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Marcelo Brazil
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
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reforma do Solar do Unhão que foi realizada sob a responsabilidade da arquiteta Lina
Bo Bardi, além de registros do cotidiano baiano. Por enquanto, o trabalho está
concentrado no arquivo familiar do artista que conta com cerca de 1000 negativos,
em sua maioria nos formatos 60X60mm e 24X36mm, em preto e branco. O processo
de digitalização em alta definição será realizado com o auxílio de um scanner
específico para tal finalidade, onde será importante o auxílio da equipe da Fundação
Pierre Verger que, recentemente, realizou a digitalização e catalogação do acervo do
fotógrafo francês. Tal processo foi registrado no livro Memórias de Pierre Verger,
publicado em 2015, que servirá de referência para essa fase da pesquisa.
Para a catalogação inicial do material está sendo realizada uma captação das
imagens através de uma camera fotográfica sobre uma mesa de luz e é exatamente
esse processo de fotografar o negativo que gera essa reflexão, considerando que ele
se aproxima, em alguns aspectos, do processo tradicional de produção fotográfica
que era utilizado antes do advento da fotografia digital. Desvendar, com um processo
atual, o que se esconde naquelas películas de cores invertidas pode ser comparado ao
trabalho dos fotógrafos que revelam (ou revelavam) e ampliam (ou ampliavam) seus
registros em casa, caso de Lenio Braga. Para fotografar um negativo é necessário
pensar em enquadramento, foco, abertura, velocidade da mesma forma que em um
registro original. Após isso, é preciso revelar e ampliar, checar o equilíbrio de cores,
nitidez, ou seja, é quase como se deslocar para uma câmara escura para fotografias
em película. A principal diferença está na imagem que traz consigo um momento da
memória passada que ficou guardado ali. O passado está registrado naquele instante e
não existe a possibilidade de pensar em outro posicionamento da câmara, não se
pode buscar outro ângulo ou uma luz mais apropriada para o registro original, muito
menos se fotografar dezenas de vezes o mesmo objeto ou paisagem, prática comum
com os recursos digitais atuais. É um registro único e ali estão guardadas, além da
imagem, todas as escolhas do fotógrafo naquele instante.
Além de perguntas iniciais como “Que lugar é esse?” ou “Quem aparece
nessa fotografia?” é interessante ir um pouco mais adiante e tentar refletir sobre o
que levou o fotógrafo a escolher esse ângulo ou, ainda, o que o motivou a captar essa
imagem. Diante das deficiências de alguma imagem registrada, parece necessário
também pensar nos recursos técnicos que foram utilizados e também quais eram os
disponíveis na época. De uma forma geral, parte das deficiências da fotografia
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original ficarão mantidas e isso preserva, de certa forma, a originalidade e a memória
daquele momento registrado.
Também parece possível, durante o processo de rever os registros
fotográficos do artista através de uma camera, se aproximar das escolhas estéticas
que foram feitas em cada série de fotografias sobre um mesmo tema ou mesmo
naquelas que parecem ter sido realizadas fora de uma temática central ou que
simplesmente se misturaram ao longo do tempo.
Apesar dessas semelhanças percebidas na comparação do processo de
fotografar os negativos com a captação inicial da imagem, algo do registro inicial
jamais poderá ser recuperado: aquilo que Lenio viu pela lente de sua camera em suas
cores originais. Muito distante disso, a nova fotografia registra uma imagem de cores
invertidas que só se revela identificável após um processo de edição digital. No
processo original, o fotógrafo busca o acabamento final da imagem na etapa de
ampliação tendo como referência a imagem real, aquela que o levou a realizar a
fotografia. Mesmo que altere as cores e o contraste, estará dialogando com a imagem
real o tempo todo e fará, naquele momento, suas escolhas técnicas e estéticas. A
única forma de se aproximar um pouco dessas escolhas é analisar as fotos ampliadas
pelo próprio fotógrafo, buscando compreender que caminhos o levaram decidir por
um tipo específico de resultado.
Realizar esse processo é, na verdade, dialogar com, pelo menos, dois tipos de
memória: aquela cristalizada no negativo, ou seja, a imagem em si, e a das escolhas
técnicas e estéticas do fotógrafo. Se por um lado é possível resgatar um registro
histórico de um momento passado, por outro se pode ampliar a compreensão da obra
do artista que pode, ainda, se refletir no estudo de sua produção nas outras
linguagens em que trabalhou. Um primeiro resultado já transparece ao se perceber
um gosto especial pelos registros da espontaneidade das pessoas simples em espaços
populares como feiras, mercados, festas de rua ou até em uma exposição de Portinari
no MAMB. Mesmo quando fotografa personalidades da época, Lenio busca registrar
momentos naturais da vida dessas pessoas, como é o caso da série de fotos do artista
plástico Carybé brincando no jardim com sua filha Solange. Nos aspectos técnicos é
possível perceber sua predileção pelos fortes contrastes com uma predominância de
tons escuros.
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Esse tipo de percepção e análise irá guiar todo o desenvolvimento do
processo e poderá contribuir para o desenvolvimento de novos mecanismos de leitura
das memórias históricas e artísticas.
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