Você está na página 1de 4

O CANTO ECLESIÁSTICO

A expansão do culto católico a partir do Edito de Milão foi notável, mas esse fato gerou o
problema da proliferação de “liturgias locais” fortemente influenciadas por fatores externos
causando uma fragmentação do culto a ponto deste chegar a beira de uma anarquia.
Em 597, quando o abade Agostinho (mais tarde bispo da Cantuária), chegou às Ilhas Britânicas
para converter os saxões ao cristianismo, defrontou-se com o problema de não saber
exatamente que tipo de música litúrgica apresentar a esse povo, uma vez que na viagem
através da Gália, encontrou em cada lugar, ordens de missas, textos e musicas diferentes dos
que habitualmente eram usados em Roma. Isso evidenciava a situação anárquica da liturgia
na época e a necessidade de uma codificação. Durante muito tempo atribuiu-se a Gregório I
(c.540 – 604), que foi papa de 590 a 604, a codificação do canto litúrgico. Mais recentemente,
porém, muitas dúvidas foram levantadas pelos historiadores quanto à essa atribuição. Sabe-se,
no entanto, que Gregório introduziu profundas reformar na política eclesiástica e isso,
provavelmente teve reflexos na música da igreja. De qualquer forma, convencionou-se chamar
de Canto Gregoriano todo o repertório do canto litúrgico da igreja romana contidos nos dois
principais livros de coros: o Graduale (que compreendia também o Kyriale) e o
Antiphonale.

No Graduale (inicialmente chamado “cantatorium”, depois “antiphonale missarum” e mais


recentemente “liber gradualis”) estão contidos todos os cantos para solo e coros dos Ofícios
Litúrgicos Maiores, divididos em variáveis e invariáveis.

As partes variáveis, cujos textos mudam conforme a época do ano ou as datas de


determinadas festividades e comemorações, são aquelas que se cantam nos ofícios mais
importantes do ano litúrgico chamados de:

Próprios do tempo, que compreende


- o ciclo do Natal;
-“ “ “ Páscoa;
-“ “ “ Pentecostes (50 dias depois da Páscoa, em memória da descida do Espírito
Santo os apóstolos);
- nos domingos desde o primeiro da Encarnação ao último depois do Pentecostes;
- nos dias das Quatro Têmporas da Encarnação e da Quaresma e do período depois
da Páscoa e do Pentecostes;
- nos dias santificados que caem entre 26 de Dezembro e 13 de Janeiro

Próprios dos Santos, que diz respeito aos dias dos santos.

Comum dos Santos, que consta de uma coleção de textos e cânticos pertencentes a várias festas

Missas Comemorativas, para a coroação de um rei, casamentos, inaugurações, etc.

As partes invariáveis (também chamadas ordinarium ), onde a música pode mudar, mas o
texto é sempre o mesmo, são aquelas contidas na seção do Graduale chamada Kyriale e
compreendem:
- Kyrie (canto de súplica)
- Glória (canto de aclamação)
- Credo (canto de afirmação de fé)
- Sanctus (canto triplo de aclamação)
- Agnus Dei (canto de invocação e súplica)
Nas últimas seções do Graduale estão contidos a Missa de Réquiem e letanias recitativas para
as Colectas, Epístolas, Evangelhos, Prefácios, etc.

No Antifonale estão contidos os cânticos do Ofício Divino, também chamado de Ofício


Litúrgico ou ainda Horas Canônicas, que são o conjunto de orações e leituras religiosas
obrigatórias para os clérigos, fora da missa. São elas: matinas, laudas, prima, terça, sexta,
nona, véspera e completas. (ver páginas 51 e 52 do Grout & Palisca. “História da Música
Ocidental)”.

Uma missa pode ser simples (brevis) e conter apenas as orações do ordinarium ou ser
completa (solene) quando incorpora as orações e cantos do proprium.

Estrutura da Missa da Páscoa


O proprium (partes variáveis) = letras minúsculas
O ordinárium ( partes invariáveis) = LETRAS MAIÚSCULAS

Introdução:
Intróito = para a introdução do(s) sacerdote(s). (estilo antifonal,
neumático
KYRIE = oração de súplica (estilo antifonal, melismático)
GLORIA = oração de aclamação (estilo antifonal, neumático)

Liturgia da palavra:
Gradual = canto de louvor (melismático)
Alleluia = canto de louvor (muito melismático)
Seqüência = extensão do texto do alleluia (silábico)
CREDO = oração de afirmação de fé (estilo antifonal, silábico)

Liturgia da eucaristia:
Offertório = oferenda do pão e do vinho (melismático)
SANCTUS = canto de aclamação (estilo antifonal, neumático)
PATER NOSTER = oração do Senhor = estilo salmódico
AGNUS DEI = canto de aclamação (estilo antifonal, neumático)
Communio = comunhão (estilo neumático com melismas no “alleluia”

Conclusão: ite missa est ou Benedicamus Domino = oração de encerramento

Categorias dos cantos


- monologal = cantados pelo oficiante (bispo, sacerdote, diácono, etc.)
- dialogado = cantados entre os celebrantes e os fiéis ou coro
- salmodia responsorial – quando o solista canta os versus do salmo e os fiéis ou o coro
responde com cantos breves em forma de estribilho
- salmodia antifonal ou Canto antifonal = quando o coro se divide em dois grupos e cada
um dos quais canta alternadamente os versículos do salmo ou as frases do texto

Estilos dos cantos


- salmódico = muitas sílabas entoadas sobre uma nota
- silábico = uma nota para cada sílaba
- neumático = uma sílaba para cada neuma ou grupo de notas
- melismático = muitos neumas entoados sobre uma sílaba
Ritmo
O ritmo do canto eclesiástico é livre, fundamentando-se exclusivamente no acento prosódico
do texto latino.
No estilo silábico transparece o aspecto construcional (material) do texto.
No estilo melismático as palavras principais são valorizadas pelo melisma, buscando-se
expressar através da música o espírito do texto e seu significado interior.

Melodia
No canto eclesiástico a melodia se desenvolve predominantemente por graus conjunto,
havendo pouca incidência de saltos, os quais raramente excedem a uma 5ª.
O âmbito da melodia geralmente não ultrapassa a uma 8ª.

Notação
Os neumas são sinais herdados de antigas civilizações orientais cuja função é indicar a curva
da linha melódica através de pequenos segmentos que variam de 1 a 5 sons. É um registro
apenas aproximado da realidade melódica , mas funcional quando aplicado a um aprendizado
paralelo ao próprio elenco de melodias usadas no culto.
Sua interpretação, no entanto, torna-se difícil quando desvinculado de uma prática constante,
gerando assim, com o passar do tempo, dúvidas e controvérsias até mesmo entre os
especialistas. Além disso, as diversas formas caligráficas imprimidas aos neumas,
dependendo da época e do lugar, acentuam ainda mais as dificuldades de interpretação.
Lentamente, contudo, o processo vai se aperfeiçoando adotando-se traços mais definidos e
adicionando-se novos componentes gráficos como as linhas, as claves, os incisos, os
acentos, etc. até se chegar à notação quadrada do final da Idade Média.

Modos
A melodia do canto eclesiástico está baseada em 8 modos divididos em autênticos e
plagais:

1º modo: Protus Authente ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, ré

2º modo: Protus Plagal lá, si, dó, ré, mi, fá, sol, lá, si

3º modo: Deuteros Authente mi, fá, sol, lá, si, dó, ré, mi

4º modo: Deuteros Plagal si, dó, ré, mi, fá, sol, lá, si

5º modo: Tritus Authente fá, sol, lá, si dó, ré, mi fá

6º modo: Tritus Plagal dó, re, mi, fá, sol, lá, si, dó

7º modo: Tetrardus Authente sol, lá, si, do, ré, mi, fá, sol

8º modo: Tetrardus Plagal ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, ré
Os modos autênticos são formados por dois tetracordes ascendentes e disjuntos, sendo que
a primeira nota do tetracorde inicial é chamada de “finalis” (tônica) e a primeira nota do
segundo tetracorde (5ª nota do modo) é chamada de “confinalis” (dominante), exceção
feita ao 3º modo onde a nota “si” é substituída pela nota “dó” para se evitar problemas com
o trítono. Os modos plagais são obtidos pela transposição do primeiro tetracorde acima ou do
segundo tetracorde abaixo do primeiro (como no exemplo acima) e funcionam como
extensão dos autênticos. Por isso a finalis dos modos plagais continuam as mesmas dos
modos autênticos e a confinalis varia entre a 3ª e a 4ª acima da finalis do modo autêntico.
Assim, uma melodia composta sobre um modo plagal terá como nota conclusiva a finalis do
modo autêntico do qual foi derivado. Quanto à confinalis, do modo plagal, pode-se dizer
que o fato de variar de posição e não estar nunca em relação de 5ª com a primeira nota,
impede que o modo se torne independente e perca sua relação com o modo autêntico.
Convém lembrar ainda que a teorização do canto eclesiástico se processou em grande parte
sobre o repertório já existente desde antes da reforma gregoriana e que portanto, nem
sempre as regras acima podem estar presentes.
Finalmente, esses oito modos podem ser considerados predominantes e de maior
importância, mas não são os únicos. Existem outros como o “in directum”, o “tom pascal” e
os “peregrinos” que são usados em ocasiões especiais.

Você também pode gostar