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MECÂNICA CLÁSSICA I

2019-2020

Formalismo lagrangiano

1. Coordenadas generalizadas
As leis de Newton contêm toda a informação acerca do movimento de um sistema mecânico. Assim,
para resolver um problema mecânico, deveria bastar escrever as equações que resultam da aplicação
da lei fundamental da dinâmica e proceder à sua resolução matemática (por métodos numéricos se
necessário). Em princı́pio, nenhum desenvolvimento adicional deveria ser necessário.
No entanto, torna-se muito útil desenvolver conceitos e formalismos para além das leis de Newton.
Já anteriormente se prosseguiu com o estudo da dinâmica introduzindo os conceitos de trabalho
e energia, por exemplo, que facilitaram a resolução de problemas práticos. Da mesma forma,
vamos aqui prosseguir com o desenvolvimento de formalismos alternativos às leis de Newton. Estes
formalismos, note-se bem, são, em tudo, equivalentes às leis de Newton (embora de aplicação
mais restrita). As equações que se obtêm conduzem, frequentemente, às mesmas equações que se
obteriam usando a lei fundamental da dinâmica. Há, ainda assim, fortes motivos para prosseguir
este estudo (para além da elegância do formalismo): 1 - é fundamental, para uma comprensão
clara da Mecânica Quântica, o conhecimento prévio do formalismo hamiltoniano e dos parênteses
de Poisson; 2 - é facilitada a demonstração de resultados teóricos que têm aplicação prática na
resolução de problemas (como, por exemplo, as simetrias e os princı́pios de conservação, ou a teoria
das perturbações); 3 - é elimiada a dependência das variáveis fundamentais do formalismo umas
das outras devida à existência de ligações e são eliminadas as forças de ligação, que representam
incógnitas que, em geral, não interessa calcular.
Para estudar qualquer sistema fı́sico (e não apenas na Mecânica), é fundamental começar por
conhecer o seu número de graus de liberdade. Chama-se número de graus de liberdade ao número
de variáveis escalares que é necessário conhecer para definir completamente o estado de um sistema.
Em mecânica, o estado de um sistema é definido especificando as posições de todas as partı́culas
que o compôem. Assim, uma partı́cula que se move num espaço a 3 dimensões tem 3 graus de
liberdade e um sistema de N partı́culas terá 3N graus de liberdade. No entanto, existem, por
vezes, constrangimentos que não deixam as partı́culas mover-se livremente. Esses constrangimentos
têm o nome de ligações e deles resulta que os vectores posição ~ri das diversas partı́culas já não
são independentes. Estas ligações são introduzidas na equação fundamental da dinâmica através
de forças adicionais, conhecidas por forças de ligação. Em geral, estas forças são incógnitas no
problema, pois apenas são conhecidas através dos seus efeitos.
As ligações podem ser de vários tipos. Chamam-se ligações holonómicas às que se podem exprimir
através de uma equação do tipo
f (~r1 , ~r2 , ..., ~rN , t) = 0 (1)
e não holonómicas às que não se podem escrever desta forma. Chamam-se ainda ligações es-
clerónomas se não dependerem do tempo (ou, no caso de serem também holonómicas, se a eq.(1) não
contiver explicitamente o tempo) e reónomas se dependerem do tempo. Bilaterais se as condições
de ligação se puderem exprimir por uma igualdade e unilaterais se se exprimirem por uma desigual-
dade.
As ligações holonómicas são particularmente importantes, pois permitem diminuir o número de
graus de liberdade do sistema. Assim, se, por exemplo, existir uma ligação definida por uma

1
equação que permite definir a variável x1 em função das outras:

x1 = f1 (y1 , z1 , ~r2 , ..., ~rN , t) (2)

então basta calcularmos as equações do movimento para y1 , z1 , ~r2 , ..., ~rN para que a eq.(2) nos
permita obter a equação do movimento para x1 . Em geral, é mais prático introduzir novas coor-
denadas escalares em vez de manter algumas variáveis vectoriais e outras escalares. Mesmo quando
não há ligações, é, frequentemente, vantajoso poder introduzir novas coordenadas escalares. Estas
variáveis chamam-se coordenadas generalizadas.
Se o sistema estiver sujeito a ligações não holonómicas, é necessário tratar o problema caso a
caso. Quando a ligação se pode exprimir através de uma equação que envolve os diferenciais das
variáveis, é possı́vel tratar o problema através dos multiplicadores de Lagrange. No entanto, não há
um método geral para tratar as ligações não holonómicas e, de agora em diante, nós vamos assumir
que todas as ligações são holonómicas.
Considerando então que temos exactamente k equações de ligação do género da eq.(1), o número de
graus de liberdade do sistema passará a ser 3N − k e podemos então introduzir 3N − k coordenadas
generalizadas qj para descrever o estado do sistema. Os vectores posição das diversas partı́culas
poderão então exprimir-se em termos de qj e t:

~r1 = ~r1 (q1 , ..., qn , t)


.. (3)
.
~rN = ~rN (q1 , ..., qn , t)

em que n = 3N − k.

2. Princı́pio de d’Alembert e equações de Lagrange


Vamos começar por dar duas definições para deslocamento virtual:
Deslocamento virtual é um deslocamento infinitesimal do sistema, compatı́vel com as condições de
ligação num instante fixo.
Deslocamento virtual é a diferença entre dois deslocamentos infinitesimais reais no mesmo intervalo
de tempo de t para t + dt.
Designaremos o deslocamento virtual da partı́cula i do sistema por δ~ri . Destas definições e da
eq.(3), podemos escrever, para um deslocamento virtual,
X ∂~
ri
δ~ri = δqj ∀i=1,...,N , (4)
j
∂qj

enquanto que, para um deslocamento real


X ∂~
ri ∂~ri
d~ri = dqj + dt ∀i=1,...,N . (5)
j
∂qj ∂t

É claro que, se as ligações forem esclerónomas, qualquer deslocamento real será também virtual e
vice-versa.
Vamos agora distinguir as forças de ligação das forças aplicadas usando sı́mbolos diferentes para
as designar: seja f~i a resultante das forças de ligação, F~i a resultante das forças aplicadas e F~iT a
resultante de todas as forças que actuam sobre a partı́cula i. Tem-se, evidentemente, que

F~iT = F~i + f~i ∀i=1,...,N . (6)

2
De acordo com a lei fundamental da dinâmica,

F~iT = p~˙ i ⇔ F~i + f~i − p~˙i = 0 ∀i=1,...,N . (7)

Multiplicando escalarmente por δ~ri e somando obtém-se

(F~i + f~i − p~˙i ) · δ~ri = 0.


X
(8)
i

Vamos agora restringir-nos aos casos em que o trabalho virtual (trabalho realizado ao longo de um
deslocamento virtual) das forças de ligação do sistema é nulo:

f~i · δ~ri = 0.
X
(9)
i

Obtemos então
(F~i − p~˙i ) · δ~ri = 0.
X
(10)
i
A este resultado dá-se o nome de Princı́pio de d’Alembert. De notar que este princı́pio só é válido
para sistemas cujas forças de ligação realizem trabalho virtual nulo (a força de atrito cinético, por
exemplo, teria que fazer parte das forças aplicadas). No entanto, não se pode confundir o Princı́pio
de d’Alembert com a eq.(9). Esta equação não inclui nenhuma informação acerca da dinâmica do
sistema, ao contrário do Princı́pio de d’Alembert.
Para prosseguir, vamos mudar das coordenadas cartesianas para as coordenadas generalizadas. Usa-
mos a notação de escrever apenas q para o conjunto das coordenadas generalizadas: q ≡ (q1 , q2 , ..., qn ).
A mudança de variáveis (~r1 , ~r2 , ..., ~rn ) → q é efectuada através das eqs.(3). Estas equações já foram
usadas para obter o resultado eq.(4), e podemos agora usá-las para obter a expressão para a veloci-
dade da partı́cula i:
d~ri ∂~ri X ∂~ri
~r˙i = = + q̇j ∀i=1,...,N . (11)
dt ∂t j
∂qj
Esta equação permite obter dois resultados que irão ser úteis. Por um lado, considerando que
~r˙i = ~r˙i (qj , q̇j , t) é uma função linear de q̇, obtém-se

∂~r˙i ∂~ri
= ∀i=1,...,N ; ∀j=1,...,n . (12)
∂ q̇j ∂qj
Por outro lado, sendo ~ri apenas função de q e do tempo, obtém-se, por definição de derivada total,

∂~r˙i
! !
d ∂~ri ∂ 2~ri X ∂ 2~ri ∂ ∂~ri X ∂~ri
= + q̇k = + q̇k = ∀i=1,...,N ; ∀j=1,...,n . (13)
dt ∂qj ∂t∂qj k
∂qk ∂q j ∂q j ∂t k
∂qk ∂qj

Mudando de variáveis, a primeira parcela do primeiro membro da eq.(10) fica, usando a eq.(4),
∂~ri
F~i · δ~ri = F~i ·
X X X
δqj = Qj δqj . (14)
i ij
∂qj j

em que
∂~ri
F~i ·
X
Qj = ∀j=1,...,n (15)
i
∂qj
se designa por força generalizada.
O segundo membro da equação(10) pode ser escrito como
!
∂~ri ∂~ri
p~˙i · δ~ri = p~˙i · p~˙i ·
X X X X
δqj = δqj . (16)
i ij
∂qj j i
∂qj

3
Usando a igualdade (derivada do produto)
! !
∂~ri d ∂~ri d ∂~ri
p~˙i · = p~i · − p~i · ∀i=1,...,N ; ∀j=1,...,n (17)
∂qj dt ∂qj dt ∂qj

o termo entre parênteses da eq.(16) fica


" ! !#
∂~ri X d ∂~ri d ∂~ri
p~˙i ·
X
= p~i · − p~i · ∀j=1,...,n (18)
i
∂qj i
dt ∂qj dt ∂qj

Usando a eq.(12) e a eq.(13) ficamos com

∂~r˙i ∂~r˙i
" ! #
∂~ri X d
p~˙i ·
X
= p~i · − p~i · ∀j=1,...,n . (19)
i
∂qj i
dt ∂ q̇j ∂qj

A energia cinética é
X1 X1
T = mi vi2 = mi~r˙i · ~r˙i (20)
i
2 i
2
pelo que
∂T X ∂~r˙i ˙ X ∂~r˙i
= mi · ~ri = p~i · ∀j=1,...,n . (21)
∂ q̇j i
∂ q̇j i
∂ q̇j
e
∂T X ∂~r˙i ˙ X ∂~r˙i
= mi · ~ri = p~i · ∀j=1,...,n . (22)
∂qj i
∂qj i
∂qj
Usando os resultados eq.(21) e eq.(22) na eq.(19) obtemos
!
∂~ri d ∂T ∂T
p~˙i ·
X
= − ∀j=1,...,n . (23)
i
∂qj dt ∂ q̇j ∂qj

Usando agora as eq.(14), eq.(16) e eq.(23) no princı́pio de d’Alembert eq.(10) obtemos


( " ! #)
X d ∂T ∂T
Qj − − δqj = 0. (24)
j
dt ∂ q̇j ∂qj

Esta equação é equivalente ao Princı́pio de d’Alembert. Se admitirmos que as ligações são to-
das holonómicas, então é possı́vel escolher n coordenadas generalizadas qj independentes entre si.
Os deslocamentos virtuais serão então independentes e arbitrários, pelo que a única forma de o
somatório na eq.(24) se anular é os coeficientes dos δqj serem nulos para todo o j:
!
d ∂T ∂T
− = Qj ∀j=1,...,n . (25)
dt ∂ q̇j ∂qj

No caso de as forças F~i derivarem de um potencial V , i.e., se existir uma função escalar V (~r, t) tal
que
~ i V = − ∂V
F~i = −∇ ∀i=1,...,N , (26)
∂~ri
então podemos escrever, atendendo à definição de Qj na eq.(15)

∂~ri X ∂V ∂~ ri ∂V
F~i ·
X
Qj = =− · =− ∀j=1,...,n . (27)
i
∂qj i
∂~ri ∂qj ∂qj

4
Substituindo na eq.(25) obtemos
!
d ∂T ∂(T − V )
− =0 ∀j=1,...,n . (28)
dt ∂ q̇j ∂qj

Como V não depende das velocidades generalizadas,


∂V
=0 ∀j=1,...,n (29)
∂ q̇j

e podemos incluir V na derivada em ordem a q̇j , ficando a eq.(28) com a forma


!
d ∂(T − V ) ∂(T − V )
− =0 ∀j=1,...,n . (30)
dt ∂ q̇j ∂qj

Definindo o lagrangiano do sistema como

L(q, q̇, t) = T (q, q̇, t) − V (q, t) (31)

as eqs.(30) ficam, finalmente


!
d ∂L ∂L
− =0 ∀j=1,...,n . (32)
dt ∂ q̇j ∂qj

Estas equações são conhecidas como equações de Lagrange e são as equações fundamentais do for-
malismo lagrangiano. O únco ingrediente necessário para esta equação é a função escalar L = T − V .
Há alguns pontos que merecem referência.

• As hipóteses que admitimos ao longo desta demostração foram:


– As forças de ligação não realizam trabalho virtual (para obter o Princı́pio de d’Alembert
eq.(10));
– as ligações são holonómicas (para passar da eq.(24) para a eq.(25) usando a independência
das coordenadas generalizadas);
– as forças derivam de um potencial, que pode ser ou não ser conservativo (para passar da
eq.(25) para a eq.(28));
– o potencial não depende das velocidades generalizadas (para passar da eq.(28) para a
eq.(30)).
• É possı́vel relaxar a última hipótese, desde que a dependência do potencial U (q, q̇, t) nas
velocidades generalizadas seja tal que
!
∂U d ∂U
Qj = − + ∀j=1,...,n . (33)
∂qj dt ∂ q̇j

Neste caso, U (q, q̇, t) chama-se potencial generalizado e o lagrangiano passa a ser

L(q, q̇, t) = T (q, q̇, t) − U (q, q̇, t). (34)

Esta hipótese não tem um interesse meramente académico. O campo electromagnético que
actua sobre uma partı́cula carregada com carga q pode ser incluido nas equações através do
potencial generalizado h i
U =q φ−A ~ · ~r˙ , (35)
~ r, t) são, respectivamente, o potencial escalar e o potencial vector do campo.
em que φ(~r, t) e A(~

5
• Se apenas algumas forças derivarem de um potencial, podemos construir o lagrangiano L
apenas com essas forças e a equação que resulta será
!
d ∂L ∂L
− = Q0j ∀j=1,...,n . (36)
dt ∂ q̇j ∂qj

sendo Q0 a resultante das forças generalizadas que não derivam de um potencial.


Por exemplo, se as partı́culas estiverem sujeitas à acção de forças de atrito em fluidos

F~i = −ki~r˙i ∀i=1,...,N (37)

então estas forças podem ser incluidas nas equações de Lagrange através da função escalar
(chamada função de dissipação de Rayleigh)
1X 1X ˙ ˙
F= ki vi2 = ki~ri · ~ri . (38)
2 i 2 i

Facilmente se vê que

∂F ∂~r˙i ∂~ri
ki~r˙i · F~i · = −Q0j
X X
= =− ∀j=1,...,n (39)
∂ q̇j i
∂ q̇ j i
∂q j

em que usámos a expressão para a força eq.(37) e as relações eq.(12) e eq.(15). A eq.(36) fica
então !
d ∂L ∂L ∂F
− + =0 ∀j=1,...,n . (40)
dt ∂ q̇j ∂qj ∂ q̇j

• Embora o lagrangiano seja obtido através da eq.(31), não existe uma correspondência biunı́voca
entre o lagrangiano e as soluções das equações de Lagrange. Demonstra-se que, se definirmos
uma função L0 (q, q̇, t) através da relação

df
L0 (q, q̇, t) = L(q, q̇, t) + , (41)
dt
em que f (q, t) é uma qualquer função derivável das coordenadas generalizadas e do tempo,
as equações de Lagrange aplicadas a L0 (q, q̇, t) têm as mesmas soluções que as equações de
Lagrange apliacadas a L(q, q̇, t).

3. Princı́pio de Hamilton
As equações de Lagrange obtidas (eq.(32)) têm a mesma estrutura matemática que as equações de
Euler-Lagrange já estudadas no cálculo variacional. Assim, vamos demonstrar que elas também
podem ser obtidas a partir de um princı́pio variacional.
Antes disso, porém, vamos dar duas definições:

(a) Espaço de configuração do sistema: espaço cartesiano de dimensão n, em que cada eixo corres-
ponde a cada coordenada generalizada. Cada ponto do espaço corresponde, assim, a um con-
junto de n valores para as n coordenadas generalizadas, i.e., a um estado possı́vel do sistema.
Inversamente, a cada estado do sistema corresponde um ponto no espaço de configuração.
Uma linha neste espaço corresponde a uma trajectória do sistema como um todo.
(b) Sistemas monogénicos: sistemas sobre os quais actuam apenas forças de ligação que não rea-
lizam trabalho virtual e forças aplicadas que derivam de um potencial (possivelmente genera-
lizado).

6
Vamos agora enunciar o princı́pio variacional que contém as leis da Mecânica Clássica.
O Princı́pio de Hamilton estabelece que:
A trajectória seguida por um sistema monogénico, que se desloca de uma certa posição qA no espaço
de configuração no instante tA até uma outra posição qB no instante tB , é a que torna estacionário
o integral de acção Z tB
I[q(t)] = L(q, q̇, t) dt (42)
tA

relativamente a quaisquer variações da trajectória q(t) que não alterem as condições fronteira

q(tA ) = qA e q(tB ) = qB . (43)

A partir deste princı́pio, podemos obter as equações de Lagrange da mesma forma que obtivemos
as equações de Euler-Lagrange no cálculo variacional.
A condição de estacionaridade do integral de acção é

δI = 0. (44)

Seja q̄(t) ≡ (q̄1 (t), q̄2 (t), ..., q̄n (t)) a trajectória que satisfaz o Princı́pio de Hamilton, obedecendo às
condições fronteira requeridas (eq.(43)) e introduzamos um parâmetro real α para designar cada
uma das funções de ensaio q(t, α), tal que

q(t, 0) = q̄(t). (45)

Uma possibilidade seria designar as variações de q(t) em torno de q̄(t) por αη(t), em que usamos a
notação η(t) = (η1 (t), η2 (t), ..., ηn (t)):

qj (t, α) = q̄j (t) + αηj (t) ∀j=1,...,n , (46)

sendo ηj (t) funções arbitrárias, independentes umas das outras, tendo apenas que admitir derivadas
contı́nuas até segunda ordem e obedecer às condições fronteira

ηj (t1 ) = ηj (t2 ) = 0 ∀j=1,...,n . (47)

Usando as definições do cálculo variacional


dI
 
δI = dα, (48)
dα α=0

∂qj
 
δqj = dα ∀j=1,...,n (49)
∂α α=0
e
∂ q̇j
 
δ q̇j = dα ∀j=1,...,n , (50)
∂α α=0
rapidamente se termina a demonstração. Substituindo a expressão eq.(42) na eq.(44),obtém-se
Z t2 X !
∂L ∂L
δqj + δ q̇j dt = 0. (51)
t1 j
∂qj ∂ q̇j

Integrando a segunda parcela por partes, obtemos


" #t2 " !#
X ∂L X Z t2 ∂L d ∂L
δqj + − δqj dt = 0. (52)
j
∂ q̇j t1 j t1 ∂qj dt ∂ q̇j

7
para quaisquer variações δqj independentes, obedecendo às condições fronteira

δqj (t1 ) = δqj (t2 ) = 0 ∀j=1,...,n . (53)

Pelas condições fronteira, a primeira parcela da eq.(52) é nula, pelo que o integral só pode ser nulo
se os coeficientes de δqj (t) forem todos nulos:
!
d ∂L ∂L
− =0 ∀j=1,...,n . (54)
dt ∂ q̇j ∂qj

É possı́vel demonstrar que as equações de Lagrange, além de serem condição necessária para asse-
gurar a estacionaridade de integral de acção I[q(t)], também são condição suficiente.
Concluimos assim que, para sistemas monogénicos sujeitos a ligações holonómicas,

Leis de Newton ⇔ Princı́pio de Hamilton ⇔ Equações de Lagrange. (55)

É possı́vel generalizar o Princı́pio de Hamilton para incluir sistemas monogénicos sujeitos a, pelo
menos, algum tipo de ligações não holonómicas, mas não prosseguiremos esse estudo aqui.
Uma nota adicional: o princı́pio de Hamilton é, por vezes, erradamente chamado de princı́pio de
acção mı́nima. De facto, apenas se requere a estacionaridade, de modo que o integral de acção
pode não ser mı́nimo. Note-se, no entanto, que o integral de acção nunca é máximo! Terá sempre
que ser, ou um mı́nimo, ou um ponto de sela. Pode-se demonstrar que é sempre possı́vel dividir a
trajectória que o sistema segue num número finito de partes, tais que o integral de acção é mesmo
mı́nimo para cada parte.

4. Simetrias e teoremas de conservação


As equações de Lagrange dão origem a um sistema de n equações diferenciais de segunda ordem.
Integrando este sistema de equações, obtemos uma solução que contém 2n constantes de integração.
Cada uma destas constantes, Ci (qA , q̇A , tA ), pode ser calculada a partir das condições iniciais (ins-
tante inicial tA , posições iniciais qA e velocidades iniciais q̇A ). No entanto, sendo constante, o seu
valor será o mesmo para qualquer instante t:

Ci (q1 (t), ..., qn (t), q̇1 (t), ..., q̇n (t), t) = const. ∀i=1,...,2n . (56)

Estas constantes chamam-se integrais do movimento e são particularmente importantes se se podem


obter sem resolver as equações de Lagrange. É habitual, nestes casos, as grandezas que se conservam
serem aditivas (i.e., o seu valor para um conjunto de sistemas distintos que não interactuam ser
igual à soma dos respectivos valores para cada um dos sistemas individuais) e estarem associadas a
operações de simetria (movimentos do sistema que não alteram o lagrangiano e, consequentemente,
as equações do movimento).
Vamos começar por definir o momento pj canonicamente conjugado à coordenada generalizada qj
através da seguinte expressão:
∂L
pj = ∀j=1,...,n . (57)
∂ q̇j
(De notar que, se as coordenadas generalizadas forem as coordenadas cartesianas das partı́culas e
o potencial não for generalizado, os momentos conjugados são os momentos lineares das partı́culas
do sistema; no entanto, basta o potencial ser um potencial generalizado, como, por exemplo, o
potencial electromagnético eq.(35), para os momentos conjugados serem diferentes dos momentos
lineares). Das equações de Lagrange, resulta que

∂L
ṗj = ∀j=1,...,n . (58)
∂qj

8
Chama-se coordenada cı́clica a uma coordenada que não figura explicitamente na expressão para o
lagrangiano. Para qualquer coordenada cı́clica qk ,
∂L
= 0. (59)
∂qk

Da eq,(58) resulta então que


ṗk = 0 ⇔ pk = const., (60)
i.e., o momento canonicamente conjugado a uma coordenada cı́clica mantém-se constante.
Ora uma coordenada cı́clica representa uma operação (definida pela variação dessa coordenada
mantendo as outras constantes) que deixa o sistema invariante, i.e., que não altera o lagrangiano.
Operações deste tipo chamam-se operações de simetria. Podemos assim concluir que, a cada
operação contı́nua e diferenciável de simetria está associado um princı́pio de conservação (o do
momento conjugado à coordenada que define essa simetria):

propriedade de simetria ⇒ princı́pio de conservação. (61)

Este resultado é conhecido como teorema de Noether. Alguns casos importantes são

(a) a simetria mediante a translação do sistema como um todo: esta simetria conduz à conservação
do momento linear total;
(b) a simetria mediante a rotação do sistema como um todo: esta simetria conduz à conservação
do momento angular total;
(c) a simetria mediante a translação do sistema no tempo: esta simetria conduz, em certos casos,
à conservação da energia.

Os dois primeiros casos serão analisados mais tarde. Vamos aqui considerar o terceiro.
Calculemos a derivada total do lagrangiano em ordem ao tempo:
dL X ∂L X ∂L dq̇j ∂L
= q̇j + + (62)
dt j
∂qj j
∂ q̇j dt ∂t

Usando as equações de Lagrange, eq.(32), obtemos


!
dL X d ∂L X ∂L dq̇j ∂L
= q̇j + + (63)
dt j
dt ∂ q̇j j
∂ q̇j dt ∂t
!
dL X d ∂L ∂L
⇔ = q̇j + (64)
dt j
dt ∂ q̇j ∂t

em que se usou a fórmula para a derivada de um produto. Então


 
d X ∂L ∂L
q̇j − L + = 0. (65)
dt j
∂ q̇j ∂t

Definindo a função energia


X ∂L
h(q, q̇, t) = q̇j − L, (66)
j
∂ q̇j

obtemos finalmente
dh ∂L
=− . (67)
dt ∂t

9
Concluimos pois que, se o lagrangiano for invariante mediante uma translação no tempo (não
depender explicitamente do tempo), então a função energia é constante (e vice-versa):

∂L
L = L(q, q̇) ⇔ =0 ⇔ h = const.. (68)
∂t
Vamos agora analisar em que circunstâncias a função energia é a energia do sistema. A energia
cinética é uma forma quadrática em ~r˙i , pelo que será uma quadrática em q̇. Se a energia potencial
também o for, então podemos escrever o lagrangiano como

L(q, q̇, t) = L0 (q, t) + L1 (q, q̇, t) + L2 (q, q̇, t), (69)

em que L1 é uma função homogénea de primeiro grau em q̇ e L2 é uma função homogénea de


segundo grau em q̇. O teorema de Euler estabelece que uma função f (x1 , x2 , ..., xn ) homogénea de
grau k nas variáveis x1 , x2 , ..., xn satisfaz a seguinte relação:
X ∂f
xi = kf. (70)
i
∂xi

Usando este teorema e a forma para L dada pela eq.(69) na definição de h eq.(66) obtemos
X ∂L0
q̇j = 0, (71)
j
∂ q̇j

X ∂L1
q̇j = L1 , (72)
j
∂ q̇j
X ∂L2
q̇j = 2L2 , (73)
j
∂ q̇j

e, então,

h = 2L2 + L1 − (L0 + L1 + L2 ) = L2 − L0 = T2 − V2 − (T0 − V0 ) = T2 + V0 − T0 − V2 , (74)

em que usámos para T e V uma decomposição idêntica à da eq.(69) para L. Se as equações que
definem as coordenadas generalizadas em termos das coordenadas cartesianas eq.(3) não incluirem
explicitamente o tempo, então a energia cinética é uma função homogénea de segundo grau pois,
na eq.(11) para ~r˙i , a primeira parcela é nula e T = T2 e T0 = 0. Se, além disso, o potencial não for
generalizado, V = V0 e V2 = 0. Obtemos então que

h=T +V (75)

é a energia do sistema.
De notar que as condições para h ser constante são diferentes das condições para h ser a energia do
sistema:

• h será constante se o lagrangiano não depender explicitamente do tempo;


• h será a energia do sistema se
– as equações que definem as coordenadas generalizadas em termos das coordenadas carte-
sianas não incluirem explicitamente o tempo e
– o potencial não for um potencial generalizado.

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Do modo como foi definida a função energia, o seu valor depende da escolha das coordenadas
generalizadas, ao contrário do lagrangiano, que é sempre igual a T − V . É, assim, possı́vel que uma
escolha das coordenadas generalizadas conduza a uma função energia igual à energia do sistema,
enquanto que uma outra conduza a uma função energia diferente. Da mesma forma, uma escolha
das coordenadas generalizadas pode conduzir a uma função energia constante e outra a uma função
energia cujo valor depende do tempo.
Aplicando estes conceitos ao caso em que existe atrito, facilmente se verifica que, usando a eq.(40)
em vez das equações de Lagrange, se obtém
dh ∂L X ∂F
+ =− q̇j . (76)
dt ∂t j
∂ q̇ j

Se se verificarem as condições para h ser a energia E do sistema, então facilmente se vê que F é
uma função homogénea de segundo grau de q̇, pelo que, usando de novo o teorema de Euler,
X ∂F
q̇j = 2F. (77)
j
∂ q̇j

Se, além disso. o lagrangiano não depender explicitamente do tempo, obtemos


dE
= −2F, (78)
dt
i.e., 2F é a potência dissipada pelo atrito.

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