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Resumo
Este artigo busca refletir sobre a constituição do espaço escolar na prisão. Primeiramente apresentamos os
marcos legais da Educação de Jovens e Adultos Presos. Em seguida as especificidades da educação prisional
perante a diversidade dos sujeitos. E por fim refletimos sobre a identidade da educação prisional e possibilidades
de construção de um currículo. Conclui-se que a educação no ambiente prisional talvez seja uma das
oportunidades reais de prática ressocializadora na medida em que oferece ao aluno outras probabilidades na
reconstrução da sua identidade e de resgate da cidadania do homem preso.
Palavras-chaves: Educação de Jovens e Adultos; Identidade; Legislação; Currículo.
Abstrat
This article presents some thoughts on the constitution of the school in prison. First we present the legal
framework of Youth and Adult Prisoners, then the specificities of prison given the diversity of subjects and
finally the identity of prison education and possibilities of building a resume. Our conclusion is that education in
the prison environment is perhaps one of the real opportunities for re-socialized in practice because it provides
the student with other probabilities in the reconstruction of their identity and citizenship rescue the convict.
Keywords: Youth and Adults Education; Identity; Legislation; Curriculum.
Quadro 1
Escolaridade antes de chegar a Prisão
Escolaridade Percentual
Analfabetos 11,8%
Ensino Fundamental (incompleto) 66%
Ensino Fundamental Completo ou mais 22,2%
FONTE: Ministério da Justiça/ Departamento Penitenciário Nacional – 2008
O tempo que passam na prisão - e levando para se dedicarem à educação, sobretudo quando a
em conta que mais da metade cumpre penas maioria (73,83%) é jovem, com idade entre 18 e 34
superiores a 9 anos - seria uma boa oportunidade anos. Mas o aproveitamento de tal oportunidade
ainda não se dá, uma vez que apenas 10,35% dos mais flexível do trabalho educacional, exigindo
internos estão envolvidos em atividades formas de organização da aprendizagem. Dentre as
educacionais escolares oferecidas nas prisões. No principais questões ao pensar a questão educacional,
Brasil, de acordo com Departamento Penitenciário está
Nacional, de uma população de 494.273 pessoas,
apenas 39.653 internos (9,68%) estão estudando no A singularidade do ambiente prisional e
cárcere em diferentes formas de educação (formal, pluralidade de sujeitos, culturas e saberes
não formal e informal). presentes na relação ensino-aprendizagem;
Yamanoto, ao referir-se ao panorama a necessidade de se refletir sobre a
educacional do sistema prisional explica que importância que o atendimento educacional
na unidade prisional pode vir a ter;
O inexpressivo número de pessoas presas elaboração de um currículo próprio para a
que tem acesso à educação esconde outra Educação nas Prisões, que considere o
realidade mais preocupante: não há, hoje, tempo e espaço dos sujeitos da Educação de
no país, uma normativa que regulamente a Jovens e Adultos inseridos nesse contexto
educação formal no sistema prisional, o que [...] (BRASIL/UNESCO, Relatório Nacional
dá margem para a existência de para Educação na Prisão, p. 2-6).
experiências diversas e não padronizadas
que dificultam a certificação, a Goodson3 apresenta um possível caminho
continuidade dos estudos em casos de na tentativa de construir um currículo para educação
transferência e a própria impressão de que prisional, ao referir-se à aprendizagem narrativa
o direito à educação para as pessoas presas como “um tipo de aprendizagem que se desenvolve
se restringe à participação em atividades de na elaboração e na manutenção continuada de uma
educação não-formal, como oficinas narrativa de vida ou de identidade” (2007, p.248).
(YAMAMOTO, 2009, p. 11). Para o autor, essa aprendizagem emergiria dentre os
seguintes aspectos: o trajeto, a busca e o sonho,
Os estudos sobre a educação na prisão sendo eles motivos centrais na vida e ao longo da
mostram que entre trabalhar e estudar os presos vida. Martins, ao estudar a produção do autor,
preferem trabalhar, devido à remissão pelo trabalho chama a nossa atenção para
- a cada 3 dias trabalhados, os presos adquirem o
direito de 1 a menos na pena, ao passo que os dias as maneiras de investigação e as formas
estudados cabe à autoridade judicial acatar ou não. como Goodson se insere no debate sobre o
Outro agravante é a falta de flexibilidade dos currículo como um artefato social, com uma
horários para o estudo, que, em sua maioria história social do conhecimento que leva em
acontecem no período da manhã e tarde, não conta, a um só tempo, várias preocupações
favorecendo a conciliação trabalho e educação. da teoria social: as questões sobre o poder,
Os estudos sobre currículo (Sacristan, 1998, a legitimidade, as exclusões, as geografias e
Goodson, 1995e 2006, Moreira e Silva, 1994) têm cartografias centrais e periféricas, o que
revelado que eles estabelecem diferenças, representam as permanências e as tradições
constroem hierarquias, produzem identidades, curriculares, assim como o que representam
aderem a certas teorias e refutam outras, prestigiam as inovações, as mudanças e a sucessão de
certos saberes em exclusão de outros. Os estudos reformas contemporâneas (2007, p.41-42).
culturais e outros movimentos têm provocado
mudanças na maneira de conceber o conhecimento e Nesse sentido, ao pensar a educação
a cultura. Assim, saberes e culturas até então prisional e construção de um currículo seria de suma
marginalizados começam a serem vistos de outra importância levar em conta quais são os
ótica. A teorização curricular edificou várias formas conteúdos/conhecimentos importantes para processo
pelo qual o currículo pode ser pensado. de educação ou reeducação desses sujeitos. E que
Portanto, ao pensar um currículo para dar esse processo deveria abarcar o sujeito em todas as
conta dessa realidade multifacetada e diversa, dimensões de sua personalidade: ética, estética,
acredita-se que um currículo pautado em prescrição política, artística, cultural, no âmbito da saúde, do
seria impossível no ambiente prisional, devido a trabalho e das relações sociais. Assim, a educação,
suas peculiaridades e necessitaria de uma ordem independentemente de onde ocorra, deve levar em
considerações aspectos das culturas hegemônicas e capacidades dos indivíduos para tomar decisões
não-hegemônicas, ressignificando-as, e, nesse rápidas em ambientes tão contraditórios quanto
sentido, os estudos culturais têm contribuído para as encontramos nessa sociedade em constantes
reflexões e modificações das políticas e práticas mudanças e para que as aprendizagens estejam
curriculares. entrelaçadas com a vida na busca.
A aprendizagem é vista como uma tarefa
formal, que não se relaciona com as necessidades e Notas
interesses dos alunos, uma vez que muito do
planejamento curricular se baseia nas definições 1 O parecer do Conselho Nacional de Educação -
prescritivas4 sobre o que se deve aprender, sem CNE Nº 11/2000 - CEB - aprovado em: 10.5.2000
nenhuma compreensão da situação de vida dos que tratava da Aprovação das Diretrizes
alunos. (GOODSON, 2007, p.250) Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens
Assim, ver a aprendizagem como parte da e Adultos que teve como relator o Professor
vida e da história de vida do aluno nos faz Carlos Roberto Jamil Cury.
compreender que ela está localizada em um 2 Que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
contexto que também tem história no que se refere para a Educação de Jovens e Adultos.
ao aluno, e também as histórias e trajetórias das 3 Ivor F. Goodson é professor da Universidade de
instituições talvez possam ajudar a mudar o futuro Brighton - Inglaterra, atualmente é considerado
social de seus alunos e futuros cidadãos. um dos grandes expoentes em estudos curriculares
ao afirma que currículos atuais são excludentes,
Como síntese... trabalha na perspectiva de que as histórias de vida
são um caminho para a construção dos “currículos
Ao debruçar-me sobre a construção desse narrativos” e coloca o professor como um dos
artigo-ensaio, concluo que pensar uma Educação atores mais marcantes do processo educativo.
Prisional que tenha como objeto o homem preso e Manifesta, permanente preocupação com os
não a figura do aprisionado tem muito a contribuir sujeitos, especialmente aqueles negligenciados,
no resgate desse sujeito, caso seja construída com pouco reconhecidos ou culturalmente pouco
base em um currículo inovador e flexível e não valorizados, como é o caso dos professores
perca as perspectivas do conhecimento e da cultura (MARTINS, 2007).
e enviesado pelas dimensões política, social e 4 Para Goodson, o currículo prescritivo não se
cultural. refere somente ao currículo que foi escrito como
E que, talvez, o maior desafio dessa documento oficial, é resultante das políticas e das
Educação seja romper com as perspectivas de negociações sobre o que deve ser ensinado. A
educação já consolidadas, como disciplinadora, prescrição também está nas marcas específicas da
dominadora, excludente, e construir uma nova transmissão da cultura, cujas seleções, explícitas e
ordem que busque a superação da relação ocultas, marcam o que deve ser aprendido e do
contraditória opressor/oprimido, para que uma nova que será composta a herança cultural.
ordem social seja construída em relações de
liberdade, igualdade e emancipação, e optar assim
por uma educação para liberdade (FREIRE,2001). Referências Bibliográficas
Talvez seja o momento de arriscar-se em
perspectivas emergentes como os enfoques
multiculturais e que tragma novas roupagens e BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade.
diálogos sobre relações entre o uno e o diverso, o Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1998.
velho e o novo, popular e o erudito, e assim abrir a
BAUMAN,Z. Modernidade e ambivalência. Rio
possibilidade de construir um ser humano melhor. E de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
isso só poderá ser possível pela construção de
espaços democráticos e participativos, seja na prisão BRASIL. MEC, SEB. Indagações sobre currículo.
ou não, onde a identidade do sujeito e a sua própria Brasília, 2008.
história de vida sejam pontos de partida para
edificar uma escola multicultural. ______. Constituição da República Federativa do
Portanto, o principal papel da educação, Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21ª
seja ela na escola ou na prisão, é desenvolver as ed. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 1999.
HALL, S. Identidades culturais na pós- SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo e cultura como
modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. práticas de significação. Disponível em: SOUZA,
Maria Inez Salgado de. Currículo, conhecimento e
HALL, Stuart. Da diáspora – identidades e criticidade. In ANAIS, VI Colóquio sobre
mediações culturais. Belo Horizonte, Editora da Questões Curriculares, I Colóquio Luso-Brasileiro
UFMG, 2003. sobre Questões Curriculares, Rio de Janeiro: UERJ,
2004,v. 1- p. 4355.
MACLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. 3ª
ed. São Paulo, Editora Cortez, 2000. YAMAMOTO, Aline et alii (orgs.). Cereja discute:
educação em prisões. São Paulo: AlfaSol; Cereja,
MARTINS, Maria do Carmo. Histórias do 2009.
currículo e currículos narrativos: possibilidades
Sobre os autores:
Odair França de Carvalho: Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia-MG, Brasil e
doutorado sanduíche pela Universidade Autônoma de Barcelona - Bolsista CAPES-DMS e PDSE – Barcelona –
Espanha.