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SILESIO, O POTEIRO
... uma homenagem a CABO SOARES
Texto: Bruno Casalunga & Raysa Costa
Supervisão de Texto: Bruno Casalunga
Colaboração: Lara Amaral & Ana Julia Custódio.

O espetáculo será conduzido por trechos da carta fictícia, baseada na história


contada por CABO SOARES a Bruno Casalunga na Avenida Santana, lado praia, Jardim
Santana, na cidade de Mongaguá (SP). Será composto apenas de 3 CENAS, feitas no Centro
Histórico de Santos (também fictício), para melhor organização do espetáculo.

CENA 01
CENTRO HISTÓRICO DE SANTOS...

SOLANGE entra... Ela já está luvas e carrega uma pilha de papeis e com o semblante
cansado...
SOLANGE – Eu não vejo a hora de ter alguém pra me ajudar com todos esses documentos...
(pega algumas folhas) – Cartas... Fotos... Registros...
A chefe GIOVANNA entra acompanhada de LARISSA, funcionária nova. As duas
estão de luvas ao longo do diálogo.
GIOVANNA – Bem-vinda, Larissa... Você tem excelente formação e sabe que aqui tem
histórias que nem nós mesmos temos noção e o seu trabalho é achar todas possíveis...
LARISSA - Ok chefe, vou me esforçar ao máximo para não te desapontar!
GIOVANNA – Esta é sua colega de trabalho: SOLANGE... Uma funcionária exemplar e
extremamente dedicada aos documentos históricos... Já já você conhecerá MAYA, que
chegará com o lote de cartas para vocês analisarem!
SOLANGE – Com a chegada da Larissa, fica bem mais fácil fazermos uma agenda de
documentos, pois recentemente está tudo muito misturado...
GIOVANNA – A ideia é que a partir de agora vocês se organizem de acordo com a data dos
eventos que teremos... (faz um sinal de preocupação) – Gente, que esquecida que eu sou:
essa semana teremos uma homenagem aos dez anos de aposentadoria do CABO SOARES!
As duas – CABO SOARES?
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GIOVANNA – Sim: foi um grande colaborador da Polícia Militar, e também da Polícia Civil
na capital paulista e aqui no litoral... Porém não sei onde deixei o lote com os documentos
dele (tempo) – Vamos fazer assim: organizem tudo até a Maya chegar enquanto eu procuro
o material para a homenagem...
GIOVANNA sai...
LARISSA (assustada) – Nossa: as coisas por aqui são bem frenéticas!
SOLANGE – As vezes não passa uma borboleta por essa sala de tão tedioso... Mas as vezes,
do dia pra noite, tudo tem que ser resolvido com o máximo de rapidez!
MAYA entra. SOLANGE começa a andar pela sala procurando alguma coisa, até
achar alguns jornais velhos que falavam sobre um incêndio em um frigorifico bem antigo e
ela começa a ler:
SOLANGE (lendo bem curiosa) - “INCÊNDIO EM FRIGORÍFICO, NA CAPITAL
PAULISTA, NÃO DEIXA FERIDOS”
MAYA (cumprimentando LARISSA) – Oi, eu imagino que você seja a Larissa... Preciso
deixar esse lote de cartas... Que tanto lê, SOLANGE?
SOLANGE – A Giovanna está preocupada com o evento em homenagem ao CABO
SOARES, mas acabei de achar uma matéria completa neste jornal de 2012.
MAYA – Eu vou tentar ajudá-la no outro setor...
MAYA deixa o lote em cima da mesa e sai... LARISSA abre o lote...
LARISSA – Eu não imaginava que vinham tantas cartas...
SOLANGE – E nenhuma pode ser guardada sem ser lida e resumida (pega um cartãozinho)
– Aqui!
LARISSA (surpresa) – Você faz isso todos os dias?
SOLANGE – Sim, esse é meu trabalho há dez anos... Olha que curioso: a data da reportagem
é exatamente o dia que comecei a trabalhar aqui...
MAYA começa a tirar as cartas do lote até deixar cair todas no chão...
MAYA – Que desastre...
SOLANGE (bem séria) – Agora complicou a nossa vida, moça! Porque teremos que separar
todos os envelopes por datas...
SOLANGE começa a ajudá-la até que encontra um envelope:
SOLANGE – Espera um pouco... Um envelope nomeado ao CABO...
MAYA – Você ta de brincadeira...
SOLANGE – 09 de agosto de 2012. Exatamente seis meses depois do incêndio...
MAYA (irônica) – Parece até uma delegada investigando fatos...
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SOLANGE ABRE A CARTA...


SOLANGE – Mas isso está um nojo... (pega um pincel) – Primeiro tenho que limpar...
MAYA se mantém concentrada apenas para organizar as cartas que estão no chão...
SOLANGE – Agora sim...
As narradoras da carta entram... e repetem junto com SOLANGE
AS TRÊS: SÃO PAULO, 02 DE AGOSTO DE 2012
SOLANGE E MAYA saem...
TRECHO 01
CARTA
NARRADORA 01 –
“Querido CABO SOARES
Ao observar minhas lembranças de tantos anos, acabei encontrando esta fotografia de minha
antiga empresa de frigoríficos. Ela ainda estava a todo vapor e com – aproximadamente – 50
funcionários sob minha responsabilidade. Seria humanamente impossível não lembrar de tudo que
você fez por mim e por cada um deles naquele dia. Talvez a correria não nos deixou ter uma conversa
mais sincera sobre aquele lugar, mas agora tenho tempo e minhas emoções estão em total equilíbrio
para que te conte em detalhes sobre o ocorrido daquele 01 de fevereiro de 2012.”
(Todo o elenco entra e transita de um lado para o outro duas vezes. SILÉSIO será o último
a entrar junto com ROBERTA. Estarão apenas os dois em cena)
ROBERTA - Bom dia SILÉSIO, como está?
SILÉSIO - Do jeito que deus manda, dona Roberta! Tudo bem com a senhora?
ROBERTA - Está tudo ótimo. ontem meu filho completou 15 anos. Você acredita? Parece que nasceu
ontem!
SILÉSIO - Mande meus parabéns para o garoto!
ROBERTA - Não só mandarei como tenho certeza que não esquecerá mais da data (abre a mala e
tira um pacote) – Trouxe pra você esse pedaço de bolo. É de ontem, mas deve estar bom ainda!
SILÉSIO (lisonjeado) - Agradecido, dona Roberta! Não precisava se preocupar comigo não!
ROBERTA - Me preocupo com todos vocês! (olha no relógio) – Adoraria continuar conversando,
mas tenho reunião com os representantes do novo projeto para o frigorífico.
SILÉSIO - Reforma?
ROBERTA - Também! Não pense que eu gosto, mas sou obrigada a seguir os novos protocolos de
higiene por causa desse novo surto de dengue que está assolando o estado. Ainda mais porque estamos
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no verão... (olha novamente no relógio) – Agora realmente tenho que ir, depois te coloco “a par”
sobre tudo!
SILÉSIO - Bom trabalho!
ROBERTA - Agradecida!
ROBERTA sai. Enquanto isso, SILÉSIO continua observando ao redor para ter certeza que
está tudo em ordem.

TRECHO 02
CARTA
NARRADOR 2 -
“Uma empresa grande demanda de nós muita responsabilidade: lidar com pessoas é algo
muito complicado quando temos muitos cargos a disposição: tinha duas funcionárias que me
enlouquecia pela ganância de quererem a coordenação do frigorífico: Mônica e Carla eram
competentes nas funções básicas que exerciam com os outros funcionários operacionais, mas
adoravam mandar indiretas uma para a outra.”

CARLA (observa Mônica) - Uniforme novo, é?


MÔNICA - Sim, ordem da patroazinha, não leu o comunicado em cima da mesa ontem?
CARLA – Oxi... E eu lá tenho cara de quem precisa de comunicado? A Joyce acabou de se
demitir. Não aguentou a pressão de ser supervisora da fábrica de hamburgueres (debochada)
– Tem gente que não sabe ganhar dinheiro...Que bom que eu sei!
MÔNICA - Você realmente acha que vai conseguir esse cargo... assim? (irônica) –
Realmente o critério pra “Funcionária do Mês” não combina com você: sem o uniforme, não
assina comunicado e ainda quer um cargo de confiança... (começa a rir).
CARLA - Eu trabalho aqui há mais de 15 anos ... Você acha mesmo que o patroazinha nunca
notou as minhas qualidades?
MÔNICA - Desobediência agora tem outro nome, é isso?
CARLA - Aposta quanto que até o final do dia a patroazinha tá me chamando na sala dela
para me dar o novo cargo?
MÔNICA – “Me poupe”, Carla! Não seja tão confiante assim!
CARLA - Só estou sendo realista
NARRADORA 2 –
“Algumas vezes eu era obrigada e interferir...”
MÔNICA (extremamente irritada) - Está se achando a “última bolacha do pacote”, né? Acha
que é melhor do que eu?
CARLA – Eu não estou achando... Eu tenho certeza
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ROBERTA – Hey, o que está acontecendo aqui?


As duas se calam...
ROBERTA – Eu fiz uma PERGUNTA para as duas...
MÔNICA – É que a Joyce se demitiu e...
ROBERTA – A demissão da Joyce é um problema exclusivamente meu... Eu não estou acreditando
que até agora, mais de uma hora de expediente, vocês duas estão aqui sem fazer NADA!
MÔNICA – Espera, Roberta, não é bem assim...
CARLA – Eu já conferi se todos os funcionários chegaram...
ROBERTA – Acontece, meu bem... Que isso que confere é o Silésio, não você... Eu que pegue mais
uma vez as duas discutindo feito “criancinha” que vou tomar uma providência bem mais séria (tempo)
– TCHAU... AS DUAS...
As duas saem e Roberta se posiciona ao lado de SILÉSIO.
NARRADOR 1
“O que mais me chamava atenção era: por mais que quisessem – literalmente – se matar, uma sempre
sentia a falta da outra num momento de ausência.”

Entra a CARLA preocupada...


NARRADOR 2 – Alguns dias depois...
CARLA – Roberta, estou seriamente desconfiada de que a Mônica não virá hoje... Está com
todos os sintomas de dengue... Eu faço a parte dela hoje! (sai)
Entra a MÔNICA...
NARRADOR 1 – Duas semanas depois...
MÔNICA – Roberta, o pai da Carla faleceu de dengue... Ele não resistiu aos sintomas... Pode
deixar que eu faço a parte dela...
CENA 02

CENTRO HISTÓRICO DE SANTOS...


TRECHO 03

CARTA
SOLANGE (lendo) –
“Mais trabalho do que as duas funcionárias, só poderiam me dar meus dois filhos. Eu fui
mãe viúva muito cedo: tinha menos de 18 anos quando tive Pedro, meu mais velho. Meu casamento
era perfeito: tínhamos tempo para o fim de semana em família e dois anos depois tive João. Dois
dias depois meu marido morreu num acidente de avião voltando para casa. A partir dali tive a
impressão de que perdi o controle sobre a criação dos dois, mesmo podendo dar tudo o que eles
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almejavam: boas escolas, curso de Inglês, viagens... Fico sempre com a impressão de que – ainda –
nada disso é o suficiente...”

JOÃO - Onde já se viu, agora a mamãe papai resolveu controlar a hora do videogame!
PEDRO - Você viu que meia ridícula que ela me deu de aniversário?
JOÃO - Vai se acostumando. Já já ela te dá uma polo, depois um terno e gravata pra você
assumir a empresa!
PEDRO (indignado) - Eu não vou passar o resto da vida cuidando de carne, frango e peixe!
Jamais! Já quero ver se coloco na cabeça dela de pagar o câmbio pro Canadá desde já...
JOÃO (irônico) - Você só falta nas aulas de Inglês. Toda a semana a mamãe tem que ficar
disfarçando, indo lá no cursinho, pagando multa... Inventando uma desculpa porque você
resolveu faltar...
PEDRO - Só vou na casa da Simone pra jogar videogame com o irmão dela.
JOÃO - E tem que se ser sempre no horário da aula de Inglês? (debochado) – Você sabe que
ela não gosta dessa menina...
PEDRO – Ela não gosta da MÃE dessa menina, que é nossa fiscal... Mas isso não é problema
meu!
JOÃO - Você é muito “cara de pau”. não sabe nem mentir! Eu pelo menos disfarço: não gosto
muito daqui, mas quando o papai era vivo... me chamava e – como hoje – eu aparecia, fazendo
o “bom moço”. Agora eu tenho que ficar “mês a mês” convencendo a mamãe de manter a
mesma mesada.
PEDRO (olha pro celular). - Então vamos ver a atuação do “bom moço” (irônico) – que já
está atrasado há vinte minutos.
(O celular de João toca)
JOÃO - Você e suas premunições... (tempo) – Oi mãe, já cheguei é que o Taxi demorou pra
passar e tinha bastante trânsito na AVENIDA PRINCIPAL... Ta... Eu já vou colocar o
uniforme pra começar os cortes...
OS DOIS saem e SILÉSIO fica só, inconformado...
SILÉSIO – É isso aí meu Deus: uns com muito... Outros sem nada! Tem gente que não
merece a mãe que tem...
SILÉSIO sai...
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TRECHO 04

CARTA

SOLANGE –
“As vezes me envergonho com as atitudes dos dois: entram na empresa, não cumprimentam
o Silésio (prometo que falarei sobre mais pra frente)... Certo dia minha empresa “virou do avesso”:
Joyce, me pediu as contas e me deixou sem chão, ainda para ajudar os dois tiraram o dia para
me causar dores de cabeça: cada frescura, cada pedido sem fundamento... Mentiras e desculpas
que – como mãe - não tinha como aturar.”

SILÉSIO chega no frigorifico para conferir se está tudo bem. Começam os barulhos
de furadeiras e marretadas e ele coloca a mão nos ouvidos.

SILÉSIO - Bom dia...


ROBERTA - Bom dia, Silésio!
SILÉSIO (incomodado) - Que barulheira é essa logo de manhã ?
ROBERTA: Com certeza é essa “raio” dessa Reforma....
JOÃO E PEDRO entram sem o uniforme e com as mochilas nas costas...
JOÃO – Mãe, viemos buscar o dinheiro para o lanche!
ROBERTA – Primeiro lugar: BOM DIA!
OS DOIS – Bom dia, mãe!
ROBERTA – Segundo, falaram bom dia para o Silésio?
OS DOIS (sínicos) - AH, "OI"!
JOÃO - Mãe, a gente não aguenta mais aquele videogame velho... Nem parece que
compramos ha três dias... Hoje vamos pra escola e depois já estamos prontos para ir para
Santa Catarina
PEDRO – As nossas malas estão prontas!
ROBERTA – Pois podem ir pra escola, voltar pra casa e desfazer das malas: VIAGEM
CANCELADA!
OS DOIS – O que?
ROBERTA - EU PRECISO QUE VOCÊS SEJAM MAIS COMPREENSIVOS... EU NÃO
SOU UMA MÁQUINA DE DINHEIRO: É O LANCHE, É O VIDEOGAME, É A
VIAGEM,, É O INGLÊS...
JOÃO – Eu honro com tudo que a senhora paga...
PEDRO – E eu também...
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ROBERTA – Vocês precisam ACORDAR PRA VIDA. A nossa sorte é que essa empresa
não PARA de vender. Mas os gastos com a reforma são enormes... É daqui que sai todos
esses luxos de vocês, sabia?
JOÃO (fazendo manha) Ah então a reforma é mais importante que a nossa viagem pra Santa
Catarina?
PEDRO - Imagina como a vovó Cila vai ficar chateada se não formos?
ROBERTA: EU ESPERAVA MAIS MATURIDADE DA PARTE DE VOCÊS DOIS: NÃO
ESSA CENA RIDICULA DE DUAS CRIANÇAS QUE ESTÃO NA "PRÉ ESCOLA"...
JOÃO – Agora a culpa é nossa...
ROBERTA - DA ÚLTIMA VEZ QUE VOCÊS FORAM PARA A CASA DELA, MAL
SAÍRAM DO QUARTO, MEXENDO NO CELULAR, ENQUANTO ELA FICAVA
PREPARANDO AS COISAS NA COZINHA!
Os DOIS ficam em silêncio
ROBERTA - E ALÉM DO MAIS: QUEM AMA, CUIDA! VOCÊS LIGARAM PRA ELA
NO ÚLTIMO ANIVERSÁRIO?
JOÃO: EU ESTAVA TRABALHANDO COM VOCÊ!
PEDRO: E NA SEMANA PASSADA EU TIVE UM INTENSIVÃO NO INGLES...
ROBERTA: ACONTECE, FILHOS QUERIDOS, QUE O ANIVERSÁRIO DA SUA AVÓ
FOI ONTEM! (decepcionada)- Viagem cancelada! Direto pra escola: OS DOIS...
TRECHO 05
CARTA
NARRADOR 1 –

“Eu tive a impressão de que tudo resolveu acontecer no mesmo dia... As funcionárias
brigaram feio na minha frente e eu recebi três fiscais... Três pessoas que me colocaram de frente com
a maldade humana... Como pode uma pessoa ser capaz de fazer qualquer coisa por dinheiro? O que
será que nos transformamos quando é nos dado um cargo de confiança? Nathália, Cíntia e Hélida
eram o exemplo vivo do que havia de mais sórdido em um ser humano...”

ROBERTA – Filhos SILÉSIO... FILHOS! Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando
resolvi colocar esses dois no mundo...
SILÉSIO – Acalme-se dona Roberta, eu tenho cinco... Quando está tudo bem, é um paraíso,
mas as vezes, dá uns “encrespo” em casa, que “sai de baixo”
ROBERTA (ri) – Só você pra me fazer dar risada num caos como esse, Silésio...
SILÉSIO (preocupado) - Hoje chegará a porta grande, mas pelo que eu entendi, deverá entrar
pela janela do primeiro andar, pois não caberá no elevador!
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ROBERTA - VOCÊ TEM INTEIRA CAPACIDADE PARA COMANDAR ESSA


MUDANÇA! Quanto a porta não esqueça de assinar os protocolos e peça para alguém
colocar na minha mesa... A Joyce vai fazer falta... Mas é impossível contratar alguém agora!
SILESIO – Agradeço a confiança!
ROBERTA – Agora vá almoçar porque precisarei muito de você aqui no período da tarde!
Se você puder fazer um horário reduzido apenas hoje!
SILÉSIO – Claro... Mas a senhora parece preocupada... E não é com os filhos não...
ROBERTA – Eu estou achando que a empresa está aberta demais pra muita gente... Por maior
que seja o seu empenho, tem o triplo de funcionários aqui, fora os nossos...
SILÉSIO – Eu ainda não entendi onde quer chegar...
ROBERTA – Estou sentindo que a qualquer momento podemos perder o controle de
acidentes, ou coisa do tipo...
SILÉSIO (bate na madeira) – Bate na madeira se não atrai... Vou rápido pra voltar rápido!
SILÉSIO SAI. Do outro lado Nathalia entra...
NATHALIA (com cara de nojo) - Com licença, lindinha... Tudo bem? Eu queria saber quem
é o dono desse lugar?
ROBERTA (incisiva) – Sou EU mesmo por quê?
NATHALIA – Ah tah... Percebe-se! Por acaso alguém limpa esse lugar?
ROBERTA - Olha aqui, “lindinha”, por falta de um, eu tenho quatro pessoas que limpam
isso AQUI TODOS OS DIAS, e outra... Você é fiscal do que? Eu não estou vendo sua
credencial...
NATHALIA – É que eu sou nova na empresa de fiscalização...
ROBERTA – Não seja por isso, vou ligar pra sua chefe agora!
NATHALIA sai... CÍNTIA entra...

CÍNTIA - E aí? Conseguiu algum podre para a gente multar esse lugarzinho?
NATHALIA – Não, segunda chefinha, não consegui nada! Esse lugar não tem um arranhão...
um vidro quebrado...
CÍNTIA – Eu NÃO acredito nisso! Dois dias de trabalho e você não teve a capacidade de
multar essa multiempresa? O nosso salário depende disso!
NATHALIA – Eu sei disso, Cíntia!
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CINTIA – Cíntia, não, DONA CÍNTIA! Esse lugar está entupido de gente pra tudo quanto é
canto. Fiscalize TUDO: equipamento de segurança, os andaimes, elevadores internos,
externos... O lanche dos funcionários...
NATHALIA – Lanche de funcionário?
CÍNTIA (irônica) – Sim, o lanche dos funcionários. É impossível que não tenha
absolutamente nada errado nesse lugar...
NATHALIA fica parada enquanto CÍNTIA mexe no celular...
CÍNTIA (cruza os braços) – Meu bem... É PRA HOJE!
NATHALIA sai... Entram MÔNICA e CARLA.
CÍNTIA – Olá, boa tarde! Eu posso fazer uma pequena entrevista com vocês?
AS DUAS se olham e respondem
AS DUAS – NÃO!
CÍNTIA – Pois então eu vou multar esse lugar por desrespeito a ordem pública...
MÔNICA – Como assim, moça! Eu nunca te vi na vida e de repente sou multada por que
você me obriga e te responder?
CARLA – Até onde não me falha a memória tudo aqui dentro só acontece mediante a
agendamentos...
CÍNTIA – Vocês trabalham aqui há muito tempo.
AS DUAS – 15 anos!
CÍNTIA – Costumam fazer horário de almoço?
CARLA – EU FAÇO UMA!
MÔNICA – QUANDO ELA VOLTA, EU SAIO PRA ALMOÇAR!
CÍNTIA (anota na prancheta) – “Não têm horário fixo de almoço”!
CARLA – Eu não disse isso!
MÔNICA – Muito menos eu...
CARLA – Tive uma ideia, Mônica: vamos multá-la por difamação?
MÔNICA – Verdade... Você é a...
CÍNTIA – Com licença, eu esqueci minha credencial...
CINTIA sai...
CARLA – Dessa vez foi por pouco...
MÔNICA – Não foi não... Elas estavam sem carteirinha e doidas pra aplicar mais um golpe...
CARLA - É bom “ficar de olho”!
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MÔNICA – Verdade amiga... Mais tarde vamos tomar um café... Tem um monte de coisa
pra te contar
AS DUAS SAEM, Entra Helida do outro lado falando no celular completamente
transtornada!
HÉLIDA – DUAS INCOMPETENTES, É ISSO QUE VOCÊS SÃO! EU VOU DAR MAIS
UM DIA PRA VOCÊS MULTAREM AQUELE LUGAR SE NÃO TODAS VÃO PARA O
“OLHO DA RUA”! Sei lá: joga areia, tava óleo no chão... Simula um incêndio. EU QUERO
ESSA MULTA NA MINHA MESA HOJE A NOITE!
HÉLIDA sai...
TRECHOS 06 - 07

CARTA

NARRADOR 1 –
“Aquela reforma me enlouqueceu... Entravam e saiam pessoas a todo instante com materiais
de construção, objetos e as fiscais não saiam do meu pé... Elas queriam arrancar dinheiro daquele
lugar de qualquer jeito. NINGUÉM se dava ao trabalho de cumprimentar Sinésio e – pra minha
vergonha – isso incluía meus filhos! Era pra ser apenas a troca de uma porta e tudo se tornou um
pesadelo...”

NARRADOR 2 –
“Lembrou que te contaria sobre Sinésio, o porteiro? Hoje tenho certeza de que – mais do
que um amigo – no dia da tragédia ele foi meu melhor funcionário: fomos sabotados por um
vazamento na tubulação de gás... E eu preocupada com a disposição da porta, que tinha o dobro do
tamanho normal.”

JOÃO – Que cheiro forte de gás...

PEDRO – Temos que avisar a mamãe...

JOÃO – Eu vou é sair daqui!

PEDRO – Eu vou atrás dela

JOÃO pega o irmão pelo braço e os dois saem...

CARLA – Eu to sentindo um cheio forte de gás...

MÔNICA – Cadê aquele porteiro?

CARLA – NÃO IMPORTA ligue para a Roberta, avise que é melhor todos saírem do prédio!

MONICA – Conseguiu?

CARLA – Ela deve ter entrado no frigorifico... Lá nenhum sinal pega!


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AS DUAS FISCAIS – FOGO! ESTÁ PEGANDO FOGO!

TODOS – SOCORRO!

TRECHOS 08 - 09

CARTA

SOLANGE –
“Todos corriam, gritavam, era um descontrole absurdo... Em vinte anos na liderança do
frigorífico eu nunca... nunca vivenciei algo tão medonho, porém conforme entrei no frigorífico e o
incêndio se fez do lado de fora, a trave da porta se fechou automaticamente e, não tinha condição
alguma de sair dali... Eu estava há – 25ºC. Presa naquele lugar eu tinha certeza absoluta que ia
morrer... Só conseguia pensar nos meus filhos...”

NARRADOR 1 –

“O que fazer quando se está realmente entre a vida e a morte? Sem um único equipamento
de segurança pela força do hábito de entrar e sair em menos de dez minutos para conferir carnes,
peixes e frangos com a data de validação... Se os cortes estão corretos? O que sempre fazia
diariamente, naquele momento, comprometia minha segurança física... O que fiz... Rezei! Atualizei
todas as preces faltosas em dias de culto, em dias de missa, nos momentos de Evangelhos. Orei...
MUITO!”

ROBERTA -
01-) MEU DEUS, AGORA ESTAMOS FRENTE A FRENTE: APENAS EU E VOCÊ
02-) ASSIM O FAÇA: NÃO SOU UM EXEMPLO DE MÃE NESTE MUNDO CONFESSO
SER UMA PATROA SOCIÁVEL E FIRME,
03-) MAS NÃO SEI SE FUI PREPARADA PARA TER MEUS FILHOS...
04-) AOS OLHOS DELES SE FAZEM DESNECESSÁRIAS...
05-) E AGORA? NOVAMENTE ORFÃOS?
06-) APENAS ME MOSTRE SEU CAMINHO QUE PROMETO ACEITAR QUALQUER
QUE SEJA SUA DECISÃO!
07-) QUE ASSIM SEJA!
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TRECHO 10

CARTA
LARISSA –
“Não consegui acreditar quando aquela porta se abriu: era Sinésio, no meio de muita
fumaça... Abriu a trave com a mesma naturalidade que colocava a chave principal para abrir o
saguão e sentar no seu lugar de sempre... Era impossível não acreditar que – naquele dia – fui
testemunha de um milagre!”

A porta se abre... ROBERTA está caída no chão e treme bastante:

ROBERTA – QUEM ESTÁ AÍ?


SILESIO – É EU, UAI, QUEM HÁ DE SER?
ROBERTA – SILÉSIO, O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI A ESSA HORA?
SILESIO – TO TRABALHANDO, DONA ROBERTA!
ROBERTA - DEI ORDEM PARA QUE TODOS SAISSEM DO PRÉDIO!
SILESIO - EU SEI!
ROBERTA - ENTÃO VOCÊ ME DESOBEDECEU!
SILESIO - DESOBEDECI, "NÃO SENHORA"... NO MEIO DA GRITARIA CADA UM
FALAVA UMA COISA, E NINGUÉM FALAVA COMIGO, NÃO!
ROBERTA - AINDA NÃO ME EXPLICOU O QUE ESTÁ FAZ AQUI...
SILESIO - VIM ABRIR A PORTA DO FRIGORIFICO PRA SENHORA, SABIA QUE
ESTAVA AQUI!
ROBERTA – MAS COMO?
SILESIO - UAI, SE A SENHORA É A ÚNICA NESSE LUGAR QUE ME DA “BOM DIA”
DE MANHÃ QUANDO CHEGA. E “BOA NOITE” QUANDO VAI EMBORA. REPAREI
QUE FOI A ÚNICA QUE NÃO SAIU DO PRÉDIO...
ROBERTA – EU NÃO POSSO ACREDITAR NISSO!
SILÉSIO – OS BOMEIROS TACARAM ÁGUA NO FOGAREU E EU ENTREI.. EU
SABIA QUE A SENHORA SÓ PODERIA ESTAR AAQUI!
ROBERTA – SILÉSIO...
SILÉSIO – É MELHOR A GENTE CONVERSAR DEPOIS (tira o próprio casaco) – TEM
TODO UMA EQUIPE LÁ EMBAIXO PRA ACOLHER A SENHORA... “VAMOS
DESCENDO” PRA GENTE CONGELADO, "NÉ MESMO”?
ROBERTA (ASSUSTADA) - TEM RAZÃO!
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TRECHO 11

CARTA
MAYA -
“Fui socorrida por você – querido SOARES - minutos depois, e me lembro da calma pela
qual você se manteve a todo instante: queria apenas sair dali... Você me pedindo “CALMA” e Silésio
com o sorriso no rosto, respondendo a você: “EU NÃO DISSE QUE ELA TAVA VIVA?”.
Infelizmente não pude continuar com a empresa aberta, todo o material inflável como:
plásticos e papeis que eram usados na carne, além de todo o restante se deteriorou com o fogo...
Graças a você SOARES pude descobrir que a principal responsável por isso foi Cíntia, pois foi você
quem descobriu as digitais na tubulação e um brinco que ela deve ter perdido assim que cometeu
esse crime. Fiz questão de investigar a fundo... E consegui que prendessem as TRÊS! Nunca mais
tive o desprazer de vê-las novamente!”

CÍNTIA – ISSO É CALÚNIA!


HÉLIDA – NINGUÉM PODE COMPROVAR NADA!
NATHALIA – MALDIDA HORA QUE EU ACEITEI ESSE EMPREGO!

AS TRÊS SAEM...

CENA 03
CENTRO HISTÓRICO
Tudo já está arrumado... Solange fecha a carta!

SOLANGE – Realmente essa história daria um livro...


MAYA – Você estava tão concentrada que nem me viu organizando todas as cartas enviadas a ele
depois do acidente!
GIOVANNA retorna...
GIOVANNA – Queridas, já acabou nosso expediente! Eu imagino que, pela organização desse
arquivo, vocês tenham encontrado alguma coisa!
AS DUAS – Alguma coisa?
GIOVANNA – Era o esperado... Agora vamos descansar!
SOLANGE – Eu só fico imaginando como essa carta pode ter sido produzida...
AS TRÊS SAEM. E Roberta entra com o notebook para a cena final. Ela poderá se posicionar
no mesmo local que as historiadoras, mas deve ler um trecho anterior da carta que diz: “E consegui
que prendessem as TRÊS! Nunca mais tive o desprazer de vê-las novamente!” e demonstrar bastante
empolgação ao relatar isso! Por fim digitará e lerá em voz alta a finalização da carta:
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TRECHO 12
CARTA
ROBERTA –

Finalizo essa carta agradecendo você por tudo! TUDO! Apenas um buquê de flores e
chocolates seriam menos do que o mínimo de presente que você e Silésio mereceriam por me
salvarem! Mas entendam: vocês foram ÚNICOS na minha vida! Hoje trabalho em casa, faço
recrutamentos e entrevistas.... Meus filhos já são dois adultos, casados, só não me deram netos
ainda... E encerro essa carta com o mesmo carinho que a comecei.

GRATIDÃO! POR TUDO!

ASS.
ROBERTA FREIRE

FIM

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