/52, art. 5º, § 2º), prorrogável na mesma legislatura.
iii) com o fim da sessão legislativa:
A sessão legislativa é anual (art. 57). Ela se inicia no dia 2 de fevereiro e vai até o dia 17 de julho
(1º período legislativo: primeiro semestre). Há um período de recesso parlamentar e, em 1º de agosto

211 STF – Inq 2.245/MG: “AMPLIAÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMEN-


TAR DE INQUÉRITO NO CURSO DOS TRABALHOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. Não há ilegalidade no
fato de a investigação da CPMI dos Correios ter sido ampliada em razão do surgimento de fatos novos, relaciona-
dos com os que constituíam o seu objeto inicial. Precedentes. MS 23.639/DF, rel. min Celso de Mello; HC
71.039/RJ, rel. Min Paulo Brossard).”.
330

CadernosMAGIS
Cadernos MAGIS- Constitucional
se inicia o 2º período legislativo, que termina em 22 de dezembro. Esses dois períodos legislativos for-
mam a sessão legislativa.
Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17
de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (...)
As CPI’s podem ser prorrogadas. Todavia, há um prazo limite em que a prorrogação não é mais
admitida: é o fim da legislatura (art. 44, parágrafo único). A legislatura é de quatro anos. O Senador
permanece por duas legislaturas. Não existe legislatura de oito anos:
Art. 44 (...) Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.
Os três requisitos para a criação de uma CPI federal (requerimento de um terço, objeto determi-
nado e prazo certo), como visto, são normas de observância obrigatória pelos estados e municípios.
Em resumo:

2.1.4.2. Poderes das CPI´s federais


A CPI não acusa nem pune ninguém. Ela investiga, e as conclusões são remetidas à
quem de direito, que promoverá as medidas cabíveis à apuração das responsabilidades.
A CR atribui às CPI’s dois tipos de poderes: os próprios de autoridade judicial e os previstos nos
regimentos internos.
Não serão estudados, neste tópico, os poderes específicos atribuídos às CPI’s pelos respectivos
regimentos, mas apenas aqueles próprios de autoridades judiciais (que são os exigidos em provas de
concursos).
Entende-se que os poderes da CPI têm natureza jurídica instrumental. Ou seja, servem de meios
para que o Parlamento possa realizar os seus fins (fiscalização, função legiferante e informar a opinião
pública). O STF, no HC 95.277/MS, entendeu que a conclusão da CPI o encaminhamento do relatório
final ao MP não constitui “indiciamento”. O STF entende que o indiciamento pela CPI é vedado.

331

CadernosMAGIS
Cadernos MAGIS- Constitucional
Quando menciona que as CPI’s têm poderes próprios de autoridades judiciais, a CR não quer dizer
que as autoridades judiciais têm poderes investigatórios212.
O que ela diz, na verdade, é que as CPI’s, no exercício de seus poderes investigatórios, poderão
utilizar poderes próprios de juízes.
Importante notar que sempre que a CPI for determinar qualquer medida que causa intervenção
no âmbito de um direto fundamental, ela deverá fundamentar seu ato.
Esta fundamentação deve ser contemporânea (exemplo: ao determinar a quebra do sigilo,
deve-se revelar os motivos para isso) e adequada, ou seja, não se exige que o requerimento seja como
uma determinação judicial, mas é essencial que exista uma fundamentação concreta da causa provável.
2.1.4.2.1. Quebra de sigilo bancário, fiscal, de dados e telefônico
Exemplo de quebra de sigilo fiscal é a solicitação de informações à Receita Federal. Exemplo de
quebra de sigilo de dados é a obtenção de dados informáticos.
Veja que a CPI não pode determinar a interceptação telefônica (um grampo realizado
por terceiro). Mas a interceptação não se confunde com a quebra de sigilo telefônico (os registros de
ligações telefônicas realizadas).
A CPI pode pedir, portanto, informações sobre o histórico de ligações de uma pessoa. Ela não tem
acesso ao conteúdo do que foi dito, mas aos telefones que estavam em contato, quantas ligações, a du-
ração, em quais dias etc.
Assim, uma vez que a interceptação telefônica está submetida à clausula de reserva de jurisdição
ela não pode ser objeto de medida de qualquer outro Poder.
2.1.4.2.2. Busca e apreensão de documentos
As CPI’s não podem violar domicílio. Todavia, em locais não submetidos a tal inviolabilidade ou
em que haja autorização do proprietário, poderá ser determinada a busca e apreensão de documentos.
2.1.4.2.3. Determinar a condução coercitiva
Em relação ao tem, é importante lembrar que oSTF213 declarou que a expressão “para o interro-
gatório”, prevista no art. 260 do CPP, não foi recepcionada pela Constituição Federal.
Assim, caso seja determinada a condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogató-
rio, tal conduta poderá ensejar:
a) a responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade;
b) a ilicitude das provas obtidas;
c) a responsabilidade civil do Estado.
2.1.4.2.4. Realização de exames periciais

212 Isso ocorre uma vez que a CR/88 foi inspirada na Constituição Portuguesa, que conferia poderes inves-
tigatórios aos juízes. Desse modo, há que se fazer uma interpretação do dispositivo à luz do OJ pátrio.
213 STF. Plenário. ADPF 395/DF e ADPF 444/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 13 e 14/6/2018
(Info 906).
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Evidentemente, as CPI’s têm muitos outros poderes além desses, mas esses são os mais exigidos.
2.1.4.3. Limites aos poderes das CPI’s
São limites aos poderes das CPI’s:
2.1.4.3.1. Autonomia federativa e separação de poderes
O princípio da separação dos poderes também impõe limites à atuação das comissões.
Por serem esses instrumentos de fiscalização do Poder Legislativo, não podem exercer competên-
cias constitucionalmente reservadas ao Ministério Público, nem ao Poder Judiciário. As comissões não
podem formular acusações, tampouco punir delitos.
Caso seja apurada a existência de algum fato criminoso durante as investigações, as conclusões
devem ser encaminhadas ao Ministério Público ou às Corregedorias competentes para que promovam
a responsabilidade civil, criminal ou administrativa.
Outrossim, a convocação de magistrado para depor sobre o conteúdo de atos praticados no exer-
cício da função jurisdicional configura, segundo o Supremo, "ingerência indevida de um poder sobre o
outro, em menoscabo ao princípio constitucional da separação dos poderes 214.
2.1.4.3.2. Direitos e garantias individuais
As CPI’s não podem, por questões óbvias, desrespeitar direitos e garantias individuais. Dentre os
direitos e garantias individuais, os que têm maior importância são os seguintes:
i) sigilo profissional (art. 5º, XIV):
O sigilo profissional tem de ser respeitado pela CPI. Ex.: uma CPI não pode obrigar um jornalista
ou um advogado a prestar informações acerca de fatos de que tomaram conhecimento em razão de sua
profissão.
Art. 5° (…) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional;
ii) não autoincriminação (nemo tenetur se detergere)
Ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Apesar de fazer referência somente ao
preso, a interpretação do art. 5º, LXIII é mais ampla (valendo para testemunhas, investigados, acusados
etc.):
Art. 5° (…) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

214 STF - HC 80.539: “1. Configura constrangimento ilegal, com evidente ofensa ao princípio da separação
dos Poderes, a convocação de magistrado a fim de que preste depoimento em razão de decisões de conteúdo
jurisdicional atinentes ao fato investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Precedentes. 2. Habeas-cor-
pus deferido.”.
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Veja que a CPI pode conduzir coercitivamente a pessoa, mas não pode obrigá-la a falar, seja em
razão do sigilo profissional, seja em razão do direito ao silêncio. A dificuldade é identificar se a infor-
mação que está sendo sonegada efetivamente prejudica a testemunha ou se a sonegação visa a proteger
alguém. A linha é bastante tênue.
2.1.4.3.3. Fundamentação
A CPI, quando exerce seus poderes investigatórios, adotando uma das medidas vistas acima, tem
de fundamentá-la, e tal fundamentação tem de ser adequada e contemporânea à medida. No requeri-
mento da quebra, a CPI tem de determinar quais os motivos e os fatos que a levaram a concluir pela
necessidade da medida. Evidentemente, não tem de ser uma fundamentação tão profunda como a judi-
cial, mas tem de ser adequada e dizendo os motivos que justifiquem a violação dos direitos individuais.
2.1.4.3.4. Cláusula de reserva de jurisdição
Reserva de jurisdição, como visto, são os temas relacionados aos direitos individuais que somente
poderão ser restritos através de decisão judicial. Ou seja, somente Judiciário pode dar a primeira e a
última palavras sobre eles. São reservadas à jurisdição:
i) interceptação telefônica (art. 5º, XII, da CR):
A CPI não pode determinar interceptação telefônica. A esse respeito o STJ, no HC 203.405/MS,
entendeu que, excepcionalmente, pode ser admitida interceptação em matéria não penal, caso dela
possa decorrer a verificação da ocorrência de uma infração penal. Deve-se aguardar a decisão do STF a
esse respeito.
ii) inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da CR);
iii) prisão (art. 5º, LXI):
Somente a autoridade judiciária competente poderá expedir mandado de prisão, em ordem es-
crita e fundamentada (salvo, evidentemente, no caso de prisão em flagrante). O Regimento Interno da
CPI, da década de 50, prevê que a CPI pode determinar prisão. O STF entendeu que a CR não recepci-
onou tal dispositivo. Em CPI’s é comum a impetração de HC por conta da existência desse dispositivo e
para a preservação do direito ao silêncio.
iv) quebra de sigilo imposto a processo judicial (art. 5º, X, c/c art. 5º, LX):
Somente o Poder Judiciário poderá determinar a violação a sigilo processual215.
2.1.4.3.5. Impossibilidade de determinação de medidas acautelatórias
A CPI tem poderes instrutórios e investigatórios, mas não tem poder geral de cautela. Assim, as
medidas acautelatórias estão fora dos poderes das CPI’s. A CPI não pode determinar, por exemplo, a

215 STF - MS 27.483 REF-MC/DF: “CPI não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de
telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a
processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a comissão parlamentar de inquérito, representando expres-
siva limitação aos seus poderes constitucionais.”
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indisponibilidade de bens, a proibição de ausentar-se do país, o arresto, o sequestro e a hipoteca judi-
cial.
Se houver ilegalidade ou abuso de poder por parte da CPI, o MS e o HC serão impetrados contra
quem? A impetração de HC e MS, em geral, ocorre contra o Presidente da CPI, salvo se houver uma
autoridade coatora específica. A competência para o julgamento do MS e do HC será sempre do STF.
Impetrado o remédio, acabando a CPI ele perde o objeto e é extinto (fica prejudicado com a extinção da
CPI).
Em resumo:

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2.1.5. CPI estadual


A CR nada fala acerca da criação de CPI’s nos âmbitos estadual e municipal. Fundamenta a criação
de CPI’s, nesses casos, o princípio da simetria (o qual, para Novelino, está consagrado nos arts. 25 e 29
da CR):
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados
os princípios desta Constituição. (...)

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo
de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos
os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes pre-
ceitos: (...)

2.1.5.1. Investigados

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Uma vez que a CPI Estadual somente pode apurar fatos que estejam diretamente ligados aos in-
teresses do estado-membro, não pode investigar autoridades que tenham prerrogativa de foro perante
Tribunais Federais (STJ ou STF p. Ex.), esse é o entendimento do STJ sobre o tema
O STJ, na PET (Ag. Rg) 1611/RO216., decidiu que a CPI estadual não pode investigar autoridades
submetidas a foro privilegiado federal. Tratava-se de caso de investigação de Conselheiro do Tribunal
de Contas de Roraima, que tem foro privilegiado no STJ. Veja que não se trata de autoridade federal,
mas de foro privilegiado federal (esse entendimento busca preservar a prerrogativa federal).
MS e HC impetrados contra ato do Presidente de CPI estadual são de competência do TJ.
2.1.5.2. Requisitos para a criação de uma CPI estadual

Os requisitos para a criação da CPI estadual são exatamente os mesmos tratados na CPI federal.
O art. 58, § 3º é norma de observância obrigatória, como visto.
2.1.5.3. Poderes das CPI´s estaduais

Na ACO 730/RJ, foi discutida a questão envolvendo a possibilidade de quebra de sigilo bancário
pelas CPI’s estaduais. Por 6 a 5, o STF adotou o entendimento segundo o qual a CPI estadual pode
determinar a quebra de sigilo bancário. A decisão do STF restringiu-se ao sigilo bancário.
Para Novelino, a argumentação usada pode ser estendida para fundamentar a quebra dos demais
sigilos. Alguns Regimentos Internos preveem expressamente a possibilidade de quebra de sigilo bancá-
rio, fiscal e telefônico. Ex.: art. 34-B, VII, do Regimento Interno da ALESP:
Artigo 34-B – A Comissão Parlamentar de Inquérito poderá, observada a legislação específica:
(...)
VII – determinar a quebra do sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos, requisitando as res-
pectivas informações dos agentes e órgãos públicos competentes, desde que observados os seguintes re-
quisitos:
a) devida motivação;
b) pertinência temática com o que se investiga;
c) limitação temporal;
d) necessidade absoluta da medida, pois o resultado por apurar não adviria de nenhum outro meio
ou fonte lícita de prova;
Esses poderes das CPI’s estaduais servem para a investigação de fatos de interesse
exclusivo do estado. Trata-se, como visto, de uma decorrência do principio federativo.
2.1.6. CPI municipal

2.1.6.1. Requisitos para a criação de uma CPI municipal

216 STJ – PET 1.611 AgRg/RO: “CPIs estaduais não têm competência para investigar autoridades que estão
submetidas a foro privilegiado federal”.
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Em razão do principio da simetria, admite-se a criação de CPI no âmbito municipal. Os requisitos
são exatamente os mesmos tratados na CPI federal. O art. 58, § 3º é norma de observância obrigatória,
como visto.
2.1.6.2. Poderes das CPI’s municipais

A grande peculiaridade das CPI’s municipais diz respeito aos poderes. Os poderes da CPI muni-
cipal não são os mesmos das outras duas. O raciocínio é o seguinte: o Município tem Poder Legislativo
e Executivo, mas não tem Poder Judiciário. Se é assim, atribuir a uma CPI municipal poderes investi-
gatórios próprios de autoridade judicial seria ampliar as competências originárias constitucionalmente
atribuídas aos municípios, pois isso representaria dar aos municípios poderes que o poder constituinte
originário não deu.
Assim, por não existir Poder Judiciário no âmbito municipal, a grande maioria da doutrina en-
tende que a CPI municipal não pode ter poderes próprios de uma autoridade judicial.
A esse respeito, ver o RE 96.049/SP: trata-se de decisão de 1983217 que impediu CPI municipal de
determinar a condução coercitiva de testemunha, com base nesse entendimento. O TJMG, na ADI
13.481.7-00 (proposta questionando a Lei Orgânica do município de Três Corações, que permitia a que-
bra do sigilo fiscal, telefônico e bancário), adotou exatamente esse entendimento para determinar a
inconstitucionalidade do dispositivo.
A competência para o julgamento de MS e HC contra a CPI municipal será do juiz de primeiro
grau.
Em resumo:

217 STF – RE 96.049 (30/6/1983): “CPI instaurada pela Câmara Municipal. Não se lhe aplica o disposto no
artigo 3º da Lei n. 1.579/52 e artigo 218 do C.P.Penal, para compelir estranhos a sua orbita de indagação.”.
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2.2. Garantias do Poder Legislativo
2.2.1. Considerações iniciais
A finalidade das garantias atribuídas ao Poder Legislativo é assegurar a sua independência, pro-
tegendo a liberdade funcional de seus membros.. Ou seja, servem para que os parlamentares possam
exercer suas funções sem receio de serem processados. Não são privilégios. Ainda que possam ser uti-
lizadas indevidamente, elas são essenciais numa democracia.
As garantias do Poder Legislativo são irrenunciáveis, na medida em que não são individuais, mas
do próprio Poder Legislativo. São garantias institucionais.
O marco temporal inicial delas é a diplomação, e não a posse. A posse ocorre no dia 1º
de fevereiro. A diplomação ocorre em dezembro. Fazendo-se uma analogia, a diplomação seria como a
nomeação do servidor. A garantia dura até o fim do mandato. Esse marco temporal final pode ser o fim
normal do mandato regular, a renúncia ou a cassação.
Os suplentes têm imunidade? Carlos Ayres Britto disse o seguinte: “não existe vereador suplente,
deputado suplente ou senador suplente. O que existe é suplente de vereador, de deputado ou de sena-
dor”. A frase diz de forma simples que aquele que é suplente não é parlamentar, mas que poderá, even-
tualmente, se tornar um parlamentar. Quando se tornar um parlamentar, assumindo o cargo, ele pas-
sará a ter essas garantias.
Se o Deputado se afastar para exercer outras funções (ex.: José Dirceu afastou-se do Parlamento
para exercer o cargo de Ministro da Casa Civil), ele mantém as garantias? A Súmula nº 4 do STF, que
era anterior à CR, determinava que se o Parlamentar fosse afastado para o exercício da função de Mi-
nistro, ele manteria as garantias:
Súmula 4 - NÃO PERDE A IMUNIDADE PARLAMENTAR O CONGRESSISTA NOMEADO MI-
NISTRO DE ESTADO (CANCELADA).
A Súmula foi cancelada. O entendimento atual do STF é de que o parlamentar afastado
tem suas imunidades suspensas (que retornam quando ele volta ao cargo), mas não
perde a prerrogativa de foro.
As imunidades material e formal, portanto, ficam suspensas. A prerrogativa de foro, todavia, man-
tém-se: no caso de crime comum, o parlamentar continua sendo julgado pelo STF.
Obs.: Segundo Novelino, o STF passou a ter um novo entendimento mais restritivo, e assim, pos-
sivelmente todas as garantias serão afastadas.
Durante o Estado de Defesa (art. 136) e o Estado de Sítio (art. 137), as imunidades parlamentares
ficam suspensas ou continuam? A CR tem dispositivo específico (art. 53, § 8º), que fala da possibilidade
de suspensão durante o estado de sítio:
Art. 53 (…) § 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio,
só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva,
nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatí-
veis com a execução da medida.

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Veja que a regra é a manutenção, podendo haver a suspensão das prerrogativas desde que pre-
sentes os três requisitos acima.
No caso do estado de defesa, não há previsão legal e não há jurisprudência do STF. Para Novelino,
o raciocínio é o seguinte: o estado de sítio, na medida em que decretado em situações como a de guerra
externa ou da insuficiência do estado de defesa, é de maior gravidade que o estado de defesa. Se no
estado de sítio a regra é de que as imunidades permanecem, o mesmo ocorre no caso de estado de de-
fesa, em que a gravidade do fato é menor.
Novelino considera que não seria possível a aplicação analógica do dispositivo que prevê a sus-
pensão. Isso porque a suspensão é uma exceção, e normas excepcionais devem ser interpretadas restri-
tivamente. Uma norma excepcionalíssima, que retira direito fundamental do parlamentar deve, com
mais razão, ser restritivamente interpretada, não podendo servir para retirar a prerrogativa.
2.2.2. Prerrogativa de foro (ou foro por prerrogativa de função)
A prerrogativa de foro está prevista no art. 53, § 1º, c/c o art. 102, I, “b”, da CR:
Art. 53 (…) § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma [veja que não
da posse], serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-
bendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: (...)
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do
Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
Ela existe apenas para os casos de crimes comuns praticados por parlamentares, hipóteses em
que caberá ao STF processá-los e julgá-los.
Novelino discorda dessa prerrogativa. Para ele, deveria ser criado um tribunal especial ou deter-
minada a competência a outro tribunal. O STF tem de decidir questões constitucionais, não penais. Os
processos simplesmente não caminham no STF. Todavia, não dá para saber, mas possivelmente os Mi-
nistros não desejariam perdê-la, em razão do poder que ela representa.
Veja que a CR fala em “infrações comuns”. O parlamentar não pratica crime de responsabilidade
(“impeachment”), o qual somente poderá ser praticado pelo Executivo e pelo Judiciário. Parlamentar
julga o crime de responsabilidade. O parlamentar pode perder o mandato, mas por outras razões (que-
bra de decoro parlamentar etc.)
A única autoridade do Legislativo que, segundo a CR, pode praticar crime de responsabilidade é
o Presidente da Câmara Municipal. E tal responsabilidade relaciona-se à sua atuação administrativa,
não legislativa (art. 29-A da CR):
Art. 29-A (...) § 1o A Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de sua receita com
folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vereadores. (Incluído pela Emenda Consti-
tucional nº 25, de 2000) (...)
§ 3o Constitui crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o desrespeito ao §
341

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1o deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 25, de 2000)
A expressão “infrações penais comuns” a que se refere o art. 102, I, “b”, da CR abrange delitos
eleitorais, contravenções penais e crimes dolosos contra a vida, segundo o entendimento do STF (Rcl
511/PB). No caso dos crimes dolosos contra a vida, em se tratando de duas competências constitucio-
nais, prevalece a regra especial (prerrogativa).
A prerrogativa dura da diplomação ao fim do mandato. Imagine um Deputado que tinha vários
processos sem condenação em primeiro grau antes de ser eleito. Diplomado, os processos que tramita-
vam perante o juízo de primeiro grau são remetidos ao STF. Se, ao final do mandato, o STF não tiver
ainda julgado o parlamentar, o processo volta ao juízo de origem. Esta hipótese de deslocamento da
competência do STF, no entanto, tem duas exceções:
i. Quando já iniciado o julgamento:
O julgamento no STF pode demorar dias, às vezes meses. Caso um Ministro, por exemplo, peça
vista dos autos e o mandato termine, nesses casos o STF tem entendido que o processo prossegue no
STF até o final (Inq 2295, decisão proferida em 2008, por Menezes Direito).
Assim, a partir do início do julgamento, a competência não é mais deslocada para o STF; acontece
o inverso: se o Tribunal de Justiça inicia julgamento, tendo ele já começado e o candidato eleito, então
a competência é imediatamente deslocada para o Supremo.
ii. No caso de abuso de direito (fraude processual):
O caso concreto desse abuso de direito foi o seguinte: o processo ainda não havia entrado na pauta
para julgamento, mas um dia antes e faltando pouco mais de um mês para o fim do mandato, o parla-
mentar que seria julgado renunciou, para que o processo fosse remetido à primeira instância. Como
houve renúncia com o fim específico de deslocar a competência (e evitar o julgamento), o STF entendeu
que, nessa hipótese, o julgamento deveria prosseguir no próprio STF.
Atualmente o STF possuí um novo entendimento, exarado na AP 937 QO/RJ:
STF - AP 937 QO/RJ: “O foro por prerrogativa de função se aplica apenas a crimes cometidos no
exercício do cargo e em razão das funções desempenhadas. Após as alegações finais, a com-
petência não poderá ser alterada.”.
O entendimento tem lugar em razão das múltiplas disfuncionalidades causadas pela enorme
quantidade de pessoas com prerrogativa de foro, por atos praticados sem qualquer relação com a função
que estas exerciam.
Ademais, o STF não é um tribunal vocacionado ao julgamento de questões essencialmente penais,
o que afasta o Tribunal de sua missão primordial, (guarda da CR) e causa uma demora maior no julga-
mento da questão penal, por faltar aos Ministros a expertise necessária, o que aumenta o risco de pres-
crição e por consequência a impunidade.
Caso haja conexão de um determinado crime com outro de competência originária do STF (como
é o caso do Mensalão), o julgamento pelo STF dos outros crimes viola as garantias do juiz natural, ampla
defesa e devido processo legal? A Súmula 704 do STF determina que não:
Súmula 704 - Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a
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atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos
denunciados.
Assim, outras pessoas que supostamente praticaram crime conexo podem ser julgadas pelo STF,
ainda que não tenham prerrogativa de foro.
A regra é que se proceda ao desmembramento, que somente não deverá ocorrer no caso em que a
conexão entre os fatos seja tão forte que havendo a cisão, resultará em prejuízo ao julgamento do feito218.
É importante lembrar que a competência originária não se estende à improbidade admi-
nistrativa, não há dúvida de que a competência é do juízo de 1º grau219.
Em se tratando de IP, a prerrogativa de foro abrange a tramitação do inquérito policial, que deve
ser realizado sob a supervisão de um Ministro Relator, especialmente designado para tanto. Se um de-
legado de polícia investiga parlamentar sem a supervisão do STF, cabe contra esse constrangimento a
interposição de Reclamação, porquanto está sendo usurpada pela Polícia a competência do STF220
O STF decidiu que no caso de exceção da verdade, a competência do STF restringir-se-á ao julga-
mento da referida exceção, não lhe assistindo competência para admiti-la, processá-la ou sequer para
instruí-la221.

218 STF – Inq 3.515 AgR/SP: “O desmembramento de inquéritos ou de ações penais de competência do STF
deve ser regra geral, admitida exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que
o julgamento em separado possa causar prejuízo relevante à prestação jurisdicional.”.
219 STF - Pet 3.240 AgR/DF (10.5.2018): “Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República,
encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil
pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de res-
ponsabilidade. O foro especial por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal (CF) em relação às
infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade administrativa.”. OBS: O § 2º do
art. 84 do CPP, que estendia às ações de improbidade o foro por prerrogativa de função em matéria penal, foi
declarado inconstitucional pelo STF, por trazer regra de foro especial não contemplada na CF (ADI 2860 e 2797).
220 STF – Pet 3.825 QO/MT: “A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF con-
tando com a supervisão do Ministro-Relator do STF. 10. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício
inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no
caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, "b" c/c Lei nº 8.038/1990, art.
2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada
durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual
oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis.”.
221 STF – AP 602/SC: “A exceção da verdade, quando deduzida nos crimes contra a honra que autorizam a
sua oposição, deve ser admitida, processada e julgada, ordinariamente, pelo juízo competente para apreciar a ação
penal condenatória. Tratando-se, no entanto, de “exceptio veritatis” deduzida contra pessoa que dispõe, “ratione
muneris”, de prerrogativa de foro perante o STF (CF, art. 102, I, “b” e “c”), a atribuição da Suprema Corte
restringir-se-á, unicamente, ao julgamento da referida exceção, não assistindo, a este Tribunal, com-
petência para admiti-la, para processá-la ou, sequer, para instruí-la, razão pela qual os atos de dilação probatória
343

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2.2.3. Imunidade material
A imunidade material também é chamada de “freedom of speech” (liberdade do discurso, das
palavras). Material, portanto, porque ligada ao conteúdo das palavras e opiniões emitidas pelo parla-
mentar. A CR refere-se à imunidade material, em geral, como “inviolabilidade”.
Esta inviolabilidade, em relação aos Deputados e Senadores, está consagrada no art. 53, caput, da
CR:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opi-
niões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) (...)
Antes da EC 35/2001, que fez grandes reformas nas inviolabilidades, a imunidade prevista era
somente no âmbito penal.
Todavia, mesmo antes da reforma o STF já admitia a civil. Há autores que defendem que, além da
inviolabilidade civil e penal, haveria também uma inviolabilidade administrativa e política (Alexandre
de Morais, Uadi L. Bulos, Kildare Carvalho).
Relativamente à administrativa não há maiores controvérsias. Quanto à política, entretanto, deve-
se analisar com cautela como essa responsabilização é interpretada, na medida em que o parlamentar
pode sofrer sanções em virtude da quebra de decoro parlamentar.
A inviolabilidade material está relacionada ao conteúdo de palavras, votos e opiniões (até por isso
ela é chamada de material). A interpretação que se faz desse dispositivo é teleológica, e não literal: a
finalidade da norma é assegurar a independência do Poder Legislativo. Por essa razão, o STF distingue
opiniões, palavras e votos proferidos dentro e fora do Plenário. São situações que devem ser diferenci-
adas.
Para o STF (RE [Agr] 463.671 e Inc 2295), no caso de opiniões, palavras e votos proferidos dentro
do Plenário, não há necessidade de conexão com o exercício do mandato. Se as palavras ocorreram
dentro do Plenário é como se houvesse uma presunção de que teriam sido proferidas
em decorrência da função. Eventuais abusos deverão se coibidos pela Casa a que pertence o res-
pectivo parlamentar (ex.: cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar).
Por outro lado, quando proferidas fora do Plenário, é necessário que haja conexão
das palavras com o exercício do mandato. Eurico Miranda, que era Deputado Federal, em 1997,
na decisão do Campeonato Brasileiro entre Vasco e Palmeiras, acusou a Parmalat de dar dinheiro ao
Juiz para favorecer o Palmeiras. Ele acabou condenado civilmente a pagar indenização de R$ 1,5 mi-
lhões, pois as palavras nada tinham a ver com o exercício do mandato.
Assim, o momento do início da imunidade, Novelino entende que a expressão “no exercício do
cargo” conduz a ideia de que a imunidade formal não se inicia da diplomação, mas sim, so-
mente após o efetivo exercício do cargo, que ocorre com a posse.

pertinentes a esse procedimento incidental deverão ser promovidos na instância ordinária competente para apre-
ciar a causa principal (ação penal condenatória). Precedentes.”.
344

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A questão relativa à natureza jurídica da imunidade material foi por muito tempo debatida entre
os penalistas, sendo que são apontadas:
a) Pontes de Miranda - Causa de exclusão de crime.
b) Basileu Garcia - Causa que se opõe à formação do crime.
c) Aníbal Bruno - Causa pessoal de exclusão de pena
d) Magalhães Noronha - Causa de irresponsabilidade.
e) Frederico Marques - Causa de incapacidade pessoal por razões de política criminal.
f) Segundo o STF, que pacificou a matéria, trata-se de causa excludente de tipicidade222.
As denúncias de Roberto Jefferson, feitas na Casa respectiva, acerca do Mensalão, estavam pro-
tegidas pela imunidade. Todavia a Revista Veja fez extensa reportagem divulgando o que disse o parla-
mentar. O meio de divulgação, nesse caso, pode ser responsabilizado? Se a imprensa não pudesse di-
vulgar tais opiniões, a imunidade não faria sentido. Por isso, segundo o STF, fatos acobertados pela
imunidade material podem ser divulgados pela imprensa sem que ela seja responsabilizada.
Outra situação interessante é a seguinte: imagine abusos ocorridos em uma CPI (que muitas vezes
é usada como palanque) por um Parlamentar mais exaltado, que começa a ofender uma testemunha. A
testemunha reage contra ele no mesmo tom. O parlamentar está protegido. E a testemunha, que não
tem imunidade?
O STF entende que a resposta imediata a injúria perpetrada por parlamentar e acobertada pela
imunidade também deve ficar imune. Se, no calor do debate, a pessoa pratica um crime da mesma es-
tatura (injúria etc.) ela não responderá, para que não haja aí algum tipo de covardia (para que a pessoa
não tenha de ter postura passiva a uma ofensa contra si perpetrada).

222 STF – Inq 3.932/DF: “13. In casu, (i) a entrevista concedida a veículo de imprensa não atrai a imunidade
parlamentar, porquanto as manifestações se revelam estranhas ao exercício do mandato legislativo, ao afirmar
que “não estupraria” Deputada Federal porque ela “não merece”; (ii) o fato de o parlamentar estar em seu gabinete
no momento em que concedeu a entrevista é fato meramente acidental, já que não foi ali que se tornaram públicas
as ofensas, mas sim através da imprensa e da internet; 15. (i) A imunidade parlamentar incide quando as palavras
tenham sido proferidas dentro do recinto da Câmara dos Deputados: “Despiciendo, nesse caso, perquirir sobre a
pertinência entre o teor das afirmações supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar” (Inq.
3814, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, j. 07/10/2014, DJE 21/10/2014). (ii) Os atos praticados
em local distinto escapam à proteção da imunidade, quando as manifestações não guardem pertinência, por um
nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato parlamentar.”.
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2.2.4. Imunidade formal


A imunidade formal é conhecida como “freedom from arrest”. Seria uma liberdade em relação à
prisão. Todavia, como será visto, ela é mais ampla que isso, abrangendo aspectos processuais. O STF
utiliza um termo para designá-la: “incoercibilidade pessoal relativa”. A Súmula 245 trata da imunidade
formal:
Súmula 245 - A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa.
Como visto por ocasião do estudo da prerrogativa de foro, havendo conexão, ela se estende ao
corréu que não a possui. O mesmo não ocorre na imunidade formal. Note que, ao falar em “imunidade”,
a Súmula refere-se à imunidade formal, pois na material o parlamentar não pratica crime (há exclu-
dente de ilicitude), de modo que não faria sentido que ela se referisse à imunidade material.
2.2.4.1. Imunidade formal em relação à prisão (art. 53, § 2º)
Art. 53. (…) § 2º Desde a expedição do diploma,[não é da posse] os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão
remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de
seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
No caso da imunidade material, como não há previsão expressa na CR, há divergência quanto ao
momento do início dela. Há quem entenda que se iniciaria a partir da diplomação (como as outras ga-
rantias), com o que Novelino concorda, e quem diga que se iniciaria com a posse. Novelino não conhece
decisão do STF a esse respeito.

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A prisão a que se refere o dispositivo, segundo o STF, é apenas a prisão penal cautelar. Ele não se
aplica à prisão decorrente de decisão condenatória definitiva transitada em julgado. Para Novelino, o
STF faz essa interpretação porque o restante do dispositivo deixa muito claro que se trata de hipótese
de prisão penal cautelar: “nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.
Quando o dispositivo fala em “maioria de seus membros”, ele se refere à maioria absoluta. Na
verdade, sempre que a CR fala simplesmente em “maioria”, ele se refere à maioria absoluta. É absoluta
porque não depende de nenhuma condição, nunca variará (a maioria da Câmara será sempre 257 De-
putados). A maioria relativa é sempre a maioria dos presentes. Ou seja, ela varia, de acordo com o nú-
mero de presentes.
Em relação à prisão civil, existe uma certa divergência na doutrina, sendo que alguns autores
(Uadi Bulos) sustentam pela possibilidade de prisão, ademais, há decisão monocrática no STJ223 neste
mesmo sentido.
Assim, é possível afirmar que se a obrigação de prestar alimentos é marcadamente particular, seu
descumprimento (do qual deriva a possibilidade prisional) não deve encontrar guarida num ordena-
mento que só concede prerrogativas funcionais, vinculadas ao desempenho das mais importantes fun-
ções republicanas.
2.2.4.2. Imunidade formal em relação ao processo
Novelino prefere falar em imunidade formal justamente para diferenciar esta hipótese, que seria
a imunidade processual. Há autores que entendem que a imunidade processual seria sinônima da for-
mal, abrangendo a imunidade de prisão.
Antes da EC 35/2001, para que um parlamentar fosse processado, era necessária autorização da
Casa respectiva. A EC 35 trouxe profundas mudanças nessa imunidade. A lógica foi invertida: o PGR
oferece a denúncia contra o parlamentar, o STF recebe a peça acusatória e, ao fazê-lo, dá ciência à Casa
do respectivo parlamentar (Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, conforme o caso).

223 STJ – HC 332.246/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, monocrática: “[...] o fato de exercer múnus
público exige do titular o dever de portar-se como exemplo de probidade, honra e cumprimento de deveres civis,
nos quais o acatamento de ordens judiciais encontra-se inserido. Contudo, pelo que está relatado nos autos, pre-
tende-se justamente o contrário, pois o exercício da função pública está sendo utilizado como meio de livrar o
paciente das consequências do inadimplemento obrigacional, já que, das palavras destacadas na peça vestibular
não há uma sequer em defesa de eventual desacerto da obrigação alimentar imposta ao paciente. Toda assertiva
refere-se tão somente ao fato de, por ser deputado estadual, estar isento de ser preso nos termos do art. 733, § 1º,
do Código de Processo Civil. Sem razão os impetrantes, pois a imunidade parlamentar não exime o
paciente de suas obrigações civis.”.
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Assim, pode-se afirmar que até a EC/10 vigorava o “princípio da improcessabilidade”. O
parlamentar só poderia ser processado se a respectiva casa autorizasse o processo contra ele. A partir
da emenda 35/01, foi substituído pelo “princípio da processabilidade”.
Se a Casa entender que há perseguição política, um partido político com representação na Casa
pode tomar a iniciativa de pedir a suspensão do processo. A questão é submetida a votação, e se a mai-
oria absoluta votar pela suspensão, o processo para. A votação tem de ocorrer antes do julgamento pelo
STF. Quando há a suspensão do processo, suspende-se também a prescrição:
Art. 53. (...) § 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a
diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido
político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final,
sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
A imunidade processual somente existe em relação a crimes ocorridos após a di-
plomação.
Na prerrogativa de foro a hipótese é diversa: praticado o crime antes da diplomação, o processo
vai para o STF.
Conforme visto, o novo entendimento do STF a respeito do foro por prerrogativa de função em
que ele só se aplica se o crime for praticado no exercício e em razão da função, é de que não se aplica à
imunidade processual. Mas nada impede que ele seja provocado para se manifestar especificamente
sobre a imunidade processual e adote a mesma fundamentação.
Com relação à imunidade formal em relação ao processo, se o crime for praticado antes da diplo-
mação, não pode haver a suspensão do processo.
Imagine que o parlamentar comete crime durante o 1º mandato, que resta suspenso. No caso de
reeleição, os crimes ocorridos antes da segunda diplomação não poderão ter o processo suspenso. Isso
porque ocorre uma nova diplomação, e o crime ocorrera antes dela224.
Caso se trate de um Senador (que tem mandato de duas legislaturas) que pratica crime após a
diplomação, o processo resta suspenso até o fim do mandato, pois não há nova diplomação com a nova
legislatura.
O pedido de suspensão formulado tem 45 dias para ser apreciado:
Art. 53 (...) § 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrro-
gável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 35, de 2001)
Enquanto durar o mandato, ficam suspensos, se o caso, o processo e a prescrição:
Art. 53 (...) § 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. (Re-
dação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

224 STF – AC 700 AgR: “Carece de plausibilidade jurídica, para o fim de atribuir-se efeito suspensivo a re-
curso extraordinário, a tese de que a norma inscrita no atual § 3º do art. 53 da Magna Carta se aplica também a
crimes ocorridos após a diplomação de mandatos pretéritos. “.
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2.2.5. Imunidades conferidas aos Deputados Estaduais


A CF em seu Art. 27, § 1ºgarante aplicação integral e imediata do regime previsto para os Depu-
tados Federais, assim uma mudança na Constituição já garante que isso seja também atribuído aos de-
putados estaduais, não precisaria aguardar alteração na Constituição Estadual.
Ademais, toda a disciplina aqui estudada se aplica também aos Deputados Distritais, em razão do
que dispõe o art. 32, § 3º, da CR:
Art. 27 (...) § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as
regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade [imunidade material], imunidades
[formal e prerrogativa de foro], remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorpo-
ração às Forças Armadas.

Art. 32 (...) § 3º - Aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27.

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O STF entende que a palavra “imunidades” no dispositivo abrange a imunidade formal e a prer-
rogativa de foro.
2.2.5.1. Prerrogativa de foro
Atribui prerrogativa de foro ao Deputado Estadual a CR ou a Constituição do Estado? Para o STF,
é a CR, em seu art. 27, § 1º, pois o termo “imunidade” abrange a prerrogativa de foro. Esta prerrogativa
serve para que os Deputados possam ser julgados, em relação aos crimes comuns, pelos respectivos
Tribunais de Justiça.
Cuidado: não se deve confundir com a prerrogativa de foro do Governador (julgado pelo STJ), em
que a regra e a disciplina são totalmente divergentes.
Se o crime praticado for contra bens ou interesses da União, Autarquia Federal ou empresa pú-
blica federal, a competência será do TRF, em razão do que dispõe o art. 109, I:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas
na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho
e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Nesse caso, apesar de o dispositivo falar em “juiz federal”, como o Deputado tem prerrogativa de
foro no TJ, o órgão correspondente na Justiça Federal será o TRF. Se o Deputado praticar crime eleito-
ral, será, pela mesma razão, julgado pelo TRE.
Caso o Deputado pratique crime doloso contra a vida, a competência será do TJ. Novelino consi-
dera esse entendimento questionável. O STF entende que, neste caso, não se aplica a Súmula Vinculante
45:
Súmula Vinculante 45/STF: “A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o
foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual” (antiga Súmula
721/STF).
Para o STF, a Súmula Vinculante não se aplica ao Deputado Estadual porque não é a Constituição
Estadual que estabelece a prerrogativa com exclusividade. Como visto, o tribunal entende que o art. 27,
§ 1º, da CR, quando fala em “imunidade”, abrange imunidade formal e prerrogativa de foro.
2.2.5.2. Imunidades formal e material
A Súmula 3 do STF não é mais aplicável, após a CR/88:
Súmula 3 - A imunidade concedida a deputados estaduais é restrita à justiça do estado (superada).
Essa restrição havia porque, na época, os Deputados Estaduais não tinham nenhuma imunidade
conferida pela CR. Desse modo, se era somente conferida pela Constituição Estadual, a imunidade do
deputado ficaria restrita ao âmbito do tribunal respectivo.
Hoje, as imunidades formal e material dos Deputados Estaduais são exatamente as mesmas con-
feridas aos Deputados Federais.
Para o STF, o regime da CR aplica-se de forma integral e imediata aos Deputados Estaduais.
“Integral” significa que a CE não pode nem ir além nem ficar aquém do que prevê CR. O regime da CR
deve ser aplicado, portanto, integralmente. “Imediata”, por sua vez, significa que as alterações na CR
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que tratam do tema devem ser aplicadas imediatamente, independentemente de alteração da Consti-
tuição Estadual. Assim, alterada a CR, aplica-se automaticamente o novo regime aos parlamentares
estaduais. Trata-se de norma de observância obrigatória, não sendo necessária alteração na CE.
2.2.6. Imunidades dos Vereadores
Até a CR/88, os vereadores não tinham nenhuma prerrogativa ou imunidade. Com a CR, algumas
lhes foram atribuídas, mas não todas.
2.2.6.1. Imunidade material (ou inviolabilidade)

Os Vereadores, como visto, não tinham nenhuma garantia nas constituições anteriores. A CR/88
inovou ao, no art. 29, VIII, atribuir imunidade aos Vereadores. Observe que ela atribui apenas a imuni-
dade material:
Art. 29 (...) VIII - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício
do mandato e na circunscrição do Município; (Renumerado do inciso VI, pela Emenda Constitu-
cional nº 1, de 1992)

Nota-se que a imunidade material do vereador é mais restrita, “no exercício do mandato”
tem que guardar conexão com exercício da função parlamentar independentemente do local onde
foi dito, aqui não há a presunção de que dentro da Câmara Municipal haveria a necessária conexão.

A palavra “circunscrição do Município” pode ser interpretada de duas formas:


i) como “interesses municipais”:
Essa intepretação, finalística, apesar de fugir da literalidade da norma, para Novelino seria a mais
correta.
ii) como “nos limites territoriais do município”:
Para esta interpretação, o vereador somente tem imunidade se as palavras, votos e opiniões forem
proferidas dentro do Município (José Afonso da Silva, Gilmar Mendes, enquanto doutrinador, e o STF
HC 74.201/MG225). Esta segunda interpretação é a que prevalece.
2.2.6.2. Prerrogativa de foro
A CR não estabelece prerrogativa de foro para Vereador. Ela não goza da prerrogativa conferida
ao Prefeito, no art. 29, X, da CR:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo
de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos
os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes pre-
ceitos: (...)
X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça; (Renumerado do inciso VIII, pela
Emenda Constitucional nº 1, de 1992)

225 STF – HC 74.201/MG: “[...] A proteção constitucional inscrita no art. 29, VIII, da Carta Política estende-
se - observados os limites da circunscrição territorial do Município - aos atos do Vereador praticados ratione
officii, qualquer que tenha sido o local de sua manifestação (dentro ou fora do recinto da Câmara Municipal).”.
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No entanto, não há impedimento a que a Constituição Estadual o faça, podendo atri-
buir prerrogativa de foro no respectivo tribunal de justiça.
A Lei Orgânica do município não pode atribuir prerrogativa de foro, pois se o fizesse
estaria interferindo na competência do TJ, que somente pode ser alterada pela CE.
No caso dos crimes dolosos contra a vida, como a eventual prerrogativa é estabelecida exclusiva-
mente pela CE, aplica-se a Súmula Vinculante 45, visto acima.
Trata-se de questão de hierarquia de normas (critério hierárquico de solução de antinomias): a
CR estabelece a competência do tribunal do Júri, e não pode ser excepcionada por uma norma da CE,
sem qualquer permissão ou justificativa constitucional. No caso do Deputado Estadual, o critério é ou-
tro, o da especialidade: ambas as normas estão no mesmo nível (norma especial derroga a norma geral).
Em resumo:

2.2.6.1. Imunidade formal

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A CR não atribui a vereador imunidade formal, de modo que não a imunidade pode ser conferida
a esse parlamentar pela Constituição Estadual ou, muito menos, pela Lei Orgânica, segundo entende o
STF226
2.3. Recall
O recall é um mecanismo de democracia direta que permite ao eleitorado destituir determinados
agentes políticos cujo comportamento não esteja agradando aqueles que o elegeram. É um instrumento
de consulta popular. Aconteceu no primeiro mandato de Hugo Chávez, para verificar se ele continuaria
ou não no governo.
O recall não se confunde com o impeachment. No recall, na medida em que mecanismo de de-
mocracia direta, a eleição cabe aos próprios eleitores, diretamente. No caso do impeachment, quem
julga são os representantes (no caso do Brasil, o Senado).
O recall aplica-se a todos os poderes eleitos, indistintamente, inclusive o Judiciário, quando for o
caso (nos EUA, os Juízes estaduais são eleitos). Já o impeachment, em geral, é um instrumento do Poder
Legislativo utilizado para fiscalizar os Poderes Executivo e Judiciário. No caso do Executivo, o Brasil
viveu o exemplo de Collor. No caso do Judiciário, houve pedido de impeachment do Ministro Gilmar
Mendes.
Como visto, há uma única hipótese em que se admite a prática de crime de responsabilidade por
membro do Poder Legislativo: o Presidente da Câmara Municipal (art. 29-A, § 3º, da CR). Deputados e
Senadores podem perder o mandato por quebra de decoro parlamentar, mas não cometem crime de
responsabilidade.
O art. 29-A, § 1º estabelece que o Presidente da Câmara tem de observar os limites estabelecidos
pela CR para gasto com pessoal. Veja que se trata de crime de responsabilidade em razão de função de
natureza administrativa.
Há quem defenda que o recall deveria ser inserido na CR, em eventual reforma política.
2.4. Sistemas eleitorais
Sistemas eleitorais são técnicas e procedimentos utilizados para a transformação da vontade po-
pular em mandato. São três: majoritário, proporcional e distrital.
2.4.1. Sistema majoritário
O sistema eleitoral mais básico, simples e tradicional é o majoritário. No Brasil, há duas espécies
de sistema majoritário: o que exige maioria absoluta e o que exige maioria relativa.

226 STJ - HC 106.642-RJ: “[...] a imunidade formal prevista no art. 53, § 2º, da CF/1988 foi repetida no art.
102, § 1º, da Constituição estadual em comento (a fluminense) para abrigar os parlamentares estaduais e foi es-
tendida aos vereadores pelo art. 349 dessa mesma Carta. Porém, o STF já suspendeu a eficácia desse dis-
positivo no julgamento de ADI. [...] Precedentes citados do STF: ADI 558-RJ, DJ 26/3/1993”.

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Os cargos de Presidente da República (art. 77, § 2º), de Governador de Estado e do DF (arts. 28 e
32, § 2º) e de Prefeitos dos Municípios com mais de 200.000 eleitores (art. 29, II) exigem maioria
absoluta (veja que são todos do Executivo). Isso porque, se qualquer desses candidatos não conseguir
mais de 50% dos votos no primeiro turno, haverá segundo turno, hipótese em que a maioria absoluta
será conquistada:
Art. 77 (...) § 2º - Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido polí-
tico, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
§ 3º - Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição
em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e con-
siderando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.

Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos,
realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em
segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse
ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o disposto no art.
77.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de1997)

Art. 32 (...) § 2º - A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do art. 77,


e dos Deputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para mandato de
igual duração.

Art. 29 (...) II - eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro


do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso
de Municípios com mais de duzentos mil eleitores;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16,
de1997)
Em se tratando de Prefeitos de cidades com menos de 200.000 eleitores, não há segundo turno.
Pode haver, por exemplo, Prefeito eleito com 20% dos votos válidos. Trata-se de uma maioria relativa,
no sentido de maioria dos votos, e não dos presentes. Veja que, neste caso, os termos “maioria absoluta”
e “maioria relativa” são usados em sentido diverso daquele relativo às votações no Parlamento, estu-
dado acima.
Outro cargo de eleição de sistema majoritário com maioria relativa é o de Senador.
2.4.2. 1.4.2 – sistema proporcional
O sistema proporcional é bastante mais complexo. Nele, nem sempre aquele que obtiver a maioria
dos votos ocupará o cargo. Para saber quais cargos serão ocupados por quem, existe um sistema de
listas, que pode ser de quatro espécies: fechada (ou bloqueada), flexível, livre ou aberta.
2.4.2.1. 1.4.2.1 – sistema de lista fechada (ou bloqueada)
No sistema de lista fechada, adotado na Alemanha, a ordem dos candidatos é preordenada pelo
partido político e não pode ser alterada pelos eleitores. Antes das eleições, o partido faz a lista de seus

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representantes. Se o partido conseguir votos suficientes para, por exemplo, quatro cadeiras no Parla-
mento, serão eleitos os quatro primeiros da lista. O sistema tem a vantagem de evitar que sejam eleitas
pessoas com carisma, apelo popular etc.
No sistema de lista fechada, teoricamente há a possibilidade de grandes economistas, cientistas,
intelectuais etc. serem eleitos, mesmo que não possuam apelo popular. O risco é a colocação de “amigos
do partido”, “amigos do Presidente” etc. na lista (ou seja, a escolha por razões políticas). Para Novelino
no plano ideal é o melhor sistema.
2.4.2.2. 1.4.2.2 – sistema de lista flexível
O sistema de lista flexível permite ao eleitor alterar a ordem dos candidatos através de um segundo
voto. Nesse sistema, há também uma lista preordenada pelo partido, mas que não é bloqueada: é pos-
sível o voto, além da legenda, no determinado candidato, escolhido pelo eleitor.
2.4.2.3. 1.4.2.3 – sistema de lista livre

No sistema de lista livre, o eleitor pode votar em tantos nomes quantas forem as cadeiras. Ex.:
havendo dez cadeiras a serem ocupadas, cada eleitor pode dar dez votos. Esse sistema somente funciona
em parlamentos pequenos, com número reduzido de parlamentares. No Brasil, seria inviável.
2.4.2.4. 1.4.2.4 – sistema de lista aberta

O sistema de lista aberta permite a escolha pelo eleitor entre os vários integrantes da lista e a
definição da ordem dos candidatos. É o sistema adotado pelo Brasil. Existe uma lista, que não tem ne-
nhuma hierarquia, sendo eleito o mais votado.
2.4.3. 1.4.3 – sistema de voto distrital e distrital misto
Há um sistema de voto distrital (que não é proporcional, mas majoritário), em que o país é divi-
dido entre distritos, segundo o número de eleitores, e um representante é eleito dentro desse distrito,
pelo sistema majoritário. Esse sistema é bom, pois gera identificação do parlamentar com o local, a
região.
No voto distrital misto, há uma conjugação do voto distrital com o proporcional: é eleito um par-
lamentar, que representará o distrito (a região), e um segundo voto, com base na lista (que pode ser
fechada, segundo defendido por Barroso, ou aberta).
2.5. Partidos Políticos
Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado. A criação deles é disciplinada pelo
Código Civil, em seus arts. 44, V e 45:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: (...)
V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
§ 3o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica.
(Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato

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constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. (...)
A criação de partido político não depende de autorização do Executivo. Basta a inscrição do ato
constitutivo no respectivo registro, momento em que partido adquire personalidade jurídica.
No entanto, para que o partido possa receber verba do Fundo Partidário e passe a ter direito de
participar da propaganda gratuita, ele tem de fazer o registro de seu estatuto no TSE (art. 7º da Lei
9.096/1995):
Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu
estatuto no Tribunal Superior Eleitoral. (...)
§ 2º Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar
do processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão,
nos termos fixados nesta Lei.
Chegou a ser criada a chamada “cláusula da reserva de barreira”, que exigia dos partidos políticos,
para que recebessem recurso do Fundo Partidário, tivessem direito à propaganda eleitoral gratuita e
pudessem exercer plenamente seus direitos no Congresso, que tivessem um percentual de 5% de votos.
Isso acabaria com partidos pequenos, porém importantes (PV, PSOL etc.) Por isso, o STF entendeu que
essa cláusula seria inconstitucional, pelo menos na maneira em que elaborada (ADI 1351/DF). O prin-
cipal argumento utilizado foi o pluralismo político previsto no art. 1º, V, da CR, que é um dos funda-
mentos da República:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
V - o pluralismo político.
O pluralismo é mais amplo que o político partidário, mas evidentemente abrange também esse
pluralismo.
Novelino acha que se o percentual fosse menor (1%, 0,5%), a decisão seria diversa. A “cláusula de
reserva de barreira”, que existe em muitos países, é importante para evitar partidos de aluguel, que
vendem tempo na propaganda gratuita.
2.6. Processo Legislativo
2.6.1. Aspectos introdutórios
Processo legislativo é o conjunto de normas que regula a produção dos atos normativos primários.
Atos normativos primários são aqueles que têm como fundamento de validade imediato a Constituição.
Ou seja, eles estão ligados diretamente à CR. Ex.: lei federal.
Um decreto que regulamenta uma lei federal é um ato normativo secundário, pois não está dire-
tamente ligado à CR, mas à lei, e indiretamente (ou mediatamente) à CR.
O objeto do processo legislativo (os atos normativos primários) está previsto no art. 59 da CR:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;

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III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação
das leis.
Segundo José Afonso da Silva, que foi um dos precursores da CR, no projeto original as Medidas
Provisórias não estavam previstas no rol de espécies normativas primárias que dependem de processo
legislativo, na medida em que se trata de ato privativo do Chefe do Poder Executivo. Na verdade, o que
depende de processo legislativo é a conversão delas em lei. O autor critica duramente a inserção da MP
no rol acima.
As Resoluções de que trata o dispositivo são apenas as da Câmara, do Senado e do Congresso.
Todas as normas que regulam o processo legislativo de elaboração dos atos normativos primários
são normas de observância obrigatória. Os princípios básicos do processo legislativo têm de ser neces-
sariamente observados no âmbito estadual ou municipal. Ex.: as iniciativas legislativas atribuídas ao
Chefe de Poder Executivo Federal necessariamente têm de ser atribuídas ao Governador ou ao Prefeito,
sob pena de inconstitucionalidade. O mesmo quanto ao quórum para a elaboração de emendas à Cons-
tituição.
A observância dessas normas do processo legislativo é um direito público subjetivo do parlamen-
tar. O parlamentar que participa desse processo legislativo e tem seu direito líquido e certo violado pode
impetrar MS para que se restabeleça a observância do processo legislativo constitucional. Veja que so-
mente o parlamentar da respectiva Casa é que pode impetrar esse MS. Esse tipo de controle de consti-
tucionalidade, que é preventivo (a única hipótese de controle preventivo feito pelo Judiciário) é difuso:
poderá ser do STF, TJ ou juiz singular, conforme a previsão legal e constitucional e a autoridade coatora.
Na medida em que visa a proteger direito subjetivo do parlamentar, trata-se de um controle concreto
(ou incidental).
Finalmente, é de se anotar que as normas do processo legislativo são de observância obriga-
tória, porém não são todas, apenas seus princípios básicos que devem ser observados pela CE e Leis
Orgânicas.
2.6.2. Espécies de processo legislativo
A doutrina em geral adota a divisão tripartida do processo legislativo: i) sumário; ii) ordinário e
iii) processos legislativos especiais. O processo legislativo ordinário é o processo de elaboração das leis
ordinárias. Serve como base aos demais. Os especiais são todos que não forem sumário ou de elaboração
de leis ordinárias. São eles: processo legislativo de emendas à Constituição, processo de elaboração da
lei complementar, processo legislativo de conversão da MP em lei e processo legislativo de lei delegada
e de decretos legislativos. Ou seja, todos os atos previstos no art. 59 têm processo legislativo especial,
exceto o ordinário.
357

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Neste tópico, serão analisados os processos legislativos mais cobrados em concurso público. Os
demais, sem detalhamento da CR, não serão analisados.
2.6.3. Processo legislativo sumário
O processo legislativo sumário tem como base o processo legislativo ordinário. Serão estudadas
aqui somente as diferenças, os aspectos peculiares que possui o processo legislativo sumário, já que o
ordinário será visto adiante.
O processo legislativo sumário está previsto no art. 64, § 2º, da CR e a principal diferença entre
ele e o ordinário é a fixação de um prazo constitucional de duração. Trata-se de um prazo de 45 dias
para que ele seja apreciado na Câmara, mais 45 dias para ser apreciado no Senado. Se no Senado for
feita alguma emenda, a modificação tem de retornar novamente à Câmara (qualquer mudança tem de
ser analisada nas duas Casas).
Portanto, o prazo do processo legislativo sumário inicialmente é de 90 dias. Todavia, caso reali-
zada alguma alteração no Senado, o projeto volta à Câmara, que terá dez dias para analisar a emenda.
Quando os prazos relativos ao processo legislativo não são apreciados, a pauta da Casa é trancada.
Assim, o projeto inicia-se na Câmara e vai ao Senado. Feita alguma alteração, a parte alterada
volta à Câmara. Não realizada nenhuma alteração, ele vai à sanção do Presidente. Assim, o prazo má-
ximo de análise desses projetos é de 90 a 100 dias.
A Medida Provisória não analisada dentro do prazo também tranca a pauta. O que ocorre quando
um processo legislativo sumário e uma MP trancam a pauta simultaneamente? A CR determina que o
processo sumário somente tranca a pauta se não houver outros atos com prazo constitucional fixado. A
prioridade, portanto, é da MP (art. 64, § 2º):
Art. 64 (…) § 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifes-
tarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas
as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional
determinado, até que se ultime a votação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Portanto, se a MP e o processo sumário estão trancando a pauta, este tranca a pauta para os de-
mais atos, mas a MP pode ser votada, por ter prioridade.
Tem legitimidade para desencadear o processo legislativo sumário (ou seja, solicitar urgência para
a apreciação do projeto) apenas o Presidente da República (art. 64, § 1º):
Art. 64 (…) § 1º - O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos
de sua iniciativa.
Veja que tem de se tratar de um projeto de iniciativa do Presidente, e somente ele pode solicitar
urgência, hipótese em que o projeto tramitará em regime de urgência.
Existem duas hipóteses excepcionais em que o Presidente da República não pode solicitar urgên-
cia na apreciação de um projeto de lei. A CR impede a existência de processo legislativo sumário com
relação a Códigos, que exigem análise ampla e aprofundada. Além disso, ficam suspensos os prazos do
processo legislativo sumário durante os recessos do Congresso Nacional. A sessão legislativa anual tem

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sua duração prevista no art. 57 da CR. Fora do período de sessão legislativa ordinária (23/12 a 01/02 e
16/07 a 31/07), os prazos não são computados (art. 64, § 4o):
Art. 64 (…) § 4º - Os prazos do § 2º não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional,
nem se aplicam aos projetos de código.

2.6.4. Fases do processo legislativo


A base da análise feita a seguir é o processo legislativo ordinário. Como visto, todos os processos
legislativos têm como estrutura o ordinário. Serão esclarecidas as especificidades dos demais, em aná-
lise comparativa.

2.6.4.1. Fase introdutória


Na fase introdutória estudam-se os aspectos relacionados à iniciativa legislativa.
2.6.4.1.1. Espécies de iniciativa
Existem duas espécies de iniciativa:
i) iniciativa comum (geral ou concorrente):
Iniciativa comum é aquela atribuída a mais de um legitimado para iniciar o processo legislativo.
Quando a CR não estabelece de forma específica quem deve iniciar o processo legislativo, significa
que tal iniciativa é geral, comum ou concorrente. Ela não fica restrita a nenhum legitimado.
ii) iniciativa privativa (ou exclusiva):
Iniciativa privativa ou exclusiva é aquela atribuída apenas a um determinado legitimado.
Essa classificação é bastante simplória. Mas ela tem relevância para a interpretação da iniciativa
do processo legislativo, que varia de acordo com o tipo de iniciativa. A iniciativa comum é a regra geral;

359

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a privativa a exceção. Se aquela é a regra geral, por serem exceções as iniciativas privativas devem ser
interpretadas restritivamente. Normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente.
Além disso, por ser exceção e ter de ser interpretado restritivamente, o rol de legitimados na ini-
ciativa exclusiva é considerado exaustivo. Ou seja, é um rol de numerus clausus (números fechados).
Isso significa que nem o legislador ordinário pode ampliar o rol de iniciativas privativas. Privativas ou
exclusivas, portanto, são apenas aquelas estabelecidas constitucionalmente. Exemplo clássico de inici-
ativa privativa ou exclusiva é o art. 61, § 1º (iniciativas privativas do Presidente da República):
Art. 61 (...) § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou au-
mento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e
pessoal da administração dos Territórios227;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabili-
dade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais
para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios228;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no
art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabili-
dade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 18,
de 1998)
Quando houver uma iniciativa privativa ou exclusiva, em razão da necessidade de observância
obrigatória do processo legislativo, elas devem ser atribuídas no âmbito estadual pela CE aos Governa-
dores, com exclusividade, e ao Prefeito, com exclusividade, pela Lei Orgânica Municipal.
Em virtude da Súmula 5 do STF, há uma questão muito exigida em prova, relacionada ao vício de
iniciativa. O projeto de lei é de iniciativa privativa do Presidente da República, que não se vale de tal
iniciativa. O Deputado, então, inicia o projeto, que é votado e aprovado. Caso o Presidente sancione o
projeto, tal aquiescência convalida o vício? Em outras palavras, o vício de iniciativa supre a sanção? A
Súmula 5 diz que sim, mas ela encontra-se superada:
Súmula 5 - A SANÇÃO DO PROJETO SUPRE A FALTA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO
(SUPERADA).

227 Em matéria tributária a iniciativa é exclusiva do presidente da República apenas no âmbito dos territó-
rios.
228 Em se tratando de organização do MPU é concorrente ao Procurador Geral da República e do Presidente.
Agora as normas gerais sobre organização do MPU nos estados, DF e territórios é exclusiva do Presidente.
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Segundo o entendimento atual do STF, o vício de iniciativa é insanável e, portanto, não
pode ser suprido pela sanção. Há uma inconstitucionalidade formal (pois relacionada à forma de ela-
boração, o processo) e subjetiva (relacionada ao sujeito competente) no projeto com vício de iniciativa,
que não pode ser sanada.
2.6.4.1.2. Legitimados
Relativamente aos legitimados, há diferença entre os processos legislativos das leis complemen-
tares e ordinárias? Entre a lei complementar e a ordinária, não há nenhuma diferença com
relação à iniciativa. Ela é idêntica.
Observação: as diferenças que há entre a lei ordinária e a complementar são duas:
i) diferença material:
Enquanto a lei complementar trata de matérias reservadas expressamente pela Constituição, as
leis ordinárias tratam de matérias residuais. Matéria residual é toda aquela que não é expressamente
prevista para um determinado ato. Assim, a matéria da lei complementar é expressamente reservada a
ela. Tudo o que sobra depois da análise das matérias reservadas (decreto legislativo, emenda constitu-
cional, lei complementar) pode ser tratada por lei ordinária. Se há reserva de determinada matéria a
um ato legislativo, a lei ordinária não pode dela tratar. A CR diz expressamente “lei complementar”
quando exige disciplina da matéria por essa espécie de ato normativo. Quando diz simplesmente “lei”
ou quando nada diz, a competência será residual.
ii) diferença formal:
A lei ordinária é aprovada por maioria relativa (art. 47 da CR), enquanto a lei complementar é
aprovada por maioria absoluta (art. 69).
Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Co-
missões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.


Veja que o quórum de votação das leis ordinária e complementar é idêntico (maioria absoluta).
A diferença refere-se ao quórum de aprovação (mais da metade dos presentes, no caso da lei ordinária,
e mais da metade dos membros da Casa, no caso da lei complementar).
Quando a CR fala em maioria relativa (ou simples), ela refere-se a mais de 50% dos presentes.
Imagine que no Plenário da Câmara estejam presentes 300 Deputados. Nesse caso, a maioria relativa
será de 151 parlamentares. 151 Deputados aprovam uma lei ordinária. Presentes 400 Deputados, serão
necessários 201 votos. Por isso o nome maioria relativa. Porque ela sempre depende de uma condição
(é sempre um número variável). Ela variará de acordo com o número de presentes.
Já a maioria absoluta corresponde a mais de 50% dos membros da Casa Legislativa (e não dos
presentes). Na Câmara, há 513 Deputados. No Senado, 81 Senadores. A maioria absoluta será sempre
de 257 Deputados ou de 41 Senadores. Trata-se de um número fixo, que não varia (é sempre o mesmo),

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não depende do número de presentes. Nesse caso, basta que mais da metade dos membros vote a favor
do projeto.
2.6.4.1.3. Quadro comparativo
LO / LC (art. 61) EC (art. 60, I a III)
Poder executivo Presidente da República¹ Presidente da República¹

MP (PGR) Presidente da República e X


Procurador-Geral da República
(leis relacionadas ao MP)
Poder Legislativo Membro/Comissão Pelo menos 1/3 dos membros da
CD ou SF.
Poder Legislativo (Estadual) X + de 50% (14 Assemb.) das
Assemb Legis., com proposta
aprovada pela maioria relativa de
seus membros.
Poder Judiciário STF / Tribunais Superiores X
(relacionadas ao judiciário)
‘Popular’ Cidadãos (1% do eleitorado X
nacional + distribuídos em 5
estados sendo no mínimo 3/10 dos
eleitores de cada um desses
estados).²

Obs.: O quadro comparativo a acima envolve as iniciativas legislativas do processo legislativo fe-
deral (que é de observância obrigatória nos estados e municípios):
Veja que o Presidente da República é a única autoridade que poderá propor tanto a emenda à CR
quanto leis complementar e ordinária.
Nenhum órgão do Poder Judiciário tem legitimidade de propor emenda. Nenhum membro ou
tribunal (inclusive o STF) pode propor emenda. A PEC do Peluzzo, na verdade, foi ideia dele, mas pro-
posta por um Senador.
Não há previsão expressa de iniciativa popular para proposta de emenda. Em razão disso, há dois
posicionamentos na doutrina:
1ª corrente: José Afonso da Silva admite a iniciativa popular através de analogia, a partir
de uma interpretação sistemática da CR;
2ª corrente: por se tratar de uma exceção à regra geral do art. 61, a iniciativa no caso de
proposta de emenda deve ser interpretada restritivamente. Trata-se do postulado visto anterior-
mente. Se a proposta de emenda é uma regra excepcional (art. 60, I a III), deve ser interpretada
restritivamente. Para Novelino, é a melhor posição:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-

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se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. (…) [Portanto, pelo menos 14 assem-
bleias legislativas. A maioria é relativa, e não absoluta: mais de 50% dos membros presen-
tes.]

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos,
na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...)
§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto
de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco
Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. [Veja que a inicia-
tiva popular inicia-se sempre na Câmara. Se houver mais de cinco estados com subscri-
ções, o mínimo de 3/10 tem de estar em pelo menos cinco deles.]
2.6.4.2. Fase constitutiva
2.6.4.2.1. Discussão
A fase constitutiva é a de deliberação. Ela inicia-se com a discussão acerca do projeto apresentado.
No caso de projeto de lei, essa discussão só não começa na Câmara quando a proposta for de um Senador
ou de Comissão do Senado, hipóteses em que ela se iniciará no Senado. Portanto, a maioria dos projetos
de lei começa a ser discutida e votada na Câmara, pois na maior parte dos casos ela é a Casa iniciadora.
No caso das emendas à Constituição, serão iniciadas no Senado tanto as PEC´s propostas pelos
Senadores quanto aquelas por mais de 50% das Assembleias Legislativas. Isso porque os Senadores são
representantes dos estados e são os estados que estão apresentando as propostas.
A discussão ocorre nas Casas iniciadora e revisora, podendo ser realizada tanto no Plenário
quanto nas comissões (na Comissão de Constituição e Justiça e nas comissões temáticas, como a Co-
missão de Agricultura ou a Comissão de Ciência e Tecnologia).
2.6.4.2.2. Votação
Após as discussões, o projeto é encaminhado à votação.
Aspecto importante a ser observado é o quórum de votação (é o número mínimo de parlamentares
que devem estar presentes na sessão de votação). Veja que não se trata da análise do quórum de apro-
vação (o número mínimo de parlamentares sem o qual não pode ser realizada uma votação).
Esse quórum é exigido não só no Plenário como nas Comissões. Nenhuma deliberação no
Congresso Nacional ocorre se o quórum mínimo não for atendido. Esse quórum mínimo de
votação está previsto no art. 47 da CR. Trata-se da regra geral, apesar de ser um artigo específico da lei
ordinária:
Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Co-
missões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus mem-
bros[quórum de votação].
A expressão “tomadas por maioria dos votos” é o quórum de aprovação; a expressão “presente a
maioria absoluta de seus membros” é o quórum de votação. Para que haja uma deliberação, é necessário

363

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que esteja presente a maioria absoluta dos membros da Casa. Como visto, no Plenário da Câmara têm
de estar presentes pelo menos 257 membros; no Senado, 41.
Essa regra do artigo 47 vale para todas as deliberações que não tenham expressa previsão em
sentido contrário, e não somente para as leis (ex.: deliberações em CPI).
A “obstrução de pauta” ocorre exatamente por conta desse quórum mínimo. Para tentar adiar
uma votação e ganhar tempo, determinada minoria se retira, para que o quórum mínimo não seja aten-
dido. Ex.: no Plenário da Câmara, há 260 Deputados, sendo 100 da oposição e 160 do governo. O quó-
rum mínimo de 257 foi atendido. A oposição vê que perderá se a votação ocorrer naquele momento.
Mas há a possibilidade de mudança de opinião de determinados parlamentares. Alguns dos Deputados
da oposição retiram-se do Plenário, não é atendido o número mínimo de parlamentares para a votação
do projeto e a votação é deixada para o dia seguinte. Essa prática normalmente ocorre quando há uma
diferença mínima entre os lados, e aqueles que veem que vão perder pretendem ganhar mais tempo
para convencer outros colegas.
A votação pode ocorrer na Comissão (temática, por exemplo) ou só o Plenário pode votar projeto
de lei? A votação em regra ocorre no Plenário. No entanto, a CR admite hipóteses excepcionais em que
o projeto de lei não precisa ser submetido ao Plenário, podendo ser votado exclusivamente na comissão.
Isso normalmente ocorre em assuntos mais técnicos, que não envolvem democracia, maiorias etc.
Há uma intenção de se aumentar o número de projetos votados nas comissões, para agilizar as votações
do Congresso. O rol de matérias tratáveis nas comissões está previsto no regimento interno.
Isso não significa que a Comissão impeça o Plenário de realizar a votação. É possível que seja
apresentado um recurso por parte dos membros da Casa, para que a votação ocorra em Plenário (art.
58, § 2º):
Art. 58 (…) § 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:
I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário,
salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa; (...)
A Comissão, portanto, não apenas discute, mas nos casos previstos no Regimento Interno pode
votar projeto de lei.
Quórum de aprovação Quórum de votação
(número mínimo de
membros que devem
estar presentes)
Lei ordinária Maioria relativa Maioria absoluta
Lei complementar Maioria absoluta Maioria absoluta
Emenda à Constituição 3/5 ou 60% dos membros Maioria absoluta
(requisito mais rígido)
- Obs.: Diferenças (LO/LC): matéria e quórum de aprovação.

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a) Matéria: Lei Ordinária trata de matéria residual enquanto a Lei Complementar trata de ma-
téria reservada pela Constituição.

b) Quórum de aprovação: LO mais da metade dos votos (presentes no momento da votação);


LC número absoluto (mais da metade dos parlamentares; é um número fixo!)

Importante notar que não há hierarquia entre LO e LC. Uma LO é inconstitucional se tratar
de matéria de LC, já se uma LC tratar de matéria de LO ela não será invalidada por uma questão de
economia legislativa, mas será uma lei materialmente ordinária e amanhã essa LC poderá ser revo-
gada por uma LO.229

2.6.4.2.3. Realização de emendas


Como visto, a maioria dos projetos de lei começa a ser discutida e votada na Câmara, pois na
maior parte dos casos ela é a casa iniciadora. Ela pode realizar emendas ao texto original do projeto.
Isso suscita algumas questões, que serão analisadas a seguir.
É possível a existência de emenda em projeto de iniciativa exclusiva? Apresentado um projeto
pelo Presidente, em matéria de iniciativa exclusiva dele, cabe emenda a tal projeto? Sim, pode haver
emenda em projeto de iniciativa exclusiva. No entanto, existem algumas restrições. A ideia da iniciativa
é dar o pontapé inicial. Começar o processo legislativo. Mas as Casas do Congresso não ficam a vincu-
ladas ao projeto original, podendo deliberar sobre os temas ali tratados e alterá-los.
Mas há duas exceções:
i) a emenda deve ser relacionada ao conteúdo do projeto apresentado:
Essa restrição pode parecer estranha, mas já ocorreu de o Presidente apresentar um projeto de
iniciativa privativa dele e os parlamentares colocarem outras matérias não relacionadas àquele projeto
inicial, que seriam de iniciativa privativa do Presidente, para “aproveitar” o projeto e burlar justamente
a iniciativa privativa.
Assim, a emenda deve guardar uma pertinência temática com o projeto de lei em si, sendo que
esse requisito é uma exigência do próprio STF230.

229 STF - RE 377.457: “Contribuição Social sobre o Faturamento (COFINS) (CF, art. 195, I). Revogação pelo
art. 56 da Lei 9.430/1996 da isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da
LC 70/1991. Legitimidade. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar. Questão
exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes: A LC
70/1991 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos con-
cernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721.”.
230 STF - ADI 3.114: “As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a
modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no
exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limi-
tações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo
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A doutrina usa as expressões “contrabando legislativo” ou “caudas da lei” para designar essa prá-
tica, que ocorre quando é inserida uma matéria totalmente desvinculada do restante do texto do projeto.
ii) em alguns casos, não é admitido aumento de despesa.
A CR, em seu art. 63, veda expressamente aumento de despesa em certos projetos de iniciativa
exclusiva. Esse dispositivo não veda que haja emenda em projeto de iniciativa exclusiva, o que ele veda
é aumento de despesa em determinados projetos de iniciativa exclusiva:
Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista:
I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art.
166, § 3º e § 4º; (...)

Art. 166 (…) § 3º - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modi-
fiquem somente podem ser aprovadas caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa,
excluídas as que incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou
III - sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.
§ 4º - As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando
incompatíveis com o plano plurianual.
Quem pode propor emenda? Apenas os parlamentares, ou outras autoridades também podem
fazê-lo? Podem apresentar emendas, sem problema algum, os parlamentares. Além deles, pode propor
a emenda o legitimado que tomou a iniciativa de elaboração da lei. Portanto, no projeto de iniciativa do
Presidente, além dos parlamentares o Presidente pode propor emenda. Há, todavia, uma diferença en-
tre as emendas propostas pelos parlamentares e pelo legitimado. Esse legitimado somente pode propor
emendas aditivas. Os parlamentares, de uma forma geral, podem propor emendas tanto aditivas (acres-
centar algo) como supressivas (que retiram algo do projeto de lei).
O legitimado não pode propor emendas supressivas porque depois que o projeto está no Con-
gresso, ele sai do âmbito de disponibilidade daquele. Ou seja, o legitimado não pode dispor acerca do
projeto apresentado. A partir do momento em que apresentado o projeto, o Congresso é que pode dele
dispor. A emenda aditiva funciona como um novo projeto de lei. O legitimado não está retirando nada.
Da mesma forma que ele poderia propor um novo projeto de lei, ele pode acrescer emendas. Não faria

a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente


da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso
I do art. 63 da CF).”.
366

CadernosMAGIS
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sentido que o Congresso votasse o projeto anterior e, posteriormente, o subsequente. Essa a razão pela
qual é possível a apresentação de emendas aditivas pelo legitimado.
Da Câmara dos Deputados, o projeto segue para o Senado, que é a casa revisora. Da mesma forma
que na Câmara, no Senado também há a possibilidade de os Senadores apresentarem emendas aditivas
ou supressivas.
Apresentada uma emenda na Câmara, ela vota com a emenda e o projeto é aprovado. Se o Senado
realiza uma emenda aditiva ou supressiva, tal emenda não foi analisada pela Câmara. O projeto não
pode ser aprovado dessa forma, pois o Poder Legislativo brasileiro é bicameral (representantes do povo
e representantes dos estados). Em razão disso, realizada uma emenda, o projeto terá de voltar à Câmara,
para que a bicameralidade seja respeitada. Volta à Câmara o projeto todo ou só a emenda? A parte
aprovada pela Câmara não precisa se reanalisada por ela.
Assim, no caso de emenda feita pela casa revisora, não há necessidade de uma nova análise de
todo o projeto pela casa iniciadora. Se a emenda alterar o conteúdo do restante do projeto, a casa inici-
adora poderá analisar o projeto como um todo. Se não tiver influência no restante do projeto, a inicia-
dora analisará somente a emenda.
Pode a casa iniciadora fazer a emenda da emenda (a chamada “subemenda”)? Não. Nem a Câmara
nem o Senado pode realizar a subemenda. Caso contrário, o processo legislativo não terminaria nunca.
A emenda feita na casa revisora volta à iniciadora para aprová-la ou rejeitá-la, do jeito como formulada.
Não cabe modificação da emenda.
Aprovado o projeto, ele segue à fase seguinte.
2.6.4.2.4. Quórum de aprovação
O quórum de votação (nº de congressistas presentes para que seja iniciada a sessão de votação)
será sempre o do art. 47 (maioria absoluta – CD 257 / S 41), seja nas Comissões, seja no Plenário. Não
há disposição constitucional em contrário.
O que varia é o quórum de aprovação, conforme o ato:
i) lei ordinária:
O quórum de aprovação da lei ordinária, como visto, é a maioria relativa (mais de 50% dos pre-
sentes), como determina o art. 47 (que é a regra geral).
ii) lei complementar:
O quórum de aprovação no caso da lei complementar é diferente. Têm de votar favoravelmente
ao projeto mais de 50% dos membros da Casa.
Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.
iii) emenda à constituição:

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O quórum para a aprovação de uma proposta de emenda à constituição é de 3/5 (e não de 2/3!)
231:

Art. 60 (…) § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos res-
pectivos membros.
2.6.4.2.5. Rejeição do projeto / Reapresentação do projeto
Se uma matéria constante do projeto de lei ou de emenda é rejeitada numa sessão legislativa, ela
pode ser apresentada novamente na mesma sessão legislativa? Aqui, há duas regras diferentes:
i) leis complementares e ordinárias:
No caso das leis complementares e ordinárias, admite-se nova apresentação na mesma sessão
legislativa, mesmo que a matéria tenha sido rejeitada. Há, no entanto, um detalhe: rejeitada numa ses-
são legislativa, para que possa ser reapresentado, deve haver a aquiescência da maioria absoluta dos
Deputados ou dos Senadores (art. 67). O Presidente da República, por exemplo, não pode reapresentar
o projeto no mesmo ano.
Art. 67. A matéria constante de projeto de lei [ordinária ou complementar] rejeitado somente
poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maio-
ria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.
ii) emendas à Constituição:
No caso de emendas, não se admite a reapresentação na mesma sessão legislativa. Há
vedação expressa da CR (art. 60, § 5º):
Art. 60 (…) § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada
não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
Cumpre lembrar que a sessão legislativa é a anual, prevista no art. 57:
Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17
de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
(...)
Observação: as Medidas Provisórias serão estudadas a seguir, mas cumpre destacar que a regra
de apresentação da MP é a mesma da emenda: também não se admite reapresentação na
mesma sessão legislativa (art. 62, § 10):
Art. 62 (…) § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha
sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitu-
cional nº 32, de 2001)
Obs.: Segundo o STF, a Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo
entre os dois turnos de votação para fins de aprovação de emendas à Constituição (CF, art. 60, § 2º), de

231
Dica: lembrar que 3/5 correspondem a 60% e o quórum está no art. 60, § 2º.

368

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sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política
de reformar a Lei Maior232.

2.6.4.2.6. Sanção e veto (deliberação executiva)


Discutido, votado e aprovado, o projeto de lei é remetido ao Presidente, para sanção ou veto.
Proposta de emenda não tem sanção ou veto. A única participação do Presidente na
Emenda pode ser a iniciativa. A sanção e o veto somente valem para as leis ordinárias e
complementares.

232 STF – ADI 4.425: “


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A sanção é a aquiescência do chefe do Poder Executivo. Ela pode ser expressa ou tácita. Se o Pre-
sidente nada diz, o silêncio dele significa aquiescência com o projeto de lei. O veto, evidentemente, so-
mente pode ser expresso. Não existe veto tácito.
O prazo que tem o Presidente para se manifestar (sancionar expressamente ou vetar expressa-
mente) é de quinze dias úteis. Se não o fizer, repita-se, estará tacitamente concordando (art. 66, §§
1º e 3º).
Além de expressa ou tácita, a sanção pode ser total ou parcial. O mesmo vale para o veto, que pode
ser total ou apenas parcial.
Importante guardar que o veto parcial, de acordo com o art. 66, § 2º, tem de abranger
texto integral de artigo, parágrafo, alínea ou inciso. Cuidado para não confundir o veto parcial
com a declaração de inconstitucionalidade parcial, que como visto, pode incidir sobre uma palavra ou
expressão:
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da
República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional
[veto jurídico] ou contrário ao interesse público [veto político], vetá-lo-á total ou parcialmente, no
prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito
horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de
alínea.
§ 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.
(…)
O veto por inconstitucionalidade é o chamado veto jurídico. O veto por contrariedade ao interesse
público é o chamado veto político.
O veto é relativo, pois pode ser derrubado (art. 66, § 4º):
Art. 66 (…) § 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu
recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em
escrutínio secreto.
Para que isso ocorra, deve haver uma sessão conjunta, da Câmara e do Senado, que em maioria
absoluta votem pela rejeição do veto. O escrutínio233 atualmente é aberto, não mais secreto
(pós EC 76/13), nesse caso.
Só há votações secretas quando o texto da CR prevê expressament234e, não havendo
tal previsão, em razão do princípio republicano, vale a regra da publicidade, ou seja, a votação deve ser
aberta.

233
Conceito de escrutínio: o procedimento pelo qual o voto se realiza.

234 Todas as disposições constitucionais referentes ao veto, por serem normas de observância obrigatória,
deverão servir de modelo para as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas.
370

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Sessão conjunta não se confunde com sessão unicameral, na sessão a discussão é feita em con-
junto, mas a votação é feita de modo separado.
Assim, a maioria absoluta nesse caso deve ser computada separadamente – maioria absoluta dos
membros da Câmara (257 votos) e maioria absoluta do Senado (41 votos). O prazo previsto é de 30 dias.
Na sessão unicameral não há separação dos votos, havendo, ao todo, 594 parlamentares. Os votos
serão computados conjuntamente e a maioria absoluta exige 298 votos, não importando se de Deputa-
dos ou de Senadores. Só houve um caso de sessão unicameral: art. 3º do ADCT, que foram as propostas
de revisão constitucional ocorridas nos anos de 1993 e 1994.
Finalmente, o marco para a o início do prazo de trinta dias para análise do veto presi-
dencial é contado a partir da protocolização do veto na Presidência do Senado.235:
RCCN (Regimento Comum do Congresso Nacional)
“Art. 104-A. O prazo de que trata o § 4º do art. 66 da Constituição Federal será contado da proto-
colização do veto na Presidência do Senado Federal (dispositivo reordenado em razão do Ato da Mesa do
Congresso Nacional nº 1, de 2015);
§ 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da Re-
pública;
§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia
da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final;
§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República,
nos casos dos §§ 3º e 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo,
caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.”

235 Antes da alteração da redação do Art. 104-A do RCCN, o prazo era contado a partir da sessão convocada
para o conhecimento da matéria, de modo que ficava ao crivo do Presidente do Senado Federal (que preside o
Congresso Nacional) definir quando e qual veto deverá ser reapreciado.Assim, o Congresso Nacional ignorava o
prazo previsto no Art. 66, valendo-se de um artifício, por óbvio inconstitucional.
371

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2.6.4.3. Fase complementar


A fase complementar é a última fase do processo legislativo. É composta por duas etapas, a pro-
mulgação e a publicação.
2.6.4.3.1. Promulgação
A promulgação não é um ato visível por si só, na medida em que ocorre junto com a sanção. Em
razão disso, é necessário defini-la: trata-se do ato através do qual o chefe do Poder Executivo atesta a
existência da lei e lhe confere executoriedade.
Se o Presidente da República não quiser promulgar a lei (ele tem 48 horas para tanto), quem deve
fazê-lo é o Presidente do Senado (também em 48 horas). Se não o Presidente do Senado (não quiser ou
não puder), o encargo passa para o Vice-Presidente do Senado (art. 66, § 7º, da CR):
Art. 66 (…) § 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da

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República, nos casos dos § 3º [sanção tácita] e § 5º [veto], o Presidente do Senado a promulgará, e,
se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo. [Veja que, no caso da
sanção expressa, a promulgação é imediata. Daí a menção aos §§ 3º e 5º.]
Vale observar que esse prazo de 48h não é peremptório. Pode ocorrer, por exemplo, de passadas
72 horas, o Presidente da República, ainda que tardiamente, promulgar a lei. O escoamento do prazo,
hipótese na qual se poderia imaginar que a legitimidade para a promulgação passaria para o Presidente
do Senado, não “deslegitima” o Presidente da República a fazê-lo.
2.6.4.3.2. Publicação
Depois da promulgação ocorre a publicação. Trata-se do ato que confere obrigatoriedade à lei.
Entre a publicação e a entrada em vigor da lei236, pode haver o período de vacatio legis. Trata-se
de um período necessário a que as pessoas tomem conhecimento da lei, exigível no mais das vezes nos
casos em que a norma é bastante complexa. A lei fica repousando até que as pessoas a estudem e passem
a conhecer seu conteúdo.
Em resumo:

236
Trata-se da vigência, cujo conceito, segundo Novelino, é “inserção da norma no mundo jurídico”.

373

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2.6.5. Das medidas provisórias

2.6.5.1. Características

A MP foi criada pela CR/88 em substituição ao antigo Decreto-lei, que serviu de inspiração àquela,
uma inovação da nossa Constituição.
A MP possui efeitos que a distinguem das demais leis:
i) produz efeitos imediatos, possuindo eficácia desde sua edição:
Por conta dessa produção imediata de efeitos, a MP inova a ordem jurídica assim que é criada. Ou
seja, a partir do momento da sua edição, como ela já possui eficácia, já modifica o ordenamento jurídico.
Trata-se de uma peculiaridade da MP, pois é uma hipótese em que o Executivo legisla.
ii) provoca o Congresso Nacional a se manifestar, ou seja, a promover o adequado procedimento
de conversão em lei.
No antigo Decreto-lei não havia a produção imediata de efeitos, a qual dependia de aprovação
pelo Congresso Nacional. Ou seja, depois de aprovado no Congresso é que o Decreto-lei passava a pro-
duzir efeitos. Por esta característica, aparentemente o Decreto-Lei seria uma medida mais adequada, já
que não cabe ao Poder Executivo legislar (essa é uma função excepcional desse poder, típica do Poder
Legislativo).
No entanto, há uma segunda diferença, que acabou modificando completamente essa finalidade
do Decreto-Lei: a MP não é aprovada de forma automática. Ela somente é aprovada se o Congresso
Nacional expressamente o fizer. Não existe aprovação tácita de MP. Se o Congresso não se manifesta
dentro do prazo fixado pela CR, a MP é rejeitada. Portanto, a MP pode ser rejeitada expressa ou tacita-
mente. Trata-se de uma medida salutar, uma vez que o Congresso dificilmente consegue cumprir os
prazos das MP’s.
Já o Decreto-lei, embora dependesse de aprovação, tal aprovação poderia se dar de forma tácita,
de modo que muitos eram aprovados sem passar pela necessária discussão no Congresso Nacional.
2.6.5.2. Prazo constitucional de vigência

A Medida Provisória sofreu profunda alteração em seu regramento após a EC 32/2001. Antes de
2001, a CR não dizia praticamente nada acerca dela (requisitos, procedimento etc.) Diante dos abusos
praticados pelos Presidentes, foram estabelecidas limitações importantes às MP’s, inclusive quanto ao
conteúdo. Uma das mais importantes alterações diz respeito ao prazo.
Antes da EC 32/2001, a MP durava apenas 30 dias, mas, segundo a jurisprudência do STF, não
havia qualquer limite quanto ao número de reedições. O estudo desse regramento constitucional é im-
portante, pois as MP’s editadas anteriormente à EC 32/2001 ainda se submetem a ele. Ou seja, há me-
didas provisórias reeditadas que até hoje não foram analisadas pelo Congresso.

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Com a EC 32/2001, o prazo passou a ser de 60 dias, prorrogável por uma única vez por mais 60
dias, se no prazo inicial ela não for convertida em lei. Admite-se atualmente, portanto, uma prorroga-
ção. Esta prorrogação é automática, independendo de qualquer manifestação do Presidente:
Art. 60 (...) § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia,
desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do §
7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as re-
lações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Com o regramento atual, prorrogação não é considerada sinônima de reedição. A prorrogação
está prevista no art. 62, § 7º, enquanto a reedição está prevista no art. 62, § 10:
Art. 62 (…) § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória
que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas
Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
(…)
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido re-
jeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
32, de 2001)
A reedição não tem vedação (limite) quanto ao número de vezes em que pode ser realizada. Ela
somente não pode ocorrer na mesma sessão legislativa anual (art. 57), mas na seguinte (ou seja, a partir
de 2 de fevereiro do ano seguinte). Se pudesse ser reeditada, a MP teria o mesmo efeito anterior, de
permitir que o Presidente ficasse legislando indefinidamente.
Com o regramento atual, o prazo previsto no art. 62, § 3º, que em princípio poderia chegar a até
120 dias, não é computado durante o período de recesso, ficando suspenso (art. 62, § 4º). Veja que a
MP, portanto, pode ter duração de mais de 120 dias, se editada pouco antes do período de recesso:
Art. 62 (…) § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória,
suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Consti-
tucional nº 32, de 2001)
2.6.5.3. Perda da eficácia da MP
O Presidente da República não pode retirar da apreciação do Congresso Nacional uma medida
provisória editada e já em vigor, afinal ele não mais tem ingerência sobre ela após a edição.

Assim, tão logo a MP seja editada pelo Presidente, ela é submetida, imediatamente, à apreciação
do Congresso Nacional, privando o chefe do Executivo de qualquer disposição sobre a espécie norma-
tiva.

Dessa forma, em regra, a Medida Provisória ao sair do executo pode a eficácia desde a sua edição,
caso não sejam convertidas em lei. Essa regra comporta duas exceções:

i. Caso o Senado deixe de editar o decreto legislativo que discipline as relações jurídicas e atos
dela decorrentes, no período em que a MP vigorou.
Nesse sentido, se referido decreto legislativo não for editado, prevê a Constituição (are. 62, § 11 ,
CF/88) que essas relações jurídicas (constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência

375

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da medida provisória) conservar-se-ão pela MP regidas. Ou seja, a MP rejeitada (expressa ou tacita-
mente) vai adquirir ultraeficácia e passará a reger, definitivamente, as relações jurídicas formadas e
decorrentes de aros praticados durante o tempo em que ela vigorou.
ii. Seja feita alguma alteração em seu texto original em projeto de lei de conversão, nos termos
dos parágrafos do art. 62:

CRFB/88, “Art. 62, § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 [não edição
do DL] e 12 [alteração do texto original] perderão eficácia, desde a edição, se não forem conver-
tidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, de-
vendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorren-
tes.
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição
ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de
atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas;
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória,
esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.”
2.6.5.4. Regime de urgência (também introduzido pela EC 32/2001)
O regime de urgência das Medidas Provisórias está previsto no art. 62, § 6º:
Art. 62 (…) § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias
contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas
do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
32, de 2001)
A CR estabelece um prazo de 45 dias para que a MP seja apreciada no Congresso Nacional. Uma
vez que editada pelo Presidente da República, ela inicia-se sempre na Câmara dos Deputados (que ge-
ralmente é a Casa iniciadora), do mesmo modo que os projetos de iniciativa privativa do Presidente.
Esses 45 dias são contados de uma só vez (no total, considerando ambas as Casas, e não em cada
uma delas). Se demorar mais que 45 dias na Câmara, a MP já chega ao Senado trancando a pauta. Após
este período, ela entra em regime de urgência e irá sobrestar todas as demais deliberações legislativas
da Casa em que estiver tramitando. Este aspecto vem sendo muito criticado pelos parlamentares, na
medida em que praticamente toda a agenda do Congresso Nacional vem sendo pautada pelo Executivo
(além das MP’s, muitos projetos de lei vêm do Presidente).
Michel Temer quando era Presidente da Câmara, encontrou uma interpretação para que algumas
deliberações não ficassem suspensas. A saída foi a seguinte237: MP somente pode tratar de matéria de
lei ordinária (ou seja, as residuais), a qual é votada nas sessões ordinárias do Congresso. Então, a MP
somente trancaria a pauta em relação à lei ordinária, mas nada impediria que o Congresso votasse Lei

237
Foi uma “brecha” encontrada, uma “forçação de barra” que acabou “colando” no STF.

376

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Complementar, PEC, Decreto Legislativo etc., os quais poderiam ser votados nas sessões extraordiná-
rias.
Esse entendimento adotado por Michel Temer foi questionado pela oposição no STF, que impe-
trou o MS 27.931/DF. O Min. Celso de Mello à apreciou apenas o pedido de liminar, que restou negado.
Ou seja, apesar do MS impetrado, esse entendimento continua valendo no Congresso (vem sendo utili-
zado). Tecnicamente analisada, essa interpretação de Michel Temer, que se justifica por outros princí-
pios constitucionais (democrático, separação dos poderes), é uma exceção à norma do art. 62, § 6º, que
é bastante clara no sentido do sobrestamento das demais deliberações legislativas.
Atualmente o mérito do MS foi votado e o Supremo conferiu uma interpretação ainda mais res-
trita, em “interpretação conforme” o STF entendeu que as deliberações suspensas seriam apenas aque-
las relativas à matérias que podem ser objeto de LO, e mais, mesmo no caso de LO se a MP não puder
tratar (ex. Processo, direito penal), até mesmo a LO poderia ser votada.238
2.6.5.5. Limitações materiais impostas pela Constituição às Medi-
das Provisórias
Neste tópico, serão estudados os conteúdos vedados pela Constituição às Medidas provisórias.
Antes da EC 32/2001, não havia qualquer limitação material. Havia grande divergência na doutrina
acerca de determinadas situações, como Leis Complementares, normas penais (benéficas ou incrimi-
nadoras etc.) Com a EC 32, tais divergências não foram completamente superadas, mas a questão está
muito mais clara.
As limitações encontram-se estabelecidas no Art. 62, § 1º, II e IV:
Art. 62 (…) § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus mem-
bros;

238 STF – “MS 27.931/DF: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Celso de Mello (Rela-
tor), indeferiu o mandado de segurança e deu, ao § 6º do art. 62 da Constituição, na redação resultante da EC
32/2001, interpretação conforme à Constituição, para, sem redução de texto, restringir-lhe a exegese em ordem a
que, afastada qualquer outra possibilidade interpretativa, seja fixado entendimento de que o regime de urgência
previsto em tal dispositivo constitucional – que impõe o sobrestamento das deliberações legislativas das Casas do
Congresso Nacional – refere-se, tão somente, àquelas matérias que se mostram passíveis de regramento por me-
dida provisória, excluídos, em consequência, do bloqueio imposto pelo mencionado § 6º do art. 62 da Lei Funda-
mental, as propostas de emenda à Constituição e os projetos de lei complementar, de decreto legislativo, de reso-
lução e, até mesmo, tratando-se de projetos de lei ordinária, aqueles que veiculem temas pré-excluídos do âmbito
de incidência das medidas provisórias (CF, art. 62, § 1º, I, II e IV).”

377

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d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares,
ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II - que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo finan-
ceiro; [homenagem ao ex-Presidente Collor]
III - reservada a lei complementar;
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou
veto do Presidente da República.
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos
nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido
convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. [Editada MP em 2011, ela somente
produzirá efeitos em 2012 se convertida em lei em 2011]
2.6.5.5.1. Direitos fundamentais
Direitos fundamentais, de acordo com o Título II da CR, são gênero, do qual os direitos individu-
ais, coletivos, sociais, políticos e de nacionalidade são espécies. MP pode regulamentar direitos funda-
mentais? A CR veda expressamente que MP trate de certos direitos fundamentais, não de todos. Os
expressamente vedados são: i) direitos de nacionalidade; e ii) direitos políticos.
Isso significa que, em princípio, podem ser regulamentados por MP os direitos individuais, cole-
tivos e os direitos sociais. Evidentemente, em se tratando de regulamentação de direito individual
acerca de matéria penal, processual penal etc., não poderá a MP tratar por outra vedação expressa.
Relativamente aos direitos sociais, que geralmente são prestacionais, exigindo uma atuação posi-
tiva do Estado, não haverá vedação à MP. E, a rigor, ela será até bem-vinda.
Portanto, a MP pode regulamentar direitos fundamentais, com exceção de alguns deles.
2.6.5.5.2. Normas relativas a direito penal, processo penal e processo civil
A grande maioria da doutrina entende que a MP não pode tratar de normas penais em hipótese
alguma (seja benéfica, seja incriminadora). A Novelino parece o melhor entendimento.
Há uma decisão do STF, que pode suscitar alguma dúvida, porque publicada em 2002 (após a
vedação introduzida), mas cujo julgamento, na verdade, ocorreu em 2000, quando não existia ainda a
limitação material expressa (RE 254.818, julgado em novembro de 2000).
Esse RE admite Medida Provisória em matéria penal benéfica, e não em normas penais incrimi-
nadoras. Após a EC 32/2001, esse entendimento pode ser mantido? Luiz Flávio Gomes notou, em uma
decisão do STF, posicionamento interessante: a dilação do prazo para o registro de armas de fogo, rea-
lizada por via de MP, seria matéria penal, por impedir que houvesse crime naquela hipótese. O autor
entendeu que, na medida em que se manteve silente quanto à impossibilidade de tratamento, o STF
teria implicitamente aceitado o tratamento de matéria penal benéfica via MP. Novelino considera peri-
goso esse posicionamento.
2.6.5.5.3. Organização do MP e da Magistratura, carreira e garantias de seus membros
O viés dessa vedação é evitar que através de MP possa se criar vantagens e manter a independên-
cia dos órgãos. A limitação muito exigida em provas.
2.6.5.5.4. Matéria reservada a Lei Complementar
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Com a EC 32/2001, ficou expressamente vedada a adoção de MP para tratar de matéria reservada
a lei complementar, encerrando o debate que havia.
Cumpre destacar, entretanto, que a MP não pode tratar de nenhuma matéria reservada a deter-
minado ato, e não somente às leis complementares. Se um determinado tema está reservado a determi-
nado ato (ex.: Resolução, Decreto Legislativo, Emenda), a MP não pode tratar. A MP somente pode
tratar de matérias residuais, apesar de a CR referir-se expressamente apenas à lei complementar.
Quando uma matéria é reservada à lei complementar, ela não pode ser tratada por nenhum outro
ato normativo. Esse entendimento vale para todas as matérias reservadas. Se a CR determina que o
assunto deve ser tratado por um tipo de ato, qualquer ato que trate dele, que não o previsto, a está
violando.
2.6.5.5.5. Matéria orçamentária
A CR veda o tratamento de matérias orçamentárias por meio de MP. Há, contudo, uma exceção a
essa regra, prevista no art. 167, § 3º, que trata da abertura de crédito extraordinário:
Art. 167 (…) § 3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a
despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pú-
blica, observado o disposto no art. 62.
Na ADI 4048 (Medida Cautelar), foi analisada a constitucionalidade de MP que, tratando de ma-
téria orçamentária, abriu crédito extraordinário. O STF decidiu que não estava presente nenhuma situ-
ação urgente e imprevisível que justificasse a abertura do crédito. Na medida cautelar, a MP foi consi-
derada inconstitucional, tendo depois perdido o objeto. Nesse mesmo julgado, o STF modificou seu
entendimento segundo o qual lei de efeitos concretos não poderia ser objeto de controle de constituci-
onalidade via ADI.
Note que a CR, no § 3º, concretiza a densidade normativa do dispositivo, dizendo quais os casos
em que se considera a imprevisibilidade e a urgência. Esta hipótese é diversa dos requisitos constituci-
onais para a edição da MP (urgência e relevância), em que o constituinte não especifica as situações em
que eles estariam presentes.
2.6.5.5.6. Aumento e criação de impostos
O art. 62, § 2º, que prevê esta vedação de aumento e criação de impostos por meio de MP, é um
pouco confuso, mas o tema não é difícil. Basta imaginar que a MP, no caso de criação ou aumento de
impostos, equipara-se a um projeto de lei.
Hugo de Brito Machado faz essa observação: a MP não produzirá qualquer efeito quando editada.
O que contará para fins de aplicação do princípio da anterioridade não é a data
da edição da MP, mas a da conversão dela em lei. Ex.: excluindo-se as exceções, editada MP
em 2011, o imposto somente poderá ser cobrado a partir da conversão da MP em lei. O que contará é a
data da conversão em lei. Se a MP for convertida em 2012, o imposto somente poderá ser cobrado em
2013.

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Há determinados impostos que não se sujeitam ao princípio da anterioridade, alguns por motivos
extrafiscais (imposto de importação, imposto de exportação, IPI e IOF), e outros por motivos extraor-
dinários (impostos extraordinários previstos no art. 154):
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-
cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não
em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua
criação.
Nesses casos, a MP pode tratar imediatamente do aumento de impostos, seja por conta da natu-
reza do tributo, seja pela situação concreta excepcional. Cumpre observar, entretanto, que o IPI se su-
jeita ao princípio da anterioridade nonagesimal (art. 150, § 1º).
Em resumo:

Procedimento da Medida Provisória:

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2.6.5.6. Controle de constitucionalidade das Medidas Provisórias


Considerando que a MP é efêmera (tem prazo de duração), ela pode ser objeto de controle con-
centrado abstrato, ou somente concreto? A MP pode ser objeto de qualquer tipo de controle,
tanto abstrato (ex.: caso da ADI 4048) quanto concreto.
Quanto ao aspecto formal, a MP tem dois pressupostos constitucionais, que são a relevância e a
urgência. O Presidente da República, presentes esses requisitos, poderá editar a MP. A quem cabe apre-
ciá-los? A relevância e a urgência podem ser apreciadas somente pelo Congresso Nacional e o Presi-
dente, por serem pressupostos políticos, ou o STF pode verificar se determinada matéria é relevante ou
urgente?
O posicionamento do STF é o seguinte: os pressupostos constitucionais, em princípio, devem ser
analisados no âmbito político, pelo Presidente e pelo Congresso. No entanto, quando a inconstituciona-
lidade for flagrante e objetiva (constatada de plano, sobre a qual não há controvérsias), poderá haver
análise pelo Judiciário.
A relevância e urgência são aspectos subjetivos, a serem analisados no caso concreto. Se houver
dúvida quanto à urgência, não pode o Poder Judiciário analisar o requisito. Contudo, caso a ausência

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de urgência for manifesta, cabe ao STF analisá-la. O único caso em que isso restou decidido foi no da
criação por MP de uma espécie de ação rescisória239.
Relativamente ao aspecto material, a MP tem limitações específicas (vistas acima), que devem ser
observadas, sob pena de inconstitucionalidade, e limitações de conteúdo da Constituição, que todo ato
infraconstitucional deve observar.
Com relação ao aspecto material, portanto, o STF não tem qualquer impedimento para declarar
uma MP inconstitucional, seja por violação ao conteúdo da CR, seja por violar limitação específica.
Como visto, a finalidade do controle abstrato é assegurar a supremacia da Constituição. Assim,
caso a MP seja alterada ou rejeitada, não mais se justifica a manutenção da ação, devendo ela ser extinta.
Agora, se a MP for convertida em lei antes do julgamento da ADI (que é o que ocorre normal-
mente), mas o conteúdo dela for mantido, não ocorrerá convalidação. Permanecerá o vício de origem (a
conversão não é capaz de sanar os vícios da MP). Segundo o STF, no caso de conversão da MP em lei
sem alteração do ponto questionado, sequer é necessário o ajuizamento de nova ADI, bastando o adita-
mento da inicial.
Se a MP foi convertida em lei, mas o dispositivo que está sendo questionado for rejeitado ou até
mesmo toda a MP seja rejeitada, a solução será outra. Como se trata de controle abstrato, a ADI é extinta
sem julgamento do mérito, por perda do objeto. Isso porque não há mais ameaça à supremacia da Cons-
tituição.
Durante o período em que a MP esteve vigente, se não houve disciplina das relações via Decreto
Legislativo, eventual direito subjetivo violado será tutelado na via concreta, e não mais na abstrata.
2.6.5.7. Previsão de edição de MP por Governadores (via Constitui-
ção Estadual) e Prefeitos (via Lei Orgânica Municipal)

A possibilidade de edição de Medida Provisória pode ser estabelecida pela Constituição Estadual?
A CR, em seu art. 62, caput, não faz qualquer referência a Governador ou Prefeito, somente ao Presi-
dente da República.
Contudo, como estudado, o processo legislativo de que trata a CR é sempre nacional. Por essa
razão, a CR não falaria em Governadores e Prefeitos. Além disso, o processo legislativo federal é norma
de observância obrigatória, aplicando-se a ele o chamado princípio da simetria.
Assim, há a possibilidade de previsão de MP para Governadores, na Constituição Estadual, e para
Prefeitos, na Lei Orgânica Municipal. Cumpre destacar, todavia, que não há tal obrigatoriedade. O STF
já pacificou esta questão, na ADI 2391.

239 STF - ADI 1.753 MC/DF: “1. Medida provisória: excepcionalidade da censura jurisdicional da
ausência dos pressupostos de relevância e urgência à sua edição: raia, no entanto, pela irrisão a afir-
mação de urgência para as alterações questionadas à disciplina legal da ação rescisória...”.
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Há quatro estados da Federação cujas constituições permitem a edição de MP pelo Governador:
SC, TO, PI e AC. Veja que o estado não é obrigado a permitir a edição de MP, mas a partir do momento
em que o faz, deve reproduzir as regras e princípios básicos relacionados à MP previstos na CR.
A decisão do STF que permitiu a edição de Medidas Provisórias pelos governadores valeu-se de
dois fundamentos: i) princípio da simetria; e ii) art. 25, § 2º, da CR:
Art. 25 (…) § 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços
locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regu-
lamentação.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 5, de 1995)
Segundo a Min. Relatora Ellen Grace, se o constituinte vedou a edição de MP na hipótese do art.
25, § 2º, é porque ele admite a possibilidade nos demais casos. É um argumento a contrario sensu. Se
o constituinte não admitisse MP em nenhuma hipótese, ele não teria feito exceção para um caso espe-
cífico.
Relativamente aos Prefeitos, não há consenso na doutrina e não há decisão do STF a esse respeito.
Para Novelino, em razão do princípio da simetria, é possível que no âmbito do município
a lei orgânica municipal estabeleça a possibilidade de edição de MP para o prefeito.
A questão mais polêmica refere-se à possibilidade de que uma lei orgânica de determinado muni-
cípio preveja MP a prefeito sem que a Constituição Estadual contenha idêntica previsão para o Gover-
nador. Para Novelino, a lei orgânica municipal tem de ser simétrica tanto à Constituição
do estado que integra quanto em relação à CR. Isso porque o art. 29 da CR é claro ao dizer que
a simetria tem de ser dupla:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo
de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos
os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes pre-
ceitos: (...)
Assim, como a simetria tem de ser dupla, para Novelino, não havendo previsão de MP na CE, a lei
orgânica municipal também não poderia prevê-la. Não é, cumpre destacar, um entendimento pacífico.
O tema não é muito discutido nos manuais. O STF não tem posição a respeito face a ausência de decisões
sobre o tema.
2.6.6. Leis Delegadas (art. 68)
Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a
delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os
de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei
complementar, nem a legislação sobre [não há essa vedação expressa na MP, mas atos privati-
vos são indelegáveis]:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus mem-
bros [exatamente igual à MP];
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; [há uma diferença
quanto à MP, talvez a mais importante, que é a vedação expressa para que a lei delegada
disponha acerca dos direitos individuais]
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III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. [a diferença em relação à MP
é que, lá há a ressalva do art. 167, quanto à abertura de créditos extraordinários, não re-
petida aqui]
§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional,
que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em
votação única, vedada qualquer emenda [trata-se da hipótese da delegação atípica].
As leis delegadas também estão previstas dentre os atos que são objetos do processo legislativo
(art. 59). Portanto, são atos normativos primários, na medida em que retiram seu fundamento de vali-
dade diretamente da Constituição.
A Lei Delegada é uma lei feita pelo Presidente da República, através de uma delegação chamada
externa corporis: o Congresso Nacional delega essa atribuição a um órgão externo, e não a um órgão
próprio do Congresso.
Como se trata de previsão expressa no texto constitucional, a lei delegada é considerada uma ex-
ceção ao princípio das indelegabilidade das atribuições. A regra geral é de que as atribuições de um
órgão não podem ser delegadas, salvo previsão expressa.
A lei delegada tem mais de 40 anos, e até hoje somente foram feitas apenas treze, nenhuma delas
depois da CR/88. Ela é muito pouco utilizada por conta da existência da Medida Provisória, que muito
mais ágil e produz efeitos imediatos. As limitações materiais entre ambas as figuras praticamente são
as mesmas.
O único que pode iniciar o processo de elaboração de lei delegada, solicitando ao Congresso a
delegação da atribuição, é o Presidente da República. O Congresso, se entender que deve fazê-lo elabora
uma Resolução, na qual determina os limites da delegação (ou seja, diz o que está delegando), podendo
inclusive fixar prazos.
A delegação nunca pode passar de uma legislatura para a outra. Concedida a delegação em uma
legislatura (4 anos), o Presidente não pode elaborar a lei na outra.
A delegação do Congresso pode ser de dois tipos:
i) típica:
Quando é dada uma delegação típica, todo o restante se esgota no Poder Executivo (promulgação,
publicação etc.) O Presidente elabora a lei sem a necessidade de retorno do projeto ao Congresso Naci-
onal.
ii) atípica:
Na delegação atípica, o Congresso determina o retorno do projeto ao Legislativo, para apreciação.
Mesmo quando dá a delegação atípica, o Congresso não pode fazer nenhuma emenda, podendo somente
rejeitá-la em sua integralidade.
Como não pode modificar o texto do projeto, no caso da lei delegada por delegação atípica não é
necessária sanção.

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Imagine uma delegação (típica ou atípica) para tratar de matéria X. O Presidente elabora a lei
delegada, mas ultrapassa os limites da delegação, que não estavam nos limites da delegação. Nessa hi-
pótese, a lei delegada já está valendo. O Congresso suspende apenas a parte da lei delegada que ultra-
passou os limites da delegação. Trata-se, portanto, de um controle repressivo feito pelo Congresso.
O ato normativo através do qual o Congresso pode sustar a parte do ato que exorbita os limites da
delegação é o Decreto Legislativo. Essa sustação tem efeitos ex nunc. Ou seja, vale a partir da edição do
decreto legislativo, não tendo efeitos retroativos (art. 49, V):
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (…)
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos
limites de delegação legislativa;
As limitações materiais previstas à lei delegada no art. 68, § 1º, são muito próximas das limitações
das MP’s:
Art. 68 (...) § 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso
Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reser-
vada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus mem-
bros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

3. Poder Executivo
3.1. Considerações iniciais
3.1.1. Conceito de poder
Poder possui vários significados na CR. Poder quer dizer capacidade, aptidão, possibilidade de
impor vontades sobre vontades de terceiros. Existem vários espécies de poder: físico, econômico, polí-
tico etc.
Qual é o poder que exerce o Estado? Segundo Weber, o Estado exerce o poder político, que é a
possibilidade da imposição da violência legítima.
Na CR, o primeiro significado de poder quer dizer soberania popular (art. 1º, II).
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-
pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
O segundo conceito é poder no sentido de órgão, como se verifica de seu art. 2º. A soberania po-
pular se manifesta através dos órgãos Executivo, Legislativo e Judiciário.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
Assim, não é correto falar em tripartição de poderes, visto que o poder é uno, indivisível. Ele ape-
nas se manifesta através dos três órgãos mencionados.

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A terceira acepção de poder é no sentido de função (arts. 44, 76 e 92). O poder pode se dar através
da função legislativa, função executiva e função jurisdicional. Os órgãos assumem variadas funções:
Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal.
Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.

Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de
Estado.

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:


I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A - o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

3.1.2. Forma de estado, forma de governo e sistema (ou regime) de go-


verno
Quando se analisa a divisão orgânica do Estado, é preciso ter em conta três prismas: i) forma de
Estado; ii) forma de Governo e; iii) sistema ou regime de Governo.
3.1.2.1. Forma de estado

A forma de Estado no Brasil é a Federativa. Quando se fala em forma de Estado é preciso respon-
der à seguinte pergunta: dentro de um determinado território, há quantos centros que manifestam po-
der? Quantas pessoas jurídicas com capacidade política existem? Quantas entidades com Legislativo
próprio existem?
O Brasil é um estado composto, do tipo Federação. Há vários centros que manifestam poder: Con-
gresso Nacional, Câmaras Legislativas etc. No estado unitário há apenas um centro que exerce poder.
Sobre pessoas e coisas incide apenas uma espécie de lei. Na Federação, sobre pessoas e coisas incide
mais de uma espécie de lei. Ex.: o contribuinte deve pagar várias espécies de impostos.
3.1.2.2. Forma de governo
O estudo da forma de governo é importante ao tratamento da responsabilidade Chefe do Poder
Executivo.
Aqui, deve-se responder à seguinte indagação: de que maneira o poder é exercido dentro de um
território? Aristóteles, em 340 a.C., disse que o poder era exercido das seguintes maneiras: monarquia
que era o governo de uma só pessoa; aristocracia é o governo de mais de uma pessoa, porém de poucas;
e república, que é o governo de muitos. Ele também afirmou que a monarquia viciada transforma-se em

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tirania; a aristocracia viciada é uma oligarquia; e a república, uma vez viciada, transforma-se em dema-
gogia.
Em 1.213, Maquiavel afirmou que os estados eram principados (monarquias) ou eram repúblicas.
Na república, todos são responsáveis, em razão de suas características.
Na monarquia, o poder é exercido de maneira hereditária, irresponsável e vitalícia. Já na repú-
blica, o poder é exercido de maneira eletiva, temporária e responsável (aquele que exerce parcela da
soberania possui responsabilidade por seus atos, daí os crimes de responsabilidade).
3.1.2.3. Sistema ou regime de governo
No mundo todo existem vários sistemas ou regimes de governo. Este estudo se focará em apenas
dois: presidencialismo e parlamentarismo. Aqui, deve-se responder ao seguinte questionamento: de
que maneira se relacionam o Legislativo e o Executivo?
No presidencialismo, uma única autoridade exerce a função executiva. Por isso é chamado de exe-
cutivo monocrático. Apenas uma autoridade desempenha a função de Chefe de Estado e Chefe de Go-
verno. O parlamentarismo é chamado de executivo dual, ou seja, duas ou mais autoridades exercem a
função executiva. Há, portanto, um Chefe de Estado e um Chefe de Governo.
No presidencialismo, existe independência entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Signi-
fica dizer que o Poder Legislativo não pode diminuir o mandato daquele que exerce a função executiva,
e isso se dá em razão de o poder ser instituído pelo constituinte. Já no parlamentarismo, existe uma
dependência do Poder Executivo em relação ao Poder Legislativo, que é chamado de “Parlamento”. Essa
dependência permite que o Legislativo diminua, encerre ou termine com o mandato daquele que exerce
a função executiva.
São espécies de parlamentarismo:
i) parlamentarismo monárquico constitucional:
No parlamentarismo monárquico constitucional, o rei é Chefe de Estado e o Chefe de Governo.
ii) parlamentarismo dual:
No parlamentarismo dual, o Presidente exerce a função de Chefe de Estado e o Primeiro Ministro
a de Chefe de Governo. No Brasil, já existiu parlamentarismo do tipo republicano (setembro de 1961 a
janeiro de 1963).
O Brasil adota o sistema presidencialista, ou seja, há uma única autoridade exercendo a função de
Chefe de Estado e Chefe de Governo, que é o Presidente da República. Logicamente, ele é auxiliado
pelos Ministros de Estado.
3.2. Das funções desempenhadas pelo Presidente da República
As funções desempenhadas pelo Presidente da República estão determinadas no art. 84 da CR:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
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IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para
sua fiel execução;
V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei;
VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de des-
pesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela Emenda Constitucional
nº 32, de 2001)
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Na-
cional;
IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio;
X - decretar e executar a intervenção federal;
XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da
sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em
lei;
XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são pri-
vativos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)
XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e
dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente
e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;
XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União;
XVI - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da
União;
XVII - nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;
XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;
XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou
referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, de-
cretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;
XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;
XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas;
XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo
território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamen-
tárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;
XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da
sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;
XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;
XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;
XXVII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos inci-
sos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao

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Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.
Esse artigo é um rol meramente exemplificativo. Algumas das funções podem ser delegadas, não
obstante o princípio da indelegabilidade. Isto é, o Presidente somente poderá delegar quando houver
previsão expressa na CR.
No exercício da função de Chefe de Estado, o Presidente vela e defende a unidade nacional (pacto
federativo). O Presidente se manifesta pela unidade nacional. O inciso VIII, do art. 84 diz que cabe ao
Presidente celebrar tratados e, quando assim procede, fala em nome do Estado Nacional.
No exercício da função de Chefe de Governo, o Presidente exerce a direção superior da adminis-
tração federal. Ex.: nomeia e destitui Ministros de Estado.
3.3. Requisitos para ser Presidente da República
São requisitos para ser Presidente da República (os mesmos requisitos aplicam-se ao Vice-Presi-
dente, pois a eleição é conjunta):
i) ser brasileiro nato (art. 12, § 3º):
Art. 12 (...) § 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
O requisito existe por motivo de segurança nacional.
ii) idade mínima de 35 anos:
O art. 14, § 3º traz as chamadas condições de elegibilidade, que são pressupostos que devem ser
preenchidos para que o cidadão possa exercer a capacidade política passiva. A idade é uma condição de
elegibilidade etária: aos 35 anos, o cidadão atinge a capacidade política absoluta, podendo exercer qual-
quer cargo político.
Art. 14 (...) § 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:
VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito
e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.
iii) filiação partidária:
No Brasil, não existem candidaturas avulsas, ao contrário do que ocorre nos EUA e em Portugal.
iv) plenitude do exercício dos direitos políticos:
O Presidente não pode incorrer em causa de inelegibilidade (art. 14, § 6º: são causas de impedi-
mento para o exercício da capacidade política passiva) nem em causas de suspensão e perda dos direitos
políticos (art. 15):
Art. 14 (...) § 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores
de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses
antes do pleito.

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

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I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º,
VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

3.4. Posse
O Presidente e o Vice tomam posse em sessão conjunta do Congresso Nacional. O Congresso Na-
cional é uma casa independente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
A posse do Presidente ocorre em 1º de janeiro do ano seguinte às eleições. Há um juramento po-
lítico, previsto no art. 78 da CR:
Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso
Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, pro-
mover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
Parágrafo único. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ou o Vice-Pre-
sidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago.
Veja que não se trata de compromisso meramente formal: havendo violação desse compromisso,
pode estar caracterizado crime de responsabilidade (art. 85 da CR):
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de pro-
cesso e julgamento.
Há uma PEC que prevê a mudança da data da posse do Presidente da República para o dia 10 de
janeiro.
O Presidente e o Vice têm até 10 dias para assumir o cargo, a partir da data da posse (art. 78,
parágrafo único). Até o dia 11 de janeiro, portanto, o Presidente ou o Vice devem tomar posse, ou seja,
pelo menos um deles, salvo motivo de força maior, sob pena de serem declarados vagos os cargos.
Quem declara vagos os cargos de Presidente da República e Vice é o Congresso Nacional (e não o
TSE, pois a sua atuação no processo eleitoral termina com a diplomação), visto tratar-se de questão
política.
3.5. Mandato do Presidente

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O Presidente exerce mandato de quatro anos, com a possibilidade de reeleição (EC 16/1997). No
Senado Federal já foi discutida a possibilidade da extinção da reeleição e a extensão do mandato para
cinco anos, mas não houve consenso nesse sentido (art. 82):
Art. 82. O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de
janeiro do ano seguinte ao da sua eleição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997)

3.6. Substituição e sucessão do Presidente da República


A substituição ocorre quando há algum tipo de impedimento temporário do Presidente da Repú-
blica (ex.: quando ele precisa se ausentar por doença, viagem, afastamento por responder a processo
etc.) Se o Presidente estiver impedido, substituirá o Vice, depois o Presidente da Câmara, o Presidente
do Senado e, por fim, o Presidente do STF.
Diversamente da substituição, a sucessão tem caráter definitivo. Ela ocorre quando há uma va-
cância do cargo. Se o cargo, portanto, ficar vago, haverá a sucessão do Presidente.
Quando é aberta a sucessão do Presidente da República? Quando o cargo de Presidente ficar vago,
há nova eleição? Ou isso somente ocorre quando ficarem ambos os cargos de Presidente e Vice? A elei-
ção somente se realiza quando ficam vagos tanto o cargo de Presidente quanto o de Vice. Houve uma
situação de sucessão do Presidente no caso da renúncia de Collor, em que Itamar Franco assumiu o
cargo.
Dependendo do período em que o último cargo fica vago, haverá uma regra diversa para a suces-
são.
i) Durante os dois primeiros anos de mandato, se o cargo ficar vago, restará ainda um perí-
odo relativamente longo para que o mandato seja exercido. Nessa hipótese, portanto, é
realizada nova eleição, em noventa dias, diretamente pelo povo (convocação de uma elei-
ção direta). O povo então elege um novo Presidente e um novo Vice.
ii) Se, entretanto, o último cargo ficar vago no terceiro ou quarto ano, o Congresso Nacional,
em 30 dias, escolherá um novo Presidente e um novo Vice, na forma da lei. Existe uma lei
que regulamenta esta hipótese (Lei 1.395/1951), de difícil acesso na Internet (Novelino
sequer sabe se ela foi ou não recepcionada).
Tanto na eleição direta quanto na indireta, o Presidente e o Vice somente cumprem o restante do
mandato. Eles não ficam mais quatro anos, mas somente o restante do período. Caso contrário não faria
sentido uma eleição indireta. A eleição de Presidente somente deixará de coincidir com a de Deputado,
Governador, Senador etc. se o mandato presidencial virar de cinco anos.
Essa norma, segundo o STF, não é de observância obrigatória pelas Constituições dos Estados e
pelas Leis Orgânicas dos Municípios (ADI/MC 4.298):
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa
dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos
os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§ 2º - Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
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Questão interessante se refere à alteração do Código Eleitoral ocorrida em 2015, que trata da va-
cância do cargo nos últimos seis meses do mandato:
Lei 4.737/1965, Art. 224, § 3º. A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do re-
gistro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta,
após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anu-
lados.
§ 4º. A eleição a que se refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:
I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; II - direta,
nos demais casos. (Incluídos pela Lei nº 13.165, de 2015)
Assim, enquanto a Constituição traz a previsão para os últimos dois anos, o STF entende quem,
em se tratando de vacância por motivos eleitorais, as regras da lei não se aplicam ao Presidente da
República, ao Vice-Presidente, nem mesmo aos Senadores, que estarão sujeitos apenas às regras cons-
titucionais.
De se notar que a lei se aplica aos governadores e prefeitos, desde que a perda do cargo seja por
causas eleitorais. Em outras hipóteses, os Estados e Municípios possuem autonomia para legislar da
maneira como entender, sem necessidade de observar as regras constitucionais e legais, que não lhe
diriam respeito.

SUBSTITUIÇÃO SUCESSÃO
Caráter temporário Caráter definitivo
Situação de fato ou de direito que obsta exercício do Ato ou fato jurídico que leva a extinção do mandato
cargo
Situação subjetiva do titular do cargo Estado ou situação do cargo
Casos licença, doença, férias e suspensão (art. 86 Hipóteses: cassação, renúncia, morte e arbitrária
§1º da CF) desfiliação partidária (TSE consulta 1407, Resoluçao
22610 de 25.10.2007) - vacância.

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3.7. Funções do Vice-Presidente da República
O Vice-Presidente da República auxilia o Presidente quando assim for necessário. Ainda não há
lei regulamentando a atuação do Vice-Presidente:
Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-
Presidente.
Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem con-
feridas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões espe-
ciais.

3.8. Ausência do país


O art. 83 da CR regula a hipótese de ausência do Presidente do país:
Art. 83. O Presidente e o Vice-Presidente da República não poderão, sem licença do Congresso
Nacional, ausentar-se do País por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo.
A questão que se coloca é se essa norma é ou não de observância obrigatória. Algumas Constitui-
ções Estaduais diziam que para o Governador se ausentar do Estado (independentemente do prazo) era
necessária autorização da Assembleia. O STF, analisando o caso, entendeu que a norma é de observân-
cia obrigatória, uma vez que envolve a separação de poderes. O mesmo vale, portanto, para o Prefeito e
o Vice Prefeito, que precisam de autorização da Câmara dos Vereadores.
Por que o STF entendeu que esta norma é de observância e a anterior (que estabelece que não?
Novelino não sabe se há um critério muito seguro, mas geralmente o que informa a definição das nor-
mas de observância obrigatória é a independência e harmonia entre os poderes. No caso do art. 83, por
exemplo, o STF entendeu que seria uma ingerência do Legislativo no Executivo se o Governador tivesse
que pedir autorização da Assembleia sempre que tivesse de se ausentar, independentemente do prazo.
Note que, a despeito do critério exposto, não há muita segurança, na medida em que muitas vezes
a linha entre a ofensa ou não à separação dos poderes é muito tênue.
3.9. Funções do Poder Executivo
O Poder Executivo administra a coisa pública. Essa é a sua função primária.
Porém, existem ainda as funções atípicas: o Executivo legisla através das Medidas Provisórias. Ou
seja, o Poder Executivo inova a ordem jurídica por meio da edição das MP’s. A MP tem função de lei,
mas não é lei.
Atenção, pois a Lei Delegada não é exercício da função atípica por parte do Poder Executivo, mas
uma exceção ao princípio da indelegabilidade. A delegação é vedada pela CR, salvo a delegação expressa.
A razão da existência dessas funções atípicas é a manter a harmonia e independência entre os Poderes.
3.10. Processo e julgamento
Neste tópico, serão estudadas as competências para julgamento dos membros do Poder Execu-
tivo. Estudo semelhante já foi realizado com relação aos membros do Poder Legislativo (competência

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para julgar Senadores, Deputados Estaduais e Deputados Federais). O tema é de suma importância para
fins de concursos públicos.
3.10.1. Presidente da república
O Presidente da República pode, como qualquer um, praticar crimes comuns (que não exigem
qualidade especial da pessoa que o pratica) e crimes de responsabilidade (que somente podem ser pra-
ticados por aqueles que exercem determinadas funções, na medida em que considerados infrações po-
lítico-administrativas).
3.10.1.1. Crimes de responsabilidade
Inicialmente, importante anotar que a jurisprudência do STF caminha no sentido de conferir
ao crime de responsabilidade natureza político-administrativo e não penal, a despeito da sú-
mula vinculante 46 tratar da competência privativa da União para legislar sobre ele.

Súmula Vinculante 46/STF: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento


das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da
União.”
Em seguida, anota-se que no crime de responsabilidade, o Chefe do Executivo não sofre penas
restritivas de liberdade, limitando-se as sanções a:
i) Perda do cargo240; e
ii) Inabilitação por oito anos.
Vale notar que a Constituição prevê as duas sanções conjuntamente, sem autono-
mia. No entanto, por um acordo político referendado pelo Min. Ricardo Lewandowski, os senadores
decidiram condenar Dilma Rousseff a apenas uma das sanções, em seu processo de impeachment em
2016, o que contraria frontalmente a CR.241

A CR não tipifica os crimes de responsabilidade, as infrações político-administrativas. Embora


não tenham esse caráter penal, a sua semelhança, elas devem ser tipificadas.
Assim a CR indica situações242 em que esses tipos serão definidos por leis especiais, nesse sentido,
em relação ao Presidente da República, o art. 85 prevê hipóteses exemplificativas de crime de
responsabilidade, sendo regulamentado pela Lei 1.079/1950.

240 A prática de atos definidos como crimes de responsabilidade pode resultar no IMPEACHMENT da
autoridade. Tem origem no direito constitucional inglês. O que significa isso? ACUSAÇÃO POR ALTA TRA-
ÍÇÃO. É alguém acusado de trair o estado. O Brasil tem previsão desde a 1ª CT Republicana em 1891. Nós segui-
mos mais o modelo norte-americano do que o inglês, porque nos EUA tem presidencialismo como aqui, ao con-
trário da Inglaterra em que há parlamentarismo.
241 Coisas de Brasil... regras? Não há regras.
242 Outras passagens relevantes Art. 29-A, §2º (prefeito) e §3º (presidente da câmara de vereadores); art.
50 caput e §2º (ministro de estado); art. 100, §7º (presidente dos TJs); 167§1º (violação a princípios orçamentá-
rios); art. 60, XI, ADCT (chefes do poder executivo e precatórios).
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CRFB/88, “Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que
atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I- a existência da União;
II- o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
III- o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV- a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Existe uma controvérsia sobre a possibilidade de agentes políticos praticarem improbidade admi-
nistrativa.
Em regra, não as autoridades politicas se submetem ao duplo regime, ou seja, podem responder
tanto por crimes de responsabilidade quanto por atos de improbidade administrativa. A única exce-
ção é o Presidente da República, que somente responde por crime de responsabili-
dade243.
3.10.1.1.1. Competência
A expressão “crimes comuns” a que se refere a CR deve ser interpretada da forma mais ampla
possível, abrangendo inclusive delitos eleitorais, contravenções penais e crimes dolosos contra a vida.
Assim, a competência do STF para o julgamento do Presidente da República prevalecerá, por exemplo,
sobre a do Tribunal do Júri.
O STF julga as mais altas autoridades dos três poderes e do MP e para os crime comuns, será ele
o competente para o julgamento de tais autoridades.
Nos crimes de responsabilidade, a competência será do Senado Federal (exemplo de Dilma Rous-
seff). O entendimento do STF foi que, mesmo que o Presidente renuncie após a instauração do processo,
não haverá condenação à perda do cargo, mas prevalecerá a pena de inabilitação.
3.10.1.1.2. Procedimento na Câmara dos Deputados
i. Acolhimento do pedido
O Primeiro passo para que se inicie o procedimento demanda que qualquer cidadão apresente a
denúncia perante a câmara dos deputados para que haja análise da acusação.

243 STF - Pet 3.240 AgR/DF (10.5.2018): “Os agentes políticos, com exceção do Presidente da
República, encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à respon-
sabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administra-
tiva por crimes de responsabilidade... O foro especial por prerrogativa de função previsto na Constituição
Federal (CF) em relação às infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade adminis-
trativa.”.
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Somente o cidadão em sentido estrito244. pode denunciar o presidente na câmara dos deputados.
Recebido o pedido o presidente da câmara é quem decide se acolhe o rejeita o pedido para pro-
cessamento, devendo assegurar a necessária ampla defesa ao PR. Isso não se confunde com a necessi-
dade de apresentação de defesa prévia, conforme decidiu o STF.
Tanto nos crimes comuns quanto nos de responsabilidade, é necessária autorização da Câmara
dos Deputados para o julgamento do Presidente.
Tanto a autorização da Câmara quanto a condenação pelo Senado devem ocorrer
por quórum de 2/3.
ii. Instalação da Comissão Especial
O segundo passo para o processamento do pedido é a instalação da comissão, que deverá ter
representação proporcional aos membros da CD.
Os membros dessa comissão não são eleitos, mas sim indicados pelos líderes da bancada na
Casa, sendo os nomes submetidos à ratificação pelos demais membros em votação aberta.
iii. Notificação do PR
Instalada a Comissão, o PR é notificado à se defender da acusação, para tanto tem o prazo de 10
sessões para concluir sua defesa.
iv. Votação do relatório final
A Comissão visa avaliar a viabilidade da denúncia e a defesa apresentada, ofertando ao final dos
trabalhos um parecer (não vinculativo) que posteriormente será votado por todos os deputados federais.
Poderá então a Câmara autorizar a instauração do processo, mediante voto de 2/3245 dos deputa-
dos (342), em votação nominal (aqui é VOTAÇÃO ABERTA – não confundir com a votação no caso
de cassação/perda de mandato de parlamentar, caso em que a votação é secreta).
O juízo realizado pela CD é meramente POLÍTICO (e não jurídico), com base na oportunidade e
conveniência do interesse público. STF MS 21564. Ou seja a acusação pode estar devidamente compro-
vada e a CD optar por não admitir a acusação.
3.10.1.1.3. Procedimento no Senado Federal
Admitida a acusação, a CD, através de uma resolução autoriza o prosseguimento do impeach-
ment cujo julgamento se dará pelo Senado246.
i. Instauração

244 Lembrando que existem dois tipos de cidadãos: a) Cidadão em sentido lato: É todo indivíduo que
pode exercer direitos e contrair obrigações (direito de ter direitos). Em razão da dignidade da pessoa humana,
todo indivíduo é cidadão em sentido amplo. b) Cidadão em sentido restrito: É todo indivíduo nacional que
exerce direitos políticos (art. 12 + art. 14).
245 Como já visto esse é o quórum mais alto previsto na CR.
246 NÃO há recurso dessa decisão. STF MS 26062.
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Uma vez autorizado o julgamento pela Câmara, o SF não fica vinculado a dar início ao julga-
mento.
No Senado também será constituída uma comissão especial para dar andamento ao feito, com-
posta por 1/4 (um quarto) dos Senadores, obedecida a proporcionalidade das representações partidá-
rias ou dos blocos parlamentares.
Assim como na CD, a Comissão emitirá um parecer que será apreciado pelo Senado, sendo neces-
sário o voto da maioria relativa, lembrando que o quórum de presença é de maioria absoluta.
Aceita a acusação pelo Senado, e autorizado o início do processo o Presidente ficará suspenso de
suas funções por até cento e oitenta dias100; se o julgamento não findar em até cento e oitenta dias,
cessa o afastamento do Presidente, que retornará ao exercício de suas atividades presidenciais, sem
prejuízo do regular prosseguimento do feito (art. 186, caput e § 1º, da CR):
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos
Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais
comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1º - O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal
Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
§ 2º - Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o
afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
ii. Rito
O rito encontra-se previsto no Art. 47 da Lei 1.079/50, adotado também para o impeachment de
ministros do STF e do PGR247.
Ao final do exercício do contraditório e da ampla defesa o presidente será julgado pelo SF.
Em um juízo político (oportunidade e conveniência) e não jurídico, para condenar o presidente,
2/3 dos senadores (54) deverão votar pela condenação do presidente (VOTAÇÃO ABERTA – novamente
lembrando que a votação para cassação/perda de mandato de parlamentar é fechada!).
A sentença condenatória proferida por 2/3 do Senado se materializa através de uma resolução.
Em caso de absolvição o PR reassume o cargo.
Salienta-se que o julgamento final prolatado pelo Senado Federal cem natureza política, sendo
irrecorrível e definitivo, não havendo qualquer possibilidade de o Poder Judiciário alterá-lo.
Obs.: Por ocasião do processamento/julgamento do ex-Presidente Fernando Collor, discutiu-se
se as penas previstas no parágrafo único do are. 52, CF/88 guardavam entre si a relação de princi-
pal/acessória, de modo que a impossibilidade de se aplicar a principal (perda do cargo) acarretaria a
insubsistência da acessória (a inabilitação). Entendeu o STF, ao julgar o mandado de segurança impe-

247 Adotado tanto para Dilma quanto para Collor.


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trado pelo ex-Presidente - que renunciou momentos antes de seu julgamento no Senado Federal se ini-
ciar, que ambas as penas eram principais e independentes e que a eventual impossibilidade de aplicação
da pena de perda do cargo (em virtude de renúncia, por exemplo) não tornaria inviável a aplicação da
inabilitação.
3.10.1.1.4. Resumo e quadro sinótico
A partir do que o STF decidiu na oportunidade do julgamento da então Presidente Dilma Rousseff,
apresenta-se a etapas principais do rito do processo de impeachment.
I. CÂMARA DOS DEPUTADOS (FASE DE JUÍZO DE ADMISSIBILDADE)
• O Presidente da Câmara admite ou não o prosseguimento da denúncia.
• Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara, ou
seja, não é necessário ouvir antes o Presidente da República que estiver sendo denunciado.
• Do despacho do Presidente que indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao Plenário
(art. 218, § 3º, do RICD).
• Caso seja admitido o prosseguimento da denúncia, deverá ser constituída comissão especial for-
mada por Deputados Federais para análise do pedido e elaboração de parecer.
• A eleição dos membros da comissão deverá ser aberta e não pode haver candidatura alternativa
(avulsa). A comissão é escolhida a partir de uma chapa única com nomes indicados pelos líderes parti-
dários. A votação aberta será apenas para que o Plenário da Casa aprove ou não a chapa única que foi
apresentada.
• O Presidente denunciado deverá ter direito à defesa no rito da Câmara dos Deputados. Assim,
depois que houver o recebimento da denúncia, o Presidente da República será notificado para manifes-
tar-se, querendo, no prazo de dez sessões.
• Vale ressaltar, no entanto, que não deve haver grande dilação probatória na Câmara dos Depu-
tados (o rito é abreviado). A comissão até pode pedir a realização de diligências, mas estas devem ser
unicamente para esclarecer alguns pontos da denúncia, não podendo ser feitas para provar a procedên-
cia ou improcedência da acusação. Isso porque o papel da Câmara não é reunir provas sobre o mérito
da acusação, mas apenas o de autorizar ou não o prosseguimento. Quem irá realizar ampla dilação pro-
batória é o Senado.
• O Plenário da Câmara deverá decidir se autoriza a abertura do processo de impeachment por
2/3 dos votos.
• O processo é, então, remetido ao Senado.
II. SENADO FEDERAL
• Chegando o processo no Senado, deverá ser instaurada uma comissão especial de Senadores
para analisar o pedido de impeachment e preparar um parecer (arts. 44 a 46 da Lei nº 1.079/50, apli-
cados por analogia).
• Esse parecer será votado pelo Plenário do Senado, que irá decidir se deve receber ou não a de-
núncia que foi autorizada pela Câmara.
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• Assim, o Senado, independentemente da decisão da Câmara, não é obrigado a instaurar o pro-
cesso de impeachment, ou seja, pode rejeitar a denúncia.
• Se rejeitar a denúncia, haverá o arquivamento do processo.
• Se receber, iniciará a fase de processamento, com a produção de provas e, ao final, o Senado
votará pela absolvição ou condenação do Presidente.
• A decisão do Senado que decide se instaura ou não o processo se dá pelo voto da maioria simples,
presente a maioria absoluta de seus membros. Aplica-se aqui, por analogia, o art. 47 da Lei nº 1.079/50.
Assim, devem estar presentes no mínimo 42 Senadores no dia da sessão (maioria absoluta de 81) e,
destes, bastaria o voto de 22 Senadores.
• Se o Senado aceitar a denúncia, inicia-se a instrução probatória e o Presidente da República
deverá ser afastado do cargo temporariamente (art. 86, § 1º, II, da CF/88). Se, após 180 dias do afasta-
mento do Presidente, o julgamento ainda não tiver sido concluído, cessará o seu afastamento e ele re-
assumirá, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
• A defesa tem direito de se manifestar após a acusação: no curso do procedimento de impeach-
ment, o Presidente terá a prerrogativa de se manifestar, de um modo geral, após a acusação.
• O interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória: o interrogatório do Presidente,
instrumento de autodefesa que materializa as garantias do contraditório e da ampla defesa, deve ser o
último ato de instrução do processo de impeachment.
• Ao final do processo, os Senadores deverão votar se o Presidente deve ser condenado ou absol-
vido. Para que seja condenado, é necessário o voto de 2/3 dos Senadores.
• Se for condenada, a Presidente receberá duas sanções: a) perda do cargo; b) inabilitação para o
exercício de funções públicas por 8 anos. Além disso, poderá ser eventualmente denunciado criminal-
mente pelo Ministério Público.
• Caso seja condenado, quem assume é o Vice-Presidente, que irá completar o mandato (não é
necessária a convocação de novas eleições).

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3.10.1.2. Crimes Comuns

3.10.1.2.1. Irresponsabilidade penal relativa


A irresponsabilidade do Presidente é apenas para questões penais (não valendo para outras hipó-
teses) e relativa (não é total, para todo e qualquer tipo de crime).
Assim, durante o mandato, o Presidente somente responde por crimes relacionados ao exercício
da função, suspendendo-se os demais processos criminais anteriores ao mandato até seu término.

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De forma que não poderá ser processado por crimes praticados antes do mandato ou, ainda que
praticados durante o mandato, que não tenham relação com a função por ele exercida (art. 86, § 4º):
Art. 86 (…) § 4º - O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser respon-
sabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Obs.: Embora a Constituição não aborde a respeito, o Min. Sepúlveda Pertence já esboçou enten-
dimento no STF de que a prescrição criminal também é suspensa durante o mandato do Presidente da
República, quando os processos criminais existentes fiquem suspensos em razão do mandato.
Caso o STF receba a denúncia ou queixa o Presidente ficará suspenso de suas funções por até
cento e oitenta dias, a teor do Art. 86, § 1º, I da CR248.
Esta norma, segundo o STF, não pode ser reproduzida nas outras esferas da Federação. A CE não
pode trazer hipótese semelhante para o Governador nem a Lei Orgânica pode trazer hipótese seme-
lhante para o Prefeito. Trata-se de norma taxativa: ela é excepcional e, portanto, somente neste caso é
que haverá a irresponsabilidade penal relativa. É prerrogativa exclusiva do Presidente.
Observe que o Presidente não tem imunidade material, como têm os parlamentares (art. 53, ca-
put), por suas opiniões, palavras e votos:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opi-
niões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) (...)
3.10.1.2.2. Imunidade quanto à prisão
Como estudado, os parlamentares não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançá-
vel (norma essa que somente vale para a hipótese de prisão cautelar, não para o caso de sentença con-
denatória definitiva, transitada em julgado). No caso de crime inafiançável, os autos são encaminhados
ao Congresso, para que resolva sobre a prisão.
O Presidente somente pode ser preso por sentença condenatória transitada em julgado (a CR não
fala em trânsito em julgado, mas essa é a única interpretação possível desse dispositivo, que fala em
“sentença condenatória”, em virtude da presunção de não culpabilidade). Esta hipótese está no art. 86,
§ 3º, da CR:
Art. 86 (…) § 3º - Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presi-
dente da República não estará sujeito a prisão.
Esse dispositivo, assim como o § 4º, não pode ser reproduzido por constituições estaduais nem
por leis orgânicas municipais (incluída aqui, obviamente, a Lei Orgânica do DF). No caso da prisão do
ex-governador do DF, José Roberto Arruda, havia tal previsão na Lei Orgânica do DF, e o STF conside-
rou-a inconstitucional (STF HC 102.732/DF). No julgado, o Ministro Marco Aurélio reforçou este en-
tendimento, que já havia no tribunal.
3.10.2. Governador

248 Observar que diferentemente do que ocorre com o impeachment, é a decisão do recebimento que sus-
pende o PR de suas funções, não a autorização do Senado.
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O Governador, evidentemente, também pode responder por crimes comuns e de responsabili-
dade.
Nos crimes comuns, a competência para julgar o governador é o STJ (art. 105, I, “a”):
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de res-
ponsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os mem-
bros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos
Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; (…)
Ademais, conforme decisão do STF no Conflito de Competência 6971 dispôs que caberá ao STJ
julgar todos os crimes comuns praticados por governadores, inclusive os crimes eleitorais.
Importante notar que, nos crimes comuns, para que se proceda ao julgamento do Governador
pelo STJ, não é necessária autorização da Assembleia Legislativa respectiva. Ao contrário,
o STF entende condicionar o julgamento à análise pelo Legislativo Estadual é pratica vedada249.
Observe que o STJ não julga o Governador nos crimes de responsabilidade.
Apesar de a CR não dizer nada a respeito, segundo o STF é necessária autorização da As-
sembleia Legislativa estadual para que o Governador seja processado e julgado, mesmo que a CE
não possua previsão expressa nesse sentido.
Essa decisão do STF foi proferida por ocasião de análise de caso envolvendo Itamar Franco. Se o
Presidente, para ser julgado, precisa de autorização, com muito mais razão o Governador, já que é um
órgão estadual julgado por um Federal.
Qual a competência para julgar o Governador nos crimes de responsabilidade? O estado não tem
competência para tratar de crimes de responsabilidade, conforme foi visto acima (Súmula Vinculante
46/STF)
Algumas constituições estaduais, como a de Santa Catarina, traziam previsões com relação a
crime de responsabilidade de Governador. O STF entendeu-as inconstitucionais.

249 STF – ADIs 4.798, 4.764 e 4.797: “É vedado às unidades federativas instituírem normas que con-
dicionem a instauração de ação penal contra governador, por crime comum, à prévia autorização da casa
legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas
cautelares penais, inclusive afastamento do cargo... O disposto no artigo 78 da Lei n. 1.079 permanece hígido - o
prazo de inabilitação das autoridades estaduais não foi alterado. O Estado-membro carece de competência
legislativa para majorar o prazo de cinco anos - artigos 22, inciso I, e parágrafo único do artigo 85, da
CB/88, que tratam de matéria cuja competência para legislar é da União.”

402

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A lei que trata do tema é a Lei 1.079/1950, que em seu art. 78 estabelece que quem julga o gover-
nador nos crimes de responsabilidade é um tribunal especial, composto por cinco Desembar-
gadores do TJ e cinco membros da Assembleia Legislativa. Preside tal tribunal o Presidente
do TJ. São, portanto, 11 membros:
Art. 78. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a
Constituição do Estado [veja que, segundo o entendimento do STF, esta parte não foi recep-
cionada pela CR/88] e não poderá ser condenado senão a perda do cargo, com inabilitação até cinco
anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum.
§ 1º Quando o tribunal de julgamento for de jurisdição mista serão iguais, pelo número, os repre-
sentantes dos órgãos que o integrarem, excluído o Presidente, que será o Presidente do Tribunal de Jus-
tiça.
§ 2º Em qualquer hipótese, só poderá ser decretada a condenação pelo voto de dois terços dos
membros de que se compuser o tribunal de julgamento.
§ 3º Nos Estados, onde as Constituições não determinarem o processo nos crimes de responsabi-
lidade dos Governadores, aplicar-se-á o disposto nesta lei, devendo, porém, o julgamento ser proferido
por um tribunal composto de cinco membros do Legislativo e de cinco desembargadores sob a presidên-
cia do Presidente do Tribunal de Justiça local, que terá direito de voto no caso de empate. A escolha desse
Tribunal será feita - a dos membros dos membros do legislativo, mediante eleição pela Assembleia; a dos
desembargadores, mediante sorteio.
§ 4º Esses atos deverão ser executados dentro em cinco dias contados da data em que a Assem-
bleia enviar ao Presidente do Tribunal de Justiça os autos do processo, depois de decretada a procedência
da acusação.
O STF entendeu que este dispositivo foi recepcionado pela CR/88 (ADI 1628/SC). Há alguns pon-
tos meio duvidosos: é difícil compatibilizar a eleição de membros do Poder Legislativo para o julga-
mento (se ela deve ser feita após a ocorrência do fato ou no início da legislatura, já que a lei não é clara
se ocorre nesse momento) com o princípio do juiz natural. A maioria da assembleia elegeria seus pares,
o que acabaria com a imparcialidade do julgamento.
Nos crimes de responsabilidade, também é necessária a autorização da assembleia legislativa (art.
77):
Art. 77. Apresentada a denúncia e julgada objeto de deliberação, se a Assembleia Legislativa por
maioria absoluta, decretar a procedência da acusação, será o Governador imediatamente suspenso de
suas funções.
Apesar de necessária a autorização da assembleia legislativa para que o Governador seja proces-
sado e julgado perante o STJ, o Governador pode ser preso. Marco Aurélio disse serem coisas absoluta-
mente diversas o processo e a prisão. Segundo o STF, a imunidade de prisão ocorre somente com relação
ao Presidente. Também não depende de autorização a instauração de inquérito policial para a apuração
de crime praticado por governador ou prefeito.

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Obs.: Questionou-se a aplicação do prazo de 8 anos da Constituição aos governadores, uma vez
que a Lei 1.079/1950 é anterior à Constituição Federal, sendo que segundo o STF250 uma vez que a Lei
tem referência específica aos Governadores, essa deve ser aplicada, uma vez que a CR inovou quanto ao
prazo, somente em relação às autoridades Federais.
3.10.3. Prefeitos
Os prefeitos também poderão responder por crimes comuns e de responsabilidade.
No art. 29, X, a CR estabelece que a competência para o julgamento de crimes comuns praticados
pelos prefeitos será do TJ:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo
de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos
os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes pre-
ceitos: (...)
X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça; (Renumerado do inciso VIII, pela
Emenda Constitucional nº 1, de 1992)
Todavia, caso se trate de crime praticado em detrimento de interesses da União, a competência
será do tribunal correspondente (ou seja, do TRF). Em se tratando de crime eleitoral, a competência
será do respectivo TRE.
Para que o prefeito seja processado e julgado, não é necessária autorização do Legisla-
tivo251. Isso vale tanto para os crimes comuns quanto para os de responsabilidade. A norma que trata
do tema (DL 201/1967) dispensa a autorização (arts. 1º e 4º).
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder
Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...)

Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento


pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato: (...)
Note que a natureza dos crimes previstos no art. 1º é de crime comum, a despeito de a lei referir-
se a crimes de responsabilidade (por isso são chamados de “impróprios”). O art. 4º é o dispositivo que
prevê os verdadeiros crimes de responsabilidade. Nesta hipótese, a competência para julgamento será
da Câmara de Vereadores.
São de suma importância para concursos, no que se refere ao julgamento dos prefeitos, as Súmu-
las 208 e 209 do STJ:
Súmula 208 - Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba
sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

250 STF – ADI 1.628/SC: “[...] 4. A CB/88 elevou o prazo de inabilitação de 5 (cinco) para 8 (oito) anos
em relação às autoridades apontadas. Artigo 2º da Lei n. 1.079 revogado, no que contraria a Constituição do Brasil.
5. A Constituição não cuidou da matéria no que respeita às autoridades estaduais...”
251 Nos crimes de responsabilidade, é a própria Câmara de Vereadores quem realiza o julgamento, assim,
desnecessária autorização para que ela mesma julgue o prefeito.
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Súmula 209 - Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transfe-
rida e incorporada ao patrimônio municipal.
No caso da Súmula 208, como a verba desviada está sujeita a prestação de contas perante órgão
federal, é como se houvesse violação de interesse da União. Por essa razão ser a competência da Justiça
Federal.
Relativamente à Súmula 209, se a verba não está sujeita a prestação de contas perante a União,
na medida em que já transferida e incorporada ao patrimônio do município, não há violação ao interesse
da União. Isso justifica o julgamento pelo TJ.
Obs.: STF possui um entendimento relativamente diverso252.
A competência para o julgamento do prefeito perante o TJ prevalece inclusive sobre a do Tribunal
do Júri, nos casos de crimes dolosos contra a vida. Veja que, apesar de o art. 29, X, referir-se à lei orgâ-
nica municipal, quem estabelece a competência do TJ é a própria CR. Por isso que ela prevalece sobre
a competência do Tribunal do Júri, não se aplicando a já vista Súmula Vinculante nº 45.

252 STF – “RE 605.609 AgR: Compete à Justiça Federal julgar crimes relativos a desvio ou à apropriação
de verba: i. cuja utilização se submeta à fiscalização por órgão federal; ii. federal destinada à realização de
serviços de competência privativa da União ou de competência comum da União e do ente beneficiário.”.
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3.10.4. Sanções da lei de improbidade administrativa
Agentes políticos que respondem por crime de responsabilidade (Presidente, Governadores, Pre-
feitos) também podem sofrer as sanções da Lei de Improbidade Administrativa?
No governo de Fernando Henrique Cardoso, alguns Ministros utilizaram um avião da FAB para
ir à ilha de Fernando de Noronha. O MPDFT ajuizou uma ação contra um desses Ministros por impro-
bidade administrativa, prevista na Lei 8.429/92. O Ministro não poderia utilizar um avião da União
para passar férias em Noronha.
Um Ministro foi processado e alegou que ele não poderia responder por improbidade administra-
tiva, mas apenas por crime de responsabilidade (Lei 1.079/50).
Na Reclamação 2138, o STF entendeu que agente político que responde por crime de responsabi-
lidade não pode ser acionado por improbidade administrativa. Esse posicionamento não é pacífico no
STF.
E o Prefeito, pode ser acionado por crime de responsabilidade na Câmara e por improbidade ad-
ministrativa? O STJ, em abril de 2012, pacificou o entendimento de que é plenamente possível que o
Prefeito seja acionado pela prática de crime de responsabilidade e também por improbidade adminis-
trativa (Ag em REsp 113.436).
O art. 37, § 4º, da CR estabelece que os atos de improbidade administrativa são apenados com as
consequências previstas no artigo, sem prejuízo da ação penal cabível:
Art. 37 (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
São ações separadas e autônomas, pois a ação de improbidade administrativa é cível e, portanto,
não devem se misturar.
O entendimento do STJ é o que deve prevalecer, devendo ser revisto o posicionamento do STF.
3.10.5. Quadros comparativos
Quadro 1 - autorização e julgamento dos chefes do Poder Executivo por crimes comuns e de res-
ponsabilidade:
Crimes de responsabilidade Crimes comuns
Autorização da Câmara dos Depu-
Autorização da Câmara dos Deputa-
tados (art. 51, I), por quórum de
Presidente da 2/3. dos (art. 86).

República
Julgamento pelo Senado (art. 52, Julgamento pelo STF (art. 102, I,
I), por quórum de 2/3. “b”).

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Autorização da Assembleia Legisla-


Autorização da Assembleia Legis-
tiva (sem previsão legal: entendi-
lativa (art. 77 da Lei 1.079/1950).
mento do STF).

Governador Julgamento por tribunal especial


(art. 78 da Lei 1.079/50). A lei
exige quórum de maioria absoluta Julgamento pelo STJ.
(não tem de seguir o quórum da
CR).

Não é necessária autorização do Não é necessária autorização do Po-


Poder Legislativo. der Legislativo.
Prefeito
Julgamento pelo TJ (art. 29, X),
Julgamento pela Câmara Munici-
TRF (crime de competência da
pal (art. 4º do DL 201/1967).
União) ou TRE (crimes eleitorais).
Veja que tanto o Senado, nos casos de crimes de responsabilidade, quanto o STF, no caso dos
crimes comuns, julgará as mais altas autoridades de todos os Poderes e do Ministério Público (CR, art.
52, I e II, com redação dada pela EC 45/2004):
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabili-
dade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos
crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Naci-
onal de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Ad-
vogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;

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Quadro 2 – competência para julgamento dos membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Ju-
diciário e do Ministério Público nos crimes comuns e de responsabilidade:
Crime de responsabilidade (Se- Crimes comuns (STF)
nado)
Poder Execu- i) Presidente da República e Vice; i) Presidente da República e Vice;
tivo ii) Ministros de Estado e Coman- ii) Ministros de Estado e Coman-
dantes das Forças Armadas (Mari- dantes das Forças Armadas (Mari-
nha, Exército e Aeronáutica)253; nha, Exercito e Aeronáutica)255;
iii) Chefe da AGU254. iii) Chefe da AGU e Presidente do
BACEN256.
Poder Judiciá- i) Ministros do STF; i) Ministros do STF;257
rio ii) Membros do CNJ (EC 45/04).
Ministério Pú- i) PGR; i) PGR258;
blico ii) Membros do CNMP.
Poder Legisla- Os membros do Poder Legislativo, Deputados e Senadores.
tivo pelo menos de acordo com a teoria
do impeachment, não praticam
crime de responsabilidade. É o Le-
gislativo que julga os demais
membros nos crimes de responsa-
bilidade. A única hipótese prevista

253
No caso dessas autoridades, a competência do Senado somente ocorrerá se houver conexão entre o crime
de responsabilidade por elas praticado e o do Presidente da República ou do Vice.

254
O chefe da AGU será julgado pelo Senado sempre que praticar crime de responsabilidade, independen-
temente de existir conexão com crime praticado pelo Presidente e pelo Vice. Costuma-se confundir a figura do
AGU, pois a ele foi concedido, por Medida Provisória, status de Ministro. Entretanto, há previsão específica para
essa autoridade na CR.

255
Nos crimes de responsabilidade não conexos com o do Presidente e do Vice e nos crimes comuns.

256
Não há previsão expressa na CR, mas como o chefe da AGU e o Presidente do BACEN têm status de
Ministro de Estado, eles serão julgados pelo STF nos crimes comuns.

257
A EC 45/2004 sofreu alteração, que retornou à Câmara para análise (PEC 358/05). Trata-se da parte em
que estava a previsão segundo a qual os membros do CNJ e do CNMP seriam julgados pelo STF nos crimes co-
muns. Por ora, portanto, não há previsão de julgamento dessas autoridades pelo STF, no caso de crimes comuns.

258 Idem.

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na CR de crime de responsabili-
dade praticado por membro do
Poder Legislativo é o caso do Pre-
sidente da Câmara Municipal (art.
29-A, § 3º).
Quadro 3 – competência para julgamento dos membros do Poder Judiciário nos crimes comuns
e de responsabilidade:
Crime de responsabilidade Crime comum
Juízes e membros do MP es- Crimes comuns: TJ;
TJ (art. 96, III).
taduais e do DF e Territórios Crimes eleitorais: TRE.
Juízes Federais e membros Crimes comuns: TRF;
TRF (art. 108, I, “a”).
do MPF Crimes eleitorais: TRE.
4. Poder Judiciário
4.1. Atribuições
4.1.1. Aplicar a lei ao caso concreto, substituindo a vontade das partes
O Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto, resolvendo o conflito de interesses e substituindo
a vontade das partes, com força definitiva. Desta prestação jurisdicional é possível retirar algumas ca-
racterísticas:
i) substitutividade:
O Poder Judiciário substitui a vontade das partes, aplicando a lei ao caso concreto. Essa substitu-
tividade decorre do princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CR: di-
reito constitucional de ação). É o Estado que detém o monopólio da jurisdição, exercida através do Po-
der Judiciário, que não pode se eximir dessa prestação:
Art. 5º (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
ii) definitividade:
Somente o Poder Judiciário, através da prestação jurisdicional, pode dizer o direito de forma de-
finitiva. É a chamada coisa julgada. A segurança jurídica é uma garantia constitucional de todos os ci-
dadãos (art. 5º, caput):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
No art. 5º, XXXVI, da CR, está previsto o princípio da irretroatividade:
Art. 5º (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;

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Dessa forma, garante-se a segurança jurídica, na medida em que a lei não poderá prejudicar ou
alterar o que foi previamente decidido pelo Poder Judiciário. Ou seja, garante-se a supremacia da coisa
julgada.
4.1.2. Controle de constitucionalidade
Também é atribuição do Poder Judiciário fazer o controle de constitucionalidade visando, à ma-
nutenção da força normativa da CR.
As constituições surgem como um elenco de declarações de intenções, de princípios. La Salle dizia
que a constituição era uma folha de papel, sem força normativa. Tempos depois, surge a força normativa
da constituição, com o autor Konrad Hesse, que traz a noção de que a Constituição é uma norma jurí-
dica, com imperatividade reforçada. O órgão encarregado de garantir a supremacia da constituição é o
Poder Judiciário.
Quando o juiz afirma que uma lei é inconstitucional, ele diz que aquilo que se acreditava ser lei,
em verdade, não é. Isso porque essa lei viola a CR e, por isso, não mais pode ser considerada como tal,
devendo ser retirada do ordenamento jurídico.
Essa é uma função de manutenção da força normativa da constituição.
Qual a diferença entre um texto e uma norma? Evidentemente, as expressões não são sinônimas.
Texto é o sinal linguístico de um enunciado jurídico. É o objeto de uma interpretação e interpretar é
retirar o sentido das palavras. Hoje interpretar é não só retirar sentido, mas também dar sentido. Assim,
no momento em que o legislador cria uma lei, ele cria um texto, um símbolo linguístico de onde se retira
uma interpretação. Norma, por sua vez, é o resultado desta interpretação.
Existe algum texto constitucional do qual não se retira nenhuma interpretação? Sim, o preâmbulo
da CR é um texto sem norma constitucional, pois não se encontra no âmbito jurídico, mas político. É
um vetor de interpretação, mas não se pode retirar nenhuma interpretação do preâmbulo.
Existe norma sem texto? É possível que haja norma sem texto constitucional, a exemplo do prin-
cípio do duplo grau de jurisdição, que não encontra previsão expressa na CR (é alma sem corpo).
Existem, ainda, textos dos quais é extraída mais de uma norma. Ou seja, de um único texto retira-
se mais de uma interpretação.
4.1.3. 3.1.3 – concretização dos direitos fundamentais
Hoje, o Poder Judiciário tem como função típica, principal e primária, a concretização dos direitos
fundamentais. É o seu objetivo primordial.
Sabe-se que em razão da evolução da civilização, os direitos foram se avolumando: direitos fun-
damentais de 1ª geração, direitos fundamentais de 2ª geração, direitos fundamentais de 3ª geração e
assim por diante (hoje já se fala em direitos fundamentais de 5ª dimensão).
Atualmente, a grande questão não é a afirmação e previsão de direitos fundamentais, pois eles já
se encontram expressos no texto constitucional. A principal preocupação é a concretização desses di-
reitos, cuja busca cabe ao Judiciário.

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As ações constitucionais realizam essa função, pois de nada adianta que esses direitos estejam no
texto constitucional, mas não sejam efetivamente garantidos às pessoas. Ex.: há previsão expressa do
direito fundamental à educação na CR, mas não há vagas suficientes nas escolas para que esse direito
seja garantido a todos os cidadãos. Por meio de uma ACP ajuizada pelo MP ou pela Defensoria Pública
e através da prestação jurisdicional, o Estado será compelido a garantir vagas suficientes nas escolas
públicas ou a pagar mensalidades em escolas particulares.
4.1.4. 3.1.4 – mediação das relações entre os Poderes
Pode haver um conflito entre o Legislativo e o Executivo, e caberá ao Judiciário mediar esse con-
flito. Imagine um veto presidencial a um projeto de lei, que não é respeitado pelo Congresso Nacional:
é o Poder Judiciário que deverá solucionar esse conflito.
4.1.5. 3.1.5 – editar a legislação judicial
A CR permite que o Judiciário edite legislação judicial. Exemplo disso é a Súmula Vinculante e o
Mandado de Injunção. A partir do MI 712, relatado por Joaquim Barbosa, o Judiciário afirma que o
Legislativo se omitiu na criação da lei de greve dos servidores públicos e, assim, a lei de greve da inici-
ativa privada deveria ser a eles aplicada.
É claro que existem criticas a essa atribuição do Poder Judiciário (ativismo judicial).
4.1.6. 3.1.6 – autogoverno dos Tribunais
O Poder Judiciário se auto-organiza, regulamenta e dirige. É o que prevê o art. 69 da CR:
Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas
de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos
respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, ve-
lando pelo exercício da atividade correicional respectiva;
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva juris-
dição;
d) propor a criação de novas varas judiciárias;
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169,
parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos
em lei;
f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes
forem imediatamente vinculados;

4.2. Organização do Poder Judiciário


No Brasil, adota-se a cultura jurídica romano-germânica, ou seja, busca-se a justiça, o status quo
ante. Diversamente do que ocorre no direito anglo-saxão, no qual se busca a pacificação social.
4.2.1. Estrutura
O art. 92 da CR traz a estrutura do Poder Judiciário:
411

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Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
§ 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm
sede na Capital Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território
nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
O Supremo Tribunal Federal é o tribunal que está acima de todos os demais. É o órgão máximo
do Poder Judiciário. Abaixo dele, há os Tribunais Superiores:
i) Superior Tribunal de Justiça:
Submetem-se ao STJ, na Justiça Comum Federal, os Tribunais Regionais Federais (são 5) e os
Juízes Federais, e na Justiça Comum Estadual os Tribunais de Justiça (são 27) e os Juízes Estaduais.
ii) Tribunal Superior Eleitoral;
iii) Tribunal Superior do Trabalho;
iv) Superior Tribunal Militar.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encontra-se abaixo do STF e acima dos Tribunais Superi-
ores.
4.2.2. Supremo Tribunal Federal
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos
com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputa-
ção ilibada.
O STF é composto por onze juízes, aos quais é atribuído o nome de “Ministros”.
4.2.2.1. Requisitos para ser Ministro do STF
São requisitos para ser Ministro do STF:
i) ser brasileiro nato (art. 101, e art. 12, § 3º, da CR):
Há essa exigência, pois o Presidente do STF encontra-se na linha sucessória do Presidente da
República.
ii) idade mínima de 35 anos e máxima de 65 anos:
Aos 35 anos, o cidadão atinge a capacidade política absoluta, ou seja, pode exercer qualquer cargo
na República. A idade máxima é de 65 anos, pois aos 70 anos há a aposentadoria compulsória. Assim,
suas atribuições no STF devem ser exercidas por pelo menos 5 anos, para que o Ministro possa se apo-
sentar compulsoriamente aos 70 anos.
iii) notável conhecimento jurídico:

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Notável é o conhecimento jurídico que dispensa prova. O cidadão que deseja ocupar cargo de Mi-
nistro do STF deve ter reconhecido conhecimento jurídico.
É preciso ser bacharel em direito para ser Ministro do STF? Não há previsão expressa nesse sen-
tido, mas é preciso que o Ministro seja bacharel em direito. O médico Barata Ribeiro foi indicado ao
STF na década de 1890, mas o Senado Federal não aprovou a sua indicação.
Esse notável conhecimento jurídico será aferido pelo Presidente da República, por ocasião da in-
dicação, e pelo Senado Federal, por ocasião da sabatina.
iv) reputação ilibada, idônea:
Possuir reputação ilibada é possuir vida passada sem mácula, mancha. O Ministro deve ser reco-
nhecido como um bom cidadão por todos da sociedade. A vida do indicado pretérita deve ser cristalina.
A escolha pelo Presidente da República é livre (não vinculada a categorias), desde que a pessoa
preencha os requisitos. Ele indica ao Senado Federal, que procederá à sabatina e à aprovação do esco-
lhido, por maioria absoluta de votos.
4.2.2.2. Participação do Senado Federal na escolha do indicado ao
STF
Art. 101 (...) Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Qual a razão pela qual o Senado deve aprovar o nome indicado pelo Presidente da República?
Para evitar a hipertrofia (superforça) de um Poder, em detrimento dos demais, a CR introduziu a parti-
cipação do Legislativo na nomeação do Ministro do STF, através do Senado Federal. É um mecanismo
de controle, chamado de freios e contrapesos entre os Poderes.
O Presidente da República escolhe o cidadão que preencha os requisitos elencados no art. 101, da
CR e o Senado Federal, através da Comissão de Constituição e Justiça, faz a sabatina do indicado. Na
sabatina, o indicado é indagado sobre temas significativos para a sociedade, por exemplo, casamento
de pessoas do mesmo sexo, descriminalização do uso de drogas, judicialização da política etc. São temas
considerados relevantes para a sociedade brasileira. Há, ainda, indagações sobre a vida pregressa do
indicado.
4.2.3. Superior Tribunal de Justiça
O STJ foi criado pela CR/88. Até 1988, existia o Tribunal Federal de Recursos (TFR).
O legislador constituinte houve por bem criar o STJ, visando a buscar a uniformização da juris-
prudência das justiças comum estadual e federal. Isso porque decisões judicias não uniformes trazem
intranquilidade jurídica.
É composto de, no mínimo, trinta e três Ministros. Portanto, não há um número fixo de Ministros
do STJ (art. 104 da CR):
Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros.
Hoje, existe um debate sobre a necessidade de aumento do número de Ministros do STJ.
4.2.3.1. Requisitos para ser Ministro do STJ
413

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Art. 104 (...) Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo
Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos,
de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Se-
nado Federal, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores
dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal;
II - um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Es-
tadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94.
São requisitos para ser Ministro do STJ:
i) ser brasileiro: aqui, há possibilidade de o brasileiro nato e o naturalizado serem Ministros do
STJ, porque porque o Ministro do STJ não participa da linha sucessória do Presidente da República.
ii) idade mínima de 35 anos e máxima de 65 anos;
iii) notável conhecimento jurídico;
iv) reputação ilibada:
Os motivos dos últimos três requisitos são os mesmos expostos em relação aos Ministros do STF.
4.2.3.2. Escolha dos Ministros

No STJ, a escolha é vinculada às categorias, sendo:


i) 1/3 dentre desembargadores dos TRF’s;
ii) 1/3 dentre desembargadores dos TJ’s;
iv) do 1/3 restante, metade de advogados e membros do Ministério Público, alternadamente:
Havendo vaga de advogado a ser preenchida, a OAB remete lista sêxtupla. Em relação ao MP,
também é enviada lista sêxtupla pelo MPF, e são indicados nomes livres pelo MPE. As listas são envia-
das ao STJ, que escolhe três nomes que serão remetidos ao Presidente da República, para escolha.
Quadro de diferenças entre a composição do STF e a do STJ:
STF STJ
Apenas brasileiro nato pode ser Ministro. Admite-se brasileiro nato e naturalizado.
A escolha dos Ministros pelo Presidente da A escolha é vinculada às categorias.
República é livre.
4.2.4. Justiça Comum Federal

4.2.4.1. Tribunais Regionais Federais

Os TRF's, assim como o STJ, foram criados pela CR/88, em substituição ao TFR.
Dividiu-se o território nacional em cinco regiões federais:
i) TRF 1ª Região: tem sede no DF. É composto por 14 estados (todos os estados da região Norte;
todos do Centro-oeste exceto o MS; BA, MA e PI do Nordeste e MG, do Sudeste).
ii) TRF 2ª Região: tem sede no RJ. Abrange dois estados: RJ e ES;
iii) TRF 3ª Região: tem sede em SP. Abrange dois estados: SP e MS;
iv) TRF 4ª Região: tem sede no RS. Abrange os estados do Sul: SC, PR e RS;

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v) TRF 5ª Região: tem sede em PE. Abrange todos os estados do Nordeste, exceto BA, MA e PI.
Os concursos para juiz do TRF’s são regionais, mas existe uma unificação das provas pelo CNJ.
Os TRF’s são compostos por, no mínimo, sete desembargadores federais.
4.2.4.2. Juízes Federais

A Lei 5.010/66 criou a Justiça Federal em 1º grau de jurisdição. Antes disso, os juízes estaduais
tinham jurisdição federal, com recuso para o TFR.
Interessante notar que a Justiça Federal não é dividida em comarcas, mas em Seções Judiciárias
Federais, que são divididas em subseções judiciárias.
4.2.5. Justiça Comum Estadual

4.2.5.1. Tribunais de Justiça

Há vinte e sete TJ’s, um por estado da federação. Cada estado-membro tem poder de auto-orga-
nização e é isso que lhes permite a criação e organização de seus TJ’s. É o que estabelece o art. 25 da
CR:
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados
os princípios desta Constituição.
Assim, os estados possuem autoridades próprias, e dentre elas encontram-se os Desembargadores
do TJ.
Note que apenas em situações especiais é que a decisão do TJ poderá ser questionada em âmbito
que extrapola a competência do estado. É por isso que o RE e o REsp são chamados de recursos extra-
ordinários. Via de regra, as decisões dos TJ’s são estabilizadas dentro do território do próprio estado.
A composição dos TJ’s é de, no mínimo, sete Desembargadores. Não há número máximo, que
dependerá da quantidade de processos e da população do estado. No TJ/SP, por exemplo, há 360 de-
sembargadores.
O art. 125 da CR estabelece que caberá a cada estado organizar a sua própria justiça, conforme
regras gerais previstas na CR:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Cons-
tituição.
§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organi-
zação judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitima-
ção para agir a um único órgão. (...)
O art. 125 ainda dispõe que a lei de organização judiciária é de iniciativa do TJ.
Note que os Tribunais de Alçada foram extintos pela EC 45/04.
4.2.5.2. Juízes de Direito
A Justiça Estadual é dividida em comarcas. Alguns estados preveem comarcas de 1ª, 2ª e 3ª en-
trâncias, mas isso depende da organização judiciária de cada tribunal.

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4.2.6. Justiça Eleitoral
A Justiça Eleitoral é uma justiça federal especializada. Assim, os servidores públicos que nela tra-
balham são servidores federais, para todos os efeitos legais.
No Brasil, não existe quadro próprio de juízes eleitorais. Dessa forma, os juízes são emprestados
das justiças estadual, federal e dos Tribunais Superiores. Foi uma opção do legislador constituinte.
4.2.6.1. Tribunal Superior Eleitoral

O TSE tem sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional.


É composto por sete Ministros e não possui quadro próprio, conforme visto. Composição:
i) 3 Ministros do STF;
ii) 2 Ministros do STJ;
iii) 2 advogados: o STF faz uma lista que é remetida ao Presidente da República, para escolha.
Note que não são indicados pela OAB.
Os membros da Justiça Eleitoral exercem mandato de 2 anos, permitida uma única recondução,
por igual período.
O Presidente do TSE só pode ser um dos 3 Ministros do STF e o Corregedor-Geral Eleitoral deve
ser escolhido dentre os Ministros do STJ.
4.2.6.2. Tribunais Regionais Eleitorais
Cada estado da federação possui um TRE, totalizando vinte e sete TRE’s. São tribunais federais,
pois a Justiça Eleitoral é federal especializada.
O mandato é de 2 anos, permitida uma única recondução, por igual período.
É composto por sete juízes, sendo:
i) 2 Desembargadores do TJ;
ii) 2 juízes de direito da entrância mais elevada escolhidos pelo TJ;
iii) 2 advogados: são escolhidos pelo Presidente da República, através de lista remetida pelo TJ;
iv) 1 representante da Justiça Federal: perceba que não é necessariamente um Juiz Federal, po-
dendo ser também Desembargador Federal. Nos estados da Federação que forem sede de TRF, será um
Desembargador Federal; nos estados em que não haja TRF, será um Juiz Federal.
O Presidente do TRE será um dos Desembargadores do TJ e o outro será o Corregedor-Geral
Eleitoral.
4.2.6.3. Juízes Eleitorais

O Juiz Eleitoral é um juiz de direito exercendo função eleitoral. Isso em razão do princípio da
delegação, pois a Justiça Eleitoral é federal, mas os Juízes de Direito poderão, por delegação, exercer
função federal.
O mandato é de 2 anos, permitida uma única recondução, por igual período.
4.2.6.4. Juntas Eleitorais

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A Junta Eleitoral exerce atribuições administrativas. A sua composição está no Código Eleitoral:
são dois ou quatro cidadãos e o Juiz Eleitoral.
É dividida em Zonas Eleitorais. Cada zona eleitoral possui um Juiz Eleitoral e uma Junta Eleitoral.
4.2.7. Justiça Militar
No Brasil, a Justiça Militar da União é composta pelo STM, Tribunais Militares e Auditorias Mi-
litares.
A sua competência é criminal. Assim, a justiça militar é competente para o julgamento de crimes
militares (Decreto-Lei 1.001/69: Código Penal militar), membros das Forças Armadas (Exército, Mari-
nha e Aeronáutica) e civis que praticam crimes militares.
4.2.7.1. Superior Tribunal Militar
O STM é composto por quinze Ministros, sendo dez militares e cinco civis.
Os militares são Oficiais-Generais (última patente das Forças Armadas), sendo 3 da Marinha, 4
do Exército e 3 da Aeronáutica. Lembre-se de que apenas brasileiros natos podem ser Oficiais das For-
ças Armadas.
Dentre os cinco membros civis, três são advogados, um Juiz-Auditor Militar e um membro do MP
militar. Todos devem ser escolhidos pelo Presidente da República, que indica os nomes ao Senado Fe-
deral, para serem aprovados por maioria de votos (aqui também há sabatina).
4.2.7.2. Tribunais Militares

Os Tribunais Militares ainda não foram criados.


4.2.7.3. Auditorias Militares
As auditorias militares são o primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar da União.
Dividiu-se o território nacional em doze Auditorias Militares, que funcionam em forma de colegi-
ado: Conselho Permanente e Conselho Especial.
O Conselho Permanente julga civis e praças (não Oficiais) das Forças Armadas e o Conselho Es-
pecial julga praças das Forças Armadas.
4.2.7.4. Justiça Militar Estadual
Art. 125 (...) § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados
[policiais militares e corpo de bombeiros militar], nos crimes militares definidos em lei e as ações
judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil,
cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação
das praças. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes
militares cometidos contra civis [exceto os dolosos contra a vida] e as ações judiciais contra atos
disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e
julgar os demais crimes militares. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...)
A Justiça Militar Estadual julga policiais militares e corpo de bombeiros militares. Ao contrário
da Justiça Militar da União, não julga civis, mas apenas militares.
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É formada pelo Conselho de Justiça Militar e pelos Tribunais de Justiça. Nos estados em que o
efetivo da Polícia Militar superar 20 mil integrantes, será possível a criação do TJ Militar. No Brasil, há
TJ Militar em SP, MG e RS.
É o art. 125 da CR que prevê a criação da Justiça Militar Estadual:
Art. 125 (...) § 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça
Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em
segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o
efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004)
O Conselho de Justiça Militar funciona de forma colegiada e o Juiz Militar atua de forma mono-
crática.
Regras:
i) a Justiça Militar Estadual nunca julga civis, apenas os policiais militares e o corpo de bombeiros
militar;
ii) o Juiz de Direito da Justiça Estadual Militar julga crimes praticados por policiais militares
contra civis, exceto os crimes dolosos contra a vida praticados por policiais miliares contra civil, que
serão julgados pela Justiça Comum Estadual (Tribunal do Júri);
iii) O §4º, do art. 125 da CR traz uma inovação, introduzida pela EC 45, que estabeleceu a compe-
tência para julgamento de ações cíveis (antes julgava apenas ações criminais);
iv) crimes praticados por policial militar contra policial militar, ainda que dolosos contra a vida,
serão julgados pelo Conselho de Justiça Militar;
Em ambos os casos, o recurso é para o TJ ou TJ Militar, caso exista.
4.2.8. Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho surgiu no Brasil em 1934, sendo incialmente ligada ao Ministério do Tra-
balho. As Constituições posteriores a retiraram do âmbito do Ministério do Trabalho (Poder Executivo)
e a inseriram no âmbito do Poder Judiciário.
Hoje, já não mais existem os juízes classistas, que desapareceram com o advento da EC 21/1999.
4.2.8.1. Tribunal Superior do Trabalho (TST)
O TST é o órgão de cúpula da Justiça do Trabalho. Tem sede em Brasília e jurisdição em todo o
território nacional. É composto por 27 juízes, que recebem o nome de Ministros. Em sua maioria, são
juízes de carreira que foram promovidos ao TST. É o que dispõe o art. 111-A da CR.
São requisitos para ser Ministro do TST: ser brasileiro nato ou naturalizado, com mais de 35 e
menos de 65 anos. Os Ministros são indicados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado
Federal, por maioria absoluta de votos. A escolha do Presidente não é livre, mas vinculada à previsão
constitucional por categorias:
Art. 111-A. O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros, escolhidos
dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente
da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: (Incluído pela Emenda
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Constitucional nº 45, de 2004)
I - um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros
do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no
art. 94;
II - os demais dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da
carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior.
Assim: i) um quinto dos membros do TST são advogados e membros do MPT (quinto constituci-
onal); e ii) os 21 Ministros restantes são juízes de carreira originários dos TRT’s. Vale observar que um
quinto de 27 daria 5,555 (dízima periódica), motivo pelo qual serão 6 as vagas destinadas ao quinto
constitucional no TST.
4.2.8.2. Tribunal Regional do Trabalho

Abaixo do TST encontram-se os TRT’s. Há 25 no Brasil, sendo que no estado de São Paulo há dois,
um na cidade de Campinas e outro na capital. Há também estados que não possuem TRT, e são abran-
gidos por um tribunal de outro estado.
É composto por 7 Desembargadores do Trabalho, sendo: 1 advogado, 1 membro do MPT e 5 juízes
de carreira, promovidos do 1º grau de jurisdição. O advogado que chegou ao TRT pelo quinto constitu-
cional não poderá chegar ao TST, pois as vagas a serem ocupadas por Desembargadores do TRT devem
ser preenchidas por juízes de carreira. Isto serve para evitar que um cidadão entre para o TRT pelo
quinto constitucional seja promovido ao TST já como juiz do trabalho.
4.2.8.3. Juízes do trabalho
O concurso para juiz do trabalho é regional.
4.2.9. Conselho Nacional de Justiça
O CNJ foi criado pela EC 45, de dezembro de 2004. Está previsto no art. 103-B, da CR.
O art. 92 da CR estabelece que o CNJ é órgão do Poder Judiciário, localizado abaixo do STF e
acima dos Tribunais Superiores. Portanto, os atos dos Ministros do STF não estão sujeitos à apreciação
do CNJ, de acordo com a topologia organizacional desse dispositivo.
O art. 92, §1º, da CR dispõe que o CNJ tem sede na capital federal. Já o §2º estabelece que o STF
e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional. Note que o artigo nada diz em
relação ao CNJ, o que indica que se trata de um tribunal administrativo, que não possui jurisdição.
Portanto, o CNJ não exerce jurisdição, por ser um órgão administrativo.
Por ocasião da criação do CNJ, a AMB ajuizou uma ADI no STF, debatendo a constitucionalidade
do próprio CNJ. A AMB afirmava que ele seria inconstitucional, por ser um órgão de controle externo
do Poder Judiciário, o que ofenderia o art. 2º da CR, que trata da independência e autonomia do Poder
Judiciário. O STF decidiu que o CNJ é constitucional, pois não se trata de órgão de controle externo ao
Poder Judiciário, não ofendendo a sua autonomia. Além disso, o CNJ é composto por 15 membros,
sendo 9 magistrados. Ou seja, a maioria de seus membros são oriundos do Poder Judiciário. Portanto,

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não há que se falar em controle externo, se 9 de 15 Ministros fazem parte do Poder Judiciário. Trata-se,
na verdade, de órgão de controle interno:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de
2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61,
de 2009) (...)
Os membros possuem mandato de 2 anos, permitida uma recondução. Quem nomeia os membros
é o Presidente da República, com posterior aprovação do Senado Federal, por maioria absoluta de votos.
São membros do CNJ:
i) o Presidente do STF, que será também o Presidente do CNJ;
ii) um Ministro do STJ, indicado pelo próprio tribunal, que será o Corregedor-Geral de Justiça;
iii) um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
iv) um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
v) um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
vi) um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
vii) um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
viii) um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
ix) um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
x) um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;
xi) um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República
dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;
xii) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
xiii) dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos
Deputados e outro pelo Senado Federal.
Quase todos os órgãos do Poder Judiciário são representados no CNJ, exceto justiça militar e
eleitoral, bem como a presença dos dois cidadãos, um indicado pela Câmara e outro pelo Senado ob-
jetiva a democratização da Justiça. É a instalação da democracia participativa (exercício do poder pelo
próprio detentor do poder).
Devido à presença de dois advogados e dois cidadãos, o STF entende que, no período que integra-
rem o CNJ esses membros não podem exercer outras funções, salvo uma de magistério259,
bem como outras atividade que sejam incompatíveis com o exercício do cargo de membro
do CNJ.
Em resumo:

259 STF – ADI 3.367: “Nenhum dos advogados ou cidadãos membros do Conselho Nacional de Justiça pode,
durante o exercício do mandato, exercer atividades incompatíveis com essa condição, tais como exercer
outro cargo ou função, salvo uma de magistério, dedicar-se a atividade político- partidária e exercer a advocacia
no território nacional.”.
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O art. 103-B, § 4º, da CR prevê a competência do CNJ:


Art. 103-B (...) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do
Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atri-
buições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura,
podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade
dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-
los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei,
sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive
contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que
atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e cor-
reicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a dis-
ponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar
outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de
abuso de autoridade;

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V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de
tribunais julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por uni-
dade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação
do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente
do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão
legislativa.
O dispositivo estabelece que compete ao CNJ o controle administrativo e financeiro do
Poder Judiciário. Antes disso, cada tribunal era uma “ilha”, que possuía controle financeiro e admi-
nistrativo próprio. Hoje, é o CNJ que controla, visando à uniformidade dos procedimentos financeiros
e administrativos.
O CNJ ainda fiscaliza a atividade dos juízes, exigindo o cumprimento dos deveres funcionais. É a
chamada atividade correicional, exercida pelo Ministro do STJ. Recentemente discutiu-se se o Corre-
gedor-geral de Justiça poderia fiscalizar a atividade dos juízes ao mesmo tempo que as respectivas cor-
regedorias dos tribunais. A competência do CNJ é uma competência concorrente com as corregedorias
dos tribunais ou é subsidiária, ou seja, só pode funcionar se a corregedoria do tribunal não agir?
O STF decidiu que a competência do CNJ é concorrente. Significa dizer que o CNJ pode agir
de forma independente em relação às corregedorias dos tribunais, que muitas vezes se omitem, evitando
que determinados assuntos cheguem ao CNJ.
Há decisão do Pretório Excelso no sentido de que ao instituir o CNJ, definiu-lhe um núcleo
irredutível de atribuições, além daquelas que lhe venham a ser conferidas pelo Estatuto
da Magistratura. Ou seja, o rol elencado na CR é meramente exemplificativo260.
O CNJ possui ainda a competência, de expedir não só atos regulamentares, mas atos normativos
abstratos, que decorrem diretamente da CR e desafia controle de constitucionalidade via ADI ou ADC261.
Ademais, é de se notar que por conta de alterações ocorridas no processo de aprovação da Emenda
Constitucional 45/2004, os membros do CNJ são julgados por crimes de responsabilidade pelo Senado,
mas pelos crimes comuns não possuem foro por prerrogativa de função262.

260 STF – MS 28.712 MC


261 STF – MS 27.621. e STF – ADC 12 MC/DF.
262 STF – Pet 3.857/BA: “É importante ressaltar que a alteração efetuada pela EC 45/2004 não incluiu os
membros do Conselho Nacional de Justiça na alínea ‘b’ do inciso I do art. 102 da Constituição Federal, que esta-
belece a relação das autoridades que têm a prerrogativa de serem julgadas por esta Corte, quando acusadas por
crime comum. Como o art. 102, I, ‘b’, é norma que institui prerrogativa, na esteira dos precedentes desta Corte,
não é passível de interpretação ampliativa.”.
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4.2.10. Organograma resumido

4.3. Garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público


Apesar de o estudo até aqui desenvolvido ser relativo ao Poder Judiciário, serão também analisa-
das neste tópico as garantias do Ministério Público, por ser o tema bastante correlato.
As garantias do Poder Judiciário estão previstas no art. 95 da CR. As do MP, no art. 128, § 5º, da
CR e têm como objetivo promover a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público frente
aos demais poderes. Essas garantias protegem o judiciário e o MP como um todo, como instituição,
como um órgão da República.
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Existem dois grupos de garantias diferentes, previstas na CR: garantias que visam a assegurar a
independência do Poder Judiciário e do MP e garantias que visam a assegurar a imparcialidade dos
membros do Poder Judiciário e do MP.

4.3.1. Garantias que visam a assegurar a independência do Poder Judi-


ciário e do MP

4.3.1.1. Vitaliciedade
Os servidores públicos em geral têm estabilidade, somente podendo perder o cargo após processo
administrativo ou sentença judicial transitada em julgado.
Os juízes e o MP têm um estatuto diferente. Eles têm vitaliciedade. São diferenças entre a vitali-
ciedade e a estabilidade:
i) prazo:

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A estabilidade é adquirida após 3 anos de exercício efetivo, enquanto que a vitaliciedade é adqui-
rida após 2 anos de efetivo exercício.
ii) perda do cargo:
No caso da vitaliciedade, a perda do cargo somente ocorrerá por meio de decisão judicial transi-
tada em julgado. Na estabilidade, por outro lado, a perda do cargo poderá ocorrer também por meio de
processo administrativo disciplinar (PAD) ou quando o limite máximo estabelecido para despesa com
pessoal não for atendido.
No caso da magistratura, existe uma peculiaridade, em relação ao período de dois anos: ele so-
mente é exigido no primeiro grau, ou seja, para aqueles que fazem concurso para a magistratura. Ele
não é exigido para os tribunais. Assim, aqueles que passam a integrar o Poder Judiciário diretamente
nos tribunais (uma das hipóteses é justamente o quinto constitucional) não precisam esperara esse pe-
ríodo: a partir do momento em que passam a integrar o Poder Judiciário, eles imediatamente adquirem
a vitaliciedade:
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, de-
pendendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e,
nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
Veja que para aqueles que entraram no primeiro grau, durante os dois anos anteriores à aquisição
da vitaliciedade, poderá ocorrer a perda do cargo através de deliberação do tribunal. Passados os dois
anos, a perda do cargo somente ocorrerá por meio de sentença judicial transitada em julgado:
Art. 128 (...) § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos
respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Minis-
tério Público, observadas, relativamente a seus membros:
I - as seguintes garantias:
a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença ju-
dicial transitada em julgado;
Para o MP não há a ressalva do primeiro grau, pois ninguém entra no MP através do quinto cons-
titucional, mas apenas através de concurso público.
Existem duas exceções às regras da vitaliciedade. Como visto, os Ministros do STF e o PGR,
quando praticam crimes de responsabilidade, são processados e julgados perante o Senado (art. 52, II,
da CR):
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...)
II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Naci-
onal de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Ad-
vogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
Ou seja, nessa hipótese não perderiam o cargo por uma “sentença judicial transitada em julgado”
Autores como Pedro Lenza entendem que no caso dos membros do CNJ e do CNMP também
haveria essa exceção. Novelino não concorda com esse posicionamento. O CNJ, apesar de fazer parte

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do Poder Judiciário, não é um órgão jurisdicional (não tem função jurisdicional). Os conselheiros do
CNJ e do CNMP, apesar de terem as mesmas garantias, têm mandato com prazo de dois anos. Não se
trata de cargo vitalício. Caso o Conselheiro pertença ao Poder Judiciário, ele perderá o cargo como
membro do Poder Judiciário, e não como membro do CNJ. Para Novelino, portanto, não poderia essa
ser outra exceção.
VITALICIEDADE ESTABILIDADE
Só se aplica a agentes políticos (magistrados, MP e Aplica-se aos servidores públicos em sentido
TC). estrito.
A vitaliciedade é alcançada, em 1º grau de jurisdição, A estabilidade é alcançada após 03 anos de efetivo
após 02 anos de efetivo exercício. Nos tribunais, a exercício do cargo.
vitaliciedade ocorre no momento da posse.

Servidor vitalício só perde cargo em virtude de Servidor estável pode perder cargo também em razão
sentença judicial com trânsito em julgado (durante o de processo administrativo (disciplinar ou avaliação
estágio probatório pode perder cargo de desempenho).
administrativamente).

Existem alguns outros agentes públicos que também possuem a garantia da vitaliciedade:
i) Ministros do TCU:
Art. 73 (...) § 3º Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerro-
gativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, apli-
cando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
ii) Oficiais das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica):
Art. 142 (...) § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes,
além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 18, de 1998) (...)
VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incom-
patível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial,
em tempo de guerra; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
iii) Militares dos Estados, DF e Territórios:
Art. 42 (...) § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além
do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º,
cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes
dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
20, de 15/12/98)
4.3.1.2. Inamovibilidade
A inamovibilidade assegura que os membros do Poder Judiciário e do MP não poderão sofrer
remoção contra as suas próprias vontades (até mesmo para efeito de promoção), salvo se houver inte-
resse público.

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No caso da remoção por interesse público dos membros do Poder Judiciário, quem deve decidir
se ela deve ou não ser realizada, mesmo contra a vontade do próprio membro, é o tribunal ao qual o juiz
pertence, por maioria absoluta, ou o CNJ.
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias (...)
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

Art. 93 (...) VIII - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse
público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Con-
selho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;

Art. 128 (...) § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos
respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Minis-
tério Público, observadas, relativamente a seus membros:
I - as seguintes garantias:
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão co-
legiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, as-
segurada ampla defesa;
Note-se que a inamovibilidade também aplica-se aos juízes substitutos, nos termos do já
decidido pelo STF263.
No caso do MP, quem decide acerca da remoção por interesse público é o órgão colegiado compe-
tente ou o CNMP, o qual, aliás, tem expressamente tal atribuição (art. 130-A, § 2º, III):
Art. 130-A (...) § 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação
administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus
membros, cabendo-lhe: (...)
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da
União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar
e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e
aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
4.3.1.3. Irredutibilidade de subsídio
Diversamente do que ocorre na inciativa privada (trabalhadores urbanos e rurais), tanto os mem-
bros do MP quanto os do Judiciário têm direito à irredutibilidade de subsídios, a qual também é asse-
gurada a outros agentes públicos.
A garantia impede a redução do valor nominal do subsídio dos membros da carreiras, isso, toda-
via, não impede que algumas exceções, estabelecidas pela própria CR, acarretem a redução do valor

263 STF – MS 27.958/DF: “[...] I – A inamovibilidade é, nos termos do art. 95, II, da Constituição
Federal, garantia de toda a magistratura, alcançando não apenas o juiz titular, como também
o substituto. II - O magistrado só poderá ser removido por designação, para responder por designação, para
responder por determinada vara ou comarca ou para prestar auxílio, com seu consentimento, ou, ainda, se o in-
teresse público o exigir, nos termos do inciso VIII do Art. 93 do Texto Constitucional – Segurança concedida.”.
427

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líquido / real do subsídio. Ex.: adequação ao teto constitucional, criação de novos tributos ou o aumento
dos existentes (ex.: majoração de uma alíquota do IR ou de uma contribuição previdenciária).
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias (...)
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X [revisão geral anual dos
servidores públicos] e XI [teto constitucional], 39, § 4º [parcela única dos vencimentos], 150, II [impos-
sibilidade de tratamento desigual ao que estão em situação equivalente], 153, III, e 153, § 2º, I [trata o IR
pessoa física].

Art. 128 (...) § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos
respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Minis-
tério Público, observadas, relativamente a seus membros:
I - as seguintes garantias:
c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts.
37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;
Existem outros agentes públicos que também têm assegurada essa garantia:
i) Ministros do TCU (art. 73, § 3º);
ii) Oficial das Forças Armadas (art. 142, § 3º, VIII);
iii) Militares dos Estados, do DF e territórios (art. 42, § 1º);
iv) servidores públicos em geral (art. 37, XV):
Art. 37 (...) XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são
irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III,
e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

4.3.2. Garantias que visam a assegurar a imparcialidade dos membros


do Poder Judiciário e do MP
As garantias que visam a assegurar a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário e do MP
são chamadas pela CR de “vedações” e visam evitar que os membros das carreiras pratiquem atividades
que prejudiquem o exercício da atuação profissional.
As vedações encontram-se previstas, respectivamente, nos arts. 95, parágrafo único, e 128, § 5º,
II, da CR:
Poder Judiciário Ministério Público
Art. 95 (...) Parágrafo único. Aos juízes é Art. 128 (...) § 5º - Leis complementares
vedado: da União e dos Estados, cuja iniciativa é
facultada aos respectivos Procuradores-
Gerais, estabelecerão a organização, as
atribuições e o estatuto de cada Ministério
Público, observadas, relativamente a seus
membros: (...)
II - as seguintes vedações:

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I - exercer, ainda que em disponibilidade, b) exercer a advocacia;
outro cargo ou função, salvo uma de ma- d) exercer, ainda que em disponibilidade,
gistério; qualquer outra função pública, salvo uma
de magistério;
Não há equivalente expresso na CR c) participar de sociedade comercial, na
quanto aos magistrados. forma da lei;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, a) receber, a qualquer título e sob qual-
custas ou participação em processo; quer pretexto, honorários, percentagens
ou custas processuais;
V - exercer a advocacia no juízo ou tribu- § 6º Aplica-se aos membros do Ministério
nal do qual se afastou, antes de decorridos Público o disposto no art. 95, parágrafo
três anos do afastamento do cargo por único, V. (Incluído pela Emenda Constitu-
aposentadoria ou exoneração. cional nº 45, de 2004)
III - dedicar-se à atividade político-parti- e) exercer atividade político-partidária;
dária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, f) receber, a qualquer título ou pretexto,
auxílios ou contribuições de pessoas físi- auxílios ou contribuições de pessoas físi-
cas, entidades públicas ou privadas, res- cas, entidades públicas ou privadas, res-
salvadas as exceções previstas em lei; salvadas as exceções previstas em lei.
Entre o Poder Judiciário e o MP, as vedações são praticamente as mesmas, com apenas duas ex-
ceções, como demonstra o quadro abaixo:
Poder Judiciário (art. 95, parágrafo Ministério Público (art. 128, § 5º,
único) II)
É vedado aos magistrados o exercício de É vedado aos membros do MP o exercício
qualquer outro cargo ou função, público ou da advocacia264 e qualquer outro cargo ou
privado, salvo uma de magistério (art. 95, função públicos, salvo uma de magistério
parágrafo único, I). (art. 128, § 5º, II, “b” e “d”).
É expressamente vedado o recebimento, É expressamente vedado o recebimento,
por membros do Poder Judiciário, a qual- por membros do MP, a qualquer título ou
quer título ou pretexto, de custas ou qual- pretexto, de custas, honorários e percen-
quer tipo de participação em processos tagens (art. 128, § 5º, II, “a”).
(art. 95, parágrafo único, II).

264
A regra se deve ao fato de que antes da CR/88 os membros do MP podiam exercer a advocacia, como
ocorre hoje em algumas Procuradorias.

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Observação: os membros do MP que já estavam no cargo antes da CR/88 tiveram a oportunidade
de optar pelo regime jurídico novo ou pelo antigo. Daí o fato de que alguns deles exercem a advocacia
concomitantemente ao cargo de Promotor de Justiça ou Procurador da República.
Note que aos juízes é vedado o exercício de qualquer outro cargo, público ou privado (exceto um
de magistério). Aos membros do MP, a vedação refere-se ao exercício de outra função pública (exceto
uma de magistério). Ele pode, portanto, ser professor de faculdades ou cursos privados.
Acerca do exercício de magistério, entende o STF265 que ele pode se dar em mais de uma insti-
tuição, entretanto, o CNJ regula a atividade de professor dos magistrados, limitando as horas-aula em
20h semanais. No CNMP tem a mesma regra.

O art. 128, § 5º, II, “a” fala em custas, honorários e percentagens porque antes da CR/88 quem
fazia a defesa da União e dos estados eram os membros do MP. Não havia a AGU para a defesa dos
interesses da União. As execuções fiscais, na esfera federal, eram promovidas pelo MP, e eles recebiam
percentagens sobre as os valores obtidos. Como o MP, antes da CR/88, tinha essa peculiaridade, o cons-
tituinte houve por bem estabelecer a vedação. Hoje, algumas procuradorias estaduais ainda recebem
tais percentagens.
As demais vedações são exatamente iguais aos membros do MP e da Magistratura.
i) vedação de qualquer tipo de atividade político-partidária:
Esta vedação era diferente entre os membros da magistratura e do MP. Antes da EC 45/2004, os
membros do MP não poderiam exercer atividade político-partidária nos termos da lei. Hoje, a ressalva
não mais existe. O tratamento constitucional passou a ser o mesmo: veda-se absolutamente aos mem-
bros do MP o exercício de atividade político-partidária.
Se desejarem exercer atividade político-partidária, os magistrados e membros do MP deverão
afastar-se definitivamente do cargo (trata-se de perda do cargo). Foi o que ocorreu com Pedro Taques,
que teve de abrir mão do cargo de Procurador da República para concorrer ao cargo de Senador.
Há uma peculiaridade em relação aos membros do Poder Judiciário e do MP que é a seguinte: a
lei eleitoral exige que a filiação partidária seja feita um ano antes do pleito eleitoral. Todavia, como os
membros do MP e do Judiciário não podem exercer essa atividade político-partidária, em relação a eles
admite-se que a filiação ao partido político ocorra até seis meses antes do pleito, que é o prazo máximo
que têm para se desincompatibilizarem do cargo. Trata-se de entendimento do TSE.
Quando o dispositivo fala em “dedicar-se a atividade político-partidária”, não está se referindo
somente ao partido político, mas a toda atuação política. O membro não pode tomar posições político-

265 STF – ADI 3.126 MC/DF: “[...] 4. Considerou-se, no caso, que o objetivo da restrição constitucional é
o de impedir o exercício da atividade de magistério que se revele incompatível com os afazeres da magistratura.
Necessidade de se avaliar, no caso concreto, se a atividade de magistério inviabiliza o ofício judi-
cante.” A regra visa impedir o juiz de fazer da Magistratura um BICO.
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partidárias. Evidentemente que eles têm a liberdade de expressar seu pensamento (ex.: contrariamente
a uma determinada política de governo etc.), mas não podem ter atividade política, ainda que não este-
jam filiados. A vedação é absoluta.
ii) recebimento de auxílios ou contribuições, de qualquer tipo (pessoa física, jurí-
dica etc.):
Essa vedação, todavia, não é absoluta, porque nos dois casos a CR admite que a lei estabeleça
exceções.
Evidentemente, não serão auxílios ou contribuições para os magistrados, mas para que possam
ser desenvolvidas certas atividades de interesse público pelo órgão jurisdicional (ex.: algumas Varas
exercem atividades junto a comunidades carentes, têm aulas acerca de certas matérias etc.).
iii) (introduzida pela EC 45/2004) “quarentena” de três anos:
Após se aposentarem ou deixarem o cargo, os membros da magistratura e do MP (art. 128, § 6º)
não poderão atuar, nos três anos seguintes, nos tribunais ou juízos dos quais se afastaram. Essa qua-
rentena de três anos é necessária para evitar que esses membros se favoreçam do contato que obvia-
mente terão no tribunal. Um Ministro do STF que se aposente terá um evidente contato maior com as
demais autoridades, servidores, processos etc., o que lhe poderia dar maiores vantagens.
Observação: a vedação prevista no art. 128, § 5º, II, “c” (“participar de sociedade comercial, na
forma da lei”), é exclusiva para os membros do MP. Ela não existe para os membros da magistratura,
pelo menos de forma expressa na CR.
A lei não permite, por exemplo, que o membro do MP seja sócio-gerente de uma empresa (ele
pode até ser sócio cotista ou acionista).
4.4. Órgão especial (art. 93, XI, da CR)
O órgão especial é um órgão que os tribunais podem criar para desempenhar determinadas fun-
ções que, em princípio, deveriam ser exercidas pelo Pleno do Tribunal, que é composto pela totalidade
dos membros.
Somente podem ser delegadas pelo pleno ao órgão especial atribuições administrativas (ex.: con-
cessão de licença, férias) e jurisdicionais (ex.: a principal atribuição jurisdicional delegável é a cláusula
de reserva de plenário, que sofreu recentes mudanças com a jurisprudência do STF, como será anali-
sado).
Então, não é qualquer atribuição que pode ser delegada pelo pleno ao órgão especial. A eleição do
Presidente do Tribunal (e dos dirigentes do tribunal, de uma forma geral) e a elaboração de regimento
interno, por exemplo, não podem ser delegadas, porque não são atribuições administrativas nem juris-
dicionais, mas política e legislativa, respectivamente.
O órgão especial somente pode ser criado em tribunal com mais de 25 membros. O STF, por exem-
plo, não pode ter órgão especial. Este órgão especial deve ter no mínimo 11 e no máximo 25 julgadores
(art. 93, XI):

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Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto
da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...)
XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão
especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições
administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das
vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;
Veja que a própria escolha da outra metade de membros que compõem o órgão especial não pode
ser delegada ao órgão especial, por se tratar de uma atribuição política.
4.5. Do quinto constitucional
A CR reserva um quinto das vagas de determinados tribunais a membros do MP, com mais de dez
anos de carreira, e advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de
advocacia, que serão escolhidos em lista sêxtupla, para integrarem os tribunais.
Veja que o constituinte foi um pouco preconceituoso em relação aos advogados, ou beneficiou os
membros do MP, presumindo o notório saber jurídico e a reputação ilibada para os Promotores e Pro-
curadores.
Como visto, não é necessário o decurso de dois anos de ingresso na carreira para a vitaliciedade,
que é adquirida imediatamente, a partir do momento da escolha.
Têm ingresso de membros pelo quinto constitucional:
i) o Tribunal de Justiça (art. 94);
ii) o Tribunal Regional Federal (art. 94):
Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do
Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos
de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de
efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas
classes. (...)
iii) o Tribunal Superior do Trabalho (art. 111-A, I):
Art. 111-A. O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros, escolhidos
dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente
da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:
I - um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros
do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no
art. 94; (...)
iv) o Tribunal Regional do Trabalho (art. 115, I):
Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados,
quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com
mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:
I - um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros
do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no
art. 94; (...)

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O STJ tem previsão de ingresso de julgadores advindos do MP e da advocacia. Todavia, não se
trata de um quinto da composição daquele tribunal, mas de um terço (art. 104, parágrafo único, II):
Art. 104 (...) Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo
Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos,
de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Se-
nado Federal, sendo:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...)
II - um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Es-
tadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94.
Segundo o STF266, não pode a Assembleia Legislativa estabelecer outros requisitos além dos pre-
vistos na CR. P. ex. aprovação do nome escolhido pelo Governador à AL.
4.6. Autogoverno dos tribunais
O autogoverno dos tribunais está previsto no art. 96 da CR:
Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas
de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos
respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, ve-
lando pelo exercício da atividade correicional respectiva;
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva juris-
dição;
d) propor a criação de novas varas judiciárias;
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169,
parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos
em lei;
f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes
forem imediatamente vinculados;
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao
Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que
lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tri-
bunais inferiores, onde houver; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;
d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
O art. 2º da CR fala da independência dos Poderes, que inclui a do Poder Judiciário. Essa inde-
pendência é detalhada no art. 96, no que tange ao Poder Judiciário.

266 STF – ADI 4.150/SP: “Tribunal – composição – quinto – assembleia legislativa – pronunciamento –
inadequação. Conflita com a Constituição Federal norma da Carta do Estado que junge à aprovação da Assembleia
Legislativa a escolha de candidato à vaga do quinto em Tribunal. Precedentes...”.
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Não cabe ao Poder Legislativo tratar do regimento interno dos tribunais, sob pena de violação de
sua independência. A elaboração do regimento interno representa o exercício de uma função atípica
pelo Poder Judiciário, a qual é função importantíssima para a manutenção da independência dos tribu-
nais.
Da mesma forma, não dá para imaginar o Legislativo organizando a secretaria dos tribunais. É
uma função que deve ser exercida pelo próprio tribunal. De nada adiantaria prever a independência dos
Poderes, se não houvesse mecanismos que efetivassem essa prerrogativa.
4.7. Precatórios
4.7.1. Aspectos introdutórios
O precatório consiste em uma ordem de pagamento expedida pelo Poder Judiciário para as Fa-
zendas Públicas (federal, estadual, distrital e municipal) em virtude de sentença judicial transitada em
julgado.
Trata-se do regime de pagamento aplicável a toda Fazenda Pública, de todas as esferas da Fede-
ração, somente no caso de sentença judicial condenatória transitada em julgado. Um acordo extrajudi-
cial, por exemplo, não se submete ao regime de precatórios.
A expressão “Fazenda Pública” abrange não somente a União, os estados, o DF e os municípios
(os entes federativos enquanto pessoas jurídicas de direito público), como as autarquias, as fundações,
as empresas públicas e até sociedades de economia mista.
Relativamente às sociedades de economia mista, há um duplo regime. Não são todas as que se
submetem ao regime de precatórios, mas apenas aquelas que forem prestadoras de serviço público e
não exerçam atividade econômica (caso exerçam atividade econômica, apesar do nome, essas socieda-
des não têm a natureza de sociedade de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, da CR). Nesse
sentido, ver o STF Ag Rg no AI 390.212/PR e o STF AC 1947/MC:
Art. 173 (...) § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de econo-
mia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998) (...)
O regime de precatórios existe, no sistema constitucional brasileiro, desde a Constituição de 1934.
São basicamente duas as razões pelas quais o pagamento de débitos da Fazenda Pública segue esse
regime:
i) impenhorabilidade de bens públicos;
ii) necessidade de previsão orçamentária para que o Estado possa custear determinados tipos de
despesas (a cada despesa deve corresponder uma determinada receita).
A decisão judicial que determina o pagamento de débito de precatório tem natureza adminis-
trativa. Não se trata de decisão com natureza jurisdicional. Por essa razão, contra ela não cabe recurso
extraordinário (Súmula 733 do STF):
Súmula 733 - NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA DECISÃO PROFERIDA NO

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PROCESSAMENTO DE PRECATÓRIOS.
Com a EC 62/2009, o regime de precatórios foi sensivelmente alterado. Alguns dispositivos, in-
clusive, ainda estão sendo analisados pelo STF, por haverem tido sua constitucionalidade questionada:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Munici-
pais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação
dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas do-
tações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Cons-
titucional nº 62, de 2009).
O regime de precatórios deve seguir necessariamente a ordem cronológica. Tal ordem é específica
para cada pessoa jurídica, ainda que da mesma esfera. Ex.: os precatórios da União, do INSS e do Banco
Central seguem cada qual uma ordem cronológica distinta.
Além disso, as ordens cronológicas serão diferentes de acordo com o tribunal de que haja ema-
nado a decisão. Portanto, o TJ terá uma ordem cronológica e o TRF outra. Veja, portanto, que um
mesmo ente federal poderá seguir duas ordens cronológicas distintas. O INSS, por exemplo, pagará
precatórios segundos as ordens cronológicas da Justiça Federal (causas previdenciárias) e da Justiça
Estadual (demandas acidentárias).
4.7.2. 3.5.2 – prazo para pagamento
A CR estabelece alguns prazos para pagamento, em virtude da necessidade de previsão orçamen-
tária.
As dívidas inscritas antes de 1º de julho devem ser pagas até o final do exercício financeiro se-
guinte. Ex.: caso tenha sido realizada a elaboração da conta e a expedição do precatório em 22 de maio
de 2014, o limite para pagamento desse débito será 31 de dezembro de 2015. O débito entrará na previ-
são orçamentaria anual, feita no final do ano de 2014 (orçamento para 2015) e deverá ser pago, no
máximo, até 31 de dezembro de 2015, seguindo a respectiva ordem cronológica, que, como visto, é dis-
tinta, de acordo com a pessoa jurídica e o tribunal.
Perceba que entre a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, a inscrição do precatório
e o efetivo pagamento, pode se passar um longo tempo. Nesse período, não há juros de mora, pois a
Fazenda Pública não está em mora, na medida em que agindo dentro do prazo que lhe é previsto.
No entanto, nesse longo tempo o dinheiro vai se desvalorizando (principalmente em períodos de
inflação alta, como já houve no Brasil). Em virtude dessa distância do pagamento, entre a expedição do
precatório (quando é realizada uma atualização) e o efetivo pagamento, ocorre outra atualização mone-
tária, cujo pagamento é feito dentro do mesmo precatório. Não é necessária a expedição de novo preca-
tório para tanto. Até porque, se fosse assim, a atualização não acabaria nunca, pois até o pagamento da
atualização já teria de ser realizada nova atualização, e assim sucessivamente:
Art. 100 (...) § 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba
necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de
precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício se-

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guinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (Redação dada pela Emenda Constituci-
onal nº 62, de 2009).
Caso o pagamento seja realizado após o final do exercício seguinte (no exemplo, a partir de 1º de
janeiro de 2016), além da atualização monetária haverá condenação ao pagamento de juros de mora
(porque, aí, houve mora). No caso dos juros de mora, entretanto, diversamente da atualização monetá-
ria, o pagamento é realizado através de um precatório complementar. Quando esses juros de mora são
pagos, também há a atualização monetária, paga no mesmo precatório complementar. Esses juros de
mora são simples, e não compostos.
A esse respeito, ver a Súmula Vinculante nº 17:
Súmula Vinculante 27 - DURANTE O PERÍODO PREVISTO NO PARÁGRAFO 1º DO ARTIGO
100 DA CONSTITUIÇÃO, NÃO INCIDEM JUROS DE MORA SOBRE OS PRECATÓRIOS QUE NELE
SEJAM PAGOS. [A Súmula refere-se ao antigo § 1º, cujo conteúdo foi reproduzido no atual
§ 5º.]

4.7.3. 3.5.3 – dos regimes de precatórios


Como visto, o precatório é ordem de pagamento emanada pelo Poder Judiciário quando há exe-
cução de sentença judicial condenatória transitada em julgado. No entanto, nem toda decisão condena-
tória transitada em julgado será paga através de precatório. Há quatro sistemas de pagamentos que
podem ocorrer, em virtude de sentença judicial: RPV, créditos alimentícios cujos titulares tenham 60
anos ou mais ou sejam portadores de doenças graves, demais créditos de natureza alimentícia e ordem
geral.
4.7.3.1. 3.5.3.1 – Requisição de Pequeno Valor (RPV)
A RPV está prevista no art. 100, § 3º, da CR:
Art. 100 (...) § 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não
se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referi-
das devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 62, de 2009).
Há aqui um sistema em que a Fazenda Pública é condenada ao pagamento de determinado valor,
mas que, como definido em lei como de pequeno valor, não é pago através do precatório, mas através
do RPV.
Não existe nenhuma exigência específica quanto à titularidade desses créditos pagos através de
RPV. Qualquer pessoa pode ser titular. Isso porque a exigência feita pela CR relaciona-se não ao titular,
mas exclusivamente ao valor. Quem define o que é pequeno valor é a lei. Leis federal, estaduais, distrital
e municipais definirão o regime de pequeno valor para cada ente. Haverá então um valor para cada ente
federativo.
Art. 100 (...) § 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores
distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo
igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 62, de 2009).

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Para a União, já existe lei federal fixando esse valor (art. 3º, caput, c/c o art. 17, § 1º, da Lei
10.259/2001):
Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de compe-
tência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Art. 17 (...) § 1º Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali defi-
nidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o
mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).
De qualquer forma, a CR estabelece os valores provisórios até que tais leis sejam criadas, para
estados (40 salários mínimos) e municípios (30 salários mínimos), no art. 87 do ADCT (incluído pela
EC 38/2002):
Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publi-
cação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do
art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que te-
nham valor igual ou inferior a:
I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-
se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exequente a renúncia ao crédito do valor
excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do
art. 100.
Na RPV, não é necessário aguardar até o final do exercício seguinte para receber o pagamento.
Não é possível o fracionamento de valores, para o recebimento de parte pelo RPV, e o restante
pelos precatórios (ex.: uma dívida da União de 100 salários mínimos não pode ser fracionada em 60
salários mínimos, pelo RPV, e os 40 restantes, pelo regime de precatórios):
Art. 100 (...) § 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor
pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento
de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de
2009).
Para que possa receber a dívida pelo RPV, a parte terá de renunciar ao restante. Caso não o faça,
terá de ingressar com a demanda na Justiça Comum, e não no JEF.
O STF admite a condenação ao pagamento de honorários advocatícios na RPV, mesmo que a exe-
cução não seja embargada (interpretação conforme ao art. 1º-D da Lei 9.494/97, no RE 420.816).
Vale observar que se a parte inicialmente optar por receber por precatórios, mas renunciar ao
excedente para receber por RPV, caso a Fazenda Pública não haja embargado, não serão devidos hono-
rários. Isso porque, à luz da causalidade, a Fazenda Pública não provocou a instauração da execução,
uma vez que se revelava inicialmente impositiva a observância do art. 730 do CPC (Informativo 537,
REsp 1.406.296).
Conforme o STJ (Informativo 539, REsp1.347.736), que mudou de posicionamento nesse julgado,
é possível que a execução de honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública se faça mediante
437

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RPV, na hipótese em que os honorários não excedam o valor limite a que se refere o art. 100, § 3º, da
CR, ainda que o crédito dito “principal” seja executado por meio do regime se precatórios. Isso porque
os honorários podem ser executados de forma autônoma, independentemente da existência do mon-
tante principal a ser executado.
4.7.3.2. 3.5.3.2 – créditos alimentícios cujos titulares tenham 60
anos ou mais ou sejam portadores de doença grave
O pagamento de créditos de natureza alimentícia é realizado através do regime de precatórios.
Todavia, haverá aqui uma ordem especial diversa da comum. Define os débitos de natureza alimentícia
o art. 100, § 1º, da CR:
Art. 100 (...) § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salá-
rios, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indeniza-
ções por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial
transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles
referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
Essa definição de créditos de natureza alimentícia dada pela CR, de acordo com o entendimento
do STF, traz rol apenas exemplificativo. Ou seja, além desses débitos, outros poderão ser considerados
por lei como de natureza alimentícia.
Há uma diferença entre os créditos de natureza alimentícia em relação ao titular. Se o titular for
pessoa com sessenta anos ou mais ou portador de doença grave (definida em lei), os créditos alimentí-
cios dessas pessoas terão preferência em relação aos demais créditos de natureza alimentícia. Esta or-
dem especial de pagamento está prevista no art. 100, § 2º:
Art. 100 (...) § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de
idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na
forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo
do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finali-
dade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
A CR estabelece que esses créditos alimentícios que têm preferência em relação aos demais devem
corresponder ao triplo do valor dos créditos pagos por RPV (no caso da União, por exemplo, até 180
salários mínimos).
O restante poderá ser fracionado. A CR admite que o alimentante com mais de 60 anos ou porta-
dor de doença grave receba, no caso de verba devida pela fazenda pública federal, até 180 salários mí-
nimos, pelo sistema preferencial, e o restante pela ordem geral dos precatórios.
Importante mencionar que a expressão “na data da expedição do precatório”, constante do art.
100, § 2º, da CR, foi declarada inconstitucional pelo STF (Informativo 698). O Supremo entendeu que
essa limitação viola o princípio da igualdade, sendo que essa preferência deveria ser estendida a todos
os credores que completassem 60 anos de idade enquanto estivessem aguardando o pagamento do pre-
catório de natureza alimentícia.

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No RMS 44.836 (Informativo 535), a 2ª Turma do STJ definiu que esse direito de preferência não
pode ser estendido aos sucessores do titular originário do precatório, ainda que também sejam idosos.
Isso porque esse direito de preferência é conferido pela CR apenas ao credor original e possui caráter
personalíssimo (art. 10, § 2º, da Resolução 115/2010 do CNJ).
No RE 415.932, o STF determinou que o pagamento feito por precatório não admite condenação
em honorários. Isso vale para todos os demais regimes de precatórios que serão estudados. Ainda nessa
decisão, o STF ressalvou expressamente o RPV. No art. 1º-D da Lei 9.494/97 também há essa vedação:
Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não
embargadas. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Há, todavia, uma exceção: se houver embargos à execução da Fazenda, admite-se a condenação
em honorários.
Do contrário, o simples pagamento através de precatórios não pode fazer com que haja pagamento
de honorários, pois o pagamento segundo essa sistemática é uma imposição da própria CR. Ela não tem
outra opção, de modo que não seria razoável exigir outra conduta da Fazenda.
4.7.3.3. 3.5.3.3 – demais créditos de natureza alimentícia
Em terceiro lugar estão os créditos de natureza alimentícia titularizados por qualquer um. Eles
independem de qualquer qualidade do titular e terão preferência sobre os demais da ordem geral sim-
plesmente por serem de natureza alimentícia.
Esses créditos alimentícios não têm um valor limite definido, podendo ser qualquer um. Basta
que seja um crédito alimentício. Não há sentido, portanto, falar-se em fracionamento.
Esta hipótese está prevista no art. 100, § 1º:
Art. 100 (...) § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salá-
rios, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indeniza-
ções por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial
transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles
referidos no § 2º deste artigo [aqueles cujos titulares possuam 60 anos ou mais ou sejam por-
tadores de doença grave]. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
Informativo 521 do STJ: No caso em que a data de vencimento do precatório comum seja anterior
à data de vencimento do precatório de natureza alimentar, o pagamento daquele realizado antes do
pagamento deste não representa, por si só, ofensa ao direito de precedência constitucionalmente esta-
belecido. De fato, a única interpretação razoável que se pode dar ao texto constitucional é que a estrita
observância da ordem cronológica estabelecida pela CF deve ocorrer dentro de cada uma das classes de
precatório – de modo que os precatórios de natureza alimentar seguem uma ordem de pagamento que
não pode ser comparada com a dos precatórios comuns -, porquanto a utilização de interpretação di-
versa praticamente inviabilizaria qualquer pagamento de precatório de natureza comum, o que não se
pode admitir. RMS 35.089-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 9/4/2013.
4.7.3.4. 3.5.3.4 – ordem geral (art. 100, caput, da CR)

439

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Na ordem geral, também não há qualquer restrição em relação ao titular. Qualquer pessoa pode
ser titular do crédito.
Também não há limite de valor, que pode ser qualquer um. Não há, como consequência, que se
falar em fracionamento.
Quanto aos honorários, cabe a mesma regra anteriormente vista: pelo simples pagamento não é
cabível condenação em honorários. Somente haverá em caso de embargos pela Fazenda Pública.
4.7.3.5. 3.5.3.5 – quadro sinótico

v) RPV vi) Crédi- vii) Crédi- viii) Ordem


tos ali- tos ali- geral
mentí- mentí-
cios cios
ix) Qual- x) 60 xii) Qual- xiii) Qual-
quer anos quer quer
titular ou titular titular
mais;
xi) Do-
ença
grave.
xiv) União: xviii) Três xx) Sem li- xxi) Sem li-
60 SM vezes o mite mite
xv) Esta- limite de va- de va-
dos: esta- lor. lor.
40 SM bele-
xvi) Muni- cido
cípios para o
30 SM RPV
xvii) (salvo xix) (no
dispo- caso
sição da
legal União,
em 180 sa-
con- lários
trário) míni-
mos).
xxii) Não xxiii) Ad- xxiv) Não se xxv) Não se
admite mite aplica aplica

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fracio- fracio- even- even-
na- na- tual tual
mento. mento. fracio- fracio-
na- na-
mento. mento.
xxvi) Ad- xxvii) Não xxviii)Não xxix) Não
mite admite admite admite
conde- conde- conde- conde-
nação nação nação nação
em ho- em ho- em ho- em ho-
norá- norá- norá- norá-
rios. rios rios rios
(salvo (salvo (salvo
em- em- em-
bar- bar- bar-
gos). gos). gos).
4.7.3.6. 3.5.2.6 – litisconsórcio e o fracionamento dos créditos

Imagine uma demanda com litisconsórcio ativo de dez autores, sendo que, para alguns deles, a
condenação foi inferior a 60 salários mínimos. Esses autores poderiam receber através do RPV, sepa-
radamente, ou quando se tratar de um processo único os valores têm de ser somados?
De acordo com o entendimento que o STF vem adotando até hoje, há duas regras diferentes, em
relação ao litisconsórcio:
i) em se tratando de litisconsórcio ativo facultativo, em que os autores optam por propor a ação
conjuntamente, o valor devido a cada um dos litisconsortes é considerado isoladamente:
Ou seja, nesse caso é considerado o crédito de cada um dos titulares: os que tiverem créditos
abaixo do limite receberão através do RPV; os que tiverem créditos acima do limite receberão segundo
a ordem geral.
ii) em se tratando de litisconsórcio ativo necessário ou unitário e de ações coletivas, o valor deve
ser considerado em conjunto:
Nesses casos, não se conta o valor por litisconsorte, considerado individualmente. Calcula-se, por-
tanto, o valor total da condenação para se verificar se é ou não cabível o RPV.
Esse é, como dito, o entendimento que o STF vem adotando até hoje. Recentemente, entretanto,
foi admitida a existência de repercussão geral acerca do tema, no RE 601.643 (AGR/DF). Portanto, a
questão está sujeita a análise pelo Pleno do Tribunal.
4.7.4. 3.5.4 – sequestro

441

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A CR prevê, em seu art. 100, § 6º, a possibilidade de sequestro dos valores em determinadas hi-
póteses.
Antes da EC 62/2009, somente quando a ordem cronológica fosse desrespeitada é que se admitia
o sequestro dos valores:
Redação antiga:
Art. 100 (...) § 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente
ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o
pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusiva-
mente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à
satisfação do débito.
Com a EC 62/09, a CR/88 passou a admitir o sequestro da quantia em duas hipóteses:
i) preterimento do direito de preferência:
Esta hipótese é idêntica à anterior. Aqui, houve a previsão orçamentária para o pagamento, mas
no pagamento a ordem cronológica não é observada.
ii) não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do débito:
Trata-se de novidade introduzida pela EC 62/2009.
Art. 100 (...) § 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente
ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o
pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preteri-
mento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do
seu débito, o sequestro da quantia respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de
2009).
Se houve a dotação orçamentária, não houve o preterimento do direito de preferência, mas a
quantia não foi paga no exercício financeiro seguinte, não cabe sequestro. Nesta hipótese, como visto
anteriormente, haverá não só a atualização monetária como os juros de mora.
4.7.5. 3.5.6 – intervenção
Como será visto adiante, há a possibilidade de intervenção federal nos estados e no DF (art. 34,
VI), bem como dos estados no município (art. 35, IV), no caso de não pagamento de precatório. Isso
porque o estado, o DF ou o município estaria descumprindo uma ordem judicial:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em
Território Federal, exceto quando:
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de prin-
cípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão ju-
dicial.
No entanto, até hoje não foi observada nenhuma intervenção federal baseada nessas hipóteses (e
dificilmente haverá, na prática), pois o STF entende que somente será cabível a intervenção quando o

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descumprimento da decisão judicial for voluntário e intencional. A mera ausência de verba para efetuar
o pagamento não justifica a intervenção.
Novelino não considera totalmente equivocado esse entendimento, pois a intervenção deve ser
uma medida de extrema excepcionalidade, na medida em que retira do ente a autonomia constitucio-
nalmente garantida. Agora, dizer simplesmente “voluntário e intencional” é algo muito aberto, pois a
voluntariedade e a intencionalidade são de aferição muito difícil.
4.8. Súmula Vinculante
4.8.1. Aspectos introdutórios
A Súmula Vinculante está prevista no art. 103-A, da CR, e é disciplinada pela Lei 11.417/2006:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão
de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula
que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006). (...)
Ela foi introduzida no direito brasileiro pela EC 45/04 (Reforma do Poder Judiciário). Foi objeto
de grande controvérsia e de críticas, mas foram dois fatores que levaram à sua criação:
i) jurídico:
Juridicamente, o que levou à criação da Súmula foi o excesso de formalismo e de recursos cabíveis.
Esse foi o fator jurídico preponderante, que fazia (e ainda faz) com que os processos tramitassem du-
rante longo período.
ii) econômico:
O fator econômico que levou à criação da Súmula foi o custo da lentidão desses processos. Não
apenas o individual, mas o custo para a sociedade em geral. O processo tramitando por vários anos
movimenta instituições e servidores, acarretando incomensuráveis custos para o Estado.
Portanto, a Súmula Vinculante foi criada com o objetivo de tentar melhorar esses problemas.
A Súmula Vinculante tem, de certa maneira, uma semelhança com o instituto próprio da “com-
mon law” (direito costumeiro) chamado “stare decisis267”.
Como visto por ocasião do estudo do controle de constitucionalidade, o Brasil, um país de tradi-
ções jurídicas romano-germânicas, adota um sistema combinado de controles de constitucionalidade,
difuso (aquele em que o controle de constitucionalidade pode ser realizado por diversos órgãos jurisdi-
cionais) e concentrado (aquele em que apenas o tribunal constitucional é o responsável pela realização
do controle).

267 Trata-se de doutrina que impõe que se dê o devido peso aos precedentes judicias, por meio do “binding
effect” existente no sistema da common law, semelhante ao efeito que no Brasil se atribui às decisões na ADI,
ADC e na ADPF, mas naquele sistema também aplicável ao controle difuso.
443

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O sistema de controle de constitucionalidade difuso é típico do direito norte-americano, um país
de “common law”. O sistema de controle concentrado é típico dos países da Europa continental, que
adotam o sistema de “civil law” (direito civil, legislado).
No sistema europeu, as decisões têm efeitos erga omnes (valem para todos) e vinculantes (vincu-
lando os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública). Quando a decisão é proferida
no controle difuso, o efeito dela é inter partes.
O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade é bastante incoerente. O STF pode exercer
controle difuso e concentrado. No sistema concentrado, a ação é proposta diretamente no STF, sem
discussão por outros órgãos jurisdicionais e sem maior debate perante a sociedade. Mesmo assim, a
decisão proferida é erga omnes e vinculante. Uma liminar do STF pode suspender os efeitos de uma
emenda constitucional recém-criada sem que a questão tenha sido discutida por vários anos, sem que
tenha passado por outras instâncias. Por outro lado, uma questão que ingresse no STF através do con-
trole difuso (Recurso Extraordinário) já foi discutida pelo menos em primeira e segunda instâncias (isso
sem falar nas publicações doutrinárias, discussões acadêmicas, decisões judiciais diversas, amadureci-
mento da questão etc.). Mesmo assim, depois de todo esse amadurecimento, quando chega ao STF é
decidida com efeitos apenas efeitos inter partes.
Veja a incoerência: uma lei questionada via ADI em poucos meses pode ser declarada inconstitu-
cional, enquanto que uma lei amplamente discutida na sociedade, quando chega no STF via controle
difuso, somente tem efeitos entre as partes.
Isso gera uma série de problemas, pela seguinte razão: o sistema difuso norte-americano funciona
bem na common law, pois nos países que adotam o direito costumeiro existe a regra do “stare decisis”,
que impõe aos juízes e tribunais a obrigatoriedade de conferir o devido peso ao precedente judicial.
Veja, da mesma forma que no sistema da civil law a constituição e as leis vinculam o Poder Judiciário,
no da common law vinculam o Poder Judiciário não somente a lei, mas os costumes e, sobretudo, os
precedentes judiciais.
Os precedentes judiciais (as decisões das cortes superiores) vinculam as decisões das cortes infe-
riores. Tal vinculação é chamada de “binding effect” (que seria algo muito parecido com o nosso efeito
vinculante).
Tomas Bustamante estudou e ministrou aulas na Universidade de Aberdeen, tendo pesquisado
muito o sistema common law. Segundo o autor, o respeito que há nos países da common law pelo pre-
cedente é muito maior que o existente no Brasil pelas leis. O “positivismo” em relação à observância do
precedente lá é muito maior que o “positivismo” em relação à observância da lei aqui.
Nesse sistema de controle difuso, apesar de a decisão ser inter partes existe essa vinculação das
cortes inferiores, que têm todas de observar o precedente. No Brasil, por influência de Rui Barbosa, foi
importado na Constituição de 1891 o sistema de controle difuso, mas pela metade, porque o efeito é
inter partes, mas não existe o “binding effect” (o efeito vinculante decorrente das decisões do STF). A

444

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intenção de Rui Barbosa era de trazer também aquele efeito, mas na hora de consagrarem o instituto
optaram por não importá-lo.
O mecanismo encontrado para tentar suprir esse problema, a partir das Constituições de 1934 e
1937, foi conferir ao Senado o poder de suspender a execução da lei declarada inconstitucional, em con-
trole difuso, pelo STF (art. 52, X, da CR), o que nem sempre ocorre.
A Súmula Vinculante acaba aproximando o sistema brasileiro do da common law. A ideia é muito
parecida com a das stare decisis. Claro que os institutos não se confundem. Lá, o que vincula é o prece-
dente, não havendo súmulas vinculantes. Todavia, a Súmula Vinculante tem por finalidade aproximar
os sistemas de civil law e common law.
Aliás, essa tendência de aproximação entre os sistemas ocorre de ambos os lados. Os países de
common law têm hoje uma série de normas positivadas em leis. Os de civil law, por outro lado, estão
cada vez mais adotando a força dos precedentes judiciais.
4.8.2. Natureza das Súmulas Vinculantes
Na doutrina, existe uma grande divergência acerca da natureza da Súmula Vinculante (jurisdici-
onal, legislativa etc.). Há três posicionamentos que merecem ser mencionados: natureza legislativa, ju-
risdicional e um terceiro gênero.
4.8.2.1. Natureza legislativa

Segundo este posicionamento a Súmula Vinculante teria natureza legislativa porque permite a
produção de atos normativos gerais e abstratos. Para esta corrente, a Súmula Vinculante seria uma es-
pécie de lei. É como se o Judiciário estivesse legislando.
Defende esta corrente Lenio Luiz Streck (uma figura importante e polêmica no cenário jurídico
brasileiro).
4.8.2.2. Natureza jurisdicional
Para esta corrente, a Súmula Vinculante teria natureza jurisdicional porque necessita de provo-
cação e do julgamento de diversos casos anteriores.
Adota esse posicionamento, dentre outros, Jorge Miranda (autor português).
Observe que um desses aspectos mencionados pelo autor, relativo à provocação, não se aplica
muito exatamente ao caso das Súmulas Vinculantes brasileiras. No Brasil, a Súmula Vinculante não
precisa de provocação, podendo ser editada de ofício pelo STF.
4.8.2.3. “tertium genus” (terceiro gênero)

Para esta corrente, a Súmula Vinculante seria um terceiro gênero, pois estaria interposta entre o
abstrato dos atos legislativos e o concreto dos atos jurisdicionais. Ou seja, ela teria características tanto
legislativas quanto jurisdicionais.
Este é o entendimento adotado por Mauro Cappelletti.

445

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O STF, em decisão proferida pelo Ministro Celso de Melo268, considerou que a Súmula Vinculante
possui natureza constitucional específica: são normas de decisão, têm poder normativo. Para o Minis-
tro, a Súmula comum tem natureza processual, pois nada mais é que uma compilação de julgados acerca
do mesmo tema, num mesmo sentido. Já a Súmula Vinculante tem um poder normativo, pois através
dela o STF cria uma norma geral.
4.8.3. Objetivo / objeto da Súmula Vinculante
De acordo com o Art 103-A, § 1º da CR, “A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação
e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judi-
ciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica”.
Assim, nota-a se que o objeto da SV é a validade, interpretação e eficácia de determinadas normas
sobre as quais esses pontos não estejam bem definidas, seja por controvérsia atual no judiciário ou na
administração pública. Para evitar que a norma seja interpretada de formas distintas, fazendo que as
mesmas regras e decisões e soluções orientem casos semelhantes, exigência lógica de um Estado De-
mocrático de Direito.
A relevante multiplicação de processos não é necessária. A Súmula pode ser usada para evitar que
ocorra essa multiplicação.
4.8.4. Requisitos para a edição de uma Súmula Vinculante
A CR e a lei exigem determinados requisitos para a edição de uma Súmula Vinculante: existência
de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, iniciativa do STF ou de um dos legitimados e ob-
servância do quórum de aprovação.
4.8.4.1. Reiteradas decisões sobre matéria constitucional

Para que uma Súmula Vinculante possa ser editada, não basta apenas um, mas um certo número
relevante de precedentes sobre matéria constitucional num mesmo sentido que demonstrem um enten-
dimento pacificado do tribunal.
Quando se fala em “matéria constitucional”, não se está referindo ao sentido específico de maté-
rias constitucionais (direitos fundamentais, organização do estado e organização dos poderes), mas em
sentido amplo (qualquer conteúdo do texto constitucional).
O STF, como se percebe, não tem observado muito este requisito. Há súmulas vinculantes que
chegaram a ser elaboradas com duas ou três decisões anteriores.
4.8.4.2. Iniciativa do STF ou de um dos legitimados

268 STF – Rcl 3.979 AgR: “Súmulas vinculantes. Natureza constitucional específica (art. 103-A, § 3º, da CF)
que as distingue das demais súmulas da Corte (art. 8º da EC 45/2004). Súmulas 634 e 635 do STF. Natureza
simplesmente processual, não constitucional. Ausência de vinculação ou subordinação por parte do STJ.”.
446

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A Súmula Vinculante pode ser elaborada de duas formas: i) de ofício, pelo tribunal; ou ii) através
de provocação, para que o tribunal edite a súmula vinculante.
Podem provocar o tribunal, além dos legitimados do art. 103, três outros: i) o Defensor Público-
Geral da União; ii) os tribunais; e iii) os Municípios (desde que incidentalmente, no curso de pro-
cessos em que sejam parte. Nesse caso, o processo prossegue normalmente, não sendo paralisado até
decisão de SV pelo STF.).
Os legitimados podem pedir tanto para que o STF edite a Súmula quanto para que ele reveja ou
cancele determinada Súmula.
Nesse sentido o art. 3º, caput, da Lei 11.417/2006:
Art. 3o São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula
vinculante:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – o Procurador-Geral da República;
V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI - o Defensor Público-Geral da União;
VII – partido político com representação no Congresso Nacional;
VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
IX – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territó-
rios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Elei-
torais e os Tribunais Militares.
§ 1o O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a
edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão
do processo. (...)

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4.8.4.3. Quórum
Para que uma súmula vinculante possa ser editada, o quórum exigido pela CR é de 2/3 (dois
terços), que corresponde a oito ministros. Além disso, é necessário que haja publicação para que
a súmula produza efeito vinculante.
Se o STF desejar, pode conferir efeito vinculante às Súmulas editadas anteriormente à EC
45/2004.
O art. 8º da EC 45/2004, que não restou incorporado ao texto constitucional, determina que o
STF pode submeter as Súmulas anteriores à EC e conferir a elas efeito vinculante, mediante a aprovação
por dois terços:
Art. 8º As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante
após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial.

4.8.5. Efeitos da súmula vinculante


Ainda que a CR fale “súmula vinculante”, sabe-se que o correto deveria ser “enunciado de súmula
do tribunal com efeito vinculante”.

448

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Este efeito vinculante é o mesmo estudado na ADC, ADI e ADPF. Ficam por ele vinculados:
i) os demais órgãos do Poder Judiciário; e ii) a administração pública, direta e indireta, de todas as
esferas (federal, estadual, municipal e distrital).
O STF não fica vinculado à Súmula Vinculante. Não fosse assim, não poderia cancelá-la ou revê-
la. Além do STF, não fica também vinculado o Poder Legislativo, que pode editar lei ado-
tando entendimento diverso do adotado pelo STF.
Do mesmo modo, o chefe do Poder Executivo também não fica vinculado em sua função legife-
rante, com seus decretos ou iniciativas de leis.
Nesse caso, haverá o que vem sendo chamado de “diálogo interinstitucional” ou “diálogo consti-
tucional” entre os poderes. O STF pode ser deferente ao posicionamento adotado pelo legislador ou
decidir novamente em sentido contrário. Neste caso, o legislador pode fazer uma emenda constitucional
sobre o tema, o que novamente abre o diálogo para que o STF diga se ela é constitucional ou se viola
cláusula pétrea da CR. Se o legislador ou o STF ficassem vinculados, o diálogo acabaria. Haveria uma
petrificação da CR (“fossilização da Constituição”), da discussão e dos debates jurídicos.
Como regra, a Súmula Vinculante começa a produzir efeitos a partir de sua publicação. Isso sig-
nifica que ela produz efeito ex nunc. Na ADI, como visto, o efeito regra é o contrário (ex tunc, retroativo).
Cumpre destacar que também pode haver uma modulação temporal dos efeitos da Súmula Vinculante
pelo STF (art. 4º da Lei 11.417/2006):
Art. 4o A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata [ex nunc, desde a sua publica-
ção], mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá res-
tringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.
Portanto, assim como o STF, pelas mesmas razões, pode modular os efeitos da ADI, ADC e ADPF,
ele pode fazê-lo também na Súmula Vinculante.
Nos debates que deram origem à Súmula Vinculante nº 11, relativa ao uso de algemas, o STF dei-
xou estabelecido que a súmula vinculante tem efeito impeditivo de recurso, ou seja, permite aos tribu-
nais negar admissibilidade de RE ou AI que tratem de tema nela estabelecido.
4.9. Reclamação constitucional
As mudanças promovidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004 e pelo novo CPC buscam di-
minuir o grande número de ações julgadas pelo Supremo Tribunal Federal.
A reclamação surgiu inicialmente através de uma criação da jurisprudência, com base nos chama-
dos “implied powers” (poderes implícitos). Tratava-se de um poder implícito nos próprios poderes do
tribunal: mesmo sem previsão constitucional ou legal, implicitamente os tribunais deveriam dispor de
um mecanismo para fazer com que suas decisões fossem cumpridas. Foi uma forma criada pela juris-
prudência para preservar a autoridade de suas decisões.
O instituto acabou por ser positivado no Regimento Interno em 1957, e este adquiriu força legal
com a CF/1967.

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Com a CR/88, a reclamação passou a ter status constitucional. Ela está expressamente prevista
para o STF (art. 102, I, “l”) e para o STJ (art. 105, I, “f”):
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-
bendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: (...)
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente: (...)
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
Com o advento do CPC de 2015 (Art. 988 a 993) houve grande ampliação das competências do
instituto, sendo que atualmente todos os tribunais são competentes para apreciar a Recla-
mação.
Existe grande divergência na doutrina acerca da natureza da reclamação. Alguns autores enten-
diam que ela seria um recurso, outros que seria um sucedâneo recursal ou uma medida processual, mas
o entendimento predominante na doutrina é o de Pontes de Miranda que defende ser a RCL uma ação
propriamente dita.
Como nada no Direito Brasileiro é tranquilo, o STF tem um entendimento no sentido de a RCL
seria “instituto de natureza processual constitucional, situado no âmbito do direito de petição”269.
Um aspecto que hoje já está pacificado é o de que a reclamação é uma medida jurisdicional. Havia
antes uma divergência, pois alguns entendiam que ela era uma medida meramente administrativa,
como uma espécie de correição.
Quanto ao objeto, cumpre observar que a reclamação tem uma dupla função de ordem político-
jurídica, que vale tanto para o STJ quanto para o STF e com a sistemática do NCPC os demais tribunais.
Ambos os tribunais podem julgar a reclamação nos dois casos abaixo:
i) Preservação da competência:
Os casos mais comuns de preservação de competência em que cabe reclamação no STF são: con-
flitos entre estados federativos ou entre a União e estado; reclamação de autoridades que têm foro por
prerrogativa de função no STF; utilização das ações civis públicas como sucedâneos da ADI; e decisões
proferidas pelos Juizados Especiais que negam seguimento aos Recursos Extraordinários.

269 STF – ADI 2.212/CE: “[...] 1. A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação
e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto
no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela
via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito proces-
sual (art. 22, I, da CF) ...” (decisão anterior ao novo CPC que regulamentou o tema para os Estados, a decisão
visava retirar a RCL do âmbito da competência privativa da União).
450

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Obs.: Não é cabível, todavia, a reclamação per saltum, que suprime instâncias a fim de se chegar
ao Supremo.
Obs.: No caso de Ação Civil Pública, que para fins de controle de constitucuinalidade somente
cabível quando o pedido tenha efeitos concretos, em que a inconstitucionalidade seja apenas a causa de
pedir, a fundamentação, uma questão incidental de mérito e não o pedido final, caso usada para fins de
controla abstrato (o pedido de inscontitucionaldade é o mérito da ACP), caberá RCL.
ii) Garantia da autoridade das decisões:
Proferida decisão do STF no controle concentrado abstrato, como ela tem efeito erga omnes e
vinculante, qualquer pessoa atingida por outra decisão contrária ao entendimento do STF pode ajuizar
a reclamação.
Por outro lado, se o entendimento adotado pelo STF foi num controle difuso/incidental (ex: HC
ou MS), em tese quem pode ajuizar a reclamação no STF são as partes que participaram do processo
subjetivo. Isso porque a decisão, nesses casos, geralmente tem efeito inter partes.
Essa hipótese tem lugar segundo entendimento recente do STF, no sentido de que não se pode
diferenciar o processo constitucional em subjetivo e objetivo na Suprema Corte, devendo todos ter o
mesmo efeito, entre as partes e erga omnes.

Com isso, o STF passou a estender os efeitos do controle normativo abstrato ao controle inci-
dental, a fim de que seja erga omnes e vinculante também, mas continua sendo incabível a reclamação
per saltum em processo em que não seja parte o reclamante, o qual não poderá questionar direta-
mente no Supremo Tribunal de Justiça.

Finalmente, segundo o CPC/2015:

CPC, Art. 988, § 5º: “É inadmissível a reclamação:


I– proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;
II– proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão
geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repeti-
tivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
Quanto à legitimidade ativa, é importante lembrar que como visto qualquer pessoa atingida
pelo ato contrário à orientação do Tribunal. Em um processo constitucional subjetivo, por exemplo, a
legitimidade caberia às partes do processo; em um processo constitucional objetivo, ou súmula vincu-
lante, qualquer pessoa atingida por decisão contrária poderia ajuizar uma Reclamação no STF.
Com o Novo CPC, em atenção ao consagrado entendimento do STF, o MP também foi alçado
à legitimado ativo para a RCL.
4.10. Recurso Extraordinário e Especial
4.10.1. Noções gerais
Também chamado de recurso de estrito direito, diversamente dos recursos ordinários possuem
por finalidade principal tutelar os direitos subjetivos das partes tanto RE quanto REsp visam fomentar
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a unidade do ordenamento jurídico, fixando o sentido e o alcance dos dispositivos constitucionais (Re-
curso Extraordinário) e das leis federais (Recurso Especial).
Ademais, o NCPC reforçou o perfil objetivo dos Recursos de Estrito Direito, assim, temos como
exemplo:
i) A valorização dos precedentes judiciais (Art. 926 e 927);
A preocupação dos Tribunais nos recursos ordinários é de fazer justiça no caso concreto, às partes
envolvidas, enquanto a preocupação dos Tribunais Superiores nos recursos extraordinários é prospec-
tiva, preocupada com a interpretação e aplicação futura das normas.
ii) Desconsideração de vícios formais de menor relevância (art. 1.029, § 3º);
Em certos casos, “O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá descon-
siderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”.
Assim, se os Tribunais Superiores entenderem que ainda eivado de vício forma, desde que não
reputado grave, caso o tema seja relevante, realizarão o julgamento mesmo assim, uma vez que a fina-
lidade deste não é proteger o direito individual das partes, mas sim, fixar a orientação a ser observada
pelos demais juízes e tribunais.
iii) Livre trânsito entre STF e STJ para fins de admissibilidade recursal (art. 1.032);
iv) Julgamento em bloco dos recursos repetitivos (Arts. 1.136 a 1.139).
O Recurso Extraordinário está previsto no art. 102, III, da CR, e é regulamentado pela Lei
11.418/2006, no que se refere à repercussão geral:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-
bendo-lhe: (...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,
quando a decisão recorrida: (...)
Neste tópico, serão analisados alguns aspectos constitucionais do RE, e não os processuais civis.
Quando a CR fala em causas decididas em última ou única instância, isso significa que é necessá-
rio o esgotamento das vias recursais ordinárias. Ou seja, o RE tem de ser o recurso final. Não pode ser
cabível outro recurso e todos os cabíveis têm de ser sido interpostos. Esse entendimento é pacífico na
jurisprudência do STF, e está inclusive previsto na Súmula 281:
Súmula 281 - É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, re-
curso ordinário da decisão impugnada.
Ainda com relação ao esgotamento das vias ordinárias, quando a CR fala em única ou última ins-
tância, isso significa que não cabe RE de decisões liminares. Além do esgotamento da via recursal, por-
tanto, a decisão do STF tem de ser definitiva de mérito.
Observe que o que o RE impugnará é a decisão recorrida. Assim, para o cabimento do RE, é ne-
cessário o prequestionamento, que é a demonstração de que os dispositivos constitucionais apontados
como violados foram enfrentados no acórdão ou nos embargos de declaração opostos contra o acórdão.
Assim, é necessário que tenha havido debate ou uso de fundamento sobre o tema previamente à
interposição do recurso. Assim, o prequestionamento consiste no debate e na decisão do Tribunal de
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origem acerca de questão constitucional ou federal em pauta, não bastando apenas a mera citação do
dispositivo. É imprescindível que o ato recorrido tenha enfrentado a tese jurídica envolvendo a com-
preensão da matéria, sendo até dispensável que ocorra a citação expressa aos preceitos violados.
Portanto, deve haver na decisão recorrida debate prévio acerca do tema constitucional, para o
cabimento do RE.
As Súmulas 282 e 356 do STF dizem respeito ao prequestionamento:
Súmula 282 - é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida,
a questão federal suscitada.
Súmula 356 - o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios,
não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.

4.10.2. Hipóteses de cabimento


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-
bendo-lhe: (...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,
quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
4.10.2.1. Decisão contrária a dispositivo da Constituição

Nesta hipótese de cabimento, o STF exige que a ofensa seja direta, e não meramente reflexa. Ex.:
é comum a alegação da violação do princípio do devido processo legal, por não terem sido aplicadas as
normas processuais atinentes ao caso. Isso não é uma ofensa direta, pois se tem de recorrer ao ordena-
mento infraconstitucional para analisar a sua existência.
A Súmula 636 determina que não cabe recurso extraordinário por violação ao princípio constitu-
cional da legalidade quando a verificação de tal violação pressuponha rever a interpretação dada a nor-
mas infraconstitucionais pela decisão recorrida. Veja que, nesse caso, a violação foi indireta, pois a
norma efetivamente violada foi a infraconstitucional:
Súmula 636 - não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da
legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucio-
nais pela decisão recorrida.
Com a EC 45/2004, entra também nesta hipótese a violação a tratados internacionais de direitos
humanos, previstos no art. 5º, § 3º, que são aqueles que têm status de emenda à CR.
4.10.2.2. Decisão que declara a inconstitucionalidade de tratado ou
lei federal

Uma vez que o dispositivo fala em “declarar a inconstitucionalidade”, não cabe RE no caso de
normas anteriores à CR, pois nesses casos não haverá a declaração de inconstitucionalidade. Ex.: não
cabe RE se a decisão declarar que uma norma de lei federal ou de tratado é incompatível com a CR por
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não haver sido recepcionada por ela. Como visto, leis anteriores não são consideradas inconstitucionais,
mas não recepcionadas.
4.10.2.3. Decisão que julga válida lei ou ato de governo local contes-
tado em face da Constituição
Quando a CR fala em “lei ou ato de governo local”, ela se refere tanto à lei ou ato de governo
estadual quanto municipal. O “local” poderia levar a crer que seria a hipótese somente de leis ou atos
municipais, o que não prevalece no STF.
Esta hipótese se justifica porque, com a declaração de constitucionalidade da lei ou do ato nor-
mativo estadual ou municipal pelo tribunal, poderia em tese haver uma violação à Constituição, caso a
lei ou o ato seja de fato inconstitucional. Daí o cabimento de RE, para que o STF analise a questão.
4.10.2.4. Decisão que julga válida lei local contestada em face de lei
federal

A competência para o julgamento de recurso contra decisão que julga válida lei local contestada
em face de lei federal era do STJ, tendo sido atribuída ao STF com a EC 45/2004.
Cabe ao STF o julgamento desse conflito de leis porque, para a solução do conflito, deve-se recor-
rer à CR. Como não existe hierarquia entre essas leis, a análise do conflito demanda a análise da Cons-
tituição da República.
A atribuição de tal competência ao STJ acabava dando a impressão de que a lei federal seria su-
perior às demais, o que não é verdade. Por isso foi necessário que a EC 45/2004 fizesse essa exceção.
4.10.3. Repercussão geral
O art. 102, § 3º, da CR, introduzido pela EC 45/2004, prevê a necessidade de repercussão geral
para o conhecimento do Recurso Extraordinário:
Art. 102 (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral
das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei [Lei nº 11.418/2006], a fim de que
o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços
de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
A repercussão geral é um instrumento de filtragem recursal. É um requisito de admissibilidade
recursal intrínseco e prejudicial a qualquer outro.
A repercussão geral, portanto, é a primeira coisa que será a analisada. Para que o requisito seja
atendido, é necessária a presença do binômio relevância e transcendência.
Para que o RE seja admitido, deve ser demonstrada a relevância social, econômica, jurídica ou
política. E para que haja a transcendência, a questão tem de ultrapassar, transcender o interesse subje-
tivo das partes. Esse binômio está previsto no art. 543-A, § 1º, do CPC:
Art. 543-A (...) § 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de
questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interes-
ses subjetivos da causa. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

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Ou seja, para que o RE seja admitido, o interesse deve ultrapassar o das partes e ser relevante. O
filtro recursal serve justamente para evitar que essas questões envolvendo litígios meramente individu-
ais cheguem ao STF, que é na verdade o guardião da CR.
A Lei 11.418/2006 (leitura sugerida) trouxe alterações ao Código de Processo Civil. Ela não trata
da repercussão geral em matéria penal. Surge a questão: em matéria penal é também exigida a obser-
vância do requisito da repercussão geral? O entendimento do STF é no sentido de que todo o RE, para
ser admitido, tem de ter repercussão geral (tem de passar por esse filtro de admissibilidade), inclusive
em matéria penal.
Para a rejeição da repercussão geral pelo STF, o quórum exigido pela CR é de 2/3 dos membros
do tribunal.
4.11. Das funções essenciais à Justiça
São funções essenciais à Justiça o Ministério Público, a advocacia privada (OAB) e a Defensoria
Pública.
4.11.1. Ministério Público
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Es-
tado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indi-
viduais indisponíveis.
O legislador constituinte estabeleceu o MP como função essencial à Justiça, pois não há processo
sem partes. O juiz, em regra, só age mediante provocação do advogado ou do MP (princípio da inércia).
A razão pela qual, como regra, o juiz não pode agir de ofício é que isso comprometeria sua impar-
cialidade. É a própria garantia do devido processo legal. A imparcialidade do magistrado é, além disso,
uma garantia do cidadão.
O MP é a instituição que provoca processualmente o magistrado, assim como os advogados.
Há quem critique o capítulo IV da CR, dizendo o legislador disse menos do que devia. As funções
ali colocadas são essenciais à própria existência do Estado.
4.11.1.1. Posição constitucional do MP
Qual é a posição constitucional do MP? O MP é um poder ou está inserido dentro do Poder Exe-
cutivo? O art. 2º fala da existência de três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Portanto, o MP
não é um poder. Por outro lado, topologicamente, o MP possui um capítulo dedicado a ele. Por isso,
alguns doutrinadores afirmam ser ele um poder.
A primeira Constituição Brasileira, de 1824, não tratou do Ministério Público. Já o Código de Pro-
cesso Criminal do Império, de 1832, falava do “Promotor de Acusação”.
A primeira Constituição Republicana, de 1891, dizia que o Procurador-Geral da República seria
escolhido dentre os Ministros do STF. Daí a doutrina entender que o MP estaria posicionado dentro do
Poder Judiciário.

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Na Constituição de 1934, o MP seria uma atividade de cooperação governamental. Defende-se
que, por essa constituição, o MP estaria dentro do Poder Executivo. A Constituição de 1937 não tratou
o MP de forma independente, diminuindo as suas atribuições. No entanto, entende-se que ele ainda
estaria dentro do Poder Executivo.
Pela Constituição de 1946 (democrática), o MP era uma instituição independente, não inserido
em nenhum dos Poderes (Legislativo, Executivo ou Judiciário). Em 1967, a Constituição colocava o MP
dentro da organização do Poder Judiciário. Já em 1969, o MP estava inserido no Poder Executivo. In-
daga-se: e em 1988, qual a posição constitucional do MP?
Sabe-se que, tecnicamente, não é correto falar em divisão tripartite de poderes, pois o poder é uno
e indivisível. Sendo assim, o poder se manifesta através de órgãos independentes: Legislativo, Executivo
e Judiciário. O correto, portanto, é falar em divisão orgânica de poderes (divisão de funções) e não em
divisão tripartite de poderes.
Hoje, há duas correntes:
1ª corrente: o MP faz parte do Poder Executivo (não é um poder autônomo). É o Presi-
dente da República que escolhe o PGR e são os Governadores que escolhem os PGJ’s. Essa posição
é defendida por José Afonso da Silva (minoritária).
2ª corrente: o MP é uma instituição extrapoder. Não é poder, mas exerce atribuições de
poder e seus membros possuem garantias de poder. Formalmente, há três órgãos que exercem
poder e o MP não está contido entre eles (art. 127 da CR). Defende essa corrente Alexandre de
Moraes. Em concursos do MP, deve-se defender essa posição.
4.11.1.2. Estrutura do Ministério Público
Na CR de 1988, a estrutura do MP é tratada no art. 128:
Art. 128. O Ministério Público abrange:
I - o Ministério Público da União, que compreende:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II - os Ministérios Públicos dos Estados.
O Brasil é uma federação com três pessoas políticas com capacidade política: União, Estados e
Municípios. Essa divisão entre MP da União e MP dos Estados decorre da forma de estado adotada. Por
opção política, a pessoa jurídica Município não é dotada de Poder Judiciário, ou seja, a CR não quis
ofertar aos Municípios um Poder Judiciário.
4.11.1.2.1. Ministério Público da União
O MPU reparte-se em quatro: MPF, MPT, MPM e MPDFT.
O MPU é chefiado pelo Procurador-Geral da República, que deve ser escolhido pelo Presidente da
República dentre brasileiros natos, membros da instituição, com mais de 35 anos. O Presidente escolhe
e indica ao Senado Federal, que deve aprovar a escolha por maioria absoluta de votos. Antes da CR de
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1988, o PGR não precisava ser membro da instituição e poderia ser afastado pelo Presidente a qualquer
momento.
Hoje, só o Senado pode afastar o PGR. O Presidente da República sozinho não pode demitir o
PGR ad nutum.
O PGR é o presidente do CNMP. Ele exerce mandato de dois anos, permitindo-se reconduções, a
depender do Presidente da República. No entanto, a cada recondução, necessária se faz a aprovação
pelo Senado por maioria absoluta de votos.
O MPT tem um Procurador-Geral do Trabalho, assim como os demais ramos do MPU, excetu-
ando-se o MPF, que tem como chefe administrativo o próprio PGR.
Os Procuradores-Gerais do MPT e do MPM são escolhidos pelo PGR, de uma lista de três nomes,
fornecida pela própria instituição. O mandato é de dois anos, permitindo-se uma única recondução. É
diferente do Procurador-Geral do MPDFT, que é escolhido pelo Presidente da República, através de
lista tríplice fornecida pela própria instituição. O mandato também é de dois anos, permitida uma única
recondução por mais dois anos.
4.11.1.2.2. Ministério Público Federal
O Procurador da República oficia perante o Juiz federal. Ele pode ser promovido a Procurador-
Regional da República e, nesse caso, oficiará perante um TRF. Poderá, ainda, ser promovido a Subpro-
curador da República, que oficia perante o STJ. O Procurador-Geral da República oficia perante o STF.
Qual a razão de o DF, pessoa jurídica com capacidade política, não ter um MP próprio, como
ocorre com o MP dos Estados? O DF tem capacidade política híbrida, sendo diferente dos estados. O
DF não é dividido em Municípios, como os Estados (art. 32 da CR). As cidades satélites são descentra-
lizações administrativas:
Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada
em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa,
que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
Por isso, a CR dá maior autonomia aos estados, sendo que podem ser divididos em municípios,
têm MP próprio etc.
4.11.1.2.3. Ministério Público Estadual
Cada estado da federação, em razão de sua autonomia, possui autoridades próprias. O chefe do
MPE é o Procurador-Geral de Justiça, que não pode ser confundido com o Procurador-Geral do Estado,
que é o advogado-geral do estado.
O PGJ é escolhido pelo Governador do estado, dentre uma lista tríplice fornecida pela instituição.
Ele exerce mandato de dois anos, permitindo-se uma única recondução (diferentemente do PGR).
PGR PGJ
É escolhido pelo Presidente É escolhido pelo Governador
É chefe do MPU É chefe do MPE

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A escolha é livre do Presidente da Repú- O Governador escolhe dentre uma lista de
blica, dentre membros da instituição, sem três nomes, votados pelos membros da ins-
necessidade de eleição. tituição.
Exerce mandato de dois anos, permitindo- Exerce mandato de dois anos, permitindo-
se quantas reconduções o Presidente dese- se uma única recondução.
jar.
O Promotor de Justiça oficia perante o Juiz de Direito e o Procurador de Justiça oficia perante os
TJ dos estados.
O PGJ precisa ter seu nome aprovado pelo parlamento estadual? Não, pois a constituição estadual
não pode sujeitar a aprovação do PGJ à vontade da Assembleia Legislativa, sob pena de inconstitucio-
nalidade.
4.11.1.2.4. MP junto aos Tribunais de Contas
O art. 130 fala de um MP que atua junto aos Tribunais de Contas:
Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as dispo-
sições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.
O STF já decidiu que esse artigo criou um MP próprio dentro dos Tribunais de Contas da União e
dos Estados. É o chamado MP Especial de Contas ou dos Tribunais de Contas.
4.11.1.3. Atribuições do MP
As atribuições do MP estão estabelecidas no art. 127 da CR:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Es-
tado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indi-
viduais indisponíveis.
i) é uma instituição permanente:
Ou seja, não pode ser extinto, por exemplo, por uma proposta de emenda à Constituição (princípio
da permanência).
ii) é essencial à função jurisdicional do estado (princípio da essencialidade):
Não existe prestação jurisdicional sem autor, como visto. Por isso, é preciso que as instituições
provoquem o juiz. O MP cumpre exatamente esse papel de provocador da jurisdição.
iii) defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indis-
poníveis:
Ordem jurídica é o conjunto de regras e princípios aplicáveis em um Estado em determinado pe-
ríodo. O MP é o fiscal da lei e da Constituição.
Democracia significa dominação do povo. Não significa apenas eleição, que é uma das suas con-
sequências. A defesa do regime democrático trazido pelo art. 127 da CR significa a defesa da liberdade,
da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

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Interesses referem-se a direitos, posição jurídica necessária à satisfação de uma necessidade. Os
interesses sociais estão previstos principalmente no art. 6º da CR, e o MP deve velar pela sua observân-
cia. Já os interesses individuais estão previstos no art. 5º da CR e espraiados por toda ela.
4.11.1.4. Funções institucionais do MP

As funções institucionais do MP estão previstas no art. 129 da CR, que é uma decorrência do art.
127:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direi-
tos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União
e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada
no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fun-
damentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade,
sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Importante observar que se trata de rol meramente exemplificativo, conforme a primeira parte
do inciso IX do art. 129 da CR. A lei pode estabelecer outras atribuições ao MP, que não se incluam
como direitos indisponíveis? Não, pois o art. 127 é claro ao afirmar que ao MP incumbe a defesa de
direitos individuais indisponíveis.
4.11.1.5. Princípios institucionais do MP
Os princípios institucionais do MP estão previstos no § 1º do art. 127 da CR. São eles: i) unidade;
ii) indivisibilidade; iii) independência funcional. Esses são os princípios constitucionais expressos:
Art. 127 (...) § 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade
e a independência funcional.
4.11.1.5.1. Unidade
Unidade significa dizer que existe apenas um MP. No momento em que o membro do MP fala,
quem está falando é a própria instituição. A unidade do MP se faz dentro da própria instituição.
4.11.1.5.2. Indivisibilidade
Como decorrência da unidade, há a indivisibilidade, que significa a possibilidade de substituição
de uns pelos outros. Assim, um Promotor oferece a denúncia, outro Promotor pode oferecer alegações
finais e outro pode fazer a audiência. Note que a invisibilidade se faz dentro da mesma unidade. Ou
seja, um Promotor de Goiás só pode substituir outro Promotor de Goiás e não um Promotor de SP.
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4.11.1.5.3. Independência funcional
Independência funcional quer dizer ausência de subordinação hierárquica no exercício das atri-
buições constitucionais. O PGR ou o PGJ não mandam no exercício das atribuições dos Promotores ou
dos Procuradores da República. Uns não obedecem às ordens dos outros.
O PGR é apenas o chefe administrativo do MP, e não chefe das atribuições constitucionais dos
membros do MP. Isso garante ao cidadão que ele será denunciado por um Promotor independente.
Vale ressaltar que a independência funcional destina-se ao membro do MP, ao passo que no art.
127, § 2º, da CR está prevista a autonomia funcional, que se destina à instituição MP:
Art. 127 (...) § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, po-
dendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos
e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remu-
neratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Aos membros do MP, como visto, aplicam-se as mesmas garantias dos magistrados: vitaliciedade,
irredutibilidade de subsídios e inamovibilidade.
4.11.1.5.4. Promotor Natural
Ao lado dos princípios expressos, está o princípio do Promotor natural, implícito na CR. É a ga-
rantia fundamental do cidadão de que ele só será processado por membros do MP previamente estabe-
lecidos. Com isso são evitadas designações arbitrárias, ou seja, Promotores designados para pedir a
acusação ou absolvição, de acordo com a vontade do PGR ou PGJ. A sua existência não é pacífica, mas
a doutrina majoritária concorda com esse princípio, que decorre do todo constitucional.
4.11.1.5.5. Possibilidade de investigação por parte do MP
Existem decisões do STF e STJ no sentido de que o MP pode realizar investigações, mas as asso-
ciações policiais defendem posicionamento em sentido contrário.

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