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Capítulo 11 HIV e aids

A epidemia de aids

M
Uma breve história da aids
A epidemiologia da aids
Como o HIV é transmitido
Doenças sexualmente
transmissíveis e HIV ercy Makhalemele, uma mulher de 23 anos, de Durban, na África do Sul,
Sintomas e estágios: do HIV descobriu que tinha o vírus da imunodeficiência humana (HIV) quando ficou grávida de
à aids
Como o HIV avança seu segundo filho. Ela sempre foi fiel a seu marido, com quem estava casada havia cinco
Fatores fisiológicos no anos, mas, temendo o que poderia acontecer se seu marido e seu patrão descobrissem,
avanço da aids
guardou o segredo por quase um ano. Quando finalmente compreendeu que seu marido
Fatores psicossociais no
avanço da aids devia ter sido a fonte do vírus e o confrontou com a notícia, ele ficou violento, bateu nela
Intervenções médicas e a jogou contra um fogão quente que queimou seu pulso de forma bastante grave. Ele en-
O regime HAART tão a expulsou de casa, recusando-se a admitir que havia transmitido o vírus. Mais tarde,
Uma vacina preventiva
ele entrou na loja de sapatos em que ela era gerente, gritando na frente de seus colegas de
Intervenções psicossociais
A base para intervenções trabalho e clientes que não queria ter nada a ver com alguém que tivesse aids. Mercy foi
psicossociais despedida naquele mesmo dia.*
Programas educativos
A experiência de Mercy não é uma história isolada. A aids já matou mais de 20
Testes em massa e
aconselhamento para milhões de pessoas e se tornou a principal causa de morte no mundo e de anos perdidos
o HIV de vida produtiva entre adultos de 15 a 59 anos de idade (World Health Organization,
Promovendo a revelação
do status HIV-positivo
2004). Na maioria das cidades africanas, contudo, perguntar se a aids é comum leva a
Manejo cognitivo- uma rápida negação. O estigma social ligado à doença é tão forte que poucos admitem ser
-comportamental do HIV-positivo. Aqueles que o fazem passam a ser repelidos.
estresse
Intervenções no âmbito da A aids causa tanta polêmica por estar associada a dois temas considerados tabus: o
comunidade sexo e a morte. A vergonha que as vítimas da aids sentem e o tratamento que recebem de
Barreiras psicossociais às seus vizinhos, colegas de trabalho e até mesmo de familiares é a maior barreira na bata-
intervenções para aids
lha para impedir a disseminação da doença. Mesmo quando existem exames para aids
Enfrentando o HIV e a aids
O impacto sobre o disponíveis, muitos africanos não querem saber se têm o vírus. Aqueles que sabem portar
indivíduo a doença têm medo e vergonha de admitir, agindo como se houvesse nada de errado, o
O impacto sobre familiares,
parceiros e cuidadores que muitas vezes contribui para a disseminação da aids. De maneira semelhante, muitas
vítimas não vão a clínicas especializadas porque têm vergonha de serem vistas lá, apesar
de o tratamento no começo da doença prolongar a sobrevida e melhorar a qualidade de
vida de forma expressiva entre aqueles que estão infectados.
Essa tendência a “culpar a vítima” por sua sina não está confinada aos países em
desenvolvimento. Muitos norte-americanos também acreditam que os portadores de aids
estão sendo punidos por sua imoralidade (Herek et al., 2003). Devido ao medo da aids e
ao fato de muitas pessoas associarem a ela o uso de drogas e a homossexualidade, os pa-
cientes e suas famílias normalmente se sentem estigmatizados. Temendo que a revelação
de sua doença leve a uma rejeição por parte de amigos, vizinhos e colegas de trabalho,
algumas pessoas se retraem e se tornam reclusas. Dessa forma, afastam o apoio social que
pode desempenhar um papel vital em sua sobrevivência.

* A história de Mercy Makhalemele foi adaptada de Daley, S. (1998). Dead Zones. The Burden of Shame.
CAPÍTULO 11 HIV e aids 313

E
mbora a aids e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) tenham n doenças sexualmente
sido descobertas há pouco tempo, alguns especialistas em saúde acreditam transmissíveis (DSTs)
doenças que são espalhadas
que elas possam ter milhares de anos. A aids tornou-se um problema global principalmente pelo contato
só recentemente em razão do aumento expressivo na mobilidade da maioria da po- sexual entre duas pessoas.
pulação mundial, que permitiu à doença se espalhar de um continente para outro.
Ainda que o pânico inicial criado pelo surgimento do HIV tenha diminuído nos
países desenvolvidos, onde exames precoces e novos tratamentos farmacológicos
agressivos são motivo de esperança, nos países em desenvolvimento, o quadro é
mais grave do que nunca.
Este capítulo apresenta uma visão detalhada sobre a epidemia de aids. Come-
çamos examinando as origens do vírus que a causa, seu impacto sobre o corpo e a
maneira como se espalha. A seguir, abordamos a questão das intervenções médicas e
psicossociais para o HIV/a aids. O capítulo conclui com uma discussão sobre o papel
da psicologia da saúde no planejamento e na implementação de programas para in-
terromper o avanço das DSTs e ajudar pacientes de aids, seus parceiros e familiares a
enfrentar a doença.

A epidemia de aids
A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) é uma doença fatal causada pelo n síndrome da
vírus da imunodeficiência humana (HIV). O vírus ataca o sistema imune do corpo imunodeficiência
adquirida (aids) os estágios
e o deixa vulnerável a infecções. À medida que a infecção por HIV se transforma em mais avançados da infecção
aids, as vítimas desenvolvem infecções que seriam combatidas com relativa facilidade por HIV, definidos por uma
se o sistema imune não estivesse comprometido. Dessa forma, a aids aumenta a vul- contagem de células T de
nerabilidade a infecções oportunistas, como a pneumonia e algumas formas de câncer, menos de 200 e a ocorrência
pois a infecção não é combatida pelo sistema imune já enfraquecido. de infecções oportunistas
ou certas formas de câncer
relacionadas com o HIV que
Uma breve história da aids se beneficiam de um sistema
imune já enfraquecido.
No final da década de 1970, alguns casos da doença que hoje conhecemos como aids n vírus da imunodeficiência
começaram a aparecer sem serem reconhecidos. Ainda que ninguém saiba exatamen- humana (HIV) vírus
que infecta as células do
te como afetou o primeiro ser humano, o vírus da aids parece ser originário da África sistema imune, destruindo
Centro-ocidental, espalhando-se rapidamente para os países vizinhos. O HIV é uma ou comprometendo seu
família de vírus de primatas, semelhante a um vírus inofensivo encontrado em certas funcionamento.
subespécies de chimpanzés e macacos.

O paciente zero
Sejam quais forem as origens do HIV, o papel das viagens internacionais em sua dis-
seminação na população é ilustrado pelo caso do “paciente zero”, um comissário de
bordo canadense chamado Gaetan Dugas, cujo emprego e hábitos sexuais o tornavam
um portador potencial para espalhar o vírus.
A doença foi notada em seres humanos pela primeira vez em 1980, quando 55
homens (incluindo Dugas) foram diagnosticados com um grupo de sintomas se-
melhantes de causa desconhecida. Os sintomas relacionavam-se com o sarcoma de n sarcoma de Kaposi forma
Kaposi, uma forma rara de câncer encontrada normalmente em pessoas idosas. Os rara de câncer dos vasos
epidemiologistas suspeitaram que a causa da doença inesperada fosse um enfraque- sanguíneos que irrigam
a pele, as membranas
cimento no sistema imune. Visto que a maioria das primeiras vítimas relatadas era mucosas e outras glândulas.
homossexuais masculinos e usuários de drogas intravenosas, parecia que a doença
estava sendo transmitida sexualmente ou pela troca de sangue infectado.
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) por fim, em 1982, en-
controu Dugas, um ano após publicar o primeiro relato da doença. Dugas revelou
314 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

livremente seus hábitos sexuais. Sem saber que havia infectado diversos homossexuais
masculinos, Dugas estimou até 250 contatos sexuais em um ano típico, até mesmo se
vangloriando de que, em 10 anos, havia facilmente se relacionado com 2.500 parceiros
sexuais (Shilts, 1987). Embora se negasse a acreditar que fosse o portador original,
Dugas cooperou fornecendo os nomes e os números de telefone de todos os seus par-
ceiros sexuais que lembrou. Em abril de 1982, os epidemiologistas tinham certeza de
que 40 dos primeiros homossexuais masculinos diagnosticados com aids poderiam
ser conectados com Dugas: nove em Los Angeles, 22 em Nova York e nove em outras
cidades norte-americanas.
Em 1983, os Institutos Nacionais de Saúde (NIHs) nos Estados Unidos e o Institu-
to Pasteur na França concluíram de forma simultânea que um novo vírus era a provável
causa da doença. Em março de 1984, Dugas morreu. Um mês depois, o Departamento
de Saúde dos Estados Unidos anunciou que havia isolado um novo vírus: o HIV.

A disseminação da aids
Durante a última metade da década de 1980, a aids começou a ameaçar a popula-
ção em geral. Antes limitada principalmente a homens brancos homossexuais, ela
começou a surgir entre outros grupos étnicos. Em janeiro de 1991, a aids levou sua
vítima de número 100 mil. O medo do público aumentou em novembro desse mesmo
ano, quando o lendário jogador de basquete “Magic” Johnson anunciou que era HIV-
-positivo. Esse furor aumentou ainda mais quando, em fevereiro de 1993, o jogador
de tênis Arthur Ashe morreu de aids, contraída em uma transfusão de sangue durante
uma cirurgia cardíaca. Porém, ainda não havia cura à vista; a prevenção permanecia
a única arma contra a doença quando ela levou sua vítima de número 200 mil, em
1993. A doença continuou a crescer de forma exponencial, atingindo 400 mil casos em
1994, com incidência maior entre mulheres e sem medicamento eficaz.
À medida que a virada do milênio se aproximava, novos medicamentos anti-
-HIV estavam finalmente se mostrando eficazes, e as taxas de mortalidade por aids
n pandemia epidemia decaíam com rapidez nos Estados Unidos (UNAIDS, 2007). Todavia, esses medica-
mundial, como a aids. mentos não estavam disponíveis para todos os que necessitavam e, no mundo, a pan-
demia da aids continuava a sair do controle (ver Tab. 11.1). Depois de 30 anos da
epidemia ainda emergente, o HIV atingiu cada canto do mundo, infectando mais de
65 milhões de pessoas (25 milhões das quais já morreram), e com uma taxa de mor-
talidade que cresce a cada ano desde os primeiros casos relatados (Fauci, 2006). Ao
redor do mundo, 11 pessoas são infectadas a cada minuto. Dessas pessoas, 10% têm
menos de 15 anos de idade (UNAIDS, 2007). Podemos apenas supor quantas pessoas
foram expostas ao HIV e, portanto, são portadoras que podem espalhar o vírus sem
saber que o estão fazendo. Infelizmente, embora a prevalência global do HIV tenha
começado a se estabilizar em 2007, a batalha contra a aids ainda não foi ganha em
AP/Wide World Photos

lugar algum. Dois terços de todas as pessoas infectadas com o HIV vivem na África,
onde cerca de 1 em cada 12 adultos está infectado, e um quinto vive na Ásia. Em todo
o mundo, as relações sexuais heterossexuais sem proteção são o modo predominante
de transmissão do vírus (UNAIDS, 2007).
Consciência em relação à aids
Em 7 de novembro de 1991,
o astro da NBA Ervin “Magic”
Johnson chocou o mundo ao
A epidemiologia da aids
anunciar que era HIV-positivo.
Devido à fama de Johnson e à Conforme visto no Capítulo 2, o primeiro passo na luta e prevenção de doenças crôni-
estima e ao afeto que seus fãs cas como a aids é dado pelos epidemiologistas, que investigam os fatores contribuintes
lhe dedicavam, essa declaração para a prevalência e incidência de uma patologia em determinada população. Rastrear
foi um importante fator para a distribuição da aids de acordo com seus traços demográficos é tarefa difícil devido à
aumentar a consciência em
relação à aids nos Estados Unidos
fluidez da doença. Contudo, ela tem maior prevalência em determinadas populações.
e no mundo todo. Nos Estados Unidos, a epidemia de aids tem causado mais mortes em homens jovens,
CAPÍTULO 11 HIV e aids 315

Tabela 11.1 Dos 42.514 casos recém-


-diagnosticados de aids nos
Estatísticas e dados regionais de aids/HIV, em maio de 2006 Estados Unidos em 2004,
quase 9 mil envolviam
Adultos e crianças Porcentagem Principal(is) modo(s) adultos com 50 anos ou mais
Região vivendo com HIV/aids de mulheres de transmissão (CDC Fact Sheet, 2010).

África Subsaariana 24,5 milhões 54% Hetero


Norte da África e Oriente Médio 440 mil 43% USI, hetero
Leste asiático 680 mil 28% USI, hetero, HSH
Sul e sudeste asiáticos 7,6 milhões 29% USI, hetero, HSH
América Latina 1,6 milhão 30% HSH, USI, hetero
Caribe 330 mil 48% Hetero, HSH
Leste Europeu e Ásia Central 1,5 milhão 28% USI, HSH
Europa Ocidental e Central 720 mil 28% HSH, USI
América do Norte 1,3 milhão 24% HSH, USI, hetero
Oceania 78 mil 45% HSH, USI
Total 38,6 milhões 45%
HSH (transmissão sexual entre homens que fazem sexo com homens); USI (transmissão pelo uso de substâncias intravenosas);
hetero (transmissão heterossexual).
Fonte: UNAIDS, maio 2006. Report on the global Aids epidemic. http://unaids.org/en/HIV_data/2006GlobalReport/default.asp.

particularmente afro-americanos e hispano-americanos. Em 2007, um número estima-


do de 35.962 pessoas nos Estados Unidos vivia com aids. A maioria delas (73%) era de
homens, e 93% tinham entre 20 e 59 anos de idade. Pouquíssimas pessoas jovens foram
diagnosticadas com aids – 1% daquelas entre 0 e 14 anos – embora perfaçam mais de
25% da população norte-americana total (Centers for Disease Control and Prevention,
2010). Esse último número pode estar errado, porém, devido ao longo período de incu-
bação associado ao HIV. Muitas vítimas da aids que atualmente estão na faixa etária de
20 a 30 anos sem dúvida foram infectadas quando ainda eram adolescentes. O aumento
nas taxas de HIV entre indivíduos acima de 50 anos deve-se em parte ao avanço na te-
rapia para o vírus, que aumentou a expectativa de vida daqueles que foram infectados.
Todavia, um estudo recente da Universidade de Chicago sugere que a maior incidência
de HIV entre adultos mais velhos também se deva ao fato de que as pessoas idosas, assim
como aqueles que prestam atendimento de saúde a elas, percebem de maneira incorreta
que o risco de infecção com HIV e outras DSTs é menor em adultos mais velhos. Além
disso, a popularidade de medicamentos como o Viagra também contribuiu para o surto
em atividade sexual e HIV/aids nesse grupo (Anderson, 2009). Acrescente-se a esse pro-
blema o fato de que os sintomas de infecção por HIV são mais difíceis de detectar em
idosos, pois são disfarçados por sinais normais de envelhecimento.
© Gideon Mendel/Corbis

Gênero
Desde 1985, a proporção de todos os casos de aids entre mulheres nos Estados Unidos
mais que triplicou, com a maior taxa de crescimento ocorrendo entre as mulheres não
brancas. As afro-americanas e hispânicas, juntas, somam pouco menos de três quartos Aids na África Mathato Notsi,
(68,7%) dos casos de aids em mulheres nos Estados Unidos, embora representem me- de 29 anos, descobriu que ela
nos de um quarto das mulheres nesse país. A aids é a terceira principal causa de morte e seu bebê eram HIV-positivo
seis semanas depois de dar
de mulheres afro-americanas de 25 a 44 anos (CDC, 2010). à luz. Doses pediátricas de
Essas estatísticas são alarmantes, mas a situação em outros locais do mundo medicamentos antirretrovirais
é muito pior. Na África, de 12 a 13 mulheres estão infectadas para cada 10 ho- somente estão disponíveis para 1
mens (UNAIDS, 2008). O que explica essa diferença de gênero? Uma razão é que em cada 4 crianças em Lesotho, na
África do Sul. Felizmente, a filha de
as mulheres muitas vezes são menos capazes de se proteger do HIV, pois são com
Mathato é uma das crianças que
frequência subordinadas aos homens em relações íntimas (Ickovics et al., 2001). recebe esse tratamento que tem
Mulheres que usam substâncias ilícitas normalmente só utilizam a agulha após seu salvo muitas vidas.
316 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

c­ ompanheiro. Elas também têm menos controle sobre o uso de preservativos du-
rante as relações sexuais.
Outra razão é que a quantidade do vírus é maior no sêmen ejaculado do que
em secreções vaginais ou cervicais. Após a relação sexual, os linfócitos infectados
no sêmen podem permanecer na vagina e no cérvix por muitos dias, dando ao
vírus mais tempo para infectar a mulher. No entanto, as secreções contaminadas
de uma vagina e um cérvix HIV-positivo são facilmente lavadas do pênis. A trans-
missão do HIV do homem para a mulher por meio de relações vaginais é muito
mais comum do que a transmissão da mulher para o homem (WHO, 2004) (ver
Fig. 11.1).
Outra diferença entre mulheres e homens é que, em média, os níveis de HIV em
mulheres são aproximadamente a metade dos de homens com contagens de linfócitos
semelhantes. As mulheres desenvolvem aids com uma carga viral total menor do que
a dos homens (Farzadegan et al., 1998). Esses achados sugerem a necessidade de uma
especificidade de gênero em tratamentos para HIV/aids, com pontos de corte mais
baixos para determinar a farmacoterapia para mulheres. De fato, quando recebem
Figura 11.1 o tratamento que deveriam, elas têm a mesma taxa de progressão da doença que os
Casos de aids por categoria de homens (Greiger-Zanlungo, 2001).
exposição. A taxa de aids entre Infelizmente, para muitas mulheres jovens pobres, o risco de infecção por HIV
mulheres está aumentando com está ligado a uma forma de sexo usada para obter alimento e abrigo ou para sustentar
velocidade mais rápida do que
o consumo de drogas. Logo, essas mulheres têm muito menos probabilidade de prati-
entre homens. Uma razão para
isso é que a transmissão da aids car sexo seguro (Allen e Setlow, 1991).
dos homens para as mulheres
é muito mais comum do que
a transmissão de mulheres Padrões demográficos
para homens. Outra razão é
que as mulheres têm menos Em todo o mundo, foram identificados pelo menos três padrões de transmissão do
controle sobre a decisão de HIV em grande escala. O primeiro é verificado na América do Norte e na Europa
usar preservativos. Uma terceira Ocidental, onde os grupos mais afetados costumam ser os homossexuais masculinos
é que elas em geral usam as e os usuários de substâncias injetáveis. O segundo inclui a África Subsaariana e o Ca-
agulhas intravenosas após seus
parceiros.
ribe, onde o HIV e a aids são em geral encontrados em heterossexuais, distribuídos de
Fonte: Health, United States, by forma semelhante entre homens e mulheres (Cohen, 2006). O terceiro padrão envolve
National Center for Health Statistics, áreas onde as taxas de infecção por HIV ainda são relativamente baixas e não há linhas
1998, Hyattsville, MD: United States
Government Printing Office; HIV/ específicas de transmissão. Esse padrão é verificado na Ásia, no Leste Europeu, no
Aids Surveillance Report, 9, by Centers Norte da África e em alguns países do Pacífico.
of Disease Control and Prevention
(CDC), 1998, http:/www.cdc.gov/hiv. A Figura 11.2, a seguir, mostra os efeitos devastadores da aids sobre as popu-
lações das minorias nos Estados Unidos. Considera-se que
60 as diferenças étnicas e raciais nas taxas de transmissão do
Homens HIV reflitam diferenças socioculturais no uso de substân-
Mulheres
50
cias e na aceitação de práticas homossexuais e bissexuais.
Por exemplo, em comunidades de minorias empobrecidas,
usuários de substâncias em geral compartilham agulhas;
PORCENTAGEM DE CASOS

40 é claro que, quando usam uma agulha com portadores de


HIV, eles são infectados e expõem seus parceiros sexuais. O
30 uso de substâncias injetáveis, portanto, é considerado a cau-
sa de aproximadamente 45% dos casos de aids entre afro-
-americanos e hispano-americanos, enquanto apenas 17%
20
dos casos entre os brancos estão relacionados com o uso
compartilhado de agulhas.
10 Acredita-se que a disseminação inicial do HIV entre
usuários de substâncias injetáveis e homens homossexuais
nos Estados Unidos e outros países ocidentais tenha ocor-
0
Contato Transfusão Uso de Outro/ Contato he- rido porque essas são populações relativamente pequenas e
sexual de sangue substâncias desconhe- terossexual fechadas, nas quais um indivíduo tem mais probabilidade
homem- injetáveis cido
-homem de ser exposto ao vírus repetidas vezes. Por muitos anos, 3
CAPÍTULO 11 HIV e aids 317

em cada 4 casos de aids resultavam de contato sexual entre homens. Embora as ta- Nativos norte- Asiáticos/
-americanos/ ilhéus do
xas por uso de substâncias injetáveis e relação heterossexual estejam aumentando, o nativos do Pacífico
contato sexual entre homens permanece sendo a maior categoria de exposição entre Alasca 1%
1%
vítimas da aids nos Estados Unidos. Em 2007 apenas, 22.472 casos da doença foram
diagnosticados como resultado do contato sexual entre homens, em comparação com
3.133 para o uso de substâncias injetáveis e 4.551 em homens e mulheres que adqui- Hispano- Euro-
riram o HIV por contato heterossexual (CDC, 2010). -americanos -americanos
20% 28%

Como o HIV é transmitido Afro-americanos


50%
Como em todas as doenças graves, é importante saber como realmente o HIV é trans-
mitido. Presente em concentração elevada no sangue e no sêmen de indivíduos HIV-
-positivo, o vírus pode entrar no corpo por qualquer arranhão na pele ou nas muco-
sas, incluindo aqueles que não são visíveis ao olho humano. Certos comportamentos Figura 11.2
sexuais e atividades relacionadas ao uso de substâncias são, de longe, o principal meio Aids e etnicidade nos
pelo qual a aids se espalha, mas o HIV pode ser transmitido por meio do comparti- Estados Unidos. Em 2004, o
lhamento de linfócitos infectados com o vírus em fluidos corporais – sangue, sêmen, número estimado de casos
secreções vaginais e uterinas e sangue materno. Felizmente, o HIV é transmitido com diagnosticados de aids era de
42.514. Embora ocorra em todos
menos facilidade do que a maioria dos outros vírus letais (como a malária). Sem o
os grupos raciais e étnicos, ela
ambiente protetor do sangue, do sêmen ou do citoplasma de uma célula hospedeira, é desproporcionalmente maior
sua morte é rápida. entre afro-americanos.
Uma rota menos comum de infecção envolve a transfusão de sangue infectado. Fonte: Centers for Disease Control
and Prevention (CDC). HIV/Aids
Nos primeiros anos da epidemia de aids, o HIV se espalhou com rapidez por meio Surveillance Report: HIV infection and
de transfusões de sangue infectado para as vítimas de hemofilia, doença genética Aids in the United States, 2004.
http://www.cdc.gov.hiv/topics/
em que o sangue não coagula com velocidade suficiente e a pessoa sofre hemorra- surveillance/resources/reports/
gias incontroláveis. Desde 1985, contudo, os bancos de sangue têm testado o sangue index.htm.
de todos os doadores para anticorpos de HIV, e o risco de contraí-lo por transfusão
praticamente desapareceu, contabilizando apenas 2% de todos os casos de aids nos
Estados Unidos.
As crianças costumam ser infectadas pela exposição a glóbulos brancos do
sangue da mãe que passam através da placenta durante o trabalho de parto e o
nascimento. No mundo todo, estima-se que 1 em cada 4 bebês de mulheres soro- n hemofilia doença genética
em que o sangue não
positivas seja infectado dessa forma. Outros 10% são infectados após o nascimento, consegue coagular com
pelo leite materno. O uso de lavagens vaginais e cervicais antissépticas é um modo velocidade suficiente,
de reduzir a exposição viral potencial de recém-nascidos durante o parto. Outro causando hemorragias
é o “parto sem sangue”, uma opção de cesariana, na qual os vasos sanguíneos da incontroláveis mesmo a
partir de cortes pequenos.
mãe são cauterizados para que o bebê não seja exposto ao sangue materno (Project
Inform, 2005).

Doenças sexualmente transmissíveis e HIV


A aids não é transmitida por:
Pessoas que são infectadas com outras DSTs têm até cinco vezes mais probabilidade
n Doação de sangue.
do que indivíduos não infectados de adquirir a infecção por HIV se forem expostas
ao vírus (CDC Fact Sheet, 2010). Indivíduos infectados com HIV também têm mais n Exposição a partículas
aéreas, alimentos
probabilidade de transmiti-lo para outras pessoas por via sexual se estiverem infecta- contaminados ou picadas
dos com outra DST. de insetos.
As DSTs aumentam a suscetibilidade à infecção por HIV de duas maneiras n Aperto de mãos, beber do
(Tab. 11.2). Úlceras genitais, como a sífilis, herpes e o cancro causam lesões ou mesmo copo, beijar com
rompimento no revestimento do trato genital. Essas lesões criam pontos de entrada a boca fechada, abraçar e
para o HIV e outros vírus atacarem. Além disso, a inflamação decorrente das úlceras compartilhar bebedouros,
telefones públicos ou
genitais ou de DSTs não ulcerosas, como clamídia, gonorreia e tricomoníase, au- toaletes.
menta a concentração de CD4+ e outras células nas secreções genitais, que podem n Compartilhar o ambiente
servir de alvos para o HIV. de trabalho ou doméstico.
318 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

Sintomas e estágios: do HIV à aids

O
HIV ataca principalmente os tecidos linfáticos, nos quais os linfócitos se de-
senvolvem e são armazenados. Como visto no Capítulo 3, os linfócitos são
células imunológicas que ajudam a prevenir o câncer e outras doenças crôni-
cas controlando o crescimento celular. Eles também protegem contra infecções pro-
duzindo anticorpos. O HIV invade e destrói um tipo de linfócito chamado de célula
T, que é essencial na resposta imunológica, pois reconhece micróbios prejudiciais e
desencadeia a produção de anticorpos, sendo também responsável por coordenar a
liberação das células natural killer (NK).

Tabela 11.2
Sobre algumas DSTs

Clamídia Sintomas Complicações

A DST mais comum. A maioria das mulheres não apresenta Mulheres: se não tratada, pode causar
Causada por uma bactéria que normalmente qualquer sintoma. Algumas podem ter um infertilidade, infecção no cérvix, dor pélvica,
infecta os órgãos genitais, o ânus e a leve corrimento vaginal, dor ao urinar, dor doença pélvica inflamatória, gravidez
garganta. Espalha-se por contato com sêmen durante o sexo ou urinação frequente. ectópica ou artrite.
e secreções vaginais contaminados durante A maioria dos homens apresenta sintomas. Bebês podem apresentar pneumonia ou
o sexo vaginal, anal e oral desprotegido. Podem ter corrimento ou uma sensação cegueira.
Tratada com antibióticos, embora algumas de coceira no pênis, dor leve ao urinar ou Homens: se não tratada, pode causar inferti­
variantes sejam resistentes. infecção no ânus ou na garganta. lidade, artrite, infecções nos olhos ou urinárias.

Gonorreia Sintomas Complicações


Causada por uma bactéria que normalmente A maioria das mulheres não apresenta Mulheres: se não tratada, pode causar
infecta os órgãos genitais, o ânus e a qualquer sintoma ou tem um leve esterilidade ou doença pélvica inflamatória.
garganta. corrimento vaginal ou dor ao urinar. Homens: se não tratada, pode causar
Espalha-se por contato com sêmen e Os homens normalmente notam um esterilidade, testículos entumescidos ou
secreções vaginais contaminados durante o corrimento denso amarelo-esverdeado do infecções urinárias.
sexo vaginal, anal e oral desprotegido. pênis, dor ao urinar ou dor no pênis.
Tratada com antibióticos. Se infectados no reto, homens e mulheres têm
dor, sangramento e corrimento, bem como dor
de garganta se houver infecção na garganta.

Tricomoníase Sintomas Complicações


Causada por um protozoário parasita Coceira, sensação de queimação, irritação Parto prematuro ou maior suscetibilidade
unicelular, o Trichomonas vaginalis. A vagina interna no pênis, vermelhidão vaginal ao HIV.
é o local mais comum em mulheres; e a ou vulvar, corrimento vaginal incomum,
uretra, em homens. urinação frequente e/ou dolorosa,
Espalha-se por sexo vaginal desprotegido. desconforto durante relações sexuais e dor
abdominal.
Tratada com antibióticos.

Herpes genital Sintomas Complicações


Causada pelo vírus de herpes simples, com Muitas pessoas se sentem fatigadas e têm O vírus se esconde em terminais nervosos e
bolhas ulcerosas ocorrendo nos órgãos febre. retorna.
genitais ou na área anal. Pode se espalhar Bolhas dolorosas coçam, avermelham a pele,
para a boca. formam colônias e ulceram.
Espalha-se por meio de sexo vaginal, anal e As úlceras formam crostas e podem deixar
oral desprotegido e contato direto entre a cicatrizes.
pele dos dois indivíduos.
Tratada com antibióticos. Não existe cura
completa.

Fonte: http://www.vaughns-1-pagers.com/medicine/std-chart.htm.
CAPÍTULO 11 HIV e aids 319

Como o HIV avança


O HIV é classificado como um retrovírus, porque funciona injetando uma cópia de n retrovírus vírus que copia
seu próprio material genético, ou genoma, no ácido desoxirribonucleico (DNA) da sua informação genética
célula T (ou célula hospedeira). Como todos os vírus, o HIV somente consegue se no DNA de uma célula
hospedeira.
replicar dentro de células, utilizando seu equipamento de reprodução. Entretanto,
somente o HIV e outros retrovírus incorporam suas próprias instruções genéticas nos n genoma toda a
genes das células hospedeiras. informação genética de
um organismo; o genoma
O DNA infectado pode permanecer adormecido no cromossomo do linfócito hos- humano é formado por
pedeiro por determinado período de tempo. Um dia, contudo, o linfócito infectado certa- aproximadamente 3 bilhões
mente será ativado contra outro vírus ou algum corpo estranho. Nesse momento, ele se di- de sequências de DNA.
vide, replicando também o HIV. À medida que as células infectadas continuam a divisão,
um vasto número de partículas de HIV surge da célula infectada e invade outros linfócitos.
O sangue humano saudável normalmente contém cerca de mil células T por mi-
lilitro cúbico. Apesar do fato de o HIV estar se reproduzindo no corpo de uma pessoa
infectada, esse nível pode permanecer invariável durante anos após a infecção pelo
vírus. Então, por razões que os pesquisadores biomédicos ainda estão lutando para
compreender, os níveis de células T começam a diminuir e o sistema imune torna-se
cada vez mais enfraquecido. Enfim, a vítima fica com poucas células imunológicas
funcionais e é incapaz de montar uma defesa eficaz contra células que contenham
HIV, o próprio HIV e outros microrganismos invasores.

Os quatro estágios do HIV


O HIV avança em quatro estágios de infecção que variam em duração de pessoa para
pessoa (ver Fig. 11.3). Durante o primeiro estágio, que dura de 1 a 8 semanas, o siste-
ma imune destrói a maioria dos vírus HIV e, assim, as pessoas têm apenas sintomas
moderados, semelhantes aos de muitas outras doenças, como glândulas linfáticas ede-
maciadas, dor de garganta, febre, diarreia crônica, dor óssea, infecções ginecológicas
em mulheres, problemas neurológicos (p. ex., esquecimento, desatenção, etc.) e, em
alguns casos, rash cutâneo. Esses sintomas muitas vezes são tão leves que passam des-
percebidos ou não são lembrados.
O segundo estágio, que pode durar meses ou anos, parece um período de latên-
cia. A pessoa não tem sintomas óbvios, exceto, talvez, nódulos linfáticos aumentados,
que podem passar despercebidos. O HIV não está inativo nesse período. De fato, du-
rante o estágio 2, à medida que a concentração das células T cai, o vírus é replicado
constantemente. Em cinco anos, 30% das pessoas infectadas passam para o estágio 3,
quando as células T são ainda mais reduzidas, o funcionamento imunológico é dimi-
nuído e ocorrem infecções oportunistas. Entre as infecções oportunistas mais comuns
estão o sarcoma de Kaposi (câncer dos vasos sanguíneos que causa manchas púrpuras
na pele, na boca e nos pulmões), o linfoma, as infecções gastrintestinais parasíticas e
a pneumonia por Pneumocystis carinii. Essa pneumonia é ocasionada por um tipo de
© James Cavallini/Photo Researchers

parasita que ataca os pulmões e é a causa da morte de 60% das vítimas de aids.
Durante o estágio 4, o número de células T cai de uma contagem saudável de 1.000
para 200 ou menos por mililitro cúbico de sangue, e quase toda a imunidade natural
é perdida. Neste ponto (contagem de células T abaixo de 200), o HIV transformou-se
em aids. À medida que os níveis de células T caem abaixo de 100, o equilíbrio de poder
no sistema imune muda em favor do vírus invasor. Os níveis de HIV sobem muito, e
os microrganismos que o sistema imune normalmente destruiria começam a proliferar O vírus da aids Visão aumentada
com facilidade. Sem tratamento, a morte costuma ocorrer em 1 ou 2 anos. do vírus da aids. O HIV é
classificado como um retrovírus
porque destrói os linfócitos
O impacto neurológico da aids injetando uma cópia de seu
próprio material genético no DNA
O HIV afeta muitos sistemas do corpo, incluindo o sistema nervoso central. Quan- da célula hospedeira.
do migra para o cérebro e ataca as células cerebrais, ele desencadeia uma variedade
320 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

Figura 11.3 Estágio 1: Logo após Estágio 2 (período de Estágio 3: À medida


a infecção inicial latência): A concentração que as células T redu- Estágio 4:
O curso do HIV/da aids. com HIV, o sistema de células T cai e a zem mais, o funciona- Finalmente, quase
A infecção por HIV pode imune destrói a maior concentração do HIV mento imunológico toda a imunidade
parte do vírus; os aumenta; acompanhado é comprometido e natural é perdida
permanecer por muitos anos no sintomas são leves ou por sintomas como nódulos ocorrem infecções e começa a aids
portador, sem ser notada, antes inexistentes. linfáticos aumentados. oportunistas. completa.
que os sintomas apareçam.
Infelizmente, esse longo 1 2 3 4
período “adormecido” em geral

CONCENTRAÇÃO DE HIV E CÉLULAS T


significa que portadores que
não estão conscientes de sua
infecção espalham o HIV de
forma involuntária.

Concentração de células T
Concentração de HIV

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
ANOS

de transtornos emocionais e cognitivos em metade dos pacientes HIV-positivo. Na


maioria dos casos, tais transtornos envolvem esquecimento, incapacidade de con-
centração, confusão geral e problemas de linguagem. Nos estágios posteriores da
doença, os pacientes apresentam sinais de depressão, paranoia e alucinações que
n complexo aids-demência indicam o complexo aids-demência, uma deterioração cognitiva progressiva que
síndrome relacionada com envolve perda de memória substancial e mais confusão, assim como alterações na
a aids que envolve perda personalidade. Esse complexo é causado pela perda expressiva de células cerebrais
de memória, confusão e
alterações na personalidade.
que acompanha a infecção por HIV. Pesquisadores que compararam amostras de
tecidos do cérebro de pessoas que morreram de aids com os de indivíduos que mor-
reram de outras causas verificaram densidade de neurônios 40% menor no grupo
do HIV (NINDS, 2010).

Fatores fisiológicos no avanço da aids


Pesquisadores biomédicos há muito têm sido confundidos pela imprevisibilidade da
aids. O período desde o diagnóstico de aids propriamente dita até a morte pode ser
de alguns meses ou até cinco anos. Embora o tempo médio desde a infecção por HIV
até a aids seja de cerca de 10 anos, 5% das pessoas com HIV vivem mais de 15 anos.
“O que o HIV fez foi utilizar
Diversos fatores podem influenciar o prognóstico da aids.
o aspecto mais fundamental Um fator no prognóstico de um paciente é a força da resposta imunológica ini-
do sistema imune, que é a cial. O HIV avança de forma muito mais lenta em pacientes cujos sistemas imunes
memória imunológica. Ela produzem forte atividade dos linfócitos no estágio agudo da infecção pelo vírus (es-
é um mecanismo perfeito tágio 2). Essa defesa forte aparentemente ajuda a preservar a capacidade posterior do
para que o vírus garanta
sua sobrevivência, pois
corpo de produzir células T que ataquem o HIV.
permanece em silêncio Assim como ocorre com muitas doenças crônicas, a vulnerabilidade genética
dentro das células que são também pode afetar a taxa de desenvolvimento da aids. Para alcançarem seu impacto
programadas para fazer nada total sobre as células, os vírus necessitam da colaboração do corpo, que, no caso da
além de esperar. Seu único aids, é a existência do receptor proteico ao qual as partículas de HIV estão ligadas. Pes-
trabalho é guardar o registro
dos germes que encontra, quisadores suspeitam que algumas pessoas possuam genes que as protejam contra o
deixando o corpo preparado desenvolvimento desse receptor. De fato, parece que 1% das pessoas de descendência
para a próxima vez que os europeia ocidental herda um gene de ambos os genitores que bloqueia o desenvolvi-
encontrar.” mento do receptor, conferindo imunidade aparente à infecção por HIV. Outros 20%
(Haney, 2001, p. 11-A) herdam o gene protetor de apenas um dos genitores e, apesar de não serem imunes ao
CAPÍTULO 11 HIV e aids 321

HIV, apresentam uma progressão muito mais lenta dos sintomas. Os pesquisadores
também encontraram diferenças raciais e étnicas na resposta a medicamentos anti-
-HIV. Por exemplo, Andrea Foulkes e colaboradores (2006) observaram que pacientes
afro-americanos submetidos à terapia antirretroviral eram menos propensos a ter de-
pósitos adiposos nas artérias do que pacientes euro-americanos e hispano-america-
nos submetidos ao mesmo tratamento.

Fatores psicossociais no avanço da aids


Após a exposição ao HIV, a velocidade com que os sintomas clínicos começam a apa-
recer e a gravidade dos problemas em todos os estágios da doença variam muito. A
má nutrição, o uso de substâncias, a exposição repetida ao HIV e outras infecções
virais aceleram o avanço da doença. Assim como ocorre com outras doenças, todavia,
epidemiologistas descobriram que, mesmo após esses fatores de risco típicos serem
contabilizados, ainda existe uma grande variabilidade inexplicada no curso da aids.

Estresse e emoções negativas

O estresse, as emoções negativas e o isolamento social influenciam a velocidade com


que a doença avança, talvez alterando os ambientes hormonais e imunológicos que
afetam a resistência das células hospedeiras ao vírus invasor (Ironson et al., 2005).
Vários pesquisadores relataram que baixa autoestima, perspectiva pessimista e de-
pressão crônica estão relacionadas com a diminuição nas células T e um início mais
rápido da aids entre indivíduos com HIV (Burack et al., 1993; Byrnes et al., 1998;
Segerstrom et al., 1996). Indivíduos com HIV que mantêm a esperança e conseguem
encontrar um significado em sua luta tendem a mostrar declínios mais lentos nos
níveis de células T e têm menos probabilidade de morrer (Bower et al., 1998). Isso
ocorre, em parte, porque aqueles que se mantêm otimistas têm mais probabilidade
de praticar comportamentos que promovam a saúde do que os pessimistas (Ironson
e Hayward, 2008). Para capitalizar esse aspecto, em uma intervenção, mulheres HIV-
-positivo deveriam escrever diariamente em seus diários sobre situações positivas que
poderiam acontecer no futuro. Outras participantes foram designadas a um grupo
de controle que não deveria escrever (Mann, 2001). Os resultados mostraram que
escrever no diário aumentou os sentimentos de otimismo, promoveu maior adesão ao
regime de tratamento e reduziu os sentimentos gerais de estresse.
Assim como ocorre com as vítimas de câncer, os pacientes de aids que negam
seus diagnósticos podem experimentar desenvolvimento mais rápido dos sintomas
relacionados com a doença. Gail Ironson e colaboradores (1994, 2005) estudaram o
avanço de sintomas da aids em um grupo de homens HIV-positivo que participa-
ram de um programa de intervenção comportamental. No começo do estudo, todos
eram assintomáticos. Dois anos depois, aqueles que se negaram a aceitar seu status
soropositivo apresentaram maior diminuição das células T, menor resposta dos lin-
fócitos e outros sintomas que não foram observados em pacientes que a­ ceitaram
sua condição.
A relação entre a negação e a aids pode fazer parte de uma síndrome mais am-
pla de inibição emocional, que está relacionada com o desenvolvimento mais rápido
de câncer e de outras doenças crônicas. Por exemplo, homossexuais masculinos que
escondem sua orientação sexual deterioram-se mais rapidamente após a infecção por
HIV do que os que expressam sua identidade sexual de forma mais aberta (Cole et al.,
1996), talvez em razão de mudanças no sistema nervoso autônomo (ver Cap. 3) que
afetam a imunidade de forma adversa (Cole et al., 2003).
Todavia, nem todos os estudos encontraram uma relação positiva entre emoções
negativas e mudanças na contagem de células T, o começo da aids ou as taxas de mor-
322 PA R T E 4 Doenças crônicas e fatais

talidade. De fato, algumas evidências indicam o oposto – que homens HIV-positivo


que se negam a aceitar seu diagnóstico, na verdade, sobrevivem mais do que aqueles
que acatam prontamente seu destino.
Por que os resultados de pesquisas sobre a aids são inconsistentes? Um problema
é que muitos dos estudos medem o estresse, a depressão ou sentimentos autorrelata-
dos de apoio social apenas no começo do estudo. Contudo, os sentimentos de estresse
e depressão não são emoções estáticas, podem diferir de um dia ou mês para outro,
dependendo dos fatos da vida do indivíduo. Comparar os resultados de estudos de
pessoas diferentes com situações e em momentos distintos em suas vidas pode ser en-
ganador. A depressão, por exemplo, pode acelerar o declínio de células T em pessoas
portadoras de HIV. Um estudo mostrou que uma intervenção cognitivo-comporta-
mental de manejo do estresse não apenas reduziu os sintomas de depressão, como
aumentou os efeitos de medicamento antirretroviral em portadores de HIV (Antoni
et al., 2006). Outra pesquisa verificou que pacientes sem depressão têm sistemas imu-
nes significativamente mais saudáveis (p. ex., contagens maiores de células CD4 e
níveis mais elevados de hemoglobina) e mais qualidade de vida do que os deprimidos
(Schroecksnadel et al., 2008).

Estresse e apoio social


O apoio social, particularmente dos amigos (Galvan et al., 2008), e mesmo se vier por
meio da internet (Mo e Coulson, 2008), também é um fator essencial no avanço do
HIV e da aids (Fasce, 2008). Em um estudo, pacientes que haviam recebido resulta-
dos positivos para HIV foram acompanhados por cinco anos. Aqueles que relataram
mais isolamento e menos apoio emocional no começo do estudo apresentaram dimi-
nuição bem maior em células T no decorrer do estudo do que os que declararam se
sentir mais conectados socialmente (Theorell et al., 1995). Em outro estudo, Margaret
Kemeny e colaboradores (1994) verificaram que homens HIV-positivo que haviam
sofrido perda recente de um parceiro para a aids apresentaram avanço mais rápido da
doença. O mesmo vale para mulheres que perderam parceiros (Ickovics et al., 2001).
A falta de apoio social pode promover um desenvolvimento mais rápido da
­doença, pois diminui a capacidade dos soropositivos de enfrentar eventos estressantes
da vida de maneira eficaz (Deichert et al., 2008). Em estudo prospectivo de eventos
estressantes da vida, apoio social, enfrentamento e aids, que começou em 1990, Jane
Leserman e colaboradores (2000) estudaram 82 homossexuais masculinos HIV-posi-
tivo a cada seis meses. Os participantes descreveram o número de eventos estressantes
em suas vidas, seus estilos de enfrentá-los e sua satisfação com o apoio social de que
dispunham. Os pesquisadores também mensuraram os níveis séricos de células T,
assim como os de cortisol e outros hormônios do estresse.
Embora nenhum dos homens HIV-positivo tivesse qualquer sintoma de aids
no começo do estudo, um terço deles passou a exibir alguns depois disso. Para cada
aumento no número de eventos estressantes em suas vidas – o equivalente a um even-
to muito estressante (p. ex., a morte de um familiar ou a perda do emprego) ou dois
eventos moderadamente estressantes (p. ex., doenças na família ou problemas de re-
lacionamento com o chefe) – dobrava o risco de desenvolver sintomas de aids. O risco
da doença também dobrava com cada diminuição significativa no escore médio na es-
cala de satisfação com o apoio social, com cada aumento no uso de negação como es-
tratégia de enfrentamento e com cada aumento de 5 mg/dL no nível sérico de cortisol.
Devido aos benefícios para a saúde de ter uma forte rede social, é particular-
mente trágico que a aids com frequência seja uma doença estigmatizante e que muitas
de suas vítimas percam amigos e companheiros. De maneira singular, pelo menos
um estudo sugere que animais de estimação possam proporcionar proteção contra
a depressão induzida pelo isolamento que pode acompanhar a doença. Judith Siegel
e colaboradores (1999) pesquisaram mais de 1.800 homens homo e bissexuais, dos
CAPÍTULO 11 HIV e aids 323

quais 40% eram HIV-positivo e 10% já haviam desenvolvido aids. Conforme outros A infecção por HIV é
estudos já verificaram, homens com aids, sobretudo aqueles com os níveis mais baixos uma doença bastante
estigmatizante, pois é
de satisfação com suas redes sociais, apresentaram níveis notavelmente mais altos de difícil escondê-la à medida
depressão do que os HIV-positivo sem aids e os HIV-negativo em um grupo de con- que avança, perturba a
trole. Porém, enquanto os homens com aids que não possuíam animais de estimação vida e os relacionamentos
tiveram 300% mais probabilidade de relatar sintomas de depressão do que os que das pessoas e pode causar
não tinham aids, os portadores da doença que possuíam um animal de estimação desfiguramento físico
como parte de seu curso
demonstraram apenas 50% mais probabilidade de relatar sintomas de depressão. Os degenerativo. Os estigmas
benefícios de ter um cão ou um gato foram mais fortes para homens que sentiam relacionados com a aids
mais apego por seu animal de estimação, dormindo com eles no quarto, por exemplo, resultam em discriminação,
e brincando com eles de modo frequente. preconceito e isolamento, e
são fatores importantes que
Entender como os fatores psicossociais afetam o curso da aids pode aumentar
limitam o apoio social e a
as chances da pessoa de sobreviver à infecção por HIV. Os resultados desses estudos assistência para o indivíduo
também ajudam a adquirir uma perspectiva sobre a interação entre fatores biológi- que está enfrentando o HIV.
cos, psicológicos e sociais na saúde e na doença e, assim, a refinar a compreensão das (American Psychological
conexões entre mente e corpo. Association. Public Interest
Directorate. Principais tópicos
e questões relacionadas com
HIV/aids [www.apa.org/pi/
Intervenções médicas aids]).

A
té pouco tempo atrás, a infecção por HIV quase sempre era uma doença pro-
gressiva e fatal. As intervenções médicas concentravam-se quase exclusiva-
mente no tratamento da pneumonia e de outras doenças oportunistas que
resultavam da deficiência imunológica, e não em eliminar (ou mesmo controlar) o

© Gary Retherford/Photo Researchers, Inc.


HIV, que se replica com rapidez. Na atualidade, todavia, os cientistas têm uma com-
preensão muito maior de como o vírus se comporta no corpo e também possuem
muitas armas potentes a sua disposição. Vários testes monitoram os níveis do vírus de
forma direta, proporcionando aos médicos formas mais precisas para determinar o
nível em que um regime de tratamento está funcionando. Além disso, diversas novas
classes de substâncias possibilitaram tratar o HIV de maneira agressiva, melhorando
a saúde geral e aumentando as chances de sobrevivência de modo expressivo.
Uma vez determinada a infecção por HIV, os médicos continuam a monitorar Intervenção para a aids Nos
os níveis do vírus no sangue do paciente, pois esses níveis predizem muito bem a ve- últimos anos, os portadores de
locidade com que a aids se desenvolve. Assim, conseguem modificar tratamentos ine- aids têm tomado uma grande
ficazes antes que ocorra a deficiência imunológica e o vírus invasor saia do controle. variedade de pílulas todos os
dias, seguindo um horário rígido.
Entretanto, com os avanços da
pesquisa, regimes farmacológicos
O regime HAART mais enxutos têm sido utilizados
com o mesmo grau de eficácia.
O atual regime de tratamento adequado é a highly active antiretroviral therapy, ou
HAART.­A HAART envolve uma combinação de agentes antirretrovirais que atacam
diferentes partes do HIV ou impedem que o vírus entre nas células. Embora não livre o
corpo do HIV, o tratamento reduz a velocidade em que o vírus continua a se reproduzir.
Um dos medicamentos mais usados no regime HAART é a zidovudina (AZT).
Introduzido em 1983, o AZT é uma classe de medicamentos chamados de inibidores n zidovudina (AZT) o
primeiro medicamento
de transcriptase reversa, pois bloqueia a replicação do HIV inibindo a produção de
antiaids; um inibidor da
transcriptase reversa – a enzima de que o HIV necessita para sua reprodução. O AZT transcriptase reversa.
reduz os sintomas da aids, aumenta os níveis de células T e pode prolongar a vida do
paciente. Infelizmente, contudo, muitos pacientes que estão utilizando AZT sentem
uma variedade de efeitos colaterais, incluindo anemia, que exige transfusões de san-
gue; menor formação de glóbulos brancos, que aumenta o risco de outras infecções;
dores de cabeça, coceiras e confusão mental. Além disso, a eficácia do AZT diminui à
medida que o vírus fica resistente a ele (Kinloch-de Loes et al., 1995). Por essa razão,
o AZT com frequência é combinado com um novo e promissor grupo de medica-

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