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A ideia de encerrar um conflito com um único e decisivo ato é tão antiga quanto tentadora.
Desde a antiguidade, guerras chegaram ao seu fim após a morte do soberano em ação.
Essa estratégia ganhou impulso com as operações antiterror da atualidade. Diversas
teorias explicam a importância do líder para uma organização baseadas no carisma ou na
articulação social. De fato, o senso comum acredita que a remoção do líder provoca o
colapso da organização e várias políticas de defesa tem se apoiado nessa ideia. Sob o
enfoque teórico, o tema apresenta conclusões conflitantes sobre os efeitos reais. Enquanto
a Teoria Militar Clássica não a apoia, o processo de planejamento militar prevê seu uso
sob certas condições. Finalmente, os teóricos modernos do Poder Aéreo discordam sobre
a sua eficácia. Sob o enfoque empírico, as conclusões variam da descrença à incerteza.
Estudos recentes sobre a chamada "decapitação de lideranças" contra atores não estatais
analisaram centenas de casos. Em situações específicas alguns resultados positivos
marginais puderam ser verificados, mas a conclusão geral é negativa. Ou seja, grupos
terroristas tendem a ficar mais resilientes ao terem seu líder eliminado ou preso. Por outro
lado, a análise da decapitação contra atores não estatais não consegue chegar a resultados
confiáveis devido à falta de dados. Consequentemente, a decapitação de lideranças é uma
estratégia incerta e altamente dependente de um contexto específico. Por isso, sua
utilização em certos casos deve ser em paralelo a uma estratégia principal mais robusta e
confiável. Esse ensaio não considera aspectos legais e éticos que poderiam surgir a partir
da hipótese de eliminar o líder adversário como forma de provocar uma mudança política
almejada. O foco é avaliar a eficiência e a previsibilidade de seus resultados a fim de
apoiar a formulação de políticas de defesa e operações militares.
A ideia de abater um rei inimigo para por fim a um conflito é muita antiga. O Rei Ricardo
III veio a falecer devido a ferimentos obtidos na Batalha de Bosworth e sua morte provocou o fim
da Guerra das Rosas (1455-1485). Atualmente, a expectativa de obter uma vitória decisiva numa
campanha antiterror por meio do assassinato ou prisão do líder inimigo vem seduzindo muitos
governos. Existem teorias nas Ciências Sociais que proveem um suporte teórico adequado para
aqueles que defendem a chamada estratégia da decapitação de lideranças. A Teoria Militar pode
auxiliar a investigar a eficiência dessa estratégia porque, para alguns estudiosos, um estado
nacional pode ser um agente terrorista, na medida em que financia outros grupos ou usa
diretamente a violência para fins políticos. Justamente, o emprego da violência para atingir
objetivos políticos é uma das áreas de investigação das Ciências Militares. Entretanto, enquanto
a Teoria Militar Clássica não apoia essa estratégia, o processo de planejamento militar conjunto
a admite sob certas condições. Além disso, teóricos contemporâneos do Poder Aéreo discordam
frontalmente sobre sua eficácia. Contra atores não-estatais, recentes pesquisas com enfoque mais
empírico têm chegado a conclusões igualmente divergentes. Assim, a decapitação de lideranças
tem se mostrado uma estratégia incerta e altamente dependente do cenário, onde certas variáveis
definem o seu sucesso ou fracasso. A sua adoção como opção secundária e em paralela a outra
estratégia mais robusta se mostra a melhor maneira de adotá-la em uma campanha antiterror.
Este trabalho não considera as implicações éticas e legais resultantes da aplicação desse
tipo de estratégica por um ator estatal. Em vez disso, terá o objetivo de avaliar sua capacidade e
eficiência em provocar o resultado desejado em suporte a uma política governamental de combate
ao terrorismo.
Uma pesquisa bibliográfica nos mais recentes trabalhos acadêmicos sobre o tema seguirá
uma revisão das teorias sociais e militar para proporcionar uma conclusão coerente a abrangente.
Ela estabeleceu um horizonte de dois anos após o evento da decapitação para observar o
nível de atividade do grupo em termos de longevidade, número de ataques e de vítimas.
Adicionalmente, o estudo do caso das FARC revelou a complexidade que envolve a
predição dos resultados de uma decapitação. As FARC tiveram líderes neutralizados em 1990,
1991, 1995, 1996 e 1998-2004. Nesse período, o número de vítimas das FARC sofreu variações
randômicas, não sendo possível estabelecer uma conexão causal entre os ataques e a eliminação
das lideranças do grupo. Ou seja, a atividade da organização não teve relação aparente com a
campanha de decapitação implementada pelo Governo Colombiano. Depois de 2000, o número
de vítimas das FARC cresceu 100%, mesmo após 7 anos de contínua decapitação de suas
lideranças. De acordo com a pesquisadora, as FARC, tendo uma motivação ideológica, deveriam
ser o tipo de organização mais suscetível à decapitação. No entanto, o grupo apresentou
inesperada resiliência. A influência conjugada de outros fatores pode ter atrapalhado a expectativa
de falência do grupo. As FARC são um grupo inspiração ideológica, mas são consideradas uma
organização antiga e de grande porte com mais de 20 anos e milhares de membros. Essas
características podem ter compensado o fator “ideológico”. A influência de uma variável em outra
é de difícil definição e torna o resultado ainda mais incerto. De qualquer forma, a pesquisa revelou
que, em geral, grupos terroristas tendem a ser mais resistentes à decapitação à medida que
envelhecem e se tornam maiores, principalmente aqueles de inspiração religiosa (JORDAN,
2009).
Os mais relevantes pesquisadores da área do terrorismo tiverem suas opiniões
condensadas por Alex Schimid (2011) e reforçam as conclusões de Jenna Jordan. Schimid enviou
um questionário a 91 estudiosos em terrorismo, incluindo uma pergunta sobre a mais eficiente
medida antiterror. Na lista das 10 medidas mais citadas, a decapitação não estava presente. De
maneira geral, eles concordam com as conclusões de Jordan na medida em que desconsideram a
decapitação como uma estratégia antiterror eficaz. Ainda assim, outra análise empírica sobre a
questão não encerrou a controvérsia.
Bryan C. Price (2012) defende que a decapitação de liderança aumenta significativamente
a taxa de mortalidade de grupos terroristas, ainda que não seja um fator isolado. Ele argumenta
que os pesquisadores que chegaram a conclusões diferentes usaram uma metodologia inadequada
ou dados inválidos. Cita diretamente o trabalho de Jordan dizendo que foi de longe o mais
completo e coerente já realizado sobre o tema. Apesar de concordar com ela que a sobrevivência
da organização é um melhor parâmetro que as vítimas, números e frequência dos ataques para
avaliar a eficácia da estratégia da decapitação, ele considera que a expectativa na eficiência das
políticas antiterror foi demasiadamente elevada. A definição da variável dependente de sobrevida
de dois anos após um evento de decapitação foi inadequada, pois representa uma visão de curto
prazo. Esse parâmetro teria feito toda a diferença nas conclusões de Jenna Jordan. Os efeitos
visualizados num horizonte temporal mais dilatado deveriam ser também considerados (PRICE,
2012). Na sua pesquisa, ele usou um banco de dados original na qual investiga a expectativa de
vida de 207 grupos terroristas que enfrentaram eventos de decapitação entre 1970 e 2008 e usou
uma abordagem de longo prazo.
Finalmente, Price (2012) defende que a decapitação de lideranças pode ser eficaz se
obedecer a duas condições. Inicialmente, o grupo terrorista deve possuir líderes com papeis
decisivos para o sucesso da organização. Se não o possuírem, não existe razão alguma para que o
desempenho da organização seja alterado com a falta desses líderes. Em segundo lugar, o processo
de substituição da liderança deve ser difícil. Se o líder é facilmente substituído, se o processo
sucessório é bem claro e aceito na organização, os custos de executar uma operação de
decapitação não se justificam na medida em que o líder eliminado será substituído sem
contestação interna. Ele defende que existem condições que podem tornar a decapitação uma
estratégia eficaz. Nesse aspecto, o cenário da operação e as características do grupo considerado
são altamente relevantes. Suas conclusões indicam que existem condições gerais que tornam
grupos terroristas suscetíveis à decapitação. Eles são violentos, clandestinos e comportam-se
como organizações baseadas em valores. Isso tende a amplificar a visibilidade do líder e tornam
a sucessão mais difícil, por isso a decapitação tem chance de funcionar.
Ao evitar a métrica de curto prazo, Price (2012) chegou a 6 conclusões. Primeiro, grupos
terroristas “decapitados” possuem uma taxa de falência maior que grupos “não decapitados”.
Independentemente do tempo determinado para a ocorrência da dissolução do grupo, matar ou
capturar seu líder diminui o tempo de vida dessa organização. Entretanto, não há garantias que
isso irá ocorrer imediatamente. Somente 30% dos grupos que tiveram seu líder eliminado
encerraram suas atividades dentro do prazo de 2 anos. Segundo, quanto mais cedo a decapitação
ocorrer no ciclo de vida da organização, maior será a influência desse evento na falência do grupo.
Quanto mais tarde a decapitação ocorrer, menores serão seus efeitos. Por exemplo, a decapitação
de um líder no primeiro ano de vida de um grupo terrorista aumenta em 8 vezes as chances desse
grupo deixar de existir quando comparado a um grupo “não-decapitado”. No entanto, seus efeitos
decrescem rapidamente na medida em que a organização envelhece, a ponto de não ter efeito
algum quando o grupo passa dos 20 anos. Terceiro, todos os métodos de decapitação investigados
(assassinato, prisão e prisão seguida de assassinato) diminuem a longevidade do grupo terrorista.
Quarto, qualquer motivo de saída de um líder acelera a mortalidade do grupo. Isso torna-se
importante porque indica que um Estado engajado no combate ao terror não precisa
necessariamente aderir à decapitação para acelerar a falência da organização terrorista. Quinto, o
tamanho não afeta a longevidade do grupo. Pequenos grupos são tão longevos quantos grandes
grupos. Todos eles reagem de maneira similar à perda de um líder. Sexto, ao contrário do
estabelecido por outras pesquisas, grupos religiosos são menos resistentes à decapitação quando
comparados a grupos separatistas. Grupos terroristas de inspiração religiosa tem 5 vezes mais
chances de acabar após uma operação de decapitação quando comparados a grupos separatistas.
Em função desses resultados, Price declara que os Estados que desejam aplicar a
estratégia da decapitação como parte de sua política antiterrorista devem executá-la o mais cedo
possível e destinar os recursos materiais e humanos necessários. Quando o grupo alvo se aproxima
dos 20 anos de existência a estratégia da decapitação deve ser abandonada em favor de outras
medidas.
Além desse argumento em favor da decapitação de lideranças, existe outro que, por vezes,
torna-se o mais relevante de todos: satisfazer a opinião pública interna. A legitimidade de um
estado baseia-se na capacidade do governo em prover a segurança para a população (HARARI,
2015). Nessa perspectiva, qualquer reação visível que concretize uma medida contra o terror irá
reforçar a atuação do estado perante a população. A cabeça de um terrorista é um troféu político
para qualquer governo. Quando Osama Bin Laden foi executado em 2011, houve uma euforia
nacionalista nos EUA que elevou a popularidade do Presidente Obama. Coincidentemente, um
ano depois ele estaria sendo eleito para seu segundo mandato.
Fica claro até aqui que, independentemente do ponto de vista que se utilize, várias dúvidas
ainda persistem. A eficiência da eliminação de líderes adversários está longe do consenso dentro
das Ciências Militares. Em relação aos agentes estatais, a falta de ocorrências reais impede
conclusões mais robustas. Entretanto, em que pese haver uma ampla base de dados de eventos de
decapitação contra atores não-estatais, estudos recentes também divergem em suas conclusões.
Assim, torna-se necessário uma perspectiva diferente para acomodar tão diversas avaliações e
tornar possível uma conclusão abrangente.
Em uma visão ampla, pode-se admitir que operações de contraterrorismo buscam uma
situação favorável a longo prazo e não uma vitória a curto prazo. Essa perspectiva faz surgir um
objetivo mais flexível e exequível: manter a ameaça terrorista em níveis aceitáveis. Isso de fato
remete à uma questão de pura estratégia e afasta a visão tática que resume a realidade em vencer
ou perder o combate do dia. Em outras palavras, para se obter objetivos políticos, ou seja, manter
a ameaça terrorista em níveis aceitáveis em nome da legitimidade do estado, uma estratégia deve
manipular e alinhar regras, maneiras, meios e recursos para se atingir uma “paz melhor”
(DOLMAN, 2015). Por vezes, algumas vitórias táticas no curto prazo não se traduzem em efeitos
estratégicos (e políticos) desejados a longo prazo. Um exemplo disso foi o que Avharam Shalom,
ex-diretor do Shin Bet israelense, declarou sobre as operações de contraterrorismo na faixa de
Gaza (MOREH, 2012). Israel obteve inúmeras vitórias táticas, mas nunca chegou próximo de
obter a paz na região. Nesse aspecto, a decapitação de um grupo terrorista pode ser interpretada
como uma vitória tática se não estiver inserida dentro de um contexto mais amplo e coerente de
contenção do terror. Jordan e Price discordam em linhas gerais, mas admitem que em certas
condições a decapitação funciona. Isso parece alinhar-se com o que Colin S. Gray (2012, p. 93)
diz ao analisar as discordâncias entre os teóricos do Poder Aéreo. Este estrategista postula:
“Context always matters”. Essa afirmação aplica-se a todas as opiniões divergentes até aqui
analisadas. Futuras operações terroristas de decapitação podem funcionar ou não, dependendo das
inúmeras variáveis presentes no contexto em questão. No entanto, este estudo apontou algumas
condições críticas: o nível de dependência da organização em relação a seu líder, a idade e o tipo
de estrutura organizacional e seu processo sucessório.
Apesar disso, ao se olhar para o passado, verifica-se que esta estratégia traz naturalmente
um elevado nível de incerteza, seus resultados são difíceis de prever. Por isso, pode-se concluir
que esta não é uma estratégia na qual se deva dar a prioridade dos recursos. Assim, ela teria um
papel secundário e seria melhor usada paralelamente a outra estratégia principal.
6. Conclusão
As Ciências Sociais proveem argumentos que sugerem que a liderança é essencial na vida
de uma organização. Elas geraram a crença que a eliminação de um líder terrorista irá enfraquecer
o grupo. Entretanto, a estratégia da decapitação de lideranças contra atores estatais revelou-se
incerta, tanto pelo ponto de vista histórico, como pela análise da Teoria Militar e das Teorias do
Poder Aéreo. Por outro lado, pesquisas recentes sobre atores não-estatais utilizaram uma
abordagem mais empírica, mas chegaram a resultados igualmente contraditórios. As diversas
perspectivas aqui utilizadas, indicam que a decapitação de lideranças é de difícil execução e
avaliação. As variáveis principais da idade do grupo alvo, a relevância do líder dentro da estrutura
organizacional e da clareza do processo sucessório são muito específicas e podem anular-se
mutuamente. Essa dependência do contexto pode levar ao sucesso ou ao fracasso de maneira
imprevisível. A decapitação deve, na melhor das hipóteses, ter um papel secundário em operações
de contraterrorismo, compondo uma série de outras estratégias e medidas. Essa é uma conclusão
relevante para orientar as ações dos responsáveis por políticas estatais de segurança, evitando a
confiança demasiada numa estratégica complexa e de baixa previsibilidade. A vida real pode ser
diferente do jogo de xadrez pois nem sempre a queda do rei significa o fim do jogo.
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