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1) TRANSTORNOS PSICÓTICOS
ESQUIZOFRENIA
A esquizofrenia é um dos mais comuns dos transtornos mentais graves, mas sua natureza
essencial ainda não foi esclarecida; portanto, às vezes, ela é referida como uma síndrome,
como o grupo de esquizofrenias ou, como na quinta edição do Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais (DSM-5), o espectro da esquizofrenia. Os médicos devem
entender que o diagnóstico de esquizofrenia tem base inteiramente na história psiquiátrica e
no exame do estado mental. Não existe um exame laboratorial para esse transtorno. A
Esquizofrenia segundo a Organização Mundial de Saúde (2000) é conhecida como uma das
doenças psiquiátricas mais graves e desafiadoras e ainda por muito a ser estudada até
hoje. Segundo a Classificação Internacional das Doenças é uma enfermidade complexa,
caracterizada por distorções do pensamento, da percepção de si mesmo e da realidade
externa, além de inadequação e embotamento do afeto.
O conceito moderno de Esquizofrenia foi formalizado pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin
no final do século XIX, e o termo, criado por Eugenio Bleuler em 1911, a partir do grego
schizo (dividir ou clivar) e phren (mente), significa literalmente mente desdobrada, ou seja,
cisão das funções mentais, pensamento “separado” da realidade, dissociação entre o
pensamento do doente e a realidade física do seu corpo e do ambiente.
A esquizofrenia e os denominados transtornos esquizofrênicos constituem um grupo de
distúrbios mentais graves, sem sintomas patognomônicos, mas caracterizados por
distorções do pensamento e da percepção, por inadequação e embotamento do afeto sem
prejuízo da capacidade intelectual (embora ao longo do tempo possam aparecer prejuízos
cognitivos). Seu curso é variável, aproximadamente 30% dos casos apresentam
recuperação completa ou quase completa, cerca de 30% com remissão incompleta e
prejuízo parcial de funcionamento e cerca de 30% com deterioração importante e
persistente da capacidade de funcionamento profissional, social e afetivo
ETIOLOGIA
A probabilidade de uma pessoa ter esquizofrenia está correlacionada com a proximidade
da relação com um parente afetado (p. ex., parente de primeiro ou segundo graus). No caso
de gêmeos monozigóticos que têm carga genética idênticas, há uma taxa de concordância
para esquizofrenia de aproximadamente 50%. Essa taxa é 4 a 5 vezes maior do que a
encontrada em gêmeos dizigóticos ou do que a taxa de ocorrência encontrada em outros
parentes de primeiro grau. Apesar disso, dados de gêmeos monozigóticos demonstram com
clareza que não existe garantia de que indivíduos geneticamente vulneráveis à
esquizofrenia desenvolvam a doença; outros fatores (p. ex., ambiente) devem estar
envolvidos na determinação de um desfecho de esquizofrenia
Alguns dados indicam que a idade do pai tem uma correlação com o desenvolvimento de
esquizofrenia. Em estudos desse transtorno com pacientes sem história da doença na
linhagem materna ou paterna, foi verificado que aqueles nascidos de pais com mais de 60
anos de idade eram vulneráveis a desenvolver o transtorno. Presumivelmente, a
espermatogênese em homens mais velhos está sujeita a maior dano epigenético do que em
homens jovens. Os modos de transmissão genética na esquizofrenia são desconhecidos,
mas diversos genes parecem dar uma contribuição para a vulnerabilidade à doença.
Estudos genéticos de ligação e associação forneceram fortes evidências para nove sítios de
ligação:
No entanto, a hereditariedade não explica todos os casos da doença, aproximadamente
60% dos portadores de esquizofrenia não possuem parentes próximos com a doença
(Murray e Lopez, 1996; Anokhin et al., 2006). Assim, a componente genética explica uma
grande percentagem da etiologia da doença mas não a sua totalidade, contudo, é inegável
a presença desta componente na etiologia da esquizofrenia
Quando se analisaram as funções dos 49 genes cujas expressões são diferentes entre
pessoas saudáveis e pessoas com esquizofrenia, verificou-se que estavam envolvidos nas
vias bioquímicas que afetam funções específicas no cérebro, nomeadamente, a
neurotransmissão sináptica, a transdução de sinais, a dinâmica do citoesqueleto e o
desenvolvimento neuronal. Genes que se encontram expressos em indivíduos com
esquizofrenia estão envolvidos em processos cerebrais fundamentais que determinam a
forma como as células cerebrais respondem a sinais externos e a impulsos nervosos
provenientes de outras zonas do cérebro. Estas respostas incluem alteração na densidade
das espinhas dendríticas na sinapse, facto este consistente com as diminuições da
densidade sináptica observadas microscopicamente em exames pós-morte de cérebros de
indivíduos com esquizofrenia. Estas modificações ao nível da sinapse são fundamentais
para que o indivíduo se adapte a mudanças que ocorrem durante a aprendizagem e para o
desenvolvimento das alterações designadas por plasticidade sináptica. A alteração da
expressão genética evidenciada em indivíduos com esta patologia sugere que a
esquizofrenia bloqueia a plasticidade sináptica no córtex pré-frontal, o que origina
deficiências de aprendizagem e de interação social, características normalmente
associadas à esquizofrenia.
Como já foi referido, os genes que podem estar envolvidos na epigénese da esquizofrenia
estão distribuídos por várias regiões do genoma humano, desta forma, os loci genéticos
com maior suscetibilidade para o desenvolvimento da esquizofrenia têm sido mapeados em
diversos cromossomas, tais como: 1q21-22, 6p25, 8p21, 10p14, 13q32, 18p11 e 22q11-13
DIAGNÓSTICO
Não existe um exame específico para o diagnóstico da esquizofrenia, sendo este realizado
através da análise conjunta dos sintomas que o paciente apresenta e pela história clínica de
como estes surgiram e se desenvolveram. Técnicas de mapeamento cerebral têm sido
desenvolvidas com o intuito de permitir detetar ou determinar a existência de sinais de
perda tecidual em partes do cérebro ou correlacionar estruturas anormais com sintomas
específicos
A presença de alucinações ou delírios não é necessária para um diagnóstico de
esquizofrenia; o transtorno é diagnosticado como esquizofrenia quando o paciente exibe
dois dos sintomas listados em 1 a 5 do Critério A na Tabela 7.1-1 (p. ex., fala
desorganizada). O Critério B requer que o funcionamento comprometido, embora não as
deteriorações, esteja presente durante a fase ativa da doença. Os sintomas devem persistir
por pelo menos seis meses, e não deve haver um diagnóstico de transtorno esquizoafetivo
ou transtorno do humor
Os indivíduos podem manifestar uma variedade de crenças incomuns ou estranhas que não
sejam de proporções delirantes (p. ex., ideias de referência ou pensamento mágico); podem
ter experiências perceptivas raras (p. ex., sentir a presença de uma pessoa invisível); seu
discurso pode ser, em geral, compreensível, porém vago; seu comportamento pode ser
incomum, mas não grosseiramente desorganizado (p. ex., murmurar em público). Sintomas
negativos são comuns nas fases prodrômica e residual, podendo ser graves. Indivíduos que
eram socialmente ativos podem ficar retraídos em relação a rotinas anteriores. Esses
comportamentos são frequentemente o primeiro sinal de um transtorno. Sintomas de humor
e episódios completos de humor são comuns na esquizofrenia e podem ocorrer
concomitantemente com a sintomatologia da fase ativa. Porém, como diferença do
transtorno do humor psicótico, um diagnóstico de esquizofrenia exige a presença de delírios
ou alucinações na ausência de episódios de humor. Além disso, episódios de humor,
tomados em sua totalidade, devem estar presentes por somente uma parte mínima da
duração total do período ativo e residual da doença. Além das cinco áreas de domínio dos
sintomas identificadas nos critérios diagnósticos, a avaliação dos sintomas dos domínios
cognição, depressão e mania é crucial para que sejam feitas distinções importantes entre os
vários transtornos do espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos.
Indivíduos com esquizofrenia podem exibir afeto inadequado (p. ex., rir na ausência de um
estímulo apropriado); humor disfórico que pod, e assumir a forma de depressão, ansiedade
ou raiva; padrão de sono perturbado (p. ex., sono durante o dia e atividade durante a noite);
e falta de interesse em alimentar-se ou recusa da comida. Despersonalização,
desrealização e preocupações somáticas podem ocorrer e por vezes atingem proporções
delirantes. Ansiedade e fobias são comuns. Déficits cognitivos na esquizofrenia são comuns
e fortemente associados a prejuízos profissionais e funcionais. Esses déficits podem incluir
diminuições na memória declarativa, na memória de trabalho, na função da linguagem e em
outras funções executivas, bem como velocidade de processamento mais lenta.
Anormalidades no processamento sensorial e na capacidade inibitória, bem como redução
na atenção, são também encontradas. Alguns indivíduos com esquizofrenia mostram
déficits na cognição social, incluindo déficits na capacidade de inferir as intenções dos
outros (teoria da mente), podendo atender a eventos ou estímulos irrelevantes e depois
interpretá-los como significativos, talvez levando à geração de delírios explanatórios. Esses
prejuízos costumam persistir durante a remissão dos sintomas. Alguns indivíduos com
psicose podem carecer de insight ou consciência de seu transtorno (i.e., anosognosia).
Essa falta de insight inclui não perceber os sintomas de esquizofrenia, podendo estar
presente em todo o curso da doença. Não perceber a doença costuma ser um sintoma da
própria esquizofrenia em vez de uma estratégia de enfrentamento. É comparável à falta de
percepção de déficits neurológicos após dano cerebral, chamada de anosognosia. Esse
sintoma é o mais comum preditor de não adesão ao tratamento e prevê elevadas taxas de
recaída, aumento no número de tratamentos involuntários, funcionamento psicossocial mais
pobre, agressão e um curso mais pobre da doença. Hostilidade e agressão podem estar
associadas a esquizofrenia, embora agressão espontânea ou aleatória não seja comum. A
agressão é mais frequente em indivíduos do sexo masculino mais jovens e em pessoas
com história anterior de violência, não adesão ao tratamento, abuso de substância e
impulsividade.
Tipo paranoide. O tipo paranoide da esquizofrenia caracteriza- -se pela preocupação com
um ou mais delírios ou alucinações auditivas frequentes. Classicamente, esse tipo é
marcado sobretudo pela presença de delírios de perseguição ou grandeza (Fig. 7.1-4).
Esses pacientes costumam ter seu primeiro episódio da doença em idade mais avançada
do que aqueles com os tipos catatônico ou desorganizado. Pacientes nos quais a
esquizofrenia ocorre no fim da segunda ou terceira décadas de vida em geral já
estabeleceram uma vida social que pode ajudá-los a enfrentar a doença, e seus recursos de
ego tendem a ser maiores do que os de afetados por esquizofrenia catatônica e
desorganizada Indivíduos com esquizofrenia paranoide tendem a ser tensos, desconfiados,
cautelosos, reservados e, às vezes, hostis ou agressivos, mas também ocasionalmente
capazes de se comportar de forma adequada em algumas situações sociais. Sua
inteligência nas áreas que não são invadidas pela psicose tende a permanecer intacta
QUADRO CLINICO
A desorganização do pensamento (transtorno do pensamento formal) costuma ser
inferida a partir do discurso do indivíduo. Este pode mudar de um tópico a outro
(descarrilamento ou afrouxamento das associações). As respostas a perguntas podem ter
uma relação oblíqua ou não ter relação alguma (tangencialidade). Raras vezes, o discurso
pode estar tão gravemente desorganizado que é quase incompreensível, lembrando a
afasia receptiva em sua desorganização linguística (incoerência ou “salada de palavras”).
Uma vez que o discurso levemente desorganizado é comum e inespecífico, o sintoma deve
ser suficientemente grave a ponto de prejudicar de forma substancial a comunicação
efetiva.
Comportamento catatônico é uma redução acentuada na reatividade ao ambiente. Varia
da resistência a instruções (negativismo), passando por manutenção de postura rígida,
inapropriada ou bizarra, até a falta total de respostas verbais e motoras (mutismo e
estupor). Pode, ainda, incluir atividade motora sem propósito e excessiva sem causa óbvia
(excitação catatônica). Outras características incluem movimentos estereotipados repetidos,
olhar fixo, caretas, mutismo e eco da fala. Ainda que a catatonia seja historicamente
associada à esquizofrenia, os sintomas catatônicos são inespecíficos, podendo ocorrer em
outros transtornos mentais (p. ex., transtornos bipolar ou depressivo com catatonia) e em
condições médicas (transtorno catatônico devido a outra condição médica)
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Transtorno esquizoafetivo. O diagnóstico de transtorno esquizoafetivo exige que um
episódio depressivo maior ou maníaco ocorra ao mesmo tempo em que ocorrem os
sintomas da fase ativa e que os sintomas de humor estejam presentes na maior parte do
tempo da duração total dos períodos ativos. Transtorno esquizofreniforme e transtorno
psicótico breve. Esses transtornos têm duração menor que a esquizofrenia, conforme
especificado no Critério C, que exige seis meses de sintomas. No transtorno
esquizofreniforme, a perturbação está presente durante menos de seis meses, enquanto no
transtorno psicótico breve os sintomas estão presentes durante pelo menos um dia, porém
em tempo inferior a um mês.
Vários transtornos da personalidade podem ter algumas características da esquizofrenia,
sendo os tipos esquizotípico, esquizoide e borderline os que apresentam sintomas mais
semelhantes. Um transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva grave pode mascarar
um processo esquizofrênico subjacente. Os transtornos da personalidade, diferentemente
da esquizofrenia, têm sintomas leves e história de ocorrência durante toda a vida; eles
também não têm uma data de início precisa.
Transtorno do espectro autista ou transtornos da comunicação. Esses transtornos podem
também ter sintomas semelhantes a um episódio psicótico, mas diferem pelos respectivos
déficits na interação social, com comportamentos repetitivos e restritos e outros déficits
cognitivos e de comunicação. Um indivíduo com transtorno do espectro autista ou
transtorno da comunicação deve ter sintomas que satisfaçam todos os critérios de
esquizofrenia, com alucinações ou delírios proeminentes durante pelo menos um mês a fim
de ser diagnosticado com esquizofrenia como uma condição comórbida
TRATAMENTO
Embora os medicamentos antipsicóticos sejam o pilar do tratamento para a esquizofrenia,
pesquisas revelaram que intervenções psicossociais, incluindo psicoterapia, podem
contribuir para a melhora clínica. Assim como os agentes farmacológicos são usados para
tratar possíveis desequilíbrios químicos, as estratégias não farmacológicas podem tratar
questões não biológicas.
A hospitalização é indicada para fins de diagnóstico; estabilização da medicação; segurança
do paciente devido a ideação suicida ou homicida; e comportamento flagrantemente
desorganizado ou inadequado, incluindo a incapacidade de cuidar das necessidades
básicas, como alimentação, vestuário e abrigo. Estabelecer uma associação efetiva entre o
paciente e os sistemas de apoio da comunidade também é um dos objetivos da
hospitalização. Hospitalizações curtas de 4 a 6 semanas são tão eficazes quanto as longas,
e o ambiente hospitalar com abordagens comportamentais ativas produz melhores
resultados do que as instituições de custódia
Os antipsicóticos diminuem a expressão do sintoma psicótico e reduzem as taxas de
recaída. Aproximadamente 70% de pacientes tratados com qualquer antipsicótico alcançam
a remissão. Os medicamentos usados para tratar a esquizofrenia têm uma ampla variedade
de propriedades farmacológicas, mas todos têm em comum a capacidade de antagonizar os
receptores de dopamina pós- -sinápticos no cérebro. Os antipsicóticos podem ser
classificados em dois grupos principais: os convencionais, mais antigos, que também são
chamados de antipsicóticos de primeira geração, ou antagonistas do receptor de dopamina,
e os mais recentes, que têm sido chamados de antipsicóticos de segunda geração, ou
antagonistas de serotonina e dopamina (ASDs). A clozapina, o primeiro antipsicótico eficaz
com efeitos colaterais extrapiramidais desprezíveis.
Os médicos têm inúmeras alternativas para tratar efeitos colaterais extrapiramidais. Estas
incluem reduzir a dose do antipsicótico (que é mais comumente um ARD), adicionar um
medicamento antiparkinsoniano, e mudar o paciente para um ASD, que tem menos
probabilidade de causar esses efeitos. Os medicamentos antiparkinsonianos mais eficazes
são os anticolinérgicos. Entretanto, estes têm seus próprios efeitos colaterais, incluindo
boca seca, constipação, visão turva e, com frequência, perda de memória. Além disso,
muitas vezes, eles são apenas parcialmente eficazes, deixando os pacientes com
quantidades substanciais de efeitos colaterais extrapiramidais prolongados. Os -
bloqueadores de ação central, como o propranolol, também costumam ser eficazes para
tratar acatisia. A maioria dos pacientes responde a dosagens de 30 e 90 mg por dia.
TRANSTORNO PSICÓTICO BREVE
O transtorno psicótico breve é definido como uma condição psicótica que envolve o início
súbito de sintomas psicóticos que duram um dia ou mais, mas menos de um mês. A
remissão é completa, e o indivíduo retorna ao nível de funcionamento pré-mórbido. É uma
síndrome psicótica
aguda e transitória.
A característica
essencial do
transtorno psicótico
breve consiste em
uma perturbação que
envolve o
aparecimento
repentino de pelo
menos um dos
seguintes sintomas
psicóticos positivos:
delírios, alucinações,
discurso
desorganizado (p. ex.,
descarrilamento ou
incoerência frequente)
ou comportamento
psicomotor
grosseiramente
anormal, incluindo
catatonia (Critério A).
Início súbito é definido
como uma mudança
de um estado não
psicótico para um
estado claramente
psicótico em duas
semanas, geralmente sem um pródromo. Um episódio da perturbação tem duração mínima
de um dia, ainda que inferior a um mês, e a pessoa eventualmente tem um retorno completo
ao nível de funcionamento pré-mórbido (Critério B). A perturbação não é mais bem
explicada por transtorno depressivo ou transtorno bipolar com características psicóticas, por
transtorno esquizoafetivo ou por esquizofrenia, nem atribuível aos efeitos fisiológicos de
uma substância (p. ex., um alucinógeno) ou a outra condição médica (p. ex., hematoma
subdural) (Critério C).Pessoas com transtorno psicótico breve costumam vivenciar
turbulência emocional ou grande confusão. Podem apresentar mudanças rápidas de um
afeto intenso a outro. Ainda que a perturbação seja breve, o nível de prejuízo pode ser
grave, podendo haver necessidade de supervisão para garantir o atendimento às
necessidades nutricionais e higiênicas e para que a pessoa fique protegida das
consequências de julgamento insatisfatório, prejuízo cognitivo ou atos baseados em
delírios. Parece haver risco aumentado de comportamento suicida, particularmente durante
o episódio agudo.
A incidência e a prevalência exatas do transtorno psicótico breve não são conhecidas, mas
ele é em geral considerado incomum. Ocorre com maior frequência entre indivíduos mais
jovens (na segunda e terceira décadas de vida) do que entre os mais velhos. É mais comum
em mulheres do que em homens. Esses padrões epidemiológicos são claramente distintos
dos da esquizofrenia. Alguns médicos referem que o transtorno pode ser observado com
mais frequência em pessoas de classes socioeconômicas baixas e naquelas que
vivenciaram desastres ou grandes mudanças culturais (p. ex., imigrantes). A idade de início
em países industrializados pode ser mais alta do em países em desenvolvimento.
Pacientes que têm um transtorno da personalidade podem apresentar uma vulnerabilidade
biológica ou psicológica para o desenvolvimento de sintomas psicóticos, particularmente
aqueles com qualidades borderline, esquizoide, esquizotípica ou paranoide. Alguns com
transtorno psicótico breve têm história de esquizofrenia ou transtorno do humor em suas
famílias, mas esse achado não é conclusivo
Os sintomas do transtorno psicótico breve sempre incluem pelo menos um sintoma
importante de psicose, como alucinações, delírios e pensamentos desorganizados,
geralmente com início repentino, mas nem sempre incluem todo o padrão sintomático visto
na esquizofrenia. Alguns médicos observaram que humor lábil, confusão e
comprometimento da atenção podem ser mais comuns no início do transtorno psicótico
breve do que no início de transtornos psicóticos que acabam se tornando crônicos. Os
sintomas característicos do transtorno psicótico breve incluem volatilidade emocional,
comportamento estranho ou bizarro, gritos ou mutismo e memória comprometida para
eventos recentes. Alguns dos sintomas sugerem um diagnóstico de delirium e justificam
uma pesquisa clínica, especialmente para excluir reações adversas a medicamentos.
TRANSTORNO DELIRANTE
O diagnóstico de transtorno delirante é feito quando uma pessoa exibe delírios não bizarros
de pelo menos um mês de duração que não podem ser atribuídos a outros transtornos
psiquiátricos. Não bizarro significa que o delírio deve ser sobre situações que podem
ocorrer na vida real, tal como ser seguido, infectado, amado a distância, e assim por diante;
ou seja, eles geralmente têm a ver com fenômenos que, mesmo não sendo reais, são
possíveis. Vários tipos de delírios podem estar presentes, e o tipo predominante é
especificado quando o diagnóstico é feito.
A prevalência ao longo da vida de um transtorno delirante foi estimada em 0,2%, e o subtipo
mais frequente é o persecutório. O transtorno delirante do tipo ciumento é provavelmente
mais comum em indivíduos do sexo masculino do que nos do feminino, embora não haja
grandes diferenças de gênero na frequência geral do transtorno delirante.
O conceito central sobre a causa desse transtorno é sua distinção da esquizofrenia e dos
transtornos do humor. Ele é muito mais raro do que qualquer um deles, com início mais
tardio do que a esquizofrenia e predominância feminina menos pronunciada do que os
transtornos do humor. Os dados mais convincentes vêm de estudos de famílias, que
relatam prevalência maior de transtorno delirante e traços de personalidade relacionados (p.
ex., desconfiança, ciúmes e reserva) nos parentes dos probandos com transtorno delirante.
Esses estudos não relataram incidência maior de esquizofrenia nem de transtorno do humor
nesses grupos, tampouco incidência maior de transtorno delirante nas famílias de
probandos com esquizofrenia.
Subtipos No tipo erotomaníaco, o tema central do delírio é o de que outra pessoa está
apaixonada pelo indivíduo. A pessoa em relação à qual há tal convicção costuma ter
condição superior (p. ex., alguém famoso ou em cargo superior no trabalho), embora possa
ser um completo estranho. Tentativas de contato com o objeto do delírio são comuns Esses
pacientes também tendem a ser solitários, retraídos, dependentes e sexualmente inibidos,
bem como a ter níveis baixos de funcionamento social ou ocupacional. Os seguintes
critérios operacionais foram sugeridos para o diagnóstico de erotomania: (1) uma convicção
delirante de comunicação amorosa, (2) o objeto de posição muito superior, (3) o objeto
sendo o primeiro a se apaixonar, (4) o objeto sendo o primeiro a tomar iniciativas, (5) início
súbito (em um período de sete dias), (6) o objeto permanece inalterado, (7) o paciente
racionaliza o comportamento paradoxal do objeto, (8) curso crônico e (9) ausência de
alucinações. Além de ser o sintoma-chave em alguns casos de transtorno delirante, sabe-se
que ocorre também na esquizofrenia, no transtorno do humor e em outros transtornos
orgânicos.
Tipo persecutório O delírio de perseguição é um sintoma clássico do transtorno delirante,
e os tipos persecutório e ciumento provavelmente sejam as formas vistas com mais
frequência pelos psiquiatras. Os pacientes com esse subtipo estão convencidos de que
estão sendo perseguidos ou prejudicados. As crenças persecutórias muitas vezes estão
associadas com rabugice, irritabilidade e raiva, e o indivíduo que se deixa levar pela raiva
pode às vezes ser agressivo ou mesmo homicida. Outras vezes, esses indivíduos podem se
tornar preocupados com litígios formais contra seus supostos perseguidores. Em contraste
com os delírios persecutórios da esquizofrenia, a clareza, a lógica e a elaboração
sistemática do tema persecutório no transtorno delirante são uma marca notável dessa
condição.
Tipo ciumento O transtorno delirante com delírios de infidelidade foi denominado paranoia
conjugal quando limitado ao delírio de que o cônjuge foi infiel. O epônimo síndrome de Otelo
foi usado para descrever um ciúme mórbido decorrente de múltiplas preocupações. O
delírio em geral afeta os homens, muitas vezes aqueles sem nenhuma história psiquiátrica.
Pode aparecer subitamente e serve para explicar uma variedade de eventos presentes e
passados envolvendo o comportamento do cônjuge. Essa condição é difícil de tratar e pode
diminuir apenas com separação, divórcio ou morte do cônjuge. O ciúme acentuado
(geralmente denominado ciúme patológico ou mórbido) é um sintoma de muitos transtornos
– incluindo esquizofrenia (na qual pacientes do sexo feminino apresentam essa
característica com maior frequência), epilepsia, transtornos do humor, abuso de drogas e
alcoolismo –, cujo tratamento é direcionado ao transtorno primário.
O transtorno delirante com delírios somáticos foi chamado de psicose hipocondríaca
monossintomática. A condição difere de outros transtornos com sintomas hipocondríacos no
grau de comprometimento da realidade. No transtorno delirante, o delírio é fixo, indiscutível
e apresentado de forma intensa, pois o paciente está totalmente convencido de sua
natureza física. No entanto, pessoas com hipocondria muitas vezes admitem que seu medo
da doença é, em grande parte, infundado. O conteúdo do delírio somático pode variar muito
de caso para caso. Existem três tipos principais: (1) delírios de infestação (incluindo
parasitose); (2) delírios de dismorfofobia, como deformidade, feiura e tamanho exagerado
de partes do corpo (essa categoria parece mais próxima do transtorno dismórfico corporal);
e (3) delírios de odores corporais desagradáveis ou halitose.
Indivíduos com transtorno delirante geralmente podem ser tratados como pacientes
ambulatoriais, mas os médicos devem considerar a hospitalização por várias razões.
Primeiro, os pacientes podem necessitar de uma avaliação médica e neurológica completa
para determinar se uma condição não psiquiátrica está causando os sintomas delirantes.
Segundo, eles precisam de uma avaliação de sua capacidade de controlar impulsos
violentos (p. ex., de cometer suicídio ou homicídio) que possam estar relacionados ao
material delirante. Terceiro, o comportamento do paciente em relação aos delírios pode ter
afetado significativamente sua capacidade de funcionar no ambiente familiar ou no contexto
ocupacional, o que pode requerer intervenção profissional para estabilizar relacionamentos
sociais ou ocupacionais
A história de resposta à medicação é o melhor guia para a escolha de um medicamento.
Muitas vezes, o médico deve começar com doses baixas (p. ex., 2 mg de haloperidol ou 2
mg de risperidona) e aumentá-las de maneira progressiva. Se não houver resposta a uma
dosagem razoável em um período de seis semanas, antipsicóticos de outras classes devem
ser tentados. Alguns pesquisadores indicaram que a pimozida pode ser particularmente
eficaz no transtorno delirante, sobretudo em pacientes com delírios somáticos.
TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO
O transtorno esquizoafetivo tem características tanto da esquizofrenia como dos transtornos
do humor. Nos sistemas diagnósticos atuais, os pacientes podem receber esse diagnóstico
se puderem se encaixar em uma das seis categorias seguintes: (1) pacientes com
esquizofrenia que têm sintomas de humor, (2) pacientes com transtorno do humor que têm
sintomas de esquizofrenia, (3) pacientes com transtorno do humor e esquizofrenia, (4)
pacientes com uma terceira psicose não relacionada a esquizofrenia e a transtorno do
humor, (5) pacientes cujo transtorno se encontra em um continuum entre esquizofrenia e
transtorno do humor e (6) pacientes com alguma combinação dos critérios citados
a. Pode ser um tipo de esquizofrenia, um tipo de transtorno do humor ou a expressão
simultânea de ambos, bem como um terceiro tipo distinto de psicose, que não está
relacionado nem a esquizofrenia, nem a transtornos do humor. O mais provável é que essa
categoria seja um grupo heterogêneo de condições que inclui todas essas possibilidade.
Embora grande parte das pesquisas familiares e genéticas sobre o transtorno
esquizoafetivo se baseie na premissa de que a esquizofrenia e os transtornos do humor são
entidades completamente separadas, alguns dados indicam que elas podem ser
relacionadas de uma perspectiva genética. Estudos da mutação no gene da esquizofrenia 1
(DISC1), localizado no cromossomo 1q42, sugerem seu possível envolvimento no
transtorno esquizoafetivo, bem como na esquizofrenia e no transtorno bipolar.