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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

Trabalho Final Atenção Básica

PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DO MATRICIAMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA EM

UMA COMUNIDADE DA ZONA NORTE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Professora: Daniela Mota

Alunas:

Alice Aguiar Xavier


DRE: 116182138

Ana Carolina de Oliveira


DRE:120188756

Emily Lopes Maciel


DRE: 120169265

Lídia de Souza Rodrigues


DRE: 120157357

Luana Basilio Rodrigues


DRE: 120137488

Paula Caroline Burgarelli


DRE: 117082519

Raphaela Silveira de Oliveira

DRE: 120178159

Samantha Lacerda
DRE: 120154359

Rio de Janeiro

2022
PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DO MATRICIAMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA EM
UMA COMUNIDADE DA ZONA NORTE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

1. Introdução

O conceito de apoio matricial foi desenvolvido por Gastão Wagner Campos, o qual
percebia a necessidade de uma rede interligada de serviços de saúde que possibilitasse a troca
de saberes e práticas. Matriciamento ou apoio matricial "é um novo modo de produzir saúde
em que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada, criam uma
proposta de intervenção pedagógico-terapêutica". (Chiaverini, et al. 2011, pp.15)

Nesta perspectiva, pode-se destacar a importância do Apoio Matricial, para que se


efetivem ações no território descrito no estudo de Silva et al. (2021), localizado na zona norte
da cidade do Rio de Janeiro, com uma população residente de 36.160 habitantes em um
complexo de favelas. Este trabalho apresentará uma proposta de implementação de um
projeto com foco em propor ações de matriciamento na Atenção Básica do território
apresentado.

1.1. Objetivo Geral

Este trabalho tem o objetivo geral de apresentar uma proposta de projeto que visa a
implementação de ações de matriciamento alinhado com o serviço de Atenção Básica do
território que tem buscado desenvolver estratégias de cuidado para minimizar os efeitos das
violências e fortalecer os vínculos, e a busca por atendimentos especializados, como de
psicólogos e psiquiatras em casos de sofrimentos psíquicos, gera encaminhamentos para a
instituição de saúde à qual esses serviços estão vinculados.

1.2. Objetivos Específicos

Os objetivos específicos do seguinte trabalho são:

a. Apresentar de forma geral as características do território, bem como pontuar as


demandas apresentadas no estudo de Silva et al. (2021) para a elaboração do Projeto;
b. Apresentar a metodologia escolhida para a criação do Projeto;
c. Apresentação dos objetivos a serem alcançados;
d. Apresentação do Projeto de Matriciamento para o território ao longo de 12 meses;
e. Descrever as ações a serem realizadas e como enfrentar os principais desafios trazidos
pelos trabalhadores.
2. O Território e suas demandas

O território é descrito no estudo de Silva et al. (2021) e se refere a um bairro


localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro com uma população residente de 36.160
habitantes em um complexo de favelas. Apoiando-se no Sistema de Informação de
Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS), as autoras destacaram que o índice de
violência no território está acima da média comparada com a média geral do município do
Rio de Janeiro, ou seja, 39% das mortes locais por causas externas foram relacionadas à
violência armada, enquanto o município do Rio de Janeiro teve percentual de 22% (Silva et
al., 2021).

Em função da violência, os trabalhadores da Atenção Básica relataram dificuldades


para articulação com a rede intersetorial, em razão da sobrecarga de trabalho e das
dificuldades logísticas. Ademais, o referenciamento para a rede intersetorial demanda tempo,
o qual não é contabilizado nas metas do serviço de saúde. A violência armada impacta
diretamente diferentes componentes da rede: “medo, sentimento de impotência, adoecimento
físico e mental dos trabalhadores e dificuldade na circulação pelo território prejudicam a
integração entre os diferentes serviços” (Silva et al., 2021).

É visto que a noção de território se dá de forma latente e é parte constitucional na


subjetividade de cada pessoa, quando se pensa vertentes como: moradia, renda, alimentação,
trabalho, educação e acesso aos serviços essenciais, assim, pode afetar não só o lado mental
mas também o direito ao acesso à atenção primária à saúde dessa pessoa. Dito isso, é
necessária uma maior cobertura, para saídas que possam suprir as demandas relatadas pelos
pacientes que chegam para a atenção básica. Destaca-se ainda que por cada situação ter sua
própria experiência pessoal, é mais difícil ainda gerar medidas que consigam atender todas as
demandas que chegam. Torna-se ainda mais importante essa necessidade primordial.
3. Projeto de Matriciamento (12 meses)

Planejamento por Bimestre

1º Bimestre 2º Bimestre 3º Bimestre 4º Bimestre

1º Roda de conversa Reuniões de Reuniões de Reuniões de


A chegada no Autogestão: Gestão Autogestão: Gestão Autogestão: Gestão
território Colegiada Colegiada Colegiada
(Semanal) (Semanal) (Semanal)

Acolhimento Acolhimento Acolhimento Acolhimento

Dinâmica em grupo: Dinâmicas em Dinâmica em grupo: Dinâmica em grupo:


História Ficcional grupo: História História Ficcional História Ficcional
Ficcional

Levantamento dos
serviços de atenção
atuantes no território

4. Objetivos a serem alcançados com o projeto: Descrição das ações a serem


realizadas e o enfrentamento dos principais desafios trazidos pelos
trabalhadores.

4.1. Ações voltadas para o fortalecimento de vínculo com a comunidade para


o entendimento de suas necessidades;

Roda de Conversa

Toda ação de cuidado ofertada na Atenção Básica deve decorrer do vínculo, pois,
através desse pilar é possibilitado o melhor conhecimento sobre os “reais problemas da
população", assim como, o relacionamento entre profissionais e usuários. Seguindo essa
diretriz, a primeira ação pensada conjuntamente entre a equipe do NASF e a de referência foi
promover uma conversa com os demais profissionais da unidade, dos agentes comunitários
até os médicos especialistas, acolhendo e viabilizando a fala desses profissionais referente a
suas atividades e desafios. A Roda de Conversa teria como objetivo primário, ofertar um
espaço de escuta e fala, não apenas para equipe de matriciamento, mas de todos, uma escuta
vivenciada. Tendo como segundo objetivo, o reconhecimento dos limites e implicações na
atuação da equipe. Além de, fomentar as possibilidades e responsabilidades da atenção em
saúde, dado o contexto de violência onde estão inseridos.

As práticas em saúde decorrem de vínculos de cuidado bem-estruturados,


sustentando-se em quatro pilares que permitem, de forma específica, a ação das diferentes
técnicas psicoterápicas. Sendo elas: acolhimento, escuta, suporte e esclarecimento.

Acolhimento

Em primeiro plano, é ofertado o acolhimento, responsável pela criação do vínculo,


que permite maior cuidado. Acompanhado disso, temos a escuta, que além de possibilitar a
fala do sujeito, também cria espaços para que o usuário reflita sobre seu sofrimento e suas
causas. Posteriormente, é construído o suporte, reforçando a segurança daquele que sofre e o
empodera na busca de soluções para seus problemas. Por fim, o esclarecimento, que ocorre
por meio da informação ao esclarecer dúvidas e instruir de maneira adequada, permitindo a
reestruturação do pensamento com repercussão nos sintomas emocionais e físicos. Esses
pilares são mecanismos presentes em qualquer relação terapêutica, principalmente nos
contextos mais complexos, como o de violência, que pode ser instrumentalizado por todos os
profissionais de saúde.

Para a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), vínculo


“consiste na construção de relações de afetividade e confiança
entre o usuário e o trabalhador da saúde, permitindo o
aprofundamento do processo de corresponsabilização pela
saúde, construído ao longo do tempo, além de carregar, em si,
um potencial terapêutico” (Brasil, 2012, p. 21).

A política enquadra o vínculo como condicionante de sua efetivação, uma vez que o
apresenta como viabilizador da corresponsabilidade, continuidade e longitudinalidade do
cuidado.

Em busca do fortalecimento do vínculo entre os profissionais do dispositivo e os


usuários, assim como dos usuários uns com os outros, cria-se a dinâmica prática chamada de
“Roda de Histórias”, que consiste numa terapia grupal semanal por meio da escritura (os
usuários escrevem o texto durante a semana) e depois, leitura (em grupo, durante o encontro
semanal) de histórias, que podem ser fictícias ou não — ou seja, podem ser relatos dos
usuários também, porém narrados enquanto uma história — que converse com algum
sentimento ou situação enfrentada por quem a escreveu.

Essa atividade possibilita que os usuários se expressem e compartilhem suas vivências


com mais facilidade, pois há um certo afastamento na hora de contar, considerando que
devido aos demais elementos fictícios na história, ou até mesmo, se for por meio de
metáforas, os usuários se expõem, mas não diretamente. Assim, facilitando o processo dos
usuários mais fechados — seja pelo nível do trauma ou qualquer outra questão — e
diminuindo a lacuna entre o profissional e eles.

Dinâmica em grupo: histórias ficcionais

Espera-se que, por meio das histórias ficcionais, os usuários revelem suas histórias de
vida, seus anseios e desejos de maneira mais fluida e confortável para eles: posto que eles se
abrem nesse processo terapêutico, porém sendo o quão vulneráveis eles conseguem naquele
momento. Esses encontros foram pensados nas pessoas que mais tem dificuldade de falar de
si e de sua vida, visto que, é mais fácil falar sobre a situação de fora, de uma “terceira pessoa”
que reflete a sua história, do que a sua própria.

Não obstante, outro ponto muito positivo desses encontros é o fato de que durante as
leituras das histórias — pelos próprios escritores — os demais usuários presentes na roda vão
se identificando também com determinados aspectos da narrativa, posto que todos ali têm
vivências compartilhadas, em alguma esfera, e esse reconhecimento, também faz parte do
processo terapêutico deles — ressaltando que, mesmo o projeto tendo a arte enquanto
ferramenta de cura, os usuários são autorizados a trazerem relatos pessoais mais explícitos se
quiserem: o objetivo principal é retirar o peso (ou parte dele) de dentro deles. Consoante isso,
também é criado um senso maior de comunidade, sendo muito importante essas pessoas que
vivem as mesmas violências se unirem e darem forças umas às outras.

Ademais, por ser uma dinâmica que propaga maior elaboração sobre o entendimento,
do que passa no interior desses usuários, acaba por promover a autonomia deles. Além disso,
lhes foi ensinada uma técnica de inteligência emocional: a escrita, que pode se tornar uma
ferramenta terapêutica para os usuários organizarem melhor seus pensamentos e sentimentos,
até mesmo, após o término do projeto. Podendo ser realizado de maneira independente, ou
através do suporte estabelecido por meio dos vínculos, aqui criados entre os usuários. Já que,
os profissionais de saúde não tem meios de resolver a complexidade da violência que
atravessa esses sujeitos, busca-se que por meio dessa ação, consigamos estabelecer e reforçar
as redes de apoio e segurança, os empoderando, viabilizando possibilidades e uma maior
compreensão sobre sua realidade.

4.2. Ações voltadas para lidar com os conflitos e necessidades dos


trabalhadores da saúde;

Tendo em vista o território e tudo o que a equipe de matriciamento recebeu com os


relatórios e a observação ativa dos trabalhos realizados pela equipe de Atenção Básica, o
grupo responsável pelo matriciamento começou a realizar algumas ações juntamente com os
profissionais que tinham responsabilidades com aquele território. Primeiramente, a principal
dificuldade de articulação e cuidado com a comunidade tem relação com a violência que
assola o local, que influencia diretamente nas ações planejadas pela equipe. O que foi
pensado de início pelos matriciadores foi a convocação de uma reunião geral com todos os
profissionais, sejam eles psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais,
assistentes sociais e uma questão que não acontecia era a integração com a equipe de
referência, os agentes de saúde e da comunidade; deste modo, todos foram convocados para a
partir daí se traçar metas.

Gestão Colegiada: Acolhimento/ Acompanhamento/ Planejamento e Alinhamento


(Semanal)

O que foi sugerido que ocorresse nessa reunião foi a livre fala, a equipe de
matriciamento tinha em sua composição psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, terapeutas
ocupacionais e assistentes sociais e todos foram divididos em equipes e frentes para atender a
toda a equipe de atenção básica nessa primeira reunião. O objetivo principal era promover um
ambiente de acolhimento por meio do processo terapêutico coletivo, entendendo as demandas
e as dores profissionais e pessoais daqueles sujeitos. Fazendo eles compreenderem que toda a
equipe também precisa se interligar através do afeto e, Nilson Filho e Sheva Maia em uma
das partes do artigo em que eles falam sobre a atenção psicossocial em saúde mental e o
trabalho terapêutico dizem que:

“O atendimento (do latim attendere: acolher) terapêutico (do grego terapéuo:


tratar diligentemente) é entendido como ato de acolher, receber com cortesia,
tomando em consideração e escutando atentamente a pessoa humana que
procura o serviço para prestar cuidados relativos à demanda referente à sua
problemática sócio-existencial e de saúde mental. Atender significa também:
atentar, observar, notar, com uma metodologia apropriada ao campo do
saber/fazer prático clínico. (Vieira Filho & Maia, 2004)

Levando em consideração a alta demanda, a dificuldade de articulação com o


território, a violência e tudo o que pode adoecer a equipe de Atenção Básica, essas reuniões
irão acontecer semanalmente para que seja um ambiente de autogestão, de afetos e de
acolhimento mútuo entre a própria equipe e de todos os profissionais que a compõem,
inclusive os agentes de saúde que percorrem esse território.

As práticas e atravessamentos vividos pelos profissionais de saúde da Atenção


Primária possuem diversos fatores que podem contribuir com a sobrecarga e conflitos dentro
da Equipe. A fim de sanar essas problemáticas, a construção de vínculo entre equipe e
usuário e a construção de uma Clínica Ampliada são dois instrumentos que podem auxiliar
nesse conflito. Em um primeiro momento, é importante destacar as características que tornam
a Clínica Ampliada um meio efetivo de resolução de conflitos interprofissionais. Os
conceitos de Núcleo e de Campos de Saberes e de Responsabilidades contribuem para a
despolarização de um saber hegemônico e único para a uma Clínica clínica ou oficial
(Campos, 2013). Ao partilhar os conhecimentos e suas possibilidades de atuação de forma
singular ou coletiva, a equipe da Atenção Primária é capaz de relacionar os diferentes saberes
entre si e as construções que os usuários estabelecem em sua relação com a saúde primária.
Assim, segundo Campos (2013)

A Gestão Colegiada e a divisão dos serviços de saúde em Unidades de


Produção, compostas por Equipes multiprofissionais, criam condições
institucionais favoráveis à troca de informação e à construção coletiva dos
projetos terapêuticos. Construção coletiva, portanto; no entanto evitando-se
a diluição de responsabilidades e a omissão diante do desconhecido ou
diante do imprevisto. (Campos, 2013, p. 11)

Portanto, a Clínica Ampliada pode ser ferramenta de resolução de conflito entre


equipes, na medida em que ela estende os cuidados para um movimento de construção de um
local horizontalizado. A constituição do vínculo tem papel fundamental nessa nova forma de
fazer Clínica. Este processo depende dos movimentos tanto dos usuários quanto da equipe,
então, o vínculo se dá quando o paciente acredita que aquela atuação contribuirá de alguma
forma para sua saúde, e o profissional de saúde o estabelece a partir do compromisso com a
saúde daqueles que o procuram. O vínculo é o encontro dessas duas vontades, de cuidar e ser
cuidado. Assim, o objeto a ser estudado e a partir do qual se desdobraria um Campo de
Responsabilidades para a Clínica, seria um composto, uma mescla, resultante de uma síntese
dialética entre o Sujeito e sua Doença, profissional de saúde e cuidado. Ainda assim, ao tratar
a doença é muito importante sua definição sobre a que clínica se recorrer. Destarte, é preciso
fazer a relação sócio cultural de todo o processo saúde e doença, para realizar trabalhos
individuais e em grupo, tanto entre usuários quanto entre equipe. Desse modo, segundo
Campos, é preciso:

[...] superar a alienação e a fragmentação e o tecnicismo biologicista, centrando-se no


eixo da reconstituição de Vínculos entre Clínico de Referência e sua clientela.
Superar a fragmentação entre a biologia, subjetividade e sociabilidade operando-se
com Projetos Terapêuticos amplos, que explicitem objetivos e técnicas da ação
profissional e que reconheçam um papel ativo para o ex-paciente, para o enfermo em
luta e em defesa de sua saúde, em geral, interligada, com a saúde de outros. Uma
crítica que se pretenda dialética da Clínica está obrigada a desconstruir reconstruindo
alternativas concretas de saberes e de práxis: uma clínica reformulada e ampliada
(Campos, 2002, p.9).

Em suma, a gestão Colegiada e a divisão dos serviços de saúde em Unidades de


Produção, compostas por Equipes multiprofissionais, criam condições institucionais
favoráveis à troca de informação e à construção coletiva dos projetos terapêuticos.
Construção coletiva, portanto; no entanto evitando-se a diluição de responsabilidades e a
omissão diante do desconhecido ou diante do imprevisto.

4.3. Ações voltadas para contribuir para a articulação da rede assistencial


intra e intersetorial;

O matriciamento na Unidade Básica de Saúde (UBS) deve ser responsável por


ampliar a rede de cuidados, de modo que o trabalho em reuniões de equipe exerçam um papel
de gestão e discussão de políticas públicas. Desse modo, a Atenção Básica precisa de uma
relação com um contínuo de cuidados. A importância dos CAPS para o sofrimento psíquico
grave, a atenção básica não vai funcionar bem se não tiver uma retaguarda. Quem vai estar na
Atenção Básica vai conseguir atender essa grande quantidade de solicitações, mas o que
escapar terá uma rede articulada de serviços. Por isso não devemos fazer essa dicotomia entre
hospitalocentrismo e atenção básica, mas uma complementando a outra. Essa questão do
contínuo aqui trata de níveis de gravidade. Se pudermos olhar para a saúde mental, podemos
olhar uma série de questões e de como ele é relevante.

Diante disso, o grande dilema das questões de saúde é como lidar com as condições
crônicas, pois seu manejo é muito refratário a clínica biomédica pontual. Assim, a
continuidade trata de ajudar o sujeito a cuidar em um autocuidado. No sentido de não se
preocupar por exemplo o estilo de vida daquele usuário corresponde ao tratamento que estou
prescrevendo. Isso, novamente, retorna para as filas para atendimento. O modelo biomédico
em si é baseado em um individualismo , sem horizontal os saberes entre médico e paciente. É
muito nesse sentido, o manejo das condições crônicas faz com que pensemos a autonomia do
usuário. Refratário nesse sentido. Quando vamos para o cotidiano de um caos, às vezes há
situações de crise por questões de aplicação de medicamentos. Não é possível uma lógica
unilateral, mas abrir para o diálogo com o paciente. Além do modelo biomédico, todas as
questões de saúde acabam não considerando essas questões. Os agentes comunitários e
enfermeiras acabam tendo esse diálogo sobre o tratamento e o médico fica em um papel de
apenas prescrever um medicamento. Assim, é preciso pensar não apenas os setores de saúde,
mas as condições de cidadania daquele sujeito. A gente se interessa pelo sofrimento social na
atenção básica. É preciso abrir para entender esse modelo social muito além do biomédico.

Levantamento dos serviços de atenção atuantes no território

Para a atenção básica conseguir acolher melhor faz-se necessário ir além da lógica de
um cuidado em aspectos físicos. A integralidade do cuidado não diz que o profissional deva
dar conta de tudo, mas de referenciar para os sujeitos o que é necessário para encaminhar.
Portanto, a intersetorialidade pode ser entendida como a relação entre o SUS e o SUAS. A
intersetorialidade é a partir do enfoque Biopsicossocial em prática. A rede, dessa atenção
básica, precisa ser amparada por essas outras linhas de força.

Em consideração a esse aspecto, outra ação a ser levantada é a de sondar os serviços


de atenção à comunidade que tratem das questões sociais ali inseridas. O trabalho de
matriciamento, nesse campo, faz uma costura dos diferentes atores ali presentes. Assim, um
dos primeiros trabalhos que a equipe de matriciamento deve fazer é delimitar quais outros
serviços conversam com as necessidades sociais da comunidade, como os CREAS e as
secretarias municipais competentes.
4.4. Ações voltadas para lidar com as relações de poder que eventualmente
podem estar presentes nas equipes e gestão.

É importante considerar que estabelecer relações horizontalizadas entre as equipes é


um aspecto que definitivamente não faz parte da lógica tradicional médico-hospitalar. Por
isso, reproduzir relações de poder acaba sendo muito mais fácil, justamente por serem tipos
de relação muito mais cristalizadas nas práticas quando comparadas às relações horizontais,
de escuta e criação de vínculo.

Dessa forma, pode haver eventuais relações de poder devido à dificuldade na quebra
da lógica hospitalocêntrica tradicional, baseada em encaminhamentos, especialismos,
consultas descontextualizadas do território e do próprio usuário. Isso, por sua vez, gera uma
noção hierárquica em meio às equipes de apoio e de referência, visto que, a princípio, aos
profissionais da classe médica, o trabalho do grupo referencial pode ser visto como inferior
ou complementar — quando, na verdade, é um trabalho igualmente substancial à realização
do matriciamento

A partir desse primeiro ponto, o saber médico/científico, em contraste a outros


saberes, entra em questão, levando-nos a reflexão quanto a maneira como essas equipes estão
implicadas no trabalho que exercem. Aqui, vale constar uma citação de Lourau (1975) acerca
do assunto:
“[...]com o saber científico anulo o saber das mulheres, das crianças e dos
loucos - o saber social, cada vez mais reprimido como culpado e inferior. O
intelectual [...] com sua linguagem de sábio, com a manipulação ou o
consumo ostensivo do discurso instituído e o jogo das interpretações
múltiplas, dos ‘pontos de vista’ e ‘níveis de análise’, esconde-se atrás da
cortina das mediações que se interpõem entre a realidade política e ele.”
(René Lourau, 1977, pp. 88-89 apud. Aguiar & Rocha, 2007)

Entretanto, como promover ações para lidar com essa possível demanda na prática do
matriciamento e num território atravessado por conflitos e violência? Tal questão introduz o
assunto da violência armada como fator negativo de peso que não afeta somente a formação
do vínculo entre usuário-equipe, mas também dificulta a criação de afetos nas equipes entre
si. Isso, levando em consideração que os profissionais da equipe de apoio, como médicos,
enfermeiros, psicólogos e psiquiatras podem não fazer parte daquele território, tornando a
“habituação” ao cenário ainda mais longa. Dessa forma, na mesma medida que uma coesão
entre as equipes, alcançada apenas através da formação de vínculos, se distancia, a
convivência se torna mais impessoal e propícia a relações de poder — isso porque, como já
dito, são mais cristalizadas que as relações horizontais e fáceis de serem reproduzidas no
automático das relações.

Tendo em vista que uma boa e estruturada relação entre as equipes é vital para o
melhor atendimento à comunidade, em primeira instância, é necessário oferecer o devido
suporte aos profissionais que, ao trabalharem em áreas de risco, experimentam sensações de
insegurança e, por vezes, de terror, como visto por Silva et. al: “medo, sentimento de
impotência, adoecimento físico e mental dos trabalhadores e dificuldade na circulação pelo
território prejudicam a integração entre os diferentes serviços” (Silva et al., 2021).

É importante se utilizar de uma escuta qualificada, com uma clínica ampliada baseada
na escuta do outro, ao entender sua singularidade; capaz de proporcionar um ambiente
acolhedor para o paciente. Como por exemplo saber os motivos desse paciente estar buscando
aquele serviço e também na prevenção de agravos, para assim identificar a sua necessidade e
dar encaminhamento para a solução de seus problemas. Portanto, entender as demandas em
saúde através do contexto social dos pacientes, é uma das ações para aumentar a
responsabilidade das equipes multiprofissionais com os pacientes, possibilitando intervenções
interdisciplinares e intersetoriais. É importante que o profissional tenha uma mudança de
postura, para que a homogeneização seja substituída pela atenção da subjetividade de cada
paciente. Além disso, é necessário que as demandas do paciente sejam reconhecidas para que
a implantação de linhas de cuidado e prevenção possam ter espaço como prioridades para o
tratamento desse paciente; a organização no fluxo dos trabalhos para que se tenha um
atendimento integral é de suma importância. Assim, poderá ser utilizado um fluxograma para
organizar as demandas de cada usuário; dessa forma, haverá um espaço acolhedor para o
paciente sentir-se à vontade para expor suas questões, possibilitando uma manutenção dos
problemas de cada indivíduo, para que dessa maneira todos possam ser ouvidos e atendidos
de maneira digna.
Referências bibliográficas:

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pesquisa-intervenção: referenciais e dispositivos em análise. Psicologia: ciência e profissão,
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Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção


Básica. (2012) Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde.
Recuperado de:
https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/estrategia-saude-da-f
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Campos, G. W. S. (1992). Sobre a peleja dos sujeitos da reforma ou da reforma dos sujeitos
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https://doi.org/10.1590/S0104-12901992000200005

Lourau, R. (2011). A análise institucional. In R. Lourau, A análise institucional (M. Ferreira,


Trad, 2a ed.). Petrópolis: Vozes. (Obra original publicada em 1987)

Silva, M. M., Ribeiro, F. M. L., Frossard, V. C., Souza, R. M. D., Schenker, M., & Minayo,
M. C. D. S. (2021). “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência
armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Ciência & Saúde
Coletiva, 26, 2109-2118. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.00632021

Vieira Filho, N. G., & Nóbrega, S. M. D. (2004). A atenção psicossocial em saúde mental:
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9, 373-379. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-294X2004000200020

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