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HIDRÁULICA F – CAPÍTULO III Hidrocinemática

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HIDRÁULICA F – CAPÍTULO III Hidrocinemática
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Introdução
HIDRÁULICA F – CAPÍTULO III Hidrocinemática
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3 HIDROCINEMÁTICA
3.1TRAJECTÓRIAS ELINHAS DECORRENTE
Hidrocinemática é o capítulo da Mecânica de Fluidos que estuda a caracterização
domovimento dos líquidos. Nesta caracterização é importante definir os conceitos delinha
de corrente e detrajectória.

Define-setrajectória como o lugar geométrico dos pontos ocupados ao longo do tempo


poruma partícula em movimento.

Considere-se agora num líquido em movimento o vector velocidade v= v(x,y,z,t). A


velocidade varia de ponto para ponto do líquido e, em cada ponto, varia ao longo do
tempo.Pode assim considerar-se umcampo de velocidades. Num dado instante de tempo, t0,
será possível ter então um conjunto de vectores v = v x y z t( , , , 0), veja-se a figura 3.1.

Figura 3.1 – Campo de velocidades e linha de corrente dum escoamento

Define-se linha de corrente como a linha que, num dado instante e em qualquer dos seus
pontos, é tangente aos vectores velocidade.

No escoamento variável, em que as características do escoamento variam ao longo do tempo,


o campo de velocidades é, em geral, variável com o tempo, acontecendo por isso o mesmo
com as linhas de corrente.

Poder-se-á visualizar melhor as diferenças entre trajectórias e linhas de corrente através da


seguinte experiência, veja-se a figura 3.2. Sobre a superfície livre dum líquido a escoar-se
lança-se um grande número de confetti coloridos que flutuam à superfície e seguem com o
escoamento.

Se fizermos uma fotografia da superfície livre com os confetti com um grande tempo de
exposição, cada uma das partículas em movimento (visualizada por um confetti)
impressionará na chapa fotográfica um segmento que corresponde à velocidade da partícula.
O conjunto dos segmentos que aparecem na chapa fotográfica corresponderá então ao campo
de velocidades naquele instante e as linhas tangentes às velocidades são as linhas de corrente.

Se agora fizermos sucessivas fotografias, com duração muito curta, sobre uma mesma
chapa fotográfica, o que obtemos são as sucessivas posições ocupadas por cada partícula.
Unindo os diversos pontos correspondentes a uma mesma partícula, obtemos a trajectória
dessa partícula.
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Figura 3.2 – Experiência de visualização de linhas de corrente e trajectórias

A distinção entre trajectórias e linhas de corrente pode também ser ilustrada pelo exemplo
dum observador que, na margem dum rio, vê o escoamento à volta dum pilar duma ponte ou,
na margem dum lago, vê o movimento da água provocado pela proa dum barco em
movimento, figura 3.3.

No primeiro caso, trata-se dum regime permanente (não varia com o tempo) e as trajectórias
coincidem com as linhas de corrente. No segundo caso, trata-se para o observador dum
regime variável (varia com o tempo) e as trajectórias já não coincidem com as linhas de
corrente.

Figura 3.3 – Trajectórias e linhas de corrente em regime permanente e variável

3.2 TIPOS DE ESCOAMENTO


3.2.1 Critérios de classificação

A classificação dum escoamento como pertencendo a um determinado tipo depende do


critério utilizado para caracterizar os diversos tipos de escoamento. No estudo do escoamento
dos líquidos, interessa fundamentalmente fazer a sua categorização de acordo com os
seguintes critérios:

condições físicas de fronteira


variação com o tempo
variação com o espaço
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regularidade das trajectórias


propagação de perturbações

Faz-se de seguida uma primeira introdução a estes vários tipos de escoamento, embora uma
melhor compreensão de alguns deles necessite de conceitos e ferramentas a serem
introduzidos em capítulos posteriores.

3.2.2 Classificação segundo as condições físicas de fronteira

No que respeita às condições físicas de fronteira, os escoamentos podem ser classificados


como:

escoamentos sob pressão – acontece em condutas de secção fechada, sem contacto


com a atmosfera; a pressão em qualquer ponto do escoamento será normalmente
diferente da pressão atmosférica. O escoamento em condutas de sistemas de
abastecimento de água ou em circuitos hidráulicos de centrais hidroeléctricas é
exemplo de escoamentos sob pressão.

escoamentos com superfície livre – são escoamentos que ocorrem com alguma parte
do escoamento (a superfície livre) em contacto com a atmosfera; a pressão na
superfície livre é igual à pressão atmosférica. Pode referir-se como exemplos de
escoamentos com superfície livre o escoamento em rios ou em valas de drenagem.

escoamentos em meio poroso – são escoamentos através dum solo permeável, sem
contacto com a atmosfera; o escoamento dá-se através dos poros do solo mas a secção
do escoamento é definida estatisticamente pela porosidade. O escoamento subterrâneo
que alimenta poços e furos de água é um exemplo de escoamento em meio poroso.

Os escoamentos sob pressão serão estudados em Hidráulica I; os escoamentos com superfície


livre sê-lo-ão em Hidráulica II; os escoamentos em meio poroso serão tratados nas disciplinas
de Mecânica dos Solos e Hidrologia.

É importante notar que pode haver escoamentos em condutas de secção fechada e que são
escoamentos com superfície livre. Isso acontece sempre que o escoamento não ocupa
totalmente a secção da conduta, como nos casos das condutas de águas residuais e de
drenagem pluvial.

3.2.3 Classificação segundo a variação ao longo do tempo

Quanto à variação no tempo

Classificam-se como permanente (estacionário) ou variavel (transitório). Até aqui tudo


bem, não é mesmo?

1) Regime permanente é aquele cuja velocidade e a pressão num determinado ponto, não
variam com o tempo. A velocidade e a pressão podem variar de um ponto para outro do
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fluxo, mas se mantêm constantes em cada ponto imóvel do espaço, em qualquer momento do
tempo, fazendo a pressão e a velocidade em um ponto serem funções das coordenadas do
ponto e não dependentes do tempo. No escoamento permanente a corrente fluida é dita
"estável".

Assim, um fluido pode possuir diferentes valores de pressão em sua extensão. Contudo, estes
valores não sofrerão mudanças com o tempo.

Por exemplo, um grande reservatório com água terá pressão nula quando em contato com a
atmosfera. O mesmo não pode ser dito sobre a pressão no fundo. Mas, independentemente do
tempo decorrido, esses valores não sofrerão qualquer alteração.

2) Regime variável ou não permanente, no qual a velocidade e a pressão, em determinado


ponto, são variantes com o tempo, variando também de um ponto a outro. Este tipo de
escoamento é também chamado de "variável" ou "transitório", e a corrente é dita "instável".
A pressão e a velocidade em um ponto são dependentes tanto das coordenadas como também
do tempo. Um exemplo de um escoamento não permanente é o esvaziamento de um
recipiente qualquer através de um orifício, à medida que a superfície livre vai baixando, pela
redução do volume de fluido, a pressão da coluna de fluido diminui, assim como a velocidade
do fluido passando pelo orifício.

Considerando o critério de variação ao longo do tempo, os escoamentos podem ser


classificados como:

Escoamento variável – as características do escoamento, como por exemplo a


velocidade num dado ponto, variam com o tempo. v = v x y z t( , , , ). É a situação
mais geral e também mais complexa de estudar. São exemplos o escoamento dum rio
durante uma cheia, o escoamento numa vala de drenagem durante uma chuvada
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intensa, o escoamento numa conduta alimentada por gravidade por um reservatório


cujo nível vai baixando.

Escoamento permanente – as características do escoamento, como a velocidade num


v

ponto, não variam com o tempo. v = v x y z( , , ), = 0 . Podem referir-se como
∂t
exemplos o escoamento num rio que não está em cheia ou o escoamento numa
conduta alimentada por um reservatório cujo nível de água se mantém constante. Em
muitas circunstâncias, as características do escoamento podem variar tão lentamente
que o escoamento pode ser estudado como escoamento permanente.

Escoamento transitório – trata-se do escoamento variável que ocorre entre dois


escoamentos permanentes. Um exemplo é o fecho parcial duma conduta: as condições
iniciais de escoamento permanente alteram-se e gera-se um escoamento variável mas,
ao fim de algum tempo, o efeito da perturbação (fecho parcial) desaparece e fica-se
com um novo escoamento permanente.

No escoamento permanente, as linhas de corrente coincidem com as trajectórias. No entanto,


a coincidência de linhas de corrente e trajectórias pode existir mesmo no escoamento
variável, como é o caso do Golpe de Ariete provocado pelo fecho total duma conduta
cilíndrica.

3.2.4 Classificação segundo a variação ao longo do espaço

Variação com o Espaço - A variação de espaço ou deslocamento escalar é a diferença entre a


posição final e inicial de um móvel para um intervalo de tempo Δt.

1) Variado - Gradualmente e Rapidamente


Variado Gradualmente (EGV):
É o movimento em que a profundidade varia, gradual e lentamente, ao longo do
canal. É o movimento permanente em que, as grandezas que interferem no escoamento, em
cada seção, não se modificam com o tempo e a distribuição das pressões obedece à lei da
hidrostática. As linhas de fluxo são consideradas praticamente paralelas. Deste modo, as
fórmulas estabelecidas para o movimento uniforme aplicam-se a estes tipos de escoamento
com aproximações satisfatórias.

Variado Rapidamente (ERV):


A principal característica do fluxo rapidamente variado (FRV) é que o
curvatura das linhas atuais é pronunciada, com a qual a suposição
de uma distribuição hidrostática de pressões deixa de ser válida. Às vezes
a mudança na curva pode ser tão abrupta a fim de praticamente quebrar
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o perfil de fluxo, resultando em um estado de alta turbulência e perfil de fluxo


Descontínuos. O exemplo mais conhecido de uma situação como a descrita é o
destaque hidráulico.

2) Uniforme e Não Uniforme


Escoamento Uniforme e Não Uniforme: Um escoamento uniforme em uma dada seção
transversal é caracterizado pela velocidade ser constante em qualquer seção normal ao
escoamento. Um escoamento não uniforme (ou variado) é aquele em que as velocidades
variam em cada seção transversal ao longo do escoamento.

Uniforme:

De acordo com o critério da classificação ao longo do espaço, os escoamentos podem ser


classificados como:

Escoamento variado – as características do escoamento, como a velocidade, variam


de ponto para ponto do escoamento, podendo variar ou não ao longo do tempo. v = v
x y z t( , , , ) ou v = v x y z( , , ) . Constituem exemplos de escoamento variado o
escoamento num rio onde as secções transversais variam, o escoamento num troço
tronco-cónico duma conduta ou o escoamento numa conduta de alimentação onde o
caudal vai diminuindo ao longo do percurso.

Escoamento uniforme – as características do escoamento não variam de ponto para


ponto do escoamento. v = cte . Note-se que não é fisicamente possível ter v = v t( ) ,
ou seja, ter uma característica do escoamento a variar com o tempo sem variar no
espaço, visto que isso implicaria que qualquer perturbação no escoamento se
propagaria a uma velocidade infinita. Portanto, não existe escoamento variável
uniforme.

A conjugação dos critérios de variação no tempo e no espaço leva então à existência de três e
não quatro tipos diferentes de escoamento:

Escoamento uniforme – é o escoamento que não varia nem com o tempo nem com o
espaço. v = cte
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Escoamento variado – é o escoamento que varia com o espaço mas não varia com o
tempo. v = v x y z( , , )

Escoamento variável – é o escoamento que varia com o espaço e com o tempo. v = v


x y z t( , , , )

O escoamento variado é ainda classificado como escoamento gradualmente variado


(escoamento em rios e canais) se as características do escoamento variarem lentamente no
espaço; ou escoamento rapidamente variado (escoamento em descarregadores, pontes e
aquedutos) se essas características variarem rapidamente. Esta divisão é particularmente
importante para os escoamentos com superfície livre, onde obrigam a tratamento diverso.

O estudo do escoamento variável é muito complexo e normalmente reservado para o nível de


pós-graduação ou de cursos de especialização, onde se faz em paralelo o estudo de
ferramentas matemáticas apropriadas para a sua análise (métodos de integração de sistemas
de equações diferenciais às derivadas parciais). Os únicos casos de escoamento variável a
serem tratados nas disciplinas de Hidráulica, embora de forma simplificada, são o golpe de
ariete em condutas sob pressão e a oscilação em massa em galerias de centrais
hidroeléctricas.

3.2.5 Classificação dos escoamentos em relação à regularidade das trajectórias

Se se abrir lentamente uma torneira, verifica-se que o escoamento se processa duma forma
muito regular – as trajectórias são rectilíneas e não interferem umas com as outras.
Continuando a abrir a torneira lentamente, o caudal debitado vai aumentando até que, a certa
altura, o escoamento muda de aspecto – as trajectórias tornam-se irregulares e passam a
interferir umas com as outras.

De acordo com este critério, os escoamentos classificam-se então em:

Escoamentos laminares – as trajectórias são regulares, aproximadamente rectilíneas


e não interferem umas com as outras.

Escoamentos turbulentos – as trajectórias são irregulares e interferem fortemente


umas com as outras, aumentando a homogeneidade do escoamento através da troca de
quantidades de movimento entre partículas.

Mais adiante se verá como prever se um escoamento é laminar ou turbulento, através do


número de Reynolds, Re, e do seu significado físico.

Devido ao seu carácter regular, os escoamentos laminares são mais simples de analisar do que
os escoamentos turbulentos. No entanto, a maioria dos problemas práticos que se colocam em
Hidráulica pertencem ao domínio dos escoamentos turbulentos.
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3.2.6 Classificação de acordo com a propagação das perturbações

Se considerarmos um lago circular, com água parada, e deitarmos uma pedra no centro do
lago, geram-se ondas a partir do centro que se propagam em todas as direcções para a
periferia do lago.

Se em vez dum lago tivermos um escoamento com uma certa velocidade e provocarmos
umaperturbação num dado ponto desse escoamento, essa perturbação vai propagar-se
maisrapidamente no sentido do escoamento (para jusante) do que no sentido oposto
(paramontante) visto que, neste último sentido, a velocidade de propagação da perturbação
écontrariada pela velocidade do escoamento.

Se a velocidade de propagação for superior à velocidade do escoamento, a perturbação


acabapor propagar-se para montante; se for inferior, ela não se propaga para montante; no
casolimite de ser igual, a perturbação mantém-se estacionária.

De acordo com este critério, os escoamentos são classificados da seguinte forma:

Escoamento lento – a velocidade de propagação da perturbação é superior à


velocidade do escoamento e o efeito da perturbação propaga-se tanto para jusante
como para montante.

Escoamento rápido – a velocidade de propagação da perturbação é inferior à


velocidade do escoamento e o efeito da perturbação apenas se propaga para jusante. A
perturbação é arrastada para jusante.

Escoamento crítico – a velocidade de propagação da perturbação é igual à velocidade


do escoamento e o efeito da perturbação não se propaga para montante, ficando a
perturbação estacionária.

Esta classificação é extremamente importante para os escoamentos com superfície livre.


Verse-á mais adiante como prever se um escoamento será lento ou rápido, através da
introdução do Número de Froude, Fr, e do seu significado físico.

3.2.7 Exemplos ilustrativos

A figura 3.4 apresenta exemplos ilustrativos dos diversos tipos de escoamentos aqui
definidos.

Reservatórios grandes, nível


constante, conduta cilíndrica –
escoamento uniforme; Reservatório
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de jusante é pequeno, nível vai subindo, conduta cilíndrica, velocidade decresce –


escoamento
variável;

Reservatórios grandes, nível constante, conduta de


diâmetro variável, velocidade varia – escoamento
gradualmente variado

Conduta cilíndrica, fecho instantâneo da válvula –


escoamento variável

Descarregador duma barragem – escoamento


rapidamente variado

Figura 3.4 – Exemplos ilustrativos de tipos de escoamento de acordo com o critério

3.3 TUBO DE FLUXO, CAUDAL, VELOCIDADE MÉDIA

Considere-se um escoamento representado por um conjunto de linhas de corrente e um


contorno – linha fechada que não coincide com nenhuma linha de corrente. Por cada ponto
do contorno passa uma linha de corrente, veja-se a figura 3.5.

Figura 3.5 – Linhas de corrente e contorno

Define-se tubo de fluxo como a porção de espaço delimitada pelo conjunto de linhas de
corrente que passam por um contorno. Filete é o tubo de fluxo para um contorno com uma
secção infinitamente pequena.
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Uma vez que a velocidade em cada ponto da superfície lateral do tubo de fluxo é tangente a
essa superfície (visto que a superfície lateral é composta por linhas de corrente), a superfície
lateral dum tubo de fluxo não é atravessada pelo líquido em movimento.

Designa-se por secção recta a secção que corta ortogonalmente todas as linhas de corrente
num tubo de fluxo, figura 3.6. Quando a secção recta é plana, ela é referida como secção
transversal.

Figura 3.6 – Secção recta e secção transversal dum tubo de fluxo

Caudal é o volume do líquido que atravessa uma secção recta na unidade de tempo. O caudal
que atravessa uma secção recta será então:


=
Q ∫V n. dA =∫V cosα dA =∫V dA (3.1)

A A A pois V e n têm a mesma direcção e sentido.

Velocidade média numa secção recta dum tubo de fluxo é a velocidade, constante em todos
os pontos dessa secção recta, dum escoamento fictício que transporta o mesmo caudal Q.

∫V dA
Q =∫V dA =U A. ⇒ U = A
(3.2)
A A
A figura 3.7 ilustra o conceito de velocidade média.

Figura 3.7 – Exemplos de ilustração do conceito de velocidade média


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3.4 EQUAÇÃO DA CONTINUIDADE

A Equação da Continuidade traduz o princípio da conservação da massa: a variação da


massa dum líquido contida num certo volume e , limitado por uma superfície S, durante um
intervalo de tempo dt é igual ao fluxo da massa de líquido através de S, isto é, é igual à
massa que entra menos a massa que sai nesse intervalo de tempo.

∫∫∫ dρ.de = dt ∫∫ ρ V n ds
e S (3.3)

Pelo Teorema da Divergência ou de Gauss,

∫∫ ρ V n ds = ∫∫∫ div ρV de
S e (3.4)

∂φx ∂φy ∂φz


em que divφ = + + (3.5)
∂x ∂y ∂z

Daqui se obtém que

∫∫∫ dρ de = dt ∫∫∫ div(ρV de)


e e (3.6)

A igualdade dos integrais num mesmo domínio obriga à igualdade das funções integradas,
donde (sendo de não nulo)


= div (ρV ) (3.7)
dt

No caso de líquidos incompressíveis e admitindo que a temperatura se mantém constante,


chega-se então a:

V V ∂Vz
divV =∂ x + ∂ y+ =0 EQ. CONTINUIDADE(3.8)
∂x ∂y ∂z

Num tubo de fluxo limitado pelas secções rectas 1 e 2, veja-se a figura 3.8, sendo U 1 e U2 as
velocidades médias nessas secções. Neste caso:

- a variação da massa no volume e é nula

- o fluxo da massa dá-se apenas através


das secções 1 e 2
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Figura 3.8 – Escoamento num tubo de fluxo

Donde se tira que ρU S1 1 =ρU S2 2 ⇒ U S U S1 1 = 2 2 (3.9)

que é a Equação da Continuidade num tubo de fluxo para um líquido incompressível.

3.5 ESCOAMENTOS LAMINARES E TURBULENTOS

Num escoamento laminar, as trajectórias das partículas são regulares e não se cruzam. Pelo
contrário, num escoamento turbulento a velocidade num ponto varia ao longo do tempo, sem
regularidade, tanto em grandeza como em direcção, e as trajectórias são muito irregulares,
com as trajectórias de partículas vizinhas a cruzarem-se, figura 3.9.

Figura 3.9 – Trajectórias num escoamento laminar e num escoamento turbulento

A maioria dos casos de interesse prático em Engenharia Civil é de escoamentos turbulentos.


Por isso, tem todo o interesse definir o que se entende por escoamento turbulento em regime
permanente, uma vez que já se constatou que no escoamento turbulento a velocidade num
ponto do escoamento varia com o tempo.

Diz-se então que temos escoamento turbulento em regime permanente quando, em

qualquer ponto do escoamento, o valor médio da velocidade V ao longo dum período de


tempo suficientemente longo T se mantém constante e é independente do instante inicial t 0. A
figura 3.10 ilustra as diferenças entre regime permanente e regime variável num escoamento
turbulento.
t T

VV dt (3.10)

Figura 3.10 – Escoamentos turbulentos em regime permanente e regime variável


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A velocidade instantânea num dado ponto, V, é dada por (figura 3.11)

V V V= + ' (3.11)

em que V é a velocidade média ou velocidade de transporte e V’ é a velocidade de agitação


ou flutuação turbulenta de velocidade. É fácil de ver que o valor médio no tempo de V’ é
nulo.

Figura 3.11 – Perfil de velocidades num escoamento turbulento

V '

Embora em cada instante a velocidade V em cada ponto varie, o caudal na secção


praticamente não varia:

Q =∫A V dA =∫A (V +V')dA =∫A V dA + ∫A V dA' =∫A V dA (3.13)

O integral de V’ é praticamente nulo visto que V’ é pequeno relativamente a V e tanto assume


valores positivos como negativos na secção A.

3.6 ACELERAÇÃO LOCAL E ACELERAÇÃO CONVECTIVA

O deslocamento elementar duma partícula no intervalo de tempo dt é dado por

dP = dxiÖ+dy Öj+dzkÖ (3.15)


Obtêm-se as seguintes expressões para a velocidade e para a aceleração:

dx dy dz
VelocidadeV = + +uiÖ v jÖ wkÖ em que u = v= w=
(3.16)
dt dt dt
Note-se que u, v, w são funções de x, y, z, t.

du dv dw
Aceleraçãoa = a ix Ö+ay Öj +a kz Ö em que ax = ay = az = (3.17)
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dt dt dt

Considere-se agora a diferencial total du em ordem a x, y, z, t.

u ∂u ∂u ∂u
du =∂ dt + dx+ dy+ dz (3.18)
∂t ∂x ∂y ∂z

Atendendo a (3.16) chega-se a

ax = du =∂u +u ∂u +v ∂u
+w ∂u dt ∂t ∂x ∂y
∂z

ay = dv =∂v +u ∂v +v ∂v +w ∂v (3.19)
dt ∂t ∂x ∂y ∂z
w
dw ∂w ∂w ∂w ∂
az = = +u +v +w
dt ∂t ∂x ∂y ∂z

Pode portanto considerar-se que a aceleração tem duas componentes – a aceleração local,
representada pela primeira parcela do 2º membro nas igualdades (3.19); e a aceleração
convectiva, representada pelas três restantes parcelas.

A aceleração local representa a variação da velocidade com o tempo num dado ponto. A
aceleração convectiva representa a variação da velocidade num dado instante entre dois
pontos infinitamente próximos. Apenas existe aceleração local em escoamento variável mas
existe aceleração convectiva num escoamento permanente (variado).

3.7 DESCRIÇÕES DE LAGRANGE E DE EULER

A descrição de Lagrange é uma das maneiras de analisar o movimento dum líquido,


consistindo em acompanhar o movimento duma partícula individualizada, estudando portanto
trajectórias e obtendo a partir daí as correspondentes velocidades.

Este método apenas se utiliza em determinados casos particulares porque, devido à


complexidade do movimento das partículas, o estudo das trajectórias é muito difícil em casos
de aplicação prática.

A descrição de Euler analisa o movimento dum líquido procurando definir o campo de


velocidades, isto é, determinando o vector velocidade em cada ponto fixo do espaço e em
cada instante. Estuda, portanto, linhas de corrente. Este é o método mais habitual e aquele
que irá ser utilizado nas disciplinas de Hidráulica.
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3.8DEFORMAÇÃOANGULAR,ROTAÇÃO EDILATAÇÃOVOLUMÉTRICA
Considere-se os pontos A, B, C e D representados na Figura 3.12, formando inicialmente um
rectângulo de lados dx, dy. Esse rectângulo inicial deforma-se, como se indica na figura
atracejado.

É fácil de ver que o lado AB sofre uma


∂v
rotação que é dada por (positiva no ∂x
sentido contrário ao dos ponteiros do relógio)
. Por sua vez, o lado AC sofre uma outra

∂u
rotação dada por (positiva no sentido dos ∂y ponteiros do relógio).

Figura 3.12 – Deformação angular

∂u ∂v
Define-se deformação angular como sendo a soma das duas rotações + . No caso
∂y ∂x
v
∂u ∂
particular em que = , a situação é de deformação angular pura.
∂y ∂x

A Figura 3.13 representa uma outra deformação do rectângulo inicial ABCD de lados dx, dy.

Neste caso, adoptando os sentidos positivos de rotação


dos lados AB e AC anteriormente definidos, tem-se
que a rotação de AB é negativa e a rotação de AC é
positiva,
∂u ∂v >0 <0 . ∂y ∂x

Figura 3.13 - Rotação

v
1 ∂u ∂
Define-se rotação como o valor dado por ( −) . No caso particular em que
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2 ∂y ∂x
∂u ∂v
=− , a situação é de rotação pura.
∂y ∂x

Finalmente, a figura 3.14 representa uma outra situação de deformação do rectângulo inicial
ABCD. Os lados AB e AC, com comprimentos iniciais dx e dy, sofrem extensões que são
∂u ∂v
dadas respectivamente por , .
∂x ∂y

Define-se dilatação volumétrica como o

∂u ∂v
valor dado por + . A Equação da ∂x ∂y
Continuidade impõe que, no caso dum líquido incompressível e não sujeito a grande
variação de temperatura, a dilatação volumétrica seja nula.

Figura 3.14 – Dilatação volumétrica

Em geral, a deformação do rectângulo inicial será a sobreposição duma deformação angular


pura e duma rotação pura.
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Conclusão
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Bibliografia

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