Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
B
arteriosclerose
As doenças: angina
de peito, infarto do
miocárdio e AVE
Diagnóstico e tratamento ryan McIver, MD, um dedicado jovem endocrinologista da Clínica Mayo, ia em
Fatores de risco de seu carro para o laboratório a fim de verificar um experimento que estava realizando.
Framingham para
doenças cardiovasculares Ele não ligou para uma pequena indigestão que sentia desde um jantar apimentado com
Fatores de risco amigos. Costumava sentir uma pequena acidez no estômago, de modo que esta parecia
incontroláveis ser uma noite normal.
Fatores de risco
controláveis Quando chegou ao hospital, ele voltou a sentir um certo desconforto no peito, mas o
Fatores psicossociais ignorou. Ao passar pela sala de emergência, três minutos depois, as coisas mudaram de
em doenças forma dramática. Em suas palavras, “...o mundo ficou branco e... eu morri”.
cardiovasculares: a
personalidade tipo A
O que aconteceu foi um repentino bloqueio de uma das principais coronárias de seu
Competitividade, coração. Em segundos, o coração do doutor McIver mergulhou em um ritmo caótico, sua
hostilidade e pressa pressão caiu a zero, o suprimento de oxigênio para o cérebro foi cortado, e ele perdeu a
Raiva e depressão
Por que a hostilidade, a consciência.
raiva e a depressão Quando não tem oxigênio, o cérebro começa a morrer em cerca de três minutos. Após
promovem doenças seis minutos, ocorre a morte cerebral, e quase não há chance de recuperação. Possivelmen-
cardiovasculares?
te, isso teria acontecido com o doutor McIver, se ele tivesse sofrido o ataque cardíaco um
Reduzindo o risco de
doenças cardiovasculares minuto antes, no estacionamento escuro, ou um minuto depois, após estar sozinho em
Controlando a hipertensão seu laboratório. Como por milagre, seu colapso ocorreu no corredor do hospital, a apenas
Reduzindo o colesterol
alguns passos da sala de emergência.
Após a doença
cardiovascular: Sendo um não fumante de 37 anos, sem história de pressão alta, doenças vasculares
prevenindo recaídas ou diabetes, o doutor McIver não se encaixa no perfil do paciente cardíaco típico. Ainda
Manejando o estresse após
que uma de suas avós tenha morrido de acidente vascular encefálico (AVE) (mas aos 80
um episódio cardíaco
Controlando a hostilidade anos de idade), sua família sempre viveu muito. É claro, ele tinha alguns fatores de risco.
e a raiva Mesmo não estando acima do peso (1,83 m e 89 kg), raramente fazia exercícios, tinha um
Diabetes trabalho estressante e apresentava níveis insalubres de colesterol. Ainda assim, menos de
Tipos de diabetes
Causas de diabetes um mês antes de seu ataque cardíaco, havia recebido um atestado de boa saúde durante
Tratamento do diabetes um exame físico completo. Ele apenas deveria tentar fazer um pouco mais de exercícios e
Psicologia da saúde e perder um quilo ou dois. Contudo, lá estava ele, sendo ressuscitado da experiência quase
diabetes
fatal de um ataque cardíaco fulminante.
Embora continue seu estressante trabalho como pesquisador médico, ele deu alguns
passos para melhorar o perfil de seus fatores de risco coronariano para garantir uma vida
longa e saudável. Muitos outros, todavia, têm menos sorte. E é por isso que a doença co-
ronariana continua sendo a causa número um de morte nos Estados Unidos e em muitos
outros países desenvolvidos.
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 255
N
este capítulo, examinaremos os fatores de risco biológicos, psicológicos e so-
ciais para duas importantes condições crônicas: a doença cardiovascular (in-
cluindo hipertensão, AVE e doença do coração) e o diabetes. Embora alguns
dos fatores de risco para essas doenças estejam além de nosso controle, muitos refle-
tem opções de estilo de vida que são modificáveis. Visto que todos esses transtornos
envolvem o sistema circulatório, vamos primeiro revisar a maneira como o coração
e o sistema circulatório devem funcionar, e então dar uma olhada no que está errado
quando cada uma dessas doenças ocorre.
O coração saudável
C
onforme visto no Capítulo 3, o sistema cardiovascular compreende o sangue,
os vasos sanguíneos do sistema circulatório e o coração. Aproximadamente
do tamanho de um punho fechado e pesando cerca de 300 gramas, o coração
consiste em três camadas de tecido: uma fina camada exterior, chamada de epicárdio;
uma fina camada interior, chamada de endocárdio; e uma grossa camada interme
diária, chamada de miocárdio [derivado do grego myo (músculo) e kardia (coração)].
O miocárdio é dividido em quatro câmaras que trabalham de maneira coordenada
para trazer o sangue para o coração e depois bombeá-lo pelo corpo. Como todos os
músculos do corpo, o miocárdio precisa de um suprimento constante de oxigênio e
nutrientes para permanecer saudável. E quanto mais o coração é forçado a trabalhar
para cumprir as exigências dos outros músculos do corpo, mais precisa de nutrientes
e oxigênio.
Em uma das maiores ironias da natureza, o suprimento de sangue do coração
não provém dos cinco ou mais quartos de galão de sangue bombeados a cada minu-
to por suas câmaras internas, mas de duas ramificações da aorta (a principal artéria
do coração) localizadas na superfície do epicárdio. As artérias coronárias esquerda
e direita ramificam-se em vasos sanguíneos menores, denominados arteríolas, até se
tornarem os capilares que suprem o miocárdio com o sangue do qual necessita para
funcionar. (Ver a p. 58 para um diagrama do coração e do fluxo de sangue através
dele.)
Doenças cardiovasculares
Q
uando o suprimento de sangue das artérias coronárias é impedido além de
um ponto crítico, o risco de o indivíduo desenvolver doenças cardiovas-
culares aumenta de forma substancial. Por volta de 60 milhões de norte- n doenças cardiovasculares
-americanos sofrem de alguma forma de doenças do coração e do sistema de vasos distúrbios do coração
sanguíneos, coletivamente chamadas de doenças cardiovasculares. A primeira de e do sistema de vasos
todas as doenças, que mata 1 em cada 2,9 pessoas (34% de todos os óbitos) a cada sanguíneos, incluindo AVEs e
ano nos Estados Unidos, a doença cardiovascular aparece disfarçada de muitas for- doença arterial coronariana.
mas, incluindo AVEs e doença arterial coronariana, uma doença crônica em que n doença arterial
as artérias que suprem o coração são restringidas ou entupidas e não conseguem coronariana doença
crônica na qual as artérias
transportar sangue suficiente para o órgão (American Heart Association, 2010). que suprem o coração são
Antes de discutirmos os fatores biológicos, sociais e psicológicos que contribuem restringidas ou entupidas;
para o aparecimento dessas doenças, é preciso descrever suas causas físicas subja- resulta da aterosclerose ou
centes: a aterosclerose e a arteriosclerose. da arteriosclerose.
256 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais
n aterosclerose doença
crônica em que o colesterol
As causas: aterosclerose e arteriosclerose
e outras gorduras se
A maioria dos casos de doenças cardiovasculares resulta da aterosclerose, uma condi-
depositam nas paredes
internas das artérias ção em que o revestimento das artérias engrossa com o acúmulo de colesterol e outras
coronárias, reduzindo a gorduras. À medida que essas placas ateromatosas se formam, as artérias coronárias
circulação para o tecido são restringidas ou ocluídas, impedindo o fluxo de sangue (Kharbanda e MacAllister,
cardíaco. 2005) (Fig. 9.1). Embora tendam a se desenvolver em muitas pessoas com mais de 30
n placas ateromatosas e 40 anos, as placas não ameaçam a saúde – pelo menos não até a idade de 70 anos ou
acúmulos de depósitos de mais. Aqueles que não têm tanta sorte, como Bryan McIver, podem desenvolver placas
gordura na parede de uma prejudiciais desde os 20 ou 30 anos, ou até antes.
artéria que ocorrem na
aterosclerose. A inflamação no sangue que circula (inflamação sistêmica) pode contribuir para
a aterogênese – o desenvolvimento de aterosclerose que pode desencadear ataques
n aterogênese processo cardíacos e AVEs. Embora o mecanismo pelo qual a aterogênese é desencadeada não
de formação de placas
ateromatosas no esteja claro, o processo começa com uma lesão na parede do vaso sanguíneo, que
revestimento interno das resulta na formação de faixas de gordura, as quais agem como um “pedido de ajuda”
artérias. do sistema imune do corpo. Como vimos no Capítulo 3, a inflamação é a resposta
do corpo ao ferimento, e a coagulação sanguínea também costuma fazer parte dessa
resposta. Ainda que os pesquisadores não tenham certeza do que motiva a inflama-
ção inicial que parece colocar pessoas saudáveis em um risco maior de aterosclerose,
n arteriosclerose também
chamada de “endurecimento
muitos acreditam que uma infecção bacteriana ou viral crônica possa ser a causa sub-
das artérias”, uma doença jacente. Uma das proteínas que aumenta durante a resposta inflamatória, a proteína
em que os vasos sanguíneos C-reativa (CRP), tem sido cada vez mais usada para avaliar o risco que a pessoa tem
perdem a elasticidade. de doença cardiovascular. O risco de ataque cardíaco em pessoas com níveis maiores
de CRP é duas vezes superior ao daquelas com os menores níveis dessa proteína (Abi-
-Saleh et al., 2008).
Artéria
Intimamente relacionada com a aterosclerose, existe também a ar-
teriosclerose, ou “endurecimento das artérias” (Fig. 9.2). Nessa condição,
as artérias coronárias perdem sua elasticidade, tornando difícil sua ex-
Partículas de colesterol
(lipoproteínas) pansão e contração (imagine tentar esticar um elástico seco). Isso torna
ainda mais complicado o transporte dos grandes volumes de sangue ne-
cessários durante o esforço físico. Além disso, é muito mais provável que
um coágulo sanguíneo se forme e bloqueie uma artéria coronária que
tenha perdido sua elasticidade devido à arteriosclerose.
Figura 9.1
Aterosclerose. A aterosclerose é uma doença comum na qual o colesterol e outras
gorduras são depositados sobre as paredes das artérias coronárias. À medida que as
paredes engrossam e endurecem, os vasos se restringem, reduzindo a circulação para
Formação da placa áreas que normalmente são supridas pela artéria. As placas ateroscleróticas causam
(aterosclerose) muitos distúrbios no sistema circulatório. A maneira como a aterosclerose começa
não está clara; é possível que um ferimento na artéria faça os macrófagos limpadores
atacarem os depósitos de colesterol.
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 257
artérias das pernas, a pessoa pode sentir dor nas pernas quando caminha.
Quando as artérias que suprem o coração são restringidas com placas, di-
minuindo o fluxo de sangue para o coração – condição chamada de isque-
mia – a pessoa sente uma dor aguda no peito, chamada de angina de peito.
Embora a maioria dos ataques de angina passe em poucos minutos sem
causar danos permanentes, a isquemia é um importante prognóstico de
Diagnóstico e tratamento
A medicina fez grandes progressos no diagnóstico e no tratamento de doenças cardio-
vasculares nos últimos anos. Embora essas doenças já tenham sido chamadas de “as-
sassinos silenciosos” por não terem sinais aparentes de advertência, hoje existe uma
variedade de técnicas para detectar seus precursores – a aterosclerose e a arterioscle-
rose – no começo de seu desenvolvimento. Apesar de, no passado, o ataque cardíaco
ser uma sentença de morte quase certa, em muitos casos nos dias atuais, os pacientes
podem ser tratados com sucesso por meio de medicamentos ou técnicas como a an-
gioplastia, a cirurgia de ponte de safena ou até mesmo um transplante de coração.
258 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais
Testes diagnósticos
© Mehau Kulyk/Science Photo Library/Photo Researchers
O
meio de raio X (ver monitor de
que causa a formação de placas nas artérias coronárias? Por que as artérias vídeo).
coronárias de certas pessoas não acumulam tecido cicatrizado, enquanto as
de outras se tornam obstruídas já com pouca idade? Pesquisas identificaram
diversos fatores de risco relacionados com doenças cardiovasculares. Grande parte
desse conhecimento provém do Framingham Heart Study, um dos estudos epidemio-
lógicos mais famosos da história da medicina. Quando o estudo começou, em 1948,
a taxa de mortalidade devido a doenças cardiovasculares nos Estados Unidos era de
quase 500 casos por 100 mil pessoas. Essa taxa aumentou até 586,8 casos por 100 mil
em 1950 e tem diminuído de modo estável desde então (Fig. 9.4). Grande parte do
crédito por essa melhoria substancial nas taxas de mortalidade deve-se a iniciativas de
“coração saudável” que surgiram com o estudo de Framingham. Os resultados desse
notável estudo, sem dúvida, aumentaram o tempo de vida de milhões de pessoas.
Antes de Framingham, os epidemiologistas estudavam as doenças examinando
registros médicos e atestados de óbito. O estudo de Framingham estabeleceu um novo
padrão para a pesquisa epidemiológica, inaugurando o conceito do estudo da saúde
de pessoas vivas ao longo do tempo. Esse estudo, que é uma referência, usou o modelo
prospectivo, envolvendo 5.209 pessoas saudáveis na pequena cidade de Framingham,
em Massachusetts.
O plano original dos pesquisadores era acompanhar os sujeitos por 20 anos para
verificar quais fatores – demográficos, biológicos e/ou psicológicos – poderiam prever
o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Embora mais de metade do grupo
de estudo original tenha morrido, o estudo continuou com pesquisadores que agora
coletam também dados dos filhos dos participantes originais.
A cada dois anos, os participantes originais fazem um exame físico completo
que inclui ECG, exame da pressão arterial e mais de 80 análises clínicas (seus filhos
são examinados a cada quatro anos). Além disso, cada participante faz uma bateria de
testes psicológicos e responde a questionários de saúde. Os pesquisadores questionam
os participantes sobre seu nível de ansiedade, hábitos de sono, nervosismo, uso de
álcool e tabaco, nível de educação e resposta típica à raiva.
O estudo de Framingham identificou duas categorias básicas de fatores de risco
para doenças cardiovasculares: os incontroláveis, como história familiar, idade e gê-
260 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais
ciclovias, e possam comprar equipamentos com mais facilidade ou sejam mais bem
informadas sobre os riscos da vida sedentária (Onge e Krueger, 2008). As mulheres
norte-americanas de origem europeia, por exemplo, são de 2 a 3 vezes mais ativas do
que as afro-americanas, em seu tempo de lazer (Nevid et al., 1998).
É natural questionar se as diferenças raciais e étnicas encontradas no risco de
doenças cardiovasculares existiriam se não houvesse disparidades em educação, renda
familiar e fatores de risco para essas patologias. Para descobrir, Marilyn Winkleby e
colaboradores (1998) compararam fatores de risco de doenças cardiovasculares entre
grupos de mulheres afro-americanas, hispano-americanas e euro-americanas. Inde-
pendentemente de sua origem étnica, as de baixo status socioeconômico tinham fa-
tores de risco elevados, comparadas com aquelas cujo status socioeconômico era alto.
Entretanto, após a educação e a renda familiar serem controladas, as afro-americanas
e as hispano-americanas ainda tinham mais fatores de risco do que as euro-ameri-
canas. Esses achados indicam que fatores relacionados com a etnia e o status socio-
econômico estão envolvidos na determinação do risco de um indivíduo desenvolver
doenças cardiovasculares.
As diferenças em estressores psicossociais, como ser pai ou mãe solteiros, tam-
bém podem explicar as disparidades raciais e étnicas em doenças cardiovasculares
(Macera et al., 2001). Muitos bairros afro-americanos são segregados da população
em geral e possuem famílias de baixo status socioeconômico, encabeçadas por mu-
lheres (Jargowsky, 1997). Por exemplo, um estudo realizado em 1990, em bairros ur-
banos em que pelo menos 40% dos domicílios estavam abaixo da linha de pobreza,
verificou que cerca de 75% das famílias afro-americanas eram chefiadas por mulhe-
res. Essas mulheres têm mais probabilidade de morrer de doença coronariana, talvez
como resultado dos altos níveis de estresse associados a criar uma família sem um
parceiro (Leclere et al., 1998).
Outro fator nas diferenças étnicas e raciais em taxas de mortalidade por doenças
cardiovasculares envolve o acesso e o uso limitado dos serviços de saúde, assim como
de tratamentos médicos preferenciais. Conforme observado no Capítulo 6, existem
grandes diferenças entre os grupos étnicos na disponibilidade de tratamento de saúde
acessível. Além disso, os afro-americanos – homens ou mulheres – têm menos proba-
bilidade do que os homens brancos de receber tratamentos intensivos como cirurgia
de ponte de safena e angioplastia. Esse padrão duplo de cuidado pode ser devido a
muitos fatores, incluindo, é claro, a discriminação, que leva alguns pacientes das mi-
norias a não confiarem no sistema de saúde em geral.
Hipertensão
A pressão arterial é a força exercida pelo sangue à medida que pressiona as paredes das
artérias. Quando está muito alta, a pressão pode lesionar os vasos e causar ateroscle-
rose. Antes do estudo de Framingham, os médicos acreditavam que a pressão arterial
aumentasse como consequência natural do envelhecimento. Uma regra prática dizia
que a pressão de um indivíduo era igual a sua idade mais 100. Assim, uma pessoa com
65 anos seria considerada normal se a pressão sistólica fosse de 165. Hoje, sabemos
que o risco de doenças cardiovasculares, começando em 115/75 mmHg, duplica a
cada incremento de 20/10 mmHg (Chobanian et al., 2003).
Sob novas diretrizes emitidas em 2003, a pressão arterial é considerada nor-
mal se estiver abaixo de 120/80 mmHg (Chobanian et al., 2003). Embora a condição
não seja chamada hipertensão até que exceda de forma consistente 140/90 mmHg n hipertensão elevação
com a maior incidência de mortalidade relacionada com a hipertensão, o Centers for prolongada da pressão
arterial diastólica e sistólica
Disease Control and Prevention (CDC) recentemente introduziu uma categoria de
(excedendo 140/90 mmHg).
pré-hipertensão (pressão de 120-139/80-89 mmHg) associada a um risco maior de
progressão para hipertensão total (Chobanian et al., 2003).
A maioria dos casos de pressão alta é classificada como hipertensão primária, ou
essencial, significando que não se conhece sua causa exata. A hipertensão é resultado
da interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais. A obesidade, o sedentaris-
mo, o excesso de sal na dieta e o estresse demasiado podem produzir hipertensão em
pessoas que tenham predisposição biológica. A hipertensão também está relacionada
com a ansiedade e a raiva, especialmente em homens de meia-idade. Em um grande
estudo longitudinal, pesquisadores mediram a ansiedade, a raiva e a pressão arterial
em homens de meia-idade e mais velhos. O estudo de avaliação realizado 18 e 20 anos
depois revelou que homens de 45 a 59 anos que apresentaram valores altos em uma
medida padronizada do traço ansiedade tinham duas vezes mais probabilidade de
desenvolver hipertensão (Markovitz et al., 1993).
O estresse também está ligado à hipertensão, sobretudo em pessoas que pos-
suem poucos mecanismos ou recursos limitados de enfrentamento. A exposição a es-
tressores ambientais com pouca idade pode ser bastante prejudicial. Adolescentes que
relatam grande número de estressores familiares negativos crônicos e incontroláveis
apresentam maior pressão sistólica no decorrer do dia, independentemente de seu
gênero, etnia, índice de massa corporal (IMC) e nível de atividade (Brady e Matthews,
2006). Essas experiências podem aumentar o risco de desenvolver hipertensão mais
adiante na vida nesses adolescentes.
A hereditariedade também tem um papel na hipertensão, evidenciado pelo fato
de que a prevalência dessa condição varia muito entre os grupos étnicos e raciais. Por
exemplo, a prevalência de hipertensão entre mulheres e homens afro-americanos está
entre as mais altas no mundo. Comparados com euro-americanos, os afro-america-
nos desenvolvem hipertensão com menos idade, e sua pressão arterial média é muito
maior (Flack et al., 2010).
Embora os genes possam criar predisposição biológica, apenas a hereditariedade
não explica a ampla variação na prevalência da hipertensão entre diferentes grupos
étnicos e culturais. Na comunidade afro-americana, por exemplo, as taxas de hiper-
tensão apresentam variação substancial. Os indivíduos com as taxas maiores têm mais
probabilidade de ser de meia-idade ou mais velhos, gordos ou obesos, fisicamente
inativos, ter menos formação educacional e sofrer de diabetes (NHANES III, 2002).
Diversos pesquisadores propuseram que a maior exposição a estressores sociais e am-
bientais entre afro-americanos de status socioeconômico inferior, em vez de diferen-
ças genéticas, possa promover a retenção de sódio nos rins, causando vasoconstrição
e um aumento correspondente na pressão arterial (Anderson et al., 1992). Outros
sugeriram que a prevalência de hipertensão entre os afro-americanos pode refletir
264 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais
n reatividade cardiovascular maior reatividade cardiovascular ao estresse social – especialmente ao estresse da dis-
reação característica de criminação racial – na forma de maiores aumentos em frequência cardíaca e pressão
um indivíduo ao estresse,
incluindo alterações na
arterial e maior efusão de adrenalina, cortisol e outros hormônios relacionados com o
frequência cardíaca, na estresse. Pesquisadores verificaram que a exposição aguda a estressores, como testes de
pressão arterial e nos aritmética mental (Arthur et al., 2004), discursos com provocações raciais (Merritt et
hormônios. al., 2006) e cenários de simulação, como ser acusado de furto (Lepore et al., 2006), estão
associadas a aumentos na ativação cardiovascular (ver Brondolo et al., 2003, para uma
revisão). De maneira interessante, homens afro-americanos de baixo status socioeconô-
mico tendem a apresentar maior reatividade cardiovascular a estressores raciais do que
homens ou mulheres afro-americanos de status socioeconômico elevado. Eles também
relataram ter experiência direta com o preconceito racial em níveis significativamente
maiores (Krieger et al., 1998). Conforme observado no Capítulo 5, contudo, o impacto
de um estressor como o racismo pode depender da experiência e dos recursos de en-
Lembre-se, do Capítulo 3, frentamento do indivíduo. A presença de outros fatores, incluindo a raiva, uma postura
que a lipoproteína de alta defensiva, habilidades interpessoais e o estilo de enfrentamento, são mediadores e mo-
densidade, ou HDL, é o deradores potenciais da reatividade cardiovascular (Rutledge e Linden, 2003).
chamado colesterol bom,
e a de baixa densidade, ou
LDL, é o colesterol ruim. Obesidade
Os triglicerídeos, também
chamados de lipoproteínas O excesso de peso corporal aumenta o risco de hipertensão e de qualquer doença car-
de muito baixa densidade diovascular, em parte devido a sua associação com o colesterol alto. O risco da gordura
(VLDL), são especialmente
ruins. em excesso depende um pouco do modo como ela é distribuída. A obesidade abdominal
associada ao excesso de gordura na parte média do corpo (a “barriguinha de cerveja”)
promove o maior risco de doenças cardiovasculares, talvez porque costume estar asso-
ciada a níveis mais baixos de colesterol HDL e níveis maiores de triglicerídeos. Pessoas
que têm excesso de peso nas porções médias do corpo também possuem artérias com
paredes mais espessas, aumentando a pressão arterial e o risco de AVE (De Michele et
al., 2002). De fato, a circunferência da cintura pode ser um prognóstico mais preciso de
hipertensão do que o IMC (Gus et al., 2004). Diferenças no local onde a gordura está
distribuída também ajudam a explicar por que os homens apresentam taxas mais altas
de doenças cardiovasculares do que as mulheres, pelo menos até a menopausa. A obesi-
dade abdominal é mais comum em homens do que em mulheres.
Nível de colesterol
Os médicos sabem há anos que as pessoas que apresentam nível geneticamente alto de
colesterol também têm taxa mais alta de doenças cardiovasculares, começando já com
pouca idade. Antes do estudo de Framingham, contudo, não havia evidências pros-
pectivas de que o excesso de colesterol na dieta fosse um fator de risco coronariano.
Esse estudo descobriu que as pessoas que apresentavam nível de colesterol sérico bai-
xo raras vezes desenvolviam doenças cardiovasculares, enquanto aquelas com níveis
altos tinham risco maior.
Quanto é demais? O nível de colesterol no sangue inferior a 200 miligramas por
decilitro (mg/dL) está associado a risco reduzido de doenças cardiovasculares. O nível
de 240 mg/dL ou superior duplica o risco.
Entretanto, o colesterol total é apenas parte da história. Conforme observado no
Capítulo 3, uma imagem mais completa é obtida comparando-se as quantidades rela-
tivas de lipoproteínas de alta densidade (HDL), lipoproteínas de baixa densidade (LDL)
e triglicerídeos. Entretanto, mesmo as pessoas que apresentam níveis baixos de coles-
terol total estão em maior risco se essas proporções não estiverem adequadas. Quando
maior o nível de colesterol HDL da pessoa, melhor, mas um nível abaixo de 40 mg/dL
em adultos é considerado fator de risco para doenças cardiovasculares (AHA, 2004).
CAPÍTULO 9 Doenças cardiovasculares e diabetes 265
Síndrome metabólica
Para um número estimado de 47 milhões de norte-americanos, a obesidade, a hi-
pertensão e um perfil desfavorável de colesterol combinam-se formando a síndrome n síndrome metabólica
grupo de problemas de
metabólica, definida como três ou mais dos seguintes critérios: saúde concomitantes –
incluindo pressão arterial e
n Circunferência da cintura maior que 100 cm em homens e 89 cm em mulheres níveis de insulina elevados,
n Nível elevado de triglicerídeos séricos excesso de gordura corporal
n Nível de colesterol HDL abaixo de 40 mg/dL em homens e 50 mg/dL em mulheres e razões de colesterol
prejudiciais à saúde – que
n Pressão arterial de 130/85 mmHg ou acima aumentam o risco de
n Intolerância à glicose (encontrada normalmente em indivíduos que sofrem de dia- uma pessoa ter doenças
betes, como veremos) cardíacas, AVE e diabetes.
Uso de tabaco
O hábito de fumar mais que duplica as chances de ataque cardíaco e está ligado a 1
em cada 5 mortes decorrentes de doença coronariana. Os fumantes têm duas vezes o
risco de um AVE e menos probabilidade de sobreviver a um infarto do miocárdio do
que os não fumantes. Em média, homens que fumam morrem 13,2 anos antes que os
não fumantes, e as mulheres fumantes morrem 14,5 anos antes que as não fumantes
(American Heart Association, 2010).
266 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais
Positivamente, um ano após uma pessoa ter parado de fumar, o risco de mor-
rer de doenças cardiovasculares diminui para quase o mesmo nível de pessoas que
nunca fumaram (American Heart Association, 2004). Desde 1965, o hábito de fumar
diminuiu nos Estados Unidos em mais de 40% entre pessoas com idade a partir dos
18 anos. Mesmo assim, 22% dos homens e 17,5% das mulheres continuam a fumar
(Health, United States, 2009).
C
onfusos pelo fato de que muitos pacientes coronarianos não eram homens
obesos de meia-idade, com colesterol elevado, pesquisadores entenderam que
deviam estar ignorando algo. Assim, ampliaram sua busca por fatores de risco
que pudessem ajudar a explicar a discrepância. No final da década de 1950, os cardio-
logistas Meyer Friedman e Ray Rosenman (1959) começaram a estudar traços de per-
sonalidade que pudessem prever eventos coronarianos. Eles encontraram um padrão
de comportamento propenso a problemas coronarianos que envolvia competitivida-
n tipo A termo de Friedman de, forte senso de urgência e hostilidade, o qual rotularam de tipo A. Em comparação,
e Rosenman para pessoas pessoas que são mais relaxadas e que não se sentem pressionadas por considerações
competitivas, apressadas e
relacionadas com o tempo tendem a ser resistentes à doença coronariana. Esse com-
hostis, que podem ter risco
aumentado de desenvolver portamento foi denominado tipo B.
doenças cardiovasculares. Nas décadas de 1960 e 1970, centenas de estudos epidemiológicos apoiavam
a associação entre o comportamento tipo A e o risco de doenças cardiovasculares
n tipo B termo de Friedman
e Rosenman para pessoas futuras em homens e mulheres. Na tentativa de explicar essa relação, pesquisadores
mais relaxadas e que concentraram-se em diferenças fisiológicas entre as pessoas do tipo A e do tipo B.
não são pressionadas Entre seus achados, constataram: as pessoas do tipo A têm coagulação sanguínea
por considerações de mais rápida e níveis mais elevados de colesterol e triglicerídeos sob estresse do que
tempo e, assim, tendem
a ser resistentes à doença
as do tipo B (Lovallo e Pishkin, 1980). Essas pessoas também apresentam maior
coronariana. excitação autônoma (ver Cap. 3), frequência cardíaca elevada e pressão arterial au-
mentada em resposta a eventos difíceis (Jorgensen et al., 1996). Em situações tran-
quilas, ambos os tipos são igualmente excitados. Quando desafiadas ou ameaçadas,
contudo, as pessoas do tipo A são menos capazes de permanecer calmas. É mais
provável que esse padrão de hiper-reatividade “pronta para o combate” ocorra em
situações nas quais essas pessoas estejam sujeitas a alguma forma de avaliação de
seu desempenho (Lyness, 1993).
Acreditando que a síndrome tipo A era global demais, os pesquisadores come-
çaram a analisar os comportamentos que a compõem, como competitividade, hosti-
lidade, pressa e raiva, para determinar se um ou mais desses componentes poderiam
prever doenças cardiovasculares com mais precisão.