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REVISTA

INTERDISCIPLINAR
EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

< vol. 3 n m. 2 2021 >


Memorabilidade discursiva em documentos o iciais do ENEM: Portaria
MEC n° 438, de 28 de Maio 1998 e o Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016

Beatriz Silva Rocha


Universidade Federal de S o Paulo

Resumo: Este trabalho analisa o conceito de memorabilidade discursiva em dois documentos


norteadores do Exame Nacional do Ensino M dio (ENEM), a Portaria MEC n° 438, de 28 de
Maio 1998 e o Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016, documentos que estabelecem as gides
das respectivas ediç es da prova. Em espec ico, a Portaria n° 438 inaugura o exame.
Adotaremos a noç o de memorabilidade discursiva tal como de inida por Maingueneau
(2015). Foram analisados os objetivos gerais da prova em cada documento promovendo uma
an lise comparativa entre eles, a im de depreender traços que se materializaram no
imagin rio social em relaç o ao exame, assim como os enunciados que denotam o car ter
normatizador dos documentos. Como resultados, percebemos que houve a inscriç o hist rica
das normatizaç es da Portaria n°438, tornando-a um traço e reverberando, ainda, nas
ediç es mais recentes do ENEM. Al m disso, destaca-se a interdisciplinaridade no Edital
n°10, de 2016.

Palavras-chave: Memorabilidade; discurso; documentos; ENEM


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Considerações Iniciais

O Exame Nacional do Ensino M dio (ENEM) uma porta de acesso ao ensino superior,
legitimando-se no imagin rio social atrav s de slogans como “um ensaio para a vida” ou “sua
porta aberta para um caminho de oportunidades”, por exemplo. Esse fato propaga o discurso
de prosseguimento dos estudos ou ingresso no mercado de trabalho de uma forma
democr tica e acess vel populaç o. Observa-se, entretanto, que por ser um mecanismo de
seleç o para as universidades, em especial as federais, o seu movimento pressup e tamb m a
exclus o.
O exame foi criado a partir da reformulaç o das Leis Diretrizes Bases da Educaç o
(LDB) promulgada em 1996, que passou a considerar a avaliaç o educacional como uma
medida estrat gica para a promoç o da melhoria da qualidade do ensino no pa s. (BRASIL,
1998b). Ao se considerar o ENEM na dimens o deste trabalho, importante mencionar o fato
de que a avaliaç o palco de uma intensa disputa por acesso ao ensino superior que p e em
discuss o o processo de seleç o dos candidatos e a oferta de vagas, especialmente no ensino
superior p blico, atrav s das universidades federais.
A partir da LDB de 1996, a Uni o ica encarregada de promover o processo nacional de
avaliaç o do rendimento escolar, repassando para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP) a tarefa de implementar as pol ticas de avaliaç o estabelecidas pelo
Minist rio da Educaç o (MEC). Inicialmente, o INEP desenvolveu aç es no sentido de
consolidar e aperfeiçoar o Sistema de Avaliaç o da Educaç o B sica (SAEB), que tinha por
objetivo avaliar o ensino fundamental e o m dio, al m da criaç o do Exame Nacional de
Cursos, O “Prov o”, substitu do em 2004 pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
(ENADE), que avaliava especi icamente o ensino superior. Entretanto, estas duas medidas
apenas realizavam avaliaç es em relaç o s instituiç es e aos sistemas de ensino superior;
faltava ainda cumprir a meta da avaliaç o de desempenho individual no inal da escolaridade
b sica, meta de trabalho estabelecida pelo ent o ministro Paulo Renato Souza, e que buscava
aferir “o desenvolvimento das compet ncias individuais em conson ncia com o exerc cio da
cidadania” (BRASIL, 1998b, p. 7). Ap s diversos estudos, a proposta do ENEM foi estruturada
no inal de 1997, sendo implementada em 1998, com o primeiro exame realizado
nacionalmente.
O ENEM constitui-se em uma avaliaç o que busca uma diferenciaç o entre as demais
que o MEC/INEP realiza, pois visa ao desempenho individual e a participaç o dos estudantes
de car ter volunt rio. No documento relat rio o icial do INEP referente prova de 1998,
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primeira ediç o do exame, caracteriza-se o ENEM com o car ter de “prestaç o de serviço”
sociedade (BRASIL, 1998b, p. 7), o que justi icaria que a prova seja arcada inanceiramente de
forma parcial pelo MEC, repassando assim o restante dos recursos aos participantes na forma
da taxa de inscriç o, que em 1998 era de R$ 20 passando para R$ 82 na ediç o de 2017.
Com a instituiç o do Programa Universidade para Todos (PROUNI), em 2004, observa-
se uma popularizaç o do exame (LEAL et al., 2015), pois institui-se tamb m uma pol tica de
bolsas de estudos a partir da nota obtida no exame. Em 1998, o n mero de candidatos
participantes foi o de 157, 2 mil inscritos, em 2006, ap s a implantaç o do PROUNI, o n mero
atingiu 3,7 milh es de participantes e em 2014, j com o Sistema de Seleç o Uni icada (SISU),
adotado em 2009 e que disponibiliza vagas em universidades p blicas, o n mero de inscritos
ultrapassou 9,5 milh es (LEAL et al., 2015).
Os n meros de ades o ao ENEM demonstram a grande visibilidade e como se deu o seu
crescimento e popularizaç o. Observa-se a que a prova se constituiu, ao longo de suas
ediç es, como o instrumento legitimado de avaliaç o da educaç o no pa s, tendo suas bases na
premissa de ser adotada como uma estrat gia de melhoria da qualidade do ensino e por ditar
as bases para o processo educacional, a partir das pol ticas p blicas que se de inem sob a
gide da avaliaç o. Diante de uma possibilidade de alcance t o expandida como o ENEM
apresenta, faz-se importante analisar os processos discursivos da avaliaç o, propondo uma
relaç o com os efeitos de sentido depreendidos na relaç o entre educaç o e exame em larga
escala.
Os estudos do discurso caracterizam-se como um campo de pesquisa que, em seu
desenvolvimento, re nem disciplinas diversas e, desta maneira, agrupam m todos e
categorias de an lise que procuram tomar consci ncia da heterogeneidade discursiva
presente nos diversos grupos sociais. Eles muito t m a contribuir para o debate e re lex o da
pol tica de avaliaç o do ENEM, exerc cio este que trabalho se prop e a realizar, uma vez que
empreender estudos pelas teorias de linguagem permite que o pesquisador se depare com
uma multiplicidade de caminhos para a compreens o de fen menos lingu sticos e sociais.
Considerando a multiplicidade de reas de interesse da AD, este estudo se debruça
sobre dois documentos o iciais do Exame Nacional do Ensino M dio. Esta escolha se justi ica
pelo fato de que a pol tica avaliativa do ENEM constitui-se em um dos principais instrumentos
de veri icaç o do ensino m dio brasileiro, quanti icando, por meio de suas quest es de
m ltipla-escolha e pela redaç o, as compet ncias e habilidades dos candidatos, como s o
propostos nas Portarias e Editais de publicaç o do exame. Esse levantamento, por sua vez,
torna-se direcionador das pol ticas nacionais de educaç o e, a cada ano, o exame vem
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ganhando maior dimens o pol tica e social, conquistando legitimidade ao longo de suas
sucessivas ediç es.
Este artigo, ancorado nos preceitos da An lise do Discurso de linha francesa,
especi icamente nos estudos de Maingueneau (1997; 2004; 2008a, 2008b; 2012; 2015), tem
como objetivos gerais: (I) Caracterizar os objetivos gerais dos exames nas ediç es de 1998 e
2016, por meio da Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998 e o Edital n° 10, de 14 de Abril
de 2016 e (II) analisar a construç o desses documentos que norteiam as respectivas ediç es
por meio do conceito de memorabilidade discursiva, a partir da teoria discursiva de
Maingueneau (2004; 2008; 2015). Al m disso, na an lise do Edital n° 10 de 2016 h uma
re lex o sobre a interdisciplinaridade no exame.
Para tanto, estabeleceu-se nos limites desta pesquisa a delimitaç o do recorte tem tico
dos anos 1998 e 2016, pois tal recorte evidencia a possibilidade de se apreender duas cenas
enunciativas espec icas da prova de L ngua Portuguesa do ENEM, a im de que sejam
abordadas as quest es correlatas as compet ncias discursivas requeridas do candidato.
Al m disso, o recorte tem tico levou em consideraç o a possibilidade de se re letir
como as transformaç es sociais se relacionaram em uma poss vel (re)construç o dos
enunciados da prova, ou em outras palavras, como se d o desenvolvimento dos diferentes
temas e das problem ticas abordadas no exame ao longo dos anos, al m da pr pria
con iguraç o do exame atrav s dos editais de publicaç o. E, sobretudo, de que forma essa
transformaç es discursivas se relacionam com a tr ade hist ria, ideologia e sociedade,
elementos indissoci veis de uma an lise discursiva e relacionados com a produç o qualquer
enunciado.

Fundamentação Teórica

A An lise do Discurso pode ser caracterizada como uma disciplina no interior dos
estudos do discurso (MAINGUENEAU, 1995/2015). O discurso n o visto como previamente
dado, mas constru do na relaç o com os lugares sociais que os tornam poss veis e que eles
tornam poss veis. Nas palavras de Maingueneau (2015, p. 47): “Os objetos da an lise do
discurso n o s o, ent o, nem os funcionamentos textuais, nem a situaç o de comunicaç o, mas
o que os amarra por meio de um dispositivo de enunciaç o simultaneamente resultante do
verbal e do institucional.”
O discurso somente estudado a partir da abordagem escolhida e dos interesses
espec icos sobre os quais a disciplina se funda. Os diferentes pontos de vista podem se
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complementar no trabalho cient ico, uma vez que as diversas correntes de estudo n o se
encerram em si mesmas, criam, ao contr rio, espaços de confronto a partir de seu aparato
conceitual e metodol gico espec ico. Este fato –o confronto criado entre as disciplinas-
particularmente vis vel na AD, dada a sua natureza interdisciplinar.
Entende-se neste trabalho que o discurso uma “forma de aç o” que se estende para
al m da frase e que pressup e a interatividade, na qual os interlocutores coordenam suas
enunciaç es em um dado contexto social, adquirindo sentido no bojo de um interdiscurso.
(MAINGUENEAU, 2015). A vis o adotada neste trabalho a de que o discurso o lugar de
interaç o entre os sujeitos.
Segundo Maingueneau (2004), a compet ncia discursiva de ine o sistema de restriç es
sem nticas e regularidades interdiscursivas historicamente de inidas de que devem dar conta
os sujeitos em dois dom nios, o intertextual e o ret rico. A compet ncia discursiva se
relacionaria, assim, com a possibilidade de o falante reconhecer um discurso como
pertencente a determinado universo discursivo, no qual se podem encontrar os diferentes
pressupostos culturais, ideologias, valores e formaç es discursivas.
Para o autor (2004), existe um determinado n mero de “leis do discurso” que regem
toda atividade verbal. Essas “leis” devem ser adaptadas s especi icidades de cada g nero do
discurso, entendido como “instituiç o de fala, dispositivo de comunicaç o s cio-
historicamente determinado” (MAINGUENEAU, 2015, p. 66).
Nesse ponto, cabe uma diferenciaç o entre a an lise discursiva a partir de
Maingueneau e outros tipos de an lises discursivas, como a de Bakhtin, por exemplo. Como
explica Cavalcanti (2013), sobre os g neros discursivos, a nfase na concepç o de
Maingueneau recai sobre os aspectos institucionais dos g neros, n o se restringindo a seus
aspectos formais. Evitando, dessa forma, que a historicidade da investigaç o seja prejudicada
por uma vis o estritamente formalista.
Os g neros constituem, como explica Maingueneau (2015), os tomos da atividade
discursiva, mas s adquirem sentido quando integrados a classes superiores, os tipos de
discurso, utilizado para designar “pr ticas discursivas ligadas a um mesmo setor de atividade,
agrupamentos de g neros estabilizados por uma mesma inalidade social”. (MAINGUENEAU,
2015, p. 66). A relaç o entre os g neros do discurso e os tipos de discurso de reciprocidade.
Como Maingueneau (2015) explica, um g nero do discurso se enquadra em tr s tipos
de agrupamento: a esfera de atividade, um espaço heterog neo relacionado com a inalidade
normalmente associada aos g neros do discurso; o campo discursivo, ou o confronto de
diversos posicionamentos em um mesmo espaço, construindo uma delimitaç o rec proca e o
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lugar de atividade, os lugares institucionais nos quais os g neros s o produzidos e consumidos


na sociedade.
O dom nio das leis do discurso e dos g neros do discurso (a compet ncia gen rica) s o
os principais componentes da compet ncia comunicativa, ou, em outras palavras, a aptid o
para produzir e interpretar os enunciados de maneira adequada s m ltiplas situaç es
cotidianas. Essa aptid o, por sua vez, adquirida por impregnaç o, ao mesmo tempo em que
apreendida nas atividades sociais.
Entretanto, segundo o autor, apenas o dom nio da compet ncia comunicativa n o
su iciente para se participar de uma atividade verbal. Outras inst ncias s o necess rias para a
interpretaç o de um enunciado, como a compet ncia lingu stica, ou o dom nio da l ngua em
quest o, e a compet ncia enciclop dica, ou seja, os conhecimentos sobre os fatos da
sociedade. Assim, para Maingueneau (2004), as tr s inst ncias que interv m na atividade
verbal, tanto na dimens o de produç o como a de interpretaç o de enunciados, s o: dom nio
da l ngua (compet ncia lingu stica), conhecimento do mundo (compet ncia enciclop dica) e
aptid o para se inscrever no mundo por interm dio da l ngua (compet ncia gen rica).
A pergunta fulcral que permanece para Maingueneau (2008b, p. 50) : “como se d que
tal compet ncia discursiva tenha aparecido e n o outra em seu lugar?”. O autor procura
explicar a quest o a irmando que a maneira como os sujeitos se d o conta dos sistemas de
restriç es (ou das compet ncias discursivas) se relaciona com a pr pria simplicidade deste
sistema e a possibilidade de domin -lo. Nas palavras do autor (2008b):

Se tais enunciados puderam interiorizar o funcionamento de um discurso em


toda a sua complexidade, simplesmente porque esse ltimo lhes era imposto
por sua posiç o social, porque existia um laço, obscuro, mas necess rio, entre
a natureza desse discurso e o fato de pertencer a tal grupo ou classe.
(MAINGUENEAU, 2008b, p. 52)

A apropriaç o do sistema de restriç es pelo enunciador se d pela necessidade de


produzir enunciados derivados desse ou daquele discurso. Estas restriç es, como
Maingueneau (2008b) revela, s o de ordem hist rica e sist mica. Um Sujeito, no curso de sua
vida, pode se inscrever em compet ncias discursivas diferentes, apreendendo seus respectivos
sistemas de restriç es e adaptando-se a outros universos discursivos.
Na caracterizaç o do “enunciador do discurso”, Maingueneau (2008b) aponta duas
caracter sticas: “ser capaz de reconhecer enunciados como ‘bem formados’, isto , como
pertencentes a sua pr pria formaç o discursiva” e “ser capaz de produzir um n mero
ilimitado de enunciados in ditos pertencentes a essa formaç o discursiva” (p. 54). O
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enunciador do discurso, com efeito, n o consegue produzir enunciados, se n o possuir


familiaridade com o conjunto de enunciados decorrentes de um discurso e se n o tiver
interiorizado as regras que subjazem ao funcionamento deste discurso. O enunciador
acumula, assim, uma funç o dupla, , ao mesmo tempo, “leitor” de sua pr pria enunciaç o e de
outros, e “produtor” de novos enunciados. (MAINGUENEAU, 2008b).

Análise
Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998

A Portaria um ato jur dico que apresenta instruç es sobre a execuç o de


determinados serviços, visando aplicaç o normatizada das pr ticas. Como um documento
normatizador, n o se pode perder de vista o car ter de autoridade e a correlaç o jur dica
desse documento.
Dada a natureza jur dico-administrativa, a Portaria n o se encaixa na representaç o
habitual de caracterizaç o do enunciador, como um ser nico que pode ser identi ic vel e que
respons vel pela enunciaç o. Trata-se de um texto produzido por uma inst ncia o icial,
gerida pelo Minist rio da Educaç o (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP), reguladores do processo avaliativo.
Pela inscriç o te rico-epistemol gica em que este artigo se insere, a Portaria
entendida como um g nero do discurso, palco de uma atividade discursiva espec ica e
integrante de um “tipo de discurso” da mesma forma espec ico, que insere suas pr ticas em
um setor de atividade e inalidade social. (MAINGUENEAU, 2015). Pode-se caracterizar, a
priori, o tipo de discurso em que a Portaria se inscreve como o administrativo, dentro da
esfera p blica, levando em consideraç o sua inalidade: estabelecimento de prerrogativas
para o desenvolvimento de uma atividade; e seu p blico-alvo: a sociedade, de maneira geral.
Cabe observar que normatizar determinadas instruç es para a execuç o de atividades,
criando um conjunto de regras espec icas para sua realizaç o, discursivamente revela a busca
por uma memorabilidade de tais pr ticas. O conceito de memorabilidade discursiva advindo
da obra Discurso e Análise do Discurso (2015) de Maingueneau, e em outras palavras,
demonstra que certas regras espec icas sofrem a inscriç o em uma mem ria coletiva que
poder ser ativada sempre que um documento for retomado, em diferentes contextos
hist ricos. Diferentemente de outros discursos que n o foram materializados no registro
escrito e, sobretudo, na forma de documentos o iciais, as postulaç es normatizadas poder o
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ser reutilizadas e reinterpretadas para diferentes inalidades, revelando aspectos hist ricos e
ideol gicos de determinado grupo social, postulando suas convenç es, crenças e censuras.
Como documento o icial, o g nero do discurso “portaria” apresenta um suporte
material, que, em sua g nese foi o texto impresso em papel. Com o advento da internet, a
divulgaç o de ideias torna-se mais abrangente, n o se limitando ao papel, fazendo-se presente
tamb m na rede de computadores e alcançando facilmente p blicos heterog neos. Esse fato
condiciona, como Maingueneau (2015) explica, seu arquivamento e a memorabilidade de seu
conte do.
Maingueneau (2015), ao tratar sobre a memorabilidade, comenta que um enunciado,
em momento e lugar espec icos, pode a vir a se tornar “traço”, ou seja, os arquivos escritos ou
orais que se conservam na mem ria coletiva de uma sociedade, promovendo, assim, o
movimento de enlaçamento constitutivo entre o constru do e o pr -constru do. (p. 149-150).
Nesta perspectiva, a Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998 apresenta, por sua inscriç o
em um espaço de autoridade e normatizaç o, a con iguraç o de certos traços que
permaneceram durante toda a conformaç o do ENEM, reverberando incessantemente, em um
movimento de enlaçamento dos discursos. O art. 1° da Portaria institui os objetivos do exame:

Artigo 1° - Instituir o Exame Nacional do Ensino M dio – ENEM como


procedimento de avaliaç o do desempenho do aluno, tendo por objetivos:
I – conferir ao cidad o par metro para auto-avaliaç o, com vistas
continuidade de sua formaç o e sua inserç o no mercado de trabalho;
II – criar refer ncia nacional para os egressos de qualquer das modalidades do
ensino m dio;
III – fornecer subs dios s diferentes modalidades de acesso educaç o
superior;
IV – constituir-se em modalidade de acesso a cursos pro issionalizantes p s-
m dio. (BRASIL, Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998).

Essa Portaria institui o exame nacionalmente e os objetivos listados tornam-se, na


perspectiva de memorabilidade, norteadores para as reinterpretaç es e conformaç es futuras
do exame. H de se destacar, igualmente, a materializaç o escrita, difundindo o car ter
normativo e a funç o de conservaç o das postulaç es, e estabelecendo o estatuto norteador
do processo avaliativo.
Tornar um enunciado em traço, inscrevendo-o em uma mem ria coletiva, implica,
como Maingueneau (2015) pontua, uma s rie de operaç es e de condiç es de processamento,
relacionadas condiç o hist rica, propondo relaç es do enunciado com a tica e o poder.
Citando Fedro de Plat o, Maingueneau (2015) re lete sobre a circulaç o dos enunciados em
diferentes contextos hist ricos: “Uma vez escrito, um discurso roda por todos os lados, nas
m os dos que o compreendem e nas daqueles para os quais n o foi feito, e ele n o sabe
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mesmo a quem deve falar, com quem deve se calar”. (275e apud MAINGUENEAU, p. 157). Em
outras palavras, a preservaç o de um determinado discurso nunca um ato neutro.
Em relaç o ao trecho destacado da Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998,
observa-se, em primeiro plano, a instituiç o do exame como “um procedimento de avaliaç o
do desempenho do aluno” (BRASIL, 1998). Depreende-se, discursivamente, uma nfase no
desempenho global das habilidades dos alunos, observaç o que corroborada pela pr pria
constituiç o da prova, formada por 63 quest es de m ltipla-escolha, em um nico caderno de
prova, sem as separaç es por reas do conhecimento. O ENEM se constituiria, como aponta a
portaria que o regulamenta, como um “serviço” para que o cidad o avaliasse seu n vel de
conhecimento nas reas fundamentais do ensino m dio, obtendo, ao inal da prova e
divulgaç o de resultados, uma caracterizaç o geral de seu desempenho e a possibilidade de
comparaç o com as m dias gerais, divulgadas por meio do relat rio o icial.
Sobre a utilizaç o do termo “avaliaç o”, seu emprego pode ser compreendido de duas
maneiras:
(a) A avaliaç o, por parte do aluno, de suas pr prias compet ncias em relaç o s
disciplinas escolares presentes no exame. Nessa vis o, observa-se por parte do exame o
cunho de serviço, possibilitando uma refer ncia para o candidato avaliar seus saberes,
especi icamente, no n vel de ensino m dio, haja vista que, at aquele momento,
somente o curso superior, por meio do “Prov o”, e o ensino fundamental e m dio em
car ter geral, por meio do SAEB eram contemplados. Entretanto, ambas as provas n o
se voltavam para o desempenho individual do aluno, o que particulariza o ENEM
naquele contexto;
(b) A avaliaç o do aluno e do processo de ensino, por parte das inst ncias MEC/INEP. Essa
perspectiva perpassa o ENEM como um “mecanismo” de averiguaç o por parte do
governo sobre o n vel de aprendizagem dos candidatos ao n vel m dio e de seus per is
sociais, possibilitando, a partir destes resultados, a elaboraç o de banco de dados e de
indicadores, obtidos n o somente com a prova, mas com o extenso question rio
socioecon mico que os candidatos deveriam responder no ato da inscriç o.

Sobre a segunda possibilidade de interpretaç o do termo “avaliaç o”, interessante


notar que constituir um banco de dados extenso sobre o per il socioecon mico dos candidatos
do ENEM 1998 permite a elaboraç o de pesquisas que prop em a inter-relaç o entre os dados
pedag gicos obtidos e os sociais. Esta tarefa torna-se justi ic vel, ao se considerar o ENEM
como um par metro de estipulaç o de metas e melhorias para a educaç o brasileira.
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Para compreender o sentido pol tico do trecho destacado, importante retomar a


explicaç o de Maingueneau (2015) sobre “formaç es discursivas”. Segundo o autor, o sentido
se constr i, discursivamente, no interior de “fronteiras” que perfazem todo o discurso. Essas
“falhas” mobilizam diferentes discursos que se relacionam entre si, por meio dos quais todos
os enunciados se constroem. Esses “atravessamentos” discursivos podem ser entendidos
como formaç es discursivas, ou “as restriç es invis veis e transversais” aos enunciados.
(MAINGEUENEAU, 2015).
Tendo como pressuposto a explicaç o de Maingueneau (2015) sobre formaç es
discursivas e retomando o primeiro objetivo destacado, “- I Conferir ao cidad o par metro
para auto-avaliaç o com vistas continuidade de sua formaç o e inserç o no mercado de
trabalho” (BRASIL, 1998), a utilizaç o da palavra “cidad o” dialoga com a mem ria coletiva
relacionada a este voc bulo, suscitando, no leitor, poss veis referenciais baseados na
etimologia da pr pria palavra: a pessoa que usufrui de direitos civis e pol ticos,
desempenhando deveres em um Estado.
De acordo com Silva (2014), cidad o adv m da palavra latina civitas. A palavra entrou
para o portugu s no s culo XIII, com o signi icado de quem morava em cidades e vilas.
Atualmente, sua utilizaç o est atrelada ideia de direitos pol ticos, ou do sujeito que goza
dos direitos civis, e procede do franc s citoyen, utilizado, inicialmente, pelo escritor franc s
Pierre Augustin Carons de Beaumarchais que, em seu discurso no s culo XVIII utilizou a
palavra a im de designar as pessoas que, naquele momento em meados da Revoluç o
Francesa, n o pertenciam burguesia.
Em outras palavras, a utilizaç o da palavra “cidad o” abre margem, n o somente para
um discurso administrativo, que regulamenta um processo avaliativo, mas um discurso do
Estado, com teor pol tico, pois suscita os deveres e direitos dos candidatos enquanto
part cipes de uma sociedade. A relaç o que se mostra da construç o de uma formaç o
discursiva de identidade (MAINGUENEAU, 2015, p. 83), no caso da Portaria, do discurso do
Estado.
interessante notar que a utilizaç o da palavra “cidad o”, evidenciando o sentido
pol tico no discurso destacado, vai ao encontro da proposta de o ENEM se caracterizar como
um serviço realizado pelo MEC. Neste sentido, provido de direitos e deveres, direito do
cidad o ter uma refer ncia que avalie seus conhecimentos no n vel m dio escolar, e dever do
Estado prover este meio, por meio do ENEM.
Ao se considerar o Artigo 2°, que apresenta as compet ncias e habilidades avaliadas, a
ideia de “cidad o” novamente suscitada:
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Artigo 2° - O ENEM, que se constituir de uma prova de m ltipla escolha e uma


redaç o, avaliar as compet ncias e as habilidades desenvolvidas pelos
examinandos ao longo do ensino fundamental e m dio, imprescind veis vida
acad mica, ao mundo do trabalho e ao exerc cio da cidadania, tendo como
base a matriz de compet ncias especialmente de inida para o exame. (BRASIL,
Portaria MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998).

No trecho, revela-se a dupla preocupaç o: trabalhar, por meio do exame, com as


compet ncias e habilidades requeridas do estudante em n vel m dio e exercer a pr tica
cidad . O trecho em quest o apresenta mais duas dimens es, al m do exerc cio da cidadania:
a vida acad mica e o mundo do trabalho. Observa-se nesse sentido o estabelecimento de
certos valores essenciais pr tica cidad : a inscriç o no mundo acad mico e no mundo do
trabalho.
Por esse vi s, a utilizaç o da palavra “cidad o” torna-se de interesse, pois contempla a
dimens o de compartilhamento de valores de uma determinada sociedade. O trecho da
Portaria revela os valores que o indiv duo inserido naquela sociedade e imbu do do t tulo de
cidad o, gozando de direitos e deveres civis, deve apresentar e desenvolver em sua vida, a im
de pertencer ao grupo social.
O trecho abaixo, retirado do documento de fundamentaç o te rico-metodol gica do
exame (2002), rea irma a perspectiva de compartilhamento de valores:

[...] ele [o ENEM] serve como modalidade alternativa ou complementar aos


processos de seleç o para o acesso ao ensino superior e ao mercado de
trabalho. Realizado anualmente, ele se constitui um valioso instrumento de
avaliaç o, fornecendo uma imagem realista e sempre atualizada da educaç o
no Brasil. (BRASIL, p. 7, 2002).

Percebe-se uma vis o do exame que, al m de um serviço de auto-avaliaç o de


compet ncias e habilidades dos candidatos, tem por intuito incentivar o prosseguimento dos
estudos e/ou a inserç o no mundo do trabalho por parte do candidato; valores
compartilhados pelos cidad os nesta sociedade. Os objetivos delineados para o exame j
apresentam tal concepç o “III- Fornecer subs dios s diferentes modalidades de acesso
educação superior” e “IV – Constituir-se em modalidade de acesso a cursos
pro issionalizantes p s-m dio” (BRASIL, 1998, p. 178, grifos nossos).
O exerc cio da cidadania tamb m um valor abarcado no trecho citado, o que denota a
preocupaç o do exame com a vida social, de maneira geral. Figurariam no escopo de pr ticas
cidad s os conceitos escolares, as teorias cient icas, os fatos sociais, as pessoas que comp em
a sociedade, a hist ria, o espaço geogr ico, as manifestaç es culturais, os meios de
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comunicaç o e difus o de not cias, a pol tica, por exemplo. Ou seja, os valores, atitudes e
conhecimentos que pautam a vida em sociedade.
O discurso do Estado, compreendido dentro de uma formaç o discursiva de identidade,
convergindo para o interesse dessa inst ncia, busca fornecer ao cidad o uma ferramenta de
“acesso” esfera acad mica, ao trabalho e vida social. Para atingir o objetivo, o indiv duo
deve possuir determinadas compet ncias e habilidades que o tornem apto a tal acesso, bem
como compartilhar os valores percept veis na prova.

Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016

O primeiro ponto a se destacar, em um aporte comparativo com a matriz de 1998, a


recon iguraç o do exame, a partir de 2009, por reas do conhecimento. O ENEM 2016 foi
composto por 4 provas subdivididas em eixos de conhecimento que, por sua vez, contemplam
as disciplinas escolares. Assim, de maneira geral, o exame se transformou de uma prova nica
em 1998, conformada inicialmente por 63 quest es de m ltipla escolha para 180 quest es em
2016, divididas em reas do conhecimento, cada uma contendo 45 quest es, de acordo com as
disciplinas contempladas. O quadro abaixo apresenta de que maneira as disciplinas escolares
s o organizadas nas 4 reas do conhecimento presentes no exame:

Tabela 1. Organizaç o dos componentes curriculares por


reas do conhecimento no ENEM 2016.

Áreas do conhecimento Componentes curriculares


Ciências Humanas e suas Tecnologias História, Geografia, Filosofia e Sociologia
Ciências da Natureza e suas Tecnologias Química, Física e Biologia

Língua Portuguesa, Literatura, Língua


Estrangeira (Inglês ou Espanhol), Artes,
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Educação Física e Tecnologias da
Informação e Comunicação

Matemática e suas Tecnologias Matemática

Fonte: Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016.

A escolha metodol gica do ENEM, ao separar os componentes curriculares, acarreta


uma s rie de vari veis que precisam ser consideradas na re lex o da nova conformaç o da
prova, dentre elas:
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a) A readequaç o nos dias de realizaç o do exame, exigindo a ampliaç o de nico dia para
dois dias em 2016;
b) A quantidade de quest es que o candidato deve responder, considerando o aumento
signi icativo de 65% em relaç o ao exame inaugural, demandando do candidato a
organizaç o e o controle da duraç o de resoluç o e da leitura dos enunciados, a im de
garantir o tempo necess rio para a realizaç o de todas as quest es;
c) A caracterizaç o e organizaç o dos componentes escolares em determinada rea do
conhecimento, escolha que n o pode ser considerada como mero agrupamento de
saberes escolares, mas como uma escolha deliberada e signi icativa, ao se
considerarem os pressupostos do exame e o aspecto hist rico-social;
d) A reorganizaç o do aspecto interdisciplinar do exame, previsto nos documentos de sua
fundamentaç o, e agora recon igurados, a partir da separaç o da prova por reas.

Em relaç o ao item “d” pontuado, a re lex o sobre o aspecto interdisciplinar demanda
uma discuss o cuidadosa sobre os aspectos inter-relacionados, pressupostos que ser o
discutidos na seç o seguinte. Sobre os demais itens, alguns pontos podem ser colocados para
re lex o.
a) Ampliação dos dias de realização das provas: Sobre a ampliaç o dos dias de
aplicaç o do exame, al m do aspecto inanceiro e organizacional demandado por parte do
Governo Federal e, especi icamente, do MEC e INEP, a situaç o prop e que o pr prio estudante
organize suas atividades e, em espec ico, seus estudos, a im de ajustar-se ao cronograma do
exame, subdividindo seus estudos, da mesma forma que o exame, pelos 4 eixos contemplados.
Tendo em vista a posiç o de autoridade das inst ncias do MEC e INEP perante a sociedade,
ditando os liames da avaliaç o, a pr pria rotina de estudos e preparaç o dos candidatos
in luenciada, eles se tornam iadores do discurso de separaç o das disciplinas, a im de serem
pro icientes no exame, pois como argumenta Maingueneau (2015), “o discurso uma forma
de aç o” (p. 25). O ENEM suscita a aç o do candidato de acordo com as suas preliminares, com
o objetivo de ajust -lo ao que colocado.
importante considerar que com a popularizaç o do exame ao longo dos anos, advinda
especialmente com a organizaç o de programas como SISU e PROUNI, os dias de aplicaç o do
exame, no ano de 2016 correspondendo a um s bado e domingo do m s de Novembro,
tornam-se “eventos”, com intensa midiatizaç o e divulgaç o, sobretudo nas redes sociais, por
meio da circulaç o de fotos, not cias e, mais recentemente, pela produç o de memes. Al m
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disso, escolas particulares e cursos de preparaç o pr -vestibulares realizam intervenç es nos


dias de exame, como maneira de divulgaç o de suas marcas, por meio da distribuiç o de
pan letos, captaç o de poss veis alunos e correç o comentada da prova realizada pelos
professores de sua rede. A divulgaç o de gabaritos extra-o icias tamb m se tornou uma
pr tica recorrente, muitas vezes, divulgados ao p blico antes da vers o o icial no site do INEP.
b) A ampliação do número de questões: O segundo ponto a ser considerado, a
ampliaç o do n mero de quest es, foi uma das consequ ncias da separaç o por reas do
conhecimento. Nos dois dias de aplicaç o do exame, o candidato disp e de 5 horas de prova
para a resoluç o de 180 quest es, n mero muito acima das 63 quest es da ediç o inaugural.
Fazenda (1979/2002) aponta que o exerc cio da interdisciplinaridade remete
inexoravelmente quest o da diversidade. A diversidade, por este vi s, n o se refere a uma
concepç o unilateral e disciplinar, mas a um sentido de educaç o que preconiza um saber
multifocalizado e pluridisciplinar. A diversidade requerida a partir de perspectivas
particulares que permitam olhares paralelos, convergentes ou divergentes. No caso da
recon iguraç o do ENEM 2016, uma hip tese sobre a ampliaç o do n mero de itens na prova
a aus ncia de quest es que permitam a converg ncia ou diverg ncia de perspectivas, ou de
disciplinas escolares, demandando uma tarefa, muitas vezes, exaustiva para o aluno, de leitura
e resoluç o de muitas situaç es problema.
Desta maneira, mobilizado a ler, interpretar, calcular, descrever, caracterizar - dentre
outras habilidades - para a escolha de uma alternativa eleita como a correta, o candidato lança
m o da escolha indeliberada, ou popularmente conhecido como “chute”, a im de completar o
gabarito. A esta problem tica, o ENEM responde com a TRI, uma teoria elaborada com o
objetivo de fornecer modelos matem ticos em relaç o probabilidade de um candidato
acertar determinada quest o, baseado nos erros e acertos obtidos da maneira geral.
Observa-se que o ENEM busca, a partir da TRI, construir um interdiscurso com as
teorias psicol gicas que versam sobre a aprendizagem e assimilaç o de conte dos. Essa
escolha pode ser interpretada como uma forma de justi icar e autorizar a correç o da prova a
partir dos par metros eleitos. Ou seja, ao utilizar uma teoria fundamentada em um discurso
cient ico de estruturas mentais e modelos matem ticos, o ENEM autoriza e justi ica os
resultados obtidos, tendo em vista o n mero elevado de quest es e de participantes.
c) A organização dos componentes curriculares por áreas: A organizaç o dos
componentes curriculares escolares dentre as 4 reas do conhecimento pode ser analisada
por um vi s discursivo. Maingueneau (2015) desenvolve a diferenciaç o entre texto e corpus.
Segundo o autor, um corpus pode ser constitu do por um conjunto mais ou menos vasto de
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textos ou excertos, at mesmo por um nico texto. Na perspectiva do ENEM, a explanaç o de


Maingueneau (2015) se torna aplic vel, ao se considerar que a escolha das quest es que
perfazem cada uma das reas de conhecimento constitui o corpus de an lise para os
candidatos, tendo como objetivo a avaliaç o de determinadas compet ncias e habilidades.
O conjunto de textos que comp em cada uma das provas, dadas suas diferenças,
orienta a perspectiva que a prova quer adotar na ediç o, ou seja: a organizaç o e seleç o dos
enunciados n o podem ser compreendidas como exerc cios neutros. Nesse n vel, como
Maingueneau (2015) explica, interv m quest es pol ticas.
Esta problem tica se torna latente, em maior proporç o, no eixo de Linguagens,
C digos e suas Tecnologias. Como a tabela 1 demonstra, os componentes curriculares de
L ngua Portuguesa, Literatura, L ngua Estrangeira (Ingl s ou Espanhol), Artes, Educaç o F sica
e Tecnologias da Informaç o e Comunicaç o s o contemplados no mesmo eixo. A partir desta
organizaç o, algumas quest es começam a se delinear:

• Quais foram os crit rios escolhidos para a organizaç o de tais componentes?


• A organizaç o do curr culo escolar foi levada em consideraç o nesta classi icaç o?
• A organizaç o apresenta alguma refer ncia interdisciplinar?

Sem a pretens o de esgotar o debate, tampouco de responder a todos os


questionamentos, interessante notar que estas informaç es n o iguram nos documentos
o iciais e relat rios pedag gicos dispon veis. Uma caracter stica pode lançar algumas
explicaç es para os crit rios escolhidos no agrupamento de tais componentes o t tulo
“Linguagens”. Agrupam-se neste eixo de conhecimento, as diferentes linguagens que circulam
em sociedade, o que inclui a linguagem art stica, a linguagem corporal, a tecnol gica e as
l nguas naturais. Por esta perspectiva, esta rea de conhecimento se articula diretamente
Compet ncia I (ou Eixo Cognitivo I), “Dominar Linguagens (DL)”, exigindo do candidato o
reconhecimento das diferentes manifestaç es culturais e lingu sticas, como express es de
linguagem.
Em relaç o interdisciplinaridade, o agrupamento geral por meio da denominaç o
Linguagens parece permitir maior lexibilidade e di logo entre as disciplinas, permitindo,
assim, que o candidato identi ique as relaç es entre as diferentes linguagens e, ao mesmo
tempo, caracterize-as enquanto seu aporte espec ico. Entretanto, n o se observa, atrav s da
postulaç o das disciplinas englobadas no eixo, uma possibilidade de relaç o com outras
disciplinas, como a Matem tica, por exemplo, tamb m detentora de linguagem espec ica.
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d) Interdisciplinaridade no ENEM 2016 : A ltima vari vel elencada na seç o


anterior prop e a re lex o sobre a interdisciplinaridade no exame de 2016. Como pontuado
anteriormente, o vi s interdisciplinar uma prerrogativa nos documentos que embasam os
referenciais da prova, como o Documento de Fundamentaç o Te rico-Metodol gico (BRASIL,
2005). Neste documento, a categoria interdisciplinar vista como um eixo estruturante da
avaliaç o.
Segundo MACHADO (2005 apud BRASIL, 2005), respons vel por delinear o contexto de
aplicaç o da interdisciplinaridade no exame atrav s do Documento de Fundamentaç o
Te rico-Metodol gico, importante desconstruir a l gica de organizaç o escolar baseada na
constituiç o de disciplinas que se estruturam de maneira relativamente independente. Estas
relaç es, segundo o autor, s o institucionalizadas e n o permitem interaç es intencionais.
Dois fatores relacionam-se com a necessidade de uma escola interdisciplinar. Em primeiro
lugar a fragmentaç o dos objetos de conhecimento nas reas, sem debate sobre uma vis o de
conjunto, conduzindo ao fechamento discursivo e a demasiadas especializaç es. Em segundo,
torna-se cada vez mais dif cil o enquadramento dos fen menos sociais no mbito de
determinada disciplina. (MACHADO, 2005 apud BRASIL, 2005).
Ainda segundo Machado (2005 apud BRASIL, 2005), toda organizaç o disciplinar
adv m de uma re lex o abrangente, de natureza epistemol gica, no interior do sistema
ilos ico que pre igura as caracter sticas de cada componente curricular. As ci ncias s o
classi icadas seguindo par metros de ordenaç o e posiç o relativa. Um destes par metros a
organizaç o Comteana (COMTE, 1884/1976 apud BRASIL, 2005), um sistema positivista que
caracteriza as seis disciplinas fundamentais, a saber, Matem tica, Astronomia, F sica, Qu mica,
Biologia e Sociologia. Matem tica seria, para Comte (1884/1976 apud BRASIL, 2005), o ponto
de partida e a Sociologia o im nico essencial.
Observa-se que a vis o Comteana, ao privilegiar a Matem tica em relaç o s demais
estabelece as relaç es que esta disciplina pode manter com as outras na estrutura curricular.
Esta vis o, apesar de j ultrapassada desde o s culo XIX, ainda in luencia fortemente o
curr culo das escolas brasileiras, principalmente por ser um modelo de valorizaç o de
disciplinas.
Um segundo par metro de organizaç o das disciplinas o c rculo de Piaget (1978 apud
BRASIL, 2005). Nele Piaget procura fundar uma proposta de conhecimento cient ico baseada
nas mais elementares tarefas psico isiol gicas do sujeito at os mais altos graus de
cienti icidade. Os ramos cient icos, ao contr rio de Comte, s o constru dos de maneira n o
linear, mas c clica e fechada em si mesma. Entretanto, o ponto de partida, assim como o de
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Comte, a Matem tica e a L gica que, para Piaget, s o intrincadas, seguindo pela F sica,
Biologia, Psicologia Experimental e Sociologia. Todas as disciplinas reduzem-se umas as
outras, a im de completar o movimento c clico.
O terceiro par metro a se considerar a “ rvore Cartesiana” concebia por Descartes
(1978 apud BRASIL, 2005). O conhecimento seria, para Descartes, alegoricamente como uma
rvore, suas ra zes fundamentam-se na Metaf sica, englobando o conhecimento religioso, seu
tronco conformado pela F sica e seus ramos por diferentes reas do conhecimento, como a
Astronomia, a Medicina etc. A Matem tica, ao contr rio de Comte e Piaget, n o era
considerada como o ponto de partida nem ao menos como uma disciplina, mas como “a
condiç o da possibilidade do conhecimento” (MACHADO, 2005 apud BRASIL, 2005). A
Matem tica seria a seiva que percorre e alimenta a rvore. N o se atribu a nenhum papel s
L nguas naturais.
Por im, o quarto par metro a ser considerado o contraponto aos cartesianos
realizado por D’Alembert e Diderot em sua Enciclopédia (apud BRASIL, 2005). O
conhecimento, para esses autores, fundamenta-se em tr s grandes ra zes: a mem ria, a raz o
e a imaginaç o. Em cada uma dessas disciplinas situam-se Hist ria, Filoso ia e Poesia,
respectivamente. A Matem tica igura somente no campo das ci ncias naturais, enquanto a
L gica concebida em uma posiç o de destaque.
Esta breve retomada de algumas perspectivas de ordenaç o do conhecimento faz-se
importante neste momento, com o objetivo de apreender os precedentes ilos icos que
embasam a organizaç o das disciplinas ainda nos dias contempor neos, sobretudo, a matriz
de habilidades e compet ncias do ENEM 2016.
O que se observa, em primeiro plano, uma re lex o vinda do pr prio ENEM sobre a
necessidade de uma abordagem que integre os componentes curriculares, rejeitando
delimitaç es est ticas e hier rquicas entre os componentes, graças interlocuç o com
Machado (2005), respons vel por fornecer o panorama hist rico dessa abordagem. As
consideraç es at aqui delineadas sobre o ENEM 1998 demonstram uma construç o alinhada
ao preceito interdisciplinar, pois se constitui a partir de uma nica prova que integra
diferentes reas de saber e sem a separaç o em eixos espec icos de conhecimento.
Em segundo plano, a partir da explanaç o sobre as diferentes linhas ilos icas que
estruturam a organizaç o dos conte dos, poss vel observar que o ENEM 2016 constr i um
interdiscurso com as posiç es epistemol gicas apresentadas, principalmente a de Comte e
Piaget, ao estruturar 4 matrizes de habilidades e compet ncias perif ricas a um n cleo de
eixos cognitivos gerais. Em outras palavras, apesar de buscar uma interlocuç o entre os eixos
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de conhecimento atrav s das compet ncias gerais, apresenta, em sua con iguraç o, a
organizaç o n o-complementar.
A pr pria subdivis o entre os 4 eixos tamb m pode ser encarada como um processo de
valorizaç o de determinadas disciplinas, em espec ico a Matem tica, haja vista que esta
disciplina a nica que apresenta um eixo pr prio, Matem tica e suas Tecnologias.
Discursivamente, o interdiscurso com a teoria ilos ica de Comte e de Piaget ajusta-se a essa
con iguraç o, evidenciando que o ENEM, no s culo XXI, mant m o mesmo processo de
valorizaç o de disciplinas em detrimentos de outras e do debate sobre uma poss vel
ontog nese do conhecimento humano; fato que reverbera a pr pria realidade do curr culo
escolar.
Fazenda (1979/2002) aponta, justamente, a necessidade do abandono de pr ticas
acad micas “prepotentes”, unidirecionais e restritivas, pois segundo a autora, elas impedem de
abrir novas perspectivas e tacham determinadas posiç es de inferiores. A ambiguidade, a
partir deste princ pio, seria a sa da para se pensar novas pr ticas educacionais,
fundamentadas em outra ordem, n o a convencionalmente estabelecida.
O sentido da ambiguidade em seu exerc cio maior impele-os, ao mesmo tempo, a
enfrentar o caos e a buscar a matriz de uma ordem, de uma ideia b sica de organizaç o.
Navegar na ambiguidade exige aceitar a loucura que a atividade interdisciplinar desperta e a
lucidez que ela exige. (FAZENDA, 1979/2002, p. 13-14).
A partir do que foi delineado, observa-se que o ENEM mant m em sua organizaç o, a
partir da an lise do Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016, os mesmos paradigmas presentes nos
curr culos escolares brasileiros, sobretudo, a separaç o dos conte dos por reas espec icas
de estudo. Se por um lado, a organizaç o prop e uma especializaç o das pr ticas, por outro,
pode colocar em risco o plano interdisciplinar da avaliaç o.
Discursivamente, hierarquizar os componentes curriculares por reas de conhecimento
uma marca da sociedade em que o ENEM est inserido, e das relaç es pol tico-sociais que
s o estabelecidas. O exame procura uma coer ncia com os principais documentos que regem a
educaç o brasileira, as mudanças ocorridas no curr culo escolar e leva em consideraç o as
marcas temporais, que prop em a separaç o dos componentes curriculares em reas do
conhecimento, como os PCN (BRASIL, 1997) e os PCNEM (BRASIL, 2000), os Par metros
Curriculares Nacionais do Ensino M dio.
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Considerações Finais

Este artigo se prop s a analisar dois documentos norteadores do exame, a Portaria


MEC n° 438, de 28 de Maio de 1998, documento inaugural do ENEM que estabelece as gides e
objetivos da avaliaç o, e o Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016, relativo ao exame de 2016, que
disp e sobre os procedimentos de realizaç o da ediç o. Buscamos caracterizar os objetivos
gerais dos exames nas ediç es de 1998 e 2016, por meio da Portaria MEC n° 438, de 28 de
Maio de 1998 e o Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016 e analisar a construç o desses
documentos que norteiam as respectivas ediç es por meio do conceito de memorabilidade
discursiva, a partir da teoria discursiva de Maingueneau (2004; 2008; 2015). Al m disso, na
an lise do Edital n° 10 de 2016 h uma re lex o sobre a interdisciplinaridade no exame.
Por meio dos objetivos delineados para o exame na Portaria, houve a construç o de
uma formaç o discursiva, ao convocar a ideia de “cidad o”, reverberando n o somente as
compet ncias atreladas ao estudante no n vel m dio escolar, mas, da mesma forma, a pr tica
cidad . Utilizou-se a express o “cidad o-candidato” em algumas passagens do texto como uma
forma de evidenciar esse duplo papel atribu do ao candidato.
No que se refere aos objetivos gerais, observou-se que houve a caracterizaç o do exame
como uma ferramenta de acesso esfera acad mica, por meio da possibilidade de acesso ao
ensino superior, ao mundo do trabalho, como uma modalidade de entrada em cursos
pro issionalizantes, e da vida social, ao se considerar os conceitos escolares, as teorias
cient icas, os fatos sociais, a hist ria, o espaço geogr ico e as manifestaç es culturais s o
englobadas na prova.
Por meio do Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016, constatou-se o aspecto de
“memorabilidade” destacado no documento de 1998, pois as mesmas compet ncias gerais se
mantiveram na ediç o mais atual. A recon iguraç o do exame e, sobretudo, a subdivis o por
reas do conhecimento lançou algumas vari veis, como a readequaç o dos dias de realizaç o
do exame, exigindo a ampliaç o para dois dias; a quantidade de quest es que o candidato deve
responder, considerando o aumento signi icativo de 63 quest es para 180 quest es de
m ltipla-escolha; a caracterizaç o e reorganizaç o dos componentes curriculares por reas do
conhecimento; e a re lex o sobre o aspecto interdisciplinar.

Referências

BRASIL. Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016. Exame Nacional do Ensino Médio –


ENEM 2016, Bras lia, DF, abril, 2016
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BRASIL. Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


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BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An sio Teixeira. Exame
Nacional do Ensino Médio – 1998. Prova Amarela. Bras lia, DF: INEP, 1998.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An sio Teixeira. Exame
Nacional do Ensino Médio – ENEM: Relatório Final 98. Bras lia, DF: INEP, 1998b. Dispon vel
em: <http://portal.inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_publisher/
6JYIsGMAMkW1/document/id/494207>. Acesso em Março de 2021.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An sio Teixeira. Exame
Nacional do Ensino M dio (Enem): fundamentação teórico-metodológica / Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. – Bras lia: O Instituto,
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introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educaç o Fundamental.
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Maingueneau. Linguagem em (Dis)curso. Tubar o, SC, v.13, n.2, p-429-448, 2013.
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Papirus, 7ª ediç o, 2002.
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diferentes versões. Revista Soletras, Estudos Lingu sticos – N. 30 – 2015. 2.
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traduç o de Cec lia P. de Souza-e-Silva, D cio Rocha. – 3.ed. – S o Paulo: Cortez, 2004.
MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso/Dominique Maingueneau;
traduç o S rio Possenti. – 1. ed. S o Paulo: Par bola Editorial, 2015.
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Possenti. S o Paulo: Par bola Editorial, 2008.
SILVA, D. De onde vêm as palavras: origens e curiosidades da língua portuguesa./
Deon sio da Silva. -17.ed.- Rio de Janeiro: Lexicon, 2014.

Discoursive Memorability in of icial documents of ENEM: Portaria MEC n° 438, de 28 de


Maio 1998 and Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016

Abstract: This work analyzes the concept of discoursive memorability in two guiding
documents of Exame Nacional do Ensino M dio (ENEM), the Portaria MEC n° 438, de 28 de
Maio de 1998 and the Edital n° 10, de 14 de Abril de 2016, documents that establish the aegis
of the respective editions of the exam. Speci ically, the Portaria n° 438 opens the exam. We will
adopt the notion of discoursive memorability as de ined by Maingueneau (2015). The general
objectives of the exam in each document were analyzed, promoting a comparative analysis
between them, in order to deduce traces that were materialized in the social imaginary in
relation to the exam, as well as the statements that denote the normative characteristic of the
documents. As a result, we realized that there was the historical inscription of the norms of
the Portaria n° 438, making it a trace and reverberating, still, in the most recent editions of
ENEM. In addition, interdisciplinarity is highlighted in Edital n° 10, de 2016.
Keywords: Memorability; discourse; documents; ENEM

Beatriz Silva Rocha Mestre em Letras pela Universidade Federal de S o Paulo. Membro do
Grupo de Estudos e de Pesquisa em Ensino, Discurso e Tecnologias da Unifesp (GEPEDTEC).
E-mail beatriz_rocha22@yahoo.com.br ORCiD https://orcid.org/0000-0002-1698-6500



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