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Rituais e manifestações de culto

João Francisco Marques

PRECEITO DOMINICAL
A SANTIFICAÇÃO DO DOMINGO é u n i i n d i c a t i v o s o c i o l ó g i c o a f e r i d o r da es-
p i r i t u a l i d a d e c o m u n i t á r i a e, p o r isso, a p e d r a - d e - t o q u e visível da vida cristã
da p a r ó q u i a . I n t e r i o r i z a r a o b r i g a ç ã o d e c o n s a g r a r u m dia da s e m a n a a o c u l t o
d i v i n o v e m na s e q u ê n c i a , e m b o r a n ã o e x a c t a m e n t e , da essência d o t e r c e i r o
m a n d a m e n t o d o d e c á l o g o m o i s a i c o q u e p õ e a t ó n i c a n o r e p o u s o (sabat) p a s -
s a n d o pela s u s p e n s ã o d e t o d o o t r a b a l h o servil. N o Catecismo d e D . Frei B a r -
t o l o m e u d o s M á r t i r e s l e m b r a - s e t e r este p r e c e i t o , na Lei N o v a , u m a f o r m u -
lação d i f e r e n t e : « G u a r d a r á s os d o m i n g o s e festas q u e a Santa M a d r e Igreja
m a n d a guardar.» Se d e v e o cristão, a c e n t u a o a r c e b i s p o b r a c a r e n s e , c o n h e c e r
e h o n r a r u m só D e u s , t a m b é m i m p o r t a « t o m a r e apartar a l g u m t e m p o , n o
q u a l d e i x a d o s t o d o s os n e g ó c i o s e o c u p a ç õ e s d o m u n d o e da f a z e n d a , n o s
o c u p e m o s s o m e n t e das cousas d e D e u s » 1 . D i s t i n g u e - s e , pois, este dia d o r e s -
t o da s e m a n a , p o r i n t e i r o c o n s a g r a d a às « o c u p a ç õ e s d o m a n t i m e n t o d o c o r -
po», p o r q u a n t o se t o r n a t a m b é m necessário p r o c u r a r o m a n t i m e n t o da alma,
«o qual é a palavra d e D e u s , a O r a ç ã o , a m e d i t a ç ã o d o s m i s t é r i o s e b e n e f í -
cios a D e u s e n o s s o S e n h o r Jesus Cristo» 2 . C o m p r e e n d e - s e , assim, o r e l e v o e
a ênfase d a d o s p e l o c r i s t i n i a n i s m o , através d o s séculos, ao d o m i n g o , o u seja,
ao Dia do Senhor, c u j o c u l t o é c e n t r a d o na eucaristia, c o m o p r e s e n ç a d e
C r i s t o ressuscitado, através d o m e m o r i a l d e sua m o r t e . As c o n s t i t u i ç õ e s s i n o -
dais e os d o c u m e n t o s pastorais dos p r e l a d o s d e d i c a r a m s e m p r e p a r t i c u l a r
a t e n ç ã o a este p r e c e i t o n o r i g o r e f i d e l i d a d e d o seu c u m p r i m e n t o assente na
assistência d o s fiéis à missa inteira e na a b s t e n ç ã o das obras servis. D a í , o l u g a r
c i m e i r o q u e este d e v e r v e i o a t o m a r na m e n t a l i d a d e e c o n s c i ê n c i a d o c a t ó l i -
c o , c o m o p r i m e i r a o b r i g a ç ã o religiosa, a q u e n ã o p o d e r i a faltar s e m culpa
grave.

O S í n o d o de Braga d e 1477, e m sua c o n s t i t u i ç ã o v , p r e s c r e v e : « P o r q u e os


diias d o s a n c t o d o m i n g o e das festas d e n o s s o S e n h o r J h e s u C h r i s t o c o m suas
oytavas e d e nossa s e n h o r a sancta M a r i a e dos o u t r o s dias q u e a sancta m a d r e
Egreja o r d e n o u e m a n d a g u a r d a r d e t o d o o lavor f o r o m assy instituídos pera
os fiiees christãaos se o c u p a r e m e m visitar as egrejas e o u v i r a missa e a p r e -
g a ç o m e os oficiios d i v i n o s e pera esto d e v e seer b u s c a d o t o d o aazo e d e v e
seer afastada e tirada t o d a a o c a s i o m d e m a a o c u s t u m e p e r q u e os h o m e n s e
m o l h e r e s n o m sejam t o r v a d o s pera c o n p r i r e m as cousas a q u e n o s ditos dias
s o m obligados.» 3 A j u s t i f i c a ç ã o espiritual d o m a n d a m e n t o é n o v a m e n t e v i n -
cada pela assembleia sinodal r e u n i d a p o r D . D i o g o d e Sousa, e m 1505, e m
q u e , r o t u l a n d o - o « c o m o d e d e r e i t o d i v i n o e c a n o n i c o » , se diz «seer c o u s a
j u s t a q u e assi d o t e m p o q u e n o s D e u s dá c o m o das outras cousas lhe o f f e r e -
ç a m o s algüa p a r t e , na qual d e i x a d o s os n e g ó c i o s t e m p o r a e s lhe d e m o s graças
d o q u e delle r e c e b e m o s , e assi t r a g a m o s aa m e m o r i a nossas vidas e obras pera
q u e p o s s a m o s a c r e s c e n t a r algü b e m se e m n ó s o u v e r e o mal afastarmos, p o r -
q u e a h ü a cousa e a o u t r a s o m o s obligados» 4 . C o m o m e s m o e s t a t u t o d o m i -
nical e p o r s e m e l h a n t e m o t i v o se c h a m a v a m festas d e «guarda» q u e se e s t e n -
d i a m a u m n ú m e r o b e m e l e v a d o d e dias, d i s t r i b u í d o s ao l o n g o d o a n o , assim
c o n s i d e r a d o s p o r neles se c e l e b r a r e m mistérios da vida d e C r i s t o e da V i r g e m O Dalmática, século XVII
e c o m e m o r a ç õ e s d e alguns santos d o c a l e n d á r i o litúrgico, a q u e se a c r e s c e n - (Lisboa, Museu Nacional de
t a v a m os p r ó p r i o s das cíioceses e o o r a g o d e cada freguesia 5 . R e c o n h e c e n d o , Arte Antiga).
e m 1500, o b i s p o D . P e d r o V a z G a v i ã o s e r e m j á m u i t o s na d i o c e s e da G u a r d a F O T O : DIVISÃO DE
DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA/
os dias e festas d e p r e c e i t o , q u e i m p l i c a v a m a p r o i b i ç ã o «de t o d a a o b r a servil /INSTITUTO PORTUGUÊS DE
e a u t o judicial» e d e mais labor, r e d u - l o s a: «todolos dias d o s d o m i n g o s , e dia M U S E U S / M A N U E L PALMA.

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O D E U S DE T O D O S o s DIAS

d e N a t a l c o m três dias p r i m e i r o s seguintes, scilicet, dia d e S a n t o E s t e v ã o , dia


d e são J o ã o A p ó s t o l o e Evangelista e dia d o s I n o c e n t e s , e a festa da C i r c u n c i -
são e E p i f a n i a , e a Q u i n t a - f e i r a d e Lava-pés, t a n t o q u e se m e t e r n o s s o S e n h o r
Jesus C r i s t o n o s e p u l c r o até sexta-feira s e g u i n t e q u e se a c a b e o o f i c i o da p a i -
x ã o , e dia d e Páscoa c o m três dias seguintes d e oitavas, e dia da A s c e n s ã o e
P e n t e c o s t e s c o m d o i s dias d e oitavas, e a T r i n d a d e , e q u i n t a - f e i r a q u e se faz
a festa d o C o r p o d e D e u s , e todalas festas d e N o s s a S e n h o r a , e t o d a s as festas
p r i n c i p a i s d o s x n a p ó s t o l o s , e d i z e m o s p r i n c i p a i s p o r t i r a r m o s estas: S a n c t i
I o a n n i s a n t e P o r t a m l a t i n a m , d e c o l l a t i o sancti I o a n n i s , e v i n c u l a sancti P e t r i ,
e c o n v e r s i o sancti P a u l i , p o r q u e p o s t o q u e s e j a m estas festas d o s A p ó s t o l o s
n ã o são p r i n c i p a i s n e m são d e g u a r d a r . I t e m são d e g u a r d a r t a m b é m a festa
d e T o d o l o s Santos, e da C r u z q u e v e m e m M a i o , e festa d e são M i g u e l q u e
v e m e m S e t e m b r o , e a festa da n a s c e n ç a d e são J o ã o Baptista, e dia d e são
L o u r e n ç o e dia d e são M a r t i n h o » 6 . O e l e n c o era m a i s o u m e n o s i d ê n t i c o
nas várias dioceses 7 . N e s t e s dias, a p r i m e i r a o b r i g a ç ã o d o s fiéis é p r e s t a r a
D e u s c u l t o e x t e r i o r q u e c o n s i s t e , c o n f o r m e o Catecismo q u i n h e n t i s t a b a r t o -
l o m e a n o , e m v i r e m à igreja e «estar p r e s e n t e s aos o f í c i o s e l o u v o r e s d i v i n o s
c o m o c o r p o e c o m a alma, e p e r a o u v i r a palavra d e D e u s , e p e r a isto t r a -
z e n d o [...] os filhos, e criados; s o b r e t u d o e s t a n d o p r e s e n t e s c o m t o d a a d e -
v a ç ã o ao altíssimo e d i v i n í s s i m o Sacrifício da Missa». A i n s e p a r a b i l i d a d e d e s -
te d o dia d e d o m i n g o i n s c r e v e - s e na p r ó p r i a e x p r e s s ã o dies dominica d e q u e ,
c o n t r a í d a , r e s u l t o u o t e r m o diaminica, t o r n a n d o - s e , d e s d e o s é c u l o x v i , v u l -
gar a palavra domingo, s a b i d o q u e dominicum era u m d o s n o m e s d a d o s à m i s -
sa 8 . O C o n c í l i o d e T r e n t o (sessão x x i , c. i) l e m b r a q u e o S a l v a d o r quis q u e
o seu sacrifício c r u e n t o se p e r p e t u a s s e v i s i v e l m e n t e «até à c o n s u m a ç ã o d o s
séculos e a sua salutar v i r t u d e fosse aplicada para r e m i s s ã o d o s n o s s o s p e c a -
d o s q u o t i d i a n o s » , a c e n t u a n d o (sessão x i i i , c. 2) q u e a missa era «o s í m b o l o
d e u n i d a d e d o C o r p o , d o q u a l E l e p r ó p r i o é a cabeça». D a í a o b r i g a ç ã o da
c o m u n i d a d e cristã se r e u n i r p a r a a missa d e d o m i n g o q u e o p á r o c o d e v e c e -
l e b r a r na sua igreja, a p l i c a n d o - a p o r t o d o s , nas q u a t r o festas m a i o r e s d o a n o
e n o dia d o o r a g o , salvo c o s t u m e local c o n t r á r i o , l e g i t i m a m e n t e i n t r o d u z i d o
e p r e s c r i t o . A missa pro populo o u missa paroquial, nas c o n s t i t u i ç õ e s d o s b i s -
p a d o s , t e m c o m o s i n ó n i m o s a d e s i g n a ç ã o d e missa c o n v e n t u a l , missa d e t e r -
ça o u missa d o dia, e m b o r a h a j a q u e m as distinga, c a b e n d o a p r i m e i r a às
igrejas catedrais e às colegiadas, q u a n d o lhes está c o n f i a d o o s e r v i ç o pastoral
da c u r a d e almas, e a s e g u n d a p o r ligada à h o r a d e tercia d o o f í c i o d i v i n o , a
q u e se s e g u e 9 .

C o m o n e m t o d a s as f r e g u e s i a s t i n h a m , ao m e n o s n o s i n í c i o s d o s é c u -
lo x v i , p á r o c o r e s i d e n t e , a t e n d i a m os p r e l a d o s aos seus níveis d e m o g r á f i c o s
e m «casais» para r e g u l a r e m a o b r i g a t o r i e d a d e da c e l e b r a ç ã o da missa n o s dias
d e p r e c e i t o . F a z i a m - n o , p o r vezes, para p o r e m t e r m o a «grandes d e m a n d a s »
e a fim d e p r o v e r e m «a n e c e s s i d a d e da c u r a das almas d o s f r e i g u e s e s das d i e -
tas igrejas». N a d i o c e s e d e B r a g a , o s í n o d o d e D . D i o g o d e S o u s a d e 1505
estabelecia: na p a r ó q u i a « e m q u e o u v e r v i n t e f r e i g u e s e s l a v r a d o r e s casados se
diga e m cada d o m i n g o missa e e m todalas festas p r i n c i p a a e s e e m dia d e
o r a g o d e tal igreja»; « o n d e o u v e r d e q u i n z e f r e i g u e s e s a t e e v i n t e e x c l u s i v e ,
se d i g a m missas d e q u i n z e e m q u i n z e dias e e m d u a s festas p r i n c i p a a e s d o
a n n o e e m o dia d o orago»; « o n d e o u v e r d e o i t o a t e e q u i n z e e x c l u s i v e , se
d i g a m d e tres e m tres s o m a n a s , e d e hi para b a i x o d e m e s e m m e s e e m h ü a
das festas p r i n c i p a a e s d o a n n o e e m dia d o orago». N ã o se d e v i a m c o n t a r ,
p o r é m , n e s t e n ú m e r o «offiaaes m a c h a n i c o s n e m viuvas, n e m h o m ê e s o u t r o s
q u e n o m t e n h a m o f f i c i o d e lavrar, salvo se f o r e m taaes q u e p e r si o u p e r
o u t r e m l a v r e m p a m o u v i n h o d e n t r o na f r e i g u e s i a o n d e v i v e m » 1 0 . P r e s t a v a -
- s e p a r t i c u l a r c u i d a d o p o r o c a s i ã o das visitações e m v e r i f i c a r se os p á r o c o s
e r a m fiéis a tal o b r i g a ç ã o , s a n c i o n a n d o os n ã o c u m p r i d o r e s c o m m u l t a s p e -
cuniárias. V á r i o s f o r a m , p o r e x e m p l o , os casos r e g i s t a d o s e m q u a s e u m s é -
c u l o (1434-1523) na d i o c e s e d e L i s b o a , nas f r e g u e s i a s d e S a n t i a g o d e Ó b i d o s ,
São M i g u e l d e Sintra e S a n t o A n d r é d e M a f r a . E m 1454, o v i s i t a d o r da p r i -
m e i r a exara na acta h a v e r c o n s t a d o «que e m o d i c t o a r c e b i s p a d o avia algúas
egrejas e m q u e sse n o m d i z i a m missas aos d o m i n g o s e dias da s o m a n a s e -

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R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

g u n d o o c o s t u m e e se a v i a m d e d i z e r [ao m e n o s a rezada c o m u m a c ó l i t o a Ara da abadessa do Lorvão


a c o m p a n h a r o c e l e b r a n t e ] e c a n t a r » " . E m o u t r a e f e c t u a d a a Sintra e m 1494, (altar portátil), 1514 (Coimbra,
Museu Nacional Machado de
o v i s i t a d o r d e t e c t a e a c h a « m u i m a l fecto» q u e os b e n e f i c i a d o s e e c ó n o m o s Castro).
v ã o «algüas v e z e s e m os dias das festas e os p r i m e i r o s dias das oitavas d e z e r
F O T O : DIVISÃO DE
missas a capelas d e f o r a e o n d e lhes aprazia e d e i x a v a m a igreja s e m missa DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA/
c a n t a d a e às v e z e s s e m se d i z e r n e n h ü a » 1 2 . O m e s m o se passava e m M a f r a , /INSTITUTO PORTUGUÊS DE
e m 1506, o n d e v e r i f i c o u q u e a q u e l e s « a c e i t a v a m capellas d e f o r a o n d e h i a m M U S E U S / J O S É PESSOA.

aos d o m i n g o s e festas d i z e r missa», o q u e l h e p a r e c i a «ser p o u c o s e r v i ç o d e


D e o s leixar a c a b e ç a p o r h i r aos m e m b r o s alheos», p u n i n d o - o s c o m a p e r d a
d o « q u e asi r e c e b e r e m d e p r e m i o nas dietas irmidas» 1 3 . N ã o passou t a m b é m
s e m r e p a r o , n e m a m e a ç a d e m u l t a , n o s í n o d o b r a c a r e n s e d e 1500, o f a c t o d e
«muitas v e z e s os b e n e f i c i a d o s e e c ó n o m o s das igrejas p a r o q u i a i s e assim, o
q u e mais s e m r a z ã o é, as d i g n i d a d e s e c ó n e g o s [... d a | sé t o m a m o u s e r v e m
capelas d e f o r a , assim suas c o m o alheias, e se v ã o a elas aos d o m i n g o s e f e s -
tas p r i n c i p a i s d e J e s u s C r i s t o e sua m a d r e , d e i x a n d o n o s d i t o s dias a dita sé e
igrejas, p a d e c e n d o elas p o r e s t o d e t r i m e n t o n o s o f í c i o s divinos» 1 4 . O s l e g a -
d o s para missas d e s u f r á g i o , q u o t i d i a n a s , m e n s a i s e anuais, adstritas a altares
e m capelas d e q u e e r a m os f a l e c i d o s d e v o t o s o u o n d e se e n c o n t r a v a m t u -
m u l a d o s , l e v a v a m estes eclesiásticos, c o m o b r i g a ç õ e s p a r o q u i a i s , a f a z e r e m -
- s e , desta f o r m a , à e s m o l a m a i s c o m p e n s a d o r a aí o f e r e c i d a . P o r i d ê n t i c o
m o t i v o , d e i x a v a m d e c u m p r i r o m e s m o g r a v e d e v e r , t r o c a n d o - o p o r missas
de funerais e ofícios de d e f u n t o s , o n d e t i n h a m lugar, q u a n d o , e m d o m i n g o s
e dias d e p r e c e i t o , havia l i c e n ç a para se f a z e r e m , o u p o r c e l e b r a r o u t r a s e m
e r m i d a s d e r o m a r i a s a i m a g e n s milagrosas e e m s a n t u á r i o s d e p e r e g r i n a ç ã o .
O c é l e b r e egresso d o m i n i c a n o F e r n ã o d e O l i v e i r a , c u j o e s p í r i t o erasmista
e x p r e s s o e m palavras e o b r a s o l e v o u e m 1547 à I n q u i s i ç ã o , l a m e n t a v a , na
altura, « h a v e r t a n t o s clérigos c o m o h á , q u e n ã o d i z e m missa [senão] p o r d i -
n h e i r o , e t ê - l o | o s a c e r d ó c i o ] p o r vida; e q u e seria mais d e s e r v i ç o d e D e u s
c a v a r e m e l a v r a r e m q u e n ã o d i z e r missa p o r d i n h e i r o » 1 5 . Pela p e r t u r b a ç ã o
causada na c o m u n i d a d e p a r o q u i a l , t e n h a - s e p r e s e n t e o a l c a n c e pastoral da
c o n s t i t u i ç ã o x x v m d o S í n o d o d e B r a g a d e 1477 q u e reza assim: « p o r q u e p e r
m u i t a s v e z e s nossos o l h o s v i m o s q u e m u i t a s perssoas f a z e n s a i m e n t o s e e x e -
q u e a s p o r seus f i n a d o s n o dia d o d o m i n g o e festas d e n o s s o S e n h o r J h e s u
C h r i s t o e d e nossa s e n h o r a a V i r g e n M a r i a e d e san J o h a n Baptista e d e

55I
O D E U S DE TODOS OS DIAS

O m n i u m S a n c t o r u m e esto fazen p o r sua p o n p a e p o r c o n v o c a r e n e a j u n t a -


ren p o v o o , o quall nos dictos dias e festas h é t h e u d o e o b r i g a d o de h i r e n
cada h u u n a sua egreja de q u e son freigeses pera a c o n p a n h a r e n , h o n r r a r e n e
soplepnizaren os sobredictos dias. | E p o r causa dos dictos saimentos e e x e -
quias s o m dello t o r v a d o s e desviados e a cleriziia h é mais o c u p a d a e n t o n c e s
e m ofícios de p l a n t o e c h o r o q u e de prazer e alegriia, q u e p e r t e c e m s e e r e m
fectas n o s dictos dias e festas, e m tal guisa q u e os n o m e s daquelles dias e fes-
tas e m q u e se taaes s a y m e n t o s e exequias fazem quasi de t o d o m o r r e m e
n o m ha hy m e m o r i a delles. P o r é m m a n d a m o s e d e f e n d e m o s a todollos b e -
neficiados e n o m beneficiados, clérigos e religiosos e a todallas perssoas lei-
gas, e m v i r t u d e de o b e d i e n c i a e sub p e n n a d ' e x c u m i n h o m , q u e d a q u i a v a n -
te n o m c e l e b r e m n e m façam n e m m a n d e m fazer n e m c o n s s i n t a m fazer
s a i m e n t o s n e m exequias nas egrejas e m o e s t e i r o s nos sobredictos dias e festas
n e m cada h u u m delles, salvo se f o r c o r p o presente q u e aynda n o m seja s o -
terrado, ao qual n o m t o l h e m o s ser fecto e n t e r r a m e n t o e eclesiástica s e p u l t u -
ra, t i r a n d o aquelles dias da m o r t e e p a i x o m e sepultura de nosso S e n h o r
Jhesu C h r i s t o , e m q u e a sancta m a d r e Egreja n o m conssente tal oficio seer
fecto» 1 6 .

Importância c gravidade A PRIMEIRA EXORTAÇÃO PASTORAL acerca da assistência à missa d o m i n i c a l


r e m o n t a ao C o n c í l i o de Elvira (305) q u e sanciona c o m e x c o m u n h ã o t e m p o -
do preceito rária os q u e e m três d o m i n g o s consecutivos a ela faltem. A satisfação deste
preceito, considerado pelos canonistas talvez de direito divino positivo, i m -
plicava, s e g u n d o a constituição x i x d o S í n o d o da G u a r d a de 1500 e o Catecis-
mo de D . Frei B a r t o l o m e u dos Mártires, o e m p e n h a m e n t o dos pais e m levar
consigo o u m a n d a r os «seus filhos e filhas d e ao m e n o s de dez anos para c i -
ma», a «ouvir missa nas igrejas d o n d e são fregueses e n ã o e m outras algumas,
n e m e m moesteiros, n e m e m ermidas ou oratórios» 1 7 . Q u e c o n t i n u a v a a s e n -
tir-se a necessidade d e insistir neste ú l t i m o p o n t o era facto n o t ó r i o , pois já na
visita a Santiago de Ó b i d o s e m 1473 m e r e c e r a a seguinte o r d e m , a reflectir o
rigor de u m a disciplina corrente: « m a n d a m o s aos priores e vigairos q u e
a m o e s t e m todollos freegueses q u e v e n h a m aas festas de Jhesu Christo, de
Santa Maria, dos Apostollos e oragoos da igreja q u a n d o f o r e m dias de guardar
e a todollos d o m i n g o s ouvir missa da terça a suas igrejas e contra aquelles q u e
o fazer n o m q u i s e r e m proçeda p e r sentença d e x c o m u n h a m , e p r i m e i r o q u e a
missa c o m e ç e o p r i o r ou aquelle q u e diser a missa diga q u e sse hi está algü
fregues d o u t r a freeguisia e igreja q u e lá vaa o u v i r missa sob pena d e x c o m u -
n h a m e n o m estê hi aaquella missa, e despois q u e os ditos freegueses o u v i r e m
a dieta e n t a m vãao o u v i r outras missas e pregaçam o n d e quiserem, e m a n d a -
m o s aos dictos freegueses q u e e m q u a n t o lhe diserem a dieta missa n o m
sayam fora da dieta igreja» 18 . N o t e - s e q u e na visita a Enxara d o Bispo, d o
c o n c e l h o de Mafra e arcebispado de Lisboa, e m 1597, f o r a m admoestados e
p u n i d o s p o r desobedientes, c o m o p a g a m e n t o de q u a t r o arráteis de cera
e ameaça de e x c o m u n h ã o se n ã o houvesse e m e n d a , dois paroquianos q u e
não v i n h a m «a esta igreja sua freguesia nos d o m i n g o s e dias santos o u v i r missa
c o m o são obriguados e a o u v e m todos os mais fregueses, p o r se achar q u e a
n ã o o u v i ã o nella n e m e m outra» 1 9 . Em M u r ç a , da diocese de Braga, o reitor,
p o r si e p o r terceira pessoa, foi i n t i m a d o pelo visitador e m 1627 a saber os
q u e não c u m p r i a m tão grave p r e c e i t o e, c o m escândalo, faltavam à missa e
trabalhavam 2 0 . Esta obrigatoriedade de se o u v i r missa na igreja paroquial, não
era, p o r é m , c o n d i ç ã o sinc qua 11011 para se satisfazer o preceito. N a verdade, a
Sagrada C o n g r e g a ç ã o dos R i t o s tornara explícito, desde 1629, q u e n ã o se p o -
dia proibir a celebração da missa e m capela e oratório, situados d e n t r o dos li-
mites da freguesia, antes de ser dita a paroquial ou d o dia. R e z a v a m as Cons-
tituições do bispado do Porto, na edição de 1735, que, caso haja n u m a freguesia
rural ermidas o n d e , c o m aprovação dos prelados, se diz a missa m u i t o c e d o
para p o d e r e m ouvi-la os pastores e outras pessoas impedidas de o fazer se n ã o
fosse rezada àquela hora, se permita, e m razão desse c o s t u m e , u m a missa pela
manhã," ao nascer d o Sol, para os ditos t e r e m ocasião de n ã o c o m e t e r e m p e -
cado, sendo, n o e n t a n t o , proibidas outras mais antes d e c o m e ç a d a a «Missa

520
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

d o dia» 21 . N e m todos, p o r certo, se s u b m e t i a m , c o n f o r m e estava legislado sob


multa pecuniária, a irem às igrejas de q u e eram fregueses o u v i r «a missa de
T e r ç a c o m b o a devaçom». A o insistir na prática desse dever, refere o S í n o d o
de Braga de 1477 q u e era n o t ó r i o p o r i n f o r m a ç ã o certa e experiência directa
haver «muitos h o m e n s e molheres deste arcebispado, h u u n s p o r p o n p a de
m a n t e e r stado, outros p o r p o u c a d e v a ç o m q u e t e e m e m seus coraçõoes a D e u s
e aas cousas sanctas e o u t r o s polia desobediencia q u e t e e m contra a sancta
Egreja e pessoas delia e assy p e r desvairadas maneiras e t e n ç õ o e s q u e cada
h u u m q u e r siguir, n o m q u e r e m hir aas egrejas de q u e s o m freigueses pera v e -
r e m e a d o r a r e m o seu D e u s q u e os criou, e m c u j o p o d e r s o m e ante cuja fa-
ce d e v e m aparecer pera lhe d a r e m graças e lhe p e d i r e m misericórdia e p e r -
d o m de seus pecados e saúde pera sy e suas almas» 22 . Será entendível esta
exigência hierárquica se se tiver e m conta, pela leitura das constituições sino-
dais dos séculos xvi a x v i n e início de xix, o c o n t r o l o da vida religiosa e so-
cial da paróquia feito e m cada d o m i n g o p o r ocasião da missa d o dia o n d e se
descortinam sem esforço m o t i v a ç õ e s várias para o r e f o r ç o d o espírito c o m u -
nitário e prática da caridade. C o m efeito, n o m o m e n t o da estação da missa,
e m q u e a homilia t e m lugar, recaía sobre os curas de almas u m assaz dilatado
n ú m e r o de obrigações, c o m o : ensinar fórmulas de d o u t r i n a e oração, o m o d o
de o u v i r a missa, o t e m p o e m q u e nela se deve rezar, estar e m pé o u de j o e -
lhos, escutar e m silêncio; a n u n c i a r as festas de guarda e dias de j e j u m na se-
m a n a , p e n i t e n c i a n d o os fiéis desobedientes, b e m c o m o os ofícios de d e f u n -
tos, missas, trintários e aniversários de obrigação c o m m e n ç ã o d o dia, n o m e
d o d e f u n t o e o q u e d e i x o u (tal casa, vinha ou herdade) à Igreja, e ainda os
sermões, festividades e procissões; ler os proclamas de n u b e n t e s , esclarecendo
o p o v o sobre os i m p e d i m e n t o s matrimoniais a d e n u n c i a r sob grave p e c a d o ;
publicar as cartas, m a n d a d o s e provisões d o bispo d i o c e s a n o o u q u a i s q u e r
o u t r o s superiores eclesiásticos, e as indulgências e j u b i l e u s q u e naquela se-
m a n a e dias dela se h o u v e r e m de ganhar; declarar as coisas furtadas e p e r d i -
das, d e n u n c i a n d o a m á consciência dos autores e e n c o b r i d o r e s destes delitos
q u e , se e m matéria grave, c o r r i a m o risco de se lhes tirar carta de e x c o m u -
n h ã o ; p e r g u n t a r se havia e n f e r m o s na freguesia para q u e o p á r o c o os vá visi-
tar e administrar os sacramentos, se s o c o r r a m q u a n d o necessitados e façam
t e s t a m e n t o , a f i m de descarregarem suas almas, a d m o e s t a n d o os presentes a
q u e se n ã o d e s c u i d e m a passar-lhes o recado; r e c o m e n d a r os p o b r e s da p a r ó -
quia para q u e lhes f a ç a m esmolas; a d m o e s t a r os fregueses a q u e c u m p r a m o
p r e c e i t o de o u v i r missa inteira e m os d o m i n g o s e dias santos de guarda, c o m
o e x t e r i o r d o c o r p o c o m p o s t o n o trajo (o «fato de ver a Deus») e o r n a t o d e -
centes e m o d e s t o s , i n d a g a n d o p o r vezes, se faltarem m u i t o s o u h a b i t u a l m e n -
te alguns, pelas pessoas de cada casa g u i a d o pelo rol da desobriga, c o m o
t a m b é m p o r t o d o s os q u e achar faltarem na igreja; advertir os q u e n ã o se
confessarem n e m c o m u n g a r e m o u p r a t i c a r e m actos n o t o r i a m e n t e cristãos e
os q u e , estando d o e n t e s , ao m e n o s de e n f e r m i d a d e grave, o u t i v e r e m de fa-
zer navegações perigosas, entrar e m batalha e as m u l h e r e s na i m i n ê n c i a d e
parto, a q u e se p r e p a r e m c o n v e n i e n t e m e n t e para r e c e b e r os sacramentos da
p e n i t ê n c i a e da eucaristia; aconselhar os p a r o q u i a n o s a q u e , e m seus testa-
m e n t o s , m a n d e m gastar p o r suas almas o q u e favorecesse as obras pias, e v i -
t a n d o q u e revertesse e m c o m e r ; e n c o m e n d a r aos fregueses q u e r o g u e m p e l o
estado da Igreja e d o r e i n o , pelos pecadores, pelos q u e estão e m c o n t í n u a
guerra c o n t r a os infiéis, pelas almas d o P u r g a t ó r i o , pelos q u e se e n c o n t r e m
e m agonia, pelos aflitos, atribulados e navegantes, e pelos f r u t o s da terra e
d o m a r , b e m c o m o l e m b r a r - l h e s q u e e n s i n e m a d o u t r i n a cristã a seus filhos
e familiares, s e m deixar de m a n d á - l o s à catequese ministrada na Igreja, i n -
clusive as pessoas grandes e os escravos 2 3 . Seguia-se a h o m i l i a p r o f e r i d a d o
altar o u d o p ú l p i t o , q u a n d o n ã o era substituída pela leitura de u m capítulo
das constituições d o bispado, d o Catecismo de D . Frei B a r t o l o m e u dos M á r -
tires o u d o d e M o n t p e l l i e r , d o Socorro evangelico aos parochos e pais de famílias
o u de o u t r a obra c o n g é n e r e r e c o m e n d a d a . P o d i a ser a m e s m a de e s c o p o
d o u t r i n á r i o , raro sem dúvida, moralista ou de c o m e n t á r i o aos textos da li-
turgia d o dia.

521
O D E U S D E T O D O S OS DIAS

A CELEBKAÇAO DO SACRIFÍCIO DA MISSA


A N T E S DE P R I N C I P I A R A MISSA P A R O Q U I A L , O c e l e b r a n t e revestido com ca-
pa pluvial da cor própria d o oficio ou, se n ã o a houvesse p o r ser p o b r e a
igreja, ao m e n o s c o m amito, alva e estola, d e j o e l h o s n o ú l t i m o degrau d o al-
tar c o m e ç a a antífona Asperges me lançando a água benta. D e seguida, levanta-
do, diz o salmo Miserere mei Deus e m v o z baixa, e c o m gravidade c a m i n h a
e m direcção ao arco cruzeiro lançando água ao p o v o , ao l o n g o da igreja para
u m lado e para o o u t r o , mas sem se i n t r o m e t e r entre h o m e n s e mulheres, até
ã pia baptismal, e volta ao p o n t o de partida para aí t e r m i n a r c o m a oração fi-
nal. T i n h a t a m b é m lugar, na igreja ou adro antes da missa do dia e t e r m i n a d o
o Asperges, a procissão dos d e f u n t o s , c o m responsos e orações próprias sobre
os finados aí sepultos. O p á r o c o , a partir das oito o u n o v e da m a n h ã , da Pás-
coa ao fim de O u t u b r o , e das n o v e ou dez, desde u m de N o v e m b r o à Páscoa,
sem n u n c a , p o r é m , e x c e d e r as o n z e horas, devia c o m e ç a r a missa d o dia c o m
a d u r a ç ã o m á x i m a d e u m a hora. C o n f o r m e as Constituições d o arcebispado d e
Braga, na edição de 1697, o r d e n a v a m (c. 5, t. 18), rezá-la-ia e m v o z u m p o u -
co mais alta d o q u e de ordinário, para q u e se ouvisse b e m em toda a igreja,
p o r m a i o r q u e fosse, p r o n u n c i a n d o , r e c o m e n d a v a o S í n o d o d o P o r t o de
1496, «mansso e a p o n t a d a m e n t e , especialmente as palavras da sacra [cânone],
as quaaes |os sacerdotes] d e v e m saber de c o o r e dizer per o livro c o m m u i t a
devaçam e c o n t r i ç a m de seus erros» 24 .
Pensava D . Frei B a r t o l o m e u dos Mártires na «insofrível d e s o r d e m e frieza
Crucifixo, cristal de rocha e
dos cristãos» d o seu t e m p o ao c o m p o r o q u e escreveu n o Catecismo (c. vi) p a -
prata dourada (2.a metade do
século xvi). Lisboa, Palácio ra «ensinar e avisar c o m o se h á - d e o u v i r a missa», a q u e se vieram j u n t a r , nos
Nacional da Ajuda. séculos xvii e x v i n , impressos vários c o m semelhante i n t u i t o pastoral. A o sa-
FOTO: JOSÉ M A N U E L
cerdote exigia-se q u e fosse a t e n t o e d e v o t o , a celebrar, e aos fiéis q u e o
OLIVEIRA/ARQUIVO C Í R C U L O acompanhassem, pois unidos ofereciam o sacrifício de Cristo e m sua sacratís-
DE LEITORES. sima Paixão «que ali se representa». R e c o m e n d a v a - s e , p o r isso, q u e estives-
sem recolhidos c o m o espírito p o s t o n o q u e o sacerdote oferece, suplica e r e -
za; e, c o m o se dizia n o cerimonial da missa q u e D . M a n u e l d e N o r o n h a
m a n d o u colocar n o fim das Constituições do Bispado de Lamego de 1563, assim es-
tivessem m e s m o q u e não entendessem o latim d o celebrante 2 5 . Parecia, p o r é m ,
ao zeloso arcebispo de Braga q u e as fórmulas breves, c o m o : Amen, Deo gradas,
Dominus vobiscum, Habemus ad Dominum, Gradas agamus domino Deo nostro,
Agnus Dei qui tolis peccata mundi miserere nobis, p o d i a m ser decoradas e ditas
pela assembleia. N o resto, desde a confissão ao final, m a n t e r i a m silêncio res-
peitoso, associando-se os assistentes, n o seu interior, c o m orações e pensa-
m e n t o s ao q u e o sacerdote fazia ou recitava n o altar, cientes de q u e a hora da
missa constituía o Sábado espiritual a exercitar, isto é, «desocupando o coração
pera D e u s , estando c o r d i a l m e n t e t r e m e n d o , c u i d a n d o c o m toda a reverência
e acatamento», para q u e o sacrifício da missa e m cada u m frutificasse. A o e n -
c o n t r o desta p r e o c u p a ç ã o pastoral ia o Ceremonial e ordinário da missa, publica-
do e m 1568, d o padre A n t ó n i o N a b o , capelão d o cardeal D . H e n r i q u e , q u e
c o n t i n h a u m m o d o « c o m o os fiéis a d e u e m ouvir» 2 '', p r o p o r c i o n a n d o , assim,
u m auxílio aos curas de almas n o sentido de instruir os fregueses.
C u i d a d o particular importaria haver, r e c o m e n d a v a a legislação eclesiásti-
ca, na vigilância ao q u e se podia passar nos adros e nos templos e n q u a n t o a
acção litúrgica decorria. O S í n o d o de Braga e f e c t u a d o e m 1477 reprova os
q u e vão à missa nos d o m i n g o s e dias santificados e « n o m q u e r e m emtrar na
egreja, mas asentam-sse de fora e, e m q u a n t o dizem a missa, d e s p e n d e m seu
t e m p o e m vaidades e m tal guisa q u e de v e n t u r a q u e r e m e m t r a r na egreja
q u a n d o levantam o C o r p o de nosso Senhor»; pelo q u e se ordenava aos fiéis
d o arcebispado, «assy h o m e n s c o m o molheres, q u e daqui avante vãao a suas
egrejas de q u e s o m freigueses e o u ç a m a missa da T e r ç a c o m b o o a d e v a ç o m ,
n o m f a z e n d o algüa t o r v a ç o m e s e e m d e n t r o ataa q u e seja acabada e q u e r e c e -
b a m a b e n ç o m d o sacerdote» 2 7 . N ã o d e i x o u t a m b é m de notar o visitador
diocesano, e m 1494, idêntico p r o c e d i m e n t o na paróquia d e Santo A n d r é de
Mafra, o n d e «os fregueses da dieta egreja estavom fora delia n o [adro] e m -
q u a n t o deziam a missa o q u e h é m u i mal fecto e p o u c o serviço de [Deus]

522
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

desi m a a o e n x e m p l o » , p e l o q u e m a n d a «ao vigário q u e n o m c o n s e n t a tal [...] Galhetas com lavanda e


e os c o n s t r a n g a sub p e n a d e e x c o m u n h a m q u e e s t ê m d e n t r o na egreja e se purificador (i.° quartel do
e n c o m e n d e m [... e o l o u v e m ] s a g u n d o d e v e m fazer b o o n s christãaos» 2 8 . século xvni). Lisboa, Museu
Nacional de Arte Antiga.
A c o n t e c i a , e m v i r t u d e d e nesta altura afluir à igreja o p o v o da freguesia, ser o
a d r o u m r e c i n t o d e v e n d i l h õ e s . N a visitação da m e s m a terra, o c o r r i d a e m F O T O : D I V I S Ã O DE
D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
1492, e x a r o u - s e na acta q u e «ao d o m i n g o e dias santos às missas alguns j u d e u s / I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
v i n h a m [vem] d e r algüas coussas e o u t r o s d e m a n d a r sissas d e n t r o n o a d r o e à M U S E U S / J O S É PESSOA.
p o r t a [da] igreja, o qual h é g r a n d e escandalo e p o u q u o serviço d e Deos», t e n -
d o o visitador o r d e n a d o «ao vigairo da dieta igreja e clérigos delia e aos leigos
e a t o d o s [os] christãos q u e lhes n ã o f a l e m n e m c o m p r e m n e m v e n d a m , a n t e
os lance d e si da par da dieta igreja, o q u e assi c o m p r a m sô p e n a d e s c u m u -
n h a m » 2 9 . Será d e a t e n d e r , p o r isso, l e m b r a r e m as Constituições do Algarve30, d e
1674, q u e n ã o se p o d i a o u v i r missa d e fora da igreja e n o s adros, e x c e p t o se a
g e n t e fosse tanta q u e n ã o c o u b e s s e lá d e n t r o . Para a l é m de q u e , c o m o a d v e r -
tia o Catecismo d e D . Frei B a r t o l o m e u , a o b r i g a ç ã o d e o u v i - l a só se c u m p r i a
se inteira, pois p e c a v a - s e m o r t a l m e n t e se u m j u s t o i m p e d i m e n t o n ã o d i s p e n -
sasse d o p r e c e i t o 3 1 . H a v i a freguesias, c o m o M e a d e l a e Lanheses d o c o n c e l h o
d e V i a n a d o C a s t e l o , e m q u e foi m a n d a d o c o l o c a r u m o l h e i r o , r e s p e c t i v a -
m e n t e e m 1610 e 1613, para vigiar os q u e c h e g a v a m atrasados 3 2 .
G r a v e e t a m b é m f r e q u e n t e , n o q u e v i n h a s e n d o h á b i t o , era o silêncio e
falta d e c o m p o s t u r a d e clérigos e fiéis d e n t r o d o s t e m p l o s , e n q u a n t o d e c o r -
riam os serviços litúrgicos. T e s t e m u n h o s vários se p o d e m r e c o l h e r a t e s t e m u -
n h á - l o . E m 1455, s e g u n d o consta d o r e s p e c t i v o livro d e actas, o visitador d e
Santiago d e Ó b i d o s achara «que e m al avia algüs b e n e f f i a d o s q u e e m c h o r o e
fora e m alguns s a y m e n t o s [funerais] e s t o r v a v a m o officio d i v i n o f a z e n d o es-
gares e rregalos e o u t r o s j e i t o s d e s h o n e s t o s d e q u e aos o u t r o s b e n e f H ç i a d o s e
aos f r e e g u e s e s das dietas egrejas se s e g u e m g r a n d e s escamdallos», a p o n t o d e
o r d e n a r , p r o v a d o s os actos, se m a n d a s s e m para o «aljuba ataa a v e r c o m elles
piedade» 3 3 . Este a b u s i v o c o s t u m e era, de resto, b e m mais a n t i g o , pois se ras-
treia u m s é c u l o antes, e m 1364, na visitação da Igreja d e Santa M a r i a d o C a s -
telo d e T o r r e s Vedras, e m q u e se p r o i b e sob p e n a d e e x c o m u n h ã o q u e os
clérigos «raçoeyros [...] n ã o p a r t a m d i n h e i r o s n e m obradas n e m a l m o e d e m
e n q u a n t o e s t e v e r e m aas O r a s e missas na E g r e j a , mais [...] q u e as p a r t a m d e -
p o y s q u e s a y r e m das O r a s e missas» 34 . R e c o m e n d a v a a c o n s t i t u i ç ã o v d o Sí-
n o d o d e Braga de 1477: « p o r q u e a n t r e t o d o l l o s ofícios d i v i n o s a missa t e m
maior excelencia, a sanctidade e perrogativa p o r honrra e reverença do sanc-

52-3
O D E U S DE TODOS OS DIAS

tissinio e preciosíssimo C o r p o e S a n g u e d e nosso S e n h o r J h e s u C h r i s t o q u e


e m ella h é c o n s a g r a d o e a d o r a d o , m a n d a m o s q u e t o d o l l o s clérigos e r e l i g i o -
sos q u e a ela p r e s e n t e s s t e v e r e m assy os d o altar c o m o os d o c o r o t o d o s e c a -
da h u u m delles s t e m e m tanta h o n e s t i d a d e , silencio, d e v a ç o m e g r a v i d a d e
q u e n e m d e b o c a n e m d e m â a o s e pees n e m p e r o u t r o a c e n o , signal o u g e i t o
pareça n e m seje o u v i d a o u t r a cousa s e n o m l o u v o r de D e u s e h o n r r a da E g r e -
j a e b o o e x e n p l o d o p o b o o . E ao q u e d i z e m o s d o c e l e b r a r da missa m a n d a -
m o s q u e t a m b é m se e n t e n d a e m todallas outras O r a s e ofícios divinos, s u b
p e n n a u t supra na p r e c e d e n t e c o n s t i t u i ç o m » 3 5 . P o r sua vez, e m 1504, o visita-
d o r de S a n t o A n d r é d e M a f r a era i n f o r m a d o p e l o vigário e alguns fregueses
q u e m u i t o s deles «palrravam aos d o m i n g o s e festaas à missa e faziam t o r v a ç a m
a h o f i c i o d e v i n o e q u e n ã o d a v a m pella r e p r e n s a m q u e lhe o d i t o cura p o r
ello fazia» 36 . E n o f i n d a r d o século, na visita à p a r ó q u i a d e E n x a r a d o Bispo,
d o aro d e M a f r a , o r d e n a v a - s e ainda ao vigário r e p e t i d a m e n t e , e m 1594 e
1601, o grave d e v e r d e atalhar, se necessário c o m a aplicação d e penas, o
«abuso» e n r a i z a d o , d e «aver nesta igreja n o s d o m i n g u o s e dias santos m u i t o
g r a n d e p a l r a t o r i o 110 t e m p o q u e nella se scelebrão os officios d i v i n o s a q u e
c o n v é m estar c o m a t e n ç ã o e d e v a ç ã o e n ã o f a z e n d o - s e tanta t o r v a ç ã o c o m o
se c o s t u m a fazer [... e], q u e e m s e g r e d o elleja h u m o u d o u s fregueses dos
mais c o n t í n u o s e d e c o n f i a n ç a q u e c o m o m e s m o s e g r e d o lhe d e m e m rol o u
d e s c u b r ã o os q u e n o d i t o t e m p o fallão o u p e r o u t r a via estão inquietos» 3 7 .
Advertia o Catecismo de D . Frei B a r t o l o m e u dos Mártires, e os curas d e v i a m
r e p e t i - l o a o p o v o , q u e na missa «não basta n ã o pairar c o m o u t r e m , mas é n e -
cessário n ã o c o n s e n t i r , ali, (...] o u t r o s p e n s a m e n t o s das cousas d o m u n d o , [...]
e desejos m a u s , ociosos o u p e r n e c i o s o s , e assi d e toda-las palavras ociosas o u
t o r p e s o u danosas» 3 8 . A b u n d a n t e s e b e m ilustrativos, e n e g r e c e n d o s i n t o m a t i -
c a m e n t e o q u a d r o , são os abusos q u e o c o r r i a m nas missas, rastreados nas visi-
tações d o a r c e b i s p a d o de Braga, n o s séculos xvi e x v u , q u e o i n v e s t i g a d o r
F r a n q u e l i m N e i v a Soares regista. N o t e m p l o e a d r o da freguesia d e C a p a r e i -
ros (Barcelos), e m 1556, e na p r ó p r i a C o l e g i a d a de G u i m a r ã e s , e m 1624, f a -
z i a m - s e p a g a m e n t o s e r e c o n t o d o s soldados, e n o c o r o desta, e m 1538, p r e s -
c r e v e u - s e o silêncio e a p r o i b i ç ã o de levar cães e aves, explicável pelos
b e n e f i c i a d o s se e n t r e g a r e m à caça antes d o s ofícios. C h e g a v a m , e m 1560, os
capitulares da Sé de Braga a n e g o c i a r n o c o r o e f a z e r e m , p e r t o da p o r t a p r i n -
cipal, p r e g õ e s de a r r e n d a m e n t o das r e n d a s e na igreja d e R i b a s ( C e l o r i c o d e
Basto) as pessoas a d e s c o m p o r - s e na disputa de lugares n o s assentos. Mais:
« E m Alvarães, C a p a r e i r o s , G a n d r a ( P o n t e d e lima), G o ã e s (Amares), G o n d a r
(visita de M o n t e L o n g o ) , M e a d e l a e R e d o n d e l o v i n h a m os h o m e n s c o m o
c a b e l o a t a d o t r a z e n d o t a m b é m os de G o n d a r carapuças de r e b u ç o d e p e n d u -
radas. T r a z i a m as pessoas armas ofensivas para as missas e procissões: e m A l v a -
rães e m 1673; e m Braga e m 1560, 1573 e 1589; e m C a p a r e i r o s e m 1634 e 1639;
e m Gaifar e m 1586 e 1620; e m G a n d r a ( P o n t e d e lima) e m 1631; e m G o ã e s
(Amares) e m 1689; e m G u i m a r ã e s e m 1537 e 1642; e m R a t e s e m 1624 pelos
sacerdotes q u e v i n h a m aos s a i m e n t o s e ofícios; e m R e d o n d e l o (Chaves) e m
1682; e m R i b a s ( C e l o r i c o de Bastos) e m 1692. N a M e a d e l a e m 1563 e 1679
a c o n t e c i a q u e as pessoas v i n h a m para a igreja n o s dias d e p r e c e i t o c o m lanças,
bestas, foices longas e varas ferradas. E m Alvarães c a p i t u l o u - s e - l h e s e m 1673
q u e só t r o u x e s s e m espadas. E m G u i l h a d e s e s e m 1632 os padres c h a m a d o s para
as festas d e oragos e os ofícios de d e f u n t o s t r a z i a m espingardas q u e c o l o c a v a m
ao lado d o s altares d u r a n t e a celebração. E m Parada d e G a t i m l e v a v a m e m
1575 lanças e foices nas procissões, o q u e lhes foi p r o i b i d o b e m c o m o 110 a n o
s e g u i n t e e n t r a r e m c o m armas 110 a d r o . N a C o l e g i a d a d e G u i m a r ã e s e m 1583
v e r i f i c a v a m - s e na n o i t e d e N a t a l i n d e c ê n c i a s d e D e u s p o r a igreja estar e s c u -
ra; m a n d o u - s e c o l o c a r u m a dúzia d e lâmpadas q u e a t o r n a s s e m clara. E m 1584
e m Barcelos foi d e n u n c i a d o o C ó n . G r e g ó r i o B e n e v i d e s p o r ter c e l e b r a d o a
missa d o galo na n o i t e de N a t a l e s t a n d o b ê b a d o , n ã o p o d e n d o p r o n u n c i a r e
d i z e n d o m u i t a s graças e d e s i n q u i e t a ç õ e s q u e o p o v o e n t e n d e u . D u r a n t e a es-
tação na missa havia, e m muitas igrejas, b a r u l h o s , palavras altas e d e s e n t o a d a s ,
e até respostas p r o v o c a t ó r i a s da p a r t e de a l g u m a assistência, c o m o e m Braga
na Sé e m 1595, e m C a p a r e i r o s e m 1584, 1591, 1633 e 1679, e m C a r r a z e d o d e

525
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

M o n t e n e g r o e m 1554, e m Gaifar e m 1624, e m G a n d r a e m 1637 e 1643, e m


G u i l h a d e s e s e m 1595 e e m São M i g u e l de I n f e r n o (Paraíso) e m 1548. N a i g r e -
j a discussões das m u l h e r e s s o b r e os lugares d e n t r o d o t e m p l o , a c a b a n d o os v i -
sitadores p o r d e c r e t a r u m a certa h i e r a r q u i a c o m p r e f e r ê n c i a das casadas e v i ú -
vas s o b r e as solteiras e das mais idosas s o b r e as mais j o v e n s . Essas discussões
e n t r e as m u l h e r e s na igreja p o r causa dos b a n c o s d o c u m e n t a m - s e e m G o n d a r ,
G u i l h a d e s e s e M u r ç a . » A j u n t a , ainda, o u t r a s referências, a p e r m i t i r a g e n e r a l i -
z a ç ã o ao país, e m e n c i o n a n d o a o b s e r v a ç ã o de v i a j a n t e s estrangeiros d o s sé-
culos x v i i e XVIII q u e e s t r a n h a v a m v e r - s e e m P o r t u g a l a c t u a ç õ e s de d a n ç a r i -
nas nas igrejas d i a n t e d o Santíssimo S a c r a m e n t o , b e m c o m o mascaradas e
n a m o r o s d u r a n t e as c e r i m ó n i a s d e c u l t o , e até canários e m gaiolas e r a m l e v a -
dos para as missas e p r e g a ç õ e s 3 9 .

O CULTO VESPERTINO
A OCUPAÇÃO HONESTA DOS ÓCIOS n o s d o m i n g o s e festas d e g u a r d a , m e s -
m o as dispensadas, p r e o c u p a v a , sem d ú v i d a , o zelo d o s pastores de almas, s o -
b r e t u d o após a r e n o v a ç ã o t r i d e n t i n a . C o n h e c e d o r p r o f u n d o d o q u e se passa-
va n o seu vastíssimo a r c e b i s p a d o d e Braga, ao c o m p o r o seu Catecismo, t ã o
p a s t o r a l m e n t e c o n c e b i d o para ir ao e n c o n t r o de u m a realidade e m demasia
c a r e n t e d e r e f o r m a na cabeça c o m o n o s m e m b r o s , D . Frei B a r t o l o m e u dos
M á r t i r e s lastima q u e se gaste t o d o esse t e m p o , q u e deveria ser d e serviço e
l o u v o r a D e u s , « e m j o g o s vãos, e m danças e bailhos, e d e m a s i a d o c o m e r
e beber», e se c o m e t a m «outras dissoluções e torpezas» 4 0 . N o f u n d o , t o c a v a - s e
o p r o b l e m a da santificação das tardes desses dias d e q u i e t a ç ã o d o c o r p o e e l e -
v a ç ã o d o espírito. A e x p l i c a ç ã o da d o u t r i n a cristã antes das vésperas, c o m o
viria a o r d e n a r o d e c r e t o d e 9 de J u n h o d e 1668, da C o n g r e g a ç ã o dos R i t o s ,
foi u m d o s m e i o s a p ô r - s e e m prática nesse c o m b a t e , ao m e n o s nas g r a n d e s
p o v o a ç õ e s , e m b o r a a i g n o r â n c i a e a falta d e p r e p a r a ç ã o da m a i o r i a d o clero
n ã o o tornasse s a t i s f a t o r i a m e n t e e x e q u í v e l . As c o n s t i t u i ç õ e s d o s bispados da
G u a r d a d e 1621 e d o Algarve 4 1 de 1674 p r e s c r e v e m «que os P a r o c h o s , e m t o -
dos os D o m i n g o s d o a n n o á tarde, e m h o r a c o n v e n i e n t e , p o r si, o u p o r p e s -
soa i d ó n e a , o u na Igreja P a r o c h i a l , o u nas E r m i d a s mais a c c o m m o d a d a s , q u e
e m cada logar h o u v e r , e n s i n e m a d o u t r i n a christã a seus f r e g u e z e s , especial-
m e n t e aos d e m e n o r idade; e x o r t a n d o nas Estações | homilias] os m a i o r e s q u e
t a m b é m se a c h e m presentes, para o q u e m a n d a r á fazer signal c o m sino o u
c a m p a i n h a , q u e se tocará pelas ruas da f r e g u e z i a , u m p o u c o antes da h o r a da
d o u t r i n a » 4 2 . N a carta pastoral d e 4 de D e z e m b r o de 1780, D . M a n u e l Pereira,
b i s p o de L a m e g o , l e m b r a aos p á r o c o s a o b r i g a ç ã o d e p r o m o v e r e m d e t e r m i -
nadas d e v o ç õ e s n o s dias de p r e c e i t o 4 3 . P o r o u t r o lado, as p r e g a ç õ e s das tardes
quaresmais, q u e o s é c u l o xvii g e n e r a l i z o u e v i u u m a p a n h a d o d e t e x t o s d e
o r a d o r e s insignes vir a p ú b l i c o , n ã o a b r a ç a v a m , d e o r d i n á r i o , os espaços r u -
rais, e c o b r i a m apenas p e q u e n a p a r t e d o a n o . O u t r o t a n t o n ã o s u c e d e u n o
s é c u l o x v i i i c o m a o r a ç ã o m e n t a l , a via-sacra e a reza d o t e r ç o , q u e p o r o c a -
sião das missões d o i n t e r i o r seriam i n c r e m e n t a d a s . O v i g á r i o capitular da d i o -
cese d e C o i m b r a , M a n u e l M o r e i r a R e b e l o , na pastoral d e 17 d e Abril de
1736, l e m b r o u aos p á r o c o s «a o b r i g a ç ã o d e f a z e r e m a o r a ç ã o m e n t a l , e q u e
c o n c l u í s s e m a o r a ç ã o da m a n h ã c o m a Estação ao Santíssimo S a c r a m e n t o , e
d e t a r d e fizessem rezar e m v o z e n t o a d a o t e r ç o d o R o s a r i o da S e n h o r a ; m a n -
d a n d o para t u d o fazer o sinal n o sino» 4 4 . Passados c i n c o anos, a 14 de O u t u -
b r o , u m a pastoral d o b i s p o c o n i m b r i c e n s e D . M i g u e l da A n u n c i a ç ã o o r d e -
n o u « q u e os P a r o c h o s t o d o s os dias, p o d e n d o ser, o u ao m e n o s n o s
d o m i n g o s e dias sanctos, fizessem a seus fregueses o r a ç ã o m e n t a l na Igreja d e
m a n h ã a horas e m u l h e r e s na ora mais o p p o r t u n a , c o m distinção c o n v e n i e n t e
a r e s p e i t o dos logares [sexos separados]; e n o f i m da t a r d e aos h o m e n s s o -
m e n t e p o r t e m p o d e m e i a h o r a e m cada u m a d'estas occasiões, e q u e neste
e x e r c í c i o se observasse o m e t h o d o q u e ensina o livro i n t i t u l a d o : O Peccador
Convertido [Pecador convertido ao caminho da verdade, 1728], d o P. Fr. M a n u e l d e
D e u s , M i s s i o n á r i o A p o s t o l i c o d o V a r a t o j o » 4 5 . N a n o t a d o c e n s o r a esta t ã o

525
O D E U S DE TODOS o s DIAS

d i v u l g a d a o b r a , o t e a d n o D . M a n o e l C a e t a n o de Sousa esclarece q u e o p r i n -
cipal, s e n ã o o ú n i c o e m p e n h o das missões d o frade, aliás d o c í r c u l o espiritual
d o d i t o p r e l a d o , era « i n t r o d u z i r n o s p o v o s o utilíssimo u s o da o r a ç ã o m e n t a l ,
q u e s e n d o o m e y o mais p r o p o r c i o n a d o para o á r d u o f i m da salvação d e t o -
dos, se v ê tão facilitado neste livro, q u e n e m ainda n o s mais i g n o r a n t e s d e y x a
desculpável a o m i s s ã o d e tão s u b l i m e e x e r c í c i o , para o qual dá breves, mas
certíssimas regras, e a r m a aos soldados da milícia C h r i s t a ã c o n t r a t o d o s os v í -
cios». O m e s m o D . M i g u e l da A n u n c i a ç ã o o r d e n o u , na pastoral d e 6 d e
Abril de 1746 e na d e 20 d e F e v e r e i r o d e 1756 o n d e n o v a m e n t e d e t e r m i n a a
t o d o s os súbditos, clérigos e leigos, «que santificassem os D o m i n g o s e dias
santos, o u v i n d o Missa c o m a t t e n ç ã o e m o d é s t i a , e c o m o u t r o s e x e r c í c i o s d e
d e v o ç ã o e p i e d a d e , c o m o são [...] p r é g a r e o u v i r a palavra d e D e u s , ensinar e
a p r e n d e r a D o u t r i n a Christã, fazer e assistir á O r a ç ã o m e n t a l , rezar o R o z a -
rio, a C o r o a [seráfica], o u o T e r ç o de N o s s a S e n h o r a , visitar o Sanctissimo
S a c r a m e n t o , ter lição espiritual, c o r r e r a Via Sacra, etc.», e n e m n o s dias s a n -
tos dispensados «se d e v i a m e x i m i r de fazer a o r a ç ã o m e n t a l » 4 6 . C o m p r e n s í v e l
será p r e s u m i r q u e n o s o u t r o s bispados, c o n f o r m e se fizesse sentir o zelo dos
seus pastores, a religiosidade d o s c r e n t e s n ã o tivesse d i f e r e n t e e s t í m u l o e ali-
mento.

Proibição dos O D O M I N G O É, PARA o CRISTÃO, o d i a d o c u l t o a D e u s e d o d e s c a n s o , de

trabalhos servis q u e as obras «diabólicas» d e v e m ser abolidas, p o r q u e p r o f a n a m o r e p o u s o


o f e r e c i d o p e l o S e n h o r ao h o m e m . O r a os n e g ó c i o s t e m p o r a i s são esses «dif-
t e r e n t e s negotia» e m q u e , s e g u n d o T e r t u l i a n o , o d e m ó n i o t e m lugar. O i m -
p e r a d o r C o n s t a n t i n o , n o século iv, nada mais fez d o q u e transferir para o d o -
m i n g o a essência dos feriados o u dias d e p a z da legislação r o m a n a , e m q u e se
p r o i b i a m os litígios, c o m o guerras, processos, transacções c o m e r c i a i s , e as
opressões, o u seja, os trabalhos servis d o s escravos c o n s t i t u í d o s p o r actividades
artesanais e agrícolas. Foi São M a r t i n h o d e D u m e , n o s é c u l o vi, q u e p r i m e i r o
e m p r e g o u a d e s i g n a ç ã o d e obras servis, q u e t r a n s f o r m a m o h o m e m e m escra-
v o (servus) o u e m p r o p r i e d a d e d o d e m ó n i o , r e f e r i n d o - s e aos trabalhos d o
c a m p o , d e q u e era f o r ç o s o os cristãos a b s t e r e m - s e para estarem livres para o
c u l t o d i v i n o a q u e o d o m i n g o se consagrava. E m 1517, o cardeal C a e t a n o
l e m b r a q u e «a cessação das obras servis é "destinada a afastar os o b s t á c u l o s e x -
teriores a o r e p o u s o da alma e m Deus». Assim se f i r m o u a ideia d o d e s c a n s o
d o m i n i c a l , c o m o i n t r í n s e c o ao e s t a d o d e libertação das actividades «nas quais
o c o r p o t e m m a i o r p a r t e d o q u e o espírito» 4 7 . O Catecismo b a r t o l o m e a n o é
p a r c o n e s t e aspecto da sanctificação d o d o m i n g o , pois q u e se limita a o r d e n a r
«que n a q u e l e dia n o s n ã o o c u p e m o s n o s trabalhos da fazenda o u d o o f i c i o
m a n u a l p e r q u e se g a n h a o necessário p e r a a vida» 4 8 .
As c o n s t i t u i ç õ e s LIV, LV e LVI d o s í n o d o b r a c a r e n s e r e u n i d o p o r D . Luís
Pires e m 1477 d ã o apreciável r e l e v o ao r e s p e i t o a h a v e r na santificação d o
d o m i n g o e ao r i g o r a ter na a b s t e n ç ã o d e tarefas servis, a reflectir o i n c u m p r i -
m e n t o da m a t é r i a , b e m c o m o na e x e c u ç ã o das disposições r e g u l a m e n t a d a s
para o e x e r c í c i o laboral dos cristãos, e t a m b é m d e j u d e u s e m o u r o s , n u m a
s o c i e d a d e ainda de c o n v í v i o d e c e r t o m o d o t o l e r a n t e . A d o u t r i n a eclesiástica
acerca d o espírito e finalidade desses dias d e p r e c e i t o e da c o n d u t a a seguir
pelos c r e n t e s é i n i c i a l m e n t e i n v o c a d a e s e m p r e , q u a n d o a p r o p ó s i t o , r e p e t i d a .
R e z a m as c o n s t i t u i ç õ e s Liv e LV: « P o r q u e os dias d o s a n c t o d o m i n g u o e das
festas d e n o s s o S e n h o r J h e s u C h r i s t o c o m suas oytavas e d e nossa s e n h o r a
sancta M a r i a e dos o u t r o s dias q u e a sancta m a d r e E g r e j a o r d e n o u e m a n d a
g u a r d a r d e t o d o l a v o r f o r o m assy instituídos p e r a os fiiees christãaos se o c u -
p a r e m e m visitar a egrejas e o u v i r a missa e a p r e g a ç o m e os ofícios d i v i n o s e
pera esto d e v e seer b u s c a d o t o d o aazo e d e v e seer afastada e tirada t o d a o c a -
siona d e m a a o c u s t u m e p e r q u e os h o m e n s e m o l h e r e s n o m s e j a m t o r v a d o s
pera c o n p r i r e m as cousas a q u e n o s dictos dias s o m obligados.» E m Braga e
n o u t r o s lugares d o a r c e b i s p a d o a «corruptella» era g r a n d e , c o m «especieiros
e e n x e r q u e i r o s [ v e n d e d o r e s de c a r n e n ã o fresca], regatõoes, padeiras, verceiras,
taverneiras, fruyteiras e mostardeiras» e de mais q u e n ã o só n ã o v ã o às igrejas,
c o m o d ã o m o t i v o a q u e o u t r o s sigam o e x e m p l o e « c o m a m e b e b a m l o g o de

526
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

m a n h ã antes de acabarem as missas». P o r isso se ordenava q u e não se vendesse


pão, carne, pescado, v i n h o , verças, frutas, erva mostarda, antes de o sino da
sé anunciar o fim da pregação e, se n ã o a h o u v e r , sem q u e se o u ç a m essas b a -
daladas. A venda de géneros alimentares indispensáveis apenas era permitida,
antes da missa e depois de feita de j o e l h o s a oração da m a n h ã , de portas a d e n -
tro de «tavernas e buticas» e sem q u e se expusessem à porta «cousas e m q u e
pareça obra de somana», e m b o r a as «meezinhas» necessárias aos doentes p u d e s -
sem ser «vendidas e m qualquer t e m p o e ora d o dia e da noite», sendo os p r e -
varicadores multados. Aos carniceiros e enxarqueiros, sob pena de e x c o m u -
n h ã o , era-lhes p r o i b i d o matar o u cortar carne de bois, vacas, carneiros, cabras
e bodes, serviço q u e d e v i a m fazer antes dos dias de preceito, para q u e neles o
m e r c a d o estivesse suficientemente abastecido. Semelhante disposição surge n o
S í n o d o da Guarda de 1500, extensiva a todos os lugares d o bispado. O s abusos
verificados pelos vendeiros dessas minorias acatólicas m e r e c i a m severa c o n d e -
nação, até pelo perigo q u e o m a u e x e m p l o representava, c o m o se lê na LVI
constituição: «Achamos q u e os j u d e u s e judias, n o m contentes das liberdades e
privilégios e defenssom q u e r e c e b e m , e m q u e som conservados e soportados
pella b e n e g n i d a d e da piadosa sancta m a d r e Egreja e polias ordenaçõoes d o
R e g n o , mais s o b e j a m e n t e se e s t e n d e m e devassam e m muitas cousas e m v i t u -
pério e desprezo da sancta fé catholica e grande escandallo dos fiiees christãaos.
[... D e facto], a b r e m buticas e casas de seus ofícios q u e t e e m na cristandade e
ally lavram e v e n d e m e m face dos christãaos assy c o m o e m quaaesquer outros
dias feriaaes, o q u e n o m faz n e m h é ousado fazer alguum christãao [...], s e n o m
estes imfiees e cheeos de toda a soberba e p r e s u n p ç o m e i m m i i g u o s de D e u s e
dos christãaos.» N a sua condição social de servos, deviam sentir-ser contentes
em «serem leixados c o m o de fecto s o m e a v e r e m licença e franqueza c o m o de
fecto h a m pera e m taaes dias lavrarem e fazerem seus proveitos d e n t r o e m suas
judarias e n o m f o r a m delias antre os christãaos.» Esta disposição sinodal abran-
gia-os, tanto c o m o aos cristãos que, sob pena de e x c o m u n h ã o , os deveriam
evitar, d e i x a n d o de c o m eles negociar, falar e dar-lhes fogo 4 9 . O visitador de
Enxara d o Bispo (Mafra) a d m o e s t o u e impôs a multa pecuniária de «duzentos
reaes pera as obras da santa Crusada e meirinho», e m 1594 e n o a n o imediato,
a u m g r u p o de almocreves reincidentes, «moradores nesta freguesia [que cos-
t u m a v a m ] nos d o m i n g o s e dias santos ante missa e dipois trabalhar c o m suas
cavalgaduras n ã o fasendo diferença dos ditos dias aos da somana n o q u e o f f e n -
d e m g r a v e m e n t e a D e u s e o p o v o recebe escandalo» 50 .

A c o n t u m á c i a na infracção ao grave p r e c e i t o era, p o r é m , tão generaliza-


da, c o m o resistente ao avançar dos t e m p o s . C e r c a de 1662, o vigário-geral d o
bispado de L a m e g o na visitação à sé r e a f i r m o u esta m e s m a proibição. E e m
1744 a cúria diocesana e x p e d e para ser afixado às portas das igrejas u m cartaz
c o n t r a o abuso das obras servis nos dias santificados q u e onerava g r a v e m e n t e
a consciência, atraindo p o r castigo d i v i n o doenças e esterilidades. O s infrac-
tores públicos, c o m o se lê nas actas dos visitadores das freguesias lamecenses
d e G r a n j a r e N u m ã o , d e v i a m ser d e n u n c i a d o s aos párocos e c o n d e n a d o s à
estação da missa — e chegava o cura de almas, p o r si o u p o r o u t r e m , a i n d a -
gar os q u e trabalhassem c o m escândalo — , só n ã o se i n c l u i n d o «os casos de
necessidade u r g e n t e , c o m o n o t e m p o da colheita dos frutos, n e m as feiras e
m e r c a d o s , desde q u e e m volta destes se n ã o abrissem lugares para v e n d a de
o u t r o s aprestos além de comestíveis e r e m é d i o s de boticas» 5 1 . Acerca dos q u e
trabalhassem nas festas d e guarda, «em segredo e sem escândalo», n ã o d e v i a m
os párocos inquirir, o b r i g a n d o - o s a declarar o seu p e c a d o , antes os amoestar a
l a n ç a r e m «alguma esmola na caixa das penitências», a confessar-se e e m e n d a r -
-se 5 2 . L e m b r e m o s a p r o p ó s i t o q u e só na diocese de Braga os dias de guarda,
i n c l u i n d o os d o m i n g o s , a n d a v a m p o r a n o e m 109, s e n d o 62 os de j e j u m
obrigatório e mais dois apenas c o m abstinência de c o m e r carne 5 3 . P o r aqui se
p o d e c o m p r e e n d e r o o n e r o s o q u e seria para p o p u l a ç õ e s p o b r e s a observância
rigorosa da abstenção d o trabalho servil o u pesado. N ã o s u r p r e e n d e , pois, c o -
m o se vê c o n c r e t a m e n t e pelas actas das visitas pastorais — t e r m ó m e t r o s o c i o -
lógico da prática religiosa — , ser este o preceito mais largamente violado, n o
q u e só encontraria paralelo nas infracções à observância da lei d o j e j u m e da

527
O D E U S DE TODOS OS DIAS

abstinência. H á , n o e n t a n t o , q u e a t e n d e r às razões justificativas d e dispensa


prevista na legislação d e cada d i o c e s e , a c o n c e d e r c a s u i s t i c a m e n t e p e l o o r d i -
n á r i o de lugar e p e l o p á r o c o , para t r a n q u i l i d a d e das consciências, s e n d o o
c o n f e s s o r , n o f o r o d o s a c r a m e n t o da p e n i t ê n c i a , o j u i z a avaliar da g r a v i d a d e
da falta. Assim, p o r e x e m p l o , pescar para se o f e r e c e r aos mais necessitados
n ã o era s a n c i o n a d o . N a v e r d a d e , o s í n o d o p o r t u e n s e d e 1496 consagra t o d a a
c o n s t i t u i ç ã o 50. a à pesca d o sável, na altura e m q u e este p e i x e «vinha m o r r e r
ao rio D o i r o » , o q u e se estendia p o r três meses, p e r m i t i n d o aos p e s c a d o r e s
«lançar suas redes e a r m a r seus arteficios», a f i m d e c a p t u r a r o d i t o p e s c a d o ,
c o n q u a n t o q u e fosse para o d a r e m p o r e s m o l a a p o b r e s e e n v e r g o n h a d o s , c o -
m o sucedia desde t e m p o s i m e m o r i a i s . P o r este c o s t u m e ser « f u n d a d o s o b r e
o b r a d e p i e d a d e e s o b r e dereito» p e r m i t i a o bispo q u e se c o n t i n u a s s e essa
prática, «no d i t o caso e n o s o u t r o s s e m e l h a n t e s f u n d a d o s s o b r e as obras d e
m i s e r i c ó r d i a e p i e d a d e e m a i o r m e n t e s o b r e esmolas». E a c r e s c e n t e - s e q u e
n i n g u é m , «directe n e m indirecte», sob p e n a d e e x c o m u n h ã o reservada ao p r e l a -
d o , p o d i a i m p e d i r esses p o b r e s d e « p e d i r e m e r e c e b e r e m suas esmollas n e m
os q u e p e r a elles p e s c a r e m o u pera elles o b r a r e m o u f i z e r e m o u t r a algüa o b r a
de m i s e r i c ó r d i a pello a m o r de D e u s p e r a a j u d a d e seu m a n t i m e n t o e s o p o r t a -
m e n t o d e sua vida» 5 4 . N o e l e n c o d e actividades laborais exigidas pela vida
q u o t i d i a n a , várias e r a m as q u e p r o p i c i a v a m m a i o r n ú m e r o d e i n f r a c ç õ e s ao
p r e c e i t o , u m a s c o m u n s a todas as regiões, c o m o c e r t o s trabalhos agrícolas,
n ã o apenas sasonais, a v e n d a de p ã o , p e i x e e hortaliças, a m o a g e m de cereais,
c o r t a r e v e n d e r c a r n e , ferrar animais, a t e n d e r c o m p r a d o r e s e m tabernas e t e n -
das, etc.; outras litorâneas, c o m o a a p a n h a d o sargaço, utilizado n o a d u b o d o s
c a m p o s , e p e n d e n t e s d o a p r o v e i t a m e n t o das águas d e rega. P o d e v e r - s e a m i -
crovisão, deveras elucidativa, p r o p o r c i o n a d a p e l o i n v e s t i g a d o r F r a n q u e l i m
N e i v a Soares relativa a áreas da d i o c e s e de Braga na era m o d e r n a 5 5 . D e n o t a r
q u e p e r í o d o s de e x c e p ç ã o , c o m o o restauracionista (1640-1668), d e c o n t í n u a
beligerância na f r o n t e i r a luso-castelhana, q u e c o n d u z i u , neste a s p e c t o , a u m
r e l a x a m e n t o na c o n d u t a religiosa e na a c ç ã o repressiva da a u t o r i d a d e eclesiás-
tica, aliás quase s e m bispos, pois as circunstâncias p r o p o r c i o n a v a m abusos q u e
se t r a d u z i a m e m trabalhar-se (lavrar, segar, m a l h a r , cavar, c o r t a r m a d e i r a ,
etc.), s e m necessidade, antes da missa n o s dias d e p r e c e i t o 5 6 .

A a p a n h a d o sargaço, na costa atlântica e n t r e D o u r o e M i n h o , p r o p o r c i o -


na, c o n t u d o , u m significativo e x e m p l o das a c o m o d a ç õ e s evolutivas, d o s é c u -
lo x v i ao xix, das d e t e r m i n a ç õ e s , i n t e r p r e t a ç õ e s e sanções c a n ó n i c a s , r e v e l a -
doras da u m a flexibilidade da a u t o r i d a d e eclesiástica, face às necessidades,
p r o t e s t o s e c l a m o r e s das p o p u l a ç õ e s , c o n d i c i o n a d o s pelas vicissitudes naturais
da escassez o u a b u n d â n c i a deste p r o d u t o d o m a r , vital para a sua e c o n o m i a
a g r o - m a r í t i m a . D e v e - s e ao s o b r e d i t o e s t u d i o s o u m a p e r t i n e n t e e e s c l a r e c e d o -
ra análise sobre o assunto q u e acaba p o r ser t a m b é m u m a curiosa a m o s t r a g e m
d e c o m p o r t a m e n t o s sociorreligiosos, q u e i m p o r t a r á a c o m p a n h a r 5 7 . O carácter
aleatório da arribação d o sargaço t o r n a o p r o b l e m a c o m p l e x o pela sua i n c i -
d ê n c i a na órbita d o religioso. C e r c a d e 1686, na freguesia da A p ú l i a d o a r o d e
E s p o s e n d e , o valor d o sargaço r e c o l h i d o na véspera e n o s d o m i n g o s e festas
d e g u a r d a revertia t o d o para as obras da igreja. A t é 1703, c o m base n u m c o s -
t u m e f u n d a m e n t a d o n u m d e s p a c h o d o p r e l a d o d i o c e s a n o , os f r e g u e s e s i a m
a p a n h á - l o aos dias d e p r e c e i t o , o q u e o visitador p r o i b i u , desde o s o l - p o s t o
de sábado ao nascer d o Sol d e s e g u n d a , s o b p e n a d e m u l t a d e c i n c o tostões.
A prática m a n t i n h a - s e e m 1709, d o A v e ao L i m a , p e l o q u e se o r d e n o u a sua
p r o i b i ç ã o , s e n d o o p á r o c o i n t i m a d o a n o m e a r cada a n o o l h e i r o s para s u r -
p r e e n d e r os transgressores, q u e a c a b a v a m p u n i d o s . D o i s a n o s d e p o i s , transi-
g i u - s e e m dividir o sargaço c o l h i d o nestas circunstâncias, c a b e n d o u m a p a r t e
apenas para a Igreja. M a s , e m 1717, voltava a r e p o r - s e a situação a n t e r i o r , r e -
c o m e n d a n d o - s e q u e se aplicasse u m a p e n a m a i o r , se n ã o h o u v e s s e e m e n d a .
N a s e q u ê n c i a da visitação d o a r c e b i s p o D . R o d r i g o d e M o u r a T e l e s (1704-
-1728) à A p ú l i a , e m 1720, a u t o r i z o u - s e a a p a n h a d e p o i s de o u v i r missa e a r e -
t e n ç ã o de m e t a d e , s e n d o a o u t r a para as confrarias d o Santíssimo S a c r a m e n t o
e d o s u b s i n o . A s o l u ç ã o , b o a para as d e m a i s freguesias, «não e v i t o u rixas, b u -
lhas, d e s o r d e n s e invejas dos fregueses d e várias p a r ó q u i a s p o r alguns f i n ó r i o s

528
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

i r e m apanhá-lo antes de ouvir missa, p o r outros entrarem a tirá-lo sem pri-


m e i r o terem chegado duas pessoas das q u e t i n h a m o u v i d o missa de m a n h ã na
igreja paroquial e p o r uns terceiros i r e m recolhê-lo antes de chegarem todos
os olheiros o u seus procuradores» 5 8 . C o n h e c e d o r do terreno p o r contacto di-
recto, D . Gaspar de Bragança (1758-1789) a t e n u o u mais ainda as disposições
e m vigor, a partir de 1768, c o n c e d e n d o , se houvesse m o t i v o grave e o pare-
cer positivo «de dois h o m e n s de sãs consciências e desinteressados, aos p a r o -
quianos de Apúlia, Fão e F o n t e Boa, autorização, estendida em 1782 a A m o -
rim, de tirarem o sargaço nos dias de preceito. E m 1782, o arcebispo
D . Gaspar permitiu o trabalho braçal nos dias santos dispensados, e m b o r a só
depois de ouvir a missa, dado q u e eram celebradas duas, a primeira das quais
cedo, ao nascer d o Sol. N o g o v e r n o de D . Frei C a e t a n o Brandão (1790-1805)
legislou-se para toda a orla marítima de Viana d o Castelo a Vila do C o n d e ,
t e r m o , pelo rio Ave, da diocese, «determinando-se que, e m princípio, não se
tirasse sargaço nos dias de preceito, c o m excepção daquelas marés a q u e cha-
m a v a m grandes mareadas e após o b t e n ç ã o da licença dos respectivos párocos,
q u e aplicariam aos transgressores as penas impostas pelas Constituições e Pas-
torais contra os profanadores dos dias festivos; os profanadores incorrigíveis
deviam ser dados e m rol ao prelado pelos párocos» 5 9 . Parece q u e esta p r o v i -
são do zeloso prelado foi respeitada, já após o c o m e ç o do século xix, e m t o -
do o litoral bracarense, c o m excepção da freguesia, pois e m 1808 se o r d e n o u
para aqui q u e pagasse quatrocentos ou duzentos réis, c o n f o r m e fosse apanha-
do, antes o u depois da missa, nos dias de preceito. Idêntico proceder, se b e m
q u e mais rigoroso, vigoraria na vizinha diocese d o Porto, o n d e a provisão de
D . Maria, datada de 7 de Abril de 1798, a p e d i d o dos párocos das freguesias
marítimas de M i n d e l o , Vila C h ã , Labruge e Lavra, decretava que não era
p e r m i t i d o apanhar sargaço «desde as vésperas do d o m i n g o ou dia santo até ao
sol n a d o da segunda-feira ou do dia imediato ao dia santo; além disso, o o u -
vidor d o c o n c e l h o da Maia devia fazer eleger nas freguesias da beira-mar u m
lavrador dos mais capazes, a votos d o p o v o , para ser juiz da observância, c o m
poderes para c o n d e n a r os transgressores até mil réis; e m terceiro lugar, não
podia cortar o sargaço das pedras antes d o primeiro de J u l h o , p o r ser o t e m p o
e m q u e estava e m condições de aproveitamento» 6 0 .
O u t r o s casos haveria na vastidão do país, acusando problemas e c o n ó m i c o -
-sociais diferenciados, interferentes na observância deste preceito, a colidir c o m
o da assistência à missa, que constituem ambos o âmago da satisfação do tercei-
ro m a n d a m e n t o , sob o olhar vigilante e autoritário do poder eclesiástico.

A SACRAMENTALIZAÇÃO DOS RITOS


DE PASSAGEM*
A SACRAMENTALIZAÇÃO CORRESPONDE a u m a v a n ç o d a o r g a n i z a ç ã o e u n i -
formização. C o r r e s p o n d e t a m b é m a u m controlo. N ã o admira p o r isso q u e o
c o r p o de normas sobre os sacramentos, detalhadas e minuciosas q u a n t o a ri-
tos, formulários vocais, intervenientes, clérigos, leigos c o m participação di-
recta (crianças a baptizar, padrinhos, pais e mães...), seja m u i t o explícito e
discriminado. P o r t u d o isto tentaremos q u e este texto sobre o baptismo, c o n -
fissão, casamento e extrema-unção, todos eles sacramentos de passagem — a
cristão filho de Deus, a filho de Deus desculpabilizado, a amante e procriador
à face de Deus, e de m o r t o terreno a possível participante das glórias eternas
de D e u s — se faça t e n d o c o m o base as constituições diocesanas. Aí, de u m
certo individualismo localista avança-se, a partir de T r e n t o , para a u n i f o r m i -
zação, q u e se p r e t e n d e sinal visível, exterior, do universalismo de R o m a .
P e r d e m o s nesta tentativa de a b o r d a g e m m u i t o d o que eram as bases de parti-
cipação social que o tema envolve. A p r o d u ç ã o historiográfica actual não
permite avançar m u i t o nestas abordagens de história social e, possivelmente,
m e s m o futura p r o d u ç ã o não poderá ser m u i t o p r o f u n d a pois as fontes sobre a
prática sacramental p e r m i t i n d o ultrapassar algumas quantificações, mais o u
m e n o s elucidativas, são exíguas e de c o n t r o l o d i m i n u t o . *António Camões Gouveia
529
O DEUS DE TODOS os DIAS

R o s t o de Tractado da ordem de « T r e n t e a c o n t r i b u é d e f a ç o n décisive à la d i s s o l u t i o n d e l ' a n c i e n o r d r e


como se ham de administrar os social e u r o p é e n q u i reposait sur les r é s e a u x d e p a r e n t é , r é d u i s a n t ainsi l ' i n d i -
sacramentos da sancta madre
Igreja, d e A n t ó n i o de M a r i z ,
v i d u à ses p r o p e s forces, à l'instar d u p r o t e s t a n t i s m e . » 6 1 C o r n estas palavras
1587 ( C o i m b r a , B i b l i o t e c a d e s c r e v e W o l f g a n g R e i n h a r d as c o n s e q u ê n c i a s i m e d i a t a m e n t e visíveis nas d e -
G e r a l da U n i v e r s i d a d e ) . t e r m i n a ç õ e s t r i d e n t i n a s c o n c e r n e n t e s aos s a c r a m e n t o s c o m relação m u i t o
FOTO: VARELA p r ó x i m a da instituição familiar. C l a r i f i c a n d o esta síntese, r e f e r e R e i n h a r d c o -
PÈCURTO/ARQUIVO CÍRCULO m o a l i m i t a ç ã o dos p a d r i n h o s a dois t o r n a o b a p t i s m o , cada vez m e n o s , o
DE LEITORES. p r e t e x t o d e f o r m a ç ã o d e p a r e n t e s c o s fictícios; c o m o n o c a s a m e n t o se afirma
O Assentos de óbitos da q u e o c o m p a n h e i r o d e v e ser e s c o l h i d o l i v r e m e n t e , mais d o q u e u m c o n t r a t o
paróquia da S é V e l h a e S ã o e n t r e g r u p o s o u famílias é u m c o n t r a t o e n t r e dois seres livres q u e se e s c o l h e -
C r i s t ó v ã o (1634-1635). r a m ; e c o m o a confissão é u m a c t o d e c o n v e r s ã o e d e p e d i d o d e p e r d ã o p e s -
C o i m b r a , A r q u i v o da
soal e intransmissível a g r u p o s o u a familiares; p o r isso, a c e n t u a d o pela cres-
Universidade.
c e n t e m o r a l i z a ç ã o d o religioso, o c o r p o , f o r m a e x t e r i o r d e cada u m , é o local
FOTO: VARELA
o n d e mais se e n c o n t r a m p e c a d o s , c o m o os da esfera da m o r a l sexual, assimi-
PÈCURTO/ARQUIVO CÍRCULO
DE LEITORES. lados ao p r a z e r / g o z o d e cada u m , t a m b é m ele intransmissível. D a í u m a certa
«discipline d e l ' i n s t i n c t sexuel i m p o s é e par t o u s les g r o u p e s c o n f e s s i o n n e l s
u n e sorte d e p u r i t a n i s m e t r a n s c o n f e s s i o n n e l » 6 2 .
E m 3 d e M a r ç o d e 1547 o c o n c í l i o , na sua v u sessão, a b o r d a o b a p t i s m o ,
l i g a n d o - o à c o n f i r m a ç ã o , o q u e nas c o n s t i t u i ç õ e s j á se fazia e se m a n t e r á , e m
t e r m o s f o r m a i s . A confissão e a e x t r e m a - u n ç ã o o c u p a r ã o os p a d r e s conciliares
e m 25 de N o v e m b r o d e 1551, x i v sessão, s e g u i n d o - s e - l h e o c a s a m e n t o , e m 11
d e N o v e m b r o d e 1563, na sua x x i v sessão 6 3 . O q u e o c o n c í l i o estatui regis-
t a m - n o as c o n s t i t u i ç õ e s d a n d o - l h e t o n a l i d a d e d i f e r e n t e mas p e r m a n e c e n d o
fiéis ao p a n o d e f u n d o t r i d e n t i n o .
As decisões d o C o n c í l i o d e T r e n t o f i z e r a m c o m q u e m u i t a s c o n s t i t u i ç õ e s
diocesanas se passassem a p r e o c u p a r m u i t o mais c o m os s a c r a m e n t o s . Esta
p r e o c u p a ç ã o pastoral c o m os s a c r a m e n t o s t e m duas d i m e n s õ e s f u n d a m e n t a i s .

530
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

A primeira e n q u a d r a - s e n o m u n d o da catequese c o m o f o r m a de aprendiza-


g e m e de interiorização de doutrinas e hábitos correctos. A segunda visa c o n -
trolar a divulgação dos hábitos. R e a l m e n t e é essa a f u n ç ã o essencial dos regis-
tos paroquiais q u e a p o u c o e p o u c o vão surgindo nas diversas dioceses.

O s REGISTOS PAROQUIAIS SÃO, n a sua essência, u m a q u a n t i f i c a ç ã o da f r e - Os registos paroquiais


quência sacramental, não u m a contagem da população d o reino, por freguesias. e o clero
A partir dos anos de 1520 c o m e ç a m o s a encontrar, dispersos pelo reino, livros
de registo paroquial, muitas vezes resultantes de arrolações feitas n o final de ca-
da ano sobre anotações q u e haviam sido recolhidas n o m o m e n t o . A passagem à
existência de u m «livro», m e i o permanante de fixação da informação, apropria-
do e preservado c o m o forma de p o d e r q u e o registo conferia, d e m o r o u algum
t e m p o a impor-se. Entre os livros mais antigos que c o n h e c e m o s estão aqueles
q u e dizem respeito aos registos de nascimentos/baptismos, tendo-se seguido os
de óbito e, só depois, os de casamento. O s primeiros registos q u e c o n h e c e m o s
p e r t e n c e m à freguesia de Santiago, e m C o i m b r a , sendo datados de 1510. As d i o -
ceses de Lisboa e C o i m b r a , principalmente p o r razões de sedeação de poderes e
de avanço da massa urbana, m e n o s controlável pelo clero, são aquelas o n d e e n -
contramos iniciativas mais precoces levadas a cabo individualmente por alguns
párocos, e o n d e se legisla primeiro sobre a sua obrigatoriedade 6 4 . O l h a n d o o
Q u a d r o 1 ficam claros os progressos das freguesias da cidade d o Porto na cons-
trução dos seus cartórios de registo sacramental, sendo de notar q u e as faltas e
descontinuidades contabilizam existências, q u e p o d e m ser resultado de conser-
vação patrimonial tanto o u mais d o q u e de hábito escriturário.
Q u e todas estas regras e formas de fazer se estavam a ensaiar nas diversas
dioceses, c o m as variações q u e são de esperar, é a principal conclusão a reti-
rar. Basta ler as constituições d o P o r t o de 1541, de D . Baltasar L i m p o , para ra-
p i d a m e n t e isso constatarmos. São anteriores a T r e n t o , p r o m u l g a m os registos
e p r e o c u p a m - s e c o m a sua organização; p o r o u t r o lado, a s s u m e m a necessi-
dade d e anotar o baptismo, o crisma e já os óbitos, mas o m i t e m o casamento.
A «constituiçam nona» m a n d a q u e «da publicaçam desta a quarenta dias e m
cada hüa egreja deste nosso bispado o n d e o u u e r pia baptismal: se faça h ü L i u -

55I
O DEUS DE T O D O S os DIAS

ro b e m e n c a d e r n a d o d e folhas igoaes a custa d o A b a d e o u R e c t o r da dieta


egreja. E sera o d i c t o liuro t r a z i d o ao n o s s o vigairo: o ql o assignara na p r i -
m e y r a & d e r r a d e y r a folha: & n o c a b o p o r sua letra p o e r a o n u m e r o das folhas
d o d i c t o L i u r o . & assignado se p o e r a na arca & t h e s o u r o da dieta egreja: e m a
p r i m e y r a p a r t e d o q u a l o d i c t o R e c t o r o u C u r a screuera o dia & a n o & o
n o m e da criança q u e se baptizar. (...) E e m o u t r a p a r t e d o l i u r o se assentara
se p o d e r ser os q u e d e sua freguesia f o r e m c h r i s m a d o s . (...) E e m o u t r a p a r t e
d o d i c t o l i u r o screuera o d i c t o r e c t o r o u c u r a os n o m e s dos q u e e m sua p a r -
r o c h i a f a l l e c e r e m : & o dia m e s & a n o è q u e falleceram» 6 5 .
S i n t e t i z a n d o , d i r í a m o s q u e e n c o n t r a m o s u m a a p e t ê n c i a e interesse p e l o
registo j á antes d e T r e n t o mas q u e só c o m este a o b r i g a ç ã o legislada se c o m e -
ça a t r a n s f o r m a r e m h á b i t o . O s esforços dispersos dos p á r o c o s e bispos d o
m u n d o c a t ó l i c o g a n h a r a m f o r o d e lei conciliar q u a n d o , e m 1563, n o s Cânones
super reformatione circa matrimonium se passa a o b r i g a t ó r i o o registo dos casa-
m e n t o s m a s t a m b é m o dos baptizados 6 6 . O s ó b i t o s só t e r ã o o b r i g a t o r i e d a d e ,
e m 1614, a partir da p u b l i c a ç ã o d o Ritual romano p o r P a u l o V. D o século x v i
c h e g a r a m até n ó s 1774 livros, d o s quais 148 d i z e m r e s p e i t o a Lisboa. A t é ao
a n o da a b e r t u r a d o C o n c í l i o , 1545, c o n t a m o s 88 livros; d u r a n t e os 18 a n o s da
sua c e l e b r a ç ã o j á se p r o d u z e m 275 livros 6 7 .
E n q u a n t o avançava a legislação sobre o registo p a r o q u i a l d e v e r - s e - i a criar
o h á b i t o da escrituração dos s a c r a m e n t o s e n t r e os p á r o c o s , o q u e n e m s e m p r e
foi fácil. E n t r e 1572 e 1593 a vila d e E n t r a d a s , n o a r c e b i s p a d o d e É v o r a , foi v i -
sitada 20 vezes. E m 24 d e F e v e r e i r o de 1588 o visitador registou: «E p o r q u e
achei n a m aver nesta igreja livro de b a p t i z a d o s , casados e d e f u n t o s e c h r i s m a -
Página das Constituições
dos s e n d o h ü a o b r i g a ç a m m u i t o p r i n c i p a l da igreja e p r i o r e b e n e f i c i a d o e
sinodaes do bispado do Porto,
1541. m a n d a d a c o m penas pellas c o n s t i t u i ç õ i s deste a r c e b i s p a d o e se o f f e r e c e r e m
m u i t a s vezes graves d u v i d a s a q u e se n a m p o d e dar r e m e d i o s e n a m pella o r -
FOTO: ARQUIVO C Í R C U L O DE
LEITORES. d e m d o d i t o livro e e m todas as igrejas d o a r c e b i s p a d o h o s aver, m a n d o a
M a n o e l N u n e s r e c e b e d o r da fabrica, c o m p e n a de mil reis p e r a cativos, ha
c o n t a da dita fabrica, p o r t o d o este m e s de M a r ç o q u e v e m d e o i t e n t a e o i t o ,
c o m p r e h u m livro b r a n q u o d e c i n q u o m ã o s de p a p e l b e m e m q u a d e r n a d o , e
h o e n t r e g u e ao b e n e f e c i a d o q u e ora he, p e r a ser e n t r e g u e ao p r i o r q u e vier,
aos quais m a n d o sob as p e n a s da c o n s t i t u i ç a m , pella o r d e m nella asinada es-
c r e v a m h o s baptizados, c h r i s m a d o s , casados e d e f u n t o s , cada h u m delles e m
particular titulo. E a c h a n d o se h o livro v e l h o dos b a p t i z a d o s , casados e d e -
f u n t o s sera b e m g u a r d a d o d e b a x o d e c h a v e c o n f o r m e a c o n s t i t u i ç a m . » E m
1589 v o l t o u a anotar: « M a n d o a M a n o e l N u n e s r e c e b e d o r da f a b r i q u a c o m p r e
h u m livro pera os batizados, c r i s m a d o s , casados e d e f u n t o s c o m o n a visitaçam
passada l h e esta m a n d a d o pois t a m nessessario, o q u e c u m p r i r a s o b p e n a de
mil reis p e r a m e i r i n h o e obras pias.» Passados q u a t r o anos sobre a p r i m e i r a
a d m o e s t a ç ã o , e m 1592, ainda escrevia, r e p e t i n d o a l g u m a s das i n d i c a ç õ e s dadas
e m 1572, q u e « p o r q u a n t o nesta igreja n ã o há livro de baptisados e d e f u n t o s o
r e c e b e d o r da fabrica m a n d a r a c o m p r a r h u m livro d e s i n q u o o u seis m ã o s d e
papel e n q u a d e r n a d o pera assentarem nelle os baptizados, c o n f i r m a d o s , casados
e d e f u n t o s t u d o p o r seus títulos distintos e intelligiveis o qual livro tera o p a d r e
p r i o r e m sua m ã o , o q u e c o m p r i r a o dito r e c v e b e d o r ate o dia d e São J o ã o
Baptista s o b p e n a de t r e z e n t o s reis aplicados ut supra»68.
O s sacerdotes t ê m u m a das suas principais f u n ç õ e s na a d m i n i s t r a ç ã o dos
s a c r a m e n t o s . Esta prática foi u m a das q u e mais s o f r e u c o m a d o u t r i n a da j u s -
tificação d e L u t e r o . A o d e f i n i r c o m o salvíficos apenas os m é r i t o s d e C r i s t o ,
r e p a r t i d o s g r a t u i t a m e n t e , L u t e r o pôs e m causa o p a p e l das obras e dos sacra-
m e n t o s n a e c o n o m i a da salvação. Q u a n d o T r e n t o r e a f i r m a f r o n t a l m e n t e o
papel s a c r a m e n t a l na salvação, apesar de d e i x a r e m a b e r t o a l g u m a s q u e s t õ e s
f u n d a m e n t a i s à r e s o l u ç ã o d o p r o b l e m a da j u s t i f i c a ç ã o e da graça, q u e a c a b a -
r ã o p o r , a n o s mais t a r d e , c o n s e n t i r na infiltração m o l i n i s t a e jansenista, f á - l o
e m paralelo c o m a d o u t r i n a das obras e n u m a f r e n t e d e defesa d o p a p e l d o
clero c o m o ú n i c o i n t e r m e d i á r i o e n t r e D e u s e os leigos.
N ã o se pense, n o e n t a n t o , q u e a p r e o c u p a ç ã o sacramental, c o m o aliás t o -
dos os restantes temas tratados e m T r e n t o , nasceu d o nada e foi tratada ex pro-
fesso. N ã o foi assim. A p o u c o e p o u c o p e r c e b e m o s c o m o a nebulosa da r e f o r -

532
R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES D E CULTO

m a q u i n h e n t i s t a t e v e u m a longa preparação. Se L u t e r o c a m i n h o u f r o n t a l m e n t e
c o n t r a a sacramentalização, f ê - l o i m b u í d o da crítica q u e passava e n t r e o clero
c o m mais saber d o u t r i n á r i o e práticas cristãs mais interiorizadas. Já e m p l e n o
século x v , nessa d i m e n s ã o de r e f o r m a assumida c o m o necessária e n ã o c o n t e n -
d o , à partida, hipóteses d e cisão, n o caso p o r t u g u ê s j á nas constituições a n t e t r i -
dentinas, e n c o n t r a m o s notadas n o r m a s m u i t o claras, precisas e exigentes q u a n t o
à participação d o clero n o â m b i t o sacramental. Essas n o r m a s d e n o t a v a m n ã o só
a p r e o c u p a ç ã o c o m a f o r m a ç ã o clerical c o m o a necessidade de, m e l h o r a n d o a
prestação sacramental, se avançar na revitalização dos sacramentos, na criação
de hábitos d e salvação, na a p r e n d i z a g e m dos benefícios salvíficos daqueles.
O q u e s i g n i f i c o u prestar a u x í l i o s a c r a m e n t a l às p o p u l a ç õ e s ? O q u e signifi-
c o u essa p r e s t a ç ã o d e auxílio d e n t r o deste g r u p o de s a c r a m e n t o s q u e agora
n o s o c u p a ? N e s t e g r u p o os s a c r a m e n t o s t ê m a ver, mais q u e q u a i s q u e r o u -
tros, c o m as práticas diárias i n t i m a m e n t e ligadas aos h o m e n s e às suas s o c i a b i -
lidades mais p r ó x i m a s , as familiares. L e m b r e m o s q u e t r a t a m o s d o b a p t i s m o ,
o u d o n a s c i m e n t o ; da confissão e da c o n t i n u i d a d e na família da Igreja; d o c a -
s a m e n t o , a p r ó p r i a sagração da família cristã, a ú n i c a e n t ã o c o n s e n t i d a e legis-
lada; e da e x t r e m a - u n ç ã o , a sacralização da m o r t e t e r r e n a .
O s sacramentos e r a m , ainda, u m a das fontes d e subsistência d o clero c o m
cura d e almas 6 9 . Assim acontecia deste c e d o , o q u e t e m a ver c o m o facto, já
afirmado, d e definição d o m ú n u s sacerdotal. R e a l m e n t e , p o r definição, só aos
sacerdotes cabia a sua administração e possibilitarem aos leigos estas f o r m a s d e
acesso a D e u s . O clero debitava a f u n ç ã o àqueles q u e d e v e r i a m garantir a sua
sustentação, o q u e muitas vezes n ã o acontecia c o m as c ô n g r u a s e tributações
directas o u dedicadas à salvação das almas. Sofriam c o m esta realidade mais os
clérigos q u e os religiosos, s e n d o estes s e m p r e mais p r o t e g i d o s pela administra-
ção da sua o r d e m o u família religiosa. Esta realidade vai expressar-se nas agre-
m i a ç õ e s m o d e r n a s de clérigos, as c o n g r e g a ç õ e s de sacerdotes o u d e clérigos r e -
gulares b e m diferentes das o r d e n s regulares, q u e p r o c u r a v a m n ã o só u n i d a d e s
de vivência espiritual c o m o formas mais asseguradas de subsistência material.
O s clérigos d e v i a m servir o p o v o dos fiéis cristãos. As c o n s t i t u i ç õ e s d e
Lisboa, resultantes d o s í n o d o de 1536, e s c r e v e m da d i s p o n i b i l i d a d e e da p u n i -
ç ã o da i n d i s p o n i b i l i d a d e para este serviço, p e l o qual «o d i t o r e c t o r o u cura

Arca dos Santos Óleos,


trabalho português,
c. 1750-1760 (Bragança, Museu
Abade de Baçal).
F O T O : DIVISÃO DE
DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA/
/INSTITUTO PORTUGUÊS DE
MUSEUS/CARLOS MONTEIRO.

533
O D E U S DE TODOS OS DIAS

sera obrigado (sendo requerido) ir baptizar aa igreja, a dieta creatura ate os


oito dias: posto q u e a seruètia seja de oito e m oito dias: ou de quinze e m
quinze: mais ou menos: sob pena de quinhêtos reaes» 70 . Mais tarde, sinal evi-
dente de persistência do problema, o bispo r e f o r m a d o r e inovador que foi
D . Frei Bartolomeu dos Mártires toca o problema e m T r e n t o . D e n t r o da sua
linha de actuação conciliar, disposta a remediar os abusos e reinventar certas
práticas, tenta dar-lhe u m a solução a b o r d a n d o a sobrevivência clerical, aliada
às práticas sacramentais, nos pedidos que queria fazer ao papa, e m 1561, sobre
todos naqueles subtitulados de Quoad sacerdotes et sacramenta71.

O baptismo IMPLICANDO UMA NOÇÃO FAMILIAR primordial, a de Adão, a Igreja sempre


c o n c e b e u o baptismo c o m o m e i o ú n i c o de renovar a participação e m Deus.
A falta original, o «pecado original» de desobediência e orgulho, deu à des-
cendência de Adão dor, sofrimento, ignorância e m o r t e , e m conclusão, p r i -
vação de contacto c o m Deus. É pelo baptismo que os h o m e n s , pelos méritos
de Cristo, r e g a n h a m os de Deus, tornando-se de n o v o seus filhos.
A dimensão primordial do baptismo permite e n t e n d e r m e l h o r , não es-
q u e c e n d o as conjunturas políticas que lhe são inerentes e que se mostraram
preponderantes, a expulsão dos judeus, p o v o não baptizado, e a imposição d o
baptismo a todos aqueles que c o n t i n u a m e m Portugal. Esta realidade p e r m i -
te-nos t a m b é m c o m p r e e n d e r a largueza q u e o conceito de baptismo encerra,
pois^ as condenações de criptojudaismo, q u e se vão multiplicando e m diversas
instâncias de acusação, são feitas à luz de u m universo definitório do que é
u m baptizado. N o ano de 1496, e m que f o r a m expulsos do reino os j u d e u s e
os m o u r o s , e m sínodo realizado n o Porto, sob D . D i o g o de Sousa, n o «Titol-
lo das cousas que sam necesarias a cada h u u m sacramento e quaes delles sam
de necessidade e quaaes de vontade», incluído na súmula catequética final,
reafirma-se o baptismo, que se diz u m sacramento de «necessidade», p o r q u e
«hé tam necessário que sem elle n o m se p o d e o u t r o receber, n e m p o d e sem
elle alguém seer salvo se n o m falecer c o m preposito de se bautizar p o d e n d o -
- o fazer» 72 . E m 1565, as constituições de Miranda registam a r e c o m e n d a ç ã o
do sínodo, de 1563, q u e vai n o m e s m o sentido: «o Sacramento d o Bautismo
he o primeiro dos sete sacramentos da ygreja, & f u n d a m e n t o & porta delles:
n o qual se i m p r i m e character. (...) Polo bautismo se faz h o m e Christão, &
professa a Fé catholica & ley Euangelica» 7 3 .
O u t r a dimensão m o d e r n a deste sacramento, n o caso da sua aplicação n o
r e m o de Portugal, é a que resulta da necessidade de i m p o r o baptismo, e as
suas aprendizagens catequético-civilizacionais, aos povos descobertos nos seus
locais de origem ou q u a n d o aportados a espaços já obedientes a R o m a , p o r -
que cristianizados, o que significa maior n ú m e r o de baptizados. E m 1513 e
1515, nas bulas Eximiae devotionis affectus e Praeclarae tuae celsitudinis, o papa
Leão X concede, a pedido de D . M a n u e l I, especiais prerrogativas ao clero da
Igreja de Nossa Senhora da C o n c e i ç ã o de Lisboa, apresentada pela O r d e m de
Cristo, para baptizar os escravos que viessem de África e aportassem à cida-
de 74 . Esta mesma atitude continua registada nas O r d e n a ç õ e s Filipinas (1603)
ao escrever-se n o título x c i x d o livro v «que qualquer pessoa, de qualquer
stado e condição q u e seja, que scravos de G u i n é tiver, os faça baptizar, e fa-
zer Christãos do dia, que a seu p o d e r vierem, até seis mezes, sob pena de os
perder para q u e m os demandar» 7 5 .
N o sínodo de 1536 de Lisboa, publicadas as Constituições e m 1537, regista-
-se o caso extraordinário do baptismo dos infiéis que p o d e permitir ultrapas-
sar o n ú m e r o de padrinhos aí permitido: «e esto n a m se entendera n o baptis-
m o dos infiéis: que n o u a m ê t e se torna christãos: p o r q u e e m fauor da fee:
p o d e r a m tomar quantos padrinhos quiserem» 7 6 . E e m 1591, j á passado o gran-
de p e r í o d o das descobertas e expansão marítima, nas constituições da diocese
de C o i m b r a p e r m a n e c e a instigação ao baptismo, incluindo-se nele todas as
aprendizagens que, entretanto, T r e n t o havia reafirmado c o m o necessárias,
para sua validade. P o r isso «os escrauos & infiéis q a este R e y n o vierem, hora
sejão liures, hora catiuos, não sejão bautizados, sem p r i m e y r o serem b e m ins-
truídos na Fee & doutrina Christaã. Para o q u e deue saber p r i m e y r o a oração

534
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

d o Pater noster, A u e Maria, os Artigos da Fee, & os M a n d a m e n t o s da lei de


Deos. D e m o d o q u e q u a n d o se o u u e r e m de bautizar saybão per si r e s p o n d e r
ás perguntas q u e n o b a u t i s m o se fazem» 7 7 .
A disciplina das práticas d o baptismo, antes de T r e n t o , n ã o era u n i f o r m e ?
U m a s o n d a g e m rápida nas constituições p e r m i t e - n o s afirmar q u e apesar de
leves alternâncias e n t r e elas o registo d o a c o n t e c e r baptismal e dos ritos q u e o
c o n f i g u r a m n ã o sofre grandes alterações. H á três tónicas q u e são p e r m a n e n -
tes. Â primeira é e n v o l v e n t e das outras duas e diz respeito à necessidade de
f o r m a ç ã o de q u e m aplica e recebe o baptismo, a segunda e terceira d i z e m
respeito, respectivamente, à p r e m ê n c i a d o b a p t i s m o e ao c o n t r o l e da m á q u i -
na social de a p a d r i n h a m e n t o .
É obrigação dos pais e d o clero garantir a rápida e x e c u ç ã o d o b a p t i s m o
d o r e c é m - n a s c i d o . D e u m a maneira geral são oito dias aqueles q u e se r e c o -
m e n d a m c o m o t e m p o m á x i m o a d e c o r r e r entre o n a s c i m e n t o e o baptis-
m o 7 8 . Nessa obrigação são implicados os pais e os curas de almas locais, s e n d o
q u e n o r m a l m e n t e se r e c o m e n d a m e s m o q u e o baptismo se celebre na «Igreja
e m cuja freguezia viuer» 7 9 a criança. D e n t r o d o t e m p l o reserva-se espaço
p r ó p r i o à pia baptismal o n d e as crianças d e v e m ser imersas e m água, só e m
caso de d o e n ç a grave aspergidas. O c u i d a d o c o m a imersão é m u i t o para q u e
a posição da boca e braços da criança n ã o c o n d u z a m a u m a asfixia sob a água.
D e entre a m o n ó t o n a repetição dos redactores das constituições, q u e mais
o u m e n o s se leram e n t r e si, n ã o deixa de ser i m p o r t a n t e marcar a diferença
deixada nas d o bispado de M i r a n d a , de 1565, o n d e c o n s i d e r a n d o o clima frio
da região se escreve q u e o cura «nam h a u e n d o de bautizar esse dia outra
criança, tirará o t o r n o aa pia, pera q u e se suma a agoa, & nâ ficará de h u m
dia pera o u t r o . E t e n h a m u i t a aduertencia o R e c t o r ou C u r a q u e 110 i n u e r n o
p o r ser a terra deste Bispado m u y fria, faça trazer algüs cantaras dagoa q u e n -
te, pera mesturar c o m a fria, de m o d o q u e fique t e m p e r a d a a frialdade, p o r -
q u e n a m faça mal aa criança. E terá o dito C u r a a dita pia m u y limpa, lauada,
& cuberta, & fechada s e m p r e cõ chaue» 8 0 .
O b a p t i s m o à pressa, q u a n d o a criança nasce c o m p o u c o s sinais de vida, o
q u e é f r e q u e n t e , ou m e s m o a p r o c u r a da intercessão da V i r g e m para c o n s e -
guir uns m o m e n t o s q u e p e r m i t a m o baptismo, m o s t r a m q u e o clero n ã o t e m
de se p r e o c u p a r c o m a divulgação da n o r m a de obrigatoriedade deste sacra-
m e n t o . M e s m o nestes casos n ã o se retira ao clero c o m cura de almas o seu
p o d e r d e admnistrador dos sacramentos, pois aquelas crianças q u e f o r a m b a p -
tizadas c o m a f ó r m u l a correcta, pelos familiares o u pela parteira, t ê m de ter o
seu b a p t i s m o r e n o v a d o pelo clero na pia baptismal e então d e v i d a m e n t e a n o -
tado e registado p a r o q u i a l m e n t e .
D o s pais e dos clérigos espera-se interesse 110 r e c e b i m e n t o d o s a c r a m e n t o
e saber as consequências desse acto. O clero t e m de se preparar interior e e x -
t e r i o r m e n t e para o baptismo, c o m o para a administração de q u a l q u e r sacra-
m e n t o , mas este e m especial, p o r ser o q u e i n t r o d u z a criança na vida da gra-
ça e na c o m u n i d a d e cristã. Aos curas de almas p e d e - s e a oração prévia das
matinas e a devida p a r a m e n t a ç ã o . A o m e s m o t e m p o q u e se sabe ser necessá-
rio o rigor da vivência consciente d o sacramento, q u e n ã o seja só u m hábito.
O r d e n a - s e a p a r a m e n t a ç ã o exterior cuidadosa, c o m o f o r m a de se manifestar a
realidade sacramental n ã o só aos intervenientes c o m o a todos os fregueses
participantes, t e s t e m u n h a n d o o u a p a d r i n h a n d o . O s resultados n ã o f o r a m n e m
muitos, n e m p r o f u n d o s . Se as n o r m a s e r a m seguidas n ã o se deixa de verificar,
e n t r e as populações, u m a p r e d o m i n â n c i a d o exterior, e m q u e o q u e conta é a
conversão c o m u m a participação e aparência social.
A q u i , c o m o e m outras circunstâncias, cresceu d e s m e s u r a d a m e n t e o acto
social q u e enquadrava o sacramento, q u e r dizer, a expressão festiva d o baptis-
m o . Estas festas c o r r e s p o n d i a m às capacidades e c o n ó m i c a s da família da crian-
ça baptizada o u dos seus padrinhos. A festa d o «baptizo», referindo-se o acto,
o u «baptizado», a l u d i n d o ao r e c e p t o r d o sacramento, adquiriu f o r o de prática
referenciada e m o l d a d a a partir de arquétipos evidentes. A Igreja p e r c e b e u - o
e a d m i t i u - o . Pelo m e n o s nesses dias as festas e r a m originadas p o r u m acto li-
túrgico p r o p o r c i o n a d o pela celebração de u m sacramento. Apesar da e x t e r i o -

535
O D E U S DE TODOS o s DIAS

r i d a d e p o d e r c o n d u z i r cada v e z mais a u m a f a s t a m e n t o da essência d o sacra-


m e n t o , p o r falta d e u m a c o r r e s p o n d e n t e a p r e n d i z a g e m c a t e q u é t i c a e ascética
a b u n d a n t e m e n t e d e f e n d i d a s pelas c o n s t i t u i ç õ e s c o m o necessárias, ia s e n d o
c o n s e n t i d a e t e v e m e s m o resultados c o n s i d e r a d o s b e n é f i c o s . T r a t a v a - s e d e
festejar, c o m alegria, o n a s c i m e n t o d e mais u m c r e n t e , fiel à Igreja.
P o d e - s e a v a n ç a r c o m tres casos, e m m o m e n t o s distanciados, m a s q u e d e -
n o t a m esta prática festiva d o s a c r a m e n t o baptismal. O p r i m e i r o é r e l a t a d o p e -
lo cronista Garcia d e R e s e n d e na sua Crónica de D . J o ã o II, escrita pelos a n o s
de 1530-1533 e impressa pela p r i m e i r a vez e m 1545, ao d e s c r e v e r a alegria d o
b a p t i s m o , de u m c o r t e s ã o j u d e u , a c o n t e c i d o e m É v o r a (?), e m 1489. E s c r e v e
o cronista q u e «Mestre A n t o n i o , S u r g i a m m o r destes R e y n o s , f o y I u d e u , e
q u a n d o se t o r n o u C h r i s t ã o el R e y f o l g o u m u y t o , e lhe fez m u y t a h o n r a ,
p o r q u e l h e t i n h a b o a v o n t a d e , e era b o m l e t r a d o . E q u a n d o f o y b a p t i z a d o el
R e y f o y c o m elle a p o r t a da Igreja, e o l e u o u pella m ã o c o m m u y t a h o n r a , e
m u y t o b e m v e s t i d o d e vestidos ricos, q u e lhe el R e y d e u d e seu c o r p o , e foi
seu p a d r i n h o . » 8 1
O s e g u n d o é d i f e r e n t e d o p r i m e i r o e n q u a n t o festa, trata-se d o b a p t i s m o
de u m m e m b r o da Casa R e a l . E u m e l e m e n t o d e d i f u s ã o d e a t i t u d e s e p r á t i -
cas d e festa, sob p r o p ó s i t o sacramental, p o r p a r t e d e p a r t i c i p a n t e s d o g r u p o
familiar d o p o d e r m o n á r q u i c o , capaz de servir d e m o d e l o aos o u t r o s p o r t u -
gueses. A 5 de J u l h o d e 1717 n a s c e u o i n f a n t e D . P e d r o , f u t u r o D . P e d r o III,
t e n d o sido b a p t i z a d o só u m m ê s e m e i o d e p o i s de nascer, a 29 de A g o s t o ,
«com o n o m e de D . Pedro C l e m e n t e Francisco J o s e p h A n t o n i o . Bautizou-o
na Santa Igreja Patriarcal o Patriarcha D . T h o m á s d e A l m e i d a , d o C o n s e l h o
d e E s t a d o , de Sua M a g e s t a d e , e seu C a p e l l a õ m ô r , assistido dos C o n e g o s da
Santa Igreja revestidos e m Pontifical. F o r a õ P a d r i n h o s o Papa C l e m e n t e X I e
a Sereníssima S e n h o r a Infanta D . M a r i a B a r b a r a sua i r m ã a , e c o m P r o c u r a ç a õ
de a m b o s assistio a este a c t o o S e r e n í s s i m o I n f a n t e D o m A n t o n i o . F o y l e v a d o
n o s b r a ç o s d o D u q u e de C a d a v a l D . N u n o d e b a i x o d e Paleo (...). As insíg-
nias levaraõ, o S e n h o r D . M i g u e l o Saleiro, o D u q u e d e C a d a v a l D o m j a y m e
o M a ç a p a õ , os M a r q u e z e s das M i n a s D o m A n t o n i o Luiz d e Sousa a Véla, o
de F r o n t e i r a D . F e r n a n d o M a s c a r e n h a s a V e s t e C a n d i d a , t o d o s d o C o n s e l h o
de E s t a d o , e o das M i n a s D . J o a õ d e Sousa, d o C o n s e l h o de G u e r r a , a T o a l h a
para p u r i f i c a r . N a T r i b u n a Assistirão as M a g e s t a d e s a esta f u n ç a õ , q u e se c e l e -
b r o u c o m grandíssima m a g n i f i c ê n c i a , assim pela assistência d o C a b i d o da
Santa Igreja, r e v e s t i d o d e Vestes Sacras c o m Mitras, c o m o pela d e t o d a a N o -
breza da C o r t e c o m m u i t o l u z i m e n t o . N a n o i t e , s e g u n d o o c o s t u m e , se p u -
zeraõ l u m i n a r i a s e m t o d a a C i d a d e , e h o u v e salvas d e artilharia e m t o d a a
M a r i n h a . N o T e r r e i r o d o P a ç o assistiraõ os R e g i m e n t o s d e Cavalaria, e I n -
fantaria, e d e r a õ t a m b é m tres salvas» 82 .
O t e r c e i r o foi registado p o r D . Francisco X a v i e r d e M e n e s e s , 4. 0 c o n d e
da Ericeira, n o seu Diário. E m J a n e i r o d e 1733 « b a u t i z o u - s e a f 5 d o C o n d e d e
V i m i o z o a 25. s e n d o c o n v i d a d a s p e r t o d e trinta S e n h o r a s ate p r i m a s c o m ir-
mãas Sobr. a s e alguãs amigas particulares, e t i v e r ã o h ü a g r a n d e C e a , e f o r ã o j a
tres S e n h o r a s c õ r o u p a s curtas da n o v a m o d a de Pariz estas a Sr 1 C o n d e ç a d e
Atalaya, q u e t i n h a h ü e x c e l l e n t e vestido, a Snra D . M a g d a l e n a d e Lancastre
sua c u n h a d a , e a S. r a D . M a r i a da G a m a : f o y a Snra. C o n d e ç a d e T a r o u c a
M o ç a M a d r i n h a e d e u de p r e z . ' e hüas C o r n e t a s , e mais a d e r e z o s 111/0 e n f e i -
tados c o m h ü a peça d e Diam. c es c o m h ü r u b i m g r a n d e e hüas fivelinhas para
os b r a ç o s t a m b é m d e D i a m / e s f o r ã o duas d o n a s e m h ü a litr. a a c o m p a n h a n d o
a m e n i n a q despois a p a r e c e o g a l a n t e m / e vestida; p. a os Fidalgos f o y a f u n ç ã o
e m p. a r m a s f o r ã o bastantes, e os M a r q u e z f o y P a d r i n h o de sua n e t a q u e se
c h a m o u Eugenia» 8 3 .
As relações da é p o c a p o d e m m u l t i p l i c a r as referências. Q u a s e todas as n a r -
rativas genealógicas d e e n t ã o utilizam este discurso. À descrição t e m p o r a l d o
n a s c i m e n t o d o d e s c e n d e n t e s o m a - s e , l o g o d e seguida, a r e f e r ê n c i a ao m o -
m e n t o da d e n o m i n a ç ã o v o c a t i v a sacramental através d o b a p t i s m o , «o n o m e
da criança, q u e será s e m p r e d e S a n t o , o u Santa, s e g u n d o o l o u u a u e l c u s t u m e
da Igreja Catholica» 8 4 . O n o m e d e santo, c o m m u i t a f r e q u ê n c i a p r e c e d i d o
de M a n u e l , o n o m e d e Jesus, e d e Maria, o n o m e da m ã e d o filho de D e u s , é

536
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

multiplicado ao sabor de devoções particulares dos pais e da família, crescendo


t a m b é m os elementos enriquecedores da cerimónia, todos eles de aparência e
de festa. Q u e m transporta o quê, q u e m se aproxima mais da criança, do cele-
b r a n t e ou dos padrinhos, q u e m está c o m os pais, q u e sons de sinalização
sumptuosa e protocolar se fazem soar, q u e vestes, cores e qualidades de teci-
dos p r e d o m i n a m , se há festa exterior ao espaço d o t e m p l o o u não, são afirma-
ções sociais q u e p o d i a m c o n t i n u a r a desdobrar-se e q u e crescem c o m o esta-
tuto social d o baptizado e c o m os públicos e a divulgação q u e se q u e r fazer
d o a c o n t e c i m e n t o : a recepção, p o r u m a criança, d o sacramento d o baptismo.

N Ã o ESTÃO MUITO LONGE DESTA p r e o c u p a ç ã o c o m a c a t e q u e s e d o s p a i s e Padrinhos


protectores baptismais as de q u e tanto trataram, e m 3 de M a r ç o de 1547, os e parentesco espiritual
padres da v n sessão d o C o n c í l i o de T r e n t o . Só c o n s i d e r a n d o o q u e o c o n c í -
lio d e t e r m i n o u nessas sessões se p o d e p e r c e b e r a importância d o b a p t i s m o
c o m o s a c r a m e n t o f u n d a d o r e a g r e m i a d o r de v o n t a d e s e de realidades sociais
s e n d o u m a f o r m a consagrada, c o m várias consequências nas sociabilidades da
família alargada m o d e r n a .
P e r c o r r e n d o as d e t e r m i n a ç õ e s conciliares e as repetições q u e os diferentes
d o c u m e n t o s diocesanos vão registando, o q u e d e m o n s t r a a m o r o s i d a d e da sua
aplicação e da arregimentação das populações a tais práticas, u m a há q u e salta
de i m e d i a t o à observação, q u e é aquela q u e c o r r e s p o n d e às práticas de apa-
d r i n h a m e n t o , q u e r dizer, e m síntese, a temática d o parentesco espiritual. U l -
trapassando o baptismo, o t e m a toca o d o casamento, suas regras e práticas.
N u m m u n d o e m q u e a família se afirma c o m o u m c o m p l e x o e s q u e m a de r e -
lações de d e p e n d ê n c i a e de fidelidades a p r e o c u p a ç ã o n ã o é despicienda.
São três as grandes p r e o c u p a ç õ e s q u e e n v o l v e m o a p a d r i n h a m e n t o baptis-
mal. A primeira é n o r m a simples, regra de obrigação a c u m p r i r . C o m p õ e - s e
de duas dimensões: cada criança baptizada até aos oito dias só deve ter u m
p a d r i n h o , q u a n d o m u i t o u m p a d r i n h o e u m a m a d r i n h a , o u seja dois padri-
nhos, s e n d o esta permissão sobre a primeira d e t e r m i n a ç ã o a q u e acabou p o r
se i m p o r . Ultrapassava-se assim o n ú m e r o de p a d r i n h o s variáveis e múltiplos
q u e p r o v o c a v a m distúrbio na aplicação das regras d o parentesco espiritual,
s o b r e t u d o n o q u e respeitava aos casamentos c o n s u m a d o s p o r h o m e n s e m u -
lheres c o m p a d r e s e c o m a d r e s e p o r tal i m p e d i d o s de o fazer. Ainda e m 1537
se regista na diocese de Lisboa q u e «ho sacerdote n õ t o m e mais p a d r i n h o s aa
criatura q u e tres, nã c o n t a n d o ha pessoa q u e a leua: p o r q u e c o m essa seram
quatro» 8 5 . C o n s i d e r a n d o a r e d u ç ã o i m p õ e m - s e regras aos cristãos capacitados
para o fazerem, só h o m e n s c o m mais de 14 anos e m u l h e r e s c o m pelo m e n o s
12 anos c o m p l e t o s p o d e r ã o ser padrinhos; mais: os q u e esta idade c u m p r i r e m
deverão ser baptizados, nalguns casos exige-se m e s m o a c o n f i r m a ç ã o ou o
crisma, n ã o s e r e m frades, freiras, c ó n e g o s regrantes, ou religiosos de q u a l q u e r
estado, ressalvando-se os freires das ordens militares, saberem d o u t r i n a e n ã o
serem n e m surdos, n e m m u d o s .
A p r e o c u p a ç ã o c o m a f o r m a ç ã o catequética é a mais e n v o l v e n t e e essen-
cial nas definições da atitude c r e n t e d u r a n t e a R e f o r m a católica. O s p a d r i -
n h o s d e v e m saber o pai-nosso, a ave-maria, o c r e d o e os dez m a n d a m e n t o s
para «a p o d e r e m ensinar, h a u e n d o necessidade aos seus afilhados, dos quaes
d i z e m os sagrados C â n o n e s , q u e ficão s e n d o c o m o pedagogos, & mestres, &
fiadores espirituaes» 86 . P o r fim e para q u e o parentesco espiritual seja observa-
do, pois de todas as obrigações e regras impostas esta parece ser o g r a n d e p r o -
b l e m a para o legislador, d e v e m ser criados os livros para se assentar os baptis-
m o s de cada freguesia. P o d e a c o n t e c e r q u e n o m e s m o livro se assentem
casamentos e óbitos, mas a i n t e n ç ã o é o baptismo, mais ainda, a i n t e n ç ã o é
q u e as relações de parentesco espiritual sejam observadas «& p o r se e u i t a r e m
m u i t o s i n c o n u e n i e n t e s , q u e p o d e m nascer da ignorancia d o dito parentesco:
O r d e n a m o s , & m a n d a m o s , q u e e m cada Igreja de nosso Bispado, o n d e o u u e r
pia baptismal, aja h u m livro a custa da fabrica da dita Igreja, q u e tenha q u a t r o
m ã o s de papel, o qual será assinado, & n u m e r a d o pello nosso Prouisor, V i -
gairo geral, o u Visitador: & s e m p r e estará f e c h a d o na arca, o u t h e s o u r o da d i -
ta Igreja, o n d e estão os sanctos Óleos: E e m a primeira parte d o dito liuro, o

537
O D E U S D E TODOS OS DIAS

dito cura escreuerá o dia, mes, & anno, & n o m e da criança q u e baptizar, &
de seu pay, & máy, sendo auidos p o r m a r i d o , & molher: (...): & o u t r o si os
nomes dos Padrinhos, & Madrinhas, que apresentarem ao Baptismo (...) d i -
zendo assi (tudo per letra, & não p o r algarismo.) Aos tantos dias de tal mes,
& de tal a n n o Eu foão R e y t o r , ou Cura. &c. baptizei a foão, filho de foão, &
de foaã, & foram seus Padrinhos foão & foaã, moradores. &c. o qual t e r m o
fará o m e s m o dia & hora e m q u e baptizar, antes de se sahir da Igreja, & se as-
sinará ao pé c o m hüa das pessoas, que f o r a m presentes ao dito Baptismo» 8 7 .
O grau de parentesco alegadamente d e t e r m i n a d o pelo a p a d r i n h a m e n t o
era c o m p l e x o e confuso. T i n h a m - s e p o r aparentados espiritualmente q u e m
baptizava, os padrinhos e suas mulheres o u maridos, q u e contraíam parentes-
co espiritual c o m o baptizado e c o m os seus pais, e o baptizado c o m todos
eles e c o m os seus filhos. «Porem o sacro Concilio T r i d e n t i n o (consirãdo os
grandes i n c o u e m e n t e s que de se contraher o dito parentesco antre tantas pes-
soas socediam, assi p o r q u e muitos ignorando o i m p e d i m e n t o se casauam, &
depois de casados, posto que o soubessem perseuerauam e m peccado mortal,
& de se apartarem socedia grande escandalo) d e t e r m i n o u que se n a m t o m e m
daqui e m diante n o sacramento do bautismo, mais q u e h u m padrinho, o u
hüa madrinha, ou q u a n d o mais ate dous. s. h u m p a d r i n h o & hüa madrinha:
E declarou que se n a m cõtrahesse o dito parentesco spiritual, senam tam so-
m e n t e antre os padrinhos & o bautizado, & seu pay & mãy: & antre o q u e
bautiza a criança e o bautizado, & seu pay & mãy: c o m o se conte na Sess. 24.
Sub Pio quarto de reformatione matrimonij cap. 2.»88
O tema do parentesco espiritual, contraído n o baptismo, adquire n u m
m u n d o q u e se pretende sem mácula e e m q u e o pecado aparece a cada passo,
sobretudo os pecados morais, os de quebra da n o r m a e os de fidelidade à
Igreja, u m a dimensão f u n d a m e n t a l pela sua envolvência. Mais que c o n d e n á -
veis, os pecados aduzidos são irradicáveis, pelo que r e c e b e m a m e l h o r das
atenções desde T r e n t o até cada u m dos sínodos sucessivos de n o r t e a sul de
Portugal e ao l o n g o dos séculos seguintes. É preciso c o n c e d e r o baptismo a
todos e q u e aqueles que vão ser padrinhos t e n h a m qualidade para o garantir.
R e a l m e n t e só são padrinhos aqueles, u m o u dois, designados e c o m "qualida-
des para o serem e depois anotados e m livro próprio autoritariamente guar-
dado e m depósito contra roubos e profanações. N e m aquele que transporta a
criança, n e m a parteira, n e m aqueles que lhe tocarem ao sair da imersão na
pia de água d e v e m ser tidos p o r padrinhos p o r q u e não o são.
Indo mais f u n d o as constituições zelam pela quebra de u m paganismo la-
tente na vivência cristã p o u c o cristianizada. Aí está o gesto. Corrige-se o gesto
de crendice e de hábito popular que se encerra n o «tocar» do recém-baptizado
e, ao m e s m o tempo, encerra-se uma página complexa d o acontecer sacramen-
tal, a do casamento «consanguíneo» adquirido por força espiritual. P o r q u e «se
alguas outras pesoas se e n t r e m e t e r e m a serem padrinhos, ou madrinhas, inda
que t o q u e m a creatura, não avera entre elles algum parentesco spiritual, n e m
i m p e d i m e n t o , n e m se terão p o r compadres, n e m comadres n o tal baptis-
mo» 8 9 . N ã o acontecerá mais q u e aqueles que, p o r ignorância, acabando p o r
casar e m parentesco espiritual, t e n h a m de continuar nesse estado de pecado.
A acção sobre os padrinhos e, sobretudo, a formação q u e se encerra ao redor
da noção de parentesco espiritual é de dimensões variadas, mas todas elas res-
tritivas e reguladoras visando terminar c o m pecados de diferente dimensão e
facilitando o controlo social.

Catequese, pecados COM o SEU SABER INCISIVO e a m p l a m e n t e d o c u m e n t a d o Jean D e l u m e a u


escreveu, e m forma de síntese, q u e «le Christianisme a mis le p é c h é au centre
e absolvições de sa théologie», aclarando o c a m i n h o percorrido na construção dessa centra-
lidade c o m a afirmação de que «de saint Augustin à L u t h e r et à Pascal, en
passant per saint Grégoire (604), lui aussi " u n des maîtres en la science du
p é c h é " , H u g u e s de Saint-Victor (1141), Abélard (1142), Pierre L o m b a r d (1164),
les Pères d u concile de T r e n t e et les néo-scolastique des xvi e et x v n e siècles,
la méditation chrétienne n'a cessé de s'interroger sur le péché, d ' e n préciser
la définition et d ' e n mesurer la portée» 9 0 . A o fazê-lo salienta o sacramento da

538
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

penitência q u e , ao l o n g o dos t e m p o s m o d e r n o s p r o l o n g a d o s p o r mais de dois


séculos, se afirma, desenvolve e fixa. Ressalve-se q u e o q u e se escreve de se-
guida é específico d o m u n d o m o d e r n o mas — c o m o a c o n t e c e c o m a p e r m a -
nência dos diferentes sacramentos e a passagem citada de D e l u m e a u faz n o t a r
n o q u e respeita a fixação d o c o n c e i t o de «pecado» — faz parte de u m a cadeia
n u n c a i n t e r r o m p i d a mas muitas vezes repensada e aferida de a c o r d o c o m as
realidades sociais q u e a e n q u a d r a m .
Para lá d e todas as «artes» desenvolvidas e m r e d o r d o sacramento da p e n i -
tência, de t o d o o seu c u n h o facilmente participante na atitude de c o n t r o l e
q u e d o m i n a os t e m p o s pós-tridentinos, e d e f o r m a ç ã o , q u e se p r o c u r a seja
p e r m a n e n t e e de f u n d o , a ideia mais forte q u e passa q u a n d o se estuda este sa-
c r a m e n t o é q u e estamos n u m p e r í o d o de crescente intensificação da confis-
são. O s a c r a m e n t o da penitência, vulgar e tradicionalmente dito «confissão»,
a t e n d e n d o p o r u m lado aos confessores e, p o r o u t r o , aos penitentes confessá-
veis, afinal as duas partes intervenientes e ambas c o m c o n o t a ç õ e s sociais b e m
diferenciadas e, inclusive, i n t e r n a m e n t e sincopadas p o r realidades m u i t o dís-
pares, sofre d u r a n t e os t e m p o s m o d e r n o s u m crescimento q u e se p r o c u r a seja
interiorizado e c o r r e s p o n d a a u m a atitude p e r m a n e n t e q u e anteceda todas as
obras e p e n s a m e n t o s dos cristãos.
S e m erro, p o d e m o s falar de t e m p o s de penitência. D e entre toda a prática
sacramental a penitência é aquela q u e mais atinge religiosos, clérigos e leigos.
O s primeiros, religiosos e clérigos, pela necessidade de f o r m a ç ã o a q u e obriga
e pela observância da esfera de moralização q u e tanto cresce neste p e r í o d o ,
ao p o n t o de levar a constantes c o n f u s õ e s entre a esfera dos valores morais e a
dos valores religiosos. O s segundos, os leigos, pelo avanço c o n t r o l a d o q u e
obriga cada u m a fazer n o sentido de u m a auto-análise da consciencialização
católica e r o m a n a .
E m 1539, a 2 de J u l h o , o p r o v e d o r e irmãos da Misericórdia de Évora,
q u e recebera estatutos e m 1516/1519, acrescentam-lhes u m «Título das confis-
sões». D a sua leitura resulta q u e é implícito t e r e m as obras de caridade valor
p e r a n t e D e u s se praticadas estando o i r m ã o confessado, e m estado de r e c e b e r
o Santíssimo S a c r a m e n t o . Assim fica escrito: «Estamdo o dito p r o u e d o r c o m
os j r m ã o s e x e r c i t a n d o as obras de m y ã e despachãdo os pobres c o m s i d e r a m d o
o g r a m d e carguo q u e sobre elles carregua e m destribuirem as esmollas leixa-
das pelos d e f u m t o s e dadas pelos viuos e c o m o pera o tall auto e mais p e r f e i -
ç a m se r e q u e r e estarem c o m corações limpos e e m estado de graça para q u e
o s e n n h o r deos nos seus corações queira inspiraar q u e sejam guastadas nos
mais neçesitados e de q u e seja seruido e reçeba as taes esmollas e m çatisfação
das penas d o p u r g u a t o r i o e aos viuos comservar e m estado de graça e b e m
acabar p o r t ã t o — o r d e n a r a m q u e o p r o u e d o r e j r m ã o s q u e f o r e m emlegidos
pera seruir t a n t o q u e f o r e m electos e postos na mesa se comfesaraão todos e
t o m a r a ã o o sãto s a c r a n f o todos j u m t o s . (...) I t e m seram mais o b r i g u a d o s se-
r e m comfessados p o r dia de nosa s e n n h o r a de set°. (...) I t e m p o r dia d e nosa
s e n n h o r a ãte natall. (...) I t e m q u i m t a f. a da cea q u e o p r o u e a d o r c õ os j r m ã o s
sam o b r i g u a d o s vir t o m a r o samto sacramento de m o d o q u e n o a n n o se
c o m f e s a r a m q u a t r o vezes.» 91
O processo d e c r e s c i m e n t o de utilização da confissão pelos crentes, t o r n a -
da obrigatória a n u a l m e n t e pelo IV C o n c í l i o de Latrão, logo e m 1215, e e m
paralelo, d o c o n t r o l o feito pelo p o d e r eclesiástico de tal uso, é c o m p r o v á v e l
n o c u i d a d o posto na definição d o q u e é o «pecado», na necessidade de f o r -
m a ç ã o aturada dos confessores e, i n d i r e c t a m e n t e , dos penitentes e n o apareci-
m e n t o de instrumentalizações sociais, de marcada d i m e n s ã o política, deste sa-
cramento.
A primeira p r e o c u p a ç ã o d o r e l a n ç a m e n t o da confissão é a da definição d o
q u e é «pecado». Já o e l e n c o catequético q u e figura n o final das constituições
d o P o r t o de 1497 regista, para q u e todos a p r e n d a m na diocese, q u e «duas m a -
neiras há hi de p e c c a d o , scilicet original e autuai. (...) E este se reparte e m
dous, scilicet mortal e venial. (...) O p e c c a d o m o r t a l acima dito se divide
e m sete maneiras, sob as quaes todallas outras de peccados mortaaes se c o n -
t e m . Venial se n o m dividi e m c o n t o d e t e r m i n a d o p o r q u e casi sem c o n t o se

539
O DEUS DE T O D O S OS DIAS

Confessionário adaptável à p o d e m t e e r e e x t i m a r . As sete d o s m o r t a a e s s o m estes: s o b e r b a , avareza, l u -


balaustrada da Capela, Gio xuria, e m v e j a , gulla, ira, acidia» 9 2 . A d e f i n i ç ã o a p o n t a d a e n c e r r a duas v e r t e n -
Palmini, 1742-1744 (Col. da
tes: a p r i m e i r a estabelece a separação e n t r e p e c a d o venial e p e c a d o m o r t a l , a
Capela de São João Baptista
da Igreja de São Roque). s e g u n d a a t e n d e aos t e m p o s e circunstâncias d o p e c a d o c u i d a d o s a m e n t e i n u -
Lisboa, Santa Casa da m e r a n d o e classificando as acções, obras, palavras, p e n s a m e n t o s e omissões,
Misericórdia. q u e d ã o c o n t e ú d o ao p e c a d o , a o e r r o , q u e as circunstâncias a j u d a m a e n c e r -
F O T O : JOSÉ MANUEL rar n u m a das duas categorias iniciais.
OLIVEIRA/ARQUIVO C Í R C U L O A t e n t a ç ã o n ã o é p e c a d o mas é o c a m i n h o q u e a ele c o n d u z caso n ã o se
DE LEITORES.
lhe resista. N e s t a m e s m a lógica c a m i n h a t o d a a a f i r m a ç ã o c a t e q u é t i c a , m u i t a s
vezes oralizada n o s s e r m õ e s , q u e r e f o r ç a a d i m e n s ã o a c o n c e d e r aos p e c a d o s
veniais, aqueles q u e p o d e m a c o n t e c e r n o d i a - a - d i a c o m mais facilidade e q u e
passam mais d e s p e r c e b i d o s n o c r i v o d o e x a m e d e c o n s c i ê n c i a o u n o d o c o n -
fessor.
N o seu e s t u d o f u n d a m e n t a l s o b r e a «culpabilização n o O c i d e n t e » , n o s sé-
culos x i i i a x v i n , J e a n D e l u m e a u estabelece u m «território d o confessor» 9 3
d e l i m i t a d o pelas g r a n d e s categorias d e p e c a d o . As categorias referidas s ã o - n o s
h o j e , s o b r e t u d o , reveladas pelos m a n u a i s d e confessores, obras q u e f o r a m
c o n s t r u í d a s para s e r e m a base da d i v u l g a ç ã o da e s t r u t u r a d o p e c a d o e n t r e os
confessores e os fiéis, t o d o s eles c o n s i d e r a d o s capazes d e p e c a r . Apesar d o
a f a s t a m e n t o q u e tais c o m p i l a ç õ e s c a t e q u é t i c o - c a s u í s t i c a s p o d e m t e r das p r á t i -
cas diárias dos c r e n t e s elas p e r m i t e m a c o m p r e e n s ã o d o s u n i v e r s o s p e c a m i n o -
sos q u e mais p r e o c u p a v a m a Igreja, s e n d o p o r isso fixados para d i v u l g a ç ã o
e x e m p l a r . O «território d o confessor», tal c o m o e s t a b e l e c i d o p o r D e l u m e a u ,
t e m p o r c o n t e ú d o os p e c a d o s d e inveja, d e luxúria, d e usura e avareza e d e
preguiça94.

540
R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES D E CULTO

A a p r o x i m a ç ã o assim possibilitada pelos manuais, c o n s t i t u i n d o este c o r p o de


pecados c o m o o m e r e c e d o r de m a i o r luta pastoral e c o n d e n a ç ã o social, é verifi-
cável e m l e v a n t a m e n t o s feitos a partir de penas inquisitoriais, de cartas de p e r -
d ã o registadas ao l o n g o das chancelarias régias o u nas acusações encontradas nas
diferentes visitas diocesanas. P o d e - s e acrescentar, c o m o aferição das e n u m e r a -
ções referidas, o facto d e os pecados salientados serem d e forte incidência u r b a -
na. Este d a d o é i m p o r t a n t e pois sabemos q u e , desde o século xii, a cidade apa- São Miguel derrotando o
rece c o m o o local de todas as perdições e pecados, assim j u l g a d o p o r moralistas demónio com seios de mulher,
óleo sobre madeira de
e pelas o r d e n s m e n d i c a n t e s nascentes. A partir d o século x v esta m e s m a acusa- Mestres de Ferreirim,
ção da cidade c o m o local de p e c a d o é vestida de r o u p a g e n s humanistas e ganha século xvi (Évora, Igreja
detractores e n t r e os defensores da aurea mediocritas, lida nos clássicos e pensada de São Francisco).
u t o p i c a m e n t e c o m o a possibilidade de se voltar a u m a sociedade sem c o m é r c i o , F O T O : JOSÉ M A N U E L
sem bulício, sem c o m p e t i ç ã o lucrativa e s e m exercícios de p o d e r afirmativos. OLIVEIRA/ARQUIVO C Í R C U L O
DE LEITORES.
A iconografia e a alegoria d o p e c a d o p o d e m t a m b é m ajudar a c o m p r e e n d e r
o avanço da sistematização da atitude p e c a m i n o s a q u e m u i t o s manuais e n c e r -
ram. P o r u m lado, a necessidade de clarificar d e f i n i t o r i a m e n t e e na prática, para
q u e os crentes se saibam c o n d u z i r e deixar c o n d u z i r e n t r e pecados veniais e
mortais, p o r o u t r o , a criação de c o r p o s d e pecados, os diferentes septanários, aos
quais se fazem c o r r e s p o n d e r , cada vez mais, idênticos c o n j u n t o s d e opostos, d e
virtudes. Esta p r e o c u p a ç ã o anda m u i t o integrada, mais u m a vez, c o m a cate-
quese, daí q u e se p r o c u r e q u e os septanários e n c o n t r a d o s sejam facilmente m e -
morizáveis, a t i n g i n d o certas f o r m u l a ç õ e s características rítmicas e silábicas d e
oralização m n e m ó n i c a . Muitas destas p r e o c u p a ç õ e s c o m o p e c a d o , os diferentes
vícios, e n c o n t r a m - s e c o m facilidade nas artes plásticas e literárias 9 '.
T a m b é m a partir d o s é c u l o xii, m a s f i x a d o e mais u s a d o a partir d o xiv,
faz-se c o r r e s p o n d e r u m a n i m a l a cada u m dos vícios (o o r g u l h o a u m cavalo
o u u m p a v ã o , a inveja a u m a serpente...). A t é esta data os animais a p a r e c i a m
na i c o n o g r a f i a c o m o participantes da criação, agora s e p a r a m - s e d o h o m e m , o
ú n i c o e n t e c r i a d o à i m a g e m e s e m e l h a n ç a d e D e u s . Escreve D e l u m e a u q u e «à
1 ' é p o q u e o ú m o n t e le s e n t i m e n t d e culpabilité dans l ' E u r o p e des xiV-xvi 1 ' siè-
cles, les inspirateurs d e l'art religieux t e n d e n t au c o n t r a i r e à m a r q u e r l'écart
e n t r e l ' a n i m a l et l ' h o m m e d o n ' t le singe, par e x e m p l e , est la caricature» 9 6 .
Paralela a este crescendo negativo d o r e i n o animal está a culpabilização da
m u l h e r pelo p e c a d o . A m u l h e r , a sua sensibilidade e sensualidade, é das raízes
mais facilmente encontradas para o pecado. E ainda D e l u m e a u q u e c h a m a a
atenção para o padre A n t ó n i o Vieira q u e , n o seu sermão da Desolação dc São João
Baptista, p r e g a d o e m 1652, n o c o n v e n t o de Odivelas, e editado pela primeira vez
e m 1699, escreve a este p r o p ó s i t o q u e «todos os trabalhos e calamidades q u e p a -
d e c e m o s na vida, toda a c o r r u p ç ã o e misérias a q u e estamos sujeitos na m o r t e ,
todos os males, penas e t o r m e n t o s , q u e depois da m o r t e n o s a g u a r d a m , o u e m
t e m p o , o u e m toda a E t e r n i d a d e , tiveram seu p r i n c í p i o e trazem sua o r i g e m
desde o p e c a d o , p o r isso c h a m a d o original. D e toda esta infelicidade foi causa
u m a m u l h e r , e q u e m u l h e r ? N ã o alheia, mas própria, e n ã o criada e m p e c a d o ,
mas i n o c e n t e , e f o r m a d a pelas m ã o s d o m e s m o D e u s . (...) T o d a s as dores, todas
as e n f e r m i d a d e s , t o d o s os desgostos e i n f o r t ú n i o s particulares e gerais, todas as
f o m e s , pestes e guerras, toda a exaltação de u m a s nações, e cativeiro de outras,
todas as m u d a n ç a s e transmigrações de gentes inteiras, das quais o u só f i c o u a
m e m ó r i a dos n o m e s , o u t a m b é m eles c o m elas se p e r d e r a m , todas as destrui-
ções d e cidades e reinos, todas as tempestades, t e r r e m o t o s , raios d o c é u e i n c ê n -
dios, e t o d o o m e s m o m u n d o afogado, e s u m i d o e m u m dilúvio, q u e o u t r o
princípio o u causa tiveram, senão a i n t e m p e r a n ç a e castigo daquela m u l h e r , n ã o
t o m a d a o u r o u b a d a a o u t r e m , senão própria, e dada pelo m e s m o D e u s ao h o -
m e m : Midier, quam dcdisti mihi?»''7.
Esta d i m e n s ã o d o p e c a d o resultante das forças da m u l h e r t e m na representa-
ção pictórica e literária de Maria Madalena u m e x e m p l o conclusivo. O t e m a as-
socia, de u m a vez, a d i m e n s ã o f e m i n i n a d o p e c a d o e a possibilidade de absolvi-
ç ã o q u e este e n c o n t r a na c o n f i s s ã o / a r r e p e n d i m e n t o . « N a s e q u ê n c i a das
deliberações conciliares, os autores portugueses d o ú l t i m o quartel d o século xvi
e d o século xvii r e c u p e r a r a m alguns dos dados biográficos recolhidos t a n t o da
Legenda aurea c o m o nas recolhas hagiográficas quinhentistas, c o m a i n t e n ç ã o de

55I
O DEUS DE T O D O S OS DIAS

Madalena penitente, óleo sobre c o m p o r e m imagens da «santa pecadora» condizentes c o m a m e n s a g e m de e x e m -


tela, de Josefa de Óbidos, plaridade q u e se pretendia veicular, n o m e a d a m e n t e n o c a m p o da necessidade d e
c. 1661 (Óbidos, Igreja de conversão e penitência. I m p u l s i o n a d o p o r estas circunstâncias, Frei H e i t o r P i n t o ,
Santa Maria).
n o «Diálogo da tranquilidade da vida», p u b l i c a d o na sua Imagem da vida cristã, a
FOTO: N U N O CALVET/ARQUIVO p r e t e x t o d o e n c o n t r o e m Marselha das personagens dialogantes, evoca a m e m ó -
CÍRCULO DE LEITORES.
ria dessa « n u v e m resolvida e m lágrimas» q u e tanto impressionava «o português»:
«E ainda q u e todas as vidas dos santos m e espantam, a da Madalena mais q u e a
de m u i t o s outros, e m especial q u a n d o c u i d o c o m q u a n t a v o n t a d e d e i x o u o
m u n d o e as riquezas e vaidades, e se veio m e t e r nesta c o n c a v i d a d e deste o u t e i r o ,
q u e lhes D e u s aqui d e p a r o u , tão longe de sua terra, tão diferente d e suas i m a g i -
nações passadas, e tão c o n v e n i e n t e a suas c o n t e m p l a ç õ e s presentes.» 9 8
C o m o se d e d u z d e todos estes traços a p o n t a d o s na iconografia e na alegoria
literária, o a c e n t o é c l a r a m e n t e p o s t o n o v i c i o / p e c a d o mais d o q u e na v i r t u d e .
P o r isso J e a n D e l u m e a u p o d e escrever, r e l e n d o E m i l e M â l e , q u e «les images
des vertus sont m o i n s n o m b r e u s e s q u e celles des vices, l'Eglise ayant s u r t o u t
c h e r c h é à enseigner les p r e m i è r e s e n d é g o û t a n t des seconds. Peintures, s c u l p t u -
res, vitraux, illustrations des livres i m p r i m é s o n t alors inlassablement a p p u y é par
l ' i c o n o g r a p h i e le message de tant de Miroir de l'âme pécheresse, Destruction des vi-
ces, Doctrine pour les simples gens et autres Art de gouverner le corps et l'âme»".
A d e f i n i ç ã o d e p e c a d o i m p õ e u m a exclusão: a q u e l e s q u e d e l e p a r t i c i p a m
serão e x c l u í d o s p o r D e u s e, n a l g u n s casos, os h o m e n s d o t a d o s d e p o d e r , os
bispos e o Papa, p o d e m e x c l u i r os o u t r o s da p a r t i c i p a ç ã o da vida da Igreja,
assim n a s c e n d o as e x c o m u n h õ e s . Este ú l t i m o t e r m o é c e r t e i r o pois r e a l m e n t e
a g r a n d e exclusão é a da p a r t i c i p a ç ã o na c o m u n h ã o d o c o r p o e s a n g u e d e
Cristo resultante da transubstanciação d e f e n d i d a e t o r n a d a eixo d e f i n i t ó r i o d e se
ser católico. E m 1589, f a z e n d o - s e apelo às d e t e r m i n a ç õ e s t r i d e n t i n a s , e s c r e -
v e u - s e nas c o n s t i t u i ç õ e s q u e D . Frei A m a d o r Arrais m a n d o u p r e p a r a r para a
r e c e n t e d i o c e s e d e P o r t a l e g r e q u e «a e x c o m m u n h ã o m a i o r h e gravíssima
p o e n a , d e q u e a Igreja usa p o r a u c t o r i d a d e de Iesu C h r i s t o n o s s o S ( e n h ) o r
c o n t r a os p e c c a d o r e s d e s o b e d i e n t e s q u e a m o e s t a d o s se n ã o q u e r e m apartar d e
seus p e c c a d o s , p e l o q u e se n ã o d e v e usar delia, s e n ã o pera este e f e i t o , e p o r
m u i t o graves p e c c a d o s , e q u e p o r o u t r a via s e n ã o p o d e m e m e n d a r . E p o r t a n -
t o o S(agrad)." C o n c ( i l i ) . 0 T r i d e n t i n o m a n d a q u e os Bispos e n a m o u t r o s pas-
s e m cartas de e x c o m m u n h ã o » 1 0 0 .
Talvez p o r isso m e s m o a p r e o c u p a ç ã o da m á q u i n a eclesiástica e m controlar
os o u t r o s vá até aos róis de confessados 1 0 1 . C o n s t r u í d o s d e a c o r d o c o m a estru-
tura da freguesia, descrita p o r arruamentos, divididos e m fogos e / o u famílias,

542
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

h i e r a r q u i c a m e n t e organizadas p o r parentesco, neles se a n o t a m os n o m e s de t o -


dos os maiores de sete anos e, sinteticamente, os actos de desobriga pascal. U m a
vez p o r a n o o freguês q u e queira c o n t i n u a r a participar da vida católica deverá
confessar-se e c o m u n g a r . C o m o foi atrás referido, desde o IV C o n c í l i o de La-
trão q u e estava estatuída a obrigação da confissão auricular d o fiel, pelo m e n o s
u m a vez p o r a n o , àquele q u e tinha a cargo a cura da sua alma — «que cada
h u m dos fregueses se confesse a seu p r o p r i o R e i t o r , o u cura, e o n ã o deixe p o r
o u t r o algum, salvo se escolher o u t r o maes letrado, e sufficiente, o u o u v e r e n t r e
elles a l g u m escandalo, o u odio» 1 0 2 . C a d a n o m e registado n o rol deverá ter j u s t a -
posto o acto de confissão e o de c o m u n h ã o . M a n d a m as constituições q u e este
registo seja e f e c t u a d o p o r extenso, «e asi c o m o os confessarem, asentem n o rool:
confessado, p e r sua letra. E depois de os fazer c o m u n g a r , lhe p o n h a : comunga-
dos»103. Muitas vezes n ã o a c o n t e c e assim, pois o freguês q u e se confessou fica r e -
d u z i d o a «C», e o q u e se confessou e c o m u n g o u é grafado «CC» 1 0 4 .
A p r e o c u p a ç ã o organizativa e e n u m e r a t i v a é e x t r e m a , «apparaît, dans
l'histoire c h r é t i e n n e et dans celle d e l'apostolat, u n caractère n o u v e a u : l'esprit
d ' o r g a n i s a t i o n . (...) Il s'agissait là d ' u n e n r i c h i s s e m e n t d e l'outillage m e n t a l d e
l ' h o m m e d ' O c c i d e n t au d é b u t des t e m p s m o d e r n e s » 1 0 5 . Q u a n d o , e m 1565, se
p u b l i c a m as Constitvições synodaes do bispado de Miranda há o c u i d a d o de d e s e -
n h a r c o m o se d e v e a p r e s e n t a r g r a f i c a m e n t e u m a p á g i n a de u m rol d e c o n f e s -
sados, d i s p o n d o - s e a i n f o r m a ç ã o d e a c o r d o c o m as regras estipuladas e d a n -
d o - s e e x e m p l o s c o n c r e t o s (os mais usuais e p o r isso r e t i d o s na m e m ó r i a d o
legislador?), c o m o a p a r e c e m transcritos n o Q u a d r o 11.

543
O D E U S DE TODOS o s DIAS

A formação dos confessores HOUVE UMA CERTA RESISTÊNCIA das p o p u l a ç õ e s à confissão a u r i c u l a r o b r i -


gatória ainda mais q u a n d o , na p r i m e i r a fase d o t e m p o das r e f o r m a s , havia
e dos penitentes ainda f o r t e s d e s c o n f i a n ç a s , m o r a i s e d e f o r m a ç ã o e c a p a c i d a d e i n t e l e c t u a l ,
s o b r e t u d o para u m g r u p o cada vez m e n o s r e s t r i t o d e leitores i n f o r m a d o s e
críticos, e m relação a g r a n d e n ú m e r o de clérigos locais c o m cura d e almas,
afinal aqueles q u e r e c e b i a m a confissão dos p a r o q u i a n o s . P r o c u r a m - s e c o n f e s -
sores distanciados d o local, o u a q u e l e s q u e passam e m missão pastoral, o u q u e
estão n o s santuários d e p e r e g r i n a ç ã o , assim a c o n t e c e n d o nas d e s l o c a ç õ e s a l o -
cais d e c u l t o , s o b r e t u d o m a r i a n o , o n d e cada v e z mais a confissão vai c r e s c e n -
d o c o m o f u n ç ã o implícita d o local.
N ã o só se d i f u n d e a necessidade da confissão, p e l o m e n o s o b r i g a t ó r i a
u m a vez p o r a n o , c o m o se l h e associa a ideia d e u m a «boa confissão». Esta
d e v e r á ser c u i d a d a p e l o p e n i t e n t e c o m a a n t e p o s i ç ã o d o e x a m e d e c o n s c i ê n -
cia e a c o m p a n h a d a d o s e n t i m e n t o d e c o n t r i c ç ã o , de a r r e p e n d i m e n t o i m p e d i -
t i v o d e v o l t a r a cair n o s m e s m o s erros, ao m e s m o t e m p o q u e e n f o r m a d a da
p r e o c u p a ç ã o e m n a d a o m i t i r . U m a o m i s s ã o p o d e inviabilizar a r e c e p ç ã o d o
s a c r a m e n t o . P o r seu lado, o c o n f e s s o r d e v e revestir-se d e h u m a n i d a d e capaz
de o u v i r s e m j u l g a r , discernir e classificar os males d o p e n i t e n t e n u m a d i r e c -
ç ã o espiritual e vivencial para o f u t u r o para q u e n ã o haja recaídas n o m e s m o
p e c a d o . E t a m b é m a a f i r m a ç ã o de u m a descrição de gesto e a n o n i m a t o , p r o -
c u r a n d o o c o n f e s s o r ser, mais q u e t u d o , u m a v o z , d e i x a n d o - s e p e r m a n e c e r
na s o m b r a d o c u b í c u l o d o c o n f e s s i o n á r i o , p o r detrás da grade o u r e d e , e se
a c o n t e c e r q u e a confissão seja cara a cara, c o m o m u i t a s vezes antes da d i v u l -
gação d o c o n f e s s i o n á r i o e d u r a n t e as missões, e s c o n d e r - s e p o r detrás das suas
m ã o s , facilitando c o m esta a t i t u d e o v e n c i m e n t o da v e r g o n h a e respeitos h u -
m a n o s q u e a e x p o s i ç ã o c o n f e s s i o n a l p o d i a c o n s t i t u i r para os p e n i t e n t e s . A d e -
t e r m i n a ç ã o da p r i v a c i d a d e d o e s p a ç o confessional a c e n t u a - s e na o p o s i ç ã o h o -
mem-confessor/mulher-penitente.
Das f o r m a s d e a d m i n i s t r a r o s a c r a m e n t o , n o v a s a t i t u d e s rituais, ao a c o l h i -
m e n t o e d i r e c ç ã o q u e este d e v e m e r e c e r n o c o n f e s s i o n á r i o , p a s s a n d o pela
p r e p a r a ç ã o q u e o c o n f e s s o r d e v e r á ter para distinguir c a s u i s t i c a m e n t e e n t r e t i -
pos e f o r m a s de p e c a d o , c o r r e u m u n i v e r s o d e p r e o c u p a ç õ e s d e f o r m a ç ã o
q u e a e s t r u t u r a eclesiástica t e v e d e suprir. C o l m a t á - l a s o b r i g o u a criar m e i o s
d e f o r m a ç ã o n o t e r r e n o , e n t r e aqueles q u e j á e x e r c i a m o m ú n u s sacerdotal e
a cura d e almas, e r e c o r r e r aos p l a n o s de a p r e n d i z a g e m q u e , a p o u c o e p o u -
c o , m u i t o l e n t a m e n t e e de f o r m a arrastada ao l o n g o d o s séculos x v i a x v n i , se
f o r a m c o n s t r u i n d o n o s seminários.
C o m p r e e n d e - s e p o r isso, c o n s i d e r a d o s t o d o s estes v e c t o r e s , q u e u m a das
g r a n d e s m o t i v a ç õ e s d o s i m p o r t a n t e s e d i f u n d i d o s m a n u a i s d e c o n f e s s o r e s seja
a da i g n o r â n c i a d o clero. P r o c u r a - s e d o m i n a r essa i g n o r â n c i a c o m regras s i m -
ples e claras q u e c o n s t i t u a m tabelas d e a c ç ã o capazes d e sustentar a a c t i v i d a d e
q u o t i d i a n a nas p a r ó q u i a s aos curas de almas. A o m e s m o t e m p o f u n d a m e n -
t a m - s e as n o r m a s c a t e q u é t i c a s e n t r e os leigos q u e , p a r t i c i p a n t e s dessa m e s m a
i g n o r â n c i a a r e s p e i t o d o s a c r a m e n t o e suas i m p l i c a ç õ e s , s o b r e t u d o d e í n d o l e
m o r a l , e r a m assim i n s t r u í d o s e c o n t r o l a d o s na f o r m a d e fazer q u e lhe está as-
sociada. C o m o e s c r e v e u M a r i a d e Lurdes F e r n a n d e s , « n a t u r a l m e n t e , q u a n t o
m a i o r fosse a i g n o r â n c i a d o s c o n f e s s o r e s — n o m e a d a m e n t e q u a n t o à c a p a c i -
d a d e d e distinção e n t r e p e c a d o s veniais e m o r t a i s — mais perigosa se t o r n a v a
a i g n o r â n c i a dos p e n i t e n t e s , p o r q u e m e n o s o b r i g a ç ã o e m e n o s possibilidades
t ê m d e saber se c o m e t e r a m p e c a d o e q u e t i p o de pecado» 1 0 6 .
D o u n i v e r s o m ú l t i p l o de obras escritas, impressas e divulgadas, v i s a n d o a
c o n s t r u ç ã o desta a t i t u d e q u o t i d i a n a d e prática s a c r a m e n t a l f o r m a t i v a i m p o r t a
c h a m a r a a t e n ç ã o s o b r e dois casos c o n c r e t o s . A m b o s são a n t e r i o r e s às sessões
q u e e m T r e n t o , e m 1551, são dedicadas à confissão, o q u e d e m o n s t r a q u e a
t e m á t i c a da confissão e a a t i t u d e da f o r m a ç ã o q u e p r e s s u p õ e m pairava j á nas
p r e o c u p a ç õ e s eclesiásticas. D e v e ser referida, e m p r i m e i r o lugar, a Suma caie-
tana, d e 1525, da a u t o r i a d o d o m i n i c a n o T o m á s d e V i o , t r a d u z i d a e m língua
castelhana e m 1556 p o r P a u l o d e Palácio, c o m u m a p r i m e i r a e d i ç ã o e m Lis-
b o a , p o r J o ã o Blávio, e m 1557. E m s e g u n d o lugar o Manual de confessores &
penitentes, da a u t o r i a de u m f r a n c i s c a n o , q u e t u d o leva a s u p o r ser Frei R o -

544
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

d r i g o d o P o r t o , q u e t e v e a sua p r i m e i r a e d i ç ã o e m 1549, e m C o i m b r a , p o r
J o ã o Barreira e J o ã o Alvares. O Manual de confessores t e v e sucessivas edições,
das quais a mais p r o f u n d a aparece, pela p r i m e i r a vez, e m 1552, resultante das
a p o r t a ç õ e s qualitativas q u e f o r a m integradas n o t e x t o inicial p e l o seu r e v i s o r -
- a u t o r , o t e ó l o g o M a r t i n d e A z p i l c u e t a , o d o u t o r N a v a r r o 1 " 7 . N a certeza da
q u a l i d a d e dos e n s i n a m e n t o s e d e n o t a n d o a sua d i v u l g a ç ã o , l o g o e m 1565, nas
Constituições da diocese de Miranda, na « C o n s t i t u i ç a m sexta d o T i t v l o sexto» r e -
c o r d a v a - s e ao c o n f e s s o r q u e «depois de o u u i d o s & p e r g u n t a d o s pola o r d e m
dos m ã d a m ê t o s & p e c c a d o s m o r t a e s , c i n c o sentidos, & obras de m i s e r i c ó r d i a
p o l o i n t e r r o g a t ó r i o d e C a y e t a n o , 011 d e a l g u m b õ c o n f e s s i o n a i r o , o u t e n d o o
na m ã o pera sua l e m b r a n ç a , c o m o fazê m u y t o s h o m ê s d o c t o s q u e n a m c o n -
f i a m d e sua m e m o r i a » 1 0 8 é q u e d e v e r i a h a v e r confissão.
R e a l m e n t e é necessário c o m p r e e n d e r o d e s e n v o l v i m e n t o c o n c e d i d o às f o r -
mas, m é t o d o s e m e i o s q u e se r e q u e r e m a u m confessor a partir d o século xvi.
P r e t e n d e - s e j u l g a r os p e n i t e n t e s e aplicar-lhes o u dar-lhes c o n h e c i m e n t o das
consequências da sua culpa. D e s t e m o d o se pressupõe desde l o g o q u e a confis-
são é n ã o só u m m o m e n t o de autoculpabilização c o m o u m t e m p o de absolvi-
ção q u e visa o «não t o r n a r a» renascido n o a r r e p e n d i m e n t o q u e é c o n c e d i d o
<3 R o s t o de Compendio e
pelo c o n h e c i m e n t o das ofensas causadas a D e u s p o r essas culpas, q u e r dizer, r e -
sumario de confessores, 1567
sultando d e u m saber o q u e é errado e qual o certo q u e se lhe o p õ e . Aliás, o
(Lisboa, Biblioteca Nacional).
c o n t r o l o confessional, e logo social a diferentes níveis, desde o dos g r u p o s s o - F O T O : LAURA GUERREIRO.
ciais e n t r e si até à articulação dos vários p o d e r e s e m presença, pressuposto na
desobriga pascal, d e t e r m i n a d o e legislado nas diferentes constituições, registado
Breve memorial dos pecados e
nos R ó i s de Confessados, é afinal u m m e i o de aferição d o nível doutrinal, q u e cousas que pertençc ha cÕfissã, de
o m e s m o é dizer de constatação dos avanços e recuos, qualitativos e quantitati- Garcia de Resende, Lisboa,
vos, d o saber persuadir, pelos confessores, q u e são os sacerdotes c o m cura d e 1521 (Lisboa, Biblioteca
almas, e da aceitação da persuasão, pelos crentes, p o r m e i o das suas «artes». E m Nacional).
conclusão u m a f o r m a de aferição da interiorização da catequese católica. F O T O : LAURA GUERREIRO.

545
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

Norte de cõfessores, de Luís As «artes» da confissão, antes e d e p o i s de T r e n t o , f o r a m p o r t a d o r a s das


Rodrigues, 1546 (Lisboa, m u i t a s o r i e n t a ç õ e s q u e se d e v i a m d i v u l g a r para s e r e m interiorizadas pelos
Biblioteca Nacional). confessores e p e n i t e n t e s , m a n t e n d o - s e o e l e v a d o n ú m e r o de e d i ç õ e s d o a l v o -
F O T O : LAURA G U E R R E I R O . r e c e r da m o d e r n i d a d e até final d e S e t e c e n t o s , d e c a i n d o d u r a n t e a c e n t ú r i a d e
O i t o c e n t o s . Desta p e r m a n ê n c i a editorial, d e n o t a n d o p r e o c u p a ç ã o d o u t r i n a l e
[> Manual de confessores e ascética, é e x e m p l o a o b r a d o h o m e m d e c o r t e Garcia de R e s e n d e , Breve me-
penitètes, de Martini de
morial dos pecados e cousas que pertence ha cõfissã, de 1518-1521; de Frei A n t ó n i o
Azpilcueta, 1549 (Lisboa,
Biblioteca Nacional). de B e j a o Memorial de pecados: Nova arte de confissam, d e 1529; o Memorial de
cõfessores de Frei Brás de Barros, de 1531, e s p e c i a l m e n t e v o c a c i o n a d o para a
F O T O : LAURA G U E R R E I R O .
i d e n t i f i c a ç ã o dos p e c a d o s mortais; a m u i t o divulgada t r a d u ç ã o d o castelhano,
pela p r i m e i r a v e z e m 1540, d o Norte de confessores, a t r i b u í d o ao p r e g a d o r d e
D . J o ã o III, Frei Francisco M o n ç o n ; a q u e se segue o Manual de confessores &
penitentes t r a b a l h a d o p o r M a r t i n de A z p i l c u e t a , q u e se t o r n o u o mais p r o c u r a -
d o , e l o g i a d o e a c o n s e l h a d o pela o r t o d o x i a , c o m e d i ç õ e s sucessivas desde 1552;
as duas partes d o Guia de pecadores de Frei Luís de G r a n a d a , r e s p e c t i v a m e n t e
de 1556 e 1557, q u e o p o d e r da sua o r d e m e a sua i m a g e m de v i r t u d e t o r n a -
r a m m o d e l a r e s t a m b é m n o q u e à p e n i t ê n c i a respeitava; o Tratado de avisos de
confessores, revisto p e l o d o m i n i c a n o Frei M a r t i n h o d e Ledesma e e d i t a d o e m
1560, a m a n d a d o de D . Frei B a r t o l o m e u d o s M á r t i r e s , para a sua diocese; o
Exame de consciência de M a n u e l de G o e s d e V a s c o n c e l o s , de 1615, e m q u e a
p r e o c u p a ç ã o é posta na relação d o e x a m e d e c o n s c i ê n c i a c o m a utilização
[> Tabernáculo, prata f r e q u e n t e da confissão; o u as Instruções para novos confessores (em que se trata
cinzelada, c. 1760 (Coimbra, miudamente de toda a pratica do Sacramento da Penitencia), d e Frei J o ã o d e D e u s ,
Museu Nacional Machado de publicadas e m 1796.
Castro).
V ã o neste s e n t i d o as «artes» q u e , e m resultado d i r e c t o dos c â n o n e s c o n c i -
F O T O : D I V I S Ã O DE liares, passaram às constituições o u as q u e , n o s e n t i d o c a t e q u é t i c o a p o n t a d o ,
D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
/ I N S T I T U T O PORTUGUÊS DE passaram aos catecismos. São u m b o m e x e m p l o as n o r m a s de p e d a g o g i a d o u -
M U S E U S / J O S É PESSOA trinal q u e a n d a r a m apensas às constituições de D . D i o g o d e Sousa, q u e r e l e -

546
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

547
O D E U S DE TODOS o s DIAS

v a m esta p r e o c u p a ç ã o ainda n o final d o s é c u l o xv, mais c o n c r e t a m e n t e e m


1497"". D . Frei B a r t o l o m e u d o s Mártires, e m c o n j u n t u r a t r i d e n t i n a , faz editar
o seu Catecismo e práticas espirituais, e m Braga, n o a n o de 1564, na oficina d e
A n t ó n i o d e Mariz. E m 1566 é e d i t a d o o Catechismus ex decreto concilii Tridciitiui
ad parochos, p r o p o s t o p e l o c o n c í l i o l o g o e m 1546, e q u e ficará c o n h e c i d o p o r
« C a t e c i s m o d e São P i o V» (papa e n t r e 1565 e 1672). Cathecismo romano foi o tí-
t u l o e n c o n t r a d o , e m 1590, para a sua t r a d u ç ã o e m p o r t u g u ê s p o r C r i s t ó v ã o d e
M a t o s p o r m a n d a d o d o arcebispo de Lisboa D . M i g u e l de C a s t r o , e d i t a d o n a -
quela c i d a d e p o r A n t ó n i o Alvares. E m a m b o s os catecismos a confissão m e r e -
ce a t e n ç ã o cuidada, o q u e d e n o t a o carácter e d u c a t i v o q u e o s a c r a m e n t o assu-
m i u , d e n t r o da lógica de p e d a g o g i a f o r m a t i v a da R e f o r m a católica.
Este t e m a m e r e c e , n o Catecismo d e D . Frei B a r t o l o m e u dos Mártires, u m a
a t e n ç ã o cuidada pela d i m e n s ã o m o d e l a r q u e assumiu, c o n s e g u i d a pela sua c r i -
teriosa e x p l a n a ç ã o d o u t r i n a l a c o m p a n h a d a da d i m e n s ã o de r e f o r m a d o r q u e o
seu a u t o r a d q u i r i u , na linha de P e d r o de R i b e r a o u d e Carlos B o r r o m e u 1 1 0 .
N o Livro primeiro: Da doutrina Cristã c o m e n t a a a f i r m a ç ã o d o c r e d o , «creio a
remissão dos pecados», c o n c l u i n d o os e n s i n a m e n t o s r e a f i r m a n d o q u e «a r e m i s -
são dos p e c a d o s , q u e neste artigo confessamos, é f u n d a m e n t o de todas as n o s -
sas esperanças d e salvação e b e m - a v e n t u r a n ç a (...). M a s n ã o espere n i n g u é m
alcançar esta remissão fora da Igreja católica e apostólica» 1 1 1 . A i n d a neste Livro
o s a c r a m e n t o da p e n i t ê n c i a volta a ser t r a t a d o q u a n d o explana a a f i r m a ç ã o d o
pai-nosso, « P e r d o a - n o s as nossas dúvidas assi c o m o n o s p e r d o a m o s aos nossos
devedores», o u ao explicar os m a n d a m e n t o s da D i v i n a Lei, sejam eles a s o b e r -
ba e os «sete vicios capitais», o u os «preceitos da Santa M a d r e Igreja», aí se sa-
l i e n t a n d o o s e g u n d o , q u e e x p l i c i t a m e n t e m a n d a «confessar-se t o d o cristão p e -
lo m e n o s úa vez e m cada ano» 1 1 2 . É n o Tratado dos sacramentos q u e as n o r m a s
d o u t r i n a i s a ensinar se t o r n a m mais extensas e c o n t í n u a s d i r i g i n d o - s e a u m
t e m p o aos confessores e aos p e n i t e n t e s . A o s p r i m e i r o s m a n d a - s e q u e se c u i d e
a sua aplicação pois, c o m o D . Frei B a r t o l o m e u dos Mártires escreve n u m a p o -
sição q u e assume c o n t i n u a d a m e n t e d e p a r t i c i p a n t e das n o r m a s q u e m a n d a o u
c o m u n i c a , q u e «se c a í m o s e m d o e n ç a d o p e c a d o m o r t a l , c u r a m o - n o s p o l o sa-
c r a m e n t o da p e n i t ê n c i a , arrevessando e l a n ç a n d o fora p e r h u m i l d e e dolorosa
confissão os perniciosos h u m o r e s d e nossos p e c a d o s » " 3 . Mais a d i a n t e o l o u v o r
da d i m e n s ã o de tal prática sacramental volta a ser r e f e r i d o e e n a l t e c i d o d e f o r -
m a ainda mais clara aos leitores o u o u v i n t e s f a z e n d o - s e uso d e r e f e r e n t e s de
a u t o r i d a d e b e m mais palpáveis às p o p u l a ç õ e s d o q u e a dos padres conciliares,
c o m o são os santos, e utilizando expressão legislativa para consolidar a transfe-
rência d e p o d e r e s q u e , c o m o n o caso real, e r a m delegados in solido. Escreve o
bispo r e f o r m a d o r q u a n d o se refere à relação p e c a d o - c o n f e s s o r - p e n i t e n t e q u e
«em lugar de o l o g o afogar e c o n d e n a r [ao p e c a d o r ] , c o m o j u s t a m e n t e podia,
d á - l h e [Deus] úa tábua e m q u e n a v e g u e e se salve, e v e n h a a p o r t o da salva-
ção. Esta tábua, d i z e m os Santos, é a sagrada confissão feita ao p r ó p r i o s a c e r d o -
te q u e t e m cura de almas, ao qual o S e n h o r d e u p o d e r pera, e m pessoa d'Ele,
p e r d o a r e absolver dos pecados q u e lhe fossem c o n f e s s a d o s » " 4 .

Estas o r i e n t a ç õ e s d e v e r i a m ser l e m e da a c t u a ç ã o d e t o d o s a q u e l e s q u e ti-


n h a m a c a p a c i d a d e e o p o d e r d e confessar. « C o n v i r á l e m b r a r q u e n e m t o d o s
os sacerdotes p o d i a m ser confessores. A p e n a s os q u e t i n h a m p o d e r d e " j u r i s -
d i ç ã o " , o u seja, a u t o r i z a ç ã o d o s u p e r i o r , c o m o b e m a c e n t u a m t o d o s os m a -
nuais — e todas as obras, s o b r e t u d o n o r m a t i v a s — q u e se d e b r u ç a m s o b r e as
c o n d i ç õ e s d e a d m i n i s t r a ç ã o d o s a c r a m e n t o da p e n i t ê n c i a . A insistência na v e -
rificação d o " p o d e r " d o c o n f e s s o r r e l a c i o n a v a - s e m u i t o e s p e c i a l m e n t e c o m a
falta d e " c o m p e t ê n c i a " específica d e m u i t o s deles, para j á n ã o falar d e u m a
" i n c o m p e t ê n c i a " geral.»"'' A c o m p e t ê n c i a d o c o n f e s s o r d e v e revelar-se e es-
tar p r e s e n t e d u r a n t e a confissão. O a c o l h i m e n t o d o fiel q u e se q u e r s u b m e t e r
ao s a c r a m e n t o d e v e ser s i n c e r o e h u m a n i z a d o , p o r f o r m a a possibilitar a r e -
p e t i ç ã o e n ã o causar o a f a s t a m e n t o , e d e v e ser c o n v i n c e n t e , o c o n f e s s o r pelas
suas a t i t u d e s orais e c o n s e l h o s d e v e dar d i r e c ç ã o , q u e o m e s m o é d i z e r q u e o
fiel d e v e ser c a t e q u i z a d o d e f o r m a persuasiva, n o r m a t i v a e n ã o t i t u b e a n t e , na
posição d e p o d e r c o n d e n a t ó r i o , p e n i t e n c i a l e, p o r fim, a b s o l v e n t e e g r a t u l a -
tório que o sacramento envolve.

548
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

Por seu t u r n o aos penitentes q u e se s u b m e t e m à confissão t a m b é m se exi-


ge u m a determinada formação. Para além d o saber sobre o próprio sacramento
e suas exigências rituais e canónicas, aquele q u e se q u e r confessar deve saber o
seu c a m i n h o , deve ter-se s u b m e t i d o a u m exame de consciência, revelador da
sua capacidade de a u t o - e x a m e , q u e o m e s m o é dizer d o seu saber introspecti-
vo. Assim o p r e v ê e m , e m 1565, as constituições d o bispado de Miranda ao d e -
t e r m i n a r e m q u e «& e m cada cousa destas e x a m i n e m u y bè sua consciência,
pera ver os peccados q h o u u e r e m c o m e t i d o , & quãtas vezes os cometérã, p r o -
curado depois de se hauer apartado delles, ter verdadeiro pesar & a r r e p e n d i -
m e n t o de os h a u e r cometido» 1 1 6 . N o Alentejo, e m 1572, o licenciado Aires da
Luz, visitador d o arcebispado de Évora, lembra ao prior de Entradas o cuidado
q u e deverá ter para c o m os seus paroquianos ensinando-lhes «a maneira q u e an
de ter e m suas confissõis e h o t e m p o q u e an de t o m a r pera e x a m i n a r e m b e m
suas consciências e sem este e x a m e não d e v e m ser ouvidos n e m admittidos a
confissam p o r q u e se p o r negligencia de não t o m a r e m h o t e m p o necessário p a -
ra cuidarem e m suas culpas deixam de confessar alguns peccados mortais a tal
confissam h e nulla e sam obrigados tornar se a confessar de novo» 1 1 7 .
Essa atitude de exploração pessoal t e m c o m o f u n ç ã o tornar relacionáveis
o q u e os catecismos e os manuais d e f i n e m c o m o pecado, avultando a separa-
ção entre mortal e venial, e as práticas diárias d o fiel p e n i t e n t e . A afirmação
d o e x a m e pessoal foi a c o m p a n h a d a pela predisposição inculcada n o clero e
versada l a r g a m e n t e e m manuais, c o n d u c e n t e s , u m a e outra, à direcção de
consciência, u m m o m e n t o q u e se p r o c u r o u cada vez mais p e r m a n e n t e e p r e -
paratório da confissão. Esta direcção predispunha o p e n i t e n t e à acusação e, ao
m e s m o t e m p o , permitia ao confessor alargar o seu território, para lá da d e f i -
nição dos pecados, f a z e n d o sentir a necessidade de ultrapassagem d o mal p o r
atitudes de m e l h o r i a de vida que, se consolidadas e m propósitos q u e estavam
para lá d o a r r e p e n d i m e n t o e d o «não tornar a pecar», conseguiam a afirmação
de u m a ascese c o n t i n u a d a e rigorista de preparação para a c o m u n h ã o . T a m -
b é m esta ideia n ã o se p e r d e e acabará p o r vingar. Já e m p l e n o século x v i n a
confissão é muitas vezes definida e, o q u e é de salientar, está interiorizada n o
dia-a-dia dos fiéis c o m o o sacramento q u e p e r m i t e o acesso à c o m u n h ã o .

A o APARECEREM INSTRUMENTALIZAÇÕES SOCIAIS, d e m a r c a d a d i m e n s ã o po- Instrumentalizações da


lítica, d o sacramento da penitência, somos levados a tirar algumas ilações.
confissão
A primeira seria a constatação dos resultados positivos encontrados na imposi-
ção das obrigações confessionais aos católicos. Só assim se c o m p r e e n d e a n e -
cessidade de apresentar c o m o erro a solicitação e a quebra de segredo confes-
sional, o siligismo, q u e se lhe agregou. O p o d e r constítuido, e falamos de u m
t e m p o de p o d e r m a r c a d a m e n t e afirmativo, durante o consulado de Pombal,
t e m e a instrumentalização q u e agentes d o clero possam fazer dos fiéis, c o n t r i -
b u i n d o para u m a manietação da extensão do p o d e r régio, ou seja, n u m senti-
d o m e n o s racional d o q u e aquele considerado desejável pelos ilustrados. Afinal,
u m acontecer e m t u d o m u i t o semelhante, m e n o s e m algumas ideias de f u n d o
e actuações, àquele q u e se deu na m o n a r q u i a francesa t e m e n t e das adorações
jansenistas. O t e m p o político é, pois, propício a atitudes deste teor interventi-
vo. C e n t r a r o problema da solicitação e d o sigilismo significa a p r o f u n d a r a di-
nâmica da prática sacramental da penitência e perceber até o n d e é q u e o papel
d o confessor, de alguns confessores, se assumiu c o m o u m a força interveniente
socialmente e, c o n s e q u e n t e m e n t e , aferir da intensidade quantitativa e de quali-
ficação dos actos de consciência entre os fregueses q u e se penitenciavam.
O q u e i m p o r t a considerar é q u e os factos, q u e se c o m e ç a r a m a divulgar
m u i t o cedo, logo e m m e a d o s d o século XVII e a p r o p ó s i t o dos m o v i m e n t o s
nesse sentido e m Sevilha, e q u e o Papa t e m necessidade de d o m i n a r através
de d o c u m e n t o s sucessivos, publicados e m 1561, 1608, 1622 e 1741, p o r Pio IV,
Paulo V, G r e g ó r i o X V e B e n t o X I V , fazem associar a rigor confessional a
práticas de solicitação e de q u e b r a de sigilo da confissão auricular. N o seu es-
t u d o sobre esta prática de p e c a d o e suas implicações sacramentais p e n i t e n -
ciais, J u a n A n t o n i o Alejandre clarifica q u e «solicitar es requerir, rogar, p r e -
t e n d e r , procurar. Cada una de ellas d e n o t a una actitud suplicante, q u e n o

549
O D E U S DE TODOS o s DIAS

p r e j u z g a la c o n s e c u c i ó n , el ê x i t o d e la instancia. N o t o d o el q u e solicita algo


t i e n e la garantia d e q u e lo ha d e c o n s e g u i r . P e r o n o es éste el ú n i c o d a t o c o -
m ú n : e n t o d a s las e x p r e s i o n e s aflora la r a z ó n d e ser, el o b j e t i v o final dei r e -
q u e r i m i e n t o : la p o s e s i ó n d e u n a m u j e r , el acceso carnal c o n ella. C u a n d o el
p r o c e d i m i e n t o de s e d u c c i ó n lo p o n e e n práctica q u i e n , s i e n d o s a c e r d o t e , a c -
túa c o m o c o n f e s o r y e n el a c t o d e o í r e n c o n f e s i ó n a u n a m u j e r p e n i t e n t e , se
p r o d u c e u n a s i t u a c i ó n q u e a la Iglesia le interesa d e u n a m a n e r a especial. Para
la legislación eclesiástica y para la d o c t r i n a moralista, la c o n d u c t a d e u n sacer-
d o t e c o m o éste n o t r a d u c e u n m e r o j u e g o a m o r o s o , u n a táctica d e c o n q u i s t a ,
sino q u e se resuelve e n u n p e c a d o a la vez q u e e n u n delito, tipificados a m -
b o s c o m o solicitatio ad turpia in confessione. El o b j e t i v o q u e se p e r s i g u e es " t o r -
p e " , es decir, d e s h o n e s t o , i m p ú d i c o , lascivo, el a u t o r d e los h e c h o s . H a y e v i -
d e n c i a d e q u e la c o n d u c t a dei c o n f e s o r a t e n t a c o n t r a el s e x t o m a n d a m i e n t o ,
p e r o h a y algo más i m p o r t a n t e : es la utilización abusiva d e la c o n f e s i ó n sacra-
m e n t a l c o m o i n s t r u m e n t o , ocasional o d e l i b e r a d o , para sus p r o p ó s i t o s , d e lo
q u e c o n v i e r t e el h e c h o e n sacrílego y acaso herético» 1 1 8 .
T a l c o m o v i n h a a c o n t e c e n d o c o m o m u n d o d o p e c a d o q u e era cada v e z
mais m o r a l , d e m o r a l c o r p o r a l e sexual, t a m b é m a q u i os assomos d e q u e b r a
confessional resvalam para este m e s m o c a m p o . O sigilismo c o m e ç a p o r ser
u m a c t o d e q u e b r a d o s e g r e d o c o n s e g u i d o pelos confessores q u e i m p u n h a m
às suas p e n i t e n t e s f e m i n i n a s , q u e se a c u s a v a m d e a d u l t é r i o , a o b r i g a ç ã o d e
d e s c r e v e r e m d e t a l h a d a m e n t e os actos sexuais e m q u e t i n h a m i n c o r r i d o , o
q u e activava a l u x ú r i a d o s sacerdotes, q u e os processos inquisitoriais d e a c u s a -
ç ã o r e g i s t a m m u i t a s vezes c o m o p a r t i c i p a n t e s activos, solicitantes. J u n t a v a - s e
a esta descrição a d e n ú n c i a d o s n o m e s d a q u e l e s q u e c o m as p e n i t e n t e s t i -
n h a m i n c o r r i d o e m p e c a d o . D a q u i a e x t r a p o l a ç ã o foi r á p i d a q u a n d o se s u g e -
riu m u i t a s vezes q u e os padres sigilistas o q u e faziam era o b r i g a r os seus p e n i -
tentes a revelar c o m p a r t i c i p a n t e s n o s d i f e r e n t e s actos, q u a i s q u e r q u e fossem;
mais, se p r e s s u p u n h a q u e esses sacerdotes p o d i a m o u f a z i a m u s o da i n f o r m a -
Arrependimento de São Pedro, ç ã o assim apensa ao a c t o confessional.
de Fernão Gomes (Évora,
Arquivo Público e Distrital). O caso t e v e e m P o r t u g a l c o l o r a ç õ e s m u i t o p r ó p r i a s pois e n v o l v e u esta
F O T O : ARQUIVO CÍRCULO
prática c o m a a t i t u d e rigorista e antilaxista d o s bispos e seus p a d r e s d i o c e s a n o s
DE LEITORES. o u s i m p l e s m e n t e d a q u e l e s sacerdotes q u e , espalhados p e l o país, l u t a v a m pela
v a l o r i z a ç ã o d o s s a c r a m e n t o s para lá d o e x e r c í c i o e x t e r i o r a q u e as práticas
diárias e ritualistas m u i t a s vezes c o n d u z i a m , o q u e se c o m p r e e n d e ainda m e -
l h o r se as o l h a r m o s inseridas na m e n t a l i d a d e artificiosa b a r r o c a . É c o n t r a este
c a m p o q u e se situam, l o g o e m 1745, a p u b l i c a ç ã o da carta pastoral d e D . T o -
más d e A l m e i d a , p r i m e i r o patriarca d e Lisboa, e o edital d o i n q u i s i d o r - m o r
D . N u n o da C u n h a , este ú l t i m o c o m força e â m b i t o n a c i o n a l . A sua p u b l i c a -
ç ã o o b r i g a os^ bispos rigoristas, ditos j a c o b e u s , a ripostar, assim o f a z e n d o o
a r c e b i s p o d e É v o r a , D . M i g u e l d e T á v o r a (1739-1759) e os bispos d o Algarve,
Elvas e C o i m b r a , r e s p e c t i v a m e n t e D . I n á c i o d e Santa T e r e s a (1740-1751),
D . Baltasar de Faria Vilas-Boas (1743-1757), e D . M i g u e l da A n u n c i a ç ã o (1739-
-1779). N ã o a c e i t a n d o , tal c o m o o patriarca e o i n q u i s i d o r - m o r , as práticas si-
gilistas q u e c o n s i d e r a m c o n d e n á v e i s e q u e d e f e n d e m n ã o ter nas suas dioceses
o p e s o q u e lhes é a t r i b u í d o n o s d o c u m e n t o s c o n d e n a t ó r i o s , n ã o d e i x a m d e
ripostar c o n t r a a i n t r o m i s s ã o de d i r e i t o praticada, mais u m a v e z pela I n q u i s i -
ção, respaldada n o p a t r i a r c a d o , igreja d i o c e s a n a d e Lisboa, m e l h o r , da c o r t e e
d o rei, q u e e s c u d a d a n e s t e ú l t i m o t e n t a o r i e n t a r e dirigir as restantes dioceses,
afinal t ã o a u t ó n o m a s q u a n t o a p r i m e i r a 1 1 9 .
O significado desta a t i t u d e d e f u n d o é n o t á v e l se se e n t e n d e r d o p o n t o d e
vista d o p e s o d o s a c r a m e n t o da confissão n a s o c i e d a d e . U l t r a p a s s a n d o agora
os sucessivos d e s e n v o l v i m e n t o s q u e a q u e s t ã o terá nas esferas d e p o d e r n a c i o -
nal, q u e p o d e m o s i n c l u i r e m t o d a a q u e r e l a regalista q u e o s é c u l o x v n i levará
até às suas últimas c o n s e q u ê n c i a s teóricas e d e prática política, o q u e fica
m u i t o claro é q u a n t o a prática confessional definia f o r m a s d e a c t u a r e, p o r
o u t r o l a d o , c o m o era área d o religioso e m q u e a s o c i e d a d e se i m b r i c a v a .
O e s f o r ç o d e d i v u l g a ç ã o d o a c t o confessional, q u e se v i n h a e m p r e e n d e n d o
c o m vista a u m a m a i o r salvação d e almas, acaba p o r c o n d u z i r c o m a sua p r á -
tica a mais u m m e i o d e c o n t r o l o q u e p e r m i t e atingir esferas m u i t o pessoais.

550
CENTRO DL tSWDÜò DL HlSlÜHiA HÜJGlDSA
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

Estas querelas e c o n f r o n t o s p e r m i t e m verificar até o n d e vai o peso d o sacra-


m e n t o e c o m o a m á q u i n a confessional se torna arma q u e , pelo recurso q u e a
obrigação vinha t o r n a n d o habitual, acoplada c o m a direcção de consciências,
p r o p o r c i o n a a criação de esteios d e o p i n i ã o , logo de p o d e r , a n ã o desprezar
pelo estado e utilizáveis pela Igreja c o m o capazes de criar oposições e apoios
a níveis p r o f u n d o s , considerados pessoais e Íntimos, participantes d e esferas
p o u c o controláveis pela lei exterior e aferidora.
D a análise sistemática realizada p o r José Veiga T o r r e s na Inquisição de
C o i m b r a , entre 1541 e 1820, n u m total de 10 374 (100 %) casos analisados, f o -
r a m culpados de «judaizar» 8653 (83,4 %), t e n d o sido acusados e processados
p o r o u t r o tipo de culpas 1721 (16,6 %) indivíduos. D e e n t r e estes últimos, 364
(3,5 %) são processados p o r acções contra a m o r a l (bigamia, s o d o m i a , f o r n i c a -
ção...), dos quais apenas 73 (0,7 %) são processados p o r solicitação. D e a c o r d o
c o m os r i t m o s de p u n i ç ã o e n c o n t r a d o s para o tribunal de C o i m b r a os p r i -
meiros processos a c o n t e c e m n o seu terceiro p e r í o d o , e n t r e 1616 e 1650, q u a n -
d o são acusados p o r solicitação 15 réus. N o p e r í o d o seguinte, e n t r e 1651 e
1695, registam-se mais 23 casos, e e n t r e 1696 e 1762, anos c o r r e s p o n d e n t e s ao
q u i n t o p e r í o d o , são processados 35 réus. O s picos processuais situam-se nos
anos de 1685, c o m seis processados, e nos de 1621, 1688 e 1719, c o m q u a t r o
casos. Q u e r dizer, a temática da solicitação, na área d e acção d o tribunal i n -
quisitorial de C o i m b r a , e n v o l v e entre 1541 e 1820 apenas 73 indivíduos, si-
t u a n d o - s e a acção inquisitorial registada entre 1619 e iy^6]2t). N a Inquisição
de Évora, n o p e r í o d o de 1533 a 1668, «o n ú m e r o de processados p o r solicita-
ção é quase inexistente: 7 casos, 0 , 0 8 % dos processos» 1 2 1 .
Para o século x v i n os n ú m e r o s d e Lisboa c o n s t a m d o Q u a d r o iv. Aí se
p o d e verificar c o m o os d e n u n c i a d o s f o r a m agrupados p o r n o m e s próprios,
vulgares e n ã o identificativos, e c o m o m u i t o s deles n ã o f o r a m presentes à
mesa. D o s 1093 d e n u n c i a d o s apenas f o r a m s u b m e t i d o s 117, e q u i v a l e n d o p e r -
c e n t u a l m e n t e a 10,7 % daquele total, o q u e nos p o d e indiciar o u fraco i n t e -
resse pelas d e n ú n c i a s o u alguma p r o t e c ç ã o corporativa p o r parte da Inquisi-

55I
O D E U S DE TODOS OS DIAS

ção para c o m a q u e l e s q u e , p o r v e n t u r a , p o d e r i a m estar a i n c o r r e r na


solicitação, t e n d o o u n ã o associados aspectos de sigilismo.

O matrimónio: A o MESMO TEMPO QUE o SACRAMENTO da penitência crescia c o m o f o r m a


de passagem entre o m u n d o constante d o p e c a d o e o da possibilidade de sal-
a espiritualidade vação eterna, t a m b é m sobre o s a c r a m e n t o d o m a t r i m ó n i o se verifica u m a
de um sacramento c o n s t r u ç ã o de atitudes q u e assumiam meios de c o n t r o l o n ã o tão consistentes
c o m o o da penitência, p o r q u e n ã o ao nível p r o f u n d o das consciências, mas
aquilo a q u e p o d e r í a m o s c h a m a r espiritualidade de u m sacramento. D e facto,
a Igreja p r o c u r o u m a n t e r o e n q u a d r a m e n t o sacramental da família e n q u a n t o
sociedade n a t u r a l m e n t e organizada. «A p r e o c u p a ç ã o c o m a defesa d o casa-
m e n t o cristão, mais p r o p r i a m e n t e católico», escreve n o seu e s t u d o i n o v a d o r
Maria de Lurdes Fernandes, «havia m o t i v a d o várias das obras da primeira m e -
tade de Q u i n h e n t o s — q u e r aquela se manifestasse c o m o elogio d o c a s a m e n -
to o u c o m o " f o r m a ç ã o / e d u c a ç ã o " d o " e s t a d o " dos casados — " t r a n s f o r m o u -
-se", na segunda m e t a d e d o século, n u m esforço pastoral e catequético, tanto
de divulgação das decisões e orientações tridentinas q u a n t o de elaboração d o
m o d e l o d e " p e r f e i ç ã o " d o c a s a m e n t o a c o m p a n h a d a de u m a acção mais d i r e c -
ta e imediata (...) c o m vista à a d e q u a ç ã o dos c o m p o r t a m e n t o s e atitudes dos
casados à "santidade d o estado".» 1 2 2
Essa p r e o c u p a ç ã o e n c o n t r a - s e nas d e t e r m i n a ç õ e s dos cânones tridentinos
e transmitiu-se, mais u m a vez, às constituições diocesanas. P r e o c u p a m os le-
gisladores os i m p e d i m e n t o s de c o n s a n g u i n i d a d e e de parentesco espiritual; as
idades daqueles q u e se q u e r e m casar; o c a s a m e n t o dos escravos, dos estran-
geiros e dos vagabundos; os casamentos p o r p r o m e t i m e n t o o u p o r «palavras
de presente»; os casamentos clandestinos; a coabitação dos n o i v o s antes das
proclamações; a relação dos dois fiéis c o m a paróquia e p á r o c o q u e adminis-
trará o sacramento; as épocas d o calendário e m q u e os casamentos são p r o i b i -
dos; as proclamações antecipadas e públicas dos n o m e s e famílias dos noivos
para q u e delas tenha c o n h e c i m e n t o a paróquia de sua o r i g e m ; o registo dos
n o m e s dos noivos e p a d r i n h o s e d o a n o e dia d o casamento e m livro p r ó p r i o .
N ã o h a v e n d o q u a l q u e r i m p e d i m e n t o e feitas as proclamações se fará o casa-
m e n t o , q u e p o d e r á a c o n t e c e r «em q u a l q u e r dia, & e m q u a l q u e r hora delle,
mas n a m d e noite, c o m tanto q u e seja na Igreja a o n d e sam fregueses, estando
presentes ao m e n o s duas testemunhas» 1 2 3 .
Acontecerá então a aplicação do sacramento q u e unirá a vida daquele h o -
m e m e daquela m u l h e r até à m o r t e , deixando marcas profundas naquele q u e
sobreviver, q u e deverá adoptar a vivência ascética q u e se vinha preconizando
para o estado de viuvez. O cerimonial é simples mas solene, «estará o Parocho,
ou qualquer o u t r o Sacerdote de sua licença, c o m sobrepeliz vestida, & estola,
fazendo chegar gente, q u e ahi estiuer, pera q u e possam o u u i r as palauras do ca-
samento, & p o n d o o n o y u o a sua m ã o direita, & a noiua a esquerda dirá assi:
(...). Vòs foãa quereis casar, & receber por palavras de presente, p o r vossa v o n -
tade a fulano, q u e aqui está presente, & r e s p o n d e n d o ella, si, perguntará o u t r o
tanto a elle, & dizendo si, os tomará pellos braços, & lhes ajuntará as mãos di-
reitas, & fazendo o sinal da C r u z sobre as ditas mãos juntas, dirá ella primeiro
j u n t a m ê t e cõ o Sacerdote: Eu Foãa recebo a vós f o a m p o r m e u marido legiti-
m o , c o m o manda Deos, & a Santa M a d r e Igreja de R o m a , & logo o n o i u o di-
rá: eu f o a m recebo a vòs foãa p o r minha m u l h e r legitima, assi c o m o manda
Deos, & a Santa M a d r e Igreja de R o m a : & isto dito, dirá o Sacerdote. Ego vos
c o n j u n g o in m a t r i m o n i u m in n o m i n e Patris, & Filij, & Spiritus Sancti» 124 .
Desta linha de actuação sobre o s a c r a m e n t o d o m a t r i m ó n i o são de salien-
tar dois aspectos: a dignificação d o acto, cada vez mais há u m a p r e o c u p a ç ã o
c o m o cerimonal festivo, criando-se à volta d o c a s a m e n t o sacramentado, mais
ainda d o q u e ao r e d o r d o b a p t i s m o , u m a festa de características sociais alar-
gadas. N a s aldeias e zonas rurais toda a p o p u l a ç ã o d e u m m e s m o lugar, e os
c a s a m e n t o s serão s o b r e t u d o de e n d o g a m i a geográfica o u social, p o d e estar
implicada, ser convidada, para u m d e t e r m i n a d o casamento, q u e r dizer, i n -
c u m b i d a d e fazer festa a q u a n d o da constituição de u m a n o v a família sagrada
p o r D e u s p o r m e i o d o ministério clerical.

553
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

O o u t r o a s p e c t o a salientar é o dos a p a d r i n h a m e n t o s e da criação d o s «pa-


r e n t e s c o s fictícios»125. J á a p r o p ó s i t o d o b a p t i s m o se c h a m o u a a t e n ç ã o para a
m u l t i p l i c a ç ã o d e c u i d a d o s q u e s o b r e este t e m a se t i v e r a m . A p r e o c u p a ç ã o
m a n t é m - s e agora, ainda mais r e f o r ç a d a pelas pressões sociais q u e o a c t o m a -
t r i m o n i a l trazia c o n s i g o , daí a p r e o c u p a ç ã o c o m os c a s a m e n t o s e n t r e n o i v o s
c o m graus d e p a r e n t e s c o b i o l ó g i c o p r o i b i d o . A este r e s p e i t o m a n t é m - s e a r e -
gra d e c o n t r o l o e m v i g o r desde o IV C o n c í l i o d e Latrão, o q u a r t o grau d e
p a r e n t e s c o da c o n t a g e m g e r m â n i c a , o q u e n u m casal c o m u m filho e u m a fi-
lha casados, o q u e é u m a taxa d e n u p c i a l i d a d e p e r f e i t a m e n t e viável n o s t e m -
p o s m o d e r n o s , p o d i a atingir u m u n i v e r s o d e 188 c o n s a n g u í n e o s 1 2 ' ' . C a s a m e n -
tos d e l i n h a g e n s , c a s a m e n t o s a f u r t o , c a s a m e n t o s c o m i n t r o m i s s ã o d o a m o r ,
c a s a m e n t o s c o n t r a t u a i s d e g r u p o s sociais desiquilibrados, c a s a m e n t o s d e reis e
rainhas q u e o são d e reinos... tantas e tantas situações c o m p l e x a s e i m p l i c a n d o
p o d e r e s e m q u e os p a r e n t e s c o s se p o d e m entrelaçar.
E m sondagens realizadas p o r D e l u m e a u para a França dos séculos XVII e
XVIII127 n o s sermões, s o b r e t u d o os das missões internas, os grandes pecados aflo-
rados são aqueles q u e respeitam ao c o r p o , aí se e n g l o b a n d o os pecados i g n o m i -
niosos c o m o a s o d o m i a , o u s i m p l e s m e n t e aqueles q u e são resultantes d o a d u l t é -
rio. Esta m e s m a t e n d ê n c i a p o d e - s e n o t a r e m Portugal. N o s seus Diálogos,
editados e m 1589 e r e f u n d i d o s e m 1604, o carmelita Frei A m a d o r Arrais dá c o n -
ta d e todas estas tónicas morais d o casamento, baseando o seu raciocínio n o
c o n c e i t o e implicações práticas d o adultério. N a Invocação de Nossa Senhora es-
creve: «Por se usar este santo S a c r a m e n t o c o m tanta indignidade, e tão p o u c a
Cristandade, p o r se n ã o ter respeito à v i r t u d e d o esposo, o u esposa, mas s o m e n -
te à riqueza, o u n o b r e z a , p o r se n ã o acatar o sagrado a j u n t a m e n t o d o leito m a -
trimonial, c o m o ele m e r e c e , e se n ã o considerar, q u e o m a t r i m ó n i o c o n s u m a d o
figura a u n i ã o q u e há e n t r e Cristo, e a sua Igreja, e q u e antes d e c o n s u m a d o
representa o a j u n t a m e n t o , q u e há e n t r e o m e s m o S e n h o r , e a lama d o j u s t o : e
p o r q u e os casados u s a m d o m a t r i m ó n i o para carnal deleitação, e n ã o para D e u s
lhes dar filhos, q u e e m seu lugar o fiquem servindo; p o r isso t ê m m u i t o s casa-
m e n t o s os m a u s sucessos, q u e v e m o s . (...) V e r d a d e i r a m e n t e p o b r e s de sentidos
são os adúlteros, m u i p o u c o s e n t e m , e m u i m a l se e n t e n d e m . O dia q u e o h o -
m e m casado se d e t e r m i n a adúltero, e servir a m u l h e r alheia, esse dia p õ e e m
f o g o a sua h o n r a , fazenda, e casa, e p õ e e m g r a n d e risco a sua vida, e pessoa.
E q u e paz e n t r e si p o d e m ter os adúlteros, e mal casados?»' 2 8
A m o r a l i z a ç ã o atingia, e m p r i m e i r o lugar, o â m b i t o sexual. Daí a c o n d e n a -
ç ã o das f o r m a s exteriores d e vestir, mais d o q u e a vaidade é t e m i d a a luxúria
q u e aí p o d e estar p r e s e n t e , o u da n u d e z , seja e m imagens, c o m o a de C r i s t o
na C r u z o u a d e São Sebastião, o u aquela q u e p o d e r i a a c o n t e c e r d u r a n t e o b a -
n h o o u à n o i t e . A q u i se inscreve a o p o s i ç ã o aos gestos e m e n e i o s q u e a c o n t e -
c e m d u r a n t e certas danças c o n s i d e r a d a s lascivas, c o m o a l g u m a s q u e , apesar d e
nascidas n o s salões aristocráticos, f o r a m na b a g a g e m d o s a v e n t u r e i r o s e servi-
d o r e s d o rei até ao Brasil e daí v o l t a r a m , e m p l e n o s é c u l o XVIII, cheias d e rit-
m o s e r e q u e b r o s , d e c o n t a c t o s h o m e m - m u l h e r , m u i t o tropicais m a s t a m b é m
m u i t o m a l j u l g a d o s . Seguia-se, e m estreita d e p e n d ê n c i a c o m a esfera d o c o r -
p o r a l - s e x u a l , o â m b i t o m a t r i m o n i a l . O c o m b a t e ao a d u l t é r i o e a defesa da fi-
d e l i d a d e c o n j u g a l , a a f i r m a ç ã o d o s filhos nascidos d o par s a c r a m e n t a d o p e r a n -
te os l e g i t i m a d o s , são partes d e t o d a u m a política d e luta c o n t r a o p e c a d o
sexual e, afinal, i m p l i c i t a m e n t e u m a luta p o r u m a d e t e r m i n a d a c o n c e p ç ã o d e
c a s a m e n t o sacralizado e m q u e os valores firmes e defensáveis c o n t i n u a m a ser
o par d e n o i v o s s u b m e t i d o s , d e p o i s d e p r o c l a m a d o s , aos b e n e f í c i o s d o sacra-
mento do matrimónio.

EM RESUMO DO PENSAR E SENTIR d e t o d a a c o n j u n t u r a religiosa d o s t e m - j \ morte


p o s c o n t u r b a d o s d e T r e n t o , sua realização e d e m o r a d a d i v u l g a ç ã o e a d o p ç ã o ,
Frei B a r t o l o m e u d o s M á r t i r e s d a n d o - l h e v o z , q u e c o n t i n u a r á a ser o u v i d a
m u i t o s a n o s d e p o i s d e registada 1 2 9 , dirá q u e as q u a t r o coisas derradeiras são a
m o r t e , o j u í z o , o i n f e r n o e o paraíso. A d o u t r i n a está f u n d a d a e m t e m p o s d e
t r a d i ç ã o quase i m e m o r i a i s e dá p o r s u s t e n t á c u l o aos c r e n t e s os s a c r a m e n t o s .
E p o r isso q u e n o c a t e c i s m o d o c o m p r o m e t i d o bispo, ao i n t r o d u z i r as a p r e n -

553
O DEUS DE TODOS o s DIAS

Enterrar os mortos, painel de dizagens s o b r e tal t e m a , se escreverá q u e «se e s t a m o s e m risco d e m o r r e r e


azulejos, século xvm passar desta vida, há mister g r a n d e força e especial fortaleza e limpeza, asi pera
(Abrantes, Igreja da pelejar c o n t r a o D i a b o , q u e n a q u e l a h o r a mais f o r t e m e n t e n o s c o m b a t e , c o m o
Misericórdia).
pera dar a q u e l e dificultoso e ditoso salto n o C é u , o r d e n o u o S e n h o r o Sacra-
F O T O : JOSÉ M A N U E L m e n t o da e x t r e m a - u n ç ã o q u e se dá aos q u e estão e m p e r i g o d e morte» 1 3 ".
OLIVEIRA/ARQUIVO C Í R C U L O
DE LEITORES. As constituições d e Viseu d e 1684 c o m e ç a m p o r fazer u m p e q u e n o historial
d o s a c r a m e n t o , as «palavras d o A p o s t o l o S a n - T i a g o p o r q u e se d i u u l g o u a f o r -
m a , & matéria», e a orientação tridentina a seu respeito, « d o n d e o Sagrado
C o n e . T r i d . lhe c h a m o u S a c r a m e n t o dos q u e saem desta vida», r e f e r i n d o d e -
pois as c o n d i ç õ e s da sua administração. Essa administração d e v e ser cuidada n ã o
só nas práticas exteriores q u e o e n v o l v e m , n ã o se esqueça q u e a sua i m p o s i ç ã o
aos fiéis é feita, na g r a n d e maioria das vezes, e m espaço e x t e r i o r e n ã o sacraliza-
d o . P o r isso q u a n d o os párocos f o r e m c h a m a d o s para o administrar « m a n d a r á m
fazer sinal c o m o sino, c o m o h e c o s t u m e , j u n t a a g e n t e necessaria, p r e c e d e n d o
diante a cruz, c o m lanterna, & cirios acesos, & os Clérigos c o m suas sobrepeli-
zes, & c o m a caldeira de agoa b e n t a , & liuro, & o P a r o c h o c o m sobrepeliz, &
Estola roxa, leuarã nas m ã o s e m h u m prato, q u e pera isso hauerà, & cuberta
c o m h ü a toalha, c o m m u i t a decencia a caixa dos Santos oleos, & c o m os mais
Sacerdotes, elle só hirà r e z a n d o o Psalmo d e M i s e r e r e mei» 1 3 1 .
O c r e s c e n t e u s o d o c o n c e i t o d e p e c a d o e suas i m p l i c a ç õ e s sacramentais,
c o m a confissão c o m o c u m e , liga-se r a p i d a m e n t e c o m duas o u t r a s d i m e n s õ e s
q u e i m p o r t a c o m p r e e n d e r para u m a m a i o r p e r c e p ç ã o dos níveis d e e n q u a -
d r a m e n t o das massas d e fiéis n e s t e p e r í o d o . D e u m lado está o c o n s t a n t e a p e -
lo à d o r , s e n d o a P a i x ã o d e C r i s t o q u e m e l h o r c o n c e n t r a todas as suas d i -
m e n s õ e s . A d o r d e C r i s t o foi i n i c i a l m e n t e afastada c o m o cálice a m a r g o m a s
l o g o aceite c o m o r e d e n t o r a e perfeita, c o m o é p e r f e i t o o seu ser d i v i n o . S e n -
d o q u e r i d a e c o n s e n t i d a , e x t e r i o r i z a d a n o s m ú l t i p l o s i n s t r u m e n t o s da p a i x ã o ,
o b j e c t u a l m e n t e figurados nas procissões da S e m a n a Santa e c o n d e n s a d o s na
i m a g e m da c r u c i f i c a ç ã o , e m q u e das chagas d o c o r p o e s c o r r e o s a n g u e s i m -
bólica e t e o l o g i c a m e n t e d e f i n i d o c o m o r e d e n t o r , a s s u m i n d o a sua c o n s u m a -
ç ã o d o l o r o s a a r e p o s i ç ã o da o r d e m p r i m o r d i a l alterada p e l o p e c a d o original.
A apelativa e e m o t i v a d o r da V i r g e m M a r i a t e m o u t r o s recursos significativos
e apelativos. E mais f a c i l m e n t e h u m a n a à c o m p r e e n s ã o d e o u v i n t e s d e p r e g a -

554
R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES D E CULTO

ções e aprendizes d e catequese, ainda mais q u a n d o e n v o l v i d a na i m a g e m da


V i r g e m cravada d e espadas q u e lhe atravessam o c o r a ç ã o , e f a c i l m e n t e assimi-
lada c o m o m o d e l o p o r todas aquelas m u l h e r e s q u e c o n s t i t u í a m p ú b l i c o m a i o -
ritário nas igrejas, q u e t i n h a m n o r m a l m e n t e m e n o r e s a p r e n d i z a g e n s críticas e,
m u i t a s delas, atravessavam d i a r i a m e n t e dificuldades de subsistência p r ó p r i a e
familiar q u e r a p i d a m e n t e e r a m c o n d u z i d a s a esta i m a g e m d e d o r f e m i n i n a .
A d o r j u n t a - s e c o n s t a n t e m e n t e a m o r t e . M o r t e q u e se q u e r presencial, q u o -
tidiana e cénica, c a m i n h o de m e d i t a ç ã o sobre a c o r r u p ç ã o d o c o r p o , d o exterior
corporal e m u n d a n o q u e , u m a vez ultrapassado, conduzirá a u m a vida plena, e m
D e u s . Daí a presença das capelas de ossos q u e se e r e g e m e m lugares de passa-
g e m , c o m o f o r m a d e c h a m a d a d e atenção n o espaço u r b a n o habitado, o n d e o
c o r p o r e d u z i d o a resíduos, sem carne, sem sangue factor de vida, apenas aquilo
q u e se transformará e m p ó , c o n d u z à oração de a u t o c o n t e m p l a ç ã o . A d o r de
ausência h u m a n a e familiar é m o t i v o associado, de fácil recuperação para m e d i -
tação, sucessivamente a p o r t a n d o a referência ao j u l g a m e n t o e m q u e a justiça de
D e u s se exercerá. Ressalta, desta f o r m a , a dificuldade da salvação e e n c a m i n h a - <] Interior da Capela dos
m e n t o transitório e d e possível f u t u r o r e d e n t o r ao Purgatório, simplesmente gra- Ossos de Monforte.
tulatório ao feliz e e t e r n o Paraíso, o u c o n d e n a t ó r i o e sem apelo ao terrível I n - F O T O : JOSÉ M A N U E L
ferno. R e e n c o n t r a - s e , assim, u m dos novíssimos d o h o m e m , o da m o r t e , OLIVEIRA/ARQUIVO C Í R C U L O
DE LEITORES.
implicação final da dor, q u e r c o m o causa, q u e r c o m o purificadora dos pecados.
O s h o m e n s estão t o d o s c o n d e n a d o s à m o r t e p e l o p e c a d o original. O s sa-
Pormenores da Capela dos
c r a m e n t o s , mais q u e os o u t r o s o da p e n i t ê n c i a , são u m a p o r t a aberta p o r
Ossos (Évora, Igreja de São
C r i s t o e m a n t i d a assim pela Igreja para q u e os cristãos se p o s s a m salvar, q u e r Francisco).
dizer, para q u e os cristãos p o s s a m a o m o r r e r estar e m e s t a d o d e graça, livres
FOTOS: JOSÉ M A N U E L
das suas culpas, q u e o m e s m o é d i z e r capazes d e participar n ã o na m o r t e mas OLIVEIRA/ARQUIVO C Í R C U L O
na vida, mais, na vida q u e é e t e r n a p o r q u e r e e n c o n t r a d a pela m ã o d e C r i s t o DE LEITORES.

555
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

Catafalco dos funerais de s o f r e d o r e salvador d e q u e a Igreja é depositária. C o m a m a i o r facilidade arti-


D.João V, 1751, em Exéquias c u l a m - s e os dois s a c r a m e n t o s e x t r e m o s , n o final d o p e c a d o a transição para a
ã Majestade fidelíssima do
graça pela absolvição p e n i t e n c i a l , i m b u í d a da v o n t a d e expressa d e n ã o voltar
Senhor Rey D.João V (...),
Roma, 1751 (Lisboa, a pecar, v o n t a d e c o n f i r m a d a pela m o r t e .
Biblioteca Nacional). E m cada m o m e n t o , q u e se p o d e r á r e p e t i r s u c e s s i v a m e n t e , o cristão d e v e
FOTO: LAURA GUERREIRO.
ter d o r d o p e c a d o , a c o n t r i ç ã o , a d o r da d o r q u e se s e n t e e d e q u e falam os
místicos, n ã o o m e d o dos seus resultados, a atrição. N o c a m p o da p r e p a r a ç ã o
para a m o r t e , p r e f a c i a d o pela confissão e a c o n s e l h a d o q u e seja c o n c l u í d o c o m
a c o m u n h ã o , as portas são abertas à vida q u e , caso n ã o a c o n t e ç a na terra d o s
h o m e n s , será eterna n o r e i n o d e D e u s . A p e s a r de a vida t e r sido d e p e c a d o
cada vez mais a Igreja se esforça p o r a f i r m a r q u e os m o m e n t o s finais são p r e -
ciosos para r e c u p e r a r a alma p e r d i d a . T u d o se p o d e p e r d e r e g a n h a r nesses
m o m e n t o s finais e cruciais.
O t e m a da m o r t e d o c o r p o e da ressurreição d o c o r p o e da alma m e r e c e
alguma a t e n ç ã o . Ele foi r e c o r r e n t e e m pregações e retábulos, u s a n d o - s e a se-
q u ê n c i a sacrificial de Pilatos ao Calvário, o t e m a de base da Via Cruas, aliada à
presença c o n s t a n t e da V i r g e m Maria. N ã o f o g e p o r isso o padre A n t ó n i o V i e i -
ra ao t e m a . D e e n t r e os seu i n ú m e r o s textos possíveis de aclarar sobre o q u e se

556
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

q u e r d i f u n d i r para ser interiorizado pelas diferentes camadas p o p u l a c i o n a i s dois


há f l a g r a n t e m e n t e sintomáticos desta tópica religiosa. E m 1642, na Igreja de
Santa M ó n i c a prega às religiosas agostinhas o Sermão das dores da sacratíssima Vir-
gem Maria depois da morte de seu benditíssimo Filho; dos anos q u e m e d e i a m e n t r e
1653 e 1659, desta vez n o colégio da C o m p a n h i a de Jesus n o M a r a n h ã o , t e m o s
os a p o n t a m e n t o s inacabados da Prática espiritual da crucifixão do Senhor132. A sua
leitura c o n j u n t a p e r m i t e a p r o f u n d a r estes temas e a l i n g u a g e m inultrapassável
d o p r e g a d o r jesuíta dá ao t e m a d i m e n s õ e s d e espectacularidade: «É p o r q u e t o -
dos os i n s t r u m e n t o s q u e c o n c o r r e r a m na paixão d o Filho, f o r a m espada para o
coração da M ã e . Para o c o r p o d o Filho a c r u z era cruz, os cravos e r a m cravos,
os martelos e r a m martelos; mas para o c o r a ç ã o da M ã e a c r u z era espada, os
cravos e r a m espada, os martelos e r a m espada, p o r q u e t o d o s p e n e t r a v a m suas
entranhas, e lhe atravessavam o coração.»' 3 3 A ressurreição n ã o é mais q u e a
c o n c l u s ã o q u e a m o r t e traça ao c o r p o d o r i d o d o h o m e m católico.

A FESTA É COMPONENTE PERMANENTE da s o c i e d a d e m o d e r n a . Fazer festa e O espectáculo da morte


espectáculo, n o s e n t i d o da angariação d e p ú b l i c o s para os mais variados m o -
m e n t o s da vida e m sociedade, é u m a p r e o c u p a ç ã o q u e n ã o deixa d e lado a
m o r t e . Nesses m o m e n t o s espectaculares, possibilitados pela m o r t e d e a l g u é m ,
p a r t i c i p a m os vivos q u e se q u e r e m m a n t e r e m estreita relação c o m a m e m ó r i a
d o d e f u n t o , m e m ó r i a q u e v ã o c o n s t r u i r salientando o u d e n e g r i n d o d e t e r m i -
nadas facetas. São p o r isso todas as constituições m u i t o cuidadosas n o trata-
m e n t o d o c o r p o d e p o i s d e m o r t o , nelas se e n c o n t r a n d o d e t e r m i n a d a s n o r m a s
d e sociabilidade associadas a c e r i m ó n i a s públicas d o a c o n t e c i m e n t o da m o r t e .
S a b e m o s q u e a m o r t e dos grandes foi m u i t a s vezes espectáculo e q u e a d o rei
se p r o c u r a v a q u e o fosse s e m p r e . E n t r e as c e r i m ó n i a s religiosas q u e se q u e r i a m
ricas e c o m m u i t o clero participante, o c o r t e j o f ú n e b r e , a t u m u l a ç ã o e a e r e c -
ç ã o d o m o n u m e n t o f u n e r á r i o c o r r i a m m o d a s , a f i r m a ç õ e s de p o d e r e e r a m d i -
vulgadas realidades de b e m q u e r e r e alianças q u e se q u e r i a m t o r n a r públicas.
« F r e q u e n t e s e r a m os f u n e r a i s d e pessoas q u e f a l e c i a m e m o d o r d e s a n t i d a -
d e e envoltas n u m h a l o d e m a r a v i l h o s o , a atrair n u m e r o s o p ú b l i c o , c o m o : o
d o d o m i n i c a n o Fr. J o ã o d e V a s c o n c e l o s , d o t r i n o Fr. A n t ó n i o da C o n c e i ç ã o
(1650) (...); os d e Fr. M i g u e l de S . J e r ó n i m o e S o r o r Brízida d e S a n t o A n t ó -
n i o . P o r é m , Lisboa c o n h e c e u o u t r o s d e r e n o m a d o e c o : os dos arcebispos
D . R o d r i g o da C u n h a (1643) e D . A n t ó n i o de M e n d o n ç a (1675); os d o M a r - Breve aparelho de modo fácil
q u ê s d e T á v o r a e D u q u e d e C a d a v a l ; os d o p r í n c i p e D . T e o d ó s i o (1653) e os para aiudar a bem morrer luim
d e suas irmãs a i n f a n t a D . J o a n a e a rainha d e Inglaterra D . C a t a r i n a ; os d e christão, de Estêvão de Castro,
1637 (Lisboa, Biblioteca
D . J o ã o IV, D . L u í s a d e G u s m ã o , D . A f o n s o VI (1683), D . M a r i a Francisca
Nacional).
Isabel d e Sabóia, D . P e d r o (1706), t u m u l a d o s d e B e l é m a S. V i c e n t e de Fora,
FOTO: LAURA GUERREIRO.
da Sé às capelas d o s c o n v e n t o s d e q u e h a v i a m sido b e n e m é r i t o s . O p r é s t i t o
f ú n e b r e — c o m as cruzes, b a n d e i r a s e i r m ã o s das confrarias, c l e r o secular e
religiosos, dignitários d o s tribunais e da c o r t e , c â m a r a da c i d a d e e p o b r e s —
constituía, p o r si, i m p r e s s i o n a n t e m a n i f e s t a ç ã o d e l u t o , a q u e havia a j u n t a r a
m a g n i f i c ê n c i a d o s ofícios exequiais, c o m m ú s i c a e s e r m ã o , n o s t e m p l o s p r e -
p a r a d o s a p r e c e i t o , c o m cadafalso a r q u i t e c t a d o p o r u m artista, e m b l e m a s e
dísticos c o n c e b i d o s p o r u m p i n t o r , crepes e v e l u d o s n e g r o s b o r d a d o s e t r a j a -
d o s a o i r o , círios e c a n t o r e s , e s m e r a n d o - s e nesta festa b a r r o c a da m o r t e vesti-
m e n t e i r o s e a r m a d o r e s , a j u l g a r p e l o d e s c r i t o nas relações coevas.» 1 3 4 O l o n g o
r e s u m o d e J o ã o Francisco M a r q u e s p e r m i t e - n o s e n t e n d e r m e l h o r as a t i t u d e s
e relações sociais c o m a m o r t e q u e , atrás, apenas se e s b o ç a r a m .
N e m t o d o s p o d i a m ter estas g r a n d e s c e r i m ó n i a s f ú n e b r e s , n ã o só p e l o seu
c u s t o e c o n ó m i c o e c o r r e s p o n d e n t e i m p o s s i b i l i d a d e financeira, c o m o p o r n ã o
ser p r o v e i t o s o aos seus familiares vivos tal c e r i m o n i a l , na a f i r m a ç ã o o u na
p r o g r e s s ã o social. As referências q u e a este p r o p ó s i t o p o d e m o s respigar das
c o n s t i t u i ç õ e s , q u e p r o c u r a v a m n o r m a l i z a r práticas e a d e q u a r os actos sociais
aos valores católicos — a m o r t e é u m a passagem para a vida e t e r n a e n ã o
u m a d o r infinita — , c a m i n h a m e x a c t a m e n t e nesses dois sentidos: o c u i d a d o
c o m os c o r p o s m o r t o s e a aceitação da m o r t e c o m o algo natural e i n u l t r a p a s -
sável mas, pela m ã o da Igreja q u e dispensa os s a c r a m e n t o s , p o r t a para a i n f i -
nitude misericordiosa de Deus.

557
O D E U S DE TODOS o s DIAS

A RENOVAÇÃO DAS PRATICAS DEVOCIONAIS*


A recepção da eucaristia: o S E N D O A EUCARISTIA, C O M O A PENITÊNCIA, s a c r a m e n t o i n d i s p e n s á v e l à s a l -
vação, o Sínodo de Braga de 1477 preocupava-se c o m o n ú m e r o de pessoas
preceito pascal, a comunhão que n o arcebispado se m a n t i n h a m de sua frequência afastadas, pois n e m
frequente e o Senhor aos anualmente c u m p r i a m o preceito pascal. O desejo da assembleia era q u e se
enfermos* comungasse três vezes o c o r p o de Cristo mas, se tal não fosse possível, ao
m e n o s u m a , para não se incorrer em pecado grave, d e v e n d o o cura de almas,
findo o t e r m o da desobriga, enviar ao prelado o rol dos c o m u n g a n t e s e falto-
sos, «assy h o m e n s c o m o molheres, e de seus filhos e filhas e servidores de
ydade de sete annos pera cima» 135 . Ao c o n t u m a z na recusa, se morresse nessa
disposição, preceituava o sínodo de 1505, «porque claramente parece sua alma
n a m seer da companhia dos fiees christãaos», t ã o - p o u c o o c o r p o tenha sepul-
tura e m sagrado, «nem vaa a seu e n t e r r a m e n t o clérigo n e m cruz n e m diga
por elle missa ou outros officios divinos» 136 . O q u e ocorria entre os religiosos
e clérigos não oferecia, de resto, m e l h o r cariz. Vinha já b e m de trás a obriga-
ção de os frades se abeirarem da c o m u n h ã o 110 primeiro d o m i n g o de cada
mês, c o m o o Sínodo de Braga de 1333 mandara 1 3 7 . E o de 1505, de severa
censura aos que «sommente q u e r e m seer sacerdotes e despensadores de r e n -
das» dos benefícios, ordena que «comecem de celebrar e digam missa ao m e -
nos três vezes cada h ü anno» 1 3 8 . Era o m í n i m o que se entendia, e m tais t e m -
pos, dever exigir. Q u a n d o , p o r é m , o m o v i m e n t o da dcvotio moderna se
acentua e m p e n h a d o na renovação da vida espiritual, facto ainda m u i t o mais
notório patenteava toda a c o m u n i d a d e cristã: a inexistência da c o m u n h ã o
frequente, prática aliás «mal vista, entre os fiéis, e m quase toda a Europa, nes-
ta época» 139 . A situação não se apresentava m e l h o r na Península ao atingir-se
os meados de Q u i n h e n t o s , se recordarmos que Santo Inácio de Loiola, e m
Alcalá, c o m dificuldade conseguia ser admitido à c o m u n h ã o semanal e a i n -
quisição portuguesa, «até ao fim do terceiro quartel d o século xvi», mantinha
reservas à c o m u n h ã o frequente 1 4 0 . Contrastava este c o m p o r t a m e n t o edifican-
te dos círculos de devotos dos últimos t e m p o s pré-tridentinos c o m a deca-
dência sentida e m t o d o o reino, reflexo da crise e degradação da prática cris-
tã, entre religiosos e fiéis, a p o n t o de D . Afonso V querer que os curas de
almas entregassem aos juízes de suas terras os n o m e s das pessoas dos dois se-
xos, para cima de dez anos, que não se houvessem confessado até ao d o m i n -
go de Pascoela, «pera os p r e n d e r e n o m serem absoltos attaa se confessassem
da cadea». Desaprovou a resolução D . Fernando da Guerra, arcebispo de Bra-
ga, ao responder ao rei e m 1460, l e m b r a n d o - l h e que a confissão tinha de ser
u m acto livre, «porque D e u s n o m quer o servo constrangido» 1 4 1 . Verdade se-
ja que, para além do desleixo d o clero, havia párocos que aproveitavam a
ocasião da desobriga anual para exigir o p a g a m e n t o das côngruas paroquiais,
c o m o é patente na visita a Alfama (Lisboa) de 1533, o n d e se lê que, «quando
os ditos fregueses vinhão para t o m a r o Santo Sacramento, e se lhos n a m q u e -
riam pagar os n a m escreviam n o livro dos confessados, pela cousa aviam m u i -
tas m u r m u r a ç õ e s e mall dizer e alguns cynplez, q u a n d o viam as sobreditas
cousas, diziam que os padres pediam dinheiro pelo Santo Sacramento» 1 4 2 .

A corrente de espiritualidade que militava pela assídua frequência da e u -


caristia persistia, p o r é m , paralelamente na m u d a n ç a das mentalidades a tal res-
peito. Assim, do prelo lisbonense de Luís R o d r i g u e s saiu a versão d o original
toscano Tratado da santíssima comunham o qual deve ler e ter todo Christão muitas
vezes (1540) que responde às falsas razões dos que i m p u g n a m a c o m u n h ã o fre-
quente; e n q u a n t o e m C o i m b r a aparece a Preparaçam spüual de catholicos aa san-
tíssima comunhão (1549), acompanhada de hüa breve industria spüual pera muy fa-
cilmente os devotos poderem a isso seus coraçoens aparelhar e com piadosa devaçom se
chegar, composta p o r u m franciscano; de oficina desconhecida, e talvez de
1551, surgiu a Omclia do santíssimo sacramento, atribuída p o r muitos a J o r g e Sil-
va, cuja edição eborense de 1554 traz u m a Carta do mesmo auctor escripta a hüa
alma devota persuadindoha a tomar o sanctissimo sacramento a ho menos spiritual-
mente e desta maneira conversando Christo nosso senor entrar polia chaga do lado na
*Joào Francisco Marques cüplaçom da essencia divina que adverte não p o d e r estar «uma alma c o m vida

558
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE C U L T O

espiritual n ã o f r e q u e n t a n d o o Santíssimo S a c r a m e n t o , m a s o o r d i n á r i o é q u e
a alma q u e d e a n o a a n o se p r o v ê deste m a n t i m e n t o , neste m e i o t e m p o m u i -
tas vezes m o r r e e s p i r i t u a l m e n t e f a z e n d o p e c a d o s mortais», p e l o q u e era coisa
santa e a c o n s e l h á v e l r e c e b ê - l o , ao m e n o s e m d e s e j o , cada dia; d e É v o r a e d e
1551 é o Aparelho para receber o Santíssimo Sacramento tirado das doutas e mui devo-
tas meditações do Pe Fr. Luís de Granada q u e c o m u n g a da d o u t r i n a r e s p e i t a n t e à
prática da c o m u n h ã o f r e q u e n t e 1 4 3 . E n t r e o laicado p e r t e n c e n t e a esses c í r c u -
los pietistas dirigidos p o r religiosos, suspeitos ao S a n t o O f í c i o , e n c o n t r a v a m -
- s e d e v o t o s , c o m o a v i ú v a Isabel F e r n a n d e s q u e , p o r ser «pessoa d e b e m , d e
b o a vida e t e m e n t e a D e u s » , era a u t o r i z a d a p o r s a c e r d o t e s letrados a c o m u n -
gar sem prévia confissão, o q u e c h e g o u a fazer na igreja d o c o l é g i o dos J e s u í -
tas d e S a n t o A n t ã o p o r «oito o u n o v e meses», só d e i x a n d o d e « c o m ü g a r cada
dia c o m ü g a n d o d e o y t o e m o y t o dias», a fim d e evitar o escândalo, p o r ser
c o n t r á r i o o p a r e c e r da o p i n i ã o d o m i n a n t e , e m b o r a e m 1571 ainda o fizesse144.
O m o v i m e n t o da restauração católica, m e r c ê da a c t i v i d a d e dos Inacianos, ia
a l c a n ç a n d o as suas finalidades na intensificação da f r e q u ê n c i a d o s s a c r a m e n t o s
da confissão e eucaristia, c o m o se n o t a v a na d é c a d a d e 1550 e m Lisboa, É v o r a
e C o i m b r a o n d e os e s t u d a n t e s se m o s t r a v a m mais f e r v o r o s o s e assíduos e m
c o m u n g a r 1 4 5 . T u d o a c a b o u , n o e n t a n t o , p o r o f i c i a l m e n t e m u d a r , q u a n d o se
t o r n o u clara a p o s i ç ã o p r o t e s t a n t e s o b r e a eucaristia q u e , d e i n í c i o , até parecia
p e r f i l h a r a sua «sobrevalorização» e a c o n s e l h a r a «assiduidade» na sua f r e q u ê n -
cia 1 4 6 . A o p r o c l a m a r s o l e n e m e n t e a d e f i n i ç ã o d o g m á t i c a da p r e s e n ç a d e C r i s -
t o s o b as espécies eucarísticas, o b j e c t o d e c u l t o d e a d o r a ç ã o e a l i m e n t o espiri-
tual d o s fiéis, o C o n c í l i o d e T r e n t o (sessão XIII, c. 6) perfilhava a d o u t r i n a
t o m i s t a da d i f e r e n ç a e n t r e o s a c r a m e n t o da c o m u n h ã o e os o u t r o s , pois, se
estes d a v a m o u a u m e n t a v a m a graça santificante, a q u e l e c o n t i n h a o p r ó p r i o
a u t o r da graça. E m seu Catecismo, D . Frei B a r t o l o m e u d o s M á r t i r e s r e f l e c t e
e x p r e s s a m e n t e a d o u t r i n a c o n c i l i a r ao c o n s i d e r a r a eucaristia d i v i n o m a n j a r e
m a n t i m e n t o , «o p r i n c i p a l e mais e x c e l e n t e d e t o d o s os s a c r a m e n t o s , p o r q u e ,
n o s o u t r o s , está s o m e n t e a v e r t u d e de N o s s o S e n h o r Jesu C r i s t o , mas, neste,
não s o m e n t e a Vertude, mas Ele m e s m o , realmente e substancialmente, D e u s
e H o m e m v e r d a d e i r o , f o n t e s d e todas as graças e bens» 1 4 7 . As c o n s t i t u i ç õ e s
diocesanas, e m sintonia, d i v u l g a m e p r e c e i t u a m a d o u t r i n a de T r e n t o , c o m o
s u c e d e nas d e A n g r a d e 1560, s u b l i n h a n d o os efeitos d e c o n f o r t o espiritual, Custódia da Bemposta
o n d e se a f i r m a q u e o «Santíssimo S a c r a m e n t o f o y i n s t i t u y d o p o r n o s s o R e - proveniente da capela do
d e m p t o r , e m sua d e s p e d i d a , p e r a q u e , c o m sua real e s a c r a m e n t a l p r e s e n ç a , Paço da Bemposta, desenho
p o s t o q u e invisível, os fieis se c o n s o l a s s e m da tristeza q u e p o d i ã o ter pela a b - de Frederico Ludovice
(Lisboa, Museu Nacional de
sencia da sua visível p r e s e n ç a e c o n v e r s a ç a m e assi p e r a q u e r e c e b i d o este sa-
Arte Antiga).
c r a m e n t o , c o m a l i m p e z a d e v i d a , desse e acrescentasse a graça, deleitasse a al-
F O T O : DIVISÃO DE
m a e preservasse d o s p e c a d o s e livrasse d e p e n a e s i n g u l a r m e n t e ajudasse p e r a
DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA/
o c a m i n h o da vida eterna» 1 4 8 . Estava d a d o o aval h i e r á r q u i c o para a prática da /INSTITUTO PORTUGUÊS DE
c o m u n h ã o f r e q u e n t e . O s p a d r e s t n d e n t i n o s r e c o m e n d a v a m q u e os fiéis p r e - M U S E U S / J O S É PESSOA.
sentes às missas a p r o v e i t a s s e m n ã o só d o e f e i t o espiritual, m a s t a m b é m d o sa-
c r a m e n t a l r e c e b e n d o a eucaristia (sessão 13, c. 8). O a r c e b i s p o D . Frei B a r t o -
l o m e u d o s M á r t i r e s , p r e t e n d e n d o i n c r e m e n t a r e s t e s a n t o c o s t u m e na
a r q u i d i o c e s e b r a c a r e n s e , o n d e havia j á n u m e r o s o s cristãos a a p r o x i m a r e m - s e
m e n s a l m e n t e da confissão e c o m u n h ã o , i m p e t r o u e r e c e b e u d o papa P i o IV
o b r e v e Quia frequentem sacramentorum usum (1563) q u e c o n c e d i a u m a i n d u l -
g ê n c i a plenária a q u a n t o s r e c e b e s s e m estes s a c r a m e n t o s «nas festas d o N a t a l ,
P e n t e c o s t e s , A s s u n ç ã o e T o d o s os Santos, e i n d u l g ê n c i a parcial aos q u e o fi-
zessem e m o u t r o s dias» 1 4 9 . P o r sua vez, o zeloso cardeal D . H e n r i q u e , m e t r o -
polita d e Lisboa, t e n d o r e c e b i d o d o c i t a d o p o n t í f i c e e m 1565 a graça d o j u b i -
leu c o m i n d u l g ê n c i a plenária para as m e s m a s q u a t r o festas e nas oitavas,
p u b l i c o u , n o a n o i m e d i a t o , « u m a p r o v i s ã o s o b r e as v a n t a g e n s da confissão e
c o m u n h ã o f r e q u e n t e s » . N a carta â n u a d e 1574 da p r o v í n c i a inaciana p o r t u -
guesa há u m a r e f e r ê n c i a ao n ú m e r o a v u l t a d o d e fiéis q u e , nas três m a i o r e s
solenidades religiosas d o a n o , na Igreja d e São R o q u e se c o n f e s s a v a m e c o -
m u n g a v a m , os quais o c u p a v a m neste m i n i s t é r i o mais d e 2 0 sacerdotes. N o
i n í c i o d o s é c u l o xvii, na c e l e b r a ç ã o d o s vários j u b i l e u s q u e ali t i n h a m lugar
e m cada a n o , m a i o r era a q u a n t i d a d e d e pessoas, da n o b r e z a à g e n t e h u m i l d e ,

559
O DEUS DE TODOS OS DIAS

que acorriam, a p o n t o de e m 1610 se cifrarem e m 5000. C o m a c o m u n h ã o


geral do q u a r t o d o m i n g o d o mês q u e o piedoso p a d r e Álvaro Pires i n t r o -
duzira para i n c r e m e n t a r o f e r v o r à eucaristia, c o n s e g u i n d o j u n t a r - l h e u m a
indulgência plenária q u e se ganhava à maneira de j u b i l e u , e, a seguir, se es-
t e n d e u a outras igrejas inacianas, o n ú m e r o subiu até 2 0 0 0 0 1 5 " . Assim se
c o m p r e e n d e que o jesuíta padre Francisco G o m e s , n o sermão da Aclama-
ção pregado e m 1640 no Colégio das Artes, em C o i m b r a , haja afirmado que,
110 t e m p o do cativeiro filipino, Portugal era mais pio, d e v o t o e amigo de
Deus, e m b o r a sofresse duros castigos, exemplificando: «não consigo sem es-
pantação haverem de c o m u n g a r dez, doze pessoas e m húa Igreja neste [tem-
po, quando] c o m u n g a v a m nesta igreja e m os 4. 0 d o m i n g o s do j u b i l e o de ca-
da mês duas e tres mil almas; noutras cidades e na de Lisboa avia m e n h a m e m
que c o m u n g a v ã o dez, quinze e vinte mil pessoas na Igreja de S. Roque» 1 5 1 .
Havia, p o r é m , constituições sinodais que não permitiam admitir-se seculares
a c o m u n g a r e m intervalo m e n o r que de oito e m oito dias, justificando as de
Portalegre de 1632 c o m «a fraquesa de nossa humanidade», para se desaconse-
lhar mais f r e q u e n t e m e n t e à c o m u n h ã o . Se acontecia algum leigo merecer por
sua vida e costumes ser admitido à c o m u n h ã o em t e r m o inferior, devia infor-
mar-se disso o prelado diocesano, a q u e m apenas cabia dar licença 1 5 2 . Passou
a haver maior maleabilidade, a partir do decreto Cum ad aures de I n o c ê n -
cio XI de 12 de Fevereiro de 1679, que deixava «ao j u í z o dos confessores, que
exploram os segredos do coração, os quaes, pela pureza das consciências, fre-
quência d o fructo, e pelo progresso da devoção deverão prescrever aos p e n i -
tentes aquillo que virem poder aproveitar-lhes á salvação» 153 . As constituições
do bispado da Bahia de 1719, estribadas neste d o c u m e n t o pontifício, p e r m i -
tiam a c o m u n h ã o diária às pessoas devotas 1 5 4 . Será, n o entanto, de atender
que, na sequência de T r e n t o , se os defensores da c o m u n h ã o f r e q u e n t e o p u -
deram fazer sem as desconfianças e as desaprovações anteriores, o problema
da c o m u n h ã o quotidiana não era e m Portugal, ao m e n o s até ao último quar-
tel do século xvii, tão encorajada c o m o seria de crer. A doutrina sobre o as-
sunto foi ensinada pela primeira vez p o r Frei Vicente de Marcilla, m o n g e b e -
neditino castelhano, mas, e m b o r a houvesse recebido o apoio de outros, todos
eram unânimes e m remetê-la para o parecer do confessor 1 5 5 . A obra de quase
cinco centenas de páginas do jesuíta J o ã o da Fonseca, saída e m Lisboa p o r
1689, coloca expressamente a questão logo e m título: Instrucçam Espiritual, pa-
ra antes e depois da Sagrada Comunhão, que importa muito, para ir adiante na virtu-
de, & reforma das vidas, & costumes, commungar muitas vezes. E se lie mais conve-
niente commungar cada dia. Para o inaciano espanhol padre Luís de la Puente,
que o confrade português segue, os que se e n c o n t r a m c o m p r o m e t i d o s na vi-
da religiosa p o d i a m fazê-lo uma vez por semana; os mais avançados nos ca-
minhos da perfeição umas três ou quatro e alguns, excepcionalmente, todos
os dias; os leigos virtuosos, entregues ao seu trabalho, todos os 15 dias. N o
entanto, sempre o u v i d o o confessor. As constituições sinodais seiscentistas de
Lisboa, P o r t o e Algarve não permitiam, c o m o norma, q u e os fiéis c o m u n g a s -
sem «em t e r m o mais breve, que de oito dias» 156 . Para o padre Fonseca a c o -
m u n h ã o quotidiana é u m a prática louvável e recomendável, p o r é m n e m a
todos os leigos e m estado de graça seria conveniente, q u a n d o m u i t o a almas
excepcionais e, m e s m o assim, progressivamente c o n f o r m e a opinião do di-
rector de consciência 1 5 7 . N o s meados do século seguinte, o d o m i n i c a n o M a -
nuel G u i l h e r m e n o seu manual de piedade, Escada Mystica de Jacob para subir
ao ceo da perfeição (1758), entende que a m e l h o r preparação para c o m u n g a r é
a própria c o m u n h ã o pois o abeirar-se da Mesa Sagrada c o m devoção ensina a
c o m u n g a r . Daí os confessores deverem mostrar-se receptivos a autorizar
a c o m u n h ã o frequente às almas q u e dirigem 1 5 8 . Q u a n t o ao acto da distribui-
ção da eucaristia, passaram as constituições de Braga de 1538, n o q u e outras se
lhes seguiram, «a r e c o m e n d a r que a c o m u n h ã o se administrasse, não isolada e
particularmente, mas e m grupo ou acto comunitário, q u e l e m b r a m algumas
celebrações penitenciais de nossos dias» 159 . A prática seguida empregava u m
t o q u e de campainha, a convidar os fiéis na disposição de c o m u n g a r a aproxi-
marem-se do altar o n d e se havia de celebrar a missa ou se encontrava o sacrá-

560
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

rio, d i r i g i n d o - l h e s o s a c e r d o t e u m a p e q u e n a e x o r t a ç ã o a p e d i r q u e r e c e b e s - Sacrário do Colégio das Onze


s e m a eucaristia d e v o t a m e n t e e s e m p e c a d o grave p o r confessar. D e n o t a r Mil Virgens, prata e bronze
dourado, finais do século XVII
q u e as Constituições de Angra d e 1560 e as d e C o i m b r a d e 1731 o r d e n a v a m ao (Coimbra, Museu Nacional
p á r o c o q u e pedisse, m e s m o n a q u e l a altura, os escritos d o s confessores, se c o m Machado de Castro).
ele n ã o se tivessem c o n f e s s a d o 1 6 0 . A eucaristia era distribuída, d e n t r o o u fora F O T O : D I V I S Ã O DE
da missa, e n u n c a d e n t r o , p r e s c r e v i a m as Constituições do Funchal d e 1601, D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
q u a n d o existisse sacrário na igreja 1 6 1 , à g r a d e e / o u d e f r o n t e d e u m a toalha d e / I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
M U S E U S / J O S É PESSOA.
l i n h o d e mais o u m e n o s seis varas, d i a n t e d o p e i t o , d e m o d o a aparar a l g u m a
partícula o u f r a g m e n t o q u e p o r v e n t u r a caísse. D e seguida, p o d i a dar-se lava-
t ó r i o d e água, e só aos sacerdotes d e v i n h o , para o q u e devia d i s p o r a igreja
d e u m vaso l i m p o e d e c e n t e , d e v i d r o , d e e s t a n h o o u de prata, para a j u d a r a
d e g l u t i ç ã o da hóstia. A o s h o m e n s exigia-se q u e c h e g a s s e m à sagrada mesa,
« c o m p o s t o s n o traje e pessoa, s e m armas», p e r m i t i n d o - s e aos cavaleiros das o r -
dens militares o fizessem de espada cingida e aos soldados c o m suas armas. N o
f i m da c o m u n h ã o , r e c o m e n d a v a m as Constituições de Braga, editadas e m 1697, e
algumas mais, q u e se rezasse e m acção de graças c i n c o vezes o p a i - n o s s o e a

561
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

Umbela, tecido e madeira, a v e - m a r i a e m h o n r a das C i n c o C h a g a s de Cristo, i m p l o r a n d o a D e u s a c o n -


século xvni (Porto, Igreja dos servação d o estado d e graça e a m e r c ê de o n ã o voltar a o f e n d e r 1 6 2 .
Clérigos).
Se, c o n f o r m e a d o u t r i n a católica d e f i n i d a , a p r e s e n ç a real d e J e s u s n o p ã o
FOTO: EDUARDO CUNHA.
c o n s a g r a d o é u m f a c t o , e n q u a n t o a q u e l e se n ã o c o r r o m p e r , as espécies e u c a -
rísticas p o d e m ser c o n s e r v a d a s para a d o r a ç ã o o u d i s t r i b u i ç ã o aos fiéis e e n f e r -
m o s , o q u e justifica a existência d o sacrário. A luz d e t o d a a legislação sinodal
p o r t u g u e s a da era m o d e r n a , este devia ser l a v r a d o e, ao m e n o s , d e m a d e i r a ,
d e e x t e r i o r d o u r a d o e / o u p i n t a d o , f o r r a d o p o r d e n t r o a c e t i m , tela, tafetá,
seda b r a n c a o u c a r m e s i m . F e c h a d o c o m s u f i c i e n t e s e g u r a n ç a e c o l o c a d o ao
m e i o d o a l t a r - m o r , d i a n t e d o r e t á b u l o , o u e m o u t r o altar o u capela p r ó p r i a
para o c u l t o d o Santíssimo S a c r a m e n t o , b e m p a t e n t e a o p ú b l i c o , c o b r e o sa-
crário u m p a v i l h ã o d e c e t i m o u seda, t e n d o d i a n t e u m a l â m p a d a de azeite
p e r m a n e n t e m e n t e acesa 1 6 3 , c u j a s i m b o l o g i a era, para o s í n o d o b r a c a r e n s e d e
1477, o a s s e m e l h a r - s e a u m «espelho s e m m a g o a e b r a n c u r a da luz eternal e
luz v e r d a d e i r a q u e a l u m i a t o d o o h o m e m e m este m u n d o » , c o m p l e t a n d o
o d e Lisboa de 1537 p r e t e n d e r - s e significar p o r esse « l u m e c o r p o r a l a claridade
e s p l e n d o r spiritual c o m q u e este Santíssimo S a c r a m e n t o a l u m i a as almas d a -
queles q u e d e v i d a m e n t e o r e c e b e m » 1 6 4 . D a d o n e m todas as igrejas t e r e m d i -
r e i t o a sacrário, havia disparidades a c e n t u a d a s e n t r e as diversas legislações d i o -
cesanas d o t e m p o . Se C o i m b r a , É v o r a e F u n c h a l r e q u e r i a m u m a p o p u l a ç ã o
p a r o q u i a l de cerca d e u m a v i n t e n a de v i z i n h o s , A n g r a , M i r a n d a e P o r t o e l e -
v a v a m - n a à t r i n t e n a , e n q u a n t o Braga, L a m e g o , Leiria, P o r t a l e g r e e Viseu
a p o n t a v a m q u a r e n t a , e Lisboa, deste n ú m e r o , e m 1537, baixava e m 1646 para
trinta, d e s c e n d o A n g r a para m e t a d e dos q u e antes exigia 1 6 5 . O m o t i v o era o
p e r i g o d e desacatos d e q u e os t e m p l o s p o d e r i a m ser o b j e c t o , c o m o aliás n ã o
raro sucedia, se o p o v o a m e n t o fosse assaz disperso e d e escassamente h a b i t a -
d o . A c r e s c e n t e d e v o ç ã o dos fiéis ao c u l t o eucarístico, p o r m o t i v o s ó b v i o s i n -
t e n s a m e n t e i n c r e m e n t a d o pela R e f o r m a católica t r i d e n t i n a , c o n d u z i u a certa
s u m p t u o s i d a d e na r i q u e z a c o m q u e foi r o d e a d o o sacrário, c o m o a c o n t e c e u ,
e n t r e o u t r o s , n o caso dos a r g ê n t e o s d o c o l é g i o j e s u í t i c o d e S a n t o A n t ã o , da
Sé d e Braga, d o C o n v e n t o d o C a r m o e d o a l t a r - t r o n o da Sé d o P o r t o t o d o
t r a b a l h a d o e m prata 1 6 6 .
B e m d e trás v i n h a a o b r i g a ç ã o d e o p á r o c o levar a c o m u n h ã o aos e n f e r -
m o s , d e v e n d o para isso m a n t e r - s e c o n v e n i e n t e m e n t e i n f o r m a d o , a o m e n o s

562
R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

através da o p o r t u n i d a d e o f e r e c i d a pela estação da missa. M a n d a v a m j á as


c o n s t i t u i ç õ e s d e Braga de 1281 q u e o S e n h o r fosse c o n d u z i d o à casa d o d o e n -
te e m p í x i d e d e m a r f i m f e c h a d a e e m procissão, c o m luzes e c a m p a i n h a , c a n -
t a n d o - s e ao l o n g o d o p e r c u r s o , na ida e regresso, «os sete salmos penitenciais,
as ladainhas e outras orações» 1 6 7 . D e t e r m i n a v a m as legislações sinodais q u e o
c o r t e j o saísse da igreja, o n d e os fiéis às badaladas d o sino se r e u n i a m para
a c o m p a n h a r o « S e n h o r fora», só n ã o se p e r m i t i n d o , se d e n o i t e , a i n c o r p o r a -
ç ã o de m u l h e r e s . A f r e n t e ia u m a pessoa a t o c a r a c a m p a i n h a e a seguir m o r -
d o m o s c o m a vara e a c r u z da C o n f r a r i a d o Santíssimo se a h o u v e s s e , suprida
a sua falta pela p a r o q u i a l , ladeada de dois círios, e a l g u é m c o m a caldeirinha
da água b e n t a , hissope e toalha e c o m o t u r í b u l o e naveta, i n c e n s a n d o s e m
i n t e r r u p ç ã o . E n t r e a c r u z e o pálio — sob o q u a l segue o s a c e r d o t e d e estola,
capa d e asperges e v é u d e o m b r o s , s e g u r a n d o a p í x i d e — c a m i n h a v a m , e m
duas alas, os a c o m p a n h a n t e s de velas e m p u n h o , h a v e n d o s e m p r e u m a o u
duas lanternas acesas q u e o v e n t o o u c h u v a n ã o p u d e s s e m apagar. A o s o m da
c a m p a i n h a , devia m a n t e r - s e u m a m b i e n t e de silêncio e d e v o ç ã o , p a r a n d o as
conversas e os t r a b a l h a d o r e s e m seus ofícios; e, se a l g u é m estivesse a cavalo,
d e s m o n t a r i a para a d o r a r o S a c r a m e n t o . R e c o m e n d a v a - s e q u e os pais ensinas- Viático, prata lisa, batida,
fundida, gravada e cinzelada
s e m isto aos filhos e l e m b r a v a - s e aos q u e estivessem e m casa se p u s e s s e m d e
(Pinhel, paróquia de Nossa
j o e l h o s e recitassem u m p a d r e - n o s s o e u m a a v e - m a r i a pela exaltação da Santa Senhora do Castelo).
M a d r e Igreja. R e c o r d a v a m , a l é m disto, as c o n s t i t u i ç õ e s d o Algarve d e 1674
F O T O : EDUARDO CUNHA.
«a t o d o s os fieis, q u e s a b e n d o , q u e o Santíssimo S a c r a m e n t o sáe fóra a a l g u m
e n f e r m o , antes o u d e p o i s d e se t o c a r o signal, m a n d e m cada u m v a r r e r a sua
rua, p o r o n d e há de passar a procissão, e m u i t o mais os v i z i n h o s d o e n f e r m o ,
q u e c o m o taes d e v e m saber q u e elle q u e r c o m m u n g a r » 1 6 8 . A casa d o d o e n t e
i m p o r t a r i a estar «limpa e b e m c o n c e r t a d a » e ter u m a m e s a c o b e r t a c o m u m a
toalha lavada para se p o u s a r a p í x i d e . Se a situação fosse de e x t r e m a p o b r e z a ,
o p á r o c o «teria o c u i d a d o d e buscar pela v i s i n h a n ç a , o u levar d e sua casa o u
da Igreja, o necessário, s u p r i n d o c o m a caridade e zêlo christão a impossibili-
d a d e d o e n f e r m o » . E m certas dioceses, pela distância e asperezas d o c a m i n h o ,
p e r m i t i a - s e q u e se dissesse missa na casa d o d o e n t e , e m altar portátil, q u a n d o
h o u v e s s e d i f i c u l d a d e d e se e n c o n t r a r p e r t o igreja, e r m i d a o u o r a t ó r i o , e se
n ã o fosse possível s e m p e r i g o e c o m d e c ê n c i a levar-se o Sagrado V i á t i c o da
igreja p a r o q u i a l . E m C o i m b r a , p o r é m , o vigário capitular n o g o v e r n o da d i o -
cese e m 1736 p r o i b i u p o r u m a pastoral q u e , para a d m i n i s t r a r o viático, os p á -
r o c o s «celebrassem Missa fóra das Capellas, e O r a t o r i o s a p p r o v a d o s p e l o O r -
dinário», e x c e p t u a d o s os casos e c o n d i ç õ e s estabelecidas na legislação d o
bispado; «e para se a c u d i r a esta necessidade, o r d e n o u q u e se fizessem relicários
de prata, para se l e v a r e m ao p e i t o , nas freguezias q u e tivessem logares distantes
da Igreja, e s e m Capellas, c o m o a c o n t e c i a e m muitas; e q u e os P a r o c h o s
s e m p r e usassem de lanternas accesas a l e m d e mais cêra q u e fosse c o s t u m e le-
var» 1 6 9 . A b r a n g i d o s p o r esta disciplina e r a m c o n s i d e r a d o s os q u e se a p r e s t a -
v a m para u m a l o n g a n a v e g a ç ã o e para e n t r a r e m batalha, e, ainda, as m u l h e -
res prestes a dar à luz. C o m o , face ao t e o r da bula de P i o V, Cum sicut (1569),
os c o n d e n a d o s à m o r t e d e v i a m r e c e b e r o viático, d e t e r m i n a v a m as O r d e n a -
ções Filipinas (1. 5, t. 38, § 2) q u e este «lhes fosse d a d o na véspera da e x e c u -
ção, f i c a n d o d e p o i s c o m eles pessoas idosas q u e os a n i m a s s e m e consolassem
até à h o r a d o suplício» 1 7 0 .

A REJEIÇÃO DAS POSIÇÕES p r o t e s t a n t e s s o b r e a eucaristia, e m q u e se i n s e - A Procissão


riam o zelo pastoral e m levar a c o m u n h ã o aos e n f e r m o s e a i m a g e m da igreja
c o m o h a b i t á c u l o e m q u e D e u s está r e a l m e n t e p r e s e n t e na hóstia r e c o l h i d a n o
do Corpus Christi
sacrário, g a n h o u t a m b é m e x t r a o r d i n á r i a ênfase através das festas, e x p o s i ç õ e s
solenes, confrarias e procissões eucarísticas, constituídas e m fortes e sensitivos
m e i o s d e a f i r m a ç ã o da D i v i n a Eucaristia, sua c r e n ç a e d e v o ç ã o . C o n f o r m e
a f i r m o u J e a n D e l u m e a u , as decisões de T r e n t o acerca d o d o g m a eucarístico,
d e t ã o g r a n d e s c o n s e q u ê n c i a s , f i z e r a m c o m q u e a p i e d a d e , as m a n i f e s t a ç õ e s
d e c u l t o e a arte religiosa acabassem p o r t o m a r daí e m diante, e p o r vários sé-
culos, c a m i n h o s diferentes 1 7 1 .
As raízes m e d i e v a i s da festa d o C o r p u s Christi, instituída na Bélgica e m

563
O D E U S DE TODOS o s DIAS

1246 e 18 anos depois pelo papa U r b a n o IV tornada obrigatória na quinta-


-feira após a oitava de Pentecostes para a Igreja universal, rastreiam-se e m
Portugal desde 1266, e m C o i m b r a , e a procissão, t a m b é m nessa cidade, a par-
tir de 1307, 11 anos antes de o papa J o ã o X X I I a haver instituído 1 7 2 . Festa e
procissão, tornada a maior festividade nacional, rapidamente se espalharam
por t o d o o país, b e m c o m o ofícios litúrgicos, altares, retábulos, capelas, c o n -
ventos, confrarias, e até albergarias 173 . N a era m o d e r n a era já c o m u m o corte-
j o sagrado a atravessar, naquele dia santificado, as ruas engalanadas das princi-
pais cidades e vilas do reino, estendendo-se pelo além-mar português, c o m
destaque para Lisboa, em que a do ano de 1717 atingiu desusado esplendor, e
para a mineira Vila Rica (Brasil), cujo «triunfo eucarístico» de 1733 rivalizaria
c o m o brilho daquela 174 . Participavam nesta procissão, além das autoridades
que patrocinavam e contribuíam para o seu brilho, os ofícios e artes da terra,
com representações e grupos alegóricos, o clero religioso e secular, as ordens
militares 175 . Por vezes, estas autênticas encenações espectaculares e teatrais sa-
cro-profanas eram maculadas p o r abusos condenáveis de que as constituições
sinodais, na tentativa de reprimi-las, se fazem eco, c o m o sucede nas de Braga
de 1477, ao pedir «onestidade e devoçom», hinos, salmos e cânticos espiri-
tuais, e não danças n e m bailes, jogos e representações de que se seguissem
«desonestidade, riso ou torvaçom na procissom» 176 . E m 1537, o arcebispo e a
câmara de Lisboa envolveram-se e m conflito, proibindo o prelado a entrada
na sé de danças, cantos profanos, j o g o s e pélas. As queixas de ambos os lados
subiram ao paço, que procurou arbitrar o d e s e n t e n d i m e n t o e anos mais tarde,
já durante a regência de 1}. Catarina, na m e n o r i d a d e de D . Sebastião, a rai-
nha viúva «determinou se acabasse c o m a exibição de cinco ou seis formosas
donzelas, c o m adornos e enfeites menos próprios, e que se proibisse se i n c o r -
porassem nela imperadores, pelas e danças, que p r o v o c a m grande perturbação
nos actos religiosos e quebravam o respeito devido ao SSmo Sacramento» 1 7 7 .
O mal era c o m u m e persistiu, c o m o se verifica no legislado em todas as dioce-
ses que em p o r m e n o r se referem a esta solenidade, procurando que fosse u m
verdadeiro acto de louvor e adoração à Santa Eucaristia 178 . Ainda e m 1773, o
procurador da cidade de Lisboa requeria que «se tirasse da procissão de Corpus
Christi t u d o o que nela havia de impróprio à decência e respeito devidos a tão
grande solenidade, e assim assentou e m e s m o que se não continuasse com os
andores, porquanto, ainda que de imagens devotas e veneráveis, c o n t u d o o
culto deste dia era consagrado ao mais santo e divino objecto» 179 .

As Quarenta Horas, N A ONDA AVASSALADORA DA DEVOÇÃO e u c a r í s t i c a p ó s - t r i d e n t i n a , movida


pelas ordens e congregações religiosas surgidas na sequência da R e f o r m a ca-
o lausperene
tólica, c o m o jesuítas, carmelitas descalços, oratorianos, paulistas, teatinos e ca-
e o Trono Eucarístico puchinhos, tendo a seu lado franciscanos, dominicanos e beneditinos refor-
mados, emerge o ressurgir do culto mediévico d e n o m i n a d o «visão da hóstia»,
que chegou a tomar foros de obsessão, c o m aparições e prodígios, a cair e m
exageros e exteriorizações condenáveis 1 8 0 . Grande e recíproco incentivo desta
manifestação da piedade eucarística foram as exposições solenes de adoração
ao Santíssimo Sacramento, aproveitadas t a m b é m sociológica e politicamente,
não se vivesse em plena simbiose do T r o n o e do Altar. A oração pública das
Quarenta Horas e o lausperene, assim por esta o r d e m cronológica, acabaram
por adquirir entre nós especialíssimo relevo. A primeira, r o m p e n d o por Itália,
desde 1527, a tradição de ficar o Senhor exposto durante quarenta horas, que
seria o t e m p o da permanência de Cristo n o sepulcro. Os Tratattos do prega-
dor capuchinho Giuseppe Pintaguida da Ferno (1485-1556) e do confrade
Mettia Bellintani da Saló e as Avvertenze per 1'oratione dcllc quarente hore de São
Carlos B o r r o m e o ; a acção do oratoriano São Filipe de Néri; a criação, em
1560, da Arquiconfraria da O r a ç ã o e da M o r t e pelo papa Pio IV e a constitui-
ção Graves et diuturnae (1592) de C l e m e n t e VIII, c o n c e d e n d o copiosos dias de
indulgência a q u e m visitasse as igrejas e lugares pios de R o m a e orasse diante
do Santíssimo o n d e decorrem as quarenta horas, tiveram crucial importância
na difusão em Itália d o n d e se estendeu à cristandade latina o d e v o t o exercí-
cio 181 . E m Portugal, carmelitas descalços, cerca de 1608, c o m o refere o c r o -

564
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

nista da o r d e m , e jesuítas, n o a n o i m e d i a t o , d i s p u t a m a sua i n t r o d u ç ã o , c u j a


h o n r a p a r e c e p e r t e n c e r àqueles, se b e m q u e o i n a c i a n o p a d r e M a n u e l G o m e s
h o u v e s s e p a r t i c i p a d o n o «estatagema habilidoso», a q u e os c o n f r a d e s , para
desviar o p ú b l i c o d e M a c e r a t a , e m 1556, d o s o b s c e n o s festejos carnavalescos,
r e c o r r e r a m ao m o n t a r na sua igreja u m g r a n d e a p a r a t o c é n i c o , e m a d o r n o e
b r i l h o d e luzes, a fim d e se a d o r a r o S a c r a m e n t o e x p o s t o d u r a n t e q u a r e n t a
horas 1 8 2 . D e n o t a r q u e os F r a n c i s c a n o s C a p u c h i n h o s r e c o r r i a m à espirituali-
d a d e p e n i t e n c i a l das Q u a r e n t a H o r a s , através d e u m a c e n o g r a f i a l ú g u b r e , e m
particular d e s í m b o l o s da P a i x ã o d e C r i s t o , c o m o c o r o a s d e e s p i n h o , cruzes,
o b j e c t o s d e flagelação, e n q u a n t o as outras o r d e n s , e m especial os Jesuítas, se
e s m e r a v a m e m a c e n t u a r o b r i l h o d o s l u m e s e enfeites para fazer ressaltar a
ideia de u m a e x p o s i ç ã o triunfal da hóstia e m p e r f e i t a c o n s o n â n c i a c o m a t e a -
tralidade b a r r o c a n o s efeitos c o n t r a s t a n t e s de luz e s o m b r a ' 8 3 . N a casa professa
de São R o q u e , i n i c i o u a C o m p a n h i a d e Jesus este «tam s a n c t o c o s t u m e » , d e
fora r e c e b i d o , «no a n n o de 1609», e s c r e v e u o cronista B a l t h e z a r Telles, «e d a -
q u i se m e t e o n o s mais C o l l e g i o s , e casas», u s a n d o - o j á na altura, « c o m m u y
sancta e m u l a ç a m , os R e v e r e n d o s Padres Franciscanos, e os m u y d e v o t o s P a -
dres C a r m e l i t a s Descalços», e os «exemplares» frades c r ú z i o s c o n i m b r i c e n -
ses 1 8 4 . N o resto d o país, a c o m u n i d a d e jesuítica d e B r a g a n ç a fazia, e m 1610, a
d e v o ç ã o das Q u a r e n t a H o r a s «nos tres dias i m m e d i a t o s ao da C i n z a p o n d o s s e
e m cada h u m delles l o g o pela m e n h a m o Santíssimo S a c r a m e n t o e m p u b l i c o
c o m r e p i q u e de sinos e e n s e r r a n d o s e a n o i t e e 110 t e r ç e i r o a tarde» se r e c o l h i a
c o m procissão p o r d e n t r o da igreja, h a v e n d o e m cada u m dos dias p r e g a ç ã o e
até música e confissões para se p o d e r alcançar o j u b i l e u 1 8 5 . N o C o l é g i o d o E s -
pírito S a n t o d e É v o r a o m e s m o ocorria e m 1611; n o de São L o u r e n ç o d o P o r -
to dava-se c o n t a e m 1625 da c o m p r a de « h u m a p i r â m i d e m u i f o r m o s a para o
u s o das q u a r e n t a horas»; e m C o i m b r a esperava-se e m 1697 c o n t i n u a r e m a c e -
lebrar-se n o n o v o t e m p l o e m c o n s t r u ç ã o e n o d e São P a u l o d e Braga este
a n u a l j u b i l e u c o n g r e g a v a a presença d e n u m e r o s o p ú b l i c o da c i d a d e e aldeias Custódia, prata dourada e
vizinhas ainda 110 d e r r a d e i r o q u a r t e l d o s é c u l o xvii, c h e g a n d o a d e m o r a r v á - pedras preciosas (século xvm).
rias horas a d i s t r i b u i ç ã o da c o m u n h ã o aos fiéis186. Lisboa, Palácio Nacional da
Ajuda.
P o r o u t r o lado, o j u b i l e u d o l a u s p e r e n e (laus perennis = l o u v o r p e r p é t u o ) FOTO: JOSÉ MANUEL
foi i n s t i t u í d o e m R o m a , n o p o n t i f i c a d o d e P a u l o III, cerca d e 1537, c o r r e n d o OLIVEIRA/ARQUIVO CÍRCULO
DE LEITORES.
as igrejas da c i d a d e o n d e o S e n h o r e x p o s t o era a d o r a d o e l o u v a d o c o m o r a -
ções e cânticos, d e m a n h ã ao p ô r d o Sol. E m p e n h a d o na r e f o r m a d o s c o s t u -
m e s e d e c i d i d o a abolir as r e p r e s e n t a ç õ e s teatrais profanas, o a r c e b i s p o d e Lis-
b o a , D . Luís d e Sousa, o b t e v e e m 1682 d e I n o c ê n c i o X a bula d o j u b i l e u , à
m a n e i r a d e R o m a , q u e p e r m i t i a ficar o Santíssimo S a c r a m e n t o dois dias
c o m p l e t o s e m e x p o s i ç ã o , e m cada u m a das igrejas da cidade, a c o m e ç a r na sé
patriarcal d e s d e o p r i m e i r o d o m i n g o d o A d v e n t o ao ú l t i m o d o P e n t e c o s t e s .
I n t e r r o m p i d o p e l o t e r r a m o t o d e 1755, foi r e s t a b e l e c i d o dois anos depois; e a
c o n c e s s ã o r e n o v a d a e m 1760 p o r C l e m e n t e X I I I c o n v e r t e u - s e e m p e r p é t u a
p o r graça d e P i o VI, e m 1782, a instância d e D . M a r i a I, a piedosa rainha 1 8 7 .
O m e s m o j u b i l e u , c o n c e d i d o para Braga p o r C l e m e n t e X I , p r i n c i p i o u e m
1710, n o t e m p o d o a r c e b i s p o D . R o d r i g o d e M o u r a Teles, mas apenas se res-
tringia à Q u a r e s m a e S e m a n a Santa, pois c o m e ç a v a na sé, e m Q u a r t a - F e i r a
d e C i n z a s , e t e r m i n a v a n o D o m i n g o d e Páscoa c o m a Procissão da R e s s u r -
reição, a p o n t a n d o - s e , c o m o razão, o facto de n ã o h a v e r na c i d a d e igrejas s u -
ficientes para circular t o d o o a n o 1 8 8 . O b i s p o d o P o r t o , D . T o m á s d e A l m e i -
da, c o n s e g u i u t a m b é m d o m e s m o papa, e m 1714, u m l a u s p e r e n e p o r sete
anos, c o m i n í c i o na sé, d e carácter t e m p o r á r i o e l i m i t a d o só à Q u a r e s m a 1 8 ' ' .
Jubileus eucarísticos e r a m o m e n c i o n a d o nas cartas ânuas da C o m p a n h i a de
Jesus, d e 1660-1689, celebrados nos quartos d o m i n g o s n o C o l é g i o de São Paulo,
e m Braga 1 9 ", e o «perpétuo, c o m indulgência plenária e m todos os dias d o a n o ,
c o n c e d i d o pelos Papas B e n t o X I V , C l e m e n t e X I V e P i o VI» q u e se repartia
deste m o d o pelas seguintes igrejas d o bispado d o P o r t o : todos os d o m i n g o s , na
Capela da O r d e m Terceira d o C a m i o ; segundas-feiras, na Capela das Almas;
terças-feiras, e m Santo Ildefonso; quartas-feiras, na capela da O r d e m Terceira de
São Francisco; quintas-feiras, e m Miragaia; nas sextas-feiras, São J o ã o - N o v o ,
e m substituição dos D o m i n i c a n o s ; nos sábados, na Igreja dos Clérigos 1 9 1 .

565
O DEUS DE TODOS os DIAS

Retábulo-mor da Igreja de N a e v o l u ç ã o d o c u l t o da eucaristia, nesta é p o c a , e m terra p o r t u g u e s a ,


São Bento da Vitória, Porto. d e v e m assinalar-se, para a l é m das t r a d i c i o n a i s e x p o s i ç õ e s d o S a n t í s s i m o e m
FOTO: JOSÉ MANUEL Q u i n t a - F e i r a d e E n d o e n ç a s ( Q u i n t a - F e i r a Santa), o u t r a s q u e t i n h a m l u g a r
OLIVEIRA/ARQUIVO CÍRCULO
DE LEITORES.
p o r ocasião d e a c o n t e c i m e n t o s vários e graves da vida social e política, d e s d e
f o m e s e pestes a cataclismos e guerras, e d e p r o f a n a ç õ e s sacrílegas das e s p é -
cies c o n s a g r a d a s q u e e m o c i o n a v a m até a o p a r o x i s m o as p o p u l a ç õ e s , d a n d o
e n s e j o a actos solenes de d e s a g r a v o . R e t i r a - s e assim, a t í t u l o e x e m p l i f i c a t i v o :
nas igrejas catedralícias diocesanas e na m a t r i z d o s c e n t r o s u r b a n o s e lugares
principais d o r e i n o , o n d e se c e l e b r a v a m as c e r i m ó n i a s da S e m a n a Santa, a p ó s
a missa da Q u i n t a - F e i r a d e E n d o e n ç a s , o S e n h o r ficava e m a d o r a ç ã o e m t r o -
n o a d o r n a d o d e flores e círios acesos até a o dia s e g u i n t e e m q u e , após o o f i -
c i o l i t ú r g i c o d e S e x t a - F e i r a Santa, é e n c e r r a d o n o s e p u l c r o e m «lugar d i f e -
r e n t e d o sacrário, a l u m i a d o c o m cera bastante» até à m a n h ã d o D o m i n g o d e
Páscoa. As Constituições de Lisboa de 1646 a c e n t u a m q u e na Q u i n t a - F e i r a
Santa isto se faz para c o m e m o r a r a i n s t i t u i ç ã o da eucaristia, o r d e n a n d o : « e n -
q u a n t o o S e n h o r estiver e x p o s t o , m a n d a m o s aos p a r o c h o s , s a c e r d o t e s e mais
clérigos [...] O a c o m p a n h e m d e dia e d e n o i t e , r e v e z a n d o - s e para isso, s e -

5 66
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

g u n d o f o r o n u m e r o delles. E o m e s m o e n c a r r e g a m o s às pessoas seculares e


leigas, assistindo t o d o s c o m g r a n d e d e v o ç ã o e a c a t a m e n t o » 1 9 2 .
" O s f r o n t i s p í c i o s d o s s e r m õ e s e os relatos c i r c u n s t a n c i a d o s das c e l e b r a ç õ e s
religiosas, a p r e t e x t o da R e s t a u r a ç ã o d e 1640, i n d i c a m q u e a m a i o r i a destes
actos t i n h a m l u g a r p e r a n t e o Santíssimo S a c r a m e n t o s o l e n e m e n t e e x p o s t o .
A l é m d e ser u m a d e v o ç ã o d e g r a n d e irradiação e m P o r t u g a l , o rei D . J o ã o IV
e os m e m b r o s d e sua família p r o f e s s a v a m u m a sincera d e v o ç ã o à eucaristia,
c o m o t e s t e m u n h a r a m os panegiristas na altura d e suas e x é q u i a s . Isso l e v o u - o
a p e d i r q u e se l h e tributasse p u b l i c a m e n t e a h o m e n a g e m d e v i d a pela graça al-
c a n ç a d a . A estes dois factores — a d e v o ç ã o eucarística d o r e i n o e a d o m o -
narca — são, na v e r d a d e , i m p u t a d a s a l i b e r t a ç ã o da pátria d o «cativeiro» cas-
t e l h a n o e a c o n s e r v a ç ã o da i n d e p e n d ê n c i a , assegurada p e l o g o v e r n o d e u m
rei natural. D a í o « m a r a v i l h o s o cristão», q u e s a t u r o u a a t m o s f e r a mística da
R e s t a u r a ç ã o , h a v e r r e c o r r i d o c o m f r e q u ê n c i a ao i m a g i n á r i o eucarístico. A o
p r e g a r na C a p e l a R e a l , n o q u a r t o d o m i n g o da Q u a r e s m a d e 1641, o f r a n c i s -
c a n o Frei C r i s t ó v ã o d e Lisboa, r e f e r i n d o o a p a r e c i m e n t o na lua d e «huã H ó s -
tia, e a b a i x o delia d o u s d e b u x o s o u i m a g e n s d e pessoas h u m a n a s » — visão
q u e circulava n o r e i n o — , a c e n t u o u q u e era u m sinal d e D e u s aos P o r t u g u e -
ses «para q u e l e m b r a d o s q u e o a m o r o o b r i g o u s o b i n d o ao C e o ficar c o n n o s -
c o neste d i u i n o S a c r a m e n t o na terra, s o u b e s s e m o s q u e a p a r t i c u l a r afeição,
q u e t ü a este R e y n o seu e s c o l h i d o , o faria assistir c o n n o s c o à d e f e z a d e nossa
liberdade». A ideia d e q u e esta d e v o ç ã o à eucaristia era firme esteio da i n t e -
g r i d a d e d o i m p é r i o u l t r a m a r i n o s o b a s o b e r a n i a lusa faz d i z e r e m G o a o t e a t i - O triunfo da eucaristia, óleo
n o A r d i z o n e S p í n o l a q u e , «para se c o n s e r v a r h ü a Casa R e a l , estabelecer h u m sobre tela, finais do
R e y n o , firmar h u m I m p é r i o , para q u e n ã o caya, p e r p e t u a r h ü a M o n a r q u i a , século xviii (Lisboa, Mosteiro
dos Jerónimos).
n ã o há m e y o mais afficaz, n e m a r m a s mais fortes, & mais p o d e r o s a s , q u e este
FOTO: JOSÉ M A N U E L
d i v i n o trigo, & p r e c i o s s i m o v i n h o , se os R e y s , & seus vassalos se v a l e r e m
OLIVEIRA/ARQUIVO CÍRCULO
delle p o r m e y o da sagrada C o m u n h ã o , se f r e q u e n t a r e m o c u l t o d e v i d o à t ã o DE LEITORES.

567
O D E U S DE TODOS OS DIAS

alto Sacramento, & c o m u n g a r e m muitas vezes». O elo estabelecido entre a


empresa aclamatória e as vitórias militares, que sucessivamente a consolida-
ram, t a m b é m foi c o m frequência relacionado c o m a eucaristia — «arma e es-
cudo» insubstituíveis nas batalhas — , c o m o se viu e m 1663 p o r ocasião d o
triunfo de Ameixial, aproveitando-se as circunstâncias para se intensificar o
culto eucarístico. Aliás, o político e o pastoral f u n d i a m - s e n u m m e s m o inte-
resse, insistindo-se, p o r vezes, na necessidade da c o m u n h ã o sacramental c o -
m o m e i o eficaz para defesa da pátria 193 .
Cabe, p o r fim, c o m o t e s t e m u n h o expressivo da piedade para c o m o San-
tísssimo Sacramento, uma m e n ç ã o ao t r o n o eucarístico, e l e m e n t o característi-
co da talha barroca portuguesa, cuja evolução cronológica a c o m p a n h a e q u e
tanto esplendor veio dar às nossas igrejas. Q u a n d o , acabada a missa ou a p r i n -
cipiar o oficio da tarde, se colocava o S e n h o r n o c i m o de u m a estrutura de
degraus e m pirâmide, a princípio móvel, mas, nos finais d o século xvii e c o -
meços d o seguinte, embutida na tribuna d o altar-mor, isto era b e m o sinal
eloquente do triunfo da eucaristia, envolto n u m mar de luzes e flores, a c o n -
vidar os fiéis à adoração. Introduzido pelos Jesuítas, na capela da Universida-
de de C o i m b r a cerca de 1680, celeremente se expandiu e fixou desde as igre-
jas dos colégios inacianos aos humildes templos rurais. A n i m a v a - o a devoção
dos crentes à eucaristia na celebração das Q u a r e n t a Horas, lausperenes e a d o -
rações perpétuas, as festas de oragos, desagravos por actos irreligiosos de aca-
tólicos, acção de graças p o r dons d o céu recebidos ou preces para pedir o ter-
m o de calamidades públicas, etc. Por vezes, os sermões então proferidos
aludiam, em exórdios e / o u perorações, para motivar e afervorar os auditórios
110 espírito místico da cerimónia, à simbologia d o cenário e ao ambiente sa-
grado em que o « R e y dos Ceos, e da terra» imperava e m seu t r o n o de majes-
tade 194 . E m épocas de c o m b a t e à descrença n o d o g m a da presença real de
Cristo n o Santíssimo Sacramento e ao racionalismo iluminista, a adoração p e -
rante o t r o n o eucarístico podia corresponder a u m acto de fé na realeza de
Jesus e n o aniquilamento dos q u e a não r e c o n h e c e m , c o m o se espelha n o al-
to-relevo alegórico d o Triunfo da eucaristia, de inspiração barroca setecentista,
que se vê n o frontal da Capela da Eucaristia da Sé de Braga, n o absidíolo d o
lado da Epístola, c o n t í g u o ao altar-mor.

As confrarias do Santíssimo O CULTO A EUCARISTIA i n c r e m e n t a d o c o m a R e f o r m a católica r e p e r c u t i u -


Sacramento, a reserva -se de maneira e l o q u e n t e na expansão das confrarias d o Santíssimo que se r e -
viam n o m o d e l o da romana arquiconfraria instituída n o c o n v e n t o d o m i n i c a -
eucarística e os atentados n o de Santa Maria Sopra Minerva e aprovada p o r Paulo III e m 1539, entre
sacrílegos cujos fins, além de p r o m o v e r o culto eucarístico, se c o n t a m : «zelar os sacrá-
rios, cotizando-se para as despesas destes e das respectivas lâmpadas; visitar os
enfermos e a c o m p a n h a r o sagrado Viático; fazer uma festa anual e m honra do
Santíssimo; celebrar n o terceiro d o m i n g o de cada mês uma Missa p o r i n t e n -
ção dos irmãos; rezar diante do Santíssimo cinco vezes o Pai Nosso, Ave M a -
ria e Glória». C o n h e c e - s e entre nós, desde meados d o século xv, a existência
de confrarias c o m esta invocação, pois há m e m ó r i a de uma, na freguesia de
Castro (Ponte de Lima), cujo primeiro «compromisso» r e m o n t a a 1457195.
O cardeal D . H e n r i q u e , ao t e m p o arcebispo de Braga, consegue e m 1540 do
sobredito papa autorização para fundar na sé primacial u m a irmandade c o m
as graças e privilégios da romana, t e n d o ao depois o b t i d o o m e s m o para a
diocese eborense 1 9 6 . N o N o r t e rastreiam-se, em 1548, na diocese de Lamego,
a freguesia de Santa Maria de Caria e, n o bispado do Porto, a de Parada^de
Viadores, c o m confrarias do Santíssimo, agregadas à arquiconfraria romana.
E, e m b o r a o cardeal D . H e n r i q u e houvesse feito diligências, p o r intermédio
do arcebispo, para q u e D . J o ã o III não permitisse e m cada cidade mais de
duas, a capital teve autorização régia para fundá-la na Madalena e n o Loreto,
c o m o nos fins de Q u i n h e n t o s se verificava 1 9 7 . O m o d e l o r o m a n o passa, desta
forma, a multiplicar-se pelo reino e c o m p r e e n d e - s e a razão do f e n ó m e n o à
vista, p o r exemplo, da informação de que, em 1561, três religiosos de Santa
C r u z de C o i m b r a voltaram da C i d a d e Eterna c o m «tres livrinhos das consti-
tuições da confraria d o Sanctissimo Sacramento do moesteiro de Nossa Se-

568
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

n h o r a da M i n e r v a » , lá c o m p r a d o s para espalhar pelas casas da o r d e m , e, n a t u - Turíbulo, prata incisa


r a l m e n t e , pelas terras abrangidas p e l o seu zelo a p o s t ó l i c o . (2.a metade do século xvii).
Lisboa, Museu Nacional
E n t r e os m o t i v o s g e o g r á f i c o - e s t r a t é g i c o s para a d i s s e m i n a ç ã o d e confrarias Machado de Castro.
d o Santíssimo, q u e a c o m p a n h a v a m a c o l o c a ç ã o d e sacrários, pesava na p r e f e -
F O T O : D I V I S Ã O DE
r ê n c i a d e u m a s igrejas a o u t r a s a m a i o r facilidade d e se p o d e r a c u d i r à u r g ê n - D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
cia d e levar o viático aos d o e n t e s . A intensificação da sua instituição nas p a r ó - / I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
quias é u m f e n ó m e n o da s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o x v i n . A s s i m , p o r M U S E U S / J O S É PESSOA.

e x e m p l o , n o e x t r e m o da c o r d a m e r i d i o n a l da costa da d i o c e s e d e Braga, se a
vila da P ó v o a d e V a r z i m c o n t a v a j á c o m esta c o n f r a r i a 1 9 8 e m 1622 e a f r e g u e -
sia d e N a b a i s d e s d e 1635, d a t a m d e 1639 as c o n s t i t u i ç õ e s d o a r c e b i s p a d o p u -
blicadas apenas e m 1697, q u e i n c i t a v a m os p á r o c o s a i n t r o d u z i r e m - n a nas suas
freguesias e os fiéis a nelas se i n s c r e v e r e m 1 9 9 .
A c o n s e r v a ç ã o das espécies eucarísticas n o sacrário (reserva) e a e x p o s i ç ã o
s o l e n e da hóstia c o n s a g r a d a d e r a m o r i g e m a u m a i n f i n d a q u a n t i d a d e d e p í x i -
des, custódias, t u r í b u l o s e navetas para a i n c e n s a ç ã o , m u i t o s de g r a n d e valia e
p r i m o r artístico, e m prata e o u r o , a d o r n a d o s d e pedras preciosas e esmaltes.
R e f i r a m - s e : a c u s t ó d i a d o M o s t e i r o d e A l c o b a ç a (1412) e a d e B e l é m (1506)
a t r i b u í d a a Gil V i c e n t e e feita c o m o o u r o d e Q u í l o a t r a z i d o para a m e t r ó p o -
le p o r V a s c o da G a m a ; a da C o l e g i a d a d e G u i m a r ã e s ; a das sés d e Braga (1531)
d e o u r o , prata e esmaltes, c o m o p e s o d e 7,390 q u i l o g r a m a s , d e É v o r a , P o r t o ,
Viseu e Lisboa, esta o f e r e c i d a p e l o rei D . J o s é , d e 18 q u i l o g r a m a s d e o u r o e
cravejada c o m mais d e 4 0 0 0 pedras preciosas; a d o Palácio d e B e m p o s t a , d o
t e m p o d e D . C a t a r i n a d e B r a g a n ç a , rainha d e Inglaterra, e n r i q u e c i d a c o m
e l e v a d o n ú m e r o d e d i a m a n t e s e pedras preciosas 2 "".
O s a t e n t a d o s sacrílegos c o n t r a as espécies consagradas p r a t i c a d o s e m P o r -
tugal ao l o n g o da era m o d e r n a d a v a m o r i g e m a públicas m a n i f e s t a ç õ e s reli-
giosas d e d e s a g r a v o q u e se e s t e n d i a m ao país i n t e i r o p o r o r d e m d o s o b e r a n o
r e i n a n t e e a u m e n t a v a m o f e r v o r eucarístico. Q u a n d o , e m D e z e m b r o d e 1552,
o calvinista e j u d e u inglês R o b e r t G a r d i n e r l a n ç o u m ã o s violentas na C a p e l a
R e a l s o b r e a hóstia q u e o o f i c i a n t e erguia, d e i m e d i a t o h o u v e e m Lisboa
u m a d e v o t a procissão da sé a São D o m i n g o s q u e o rei, descalço e v e s t i d o d e
luto rigoroso, a c o m p a n h o u a pé seguido de nobres e m u i t o povo. N o Porto,
e m M a i o d e 1614, ao desacato c o m e t i d o na sé c o n t r a o S a c r a m e n t o , b i s p o ,
c l e r o e fiéis r e s p o n d e r a m c o m «devações, disciplinas e procissões» 2 " 1 . D e n o -
v o na capital d o r e i n o , e m J a n e i r o d e 1630, f o r a m r o u b a d o s vasos sagrados

569
O D E U S DE TODOS o s DIAS

c o m hóstias do sacrário do Mosteiro de Santa Engrácia, t e n d o o arcebispo


D . Afonso Furtado de M e n d o n ç a feito u m a n o v e n a na sé, o r n a m e n t a d a de
«panos reais da tomada de T u n e s , «com mta solemnidade estando o Sm.° Sa-
c r a m e n t o n o Altar m o r descuberto c o m mta Sera e solemnidade de músicos»
e pregações diárias, e n o fim d o oitavário h o u v e «hüa prosição solemne a o n -
de foi o Snr Arcebispo, cabido e toda a Cleresia e todas as Religioens e a C a -
mera detrás, e diante todas as danssas fectas n o m o d o e m qü se faz a procissão
de C o r p u s , qü foi pella padaria [= rua da Padaria] e pela Ribeira, ao chafaris
[= chafariz de E l - R e i ] , porta da cruz, tee St. a Engracia aonde o u v e pregação
depois se fez por todas as Igrejas desta C i d a d e e p o r quasi t o d o o Arcebispado
Missa solemne e pregação» 2 0 2 . N a regência de D . P e d r o II, e m M a i o de 1671,
u m operário a r r o m b o u o sacrário da Igreja Paroquial de Odivelas e r o u b o u as
hóstias consagradas, o r d e n a n d o o príncipe que e m todas as igrejas das d i o c e -
ses do reino «se expusesse a Sagrada Eucaristia, p e d i n d o - l h e c o m d e m o n s t r a -
ções de a r r e p e n d i m e n t o das culpas e pecados de todos, queira, p o r m e i o des-
tas rogativas aplacar o rigor d o castigo q u e nossas culpas merecem». O u t r o s
desacatos se registaram, n o século x v m , e m Setúbal (1715), M i n h o (1762) e
Palmela (1775), a q u e a hierarquia eclesiástica, o p o d e r régio e a piedade dos
fiéis respondiam de igual forma 2 0 3 . A p o u c a segurança que se verificava nas
igrejas rurais possuidoras de sacrário será talvez suficiente para explicar o c u i -
dado respeitante à colocação de grades c o m fechadura na capela-mor, c o m o
as visitações de 1622 e 1625 à freguesia de M u r ç a da diocese de Braga notifi-
cam 2 0 4 ; mas o expediente, generalizado a outros bispados e meios urbanos e
capelas d o Santíssimo, p o d e t a m b é m ligar-se c o m a frequência destes desaca-
tos e afins através d o país.

Devoção à Paixão e destas c o m o Criador, a devoção é


N A S R E L A Ç Õ E S E N T R E AS C R I A T U R A S
de Cristo u m senCnnento
q u e tende para a exteriorização da afectividade. Religiosa-
m e n t e se lhe chama piedade, dirige-se a D e u s e aos santos e traduz-se e m ac-
tos de fé, esperança e caridade. A paternidade divina inspira e alimenta, n o
crente, a piedade filial e o elo fraterno c o m o semelhante. S e n d o D e u s reali-
dade insível e inefável, exprime o h o m e m a ligação visível-invisível pelo r e -
curso ao simbólico e m que a palavra, o gesto e os objectos t ê m q u i n h ã o so-
berano. Daí, n o catolicismo, a f u n ç ã o da liturgia e a importância dos ritos
sacramentais e d o culto individual e comunitário. Sem cair na secura ritualista
das fórmulas, antes interiorizando-as na associação c o r p o e espírito, r e c o r r e m
os fiéis à c o m u n h ã o sacramental, à oração vocal, à intercessão mediadora de
Cristo, da Virgem e dos santos, socorrendo-se das relíquias e imagens sagra-
das. O m o v i m e n t o renovador antetridentino, c o m a devotio moderna, e a R e -
forma católica p e r m i t e m c o m p r e e n d e r os caminhos seguidos pela espirituali-
dade e piedade cristãs na época m o d e r n a e os meios q u e as muscularam. Seja
o caso primeiro o da devoção à h u m a n i d a d e de Cristo que mergulha na m é -
dia idade.
Inseriu-a o franciscanismo nascente n o seio da piedade cristã e a afectivi-
dade do t e m p e r a m e n t o português contituía terreno propício para a fazer f r u -
tificar, c o m o R o b e r t R i c a r d acentua, ou não se dessem às chagas d o R e d e n -
tor lugar de h o n r a n o escudo nacional 2 0 5 . Foi a n t í d o t o n o c o m b a t e aos
desvios dos iluminados que tendiam a u m a devoção intelectualista. A m e d i t a -
ção do mistério da C r u z revelou-se eficaz na conversão dos pecadores e n o
aperfeiçoamento dos fiéis através d o desprezo dos bens do m u n d o e da práti-
ca das virtudes da humildade, resignação e obediência. O s q u e aspiravam
chegar mais além e atingir a via unitiva não t i n h a m p o r sua vez, c o m o l e m -
brava o leigo J o r g e da Silva, autor de u m Tratado da Paixão (1551), m e i o mais
proveitoso que contemplar a sacratíssima h u m a n i d a d e de Cristo, não consti-
tuindo as imagens i m p e d i m e n t o algum 2 0 6 . As obras afins dos grandes escrito-
res espirituais quinhentistas reflectem esta arreigada devoção para c o m o C r u -
cificado, e m sua paixão e m o r t e . Para o lóio Frei P e d r o de Santa Maria, o
crente devia concentrar a atenção na chaga d o lado de Cristo; para D . Frei
B a r t o l o m e u dos Mártires, a Paixão de Jesus é mezinha para todas «pústulas»
da alma o u vícios capitais e exercício para todas as virtudes; para o d o m i n i c a -

570
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

n o Frei Nicolau Dias, as descrições e comentários da primeira parte do seu


Tratado da Paixão (1580) servem c o m o meditações aos passos de u m a via-
-sacra, e n q u a n t o as reflexões tecidas na segunda se destinam a a c o m p a n h a r os
dolorosos episódios da via-crucis; para o c ó n e g o regrante agostinho Frei Hila-
rião Brandão, na «chaga d o sagrado lado» encontra a alma o verdadeiro a m -
paro e refrigério; para Frei T o m é de Jesus, na mística leitura de Trabalhos de
Jesus, a Paixão de Cristo é último refúgio e saudável r e m é d i o nas penosas
atribulações da vida 2 0 7 . A presença de u m a literatura a b u n d a n t e sobre a Pai-
xão de Cristo testemunha à saciedade o entranhado apego a esta devoção. D o
início do século xrv é o Arbor Vitae Crucifixae Jesu [«Arvore da vida crucificada
de Jesus»] d o franciscano U b e r t i n o d o Casale, relacionado c o m a t a m b é m ita-
liana Santa Angela de Foligno, que acabou impresso e m 1485, e m Veneza, e
teve, na Península Ibérica, marcante influência, c o m o se p o d e aquilatar pela
estima q u e lhe tinha u m a infanta portuguesa e pelo aparecimento e m Burgos,
cerca de 1514, do Fasciculus Mirrhe [«Feixinho de mirra»] da autoria de u m
a n ó n i m o frade seráfico daquela cidade. Esta obra, segundo M á r i o Martins 2 0 8 ,
c o n h e c e u e m português n o primeiro quartel de Q u i n h e n t o s u m a adaptação,
mantida inédita, mas p o r certo divulgada e m cópias, cheia de ressaibos dra-
máticos de recorte teatral, e que b e m poderá arrolar-se entre as fontes genea-
lógicas de autos populares representados e m aldeias e vilas rurais, a ilustrar
u m a pregação emotiva destinada a c o m p u n g i r os crentes. Evocar os sofri-
m e n t o s de Cristo, a fim de provocar a reflexão sobre as consequências do p e -
cado e a necessidade d o a r r e p e n d i m e n t o , foi pois u m a constante da espiritua-
lidade afectiva ante e pós-tridentina. O culto ao Cristo Sofrente, que n o país
vizinho gozou de forte expansão, e de que a prolífera imagética alentejana
e m barro d o Cristo da Paciência parece ser natural filiação, apresenta sinais
eloquentes n o livrito Motivos espirituaes (1600) d o arrábido Frei R o d r i g o de
Deus, seis vezes reeditado até 1723, e na Arte de orar (1630) d o jesuíta D i o g o
M o n t e i r o , de resto leituras b e m ajustadas à prática da oração mental e a exer-
cícios de ascese das virtudes da resignação e h u m i l d a d e c u j o m o d e l o a seguir
era o Jesus da Paixão, chagado 2 0 9 . Outras obras, cujas finalidades se alcançam
pelo descritivo dos títulos, saíram dos prelos e m Portugal durante os séculos xvi
e xvii. A maioria pertence a franciscanos, desde a Paixão de Jesus Cristo (1542)
de D i o g o O r t i z de Villegas ao a n ó n i m o Tratado em que se compreende breve e
devotamente a vida, paixão e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo (1553), à
Consolação do nosso desterro: incêndio de amor. Trata da vida, morte e paixão do
dulcíssimo amor e Senhor Jesus Cristo (c. 1559) da quase desconhecida, mas q u i -
nhentista, Soror G u i o m a r de Jesus, mandada imprimir p o r o r d e m d o cardeal
D . H e n r i q u e , a Exercício da paixão de Cristo n. Senhor, repartido por horas que a
alma devota deve trazer entre dia (1611) e Paráfrase do salmo 118 — Beati immaculati
—, com um modo breve de oração mental, e meditações da paixão repartidas pelos
dias da semana (1633) d o d o m i n i c a n o Frei Filipe das Chagas, Horas da cruz de
Cristo. Arte e aparelho santo para bem morrer (1613) d o leigo J á c o m e Carvalho do
C a n t o , Processo da paixão de Cristo nosso redentor. Com umas meditações muito
pias e uma douta e breve exposição dos sete salmos penitenciais (1616) do franciscano
J o ã o da M a d r e de Deus, Tratado dos passos que andam (1618) do referido Frei
R o d r i g o de Deus, Ramalhete de mirra e memorial da paixão de Cristo nosso reden-
tor (1630) do presbítero da o r d e m terceira franciscana A n t ó n i o Fagundes J á c o -
m e , Triunfos da salutífera cruz de Cristo (i. a e 2.a partes, 1620 e 1634) d o leigo
M a r t i m Afonso de Miranda, Siete meditaciones de la pasión de Cristo nuestro Se-
fior y de los provechos que de meditaria se çacan (1641) do mercedário A n t ó n i o de
São Pedro, Compêndio da paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, tirado das medita-
ções do venerável padre fr. Luís de Granada, acrescentado com várias devoções (1649)
do presbítero J o ã o Paçanha, Meditações da sacratíssima paixão e morte de Cristo
(1675) do oratoriano padre B a r t o l o m e u d o Q u e n t a l , Desenganos da consciência
[...] e dez meditações da paixão de Cristo Senhor nosso (1687) d o jesuíta J o ã o da
Silva, Divina Filomena de amorosos afectos a Cristo crucificado (1690) do c ó n e g o
regrante de Santo Agostinho Frei Fernando da C r u z , Exercícios práticos para vi-
sitar os sagrados passos de nosso Senhor Jesus Cristo com mais alguns exercícios espiri-
tuais (1691) d o franciscano D i o g o da Porciúncula, Breve sacrosanctae Christi Do-

571
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

mini passionis compendium religiosi spiritus efficax solatium (1694) d o presbítero


M a n u e l Soares, Luzes do céu descobertas nas sombras da paixão do redentor do
mundo, para os que desejam acertar o caminho de perfeição (1697) do seráfico Frei
Francisco Ara Coeli, Sentimentos da lei da natureza, lei escrita e lei da graça, na fi-
gura, na profecia e na experiência articulados na morte, enterro e sepultura de Cristo
Senhor nosso (1697) d o cronista da O r d e m dos Frades M e n o r e s Frei Fernando
da Soledade e Semana Santa espiritual, ou meditaçoens pias para qualquer dia delia
do missionário varatojano Frei A n t ó n i o das Chagas.
O ciclo litúrgico da Quaresma e Paixão, para além das procissões e ofí-
cios da Semana Santa c o m u n s ao país inteiro, p r o m o v i d o s por confrarias, ir-
mandades da Misericórdia e cabidos de colegiadas e catedralícios, p r o p o r c i o -
nava intensa pregação de que os sermões publicados em avulso e incluídos
em sermonários são indicativo eloquente. R e f i r a m - s e , e só c o m o m e r o
exemplo, entre os primeiros: os dos Passos dos eremitas agostinhos Frei Cris-
tóvão de Almeida (1666), Frei José de Oliveira (1673), Frei M a n u e l da C o n -
ceição (1689) e Frei Manuel de São Carlos (1700); d o jesuíta padre A n t ó n i o
de Sá (1675); dos presbíteros seculares D r . J e r ó n i m o Peixoto da Silva (1663) e
padre A n t ó n i o Pinto da C u n h a (1670); o d o Calvário d o freire da O r d e m M i -
litar de São Tiago Baltazar Correia Pinto (1678); os da Paixão d o j e r o n o m i t a
Frei Carlos de São Francisco (1679) e do teatino J e r ó n i m o C o n t a d o r Argote
(1717); os do Bom ladrão do lóio D i o g o da Anunciação Justiniano (1683) e os
do Descimento da Cruz do agostinho Frei Cristóvão de Fóios (1669) e d o d o -
minicano Frei J o ã o de São Francisco (1696); de entre os segundos: os p e r t e n -
centes ao padre A n t ó n i o Vieira e os constantes dos Sermões das tardes da Qua-
resma c toda a Semana Santa (1670) do d o m i n i c a n o Frei Alvaro Leitão, dos
Sermões vários (1706) do agostinho Frei M a n u e l Gouveia, da Sylva Concionató-
ria (1698-1706) do jesuíta Manuel da Silva e da Medalha evangélica esmaltada
(1722) d o lóio José da Natividade Seixas.
Por sua vez, a exemplo d o que, na época, se fazia na índia, às Sextas-
-Feiras da Q u a r e s m a em que de dia havia u m a procissão de penitência após a
hora canónica de completas solenemente cantadas e de «uma hora de sermão
sobre algum passo da Paixão d o Senhor», os jesuítas da casa professa de São
R o q u e , embora de forma «mais geral, fácil e secreta», p r o c e d i a m t a m b é m
depois d o t o q u e das ave-marias a u m exercício de expiação cristã — só para
h o m e n s n u m total chegado a cerca de 5000 c o m a concorrência da principal
nobreza, de que toda a cidade de Lisboa se agradou e colheu proveito — ,
precedido de breve exortação sobre a Paixão, «adiante de u m crucifixo m u i t o
devoto», seguida do salmo Miscrcre, «cantado em música, durante o qual, pas-
sado o versículo Tibi soli pcccavi, se apagavam as luzes e se tomava a discipli-
na». Daqui, a ascética devoção passou a Vila Viçosa p o r i n t e r m é d i o do padre
Inácio Martins, o célebre «apóstolo da doutrina», tendo, na capital, n o C o l é -
gio de São Antão, r e c o m e ç a d o e m 1612 c o m tanta afluência de gente que a
maioria não conseguia entrar na espaçosa igreja 2 1 0 . Análogas práticas de m o r -
tificação, a que não faltavam os açoutes, faziam na roda do ano os irmãos da
o r d e m terceira franciscana de Lisboa que chegaram a ser 11 0 0 0 m e m b r o s ; e
relata, em 1684, Frei Luís de São Francisco que em cada Sexta-Feira da Q u a -
resma, na capela da o r d e m do c o n v e n t o da cidade, os m e m b r o s da fraternida-
de «todos j u n t o s correm devotissimamente os Santos Passos pelo claustro» 211 .
T e s t e m u n h o vivíssimo da devoção à Paixão de Cristo oferece-nos a i c o -
nografia da arte religiosa, popular e erudita, desta época, através da pintura e
escultura, em retábulos, altares e templos, eloquente e profusa amostra, n o es-
paço rural e urbano, espalhada de norte a sul do país. H o u v e n o Alentejo
u m a antiga tradição que consistia e m as noivas incluírem n o mobiliário do lar
a constituir a chamada mesa do Senhor, 011 seja: «uma pequena mesa simples,
mais ou m e n o s rústica, sobre a qual m o d e s t a m e n t e se entronizava u m Cristo
crucificado» 2 1 2 . O b r a de u m artífice da terra, m e r o «curioso ou jeitoso», mas
especializado nesse trabalho q u e os fazia marcados por traços realistas e m seus
p o r m e n o r e s anatómicos, às vezes de acento caricatural, de rosto dolorido e
triste, e de que o busto «é p o r demais estirado ou d i m i n u í d o , as pernas são
excessivamente compridas ou curtas, delgadas ou grossas, o pescoço alonga-

572
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

-se, torce-se, ou, pelo contrário, desaparece» 213 . A sua multiplicação p o r t o d o


o lado é u m facto ao longo de séculos e prova de devoção e fé sincera. As
conhecidas colecções de Venceslau Lobo, antiquário de Estremoz, e d o escri-
tor José R é g i o , na casa-museu de Portalegre, englobam muitos exemplares
expressivos dos séculos x v a xx 2 1 4 . Prova ainda da constância desta devoção à
Paixão de Cristo na piedade popular, através dos séculos, são as várias e e x -
pressivas orações narrativas versificadas que, t e n d o p o r temas Jesus n o Calvá-
rio, Quinta-Feira de Endoenças, S e n h o r do H o r t o , Via Sacra, T e s t a m e n t o e
Crucifixão do Senhor, ainda em nosso t e m p o se p u d e r a m recolher n o distrito
de Bragança 2 1 5 . C o n j u n t o mais vasto e de igual m o d o de tocante u n ç ã o reli-
giosa f o r m a m as rastreadas de n o r t e a sul e ilhas atlânticas nos concelhos de
P o n t e da Barca, Vila Real, Chaves, Alijó, Miranda d o D o u r o , P e n e d o n o , Al-
meida, Pinhel, Chamusca, Ferreira do Zêzere, Lisboa, Salvaterra de Magos,
Crato, M o u r ã o , O u r i q u e , Beja, Ferreira do Alentejo, Loulé, Castro Marim,
Vila R e a l de Santo A n t ó n i o , Funchal, Santana (Madeira), Lages (Açores) e
Horta, cujos assuntos vão do H o r t o ao Calvário, da Flagelação à Via D o l o r o -
sa, da Quinta-Feira de Endoenças à Entrega de São J o ã o a Maria Mãe de J e -
sus, da Sepultura de Cristo à Ressurreição 2 1 6 . A pintura narrativa do sofrimen-
to do Senhor, edificante e catequética, aliás de especial predilecção n o
O c i d e n t e europeu, mostra b e m , desde os fins da Idade Média, o contágio da
tradição flamenga que os artistas e o clero nacionais conheciam e entendiam,
assim c o m o os textos coevos inspiradores. D e m ã o erudita, instituições e abas-
tados doadores proporcionavam à piedade dos fiéis: «teatrais Calvários», e m
que figuravam os corpos agonizantes de Jesus e dos dois ladrões na presença
da Mãe desfalecida de dor, do apóstolo São J o ã o a ampará-la, e dos soldados
lançando os dados para repartir a túnica do Crucificado, de que são exemplo
os belos painéis de Cristóvão de Figueiredo de Santa C r u z de C o i m b r a e da
Misericórdia de Abrantes e d o Grão Vasco, de Viseu; as «cenas lentas e d o l o -
rosas do Enterro e da Deposição de Cristo n o túmulo» sob o olhar c o m p u n g i d o
de Maria Madalena, das igrejas da Misericórdia de M o n t e m o r - o - V e l h o , c o m o
nas telas de São Francisco de Évora, da Universidade de C o i m b r a e de San-
t o s - o - N o v o . Incompatível c o m a i m a g e m da «mulher forte» que da Mãe de
Jesus se devia transmitir, a R e f o r m a católica, por m e i o das legislações sinodais,
baniu ou m a n d o u modificar a Virgem Desmaiada tão cara ao gosto h u m a n i -
zado dos devotos. Desapareceu, de facto, dos calvários da primeira metade do
século xvi da Sé do Funchal e da igreja de Setúbal, substituída p o r toscas re-
pinturas. A figura de Maria, de pé e de porte corajoso j u n t o ao Crucificado,
vê-se n o Eccc Homo pertencente à igreja lisboeta de Santa Justa, e n q u a n t o as
figuras de populares e algozes a injuriar Cristo foram cobertas c o m tinta preta.
A transformação registada, ao e n c o n t r o da afectividade dos fiéis que se agrada-
vam do quotidiano representado pelo pitoresco que os identificava c o m u m a
realidade circundante, encontra-se patenteada n o retábulo da Paixão da Sé de
Portalegre, pertencente à época de D . Frei A m a d o r Arrais, e n o de D o m i n g o s
Vieira Serrão, que está em C o i m b r a . As cenas da vida dolorosa de Cristo fica-
ram mais abertas à influência espanhola «badajócense do Divino Morales» e m
t e m p o de estreita comunicabilidade cultural e religiosa, por intercâmbio ou
emigração profissional, e passaram a apresentar uma só figura, c o m o n o Se-
n h o r atado à coluna a receber a flagelação e coroado de espinhos c o m u m a
cana verde na m ã o a simular o ceptro (Eccc Homo), ou reduzidas apenas a três:
o Crucificado e, dos lados, a Virgem Dolorosa e o apóstolo São João, c o n -
t e m p l a n d o - o , na postura do Stabat Mater — admirável cântico que desde a
Idade Média continuava a alimentar a meditação desta espiritualidade das d o -
res 217 . Era, aliás, este passo da Paixão de Cristo que se pintava ordinariamente
n o c i m o do m u r o do arco cruzeiro das igrejas paroquiais e se manteve até
adiantada altura d o século xvin, às vezes substituído p o r u m painel ou quadro
de figuração idêntica. Imagens milagrosas de Jesus Crucificado, objecto de
forte devoção local, havia de norte a sul do país, c o m o nos casos d o S e n h o r
de Bouças, e m Matosinhos; do Senhor de Além — «devoto e antigo cruxifi-
xo» que se venerava na Ermida de São Nicolau (Gaia) e n o século xvi se re-
m o v e u para a sua nova capela erguida nas imediações, atravessando o D o u r o

573
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

e m vistoso altar, n u m a barca d e passagem a d r e d e engalanada, l e v a d o e m p r o -


cissão ã Sé d o P o r t o p o r ocasião de g r a n d e s calamidades públicas («longas es-
tiagens, p r o l o n g a d o s i n v e r n o s , epidemias, guerras») e m e s m o até à barra da
Foz, q u a n d o «incapaz para a saída dos navios» 2 1 8 — e d o S e n h o r Jesus C r u c i f i -
c a d o d e São D o m i n g o s d e Lisboa, p o u p a d o ao fogo d o t e r r a m o t o d e 1755,
q u e se e n c o n t r a v a e m capela v e d a d a p o r u m a grade d e prata e e m cuja chaga
d o lado estava e m c o n t í n u o l a u s p e r e n e a hóstia consagrada, c o m seus círios e
m u i t o s c a n d e l a b r o s a r g ê n t e o s a i l u m i n á - l a dia e n o i t e 2 1 9 .
A c o n f l u ê n c i a interactiva d e correntes de espiritualidade, e m particular
franciscana, da pregação, literatura e arte religiosa e m p e n h a d a s e m servir os s u -
periores propósitos catequéticos e apologéticos de u m a hierarquia católica vigi-
lante, e m é p o c a a acusar p r o g r e s s i v a m e n t e a directriz autoritária tridentina, r e -
flecte-se n o culto à Paixão de Cristo q u e se e s t e n d e p e l o país inteiro. N o s
retábulos, pintados e m altares e tribunas maneiristas p r o t o b a r r o c a s , barrocas o u
rocaille, e na infinda multiplicidade de óleos sobre tela q u e e n x a m e i a m capelas,
igrejas paroquiais e conventuais, sés e colegiadas, e s o b r e t u d o Misericórdias, p a -
ra além dos dispersos e dos q u e se sabe desaparecidos, patenteia-se, c o m o c o n s -
tante, a representação d o Calvário, Flagelação, S e n h o r da C a n a V e r d e e D e s c i -
m e n t o da C r u z , o b r a de artistas e oficinas d e r e n o m e o u de talentos p o p u l a r e s
e de m e d í o c r e valor, de h a r m o n i a c o m a o r i g e m dos e n c o m e n d a d o r e s . Se b e m
q u e se i m p o n h a , de m o m e n t o , a p o n t a r a ligação e n t r e os lugares de culto, as
c o m u n i d a d e s q u e serviam, c o m as suas confrarias e irmandades, e a imagética
da paixão de Cristo, o q u e nessa c o n e x ã o i m p o r t a a t e n d e r é à abundantíssima
p r o d u ç ã o artística p o r esta d e v o ç ã o originada, de nível e r u d i t o o u populista, d e
gosto r e q u i n t a d o o u fácil. D e n o r t e a sul, das ilhas ao ultramar, e n c o n t r a m - s e
t e s t e m u n h o s e l o q u e n t e s deste p i e t i s m o , c o m p r e e n s i v e l m e n t e , tão d o m i n a n t e .
A exalar inspiração t a r d o - m a n e i r i s t a italianizante c o m «fortes influências es-
curialenses e madrilenas», e n c o n t r a m - s e p e n d e n t e s das paredes altas da sacristia
dos J e r ó n i m o s seis grandes telas arruinadas, d o p r i m e i r o o u s e g u n d o d e c é n i o
seiscentista e da p r o v á v e l autoria d o p i n t o r r é g i o M i g u e l de Paiva 2 2 0 . E m S a n t o
A n t ó n i o das Areias, lugarejo das faldas d o M a r v ã o , há u m Calvário e u m a San-
ta Face, tábuas c o m marcas d e m ã o p o p u l a r , talvez d o s finais d o século x v i ,
q u e se p o d e m a p r o x i m a r d e u m a o u t r a da Descida da cruz, p e r t e n c e n t e à m a -
triz d e C e i r a ( C o i m b r a ) , q u e talvez fizesse p a r t e de u m r e t á b u l o da P a i x ã o d e
C r i s t o , a o d e p o i s disperso 2 2 1 . N a igreja d e R i b e i r a B r a v a da ilha da M a d e i r a ,
há u m t r í p t i c o d o Calvário (1589), réplica arcaizante d o f l a m e n g o R o g e r V a n
W e y d e n , e na Igreja de São V i c e n t e de A b r a n t e s e n c o n t r a - s e u m a t á b u a d e
Cristo deposto da cruz j á e r r o n e a m e n t e a t r i b u í d a a F e r n ã o G o m e s , u m p i n t o r
da é p o c a c a m o n i a n a , a q u e m foi t a m b é m d a d a a a u t o r i a das seis tábuas d o r e -
t á b u l o da Paixão de Cristo e x i s t e n t e n o c r u z e i r o d e São F r a n c i s c o d e É v o r a ,
mas v i n d o da Igreja da Graça, q u e p e r t e n c e , c o n t u d o , a F r a n c i s c o J o ã o , m a -
neirista e b o r e n s e 2 2 2 . Para a capela d o H o s p i t a l da M i s e r i c ó r d i a d e G u i m a r ã e s ,
ao castelo, f o r a m transferidos c i n c o dos g r a n d e s painéis d o r e t á b u l o da Igreja
da M i s e r i c ó r d i a d e u m c o n j u n t o p i c t ó r i c o d e 1614-1618, d o s quais q u a t r o r e -
p r e s e n t a m Jesus no Horto, a Flagelação, o Senhor da cana verde e Cristo com a cruz
às costas, d e a u t o r i a a t r i b u í d a a D o m i n g o s L o u r e n ç o P r a d o , artista q u e j á i n t e -
grara o g r u p o de mais três p i n t o r e s c o n s a g r a d o s , aos quais foi c o n f i a d a a f e i -
tura d e 12 painéis da P a i x ã o d o S e n h o r , d e s t i n a d o s e e n t r e g u e s e m 1613 à M i -
sericórdia p o r t u e n s e , o n d e d e z ainda aí se v ê e m : Ultima Ceia, Lava-pés, Jesus
no horto, Prisão de Jesus, Cristo perante Caifás, Negação de Pedro, Jesus diante de
Pilatos, Flagelação, Senhor da cana verde e Ecce Homo22i. A Igreja da M i s e r i c ó r -
dia d e Ó b i d o s t e v e n o arco c r u z e i r o u m Calvário (1630) d e A n d r é R e i n o s o ,
«o mais i m p o r t a n t e p i n t o r p o r t u g u ê s na v i r a g e m para o N a t u r a l i s m o p r o t o -
b a r r o c o » , c u j a p e ç a c e n t r a l d e s a p a r e c e u , s e n d o as q u e a l a d e a v a m , Cristo com a
cruz às costas e Cristo deposto da cruz, da a u t o r i a de Baltasar G o m e s Figueira,
D> Calvário, óleo sobre madeira
de castanho, c. 1535-1540 familiarizado c o m o m e i o artístico de Sevilha, o n d e residiu, e pai da f a m o s a
(Viseu, Museu Grão Vasco). J o s e f a d ' O b i d o s . Dessa m e s m a g e r a ç ã o é o Calvário da igreja da P ó v o a d e
F O T O : D I V I S Ã O DE
S a n t o A d r i ã o e o Cristo deposto da cruz d e São Silvestre d e U n h o s . A igreja e s -
D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/ calabitana de N o s s a S e n h o r a da P i e d a d e t e m u m a tela r e p r e s e n t a n d o o Cristo
/ I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE deposto da cruz d e M i g u e l Figueira, artista local d e «peças tenebristas», à espa-
M U S E U S / A R N A L D O SOARES.

574
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

575
O D E U S D E T O D O S OS DIAS

n h o l a . D o r e f e r i d o Baltazar Figueira são t a m b é m o u t r a s p i n t u r a s c o m a m e s -


m a t e m á t i c a da P a i x ã o : o Calvário (1636) da M i s e r i c ó r d i a d e P e n i c h e e as telas
Jesus no horto e Flagelação (1641), e x e c u t a d a s para os r e t á b u l o s colaterais; e t a m -
b é m para os altares laterais da C a p e l a d e São Brás de D a g o r d a ( Ó b i d o s ) Jesus
no horto e Cristo morto. P o r sua vez, a filha, Josefa d ' Ó b i d o s , p i n t o u e m 1679,
para o r e t á b u l o - m o r da Igreja da M i s e r i c ó r d i a de P e n i c h e , u m g r a n d e Calvá-
rio e duas telas mais p e q u e n a s c o m a Santa Face e o Senhor da cana verde c u j a
autoria o i n v e s t i g a d o r V i t o r S e r r ã o a c a b o u p o r identificar. A c o n t r á r i o d o h a -
bitual e n t r e nós, estes retábulos c o s t u m a m , na v i z i n h a Espanha, r e m a t a r pela
r e p r e s e n t a ç ã o da C r u c i f i c a ç ã o 2 2 4 . O a n t i g o c o n v e n t o dos C a p u c h o s e m S i n -
tra, e r e m i t é r i o dos franciscanos arrábidos, t e m 110 O r a t ó r i o d o S e n h o r d o s
Passos u m a azulejaria azul c o m a Flagelação de Cristo e a Coroação de espinhos, e
na a b ó b a d a d o « m e s m o estilo e época» p e q u e n a s telas c o m e m b l e m a s da P a i -
x ã o , o s t e n t a n d o o t í m p a n o da p o r t a u m painel d o Calvário — t u d o o b r a d e
m e a d o s d e S e t e c e n t o s 2 2 3 . R e s p o n d e n d o a e n c o m e n d a s ditadas na é p o c a d o
b a r r o c o p o r t u g u ê s , l e g o u o g r a n d e p i n t o r B e n t o C o e l h o da Silveira (1620-
-1708) obras i n ú m e r a s para a l i m e n t a r esta c o r r e n t e pietista a C r i s t o C r u c i f i c a -
d o . Para a Igreja d e Nossa S e n h o r a da Q u i e t a ç ã o d o a n t i g o c o n v e n t o das Fla-
m e n g a s d e Alcântara, inspirado nas gravuras o u e m b l e m a s d o Regia via Crttcis
(1625), d o b e n e d i t i n o H a e f t e n , «constituída p o r u m a série de diálogos e n t r e o
A m o r d i v i n o (o m e n i n o Jesus) e a A n i m a Staurófila ( a m a n t e da cruz) acerca
da distribuição das cruzes, s í m b o l o dos s o f r i m e n t o s e aflições i n e r e n t e s à t r a -
j e c t ó r i a h u m a n a , m a s t a m b é m i n s t r u m e n t o d e salvação», Silveira e x e c u t o u as
suas Alegorias da cruz, q u e b e m d o c u m e n t a m as t e n d ê n c i a s da espiritualidade
dos finais d o século, e i d ê n t i c o c o n j u n t o p i n t o u - o para as espaldas d o s arcazes
da sacristia de São P e d r o .de Alcântara, s e n d o a i c o n o g r a f i a relacionada c o m o
santo p a d r o e i r o , particular d e v o t o de C r i s t o C r u c i f i c a d o 2 2 6 . As gravuras d o li-
v r o de H a e f t e n serviram t a m b é m d e m o d e l o para o p r o f u s o ciclo d e painéis
azulejados d o p r i m e i r o t e r ç o d o século x v i n , d o c o n v e n t o l i s b o n e n s e d o G r i -
lo dos E r e m i t a s A g o s t i n h o s , p r e c i s a m e n t e o n d e o M u s e u d o A z u l e j o agora
f u n c i o n a 2 2 7 . Se ao f r a n c i s c a n o São B o a v e n t u r a se d e v e m as Mcditationes, escri-
to f u n d a m e n t a l para o d e v o t i s m o cristológico assente na h u m a n i d a d e de J e -
sus, São B e r n a r d o t o r n o u caros aos m o s t e i r o s d o r a m o b e n e d i t i n o d e Claraval
alguns m o t i v o s inspirados na sua vida d e c o r r e n t e s da relação mística c o m o
C r u c i f i c a d o , c o m o seja o e p i s ó d i o d o abraço q u e B e n t o C o e l h o p i n t o u e m
1690 para o m o s t e i r o de Salzedas, baseado n u m a gravura d o f l a m e n g o J a c o -
b u s N e e f f s (1653). P o r o u t r o lado, na actual m a t r i z da p a r ó q u i a de S a n t o
A g o s t i n h o d e Marvila, antiga igreja d o c o n v e n t o das Brígidas, f u n d a d o pelas
religiosas da O r d e m d o Salvador, vindas perseguidas d e Inglaterra e m 1594,
v ê - s e u m ó l e o e m m a d e i r a d o p i n t o r , r e p r e s e n t a n d o Jesus a recolher as vestes
após a flagelação (1690), n u m a expressão d r a m á t i c a c o m o v e n t e , p r ó p r i a para l e -
var as almas devotas à prática da h u m i l d a d e e paciência. C a n o n i z a d a n o s f i -
nais d o s é c u l o xiv, a sueca Santa Brígida é a u t o r a d o livro Revelações q u e d e i -
x o u v i n c o p r o f u n d o na espiritualidade p r o t o m o d e r n a e na arte religiosa
p e n i n s u l a r dos séculos xvi e XVII, m e r c ê da adesão d e escritores místicos espa-
n h ó i s c o m ressonância e m terra p o r t u g u e s a . H á , ainda, de B e n t o da Silveira
u m ó l e o sobre tela, de cerca d e 1690, c o m a q u e l e m e s m o assunto, q u e p e r -
t e n c e u a o c o n v e n t o dos A g o s t i n h o s d e P e n h a d e França e fazia p a r t e de u m
c o n j u n t o d e d i c a d o à Paixão de Cristo22*. O itinerário d o c a m i n h o d o C a l v á r i o
é aliás o mais i n s i s t e n t e m e n t e r e p r e s e n t a d o nesta t e m á t i c a d o m a r t í r i o d e J e -
sus N a z a r e n o , c o m o s u c e d e n o Cristo com a cruz às costas (1690) q u e p i n t o u
para o c o n v e n t o c a r m e l i t a n o de S a n t o A l b e r t o , a p r i m e i r a casa p o r t u g u e s a f e -
m i n i n a da r e f o r m a d e Santa T e r e s a de Avila, f u n d a d a e m 1595 p e l o v i c e - r e i
cardeal A l b e r t o de Áustria, f u t u r o g e n r o d e Filipe II 2 2 9 . P o d e dizer-se q u e s e -
ria, p o r c e r t o , d e s t i n a d o à c o n t e m p l a ç ã o das m o n j a s q u e n e l e t e r i a m fortes
m o t i v o s para f a z e r e m a c h a m a d a c o m p o s i ç ã o de lugar, i d e n t i f i c a n d o - s e c o m
os s e n t i m e n t o s e estados de alma das santas m u l h e r e s , ali figuradas, e n t r e as
quais g a n h a d e s t a q u e Maria M a d a l e n a , de primacial i m p o r t â n c i a na mística
teresina, c o m o d e resto nessoutra espiritualidade das lágrimas tão característica
do barroco.

576
R I T U A I S E M A N I F E S T A Ç Õ E S D E CULTO

A associação da infância de Jesus c o m a sua Paixão é t a m b é m u m dos te-


mas queridos da piedade coeva e dos mais sugestivos da arte seiscentista.
Achámos-lhe já o rasto 110 século anterior e a inspiração nas Meditações do
Pseudoboavetitura, c o m particular presença na iconografia religiosa ibérica 230 .
A pintura de B e n t o C o e l h o do Museu de Machado de Castro pertencia ao
espólio d o c o n v e n t o das Ursulinas de Coimbra, que se dedicavam à educação
de meninas. Representados, vêem-se o m e n i n o Jesus c o m uma cruz de m a -
deira nos braços e São J o ã o Baptista, da mesma idade, j u n t o de si, e m p u n h a n -
do outra de cana, e ambos entre as mães, a Virgem Maria e Santa Isabel, sob
o olhar de Deus n u m a aparição antropomórfica. O u t r o óleo sobre tela (1691)
de C o e l h o da Silveira, pertença da Sé de Castelo Branco, centra-se n o m e s m o
assunto, embora desta feita o m e n i n o Jesus esteja deitado sobre uma cruz que
u m anjo levanta c o m o se fosse querer exalçá-la n o Calvário, e n q u a n t o São J o -
sé lhe ergue a cabeça para lhe colocar a coroa de espinhos e Nossa Senhora,
com uma palma na mão, lhe estende os cravos 231 . A intenção pedagógica des-
tes quac ros é flagrante, se a ligarmos aos fins específicos das comunidades reli-
giosas que os e n c o m e n d a v a m e possuíam em suas casas de educação, o n d e a
mortificação e sacrifício a incutir em idades juvenis tinham naquele cromatis-
m o visual u m m e i o didáctico eloquente. A visão da cruz na infância de Cristo
está patente noutra tela do artista de 1695, actualmente 11a Universidade N o v a
de Lisboa, o n d e n u m enquadramento familiar se vê Jesus sentado n o colo da
Mãe, largando-lhe o seio desnudo, para estender os braços na direcção da cruz
que os anjos lhe trazem. Nesta mesma época, o pintor A n t ó n i o de Oliveira
Bernardes executou dois quadros a óleo afins, destinados à Igreja de Nossa Se-
nhora dos Prazeres da cidade de Évora: uma Sagrada Família c o m São J o ã o
m e n i n o , t e n d o ao alto grupos de anjos c o m os instrumentos da Paixão, e uma
Oficina de São José e m que Jesus, jovenzito da altura da sua perda na peregrina-
ção a Jerusalém, constrói cruzitas ajudado por dois amigos 2 3 2 .

D A DEVOÇÃO À HUMANIDADE DE CRISTO e m s e u p e r c u r s o d o l o r o s o faz O exercício da via-sacra


parte o piedoso exercício da via-sacra, de tanta aceitação popular. Para u m
d o u t o r medieval de identidade desconhecida, mas que se associa a Santo Al-
berto M a g n o , «a vida não é mais que a sombra que projecta a cruz de Jesus
Cristo: fora desta sombra só há a morte» 2 3 3 . C o m p r e e n d e - s e assim que se haja
e n t e n d i d o e c h a m e Relógio da Paixão este c a m i n h o da C r u z constituído pela
série de passos escolhidos para assinalar os episódios marcantes do itinerário de
Jesus desde a prisão, n o Jardim das Oliveiras, após a Ultima Ceia, à sua crucifi-
xão e sepultura. R e m o n t a v a o peregrinar dos fiéis aos Lugares Santos da Pales-
tina aos primeiros séculos do cristianismo e cresceu por altura das Cruzadas.
Surgindo, porém, as dificuldades de acesso à Terra Santa e intensificando-se a
veneração pelo martírio do Salvador, a cristandade medieva, por influxo fran-
ciscano, criou essa forma de prestar culto à Paixão de Cristo, semeando c r u -
zes, segundo u m trajecto convencionado, nas povoações rurais e urbanas, p o r
vezes na encosta de elevações, que serviam de estações (statio = paragem), para
se rezar e meditar nos mistérios dolorosos evocados. A partir do século xv, de
simples cruzes passou-se a pequenas capelas e ermidas, a que as irmandades
dos Passos vieram a assegurar, n o espaço europeu, a fortuna de uma difusão
impressionante. R e p u n h a - s e simbolicamente, desta forma, a subida do Calvá-
rio, t e n d o variado, c o n t u d o , o n ú m e r o de passos que de três, na tradição de
Lubeck, c o m o se regista em 1467, passou a catorze (Varallo, 1491) até chegar
a quarenta ( R o m a n s , 1513), se b e m que p o r n o r m a se fixasse e m sete, o q u e
corresponderia a outras tantas supostas quedas de Cristo n o percurso do G ó l -
gota o n d e o crucificaram 2 3 4 .
Inspirado pela espiritualidade da devotio moderna e buscando m e s m o
propiciá-la, não poucos recintos conventuais reservavam e m suas cercas ou
proximidades do claustro alguns espaços d e n o m i n a d o s «desertos», cuja atmos-
fera motivadora de meditação e paz interior se procurava criar c o m capelas
dedicadas aos episódios da via crncis e fontes amenas aí semeadas. D o s mais
expressivos são o Jardim da Manga de Santa C r u z de C o i m b r a e o, já inexis-
tente, m a n d a d o construir n o C o n v e n t o do Pópulo, em Braga, pelo primaz

577
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

Vista de Jerusalém ou Paixão de D . A g o s t i n h o de Jesus c o n s t i t u í d o p o r u m a «excellente cerca c o m c i n c o f o n -


Cristo, 1510 (Lisboa, Museu tes singulares ( h u m a delias, q u e c h a m ã o a d o M e n i n o d e Jaspe, c o m n o t á v e l
Nacional do Azulejo). delicadeza lavrada) e sete d e v o t a s E r m i d a s dos passos da p a i x ã o d e C h r i s t o , a
F O T O : DIVISÃO DE q u e c h a m ã o J e r u s a l e m , todas c o m g r a n d e p e r f e i ç ã o , s u b i n d o de h u m a s para
D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
/ I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
as outras, quasi e m caracol, e p o r r e m a t e destas E r m i d a s h u m a g r a n d e v a r a n -
M U S E U S / M A N U E L PALMA. da c o m d e s i m p e d i d a vista» 235 . O f e n ó m e n o q u e se d i f u n d i u na era m o d e r n a
apresentava na d i o c e s e b r a c a r e n s e casos similares nas cercas d o s c o n v e n t o s
franciscanos de São Paio d o M o n t e ( L o i v o — Vila N o v a d e C e r v e i r a ) , c o m
q u a t r o capelas, e da F r a n q u e i r a (Pereira — Barcelos), c o m seis e m 1710, d o s
Lóios d e Vilar de Frades (Barcelos) e d o b e n e d i t i n o de T i b ã e s (Braga) e m
1731-1734 c o m e s c a d ó r i o , capelas e fontes, d o c u m e n t a d o na p r i m e i r a m e t a d e
de Seiscentos 2 3 6 . A partir de u m c o n j u n t o d e cruzes d e p e d r a , d a t a d o d e 1644,
o m o n t e - s a c r o d o B u ç a c o , sito na área d o c o n v e n t o carmelita e na é p o c a o
mais c o n s i d e r a d o d e P o r t u g a l , t e n t a v a o b e d e c e r f i e l m e n t e ao c a m i n h o d o l o -
roso d o C a l v á r i o tal c o m o se p o d i a p e r c o r r e r na C i d a d e Santa: «Após a igreja
d o c o n v e n t o , havia o M o n t e das Oliveiras, c o m estas árvores, s e g u i d o de u m
ribeiro e q u i p a r a d o ao rio C e d r o n . A u m p o r t a l q u e significava a P o r t a Á u r e a

578
R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES D E CULTO

p o r o n d e Cristo, preso, entrou, seguiam-se dezoito "passos" do Senhor, c o m


suas capelas, r e s p e i t a n d o - s e c o m r i g o r as distâncias q u e se v e r i f i c a v a m e m J e -
r u s a l é m . U m p ó r t i c o l e m b r a v a o P r e t ó r i o d e Pilatos e, mais n o alto, u m a r c o
sugeria a P o r t a J u d i c i á r i a da c i d a d e santa, p o r o n d e saiu C r i s t o c o m a c r u z às
costas a c a m i n h o d o C a l v á r i o , a q u i instalado s o b r e m a c i ç o r o c h o s o q u e se se-
guia. Este p e r c u r s o d e via-sacra, m a x i m a m e n t e s i m b o l i z a d o e m o n u m e n t a l i -
z a d o p o r sugestões d e edifícios civis d e J e r u s a l é m e p o r capelas d e "passos"
d e v e u - s e , acima de t u d o , ao p a t r o c í n i o d o bispo de C o i m b r a D . J o ã o d e M e l o ,
nos finais d o século xvn.» 2 3 7 E m A n c o r a ( C a m i n h a ) , existe, dos inícios de N o -
vecentos, u m « m o n t e - s a c r o » — d e f o r m a a i m i t a r o C a m i n h o da C r u z d e J e -
rusalém, c e n t r o d o m u n d o para a C r i s t a n d a d e — c o n s t i t u í d o p o r u m e s c a d ó -
rio d e 14 c r u z e s e n c i m a d a s pela C a p e l a d o C a l v á r i o 2 3 8 e e m B o r b a há u m
c o n j u n t o p r o c e s s i o n a l setecentista de q u a t r o s u m p t u o s a s estações da via-sacra
d o S e n h o r Jesus d o s Passos — «esculpidas n o b e l o e q u e n t e b a r d i l h o da terra
p o r m a r m o r i s t a s a n ó n i m o s » 2 3 9 . C o m telas a ó l e o r e p r e s e n t a n d o r e s p e c t i v a -
m e n t e o Caminho doloroso, o Encontro de Cristo e sua Mãe, a Verónica, Simão o
Cireneu ajudando a levar a cruz — , G u i m a r ã e s possui a Igreja d o s S a n t o s P a s -
sos, atribuída a A n d r é Soares, n o t á v e l t e m p l o b a r r o c o da m e s m a é p o c a . Aliás,
nas principais localidades d o país, c o m o Braga, P o r t o , É v o r a , Vila Viçosa, E s -
t r e m o z , etc., havia Capelas dos Passos disseminadas pelos a r r u a m e n t o s . E m
Braga, na e n c o s t a d o m o n t e E s p i n h o , a desaparecida E r m i d a da Santa C r u z
d o s fins d o s é c u l o x v e a C a p e l a d o s Passos da p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o XVII
v i e r a m a dar lugar, n o g o v e r n o d o a r c e b i s p o D . R o d r i g o d e M o u r a T e l e s , ao Igreja e escadaria da Igreja do
i m p o n e n t í s s i m o « m o n t e - s a c r o » d o B o m Jesus d o M o n t e , q u e se i n t e g r a n o s Bom Jesus do Monte, Braga.
similares e u r o p e u s , c o n s i d e r a n d o - o G e r m a i n B a z i n «le plus parfait q u ' ait r é a - F O T O : ALMEIDA D ' E Ç A / A R Q U I V O
lisé le christianisme» 2 4 ", d e c o n c e p ç ã o e sintonia d e c o r a t i v a c o m o b a r r o c o da C Í R C U L O DE LEITORES.

579
O DEUS DE TODOS o s DIAS

R e f o r m a católica, r e m a t a d o e m 1811 p e l o g r a n d i o s o t e m p l o d o a r q u i t e c t o
C a r l o s A m a r a n t e , p r e a n u n c i a d o r d o neoclacissismo e q u e se t r a n s f o r m o u
n u m s a n t u á r i o d e p e r e g r i n a ç ã o . As capelas semeadas p e l o e s c a d ó r i o , o n d e se
e n c e n a a vida d o l o r o s a de Jesus, são u m c o n v i t e ao d e s p o j a m e n t o ascético e ã
u n i ã o espiritual c o m o s o f r i m e n t o d e C r i s t o a c a m i n h o d o C a l v á r i o 2 4 1 .
E m P o r t u g a l , os Jesuítas, para q u e m a d e v o ç ã o à P a i x ã o d e C r i s t o era o b -
j e c t o na Q u a r e s m a , c o m o se r e f e r i u , d e m e d i t a ç õ e s e p e n i t ê n c i a s corporais, a
partir d o ú l t i m o q u a r t e l d o s é c u l o xvi e da casa professa d e São R o q u e , t e r ã o
d a d o i m p o r t a n t e c o n t r i b u t o à d i f u s ã o d o e x e r c í c i o da via-sacra, q u e l o g o se
e s t e n d e u ao país, s o b r e t u d o através d o m i n i s t é r i o da p r e g a ç ã o . A s s o c i a d o d e -
c i s i v a m e n t e a este i n c r e m e n t o na c i d a d e d e Lisboa, e n c o n t r a - s e o « P i n t o r
Santo», Luís Alvares d e A n d r a d e , discípulo d o m a g i s t é r i o espiritual dos d o m i -
n i c a n o s Francisco d e Bobadilla e Luís d e G r a n a d a , e zelosíssimo d i f u s o r das
g r a n d e s d e v o ç õ e s da R e f o r m a católica, a q u e m se atribui a d i s t r i b u i ç ã o d e
mais d e 20 0 0 0 papéis c o m a o r a ç ã o d o Santo Sudário, m a n d a d o s espalhar n o
r e i n o e fora dele 2 4 2 . D e v e - s e - l h e t a m b é m a instituição, c o m o u t r o s , e m 1587,
da I r m a n d a d e d o S e n h o r dos Passos da Graça, o r g a n i z a d o r a da respectiva
procissão ainda h o j e e m vigor 2 4 3 , q u e partia da igreja d o s Jesuítas d e São R o -
Compromisso da Irmandade do
Senhor dos Passos do Real q u e , o n d e foi s e p u l t a d o , e r e c o l h i a à d e N o s s a S e n h o r a da Graça, d o c o n v e n -
Convento de Bethlem, de Luís t o dos A g o s t i n h o s , p e r c o r r e n d o as sete «estações». A s e m e l h a n ç a d o p r a t i c a d o
Tinoco, 1672 (Lisboa, na altura e m E s p a n h a , estaria na o r i g e m d o e x e r c í c i o da via-sacra q u e n o s é -
Mosteiro dos Jerónimos). c u l o x v i i se g e n e r a l i z o u , n o país, r e c o m e n d a n d o - a Frei A n t ó n i o das C h a g a s ,
FOTO: ARQUIVO CÍRCULO o f r a d i n h o d o V a r a t o j o , e m suas p r e g a ç õ e s apostólicas, pois, a q u a n d o d e u m a
DE LEITORES. missão e m Setúbal, r e f e r e q u e «grandes e p e q u e n o s v ã o à o r a ç ã o [mental] e se
a n d a m a r r a s t a n d o p u b l i c a m e n t e pelas vias sacras» 244 . A p r i n c í p i o , ao l o n g o d o
t> Rosário, âmbar com sacro i t i n e r á r i o da G r a ç a , havia o r a t ó r i o s c o m g r u p o s d e i m a g e n s esculpidas,
filigrana de prata, século XVII e n c e n a n d o cada u m dos passos da Paixão de C r i s t o q u e « e v o l u í r a m para n i -
(arte indo-portuguesa). Lisboa, c h o s e capelas mais elaboradas, só abertas na ocasião, d e c o r a d a s c o m i m a g e n s
Museu Nacional de Arte
Antiga. de santeiros d e u m realismo b e m popular» 2 4 5 . N o t e r m o d e Seiscentos, n o v a s
capelas d e cantaria e m á r m o r e , de q u e só r e s t a m duas vazias, f o r a m feitas s o b
F O T O : D I V I S Ã O DE
D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
o risco d o a r q u i t e c t o r é g i o J o ã o A n t u n e s e ornadas, e m 1700-1701, c o m telas
/ I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE de g r a n d e s d i m e n s õ e s d o p i n t o r B e n t o C o e l h o , de c u j o p a r a d e i r o , s e g u n d o o
M U S E U S / J O S É PESSOA. i n v e s t i g a d o r R a f a e l M o r e i r a 2 4 6 , se d e s c o b r i u , até ao m o m e n t o : a d o t e r c e i r o
Passo, «Simão C i r e n e u a j u d a C r i s t o a l e v a n t a r a cruz», q u e está na Igreja d e
São P e d r o de Sintra; a d o s e x t o passo, «Cristo c o n s o l a as Santas M u l h e r e s » ,
q u e foi da capela da C o s t a d o C a s t e l o , i g n o r a n d o - s e p r e s e n t e m e n t e o n d e se
e n c o n t r a ; a d o q u i n t o passo, «A V e r ó n i c a limpa o r o s t o d e Jesus», q u e p e r -
tencia à e r m i d a d o L a r g o d o T e r r e i r i n h o , m a s d e q u e apenas se c o n s e r v a u m
f r a g m e n t o . P o r c u r i o s o , registe-se q u e estes três e p i s ó d i o s p e r t e n c e m aos
E v a n g e l h o s A p ó c r i f o s . A d e v o ç ã o dos passos, c o m este perfil d e via-sacra, e n -
t r o u n o Brasil p o r i n t e r m é d i o d o s C a r m e l i t a s C a l ç a d o s e m 1626, a partir d e
B e l é m d o Pará, passando d a q u i ao M a r a n h ã o até atingir g r a n d e e s p l e n d o r na
Bahia setecentista. T u d o leva a aceitar ser o ainda e x i s t e n t e c o n j u n t o de telas
d e São Luís, o n d e a I r m a n d a d e d o B o m J e s u s dos Passos o r g a n i z a v a a p r o c i s -
são q u e saía d o C o n v e n t o d o C a r m o e m d i r e c ç ã o à M i s e r i c ó r d i a , t a m b é m
p e r t e n c e n t e às suas sete capelas, da a u t o r i a d a q u e l e r e f e r i d o p i n t o r 2 4 7 . N o q u e
ao c o n t i n e n t e respeita, confrarias e C a p e l a s dos Passos e x i s t e m d e s d e os i n í -
cios da I d a d e M o d e r n a , c o m i m p r e s s i o n a n t e a b u n d â n c i a . T e n d o s u r g i d o e se
a f i r m a d o e m P o r t u g a l as confrarias, n o d e c u r s o da Baixa I d a d e M é d i a , o seu
a p o g e u é p ó s - t r i d e n t i n o . N e s t a é p o c a , o N o r t e d o país, r e p r e s e n t a d o p e l o
a n t i g o t e r r i t ó r i o d o a r c e b i s p a d o d e Braga, c o n t a u m r o l assaz significativo d e
cerca d e 6 0 consagradas à da Santa C r u z e dos Passos, criadas n o d e c u r s o d o s
fins d e Q u a t r o c e n t o s ao a d v e n t o d o Liberalismo, a q u e se p o d e r i a m a d i c i o n a r
as 45 da actual d i o c e s e b r i g a n t i n a 2 4 8 . N o total das 45, i n v e n t a r i a d o p e l o i n v e s -
t i g a d o r J o s é M a r q u e s , «19 são c o n f r a r i a s d o s Passos, 5 das C h a g a s , 16 da C r u z ,
5 d o B o m Jesus, e m b o r a sob d e s i g n a ç õ e s u m p o u c o diversificadas c o m a
m e n ç ã o d e B o m Jesus da C r u z , B o m J e s u s da Via Sacra, B o m Jesus da B o a
M o r t e o u m e s m o associada a u m a d o S S m o S a c r a m e n t o , tal c o m o a c o n t e c e
c o m a d o SSmo Sacramento e Vera Cruz, d o Santo Lenho ou simplesmente
de S e n h o r d o C r u z e i r o , S e n h o r C r u c i f i c a d o o u d o s Milagres» 2 4 9 . A p o n t a m -

580
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

- l h e s os estatutos d e muitas, c o m o p r i o r i d a d e , os actos d e d e v o ç ã o e c u l t o ,


c o m o sejam as Procissões d e Passos e as c e r i m ó n i a s litúrgicas da S e m a n a
M a i o r , c o m e t e n d o - l h e s , p o r vezes, fins d e assistência na linha das obras d e
m i s e r i c ó r d i a . F o m e n t a r a m - n a s p o r t o d o o r e i n o , s o b r e t u d o , frades crúzios,
franciscanos e a g o s t i n h o s . T e s t e m u n h o da g r a n d e afeição da p i e d a d e p o p u l a r
ao s o f r i m e n t o d o Salvador, havia t a m b é m , d e n t r o d o s limites d o a r c e b i s p a d o
b r a c a r e n s e , antes da divisão de 1882, 27 capelas dedicadas à Santa V e r a C r u z e
54 ao B o m Jesus o u a alguns passos da P a i x ã o e i n v o c a ç õ e s c o m o : N o s s o S e -
n h o r d o H o r t o , S a n t o C r i s t o , P r a n t o A m a d o r , Santíssimas C h a g a s , B o m Jesus
d o H o r t o e da Paz, S e n h o r Preso, d o s Aflitos, das Ânsias, da A g o n i a , d o A l e -
g r i m , e m u i t a s outras, s e n d o i n c o n t á v e i s os altares 2 5 0 . A n t e s , talvez, d o s é c u -
lo x v existia o O r a t ó r i o da Santa Vera C r u z e m G u i m a r ã e s e Vila R e a l , s e n -
d o d e 1505 a C a p e l a e C o n f r a r i a d o B o m Jesus da C r u z , sita n o C a m p o da
Feira d e Barcelos. E n t r e 1597 e 1609, o e r e m i t a d e S a n t o A g o s t i n h o e arcebis-
p o d e Braga D . A g o s t i n h o d e Jesus instituiu na igreja d o C o n v e n t o d e N o s s a
S e n h o r a das Graças d o P ó p u l o a C o n f r a r i a d o B o m Jesus d o s Passos q u e mais
t a r d e foi u n i d a à d e Santa C r u z da m e s m a c i d a d e q u e o m e s t r e - e s c o l a J e r ó n i -
m o P o r t i l h o e seus a l u n o s f u n d a r a m e m 1581 c o m o n o m e d e I r m a n d a d e d e
Santa C r u z d e J e r u s a l é m 2 5 1 . N ã o s e n d o possível a p o n t a r a data a q u e r e m o n t a
a c o l o c a ç ã o d o s q u a d r o s e / o u cruzes da via-sacra d e n t r o das igrejas, c e r t o é,
c o m o se sabe, e x i s t i r e m j á n o c o m e ç o d o s é c u l o x i x , e c o n s t a r esse p i e d o s o
e x e r c í c i o d o s actos d e v o c i o n a i s das missões p o p u l a r e s , a q u e se d e v e r á asso-
ciar o e s t í m u l o d a d o p e l o c o n h e c i d o e x e m p l o na E u r o p a da p r e g a ç ã o d o c a -
p u c h i n h o italiano São L e o n a r d o d o P o r t o M a u r í c i o (1676-1751), f e r v o r o s o
p r o p a g a n d i s t a desta d e v o ç ã o 2 5 2 . Essas curtas m e d i t a ç õ e s q u e a c o n s t i t u e m ,
destinadas a a c o m p a n h a r o p e r c u r s o das 14 estações, q u e i n c l u e m vários e p i -
sódios n ã o p e r t e n c e n t e s aos relatos d o s e v a n g e l h o s c a n ó n i c o s , intercaladas p o r
Padres N o s s o s e A v é Marias, e, p o r vezes, c o m cânticos, q u a n d o se e f e c t u a v a
c o l e c t i v a m e n t e , passaram a fazer p a r t e o b r i g a t ó r i a da m a i o r i a dos d e v o c i o n á -
rios, e até na Cartilha da doutrina christã (1850) d o A b a d e d e S a l a m o n d e se e n -
c o n t r a u m e x e r c í c i o da via-sacra d o m e s m o t e o r .

A REABILITAÇÃO E O REVIGORAMENTO da o r a ç ã o vocal estão ligados, s e m O rosário: recitação,


d ú v i d a , à crítica d o s zelosos da dcvotio moderna e à p r o p a g a ç ã o da reza d o r o -
confrarias, imagens
sário. V ê - s e , p o r e x e m p l o , q u e se o cardeal C a r r a n z a era a c u s a d o d e n u m
s e r m ã o t e r d e f e n d i d o q u e n ã o se d e v i a m rezar «Padres N o s s o s e A v é Marias» e sennÕes
aos santos e, p o r c e r t o , à V i r g e m , a «devota» C a t a r i n a R i b e i r o , p e r t e n c e n t e a
u m c í r c u l o espiritual d e «iluminados» d e Lisboa, i n t e r r o g a d a pela I n q u i s i ç ã o ,
a 22 de A g o s t o d e 1572, d e c l a r o u q u e «reza na igreja o b r a de h ü a h o r a v o c a l -
m e n t e p o r q u e reza o o f f i c i o d i v i n o e o rosairo d e nosa snora e a c o r o a e o u -
tras o r a ç õ e s e q u e d e p o i s d e rezar v o c a l m e n t e se r e c o l h e e se p o e m a c u i d a r
na p a i x ã o d e n o s s o sõr J e s u c r i s t o e lança d e si os m a o s p e n s a m e n t o s » 2 5 3 .
A d e v o ç ã o a Santa M a r i a , d e r e m o t a o r i g e m , i n s p i r o u - s e na f ó r m u l a e v a n g é -
lica d o p a d r e - n o s s o e na s a u d a ç ã o angélica da a v e - m a r i a , a fim d e criar o
e x e r c í c i o da r e c i t a ç ã o d o rosário e m l o u v o r d e N o s s a S e n h o r a , c u j o s 15 p a -
d r e - n o s s o s e as 150 a v e - m a r i a s se r e z a m à m a n e i r a das a n t í f o n a s e c e n t e n a e
m e i a d e salmos c o n s t a n t e s d o o f i c i o d i v i n o , o r a ç ã o q u o t i d i a n a o b r i g a t ó r i a p a -
ra os clérigos d e o r d e n s m a i o r e s . D e v o ç ã o antiga, este «Saltério d e Maria»,
c u j a o r i g e m , n o s m e a d o s d o s é c u l o x v , o d o m i n i c a n o Frei A l a n o da R o c h a
p r e t e n d e u a t r i b u i r a São D o m i n g o s d e G u s m ã o e à O r d e m d o s P r e g a d o r e s
q u e z e l o s a m e n t e d i f u n d i u e m suas a n d a n ç a s missionárias, o b t e v e e n o r m e
aceitação na sensibilidade p o p u l a r , desde a criança ao a d u l t o , h o m e m e m u -
lher, c u l t o e i n c u l t o . O vocal associou-se ao m e n t a l , q u a n d o foi p a s s a n d o a
incluir, n o i n t e r v a l o d e cada d e z e n a d e a v e - m a r i a s , a m e d i t a ç ã o dos mistérios
d e C r i s t o e da V i r g e m — c i n c o g o z o s o s , c i n c o d o l o r o s o s e c i n c o gloriosos
— , reduzidos depois a breve enunciação, terminando o piedoso exercício p e -
la ladainha lauretana cantada 2 5 4 . O c o r p o e o espírito p r e s t a v a m - s e à reza e m
c o r o e v o z alta, d e j o e l h o s o u e m p é , feita e m q u a l q u e r lugar, d e n t r o e f o r a
dos t e m p l o s , n o seio das famílias e nas j o r n a d a s , d e p e q u e n o o u l o n g o p e r -
c u r s o , e m solitário m o n ó l o g o o u a l i m e n t a d o e m r e d u z i d o s g r u p o s e m u l t i -

581
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

dões, t o r n a n d o - s e assim n u m a o r a ç ã o e m i n e n t e m e n t e c o m u n i t á r i a , e m b o r a
m e c â n i c a , e m q u e a m o n o t o n i a p o d i a , n o e n t a n t o , ser a t e n u a d a e m a t i z a d a
pela p r e g a ç ã o e o c a n t o . A c é l e b r e o b r a Livro do Rosário de Nossa Senhora, d e
N i c o l a u Dias (1525-1596), p a t r i o t a e x i l a d o n o t e m p o d o d o m í n i o filipino, d o -
m í n i c o e m e s t r e t e ó l o g o d o c í r c u l o espiritual de São D o m i n g o s d e Lisboa,
p o n t i f i c a d o p o r Frei Luís d e G r a n a d a , c o n h e c e u , d e s d e d e 1573 a 1583, d e z
edições. A o r i g e m , os mistérios, as i n d u l g ê n c i a s e os milagres respeitantes à
d e v o t a prática são a m a t é r i a deste «manual d e p i e d a d e cristã» 255 . O p r o p ó s i t o
d o a u t o r é v i n c a r q u e o «principal desta d e v o ç ã o é a l e m b r a n ç a d o s mistérios
d i v i n o s q u e o F i l h o d e D e u s n o m u n d o feito h o m e m o b r o u p o r a m o r d e
nós, sua e n c a r n a ç ã o , p a i x ã o e ressurreição», e m o r d e m à p e r f e i ç ã o . P o r isso
a d v e r t e q u e , apesar d e ela se d e s t i n a r a «toda a sorte d e gente», os seus p r a t i -
cantes «não se h ã o - d e c o n t e n t a r c o m s o m e n t e dizer as o r a ç õ e s vocais, m a s
t r a b a l h a r e m p o r ter o c u p a d a a c o n s i d e r a ç ã o n o s mistérios»; e, « c o m o isto seja
oração», n ã o d u v i d a «que lhe d e s c o b r i r á g r a n d e s cousas nela, assi matérias d e
altíssima c o n t e m p l a ç ã o c o m o d e g r a n d e e x e m p l o e e d i f i c a ç ã o para a vida» 2 5 6 .
A c a r i n h a d a pelos p o n t í f i c e s r o m a n o s , a reza d o rosário foi, d e s d e Sisto I V
q u e a a p r o v o u e m 1479, s u c e s s i v a m e n t e e n c o r a j a d a e e n r i q u e c i d a c o m i n d u l -
gências, s o b r e t u d o p o r U r b a n o VIII (1623-1643) e I n o c ê n c i o X V (1676-1689),
seus particulares d e v o t o s . N a b u l a d e Leão X (1513-1525) r e f e r e n t e à d e v o ç ã o
c o n c e d i a m - s e j á certas graças espirituais «para t o d o s os q u e , d e f o r m a i n t e g r a -
da, rezassem u m rosário cada semana», privilégios a u m e n t a d o s , d e resto, p o r
C l e m e n t e V I I I (1523-1534) e P a u l o III (1534-1549) aos q u e o recitassem p o r si
o u p o r o u t r e m . E m P o r t u g a l há t e s t e m u n h o s d e se praticar o e x e r c í c i o d o
rosário j á antes d e 1484, na Igreja d e São D o m i n g o s d e Lisboa, o n d e t a m b é m
se celebrava e m M a i o a Festa das R o s a s , d e v o ç ã o dali espalhada a t o d o o r e i -
n o 2 5 7 . A q u i se p o d e r ã o d e s c o b r i r raízes da p o s t e r i o r t r a n s f o r m a ç ã o religiosa
de M a i o n o mês mariano por excelência, destinado a honrar a V i r g e m Maria,
c o n v e r t e n d o - s e assim n u m o p o r t u n o p r e t e x t o para se sacralizar, c o n f o r m e o
espírito t r i d e n t i n o , u m a n t i q u í s s i m o rito p a g ã o c e l e b r a d o e n t u s i a s t i c a m e n t e
pelos j o v e n s e m t o d a a E u r o p a e p o r São C a r l o s B o r r o m e u , c o m o se v ê n o
s í n o d o local d e 1579, c o m e n e r g i a c o m b a t i d o 2 5 8 . P o r sua vez, os p r e g a d o r e s
d e missões faziam d o rosário e d o t e r ç o , isto é, u m d o s três g r u p o s p o r q u e
a q u e l e era c o n s t i t u í d o , o u e n t ã o da c o r o a , c o n j u n t o d e sete g r u p o s d e u m
p a i - n o s s o , dez a v e - m a r i a s , u m glória, e m l o u v o r das sete alegrias da V i r g e m
Maria, a suas p r i m e i r a s o r a ç õ e s c o m u n i t á r i a s . O f r a d i n h o d o V a r a t o j o , o f r a n -
ciscano Frei A n t ó n i o das C h a g a s , q u a n d o c h e g a v a à terra o n d e ia p r e g a r a
missão, d e p o i s d e l e v a n t a r b e m alto o c r u x i f i x o , «entoava a l a d a i n h a , o u o
terço de Nossa Senhora, a q u e respondiam h o m e n s , mulheres e meninos,
q u e o a c o m p a n h a v a m j á , o u se lhe i a m a g r e g a n d o a d i a n t e e desta sorte, c o -
m o e m procissão, c a m i n h a v a para a Igreja» 2 5 9 . Assim, p o r o n d e passava e l h e
n o t a v a a falta, foi i n t r o d u z i n d o a reza d o t e r ç o , «sem a qual, dizia, n i n g u é m
t e m aberta a p o r t a d o C é u , n e m a g r a d o u a Deus» 2 6 0 . O desfiar das a v e - m a r i a s
— q u e n o rifonário p o p u l a r a p a r e c e c o n s a g r a d o nesse passar as c o n t a s d o r o -
sário — d e u lugar a o a p a r e c i m e n t o d e rosários e terços d e c o n t a s d e m a t e r i a l
diverso, h u m í l i m o e p r e c i o s o , d e s t i n a d o a u s o i n d i v i d u a l e p e r m a n e n t e c o m -
p a n h i a p o r vezes s u s p e n s o d o p e s c o ç o , e q u e a b e n ç ã o d o s a c e r d o t e t o r n a v a
o b j e c t o sagrado, d e particular estima e v e n e r a ç ã o , t i d o c o m o p o s s u i d o r d e
v i r t u d e p r o t e c t o r a e t a u m a t ú r g i c a , c u j o p o d e r a u m e n t a v a q u a n d o t o c a d o nas
vestes e cadáveres d e pessoas d e r e c o n h e c i d a santidade. E r m i t ã e s , p e r e g r i n o s e
v e n d e d o r e s a m b u l a n t e s e s p a l h a v a m - n o s d e terra e m terra c o m o , p o r e x e m -
plo, se d e t e c t a n o caso d o falso D . Sebastião d e P e n a m a c o r , filho d e u m v e n -
d e d o r d e loiça d e A l c o b a ç a e d e s d e a infância e m p r e g a d o e m Lisboa d e u m
c o n f e c c i o n a d o r d e terços. A u t o r i z a d o a usar o h á b i t o d e e r e m i t a , p e r c o r r e u o
país, v i v e n d o d e esmolas e dos t e r ç o s q u e v e n d i a 2 6 1 . A p a r e c i a m e m u l t i p l i c a -
v a m - s e , n a v e r d a d e , sectores artesanais q u e se d e d i c a v a m à c o n f e c ç ã o d e c o n -
tas d e rosário e m a z e v i c h e q u e na E s t r e m a d u r a a b u n d a v a e m jazidas 2 6 2 .

Para d i f u s ã o d o rosário e d e v o ç õ e s q u e lhe a p a r e c e m ligadas, foi, s e m d ú -


vida, d e i m p o r t â n c i a primacial a instituição da respectiva c o n f r a r i a q u e se
atribui a Frei T i a g o S p r e n g e r , seu f u n d a d o r , e m 1475, n o c o n v e n t o d o m i n i -

582
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

c a n o d e C o l ó n i a , d e q u e era p r i o r . Esta data m e r e c e , n o e n t a n t o , reservas, A doadora rezando o terço à


pois é d e m e a d o s d o s é c u l o x v a C o n f r a r i a d e N o s s a S e n h o r a d o R o s á r i o i n s - Virgem, óleo sobre madeira
de carvalho (primeira metade
tituída na igreja d o c o n v e n t o d o m i n i c a n o d e Santiago d e C o m p o s t e l a p o r do século xvi). Lisboa, Museu
três b u r g u e s e s da c i d a d e . P e l o t e o r da sua o r d e n a ç ã o v ê - s e q u e os seus m e m - Nacional de Arte Antiga.
b r o s d e v i a m c o n s t i t u i r - s e e m « c o r p o r a ç ã o religiosa» o p o s t a às dos ofícios m e - F O T O : D I V I S Ã O DE
cânicos, d a d o q u e « m i n g u n d plater, ni sastre, ni t o n d i t o r , ni c o r r e e r o , ni p e - D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
d r e e r o , ni f e r r e r o , etc.». E s t a v a m os i r m ã o s , c o n t u d o , o b r i g a d o s à reza d o / I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
MUSEUS/CARLOS POMBO.
rosário s e m a n a l m e n t e , p o r «cuentas blancas e coloradas...», p o r q u e «por las
blancas se significa la o n e s t i d a d d e n u e s t r a S e n o r a , e p o r las c o l o r a d a s a n g u s -
tias», t e n d o d i r e i t o a h o n r a s especiais q u a n d o faleciam 2 6 3 . A m e d i d a q u e a a c -
ç ã o r e f o r m a d o r a d e T r e n t o se alastra, t a m b é m m a i o r é o c o m b a t e c o n t r a os
vestígios pagãos na religiosidade cristã e o realce d a d o t a m b é m ao p o d e r d e
M a r i a na c o n v e r s ã o d o s p e c a d o r e s e na aplicação d o s sufrágios pelos d e f u n t o s ,
o q u e se c o m p r e e n d e pela clara d e f i n i ç ã o da graça salvífica, p e l o d o g m a d o
P u r g a t ó r i o e pela d o u t r i n a das i n d u l g ê n c i a s s o l e n e m e n t e r e a f i r m a d o s . N e s t a
linha d o u t r i n á r i a , e x p u r g a - s e das legislações sinodais a m a t é r i a acerca dos b o -
d o s anuais, p o r ocasião d o s ladários, e da assistência a m o r i b u n d o s v e l ó r i o s , e

583
O DEUS DE T O D O S o s DIAS

t u d o se r e g u l a m e n t a n d o , c o m o r t o d o x o r i g o r , « e m t o r n o da o r a ç ã o diária e
semanal, individual o u c o m u n i t á r i a , d o R o s á r i o , da p a r t i c i p a ç ã o d o s c o n f r a -
des nas práticas eucarísticas e na m u l t i p l i c a ç ã o destas c o m finalidades i n t e r c e s -
sórias pelas almas d o P u r g a t ó r i o , na solenização das festas m a r i a n a s da N a t i v i -
d a d e , C o n c e p ç ã o , P u r i f i c a ç ã o e A s s u n ç ã o , na assistência aos s e r m õ e s alusivos,
na e n t o a ç ã o pelos leigos d e cantigas e laudac d e p r o f u n d o significado espiri-
tual» 2 6 4 . C o m o é ó b v i o , os frades da O r d e m d o s P r e g a d o r e s a c a b a r a m p o r t e r
p a r t i c u l a r q u i n h ã o n o e m p e n h a m e n t o h a v i d o n o p r o l i f e r a r desta c o n f r a r i a ,
s o b r e t u d o nas áreas o n d e a sua i m p l a n t a ç ã o se situava. S e g u n d o i n f o r m a Frei
Luís d e Sousa, a p r i m e i r a C o n f r a r i a d o R o s á r i o foi f u n d a d a n o C o n v e n t o d e
São D o m i n g o s d e Lisboa e m 1484, t e n d o - s e a d e v o ç ã o e s p a l h a d o r a p i d a m e n -
te p e l o r e i n o 2 6 5 . N a r e g i ã o d e Leiria, o n d e se erguia o M o s t e i r o d e N o s s a S e -
n h o r a da Vitória, o c o n v e n t o das D o m i n i c a n a s d e Santa A n a acolhia d e s d e
1494 u m a C o n f r a r i a d o R o s á r i o q u e ainda n o i n í c i o d o s é c u l o x x d u r a v a .
O M o s t e i r o d e Santa M a r i a d e C ó s possuía o u t r a q u e agregava as religiosas e
assistentes da casa, clérigos e leigos c o m o irmãos. R e f o r ç a r i a esta d e v o ç ã o a
vitória das forças cristãs c o n t r a o T u r c o O t o m a n o na batalha naval d e L e p a n -
to, a 7 d e O u t u b r o d e 1571, n o t e m p o d e P i o V, q u e c o n c e d e r i a à o r d e m d o -
minicana a permissão de fundar confrarias d o R o s á r i o pelo m u n d o inteiro,
v i n d o a q u e l e dia a t o r n a r - s e na festa litúrgica da S e n h o r a d o R o s á r i o (Santa
M a r i a da Vitória). G r e g ó r i o X I I I , t e n d o e m a t e n ç ã o q u e nas igrejas dos D o -
m i n i c a n o s havia n o p r i m e i r o d o m i n g o d e cada m ê s u m a procissão e m h o n r a
da S e n h o r a d o R o s á r i o , d e c r e t o u q u e n o p r i m e i r o d o m i n g o d e O u t u b r o se
celebrasse a festa d o Santíssimo R o s á r i o . E m P o r t o d e M ó s , a p e d i d o d o p o -
v o e da c â m a r a , os D o m i n i c a n o s f u n d a r a m na Igreja P a r o q u i a l d e Santa M a -
ria, e m 1614, u m a C o n f r a r i a d e Nossa S e n h o r a d o R o s á r i o c o m procissões
p o r fora d o t e m p l o e c o m u m a « i m a g e m d e vulto», n o p r i n c í p i o d e cada m ê s
d e p o i s da missa c a n t a d a da f r a t e r n i d a d e , h a v e n d o s e r m ã o n o s dias d e festa
m a r i a n a p o r c o n t a d o s m o r d o m o s 2 6 6 . D e v e n o t a r - s e , p o r é m , q u e a legalização
d o c u l t o pela instituição da c o n f r a r i a n ã o i m p l i c a q u e a d e v o ç ã o seja b e m
mais r e m o t a c o m o a c o n t e c e , p o r e x e m p l o , na P ó v o a d e V a r z i m e m q u e há,
d e 1638 e 1643, t e s t a m e n t o s c o m legados para u m a festa e missas a N o s s a S e -
n h o r a d o R o s á r i o , d e v o ç ã o a q u i , sem d ú v i d a , d e data a n t e r i o r , s e n d o d e 13
d e M a i o d e 1686 a sua e r e c ç ã o c a n ó n i c a feita p o r Frei P e d r o T o m á s , d o m i n i -
cano residente n o c o n v e n t o d o Porto267. O s prelados diocesanos tiveram
t a m b é m p r e d o m i n a n t e papel n e s t e m o v i m e n t o c o n f r a t e r n a l , pois nas c o n s t i -
t u i ç õ e s sinodais a instituição desta nas p a r ó q u i a s o m b r e a v a c o m a d o Santíssi-
m o S a c r a m e n t o , a p o n t o d e nas visitas pastorais os seus r e p r e s e n t a n t e s s e r e m
a u t o r i t á r i o s j u n t o d o s curas d e almas, para l e v a r e m os fiéis a nela se i n c o r p o -
r a r e m . Assim se explica q u e o visitador na d e s l o c a ç ã o feita a J u n c e i r a ( T o -
mar), e m 1590, o r d e n a s s e ao vigário para e n c o m e n d a r « m u i t o a seus f r e g u e -
ses, a c o n f r a r i a d e nossa s e n h o r a d o rosairo», m a n d a n d o q u e a procissão dela,
p o r c e r t o n o a d r o , seria «no p r i m e i r o d o m i n g o d o m ê s d e O u t u b r o » e n o d e
M a i o se «benzerá as rosas e fara procissão». Mais: «Para além d e d e f i n i r o c a -
l e n d á r i o festivo, a q u e l e eclesiástico especificava ainda os m é t o d o s para a i m -
p l e m e n t a ç ã o da c o n f r a r i a na c o m u n i d a d e local. Para esse efeito, o vigário d e -
veria possuir " o l i v r i n h o d e nossa s e n h o r a d o R o s a i r o p e r a d e c l a r a r os dias
e m q u e os c o n f r a d e s g a n h ã o i n d u l g ê n c i a plenaria e m u i t o s a n n o s d e p e r d a m
e asi pera declarar a l g u n s dos milagres q u e nosa s e n h o r a fez p e r v i r t u d e d e
q u e m l h e r e z o u o rosairo. E p r o c u r a r á c o m o t o d o s seus f r e g u e s e s seriam c o n -
frades desta c o n f r a r i a d e nossa s e n h o r a d o r o s a i r o p e r v i r t u d e da q u a l lhes d a -
rá n o s s o s e n h o r sua graça e os livrara d e p e r i g o s nesta vida e d e p o i s lhe dará
sua gloria".» 2 6 8 Ajustava-se, pois, a p r i m o r neste clima m e n t a l o Livro do Rosai-
ro de Nossa Senhora, d e Frei N i c o l a u Dias, antes m e n c i o n a d o . N o N o r t e , d e
Viana a G u i m a r ã e s até à r e m o t a t e r r i n h a d e A b r e i r o (Mirandela), o n d e desde
antes d e 1581 existia u m a C o n f r a r i a d o R o s á r i o , o q u a d r o neste particular era
i d ê n t i c o a o d o resto d o país, c o n v e r g i n d o n o i n c e n t i v o a essa reza, c o m o se
e n c o n t r a na acta da visitação à M e a d e l a (Viana) d e 1588, dirigida «à Santíssima
M a y d e D e o s p o r c u j a intercessão se n o s c o m u n i c a m t o d o s os b e n s spirituais e
temporaes», de q u e p a r e c e d e d u z i r - s e q u e a confraria deveria existir e m t o -

584
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

das as p a r ó q u i a s d o a r c e b i s p a d o 2 6 9 . N o p e r í o d o d e 1650-1749, e n t r e 7 0 c o n -
frarias havia, na c i d a d e d o P o r t o , n o v e i r m a n d a d e s d o R o s á r i o , r e s p e c t i v a -
m e n t e nas igrejas p a r o q u i a i s d e C a m p a n h ã , C e d o f e i t a , São J o ã o da F o z ,
Massarelos e P a r a n h o s e n o s c o n v e n t o s d e São D o m i n g o s e São Francisco,
e x i s t i n d o n e s t e e e m Massarelos mais o u t r a d e n o m i n a d a C o n f r a r i a d e Nossa
S e n h o r a d o R o s á r i o d o s P r e t o s o u Escravos, se b e m q u e a p r i m e i r a destas a d -
mitisse pessoas brancas 2 7 0 . N o Brasil, a n t e r i o r a o s é c u l o x v i n , havia e m Vila
R i c a (Minas Gerais) u m a Igreja d o R o s á r i o , c o m a respectiva c o n f r a r i a e
b a n d e i r a p r ó p r i a c o m a figura da S e n h o r a pintada 2 7 1 ; na Bahia, sedeada n u m
e n g e n h o , o n d e Vieira p r e g o u e m 1633, existia u m a I r m a n d a d e d e Nossa S e -
n h o r a d o R o s á r i o dos Pretos e outra e m Vila N o v a d e Goiaz; n o arraial d e
Nossa S e n h o r a da C o n c e i ç ã o de Crixaz, e m P e r n a m b u c o , contava-se a dos
H o m e n s Pretos d e Nossa S e n h o r a d o R o s á r i o d o T a m b e e n o R i o de J a n e i r o ,
e m igreja própria, a de Nossa S e n h o r a d o R o s á r i o e São B e n e d i t o dos H o m e n s
Pretos 2 7 2 ; na Africa O r i e n t a l e n c o n t r a m - s e desde o século x v i e x v i i capelas d e
Nossa S e n h o r a d o R o s á r i o tanto e m Sofala, C h i p a n g u r a , ilha d e Q u i r i m b a ,
Beira, T e t e e Sena, esta c o m «imagens m u i t o devotas e curiosas» q u e os frades
d e São D o m i n g o s m a n d a r a m vir da índia»; 110 Indostão, na Capela de Nossa
S e n h o r a d o R o s á r i o de G o a e nas paróquias d e Nossa S e n h o r a d o R o s á r i o d e
C u r c a (Siridão), São T o m é d e M e l i a p o r , T r a n q u e b a r e Palayankotai haveria
p o r c e r t o confrarias c o m o n o m e da padroeira 2 7 3 .
N u m a s o n d a g e m feita p e l o i n v e s t i g a d o r P e d r o P e n t e a d o , q u e e n g l o b o u
u m «universo de mais de 300 i r m a n d a d e s e confrarias espalhadas p o r 106 p a -
róquias» das áreas geográficas d e Gaia, F u n d ã o , A l c o b a ç a e Lisboa, verifica-se
q u e , cerca d e 1758, a p e r c e n t a g e m d e marianas e t e o c ê n t r i c a s e q u i v a l e m - s e ,
o u quase, e m terra a l c o b a c e n s e e lisbonense, s e n d o a daquelas s u p e r i o r à d e s -
tas; j á n u m c o t e j o mais d i s c r i m i n a d o e n t r e as d o R o s á r i o e d o Santíssimo S a -
c r a m e n t o n o t a - s e q u e só e m A l c o b a ç a as p r i m e i r a s e x c e d e m as segundas,
m a n t e n d o - s e e m ligeiro desnível e m Gaia e c o m a c e n t u a d a d i f e r e n ç a n o
F u n d ã o e Lisboa d e q u e s a e m e m v a n t a g e m as segundas 2 7 4 .
D e v o ç ã o d o rosário e p a t r i o t i s m o e s t i v e r a m t a m b é m u n i d o s , n o p e r í o d o
d o d o m í n i o filipino, n ã o f a l t a n d o p r o v a s a atestá-lo. Assim, o d o m i n i c a n o
F e r n ã o H o m e m d e F i g u e i r e d o , a u t o r da Resorreiçam dc Portugal, n o c a p í t u l o
« D o M y s t e r i o s o P r o n o s t i c o da d e v o ç ã o sanctissima d o R o s a i r o » , diz h a v e r si-
d o o p r o v i n c i a l d o s D o m í n i c o s e m 1638, Frei J o ã o d e V a s c o n c e l o s , d o c o n s e -
l h o - g e r a l da I n q u i s i ç ã o e p r e g a d o r régio, q u e m o r d e n o u a reza d o t e r ç o e m
c o r o p o r religiosos e seculares, t e n d o para si «que foi p o d e r o z o m e i o e c a m i -
n h o cativo, t r a b a l h a d o e afligido; u z u r p a d o a seu l e g i t i m o S e n h o r , a q u e m
D e o s o j e o t e m restituído» 2 7 5 . C o n t a o m e s m o religioso q u e , ao a c o m p a n h a r
o m a r q u ê s d e Cascais, D . Á l v a r o Pires d e C a s t r o , e m missão d i p l o m á t i c a a
F r a n ç a e m 1644, d u r a n t e a v i a g e m , à n o i t e t o d o s r e z a v a m d e j o e l h o s o r o s á -
rio e, t e n d o - s e d e s e n c a d e a d o u m a g r a n d e t e m p e s t a d e , o fidalgo fez u m v o t o
à S e n h o r a d o R o s á r i o , d e q u e m era m u i t o d e v o t o , q u e , se amainasse a p r o -
cela, «lhe p r o m e t i a de t o d o s os p r i m e i r o s D o m i n g o s d e cada m e z e m q u a n t o
durasse a E m b a i x a d a , fazer h ü a festa pública» 2 7 6 .
A p a r e n é t i c a da é p o c a ligada a esta d e v o ç ã o insere, para a l é m d e o u t r o s , a
figura c i m e i r a d o p a d r e A n t ó n i o Vieira c o m a t r i n t e n a d e s e r m õ e s ascéticos e
p a n e g í r i c o s , designada Maria rosa mística — rosa n a t u r a l q u e é a q u e d e u o
n o m e ao rosário e rosa mística «que é a V i r g e m S e n h o r a Nossa, q u e d o m e s -
m o R o s á r i o t o m o u o s o b r e n o m e » . O s dois p r i m e i r o s são u m a explicação d o
p a d r e - n o s s o e da a v e - m a r i a , c o n s t i t u i n d o o c o n j u n t o , para S e r a f i m Leite,
«uma vida d e N o s s a S e n h o r a e u m d e s e n v o l v i d o t r a t a d o d e T e o l o g i a M a r i a -
na» 2 7 7 . P u b l i c o u - o s o o r a d o r j e s u í t a para satisfazer u m v o t o , aliás r e p e t i d o , à
S e n h o r a d o R o s á r i o d e o h a v e r l i v r a d o d o s graves p e r i g o s p o r q u e passou.
O d é c i m o q u a r t o q u e , ainda n ã o s a c e r d o t e , p r o n u n c i o u , e m 1633, n u m e n g e -
n h o b a i a n o , a c o n v i t e d e u m a I r m a n d a d e d o R o s á r i o dos Pretos, c o n t é m
u m a hábil a p o l o g i a da d e v o ç ã o prestada à sua p a t r o n a p o r n e g r o s e u m a i m -
p r e s s i o n a n t e descrição d o t r a b a l h o escravo n o s e n g e n h o s d e c a n a - d e - a ç ú c a r .
A v u l s o s c o r r e r a m mais três s e r m õ e s p r e g a d o s n o c o n t i n e n t e : o d o egresso
i n a c i a n o D o u t o r J e r ó n i m o R i b e i r o d e C a r v a l h o , n o dia da Festa d o R o s á r i o ,

585
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

586
R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES D E CULTO

saído e m 1673 e c o m r e e d i ç ã o e m 1695; o d o secular p a d r e J o ã o C o e l h o , n o <3 Nossa Senhora do Rosário, de


p r i m e i r o d o m i n g o d e O u t u b r o d e 1673 e p u b l i c a d o q u a t r o a n o s depois; o d o Francisco Vieira de Matos
(Vieira Lusitano), óleo sobre
d o m i n i c a n o Frei A n t ó n i o d e N o s s a S e n h o r a , falecido e m 1712, p r o f e r i d o na tela, século xvui (Lisboa,
í n d i a , n o C o n v e n t o d e São D o m i n g o s d e D a m ã o e m 1695 e a p a r e c i d o e m Museu Nacional de Arte
Lisboa, após seis anos. E n c o n t r a - s e t a m b é m na o b r a d o f r a n c i s c a n o o b s e r v a n - Antiga.
te Frei Luís d e São Francisco, Quartilhos e sextilhas eucharisticas (1682), o ser- F O T O : DIVISÃO DE
m ã o p a n e g í r i c o a N o s s a S e n h o r a d e R o s á r i o , p r e g a d o na Igreja d e Santa C l a - DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA/
ra ( P o r t o ) , a 7 d e O u t u b r o d e 1680, dia d e sua f e s t i v i d a d e , a u t ê n t i c o /INSTITUTO PORTUGUÊS DE
MUSEUS/CARLOS POMBO.
p a n e g í r i c o d o rosário e m q u e a r e p a r t i ç ã o e m três terços, iguais e distintos,
diz s i m b o l i z a r o m i s t é r i o da Santíssima T r i n d a d e 2 7 8 . R e g i s t e m - s e , ainda, as
m e d i t a ç õ e s p r e d i c á v e i s d o e r e m i t a a g o s t i n i a n o Frei A n t ó n i o Freire, Rosário de
N. Senhora com os Evangelhos, que a igreja canta em seus mysteriös destribuidos por
cada dez Ave Marias com cinco Psalmos que começão pelas letras MARIA (1609) e, al-
g o à m a n e i r a da o b r a de Frei N i c o l a u Dias, a História dos milagres do Rosario
d o j e s u í t a J o ã o R e b e l l o (1602), b e m c o m o deste a u t o r Rosário dela Sanctíssima
Virgen Maria Madre de Dios (1600), d e G a s p a r L o a r t e , Instruiçam e avisos pera
meditar os mysteriös do Rosario (1587), e d e Filipe N u n e s (depois Frei Filipe das
C h a g a s ) , Rosário da Nossa Senhora (1654).
C o r r e s p o n d e n t e f l o r e s c i m e n t o vai-se verificar n o país, ilhas e d o m í n i o s u l -
tramarinos, q u a n t o a imagens, pinturas, altares e capelas, sinais expressivos d o
culto p o p u l a r dirigido à V i r g e m através desta i n v o c a ç ã o . D e resto, o p o l i m o r -
f i s m o i c o n o g r á f i c o m a r i a n o cresce e diversifica m e r c ê da sua causa m o t i v a d o r a ,
da a p r o v a ç ã o hierárquica desta d e v o ç ã o , das indulgências concedidas, dos p r o -
dígios e graças atribuídos, d o d i n a m i s m o d e seus p r o p a g a n d e a d o r e s e seu p r e s -
tígio religioso, d o zelo dos fiéis e de alguma circunstância histórica particular
o u arreigada tradição lendária. R e f i r a m - s e , c o m o singelíssima ilustração, a Se-
nhora da Rosa, p i n t u r a m u r a l d o século x v da igreja p o r t u e n s e d e São Francisco;
as i m a g e n s esculpidas de Nossa Senhora do Rosário d o século XVII, da sé e da
Igreja d e Santa Clara da cidade d o P o r t o , de São D o m i n g o s d e A v e i r o e h o j e
sé catedral, d o artista M a n u e l Pereira na Igreja de São D o m i n g o s de Benfica,
d o M u s e u M a c h a d o d e C a s t r o ( C o i m b r a ) ; as d o século x v u i da M a t r i z d e C a -
m i n h a , da P ó v o a de V a r z i m ( h o j e n o M u s e u M u n i c i p a l ) , d e Vila d o C o n d e , e
da p a r ó q u i a d e N e v o g i l d e (Porto), b e m c o m o o b e l o registo d e N o s s a S e n h o -
ra d o R o s á r i o d o Barreiro. R e l e v e m - s e , n o e n t a n t o , as obras d o p i n t o r B e n t o
C o e l h o da Silveira dos ú l t i m o s d e c é n i o s de Seiscentos: Nossa Senhora do Rosá-
rio com São Domingos e São Francisco e mais 15 m e d a l h õ e s dos mistérios d o R o -
sário n u m a grinalda d e flores à volta das figuras (1670), na Igreja M a t r i z d e
P o n t a D e l g a d a ; Nossa Senhora do Rosário com Santa Catarina de Sena (1675-1680),
na Igreja da M a d r e d e D e u s (Lisboa); Mistérios do Rosário, os 15 e m outras t a n -
tas telas (1680-1685), n a Sala d o D e s p a c h o d o a n t i g o c o n v e n t o das Flamengas
e m Alcântara (Lisboa); Nossa Senhora do Rosário com São Domingos e São Francis-
co (c. 1697), d o C o n v e n t o d e Santa H e l e n a d o M o n t e Calvário (Évora) e Nossa
Senhora do Rosário com o Menino e Santa Catarina de Sena (colecção p a r t i c u -
lar) 2 7 9 . T i n h a , assim, a d e v o ç ã o d o rosário, c o m o o r a ç ã o e c u l t o , bases d e p e r -
durabilidade, na Idade C o n t e m p o r â n e a , s o b r e t u d o p e l o seu cariz p o p u l a r .

O E S T U D O D O D E S E N V O L V I M E N T O DA C R E N Ç A N O P U R G A T Ó R I O , a p a r t i r do A crença no Purgatório:
s é c u l o xiii, l e v o u J a c q u e s Le G o f F a d e t e c t a r esse c r e s c e n t e a p e l o d o s vivos
os sujirágios e a devoção
e m f a v o r dos m o r t o s t r a d u z i d o na c e l e b r a ç ã o d e sufrágios. A q u i t e m o sacrifí-
c i o eucarístico, d e s d e S a n t o A g o s t i n h o a São G r e g ó r i o M a g n o , u m lugar p r i - às Almas
v i l e g i a d o , o q u e explica esse n ú m e r o e s p a n t o s o d e missas p e d i d a s n o s testa-
m e n t o s a p a r t i r da s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o x i v q u e J a c q u e s ChifFoleau
d e s i g n o u na expressão feliz d e contabilidade do além2S0, A o s séculos x i v e x v
r e m o n t a a e x p a n s ã o das o r a ç õ e s d e São G r e g ó r i o , q u e e r a m sete b r e v e s p r e -
ces, q u e a c o m p a n h a d a s d e o u t r o s tantos pater e ave, i n d u l g e n c i a d a s c o m m i -
lhares, m e s m o 4 6 0 0 0 ! , d e a n o s d e p e r d ã o n o P u r g a t ó r i o , q u a n d o d i a n t e d e
u m Cristo da Piedade, í c o n e ao t e m p o d e g r a n d e d e v o ç ã o , f o s s e m rezadas 2 8 1 .
As c h a m a d a s «missas d e São G r e g ó r i o » , d e q u e se d i v u l g a m , a p a r t i r d e Q u a -
t r o c e n t o s , estampas d e artistas p o p u l a r e s e e r u d i t o s , v e n d i d a s pelas terras, fi-
g u r a m o d i t o p a p a a c e l e b r a r missa c o m a assistência d e cardeais, bispos, c a v a -

587
O DEUS DE TODOS OS DIAS

leiros, etc., e n q u a n t o , ao alto, i m p e r a C r i s t o R e s s u s c i t a d o o u da P i e d a d e e,


e m baixo, almas a arder n o f o g o d o P u r g a t ó r i o suplicam angustiadas a liberta-
ção d o atroz s o f r i m e n t o . N a Igreja de São Francisco de É v o r a e n c o n t r a - s e u m a
dessas missas p i n t a d a p o r F r a n c i s c o H e n r i q u e s , cerca d e 1509, só c o m eclesiás-
ticos p r e s e n t e s e o p r o p ó s i t o talvez d e e v i d e n c i a r o m i l a g r e da t r a n s u b s t a n c i a -
ç ã o eucarística, e o u t r a d e G r e g ó r i o Lopes, p o r v e n t u r a d e 1539, p a t e n t e e m
São J o ã o Baptista de T o m a r , p r o v a e v i d e n t e dessa c r e n ç a na aparição cie C r i s -
t o a São G r e g ó r i o e m q u e lhe teria sido p r o m e t i d a a saída das almas desse l u -
gar de p u r i f i c a ç ã o , q u a n d o p o r sua i n t e n ç ã o se m a n d a s s e rezar u m trintário
d e missas seguidas; u m a ainda, talvez d o 2. 0 quartel d o s é c u l o xv, p e r t e n c e n t e
ao p o l í p t i c o da Sé d o F u n c h a l ; e mais duas, r e c o l h i d a s n o M u s e u d e A r t e
A n t i g a , u m a vinda d o c o n v e n t o l i s b o n e n s e d e Santa J o a n a , s e m q u e n e n h u -
m a delas c o n t e n h a o P u r g a t ó r i o , pois, d e v i d o p o r c e r t o à sua inspiração fla-
m e n g a , tal p o r m e n o r é o m i s s o 2 8 2 . As c o n s t i t u i ç õ e s da G u a r d a de 1500 falam
dos «trintários q u e alguns d e f u n t o s m a n d a m dizer e m seus t e s t a m e n t o s nas
igrejas o n d e se s e p u l t a m o u são fregueses» e da f o r m a c o m o d e v e ser e x e c u t a -
da essa pia v o n t a d e 2 8 3 . O u t r a s legislações sinodais dos séculos x v i e xvii r e f e -
r e m - s e d e s e n v o l v i d a m e n t e ao assunto 2 8 4 . H a v i a - o s a b e r t o s e c e r r a d o s (çarrado
o u ençarrado), o trintário a b e r t o n ã o c o m p r e e n d i a «mais f o r m a l i d a d e q u e c e l e -
brar t o d o s os trinta dias pela alma d o finado, r e m a t a n d o o sacrifício c o m u m
r e s p o n s o , c r u z e água b e n t a s o b r e a sua s e p u l t u r a , se estava n o c e m i t é r i o o u
a d r o da igreja, e m q u e o d i t o trintário se c u m p r i s s e ; neste, p o r é m , era b e m
n o t á v e l a disciplina q u e e n t ã o se praticava» 2 8 5 . Assim, o c e l e b r a n t e o u c e l e -
brantes j a m a i s saíam da igreja d u r a n t e os trinta dias, aí c o m i a m e d o r m i a m ,
sem c o m u n i c a r c o m o e x t e r i o r , e x c e p t o e m caso d e prestar ocasional assis-
tência espiritual, «gastando t o d o o mais t e m p o e m r o g a r a D e u s p e l o d e f u n -
to». A o e n t r a r a era q u i n h e n t i s t a outras r e g u l a m e n t a ç õ e s d i o c e s a n a s a t e n u a -
r a m e d i s c i p l i n a r a m c e r t o s a s p e c t o s d e mais p e s a d o , d i f i c u l t o s o e c o n f u s o
c u m p r i m e n t o 2 8 6 . D e s d e c e d o os visitadores t i v e r a m d e intervir, z e l a n d o pela
e x e c u ç ã o h o n e s t a das o b r i g a ç õ e s dos s a c e r d o t e s q u e se e n c o n t r a v a m presos a
esse c o m p r o m i s s o , c o m o se vê p o r e x e m p l o na visitação d e 21 d e J a n e i r o d e
1455 a S a n t i a g o d e Ó b i d o s , e m q u e se r e c o r d a o o r d e n a d o q u a n t o à p r e s t a ç ã o
d e serviços nestas circunstâncias p o r m u l h e r e s de q u a l q u e r idade 2 8 7 . A p r i m e i -
ra o u das p r i m e i r a s r e p r e s e n t a ç õ e s i c o n o g r á f i c a s p o r t u g u e s a s a n t e t r i d e n t i n a s é
u m espectacular Juízo Final d o M u s e u N a c i o n a l d e A r t e A n t i g a q u e o h i s t o -
r i a d o r Luís R e i s Santos c o n s i d e r a ser d e G r e g ó r i o L o p e s e d o d e c é n i o d e
1530, c u j o â n g u l o i n f e r i o r e s q u e r d o o s t e n t a « u m a curiosa figuração d o P u r g a -
t ó r i o : j u n t o d u m a escadaria, várias almas d e s n u d a s , d e pé, c o m u m passo a
c o b r i r - l h e s o sexo, e s t e n d e m os b r a ç o s para u m a n j o q u e se d e b r u ç a para as
libertar» 2 8 8 . D u a s almas, d e u m h o m e m e d e u m a m u l h e r de m ã o s postas d e
f o r m a a e s c o n d e r os seios, a r d e n d o n o m e i o d o f o g o , estão esculpidas n u m a
das edículas da p o r t a da sé e b o r e n s e 2 8 9 . P o r é m , na i c o n o g r a f i a p ó s - t r i d e n t i n a ,
a f i m , v e m o s a p a r e c e r a V i r g e m M a r i a e os santos intercessores, a reflectir o p -
ções teológicas conciliares ligadas ao c u l t o m a r i a n o e santoral. É o caso d e
u m a p i n t u r a e m t á b u a dos finais d o século x v i , da C a p e l a das A l m a s da igreja
e b o r e n s e d e S a n t o A n t ã o , atribuída ao p o e t a , m ú s i c o e p i n t o r J e r ó n i m o C o r -
t e - R e a l , d e s a p a r e c i d o e m 1588, e m q u e o a r c a n j o São M i g u e l assiste às almas,
pois a t r a d i ç ã o cristã c o n f e r e - l h e a missão d e pesá-las n o dia d o j u l g a m e n t o , a
fim d e avaliar o m é r i t o e d e m é r i t o d e suas a c ç õ e s e m o r d e m à s e n t e n ç a d e r -
radeira; a t á b u a m a n e i r i s t a italianizante d o l u n e t o d o r e t á b u l o da Igreja d o
C a r m o d e C o i m b r a , d a t a d o d e 1597 e talvez d e S i m ã o R o d r i g u e s , a p r e s e n t a
«a V i r g e m M a r i a s o b r e as n u v e n s , c o m o M e n i n o Jesus ao c o l o r o d e a d a de
cabeças de anjos, t e n d o e m b a i x o , n o c a n t o e s q u e r d o , a c e n a d o P u r g a t ó r i o ,
o n d e u m A n j o livra as almas e r g u e n d o - a s n o s braços; à direita e n c o n t r a - s e o
papa J o ã o X X I I , a orar» 2 9 0 . A alusão ao p r i v i l é g i o sabatino, q u e assim e n t r a
na arte p o r t u g u e s a , é clara e a m a r c a p ó s - t r i d e n t i n a e v i d e n t e . A d e v o ç ã o a
São M i g u e l na sua relação c o m as almas está p a t e n t e n o N o r t e , c o m o se v ê
n o o r a g o São M i g u e l da Balança de u m a freguesia d o c o n c e l h o d e A m a r e s e
na tábua d o c o n v e n t o d e R e f o j o s , j u n t o de P o n t e d e L i m a , e m q u e ladeiam
o a r c a n j o c o m balanças a n j o s a a r r a n c a r e m das labaredas almas j á revestidas da

588
R I T U A I S E MANIFESTAÇÕES D E CULTO

t ú n i c a b r a n c a d o s eleitos. D e valor artístico m e d í o c r e , é importante^ r e f e r i - l o ,


pois «se trata d o p r i m e i r o e x e m p l o e m q u e u m S. M i g u e l d e balanças surge
i n t e g r a d o n u m p a i n e l das almas d o p u r g a t ó r i o » 2 9 1 . D e n t r o da m e s m a t e m á t i -
ca, c o n t e n d o para a l é m da V i r g e m a p r e s e n ç a d e o u t r o s intercessores, há v a -
riadas r e p r e s e n t a ç õ e s i c o n o g r á f i c a s espalhadas p e l o país. N a Igreja de Santa
Clara d o P o r t o e n o altar da S e n h o r a d o C a r m o , há, n u m a talha p o l i c r o m a d a
da p r i m e i r a m e t a d e d e Seiscentos, u m a figuração d o P u r g a t ó r i o c o m o P a d r e
E t e r n o , a simbólica p o m b a d o Espírito Santo, C r i s t o e São Francisco de Assis,
a e n v o l v e r a f o n t e d o Paraíso, e m d e s t a q u e , n o c e n t r o ; n u m d e s e n h o à p e n a
dos estatutos da I r m a n d a d e das Almas d o C o n v e n t o da C o s t a de G u i m a r ã e s ,
d a t a d o de 1668, observa-se São Sebastião a libertar da f o g u e i r a as almas; n u m a
tábua d o século XVII da C a p e l a d e S a n t o A n d r é d e A v e r o m a r ( P ó v o a d e V a r -
zim) e n c o n t r a - s e p i n t a d a a Santíssima T r i n d a d e , t e n d o C r i s t o a seu lado, N o s -
sa S e n h o r a a i n t e r c e d e r pelas almas penadas e São M i g u e l c o m as balanças vai
e n c a m i n h a n d o - a s levadas pelos anjos 2 9 2 ; n o r e t á b u l o da C a p e l a das Almas da
antiga Igreja M a t r i z da P ó v o a de V a r z i m existia u m painel da s e g u n d a m e t a d e
da era seiscentista, e m parte ainda salvo p o r transferido e m 1757 para o actual
t e m p l o , o n d e se v i a m figuras d e almas a arder «sculpidas e m m a d e i r a e e n c a r -
nadas», a Santíssima T r i n d a d e e São M i g u e l h o j e s u b s t i t u í d o p o r o u t r o escul-
p i d o e m m a d e i r a estofada da p r i m e i r a m e t a d e de Setecentos 2 9 1 . O Juízo Final
Painel de alminhas, Refóios,
da desaparecida Igreja da M i s e r i c ó r d i a d e Beja e agora n o m u s e u local, p i n t u r a Ponte de Lima.
d e cerca d e 1697, d e B e n t o C o e l h o da Silveira, apresenta N o s s a S e n h o r a d o
C a r m o , à direita de São M i g u e l , l e v a n t a n d o u m escapulário o n d e v ê m p u x a -
dos d o f o g o d o P u r g a t ó r i o u m h o m e m e u m a m u l h e r despidos; e n q u a n t o
n u m dos painéis azuis e b r a n c o s , de estilo rocaillc d e m e a d o s d e S e t e c e n t o s , da
sacristia da M i s e r i c ó r d i a d e Vila Viçosa, São M i g u e l , São Francisco e anjos se
e n c o n t r a m na tarefa de libertar almas da fogueira expiatória 2 9 4 . O s e x e m p l o s
s e g u i r a m - s e , e n o p e r c o r r e r de igrejas, capelas e oratórios das mais h u m i l d e s
aldeias e terras d o i n t e r i o r e d o litoral c o m e ç a r a m a a p a r e c e r r e p r e s e n t a ç õ e s
b e n t a s d e artistas r u d e s o u d e v o t o s artesãos, q u e a l i m e n t a v a m o c u l t o das A l -
mas d o P u r g a t ó r i o t ã o e n t r a n h a d o na p i e d a d e p o p u l a r .

O q u e s o b r e t u d o , p o r é m , c o n c o r r e u para d i f u n d i - l o f o r a m , c o n j u n t a -
m e n t e c o m as confrarias d o Escapulário d o C a r m o , as n u m e r o s í s s i m a s c o n f r a -
rias das A l m a s q u e a R e f o r m a t r i d e n t i n a , a p a r t i r d o s finais d o s é c u l o x v i , fez
surgir p o r t o d o o l a d o m e r c ê d o particular e m p e n h o d e carmelitas, f r a n c i s c a -
nos, jesuítas, d o m i n i c a n o s , a g o s t i n h o s , e das c o n s t i t u i ç õ e s d o s bispados q u e as
t o r n a v a m obrigatórias, p o n d o a t ó n i c a nas o r a ç õ e s e sufrágios d e missas e o f í -
cios pelos d e f u n t o s 2 9 5 . As esmolas r e v e r t i a m t a m b é m para os p o b r e s q u e a es-
tes assistiam e a c o m p a n h a v a m o f é r e t r o , e só d e p o i s c h e g a r a m às obras d e fi-
lantropia, q u a n d o a secularização timidamente progrediu e ganhou
a u t o n o m i a e m espaço p r ó p r i o paralelo ao das Misericórdias. A fé i m p r e g n a v a
a vida e a felicidade e t e r n a era o q u e se almejava para além d o t e r r e n a l trânsi-
to. O s b e n s t e m p o r a i s , perecíveis e e n g a n a d o r e s , se n ã o p o d i a m ser levados
para o o u t r o m u n d o , serviam ao m e n o s para assegurá-lo. O discurso eclesiás-
tico, e m q u e a p r e g a ç ã o e a c a t e q u e s e insistiam j u n t o d e sábios e i g n o r a n t e s ,
n ã o fazia mais d o q u e r e c o r d a r e parafrasear as a d v e r t ê n c i a s evangélicas: q u e
i m p o r t a g a n h a r o m u n d o i n t e i r o , se a alma se vier a p e r d e r ; q u e o u t r a coisa
diz a parábola d o f e i t o r infiel aos filhos da luz se n ã o q u e i m p o r t a assegurar a
salvação m e s m o c o m b e n s da i n i q u i d a d e . C o m p r e e n d e - s e assim q u e as r i q u e -
zas f o s s e m t r a n s f o r m a d a s e m «bens d e alma» e as últimas v o n t a d e s d o s vivos
se t r a d u z i s s e m e m t e s t a m e n t o , c o m força j u r í d i c a , q u e p o r lei e c o n s c i ê n c i a
era i m p e r i o s o c u m p r i r , p o r q u a n t o os fiéis d e D e u s p e n a v a m nesse lugar d e
e x p i a ç ã o . L e m b r a - o D . Frei A m a d o r Arrais, p r e c i s a m e n t e n o s t e m p o s t r i d e n -
tinos q u e lhe r e a f i r m a r a m a existência, n o d i á l o g o e n t r e o c r e n t e e n f e r m o e o
são: « H ú a a m i z a d e vos p e ç o S a l o n i o , & h e q u e c o m m u i t a b r e v i d a d e c u m -
praes este m e u t e s t a m e n t o ; p o r q u e t e m o g r a n d e m e n t e aquellas p e n a s d o P u r -
g a t ó r i o . [...] & d o excesso, q u e o seu f o g o faz ao nosso e m calor, & a c t i v i d a -
de, t e n h o lido cousas q u e m e f a z e m pasmar.» A o q u e o s e g u n d o r e s p o n d e :
« D e o s t o d o m i s e r i c o r d i o s o n ã o sofre m u i t o t e m p o a ausência d e seus a m i g o s ;
& p o r t a n t o o r d e n o u , q u e os t o r m e n t o s d o P u r g a t o r i o f o s s e m intensíssimos,

589
O DEUS DE TODOS OS DIAS

Julgamento das Almas, pera c õ elles b r e v e m e n t e s e r e m p u r g a d a s as almas dos justos.» 2 9 6 A q u i se v ê


i l u m i n u r a sobre p e r g a m i n h o , c o m o a p i e d a d e da g e n t e cristã e n t e n d i a , na d o u t r i n a e n a prática, o P u r g a t ó -
1568 (Setúbal, B i b l i o t e c a
rio e, p o r ilação, se i n f e r e o q u e se p o d i a esperar das confrarias das A l m a s e
Municipal).
d o seu d i n a m i s m o c o n f r a t e r n a l , d e q u e t o d o s b e n e f i c i a m . O s vivos assegura-
FOTO: JOSÉ MANUEL
OLIVEIRA/ARQUIVO CÍRCULO
v a m o d e s c a n s o e t e r n o , os m o r t o s a garantia d e s e r e m r e c o r d a d o s in perpe-
DE LEITORES. tuum e h a v e r q u e m assumisse o d e v e r d e sufragá-los, os m e m b r o s da igreja
p o r assim t e r e m u m a c o n s t a n t e f o n t e de r e n d i m e n t o . I m p o r t a n o t a r q u e j á
[> F o l h a da T a v o a d a das antes se e n c o n t r a v a m n o s c o m p r o m i s s o s das confrarias o b r i g a ç õ e s para c o m
Constituições de Miranda, 1565 os d e f u n t o s , c o m o a c o n t e c e na d o s C l é r i g o s de M o n t e m o r - o - V e l h o d o s é c u -
( C o i m b r a , B i b l i o t e c a G e r a l da lo x v e m q u e se p r e s c r e v e m os ofícios e missas a c e l e b r a r pelos c o n f r a d e s a c a -
Universidade).
b a d o s d e falecer 2 9 7 . Aliás, era este u m p o n t o p r i o r i t á r i o dos t e s t a m e n t o s q u e
F O T O : VARELA se pressionava os fiéis a f a z e r e m . D a í os visitadores c o n t r o l a r e m as disposições
PÈCURTO/ARQUIVO CÍRCULO
deixadas nessa m a t é r i a , pois n ã o raro h e r d e i r o s e eclesiásticos se m o s t r a v a m
DE LEITORES.
n e g l i g e n t e s e m c u m p r i - l a s 2 9 8 . N o q u e respeita à d i f u s ã o das confrarias das A l -
mas n o país, é u m f a c t o d e t e c t á v e l a partir d o s é c u l o X V I I , n ã o a p e n a s pela
presença taxativa d e o b r i g a ç õ e s d e n a t u r e z a espiritual para c o m os m e m b r o s
falecidos a i r m a n d a d e s c o m o u t r o s fins e s p e c í f i c o s s o b r e t u d o nas d o S a n t í s -
s i m o S a c r a m e n t o e d o R o s á r i o 2 9 9 , aliás, d e i n s t i t u i ç ã o i m p e r a d a a todas as
paróquias, mas t a m b é m pelas d e s i g n a ç õ e s apresentadas, e m q u e e r a m a c o p u -
ladas duas i n v o c a ç õ e s , s e n d o u m a das Almas. A c o n t e c i a , p o r e x e m p l o , c o m
as seguintes: a Irmandade de São Miguel e Almas, florescente e m 1610 n o C o n -
v e n t o d o C a r m o d e Lisboa; a I r m a n d a d e de São N i c o l a u T o l e n t i n o e Almas,
e x i s t e n t e e m 1634 na Igreja d e São J o ã o - o - N o v o , d o P o r t o ; a I r m a n d a d e das
Almas e C h a g a s d e São Francisco, j á e m 1668 erecta n a C a p e l a das A l m a s
desta c i d a d e ; a C o n f r a r i a de São J o s é e A l m a s d e Alvarães, d o c o n c e l h o d e
Viana d o C a s t e l o , r e m o n t a n d o a 1663 300 . Erectas, p o r é m , e m t o d o o lado, e m
igrejas paroquiais, capelas e c o n v e n t o s e n c o n t r a - s e , d o c o n t i n e n t e às ilhas,

590
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

sob a d e s i g n a ç ã o d e confrarias o u i r m a n d a d e s das Almas, u m vastíssimo l e q u e ,


d a t a d o das eras seiscentista e d e O i t o c e n t o s , c o m os seus altares privilegiados:
a I r m a n d a d e das A l m a s , f u n d a d a e m 1642, e m São P a i o , G u i m a r ã e s , e, n o s
a r r e d o r e s , o u t r a n o j e r o n o m i t a c o n v e n t o da C o s t a ; a C o n f r a r i a das A l m a s ,
na M a t r i z da P ó v o a d e V a r z i m , d e 1693, p e r t e n c e n d o ao s e g u n d o q u a r t e l d o
s é c u l o x v i i a da igreja d o s C a r m e l i t a s d o P o r t o , e as das freguesias a ç o r i a n a s
d e São P e d r o d e P o n t a D e l g a d a , d e Santa M a d a l e n a d o P i c o e d o s Fiéis d e
D e u s , d e N o s s a S e n h o r a da A p r e s e n t a ç ã o das C a p e l a s e m São M i g u e l ,
etc. A p i e d a d e p o p u l a r era sensível, d e resto, a estas associações destinadas a
« m a n t e r , e lograr h ü a t ã o Sancta claridade q u e para c o m [as] almas d o p u r g a -
t ó r i o se h a d e ter, e t a m aceeita d i a n t e d e D e u s , pello q u a l D e u s t e m o b r a d o e
o b r a d e c o n t i n o m i l h a r e s d e b e n s para c o m aquelles q u e t e m a sua c o n t a
l e m b r a r e m s e delias». Assim se e x p r i m i a o p r o c u r a d o r d o p o v o d o lugar m i -
caelense d e Capelas, antes d e 1634, ao p e d i r ao o u v i d o r eclesiástico q u e se
criasse a C o n f r a r i a d o s Fiéis d e D e u s , t ã o necessária ao c u l t o das A l m a s d o
P u r g a t ó r i o , e o s e n t i m e n t o seria o m e s m o p o r t o d o o reino 3111 . S e n d o os t e s -
t a m e n t o s u m a elucidativa f o n t e para o e s t u d o da m o r t e na área p a r o q u i a l ,
a v e r i g u o u - s e q u a n t o ao P o r t o , n o p e r í o d o d e 1650-1749, o n ú m e r o d e 208
confrarias distribuídas pelas 14 freguesias d o a r o u r b a n o , c o m outras tantas das
Almas d o P u r g a t ó r i o , o q u e c o r r e s p o n d e a u m a existência global d e c e m p o r
c e n t o 3 0 2 ; e n q u a n t o e m Lisboa, n o s p r i n c í p i o s d e S e t e c e n t o s , s e g u n d o i n f o r -
m a ç õ e s m a n d a d a s p e l o c a b i d o d i o c e s a n o para R o m a , a cifra era d e 4 0 0 ,
q u a n t i t a t i v o apreciável ao ter-se e m c o n t a q u e e m Paris havia, «para u m n ú -
c l e o p o p u l a c i o n a l m u i t o mais vasto, apenas 350 a g r e m i a ç õ e s d o m e s m o t i -
po» 3 0 3 . P o r cerca d e 1758, as d e v o ç õ e s t r i d e n t i n a s d e associativismo c o n f r a t e r -
nal — Santíssimo S a c r a m e n t o , R o s á r i o e A l m a s — o f e r e c i a m u m í n d i c e
p e r c e n t u a l e l e v a d o para estas últimas, nas áreas territoriais d e Gaia, F u n d ã o ,
A l c o b a ç a e Lisboa, c o m u m a expressão f r a n c a m e n t e m a i o r i t á r i a nas r e d o n d e -
zas d o s e g u n d o , b e m n o i n t e r i o r d o país 3 0 4 . A o c o t e j a r e m - s e as estatísticas da
i n v e s t i g a d o r a A n a C r i s t i n a A r a ú j o , apresentadas s o b r e o corpus t e s t a m e n t á r i o
e n t r e 1760 e 1831, p o d e m d e t e c t a r - s e p o r m e n o r i z a ç õ e s elucidativas e m certos
c r u z a m e n t o s d e dados. D e s t a f o r m a : na relação das i r m a n d a d e s rastreadas, e m
t e s t a m e n t o s d e 1760, 1770 e 1790, e m igrejas p a r o q u i a i s d e Lisboa, n u m total
d e 37, a p e n a s sete n ã o t ê m c o n f r a r i a d o Santíssimo e 12 p o s s u e m a das Almas;
na relação das i r m a n d a d e s sedeadas e m casas professas, c o n v e n t o s , e r m i d a s e
hospitais, n u m a cifra d e 35, para os m e s m o s anos, só surge n o C o n v e n t o da
T r i n d a d e u m a C o n f r a r i a d e São M i g u e l e Almas; j á p r e c i s a m e n t e para os
m e s m o s tipos d e relações, a b r a n g e n d o agora os anos d e 1820, 1830 e 1831,
n u m c o n j u n t o d e 35, r e f e r e n t e ao p r i m e i r o , c o n t a m - s e 33 confrarias d o S a n -
tíssimo e seis das Almas, e n e n h u m a de a m b a s n o s e g u n d o 3 0 5 . O p a n o r a m a é,
pois, e l o q u e n t e q u a n t o à p r o l i f e r a ç ã o das i r m a n d a d e s das A l m a s d o P u r g a t ó -
rio, e m P o r t u g a l , na I d a d e M o d e r n a .

C o n s i s t e o p i e d o s o e p o p u l a r c o s t u m e da e m e n t a ç ã o o u e n c o m e n d a ç ã o
das almas, mais c o m u m n o t e m p o q u a r e s m a l e da P a i x ã o , n u m c o n v i t e , e m
alta v o z o u c a n t a d o , à o r a ç ã o pelas almas d o P u r g a t ó r i o e pela c o n v e r s ã o dos
p e c a d o r e s . As duas i n t e n ç õ e s e n c o n t r a m - s e p r e s e n t e s na liturgia da missa q u e ,
p o r e x e m p l o , as Constituições do Arcebispado de Braga de 1537 m a n d a m os p á r o -
cos j u n t á - l a s às orações pelos trabalhadores e pelos f r u t o s da terra e d o m a r ,
e n q u a n t o as d o P o r t o de 1541 o r d e n a m q u e se r o g u e «poios q u e estam e m p e c -
c a d o m o r t a l y e m as penas de p u r g a t ó r i o q u e deos os tire disso» 306 . M e r g u -
l h a n d o e m r e m o t a s crenças, c o m u n s de n o r t e a sul, alimentadas pelas confrarias
das Almas, as i r m a n d a d e s da Misericórdia, ao m e n o s até ao C e n t r o d o país,
d i s p u n h a m de u m a n d a d o r o u c a m p e i r o c o m a o b r i g a ç ã o de tocar a c a m p a i -
n h a pelos lugares d o p o v o a d o , n o r m a l m e n t e às quartas e sextas-feiras, a l e m -
brar a o r a ç ã o pelas almas. E m 1574, a M i s e r i c ó r d i a d e G u i m a r ã e s pagava ao seu
e, na freguesia de A g u i a r de Sousa, c o n c e l h o d e Penafiel, o ferreiro A f o n s o
B a r b u z , falecido e m 1579, q u e i n t r o d u z i u na terra o p i e d o s o c o s t u m e m a n t i d o
p o r seus filhos, é r e c o r d a d o n o Agiológio lusitano de J o r g e C a r d o s o , n u m halo
de maravilhoso, a levantar-se d e m a d r u g a d a e m cada sexta-feira, a f i m d e l a n -
çar água b e n t a nos cemitérios, s e n d o «fama c o n s t a n t e , q u e os d e f u n t o s se le-

591
O DEUS DE TODOS OS DIAS

v a n t a u ã o das sepulturas, & a n d a u ã o n o c i r c u i t o da Igreja c o m elle e m procis-


são»-1"7. As a u t o r i d a d e s religiosas i n c r e m e n t a v a m t ã o pia f u n ç ã o , pois as
Constituições do Bispado da Guarda de 1621 e x o r t a m os «officiais das M i s e r i c ó r -
dias, & mais pessoas» a conservar o louvável c o s t u m e «que ha e m m u i t o s luga-
res, de m a n d a r e m à n o i t e t a n g e r u m a c a m p a i n h a pelas ruas delles, p o r pessoa
q u e e x h o r t a os fieis cristãos q u e r e z e m pelas almas d o f o g o d o P u r g a t ó r i o , &
pelos q u e estão e m p e c a d o mortal» 3 0 8 . Este «talim, talim» — s o m l ú g u b r e e
c o m p a s s a d o da c a m p a i n h a , tocada pelos h o m e n s de n e g r o q u e e n c o m e n d a m as
almas — a c o m p a n h a a «Voz» na cena c o m o p e r s o n a g e m Gil, n o Auto do fidal-
go aprendiz (1642), d e D . Francisco M a n u e l d e M e l o , q u e vai d i z e n d o o r e f r ã o
consagrado: «Fieis cristãos, / amigos de Jesus Cristo ... / ... Lembrai-vos das almas
que / estão no fogo... / [...] do Purgatório e as que estão em pecado mortal!»309 Sinais
d o toque das almas, c i n c o badaladas seguidas d o sino da t o r r e da igreja, u m
q u a r t o de h o r a após as trindades, faz j á parte, e m m e a d o s d e Q u i n h e n t o s , d o
q u o t i d i a n o da terra p o r t u g u e s a , a p o n t o de as Constituições do Bispado de Miran-
da, de 1565, o r d e n a r e m q u e , ao o u v i r - s e esse t o q u e , t o d o s rezassem u m p a i -
- n o s s o e u m a a v e - m a r i a pelas almas d o P u r g a t ó r i o e pelos q u e estivessem e m
p e c a d o m o r t a l , m e d i d a q u e outras dioceses p o r igual t o m a r a m 3 1 0 .
A i m p e t r a ç ã o , q u e os vivos p o d i a m dirigir a D e u s pelos m o r t o s , d o p e r -
d ã o das p e n a s a s o f r e r antes da e n t r a d a n o c é u , e n c o n t r a v a n o o f e r e c i m e n t o
d o sacrifício da missa o mais eficaz dos m e i o s para esse alívio, a j u n t a r a o r a -
ções e boas obras. As confrarias m a n d a v a m - n a s , p o r isso, c e l e b r a r e as c o n s t i -
t u i ç õ e s sinodais r e c o r d a v a m essa o b r i g a ç ã o aos fiéis. As d o P o r t o , publicadas
e m 1690, e x o r t a v a m os d i o c e s a n o s «que e m seus t e s t a m e n t o s , & u l t i m a s v o n -
tades se l e m b r e m , n ã o só de m a n d a r e m d i z e r missas, e fazer as e x e q u i a s , o f f i -
cios, & o b l a ç õ e s c o s t u m a d a s , m a s a l é m disso, o q u e cada h u m mais p u d e r
c o n f o r m e sua d e v o ç ã o , & p o s s i v i l i d a d e » 3 " . C o m p r e e n d e - s e q u e os q u a n t i t a -
tivos f o s s e m significativos. S e g u n d o o c i t a d o e s t u d o r e f e r e n t e à c i d a d e i n v i c -
ta, a o r d e n a ç ã o d e bens de alma «varia e n t r e os 93 % (119 casos e m 128) dos h o -
m e n s d e n e g ó c i o e os 55,6 % (5 casos e m 9)», e n q u a n t o «os o u t r o s estatutos
ultrapassam os 7 0 % c o m o p o d e m o s verificar: a n o b r e z a r e q u e r e - o s e m
86,4 % (159 casos e m 184); o clero e m 86,3 % (82 casos e m 95); oficiais e letra-
dos e m 83,5 % (71 casos e m 85); m e m b r o s d o s ofícios m e c â n i c o s e m 81,8 % (81
casos e m 99); p r o p r i e t á r i o s e m 89,8 % (159 casos e m 177); lavradores e m 75 %
(189 casos e m 151); assalariados e m 91,7 % (11 casos e m 12); soldados e m 85,7 %
(6 casos e m 7); estatutos sociais i n d e t e r m i n a d o s e m 73,5 % (135 casos e m
I85)» 312 . N o q u e respeita e s p e c i f i c a d a m e n t e a missas, e h o u v e q u e m o r d e n a s s e
41 0 0 0 (!) p o r sua alma, a l g u m a s d e v i a m ser ditas de i m e d i a t o à m o r t e (62,2 %
c o r r e s p o n d e n t e a 784 casos), s e m p r a z o d e t e r m i n a d o (56 % = 7 0 6 casos) e
p e r p é t u a s (15,6 % = 197 casos). A relação c o m a p i e d a d e m a r i a n a d o s t e s t a d o -
res v ê - s e n o facto d e se m a n d a r celebrá-las e m altares privilegiados d e d i c a d o s
a N o s s a S e n h o r a d o C a r m o , d o R o s á r i o , da Silva (Sé d o P o r t o ) , a q u e m a i n -
da h o j e g e n t e das freguesias d e Gaia, Feira e G o n d o m a r p r o c u r a q u e se diga
«logo após o f a l e c i m e n t o d o a d u l t o , u m a missa a N o s s a S e n h o r a da Silva para
q u e ela seja p s i c o p o m p a [ = d e f e n s o r - g u a r d a d e t ú m u l o s e almas], e g u i e a al-
m a e lhe r e t i r e as silvas d o c a m i n h o q u e t e m de e m p r e e n d e r para o Além» 3 1 3 .
A e v o l u ç ã o das missas pela p r ó p r i a alma, n o p e r í o d o e a r o p o r t u e n s e , indica
ligeiro c r e s c i m e n t o , passível d e e x p l i c a ç ã o , pois de 79,8 % (91 casos e m 114)
n o d e c é n i o d e 1650-1669 s o b e para 83,9 % (339 casos e m 404) na v i n t e n a d e
1730-1749 3 1 4 . Se passarmos a Lisboa e s e g u i r m o s a i n f o r m a ç ã o d e A n a Cristina
A r a ú j o , v ê - s e q u e «na p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o x v i n , 1 e m cada 10 t e s t a d o -
res n ã o dispensa» o t r i n t á r i o g r e g o r i a n o ; q u e de u m q u a n t i t a t i v o «de 630 m i s -
sas p o r t e s t a m e n t o » , n o p r i n c í p i o d o século x v i n , a t i n g e - s e o p o n t o mais alto
e m 1730, c o m u m a m é d i a d e 750 serviços avulsos a v e r b a d o s ; q u e d e 1700 a
1760 o n ú m e r o d e p e d i d o s d e missas m a n t é m o quase u n i f o r m e «patamar dos
9 0 %»; q u e o d e c r é s c i m o se cifra e m cerca d e 15 % n o t r i n t é n i o até 1790; q u e ,
deste a n o e m diante, « m e n o s de dois terços de testadores solicitam serviços
f ú n e b r e s c o m p l e t o s , e s t i m a n d o - s e e m 500 o v a l o r de missas p o r o u t o r g a n t e » ;
q u e n o s inícios d o s é c u l o x v i n «cerca d e 14 % d e h o m e n s e m u l h e r e s , s u p o s -
t a m e n t e s e m d e s c e n d ê n c i a , e l e g e m a alma p o r universal h e r d e i r a , p e r c e n t a -

592
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

g e m q u e sobe, l i g e i r a m e n t e , n o a n o d e 1750 para 15,7 %»; q u e , p o r volta d e


1820, «para m e n o s testadores, há t a m b é m m e n o s missas pedidas, cerca d e 4 0 0 ,
e, e m 1830, a t i n g e - s e , para s e n s i v e l m e n t e m e t a d e da p o p u l a ç ã o testamentária,
u m m o n t a n t e m é d i o inferior a u m anual completo»315. Podia, sem dúvida,
ser p e s a d o para os h e r d e i r o s o c u m p r i m e n t o destas o b r i g a ç õ e s , aliás legítimas,
se p e n s a r m o s q u e as Constituições Sinodais da Diocese do Porto d e 1687 o r d e -
n a v a m q u e se desse «de esmola a cada C l é r i g o , pela assistência d o officio d e
n o v e lições & dizer missa, d u z e n t o s reis; & pela assistência d o officio de tres
lições, & d i z e r missa, c e n t o & c i n c o e n t a reis», i n d i c a n d o os testadores para
e s t i p ê n d i o das missas, n o século x v i n , r e s p e c t i v a m e n t e 100 e 80 réis c o n f o r m e
fossem o u n ã o e m altares privilegiados, c o m u m a subida d e mais 20 réis e m
cada na v i r a g e m para S e t e c e n t o s , «em data difícil d e precisar» 3 1 6 . C o m p r e e n -
d e - s e assim a p r o c u r a destes altares i n d u l g e n c i a d o s , e c o m o isso p o d i a i n d i -
r e c t a m e n t e b e n e f i c i a r certos t e m p l o s e capelas p a r o q u i a i s e c o n v e n t u a i s , m a s -
c u l i n o s e f e m i n i n o s , c o m os clérigos q u e asseguravam o c u l t o e os frades q u e
e m suas casas religiosas anexas residiam. A f i m d e calcular-se q u a n t a s pessoas
estariam p o r v e n t u r a ligadas a este c o n s u m o d e missas q u e a p i e d a d e e a d e v o -
ç ã o das Almas d o P u r g a t ó r i o a l i m e n t a v a , bastará p e n s a r q u e a d i o c e s e d e Lis-
b o a , c o n f o r m e u m a i n f o r m a ç ã o e n v i a d a para R o m a e m 1726, t i n h a 1660 c l é -
rigos d e o r d e n s sacras, s e m c o n t a r os m u i t o s q u e aí, c o m mais o u m e n o s
d e m o r a , a f l u í a m , h a v e n d o até às zonas l i m í t r o f e s 72 c o n v e n t o s m a s c u l i n o s e
18 f e m i n i n o s , e ainda 80 ermidas, p e r t o d e m e t a d e c o m cura d e almas, e sete
hospitais 3 1 7 . P o r o u t r o lado, o c a m i n h o a abusos estava a b e r t o , c o m o d e n u n -
c i o u n u m p a n f l e t o p o l é m i c o d e 1822 o trinitário J o s é P o s s i d ó n i o Estrada, ao
falar d o s «abusos associados a missas de d e f u n t o s e consideradas as práticas li-
gadas a altares privilegiados, ao c o m é r c i o das i n d u l g ê n c i a s e às esmolas das al-
mas» 3 1 8 . Assistia, pois, a l g u m a razão a P o m b a l q u a n d o p r o i b i u «a instituição
da alma p o r universal h e r d e i r a ; i m p e d e a criação d e n o v a s capelas [= institui-
ções p e r p é t u a s s o b r e t u d o d e missas pelos d e f u n t o s q u e para sua c e l e b r a ç ã o
d e i x a v a m bens]; e x t i n g u e f u n d a ç õ e s insignificantes, i n c l u i n d o aniversários;
c o n s i d e r a livres e isentas d e t o d o s os e n c a r g o s as capelas vacantes, d e v o l v i d a s
à C o r o a ; e, q u a n t o às subsistentes, limita os e n c a r g o s pios a u m d é c i m o d e
r e n d i m e n t o dos b e n s encapelados», e m b o r a e m 1778 s u s p e n d a certas destas
restrições 3 1 9 . O laxismo e falta de e s c r ú p u l o d e n ã o p o u c o s eclesiásticos, s e c u -
lares e c o n v e n t u a i s , explicaria q u e u m religioso, na e n t r a d a d o d e c é n i o d e
1780, falasse d e «frades contrabandistas» e a ç a m b a r c a d o r e s q u e se « e n c h e m
d e missas m u i t o mais d o q u e p o d e m dizer, c o m e m a esmola passando para
lha d a r e m c e r t i d õ e s falsas c o m o estão ditas e q u a n d o m o r r e m d e i x a m u m a
q u a n t i d a d e delas e m rol» 3 2 0 . E c e r t o q u e , p o r e x e m p l o , as c o n s t i t u i ç õ e s s i n o -
dais bracarenses (1639), publicadas e m 1697, h a v i a m c a p i t u l a d o j á para se n ã o
f a z e r e m «contratos n e m avenças s o b r e missas, officios o u sepulturas», a f i m de
evitar q u e os p á r o c o s c o l h e s s e m p r o v e n t o s s u p e r i o r e s aos fixados, até p o r q u e
«as cousas espirituaes e x c e d e m e m valor t u d o o q u e se p o d e dar e n ã o t ê m
preço» 3 2 1 . N ã o e s m o r e c e u , p o r é m , a d e v o ç ã o às Almas n o r e s p e i t a n t e a s u f r á -
gios, apesar d o s l a m e n t á v e i s abusos praticados, ao m e n o s n o s p e d i d o s de m i s -
sas avulsas e dos c o s t u m a d o s de c o r p o p r e s e n t e , de t e r c e i r o , s é t i m o e trigési-
m o dia e aniversário. P o r o b r i g a ç ã o estatutária as c o n f r a r i a s das A l m a s
m a n d a v a m celebrar o sacrifício eucarístico p o r cada u m d o s c o n f r a d e s faleci-
dos, e m c u j o e n t e r r o os i r m ã o s se d e v i a m i n c o r p o r a r e a c o m e m o r a ç ã o anual
d o D i a de Finados, e m 2 d e N o v e m b r o , e m geral c o m essa a r m a d a na igreja,
o f í c i o c a n t a d o , a c o m p a n h a d o a o r g ã o , p r e g a ç ã o c o n d i z e n t e , d o b r e s d e sinos e
procissão, cujas receitas v i n h a m das c o n t r i b u i ç õ e s dos associados e esmolas.
R e c o r d e - s e , a p r o p ó s i t o desta celebração, q u e o papa B e n t o X I V , a p e d i d o
d e D . J o ã o V, c o n c e d e u aos sacerdotes d e P o r t u g a l e d o m í n i o s u l t r a m a r i n o s
p e l o b r e v e Quod expensis d e 1748 a f a c u l d a d e de, neste dia, p o d e r e m dizer
três missas d e sufrágio 3 2 2 .
H a v i a e m cada d o m i n g o u m c o r t e j o processional, antes da missa d o dia,
salvo nas festas litúrgicas principais, nas igrejas p a r o q u i a i s e nas colegiadas à
s e g u n d a - f e i r a , n o t e m p l o , s o b r e as sepulturas, saindo para fora, se h o u v e s s e
d e f u n t o s e n t e r r a d o s n o a d r o e o t e m p o o permitisse. O ritual era o m e s m o ,

593
O DEUS DE TODOS os DIAS

ainda n o século x v n i , d e n t r o e fora d o r e i n o 3 2 3 . R e c o r d e - s e q u e orar pelos


vivos e m o r t o s era u m a das obras de m i s e r i c ó r d i a ensinadas na c a t e q u e s e . Daí
n i n g u é m ficar e s q u e c i d o para s e m p r e na l e m b r a n ç a da c o m u n i d a d e cristã.
O p á r o c o tinha p o r d e v e r c e l e b r a r missas e ofícios «pello a m o r d e Deos» e
«por charidade», s e g u n d o os c o s t u m e s da freguesia, e s e m para isso p e d i r es-
m o l a a l g u m a . M a s esta aparecia s e m p r e ao m e n o s para sufragar c o m missas a
alma dos c a r e n c i a d o s d e recursos, e d a r - l h e s s e p u l t u r a . N a d i o c e s e açoriana
de A n g r a , e m 1698, há notícia d e o m o n t a n t e das esmolas, r e c o l h i d a s pelas
portas e n o s m e a l h e i r o s para este f i m c o l o c a d o s na igreja, ultrapassarem, e m
mais d o d o b r o , o dos legados e f o r o s r e c e b i d o s pela c o n f r a r i a , s e n d o a s o m a
d e todas essas c o n t r i b u i ç õ e s a n ó n i m a s gasta e m missas pelas almas 3 2 4 .
Associadas ao c u l t o d o P u r g a t ó r i o são as «alminhas», e m seus n i c h o s o u
oratórios, realidade e t n o g r á f i c a t ã o curiosa e original d e nossas terras. S e g u n -
d o Flávio G o n ç a l v e s , « n e m n o s p r i m i t i v o s t e m p o s da Igreja, n e m d u r a n t e a
Idade M é d i a , n e m ainda na é p o c a da R e n a s c e n ç a se e n c o n t r a m alminhas p o -
pulares ao ar livre — o q u e p r o v a q u e o seu a p a r e c i m e n t o n ã o é f r u t o d u m a
c o n t i n u i d a d e , mas de u m a criação p r ó p r i a , r e l a t i v a m e n t e m o d e r n a » 3 2 5 . Se n o
i n t e r i o r das igrejas d o m i n a v a m as tábuas pintadas, os q u a d r o s e os retábulos,
n o e x t e r i o r r e p r e s e n t a ç õ e s análogas espalharam-se, suspensas e adossadas n o s
m u r o s , nas ruas e e n c r u z i l h a d a s d o s c a m i n h o s , c o m l e g e n d a s a p e d i r aos q u e
passam o r a ç õ e s e esmolas pelos d e f u n t o s . A t r i b u i J o r g e C a r d o s o , n o Agiológio
lusitano, ao « P i n t o r Santo» de Lisboa, Luís Alvares d e A n d r a d e , a i n v e n ç ã o d e
retratar a ó l e o , na s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o xvi, as almas d o P u r g a t ó r i o , a
a r d e r n o m e i o das c h a m a s , e o r d e n a r q u e c o l o c a s s e m estas tábuas pelas portas
da c i d a d e e lugares p ú b l i c o s , d e s p e n d e n d o nelas «grande s o m a de d i n h e i r o , e
nas m u i t a s copias q u e para t o d o o r e i n o , e suas conquistas, m a n d o u s u s p e n -
d e r pelas p a r e d e s c o m esta letra: Irmãos Icmhraivos das almas que estão no Purga-
tório, com hum Pater noster e Ave Maria»326. Difícil será p r o v a r a i n f o r m a ç ã o
pois, c o m o observa a q u e l e h i s t o r i a d o r deste f e n ó m e n o religioso, pela sua v e -
loz d i f u s ã o e a g r a n d e a m p l i t u d e da área p o r o n d e se e s p a l h o u , antes p a r e c e
«que as alminhas n a s c e r a m d e b a i x o d e u m s u r t o p o p u l a r a f a v o r das almas d o
P u r g a t ó r i o , surto q u e as a u t o r i d a d e s eclesiásticas n ã o d e i x a r a m , p o r c e r t o , d e
f o m e n t a r » 3 2 7 . D e s u p o r t e s frágeis, era natural q u e as a l m i n h a s q u i n h e n t i s t a s
n ã o resistissem aos desgastes d o t e m p o . R e s t a m , n o e n t a n t o , e x e m p l a r e s d e
interesse, datados d o século xvii, e m Braga, na fachada da C a p e l a de Santa
Justa, f u n d a d a e m 1618; e m Alvarães (Viana d o Castelo), há u m a lápide d e
granito, alusiva, de 1669; n u m f o n t a n á r i o d e Vila N o v a d e São P e d r o (Al-
c o e n t r e - A z a m b u j a ) d e 1680; e m C o i m b r a , 11111 painel d e azulejos d e carácter
p o p u l a r , r e m o n t a n d o a fins o u inícios d e S e t e c e n t o s 3 2 8 . E m m u i t o m a i o r n ú -
m e r o são, n o século x v n i , essas alminhas presentes e m n i c h o s cavados n o s
edifícios e paredes, o u e m capelinhas m i n i a t u r a i s , c o m as suas legendas i m -
plorativas. A n o r t e d o M o n d e g o p a r e c e m ter s u r g i d o pela p r i m e i r a vez estas
figurações piedosas, e c o m mais i n t e n s i d a d e n o E n t r e D o u r o e M i n h o , s e n d o
bastante raras a sul d o T e j o e quase inexistentes e m terras alentejanas 3 2 9 . N ã o
se p o d e dissociá-las, p o r é m , dos c r u z e i r o s e n q u a n t o l e m b r a v a m «aos viajantes
a necessidade d e r e z a r e m pelos seus d e f u n t o s » , v e n d o - s e vários deles d o s é c u -
lo xvii p o r Lisboa e arredores 3 3 0 . D a d o estes lugares s e r e m os p r e f e r i d o s p e l o
p o v o para a e n c o m e n d a ç ã o das almas, isso justificava a sua utilização c o m o
suportes, pois o b s e r v a - s e q u e e m 11111 «cruzeiro seiscentista dos a r r e d o r e s d e
M o n ç ã o , e m M a z e d o , as almas d o P u r g a t ó r i o estão esculpidas na p r ó p r i a p e -
dra d o fuste, j u n t o da base, sob a p r o t e c ç ã o , a o alto, da V i r g e m da C o n c e i ç ã o
e d e Cristo» 3 3 1 . E, c o m o aqueles, t a m b é m estas passaram a assinalar locais o n -
de se d e r a m m o r t e s violentas e acidentes desastrosos, « i m p l o r a n d o orações
pela salvação dos q u e t o m b a r a m » , da m e s m a m a n e i r a q u e os m o n t e s d e p e -
dra, c h a m a d o s «fiéis d e Deus», f r e q u e n t e s n o N o r t e e C e n t r o d o país, s e r v e m
para efeito s e m e l h a n t e . C o m o se fez c o m os altares d o s Lares r o m a n o s , p o r
aqueles substituídos, n o i n t u i t o d e e n t ã o se cristianizar estes s í m b o l o s pagãos,
assim a n á l o g o p r o p ó s i t o h o u v e d e agora localizar a l m i n h a s nas e n c r u z i l h a d a s
dos c a m i n h o s q u e a c r e n d i c e p o p u l a r s e m p r e tendia, p o r « m i l e n á r i o atavis-
m o » , a associar «a ritos m á g i c o s e religiosos» 3 3 2 . T u d o , p o r c o n s e g u i n t e , se

594
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

destinava a a f e r v o r a r a d e v o ç ã o às almas q u e , d e resto, d e mais m e i o s d i s p u - Alminhas do desastre da


n h a para se m a n t e r e d i f u n d i r , c o m o u m a das mais c o m u n s e arreigadas na Ponte das Barcas, Ribeira,
p i e d a d e p o p u l a r . E n t r e o u t r o s c o n t a m - s e os d e s i g n a d o s registos. O m e n c i o n a - Porto.
d o Luís Alvares d e A n d r a d e , s e g u n d o J o r g e C a r d o s o , terá m a n d a d o i m p r i m i r FOTO: JOSÉ MANUEL
OLIVEIRA/ARQUIVO CÍRCULO
«mais de v i n t e m i l papeis c o m a o r a ç ã o d o S a n t o S u d á r i o , e I n d u l g ê n c i a d o DE LEITORES.
Papa C l e m e n t e V I I I , q u e d e s t r i b u i u p e l o r e i n o , e fora dele, p r o c u r a n d o p o r
esta via despejar o P u r g a t ó r i o , r e c i t a n d o - s e e m graça» 3 3 3 . E s t a m p a s religiosas
setecentistas, c o m a V i r g e m e as almas d o P u r g a t ó r i o f o r a m gravadas a b u r i l e
espalhadas p e l o país 3 3 4 . E , j á b e m antes, o carmelita e p r e g a d o r Frei E s t ê v ã o
da P u r i f i c a ç ã o , falecido e m 1617, a n d a v a p o r Lisboa a distribuir e s c a p u l á -
rios335. Saíram t a m b é m livros c o m o f i m d e intensificar esta d e v o ç ã o . O d i t o
Luís Alvares, q u e n ã o se cansava d e m a n d a r celebrar missas pelas almas a p u -
rificar-se n o f o g o d o P u r g a t ó r i o e a j u d a v a c o m o r a ç õ e s e sufrágios, t o m a n d o
t a m b é m bulas, c o m p ô s e m m é t r i c a u m l i v r i n h o e m q u e ventilava este a s s u n -
to 3 3 6 . P o r sua vez, o p r e g a d o r g r a c i a n o Frei A n t ó n i o da N a t i v i d a d e foi o a u -
t o r d e u m a Sylva de Suffagios declarados louvados, encomendados para comum pro-
veito de vivos, e defuntos, impressa e m Braga, e m 1635, o n d e se d e s c r e v e o
estado das almas q u e s o f r e m neste lugar d e e x p i a ç ã o c o m m u i t o s e x e m p l o s ,
p r o d í g i o s e r e f l e x õ e s ascético-místicas. E u m f r a n c i s c a n o da O r d e m T e r c e i r a ,
Frei Francisco d e Jesus M a r i a S a r m e n t o , p u b l i c o u , e m 1759, a Devoção das al-
mas do Purgatório q u e saiu sob o n o m e d e J o s é d e Saúva J a m i n , t a m b é m c o m
o m e s m o p r o p ó s i t o edificante 3 3 7 . R e c o r d e - s e q u e u m a espécie d e florilégio
e x e m p l a r i s t a d e d i c a o p a d r e M a n u e l B e r n a r d e s n o título 11 d o t o m o q u i n t o
da Nova floresta, os parágrafos x v a xxii ao I n f e r n o e P u r g a t ó r i o , q u e serviria
para ilustrar u m a espiritualidade rigorista o u , ao m e n o s , a t e m o r i z a n t e , a utili-
zar e m práticas e s e r m õ e s . D e a p o n t a r ainda alguns t e x t o s d e u m a p r e g a ç ã o
impressa s o b r e este t e m a , q u e c i r c u l o u na é p o c a m o d e r n a e m s e r m o n á r i o s o u
e m f o l h e t o . M e r e c e m r e f e r ê n c i a , e n t r e os p r i m e i r o s , as p r e g a ç õ e s dos jesuítas:
p a d r e Francisco de M e n d o n ç a , e m É v o r a , n o s anos de 1615 e 1616 (Sermoens,

595
O DEUS DE TODOS OS DIAS

1649), e p a d r e M a n u e l da Silva, n o s aniversários das almas q u e a M i s e r i c ó r d i a


d e Setúbal faz a seus i r m ã o s d e f u n t o s (1668) e d o s clérigos p o b r e s , n o H o s p i -
tal d e T o d o s - o s - S a n t o s , e m 1677 (Sylva Concionatoria, t. 11 e i n , 1699 e 1670);
e n t r e os s e g u n d o s , o d o d o m i n i c a n o Frei T o m á s A r a n h a , o Sermão /.../ polias
almas dos defunctos, na M i s e r i c ó r d i a de Lisboa, e m 1644 (1645); F e r n a n d o de
C a s t r o M e l o , Sermam das Almas, n o M o s t e i r o da E s p e r a n ç a , e m 1648 (1649);
d o b e n e d i t i n o Frei J o r g e d e C a r v a l h o , e m Braga, Tres sermoens das Almas do
Purgatorio (1662); d o capelão e c o n f e s s o r da C a p e l a R e a l , D r . J o s é d e Faria
M a n u e l , o Sermam no officio dos difuntos da Irmandade dos Clérigos Ricos da Cari-
dade, e m Lisboa (1671); d o a g o s t i n h o descalço Frei A n t ó n i o de Santa M a r i a , o
Sermam das Almas (1678); dos franciscanos Frei A m a d o r da C o n c e i ç ã o , o Ser-
mam das Almas [...] em Thomar, e m 1686 (1688) e Frei F e r n a n d o da S o l e d a d e ,
o Sermão das Almas, 110 M o s t e i r o da M a d r e d e D e u s d e M o n c h i q u e (1694);
d o b a i a n o Frei J o s é V e l o s o , o Sermam do /.../ Archanjo S. Miguel, com Comme-
moração do Officio que se faz pelas Almas do Purgatorio, e m R e c i f e , P e r n a m b u c o
(1691); d o t r i n o Frei T o m á s T e i x e i r a , o Sermam de Almas (1700). Assim foi
d i s s e m i n a n d o a Igreja a sua d o u t r i n a acerca desta d e v o ç ã o t ã o cara s o b r e t u d o
ao sentir d o c a t o l i c i s m o p o p u l a r , q u e a c o n t i n u o u a preservar.

NOTAS
1
MÁRTIRES - Catecismo, p. 105.
2
Ibidem.
3
SYNODICON Hispanum, vol. 2, p. 127.
4
Ibidem, p. 179-180.
5
Ibidem, p. 180-182.
6
Ibidem, p. 239.
7
Ibidem, p. 180-182, 403-405, 440-441.
8
HÄRING - A lei de Cristo, vol. 2, p. 443 e 449.
9
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 345.
111
SYNODICON - Hispanum, vol. 2, p. 185-186.
11
PEREIRA - Visitações de Santiago, 1967-1969, p. 140.
12
PEREIRA - Visitações de Sintra, 1978, p. 168, 179, 184, 196.
13
Ibidem, p. 210.
14
SYNODICON Hispanum, vol. 2, p. 240-241.
13
DIAS - Correntes, vol. 1, p. 192.
16
SYNODICON Hispanum, v o l . 2, p . 101.
17
Ibidem, p. 237.
18
Cf. PEREIRA - Visitações de Santiago, 1967-1969, p. 205-206.
19
PEREIRA — Visitações paroquiais, 1992, p. 340.
2
" SOARES — A arquidiocese de Braga, p. 530.
21
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 348-349.
22
SYNODICON Hispanum, v o l . 2, p . 1 0 6 .
23
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 394-403.
24
SYNODICON Hispanum, v o l . 2, p . 361.
25
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 406.
2,1
ANSELMO - Bibliografia, n.° 496.
27
Ibidem, p. 106.
28
PEREIRA - Visitações de Sintra, 1978, p. 185.
29
Ibidem, p. 180.
311
CONSTITUIÇÕES do bispado do Algarve, L. 2, c. 1.
31
MÁRTIRES - Catecismo, p. m .
32
SOARES - A arquidiocese de Braga, p. 530.
33
PEREIRA - Visitações de Santiago, 1967-1969, p. 143.
34
PEREIRA - Visitas paroquiais, 1992, p. 324.
35
SYNODICON Hispanum, v o l . 2, p . 8 4 .
36
PEREIRA - Visitações de Santiago, 1967-1969, p. 205.
37
PEREIRA - Visitas paroquiais, 1992, p. 336 e 343.
38
MÁRTIRES - Catecismo, p. 110.
39
SOARES - A arquidiocese de Braga, p. 568, 570-571.
40
Ibidem, p. 106.
41
CONSTITUIÇÕES dos bispados da Guarda, L. 1, t. 2, c. 1; CONSTITUIÇÕES dos bispados do Algarve,
L. i, c. 14.
42
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 435.
43
COSTA - História da cidade, vol. 5, p. 69.
44
Ibidem, p. 344.
45
Ibidem, p. 343.
4,1
Ibidem, p. 344.

596
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

47
HÀRING - A lei de Cristo, vol. 2, p. 479-483.
48
Ibidem, p. 106.
49
SYNODICON Hispanum, vol. 2, p. 127-130 e 239-240.
50
PEREIRA - Visitas paroquiais, 1992, p. 336.
51
COSTA - História da cidade, vol. 5, p. 489-490.
52
CONSTITUIÇÕES do bispado de Coimbra, 1731, t. 12, n." 7, § 2.
53
SOARES — A arquidiocese de Braga, p. 123.
54
SYNODICON Hispanum, vol. 2, p. 394-395.
55
SOARES — A arquidiocese de Braga, p. 622-625.
56
Ibidem, p. 628.
57
IDEM - C o s t u m e s , vol. 3, p. 253-284.
58
Ibidem, p. 270.
59
Ibidem, p. 271.
60
Ibidem, p. 272.
61
LA CONTRE-REFORME: u n e f o r m e de m o d e r n i s a t i o n ? P r o l é g o m è n e s à u n e t h é o r i e du t e m p s
des confessions. In REINHARD — Papauté, p. 160.
(2
' Ibidem, p. 161.
63
LES CONCILES oecuméniques, t. 11-2, 1394-1397, 1430-1451, 1530-1543.
64
ALCOCHETE - R e g i s t o Paroquial, p. 560-562; FERREIRA - A i n t r o d u ç ã o dos registos,
p. 893-910.
65
CÒSTITUIÇÒES sinodaes do bispado do Porto, 1541, fl.6-6 v. O s casamentos t a m b é m são omissos
nas Constituições de Lisboa d o S í n o d o de 1536.
66
LES CONCILES oecuméniques, p. 1537 e 1539.
67
COSTA — O registo paroquial, p. 11.
68
Apud BETHENCOURT - As visitas pastorais, p. 115, 116, 117 r e s p e c t i v a m e n t e .
69
S o b r e as realidades da subsistência d o clero secular cf. DIAS - Correntes, vol. 1, p. 38-47,
vol. 2, p. 476-482.
711
CONSTITUIÇOENS do arcebispado de Lixboa, 1537, il. 1 [Sínodo de 1536].
71
CASTRO - Portugal no Concílio, vol. 5, p. 449-453.
72
CONSTITUIÇÔEES qve fez lio senhor Dom Diogo de Sovsa B/is/po do Porto, p. 101 [Sínodo de
1496],
73
CoNSTlTVlçÒES synodaes do bispado de Miranda, 1565, fl. 26 [Sínodo de 1563J.
74
ALMEIDA - História da Igreja, 2.' ed., 1968, vol. 2, p. 564.
75
ORDENAÇÕES Filipinas, p. 1247.
76
CONSTITUIÇOENS do arcebispado de Lixboa, 1537, fl. 1 v.
77
CONSTITVIÇÕES synodaes do bispado de Coimbra, 1591, fl. 4 v.
78
CONSTITUIÇÔEES qve fez ho senhor Dom Diogo de Sovsa B[is]po do Porto, [Sínodo de 1496],
p. 89; CONSTITUIÇOENS do arcebispado de Lixboa, 1537 [Sínodo de 1536], fl. 1; CONSTITVIÇÕES syno-
daes do bispado de Coimbra, 1591, fl. 1.
79
CONSTITVIÇÕES synodaes do bispado de Coimbra, 1591, fl. 1 v.
80
CONSTITVIÇÕES synodaes do bispado de Miranda, 1565, fl. 28 v [Sínodo de 1563].
81
RESENDE - Crónica de D.João II, p. 132. TAVARES - Os judeus cm Portugal, vol. 1. p. 438-439.
82
SOUSA - História genealógica, t. 8, p. 205-Z06.
83
MENEZES - D i á r i o d o 4. 0 c o n d e da Ericeira, t. 1, p. 96.
84
CONSTITVIÇÕES synodaes do bispado de Visev, 1684, p. 19 [Sínodo d e 1681].
85
CONSTITUIÇOENS do Arcebispado de Lixboa, 1537, fl. 1 v.
86
CONSTITVIÇÕES synodaes do arcebispado de Lisboa, 1656, p. Z7 [Sínodo d e 1640].
87
CONSTITVIÇOENS synodaes do bispado de Leiria, 1601, fl. 4V.
88
CONSTITVIÇÕES synodaes do bispado de Miranda, 1565, fl. 30 v [Sínodo de 1563].
89
CONSTITUIÇÕES sinodais de D. Frei Amador Arrais, 1589, p. 17.
911
DELUMEAU — Le péché, p. zii, Z14.
91
DOCUMENTOS históricos da cidade de Évora, p. 354.
92
CONSTITUIÇÔEES qve fez ho senhor Dom Diogo de Sovsa B[is]po do Porto, p. 97.
93
«Le territoire d u confesseur» é o titulo d o capítulo 7 d o seu trabalho, j á citado, Le péché et
la peur, p. Z36-272.
94
DELUMEAU - Le péché, p. 236-264.
95
Ibidem, p. 265-272.
96
Ibidem, p. 268.
97
VIEIRA - S e r m ã o da degolação, p. 240-241.
98
FARDILHA — Maria Madalena, p. 15-16. A primeira e d i ç ã o deste diálogo da Imagem, na sua
segunda parte, é de 1562. A e d i ç ã o citada é a de M . Alves C o r r e i a , Lisboa: Sá da Costa, 1940,
vol. 2, p. 159.
99
DELUMEAU - Le péché, p. 269.
100
CONSTITUIÇÕES sinodais de D. Frei Amador Arrais, 1589, p. 172.
101
C f . CONSTITUIÇÔEES qve fez ho senhor Dom Diogo de Sovsa Blisjpo do Porto, p. 66; CONSTIT-
VIÇÕES synodaes do bispado de Miranda, 1565, p. 34 v.; CONSTITUIÇÕES sinodais de D. Frei Amador Ar-
rais, 1589, p. 22.
102
CONSTITUIÇÕES sinodais de D. Frei Amador Arrais, 1589, p. 25.
,03
CONSTITUIÇÔEES qve fez ho senhor Dom Diogo de Sovsa B[is]po do Porto, p. 66.
104
RODRIGUES - Para o e s t u d o dos róis de confessados, p. 79-105.
105
DELUMEAU - Le catholicisme, 2.' ed., p. 113.
106 F e r n a n d e s - As artes da confissão, p. 11.
107
FERNANDES - D o m a n u a l de confessores, p. 56-58; cf. IDEM - « R e l a ç ã o c r o n o l ó g i c a dos
confessionais e m a n u a i s de confessores d o séc. xvi e m Portugal». As artes da Confissão, p. 30-34.
108
CONSTITVIÇÕES synodaes do bispado de Miranda, 1565, fl. 40.

597
O D E U S DE TODOS OS DIAS

109
CONSTITUIÇÒEES qve fez lio senhor Dom Diogo de Sovsa B[is]po do Porto, p. 96-105.
1,0
GOUVEIA - O bispo d o Tratado, p. 55-70; PLONGERON - Charles, p. 493-525; ROLO - L'eve-
que.
111
MÁRTITRES - Catecismo, p. 57.
112
Ibidem, p. 77-78, 127-133 e 134.
113
Ibidem, p. 143.
114
Ibidem, p. 154-155.
115
FERNANDES - artes da confissão, p. 10.
116
CoNSTiTViçÒES synodaes do bispado de Miranda, 1565, fl. 35 v-36.
117
apud B e t h e n c o u r t - As visitas pastorais, p. 100.
118
ALEJANDRE - El veneno, p. 8.
119
MONCADA - Mística, p. 330-367.
120
TORRES - U m a longa guerra social, p. 59-70.
121
COELHO - A Inquisição, vol. 1, p. 270.
122
FERNANDES - Espelhos, p. 259.
123
CONSTITVIÇÕES synodaes do bispado de Visev, 1684, p. n o .
124
Ibidem, p. 110-111.
125
LES PARENTÉS fictives.
126
SOT — A génese, p. 221.
127
DELUMEAU - Le péché, p. 475-497.
128
ARRAIS - Diálogos, 1.' ed., p. 267-268.
129
SANTOS - E n t r e a «doutrina», p. 161-172.
130
MÁRTIRES - Catecismo, p. 143.
131
CoNSTiTViçÒES synodaes do bispado de Visev, 1684, p. 81.
132
MENDES - A oratória barroca, p. 550, 556. VIEIRA - Sermões, t. 5, p. 27-35, 37"54-
133
VIEIRA - Sermões, t. 5, p. 41.
134
MARQUES - Lisboa religiosa, p. 149-150.
135
SYNODICON Hispanum, vol. 2, p. 103-105.
136
Ibidem, p. 160.
137
Ibidem, p. 52.
138
Ibidem, p. 56.
139
DIAS - Correntes, p. 370.
140
Ibidem.
141
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 212.
142
Ibidem, p. 213.
143
DIAS - Correntes, t. 2, p. 594-595.
144
Ibidem, p. 605 e 610.
145
Ibidem, p. 657.
146
Ibidem, p. 34.
147
MÁRTIRES - Catecismo, p. 149.
148
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 208.
149
Ibidem, p. 214.
150
RODRIGUES - História da Companhia, vol. 1, p. 425.
151
MARQUES - A parenética portuguesa, p. 252, n. 145.
1,2
Ibidem, p. 214.
153
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 87.
154
COSTA — A Santíssima Eucaristia, p. 215.
155
RICARD - Études, p. 265-266.
156 MONTEIRO — Manual de direito ecclesiastico, p. 97-98.
157
RICARD - Études, p. 265-266.
158
Ibidem, p. 385.
159
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 216.
160
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 92 e 94.
161
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 216.
162
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 97-98.
163
Ibidem, p. 100-105.
"' 4 COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 215.
165
Ibidem, p. 230.
166
Ibidem, p. 232.
167
Ibidem, p. 216-217.
168
CONSTITUIÇÕES do bispado do Algarve, L. 1, c. 48.
169
MONTEIRO - Manual de direito ecclesiastico, p. 142, 145, 150, 159-160.
170
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 218.
171
DELUMEAU - Le catholicisme, p. 50.
172
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 219.
173
Ibidem, p. 219-222.
174
GENRO - Festa do Corpo, p. 52-77.
175
Veja-se, a p r o p ó s i t o , o r e g i m e n t o da câmara de C o i m b r a d o p r i m e i r o quartel d o século
xvi, in ALMEIDA - História da Igreja, vol. 2, p. 559-561. R e f i r a - s e , ainda, q u e havia, nas terras p r i n -
cipais, a obrigação de as autoridades se i n c o r p o r a r e m nas procissões q u e , só e m Lisboa, na era
m o d e r n a , ascendiam, de J a n e i r o a D e z e m b r o , a d e z o i t o (Ibidem, p. 554).
176
SYNODICON Hispanum, vol. 2, p. 108.
177
GENRO - Festa do Corpo, p. 60.
178
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 224.
179
GENRO - Festa do Corpo, p. 65.

598
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

180
MARTINS - Trono Eucarístico, p. 22-23.
181
Ibidem, p. 2 4 .
182
Ibidem, p. 25.
183
NICCOLI - La Vila Religiosa, p. 1 7 4 - 1 7 5 .
184
MARTINS - Trono Eucarístico, p. 27.
185
Ibidem, p. 2 8 .
186
Ibidem, p. 2 8 - 2 9 .
187
GENRO - O lausperetie, p. 16, 25-26.
188
FERREIRA - O lausperetie, fastos episcopais, v o l . 3, p. 2 3 9 - 2 4 0 .
189
GENRO - O lausperetie, p. 51.
190
MARTINS - Trono Eucarístico, p. 29.
191
GENRO - O lausperetie, p. 51.
192
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 228.
193
MARQUES - A parenética portuguesa, v o l . 1, p. 105-112.
194
MARTINS - Trono Eucarístico, p. 2 6 - 3 2 , 54-55.
195
BARREIROS - Egrejas e Capelas, p. 6 2 .
196
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 225.
197
Ibidem, p. 2 2 6 .
198
COSTA - Irmandades e confrarias, p. 38.
199
SOARES - A arquidiocese de Braga, p. 3 7 3 e 559.
200
COSTA - A Santíssima Eucaristia, p. 227-228.
201
GENRO - O lausperetie, p. 3 4 - 3 6 .
202
M A R Q U E S - A parenética portuguesa, v o l . 1, p. 253.
2113
G E N R O - O lausperetie, p. 3 6 - 3 7 .
204
SOARES - A arquidiocese de Braga, p. 561.
2115
RICARD - Etudes, p. 2 1 7 .
2N<
' DIAS - Correntes, v o l . 1, p. 4 4 7 .
207
C f . ANTOLOGIA de espirituais portugueses, p. 9 8 , 1 2 9 , 3 3 6 , 3 8 7 ss.
21,8
M A R T I N S - Da literatura, p. 4 0 0 - 4 0 1 .
209
CARVALHO - Evolução na evocação, p. 13-14 e 2 2 - 2 3 .
2111
R O D R I G U E S - História da Companhia, t. 2, v . I, p. 4 2 6 .
211
RIBEIRO - Os Terceiros Franciscanos, p. 105.
212
EXPOSIÇÃO de Cristos, p. 1 n / n .
213
Ibidem, p. 2 n / n .
214
Ibidem, «Catálogo» com 117 espécimes.
213
A F O N S O - Religião popular, p. 1 9 3 - 2 0 7 .
2
" ' GALHOZ - Romanceiro popular, v o l . 2, p. 6 1 7 - 6 6 7 .
2.7
V e r GONÇALVES - Breve ensaio, p. 10-15.
2.8
COUTO - Origem das procissões, p. 1 8 9 - 1 9 6 .
219
PORTUGAL nos séculos xvii e xvui, p. 35.
22,1
SERRÃO - Estudos de pintura, p. 4 2 .
221
Ibidem, p. 1 2 9 .
222
Ibidem, p. 325.
223
Ibidem, p. 1 4 5 - 1 4 6 e 153.
224
Ibidem, p. 1 9 7 .
225
Ibidem, p. 192, 195, 2 1 4 , 2 2 7 , 233, 319, 325.
226
SOBRAL - Bento Coelho, p. 2 5 6 .
227
Ibidem, p. 2 5 8 .
228
Ibidem, p. 3 4 0 .
229
Ibidem, p. 351-354.
230
Ibidem, p. 2 2 6 .
231
Ibidem, p. 3 4 6 - 3 4 8 .
232
Ibidem, p. 3 6 2 .
233
M Â L E - L'Art religieux, 2 , p. 1 6 0 .
234
MOREIRA - Uma Via Cureis, p. 75.
235
C O S T A - Corografia Portugueza, v o l . i, 2. A ed., p. 155.
236
ALMEIDA - Em torno, p. 7 3 .
237
Ibidem, p. 7 2 - 7 3 .
238
VASCONCELOS - Contributo, p. 1 8 - 2 2 .
239
ESPANCA - Inventário, v o l . 9 , p. 9 0 .
240
Cit. por ALMEIDA - Em torno, p. 6 9 .
241
PEREIRA - 13om Jesus do Monte, p. 9 3 - 9 6 .
242
CARDOSO - Agiológio, v o l . 2 , p. 4 0 8 .
243
MACHADO - Biblioteca, v o l . 2 , p. 54.
244
GODINHO - Vida, virtudes, p. 157.
245
MOREIRA - Uma Via Crucis, p. 76.
24,1
Ibidem, p. 7 6 .
247
Ibidem, p. 7 8 - 7 9 .
248
MARQUES - As confrarias da Paixão, p. 453-458.
249
Ibidem, p. 4 5 8 .
2511
Ibidem, p. 4 4 9 e 477-480.
251
Ibidem, p. 4 6 3 e 4 6 8 .
252
NICCOLI - La Vita Religiosa, p. 1 7 2 e 199-200.
253
D I A S - Correntes, v o l . i, p. 4 4 6 ; v o l . 2, p. 6 1 8 .
254
N I C C O L I - La Vita Religiosa, p. 1 7 9 .

599
O DEUS DE TODOS OS DIAS

255
ROLO - Nota prévia.
256
Ibidem, p. 8 n. n.
257
GOMES - Notas e documentos, p. 102.
258
N I C C O L I - La Vita Religiosa, p. 180-181.
259
G O D I N H O - Vida, virtudes, p. 89-90.
260
Ibidem, p. 3 2 9 .
261
ANTAS - Os falsos, p. 83.
' GOMES - Notas e documentos, p. 101.
2Í 2

'' AMORIM - As confrarias do Rosário, p. 16.


2 3
264
GOMES - Notas e documentos, p. 201.
^ SOUSA — História de S. Domingos, 1, p. 391.
266
Ibidem, p. 103.
21,7
AMORIM - As confrarias do Rosário, p. 21-22.
268
PENTEADO - Confrarias portuguesas, p. 34-35.
269
SOARES - A arquidiocese de Braga, p. 3 7 7 e 555.
2711
R O D R I G U E S - Confrarias da cidade, p. 382-383.
271
G E N R O - Festa do Corpo, p. 7 1 .
2/2
RODRIGUES - Confrarias da cidade, p. 390-391.
273
BRÁSIO - Descobrimentos, p. 208-215.
274
P E N T E A D O - Confrarias portuguesas, p. 23 e 25; IDEM - A vida religiosa, p. 192-195.
271
FIGUEIREDO - Ressorreiçam, p. 9.
276
F I G U E I R E D O - Descripçam, p. 32-33.
277
LEITE - Culto de Nossa Senhora, p. 592.
278
R O D R I G U E S - Confrarias da cidade, p. 405-407.
279
V e r : FÁTIMA, altar do Mundo, v o l . 1 , p. 1 0 5 , 2 4 5 , 2 4 7 , 2 4 8 , 2 6 5 ; A VIRGEM e Portugal, v o l . 1,
p. 108, 153, 170, vol. 2, p. 989; BRANDÃO - Algumas, p. 154-157, 198-199; BENTO COELHO, p. 270.
280
CHIFFOLEAU - La Comptabilité, p. ix.
281
GONÇALVES - Os painéis do Purgatório, p. 12-13.
282
Ibidem, p. 21.
283
SYNODICON Hispanum, vol. 2, p. 273-274.
284 V I T E R B O - Elucidário, v o l . 2, p. 6 1 7 .
285
Ibidem.
286
Ibidem.
287
PEREIRA - Visitações de Santiago, p. 143.
288
GONÇALVES - A origem das «Alminhas», p. 109.
289
Ibidem, p. 1 1 0 .
290
Ibidem.
291
GONÇALVES - Os painéis do Purgatório, p. 2 4 .
292
Ibidem, p. 25.
293
IDEM Um templo desaparecido, p. 31.
2 14
' IDEM - O «privilégio sabatino» na arte alentejana, p. 9 - 1 1 .
295
CONSTITUIÇÕES do bispado do Porto, 1687, L. iv, t. x, const. ix.
296
ARRAIS - Diálogos, p. 511.
297
GOMES - Notas e documentos, p. 140.
298
PEREIRA - Visitações da Igreja de S. Miguel, p. 196.
299
P E N T E A D O — Confrarias portuguesas, p. 28-29.
300
GONÇALVES - Os painéis do Purgatório, p. 25.
3111
ENES — As confrarias do Santíssimo, p. 289.
302
R O D R I G U E S - Morrer no Porto durante, p. 225-226, 231.
303
ARAÚJO - A Morte em Lisboa, p. 4 4 8 .
304 P E N X E A D O - Confrarias portuguesas, p. 25.
305
ARAÚJO - A morte em Lisboa, p. 457-461.
3(
"' ALMEIDA - A ementaçâo das almas, p. 47.
3,17
Ibidem, p. 6 4 .
308
Ibidem.
309
MELO - O fidalgo, p. 89-90.
3111
ALMEIDA - A ementaçâo das Almas, p. 66-67.
3,1
CONSTITUIÇÕES do bispado do Porto, 1 6 8 7 , L . i v , t. 11, c. 6.
312
RODRIGUES - Morrer no Porto, p. 1 7 1 .
313
ALMEIDA - O Culto de Nossa Senhora, p. 13.
314
RODRIGUES - Morrer no Porto, p. 1 7 2 .
311
ARAÚJO - A morte em Lisboa, p. 391-393 e 409.
316
CONSTITUIÇÕES do bispado do Porto, 1 6 8 7 , L . i v , t. 11, c. 6.
3,7
RODRIGUES - Morrer no Porto, p. 1 6 5 .
318
ARAÚJO — A morte em Lisboa, p. 3 1 9 .
3,9
Ibidem, p. 3 9 7 .
320
Ibidem, p. 408-409.
321
Ibidem, p. 3 9 7 .
322
CONSTITUIÇÕES Synodaes do arcebispado de Braga, c. v , p. 288.
323
Ibidem, c. vu,
p. 200-201.
324
ENES - As confrarias do Santíssimo, p. 294.
325
GONÇALVES - A origem das «Alminhas», p. 104.
32
'' CARDOSO - Agiológio,, v o l . 2, p. 4 0 8 .
327
GONÇALVES - Os painéis do Purgatório, p. 2 7 .
328
Ibidem, p. 28-29.
RITUAIS E MANIFESTAÇÕES DE CULTO

329
Ibidem, p. 31-32.
330
Ibidem, p . 32.
331
Ibidem, p . 33.
332
Ibidem, p . 35.
333
CARDOSO - Agiológio, p. 408.
334
Ibidem, p. 2 7 .
335
GONÇALVES - O «privilégio sabatino» na arte alentejana, p . 3.
336
MACHADO - Bibliotheca, v o l . 3, p . 54.
337
SILVA - Diccionário, v o l . 2, p. 394-396.

601
àmm
Oração e devoções
João Francisco Marques

A PRIVATIZAÇÃO DA ORAÇÃO:
VOCALE MENTAL
A DESVALORIZAÇÃO DA ORAÇÃO VOCAL, a s p e c t o s o p o r a t i v a m e n t e i n c u l c a d o
pela devotio moderna, revestia-se, p o r é m , d u m c o n t í n u o a p e l o à elevação c o n s -
t a n t e da alma para D e u s q u e para D . B e a t r i z de V i l h e n a , c o n d e s s a d o V i m i o -
so e religiosa a u g u s t i n i a n a , era o «coração de t o d a a vida espiritual» 1 . N a v e r -
d a d e , T a u l e r o r e m e t e - a para lugar s e c u n d á r i o e o P s e u d o t a u l e r o a c e n t u a - l h e
o a s p e c t o m e c â n i c o c o n d u c e n t e ã falta d e a t e n ç ã o q u e J o r g e B u c h a n a n t a n t o
c e n s u r a n o s q u e r e z a m 2 . M e i o p o b r e , c o n s i d e r a v a m - n a os c o r i f e u s da r e f o r -
m a da espiritualidade, e, para Frei Luís d e G r a n a d a , o r a ç ã o era f u n d a m e n t a l -
m e n t e m e n t a l 3 . N o c í r c u l o das d e v o t a s de Lisboa d o s m e a d o s de Q u i n h e n t o s ,
ligadas a a g o s t i n h o s e jesuítas, Isabel F e r n a n d e s confessava q u e , se recitava^ a
a v e - m a r i a e o p a d r e - n o s s o , f a z i a - o «p se n a m e s c a n d a l i z a r e m delia os q a n ã o
u y r e m rrezar». N o d e M o n t i j o , e m q u e p o n t i f i c a v a a b e a t a , idosa e n e v r ó t i c a ,
M a r i a d e S e r p a , a t r i b u í a - s e - l h e a o p i n i ã o de q u e a o r a ç ã o v o c a l , se «boa para
os principiantes», n ã o assim a a c h a v a para os d e m a i o r p r o g r e s s o na v i d a espi-
ritual, p o i s «que n ã o h e r a necessário mais rezar p o r q u e D s uia os coraçois e q
D s n ã o t i n h a necessidade d e lingoas s e n ã o d e coraçois» 4 . A o s d e A l m a d a , na
m a i o r i a m u l h e r e s q u e se r e u n i a m e m casa d e Sousa T a v a r e s , p r e s t i g i a d o a u t o r
m í s t i c o , ensinava Frei F r a n c i s c o da P o r c i ú n c u l a «a o r a ç ã o d e r e c o l h i m e n t o , a
o r a ç ã o efectiva, s e m i m a g e n s n e m figuras», c u j a t e o r i z a ç ã o se devia a O s s u n a ,
a partir dos escritos dos místicos d o N o r t e , e o f r a n c i s c a n o a c o n s e l h a v a , p o r
p r o v e i t o s a aos p r i n c i p i a n t e s , a m e d i t a ç ã o dos mistérios da P a i x ã o d e C r i s t o 3 .
T o d o s , e n f i m , c o m u n g a v a m das ideias d o italiano S e r a f i n o d e F e r m o para
q u e m «a o r a ç ã o v o c a l s e m a m e n t a l é d e p o u c o f r u t o e q u e t o d o o cristão
d e v e passar-se, q u a n d o p u d e r , para a o r a ç ã o m e n t a l e a c o n t e m p l a ç ã o d i v i -
na» 6 . Discípulas fiéis d e seus m e s t r e s espirituais, as beatas d e t e n d ê n c i a i l u m i -
n a d a das i m e d i a ç õ e s d o C a r m o e São R o q u e , c o m o C a t a r i n a R i b e i r o , c o n s i -
d e r a v a m desta f o r m a as m o r t i f i c a ç õ e s corporais, a o r a ç ã o v o c a l e a m e d i t a ç ã o
da P a i x ã o d e C r i s t o , «meios p o b r e s d e vida espiritual» 7 . Para os integristas t n -
d e n t i n o s , t u d o isto, c o m o t e m a n u c l e a r da espiritualidade, n ã o se isentava da
suspeita, se n ã o m e s m o c o n v i c ç ã o , d e resvaladiço c a m i n h o para o m o h n i s m o
e «a p r o t e s t a n t i z a ç ã o espiritual da g e n t e c o m u m » 8 . Estava assim a b e r t o o c a -
m i n h o para o «privatizar» da o r a ç ã o , pela c o n s e q u e n t e a p o l o g i a d o silêncio,
d o r e c o l h i m e n t o , d o s o l i l ó q u i o da alma c o m D e u s , f o n t e de t o d a a e n e r g i a
na luta c o n t r a as t e n t a ç õ e s e t e r m o da c a m i n h a d a para a f u s ã o mística, r e p o u -
so e paraíso p o r q u e a alma v i a d o r a ansiava. S e m e l h a n t e i d e á r i o , d e t ã o i n t e n -
s a m e n t e p r o p a l a d o e d e f e n d i d o , sensibilizava os fiéis e ia a v a n ç a n d o ao l o n g o
d e Seiscentos e S e t e c e n t o s , t a m b é m sob o i m p u l s o dos O r a t o r i a n o s . A p r o -
p ó s i t o da d i f u s ã o da prática da o r a ç ã o m e n t a l , o p a d r e M a n u e l B e r n a r d e s
a n o t a estar «tão d i v u l g a d o este e x e r c í c i o , q u e o t e m até os negros» 9 . M i l i t a v a
p e l o seu i n c r e m e n t o Frei F r a n c i s c o da A n u n c i a ç ã o , a u g u s t i n i a n o e c h e f e d e
tila d o r i g o r i s m o j a c o b e u , q u a n d o escrevia: «he m u i t o santo q u e t o d o s os fieis <1 Oratório-relicário, prata e
d e Jesus C h r i s t o , religiosos, seculares, h o m e n s , m u l h e r e s , casados, solteiros, esmalte (segunda metade do
t r a b a l h a d o r e s , ociosos, n o b r e s , m e c â n i c o s , sábios, idiotas, rústicos, cidadaos, século xvi). Lisboa, Museu
b r a n c o s , n e g r o s captivos, o u f o r r o s sigão o t e o r da vida espiritual, t e n d o o r a - Nacional de Arte Antiga.
ç ã o m e n t a l cada dia e e x a m i n a n d o duas v e z e s suas consciências, f r e q u e n t a n d o F O T O : DIVISÃO DE
os s a c r a m e n t o s , r e t i r a n d o - s e d e c o n v e r s a ç õ e s inúteis, c o m p o n d o o h o m e m DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA/
/INSTITUTO PORTUGUÊS DE
i n t e r i o r e e x t e r i o r s e g u n d o os c o n s e l h o s da t e o l o g i a mística» 1 0 . Passavam pelas M U S E U S / J O S É PESSOA.

603
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

Breviário franciscano de terras as missões p o p u l a r e s e d e i x a v a m o d e v o t o e x e r c í c i o , c o m o o c o s t u m a -


D. Leonor, atribuído a
va fazer Frei A n t ó n i o das C h a g a s , o f r a d i n h o v a r a t o j a n o " . Assim sucedia, na
Alexander Bening e Gerard
Horenbont, 1490-1500 (Nova m e t r ó p o l e e u l t r a m a r , c o m o a c o n t e c e r a na freguesia d e N a b a i s , t e r m o de
Iorque, Pierpont Morgan G o u v e i a e d i o c e s e da G u a r d a , o n d e o p á r o c o , Sebastião d o A m a r a l , n o se-
Libra ry). g u n d o q u a r t e l d o s é c u l o XVII, p o r sugestão d o a p o s t ó l i c o m i s s i o n á r i o instituiu
a «oração m e n t a l na sua Igreja, q u o t i d i a n a m e n t e , pela m a n h ã e à t a r d e , a qual
c o m e ç o u a ser f r e q u e n t a d a p o r m u i t o s h o m e n s » 1 2 . E m pastoral d e 1747,
D . Frei Feliciano d e N o s s a S e n h o r a , b i s p o d e L a m e g o , p r e s c r e v e q u e haja nas
p a r ó q u i a s o r a ç ã o m e n t a l ao p o v o , à h o r a m a t u t i n a , para p e r s e v e r a n ç a da p r á -
tica cristã e e x e m p l o das almas tíbias e m u n d a n a s d e espírito, a f i m d e d i s p o -
r e m , cada dia, d e t e m p o para tratar da salvação da a l m a . O m e s m o d e c r e t o u
e m G o a , para o a r c e b i s p a d o , o a r r á b i d o D . Frei M a n u e l d e São G u a l d i n o ,
l e m b r a n d o o p r o v e i t o de u m m é t o d o assente na m e d i t a ç ã o das v e r d a d e s e t e r -
nas 1 3 . A necessidade d e livro a p r o p r i a d o para esta leitura c o m u n i t á r i a , desti-

604
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

nada a a u d i t ó r i o s r u d e s e analfabetos, era e v i d e n t e . Pensava nisso o p a d r e


M a n u e l B e r n a r d e s , ao p u b l i c a r Luz e calor (1696), q u a n d o declara algures:
«A i n t e n ç ã o d e e s c r e v e r o p r e s e n t e t r a t a d o h e dar subsidio a m u y t a s almas,
q u e n ã o a c h ã o b o a a c o l h i d a e m alguns Padres espirituais, d e m a i o r a u s t e r i d a -
d e q u e e x p e r i e n c i a , e se a c h ã o t u r b a d a s t e m e n d o e m p e ç a r n o s erros d e M o l i -
nos; e t a m b é m d e s e n g a n o s a outras, q u e à falta delle n ã o c a m i n h ã o d i r e y t a -
m e n t e . » 1 4 P o r sua vez, o f r a n c i s c a n o Frei M a n u e l d e D e u s e s c r e v e u o seu
Peccador convertido ao caminho da verdade (1728), t e n d o e m vista o m e s m o f i m :
oferecer ao « c o m m u m do povo» u m texto adequado à oração mental, cujo
m o d o d e praticá-la colectiva e i n d i v i d u a l m e n t e explica ao u t e n t e , q u a n t o à
disposição d e espírito e ao p o r t e e x t e r i o r : «Posto d e j o e l h o s n o lugar da O r a -
ção, te persinaràs, n ã o p o r c e r i m ó n i a , mas f a z e n d o o sinal da C r u z c o m m u y -
ta p e r f e y ç ã o , r e v e r e n c i a e c o n f i a n ç a , d e q u e n o s s o S e n h o r te livrará d o s i n i -
m i g o s , p o r v i r t u d e delia. L o g o farás u m a c t o d e fé, c r e n d o f i r m e m e n t e , q u e
está D e o s p r e s e n t e d e n t r o d e ti, e fóra d e ti; p o r q u e h e i m m e n s o , esta e m t o -
d o o lugar, e n c h e o C e o , e a terra, e se h o u v e r a m i l C e o s , e mil m u n d o s , t u -
d o e n c h e r a . [...] F e c h a d o s os o l h o s , o u ao m e n o s i n c l i n a d o s à terra, t i r a n d o
d o e n t e n d i m e n t o o u t r o q u a l q u e r c u i d a d o , e r e c o l h e n d o - s e para d e n t r o d e ti,
s e m p r e na p r e s e n ç a d e D e o s , o u c o n s i d e r a n d o - o d e n t r o da tua alma, o u c o n -
s i d e r a n d o t o d o este m ü d o c o m o h u m d e s e r t o , a o n d e n ã o ha mais q u e D e o s ,
e tu, c o m e ç a r á s a c u y d a r n a q u e l l e p o n t o , q para e n t ã o escolheste, o u da
m o r t e , o u d o j u i z o , d o i n f e r n o , o u da glória, o u da vida p a y x ã o , o u da m o r t e
d e C h r i s t t o , e d e c a m i n h o irás s e m p r e m i s t u r a n d o alguns affectos, tallando
c o m o S e n h o r , q u e está p r e s e n t e , e m q u e m s e m p r e has d e ter p o s t o s os o l h o s
da alma.» S u g e r e , e n t ã o , o q u e , d e q u a n d o e m q u a n d o , n o d e c o r r e r da m e d i -
tação p o d e r á d i z e r d e a n á l o g o teor: «Ay, S e n h o r , q u e m e r e c i a eu estar n o i n -
f e r n o e estou c o n v e r s a n d o c o m v o s c o ! Ay, S e n h o r , q u e vos o f f e n d i , q u e v o s
d e i x e y pello diabo! Ó m e u D e o s , se chegará a h o r a , e m q u e vos ame.» 1 5 O l u -
gar a c o n s e l h a d o seria a igreja, e m b o r a a o r a ç ã o se possa fazer n ã o i m p o r t a
o n d e , « e m casa, n o c a m p o , etc.», indica este a u t o r espiritual, e s c l a r e c e n d o e m
sua oralidade: «se n o T e m p l o se fizer o r a ç ã o p u b l i c a , h e d e mais p r o v e y t o p a -
ra ti, d e m a y o r edificação para o p r o x i m o , e d e m a y o r gloria para D e o s [...];
e ainda q u e n a õ haja o r a ç ã o p u b l i c a , se n a õ f o r m u y t a a p e r t u r b a ç ã o da g e n -
te, c o m o n a õ h e e m m u y t a s Igrejas, será m u y t o mais util orar nellas, q u e e m
o u t r o lugar» 1 6 . A o r a ç ã o v o c a l e a m e n t a l e n c o n t r a v a m - s e deste m o d o u n i d a s
n o q u o t i d i a n o d o s fiéis mais p i e d o s o s . Se i n s t r u í d o s e o r i e n t a d o s espiritual-
m e n t e p o r d i r e c t o r e s e confessores, mais na c i d a d e d o q u e n o c a m p o , o m o -
d e l o s e g u i d o , n o d e c o r r e r da I d a d e M o d e r n a n ã o diferiria m u i t o d o q u e a
beata C a t a r i n a R i b e i r o , d o c í r c u l o d o s i l u m i n a d o s d e Lisboa, cerca d e 1565,
confessava c u m p r i r : « R e z a v a na igreja — diz ela — o b r a d e u m a h o r a v o c a l -
m e n t e , p o r q u e rezava o o f í c i o d i v i n o e o rosário de N o s s a S e n h o r a , e a c o -
roa e o u t r a s orações; e d e p o i s d e rezar v o c a l m e n t e , r e c o l h i a - s e p u n h a - s e a
c u i d a r na P a i x ã o d e N o s s o S e n h o r Jesus Cristo.» 1 7

ORATÓRIOS E CAPELAS PARTICULARES


O MODUS ORANDI QUE A DEVOTIO MODERNA v e i o , p o r a s s i m d i z e r , r e v o -
l u c i o n a r , e a c a b o u i m p o n d o , c o n d u z i u , n o q u o t i d i a n o dos leigos, à d e f i n i ç ã o
e c o n q u i s t a d e u m c o m p a r t i m e n t o intimista, pessoalizado, o n d e se c o n f i n a v a
u m a espiritualidade i n d i v i d u a l i z a d a , m u i t o da feição d o d e v o t o e e m q u e este
se r e f u g i a v a e satisfazia. P r o l o n g a m e n t o específico, c o n t í g u o aos a p o s e n t o s
particulares d e seu p o s s u i d o r , ali d e c o r r i a a sua vida religiosa privada q u e a
prática da o r a ç ã o m e n t a l , da r e c i t a ç ã o das H o r a s fora d o c o r o , da reza d o o f i -
cio d e N o s s a S e n h o r a , rosário e c o r o a e da leitura espiritual, d e s o b e j o , legiti-
m a v a m . E s p a ç o d e silêncio, c o n v i d a v a à r e f l e x ã o e à d e v o ç ã o afectiva, à e l e -
v a ç ã o d o espírito na c o n t e m p l a ç ã o das realidades t r a n s c e n d e n t e s . R i c o o u
m o d e s t í s s i m o , v a r i a d o era n o o r n a t o e r e c h e i o . T i d o c o m o «espaço axial da
área religiosa» e, à m í n g u a d e m e l h o r a d j e c t i v a ç ã o , «fulanizado», c o n h e c e u o
P o r t u g a l d o início da era m o d e r n a u m o r a t ó r i o d e n o t á v e l r e c o r t e artístico,

605
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

conseguida f u n c i o n a l i d a d e e a p r i m o r a d a valia, c o n s t r u í d o e m Lisboa, a partir


de 1489, n o Paço d e Santo Elói, j u n t o à sua câmara, pela rainha D . Leonor,
pia e caritativa esposa de D . J o ã o II. M o d e l a r e m sua e x e m p l a r i d a d e , valerá a
pena q u e se atente n u m a descrição há p o u c o feita, baseada e m fontes coevas:
«Aqui orava diariamente a m o n a r c a , guardava grande parte da sua biblioteca e
os seus códices litúrgicos, aqui se e n c o n t r a v a m alguns dos seus principais i n -
vestimentos iconográficos e as suas colecções de peças e alfaias religiosas mais
impressivas. C o m p r a v a ainda f r e q u e n t e m e n t e a rainha para o seu oratório
quantidades i m p o r t a n t e s de círios e imagens e m cera, da m e s m a f o r m a q u e
era neste espaço q u e D . L e o n o r reunia alguns dos seus quadros e retábulos
mais importantes, p e r m i t i n d o apoiar pela i m a g e m a sua oração pessoal, assim
a j u d a n d o a p o t e n c i a r a sua espiritualidade. N o coração destas peças, e n c o n -
trava-se, desde 1509-1511, u m retábulo das Sete D o r e s da V i r g e m Maria, obra
c e r t a m e n t e de Q u e n t i n de Metsys, i m p o r t a d a da Flandres pela m o n a r c a e q u e
exibia u m papel reitor na oração e na c o n t e m p l a ç ã o especializadas da sobera-
na... O p r ó p r i o mobiliário d o oratório e n c o n t r a v a - s e pejado de acenos reli-
giosos e espirituais, d i s c r i m i n a n d o - s e n o m e a d a m e n t e u m armário cujas portas
exibiam pinturas m o n o c r o m á t i c a s r e p r e s e n t a n d o São Francisco e Santo A n t ó -
nio, u m a mesa e m q u e se pintara n o t a m p o cenas da Paixão e, m e s m o , u m a
janela q u e apresentava outra p i n t u r a que, e m grisalho, retratava a V i r g e m e o
M e n i n o . A b u n d a v a m ainda alcatifas, cortinas, frontais r i c a m e n t e d e c o r a d o s e
c o m várias c o m p o s i ç õ e s religiosas, viam-se vários relicários, imagens esculpi-
das e m pedra e u m a colecção d e crucifixos q u e era m e s m o u m dos c o n j u n t o s
q u e mais atraía a d e v o ç ã o l e o n o r i n a . U m gosto elevado, áulico, mas q u e p r o -
curava excitar a espiritualidade privada e investir t a m b é m nestas peças, muitas
vezes sublimes, c o m o essa cruz de prata q u e pertencia à colecção d o oratório
privado l e o n o r i n o , doada ao m o s t e i r o das clarissas coletinas de Xabregas, mas
q u e D . J o ã o III e a Mesa da C o n s c i ê n c i a e O r d e n s , e m 1540, p r e f e r i r a m v e n -
der para saldar dívidas a criados e servidores da rainha, sendo descrita c o m o
pesando 72 marcos e 7 onças e meia, p r a t i c a m e n t e dezassete quilos — u m a
peça extraordinária q u e conseguia e m fino lavor contar a história da prisão de
Cristo.» 1 8 D e v i d a m e n t e autorizada podia ali celebrar-se a santa missa cuja li-
cença a soberana n ã o apenas obtivera, c o m o conseguira d o papa J ú l i o II, e m
1507, «autorização para retirar u m a religiosa de q u a l q u e r c o n v e n t o f e m i n i n o
q u e pudesse dar-lhe assistência n o seu oratório, c o l a b o r a n d o nas suas orações,
n ú m e r o depois a u m e n t a d o para duas, e m 1518»19. D e o u t r o s oratórios priva-
dos d o t o u a rainha as suas casas e paços de Ó b i d o s e Caldas, e c e r t a m e n t e de
mais terras d o país. O que, p o r é m , haverá d e i m p o r t a n t e ainda a a p o n t a r é o
estímulo m i m é t i c o d e q u e o e x e m p l o se revestia para a nobreza e a burguesia
argentária, passando a dotar o interior de suas residências deste espaço orante.
N o ú l t i m o quartel d o século xv, após a conquista de T â n g e r , t e n d o c o n c e d i d o
D . Afonso V, «alegremente», à filha D . J o a n a q u e se recolhesse a u m mosteiro,
a princesa e n t r o u e m seu oratório, «aonde n ã o se fartava de dar graças a D e u s
p o r ter alcançado a m e r c ê d'el-rei q u e tanto desejava» 20 . Refira-se, e m históri-
co desfiar, nos finais d o século xvi, D . Maria, princesa de Parma e irmã de
D . Catarina, duquesa de Bragança, que, se o b e d i e n t e às prescrições eclesiásti-
cas, dizia n ã o querer «devação n e n h u m a q u e não fosse aprovada pelo o r d i n á -
rio» p o r t e m e r vir «da m ã o d o inimigo», prestava «suma h o n r a às imagens e ti-
nha e m seu oratório a da V i r g e m Nossa Senhora, c o m o a q u e c h a m a m Santa
Maria M a i o r de R o m a q u e fez São Lucas a qual sempre estava coberta p o r
causa da m a i o r reverência, salvo q u a n d o se p u n h a a orar» 21 . E m seu oratório
da casa de Marialva, D . J e r ó n i m a de Carvalho teve a certeza q u e «sem revela-
ção era impossível» o c o n h e c i m e n t o de haver m o r r i d o seu esposo o c o n d e
D. Francisco C o u t i n h o na trágica batalha de Alcácer Q u i b i r , a o n d e fora
a c o m p a n h a d o «de seu filho mais velho e de m u i t o s parentes» 2 2 . P o r sua vez, a
m u l h e r de u m c o r r e g e d o r da corte, Maria R a i m u n d e s , devota m u i t o afecta
aos frades agostinhos d o C o n v e n t o da Graça e dirigida de Frei Luís de M o n -
toia, deixando-a o m a r i d o sem recursos p o r lhe t e r e m confiscado os bens pelo
a l i n h a m e n t o patriótico q u e fizera na entrada d o d u q u e d e Alba e m Lisboa p o r
altura da resistência d o Prior do Crato, e m 1580, recebia durante os seis anos

606
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

e m q u e esteve e n t r e v a d a antes da m o r t e , o c o r r i d a e m 1609, o s a c r a m e n t o d o Oratório, arte


altar d i a r i a m e n t e «no o r a t ó r i o q u e tinha e m sua casa, a o n d e os m e s m o s reli- indo-portuguesa, século xvin
giosos d e Nossa S e n h o r a da Graça l h o administravam», e lhe d i z i a m missa e a (Museu de Évora).
confessavam 2 3 . C o m o crescer d e i n v o c a ç õ e s à V i r g e m e da reza d o rosário e F O T O : DIVISÃO DE
D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
d o t e r ç o , da d e v o ç ã o à Paixão de C r i s t o e aos santos, a d v o g a d o s dos mais d i - / I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
versos males, e da proliferação das relíquias, m u l t i p l i c a r a m - s e p o r t o d o o espa- M U S E U S / M A N U E L PALMA.
ço p o r t u g u ê s , da m a n s ã o abastada ao t u g ú r i o h u m i l d e , oratórios fixos e m n i -
c h o s das paredes interiores das casas, espécie d e armários e retábulos portáteis,
a f e c h a r e m livro. Infidos estes e belíssimos alguns, de madeiras preciosas, p i n -
tados e esculpidos, d e m a d r e p é r o l a e e m b u t i d o s , c o m i m a g e n s de m a r f i m e
b a r r o , c o l o c a d o s sobre altares, c ó m o d a s e mesas, e r a m o b j e c t o d e fervoríssima
v e n e r a ç ã o e, na p i e d a d e p o p u l a r , religioso e sensível a r r i m o e m cada h o r a d o
dia e alturas d e aflição e x t r e m a . Era diante destes oratórios q u e o a u t o r d o Pec-
cador convertido ao caminho da verdade sugeria q u e «toda a casa t e n h a o r a ç ã o a
certa hora» p o r ser isso «de grandíssima utilidade p o r m u y t a s razoens» 2 4 .
N o â m b i t o d e u m a religiosidade pessoalizada, o t e r m o capela e s t e n d e u - s e ,
d e s d e o século v n , a o r a t ó r i o , espaço d e s t i n a d o à oração, c o n s t r u í d o para esse
fim, t e n d o p o r c e n t r o o b j e c t o s d e particular d e v o ç ã o . A parcela de «capa» d e
São M a r t i n h o p a r e c e t e r - l h e l e g i t i m a d o o n o m e daí o r i u n d o e e m curso a
partir d e 6 6 0 , m e t i d a n u m relicário r é g i o de u m dinasta f r a n c o . L o g o ao d e -
pois, outras m o r a d a s reais passaram a possuir as suas cappelae e o O c i d e n t e v i u -
- s e i n v a d i d o p o r este espaço c u j o n o m e , desde o século X I I I , é d a d o , e m m a n -
sões d e reis e n o b r e s , «a q u a l q u e r sala consagrada ao c u l t o religiosos»; e, desde
início d o século xv, a « u m local c o m u m altar, m e t i d o e n t r e paredes próprias
e distinto n o c o r p o d o templo» 2 5 . A sua i m p l a n t a ç ã o e fins d e i x a d o s ao a r b í -
trio d o p r o p r i e t á r i o e a p r o i b i ç ã o de aí se celebrar o sacrifício da missa f u n d a -
m e n t a m a sua classificação d e o r a t ó r i o s privados o u capelas domésticas, n ã o
c o n v e r t í v e i s a usos p r o f a n o s . D i f e r e n c i a v a m - s e , desta f o r m a , das levantadas
n o s r e c i n t o s das igrejas abertas para o c u l t o d o o r a g o , t u m u l a ç ã o d o s f u n d a d o -
res e família, c e l e b r a ç ã o d e missas de sufrágio e outras i n t e n ç õ e s e d e m a i s a c -
tos religiosos. B e m detrás v i n h a m essoutras capelas rurais q u e m u i t o s castelos e
casas d e c a m p o o p u l e n t a s p o s s u í a m e cuja c o n s t r u ç ã o j á São J o ã o C r i s ó s t o m o
estimulava a famílias ricas e m e s m o só abastadas, c o m i n t e n ç ã o d e p o d e r e m

607
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

t r a n s f o r m a r - s e e m paroquiais. O n ú c l e o o r i g i n á r i o r e m o n t a v a , pois, ao p e q u e -
n o o r a t ó r i o particular. Dai p r o v i e r a o c o s t u m e , «que a n t i g a m e n t e havia nas
parochias ruraes, de p e d i r p e l o s e n h o r e s e n h o r a d o logar», a r e c o r d a r a insti-
tuição p r i m i e v a , pois «era de justiça, q u e as p o v o a ç õ e s , q u e estavam a g g l o m e -
radas e m volta d o Castello senhorial, p e d i s s e m a D e u s p e l o f u n d a d o r d'essas
Igrejas e pelos seus herdeiros». Dispersas p e l o espaço rural e m u i t a s c o n t í g u a s a
e r e m i t é r i o s q u e r e m - n a s « c o m o cruzes, m o n u m e n t o s l e v a n t a d o s pela d e v o ç ã o
de nossos antepassados para c o n s t a n t e m e n t e r e c o r d a r a o v i a n d a n t e , ao pastor,
ao cultivador, a presença d e D e u s , e a o b r i g a ç ã o de l h e rezar» 2 6 . A p o n t a d a s
s u m a r i s s i m a m e n t e , estas são as raízes históricas deste f e n ó m e n o religioso d o s
oratórios e capelas, d e particulares e confrarias e i r m a n d a d e s , sem d ú v i d a mais
c o m p l e x o e m incidências e ramificações, p o r ligadas as últimas à f u n d a ç ã o d e
missas, m o r g a d i o s , c o n j u n t o de o b j e c t o s d e c u l t o e e x e c u ç ã o de m ú s i c a sacra,
etc. 2 7 . Dificílima, se n ã o n o p r e s e n t e impossível, m e s m o só e n t r e fins da m é -
dia idade e inícios da era c o n t e m p o r â n e a , u m a q u a n t i f i c a ç ã o , localização g e o -
gráfica e destrinça classificativa da i m e n s a p a n ó p l i a desses espaços, espalhados
pela m e t r ó p o l e e a l é m - m a r , e aqui apenas r e f e r i d o e n q u a n t o e n q u a d r a m e n t o
e s u p o r t e d e s s o u t r o aspecto s o c i o f e n o m é n i c o d o privatizar da o r a ç ã o .
M e n ç ã o primeira deverá merecer a Capela Real cuja estruturação e f u n -
c i o n a m e n t o se t e r ã o d e s e n v o l v i d o e m t e m p o d e D . A f o n s o V e seu filho
D . J o ã o II, c a b e n d o à q u e l e a sua instituição definitiva. D o papa E u g é n i o IV
o b t e v e , e m 1439, licença para h a v e r nela n ú m e r o fixo d e capelães, destinados à
reza coral, e de seguida o direito d e celebrar a liturgia s e g u n d o o rito r o m a -
n o . 2 8 A o Príncipe Perfeito c o n c e d e u A l e x a n d r e VI, e m 1495, permissão para se
r e z a r e m na capela as horas canónicas c o n f o r m e o c e r i m o n i a l p r ó p r i o das sés
episcopais. Desta f o r m a , escreveu o cronista Garcia d e R e s e n d e , p o r q u e n o
t e m p o d o s m o n a r c a s antecessores os capelães se limitassem a dizer-lhes n o p a -
ç o «Missas e vesporas, q u a n d o a h y as q u e r i a m ouvir», pois c e l e b r a v a m a E u c a -
ristia «nas Igrejas o n d e q u e r i ã o , e as O r a s r e z a v a m e m suas pousadas, e as vezes
nas estrebarias v e n d o curar suas mulas», «el R e y c o m o era C a t h o l i c o , e m u y t o
d e u o t o e a m i g o de D e o s , p o r se os officios d i u i n o s f a z e r e m c o m mais p e r f e i -
ç a m , e s t a n d o aquy e m E u o r a neste a n n o , o r d e n o u , e fez q u e t o d o s seus capel-
lães, cantores, e m o ç o s da capella rezassem as O r a s s o l e n n e m e n t e e m sua Ca-
pella cantadas c o m o e m Igreja cathedral, e assi m a n d o u l o g o pera isso fazer
seus coros, e assentos, e m u y t o s o r n a m e n t o s , e todas as cousas necessarias, m u y
perfeitas, e e m g r a n d e abondança» 2 9 . P e r t e n c e r i a a D . M a n u e l dar à C a p e l a
R e a l u m espaço fixo q u e nos Paços da R i b e i r a v e i o a ter lugar, d i g n a n d o - s e
Leão X , cerca de 1515, d o t a r o c a p e l ã o - m o r d e «jurisdição ordinária, perfeita-
m e n t e , sobre os eclesiásticos e seculares q u e serviam na capela e, s e c u n d a r i a -
m e n t e , o direito de consulta in perpetuam as igrejas e b e n e f í c i o s d o p a d r o a d o
real» 3 ". N o c e n t r o , sob o dossel c o m c o r t i n a o s o b e r a n o o c u p a v a o seu c a d e i -
ral, ficando atrás e m cadeiras baixas os m e m b r o s da sua família, e n q u a n t o u m
p a j e m lhe segurava os livros d e horas para q u e pudesse a c o m p a n h a r o ofício li-
túrgico. F r e n t e ao m o n a r c a , «sentavam-se os bispos e à sua volta os grandes d i -
gnitários nobiliárquicos, s e g u i n d o a hierarquização e os c e r i m o n i a i s da socie-
d a d e e s t a m e n t a l da época» 3 1 . R e c e b e u o seu p r i m e i r o r e g i m e n t o e m 1592, já
n o t e m p o d o d o m í n i o filipino, p a u t a n d o - l h e a gestão e a administração c o m
n o n n a s directivas para o seu f u n c i o n a m e n t o q u a n t o ao serviço religioso. N o v o
d o c u m e n t o r e g i m e n t a l r e c e b e u - o , e m 1652, mais e m c o n s o n â n c i a c o m a m e n -
talidade sociopolítica da época. P e l o seu p ú l p i t o , n o d e c u r s o d o p e r í o d o da
R e s t a u r a ç ã o , passaram, tal c o m o o p a d r e A n t ó n i o Vieira, os mais afamados
p r e g a d o r e s d o t e m p o . Música e aparato v i e r a m a caracterizar as celebrações li-
túrgicas e festivas aí realizadas n o r e i n a d o d e D . J o ã o V q u e , e m 1716, c o n s e -
g u e elevá-la à d i g n i d a d e de igreja patriarcal, dissolvendo-se, a partir d e e n t ã o ,
a C a p e l a R e a l n o aparato m a g n i f i c e n t e d o c u l t o religioso q u e c o n t i n u o u a
m a n t e r até ao fim d o século. 3 2 N a s itinerâncias da c o r t e , n o q u e respeitava ao
seu c o r p o o r g â n i c o , a capela a c o m p a n h a v a o rei, c u m p r i n d o - s e o m e s m o ri-
tual e serviço religioso. Se é c e r t o q u e a rainha e os príncipes, c o m casa p r ó -
pria, p o d i a m ter sua capela, a alta n o b r e z a e clero, e m b o r a sem a idêntica
e q u i p a r a ç ã o de privilégios, os solares u r b a n o s e rurais, b e m c o m o M i s e r i c ó r -

608
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

dias e hospitais, asilos, colégios e cadeias d i s p u n h a m de capelas, c o m estatuto


c a n ó n i c o d e públicas e semipúblicas ( c o m a p o r t a principal voltada para a via
pública), o n d e se p o d i a , ao t e m p o , c u m p r i r c o n d i c i o n a d a m e n t e o p r e c e i t o d o -
minical. E r a m , pois, m u i t o s , ao l o n g o das províncias d o r e i n o , os espaços
orantes q u e da R e n a s c e n ç a aos finais d o b a r r o c o , m a r c a d o s p o r seus estilos a r -
q u i t e c t ó n i c o s e decorativos, f o r a m abrangidos pela designação d e capelas e e r -
midas. E m s o n d a g e m ad hoc, d e m e r o e s c o p o e x e m p l i f i c a t i v o , na carência d e
u m e s t u d o p a n o r â m i c o a tal respeito para t o d o o país, na e n t ã o vila d e V i a n a
d o Lima, na era seiscentista, havia as dos R e i s M a g o s , d e S a n t o H o m e m B o m ,
d e Santa C a t a r i n a e, na p a r ó q u i a de Nossa S e n h o r a de M o n s e r r a t e , as d e Santa
Clara e São J o ã o ; e m G u i m a r ã e s , a da S e n h o r a da C o n s o l a ç ã o e dos Santos
Passos ao C a m p o da Feira, a dos P i n h e i r o s , a da Misericórdia, a d e Nossa S e -
n h o r a da E m b a i x a d a , a d e Santa C r u z , e, na C o l e g i a d a da O l i v e i r a , n o c o r p o
d o t e m p l o e n o claustro, e r g u i a m - s e capelas funerárias, p e r t e n ç a d e q u e m as
c u s t e o u 3 3 . P o r sua vez, na cidade d e L a m e g o , e m lugares da u r b e e nas férteis
quintas circunvizinhas, e n t r e os séculos xvi e x v i n , existiam ermidas e capelas
dedicadas a São Salvador d o M u n d o , a Nossa S e n h o r a d o D e s t e r r o , dos M e n i -
nos, das Virtudes, da P i e d a d e , da Saúde, da Esperança, da Luz, d o Eiró, d o
A m p a r o o u d o C a r v a l h o , e t a m b é m a São Lázaro, São V i c e n t e , S a n t o Estêvão,
São J o ã o , São G e n s e São Sebastião, São Brás, São P e d r o de Balsemão, São
M a r t i n h o d o S o u t o , Santa Luzia e, na sé, a Santa Margarida 3 4 . N o c o n c e l h o
d e Gaia, s e g u n d o o Catálogo e história dos bispos do Porto, d e D . R o d r i g o da
C u n h a , sobe, e m 1623, o n ú m e r o d e capelas a p e r t o d e 30, na e s m a g a d o r a
m a i o r i a públicas, e n t r e as quais 20 t e n d o p o r oragos santos, e só seis marianas.
A d e v o ç ã o à S e n h o r a da Saúde, a despertar na s e g u n d a m e t a d e d o século x v i ,
quase a seguir à difusão e p o p u l a r i d a d e dos cultos d e São Sebastião e São R o -
q u e , a c o m p a n h a u m c r e s c i m e n t o geral d e capelas q u e , e m 1758, c o n f o r m e as
Informações paroquiais acerca da área geográfica, a p r o x i m a m - s e d e o i t o dezenas,
h a v e n d o s u b i d o para 24 as dedicadas à V i r g e m , e n q u a n t o as d e santos se f i x a m
pela q u a r e n t e n a 3 5 . Setúbal regista: a E r m i d a d o S e n h o r d o B o n f i m , t a m b é m
c h a m a d a d o A n j o da G u a r d a , c o n s t r u í d a cerca d e 1670, q u e se t o r n o u «um dos
grandes c e n t r o s d e d e v o ç ã o n a c i o n a l das gentes q u e v i v i a m ao sul d o T e j o » e
ainda de círios o n d e D . J o ã o V , e m 1711, v e i o n o c u m p r i m e n t o d e u m a p r o -
messa e «o p o v o acorria e m h o r a d e tempestades, pestes e naufrágios»; a C a p e -
la de N o s s a S e n h o r a d o S o c o r r o e r g u i d a n o início d e Seiscentos pelos h o m e n s
q u e se e m p r e g a v a m n o P a ç o d o T r i g o e se c o n g r e g a v a m n u m a i r m a n d a d e d e
s o c o r r o m ú t u o ; a e r m i d a q u a t r o c e n t i s t a d e N o s s a S e n h o r a dos A n j o s e m q u e
a M i s e r i c ó r d i a t e v e a p r i m e i r a sede e n o s é c u l o x v i n a O r d e m T e r c e i r a d e
São F r a n c i s c o o n d e se instalou; a C a p e l a d e N o s s a S e n h o r a d o L i v r a m e n t o ,
da d e v o ç ã o d e m a r i n h e i r o s e p e s c a d o r e s , e m q u e a r o m a g e m se fazia a rezar a
ladainha l a u r e t a n a , c o n s t r u í d a e na posse d o s C a r m e l i t a s D e s c a l ç o s d e s d e 1655,
r u i n d o n o terramoto c e m anos volvidos36.

N a c i d a d e de Bragança e arredores, o A b a d e d e Baçal noticia, e n t r e 1726 e


1836, q u e várias famílias n o b r e s , fidalgos da Casa R e a l , c ó n e g o s da sé e milita-
res graduados, n u m total de 19, o b t i v e r a m licença destinada a t e r e m e m suas
casas d e m o r a d i a o r a t ó r i o particular, alguns m e s m o c o m v í n c u l o de m o r g a d i o
e i m p e t r a d o s , para q u e n e l e « q u o t i d i a n a m e n t e se possa celebrar o S a n t o Sacri-
fício da missa para [...] espiritual consolação» d e q u e m o requeria 3 7 . N o m e s -
m o espaço existia, antes, a C a p e l a de Santiago e n o século xvi a d e São Sebas-
tião, d e Nossa S e n h o r a d o L o r e t o , d e Santa A p o l ó n i a na q u i n t a d o m e s m o
n o m e , d e São Lázaro, São M i g u e l , Santa Bárbara e Santa Catarina; n o s é c u -
lo xvii, a d e N o s s a S e n h o r a da C o n c e i ç ã o ; n o século x v i n , a d e N o s s a S e n h o -
ra d o Pilar e n o s inícios d o século x i x a de São L o u r e n ç o 3 8 . E m M i r a n d a d o
D o u r o , n o século x v i n , c o n t a v a m - s e , d e igual f o r m a e p r o v e n i ê n c i a , q u a t r o
oratórios, e, n o século xvi, erigidas o u recebidas na sé catedral e para sepultura,
a C a p e l a d e São P e d r o , a de São J o s é e d e São J e r ó n i m o ; e n q u a n t o era aí f u n -
dada, e m 1760, p e l o bispo D . Frei A l e i x o d e M i r a n d a , a d e N o s s a S e n h o r a d o
R o s á r i o ; c o m o fora levantada pela irmã de u m c ó n e g o , e m c u m p r i m e n t o da
v o n t a d e deste, a de Nossa S e n h o r a d o B o m Sucesso, n o limite da cidade. 3 9
E m M i r a n d e l a e t a m b é m e m suas casas de m o r a d i a , pessoas de igual e s t a m e n -

609
O DEUS DE TODOS o s DIAS

Capela de Nossa Senhora da to, e n t r e os finais de S e t e c e n t o s e c o m e ç o s da c e n t ú r i a seguinte, t i n h a m o r a t ó -


Boa Morte, de António de rios e m a n d a r a m construir, n o século XVII, a Capela de São Sebastião, n o XVIII,
Pádua, 1740 (Catedral a de S a n t o A n t ó n i o e a d e d i c a d a a São Francisco e São J a c i n t o 4 0 .
de Santarém).
E s m a g a d o r é, n o e n t a n t o , o n ú m e r o d e capelas particulares e públicas
F O T O : N U N O CALVET/ARQUIVO
C Í R C U L O DE LEITORES. consagradas a N o s s a S e n h o r a , na m e t r ó p o l e e n o a l é m - m a r , q u e se e n c o n -
t r a m n o Santuário mariano, d e Frei A g o s t i n h o d e Santa M a r i a , m o n u m e n t a l
D> Oratório com crucifixo em o b r a setecentista (1707-1723) 41 , e n o p a n o r â m i c o r e p o s i t ó r i o d e i n v o c a ç õ e s da
marfim (segunda metade do V i r g e m , d e J a c i n t o R e i s , p u b l i c a d o n o c i n q u e n t e n á r i o das a p a r i ç õ e s de F á t i -
século XVIII). Museu de Leiria. m a , de e s c o p o d i v u l g a t i v o 4 2 . M a i s r e c e n t e m e n t e , f r u t o d e investigação c r i t e -
FOTO: JOSÉ M A N U E L riosa, p o d e m v e r - s e os e l e n c o s , a t e n d e r à e x a u s t i v i d a d e , r e f e r e n t e s às a r q u i -
OLIVEIRA/ARQUIVO C Í R C U L O dioceses d e Braga 4 3 e É v o r a 4 4 e o rastreio m i n u c i o s o relativo à S e n h o r a d o
DE LEITORES.
Pilar, c o m e l o q u e n t e c u l t o n o espaço p o r t u g u ê s 4 5 . Já e m 1948 Q u e l h a s B i g o t -
te m e n c i o n a v a q u e a V i r g e m M a r i a era titular, na d i o c e s e da G u a r d a , de 322
capelas, e m b o r a , n o geral, n ã o fosse q u a n t i t a t i v a m e n t e significativa a d e v o ç ã o
q u e c o n g r e g a v a m 4 6 . Será d e n o t a r q u e só a p a r t i r da e n t r a d a na era m o d e r n a
se t o r n a indiscutível a s u p e r i o r i d a d e d o c u l t o q u e lhe é c o n s a g r a d o , s u p e r a n -
d o cada v e z mais o dos santos 4 7 . Isto r e f l e c t e - s e n o e l e n c o a p r e s e n t a d o p e l o
c ó n e g o L u c i a n o dos Santos e m 1979, a b r a n g e n d o o t e r r i t ó r i o actual d o a r c e -
b i s p a d o d e Braga e das dioceses «sufragâneas d e V i a n a d o C a s t e l o , d e Vila
R e a l e da p a r t e p o e n t e de B r a g a n ç a e M i r a n d a » 4 8 . E x c e d e m 63 e r m i d a s e c a -
pelas as «que se c o n s t r u í r a m nas terras da a r q u i d i o c e s e , e n t r e 1530 e 1600, e m
h o n r a de N o s s a S e n h o r a , sob as mais diversas i n v o c a ç õ e s , nas quais se c e l e -
b r a v a m festas m a r i a n a s anuais e, e m m u i t a s , missa diária» 4 9 . O s m o t i v o s e r a m
n u m e r o s o s : licença para a c e l e b r a ç ã o da eucaristia; s a u d a d e da pátria distante,
fosse na í n d i a o u Brasil; v o t o f e i t o e m alturas d e g r a n d e s p e r i g o s ; graças e x -
traordinárias recebidas; « s e n t i m e n t o s d e p i e d a d e , o u d e a m o r ao p r ó x i m o » 5 0 .
O s i n s t i t u i d o r e s saíam d e todas as classes sociais e profissões: «nobres, clérigos
e p l e b e u s ; ricos e p o b r e s ; e m i g r a n t e s de A l é m M a r e l a v r a d o r e s h u m i l d e s dos

610
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

vales v e r d e j a n t e s e das encostas suaves d o N o r t e d o r e i n o , m o r a d o r e s d e u m


l u g a r p e r d i d o na d o b r a da m o n t a n h a o u fregueses d e p a r ó q u i a sertaneja, o u
h a b i t a n t e s da c i d a d e o u p e q u e n a vila» 51 . O s títulos p r i m a m p e l o d i v e r s o e e x -
pressivo: «da C o n c e i ç ã o , da A s s u n ç ã o , d o s R e m é d i o s , dos Milagres, da E s p e -
rança, da C o n s o l a ç ã o , da G u i a , da B o a V i a g e m , da A j u d a , d o A m p a r o , de
G u a d a l u p e , da Graça, das N e v e s , da Glória, dos Prazeres, da P i e d a d e , da M i -
sericórdia e d o R o s á r i o , o mais p o p u l a r d e t o d o s n o s fins d o s é c u l o xvi», de
q u e , só desde 1578 até ao f i m da c e n t ú r i a , f o r a m levantadas 27 e r m i d a s e c a -
pelas 5 2 . N a d i o c e s e e b o r e n s e e n o d e c u r s o d o r e f e r i d o século, nas áreas das
vigariarias d e A l c á c e r d o Sal, Arraiolos, C o r u c h e , Elvas, E s t r e m o z , É v o r a ,
M o n t e m o r - o - N o v o , M o n s a r a z e Vila Viçosa, c o n s t r u í r a m - s e i g u a l m e n t e v á -
rias dezenas. E l o q u e n t e é o q u e se v e r i f i c o u c o m a V i r g e m da i n v o c a ç ã o i b é -
rica de Pilar, p r o v e n i e n t e d e Sevilha o u d e Saragoça, pois de Lisboa ao resto
d o país, das Ilhas Atlânticas ao U l t r a m a r , c i f r a m - s e , na I d a d e M o d e r n a , e m
várias d e z e n a s as capelas e e r m i d a s — c u l t o d i f u n d i d o p e l o particular e m p e -
n h o dos C ó n e g o s R e g r a n t e s d e S a n t o A g o s t i n h o q u e , c o n t u d o , n ã o foi ú n i -
c o . O nível de m a i o r p o p u l a r i d a d e , r e p r e s e n t a d o p e l o «subfoco n o r t e n h o da
Serra d o Pilar abarca o M i n h o e dioceses d o P o r t o , Vila R e a l , L a m e g o , V i -
seu», c o n t a só d e capelas públicas 18, « e n q u a n t o Lisboa só t e m 1, as Ilhas 4
( i n c l u i n d o igrejas derivadas das capelas públicas) e Algarve 2» 53 . A s c e n d e a 45
o e l e n c o d e capelas particulares c o m esta i n v o c a ç ã o q u e , desde o ú l t i m o
q u a r t e l d o s é c u l o XVII aos inícios da era c o n t e m p o r â n e a , o i n v e s t i g a d o r A z e -
v e d o M o r e i r a d e t e c t o u 3 4 . Se o m e s m o t e n t a m e fosse c o n s e g u i d o sob o â n g u -
lo da t e m á t i c a cristológica e santoral o b t e r - s e - i a m , s e m d ú v i d a , a partir da
iniciativa d e i n s t i t u i d o r e s situados na esfera d o p r i v a d o , resultados a n á l o g o s
c o m revelações significativas n o â m b i t o da p i e d a d e , c u l t o e d e v o ç ã o .

O PADRE-NOSSO, A AVE-MARIA E A
SALVE-RAINHA NO QUOTIDIANO
CONSTITUEM O SUSTENTO BÁSICO da o r a ç ã o vocal, pessoal e colectiva, as
f ó r m u l a s m e m o r i z á v e i s d o padre-nosso, ave-maria, glória-ao-pai e salve-rainha,
q u e se a p r e n d i a m n o b e r ç o cristão. N a reza familiar e individual, n o t r a b a l h o
e n o c a m i n h o , n o o r a t ó r i o e nas capelas particulares e públicas, nas d e v o ç õ e s
c o m lugar na igreja p a r o q u i a l o u c o n v e n t u a l p ú b l i c a , nas r o m a g e n s a e r m i d a s
e p e r e g r i n a ç õ e s a santuários, a recitação d o rosário e d o t e r ç o a c a b a r a m p o r
m e c a n i z a r mais ainda o u s o destas f ó r m u l a s breves, deprecativas e laudativas.
A necessidade d e se r e c o r r e r de i m e d i a t o a u m a o r a ç ã o c o n h e c i d a e de t o d o s
sabida t o r n a v a o seu e m p r e g o tão c o r r e n t e c o m o b a n a l i z a d o , i n d e p e n d e n t e -
m e n t e d o seu valor religioso i n t r í n s e c o e s i m b ó l i c o . N e n h u m a surpresa, pois,
h a v e r á q u e , n o início da I d a d e M o d e r n a , os catecismos as i n c l u a m para o b r i -
gatória a p r e n d i z a g e m . O q u e resta d o c a t e c i s m o de D . D i o g o de Sousa,
a p e n s o às Constituições Sinodais do Porto d e 1496, r e f e r e m o «Titollo d o P a t e r
n o s t e r e A v e Maria» assim: «Antre todallas o r a ç õ e s q u e a c e r q u a dos christãaos
se c u s t u m a , o P a t e r n o s t e r h é d e m a i o r efficacia e e x c e l e n c i a q u e as outras.
E isto p o r tres causas, a p r i m e i r a p o r r e z a m de q u e m o fez e h o r d e n o u q u e foi
nosso S e n h o r e Salvador C h r i s t o J h e s u , a segunda causa p e d i t o r i o s q u e nella se
c o n t e m , os quaes t o d o s s o m j u s t o s e necessários e calificados, a terceira causa
h é p o r sua b r e v i d a d e e p o r isso h é j u s t o q u e t o d o s o saibam e d i g a m c o m
m u i t a r e v e r e n c i a e devaçam.» 5 5 E x o r t a v a m - s e j á os presbíteros n o S í n o d o de
Lisboa de 1240, para e n s i n a r e m a o r a ç ã o d o m i n i c a l , isto é, o pai-nosso, a sau-
d a ç ã o angélica o u a v e - m a r i a , para além d o c r e d o e da confissão 5 6 . I m p e n d i a ,
p o r isso, sobre os visitadores a diligência d e i n q u i r i r e m acerca d o e n s i n o q u e
era feito das f ó r m u l a s catequéticas consideradas obrigatórias. V ê - s e , p o r e x e m -
plo, na acta da visita pastoral, de 1 d e J u l h o d e 1473, a Santiago d e Ó b i d o s , o
r e p r e s e n t a n t e d o arcebispo de Lisboa, D . J o r g e da Costa, ao verificar «que
m u i t o s christãos n ã o s a b e m o P a t e r noster, A v e M a r i a e o C r e d o in D e u m
q u e sam o r a ç õ o e s d e n e c e s y d a d e e as d e v e m de saber p e r c o m ellas o r a r e m a

611
O DEUS DE T O D O S o s DIAS

D e u s e aa V i r g e m Maria sua madre», m a n d a aos eclesiásticos, a q u e m foi c o n -


fiada a p a r ó q u i a , «que e m todollos d o m i n g o s d o a n n o aa missa d o dia d e p o i s
da oferta», ensinassem p a u s a d a m e n t e aos fregueses de m a n e i r a q u e p u d e s s e m
«bem e n t e n d e r as dietas oraçõoes» 5 7 . O m e n c i o n a d o D . D i o g o de Sousa,
q u a n d o p r e l a d o da sé p o r t u e n s e , o r d e n o u t a m b é m n o d i t o s í n o d o q u e os aba-
des e capelães da diocese ensinassem t o d o s os d o m i n g o s , d o Natal à Páscoa, o
p a d r e - n o s s o e a v e - m a r i a , e mais d o u t r i n a , d a d o q u e «muitos freigueses assi h o -
mês c o m o molheres» d o bispado, «per sua negligencia e rudeza e culpa» d a -
queles os n ã o sabiam 5 8 . M a s j á quase duas décadas antes, n o S í n o d o de Braga
de 1477, n o t e m p o d o arcebispo D . Luís Pires, se o r d e n a q u e os m a n c e b o s de
servir fossem c o m seus a m o s à igreja « a p r e n d e r e m o Pater noster e A v e Maria
e o C r e d o in D e u m e os p r e c e p t o s e os artigos da fé e as outras cousas a q u e
s o m obligados». O d e v e r de ensiná-los recaía nos abades, priores, reitores e
curas q u e , p o r negligência, p e r m i t i a m q u e « h o m e n s e m o l h e r e s velhos» n ã o
s o u b e s s e m «o Pater noster, a v e - m a r i a e C r e d o in D e u m para os rezarem», le-
v a n d o a dizê-los « p r i m e i r a m e n t e per latim e depois per lingoagem» 5 9 . A razão
da a p r e n d i z a g e m nas duas versões justifica-se, n ã o só, p r o p r i a m e n t e , pela o r a -
ção e m si, mas p o r q u e os fiéis t a n t o ao s e r v i r e m de p a d r i n h o s de b a p t i s m o c o -
m o ao a c o m p a n h a r e r e s p o n d e r ao c e l e b r a n t e na celebração da missa d e v i a m -
- n o fazer e m latim, e n t ã o a ú n i c a língua litúrgica d o O c i d e n t e . E n ã o se pense
q u e , m e s m o aceite ser a maioria d o clero c o m cura de almas i g n o r a n t e o u , ao
m e n o s , m u i p o u c o instruído, t u d o ficaria p o r o ensino m e c â n i c o das f ó r m u l a s
s e m se ir além deste patamar. N a extensa arquidiocese bracarense, e noutras
c e r t a m e n t e p o r idêntica p r e o c u p a ç ã o d e seus pastores, d e v i d o a o zelo de
D . Frei B a r t o l o m e u dos Mártires, podia o clero tentar c o m q u e os fregueses
c o m p r e e n d e s s e m , c o n f o r m e suas capacidades, o s e n t i d o p r o f u n d o d o P a i -
- N o s s o , A v e - M a r i a e C r e d o , pois o p r e l a d o m a n d a r a q u e na falta de homilia
d o m i n i c a l d o p r ó p r i o celebrante lesse este u m capítulo d o Catecismo q u e p u b l i -
cara e fizera c h e g a r às paróquias. Aí se e n c o n t r a , de facto, distribuída p o r o i t o
capítulos, a «exposição da O r a ç ã o d o Pater Noster», q u e sublinha ser «perfeitís-
sima o r a ç ã o sobre todas quantas f o r a m feitas 011 se p o d e m fazer a D e u s ; p o r q u e
n e n h ü a cousa se lhe p o d e p e d i r q u e nela n ã o se c o m p r e e n d a e peça» 6 0 . Assim
e n t e n d i d a , estaria ao alcance dos fiéis a possibilidade de se c o m p e n e t r a r e m , c o -
m o vinca n o capítulo ix, d e n t r o d o espírito da oração m e n t a l q u e rezar «não é
m o v e r os beiços, n ã o é dar vozes sem a t e n ç ã o e afeição d o coração», mas «falar
c o m D e u s , o qual, c o m o seja espírito, m e l h o r falamos c o m Ele c o m espírito
q u e c o m a boca», a f i m de se dizer « t a m b é m c o m a alma o q u e diz a boca» 6 1 .
As f ó r m u l a s e n c o n t r a v a m - s e nos catecismos, e n t r e t a n t o impressos, desde o de
D . D i o g o O r t i z (1502) até ao c o m p o s t o pelo o r a t o r i a n o p a d r e T e o d o r o de A l -
meida, s e g u r a m e n t e p o r m a n d a d o d o cardeal de M e n d o n ç a (1791), p e r m i t i n d o
u m a correcta m e m o r i z a ç ã o , c o m o o e n s i n o c a t e q u é t i c o visava. A o b r i g a t o r i e -
dade da sua recitação, vária e f r e q u e n t e , m e s m o nos j u l g a m e n t o s d o S a n t o
O f i c i o tinha lugar. N e n h u m r é u , p o r mais ilustrado q u e fosse, era dispensado
de pronunciá-las, c o m o a c o n t e c e u , na Inquisição de C o i m b r a , c o m o padre
A n t ó n i o Vieira q u e , antes d o i n t e r r o g a t ó r i o , «logo foi m a n d a d o p o r d e giolhos
e se p e r s i g n o u e b e n s e o e disse a d o u t r i n a christam a saber: o P a d r e N o s s o ,
A v e Maria, C r e i o e m D e u s Padre, Salve R a i n h a [...]» 62 .
D o a c t o d e rezar t o r n o u - s e inseparável, e m seu c o m e ç o e t e r m o , o gesto
d e b e n z e r , i n v o c a n d o as Pessoas da Santíssima T r i n d a d e : e m n o m e d o Pai, d o
Filho e d o Espírito S a n t o . C o m u m se t o r n o u , deste m o d o , e v o c a r a m e m ó r i a
de C r i s t o c r u c i f i c a d o . P o r isso a Igreja, escreveu D . Frei B a r t o l o m e u dos
Mártires, q u e r «que n o s b e n z e m o s e p e r s e g n e m o s m u i t a s vezes c o m o sinal
da C r u z , p o r q u e , nesta sagrada c e r i m ó n i a d e assi n o s p e r s i g n a r m o s , se e n c e r -
r a m e r e p r e s e n t a m os principais mistérios da nossa fé, os quais c o n f e s s a m o s e
p r o f e s s a m o s cada vez q u e assi n o s b e n z e m o s » 6 3 . O s missionários apostólicos,
e m sua c o n t í n u a lida pelas terras d o r e i n o , r e c o m e n d a v a m , c o m o o francisca-
n o Frei M a n u e l de D e u s , q u e se principiasse a o r a ç ã o p e l o sinal da cruz, «não
p o r c e r i m ó n i a , mas f a z e n d o - o c o m m u i t a p e r f e i ç ã o , r e v e r e n c i a e confiança»
c o m o a n t í d o t o c o n t r a os i n i m i g o s da alma 6 4 . E m paralelo c o m estas f ó r m u l a s
catequéticas — sem e s q u e c e r a o u t r o r a c o m u n í s s i m a j a c u l a t ó r i a , « L o u v a d o

612
O R A Ç Ã O E DEVOÇÕES

seja n o s s o S e n h o r Jesus C r i s t o / Para s e m p r e seja l o u v a d o N o s s a M ã e M a r i a


Santíssima» — , q u e se g e n e r a l i z a r a m da b o c a da criança à d o ancião, havia
i n ú m e r a s o u t r a s o r a ç õ e s , p o r vezes c o m d i v e r g ê n c i a s p o n t u a i s , c o n f o r m e as
regiões de proveniência, as quais se inscrevem n o â m b i t o da reza privada. A l g u -
mas de estrutura paralelística e refrão, recitadas e cantadas pelas ruas, e m família,
à lareira, n o o r a t ó r i o e a sós, e esquecidas pela Igreja na oração c o m u n i t á r i a tal-
vez p o r lhes e n c o n t r a r expressões heterodoxas, f a z e m parte de recolhas de matiz
etnográfico e inserem-se n o riquíssimo h ú m u s da piedade popular. O notável e
i m p o r t a n t í s s i m o corpus de Maria Aliete Galhoz, e m Romanceiro popular portu-
guês'65, é u m precioso m o s t r u á r i o e m seus referentes nucleares: Cristo, a V i r g e m
e os santos 6 6 . Para a autora da colectânea, «os r o m a n c e s e as orações narrativas
situam-se à m a r g e m das celebrações canónicas mas t ê m u m eixo de uso ao c o r -
rer dos t e m p o s litúrgicos, c o m particular incidência n o t e m p o penitencial da
Q u a r e s m a e na r e m e m o r a ç ã o da " S e m a n a Santa", c o m o e m m u i t o s casos as
fórmulas d e f e c h o indicam: Quem esta oração disser / Quatro vezes no carnal E qua-
tro na Quarentena, / Tirará quatro almas de culpa e pena»67, a j u n t a n d o q u e os r o -
m a n c e s «mais c o n o t a d o s a oração são os d o Ciclo da Paixão e os específicos de
certas situações cruciais extremas d o h o m e m , c o m o seja estar " e m artigo de
m o r t e " , o u t e n d o falecido, à sua roda se j u n t a r e m parentes e amigos n o " v e l ó -
rio" — os dois grupos» classificados e m « A r r e p e n d i m e n t o da Alma» e «Julga-
m e n t o da Alma» o u «Despedida da alma e d o corpo», orações recitadas «à beira
dos m o r i b u n d o s » . 6 8 D e p a r a - s e t a m b é m , nesta panóplia interessantíssima, c o m
«orações esconjuratórias», ditas e m circunstâncias existenciais graves, tal a d o nas-
c i m e n t o , « c o m o u m a longa oração tradicionalizada apenas n o Alentejo», contra
o diabo e dirigida a Nossa S e n h o r a da Ascensão, assim explicada: « Q u a n d o u m a
m u l h e r está grávida, o u seja n o " o r a t ó r i o " o u " n o artigo de ter u m a criança",
outra vai de roda d i z e n d o esta oração "para q u e o D e m ó n i o n ã o possa nada".» 6 9
R e c o r d e m o s ser o f e c h o q u e t i n h a m algumas u m c o n v i t e à recitação d o pai-
- n o s s o e ave-maria e r e c o m e n d a ç ã o à sua reza diária: «pai-nosso, ave-maria, /
e m n o m e de D e u s / e da V i r g e m Maria»; « R e z e m o s u m P a d r e - N o s s o e m h o n -
ra da sagrada m o r t e e paixão de N o s s e n h o r Jesus Cristo»; « Q u e m d e x e r esta
oração três vezes q u a n d o se deitar / N o s s e n h o r e N o s s e n h o r a h á - d e - v o s p e r -
d o a r / N i m q'os pecados sejam tantos c ' m ' à s areias d o mar»; «Em labor da S e -
n h o r a dos Aflitos pa q u e m a c u d a à aflição à m i n h a alma c a n d o partir deste
m u n d o p ò oitro. Pai Nosso.» 7 0 . M e m o r i z a d a s , nada impedia o recurso ao s u p o r -
te escrito, c o m o transparece destes fechos: « M n h a m ã e , dêxe-1'a m n h a lê a m i -
n h a bendit'oraçã»; n e m ao uso de objectos sagrados na difusão de certas rezas e
gestos devotos: «Aqui m e tirou a V i r g e m e aqui m e t o r n o u a pôr! / — D e u - m e
este rosário d e contas, q u e é só para m i m , / (E) d e u - m e esta cruz de m a r f i m ,
para eu dar a beijar / A t o d o o fiel cristão, q u e chegar ao p é de mim!» 7 1
L i g a d o às duas m a r c a n t e s horas d o dia, nascer e p ô r d o Sol, q u e o Cancio-
neiro geral d e Garcia de R e s e n d e assinala, e mais o t e r m o das p r i m e i r a s 12 h o -
ras, estava na I d a d e M o d e r n a o p i e d o s o h á b i t o de assinalá-los c o m a o r a ç ã o
d o angelus o u a v e - m a r i a s , ao r o m p e r da m a n h ã , ao m e i o - d i a e às t r i n d a d e s
c o m o e s c u r e c e r , o q u e era l e m b r a d o p e l o t o q u e d o sino n o s c a m p a n á r i o s 7 2 .
A l g u é m r e f e r i u q u e a prática d o angelus fora instituída para q u e o cristão se
l e m b r a s s e «de elevar, três vezes n o dia, o n o s s o p e n s a m e n t o para D e u s , de O
a d o r a r e d e L h e a g r a d e c e r t o d o s os Seus b e n e f í c i o s , e s o b r e t u d o o da I n c a r -
n a ç ã o ; d e n o s e n c o m e n d a r m o s à Santíssima V i r g e m , q u e tão g r a n d e p a r t e t e -
v e n e s t e mistério», c o n c e d e n d o os papas B e n t o XIII (1724) e B e n t o x i v (1742)
i n d u l g ê n c i a s a esta d e v o ç ã o 7 3 . Para a l é m d e assinalar, c o n t u d o , o estreito v í n -
c u l o , t ã o a r r e i g a d o n a c r e n ç a cristã p e n i n s u l a r , e n t r e os mistérios da I n c a r n a -
ç ã o e da Santíssima T r i n d a d e , r e c o r d e - s e , c o m o possível o r i g e m desta p i e d o -
sa prática q u e , c o n f o r m e d e c r e t a v a m as O r d e n a ç õ e s A f o n s i n a s , os j u d e u s e
m u ç u l m a n o s d e v i a m a c o l h e r - s e aos seus bairros ao t o q u e d o sino d o angelus
da tarde. C o m o estes n ã o a c r e d i t a v a m n a q u e l e s d o g m a s católicos, os cristãos
r e c i t a v a m c o m r e d o b r a d o f e r v o r àquela h o r a d o dia a a v e - m a r i a p o r três v e -
zes 7 4 . C r e n d i c e s e a g o i r o s foi o i m a g i n á r i o p o p u l a r associando a estes m o -
m e n t o s , e, p o r isso, a sua fé religiosa ao c o m p o r o r a ç õ e s particulares, a fim d e
o b t e r a p r o t e c ç ã o sobrenatural, m e s c l o u - a s d e acentos h e t e r o d o x o s q u e atra-

613
O D E U S DE TODOS OS DIAS

vessaram os t e m p o s 7 5 . N o s caudais da tradição, velha d e séculos, f i c a r a m o r a -


ções expressivas d e v o t a m e n t e feitas ao levantar da c a m a , ao m e i o - d i a , ao d e i -
tar, c o m o as publicadas p o r A d o l f o C o e l h o rezadas na h o r a d e alva; o
«Padre-nosso p e q u e n i n o » , na versão de M o n d i m da Beira, n o «pino d o m e i o -
-dia; e as de antes d o r e p o u s o da n o i t e , q u a n d o os c o r p o s se e s t e n d e m na «se-
p u l t u r a da vida», espalhados pelos c a n c i o n e i r o s locais e regionais d o N o r t e e
C e n t r o d o país 76 . N a extensa m a l h a da religiosidade p o p u l a r , n u m a oralidade
e m q u e a c r o n o l o g i a se diluiu, mas q u e p a r e c e m reflectir a era setecentista, se
i n s e r e m os responsos a S a n t o A n t ó n i o , o a d v o g a d o das coisas perdidas, e os d e
São J o r g e , d e Carviçais, c o n c e l h o d e M o n c o r v o , para ser o guarda de q u e m o
invoca 7 7 . O q u e s o b r e t u d o , p o r é m , se t o r n a e s m a g a d o r neste variado e a b u n -
d a n t e rosário de rezas para a cura de infindáveis males, q u e o v u l g o acredita
d e v e r e m - s e a causas naturais e sobrenaturais, e m q u e C r i s t o e a V i r g e m Maria,
o A n j o da G u a r d a e os santos da c o r t e celeste se m i s t u r a m c o m b e n z e d u r a s e
ritos supersticiosos, n ã o faltam n o s f e c h o s padres-nossos, ave-marias, credos,
salve-rainhas, a i m p l o r a r a saúde para pessoas e animais. D e s d e séculos r e c u a -
dos, as constituições diocesanas l a n ç a v a m censuras e penas, mas c u r a n d e i r o s ,
bruxas, m u l h e r e s d e v i r t u d e e hábitos resistiam e p r o s p e r a v a m . O s ensalmos
c o n h e c i d o s para talhar t o d o o g é n e r o d e maleitas, da erisipela ao q u e b r a n t o ,
são n u m e r o s í s s i m o s e, n o início d o século x v i , Gil V i c e n t e , na Comédia de Ru-
bena, ao p ô r u m a parteira a fingir de b e n z e d e i r a , t e s t e m u n h a - l h e s a a n t i g u i d a -
de 7 8 . Era a aliança d o religioso e d o p r o f a n o a q u e os crentes, e m sua h u m a n i -
dade, r u d e z a e desespero, o l h a n d o mais para fins d o q u e para m e i o s , r e c o r r i a m
nesta terapêutica alternativa ao ritmo d o dia-a-dia, e m c o m u n h ã o c o m a fé e a
natureza, d e n t r o da lógica da m e n t a l i d a d e d o seu t e m p o .
A c o n t e c i a t a m b é m q u e , neste, tinha f o r t e i m p a c t e o ladairo o u ladário q u e
Frei J o a q u i m de Santa R o s a de V i t e r b o d e f i n e c o m o a «[p]rocissão e c l a m o r
c o m ladainhas o u preces, para conseguir r e m é d i o e m a l g u m a calamidade e afli-
ção». Se a d e n o m i n a ç ã o d e tais «rogações públicas» — d e apelo à c l e m ê n c i a d i -
vina p o r intercessão d e Cristo, da V i r g e m e dos seus santos, e ainda de agrade-
c i m e n t o pelos benefícios r e c e b i d o s — v e m d o latim litania, o u seja, ladainha, as
maiores e as m e n o r e s , t i n h a m lugar na S e m a n a da A s c e n ç ã o , e m u i t o s ladários
se fizeram «a varias igrejas santuários e capelas», na esperança d e as gentes rurais
«serem livres dos animais d a n i n h o s e d e s t e m p e r a n ç a dos ares, q u e lhes destruí-
r a m as searas, m a t a v a m os gados e afligiam os povos» 7 9 . Havia t a m b é m , e m al-
turas de crise, «romagens penitenciais» a santuários e ermidas q u e os antigos
c h a m a v a m votos o u vodos e cercos se a p e n e d o s e outeiros, e n c i m a d o s p o r c r u z e i -
ros, o u a c o n t o r n a r os limites das freguesias. C o m preces e penitências se c u m -
p r i a m os percursos, mas p o r vezes, s e n d o os lugares afastados, as idas e regressos
se faziam s e m a luz d o dia, a dar azo, c o m o se d o c u m e n t a desde o século xvi à
v i r a g e m d o x v n i , a d e s m a n d o s e imoralidades 8 0 . R a z õ e s q u e , a j u n t a r a certa
c o n o t a ç ã o paganizante q u e a hierarquia eclesiástica lhes atribuía, c o n d u z i r a m a
proibições sem q u e deixassem d e existir j á entrada a é p o c a oitocentista.
Era, pois, m ú l t i p l a a l i n g u a g e m da o r a ç ã o verbal na I d a d e M o d e r n a , a p r e -
s e n t a n d o - s e as p r e c e s particulares e públicas fora d o c o n t r o l o h i e r á r q u i c o ,
mescladas a m i ú d e d e h e t e r o d o x i a s e a c o m p a n h a d a s d e supersticiosas práticas,
e n ã o só a e n v o l v e r os estratos sociais h u m i l d e s , c o m o os p r o c e s s o s i n q u i s i t o -
riais p a t e n t e i a m . M i s s õ e s p o p u l a r e s , legislação eclesiástica, p e n a s canónicas,
b e m c o m o obras d e a u t o r e s ascetas e moralistas, a e x e m p l o das d o p a d r e M a -
n u e l B e r n a r d e s , n ã o s u r t i a m o e f e i t o d e s e j a d o : o p o v o orava, e até c o m f e r -
v o r , mas f a z i a - o assaz a seu m o d o .

TRÍDUOS, SEPTENÁRIOS, NOVENAS


E TREZENAS
APESAR DE PUBLICADOS na s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o x v n i , v e r s a n d o a
v i d a , acções, escritos e d o u t r i n a d e J e a n G e r s o n (1429), c h a n c e l e r da U n i v e r -
sidade d e Paris e m í s t i c o d e r e f e r ê n c i a d o m o v i m e n t o da devotio moderna, a u -
r e o l a d o da f a m a d e « d o u t o r cristianíssimo», os escritos d o o r a t o r i a n o p o m b a -

614
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

l i n o p a d r e A n t ó n i o Pereira d e F i g u e i r e d o f a z e m u m o p o r t u n o b a l a n ç o crítico
acerca da d e g r a d a ç ã o das d e v o ç õ e s na altura 8 1 . D e v o t o da V i r g e m M a r i a ,
«cuja i m m a c u l a d a C o n c e i ç ã o s e m p r e seguiu e p r o v o u » , o t e ó l o g o parisino t e -
rá p r o c u r a d o « e x p u r g a r essa d e v o ç ã o d e a l g u m a s observâncias e e x a g e r o s d e
carácter supersticioso q u e i n v a d i a m m u i t a da i c o n o g r a f i a e da literatura» m a -
rianas82. A esse p r o p ó s i t o , o p a d r e F i g u e i r e d o a c e n t u a v a e m 1769 ser necessá-
rio «que se e x a m i n a s s e m várias d e v o ç o e n s , milagres e livrinhos a p o c r y f o s q u e
c o r r i ã o n o p o v o » . As d e São J o s é e d o C o r a ç ã o d e Jesus e s t e n d i a m - s e ao
t e m p o e m o t i v a m a p r e g a ç ã o e a escrita hagiográfica. A c e l e b r a ç ã o d e festas e
o i n c r e m e n t o a dar às d e v o ç õ e s e r a m a c o m p a n h a d o s d e s e r m õ e s e exercícios
d e p i e d a d e c o n s t i t u í d o s p o r tríduos, septenários e n o v e n a s e trezenas. O q u e ,
neste particular, o c o r r i a e n t ã o era, aos o l h o s d o o r a t o r i a n o , m o t i v o d e sobra
para, à s e m e l h a n ç a d o q u e se passara n o s séculos x v e x v i , se c l a m a r «por u m a
r e f o r m a q u e , r e s t a u r a n d o a v e r d a d e i r a p i e d a d e , interiorizasse a religião» 8 3 .
N e m d e o u t r o m o d o pensava, e n t r e o u t r o s , o p a d r e T e o d o r o d e A l m e i d a ,
seu c o n f r a d e . O tríduo era o espaço d e três dias, a n t e r i o r e s à c e l e b r a ç ã o festiva
q u e se p r e e n c h i a , e m geral, c o m p r e g a ç õ e s , d e q u e há p r o v a c o n c r e t a n o s
s e r m o n á r i o s impressos. P o r sua vez, o septenário, s e q u ê n c i a d e sete dias, d e -
tecta-se j á n o t e r m o d o s é c u l o x i v n u m a passagem da R e g r a d e São B e n t o » 8 4 ,
a s s o c i a n d o - s e mais tarde às Sete D o r e s d e N o s s a S e n h o r a , cuja festa litúrgica
t e m lugar n o m ê s d e S e t e m b r o ; a novena, cuja existência se regista na R o m a
pagã, consistia nas o r a ç õ e s e p r e c e s q u e se r e p e t i a m p o r n o v e dias, a p r e c e d e r
a l g u m a s o l e n i d a d e sagrada; e n q u a n t o a trezena era a cadeia d e d e v o t o s e x e r c í -
cios q u e a n t e c e d i a m a festividade d e S a n t o A n t ó n i o , a 13 d e J u n h o . A n o v e n a
t i n h a lugar na igreja, p a r o q u i a l o u c o n v e n t u a l e capelas, n o t e m p o litúrgico,
p o r e x e m p l o , d o N a t a l , c o m o a d e d i c a d a ao M e n i n o Jesus, e d o P e n t e c o s t e s ,
tal a dirigida ao Espírito S a n t o . C o n c o r r i d a s , e n t r e outras, e r a m a da S e n h o r a
da C o n c e i ç ã o , cuja s o l e n i d a d e é a 8 d e D e z e m b r o , a d e São Sebastião, c e l e -
b r a d o a 20 de J a n e i r o , a d e São Francisco X a v i e r , q u e t e m a festa a 3 d e D e -
z e m b r o , d e n o m i n a d a n o v e n a da graça, t ã o d i f u n d i d a pelos Jesuítas e da p a r t i -
cular d e v o ç ã o dos d u q u e s d e B r a g a n ç a , o f u t u r o rei D . J o ã o IV e D . Luísa d e
G u s m ã o , sua esposa 8 5 . Santuários, capelas e ermidas, p r o c u r a d o s pela f a m a
dos milagres q u e pela intercessão dos seus o r a g o s se o b t i n h a m , situados p o r
vezes e m freguesias distantes, atraíam p e r e g r i n o s e r o m e i r o s . A a n c i a n i d a d e
d e certas práticas c h e g a d a s até aos inícios d o século n ã o se t o r n a fácil a v e r i -
g u a r , mas é v e r o s í m i l q u e fossem de m u i t o r e c u a d a o r i g e m e, p o r c e r t o , p r e -
sentes na era a q u e n o s r e p o r t a m o s . D e leves t o q u e s supersticiosos se revestia
a feita na r e g i ã o d e P e n a f i e l e m q u e a pessoa da p r o m e s s a p e d i a a «cinco, sete
o u n o v e raparigas solteiras, d e m e n o s d e 18 anos» q u e a a c o m p a n h a s s e m à
igreja e m causa, c a n t a n d o t o d o o c a m i n h o e, ao lá c h e g a r , rezassem o t e r ç o ,
rosário o u o r a ç ã o p r ó p r i a . O regresso a casa fazia-se t a m b é m a cantar, só as-
sim se c o n s i d e r a n d o , p o r essencial, a p r o m e s s a c u m p r i d a . O d i t o p o p u l a r «pa-
gar u m a n o v e n a » implicava s e r e m n o v e as pessoas a c o m p a n h a n t e s , dirigidas
p o r q u e m fez a p r o m e s s a , c o m o fosse ir rezar a u m a capela, e m j e j u m . O t o -
q u e d e t a m b o r era o b r i g a t ó r i o e m G u i m a r ã e s na n o v e n a d e São Sebastião,
a d v o g a d o das moléstias pestíferas, r o m p i a o b a t e - b a t e pelas q u a t r o da m a n h ã ,
ao c o m e ç a r a n o v e n a e e m t o d o s os dias se p r o l o n g a v a das t r i n d a d e s à m e i a -
- n o i t e 8 6 . G r a v e e c o n d e n á v e l seriam, p o r sacrílega i m i t a ç ã o d o sagrado, os
e n s a l m o s q u e , n o Sabugal e Bairão, d u r a n t e u m a n o v e n a se r e c i t a v a m para
tratar males q u e afligiam os mortais 8 7 .
O p r o l i f e r a r das d e v o ç õ e s e das n o v e n a s , s e p t e n á r i o s e trezenas impressas
e deixadas manuscritas, n o p e r í o d o p o s t e r i o r à R e f o r m a t r i d e n t i n a e a c i r -
cular a o l o n g o d e t o d a a I d a d e M o d e r n a , causa i m p r e s s ã o m e s m o q u e só a
Biblioteca lusitana d e B a r b o s a M a c h a d o se t o m e c o m o f o n t e 8 8 . C o n t a m - s e p o r
9 0 os autores, e n t r e religiosos e religiosas, padres, seculares e leigos, p o d e n d o
d i s c r i m i n a r - s e e n t r e estes ú l t i m o s cerca d e 26, h a v e n d o u m a m u l h e r e c i n c o
religiosas. O o r a t o r i a n o p a d r e M a n u e l C o n s c i ê n c i a a p r e s e n t a - s e c o m o o mais
p r o d u t i v o , c o m n o v e n a s d e vários santos e outras para as principais festas m a -
rianas. N u m total d e 113 t e x t o s n o v e n á r i o s , impressos e m a n u s c r i t o s , regista-
dos e m B a r b o s a M a c h a d o e c o n h e c i d o s até 1759, rastreiam-se dois c o n s a g r a -

615
O D E U S DE TODOS OS DIAS

dos à Santíssima T r i n d a d e e mais quatro respectivamente ao Espírito Santo,


ao Santíssimo Sacramento e à Virtude da Humildade. D o s nove cristocêntri-
cos, há c o m u m o mistério do Natal, o nascimento de Jesus, o M e n i n o Deus,
o Senhor dos Passos, Cristo na C o l u n a e Ecce H o m o e mais três ao Coração
de Jesus. Os marianos distribuem-se entre os mistérios e as invocações da
Virgem Maria, c o m dois a Nossa Senhora e à Senhora da C o n c e i ç ã o e c o m
u m a Apresentação, Encarnação, Maternidade ou M a d r e de Deus, Nativida-
de, Nossa Senhora dos Anjos, d o C a r m o , dos Desamparados, da Expectação
ou do O , dos Mártires, da Nazaré, da Oliveira, da Piedade ou da Boa M o r t e
e d o Pilar, aos principais mistérios da Santíssima Virgem e a todas as festas de
Nossa Senhora. Q u a n t o ao santoral, a representatividade estende-se desde as
santas e santos de culto multissecular aos posteriores à renovação tridentina.
Para além de três a São José, aparecem, dos primeiros e cada u m c o m três,
Santo Agostinho, Santa Ana, Santa Bárbara, São Francisco de Assis, Santa
Quitéria; c o m dois, Santo A n t ó n i o , São B e n t o , Santa Clara, São D o m i n g o s ,
São J e r ó n i m o , Santa Joana Princesa, São Sebastião; c o m u m , Santo A m a r o ,
São Benedito, São Bonifácio, São Braz, Santa Catarina de Sena, Santa C o l e c -
ta, São D i o g o , Santa Gertrudes, São Frei Gil, Santa Ifigênia, São J o ã o Baptis-
ta, São J o ã o Marcos, São Libório, São Lourenço, São Marçal, São Mateus,
Santa Maria Madalena, São Miguel, Santa Mónica, Santo O n o f r e , São Pedro,
São Rafael, Santa R i t a de Cássia, São R o q u e , Santa Rosa de Santa Maria. Dos
segundos, contam-se, c o m três, São Pedro de Alcântara; c o m dois, São Caeta-
no, Santo Estanislau Kostka, Santo Inácio de Loiola, São J o ã o de Deus, Santa
Rosa de Viterbo, Santa Teresa de Jesus, São T o m á s de Vila N o v a ; c o m u m ,
São Filipe Néri, São Francisco de Boija, São Francisco de Sales, São J o ã o da
Cruz, Santa Rosa de Santa Maria.
Q u a d r o devocional este, sem dúvida, eloquente e capaz de alimentar o
gosto e a piedade, obviamente, não só popular. Compreende-se, a propósito, a
enfatização do padre António Pereira de Figueiredo, invocando, e m 1769 —
ele que, surpreso e reprovador, «em huma Igreja de certos regulares vira pinta-
da a Mãi de Deos encerrando e m seu virginal as tres divinas Pessoas, c o m o se
todas tres tivessem encarnado» 8 9 — , o teólogo Jean Gerson, para que se cer-
ceasse o que continuava a crescer, estimulado pela grande panóplia de cultos,
ameaçadora da pureza da fé, de forma a «que se não permitisse nos templos
tanta variedade de imagens e pinturas», dizendo que, e m lugar de excitar d e v o -
ção sólida, «occasionavão n o p o v o rude superstições e idolatrias». Mais: «que
houvesse mais moderação em canonizar santos novos... [e] que não era bem se
dessem maiores cultos aos santos modernos, que aos sagrados apostolos» 9 ". Nos
tempos imediatos, a tendência, p o r é m , longe de inverter-se, a u m e n t o u .

O ALARGAMENTO DAS DEVOÇÕES:


DO NATAL À TRINDADE
A devoção PERPASSA NA DEVOÇÃO DE ALGUNS SANTOS, d e S a n t a T e r e s a d e A v i l a a S ã o
Caetano de Chieti, a presença enternecida d o M e n i n o Jesus que, ao lado da
ao Menino Jesus Virgem e São José, i m p õ e o culto da Sagrada Família de Nazaré na piedade
cristã. D e atender a observação de Jaime Cortesão: « C o m o culto d o M e n i n o
Jesus e a liturgia do presépio, que desde a Itália se difundiu p o r t o d o o O c i -
dente e u r o p e u , o franciscanismo contribuiu para exaltar o a m o r da criança,
c o m o já preparara, c o m o culto da Virgem, a dignificação da mulher.» 9 1
A estatuária religiosa portuguesa revela-nos, desde o início de Q u i n h e n t o s ,
indícios de huua jmagem do menjno, e m madeira e por certo recente, na Igreja
de São J o ã o de Alcochete, c o n f o r m e informa a acta de uma visitação de 1512,
e outra e n c o m e n d a d a pelos frades crúzios de C o i m b r a , em 1531, a certo ima-
ginário da cidade 9 2 . Bastante c o m u m já n o fim do século xvi, em altares
e oratórios, a devoção ao M e n i n o Jesus é f o r t e m e n t e alimentada p o r místicos
e fundadores de ordens da época barroca da R e f o r m a católica, de Santa Rosa
de Lima a São J o ã o de Deus e Santo Inácio de Loiola, que escolheu o n o m e
de Jesus para designar a apostólica companhia que criou. São numerosíssimos

616
O R A Ç Ã O E DEVOÇÕES

e vários e n t r e n ó s os t e s t e m u n h o s deste c u l t o , a q u e n ã o é estranha a f o r m a - O Menino Jesus Salvador do


ç ã o cristã da infância, c o m o o c u i d a d o da c a t e q u e s e , na p r i m e i r a i d a d e , c o m - Mundo, óleo sobre tela,
p r o v a . N a e n t r e g a s o l e n e das relíquias e m 1588 aos jesuítas d e São R o q u e , e m c. 1673 (Cascais, Igreja
Lisboa, a f a c h a d a d o t e m p l o foi d e c o r a d a c o m u m a g r a n d e p i n t u r a d o M e n i - Matriz).
n o Jesus, a p r o x i m a d a m e n t e d e d o z e anos, e m gesto d e b ê n ç ã o . C o n f o r m e F O T O : N U N O CALVET/ARQUIVO
n o t í c i a d e cronistas i n a c i a n o s setecentistas, os milagres o p e r a d o s n o c o n v e n t o C Í R C U L O DE LEITORES.
das A g o s t i n h a s d e É v o r a , a t r i b u í d o s à i m a g e m d o M e n i n o Jesus, d e p o s i t a d a
n u m c o f r e d e prata, e m rica capela, e e x p o s t a à v e n e r a ç ã o p ú b l i c a n u m d o -
m i n g o p o r m ê s , c o m a c e l e b r a ç ã o d e u m a missa q u e o a r c e b i s p o oficiava, p o r
vezes, fizeram crescer e m P o r t u g a l , c o m o a c o n t e c i a e m E s p a n h a , esta d e v o -
ção, a c o m p a n h a d a d e u m c r e s c e n d o d e r e p r e s e n t a ç õ e s i c o n o g r á f i c a s e m es-
c u l t u r a e tela. N e s t e m o s t e i r o , d e n o m i n a d o a p r i n c í p i o d e Santa M ó n i c a , v i -
v e u e m o r r e u , n o s é c u l o x v i , cheia d e v i r t u d e s , D . C a t a r i n a d e Sousa, d a m a
da princesa D . J o a n a , filha d e D . H e n r i q u e d e Castela, c o n s t a n d o m e s m o h a -
v e r sido c o n t e m p l a d a c o m o d o m da p r o f e c i a , g r a n d e d e v o t a da n o i t e d e N a -
tal e m q u e , para solenizá-la, «buscava cantigas espirituais e ditos d e v o t o s e m
h o n r a d o p r e s é p i o e ela m e s m a r e p r e s e n t a v a alguns c o m e d i f i c a ç ã o das almas
q u e a o u v i a m , e x c i t a n d o - a s a c e l e b r a r a m e s m a festa, d e v o ç ã o q u e f r u t i f i c o u
e m o u t r a s religiosas q u e f o r a m o b j e c t o d e aparições miraculosas d e Jesus M e -
n i n o 9 3 . P o r sua vez, «a literatura religiosa d o s séculos x v n e x v i n está cheia d e
c o m p o s i ç õ e s c o n s a g r a d a s ao M e n i n o J e s u s , p a r t i c u l a r m e n t e assíduas n o s
m e i o s franciscanos, o n d e a d e v o ç ã o d o presépio, iniciada p e l o Povcrello d e A s -
sis, se radicara e desenvolvera» 9 4 . O i n c r e m e n t o m a i o r , p o r é m , r e c e b i d o p o r
este c u l t o da c h a m a d a C o n t r a - R e f o r m a v e i o da p a r t e d o m u n d o c o n v e n t u a l
f e m i n i n o , q u e r através das práticas e leituras piedosas, q u e r das p e c u l i a r i d a d e s
afectivas a q u e p o d i a dar lugar. S o r o r T e r e s a J u l i a n a d e São B o a v e n t u r a , f r e i -
ra d o s é c u l o XVIII, letrada e d e v o t a d o m o s t e i r o d e Santa Clara d e Lisboa,
c h a m a v a a Jesus M e n i n o e m seus c o l ó q u i o s : « M e n i n o d e m i n h a alma, m e u
M e n i n o d e flores, m e u M e n i n o d e o u r o , m e u M e n i n o d e cristal, m e u M e n i -
n o v i n d o d o c é u . [...] V ó s sois u m feitiço, sois u m e n l e i o , vós sois u m e n c a n -
to.» As expressões místicas e r a m , c o m o estas, m u i t a s vezes repassadas d e u m
s e n t i m e n t a l i s m o e q u í v o c o e sensual a c u s a n d o o ar p r o f a n o q u e se respirava
e m n ã o p o u c a s clausuras. O M e n i n o Jesus d e X a b r e g a s t i n h a «hüa figa c o m

617
O D E U S DE TODOS OS DIAS

aljofres, h u m cavalinho de prata, u m passarinho c o m hüa flor falsa, hü ca-


c h o r r i n h o e u m passarinho de oiro» 9 5 . P o r sua vez, c o n f o r m e escreveu Flávio
Gonçalves, nas igrejas, «no coro, nas celas e nos lugares de recreio, as freiras
distribuíram, e m grupos o u isoladamente, as figuras da divina criança — figu-
ras que e m muitos casos f o r m a v a m , n u m só mosteiro, verdadeiras colec-
ções!» 96 . Daí, anotou o olissipógrafo Gustavo de Matos Sequeira, aparecerem
f r e q u e n t e m e n t e , entre as pertenças dos mosteiros, «essas imagens, ora deitadas
nas palhas dos Presépios, figurando-os recém-nascidos sob o alpendre rústico
de Belém, ora d e n t r o de berços e camilhas profanas, adornadas de cambraias
e rendas, o u então sobre peanhas de talha doirada e m a r m o r e a d a , revestidos
de roupas talares de resplendor e vara de açucenas, o u entrajados à cortesã,
de casaca e seda b o r d a d a , colete de r a m i n h o s , calção, t r i c ó r n i o apresilhado
de pedras, cadogan enastrado de fitas e H á b i t o de Cristo, c o m o quito d o i r a -
d o p e n d e n t e à esquerda, e fivelas de "minas novas" nos çapatos» 97 . A sua pas-
sagem destes recintos conventuais para igrejas paroquiais, c o m u n i d a d e s de
frades, santuários de peregrinação, oratórios domésticos c o m o c o r r e s p o n d e n -
te hábito de vestir a i m a g e m c o m indumentária secular — p o r vezes segundo
modelos profanos coevos, cortesãos, faceiros e militares — , h o j e ainda p r e -
senciáveis, por exemplo, n o c o n h e c i d o t e m p l o beirão de Nossa Senhora da
Lapa e na Sé de Miranda o n d e é venerado o célebre Menino Jesus de cartolinlia,
sendo de notar que j á as Constituições Sinodais de Elvas de 1633 p r o i b i a m tais
imagens, mandadas retirar pelo visitador, q u e envergassem «vestidos profanos
c o m topetes» ou aparecessem c o m «espada ou outras insígnias indecentes» 9 8 .
A fé simples e humanizada das gentes, c o n t u d o , não fazia engulho esta m u n -
danidade q u e p e r d u r o u e contagiou m e s m o outras imagens, ao l o n g o de O i -
tocentos e N o v e c e n t o s , tal o acento terno que ungia esta devoção popular
que convivia c o m a dispensada a Jesus infante de túnica alva ou vestidinho de
seda branca c o m o ao recente M e n i n o Jesus de Praga q u e foi invadindo os al-
tares de nossas igrejas. Acrescente-se, ainda, que dos «registos», aos milhares
estampados e vendidos aos devotos «por clérigos, andadores e sacristães», res-
tam-nos ainda hoje muitos: «Era o " M e n i n o Jesus dos verdadeiros Penitentes"
do c o n v e n t o do Sacramento de Alcântara; era o " M e n i n o Jesus dos Atribula-
dos" da igreja do Loreto; era o "dos Pecadores" que se venerava e m Louriçal
do C a m p o ; era o " M e n i n o D e u s " de Santo André de Lisboa; era o da V e n e -
rável O r d e m Terceira de Xabregas; era o da capela de São R o q u e do Arsenal
da Marinha; era o " S e n h o r Jesus dos M e n i n o s " de Celas, o "Salvador do
M u n d o " e o " N o s s o Pai e S e n h o r " de Elvas, o "dos Desamparados", o " M e -
nino Jesus da Piedade" e tantos cujas efígies bentas, estampadas e m papel, se
guardavam e m livros de orações e ornavam oratórios e altares caseiros.»'
99

O culto LIGADO AO CULTO DA PAIXÃO, e n q u a n t o envolve os sofrimentos infligidos


a Cristo n o suplício da cruz, filia-se a devoção das chagas, a mais antiga da
do Coração deJesus
Idade Média c o m suas incontáveis confrarias, e m particular à d o lado, aberta
pela lança d o soldado ao trespassar n o Calvário o peito de Jesus, a f i m de cer-
tificar-se da sua m o r t e . Foi esse o c a m i n h o de chegada ao C o r a ç ã o de Jesus,
símbolo e fonte do a m o r e do perdão de D e u s feito h o m e m . O s escritores
místicos São Bernardo, São Boaventura, Santa Matilde e Santa Gertrudes e n -
contram aqui via fecunda para as suas reflexões espirituais sobre a afectividade
cristológica que não cessa mais de se desenvolver. Por isso, assiste-se n o sécu-
lo xv e inícios d o seguinte ao crescente pietismo e m redor do C o r a ç ã o de J e -
sus c o m u m a prática ascética traduzida e m exercícios de mortificação e p e n i -
tência, c o m o resposta à integração e desamor dos pecadores àquela divina
afeição. A imagem d o crucifixo pintado d e n t r o de u m coração corresponde à
devoção d o Santo Nome de Jesus, propagada p o r São B e r n a r d i n o de Sena, t e n -
do inspirado «à piedade cristã, inúmeras representações d o M e n i n o Jesus n o
coração d o fiel, modalidade que já aparece n o século xv, mas se expande so-
b r e t u d o n o século x v n e xvni», e, por vezes, «dentro de u m coração ferido,
rodeado das mãos e dos pés, representando as cinco chagas» 10 ". D e notar que
na iconografia religiosa da primeira metade d o século XVII, a reflectir u m a at-
mosfera mística devocional afim à do Sagrado Coração de Jesus, v ê e m - s e e m

618
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

c o n v e n t o s d e clarissas p o r t u g u e s a s telas o n d e essa r e p r e s e n t a ç ã o está explícita.


Isso a c o n t e c e , p o r e x e m p l o , n u m a p i n t u r a s o b r e tábua d e inícios d e S e i s c e n -
tos, na sacristia da igreja d o C o n v e n t o d e Santa Clara d o P o r t o , e m q u e o
M e n i n o Jesus está s e n t a d o s o b r e u m g r a n d e c o r a ç ã o e m c h a m a s , t e n d o n o s
j o e l h o s a esfera d o m u n d o , e n q u a n t o encosta ao o m b r o u m a p e q u e n a c r u z e
apoia a face n u m a das m ã o s e, na base, o m o n o g r a m a J. H . S.; e n u m a tela d o
a n t i g o m o s t e i r o d e Vila d o C o n d e da m e s m a o r d e m , c o m os santos C o s m e e
D a m i ã o , d o s e g u n d o q u a r t e l d o s é c u l o x v i i , há u m p o r m e n o r o n d e se e n -
c o n t r a figurado o M e n i n o Jesus d e n t r o d e u m c o r a ç ã o q u e u m a freira s u s t e n -
ta 1 0 1 . E m fins d e Q u i n h e n t o s , os jesuítas São P e d r o C a n í s i o e São Francisco
d e B o r j a i n c r e m e n t a m esta d e v o ç ã o e i n t r o d u z e m o d e s e n h o d e u m c o r a ç ã o
nas armas da C o m p a n h i a , s e g u i n d o - l h e s a ideia São Francisco d e Sales e as
religiosas visitandinas, a p o n t o de, n o século x v i i , e n c o n t r a r - s e a m e s m a e s p e -
lhada p o r t o d a a parte 1 0 2 . P r e n ú n c i o s e m P o r t u g a l deste c u l t o p o d e m r e c o -
n h e c e r - s e : n o gesto d o rei D . Sebastião q u e , para d e m o n s t r a r a d e v o ç ã o ao
s a n t o d o seu n o m e , m a n d o u o r n a r a insígnia da O r d e m d e C r i s t o c o m u m a
seta atravessada pela c r u z ; n o c o r a ç ã o s o b r e c h a m a s p i n t a d o c o m u m a c r u z
e c o r o a d e e s p i n h o s n o t e c t o da sacristia (1582?) d o m o s t e i r o da T r a v a n c a
d e Vila M e ã ; na p i n t u r a e m m a d e i r a d o t e c t o da c a p e l a - m o r d e S ã o M i g u e l
d e R e b o r d o s a (Paredes, P o r t o ) , r e p r e s e n t a n d o u m c o r a ç ã o 1 0 3 ; na r e f e r ê n c i a
afectiva d e Frei T o m é d e Jesus, na o b r a Trabalhos de Jesus, ao escrever « A d o -
r o - t e , a b r a ç o - t e , s a ú d o - t e D i v i n o C o r a ç ã o , t ã o cativo d o m e u A m o r » ; n o
p i e d o s o c o s t u m e d o i r m ã o i n a c i a n o J o ã o Francisco, falecido e m 1730, q u e e m
o b s é q u i o ao C o r a ç ã o d e Jesus j e j u a v a todas as sextas-feiras e, nas p r i m e i r a s d e
cada m ê s , a p ã o e água 1 0 4 .
E m sua f e i ç ã o m o d e r n a , o r i g i n a d a pelas aparições d e P a r a y - l e - M o n i a l a
Santa M a r g a r i d a M a r i a A l a c o q u e (1673-1674), religiosa visitandina, a nova de-
voção, e m b o r a se possa aceitar j á dela a l g u m c o n h e c i m e n t o a n t e r i o r , foi c o -
municada de M a c a u a Portugal por intermédio d o missionário jesuíta padre
J o s é A n s e l m o e m carta para suas duas irmãs freiras j e r o n i m i t a s e m Ferreira d o
A l e n t e j o q u e , ao r e c e b e r e m a notícia e m 1728, l o g o n o a n o s e g u i n t e c e l e b r a -
r a m a festa d o C o r a ç ã o d e Jesus. O c u l t o r a p i d a m e n t e se e x p a n d i u e m Lisboa
e pelas p r o v í n c i a s d o r e i n o , s e n d o o f r a n c i s c a n o Frei J e r ó n i m o d e B e l é m o Menino Jesus Salvador do
Mundo, marfim
seu p r i m e i r o g r a n d e p r o p a g a d o r , l o g o s e c u n d a d o p o r religiosas e religiosos d e
indo-português, século xvn
d i f e r e n t e s c o n g r e g a ç õ e s , c o m o se v i u n o s c o n v e n t o s f e m i n i n o s lisbonenses da (Coimbra, Museu Nacional
C o n c e i ç ã o , de Santa Clara e das Flamengas, d e C h e i a s d e C o i m b r a , da E s p e - Machado de Castro).
rança d e B e j a e e m tantos mais 1 0 5 . N o de São Francisco de X a b r e g a s , m e r c ê F O T O : D I V I S Ã O DE
d o zelo d e Frei J e r ó n i m o d e B e l é m , se e n t r o n i z o u f e s t i v a m e n t e , e m 1731, D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
u m a i m a g e m esculpida d o C o r a ç ã o d e Jesus, c o m mais d e u m m e t r o , h a v e n - / I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
MUSEUS/CARLOS MONTEIRO.
d o na altura u m a n o v e n a d e s e r m õ e s . 0 m o v i m e n t o p r o p a g o u - s e aos francis-
c a n o s d e O l i v e n ç a , a g o s t i n h o s d e C o i m b r a , aos E r e m i t a s d e São P a u l o e aos
Jesuítas e m sua vasta r e d e d e colégios. E, e n q u a n t o e m C a s t e l o d e V i d e , cerca
d e 1748, se instituiu na igreja d o c o n v e n t o f r a n c i s c a n o a C o n g r e g a ç ã o d o s E s -
cravos d o C o r a ç ã o d e Jesus, o b i s p o d e C o i m b r a , D . M i g u e l da A n u n c i a ç ã o ,
ingressava c o m seus p r ó x i m o s c o l a b o r a d o r e s n u m a f r a t e r n i d a d e c o n s t i t u í d a
sob esta d e s i g n a ç ã o . Aliás, fora n o c o n v e n t o f r a n c i s c a n o d e X a b r e g a s q u e se
criara a p r i m e i r a c o n f r a r i a o u i r m a n d a d e c u j o s estatutos se b a s e a v a m n o s q u e
h a v i a m f e i t o os Jesuítas para as missões d e M a c a u , t e n d o p o r finalidade p r o -
m o v e r a d e v o ç ã o ao Sagrado C o r a ç ã o c o n f o r m e Santa M a r g a r i d a A l a c o q u e
c o m u n i c a r a h a v e r - l h e sido p e d i d o nas revelações c o m q u e C r i s t o a f a v o r e c e -
ra. Franciscanos e Jesuítas f o r a m , d e resto, os m a i o r e s i m p u l s i o n a d o r e s d o n o -
v o c u l t o q u e florescia através d e u m s e m - n ú m e r o d e confrarias a p a r e c e n d o
p o r t o d o o r e i n o , d o M i n h o ao Algarve. A C o n f r a r i a d o Santíssimo C o r a ç ã o
d e Jesus d e O v a r , e n t ã o da d i o c e s e d o P o r t o , foi erecta e m 1755, na C a p e l a
d e Nossa S e n h o r a da Graça, e d i s p u n h a de estatutos q u e lhe c o n f e r i a m a t r i b u i -
ções religiosas e sociais. Dizia-se aí e x p l i c i t a m e n t e q u e «por causa da m u i t a p o -
breza da vila, a q u e m a necessidade de g a n h a r o sustento obrigava m u i t a s vezes
a a n t e p o r o t r a b a l h o à d e v o ç ã o , será o dia da festa n o p r i m e i r o d o m i n g o se-
g u i n t e » à sexta-feira após o C o r p o d e D e u s . O b r i g a t ó r i a era a n o v e n a antes
da festa e m q u e se e x p o r i a o Santíssimo, c o m a p r e s e n ç a dos i r m ã o s d e opas e

619
O DEUS D E TODOS o s DIAS

tochas, e de tarde, na falta do sermão, se faria meia hora de «leitura em algum


livro como o Thesouro escondido ou outros que tratem do Coração de Jesus»,
como Incêndios de amor sagrado, do jesuíta padre Calatayud. Os congregados
pronunciariam depois a fórmula do oferecimento (art. 7.0) e a seguir sairia a
procissão. Encontrava-se ainda estatuído que se confessariam e comungariam
nos segundos domingos de cada mês, dando acção de graças pelo dito livro
Incêndios ou outro qualquer; e de tarde cantariam de joelhos a ladainha de
Nossa Senhora «110 fim da qual se fazia um quarto de hora de leitura no
Compêndio de Astete [?] 011 Peamonte [Pedro Pinamonti, Compendio doutri-
nal, muito util e necessário para explicar c saber a doutrina christã, 1753J, e outro
quarto de hora nas "Considerações Eternas dos Exercícios de Santo Inácio"».
De manhã, ao levantarem-se «os irmãos congregantes farão o oferecimento dos
seus pensamentos com os braços em cruz, rezarão três Pai nossos e três Ave-
-Marias», e, nos dias festivos, visitariam «os 5 altares, procurando que todos os
de sua casa, ao menos, rezem o Terço da Senhora»U)6. Desta invocação havia
em 1758 uma confraria na igreja do convento dos dominicanos de Gaia e, em
1769, fundou-se, na Matriz da Póvoa de Varzim, a Irmandade do Santíssimo
Coração de Jesus que nascia de outra mais antiga, depois reorganizada sob a
designação do Santo N o m e de Jesus, e outras mais pelo Norte minhoto e
transmontano 107 . Por sua vez, o bispo açoriano de Angra e religioso da O r -
dem da Trindade, D. Frei José d'Avé Maria Leite Costa e Silva, que já pres-
crevera, segundo a vontade da rainha, a novena e festa do Coração de Jesus,
manda fazer também nas igrejas do bispado uma comemoração quotidiana
com a antífona Omnium pulchritudine speciosissitne, extraída do sermão terceiro
de São Bernardo, De Passione, e o versículo Discite a me, nos coros, depois de
prima, dita a antífona Stella CoelliU)8.
Os missionários levavam a palma nesta sementeira, a que o povo aderia
em massa, e o clero paroquial mostrava-se sobremaneira receptivo. O jesuíta
espanhol Pedro de Calatayud, que calcorreara neste apostolado a extensa ar-
quidiocese de Braga pela década de 1740, finalizava as missões com a funda-
ção de uma confraria. Na de 1748, na região de Guimarães e Lousada, o tam-
bém padre da Companhia de Jesus, Inácio Duarte, recomendou aos párocos
de São Jorge de Selho, Guardizela e Santa Eulália de Barrosas, como por cer-
to fez aos de outras freguesias onde pregou, «que nos primeiros domingos do
mez fizessem publicamente na igreja o exercício do Santíssimo Coração de
109
J E S U S » , como aliás já antes se tentara . Por sua vez, o prelado bracarense,
D. José de Bragança, mostrava-se deveras empenhado no incremento da de-
voção, pois chegara a mandar estampar em Lisboa muitos registos com a ima-
gem do Coração de Jesus e cunhar apreciável quantidade de medalhas.
O exemplo partia de igual forma da casa real, pois a futura rainha D. Ma-
ria I, recém-casada com seu tio o futuro D. Pedro III, prometeu mandar edi-
ficar um templo consagrado ao Coração de Jesus, ao que parece, se lhe nas-
cesse filho varão para lhe suceder. E, em 1761, tendo dado à luz o príncipe da
Beira, D.José, apressou-se a cumprir o voto, o que no entanto só veio a
acontecer em 1779, data do lançamento da primeira pedra da Basílica da Es-
trela, concluída a 11 de Junho de 1790. Ao pregar na festa da solene sagração
do templo, o beneditino Frei Joaquim de Santa Clara disse ser o primeiro e,
até ao momento, «o único em todo o Cristianismo constituído em louvor do
Coração de Jesus»110. Do papa Pio VI, conseguira a soberana a instituição da
festa do Sagrado Coração, com oficio e missa própria, de rito duplex maior,
na primeira sexta-feira após a oitava do Corpo de Deus, em todos os reinos e
domínios da Coroa portuguesa, sendo no patriarcado de Lisboa dia santo de
guarda. Contribuíram, sem dúvida, para a propagação do novo culto as pu-
blicações saídas da pena de Frei Jerónimo de Belém, Coração de Jesus comunica-
do aos corações dos fiéis (1731); do agostiniano Frei Francisco Brandão, Devoção
do Santíssimo Coração de Jesus (1734) e Escola do Santíssimo Coração de Jesus
(1749); dos jesuítas Hipólito Moreira, O culto e veneração do Sacrossanto Coração
de Jesus (1731), Pedro Calatayud, Incêndios do amor sagrado (1744) e José de Fi-
gueiredo, Desaggravo eucharistico do Santíssimo Coração de Jesus nos seus cultos
(1757); dos oratorianos padre Manuel Consciência, Aljava de sagradas setas

620
O R A Ç Ã O E DEVOÇÕES

(I733) e Teodoro de Almeida, Entretenimentos do coração devoto com o Santíssimo


Coração de Jesus (1790), que contém os «pios exercícios que se costumam fazer
na Igreja da Visitação de Lisboa», durante a hora de adoração, cuja publicação
se justificava pelas ligações do autor com as visitandinas francesas que auxiliou
no seu estabelecimento em Portugal (1784); Jerónimo Soares Barbosa, No Co-
ração de Jesus ou abertura do lado de Jesus Christo segundo o Evangelho de São João
(1802). Concorreu também enormemente o púlpito, e infindas eram as oca-
siões de se pregar sobre o tema, para a expansão e afervoramento do culto,
como se poderá descortinar pelos sermões publicados até ao termo da era
moderna, merecendo menção os de: Frei João de Monsaraz (1734), padre
João Evangelista (1738), padre Caetano da Eonseca (1738), Frei Francisco de
São Luís Rebelo (1736), Frei Joaquim de Santa Clara (1790) e Frei Bento da
Trindade (1817). Da mesma forma o incrementaram os novenários impressos
de Frei Francisco Brandão (1734), Frei Jerónimo de Belém (1740), Frei José
de Bringel (1755), padre Manuel António Pamplona (1782), Frei João Agosti-
nho de Mentone (1812) e os anónimos editados pelas Carmelitas Descalças
(1778) e o publicado em 1822111.
Sofreu a devoção ao Coração de Jesus sérios ataques dos jansenistas, tendo
Scipião Ricci, bispo de Pistóia, publicado uma pastoral contrária ao culto. Che-
gou mesmo a escrever a Pio VI, manifestando-lhe a sua estranheza por conce-
der a Portugal a permissão de celebrar a festa do Santíssimo Coração, no que se
viu apoiado pelo advogado da Cúria Romana, o Doutor Camilo Brás, e outros
mais. A rebatê-los, publicou em Veneza o teólogo jesuíta Manuel Marques a
sua Defensio Cultus 55. Cordis Jesu, em 1781'12. N o século xix, com a Compa-
nhia de Jesus restaurada por Pio VII, em 7 de Agosto de 1814, continuaram os
Inacianos a mostrar na difusão do culto do Coração de Jesus o seu entusiasmo,
vendo-se apodados por mofa de cordícolas. O livre pensador e jesuitófobo Lino
dAssumpção, falando da pouca afeição religiosa de certas imagens sacras que se
acentua com o século xvni, escreveu que «com a invenção dos sacrés coeurs che-
gou-se à profanação de se colocarem nos altares imagens de Cristo e sua Mãe,
de barbas e cabelos dourados, olhos azuis, lábios carminados, posturas dum ro-
mantismo efeminado e indigno da severa compreensão dos personagens, ex-
pondo vísceras douradas!»" 3 . A pujança da devoção ao Coração de Jesus, po-
rém, jamais esmoreceu, como se verificou pela difusão da associação religiosa
Apostolado da Oração, da hora de adoração mensal ao Santíssimo exposto e da
comunhão e exercício das primeiras sextas-feiras, ainda hoje prevalecentes.

O U T R O C U L T O C O M E N R A I Z A M E N T O na Reforma católica foi o do Anjo A protecção do Anjo


Custódio — o da guarda de cada um e o próprio de cada nação. A sua pro-
pagação rastreia-se na era quinhentista com a presença no Breviário (1568) e
da Guarda e do Anjo
no Missal (1570) do papa Pio V, e vai crescendo de tal forma na centúria de Custódio de Portugal
Seiscentos que Paulo V, em 1608, que, no entanto, só Clemente X, em 1670,
a torna efectiva e aprova o seu culto universal na festa litúrgica a 2 de O u t u -
bro. A justificação bíblica dessa dupla protecção angélica encontrava-se no
Livro de Tobias (v, 5-28), em que o Arcanjo Rafael guia e defende o jovem
companheiro na viagem a Ragés, e no Livro de Daniel (x, 13-21; xii, 1), onde
se fala da custódia divina das nações. Associado ao culto do Anjo da Guarda
individual encontra-se o par bíblico Rafael e Tobias que se reflectirá na ico-
nografia, se bem que, nos últimos decénios de Quinhentos, «começam a sur-
gir esculturas e painéis nos quais um Anjo de túnica e de largas asas acompa-
nha ou dá a mão a u m menino, a quem aponta o céu — o fim desejado da
terrena viagem!»" 4 . Imagens religiosas com semelhante representação figura-
tiva entram nos templos e oratórios particulares, nas celas conventuais como
nas alcovas humildes. Notou Philipe Ariès, em L'Enfant et la Vie sous l'Ancien
Régime, que só a partir do século xvi surge a representação do Anjo da Guarda
a proteger a criança dos perigos do corpo e da alma, sendo que a invasão dos
putti na pintura e escultura acompanha a multiplicação dos retratos de crian-
ças" 5 . A figuração do arcanjo São Rafael, protector dos viajantes, a conduzir
pela mão a criança, parece ter surgido na era quinhentista, nos Países Baixos e
na Itália, mas, em ambos os casos, sob a inspiração dos Jesuítas 116 . As orações

621
O DEUS DE TODOS o s DIAS

ao Anjo da Guarda fazem obrigatoriamente parte do quotidiano das devoções


populares 117 , num movimento apoiado pelo ensino catequético e pela prega-
ção. Há, por detrás, a doutrina tradicional dos Padres e Doutores da Igreja
que o cimentam, os escritos dos teólogos que o veiculam e as visões dos mís-
ticos, desde São Bernardo a Santa Teresa de Avila, que o popularizam. Perso-
nagem do Auto da Alma de Gil Vicente, representado em 1508, quando o cul-
to do Anjo Custódio começa a intensificar-se, é sobremaneira expressivo ao
adverti-la dos perigos e tentações em que, sem a sua ajuda, se pode perder:
«Alma humana, formada / de nenhüa cousa, feita / ui preciosa, / de corrup-
ção separada / [...] / Alma bem-aventurada, dos Anjos tanto querida, / não
durmais; / um ponto não esteis parada, / que a jornada / muito em breve é
fenecida, / se atentais.» Ao que a Alma responde, suplicando: «Anjo que sois
minha guarda, / olhai por minha fraqueza / terreal: / de toda a parte haja
resguarda, / que não arda / a minha preciosa riqueza / principal. / Cercai-
- m e sempre ó redor, / porque vou temerosa / da contenda. / O precioso
defensor, / meu favor! Vossa espada luminosa / me defenda.» Torna-lhe o
Anjo: «Continuai ter cuidado / no fim da vossa jornada, / e a memória, /
que o espírito atalaiado / do pecado, / caminha sem temer nada para a gló-
ria.» E a Alma, numa súplica: «Vós não me desampareis, / Senhor meu Anjo
Custódio.» 118 O teor deste breve passo é bem de oração dialogada, impregna-
do da teologia da missão do Anjo da Guarda j u n t o de cada mortal nas andan-
ças terrenas. O mestre conimbricense e inaciano padre Francisco Suárez
(1548-1617) no capítulo xvii da obra póstuma De Angelis (1621) fala do minis-
tério do Anjo da Guarda, a começar no m o m e n t o da concepção do nascituro
e a terminar na hora da morte, completando a exposição no capítulo xix em
que precisa ser ele próprio quem conduz, então, a alma do seu protegido ao
céu, se está sem mancha, e a visita e consola no Purgatório, se por aí tiver de
passar119. A mística benedita saxónica Santa Gertrud de Helfta, falecida em 1302,
quis ardentemente conhecer o seu Anjo Custódio 120 . Refere Jean Delumeau, o
grande historiador do sentimento e mentalidades religiosas, haver-se este culto
desenvolvido, acompanhando, no Ocidente, o surto contínuo do individualis-
mo 121 . Tenha-se em conta, entre nós, que o dominicano Frei Diogo do Rosá-
rio, na História da vida efeitos dos sanctos, publicada em 1567, se faz eco da dou-
trina sobre os anjos; o testamento da rainha D. Catarina, avó de D. Sebastião,
com data de 1574, invoca o Anjo Custódio para que lhe assista na hora da mor-
te; e o jesuíta padre António de Vasconcelos dá à estampa, em dois tomos, a
sua obra Tratado do Anjo da Guarda, (1621-1622); enquanto o padre Manuel
Fernandes, seu confrade e confessor régio de D. Pedro II, «afirmou em 1688,
após a decisão de Clemente X: " H e de Fé que cada hum de nós tem seu An-
j o que o guarda, posto que não seja de Fé que cada h u m tem seu Demónio
que o tenta."» 122 Tal convicção perpassa no Estímulo prático, escrito setecentis-
ta do padre Manuel Bernardes, que aceita ser esse ente demoníaco, a quem
«não falta para tudo entendimento astuto e vontade depravada [...], o Anjo
mau (que conforme sentença recebida dos Santos Padres, cada h o m e m tem
por antagonista ou impugnador da sua salvação) ordinariamente em todos os
vícios o tenta e toda a muralha rodeia e bate para ver se pode abrir brecha e
entrar naquela cidade de Deus» 123 . Tem, contudo, o místico oratoriano, que
acredita na existência do Anjo Custódio para guardar a alma e o corpo dos
mortais até ao dia do juízo universal 124 , outra curiosa opinião do papel do
demónio, baseada no Livro de Job, onde se lê que Deus não permitiu que lhe
tocasse na alma, acrescentando: «Mas o Demónio é o que há-de guardar a al-
ma daquele mesmo a quem tenta, a quem persegue, a quem procura a ruína?
Digamos logo que o Demónio também é Anjo da nossa guarda, ou nosso
Custódio [,..]»125 Semelhantes doutrinas andariam, por certo, expendidas em
sermões de teor barroquista, podendo as revelações, atrás referidas, de Santa
Francisca R o m a n a acerca da sua inseparável companhia, terem levado o artis-
ta, contratado por Soror Catarina de Lima para pintar o quadro do antigo
Convento de Santa Clara de Vila do Conde, a representar o Anjo Custódio
que conduz e ampara, «num caminho, a tradicional figura de um menino — a
alma — , ao mesmo tempo que lhe aponta, no céu, uma mancha luminosa on-

622
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

de se d e s c o r t i n a m a abreviatura e o s í m b o l o d e Jesus». M o d e l o este, diz Flávio O Anjo Custódio de


Portugal, iluminura do Livro
Gonçalves, q u e acaba p o r se m a n t e r na arte p o r t u g u e s a setecentista, c o m o se de Horas de D. Manuel.
observa: n u m painel d o r e t á b u l o da capela e b o r e n s e de São J o a n i n h o ; n u m a
FOTO: ARQUIVO CÍRCULO
« m e d í o c r e pintura» d o a n t i g o c o n v e n t o carmelita v i m a r a n e n s e e n o «belo g r u - DE LEITORES.
p o d e m a d e i r a estofada, de cerca de 1725, d o Arcanjo São Rafael e Tobias, p e r -
t e n c e n t e ao C o n v e n t o de Jesus de A v e i r o , h o j e n o M u s e u R e g i o n a l , relacio-
n a d o p r o v a v e l m e n t e c o m o culto ao A n j o da G u a r d a , prestado pelas religiosas
dominicanas» 1 2 6 . D e v o ç ã o tão radicada na p i e d a d e cristã, se v e i o a decair c o m
o d e c o r r e r dos t e m p o s , c o n t i n u o u , p o r é m , p r e s e n t e nos p o v o s fiéis a u m ensi-
n a m e n t o familiar r e c e b i d o na infância, r e f l e c t i n d o - s e e m orações tradicionais
q u e , a p r o p ó s i t o , se m a n t i v e r a m na m e m ó r i a colectiva 1 2 7 .
T ê m as n a ç õ e s , c o n f o r m e t e s t e m u n h o b í b l i c o ( D a n i e l , x, 13-21), a n j o s
c u s t ó d i o s i n c u m b i d o s d e a c o m p a n h a r o d e s t i n o dos p o v o s . Para O r í g e n e s es-
tes p r o t e c t o r e s das n a ç õ e s d e s e m p e n h a m u m p a p e l p a r t i c u l a r m e n t e i m p o r t a n -
te e n q u a n t o p a r t i c i p a m da a c ç ã o da P r o v i d ê n c i a n ã o só n o d e s e n r o l a r d o m o -
v i m e n t o d o c o s m o s , mas t a m b é m na p r ó p r i a história dos h o m e n s 1 2 8 . P o r sua
vez, o c é l e b r e p r e g a d o r d o m i n i c a n o e s p a n h o l São V i c e n t e F e r r e r (1350-1419),
c u j a p a s s a g e m «pelo n o s s o país n ã o foi d e c e r t o s e m c o n s e q u ê n c i a para a p i e -
d a d e p o p u l a r p o r t u g u e s a » 1 2 9 , ensinava q u e se D e u s d e s i g n o u a n j o s para p r o t e -
g e r e m cada i n d i v í d u o , e s c o l h e u a r c a n j o s para p r o c u r a r e m o b e m das c o m u -

623
O DEUS DE TODOS OS DIAS

nidades, lugares e cidades e castelos fortificados 130 . Indiciando uma tradição,


entre nós, bem antiga, Frei António Castanheira, prior de Odivelas, ao reunir
em 1480, n u m só, vários ofícios litúrgicos, deparara já com o do Anjo Custó-
dio do reino. Havia, pois, motivo para D. Manuel com todos os prelados
portugueses pedir ao papa Leão X, a 6 de Julho de 1504, a instituição da sua
festa para toda a nação, no terceiro domingo de Julho, convicto, como escre-
vera na altura, à câmara de Elvas, que Deus destinara u m anjo a cada locali-
dade, cidade e reino 131 . Da solenidade passou também a constar, em todo o
país e senhorios, por força das Ordenações Manuelinas (1513), que a juntou à
da Visitação de Nossa Senhora, uma procissão, em «comemoraçam do Anjo
Custodio que tem cuidado de nos guardar e defender, pera que sempre seja
em nossa guarda e defensam», com brilho igual à do C o r p o de Deus' 3 2 . As
mesmas disposições, cuja obrigatoriedade passou de igual forma para algumas
constituições sinodais, foram reiteradas pelas Ordenações Filipinas (1603) às
vereações municipais, não sem a estas lembrar que não se consentissem «nel-
las representações de cousas profanas, nem mascaras», se não fossem «ordena-
das para provocar a devoção», sob pena de sanções para os infractores 133 . Por
sua vez, o Breviarium Bracarense de 1512, na edição de Salamanca, contém o
ofício do Anjo Custódio que se manteve nas impressões sequentes 134 . E, e m -
bora fosse antiquíssimo o culto prestado ao Arcanjo São Miguel, protector na
luta contra as forças do mal e os inimigos da cruz, tinha o rei Venturoso cons-
ciência de este ser distinto do Anjo Custódio de Portugal, como aliás a devo-
ção do monarca e a iconografia religiosa demonstram. Na verdade, D. M a -
nuel, para além da iniciativa tomada, instituiu no convento do Espinheiro,
nos arredores de Évora, uma dotação de 20 000 réis com a obrigação de aí se
celebrarem, por ano, 104 «missas do anjo», duas cada semana, por intenção
dos que fossem defender as possessões ultramarinas 135 . E m a bela iluminura
que ilustra, no fólio 279, a antífona do dito Livro de Horas de D. Manuel, cuja
feitura deverá datar-se cerca de 1538, o anjo de toque maneirista sustenta o escu-
do das armas de Portugal de que, efectivamente, é o defensor 136 . N o entanto, já
o mencionado Breviarium Bracarense de 1512 traz uma gravura do Anjo Custódio
a empunhar com uma mão a espada, enquanto apoia a outra no escudo das
quinas 137 . Diferente de São Miguel e figurando com o brasão das armas portu-
guesas, pode ver-se no cotejo entre os dois anjos, obra de Garcia Fernandes, da
fase posterior a 1540, exposta no transepto da Igreja de São Francisco de Évora,
e ainda no anjo de Santa Cruz, do escultor renascentista, Diogo Pires, o Moço,
pertença do Museu Machado de Castro 138 . Outros exemplos, conduzindo à
mesma identificação, encontram-se nas igrejas eborenses de Santo Antão e da
Misericórdia, na charola do Convento de Cristo, em Tomar, na Igreja de Santa
Cruz de Vila Viçosa e na basílica do Convento de Mafra 139 . N o tempo do do-
mínio filipino, em 1590, Sisto V confirma e generaliza a prática do seu culto em
várias dioceses, aprovando um ofício litúrgico em honra do Anjo da Guarda 140
do reino português e dos territórios de além-mar. Nos momentos de perigo e
nas épocas difíceis sofridas por Portugal, como por altura da batalha do Salado
(1340), o rei D. Afonso IV saiu vitorioso do embate com a moirama, ajudado,
segundo reza a crónica, por «húa esquadra de cavalleiros [volantes] resplande-
centes, que seguião h u m estandarte celestial»141.

Q u a n d o da visita de D . J o ã o IV, em 1643, ao colégio jesuítico de Évora,


o Anjo Custódio de Portugal foi uma das figuras do cortejo organizado em
honra do rei aclamado 141 . N o período das guerras da Restauração, mostra-
-nos a semionária como se fez sentir esse patrocínio. O franciscano Frei Cris-
tóvão de Lisboa, no quarto domingo da Quaresma, recorda que a separação
de Castela dos reinos de Portugal e da Catalunha se deu a instâncias «dos An-
jos Custódios dos Reynos oprimidos», que encorajou o nosso «singular esfor-
ço e alento», pois aparecera na Lua «com húa Custodia na mão» por onde
nos certificava Deus vir «não só a nos defender, mas a ofender a quem nos
vier cometer» 142 . Esta crença na ajuda divina, através de semelhante interme-
diário, seria reafirmada pelo mesmo orador, em dia da Imaculada Conceição
de 1645, na Capela Real, chegando mesmo a acenar com a próxima concreti-
zação do Quinto Império 143 . N o longínquo Macau, o jesuíta Simão da C u -

624
O R A Ç Ã O E DEVOÇÕES

nha, ao pregar na festa da Assunção de 1642, alude à aparição do Anjo na Lua


que se cria ocorrida e se difundira por todo o espaço luso, movendo-o a in-
tenção de animar a resistência patriótica, dia e noite, do rei e de todos os seus
vassalos144. Sabido que, nos relatos bíblicos, o desempenho de uma missão
angélica j u n t o dos homens ocorre preferentemente durante o sono, o inacia-
no Bento Sequeira, na Igreja de São R o q u e , no terceiro domingo de Julho
de 1642, dia do Anjo Custódio de Portugal, cujo exército, na altura, estava
em campanha no Alentejo, apela para a confiança em tão poderoso protector,
pois, quando os «Anjos se empenham no que os homens pretendem, quãdo
se mostram presentes, & prestes na companhia, nam ha que temer desgraças,
nem desastres da fortuna» 145 . E m tempo de beligerância, em que os triunfos
militares eram interpretados no púlpito como aprovação divina à causa por-
tuguesa, era natural verificarem-se, nos sermões proferidos na festa do Anjo
Custódio, incisos políticos ligados ao momento. Não surpreende, pois, que o
franciscano Acúrsio de São Pedro, na solenidade litúrgica celebrada em São
Vicente de Fora, em 1646, lembre que são sobejas as razões do reino para lhe
agradecer, «porq faz tantos milagres em nos defender, obra tantas Maravilhas
em nos guardar, que de todo nos impossibilita a lhas poder satisfazer»146. Na
altura das invasões napoleónicas, foi espalhada pelo país uma estampa alusiva à
Victoria alcançada pelas armas britanicas e portuguezas no sitio do Vimeiro contra os
franceses em 21 de Agosto de 1808, em que figura o Anjo Custódio do reino ex-
terminando a águia de Napoleão e a tropa francesa 147 . Apesar da assinalável
voga e esplendor que a festa do Anjo Custódio teve nas dioceses de Braga,
Coimbra e Évora, «sobretudo a partir do século xvii e xvin», o culto esmore-
ceu sensivelmente na era oitocentista, com o liberalismo, se bem que ainda
em 1801, a câmara de Penamacor tomasse a seu cargo esta procissão real,
«sendo acompanhada de todos os oficiais, bandeiras e pessoas do costume» 148 .
Caída em completo esquecimento, esta devoção ressurge a partir das apari-
ções de Fátima de 1917, em que na segunda, dentre umas oito, ora nítidas,
ora imprecisas, ocorridas «na Loca do Cabeço, no Poço do Arneiro, nas Es-
trumeiras e na Cova da Iria», os videntes contaram que tiveram a visão do
Anjo de Portugal, como o mesmo a si de designou, «revelando os seus atri-
butos e funções» 149 . E m 28 de J u n h o de 1952, por decreto da Sagrada C o n -
gregação dos Ritos, foi restaurada em todas as dioceses do país a festa do An-
j o Custódio de Portugal e, em 27 de Julho, aprovado o novo próprio, ofício
e missa, com permissão de ser transladada para 10 de Junho, o dia da nação 15 ".

A L I G A Ç Ã O D A V I R G E M M A R I A À H U M A N I D A D E D E C R I S T O , profeticamente A piedade mariana


anunciada no Velho Testamento, recebe nos evangelhos a prova histórica
precisa para se poder firmar como verdadeira Mãe do Redentor, o Messias
prometido e incarnado, que no sacrifício da cruz resgatou a humanidade do
pecado e da morte. Torna-se assim Nossa Senhora, depois de Jesus, o inter-
cessor privilegiado entre Deus e os homens pela sua dupla maternidade, a
carnal e a espiritual, enquanto mãe do Salvador e da Cristandade, os flii eccle-
sie > filigreses > fregueses, ou seja, a Igreja, comunidade dos baptizados.
O lugar eminente que Maria ocupa na piedade popular torna-se entendível
pelo testemunho de uma remota tradição milenar em que o laço afectivo de
uma maternidade humanizada até às mais prementes instâncias do quotidiano
é, sem dúvida, o lado mais comovente e indestrutível da devoção mariana.
Ao sancionar-lhe o culto, doutrinária e liturgicamente, o Concílio de T r e n -
to, se o justificava e defendia com inequívoco vigor apologético, incrementa-
va-o na pastoral com afeição peculiar e medido alcance, na sua proposta de
ideal de mulher e mãe cristã. O eixo basilar residia na definição do culto das
imagens — sessão xxv (a. 1563), Dec. De cultu Sanct. — que se iriam multipli-
car sem cessar, dando origem ou polarizando infindas devoções. A piedade
pós-tridentina veria, é certo, serem expurgadas representações iconográficas
menos ortodoxas, sem que, no entanto, a onda de devocionismo deixasse de
crescer no número de invocações e onomástico antropológico, contrarias e
irmandades e actos de culto e peregrinações, templos e altares, numa explo-
são a roçar a mariolatria.

625
O DEUS DE TODOS OS DIAS

6i6
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

Três motivos se pressentem subjacentes ao recrudescer da devoção à Vir-


gem Maria que acompanha o movimento de cristianização da Idade M o d e r -
na: a dignificação da oração vocal, doseada com a mental dentro do espírito
da devotio moderna; o relevo acentuado de Maria na sua função de co-reden-
tora, advogada dos pecadores e mãe de Misericórdia; o papel de intercessor
celeste privilegiado no alívio das penas e libertação das almas do cativeiro do
Purgatório. Eis porque a reza do rosário e a devoção do escapulário do Car-
mo adquirem tão grande importância e difusão na pastoral orientada e inspi-
rada pela Reforma tridentina. Terra de Santa Maria se chama a Portugal. Na
verdade, numa estimativa com base no censo de 1890, verifica-se que, das
3736 freguesias dos 17 concelhos do continente português, 1032 são dedicadas
a Nossa Senhora, número muito próximo das 1055 inventariadas no Portugal
sacro-profano (1767-1768), de Paulo Dias de Niza 151 , o que mostra como era
antiga e arreigada a veneração à Virgem, aliás de não difícil comprovação
desde os tempos medievos. E não surpreende o facto de, ainda tomado aque-
le referente estatístico, se constatar que, feita uma divisória pelo curso do
Mondego, se regista, de entre as 2365 freguesias nortenhas, 450 (19 %) com
invocação mariana e das 1374 a sul, 582 (42,35 %) a possuem, atingindo as per-
centagens de 54,87 % e 54,4 % os distritos de Faro e Portalegre, circunstância
historicamente explicável pela forma como se processou a reconquista e o
povoamento do território nacional 152 . De notar será também «que mais de
dois terços das freguesias e templos marianos da Idade Média festejavam o seu
orago a 15 de Agosto, embora se chamassem de Santa Maria», mantendo-se
este nome invariável até ao século xvi, e a festa religiosa «mayor e mais sole-
ne» da nação era a da Senhora da Assunção, Nossa Senhora de Agosto, dia de
«grande effecto e lidice spiritual» para todo o reino» 153 .
Fenómeno de atender no crescendo da devoção popular mariana, em ca-
pelas e invocações, desde o início da era moderna é, conforme assinalou Wil-
liam Christian, fazer-se à custa da diminuição dos santos patronos, ocupando
a Mãe de Jesus a função de advogada das mais diversas doenças, males e bens,
como Senhora da Tosse, Senhora do Fastio, Senhora do Pranto, Senhora da
Alegria, Senhora da Consolação, Senhora da Ajuda, Senhora do Amparo, Se-
nhora da Luz, Senhora da Graça, Senhora dos Prazeres, etc. 154. Fala, ainda, o
referido autor na fusão do culto mariano e cristocêntrico que levou os fiéis a
colocarem imagens afins no mesmo templo ou desenvolvendo idêntica devo-
ção, como por exemplo: Senhor e Senhora da Agonia, Senhor e Senhora da
Piedade, Senhor e Senhora do Desterro, Senhor e Senhora dos Aflitos, Se-
nhor e Senhora da Ajuda. E, tomando a realidade portuguesa, ilustra com
pertinência o investigador Carlos Ferreira de Almeida: «uma grande percen-
tagem das nossas igrejas dos séculos xvii-xvm, desde que tenham diversos al-
tares, dedicam dois deles e os mais importantes, habitualmente os que estão
ao lado do arco-cruzeiro, u m a Cristo Crucificado, por regra o do lado direi-
to, e o outro do lado oposto à Virgem, sobretudo, Dolorosa ou do Rosá-
rio» 155 . C o m o a reforma da vida cristã dos fiéis era o grande desígnio da pas-
toral tridentina, a evangelização do povo recorria aos santuários e devoções
marianas, como pólos de concentração de fiéis, a fim de combater a ignorân-
cia religiosa, as superstições, a imoralidade, a ausência dos sacramentos, o que
se fazia através da pregação, da oração em comum, da catequese, das novenas
e exercícios espirituais. A j u n t a r também o papel privilegiado das confrarias
que inseriam, nos compromissos por que se regulavam, a obrigatoriedade de
actos de piedade em que a frequência da confissão e comunhão, a reza quoti-
diana e a caridade para com os irmãos eram prescritos. Ao lado da confraria
do Santíssimo Sacramento, a da Senhora do Rosário, de origem tardo-me-
dieva e mediterrânica será a mais c o m u m nos séculos xvii e xvui, em terras O Nossa Senhora da Encarnação,
portuguesas do continente e além-mar, indo a ponto de absorver ou substi- de Fernão Gomes, c. 1594
(capela colateral do transepto
tuir nas paróquias o espaço funcional ocupado pelas do subsino e das Almas,
da Igreja de Santa Maria de
quando a fusão com estas não acaba mesmo por ocorrer. Belém). Lisboa, Mosteiro dos
N o onomástico cristão das gentes, facto igualmente c o m u m nas socieda- Jerónimos.
des peninsulares, o nome por excelência do barroco, dado no baptismo às F O T O : JOSÉ M A N U E L OLIVEIRA/
/ A R Q U I V O C Í R C U L O DE LEITORES.
crianças do sexo feminino, é o de Maria, a que, por vezes, se adicionam os

627
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

epítetos da Anunciação, dos Anjos, da Assunção, da Graça, da Guia, da Nati-


vidade, das Neves, dos Prazeres, do Rosário, etc. Isto acontece por influência
da devoção local ou regionalmente mais em voga, a Nossa Senhora, cuja de-
nominação se generaliza a partir do século xvi em paralelo com o tratamento
concedido a Cristo, e do predomínio de ordens religiosas na propagação do
culto mariano, como sucede com: os Franciscanos no incremento da devoção
à Senhora da Conceição; os Lóios a Nossa Senhora do Vale; os Agostinhos
à Senhora da Graça; os Oratorianos à Senhora da Assunção; os Carmelitas à
Senhora do Carmo; os Dominicanos à Senhora do Rosário, e outros casos
análogos 156 . A ligação do povo à Virgem é, de resto, tão mais íntima que, na
tradição familiar, o nome de Nossa Senhora está presente, a bem dizer obri-
gatoriamente, nos lares, como reza a quadra: Mal vai a casa / Q u e leva à pia
/ E que não tenha / Manei ou Maria. E esse sentimento é maior, ainda, se
atentarmos em que havia o costume de tomá-la por madrinha, fazendo tocar
a criança na sua imagem ou em algum adereço dela, vulgarizando-se o hábito
de assim a tratarem, como pode servir de exemplo o cantar dos romeiros ao
conhecido santuário mariano de Arcos de Valdevez: Ó Senhora da Peneda, /
Senhora tão pequenina, / Comadre de minha mãe, / Senhora minha madrinha1'57.
N o país predominantemente rural e marítimo, que as condições do solo e a
extensa corda litoral de múltiplas enseadas propiciaram à população portu-
guesa, a empresa das Descobertas ditou um destino de heroísmos, de aventu-
ra e tragédia com profundos vincos na religiosidade da época moderna, acor-
rentada a medos quotidianos ligados à terra e ao mar. As fainas agrícolas, a
sorte das sementeiras e o futuro das colheitas repercutem-se nas devoções
marianas polarizadas nas festas à Virgem Maria que se distribuem pelo calen-
dário litúrgico, com maior incidência da Páscoa a Setembro e estão patentes
nas designações protectoras de Senhora da Silva, da Goma, dos Campos, do
Vale, da Campanhã, invocadas contra pragas agrícolas, intempéries, geadas e
cheias 158 . Em âmbito mais largo, o prestígio alcançado na piedade popular
pelos santuários marianos de peregrinação, desde a Senhora da Abadia, no
Minho, da Lapa, no Centro, ao das Virtudes e Nazaré, no Sul, ligava-se aos
célebres ícones aí venerados, traduzindo a crença no poder maternal de M a -
na, representado na imagem sacra, a quem se rezava e prometia, de forma a
assegurar a protecção e a fecundidade dos campos. Merecedores de sinais
expressivos de gratidão, em rituais semelhantes comuns para outros lugares e
regiões do país, inúmeras eram as procissões de peregrinos que, no começo
de Seiscentos, dos meios rurais de Aljubarrota, Cós," Évora, Maiorga, Cela,
Alfeizerão, Famalicão, e outras mais do termo leiriense, se dirigiam, a 5 de
Agosto, ao Sítio, fazendo-se acompanhar de «muita quantidade de offertas em
taboleiros de trigo... antecipando-se a debulharem para trazerem as primícias
de suas novidades à Senhora de Nazareth» 159 . Os perigos do mar, muito de
temer, não sucediam só nas viagens de longo curso para a índia e Brasil, em
que os naufrágios eram frequentes e miraculosos os salvamentos, quando
ocorriam, reflectem-se nas ingénuas encenações das tábuas votivas, testemu-
nhos que cobrem as paredes dos santuários da Abadia (Amares), Porto de Ave
(Póvoa de Lanhoso), da Lapa (Sernancelhe) e da Nazaré, datados dos séculos
xvn e xviii, testemunhando essa afectiva devoção a Nossa Senhora de ma-
reantes e famílias 160 . N ã o distante da praia as ameaças espreitavam a vida dos
pescadores e moradores ribeirinhos com os ataques do corso. Eram, de facto,
frequentes as pilhagens da pirataria berberesca desde o litoral minhoto ao al-
garvio, passando pelo dos coutos alcobacenses de forma a obrigar as popula-
ções a entrarem «pella terra dentro pera mais longe com as canastras, cestos,
& fradeis de mantimentos, & crianças às costas, não se lembrando huns dos
outros, fugindo cada h u m mais que podia» ao roubo, à violação, à morte, ao
cativeiro com risco de renegar a fé católica 161 . Neste transe, sem socorro 'hu-
mano que acudisse às vítimas, só mesmo da protecção da Virgem se poderia
esperar o auxílio celeste. E não eram apenas os pequenos barcos pesqueiros
que ostentavam por remota tradição nomes marianos. Barinéis, caravelas e
naus quinhentistas e seiscentistas tinham-nos em sua esmagadora maioria, tais
como: Senhora de Varazim, Senhora do Rosário, Santa Maria de Água de' Lu-

628
O R A Ç Ã O E DEVOÇÕES

pe (Guadalupe), Senhora da Conceição, Senhora dos Anjos, Senhora da C o n -


solação, Senhora da Ajuda, Senhora da Piedade, Senhora da Esperança, Se-
nhora da Encarnação, Senhora da Nazaré, Senhora da Guia, Senhora da Boa
Viagem, Senhora das Neves, Senhora do Socorro, etc. 162 . A diáspora portu-
guesa, a partir das Descobertas com o seu infindo cortejo de emigrados pelo
mundo, não permite silenciar o culto de Nossa Senhora do Desterro, aliás de
raiz evangélica, tão radicado no Brasil dos séculos xvu e xvni, cuja fortuna o
Santuário mariano (1707-1723) de Frei Agostinho de Santa Maria — m o n u m e n -
to literário de surpreendente riqueza informativa — copiosamente documenta,
e por recíproco motivo bem patente em Portugal, na abundante panóplia de
imagens e templos, como de sobejo justifica a lembrança e sorte dos ausentes
na memória dos vivos, reforçadas pelo atávico sentimento da saudade 163 .
A devoção a Nossa Senhora da Conceição perde-se na Idade Média por-
tuguesa. Em princípios do século X I I I , no mosteiro beneditino de Pombeiro,
celebrava-se a festa da Conceição da Virgem Maria, segundo determina o tí-
tulo xxii do Livro de usos, indicando o oficio e missa 164. Data dos séculos xiv
e xv, nas romarias aos santuários da Senhora da Nazaré e do cabo Espichel, a
origem dos tradicionais círios, hoje ainda existentes. A primeira imagem por-
tuguesa da Virgem da Conceição talvez seja a do Antiphonarium Temporale
(1482-1484) do antigo convento dominicano de Jesus de Aveiro 165 . O culto da
Imaculada ganha forte adesão na época moderna a partir de Trento, tomando
as ordens religiosas, as universidades e os monarcas ibéricos posições tenden-
tes à definição dogmática. Filipe III impulsionou este objectivo, animando os
teólogos ibéricos à sua fundamentação, para sensibilizar a Santa Sé a procla-
má-la. Nesse sentido, o lente graciano coimbrão Frei Egídio da Apresentação
publicou o De Immaculata Bcatae Virgin is Conceptione (1617) e a 8 de Dezem-
bro de 1617 o claustro pleno da Universidade de Coimbra reunia-se para
apreciar uma carta do monarca sobre o assunto e decidia escrever ao papa a
comunicar-lhe quanto cria autorizada a crença nesse privilégio mariano. N o
ano imediato, o senado de Lisboa mandava que se afixassem lápides com a <] A Nossa Senhora da
inscrição nas principais entradas do burgo: A Virgem Maria foi concebida sem pe- Conceição, século xvu (Lisboa,
cado original. Nos sínodos diocesanos da Guarda (1634), de Braga (1637) e de igreja do Convento de Nossa
Coimbra (1639) o clero reunido fazia o juramento de defender a Imaculada, a Senhora da Conceição dos
Cardais).
cuja invocação o feliz sucesso da Restauração de 1640 ficaria ligado e a sorte
da independência reavida. Na verdade, logo a 8 de Dezembro, o pregador FOTOS: JOSÉ MANUEL OLIVEIRA/
/ARQUIVO CÍRCULO DE LEITORES.
franciscano Frei João de São Bernardino sugeria a consagração do reino, ten-
do as cortes, a 16 de Março de 1646, deliberado eleger Nossa Senhora da
Conceição padroeira de Portugal e seus domínios, já que o primeiro sobera-
no D. Afonso Henriques havia tomado «por especial awogada sua a Virgem
Mãy de Deos Senhora nossa, e debaixo de sua Sagrada protecção e amparo,
lhe offereceo todos seus successores, Reino, e Vassalos com particular tributo
em sinal de feudo e Vassalagem». Havendo feito, na festa da Anunciação des-
se mesmo ano, D . J o ã o IV o solene juramento de defender a Conceição Ima-
culada, jamais os reis portugueses colocaram na cabeça a coroa. Testemunhos
da perpetuidade desse reconhecimento pela protecção da miraculosa Virgem
seguiram-se ao longo de dois séculos: a pia convicção da sua presença visível
nas campanhas restauracionistas 166 ; a Universidade de Coimbra secundando o
régio gesto do juramento que as câmaras ratificaram; moedas alusivas em ou-
ro e prata circularam, em 1648; inscrições a memorizar o piedoso feito foram,
seis anos depois, colocadas às portas das cidades e vilas do reino; o papa Cle-
mente X, em 1671, confirmou a eleição da padroeira da monarquia lusa; o rei
D. Pedro II aprovou, em 1694, a Confraria dos Escravos da Senhora da C o n -
ceição, erecta na sua igreja de Vila Viçosa; a Academia de História fundada
por D. João V jurou, em 1733, idêntico propósito, começando a reunir uma
biblioteca constituída por todas as obras marianas publicadas no mundo;
D . J o ã o VI, já sucessor de D. Maria I, instituiu a O r d e m Militar da Concei-
ção, em cuja insígnia a legenda «Padroeira do Reino» está inscrita em letras
de ouro 167 . Conforme a tradição do colonizador português no Brasil, o nome
de Conceição foi dado a várias povoações, como à de Itamaracá, fundada por
João Gonçalves, e a outra da capitania da Bahia pelo governador T o m é de

629
O D E U S D E TODOS OS DIAS

Sousa em meados de Quinhentos. Na copiosa onda de mariofanias registadas


pela crença popular com imagens da Virgem, conta-se a da aparição da Se-
nhora da Rocha, em 1822, nos arredores de Lisboa, em Carnaxide, cuja igreja
e culto ainda hoje se conservam 168 . Aliás, o lendário, a roçar a cândida infan-
tilidade, envolve certos ícones da Senhora da Conceição, como o da Sé de
Silves que teria resistido ã intenção de a quererem levar para Faro, quando
em 1577 a sede da diocese para aí se transferiu, caindo fulminado por morte
repentina o cónego que se atreveu a mandar arrastá-la por cordas; e o da casa
dos Oratorianos de Estremoz que se dizia ser tão cioso de sua pureza imacu-
lada que afastava as moscas que ousavam pousar-lhe 169 . Inúmeras esculturas,
pinturas, altares e templos documentam, na era moderna, a intensidade do
culto da Senhora da Conceição, desde o século xv com maior profusão nos
séculos X V I I e xvm, e até de inspiração indo-europeia 17 ".
Por sua vez, a parenética concepcionista, motor dinâmico desta devoção
de que reciprocamente se alimenta, impulsionada ao longo da época moder-
na, é abundante e expressiva em seus cambiantes barrocos e barroquistas, de
teor doutrinário e panegírico. Os pregadores que a subscrevem pertencem às
diversas ordens religiosas e ao clero secular, com textos integrados em sermo-
nários e/ou publicados em folhetos. Entre os jesuítas avulta o padre António
Vieira com os seus três sermões de Nossa Senhora da Conceição, os dois pri-
meiros pregados em São Salvador, nas igrejas da Praia e do Desterro, nos
anos de 1635 e 1639, e 0 terceiro, sem data, consta da quinta parte dos Ser-
moens, saída em 1689. Merecem, contudo, menção os inacianos: Francisco de
Amaral (in Sermoens, vil, 1641), António Sá (matriz de Pernambuco em 1658),
J e r ó n i m o R i b e i r o de Carvalho (Sermam da puríssima e immaculada Conceiçam,
1673), Luís Alvares (in Sermoens, m, 1699), Simão da Gama (in Sermoens, vi,
1713), Manuel dos Reis (in Sermoens, 11, 1720). Grupo mais numeroso formam
os franciscanos, incluindo capuchos, grandes defensores do privilégio imacu-
latista, como: Frei Pedro Correa (in Triumphos ecclediasticos, 1, 1617), Frei João
d e C e i t a (in Quadragena de sermões, 1619 e Sermões das festas da Santíssima Vir-
gem, 1634), Frei António dos Arcanjos (Sermam da Conceição, 1664), Frei Luís
de São Francisco (in Quatorze sermões funeraes, 1690), Frei Manuel de São Plá-
cido Salta (Sermam da Conceição, 1699), Frei Francisco Xavier da Rocha (in
Sermoens vários, 1734), Frei António de Santa Ana (Sermam da Conceição, 1738),
Frei Luís de São José (in Sermoens vários, 1742), Frei Lourenço de Santa Tere-
sa (Sermoens vários panegyricos, mysticos e doutrinaes, iv, 1761), Frei A n t ó n i o d o
Espírito Santo Andrade (in Sermoens panegyricos e morais, 4 tomos, 1765-1768);
Frei Sebastião de Santo António (in Sermoens, 1, 1784), Frei Francisco da Ma-
dre de Deus Pontes (in Sermões, 5 tomos, 1798-1800). Seguem-se: os carmeli-
tas Frei José do Espírito Santo (in Très sermoens, 1657/1659), Frei Urbano de
Santo António (Triumphos da Conceição, 1686), Frei António de Santo Eliseu
(in Sermoens vários, 1, 1736), Frei Manuel da Madre de Deus Bulhões (in Ser-
mões vários, 1737); os eremitas augustinianos Frei Cristóvão de Almeida (in
Sermoens vários, iv, 1686), Frei Manuel de São Carlos (in Sermoens da Concei-
ção, 1699), Manuel de Lima (in Ideas sagradas, 1, 1720), José de Sousa (in Ser-
moens panegyricos, 1, 1721), Frei Manuel Gouveia (in Sermoens vários, 1, 1726);
os oratorianos Diogo Curado (in Sermoens, 1, 1719), padre Manuel Bernardes
(in Sermoens e practicas, 1735), padre Francisco Xavier (in Sermoens, 1, 1735), pa-
dre Teodoro de Almeida (in Sermões, m, 1787); os beneditinos Frei Rafael de
Jesus (in Sermoens vários, in, 1689), Frei Manuel da Rocha (Sermão da Concei-
ção, 1727); os jeronimitas Frei Gabriel da Purificação (Terno sonoro... da Imma-
culada Conceição, 1689), Frei José do Nascimento (in Sermões, 2, 1732); os teati-
nos padre António Ardizone Spínola, napolitano (in Sermões da Imaculada
Conceição, 1682) e padre José Barbosa (Sermão historico-panegirico da Conceição de
N. Senhora, 1709); o dominicano Manuel da Silveira (in Sermões posthumos,
vil, 1762); o crúzio Frei António dos Mártires (1691); o lóio Frei Francisco de
Santa Maria (in Sermoens, 1, 1686); padre António da Costa Cordovil da O r -
dem Militar de São Tiago (Très sermoens da Conceição, 1673); os seculares Dio-
go de Paiva de Andrade (in Sermões, 11, 1604), padre Jacinto Soares de Torres
(1752), padre José Francisco de Araújo Freire Barbosa (1796/1800)171.

630
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

O culto da Imaculada Conceição, cuja definição dogmática Pio IX procla-


mará em 1854, continuou a difundir-se, surgindo em locais que lhe adicionarão
outros epítetos. Em Portugal, todo o século X V I I I vê crescer a devoção à Ima-
culada que no reinado de D.João V atinge um ponto alto. Irrompe, no entre-
tanto, e começa a afirmar-se a do Sagrado Coração de Maria que passa a cami-
nhar em paralelo com a do Coração de Jesus. Se é certo que Santa Brigida,
famosa mística do século xrv, não dissociava os dois corações de Jesus e Maria,
o apóstolo da devoção pública do Coração de Maria foi São João Eudes, no
século X V I I I , a quem devem ser associados São Francisco de Sales e o cardeal
Bérulle, principiando logo a serem erectas várias confrarias, enriquecidas de in-
dulgências papais. N o reinado joanino, cerca de 1728, por ordem régia foi co-
locado, em Vila Viçosa, «um fresco da Ceia do Senhor, por cima do qual estão
pintados os dois corações, de Jesus e de Maria»172. Exemplos semelhantes co-
meçam a pulular pelo país, bem como aparecem, nesta altura, relicários em ta-
lha dourada com os ditos corações, um enlaçado por uma fiada de espinhos e o
outro atravessado por uma espada. A primeira igreja dedicada ao Sagrado Co-
ração de Maria mandou-a erguer em Lisboa, no Campo Grande, o fidalgo An-
tónio Feliciano de Andrade, no último quartel do século xviii, e que um in-
cêndio, a 25 de Dezembro de 1882, reduziu a cinzas. Na obra do padre
Teodoro de Almeida, Gemidos da Mãe de Deus ajlicta (1785), a «Consolação VI»
destina-se a obsequiar o Coração da Virgem Maria, para cuja devoção há uma
novena, com os exercícios espirituais a praticar173. Esta devoção ganhou ainda
maior impulso no mundo católico, e também entre nós, com a célebre medalha
milagrosa de que uma freira francesa da Congregação das Filhas da Caridade,
Catarina Labouré, inspirada na aparição com que dizia haver sido contemplada
pela Virgem, promoveu a difusão, pois garantia que Nossa Senhora prometera
graças muito abundantes a quem a trouxesse consigo. De perfil oval, a piedosa
insígnia tinha gravada por baixo ou em redor: «Ó Maria concebida sem peca-
do, rogai por nós que recorremos a vós».174 Jaculatória e medalha, a que se
atribuem numerosos milagres, imagens com um coração em peito aberto da
Nossa Senhora e confrarias afins bem depressa entraram na piedade popular.
A doutrina da intercessão da Virgem em favor das almas do Purgatório e
da eficácia das indulgências concedidas pela Igreja e o valor das orações e su-
frágios dirigidos a Deus em ordem ao perdão das penas dos que morrem em
estado de graça, mas têm de satisfazer ainda a justiça divina ofendida pelos
pecados cometidos em vida, eram questões debatidas pelos teólogos medie-
vais do Ocidente e Oriente. Entende-se assim o alcance do papa João XXII
ao promulgar o privilégio sabatino pela bula Santíssimo uti culmine (1316) que
sancionava a doutrina difundida pela Confraria do Santo Escapulário do Car-
mo, fundada pelo carmelita inglês Simão Stock que declarara ter-lhe Nossa
Senhora revelado, em 16 de Julho de 1251, no seu convento de Cambridge,
ao entregar-lhe aquela sagrada insígnia, que, se a usasse sempre, o livraria das
penas infernais. O pontífice ia, porém, mais longe porquanto na bula repro-
duziu as palavras da Virgem ao aparecer-lhe vestida de carmelita, pedindo
que difundisse o privilégio concedido aos confrades da Ordem do Carmo:
«Se depois de passarem desta vida forem ao Purgatório eu descerei a ele no
primeiro sábado depois da sua morte e, como Mãe piedosa, livrarei das suas
penas a todos que ali estiverem, e os levarei comigo ao Monte Santo da vida
eterna.» Estava dado o passo decisivo para o favor que o escapulário e a C o n -
fraria do Carmo alcançaram na devoção popular. Outros papas reiteraram-lhe
a aprovação e enriqueceram-nos com graças que mais desejados os tornavam.
Em Lisboa, a pia fraternidade surge no despontar do século xv e em 1407 tem
o seu compromisso aprovado, chamando-se aos seus membros os Irmãos do
Capelinho, por usarem uma espécie de capuz nas murças das capas, à seme-
lhança do hábito dos religiosos. D.João I e sua mulher D. Filipa de Lencastre
davam o exemplo ao trazerem consigo o escapulário e «na arte do século xv a
Virgem começa a aparecer por sobre a fogueira do Purgatório, em virtude de
se acreditar na sua acção em favor das almas»175. A partir dos finais de Qua-
trocentos, este tema iconográfico difunde-se em Portugal e pouco depois ir-
rompem na Europa as doutrinas erasmianas e luteranas. O alcance pedagógico

631
O DEUS D E TODOS o s DIAS

destas representações imagéticas nas igrejas, embora desencorajadas pelo espí-


rito da devotio moderna, era reconhecido pela hierarquia e explicava-se que ali
não estavam «para os homens letrados senão para os que não entendiam as es-
crituras»176. Notava-se na altura, contudo, um justificado esfriar do culto das
almas do Purgatório, fruto por certo da ignorância religiosa e da crise grave
que larvava no seio da Cristandade. Os sinais, localmente, eram inequívocos.
Acudiam denúncias alarmantes na Inquisição, ao dobrar da segunda metade
do século xvi: declarava uma testemunha num processo do vigilante tribunal
da fé ter ouvido pregar em Alcácer do Sal que não havia Purgatório e que
um cavaleiro da Ordem de Santiago afirmara o mesmo diante do respectivo
mestre; confessara uma «devota» do círculo de espirituais de Lisboa haver-lhe
dito um frade que «as cõtas bías q o papa cõcedya p.a se tirar almas do purga-
toryo q lhe parecia q o papa o nã podia fazer por q as almas do purgatorio es-
tauão já fora da sua Jurdição»; reconhecia um antigo escolar dos parisinos co-
légios de Guiena e de Santa Bárbara e aluno do das Artes de Coimbra serem
as dúvidas alimentadas por discursos sobre aquele lugar de purificação que o
levaram a descrer dele «e que desta frjaldade que asj trazia acerqua deste at.°
[artigo] do purgatorjo como custumava»177. Por outro lado, a negação protes-
tante, sustentada por Lutero e Calvino, era um facto, invocando o silêncio da
Sagrada Escritura e defendendo a ineficácia das orações pelos defuntos. C o m -
preende-se assim que, apesar do explicitado nos concílios ecuménicos de
Leão (1274) e Florença (1439), e na sessão última de 15 de Novembro de 1563,
o Concílio de Trento definisse dogmaticamente a existência do Purgatório,
reafirmasse a utilidade de se rezar e aplicar sufrágios pelas almas e instasse à
propagação de tão salutar devoção.
Dos fins do século xvi ou princípios do imediato é uma pintura a óleo
em tábua da igreja do antigo convento dos Carmelitas Descalços do Porto
que recorda a bula sabatina e mostra sete cativos do Purgatório de ambos os
sexos com o escapulário do Carmo, enquanto Nossa Senhora vestida de car-
melita e rodeada das pessoas da Santíssima Trindade dá a mão a um confrade
do escapulário a sair das chamas puxado pela Virgem e auxiliado por um an-
jo. Na Misericórdia de Tentúgal há uma «medíocre pintura seiscentista» com
a Senhora do Carmo a interceder a Cristo pelas almas, em alusão, por certo,
ao referido privilégio 178 . Pouco conhecida é uma tela do século X V I I , de po-
bre valor artístico, do conventinho franciscano do Salvador de Évora, em que
a Virgem do Carmo tem na mão um comprido escapulário a que se agarram
duas almas revestidas de seus e deste modo se vêem salvas. À segunda metade
de Setecentos pertence a tela da igreja do antigo convento carmelita eboren-
se, de escassa valia estética, mas iconograficamente importante, pois traduz a
promessa contida na famigerada bula. Em Vila Viçosa, na sacristia da Miseri-
córdia encontra-se um conjunto de painéis de azulejo de meados do sécu-
lo xviii dedicados ao Purgatório, em que um pela atitude da Virgem, embora
sem esta e as almas ostentarem o escapulário, recorda o privilégio sabatino.
Na matriz da paróquia algarvia de Santa Catarina, entre São Brás de Alportel
e Tavira, «conserva-se uma pintura dos finais do século xvin que, num por-
menor, invoca a graça sabatina sob uma mítica feição heterodoxa» — a Se-
nhora do Carmo, ao lado de Cristo e no oposto São Miguel, levanta pela
mão uma figura a sair das labaredas. Os carmelitas bracarenses tinham em seu
convento «um painel de madeira com o texto da tradução portuguesa da Bula
Sabatina, pintado em cursivo», onde se mostra a Virgem a inclinar-se sobre as
almas que ardem no Purgatório, entre as quais um papa, um cardeal, um fra-
de, uma mulher e um anjo a estender um escapulário para aquelas subirem.
De 1710 é a imagem da Virgem do Carmo da Matriz de Perosinho (Gaia)
com «almas em chamas» a seus pés a sugerir que as vai aliviar. Por sua vez, a
tela dos finais de Setecentos da Capela do Espírito Santo de Sousel (Portale-
gre), em que Nossa Senhora do Carmo com o Menino ao colo entrega a uma
freira um pequeno escapulário, enquanto outra ergue um coração que Jesus
lhe confiara. Quase «ignorado, este quadro alentejano reflecte talvez duas de-
voções da época em que foi feito: a do privilégio sabatino, que já estava bem
espalhada, e a do Sagrado Coração de Jesus, então a aparecer entre nós»179.

632
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

Se é certo serem bem elucidativas, primam, contudo, pela raridade as re- Sagrada Família, de Machado
presentações explícitas à mensagem da bula sabatina, tão cara à piedade popu- de Castro, c. 1770-1780
lar. Motivos de ortodoxia doutrinária, acerca desta intervenção da Virgem (Museu de Aveiro).
Maria no alívio das almas a penar no Purgatório, teriam levado Paulo V, a 27 F O T O : D I V I S Ã O DE
de Maio de 1606, a suspender para melhor as regular as indulgências que lhe D O C U M E N T A Ç Ã O FOTOGRÁFICA/
/ I N S T I T U T O P O R T U G U Ê S DE
estavam anexas. Continuando a pregá-las, os carmelitas portugueses fizeram
MUSEUS/CARLOS MONTEIRO.
com que a Inquisição pedisse a Roma para interferir, acabando o mesmo pa-
pa, ao aprovar o decreto da Sagrada Congregação do Santo Oficio, datado de
11 de Fevereiro de 1613, por confirmar o privilégio sabatino, mas ao mesmo
tempo ordenar que «de nenhum modo se façam as Imagens que alguns devo-
tos costumavam pintar da Beatíssima Virgem descendo a tirar as almas do
Purgatório: antes se entenda que as ditas almas são livres daquele trabalho pe-
la intercessão da Virgem Senhora, e pelas mãos dos Anjos colocados no
Ceo». A propósito, o malogrado investigador Flávio Gonçalves esclarece que
semelhante proibição iconográfica se harmonizava com o legislado em Tren-
to, na sessão xxv de 3-4 de Dezembro de 1563, que proibia que se colocassem
nos templos quaisquer «imagens de falso dogma», capazes de serem para os
«rudes ocasião de erro», acabando assim por não só serem retiradas da venera-
ção dos fiéis outras representações imagéticas abrangidas por esta condenação,
como naturalmente «destruídas ou modificadas certas pinturas ou esculturas
onde o assunto estivesse patente» de maneira heterodoxa.
A devoção do privilégio sabatino, incrementado pela reforma tridentina,
deveu, como se torna óbvio, a sua difusão às confrarias do Escapulário e às
ordens terceiras do Carmo, a partir sobretudo dos conventos de carmelitas
calçados e descalços, onde estavam erectas. Daí passavam para vilas e aldeias,
aproveitando da aura popular de que desfrutavam. Para se compreender a
força do movimento carmelitano, bastará ter em conta: que só no Alentejo
havia, no século xvin, sete conventos masculinos e femininos da Ordem do
Carmo (carmelitas calçados de frades em Moura, Vidigueira, Beja e Évora e

633
O D E U S DE TODOS OS DIAS

nesta também um de freiras; de descalços, em Évora e nesta sendo um de fra-


des e outro de freiras); que o número de confrades dos Irmãos do Capelinho
ascendia, por 1745, em Lisboa, a 1200; que ao uso quotidiano do escapulário,
junto À pele, se atribuíam «nos séculos XVII e xvm, na Metrópole e no Ultra-
mar, inúmeras graças — em casos de naufrágios, incêndios, desastres, guerra,
tentações do demónio, doenças, partos, etc., nos quais os portadores da insíg-
nia carmelitana se salvam milagrosamente» 180 ; que a reconquista de Évora em
1663, nas campanhas da Restauração, se devera à intercessão milagrosa de
Nossa Senhora do Carmo, como na igreja do convento franciscano do Salva-
dor da mesma cidade pregou o carmelita Frei José do Espírito Santo; que na
Guerra da Sucessão de Espanha, nos primeiros anos do século xvm, «os ofi-
ciais e soldados da praça de Moura chegaram a talhar escapulários de papel,
que envergavam antes de partir para o campo de batalha» confiados na vitó-
ria, e na graça de não morrerem sem confissão; que os reis D. Pedro II,
D.João V e a rainha D. Maria Ana de Áustria e os príncipes traziam sempre
o escapulário do Carmo consigo 181 .

São José, o patrono D A S T R Ê S PESSOAS DA S A G R A D A F A M Í L I A , a de São José — autonomizado

da boa morte da representação dos desposórios com a Virgem, do presépio, da adoração


dos pastores, da circuncisão de Jesus, do encontro entre os doutores no tem-
plo de Jerusalém e lar-oficina de Nazaré — foi objecto de um culto em ex-
pansão na idade barroca. Celebrada em vários locais da cristandade oriental e
ocidental, e em diversos dias do ano, a sua festa litúrgica fixa-se, no século xv,
em 19 de Março, e Gregório XV, em 1621, estendeu-a à Igreja universal. En-
contra-se, para além de vários outros exemplos significativos, em Santa Tere-
sa de Avila uma profunda devoção para com o Santo Patriarca, varão humil-
de, obediente e silencioso, de exemplaríssimo porte para ser apresentado
como modelo da vida de clausura. E foi, sem dúvida, de constante aumento,
no período da Reforma católica, a veneração que a Cristandade lhe consa-
grou. Há: da autoria do eremita augustiniano Frei Gaspar dos Reis (c. 1567)
u m Officium parvum in honorem Sanctissimi Patriarchae Joseph adjectis quibusdam
Orationibus pro dcvotione offerentium e o u t r o Officium S.Josephi, d o carmelita
Frei Manuel das Chagas, editados em Lisboa, respectivamente em 1618 e
1620^ do franciscano Frei Pedro de São Tomás, Memoria da devoção do Espozo
da Virgem (1652), livrito extraído dos escritos do confrade Frei Diogo da Pai-
xão e do agostinho descalço da nação vizinha, Frei Gabriel Conceição; do
dominicano Frei Mateus Castanho de Figueiredo (1600-1644), Sete mysteriös
do Patriarcha S.Jozé penosos, e gozosos em que se tratão seus louvores com moralida-
des provadas com lugares da Sagrada Escritura (1639) e do padre Nicolau da Maia
Azevedo (1591-?), paladino da Restauração de 1640, Devoção que se ha de fazer
cada dia ao sr. São José, sem identificação de data182. O sacerdote português
Paulo Mota fundou, em Roma, nos fins do século xvi e princípios de X V I I , a
congregação religiosa dos Padres de São José, aprovada em 1620 pelo papa
Paulo V e, por certo, voltada para a assistência183.
N o período da Restauração era tido por um dos santos tutelares do reino,
então em transe difícil. O duque D. Teodósio, pai de D. João IV, com «mis-
terioso ânimo», recomendara-o ao filho, pedindo para lhe dedicar particular
afecto 184 . Da celebração litúrgica de São José, de resto, não podia o rei es-
quecer-se, dado ser esse o dia de seu natalício, como acontecia anualmente
na Capela Real dos Paços da Ribeira, com o solene pontifical, a que o mo-
narca assistia, e os sermões condizentes em que a matéria política surgia rela-
cionada com a legitimidade à Coroa do soberano e o momento vivido. Os
grandes pregadores do tempo, Vieira, Ardizone Spínola e Cristóvão de Al-
meida tiveram nessa linha intervenções do maior interesse. Como ponto co-
mum, o nascimento de D.João, em semelhante data, fora presságio divino.
A gratidão ao santo assenta, por isso, na justificação do encobertismo. Assim,
um dos intuitos do sermão do padre António Vieira, na Capela Real, a 19 de
Março de 1642, fora mostrar que se deve a São José a protecção do libertador
de Portugal, conservado milagrosamente e encoberto até à sua aclamação; e,
acentuando o carácter providencialista deste culto no seu elo com a nação,

634
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

recorda a coincidência verificada entre a data da sua proclamação e o início São José e o Menino, escultura
policromada (segunda metade
do domínio filipino185. De novo no púlpito da Capela Real, em 1644, o pre- do século X V I I I ) . Bragança,
gador retomará o fio da matéria patriótica: a restauração das liberdades do Museu do Abade de Baçal.
reino e as influências benéficas que por intermédio da protecção de São José F O T O : D I V I S Ã O DE
se desfrutava 186 . Na senda do encobertismo se refugiaram o teatino Ardizone DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA/
Spínola e o agostinho Cristóvão de Almeida, a fim de enaltecer a intercessão /INSTITUTO PORTUGUÊS DE
M U S E U S / J O S É PESSOA.
do santo. O primeiro, em 1649 e 1650, no preciso dia do aniversário natalício
de D.João IV, na capela dos Paços da Ribeira, procura provar, por um lado,
que o monarca reinante era o «encoberto, descoberto e emparado», que a
Providência confiara a São José, como havia feito com Cristo 187 ; por outro,
que encoberto e desejado fora-o em virtude da promessa divina, que o cir-
cunstancialismo histórico-biográfico permitia ajustar, e da protecção miraculo-
sa que até ao momento jamais deixara de lhe conceder 188 . Para o segundo, o
sermão também proferido naquele lugar, a 19 de Março de 1656, assenta na
ideia-chave de que o santo é poderoso, vigilante, seguro e perpétuo protector
da nação portuguesa, sendo eficaz o seu auxílio por ser, de entre os demais
santos, o mais justo e, se este está na mão de Deus, «Deus está na mão do nos-
so justo», donde dimanam as forças e o auxílio imprescindíveis à Restauração

635
O D E U S DE TODOS o s DIAS

da autonomia pátria' 89 . Protector da família, socorro dos aflitos e advogado na


hora da morte, o culto a São José floresceu, eloquentemente demonstrado por
uma piedade que lhe continuou dedicando altares, capelas e confrarias.
A ligação do Esposo da Virgem Maria ã corporação dos carpinteiros apare-
ce num curioso regimento da festa do Corpo de Deus em Tomar, anterior ao
último quartel de Seiscentos, em que se menciona a bandeira deste mester, or-
denando-lhes que dariam «a figura de N. S. e S.Joseph, e o juiz do officio»
faria a correspondente repartição 190 . As confrarias que o tomam como orago
aumentam com o dobrar do século xvin, à medida que o seu culto se perso-
naliza. Assim, por exemplo, na Póvoa de Varzim, em cuja matriz a Irmandade
do Rosário custeou, em 1758, a festa de São José, devoção aliás mantida, que
nesta terra de pescadores veio a enraizar a norte, frente ao mar, no antigo sítio
da Areosa, na capelinha aí levantada, em 1844, onde uma confraria denomina-
da São José de Ribamar foi instituída 16 anos decorridos 191 . E o culto ao santo
familiar de Cristo foi-se, desta forma, espalhando em terra portuguesa.
No solilóquio XXIII de Luz e calor, numa adaptação que diz inspirada no li-
vrinho Farol de devoção, havendo considerado São José o ecónomo do Eterno
Padre, aio, tutor e pai putativo do Eterno Filho, substituto do Espírito Santo,
«santificado e desatado da culpa original no ventre da mãe», o padre Manuel
Bernardes, a modo de místico arroubo, faz-se eco da significativa extensão do
patrocínio do Santo Patriarca, ao dirigir-se-lhe nestes termos: «Vós sois advoga-
do das Virgens, porque foste puríssimo Virgem; advogado dos casados, porque
foste verdadeiro casado; advogado dos meninos e orfàos, porque defendestes e
sustentastes a Jesus e a Maria; sois advogado dos caminhantes e peregrinos, com
quem tantas jornadas e peregrinações fez por guardar nosso remédio »192
O que sobretudo, porém, credencia o poder celeste do casto varão é o seu
patrocínio na hora derradeira do desenlace terreno. Patrono da boa morte, en-
tendida como passagem à eternidade da alma confiante de sua salvação, desde o
francês Gerson (1416) ao italiano domínico quinhentista Isidoro Isolanis, assim
era apresentado São José, descrito a finar-se nos braços de Jesus e Maria — te-
ma que a iconografia enfatizou e imagem com que, em tempos de insegurança,
a pastoral procurou sensibilizar a piedade cristã193. Ainda o padre Manuel Ber-
nardes — que dá ao venerando Anjo Custódio de Jesus 60 anos de vida e 27
de santo matrimónio, atribuindo «pio crédito» a uma «moderna e célebre cro-
nista da Senhora», sem dúvida Soror Maria de Jesus Agreda, autora de Maria
Santíssima, Mystica Cidade de Deos (c. vi e xxi) — assim fala da m o r t e d o c a r -
pinteiro de Nazaré: «nove dias antes do trânsito do felicíssimo Patriarca São Jo-
sé, lhe assitiram revesadamente Cristo e a mesma Senhora, sem faltarem da sua
cabeceira um só ponto. E querendo o Santo por última despedida lançar-se aos
pés do Senhor (oh com quanta fé e amor o faria!) Ele o colheu em seus amo-
rosos braços e lhe disse, entre outras, estas suavíssimas palavras: Pai meu, des-
cansai em paz e na graça celestial de meu Eterno Pai e minha. E tanto que José,
naquele leito mais que de flores, naquele soberano reclinatório mais que de ou-
ro, deu o último bocejo, o Senhor, que fecha as estrelas com o seu sinete: Stel-
las claudit quasi sub signaculo, lhe fechou os olhos com os seus dedos»194. Veicula-
das pela pregação estas imagens e sentimentos, que a iconografia popular
acabará também por difundir através de estampas litografadas representando a
edificante cena195, a invocação de São José passa para os testamentos da era mo-
derna. Em Morrer no Porto, durante a época barroca, lê-se que os testadores invo-
cam, entre os santos, o seu nome, registando-se, num total de 431 ocorrências,
São José citado 38 vezes (3 %), e deve-se também considerar, no que respeita ao
burgo portuense, a existência de um altar na sé catedral, a partir de 1717, o que
auxilia a compreender concentrarem-se na primeira metade de Setecentos as
referências ao santo patrono da boa morte 196 .

Os santos fundadores de O C U L T O D O S S A N T O S Q U E , ATRAVÉS DA I D A D E M É D I A , foi adquirindo sóli-

novas congregações e do fortalecimento na piedade cristã, reconhecível no alargar dos nomes de


oragos das freguesias em ombreio com os de Nossa Senhora, no estender do
apóstolos da caridade culto das relíquias, no multiplicar dos santuários de peregrinação, no intensi-
ficar dos intercessores celestes para as calamidades públicas e os males do cor-

636
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

po e da alma, acabou por sofrer perigosas e condenáveis distorsões na devo-


ção dos fiéis. A ignorância religiosa, a rudeza dos espíritos, a permanência de
crenças pagãs e supersticiosas, a proliferação de representações iconográficas
agravaram o desvirtuamento de um meio pedagógico legítimo e eficaz para o
pastoreio das almas. A crítica erasmiana, no interior da Igreja, aos excessos
a que chegara o catolicismo popular e o inventário acusador justificativo da
ruptura luterana, ambos a reclamarem o regresso ao purificador evangelismo
primitivo, tinham seguidores convictos na denúncia neste, como noutros
pontos particularmente nevrálgicos, sentidos na prática devocional e na orto-
doxia doutrinária. A presença esmagadora dos mártires São Paio, Santa Eulá-
lia, São Mamede, Santa Marinha, Santa Bárbara, Santa Luzia, São Vicente,
São Cristóvão, São Lourenço, São Julião deve juntar-se à dos apóstolos São Pe-
dro e São Paulo, São Tiago e São Tomé, ao arcanjo São Miguel, a São João
Baptista e a Santa Ana, bem como a santos locais, originários ou acolhidos,
de remota e lendária origem, mantendo sempre o Divino Salvador e a Vir-
gem uma proeminência destacada. Inspiram e alimentam a devoção mediévi-
ca dos crentes a dignidade e o poder sobrenatural de Cristo e sua Mãe, a vir-
tude taumatúrgica e o sentimento de protecção dos bem-aventurados celestes
em favor dos fiéis. As relíquias, as hierofanias e os corpos incorruptos, que o
martírio e a santidade heróica tornam veneráveis, fortalecem, através deste
vínculo corpóreo, a fé e a devoção de todos os estratos sociais. A teologia ca-
tólica atribui-lhes o privilégio de especial mediação junto de Deus, autori-
zando o culto que lhes é prestado e a partir do século vi se universalizou.
Santo Agostinho, na sua apologia Contra Faustum, escreveu: «O povo cristão
celebra com uma religiosa solenidade a memória dos Mártires, para excitar os
fiéis a imitá-los, para se associar a seus merecimentos e conseguir o auxílio da
sua intercessão.»' 97 Nesse sentido, ressalva-se a mediação única de Cristo, si-
tuando-se a de Maria e dos santos ao nível de instrumento moral capaz de
mover a vontade divina na distribuição das graças suplicadas. Em crescimen-
to, foi-se verificando o aparecimento de santos confessores e de fundadores
de ordens religiosas, que o calendário litúrgico veio a acolher, e a sua memó-
ria torna-se perdurável através das imagens pintadas ou esculpidas nos lugares
de culto público para edificação, instrução e adorno, na banqueta e retábulo
dos altares, nas paredes e fachadas dos templos. As obrigatórias e invariavel-
mente presentes foram, de início, a de Cristo crucificado e a de Nossa Se-
nhora, vindo-se depois a estranhar a ausência de outras, que parecia injustifi-
cada. Assim, as constituições do sínodo de 1477, reunido por D. Luís Pires,
arcebispo de Braga, ao fazer notar, como «grande erro», que só poucos mos-
teiros beneditinos e de cónegos regrantes augustinianos tivessem «ymagens
dos dictos preciosos sanctos» padroeiros, mandam «aos dom abbades que cada
huum em seu moesteiro em hüua grande tavoa mande pintar a imagem de
sam Beento com cugulla e escapulairo de color negro e mitra na cabeça e
baago na mãao. E os dom priores de sancto Agostinho mandem pintar em
outra grande tavoa a sua ymagen com sobrepelizia e sobre a sobrepelizia hüua
capa d'egreja e sobre a capa o escapulairo preto e com mitra na cabeça e baa-
goo na mãao. E aos dom abades de sam Beento emanemos mais que cada
huum em seu mosteiro mande pintar em outra tavoa a ymagem de sam Ber-
nardo abbade com cugulla e escapulairo de collor branco, mitra na cabeça e
baago na mãao»' 98 . A determinação sinodal não esqueceu mesmo os aspectos
formais da representação das imagens que visavam a mais fácil identificação
do santo, ao indicar a hierarquia, a roupagem e os símbolos, aliás meios bem
mais didácticos que o nome inscrito na auréola ou na base, se tivermos em
consideração o analfabetismo da esmagadora maioria dos crentes. C o m as or-
dens mendicantes, São Domingos e São Gonçalo de Amarante, São Francisco
de Assis e Santo António de Lisboa verão os seus cultos e imagens serem in-
crementados por dominicanos e franciscanos. Por sua vez, a autoridade ecle-
siástica encorajava este procedimento ao lembrar o sentido e ao justificar a fi-
nalidade dos ícones religiosos. A constituição iv do Sínodo do Porto de 1496,
em idênticos termos reproduzida no de Braga de 1500, quando D. Diogo de
Sousa era o prelado, reza assim: «veendo como as imags som aprovadas per de-

637
O DEUS DE TODOS o s DIAS

reito, e quanta edificaçam e devaçam causam, nam soomente aos inorantes,


mas aos sabedores e letrados, isso mesmo como seja cousa justa que cada santo
em seu logar e igreja / preceda aos outros, ordenamos e mandamos que, assi
nos mosteiros de sam Beento e de santo Agostinho como nas outras igrejas
parrochiaes os abades e priores ponham as imags de seus santos no meo do al-
tar, as quaes sejam assi pintadas em retavolos ou escolpidas em pedra e paao
que respondam aas rendas da igreja donde esteverem»199. Há notícias dos mea-
dos do século xv de, nas visitas pastorais, se cuidar do estado em que se encon-
travam as imagens religiosas, como aconteceu em Santiago de Óbidos, a 24 de
Novembro de 1450, em que se ordenava ao prior e beneficiados que pintassem
Santa Ana e, no ano seguinte, São Miguel e Santa Maria, recomendação esta
que ainda era feita três anos volvidos200. Persistia, pois, em crescente aumento,
acompanhado pelas vissitudes do fervor e zelo dos fiéis e ministros sagrados, o
culto dos santos e a veneração das imagens, em paralelo com o crescente avan-
ço da corrente espiritualista em contestação aberta ao formalismo rotineiro.
Aderentes ao espírito erasmiano, os lentes do Colégio das Artes, João da
Costa, Diogo de Teive, George Buchanan, punham porém, cerca de 1548,
sérias reservas ao culto popular dos santos e à veneração das imagens, posição
doutrinária preocupante, porquanto o grupo de mestres bordaleses chegados
a Portugal «preparavam o grande assalto da Faculdade de Teologia e do Tri-
bunal do Santo Oficio, os dois senados político-culturais incumbidos de ditar
a lei à inteligência lusitana naquela época». Desígnio condenado ao insucesso,
ao ver-se o processo inquisitorial movido, em 1550, a mestre Buchanan que
em sua opinião julgava «que se não havia de pedir aos santos o que só Deus
dá... e que por isso lhe parecia melhor ir logo a Deus que aos Santos».
A doutrina tinha, no entanto, seguidores em alunos do Colégio das Artes co-
mo, por exemplo, Jerónimo Monteiro, que, na reconciliação feita em 1551 na
Inquisição, confessara «a sua crença de que "não éramos obrigados a rogar aos
Santos"», o que permite ver como tão perigosas heterodoxias se enraizavam.
E certo que, anos antes, o prestigiado canonista da cátedra coimbrã, Doutor
Azpicuelta Navarro, no Comento en Romance (1545) defendia o culto dos santos,
embora expurgado «apenas da superstição, da impiedade e da grosseria»201.
Esclarecedor sobre esta posição, no mínimo temerária, acerca do papel
mediador dos santos que andaria disseminada na pregação dos mentores desta
corrente espiritualista, é o elenco de proposições condensadas do processo in-
quisitorial do agostinho Frei Valentini da Luz condenado em 1562 à fogueira.
Frei João de Jesus, seu confrade, testemunhara que, «praticãdo e argumtando»
com o declarante sobre o que se havia de rogar aos santos ou não, o ouvira
dizer «q os sãtos nhüa maneyra se auyão de rogar nem como dadores da mer-
cê nê como Intercesores delia [...], e como qr q Dês nos esteja cõuydando cõ
a gracça são Desnecessaryas orações de S.tos pa alcãcar este efeyto». Teria de-
clarado ainda que, proceder assim seria «pintar a Ds como pintamos hü rei q
me nã conhece, e de quê duuido se pedindolhe eu o q me faz mister mo
quererá dar e p isso tomo p Intercessor a quê me mais conhece e tê major
võtade. de Ds nã auemos de duuidar se nos quer dar e fazer bê». A alegação,
se bem entendida, não contrariava a ortodoxia e estava certa, quando aceitava
que «nã hai que temer nê q arrecear de yr a Ds nê hai necessidade de outra
aderencia. nê ha pode auer mihor q xpo. o q o pai nã der por xpo nã dara
por ningê [...] oraçã p oraçã mais assinha sera ouuida e despachada a q se fizer
a xpo q a q se fizer a sam pedro [.,.]»202. Importava, portanto, reafirmar a
doutrina católica, como solenemente fez o Concílio de Trento, a 3 de De-
zembro de 1563, no decreto de invocação e veneração dos santos que declara
ser coisa boa e útil rezar e pedir a Deus graças por intermédio deles, cujas
orações actuam como um auxílio para mover o poder divino 203 . Em seu Ca-
tecismo, D. Frei Bartolomeu dos Mártires explicita o sentido deste culto me-
diador, justificando-o da seguinte forma: «[...] se a Santa Madre Igreja honra
e faz reverência a nossa Senhora, e aos Santos que reinam com Cristo, não o
faz dando-lhe a mesma honra que dá a Deus, que isto seria idolatria, porque
bem sabe que todo-los Santos são criaturas e feituras de Deus, mas honra-os
como a bons servos de Deus, e privados amigos Seus, chamando-os e toman-

638
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

do-os por avogados diante de Deus, pera que nos alcancem dele que os imi- São Francisco, ébano e marfim,
temos na vida e costumes, e mereçamos vir à sua companhia» 204 . Delicada, e século xviii (Museu de Leiria).
já de longa data controversa, era, na verdade a veneração das imagens que F O T O : JOSÉ M A N U E L OLIVEIRA/
/ A R Q U I V O C Í R C U L O DE LEITORES.
para muitos constituía um plano inclinado escorregadio para a superstição e a
idolatria, de resto, frente de ataque da corrente reformista erasmiana e do
evangelismo luterano. O egresso dominicano Fernão de Oliveira denunciava <] Santo António, atribuído ao
Mestre da Lourinhã
os excessos nesta matéria, como consta do processo movido pelo Santo Ofí- (Sesimbra, Igreja de Nossa
cio, donde consta ter dito a uma testemunha «que não adorasse as imagens, Senhora do Cabo).
mas que fazendo-lhe alguma reverência, se lembrasse dos santos cujas eram
FOTO: N U N O CALVET/ARQUIVO
ou lhes pedisse o que havia mister e não cresse que a imagem de Santa Maria C I R C U L O DE LEITORES.
de Guadalupe desaparecia e ia à terra de mouros tirar os cativos e vinha de lá
suando, nem [que] ao Crucifixo de Burgos e [a] outros que há pelo mundo
lhes crescem as unhas e os cabelos, porque tudo são ilusões do povo ignoran-
te [.,.]»205. O acima mencionado Frei Valentim da Luz anda-lhe doutrinaria-
mente na órbita, quando fala do significado dos ex-votos: «nüca me fartarã

639
O DEUS DE TODOS OS DIAS

mto hüas deuações q vejo. s. tomar a coroa de santo spto. leuar olhos de cera
a santa luzia e pnas [=pernas] de pao a santo amaro e cousas a estas semelhan-
tes nuca dixe q eram mas nem agora o digo mas queria ver estas deuações de
modo q quê as faz acuda prim.ro a cõfisam e aa êmèda da uida tirandose dos
pecados q Ds as vezes da os trabalhos e doêças e isto feito queria q chamasê
santos en sua ajuda, prèderse a Imagè do menino Jhü e de santo ant.° não me
parece bem» 206 . O Concílio de Trento, na memorável sessão xxv, de 3 de
Dezembro de 1563, fora terminante na precisão da doutrina, ao declarar a le-
gitimidade e ao definir a função das imagens sagradas no culto e na piedade
dos crentes: «De todas as sagradas imagens se recebe grande fruto, não só
porque se manifestam ao povo os benefícios e mercês que Cristo lhes conce-
de, mas também porque se expõem aos olhos dos fiéis os milagres que Deus
obra pelos Santos, e seus salutares exemplos; para que, por eles, se dêem gra-
ças a Deus, ordenem a sua vida e costumes à imitação dos Santos, e se mo-
vam a adorar e amar a Deus e a exercitar a piedade.» 207 Em seu Catecismo,
D. Frei Bartolomeu dos Mártires sublinha e louva esta pedagogia do concreto
que a Igreja utiliza ao ver «quão distraídos e derramados andam, ordinaria-
mente, seus filhos em pensamentos e negócios do mundo», buscando «mil ar-
dis e santas invenções pera lhe pegar firmemente e imprimir na memória, en-
tendimento e vontade, os mistérios de nossa fé e redenção». E acrescenta que,
com esse fim, «se escreveram todo-los Livros Sagrados; pera isto manda que
se preguem estes mistérios com voz viva; pera isso ordenou que houvesse
imagens e pinturas em que se pintassem os mistérios de nossa fé; pera isto or-
denou o sinal da Cruz, com o qual manda que nos assignemos, e o manda
por não somente nas Igrejas e lugares devotos, mas também em toda a parte
nos pareça diante dos olhos e nos traga à memória nosso Senhor Jesu Cristo
crucificado» 208 . Insistiam, no entanto, os padres tridentinos em dois aspectos
das representações iconográficas com reflexo imediato nas pinturas e escultu-
ras sacras expostas ao culto público: o que fosse considerado lascivo, desones-
to, impróprio para a casa de Deus, e o que tivesse feição grotesca e desusada,
alimentando a crendice 209 . De acordo com tais directivas, escreveu o historia-
dor Flávio Gonçalves, seguiu-se: «a arte religiosa dos fins do século xvi e da
primeira metade do século xvii começa a dar relevo especial às cenas de mi-
lagre, de exaltação mística e do martirológio ;— cenas que se prestavam a
uma função de catequese. Simultaneamente desaparecem, para evitar o escân-
dalo, as imagens e assuntos considerados imorais, profanos ou sujeitos a con-
tusões heréticas»210. Pondo em prática as decisões conciliares, as constituições
sinodais portuguesas aprovam matéria a ser executada no âmbito diocesano
cujo cumprimento os visitadores deviam yigiar. Encontra-se assim na corres-
pondente legislação do arcebispado de Évora, feita em 1565, estabelecido,
com a aprovação de D.João de Melo, o seguinte: «Conformando-nos com o
Sagrado Concílio Tridentino, ordenamos, e mandamos que daqui em diante
se não ponham imagens desacostumadas nas Igrejas sem nossa licença, para
que nelas não haja cousa falsa, ou apócrifa, profana ou indecente. N e m mes-
mo se ornem as Igrejas com pinturas e armações desonestas». Nas constitui-
ções do Porto, promulgadas em 1585 pelo bispo franciscano Frei Marcos de
Lisboa, chama-se a atenção para o exame a proceder nas visitas pastorais a in-
cidir sobre a remoção das imagens «apócrifas, mal ou indecentemente pinta-
das, ou envelhecidas, fazendo-as substituir por outras novas que respeitassem
a letra e o espírito do que estava aprovado». O combate ao profano e heréti-
co, a banir do interior dos templos, encontra-se patente nas deliberações si-
nodais de 1591, da diocese de Coimbra, que «recordam aos visitadores os úni-
cos temas consentidos dentro dos edifícios sagrados: os que se referiam "à vida
de Cristo, da Virgem, dos Anjos ou Santos canonizados pela Igreja"»211. Este
rigor censório superiormente pautado irá repercutir-se sobre a herança ico-
nográfica legada pela meia idade e pelo renascimento. «A arte medieval, in-
forma Flávio Gonçalves, conhecera, com efeito, figuras desnudas, quer nas
cenas respeitantes à morte de Cristo e martírio de alguns santos (São Sebas-
tião, São Vicente, Santa Agueda, Santa Eulália, etc.) quer nos quadros de
Adão e Eva, do Juízo Final e Ressurreição dos mortos, da Libertação das Al-

640
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

mas do Limbo, do Inferno, etc.»212 A actuação de um visitador zeloso detec-


ta-se em Ponte de Lima, na capela românica da Correlhã, onde se via escul-
pida a figura nua talvez do orago Santo Abdão — mártir ou peregrino de São
Tiago de Compostela 213 — que o eclesiástico mandou o pároco raspar no
prazo de uma vintena de dias, «deixando a pedra em que se acha levantada li-
sa e rasa», por se lhe afigurar «hum simulacro de pedra», de «4 grandes palmos
de alto, todo absolutamente nú... o que é obsceno, indecentíssimo e intolerá-
vel em qualquer parte quanto mais nos lugares dedicados a Deus» 214 . Nesta
sanha rigorista se fizeram também desaparecer ou modificar imagens da Se-
nhora do O ou da Expectação, de «grande popularidade na Península Ibéri-
ca», com o seu ventre alevantado de grávida, e de Nossa Senhora do Leite a
amamentar o Menino, à qual subiram o vestido ou mutilaram o seio 215 . A in-
cidência crítica, que Trento também perfilhava, a fazer-se sobre o relato fabu-
loso que impregnava as narrativas hagiográficas de alguns santos acaba por
atingir, por exemplo, o culto de São Cristóvão, chegando Erasmo a troçar
desses que «por uma estulta e jocunda persuasão julgam que por verem uma
imagem desse Polifemo [...] já não morrem nesse dia». Patrono dos peregri-
nos e dos barqueiros, que em Coimbra pelo Regimento Camarário de 1517
eram obrigados a apresentá-lo na Procissão do Corpo de Deus, o seu culto en-
tre nós remonta à Idade Média, com forte tendência do clero, nos séculos xvn
e xviii, para «fazer desaparecer as superstições relacionadas com São Cristóvão e
a eliminar as representações artísticas que as testemunhavam», sem que este m o -
vimento censório conseguisse banir a tradição de se pintar, esculpir e colocar
nas igrejas à veneração dos devotos a sua efígie, a ponto de o arcebispo D.José
de Bragança (1741-1756) ter permitido que em Braga, naquela tradicional procis-
são, continuasse presente no préstito 216 . N o início, ainda, do século xvni, o ri-
gor moralista do padre Manuel Bernardes levava-o a encorajar esta decisão tri-
dentina porquanto, na obra póstuma Estímulo prático (1729-1762), aponta, como
exemplo, a destruição de certo retábulo de igreja de um «pintor de bom viver»
que só alcançou a libertação das penas do Purgatório, quando foi entregue ao
fogo «a tal pintura escandalosa» que estava exposta ao culto 217 .
A veneração aos santos continua, porém, a dominar a devoção popular,
acompanhando o culto mariano. A imaginária de vulto, nos altares e nos re-
tábulos de talha, irrompe em profusão na idade barroca e jamais dará mostras
de diminuir. Cristo e a Virgem, porém, ocupam lugar cimeiro no altar-mor
só compartilhado por imagens do padroeiro ou orago da igreja. As obras do
padre António da Costa, Corografia portuguesa (1708-1712), de João Baptista de
Castro, Mapa de Portugal antigo e moderno (1763) e de Paulo Dias de Niza, Por-
tugal sacro-profano (1767-1768) são fontes a permitir o levantamento dos patro-
nos das freguesias do reino na Idade Moderna. Ver-se-ia então, em cotejo
com a época medieval, os que persistiram, surgiram e se extinguiram, a
acompanhar a evolução espácio-demográfica, urbana e rural, no decurso de
uma bem longa duração de mais de três séculos. A padroeira Santa Maria
pontifica. Certo que as freguesias estavam já constituídas e o ensejo à inova-
ção não seria assim abundante. O mesmo não se passou quanto a lugares de
culto e imagens. N o inventário dos santos, diversos, ainda dominantes nos
séculos xiv-xvi, caem paulatinamente no esquecimento. Outros aparecem, e
São José é dos mais venerados. Continuam, no entanto, com lugar proemi-
nente na piedade dos fiéis os fundadores das ordens religiosas e protectores
contra as calamidades. Destas as mais terríveis são as costumadas peste, fome e
guerra, a que se juntam as doenças que no quotidiano afligem os mortais. As-
sim, reserva o povo grande devoção a São Martinho, São Sebastião, São Tia-
go, São Bento, «advogado das coisas ruins e dos males desconhecidos» e o te-
rapeuta de curas prodigiosas 218 , São Jerónimo, São Brás, São R o q u e , Santo
Amaro, São Francisco, São Vicente, Santa Bárbara, Santa Catarina, Santa Lu-
zia, Santa Apolónia, Santa Margarida, Santa Madalena. São Miguel Arcanjo é
a devoção de D. Manuel e protege os locais de Marte, como São Bartolomeu
as fontes santas, enquanto a cristianização das festas pagãs do solstício de Ve-
rão consagra a popularidade de São João, São Pedro e Santo António, de res-
to o santo português de maior predilecção e advogado das coisas perdidas e o

641
O DEUS D E TODOS o s DIAS

protector dos gados para a gente do campo 219 . Inúmeras são as capelas que
têm a sua invocação e os altares que lhe dedicaram, incontáveis as imagens
que enchem templos e casas220.
Pode afirmar-se que, a partir do primeiro milénio, principia a haver um
certo controlo na atribuição do título de santo, embora subsistissem os de culto
imemorial e os não canonizados, fundidos num certo anonimato, de veneração
local e regional, os quais animavam essa abundante rede de peregrinações me-
dievais. Convencidos da existência algures de um corpo santo, para lá partiam
os peregrinos, que aí organizavam confrarias e faziam prosperar o comércio.
Afirma Virgínia Rau: «Quasi todas as cartas de feira portuguesas marcam o
prazo da feira em relação a uma festa da Igreja, quer seja a Páscoa, a Nativi-
dade da Virgem, o Corpo de Deus, ou o dia de S. Pedro, S. Miguel, S. João,
Sta Iria, ou S. Bartolomeu.» 221 Atraíam também romeiros as indulgências que
se obtinham nestes locais sagrados, recorrendo à confissão e comunhão, re-
zando com velas acesas a noite inteira, sendo tantas vezes ludibriados por
gente sem escrúpulo, disfarçada em homens de Deus, com falsos perdões e
relíquias forjadas. Há notícia de que no século X I I I , em São Salvador de San-
tarém, junto do Santo Lenho da Vera Cruz, se veneravam «ossos e carne dos
apóstolos S. Simão e S. Judas, [...], pêlos da barba de S. João Baptista, relí-
quias do sepulcro de Lázaro», e outras mais de não menor espanto. Por sua
vez, no convento dos Dominicanos de Guimarães, menciona Frei Luís de
Sousa, eram venerados, «além do lenho da Vera-Cruz, as mantilhas de Jesus-
-Menino, um pedaço de pedra donde Nosso Senhor subiu ao céu, relíquias
do véu da SS.ma Virgem e do seu sepulcro, do maná, da vara de Moisés, dos
Santos Inocentes — tudo metido numa caixa trazida por um anjo duma cida-
de conquistada pelos infiéis, conforme a narrativa latina dum velho pereami-
u 222 r , r o
nho» . tsses santos anonimos, porem, que congregavam a devoção popular,
iam desde o cavaleiro, «bom e bem fidalgo», aos soldados mortos na conquista
de Lisboa, em cujas sepulturas «muytos milagres e muy maravilhosos» se opera-
vam. Aproximavam-se com fé «os pobres dos christãos» do sacro «moimento»,
onde jazia o corpo de um servo de Deus e do chão surpreendentemente cres-
cera uma palma, e os doentes, de qualquer moléstia que houvessem, «filhavam
delia e ponhãna ao collo» e logo ficavam curados, enquanto «alguús que aviam
enfermidades das partes de dentro tomavam daquella palma e faziam delia poo
e bevendo aquel poo ficavam purgados e sãos», a ponto de não restar «dela
nem húa cousa sobre terra»223. Em redor do túmulo do taumaturgo, multipli-
cam-se os ex-votos «para mostrar a gratidão dos fiéis e perpetuar a recordação
do milagre». Assim acontecia em Barcelos, por 1488, no sepulcro da não cano-
nizada «santa duquesa» D. Constança de Noronha, todo «cercado de muitas
offertas: a saber de cera, e panno de linho, e bizallos de terra atados, e mãos,
e queixadas, e dentes de cera, e pés, e outras muitas offertas» como escreveu
Frei Manuel da Esperança na sua crónica franciscana de Seiscentos 224 .
Os reparos dos defensores de uma prática religiosa menos ritualista, em
crescendo desde os finais da Idade Média, e as delações contundentes dos re-
formadores protestantes tinham, pois, fundamento para a tomada de disposi-
ções disciplinadoras que, a partir de Trento, se tornaram mais severas no con-
trolo ao proliferar de superstições geradas pelo culto dos santos. Medida
importante foi a criação, em 1588, da Congregação dos Ritos, a quem se pas-
sou a exigir maior rigor na organização e apreciação dos processos de beatifi-
cação e canonização, reflectindo um novo conceito de santidade. Torna-se
assim compreensível que, no intervalo entre 1523, ano em que foi canonizado
Santo Antonino de Florença, e o da instituição daquele dicastério romano,
nenhuma canonização formal houvesse. E isso era tão mais significativo, con-
forme afirmou o padre Jorge Cardoso em «Advertências» do Agiolágio lusitano,
quanto esta «nem acrescenta o merecimento, nem o premio essencial dos be-
maventurados, nem decreta o grão que tem de sanctidade», pois somente
constitui a declaração do «sancto por cidadão do ceo, e o propõe à igreja para
ser reverenciado com veneração temporal, e celebrado com ofFicio, e fes-
ta»225. De resto, hagiógrafos, submissos às exigências da crítica histórica, de
que aliás saía beneficiada a credibilidade da memória dos biografados, escre-

642
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

viam, como o dominicano Frei Diogo do Rosário, em sua Historia das vidas
e feitos heroicos e vidas insignes dos santos (1567), q u e , nas q u e a n d a v a m «im-
pressas em vulgar, hay muitas falhas: e hua he, que trazem escriptas alguas
cousas muy incertas e apocriphas» 226 . Tais publicações, no entanto, cresciam.
A maioria como contributo, se não até como meio de pressão, para se orga-
nizarem processos de beatificação e canonização, reunindo-se recolhas hagio-
gráficas, nacionais e regionais, na quase totalidade monásticas, de martiroló-
gios e menológios, de homens e mulheres que viveram e morreram em odor
de santidade, para dar prestígio às ordens religiosas, em particular às de funda-
ção recente, e aos países da Cristandade, 110 concerto das nações católicas.
Tenham-se também em conta as razões do augustiniano Luís dos Anjos que
desejava dar aos pregadores, por não existirem, «histórias impressas» de santas
celebradas em várias partes do reino, «a saber, Santa Eugênia, Santa Marinha,
Santa Olaia, Santa Engrácia, Santa Eiria, Santa Comba» e mostrar ao espanhol
João Peres de Moya haver cometido lamentável injustiça ao passar em silên-
cio Portugal, quando tratou «das mulheres que houve 110 mundo insignes em
todo o género de virtude» 227 . Este entusiasmo em dar aos prelos narrativas
hagiográficas de santos nacionais demonstrado por Frei Luís dos Anjos, em
seu Jardim de Portugal (1626), era compartilhado por António de Sousa de Ma-
cedo, em Flores de Espanha, Excelências de Portugal (1631), e t i v e r a em
D.João III, quase um século antes, forte empenho, encontrando no Agiológio
lusitano (1652, 1657, 1666), do padre Jorge Cardoso, esplendorosa realização,
infelizmente incompleta, precedido aliás por essa obrita de juventude, para
« d e u a ç a m d e cada h u m » , q u e era o Officio menor dos santos de Portugal tirado
dos breviários, e memorias deste reyno (1629). As m a l h a s d o r e c o n h e c i m e n t o c a -
nónico da aura de santidade tornaram-se mais apertadas com os decretos de
Urbano VIII de 1625 e 1634, merecendo a matéria, do futuro Bento XIV,
cardeal Próspero Lambertini, uma obra exaustiva e volumosa, em cinco to-
m o s , De servorum, Dei beatificatione et beatorum canonizatione (1734-1738). M e s -
mo no que se publicava de teor hagiográfico não faltava a obrigatória protes-
tação de acatamento das determinações do papa Urbano, «negando o
estímulo do culto ou qualquer veneração pública aos não canonizados ou
beatificados, ou a comprovação de milagres», numa cautelosa medida para se
atalhar a inflação de uma generalizada epidemia de casos de santidade, antigos
e recentes 228 . Assistiu-se, contudo, na era moderna, a um curioso paradoxo:
quanto maiores eram as exigências no reconhecimento de uma vivência de
santidade, mais se multiplicava o esforço de prova em virtudes praticadas, em
milagres operados, em fenómenos místicos extraordinários, em dons proféti-
cos evidenciados. N u m aspecto se mostravam abundantes os relatos hagiográ-
ficos, de forma a impor-se aos demais: o ascético. O recurso ao Jardim de Por-
tugal e Agiológio lusitano, para além da abundante panóplia de vidas devotas,
manuscritas e impressas, prova-o à saciedade. Infindável e variado é, de facto,
o cortejo de mortificações corporais, de jejuns e disciplinas, de actos de obe-
diência, humildade e penitência incomuns, de orações intensas e fervorosas,
comunhões e exercícios espirituais e gosto pela oração mental, tudo isso pol-
vilhado, não raro, de colóquios místicos, de arroubos, de visões e revelações,
de levitações, de anúncios proféticos e prodígios miraculosos. A admiração
provocada cimentava a devoção, fortalecia a credibilidade no sobrenatural,
edificava pelo exemplo de excepção. Mas, para além do que era privilégio
dos bem-aventurados, ficava ainda assim muito para estimular e servir de imi-
tação ao comum dos fiéis. O ideal ascético, porém, continuava a ser o mo-
nástico também para os leigos que viviam no mundo e se empenhavam nas
tarefas terrenas. Nenhuma outra via específica de acordo com a sua condição
concreta se lhes oferecia, senão a proposta pelas ordens terceiras, para viver a
sua espiritualidade e percorrer o caminho da santidade a que, como cristãos,
eram chamados. Por outro lado, a sociedade mudava aos novos ventos da
modernidade, e o paradigma da santidade acompanhava-a, acabando por se
repercutir na praxis jurídica seguida nos processos de canonização. O aspecto
taumatúrgico do santo cedia a prioridade à dimensão ética em que a prática
da virtude se inseria229. Só que esta, conforme um esquema de origem huma-

643
O DEUS D E T O D O S OS DIAS

nista e contra-reformista, baseado na total confiança na capacidade da nature-


za humana, devia ser uma virtude heróica ou, por outras palavras, a heroicidade
das virtudes 230 . E, como fácil era identificá-la na prova do martírio, as missões
do além-mar tornaram-se no espaço ideal para as vocações juvenis transbor-
dantes de generosidade e sedentas de, no dizer do jesuíta São Francisco de
Borja, «morrer derramando o sangue pela verdade católica». Os 39 compa-
nheiros do beato Inácio de Azevedo, que morreram em 1570, nos mares das
Canárias, às mãos dos corsários franceses huguenotes, navegavam para as mis-
sões do Brasil; São João de Brito (1647-1697), pajem do rei D. Afonso VI,
vestiu a roupeta da Companhia de Jesus e partiu para o Malabar, em 1662,
apesar das resistências da família e das pressões dissuasórias da corte, vindo
após uma original experiência apostólica ao assumir-se brâmane, a ser marti-
rizado 110 Madure. A obediência ao superior, a fidelidade à regra, o amor à
pureza corporal a modo de «inocência angélica», a prática da vida espiritual,
tudo levado ao mínimo pormenor, correspondiam, em seu escrupuloso cum-
primento, a essa prova de virtude heróica ao alcance dos jovens, como fora o
caso dos noviços inacianos Luís de Gonzaga (1568-1590), beatificado em 1605,
João Berchmans (1599-1621) e Estanislau Kostka (1550-1568), propostos como
modelos, no caminho da santificação, à mocidade, sobretudo estudantil.
A exaltação, por parte do estado clerical, das vitórias alcançadas nas tentações
de luxúria, encarnadas em diabólicos ardis femininos, com tão significativo
espaço nas narrativas hagiográficas, concorre para acentuar a imagem misógi-
na da santidade. Atendendo à realidade ao tempo constatada, acentua a histo-
riadora Ottavia Niccoli, é um facto o aumento percentual dos santos mascu-
linos, que no decurso do século X V I I se situava em cerca de 86 %, contra
72 % na era de Quatrocentos, enquanto, no confronto, o número de mulhe-
res obviamente declina 231 . E, se ganhava força a ideia de que a santidade não
consistia em milagres, profecias, êxtases, estigmas e revelações sobrenaturais,
como sinais evidentes de predilecção e predestinação divinas, não deixavam
de ser ansiosamente desejados sobretudo pelas religiosas, e de mais modesta
condição, ciosas de notoriedade pública e estima social. Daí despoletarem-se
no país, aliás já nos séculos anteriores e com particular incidência nas três pri-
meiras décadas de Setecentos, as fraudes místicas e imposturas, abundantes
dentro das grades conventuais e no seio das ordens terceiras, com margem
delituosa a pretextar a intervenção inquisitorial 232 . Será ainda de acrescentar,
neste clima de condenável exacerbamento, imprudências e excessos de certas
direcções espirituais de religiosos que colaboravam e fomentavam o aumento
e difusão de um múltiplo biografismo devoto 233 que se tornou «nos séculos
xvii e X V I I I um género institucionalizado, que, por esse facto, se constituiu,
simultaneamente, no modelo de outras escritas e também num horizonte de
espera para leitores sequiosos de aí encontrarem exemplos do amor de Deus e
marcos que de alguma forma dessem a perceber que a alma biografada foi
chamada a viver ao longo da sua vida»234. A época prestava-se a uma sensibi-
lidade «quietista» que o Guia espiritual (1665) do padre Miguel de Molinos
doutrinariamente compendiava e ia ao encontro da «ambição de levar os fiéis
a uma forma superior de oração contemplativa, denominada de 'quiete', vi-
sando a identificação com Deus, com mediação de um estado adquirido de
passividade, susceptível de, nessa circunstância, atenuar a responsabilidade
pessoal do fiel orante e preocupações formais de vigilância e investimento as-
cético»235. Mesmo aceitando-se boa fé no autor da via apontada, o ataque ao
molinismo acabou por encontrar pasto fácil nos casos de heterodoxia, morali-
dade duvidosa, desonestidades carnais cometidas sob a capa desculpabilizadora
de amor e amplexos «ao divino». Justificava-se, no entanto, o aparecimento de
um outro diferente trilho de espiritualidade, se considerado o cariz mental e
ambiente psicológico da coeva sociedade latina ocidental. Numa «época de re-
novado apelo e sedução da santidade, em que diferentes vidas e estados se pro-
curam compatibilizar com a vida devota e com as exigências concretas do co-
mum apelo à perfeição, numa linha pastoral emblematizada por São Francisco
de Sales, impunha-se o trabalho de 'desembaraçar' as almas dos fiéis das práticas
e numerosos constrangimentos, nomeadamente, o exclusivo e sistemático ape-

644
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

go à prática da meditação discursiva»236. Conduzindo as suas investigações por São Francisco Xavier agonizando,
óleo sobre papel, oficina
essa floresta de casos de «vidas beatas», assentes em testemunhos verdadeiros ou italiana, século XVII (Lisboa,
forjadas em invencionices, de delitos sacrílegos e solicitações na confissão sacra- Mosteiro dos Jerónimos).
mental, alvos da intervenção do Santo Ofício, e penas de cárcere, degredo e FOTO: I P P A R / M A N U E L PALMA.
execuções em autos-de-fé, como os celebrados em Coimbra a 16 de Junho e 7
de Julho de 1720, em que os réus saíram penitenciados, Pedro Tavares desven-
da-nos pertinente informação sobre o impacte, desde a segunda metade do sé-
culo xvii aos finais do século xvin, do molinismo em terra portuguesa 237 .
O espírito da Reforma católica, que domina a época barroca, foi sem dú-
vida propiciador de vocações religiosas e itinerários de santidade. Podia dizer-
-se pleonasticamente que, se a Idade Média fora o tempo em que «todos
eram santos», a Idade Moderna fora o tempo em que «todos queriam ser san-
tos». Das ordens então surgidas, de jesuítas a teatinos, de oratorianos a lazaris-
tas, e das antigas reformadas, de franciscanos a dominicanos, de beneditinos a
carmelitas, os altares encheram-se de novos santos. As canonizações abriam-

645
O DEUS DE TODOS o s DIAS

Arrebatamento de São Pedro de -lhes o culto público e direito próprio no calendário universal. Imagens e re-
Alcântara diante da cruz, de cintos sagrados, celebrações litúrgicas e pregações estimulavam a devoção dos
Bento Coelho da Silveira
(último terço do século xvii). fiéis. A filiação religiosa institucional contribuía para a sua maior difusão, sen-
Lisboa, Igreja de São Pedro do a actividade apostólica em que se distinguiram correspondente à resposta
de Alcântara. cristã a necessidades da sociedade do tempo: reforma do clero e ordens mo-
FOTO: N U N O CALVET/ARQUIVO
násticas, ensino e catequização, renovação da prática sacramental e da espiri-
C Í R C U L O DE LEITORES. tualidade, pobreza, doença, marginalidades, prostituição, decadência moral,
proselitismo islâmico e protestante, redenção dos cativos e escravatura, revi-
goramento da teologia e ciências eclesiásticas, recristianização das paróquias e
evangelização das terras de além-mar, etc. Assim, de facto, acontecia.
A Companhia de Jesus, criada por Santo Inácio de Loiola (1491-1556) e entregue
ao ensino, assistência, apostolado junto das elites sociais e poderes políticos,
burguesia e povo, pregação e missionação, passou logo a contar com o santo
fundador e São Francisco Xavier (1506-1552), o evangelizador do Oriente e
considerado o segundo São Paulo, canonizados em 1622, pretexto para os
apoteóticos festejos que os jesuítas de São Roque organizaram em Lisboa em
sua honra, e, em 1671, São Francisco de Borja (1510-1572) nobre, viúvo e geral
da ordem, assaz ligado a Portugal. Intervenientes no Concílio de Trento e
paradigmáticos responsáveis pela sua aplicação foram São Carlos Borromeu
(1538-1584), sobrinho de Pio IV e arcebispo de Milão, amigo e corresponden-
te de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, prelado austero e restaurador da dis-
ciplina da Igreja e da dignificação do clero diocesano, e São Pio V (1504-1572),
zeloso na aplicação e observância dos decretos tndentinos, na reforma litúr-
gica, na publicação do breviário e missal romanos, na elevação cultural do
clero, organizador da cruzada contra os Turcos Otomanos, vencidos em Le-
panto, canonizado em 1712. Ligados ao aparecimento de outras novas or-
dens: São Caetano (1480-1547), napolitano e bispo de Chieti, canonizado em
1674, fundador com o cardeal Caraffa dos Teatinos, clérigos regulares com
uma espiritualidade assente na confiança na Divina Providência, na devoção
ao Menino Jesus e a São José, conhecidos entre nós depois da Restauração,
e na altura com actuação relevante, dedicados ao cuidado dos doentes e às
missões em Goa e Lisboa, a cuja congregação pertenceu Santo André Avelino
(1521-1608), também napolitano, grande apóstolo da Lombardia, amigo pes-
soal e conselheiro de São Carlos Borromeu, e correspondente epistolar de
D. Maria, filha de D. Duarte, duque de Bragança, e mãe do príncipe Rai-
núncio de Parma, um dos candidatos ao trono português por morte do car-

646
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

deal-rei D. Henrique; São Filipe de Néri (1519-1595), influente renovador da Santa Teresa, doutora mística,
inspirada pejo Espírito Santo, de
religiosidade de Roma, a quem se deve a criação da Congregação do Ora- Josefa de Óbidos, c. 1672
tório, voltada para o ensino da juventude e as missões do interior, canoniza- (Cascais, Igreja Matriz).
do em 1622; São Francisco de Sales (1567-1622), antigo advogado, catequista, FOTO: N U N O CALVET/ARQUIVO
apologeta, pregador, autor ascético da clássica Introdução à vida devota, cano- C Í R C U L O DE LEITORES.
nizado em 1665, director espiritual e amigo de Santa Joana-Francisca Frémiot
de Chantal (1572-1641), a quem ajudou a fundar a Ordem da Visitação, desti-
nada a mulheres e viúvas que não podiam suportar as austeridades das con-
gregações mais antigas; São Paulo da Cruz (1694-1775), do Piemonte, funda-
d o r d o s Passionistas e m 1747, c a n o n i z a d o e m 1867; Santo Afonso Maria de
Ligori o (1696-1787), napolitano, o «doutor da moral», teólogo e asceta, fun-
dador da congregação dos Redentoristas, destinada sobretudo à cristianiza-
ção dos meios rurais; São Vicente de Paulo (1581-1660), francês, dedicado ao
apostolado junto dos pestíferos, pobres e enfermos abandonados, prostitutas,
fundador da Congregação dos Padres Vicentinos ou da Missão ou Lazaristas,
canonizado em 1737; São João Eudes (1601-1680), francês, que exerceu a cari-
dade para com as vítimas da peste e as mulheres de má vida, para cujo cui-
dado fundou a congregação feminina de Nossa Senhora da Caridade (1641)
e a de Jesus e Maria (Eudistas) para formação dos sacerdotes (1643), tendo si-
do um propagandista do culto do Coração de Jesus. Dos santos reformado-
res de ordens antigas como a dos Franciscanos Observantes será de referir
São Pedro de Alcântara (1499-1562), da Estremadura espanhola, autor da «re-
forma alcantarina», canonizado em 1669, padroeiro do Brasil, de cujo trata-
do sobre a oração se serviu São Francisco de Sales, e ainda confessor e de-
fensor de Santa Teresa de Ávila, (1525-1582), a célebre mística castelhana,
devota de São José e de Jesus Menino, reformadora das Carmelitas Descal-
ças, que influenciou São João da Cruz (1542-1591), para idêntica tarefa nos
conventos do ramo masculino carmelitano, sendo a primeira canonizada em
1622 e o segundo em 1727, cujos festejos, em Lisboa, sem atingirem o es-
plendor dos consagrados, em 1669, a Santa Madalena de Pazzi, incluíram
missa de pontifical pelo patriarca, na Igreja do Carmo, majestosa procissão
com oito carros triunfais alegóricos e numerosa clerezia carmelita e de ou-
tros conventos 238 . Mencionem-se também neste período: São Luís Beltrão
(1526-1581), espanhol de Valença, dominicano que partiu para a América do
Sul em 1562, vivendo sete anos na Colômbia, Panamá e em algumas ilhas
das índias Ocidentais, canonizado em 1671; São Pascoal Bailão (1540-1595),

647
O DEUS DE TODOS o s DIAS

aragonês, leigo franciscano da reforma alcantarina, distinguiu-se por um


amor intenso à eucaristia, que defendeu contra um pregador calvinista fran-
cês, beatificado em 1618 e canonizado em 1690; São Pedro Claver (1581-1654),
também espanhol, que em Cartagena (Colômbia), mercado por excelência
dos escravos negros das índias Ocidentais, baptizou mais de três centenas de
milhar em 40 anos de apostolado. Nascidos na Idade Média, mas nos tem-
pos modernos por óbvios motivos canonizados, o francês languedociano São
Pedro Nolasco (1182-1258) — companheiro de São Raimundo de Penaforte
(1180-1275), dominicano, pregador cruzadístico entre mouros e albigenses,
que encorajou São Tomás de Aquino a escrever o Contra gentiles (Contra os
pagãos) —, fundador da ordem do? Mercedários, destinada à libertação dos
cativos nas guerras contra os infiéis, e o polaco São Jacinto (1185-1257), cóne-
go de Cracóvia, depois também dominicano, conhecido pelas suas três via-
gens apostólicas aos países nórdicos, à Rússia e ao Tibete e China, que entre
nós teve, no século xvii, de Viana a Vila do Conde, do Porto a Santarém,
capelas, imagens em altares e retábulos, confrarias e festas239; São Nicolau To-
lentino (1245-1305), italiano de Ferno, da ordem dos Eremitas de Santo Agos-
tinho que, durante 30 anos, pregou diariamente na cidade de Tolentino e se
dedicava ao serviço dos pobres, canonizado em 1446. Entre as santas de har-
monia com os tópicos em evidência, poder-se-ão também recordar: Santa
Francisca Romana (1384-1440), cuja vida foi marcada por uma absoluta fidelida-
de aos deveres domésticos e ã educação dos filhos, contemplada por visões e
revelações, devota do Anjo da Guarda que dizia ver caminhar muitas vezes a
seu lado, fundadora, em 1436, da Congregação das Oblatas Beneditinas, cano-
nizada em 1608, havendo na Capela de São Carlos Borromeu, na igreja da
colónia italiana do Loreto, em Lisboa, feita à custa do coleitor apostólico em
Portugal, monsenhor Accoromboni (1614-1621), duas irmandades, uma para
este santo bispo e outra, de senhoras, para esta santa240; Santa Beatriz da Silva
(1424-1490), a mística portuguesa natural de Campo Maior de há séculos ve-
nerada, no entanto só em 1976 canonizada, filha do conde de Viana e irmã
do franciscano observante beato Amadeu da Silva (1420-1482), fundadora, em
Castela, da Congregação da Conceição de Maria (manto branco e escapulário
azul), prenunciadora do espírito tridentino, seguindo, ao princípio, a regra
beneditina e, depois, por ordem do cardeal Cisneros, a de Santa Clara; Santa
Joana (1452-1594), filha de D. Afonso V, professa dominicana, apesar da oposi-
ção da família e vexações, no Convento de Jesus de Aveiro, de cuja cidade é
p a t r o n a , c a n o n i z a d a e m 1693; Santa Maria Madalena de Pazzi (1566-1607), c a r -
melita descalça florentina, superiora religiosa exemplar, provada por doloro-
síssimos sofrimentos físicos e espirituais e contemplada com extraordinárias
experiências místicas, cuja canonização em 1669 foi festejada em Lisboa, no
Mosteiro do Carmo, com pregações, soleníssima procissão, luminárias e cer-
tame poético, passando a ter, na referida igreja, uma capela, porém sem cape-
lão e confraria 241 . Do alfobre das ordens terceiras saíram: da franciscana, ao
menos d o seu espírito, a rainha Santa Isabel de Portugal (1271-1336), dotada de
modelar bondade e caridade para com os pobres, canonizada em 1626, e San-
ta Margarida de Cortona (1247-1297), canonizada em 1728, que, após uma j u -
ventude pecadora, se distinguiu por edificante arrependimento, rigorosa pe-
nitência e amor aos doentes; da dominicana, Santa Rosa de Lima (1586-1617),
imitadora de Santa Catarina de Sena, devotíssima de Jesus Infante, a primeira
bem-aventurada da América do Sul, em 1671 canonizada.
C o m o sucedeu na iconografia religiosa, também estes santos, cujo culto
irrompe e se difunde nos tempos modernos, na metrópole, Oriente e Brasil,
deixam marca no panegirismo sacro coevo. As circunstâncias abundavam para
a solicitação dessa oratória de circunstância com saliência em beatificações e
canonizações que davam lugar a oitavários, festas das confrarias, celebrações
litúrgicas no dia próprio assinalado no calendário da Igreja universal e até por
ocasião de profissões de noviças. A maioria era de pregadores de nomeada,
acabando alguns sermões por ser impressos, com tiragens de centenas de
exemplares e a certeza de servirem de modelos ao infindo número de orado-
res sacros, conventuais e seculares, que na altura proliferavam. Entre muitas

648
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

outras, as colectâneas parenéticas dos jesuítas padre António Vieira incluem


s e r m õ e s d e São José, Santo Inácio, São Francisco Xavier (15), beato Estanilau Kos-
tca, São Pedro Nolasco, rainha Santa Isabel e Santa Teresa de Avila242 e d o p a d r e
M a n u e l da Silva, s e r m õ e s d e São José, Anjo Custódio de Portugal, São Francisco
Xavier, São João de Deus, São Filipe de Néri, Rainha Santa Isabel, Santa Teresa de
Avila, Santa Rosa de Lima243; i n s e r e m as d o s a u g u s t i n i a n o s Frei C r i s t ó v ã o d e
Almeida, um sermão de São Maria Madalena de Pazzi244 e Frei Simão da Gra-
ça, s e r m õ e s d e Santo Inácio de Loiola e São Nicolau Tolentino245; as d o s o r a t o -
rianos padre Manuel Bernardes, sermões do Arcanjo São Miguel, São Carlos
Borromeu, São Filipe de Néri, São Francisco de Sales246 e p a d r e T e o d o r o d e A l -
m e i d a , s e r m õ e s d o Arcanjo São Miguel, São Carlos Borromeu, São Filipe de Néri
(2) e São Francisco de Sales247; a do carmelita descalço Frei António de Santo
E l i s e u , s e r m õ e s d e São José e d o i s d e Santa Teresa de Avila24*; e a d o secular
Filipe de Oliveira, sermão de São João de Deus249. Relativamente numerosos
são os sermões avulsos, difundidos em folhetos de cordel, dedicados: ao Meni-
no Jesus/Menino Deus, do carmelita descalço Frei José do Espírito Santo (1671)
e do lóio Frei José da Purificação (1699); a São José, dos franciscanos Frei
Cristóvão de Lisboa (1625), Frei António dos Arcanjos (1664), Frei Francisco
Ara Coeli (1692), Frei José da Purificação (1698), dos augustinianos D. Frei
Cristóvão de Almeida (1673), bispo coadjutor de Lisboa, Frei Manuel de Li-
ma (1718) e Frei José da Quietação (1738), dos seculares Dr. Jerónimo Ribeiro
de Carvalho (1673) e padre Sebastião de Matos e Sousa (1682), do jesuíta pa-
dre António de Sá (1675), do jeronimita Frei Gabriel da Purificação (1693), do
teatino António Ardizone Spínola (1649-1650); ao Arcanjo São Miguel, do se-
cular padre José Veloso Pereira (1691); ao Arcanjo São Rafael, do teatino M a -
nuel Caetano de Sousa (1688); ao Anjo Custódio, do carmelita descalço Frei
José do Espírito Santo (1671); a Santo Inácio de Loiola, do secular D. Vasco de
Sousa (1614), dos carmelitas Frei António Tavares (1622) e do bispo coadjutor
de Lisboa D. Frei T o m é de Faria (1624), dos jesuítas padre Francisco de M a -
tos (1699) e padre Simão Marques (1735); a São Francisco Xavier, dos jesuítas
padre Jorge de Almeida (1620), padre Luís Gonzaga (1706), padre Simão Mar-
ques (1747) e dos inacianos brasileiros padre Angelo dos Reis (1709) e padre
Francisco de Almeida (1743); a São Francisco de Borja, dos franciscanos Frei Ma-
nuel dos Anjos (1625) e Frei Luís de Santa Catarina (1683)250, dos augustinia-
nos Frei Cristóvão de Foios (1672) e Frei Manuel da Conceição (1672), dos
lóios Frei Gaspar dos Anjos (1672) e Frei José da Purificação (1673); a São Luís
de Gonzaga e Santo Estanislau Kostka, do teatino padre José Barbosa (1727); a
São Carlos Borromeu, do dominicano Frei Tomás Aranha (1646); a São Pio V,
dos dominicanos Frei Domingos de São Tomás (1673), Frei Fernando Soeiro
(1673), Frei Guilherme do Vadre (1673) e Frei Luís do Rosário (1673), do có-
nego regrante de Santo Agostinho Frei Alberto de São Gonçalo da Silva

(1673), do carmelita descalço Frei Filipe da Conceição (1673), do lóio Frei J o -


sé da Purificação (1673) e do franciscano Frei Pedro da Porciúncula (1713); a
São Caetano, dos trinos Frei António Correia, dois (1651 e 1652), Frei José da
Assumpção, dois (1652 e 1653) e Frei Tomás de Sousa (1730), do dominicano
Frei António Ribeiro (1675) e do jesuíta padre Hipólito Moreira (1728); a São
João de Deus, do lóio Frei Gonçalo da Madre de Deus (1691) e do augustiniano
Frei João da Madalena (1691); a São Pedro de Alcântara, do dominicano Frei
Alvaro Leitão (1671); a São João da Cruz, do secular brasileiro padre Lourenço
Ribeiro (1693), do trino Frei João da Madre de Deus (1727), do teatino padre
José Barbosa, dois (1727); a São Francisco de Régis, do jesuíta padre Manuel da
Silva (1716); a São Luís Beltrão, do franciscano Frei João da Purificação
(1674)251; a São Vicente de Paulo, do teatino padre José Barbosa (1739); a
S. André Avelino, do mesmo orador (1732); a São Pedro Arbuez, do trino Frei
António Correia (1674) e do lóio Frei José da Purificação (1674); a São Pascoal
Bailão, do franciscano Frei Francisco Ara Coeli (1690?); à rainha Santa Isabel,
dos franciscanos Frei João de Deus (1664) e Frei Pantaleão do Sacramento
(1679), do carmelita Frei André dos Reis (1659); a Santa Joana Princesa, do do-
minicano Frei Luís Lamberto (1693) e do secular padre Sebastião Pacheco Va-
rela (1702); a Santa Teresa de Avila, do carmelita descalço Frei José do Espírito

649
O D E U S DE TODOS OS DIAS

Santo (1659) e do confrade brasileiro Frei António da Piedade (1703)252, dos


seculares Dr. Jerónimo Ribeiro de Carvalho (1674), padre Sebastião Pacheco
Varela, dois (1700 e 1701) e padre Nicolau Fernandes Colares (1707), do bene-
ditino pernambucano Frei Ruperto de Jesus (1697)253; a Santa Maria Madalena
de Pazzi, do carmelita descalço Frei José do Espírito Santo (1672), do lóio Frei
Sebastião da Madre de Deus Villela (1672), do jesuíta padre Sebastião de N o -
vais (1672)254; a Santa Rosa de Lima, do secular padre Álvaro de Escobar R o u -
bão (1670), do dominicano Frei Bento de São Tomás (1669) e do franciscano
Frei João de São Francisco (1670).

A festividade E P L A U S Í V E L Q U E A FESTA ISRAELITA D O P E N T E C O S T E S — dia e m que o ca-


lendário cristão celebra a descida do Espírito Santo sobre a Virgem Maria e
do Espírito Santo: os apóstolos e o início da expansão da Igreja no mundo — tenha origem re-
dimensão devodonal, mota em cultos pagãos cananeus ligados à terra e à colheita dos cereais, que
popular e comunitária acabaram por se judaizar. Na verdade, as três grandes solenidades do povo da
Antiga Aliança eram: a festa das primícias dos campos, a das messes e a das
colheitas, no fim do ano agrícola. A primeira, denominada dos Ázimos, tem o
cunho, de facto, de uma celebração agrária no Livro dos Números (c. xxvim)
e no Levi tico (c. X X I I I ) a da oferenda dos primeiros frutos, a que veio a asso-
ciar-se a comemoração da saída do Egipto; a segunda é de acção de graças
pelas searas maduras oferecendo-se as primícias colhidas, 50 dias depois de a
foice haver começado a cortar os cereais sazonados, chamada Festa das Sema-
nas ou Pentecostes; a terceira, no termo das colheitas, tem o nome de Taberná-
culos. Releve-se que a festa do Pentecostes dava lugar a manifestações comu-
nitárias de regozijo e alegria. A gente do campo juntava-se na cidade mais
próxima e ia em procissão a Jerusalém ao som de flautas e entoando cânti-
cos255. Após o exílio da Babilónia, esta celebração agrícola transformou-se,
para certos judeus, na festa da renovação da aliança de Deus com o povo
eleito e da entrega da Lei no Sinai a Moisés, constando de um banquete co-
lectivo seguido de uma vigília.
No tempo de Jesus, o Pentecostes, quinquagésimo dia após a Páscoa, era
para o judaísmo ortodoxo a festa da messe, mas a seita essénia de Qumran ao
celebrar a liturgia da solenidade dava-lhe também essoutro significado 256 . Será
preciso chegar aos últimos anos do século 11 para se vislumbrarem menções
seguras do Pentecostes, como uma solenidade de feição inteiramente cristã,
com prerrogativas de um domingo na dimensão em pleno de grande dia,
compreendendo o simbolismo do oitavo dia (sete mais um) e das sete sema-
nas (sete vezes mais um dia), de forma a perfazer 50 dias, ou seja: o do Pente-
costes257. O seu conteúdo alarga-se da ressurreição de Cristo à sua aparição
aos discípulos, ascensão ao céu, vinda do Paráclito (Espírito Santo), regresso
do Senhor, mistério da Nova Aliança, expansão da Igreja no mundo. A santi-
ficação dos fiéis pelo Espírito Santo, o divino Paráclito prometido para con-
duzir a humanidade à salvação, reflecte a unidade da Igreja, manifestada no
ministério das línguas e na vivência da lei do amor, santo e senha de uma
ecuménica comunidade de irmãos (Jo. 15, 12). A celebração do dia do Pente-
costes, como vinda do Espírito Santo, é, pois, uma festa cristã comunitária,
sinal de partilha e de compromisso na missão de reunir o mundo em Cristo.
A celebração da festa litúrgica do Pentecostes no espaço luso cristianizado
terá acompanhado o evoluir da marcha da evangelização do território, segun-
do o rito próprio adoptado nas igrejas locais. Algo, porventura a apontar
qualquer acréscimo diferente, poderá conter a menção mais antiga, que re-
monta ao século xiii, da comemoração, referida por Carolina Michaélis, a
propósito da poesia do trovador Pêro Barroso, «onde se usam cinquesma e pin-
decostes, como sinónimos da festa do Espírito Santo»258. Deste período é a
doutrina, em expansão, do monge calabrês Joachim de Fiore (f 1202) que fala
na terceira idade do mundo, a do Espírito Santo, de escopo escatológico e
dominada pelo amor e liberdade, visando a paz e felicidade ecuménicas.
O seu começo, situado cerca de 1200, coincidiu com o aparecimento das or-
dens mendicantes. O estilo pastoral inovador que as caracterizava, com a mo-
bilização do laicado através das ordens terceiras, a traduzir-se numa salutar me-

CENTRO DE fSlUDÜS •. .1°: jk.a HLUGiOUA


ORAÇÃO E DEVOÇÕES

xida da Cristandade, sobretudo na actuação da franciscana «que na sua facção Interior da Igreja do
espiritualista vai ter importância primacial para a modificação ou adaptação do Espírito Santo, Évora.
pensamento joaquimita, já agora contestário relativamente à igreja oficial, oca- FOTO: JOSÉ M A N U E L
OLIVEIRA/ARQUIVO CÍRCULO
siona uma profunda reviravolta na concepção cristã do mundo, trazendo con- DE LEITORES.
sigo, inclusive, uma reformulação da teoria do poder papal»259. Mesmo que se
aceite terem sido as doutrinas joaquimitas favorecidas pela presença de «uma
tradição oriental na primitiva igreja portuguesa, influência das antigas comuni-
dades da época visigótica», e não serem as mesmas desconhecidas nos círculos
monásticos alcobacense e regrante augustiniano 260 , assimilou-lhes o espírito a
rainha Santa Isabel, filha de Pedro III de Aragão e Constança da Sicília, regiões
onde pontificaram «os dois apóstolos máximos do joaquimismo espiritualista»,
Raimundo Lulo e Arnaldo de Vilanova, com o qual a esposa de D. Dinis se
relacionou, que conheciam bem os meios judaicos e mouros peninsulares e
norte-africanos e se empenharam por convertê-los à fé católica261. Por sua vez,
tiveram as ideias joaquimitas difusores entusiastas nos espirituais franciscanos
com os quais a caritativa soberana teve tão estreitíssimas ligações. Elos de sobe-
jo para entre nós haver florescido o sonho do advento dessa idade de ouro sob
a égide do divino Paráclito cuja Columba, a pomba simbólica, se encontra com
relevante recorte na tábua duodécima do Livro dasfigurasdo abade de Fiore, a

651
O DEUS DE TODOS o s DIAS

que se deve associar a figura tutelar do imperador profético e apocalíptico, sal-


vador esperado, que cingirá a tríplice coroa da metáfora do papa Gregório IX
(1227-1241): a da humanidade, da justiça e da glória262. Imaginário, por conse-
guinte, suficientemente denso de messianismo, místico e político, e élan cruza-
dístico, capaz de galvanizar religiosos e leigos.
Compreende-se assim o incremento alcançado pelo culto do Espírito Santo
na Cristandade. Em Portugal, há notícia de existir, desde a fundação da monar-
quia, uma confraria assim denominada na igreja da Pedreira, em Lisboa, que
exercia a caridade, esse pastus caritas a assemelhar-se aos bodos das festas do Im-
pério, e outra já com a obrigatoriedade de distribuir, no dia de Pentecostes, um
bodo pelos pobres263. Detectam-se, pois, testemunhos cultuais da devoção à
Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, de antes da data tradicionalmente con-
sagrada. O erudito D. Rodrigo da Cunha, na História ecclesiastica da Igreja de Lis-
boa (2.a p., c. 27), publicada em 1642, ao falar da vila de Alenquer, «diz, como
vivèdo ainda a Rainha S. Isabel e andãdo com pèsamentos de fiídar nella hüa
igreja suntuosa ao Spirito Santo, achou pela manhã lançados os fiídamentos por
mãos de anjos e a obra em altura que já se podia nella ver a mesma traça, pela
qual a Santa Rainha a determinava edificar. Ella e elRey seu marido forão os
autores da festa que se chama do Spirito Santo, cuja solenidade foy tão celebre
por todo o reyno e maes nos mayores e mais populosos lugares delle, como
hoje ouvimos contar aos antigos»264. Pode, no entanto, já induzir-se desta tar-
dia, mas credível, referência que a festividade era mais antiga, cabendo ao régio
casal a sua instituição em Alenquer, de que fazia parte integrante o chamado
Império, servindo na acção, de «grande apparato» aliás, «pessoas nobres, e de
qualidade ao emperador, que está em trono, debaixo do docel, onde se assenta
depões de aver offerecido junto do altap>, na mão do celebrante, uma das três
coroas, precisamente a que se diz haver pertencido à Rainha Santa265. No sécu-
lo xv, encontrou-se menção à figura do imperador da corporação dos sapateiros
de Évora, conforme reza o regimento de uma procissão das festas do Espírito
Santo266, as quais em Eiras, vila do aro de Coimbra, tiveram início em 1569,
por ocasião de uma peste assaz mortífera que assolou a localidade267. Para o his-
toriador Jaime Cortesão, o Espírito Santo constituiu, «durante os séculos xiv e
xv e primeira metade do seguinte, não só uma das mais fervorosas devoções da
família real, mas principalmente objecto do culto popular mais difundido em
Portugal», sendo pelos Portugueses celebrado a bordo das naus e espalhado pe-
los arquipélagos da Madeira e Açores, pela África, índia, Brasil e América do
Norte, onde até hoje perdura 268 . E não só a era quatrocentista poderia ser cris-
mada Época do Pentecostes, como a iniciativa dos Descobrimentos surgira no âni-
mo do infante D. Henrique por inspiração do Espírito Santo, pois aos olhos re-
ligiosos da nação assim se via a missão de propagar a fé cristã pelo mundo
inteiro269. Consistindo esta, de facto, numa devoção da particular estima de
D.João I e sua descendência, Duarte Pacheco afirma explicitamente no Esme-
raldo de Situ Orbis (1505) que o infante Navegador, «alumiado da graça do Spirito
Santo e mouido por diuinal mistério, com muitas e grandes despesas da sua fa-
zenda e mortes de criados seus naturaes Portugueses mandou descobrir» as ter-
ras de além-mar 270 . Foi por causa dessa crença que mandou, como sua última
vontade, rezar uma missa a Santa Maria, acompanhada da comemoração do
Santo Espírito, cada sábado, enquanto vivesse e após a sua morte 271 . Em apoio
da sua tese, Cortesão pretendia que a obra-prima da pintura portuguesa, os pai-
néis de Nuno Gonçalves, se devia denominar Retábulo da investidura da nação pe-
lo Espírito Santo, sendo o painel do infante D. Henrique o da investidura do rei
na missão de propagar a fé e o dos pescadores o das confrarias da invocação da-
quela Pessoa divina ligadas com a navegação272. Conhece-se, na verdade, em
1428, na freguesia de Santo Estêvão de Lisboa, uma confraria de mareantes e
pescadores do alto273. Outras se fundaram pelo país, sob o mesmo patrocínio,
no Porto, Tavira e Lagos, bem como hospitais, que até D. João V gozaram de
benemerências e privilégios reais274.

Na celebração litúrgica anual promovida pelas irmandades do Espírito


Santo, estava geralmente integrada a festa do Império que o mencionado
D. Rodrigo da Cunha dizia consistir em «legerce e cõstituirse emperador,

652
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

que na primeira oitava do Spirito Sãto, cõ magestade real, assistisse aos offi-
cios divinos, andasse na procissão, cõdecorasse cõ sua presüça as mesas, hõras-
se as festas e invenções, em que o povo procurava alegrarse»275. Entre alguns
pormenores mais que descreve Frei Manuel da Esperança em sua Historia se-
rafica da provinda de Portugal276, editada em 1656, há a presença de dois reis e
três pajens que, uma vez coroados, acompanhavam a procissão da Ressurrei-
ção e, à tarde, seguidos de trombetas e de muita gente com canas verdes nas
mãos,' dirigiam-se para a Igreja do Espírito Santo de Alenquer, daí recolhen-
do ao primeiro templo, o convento franciscano. O Império continuava, refe-
re ainda, pelos domingos seguintes até ao último que se chamava Domingo
dos Fogaréus, havendo na véspera a Procissão da Candeia, criada pela Rainha
Santa, na qual com um rolo de cera benzida se cingia todo o corpo da vila,
desde a igreja da ordem seráfica à de Nossa Senhora da Triana 277 . A Relação
da villa d'Eyras, publicada em 1865, dá conta de uma antiquíssima tradição re-
lativa a estas festas do Espírito Santo, cujo cortejo processional se estendia até
ao mosteiro de Celas, em Coimbra, tendo lugar, no regresso, um «grande
banquete e jantar público»; na semana «antes do Pentecostes (semana a que
nesta terra chamam dos fermentos por todos os dias dela se ocuparem os fornos
em cozer pão para o bodo) saem pelas ruas públicas da vila muitas danças e
festejos, em que aparecem primorosamente asseadas as donzelas de toda a ter-
ra, acompanhadas de um honesto e honrado varão tocando algum instrumen-
to», com grande fé de que assim «alcançarão do Divino Espírito Santo a me-
lhor acomodação para o seu estado», enquanto durante as noites os mancebos
percorrem a vila com cantos e descantes; no domingo do Pentecostes o Im-
perador ouve na Igreja do Sacramento a missa cantada e sermão, deslocando-
-se com as costumadas solenidades à Capela do Espírito Santo onde assiste a
outra que aí manda celebrar, terminando o ritual com idêntico bodo e feste-
jos, como no dia da coroação. Para todas as despesas ao longo das sete sema-
nas contribuíam voluntariamente os lavradores das vizinhanças com milho,
cevada e vinho, em abundância, e mandavam «dar do açougue, que nesta se-
mana corre por sua conta, várias postas de vaca, a cuja distribuição assistem os
almotacéis, pois passam de dez as rezes que nisto despendem» 278 . Na narrativa
circunstanciada do bispo do Porto, D. Fernando Correia de Lacerda, em His-
toria da vida, morte, e milagres, cànonisação, e trasladação de Santa Isabel sexta rai-
nha de Portugal (1686), acerca da instituição da Festa do Espírito Santo, em
Alenquer, é' notória uma maior atenção dada ao sonho da inspiração divina
da construção da Igreja, a dedicar a essa invocação, que a soberana muito de-
sejava fomentar, e o acento posto na candeia como o anúncio profético do
cumprimento da promessa (de Ourique) que punha «na Coroa Portuguesa, o
Império Universal do Mundo» 279 , ou seja: o Quinto Império. Como ele-
mentos rituais constitutivos da solenidade figuram, em suma: a coroação do
imperador, as procissões, o banquete público, o bodo aos pobres. De raiz ru-
ral, destacam-se os elos com as fainas agrícolas, os frutos colhidos e os animais
criados que fazem parte integrante dos cerimoniais. Ao longo das sete semanas
que dura a festividade, a designação de semana dos fermentos torna pertinente
considerar a sua ligação com primitivos cultos pagãos da fertilidade da terra2811
e a liturgia israelita do Pentecostes, atrás apontada. De resto, nada de sur-
preender, quanto a este aspecto, dada a presença hebraica, imemorial e pacífi-
ca, no solo pátrio, e a suficiente liberdade de que então gozava para a sua prá-
tica religiosa281, conhecida obviamente das comunidades cristãs e natural no
caso de Alenquer 282 que aos domínios da Rainha Santa pertencia. Estas preva-
lências rituais dos festejos do Espírito Santo, a reflectir evidente ecletismo,
mereceram um estudo de assinalável exaustividade ao etnógrafo Luís Chaves,
apostado em seu rastreio no folclore português 283 . De sublinhar, como forte
razão motivadora para o enraizamento do culto na piedade popular, será o ca-
rácter votivo da festa, associado à peste, ao vulcanismo e à doença. Assim, em
1489, o povo de Guimarães, atingido pelo flagelo da peste, instituiu também a
Procissão da Candeia, do Pavio ou do Rolo, em que era conduzido num «an-
dor um pavio de cera com a extensão dos muros da cêrca da vila, ornado de
frutos, flores e ramos, também de cera, e iam oferecê-lo à Confraria do Espiri-

653
O DEUS DE TODOS OS DIAS

to Santo, erecta na colegiada», sendo que, até 1866, altura em que ela foi supri-
mida, na porta do templo «um cónego benzia os pães de trigo, que, à frente
da procissão, eram levados por moças garridas e louçãs», e «umas lançavam-
-nos das janelas do edifício da Câmara aos Vereadores, outras distribuíam-nos
aos enfermos, e, mais tarde, aos vereadores, às comunidades religiosas e pes-
soas importantes» 284 . A fim de implorar remédio para os males do corpo, ofe-
reciam ex-votos ao Divino Paráclito, como reza um texto seiscentista referen-
te ao conde de Cantanhede, cujo criado se menciona a levar na mão «hum
corpo de cera que apresentou ao Santo Sprito, que lhe desse saúde»285.
Peste calamitosa atingiu em 1673 a ilha de São Miguel dos Açores, voltan-
do-se os habitantes para o Divino Espírito Santo, a ponto de as pessoas mais
nobres da cidade de Ponta Delgada se alistarem numa irmandade e constituí-
rem o Império dos Nobres; «e o mesmo foi ouvir-se pelas ruas o tambor da fo-
lia do Espírito Santo, que o seu tom afugentou as malignas enfermidades em
tal forma que se observou que nenhuma pessoa mais delas adoeceu» 286 . Se-
gundo reza uma antiquíssima tradição, os moradores da vila de Eiras (Coim-
bra) ao verem-se livres também, por virtude de tão celeste intercessor, de
uma terrível peste, fizeram voto «de em todos os anos elegerem um homem
dos melhores do povo, a quem os mais haviam de tributar ofertas dos seus
frutos, para que com o nome de Imperador do Espírito Santo festejasse ao mes-
mo divino nos dias de Páscoa da Ressurreição e Pentecostes»287. Na festivida-
de do Espírito Santo em Bougado (Santo Tirso), a que são levadas centenas
de crianças, algumas ao colo das mães, conforme uma velha crença popular
que prescreve, após haverem dado três voltas à capela, se coloque «sobre a
cabeça dos meninos a coroa simbólica do Espírito Santo», a fim de serem li-
vres do contágio da gota, atribuindo-se a moléstia à circunstância de os filhos
mamarem enquanto as progenitoras bebiam 288 . A relação entre a devoção do
Espírito Santo e os terramotos e erupções vulcânicas frequentes nas ilhas aço-
rianas, sobretudo, de São Miguel, Terceira, Faial, Pico e São Jorge, nomea-
damente em 1672, 1718, 1719, 1760 e 1808, é facto assinalado na crónica reli-
giosa das suas gentes, e ainda hoje prevalecente 289 .
O bodo, desde o continente aos Açores, constitui o elemento dos festejos
que consagra o convívio fraterno e a partilha pelos pobres da comunidade das
oferendas recolhidas em que predomina o pão e a carne. E, se a alegria pode
levar a excessos, se pensarmos, por exemplo nos banquetes quase pantagruéli-
cos da ilha Terceira 29 ", será de notar por vezes o resvalar para o supersticioso,
como na descrição algo tardia por relativa a 1862, mas a reflectir costume an-
tigo, do abate do gado para o Bodo do Divino Espírito Santo, em Santiago do
Cacém, que dava lugar a grande reunião de devotos para assistir à bênção das
reses pelo pároco e, crentes na virtude curativa do sangue das vacas abatidas,
enchiam as vasilhas de barro que levavam e logo untavam «o lugar onde exis-
te o padecimento, e mesmo outros onde não existe, com o fim de não apare-
cer no sítio untado mal algum»291. Excessos havia ainda nas manifestações
musicais a cargo das folias, desde tangeres e bailes indecorosos e cantares pro-
fanos, a levar as autoridades eclesiásticas a intervir. Em 1558, o bispo dos Aço-
res D. Frei Jorge proibiu «na igreja os toques de viola, guitarra e flauta, bem
como os bailes e cantares profanos fora dela, e durante as festas», e, em 1600,
o prelado D. Frei Jerónimo de Almeida fez outro tanto, não permitindo «que
os foliões bailassem na capela-mor, e durante a coroação do imperador»-'2. As
Constituições Sinodais de Évora (t. xv, c. xn), do arcebispo D. João de Melo,
relativas a 1565, ordenam que, quando «alguns povos por sua devoção, ou por
qualquer outro respeito de serviço de Deus fizerem imperadores e reis e ou-
tras festas semelhantes, quiser entrar nas igrejas caladamente sem ruído de
tangeres e vozes, e honestamente, o poderiam fazer, mas sem estarem "mais
tempo que aos ofícios divinos, ou fazerem oração e passar"» nem ousarem
subir ao «púlpito, ou em outro semelhante lugar a fazer nem dizer alguma
coisa»293. As Constituições Sinodais de Angra, publicadas em 1560, perante uma
generalização fora do dia próprio de coroações do Imperador, mandam que
se não façam senão na festa do Divino Espírito e nas «procissões de Corpus-
-Christi, Visitação ou Anjo», aliás as oficiais do reino, e não haja mais que

654
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

um imperador e imperatriz, estatuindo as atrás citadas de D. Jerónimo Tei-


xeira (1600-1612), 40 anos depois, que os foliões não bailassem na capela-mor
das igrejas e um seu visitador pastoral que os foliões não entrassem a cantar
cantigas profanas, de teor burlesco. Prescrições análogas recaíram em 1645 so-
bre a ida de párocos à casa dos imperadores, sentar-se à sua mesa, dar-lhes ou
tirar-lhes a coroa e o ceptro. As folias compunham-se, no mínimo, de três
homens, com tambor, viola e bandeira da confraria, de damasco escarlate e
ornada de uma pomba branca, revestidos de opas, de fundo vermelho ornado
de flores, tendo ou não na cabeça uma mitra ou arremedo de capuz francis-
cano da mesma cor e tecido 294 . O prelado açoriano D. António Vieira Leitão
(1694-1714) proibiu os impérios de mulheres, preocupado com a honestidade
pública à vista dos «enfeites indecorosos e profanos» de que usavam e «com o
concurso de homens que a eles vão com práticas indecentes e outras enormi-
dades de que resulta geral escândalo», determinando mesmo que «não hou-
vesse em cada freguesia mais do que um Império do Espírito Santo»295. T o -
dos estes desvirtuamentos condenáveis, objecto de contundente crítica no
século xix, não esmoreceram a arreigada devoção ao Espírito Santo dos aço-
rianos bem viva em nosso tempo 296 . Em Portugal, os bodos e cercos, face aos
abusos cometidos e à cor supersticiosa que os revestia, acabaram por ser com
frequência reprovados pela autoridade eclesiástica, apesar de as Ordenações
Manuelinas os permitirem no exterior das igrejas297. Segundo refere Fortuna-
to de Almeida «nos tempos modernos o Imperador era sempre uma criança,
procedendo o costume muito certamente do do bispo inocente» 298 . A sua
origem era pagã e recebida de França, ligada talvez aos cultos druídicos, com
lugar na hora de vésperas da oitava do Natal em que «o menino de coro mais
novo recebia o Bago-Pontifical, presidindo depois a toda a solenidade do dia
seguinte, chegando até a lançar bênçãos». Apesar de condenado, em 1260, e
em vários sínodos, ainda no século xvii, este ritual fazia-se com grande pom-
pa, a 28 de Dezembro, dia dos Santos Inocentes, na Sé de Lisboa299, consti-
tuindo, no fundo, uma folia que muito divertia o povo. Outro elemento da
senda eclética que constitui a Festa do Espírito Santo no espaço português
são as jovens vestidas de branco integrando o cortejo processional, como no
caso dos Açores, dos Tabuleiros de Tomar e de algumas outras terras do país.
A precederem a figura do Imperador, por altura da coroação, podem simboli-
zar, mesmo que o significado se ache perdido na memória do tempo, o
Exército Branco que, no imaginário profético, acompanha o rei libertador
referido na dita carta dos Cruzados de Portugal do relato de Alphandéry, em
que a chama nos ares e a pomba branca, que surgem com a cruz resplande-
cente, poderão ligar-se à ritualização do culto do Espírito Santo, tornando
mais imbricado o problema das origens. Serão, como sugere Teófilo Braga e
Jaime Lopes Dias perfilha, de origem saxónica em suas «características essen-
ciais a coroação do imperador, a distribuição de esmolas, e a realização de ce-
rimónias contra a peste»300? Em suma, nesta devoção popular sacro-profana,
em aumento na era moderna e, exceptuando o caso dos Açores 301 , a acusar
sensível diminuição na metrópole desde antes de meados do século xx, redu-
zida, na esmagadora maioria das terras, a uma celebração litúrgica, três con-
tornos se evidenciam: os votivos, os assistenciais e os conviviais, em atmosfe-
ra festiva de transbordante alegria comunitária. Explosivo foi o seu
desencadear a partir do gesto fundador, em 1296, da Rainha Santa, em Alen-
quer, muito embora a criação da confraria local, segundo Jaime Cortesão, só
em 1323 tenha registo histórico 302 . Por sua vez, Leite de Vasconcelos assinala
uma confraria de Benavente «encarregada de distribuir uma refeição aos po-
bres (um bodo) no dia do Pentecostes», sendo por isso que duvida situar as
solenidades festivas ao Divino Espírito Santo na era dionisina e mostre incli-
nação para data mais remota, sem parecer rejeitar, como aliás Cortesão, que
as festas do Império sejam de iniciativa franciscana 303 . A piedade dos fiéis
abraçou de tal forma esta devoção que, se antes de 1321 não se rastreiam mais
de quatro hospitais tendo como orago a Terceira Pessoa da Santíssima Trin-
dade, a partir «daquele ano e até fins de quinhentos, podemos contar com 75
cidades, vilas ou aldeias, cuja matriz tinha o Espírito Santo por orago; cerca

655
O DEUS DE TODOS os DIAS

de 8o hospitais e albergarias com suas capelas e à volta de um milhar de con-


ventos, capelas de igreja e muito principalmente ermidas, daquela invocação».
Sublinha ainda Jaime Cortesão: «Quase sempre nesses grandes ou pequenos
templos, irmandades do Espírito Santo celebravam festas, procissões e roma-
rias alusivas ao Império e ã coroação do Imperador.» 304 Sabe-se que na Beira
Baixa «muito poucas são as povoações que não tenham a representação do
Espírito Santo em «capela própria ou altar privativo na igreja matriz». A de-
voção ao Divino Paráclito era uma das principais da família régia e, de reis a
nobres, todos pertenciam às respectivas irmandades. «Em todas as povoações
da Rainha Santa, como Leiria, Porto de Mós, Óbidos, Torres Novas e Sintra,
se realizava com esplendor a festa do Império ou, quando menos, houve ca-
pela ou hospital ligado ao culto do Espírito Santo. 305 E, se nesta última vila o
povo, desde o Renascimento, ia em romagem a assistir à coroação do Impera-
dor na formosa Sala dos Cisnes do palácio real, cujo patrono é o Espírito San-
to, um alvará de D. João II de 1484, confirmado por D. Manuel, «concedia li-
cença para se realizar na Sala dos Infantes, no Palácio Real, a festa do Espírito
Santo; autorizava também, para tal fim, o corte de toda a lenha necessária»306.
Do passado ao presente a Festa do Imperador, com coroação, cortejo na
rua e aparato de inspiração cortesã, manteve-se na metrópole, acusando
maior ou menor declínio, em: Marvão, Nisa, Nordeste Alentejano, Santiago
do Cacém; Sintra, Mercês e Colares, Alcabideche (Cascais), na região de Lis-
boa; Marmelete, Alté, Bordeira, Odeceixe (Aljezur), Bensafrim e Barão de
São João (Lagos), na província do Algarve; Eiras, nos arredores de Coimbra,
apenas com vestígios locais; Trofa (Bougado) e Guimarães, no Baixo Minho;
Paul (Covilhã), Monsanto da Beira (Idanha-a-Nova), etc. 307 . O cerimoniai
do bodo tomava, por vezes, aspectos de convívio e envolvimento comunitá-
rio de assinalar, como no caso de Penedono (Colares) que conservava uma fi-
delidade à feição primitiva do iniciado em Alenquer, quanto à distribuição
pelos pobres e, na refeição colectiva, na participação dos acompanhantes, das
autoridades e do povo. Na véspera, conforme o descritivo de Luís Chaves, os
moradores passeavam, «pela aldeia enfeitada, um boi, que seria morto no dia
da comemoração; o animal levava gaiteiro, acompanhavam-no com bandeira
os mordomos da festa; havia foguetes. Depois de bento, o boi era abatido, e a
carne cozinhada, em grande caldeirão de cobre, tudo próximo da capelinha
de nossa Senhora de Mercês ou de Santo António. Em bancadas sentavam-se
os pobres, juntamente com os fiéis, que tinham feito voto de comer com
eles, e comiam todos em louça própria, grosseira, com a pomba simbólica
pintada no fundo de pratos e de tigelas». Acrescente-se que, conforme costu-
me da terra, «se davam dois pintos presos (960 réis) às raparigas da aldeia, que
tivessem casado no ano da festa», prática semelhante à de Alenquer em que se
oferecia «parte do dote de casamento às donzelas participantes do cortejo» 308
Será curioso, ainda, referir, a corroborar o tradicional matiz deste culto na
piedade popular, a quase contiguidade das capelas do Divino Paráclito com as
casas e igrejas conventuais franciscanas, testemunhando o referido elo origi-
nário dos contornos particulares que entre nós distinguem esta devoção e a
ordem seráfica. E o caso exemplar da modesta Ermida do Espírito Santo,
construção acarinhada por D. Fernando e D. Leonor Teles, sita a cerca de
um quilómetro do templo de Santo António dos Olivais, que chegou a me-
recer a atenção dos Jesuítas em 1542, mal chegados a terras conimbricenses.
O historiador António de Vasconcelos rememora que no decorrer de «o oita-
vário da festa do Pentecostes, vinham aqui numerosos ranchos, da cidade, dos
campos e das serras, de perto e de longe, fazer as suas orações e cumprir os
seus votos». Ao escrever, em 1932, acentua que essa romaria, «quase comple-
tamente profana», congregava ainda «em cada ano numerosa gente em Santo
António dos Olivais, naqueles mesmos dias», se bem que não fosse mais que
«uma simples reminiscência, inteiramente avariada, da antiga romaria piedosa
à ermida do Espírito Santo». E continua: «Aqui vinha também, antes de 1832,
com seu acompanhamento sacro burlesco, o Imperador do Espírito Santo da
próxima vila de Eiras, eleito pela câmara daquele município, o qual uma nu-
merosa cavalgada o acompanhava na primeira oitava do Espírito Santo, segui-

656
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

do dos seus pagens e de muitos dos seus nobres, montados em cavalos, éguas
e jumentos, ao mosteiro cisterciense de Celas, onde era recebida a imperial
majestade com repiques festivos dos sinos, e Te Deum laudamus no templo.
Depois da abadessa e monjas cumprimentarem o Imperador, sentado num tro-
no, ao fundo da igreja junto da grade do coro, e de o obsequiarem com doces,
confeitos e finos licores, beijando devotamente a coroa de prata, que para isso
era passada através do postigo das grades, lá seguia a comitiva equestre e asina
para a ermida do Espírito Santo, onde o Imperador fazia rezar missa pelo seu
capelão. Por fim regressava toda a cavalgada à vila de Eiras. Nesta havia então
um lauto banquete e bodo público, jogos vários, cavalgadas e divertimentos
populares, danças, descantes, etc.» Fazia-se também, em cada segunda-feira do
Pentecostes, uma romaria promovida pelo cabido de Coimbra, «mas esta séria,
piedosa e litúrgica, embora realizada no mesmo dia da cómica visita da Câmara
de Eiras», dirigindo-se através da cidade, com o bispo-conde por vezes a abri-la
seguido de cónegos, beneficiados, capelães-cantores, meninos do coro e a «tur-
ba-multa de fiéis de todas as categorias sociais». Cantava-se a ladainha de T o -
dos-os-Santos e antífonas em seu cantochão próprio. «Ao entrar na eremida,
terminada a doxologia hinódica final, o capitulante fazia o levantamento da an-
tífona — Spiritus Domini. Sentava-se o clero em bancos, e prosseguia o canto
recitativo dos salmos de Tércia-Legem ponc milii Domini, etc. E terminada a
Hora de Tércia, cantava-se a Missa conventual solene própria do dia.» Pela dé-
cada de 1870 esta festiva romagem acabou por extinguir-se e a ermida talvez
haja sido demolida 309 . O mesmo ou quase se terá passado em muitas outras lo-
calidades. Porém, o culto litúrgico, com maior ou menor solenidade, conti-
nuaria segundo o estabelecido no calendário católico. N o cerimonial da Festa
do Imperador, de Portugal ao Brasil, os tempos foram diminuindo o respeito
devido, a ponto de, na procissão de Eiras a Santo António dos Olivais, o pro-
tagonista do sacro cortejo ir coberto de um manto, a arremedar «mais mal que
bem» o trajo do imperador coroado, seguido de «uma charanga tocando, e os
rapazes e raparigas cantando cantigas sagradas e profanas (algumas d'estas soffri-
velmente licenciosas) dançando, fazendo cabriolas e momices, etc.». A degrada-
ção levou mesmo o vigário capitular conimbricense, José Freire de Faria, por
circular de 20 de Novembro de 1728, a proibir «todas as danças, cantigas e mais
obscenidades, por terem degenerado na practica de muitos actos indecentes»310.
N o Belém do Pará, o zeloso bispo D. Frei Caetano Brandão (1783-1789), a fim
de extirpar os abusos da Confraria do Império do Espírito Santo, ordenou que
os párocos averiguassem se os compromissos estavam aprovados e os imperado-
res respeitavam as condições estabelecidas, de contrário seriam proibidas, de
qualquer forma, fazendo «desterrar da Igreja as indignas decorações»; manda
ainda «que se execute a determinação de seu predecessor D. Frei Miguel de
Bulhões em Pastoral de 1750, de que todos os Impérios da Cidade fossem redu-
zidos a hum só, que he o da Freguesia da Cathedral»311.

A celebração litúrgica do Pentecostes integrava, ordinariamente, um ser-


mão, como é, com frequência, mencionado em descrições da festividade.
O assunto tem no episódio histórico novitestamentário da Descida do Espíri-
to Santo, objecto da leitura da epístola, matéria de óbvio emprego, sendo o
evangelho, também usado na parénese do dia, uma passagem do Discurso do
Adeus em que Cristo descreve a acção do Divino Paráclito que faz de cada
baptizado o templo da Trindade Santa, ideia cara à pregação paulina. Havia,
pois, seiva fecunda para desenvolvimentos doutrinais e acomodações temáti-
cas a que o orador recorria conforme julgava pertinente. Serão assim de
mencionar os dois notáveis sermões do Espírito Santo, os únicos recolhidos
na editio princeps dos muitos que Vieira proferiu, como aliás declarou 312 .
O primeiro pronunciou-o na igreja dos jesuítas de São Luís do Maranhão 313 ,
por altura da partida de uma grande missão de religiosos inacianos para o rio
das Amazonas, numa «dificultíssima empresa», porque iam «pregar a gentes de
tantas, tão diversas e tão incógnitas línguas, que só uma cousa se sabe delas,
que é não terem número», por isso rio Babel se lhe chamava 314 . O vector do
discurso é a missão de evangelizar os gentios que incumbe a toda a comuni-
dade cristã, religiosos e leigos, pois o Espírito Santo «foi principalmente às

657
O D E U S DE TODOS OS DIAS

nações incultas e bárbaras» e «para todas as nações do mundo, que por isso
desceu e apareceu em tanta diversidade de línguas». Obra, no entanto, para
que «é necessário maior amor que sabedoria», dado ser «tão forçosamente ne-
cessária a assistência com estas gentes, e no seu clima, e no seu trato, e na sua
miséria, e em tantos outros perigos e desamparos da vida, da saúde, e do alí-
vio, e de tudo o que pede ou sente o natural humano» 315 . Sublime missão
que lhe arranca a belíssima metáfora do estatuário, para levar a entender que
não é escusa «a rudeza da gente», pois «de pedras, troncos, brutos animais, se
faz um homem perfeito, e talvez u m santo, que se pode pôr no altar»316.
A peroração é um apelo aos senhores de escravos para mandá-los à catequese
e às senhoras para que ensinem a doutrina às escravas, porque no Juízo Final,
«espectáculo tão triste e tão horrendo, será naquele dia ver a u m português
destas Conquistas (e muito mais aos maiores e mais poderosos) cercado de tan-
ta multidão de índios, uns livres, outros escravos; uns bem, outros mal cativos;
uns gentios, outros com nome de cristãos, todos condenados ao Inferno, todos
ardendo em fogo, e todos pedindo justiça a Deus sobre aquele desventurado
homem que neste mundo se chamou seu senhor»317, dado o Espírito Santo não
procurar mais que ensinar a «querer ensinar, ou deixar ensinar aqueles a quem»
se deve a doutrina 318 . A segunda pregação Vieira denominou-a Exortação pri-
meira em véspera do Espírito Santo e p r o f e r i u - a , e m 1688, na capela i n t e r i o r d o
colégio da Bahia319, quando era o responsável pelas missões jesuíticas da Pro-
víncia do Brasil, perante os noviços e estudantes que se destinariam à evangeli-
zação, devendo para isso possuir «a ciência e inteligência das línguas», meio e
modo pelos quais os missionários «encheram o mundo do Espírito Santo, ou o
Espírito Santo por eles encheu o mundo» 320 . Veemente apologia à aprendiza-
gem das línguas gentílicas pelos jovens aspirantes a tão sublime ministério, a
fim de cumprirem a ecuménica missão de pescadores de homens. Se o divino
Paráclito, acentua o orador, pôs «as línguas nas cabeças dos Apóstolos, para
com aquelas, como borlas, os graduar de doutores do mundo», foi para fazer
de cada um deles doctor gentium. «E este grau, e esta borla, não se dá na Baía,
nem em Coimbra, nem em Salamanca, senão nas aldeias de palha, nos desertos
dos sertões, nos bosques das gentilidades», onde actuam «como mestres, como
pais, como pastores, como servos e escravos seus em tudo, para viver perpetua-
mente, e morrer com eles e por eles, e também às mãos deles, como algumas
vezes tem acontecido» 321 . Sermões houve da festa de Pentecostes com outras
temáticas que na era de Seiscentos saíram em folhetos de cordel como: o do
jesuíta brasileiro padre António de Sá (1627-1678), pregado na primeira oitava
do Espírito Santo e na Sé da Bahia, dirigido à justiça, e publicado em Lisboa,
em 1658, tendo tido duas reedições, 1672 e 1686, em Coimbra 322 ; o do francis-
cano arrábido. Frei José da Purificação, natural de Lisboa (1650) e pronunciado
na sé diocesana, no dia da própria solenidade 323 ; e do ex-inaciano, pároco de
São Cristóvão da capital e conhecido pelo seu decadentismo barroco, padre
Nicolau Fernandes Collares (1662-1723), O mestre da solfa da capella do Ceo o Es-
pírito Santo, pregado em 1706, no Convento de Marvila de Nossa Senhora da
Conceição das religiosas de Santa Brígida 324 . Abunda, por outro lado, a icono-
grafia do Espírito Santo, na era moderna, na pintura religiosa de igreja, em a
simbólica figura da pomba, sobretudo na Anunciação e Baptismo de Cristo, e
na espectaculosidade da representação da cena do Pentecostes, de que serão de
nomear os quadros a óleo do pintor Cristóvão de Figueiredo (f 1541), perten-
centes ao Museu Grão Vasco, e a Santa Cruz de Coimbra (1535) e da oficina de
Francisco Henriques (f 1518), artista do tempo de D. Manuel 325 , do Museu de
Arte Antiga e da Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima (Lis-
boa) 326 , belíssimos testemunhos de uma época áurea do culto do Espírito Santo
entre nós, coincidente com a da expansão ultramarina.

Em louvor da O D O G M A DA S A N T Í S S I M A T R I N D A D E , verdade fundamental da fé cristã, al-


fa e ómega da teologia católica, está presente na vida dos fiéis desde o baptis-
Santíssima Trindade m o à morte. D o sinal da cruz à breve doxologia do Gloria, Patri et Filio et
Spiritui Sancto, do simples gesto de benzer e persignar, das orações da liturgia
eucarística e sacramental ao final dos hinos e salmos do ofício divino, a m e n -

658
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

ção das três pessoas divinas é dominante e conclusiva. Trindade em Unidade


e Unidade em Trindade, dizia Santo Agostinho e recordava-o o escritor je-
suíta seiscentista, padre Manuel Fernandes, em Alma instruída, sua conhecida
obra ascético-mística 327 . Se o Antigo Testamento evidencia a omnipresença
do Pai, os Evangelhos são a revelação plena do Filho, como os Actos dos
Apóstolos a manifestação do Espírito Santo em sua actividade transcendente
no interior da alma. Mistério profundíssimo, racionalmente ininteligível, de
um Deus trino, em pessoas distintas, e uno, por iguais, em sua consubstancial
natureza. Desde o século iv que se encontra definida com clareza a doutrina
da Santíssima Trindade, sendo este dogma sempre defendido, como intocá-
vel, contra os opositores entretanto surgidos. N o calendário litúrgico, a festa
da Trindade remonta a 920, atribuindo-se a sua instituição a Estêvão, bispo
de Liège, e só em 1334 o papa João XXII a estende a todo o orbe católico 328 .
Se na Igreja Grega a Trindade se celebra no mesmo domingo do Pentecostes,
naturalmente, porque, no dizer de São Basílio (c. 330-379), o Espírito Santo
«é quem da confiança dá a confiança de chamar a Deus "Pai", de participar
na graça de Cristo, de ter parte na glória eterna»329, na piedade cristã, a iden-
tificação do Espírito Santo com a Santíssima Trindade verifica-se, de longa
data, em templos, altares e imagens que, sendo consagrados a esse mistério,
são chamados e vulgarmente conhecidos pela denominação daquela Terceira
Pessoa divina 330 . De assinalar será que se registam duas únicas freguesias, exis-
tentes já na época moderna, com o topónimo Trindade, cujo orago é Santís-
sima Trindade: uma, a norte, sita no concelho de Vila Flor, diocese de Bra-
gança; outra, a sul, no aro e bispado de Beja 331 .
Incremento importante para se difundir esta devoção veio dar a fundação
da Ordem da Santíssima Trindade para resgate dos cativos, aprovada em 1193,
que se deve a São João da Mata (c. 1160-1213) e São Félix de Valois (1127-
-1212), impressionados com a dolorosa situação das dezenas de milhar de pri-
sioneiros cristãos em poder dos muçulmanos, na Berbéria e no reino mouris-
co de Granada, muitos dos quais apostatavam. Voltada para uma actividade
prática, seguiam os religiosos um modelo conventual novo, nem militar, mo-
nástico ou mendicante, mas com vida comunitária, de rigoroso cumprimento
dos conselhos evangélicos, e estavam vocacionados para libertar os cativos,
por resgate ou troca, e difundir a devoção à Santíssima Trindade, envergando
um hábito branco com uma cruz vermelha e azul332. Vindos de França, numa
leva de cruzados a caminho da Palestina, ajudaram os Portugueses, a pedido
de D. Soeiro Viegas, bispo de Lisboa, na conquista de Alcácer do Sal, no rei-
nado de D. Sancho I, tendo fundado, por sua vontade e dádiva, o primeiro
convento em Santarém, por 1208, alargado cerca de 1531, reconstruído em
1740 e demolido em 1755, com o respectivo albergue e hospital 333 . Ao abrigo
da protecção e generosidade dos reis e nobres e das esmolas e carinho do po-
vo brevemente se espalharam pelo país. Em 1218, foi-lhes cedida, em Lisboa,
a Ermida de Santa Catarina e logo edificaram um convento e junto um al-
bergue para cativos e um hospital para peregrinos, não surgindo, antes dos
fins do século xv, mais nenhum na capital334. Outros apareceram em Sintra
(1400), Coimbra (1562), com um colégio universitário, Alvito (1566), em
Ceuta (1569) e Tânger, Lagos (1605), Guimarães (1653), Setúbal (1686),^ bem
como os das religiosas trinas de Nossa Senhora do Livramento de Alcântara
(1610), de Nossa Senhora da Soledade de Mocambo (1657), e de Campolide
(1721) junto de Lisboa335. Vieram-se a constituir, assim, em pólos dinamiza-
dores da devoção à Santíssima Trindade, através da pregação dos religiosos e
da recolha de donativos para a redenção dos cativos que a conquista e a defe-
sa das praças do Norte de África, com o desastre de Alcácer Quibir, obriga-
ram a ingente e constante esforço e dispêndio. N o tempo de D. Afonso V e
D.João II surgiram desinteligências entre o poder régio e os provinciais trini-
tários que chegaram a apelar para o papa, tendo Alexandre VI, em 1498, pela
bula Humilibus supplicum, ordenado que se respeitassem os direitos e privilé-
gios da ordem na missão dos resgates, diferendo definitivamente sanado pela
provisão de D. Sebastião, datada de 1573 e confirmada pelo alvará de 1635,
mantendo-se, regulamentada por regimento próprio, a actividade dos mam-

6 59
O DEUS DE TODOS os DIAS

posteiros, funcionários encarregados, nos bispados de metrópole e ultramar, da


recolha de esmolas para a obra da redenção dos cativos336.
Deve-se à rainha Santa Isabel a instituição de uma confraria da Santíssima
Trindade no convento de Lisboa, sendo D. Dinis e seu filho D. Afonso IV os
primeiros irmãos337. A esta confraria legou o monarca Lavrador suficiente rendi-
mento para a realização da festa anual da Trindade, em seu próprio dia, vigo-
rando até 1755 o compromisso da pia associação que ordenava proteger os ho-
miziados e perseguidos, defendê-los das justiças, albergá-los e mantê-los 338 . Em
Braga, segundo se comprova por um dos seus primeiros estatutos (1373), existia
uma Irmandade da Trindade, sedeada na igreja da mesma invocação339. Havia
igualmente uma Ordem Terceira da Santíssima Trindade; e o escapulário do
mesmo nome, ainda na primeira metade de Oitocentos, era uma insígnia reli-
giosa procurada pelo povo humilde do Minho rural340. Por sua vez, o denomi-
nado Missal de Mateus341, de influência francesa cluniacense do segundo quartel
do século xii e de assinalável importância na constituição do rito bracarense,
apresenta, como leituras da festa da Santíssima Trindade, na epístola, a passagem
do Apocalipse (4, 1-10) referente à visão majestática do trono de Deus e corte
celeste designada de «liturgia celestial»; e, no evangelho, o episódio do colóquio
de Cristo com Nicodemos, acerca do baptismo pela água e pelo Espírito Santo
0o. 3, 1-15), textos que se conservavam ainda no Missale Bracarense, em sua edi-
ção de 1924342, diferentes dos constantes no Missale Romanum tridentino 343 .
Disseminadas pelo país, outras foram surgindo até aos finais de Setecentos,
como a Arquiconfraternidade da Invocação da Santíssima Trindade (1742), na
cidade do Porto, e a Confraria do Espírito Santo e Irmandade da Trindade da
freguesia de Campanhã, que em 1789 ainda escriturava normalmente o seu mo-
vimento associativo344. Significativa expressão da devoção à Trindade Divina,
apesar de formal, constitui a invocação a pedir protecção e misericórdia, inserta
no formulário empregue nos testamentos, dominante, na era moderna, embora
acuse gradual abaixamento, conforme revela um estudo confinado ao burgo
portuense 345 . Dos 536 casos analisados, cifra-se em 43,9 % (50 casos em 114), re-
lativamente a 1650-1669, e recua para 41,6 % (168 casos em 404) no lanço tem-
poral de 1730-1749346. A fórmula — em nome da Santíssima Trindade — acusa,
nos grupos socioprofissionais da «nobreza, clero, oficiais e letrados, homens de
negócio, percentagens iguais a 50 %, ou acima delas; logo seguido dos proprie-
tários», com 47,5 %, sendo os testadores que mais a utilizam pertencentes ao
núcleo citadino e os seus testamentos, aliás de teor mais longo, «na sua maioria
da responsabilidade de membros do clero, elaborados, preferencialmente, de
forma cerrada»347. E nítida, porém, a preferência por uma invocação trinitária
em que o acento cristocêntrico ganha recorte, no género da seguinte: «Santíssi-
ma Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus
verdadeiro. Rogo a Nosso Senhor Jesus Cristo pelas suas divinas chagas que já
que neste mundo me fizera participante de seu corpo e sangue me faça tam-
bém participante da sua morte e paixão em me dar a glória.»348
Oriunda de França e do século xii, mas com percurso bizantino, a figuração
iconográfica mais comum, inspirada do Novo Testamento e pacificamente
aceite pela Igreja, é o denominado «Trono da Graça ou Trindade vertical —
grupo onde aparece o Padre Eterno sentado num trono, majestoso, de vestes
pontifícias, tendo entre os joelhos e os braços um Cristo crucificado de menores
proporções, cuja cruz o Padre Eterno segura nas mãos, e estando pousada no
madeiro, ou de asas abertas sobre ele, a pomba do Espírito Santo.»349 Chama-se,
em primeiro lugar, a atenção para o capitel do cruzeiro, cuja data se situa nos
séculos xii-xin, da freguesia de Santo Adrião de Santão (Felgueiras), em que a
Trindade é figurada segundo o esquema vertical350. Há esculturas em pedra-de-
-ançã, do século xv, no Porto, na Casa-Museu Fernando de Castro e no Museu
de Arte Sacra e Arqueologia do seminário maior; do século xv/xvi em Algeriz
(Macieira de Cambra), na Capela do Espírito Santo; em Cepelos (Vale de
Cambra), na Capela do Espírito Santo; no Museu Regional de Évora e na ma-
triz de Figueiró dos Vinhos. De madeira e do século xvn: na Capela do Espírito
Santo em Moreira de Lima (Ponte de Lima); no mosteiro de Leça do Balio
(São Mamede de Infesta); na Capela do Espírito Santo, em Arcozelo (Valada-

660
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

res); no Porto, na Casa-Museu Fernando de Castro; do século X V I I / X V I I I , na


matriz de Santo Adrião de Vizela (Caldas de Vizela); do século xviii, na matriz
de Pinheiro da Bemposta (Oliveira de Azeméis); na Capela de Nossa Senhora
do Campo, em Rossas (Arouca); numa variante de pé, na matriz de Macieira
de Sarnes (São João da Madeira). Da época setecentista, mas de alabastro, no
Museu Soares dos Reis (Porto). Ainda do século X V I I I , figurando-se, porém,
três pessoas diferentes num conjunto escultórico de madeira, na matriz de
Campanhã (Porto) e de barro policromado, na Casa-Museu Fernando de Cas-
tro, também representações em relevo, da coroação de Nossa Senhora pelas
Três Pessoas da Santíssima Trindade, esculpidas em retábulos, como o seiscen-
tista da Capela do Espírito Santo, em Moreira do Lima351.
Por sua vez, a piedade popular, reflectida e expressa na arte sacra, mostra
com eloquência como, entre nós, desde a era medieva à Idade Contemporâ-
nea, este culto foi incrementado e as representações plásticas de que se reves-
tiu. O pintor lisboeta da segunda metade do século xvi, piedoso e esmolar, Santo Agostinho e o Mistério da
Luís Álvares de Andrade (f 1631) alimentava tal devoção ao «altíssimo Myste- Santíssima Trindade, de Bento
rio da Santíssima Trindade» que, segundo refere Barbosa Machado, a fim de Coelho, 1706 (Alhandra,
os corações se acenderem em sua contemplação, «como era perito na arte da Igreja de São João Baptista).
pintura fez muitos Quadros em que representava as Tres Divinas Pessoas, e os F O T O : ARQUIVO CÍRCULO
colocou em diversos Templos»352. A mais célebre pintura referente ao Trono DE LEITORES.

661
O DEUS DE TODOS OS DIAS

da Graça d e v e ser a tela quinhentista de C r i s t ó v ã o d e F i g u e i r e d o , d o M u s e u


Soares dos Reis 3 5 3 , mas há, na Sala dos Mesários da M i s e r i c ó r d i a d o P o r t o ,
u m a bela p i n t u r a s o b r e m a d e i r a e m q u e , à s e m e l h a n ç a da Pietá, o Pai E t e r n o
de tiara t e m s e n t a d o n o s j o e l h o s C r i s t o d e s n u d o c o m u m p a n o e n r o l a d o s o -
b r e os rins, e n q u a n t o a p o m b a d o Espírito S a n t o paira d e asas abertas e n t r e os
dois 3 5 4 . A r e p r e s e n t a ç ã o h o r i z o n t a l da Santíssima T r i n d a d e t e m na m a g n í f i c a
p i n t u r a a ó l e o , d o M u s e u de A r t e A n t i g a , a t r i b u í d a a G a r c i a F e r n a n d e s (1537)
— c o m o Pai E t e r n o e C r i s t o s e n t a d o s n u m t r o n o g ó t i c o , l a d o a l a d o , e, na
p o m b a , o E s p í r i t o S a n t o ao c e n t r o , t e n d o a r o d e á - l o s os q u a t r o evangelistas,
os patriarcas A b r a ã o e Isac e t a m b é m M o i s é s e Elias — e n o q u a d r o m a n e i -
rista, d o ú l t i m o q u a r t e l d e Q u i n h e n t o s , d e F r a n c i s c o V e n e g a s , artista sevilha-
n o q u e t r a b a l h o u e m Lisboa e p a r a u m a igreja o e x e c u t o u , dois e x e m p l o s
a c a b a d o s d e g r a n d e beleza 3 5 5 . A p a r e c e t a m b é m a r e p r e s e n t a ç ã o da T r i n d a d e ,
e m j e i t o d e ilustração c a t e q u é t i c a , q u e r n o r e s p e i t a n t e a v e r d a d e s d e fé, c o m o
a c r e n ç a d o Purgatório — tal a p i n t u r a e m t á b u a , d o s é c u l o x v i - x v n , da Igreja
d o C a r m o d o P o r t o , c o m N o s s a S e n h o r a ladeada, à direita, p o r C r i s t o a sus-
t e n t a r a c r u z nas m ã o s e, à e s q u e r d a , o Pai, t e n d o o c e p t r o na direita e o g l o -
b o d o m u n d o na e s q u e r d a , e n q u a n t o ao c e n t r o s o b r e a V i r g e m M a r i a está a
p o m b a d o Espírito S a n t o — e os ú l t i m o s fins d o h o m e m , a saber, o Paraíso
— a e x e m p l o da p i n t u r a e m m a d e i r a d o s é c u l o x v i i , na sacristia da igreja d o
m o s t e i r o d e P e d r o s o (Gaia) e ao da p i n t u r a s o b r e tela datada d e S e t e c e n t o s da
m a t r i z d e Besteiros (Paredes), u m a das q u a t r o d o c o n j u n t o , s e n d o c o n s t i t u í -
das as restantes pela M o r t e , P u r g a t ó r i o [juízo] e I n f e r n o ; q u e r a cenas d o N o -
v o T e s t a m e n t o , c o m o o B a p t i s m o d e Jesus, à s e m e l h a n ç a , e n t r e variadíssimas
outras, da p i n t u r a e m tela, p e r t e n c e n t e ao s é c u l o x v n i , da m a t r i z de S a n t o
T i r s o . R e l a t i v a m e n t e a p i n t u r a s da V i r g e m e dos santos 3 5 6 , a e x e m p l i f i c a ç ã o ,
n o p r i m e i r o caso, p o d e fazer-se c o m as p i n t u r a s a ó l e o d e B e n t o C o e l h o da
Silveira, d e n o m i n a d a s Trânsito da Virgem: a da igreja das C o m e n d a d e i r a s da
E n c a r n a ç ã o (1697) e o d o M u s e u de São R o q u e (1700), e m Lisboa, e a d o
Santíssima Trindade. Trindade S e m i n á r i o d e S a n t i a g o , d e Braga, p r o v e n i e n t e da Igreja da M i s e r i c ó r d i a desta
trifronte, pintura sobre tábua,
século xvii (Capela do cidade 3 5 7 ; n o s e g u n d o , r e f i r a m - s e as r e p r e s e n t a ç õ e s i c o n o g r á f i c a s d o m e s m o
Espírito Santo, São Martinho artista p r o t a g o n i z a d a s p o r S a n t o A g o s t i n h o : a d o e p i s ó d i o mais p o p u l a r d e
do Campo, Santo Tirso). sua biografia e m q u e , e s t a n d o a m e d i t a r s o b r e o M i s t é r i o da Santíssima T r i n -
FOTO: HELENA CRUZ. d a d e , d e p a r a c o m u m m e n i n o o u a n j o a t e n t a r , na praia, d e s p e j a r n u m b u r a -
c o a b e r t o n a areia, p o r m e i o d e u m a c o n c h a , t o d a a á g u a d o m a r ; e o da a p a -
rição das T r ê s Pessoas D i v i n a s n a sua sala d e t r a b a l h o , e n q u a n t o o santo,
l e v a n t a d o , está e m êxtase d i a n t e da aparição da T r i n d a d e q u e o arrebata c o -
m o para f o r a d e si — ó l e o s s o b r e tela, d e 1706, da Igreja de São J o ã o B a p t i s -
ta, e m A l h a n d r a , a m b o s p r o c e d e n t e s d o c o n v e n t o a u g u s t i n i a n o d o s Grilos,
e m Lisboa 3 5 8 . A ilustrar c o n s t i t u i ç õ e s diocesanas 3 5 9 , c r ó n i c a s religiosas 3 6 0 , m i s -
sais 361 e breviários 3 6 2 a b u n d a m as r e p r e s e n t a ç õ e s d o M i s t é r i o da T r i n d a d e ,
originais o u d e m e r o d e c a l q u e d o q u e n o e s t r a n g e i r o se fazia 3 6 3 .
Será ainda d e m e n c i o n a r , pela sua i n t e n ç ã o c a t e q u é t i c a d e r a c i o n a l i d a d e
d o m i s t é r i o t r i n i t a n o , a ilustração de e s c o p o a n t r o p o m ó r f i c o , c o n s t i t u í d a p e -
las figuras t r i f r o n t e ( u m a cabeça d e três faces) e tricéfala (três cabeças a e n c i -
m a r u m c o r p o varão) da Santíssima T r i n d a d e , c o m a l g u m rasto e n t r e n ó s q u e
o i n v e s t i g a d o r Flávio G o n ç a l v e s e s t u d o u 3 6 4 , o qual, ao a f i r m a r ser d e o r i g e m
francesa e d o p e r í o d o r o m â n i c o , a c r e s c e n t a situar-se a sua m a i o r v o g a d e s d e
finais da I d a d e M é d i a até à c o n d e n a ç ã o t r i d e n t i n a 3 6 5 . R e p u d i a d a s , p o r é m , tais
r e p r e s e n t a ç õ e s pelos t e ó l o g o s católicos, p o r causa da sua inspiração pagã e
f o r m a grosseira, n ã o o b s t a n t e o h o n e s t o p r o p ó s i t o d e p r e t e n d e r t o r n a r i n t e l i -
gível o «Altíssimo Mistério», as Trindades tricéfalas e trifrontes f o r a m o b j e c t o d e
u m c o m b a t e q u e c o n d u z i r i a ao s e u d e s a p a r e c i m e n t o , n a s e q u ê n c i a da legis-
lação d e T r e n t o , mais p r o p r i a m e n t e d o d e c r e t o d e 1563 a c e r c a das i m a g e n s
sacras q u e f o s s e m para os «rústicos ocasião d e erro» 3 6 6 . N o s é c u l o x v i i , U r b a -
n o V I I I , e m b u l a p u b l i c a d a a 11 d e A g o s t o d e 1628, i n t e r d i t a essas r e p r e s e n t a -
ções « c o m três bocas, três narizes e q u a t r o olhos», q u e classifica d e heréticas,
o r d e n a n d o q u e as q u e i m a s s e m . A o atingir-se quase a m e t a d e d e S e t e c e n t o s , o
p a p a B e n t o X I V , a 1 d e O u t u b r o de 1745, r e n o v a a c o n d e n a ç ã o das i m a g e n s
trinitárias d e « u m h o m e m c o m três faces» o u « c o m três cabeças» e r e c o m e n -

662
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

da, em sua substituição, por conforme com a ortodoxia, o modelo iconográ- Igreja da Celestial Ordem
fico do Trono da Graça, admitindo a figuração, tão comum entre nós, quer Terceira da Santíssima
Trindade, Porto, século xix.
horizontal, do Pai e do Filho, de idades diferentes, lado a lado e a pomba ao
FOTO: ARQUIVO CÍRCULO
centro, quer a vertical com o Pai Eterno, de pé ou sentado, com o Cristo DE LEITORES.
crucificado e o Espírito Santo na simbólica pomba — solução perfilhada no
decurso do século xvni pelos artistas367. Por não serem talvez muitas nem a
legislação sinodal pós-tridentina, neste caso, ser aplicada em Portugal, algu-
mas dessas Trindades trifrontes escaparam à destruição. Assim sucedeu com a
da Capela do Espírito Santo, datada de 1560, da freguesia de São Martinho do
Campo (Santo Tirso), possivelmente dos começos do século X V I I , em que
uma figura masculina de pé, com três faces iguais, estreitas e barbadas, segura
nas mãos uma geométrica «composição triangular formada por vários dísticos
latinos que se entrecruzam e que duma maneira engenhosa evocam aos fiéis,
em frases curtas, o dogma trinitário da pluralidade na unidade: o Pai não é o
Filho nem o Espírito Santo, o Filho não é o Pai nem o Espírito Santo, o Es-
pírito Santo não é o Filho nem o Pai, sendo os três, todavia, o mesmo e úni-
co Deus»368. São nítidas as semelhanças desta representação com uma xilogra-
vura de 1524, estampada no livro de horas impresso na oficina parisina de
Simão Vostre 369 . Exemplar diferente de Trindade trifronte, de composição pic-
tórica análoga à Santa Face conhecida por Verónica, é uma pintura sobre tela
«da escola portuguesa do século xvii, que pertence à colecção de D. Thomaz
de Mello (Tom), no Estoril» que Flávio Gonçalves menciona 370 . Conhecem-
-se mais outros exemplares de Trindades trifrontes, a saber: a pintura sobre co-
bre, talvez uma obra quinhentista de origem espanhola, da colecção de Car-
los Cudell Goetz (Lisboa); a pintura sobre tábua, pertencente ao século xvii,

663
O DEUS DE TODOS os DIAS

dos herdeiros do Dr. Fernando Gilberto Pereira (Guimarães) e a pintura so-


bre lousa, de Setecentos, do Museu de Etnografia e História do Douro-Lito-
ral (Porto) 371 . Explicação verosímil, para a prevalência entre nós deste trata-
mento heterodoxo da iconografia trinitária, adianta o malogrado investigador
Flávio Gonçalves, ao sublinhar: «Longe de significarem uma atitude de revel-
dia ou desobediência às proibições eclesiásticas da época, essas pinturas feitas
no Portugal de seiscentos documentam a permanência, rotineira e incons-
ciente, de uma solução iconográfica já conhecida entre nós antes da Contra-
-Reforma. O fraco nível estético de alguns dos exemplares que nos restam
indica claramente a vulgaridade dos seus autores-pintores anónimos e modes-
tos, por vezes até populares, [enquanto] as dimensões de quase todos os pai-
néis revelam que eles se destinaram, não à decoração dos templos, mas a apo-
sentos profanos, ou capelas, das casas particulares. Assim se justifica a própria
sobrevivência dos quadros. Durante a Contra-Reforma alguns exemplos se
teriam colocado nas igrejas, por ignorância da heresia, em especial antes da
bula pontifícia de 1628; desapareceram, porém — tal como os testemunhos
mais antigos — quando os visitadores ordenaram a sua destruição [,..].»372
Baluarte maior da devoção à Trindade e afirmação da crença no Divino
Mistério levantado em plena maré racionalista da Idade Contemporânea, no
centro do Porto, no antigo Largo do Laranjal e, desde 1846, praça do mesmo
nome da igreja, por detrás do edifício actual da câmara, ergue-se um majes-
toso templo, de fachada granítica de inspiração classicizante, com torre sineira
ao centro e cártulas para a cruz trinitária, tiara e chaves pontifícias, coroa real
e festões, e nos extremos São João da Mata e São Félix de Valois em duas es-
culturas de pedra. Aberto ao culto em 1841 e terminado quase a findar o sé-
culo, pertence à Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade da Reden-
ção dos Cativos, sendo o interior de cruz latina, luminoso e amplo, a tender
à grandiosidade. O risco do engenheiro Carlos da Cruz Amarante, autor do
Santuário do Bom Jesus do Monte (Braga), foi modificado pelo arquitecto
João Francisco Guimarães, durante a execução, que levou 89 anos, pois, tendo
sido lançada a primeira pedra a 17 de Maio de 1803, só em 5 de Junho de 1892
acabou a capela-mor por ser benzida 373 . A nave encontra-se ladeada de cape-
las de arcos plenos e retábulos neoclássicos com tribunas sobrepostas. N u m
dos topos do transepto está o da Santíssima Trindade, enquanto na capela-
-mor, com os seus cadeirais de pau-brasil, vindos do antigo Convento da
Ave-Maria, se vê um sofrível painel alegórico do pintor José de Brito, a en-
quadrar a cena do Baptismo de Cristo, aparecendo o Pai Eterno ao fundo 374 .
A abertura do hospital, a 6 de Julho de 1852, ficou a dever-se à iniciativa do
então visconde da Trindade, comendador José António de Sousa Basto, bem
como a fundação do liceu, com vista à formação de alunos, «filhos de irmãos
da Ordem», que começou a funcionar a 23 de Novembro de 1857, acusando,
durante os 35 anos imediatos, «uma frequencia de 10 063 alunos, sendo 5187
do sexo masculino e 4876 do sexo feminino» 375 . Tendo sido instituída na se-
quência do lamentável diferendo da Ordem Terceira de São Domingos com
os conventuais dominicanos do Porto, foi a Celestial Ordem Terceira da
Trindade que a substituiu, após a bula de extinção de 15 de Abril de 1755,
criando-a Bento XIV, a 14 de Maio do mesmo ano, com transferência de
«todos os bens, acções e obrigações da extincta» e respectivas graças pontifí-
cias376. Apesar do quase meio século de percurso instável até ter templo pró-
prio de raiz, esta confraternidade trinitária continuava a «celebrar as suas fes-
tas, a manter um côro permanente de cappelães, a cumprir os legados pios, a
fazer sahir as suas procissões e a resgatar não só os captivos, mas até muitos
presos e necessitados»377. Dinâmica e empreendedora, a Ordem Terceira da
Trindade do Porto, expressão da sua burguesia capitalista mercantil, soube
reunir, através de donativos e heranças, importantes proventos financeiros e
bens patrimoniais 378 , que lhe têm permitido administrar um hospital particu-
lar, manter uma escola infantil privada e sustentar obras caritativas de bene-
merência, perpetuando, de algum modo, no culto quotidiano contínuo, no
interesse dado à assistência e ensino, algumas finalidades primeiras da multise-
cular congregação religiosa medieva.

664
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

NOTAS
1
ANJOS - Jardim, p. 323.
2
DIAS - Correntes, vol. 1, p. 199, 247, 260.
3
Ibidem, p. 311.
4
Ibidem, p. 391.
5
Ibidem, p. 381, 391.
6
Ibidem, p. 280.
7
Ibidem, p. 395.
8
Ibidem, p. 444.
9
C i t . por PAIVA - Missões, p. 5.
10
Ibidem.
11
BELCHIOR - Frei António das Chagas, p. 189.
12
PAIVA - Missões, p. 8.
13
MARQUES - O rigorismo, p. 231.
14
PAIVA - Missões, p. 5.
15
DEOS - Peceador, cap. x m - x i v , p. 59-60, 64-65.
16
Ibidem, p. 73.
17
DIAS - Correntes, vol. 1, p. 395.
18
SOUSA - Introdução, p. 48.
19
Ibidem, p. 50.
20
ANJOS - Jardim, p. 189.
21
Ibidem, p. 268.
22
Ibidem, p. 294.
23
Ibidem, p. 328, 330.
24
DEOS - Pecador, p. 74.
25
C f . MACHADO - Dicionário, v o l . 2, p. 6 0 - 6 1 .
26
C f . MONTEIRO - Manual, p. 579.
27
V I T E R B O - Elucidário, v o l . 2, p . 6 8 ; SILVA - Diccionario, vol. i, p. 4 0 3 - 4 0 4 .
28
SOUSA - Introdução, p. 45-46.
29
RESENDE - Crónica, p. 262.
30
SOUSA, Introdução, p. 46.
31
Ibidem, p. 46.
32
IDEM - Capela R e a l , p. 286-288.
33
V. SOARES - A arquidiocese, p. 421 e 486.
34
V. COSTA - História, v o l . 3, p . 4 6 7 - 4 8 3 .
35
ALMEIDA - R e l i g i o s i d a d e , p . 7 7 , n . 7 .
36
V. MONOGRAFIA, p. 6 7 - 7 0 .
37
ALVES - Memórias, p. 4 3 - 4 7 .
38
Ibidem, vol. 2, p. 292-313.
39
Ibidem, p. 264-265.
4,1
Ibidem, vol. 6, p. 284-285.
41
SANTA MARIA - Santuário.
42
REIS - Invocações.
43
SANTOS - O c u l t o , p . 1 9 9 - 2 3 1 .
44
PIRES - N o s s a S e n h o r a , p . 2 6 3 - 3 0 6 .
45
MOREIRA - N o s s a S e n h o r a , p. 306-348.
46
C f . ALMEIDA - Religiosidade, p. 77.
47
Ibidem.
48
SANTOS - O culto, p. 199.
49
Ibidem, p. 205.
50
Ibidem, p. 206-208.
51
Ibidem, p. 209.
52
Ibidem, p. 210.
53
MOREIRA - Nossa S e n h o r a , p. 319, 322.
54
Ibidem, p. 328-347.
55
SYNODICON, p. 413-414.
56
Ibidem, p. 292.
57
PEREIRA - V i s i t a ç õ e s , p. 1 9 7 .
58
Ibidem, p. 377.
59
Ibidem, p. 107-109.
60
MÁRTIRES - Catecismo, p. 65.
61
Ibidem, p. 82.
( 2
' BAIÃO - Episódios, vol.i, p. 270.
1,3
MÁRTIRES - Catecismo, p. 16.
64
DEOS - Peccador, p. 59.
65
G A L H O Z - Romanceiro, v o l . 2, p . 5 7 0 - 9 2 4 .
66
V. G A L H O Z - r e v e l a d o r d e u m a t r a d i ç ã o s e c u l a r , a p a r t i r d o s é c u l o x v i n , d e N o r t e a S u l d o
p a í s , i n c l u i n d o M a d e i r a e A ç o r e s . Ibidem, p . x x i v .
67
Ibidem, p. x x i v - x x v .
68
Ibidem, p. x x v .
69
Ibidem, p. x x v i .
7(1
Ibidem, p. 618, 657, 690, 865.
71
Ibidem, p. 796, 786.
72
V. ALMEIDA - C a r á c t e r , v o l . 6 , p . 3 4 2 - 3 4 3 ; VASCONCELLOS - Etnografia, v o l . 8, p . 9

66 5
O DEUS DE TODOS os DIAS

73
Ibidem, p. 10.
74
RICARD - Trindades, p. 137-141.
75
Ibidem, p. 4-6.
76
Ibidem, p. 4-9.
77
IDEM - op. cit., I X , p. 4 7 7 - 4 8 2 .
78
IDEM - op. cit., X , p. 4 9 - 1 8 0 .
79
V I T E R B O - Elucidário, p. 3 5 0 - 3 5 1 .
8,1
V. Ibidem; SOARES - A arquidiocese, p. 561-563.
81
V. o excelente artigo, que seguimos, de CARVALHO - Dois significados, p. 3 3 7 - 3 7 2 .
82
Ibidem, p. 12.
83
Ibidem, p. 15.
84
Cf. MACHADO - Dicionário, vol. 5, p. 181.
85
RAPOSO - D. Luísa, p. 1 6 0 - 1 6 1 .
86
VASCONCELLOS - Etnografia, VOL. 10, p. 460.
87
IDEM - op. cit., p. 6 2 , 91.
88
V. «X. Theologia Mytica», in tomo iv, ed. cit., p. 553-558.
89
Cit. por CARVALHO - Dois significados, p. 12.
90
Ibidem, p. 14.
91
CORTESÃO - Os Descobrimentos, vol. 1, p. 79.
92
GONÇALVES - O vestuário, p. 5.
93
A N J O S — Jardim, p. 2 5 5 - 2 5 7 , 2 6 0 . 2 9 5 , 341.
94
Ibidem, p. 7-8.
95
Ibidem, p. 18.
96
Ibidem, p. 10.
97
SEQUEIRA - A devoção, p. 4 - 5 .
98
Ibidem, p. 13.
99
Ibidem, p. 18-19.
"KL C O U T I N H O - Apontamentos, p. 5.
101
GONÇALVES - Uma série de painéis, p. 14-15.
102
Ibidem.
1113
Ibidem, p. 6-7, 14-15 e 26.
1114
RODRIGUES - História, t. 4, vol. 1, p. 82.
105
Ibidem, p. 81-82.
106
COUTINHO - Algumas achegas, p. 2 5 0 - 2 5 2 .
1117
RODRIGUES - História, p. 9 5 - 9 7 .
108
C O U T I N H O - Apontamentos, p. 4 2 .
1,19
SOARES - Duas missões, p. 1 7 9 .
""RODRIGUES - História da Companhia, t. 4, vol. 1, p. 92-93.
111
COUTINHO - Algumas achegas, p. 2 0 9 - 2 2 8 .
112
RODRIGUES - História, p. 99.
113
ASSUMPÇÃO - Frades e freiras, p. 143.
114
GONÇALVES - Uma série de painéis, p. 10.
115
DELUMEAU - Rassurer, p. 334-335.
116
Ibidem, p. 332.
'"VASCONCELOS - Etnografia, VOL. 7 , p. 6 9 - 7 6 , v o l . 9 , 1 9 8 5 , p. 4 6 7 - 4 6 8 , 4 8 3 , v o l . 1 0 , 1988,
P- 303.
118
VICENTE - CompUaçam, p. 1 7 7 - 1 7 9 , 192.
119
Ibidem, p. 326.
120
Ibidem, p. 298.
121
Ibidem, p. 306.
122
Ibidem, p. 10-11.
123
BERNARDES - Nova floresta, p. 229.
124
Ibidem, p. 14.
121
IDEM - Obras do padre, vol. 5, p. 43.
12,1
GONÇALVES - Uma série de painéis, p. 12.
127
VASCONCELLOS - Etnografia, p. 34. Camilo, em A brasileira de Prazins, refere-se por altura
dos primeiros anos do liberalismo, mas por certo ao costume já anterior de, na altura das missões,
se fazerem exposições para venda de artigos religiosos à porta e no adro da igreja e, que havia,
baratinhas e muito procuradas, «enfiadas em metal, ou em cordão simplesmente» Rezas do Anjo
da Guarda e medalhas para trazer ao pescoço. CASTELO BRANCO - A brasileira, p. 1 9 8 .
128
DANIÈLOU - Origène, p. 2 2 2 - 2 2 3 .
129
DIAS - Correntes, vol. 1, p. 64.
130
DELUMEAU - Origène, p. 297.
131
REIS - Anjo Custódio, vol. 2, col. 4 5 6 - 5 6 8 .
132
ORDENAÇÕES Manuelinas, p. 5 6 6 .
133
ORDENAÇÕES Filipinas, liv. 1, tit. LXV, § 4 8 , 1, p. 1 5 2 - 1 5 3 .
134
BIBLIOGRAFIA geral, p. 65.
135
LOURO - O culto do Anjo, p. 7-8.
136
MARKL - Livro de horas, p. 15, 180-181.
137
BIBLIOGRAFIA geral, v o l . 1 , p. 65.
138
SANTOS - Oito séculos, vol. 1, p. 106 e 307.
139
REIS - Anjo Custódio, col. 4 5 8 .
14(1
IDEM - O Anjo de Fátima, p. 25.
141
JESUS - Monarquia lusitana, p. 483.
142
Sermão da quarta dominga da Quaresma, p. 19, 21.

666
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

143
Sermão [...] da Immaculada Conceipçam, Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1646, p. 9-10.
144
Sermam [...] em acção de graças da felice acclamação, p. 5.
145
Sermam [...] em a festa do Anjo Custódio, p. 4.
146 v
Sermão do Anjo Custódio, BPÈ, cod. C X X I I / 2-19, f. 179-179 -
147
B. P. de Braga, Sala Barca e Oliveira (BO), d) Col. de Estampas, reproduzida in MAR-
QUES - O clero nortenho, p. 68.
148
GOMES - História da diocese, p. 4 4 6 .
149
REIS - Anjo Custódio, col. 4 5 7 .
150 p o r f lnli a o ]acj0 desta tutela do Anjo Custódio de Portugal, que se acreditava constante
nos momentos de perigo, para a nação, poderá recordar-se uma igual intervenção dos santos pa-
tronos do reino, desde a Virgem Maria a São José, de Santo António à rainha Santa Isabel, e ao
beato Nuno Álvares Pereira, do apóstolo São Tomé a São Francisco Xavier, e aos demais «pais
santos» da grei lusa em que se incluía o próprio D. Afonso Henriques de que se chegou a pedir,
nos reinados de D . João IV e D . João V, a beatificação e canonização; M A R Q U E S - A tutela,
p. 2 6 7 - 2 9 4 .
151
COSTA - A Virgem Maria, p. 39-48.
152
Ibidem, p. 13.
153
Ibidem, p. 35.
154
ALMEIDA - O culto, p. 9.
155
Ibidem, p. 11.
,5<>
Ibidem, p. 12.
157
MENDEIROS - Devoções, p. 558.
158
ALMEIDA - O culto, p. 15.
159
PENTEADO - A vida religiosa, p. 172.
160
CARDOSO - Ex-voto, p. 9 3 - 1 4 0 .
161 PENTEADO - A vida religiosa, p. 180.
162
POLÓNIA - Vila do Conde, p. 151-183.
163
ALMEIDA - O culto, p. 15.
164
COSTA - Origem e evolução, p. 1.
165
Ibidem, p. 12-13.
166
MENDEIROS - Devoções, p. 557, n. 14.
167
OLIVEIRA - Nossa Senhora, p. 1 0 0 - 1 0 8 .
168
CHAVES - Influxo, p. 83.
169
MENDEIROS - Devoções, p. 546.
170
COSTA - Origem e evolução, p. 23-44; AZEVEDO - Vigor da Imaculada, p. 31-137.
171
MACHADO - Bibliotheca; SILVA - Diccionario; CHAVES - Oratória, p. 7 1 1 - 7 7 2 ; AZEVEDO - Vi-
gor da Imaculada, p. 25-27.
172
COUTINHO - Apontamentos, p. 64.
173
Ibidem, p. 238-276.
174
Ibidem, p. 6 4 - 6 5 , 72-73.
175
GONÇALVES - O «privilégio sabatino», 1960, p. 7.
176
DIAS - Correntes, vol. 2, p. 526.
177
Ibidem, p. 509-510 e 522.
178
GONÇALVES - O «privilégio sabatino», 1960, p. 10 e 13.
179
IDEM. - O «privilégio sabatino», 1963, p. 4, 5, 9, 11.
180
Ibidem, p. 4, 6-7, II.
181
Ibidem, p. 4. 6 - 7 , 11; GONÇALVES - «O privilégio sabatino», 1960, p. 9-11; MARQUES - A Pa-
renética,
182 vol. 1, p. 123-125.
Cf. MACHADO - Bibliotheca, vol. 2, p. 369; vol. 3, p. 219.
183
Grande enciclopédia portuguesa e brasileira, 14, p. 323.
184
JESUS, Monarchia lusitana, vol. 1, p. 9 8 ; SOUSA - História genealógica, 11 parte, p. 218.
185
VIEIRA - Semiões, v o l . 2 , t. v i , p. 4 3 4 - 4 5 0 .
186
Ibidem, p. 382-383.
187
SPÍNOLA - Nascimentos, p. 2 5 - 2 6 .
188
IDEM - Desempenho, p. 685-687.
189
ALMEIDA - Sermam do glorioso, p. 1-5.
190
VASCONCELLOS - Etnografia, vol. 8, p. 2 8 9 - 2 9 0 .
191
COSTA - Cem anos, p. 309.
192
BERNARDES - Luz e calor.
193
DELUMEAU - Rassurer, p. 346.
194
BERNARDES - Estímulo prático, p. 232.
195
Nos lares católicos, costumava-se colocar nas alcovas, na parede à cabeceira do leito, esta
estampa encaixilhada.
196
RODRIGUES - Morrer no Porto, p. 103-104.
197
Cit. in COELHO - Curso, vol. 1, p. 114.
198
SYNODICON Hispanum, vol. 1, p. 81.
199
Ibidem, p. 357-358 e 143.
200
PEREIRA - Visitações de Santiago, 1 9 6 7 / 1 9 6 9 , p. 132-133 e 136.
201
D I A S - Correntes, p. 1 9 9 - 2 0 0 , 2 0 7 - 2 0 9 ; v o l . 2 , p. 521.
202
Ibidem, p. 538, 547-548.
203
DENZINGER - Enchridion Symboloriim, p. 419.
204
MÁRTIRES - Catecismo, p. 97.
205
DIAS - Correntes, vol. 1, p. 192.
206
Ibidem, p. 547.
207
DENZINGER; SCHÕNMETZER - Enchiridion Symbolorum, p. 420.

667
O DEUS DE TODOS OS DIAS

208
MÁRTIRES - Catecismo, p. 15.
2119
DENZINGER; SCHÕNMETZER - Enchridion Symbolorum, p. 420.
2111
GONÇALVES - A legislação, p. 112.
211
Ibidem, p. 113.
212
IDEM - A destruição, p. 115.
213
MARTINS - Peregrinações, p. 171.
214
GONÇALVES - A legislação, p. 117.
215
Ibidem, p. 118.
"' IDEM - As imagens, p. 129-135.
2

217
BERNARDES - Obras, vol. 5, p. 110-111.
218
DIAS - O culto popular, p. 236.
219
SOARES — A arquidiocese, p. 557.
2211 Y E R . J D E M _ I> AR< 5Q U I AS e capelas, p. 945-989; MARQUES - O culto de Santo António; RE-
MA - A piedade popular, p. 15-42.
221
Cit. in MARTINS - Peregrinações, p. 22.
222
Ibidem, p. 32-33.
223
Ibidem, p. 23.
224
Ibidem, p. 39.
223
Cit. in FERNANDES - História, santidade, p. 59, n. 197.
226
Cit. Ibidem, p. 34.
227
Ver ANJOS - Jardim, p. 37.
228
- História, santidade, p. 35.
FERNANDES
229
Oportuno será dar merecida importância ao problema que o historiador Prof. José Matto-
so levanta e analisa acerca da «fantástica proliferação hagiográfica ocorrida entre 1591 [data do
aparecimento, em Coimbra, do Martirológio dos santos de Portugal] e os meados do século xvn».
Na origem estarão as fraudes eruditas, a partir de 1594, do jesuíta espanhol Jerónimo Roman de
la Higuera e das abundantes notícias compiladas pelo padre Jorge Cardoso e por António Caeta-
no de Sousa, continuador do Agiológio lusitano, que encorajam as autoridades religiosas coevas a
multiplicarem «as festas novas, algumas delas de grande solenidade», logo começando em torno
delas «a proliferar as devoções tipicamente populares». MATTOSO - Santos, p. 27-28, 41.
2311
NICCOLI - La vitta Religiosa, p. 184.
231
Ibidem, p. 185.
232
- Caminhos, p. 211-212.
TAVARES
233
Veja-se o caso do capuchinho Frei Alexandre de Murcia relativo à sua confessada lisboeta
Micaela de Jesus em TAVARES - Molinosismo, p. 235-239.
234
MORUJÃO - Poesia, p. 237.
235
TAVARES - Molinosismo, p. 210.
23<>
Ibidem, p. 214.
237
IDEM - Caminhos, p. 187-215 e IDEM - Molinosismo, p. 219-240; ALMEIDA - História da
Igreja, vol. 2, p. 363.
238
SEQUEIRA - O Carmo, vol. 2, p. 403-404.
2I
" GONÇALVES - Uma série de painéis, p. 12.
240
SEQUEIRA - O Carmo, P. 237.
241
Ibidem, p. 238, 399-403.
242
Ver, respectivamente, in Sermões, ed. Lello & Irmão, vol. 2, t. vi, p. 381-384, vol. 3, t. vu,
p. 413-414,-vol. 5, t. xiii, p. 1-417 e t. xv, p. 131-156; vol. 3, t. ix, p. 73-100; vol. 2, t. vi, p. 351-380;
vol. 3, t. vu, p. 385-412; vol. 3, t. vin, p. 315-398.
243
Ver, respectivamente, in Sylva Concionatoria, i, p. 337-374 e 11, p. 172-197 e m, p. 337-374;
1, p. 154-171; m, p. 31-67; 11, p. 33-62; 1, p. 353-378 e 11, p. 199-224; 11, p. 225-251; m, p. 68-103.
244
Ver Sermoens varios, 1, p. 218-244.
243
Ver Panegyricos cm as festas de varios santos, 1673.
246
Ver «Sermões e práticas», i.a e 2." parte, respectivamente: p. 424-439, 108-126 e 361-377, 15-
-44 e 250-274, 46-64 e 295-316.
247
Ver Sermões, IH, respectivamente, p. 114-131, 52-73, 1-24 e 190-215, 25-51.
248
Ver Sermoens varios, 11, p. 113-135, 159-184, 245-271.
249
Ver Sermoens panegyricos, historicos e funeraes, 1, p. 93-120.
2.0
Foi pregado em 1671.
2.1
Pregado em 1671.
252 p r e g a c l 0 e m 1697.
253 pregad0 em 1699.
2,4
Sermões publicados in O forasteiro admirado. Relação panegyrica do triumpho e festas, que cele-
brou o real convento do Carmo de Lisboa, pela canonisação da seraphica Virgem Sanda Maria Magdalena
de Pazzi. Livro atribuído a Siro Ulperni, Lisboa, Oficina de António Rodrigues Abreu, 1672, ver
SILVA - Diccionario, vol. 2, p. 308; vol. 7, p. 287-288.
255
CABRÉ - La Pentecôte, p. 18.
256
Ibidem, p. 27.
2:17
Ibidem, p. 37.
2,8
VASCONCELLOS - Etnografia, vol. 8, p. 320.
259
BRUNETI - Sobrevivências, p. 187.
2611
SIMÕES - O espírito, p. 170.
261
Cf. BRUNETI - Sobrevivências, p. 188.
262
SIMÕES - O espírito, p. 168, 171, 174.
263
Ibidem, p. 173.
264
Cit. in CORTESÃO - Os descobrimentos, vol. 2, p. 283, n. 12.
265
Ibidem. Ver uma descrição da cerimónia in ALMEIDA - História da Igreja, vol. 2, p. 556-557.

668
ORAÇÃO E DEVOÇÕES

266
VASCONCELLOS - Etnografia, vol. 8, p. 320.
267
P I N H O LEAL - Portugal, p. 9.
268
CORTESÃO - Os descobrimentos, vol. 2, p. 526.
269
Ibidem, vol. 2, p. 284; vol. 3, p. 527.
270
Ibidem, p. 284, n. 13.
271
Ibidem, p. 284.
272
Ibidem, vol. 3, p. 527, 530, 534.
273
Ibidem, p. 530. Sempre continuou a existir uma especial devoção ao Espírito Santo por
parte dos pescadores e homens do mar. VASCONCELLOS - Etnografia portuguesa, vol. 9, p. 522.
274
Ibidem, p. 432-433.
275
Ibidem, vol. 2, p. 283, n. 12.
276
I parte, L. 1, c. xxxvii.
277
COELHO - Obra etnográfica, vol. 3, p. 306. Ver também ALMEIDA - História da Igreja, vol. 2,
P- 557-
278
Ibidem, p. 308-309.
279
CHAVES - Paginas folclóricas, P. 43-46.
280
ALMEIDA - História de Portugal, vol. 4, p. 122.
281
Ibidem, vol. 1, p. 252.
282
Cf. FERRO - Os judeus, p. 128, 133.
283
CHAVES - Paginas Folclóricas, p. 42-59.
284
Ibidem, p. 47.
285
Cf. VASCONCELLOS - Etnografia, vol. 9, p. 497. Ainda na década de 1920, em Angra do
Heroísmo (Açores) se ofereciam ao Espírito Santo «mãos, braços, pés, seios, bonecos de pão do-
ce (massa sovada) ou de massa de açúcar (alfenim), conforme a religião do corpo atacada pela
doença, que se curou por [sua] miraculosa intervenção»; e também «animais — vacas, bois, be-
zerros, galinhas. As ofertas em géneros são arrematadas em leilão, na tarde do dia da festa ou no
imediato, entre a gente que, para esse fim, se reúne 110 largo (terreiro) ou no adro da igreja ou
capela». Ibidem, p. 495.
286
VASCONCELLOS - Etnografia, vol. 8, p. 334-335.
287
COELHO - Obra etnográfica, vol. 1, p. 308.
288
VASCONCELLOS - Etnografia, p. 321.
289
LEAL - As festas, p. 70-71.
290
CHAVES - Páginas folclóricas, p. 57.
291
Cit. LEAL - As festas, p. 290.
292
VASCONCELLOS - Etnografia, p. 341.
293
COELHO - Obra etnográfica, p. 305.
294
SIMÕES - O espírito, p. 176.
295
LEAL - As festas, p. 272.
2,6
VASCONCELLOS - Etnografia, p. 330-340; ALMEIDA - História da Igreja-, LEAL - As festas, p.
271-282.
297
CHAVES - Páginas folclóricas, p. 49.
298
ALMEIDA - História da Igreja, vol. 2, p. 557.
299
VASCONCELLOS - Etnografia, vol. 8, p. 328; ALMEIDA - História da Igreja, vol. 2, p. 557.
300
BRUNETI - Sobrevivências, p. 183; VASCONCELLOS - Etnografia, vol. 8, p. 336.
301
Ver a obra várias vezes citada de João Leal.
302
CORTESÃO - Os descobrimentos, vol. 1, p. 199.
303
SIMÕES - O espírito, p. 173.
304
CORTESÃO - Os descobrimentos, vol. 1, p. 200.
305
Ibidem.
306
Ibidem-, CHAVES - Páginas folclóricas, p. 47.
307
CHAVES — Páginas folclóricas, p. 47.
308
Ibidem, p. 49.
309
VASCONCELLOS - A Ermida, p. 274-277.
31(1
P I N H O LEAL - Portugal, p. 9.
311
MEMORIAS para a historia da vida do venerável arcebispo de Braga D. Fr. Caetano Brandão, vol.
i, p. 378.
312
VIEIRA - Sermões, vol. 2, t. v, p. 397.
313
Ibidem, p. 397-433.
3,4
Ibidem, p. 413-414.
315
Ibidem, p. 400-411.
3
"' Ibidem, p. 423-424.
317
Ibidem, p. 421, 431.
318
Ibidem, p. 433.
319
Ibidem, p. 377-395.
3211
Ibidem, p. 380.
321
Ibidem, p. 388, 390.
322
LEITE - História da Companhia, vol. 9, p. 107-108.
323
SERMAM do Espirito Santo. Pregado no seu mesmo dia na Catedral da cidade de Lisboa [...].
324
MACHADO - Bibliotheca, vol. 3, p. 493.
325
SANTOS - Oito séculos, vol. 1, p. 69-71.
32Í>
FRANCISCO Henriques, p. 150, 157.
327
FERNANDES - Alma, vol. 2, p. 983.
328
JEAN-NESMY - Espiritualidad, p. 365-366.
329
Cit. in Ibidem, p. 354.
330
Cf. AZEVEDO - Exposição, p. 3.

669
O DEUS DE TODOS os DIAS

331
COSTA - Corografia, vol. i, p. 416; vol. 2, p. 313.
332
G E R H A R D S - Dictionnaire, p. 493-494.
333
SERRÃO - Santarém, p. 94-96.
334
SEQUEIRA - O Carmo, vol. 1, p. 9.
335
ALMEIDA - História, vol. 2, p. 162-163.
33,1
Ibidem, p. 158-162.
337
SEQUEIRA - O Carmo, vol. 1, p. 13.
338
Ibidem, p. 14.
339
OLIVEIRA - O Boni Jesus, p. 146.
3411
CASTELO BRANCO - A brasileira, p. 198.
341
MISSAL de Mateus, p. 432-434.
342
IGREJA -Missale Bracarense, p. 390-392.
343
Epístola: Rom. 11, 33-36 e Evangelho: Math. 28, 18-20.
344
Cf. A Z E V E D O - Exposição, p. 17-18.
345
RODRIGUES - Morrer no Porto, p. 84-95.
346
Ibidem, p. 84.
347
Ibidem, p. 85-86.
348
Ibidem, p. 89.
349
GONÇALVES - Iconografia trinitária, p. 5-7.
3511
AZEVEDO - Exposição, p. 5.
351
SOUSA - A talha, p. 8.
352
MACHADO - Bibliotheca, vol. 3, p. 54.
353
CARVALHO: V I T O R I N O - A «Trindade» p. 8.
354
AZEVEDO - Exposição, p. 18, 5.
355
CRISTO, fonte de esperança, p. 46-47, 538-539.
356
A Z E V E D O - Exposição, p. 12-13.
357
BENTO COELHO, p. 392-393.
358
Ibidem, p. 400-401, 404-405.
359
CONSTITUIÇÕES synodaes do bispado do Porto, I1687].
360
SÃO JOSÉ - Historia.
361
IGREJA - Missale Romamim.
3,0
IGREJA - Breviarium Romanum.
3f 3
' Ibidem, p. 16-17.
364
Obra acima citada.
365
Ibidem, p. 7.
366
Ibidem, p. 10-11.
3Í 7
' Ibidem, p. 5; AZEVEDO - Exposição, p. 4-5.
368
GONÇALVES - Iconografia trinitária, p. 13.
369
Ibidem.
370
Ibidem, p. 15.
371
Ibidem, p. 15-22.
172
Ibidem, p. 22-23.
373
PASSOS - Guia histórica, p. 131-135.
374
Ibidem, p. 134-135.
375
BOSQUEJO historico, p. 26-27.
37í
' Ibidem, p. 11-12.
377
Ibidem, p. 16.
378
O conde da Trindade, José António de Sousa Basto, dadas as suas relações comerciais
com o Brasil e a existência, calculada em 1838, de 163 negociantes brasileiros na praça do Porto,
promovia subscrições importantes, inscrevia grande número de irmãos, alcançava concessões va-
liosas, até da família real (ALVES - Percursos, p. 207). O conde de Ferreira, Joaquim Ferreira dos
Santos 1782-1866, opulento negociante de produtos coloniais brasileiros e bem sucedido negreiro,
mais tarde famosofilantropo,era largo na sua generosidade para as obras da igreja, do hospital è
liceu ( B O S Q U E J O histórico, p. 26-27). O elenco das mesas administrativas e o rol dos confrades e
dos benfeitores falam de sobejo, como o autor do citado Bosquejo suficientemente sugere (Ibidem,
p. 27 passim).

670
A concluir
Joào Francisco Marques

Torna-se de imediato notório, na orientação do presente volume, que o


perfil cronológico cede à estrutura temática. Mas, se aquele aparece diluído,
de forma alguma se poderá considerar ausente e, até, nem sequer pouco per-
ceptível. Não se havendo optado pelo modelo de uma história institucional
como vector unificante, antes a religiosidade vivida, a sua fonte e contínuo
apoio residem no quadro da Igreja Católica que, no Portugal nascido no nú-
cleo das nações ibéricas, foi a mãe que o parturejou para a fé cristã. Será as-
sim sempre possível encontrarem-se factos definidores e explicativos de práti-
cas assumidas, incrementadas e verberadas, de harmonia ou em colisão com a
ortodoxia pautada pela autoridade de Roma assente no Papa que é o porta-
-voz e vigilante da verdade infalível. Haverá, desta forma, lugar para dentro
de uma tessitura sociológica inscrever-se a prática religiosa e a actuação insti-
tucional, em caminhar paralelo, e pôr-se o problema de saber a via para onde
rumava o catolicismo no reino luso ao atingirem os finais da modernidade.
Se o bilinguismo caiu ao longo da segunda metade de Seiscentos, abei-
rando-se da ruptura, que a separação política das duas Coroas resultante do
movimento restauracionista de 1640 acabaria por ditar, os cortes nos inter-
câmbios culturais e religiosos foram evidentes. Razões havia, com efeito, para
o abrupto diminuir e sequente cessar das levas de escolares eclesiásticos que
demandavam as universidades espanholas e para as cátedras teológicas e canó-
nicas de ambas as nações peninsulares deixarem de ser ocupadas por naturais
de um e outro país. Algo análogo se verificaria no plano especificamente reli-
gioso. A recíproca presença actuante de membros do clero na esfera pastoral,
como os séculos xv, xvi e metade do xvii conheceram — ocupando sedes
episcopais, enchendo o púlpito, servindo ministérios sagrados, entregando-se
à pregação popular, orientando reformas conventuais, introduzindo congre-
gações novas, colaborando no trabalho missionário inter infideles —, veio a es-
tiolar-se até aos fins da beligerância entre as duas Coroas no período aclama-
tório. E, quando pareceu que os tempos ulteriores à paz assinada em 1668
trariam a retoma das relações passadas, sentiu-se que jamais voltariam ao que
haviam sido, antes se consumava a tendência para a irreversibilidade, ao me-
nos em caudal e certos âmbitos.
A expulsão da Companhia de Jesus em 1759, que Pombal pacientemente
prepara numa estratégia orientada para a sua supressão, é a vários títulos o
facto sociorreligioso mais relevante na segunda metade do século. Em termos
culturais estritos representou o encerramento da rede de colégios, computa-
dos em mais de duas dezenas, espalhados no continente e ultramar, e da Uni-
versidade de Évora, com repercussão imediata no ensino eclesiástico, no la-
bor literário e científico e na assistência que neles se ministrava. A nível
pastoral, também o fecho de dois noviciados, quatro seminários, duas casas
professas, 18 residências e uma missão estável, a de Mazagão 1 , acarretou o
corte do apoio espiritual que os sacerdotes jesuítas e irmãos coadjutores resi-
dentes prestavam, de que beneficiavam de imediato pela óbvia contiguidade
as regiões em que se encontravam inseridos. Porém, o compulsivo desterro
da ordem inaciana tornou-se ainda funesto para a missionação ultramarina.
Do Brasil à África e da índia ao Extremo Oriente, verificaram-se muitas bol-
sas de desertificação religiosa precisamente nos espaços por que seus membros
eram responsáveis e onde desenvolviam uma polifacetada actividade que pas-
sava pela não despicienda esfera temporal, fonte de atritos com os colonos e
o poder político. Apanhados pela tirânica medida do governo josefino, foram
os muitos confrades estrangeiros canalizados para os espaços do além-mar, a

671
A CONCLUIR

que as obrigações do padroado se estendiam. Era assim estrangulada uma ar-


téria que proporcionava uma irrigação que veio a constatar-se ser de bem
maior importância para a vida religiosa das populações do que porventura se
suspeitara. O historiador Robert Ricard denominou «vazio enorme» a partida
brusca dos Jesuítas, de que Portugal nunca totalmente recuperou 2 . Aliás, este
enfraquecimento, tornado visível em todo o organismo eclesial da nação e
seu império, convergiu com o gradativo e generalizado processo de abaixa-
mento moral e disciplinar das ordens conventuais, da secularização crescente,
de chocante materialismo na prestação de actos de culto, na atmosfera mun-
dana das solenidades litúrgicas, acentuada pelo esplendor profano da música
então ouvida. Com a incapacidade da Inquisição em travar o alastramento
destes males e o diferendo do sigilismo, de prática tão ambígua como perigo-
sa, a rondar o segredo da confissão sacramental e a enfermar de pouca clareza
de ideias3, escândalos, depravações, irreverências, temores e escrúpulos grassa-
vam, de forma a desorientar almas e espiritualidades.
Por outro lado, o rigorismo jacobeu, como alavanca reformista de «notá-
vel influência na vida religiosa e política do reino», actuou no combate à in-
disciplina e corrupção, e no incentivo aos sãos costumes e a uma «piedade
mais exigente». A austera conduta e apostólico dinamismo dos prelados de
Coimbra, Évora e Algarve, respectivamente D. Miguel da Anunciação,
D. Miguel de Távora e D. Frei Inácio de Santa Teresa, e do mentor cimeiro
Frei Gaspar da Encarnação, personalidade da confiança de D. João V, alia-
ram-se alguns leigos e membros, pode dizer-se, de todas as congregações re-
gulares, desde agostinhos a crúzios, de bernardos a beneditinos, de carmelitas
a dominicanos, de franciscanos capuchos a varatojanos, de jesuítas a eremitas
da serra da Ossa e professos da Ordem de Cristo, mantendo grande operosi-
dade até ao endurecimento do consulado pombalino. O excessivo número e
qualidade de não poucos conventuais e a praga do deplorável freiratismo en-
quistado nos cenóbios femininos da altura tornavam o combate mais desigual
numa sociedade estimulada por variados exemplos hierárquicos e sequiosa de
exterioridade e fausto, dissipação e prazer sensual4.
Contribuía, ainda, para tornar mais pesado o ar que se respirava no Por-
tugal de Setecentos, esse «galante século xvin» como diria Aquilino Ribeiro,
o braço regalista, que, recorrendo ao Beneplácito Régio, mantinha controla-
da a actuação da Igreja pelo Estado que Pombal intensificou ao apoiar-se na
legitimidade a que as argúcias e demonstrações canónico-jurídicas do padre
António Pereira de Figueiredo, de Ribeiro dos Santos e de Seabra da Silva,
numa amálgama doutrinária jansenista, galicana e episcopalista, emprestavam
o fundamento ideológico da pretendida supremacia. A «secularização da so-
ciedade e da cultura» deu, desta forma, passos decisivos para o caminho que o
liberalismo calcorreará. A praxis do omnipotente ministro necessitava do en-
volvimento do estamento religioso institucional que acabava por estar sujeito
aos supremos interesses do poder político civil, tornando dificultosa a inteira
aplicação das directrizes e normas emanadas da Sé Apostólica, face à sempre
ambicionada autonomia da Igreja portuguesa ao pretender governar-se «pelas
próprias estruturas e meios nacionais»5. Esta a herança vinda do pombalismo e
da política mariana que o liberalismo procuraria rentabilizar no máximo pos-
sível, mesmo que a religião católica, apostólica, romana continuasse a ser re-
clamada e consignada juridicamente pela Carta Constitucional de 1826 como
a religião do reino que o soberano reinante prometia sob juramento manter 6 .
Outro facto, acusando a mentalidade e a ideologia regalistas e iluministas,
no contraditório das causas defendidas, detecta-se na conduta do Estado face
à Inquisição, que Verney e Mello Freire defenderam e a realeza, com Pombal
e D. Maria, sempre se mostrou interessada em manter, sustentando-a «eficaz
e cuidadosamente» 7 . Se a odiosa distinção entre cristão-velho e cristão-novo
foi abolida e a mesma sorte dada aos autos-de-fé, a crueldade nos castigos
continuou a verificar-se. Se o ideário iluminista rejeitava a atribuição das ca-
lamidades públicas, como o terramoto de 1755, a punição divina pelos peca-
dos públicos, o déspota regalista deixou arder nas fogueiras inquisitoriais o
padre Malagrida, jesuíta em estado de insanidade mental. Contradição que

672
A CONCLUIR

prevaleceu nesse outro pormenor: se a Inquisição é considerada «tribunal ré-


gio», a que se conferiu «o título de magestade próprio dos Conselhos do Rei»,
reduz-se-lhe o poder autonómico no intuito de despi-la de formas intimida-
tórias, que a transformavam na temível fábrica de medo colectivo, e retirava-
-se-lhe, em 1768, a competência na censura prévia de livros que passou para a
Real Mesa Censória sob cuja alçada ficou a função. O temido Tribunal da Fé
acabava, de resto, por assumir uma natureza secularizada,.instrumento da C o -
roa, deixando-se ã Igreja «a declaração das infracçõeS"doutrinárias em matéria
de delitos espirituais e eclesiásticos». Passava, ainda, a sanha persecutória tradi-
cional, tendo por alvo privilegiado os cristãos-novos judaizantes e os hebreus
confessos, para as heterodoxias doutrinárias e «os heréticos de filosofia, cujos
pecados de opinião sapam os alicerces do regime absoluto»8. Para Altar e
Trono reciprocamente se escudarem, bem como o magistério católico inte-
grista, o inimigo visado passa a ser o maçónico ou assim entendido. Por isso,
a Inquisição continuará no reinado de D. Maria I a «ser temida e odiada» e o
férreo moralismo de Pina Manique só contribuiu para lhe acentuar essa feição
distante da pretendida «orientação racionalista, tolerante e humanitária» perfi-
lhada pelo jurisconsulto Mello Freire, para quem o Santo Oficio não deveria
ser um instrumento da justiça divina, mas tão-só um dos meios destinados a
«impedir a corrupção dos homens» 9 . Dirá Oliveira Martins: «O medo dos ja-
cobinos era o único sentimento forte dos últimos anos do século passado e
do princípio deste [século xix]. Por toda a parte se descobriam emissários da
Convenção francesa, franco-mações, apóstolos da impiedade revolucioná-
ria.»1" Ferida de morte, a Inquisição sobreviveria até às constituintes vintistas,
embora continuasse a prevalecer a «mentalidade inquisitorial» que ficou en-
quistada na idiossincrasia lusa11.
Se, como se defende, cada época histórica do Oriente corresponde a de-
terminado modelo de «vida religiosa», o século xvin acentuou o desfasar do
estamento congreganista que entre nós foi escolhido — na agonia do Portu-
gal do Antigo Regime, aristocrático-senhorial e fradesco, saturado de serviços
religiosos e procissões que primavam pela pompa e magnificência, para o ata-
que decisivo dos que pensavam, como o inglês Beckford, não se poder já vi-
ver em terra portuguesa. Os corifeus do liberalismo luso, de visceral ideologia
iluminista, sôfregos por implantar a nova ordem construída na liberdade, ins-
trução e trabalho, encarniçaram-se na supressão do tecido fradesco como pa-
ralelo do corpo social, tomado este já pelo assalto vitorioso da burguesia, a
quem o património fundiário das ordens conventuais fazia engulhos e o com-
portamento «parasitário» dos seus membros gerava indignação. A grave crise
por que passava a vida monástica serviria mesmo para justificar o assalto aos
bens conventuais que ajudariam fortemente a recompor as finanças públicas
muito abaladas com a independência do Brasil, em 1822 consumada. Assumir
a tolerância é uma atitude que esbarra com o fundamentalismo religioso, des-
valoriza os dogmas e menospreza as estruturas autoritárias eclesiásticas. A cre-
dibilidade destas tocava o fundo, atingidas pelo escandaloso relaxamento das
ordens religiosas, masculinas e femininas, aliás circunstância crónica na histó-
ria da nação, chegando a lançar-se dúvidas sobre a sua utilidade, até porque o
avanço da secularização da assistência retirava justificação sobre o benefício
dos conventos na prática da caridade. Se a crítica de parte do laicado católico
intelectual e politicamente interveniente se abate sobre a vida claustral, cresce
a valorização do clero secular e diocesano, dedicado à cura de almas e sujeito
ao ordinário local, alargando-se assim a base paffa a reapreciação do papel das
congregações e do número de seus efectivos, via sugerida por alguns com
vista à reforma salutar almejada 12 . Enquanto ostros eram radicais, afirmando
que «para servir a Deos, á Igreja, ao Estado, e aos povos não he necessário
vestir de pardo ou preto, azul ou pardo»13, o ataque desferido ao celibato e a
paralela valorização do casamento e da prole familiar corriam em simultâneo
com doutrinas advogando o incremento das artes mecânicas, da vida activa e
da reestruturação da sociedade nacional. De resto, a situação económica dos
conventos padecia com o abaixamento dos rendimentos que afectava a situa-
ção material das comunidades cujo número de membros diminuía, assim co-

673
A CONCLUIR

mo o ideal de perfeição e o desapego ascético dos bens terrenos com evidente


descrédito para os fiéis14. O beneditino Frei Francisco da Natividade escrevia,
já em 1788, com um acento de reprovação à conduta de tanto membro do
clero regular: «Mas que há de dizer o mundo de hum religioso involvido nos
negócios do Século? Elie sem modéstia, sem moderação, sem decoro, com
vestidos secularisados, respirando vaidade, jogando, manejando negocios, que
muitas vezes aos mesmos Seculares sérios são indecentes, vivendo quase sem-
pre fóra do Claustro: que horror.» 15 Grave matéria havia, pois, a pôr-se na
balança das Constituintes de 1822, para o debate acerca do pró e contra a su-
pressão dos estamentos congreganistas. E, nessas sessões oratórias, acabaram
por passar ideias que reflectiam mudanças a fazer, inspiradas no ideário do
programa político liberal, versando a laicização da assistência, o reforço da
autoridade episcopal com o ab-rogar de isenções das jurisdições dos regulares,
a instrução do clero nos seminários orientada para a vida paroquial. Tudo isto
tinha subjacente «uma determinada visão da religião, da Igreja e do clero, um
tipo de espiritualidade, uma ética e uma certa maneira de entender o eclesiás-
tico e o leigo na sociedade»16.
A multiplicidade de devoções, se alimentava e estimulava a prática reli-
giosa, tinha igualmente reversos condenáveis: exteriorizações mundanais, am-
biguidades supersticiosas, profanações lamentáveis. O periódico Astro da Lusi-
tania, de início de Julho de 1822, verbera enfático: «De que servem esses
Oratorios por essas ruas, onde os sanctos em vez de veneração só recebem
desacatos»; contrapondo O Cidadão Luzitano o que deveria ser a verdadeira
religião: «Adorar a Deus, e os seus mysterios, crer em Jesu Christo, professar
o Evangelho, fazer o bem, e fugir do mal.» Por sua vez, um deputado das
Cortes Constituintes interpelava os pares sobre o alcance de uma prática reli-
giosa de escopo individualista, voltada para a salvação eterna dos fiéis e de
costas para a dimensão caritativa assente nas obras de misericórdia expressas
no evangelho, ao interrogar retoricamente: «mais grato aos olhos da divinda-
de, não será attender a uns innocentes expostos à morte, sem socorro, não se-
rá mais meritória e mais agradavel a Deus attender digo a esses innocentes,
que acender quatro velas em uma confraria?»17. O acento crítico pretende
atingir o excessivo ritualismo formalista e apontar o trilho da moral social que
a filantropia laica zelava — atitude a lembrar uma espécie de outra face da de-
votio moderna que pugnava pela oração mental e pela piedade interiorista —,
dentro de uma sociedade a passos rápidos para a secularização.
Do Minho ao Algarve se incrementaram no país, impulsionadas por
Trento, as confrarias do Santíssimo Sacramento, do Rosário e das Almas do
Purgatório que, por isso, marcavam obrigatória presença nas paróquias. Dina-
mizavam-nas, sem dúvida, os cuidados com a memória e o destino eterno
dos mortos que as solidariedades confraternais tomavam a cargo conforme as
necessidades e circunstâncias exigiam. As missas fundadas «em capelas e ani-
versários», mensais e quotidianas, vão ao encontro desse assegurar aos mortais
memória eterna. Nota-se, porém, que a recessão no pedido de sufrágios nas
disposições testamentárias, nos casos estudados do Porto, Lisboa e Setúbal, sa-
liente a partir do último quartel do século xvii, se não correspondente a mis-
sas, mas só à «sua constituição», nem traduz sintonia de «descristianização»,
nem «o fim da eternidade», expressão que não passa de «uma metáfora reor-
ganizadora de outro mundo em devir»18. Aqui se podem descobrir reflexos
dessa nova visão de socorro à pobreza referenciada a tornar-se mais visível nas
«atitudes perante os legados pios», conducentes a «desamortizações seleccio-
nadas» e, sobretudo, irremediáveis nas confrarias que não souberam investir a
tempo em bens imobiliários 19 . Ao serem descapitalizadas, não puderam as
confrarias, a que o Marquês obrigara a vender os imóveis e a mutuar os di-
nheiros, incluindo a extensa rede das Misericórdias, satisfazer, em parte ou no
todo, os seus compromissos obrigacionistas de missas a aplicar pelos defuntos,
por carência de rendimento dos bens de mão morta, acabando por desapare-
cer, uma vez que, pelos breves papais de redução e composição, eram per-
doadas. Não cumpridas, as doações passavam para a Santa Casa da Misericór-
dia, a fim de serem aplicadas na administração hospitalar, de contínuo mais

674
A CONCLUIR

abrangente e onerosa 20 . Igreja e Estado, intervenientes no processo, legitima-


vam, desta forma, «os atropelos à memória dos mortos, abrindo caminho na
descrença no sistema», ao menos no respeitante «à fundação de missas perpé-
tuas»21. As irmandades da Misericórdia, instituições que se impuseram no te-
cido confraternal, dominando espiritual e socialmente ao longo da época mo-
derna, eram a nível local centros de poder da Igreja, e que o Estado olhava
com desconfiança pela autonomia desfrutada. A cadência da procura dos que
pretendiam ingressar no seu grémio mantinha-se; e, se declinava o cumpri-
mento das obrigações religiosas' estatutárias, a promoção social que represen-
tava pertencer-lhe constituía o seu mais forte pólo de atracção 22 — sintoma
mais de secularização ou ao menos de um hibridismo do sagrado e profano,
na viragem do século xvni, a encaminhar-se para o liberalismo com o recí-
proco larvar de uma nova mentalidade.
Tem pertinência, em finais da modernidade, perguntar-se qual o devir do
catolicismo em Portugal — a que a política pombalina, na senda da seculari-
zação, teria procurado manter a Igreja com «uma certa aura carismática, mas
submissa aos interesses do Estado»23; banida a Companhia de Jesus e as ordens
religiosas na rota da supressão, que sucederia à vida religiosa das massas popu-
lares? C o m o responderiam os bispos e o clero diocesano ante este desampa-
ro? Oliveira Martins anotara, em 1870, que o reino se tornara «um dos países
onde a autoridade religiosa tem menos império: o governo é leigo e a socie-
dade tem uma organização essencialmente civil»24. Era já o resultado de uma
crise com mais de dois séculos de existência? E poder-se-á falar de descristia-
nização quando diante de uma carta religiosa de Portugal de 50 anos atrás se
constata um Norte praticante e fértil em vocações sacerdotais e religiosas e
uma prática católica arreigada, perante um Sul da linha do Tejo ao Algarve
de sinal contrário? A referência só tem aqui justificativa por se querer trazer
ao debate — ultrapassado? — a opinião de Robert Ricard que conhece bem
o caso português. Para esta autoridade em história religiosa ibérica, a última
causa da descristianização do país situa-se no coração do século xvii, pois ao
dar-se a ruptura política da união dual em 1640 ela arrastou consigo a espiri-
tual, por se haver afastado de Espanha Portugal restaurado, que se ligou à
cultura francesa 25 . Só que esta acabou por ser não a seguidista do doutrinaris-
nio de Bossuet e nem sequer do «semi-jansenismo de Pascal», mas a dos filó-
sofos iluministas, Montesquieu, Voltaire e Rousseau, bem como de uma ma-
neira geral a das teorias do liberalismo político ou do laicismo26. Marcadé, ao
estudar o episcopado de Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas — figura de
proa da intelectualidade lusa do século xvni e o primeiro prelado da diocese
de Beja, criada em 1770, e que morreu arcebispo de Évora (1802-1814), a pós
presenciar a Revolução Francesa, a expulsão de Pio VI de Roma pelas tropas
republicanas e as invasões napoleónicas ao país —, traça um quadro positivo,
embora matizado, daquele espaço alentejano no segundo quartel de Setecen-
tos. O clero regular tinha lugar destacado na vida da diocese de Beja, sendo
relativamente elevado o número de conventos, embora a disciplina e morali-
dade deixassem a desejar. A preparação do clero secular, que cobria inteira-
mente as paróquias existentes, de medíocre, após o assinalável esforço de Ce-
náculo, tornara-se numa das melhores. O catolicismo popular dependia da
pregação dos missionários itinerantes, da dinâmica das irmandades, confrarias,
pias uniões e mesmo ordens terceiras que canalizavam e enquadravam as de-
voções do povo, ainda que o seu número variasse obviamente de freguesia
para freguesia e a sua abundância sugerisse que, se não reuniam elites, ao me-
nos atraíam a quase totalidade de adultos da paróquia. Cerimónias festivas e
certas práticas comuns indiciam, no entanto, insuficiência de vida religiosa,
e o gosto pelas manifestações exteriores explica-se pela ignorância dos ru-
rais27. O panorama das dioceses nortenhas e do Centro não divergia muito
deste, pelo que, se assim for, o problema da dita discriminação terá bases so-
ciológicas para se formular? E porque a modernidade recebeu forte marca do
espírito tridentino, já serão por certo de aceitar algumas das conclusões de
Silva Dias acerca da Contra-Reforma em Portugal que, ao longo desta época,
se pautou pela intensificação da vida sacramental, pela assimilação das aspira-

675
A CONCLUIR

ções e angústias do pensamento coevo, pelo ajustamento da «vivência religio-


sa às circunstâncias do tempo», com «um reflexo considerável sobre a evolu-
ção do sentimento cristão no nosso país»28.
N o cume da problemática sobre o devir do catolicismo português após o
fim do Antigo Regime parece estar, de facto, a política religiosa pombalina
apostada em ajustar a nação a um Estado moderno, sacrificando a Companhia
de Jesus, e o ataque vintista que acabou por apressar a expulsão das ordens
conventuais. O desaparecimento e a destruição destes suportes, sendo u m
mal, foram talvez providenciais, provocando um espécie de travessia no de-
serto, sem dúvida purgativa, e u m teste à vitalidade do país católico profundo
para reanimação e agrupamento das forças espirituais capazes de responder
aos novos sinais dos tempos.

Em véspera do Natal de 2000

NOTAS
1
ANTUNES - O marquês, p. 128.
2
RICARD - La dualité, p. 26.
3
SILVA - A questão, p. 534.
4
Ibidem, p. 529-530.
5
ANTUNES - O marqués, p. 126.
6
Ver NETO - O Estado, p. 30-33.
7
RAMOS — A Inquisição, p. 112.
8
Ibidem, p. 114.
'' Ibidem, p. 116.
10
MARTINS - História, p. 514.
11
RAMOS - A Inquisição, p. 120.
12
CORREIA — Liberalismo, p. 195.
13
Cf. Problema resolvido, folheto de 1825, atribuído a José Possidónio Estrada, citado in COR-
REIA — Liberalismo, p. 165.
14
CORREIA - Liberalismo, p. 266-278.
15
In Sciencia dos Costumes, p. 197-198, citado in CORREIA - Liberalismo, p. 101.
16
CORREIA - Liberalismo, p. xi.
17
Diário das Constituintes, sessão de 2.8.1822, tomo VIII, p. 29, citado in CORREIA - Liberalis-
mo, p. 25.
18
OLIVEIRA - Prefacio, in ABREU - Memórias, p. 10.
19
Ibidem, p. 10-11.
20
Cf. ABREU - Memórias, p. 433.
21
Ibidem.
22
Ibidem, p. 436-437.
23
MARCADÉ - Frei Manuel, p. 47.
24
MARTINS - Páginas, citado in RICARD - La dualité.
25
RICARD - La dualité, p. 27.
26
Ibidem, p. 28.
27
MARCADÉ - Frei Manuel, p. 47, 157, 165-179.
28
DIAS - Correntes, vol. 2, p. 457.

676
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