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Capítulo 9 Doenças

O coração saudável cardiovasculares e diabetes


Doenças cardiovasculares
As causas: aterosclerose e

B
arteriosclerose
As doenças: angina
de peito, infarto do
miocárdio e AVE
Diagnóstico e tratamento ryan McIver, MD, um dedicado jovem endocrinologista da Clínica Mayo, ia em
Fatores de risco de seu carro para o laboratório a fim de verificar um experimento que estava realizando.
Framingham para
doenças cardiovasculares Ele não ligou para uma pequena indigestão que sentia desde um jantar apimentado com
Fatores de risco amigos. Costumava sentir uma pequena acidez no estômago, de modo que esta parecia
incontroláveis ser uma noite normal.
Fatores de risco
controláveis Quando chegou ao hospital, ele voltou a sentir um certo desconforto no peito, mas o
Fatores psicossociais ignorou. Ao passar pela sala de emergência, três minutos depois, as coisas mudaram de
em doenças forma dramática. Em suas palavras, “...o mundo ficou branco e... eu morri”.
cardiovasculares: a
personalidade tipo A
O que aconteceu foi um repentino bloqueio de uma das principais coronárias de seu
Competitividade, coração. Em segundos, o coração do doutor McIver mergulhou em um ritmo caótico, sua
hostilidade e pressa pressão caiu a zero, o suprimento de oxigênio para o cérebro foi cortado, e ele perdeu a
Raiva e depressão
Por que a hostilidade, a consciência.
raiva e a depressão Quando não tem oxigênio, o cérebro começa a morrer em cerca de três minutos. Após
promovem doenças seis minutos, ocorre a morte cerebral, e quase não há chance de recuperação. Possivelmen-
cardiovasculares?
te, isso teria acontecido com o doutor McIver, se ele tivesse sofrido o ataque cardíaco um
Reduzindo o risco de
doenças cardiovasculares minuto antes, no estacionamento escuro, ou um minuto depois, após estar sozinho em
Controlando a hipertensão seu laboratório. Como por milagre, seu colapso ocorreu no corredor do hospital, a apenas
Reduzindo o colesterol
alguns passos da sala de emergência.
Após a doença
cardiovascular: Sendo um não fumante de 37 anos, sem história de pressão alta, doenças vasculares
prevenindo recaídas ou diabetes, o doutor McIver não se encaixa no perfil do paciente cardíaco típico. Ainda
Manejando o estresse após
que uma de suas avós tenha morrido de acidente vascular encefálico (AVE) (mas aos 80
um episódio cardíaco
Controlando a hostilidade anos de idade), sua família sempre viveu muito. É claro, ele tinha alguns fatores de risco.
e a raiva Mesmo não estando acima do peso (1,83 m e 89 kg), raramente fazia exercícios, tinha um
Diabetes trabalho estressante e apresentava níveis insalubres de colesterol. Ainda assim, menos de
Tipos de diabetes
Causas de diabetes um mês antes de seu ataque cardíaco, havia recebido um atestado de boa saúde durante
Tratamento do diabetes um exame físico completo. Ele apenas deveria tentar fazer um pouco mais de exercícios e
Psicologia da saúde e perder um quilo ou dois. Contudo, lá estava ele, sendo ressuscitado da experiência quase
diabetes
fatal de um ataque cardíaco fulminante.
Embora continue seu estressante trabalho como pesquisador médico, ele deu alguns
passos para melhorar o perfil de seus fatores de risco coronariano para garantir uma vida
longa e saudável. Muitos outros, todavia, têm menos sorte. E é por isso que a doença co-
ronariana continua sendo a causa número um de morte nos Estados Unidos e em muitos
outros países desenvolvidos.
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 255

N
este capítulo, examinaremos os fatores de risco biológicos, psicológicos e so-
ciais para duas importantes condições crônicas: a doença cardiovascular (in-
cluindo hipertensão, AVE e doença do coração) e o diabetes. Embora alguns
dos fatores de risco para essas doenças estejam além de nosso controle, muitos refle-
tem opções de estilo de vida que são modificáveis. Visto que todos esses transtornos
envolvem o sistema circulatório, vamos primeiro revisar a maneira como o coração
e o sistema circulatório devem funcionar, e então dar uma olhada no que está errado
quando cada uma dessas doenças ocorre.

O coração saudável

C
onforme visto no Capítulo 3, o sistema cardiovascular compreende o sangue,
os vasos sanguíneos do sistema circulatório e o coração. Aproximadamente
do tamanho de um punho fechado e pesando cerca de 300 gramas, o coração
consiste em três camadas de tecido: uma fina camada exterior, chamada de epicárdio;
uma fina camada interior, chamada de endocárdio; e uma grossa camada interme­
diária, chamada de miocárdio [derivado do grego myo (músculo) e kardia (coração)].
O miocárdio é dividido em quatro câmaras que trabalham de maneira coordenada
para trazer o sangue para o coração e depois bombeá-lo pelo corpo. Como todos os
músculos do corpo, o miocárdio precisa de um suprimento constante de oxigênio e
nutrientes para permanecer saudável. E quanto mais o coração é forçado a trabalhar
para cumprir as exigências dos outros músculos do corpo, mais precisa de nutrientes
e oxigênio.
Em uma das maiores ironias da natureza, o suprimento de sangue do coração
não provém dos cinco ou mais quartos de galão de sangue bombeados a cada minu-
to por suas câmaras internas, mas de duas ramificações da aorta (a principal artéria
do coração) localizadas na superfície do epicárdio. As artérias coronárias esquerda
e direita ramificam-se em vasos sanguíneos menores, denominados arteríolas, até se
tornarem os capilares que suprem o miocárdio com o sangue do qual necessita para
funcionar. (Ver a p. 58 para um diagrama do coração e do fluxo de sangue através
dele.)

Doenças cardiovasculares

Q
uando o suprimento de sangue das artérias coronárias é impedido além de
um ponto crítico, o risco de o indivíduo desenvolver doenças cardiovas-
culares aumenta de forma substancial. Por volta de 60 milhões de norte- n doenças cardiovasculares
-americanos sofrem de alguma forma de doenças do coração e do sistema de vasos distúrbios do coração
sanguíneos, coletivamente chamadas de doenças cardiovasculares. A primeira de e do sistema de vasos
todas as doenças, que mata 1 em cada 2,9 pessoas (34% de todos os óbitos) a cada sanguíneos, incluindo AVEs e
ano nos Estados Unidos, a doença cardiovascular aparece disfarçada de muitas for- doença arterial coronariana.
mas, incluindo AVEs e doença arterial coronariana, uma doença crônica em que n doença arterial
as artérias que suprem o coração são restringidas ou entupidas e não conseguem coronariana doença
crônica na qual as artérias
transportar sangue suficiente para o órgão (American Heart Association, 2010). que suprem o coração são
Antes de discutirmos os fatores biológicos, sociais e psicológicos que contribuem restringidas ou entupidas;
para o aparecimento dessas doenças, é preciso descrever suas causas físicas subja- resulta da aterosclerose ou
centes: a aterosclerose e a arteriosclerose. da arteriosclerose.
256 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

n aterosclerose doença
crônica em que o colesterol
As causas: aterosclerose e arteriosclerose
e outras gorduras se
A maioria dos casos de doenças cardiovasculares resulta da aterosclerose, uma condi-
depositam nas paredes
internas das artérias ção em que o revestimento das artérias engrossa com o acúmulo de colesterol e outras
coronárias, reduzindo a gorduras. À medida que essas placas ateromatosas se formam, as artérias coronárias
circulação para o tecido são restringidas ou ocluídas, impedindo o fluxo de sangue (Kharbanda e MacAllister,
cardíaco. 2005) (Fig. 9.1). Embora tendam a se desenvolver em muitas pessoas com mais de 30
n placas ateromatosas e 40 anos, as placas não ameaçam a saúde – pelo menos não até a idade de 70 anos ou
acúmulos de depósitos de mais. Aqueles que não têm tanta sorte, como Bryan McIver, podem desenvolver placas
gordura na parede de uma prejudiciais desde os 20 ou 30 anos, ou até antes.
artéria que ocorrem na
aterosclerose. A inflamação no sangue que circula (inflamação sistêmica) pode contribuir para
a aterogênese – o desenvolvimento de aterosclerose que pode desencadear ataques
n aterogênese processo cardíacos e AVEs. Embora o mecanismo pelo qual a aterogênese é desencadeada não
de formação de placas
ateromatosas no esteja claro, o processo começa com uma lesão na parede do vaso sanguíneo, que
revestimento interno das resulta na formação de faixas de gordura, as quais agem como um “pedido de ajuda”
artérias. do sistema imune do corpo. Como vimos no Capítulo 3, a inflamação é a resposta
do corpo ao ferimento, e a coagulação sanguínea também costuma fazer parte dessa
resposta. Ainda que os pesquisadores não tenham certeza do que motiva a inflama-
ção inicial que parece colocar pessoas saudáveis em um risco maior de aterosclerose,
n arteriosclerose também
chamada de “endurecimento
muitos acreditam que uma infecção bacteriana ou viral crônica possa ser a causa sub-
das artérias”, uma doença jacente. Uma das proteínas que aumenta durante a resposta inflamatória, a proteína
em que os vasos sanguíneos C-reativa (CRP), tem sido cada vez mais usada para avaliar o risco que a pessoa tem
perdem a elasticidade. de doença cardiovascular. O risco de ataque cardíaco em pessoas com níveis maiores
de CRP é duas vezes superior ao daquelas com os menores níveis dessa proteína (Abi-
-Saleh et al., 2008).
Artéria
Intimamente relacionada com a aterosclerose, existe também a ar-
teriosclerose, ou “endurecimento das artérias” (Fig. 9.2). Nessa condição,
as artérias coronárias perdem sua elasticidade, tornando difícil sua ex-
Partículas de colesterol
(lipoproteínas) pansão e contração (imagine tentar esticar um elástico seco). Isso torna
ainda mais complicado o transporte dos grandes volumes de sangue ne-
cessários durante o esforço físico. Além disso, é muito mais provável que
um coágulo sanguíneo se forme e bloqueie uma artéria coronária que
tenha perdido sua elasticidade devido à arteriosclerose.

As doenças: angina de peito,


infarto do miocárdio e AVE
Colesterol depositado no
revestimento da artéria Se não forem examinadas, a aterosclerose e a arteriosclerose podem avan-
(faixas de gordura)
çar por muitos anos antes que a pessoa experimente quaisquer sintomas.
Isso foi o que ocorreu com o doutor McIver. Uma vez que o processo
comece, contudo, é provável que alguma dessas três doenças ocorra.
A primeira começa com a redução gradual dos vasos sanguíneos.
Qualquer parte do corpo que dependa do fluxo de sangue de uma arté-
ria obstruída está sujeita a uma lesão. Por exemplo, se a redução afeta as
Início do acúmulo

Figura 9.1
Aterosclerose. A aterosclerose é uma doença comum na qual o colesterol e outras
gorduras são depositados sobre as paredes das artérias coronárias. À medida que as
paredes engrossam e endurecem, os vasos se restringem, reduzindo a circulação para
Formação da placa áreas que normalmente são supridas pela artéria. As placas ateroscleróticas causam
(aterosclerose) muitos distúrbios no sistema circulatório. A maneira como a aterosclerose começa
não está clara; é possível que um ferimento na artéria faça os macrófagos limpadores
atacarem os depósitos de colesterol.
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 257

artérias das pernas, a pessoa pode sentir dor nas pernas quando caminha.
Quando as artérias que suprem o coração são restringidas com placas, di-
minuindo o fluxo de sangue para o coração – condição chamada de isque-
mia – a pessoa sente uma dor aguda no peito, chamada de angina de peito.
Embora a maioria dos ataques de angina passe em poucos minutos sem
causar danos permanentes, a isquemia é um importante prognóstico de

© J & L Weber/Peter Arnold


incidentes coronarianos futuros.
Ainda que os ataques de angina possam ocorrer a qualquer momento
– incluindo quando a pessoa está dormindo – em geral acontecem durante
momentos de esforço incomum, pois o corpo exige que o coração bombeie
mais sangue oxigenado do que está acostumado – por exemplo, quando
um atleta casual tenta completar uma maratona de 42 quilômetros. A angina também Figura 9.2
pode ocorrer durante forte excitação emocional ou exposição a calor ou frio extre-
Arteriosclerose. Na
mos. O estresse mental na vida cotidiana, incluindo sentimentos de tensão, frustração arteriosclerose, as artérias
e depressão, mais do que dobra o risco de isquemia (Rosenfeldt et al., 2004). coronárias perdem a
O segundo distúrbio cardíaco, que é muito mais grave, ocorre quando uma pla- elasticidade e são incapazes de
ca se rompe dentro de um vaso sanguíneo, liberando uma massa pegajosa que pode expandir e contrair quando o
reduzir ainda mais o fluxo sanguíneo ou obstruí-lo por completo. Segundos após sangue flui por elas.
a obstrução completa de uma artéria coronária, um ataque cardíaco, ou infarto do
miocárdio, ocorre, e uma porção do miocárdio começa a morrer (infarto é uma área
de tecido morto). Diferentemente da angina, que dura apenas um momento, o infarto
do miocárdio envolve a deficiência crônica no suprimento de sangue e, assim, causa n angina de peito condição
de dor extrema no peito
lesão permanente no coração. causada por restrição no
A terceira manifestação possível do mau funcionamento cardiovascular é o aci- suprimento de sangue para
dente vascular encefálico (AVE). Os AVEs afetam 795 mil norte-americanos anualmen- o coração.
te, tirando 137 mil vidas a cada ano (1 em cada 18 mortes). Eles são a terceira principal n infarto do miocárdio
causa de morte, depois dos infartos do miocárdio e do câncer (American Heart Asso- ataque cardíaco; morte
ciation, 2010). O tipo mais comum de AVE – AVE isquêmico – ocorre quando placas ou permanente de tecido
­coágulos obstruem uma artéria, bloqueando o fluxo de sangue para uma área do cére- cardíaco em resposta a uma
interrupção do suprimento
bro (Fig. 9.3). O AVE hemorrágico acontece quando um vaso sanguíneo estoura dentro
de sangue para o miocárdio.
do cérebro, aumentando a pressão sobre o cérebro e lesionando-o ao pressioná-lo con-
tra o crânio. O AVE hemorrágico é associado à pressão alta, que tensiona as paredes das n acidente vascular
encefálico (AVE) acidente
artérias até romperem ou expõe um local fraco na parede de uma artéria (aneurisma) que resulta em lesão no
que explode em virtude da pressão do sangue que circula dentro dela. cérebro devido à falta de
Os efeitos do AVE podem incluir perda da fala ou dificuldade para compreendê- oxigênio; normalmente
-la, dormência, fraqueza ou paralisia de um membro ou do rosto, dores de cabeça, causado por aterosclerose
visão obscurecida e tontura. Os AVEs normalmente lesionam o tecido neural em um ou arteriosclerose.
lado do cérebro, com perda resultante na sensação no lado oposto do corpo. Estima-se
que 11 milhões de adultos norte-americanos (4% da população) a cada ano sofram
“AVEs silenciosos”, que causam lesões em pequenos grupos de células do cérebro, mas
não produzem sintomas óbvios imediatos. Esses AVEs tendem a não ser detectados
até que, com o passar do tempo, perdas de memória, tontura, fala confusa e outros
sintomas clássicos de tal condição comecem a aparecer.

Diagnóstico e tratamento
A medicina fez grandes progressos no diagnóstico e no tratamento de doenças cardio-
vasculares nos últimos anos. Embora essas doenças já tenham sido chamadas de “as-
sassinos silenciosos” por não terem sinais aparentes de advertência, hoje existe uma
variedade de técnicas para detectar seus precursores – a aterosclerose e a arterioscle-
rose – no começo de seu desenvolvimento. Apesar de, no passado, o ataque cardíaco
ser uma sentença de morte quase certa, em muitos casos nos dias atuais, os pacientes
podem ser tratados com sucesso por meio de medicamentos ou técnicas como a an-
gioplastia, a cirurgia de ponte de safena ou até mesmo um transplante de coração.
258 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

Testes diagnósticos
© Mehau Kulyk/Science Photo Library/Photo Researchers

O teste mais utilizado para a saúde cardíaca é o eletrocardiograma (ECG ou EKG), no


qual eletrodos conectados a determinados pontos do corpo medem as descargas elé-
tricas produzidas pelo coração enquanto bate. A representação gráfica das descargas
pode revelar padrões de ritmos cardíacos anormais (arritmia), embora, em muitos
casos, as anormalidades não sejam aparentes a menos que o coração esteja estressado.
Quando há suspeita disso, os médicos administram um eletrocardiograma em exercí-
cio, ou teste de esforço, o qual essencialmente é um ECG feito enquanto a pessoa corre
em uma esteira.
Outra técnica de varredura, o ecocardiograma, usa o eco de ondas sonoras lan-
çadas contra o peito para criar uma imagem do coração. Este exame revela lesões no
Figura 9.3 miocárdio, tumores ou coágulos sanguíneos, problemas nas válvulas e mesmo regiões
AVEs causam lesões no
arteriais enfraquecidas nas quais podem haver bolsões de sangue, chamados de aneu-
cérebro. Este TC scan do rismas.
cérebro de uma vítima de A angiografia coronariana é o meio mais preciso de diagnosticar a doença co-
AVE com 70 anos de idade ronariana. Um pequeno cateter (um tubo fino e flexível) é inserido em uma artéria
mostra que, quando o fluxo (em geral na virilha) até a aorta, e daí para uma artéria coronária suspeita de estar
de sangue para o cérebro é
bloqueado, as células cerebrais
bloqueada por uma placa. Injeta-se um corante pelo cateter para que a artéria se torne
podem ser destruídas. A área visível em raio X, revelando a extensão do bloqueio. Os pacientes, que estão apenas
escura à direita mostra onde o parcialmente sedados, permanecem acordados durante o procedimento.
tecido cerebral morreu devido
a um suprimento de sangue
inadequado. A falta de sangue Tratamentos
pode decorrer da obstrução
de uma artéria cerebral ou
do sangramento de uma Dependendo da gravidade do problema, o paciente de uma doença coronariana pode
parede arterial enfraquecida. O receber medicamentos para tratar ou prevenir o mau funcionamento cardíaco ou
resultado é paralisia ou fraqueza fazer uma cirurgia.
no lado esquerdo do corpo (já
que o tecido destruído está no Medicamentos cardíacos Vários tipos de medicamentos podem ser usados para
lado direito do cérebro). tratar a doença coronariana. Entre eles, estão a nitroglicerina, que aumenta o supri-
mento de sangue para o coração e estabiliza-o eletricamente; os betabloqueadores e
n eletrocardiograma (ECG ou
os bloqueadores dos canais de cálcio, que reduzem a pressão arterial e as demandas de
EKG) medida das descargas bombeamento sobre o coração; os vasodilatadores, que expandem os vasos sanguíne-
elétricas que emanam do os restringidos; e os anticoagulantes, que ajudam a prevenir a formação de coágulos
coração. sanguíneos. Se o ataque cardíaco for diagnosticado nas primeiras horas de ocorrência,
n angiografia coronariana os médicos geralmente administram uma infusão intravenosa de um agente trombolí-
teste diagnóstico para doença tico para dissolver com rapidez possíveis coágulos sanguíneos.
coronariana no qual se injeta
corante para que raios X Cirurgia cardíaca Se a angiografia revelar bloqueio substancial em uma ou mais
possam revelar obstruções artérias coronarianas, diversos tratamentos cirúrgicos podem ser recomendados. Na
nas artérias coronárias. cirurgia de transplante de ponte da artéria coronária, é feita uma incisão no esterno
n transplante de ponte da do paciente e um pequeno pedaço de veia é removido de outro local do corpo (nor-
artéria coronária cirurgia malmente da perna, mas também do braço ou do peito) e transplantado para a região
cardíaca em que um pequeno da artéria bloqueada ou restringida. A ponte permite que o sangue contorne o blo-
pedaço de veia saudável,
removida de outra parte do
queio e flua de forma mais livre para a seção subnutrida do miocárdio. Essa cirurgia é
corpo, é transplantado para recomendada quando há bloqueios graves e o paciente não responde a outras formas
a região da artéria coronária de tratamento.
bloqueada, permitindo que Outra intervenção cirúrgica comum é a angioplastia coronariana. Nesse pro-
o sangue flua de forma mais cedimento, um cateter é introduzido em uma artéria da perna até a artéria coronária
livre para uma parte do
coração.
bloqueada, com um balão que é inflado para “esmagar” a placa contra a parede do
vaso sanguíneo. O balão é, então, esvaziado; e o cateter, removido. Na maioria dos ca-
n angioplastia coronariana sos, um tubo metálico fino, chamado de stent, é inserido na artéria para reduzir a pro-
cirurgia cardíaca em que um
cateter inflável é usado para
abrir uma artéria coronária
bloqueada.
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 259

babilidade de que ela restrinja-se novamente. Em outros


casos, uma aterecotomia é realizada, e possíveis bloqueios
são removidos ou destruídos por laser, lâmina giratória
ou broca com ponta de diamante.
Embora medicamentos e procedimentos cirúrgicos
tenham apresentado níveis razoáveis de sucesso em pro-
longar a vida de pacientes cardíacos, algumas pesquisas
médicas têm adotado abordagens totalmente diferentes,

© Greenlar/The Image Works


buscando lidar com o fato de que o coração, ao contrário
de outros músculos, não se regenera após ser lesionado.
Entre as novas técnicas promissoras, está transplantar cé-
lulas musculares embrionárias para as porções doentes
do miocárdio. Ainda nos primeiros estágios de desenvol-
vimento, esse tratamento experimental pode um dia vir a restaurar o funcionamento Angiografia coronariana.
de corações humanos que sofreram lesões devido a infartos do miocárdio. Neste método de diagnóstico,
um pequeno cateter cardíaco
é introduzido por uma artéria
até a aorta, e daí para a artéria
Fatores de risco de Framingham coronária suspeita de estar
bloqueada. O corante injetado
para doenças cardiovasculares pelo cateter possibilita ao
cirurgião localizar o bloqueio por

O
meio de raio X (ver monitor de
que causa a formação de placas nas artérias coronárias? Por que as artérias vídeo).
coronárias de certas pessoas não acumulam tecido cicatrizado, enquanto as
de outras se tornam obstruídas já com pouca idade? Pesquisas identificaram
diversos fatores de risco relacionados com doenças cardiovasculares. Grande parte
desse conhecimento provém do Framingham Heart Study, um dos estudos epidemio-
lógicos mais famosos da história da medicina. Quando o estudo começou, em 1948,
a taxa de mortalidade devido a doenças cardiovasculares nos Estados Unidos era de
quase 500 casos por 100 mil pessoas. Essa taxa aumentou até 586,8 casos por 100 mil
em 1950 e tem diminuído de modo estável desde então (Fig. 9.4). Grande parte do
crédito por essa melhoria substancial nas taxas de mortalidade deve-se a iniciativas de
“coração saudável” que surgiram com o estudo de Framingham. Os resultados desse
notável estudo, sem dúvida, aumentaram o tempo de vida de milhões de pessoas.
Antes de Framingham, os epidemiologistas estudavam as doenças examinando
registros médicos e atestados de óbito. O estudo de Framingham estabeleceu um novo
padrão para a pesquisa epidemiológica, inaugurando o conceito do estudo da saúde
de pessoas vivas ao longo do tempo. Esse estudo, que é uma referência, usou o modelo
prospectivo, envolvendo 5.209 pessoas saudáveis na pequena cidade de Framingham,
em Massachusetts.
O plano original dos pesquisadores era acompanhar os sujeitos por 20 anos para
verificar quais fatores – demográficos, biológicos e/ou psicológicos – poderiam prever
o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Embora mais de metade do grupo
de estudo original tenha morrido, o estudo continuou com pesquisadores que agora
coletam também dados dos filhos dos participantes originais.
A cada dois anos, os participantes originais fazem um exame físico completo
que inclui ECG, exame da pressão arterial e mais de 80 análises clínicas (seus filhos
são examinados a cada quatro anos). Além disso, cada participante faz uma bateria de
testes psicológicos e responde a questionários de saúde. Os pesquisadores questionam
os participantes sobre seu nível de ansiedade, hábitos de sono, nervosismo, uso de
álcool e tabaco, nível de educação e resposta típica à raiva.
O estudo de Framingham identificou duas categorias básicas de fatores de risco
para doenças cardiovasculares: os incontroláveis, como história familiar, idade e gê-
260 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

nero; e aqueles controláveis, como obesidade, hipertensão, nível de colesterol e uso


de tabaco. É claro que há sobreposição entre essas dimensões, pois existem elementos
controláveis e incontroláveis em quase qualquer fator de risco. Ainda assim, para fins
de organização, seguiremos a classificação do estudo de Framingham.

Fatores de risco incontroláveis


Alguns fatores de risco resultam de condições genéticas ou biológicas que estão fora
do controle do indivíduo.

História familiar e idade


Figura 9.4 A história familiar é um forte prognóstico de ocorrência de doenças cardiovasculares.
Mortalidade anual por Isso acontece em especial com aqueles que têm um parente próximo do sexo masculi-
doenças cardiovasculares. no que sofreu ataque cardíaco antes de 55 anos ou parente do sexo feminino que teve
Embora tenha diminuído nos ataque cardíaco antes de 65 anos. A idade avançada também é fator de risco para essas
Estados Unidos e em outros doenças. De fato, aproximadamente metade de todas as vítimas de doenças cardiovas-
países desenvolvidos, a taxa
de mortalidade decorrente
culares tem mais de 65 anos.
de doenças cardiovasculares
aumentou no Leste Europeu e Gênero
nos países em desenvolvimento.
Na Europa, por exemplo, as O risco de doenças cardiovasculares também aumenta de forma rápida em homens
taxas de mortalidade por essas após os 40 anos. Com exceção de mulheres que fumam, o risco dessas doenças perma-
doenças variam entre 981 e
nece baixo até a menopausa, quando, conforme iremos explicar, começa a aumentar.
1.841 por 100 mil pessoas. No
Sudeste Asiático e no Pacífico Entretanto, ele ainda é muito maior entre os homens até a idade de 65 anos. De fato,
Ocidental, chegam a 3.527 eles apresentam quase a mesma taxa de doenças cardiovasculares de mulheres 10 anos
e 3.752 por 100 mil pessoas, mais velhas (American Heart Association, 2010). Ainda que a disparidade diminua
respectivamente (WHO, 2000). com a idade, essa diferença de gênero explica em parte por que as mulheres vivem
Fonte: National Center for Health
Statistics (2005). Health, United mais do que os homens. Em todos os países desenvolvidos e na maioria dos países em
States. Washington, DC: U.S. Gover- desenvolvimento, as mulheres vivem até 10 anos mais que os homens. Nos Estados
nment Printing Office, Tabela 36, p.
193–195; World Health Organization. Unidos, a expectativa de vida ao nascer atualmente é de 80 anos para mulheres e 74
(2000). The world health report, 2000. anos para homens.
Geneva: World Health Organization,
Annex Table 3, p. 164–169. Alguns especialistas acreditam que as diferenças de gênero em mortalidade de-
vido a doenças cardiovasculares possam ser decorrentes de dis-
600 tinções nos hormônios sexuais testosterona e estrógeno. A tes-
tosterona foi relacionada com agressividade, competitividade e
550
outros comportamentos que parecem contribuir para as doenças
do coração (Sapolsky, 1998). De maneira coincidente, os níveis
de testosterona aumentam durante o começo da idade adulta,
500
logo quando a diferença em mortalidade entre homens e mulhe-
res atinge o máximo. Alguns pesquisadores, portanto, atribuem
MORTES POR MIL PESSOAS

450 o ápice da mortalidade à “toxicidade da testosterona” (NG, 2007;


Perls e Fretts, 1998). Todavia, se o gênero realmente é um fator
400 de risco de doenças cardiovasculares, as diferenças entre homens
e mulheres deviam ser semelhantes em todo o mundo ao longo
350 da história. Isso não parece ser verdade. As diferenças de gênero
na mortalidade por doenças cardiovasculares são muito maiores
em alguns países do que em outros, sobretudo no Leste Europeu
300
(Weidner e Cain, 2003). Nos Estados Unidos, a disparidade entre
os gêneros nessas doenças era modesta até meados da década de
250
1960, quando a prevalência em homens de meia-idade começou
a aumentar, enquanto as taxas em mulheres de meia-idade dimi-
1950 1960 1970 1980 1990 2000 nuíram (Lawlor et al., 2002). Esses resultados sugerem a atuação
ANO de algo além da biologia.
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 261

Embora as mulheres possam ter risco mais baixo de doenças cardiovasculares do


que os homens, as cardiopatias tiram a vida de mais mulheres norte-americanas do que
qualquer outra causa, afetando 1 em cada 3 mulheres (em oposição a 1 em cada 8 para
câncer de mama). Ainda assim, muitas mulheres – e seus médicos – acreditam que o
câncer de mama seja a maior ameaça para a saúde feminina, mesmo que as doen­ças
cardiovasculares tirem a vida de cinco vezes mais mulheres do que o câncer de mama
(Fig. 9.5). Isso pode explicar por que homens que reclamam de dores no peito têm mais
probabilidade de serem indicados para exames do coração do que mulheres, e por que
elas têm menos probabilidade de receber medicamentos redutores do colesterol do que
eles, apesar de apresentarem níveis semelhantes de colesterol no sangue.
Homens e mulheres também diferem em seu prognóstico de recuperação após
um ataque do coração. Em comparação com os homens, as mulheres têm duas vezes
mais probabilidade de morrer após um ataque cardíaco. Entre os sobreviventes, elas
têm mais probabilidade de ter um segundo ataque cardíaco e de morrer após cirurgia
de ponte de safena do que eles.
Vários fatores podem explicar essas diferenças. Por exemplo, as mulheres com
doenças cardiovasculares tendem a ser mais velhas do que os homens. Além disso,
essas condições tendem a ser reconhecidas mais rapidamente em homens do que em
mulheres, talvez refletindo o preconceito médico de que doenças cardiovasculares são
um problema masculino. Até pouco tempo atrás, as mulheres eram sub-representadas
em estudos clínicos sobre essas doenças. Como resultado, o padrão para o diagnóstico
e o tratamento de doenças cardiovasculares baseia-se na fisiologia masculina. Figura 9.5
Estudos demonstraram que os homens recebem procedimentos de diagnóstico Taxas de mortalidade por
e tratamento mais agressivos do que as mulheres (Ayanian e Epstein, 1997; Mehilli doenças cardiovasculares e
et al., 2002). Os homens, por exemplo, têm duas vezes mais probabilidade de serem câncer de mama em mulheres,
segundo a idade. Ainda que
indicados para angiografia coronariana e cirurgia de ponte de safena. Esse viés de
mulheres tenham um risco
gênero é particularmente forte para pacientes que apresentem sintomas de doen- menor de desenvolver doenças
ças cardíacas no contexto de situações estressantes em suas vidas (Chiaramonte­e cardiovasculares do que
Friend, 2006). homens, as cardiopatias tiram
a vida de mais mulheres norte­
‑americanas do que qualquer
Raça e etnia outra causa, afetando 1 em cada
3 mulheres.
A prevalência de doenças cardiovasculares também varia entre os grupos raciais e Fonte: National Center for Health
Statistics (1999). Health, United
étnicos. Em comparação com indivíduos brancos norte-americanos, por exemplo, States, 1997. Washington, DC: U.S.
os afro-americanos têm risco maior; e os ásio-americanos e hispano-americanos, Government Printing Office.

risco menor (American Heart Associa-


3.000
tion, 2010). Fatores econômicos podem
contribuir para essas diferenças. Pessoas
com baixo status socioeconômico ten- 2.500
dem a apresentar mais fatores de risco
Doenças cardiovasculares
para doenças cardiovasculares, incluin-
MORTES POR 100 MIL MULHERES

do dietas com alto teor de gordura, ta- 2.000


bagismo e experiências estressantes de Embora a maioria das mulheres
vida, como a discriminação racial (Huis- preocupe-se principalmente
1.500 com o câncer de mama, elas têm
man et al., 2005), e os afro-americanos mais probabilidade de morrer de
são representados de forma despropor- doenças cardiovasculares.
cional entre os grupos socioeconômicos 1.000
mais baixos.
A não realização de exercícios tam-
bém pode ser um fator. Como grupo, as 500
Câncer de mama
pessoas mais ricas tendem a fazer mais
exercícios, talvez porque tenham mais
0
tempo livre e mais acesso a áreas pú- 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84
blicas bem-equipadas, como parques e IDADE
262 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

ciclovias, e possam comprar equipamentos com mais facilidade ou sejam mais bem
informadas sobre os riscos da vida sedentária (Onge e Krueger, 2008). As mulheres
norte-americanas de origem europeia, por exemplo, são de 2 a 3 vezes mais ativas do
que as afro-americanas, em seu tempo de lazer (Nevid et al., 1998).
É natural questionar se as diferenças raciais e étnicas encontradas no risco de
doenças cardiovasculares existiriam se não houvesse disparidades em educação, renda
familiar e fatores de risco para essas patologias. Para descobrir, Marilyn Winkleby e
colaboradores (1998) compararam fatores de risco de doenças cardiovasculares entre
grupos de mulheres afro-americanas, hispano-americanas e euro-americanas. Inde-
pendentemente de sua origem étnica, as de baixo status socioeconômico tinham fa-
tores de risco elevados, comparadas com aquelas cujo status socioeconômico era alto.
Entretanto, após a educação e a renda familiar serem controladas, as afro-americanas
e as hispano-americanas ainda tinham mais fatores de risco do que as euro-ameri-
canas. Esses achados indicam que fatores relacionados com a etnia e o status socio-
econômico estão envolvidos na determinação do risco de um indivíduo desenvolver
doenças cardiovasculares.
As diferenças em estressores psicossociais, como ser pai ou mãe solteiros, tam-
bém podem explicar as disparidades raciais e étnicas em doenças cardiovasculares
(Macera et al., 2001). Muitos bairros afro-americanos são segregados da população
em geral e possuem famílias de baixo status socioeconômico, encabeçadas por mu-
lheres (Jargowsky, 1997). Por exemplo, um estudo realizado em 1990, em bairros ur-
banos em que pelo menos 40% dos domicílios estavam abaixo da linha de pobreza,
verificou que cerca de 75% das famílias afro-americanas eram chefiadas por mulhe-
res. Essas mulheres têm mais probabilidade de morrer de doença coronariana, talvez
como resultado dos altos níveis de estresse associados a criar uma família sem um
parceiro (Leclere et al., 1998).
Outro fator nas diferenças étnicas e raciais em taxas de mortalidade por doenças
cardiovasculares envolve o acesso e o uso limitado dos serviços de saúde, assim como
de tratamentos médicos preferenciais. Conforme observado no Capítulo 6, existem
grandes diferenças entre os grupos étnicos na disponibilidade de tratamento de saúde
acessível. Além disso, os afro-americanos – homens ou mulheres – têm menos proba-
bilidade do que os homens brancos de receber tratamentos intensivos como cirurgia
de ponte de safena e angioplastia. Esse padrão duplo de cuidado pode ser devido a
muitos fatores, incluindo, é claro, a discriminação, que leva alguns pacientes das mi-
norias a não confiarem no sistema de saúde em geral.

Fatores de risco incontroláveis


Os fatores de risco incontroláveis não condenam uma pessoa necessariamente à mor-
te por ataque cardíaco. Conhecer o perfil de risco inerente ao indivíduo é um passo
importante para reduzir a ameaça de doenças cardiovasculares, pois permite que pes-
soas de alto risco minimizem seu perfil de risco total, mudando aspectos que con-
seguem controlar. Mesmo com história familiar de doenças cardíacas, por exemplo,
uma pessoa pode controlar o risco geral dedicando-se a diminuir a pressão arterial,
ter uma dieta saudável, fazer exercícios regularmente e manter o peso corporal nor-
mal. Isso representa benefícios enormes. Por exemplo, o Chicago Heart Association
Detection Project avaliou os resultados para a saúde de homens entre as idades de 18
e 39 anos e de homens e mulheres entre 40 e 59 anos. Homens mais jovens com estilos
de vida mais saudáveis apresentaram expectativa de vida 9,5 anos mais longa do que
os outros homens da mesma faixa etária. Para homens saudáveis entre 40 e 59 anos, a
expectativa de vida aumentou em seis anos. Para mulheres com os estilos de vida mais
saudáveis, a vida foi estendida em 5,8 anos (Stamler et al., 1999).
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 263

Hipertensão
A pressão arterial é a força exercida pelo sangue à medida que pressiona as paredes das
artérias. Quando está muito alta, a pressão pode lesionar os vasos e causar ateroscle-
rose. Antes do estudo de Framingham, os médicos acreditavam que a pressão arterial
aumentasse como consequência natural do envelhecimento. Uma regra prática dizia
que a pressão de um indivíduo era igual a sua idade mais 100. Assim, uma pessoa com
65 anos seria considerada normal se a pressão sistólica fosse de 165. Hoje, sabemos
que o risco de doenças cardiovasculares, começando em 115/75 mmHg, duplica a
cada incremento de 20/10 mmHg (Chobanian et al., 2003).
Sob novas diretrizes emitidas em 2003, a pressão arterial é considerada nor-
mal se estiver abaixo de 120/80 mmHg (Chobanian et al., 2003). Embora a condição
não seja chamada hipertensão até que exceda de forma consistente 140/90 mmHg n hipertensão elevação
com a maior incidência de mortalidade relacionada com a hipertensão, o Centers for prolongada da pressão
arterial diastólica e sistólica
Disease Control and Prevention (CDC) recentemente introduziu uma categoria de
(excedendo 140/90 mmHg).
pré-hipertensão (pressão de 120-139/80-89 mmHg) associada a um risco maior de
progressão para hipertensão total (Chobanian et al., 2003).
A maioria dos casos de pressão alta é classificada como hipertensão primária, ou
essencial, significando que não se conhece sua causa exata. A hipertensão é resultado
da interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais. A obesidade, o sedentaris-
mo, o excesso de sal na dieta e o estresse demasiado podem produzir hipertensão em
pessoas que tenham predisposição biológica. A hipertensão também está relacionada
com a ansiedade e a raiva, especialmente em homens de meia-idade. Em um grande
estudo longitudinal, pesquisadores mediram a ansiedade, a raiva e a pressão arterial
em homens de meia-idade e mais velhos. O estudo de avaliação realizado 18 e 20 anos
depois revelou que homens de 45 a 59 anos que apresentaram valores altos em uma
medida padronizada do traço ansiedade tinham duas vezes mais probabilidade de
desenvolver hipertensão (Markovitz et al., 1993).
O estresse também está ligado à hipertensão, sobretudo em pessoas que pos-
suem poucos mecanismos ou recursos limitados de enfrentamento. A exposição a es-
tressores ambientais com pouca idade pode ser bastante prejudicial. Adolescentes que
relatam grande número de estressores familiares negativos crônicos e incontroláveis
apresentam maior pressão sistólica no decorrer do dia, independentemente de seu
gênero, etnia, índice de massa corporal (IMC) e nível de atividade (Brady e Matthews,
2006). Essas experiências podem aumentar o risco de desenvolver hipertensão mais
adiante na vida nesses adolescentes.
A hereditariedade também tem um papel na hipertensão, evidenciado pelo fato
de que a prevalência dessa condição varia muito entre os grupos étnicos e raciais. Por
exemplo, a prevalência de hipertensão entre mulheres e homens afro-americanos está
entre as mais altas no mundo. Comparados com euro-americanos, os afro-america-
nos desenvolvem hipertensão com menos idade, e sua pressão arterial média é muito
maior (Flack et al., 2010).
Embora os genes possam criar predisposição biológica, apenas a hereditariedade
não explica a ampla variação na prevalência da hipertensão entre diferentes grupos
étnicos e culturais. Na comunidade afro-americana, por exemplo, as taxas de hiper-
tensão apresentam variação substancial. Os indivíduos com as taxas maiores têm mais
probabilidade de ser de meia-idade ou mais velhos, gordos ou obesos, fisicamente
inativos, ter menos formação educacional e sofrer de diabetes (NHANES III, 2002).
Diversos pesquisadores propuseram que a maior exposição a estressores sociais e am-
bientais entre afro-americanos de status socioeconômico inferior, em vez de diferen-
ças genéticas, possa promover a retenção de sódio nos rins, causando vasoconstrição
e um aumento correspondente na pressão arterial (Anderson et al., 1992). Outros
sugeriram que a prevalência de hipertensão entre os afro-americanos pode refletir
264 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

n reatividade cardiovascular maior reatividade cardiovascular ao estresse social – especialmente ao estresse da dis-
reação característica de criminação racial – na forma de maiores aumentos em frequência cardíaca e pressão
um indivíduo ao estresse,
incluindo alterações na
arterial e maior efusão de adrenalina, cortisol e outros hormônios relacionados com o
frequência cardíaca, na estresse. Pesquisadores verificaram que a exposição aguda a estressores, como testes de
pressão arterial e nos aritmética mental (Arthur et al., 2004), discursos com provocações raciais (Merritt et
hormônios. al., 2006) e cenários de simulação, como ser acusado de furto (Lepore et al., 2006), estão
associadas a aumentos na ativação cardiovascular (ver Brondolo et al., 2003, para uma
revisão). De maneira interessante, homens afro-americanos de baixo status socioeconô-
mico tendem a apresentar maior reatividade cardiovascular a estressores raciais do que
homens ou mulheres afro-americanos de status socioeconômico elevado. Eles também
relataram ter experiência direta com o preconceito racial em níveis significativamente
maiores (Krieger et al., 1998). Conforme observado no Capítulo 5, contudo, o impacto
de um estressor como o racismo pode depender da experiência e dos recursos de en-
Lembre-se, do Capítulo 3, frentamento do indivíduo. A presença de outros fatores, incluindo a raiva, uma postura
que a lipoproteína de alta defensiva, habilidades interpessoais e o estilo de enfrentamento, são mediadores e mo-
densidade, ou HDL, é o deradores potenciais da reatividade cardiovascular (Rutledge e Linden, 2003).
chamado colesterol bom,
e a de baixa densidade, ou
LDL, é o colesterol ruim. Obesidade
Os triglicerídeos, também
chamados de lipoproteínas O excesso de peso corporal aumenta o risco de hipertensão e de qualquer doença car-
de muito baixa densidade diovascular, em parte devido a sua associação com o colesterol alto. O risco da gordura
(VLDL), são especialmente
ruins. em excesso depende um pouco do modo como ela é distribuída. A obesidade abdominal
associada ao excesso de gordura na parte média do corpo (a “barriguinha de cerveja”)
promove o maior risco de doenças cardiovasculares, talvez porque costume estar asso-
ciada a níveis mais baixos de colesterol HDL e níveis maiores de triglicerídeos. Pessoas
que têm excesso de peso nas porções médias do corpo também possuem artérias com
paredes mais espessas, aumentando a pressão arterial e o risco de AVE (De Michele et
al., 2002). De fato, a circunferência da cintura pode ser um prognóstico mais preciso de
hipertensão do que o IMC (Gus et al., 2004). Diferenças no local onde a gordura está
distribuída também ajudam a explicar por que os homens apresentam taxas mais altas
de doenças cardiovasculares do que as mulheres, pelo menos até a menopausa. A obesi-
dade abdominal é mais comum em homens do que em mulheres.

Nível de colesterol
Os médicos sabem há anos que as pessoas que apresentam nível geneticamente alto de
colesterol também têm taxa mais alta de doenças cardiovasculares, começando já com
pouca idade. Antes do estudo de Framingham, contudo, não havia evidências pros-
pectivas de que o excesso de colesterol na dieta fosse um fator de risco coronariano.
Esse estudo descobriu que as pessoas que apresentavam nível de colesterol sérico bai-
xo raras vezes desenvolviam doenças cardiovasculares, enquanto aquelas com níveis
altos tinham risco maior.
Quanto é demais? O nível de colesterol no sangue inferior a 200 miligramas por
decilitro (mg/dL) está associado a risco reduzido de doenças cardiovasculares. O nível
de 240 mg/dL ou superior duplica o risco.
Entretanto, o colesterol total é apenas parte da história. Conforme observado no
Capítulo 3, uma imagem mais completa é obtida comparando-se as quantidades rela-
tivas de lipoproteínas de alta densidade (HDL), lipoproteínas de baixa densidade (LDL)
e triglicerídeos. Entretanto, mesmo as pessoas que apresentam níveis baixos de coles-
terol total estão em maior risco se essas proporções não estiverem adequadas. Quando
maior o nível de colesterol HDL da pessoa, melhor, mas um nível abaixo de 40 mg/dL
em adultos é considerado fator de risco para doenças cardiovasculares (AHA, 2004).
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 265

Alguns estudos sugerem que o consumo regular de nutrientes antioxidantes


(agentes considerados benéficos para a saúde por reduzirem o acúmulo de restos me-
tabólicos que prejudicam as células), como a vitamina E, o betacaroteno, o selênio e
a riboflavina (que são comuns em frutas e vegetais), possa ajudar a prevenir doenças
cardiovasculares. Os antioxidantes neutralizam os radicais livres de oxigênio e impe-
dem que causem a oxidação do colesterol LDL. A oxidação leva a ferimentos, escoria-
ções e acúmulo de placas de gordura nas paredes dos vasos sanguíneos. Em um estudo
longitudinal, pesquisadores verificaram que homens com os níveis mais elevados de
antioxidantes tinham risco dois terços menor de doenças cardiovasculares do que
aqueles que possuíam os níveis mais baixos (Morris et al., 1994).
A pesquisa também sugere que o consumo moderado de álcool possa reduzir o
colesterol total e aumentar os níveis de HDL. Considere o paradoxo francês: as taxas
de mortalidade por doenças cardiovasculares são notavelmente mais baixas na França
do que em outros países industrializados, apesar de os franceses comerem alimentos
mais ricos e gordurosos, fazerem menos exercícios e fumarem mais (Ferrieres, 2004).
Estudos propõem que os franceses possam sofrer menos de doenças cardiovasculares
em razão de seu consumo regular de vinho tinto, que contém compostos químicos
naturais chamados flavonoides. Cientistas pensam que os flavonoides biologicamente
ativos diminuem o risco de doenças cardiovasculares de três formas: reduzindo o co-
lesterol LDL, aumentando o colesterol HDL e minimizando a agregação das plaque-
tas, o que reduz as chances de formação de coágulos (Hackman, 1998). Apesar dessa
interessante relação possível entre o consumo moderado de vinho e um coração sau-
dável, a questão permanece controversa. Sabemos que o consumo excessivo de álcool
aumenta o risco de o indivíduo sofrer um infarto do miocárdio.

Síndrome metabólica
Para um número estimado de 47 milhões de norte-americanos, a obesidade, a hi-
pertensão e um perfil desfavorável de colesterol combinam-se formando a síndrome n síndrome metabólica
grupo de problemas de
metabólica, definida como três ou mais dos seguintes critérios: saúde concomitantes –
incluindo pressão arterial e
n Circunferência da cintura maior que 100 cm em homens e 89 cm em mulheres níveis de insulina elevados,
n Nível elevado de triglicerídeos séricos excesso de gordura corporal
n Nível de colesterol HDL abaixo de 40 mg/dL em homens e 50 mg/dL em mulheres e razões de colesterol
prejudiciais à saúde – que
n Pressão arterial de 130/85 mmHg ou acima aumentam o risco de
n Intolerância à glicose (encontrada normalmente em indivíduos que sofrem de dia- uma pessoa ter doenças
betes, como veremos) cardíacas, AVE e diabetes.

Pessoas com síndrome metabólica têm um risco bem maior de desenvolver


doen­ças cardiovasculares e diabetes (American Heart Association, 2010). A prevalên-
cia da síndrome metabólica ajustada para a idade varia substancialmente entre grupos
étnicos e raciais nos Estados Unidos, sendo maior entre indivíduos de origem mexi-
cana (31,9%), seguidos por brancos (24,3%) e afro-americanos (21,6%) (American
Heart Association, 2010).

Uso de tabaco
O hábito de fumar mais que duplica as chances de ataque cardíaco e está ligado a 1
em cada 5 mortes decorrentes de doença coronariana. Os fumantes têm duas vezes o
risco de um AVE e menos probabilidade de sobreviver a um infarto do miocárdio do
que os não fumantes. Em média, homens que fumam morrem 13,2 anos antes que os
não fumantes, e as mulheres fumantes morrem 14,5 anos antes que as não fumantes
(American Heart Association, 2010).
266 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

Positivamente, um ano após uma pessoa ter parado de fumar, o risco de mor-
rer de doenças cardiovasculares diminui para quase o mesmo nível de pessoas que
nunca fumaram (American Heart Association, 2004). Desde 1965, o hábito de fumar
diminuiu nos Estados Unidos em mais de 40% entre pessoas com idade a partir dos
18 anos. Mesmo assim, 22% dos homens e 17,5% das mulheres continuam a fumar
(Health, United States, 2009).

Fatores psicossociais em doenças


cardiovasculares: a personalidade tipo A

C
onfusos pelo fato de que muitos pacientes coronarianos não eram homens
obesos de meia-idade, com colesterol elevado, pesquisadores entenderam que
deviam estar ignorando algo. Assim, ampliaram sua busca por fatores de risco
que pudessem ajudar a explicar a discrepância. No final da década de 1950, os cardio-
logistas Meyer Friedman e Ray Rosenman (1959) começaram a estudar traços de per-
sonalidade que pudessem prever eventos coronarianos. Eles encontraram um padrão
de comportamento propenso a problemas coronarianos que envolvia competitivida-
n tipo A termo de Friedman de, forte senso de urgência e hostilidade, o qual rotularam de tipo A. Em comparação,
e Rosenman para pessoas pessoas que são mais relaxadas e que não se sentem pressionadas por considerações
competitivas, apressadas e
relacionadas com o tempo tendem a ser resistentes à doença coronariana. Esse com-
hostis, que podem ter risco
aumentado de desenvolver portamento foi denominado tipo B.
doenças cardiovasculares. Nas décadas de 1960 e 1970, centenas de estudos epidemiológicos apoiavam
a associação entre o comportamento tipo A e o risco de doenças cardiovasculares
n tipo B termo de Friedman
e Rosenman para pessoas futuras em homens e mulheres. Na tentativa de explicar essa relação, pesquisadores
mais relaxadas e que concentraram-se em diferenças fisiológicas entre as pessoas do tipo A e do tipo B.
não são pressionadas Entre seus achados, constataram: as pessoas do tipo A têm coagulação sanguínea
por considerações de mais rápida e níveis mais elevados de colesterol e triglicerídeos sob estresse do que
tempo e, assim, tendem
a ser resistentes à doença
as do tipo B (Lovallo e Pishkin, 1980). Essas pessoas também apresentam maior
coronariana. excitação autônoma (ver Cap. 3), frequência cardíaca elevada e pressão arterial au-
mentada em resposta a eventos difíceis (Jorgensen et al., 1996). Em situações tran-
quilas, ambos os tipos são igualmente excitados. Quando desafiadas ou ameaçadas,
contudo, as pessoas do tipo A são menos capazes de permanecer calmas. É mais
provável que esse padrão de hiper-reatividade “pronta para o combate” ocorra em
situações nas quais essas pessoas estejam sujeitas a alguma forma de avaliação de
seu desempenho (Lyness, 1993).
Acreditando que a síndrome tipo A era global demais, os pesquisadores come-
çaram a analisar os comportamentos que a compõem, como competitividade, hosti-
lidade, pressa e raiva, para determinar se um ou mais desses componentes poderiam
prever doenças cardiovasculares com mais precisão.

Competitividade, hostilidade e pressa


Em um estudo clássico, Charles Carver e David Glass (1978) tentaram descobrir se
pessoas do tipo A e do tipo B respondiam de forma diferente a situações que pro-
vocassem raiva ou interrupções em seus esforços para alcançar um objetivo. Um es-
tudante do tipo A, ou do tipo B, foi colocado em uma sala com um ator contratado
pelos pesquisadores. Na primeira parte do experimento, foi solicitado que o ator e
o estudante resolvessem um quebra-cabeça de madeira difícil em um período curto
de tempo. Na condição de instigação, o ator atrapalhou as tentativas do estudante e
fez comentários ofensivos sobre seu desempenho (p. ex., “Não sei por que você está
demorando tanto; não é tão difícil!”). Na condição sem instigação, o ator não interagiu
com o estudante de forma alguma.

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