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A Mensagem, uma obra lírica, épica, simbólica e mítica

O autor da Mensagem singulariza-se como um épico sui


generis, introvertido, cantor, sem tuba ruidosa, de miríficas
irrealidades. Escreveu o seu livro "à beira-mágoa", de olhos
humedecidos, para expandir a "febre de Além" que atribui ao
infante D. Fernando, para condensar em verbo poético o sonho
de uma Índia que não há, por isso melhor. Ao Império
português do século XVI não chamou ele "obscuro e carnal
antearremedo"? O idealismo estreme, ocultista ou platónico, de
alguns dos seus poemas líricos reduz o mundo visível a cópia
grosseira do mundo invisível. Aqui sobre a terra "tudo é
nocturno e confuso", tudo são projecções, sombras, fumo de
um lume escondido; no outro mundo é que vivemos como
almas. A Mensagem reafirma a cada passo a mesma
repugnância pelo carnal, pelo que o sonho ou a loucura não
redimem.

J. P. Coelho

A Mensagem poderá ser vista como uma epopeia, porque parte de um núcleo histórico, mas a sua
formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a
acção dos heróis só adquire pleno significado dentro de uma referência mitológica. Aqui, serão só
eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos
significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra linguagem, se poderá chamar os
esquemas ideológicos, ou as ideias-força desse povo: regresso ao paraíso, realização do impossível,
espera do Messias… Raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.

Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a de um mito, numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura
e repete a história de uma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte de um mundo; morte
que será seguida de um renascimento. Desenvolvendo-a como uma idade completa, de sentido
cósmico e dando-lhe a forma simbólica tripartida - Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se
poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias
latentes, ou a morte: essa que conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo
que se anuncia - o Quinto Império. Assim, a terceira parte é toda ela um fim, uma desintegração;
mas também toda ela cheia de avisos, prenhe de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem
à Luz: depois da Noite, e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã; estes são os Tempos.
Que mutação houve e que auscultou o poeta, na
alma do seu povo? À era dos heróis, daqueles que
percorrendo, sozinhos e únicos, o caminho da
realização pessoal e colectiva, levando-a até ao
fim através de perigos sem conta, se teria
sucedido uma era de desistência e anulação
pessoal, em que a esperança e a obra de
realização, de salvamento, se transfere e projecta
num super-eu nacional - o Desejado. É ele que
trará a regeneração do povo; que pela sua aparição
instaurará o tempo novo.

Depois da degenerescência do tempo antigo, Alcácer Quibir contará o fim de um ciclo de uma
pátria, tal como o de um mundo, por um dilúvio, pela sua força renovadora e purificadora.

A vinda do Encoberto marcará o fim da história. Os cinco impérios são irreversíveis. Alcácer-
Quibir é um acontecimento de valor religioso. E aí a morte de D. Sebastião assumirá o sentido da
morte redentora de um deus.

Essa intrínseca identificação do poeta com a nação toma aqui no profetismo a forma do que assume
em si, na sua pessoa, única e mortal, o destino de um ser colectivo, em todo o transcurso da sua
existência.

Dalila L. P. da Costa

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