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Violências Simbólicas II
A linguagem, quer falada, quer por outra enunciação social, constrói a realidade
que transmite, não representa apenas uma realidade externa; é um instrumento que
constrói poder. A linguagem deixou, pois, de ser entendida apenas como
representativa– passa a ser entendida como performativa (Barret 1992).
É neste sentido que a moda e as peças de vestimenta que nela se inserem são
parte de um texto social que vão ao encontro duma retórica do corpo. Porque, sendo o
corpo o mediador do mundo, é ele o primeiro operador sígnico (Galimberti,1998).
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corpo vivido é uma recomposição operada por toda uma vida significativa. Mas a peça
mais importante que lhe moldava o corpo e lhe conferia a forma e a contenção simbólica
era o espartilho.
Peça com origem em séculos anteriores, é em meados do século XIX que atinge
o rigor social mais rígido (Steele 2001), período em que a moda lhe exige que estreite a
cintura feminina até ao limite da “ampulheta”. As alterações nos órgãos internos
provocadas pelo uso sistemático do espartilho apertado causavam danos à saúde
feminina que se estendiam desde a complicações na gravidez pela compressão do útero,
a abortos durante a gravidez, a doenças intestinais, doenças hepáticas e pulmonares
como pneumonia e tuberculose, à distorção das costelas, a dor de cabeça e falta de
apetite, mãos e pés frios, desmaios, incapacidade de respirar ou de andar
confortavelmente (Summers 2001, p.89-90, 116). O espartilho era uma construção de
aço, osso de baleia e seda; foi usado com o objetivo de disciplinar o corpo feminino,
silenciando e punindo o corpo desde a infância até a velhice, exercendo uma violência
social de género que exprime a orientação patriarcal que objetifica a mulher, como
primeiro um símbolo de classe e elegância, e, finalmente, como corpo oprimido. Como
Foucault nos lembra “ainda que não recorram a castigos violentos ou sangrentos,
mesmo quando utilizam métodos suaves de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que
se trata — do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição
e de sua submissão” (Foucault 1987:25-6).
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capacidade reprodutiva (Smith 1981); as suas funções reprodutivas definem-lhe não só
a identidade sexual, mas a identidade social. O espartilho participa nesse processo,
manietando-lhes os movimentos, diminuindo-lhes a vitalidade e tornando-as
permanentemente incapazes para o trabalho, como Thorstein Veblen argumentou em
seu trabalho The Theory of the Leisure Class (apud Steel 2001). O espartilho vem assim
reforçar a divisão social e económica entre as esferas da vida pública (masculina) e
doméstica (feminina), acentuando a diferenciação física e a incapacidade feminina de
participação no esforço produtivo.
Bibliografia:
Greimas, A. J. (2000). La Mode en 1830. Langage et Société: Ecrits de Jeunesses, Paris: Press
Universitaires de France
Barthes, Roland (2013). The Language of Fashion, translated by Andy Stafford, Edited by Andy
Stafford and Michael Carter, Sydney: Bloomsbury Revelations Edition
Steele, Valerie (2001). The Cultural History of the Corset, New York: Yale University Press
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Summers, Leigh (2001). Bound to Please, Oxford: Berg
Smith, Bonnie G. (1981). Ladies of the Leisure Class. The Bourgeoises of Northern France in the
Nineteenth Century, Princeton, New Jersey: Princeton University Press
Foucault, Michel (1987). Vigiar e Punir, tradução de Raquel Ramalhete, Petrópolis: Editora Vozes