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DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA

ATIVIDADE COGNITIVA

Estrutura do ato de conhecer


Perspectivada como acto puro, como o fazem os fenomenologistas, e
desligada de quaisquer particularidades, a actividade «cognoscitiva» é
reduzida ao acto de conhecer. A análise fenomenológica considera
apenas o conhecimento em si mesmo, atendendo apenas à sua estrutura
essencial. Assim, todo o acto de conhecer envolve um sujeito, um
objecto e uma imagem: o primeiro é aquele que conhece; O segundo é
aquilo que é conhecido; o terceiro é a representação do objecto na
consciência do sujeito. No texto de Hartman, podemos seguir passo a
passo a descrição fenomenológica do acto de conhecer.

a) O fenómeno fundamental da apreensão

1.Em todo o conhecimento, um «cognoscente» e um «conhecido»,


um sujeito e um objecto encontram-se face a face. A
relação que
existe entre os dolis é o próprio conhecimento. A oposição dos dois
termos não pode ser suprimida; esta oposição significa que os doiss
termos são originariamente separados um do outro.

2.0s dois termos da relação não podem ser separados dela sem
deixar de ser sujeito e objecto. O sujeito só é sujeito em relação a
um objecto e o objecto só é objecto em relação a um sujeito. Cada
um deles apenas é o que é pela sua relação com o outro. Estão
ligados um ao outro por uma estreita relação; condicionam-se
reciprocamente. A sua relação é uma correlação.

3.A relação constitutiva do conhecimento é dupla, mas nãooé


reversível. O facto de desempenhar o papel de sujeito em relação a
um objecto é diferente do facto de desempenhar o papel de objecto
em relaçãoa um sujeito. Nointerior da correlação, sujeito e objecto
não são, portanto, intermutáveis; a sua função é essencialmente
diferente. (...)

4.A função do sujelto consiste em


apreender objecto;
o a do
em poder ser apreendido pelo sujeito e em sê-lo efectivamente.
objecto

5.Considerada do lado do sujeito, esta «apreensão» pode ser


descrita como uma saída do sujeito para fora da sua própria esfera
e como uma incursão na esfera do objecto, a qual é, para o sujeito,
transcendente e heterogénea. O sujeito apreende as determinações
do objecto e, ao apreendê-las, introdu-las, fá-las entrar na sua
própria esfera.

6.0 sujeito não pode captar as propriedades do objecto senão fora


de si mesmo, pois a oposição do sujeito e do objecto não
desaparece na uni o que o acto de conhecimento estabelece entre
eles; antes permanece indestrutível. A consciência desta oposição
um aspecto essencial da consciência do objecto. O objecto, mesmo
quando é apreendido, permanece, para o sujeito, algo de exterior; é
uo
própria esfera.

6.0 sujeito não pode captar as propriedades do objecto senão fora


de si mesmo, pois a oposição do sujeito e do objecto não
desaparece na união que o acto de conhecimento estabelece entre
eles; antes permanece indestrutivel. A consciência desta oposição é
um aspecto essencial da consciência do objecto. O objecto, mesmo
quando é apreendido, permanece, parao sujeito, algo de exterior; é
sempre «o objectum», quer dizer, o que está diante dele. O sujeito
não pode captar o objecto sem sair de si (sem se transcender); mas
não pode ter consciência do que é apreendido, sem reentrar em si,
sem se reencontrar na sua própria esfera. O conhecimento realiza-
se, pois, por assim dizer, em três tempos: o sujeito sai de si, está
fora de si e regressa finalmente a si.

7.0 facto de que o sujeito saia de si para apreender o objecto não


muda nada neste.0 objecto não se torna por isso imanente. As
características do objecto, se bem que sejam apreendidas e o como
no

queintroduzidas
introduzidas na esfera do sujeito, não são, contudo,
deslocada
deslocadas. Apreender o objecto não significa fazê-lo entrar no
sujeito, mas sim reproduzir neste as determinações do objecto
numa construção que terá um conteúdo idêntico ao do objecto. Esta
construção operada no conhecimento é «a imagem» do objecto. O
objecto não é modificado pelo sujeito, mas sim o sujeito pelo
objecto. Apenas no sujeito alguma coisa se transforma pelo acto de
conhecimento. No objecto nada de novo é criado; mas no sujeito
nasce a consciência do objecto, com o seu conteúdo, a imagem do
objecto.
Nicolai Hartmann (1945), Les Principes d'une Métaphysique de la Connaissance, vol. 1, Paris,
Aubier-Montaigne, pp. 87-88.

O sujeito eo objecto não se confundem, «são originariamente separados


um do outro», são transcendentes e estabelecem, entre eles, uma
relação de oposição.

Apesar de opostos, um sem o outro não podem ser considerados sujeito


e objecto. Com efeito, «cada um deles apenas é o que é pela sua relação
com o outro», o que significa que a sua relação constitui uma correlação.

Embora correlacionados, não podem trocar de funções. Estabelecem


uma relação de irreversibilidade. O papel do sujeito é o de apreender o
objecto e o do objecto éo de poder ser apreendido pelo sujeito e em o
ser efetivamente.

Dado que sujeito e objeto têm funções especificas, o resultado do


conhecimento não é igual para ambos. De facto, o sujeito, saindo de si
para captar o objecto, e ao regressar a si, com os elementos que lhe
permitiram construir uma representação do objecto, é modificado pelo
objecto, ao passo que o objecto em nada é modificado pelo sujeito.

Uma vez que, no processo, o sujeito constrói (um)a imagem do objecto,


podemos considerar o conhecimento como a relação entre o sujeito e o
objecto, que se traduz numa representação do objecto na consciência
cognoscente, a imagem, que não anula a transcendênciaeaoposição
do objecto em relação ao sujeito.
cognoscente, a imagem, que nao anua a transcendenciaea oposiçao
do objecto em relação ao sujeito.

CONHECIMENTO

função função ser


transcendência
apreender oposição apreendido
correlação
SUJEITO OBJECTO
apreensãoo
aquele que representação aquilo que é
conhece imagem conhecido

MODIFICAÇÃO

Responder à questão de saber o que é o conhecimento é responder ao


problema da origem do conhecimento, da natureza ou essência do
conhecimento, da possibilidade ou valor do conhecimento,
das espécies de conhecimento ou formas de conhecer e ao problema
dos critérios de verdade.
O programa de Filosofia apenas propõe que se faça a análise
comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento. Escolhemos,
por indicação das orientações, a teoria racionalista de Descartes e a
teoria empirista de Hume. Porém, para o fazer, teremos de falar
das diversas respostas aos vários problemas do conhecimento, emborao
façamos a partir das respostas ao problema da possibilidade (valor ou
limites) e da origem do conhecimento. Mas antes de introduzirmos as
respostas tradicionais a este problema, vamos esclarecer os instrumentos
teóricos que serão usados para confrontar as duas teorias filosóficas acerca
do conhecimento, começando por distinguir vários tipos de conhecimento,
caracterizar e discutir a noção de conhecimento como crença verdadeira
justificada e, depois, distinguir conhecimento a priori de conhecimento a
posterioi

Tipos de conhecimento
Que géneros de conhecimento há? Comparemos estas afirmações:
A. João conhece as sonatas de Beethoven.
B. João sabe tocar ao piano as sonatas de Beethoven.
C. João sabe que Beethoven comps sonatas.
Cada uma destas três afirmações diz-nos que um sujeito (aquele que
conhece), João, tem um determinado conhecimento de um objecto
(aquilo que é conhecido), as sonatas de Beethoven. Estas afimações,
ainda que semelhantes neste aspecto, atribuem a João géneros de
conhecimento muito diferentes.
ainda que semelhantes neste aspecto, atribuem a João géneros de
conhecimento muito diferentes.
A. POR CONTACTO
A afirmação A significa que João já manteve algum tipo de contacto
com as sonatas de Beethoven. Por exemplo, que já esteve em contacto
auditivo com esses objectos musicais. Podemos dizer, por isso, que uma
afirmação como a A atribui um conhecimento por contacto a um sujeito, o
João. A este tipo de conhecimento imediato e directo de objectos
exteriores, chamamos conhecimento por contacto e usamos o verbo

conhecer quando nos referimos a este tipo de experiência, a este modo


de apreensão directa dos objectos, independente do juízo formulado
sobre eles.
B. SABER-FAZER
A afirmação B descreve um saber-fazer, atribui a João um certo
conhecimento prático: tocar as partituras de Beethoven. Esta afirmação
diz-nos que o sujeito possui uma capacidade, aptidão ou competência
para fazer alguma coisa. Neste caso, executar, num instrumento, as
sonatas do compositor. Saber construir um texto argumentativo é,
também, um exemplo de conhecimento prático ou saber-fazer.

C.SABER QUE
Por fim, a afirmação C também usa o verbo saber para designar um tipo
de conhecimento muito diferente do saber-fazer, atribui ao sujeito um
certo conhecimento proposicional acerca de Beethoven. O que a
afirmação C diz é que o João sabe que a proposição - Beethoven
compôs sonatas. é verdadeira. Aquilo que o Joãão conhece é uma
proposição. Neste caso, o objecto de conhecimento é uma proposição.
Osfilósofos chamama este tipo de conhecimento, conhecimento
proposicional ou saber-que. Dos três tipos descritos, o conhecimento
proposicional foi o mais estudado pelos filósofos.

TIPOS DE CONHECIMENTO

SABER FAZER SABER QUJE POR CONTACTO

CONHECIMENTO PROPOSICIONAL
Conhecimento proposicional
Quando perguntam- O que é o conhecimento?, os flósofos geralmente
estão interessados em esclarecer apenas o conhecimento proposicional.
A perspetiva que vamos examinar agora, apresentada por Platão no
diálogo Teeteto, pode ser vista como uma definição ou uma análise
deste género de conhecimento. Note-se que, no Teeteto, Platão não
defende esta definição. Ela é introduzida e discutida neste diálogo, mas
acaba por ser colocada perante objeções que ficam por superar. Porém,
dado que foi Platão quem apresentou pela primeira vez a definição
tradicional de conhecimento, não deixa de ser apropriado designá-la por
platónica. E também conhecida por "teoria tripartida do conhecimento".
O objetivo da análise tradicional é o de indicar as condições em que um
qualquer sujeito, que podemos designar pela letra S, tem conhecimento,
que podemos designar pela letra p. Portanto, em que condições S sabe
que p. Assim, uma forma mais precisa de formular o problema O que é
o conhecimento? - é a seguinte:

Em que circunstâncias S sabe que p?


Queremos saber, portanto, em que condições se pode dizer que um
sujeito tem conhecimento proposicional. Por exemplo, se S for João e p
for a proposição expressa pela frase - Beethoven compôs sonatas -, a
análise dir-nos-á em que condições se pode dizer que João sabe que
Beethoven compôs sonatas. De acordo com a análise platónica, o
conhecimento (episteme) envolve três condições fundamentais: uma
condição de crença ou opinião (doxa); uma condição de verdade
(aletheia) e uma condição de justificação (logos). Esclarecendo.
O conhecimento requer uma certa atitude do sujeito. Mais precisamente,
se um sujeito tem conhecimento proposicional, então acredita na
proposição em questão. Isto leva-nos à seguinte condição:
S e S sabe que p, então S acredita que p.
Por exemplo, se Sara sabe que Saturno é um planeta, então acredita que
Saturno é um planeta. A crença é, portanto, uma condição necessária
para o conhecimento. Mas não é uma condição suficiente: a crença não
basta para o conhecimento; é preciso algo mais. Suponha-se que Manuel
acredita que Saturno é uma estrela. Poderemos dizer que ele sabe tal
coisa? E óbvio que não, já que é falso que Saturno seja uma estrela.
Manuel pode julgar que sabe que Saturno é uma estrela, mas está
enganado a esse respeito. Ele não sabe aquilo que julga saber.

Estes exemplos sugerem uma forma evidente de avançar na análise.


Nem todas as crenças constituem conhecimento; só as crenças
verdadeiras podem resultar em conhecimento. Ou seja, outra condição
necessária para o conhecimento é a de que proposição em que se
acredita seja verdadeira. Chegamos assim a este resultado:
S e S sabe que p, então (1) S acredita que pe (2)é verdade que p.
Pelo que vimos até aqui, todo o conhecimento proposicional consiste em
crenças ou opiniões verdadeiras. Mas será que basta ter uma crença ou
opinião verdadeira para possuir conhecimento? Platão percebeu
claramente que não, isto é, que nem todas as opiniões verdadeiras
constituem conhecimento. Imaginemos que Sara pergunta a Pedro que
tipo de astro é Saturno e que ele lhe responde que é um cometa. Porém,
Sara ouve mal a resposta e fica a acreditar que Saturno é um planeta.
Será que Sara sabe que Saturno é um planeta? Ela tem aqui uma crença
Estes exemplos sugerem uma forma evidente de avançar na analise.
Nem todas as crenças constituem conhecimento; só as crenças
verdadeiras podem resultar em conhecimento. Ou seja, outra condição
necessária para o conhecimento é a de que proposição em que se
acredita seja verdadeira. Chegamos assim a este resultado:
Se S sabe que p, então (1) S acredita que p e (2) é verdade que p.
Pelo que vimos até aqui, todo o conhecimento proposicional consiste em
crenças ou opiniões verdadeiras. Mas será que basta ter uma crença ou
opinião verdadeira para possuir conhecimento? Platäo percebeu
claramente que não, isto é, que nem todas as opiniões verdadeiras
constituem conhecimento. Imaginemos que Sara pergunta a Pedro que
tipo de astro é Saturno e que ele Ihe responde que é um cometa. Porém,
Sara ouve mal a resposta e fica a acreditar que Saturno é um planeta.
Será que Sara sabe que Saturno é um planeta? Ela tem aqui uma crença
verdadeira, mas não diriamos que sabe tal coisa, já que a sua crença se
deve apenas a um equívoco que, por mero acaso, a conduziu à verdade.
A questão que se coloca agora é a seguinte: o que tem de haver para
que uma crença ou opinião verdadeira constitua conhecimento? A
resposta tradicional é a de que uma crença verdadeira só constitui
conhecimento caso se baseie numa justificação adequada. Por outras
palavras, quando acreditamos que uma proposição é verdadeira, só
podemos dizer que sabemos que ela é verdadeira se tivermos boas
razões para acreditar nela. Ora, é precisamente isto que falta no caso de
Sara, o que nos leva a este avanço decisivo na análise
Se S sabe que p, então (1) S acredita que p; (2) é verdade que p e (3)
S tem uma justificação para acreditar que p.
Isto significa que as condições 1, 2e3 são separadamente necessárias
para o conhecimento se pelo menos uma delas não for satisfeita, não
estaremos perante um exemplo de conhecimento. De acordo com a
análise platónica, as condições 1,2e3 são, também, conjuntamente
suficientes para o conhecimento se todas elas forem satisfeitas (isto é,
se um sujeito tem uma crença verdadeira justificada), então estamos
seguramente perante um exemplo de conhecimento. Resumindo, a
análise tradicional que tem origem em Platão é a seguinte:
S sabe que p se, e
apenas se,
(1) S acredita que p;
(2) pé verdadeira;

(3) S tem uma justificação para acreditar que p.


Por exemplo, se uma pessoa sabe que Saturno é uma estrela, então tem
a crença verdadeira justificada de que Saturno é uma estrela, e se tem
essa crença verdadeira justificada, então sabe tal coisa.

cONHECIMENTO PROPOSICIONAL

CRENÇA

VERDADEIRA FALSA
(3) S tem uma justificação para acreditar que p.
Por exemplo, se uma pessoa sabe que Saturno é uma estrela, então tem
a crença verdadeira justificada de que Saturno é uma estrela, e se tem
essa crença verdadeira justificada, então sabe tal coisa.

CONHECIMENTO PROPosICIONAL

CRENÇA

VERDADEIRA FALSA

JUSTIFICADA NÃO JUSTIFICADA

CRENÇA VERDADEIRA JUSTIFICADA

Contraexemplos à análise platónica

A análise platónica do conceito de conhecimento proposicional


foi condescendida durante muito tempo, mas Edmund Gettier colocou-a
em causa quando escreveu, em 1963, um breve artigo. Gettier, nesse
artigo, apresentou alguns contraexemplos à análise tradicional do
conhecimento. Com esses contraexemplos pretendia mostrar que nem
toda a crença verdadeira justificada constitui conhecimento, isto é, que
as condições apresentadas por Platão não são suficientes para garantir o
conhecimento. Gettier pensava, portanto, que é possivel ter uma crença
verdadeira justificada e essa crença não ser conhecimento.
Consideremos um dos contraexemplos que ilustram esta possibilidade.
Imaginemos que Miguel tem boas razões para acreditar que quem vai
conseguir um certo emprego não é ele, mas João, e que viu há pouco
que João tem dez moedas no bolso. Deste modo, Miguel tem uma
crença justificada na seguinte proposição:

A. João vai conseguir o emprego e João tem dez moedas no bolso.


Tomando A como premissa, Miguel deduz a seguinte conclusão:
B. O homem que vai conseguir o emprego tem dez moedas no bolso.
Dado que Miguel acredita justificadamente em A e infere correctamente
Ba partir de A, podemos dizer que tem também uma crença justificada
em B. Mas imaginemos agora que João acabará por não conseguir o
emprego e que, na verdade, é o próprio Miguel que ficará com ele. (Isto
significa que a proposição A é falsa.) E suponhamos também que Miguel,
ainda que não o saiba, também tem dez moedas no bolso.
Concentremo-nos na proposição B. Miguel acredita justificadamente
nesta proposição - e, afinal, B é uma proposição verdadeira. Portanto,
Miguel tem uma crença verdadeira justificada em B. Mas apesar de as
tråe rnndinñae da análica nlatánira earam catiefeitae naeto raen a
A. Joao val conseguir o emprego e Joao tem dez moedas no DOIso.

Tomando A como premissa, Miguel deduza seguinte conclusão


B. O homem que vai conseguir e emprego tem dez moedas no bolso.
Dado que Miguel acredita justificadamente em A e infere correctamente
Ba partir de A, podemos dizer que tem também uma crença justificada
em B. Mas imaginemos agora que João acabará por não conseguir o
emprego e que, na verdade, é o próprio Miguel que ficará com ele. (lsto
significa que a proposição A é falsa.) E suponhamos também que Miguel,
ainda que não o saiba, também tem dez moedas no bolso.
Concentremo-nos na proposição B. Miguel acredita justificadamente
nesta proposição - e, afinal, B é uma proposição verdadeira. Portanto,
Miguel tem uma crença verdadeira justificada em B. Mas apesar de as
três condições da análise platónica serem satisfeitas neste caso, a
verdade é que Miguel não sabe que o homem que vai conseguir o
emprego tem dez moedas no bolso. Afinal, aquilo que torna B verdadeira
são os factos de ele (e não João) vir a conseguir o emprego e de ele (e
não João) ter dez moedas no bolso, e Miguel ignora completamente
estes factos. E por mero acaso que Miguel acaba por ter uma crença
verdadeira justificada em B.
Os contraexemplos de Gettier são um pouco complexos, mas existem
contraexemplos muito mais simples à análise platónica do conceito de
conhecimento, pelo que vale a pena introduzir um deles baseado no
exemplo de outro filósofo que colocou em causa a conceção tradicional
de conhecimento: Bertrand Russell. Imaginemos que Sofia tem fortes
razões para acreditar que um certo relógio público é extremamente fiável
Certo dia ela passa pelo relógio e vê que este indica que são nove horas
da manh. Sofia forma então a crença de que são nove horas da manh,
e esta crença está justificada pelos dados que revelam a fiabilidade do
relógio. Contudo, sem que Sofia o saiba, o relógio está parado há algum
tempo, mas curiosamente parou quando eram nove horas. Nestas
circunstâncias, Sofia acredita justificadamente que são nove horas da
manhã e a sua crença é verdadeira, só que a sua justificação não Ihe
permitiria saber que eram nove horas da manh. Afinal, teve apenas a
sorte de passar pelo relógio num momento em que este indicava a hora
correta. Não é a justificação, o relógio ter funcionado de forma infalivel no
passado, que apoia a crença da Sofia, mas o facto do relógio ter deixado
de funcionar que garantiu a verdade do conhecimento. A sofia pensa que
sabe que são nove horas, mas pensar que sabe não é o mesmo que

saber. Desta forma, as três condições revelam-se insuficientes para


haver conhecimento
Os contraexemplos deste género colocamo chamado problema de
Gettier. Se para existir conhecimento não é suficiente que exista uma
crença verdadeira justificada, o que mais será necessário para garantir o
conhecimento? A análise tradicional parece estar incompleta. E preciso
encontrar outra condição que permita evitar estes e outros
contraexemplos.
Justificação infalível e falivel
Na verdade, existe uma forma simples de evitar os contraexemplos à
análise tradicional. Podemos alegar que uma crença só estará
adequadamente justificada se estiver apoiada por razões tão fortes que
não exista a menor hipótese de ela ser falsa. Assim, diremos que a
Justificação infalível e falível
Na verdade, existe uma forma simples de evitar os contraexemplos à
análise tradicional. Podemos alegar que uma crença só estará
adequadamente justificada se estiver apoiada por razões tão fortes que
não exista a menor hipótese de ela ser falsa. Assim, diremos que a
crença de Miguel na proposição A não está justificada, pois ele não podia
ter a certeza absoluta de que João ia conseguir o emprego. E diremos
que a crença de Sofia também não está justificada, pois ela no podia ter
a certeza absoluta de que o relógio estava certo.
Em suma, se estipularmos que é preciso uma crença estar infalivelmente
justificada para que a condição 3 da análise platónica seja satisfeita,
podemos evitar o problema de Gettier. Porém, esta forma de evitar os
contraexemplos costuma ser considerada insatisfatória, porque se
dissermos que qualquer crença justificada tem de excluir toda a
possibilidade de erro teremos de concluir que quase nenhuma das
nossas crenças está justificada, o que é muito implausível. Por exemplo,
parece-nos que acreditamos justificadamente que Saturno é um planeta,
que a água é H20 ou que Luís de Camões escreveu Os Lusíadas, mas
não é completamente impossível que estas crenças sejam falsas.
Admitimos, então, que uma crença pode estar justificada e mesmo assim
ser falsa, o que é o mesmo que reconhecer que podemos ter crenças
falivelmente justificadas. Ao reconhecermos isto, claro, deixamos de
poder evitar o problema de Gettier.

CRENÇA VERDADEIRA JUSTIFICADA

cONHECIMENTO
(episteme)

CRENÇA
(doxa)
condições VERDADE condiçöes
necessárias e necessárias mas
suficientes (aletheia) insuficientes

JUSTIFICAÇÃO
(logos)
Definição platónica Crítica de Gettier

Conhecimento a posteriori e a priori


Mas antes de avançarmos para a análise comparativa de duas teorias
explicativas do conhecimento, vamos distinguir duas espécies de
conhecimento proposicional, para ajudar nessa análise.
O conhecimento a posteriori (ou conhecimento empírico) é aquele que
está dependente da experiência, seja ela sensorial ou introspetiva, para
aferir da sua verdade ou falsidade. A experiência sensorial advém dos
nossos sentidos (visão, audição, tato..), os quais nos colocam em
contacto com o mundo exterior, com aquilo que existe fora de nós. A
experiência introspetiva advém daquilo que encontramos dentro de nós
(sentimentos, emoçes, desejos...).
O conhecimento a posteriori é constituido por crenças que só se podem
justificarse recorrermos a dados empíricos, isto é, àinformação que nos
é fornecida pelos sentidos ou pela introspecção. O conhecimento
facultado pelas Ciências da Natureza e pelas Ciências Humanas é a
posteriori e o mesmo se pode dizer de muito do conhecimento que
obtemos todos os dias. As seguintes afirmações ilustram o
conhecimento a posteriori:

A cadeira onde estou sentado é castanha.


Hoje estou contente.

A neve é branca.
O almoço é peixe.
As proposições que estas frases exprimem säão a posteriori, pois não
podemos saber se são verdadeiras ou falsas sem recorrer aos dados
empiricos. O conhecimento a posteriori é constituido por proposições
sintéticas, isto é, proposições em que o predicado acrescenta algo ao
sujeito. A proposição "A cadeira em que estou sentado é castanha." é
uma proposição deste tipo e dá-nos informação ou conhecimento do
mundo. O conhecimento a posteriori é também contingente, uma vez que
a justificação das proposições é empírica, não existe qualquer
contradição no facto da proposição "A cadeira em que estou sentado é
castanha." poder ser verdadeira ou falsa. O estabelecimento da verdade
das proposições sintéticas depende das circunstâncias e estas podem
variar
O conhecimento a priori é aquele que não depende da experiência
empírica para aferir da sua verdade ou falsidade. 0 conhecimento a
priori é constituído por crenças que se podem justificar recorrendo
unicamente ao pensamento. Apenas as proposições da lógica e da
matemática, bem como quaisquer afirmações que possamos saber que
são verdadeiras apenas pelo esclarecimento do seu significado,
constituem conhecimento a priori. As seguintes afirmações ilustram o
conhecimento a priori:
Os corpos são extensos.
O encarnadoé uma cor.
a+b=b+a
As proposições que estas frases exprimem são a priori, pois podemos
saber se são verdadeiras ou falsas sem recorrer aos dados empiricos. A
razão é suficiente para estabelecer a sua verdade. O conhecimento a
priori é constituído por proposições analíticas, isto é, proposições em que
o sujeito está contido no predicado. A proposição analítica apenas faz a
separação sintática do sujeito do predicado, por isso nada acrescenta ao
sujeito e não transporta consigo nenhum conhecimento do mundo. A
proposição "O encarnado é uma cor" é uma proposição deste tipo. O
conhecimento a prior ié também necessário, uma vez que a justificação
das proposições é feita pelo pensamento, existiria uma contradição
lógica no facto das proposições poderem ser verdadeiras e falsas. O
estabelecimento da verdade das proposições analiticas apenas depende
PrOposgoes aliaIuaS aipenas upenue
da conformidade do pensamento consigo próprio.

O conceito a priori não se pode confundir com o conceito inato. O


conceito a priori é usado para designaro conhecimento que, ainda que
envolva a intuição, não necessita da experiência para ser justificado. A
razão é suficiente. O conceito inato é utilizado para designar certos
conceitos ou capacidades que a razo ou o sujeito possuem à nascença.
O conceito inato implica uma noção temporal que não está
necessariamente presente no conceito a priori, porém, tal como este, o
inatismo exclui a experiência como fundamentadora do conhecimento.
Reserva esse papel para a razão e as suas operações dedutivas. O
conceito inato transporta, ainda, consigo o problema de saber como
Surgiram esse conceitos ou capacidades na razão, o que não acontece
com o conceito a priori. As proposições a priori são constituídas por
conceitos que mantêm entre si uma relação lógica de extensão. Por isso,
são proposições analiticas e logicamente necessárias.

FONTES Do
CONHECIMENTO

RAZÃO EXPERIENCIA

Conhecimento Conhecimento
a priori a posteriori

Análise comparativa de duas teorias explicativas do


conhecimento
A experiência pode ou não ser critério de verdade do conhecimento
proposicional? Qual é a origem do conhecimento? A experiência ou a
razão? Estas questões estão na origem da divergência entre dois
géneros de filósofos que abordama problemtica da origem do
conhecimento: os empiristas e os racionalistas.

A origem do conhecimento
A. Racionalismo

Os racionalistas, entre os quais se inclui Descartes, geralmente não


negam que exista conhecimento a posteriori, mas pensam que, só
recorrendo à razão ou ao pensamento, podemos obter conhecimento
verdadeiro. Para os racionalistas, o conhecimento só o é quando é
negam que exista conhecimento a posteriori, mas pensam que, só
recorrendo à razão ou ao pensamento, podemos obter conhecimento
verdadeiro. Para os racionalistas, o conhecimento só o é quando é
logicamente necessário e universalmente válido. Por exemplo, muitos
racionalistas pensam que podemos saber a priori que Deus existe ou que
a mente é distinta do corpo. Os racionalistas supõem frequentemente
que o conhecimento a priori, Descartes chama-lhe inato, ainda que
saibamos que existem diferenças, por oposição ao conhecimento
empirico, assenta em justificações certas ou infalíveis, porque oriundas
da razão. Para os racionalistas, todo o conhecimento verdadeiro
[necessário e universal] deriva da razão e constrói-se com ideias inatas.
B. Empirismo
Os empiristas, entre os quais se inclui David Hume, consideram que o
conhecimento a priori se circunscreve à lógica, à matemática e às
verdades meramente linguisticas. Os empiristas declaram que a lógica, a
matemática e todas as afirmações que são verdadeiras por definição
nada nos dizem realmente sobre o mundo, são estéreis. Pensam,
portanto, que não pode existir conhecimento a prioridos factos do mundo,
ou seja, que todo o conhecimento factual é a posteriori ou empirico. Para
os empiristas, todo o conhecimento do mundo deriva da experiência e
todas as ideias têm uma base empirica; não existem ideias inatas, a
razão assemelha-se a uma "tábua rasa" onde, antes de qualquer
experiência, nada se encontra escrito.

ORIGEM DO CONHECIMENTO

RACIONALISMO EMPIRISMo

Con hecimento Conhecimento


a priori a posterioi

RAZÃO EXPERIENCIA

Intuição e In du ção e

Dedução dedução

Amente possui A mente éuma


ideias in atas táib ua rasa.

Descartes Hume
O racionalismo e o empirismo são duas posições filosóficas que
podemos apelidar de fundacionalistas, uma vez que baseiam o
conhecimento em crenças básicas (fundacionalismo). Esses
fundamentos encontram-se na razão (para o racionalismo) e na
experiência (para o empirismo).

A Possibilidade do conhecimento

Perguntar pela possibilidade do conhecimento é o mesmo que perguntar


se o sujeito pode apreender efetivamente o objecto. Poderá o sujeito
construir uma representação em tudo idêntica ao objecto? Será possivel
conhecer alguma coisa? Estas questöes estão na origem da divergência
entre dois géneros de filósofos que abordam a problemática
da possibilidade do conhecimento: os céticos e os dogmáticos.

A. Dogmatismo
Para os dogmáticos, com uma atitude própria do realismo ingénuo
resposta ao problema da natureza do conhecimento], nem sequer se
põe o problema de saber se o sujeito apreende o objecto, não colocam o
problema de saber se podemos conhecer. O dogmático não se apercebe
que o conhecimento é, acima de tudo, uma relação entre o sujeito e o
objecto, parte, por isso, do pressuposto de que o sujeito apreende

efetivamente o objecto. Mas o dogmatismo absoluto do realismo ingénuo


não existe propriamente na filosofia, uma vez que o questionar filosófico
começa sempre com a questão do ser verdadeiro e, deste modo, busca a
verdade através de um exame crítico da aparência. Em filosofia entende
se o dogmatismo como uma resposta ao problema da possibilidade do
conhecimento e o filósofo dogmático é aquele que deposita confiança na
capacidade da razo em chegar à verdade. Descartes é um destes
filósofos que manifestou uma forte confiança na razo para chegar ao
conhecimento e, por isso, foi chamado de dogmático por Kant.
B. Ceticismo
Ao contrário dos dogmáticos, os céticos defendem que não é possivel ao
sujeito apreender, efetivamente, o objecto. Em filosofia entende-se o
ceticismo como uma resposta ao problema da possibilidade do
conhecimento e o filósofo cético é aquele que não deposita confiança na
capacidade da razão em chegar à verdade e, por isso, ao conhecimentoo
e desconfia também que dos sentidos possa surgir algum
conhecimento. A atitude cética pode ser absoluta ou radical, quando se
nega a possibilidade de conhecer, ou mitigada, quando não estabelece a
impossibilidade absoluta do conhecimento. Hume é um filósofo que
desconfiou da capacidade cognitiva da razão humana para construir umna
imagem fiel do objecto. Mas perante um problema adotar uma postura
cética é proceder com a maior prudência, rever velhas soluções e buscar
novas. Quando faz parte do espírito critico e autónomo, o ceticismo,
através da dúvida, transforma-se num método para a razão.
O ceticismo é considerado uma resposta contraditória ao problema da
possibilidade do conhecimento, como nos mostra o professor Johannes
Hessen.
Eevidente que o ceticismo radical ou absoluto se anula a si próprio.
Afirma que o conhecimento é impossível. Mas com isto exprime
um

onhecimento. Por consequência, considera o conhecimento como


ossível de facto e, no entanto, afirma simultaneamente que é
mpossível. O ceticismo cai, pois, numa contradição consigo
róprio. (.)
á tomámos também conhecimento com uma forma mitigada do
eticismo. Segundo ela, não há verdade nem certeza, mas apenas

robabilidade. Não podemos nunca ter a pretensão de que os


1ossos juízos sejanm verdadeiros, mas apenas de que sejam
rováveis. Mas esta forma de ceticismo acrescenta à contradição,
nerente em princípio à posiço cética, uma nova contradição. O

onceito de probabilidade pressupõe o de verdade. Provável é


conceito
quilo que se aproxima do verdadeiro. Quem renuncia ao
e verdade tem, pois, de abandonar também o de probabilidade.
. Hessen (1980), Teoria do Conhecimento, Coimbra, Arménio Amado,
p. 43-44.
Possibilidade (valor) do Conhecimento

NÃO SIM
Cepticismo Pirrónico Fundacionismo
(sexto Empinco)
Nenhuma crença está justificada.

DESCARTES HUME

Cepticismo
Dogmatismo moderado

O conhecimento é O conhecimento é
possível. provável.

A razão é o A experiência é o
fundamento do fundamento do
conhecimento. conhecimento.

. Descartes (1596-1650) e o racionalismo dogmático


escartes foi um filósofo racionalista, uma vez que considerava a razão a

nte principal do conhecimento e a única origem para o verdadeiro


nhecimento. Descartes deposita uma grande confiança na razão e, por
do conhecimento.
sa razão, procurou nela os fundamentos metafísicos
só assim, julgava estabelecer os fundamentos de todo o
bis,

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