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6º Encontro ABRI

Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição

25 a 28 de Julho de 2017, Belo Horizonte – MG.

Área temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa

DECAPITAÇÃO DE LIDERANÇAS: DA ESPERANÇA AO FRACASSO

FABIAN ANTONIO MACHADO


Resumo

A ideia de encerrar um conflito com um único e decisivo ato é tão antiga quanto tentadora.
Desde a antiguidade, guerras chegaram ao seu fim após a morte do soberano em ação.
Essa estratégia ganhou impulso com as operações antiterror da atualidade. Diversas
teorias explicam a importância do líder para uma organização baseadas no carisma ou na
articulação social. De fato, o senso comum acredita que a remoção do líder provoca o
colapso da organização e várias políticas de defesa tem se apoiado nessa ideia. Sob o
enfoque teórico, o tema apresenta conclusões conflitantes sobre os efeitos reais. Enquanto
a Teoria Militar Clássica não a apoia, o processo de planejamento militar prevê seu uso
sob certas condições. Finalmente, os teóricos modernos do Poder Aéreo discordam sobre
a sua eficácia. Sob o enfoque empírico, as conclusões variam da descrença à incerteza.
Estudos recentes sobre a chamada "decapitação de lideranças" contra atores não estatais
analisaram centenas de casos. Em situações específicas alguns resultados positivos
marginais puderam ser verificados, mas a conclusão geral é negativa. Ou seja, grupos
terroristas tendem a ficar mais resilientes ao terem seu líder eliminado ou preso. Por outro
lado, a análise da decapitação contra atores não estatais não consegue chegar a resultados
confiáveis devido à falta de dados. Consequentemente, a decapitação de lideranças é uma
estratégia incerta e altamente dependente de um contexto específico. Por isso, sua
utilização em certos casos deve ser em paralelo a uma estratégia principal mais robusta e
confiável. Esse ensaio não considera aspectos legais e éticos que poderiam surgir a partir
da hipótese de eliminar o líder adversário como forma de provocar uma mudança política
almejada. O foco é avaliar a eficiência e a previsibilidade de seus resultados a fim de
apoiar a formulação de políticas de defesa e operações militares.

Palavras Chave: decapitação, liderança, terrorismo


1. Introdução

A ideia de abater um rei inimigo para por fim a um conflito é muita antiga. O Rei Ricardo
III veio a falecer devido a ferimentos obtidos na Batalha de Bosworth e sua morte provocou o fim
da Guerra das Rosas (1455-1485). Atualmente, a expectativa de obter uma vitória decisiva numa
campanha antiterror por meio do assassinato ou prisão do líder inimigo vem seduzindo muitos
governos. Existem teorias nas Ciências Sociais que proveem um suporte teórico adequado para
aqueles que defendem a chamada estratégia da decapitação de lideranças. A Teoria Militar pode
auxiliar a investigar a eficiência dessa estratégia porque, para alguns estudiosos, um estado
nacional pode ser um agente terrorista, na medida em que financia outros grupos ou usa
diretamente a violência para fins políticos. Justamente, o emprego da violência para atingir
objetivos políticos é uma das áreas de investigação das Ciências Militares. Entretanto, enquanto
a Teoria Militar Clássica não apoia essa estratégia, o processo de planejamento militar conjunto
a admite sob certas condições. Além disso, teóricos contemporâneos do Poder Aéreo discordam
frontalmente sobre sua eficácia. Contra atores não-estatais, recentes pesquisas com enfoque mais
empírico têm chegado a conclusões igualmente divergentes. Assim, a decapitação de lideranças
tem se mostrado uma estratégia incerta e altamente dependente do cenário, onde certas variáveis
definem o seu sucesso ou fracasso. A sua adoção como opção secundária e em paralela a outra
estratégia mais robusta se mostra a melhor maneira de adotá-la em uma campanha antiterror.
Este trabalho não considera as implicações éticas e legais resultantes da aplicação desse
tipo de estratégica por um ator estatal. Em vez disso, terá o objetivo de avaliar sua capacidade e
eficiência em provocar o resultado desejado em suporte a uma política governamental de combate
ao terrorismo.
Uma pesquisa bibliográfica nos mais recentes trabalhos acadêmicos sobre o tema seguirá
uma revisão das teorias sociais e militar para proporcionar uma conclusão coerente a abrangente.

2. A Fundamentação Teórica da Decapitação de Lideranças

Inicialmente, é necessário entender-se o motivo pelo qual a decapitação de lideranças


surge como uma estratégia viável na mente dos responsáveis por planejar e conduzir ações de
contraterrorismo. A ideia central baseia-se no fato do líder ser uma peça fundamental na vida da
organização. Sem ele, o grupo não funcionaria adequadamente. Alguns pesquisadores
argumentam que neutralizar a liderança adversária reduziria a capacidade operacional, seja pela
eliminação de seu membro mais capacitado, seja ou pela necessidade de empregar cada vez mais
recursos da organização para a proteção desse líder (DAVID, 2002).
Em muitos aspectos a Teoria do Carisma reforça essa crença. Weber (1964) define
carisma como a qualidade do indivíduo que por virtude se coloca a parte das pessoas comuns,
passando a ser tratado como possuidor de características sobrenaturais e super-humanas ou, ao
menos, características e capacidades excepcionais. Essa definição sugere que o líder é um recurso
chave na organização, provendo orientação superior e agindo como força aglutinadora. As
características sobrenaturais e super-humanas do líder são relevantes para um processo
fundamental no grupo: o recrutamento. Consequentemente, a legitimidade da autoridade do líder
é um produto do reconhecimento e da devoção a ele direcionadas (WEBER, 1946). Isso faz um
líder carismático transformar-se numa base fundamental de sustentação da organização. Essa é a
ideia chave que induz o pensamento de que a remoção da liderança trará a desintegração do grupo
ou, ao menos, uma grave disfunção operacional. Então, a decapitação de liderança surge como
solução lógica quando se busca derrotar determinado grupo terrorista. Mas não é somente a teoria
do carisma reforça essa possibilidade.
A Teoria das Redes Sociais ressalta o papel crítico de um líder e tem se tornado um
método chave para se entender as vulnerabilidades de uma organização terrorista. Líderes
possuem conexões sociais com todos os membros da organização e são os maiores responsáveis
por tarefas importantes como o planejamento e a organização de atividades. Eles se tornam um
recurso essencial na capacidade de comunicação da organização, ao distribuírem a informação e
coordenarem o suporte logístico (JORDAN, 2009). Wasserman e Faust (1994) exploram as
relações sociais entre os participantes de um grupo ou sociedade. A estrutura de um pequeno
grupo ou de um grande grupamento social determina o padrão de relacionamento adotado entre
seus membros. Desse modo, a identificação da estrutura organizacional é essencial para se estimar
o quão fácil ou difícil seria enfraquecer uma organização. Basicamente, há dois tipos de grupos
terroristas: os hierarquizados e os descentralizados (JORDAN, 2009). A posição de um líder de
acordo com o tipo de estrutura irá determinar a suscetibilidade do grupo à decapitação. De acordo
com Thomson (2007), organizações com estrutura descentralizada possuem componentes que são
independentes e segmentados, organizados de maneira recíproca como unidades autossuficientes.
É claro que, podendo operar como um grupo único ou como pequenas frações, esse tipo de
organização tende a ser menos vulnerável à eliminação de sua liderança. Em estruturas
hierarquizadas verticalmente, o líder fica mais visível e torna-se mais facilmente identificável,
mas em organizações descentralizadas a figura do líder se enfraquece. Existem pivôs centrais, ou
hubs, nas redes sociais que comumente não são coincidentes com o líder em organizações
descentralizadas. Isso explica o motivo pelo qual esse tipo de organização torna-se mais resiliente
à decapitação. Em outras palavras, as conexões sociais não estão sob o controle do líder nesse
tipo de estrutura organizacional, dessa forma, a remoção de um hub numa organização
descentralizada equivale a remover um líder numa organização hierarquizada.
3. A Decapitação de Atores Estatais

Um estado moderno é um representante típico de uma organização hierarquizada no qual


o chefe do executivo é a liderança mais visível da nação. A Teoria do Terrorismo, embora sem
alcançar concordância entre os acadêmicos, admite que um Estado possa ser um agente terrorista
de forma direta ou como seu financiador (SCHIMID, 2011). Nessa perspectiva, a avaliação da
eficiência da decapitação de liderança como estratégia antiterrorista, deve ser estendida também
contra atores estatais. Assim, investigar a suscetibilidade de um Estado à decapitação é relevante
para se chegar à conclusão proposta neste trabalho.
O estudo do terrorismo é multidisciplinar e as Ciências Militares tem uma contribuição
particular na análise dessa estratégia. Na Teoria Militar Clássica, Carl von Clausewitz (2003)
define a guerra como a uma mera continuação da política por outros meios. Ele define uma tríade
composta pelo povo, pelas forças militares e pelo Governo. O povo representa a animosidade e o
antagonismo contra o inimigo externo. O comandante e as forças militares são os responsáveis
pela manipulação dos riscos e das chances na guerra. Finalmente, o governo representa a razão.
A estratégia da decapitação visa destruir o vértice do governo para provocar o colapso da tríade.
Em tese, isso levaria ao final da guerra uma vez que a estrutura da tríade é necessária para um
país entrar e se manter em estado de guerra. Entretanto, a animosidade necessária para gerar a
polarização e o antagonismo vem do povo, não do governo. É justamente o governo o responsável
por dosar a violência por meio da racionalidade. Assim, não haveria motivo para se eliminar o
vértice responsável por moderar a violência com o intuito de provocar o final de um conflito. A
eliminação do governante poderia levar a uma escalada da violência em direção a sua forma
natural incontida e irracional. A guerra é um evento gerado a partir de uma decisão política que
escolheu o meio da violência, em detrimento das demais opções, para resolver conflitos de
interesse (CLAUSEWITZ, 2003). A eliminação do chefe de governo, que apenas representa
politicamente a vontade popular, não significa o fim do sentimento de antagonismo que levou a
um conflito externo. Supor tal coisa, seria o mesmo que concordar que o líder é a única fonte
geradora da política nacional que escolheu o meio violento para resolver uma disputa. Esse
pensamento contraria a definição da tríade de Claudewitz. O problema é que, na maior parte dos
casos, a eliminação de um líder nacional não significa a extinção de uma corrente política,
partidos políticos e apoiadores. A política que se originou da polarização oriunda do vértice
popular tende a persistir, independentemente do seu representante formal no governo. Essa
tendência não é exclusiva de regimes democráticos.
Em algumas situações, o líder máximo de uma nação pode concentrar na sua
personalidade a vontade de ir à guerra. De certa forma, deturpando o conceito da tríade de
Clausewitz, transferindo para o seu vértice as atribuições que estariam no vértice do povo.
Entretanto, para pesquisadores das ciências sociais como Bruce Bruno de Mesquita e Alastair
Smith (2011) tal concentração de poder nunca é absoluta, mesmo no mais brutal regime ditatorial.
Eles defendem que o mais poderoso ditador ainda necessita do apoio de uma elite nacional a qual
ele irá favorecer em contrapartida. Nesses casos, se o ditador que levou o país à guerra for
neutralizado por uma operação de decapitação, essa elite colocará outro ditador em posição com
o intuito de manter o status quo. Ou seja, a mesma política que levou à guerra e ao conflito tende
a perdurar. Além disso, existe o risco dessa operação de decapitação promover o aumento do
nacionalismo interno e unificar o país contra o agressor externo. Dessa forma, a estratégia da
decapitação pode provocar o aumento do apoio à guerra, efeito oposto ao desejado. Por exemplo,
não houve um substituto para Saddam Hussein após sua sentença porque o país já estava
militarmente ocupado e a guerra já perdida. Caso Saddam tivesse sido eliminado durante a
operação Desert Storm (1990) ou a Iraq Freedom (2003), não haveria qualquer impedimento para
o partido Baath ter escolhido outro ditador para continuar ocupando o Kuwait e continuar
promovendo a política que antagonizou o Iraque com os países da coalizão. Nesse período, uma
revolta interna no Iraque nunca passou de uma conjectura (PAPE, 1996). Resumindo, tanto para
democracias quanto para ditaduras, não há certeza de que a eliminação da liderança vá trazer a
mudança política desejada. A análise teórica da decapitação de liderança pela ótica da Teoria
Militar Clássica revela um acentuado grau de incerteza.
A confiança nas premissas de Claudewitz (2003) pode também explicar porque a
eliminação da liderança adversária não deve per si levar ao estado final desejado. Esse teórico
elegeu dois meios principais de um país conseguir a vitória sobre outro: desarmar o exército
inimigo e conquistar território. Eliminar o chefe político adversário não está entre eles, pois
mesmo que isso seja realizado com sucesso, o inimigo continuará armado e de posse de seu
território. Ou seja, a guerra tenderá a continuar. Por certo, Clausewitz estava ciente do que
acontecera com o Rei Ricardo III três séculos antes, mesmo assim sua obra não recomenta a
estratégia da decapitação como num meio eficaz de provocar a rendição do adversário. De fato,
ele sugeriu essa estratégia para apenas uma situação: conter revoltas internas. Isso demonstra que
Clausewitz conhecia essa estratégia, mas decidiu recomendá-la apenas para uma situação bastante
específica (2003). Essa conclusão explica porque Carl von Clausewitz, o mais representativo
teórico militar clássico, não identifica a decapitação de lideranças como uma estratégia principal
a ser dotada. A guerra demanda uma estratégia mais robusta e confiável. Apesar disso, os
pensadores militares contemporâneos ainda a discutem.
A decapitação de lideranças tem se tornado comum nos dias de hoje e o Poder Aéreo
moderno é uma das mais usadas ferramentas para sua execução. De fato, a necessidade de engajar
líderes da Al-Qaeda nas montanhas do norte do Paquistão acelerou o desenvolvimento de
aeronaves remotamente pilotadas dotadas de armamento (BRIAN, 2013). A Teoria dos Cinco
Anéis de John Warden e a Teoria da Coerção pelo Poder Aéreo de Robert Pape Jr definem visões
oposta sobre a questão da neutralização de líderes adversários. Warden considera que o anel
central representa os alvos relacionados à liderança. Esse tipo de alvo provocaria o melhor retorno
estratégico para a quantidade de recursos investidos. Ele defende a ideia de que atacar a liderança
adversária é um meio eficaz de se atingir objetivos militares e, consequentemente, políticos
(OLSEN, 2015). No entanto, ao defender o ataque em paralelo a vários alvos distribuídos nos
outros quatro anéis, Warden admite que a decapitação de lideranças não deve ser utilizada
isoladamente. Na direção oposta, Robert Pape (1996) argumenta que a decapitação de lideranças
não é eficiente. De acordo com esse autor, as razões para isso seriam: a dificuldade em atacar um
alvo tão específico e protegido como um chefe de estado e a imprevisibilidade da sucessão a
cargos políticos em tempos de guerra. Então, torna-se difícil prever o sucesso de uma operação
de decapitação, quanto a sua execução e quanto ao seu efeito. Apesar de Pape definir a estratégia
da decapitação como uma modalidade de coerção, ele deixa claro que ela tende a não funcionar.
Warden, no entanto, parece ter influenciado mais profundamente as operações militares atuais.
O Processo de Planejamento Militar Conjunto (Joint Operational Planning Process)
também adota a decapitação de lideranças, mas define certos requisitos para sua adoção. Centro
de gravidade é a fonte de poder e deve gerar força física ou moral, liberdade de ação ou vontade
de agir (EUA, 2011). É a fonte de todo poder e movimento, do qual tudo depende e contra qual
todas as forças devem ser direcionadas. A nível estratégico, um centro de gravidade pode ser uma
força militar, uma aliança política, um líder político ou militar, um conjunto de capacidades
críticas e a vontade nacional. Esse conceito permite, atendidas certas condições, identificar uma
pessoa (líder) como um centro de gravidade e um alvo válido. Para ser considerado um centro de
gravidade, um líder político tem que ser a fonte de poder moral ou físico de sua nação, deve gerar
liberdade de ação e poder de agir. Somente se essas características estiverem presentes na sua
pessoa, ele pode ser considerado um centro de gravidade válido. Essa não é situação fácil de ser
encontrada hoje em dia.
Na maioria dos países, o poder político é distribuído entre diferentes pessoas, instituições
e partidos, conforme a maneira com que o governo é organizado. Essencialmente, os três poderes,
executivo, legislativo e judiciário, dividem o poder. O partido dominante representa a corrente
política majoritária que governa o país. Essa configuração básica de poder praticamente elimina
a possibilidade de um líder tornar-se um centro de gravidade válido. Em que pese um regime
ditatorial apresentar uma maior concentração de poder, parece pouco provável que essa
concentração seja tamanha que torne um único indivíduo a “fonte de poder, força física ou moral,
que gere liberdade de ação e a vontade de agir“ de uma nação. Além disso, regimes com excessiva
concentração de poder estão se tornando cada vez mais raros. Sendo assim, a decapitação de
lideranças torna-se fortemente dependente de condições específicas e extremas. Adicionalmente
a essa análise teórica, a falta de exemplos históricos de operações de decapitação realizadas com
sucesso contra líderes estatais deixa essa conclusão sem um contraponto efetivo.
Robert Pape (1996) defende que não houve exemplos recentes de decapitação bem
sucedidas contra chefes de Estado ou de Governo. A falta de dados empíricos aponta para a pouca
previsibilidade dessa estratégia. Por exemplo, na Operação Allied Force contra a Iugoslávia
(1999), a OTAN tentou eliminar o Presidente Milosevic para coagir a Sérvia a interromper a
campanha de limpeza étnicas contra os kosovares (LAMBETH, 2001). Os americanos tentaram
executar essa estratégia em ambas nas guerras do Golfo de 1990 e de 2003 (CLANCY, 2005).
Apesar de essas campanhas empregarem enormes quantidades de recursos, Saddam Hussein
sobreviveu a maior campanha de decapitação da história. Ele sucumbiu muitos dias após os
aliados terem invadido o território iraquiano, numa vitória típica ao estilo de Clausewitz: exército
inimigo desarmado e território conquistado. A morte de Saddam após sua captura e julgamento
não deve ser entendida como uma decapitação, uma vez que os objetivos da guerra já tinham sido
atingidos. Na Líbia, Muammar Gaddafi, ao escapar do ataque de um drone americano, foi
localizado e assassinado por líbios pertencentes ao National Transitional Council (ASSER, 2011).
A real consequência da remoção de Gaddafi para o ocidente foi bem diferente da planejada, pois
a Líbia enveredou para a instabilidade, tornando-se um santuário para o Estado Islâmico. Assim,
a remoção de Gaddafi incrementou a ameaça terrorista em vez de diminuí-la. Esses casos levam
a duas conclusões. Primeiro, assassinar ou prender um líder estatal inimigo tende a ser uma difícil
tarefa. Segundo, quando atingida, seus resultados são imprevisíveis.
Isso depõe diretamente contra a posição privilegiada que a liderança ocupa na teoria dos
Cinco Aneis de John Warden e alimenta a controvérsia que essa estratégia gera no meio
acadêmico. Afirmações mais conclusivas não podem ser emitidas devido à falta de dados
empíricos sobre esse tipo de operação contra atores estatais. Para atores não estatais, no entanto,
a base de dados é bem maior.

4. A Decapitação de Atores Não-Estatais

Surpreendentemente, seguindo a falta de consenso entre os teóricos do Poder Aéreo


quanto a eficácia da decapitação de lideranças, pesquisas recentes que utilizaram uma extensa
base empírica para investigar essa estratégia contra atores não-estatais também não conseguem
convergir em suas conclusões.
Jenna Jordan (2009) realizou um estudo sobre a eficácia da decapitação contra grupos
terroristas e insurgentes por meio de uma base de dados contendo 290 casos. Sua conclusão geral
é que a neutralização de líderes resulta em efeitos contraproducentes. Em outras palavras, grupos
terroristas que tiveram seus líderes mortos ou presos desenvolveram resistência e tiveram uma
longevidade maior que aqueles grupos que não enfrentaram esse processo.
De acordo com sua pesquisa, algum resultado positivo marginal pode advir quando a
decapitação for dirigida contra grupos jovens, pequenos e de motivação ideológica.
A conclusão foi:
Finally, the data indicate that decapitation is not an effective counterterrorism
strategy. Comparing the rate of decline for organizations that have and have
not had their leaders targeted provides a way to identify when decapitation is
likely to be successful or counterproductive. While decapitation is effective in
only 18% of all incidents, when compared to the overall rate of organization
decline, decapitation is 3% less effective than not targeting a group´s leader.
(JORDAN, 2009, p. 47)

Ela estabeleceu um horizonte de dois anos após o evento da decapitação para observar o
nível de atividade do grupo em termos de longevidade, número de ataques e de vítimas.
Adicionalmente, o estudo do caso das FARC revelou a complexidade que envolve a
predição dos resultados de uma decapitação. As FARC tiveram líderes neutralizados em 1990,
1991, 1995, 1996 e 1998-2004. Nesse período, o número de vítimas das FARC sofreu variações
randômicas, não sendo possível estabelecer uma conexão causal entre os ataques e a eliminação
das lideranças do grupo. Ou seja, a atividade da organização não teve relação aparente com a
campanha de decapitação implementada pelo Governo Colombiano. Depois de 2000, o número
de vítimas das FARC cresceu 100%, mesmo após 7 anos de contínua decapitação de suas
lideranças. De acordo com a pesquisadora, as FARC, tendo uma motivação ideológica, deveriam
ser o tipo de organização mais suscetível à decapitação. No entanto, o grupo apresentou
inesperada resiliência. A influência conjugada de outros fatores pode ter atrapalhado a expectativa
de falência do grupo. As FARC são um grupo inspiração ideológica, mas são consideradas uma
organização antiga e de grande porte com mais de 20 anos e milhares de membros. Essas
características podem ter compensado o fator “ideológico”. A influência de uma variável em outra
é de difícil definição e torna o resultado ainda mais incerto. De qualquer forma, a pesquisa revelou
que, em geral, grupos terroristas tendem a ser mais resistentes à decapitação à medida que
envelhecem e se tornam maiores, principalmente aqueles de inspiração religiosa (JORDAN,
2009).
Os mais relevantes pesquisadores da área do terrorismo tiverem suas opiniões
condensadas por Alex Schimid (2011) e reforçam as conclusões de Jenna Jordan. Schimid enviou
um questionário a 91 estudiosos em terrorismo, incluindo uma pergunta sobre a mais eficiente
medida antiterror. Na lista das 10 medidas mais citadas, a decapitação não estava presente. De
maneira geral, eles concordam com as conclusões de Jordan na medida em que desconsideram a
decapitação como uma estratégia antiterror eficaz. Ainda assim, outra análise empírica sobre a
questão não encerrou a controvérsia.
Bryan C. Price (2012) defende que a decapitação de liderança aumenta significativamente
a taxa de mortalidade de grupos terroristas, ainda que não seja um fator isolado. Ele argumenta
que os pesquisadores que chegaram a conclusões diferentes usaram uma metodologia inadequada
ou dados inválidos. Cita diretamente o trabalho de Jordan dizendo que foi de longe o mais
completo e coerente já realizado sobre o tema. Apesar de concordar com ela que a sobrevivência
da organização é um melhor parâmetro que as vítimas, números e frequência dos ataques para
avaliar a eficácia da estratégia da decapitação, ele considera que a expectativa na eficiência das
políticas antiterror foi demasiadamente elevada. A definição da variável dependente de sobrevida
de dois anos após um evento de decapitação foi inadequada, pois representa uma visão de curto
prazo. Esse parâmetro teria feito toda a diferença nas conclusões de Jenna Jordan. Os efeitos
visualizados num horizonte temporal mais dilatado deveriam ser também considerados (PRICE,
2012). Na sua pesquisa, ele usou um banco de dados original na qual investiga a expectativa de
vida de 207 grupos terroristas que enfrentaram eventos de decapitação entre 1970 e 2008 e usou
uma abordagem de longo prazo.
Finalmente, Price (2012) defende que a decapitação de lideranças pode ser eficaz se
obedecer a duas condições. Inicialmente, o grupo terrorista deve possuir líderes com papeis
decisivos para o sucesso da organização. Se não o possuírem, não existe razão alguma para que o
desempenho da organização seja alterado com a falta desses líderes. Em segundo lugar, o processo
de substituição da liderança deve ser difícil. Se o líder é facilmente substituído, se o processo
sucessório é bem claro e aceito na organização, os custos de executar uma operação de
decapitação não se justificam na medida em que o líder eliminado será substituído sem
contestação interna. Ele defende que existem condições que podem tornar a decapitação uma
estratégia eficaz. Nesse aspecto, o cenário da operação e as características do grupo considerado
são altamente relevantes. Suas conclusões indicam que existem condições gerais que tornam
grupos terroristas suscetíveis à decapitação. Eles são violentos, clandestinos e comportam-se
como organizações baseadas em valores. Isso tende a amplificar a visibilidade do líder e tornam
a sucessão mais difícil, por isso a decapitação tem chance de funcionar.
Ao evitar a métrica de curto prazo, Price (2012) chegou a 6 conclusões. Primeiro, grupos
terroristas “decapitados” possuem uma taxa de falência maior que grupos “não decapitados”.
Independentemente do tempo determinado para a ocorrência da dissolução do grupo, matar ou
capturar seu líder diminui o tempo de vida dessa organização. Entretanto, não há garantias que
isso irá ocorrer imediatamente. Somente 30% dos grupos que tiveram seu líder eliminado
encerraram suas atividades dentro do prazo de 2 anos. Segundo, quanto mais cedo a decapitação
ocorrer no ciclo de vida da organização, maior será a influência desse evento na falência do grupo.
Quanto mais tarde a decapitação ocorrer, menores serão seus efeitos. Por exemplo, a decapitação
de um líder no primeiro ano de vida de um grupo terrorista aumenta em 8 vezes as chances desse
grupo deixar de existir quando comparado a um grupo “não-decapitado”. No entanto, seus efeitos
decrescem rapidamente na medida em que a organização envelhece, a ponto de não ter efeito
algum quando o grupo passa dos 20 anos. Terceiro, todos os métodos de decapitação investigados
(assassinato, prisão e prisão seguida de assassinato) diminuem a longevidade do grupo terrorista.
Quarto, qualquer motivo de saída de um líder acelera a mortalidade do grupo. Isso torna-se
importante porque indica que um Estado engajado no combate ao terror não precisa
necessariamente aderir à decapitação para acelerar a falência da organização terrorista. Quinto, o
tamanho não afeta a longevidade do grupo. Pequenos grupos são tão longevos quantos grandes
grupos. Todos eles reagem de maneira similar à perda de um líder. Sexto, ao contrário do
estabelecido por outras pesquisas, grupos religiosos são menos resistentes à decapitação quando
comparados a grupos separatistas. Grupos terroristas de inspiração religiosa tem 5 vezes mais
chances de acabar após uma operação de decapitação quando comparados a grupos separatistas.
Em função desses resultados, Price declara que os Estados que desejam aplicar a
estratégia da decapitação como parte de sua política antiterrorista devem executá-la o mais cedo
possível e destinar os recursos materiais e humanos necessários. Quando o grupo alvo se aproxima
dos 20 anos de existência a estratégia da decapitação deve ser abandonada em favor de outras
medidas.
Além desse argumento em favor da decapitação de lideranças, existe outro que, por vezes,
torna-se o mais relevante de todos: satisfazer a opinião pública interna. A legitimidade de um
estado baseia-se na capacidade do governo em prover a segurança para a população (HARARI,
2015). Nessa perspectiva, qualquer reação visível que concretize uma medida contra o terror irá
reforçar a atuação do estado perante a população. A cabeça de um terrorista é um troféu político
para qualquer governo. Quando Osama Bin Laden foi executado em 2011, houve uma euforia
nacionalista nos EUA que elevou a popularidade do Presidente Obama. Coincidentemente, um
ano depois ele estaria sendo eleito para seu segundo mandato.

5. Uma Abordagem Estratégica do Contexto e da Incerteza

Fica claro até aqui que, independentemente do ponto de vista que se utilize, várias dúvidas
ainda persistem. A eficiência da eliminação de líderes adversários está longe do consenso dentro
das Ciências Militares. Em relação aos agentes estatais, a falta de ocorrências reais impede
conclusões mais robustas. Entretanto, em que pese haver uma ampla base de dados de eventos de
decapitação contra atores não-estatais, estudos recentes também divergem em suas conclusões.
Assim, torna-se necessário uma perspectiva diferente para acomodar tão diversas avaliações e
tornar possível uma conclusão abrangente.
Em uma visão ampla, pode-se admitir que operações de contraterrorismo buscam uma
situação favorável a longo prazo e não uma vitória a curto prazo. Essa perspectiva faz surgir um
objetivo mais flexível e exequível: manter a ameaça terrorista em níveis aceitáveis. Isso de fato
remete à uma questão de pura estratégia e afasta a visão tática que resume a realidade em vencer
ou perder o combate do dia. Em outras palavras, para se obter objetivos políticos, ou seja, manter
a ameaça terrorista em níveis aceitáveis em nome da legitimidade do estado, uma estratégia deve
manipular e alinhar regras, maneiras, meios e recursos para se atingir uma “paz melhor”
(DOLMAN, 2015). Por vezes, algumas vitórias táticas no curto prazo não se traduzem em efeitos
estratégicos (e políticos) desejados a longo prazo. Um exemplo disso foi o que Avharam Shalom,
ex-diretor do Shin Bet israelense, declarou sobre as operações de contraterrorismo na faixa de
Gaza (MOREH, 2012). Israel obteve inúmeras vitórias táticas, mas nunca chegou próximo de
obter a paz na região. Nesse aspecto, a decapitação de um grupo terrorista pode ser interpretada
como uma vitória tática se não estiver inserida dentro de um contexto mais amplo e coerente de
contenção do terror. Jordan e Price discordam em linhas gerais, mas admitem que em certas
condições a decapitação funciona. Isso parece alinhar-se com o que Colin S. Gray (2012, p. 93)
diz ao analisar as discordâncias entre os teóricos do Poder Aéreo. Este estrategista postula:
“Context always matters”. Essa afirmação aplica-se a todas as opiniões divergentes até aqui
analisadas. Futuras operações terroristas de decapitação podem funcionar ou não, dependendo das
inúmeras variáveis presentes no contexto em questão. No entanto, este estudo apontou algumas
condições críticas: o nível de dependência da organização em relação a seu líder, a idade e o tipo
de estrutura organizacional e seu processo sucessório.
Apesar disso, ao se olhar para o passado, verifica-se que esta estratégia traz naturalmente
um elevado nível de incerteza, seus resultados são difíceis de prever. Por isso, pode-se concluir
que esta não é uma estratégia na qual se deva dar a prioridade dos recursos. Assim, ela teria um
papel secundário e seria melhor usada paralelamente a outra estratégia principal.

6. Conclusão

As Ciências Sociais proveem argumentos que sugerem que a liderança é essencial na vida
de uma organização. Elas geraram a crença que a eliminação de um líder terrorista irá enfraquecer
o grupo. Entretanto, a estratégia da decapitação de lideranças contra atores estatais revelou-se
incerta, tanto pelo ponto de vista histórico, como pela análise da Teoria Militar e das Teorias do
Poder Aéreo. Por outro lado, pesquisas recentes sobre atores não-estatais utilizaram uma
abordagem mais empírica, mas chegaram a resultados igualmente contraditórios. As diversas
perspectivas aqui utilizadas, indicam que a decapitação de lideranças é de difícil execução e
avaliação. As variáveis principais da idade do grupo alvo, a relevância do líder dentro da estrutura
organizacional e da clareza do processo sucessório são muito específicas e podem anular-se
mutuamente. Essa dependência do contexto pode levar ao sucesso ou ao fracasso de maneira
imprevisível. A decapitação deve, na melhor das hipóteses, ter um papel secundário em operações
de contraterrorismo, compondo uma série de outras estratégias e medidas. Essa é uma conclusão
relevante para orientar as ações dos responsáveis por políticas estatais de segurança, evitando a
confiança demasiada numa estratégica complexa e de baixa previsibilidade. A vida real pode ser
diferente do jogo de xadrez pois nem sempre a queda do rei significa o fim do jogo.
Referências

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