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Alice analisou seu reflexo de perfil, com a minúcia de quem assiste um fio de cabelo crescer,
examinando o aspecto achatado e retilíneo do tórax. E passou para a fita métrica para ter
Era o décimo dia consecutivo de experiência, um dia marcante, porque marcos arredondados
peito, só o que precisava era de 180 dias de disciplina, ou seja, 6 meses. Considerando que
começou o projeto no início de abril, em outubro já poderia comprar sutiãs novos tamanho G
de Grande Conquista.
Na faculdade, todas as colegas tinham entrado debaixo da faca, ou estavam na fila. As mais
ricas já chegavam com o peito farto (presente de formatura do Ensino Médio), as de classe
média economizavam para logo fazer (era o sonho de todas desde pequenas).
Coincidentemente, todas tinham o mesmo complexo e agora que tantas amigas próximas
faziam, pôr silicone parecia um próximo passo tão natural e iminente quanto descolorir o
- Então, o que o médico me disse é que a de gota é mais natural, mas eu acho a redonda mais
Na semana em que já estavam recuperadas, elas voltavam triunfantes. O peito ainda inchado e
dolorido da operação; ímã para o olhar. Uma regata, de repente, tornava-se sinal de
- Ai, para que isso, né? Pode pôr silicone, mas não precisa ficar esfregando na cara dos outros.
- Quando eu pôr eu não vou fazer isso.
Em três anos de curso, Alice assistiu ao desfile inúmeras vezes: o retorno triunfante depois de
alguns dias de recuperação. Ainda sem poder levantar os braços, a nova peituda perguntava
torno da atração principal, que tirava a blusa e ouvia os elogios de que ficou super natural,
grande, mas não exagerado, nem vulgar, a cicatrização nem se nota e ia ficar lindo com o
vestido do baile de formatura. Assim como não se critica desenho de tatuagem, não se fala
Alice também participava do ritual e imaginava-se logo no centro do círculo. Como o resto de
suas compleições, era pequeno o peito; o tamanho do sutiã era a origem do complexo. Não
que ela se importasse com os comentários dos moleques idiotas que a zoavam no
Fundamental; era para ela e por ela, e ela nasceu com esse valor absoluto de que é preciso que
seus peitos preencham e esgarcem o tecido da blusa para se sentir bem. Assim são as cirurgias
plásticas: não são para os outros, o primeiro sexo, são para nós nos sentirmos bem: um
transplante de autoestima.
Economizava a bolsa de estagiária para pagar os quinze salários mínimos que tinha cotado
para fazer com o Doutor Eduardo Pacheco e se recuperar até a formatura da faculdade. Tudo
pelo seu sonho... mas era difícil. O Doutor Eduardo Pacheco só parcelava no cartão de crédito
e ela não tinha um limite tão alto, nem os pais pareciam dispostos a se privar para apoiar a
empreitada.
Foi despretensiosamente que se deparou com as palavras que mudariam sua vida para sempre,
passando casualmente pelo seu feed: “Comer muita soja pode aumentar as mamas dos
homens?” *click*
O artigo em si era sobre alimentação vegetariana, alertando contra os perigos de comer soja –
isoflavona, que atua tal como o estrogênio no corpo feminino – justamente o hormônio que
aumento dos seios e soja. Ora!!! Por que não comer soja para aumentar o peito?! Se era capaz
de criar peitos em homens, por que não aumentaria o das mulheres? Como ninguém pensou
nisso antes?
A eufórica se preparou para ser a própria cobaia. E assim como se faz o Projeto Verão e o
Projeto Rapunzel, a coisa toda precisava de um nome, não só para si, mas porque, se desse
certo, poderia ser a obsessão de toda uma geração. Ele precisaria ser curto, gerar uma conexão
instantânea com o público-alvo, formar uma boa hashtag... talvez algo em inglês, para ser
A metodologia era genial. Consistia em ingerir soja em todas as refeições. Trocou o feijão por
soja, passou a tomar café com leite de soja, trocou o queijo branco por tofu e até a carne de
verdade às vezes dava lugar à esponjosa proteína texturizada de soja. Logo ela estaria não só
com as glândulas mamárias aumentadas, mas muito mais feminina de forma geral, graças à
isoflavona.
Antes mesmos dos primeiros resultados, compartilhou suas ideias. De início, recebeu muito
hate. As pessoas estranhavam, parecia frescura: ela precisou esclarecer que não era dessas
pessoas radicais que ficam julgando os outros por causa de comida, como os insuportáveis
vegetarianos ou, pior, veganos: ela só queria comer melhor que os outros e conseguir atingir
uma versão superior de seu próprio corpo de uma forma que nenhuma outra pessoa foi capaz.
Passou a postar no TikTok e no Instagram sua jornada. Não era mania de grandeza, era
peitões. E ela explicava com paciência: Assim como o Chester foi geneticamente selecionado
– e é alimentado durante toda a vida – para ter mais peito, o Projeto Chester, por meio da
tamanho das mamas, por meio da alimentação. E vocês adivinham qual é o principal grão que
Havia desconfiados do que parecia óbvio demais. Se era assim tão fácil, por que as pessoas
não descobriram antes? Na ponta da língua: porque o mercado de silicones é muito lucrativo
alternativas naturais para continuar vendendo próteses, remédios e pomadas necessários para
Aqueles 7 milímetros, quase 1 cm, em um único mês, já anunciava o seu triunfo: soy