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APONTAMENTOS: A SEQUENCIA DIDÁTICA: O QUE É E COMO

ORGANIZAR

Kátia Lomba Bräkling1

CONCEPÇÃO DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA


Neste texto, utilizamos a concepção de Seqüência Didática (doravante, SD), tal como
definido por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004)2, segundo a qual “uma seqüência didática
é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um
gênero textual oral ou escrito” (p. 97), cuja estrutura básica seria a seguinte:

ESTRUTURA DE BASE DE UMA SEQÜÊNCIA DIDÁTICA

MÓDULO MÓDULO MÓDULO


APRESENTAÇÃO PRODUÇÃO PRODUÇÃO
1 2 N
DA SITUAÇÃO INICIAL FINAL
INICIAL

É importante compreender essa concepção em um quadro teórico de referência mais


amplo, no qual se inserem pressupostos relativos à transposição didática, modelização
didática, pressupostos de aprendizagem e o decorrente movimento metodológico, que
implica na seleção de conteúdos a serem ensinados adequados às possibilidades e
necessidades de aprendizagem dos alunos, assim como decorrentes das expectativas de
aprendizagem colocadas no Projeto Educativo da Escola.
A esse respeito, afirma ROJO (2001: pp. 4-5)3:
“Dentro da abordagem mais ampla concernente à transposição didática
(Chevallard, 1985; 1988), a equipe de Didática de Língua Materna da Universidade
de Genebra atribui um lugar de destaque à modelização didática, ou seja, à

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Kátia Lomba Bräkling Pedagoga e Mestre em Lingüística Aplicada pela PUC de SP; Professora da Pós-
Graduação Instituto Vera Cruz (São Paulo – SP); Assessora de Língua Portuguesa da SEE de SP.
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DOLZ, Joaquim, SCHNEUWLY, Bernard e NOVERRAZ, Michele. Seqüências Didáticas para o oral e a
escrita: apresentação de um procedimento. In “Gêneros orais e escritos na escola”. Campinas (SP):
Mercado de Letras; 2004 (pp. 95-128).
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ROJO, Roxane H. R. Modelização didática e planejamento: Duas práticas esquecidas do
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professor?. In A. B. Kleiman (org). “A Formação do Professor: Perspectivas da Lingüística Aplicada”.


construção de um modelo didático para o ensino de um dado objeto de
conhecimento. Por exemplo, para Dolz, Schneuwly & de Pietro (1998), que supõem
os gêneros do discurso como um dos objetos centrais no ensino de língua
materna, a construção de um modelo didático para o ensino de um determinado
gênero discursivo constitui um dos momentos centrais na construção de um plano
ou programa de ensino. Ele é que é responsável pela seleção (mais ou menos
complexa) de características do objeto a serem ensinadas e por sua adequação,
como diriam os PCN de Língua Portuguesa – 3o e 4o Ciclos do Ensino Fundamental,
às possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos. Isto é, o modelo
didático é responsável por um ensino operante na ZPD (Zona Proximal de
Desenvolvimento, Vygotsky (1930; 1935)) criada pelas necessidades de ensino (do
Projeto ou Programa), afinadas com as possibilidades de aprendizagem dos alunos.
No dizer dos autores acima citados, o modelo didático define “princípios, orienta a
intervenção didática e, enfim, torna possível uma progressão entre os diferentes
graus de aprendizagem. [...] O modelo define, com efeito, os princípios (por exemplo,
o que é um debate?), os mecanismos (reformulação, retomada, refutação) e as
formulações (modalizações, conectivos) que devem constituir objetivos de
aprendizagem para os alunos” (Dolz, Schneuwly & de Pietro, 1998: 34-35).
De fato, o momento da modelização didática constitui-se no mecanismo que
transforma uma descrição de gênero (ou de qualquer outro objeto de ensino) num
programa de ensino de gênero (no dizer dos autores, numa seqüência didática).
Para eles, contrói-se o modelo didático colocando-se em relação três conjuntos de
dados: “comportamentos dos especialistas, comportamentos dos aprendizes e
experiências de ensino” (Dolz, Schneuwly & de Pietro, 1998: 35).
Nesse sentido, no caso de se tomar um gênero discursivo como objeto de ensino
(...), deve-se, primeiramente, descrever o gênero, por meio da contribuição das
teorias lingüísticas e discursivas/enunciativas e das experiências e usos de seus
usuários especialistas (no nosso caso, jornalistas, manuais de redação, articulistas).
Em seguida, deve-se avaliar o que os aprendizes em foco conseguem produzir e
compreender de textos do gênero em questão, isto é, avaliar a ZPD para este
objeto específico. Com base em experiências de ensino anteriores e correlatas,
coloca-se então em relação os dois conjuntos de dados: o resultante da descrição
do gênero, que capta as características e o funcionamento do gênero (no dizer dos
autores: os princípios, mecanismos e formulações), e o resultante da avaliação da
ZPD dos alunos para textos no gênero (ou em gênero aproximado, que envolva
características e funcionamento semelhante), que capta o desenvolvimento real e
potencial dos alunos para os textos do gênero em questão. A partir deste processo
de comparação entre os dois conjuntos de dados, seleciona-se o que se deverá
ensinar das características e do modo de funcionamento do gênero, para aquele
conjunto específico de alunos. O resultado desta seleção, num planejamento,
comporá os objetivos de ensino (e os indicadores de aprendizagem visados) e
organizará o tempo e material escolar, componentes do projeto ou programa de
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ensino (seqüência didática).”


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ESQUEMA GERAL DE UMA SD
Ao organizar uma SD, planejar atividades segundo essa seqüência metodológica, que
trabalhe com os aspectos indicados em cada uma:

Bloco 1: Dar a conhecer.


a. Finalidade: dar a conhecer o gênero, de maneira ampla e inicial.
b. Atividades:
a. Apresentação inicial do gênero (por comparação com outros, estabelecendo
semelhanças e diferenças): reconhecer o gênero entre outros gêneros;
reconhecer semelhanças de textos do mesmo gênero; identificar contextos de
produção comuns ao gênero, assim como lugares de circulação mais
freqüentes; concluir por uma caracterização inicial.

Bloco 2: Alimentação temática.


a. Finalidade: alimentação temática para produção inicial, procurando ampliar o
repertório do aluno sobre o assunto/tema.
b. Atividades:
a. Leitura de textos que abordem o assunto de que tratará a produção inicial. È
uma atividade que não precisa ser desenvolvida para a produção de
qualquer gênero. Para produção de artigos de opinião ou artigos expositivos,
por exemplo, é imprescindível. Pode estar incluída nos textos utilizados no
momento anterior.

Bloco 3: Produção Inicial.


a. Finalidade: analisar repertório prévio do aluno a respeito do gênero.
b. Atividade:
a. Produção inicial do aluno, a partir de contexto de produção que identifique:
leitor, lugar social do produtor, lugar de circulação, portador, finalidade; e a
partir da discussão inicial sobre o gênero.
O aluno escreve e o professor analisa seu desempenho, seus saberes, para
poder decidir como encaminha as atividades subseqüentes, quais conteúdos
seleciona para trabalho, etc.

Bloco 4: Estudando o contexto de produção do gênero.


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a. Finalidade: estudar o contexto de produção geral do gênero (quem costuma


escrever; quem costuma ler; qual a finalidade geral do gênero; o que é dizível, de
modo geral, pelo gênero; em que esferas costuma circular; em que portadores
costuma ser publicado); e o contexto de produção de alguns textos, analisando as
implicações para o texto, das diferenças observadas no contexto de produção.
b. Atividade:
a. Análise do contexto de produção geral do gênero.
b. Análise do contexto de produção de textos específicos, identificando cada
uma de suas características.
c. Análise das implicações textuais e discursivas das características do contexto
de produção (p.e.: publicar um artigo na Ciência Kids não é o mesmo que na
Época. Por que?).

Bloco 5: Estudando características específicas do gênero.


a. Finalidade: Estudar as características específicas do gênero (discursivas e textuais),
relacionando-as com a dos textos apresentados.
b. Atividade:
a. Apresentar textos que possam exemplificar características do gênero,
relacionando-as com as especificidades do contexto de produção. Por
exemplo: um artigo de opinião acadêmico, certamente, conterá mais citações
que funcionem como argumento de autoridade teórica do que um artigo de
opinião publicado na Revista da Folha.
b. Aspectos que precisarão ser selecionados para trabalho:
i. mecanismos enunciativos (citações, ocultamento do sujeito,
modalizações, entre outros);
ii. mecanismos de textualização (articuladores responsáveis pela conexão
e coesão verbal e nominal; tempos verbais recorrentes e
predominantes; operadores argumentativos, entre outros).

Bloco 6: Planificação do texto


a. Finalidade: Estudar possibilidades de organização geral do gênero previstas em
diferentes textos de diferentes autores.
b. Atividade:
a. Analisar a planificação geral de diferentes textos, elaborando um esqueleto
dos mesmos, de forma a construir um repertório de possibilidades, que
servirão de referência para a revisão e refacção do texto produzido.

Bloco 7: Devolutiva do primeiro texto


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a. Finalidade: Orientar a revisão do texto do aluno, considerando o conteúdo
estudado até o momento, nas atividades anteriores.
b. Atividade: O professor devolve os textos, com suas considerações anotadas, e
solicita que os alunos, utilizando as fichas de controle elaboradas nas demais
atividades, o revisem, levantando alternativas de escrita. Atividade a ser realizada
em dupla.

Bloco 8: Nova alimentação temática


a. Finalidade: oferecer novas informações sobre o tema, para auxiliar o aluno na
revisão e refacção de seu texto.
b. Atividade: leitura de novos textos para obtenção e seleção de informações
apontadas na revisão e necessárias à refacção do seu texto.

Bloco 9: Refacção do texto


a. Finalidade: Reescrever o texto, considerando as necessidades apontadas.
b. Atividade: Reescrita do texto, a partir do estudo realizado e da alimentação
temática feita.

ASPECTOS GERAIS IMPRESCINDÍVEIS


a) Elaboração das fichas de controle, a cada atividade realizada.
b) Utilização de um movimento reflexivo de trabalho em todas as atividades.
c) Considerar as fichas de controle na definição de critérios de revisão e refacção do
texto.
d) Analisar a articulação entre as atividades.

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA
1. BRÄKLING, Kátia Lomba. 2005. Ensinar gramática: a que será que se destina?.
Informe Araribá. São Paulo (SP): Moderna; 2005.
2. BRÄKLING, Kátia Lomba. 2000. Trabalhando com Artigo de Opinião: Re-visitando o
eu no exercício da (re) significação da palavra do outro. In “A prática de linguagem
em sala de aula. Praticando os PCNs”. Org. por Roxane Rojo. São Paulo (SP): Mercado
de Letras/COMPED/EDUC; 2000.
3. CHEVALLARD, Y. 1985 La Transposition Didactique. La Pensée. Sauvage Editions;
1985.
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4. ______________ 1988. Sur l’analyse didactique: deux études sur la notion de contrat
et de situation. IREM, 14. Aix-em-Marseille; 1988.
5. DOLZ, J. 1996 Bases para o ensino da argumentação. Mimeo, inédito; 1996.
6. DOLZ, J.; B. SCHNEUWLY & J.-F. DE PIETRO 1998 Récit d’élaboration d’une séquence:
Le débat publique. IN: J. DOLZ & B. SCHNEUWLY (eds) Pour un Enseignement de
l’Oral: Iniciation aux genres formels à l’école. Paris: ESF Editeur, 1998.
7. DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. 1996. Genres et progression en expressions orale et
écrite. Eléments de réflexions à propos d’une expérience romande. Enjeux: 31-49,
1996. Tradução provisória de Roxane Helena Rodrigues Rojo, com revisão autorizada.
Circulação restrita.
8. DOLZ, Joaquim, SCHNEUWLY, Bernard e NOVERRAZ, Michele. 2004. Seqüências
Didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In “Gêneros
orais e escritos na escola”. Campinas (SP): Mercado de Letras; 2004 (pp. 95-128).
9. GRAPHE, Grupo. Trabalhando com Gêneros do Discurso. Vários autores. São Paulo
(SP): FTD.
10. PASQUIER, A.; DOLZ, J. 1996. Un decálogo para enseñar a escribir. In: CULTURA y
Educación, 2: 1996, p. 31-41. Madrid:Infancia y Aprendizaje. Tradução provisória de
Roxane Helena Rodrigues Rojo. Circulação restrita.
11. ROJO, Roxane H. R. 2001. Modelização didática e planejamento: Duas práticas
esquecidas do professor?. In A. B. Kleiman (org). “A Formação do Professor:
Perspectivas da Lingüística Aplicada.
12. BRASIL (SEF/MEC). 1997. Parâmetros Curriculares Nacionais –1o e 2o Ciclos do
Ensino Fundamental. Língua Portuguesa/ Introdução. Brasília, DF: SEF/MEC.
13. _______________. 1998. Parâmetros Curriculares Nacionais – 3o e 4o Ciclos do Ensino
Fundamental. Língua Portuguesa/Introdução. Brasília, DF: SEF/MEC.

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