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depois de se ter dado uma séiie de


EM CONTEXTO pio do xx, o tratamento psi- passos. Tão-pouco se alcança poique
Durant,e o século
cológico xix e na
baseava-se princí-
ideia o estado de tensão neurótica do indi-
ORIENTAÇÃO
de que a doença mental era uma víduo se tenha aliviado mediante a
Terapia centrada na pessoa
patologia que se tinha de curar. A teo- satisfação das pulsões biológicas,
ANTES ria psicanalítica dominante, por exem- como afirmavam os psicanalistas.
Década de 1920 0tto Rank plo, definia como neurótico quem tinha Também não se cult,iva seguindo
afirma que a separação em problemas de saúde mental. A doen- um programa específico concebido
relação aos pensamentos, ça mental era vista at,ravés de uma para desenvolver e conservar um
emoções e comportamentos abordagem negativa e a teoiia e a est,ado de homeostasia ou equilíbrio
superados é essencial para o prática psicológica da época ofere- interno e reduzir o efeito do caos
ciam definições estritas e explica- ext,erno do mundo sobre o eu, como
desenvolvimento psicológico.
ções claras das suas causas subja- recomendavam os behavioristas.
Década de 1950 Abraham centes e métodos necessários para a Rogers não acreditava que hou-
Maslow sugere que não se deve Curar. vesse alguém num estado defei-
ver os pacientes como uma 0 psicólogo norte-americano Carl tuoso a precisar de ser arranjado
coleção de sintomas, mas sim Rogers olhou para o problema da paia lhe proporcionar outro melhor,
como pessoas. saúde mental a partir de um ponto de e prefeie considerar a experiência
vista muito diferente e assim ampliou humana, a nossa mente e o nosso
DEPOIS
para sempre a abordagem da psico- ambiente como algo vivo e em desen-
Década de 1960 Fritz Perls terapia. Rogers considerava as filoso- volvimento. Falava do ((processo con-
populariza a ideia de fias do seu tempo demasiado rígidas tínuo da experiência organísmica»
exteriorizar as expetativas e estruturadas para dar conta de algo e considerava a vida algo instantâ-
de outros para encontrar tão dinâmico como a experiência neo e contínuo; a vida existe na expe-
o eu mais verdadeiro. humana e a humanidade demasiado riência de cada momento.
2004 Clark Moustakas diversa para encaixar em teoi.ias tão Para Rogers, o eu não era um enti-
investiga os aspetos definidas. dade fixa, mas sim uma entidade
fluida, em mudança e aberta; a expe-
exclusivamente humanos
da vida: esperança, amor, o eu, Atingír a saúde menta] riência humana flui livremente e tem
Para Rogers, era absurdo considerar possibilidades ilimitadas. 0 ser hu-
criatividade , individualidade
o bem-estar mental como um estado mano não percorre um caminho cuja
e desenvolvimento do ser.
fixo e específico. A boa saúde mental meta é a «integração» ou a «realiza-
não é algo que se consiga de repente, Ção)), como dissera o seu colega e
PSI00TERAPIA 133
Ver também: Fritz Perls 112-17 . Erich Fromm 124-29 . Abraham Maslow 138-39 . Rollo May 141 . Dorothy Rowe 154 .
Martin Seligman 200-01

Para Roger, a vida não é um labirinto com um só percurso


de saída, mas algo que apresenta múltiplos percursos, e está
cheia de possibilidades, mas os indivíduos normalmente são
incapazes de os ver ou não querem fazê-lo. Para viver ((a boa
vida», devemos permanecer flexíveis e abertos a tudo aquilo
que a vida traz, experimentando-o plenamente a qualquer
momento.

psicólogo humanista Abraham Mas- oferecidas por cada moment,o e pei- que evita que nos sintamos apanha-
low; é mais, o fim da existência não mitir que a experiência molde o eu. dos e at,olados. 0 objetivo, tal como o
consiste em alcançar meta alguma, 0 indivíduo vive num ambiente vê Rogers, é que a experiência seja
segundo Rogers, já que a existência de mudança constante, mas com o ponto de partida para construir a
não é tanto uma viagem que culmi- demasiada frequência e facilidade nossa personalidade, em vez de ten-
na num ponto de chegada, como um nega esta fluidez e ergue constru- tar fazer encaixar as nossas expe-
processo contínuo de desenvolvimen- Ções de como pensa que deveriam riências numa noção preconcebida
to e descoberta que não cessa até ser as coisas; a seguir tenta moldar- do nosso sentido do eu.
morrermos. -se a si mesmo e à sua ideia da reali-
dade para que encaixem no cons-
Viver a «I)oa vida» tructo produzido. Esta forma de
Roger utiliza a expressão ((boa vida» proceder é justamente o contrário da
para se referir ao conjunto de ca- organização do eu fluida e mutável
racteríst,icas, atitudes e comporta- que segundo Rogers a natureza da
éé
mentos exibidos pelas pessoas que nossa existência iequer. 0 que serei no momento
assumiram os fundamentos da sua As nossas preconceções sobre seguint,e, e aquilo que farei,
abordagem e se encont,ram ttplena- como é ou devei.ia sei. o mundo e surge do próprio momento
mente imersas no fluxo da vida». Um sobre o nosso papel nele definem os e não se pode predizer.
traço fundamental é a capacidade de limites do nosso mundo e reduzem a Car] Rogers
permanecei inteiramente presente nossa capacidade de nos mantermos
no momento. Posto que o eu e a per- presentes e abei.tos à experiência.
sonalidade surgem da experiência, é Em troca, quando vivemos uma vida
da maior importância manter-se to- boa e nos mantemos abertos à expe-
9
talmente aberto às possibilidades riência, adotamos uma forma de ser
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preconceções produzem uma inter-


pretação limitada e artificial da ex-
periência. Para poder participar
realmente no que Rogers chama o
t(processo contínuo da experiência
organísmica>i, devemos estar plena-
éé
0 eu e a personalidade
mente abertos a novas experiências
suigem da experiência, mais
e totalmente livres da atitude defen-
do que traduzir-se esta (. . .)
siva.
para encaixar na estrutura
Todo um leque de emoções preconcebida do eu.
0 sintonizarmo-nos com o leque Car] Rogers
completo das nossas emoções, argu-
menta Rogers, permite-nos uma ex-
periência mais profunda e rica em
todos os aspetos da nossa vida.
Podemos pensar que somos capazes
Trabalhar num país em vias de de bloquear seletivamente as emo-
desenvolvimento pode ser uma boa ções e afogar sentimentos perturba- considerámos negativas, o fluxo de
forma de eliminar preconceitos sobre dores ou incómodos, mas o certo é sentimentos positivos surge com
o mundo, abrir-se a novas experiências maior força; é como se, ao permitir-
e aprender mais sobre nós mesmos.
que, quando reprimimos algumas das
nossas emoções, inevitavelmente bai- mo-nos sentir dor, nos capacitemos
xamos o volume de todas elas e ne- para uma experiência mais intensa
Se nos aferioamos às nossas ideias gamo-nos ao acesso à totalidade da de alegria.
sobre como deveriam ser as coisas nossa natureza. Segundo Rogers, ao permanecer
em vez de aceitar como são realmen- Se, por outro lado, permitimos sempre abertos a tudo o que suce-
te, é provável que percebamos que sentirmo-nos mais confortáveis com de, permitimos às nossas capacida-
as nossas necessidades não encai- as nossas emoções, incluindo as que des funcionar de forma mais plena
xam no que está disponível.
Quando o mundo não «faz o que
queremos» e nos sentimos incapazes
de mudar as nossas ideias, surge o
conflito em forma de atitude defen-
siva. Rogers explica esta atitude
como a tendência para aplicar estra-
tégias inconscientes a fim de impe-
dir que um estímulo perturbador
entre na consciência: negamos (blo-
queamos) ou distorcemos (reinter-
pretamos) o que realmente acontece,
recusando aceitar a realidade para
nos mantermos fiéis às nossas ideias
preconcebidas. Desta forma, nega-
mos a nós mesmos a possibilidade
de todas as reações, sentimentos e
ideias potenciais, e descartamos
como errado ou inadequado um am-
plo leque de opções. Os sentimen-
tos e pensamentos defensivos que
surgem em nós quando a realida-
de entra em conflito com as nossas
PslooTERAPIA 135

ao mesmo tempo que obtemos a


maior satisfação das nossas expe-
riências.
Não erguemos defesas para afas-
tar nenhuma parte do eu, pelo que
poderemos experimentá-lo plena-
mente. Uma vez que tenhamos es-
capado da armadilha das preconce-
ções mentais, podemos permitir-nos
levantar voo, e em vez de organizar-
mos a nossa experiência para a mol-
dar à nossa ideia do mundo, ((desco-
brimos a estrutura na experiência».
Tal abertura não é para pusilâni-
mes, afirma Rogers, pois requer valor.
Não devemos temer nenhuma clas-
se de sentimentos, devemos permi-
tir o pleno fluxo da cognição e da
experiência. Desta forma, cada um Rogers acreditava que todas as pes- 0 amor com condições - tal como
torna-se mais capaz de encontrar soas, e não apenas os seus pacientes, tirar boas notas na escola ou comer
o caminho que convém ao seu verda- determinados alimentos - pode fazer
precisavam de ser capazes de se ver
com que a criança se sinta indigna
deiro eu, quer dizer, ao indivíduo ple- a si mesmas desta forma e também
de ser amada e rejeitada.
namente funcional no qual Rogers a quem as rodeava e ao seu ambiente.
nos incentiva a transformarmo-nos. A aceitação incondicional de nós
Estamos sempre a crescer e Rogers mesmos e dos outros é vital, e quando Os pais podem ensinar sem da-
insiste em que a direção que as pes- falta, o indivíduo não é capaz de se rem conta às crianças de que são
soas costumam tomar - quando há manter aberto à experiência. Rogers dignas de afeto apenas se cumpri-
liberdade para seguir qualquer dire- defendia que muitos de nós coloca- rem certas condições, por exemplo,
Ção - costuma ser aquela para a qual mos condições específicas, rígidas e dando-lhes prémios e elogios quando
estão mais bem dotadas e a mais inamovíveis para dar a nossa aceita- comem legumes ou quando tiram
adequada para elas. ção ou aprovação e que baseamos a um excelente em física, em vez de
autoestima e a consideração em rela- mostrarem abertamente que os amam
Aceitaçã® incondiciona] ção aos outros nos êxitos ou nas apa- simplesmente por serem quem são.
Em contraste com a postura dos seus rências, em vez de aceitarmos as Rogers chama a estes requisitos
antecessores no campo da psicotera- pessoas tal como são. «condições de valor» e considera que
pia, Rogers acredita que as pessoas a tendência do ser humano para exi-
são, na sua essência, sãs e boas e gir que as pessoas e as coisas cum-
que o bem-estar mental e emocional pram as suas expetativas arbitrárias
é a progressão natural da natureza
humana. Tais ideias são o funda-
mento de uma abordagem que con-
éé
Nenhuma ideia de outro
nos presta a todos um favor muito
fraco.
Os sucessos têm de ser respeita-
templa os pacientes sob uma luz e nenhuma das minhas dos, afiima Rogers, mas são algo à
perfeitamente positiva, com uma próprias ideias têm tanta parte e secundário em relação à acei-
aceitação absoluta e incondicional. autoridade como a minha tação, que é uma necessidade hu-
Rogers pedia aos seus pacientes que experiência. mana básica e que não deve ser
fizessem o mesmo consigo mesmos e necessáiio ((ganhai-se» com o compor-
Carl Rogrers tamento. Para Rogers, o valor de um
com os outros. Esta perspetiva enrai-
zada na compaixão e no reconheci- indivíduo é algo que provém do mero
mento do potencial de todas e de cada milagre da existência, Assim, a acei-
uma das pessoas foi denominada tação nunca deve ser entendida como
((consideração positiva incondicional». algo condicional, e a consideração
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contramos num estado de desen- feito crer que quer, pode com maior
volvimento constante. E, periodica- facilidade existir no momento e ser

éé mente, com uma maior aceitação de


si mesmo, e livre da pressão e da crí-
tica constante, o indivíduo torna-se
muito mais produtivo.
verdadeiramente consciente do que
na realidade quer. E agora pode con-
fiar em si mesmo, ((não porque seja
infalível, mas porque pode estar
0 ser humano subjetivo
completamente aberto às conse-
tem um valor importante (. . .),
não interessa como seja C®nfiar em si mesmo quências de cada um dos seus atos e
Para viver a «boa vida», tal como a corrigi-los se os seus resultados não
etiquetado e avaliado, vê Rogers, devemos aprender a con- o satisfazem», segundo as palavras
acima de tudo é uma fiar em nós mesmos. À medida que de Rogers.
pessoa humana. o indivíduo tende para a abertura, Ao viver a ttboa vida», sentimo-
Car] Rogrers verifica que progride simultanea- -nos mais donos da nossa vida e
mente a sua capacidade para confiar mais responsáveis por nós mesmos.
em si mesmo e nos seus instintos e Este é outro dos princípios da filoso-
começa a sentir-se mais confortável, fia de Rogers e procede de uma pers-
exercendo a sua capacidade para petiva existencial. 0 que decidimos
tomar decisões. Sem necessidade de fazer ou pensar é algo que nos per-
reprimir parte alguma de si mesmo, tence: não pode haver ressentimento
positiva incondicional é a chave para tem maior capacidade paia se sinto- quando identificámos por nós mes-
que todos possamos viver a «boa nizar com todas elas, e isto dá-lhe mos o que queremos e necessitamos
vida». À medida que as pessoas se acesso a uma diversidade de perspe- e demos os passos necessários paia
aceitam melhor a si mesmas, tor- t,ivas e sentimentos, com a qual é o obter. Ao mesmo tempo, há uma
nam-se mais pacientes consigo mais capaz de avaliar as opções maior responsabilidade perante si
mesmas. A aceitação alivia a pressão mediante as quais concretizará ver- mesmo e uma maior tendência para
de fazer, ver e adquirir, que se acu- dadeiramente o seu potencial. Vê investir na própria vida. Não é raro
mula quando vivemos com a ideia com maior discerniment,o a direção ouvir o médico dizer que detesta
equivocada de que tais atividades que o seu verdadeiro eu deseja tomar medicina, mas que a exerce porque
definem o nosso valor. Então pode- e pode optar por aquilo que é real- os seus pais o convenceram de que
mos começar a compreender que mente congruente com as suas ne- era a forma de conquistar o respeit,o
cada um de nós é uma obra em pro- cessidades. Ao não se encontrar e o reconhecimento, tanto deles como
cesso, como afirma Rogers na sua à mercê, nem daquilo que a socie- da sociedade. Em contraste, por exem-
obra Tomar-se Pessoa; todos nos en- dade ou os seus pais podem tê-lo plo, consta que as taxas de abandono

Car] Rogers Nasceu em Oak Park (Illinois, trabalhou na United Service


EUA), no seio de uma rígida Organizations (USO), oferecendo
família protestante, e ao que terapia a militares da 11 Guerra
parece teve poucos amigos fora Mundial. Em 1964, recebeu da
da família antes de entrar na American Humanist Association
universidade. Estudou agricultura, o Prémio Humanista do Ano
mas depois de se casar, em 1924, e dedicou os seus últimos dez
com o amor da sua infância, anos de vida a trabalhar pela
Helen Elliot, matriculou-se num paz mundial. Em 1987, foi
seminário teológico, que também nomeado para o Nobel da Paz.
abandonou para estudar
psicologia. Principais ol]ras
Trabalhou nas universidades
de Ohio, Chicago e Wisconsin, 1942 CounseJj]]gr anc!
onde desenvolveu a sua terapia Psychothei.apy
centrada no cliente baseada na 1951 Client-centered Therapy
psicologia humanista. Também 1961 Tornar-se Pessoa

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