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Campo Grande MS
2020
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIGRAN CAPITAL
Campo Grande MS
2020
T264d
28 f.
CDU: 159.93
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Jeferson Renato Montreozol
________________________________________________________________
Profª Dra. Sandra Luzia Haerter Armôa
________________________________________________________________
Prof. Me. Sérgio Moura Nonato da Silva
Campo Grande MS
2020
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus que é fonte de vida, amor e bondade; a minha família, que sempre
proporcionaram o que eu sou. Aos meus avós Pedro, Aparecida, Sidelcina e Mário, a quem
levo nome em homenagem, por serem as raízes do meu presente. A minha mãe Mara e meu
pai João, por nos limites de seus esforços, me educaram e deram valores firmes da minha
existência. A minha irmã Adriana e meus sobrinhos Amanda e Alan que são alegria dos meus
dias. A Rafaela, pelo companheirismo e reflexões da jornada.
A todos os meus amigos, de modo especial Wesley, Patrícia e Douglas por fazerem da
graduação momentos de vínculo e gargalhadas. Aos demais amigos de sala, que me
proporcionaram ocasiões coletivas de partilha de dúvidas e aprendizado, bem como alguns
colegas egressos, estagiários e preceptores de estágio que figuram o cenário de importância
em minha formação acadêmica e humana.
Agradeço aos membros do Núcleo da Rede Celebra de Campo Grande que sempre
proporcionaram momentos de fortalecimento na caminhada. E a toda classe trabalhadora do
país que não ocupa um espaço na educação superior, mas que contribui diretamente no
conhecimento produzido nestas.
Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio,
pois quando nele se entra novamente, não se
encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se
modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a
tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real
é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate
entre os contrários.
(Heráclito de Éfeso)
(Bertolt Brecht.)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 25
6
1 INTRODUÇÃO
1
Acadêmico do curso de Psicologia, mariolucasteixeira@gmail.com
2
Professor Dr. do curso de Psicologia da UNIGRAN CAPITAL, Rua Abrão Júlio Rahe, 325, Campo Grande –
MS, jeferson.montreozol@gmail.com
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Através de uma análise histórica, nota-se que o centro da vida social perpassou o
cuidado de si, a virtude, a fé e o trabalho, porém na sociedade contemporânea o consumo vem
sendo cada vez mais amplo e incentivado. Bauman (2008) analisando a estrutura de nossa
sociedade, postula que formamos uma sociedade de consumidores, na qual o consumo é o
centro da vida social. Tal consumo vem se desenvolvendo de forma cada vez mais rápida,
acompanhando pela velocidade da obsolescência dos produtos e seu descarte. Ao ponto de
que esse consumo não se restrinja aos serviços e produtos, mas se estendem também aos
modos e estilos de vida, modelos que são vendidos como uma forma de vida satisfatória e
critério para as relações sociais.
O presente trabalho surgiu das inquietações de como se dá na contemporaneidade a
relação entre emoção e consumo nas condições atuais da vida, e quais suas implicações
subjetivas. Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo compreender a relação entre
emoção e consumo na sociedade contemporânea. Para isso, busca-se analisar o
desenvolvimento dos conceitos de consumo, fetiche da mercadoria, emoção e teoria da
atividade, e discuti-los enquanto mediadores da constituição psíquica.
Isso se justifica, pois tal ato de consumo exerce determinado impacto nos sujeitos.
Impacto este que precisa ser mais bem averiguado e compreendido, sendo necessário o
entendimento da relação entre o consumo e emoções. E nesta perspectiva, a própria atividade
se articula com os aspectos emocionais, os quais, por mais que sejam objetos de estudo da
Psicologia, esta ciência ainda não demonstra conhecimento suficiente a respeito da relação
entre consumo e emoção, e nem da influência que o consumo exerce na forma de vida dos
sujeitos e em sua subjetividade. Tanto para ciência quanto para a sociedade essa temática se
torna relevante, pois muitas vezes, relegado ao conhecimento do marketing, da economia ou
de interesses mercantis, a mediação emocional pode ser usada para agravar ainda mais a
escala de consumo, o que se desdobra em outras questões, como o consumismo ou até mesmo
a emergência climática em nossos dias.
Partindo dos pressupostos qualitativos na formatação de uma pesquisa bibliográfica,
assumimos como forma de coleta de dados a revisão de literatura, que consiste em buscar
fontes disponíveis relacionadas à temática estudada. A revisão de literatura não é
simplesmente refazer os achados sobre determinado tema, mas proporciona o estudo do
assunto com diferentes questionamentos ou abordagens, gerando novos achados e
conhecimentos (MARCONI; LAKATOS, 2003). A revisão da literatura ocorreu através dos
textos integrais e de acesso gratuito, disponíveis em plataformas online de pesquisa: Google
Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia
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(BVS-Psi), BIREME, Scielo, bem como a biblioteca física do Centro Universitário Unigran
Capital. A pesquisa foi realizada de agosto de 2019 a maio de 2020, utilizando os materiais
em Língua Portuguesa encontrados a partir dos descritores: consumo, Psicologia, fetiche da
mercadoria, emoção e teoria da atividade, sendo utilizados os materiais que, sobretudo,
expressaram vínculo com a temática de emoção e Psicologia.
A análise dos dados ocorreu a partir do método de análise de conteúdo, que Berelson,
(1952 apud MARCONI; LAKATOS, 2003) caracteriza como a descrição objetiva, sistemática
e quantitativa dos conteúdos manifestos da comunicação. A interpretação dos dados se deu a
luz da Psicologia Sócio-Histórica, que concebe o humano na relação dialética com a
sociedade e a história (AGUIAR, 2001). A ciência, na busca pela verdade, procura estabelecer
a verificabilidade dos fenômenos como meio de se distinguir de outras formas de
conhecimento. Para isso, é necessário traçar um método, que consiste no caminho percorrido
para chagar a um fim e método científico como as operações mentais ou técnicas que
possibilitam chegar ao conhecimento. O método materialista histórico-dialético foi aqui
adotado, entendendo que os fatos sociais não podem ser compreendidos segregados das
influências materiais, históricas, sociais, dentre outros. O método dialético destaca os
processos qualitativos, bem como, baseados nas concepções materialistas de Karl Marx e
Friedrich Engels, a predominância da matéria sobre as ideias (GIL, 2008).
Utilizando-se do método marxista, temos que a contradição é inerente em nossa
realidade, e assim, buscamos compreender essa sucessão de movimentos em espiral de tese –
antítese – síntese na lógica do consumo contemporâneo. Buscamos apreender o que o
consumo significa pautado em definições dos dicionários e em outras definições,
compreendendo-o para além da busca de satisfação das necessidades primárias e que refletem
as compreensões sociais dos termos e análise histórica do desenvolvimento das teorias que
tratam do consumo. Apresenta também a relação entre os conceitos marxistas da teoria do
valor, quando passa a compreender o fetichismo da mercadoria a alienação e, decorrente
destes, a reificação ou coisificação, que se destacam nas relações sociais estabelecidas sob o
capitalismo. Ademais, perpassam pelas conceitualizações pós-marxistas como da Escola de
Frankfurt em que as análises sobre o consumo se desdobram para o âmbito da cultura,
observando uma sociedade de consumo e chegando aos dados que expressão a realidade atual.
Relacionando a temática do consumo as questões emocionais, em um segundo
momento o texto apresenta a explicação de emoção a partir da Psicologia Sócio-Histórica que
tem em Vigostki um dos principais teóricos na apresentação da categoria emoção como
mediadora da consciência. Ajuda a compor essa interação da emoção ao consumo o que se
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chamou de teoria da atividade, que tem em Leontiev seu maior representante, e explica como
o ser humano se relaciona de forma mediada com o mundo e através da atividade constituí a
consciência, sendo esta uma vez engendrada, passa a ser orientadora da própria atividade
humana.
Portanto, a presente pesquisa toma como oportunidade integrar o rol de pesquisas que
envolvam o tema consumo e emoção, buscando verificar a correlação entre ambos. Com isso,
compreendendo a relação entre consumo e emoção na sociedade contemporânea,
possibilitando a síntese de tais temáticas, a ampliação da forma de verificar tal relação,
buscando ser um disparador de reflexão e fomento para novas pesquisas nessa perspectiva
temática.
se trabalho, ou seja, é o trabalho humano que cria produtos resultado direto de sua força de
trabalho em interação com o mundo. Dando um salto histórico, em um formação social mais
complexo, em que os humanos trabalham uns para os outros, cria-se relações sociais do
trabalho. Dessa forma, o produto passa a ser resultado do emprego da força de trabalho
humano individual e social, e o trabalho passa a ser fragmentado em várias etapas.
Bottomore (1988) explica que toda sociedade tem que produzir seus meios de
subsistência, os produtos. Com a impossibilidade de se produzir tudo que é necessário para
viver, é preciso que os produtos sejam trocados por produtos diferentes. Nessa organização
social baseada nas trocas de produtos, estes itens passam a ser denominados como
mercadorias e a troca passa a ser a finalidade da produção de mercadorias.
Marx (2017 apud DA SILVA FERRAREZ, 2019) inicia sua principal obra, O Capital,
analisando produto mercadoria, o que ele entende como a unidade mais basal do modo de
produção capitalista. Define como mercadoria os produtos que tem por finalidade a troca e
perdem sua relação com o trabalho humano. O produtor da mercadoria ganha o nome de
trabalhador, e a esse é atribuído o trabalho concreto, que é o emprego de energia com um fim
específico, dando forma útil ao produto.
Tal característica útil da mercadoria denominou-se valor de uso. Isso ocorre porque as
mercadorias apresentam uma utilidade material, uma finalidade, atender a necessidade para
que foram criadas. Diferente do valor de uso, o valor de troca surge na medida em que os
objetos de utilidades distintas podem ser trocados, e se equiparam quando certa quantidade de
uma determinada mercadoria será trocada por uma quantidade de outra mercadoria (MARX,
2017 apud DA SILVA FERRAREZ, 2019).
Para que mercadorias de valor de uso diferentes possam ser trocadas, é necessário que
ocorra uma abstração inicial do seu valor de uso, a fim de que obtenham uma qualidade em
comum e possam ser trocadas. Assim, as mercadorias se equiparam no valor de troca que não
leva em conta suas propriedades e utilidades, por conseguinte, não considera o trabalho
concreto que atribuiu ao objeto a sua finalidade. Resta apenas o trabalho abstrato, comum a
todo o trabalho, que é o dispêndio de trabalho humano e o tempo de trabalho socialmente
necessário, sem considerar a forma desse dispêndio (MARX, 1996 apud ROCHA, 2019).
Na sociedade onde ocorre uma elaborada divisão do trabalho, os trabalhadores
realizam suas atividades laborais independentes uns dos outros, e o controle de seus trabalhos
é feito de modo impessoal pelo mercado. As relações sociais e o trabalho propriamente se
materializam nos produtos, onde o complexo mecanismo de divisão social do trabalho
demonstra-se materialmente. Ocorre que o fetichismo da mercadoria está justamente na
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camuflagem das relações sociais e do trabalho contido na mercadoria, dando a impressão que
a troca de mercadorias fosse apenas uma relação entre coisas. De fato, existe tal relação entre
os objetos, porém essa esconde as relações sociais e o próprio trabalho contido nas
mercadorias (BOTTOMORE, 1988).
Destacam-se duas relações fetichistas da mercadoria: uma, quando os consumidores
reconhecem na mercadoria apenas seu valor de uso, pois é a categoria materializada que
satisfaz a necessidade, e não enxergam o valor que é o emprego de trabalho individual e social
para tornar a matéria útil. Entende-se que ainda que se saiba a procedência da mercadoria,
não se vê as relações materiais e sociais entre o produtor e o produto. A segunda, está
justamente na produção da mercadoria, pois, com a fragmentação do trabalho, o trabalhador
fica alienado da compreensão integral da produção, sendo a natureza do objeto alheia ao seu
conhecimento. Assim o produtor não se reconhece no produto do seu trabalho, e a relação
social do trabalho é disfarçada entre as mercadorias, sendo essa relação apenas entre
mercadorias uma relação fetichista (MANCEBO et al., 2002).
O conceito de fetichismo da mercadoria não pode ser compreendido sem o conceito de
alienação. Compreende-se alienação como o processo de estranhamento do trabalhador para
com os produtos resultantes do seu trabalho. Na sociedade capitalista, os trabalhadores não
dominam todas as etapas da fabricação dos produtos e não dispõem de todos os meios de
produção necessários. Assim, o trabalhador sente o produto como alheio de seu trabalho e as
mercadorias parecem ter surgido além de sua vontade, de forma fantasmagórica. A categoria
do fetichismo e da alienação tem em comum o processo em que os seres humanos não
compreendem que as mercadorias são fruto de seu trabalho. O efeito do fetichismo é como se
as mercadorias tomassem o papel de sujeitos ativos da ação e os seres humanos fossem os
passivos, se tornassem coisas, processo conhecido como reificação ou coisificação
(BODART, 2016).
Bottomore (1988) esclarece que essa desvinculação aparente do valor de uso pelo
valor de troca, do trabalho social pelo trabalho privado e da relação entre pessoas por relação
entre coisas, Marx denominou de fetichismo da mercadoria. Esse fetichismo sugere que os
produtos, resultante do trabalho humano, são independentes e incontroláveis como fantasmas,
pois se encontram separados dos trabalhadores que os produziram.
Marx (1996 apud ROCHA, 2019) ressalta que valor de uso das mercadorias precisa
ser social, ou seja, precisa expressar uma utilidade para outras pessoas para que possam ser
trocadas no mercado. Nota-se que o caráter utilitário da mercadoria passa pela subjetividade,
entendido aqui como o indivíduo julgar necessário ou não determinado objeto, pois uma
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mercadoria pode ser relevante para uma pessoa e inútil para outra. Já a utilidade da
mercadoria só pode ser dada através do trabalho humano, e no objeto encontra-se a
materialização do trabalho. Desse modo as sociedades burguesas enxergam nas mercadorias a
expressão aparente de riqueza e entende que riqueza está relacionada a quantidade e
apropriação das mercadorias. Por isso, na sociedade capitalista, há a necessidade de vasta e
diversificada oferta de mercadorias, a fim expressar a riqueza contida nas mercadorias, que
são a objetivação do trabalho humano.
Silva (2014) ressalta que a maioria das coisas que desejamos não parte
necessariamente de algum princípio lógico. Dessa forma, o querer algo não é um processo
lógico ou racional, e sim fortemente emocional. Quanto ao processo de consumo nas crianças,
o aspecto emocional é ainda mais relevante, quando entre três e cinco anos de idade as
mesmas não conseguem diferenciar o que é verdadeiro e o que é mentiroso, ou uma analogia.
Exemplificam-se quando as crianças têm dificuldade em compreender que determinada
margarina não conseguirá reunir a família em torno de uma mesa ou certo cereal não lhe fará
forte como um leão. E sobre este princípio, cabe agora aprofundarmos a discussão do aspecto
emocional como elemento constituinte do psiquismo humano para, posteriormente,
discutirmos a própria atividade de consumo.
[...] um sujeito está com fome (necessidade de comer) e pode satisfazer essa
necessidade se buscar comida (objeto). Encontra-se motivado para a atividade de
buscar comida quando sente a necessidade de comer e quando idealiza um objeto
que possa satisfazê-lo. Propõe-se, então, objetivos: o que poderá fazer (ações) para
satisfazer sua necessidade? As ações possíveis dependerão das condições concretas
de vida do indivíduo, e são engendradas historicamente.
Leontiev (1978a, 1981, 2005 apud PICCOLO, 2012) explica que a satisfação de
necessidades física, materiais, culturais e espirituais são proporcionadas pela mediação da
atividade concretizada no mundo. Essa mediação possibilita a internalização, ou seja, o
mundo material externo passa a constituir processos na consciência, com a capacidade de
transcender a atividade externa. O processo de internalização da origem a variados atos
mentais, como o pensamento que é mediado pela linguagem. Cada vez que se apresenta uma
nova necessidade, novas relações são criadas na dinâmica entre o homem, a sociedade e a
natureza, assim a atividade fica mais complexa.
Zanella (2004) expõe que Vigotski e Leontiev consideram que essa mediação da
atividade ocorre através da cultura ou por ferramentas e objetos, o que é entendido como
instrumentos da objetivação da própria cultura humana. Ao mesmo tempo, a própria
existência física ou simbólica de elementos da cultura são resultadas da objetivação da
atividade humana, pois são nos instrumentos que se cristalizam os procedimentos e operações
históricas.
Vigotski (1991a, 1991b, 1991c apud ZANELLA, 2004) pontua que os signos em suas
formas mais diversas, como sociais, históricos, institucionais, políticos e econômicos,
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constituem uma importante forma de mediação da atividade humana. Os signos são produtos
da história humana e utilizados pelos humanos para a comunicação uns com os outros, por
isso, os signos representam alguma coisa para alguém ou para um grupo, sendo que os
sujeitos atribuem sentido a essa mensagem.
Para Leontiev (1978a, 1981 apud PICCOLO, 2012), é comum a atividade humana e a
atividade animal serem guiadas por um motivo, porém para os animais o motivo se relaciona
de forma imediata, não mediada, com o objetivo. Dessa forma, o animal tem em seu objeto a
satisfação de uma necessidade e esse é o motivo de sua atividade. Porém, a atividade humana
é coletiva e social e historicamente dissociou o motivo e o objeto da atividade, essa
dissociação tem seus alicerces na divisão técnica do trabalho e no rompimento do ser
biológico gerando um ser cultural sócio-histórico. Só assim o humano consegue realizar sua
atividade de forma intencional e planejada.
Durante o processo histórico da divisão técnica do trabalho e posteriormente o
aparecimento da sociedade de classes e da propriedade, privada tem-se agravado essa forma
mediada da relação entre motivo e objeto da atividade. Isso promoveu o surgimento de uma
estrutura mais complexa da relação entre o ser humano e a realidade (PADILHA; LIMA
FILHO, 2019). Diante dessa complexa dissociação entre motivo e atividade, e entendendo que
as necessidades são elaboradas na realidade como forma geradora da atividade, é possível
entender como são criadas novas necessidades nos humanos, incluindo aqueles que não são
biológicas. “O que explica sua formação é que na sociedade humana os objetos dessas
necessidades se produzem, e graças a isso – disse Marx – se produzem também as próprias
necessidades” (LEONTIEV, 1978, p. 67).
O ser humano busca agir no mundo para existir, o que acaba por influenciar o mundo e
ser por ele influenciado em uma relação dialética. Por isso, acredita-se que os sujeitos são
determinados por suas atividades, condicionadas ao desenvolvimento dos meios e das formas
de organização (PICCOLO, 2012). Portanto, entende-se que a constituição do ser humano
perpassa esse processo dialético de objetivação-apropriação. Isso ocorre por meio da
atividade, quando os homens se apropriam das funções já constituídas na realidade humana a
fim de que, a partir de uma ação mediada, essas funções se tornem suas. Essa apropriação
implica em transformações psíquicas e impõe novas necessidades, além das de sobrevivência.
Desse modo, embora as condições biológicas seja a condição basal para o desenvolvimento
humano, é só pelo plano cultural que ele adquire aptidões para viver nesse mundo plenamente
humanizado (BARROCO; SUPERTI, 2014).
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Meshcheryakov (1979 apud PICCOLO, 2012) afirma que a teoria de Leontiev buscou
demarcar a consciência como produção histórica dessa síntese entre apropriação e
objetivação, fruto do processo de atividade humana. Nessa perspectiva, entende-se que a
consciência é um produto subjetivo da atividade humana objetiva, para isso a análise da
consciência e da psique acaba inevitavelmente na descoberta dos elementos particulares e
gerais da atividade. “Deste modo, o processo de interiorização consiste não em que a
atividade exterior se desloca a um „plano de consciência‟ interno pré-existente; trata-se de um
processo no qual este plano interno vai se formando” (LEONTIEV, 1978, p.74).
Smolka (2000 apud ZANELLA, 2004) ao considerar a mediação das ações, observa
que a partir das diferentes posições sociais e participação dos sujeitos nas relações, a
significação e o sentido das ações humanas serão múltiplas. Assim, é necessário considerar as
condições sociais, históricas e econômicas que o sujeito pertence, a fim de analisar a
mediação das ações em que estes se inserem. Pois, ao depender da possibilidade de utilização
de instrumentos mediadores a atividade poderá ser considerada consciente ou não consciente,
respectivamente mediada ou imediata, ou ainda, domínio sobre o mundo ou não domínio.
Portanto, compreendendo a atividade humana como a relação mediada entre o sujeito
e o mundo, pode-se relacionar que em nossa sociedade, organizada pela divisão social do
trabalho, expressa muitas vezes a satisfação de necessidades através do consumo. Desse
modo, ainda que inicialmente despertado de forma biológica, o ato de consumir é provocado
por um motivo e se realiza através da atividade humana. Como exemplo, imagina-se que
alguém está com fome, esta pessoa tem que trabalhar para obter dinheiro e poder através do
seu ato de consumir, trocar dinheiro por comida. Nota-se que a atividade de trabalho não
expressa relação direta com seu motivo que é comer, mas é compreensível na atividade como
um todo.
Ocorre que a complexidade de nossa sociedade dissociou a necessidade do seu objeto,
a mercadoria, de modo que as mercadorias estão envoltas em uma dinâmica fetichista. Assim,
as mercadorias parecem assumir o protagonismo e não o fato de terem sido criadas para
satisfazer uma necessidade. A mercadoria consumida representa um fetiche, que podemos
conceber como uma forma envolta de signos sociais, produzidos sobretudo pelo marketing, o
que pode inclusive estar dissociado de sua utilidade.
A fim de que a mercadoria seja trocada no mercado, isto é, mercantilizada, a sociedade
de consumidores procura criar nos consumidores desejos de determinada mercadoria e para
isso produzem necessidades. Essa produção é impulsionada pela mediação emocional, pois a
linguagem utilizada para instigar o consumo carrega um conteúdo afetivo-emocional. Esse
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O termo consumo pode ser entendido como compra e aquisição ou como uso e
utilização de algo. Essa ambiguidade na definição reflete a complexidade do ato de consumir,
que pode exercer desde a finalidade de suprir necessidades de subsistência como também
consumir sob influência das relações sociais. Relacionar a emoção como uma das formas de
influência do consumo nos permite observar os impactos de tal ato na subjetividade. Isso
ganha ainda mais relevância dado a centralidade do consumo em nossa sociedade,
influenciada pelo modo capitalista de organização social.
Torna-se relevante entender como o ato de consumir vincula-se com as diversas
relações da vida humana. Por isso, o presente texto se propôs a compreender a vinculação
entre a atividade e o consumir, e, por conseguinte, os desdobramentos subjetivos desse
vínculo. Para tal, procurou revisar a literatura pautando-se em categorias como o fetiche da
mercadoria e a dimensão mediadora da atividade e da emoção na constituição psíquica.
Em uma primeira análise, o estudo apresentou as definições de consumo encontradas
em dicionários como sendo o processo de apropriação, compra e uso das mercadorias.
Demonstrou também as relações entre os conceitos marxistas do fetiche da mercadoria,
alienação e coisificação quando passa a explicar a relação entre o valor de uso e valor de
troca, entre trabalho concreto e trabalho abstrato, demonstrando que desde o processo de
produção e venda, as mercadorias se destinam ao consumo e já escondem as relações sociais
contidas nelas. Esse processo provoca o que se chamou de coisificação ou reificação, na qual,
explorado pela Industria Cultural, como por exemplo pelo marketing, a sociedade capitalista
ou sociedade de consumidores transforma até mesmo a subjetividade em mercadoria.
Posteriormente foi apresentada a explicação da categoria emoção a partir da Psicologia
Sócio-Histórica, destacando a característica mediadora das emoções nas relações sociais. Pois,
através da interação e comunicação que os seres humanos realizam com a sociedade e
posteriormente consigo mesmo, na consciência, carrega nas expressões da linguagem a
dimensão emocional. A mediação emocional só é possível, pois através da atividade, discutida
no item seguinte, os seres humanos se relacionam com o mundo em sua volta, sendo essa
interação a gênese da consciência, demarcando assim o inconsciente como a ausência de
domínio da realidade.
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Desse modo, as relações humanas na sociedade ocorrem através da atividade, que por
sua vez é mediada pela linguagem e pelas emoções. Essas emoções são produto de uma
sociedade alienante que busca produzir nos humanos, que são consumidores, o sentimento de
que sua existência será melhor ou mais felizes se consumirem determinados objetos, produtos
da própria sociedade capitalista. Essa produção de estímulos afetivo-emocionais é bem
desempenhada pela indústria cultural, que encontra seu maior expoente no marketing, o qual
utiliza do conteúdo emocional contido na linguagem para promover o desejo de consumo de
seus produtos, sejam objetos, serviços ou modos de vida.
O consumo do sujeito provoca a sensação de bem-estar, pois através de uma relação
emocional, o consumidor se sente melhor e ao mesmo tempo que ele expressa socialmente,
demonstra sua identidade através do consumo de determinado produto e determinada marca,
ao mesmo tempo que os signos sociais expressos no produto se colam no sujeito. Evidenciar
essa mediação emocional para o consumidor é importante conteúdo para a Psicologia, pois
assim poderá verificar os implicantes dessa dinâmica na consciência, pensar em seu papel
crítico e até mesmo colaborar na forma de repensar hábitos de consumo, como formas mais
sustentável.
Considerando que as pesquisas devem ponderar os aspectos de constante movimento e
transformação dos sujeitos, do contexto, da história e das relações, entende-se que as
contribuições observadas nesse estudo se mostram insuficiente para abarcar a totalidade dessa
dinâmica entre consumo e emoção e os constantes processos de síntese. Portanto, sugere-se
que as pesquisas sobre os desdobramentos da relação entre consumo e emoção sejam
continuamente aprimoradas através da incorporação dos avanços e superação de seus limites.
REFERÊNCIAS
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file:///C:/Users/Usuario/Desktop/TCC/Dicionário%20Marxista.pdf> Acesso em 14 de
Outubro de 2019
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em: <https://www.dicio.com.br/consumo/>. Acesso em: 14 de março de 2020b
COSTA, Áurea Júlia de Abreu e PASCUAL, Jesus Garcia. (2012). Análise sobre as emoções
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Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/psoc/v24n3/16.pdf> Acesso em 02 Maio 2020
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed.Ediitora Atlas SA, 2008.
LANE, Silvia T. Maurer; CAMARGO, Denise de. Contribuição de Vigotski para o estudo
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