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2.

DIREITO

2.1. Bowers v. Hardwick, 478 U.S. 186 (1986)


2.1.1. CONSIDERAÇÕES DO TRIBUNAL
• A verdadeira questão é:
o A Constituição Federal confere um direito fundamental aos homossexuais
para poderem praticar sodomia?
o Se sim, pode invalidar as leis dos Estados federados?
o NOTA: Não esquecer que os Estados federados têm autonomia de ação,
ainda que estejam subordinados ao Estado Federal e à sua Constituição.

• Não concordam com a decisão do Tribunal de Apelação


• Não é uma liberdade condicional atípica, não cabe reconhecê-la
constitucionalmente uma vez que não é função do legislador reconhecer
leis, pois
assim estaria a sobrepor-se ao legislador. O Tribunal não quer expandir a
sua
autoridade ou descobrir novos direitos fundamentais protegidos, porque aí
fica
perigosamente sujeito à ilegitimidade.
• Os outros casos que sentenciaram não são semelhantes a este, pois diziam
respeito
a vida familiar e a crianças
• Não acham que haja um direito consagrado relativo à prática de sodomia
entre
homossexuais
• As 5a e 14a Emendas referem-se a determinados assuntos, mas este é um
daqueles
que não está na alçada federal ou estatal (são questões que não são
reguladas nem
prescritas pelo Estado Federal). O Tribunal tem tentado identificar os
direitos
qualificados para proteção constitucional das V e XIV Emendas, mas
nenhuma
das formulações, como “implícitos no conceito de liberdade ordenada” ou
“liberdades profundamente enraizadas na história e tradição da Nação”, são
extensíveis a um direito fundamental dos homossexuais praticarem
sodomia,
porque a proibição dessa conduta tem raízes antigas.
• O que são “direitos, liberdades e garantias”?
o “Valores sem os quais a liberdade e a justiça não existiriam, se fossem
sacrificados”
o “Liberdades profundamente enraizadas na história e tradição da Nação”
• Quando a Bill of Rights dos EUA foi elaborada, a sodomia era uma
ofensa
criminal nos 13 Estados que a ratificaram → logo, não são liberdades
profundamente enraizadas na história e na tradição da Nação; aliás,
historicamente, eram repudiadas
• Após a ratificação da 14a Emenda e da Due Process Clause nela
estabelecida
(1868), 32 Estados ainda tinham leis que incriminavam a prática da
sodomia
• A 1a Emenda fala sobre liberdade domiciliária
• No entanto, há crimes que não deixam de ser penalizados apenas por
ocorrem na
privacidade do domicílio. O resultado não pode ser diferente quando a
conduta
ocorre na privacidade porque condutas ilegais não são sempre imunizadas
por
acontecerem em casa e significaria permitir também adultério ou incesto,
porque
são condutas sexuais voluntárias privadas.
• Deve haver um critério para esta lei, mas neste caso há apenas a crença de
uma
maioria, que considera que a sodomia homossexual é imoral e inaceitável
• Razão inadequada para justificar a lei, MAS há mais leis que se baseiam
em
valores morais. Por vezes, o Direito consagra certos valores morais por
acreditar
que devem ser respeitados.
• Tutela jurídica da ordem moral através do paternalismo (promover
interesses e
bem da comunidade pública) e moralismo (espelhar convicções morais da
maioria).
o As noções de moralidade são uma base racional suficiente para a lei, e o
réu não tem razão ao recusar a crença de uma maioria da Georgia de que
a homossexualidade é imoral e inaceitável.

2.1.2. DECISÃO DO TRIBUNAL


• Hardwick intentou a ação contra o estado contestou a constitucionalidade
da lei
no Tribunal Federal Distrital (lei coloca-o em perigo iminente de prisão
como
homossexual praticante) - 1ainstância
• Recorre ao “District Court” e o caso nem sequer é apreciado.
• Inconformado, recorre então ao “Circuit Court” (2a instância, Tribunal de
Recurso Federal) alegando que a norma ia contra o direito à associação
privada e íntima, expressa na Constituição Federal Americana e, sobretudo,
que violava a 9.a e a 14.a Emendas.
o Viola a 9a Emenda, pois invoca um conjunto de direitos atípicos (aqueles
que não estão enumerados na Constituição) que devem ser reconhecidos,
como por exemplo, a autodeterminação sexual.
o Viola a 14a Emenda, pois são violadas as garantias “due process of law”,
isto é, as garantias de um Estado de Direito são violadas.

• O Circuit Court admite que possa haver uma violação da 9a emenda


(cláusula de
direitos fundamentais) e da 14a emenda (igualdade). Declara, assim,
inconstitucional a lei da Geórgia sobre a prática de sodomia.
• O “Circuit Court” recorre ao argumento “Due Process Clause” ➔
cláusula da
juridicidade do poder público.
• Hardwick ganha o caso e o Circuit Court declara a tal lei da Geórgia
inconstitucional. Por ser íntima, está protegida das interferências do Estado.
• No entanto, o Estado da Geórgia, cujo seu representante legal é o
Ministério
Público, recorre ao “Supreme Court”. Bowers, procurador geral do Estado
da
Geórgia, pede então que a norma seja declarada não inconstitucional. O
“Supreme
Court” opta por ouvir o caso porque tem como objetivo último uniformizar
a
jurisprudência de modo a manter a segurança jurídica dado que existiam
questões
semelhantes em diferentes tribunais originarem diferentes posições – já
tinham
havido casos semelhantes. Tribunal Supremo reverte a decisão do Tribunal
de
Circuitos através de petição de certiorari.
• Nos USA o arquivo de um processo rege-se por um princípio de
oportunidade se
é ou não oportuno julgar o caso.

2.1.2.1. DECISÃO DO STJ (MAIORIA)


• Não concordam que as leis sobre sodomia devam ser invalidadas com
base em
representarem valores morais
• Revertem o julgamento do Tribunal de 2a Instância (que acreditava haver
violação
de preceitos da Constituição Federal)
• Hardwick é considerado culpado de sodomia, enquanto delito grave
• Não aceitam a inconstitucionalidade da lei da Geórgia nem consideram
que viole
nenhum direito fundamental

2.1.2.2. DECLARAÇÃO DE VOTO (POWELL)


• Uma sentença de prisão, e de longa duração, por um único ato privado e
consensual levanta um problema de acordo com a VIII Emenda, mas o réu
não a invocou e muito menos foi julgado ou sentenciado, por isso o
argumento é
inválido.

2.2. Lawrence v. Texas, 539 U.S. 558 (2003)


2.2.1. CONSIDERAÇÕES DO TRIBUNAL
• A análise do caso deve basear-se em três questões:

1. A lei do Texas (que incrimina a prática de sodomia entre


homossexuais, mas não entre heterossexuais) viola a 14a Emenda que
garante igual proteção da lei?
2. A penalização de uma atividade sexual consensual íntima na
intimidade do domicílio viola os interesses fundamentais na liberdade
e na privacidade protegidos pela Due Process Clause da 14a Emenda?
3. A decisão do caso Bowers vs. Hardwick deve ser anulada?

• A lei do Texas e da Geórgia não proíbe só uma determinada conduta


sexual,
condena escolhas íntimas, condutas levadas a cabo na privacidade do
domicílio e
relativas à esfera pessoal e mais privada da vida de cada um.
• A liberdade individual, consagrada na Constituição, dá o direito aos
homossexuais
de fazerem as suas próprias escolhas no que toca à sua vida íntima. o
Historicamente não há condenação desta conduta apenas para os
homossexuais →
incriminava a prática de sodomia tanto para homossexuais como para
heterossexuais.
• O registo de condenações por casos de sodomia dizia respeito a
circunstâncias
diferentes:
o Não consentido;
o Em resultado de uma agressão ou ataque;
o Com um menor;
o Historicamente, a lei foi criada para condenar casos de sodomia por
agressão, não consensual, pedofilia, ...;
o A homossexualidade era um tabu e era vista com maus olhos pela
sociedade.

• O caso não envolve pessoas que tenham sido lesadas ou coagidas nem
pessoas
que estivessem em relações onde não se podiam recusar a dar
consentimento. Não
envolve condutas públicas nem prostituição. Não está em questão o
reconhecimento formal de relações homossexuais (ex.: permissão de
casamento
ou de parcerias civis registadas).
• Envolve dois adultos que se envolveram em práticas comuns de um estilo
de vida
homossexual, com consentimento de ambos. Os recorrentes têm direito ao
respeito pela sua vida privada. O Estado não pode diminuir a sua existência
ou
controlar o seu destino tornando a sua conduta um crime.
• O seu direito à liberdade protegido pela Due Process Clause dá-lhes o
direito de
direcionar a sua conduta sem intervenção do Governo. “Há uma promessa
da
Constituição de haver um reino de liberdade pessoal na qual o Governo não
pode
interferir.”
• Devemos ter em conta até que medida pode um Estado, em favor da
“moralidade
pública “, interferir na vida privada dos cidadãos, pois devemos referir que
a
Moral e o Direito são ordens normativas distintas:
o Deveres morais= imperativos, mas sem consequência da violação da
mesma.
o Deveres jurídicos= imperativos com sanção aquando da violação dos
mesmos.

• Há violação da Constituição Federal → a lei da Geórgia que incrimina a


prática
de sodomia é inconstitucional
• Neste caso, na perspetiva do legislador, podemos identificar dois
princípios:
o Moralismo = legislador tenta refletir o que a maioria da sociedade
considera correta na sua norma
o Paternalismo = legislador reflete as suas ideias na norma, mesmo que vão
contra a ideia da maioria, para corrigir os comportamentos da sociedade
que considera desadequados.
o Critérios de distinção:
▪ Fonte:
• Normas morais não têm fonte propriamente dita,
assimilam-se pela socialização
• Normas jurídicas têm fontes específicas de direito (são
positivadas) podendo também ser conhecidas por
socialização o Fundamento da obediência:
• Moral = o que devo fazer?
o consciência
• Direito = o que posso fazer?
o Regras
• O fundamento da obediência à moral não diz respeito
apenas à ação, mas também à consciência interna, que não
diz respeito ao Direito. Mas quando se viola o Direito essa
consciência não é indiferente, só o é quando se vai de
encontro ao Direito (supra.: caso Dudley and Stephens e
caso das gêmeas).
▪ Intencionalidade:
• Normas jurídicas = procuram reger a sociedade e as suas
condutas, limita as liberdades
• Normas morais = procurar cumprir o dever da consciência,
orientar para o bem o Liberdade de pensamento
• Moral rege-a, condenando pensamentos que vão contra ela
• Direito não a rege, apenas trata ações que tenham
repercussões no exterior

• Limite de intervenção do direito = lesão ou perigo de lesão de liberdades


de outras
pessoas- não é totalmente verdadeiro

2.2.1.1. MAIORIA (5)


• Em Bowers, o Tribunal menosprezou a extensão da liberdade em causa ao
dizer
que se tratava apenas de um direito de praticar uma conduta sexual, mas é
na
verdade uma tentativa, por parte do Estado, de controlar relações pessoais
que
estão no âmbito da liberdade de escolha de cada um.
• Crítica fundamental das premissas históricas afirmadas em Bowers para
mostrar
que as leis contra os homossexuais estavam enraizadas na história da
Nação, o
que não é verdade.
• Leis, tradições e instituições recentes mostram uma consciência
emergente de que
a liberdade protege as decisões de adultos relativamente às suas vidas
sexuais
privadas- atividades privadas.
• Os fundamentos de Bowers têm sido severamente erodidos por decisões
recentes,
e quando o precedente está enfraquecido as críticas de outras fontes são
importantes: Casey (homossexuais em relacionamentos podem ter
autonomia nas
decisões pessoais protegidas constitucionalmente porque envolvem
escolhas
íntimas e centrais para a dignidade) e Romer (leis baseadas em distinção
entre
classes contra homossexuais foram invalidadas).
• Não há qualquer expetativa individual ou social depositada em Bowers
que possa
aconselhar contra a sua revogação desde que haja razões para o fazer.
Assim,
Bowers v. Hardwick considera-se hoje revogado porque não estava correto
na
altura nem agora.
• Quando uma conduta homossexual é criminalizada isso torna-se um
convite para
sujeitar os homossexuais a discriminações nas esferas públicas e privadas.
Ainda
que esta seja apenas uma contraordenação no Texas importa manchas para
a
dignidade do acusado.
• O direito à liberdade protegido pela “Due Process Clause” dá aos
homossexuais
completo direito de praticar esta conduta sem intervenção do Governo,
visto que
não há nenhum interesse estatal legítimo que justifique intrusão na vida
pessoal e
privada dos indivíduos.
2.2.1.2. DECLARAÇÃO DE VOTO (O’CONNOR)
• Não concorda com a revogação de Bowers porque a lei do Texas é
inconstitucional apenas com base na “Equal Protection Clause” da XIV
Emenda.
• A lei proíbe a conduta apenas para parceiros do mesmo sexo, tratando-a
de forma
diferente consoante os participantes. Assim, os homossexuais não são
iguais aos
olhos da lei e não são tratados da mesma forma que os outros.
• Desaprovação moral não é, sob a “Equal Protection Clause”, um interesse
estatal
legítimo para justificar uma lei que bane apenas sodomia homossexual, ao
contrário do decidido em Bowers.
• Apesar de a lei se aplicar apenas a conduta homossexual, e não às pessoas
homossexuais especificamente, não há mais palpável discriminação contra
uma
classe que criminalizar a conduta que a define.

3. SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

3.1. Semelhanças
Casos extremamente análogos:
• Ambos envolvem a constitucionalidade da incriminação da sodomia
consensual
entre adultos.
• Factos são extremamente similares (dois homens adultos, ato consensual
e
privado, sexo homossexual, encontrados pela polícia).

3.2. Diferenças:
Tipo incriminador, delimitação do tipo:
• Georgia: condenava sodomia entre pessoas de sexos iguais e diferentes
• Texas: condenava conduta sexual desviante entre indivíduos do mesmo
sexo
Classificação dos crimes:
• Georgia: sodomia é um crime. Pena de 1-20 anos
• Texas: é-se qualificado como sexual offender se convicto da
misdemeanour
(pode ser restrita a circulação; pode ser retirada a licença de prática de
determinadas profissões). É apenas uma contraordenação. Pena é uma
multa.
• Nota:
o Felony = crime grave
o Misdemeanour = contravenção
o Infraction = contraordenação

Moldura penal:
• Geórgia: prática de sodomia como crime entre duas pessoas, qualquer que
seja o sexo.
• Texas: sodomia como crime entre pessoas do mesmo sexo

História processual:
• Bowers: as decisões foram sempre favoráveis e ele foi recorrendo
• Lawrence: foram condenados e os recursos não foram favoráveis até ao
Supremo.

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