Você está na página 1de 24

Aula 1

A “armadilha malthusiana” e o crescimento económico


moderno
• O crescimento económico moderno, algo que damos por
adquirido, é na realidade um fenómeno recente pelos
padrões da História da humanidade

• Até ao século XVIII, nenhum país do mundo o havia


conhecido

• Não quer dizer que não houvesse crescimento


económico; havia, mas não tinha as características do
crescimento económico moderno, que é o de ser
contínuo e sustentado

• Até então, o crescimento era periodicamente


interrompido por períodos de crescimento negativo
• O mundo vivia então naquilo a que muitos autores
chamam a “armadilha mathusiana”

• A “armadilha malthusiana” corresponde precisamente à


reversão do crescimento económico, normalmente por
razões de crescimento populacional excessivo

• Ou seja, se o crescimento se mede pelo aumento da


produção por pessoa, a “armadilha malthusiana”
significava que, a períodos de aumento da produção
pela população disponível, se seguiam períodos de
aumento da população pela produção realizada
• Gráfico
• No essencial, portanto, a passagem para o crescimento
económico moderno pode definir-se pelo momento em
que as taxas de crescimento económico deixaram de
ser tendencialmente de 0% no médio- longo-prazo para
taxas consistentemente acima de 0%

• A diferença entre uma economia desenvolvida e outra


subdesenvolvida hoje é muitas vezes da mesma ordem
de magnitude do que entre uma economia desenvolvida
hoje e essa mesma economia há dois séculos atrás

• E é interessante que essas diferenças se foram


construindo muitas vezes lentamente ao longo do
tempo.
• Os efeitos do crescimento económico não se fizeram
apenas sentir nas disponibilidade de bens per capita,
mas também indirectamente, numa série de outras
dimensões:

– Entre o ano 100.000 a.C. e 1800 a esperança média de vida à


nascença era mais ou menos a mesma, em torno dos 30 a 35
anos de idade; a alimentação também era de uma qualidade
mais ou menos constante e, genericamente, pobre; e a
quantidade de trabalho enorme, apenas para adquirir pequenas
porções de bens materiais

– O crescimento económico moderno mudou tudo isto


• Assim, temos duas questões principais (e, mais tarde,
uma terceira) a que queremos responder:

– Porque é que durante tanto tempo persistiram as condições da


“armadilha mathusiana”?

– E porque é que subitamente desapareceram numa determinada


parte do mundo e se espalharam por outras regiões?

• Isto exige que comecemos por definir um pouco melhor


a “armadilha malthusiana”
• Para entendermos esta armadilha, temos de ter em
consideração três aspectos principais:

– Cada sociedade tem uma taxa de natalidade, que é determinada


pelos hábitos demográficos dessa sociedade, mas que aumenta
na medida em que aumenta o seu rendimento

– A taxa de mortalidade dessa sociedade decresce na medida que


aumenta o seu rendimento

– O rendimento da sociedade decresce na medida em que a


população aumenta
• Gráfico
A diminuição do rendimento com o aumento da população
resulta da lei dos rendimentos decrescentes
• Uma vez entendidos os traços gerais da armadilha
malthusiana, podemos então tentar perceber como foi
possível sair dela

• De facto, por volta de 1800, partes da Europa (no


noroeste do continente) e da América foram capazes de
o fazer, entrando num processo de crescimento
contínuo e quebrando a ligação inevitável entre
crescimento da população e rendimento dessa mesma
população: entre 1770 e 1860 a população da Inglaterra
triplicou, mas em vez deste crescimento gerar uma
queda do rendimento, foi acompanhado também por um
crescimento deste último; e foi a Inglaterra o primeiro
país onde se deu esta dissociação
• Para compreendermos como se deu esta transformação
temos de ter algumas ideias sobre como se processa o
crescimento económico

• Ponto de partida - uma função de produção:

Y = f(R, L, K, t)

em que Y é a produção, R é a terra necessária à produção,


L é o trabalho necessário a essa mesma produção, K o
capital físico e t é o tempo, normalmente identificado
como representando o progresso tecnológico
• Uma consequência clara do processo de crescimento
económico moderno é que a terra deixou de ser um
limite inultrapassável: quebrou-se a lei dos rendimentos
decrescentes a este nível

• Embora tenha sido restaurada a outro nível: na relação


entre capital e trabalho
Modelo de crescimento económico de Solow:
• Temos, portanto, como elementos fundamentais para
explicar o crescimento económico a acumulação de
capital e a tecnologia, sem a qual a acumulação de
capital também encontraria rendimentos decrescentes

• Resta então explicar o que aconteceu por volta de 1800


numa determinada área geográfica do planeta para levar
a uma maior acumulação de capital e a uma maior
eficiência no processo produtivo
• Como seria de esperar as explicações para o que
aconteceu são mais controversas do que a simples
descrição daquilo que aconteceu: não há uma teoria
universalmente aceite das causas do crescimento
económico moderno

• Falaremos de três explicações:

– A de Gregory Clark
– A de E.L. Jones
– A de Kenneth Pomeranz (que nos conduzirá a um terceiro
aspectos fundamental: a divergência entre o Ocidente e o resto
do mundo)
• De acordo com Gregory Clark, de forma um pouco
paradoxal, o crescimento económico moderno explica-
se pelas instituições e hábitos sociais desenvolvidos
durante o período da armadilha malthusiana

• Há muito tempo (antes do século XIX) que as


sociedades ocidentais possuíam o ambiente institucional
favorável ao crescimento económico: mercados
funcionais e protegidos por lei; propriedade privada;
dedicação ao conhecimento e à educação

• Mas estas instituições e hábitos, por si sós, nunca


originariam o moderno crescimento económico. Era
necessário um factor externo
• Esse factor externo terá aparecido pela primeira vez na
Grã-Bretanha e consistiu numa extraordinária expansão
da inovação

• Esta inovação resultou do grande crescimento de


pessoas qualificadas resultante da generalização do
conhecimento pelas camadas mais baixas da
sociedade: em Inglaterra, as elites tinham grande
número de filhos e as oportunidades de emprego dos
filhos segundos e terceiros eram muito pequenas; por
isso, havia uma mobilidade social descendente muito
grande; mas essa mobilidade descendente significou
também que as classes baixas eram muito qualificadas
(uma vez que eram, literalmente, filhas da elite)
• A partir do século XVIII, uma série de inovações
começaram a fazer aumentar a produtividade da
agricultura e da indústria britânicas

• Isto permitiu um extraordinário aumento da população:


num século (entre 1750 e 1850) a população britânica
passou de 7 para 20 milhões de pessoas

• A consequência deste aumento foi que a agricultura


deixou de poder abastecer o país; em condições
normais, dar-se-ia o regresso às condições
malthusianas; mas agora, graças às inovações
industriais, o país tinha algo para exportar, podendo
assim adquirir produtos agrícolas estrangeiros
• Progressivamente, as inovações inglesas difundiram-se
pelo resto da Europa e mesmo pelo resto do Ocidente;
dado que a generalidade dos países ocidentais possuía
o mesmo tipo de estrutura institucional favorável ao
crescimento, foi possível a rápida adopção das
inovações inglesas
• E.L. Jones tem uma explicação diferente, que acentua
as estruturas institucionais e ambientais, e generaliza-as
ao conjunto do continente europeu

• Em termos institucionais, E.L. Jones acentua a menor


interferência do poder político na actividade económica,
o que dava mais confiança aos agentes económicos de
poderem desenvolver as suas actividades sem se verem
expropriados dos seus esforços

• Para Jones, isto é importante ao permitir maior


investimento e, logo, mais acumulação de capital – é
fácil entendermos isto se considerarmos o modelo de
crescimento apresentado
• Mas as vantagens europeias também se verificavam em
termos ambientais: o ambiente europeu era mais
favorável ao investimento, já que estava menos sujeito a
catástrofes naturais

• Esta menor densidade de catástrofes não se fazia sentir


directamente, mas indirectamente, através do
comportamento demográfico: no essencial, a menor
propensão para os desastres climáticos significou que
os europeus puderam adoptar um comportamento
demográfico que colocava menos pressões sobre os
recursos (e o capital) existentes
• O ajustamento demográfico na Europa fazia-se pela
regulação da natalidade mais do que pela mortalidade:
os europeus ajustavam a natalidade aos recursos
existentes – em alturas de prosperidade, casavam mais
cedo e tinham filhos mais cedo; em alturas de crise,
casavam mais tarde e tinha filhos mais tarde; muitas
vezes nem sequer casavam

• Na Ásia, pelo contrário, o regulador demográfico era a


mortalidade: a população acumulava-se até que um
desastre natural (mais frequente na Ásia) reduzia
drasticamente a densidade populacional e restabelecia o
equilíbrio com os recursos

• O resultado era uma maior densidade de capital e, logo,


um maior rendimento per capita na Europa
• O que nos conduz à outra explicação que analisaremos,
a de Kenneth Pomeranz, que procura apresentar uma
teoria genérica sobre a grande divergência entre o
Ocidente e o resto do mundo

Você também pode gostar