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ACÓRDÃO
2. Inexistem vícios a serem supridos. O envolvimento na conduta ilícita, por parte do secretário
de Estado do Turismo e do Empreendedorismo ao tempo dos fatos e do secretário-executivo
do Empreender PB no período de 1º/1/2014 a 22/4/2014, foi amplamente debatido, assentando-
se que ambos figuraram no polo passivo da lide por exercerem cargos vinculados à gestão e
execução do programa, de modo que suas ações ou omissões foram decisivas para o
desvirtuamento eleitoreiro em benefício do então governador, restando inequívoca sua
responsabilidade.
5. Afastou-se a tese de suposto bis in idem quanto aos fatos apurados na AIJE 1514-74/PB,
consignando-se de modo expresso que “em ambas as ações há a alegação de que houve a
nomeação de servidores em diversas áreas do governo do Estado da Paraíba. Entretanto, na
ação ora em julgamento, também se discutem exonerações nas mesmas secretarias, sendo
também diverso o conjunto probatório”. Ademais, destacou-se que, na espécie, os fatos foram
analisados sob a ótica do abuso de poder político, ilícito eleitoral diverso da conduta vedada.
7. Outrossim, frisou-se que o chefe do Poder Executivo “já havia sido notificado em 2011, em
2012 e em janeiro de 2014, pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, acerca da
ilegalidade da manutenção dos servidores precários e da necessidade de se realizar concurso
público para o preenchimento dos respectivos cargos, porém, permaneceu inerte”.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Senhor Presidente, trata-se de três embargos
de declaração, sendo os primeiros opostos por Renato Costa Feliciano, Secretário de Estado do Turismo e do
Empreendedorismo ao tempo dos fatos, os segundos por Tárcio Handel da Silva Pessoa Rodrigues, Secretário-
Executivo do programa Empreender PB no período de 1º/1/2014 a 22/4/2014, e os últimos por Ricardo Vieira
Coutinho, Governador da Paraíba reeleito em 2014, contra aresto assim ementado (ID 56.298.238):
1. Recursos ordinários interpostos por ambas as partes contra aresto do TRE/PB proferido por maioria de cinco
votos a dois em que se reconheceu a prática de condutas vedadas (art. 73, V, d, e VI, b, da Lei 9.504/97),
impondo-se multa ao governador e à vice-governadora da Paraíba eleitos em 2014, bem como aos agentes
públicos envolvidos.
2. No tocante às preliminares: a) defere-se o ingresso, como assistente simples, do partido ao qual a vice-
governadora é filiada; b) é lícita a prova colhida em Procedimento Preparatório Eleitoral e confirmada em juízo
sob o manto do contraditório e da ampla defesa; c) inexiste perda de objeto, pois, ainda que findos os mandatos,
remanesce a possibilidade de cominar inelegibilidade; d) o entendimento sobre o litisconsórcio passivo
necessário entre os detentores de mandato e terceiros que tenham contribuído com os ilícitos vale apenas para
as Eleições 2016, ao passo que o presente caso refere-se às Eleições 2014.
4. No ponto, além da inequívoca prática da conduta vedada do art. 73, V, d, da Lei 9.504/97, há nos autos
elementos a respeito da gravidade dos fatos que permitem enquadrá-los também como abuso de poder político:
a) “a quantidade de vínculos em 2014, a partir de maio, supera os mesmos meses dos outros anos”; b) em
setembro de 2014, apurou-se o maior desembolso líquido a título de “codificados”, somando-se R$
30.600.707,09, em comparação a pagamentos que alcançaram R$ 14.000.000,00 nos meses anteriores; c) “a
Secretaria de Educação contempla em média 59% do total de servidores não efetivos do Estado”; d) falta de
transparência nas contratações precárias, pois os pagamentos eram feitos mediante depósito bancário sem o
respaldo de contracheques. Precedentes.
5. No que concerne ao programa “Empreender PB”, a despeito de sua implementação por lei estadual e de sua
execução contínua desde 2011, os fatos ocorridos em 2014 revelam o desvirtuamento em benefício do então
Governador, pois as linhas de crédito foram concedidas a pessoas físicas e jurídicas sem observância dos
critérios legais e houve incremento substancial nas verbas (quase 100% de aumento no ano eleitoral),
circunstâncias incontornáveis para fim de reconhecimento de abuso de poder político.
6. Relativamente à distribuição de kits escolares pela Secretaria de Educação, contendo o slogan “pra sua vida
ficar melhor, o governo faz diferente do Estado”, de igual modo, o abuso de poder está plenamente caracterizado
devido a três fatores: vultosa quantidade distribuída (mais de 340 mil), o período em que essa entrega ocorreu
(de julho a setembro do ano eleitoral, ou seja, em momento muito distante do início do ano letivo) e a mensagem
aposta nos materiais apta a evidenciar notória publicidade institucional no curso do período de campanha.
7. De outra parte, inexistiu ilicitude quanto aos eventos realizados pela Secretaria de Cultura (“Plenárias da
Cultura”), haja vista que se tratou de atos políticos de campanha, realizados em locais abertos e fora do horário
de expediente, sem emprego de recursos públicos ou da estrutura do governo.
8. Recursos Ordinários do governador reeleito em 2014, da vice-governadora e dos agentes públicos envolvidos
a que se nega provimento e recursos ordinários das partes contrárias providos a fim de reconhecer a prática de
abuso de poder político e cominar inelegibilidade ao governador e aos agentes públicos, bem como majorar a
multa do governador e da secretária de educação pela prática de condutas vedadas.
Nos seus declaratórios, Renato Costa Feliciano alega omissão desta Corte, sob os seguintes
fundamentos, em síntese (ID 105.771.238):
a) não se individualizaram as supostas condutas ilícitas do embargante envolvendo o programa Empreender PB,
descabendo responsabilizá-lo apenas por ocupar o cargo de Secretário de Estado do Turismo e do
Desenvolvimento Econômico;
b) o programa estava ligado a uma subsecretaria, de modo que o embargante não detinha ingerência no aporte
dos recursos. Assim, “não havia [...] nexo causal entre qualquer tipo de conduta, omissiva ou comissiva” (fl. 4).
Por sua vez, em suas razões, Tárcio Handel da Silva Pessoa Rodrigues, argui, em suma,
contradição, pois, ele “não foi indicado como responsável pelo abuso de poder político, com viés econômico, em
f) esta Corte foi omissa por olvidar os limites de sua competência, realizando “investigação
minuciosa da regularidade de atos administrativos perpetrados em programa social [Empreender
PB]” (fl. 14);
g) “o acórdão embargado foi omisso porque não demonstrou quais são os elementos que
sustentam a caracterização do suposto abuso de poder”, levando-se em conta que: i) é
necessária prova robusta acerca da prática ilícita; ii) os valores empregados no programa não
destoam da média histórica; iii) a participação do embargante na entrega dos bens não gera
abuso, visto que os eventos ocorreram antes do período de campanha e sem caráter eleitoreiro.
Assim, resta indene de dúvidas a intenção eleitoral da expansão do programa, bem como a gravidade dessa
ação à luz dos bens jurídicos tutelados pelo art. 22, XIV, da LC nº 64/1990.
Foram indicados, como responsáveis pelo abuso do poder político, com viés econômico, Ricardo Vieira
Coutinho e Ana Lígia Costa Feliciano, que compuseram a chapa eleita, Tárcio Handel da Silva Pessoa
Rodrigues, Antonio Eduardo Balbino (secretários-executivos do programa Empreender PB, nos períodos de 1º.
1.2014 a 22.4.2014 e de 23.4.2014 a 31.12.2014, respectivamente) e Renato Costa Feliciano (secretário de
estado do Turismo e do Empreendedorismo).
Eram eles os diretamente responsáveis pela execução do programa, bem como é inegável que eram eles
os agentes sem os quais o seu incremento e uso eleitoral não seriam possíveis.
Dessa forma, a pena de inelegibilidade de 8 anos, contados a partir do ano da eleição, nos termos do art.
22, XIV, da LC nº 64/1990, deve ser aplicada a cada um dos responsáveis citados.
Assim, resta indene de dúvidas a intenção eleitoral da expansão do programa, bem como a gravidade dessa
ação à luz dos bens jurídicos tutelados pelo art. 22, XIV, da LC nº 64/1990.
Foram indicados, como responsáveis pelo abuso do poder político, com viés econômico, Ricardo Vieira
Coutinho e Ana Lígia Costa Feliciano, que compuseram a chapa eleita, Tárcio Handel da Silva Pessoa
Rodrigues, Antonio Eduardo Balbino (secretários-executivos do programa Empreender PB, nos períodos de 1º.
1.2014 a 22.4.2014 e de 23.4.2014 a 31.12.2014, respectivamente) e Renato Costa Feliciano (secretário de
estado do Turismo e do Empreendedorismo).
Eram eles os diretamente responsáveis pela execução do programa, bem como é inegável que eram eles
os agentes sem os quais o seu incremento e uso eleitoral não seriam possíveis.
Dessa forma, a pena de inelegibilidade de 8 anos, contados a partir do ano da eleição, nos termos do art.
22, XIV, da LC nº 64/1990, deve ser aplicada a cada um dos responsáveis citados.
[...]
2. Na linha da jurisprudência desta Corte Superior, "a contradição que possibilita o conhecimento e o acolhimento
dos aclaratórios é aquela interna no acórdão hostilizado, examinada entre as respectivas premissas e
a conclusão, e não relativa ao entendimento da parte acerca da valoração da prova ou da escorreita
interpretação do direito" (ED-AgR-AR nº 955-71/MT, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 2.8.2017).
[...]
(ED-RHC 0600058-16/CE, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 6/10/2020)
De outra parte, argumenta-se que o aresto padece de erro de premissa, pois as contratações e
exonerações dos servidores codificados não poderiam ser analisadas no presente feito, porquanto já foram
objeto da AIJE 1514-74, na qual houve imposição de multa por conduta vedada.
A matéria foi amplamente debatida pela Corte, concluindo-se não existir bis in idem na hipótese
dos autos, visto que “em ambas as ações há a alegação de que houve a nomeação de servidores em diversas
áreas do governo do Estado da Paraíba. Entretanto, na ação ora em julgamento, também se discutem
exonerações nas mesmas secretarias, sendo também diverso o conjunto probatório”.
Ademais, na espécie, os fatos foram analisados também sob a ótica do abuso de poder político,
ilícito eleitoral diverso da conduta vedada. No particular, veja-se a extensa fundamentação contida no voto do
relator originário (ID 56.298.238):
Os investigados devolveram a este Tribunal Superior a discussão a respeito da incidência de bis in idem,
especificamente com relação ao alegado ilícito na contratação de servidores temporários pelo governo do Estado
da Paraíba, em desobediência ao disposto no art. 73, V, da Lei nº 9.504/1997.
Alegam que os mesmos fatos foram apurados nos autos da AIJE nº 1514-74.2014.6.15.0000, ocasião em que foi
aplicada multa, no valor de R$ 30.000,00, ao ex-governador Ricardo Vieira Coutinho.
O acórdão regional enfrentou a questão da seguinte forma (fls. 7.426-7.429 dos autos físicos):
Ainda como preliminar alegam os investigados RICARDO VIEIRA COUTINHO ANA LIGIA COSTA
FELICIANO – e também o PSB – que este Regional não pode julgar conduta vedada objeto da
Representação nº 2016-13.2014.6.15.0000 – na qual se alega supostas nomeações/admissões e
exonerações/demissões de servidores não efetivos, nos 03 meses que antecederam o pleito de 2014 –- ao
aceno de que tal fato já fora apreciado e julgado por esta Corte, quando do julgamento da AIJE 1514-
74.2014.6.15.0000, ocasião em que foi aplicada ao ex Governador [sic] Ricardo Vieira Coutinho, multa reais)
pecuniária no valor de R$ 30.000.00 (trinta mil reais), como se depreende do Acórdão nº 61/2018, anexado.
Argumentam que não se mostra razoável a reapreciação de matéria, sob pena de ofensa ao princípio do “non
bis in idem”.
Ao final requererem que seja declarado prejudicado o rejulgamento da mesma conduta vedada em relação ao
investigado Ricardo Vieira Coutinho, a fim de se evitar a ocorrência do “bis in idem”.
Art. 96-B. Serão reunidas para julgamento comum as ações eleitorais propostas por partes diversas
sobre o mesmo fato, sendo competente para apreciá-las o juiz ou relator que tiver recebido a primeira.
[...]
§ 2º Se proposta ação sobre o mesmo fato apreciado em outra cuja decisão ainda não transitou em
julgado, será ela apensada ao processo anterior na instância em que ele se encontrar, figurando a parte
como litisconsorte no feito principal.
[...]
Extrai-se das lições do ilustre jurista supramencionado que a reunião de ações eleitorais não é uma
imposição forçosa da Lei, mas deve ser considerada no caso concreto à luz dos princípios da efetividade da
celeridade e da duração razoável do processo, bem como das peculiaridades que digam respeito a cada fato
referente às situações analisadas, argumento também utilizado pelo eminente Desembargador Romero
Marcelo para rejeitar o pedido de reunião daquela ação com a presente AIJE 2007 formulado pelo Órgão
Ministerial com a solidariedade da coligação A Vontade do Povo requerimento de que, diga-se de passagem
foi feito naquela oportunidade – após a inclusão do processo na pauta para julgamento e já com publicação
no Diário de Justiça Eletrônico.
[...]
Em uma análise apressada, poderíamos entender que se o fato foi examinado e sancionado sob o viés de
conduta vedada – o que também objeto da Representação Eleitoral n 2016 – não poderia o mesmo Tribunal
reapreciar a matéria. Porém é relevante enfatizar que o objeto das ações em análise é mais amplo, pois
alicerçado em prova pericial documento novo, não examinado no procedimento julgado (AIJE 1514) que
ainda se encontra em grau de recurso na órbita do Colendo Tribunal Superior Eleitoral. Além disso, a AIJE
2007, ora em debate, examina a conduta de eventual abuso de poder político, assim vista na ótica do
Ministério Público, situação que será melhor esmiuçada quando da análise do mérito. Sobre este aspecto, o
TSE já teve a oportunidade de se pronunciar:
[...] Não há falar em violação ao princípio do non bis idem se um mesmo fato é analisado e sancionado
por fundamentos distintos.
[...] Nada impede que o mesmo fato descrito como conduta vedada, nos termos do art. 73 da Lei nº 9.504
/97, seja também apurado em AIJE sob a perspectiva do abuso, hipótese em que, se provada a gravidade
das circunstâncias, é de rigor a aplicação de sanção de inelegibilidade por oito anos, nos termos do art.
22, XIV, da LC nº 64/90.
Por respeito ao debate, é de se ressaltar como ponto de destaque, que ainda que a ação anterior (AIJE 1514)
tivesse sido alcançada pela coisa julgada formal, não haveria impedimento para o julgamento da presente
lide, uma vez que o ineditismo da prova pericial na qual se baseia a AIJE 2007, não constava na demanda
anterior (AIJE 1514) conforme restou bem explicitado pelo eminente Relator o Desembargador Romero
Marcelo, no Acórdão 61/2018, da Ação de Investigação Eleitoral citada.
A fim de confirmar esse entendimento, cita a existência de precedente deste Tribunal Superior nos autos do AgR-
AI nº 348-38/RJ (rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 2.4.2019, DJe de 23.4.2019).
1. Não há falar em violação ao princípio do non bis in idem se um mesmo fato é analisado e sancionado por
fundamentos distintos. Precedente.
2. Nada impede que o mesmo fato descrito como conduta vedada, nos termos do art. 73 da Lei nº 9.504/97,
seja também apurado em AIJE sob a perspectiva do abuso, hipótese em que, se provada a gravidade das
circunstâncias, é de rigor a aplicação de sanção de inelegibilidade por oito anos, nos termos do art. 22, XIV,
da LC nº 64/90.
[...]
Extraio do inteiro teor desse julgado os fundamentos que levaram o eminente Ministro Tarcisio a afastar o bis in
idem na hipótese:
Nos termos da jurisprudência desta Corte, "não ocorre bis in idem se um mesmo fato é analisado e
sancionado por fundamentos diferentes (RO n° 6432-571SP, ReI. Mm. Fátima Nancy Andrighi, DJe de
2.5.2012).
Logo, nada impede que o mesmo fato descrito como conduta vedada, nos termos do art. 73 da Lei n° 9.504
/97, seja também apurado em AIJE sob a perspectiva do abuso, hipótese em que, se provada a gravidade
das circunstâncias, é de rigor a aplicação de sanção de inelegibilidade por oito anos, nos termos do art. 22,
XIV, da LC n° 64/90.
Em outras palavras, com a correção que lhe é característica, o ilustre ministro bem apontou que não se
caracteriza bis in idem quando a Justiça Eleitoral, mesmo com base em fatos idênticos, exerce seu juízo a partir
de institutos eleitorais diversos, por exemplo, analisa os mesmos fatos à luz dos pressupostos das condutas
vedadas e o faz, em outro processo, sob a ótica do abuso de poder.
A existência de massiva propaganda eleitoral extemporânea, por exemplo, será analisada em representação por
propaganda eleitoral antecipada, nos termos do art. 96 da Lei º 9.504/1997, bem como pode vir a ser examinada
por meio de AIJE, disciplinada pelo art. 22, XIV, da LC nº 64/1990, que investigará abuso do poder econômico.
Em outras palavras, nesta ação, tanto as nomeações quanto as exonerações são discutidas.
Anoto, ainda, que o acórdão do TRE/PB ressalta o “[...] ineditismo da prova pericial na qual se baseia a
AIJE 2007, [que] não constava na demanda anterior (AIJE 1514) [...]” (fl. 7.429 dos autos físicos).
Tal fato, que amplia e concede contornos mais amplos à apuração, afasta, definitivamente, a tese de
violação ao bis in idem.
O ex-governador aduz, ainda, que esta Corte não considerou o contexto da gestão pública da
Paraíba, cuja precariedade induziu a contratar “codificados” para se manterem serviços essenciais, como saúde
e educação, bem como deixou de se pronunciar sobre o fato de que as referidas admissões se inserem na área
da discricionariedade administrativa, sobre a qual não cabe ingerência do Poder Judiciário.
Todavia, restou claro no aresto embargado que “o fato de a contratação de ‘codificados’ se tratar
de medida contumaz no Governo da Paraíba desde gestões anteriores não justifica a intensificação da manobra
durante o ano eleitoral” (ID 56.298.238).
Além disso, frisou-se que o chefe do Poder Executivo “já havia sido notificado em 2011, em 2012
e em janeiro de 2014, pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, acerca da ilegalidade da manutenção dos
servidores precários e da necessidade de se realizar concurso público para o preenchimento dos respectivos
cargos, porém, permaneceu inerte”. Transcreva-se a parte do voto do relator designado no ponto (ID
56.298.238):
No que diz respeito às contratações e exonerações de servidores “codificados” no decorrer do ano de 2014,
inclusive durante o período eleitoral, o TRE/PB consignou apenas a conduta vedada do art. 73, V, d, da Lei 9.504
/97, cominando multa aos envolvidos.
Como se relatou, uma das partes pretende a improcedência dos pedidos neste item e a outra que se majore a
sanção pecuniária e se reconheça o abuso de poder político, impondo-se inelegibilidade (art. 22 da LC 64/90).
4.1. A título de esclarecimento inicial, anoto que a expressão “codificados” é usual naquele Estado e define
pessoas contratadas temporariamente pelo governo estadual que não se enquadram em nenhuma das formas de
Primeiro, porque existem à margem do Direito. Apesar de serem pagas pelo erário estadual, não estão
cobertas por nenhum dos institutos jurídicos conhecidos pelo Direito Administrativo.
A força de trabalho não tem proteção alguma, existindo apenas segundo a talante do administrador público.
Destaco, no ponto, que não impressiona o fato reconhecido pelo TRE/PB de esse tipo de contratação
precária ser recorrente ou, nas palavras do acórdão regional, um “problema de décadas”. A reiteração de
determinada prática ilícita, como se sabe, jamais terá o condão de retirar-lhe o ranço da ilegalidade.
4.2. Dito isto, consoante o art. 73, V, d, da Lei 9.504/97, são vedadas, dentro dos três meses que antecedem o
pleito até a posse dos eleitos, contratações e exonerações de servidores, ressalvadas, dentre outras hipóteses,
as nomeações para o funcionamento de serviços públicos essenciais. Confira-se:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a
igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
[...]
V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens
ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou
exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos
eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
[...]
O exame dos autos revela que, entre julho e outubro do ano eleitoral, o Governo da Paraíba promoveu 1.739
nomeações e 1.369 exonerações de servidores “codificados” nas secretarias estaduais de saúde e educação –
chefiadas à época pelos recorrentes Waldson Dias e Márcia de Figueiredo, por sua vez subordinados de forma
direta a Ricardo Coutinho – sem qualquer prova do requisito de excepcionalidade exigido pela norma. [...]
a) “a quantidade de vínculos em 2014, a partir de maio, supera os mesmos meses dos outros anos” (ID
39.384.788, fl. 18);
c) “a Secretaria de Educação contempla em média 59% do total de servidores não efetivos do Estado” (ID
39.384.788, fl. 21);
d) falta de transparência nas contratações precárias, pois os pagamentos eram feitos mediante depósito bancário
sem o respaldo de contracheque.
Além dos aspectos jurídicos já referidos quanto à ilicitude da forma de ingresso e exoneração dos servidores
“codificados”, com nomeações e dispensas livres de qualquer formalismo e à margem do controle dos órgãos
fiscalizadores, no caso específico se observa o grande quantitativo de pessoas contratadas e exoneradas,
os vultosos gastos públicos para essas operações, sua intensificação no período crítico de campanha e a
ausência de prova de que os serviços eram de natureza essencial.
Acerca especificamente do caráter essencial, relevante destacar que, nos termos da jurisprudência desta
Corte, os serviços de educação não se enquadram nesse conceito e, quanto aos de saúde, não basta a
mera prova de que as nomeações se destinam a essa área, exigindo-se que os cargos tenham efetivo
liame com a urgência da atividade desenvolvida. Nesse sentido:
[...]
7. O conceito de “serviço público essencial” é interpretado pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral
de maneira restritiva, abarcando apenas aqueles relacionados à sobrevivência, saúde ou segurança da
população. Exclui-se, portanto, a contratação de profissionais das áreas de educação e assistência
social. Precedentes.
[...]
(REspe 387-04/PB, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 20/9/2019) (sem destaque no original)
----------------------------------------------
[...]
3. A teor do entendimento desta Corte, conceitua-se como serviço público essencial, para os fins do art. 73,
V, d, da Lei 9.504/97, aquele de natureza emergencial, umbilicalmente ligado à sobrevivência, à saúde ou à
segurança da população. Interpretação em sentido diverso esvaziaria o comando legal e permitiria o uso da
máquina pública em benefício de candidaturas.
4. No caso, apesar de as contratações estarem ligadas à Secretaria Municipal de Saúde, não se verifica o
caráter essencial quanto aos cargos de auxiliar de serviços gerais e de agente de vigilância ambiental
(prevenção e controle de fatores de risco ambiental).
5. A simples circunstância de os cargos estarem lotados na Secretaria Municipal de Saúde não lhes
confere, ipso facto, a inescusável premência a que alude o referido dispositivo, sendo forçoso reconhecer a
ilicitude das contratações na espécie.
[...]
(AgR-REspe 1012-61/PB, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 24/5/2019) (sem destaques no original)
Assim, ante a inequívoca conduta vedada, mantém-se o aresto regional no ponto. O valor das respectivas
multas, objeto de pedidos das partes no sentido ora da majoração, ora da redução, serão tratadas em tópico
específico.
4.3. De outra parte, nos termos da jurisprudência, “o abuso do poder político configura-se quando o agente
público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a legitimidade
do pleito e a paridade de armas entre candidatos, o que se aplica igualmente às hipóteses de condutas
aparentemente lícitas, mas com eventual desvirtuamento apto a impactar na disputa” (AgR-AI 518-53/MA, Rel.
Min. Sérgio Banhos, DJE de 6/3/2020).
No plano doutrinário, Walber de Moura Agra destaca que referido ilícito “dá-se com os atos praticados com
desrespeito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, ou seja, os
princípios basilares da Administração Pública” (Manual Prático de Direito Eleitoral. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum,
2020, p. 257).
Ademais, com o advento da LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), acrescentou-se ao art. 22 da LC 64/90 o inciso
XVI, dispondo que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o
resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
Em acréscimo, de acordo com a jurisprudência desta Corte, “para configuração do abuso de poder, faz-se mister
a comprovação da gravidade das circunstâncias do caso concreto suscetível a adelgaçar a igualdade de chances
na disputa eleitoral” (AgR-RO 0602518-85/PA, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 18/3/2020).
A propósito, o recorrente Ricardo Coutinho já havia sido notificado em 2011, em 2012 e em janeiro de
2014, pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, acerca da ilegalidade da manutenção dos servidores
precários e da necessidade de se realizar concurso público para o preenchimento dos respectivos
cargos, porém, permaneceu inerte.
Assim, se o Governador nem sequer poderia manter esse tipo de vínculo precário, sem respaldo legal,
muito menos caberia ampliá-lo durante o ano em que disputou a reeleição.
Em suma, as milhares de contratações de servidores “codificados”, de natureza precária, à margem da lei, com
intensificação no período de campanha e incremento de gastos de mais de quinze milhões de reais nesse
interregno, autorizam reconhecer o abuso.
No que concerne ao programa “Empreender PB”, destinado à concessão de microcrédito a pessoas físicas e
jurídicas, observo que a despeito de sua implementação por lei estadual e de sua execução contínua desde
2011, os fatos ocorridos em 2014 revelam o desvirtuamento em benefício do então Governador, como consignou
o douto Relator.
Extraem-se do laudo pericial que integra os autos os seguintes dados relativos ao programa, que, por si sós,
causam espécie:
b) 94% das pessoas jurídicas beneficiadas não preencheram os requisitos legais e, em 25% das operações, não
se emitiram sequer as parcelas para pagamento;
c) houve aumento de 91,1% de recursos liberados em 2014, comparativamente com 2013 (ID 39.385.138, fl. 15);
e) quanto às pessoas físicas: i) os beneficiários “com empréstimos concedidos pelo Programa Empreender – PB,
no exercício de 2014, [superaram] a quantidade de 2013 em 77,9%” (ID 39.385.138, fl. 19) e “o montante
financeiro despendido através de empréstimos em 2014 foi superior ao montante despendido em 2013 em
87,21%” (ID 39.384.988, fl. 7); ii) 39% dos processos não foram instruídos com o Plano de Negócios, documento
essencial para se deferir o crédito (ID 39.384.988, fl. 17); iii) apenas “0,64% dos processos [...] tiveram os Planos
de Negócios avaliados mediante análise técnica suficiente e por critérios objetivos”, ao passo que “60,36% que
possuíam referido documento, nem sequer foram avaliados (ID 39.384.988, fl. 17);
No meu modo de pensar, assim como no tópico atinente às contratações e dispensas temporárias de servidores,
a concessão de microcréditos no âmbito do programa “Empreender PB” claramente ultrapassou a seara da
mera desorganização administrativa e repercutiu de modo inequívoco no plano eleitoral, evidenciando o
uso da máquina pública em benefício do projeto de Ricardo Vieira Coutinho de se reeleger.
No voto-vista da lavra do Juiz Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, sintetiza-se em detalhes a distorção ocorrida
no âmbito do programa em 2014 – e não apenas falhas procedimentais, como argumenta a defesa – a partir
das seguintes circunstâncias (ID 39.388.938, fl. 9):
3. Subjetivismo preponderante na liberação dos recursos, ante a não observância de requisitos minimamente
objetivos, inclusive quanto à competência para o ato;
8. Consequência natural;
Ademais, na linha do parecer ministerial, “apenas a partir do exercício de 2015 – ou seja, após a eleição – há
registro de que a gestão do programa Empreender PB passou a adotar procedimentos efetivos voltados à
cobrança dos valores em atraso, compreendendo o período retroativo de 2011 a 2015”.
Não bastasse isso, a prova dos autos demonstra que o então Governador e candidato à reeleição fez
amplo uso publicitário do programa de microcrédito e estava presente em diversos eventos de entrega
dos benefícios.
A meu sentir, essas circunstâncias, sobejamente demonstradas nos autos, são incontornáveis para fim
de reconhecimento do abuso de poder e não podem, reitero, ser justificadas sob a mera ótica de
desorganização administrativa. O fato de o programa estar previsto em lei e em execução orçamentária em
anos anteriores não autoriza concluir, apenas por essa razão, que inexistiu ilicitude.
Em caso com dinâmica similar, o AgR-AI 283-53/RJ, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 31/5/2019, decidiu
esta Corte que
[c]onfigura abuso do poder político a intensificação atípica de programa de regularização fundiária nos meses
anteriores ao pleito, com a realização de eventos para entrega de títulos de direito real de uso pessoalmente
pelo prefeito candidato à reeleição. A quebra da rotina administrativa para que a fase mais relevante do
programa social fosse realizada às vésperas do pleito, com nítida finalidade eleitoreira, somada à grande
repercussão que a conduta atingiu justificam a imposição da sanção de cassação dos diplomas dos
candidatos.
4. Conclusão
Em resumo, as razões dos embargantes demonstram mero inconformismo com o juízo veiculado
no aresto e manifesto intuito de promover novo julgamento da causa, providência que não se coaduna com a
sistemática dos embargos declaratórios, de acordo com precedentes desta Corte Superior: ED-AgR-Al 724-43
/MA, Rel. Min. Og Fernandes, DJE de 2/8/2019 e ED-AgR-REspe 27-53/RJ, Rel. Min. Tarcisio Vieira de
Carvalho Neto, DJE de 23/5/2019.
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
SESSÃO DE 22.4.2021.