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T I Z U K O MORCHIDA KiSHIMOTO*
P r o f e s s o r A s s o c i a d o da F a c u l d a d e de Educação da
U n i v e r s i d a d e de São P a u l o .
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assimilação da r e a l i d a d e ( P i a g e t ) , criação de s i - tfe Riasmo a p a r t i r da imagem que cada c o n t e x t o f o r -
tuações imaginárias (Bygotski e Elkonin), entre IMk da criança. E d u c a d o r e s , como C h a t e a u (1979) e
outros. Vial ( 1 9 8 1 ) , comentam a importância do j o g o na e s -
Referências teórico-metodológicas de tradi- OOla a a l i e n t a n d o seu caráter d e s a f i a d o r . O u t r o s co
c i o n a i s d i s c i p l i n a s do c o n h e c i m e n t o científico au mo R a b e c q - M a i l l a r d (1969) e S u t t o n - S m i t h (1971),
x i l i a m a compreensão d e s s e o b j e t o de estudo. d a i c o n s e l h a m o emprego do j o g o na e s c o l a , p o r c o n -
No campo da P s i c o l o g i a o fenómeno j o g o a p a r e •iâ«rá-lo uma ação l i v r e e a e s c o l a , uma institui-
ce em descrições de c o m p o r t a m e n t o s . Para Wallon çio d i r i g i d a . São da mesma opinião f o l c l o r i s t a c o -
( 1 9 8 1 ) , o j o g o é uma f o r m a de o r g a n i z a r o acaso, mo Caacudo (1984 a e 1984 b) e M e l l o (1958, 1959),
g e r a a ficção e p e r m i t e a infração do c o t i d i a n o e p a r a os q u a i s o a t o lúdico é domínio da c u l t u r a i n
suas normas. B r u n e r (1976) tem interpretação seme fantil t r a n s m i t i d a espontaneamente p e l a o r a l i d a d e .
l h a n t e ao a t r i b u i r ao a t o lúdico o p o d e r de c r i a r Ká, a i n d a , a q u e l e s como P a p e - C a r p a n t i e r (1901) que
situações exploratórias propícias p a r a a solução admitem o j o g o como sinónimo de recreação e o u t r o s ,
de p r o b l e m a s . V y g o t s k i (1988) e E l k o n i n (1984) como C h a u v e l e M i c h e l ( 1 9 8 4 ) , que o a s s o c i a m à
admitem a b r i n c a d e i r a como uma situação imaginá- aquisição ou t r e i n o de conteúdos e habilidades
ria c r i a d a p e l o c o n t a t o da criança com a r e a l i d a - (1(1. ibid) . . r r ; t,;:..:. ,. 4 x j . : iv,;
de social, Piaget ( 1 9 7 6 ) , t e n d o como princípio bá Essa d i v e r s i d a d e de posições, algumas até c o n
s i c o a noção de equilibração como mecanismo adapta traditórias tem s i d o e n t e n d i d a como n o r m a l p a r a um
t i v o da espécie, a d m i t e a predominância, no j o g o , fenómeno d i s c u t i d o em múltiplas áreas do conheci-
de c o m p o r t a m e n t o s de assimilação s o b r e a acomoda mento .
ção. Na v e r d a d e as interpretações dos psicólogos No campo da educação, o j o g o é p e s q u i s a d o , es
c o g n i t i v i s t a s v a l o r i z a m explicações de natureza so pecialmente em duas p e r s p e c t i v a s : histórico-antro-
ciai (Wallon, Wygotski, Bruner e Elkonin) e pers- pológicas e psico-pedagógicas. T a i s orientações
p e c t i v a s lógicas e biológicas (Piaget) (apud são, no e n t e n d e r de a u t o r e s como J o l i b e r t (1981) e
Kishimoto, 1992, p . 2 ) . Guilhemaut, Myquel e S o u l a y r e l ( 1 9 8 4 ) , as m a i s em-
Partidários de t e o r i a s antropológicas e feno pregadas atualmente p a r a a discussão de temas d e s -
menológicas, como H e n r i o t e Brougère (1990), emi- sa n a t u r e z a (id. ibid).
tem c o n c e i t o s de j o g o de a c o r d o com o uso que se A tendência histórica p r i v i l e g i a a análise do
f a z d e l e . H i s t o r i a d o r e s , como J o l i b e r t (1981), j o g o a p a r t i r da imagem da criança p r e s e n t e no c o -
Aries (1978) e M a r g o l i n (1982) , propõem o estudo t i d i a n o de um dado tempo histórico. A definição do
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i a operários e m e n i n o s de c l a s s e s m a i s abastadas
l u g a r que a criança ocupa num d e t e r m i n a d o c o n t e x t o
brlnoavnm no início d e s t e século no B r a s i l , é ne-
s o c i a l bem como a identificação da f o r m a de e d u c a -
••••árlo i d e n t i f i c a r a imagem que os p r o t a g o n i s t a s
ção a que está s u b m e t i d a e o t i p o de relações so-
éa época construíram a c e r c a de t a i s crianças. As
c i a i s que mantém com p e r s o n a g e n s do seu tempo p e r -
imagens construídas p o r p e r s o n a g e n s como médicos,
m i t e m a compreensão da sua imagem e do comportamen
s a n i t a r i s t a s , políticos e x p r e s s a v a m a criança po-
t o de b r i n c a r . ..^ :JT c íio-y;s
br» (^omo "promíscua", " p o r t a d o r a de moléstia e de
O c o t i d i a n o de q u a l q u e r s e r humano aparece mar
maus vícios", "menino s u j o que b r i n c a v a com lama e
cado p e l a h e t e r o g e n e i d a d e e p e l a presença de v a l o -
b r i n c a d e i r a s de r u a " e q u e , p o r t a n t o , necessitavam
r e s hierárquicos que dão s e n t i d o às imagens cultu-
da hlgienização, moralização p e l o t r a b a l h o e i n t e r
r a i s de cada época. T a i s imagens construídas por
nação em instituições como a s i l o s i n f a n t i s para
personagens que fazem p a r t e desse c o n t e x t o não d e -
d a l x a r o ambiente promíscuo das r u a s . As crianças
c o r r e m de concepções psicológicas e científicas
r i c a s d i s p u n h a m de l i n d o s b r i n q u e d o s , eram vistas
mas m u i t o m a i s de informações, v a l o r e s e p r e c o n c e i
iciiiK. ;;í>res em d e s e n v o l v i m e n t o e e x i g i a m os cuida-
t o s o r i u n d o s da v i d a c o t i d i a n a . '
dos da mãe e do j a r d i m de infância que e d u c a v a p e -
®. Segundo H e l l e r (1989, pp. 1 6 - 1 7 ) : "... O ho-
In p e d a g o g i a dos j o g o s .
mem p a r t i c i p a da v i d a c o t i d i a n a com t o d o s os as-
A s s i m , nos p r i m e i r o s tempos da República a
p e c t o s de sua i n d i v i d u a l i d a d e , de sua p e r s o n a l i d a -
r u a d i v i d i a as crianças c o n f o r m e sua estratificação
de. N e l e , c o l o c a m - s e em f u n c i o n a m e n t o t o d o s os seus
s o c i a l : b r i n c a d e i r a s de r u a e " b r i n q u e d o s ecológi-
s e n t i d o s , t o d a s as suas c a p a c i d a d e s intelectuais,
pos" p a r a os p o b r e s e b r i n q u e d o s a r t e s a n a i s ou i n -
suas h a b i l i d a d e s m a n i p u l a t i v a s , seus sentimentos,
iluíit r i a l i z a d o s p a r a as e c o n o m i c a m e n t e p r i v i l e g i a d a s
paixões, i d e i a s , i d e o l o g i a s . " P o r essa razão a v i -
que d e v e r i a m o c u p a r espaços domésticos, o que nem
da c o t i d i a n a é heterogénea e i n c l u i a v i d a do ho-
sempre o c o r r i a p r o v o c a n d o o desespero dos p a i s .
mem p o r i n t e i r o .
Da mesma f o r m a , o s i g n i f i c a d o de c e r t a s brin-
E n t r e t a n t o , cada tempo histórico p o s s u i uma
c a d e i r a s do período da escravidão como "capitão de
h i e r a r q u i a de v a l o r e s que o f e r e c e uma o r g a n i c i d a d e
mato" ou "capitão de campo", uma espécie de "pega-
a e s s a h e t e r o g e n e i d a d e . São t a i s v a l o r e s que o r i e n
pega", no q u a l o p e g a d o r é a f i g u r a t e m i d a do caça
tam a elaboração de um banco de imagens culturais
d o r de n e g r o s f u g i d o s , r e v e l a como o conteúdo da
que se r e f l e t e m não só nas concepções de criança
b r i n c a d e i r a r e t r a t a a imagem do período escravagi£
como no próprio conteúdo das b r i n c a d e i r a s infan-
t a : o negro f o g e e é caçado p e l o capitão de mato ou
tis. Desta f o r m a , p a r a se c o m p r e e n d e r como filhos
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de campo (Kishimoto, 1992). ,-r-;.-.r,r- •: ,':--.;<.•..-.-?
p a r t i r do período c o l o n i a l à República dos anos 30; i.i(;ão mãe-filho, a criança s a t i s f a z seu desejo subs^