INTERDISCIPLINAR
EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
Memorabilidade discursiva em documentos o iciais do ENEM: Portaria
MEC n° 438, de 28 de Maio 1998 e o Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016
õ
ú
ã
õ
ã
ã
f
é
é
í
f
f
f
ã
é
ó
á
— 2 —
Considerações Iniciais
O Exame Nacional do Ensino M dio (ENEM) uma porta de acesso ao ensino superior,
legitimando-se no imagin rio social atrav s de slogans como “um ensaio para a vida” ou “sua
porta aberta para um caminho de oportunidades”, por exemplo. Esse fato propaga o discurso
de prosseguimento dos estudos ou ingresso no mercado de trabalho de uma forma
democr tica e acess vel populaç o. Observa-se, entretanto, que por ser um mecanismo de
seleç o para as universidades, em especial as federais, o seu movimento pressup e tamb m a
exclus o.
O exame foi criado a partir da reformulaç o das Leis Diretrizes Bases da Educaç o
(LDB) promulgada em 1996, que passou a considerar a avaliaç o educacional como uma
medida estrat gica para a promoç o da melhoria da qualidade do ensino no pa s. (BRASIL,
1998b). Ao se considerar o ENEM na dimens o deste trabalho, importante mencionar o fato
de que a avaliaç o palco de uma intensa disputa por acesso ao ensino superior que p e em
discuss o o processo de seleç o dos candidatos e a oferta de vagas, especialmente no ensino
superior p blico, atrav s das universidades federais.
A partir da LDB de 1996, a Uni o ica encarregada de promover o processo nacional de
avaliaç o do rendimento escolar, repassando para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP) a tarefa de implementar as pol ticas de avaliaç o estabelecidas pelo
Minist rio da Educaç o (MEC). Inicialmente, o INEP desenvolveu aç es no sentido de
consolidar e aperfeiçoar o Sistema de Avaliaç o da Educaç o B sica (SAEB), que tinha por
objetivo avaliar o ensino fundamental e o m dio, al m da criaç o do Exame Nacional de
Cursos, O “Prov o”, substitu do em 2004 pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
(ENADE), que avaliava especi icamente o ensino superior. Entretanto, estas duas medidas
apenas realizavam avaliaç es em relaç o s instituiç es e aos sistemas de ensino superior;
faltava ainda cumprir a meta da avaliaç o de desempenho individual no inal da escolaridade
b sica, meta de trabalho estabelecida pelo ent o ministro Paulo Renato Souza, e que buscava
aferir “o desenvolvimento das compet ncias individuais em conson ncia com o exerc cio da
cidadania” (BRASIL, 1998b, p. 7). Ap s diversos estudos, a proposta do ENEM foi estruturada
no inal de 1997, sendo implementada em 1998, com o primeiro exame realizado
nacionalmente.
O ENEM constitui-se em uma avaliaç o que busca uma diferenciaç o entre as demais
que o MEC/INEP realiza, pois visa ao desempenho individual e a participaç o dos estudantes
de car ter volunt rio. No documento relat rio o icial do INEP referente prova de 1998,
á
f
ã
ã
é
á
ã
ã
á
ú
é
ã
ã
á
é
í
é
ã
à
á
õ
í
ã
f
ã
ã
ó
ã
é
ê
ã
ã
f
é
à
ó
ã
ã
ã
ã
é
f
ã
é
õ
é
í
ã
é
á
ã
ã
â
ã
f
õ
ã
ã
à
õ
í
í
õ
é
ã
é
— 3 —
primeira ediç o do exame, caracteriza-se o ENEM com o car ter de “prestaç o de serviço”
sociedade (BRASIL, 1998b, p. 7), o que justi icaria que a prova seja arcada inanceiramente de
forma parcial pelo MEC, repassando assim o restante dos recursos aos participantes na forma
da taxa de inscriç o, que em 1998 era de R$ 20 passando para R$ 82 na ediç o de 2017.
Com a instituiç o do Programa Universidade para Todos (PROUNI), em 2004, observa-
se uma popularizaç o do exame (LEAL et al., 2015), pois institui-se tamb m uma pol tica de
bolsas de estudos a partir da nota obtida no exame. Em 1998, o n mero de candidatos
participantes foi o de 157, 2 mil inscritos, em 2006, ap s a implantaç o do PROUNI, o n mero
atingiu 3,7 milh es de participantes e em 2014, j com o Sistema de Seleç o Uni icada (SISU),
adotado em 2009 e que disponibiliza vagas em universidades p blicas, o n mero de inscritos
ultrapassou 9,5 milh es (LEAL et al., 2015).
Os n meros de ades o ao ENEM demonstram a grande visibilidade e como se deu o seu
crescimento e popularizaç o. Observa-se a que a prova se constituiu, ao longo de suas
ediç es, como o instrumento legitimado de avaliaç o da educaç o no pa s, tendo suas bases na
premissa de ser adotada como uma estrat gia de melhoria da qualidade do ensino e por ditar
as bases para o processo educacional, a partir das pol ticas p blicas que se de inem sob a
gide da avaliaç o. Diante de uma possibilidade de alcance t o expandida como o ENEM
apresenta, faz-se importante analisar os processos discursivos da avaliaç o, propondo uma
relaç o com os efeitos de sentido depreendidos na relaç o entre educaç o e exame em larga
escala.
Os estudos do discurso caracterizam-se como um campo de pesquisa que, em seu
desenvolvimento, re nem disciplinas diversas e, desta maneira, agrupam m todos e
categorias de an lise que procuram tomar consci ncia da heterogeneidade discursiva
presente nos diversos grupos sociais. Eles muito t m a contribuir para o debate e re lex o da
pol tica de avaliaç o do ENEM, exerc cio este que trabalho se prop e a realizar, uma vez que
empreender estudos pelas teorias de linguagem permite que o pesquisador se depare com
uma multiplicidade de caminhos para a compreens o de fen menos lingu sticos e sociais.
Considerando a multiplicidade de reas de interesse da AD, este estudo se debruça
sobre dois documentos o iciais do Exame Nacional do Ensino M dio. Esta escolha se justi ica
pelo fato de que a pol tica avaliativa do ENEM constitui-se em um dos principais instrumentos
de veri icaç o do ensino m dio brasileiro, quanti icando, por meio de suas quest es de
m ltipla-escolha e pela redaç o, as compet ncias e habilidades dos candidatos, como s o
propostos nas Portarias e Editais de publicaç o do exame. Esse levantamento, por sua vez,
torna-se direcionador das pol ticas nacionais de educaç o e, a cada ano, o exame vem
é
ú
í
õ
ã
f
ú
ã
ã
õ
ã
ã
ã
á
ã
õ
ú
í
ã
f
ã
ã
é
ã
í
í
é
á
f
í
ê
ã
á
ê
ã
ã
f
ó
ê
í
ã
ã
ô
á
ã
ú
ú
ã
é
õ
ã
í
ú
ã
í
ã
é
f
ú
ã
ã
ã
f
f
é
f
í
õ
ú
f
ã
à
— 4 —
ganhando maior dimens o pol tica e social, conquistando legitimidade ao longo de suas
sucessivas ediç es.
Este artigo, ancorado nos preceitos da An lise do Discurso de linha francesa,
especi icamente nos estudos de Maingueneau (1997; 2004; 2008a, 2008b; 2012; 2015), tem
como objetivos gerais: (I) Caracterizar os objetivos gerais dos exames nas ediç es de 1998 e
2016, por meio da Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998 e o Edital n° 10, de 14 de Abril
de 2016 e (II) analisar a construç o desses documentos que norteiam as respectivas ediç es
por meio do conceito de memorabilidade discursiva, a partir da teoria discursiva de
Maingueneau (2004; 2008; 2015). Al m disso, na an lise do Edital n° 10 de 2016 h uma
re lex o sobre a interdisciplinaridade no exame.
Para tanto, estabeleceu-se nos limites desta pesquisa a delimitaç o do recorte tem tico
dos anos 1998 e 2016, pois tal recorte evidencia a possibilidade de se apreender duas cenas
enunciativas espec icas da prova de L ngua Portuguesa do ENEM, a im de que sejam
abordadas as quest es correlatas as compet ncias discursivas requeridas do candidato.
Al m disso, o recorte tem tico levou em consideraç o a possibilidade de se re letir
como as transformaç es sociais se relacionaram em uma poss vel (re)construç o dos
enunciados da prova, ou em outras palavras, como se d o desenvolvimento dos diferentes
temas e das problem ticas abordadas no exame ao longo dos anos, al m da pr pria
con iguraç o do exame atrav s dos editais de publicaç o. E, sobretudo, de que forma essa
transformaç es discursivas se relacionam com a tr ade hist ria, ideologia e sociedade,
elementos indissoci veis de uma an lise discursiva e relacionados com a produç o qualquer
enunciado.
Fundamentação Teórica
A An lise do Discurso pode ser caracterizada como uma disciplina no interior dos
estudos do discurso (MAINGUENEAU, 1995/2015). O discurso n o visto como previamente
dado, mas constru do na relaç o com os lugares sociais que os tornam poss veis e que eles
tornam poss veis. Nas palavras de Maingueneau (2015, p. 47): “Os objetos da an lise do
discurso n o s o, ent o, nem os funcionamentos textuais, nem a situaç o de comunicaç o, mas
o que os amarra por meio de um dispositivo de enunciaç o simultaneamente resultante do
verbal e do institucional.”
O discurso somente estudado a partir da abordagem escolhida e dos interesses
espec icos sobre os quais a disciplina se funda. Os diferentes pontos de vista podem se
f
f
í
ã
f
f
é
ã
ã
é
á
õ
í
ã
õ
õ
í
á
f
í
ã
õ
á
ã
é
é
í
ã
á
ã
á
é
í
ê
á
á
í
ã
á
ã
ã
ó
ã
é
í
ã
ã
f
é
í
õ
ã
á
ã
ã
á
ó
f
á
õ
— 5 —
complementar no trabalho cient ico, uma vez que as diversas correntes de estudo n o se
encerram em si mesmas, criam, ao contr rio, espaços de confronto a partir de seu aparato
conceitual e metodol gico espec ico. Este fato –o confronto criado entre as disciplinas-
particularmente vis vel na AD, dada a sua natureza interdisciplinar.
Entende-se neste trabalho que o discurso uma “forma de aç o” que se estende para
al m da frase e que pressup e a interatividade, na qual os interlocutores coordenam suas
enunciaç es em um dado contexto social, adquirindo sentido no bojo de um interdiscurso.
(MAINGUENEAU, 2015). A vis o adotada neste trabalho a de que o discurso o lugar de
interaç o entre os sujeitos.
Segundo Maingueneau (2004), a compet ncia discursiva de ine o sistema de restriç es
sem nticas e regularidades interdiscursivas historicamente de inidas de que devem dar conta
os sujeitos em dois dom nios, o intertextual e o ret rico. A compet ncia discursiva se
relacionaria, assim, com a possibilidade de o falante reconhecer um discurso como
pertencente a determinado universo discursivo, no qual se podem encontrar os diferentes
pressupostos culturais, ideologias, valores e formaç es discursivas.
Para o autor (2004), existe um determinado n mero de “leis do discurso” que regem
toda atividade verbal. Essas “leis” devem ser adaptadas s especi icidades de cada g nero do
discurso, entendido como “instituiç o de fala, dispositivo de comunicaç o s cio-
historicamente determinado” (MAINGUENEAU, 2015, p. 66).
Nesse ponto, cabe uma diferenciaç o entre a an lise discursiva a partir de
Maingueneau e outros tipos de an lises discursivas, como a de Bakhtin, por exemplo. Como
explica Cavalcanti (2013), sobre os g neros discursivos, a nfase na concepç o de
Maingueneau recai sobre os aspectos institucionais dos g neros, n o se restringindo a seus
aspectos formais. Evitando, dessa forma, que a historicidade da investigaç o seja prejudicada
por uma vis o estritamente formalista.
Os g neros constituem, como explica Maingueneau (2015), os tomos da atividade
discursiva, mas s adquirem sentido quando integrados a classes superiores, os tipos de
discurso, utilizado para designar “pr ticas discursivas ligadas a um mesmo setor de atividade,
agrupamentos de g neros estabilizados por uma mesma inalidade social”. (MAINGUENEAU,
2015, p. 66). A relaç o entre os g neros do discurso e os tipos de discurso de reciprocidade.
Como Maingueneau (2015) explica, um g nero do discurso se enquadra em tr s tipos
de agrupamento: a esfera de atividade, um espaço heterog neo relacionado com a inalidade
normalmente associada aos g neros do discurso; o campo discursivo, ou o confronto de
diversos posicionamentos em um mesmo espaço, construindo uma delimitaç o rec proca e o
é
â
ã
õ
ê
ã
ó
ê
í
ã
ó
í
õ
ã
ê
ê
í
í
f
f
á
á
ã
á
ê
ã
ê
ê
é
õ
ú
à
ó
é
f
ê
ê
f
á
f
f
ã
ã
á
é
ê
ã
ã
é
ã
í
f
ê
ê
ã
ã
ó
õ
é
— 6 —
í
ê
ã
ã
í
ã
ê
õ
ã
f
ã
ê
ã
é
ó
ã
ê
é
í
ã
ê
á
ã
é
ã
é
ê
õ
ê
é
ó
ê
ã
ú
í
ê
í
ê
ê
â
í
á
ã
ã
â
ã
ã
ê
ã
ó
ê
à
á
ê
ã
ê
é
ú
í
ê
é
ã
á
õ
é
í
é
é
ú
á
ã
í
õ
ã
ã
é
é
— 7 —
Análise
Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998
ú
á
é
ã
é
ê
ã
ó
ã
f
í
ã
à
ã
é
í
á
í
í
f
f
ã
ó
ã
ã
f
f
ú
á
ú
ã
ã
ã
õ
í
f
ã
á
õ
õ
ó
ó
ã
â
f
ã
ã
á
é
á
ã
ã
í
ã
f
f
í
ã
ã
é
— 8 —
ser reutilizadas e reinterpretadas para diferentes inalidades, revelando aspectos hist ricos e
ideol gicos de determinado grupo social, postulando suas convenç es, crenças e censuras.
Como documento o icial, o g nero do discurso “portaria” apresenta um suporte
material, que, em sua g nese foi o texto impresso em papel. Com o advento da internet, a
divulgaç o de ideias torna-se mais abrangente, n o se limitando ao papel, fazendo-se presente
tamb m na rede de computadores e alcançando facilmente p blicos heterog neos. Esse fato
condiciona, como Maingueneau (2015) explica, seu arquivamento e a memorabilidade de seu
conte do.
Maingueneau (2015), ao tratar sobre a memorabilidade, comenta que um enunciado,
em momento e lugar espec icos, pode a vir a se tornar “traço”, ou seja, os arquivos escritos ou
orais que se conservam na mem ria coletiva de uma sociedade, promovendo, assim, o
movimento de enlaçamento constitutivo entre o constru do e o pr -constru do. (p. 149-150).
Nesta perspectiva, a Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998 apresenta, por sua inscriç o
em um espaço de autoridade e normatizaç o, a con iguraç o de certos traços que
permaneceram durante toda a conformaç o do ENEM, reverberando incessantemente, em um
movimento de enlaçamento dos discursos. O art. 1° da Portaria institui os objetivos do exame:
ã
é
á
à
í
ã
ã
ã
ã
ã
à
ê
ó
ã
í
f
f
ó
â
à
ó
ã
ê
ã
ã
é
ã
ã
f
f
õ
õ
é
f
ã
õ
í
f
ã
à
ú
ã
õ
õ
ã
é
ó
ã
à
ã
õ
ó
í
ê
é
õ
ó
ã
á
— 9 —
mesmo a quem deve falar, com quem deve se calar”. (275e apud MAINGUENEAU, p. 157). Em
outras palavras, a preservaç o de um determinado discurso nunca um ato neutro.
Em relaç o ao trecho destacado da Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998,
observa-se, em primeiro plano, a instituiç o do exame como “um procedimento de avaliaç o
do desempenho do aluno” (BRASIL, 1998). Depreende-se, discursivamente, uma nfase no
desempenho global das habilidades dos alunos, observaç o que corroborada pela pr pria
constituiç o da prova, formada por 63 quest es de m ltipla-escolha, em um nico caderno de
prova, sem as separaç es por reas do conhecimento. O ENEM se constituiria, como aponta a
portaria que o regulamenta, como um “serviço” para que o cidad o avaliasse seu n vel de
conhecimento nas reas fundamentais do ensino m dio, obtendo, ao inal da prova e
divulgaç o de resultados, uma caracterizaç o geral de seu desempenho e a possibilidade de
comparaç o com as m dias gerais, divulgadas por meio do relat rio o icial.
Sobre a utilizaç o do termo “avaliaç o”, seu emprego pode ser compreendido de duas
maneiras:
(a) A avaliaç o, por parte do aluno, de suas pr prias compet ncias em relaç o s
disciplinas escolares presentes no exame. Nessa vis o, observa-se por parte do exame o
cunho de serviço, possibilitando uma refer ncia para o candidato avaliar seus saberes,
especi icamente, no n vel de ensino m dio, haja vista que, at aquele momento,
somente o curso superior, por meio do “Prov o”, e o ensino fundamental e m dio em
car ter geral, por meio do SAEB eram contemplados. Entretanto, ambas as provas n o
se voltavam para o desempenho individual do aluno, o que particulariza o ENEM
naquele contexto;
(b) A avaliaç o do aluno e do processo de ensino, por parte das inst ncias MEC/INEP. Essa
perspectiva perpassa o ENEM como um “mecanismo” de averiguaç o por parte do
governo sobre o n vel de aprendizagem dos candidatos ao n vel m dio e de seus per is
sociais, possibilitando, a partir destes resultados, a elaboraç o de banco de dados e de
indicadores, obtidos n o somente com a prova, mas com o extenso question rio
socioecon mico que os candidatos deveriam responder no ato da inscriç o.
ã
ã
ã
ã
ã
ô
â
ã
í
á
é
õ
ã
í
ã
ã
á
ã
ã
é
ã
ê
ã
ã
õ
ã
ó
ã
ú
ã
é
ã
õ
f
f
í
ã
á
ó
ê
â
é
é
é
é
ã
f
ã
ã
ã
ô
f
ã
ú
é
é
ã
á
ê
ã
f
à
í
ó
ã
— 10 —
ó
f
ã
õ
ã
ê
ã
é
ó
ê
í
é
ã
á
à
á
à
ã
ã
ê
í
à
ã
ã
õ
f
é
õ
í
ã
ã
é
í
ê
í
ã
í
ã
é
é
é
ã
ã
ã
ã
ó
é
é
â
í
õ
ã
ã
ê
— 11 —
ã
ê
í
á
é
ã
f
ó
ó
ê
ã
ã
à
ã
é
ã
ê
á
ã
á
é
í
é
ã
í
á
f
f
é
í
f
í
ã
é
ã
ã
ú
à
õ
í
í
é
õ
ã
à
é
ã
ê
í
í
ó
í
ã
á
á
õ
f
á
à
— 12 —
comunicaç o e difus o de not cias, a pol tica, por exemplo. Ou seja, os valores, atitudes e
conhecimentos que pautam a vida em sociedade.
O discurso do Estado, compreendido dentro de uma formaç o discursiva de identidade,
convergindo para o interesse dessa inst ncia, busca fornecer ao cidad o uma ferramenta de
“acesso” esfera acad mica, ao trabalho e vida social. Para atingir o objetivo, o indiv duo
deve possuir determinadas compet ncias e habilidades que o tornem apto a tal acesso, bem
como compartilhar os valores percept veis na prova.
à
ã
ã
á
ã
á
ã
á
ê
ó
í
ê
í
â
í
ú
f
ã
ã
ã
õ
õ
ã
ú
í
é
— 13 —
a) A readequaç o nos dias de realizaç o do exame, exigindo a ampliaç o de nico dia para
dois dias em 2016;
b) A quantidade de quest es que o candidato deve responder, considerando o aumento
signi icativo de 65% em relaç o ao exame inaugural, demandando do candidato a
organizaç o e o controle da duraç o de resoluç o e da leitura dos enunciados, a im de
garantir o tempo necess rio para a realizaç o de todas as quest es;
c) A caracterizaç o e organizaç o dos componentes escolares em determinada rea do
conhecimento, escolha que n o pode ser considerada como mero agrupamento de
saberes escolares, mas como uma escolha deliberada e signi icativa, ao se
considerarem os pressupostos do exame e o aspecto hist rico-social;
d) A reorganizaç o do aspecto interdisciplinar do exame, previsto nos documentos de sua
fundamentaç o, e agora recon igurados, a partir da separaç o da prova por reas.
Em relaç o ao item “d” pontuado, a re lex o sobre o aspecto interdisciplinar demanda
uma discuss o cuidadosa sobre os aspectos inter-relacionados, pressupostos que ser o
discutidos na seç o seguinte. Sobre os demais itens, alguns pontos podem ser colocados para
re lex o.
a) Ampliação dos dias de realização das provas: Sobre a ampliaç o dos dias de
aplicaç o do exame, al m do aspecto inanceiro e organizacional demandado por parte do
Governo Federal e, especi icamente, do MEC e INEP, a situaç o prop e que o pr prio estudante
organize suas atividades e, em espec ico, seus estudos, a im de ajustar-se ao cronograma do
exame, subdividindo seus estudos, da mesma forma que o exame, pelos 4 eixos contemplados.
Tendo em vista a posiç o de autoridade das inst ncias do MEC e INEP perante a sociedade,
ditando os liames da avaliaç o, a pr pria rotina de estudos e preparaç o dos candidatos
in luenciada, eles se tornam iadores do discurso de separaç o das disciplinas, a im de serem
pro icientes no exame, pois como argumenta Maingueneau (2015), “o discurso uma forma
de aç o” (p. 25). O ENEM suscita a aç o do candidato de acordo com as suas preliminares, com
o objetivo de ajust -lo ao que colocado.
importante considerar que com a popularizaç o do exame ao longo dos anos, advinda
especialmente com a organizaç o de programas como SISU e PROUNI, os dias de aplicaç o do
exame, no ano de 2016 correspondendo a um s bado e domingo do m s de Novembro,
tornam-se “eventos”, com intensa midiatizaç o e divulgaç o, sobretudo nas redes sociais, por
meio da circulaç o de fotos, not cias e, mais recentemente, pela produç o de memes. Al m
f
f
f
f
ã
ã
É
ã
ã
ã
ã
ã
ã
ã
ã
ã
ã
á
õ
é
ã
á
f
f
ã
ã
é
f
ã
ã
ã
í
ã
ã
ã
í
ó
f
f
ã
ã
f
ã
ã
â
á
ã
ó
ã
f
ã
ã
ã
õ
ã
õ
f
ú
ã
ã
á
ê
ó
ã
á
f
f
é
ã
é
ã
é
— 14 —
ã
é
ã
ó
ã
â
ú
à
ã
õ
ã
á
ã
õ
í
õ
õ
ú
ú
ã
á
ã
ó
ã
í
ã
ú
á
ê
ã
é
é
á
í
ã
f
à
ê
õ
ã
f
ê
ã
õ
ã
ú
é
ã
ã
õ
f
é
f
ã
ã
ã
ã
ú
á
õ
ã
f
ã
— 15 —
ã
ã
ã
ó
ã
é
é
à
á
é
í
ã
é
á
ã
á
õ
ó
f
í
ê
f
á
ê
ú
õ
ã
ã
í
õ
õ
õ
á
í
ã
í
f
é
í
ã
á
ã
ê
í
ã
õ
í
ã
í
ã
ã
f
ê
f
ã
ã
ã
á
í
ó
é
í
f
ã
õ
õ
ã
ã
é
í
í
ã
à
— 16 —
ã
ã
í
õ
ó
f
õ
ã
f
é
f
ã
é
â
á
ã
â
f
ã
á
ã
í
í
ú
f
í
f
é
ó
ã
á
ã
é
ó
é
é
ã
á
ã
ú
ã
á
ô
é
ã
ó
á
ó
é
á
í
á
f
ã
í
õ
õ
ó
í
ã
ã
í
f
â
â
ê
à
ã
í
ã
é
ã
ã
ã
ã
— 17 —
Comte, a Matem tica e a L gica que, para Piaget, s o intrincadas, seguindo pela F sica,
Biologia, Psicologia Experimental e Sociologia. Todas as disciplinas reduzem-se umas as
outras, a im de completar o movimento c clico.
O terceiro par metro a se considerar a “ rvore Cartesiana” concebia por Descartes
(1978 apud BRASIL, 2005). O conhecimento seria, para Descartes, alegoricamente como uma
rvore, suas ra zes fundamentam-se na Metaf sica, englobando o conhecimento religioso, seu
tronco conformado pela F sica e seus ramos por diferentes reas do conhecimento, como a
Astronomia, a Medicina etc. A Matem tica, ao contr rio de Comte e Piaget, n o era
considerada como o ponto de partida nem ao menos como uma disciplina, mas como “a
condiç o da possibilidade do conhecimento” (MACHADO, 2005 apud BRASIL, 2005). A
Matem tica seria a seiva que percorre e alimenta a rvore. N o se atribu a nenhum papel s
L nguas naturais.
Por im, o quarto par metro a ser considerado o contraponto aos cartesianos
realizado por D’Alembert e Diderot em sua Enciclopédia (apud BRASIL, 2005). O
conhecimento, para esses autores, fundamenta-se em tr s grandes ra zes: a mem ria, a raz o
e a imaginaç o. Em cada uma dessas disciplinas situam-se Hist ria, Filoso ia e Poesia,
respectivamente. A Matem tica igura somente no campo das ci ncias naturais, enquanto a
L gica concebida em uma posiç o de destaque.
Esta breve retomada de algumas perspectivas de ordenaç o do conhecimento faz-se
importante neste momento, com o objetivo de apreender os precedentes ilos icos que
embasam a organizaç o das disciplinas ainda nos dias contempor neos, sobretudo, a matriz
de habilidades e compet ncias do ENEM 2016.
O que se observa, em primeiro plano, uma re lex o vinda do pr prio ENEM sobre a
necessidade de uma abordagem que integre os componentes curriculares, rejeitando
delimitaç es est ticas e hier rquicas entre os componentes, graças interlocuç o com
Machado (2005), respons vel por fornecer o panorama hist rico dessa abordagem. As
consideraç es at aqui delineadas sobre o ENEM 1998 demonstram uma construç o alinhada
ao preceito interdisciplinar, pois se constitui a partir de uma nica prova que integra
diferentes reas de saber e sem a separaç o em eixos espec icos de conhecimento.
Em segundo plano, a partir da explanaç o sobre as diferentes linhas ilos icas que
estruturam a organizaç o dos conte dos, poss vel observar que o ENEM 2016 constr i um
interdiscurso com as posiç es epistemol gicas apresentadas, principalmente a de Comte e
Piaget, ao estruturar 4 matrizes de habilidades e compet ncias perif ricas a um n cleo de
eixos cognitivos gerais. Em outras palavras, apesar de buscar uma interlocuç o entre os eixos
á
í
ó
ã
á
é
é
é
f
õ
á
õ
f
ã
í
é
á
á
â
ã
ã
ê
á
á
õ
í
ó
á
â
f
ã
ú
ã
í
á
ó
é
é
é
í
ã
í
á
á
f
ê
ã
á
ã
í
ê
é
f
ã
á
ó
ê
ã
â
ú
ó
í
é
ó
à
í
ã
f
f
f
ó
ã
ó
ó
f
f
ú
ã
ã
ó
í
ã
à
— 18 —
de conhecimento atrav s das compet ncias gerais, apresenta, em sua con iguraç o, a
organizaç o n o-complementar.
A pr pria subdivis o entre os 4 eixos tamb m pode ser encarada como um processo de
valorizaç o de determinadas disciplinas, em espec ico a Matem tica, haja vista que esta
disciplina a nica que apresenta um eixo pr prio, Matem tica e suas Tecnologias.
Discursivamente, o interdiscurso com a teoria ilos ica de Comte e de Piaget ajusta-se a essa
con iguraç o, evidenciando que o ENEM, no s culo XXI, mant m o mesmo processo de
valorizaç o de disciplinas em detrimentos de outras e do debate sobre uma poss vel
ontog nese do conhecimento humano; fato que reverbera a pr pria realidade do curr culo
escolar.
Fazenda (1979/2002) aponta, justamente, a necessidade do abandono de pr ticas
acad micas “prepotentes”, unidirecionais e restritivas, pois segundo a autora, elas impedem de
abrir novas perspectivas e tacham determinadas posiç es de inferiores. A ambiguidade, a
partir deste princ pio, seria a sa da para se pensar novas pr ticas educacionais,
fundamentadas em outra ordem, n o a convencionalmente estabelecida.
O sentido da ambiguidade em seu exerc cio maior impele-os, ao mesmo tempo, a
enfrentar o caos e a buscar a matriz de uma ordem, de uma ideia b sica de organizaç o.
Navegar na ambiguidade exige aceitar a loucura que a atividade interdisciplinar desperta e a
lucidez que ela exige. (FAZENDA, 1979/2002, p. 13-14).
A partir do que foi delineado, observa-se que o ENEM mant m em sua organizaç o, a
partir da an lise do Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016, os mesmos paradigmas presentes nos
curr culos escolares brasileiros, sobretudo, a separaç o dos conte dos por reas espec icas
de estudo. Se por um lado, a organizaç o prop e uma especializaç o das pr ticas, por outro,
pode colocar em risco o plano interdisciplinar da avaliaç o.
Discursivamente, hierarquizar os componentes curriculares por reas de conhecimento
uma marca da sociedade em que o ENEM est inserido, e das relaç es pol tico-sociais que
s o estabelecidas. O exame procura uma coer ncia com os principais documentos que regem a
educaç o brasileira, as mudanças ocorridas no curr culo escolar e leva em consideraç o as
marcas temporais, que prop em a separaç o dos componentes curriculares em reas do
conhecimento, como os PCN (BRASIL, 1997) e os PCNEM (BRASIL, 2000), os Par metros
Curriculares Nacionais do Ensino M dio.
é
ã
f
í
ê
ê
ã
ã
ã
ã
ã
ó
é
á
ã
ú
í
é
ã
õ
ã
é
í
ã
ê
ã
ê
f
õ
á
é
é
í
ó
f
ó
í
í
f
ã
ã
õ
ó
é
á
ú
ã
á
é
õ
á
á
á
á
á
í
f
á
â
á
ã
ã
í
í
ã
f
í
ã
— 19 —
Considerações Finais
Referências
ã
í
ã
ã
f
ã
ô
õ
ã
ã
ã
á
à
ó
ã
f
í
f
í
ã
f
á
ã
ê
õ
ã
é
ã
ã
á
f
ã
õ
ã
õ
õ
ê
ã
é
ã
ã
á
é
õ
ã
ã
á
ã
ã
— 20 —
Abstract: This work analyzes the concept of discoursive memorability in two guiding
documents of Exame Nacional do Ensino M dio (ENEM), the Portaria MEC n° 438, de 28 de
Maio de 1998 and the Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016, documents that establish the aegis
of the respective editions of the exam. Speci ically, the Portaria n° 438 opens the exam. We will
adopt the notion of discoursive memorability as de ined by Maingueneau (2015). The general
objectives of the exam in each document were analyzed, promoting a comparative analysis
between them, in order to deduce traces that were materialized in the social imaginary in
relation to the exam, as well as the statements that denote the normative characteristic of the
documents. As a result, we realized that there was the historical inscription of the norms of
the Portaria n° 438, making it a trace and reverberating, still, in the most recent editions of
ENEM. In addition, interdisciplinarity is highlighted in Edital n° 10, de 2016.
Keywords: Memorability; discourse; documents; ENEM
Beatriz Silva Rocha Mestre em Letras pela Universidade Federal de S o Paulo. Membro do
Grupo de Estudos e de Pesquisa em Ensino, Discurso e Tecnologias da Unifesp (GEPEDTEC).
E-mail beatriz_rocha22@yahoo.com.br ORCiD https://orcid.org/0000-0002-1698-6500
í
í
ã
ã
í
ã
ã
í
é
á
é
í
ã
f
ã
é
f
é
á
ã
f
í
í
ã
í
ã
í
í
í
ã
í
f
í
í