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Livres Rocha • Welma Maia • Rebecca Guirmarães • Márcio Wesley

Atividade de Inteligência e Legislação Correlata • História do Brasil • História Mundial


Geografia do Brasil • Geografia Mundial • Política e Segurança

2018

Este eBook foi adquirido por VALMIR LOPES ANDRADE - CPF: 031.223.315-94.
A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
© 2018 Vestcon Editora Ltda.

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Título da obra: Agência Brasileira de Inteligência - ABIN


Oficial de Inteligência - Área 1 – Nível Superior – Módulo 3
Conhecimentos Básicos e Específicos
Atualizada até 12-2017 (AA330)

(De acordo com o Edital nº 2 – ABIN, de 5 de janeiro de 2018 – Cebraspe)

Atividade de Inteligência e Legislação Correlata • História do Brasil


História Mundial • Geografia do Brasil • Geografia Mundial • Política e Segurança

Autores:
Livres Rocha • Welma Maia
Rebecca Guirmarães • Márcio Wesley

GESTÃO DE CONTEÚDOS REVISÃO


Welma Maia Érida Cassiano
Sabrina Alencar
PRODUÇÃO EDITORIAL Ylka Ramos
Érida Cassiano
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Adenilton da Silva Cabral
Marcos Aurélio Pereira

www.vestcon.com.br

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ABIN

SUMÁRIO

Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Conceitos de Inteligência:
escopo e categorias de Inteligência (Inteligência, Contrainteligência e operações de Inteligência); funções da
atividade de Inteligência...................................................................................................................................................3

Decreto nº 8.793/2016 (Política Nacional de Inteligência):


pressupostos da atividade de Inteligência; o Estado, a sociedade e a Inteligência; os ambientes internacional
e nacional; instrumentos da atividade de Inteligência; principais ameaças; objetivos da Inteligência nacional
e diretrizes de Inteligência...............................................................................................................................................27

Estratégia Nacional de Inteligência...................................................................................................................................... 25

Controle da atividade de Inteligência:


Inteligência, democracia e controle; o controle parlamentar da atividade de Inteligência; mecanismos não
parlamentares de controle; o controle da atividade de Inteligência no Brasil..................................................................6

Lei nº 9.883/1999 e suas alterações (institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de
Inteligência - ABIN e dá outras providências)...................................................................................................................... 11
Decreto nº 4.376/2002 e suas alterações (dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro
de Inteligência, instituído pela Lei nº 9.883/1999, e dá outras providências).................................................................... 11
Decreto nº 8.905/2016 (aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e
das Funções de Confiança da Agência Brasileira de Inteligência)....................................................................................... 16

Lei nº 11.776/2008 (dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da Agência Brasileira de
Inteligência - ABIN, cria as Carreiras de Oficial de Inteligência, Oficial Técnico de Inteligência, Agente de
Inteligência e Agente Técnico de Inteligência e dá outras providências)............................................................................ 61

Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação)................................................................................................................ 36

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Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
Livres Rocha / Welma Maia

Livres Rocha • Inteligência como organização: diz respeito às estru‑


turas funcionais que têm como missão primordial a
obtenção de informações e produção de conhecimento
ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA E de inteligência. Em outras palavras, são as organiza‑
LEGISLAÇÃO CORRELATA ções que atuam na busca do dado negado, na produção
de inteligência e na salvaguarda dessas informações,
1. Conceitos de Inteligência: os serviços secretos2.
• Inteligência como atividade ou processo: refere‑se
De acordo com o que destaca a própria Agência Brasileira aos meios pelos quais certos tipos de informação são
de Inteligência – ABIN: requeridos, coletados/buscados, analisados e difun‑
• “A atividade de Inteligência se ocupa de temas do didos, e, ainda, os procedimentos para a obtenção de
âmbito externo e interno do país. No âmbito externo, determinados dados, em especial aqueles protegidos.
tem como missão obter e analisar dados que ofereçam Esse processo segue metodologia própria2.
suporte aos objetivos nacionais, tanto na defesa contra
as ameaças existentes quanto na identificação de opor‑ a) escopo e categorias de Inteligência:
tunidades. Sob a perspectiva interna, a  Inteligência Trata‑se da aquisição de informações objetivando subsi-
enfoca a proteção do Estado, da sociedade, a estabi‑ diar o processo decisório de diferentes níveis e atividades.
lidade das instituições democráticas e a eficiência da Dessa forma, para Gonçalves,
gestão pública1.
“praticamente tudo pode ser objeto da análise de
• A Inteligência pode apresentar natureza estratégica,
informações: questões de política externa, assuntos
ligada à formulação de políticas públicas, de diretrizes internos, problemas estratégicos contemporâneos,
nacionais ou de elaboração de instrumentos legais. temas fiscais, segurança pública, produção indus‑
Pode adquirir caráter mais tático, na assessoria ao trial e agrícola, meio‑ambiente, epidemias e saúde
planejamento de ações policiais, militares ou de fisca‑ pública, política energética. De fato, onde houver
lizações. Pode ainda ser mais operacional, no apoio a planejamento e processo decisório, a  atividade de
ações efetivas de combate militar, perseguição e busca inteligência  – em suas diferentes modalidades  –
por criminosos, enfrentamento e prevenção de ilícitos1. mostra‑se útil. Portanto, para distintas áreas a serem
• A finalidade da atividade de Inteligência resulta das objeto de coleta e análise de informações, bem como
prioridades que cada país elabora como fruto das para setores que desenvolvam conhecimentos a
suas características e interesses políticos e sociais. serem protegidos, há possibilidade de emprego da
A relação de assuntos e temas dos quais a atividade atividade de inteligência”3.
de Inteligência trata no Brasil resulta das orientações
da Presidência da República e são fiscalizadas pela Co‑ No que diz respeito às categorias de inteligências, Gon-
missão Mista de Controle das Atividades de Inteligência çalves, estabelece a classificação de alguns autores4:
(CCAI), do Congresso Nacional”1. • Categorias de inteligências, segundo Jeffrey Richelson
relaciona as seguintes categorias de inteligências:
Joanisval Brito Gonçalves destaca, que: – Política
– Militar;
“José Manuel Ugarte considera inteligência um – científica e técnica;
produto sob a forma de conhecimento, informação – sociológica;
elaborada. O  autor lembra, ainda, que é atividade – econômica 
ou função estatal, realizada por uma organização ou – ambiental.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

conjunto de organizações. Ugarte também ressalta • Categorias de inteligências segundo, Hannah, O’Brien
o papel do “secreto” na atividade de inteligência”2. e Rathmell:
– Inteligência nacional;
– Inteligência estratégica;
Gonçalves aduz também, que entre os conceitos de in-
– Inteligência tática
teligência mais conhecidos, encontra‑se as concepções de
– Inteligência externa;
inteligência sob três facetas de Sherman Kent: – Inteligência doméstica;
• Inteligência como produto, conhecimento produzi- – Contrainteligência;
do: trata‑se do resultado do processo de produção – contraespionagem, e
de conhecimento e que tem como cliente o tomador – avaliação.
de decisão em diferentes níveis. Assim, o relatório/ • Categorias de inteligências segundo outros autores:
documento produzido com base em um processo que As percepções variam em termos de categorias, ha-
usa metodologia de inteligência também é chamado vendo autores que dividem a atividade em:
de inteligência. Inteligência é, portanto, conhecimento – Militar;
produzido2. – criminal e estratégica; e
– política: subdividida em interna e externa.
1
BRASIL. Agência Brasileira de Inteligência. Inteligência e Contrainteligência.
Disponível em http://www.abin.gov.br/atividadeinteligencia/inteligenciaecon- • Inteligência militar: é aquela que tem por escopo o
trainteligencia. (acesso em 11/01/2018)
2
GONÇALVES, Joanisval Brito. SED QUIS CUSTODIET IPSO CUSTODES? O CONTRO-
conjunto de informações obtidas para subsidiar o processo
LE DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA EM REGIMES DEMOCRÁTICOS: OS CASOS decisório dos vários escalões das forças armadas. Também
DE BRASIL E CANADÁ. 2008. (Tese de Doutorado). p. 133-134. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/99431/Tese%20-%20 3
GONÇALVES, op. cit., pp.142-143
Vers%C3%A3º%20Final%20Completa.pdf?sequence=1 (acesso em 11/01/2018) 4
GONÇALVES, op. cit., pp.143-144

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pode ser definida como a atividade de obtenção de dados – a possibilidade de confisco para o poder público de
sigilosos com o objetivo de instruir o planejamento militar. grandes quantidades de dinheiro fruto de atividades
Outra definição de inteligência militar é aquela entendida ilícitas e identificados pelos setores de inteligência
pelo Ministério da Defesa do Brasil: financeira.
“Inteligência Militar: Atividade técnico‑militar es- • Inteligência Fiscal: voltada à identificação e investi‑
pecializada, permanentemente exercida, com o gação de delitos contra a ordem tributária e à produção de
objetivo de produzir conhecimentos de interesse do conhecimentos relacionada ao tema. A  inteligência fiscal
Comandante de qualquer nível hierárquico e proteger atua na busca do dado negado, ou seja, daquilo que o con‑
conhecimentos sensíveis, instalações e pessoas das tribuinte deixou de declarar e que, “na realidade, envolve as
Forças Armadas contra ações realizadas ou patroci- maiores quantias em dinheiro”10.
nadas pelos serviços de inteligência oponentes e/ • Inteligência Competitiva: a atividade de inteligência
ou adversos.”5 tem sido recurso não só de governos, mas de instituições
privadas que se envolvam em ambientes de acirrada
• Inteligência Policial ou Criminal: as Operações de competitividade. Assim, não há como desconsiderar que
Inteligência Policial, conforme estabelece o Manual de In- empresas, sobretudo as grandes corporações, fazem uso
teligência Policial do Departamento de Polícia Federal, são da inteligência para maximizar seus lucros e, não raras
o “conjunto de ações de Inteligência Policial que empregam vezes, neutralizar ou prejudicar a concorrência. Em outras
técnicas especiais de investigação, visando a confirmar palavras, não é recente o recurso à espionagem para melhor
evidências, indícios e obter conhecimentos sobre a atuação conhecer os negócios de outrem, inclusive com recurso a
criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação técnicas de sabotagem, contrainformação, obtenção de
de redes e organizações que atuam no crime, de forma a segredos industriais que podem afetar tanto uma empresa
proporcionar um perfeito entendimento sobre seu “modus especificamente quanto todo um setor da economia. Essa
operandi”, ramificações, tendências e alcance de suas con‑ modalidade de inteligência aplicada ao setor privado,
dutas criminosas”.6 outrora conhecida simplesmente como espionagem indus‑
• A inteligência policial tem como escopo questões trial, é atualmente chamada, de maneira eufemística, de
táticas de repressão e investigação de ilícitos e grupos infra‑ “inteligência competitiva”11.
tores. Essa inteligência está a cargo, e deve aí permanecer, • Inteligência Estratégica: pode ser definida como “a
das polícias – no caso do Brasil, estaduais, civis e militares atividade de uma expressão de Inteligência que tem impli‑
e polícia federal. É por meio desse tipo de atividade que se cações a longo prazo, geralmente vinculada a formulação
podem levantar indícios e tipologias que auxiliam o trabalho de cenários prospectivos”. Trata‑se de categoria de inteli‑
da polícia judiciária e do Ministério Público. No combate ao gência que lida com o conhecimento estratégico, o qual,
crime organizado, é muito mais com atividades de inteligên‑ na percepção doutrinária da ESG, refere‑se ao “conjunto
cia do que com grandes operações ostensivas que se conse‑ de informações produzidas sobre a situação internacional,
gue identificar esquemas ilícitos e desbaratar quadrilhas.7 principalmente no que se refere ao poder, às vulnerabili‑
• “A Inteligência Policial tem por escopo, basicamente, dades, às possibilidades e a outros aspectos relacionados,
a produção de provas de materialidade e autoria de crimes, com possível projeção para o futuro. Este conhecimento
ou seja, por meio da análise sistemática de informações teria por base fatos e dados devidamente analisados e in‑
disponíveis, busca‑se possível a identificação dos criminosos terpretados, pois uma boa decisão não poderia ser tomada
e os aspectos essenciais da consumação do delito. Há que se com base em conhecimento deficiente. ” Assim, tidos como
considerar, ainda, seu caráter consultivo, ‘quando contribui conhecimentos indispensáveis à segurança e ao bem‑estar
para elaboração e adoção de medidas ou políticas de pre‑ de uma nação, os conhecimentos estratégicos têm como
venção e combate à criminalidade’.”8 clientes os tomadores de decisão e planejadores nos mais
• Inteligência Financeira: a inteligência financeira é vista altos escalões do governo12.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

atualmente como um dos principais instrumentos para o • Inteligência de Estado: a acepção clássica: a per‑
combate ao crime organizado. A relevância da inteligência cepção clássica da atividade de inteligência está muito
financeira pode ser percebida em quatro aspectos básicos9: vinculada à Inteligência de Estado. Trata‑se daquela
– a possibilidade de se atingirem diretamente as orga‑ atividade associada a informações, processos e organi‑
nizações criminosas, prejudicando o lucro obtido por zações relacionados à produção de conhecimentos tendo
suas atividades; por escopo a segurança do Estado e da sociedade e que
– a capacidade de rastreamento das ações das organiza‑ constituem subsídios ao processo decisório da mais alta
ções criminosas, inclusive chegando‑se a seus agentes, esfera de governo. Por lidar normalmente com inteligência
por meio do acompanhamento dos fluxos de capital estratégica, a Inteligência de Estado, Política, Nacional ou
movimentados pelo crime organizado; Governamental (são quatro denominações que se aplicam
– a possibilidade de retorno aos cofres públicos de di‑ à mesma modalidade, apesar da incorreção teleológica
nheiro proveniente de fraudes contra a administração desta última), é algumas vezes confundida com aquela.
pública ou outras atividades que lesem o patrimônio Nesse caso, a  ideia de “inteligência estratégica”, como
do estado; “inteligência destinada a subsidiar a elaboração de planos
militares e políticos em âmbito nacional e internacional”,
5
GONÇALVES, op. cit., p.145 é adequada ao conceito de Inteligência de Estado13.
6
BRASIL. Senado Federal. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA PREVENÇÃO DO
CRIME ORGANIZADO. https://www.senado.gov.br/comissoes/CCAI/txtLorenz.
htm (acesso 11/01/2018) 10
GONÇALVES, op. cit., p. 156
7
GONÇALVES, op. cit., p.148 11
GONÇALVES, op. cit., p. 157
8
GONÇALVES, op. cit., p.152 12
GONÇALVES, op. cit., p. 159
9
GONÇALVES, op. cit., p. 153-154 13
GONÇALVES, op. cit., p. 160

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• Inteligência Externa: entende‑se por “inteligência c) Contrainteligência: de acordo o Decreto nº 8.793/2016,
externa” aquela voltada à identificação de oportunidades é  a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e
e ameaças relacionadas às capacidades, intenções e ati‑ neutralizar a Inteligência adversa e as ações que consti-
vidades de pessoas, grupos ou Estados estrangeiros, bem tuam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos,
como de organizações internacionais e transnacionais. pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do
Assim, a Inteligência Externa está estreitamente vinculada Estado.
à Defesa Nacional e à Política Externa de um país14.
• conjunto de atribuições que costuma ser comum à • “A contrainteligência: envolve produção e conheci‑
maior parte das agências14: mento e operações e não pode ser separada da Inteligência,
– dar apoio às Políticas Externa, de Segurança e de por existir em função desta. Entretanto, tem procedimentos
Defesa; específicos – ofensivos e defensivos – para a salvaguarda
– identificar atividades externas que possam represen‑ do conhecimento. Apesar de seu caráter eminentemente
tar ameaça à segurança e aos interesses nacionais; defensivo, seus métodos de ação e suas operações são
– guerra de informação (information warfare): prote‑ essencialmente ofensivos. De fato, Lowenthal assinala três
ção contra ataques às comunicações e sistemas de tipos de Contrainteligência:
informática; – contrainteligência para reunião (coleta/busca): tem
– apoiar o planejamento de defesa; por objetivo obter e produzir informações sobre as
– apoiar as operações militares; capacidades de oponentes de coletar/buscar infor‑
– inteligência econômica; mações que possam interessar ou constituir‑se em
– dar apoio ao monitoramento do cumprimento de ameaça a quem ou o que é protegido pela contrain‑
tratados e na participação em regimes internacionais. teligência;
– contrainteligência defensiva: sua missão é frustrar
• Inteligência Interna ou Doméstica (Security Intelli- os esforços de pessoas ou organizações adversas
gence): tem a ver com a informação voltada à segurança que tenham interesse em ter acesso às informações
do Estado, de suas instituições e da sociedade, relaciona‑ protegidas ou desenvolvam ações intrusivas;
da a ameaças no interior do território nacional. Entre as – contrainteligência ofensiva: uma vez identificada
ameaças que são objeto da atenção da inteligência interna a tentativa de um oponente contra seu sistema de
estão subversão, espionagem, violência politicamente inteligência, a  contrainteligência ofensiva buscará
motivada, instabilidade econômica, política e social, etc. neutralizar esse ataque, por exemplo, buscando
A  ESG melhor define essa modalidade de inteligência de recrutar o agente adverso e convertê‑lo em agente
Estado como aquela que “visa à obtenção de conhecimentos duplo ou fornecendo informações falsas para nutrir
relativos ao próprio país, bem como de antagonismos reais a inteligência adversa”16.
ou potenciais e pressões existentes, com a finalidade de
orientar o planejamento e o acompanhamento da Política d) operações de Inteligência: trata‑se de uma das
Nacional”. As funções de contrainteligência e da atividade funções da atividade de inteligência, “pode‑se dizer que
de segurança institucional relacionam‑se, sobretudo, com compreende o conjunto de ações técnicas destinadas à
inteligência interna15. busca do dado negado. Trata‑se, sem dúvida, da atividade
• Função da inteligência doméstica: envolve a produ‑ mais polêmica relacionada à inteligência, uma vez que
ção de conhecimentos para prevenção e neutralização de seus métodos envolvem necessariamente técnicas e ações
ameaças em áreas distintas como: sigilosas como estória‑cobertura, recrutamento, vigilância,
– espionagem, motivada por interesses tanto políticos fotografia operacional, uso de meios eletrônicos, entre ou‑
como econômicos; tros. (...) serviço nenhum pode prescindir delas, em maior
– sabotagem e subversão; ou menor escala. Afinal, tanto para a busca do dado quanto
– terrorismo; para a identificação e neutralização da inteligência adversa,
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

– extremismo político, étnico e religioso; garantindo‑se a salvaguarda dos dados e informações pró‑
– crime organizado; prios, as técnicas operacionais mostram‑se imprescindíveis.
– produção e tráfico de drogas; e) funções da atividade de Inteligência: a atividade
– lavagem de dinheiro; de inteligência distribui‑se por algumas funções, também
– proliferação de armas de destruição em massa; chamadas de elementos ou missões da inteligência. De
– comércio ilegal de armas; maneira geral, se percebe quatro funções da atividade de
– contrabando e delitos contra a ordem tributária; inteligência: reunião (collection), análise (analysis), con-
– dar apoio na política de imigração e controle de es‑ trainteligência (counterintelligence) e ações encobertas
trangeiros; (covert actions). Antes que se passe a exposição de cada
– terrorismo e crimes cibernéticos. uma delas, é importante assinalar que a doutrina brasileira
reúne as duas primeiras funções em uma só, a qual deno‑
b) Inteligência: de acordo o Decreto nº 8.793/2016, é a mina simplesmente “inteligência”  – ligada, basicamente
atividade que objetiva produzir e difundir conhecimentos às à análise de informações. Assim, é mais comum no Brasil
autoridades competentes, relativos a fatos e situações que se falar em três funções (ou missões): Inteligência (análise
ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata de informações), ContraInteligência e Operações de Inte‑
ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação ligência17.
governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado.

14
GONÇALVES, op. cit., pp. 161-162 16
GONÇALVES, op. cit., p. 178-179
15
GONÇALVES, op. cit., p. 163. 17
GONÇALVES, op. cit., p. 174

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A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
• Reunião (collection): entende‑se por reunião a obten‑ • identificar estruturas adversas de subversão e os
ção de informações – ainda em estado bruto (raw data) – agentes da sabotagem, do terrorismo e da espiona‑
por quaisquer meios  – de fontes humanas ou por meios gem;
tecnológicos – e sua remessa à unidade de processamento • identificar e bloquear as ações adversas de natureza
específica para uso na produção de conhecimento. A reunião psicológica, em especial as de propaganda, que visem
constitui uma das etapas do ciclo de inteligência que será a influenciar a opinião pública ou enfraquecer o moral
analisado a seguir. O alicerce da inteligência está exatamente da população;
na obtenção das informações que serão processados durante • identificar agentes e organizações criminosas que
a análise17. possam se constituir em ameaça à sociedade, à ordem
• Análise (analysis): segundo função da inteligência e democrática, às instituições e ao Estado.
terceira fase do ciclo de produção de conhecimento, a aná‑
lise consiste nos procedimentos técnicos e metodológicos • Operações de Inteligência (support operations) e
de produção de conhecimento a partir das informações em Ações Clandestinas ou Encobertas (covert actions):
seu estado bruto. Assim, por meio da análise, a informação embora já tenha sido tratado anteriormente sobre
coletada é revisada para identificar fatos significativos, operações de inteligência, Segundo Gonçalves é:
avaliada, comparada e confrontada com outros dados e
com o conhecimento derivado da experiência do analista, “Importante diferenciar operações de inteligência
chegando‑se a conclusões que comporão um produto cha‑ das “ações encobertas” (covert actions) comumente
mado inteligência. Esse produto é que será encaminhado ao citadas nos manuais estadunidenses de Inteligência.
tomador de decisão17. Enquanto “operações de inteligência” são os pro‑
• ContraInteligência (counterintelligence) o conceito e cessos, técnicas e setores voltados à busca do dado
os tipos de contrainteligência já foram descritos acima nos negado, as ações encobertas ou clandestinas são as
itens anteriores. atividades secretas desenvolvidas por um governo
De acordo com o Manual de Doutrina e Operações relacionadas a sua política externa com o objetivo
Conjuntas da Escola Superior de Guerra – ESG, “Um aspecto de influenciar outro governo ou provocar determi‑
importante da atividade de Inteligência é aquele voltado nados eventos políticos, militares, econômicos ou
sociais em um outro país. Convém ficar claro que
para a salvaguarda do conhecimento. É a Contrainteligência,
caracteriza esse tipo de operação o fato de serem
que tem como alvo principal as atividades de Inteligência
conduzidas de maneira sigilosa e encoberta”20.
adversária. Sua intenção é degradar, ao máximo, a visuali‑
zação que o adversário possa ter sobre nossas forças. Para
isso, suas principais atribuições, além daquelas referentes CONTROLE DA ATIVIDADE DE
à Segurança Orgânica, são: INTELIGÊNCIA
• detectar;
• identificar; Gonçalves, parafraseando autores, como Hely Lopes
• neutralizar as ações da Inteligência adversária; Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello, destaca:
• perscrutando suas atividades, estabelecendo suas
características, seus interesses, assim como o grau de “Reitere‑se que, segundo Hely Lopes Meirelles,
periculosidade e ameaça que encerra e, por fim; o controle da Administração Pública é a faculdade
• incapacitá‑la de cumprir a sua missão e alcançar seus de vigilância, orientação e “correção que um Po‑
objetivos; der, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta
• por intermédio da desinformação, a Contrainteligência funcional de outro”. Utiliza‑se a terminologia “con‑
faz chegar à Inteligência adversária conhecimentos trole interno” para aquele exercido por órgãos da
propositadamente produzidos com a finalidade de própria Administração (como a Corregedoria‑Geral
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

confundi‑la”18. da União, no sistema administrativo brasileiro ou o


Auditor‑General ou Inspector‑General, em modelos
Gonçalves, ao tratar dos objetivos da contrainteligência, anglo‑saxônicos), ou seja, integrantes do Poder
cita o Manual Básico da ESG que assinala alguns objetivos Executivo; já o “controle externo” é o efetuado por
da contrainteligência, entre os quais19: órgãos alheios à Administração, vinculados ge‑
• preservar o sigilo da nossa inteligência; ralmente aos Poderes Legislativo e Judiciário. Há,
ainda, o controle externo popular, relacionado ao
• impedir, neutralizar ou dificultar a atividade de inteli‑
direito individual do cidadão de fiscalizar as ações
gência adversa;
do Estado”21.
• desinformar os órgãos de inteligência adversos;
• garantir a segurança orgânica dos sistemas de infor‑
a) Inteligência:
mações de nossa comunidade e de toda e qualquer
Assinala Gonçalves, que:
instalação julgada de interesse;
• conhecer a estrutura dos serviços de inteligência ad‑ “Uma vez que não se pode prescindir da ativida-
versos, seus planos de articulação, metas e objetivos de de inteligência, fundamental se faz, em um
dentro ou fora do País; Estado democrático, que essa atividade passe por
um rígido controle interno e externo. Por meio da
18
BRASIL. MINISTÉRIO DA DEFESA. DOUTRINA DE OPERAÇÕES CONJUNTAS. 1º fiscalização e do controle, busca‑se assegurar que
VOLUME. 2011.Disponível em http://www.esg.br/images/manuais/Manual%20
de%20Doutrina%20de%20Operacoes%20Conjuntas%20-%201%C2%BA%20
Volume.pdf (acesso em 11/01/2018). 20
GONÇALVES, op. cit., p. 182
19
GONÇALVES, op. cit., p. 180 21
GONÇALVES, op. cit., p. 234

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os órgãos controlados atuem de acordo com as um regime democrático, mais eficientes e eficazes
leis e segundo a efetiva conveniência em relação a são os mecanismos de fiscalização e controle sobre
um interesse público completo. Essa finalidade do o Poder Público e a Administração”24.
controle é completamente aplicável à atividade de
inteligência”22. Presente no controle da Administração Pública, segundo
Carlos Henrique Fêu: accountability “representa a obrigação
b) democracia e controle: que a organização tem de prestar contas dos resultados
Na famosa definição de Lincoln, a democracia é “o gover- obtidos, em função das responsabilidades que decorrem de
no do povo, pelo povo e para o povo”. É a forma de governo uma delegação de poder”25.
em que a soberania deriva do povo, que a exerce por meio
de representantes. c) o controle parlamentar da atividade de Inteligên-
cia: 301
Segundo Alexandre de Moraes: Gonçalves, parafraseando autores, salienta:

O Estado Democrático de Direito, caracterizador “Dentre as diversas modalidades de controle,


do Estado Constitucional, significa que o Estado se o exercido pelo Parlamento é de grande relevância
rege por normas democráticas, com eleições livres, em uma democracia. Nas palavras de Ugarte, “não
periódicas e pelo povo, bem como o respeito das há dúvida de que o Congresso constitui um símbolo
autoridades públicas aos direitos e garantias fun‑ de controle fundamental nos países democráticos”.
damentais, é proclamado, por exemplo, no caput do Sobre o tema, Llanos e Mustapic ressaltam que “o
art. 1º da Constituição da República Federativa do controle parlamentar é uma peça central na arqui-
Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo tetura democrática” e que ‘com ele se procura evitar
único, o denominado princípio democrático ao afir‑ que a vontade dos legisladores seja desvirtuada, pelo
mar que “todo poder emana do povo, que o exerce Executivo ou pela burocracia, no momento de ser
por meio de representantes eleitos ou diretamente, colocada em prática”26.
nos termos desta Constituição”, para mais adiante,
em seu art. 14, proclamar que “a soberania popular Assinala Gonçalves, que:
será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direito e secreto, com valor igual para todos, e, nos “Hans Born assinala quatro razões para a participa‑
termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; ção do Poder Legislativo no processo de fiscalização
III – iniciativa popular”.23 e controle da atividade de inteligência:
• primeiramente, há sempre o risco de que se co‑
metam abusos na atividade de inteligência. Nesse
Tendo em vista que dentro da Administração Pública,
sentido, a fiscalização parlamentar das ações dos
só se deve fazer ou não fazer o que a lei permite, toda a
serviços de inteligência busca prevenir e coibir esses
Administração (órgãos e agentes) possuem competências
abusos.
determinadas por lei. Os atos praticados pela Administra-
• Em segundo lugar, Born lembra que o controle por
ção, seja ela direta ou indireta merecem controle, uma vez
parte do Poder Legislativo é fundamental para que
que não podem desviar de sua função, tão pouco ir contra
o Poder Executivo não extrapole em suas compe‑
os interesses públicos. Portanto, que os emitem, não pode
tências e se utilize dos órgãos de inteligência para
fazer de forma arbitrária.
fins político‑eleitorais ou até partidários.
Segundo Gonçalves:
• Um terceiro argumento para a irrestrita fiscalização
do Parlamento sobre a Atividade de Inteligência,
“De fato, a  percepção de necessidade de controle
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
registra Born, repousa no fato de que são os par‑
e prestação de contas tem entre seus fundamentos lamentares, legítimos representantes do povo, que
mais importantes a teoria da delegação. Essa teoria votam e autorizam o orçamento para os serviços
baseia se na constatação de que as “democracias de inteligência.
representativas se estruturam a partir de uma cadeia • Finalmente, o  Parlamento, em defesa de seus
ou rede de delegação de poder”. Assim, o povo – ti- representados, tem a obrigação de verificar se os
tular maior e primeiro do poder – delega seu poder direitos humanos e as garantias individuais e a
aos legisladores – ou aos legisladores e ao chefe do legislação em vigor são respeitados pelo Estado e,
Executivo nos regimes presidencialistas – por meio mais especificamente, pelos serviços de inteligência
do voto, os legisladores ao Gabinete, o Presidente a em suas operações”27.
seus ministros e estes à burocracia estatal e assim
sucessivamente. Natural que aquele que delega “A experiência tem demonstrado que há dificul-
tenha poder de fiscalizar o delegado e cobrar‑lhe. dades no exercício do controle da atividade de
Portanto, um dos fundamentos do regime democrá- inteligência pelo Parlamento. Um dos fatores
tico é o controle popular – direto ou indireto – que que dificulta o controle é o desconhecimento dos
deve ser exercido sobre as instituições e agentes
estatais. Quanto mais desenvolvido e consolidado 24
GONÇALVES, op. cit., p. 222
25
Carlos Henrique Fêu. “Controle interno da Administração Pública – um eficaz
instrumento de accountability”. In: L&C – Revista de Direito e Administração
22
GONÇALVES, op. cit., p. 258 Pública, VI(61)38-41, jul/2003, p. 38.
23
Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional, 24. ed. – 2. reimpr. – São Paulo: 26
GONÇALVES, op. cit., p. 301
Atlas, 2009. p. 06 27
GONÇALVES, op. cit., pp. 302-303

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parlamentares e assessores das peculiaridades da sões parlamentares – permanentes ou especiais. É,
atividade. Além disso, segundo Thomas Bruneau, ainda, nas audiências que a atividade legislativa se
em muitos países, mesmo em democracias conso- mostra de maneira mais explícita à opinião pública
lidadas, os governos às vezes colocam empecilhos e através delas se busca promover a transparência
à fiscalização do Legislativo”28. tanto no âmbito do legislativo quanto do executivo,
desde que isso seja possível não comprometa a
• O Exercício do Controle Parlamentar da Atividade segurança naciona”l30.
de Inteligência:
O primeiro mecanismo de controle reside no poder legi- • Aprovação de Autoridades
ferante. Em regimes democráticos, para haja eficiência nos
“freios e contrapesos” e seja verificado o cumprimento da “O controle da atividade de inteligência pelo Legis-
lei por parte dos órgãos de segurança e inteligência é fun- lativo também é exercido por meio da aprovação
damental que haja uma estrutura normativa que estabeleça de nomes para ocupar a direção de serviços de
não só claramente o mandato dos serviços de inteligência, inteligência. Nos EUA e Brasil, por exemplo, é atri-
mas também lhes imponha os limites. buição do Senado aprovar os nomes do DNI (e de
De acordo com o DCAF, a legislação de inteligência de outros diretores da comunidade de inteligência
um país deve definir com clareza: dos EUA) e do Diretor‑Geral da ABIN. Isso reafirma
• as missões básicas dos serviços de inteligência; a autoridade do Legislativo perante os órgãos de
• as áreas de responsabilidade desses serviços; informações, ao mesmo tempo em que contribui
• os limites de sua competência; para o diálogo entre controladores e controlados,
uma vez que o chefe da inteligência vai ao Legisla-
• os métodos de funcionamento e as restrições a suas
tivo apresentar‑se e depende do aval desse Poder –
atividades;
ou de uma de suas Casas  – para ser confirmado
• a estrutura organizacional geral;
no cargo. Consolida‑se a ideia que inteligência é
• as relações entre os serviços de inteligência e segu‑ assunto de Estado e que deve ser tratada como
rança em uma comunidade de informações; assunto nacional”31.
• as formas por meio das quais os serviços serão con‑
trolados e fiscalizados;
• Aprovação de Acordos Internacionais
• os mecanismos de fiscalização e controle executivos,
judiciários e legislativos; e
“Nos diversos ordenamentos constitucionais, é co-
• os meios legais para se lidar com denúncias, queixas
mum que acordos internacionais necessitem da
e reclamações de particulares, especialmente no caso
autorização do Poder Legislativo  – ou de uma de
de violações aos direitos humanos29.
suas Casas – para que possam ser ratificados pelo
Executivo. Trata‑se de atribuição pouco lembrada
• Orçamento em termos de controle parlamentar. Entretanto,
a capacidade de monitorar e autorizar a adesão e os
“O controle do orçamento da Administração Públi- instrumentos internacionais é também mecanismo
ca como um todo é o mais importante mecanismo importante de controle da atividade de inteligência
de que dispõe o Poder Legislativo. Em países como por parte do Poder Legislativo”31.
EUA e Brasil, dinheiro nenhum pode ser empre-
gado pelo Estado sem a aprovação do Congresso, • Requerimentos de Informações
em um processo complexo e que compreende
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

autorização de gastos e abertura de créditos. Há,


“Um dos mecanismos mais importantes à disposição
ainda, a fiscalização da execução desse orçamento,
dos Poder Legislativo para controlar a Administra-
outra atribuição do Congresso – no Brasil, auxiliado
ção Pública são os requerimentos de informações.
pelo TCU”30.
Por meio deles, o  parlamentar pode solicitar in-
dividualmente informações do Poder Executivo
• Audiências sobre quaisquer assuntos. Nesse sentido, no caso
brasileiro, há apenas a limitação de que o pedido
“As audiências, públicas ou reservadas (secretas), deve versar sobre fatos, não sendo possível se per-
constituem outro importante instrumento de guntar sobre intenções das autoridades a quem são
controle de que dispõe o Poder Legislativo. É por dirigidos”32.
meio delas que os parlamentares podem obter
informações de autoridades – como ministros, se- • Investigações e Relatórios
cretários, diretores – ou de agentes públicos sobre
as atividades desenvolvidas e os projetos e diretrizes
“Função essencial do Poder Legislativo – especial-
de ação da inteligência. Também as audiências são
mente em regimes presidencialistas – é investigar.
fundamentais para instruir investigações de comis-
Daí o trabalho das CPIs e outras comissões e grupos
parlamentares. Essas investigações resultam em
28
GONÇALVES, op. cit., p. 304
29
DCAF Intelligence Working Group, “Intelligence Practice and Democratic Over-
sight – A Practitioner’s View”, p. 34. 31
GONÇALVES, op. cit., p. 318
30
GONÇALVES, op. cit., p. 315 32
GONÇALVES, op. cit., p. 319

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relatórios que podem ser de extrema relevância O principal exemplo citado por Gill é SIRC canaden‑
para diagnosticar determinada situação e propor se, o qual será estudado com profundidade no úl‑
mudanças. Na área de inteligência, o exemplo mais timo capítulo deste trabalho. No caso australiano,
notório é o do Relatório Final da Comissão Church havia o Security Appeals Tribunal (SAT), presidido
(EUA, 1976)”33. por um juiz e com função de receber denúncias
contra servidores públicos e conduzir investigações
d) MECANISMOS NÃO PARLAMENTARES DE CONTROLE: sobre candidatos a ocupar cargos públicos. O SAT
• Controle Interno (agencial): foi extinto em 1996 e suas atribuições transferidas
para o Administrative Appeals Tribunal (AAT). Em
Portugal, há o já citado Conselho de Fiscalização do
“O primeiro nível identificado por Gill é o do controle
Sistema de Informações da República Portuguesa
no âmbito interno dos serviços de inteligência. Pode
(CFSIRP)”37.
ser relacionado ao controle profissional interno da
classificação de Ugarte e com o controle interno or-
gânico de Born. Seus mecanismos básicos, segundo • Controle Popular:
Gill, são as auditorias internas e os colaboradores
individuais voluntários (o que alguns chamariam “No último nível está o controle popular. Gill lembra
de “delatores”). De toda maneira, é  fundamental que o debate público sobre inteligência é menos
que haja mecanismos de controle interno à própria intenso e mais raro do que em outras áreas das polí-
agência”34. ticas públicas como educação, saúde ou seguridade
social. Em países como Brasil e o Canadá, isso é me-
• Controle do Executivo: nos intenso ainda – apesar do crescimento da inse-
gurança pública naquele e da ameaça do terrorismo
neste vir estimulando algum debate, todavia muito
“No segundo nível, o do Poder Executivo, Gill iden-
incipiente, nesses países sobre o papel dos serviços
tifica três mecanismos: a supervisão ministerial,
de inteligência. De toda maneira, a questão central
as comissões de segurança e o inspetor geral. No
dessa relação entre Estado e sociedade estaria ba-
que concerne à supervisão ministerial, Gill assinala
seada na tentativa do Estado de esconder o máximo
como exemplos importantes o do Attorney General
possível sua atuação na área de informações e na
(nos EUA e na Austrália), o Solicitor General (Cana-
necessidade da opinião pública de conhecer mais
dá), cargo substituído pelo de Ministro da Segurança
sobre isso. Certamente é uma discussão que conti-
Pública com a criação deste ministério, e o Home
nuará enquanto houver Estado e, por conseguinte,
Secretary (Reino Unido). O Ministro‑Chefe do Gabi-
atividade de inteligência”38.
nete de Segurança Institucional e o Ministro‑Chefe
da Controladoria‑Geral da União também têm esse
papel no Brasil”35. e) O CONTROLE DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO
BRASIL: no Brasil temos o controle da Administração Públi-
ca, como um todo, sendo o externo a cargo do Congresso
• Controle Judicial:
Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas, além do
controle interno de cada Poder. Em se tratando de segu-
“No que concerne ao controle judicial, Gill lembra a rança – inteligência – , “não há, praticamente, mecanismos
obrigação dos agentes públicos não estão acima da de controle externo do Sistema Brasileiro de Inteligência à
lei e que o judiciário tem função precípua de prote‑ exceção da fiscalização financeiro‑orçamentária”39.
ger a sociedade contra o abuso de poder. O maior A própria Lei que instituiu o Sistema Brasileiro de Inte-
problema, ressalta, é  que em alguns modelos se
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
ligência e criou a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN,
tenta excluir questões de segurança nacional da Lei nº 9.883/1999, estabelece em seus art. 6º O controle
tutela do judiciário. Essa percepção é muito clara nos e fiscalização externos da atividade de inteligência serão
EUA, que têm larga tradição de controle judiciário exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida
que não aceita que qualquer assunto não possa ser em ato do Congresso Nacional.
apreciado pelo Poder Judiciário. Percepção seme‑
Conforme assinala Gonçalves:
lhante ocorre também no Brasil, onde, segundo a
própria Constituição, em seu art. 5º, XXXV, a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou “Até o advento da Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de
ameaça a direito”36. 1999, não havia controle formal externo específico
da atividade de inteligência no Brasil. À época do
SFICI ou mesmo do SNI, os serviços de inteligência
• Órgãos Especiais de Revisão” (special review bodies)
atuavam de maneira independente e autônoma,
e os mecanismos de controle restringiam‑se ao âm‑
“No que concerne ao que Gill identifica como spe- bito agencial e ministerial. De fato, fosse no SNI ou
cial review bodies, são órgãos de controle externo nos demais órgãos do SISNI, a cadeia de comando
com compostos por não‑parlamentares e que têm colocava o Ministro‑Chefe do SNI no controle total
a função de realizar fiscalização independente. do sistema  – à exceção dos serviços reservados
33
GONÇALVES, op. cit., p. 320
34
GONÇALVES, op. cit., p. 290 37
GONÇALVES, op. cit., p. 298
35
GONÇALVES, op. cit., pp. 292-293 38
GONÇALVES, op. cit., p. 299
36
GONÇALVES, op. cit., p. 297 39
GONÇALVES, op. cit., p. 695

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das Forças Armadas, que ficavam subordinados Poder Judiciário dá‑se por meio de processo, em caso
ao respectivo Ministro  – e as diretrizes e ordens concreto e, portanto, a posteriori, manifestando‑se
ministeriais  – que algumas vezes se limitavam a o magistrado de forma singular ou em instância co‑
ordens verbais ou bilhetes – eram a orientação para letiva mediante provocação. Há também o controle
as atividades”40. de constitucionalidade da legislação de inteligência.
Não há no Brasil juízes ou varas especializadas com
Com relação ao controle interno do Brasil, destaca‑se a competência para tratar de assuntos de inteligência
atuação da ABIN, e em se tratando de SISBIN, “os órgãos ou de segurança nacional”45.
do SISBIN são os mecanismos gerais de controle interno,
agencial, ministerial e do Executivo aplicáveis a toda a Com relação ao Ministério Público, de acordo com a
Administração Pública”.41 Constituição Federal, Art.  127. “O Ministério Público é
• O Controle Interno: Agencial: instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo‑lhe a defesa da ordem jurídica,
“No que concerne aspecto agencial, o controle das do regime democrático e dos interesses sociais e indivi-
atividades da ABIN estrutura‑se, basicamente, na duais indisponíveis”. No que tange à atividade policial,
supervisão do Diretor‑Geral do órgão, e nas orien‑ conforme art. 129, VII, compete ao MP: exercer o controle
tações dele emanadas. O  princípio da hierarquia externo da atividade policial, na forma da lei complemen‑
ainda carrega significativa importância em virtude tar mencionada no artigo anterior. Ressalte‑se também
da cultura militar que permanece em alguns se‑ que o Ministério Público abrange o Ministério Público
tores da agência, senão em sua própria memória Militar.
organizacional. Daí a importância da figura do
Diretor‑Geral, que administra o dia a dia do órgão • O Controle Parlamentar da Atividade de Inteligência
e orienta as atividades de caráter operacional”42. no Brasil:
Segundo Lemos: “muitos são os instrumentos formais
Cabe aos Diretores‑Gerais da ABIN garantir o controle à disposição dos parlamentares brasileiros para o exercício
agencial. Vale ressaltar a leitura do restante do material, da atividade de controle, seja via Constituição, seja via
principalmente quanto à legislação expressa sobre o Siste- regimentos internos”46.
ma Brasileiro de Inteligência e ABIN para melhor compre- Gonçalves, cita o ordenamento de Lemos:
ensão das funções da agência.
“No caso brasileiro, os  mecanismos de controle
• O Controle Interno no âmbito do Executivo: parlamentar formal estão previstos na própria
Constituição. Para tratar dos mecanismos gerais à
“No âmbito do Poder Executivo, grande importân- disposição do Legislativo, optou‑se pelo ordenamen-
cia tem o controle ministerial no caso da ABIN. De to de Lemos, que os agrupa em:
fato, tradicionalmente, a autoridade do Ministro é • controle orçamentário;
absoluta no órgão. O  Ministro‑Chefe do GSI é de • poder de aprovar nomes, julgar, e afastar (im-
fato e de direito o chefe do serviço de inteligência. peach) membros do Executivo2211;
Assim, é  uma instância de controle da ABIN. Em controle fiscal, financeiro e contábil;
última análise, é do Chefe do GSI que emanam as • poder de solicitar informações do Executivo;
diretrizes e orientações para o serviço secreto bra- • poderes investigativos;
sileiro. Interessante observar que a Agência está na • outros poderes exclusivos do Congresso, em suas
estrutura do GSI, antiga Casa Militar”43. relações com o Executivo como, por exemplo,
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

aprovar acordos internacionais, autorizar o Pre‑


No controle Executivo, ressalta‑se a atuação da sidente da República a declarar guerra, aprovar e
“Controladoria‑Geral da União (CGU), ‘órgão do Governo suspender estado de defesa e intervenção federal;
federal responsável por assistir direta e imediatamente autorizar e suspender estado de sítio, sustar atos
ao Presidente da República quanto aos assuntos que, no normativos do Poder Executivo que exorbitem do
âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do poder regulamentar ou dos limites de delegação
patrimônio público e ao incremento da transparência da legislativa”47.
gestão, por meio das atividades de controle interno, audi‑
toria pública, correição, prevenção e combate à corrupção Saliente‑se que a referência constitucional do controle
e ouvidoria’”44. parlamentar formal citado acima, exige atenção à compe-
tência exclusiva do Congresso Nacional, prevista no art. 49
• O Controle Judiciário e do Ministério Público da Constituição Federal.

“Não existe controle judicial específico da atividade


de inteligência no Brasil. O controle exercido pelo
40
GONÇALVES, op. cit., p. 696 45
GONÇALVES, op. cit., p. 713
41
GONÇALVES, op. cit., p. 701 46
Leany Barreiro Lemos. “Como o Congresso brasileiro controla o Executivo? O
42
GONÇALVES, op. cit., p. 702 uso de requerimentos de informação, convocação de autoridades e propostas
43
GONÇALVES, op. cit., p. 709 de fiscalização e controle”. In: Llanos & Mustapic,.
44
GONÇALVES, op. cit., p. 712 47
GONÇALVES, op. cit., p. 716

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Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN

Agência Brasileira de Inteligência – ABIN

Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999


(Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, e dá outras providências).

Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002


(Dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei nº 9.883, de 7 de
dezembro de 1999, e dá outras providências).

Destaca‑se inicialmente, que a Lei de criação do Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN e a Agência Brasileira
de Inteligência – ABIN, será trabalhada conjuntamente com o Decreto que dispõe sobre a organização e o funcio-
namento do SISBIN, nas partes em que forem comuns, ressaltando a obrigatoriedade de leitura das duas normas
integralmente.

Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

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1. Considerações Iniciais
A Inteligência na história do Brasil tem seu marco em 1927, quando começa a aparecer os primeiros Órgãos de Inteligência
do Brasil, já em regime republicano. Veja a evolução abaixo:

Período Órgão de Inteligência Brasileira


1927 – 1934 Conselho de Defesa Nacional – CDN.
1934 – 1937 Conselho Superior de Segurança Nacional – CSSN.
1937 – 1946 Conselho de Segurança Nacional – CSN.
1946 – 1964 Serviço Federal de Informações e Contrainformações – SFICI.
1964 – 1990 Serviço Nacional de Informações – SNI.

48
Mapa estratégico 2017 – 2021 – ABINhttp://www.abin.gov.br/conteudo/uploads/2015/05/mapa‑estrat.jpg

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1990 – 1995 Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE:
– Departamento de Inteligência – 1990 – 1993.
– Subsecretaria de Inteligência – SSI 1993 – 1999.
– Secretaria de Inteligência – SI 1994 – 1995.
1995 – 1996 Secretaria Geral da PR – SGPR.
1996 - 1999 Casa Militar da PR – CMPR.
1999 - 2017 Agência Brasileira de Inteligência – ABIN:
– Gabinete de Segurança Institucional – GSI (1999 – 2015).
– Secretaria de Governo – SG (2015 – 2016).
– Gabinete de Segurança Institucional- GSI (2016 – 2017 – Pres. Michel Temer).
Inteligência 2. Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN
Atividade que objetiva produzir e difundir conhecimentos 2.1 Criação: foi Institui pela Lei nº 9.883, de 7 de dezem-
às autoridades competentes, relativos a fatos e situações que bro de 1999.
ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata 2.2 Objetivo: integra as ações de planejamento e execu-
ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação ção das atividades de inteligência do País.
governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado. 2.3 Finalidade: fornecer subsídios ao Presidente da Re-
É uma atividade essencial à segurança dos Estados, da pública nos assuntos de interesse nacional.
sociedade e das instituições nacionais. Abrange tanto temas
internos como externos do país. Antecipa com segurança 2.4 Fundamentos
o conhecimento de informações de interesses nacionais,
subsidiando o poder decisório. A preservação da soberania nacional, a defesa do Estado
A atividade de Inteligência no Brasil trata de assuntos e Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana,
temas que resultam das orientações da Presidência da Repú- devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias
blica, aprovadas e fiscalizadas pela Comissão Mista de Controle individuais e demais dispositivos da Constituição Federal,
das Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso Nacional. os tratados, convenções, acordos e ajustes internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário,
Contrainteligência e a legislação ordinária.

Atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e 2.5 Responsabilidade


neutralizar a Inteligência adversa e as ações que constituam
ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, O Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo
áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado. processo de obtenção e análise de dados e informações
Destaca‑se que o trabalho desenvolvido pela Contrainteli- e pela produção e difusão de conhecimentos necessários
gência tem foco na defesa contra ameaças como a espionagem, ao processo decisório do Poder Executivo, em especial no
a  sabotagem, o  vazamento de informações e o terrorismo, tocante à segurança da sociedade e do Estado, bem como
patrocinadas por instituições, grupos ou governos estrangeiros. pela salvaguarda de assuntos sigilosos de interesse nacional.
Saliente‑se que a atuação da Contrainteligência ultra-
passa os limites da ABIN e do SISBIN. Ela contribui para a 2.6 Órgãos que Constituirão do SISBIN
salvaguarda do patrimônio nacional sob a responsabilidade
de instituições das mais diversas áreas, consideradas de Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal
que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimen-
interesse estratégico para a segurança e para o desenvolvi-
tos de interesse das atividades de inteligência, em especial
mento nacional.
aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna
Para maiores esclarecimentos a ABIN disponibiliza em
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de


seu sitio oficial as diferenças básicas sobre a atuação de
Inteligência, na forma de ato do Presidente da República.
cada uma das atividades: inteligência e contrainteligência.
2.7 Composição do SISBIN
INTELIGÊNCIA CONTRAINTELIGÊNCIA
Realiza reuniões de dados Realiza a proteção dos co- Mediante ajustes específicos e convênios, ouvido o
e conhecimentos sobre as- nhecimentos produzidos pela competente órgão de controle externo da atividade de
suntos de interesse nacional. atividade de inteligência. inteligência, as Unidades da Federação poderão compor o
Analisa dados para a produ- Realiza a salvaguarda de Sistema Brasileiro de Inteligência.
O Sistema Brasileiro de Inteligência é composto pelos
ção de conhecimentos. dados e conhecimentos pro-
seguintes órgãos:
duzidos por entes nacionais,
• Casa Civil da Presidência da República, por meio de
públicos ou privados.
sua Secretaria‑Executiva;
Difunde conhecimentos de Realiza a prevenção, iden- • Gabinete de Segurança Institucional da Presidência
Inteligência para os res- tificação e neutralização de da República, órgão de coordenação das atividades
ponsáveis pela tomada de ações promovidas por gru- de inteligência federal;
decisão em nível federal e pos de pessoas ou de orga- • Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, do Gabinete
para os órgãos que necessi- nizações, vinculadas ou não de Segurança Institucional da Presidência da Repú-
tem tomar conhecimento do a governos, que ameacem o blica, como órgão central do Sistema;
assunto analisado. desenvolvimento nacional e • Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da
de segurança do Estado e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, da Diretoria
Sociedade. de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Fe‑

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deral, do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, • fornecer ao órgão central do Sistema, para fins de
do Departamento Penitenciário Nacional e do Departa‑ integração, informações e conhecimentos específicos
mento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica relacionados com a defesa das instituições e dos inte‑
Internacional, da Secretaria Nacional de Justiça; resses nacionais; e
• Ministério da Defesa, por meio da Subchefia de • estabelecer os respectivos mecanismos e procedimen‑
Inteligência de Defesa, da Divisão de Inteligência tos particulares necessários às comunicações e ao in‑
Estratégico‑Militar da Subchefia de Estratégia do tercâmbio de informações e conhecimentos no âmbito
Estado‑Maior da Armada, do Centro de Inteligência da do Sistema, observando medidas e procedimentos de
Marinha, do Centro de Inteligência do Exército, do Cen‑ segurança e sigilo, sob coordenação da ABIN, com base
tro de Inteligência da Aeronáutica, e do Centro Gestor na legislação pertinente em vigor.
e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia;
• Ministério das Relações Exteriores, por meio da 2.10. Representantes dos Órgãos componentes do
Secretaria‑Geral de Relações Exteriores e da Divisão SISBIN no Departamento de Integração do SISBIN
de Combate aos Ilícitos Transnacionais da Subsecreta‑
ria‑Geral de Assuntos Políticos Multilaterais, Europa e A ABIN poderá manter, em caráter permanente, repre-
América do Norte; sentantes dos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de
• Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria‑Execu‑ Inteligência na Assessoria‑Executiva do Sistema Brasileiro
tiva do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, de Inteligência.
da Secretaria da Receita Federal do Brasil e do Banco A ABIN poderá requerer aos órgãos integrantes do Siste-
Central do Brasil; ma Brasileiro de Inteligência a designação de representantes
• Ministério do Trabalho , por meio da Secretaria‑Exe‑ para atuarem na Assessoria‑Executiva do Sistema Brasileiro
cutiva; de Inteligência.
• Ministério da Saúde, por meio do Gabinete do Ministro
de Estado e da Agência Nacional de Vigilância Sanitá‑ 2.11. Atribuição da Assessoria‑Executiva do SISBIN
ria – ANVISA;
• Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Co- A Assessoria‑Executiva do Sistema Brasileiro de Inteligên-
municações, por meio da Secretaria‑Executiva; cia terá por atribuição coordenar a articulação do fluxo de
• Ministério do Meio Ambiente, por meio da Secreta‑ dados e informações oportunas e de interesse da atividade
ria‑Executiva e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente de Inteligência de Estado, com a finalidade de subsidiar o
e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; Presidente da República em seu processo decisório.
• Ministério da Integração Nacional, por meio da Se‑
cretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. 2.11.1 Expediente na Assessoria‑Executiva do SISBIN
• Ministério da Transparência Fiscalização e Contro- Os representantes do SISBIN cumprirão expediente na
ladoria‑Geral da União – CGU, por meio da Secreta‑ Assessoria‑Executiva do Sistema Brasileiro de Inteligência
ria‑Executiva. da ABIN, ficando dispensados do exercício das atribuições
• Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, habituais no órgão de origem e trabalhando em regime de
por meio de sua Secretaria‑Executiva; disponibilidade permanente, na forma do disposto no regi-
• Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, por mento interno da ABIN, a ser proposto pelo seu Diretor‑Geral
meio de sua Secretaria‑Executiva, da Secretaria de e aprovado pelo Ministro de Estado e Chefe do Gabinete de
Aviação Civil, da Agência de Aviação Civil, da Agência Segurança Institucional da Presidência da República.
Nacional de Transportes Terrestres, da Empresa, da Os representantes mencionados anteriormente po-
Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária derão acessar, por meio eletrônico, as bases de dados de
e do Departamento Nacional de Infraestrutura de seus órgãos de origem, respeitadas as normas e limites de
Transportes – DNIT; cada instituição e as normas legais pertinentes à segurança,
• Ministério de Minas e Energia, por meio de sua ao sigilo profissional e à salvaguarda de assuntos sigilosos.
Secretaria‑Executiva; e
• Advocacia‑Geral da União, por sua Secretaria‑Execu‑ 2.12. Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

tiva. Inteligência

2.8. Funcionamento do SISBIN Fica instituído e vinculado ao Gabinete de Segurança


Institucional da Presidência da República, o Conselho Con-
O funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência sultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência, ao qual compete:
efetivar‑se‑á mediante articulação coordenada dos órgãos • Emitir pareceres sobre a execução da Política Nacional
que o constituem, respeitada a autonomia funcional de cada de Inteligência;
um e observadas as normas legais pertinentes a segurança, • Propor normas e procedimentos gerais para o inter‑
sigilo profissional e salvaguarda de assuntos sigilosos. câmbio de conhecimentos e as comunicações entre
os órgãos que constituem o Sistema Brasileiro de
2.9. Cabe aos Órgãos que compõem o SISBIN nos Inteligência, inclusive no que respeita à segurança da
âmbitos de suas competências informação;
• Contribuir para o aperfeiçoamento da doutrina de
• produzir conhecimentos, em atendimento às prescri‑ inteligência;
ções dos planos e programas de inteligência, decor‑ • Opinar sobre propostas de integração de novos órgãos
rentes da Política Nacional de Inteligência; e entidades ao Sistema Brasileiro de Inteligência;
• planejar e executar ações relativas à obtenção e inte‑ • Propor a criação e a extinção de grupos de trabalho
gração de dados e informações; para estudar problemas específicos, com atribuições,
• intercambiar informações necessárias à produção composição e funcionamento regulados no ato que os
de conhecimentos relacionados com as atividades de instituir; e
inteligência e contrainteligência; • Propor ao seu Presidente o regimento interno.

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2.13. Membros do Conselhos Consultivo 3. Agência Brasileira de Inteligência – ABIN
São membros do Conselho os titulares dos seguintes 3.1 Criação da ABIN
órgãos:
• Gabinete de Segurança Institucional da Presidência A Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999 criou a Agên-
da República. cia Brasileira de Inteligência – ABIN, órgão da Presidência
• ABIN, do Gabinete de Segurança Institucional da da República, que, na posição de órgão central do Sistema
Presidência da República. Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, execu-
• Secretaria Nacional de Segurança Pública, Diretoria tar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de
de Inteligência Policial do Departamento de Polícia inteligência do País, obedecidas à política e às diretrizes
Federal e Departamento de Polícia Rodoviária Fede- superiormente traçadas nos termos desta Lei.
ral, do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
3.1. Respeito aos direitos fundamentais:
• Subchefia de Inteligência de Defesa, Divisão de Inteli-
gência Estratégico‑Militar da Subchefia de Estratégia
As atividades de inteligência serão desenvolvidas, no que
do Estado‑Maior da Armada, Centro de Inteligência se refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas
da Marinha, Centro de Inteligência do Exército, Cen- e meios sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e
tro de Inteligência da Aeronáutica, e Centro Gestor garantias individuais, fidelidade às instituições e aos princí-
e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, pios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado.
todos do Ministério da Defesa.
• Divisão de Combate a Ilícitos Transnacionais da 3.2. Competências da ABIN
Subsecretaria‑Geral de Assuntos Políticos Multilate-
rais, Europa e América do Norte, do Ministério das Na condição de órgão central do Sistema Brasileiro de
Relações Exteriores. Inteligência, a ABIN tem a seu cargo:
• Conselho de Controle de Atividades Financeiras e • Planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas
Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério à obtenção e análise de dados para a produção de
da Fazenda. conhecimentos destinados a assessorar o Presidente
da República;
2.13.1 Presidência do Conselho Consultivo • Planejar e executar a proteção de conhecimentos sen‑
O Conselho é presidido pelo Ministro de Estado do Chefe síveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado
do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da e da sociedade;
República, que indicará seu substituto eventual. • Avaliar as ameaças, internas e externas, à  ordem
constitucional;
• Estabelecer as necessidades de conhecimentos especí‑
2.13.2 Membros do Conselho Consultivo
ficos, a serem produzidos pelos órgãos que constituem
• Os membros do Conselho indicarão os respectivos
o Sistema Brasileiro de Inteligência, e consolidá‑las no
suplentes. Plano Nacional de Inteligência;
• Aos membros do Conselho serão concedidas creden‑ • Coordenar a obtenção de dados e informações e a
ciais de segurança no grau “secreto”. produção de conhecimentos sobre temas de compe‑
tência de mais de um membro do Sistema Brasileiro
2.14.3 Reunião do Conselho de Inteligência, promovendo a necessária interação
a) Ordinária: O Conselho reunir‑se‑á, em caráter ordi- entre os envolvidos;
nário, até três vezes por ano, na sede da ABIN, em Brasília. • Acompanhar a produção de conhecimentos, por meio
b) Extraordinária: O Conselho reunir‑se‑á, em caráter de solicitação aos membros do Sistema Brasileiro de
extraordinariamente, sempre que convocado pelo seu Pre- Inteligência, para assegurar o atendimento da finali‑
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

sidente ou a requerimento de um de seus membros. dade legal do Sistema;


A critério do presidente do Conselho, as  reuniões ex- • Analisar os dados, informações e conhecimentos
traordinárias poderão ser realizadas fora da sede da ABIN. recebidos, com vistas a verificar o atendimento das
c) Quórum de aprovação: O Conselho reunir‑se‑á com a necessidades de conhecimentos estabelecidas no Plano
presença de, no mínimo, a maioria de seus membros. Nacional de Inteligência;
d) Participação de outros órgãos ou entidades • Integrar as informações e os conhecimentos fornecidos
Mediante convite de qualquer membro do Conselho, pelos membros do Sistema Brasileiro de Inteligência;
representantes de outros órgãos ou entidades poderão par- • Solicitar dos órgãos e entidades da Administração Pú‑
ticipar das suas reuniões, como assessores ou observadores. blica Federal os dados, conhecimentos, informações ou
documentos necessários ao atendimento da finalidade
legal do Sistema;
O presidente do Conselho poderá convidar para partici-
• Promover o desenvolvimento de recursos humanos
par das reuniões cidadãos de notório saber ou especialização e tecnológicos e da doutrina de inteligência, realizar
sobre assuntos constantes da pauta. estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento
As despesas com deslocamento e estada dos membros do da atividade de inteligência, em coordenação com os
Conselho correrão à custa de recursos dos órgãos que repre- demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência;
sentam, salvo na hipótese do § 4º ou em casos excepcionais, • Prover suporte técnico e administrativo às reuniões do
quando correrão à custa dos recursos da ABIN. Conselho e ao funcionamento dos grupos de trabalho,
A participação no Conselho não enseja nenhum tipo solicitando, se preciso, aos órgãos que constituem o
de remuneração e será considerada serviço de natureza Sistema colaboração de servidores por tempo deter‑
relevante. minado, observadas as normas pertinentes; e

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• Representar o Sistema Brasileiro de Inteligência b) Aprovação do Diretor‑Geral da ABIN: Senado Federal.
perante o órgão de controle externo da atividade de
inteligência. 3.7. Regimento interno

Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteli- O regimento interno da ABIN disporá sobre a compe-
gência fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem tência e o funcionamento de suas unidades, assim como as
aprovados mediante ato presidencial, para fins de integração, atribuições dos titulares e dos demais integrantes.
dados e conhecimentos específicos relacionados com a de- A elaboração e a edição do regimento interno da ABIN
fesa das instituições e dos interesses nacionais. serão de responsabilidade de seu Diretor‑Geral, que o sub-
meterá à aprovação do Presidente da República.
Atenção!
Excetua-se das atribuições da ABIN a atividade de inteligên- 3.8. Publicidade dos atos da ABIN
cia operacional necessária ao planejamento e à condução
de campanhas e operações militares das Forças Armadas, Os atos da ABIN, cuja publicidade possa comprometer
no interesse da defesa nacional. o êxito de suas atividades sigilosas, deverão ser publicados
em extrato.
3.3. Política Nacional de Inteligência Incluem‑se entre os atos os referentes ao seu peculiar
funcionamento, como às atribuições, à atuação e às espe-
A execução da Política Nacional de Inteligência, fixada cificações dos respectivos cargos, e  à movimentação dos
pelo Presidente da República, será levada a efeito pela ABIN, seus titulares.
sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa A obrigatoriedade de publicação dos atos em extrato
Nacional do Conselho de Governo. independe de serem de caráter ostensivo ou sigiloso os
Antes de ser fixada pelo Presidente da República, a Po- recursos utilizados, em cada caso.
lítica Nacional de Inteligência será remetida ao exame e
sugestões do competente órgão de controle externo da 3.9. Informações ou documentos
atividade de inteligência.
Em 2016, MICHEL TEMER, ora Vice‑Presidente da Re- Quaisquer informações ou documentos sobre as ativi-
pública, no exercício do cargo de Presidente da República, dades e assuntos de inteligência produzidos, em curso ou
decretou a fixação da Política Nacional de Inteligência, por sob a custódia da ABIN somente poderão ser fornecidos,
meio do DECRETO Nº 8.793, DE 29 DE JUNHO DE 2016, que
às autoridades que tenham competência legal para solici-
será trabalhado logo abaixo.
tá‑los, pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência da República, observado o respectivo grau
3.4. Controle e fiscalização externos
de sigilo conferido com base na legislação em vigor, exclu-
ídos aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
O controle e fiscalização externos da atividade de inteli-
sociedade e do Estado.
gência serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser
estabelecida em ato do Congresso Nacional.
3.9.1. Fornecimento de documentos ou informações
3.4.1 Integrantes do órgão de controle externo O fornecimento de documentos ou informações, não
Integrarão o órgão de controle externo da atividade de abrangidos pelas hipóteses previstas acima, será regulado em
inteligência os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos ato próprio do Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
Deputados e no Senado Federal, assim como os Presidentes da Presidência da República.
das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal. 3.9.2. Sigilo dos documentos ou informações
A autoridade ou qualquer outra pessoa que tiver conhe-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
O controle e fiscalização externos da atividade de inte-
ligência definirá o funcionamento do órgão de controle e a cimento ou acesso aos documentos ou informações referidos
forma de desenvolvimento dos seus trabalhos com vistas ao no caput deste artigo obriga‑se a manter o respectivo sigilo,
controle e fiscalização dos atos decorrentes da execução da sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal, e,
Política Nacional de Inteligência. em se tratando de procedimento judicial, fica configurado o
interesse público de que trata o art. 155, inciso I, do Código
3.5. Convênios de Processo Civil, devendo qualquer investigação correr,
igualmente, sob sigilo.
A ABIN, observada a legislação e normas pertinentes,
e objetivando o desempenho de suas atribuições, poderá 3.9.3. Comunicação da ABIN com demais órgãos
firmar convênios, acordos, contratos e quaisquer outros Somente poderá comunicar‑se com os demais órgãos
ajustes. da administração pública direta, indireta ou fundacional,
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
3.6. Direção Federal e dos Municípios, com o conhecimento prévio da
autoridade competente de maior hierarquia do respectivo
A ABIN será dirigida por um Diretor‑Geral, cujas funções órgão, ou um seu delegado.
serão estabelecidas no decreto que aprovar a sua estrutura
organizacional. 3.10. Cargos de natureza especial e em comissão
a) Escolha do Diretor‑Geral da ABIN: São privativas
do Presidente da República a escolha e a nomeação do Ficam criados os cargos de Diretor‑Geral e de Diretor‑Ad-
Diretor‑Geral da ABIN. junto da ABIN, de natureza especial, e os em comissão.

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3.10.1. Escolha e nomeação do Diretor‑Geral da ABIN Decreto nº 8.905, de 17 de Novembro de 2016
São privativas do Presidente da República a escolha e a
nomeação do Diretor‑Geral da ABIN, após aprovação de seu (Aprova a Estrutura Regimen‑
nome pelo Senado Federal. tal e o Quadro Demonstrativo
dos Cargos em Comissão e das
CARGOS DE NATUREZA ESPECIAL Funções de Confiança da Agência
VALOR VALOR Brasileira de Inteligência, remane‑
CÓDIGO QUANTITATIVO ja cargos em comissão e substitui
UNITÁRIO TOTAL
cargos em comissão do Grupo
NAT. ESP 1 6.400,00 6.400,00 Direção e Assessoramento Supe‑
NAT. ESP 1 6.400,00 6.400,00 rior – DAS por Funções Comissio‑
nadas do Poder Executivo – FCPE).
TOTAL 2   12.800,00
Estrutura Regimental e Quadro Demonstrativo dos
CARGOS EM COMISSÃO Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da
VALOR VALOR Agência Brasileira de Inteligência – ABIN
CÓDIGO QUANTITATIVO
UNITÁRIO TOTAL
A ABIN tem sede em Brasília/DF, há superintendências
DAS 101.5 5 5.200,00 26.000,00 estaduais. Ainda há subunidades em localidades estratégicas,
DAS 101.4 18 3.800,00 68.400,00 principalmente em regiões fronteiriças, como Foz do Iguaçu/
PR e Tabatinga/AM. Tem representação em quatorze países
DAS 102.4 4 3.800,00 15.200,00
da América do Sul, América do Norte, África e Europa. Oficiais
DAS 101.3 40 1.027,48 41.099,20 de Inteligência da Agência atuam nesses países exercendo a
DAS 102.2 32 916,81 29.337,92 função de adidos civis. Eles fazem o intercâmbio de informa-
ções e produzem conhecimentos sobre temas de interesse
DAS 102.1 12 827,89 9.934,68 do Estado brasileiro49:
TOTAL 111   189.971,80

3.11. Unidade técnica de inteligência

A unidade técnica encarregada das ações de inteligência,


hoje vinculada à Casa Militar da Presidência da República,
fica absorvida pela ABIN.

3.11.1. Cargos e funções na unidade técnica


Fica o Poder Executivo autorizado a transferir para a
ABIN, mediante alteração de denominação e especifica-
ção, os cargos e funções de confiança do Grupo‑Direção e
Assessoramento Superiores, as  Funções Gratificadas e as
Gratificações de Representação, da unidade técnica encar-
regada das ações de inteligência, alocados na Casa Militar
da Presidência da República.

3.11.2. Acervo patrimonial


Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

O Poder Executivo disporá sobre a transferência, para


a ABIN, do acervo patrimonial alocado à unidade técnica
encarregada das ações de inteligência.

3.11.3. Dotações orçamentárias


O Poder Executivo fica autorizado a remanejar ou trans- Adidâncias
ferir para a ABIN os saldos das dotações orçamentárias con-
signadas para as atividades de inteligência nos orçamentos
da Secretaria de Assuntos Estratégicos e do Gabinete da
Presidência da República.
As despesas decorrentes desta Lei correrão à conta das
dotações orçamentárias próprias.
O Orçamento Geral da União contemplará, anualmente,
em rubrica específica, os recursos necessários ao desenvolvi-
mento das ações de caráter sigiloso a cargo da ABIN.

3.12. Controle interno

As atividades de controle interno da ABIN, inclusive as


de contabilidade analítica, serão exercidas pela Secretaria de
Controle Interno da Presidência da República. 49
Estrutura da ABIN http://www.abin.gov.br/institucional/estrutura (06/01/2018)

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1. Estrutura Regimental e Quadro Demonstrativos
Este Decreto aprovou a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de
Confiança da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.

1.1. Remanejamento de cargos em comissão do Grupo‑Direção e Assessoramento Superiores – DAS e Funções comis-
sionadas no caso da última coluna da direita da tabela abaixo:

Da ABIN para a Secretaria de Gestão do Da Secretaria de Gestão do Ministério Ficam remanejadas, da Secretaria de
Ministério do Planejamento, Desenvol- do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Ministério do Planejamento,
vimento e Gestão: Gestão para a ABIN: Desenvolvimento e Gestão para a ABIN,
as seguintes FUNÇÕES COMISSIONA-
DAS DO PODER EXECUTIVO - FCPE:
a) três DAS 101.3. a) um DAS 101.5. I - vinte e cinco FCPE 101.4.
b) dois DAS 102.5. b) três DAS 101.4. II - sessenta e cinco FCPE 101.3.
c) sete DAS 102.3. c) um DAS 101.2. III - nove FCPE 101.2.
d) cinco DAS 102.2.
e) onze DAS 102.1.
Atenção! c) Definição: é órgão central do Sistema Brasileiro de
Ficam extintos noventa e nove cargos em comissão do Inteligência.
Grupo‑DAS conforme demonstrado no Anexo IV. d) Competências: planejar, executar, coordenar, super-
visionar e controlar as atividades de Inteligência do País,
1.2. Exoneração de ocupantes de cargo em comissão obedecidas a política e as diretrizes superiormente traçadas
na forma da legislação específica.
Os ocupantes dos cargos em comissão que deixam de d.1) Compete, ainda, à ABIN:
existir na Estrutura Regimental da ABIN por força desse
Decreto ficam automaticamente exonerados.
• EXECUTAR a Política Nacional de Inteligência e as ações
1.3. Regimento interno dela decorrentes, sob a supervisão da Câmara de Relações
Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo;
Diretor‑Geral da ABIN editará o regimento interno para
detalhar as unidades administrativas integrantes da Estrutura
Regimental da ABIN, suas competências e as atribuições de • PLANEJAR e executar ações, inclusive sigilosas, relativas
seus dirigentes, no prazo de cento e vinte dias, contado da à obtenção e à análise de dados para a produção de
data de entrada em vigor deste Decreto. conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da
O regimento interno conterá o Quadro Demonstrati- República;
vo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança
da ABIN. • PLANEJAR e executar a proteção de conhecimentos
Fica delegada ao Ministro de Estado Chefe do Gabinete sensíveis relativos aos interesses e à segurança do Estado
de Segurança Institucional da Presidência da República a e da sociedade;
competência para a aprovação do regimento interno da
• AVALIAR as ameaças internas e externas à ordem
ABIN de que trata o § 2º do art. 8º da Lei nº 9.883, de 7 de
constitucional;
dezembro de 1999.
A publicação do regimento interno da ABIN no Diário • PROMOVER o desenvolvimento de recursos humanos
Oficial da União se dará na forma do art. 9º da Lei nº 9.883,
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
e da doutrina de Inteligência; e
de 1999.
O Diretor‑Geral da ABIN poderá, mediante alteração • REALIZAR estudos e pesquisas para o exercício e o
do regimento interno, permutar os cargos em comissão do
aprimoramento da Atividade de Inteligência.
Grupo DAS com FCPE, desde que não sejam alteradas as
unidades da estrutura organizacional básica especificadas
na Tabela “a” do Anexo II e sejam mantidos as categorias,
os níveis e os quantitativos previstos na Tabela “b” do Anexo e) Atividades de Inteligência
II, conforme o disposto no art. 9º do Decreto nº 6.944, de Serão desenvolvidas, no que se refere aos limites de
21 de agosto de 2009. sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, com
observância dos direitos e das garantias individuais, e com
ANEXO I – ESTRUTURA REGIMENTAL DA AGÊNCIA BRASI- fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem
LEIRA DE INTELIGÊNCIA – ABIN os interesses e a segurança do Estado.

2. NATUREZA E COMPETÊNCIA f) Fornecimento de informações à ABIN


Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de In-
2.1. Agência Brasileira de Inteligência – ABIN teligência fornecerão à ABIN, nos termos e nas condições
previstos no Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002,
a) Vínculo: Órgão integrante do Gabinete de Segurança e  nos demais dispositivos legais pertinentes, para fins de
Institucional da Presidência da República. integração, dados e conhecimentos específicos relacionados
b) Criação: criada pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro à defesa das instituições e dos interesses nacionais, sempre
de 1999. que solicitados.

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2.2. Estrutura Organizacional

1.1.1 A ABIN tem a seguinte estrutura organizacional:

A) Órgãos de assistência direta e imediata ao Diretor‑Geral da Agência Brasileira de Inteligência:

Gabinete; Assessoria de Relações Institucionais e Comunicação Social;

Assessoria de Relações Internacionais; Assessoria Jurídica;

Assessoria Executiva do Sistema Brasileiro de


Corregedoria-Geral;
Inteligência;

Secretaria de Planejamento e Gestão:

2. Centro de Pesquisa 3. Departamento


1. Assessoria de
e Desenvolvimento de Administração e
Segurança Orgânica;
para a Segurança das Logística;
Comunicações;

5. Departamento de
4. Departamento de
Planejamento e Gestão
Gestão de Pessoal; 6. Escola de Inteligência. Estratégica;

B) Órgãos específicos singulares:

Departamento de Inteligência Estratégica; Departamento de Contrainteligência;

Departamento de Contraterrorismo e Ilícitos Transnacionais;

Departamento de Operações de Inteligência;


Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

C) Unidades estaduais.

3. Competência das Unidades • Coordenar, em articulação com as unidades técnicas,


a  realização e a participação da ABIN em fóruns de
3.1. Órgãos de assistência direta e imediata ao Inteligência e eventos correlatos, em âmbito nacional
Diretor‑Geral da Agência Brasileira de Inteligência e internacional.

3.1.1 Competências do Gabinete: 3.1.2. Competências da Assessoria de Relações Institu-


• Assistir o Diretor‑Geral da ABIN em sua representação cionais e Comunicação Social:
institucional e ocupar‑se do preparo e do despacho de • Planejar e gerir ações para o fortalecimento das rela‑
seu expediente; ções institucionais da ABIN;
• Planejar, executar e coordenar as atividades de ceri‑ • Planejar, coordenar e acompanhar, no Congresso Na‑
monial no âmbito da ABIN; cional, os projetos de lei e as iniciativas de interesse
• Providenciar, em articulação com as demais unida‑ da ABIN e assessorar o Diretor‑Geral da ABIN e os seus
des, o atendimento às consultas e aos requerimentos dirigentes quanto a atividades e solicitações do Poder
formulados pelo Congresso Nacional e aos pedidos de Legislativo;
acesso à informação, decorrentes de legislação; • Planejar, supervisionar, controlar e orientar as ativida‑
• Coordenar, no âmbito da ABIN, as atividades relacio‑ des de comunicação social e contatos com a imprensa
nadas a ouvidoria; e a fim de atender suas demandas e divulgar assuntos

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afetos à ABIN, resguardados aqueles considerados de • Prover suporte técnico e administrativo às reuniões
natureza sigilosa; do Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de In‑
• Organizar campanhas educativas e publicitárias para teligência.
a divulgação da ABIN junto à sociedade brasileira e à
comunidade internacional; e 3.1.7 Competências da Secretaria de Planejamento e
• Desenvolver ações de comunicação voltadas ao público Gestão:
interno da ABIN. • Planejar, coordenar, supervisionar, controlar e avaliar
as atividades de planejamento, orçamento, moderniza‑
3.1.3 Competências da Assessoria de Relações Inter- ção e governança institucional, de capacitação e gestão
nacionais: de pessoal, de desenvolvimento científico e tecnológico,
• Planejar e apoiar as relações internacionais da ABIN e de Inteligência cibernética, de telecomunicações, de
as atividades com os parceiros estrangeiros, de acor‑ eletrônica, de logística, de serviços gráficos e de ad‑
do com as diretrizes fixadas pelo Diretor‑Geral e em ministração geral e as ações de segurança orgânica;
consonância com as ações executadas pelas unidades • Planejar, coordenar, supervisionar e controlar o
da ABIN; desenvolvimento do processo orçamentário anual e
• Supervisionar e acompanhar o trabalho dos adidos da programação financeira, em consonância com as
civis de Inteligência e de outros postos de servidores políticas, as diretrizes e as prioridades estabelecidas
da ABIN no exterior; e pelo Diretor‑Geral da ABIN;
• Articular o intercâmbio seguro de dados e conhecimen‑ • Articular com as unidades da ABIN a elaboração de
tos de interesse da Atividade de Inteligência entre os planos, projetos anuais e plurianuais, termos de convê‑
parceiros no exterior e as unidades da ABIN. nios, acordos de cooperação e instrumentos correlatos
a serem celebrados com entidades de direito público
3.1.4. Competências da Assessoria Jurídica, órgão seto- e privado, nacionais e estrangeiras, e submetê‑los à
rial da Advocacia‑Geral da União: apreciação do Diretor‑Geral da ABIN;
• Prestar assessoria e consultoria jurídica no âmbito • Desenvolver estudos destinados ao contínuo aper‑
da ABIN; feiçoamento da ABIN e propor, quando necessário,
• Fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos a reformulação e a padronização de suas estruturas,
tratados e dos demais atos normativos, a ser unifor‑ processos de trabalho, normas, sistemas e métodos; e
memente seguida na área de atuação da ABIN quando • Acompanhar, junto aos órgãos da administração
não houver orientação normativa do Advogado‑Geral pública federal e a outras entidades e organizações,
da União; a  alocação de recursos destinados ao cumprimento
• Realizar revisão final da técnica legislativa e emitir dos programas, das ações e das atividades da ABIN.
parecer conclusivo sobre a constitucionalidade, a lega‑
lidade e a compatibilidade com o ordenamento jurídico 3.1.8. Competências da Assessoria de Segurança Or-
das propostas de atos normativos; gânica:
• Assistir o Diretor‑Geral e as demais autoridades da
• Planejar, coordenar, executar e controlar as ações de
ABIN no controle interno da legalidade dos atos da
segurança de pessoas, das áreas e das instalações, do
ABIN; e
uso de sistemas de informação e da documentação
• Examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito
da ABIN;
da ABIN:
• Identificar ameaças ou ocorrências de comprometi‑
– Os textos de editais de licitação e os respectivos
mento ou violação da segurança orgânica, e adotar
contratos ou instrumentos congêneres a serem
publicados e celebrados; e medidas necessárias;
– Os atos pelos quais se reconheça a inexigibilidade • Articular o intercâmbio de informações relativas à se‑
ou se decida pela dispensa de licitação. gurança de pessoas da ABIN com as demais unidades
da ABIN, especialmente com a Corregedoria‑Geral;
• Coordenar, executar e fiscalizar o Sistema de Geren‑
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
3.1.5. Competências da Corregedoria‑Geral:
• Receber e apurar denúncias e representações sobre ciamento de Armas da ABIN; e
irregularidades e infrações disciplinares cometidas por • Realizar pesquisas em bases de dados para assesso‑
agentes públicos em exercício na ABIN; ramento nos assuntos de competência da ABIN.
• Planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar
as atividades de correição da ABIN; 3.1.9. Competências do Centro de Pesquisa e Desenvol-
• Articular o intercâmbio de informações relativas à vimento para a Segurança das Comunicações:
conduta funcional dos agentes públicos em exercício na • Coordenar e executar pesquisas científicas e tecnoló‑
ABIN com as demais unidades da ABIN, especialmente gicas a serem aplicadas na implementação de disposi‑
com a Assessoria de Segurança Orgânica; e tivos, processos, sistemas e soluções para a Atividade
• Orientar preventivamente os integrantes das unidades de Inteligência;
da ABIN quanto ao cumprimento da legislação disci‑ • Pesquisar, desenvolver e implementar algoritmos
plinar. criptográficos de Estado em soluções voltadas para a
segurança da informação e das comunicações;
3.1.6 Competências da Assessoria Executiva do Sistema • Desenvolver pesquisas científicas e tecnológicas apli‑
Brasileiro de Inteligência: cadas a projetos e soluções de segurança das comu‑
• Intercambiar dados e conhecimentos entre os mem‑ nicações e Inteligência cibernética;
bros do Sistema Brasileiro de Inteligência; • Planejar e executar atividades vinculadas ao fun‑
• Planejar, executar, supervisionar e controlar as ações cionamento de produtos e serviços de tecnologia da
de integração dos órgãos do Sistema Brasileiro de informação e comunicações;
Inteligência, em consonância com a Política Nacional • Apoiar a Secretaria‑Executiva do Conselho de Defesa
de Inteligência; e Nacional nas atividades de caráter científico e tecno‑

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lógico relacionadas à segurança da informação e à 3.2. Órgãos específicos singulares
segurança cibernética; e
• Implementar os planos relacionados a Inteligência 3.2.1. Competências do Departamento de Inteligência
cibernética aprovados pela ABIN. Estratégica:
• Produzir conhecimentos de Inteligência sobre ameaças
3.1.10. Competências do Departamento de Adminis- e oportunidades, no âmbito nacional e internacional,
tração e Logística: para fins de assessoramento ao processo decisório
• Planejar, coordenar e executar a dotação orçamentária do País;
anual da ABIN; • Planejar, coordenar, supervisionar e controlar a execu‑
• Planejar, executar e controlar as atividades adminis‑ ção das atividades de Inteligência Estratégica do País;
trativas, patrimoniais, de gestão logística, de protoco‑ • Processar dados e conhecimentos fornecidos pelos
lo‑geral e de arquivo de documentos administrativos; e adidos civis brasileiros no exterior, representantes
• Propor instrumentos normativos nas suas áreas de estrangeiros acreditados junto ao Governo brasileiro
competência.
e pelos serviços estrangeiros congêneres; e
• Implementar os planos relacionados à Atividade de
3.1.11. Competências do Departamento de Gestão de
Inteligência Estratégica aprovados pela ABIN.
Pessoal:
• Executar e coordenar as atividades relacionadas ao
Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal; 3.2.2. Competências do Departamento de Contrainte-
• Elaborar projetos de normativos e emitir manifestações ligência:
técnicas acerca de temas relativos à gestão de pessoal; • Desenvolver ações de contraespionagem;
• Planejar, executar, coordenar e supervisionar as ati‑ • Prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a atuação
vidades relacionadas ao recrutamento e à seleção de deliberada de governos, grupos e pessoas físicas ou
candidatos a ingresso na ABIN, bem como à ambienta‑ jurídicas que possam influenciar o processo decisório
ção, ao desenvolvimento profissional, ao acompanha‑ do país com o objetivo de favorecer interesses estran‑
mento e à capacitação dos agentes públicos da ABIN; geiros em detrimento dos nacionais;
• Realizar ações destinadas à adequação das competên‑ • Empreender ações e programas de fortalecimento da
cias dos agentes públicos às atribuições das unidades cultura de proteção e salvaguarda de conhecimentos
da ABIN; e sensíveis cujo acesso não autorizado possa resultar em
• Promover políticas permanentes de melhoria da quali‑ prejuízos aos objetivos estratégicos da sociedade e do
dade de vida e saúde dos agentes públicos em exercício estado brasileiros;
na ABIN. • Elaborar, em articulação com as demais unidades,
avaliações de risco em áreas e instalações críticas e
3.1.12. Competências do Departamento de Planejamen- estratégicas;
to e Gestão Estratégica: • Processar dados e conhecimentos fornecidos pelos
• Coordenar a elaboração de políticas e diretrizes de adidos civis brasileiros no exterior, pelos representantes
gestão estratégica da ABIN; estrangeiros acreditados junto ao governo brasileiro e
• Propor e coordenar a elaboração e consolidação dos pelos serviços estrangeiros congêneres; e
planos, projetos e programas relativos ao desenvolvi‑ • Implementar os planos relacionados à atividade de
mento e à integração institucional; contrainteligência aprovados pela ABIN.
• Apoiar e monitorar a implementação e a execução
de programas e projetos estratégicos e de ações 3.2.3. Competências do Departamento de Contraterro-
sistêmicas de transformação da gestão voltadas ao rismo e Ilícitos Transnacionais:
fortalecimento institucional; • Planejar e executar as atividades de prevenção às
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

• Participar, em articulação com as unidades da ABIN, ações terroristas no território nacional e obter infor‑
da elaboração de proposta orçamentária, observada
mações e produzir conhecimentos sobre organizações
a priorização de atividades de acordo com as diretrizes
terroristas e ilícitos transnacionais;
institucionais;
• Processar dados e conhecimentos fornecidos pelos
• Sistematizar, monitorar e gerenciar a obtenção e a
adidos civis brasileiros no exterior, pelos representantes
utilização de dados relativos à avaliação gerencial e
ao desempenho institucional. estrangeiros acreditados junto ao governo brasileiro e
pelos serviços estrangeiros congêneres; e
3.1.13. Competência da Escola de Inteligência: • Implementar os planos relacionados à atividade de
• Realizar a capacitação e o desenvolvimento de recur‑ contraterrorismo e de análise de ilícitos transnacionais
sos humanos para a Atividade de Inteligência e para aprovados pela ABIN.
o Sistema Brasileiro de Inteligência e a capacitação de
pessoal selecionado por meio de concurso público; 3.2.4. Competências do Departamento de Operações
• Coordenar as ações de pesquisa e desenvolvimento da de Inteligência:
Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência; • Planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar
• Elaborar planos e estudos e conduzir pesquisas para operações de Inteligência, em consonância com as
o exercício e o aprimoramento da Atividade de Inteli‑ diretrizes e prioridades institucionais;
gência; e • Orientar, supervisionar e apoiar as unidades estaduais
• Estabelecer intercâmbio com escolas, centros de em operações de Inteligência; e
ensino, bibliotecas e outras organizações congêneres • Implementar os planos relacionados a operações de
nacionais e estrangeiras. Inteligência aprovados pela ABIN.

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3.3. Das unidades estaduais • Aprovar as ações decorrentes da Política Nacional de
Inteligência; e
3.3.1 Competências das unidades estaduais: • Realizar outras atividades determinadas pelo Ministro
Planejar, executar, coordenar, supervisionar, controlar e de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
difundir a produção de conhecimentos de interesse da Ativi‑ da Presidência da República.
dade de Inteligência nas respectivas áreas, de acordo com
as diretrizes fixadas pelo Diretor‑Geral da ABIN; O Diretor‑Geral da ABIN será substituído, nos seus
Coordenar, em articulação com a Assessoria Executiva impedimentos legais, pelo Diretor‑Adjunto, que poderá
do Sistema Brasileiro de Inteligência as ações desse sistema
exercer outras atribuições e competências definidas pelo
em âmbito estadual; e
Planejar, executar e controlar, em articulação com o Diretor‑Geral da Agência.
Departamento de Operações de Inteligência, as ações ope‑ Nas hipóteses de afastamentos ou impedimentos legais
racionais em nível estadual. ou regulamentares e na vacância dos cargos de Diretor‑Geral
e de Diretor‑Adjunto, a Direção‑Geral da ABIN será exercida
4. Atribuições dos Dirigentes pelo Secretário de Planejamento e Gestão.

4.1. Diretor‑Geral da Agência Brasileira de Inteligência 4.2. Demais dirigentes

4.1.1. Competências do Diretor‑Geral da ABIN incumbe: Ao Secretário de Planejamento e Gestão, aos Diretores,


• Assistir o Ministro de Estado Chefe do Gabinete de ao  Chefe de Gabinete e aos demais dirigentes incumbe
Segurança Institucional da Presidência da República planejar, dirigir, coordenar, orientar e avaliar a execução
nos assuntos de competência da ABIN; das atividades das unidades subordinadas e exercer outras
• Coordenar as atividades de Inteligência no âmbito do atribuições que lhes forem cometidas.
Sistema Brasileiro de Inteligência;
• Deliberar sobre projetos e atividades da ABIN;
• Editar atos normativos sobre a organização e o fun‑
5. Diretrizes dos cargos de confiança no caso dos
cionamento da ABIN e aprovar manuais de normas, militares em exercício na ABIN
procedimentos e rotinas;
• Propor a criação ou a extinção das superintendências • Os cargos de Assessor Especial Militar, de Assessor
estaduais, subunidades e postos no exterior, onde se Militar e de Assessor Técnico Militar serão ocupados
fizer necessário, observados os quantitativos fixados por Oficiais Superiores das Forças Armadas ou das
na Estrutura Regimental da ABIN; Forças Auxiliares;
• Fazer indicações para provimento de cargos em • Os cargos de Assistente Militar serão ocupados, em
comissão, inclusive do Diretor‑Adjunto, e  propor a princípio, por Oficiais Intermediários das Forças Arma‑
exoneração de seus ocupantes e dos substitutos; das ou das Forças Auxiliares; e
• Indicar ao Ministro de Estado Chefe do Gabinete de • Os cargos de Assistente Técnico Militar serão ocupa‑
Segurança Institucional da Presidência da República dos, em princípio, por Oficiais Subalternos das Forças
os servidores que poderão ser designados para pres‑ Armadas ou das Forças Auxiliares.
tarem serviços no exterior nos termos do art. 10 da Lei
nº 11.776, de 17 de setembro de 2008;
• Decidir sobre os recursos impetrados contra indeferi‑ 6. Corregedor‑Geral da ABIN
mento ou arquivamento de denúncias ou representa‑
ções para instauração de procedimentos administra‑ O Corregedor‑Geral da ABIN será indicado pelo Dire-
tivos disciplinares; tor‑Geral, ouvido o Ministério da Transparência, Fiscalização
• Aprovar planos de operações da Atividade de Inteli‑ e Controladoria‑Geral da União, e  nomeado na forma da
gência; legislação vigente. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

ANEXO II 
a) QUADRO DEMONSTRATIVO DOS CARGOS EM COMISSÃO E DAS FUNÇÕES DE CONFIANÇA DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE
INTELIGÊNCIA - ABIN

UNIDADE CARGO/FUNÇÃO  Nº DENOMINAÇÃO/CARGO/FUNÇÃO NE/DAS/FCPE/RMP/RGA


       
  1 Diretor-Geral NE
  1 Diretor-Adjunto NE
  1 Assessor de Controle Interno DAS 102.4
       
GABINETE 1 Chefe DAS 101.4
  1 Assessor DAS 102.4
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
  4 Assistente DAS 102.2
  4 Assistente Técnico DAS 102.1
       
Ouvidoria 1 Ouvidor DAS 101.3
       

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ASSESSORIA DE RELAÇÕES
INSTITUCIONAIS E 1 Chefe de Assessoria DAS 101.4
COMUNICAÇÃO SOCIAL
Coordenação 2 Coordenador DAS 101.3
       
ASSESSORIA DE RELAÇÕES
1 Chefe de Assessoria FCPE 101.4
INTERNACIONAIS
       
ASSESSORIA JURÍDICA 1 Chefe de Assessoria DAS 101.4
  2 Assessor Técnico DAS 102.3
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
       
CORREGEDORIA-GERAL 1 Corregedor-Geral DAS 101.4
Coordenação 2 Coordenador DAS 101.3
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
       
ASSESSORIA EXECUTIVA
DO SISTEMA BRASILEIRO 1 Chefe de Assessoria FCPE 101.4
DE INTELIGÊNCIA
Coordenação 2 Coordenador FCPE 101.3
       
SECRETARIA DE
1 Secretário DAS 101.6
PLANEJAMENTO E GESTÃO
  1 Assessor DAS 102.4
  1 Assistente DAS 102.2
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
       
ASSESSORIA DE
1 Chefe DAS 101.4
SEGURANÇA ORGÂNICA
Coordenação 3 Coordenador DAS 101.3
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
       
CENTRO DE PESQUISA
E DESENVOLVIMENTO
1 Diretor DAS 101.5
PARA A SEGURANÇA DAS
COMUNICAÇÕES
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
Coordenação-Geral 3 Coordenador-Geral FCPE 101.4
Coordenação 8 Coordenador FCPE 101.3
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Divisão 6 Chefe FCPE 101.2


       
DEPARTAMENTO DE
ADMINISTRAÇÃO E 1 Diretor DAS 101.5
LOGÍSTICA
Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral DAS 101.4
Coordenação 7 Coordenador DAS 101.3
Divisão 11 Chefe DAS 101.2
       
DEPARTAMENTO DE
1 Diretor DAS 101.5
GESTÃO DE PESSOAL
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral DAS 101.4
Coordenação 4 Coordenador DAS 101.3
       
DEPARTAMENTO DE
PLANEJAMENTO E GESTÃO 1 Diretor DAS 101.5
ESTRATÉGICA

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Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral DAS 101.4
Coordenação 4 Coordenador DAS 101.3
       
ESCOLA DE INTELIGÊNCIA 1 Diretor DAS 101.5
Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral DAS 101.4
Coordenação 8 Coordenador DAS 101.3
Divisão 2 Chefe DAS 101.2
       
DEPARTAMENTO
DE INTELIGÊNCIA 1 Diretor DAS 101.5
ESTRATÉGICA
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral FCPE 101.4
Coordenação 4 Coordenador FCPE 101.3
Divisão 1 Chefe FCPE 101.2
       
DEPARTAMENTO DE
1 Diretor DAS 101.5
CONTRAINTELIGÊNCIA
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral FCPE 101.4
Coordenação 4 Coordenador FCPE 101.3
       
DEPARTAMENTO DE
CONTRATERRORISMO E 1 Diretor DAS 101.5
ILÍCITOS TRANSNACIONAIS
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral FCPE 101.4
Coordenação 4 Coordenador FCPE 101.3
       
DEPARTAMENTO
DE OPERAÇÕES DE 1 Diretor DAS 101.5
INTELIGÊNCIA
Divisão 1 Chefe DAS 101.2
Coordenação-Geral 2 Coordenador-Geral FCPE 101.4
Coordenação 5 Coordenador FCPE 101.3
       
UNIDADES ESTADUAIS      
Superintendência Estadual
12 Superintendente FCPE 101.4
Tipo “A” Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
Coordenação 24 Coordenador FCPE 101.3
Divisão 12 Chefe DAS 101.2
       
Superintendência Estadual
14 Superintendente FCPE 101.3
Tipo “B”
       
Subunidade 2 Chefe FCPE 101.2
       
  4 Assessor Especial Militar RMP-Grupo 1 (A)
  4 Assessor Militar RMP-Grupo 2 (B)
  10 Assessor Técnico Militar RMP-Grupo 3 (C)
  11 Assistente Militar RMP-Grupo 4 (D)
  16 Assistente Técnico Militar RMP-Grupo 5 (E)
  45 Supervisor RGA-5
  94 Assistente RGA-4
  22 Secretário RGA-3
  115 Especialista RGA-2
  157 Auxiliar RGA-1

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b) QUADRO RESUMO DE CUSTOS DOS CARGOS EM COMISSÃO E DAS FUNÇÕES DE CONFIANÇA DA AGÊNCIA BRASILEIRA
DE INTELIGÊNCIA – ABIN

CÓDIGO DAS-UNITÁRIO SITUAÇÃO ATUAL SITUAÇÃO NOVA


VALOR
QTD. QTD. VALOR TOTAL
TOTAL
NE 6,41 2 12,82 2 12,82
DAS
6,27 1 6,27 1 6,27
101.6
DAS
5,04 8 40,32 9 45,36
101.5
DAS
3,84 35 134,40 13 49,92
101.4
DAS
2,10 99 207,90 31 65,10
101.3
DAS
1,27 44 55,88 36 45,72
101.2
           
DAS
5,04 2 10,08 - -
102.5
DAS
3,84 3 11,52 3 11,52
102.4
DAS
2,10 9 18,90 2 4,20
102.3
DAS
1,27 10 12,70 5 6,35
102.2
DAS 102.1 1,00 15 15,00 4 4,00
SUBTOTAL 1 228 525,79 106 251,26
FCPE
2,30 - - 25 57,50
101.4
FCPE
1,26 - - 65 81,90
101.3
FCPE
0,76 - - 9 6,84
101.2
SUBTOTAL 2 - - 99 146,24
TOTAL 228 525,79 205 397,50

c) QUADRO RESUMO DAS GRATIFICAÇÕES DE EXERCÍCIO EM CARGO DE CONFIANÇA DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE


INTELIGÊNCIA – ABIN
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

CÓDIGO DAS-UNITÁRIO QTD. VALOR TOTAL


RMP - Grupo 1 (A) 0,64 4 2,56
RMP - Grupo 2 (B) 0,58 4 2,32
RMP - Grupo 3 (C) 0,53 10 5,30
RMP - Grupo 4 (D) 0,48 11 5,28
RMP - Grupo 5 (E) 0,44 16 7,04
TOTAL 45 22,50

d) QUADRO RESUMO DAS GRATIFICAÇÕES DE REPRESENTAÇÃO DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA - ABIN

CÓDIGO DAS-UNITÁRIO QTD. VALOR TOTAL


RGA-5 0,43 45 19,35
RGA-4 0,38 94 35,72
RGA-3 0,34 22 7,48
RGA-2 0,29 115 33,35
RGA-1 0,24 157 37,68
TOTAL 433 133,58

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ANEXO III 
REMANEJAMENTO DE CARGOS EM COMISSÃO EM DECORRÊNCIA DO DECRETO Nº 8.785, DE 10 DE JUNHO DE 2016,
E SALDO DE DAS-UNITÁRIO A SER REDUZIDO DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA - ABIN 

CÓDIGO DAS-UNITÁRIO DA ABIN PARA A SEGES/MP (a) DA SEGES/MP PARA A ABIN (b)
    QTD. VALOR TOTAL QTD. VALOR TOTAL
DAS 101.5 5,04 - - 1 5,04
DAS 101.4 3,84 - - 3 11,52
DAS 101.3 2,10 3 6,30 - -
DAS 101.2 1,27 - - 1 1,27
           
DAS 102.5 5,04 2 10,08 - -
DAS 102.3 2,10 7 14,70 - -
DAS 102.2 1,27 5 6,35 - -
DAS 102.1 1,00 11 11,00 - -
SUBTOTAL 28 48,43 5 17,83
SALDO DO REMANEJAMENTO (a-b=c) 23 30,60
VALOR TOTAL DE DAS-UNITÁRIO A SER REMANEJADO DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE
31,53
INTELIGÊNCIA - ABIN, EM DECORRÊNCIA DO DECRETO Nº 8.785, DE 10 DE JUNHO DE 2016 (d)
SALDO A SER REMANEJADO DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA - ABIN, EM
0,93
DECORRÊNCIA DO DECRETO Nº 8.785, DE 10 DE JUNHO DE 2016 (DAS-UNITÁRIO) (c-d)

ANEXO IV 
REMANEJAMENTO DE FUNÇÕES COMISSIONADAS DO PODER EXECUTIVO - FCPE E DEMONSTRATIVO DOS CARGOS EM
COMISSÃO DO GRUPO DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO SUPERIORES-DAS EXTINTOS NA AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELI-
GÊNCIA EM CUMPRIMENTO À LEI Nº 13.346, DE 10 DE OUTUBRO DE 2016

a) FUNÇÕES COMISSIONADAS DO PODER EXECUTIVO REMANEJADAS

CÓDIGO DAS-UNITÁRIO DA SEGES/MP PARA A ABIN


    QTD VALOR TOTAL DAS-UNITÁRIO
FCPE 101.4 2,30 25 57,50
FCPE 101.3 1,26 65 81,90
FCPE 101.2 0,76 9 6,84
SALDO DO REMANEJAMENTO 99 146,24

b) DEMONSTRATIVO DE CARGOS EM COMISSÃO EXTINTOS 

CÓDIGO DAS-UNITÁRIO QTD. VALOR TOTAL Atividade de Inteligência e Legislação Correlata


DAS-4 3,84 25 96,00
DAS-3 2,10 65 136,50
DAS-2 1,27 9 11,43
TOTAL 99 243,93

ESTRATÉGIA NACIONAL DE ESTRATÉGIA NACIONAL DE INTELIGÊNCIA


INTELIGÊNCIA – ENINT
1. Mensagem do Presidente da República
Decreto de 15 de Dezembro de 2017
“O Brasil que queremos é um país harmônico. Um
país que cumpra a sua vocação para um desenvol-
Aprova a Estratégia Nacional
vimento integral, aliando o crescimento econômico
de Inteligência
à justa distribuição de suas riquezas; a plena utili-
zação de suas capacidades à preservação do meio
A Estratégia Nacional de Inteligência – ENINT foi apro- ambiente; a defesa de sua soberania à cooperação
vada em 15 de dezembro de 2017 e já está em vigor desde internacional. Queremos, em suma, um país que, na
esta data. Cabe aos órgãos e às entidades da administração busca constante desses equilíbrios, garanta condições
pública federal considerar, em seus planejamentos, ações dignas de vida a todos os seus cidadãos.
que concorram para o fortalecimento do Sistema Brasileiro Para alcançar esse desenvolvimento harmônico,
de Inteligência. é  fundamental que os programas de governo, da

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concepção à implementação, se apoiem em infor- namental, vem ganhando progressivamente importância
mações precisas e oportunas. Para decidir, o Governo estratégica.
tem de sopesar os diversos matizes de uma realidade
em constante evolução, considerando as ações dos • O que é a Estratégia Nacional de Inteligência (ENINT)?
múltiplos agentes, domésticos e externos, que em De acordo com os itens anteriores, a  formulação de
conjunto influem nos rumos de nossa sociedade. uma Estratégia Nacional de Inteligência (ENINT) se tornou
Quanto mais ágeis e mais precisas forem essas infor- imperiosa.
mações, tanto melhor será a capacidade do Estado A ENINT é um documento de orientação estratégica
brasileiro de fazer frente a seus desafios estratégicos, decorrente da Política Nacional de Inteligência (PNI), fixada
identificando oportunidades e neutralizando riscos. por meio do Decreto nº 8.793, de 29 de junho de 2016, e
Diante disso, contar com um sistema de Inteligência servirá de referência para a formulação do Plano Nacional
capaz e bem estruturado, com a necessária capilari- de Inteligência.
dade doméstica e internacional, é uma necessidade Consolidação: consolida conceitos e identifica os princi-
imperiosa do próprio desenvolvimento nacional. pais desafios para a atividade de Inteligência, definindo eixos
Em meio aos muitos desafios que enfrentamos e estruturantes e objetivos estratégicos, de forma a criar as
vamos suplantando, tenho orgulho de poder afirmar melhores condições para que o Brasil possa se antecipar às
que estive atento a essas necessidades desde os ameaças e aproveitar as oportunidades.
primeiros dias de minha gestão. Data, afinal, de 29
de junho de 2016 – escassos 48 dias após o início • Elaboração da ENINT
de meu governo – a publicação da Política Nacional A ENINT foi elaborada a partir de discussões oriundas
de Inteligência, adotada pelo Decreto nº  8.793. de um grupo de trabalho composto por representantes de
O documento, como se sabe, é fruto de um esforço órgãos do Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de Inte-
iniciado pela Agência Brasileira de Inteligência ainda ligência (Consisbin), com o apoio de estudiosos da atividade
em 2009 e que em sua maturação foi enriquecido de Inteligência de vários segmentos (universidades, órgãos de
pela análise crítica da Comissão Mista de Controle governo e instituições de referência), tendo sido apreciada
das atividades de Inteligência do Congresso Nacional. ao final por todos os órgãos do SISBIN.
Foram necessárias sensibilidade e vontade política
para levar a bom termo esse processo de análise e • Temporalidade da ENINT
tornar vigente aquele projeto. – Por meio de orientação sistemática e foco, a ENINT irá
Essa Estratégia será, oportunamente, complementa- propiciar a execução da PNI.
da por um Plano Nacional de Inteligência e, juntos, – Por ter caráter público, traz a transparência necessária
esses dois documentos darão muito maior concretu- e permite à sociedade conhecer os elementos norteadores
de, nos níveis operacional e tático, aos mandamentos para o Sistema Brasileiro de Inteligência no horizonte tem‑
daquele documento básico de junho de 2016. Mais poral de 2017 a 2021.
importante: encerram o ciclo iniciado em março
de 1990, que buscou circunscrever plenamente a • Flexibilidade da ENINT
atividade de Inteligência aos marcos do Estado De- A ENINT não é um documento rígido e terá flexibilidade
mocrático de Direito. para considerar os ajustes que se fizerem necessários em
Esse processo todo tem por objetivo último o fortale- função da alteração de variáveis e de cenários que possam
cimento do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), impactar a atividade de Inteligência.
de maneira que as 37 agências que hoje o integram • Atuação coesa: Ela traz uma oportunidade de apren‑
possam trabalhar em sintonia cada vez maior, sempre dizado para todos os órgãos que compõem o SISBIN, com a
com vistas a subsidiar o Estado brasileiro na tomada certeza de que o êxito de qualquer sistema está diretamente
de decisões estratégicas e na sua implementação. relacionado a sua capacidade de atuação coesa, integrada
O que buscamos, em suma, é continuar dotando o e direcionada.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Brasil das ferramentas adequadas para a promoção


2.1 Atividade de Inteligência no Brasil
do progresso e da paz social, atendendo aos princi-
pais anseios de nossa sociedade e proporcionando
• Ato decisório: Todo ato decisório do Estado deve estar
às gerações futuras uma nação de que possam
lastreado em subsídios oportunos, amplos e seguros.
orgulhar‑se.”
• Conhecimento dos temas: Para tanto, faz‑se necessário
o conhecimento dos temas de interesse para a ação governa‑
2. Introdução mental, notadamente aqueles que possam representar ame‑
aças ou oportunidades à consecução dos objetivos nacionais.
• Posição do Brasil: Em um ambiente interno e externo • Ações especializadas: Nesse contexto, o exercício
de profundas e constantes transformações, o conhecimento permanente de ações especializadas de Inteligência, com o
torna‑se fator essencial para que o Brasil se posicione ade‑ objetivo de produzir e difundir conhecimentos para auxiliar
quadamente nesse contexto desafiador, competitivo e de as autoridades governamentais, ganha suma importância.
muitas ameaças. • Acompanhamento: Cabe à atividade de Inteligência
• Diferencial competitivo: Avaliações corretas, oportunas acompanhar o ambiente interno e externo, buscando identifi‑
e aprofundadas conferem ao País um diferencial competitivo, car oportunidades e possíveis ameaças e riscos aos interesses
além de proporcionar segurança e proteger os interesses do Estado e à sociedade brasileira.
nacionais. O espaço para erros é cada vez menor. • Direcionamento de recursos: As ações destinadas à
• Objetivo da atividade de inteligência: Por isso, a ati‑ produção de conhecimentos devem permitir que o Estado,
vidade de Inteligência, que objetiva a obtenção, a análise e de forma antecipada, direcione os recursos necessários para
a disseminação de conhecimentos sobre fatos e situações prevenir e neutralizar adversidades futuras e para identificar
que possam impactar o processo decisório e a ação gover‑ oportunidades para sua atuação.

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• Relevância e transparência: A atividade de Inteligência • Colaboração: Nesse sentido, reúne órgãos e estruturas
no Brasil vem ganhando relevância crescente e transpa‑ capazes de colaborar, de modo decisivo, em variados temas,
rência, sobretudo com a aprovação da PNI e a edição da a exemplo daqueles relacionados a questões financeiras, tri-
presente ENINT. butárias, econômicas, sociais, ambientais, de infraestrutura,
• Aglutinação de documentos: Esses documentos são de política externa e de segurança.
elos aglutinadores dos órgãos que compõem o SISBIN e os • Fundamento: O SISBIN tem como fundamentos a
direcionadores para a formulação das iniciativas estratégicas preservação da soberania nacional, a defesa do Estado
referentes à atividade de Inteligência. Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana,
devendo ainda cumprir e preservar os direitos e as garantias
• A seguir, conforme disposto na PNI, é explicitado o individuais e os demais dispositivos da Constituição, os tra‑
conceito da atividade de Inteligência: tados, as convenções, os acordos e ajustes internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatária,
“Exercício permanente de ações especializadas, além da legislação ordinária.
voltadas para a produção e difusão de conhecimen- • Identificação de fatos e situações: O SISBIN é funda‑
tos, com vistas ao assessoramento das autoridades mental para a identificação de fatos e situações que podem
governamentais nos respectivos níveis e áreas de influenciar o processo decisório e a ação governamental e
atribuição, para o planejamento, a execução, o acom- para a segurança da sociedade e do Estado.
panhamento e a avaliação das políticas de Estado. • Realização de Eventos: Sua importância ficou eviden‑
A atividade de Inteligência divide‑se, fundamental- ciada na realização exitosa dos grandes eventos ocorridos no
mente, em dois grandes ramos: Brasil nos últimos anos, demonstrando um avançado estágio
• Inteligência: atividade que objetiva produzir e di‑ de integração entre as diversas instituições que o compõem.
fundir conhecimentos às autoridades competentes,
relativos a fatos e situações que ocorram dentro e 2.4. Controle da atividade de Inteligência
fora do território nacional, de imediata ou poten‑
cial influência sobre o processo decisório, a ação • Natureza estratégica: Em função da natureza estraté‑
governamental e a salvaguarda da sociedade e do gica, os conhecimentos fornecidos para o assessoramento às
Estado; decisões tomadas pelas autoridades governamentais devem
• Contrainteligência: atividade que objetiva preve‑ ser garantidos pelo sigilo.
nir, detectar, obstruir e neutralizar a Inteligência • Efetivamente, trata‑se de uma das principais peculia‑
adversa e as ações que constituam ameaça à ridades inerentes à atividade de Inteligência.
salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, • Desprovidas dessa exceção à regra geral de publicidade
áreas e instalações de interesse da sociedade e do dos atos públicos, os conhecimentos produzidos no âmbito
Estado”. do SISBIN se tornariam, muitas vezes, inócuos.
• Perder‑se‑ia a capacidade do Estado de antecipar‑se à
materialização de ameaças ou de aproveitar oportunidades
2.2 Política Nacional de Inteligência PNI
surgidas em um ambiente altamente competitivo.
• Garantias jurídicas: O exercício permanente de ações
A PNI definiu:
especializadas com vistas à produção e à difusão de
• Os parâmetros e os limites de atuação da atividade
conhecimentos que assessorem o processo decisório
de Inteligência;
impõe a necessidade de garantias jurídicas aptas a
e estabeleceu seus:
assegurar o seu adequado desempenho.
• Pressupostos;
• Normas da atividade de Inteligência: Nesse sentido,
• Instrumentos; as normas atinentes à atividade de Inteligência têm
• Identificou as principais ameaças, ou seja, aquelas sido desenvolvidas com o fim de atender as suas pe‑
que apresentam potencial capacidade de colocar em risco a culiaridades e de tornar possível a atuação eficiente
segurança da sociedade e do Estado e, finalmente; dos diversos órgãos incumbidos dessa função.
• Definiu objetivos e diretrizes no âmbito do SISBIN.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
• Previsão legal de exceções: O que particulariza a
estrutura normativa da atividade de Inteligência é,
2.3 Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN portanto, a previsão legal de exceções aos paradigmas
impostos a outras funções essenciais do Estado sem,
• Criação: foi Institui pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro todavia, distanciar‑se dos ideais democráticos que
de 1999 e criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), inspiram todo o serviço público.
na posição de seu órgão central.
• Objetivo integra ações de planejamento e execução Mecanismos jurídicos: Um dos principais pilares sobre
das atividades de Inteligência no País; os quais se estrutura o arcabouço jurídico da atividade de
• Finalidade: fornecer subsídios ao Presidente da Repú- Inteligência, a Lei nº 9.883, de 1999, introduziu mecanismos
blica nos assuntos de interesse nacional. jurídicos para a materialização das funções nela previstas.
• Responsabilidade da ABIN: tem sob sua responsabili- Nesse dispositivo legal, encontram‑se instrumentos que
dade a função de planejar, executar, coordenar, supervisionar viabilizam a proteção dos conhecimentos manipulados pela
e controlar as atividades de Inteligência do País, obedecidas atividade de Inteligência. O principal deles é a garantia do
a política e as diretrizes superiormente traçadas nos termos sigilo, consignada nos artigos 9º e 9º‑A.
da lei. Sigilo: Para garantir que o sigilo não afete o Estado Demo‑
• Responsabilidade do SISBIN: Cabe ao SISBIN a res- crático de Direito, as sociedades desenvolveram mecanismos
ponsabilidade pelo processo de obtenção e análise de de controle com atores variados.
informações e produção de conhecimentos de Inteligência • Controle em outros países: Na maioria dos países do
necessários ao processo decisório do Poder Executivo. Ocidente, o controle está a cargo do Poder Legislativo,
• O Sistema: também atua na proteção das informações por meio de comissões específicas. Mas há diversas
sensíveis e estratégicas do Estado brasileiro. formas de controle para a atividade de Inteligência.

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• Controle pelo órgão executivo: Em primeiro lugar, • Ela explicita o propósito fundamental, beneficiários
há um controle realizado pelo órgão executivo, asse‑ e o impacto a ser produzido, além de possuir horizonte de
gurando que os objetivos a serem alcançados, assim longo prazo.
como as políticas a serem implementadas e os planos
formulados respondam adequadamente às demandas Para o SISBIN, foi desenvolvida a seguinte Missão:
da sociedade. Desenvolver a atividade de Inteligência, de forma inte-
• Responsabilidade do controle: Esse controle é respon‑ grada, para promover e defender os interesses do Estado e
sável também por garantir que os gastos dos serviços da sociedade brasileira.
de Inteligência sejam efetuados com racionalidade e
exclusivamente para ações legítimas, necessárias e 4. Visão do SISBIN
úteis para o Estado.
• Controle no Brasil: No caso brasileiro, esse tipo de con‑
É, ao mesmo tempo, aspiração e inspiração.
trole é exercido pela: Câmara de Relações Exteriores e
• Aspiração porque indica uma condição futura a ser
Defesa Nacional do Conselho de Governo, responsável
alcançada.
pela supervisão da execução da PNI, e pelo Gabinete
de Segurança Institucional, a quem cabe coordenar a • Inspiração porque suscita em todos a vontade em
atividade de Inteligência federal. conquistar essa condição.
• Controle pelo organismo de Inteligência: Além do
controle político, existe um controle que é efetuado Visão de futuro: Ao partir de sua realidade atual, e tendo
pelo titular do organismo de Inteligência. Esse controle como foco a satisfação dos seus clientes (o Estado e a socie-
enfoca o comportamento dos seus subordinados, a le‑ dade brasileira), o SISBIN buscará alcançar sua visão de futuro
gitimidade e a adequação das suas ações à legislação por meio da ação coordenada e efetiva de seus integrantes.
vigente.
• Controle sobre a utilização de recursos: Aplica‑se, Assim, como visão de futuro, o SISBIN projeta:
ainda, um controle estrito sobre a utilização de recursos Excelência e integração no desempenho da atividade de
públicos. Os órgãos do SISBIN estão sujeitos ao controle Inteligência, tornando‑a imprescindível para a garantia da se-
do Tribunal de Contas da União (TCU), que avalia a gurança e dos interesses do Estado e da sociedade brasileira.
gestão financeira e patrimonial.
• Controle interno: Em âmbito interno, os órgãos são 5. Princípios éticos
controlados pela Secretaria de Controle Interno da
Presidência da República (CISET/PR), no caso de órgãos • A atividade de Inteligência: deve ser conduzida em
ligados à Presidência da República, e pelo Ministério estrita obediência ao ordenamento jurídico brasilei‑
da Transparência e Controladoria Geral da União. ro, pautando‑se pela fiel observância aos Princípios,
• Controle parlamentar: Por fim, existe o controle aos direitos e às garantias fundamentais expressos na
parlamentar. Esse controle tem por objetivo verificar Constituição, em prol do bem comum e na defesa dos
tanto a legitimidade como a eficácia da atividade de interesses da sociedade e do Estado Democrático de
Inteligência. Direito.
• Assuntos e conhecimentos sensíveis: Para atender a
• No que diz respeito eficácia da atividade de Inteligên- esse propósito, a  atividade de Inteligência lida com
cia: o controle parlamentar deve evitar um posicionamento assuntos e conhecimentos sensíveis, que devem rece‑
meramente reativo, episódico ou de respostas contingenciais, ber tratamento adequado, a fim de sempre garantir o
procurando também influir permanentemente para atingir as
atendimento dos objetivos maiores do País.
mudanças desejadas, emanando recomendações e buscando
estimular as condutas e atitudes adequadas.
• Ética: Portanto, como esse exercício típico da atividade
• Comissão Mista de Controle da Atividade de Inte-
ligência (CCAI): Os parlamentos são, sem dúvida, envolve escolhas e deliberações, impõem‑se criteriosos e
os  mais poderosos órgãos de controle da atividade rigorosos comportamentos éticos para seus profissionais.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

de Inteligência ao redor do mundo. No Brasil, foi ins‑


talada a Comissão Mista de Controle da Atividade de • Conduta ética: De acordo com a PNI, a  Inteligência
Inteligência (CCAI), cujo principal objetivo de acordo pauta‑se pela conduta ética, que pressupõe um con‑
com seu regimento, é: junto de princípios orientadores do comportamento
– Fiscalizar e controlar a atividade de Inteligência humano em sociedade.
desenvolvida por órgãos da administração pública
federal. • Primazia da verdade: Naquilo que em se aplica aos
– Especialmente dos órgãos integrantes do SISBIN, seus profissionais, representa, especialmente, o cuidado com
destacando‑se a preocupação de assegurar que a a preservação dos valores que determinam a primazia da
atividade seja realizada em conformidade com a verdade, sem conotações relativas, da honra e da conduta
Constituição e em defesa dos direitos e garantias pessoal ilibada, de forma clara e sem subterfúgios.
individuais, da sociedade e do Estado.
• Os princípios éticos devem balizar tanto as condutas
3. Missão do SISBIN dos profissionais que lidam com a Inteligência quanto
as dos usuários dos conhecimentos produzidos, para
• É a declaração clara e objetiva que exprime de modo conferir à atividade de Inteligência a necessária legi‑
contundente aquilo que o Sistema de Inteligência oferece à timidade e credibilidade perante a sociedade.
sociedade.
• Ao permitir o entendimento da razão de ser do SISBIN, • Interesse público: O produto da atividade deve ser
a Missão promove o comprometimento e reforça a coopera‑ utilizado no interesse do Estado e da sociedade brasileira,
ção entre os parceiros do Sistema. e apenas para propósitos legitimados democraticamente.

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• Os profissionais da atividade de Inteligência: atuam avanço tecnológico que possibilita o intercâmbio ágil
com a consciência de cumprirem verdadeira missão de das informações.
Estado, para a qual dedicam seus melhores esforços, • O avanço tecnológico permeia e impacta qualquer
sempre imbuídos do espírito de servir a Nação com processo desenvolvido na atualidade:
dedicação e lealdade. No curso de sua ação individual e – as informações circulam com menos intermediação
coletiva, além de outros orientadores legais, observam e mais velocidade; os instrumentos tecnológicos e
e praticam os seguintes princípios éticos: de comunicação são onipresentes graças à interco‑
– Respeito: adotam comportamentos e praticam nectividade e à convergência com as plataformas
ações que respeitam a dignidade do indivíduo e os móveis;
interesses coletivos; – a infraestrutura tecnológico‑informacional está
– Imparcialidade: atuam de modo isento, buscando cada vez mais presente em produtos domésticos e
a verdade no interesse do Estado e da sociedade industriais;
brasileira, sem se deixar influenciar por ideias pre‑ – o ambiente virtual permite que conteúdos e aplicati‑
concebidas, interesses particulares ou corporativos; vos tenham ampliação do alcance e da eficiência; e
– Cooperação: compartilham de forma sistemática e – a mobilidade se faz ainda mais presente pela disse‑
proativa dados e conhecimentos úteis para promo‑ minação de armazenamento baseado em servidores
ção e defesa dos interesses do Estado e da sociedade remotos (em nuvem).
brasileira; – Tecnologia: Os inegáveis benefícios e facilidades
– Discrição: tratam os diversos aspectos de seu traba‑ trazidos pela utilização da tecnologia são, contudo,
lho com reserva e sigilo, visando a proteger e pre‑ acompanhados de vulnerabilidades.
servar as instituições do SISBIN, os seus integrantes – Crescimento da espionagem cibernética: Como
e os conhecimentos produzidos; consequência, o mundo enfrenta o crescimento da
– Senso crítico: analisam e refletem sobre as implica‑ espionagem cibernética, inclusive com fins econô‑
ções morais de suas ações e decisões; e micos e científicos.
– Excelência: realizam as atividades com dedicação, – Da mesma forma, outros riscos surgem com a evo-
qualidade, profissionalismo, de forma metódica, lução tecnológica:
diligente e oportuna. - a automatização e a interconectividade dos sis-
temas de infraestruturas críticas, por exemplo,
tornam possíveis sabotagens pela via cibernética.
6. Ambiente estratégico:
• A disseminação das ameaças cibernéticas: também
• Os países, em tempos de crise ou não, na condução resultou na intensificação das demandas por soluções
das questões internas, externas e na garantia de sua capazes de ampliar o nível de segurança da informação,
segurança e de seus interesses, necessitam conhecer das comunicações e das infraestruturas críticas.
os possíveis cenários e as variáveis que os compõem, – Contudo, algumas das soluções de segurança,
bem como suas implicações, desejadas ou indesejadas. a exemplo dos recursos criptográficos, podem tam‑
bém ser utilizadas por grupos adversos aos interes‑
– Os tomadores de decisão necessitam de informações ses nacionais (como os ligados ao extremismo e ao
confiáveis, relevantes e oportunas que possam auxiliá‑los na crime) para a própria proteção.
condução de suas atribuições. – Esse uso dual torna ainda mais complexa a atuação
• Ambiente estratégico: O conjunto desses cenários do Estado no ambiente cibernético.
moldam o ambiente estratégico no qual a atividade
de Inteligência também atua e sobre o qual o Estado • O cenário de evolução tecnológica: implica também
é instado a oferecer respostas tanto a desafios já a crescente produção e armazenamento de grandes
identificados quanto àqueles inéditos, derivados das volumes de dados nos meios digitais (big data).
novas circunstâncias. – Quantidades massivas: A obtenção e a análise
• Ampliação dos investimentos em Inteligência e Defesa
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
dessas quantidades massivas de dados ensejam
no mundo: Para fazer frente a essa conjuntura tão oportunidades para a atividade de Inteligência, seja
dinâmica e difícil, ampliam‑se os investimentos em ela brasileira ou adversa.
Inteligência e Defesa no mundo. – Conjunto de dados: São os casos da utilização de
• Os serviços e os sistemas de Inteligência se desenvol- aplicações para análise de vínculos, entendimento
vem e• se profissionalizam como reflexo do aumento de contextos, localização de pessoas e de lugares e
da complexidade dos ambientes interno e externo, em uso de inteligência artificial e de técnicas analíticas
consonância com as características de cada país, seu para grandes conjuntos de dados (analytics).
arranjo institucional, suas prioridades e suas necessi‑
dades de informações. • Ambiente internacional: Junta‑se a isso um ambiente
• Interações entre países: Nesse contexto, para o melhor internacional em que os fatos se multiplicam e adqui-
desempenho da atividade de Inteligência, organismos rem grande imprevisibilidade.
de diversos países realizam, entre si, mais interações, – As fronteiras nacionais, a identidade nacional e os
apoiando ações e intercambiando informações, con‑ valores coletivos são desafiados diante das possibi‑
forme os interesses, que, embora possam ser comuns lidades de livre troca de informações, intercâmbio
sobre algumas temáticas, podem conflitar sobre com uma comunidade mundial progressivamente
outras que envolvam posicionamentos estratégicos mais conectada e trânsito de pessoas intenso.
específicos.
• Pautas de interesse mundial: O aumento de tais inte‑ • Essa dinâmica configura um processo irrefreável de
rações é decorrente do desenvolvimento de pautas de internacionalização do mundo, com um fluxo multidi-
interesse mundial, como o terrorismo internacional e recional, cada vez maior, de bens, transações, valores,
os ilícitos transnacionais, e está sendo facilitado pelo informações e ideias.

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• Atores não estatais: O mundo vivencia o fortalecimen‑ • Meio ambiente e desenvolvimento sustentável:
to de novos atores não estatais que possuem ramifi‑ A necessidade de conciliar a preservação do meio
cações em diversos países e apresentam considerável ambiente com o desenvolvimento sustentável e a ex-
capacidade para influenciar políticas públicas. ploração racional dos recursos naturais serão pautas
• Utilização da tecnologia: Tais atores se utilizam inten- constantes nos próximos anos. Nesse contexto, o País
samente da tecnologia, conseguem se articular melhor deve estar atento e preparado para questões como
e se estruturar em formato de redes, tornando‑se, desmatamento ilegal, pressões sobre biomas e busca
assim, mais flexíveis e resilientes. por fontes eficientes de energia.
• Mutação: As atuais estruturas que compõem o sistema • Demanda da população: Na organização legal, o País
internacional se encontram em rápida mutação, resul- enfrenta o desafio de harmonizar as múltiplas de-
tando em uma conjuntura complexa para a formulação mandas e necessidades de uma população com tanta
de estratégias de inserção externa dos países, sendo diversidade e obter um arcabouço que seja justo para
difícil o surgimento de um paradigma hegemônico para todos os brasileiros.
a interpretação e a condução de ações bem‑sucedidas • Eficiência: Os instrumentos legais aplicados à atividade
no cenário internacional. de Inteligência devem proporcionar as condições para
• Ameaças globais: Nesse sistema, cabe ao Brasil enfren- que a Inteligência atue com a eficiência que os desafios
tar as ameaças globais à segurança, como as atividades impostos ao Brasil requerem.
ilícitas transnacionais, as  ideologias extremistas e o • Importância da atividade de Inteligência: Num am-
terrorismo, que continuam se intensificando. biente estratégico de profundas e rápidas transforma-
ções, caberá à atividade de Inteligência um papel de
• Na outra ponta, o País precisa estar atento às opor‑ suma importância na promoção e defesa dos interesses
tunidades que favoreçam a consolidação de mercados do Estado e da sociedade brasileira e para o desenvol-
tradicionais e que abram caminhos alternativos para um vimento do País.
desenvolvimento econômico sustentável que melhore a • Valores e princípios fundamentais: Da atividade de
qualidade de vida da população brasileira. Inteligência do Brasil, cada vez mais, será cobrada uma
atuação voltada para contribuir com um país que se
• Integração do Brasil com demais países: A atividade fundamenta:
de Inteligência se insere no esforço de integração – na cidadania;
do Brasil com os demais países e, em especial, os da – na dignidade da pessoa humana;
América do Sul, de forma a aumentar a eficácia no – nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e;
enfrentamento dos problemas econômicos, nos temas – no pluralismo político, e;
de segurança do Estado e da sociedade, nas questões – que rege suas relações internacionais:
de desenvolvimento humano e no fortalecimento dos – pela solução pacífica dos conflitos;
valores democráticos. – pela cooperação entre os povos para o progresso da
• Ameaças à segurança no âmbito interno: há também humanidade;
as ameaças à segurança pública que, mesmo não dis- – pela autodeterminação dos povos e;
sociadas de questões internacionais, fazem‑se mais – pela prevalência dos direitos humanos.
presentes na realidade da população brasileira, com o
aumento da violência, o agravamento dos problemas • Identificação de ameaças: Da análise do ambiente
estruturais do sistema prisional e a crescente atuação estratégico e das orientações emanadas da PNI foram
do crime organizado, inclusive sobre as estruturas de identificadas e priorizadas, dentre outras, ameaças à
Estado. integridade e à segurança do Estado e da sociedade
• Os problemas de segurança internos e externos ao brasileira e oportunidades que, se aproveitadas, po-
Brasil: encontram‑se, muitas vezes, nas próprias fron- dem alçar o País a um novo nível de desenvolvimento,
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

teiras territoriais. conforme a seguir.

• Fiscalização nas fronteiras: É determinante a necessi‑ 6.1 Ameaças


dade de se manter uma fiscalização adequada das fronteiras
para se controlar o trânsito de pessoas, além de evitar o • Principais ameaças: Consideram‑se principais ameaças
fluxo de narcóticos, de armas e de produtos relacionados aquelas que apresentam potencial capacidade de pôr
ao contrabando. em perigo a integridade da sociedade e do Estado e a
segurança nacional.
• Combate à corrupção: Ainda relativamente às ques-
tões internas do País, deve permanecer o esforço de As ameaças retratadas neste documento foram discuti-
combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, asso- das e definidas quando da formulação da Política Nacional
ciado a demandas por respostas político‑sociais mais de Inteligência e estão detalhadas no Anexo ao  Decreto
efetivas, com perspectivas de reformas do sistema nº 8.793, de 2016. Segue um extrato da abordagem utilizada
político nacional. na PNI para cada ameaça:
• Espionagem, que visa à obtenção de conhecimentos
• Por consequência do aumento da influência das redes ou dados sensíveis para beneficiar Estados, grupos
sociais no comportamento humano, elas têm sido cada vez de países, organizações, facções, grupos de interesse,
mais utilizadas como meio de mobilização social. empresas ou indivíduos;
• Paralelamente, as redes também servem a outros gru‑ • Sabotagem, que é a ação deliberada, com efeitos
pos de influência, que podem se utilizar delas para incentivar físicos, materiais ou psicológicos para destruir, danifi‑
radicalizações de quaisquer gêneros. car, comprometer ou inutilizar, total ou parcialmente,

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definitiva ou temporariamente, dados ou conheci‑ • Cabe à Inteligência de Estado papel fundamental no
mentos; ferramentas; materiais; matérias‑primas; sentido de mediar parte desse processo, elaborando análises
equipamentos; cadeias produtivas; instalações ou prospectivas e gerando conhecimentos estratégicos que o
sistemas logísticos, sobretudo aqueles necessários ao viabilizem.
funcionamento da infraestrutura crítica do País;
• Interferência externa, que é a atuação deliberada • A maior exposição do País ao ambiente internacional
de governos, grupos de interesse, pessoas físicas ou exige, ainda, que a sociedade e o governo brasileiros
jurídicas que possam influenciar os rumos políticos do estejam aptos a lidar com novas dinâmicas interestatais
País com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros e com novos atores não estatais.
em detrimento dos nacionais;
• Ações contrárias à soberania nacional, que atentam
• Nesse sentido, o conhecimento produzido pelos órgãos
contra a autodeterminação, a  não ingerência nos
que tratam da atividade de Inteligência auxilia no entendi‑
assuntos internos e o respeito incondicional à Consti‑
mento dessas realidades complexas.
tuição e às leis;
• Ataques cibernéticos, que são ações deliberadas com
o emprego de recursos da tecnologia da informação Cooperação internacional
para interromper, penetrar, adulterar ou destruir redes A interação externa proporciona, igualmente, oportu-
utilizadas por setores públicos e privados essenciais à nidades para a negociação de acordos nos mais variados
sociedade e ao Estado, a exemplo daqueles pertencen‑ temas, assim como para o debate e a resolução de problemas
tes à infraestrutura crítica nacional; coletivos.
• Terrorismo, que é uma ameaça à paz e à segurança
dos Estados. A temática é área de especial interesse e • Assessoramento de alto nível: À medida que se multi‑
de acompanhamento sistemático pela Inteligência em plicam fóruns que tratam de questões políticas, econômicas
âmbito mundial; e diplomáticas, entre outras, que envolvem ou impactam o
• Atividades ilegais envolvendo bens de uso dual e tecno‑ Brasil, a atividade de Inteligência será cada vez mais deman‑
logias sensíveis, que atingem países produtores desses dada a prestar assessoramento de alto nível às autoridades e
bens e detentores dessas tecnologias, em especial nas às instituições brasileiras que participam desses mecanismos
áreas química, biológica e nuclear; de articulação.
• Armas de destruição em massa, cuja potencial prolife‑
ração representa risco à paz mundial e aos países que • O crescimento da quantidade de iniciativas de coope-
abdicaram da opção por essas armas para sua defesa; ração internacional observado em diversas esferas das
• Criminalidade organizada, que ameaça a todos os Es‑
relações do Brasil com o mundo também é verificado
tados e cuja incidência, notadamente em sua vertente
na atividade de Inteligência.
transnacional, reforça a necessidade de aprofundar a
cooperação;
• Corrupção, que é um fenômeno mundial capaz de • Intercâmbio de informações: Nesse sentido, surgem
produzir a erosão das instituições e o descrédito do oportunidades para o intercâmbio de informações em ma‑
Estado como agente a serviço do interesse nacional; térias de interesse comum com outros países, em especial
• Ações contrárias ao Estado Democrático de Direito, os fronteiriços.
que atentam contra:
– o pacto federativo; Desenvolvimento científico e tecnológico
– os direitos e as garantias fundamentais; O avanço da ciência e de suas aplicações práticas, por
– a dignidade da pessoa humana; meio do desenvolvimento de novas tecnologias, estabelece
– o bem‑estar e a saúde da população; os rumos em direção aos quais a realidade será transforma-
– o pluralismo político;
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
da. Análises prospectivas permitirão ao País posicionar‑se
– o meio ambiente e as infraestruturas críticas do País, estrategicamente para extrair maiores benefícios para o seu
além de outros atos ou atividades que representem desenvolvimento.
ou possam representar risco aos preceitos constitu‑
cionais relacionados à integridade do Estado. • Antecipação de movimentos: Nesse contexto, a ativida‑
de de Inteligência assume missão importante na antecipação
6.2 Oportunidades: de movimentos e tendências mediante o acompanhamento
da evolução científico‑tecnológica.
Consideram‑se principais oportunidades aquelas que
apresentam potencial capacidade de posicionar o País num
• Ativos estratégicos: Determinadas tecnologias podem
outro patamar de competitividade e auxiliam na promoção e
na defesa dos interesses do Estado e da sociedade brasileira: representar ativos estratégicos para o desenvolvimen-
to econômico nacional.
Inserção do país no cenário internacional
• Uma maior inserção internacional do Brasil tem • Aparatos tecnológicos também podem prover novos
potencial para ampliar a oferta de recursos tangíveis instrumentos e ferramentas de trabalho para o próprio
e intangíveis estratégicos para o desenvolvimento exercício da atividade de Inteligência.
nacional. • O acesso ao estado da arte em matéria científica e
tecnológica é capaz de possibilitar ao País avançar no desen‑
• O acesso a tais recursos nem sempre ocorre de maneira volvimento socioeconômico e melhor posicionar‑se em áreas
automática. em que atualmente não ocupa lugar de destaque.

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Inteligência cibernética • A cultura de proteção, inerente à atividade Inteligên-
O domínio das soluções tecnológicas mais avançadas cia, se estende para um campo maior, dentro do qual
para lidar com o espaço cibernético proporciona vantagens se incluem:
significativas às Nações. – os ativos estratégicos nacionais, tanto materiais
quanto imateriais, que apoiam o desenvolvimento
• Nesse ambiente virtual de ameaças e oportunidades, da sociedade brasileira.
países que se desenvolverem mais rapidamente se tornam – O fortalecimento da proteção dos ativos do Estado e
mais aptos a alcançar os objetivos nacionais. da sociedade brasileira é fundamental para que in‑
terferências externas não comprometam o interesse
• Avanços: A adoção de atitudes não apenas defensivas, nacional.
mas também proativas nessa área é capaz de propor-
cionar avanços significativos para os interesses do País. • Processo de capacitação: Ampliação e aperfeiçoamen-
to do processo de capacitação para atuação na área
Consolidação de rede logística e de infraestrutura de de Inteligência
interesse nacional • Qualificação: O desempenho consistente e efetivo da
• A consolidação de rede logística e de infraestrutura atividade de Inteligência exige profissionais qualifi-
possibilitará maior integração e desenvolvimento cados e recursos compatíveis com os desafios que se
para o País, melhorando e ampliando o fluxo de bens, apresentam.
pessoas, recursos financeiros e informações entre as • Aperfeiçoamento: A ampliação do processo de capa-
diversas localidades. citação permite o aperfeiçoamento de técnicas, pro-
• Empreendimentos estratégicos: Por se tratar de em- cessos e competências, de modo a buscar a excelência
preendimentos estratégicos para o desenvolvimento e a inovação na atividade de Inteligência.
nacional, a Inteligência pode contribuir para a melhor • A capacidade de o Sistema de gerar valor depende
implantação dos projetos e a integridade das redes e diretamente da qualificação dos profissionais que nele
das infraestruturas instaladas. atuam, viabilizada pelos investimentos em formação e
atualização desses quadros.
• Análises estratégica: Nesse sentido, análises estraté‑
gicas dos setores envolvidos, especialmente em relação às Maior utilização de tecnologia de ponta, especialmente
novas tecnologias utilizadas no mundo, serão produtos, cada no campo cibernético
vez mais, demandados para subsidiar o processo decisório A sociedade atual presencia crescente investimento em
em diferentes esferas governamentais. tecnologia da informação e comunicação (TIC).
• A virtualização do mundo e o desenvolvimento cons‑
tante de todo aparato tecnológico são aspectos primordiais
7. Desafios: nas estratégias de atuação dos países.
• O investimento na atualização constante dos recursos
Tendo como base as orientações da PNI e a análise do tecnológicos necessários à atividade de Inteligência poten‑
ambiente estratégico, no contexto interno e externo, sur- cializa a eficácia do seu desempenho.
gem os desafios, que representam as questões de caráter • Especialmente no espaço cibernético, tal investimento
estratégico e de grande relevância para que a atividade de será decisivo para maior efetividade no combate às ameaças
Inteligência atue com eficácia em prol da segurança e dos virtuais, na identificação de oportunidades e na antecipação
interesses do Estado e da sociedade brasileira. de situações eventualmente danosas aos interesses nacionais.
• Os desafios, relacionados a seguir, reúnem os ele-
mentos considerados essenciais para que o Sistema Intensificação do uso de tecnologias de tratamento e
de Inteligência realize sua Missão e alcance sua Visão: análise de grandes volumes de dados (big data e analytics)
• O avanço tecnológico levou ao crescimento exponen-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Fortalecimento da atuação integrada e coordenada da cial da quantidade de dados e informações disponíveis.


atividade de Inteligência
• O aumento da demanda por conhecimentos e ações • Porém, essa quantidade, a diversidade e, muitas vezes,
que possam auxiliar na defesa dos interesses do Estado a  desorganização tornam a interpretação desses dados e
e da sociedade brasileira requer atuação mais sinérgica informações extremamente complexa.
do SISBIN.
• O aprimoramento da atuação em rede se estabelece • Produção de conhecimentos diferenciados: O esforço
por meio de uma comunicação mais fluida, que favo- aplicado na organização e na análise desse material,
reça o compartilhamento de conhecimentos para o por meio de modelos e ferramentas adequados, contri-
alcance de objetivos comuns do Sistema. bui para a produção de conhecimentos diferenciados,
capazes de promover resultados mais efetivos para a
• A definição mais clara e adequada de políticas, obje‑ atividade de Inteligência.
tivos, responsabilidades e competências para o Sistema de
Inteligência é fundamental para seu funcionamento mais Ampliação da internacionalização da atividade de In-
eficaz. teligência brasileira
• Inserção internacional: Para acompanhar a inserção
Fortalecimento de cultura de proteção do conhecimento internacional do País, oferecendo assessoramento
e de preservação do sigilo tempestivo às demandas sobre temas de interesse
• A preservação do sigilo e a proteção das fontes, dos no âmbito externo, a  atividade de Inteligência deve
agentes e do conhecimento sensível são determinantes ampliar a capacidade de representação e de realização
para o cumprimento dos objetivos da Inteligência. de parcerias no exterior.

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• Internacionalização: Essa internacionalização da 8. Eixos estruturantes:
atividade permite ainda maior interação com outros
serviços congêneres, com benefícios importantes nos • A identificação dos Eixos Estruturantes: é resultado da
resultados finais. análise do ambiente estratégico e dos desafios da ENINT.
Apoio ao fortalecimento da inserção do país no cenário • Dessa avaliação se extraem quatro grandes eixos,
internacional que constituem os principais pilares para a efetividade da
• Mudanças estruturais no cenário internacional: O atividade de Inteligência.
aumento das relações políticas e econômicas entre os
países, por meio de ações multilaterais ou bilaterais,
• Organização dos eixos: Os eixos organizam os desafios,
e o surgimento de novos polos econômicos e centros
de poder são mudanças estruturais no cenário inter- alinhando‑os e estabelecendo vínculos, de modo a
nacional. criar uma Estratégia organicamente coerente e coesa,
que deve impulsionar o funcionamento do Sistema de
• Protagonismo internacional: Ao Brasil interessa Inteligência.
avançar no protagonismo internacional, participando
de modo cada vez mais intenso desse ambiente de São Eixos Estruturantes da ENINT:
complexa transformação. Atuação em rede
Eixo que preconiza um modelo de trabalho coordenado,
• Essa atuação oferece perspectivas de acordos, parcerias integrado e sinérgico, com a participação efetiva dos inte-
e entendimentos, porém também permite o surgimento de grantes do Sistema, de modo a potencializar o cumprimento
atritos. da Missão.
• Compartilhamento de dados: O Sistema deve praticar
• Análise de conhecimentos: À atividade de Inteligência o compartilhamento de dados e conhecimentos, assim
cabe o desafio de contribuir com análises e conheci- como realiza ações específicas conjuntas, sempre em
mentos úteis para uma participação mais efetiva do prol dos interesses do Estado e da sociedade brasileira.
País nas interações internacionais.
• Apoio ao combate à corrupção, ao crime organizado, • Órgãos diferentes, com perspectivas de abordagem
aos ilícitos transnacionais e ao terrorismo próprias, produzem soluções finais mais eficazes quando
• A maior sofisticação da criminalidade, no âmbito articulados em rede.
nacional e internacional, e a dimensão mais global do
terrorismo impõem desafios às ações de combate a
• Proteção de fontes: A atuação em rede exige também
essas ameaças, que muitas vezes ocorrem de forma
a responsabilidade pela adequada proteção de fontes,
articulada, inclusive compartilhando redes de atuação.
• A capilaridade e as conexões das estruturas relaciona- conhecimentos e profissionais, por meio da gestão
das a essas ameaças exigem soluções conjuntas, com eficaz dos riscos inerentes à atividade de Inteligência.
a participação de diferentes atores governamentais.
A produção de conhecimentos relevantes e oportunos Tecnologia e capacitação
pela atividade de Inteligência é condição para o sucesso Eixo que sustenta a necessidade de capacitação em
do enfrentamento a essas ameaças. alto nível para os profissionais de Inteligência, para que se
promova, por consequência, a  excelência da atividade de
Monitoramento e enfrentamento eficaz de ações ad- Inteligência.
versas contra interesses nacionais
• As ameaças contra os interesses nacionais, promovi- • Maximização de potencial profissional: Para o melhor
das por atores governamentais ou não governamen- desempenho da atividade, o  Sistema deve prover
tais, crescem em escala, diversidade e complexidade, treinamento e capacitação que maximize o potencial
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

muito apoiadas pelas alternativas proporcionadas pelo dos profissionais de Inteligência, desenvolvendo e
uso da tecnologia. aprimorando competências e habilidades capazes
• As ações adversas sob patrocínios cada vez mais de torná‑los preparados para desafios em constante
difusos atentam contra a segurança do Estado e da transformação.
sociedade brasileira, ameaçando o funcionamento e • Investimento em tecnologias: Da mesma forma, o in-
o desenvolvimento da Nação. vestimento em tecnologias de ponta deve estar sempre
• Ativos nacionais: A proteção dos ativos nacionais presente nas pautas de discussões.
depende de uma atividade de Inteligência que se
contraponha com eficácia às ações adversas.
• O avanço tecnológico e a intensificação de tecnologias
para tratamento e análise de dados permeiam e impactam
Aprimoramento da legislação para a atividade de In-
teligência fortemente a atividade de Inteligência.
• A legislação que trata da atividade de Inteligência deve • Nesse sentido, os profissionais devem dispor das fer‑
proporcionar segurança a seus profissionais e benefici- ramentas tecnológicas mais avançadas, que potencializem
ários, além de garantias à sociedade em relação a seus a resposta do seu trabalho.
direitos fundamentais.
• Conjunto normativo: O aprimoramento do conjunto • Compartilhamento no ambiente profissional: O am-
normativo da atividade de Inteligência precisa combi- biente profissional da Inteligência ainda deve favorecer
nar mecanismos indispensáveis para a prestação de o compartilhamento de ideias, recursos e experiências,
contas com dispositivos apropriados para o exercício para que se estabeleçam as condições para a inovação
eficaz e responsável da atividade. e o uso de melhores práticas.

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Projeção internacional – Ampliar a capacidade de obtenção e análise de
Eixo que se fundamenta na importância da atividade de grandes volumes de dados estruturados e não es‑
Inteligência para oferecer soluções capazes de alavancar a truturados;
projeção política e econômica do Brasil. – Aprimorar a estruturação e o compartilhamento de
• Nova ordem internacional: Em uma nova ordem bases de dados de Inteligência;
internacional, em constante transformação, o  Brasil – Promover a interoperabilidade de bases de dados
necessita estar inserido com protagonismo. de interesse em nível nacional;
– Promover a integração entre as Escolas de Governo
• Para isso, a  Inteligência exerce papel fundamental para ampliar a oferta de cursos relacionados à In‑
para um melhor entendimento do mundo, em suas novas teligência e estruturar capacitações conjuntas;
dinâmicas e relações. – Estabelecer processo de gestão por competências
para capacitação em Inteligência;
• Projeção: O esforço de projeção do País deve contar – Fortalecer a educação a distância (EAD);
com uma Inteligência cuja capilaridade garanta pre- – Promover a qualificação técnica para proteção e
sença internacional, inclusive por meio de associação exploração do campo cibernético;
com parceiros estrangeiros. – Aumentar a representação da atividade de Inteligên‑
cia no exterior;
Segurança do Estado e da sociedade – Incrementar a interação do SISBIN com os demais
Eixo que se apoia na convicção do papel central desem- sistemas de inteligência em temas de interesse;
penhado pela atividade de Inteligência para a garantia da se- – Aperfeiçoar a qualificação de adidos e demais agen‑
gurança e dos interesses do Estado e da sociedade brasileira. tes diplomáticos;
– Aumentar a participação em fóruns, eventos e en‑
• A antecipação de fatos e situações: que se caracteri- contros internacionais;
zam como ameaças à integridade da sociedade e do – Ampliar as redes de parcerias e incrementar os
Estado, no âmbito nacional ou internacional, é essen- acordos de cooperação internacional;
cial para que o processo de assessoria ao mais alto – Apoiar as instituições brasileiras em sua atuação no
nível decisório do País seja eficaz. exterior;
• Legislação adequada: Para que esse papel seja exer- – Ampliar o intercâmbio de informações entre os
cido de forma efetiva, a legislação deve ser adequada órgãos brasileiros com atuação no exterior;
à especificidade da Inteligência, proporcionando as – Consolidar a atividade de Inteligência em questões
condições ideais para o exercício da atividade. externas estratégicas;
– Estabelecer temas prioritários para produção de
conhecimentos referentes às seguintes ameaças:
9. Objetivos estratégicos: corrupção, crime organizado, ilícitos transnacionais
e terrorismo;
• 33 objetivos: Com base nos desafios estratégicos iden- – Aprimorar os meios de compartilhamento de infor‑
tificados e nos eixos de sustentação da ENINT, foram mações sobre as seguintes ameaças: corrupção, cri‑
definidos 33 objetivos para o desempenho eficaz da me organizado, ilícitos transnacionais e terrorismo;
atividade de Inteligência, considerado o horizonte – Criar protocolos específicos para atuação integrada
temporal de cinco anos. do SISBIN em relação às seguintes ameaças: cor‑
• Foco estratégico: Os objetivos a seguir apresentados, rupção, crime organizado, ilícitos transnacionais e
sem ordem de prioridade, retratam o foco estratégico terrorismo;
para direcionar os esforços e sinalizam os resultados – Identificar os principais temas de interesse nacional
essenciais a serem atingidos pelo SISBIN no cumpri- para defesa contra ações adversas externas;
mento da sua Missão:
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

– Estabelecer sistema de alerta para prevenção de


– Aprimorar os processos e protocolos para comuni‑ potenciais ações adversas;
cação e compartilhamento de informações; – Criar protocolos específicos para atuação integrada
– Mapear e gerenciar os principais processos a serem visando a neutralização de ações adversas;
realizados no SISBIN; – Acompanhar e apoiar o processo legislativo nos
– Definir e regular critérios para atuação conjunta e temas de interesse da atividade de Inteligência; e
coordenada no âmbito do SISBIN; – Aperfeiçoar o marco legal da atividade de Inteli‑
– Criar protocolos conjuntos para proteção de conhe‑ gência.
cimentos sensíveis; • O quadro sintético abaixo mostra as correlações en-
– Aperfeiçoar o processo de gestão de riscos; tre os eixos estruturantes, os desafios e os objetivos
– Fomentar a cultura de proteção do conhecimento na estratégicos.
sociedade; • Distribuição de desafios e objetivos: É importante
– Ampliar a capacidade do Estado na obtenção de ressaltar que a distribuição de desafios e objetivos
dados por meio da Inteligência cibernética; pelos Eixos se realizou com base nos vínculos mais
– Fortalecer a capacidade de pesquisa e desenvolvi‑ nítidos e fortes, porém, na dinâmica de interações
mento em tecnologia da informação e comunicação desses três elementos, existe uma transversalidade
(TIC); que lhe é própria.
– Aprimorar a capacidade de desenvolver e implemen‑
tar criptografia de Estado; • Objetivos podem impactar vários desafios, que, por
– Modernizar a infraestrutura de tecnologia da infor‑ sua vez, podem se associar a diferentes eixos, fruto da
mação e comunicação (TIC); natureza orgânica da Estratégia:

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Quadro 1 – Correlações entre os Eixos Estruturantes, os Desafios e os Objetivos Estratégicos.

EIXOS ESTRUTURANTES DESAFIOS OBJETIVOS ESTRATÉGICOS

−Aprimorar os processos e protocolos para comunicação e compartilhamento de informações


1.1 Fortalecimento da atuação integrada e coordenada da atividade de
−Mapear e gerenciar os principais processos a serem realizados no SISBIN
Inteligência
1. Atuação em rede −Definir e regular critérios para atuação conjunta e coordenada no âmbito do SISBIN
−Criar protocolos conjuntos para proteção de conhecimentos sensíveis
1.2 Fortalecimento de cultura de proteção do conhecimento e de preservação
−Aperfeiçoar o processo de gestão de riscos
do sigilo
−Fomentar a cultura de proteção do conhecimento na sociedade
−Ampliar a capacidade do Estado na obtenção de dados por meio da Inteligência cibernética
−Fortalecer a capacidade de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação e comunicação (TIC)
2.1 Maior utilização de tecnologias de ponta, especialmente no campo −Aprimorar a capacidade de desenvolver e implementar criptografia de Estado
cibernético −Modernizar a infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação (TIC)

2. Tecnologia e Capacitação −Ampliar a capacidade de obtenção e análise de grandes volumes de dados estruturados e não estruturados
2.2 Intensificação do uso de tecnologias de tratamento e análise de grandes
−Aprimorar a estruturação e o compartilhamento de bases de dados de Inteligência
volumes de dados (Big Data e Analytics)
−Promover a interoperabilidade de bases de dados de interesse em nível nacional
−Promover a integração entre as Escolas de Governo para ampliar a oferta de cursos relacionados à
Inteligência e estruturar capacitações conjuntas
2.3 Ampliação e aperfeiçoamento do processo de capacitação para atuação na
−Estabelecer processo de gestão por competências para capacitação em Inteligência
área de Inteligência
−Fortalecer a educação a distância (EAD)
−Promover a qualificação técnica para proteção e exploração do campo cibernético
−Aumentar a representação da atividade de Inteligência no exterior
−Incrementar a interação do SISBIN com os demais sistemas de inteligência em temas de interesse
3.1 Ampliação da internacionalização da atividade de Inteligência brasileira
−Aperfeiçoar a qualificação de adidos e demais agentes diplomáticos
−Aumentar a participação em fóruns, eventos e encontros internacionais
3. Projeção internacional
−Ampliar as redes de parcerias e incrementar os acordos de cooperação internacional
−Apoiar as instituições brasileiras em sua atuação no exterior
3.2 Apoio ao fortalecimento da inserção do País no cenário internacional
−Ampliar o intercâmbio de informações entre os órgãos brasileiros com atuação no exterior
−Consolidar a atividade de Inteligência em questões externas estratégicas
−Estabelecer temas prioritários para produção de conhecimentos referentes às seguintes ameaças:
corrupção, crime organizado, ilícitos transnacionais e terrorismo
4.1 Apoio ao combate à corrupção, ao crime organizado, aos ilícitos −Aprimorar os meios de compartilhamento de informações sobre as seguintes ameaças: corrupção, crime
transnacionais e ao terrorismo organizado, ilícitos transnacionais e terrorismo
4. Segurança do Estado e da −Criar protocolos específicos para atuação integrada do SISBIN em relação às seguintes ameaças: corrupção,
sociedade crime organizado, ilícitos transnacionais e terrorismo
−Identificar os principais temas de interesse nacional para defesa contra ações adversas externas
4.2 Monitoramento e enfrentamento eficaz de ações adversas contra
−Estabelecer sistema de alerta para prevenção de potenciais ações adversas
interesses nacionais
−Criar protocolos específicos para atuação integrada visando a neutralização de ações adversas
−Acompanhar e apoiar o processo legislativo nos temas de interesse da atividade de Inteligência
4.3 Aprimoramento da legislação para a atividade de Inteligência
−Aperfeiçoar o marco legal da atividade de Inteligência Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

9.1 Orientadores: • Fortalecimento dos sistemas de segurança da informa‑


ção em estruturas críticas do País;
São apresentadas, a seguir, orientações que devem ser • Desenvolvimento integrado de soluções que atendam
consideradas e adotadas, quando do desdobramento dos às diversas necessidades do SISBIN no campo tecno‑
objetivos da ENINT no Plano Nacional de Inteligência, para lógico;
garantir a atuação integrada e coordenada do SISBIN e a • Aproximação e cooperação com entes privados que
entrega de resultados que impactem positivamente o Estado custodiem informações de interesse para a atividade
e a sociedade brasileira. de Inteligência;
Os orientadores direcionam os esforços para questões • Maior interação com Estados e organismos estrangei‑
essenciais e, apesar dos diferentes enfoques, devem ser ros;
considerados de forma integrada, a fim de que as ações sub- • As interações com estrangeiros devem atentar para
sequentes estejam em harmonia com os objetivos definidos: questões de contrainteligência;
• Aperfeiçoamento do fluxo de produção de conhecimen‑ • Compartilhamento do conhecimento com as institui‑
tos sobre ameaças e oportunidades; ções e órgãos brasileiros que atuam no exterior;
• Direcionamento da produção de conhecimentos para • Ampliação da interação com a sociedade, órgãos
temas priorizados; representativos e com o Poder Legislativo;
• Intercâmbio em capacitação e de conhecimentos sobre • Intercâmbio de melhores práticas na atividade de
tecnologia da informação e comunicação, especial‑ Inteligência entre os órgãos do SISBIN;
mente no campo cibernético, com os setores privado • Compatibilização de plataformas de educação a dis‑
e público, acadêmico e com outros países; tância das Escolas de Governo;

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A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
• Proteção adequada de fontes, técnicas, conhecimentos entrega do valor para o Estado e a sociedade brasileira,
e profissionais; de forma eficiente e oportuna, e demonstra a habili-
• Responsabilização pela quebra de sigilo dos conheci‑ dade do Sistema de tornar a sua estratégia efetiva.
mentos compartilhados;
• Sensibilização para a importância da proteção do LEI Nº 11.776, DE 17 DE SETEMBRO DE 2008
conhecimento; e
• Atuação integrada entre as assessorias parlamentares Dispõe sobre a estruturação
e jurídicas dos órgãos do SISBIN. do Plano de Carreiras e Cargos
da Agência Brasileira de Inteli‑
10. Implementação da Estratégia gência  – ABIN, cria as Carreiras
de Oficial de Inteligência, Oficial
• Direção: A ENINT define a direção a ser seguida e Técnico de Inteligência, Agente
consolida os objetivos estratégicos a serem alcançados, de Inteligência e Agente Técnico
contudo, é na implementação integrada das ações que de Inteligência e dá outras provi‑
a Estratégia se consolidará. dências; e revoga dispositivos das
Leis nos 9.651, de 27 de maio de
• A implementação se dará com a elaboração e a con‑ 1998, 11.233, de 22 de dezembro
secução do Plano Nacional de Inteligência. de 2005, e 11.292, de 26 de abril
• O Plano será o documento que explicitará a forma de de 2006, e as Leis nos 10.862, de
se atingir o que a ENINT propõe e onde serão definidos os 20 de abril de 2004, e 11.362, de
parâmetros de atuação dos órgãos do SISBIN. 19 de outubro de 2006.

• Estruturação do Plano Nacional de Inteligência: Para a 1. Âmbito de Abrangência


estruturação do Plano Nacional de Inteligência, deverá
ser elaborada uma matriz de responsabilidades que EsSa Lei dispõe sobre a estruturação do Plano de Car-
contemple o conjunto de ações e metas estipuladas reiras e Cargos da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN
para o cumprimento dos objetivos da Estratégia. e sobre a criação das Carreiras de Oficial de Inteligência,
Oficial Técnico de Inteligência, Agente de Inteligência e
• Além disso, o Plano deverá contar com mecanismos de Agente Técnico de Inteligência, no âmbito do Quadro de
acompanhamento da execução das ações e do atingimento Pessoal da ABIN.
de metas, conferindo, assim, maior legitimidade à atuação
do SISBIN. 2. Carreiras e Cargos da ABIN
• A elaboração e a consolidação do Plano Nacional de
Inteligência: será um processo liderado pelo Conselho Fica estruturado o Plano de Carreiras e Cargos da ABIN,
Consultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência (Con- composto pelas seguintes Carreiras e cargos:
sisbin) e deverá abranger todo o Sistema. • De nível superior:
– Carreira de Oficial de Inteligência, composta pelo
• O Consisbin monitorará, ainda, a implementação do cargo de Oficial de Inteligência; e
Plano e se reunirá periodicamente para discutir o andamento – Carreira de Oficial Técnico de Inteligência, composta
das ações e propor as medidas corretivas necessárias. pelo cargo de Oficial Técnico de Inteligência.
• De nível intermediário:
– Carreira de Agente de Inteligência, composta pelo
11. Conclusão cargo de Agente de Inteligência; e
– Carreira de Agente Técnico de Inteligência, composta
• Força competitiva: A capacidade do Sistema de Inteli-
pelo cargo de Agente Técnico de Inteligência.
gência de compreender o ambiente estratégico onde
está inserido e fazer as escolhas corretas e necessárias Cargos de provimento efetivo, de níveis superior e inter-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

determina sua força competitiva e sua competência mediário do Grupo Informações, de que trata o inciso I do
para promover e defender os interesses do Estado e caput do art. 2º da Lei nº 10.862, de 20 de abril de 2004, do
da sociedade brasileira. Quadro de Pessoal da ABIN; e
• A ENINT teve esse propósito: Mapear o ambiente, Cargos de provimento efetivo, de níveis superior, inter-
identificando as forças, os pontos de melhoria, as ame- mediário e auxiliar do Grupo Apoio, de que trata o inciso II
aças e as oportunidades para o pleno desenvolvimento do caput do art. 2º da Lei no 10.862, de 20 de abril de 2004,
da atividade de Inteligência e para o desenvolvimento do Quadro de Pessoal da ABIN.
do País.
Atenção!
• Finalidade: As escolhas feitas e as prioridades estabe‑ Os cargos a que se refere o caput deste artigo são de
lecidas, sempre tendo como base as orientações emanadas provimento efetivo e regidos pela  Lei no  8.112, de 11 de
da PNI, tiveram como finalidade deixar claro qual o caminho dezembro de 1990.
a ser seguido e em que condições essa trajetória ocorrerá. Os cargos de nível superior, intermediário e auxiliar do
Plano de Carreiras e Cargos da ABIN são agrupados em clas-
• A definição dos desafios e dos eixos demonstra cla- ses e padrões, conforme estabelecido no Anexo I desta Lei.
ramente isso, uma vez que foi baseada em escolhas Os atuais cargos, ocupados e vagos, de Analista de Infor-
criteriosas das prioridades mais estruturantes. mações, de que trata a Lei no 10.862, de 20 de abril de 2004,
• Plano Nacional de Inteligência: Nesse sentido, é im- passam a denominar‑se Oficial de Inteligência e a integrar
portante ressaltar que, para o atingimento dos obje- a Carreira de que trata a alínea a do inciso I do caput do
tivos aqui definidos, o Plano Nacional de Inteligência art. 2º desta Lei.
assume papel fundamental. Implementar as definições Os atuais cargos, ocupados e vagos, de Assistente de
estratégicas significa adotar ações que materializem a Informações, de que trata a Lei no 10.862, de 20 de abril de

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2004, passam a denominar‑se Agente de Inteligência e a 5. Plano de Carreiras e Cargos da ABIN
integrar a Carreira de que trata a alínea a do inciso II do ca‑
put do art. 2º desta Lei. As Carreiras e os cargos do Plano de Carreiras e Cargos
A alteração de denominação dos cargos referidos nos da ABIN destinam‑se ao exercício das respectivas atribuições
§§ 1º e 2º deste artigo não representa, para qualquer efeito em diferentes níveis de complexidade e responsabilidade,
legal, inclusive para efeito de aposentadoria, descontinui- bem como ao exercício de atividades de natureza técnica,
dade em relação ao cargo e às atribuições desenvolvidas administrativa e de gestão relativas à obtenção, análise e
pelos seus titulares.
disseminação de conhecimentos.
Os cargos de nível superior do Grupo Informações do
Quadro de Pessoal da ABIN vagos ou que venham a vagar a
partir de 5 de junho de 2008 são transformados em cargos 6. Carga horária de trabalho
de Oficial Técnico de Inteligência, e os cargos de nível inter-
mediário do Grupo Informações do Quadro de Pessoal da É de 40 (quarenta) horas semanais a carga horária de
ABIN vagos ou que venham a vagar a partir de 5 de junho trabalho dos titulares dos cargos integrantes do Plano de
de 2008 são transformados em cargos de Agente Técnico Carreiras e Cargos da ABIN, ressalvadas as hipóteses ampa-
de Inteligência. radas em legislação específica.
Os cargos de nível superior, intermediário e auxiliar do
Grupo Apoio do Quadro de Pessoal da ABIN serão extintos 6.1. Regime de dedicação exclusiva
quando vagos.
Aos titulares dos cargos integrantes das Carreiras de que
3. Cargo efetivo de nível superior de Instrutor de tratam a alínea a do inciso I e a alínea a do inciso II do ca-
Informações do Grupo Informações put do art. 2º aplica‑se o regime de dedicação exclusiva, com
o impedimento do exercício de outra atividade remunerada,
Os titulares do cargo efetivo de nível superior de Instrutor pública ou privada, ressalvado o exercício do magistério, ha-
de Informações do Grupo Informações possuidores do Curso vendo compatibilidade de horários e ausência de conflito de
de Informações Categoria “A” da extinta Escola Nacional de interesses, mediante autorização específica regulamentada
Informações – EsNI ou do Curso de Aperfeiçoamento em In- em ato do Diretor‑Geral da ABIN.
teligência do extinto Centro de Formação e Aperfeiçoamento
de Recursos Humanos – CEFARH ou de curso equivalente da 6.2. Regime de trabalho por plantões
Escola de Inteligência, titulado como Analista de Informa-
ções, em função da formação específica de que é possuidor, Nos casos aos quais se aplique o regime de trabalho por
ficam enquadrados em cargos de Oficial de Inteligência, plantões, escala ou regime de turnos alternados por reveza-
integrantes da Carreira de que trata a alínea a do inciso I mento, é de no máximo 192 (cento e noventa e duas) horas
do caput do art. 2º. mensais a jornada de trabalho dos integrantes dos cargos
referidos no caput deste artigo.
3.1. Carreira de Oficial de Inteligência
O plantão e a escala ou o regime de turnos alternados por
O enquadramento dos servidores tratada acima,  na revezamento serão regulamentados em ato do Diretor‑Geral
Carreira de Oficial de Inteligência fica condicionado à com- da ABIN, observada a legislação vigente.
provação de que:
• Preenchem os requisitos para ingresso no cargo de 6.3. Código de ética do profissional
Oficial de Inteligência;
• Suas atribuições guardam similaridade em diferentes Os servidores da ABIN, no exercício de suas funções,
graus de complexidade e responsabilidade com o exer‑ ficam também submetidos ao conjunto de deveres e respon-
cício de atividades de natureza técnico‑administrativas sabilidades previstos em código de ética do profissional de
relacionadas à obtenção, análise e disseminação de inteligência, editado pelo Diretor‑Geral da ABIN.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

conhecimentos e ao desenvolvimento de recursos


humanos para a atividade de inteligência; 7. São atribuições do cargo de Oficial de
• Sua investidura haja observado as pertinentes normas Inteligência:
constitucionais e ordinárias anteriores a 5 de outubro
de 1988 e, se posterior a essa data, tenha decorrido
• Planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar:
de aprovação em concurso público.
– produção de conhecimentos de inteligência;
Atendidas as condições acima, os  servidores de que – ações de salvaguarda de assuntos sensíveis;
trata o caput  serão enquadrados nos cargos do Plano de – operações de inteligência;
Carreiras e Cargos da ABIN, observados à similaridade de – atividades de pesquisa e desenvolvimento científico
suas atribuições, os  requisitos de formação profissional e ou tecnológico direcionadas à obtenção e à análise
a posição relativa na Tabela de Correlação, nos termos do de dados e à segurança da informação; e
Anexo VII desta Lei – o desenvolvimento de recursos humanos para a
Ao Diretor‑Geral da ABIN incumbe efetivar os enquadra- atividade de inteligência; e
mentos de que tratada acima. • Desenvolver e operar máquinas, veículos, aparelhos,
dispositivos, instrumentos, equipamentos e sistemas
4. Quadro de Pessoal da ABIN necessários à atividade de inteligência.

Ficam criados, no Quadro de Pessoal da ABIN, 240 (du- É atribuição do cargo de Agente de Inteligência oferecer
zentos e quarenta) cargos de Oficial Técnico de Inteligência suporte especializado às atividades decorrentes das atribui-
e 200 (duzentos) cargos de Agente Técnico de Inteligência. ções definidas no art. 8º desta Lei.

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8. Serviço no exterior • A segunda etapa, de caráter eliminatório, observadas
as exigências do cargo e conforme definido em edital,
Os titulares dos cargos de Oficial de Inteligência e de poderá constituir‑se de:
Agente de Inteligência poderão ser designados para prestar – Procedimento de investigação social e, se necessário,
serviço no exterior, nos termos da  Lei no  5.809, de 10 de funcional do candidato;
outubro de 1972, e legislação correlata, conforme dispuser – Avaliação médica, inclusive com a exigência de
ato do Poder Executivo. exames laboratoriais iniciais e, se necessário, com‑
plementares;
9. São atribuições do cargo de Oficial Técnico de – Avaliação psicológica; e
Inteligência – Prova de capacidade física; e
• A terceira etapa, de caráter eliminatório e classifica-
• Planejar, executar, coordenar, supervisionar e contro-
tório, consistirá na realização de curso de formação,
lar as atividades de gestão técnico‑administrativas,
suporte e apoio logístico: com duração e regras gerais definidas em ato do
– Produção de conhecimentos de inteligência; Diretor‑Geral da ABIN.
– Ações de salvaguarda de assuntos sensíveis; a) Avaliação de títulos: A avaliação de títulos, quando
– Operações de inteligência; prevista, terá caráter classificatório.
– Atividades de pesquisa e desenvolvimento científico b) Competência do Diretor‑Geral: Caberá ao Diretor‑Ge-
ou tecnológico, direcionadas à obtenção e análise de ral da ABIN, observada a legislação pertinente, emitir os atos
dados e à segurança da informação; e normativos necessários para regulamentar a execução do
– Atividades de construção e manutenção de prédios concurso referido no inciso I do caput do art. 13 desta Lei.
e outras instalações; c) Investigação social: A investigação social e, se neces-
• Desenvolver recursos humanos para a gestão técni- sário, funcional, de que trata a alínea a do inciso II do ca-
co‑administrativa e apoio logístico da atividade de put deste artigo, poderá ocorrer durante todo o processo
inteligência; e
seletivo, incluído o período do curso de formação previsto
• Desenvolver e operar máquinas, veículos, aparelhos,
dispositivos, instrumentos, equipamentos e sistemas no inciso III do caput deste artigo.
necessários às atividades técnico‑administrativas e de d) Elementos informativos: Durante a investigação a que
apoio logístico da atividade de inteligência. se refere o § 3º deste artigo, a ABIN poderá obter elementos
informativos de quem os possa fornecer, inclusive convocan-
É atribuição do cargo de Agente Técnico de Inteligência do o candidato para ser ouvido ou entrevistado, assegurada
dar suporte especializado às atividades decorrentes das a tramitação sigilosa e o direito de defesa.
atribuições definidas acima. e) Curso de formação: Ato do Diretor‑Geral da ABIN de-
finirá regimento escolar aplicável ao curso de formação de
10. Concurso Público que trata o inciso III do caput deste artigo, contendo direitos
e deveres do aluno, inclusive com normas e critérios sobre
10.1 Requisitos avaliação da aprendizagem, regime disciplinar e de conduta,
frequência às aulas e situações de desligamento do curso e
São requisitos para ingresso na classe inicial dos cargos
exclusão do processo seletivo.
do Plano de Carreiras e Cargos da ABIN:
• Aprovação em concurso público de provas ou de provas f) Designação de servidor: O Diretor‑Geral da ABIN po-
e títulos; derá designar o servidor para ter lotação em qualquer parte
• Diploma de conclusão de ensino superior em nível de do território nacional.
graduação, em cursos reconhecidos pelo Ministério da
Educação e, se for o caso, habilitação legal específica, 10.3. Lotação Ideal da ABIN
conforme definido no edital do concurso, para os car‑
gos de nível superior; e A lotação ideal da ABIN será fixada periodicamente pelo
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

• Certificado de conclusão de ensino médio ou equivalen‑ seu Diretor‑Geral, inclusive para fins de remoção de pessoal.
te e habilitação legal específica, se for o caso, fornecido
por instituição de ensino oficialmente autorizada, con‑
forme definido no edital do concurso, para os cargos
11. Progressão e Promoções
de nível intermediário.
O desenvolvimento do servidor nas Carreiras e cargos
Atenção! que integram o Plano de Carreiras e Cargos da ABIN ocorrerá
A comprovação do requisito de escolaridade previsto mediante progressão funcional e promoção.
acima será feita por ocasião da convocação para a
posse, decorrente da aprovação em concurso público, 11.1. Progressão
sendo eliminado o candidato que deixar de apresentar
o correspondente documento comprobatório na forma Progressão é a passagem do servidor para o padrão de
da legislação vigente. vencimento imediatamente superior dentro de uma mesma
classe, e promoção, a passagem do servidor do último padrão
10.2. Organização do Concurso por etapas
de uma classe para o primeiro padrão da classe imediata-
O concurso público referido no inciso I do caput do art. 13 mente superior.
desta Lei poderá ser organizado em etapas, conforme dispu-
ser o edital de abertura do certame, observado o seguinte: 11.2. Regulamento da Progressão
• A primeira etapa, de caráter eliminatório e classifi‑
catório, constituir‑se‑á de provas objetivas e provas Ato do Poder Executivo regulamentará os critérios de
discursivas de conhecimentos gerais e específicos; concessão de progressão funcional e promoção.

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11.3. Desenvolvimento do servidor • Para a Segunda Classe, possuir certificação em eventos
de capacitação, totalizando, no mínimo, 80 (oitenta)
O desenvolvimento do servidor nas Carreiras e cargos que horas, e qualificação profissional com experiência mí‑
integram o Plano de Carreiras e Cargos da ABIN obedecerá nima de 7 (sete) anos e 1/2 (meio), ambas no campo
às seguintes regras: específico de atuação de cada cargo;
• Interstício mínimo de doze meses entre cada progressão; • Para a Primeira Classe, possuir certificação em eventos
• Habilitação em avaliação de desempenho individual de capacitação, totalizando, no mínimo, 120 (cento e
correspondente a, no mínimo, 70% (setenta por cento) vinte) horas, e qualificação profissional com experiên‑
do limite máximo da pontuação das avaliações reali‑ cia mínima de 16 (dezesseis) anos e 1/2 (meio), ambas
zadas no interstício considerado para a progressão; e no campo específico de atuação de cada cargo; e
• Competência e qualificação profissional. • Para a Classe Especial, ser detentor de certificado de
conclusão de curso de especialização ou de formação
11.3.1. Interstício de doze meses de efetivo exercício específica equivalente a, no mínimo, 180 (cento e oi‑
para a progressão funcional será: tenta) horas e qualificação profissional com experiência
• Computado em dias, descontados os afastamentos mínima de 25 (vinte e cinco) anos e 1/2 (meio), ambos
que não forem legalmente considerados de efetivo no campo específico de atuação de cada cargo.
exercício; e – São pré‑requisitos mínimos para promoção às clas-
• Suspenso nos casos em que o servidor se afastar sem ses dos cargos de nível intermediário de que tratam
remuneração, sendo retomado o cômputo a partir do os incisos II e III do caput do art. 2º desta Lei:
retorno à atividade.
– Na contagem do interstício necessário à promoção e
à progressão, será aproveitado o tempo computado Art. 2º Fica estruturado o Plano de Carreiras e Cargos da
até 4 de junho de 2008. ABIN, composto pelas seguintes Carreiras e cargos: II – de
nível intermediário: a) Carreira de Agente de Inteligên‑
11.4. Pré‑requisitos mínimo para promoção às classes cia, composta pelo cargo de Agente de Inteligência; e b)
de nível superior Carreira de Agente Técnico de Inteligência, composta pelo
cargo de Agente Técnico de Inteligência; III  – cargos de
São pré‑requisitos mínimos para promoção às classes provimento efetivo, de níveis superior e intermediário
dos cargos de nível superior de que tratam os incisos I e III do Grupo Informações, de que trata o inciso I do caput do
do caput do art. 2º desta Lei: art. 2º da Lei nº 10.862, de 20 de abril de 2004, do Quadro
de Pessoal da ABIN;
Art. 2º Fica estruturado o Plano de Carreiras e Cargos da
ABIN, composto pelas seguintes Carreiras e cargos: I – de ní- • Para a Segunda Classe, possuir certificação em eventos
vel superior: a) Carreira de Oficial de Inteligência, composta de capacitação, totalizando, no mínimo, 120 (cento e
pelo cargo de Oficial de Inteligência; e b) Carreira de Oficial vinte) horas, ou diploma de conclusão de curso superior
Técnico de Inteligência, composta pelo cargo de Oficial Téc‑ e qualificação profissional com experiência mínima de
nico de Inteligência; III – cargos de provimento efetivo, de 7 (sete) anos e 1/2 (meio), ambas no campo específico
níveis superior e intermediário do Grupo Informações, de de atuação de cada cargo;
que trata o inciso I do caput do art. 2º da Lei nº 10.862, de • Para a Primeira Classe, possuir certificação em eventos
20 de abril de 2004, do Quadro de Pessoal da ABIN de capacitação, totalizando, no mínimo, 200 (duzentas)
horas, ou diploma de conclusão de curso superior e
• Para a Segunda Classe, possuir certificação em eventos qualificação profissional com experiência mínima de
de capacitação, totalizando, no mínimo, 160 (cento e 16 (dezesseis) anos e 1/2 (meio), ambas no campo
sessenta) horas, e  qualificação profissional com ex‑ específico de atuação de cada cargo; e
periência mínima de 7 (sete) anos e meio, ambas no • Para a Classe Especial, possuir certificação em eventos
campo específico de atuação de cada cargo; de capacitação, totalizando, no mínimo, 280 (duzentas Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
• Para a Primeira Classe, possuir certificação em eventos e oitenta) horas, ou diploma de conclusão de curso
de capacitação, totalizando, no mínimo, 240 (duzentas superior e qualificação profissional com experiência
e quarenta) horas, e qualificação profissional com ex‑ mínima de 25 (vinte e cinco) anos e 1/2 (meio), ambas
periência mínima de 16 (dezesseis) anos e 1/2 (meio), no campo específico de atuação de cada cargo.
ambas no campo específico de atuação de cada cargo; e – São pré‑requisitos mínimos para promoção às clas-
• Para a Classe Especial, ser detentor de certificado de ses dos cargos de nível intermediário de que trata
conclusão de curso de especialização ou de formação o inciso IV do caput do art. 2º desta Lei:
específica equivalente a, no mínimo, 360 (trezentas e
sessenta) horas e qualificação profissional com expe‑ Art. 2º Fica estruturado o Plano de Carreiras e Cargos da
riência mínima de 25 (vinte e cinco) anos e 1/2 (meio), ABIN, composto pelas seguintes Carreiras e cargos: IV –
ambos no campo específico de atuação de cada cargo. cargos de provimento efetivo, de níveis superior, interme-
– São pré‑requisitos mínimos para promoção às
diário e auxiliar do Grupo Apoio, de que trata o inciso II do
classes dos cargos de nível superior de que trata o
caput do art. 2º da Lei no 10.862, de 20 de abril de 2004,
inciso IV do caput do art. 2º desta Lei:
do Quadro de Pessoal da ABIN.

Art. 2º Fica estruturado o Plano de Carreiras e Cargos da • Para a Segunda Classe, possuir certificação em eventos
ABIN, composto pelas seguintes Carreiras e cargos: IV – de capacitação, totalizando, no mínimo, 40 (quarenta)
cargos de provimento efetivo, de níveis superior, interme‑ horas, ou diploma de conclusão de curso superior e
diário e auxiliar do Grupo Apoio, de que trata o inciso II do qualificação profissional com experiência mínima de 7
caput do art. 2º da Lei no 10.862, de 20 de abril de 2004, (sete) anos e 1/2 (meio), ambas no campo específico
do Quadro de Pessoal da ABIN. de atuação de cada cargo;

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• Para a Primeira Classe, possuir certificação em eventos que trata a Lei no 8.691, de 28 de julho de 1993, integrantes
de capacitação, totalizando, no mínimo, 80 (oitenta) do Quadro de Pessoal da ABIN, em exercício no Centro de
horas, ou diploma de conclusão de curso superior e Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comuni-
qualificação profissional com experiência mínima de cações – CEPESC/ABIN.
16 (dezesseis) anos e 1/2 (meio), ambas no campo
específico de atuação de cada cargo; e 12. Remuneração dos Servidores da ABIN
• Para a Classe Especial, possuir certificação em eventos
de capacitação, totalizando, no mínimo, 120 (cento e 12.1. Remuneração exclusiva por subsídio
vinte) horas, ou diploma de conclusão de curso superior
e qualificação profissional com experiência mínima de Os titulares dos cargos integrantes das Carreiras a que se
25 (vinte e cinco) anos e 1/2 (meio), ambas no campo referem os incisos I e II do caput do art. 2º desta Lei passam
específico de atuação de cada cargo. a ser remunerados exclusivamente por subsídio, fixado em
parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação,
11.5. Programa permanente de capacitação adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra
espécie remuneratória.
Cabe à ABIN implementar programa permanente de
capacitação, treinamento e desenvolvimento, destinado a 12.1.1. Valores dos subsídios
assegurar a profissionalização dos titulares dos cargos inte- Os valores do subsídio dos titulares dos cargos a que se
grantes do seu Plano de Carreiras e Cargos. refere acima são os fixados no Anexo II desta Lei, com efeitos
financeiros a partir das datas nele especificadas.
11.5.1. Evento de capacitação no âmbito interno
Os eventos de capacitação a que se referem os incisos 12.2. Parcelas remuneratórias compreendidas no
I, II e III do caput dos arts. 18 a 21 desta Lei poderão ser subsídio
organizados e realizados no âmbito interno ou mediante
treinamento externo, a  serem disciplinados em ato do Estão compreendidas no subsídio e não são mais devidas
Diretor‑Geral da ABIN. aos titulares dos cargos a que se referem os incisos I e II
Quando realizado em âmbito externo, os  eventos de do caput do art. 2º desta Lei, a partir de 5 de junho de 2008,
capacitação a que se refere o § 1º deste artigo deverão ser as seguintes parcelas remuneratórias:
executados por instituição ou estabelecimento de ensino de- • Vencimento Básico;
vidamente reconhecido no âmbito da administração pública. • Gratificação de Desempenho de Atividade de Infor-
A capacitação a que se referem os incisos I, II e III do ca‑
mações – GDAI, de que trata o art. 11 da Lei no 10.862,
put dos arts. 18 a 21 desta Lei deverá ser orientada para o
de 20 de abril de 2004;
desempenho vinculado às atribuições do cargo.
• Gratificação de Habilitação e Qualificação – GHQ, de
que trata o § 3º do art. 9º da Lei no 10.862, de 20 de
11.5.2. Programa dos cursos e dos demais eventos de ca-
abril de 2004; e
pacitação que integrarão o programa ministrados pela ABIN
• Vantagem Pecuniária Individual, de que trata a Lei
O programa dos cursos e dos demais eventos de capacita-
no 10.698, de 2 de julho de 2003.
ção que integrarão o programa a que se refere o caput deste
artigo quando ministrados pela ABIN será definido em ato do
12.2.1. Vantagens não perceptíveis
Diretor‑Geral e terá conformidade com as características e
Considerando o disposto no art. 24 desta Lei, aos titulares
necessidades específicas de cada Carreira ou cargo do Plano
de Carreiras e Cargos da ABIN, sem prejuízo da possibilidade dos cargos a que se refere acima não se aplica o disposto
de turmas mistas em disciplinas comuns. no art. 14 da Lei no 8.162, de 8 de janeiro de 1991, além
de não fazerem jus à percepção das seguintes vantagens
11.5.3. Cômputo dos eventos de capacitação remuneratórias:
Para fins de promoção, cada evento de capacitação de-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

verá ser computado uma única vez. Lei nº 8162/1991: Art. 14. O disposto no inciso II do § 5º
do art. 2º da Lei nº 7.923, de 12 de dezembro de 1989,
11.6 Ressarcimento ao Erário aplica‑se aos Cursos de Formação e de Aperfeiçoamento,
respectivamente, ministrados pelo Centro de Formação
Os titulares de cargos integrantes do Plano de Carreiras e Aperfeiçoamento de Recursos Humanos (Cefarh), ou
e Cargos da ABIN ficam obrigados a ressarcir ao Erário os equivalente, instituído através do inciso V do art.  16 da
custos decorrentes da participação em cursos ou estágios de Lei nº 8.028, de 1990, conforme dispuser o regulamento.
capacitação realizados no Brasil ou no exterior, nas hipóteses
de exoneração a pedido ou demissão antes de decorrido • Gratificação de Desempenho de Atividade de Infor-
período igual ao de duração do afastamento. mações Estratégicas – GDI, de que trata o art. 2º da
Lei no 9.651, de 27 de maio de 1998;
11.6.1 Valores das indenizações • Gratificação de Atividade  – GAE, de que trata a  Lei
Ato do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Seguran- Delegada no 13, de 27 de agosto de 1992;
ça Institucional da Presidência da República fixará os valores • Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico‑Ad-
das indenizações referidas no caput deste artigo, respeitado o ministrativa – GDATA, de que trata a Lei no 10.404, de
limite de despesas realizadas pelo poder público. 9 de janeiro de 2002;
• As referentes à conclusão do Curso de Formação em
Observação! Inteligência, do Curso de Formação Básica em Inteli‑
Aplica‑se o disposto neste artigo aos demais agentes pú- gência I, do Curso de Formação Básica em Inteligência
blicos do Quadro de Pessoal da ABIN, inclusive aos servidores II, do Curso de Especialização em Inteligência, do Curso
titulares de cargos das Carreiras de Ciência e Tecnologia, de de Aperfeiçoamento em Inteligência e do Curso Avan‑

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çado de Inteligência, referidos na Lei no 10.862, de 20 12.6. Estrutura remuneratória
de abril de 2004; e
• Gratificação de Desempenho de Atividades de In- A estrutura remuneratória dos titulares dos cargos de
formação e Inteligência  – GDAIN e Gratificação de níveis superior e intermediário a que se refere o inciso III
Desempenho de Atividades Complementares na ABIN – do caput do art. 2º desta Lei e dos titulares dos cargos de
GDACABIN de que trata o inciso II do caput do art. 29 níveis superior, intermediário e auxiliar a que se refere o
desta Lei. inciso IV do caput do art. 2º desta Lei, a partir de 5 de junho
de 2008, terá a seguinte composição:
12.3. Não são devidas aos titulares dos cargos a • Vencimento Básico; e
que se referem os incisos I e II do caput do art. 2º • Gratificação de Desempenho de Atividades de In‑
desta Lei formações e Inteligência – GDAIN ou Gratificação de
Desempenho de Atividades Complementares na ABIN –
Além das parcelas e vantagens de que trata o art.  25 GDACABIN, conforme o caso, observado o disposto nos
desta Lei, não são devidas aos titulares dos cargos a que se arts. 34 a 41 desta Lei.
referem os incisos I e II do caput do art. 2º desta Lei, a partir
de 5 de junho de 2008, as seguintes espécies remuneratórias: 12.6.1. Vencimentos básicos
• Vantagens pessoais e vantagens pessoais nominal‑
Os padrões de vencimento básico dos cargos referidos
mente identificadas  – VPNI, de qualquer origem e
no caput deste artigo são os constantes dos Anexos III e IV
natureza;
desta Lei, com efeitos financeiros a partir das datas neles
• Diferenças individuais e resíduos, de qualquer origem
e natureza; especificadas.
• Valores incorporados à remuneração decorrentes do
exercício de função de direção, chefia ou assessora‑ 12.6.2. Não farão jus
mento ou de cargo de provimento em comissão; Os titulares dos cargos a que se refere o caput deste arti-
• Valores incorporados à remuneração referentes a go não farão jus, a partir de 2008, à percepção das seguintes
quintos ou décimos; gratificações e vantagens:
• Valores incorporados à remuneração a título de adi‑ • Gratificação de Desempenho de Atividade de Infor-
cional por tempo de serviço; mações – GDAI, de que trata o art. 11 da Lei no 10.862,
• Vantagens incorporadas aos proventos ou pensões de 20 de abril de 2004;
por força dos arts. 180 e 184 da Lei nº 1.711, de 28 de • Gratificação de Habilitação e Qualificação – GHQ, de
outubro de 1952, e dos arts. 190 e 192 da Lei no 8.112, que trata o § 3º do art. 9º da Lei no 10.862, de 20 de
de 11 de dezembro de 1990; abril de 2004;
• Abonos; • Vantagem Pecuniária Individual, de que trata a Lei
• Valores pagos a título de representação; no 10.698, de 2 de julho de 2003;
• Adicional pelo exercício de atividades insalubres, pe‑ • Gratificação de Desempenho de Atividade de Infor-
rigosas ou penosas; mações Estratégicas – GDI, de que trata o art. 2º da
• Adicional noturno; Lei no 9.651, de 27 de maio de 1998;
• Adicional pela prestação de serviço extraordinário; e • Gratificação de Atividade – GAE, de que trata a Lei
• Outras gratificações e adicionais, de qualquer origem Delegada no 13, de 27 de agosto de 1992;
e natureza, que não estejam explicitamente mencio‑ • Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico‑Ad-
nados no art. 28 desta Lei. ministrativa – GDATA, de que trata a Lei no 10.404, de
9 de janeiro de 2002;
12.4. Vedação à cumulação de valores ou vantagens • As referentes à conclusão do Curso de Formação em
de decisão administrativa ou judicial Inteligência, do Curso de Formação Básica em Inteli‑
gência I, do Curso de Formação Básica em Inteligência
Os servidores integrantes das Carreiras de que tratam II, do Curso de Especialização em Inteligência, do Curso
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
os incisos I e II do caput do art. 2º desta Lei não poderão de Aperfeiçoamento em Inteligência e do Curso Avan‑
perceber cumulativamente com o subsídio quaisquer valores çado de Inteligência, referidos na Lei no 10.862, de 20
ou vantagens incorporadas à remuneração por decisão ad- de abril de 2004; e
ministrativa, judicial ou extensão administrativa de decisão
• As referentes à aplicação do disposto no art. 14 da Lei
judicial, de natureza geral ou individual, ainda que decorren-
no 8.162, de 8 de janeiro de 1991.
tes de sentença judicial transitada em julgado.

12.5. Percepções devidas 12.6.3. Enquadramento nos cargos do Plano de Carreiras


e Cargos da ABIN
O subsídio dos integrantes das Carreiras de que tratam os Os servidores titulares dos cargos de níveis superior e
incisos I e II do caput do art. 2º desta Lei não exclui o direito intermediário do Grupo Informações e os servidores titulares
à percepção, nos termos da legislação e regulamentação dos cargos de níveis superior, intermediário e auxiliar do
específica, das seguintes espécies remuneratórias: Grupo Apoio do Quadro de Pessoal da ABIN (art. 2º da Lei
• Gratificação natalina; no 10.862, de 20 de abril de 2004), serão enquadrados nos
• Adicional de férias; cargos do Plano de Carreiras e Cargos da ABIN, de acordo
• Abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 com as respectivas atribuições, os requisitos de formação
da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do profissional e a posição relativa na Tabela, nos termos do
art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de de‑ Anexo VII desta Lei.
zembro de 2003;
• Retribuição pelo exercício de função de direção, chefia 12.6.3.1 Vedação à mudança de nível
e assessoramento; e É vedada a mudança do nível do cargo ocupado pelo
• Parcelas indenizatórias previstas em lei. servidor em decorrência do disposto no caput deste artigo.

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12.6.3.2. Aposentados e pensionistas 12.6.6. Desempenho individual
O posicionamento dos aposentados e dos pensionistas A GDAIN e a GDACABIN serão atribuídas em função do
nas tabelas remuneratórias constantes dos Anexos III, IV, V e alcance de metas de desempenho individual do servidor e
VI desta Lei será referenciado à situação em que o servidor se de desempenho institucional da ABIN.
encontrava na data da aposentadoria ou em que se originou
a pensão, respeitadas as alterações relativas a posicionamen- 12.6.6.1. Desempenho do servidor no exercício das
tos decorrentes de legislação específica. atribuições
A avaliação de desempenho individual visa a aferir o
12.6.4. Vedação à redução de remuneração desempenho do servidor no exercício das atribuições do
A aplicação das disposições desta Lei aos servidores cargo ou função, com foco na contribuição individual para o
ativos, aos inativos e aos pensionistas não poderá implicar alcance dos objetivos organizacionais.
redução de remuneração, de proventos e de pensões.
12.6.6.1. Desempenho coletivo
12.6.4.1. Hipótese de redução A avaliação de desempenho institucional visa a aferir
Na hipótese de redução de remuneração, de provento ou o desempenho coletivo no alcance dos objetivos organiza-
de pensão, em decorrência da aplicação do disposto nesta cionais.
Lei, eventual diferença será paga:
• Aos servidores integrantes das Carreiras de que 12.6.6.2. A GDAIN e a GDACABIN serão pagas com ob-
tratam os incisos I e II do caput do art. 2º desta Lei, servância dos seguintes limites:
a título de parcela complementar de subsídio, de natu‑ • Máximo, 100 (cem) pontos por servidor; e
reza provisória, que será gradativamente absorvida por • Mínimo, 30 (trinta) pontos por servidor, correspon‑
ocasião do desenvolvimento no cargo ou na Carreira dendo cada ponto ao valor estabelecido no Anexo V
por progressão ou promoção ordinária ou extraor‑ desta Lei, para a GDAIN, e no Anexo VI desta Lei, para
dinária, da reorganização ou da reestruturação dos a GDACABIN.
cargos e das Carreiras ou das remunerações previstas
nesta Lei, da concessão de reajuste ou vantagem de 12.6.6.3. Considerando o disposto acima, a pontuação
qualquer natureza, bem como da implantação dos referente à GDAIN e à GDACABIN terá a seguinte distri-
valores constantes do Anexo II desta Lei; e buição:
• Aos servidores de que tratam os incisos III e IV do ca- • Até 20 (vinte) pontos percentuais de seu limite máximo
put do art. 2º desta Lei, a título de vantagem pessoal serão atribuídos em função dos resultados obtidos na
nominalmente identificada, de natureza provisória, avaliação de desempenho individual; e
que será gradativamente absorvida por ocasião do de‑ • Até 80 (oitenta) pontos percentuais de seu limite máxi‑
senvolvimento no cargo por progressão ou promoção mo serão atribuídos em função dos resultados obtidos
ordinária ou extraordinária, da reorganização ou da na avaliação de desempenho institucional.
reestruturação dos cargos ou das remunerações pre‑
vistas nesta Lei, da concessão de reajuste ou vantagem 12.6.6.4 Critérios e procedimentos específicos de ava-
de qualquer natureza, bem como da implantação dos liação
valores constantes dos Anexos III, IV, V e VI desta Lei. Os critérios e procedimentos específicos de avaliação
de desempenho individual e institucional e de atribuição
12.6.4.2 Parcela complementar da GDAIN e da GDACABIN serão estabelecidos em ato do
A parcela complementar de subsídio e a vantagem Diretor‑Geral da ABIN, observada a legislação vigente.
pessoal nominalmente identificada referidas nos incisos I
e II do § 1º deste artigo estarão sujeitas exclusivamente à 12.6.7. Primeira avaliação
atualização decorrente de revisão geral da remuneração dos Até que sejam processados os resultados da primeira
servidores públicos federais. avaliação individual e institucional, todos os servidores que
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Aplica‑se às aposentadorias concedidas aos servidores in- a ela fizerem jus perceberão a GDAIN e a GDACABIN em
tegrantes do Plano de Carreiras e Cargos da ABIN de que trata valor correspondente a 80% (oitenta por cento) de seu valor
o art. 1º desta Lei e às pensões, ressalvadas as aposentado- máximo, observada a classe e padrão do servidor, conforme
rias e pensões reguladas pelos arts. 1º e 2º da Lei nº 10.887, estabelecido nos Anexos V e VI desta Lei.
de 18 de junho de 2004, no que couber, o disposto nesta Lei
em relação aos servidores que se encontram em atividade. 12.6.7.1. Resultado da primeira avaliação
O resultado da primeira avaliação gera efeitos financeiros
12.6.5 Ficam instituídas: a partir do início do primeiro período de avaliação, devendo
• A Gratificação de Desempenho de Atividades de Infor- ser compensadas eventuais diferenças pagas a maior ou a
mações e Inteligência – GDAIN, devida exclusivamente menor.
aos servidores de níveis superior e intermediário do
Grupo Informações, de que trata o inciso III do caput do 12.6.7.1. Cargos comissionados
art. 2º desta Lei, quando em exercício de atividades nas O disposto neste artigo aplica‑se aos ocupantes de cargos
unidades da ABIN; e comissionados que fazem jus à GDAIN e à GDACABIN.
• A Gratificação de Desempenho de Atividades Com-
plementares na ABIN – GDACABIN, devida exclusiva‑ 12.6.8. Base de cálculo
mente aos ocupantes dos cargos de níveis superior, A GDAIN e a GDACABIN não servirão de base de cálculo
intermediário e auxiliar do Grupo Apoio do Plano para quaisquer outros benefícios ou vantagens.
Especial de Cargos, de que trata o inciso IV do caput do
art. 2º desta Lei, quando em exercício de atividades nas 12.6.9. O titular de cargo efetivo de que tratam os in-
unidades da ABIN. cisos III e IV do caput do art. 2º desta Lei, em exercício nas

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unidades da ABIN, quando investido em cargo em comissão 12.6.13. Afastamentos e licenças
ou função de confiança fará jus à GDAIN ou à GDACABIN Em caso de afastamentos e licenças considerados como
da seguinte forma: de efetivo exercício, sem prejuízo da remuneração e com di-
• Os investidos em função de confiança ou cargos em reito à percepção de gratificação de desempenho, o servidor
comissão do Grupo‑Direção e Assessoramento Supe- continuará percebendo a respectiva gratificação correspon-
riores – DAS, níveis 3, 2, 1, ou equivalentes, perceberão dente ao último percentual obtido, até que seja processada
a respectiva gratificação de desempenho calculada a sua primeira avaliação após o retorno.
conforme disposto no art. 34 desta Lei; e
• Os investidos em cargos em comissão do Grupo‑Dire- Atenção!
ção e Assessoramento Superiores – DAS, níveis 6, 5, 4, O disposto no caput deste artigo não se aplica aos casos
ou equivalentes, perceberão a respectiva gratificação de cessão.
de desempenho calculada com base no valor máximo
da parcela individual, somado ao resultado da avalia‑ 12.6.14. Para fins de incorporação da GDAIN e da GDA-
ção institucional do período. CABIN aos proventos de aposentadoria ou às pensões, serão
adotados os seguintes critérios:
12.6.10. O  titular de cargo efetivo de que tratam os • Para as aposentadorias concedidas e pensões institu-
ídas até 19 de fevereiro de 2004, a gratificação será
incisos III e IV do caput do art. 2º desta Lei quando não se
correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor
encontrar em exercício nas unidades da ABIN somente fará
máximo do respectivo nível, classe e padrão; e
jus à GDAIN ou à GDACABIN, conforme o caso:
• Para as aposentadorias concedidas e pensões insti-
• Quando cedido para a Presidência ou Vice‑Presidência
tuídas após 19 de fevereiro de 2004:
da República ou quando requisitado pela Justiça Elei‑ – Quando ao servidor que deu origem à aposentadoria
toral, situação na qual perceberá a respectiva gratifi‑ ou à pensão se aplicar o disposto nos arts. 3º e 6º da
cação de desempenho calculada com base nas regras Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de
aplicáveis como se estivesse em efetivo exercício na 2003, e no art. 3º da Emenda Constitucional nº 47,
ABIN; e de 5 de julho de 2005,  aplicar‑se‑á o percentual
• Quando cedido para órgão ou entidade da União dis‑ constante no inciso I do caput deste artigo; e
tinto dos indicados no inciso I do caput deste artigo e – Aos demais casos aplicar‑se‑á, para fins de cálculo
investido em cargo de natureza especial ou em comis‑ das aposentadorias e pensões, o  disposto na  Lei
são do Grupo‑Direção e Assessoramento Superiores no 10.887, de 18 de junho de 2004.
(DAS) nível 6, 5 ou 4, ou equivalente, situação na qual - A partir de 1º de julho de 2012, para fins de
perceberá a respectiva gratificação de desempenho incorporação da GDAIN ou da GDACABIN aos
calculada com base no resultado da avaliação institu‑ proventos de aposentadoria ou às pensões, serão
cional do período. adotados os seguintes critérios:
– A avaliação institucional do servidor alcançado • Para as aposentadorias e pensões instituídas até 19
conforme acima, será: de fevereiro de 2004, as gratificações serão correspon‑
• A do órgão ou entidade onde o servidor permaneceu dentes a 50 (cinquenta) pontos, considerados o nível,
em exercício por mais tempo; classe e padrão do servidor;
• A do órgão ou entidade onde o servidor se encontrar • Para as aposentadorias e pensões instituídas após 19
em exercício ao término do ciclo, caso ele tenha perma‑ de fevereiro de 2004:
necido o mesmo número de dias em diferentes órgãos – Quando percebidas por período igual ou superior
ou entidades; ou a 60 (sessenta) meses e aos servidores que deram
• A do órgão de origem, quando requisitado ou cedido origem à aposentadoria ou à pensão se aplicar o
para órgão diverso da administração pública federal disposto nos arts. 3º e 6º da emenda constitucional Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
direta, autárquica ou fundacional. no 41, de 19 de dezembro de 2003, e no art. 3º da
emenda constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005,
12.6.11. Pontuação inferior a 50% aplicar‑se‑á a média dos pontos recebidos nos últi‑
O servidor ativo beneficiário da GDAIN ou da GDACABIN mos 60 (sessenta) meses;
que obtiver pontuação inferior a 50% (cinquenta por cento) – Quando percebidas por período inferior a 60 (ses‑
do seu valor máximo será imediatamente submetido a pro- senta) meses, aos servidores de que trata a alínea
a deste inciso aplicar‑se‑ão os pontos constantes do
cesso de capacitação ou de análise da adequação funcional,
inciso i do caput; e
conforme o caso, sob responsabilidade da ABIN.
• Para as aposentadorias e pensões que não se enqua-
• A análise de adequação funcional visa a identificar as
drem nas hipóteses previstas nos incisos I e II do caput,
causas dos resultados obtidos na avaliação de desempenho
aplicar‑se‑á, para fins de cálculo das aposentadorias e
e a servir de subsídio para a adoção de medidas que possam pensões, o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho
propiciar a melhoria do desempenho do servidor. de 2004.
– Os valores devidos ao servidor em razão da estru-
12.6.12 Exoneração do cargo em comissão tura remuneratória proposta pela Lei no 10.862, de
Ocorrendo exoneração do cargo em comissão, com 20 de abril de 2004, quanto ao vencimento básico,
manutenção do cargo efetivo, os servidores que façam jus à gratificação de desempenho de qualquer natureza e
GDAIN ou à GDACABIN continuarão percebendo a respectiva gratificação de habilitação e qualificação, não podem
gratificação de desempenho correspondente ao último valor ser percebidos cumulativamente com os valores de
obtido, até que seja processada a sua primeira avaliação subsídio, vencimento básico e gratificação de de-
após a exoneração. sempenho de que tratam os arts. 24 e 29 desta Lei.

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– Os valores percebidos pelos servidores de que 15. Propriedade Intelectual
tratam as alíneas  a dos incisos I e II do caput do
art. 2º desta Lei a título de remuneração de 1º de Carreiras/Cargos Classe Padrão
abril até 4 de junho de 2008 deverão ser deduzidos
III
do valor devido ao servidor a título de subsídio a
partir de 1º de abril de 2008, devendo ser compen- Especial II
sados eventuais valores pagos a menor. I
VI
Os valores percebidos pelos servidores de que tratam os V
incisos III e IV do caput do art. 2º desta Lei a título de vencimen- IV
Primeira
to básico, gratificação de desempenho de qualquer natureza III
e gratificação de habilitação e qualificação, de 1º de abril até Carreira de Oficial de Inteligência II
4 de junho de 2008, com base na estrutura remuneratória Carreira de Oficial Técnico de Inteligência I
constante da Lei no 10.862, de 20 de abril de 2004, deverão Carreira de Agente de Inteligência VI
ser deduzidos do montante devido ao servidor a título de Carreira de Agente Técnico de Inteli-
vencimento básico e gratificação de desempenho, conforme gência V
disposto no art. 29 desta Lei, a partir de 1º de abril de 2008, Cargos de níveis superior e intermediário
do Grupo IV
devendo ser compensados eventuais valores pagos a menor.
Informações e do Grupo Apoio do Plano Segunda III
13. Cessão de Servidores de Carreiras e
Cargos da ABIN II
13.1 Vedação de cessão
I
Fica vedada a cessão dos titulares de cargos integrantes V
do Quadro de Pessoal da ABIN, exceto para os casos pre- IV
vistos em legislação específica ou investidura em cargo de Terceira III
Natureza Especial ou do Grupo‑Direção e Assessoramento II
Superiores – DAS, níveis 4, 5, 6, ou equivalentes. I

14 Avaliação de Desempenho A propriedade intelectual criada por qualquer agente


público em decorrência do exercício de suas atribuições ou
Os titulares de cargos de provimento efetivo integrantes na condição de representante da ABIN pertence exclusiva-
do Quadro de Pessoal da ABIN serão submetidos, periodica- mente à União, a quem caberá exercer a eventual proteção
mente, a avaliação de desempenho, conforme disposto na ou a divulgação do seu conteúdo, conforme disposto em ato
legislação em vigor aplicável aos servidores públicos federais do Diretor‑Geral da ABIN.
e em normas específicas a serem estabelecidas em ato do • O disposto acima aplica‑se aos alunos de cursos mi-
Diretor‑Geral da ABIN, que permitam avaliar a atuação do nistrados pela ABIN, inclusive aos do curso de formação
servidor no exercício do cargo e no âmbito de sua área de integrante do concurso público para ingresso nos cargos
responsabilidade ou especialidade. de que tratam os incisos I e II do caput do art. 2º desta Lei.

ANEXO I
ESTRUTURA DE CLASSES E PADRÕES
DO PLANO DE CARREIRAS E CARGOS DA ABIN

Tabela I Cargos de nível superior e intermediário

Tabela II
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Cargos de nível auxiliar


Cargo Classe Padrão
Cargos de nível auxiliar do Grupo III
Apoio do Plano de Carreiras e Especial II
Cargos da ABIN I

ANEXO II
(Redação dada pela Lei nº 13.324, de 2016)

TABELA DE SUBSÍDIOS DAS CARREIRAS DE OFICIAL DE INTELIGÊNCIA, OFICIAL TÉCNICO DE INTELIGÊNCIA, AGENTE DE
INTELIGÊNCIA E AGENTE TÉCNICO DE INTELIGÊNCIA

a) Subsídio do Cargo de Oficial de Inteligência


Em R$
VALOR DO SUBSÍDIO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 21.300,28 22.471,80 23.595,39
ESPECIAL II 20.964,85 22.117,92 23.223,81
I 20.634,69 21.769,60 22.858,08

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VI 19.981,89 21.080,89 22.134,94
V 19.667,21 20.748,91 21.786,35
IV 19.357,49 20.422,15 21.443,26
PRIMEIRA
III 19.052,64 20.100,54 21.105,56
II 18.752,61 19.784,00 20.773,20
I 18.457,28 19.472,43 20.446,05
VI 17.873,37 18.856,41 19.799,23
V 17.591,89 18.559,44 19.487,42
IV 17.314,86 18.267,18 19.180,54
SEGUNDA
III 17.042,18 17.979,50 18.878,47
II 16.773,80 17.696,36 18.581,18
I 16.509,64 17.417,67 18.288,55
V 15.987,34 16.866,64 17.709,98
IV 15.735,57 16.601,03 17.431,08
TERCEIRA III 15.487,77 16.339,60 17.156,58
II 15.243,86 16.082,27 16.886,39
I 15.003,80 15.829,01 16.620,46

b) Subsídio do Cargo de Oficial Técnico de Inteligência 


Em R$
VALOR DO SUBSÍDIO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 19.168,12 20.222,37 21.233,48
ESPECIAL II 18.884,85 19.923,52 20.919,69
I 18.605,76 19.629,08 20.610,53
VI 18.063,85 19.057,36 20.010,23
V 17.796,89 18.775,72 19.714,50
IV 17.533,88 18.498,24 19.423,16
PRIMEIRA
III 17.274,76 18.224,87 19.136,12
II 17.019,47 17.955,54 18.853,32
I 16.767,95 17.690,19 18.574,70
VI 16.279,56 17.174,94 18.033,68
V 16.038,98 16.921,12 17.767,18
IV 15.801,95 16.671,06 17.504,61
SEGUNDA
III 15.568,42 16.424,68 17.245,92
II 15.338,36 16.181,97 16.991,07
I 15.111,68 15.942,82 16.739,96
V 14.671,53 15.478,46 16.252,39
IV 14.454,71 15.249,72 16.012,21
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

TERCEIRA III 14.241,09 15.024,35 15.775,57


II 14.030,63 14.802,31 15.542,43
I 13.823,28 14.583,56 15.312,74

c) Subsídio do Cargo de Agente de Inteligência


Em R$
VALOR DO SUBSÍDIO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 9.776,93 10.314,66 10.830,39
ESPECIAL II 9.538,47 10.063,09 10.566,24
I 9.305,83 9.817,65 10.308,53
VI 8.862,70 9.350,15 9.817,66
V 8.646,54 9.122,10 9.578,20
IV 8.435,64 8.899,60 9.344,58
PRIMEIRA
III 8.229,90 8.682,54 9.116,67
II 8.029,16 8.470,76 8.894,30
I 7.833,33 8.264,16 8.677,37

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VI 7.460,32 7.870,64 8.264,17
V 7.278,35 7.678,66 8.062,59
IV 7.100,83 7.491,38 7.865,94
SEGUNDA
III 6.927,65 7.308,67 7.674,10
II 6.758,68 7.130,41 7.486,93
I 6.593,84 6.956,50 7.304,33
V 6.279,84 6.625,23 6.956,49
IV 6.126,68 6.463,65 6.786,83
TERCEIRA III 5.977,24 6.305,99 6.621,29
II 5.831,46 6.152,19 6.459,80
I 5.689,22 6.002,13 6.302,23

d) Subsídio do Cargo de Agente Técnico de Inteligência


Em R$
VALOR DO SUBSÍDIO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 8.798,27 9.282,17 9.746,28
ESPECIAL II 8.583,68 9.055,78 9.508,57
I 8.374,32 8.834,91 9.276,65
VI 7.975,54 8.414,19 8.834,90
V 7.781,02 8.208,98 8.619,42
IV 7.591,23 8.008,75 8.409,19
PRIMEIRA
III 7.406,08 7.813,41 8.204,09
II 7.225,45 7.622,85 8.003,99
I 7.049,21 7.436,92 7.808,76
VI 6.713,54 7.082,78 7.436,92
V 6.549,79 6.910,03 7.255,53
IV 6.390,04 6.741,49 7.078,57
SEGUNDA
III 6.234,19 6.577,07 6.905,92
II 6.082,13 6.416,65 6.737,48
I 5.933,80 6.260,16 6.573,17
V 5.651,23 5.962,05 6.260,15
IV 5.513,39 5.816,63 6.107,46
TERCEIRA III 5.378,92 5.674,76 5.958,50
II 5.247,73 5.536,36 5.813,17
I 5.119,73 5.401,32 5.671,38
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

ANEXO III
(Redação dada pela Lei nº 13.324, de 2016)

TABELAS DE VENCIMENTO BÁSICO DOS CARGOS DE NÍVEIS SUPERIOR E INTERMEDIÁRIO DO GRUPO INFORMAÇÕES
a) Vencimento básico do cargo de nível superior de Instrutor de Informações do Grupo Informações
Em R$
VENCIMENTO BÁSICO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 7.857,22 8.289,37 8.703,84
ESPECIAL II 7.718,29 8.142,80 8.549,94
I 7.581,81 7.998,81 8.398,75
VI 7.360,99 7.765,84 8.154,14
V 7.230,83 7.628,53 8.009,95
IV 7.102,98 7.493,64 7.868,33
PRIMEIRA
III 6.977,39 7.361,15 7.729,20
II 6.854,01 7.230,98 7.592,53
I 6.732,83 7.103,14 7.458,29

46

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VI 6.536,72 6.896,24 7.241,05
V 6.421,15 6.774,31 7.113,03
IV 6.307,61 6.654,53 6.987,25
SEGUNDA
III 6.196,07 6.536,85 6.863,70
II 6.086,52 6.421,28 6.742,34
I 5.978,90 6.307,74 6.623,13
V 5.804,76 6.124,02 6.430,22
IV 5.702,12 6.015,74 6.316,52
TERCEIRA III 5.601,29 5.909,36 6.204,83
II 5.502,26 5.804,88 6.095,13
I 5.404,97 5.702,24 5.987,36

b) Vencimento básico dos demais cargos de nível superior do Grupo Informações


Em R$
VENCIMENTO BÁSICO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 7.335,60 7.739,06 8.126,01
ESPECIAL II 7.198,83 7.594,77 7.974,50
I 7.064,60 7.453,15 7.825,81
VI 6.858,83 7.236,07 7.597,87
V 6.730,94 7.101,14 7.456,20
IV 6.605,44 6.968,74 7.317,18
PRIMEIRA
III 6.482,28 6.838,81 7.180,75
II 6.361,41 6.711,29 7.046,85
I 6.242,79 6.586,14 6.915,45
VI 6.060,96 6.394,31 6.714,03
V 5.947,96 6.275,10 6.588,85
IV 5.837,06 6.158,10 6.466,00
SEGUNDA
III 5.728,22 6.043,27 6.345,44
II 5.621,41 5.930,59 6.227,12
I 5.516,59 5.820,00 6.111,00
V 5.355,91 5.650,49 5.933,01
IV 5.256,06 5.545,14 5.822,40
TERCEIRA III 5.158,05 5.441,74 5.713,83
II 5.061,88 5.340,28 5.607,30
I 4.967,50 5.240,71 5.502,75

c) Vencimento básico do cargo de nível intermediário de Monitor de Informações do Grupo Informações Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
Em R$
VENCIMENTO BÁSICO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 3.839,16 4.050,31 4.252,83
ESPECIAL II 3.774,98 3.982,60 4.181,73
I 3.711,88 3.916,03 4.111,84
VI 3.639,10 3.839,25 4.031,21
V 3.578,26 3.775,06 3.963,82
IV 3.518,45 3.711,96 3.897,56
PRIMEIRA
III 3.459,64 3.649,92 3.832,42
II 3.401,81 3.588,91 3.768,36
I 3.344,95 3.528,92 3.705,37
VI 3.279,35 3.459,71 3.632,70
V 3.224,54 3.401,89 3.571,98
IV 3.170,64 3.345,03 3.512,28
SEGUNDA
III 3.117,65 3.289,12 3.453,58
II 3.065,53 3.234,13 3.395,84
I 3.014,28 3.180,07 3.339,07

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V 2.955,18 3.117,71 3.273,60
IV 2.905,78 3.065,60 3.218,88
TERCEIRA III 2.857,21 3.014,36 3.165,07
II 2.809,45 2.963,97 3.112,17
I 2.762,49 2.914,43 3.060,15

d) Vencimento básico dos demais cargos de nível intermediário do Grupo Informações


Em R$
VENCIMENTO BÁSICO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 3.311,95 3.494,11 3.668,81
ESPECIAL II 3.279,16 3.459,51 3.632,49
I 3.246,69 3.425,26 3.596,52
VI 3.198,71 3.374,64 3.543,37
V 3.167,04 3.341,23 3.508,29
IV 3.135,68 3.308,14 3.473,55
PRIMEIRA
III 3.104,63 3.275,38 3.439,15
II 3.073,90 3.242,96 3.405,11
I 3.043,46 3.210,85 3.371,39
VI 2.998,48 3.163,40 3.321,57
V 2.968,80 3.132,08 3.288,69
IV 2.939,41 3.101,08 3.256,13
SEGUNDA
III 2.910,30 3.070,37 3.223,88
II 2.881,49 3.039,97 3.191,97
I 2.852,95 3.009,86 3.160,36
V 2.810,79 2.965,38 3.113,65
IV 2.782,96 2.936,02 3.082,82
TERCEIRA III 2.755,41 2.906,96 3.052,31
II 2.728,13 2.878,18 3.022,09
I 2.701,12 2.849,68 2.992,17

ANEXO IV
(Redação dada pela Lei nº 13.324, de 2016)

TABELA DE VENCIMENTO BÁSICO DOS CARGOS DO GRUPO APOIO DO PLANO DE CARREIRAS E CARGOS DA ABIN
a) Cargos de nível superior
Em R$
VENCIMENTO BÁSICO
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE


1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 5.850,55 6.172,33 6.480,95
ESPECIAL II 5.764,09 6.081,11 6.385,17
I 5.678,91 5.991,25 6.290,81
VI 5.513,50 5.816,74 6.107,58
V 5.432,03 5.730,79 6.017,33
IV 5.351,75 5.646,10 5.928,40
C
III 5.272,66 5.562,66 5.840,79
II 5.194,74 5.480,45 5.754,47
I 5.117,96 5.399,45 5.669,42
VI 4.968,91 5.242,20 5.504,31
V 4.895,47 5.164,72 5.422,96
IV 4.823,13 5.088,40 5.342,82
B
III 4.751,84 5.013,19 5.263,85
II 4.681,62 4.939,11 5.186,06
I 4.612,44 4.866,12 5.109,43

48

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V 4.478,09 4.724,38 4.960,60
IV 4.411,92 4.654,58 4.887,30
A III 4.346,71 4.585,78 4.815,07
II 4.282,47 4.518,01 4.743,91
I 4.219,18 4.451,23 4.673,80

b) Cargos de nível intermediário


Em R$
VENCIMENTO BÁSICO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 3.482,53 3.674,07 3.857,77
ESPECIAL II 3.454,90 3.644,92 3.827,17
I 3.427,47 3.615,98 3.796,78
VI 3.376,81 3.562,53 3.740,66
V 3.350,02 3.534,27 3.710,98
IV 3.323,44 3.506,23 3.681,54
C
III 3.297,05 3.478,39 3.652,31
II 3.270,89 3.450,79 3.623,33
I 3.244,93 3.423,40 3.594,57
VI 3.196,98 3.372,81 3.541,45
V 3.171,60 3.346,04 3.513,34
IV 3.146,44 3.319,49 3.485,47
B
III 3.121,45 3.293,13 3.457,79
II 3.096,68 3.267,00 3.430,35
I 3.072,10 3.241,07 3.403,12
V 3.026,70 3.193,17 3.352,83
IV 3.002,68 3.167,83 3.326,22
A III 2.978,86 3.142,70 3.299,83
II 2.955,22 3.117,76 3.273,64
I 2.931,77 3.093,02 3.247,67

c) Cargos de nível auxiliar


Em R$
VENCIMENTO BÁSICO
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 2.118,63 2.235,15 2.346,91
ESPECIAL II 2.115,62 2.231,98 2.343,58
I 2.111,54 2.227,67 2.339,06
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

ANEXO V
(Redação dada pela Lei nº 13.324, de 2016)

TABELA DE VALORES DA GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADES DE INFORMAÇÕES E INTELIGÊNCIA – GDAIN


a) Valor do ponto da GDAIN para o cargo de nível superior de Instrutor de Informações do Grupo Informações
Em R$
VALOR DO PONTO DA GDAIN
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 113,06 119,28 125,24
ESPECIAL II 111,50 117,63 123,51
I 109,97 116,02 121,82
VI 106,03 111,86 117,45
V 104,56 110,31 115,83
IV 103,11 108,78 114,22
PRIMEIRA
III 101,69 107,28 112,64
II 100,28 105,80 111,09
I 98,90 104,34 109,56

49

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VI 95,35 100,59 105,62
V 94,03 99,20 104,16
IV 92,75 97,85 102,74
SEGUNDA
III 91,47 96,50 101,33
II 90,20 95,16 99,92
I 88,96 93,85 98,54
V 85,75 90,47 94,99
IV 84,58 89,23 93,69
TERCEIRA III 83,41 88,00 92,40
II 82,27 86,79 91,13
I 81,12 85,58 89,86

b) Valor do ponto da GDAIN para os demais cargos de nível superior do Grupo Informações
Em R$
VALOR DO PONTO DA GDAIN
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 105,57 111,38 116,95
ESPECIAL II 104,00 109,72 115,21
I 102,46 108,10 113,51
VI 99,19 104,65 109,88
V 97,72 103,09 108,24
IV 96,27 101,56 106,64
PRIMEIRA
III 94,86 100,08 105,08
II 93,46 98,60 103,53
I 92,09 97,15 102,01
VI 89,13 94,03 98,73
V 87,81 92,64 97,27
IV 86,52 91,28 95,84
SEGUNDA
III 85,24 89,93 94,43
II 83,98 88,60 93,03
I 82,74 87,29 91,65
V 80,09 84,49 88,71
IV 78,91 83,25 87,41
TERCEIRA III 77,74 82,02 86,12
II 76,60 80,81 84,85
I 75,46 79,61 83,59

c) Valor do ponto da GDAIN de nível intermediário de Monitor de Informações do Grupo Informações


Em R$
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

VALOR DO PONTO DA GDAIN


CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 48,15 50,80 53,34
ESPECIAL II 46,57 49,13 51,59
I 45,03 47,51 49,89
VI 42,17 44,49 46,71
V 40,78 43,02 45,17
IV 39,45 41,62 43,70
PRIMEIRA
III 38,14 40,24 42,25
II 36,90 38,93 40,88
I 35,68 37,64 39,52
VI 33,41 35,25 37,01
V 32,31 34,09 35,79
IV 31,24 32,96 34,61
SEGUNDA
III 30,23 31,89 33,48
II 29,23 30,84 32,38
I 28,27 29,82 31,31

50

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V 26,46 27,92 29,32
IV 25,60 27,01 28,36
TERCEIRA III 24,75 26,11 27,42
II 23,94 25,26 26,52
I 23,15 24,42 25,64

d) Valor do ponto da GDAIN para os demais cargos de nível intermediário do Grupo Informações
Em R$
VALOR DO PONTO DA GDAIN
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 48,44 51,10 53,66
ESPECIAL II 46,58 49,14 51,60
I 44,78 47,24 49,60
VI 41,66 43,95 46,15
V 40,06 42,26 44,37
IV 38,51 40,63 42,66
PRIMEIRA
III 37,03 39,07 41,02
II 35,61 37,57 39,45
I 34,24 36,12 37,93
VI 31,86 33,61 35,29
V 30,64 32,33 33,95
IV 29,44 31,06 32,61
SEGUNDA
III 28,32 29,88 31,37
II 27,23 28,73 30,17
I 26,19 27,63 29,01
V 24,35 25,69 26,97
IV 23,42 24,71 25,95
TERCEIRA III 22,51 23,75 24,94
II 21,64 22,83 23,97
I 20,82 21,97 23,07

ANEXO VI
(Redação dada pela Lei nº 13.324, de 2016)

TABELA DE VALOR DOS PONTOS DA GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES NA ABIN – GDACABIN
a) Valor do ponto da GDACABIN para os cargos de nível superior do Grupo Apoio
Em R$ Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
VALOR DO PONTO DA GDACABIN
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 37,40 39,46 41,43
ESPECIAL II 36,14 38,13 40,04
I 34,91 36,83 38,67
VI 32,78 34,58 36,31
V 31,67 33,41 35,08
IV 30,62 32,30 33,92
PRIMEIRA
III 29,58 31,21 32,77
II 28,57 30,14 31,65
I 27,60 29,12 30,58
VI 25,91 27,34 28,71
V 25,03 26,41 27,73
IV 24,20 25,53 26,81
SEGUNDA
III 23,38 24,67 25,90
II 22,59 23,83 25,02
I 21,82 23,02 24,17

51

Este eBook foi adquirido por VALMIR LOPES ANDRADE - CPF: 031.223.315-94.
A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
V 20,49 21,62 22,70
IV 19,79 20,88 21,92
TERCEIRA III 19,13 20,18 21,19
II 18,49 19,51 20,49
I 17,86 18,84 19,78

b) Valor dos pontos da GDACABIN para os cargos de nível intermediário do Grupo Apoio


Em R$
VALOR DO PONTO DA GDACABIN
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 22,26 23,48 24,65
ESPECIAL II 21,51 22,69 23,82
I 20,78 21,92 23,02
VI 19,33 20,39 21,41
V 18,69 19,72 20,71
IV 18,05 19,04 19,99
PRIMEIRA
III 17,43 18,39 19,31
II 16,84 17,77 18,66
I 16,28 17,18 18,04
VI 15,14 15,97 16,77
V 14,64 15,45 16,22
IV 14,14 14,92 15,67
SEGUNDA
III 13,66 14,41 15,13
II 13,20 13,93 14,63
I 12,75 13,45 14,12
V 11,87 12,52 13,15
IV 11,46 12,09 12,69
TERCEIRA III 11,07 11,68 12,26
II 10,70 11,29 11,85
I 10,33 10,90 11,45

c) Valor dos pontos da GDACABIN para os cargos de nível auxiliar do Grupo Apoio:
Em R$
VALOR DO PONTO DA GDACABIN
CLASSE PADRÃO EFEITOS FINANCEIROS A PARTIR DE
1º JAN 2015 1º AGO 2016 1º JAN 2017
III 7,12 7,51 7,89
ESPECIAL II 7,06 7,45 7,82
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

I 6,87 7,25 7,61

ANEXO VII
(Redação dada pela Lei nº 12.277, de 2010)

TABELA DE CORRELAÇÃO DOS CARGOS DO PLANO DE CARREIRAS E CARGOS DA ABIN


a) Cargos de Analista de Informações, de Instrutor de Informações e de Assistente de Informações do Grupo Informações
do Plano Especial de Cargos da Abin
Situação Anterior Carreiras de Inteligência
Cargo Classe Padrão Padrão Classe Cargo
III III
Especial II II Especial
Cargos de nível superior de I I
Analista de Informações e Cargos de nível superior de
VI VI
de Instrutor de Informações do Oficial de Inteligência do
V V
Quadro de Pessoal Plano de Carreiras e
IV IV
da Agência Brasileira de C Primeira Cargos da Abin
Inteligência – Abin III III
II II
I I

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VI VI
V V
IV IV
B Segunda
Cargos de Nível Intermediário III III
Cargos de nível intermediário
de Assistente de Informações II II
de Agente de Inteligência do
do Quadro de Pessoal I I
Plano de Carreiras
da Agência Brasileira V V
e Cargos da Abin
de Inteligência – Abin IV IV
A III III Terceira
II II
I I

b) Demais cargos de Nível Superior e Intermediário do Grupo Informações do Plano Especial de Cargos da ABIN
Situação Anterior Carreiras de Inteligência
Cargo Classe Padrão Padrão Classe Cargo
III III
Especial II II Especial
I I
VI VI
V V
IV IV
C Primeira
III III
Cargos de nível superior
e intermediário do II II
I I Cargos de níveis superior
Grupo
e intermediário do Grupo
Informações do Quadro VI VI
Informações do Plano
de Pessoal da Agência V V
de Carreiras e Cargos
Brasileira de Inteligência – ABIN IV IV
B Segunda da ABIN
(art. 2º, I, da Lei nº 10.862, de 20 III III
de abril de 2004)
II II
I I
V V
IV IV
A III III Terceira
II II
I I

c) Cargos de nível superior e intermediário do Grupo Apoio do Plano Especial de Cargos da ABIN
Situação Anterior Carreiras de Inteligência
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Cargo Classe Padrão Padrão Classe Cargo


III III
Especial II II Especial
I I
VI VI
Cargos de níveis superior V V
e intermediário do IV IV
C Primeira Cargos de níveis superior
Grupo Apoio III III e intermediário do Grupo
do Quadro
II II Apoio do Plano
de Pessoal da Agência
I I de Carreiras e Cargos
Brasileira de Inteligência – ABIN
da ABIN
(art. 2º, II, da Lei  nº 10.862, de VI VI
20 de abril de 2004) V V
IV IV
B Segunda
III III
II II
I I

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V V
IV IV
A III III Terceira
II II
I I

d) Cargos de nível auxiliar do Grupo Apoio do Plano Especial de Cargos da ABIN


SITUAÇÃO ATUAL SITUAÇÃO NOVA
Cargo Classe Padrão Padrão Classe Cargo
III III
Especial II II
I
VI
V
IV
C
III
Cargos de II Cargos de
provimento efetivo I provimento efetivo
de nível auxiliar do de nível auxiliar
VI
do Grupo Apoio Especial do Grupo Apoio
do Quadro de Pessoal da ABIN V do Plano de Carreiras
I
(art. 2º, II, da Lei  nº 10.862, de IV e Cargos
B
20 de abril de 2004) III da ABIN
II
I
V
IV
A III
II
I

EXERCÍCIOS reitos e garantias individuais só pode ocorrer mediante


o conhecimento e a autorização prévia do presidente
Lei nº 9.883/1990 – SISBIN E ABIN do Conselho Consultivo do SISBIN e exclusivamente nos
casos que envolvam a segurança do Estado.
Com base na Lei nº  9.883/1999, que instituiu o SISBIN e 4. (CESPE/ABIN/Ag. Téc. Inteligência – Adm. Cargo 18 –
criou a ABIN, julgue os seguintes itens. 2010) Os órgãos e entidades da administração pública
1. (Cespe/ABIN/Of. Téc. Inteligência  – Adm. Cargo 1  – federal que produzirem, direta ou indiretamente, co-
2010). Os atos administrativos, no âmbito da ABIN, que nhecimentos de interesse das atividades de inteligência,
viabilizem aquisições de bens e serviços cuja publicida- em especial aqueles responsáveis pela defesa externa,
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

de possa comprometer o êxito das atividades sigilosas segurança interna e relações exteriores, são membros
da agência devem ser publicados em extrato, cabendo natos do SISBIN.
ao gestor utilizar, nesses casos, recursos orçamentários 5. (CESPE/ABIN/Ag. Téc. Inteligência – Adm. Cargo 18 –
sigilosos. 2010) A ABIN, mesmo sendo o órgão central do SISBIN,
2. (Cespe/ABIN/Of. Téc. Inteligência  – Adm. Cargo 1  – somente pode comunicar‑se com os demais órgãos da
2010). O controle e a fiscalização externos da atividade administração pública direta, indireta ou fundacional,
de inteligência são exercidos pela Comissão Mista de qualquer dos poderes da União, dos estados, do
de Controle de Órgãos de Inteligência do Congresso Distrito Federal e dos municípios, com o conhecimento
Nacional, criada junto com a ABIN. Integram‑na os prévio da autoridade competente de maior hierarquia
presidentes das Comissões de Relações Exteriores e do respectivo órgão, ou de um delegado seu.
Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Sena-
do Federal, os líderes da maioria e minoria na Câmara Julgue os itens, relativos à legislação de interesse da atividade
dos Deputados e no Senado Federal e o presidente do de inteligência.
Tribunal de Contas da União. 6. (Cespe/ABIN/Ag. Inteligência/Cargo 2/2008) A execução
da Política Nacional de Inteligência é fixada pela ABIN,
Com base na Lei nº 9.883/1999, que instituiu o Sistema Bra- sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e
sileiro de Inteligência (SISBIN) e criou a Agência Brasileira de Defesa Nacional do Conselho de Governo.
Inteligência (ABIN), julgue os itens seguintes. 7. (Cespe/ABIN/Ag. Inteligência/Cargo 2/2008) Os atos
3. (CESPE/ABIN/Ag. Téc. Inteligência – Adm. Cargo 18 – da ABIN cuja publicidade possa comprometer o êxito
2010) Nas atividades de inteligência, o uso de técnicas de suas atividades sigilosas devem ser publicados em
e meios sigilosos com potencial suficiente para ferir di- extrato.

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8. (Cespe/ABIN/Ag. Inteligência/Cargo 2/2008) O controle Com relação ao Decreto nº 4.376/2002, que dispõe sobre
e a fiscalização externos da atividade de inteligência são a organização e o funcionamento do SISBIN, julgue os se-
exercidos pelo presidente da República. guintes itens.
9. (Cespe/ABIN/Ag. Inteligência/Cargo 2/2008) As ativida- 19. (CESPE/ABIN/Ag. Téc. Inteligência – Adm. Cargo 18 –
des de inteligência devem ser desenvolvidas, no que se 2010) Entre as atribuições da ABIN, incluem‑se o de-
refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas senvolvimento de recursos humanos e tecnológicos e
e meios sigilosos, independentemente da observância da doutrina de inteligência, bem como a realização de
dos direitos e das garantias individuais e para fins de estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento
assessoramento ao presidente da República. das atividades de inteligência, em coordenação com os
10. (Cespe/ABIN/Ag. Inteligência/Cargo 2/2008) Conside- demais órgãos do SISBIN.
ra‑se inteligência a atividade de obtenção e análise 20. (CESPE/ABIN/Ag. Téc. Inteligência – Adm. Cargo 18 –
de dados e informações e de produção e difusão de 2010) O SISBIN, instituído para integrar as ações de
conhecimentos, dentro e fora do território nacional, planejamento e execução das atividades de inteligência
relativos a fatos e situações de imediata ou potencial do país, fornece subsídios ao presidente da República
influência sobre o processo decisório, a ação governa- nos assuntos de interesse nacional, cabendo à ABIN,
mental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e do órgão central do sistema, estabelecer as necessidades
Estado. de conhecimentos específicos a serem produzidos
11. (Cespe/ABIN/Ag. Inteligência/Cargo 2/2008) O Sistema pelos órgãos que o compõem e consolidá‑los no Plano
Brasileiro de Inteligência funciona mediante articulação Nacional de Inteligência.
coordenada dos órgãos que o constituem, os quais não
são dotados de autonomia funcional. Simulado Decreto nº 4.376/2002
12. (Cespe/ABIN/Ag. Inteligência/Cargo 2/2008) Ao De-
partamento de Inteligência Estratégica compete obter Sobre o Sistema Brasileiro de Inteligência, julgue os itens
informações e exercer ações de salvaguarda de assuntos seguintes:
sensíveis e de interesse do Estado e da sociedade, bem 21. (SIMULADO). O funcionamento do Sistema Brasileiro
como das áreas e dos meios que os retenham ou em de Inteligência efetivar‑se‑á mediante articulação co-
que transitem. ordenada dos órgãos que o constituem, respeitada a
autonomia funcional de cada um e observadas as nor-
Julgue os seguintes itens, relativos à legislação de interesse mas legais pertinentes a segurança, sigilo profissional
da atividade de inteligência. e salvaguarda de assuntos sigilosos.
13. (CESPE/ABIN Cargo 1: Of. Inteligência/2008) O SBI, 22. (SIMULADO). A ABIN poderá manter, em caráter perma-
em suas ações, deve cumprir e preservar os direitos nente, representantes dos órgãos componentes do Sis-
e garantias individuais e demais dispositivos da CF e tema Brasileiro de Inteligência na Assessoria‑Executiva
das leis ordinárias, mas não os derivados de tratados, do Sistema Brasileiro de Inteligência.
convenções, acordos e ajustes internacionais, tendo em 23. (SIMULADO). A  Assessoria‑Executiva do Sistema Bra-
vista que o SBI tem como fundamento a preservação sileiro de Inteligência terá por atribuição coordenar a
da soberania nacional. articulação do fluxo de dados e informações oportunas
14. (CESPE/ABIN Cargo 1: Of. Inteligência/2008) As unidades e de interesse da atividade de Inteligência de Estado,
da Federação podem compor o SBI, mediante ajustes com a finalidade de subsidiar o Presidente da República
específicos e convênios, ouvido o competente órgão de em seu processo decisório.
controle externo da atividade de inteligência. 24. (SIMULADO). Fica instituído, vinculado ao Gabinete de
15. (CESPE/ABIN Cargo 1: Of. Inteligência/2008) À ABIN Segurança Institucional da Presidência da República,
compete planejar e executar ações, inclusive sigilosas, o  Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de Inteli-
relativas à obtenção e análise de dados para a produção gência.
de conhecimentos destinados a assessorar o presidente 25. (SIMULADO). O Conselho é presidido pelo Ministro de
da República e, em face da natureza sigilosa das ações, Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da
a ABIN pode decretar a interceptação das comunicações Presidência da República, que indicará seu substituto
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

telefônicas de suspeitos. eventual.


16. (CESPE/ABIN Cargo 1: Of. Inteligência/2008) Conside-
ram‑se conhecimentos sensíveis, cujo planejamento Lei nº 11.776/2008 e o Decreto nº 6.408/2008
e execução compete à ABIN, aqueles relacionados a (Revogado pelo Dec. nº 8.905/2016).
dados ilícitos e sigilosos, para fins de assessoramento
ao presidente da República. Considerando os direitos, as  obrigações e as competên-
cias dos ocupantes de cargos e funções da ABIN, julgue
Decreto nº 4.376/2002 os itens que se seguem com base no disposto na Lei
nº 11.776/2008 e no Decreto nº 6.408/2008 (revogado pelo
De acordo com o que dispõe o Decreto nº  4.376/2002 Dec. nº 8.905/2016) .
sobre a organização e funcionamento do SISBIN, julgue os 26. (Cespe/ABIN/Of. Téc. Inteligência – Adm. Cargo 1 – 2010)
próximos itens. A cessão dos titulares de cargos integrantes do quadro de
17. (Cespe/ABIN/Of. Téc. Inteligência  – Adm. Cargo 1  – pessoal da ABIN só é permitida para os casos previstos
2010) Exige‑se, nas reuniões do conselho consultivo em legislação específica ou investidura em cargo de na-
do SISBIN presença de, no mínimo, dois terços de seus tureza especial ou do grupo de direção e assessoramento
membros. superiores (DAS), nos níveis 4, 5 e 6, ou equivalentes.
18. (Cespe/ABIN/Of. Téc. Inteligência  – Adm. Cargo 1  – 27. (Cespe/ABIN/Of. Téc. Inteligência  – Adm. Cargo 1  –
2010) As unidades da Federação podem compor o 2010) A propriedade intelectual criada por qualquer
SISBIN, mediante ajustes específicos e convênios e agente público em decorrência do exercício de suas
aprovação necessária do conselho consultivo instituído atribuições ou na condição de representante da ABIN
pelo referido decreto. pertence exclusivamente à União, determinação que

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não abrange a produção intelectual dos alunos de cur- 35. (SIMULADO). O  desenvolvimento do servidor nas
sos ministrados pelo órgão, nem patentes requeridas Carreiras e cargos que integram o Plano de Carreiras e
por ex‑servidor da ABIN depois de decorrido um ano Cargos da ABIN ocorrerá mediante progressão funcio-
após a extinção do seu vínculo empregatício. nal, promoção e merecimento.
36. (SIMULADO). Progressão é a passagem do servidor
Acerca dos direitos, obrigações e competências dos ocupan- para o padrão de vencimento imediatamente superior
tes de cargos e funções na ABIN, julgue os próximos itens, de dentro de uma mesma classe, e promoção, a passagem
acordo com o disposto na Lei nº 11.776/2008 e no Decreto do servidor do último padrão de uma classe para o
nº 6.408/2008 (revogado pelo Dec. nº 8.905/2016). primeiro padrão da classe imediatamente superior.
28. (CESPE/ABIN/Ag. Téc. Inteligência  – Adm. Cargo 37. (SIMULADO). O  desenvolvimento do servidor nas
18  – 2010) Os servidores da ABIN, no exercício de Carreiras e cargos que integram o Plano de Carreiras e
suas funções, estão sujeitos ao conjunto de deveres Cargos da ABIN obedecerá às seguintes regras: inters-
e responsabilidades previstos em código de ética do tício mínimo de doze meses entre cada progressão;
profissional de inteligência, editado pelo diretor‑geral habilitação em avaliação de desempenho individual
da ABIN. correspondente a, no mínimo, 70% (setenta por cento)
do limite máximo da pontuação das avaliações reali-
Simulado Lei nº 11.776/2008 zadas no interstício considerado para a progressão; e
competência e qualificação profissional.
Acerca da estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da 38. (SIMULADO). Para fins de promoção, cada evento de
ABIN, julgue os itens abaixo: capacitação deverá ser computado uma única vez.
29. (SIMULADO). Fica estruturado o Plano de Carreiras e
39. (SIMULADO). Os  titulares dos cargos integrantes das
Cargos da ABIN, composto pelas seguintes Carreiras e
Carreiras de Oficial de Inteligência, composta pelo cargo
cargos, de nível superior: Carreira de Oficial de Inteli-
de Oficial de Inteligência; e Carreira de Oficial Técnico
gência, composta pelo cargo de Oficial de Inteligência;
Carreira de Oficial Técnico de Inteligência, composta de Inteligência, composta pelo cargo de Oficial Técnico
pelo cargo de Oficial Técnico de Inteligência; e Carreira de Inteligência; e Carreira de Agente de Inteligência,
de Agente Técnico de Inteligência, composta pelo cargo composta pelo cargo de Agente de Inteligência; e Car-
de Agente Técnico de Inteligência. reira de Agente Técnico de Inteligência, composta pelo
30. (SIMULADO). As  Carreiras e os cargos do Plano de cargo de Agente Técnico de Inteligência, passam a ser
Carreiras e Cargos da ABIN destinam‑se ao exercício remunerados exclusivamente por subsídio, fixado em
das respectivas atribuições em idêntico níveis de com- parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratifica-
plexidade e responsabilidade, bem como ao exercício ção, adicional, abono, prêmio, verba de representação
de atividades de natureza técnica, administrativa e de ou outra espécie remuneratória.
gestão relativas à obtenção, análise e disseminação de 40. (SIMULADO). O subsídio dos integrantes das Carreiras
conhecimentos. das Carreiras de Oficial de Inteligência, composta pelo
31. (SIMULADO). Nos casos aos quais se aplique o regime cargo de Oficial de Inteligência; e Carreira de Oficial
de trabalho por plantões, escala ou regime de turnos al- Técnico de Inteligência, composta pelo cargo de Oficial
ternados por revezamento, é de no máximo 192 (cento Técnico de Inteligência; e Carreira de Agente de Inteli-
e noventa e duas) horas mensais a jornada de trabalho gência, composta pelo cargo de Agente de Inteligência;
dos titulares dos integrantes do Plano de Carreiras e e Carreira de Agente Técnico de Inteligência, composta
Cargos da ABIN. pelo cargo de Agente Técnico de Inteligência, não ex-
clui o direito à percepção, nos termos da legislação e
Com relação às atribuições dos cargos do Plano de Carreiras regulamentação específica, das seguintes espécies re-
da ABIN, julgue os itens seguintes: muneratórias: gratificação natalina; adicional de férias;
32. (SIMULADO). São atribuições do cargo de Oficial de abono de permanência; retribuição pelo exercício de
Inteligência, entre outras, planejar, executar, coordenar, função de direção, chefia e assessoramento; e parcelas
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

supervisionar e controlar a produção de conhecimentos indenizatórias previstas em lei.


de inteligência; as ações de salvaguarda de assuntos
sensíveis; as operações de inteligência; as atividades de
Simulado Dec. nº 8.905/2016
pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico
direcionadas à obtenção e à análise de dados e à segu-
Acerca da estrutura organizacional da ABIN, julgue os itens:
rança da informação; e o desenvolvimento de recursos
humanos para a atividade de inteligência. 41. (SIMULADO). São órgãos de assistência direta e imediata
33. (SIMULADO). São atribuições do cargo de Oficial Téc- ao Diretor‑Geral da Agência Brasileira de Inteligência:
nico de Inteligência, somente, desenvolver recursos o Gabinete, a  Assessoria de Relações Institucionais
humanos para a gestão técnico‑administrativa e apoio e Comunicação Social, a  Assessoria de Relações In-
logístico da atividade de inteligência; e desenvolver ternacionais, Assessoria Jurídica e Departamento de
e operar máquinas, veículos, aparelhos, dispositivos, Operações de Inteligência.
instrumentos, equipamentos e sistemas necessários às 42. (SIMULADO). São órgãos específicos singulares: o
atividades técnico‑administrativas e de apoio logístico Departamento de Inteligência Estratégica, o Departa-
da atividade de inteligência. mento de Contrainteligência, o Departamento de Con-
traterrorismo e Ilícitos Transnacionais; e Departamento
No que diz respeito às etapas do concurso público para ingres- de Operações de Inteligência.
so na classe inicial dos cargos do Plano de Carreiras e Cargos 43. (SIMULADO). São unidades estaduais: o Centro de
da ABIN, progressão e promoções, julgue os itens abaixo. Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das
34. (SIMULADO). A  investigação social e, se necessário, Comunicações, o  Departamento de Administração e
funcional poderá ocorrer durante todo o processo Logística, o Departamento de Gestão de Pessoal, e De-
seletivo, incluído o período do curso de formação. partamento de Planejamento e Gestão Estratégica.

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Com relação às competências das unidades, julgue os itens Brasil possa se antecipar às ameaças e aproveitar as
abaixo: oportunidades.
44. (SIMULADO). Ao  Gabinete compete, assistir o Dire- 4. (SIMULADO). A ENINT foi elaborada a partir de discus-
tor‑Geral da ABIN em sua representação institucional e sões oriundas de um grupo de trabalho composto por
ocupar‑se do preparo e do despacho de seu expediente. representantes de órgãos do Conselho Administrativo
45. (SIMULADO). À Assessoria de Relações Institucionais e do Sistema Brasileiro de Inteligência (Consisbin), com
Comunicação Social compete, supervisionar e acom- o apoio de estudiosos da atividade de Inteligência de
panhar o trabalho dos adidos civis de Inteligência e de vários segmentos (universidades, órgãos de governo
outros postos de servidores da ABIN no exterior. e instituições de referência), tendo sido apreciada ao
46. (SIMULADO). À Assessoria de Relações Internacionais final por todos os órgãos do SISBIN.
compete, planejar, coordenar e acompanhar, no Con- 5. (SIMULADO). A  ENINT por ter caráter público, traz a
gresso Nacional, os projetos de lei e as iniciativas de transparência necessária, mas não permite à sociedade
interesse da ABIN e assessorar o Diretor‑Geral da ABIN conhecer os elementos norteadores para o Sistema
e os seus dirigentes quanto a atividades e solicitações Brasileiro de Inteligência no horizonte temporal de 2017
do Poder Legislativo. a 2021, por serem de caráter sigilosos.
47. (SIMULADO). Ao Departamento de Inteligência Estra- 6. (SIMULADO). ENINT é um documento rígido, mas terá
tégica compete, planejar, coordenar, supervisionar e flexibilidade para considerar os ajustes que se fizerem
controlar a execução das atividades de Inteligência necessários em função da alteração de variáveis e de ce-
Estratégica do País. nários que possam impactar a atividade de Inteligência.
48. (SIMULADO). Ao Departamento de Contrainteligência
compete, prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a Com relação à atividade de Inteligência no Brasil, julgue
atuação deliberada de governos, grupos e pessoas os itens a seguir:
físicas ou jurídicas que possam influenciar o processo 7. (SIMULADO). Apenas os atos decisórios do Poder
decisório do País com o objetivo de favorecer interesses Executivo devem estar lastreados em subsídios opor-
estrangeiros em detrimento dos nacionais. tunos, amplos e seguros. Para tanto, faz‑se necessário
o conhecimento dos temas de interesse para a ação
Sobre as atribuições dos dirigentes, julgues os itens a seguir: governamental, notadamente aqueles que possam
49. (SIMULADO). Ao Diretor‑Geral da ABIN incumbe assistir representar ameaças ou oportunidades à consecução
o Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança dos objetivos nacionais.
Institucional da Presidência da República nos assuntos 8. (SIMULADO). O exercício permanente de ações espe-
de competência da ABIN. cializadas de Inteligência, com o objetivo de produzir
50. (SIMULADO). Ao Secretário de Planejamento e Gestão, e difundir conhecimentos para auxiliar as autoridades
aos Diretores, ao Chefe de Gabinete e aos demais diri- governamentais, são de suma importância.
gentes incumbe planejar, dirigir, coordenar, orientar e 9. (SIMULADO). Cabe à atividade de Inteligência acom-
avaliar a execução das atividades das unidades subor- panhar o ambiente interno e externo, buscando iden-
dinadas e exercer outras atribuições que lhes forem tificar oportunidades e possíveis ameaças e riscos aos
cometidas. interesses do Estado e à sociedade brasileira. As ações
destinadas à produção de conhecimentos devem
Estratégia Nacional de Inteligência – Decreto de permitir que o Estado, de forma antecipada, direcione
15 de Dezembro de 2017 os recursos necessários para prevenir e neutralizar
adversidades futuras e para identificar oportunidades
Em um ambiente interno e externo de profundas e para sua atuação.
constantes transformações, o conhecimento torna‑se fator 10. (SIMULADO). A atividade de Inteligência no Brasil vem
essencial para que o Brasil se posicione adequadamente ganhando relevância crescente e transparência, sobre-
nesse contexto desafiador, competitivo e de muitas ameaças. tudo com a aprovação da PNI e a edição da presente
Avaliações corretas, oportunas e aprofundadas conferem ENINT. Esses documentos são elos aglutinadores dos Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
ao País um diferencial competitivo, além de proporcionar órgãos que compõem o SISBIN e os direcionadores para
segurança e proteger os interesses nacionais. O espaço para a formulação das iniciativas estratégicas referentes à
erros é cada vez menor. Por isso, a atividade de Inteligência, atividade de Inteligência.
que objetiva a obtenção, a análise e a disseminação de co- 11. (SIMULADO). Considera‑se Inteligência: atividade que
nhecimentos sobre fatos e situações que possam impactar o objetiva produzir e difundir conhecimentos às autori-
processo decisório e a ação governamental, vem ganhando dades competentes, relativos a fatos e situações que
progressivamente importância estratégica. ocorram dentro e fora do território nacional, de imedia-
ta ou potencial influência sobre o processo decisório,
Acerca de Estratégia Nacional de Inteligência, julgue os a ação governamental e a salvaguarda da sociedade e
itens seguintes: do Estado.
1. (SIMULADO). De acordo com o texto acima, a formula- 12. (SIMULADO). Considera‑se Contrainteligência: atividade
ção de uma Estratégia Nacional de Inteligência (ENINT) que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a
se tornou imperiosa. Inteligência adversa e as ações que constituam ameaça
2. (SIMULADO). ENINT é um documento de orientação à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas
estratégica decorrente da Política Nacional de Inteli- e instalações de interesse da sociedade e do Estado.
gência (PNI), fixada por meio do Decreto nº 8.793, de
29 de junho de 2016, e  servirá de referência para a No que diz respeito ao Controle da atividade de Inteligência,
formulação do Plano Nacional de Inteligência. julgue os itens a seguir:
3. (SIMULADO). A ENINT consolida conceitos e identifica 13. (SIMULADO). Em função da natureza estratégica,
os principais desafios para a atividade de Inteligência, os conhecimentos fornecidos para o assessoramento
definindo eixos estruturantes e objetivos estratégicos, às decisões tomadas pelas autoridades governamentais
de forma a criar as melhores condições para que o prescindem da garantia de sigilo.

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14. (SIMULADO). O exercício permanente de ações espe- Com relação as ameaças, oportunidades, desafios, Eixos
cializadas com vistas à produção e à difusão de conhe- estruturantes e objetivos estratégicos, estabelecidos no
cimentos que assessorem o processo decisório impõe Decreto que aprova a Estratégia Nacional de Inteligência,
a necessidade de garantias jurídicas aptas a assegurar julgue os itens abaixo.
o seu adequado desempenho. 25. (SIMULADO). Consideram‑se principais ameaças
15. (SIMULADO). O que particulariza a estrutura normativa aquelas que apresentam potencial capacidade de pôr
da atividade de Inteligência é a previsão legal de exce- em perigo a integridade da sociedade e do Estado e a
ções aos paradigmas impostos a outras funções essen- segurança nacional.
ciais do Estado sem, todavia, distanciar‑se dos ideais 26. (SIMULADO). Consideram‑se principais oportunidades
democráticos que inspiram todo o serviço público. aquelas que apresentam potencial capacidade de po-
16. (SIMULADO). Para garantir que o sigilo não afete o Esta- sicionar o País num outro patamar de competitividade
do Democrático de Direito, as sociedades desenvolve- e auxiliam na promoção e na defesa dos interesses
ram mecanismos de controle com atores determinados. do Estado e da sociedade brasileira: inserção do país
17. (SIMULADO). Na maioria dos países do Ocidente, no cenário internacional, Cooperação internacional,
o controle está a cargo do Poder Executivo, por meio Desenvolvimento científico e tecnológico, Inteligência
de comissões específicas. Mas há diversas formas de cibernética, Consolidação de rede logística e de infra-
controle para a atividade de Inteligência. estrutura de interesse nacional.
18. (SIMULADO). O  controle realizado pelo órgão execu- 27. (SIMULADO). Tendo como base as orientações da PNI e
tivo, assegura os objetivos a serem alcançados, assim a análise do ambiente estratégico, no contexto interno
como as políticas a serem implementadas e os planos somente, surgem os desafios, que representam as
formulados respondam adequadamente às demandas questões de caráter estratégico e de grande relevância
da sociedade. para que a atividade de Inteligência atue com eficácia
19. (SIMULADO). O  controle executivo é responsável em prol da segurança e dos interesses do Estado e da
também por garantir que os gastos dos serviços de sociedade brasileira.
Inteligência sejam efetuados com racionalidade e ex- 28. (SIMULADO). São Eixos Estruturantes da ENINT: Atuação
clusivamente para ações legítimas, necessárias e úteis em rede, Tecnologia e capacitação, Projeção internacio-
para o Estado. nal e Segurança do Estado e da sociedade.
20. (SIMULADO). No caso brasileiro, esse tipo de controle 29. (SIMULADO). Com base nos desafios estratégicos
é exercido pela Câmara dos Deputados Federais e De- identificados e nos eixos de sustentação da ENINT, fo-
fesa Nacional do Conselho de Governo, responsável ram definidos 53 objetivos para o desempenho eficaz
pela supervisão da execução da PNI, e pelo Gabinete da atividade de Inteligência, considerado o horizonte
de Segurança Institucional, a quem cabe coordenar a temporal de dez anos.
atividade de Inteligência federal. 30. (SIMULADO). O Aperfeiçoamento do fluxo de produção
21. (SIMULADO). O  controle efetuado pelo titular do or- de conhecimentos sobre ameaças e oportunidades é
ganismo de Inteligência enfoca o comportamento dos uma das orientações que devem ser consideradas e
seus subordinados, a legitimidade e a adequação das adotadas, quando do desdobramento dos objetivos da
suas ações à legislação vigente. ENINT no Plano Nacional de Inteligência, para garantir a
atuação integrada e coordenada do SISBIN e a entrega
Acerca dos Princípios éticos da atividade de inteligência de resultados que impactem positivamente o Estado e
estabelecidos no Decreto que aprova a Estratégia Nacional a sociedade brasileira.
de Inteligência, julgue o item seguinte
22. (SIMULADO). São Princípios éticos que se aplicam à Política Nacional de Inteligência (Decreto
atividade de inteligência: Respeito, Imparcialidade, nº 8.793, de 29 de Junho de 2016)
Cooperação, Discrição, Senso crítico e Excelência.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Acerca da Política Nacional de Inteligência – PNI, julgue os


No que diz respeito ao ambiente estratégico estabelecido itens seguintes:
no Decreto que aprova a Estratégia Nacional de Inteligência, 1. (SIMULADO). A Política Nacional de Inteligência (PNI),
julgue os itens abaixo documento de mais alto nível de orientação da ativi-
23. (SIMULADO). Os países, em tempos de crise ou não, na dade de Inteligência no País, foi concebida em função
condução das questões internas, externas e na garan- dos valores e princípios fundamentais consagrados pela
tia de sua segurança e de seus interesses, necessitam Constituição Federal, das obrigações decorrentes dos
conhecer os possíveis cenários e as variáveis que os tratados, acordos e demais instrumentos internacionais
compõem, bem como suas implicações, desejadas ou de que o Brasil é parte, das condições de inserção in-
indesejadas. ternacional do País e de sua organização social, política
24. (SIMULADO). O cenário de evolução tecnológica implica e econômica.
também a crescente produção e armazenamento de 2. (SIMULADO). A Política Nacional de Inteligência é fixada
grandes volumes de dados nos meios digitais (analytics). pelo Presidente do Senado, após exame e sugestões do
A obtenção e a análise dessas quantidades massivas competente órgão de controle externo da atividade de
de dados ensejam oportunidades para a atividade de Inteligência, no âmbito do Congresso Nacional.
Inteligência, seja ela brasileira ou adversa. São os casos 3. (SIMULADO). A Política Nacional de Inteligência define
da utilização de aplicações para análise de vínculos, os parâmetros e limites de atuação da atividade de
entendimento de contextos, localização de pessoas e Inteligência e de seus executores e estabelece seus
de lugares e uso de inteligência artificial e de técnicas pressupostos, objetivos, instrumentos e diretrizes, no
analíticas para grandes conjuntos de dados (big data). âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

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4. (SIMULADO). Para efeito da implementação da PNI, mas de processamento, armazenamento e proteção de
a Atividade de Inteligência é o exercício permanente de dados sensíveis – a resguardar o patrimônio nacional de
ações especializadas, voltadas para a produção e difusão ataques cibernéticos e de outras ações adversas, cada
de conhecimentos, com vistas ao assessoramento das vez mais centradas na área econômico‑tecnológica.
autoridades governamentais nos respectivos níveis e 14. (SIMULADO). Os atuais cenários internacional e nacional
áreas de atribuição, para o planejamento, a execução, revelam peculiaridades que induzem a atividade de
o acompanhamento e a avaliação das políticas de Estado. Inteligência a redefinir suas prioridades, dentre as quais
adquirem preponderância aquelas relacionadas a ques-
Acerca dos Pressupostos da Atividade de Inteligência pre- tões econômico‑comerciais e científico‑tecnológicas.
vistos no Decreto nº 8.793, de 29 de junho de 2016, julgue Nesse contexto, assumem contornos igualmente preo-
os itens abaixo cupantes os aspectos relacionados com a espionagem,
5. (SIMULADO). A Inteligência desenvolve suas atividades propaganda adversa, desinformação, a sabotagem e a
em estrita obediência ao ordenamento jurídico brasi- cooptação.
leiro, pautando‑se pela fiel observância aos Princípios, 15. (SIMULADO). Ameaças à segurança da sociedade e do
Direitos e Garantias Fundamentais expressos na Consti- Estado demandam ações preventivas concertadas en-
tuição Federal e em Normas Internacionais, em prol do tre os organismos de Inteligência de diferentes países,
bem‑comum e na defesa dos interesses da sociedade e desses com suas estruturas internas.
e do Estado Democrático de Direito.
6. (SIMULADO). No que tange à atividade de estado, A conjuntura mundial tem alterado a percepção e a
à Inteligência compete contribuir com as autoridades conduta dos Estados nacionais, das organizações e dos indiví-
constituídas, fornecendo‑lhes informações oportunas, duos, realçando os chamados temas globais e transnacionais.
abrangentes e confiáveis, necessárias ao exercício do Alguns deles, já anteriormente citados, encerram desafios
processo decisório. e graves ameaças, a exemplo de: criminalidade organizada;
7. (SIMULADO). Quanto à atividade de assessoramento narcotráfico; terrorismo e seu financiamento; armas de des-
oportuno, à Inteligência é atividade exclusiva de Estado truição em massa; e atividades ilegais envolvendo comércio
e constitui instrumento de assessoramento de mais alto de bens de uso dual e de tecnologias sensíveis. Nenhum dos
nível de seus sucessivos governos, naquilo que diga problemas associados a esses temas globais pode ser evitado
respeito aos interesses da sociedade brasileira. ou enfrentado sem efetiva cooperação internacional.
8. (SIMULADO). A Inteligência é uma atividade especiali-
zada e tem o seu exercício alicerçado em um conjunto Com base no texto acima sobre os ambientes internacional
sólido de valores profissionais e em uma doutrina e nacional descrito no Decreto nº 8.793, de 29 de junho de
comum. 2016 julgue os itens seguintes
9. (SIMULADO). Na atividade de Inteligência, os valores 16. (SIMULADO). As relações internacionais não se resu-
éticos devem balizar tanto os limites de ação de seus mem ao exame de temas de convergência e a ações
profissionais quanto os de seus usuários. A adesão in-
cooperativas, e  as denominadas ameaças transna-
condicional a essa premissa é o que a sociedade espera
cionais não logram unir e congraçar os Estados em
de seus dirigentes e servidores.
torno de interesses e objetivos comuns. O ambiente
10. (SIMULADO). Com relação à Abrangência, a Inteligência
internacional caracteriza‑se, ao contrário, pela contínua
é uma atividade perene e sua existência confunde‑se
competição entre Estados. Cada um busca melhorar seu
com a do Estado ao qual serve. A  necessidade de
respectivo posicionamento estratégico.
assessorar o processo decisório e de salvaguardar os
ativos estratégicos da Nação é ditada pelo Estado, em 17. (SIMULADO). O Brasil assume decrescente relevância
situações de paz, de conflito ou de guerra. no cenário internacional.
11. (SIMULADO). Em termos de caráter permanente, é im- 18. (SIMULADO). No campo político‑militar, o Brasil con-
portante que as capacidades individuais e coletivas, tribui para a estabilidade regional, a  construção de
disponíveis nas universidades, centros de pesquisa e consensos e a conciliação de interesses, por meio de
iniciativas de integração sulamericana. Concorre para o
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
demais instituições e organizações públicas ou priva-
das, colaborem com a Inteligência, potencializando sua êxito das operações de manutenção da paz da Organi-
atuação e contribuindo com a sociedade e o Estado na zação das Nações Unidas (ONU) e dispõe‑se a assumir
persecução de seus objetivos. novas responsabilidades no âmbito dessa organização.

Com relação às determinações sobre o Estado, a Sociedade Para efeito da presente Política, consideram‑se instru-
e a Inteligência, estabelecidas no Decreto nº 8.793, de 29 mentos da Inteligência os atos normativos, instituições,
de junho de 2016, julgue os itens abaixo métodos, processos, ações e recursos necessários à imple-
12. (SIMULADO). No mundo contemporâneo, a gestão dos mentação dos seus objetivos. De acordo com acima julgue
negócios de Estado ocorre no curso de uma crescente o item abaixo
evolução tecnológica, social e gerencial. Em igual me- 19. (SIMULADO). São instrumentos essenciais da Inteli-
dida, as opiniões, interesses e demandas da sociedade gência nacional, entre outros, o  Plano Nacional de
evoluem com celeridade. Nessas condições, amplia‑se Inteligência; Doutrina Nacional de Inteligência; e SISBIN
o papel da Inteligência no assessoramento ao processo e órgãos de Inteligência que o integram.
decisório nacional e, simultaneamente, impõe‑se aos
profissionais dessa atividade o desafio de reavaliar, de Sobre as principais ameaças destacadas na Política Nacio-
forma ininterrupta, sua contribuição àquele processo nal de Inteligência, objetivos da inteligência nacional e as
no contexto da denominada “era da informação”. diretrizes, julgue os itens abaixo
13. (SIMULADO). O  desenvolvimento das tecnologias da 20. (SIMULADO). Para efeito da presente Política, consi-
informação e das comunicações impõe a atualização deram‑se principais ameaças aquelas que apresentam
permanente de meios e métodos, obrigando os órgãos potencial capacidade de pôr em perigo a integridade
de Inteligência – no que se refere à segurança dos siste- apenas da segurança nacional do Brasil.

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21. (SIMULADO). Espionagem é a ação que visa à obtenção 30. (SIMULADO). A Ampliação da confiabilidade do Sistema
de conhecimentos ou dados sensíveis para beneficiar Brasileiro de Inteligência são ações de obtenção de da-
Estados, grupos de países, organizações, facções, gru- dos sigilosos, visando a contribuir para a neutralização
pos de interesse, empresas ou indivíduos. de ameaças à sociedade e ao Estado brasileiros, exigem
22. (SIMULADO). Sabotagem é a ação deliberada, com equipes operacionais altamente capacitadas.
efeitos físicos, materiais ou psicológicos, que visa a
destruir, danificar, comprometer ou inutilizar, total ou GABARITO
parcialmente, definitiva ou temporariamente, dados ou
conhecimentos; ferramentas; materiais; matérias‑pri- 1. E 18. E 35. E
mas; equipamentos; cadeias produtivas; instalações ou 2. E 19. C 36. C
sistemas logísticos, sobretudo aqueles necessários ao 3. E 20. C 37. C
funcionamento da infraestrutura crítica do País, com 4. E 21. C 38. C
o objetivo de suspender ou paralisar o trabalho ou 5. C 22. C 39. C
a capacidade de satisfação das necessidades gerais, 6. E 23. C 40. C
essenciais e impreteríveis do Estado ou da população. 7. C 24. C 41. E
23. (SIMULADO). Interferência Externa, é a ação que atenta 8. E 25. C 42. C
contra a autodeterminação, a não‑ingerência nos assun- 9. E 26. C 43. E
tos internos e o respeito incondicional à Constituição e 10. C 27. E 44. C
às leis. 11. E 28. C 45. E
24. (SIMULADO). Ações contrárias à Soberania Nacional são 12. E 29. E 46. E
atuações deliberadas de governos, grupos de interesse, 13. E 30. E 47. C
pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os 14. C 31. C 48. C
rumos políticos do País com o objetivo de favorecer 15. E 32. C 49. C
interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais. 16. E 33. E 50. C
25. (SIMULADO). Terrorismo é uma ameaça à paz e à segu- 17. E 34. C
rança dos Estados. O Brasil solidariza‑se com os países
diretamente afetados por este fenômeno, condena
enfaticamente as ações terroristas e é signatário de
Estratégia Nacional de Inteligência (Decreto de
todos os instrumentos internacionais sobre a matéria. 15 de Dezembro de 2017)
Implementa as resoluções pertinentes do Conselho de
Segurança da Organização das Nações Unidas. A temá- 1. C 16. E
tica é área de especial interesse e de acompanhamento 2. C 17. E
sistemático por parte da Inteligência em âmbito mun- 3. C 18. C
dial. 4. E 19. C
26. (SIMULADO). Os objetivos da inteligência nacional Con- 5. E 20. E
tribuem para a promoção da segurança e dos interesses 6. E 21. C
do Estado e da sociedade brasileira, por meio de ativi- 7. E 22. C
dades e da produção de conhecimentos de Inteligência 8. C 23. C
que possibilitem, entre outros, proteger áreas e instala- 9. C 24. E
ções, sistemas, tecnologias e conhecimentos sensíveis, 10. C 25. C
bem como os detentores desses conhecimentos. 11. C 26. C
27. (SIMULADO). São diretrizes: Prevenir ações de es- 12. C 27. E
pionagem no País, Ampliar a capacidade de detectar, 13. E 28. C
acompanhar e informar sobre ações adversas aos 14. C 29. E
15. C 30. C
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

interesses do Estado no exterior, Prevenir ações de


sabotagem, Expandir a capacidade operacional da In-
teligência no espaço cibernético, Compartilhar dados Política Nacional de Inteligência (Decreto
e conhecimentos, Ampliar a confiabilidade do Sistema nº 8.793, de 29 de Junho de 2016)
Brasileiro de Inteligência, Expandir a capacidade opera-
cional da Inteligência, Fortalecer a cultura de proteção 1. C 16. C
de conhecimentos, Cooperar na proteção das infraes- 2. E 17. E
truturas críticas nacionais, Cooperar na identificação 3. C 18. C
de oportunidades ou áreas de interesse para o Estado 4. C 19. C
brasileiro. 5. E 20. E
28. (SIMULADO). A  prevenção de ações de espionagem 6. E 21. C
no País torna‑se imprescindível para a Inteligência 7. E 22. C
conhecer as principais ameaças e vulnerabilidades a 8. C 23. E
que estão sujeitas as posições e os interesses nacionais 9. C 24. E
no exterior, como forma de bem assessorar o chefe de 10. E 25. C
Estado e os órgãos responsáveis pela consecução dos 11. E 26. C
objetivos no exterior.
12. C 27. C
29. (SIMULADO). A prevenção de ações de sabotagem con-
13. C 28. E
siste no funcionamento de um aparato estatal não pode
14. C 29. E
prescindir da utilização de tecnologias da informação e
15. C 30. E
das comunicações.

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Welma Maia • criação de serviço de informações ao cidadão, nos
órgãos e entidades do poder público, em local com
LEI DO ACESSO À INFORMAÇÃO (LEI condições apropriadas para atender e orientar o público
quanto ao acesso a informações; informar sobre a tra-
Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011) mitação de documentos nas suas respectivas unidades;
protocolizar documentos e requerimentos de acesso a
O Direito de Acesso à Informação é garantido na Consti- informações; e
tuição Federal. Vejamos: • realização de audiências ou consultas públicas, in-
centivo à participação popular ou a outras formas de
Art. 5º [...] divulgação.
XXXIII – da Constituição Federal: todos têm direito
a receber dos órgãos públicos informações de seu Finalidade da Lei
interesse particular, ou de interesse coletivo ou
geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena Essa lei Tem por finalidade dispor sobre os procedimentos
de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo a serem observados pelos Órgãos e entidades acima elenca-
seja imprescindível à segurança da sociedade e do dos, com o fim de assegurar o direito fundamental de acesso
Estado. à informação. Para tanto, os Órgãos e entidades, observadas
as normas e procedimentos específicos, devem assegurar:
Art. 37 [...] • a gestão transparente da informação, propiciando
amplo acesso a ela e sua divulgação;
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do
• a proteção da informação, garantindo‑se sua disponi-
usuário na administração pública direta e indireta,
bilidade, autenticidade e integridade; e
regulando especialmente:
• a proteção da informação sigilosa e da informação pes-
[...]
soal, observada a sua disponibilidade, autenticidade,
II – o acesso dos usuários a registros administrativos
integridade e eventual restrição de acesso.
e a informações sobre atos de governo, observado
o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
Atenção!
Art. 216. [...] O acesso à informação de que trata esta Lei compreende,
§  2º Cabem à administração pública, na forma da entre outros, os direitos de obter:
lei, a gestão da documentação governamental e as → orientação sobre os procedimentos para a consecução
providências para franquear sua consulta a quantos de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser
dela necessitem. encontrada ou obtida a informação almejada;
→ informação contida em registros ou documentos, pro-
Visando estabelecer normas gerais a serem utilizados duzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades,
pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para recolhidos ou não a arquivos públicos;
garantir o direito constitucional de acesso às informações → informação produzida ou custodiada por pessoa física ou
públicas foi publicada em 18 de novembro de 2011, a Lei entidade privada decorrente de qualquer vínculo com
nº 12.527. seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já
Vale destacar que a Lei em comento, somente entrou em tenha cessado;
→ informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
vigor 180 dias após a sua publicação, ou seja, em 16 de maio
→ informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e
de 2012, data em que também foi publicado o seu decreto
entidades, inclusive as relativas à sua política, organi-
regulamentador (Decreto nº 7.724).
zação e serviços;
→ informação pertinente à administração do patrimônio
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
Âmbito de Aplicação da Lei
público, utilização de recursos públicos, licitação, con-
Subordinam‑se ao disposto nesta Lei:
tratos administrativos; e
• os órgãos públicos integrantes da administração direta → informação relativa à:
dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes a) implementação, acompanhamento e resultados dos
de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; programas, projetos e ações dos órgãos e entidades
• as autarquias, as  fundações públicas, as  empresas públicas, bem como metas e indicadores propostos; e
públicas, as sociedades de economia mista e demais b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e
entidades controladas direta ou indiretamente pela tomadas de contas realizadas pelos órgãos de contro-
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. le interno e externo, incluindo prestações de contas
relativas a exercícios anteriores.
As disposições desta Lei se aplica ainda, no que couber, O direito de acesso à informação aqui previsto não
às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para compreende as informações referentes a projetos de
realização de ações de interesse público, recursos públicos pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnoló-
diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, gicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, sociedade e do Estado.
ajustes ou outros instrumentos congêneres. Por outro lado, quando não for autorizado acesso
integral à informação por ser ela parcialmente sigi-
Fique de olho! losa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por
De acordo com a Lei, o acesso às informações públicas será meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da
assegurado mediante: parte sob sigilo.

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O direito de acesso aos documentos ou às informações em prazo não superior a 20 (vinte) dias (podendo, entretanto,
neles contidas utilizados como fundamento da tomada ser prorrogado por mais 10, mediante justificativa expressa):
de decisão e do ato administrativo será assegurado com a • comunicar a data, local e modo para se realizar a con-
edição do ato decisório respectivo. sulta, efetuar a reprodução ou obter a certidão;
• indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total
ou parcial, do acesso pretendido; ou
Princípios a Serem Observados na Aplicação • comunicar que não possui a informação, indicar, se
da Lei for do seu conhecimento, o órgão ou a entidade que a
detém, ou, ainda, remeter o requerimento a esse órgão
O direito de acesso à informação deve obedecer aos prin- ou entidade, cientificando o interessado da remessa
cípios básicos da Administração Pública que estão insertos de seu pedido de informação.
no caput, do Art. 37 da Constituição Federal, quais sejam:
• a legalidade; Sem prejuízo da segurança e da proteção das informações
• a impessoalidade; e do cumprimento da legislação aplicável, o órgão ou enti-
• a moralidade; dade poderá oferecer meios para que o próprio requerente
• a publicidade; e possa pesquisar a informação de que necessitar. De outro
• a eficiência. modo, quando a informação estiver armazenada em formato
digital será fornecida nesse formato, caso haja anuência do
Diretrizes requerente.
Quando não for autorizado o acesso por se tratar de
O direito de acesso à informação deve observar as se- informação total ou parcialmente sigilosa, o requerente de-
guintes diretrizes: verá ser informado sobre a possibilidade de recurso, prazos
• observância da publicidade como preceito geral e do e condições para sua interposição, devendo, ainda, ser‑lhe
sigilo como exceção; indicada a autoridade competente para sua apreciação.
• divulgação de informações de interesse público, inde- Caso a informação solicitada esteja disponível ao público
pendentemente de solicitações; em formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro meio
de acesso universal, serão informados ao requerente, por
• utilização de meios de comunicação viabilizados pela
escrito, o lugar e a forma pela qual se poderá consultar, obter
tecnologia da informação; ou reproduzir a referida informação, procedimento esse que
• fomento ao desenvolvimento da cultura de transpa- desonerará o órgão ou entidade pública da obrigação de seu
rência na administração pública; fornecimento direto, salvo se o requerente declarar não dis-
• desenvolvimento do controle social da administração por de meios para realizar por si mesmo tais procedimentos.
pública. O serviço de busca e fornecimento da informação é
gratuito, salvo nas hipóteses de reprodução de documentos
É dever do Estado garantir o direito de acesso à informa- pelo órgão ou entidade pública consultada, situação em
ção, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos que poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário
e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil ao ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais uti-
compreensão. lizados, excetuando‑se nesses casos, aquele cuja situação
É dever dos órgãos e entidades públicas promover, econômica não lhe permita fazê‑lo sem prejuízo do sustento
independentemente de requerimentos, a  divulgação em próprio ou da família.
local de fácil acesso (inclusive em sites oficias), no âmbito de Quando se tratar de acesso à informação contida em do-
suas competências, de informações de interesse coletivo ou cumento cuja manipulação possa prejudicar sua integridade,
geral por eles produzidas ou custodiadas e deverão constar, deverá ser oferecida a consulta de cópia, com certificação
no mínimo: de que esta confere com o original. Na impossibilidade de
• registro das competências e estrutura organizacional, obtenção de cópias, o interessado poderá solicitar que, a suas
endereços e telefones das respectivas unidades e expensas e sob supervisão de servidor público, a reprodução
horários de atendimento ao público; seja feita por outro meio que não ponha em risco a conser-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

• registros de quaisquer repasses ou transferências de vação do documento original.


recursos financeiros; É direito do requerente obter o inteiro teor de decisão
• registros das despesas; de negativa de acesso, por certidão ou cópia.
• informações concernentes a procedimentos licitató-
b) Dos Recursos
rios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem
No caso de indeferimento de acesso a informações ou às
como a todos os contratos celebrados; razões da negativa do acesso, poderá o interessado interpor
• dados gerais para o acompanhamento de programas, recurso contra a decisão no prazo de 10 (dez) dias a contar
ações, projetos e obras de órgãos e entidades; e da sua ciência. O recurso será dirigido à autoridade hierar-
• respostas a perguntas mais frequentes da sociedade. quicamente superior à que exarou a decisão impugnada, que
deverá se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias.
Procedimento para Acesso à Informação Negado o acesso a informação pelos órgãos ou entidades
do Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer
a) Do Pedido de Acesso à Controladoria‑Geral da União, que deliberará no prazo de
De acordo com a Lei, qualquer interessado poderá 5 (cinco) dias se:
apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e • o acesso à informação não classificada como sigilosa
entidades outrora elencados, por qualquer meio legítimo, for negado;
devendo o pedido conter a identificação do requerente e a • a decisão de negativa de acesso à informação total ou
especificação da informação requerida. O órgão ou entidade parcialmente classificada como sigilosa não indicar
pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à a autoridade classificadora ou a hierarquicamente
informação disponível. Não sendo possível conceder o acesso superior a quem possa ser dirigido pedido de acesso
imediato, o órgão ou entidade que receber o pedido deverá ou desclassificação;

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A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
• os procedimentos de classificação de informação • oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econô-
sigilosa estabelecidos nesta Lei não tiverem sido ob- mica ou monetária do País;
servados; e • prejudicar ou causar risco a planos ou operações estra-
• estiverem sendo descumpridos prazos ou outros pro- tégicos das Forças Armadas;
cedimentos previstos nesta Lei. • prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e de-
senvolvimento científico ou tecnológico, assim como a
O recurso somente poderá ser dirigido à Controlado- sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estra-
ria‑Geral da União depois de submetido à apreciação de tégico nacional;
pelo menos uma autoridade hierarquicamente superior • pôr em risco a segurança de instituições ou de altas auto-
àquela que exarou a decisão impugnada, que deliberará no ridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
prazo de 5 (cinco) dias. Verificada a procedência das razões • comprometer atividades de inteligência, bem como
do recurso, a Controladoria‑Geral da União determinará ao de investigação ou fiscalização em andamento, rela-
órgão ou entidade que adote as providências necessárias cionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
para dar cumprimento ao disposto nesta Lei. As informações que puderem colocar em risco a se-
Negado o acesso à informação pela Controladoria‑Geral gurança do Presidente e Vice‑Presidente da República
da União, poderá ser interposto recurso à Comissão Mista e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas
de Reavaliação de Informações, a que se refere o art. 35. como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do
No caso de indeferimento de pedido de desclassificação mandato em exercício ou do último mandato, em caso
de informação protocolado em órgão da administração de reeleição.
pública federal, poderá o requerente recorrer ao Ministro
de Estado da área, sem prejuízo das competências da Co- Classificação das Informações Sigilosas
missão Mista de Reavaliação de Informações. Importante
destacar que esse recurso somente poderá ser dirigido às A informação dos órgãos e entidades públicas, observado
autoridades mencionadas depois de submetido à apreciação o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança
de pelo menos uma autoridade hierarquicamente superior à da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como:
• Ultrassecreta
autoridade que exarou a decisão impugnada e, no caso das
• Secreta; e
Forças Armadas, ao respectivo Comando.
• Reservada
Os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público
informarão ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho
Competência para a classificação das informações
Nacional do Ministério Público, respectivamente, as decisões
que, em grau de recurso, negarem acesso a informações de
interesse público. Grau Autoridade
Ultrassecreto Presidente da República;
Informações que não podem ser restringidas: Vice‑Presidente da República;
• informações necessária à tutela judicial ou administra- Ministros de Estado e autoridades com as
tiva de direitos fundamentais; mesmas prerrogativas;
• informações ou documentos que versem sobre con- Comandantes da Marinha, do Exército e da
dutas que impliquem violação dos direitos humanos Aeronáutica; e
praticada por agentes públicos ou a mando de autori- Chefes de Missões Diplomáticas e Consu-
dades públicas. lares permanentes no exterior;
Secreto Presidente da República;
O direito fundamental de acesso à informação não exclui Vice‑Presidente da República;
as hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as Ministros de Estado e autoridades com as
hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração mesmas prerrogativas;
direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa Comandantes da Marinha, do Exército e
física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com da Aeronáutica;
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
o poder público. Chefes de Missões Diplomáticas e Consu-
Para a classificação da informação em determinado lares permanentes no exterior;
grau de sigilo, deverá ser observado o interesse público da Titulares de autarquias, fundações ou
informação e utilizado o critério menos restritivo possível, empresas públicas e sociedades de eco-
considerados: nomia mista.
• a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade
e do Estado; e Reservado Presidente da República;
• o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento Vice‑Presidente da República;
que defina seu termo final. Ministros de Estado e autoridades com as
mesmas prerrogativas;
Comandantes da Marinha, do Exército e
Importante! da Aeronáutica;
A Lei considerou como imprescindível à segurança da socie- Chefes de Missões Diplomáticas e Consu-
dade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as lares permanentes no exterior;
informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: Titulares de autarquias, fundações ou
• pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a inte-
empresas públicas e sociedades de eco-
gridade do território nacional;
• prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações nomia mista;
ou as relações internacionais do País, ou as que tenham Autoridades que exerçam funções de dire-
sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e ção, comando ou chefia, nível DAS 101.5,
organismos internacionais; ou superior, do Grupo‑Direção e Asses-
• pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da popu- soramento Superiores, ou de hierarquia
lação; equivalente.

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A competência, no que se refere à classificação ultras- • divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir
secreta e secreta, poderá ser delegada pela autoridade res- acesso indevido à informação sigilosa ou informação
ponsável a agente público, inclusive em missão no exterior, pessoal;
vedada a subdelegação. • impor sigilo à informação para obter proveito pessoal
A classificação de informação no grau de sigilo ultras- ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal
secreto pelas Comandantes das Forças Armadas deverá ser
cometido por si ou por outrem;
ratificada pelos respectivos Ministros de Estado, no prazo
• ocultar da revisão de autoridade superior competente
previsto em regulamento.
A classificação de informação em qualquer grau de sigilo informação sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, ou
deverá ser formalizada em decisão que conterá, no mínimo, em prejuízo de terceiros; e
os seguintes elementos: • destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos
• assunto sobre o qual versa a informação; concernentes a possíveis violações de direitos humanos
• fundamento da classificação; por parte de agentes do Estado.
• indicação do prazo de sigilo, contado em anos, meses
ou dias, ou do evento que defina o seu termo final; e Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e
• identificação da autoridade que a classificou. do devido processo legal, as condutas acima descritas serão
consideradas para fins dos regulamentos disciplinares das
A decisão será mantida no mesmo grau de sigilo da Forças Armadas, transgressões militares médias ou graves,
informação classificada. segundo os critérios neles estabelecidos, desde que não
tipificadas em lei como crime ou contravenção penal; ou
Reclassificação das Informações Sigilosas para fins do disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro
de 1990, e suas alterações, infrações administrativas, que
A classificação das informações será reavaliada pela au- deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo
toridade classificadora ou por autoridade hierarquicamente os critérios nela estabelecidos. Além das sanções revistas
superior, mediante provocação ou de ofício, nos termos e acima, o militar e o agente público também poderão vir a
prazos previstos em regulamento, com vistas à sua desclas- responder por improbidade administrativa.
sificação ou à redução do prazo de sigilo. Nessa reavaliação Por fim, há que se destacar que os órgãos e entidades
deverão ser examinadas a permanência dos motivos do sigilo públicas respondem diretamente pelos danos causados
e a possibilidade de danos decorrentes do acesso ou da di- em decorrência da divulgação não autorizada ou utilização
vulgação da informação. Na hipótese de redução do prazo indevida de informações sigilosas ou informações pessoais,
de sigilo da informação, o novo prazo de restrição manterá cabendo a apuração de responsabilidade funcional nos casos
como termo inicial a data da sua produção.
de dolo ou culpa, assegurado o respectivo direito de regresso.
O tratamento das informações pessoais, deve ser feito
A responsabilidade aqui prevista aplica‑se à pessoa física ou
de forma transparente e com respeito à intimidade, vida pri-
vada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades entidade privada que, em virtude de vínculo de qualquer
e garantias individuais. natureza com órgãos ou entidades, tenha acesso à informa-
ção sigilosa ou pessoal e a submeta a tratamento indevido.
Responsabilidades pela Negativa de Acesso à
Informação Lei nº 12.527, de 18 de Novembro de 2011

A negativa de acesso às informações objeto de pedido Regula o acesso a informações


formulado aos órgãos e entidades acima elencadas, quando previsto no inciso XXXIII do art. 5º,
não fundamentada, sujeitará o responsável às seguintes no inciso II do § 3º do art. 37 e no
medidas disciplinares: §  2º  do art.  216 da Constituição
• advertência; Federal; altera a Lei nº 8.112, de
• multa; 11 de dezembro de 1990; revoga
• rescisão do vínculo com o poder público; a Lei nº 11.111, de 5 de maio
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

• suspensão temporária de participar em licitação e im- de 2005, e dispositivos da Lei


pedimento de contratar com a administração pública nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991;
por prazo não superior a 2 (dois) anos; e e dá outras providências.
• declaração de inidoneidade para licitar ou contratar
com a administração pública, até que seja promovida A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congres-
a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou so Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
a penalidade.
CAPÍTULO I
Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilida- Disposições Gerais
de do agente público ou militar:
• recusar‑se a fornecer informação requerida nos termos Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem
desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimen- observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municí-
to ou fornecê‑la intencionalmente de forma incorreta, pios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto
incompleta ou imprecisa; no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e
• utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inuti- no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.
lizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, Parágrafo único. Subordinam‑se ao regime desta Lei:
informação que se encontre sob sua guarda ou a que I – os órgãos públicos integrantes da administração direta
tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de
das atribuições de cargo, emprego ou função pública; Contas, e Judiciário e do Ministério Público;
• agir com dolo ou má‑fé na análise das solicitações de II – as autarquias, as fundações públicas, as empresas
acesso à informação; públicas, as sociedades de economia mista e demais entida-

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des controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, II – proteção da informação, garantindo‑se sua disponi-
Distrito Federal e Municípios. bilidade, autenticidade e integridade; e
Art. 2º Aplicam‑se as disposições desta Lei, no que cou- III  – proteção da informação sigilosa e da informação
ber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade,
para realização de ações de interesse público, recursos pú- integridade e eventual restrição de acesso.
blicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei com-
sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, preende, entre outros, os direitos de obter:
acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. I – orientação sobre os procedimentos para a consecução
Parágrafo único. A publicidade a que estão submetidas de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encon-
as entidades citadas no caput refere‑se à parcela dos recur- trada ou obtida a informação almejada;
sos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das II  – informação contida em registros ou documentos,
prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas. produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades,
Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam‑se recolhidos ou não a arquivos públicos;
a assegurar o direito fundamental de acesso à informação III  – informação produzida ou custodiada por pessoa
e devem ser executados em conformidade com os princí- física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo
pios básicos da administração pública e com as seguintes com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já
diretrizes: tenha cessado;
I – observância da publicidade como preceito geral e do IV – informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
sigilo como exceção; V – informação sobre atividades exercidas pelos órgãos
II  – divulgação de informações de interesse público, e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização
independentemente de solicitações; e serviços;
III – utilização de meios de comunicação viabilizados pela VI  – informação pertinente à administração do patri-
tecnologia da informação; mônio público, utilização de recursos públicos, licitação,
IV – fomento ao desenvolvimento da cultura de transpa- contratos administrativos; e
rência na administração pública; VII – informação relativa:
V – desenvolvimento do controle social da administração a) à implementação, acompanhamento e resultados dos
pública. programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas,
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, considera‑se: bem como metas e indicadores propostos;
I – informação: dados, processados ou não, que podem b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações
ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle
contidos em qualquer meio, suporte ou formato; interno e externo, incluindo prestações de contas relativas
II  – documento: unidade de registro de informações, a exercícios anteriores.
qualquer que seja o suporte ou formato; § 1º O acesso à informação previsto no caput não com-
preende as informações referentes a projetos de pesquisa
III – informação sigilosa: aquela submetida temporaria-
e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo
mente à restrição de acesso público em razão de sua impres-
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
cindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado;
§ 2º Quando não for autorizado acesso integral à informa-
IV  – informação pessoal: aquela relacionada à pessoa
ção por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso
natural identificada ou identificável;
à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia
V – tratamento da informação: conjunto de ações refe-
com ocultação da parte sob sigilo.
rentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso, § 3º O direito de acesso aos documentos ou às informa-
reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquiva- ções neles contidas utilizados como fundamento da tomada
mento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação de decisão e do ato administrativo será assegurado com a
ou controle da informação; edição do ato decisório respectivo.
VI – disponibilidade: qualidade da informação que pode § 4º A negativa de acesso às informações objeto de pe-
ser conhecida e utilizada por indivíduos, equipamentos ou dido formulado aos órgãos e entidades referidas no art. 1º,
sistemas autorizados;
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
quando não fundamentada, sujeitará o responsável a medi-
VII – autenticidade: qualidade da informação que tenha das disciplinares, nos termos do art. 32 desta Lei.
sido produzida, expedida, recebida ou modificada por deter- §  5º Informado do extravio da informação solicitada,
minado indivíduo, equipamento ou sistema; poderá o interessado requerer à autoridade competente a
VIII – integridade: qualidade da informação não modifi- imediata abertura de sindicância para apurar o desapareci-
cada, inclusive quanto à origem, trânsito e destino; mento da respectiva documentação.
IX  – primariedade: qualidade da informação coletada § 6º Verificada a hipótese prevista no § 5º deste artigo,
na fonte, com o máximo de detalhamento possível, sem o responsável pela guarda da informação extraviada deverá,
modificações. no prazo de 10 (dez) dias, justificar o fato e indicar testemu-
Art. 5º É dever do Estado garantir o direito de acesso à nhas que comprovem sua alegação.
informação, que será franqueada, mediante procedimentos Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover,
objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em lingua- independentemente de requerimentos, a  divulgação em
gem de fácil compreensão. local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de
informações de interesse coletivo ou geral por eles produ-
CAPÍTULO II zidas ou custodiadas.
Do Acesso a Informações e da sua Divulgação §  1º Na divulgação das informações a que se refere
o caput, deverão constar, no mínimo:
Art. 6º Cabe aos órgãos e entidades do poder público, I – registro das competências e estrutura organizacional,
observadas as normas e procedimentos específicos aplicá- endereços e telefones das respectivas unidades e horários
veis, assegurar a: de atendimento ao público;
I – gestão transparente da informação, propiciando am- II – registros de quaisquer repasses ou transferências de
plo acesso a ela e sua divulgação; recursos financeiros;

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III – registros das despesas; no art. 1º desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o
IV – informações concernentes a procedimentos licitató- pedido conter a identificação do requerente e a especificação
rios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como da informação requerida.
a todos os contratos celebrados; § 1º Para o acesso a informações de interesse público,
V – dados gerais para o acompanhamento de programas, a identificação do requerente não pode conter exigências
ações, projetos e obras de órgãos e entidades; e que inviabilizem a solicitação.
VI – respostas a perguntas mais frequentes da sociedade. § 2º Os órgãos e entidades do poder público devem via-
§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos bilizar alternativa de encaminhamento de pedidos de acesso
e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e ins- por meio de seus sítios oficiais na internet.
trumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória §  3º São vedadas quaisquer exigências relativas aos
a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de compu- motivos determinantes da solicitação de informações de
tadores (internet). interesse público.
§ 3º Os sítios de que trata o § 2º deverão, na forma de Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou
regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos: conceder o acesso imediato à informação disponível.
I – conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que per- § 1º Não sendo possível conceder o acesso imediato, na
mita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, forma disposta no caput, o órgão ou entidade que receber
clara e em linguagem de fácil compreensão; o pedido deverá, em prazo não superior a 20 (vinte) dias:
II  – possibilitar a gravação de relatórios em diversos I  – comunicar a data, local e modo para se realizar a
formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, consulta, efetuar a reprodução ou obter a certidão;
tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das II – indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total
informações; ou parcial, do acesso pretendido; ou
III  – possibilitar o acesso automatizado por sistemas III  – comunicar que não possui a informação, indicar,
externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por se for do seu conhecimento, o órgão ou a entidade que a
máquina; detém, ou, ainda, remeter o requerimento a esse órgão ou
IV  – divulgar em detalhes os formatos utilizados para entidade, cientificando o interessado da remessa de seu
estruturação da informação; pedido de informação.
V – garantir a autenticidade e a integridade das informa- § 2º O prazo referido no § 1º poderá ser prorrogado por
ções disponíveis para acesso; mais 10 (dez) dias, mediante justificativa expressa, da qual
VI – manter atualizadas as informações disponíveis para será cientificado o requerente.
acesso; § 3º Sem prejuízo da segurança e da proteção das infor-
VII – indicar local e instruções que permitam ao interes- mações e do cumprimento da legislação aplicável, o órgão
sado comunicar‑se, por via eletrônica ou telefônica, com o ou entidade poderá oferecer meios para que o próprio
órgão ou entidade detentora do sítio; e requerente possa pesquisar a informação de que necessitar.
VIII  – adotar as medidas necessárias para garantir a § 4º Quando não for autorizado o acesso por se tratar
acessibilidade de conteúdo para pessoas com deficiência, de informação total ou parcialmente sigilosa, o requerente
nos termos do art. 17 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro deverá ser informado sobre a possibilidade de recurso, prazos
de 2000, e do art. 9º da Convenção sobre os Direitos das e condições para sua interposição, devendo, ainda, ser‑lhe
Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo indicada a autoridade competente para sua apreciação.
no 186, de 9 de julho de 2008. § 5º A informação armazenada em formato digital será
§ 4º Os Municípios com população de até 10.000 (dez fornecida nesse formato, caso haja anuência do requerente.
mil) habitantes ficam dispensados da divulgação obrigatória § 6º Caso a informação solicitada esteja disponível ao pú-
na internet a que se refere o § 2º, mantida a obrigatoriedade blico em formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro
de divulgação, em tempo real, de informações relativas à meio de acesso universal, serão informados ao requerente,
execução orçamentária e financeira, nos critérios e prazos por escrito, o lugar e a forma pela qual se poderá consultar,
previstos no art. 73-B da Lei Complementar nº 101, de 4 de obter ou reproduzir a referida informação, procedimento
maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). esse que desonerará o órgão ou entidade pública da obri-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

Art. 9º O acesso a informações públicas será assegurado gação de seu fornecimento direto, salvo se o requerente
mediante: declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo
I – criação de serviço de informações ao cidadão, nos tais procedimentos.
órgãos e entidades do poder público, em local com condições Art. 12. O serviço de busca e fornecimento da informação
apropriadas para: é gratuito, salvo nas hipóteses de reprodução de documentos
a) atender e orientar o público quanto ao acesso a in- pelo órgão ou entidade pública consultada, situação em que
formações; poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário ao res-
b) informar sobre a tramitação de documentos nas suas sarcimento do custo dos serviços e dos materiais utilizados.
respectivas unidades; Parágrafo único. Estará isento de ressarcir os custos
c) protocolizar documentos e requerimentos de acesso previstos no  caput  todo aquele cuja situação econômica
a informações; e não lhe permita fazê‑lo sem prejuízo do sustento próprio
II – realização de audiências ou consultas públicas, incen- ou da família, declarada nos termos da Lei nº 7.115, de 29
tivo à participação popular ou a outras formas de divulgação. de agosto de 1983.
Art. 13. Quando se tratar de acesso à informação con-
CAPÍTULO III tida em documento cuja manipulação possa prejudicar sua
Do Procedimento de Acesso à Informação integridade, deverá ser oferecida a consulta de cópia, com
certificação de que esta confere com o original.
Seção I Parágrafo único. Na impossibilidade de obtenção de
Do Pedido de Acesso cópias, o interessado poderá solicitar que, a suas expensas
e sob supervisão de servidor público, a reprodução seja feita
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido por outro meio que não ponha em risco a conservação do
de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos documento original.

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Art. 14. É direito do requerente obter o inteiro teor de que, em grau de recurso, negarem acesso a informações de
decisão de negativa de acesso, por certidão ou cópia. interesse público.
Art. 20. Aplica‑se subsidiariamente, no que couber, a Lei
Seção II nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, ao procedimento de que
Dos Recursos trata este Capítulo.

Art. 15. No caso de indeferimento de acesso a informa- CAPÍTULO IV


ções ou às razões da negativa do acesso, poderá o interessado Das Restrições de Acesso à Informação
interpor recurso contra a decisão no prazo de 10 (dez) dias
a contar da sua ciência. Seção I
Parágrafo único. O  recurso será dirigido à autoridade Disposições Gerais
hierarquicamente superior à que exarou a decisão impug-
nada, que deverá se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias. Art.  21. Não poderá ser negado acesso à informação
Art. 16. Negado o acesso a informação pelos órgãos ou necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos
entidades do Poder Executivo Federal, o requerente poderá fundamentais.
recorrer à Controladoria‑Geral da União, que deliberará no Parágrafo único. As  informações ou documentos que
prazo de 5 (cinco) dias se: versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos
I – o acesso à informação não classificada como sigilosa humanos praticada por agentes públicos ou a mando de
for negado; autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição
II – a decisão de negativa de acesso à informação total ou de acesso.
parcialmente classificada como sigilosa não indicar a autori- Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóte-
dade classificadora ou a hierarquicamente superior a quem ses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses
possa ser dirigido pedido de acesso ou desclassificação; de segredo industrial decorrentes da exploração direta de
III – os procedimentos de classificação de informação si- atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou
gilosa estabelecidos nesta Lei não tiverem sido observados; e entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder
IV  – estiverem sendo descumpridos prazos ou outros público.
procedimentos previstos nesta Lei.
§ 1º O recurso previsto neste artigo somente poderá ser Seção II
dirigido à Controladoria‑Geral da União depois de submetido Da Classificação da Informação
à apreciação de pelo menos uma autoridade hierarquica- quanto ao Grau e Prazos de Sigilo
mente superior àquela que exarou a decisão impugnada,
que deliberará no prazo de 5 (cinco) dias. Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da
§  2º Verificada a procedência das razões do recurso, sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação
a  Controladoria‑Geral da União determinará ao órgão ou as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
entidade que adote as providências necessárias para dar I – pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a
integridade do território nacional;
cumprimento ao disposto nesta Lei.
II – prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações
§  3º Negado o acesso à informação pela Controlado-
ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido
ria‑Geral da União, poderá ser interposto recurso à Comis-
fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organis-
são Mista de Reavaliação de Informações, a que se refere
mos internacionais;
o art. 35.
III  – pôr em risco a vida, a  segurança ou a saúde da
Art.  17. No caso de indeferimento de pedido de des-
população;
classificação de informação protocolado em órgão da admi- IV  – oferecer elevado risco à estabilidade financeira,
nistração pública federal, poderá o requerente recorrer ao econômica ou monetária do País;
Ministro de Estado da área, sem prejuízo das competências V  – prejudicar ou causar risco a planos ou operações
da Comissão Mista de Reavaliação de Informações, previstas estratégicos das Forças Armadas;
no art. 35, e do disposto no art. 16.
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
VI – prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e
§ 1º O recurso previsto neste artigo somente poderá ser desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a
dirigido às autoridades mencionadas depois de submetido à sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico
apreciação de pelo menos uma autoridade hierarquicamente nacional;
superior à autoridade que exarou a decisão impugnada e, no VII – pôr em risco a segurança de instituições ou de altas
caso das Forças Armadas, ao respectivo Comando. autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
§ 2º Indeferido o recurso previsto no caput que tenha VIII – comprometer atividades de inteligência, bem como
como objeto a desclassificação de informação secreta ou ul- de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas
trassecreta, caberá recurso à Comissão Mista de Reavaliação com a prevenção ou repressão de infrações.
de Informações prevista no art. 35. Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades
Art. 18. Os procedimentos de revisão de decisões dene- públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescin-
gatórias proferidas no recurso previsto no art. 15 e de revisão dibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá
de classificação de documentos sigilosos serão objeto de ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.
regulamentação própria dos Poderes Legislativo e Judiciário § 1º Os prazos máximos de restrição de acesso à infor-
e do Ministério Público, em seus respectivos âmbitos, as- mação, conforme a classificação prevista no caput, vigoram
segurado ao solicitante, em qualquer caso, o direito de ser a partir da data de sua produção e são os seguintes:
informado sobre o andamento de seu pedido. I – ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;
Art. 19. (Vetado) II – secreta: 15 (quinze) anos; e
§ 1º (Vetado) III – reservada: 5 (cinco) anos.
§ 2º Os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público §  2º As informações que puderem colocar em risco a
informarão ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho segurança do Presidente e Vice‑Presidente da República e
Nacional do Ministério Público, respectivamente, as decisões respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como

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reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente,
em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição. de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou
§  3º Alternativamente aos prazos previstos no §  1º, entidade, observado o disposto nesta Lei.
poderá ser estabelecida como termo final de restrição de § 1º A competência prevista nos incisos I e II, no que se
acesso a ocorrência de determinado evento, desde que este refere à classificação como ultrassecreta e secreta, poderá
ocorra antes do transcurso do prazo máximo de classificação. ser delegada pela autoridade responsável a agente público,
§  4º Transcorrido o prazo de classificação ou consu- inclusive em missão no exterior, vedada a subdelegação.
mado o evento que defina o seu termo final, a informação § 2º A classificação de informação no grau de sigilo ul-
tornar‑se‑á, automaticamente, de acesso público. trassecreto pelas autoridades previstas nas alíneas d e e do
§ 5º Para a classificação da informação em determinado inciso I deverá ser ratificada pelos respectivos Ministros de
grau de sigilo, deverá ser observado o interesse público da Estado, no prazo previsto em regulamento.
informação e utilizado o critério menos restritivo possível, § 3º A autoridade ou outro agente público que classificar
considerados: informação como ultrassecreta deverá encaminhar a decisão
I – a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade de que trata o art. 28 à Comissão Mista de Reavaliação de
e do Estado; e Informações, a que se refere o art. 35, no prazo previsto em
II – o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento regulamento.
que defina seu termo final. Art. 28. A classificação de informação em qualquer grau
de sigilo deverá ser formalizada em decisão que conterá, no
Seção III mínimo, os seguintes elementos:
Da Proteção e do Controle de Informações Sigilosas I – assunto sobre o qual versa a informação;
II – fundamento da classificação, observados os critérios
Art. 25. É dever do Estado controlar o acesso e a divul- estabelecidos no art. 24;
gação de informações sigilosas produzidas por seus órgãos III – indicação do prazo de sigilo, contado em anos, meses
e entidades, assegurando a sua proteção. (Regulamento) ou dias, ou do evento que defina o seu termo final, conforme
§ 1º O acesso, a divulgação e o tratamento de informação limites previstos no art. 24; e
classificada como sigilosa ficarão restritos a pessoas que te- IV – identificação da autoridade que a classificou.
nham necessidade de conhecê‑la e que sejam devidamente Parágrafo único. A decisão referida no caput será mantida
credenciadas na forma do regulamento, sem prejuízo das no mesmo grau de sigilo da informação classificada.
atribuições dos agentes públicos autorizados por lei. Art. 29. A classificação das informações será reavaliada
§ 2º O acesso à informação classificada como sigilosa cria pela autoridade classificadora ou por autoridade hierarqui-
a obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo. camente superior, mediante provocação ou de ofício, nos
§ 3º Regulamento disporá sobre procedimentos e me- termos e prazos previstos em regulamento, com vistas à sua
didas a serem adotados para o tratamento de informação desclassificação ou à redução do prazo de sigilo, observado
sigilosa, de modo a protegê‑la contra perda, alteração in- o disposto no art. 24. (Regulamento)
devida, acesso, transmissão e divulgação não autorizados. § 1º O regulamento a que se refere o caput deverá con-
Art. 26. As autoridades públicas adotarão as providên- siderar as peculiaridades das informações produzidas no
cias necessárias para que o pessoal a elas subordinado exterior por autoridades ou agentes públicos.
hierarquicamente conheça as normas e observe as medidas § 2º Na reavaliação a que se refere o caput, deverão ser
e procedimentos de segurança para tratamento de informa- examinadas a permanência dos motivos do sigilo e a possi-
ções sigilosas. bilidade de danos decorrentes do acesso ou da divulgação
Parágrafo único. A  pessoa física ou entidade privada da informação.
que, em razão de qualquer vínculo com o poder público, § 3º Na hipótese de redução do prazo de sigilo da infor-
executar atividades de tratamento de informações sigilosas mação, o novo prazo de restrição manterá como termo inicial
adotará as providências necessárias para que seus empre- a data da sua produção.
gados, prepostos ou representantes observem as medidas Art. 30. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade
e procedimentos de segurança das informações resultantes publicará, anualmente, em sítio à disposição na internet e
da aplicação desta Lei. destinado à veiculação de dados e informações administra-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

tivas, nos termos de regulamento:


Seção IV I – rol das informações que tenham sido desclassificadas
Dos Procedimentos de Classificação, nos últimos 12 (doze) meses;
Reclassificação e Desclassificação II  – rol de documentos classificados em cada grau de
sigilo, com identificação para referência futura;
Art. 27. A classificação do sigilo de informações no âmbito III – relatório estatístico contendo a quantidade de pedi-
da administração pública federal é de competência: dos de informação recebidos, atendidos e indeferidos, bem
I – no grau de ultrassecreto, das seguintes autoridades: como informações genéricas sobre os solicitantes.
a) Presidente da República; §  1º Os órgãos e entidades deverão manter exemplar
b) Vice‑Presidente da República; da publicação prevista no caput para consulta pública em
c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas suas sedes.
prerrogativas; § 2º Os órgãos e entidades manterão extrato com a lista
d) Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáu- de informações classificadas, acompanhadas da data, do grau
tica; e de sigilo e dos fundamentos da classificação.
e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares perma-
nentes no exterior; Seção V
II – no grau de secreto, das autoridades referidas no Das Informações Pessoais
inciso I, dos titulares de autarquias, fundações ou empresas
públicas e sociedades de economia mista; e Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser
III – no grau de reservado, das autoridades referidas nos feito de forma transparente e com respeito à intimidade,
incisos I e II e das que exerçam funções de direção, comando vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às
ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo‑Direção e liberdades e garantias individuais.

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§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, II – para fins do disposto na Lei nº 8.112, de 11 de dezem-
relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem: bro de 1990, e suas alterações, infrações administrativas, que
I  – terão seu acesso restrito, independentemente de deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo
classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) os critérios nela estabelecidos.
anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos § 2º Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar
legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e ou agente público responder, também, por improbidade
II – poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por administrativa, conforme o disposto nas Leis nos 1.079, de 10
terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso de abril de 1950, e 8.429, de 2 de junho de 1992.
da pessoa a que elas se referirem. Art. 33. A pessoa física ou entidade privada que detiver
§ 2º Aquele que obtiver acesso às informações de que informações em virtude de vínculo de qualquer natureza
trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido. com o poder público e deixar de observar o disposto nesta
§ 3º O consentimento referido no inciso II do § 1º não Lei estará sujeita às seguintes sanções:
será exigido quando as informações forem necessárias: I – advertência;
I – à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa II – multa;
estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única III – rescisão do vínculo com o poder público;
e exclusivamente para o tratamento médico; IV – suspensão temporária de participar em licitação e
II – à realização de estatísticas e pesquisas científicas de impedimento de contratar com a administração pública por
evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo prazo não superior a 2 (dois) anos; e
vedada a identificação da pessoa a que as informações se V – declaração de inidoneidade para licitar ou contra-
referirem; tar com a administração pública, até que seja promovida
III – ao cumprimento de ordem judicial; a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a
IV – à defesa de direitos humanos; ou penalidade.
V – à proteção do interesse público e geral preponde- § 1º As sanções previstas nos incisos I, III e IV poderão
rante. ser aplicadas juntamente com a do inciso II, assegurado o
§ 4º A restrição de acesso à informação relativa à vida direito de defesa do interessado, no respectivo processo, no
privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada prazo de 10 (dez) dias.
com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregu- § 2º A reabilitação referida no inciso V será autorizada
laridades em que o titular das informações estiver envolvido, somente quando o interessado efetivar o ressarcimento ao
bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos órgão ou entidade dos prejuízos resultantes e após decorrido
históricos de maior relevância. o prazo da sanção aplicada com base no inciso IV.
§ 5º Regulamento disporá sobre os procedimentos para § 3º A aplicação da sanção prevista no inciso V é de compe-
tratamento de informação pessoal. tência exclusiva da autoridade máxima do órgão ou entidade
pública, facultada a defesa do interessado, no respectivo
processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista.
CAPÍTULO V
Art.  34. Os  órgãos e entidades públicas respondem
Das Responsabilidades
diretamente pelos danos causados em decorrência da divul-
gação não autorizada ou utilização indevida de informações
Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam res-
sigilosas ou informações pessoais, cabendo a apuração de
ponsabilidade do agente público ou militar: responsabilidade funcional nos casos de dolo ou culpa, as-
I  – recusar‑se a fornecer informação requerida nos segurado o respectivo direito de regresso.
termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu forneci- Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica‑se à pes-
mento ou fornecê‑la intencionalmente de forma incorreta, soa física ou entidade privada que, em virtude de vínculo de
incompleta ou imprecisa; qualquer natureza com órgãos ou entidades, tenha acesso
II – utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, a informação sigilosa ou pessoal e a submeta a tratamento
inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, indevido.
informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha
acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribui- CAPÍTULO VI
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
ções de cargo, emprego ou função pública; Disposições Finais e Transitórias
III – agir com dolo ou má‑fé na análise das solicitações
de acesso à informação; Art. 35. (Vetado)
IV – divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou per- § 1º É instituída a Comissão Mista de Reavaliação de In-
mitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação formações, que decidirá, no âmbito da administração pública
pessoal; federal, sobre o tratamento e a classificação de informações
V – impor sigilo à informação para obter proveito pes- sigilosas e terá competência para:
soal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal I – requisitar da autoridade que classificar informação
cometido por si ou por outrem; como ultrassecreta e secreta esclarecimento ou conteúdo,
VI – ocultar da revisão de autoridade superior compe- parcial ou integral da informação;
tente informação sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, II – rever a classificação de informações ultrassecretas
ou em prejuízo de terceiros; e ou secretas, de ofício ou mediante provocação de pessoa
VII – destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos interessada, observado o disposto no art. 7º e demais dis-
concernentes a possíveis violações de direitos humanos por positivos desta Lei; e
parte de agentes do Estado. III – prorrogar o prazo de sigilo de informação classificada
§  1º Atendido o princípio do contraditório, da ampla como ultrassecreta, sempre por prazo determinado, en-
defesa e do devido processo legal, as  condutas descritas quanto o seu acesso ou divulgação puder ocasionar ameaça
no caput serão consideradas: externa à soberania nacional ou à integridade do território
I – para fins dos regulamentos disciplinares das Forças nacional ou grave risco às relações internacionais do País,
Armadas, transgressões militares médias ou graves, segundo observado o prazo previsto no § 1º do art. 24.
os critérios neles estabelecidos, desde que não tipificadas § 2º O prazo referido no inciso III é limitado a uma única
em lei como crime ou contravenção penal; ou renovação.

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§  3º A revisão de ofício a que se refere o inciso II do I – pela promoção de campanha de abrangência nacional
§  1º  deverá ocorrer, no máximo, a  cada 4 (quatro) anos, de fomento à cultura da transparência na administração
após a reavaliação prevista no art. 39, quando se tratar de pública e conscientização do direito fundamental de acesso
documentos ultrassecretos ou secretos. à informação;
§ 4º A não deliberação sobre a revisão pela Comissão II – pelo treinamento de agentes públicos no que se refere
Mista de Reavaliação de Informações nos prazos previstos no ao desenvolvimento de práticas relacionadas à transparência
§ 3º implicará a desclassificação automática das informações. na administração pública;
§ 5º Regulamento disporá sobre a composição, organiza- III – pelo monitoramento da aplicação da lei no âmbito
ção e funcionamento da Comissão Mista de Reavaliação de da administração pública federal, concentrando e consoli-
Informações, observado o mandato de 2 (dois) anos para seus dando a publicação de informações estatísticas relacionadas
integrantes e demais disposições desta Lei. (Regulamento) no art. 30;
Art. 36. O tratamento de informação sigilosa resultante IV  – pelo encaminhamento ao Congresso Nacional de
de tratados, acordos ou atos internacionais atenderá às relatório anual com informações atinentes à implementação
normas e recomendações constantes desses instrumentos. desta Lei.
Art. 37. É instituído, no âmbito do Gabinete de Seguran- Art.  42. O  Poder Executivo regulamentará o disposto
ça Institucional da Presidência da República, o  Núcleo de nesta Lei no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da
Segurança e Credenciamento (NSC), que tem por objetivos: data de sua publicação.
(Regulamento) Art. 43. O inciso VI do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de
I – promover e propor a regulamentação do credencia- dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
mento de segurança de pessoas físicas, empresas, órgãos e
entidades para tratamento de informações sigilosas; e
Art. 116. ....................................................................
II  – garantir a segurança de informações sigilosas, in-
...................................................................................
clusive aquelas provenientes de países ou organizações
VI – levar as irregularidades de que tiver ciência em
internacionais com os quais a República Federativa do Brasil
tenha firmado tratado, acordo, contrato ou qualquer outro razão do cargo ao conhecimento da autoridade su-
ato internacional, sem prejuízo das atribuições do Ministério perior ou, quando houver suspeita de envolvimento
das Relações Exteriores e dos demais órgãos competentes. desta, ao conhecimento de outra autoridade compe-
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a composi- tente para apuração;
ção, organização e funcionamento do NSC. ...........................................................................  (NR)
Art. 38. Aplica‑se, no que couber, a Lei nº 9.507, de 12
de novembro de 1997, em relação à informação de pessoa, Art. 44. O Capítulo IV do Título IV da Lei nº 8.112, de 1990,
física ou jurídica, constante de registro ou banco de dados passa a vigorar acrescido do seguinte art. 126-A:
de entidades governamentais ou de caráter público. Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsa-
Art. 39. Os órgãos e entidades públicas deverão proceder bilizado civil, penal ou administrativamente por dar
à reavaliação das informações classificadas como ultrasse- ciência à autoridade superior ou, quando houver
cretas e secretas no prazo máximo de 2 (dois) anos, contado suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade
do termo inicial de vigência desta Lei. competente para apuração de informação concer-
§ 1º A restrição de acesso a informações, em razão da nente à prática de crimes ou improbidade de que
reavaliação prevista no caput, deverá observar os prazos e tenha conhecimento, ainda que em decorrência do
condições previstos nesta Lei. exercício de cargo, emprego ou função pública.
§ 2º No âmbito da administração pública federal, a re-
avaliação prevista no caput poderá ser revista, a qualquer Art.  45. Cabe aos Estados, ao  Distrito Federal e aos
tempo, pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações, Municípios, em legislação própria, obedecidas as normas
observados os termos desta Lei. gerais estabelecidas nesta Lei, definir regras específicas,
§ 3º Enquanto não transcorrido o prazo de reavaliação especialmente quanto ao disposto no art. 9º e na Seção II
previsto no caput, será mantida a classificação da informação do Capítulo III.
Art. 46. Revogam‑se:
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

nos termos da legislação precedente.


§ 4º As informações classificadas como secretas e ultras- I – a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005; e
secretas não reavaliadas no prazo previsto no caput serão II  – os  arts.  22 a 24 da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro
consideradas, automaticamente, de acesso público. de 1991.
Art.  40. No prazo de 60 (sessenta) dias, a  contar da Art. 47. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias
vigência desta Lei, o  dirigente máximo de cada órgão ou após a data de sua publicação.
entidade da administração pública federal direta e indireta
designará autoridade que lhe seja diretamente subordinada Brasília, 18 de novembro de 2011; 190º da Independência
para, no âmbito do respectivo órgão ou entidade, exercer as e 123º da República.
seguintes atribuições:
I  – assegurar o cumprimento das normas relativas ao DILMA ROUSSEFF
acesso a informação, de forma eficiente e adequada aos José Eduardo Cardoso
objetivos desta Lei; Celso Luiz Nunes Amorim
II – monitorar a implementação do disposto nesta Lei e Antonio de Aguiar Patriota
apresentar relatórios periódicos sobre o seu cumprimento; Miriam Belchior
III – recomendar as medidas indispensáveis à implemen- Paulo Bernardo Silva
tação e ao aperfeiçoamento das normas e procedimentos Gleisi Hoffmann
necessários ao correto cumprimento do disposto nesta Lei; e José Elito Carvalho Siqueira
IV – orientar as respectivas unidades no que se refere Helena Chagas
ao cumprimento do disposto nesta Lei e seus regulamentos. Luís Inácio Lucena Adams
Art. 41. O Poder Executivo Federal designará órgão da Jorge Hage Sobrinho
administração pública federal responsável: Maria do Rosário Nunes

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Busca Informatizada Vestcon XI – informação atualizada - informação que reúne os da-
dos mais recentes sobre o tema, de acordo com sua natureza,
com os prazos previstos em normas específicas ou conforme
DECRETO Nº 7.724, DE 16 DE MAIO DE 2012 a periodicidade estabelecida nos sistemas informatizados
Regulamenta a Lei nº 12.527, que a organizam; e
de 18 de novembro de 2011, que XII – documento preparatório - documento formal uti-
dispõe sobre o acesso a informa‑ lizado como fundamento da tomada de decisão ou de ato
ções previsto no inciso XXXIII do administrativo, a exemplo de pareceres e notas técnicas.
caput do art. 5º, no inciso II do § Art. 4º A busca e o fornecimento da informação são gra-
3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 tuitos, ressalvada a cobrança do valor referente ao custo dos
da Constituição. serviços e dos materiais utilizados, tais como reprodução de
documentos, mídias digitais e postagem.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições Parágrafo único. Está isento de ressarcir os custos dos
que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea a, da serviços e dos materiais utilizados aquele cuja situação eco-
Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 12.527, nômica não lhe permita fazê-lo sem prejuízo do sustento
de 18 de novembro de 2011, próprio ou da família, declarada nos termos da Lei nº 7.115,
DECRETA: de 29 de agosto de 1983.

CAPÍTULO I CAPÍTULO II
Disposições Gerais Da Abrangência

Art. 1º Este Decreto regulamenta, no âmbito do Poder Art. 5º Sujeitam-se ao disposto neste Decreto os órgãos
Executivo federal, os procedimentos para a garantia do aces- da administração direta, as autarquias, as fundações públicas,
so à informação e para a classificação de informações sob as empresas públicas, as sociedades de economia mista e
restrição de acesso, observados grau e prazo de sigilo, con- as demais entidades controladas direta ou indiretamente
forme o disposto na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de pela União.
2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no § 1º A divulgação de informações de empresas públicas,
inciso XXXIII do caput do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. sociedade de economia mista e demais entidades controla-
37 e no § 2º do art. 216 da Constituição. das pela União que atuem em regime de concorrência, sujei-
Art. 2º Os órgãos e as entidades do Poder Executivo fe-
tas ao disposto no art. 173 da Constituição, estará submetida
deral assegurarão, às pessoas naturais e jurídicas, o direito
de acesso à informação, que será proporcionado mediante às normas pertinentes da Comissão de Valores Mobiliários, a
procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, fim de assegurar sua competitividade, governança corporati-
clara e em linguagem de fácil compreensão, observados os va e, quando houver, os interesses de acionistas minoritários.
princípios da administração pública e as diretrizes previstas § 2º Não se sujeitam ao disposto neste Decreto as infor-
na Lei nº 12.527, de 2011. mações relativas à atividade empresarial de pessoas físicas
Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se: ou jurídicas de direito privado obtidas pelo Banco Central
I – informação - dados, processados ou não, que podem do Brasil, pelas agências reguladoras ou por outros órgãos
ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, ou entidades no exercício de atividade de controle, regula-
contidos em qualquer meio, suporte ou formato; ção e supervisão da atividade econômica cuja divulgação
II – dados processados - dados submetidos a qualquer possa representar vantagem competitiva a outros agentes
operação ou tratamento por meio de processamento eletrô- econômicos.
nico ou por meio automatizado com o emprego de tecnologia Art. 6º O acesso à informação disciplinado neste Decreto
da informação; não se aplica:
III – documento - unidade de registro de informações, I – às hipóteses de sigilo previstas na legislação, como
qualquer que seja o suporte ou formato; fiscal, bancário, de operações e serviços no mercado de capi-
IV – informação sigilosa - informação submetida tempo- tais, comercial, profissional, industrial e segredo de justiça; e
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
rariamente à restrição de acesso público em razão de sua im- II – às informações referentes a projetos de pesquisa e
prescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado, desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja
e aquelas abrangidas pelas demais hipóteses legais de sigilo; imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, na
V – informação pessoal - informação relacionada à pessoa forma do §1º do art. 7º da Lei nº 12.527, de 2011.
natural identificada ou identificável, relativa à intimidade,
vida privada, honra e imagem; CAPÍTULO III
VI – tratamento da informação - conjunto de ações refe- Da Transparência Ativa
rentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso,
reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquiva- Art. 7º É dever dos órgãos e entidades promover, inde-
mento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação pendente de requerimento, a divulgação em seus sítios na
ou controle da informação;
Internet de informações de interesse coletivo ou geral por
VII – disponibilidade - qualidade da informação que pode
eles produzidas ou custodiadas, observado o disposto nos
ser conhecida e utilizada por indivíduos, equipamentos ou
sistemas autorizados; arts. 7º e 8º da Lei nº 12.527, de 2011.
VIII – autenticidade - qualidade da informação que tenha § 1º Os órgãos e entidades deverão implementar em
sido produzida, expedida, recebida ou modificada por deter- seus sítios na Internet seção específica para a divulgação
minado indivíduo, equipamento ou sistema; das informações de que trata o caput.
IX – integridade - qualidade da informação não modifica- § 2º Serão disponibilizados nos sítios na Internet dos
da, inclusive quanto à origem, trânsito e destino; órgãos e entidades, conforme padrão estabelecido pela Se-
X  – primariedade - qualidade da informação coletada cretaria de Comunicação Social da Presidência da República:
na fonte, com o máximo de detalhamento possível, sem I – banner na página inicial, que dará acesso à seção
modificações; específica de que trata o § 1º; e

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II – barra de identidade do Governo federal, contendo II – conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que per-
ferramenta de redirecionamento de página para o Portal mita o acesso à informação de forma objetiva, transparente,
Brasil e para o sítio principal sobre a Lei nº 12.527, de 2011. clara e em linguagem de fácil compreensão;
§ 3º Deverão ser divulgadas, na seção específica de que III – possibilitar gravação de relatórios em diversos for-
trata o § 1º, informações sobre: matos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais
I  – estrutura organizacional, competências, legislação como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das
aplicável, principais cargos e seus ocupantes, endereço e informações;
telefones das unidades, horários de atendimento ao público; IV – possibilitar acesso automatizado por sistemas ex-
II – programas, projetos, ações, obras e atividades, com ternos em formatos abertos, estruturados e legíveis por
indicação da unidade responsável, principais metas e resulta- máquina;
dos e, quando existentes, indicadores de resultado e impacto; V – divulgar em detalhes os formatos utilizados para es-
III – repasses ou transferências de recursos financeiros; truturação da informação;
IV – execução orçamentária e financeira detalhada; VI – garantir autenticidade e integridade das informações
V – licitações realizadas e em andamento, com editais, disponíveis para acesso;
anexos e resultados, além dos contratos firmados e notas VII  – indicar instruções que permitam ao requerente
de empenho emitidas; comunicar-se, por via eletrônica ou telefônica, com o órgão
VI – remuneração e subsídio recebidos por ocupante de ou entidade; e
cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo VIII – garantir a acessibilidade de conteúdo para pessoas
auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vanta- com deficiência.
gens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e
pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira indi- CAPÍTULO IV
vidualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Da Transparência Passiva
Orçamento e Gestão;
VII – respostas a perguntas mais frequentes da sociedade; Seção I
(Redação dada pelo Decreto nº 8.408, de 2015) Do Serviço de Informação ao Cidadão
VIII – contato da autoridade de monitoramento, designa-
da nos termos do art. 40 da Lei nº 12.527, de 2011, e telefone Art. 9º Os órgãos e entidades deverão criar Serviço de
e correio eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão Informações ao Cidadão - SIC, com o objetivo de:
- SIC; e (Redação dada pelo Decreto nº 8.408, de 2015) I – atender e orientar o público quanto ao acesso à in-
IX – programas financiados pelo Fundo de Amparo ao formação;
Trabalhador - FAT. (Incluído pelo Decreto nº 8.408, de 2015) II – informar sobre a tramitação de documentos nas uni-
§ 4º As informações poderão ser disponibilizadas por dades; e
meio de ferramenta de redirecionamento de página na In- III – receber e registrar pedidos de acesso à informação.
ternet, quando estiverem disponíveis em outros sítios go- Parágrafo único. Compete ao SIC:
vernamentais. I – o recebimento do pedido de acesso e, sempre que
§ 5º No caso das empresas públicas, sociedades de eco- possível, o fornecimento imediato da informação;
nomia mista e demais entidades controladas pela União que II – o registro do pedido de acesso em sistema eletrônico
atuem em regime de concorrência, sujeitas ao disposto no específico e a entrega de número do protocolo, que conterá
art. 173 da Constituição, aplica-se o disposto no § 1º do art. a data de apresentação do pedido; e
5º. III – o encaminhamento do pedido recebido e registrado
§ 6º O Banco Central do Brasil divulgará periodicamente à unidade responsável pelo fornecimento da informação,
informações relativas às operações de crédito praticadas pe- quando couber.
las instituições financeiras, inclusive as taxas de juros mínima, Art. 10. O SIC será instalado em unidade física identifi-
máxima e média e as respectivas tarifas bancárias. cada, de fácil acesso e aberta ao público.
§ 7º A divulgação das informações previstas no § 3º não § 1º Nas unidades descentralizadas em que não houver
exclui outras hipóteses de publicação e divulgação de infor- SIC será oferecido serviço de recebimento e registro dos pe-
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mações previstas na legislação. didos de acesso à informação.


§ 8º Ato conjunto dos Ministros de Estado da Controla- § 2º Se a unidade descentralizada não detiver a informa-
doria-Geral da União, do Planejamento, Orçamento e Gestão ção, o pedido será encaminhado ao SIC do órgão ou entidade
e do Trabalho e Emprego disporá sobre a divulgação dos central, que comunicará ao requerente o número do proto-
programas de que trata o inciso IX do § 3º, que será feita, colo e a data de recebimento do pedido, a partir da qual se
observado o disposto no Capítulo VII: (Incluído pelo Decreto inicia o prazo de resposta.
nº 8.408, de 2015)
I – de maneira individualizada; (Incluído pelo Decreto nº Seção II
8.408, de 2015) Do Pedido de Acesso à Informação
II – por meio de informações consolidadas disponibiliza-
das no sítio na Internet do Ministério do Trabalho e Emprego; Art.  11. Qualquer pessoa, natural ou jurídica, poderá
e (Incluído pelo Decreto nº 8.408, de 2015) formular pedido de acesso à informação.
III – por meio de disponibilização de variáveis das bases § 1º O pedido será apresentado em formulário padrão,
de dados para execução de cruzamentos, para fins de estudos disponibilizado em meio eletrônico e físico, no sítio na In-
e pesquisas, observado o disposto no art. 13. (Incluído pelo ternet e no SIC dos órgãos e entidades.
Decreto nº 8.408, de 2015) § 2º O prazo de resposta será contado a partir da data
Art. 8º Os sítios na Internet dos órgãos e entidades de- de apresentação do pedido ao SIC.
verão, em cumprimento às normas estabelecidas pelo Mi- § 3º É facultado aos órgãos e entidades o recebimento
nistério do Planejamento, Orçamento e Gestão, atender aos de pedidos de acesso à informação por qualquer outro meio
seguintes requisitos, entre outros: legítimo, como contato telefônico, correspondência eletrô-
I – conter formulário para pedido de acesso à informação; nica ou física, desde que atendidos os requisitos do art. 12.

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A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
§ 4º Na hipótese do § 3º, será enviada ao requerente Parágrafo único. Na hipótese do caput o órgão ou enti-
comunicação com o número de protocolo e a data do re- dade desobriga-se do fornecimento direto da informação,
cebimento do pedido pelo SIC, a partir da qual se inicia o salvo se o requerente declarar não dispor de meios para
prazo de resposta. consultar, obter ou reproduzir a informação.
Art. 12. O pedido de acesso à informação deverá conter: Art. 18. Quando o fornecimento da informação implicar
I – nome do requerente; reprodução de documentos, o órgão ou entidade, observa-
II – número de documento de identificação válido; do o prazo de resposta ao pedido, disponibilizará ao reque-
III – especificação, de forma clara e precisa, da informação rente Guia de Recolhimento da União - GRU ou documento
requerida; e equivalente, para pagamento dos custos dos serviços e dos
IV – endereço físico ou eletrônico do requerente, para materiais utilizados.
recebimento de comunicações ou da informação requerida. Parágrafo único. A reprodução de documentos ocorrerá
Art.  13. Não serão atendidos pedidos de acesso à in- no prazo de dez dias, contado da comprovação do pagamento
formação: pelo requerente ou da entrega de declaração de pobreza por
I – genéricos; ele firmada, nos termos da Lei nº 7.115, de 1983, ressalvadas
II – desproporcionais ou desarrazoados; ou hipóteses justificadas em que, devido ao volume ou ao esta-
III – que exijam trabalhos adicionais de análise, interpre- do dos documentos, a reprodução demande prazo superior.
tação ou consolidação de dados e informações, ou serviço Art. 19. Negado o pedido de acesso à informação, será
de produção ou tratamento de dados que não seja de com- enviada ao requerente, no prazo de resposta, comunicação
petência do órgão ou entidade. com:
Parágrafo único. Na hipótese do inciso III do caput, o I – razões da negativa de acesso e seu fundamento legal;
órgão ou entidade deverá, caso tenha conhecimento, indicar II – possibilidade e prazo de recurso, com indicação da
o local onde se encontram as informações a partir das quais autoridade que o apreciará; e
o requerente poderá realizar a interpretação, consolidação III – possibilidade de apresentação de pedido de desclas-
ou tratamento de dados. sificação da informação, quando for o caso, com indicação
Art. 14. São vedadas exigências relativas aos motivos do da autoridade classificadora que o apreciará.
pedido de acesso à informação. §1º As razões de negativa de acesso a informação classifi-
cada indicarão o fundamento legal da classificação, a autori-
dade que a classificou e o código de indexação do documento
Seção III
classificado.
Do Procedimento de Acesso à Informação
§ 2º Os órgãos e entidades disponibilizarão formulário
padrão para apresentação de recurso e de pedido de des-
Art. 15. Recebido o pedido e estando a informação dis-
classificação.
ponível, o acesso será imediato.
Art. 20. O acesso a documento preparatório ou informa-
§ 1º Caso não seja possível o acesso imediato, o órgão
ção nele contida, utilizados como fundamento de tomada de
ou entidade deverá, no prazo de até vinte dias: decisão ou de ato administrativo, será assegurado a partir
I – enviar a informação ao endereço físico ou eletrônico da edição do ato ou decisão.
informado; Parágrafo único. O Ministério da Fazenda e o Banco Cen-
II – comunicar data, local e modo para realizar consulta tral do Brasil classificarão os documentos que embasarem
à informação, efetuar reprodução ou obter certidão relativa decisões de política econômica, tais como fiscal, tributária,
à informação; monetária e regulatória.
III – comunicar que não possui a informação ou que não
tem conhecimento de sua existência; Seção IV
IV – indicar, caso tenha conhecimento, o órgão ou en- Dos Recursos
tidade responsável pela informação ou que a detenha; ou
V  – indicar as razões da negativa, total ou parcial, do Art. 21. No caso de negativa de acesso à informação ou de
acesso. não fornecimento das razões da negativa do acesso, poderá
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
§ 2º Nas hipóteses em que o pedido de acesso demandar o requerente apresentar recurso no prazo de dez dias, con-
manuseio de grande volume de documentos, ou a movimen- tado da ciência da decisão, à autoridade hierarquicamente
tação do documento puder comprometer sua regular trami- superior à que adotou a decisão, que deverá apreciá-lo no
tação, será adotada a medida prevista no inciso II do § 1º. prazo de cinco dias, contado da sua apresentação.
§ 3º Quando a manipulação puder prejudicar a integri- Parágrafo único. Desprovido o recurso de que trata o
dade da informação ou do documento, o órgão ou entidade caput, poderá o requerente apresentar recurso no prazo de
deverá indicar data, local e modo para consulta, ou disponi- dez dias, contado da ciência da decisão, à autoridade máxima
bilizar cópia, com certificação de que confere com o original. do órgão ou entidade, que deverá se manifestar em cinco
§ 4º Na impossibilidade de obtenção de cópia de que dias contados do recebimento do recurso.
trata o § 3º, o requerente poderá solicitar que, às suas expen- Art. 22. No caso de omissão de resposta ao pedido de
sas e sob supervisão de servidor público, a reprodução seja acesso à informação, o requerente poderá apresentar recla-
feita por outro meio que não ponha em risco a integridade mação no prazo de dez dias à autoridade de monitoramento
do documento original. de que trata o art. 40 da Lei nº 12.527, de 2011, que deverá
Art. 16. O prazo para resposta do pedido poderá ser pror- se manifestar no prazo de cinco dias, contado do recebimento
rogado por dez dias, mediante justificativa encaminhada ao da reclamação.
requerente antes do término do prazo inicial de vinte dias. § 1º O prazo para apresentar reclamação começará trinta
Art. 17. Caso a informação esteja disponível ao público dias após a apresentação do pedido.
em formato impresso, eletrônico ou em outro meio de acesso § 2º A autoridade máxima do órgão ou entidade poderá
universal, o órgão ou entidade deverá orientar o requerente designar outra autoridade que lhe seja diretamente subor-
quanto ao local e modo para consultar, obter ou reproduzir dinada como responsável pelo recebimento e apreciação da
a informação. reclamação.

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Art. 23. Desprovido o recurso de que trata o parágrafo III – grau reservado: cinco anos.
único do art. 21 ou infrutífera a reclamação de que trata o art. Parágrafo único. Poderá ser estabelecida como termo
22, poderá o requerente apresentar recurso no prazo de dez final de restrição de acesso a ocorrência de determinado
dias, contado da ciência da decisão, à Controladoria-Geral evento, observados os prazos máximos de classificação.
da União, que deverá se manifestar no prazo de cinco dias, Art. 29. As informações que puderem colocar em risco
contado do recebimento do recurso. a segurança do Presidente da República, Vice-Presidente e
§ 1º A Controladoria-Geral da União poderá determinar seus cônjuges e filhos serão classificadas no grau reservado
que o órgão ou entidade preste esclarecimentos. e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício
§ 2º Provido o recurso, a Controladoria-Geral da União ou do último mandato, em caso de reeleição.
fixará prazo para o cumprimento da decisão pelo órgão ou Art. 30. A classificação de informação é de competência:
entidade. I – no grau ultrassecreto, das seguintes autoridades:
Art.  24. No caso de negativa de acesso à informação, a) Presidente da República;
ou às razões da negativa do acesso de que trata o caput do b) Vice-Presidente da República;
art. 21, desprovido o recurso pela Controladoria-Geral da c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas
União, o requerente poderá apresentar, no prazo de dez dias, prerrogativas;
contado da ciência da decisão, recurso à Comissão Mista de d) Comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáu-
Reavaliação de Informações, observados os procedimentos tica; e
previstos no Capítulo VI. e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares perma-
nentes no exterior;
CAPÍTULO V II – no grau secreto, das autoridades referidas no inciso I
Das Informações Classificadas em Grau de Sigilo do caput, dos titulares de autarquias, fundações, empresas
públicas e sociedades de economia mista; e
Seção I III  – no grau reservado, das autoridades referidas nos
Da Classificação de Informações quanto ao Grau e Prazos incisos I e II do caput e das que exerçam funções de dire-
de Sigilo ção, comando ou chefia do Grupo-Direção e Assessoramento
Superiores - DAS, nível DAS 101.5 ou superior, e seus equi-
Art.  25. São passíveis de classificação as informações valentes.
consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou § 1º É vedada a delegação da competência de classifica-
do Estado, cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: ção nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto.
I – pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a § 2º O dirigente máximo do órgão ou entidade poderá
integridade do território nacional; delegar a competência para classificação no grau reservado
II – prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações a agente público que exerça função de direção, comando
ou as relações internacionais do País; ou chefia.
III – prejudicar ou pôr em risco informações fornecidas § 3º É vedada a subdelegação da competência de que
em caráter sigiloso por outros Estados e organismos inter- trata o § 2º.
nacionais; § 4º Os agentes públicos referidos no § 2º deverão dar
IV – pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da po- ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no
pulação; prazo de noventa dias.
V – oferecer elevado risco à estabilidade financeira, eco- § 5º A classificação de informação no grau ultrassecreto
nômica ou monetária do País; pelas autoridades previstas nas alíneas d e e do inciso I do
VI  – prejudicar ou causar risco a planos ou operações caput deverá ser ratificada pelo Ministro de Estado, no prazo
estratégicos das Forças Armadas; de trinta dias.
VII – prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa § 6º Enquanto não ratificada, a classificação de que trata
e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a o § 5º considera-se válida, para todos os efeitos legais.
sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégi-
co nacional, observado o disposto no inciso II do caput do Seção II
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art. 6º; Dos Procedimentos para Classificação de Informação


VIII – pôr em risco a segurança de instituições ou de altas
autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou Art. 31. A decisão que classificar a informação em qual-
IX – comprometer atividades de inteligência, de investi- quer grau de sigilo deverá ser formalizada no Termo de Clas-
gação ou de fiscalização em andamento, relacionadas com sificação de Informação - TCI, conforme modelo contido no
prevenção ou repressão de infrações. Anexo, e conterá o seguinte:
Art. 26. A informação em poder dos órgãos e entidades, I – código de indexação de documento;
observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à II – grau de sigilo;
segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada III – categoria na qual se enquadra a informação;
no grau ultrassecreto, secreto ou reservado. IV – tipo de documento;
Art. 27. Para a classificação da informação em grau de si- V – data da produção do documento;
gilo, deverá ser observado o interesse público da informação VI  – indicação de dispositivo legal que fundamenta a
e utilizado o critério menos restritivo possível, considerados: classificação;
I – a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade VII – razões da classificação, observados os critérios es-
e do Estado; e tabelecidos no art. 27;
II – o prazo máximo de classificação em grau de sigilo ou VIII  – indicação do prazo de sigilo, contado em anos,
o evento que defina seu termo final. meses ou dias, ou do evento que defina o seu termo final,
Art. 28. Os prazos máximos de classificação são os se- observados os limites previstos no art. 28;
guintes: IX – data da classificação; e
I – grau ultrassecreto: vinte e cinco anos; X – identificação da autoridade que classificou a infor-
II – grau secreto: quinze anos; e mação.

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§ 1º O TCI seguirá anexo à informação. sociedade de economia mista, o recurso será apresentado
§ 2º As informações previstas no inciso VII do caput deve- ao dirigente máximo da entidade.
rão ser mantidas no mesmo grau de sigilo que a informação § 2º No caso das Forças Armadas, o recurso será apre-
classificada. sentado primeiramente perante o respectivo Comandante,
§ 3º A ratificação da classificação de que trata o § 5º do e, em caso de negativa, ao Ministro de Estado da Defesa.
art. 30 deverá ser registrada no TCI. § 3º No caso de informações produzidas por autoridades
Art. 32. A autoridade ou outro agente público que clas- ou agentes públicos no exterior, o requerimento de desclas-
sificar informação no grau ultrassecreto ou secreto deverá sificação e reavaliação será apreciado pela autoridade hie-
encaminhar cópia do TCI à Comissão Mista de Reavaliação rarquicamente superior que estiver em território brasileiro.
de Informações no prazo de trinta dias, contado da decisão § 4º Desprovido o recurso de que tratam o caput e os
de classificação ou de ratificação. §§1º a 3º, poderá o requerente apresentar recurso à Comis-
Art.  33. Na hipótese de documento que contenha in- são Mista de Reavaliação de Informações, no prazo de dez
formações classificadas em diferentes graus de sigilo, será dias, contado da ciência da decisão.
atribuído ao documento tratamento do grau de sigilo mais Art. 38. A decisão da desclassificação, reclassificação ou
elevado, ficando assegurado o acesso às partes não classifi- redução do prazo de sigilo de informações classificadas de-
cadas por meio de certidão, extrato ou cópia, com ocultação verá constar das capas dos processos, se houver, e de campo
da parte sob sigilo. apropriado no TCI.
Art.  34. Os órgãos e entidades poderão constituir Co-
missão Permanente de Avaliação de Documentos Sigilosos Seção IV
- CPADS, com as seguintes atribuições: Disposições Gerais
I – opinar sobre a informação produzida no âmbito de sua
atuação para fins de classificação em qualquer grau de sigilo; Art. 39. As informações classificadas no grau ultrassecre-
II – assessorar a autoridade classificadora ou a autori- to ou secreto serão definitivamente preservadas, nos termos
dade hierarquicamente superior quanto à desclassificação, da Lei nº 8.159, de 1991, observados os procedimentos de
reclassificação ou reavaliação de informação classificada em restrição de acesso enquanto vigorar o prazo da classificação.
qualquer grau de sigilo; Art. 40. As informações classificadas como documentos
III – propor o destino final das informações desclassifica- de guarda permanente que forem objeto de desclassifica-
das, indicando os documentos para guarda permanente, ob- ção serão encaminhadas ao Arquivo Nacional, ao arquivo
servado o disposto na Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e permanente do órgão público, da entidade pública ou da
IV – subsidiar a elaboração do rol anual de informações instituição de caráter público, para fins de organização, pre-
desclassificadas e documentos classificados em cada grau servação e acesso.
de sigilo, a ser disponibilizado na Internet. Art. 41. As informações sobre condutas que impliquem
violação dos direitos humanos praticada por agentes públi-
Seção III cos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser
Da Desclassificação e Reavaliação da objeto de classificação em qualquer grau de sigilo nem ter
Informação Classificada em Grau de Sigilo seu acesso negado.
Art. 42. Não poderá ser negado acesso às informações
necessárias à tutela judicial ou administrativa de direitos
Art. 35. A classificação das informações será reavaliada
fundamentais.
pela autoridade classificadora ou por autoridade hierarqui-
Parágrafo único. O requerente deverá apresentar razões
camente superior, mediante provocação ou de ofício, para
que demonstrem a existência de nexo entre as informações
desclassificação ou redução do prazo de sigilo.
requeridas e o direito que se pretende proteger.
Parágrafo único. Para o cumprimento do disposto no
Art.  43. O acesso, a divulgação e o tratamento de in-
caput, além do disposto no art. 27, deverá ser observado:
formação classificada em qualquer grau de sigilo ficarão
I – o prazo máximo de restrição de acesso à informação,
restritos a pessoas que tenham necessidade de conhecê-la
previsto no art. 28; e que sejam credenciadas segundo as normas fixadas pelo
II – o prazo máximo de quatro anos para revisão de ofí-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
Núcleo de Segurança e Credenciamento, instituído no âmbito
cio das informações classificadas no grau ultrassecreto ou do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
secreto, previsto no inciso I do caput do art. 47; República, sem prejuízo das atribuições de agentes públicos
III – a permanência das razões da classificação; autorizados por lei.
IV – a possibilidade de danos ou riscos decorrentes da Art. 44. As autoridades do Poder Executivo federal ado-
divulgação ou acesso irrestrito da informação; e tarão as providências necessárias para que o pessoal a elas
V – a peculiaridade das informações produzidas no ex- subordinado conheça as normas e observe as medidas e
terior por autoridades ou agentes públicos. procedimentos de segurança para tratamento de informa-
Art. 36. O pedido de desclassificação ou de reavaliação ções classificadas em qualquer grau de sigilo.
da classificação poderá ser apresentado aos órgãos e enti- Parágrafo único. A pessoa natural ou entidade privada
dades independente de existir prévio pedido de acesso à que, em razão de qualquer vínculo com o Poder Público, exe-
informação. cutar atividades de tratamento de informações classificadas,
Parágrafo único. O pedido de que trata o caput será en- adotará as providências necessárias para que seus empre-
dereçado à autoridade classificadora, que decidirá no prazo gados, prepostos ou representantes observem as medidas
de trinta dias. e procedimentos de segurança das informações.
Art. 37. Negado o pedido de desclassificação ou de rea- Art. 45. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade
valiação pela autoridade classificadora, o requerente poderá publicará anualmente, até o dia 1° de junho, em sítio na
apresentar recurso no prazo de dez dias, contado da ciência Internet:
da negativa, ao Ministro de Estado ou à autoridade com as I – rol das informações desclassificadas nos últimos doze
mesmas prerrogativas, que decidirá no prazo de trinta dias. meses;
§ 1º Nos casos em que a autoridade classificadora es- II – rol das informações classificadas em cada grau de
teja vinculada a autarquia, fundação, empresa pública ou sigilo, que deverá conter:

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A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
a) código de indexação de documento; Art. 48. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações
b) categoria na qual se enquadra a informação; se reunirá, ordinariamente, uma vez por mês, e, extraor-
c) indicação de dispositivo legal que fundamenta a clas- dinariamente, sempre que convocada por seu Presidente.
sificação; e Parágrafo único. As reuniões serão realizadas com a pre-
d) data da produção, data da classificação e prazo da sença de no mínimo seis integrantes.
classificação; Art. 49. Os requerimentos de prorrogação do prazo de
III – relatório estatístico com a quantidade de pedidos de classificação de informação no grau ultrassecreto, a que se
acesso à informação recebidos, atendidos e indeferidos; e refere o inciso IV do caput do art. 47, deverão ser encami-
IV – informações estatísticas agregadas dos requerentes. nhados à Comissão Mista de Reavaliação de Informações em
Parágrafo único. Os órgãos e entidades deverão manter até um ano antes do vencimento do termo final de restrição
em meio físico as informações previstas no caput, para con- de acesso.
sulta pública em suas sedes. Parágrafo único. O requerimento de prorrogação do prazo
de sigilo de informação classificada no grau ultrassecreto
CAPÍTULO VI deverá ser apreciado, impreterivelmente, em até três sessões
Da Comissão Mista de Reavaliação subsequentes à data de sua autuação, ficando sobrestadas,
de Informações Classificadas até que se ultime a votação, todas as demais deliberações
da Comissão.
Art. 46. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações, Art. 50. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações
instituída nos termos do § 1º do art. 35 da Lei nº 12.527, de deverá apreciar os recursos previstos no inciso III do caput do
2011, será integrada pelos titulares dos seguintes órgãos: art. 47, impreterivelmente, até a terceira reunião ordinária
I – Casa Civil da Presidência da República, que a presidirá; subsequente à data de sua autuação.
II – Ministério da Justiça; Art. 51. A revisão de ofício da informação classificada
III – Ministério das Relações Exteriores; no grau ultrassecreto ou secreto será apreciada em até três
IV – Ministério da Defesa; sessões anteriores à data de sua desclassificação automática.
V – Ministério da Fazenda; Art. 52. As deliberações da Comissão Mista de Reavalia-
VI – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; ção de Informações serão tomadas:
VII – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
I – por maioria absoluta, quando envolverem as com-
República;
petências previstas nos incisos I e IV do caput do art.47; e
VIII – Gabinete de Segurança Institucional da Presidência
II – por maioria simples dos votos, nos demais casos.
da República;
Parágrafo único. A Casa Civil da Presidência da República
IX – Advocacia-Geral da União; e
poderá exercer, além do voto ordinário, o voto de qualidade
X – Controladoria Geral da União.
Parágrafo único. Cada integrante indicará suplente a ser para desempate.
designado por ato do Presidente da Comissão. Art. 53. A Casa Civil da Presidência da República exer-
Art. 47. Compete à Comissão Mista de Reavaliação de cerá as funções de Secretaria-Executiva da Comissão Mista
Informações: de Reavaliação de Informações, cujas competências serão
I – rever, de ofício ou mediante provocação, a classifica- definidas em regimento interno.
ção de informação no grau ultrassecreto ou secreto ou sua Art. 54. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações
reavaliação, no máximo a cada quatro anos; aprovará, por maioria absoluta, regimento interno que dis-
II – requisitar da autoridade que classificar informação no porá sobre sua organização e funcionamento.
grau ultrassecreto ou secreto esclarecimento ou conteúdo, Parágrafo único. O regimento interno deverá ser publica-
parcial ou integral, da informação, quando as informações do no Diário Oficial da União no prazo de noventa dias após
constantes do TCI não forem suficientes para a revisão da a instalação da Comissão.
classificação;
III – decidir recursos apresentados contra decisão pro- CAPÍTULO VII
ferida: Das Informações Pessoais
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

a) pela Controladoria-Geral da União, em grau recursal,


pedido de acesso à informação ou de abertura de base de Art. 55. As informações pessoais relativas à intimidade,
dados, ou às razões da negativa de acesso à informação ou de vida privada, honra e imagem detidas pelos órgãos e enti-
abertura de base de dados; ou (Redação dada pelo Decreto dades:
nº 8.777, de 2016) I – terão acesso restrito a agentes públicos legalmente
b) pelo Ministro de Estado ou autoridade com a mesma autorizados e a pessoa a que se referirem, independente-
prerrogativa, em grau recursal, a pedido de desclassificação mente de classificação de sigilo, pelo prazo máximo de cem
ou reavaliação de informação classificada; anos a contar da data de sua produção; e
IV – prorrogar por uma única vez, e por período deter- II – poderão ter sua divulgação ou acesso por terceiros
minado não superior a vinte e cinco anos, o prazo de sigilo autorizados por previsão legal ou consentimento expresso
de informação classificada no grau ultrassecreto, enquanto da pessoa a que se referirem.
seu acesso ou divulgação puder ocasionar ameaça externa Parágrafo único. Caso o titular das informações pessoais
à soberania nacional, à integridade do território nacional ou esteja morto ou ausente, os direitos de que trata este artigo
grave risco às relações internacionais do País, limitado ao assistem ao cônjuge ou companheiro, aos descendentes ou
máximo de cinquenta anos o prazo total da classificação; e ascendentes, conforme o disposto no parágrafo único do
V – estabelecer orientações normativas de caráter ge- art. 20 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e na Lei
ral a fim de suprir eventuais lacunas na aplicação da Lei nº nº 9.278, de 10 de maio de 1996.
12.527, de 2011. Art. 56. O tratamento das informações pessoais deve ser
Parágrafo único. A não deliberação sobre a revisão de feito de forma transparente e com respeito à intimidade,
ofício no prazo previsto no inciso I do caput implicará a des- vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às
classificação automática das informações. liberdades e garantias individuais.

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Art. 57. O consentimento referido no inciso II do caput § 2º Aquele que obtiver acesso às informações pessoais
do art. 55 não será exigido quando o acesso à informação de terceiros será responsabilizado por seu uso indevido, na
pessoal for necessário: forma da lei.
I – à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa Art. 62. Aplica-se, no que couber, a Lei nº 9.507, de 12 de
estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização exclu- novembro de 1997, em relação à informação de pessoa, na-
sivamente para o tratamento médico; tural ou jurídica, constante de registro ou banco de dados de
II – à realização de estatísticas e pesquisas científicas de órgãos ou entidades governamentais ou de caráter público.
evidente interesse público ou geral, previstos em lei, vedada
a identificação da pessoa a que a informação se referir; CAPÍTULO VIII
III – ao cumprimento de decisão judicial; Das Entidades Privadas sem Fins Lucrativos
IV – à defesa de direitos humanos de terceiros; ou
V – à proteção do interesse público geral e preponde- Art. 63. As entidades privadas sem fins lucrativos que
rante. receberem recursos públicos para realização de ações de
Art. 58. A restrição de acesso a informações pessoais de interesse público deverão dar publicidade às seguintes in-
que trata o art. 55 não poderá ser invocada: formações:
I  – com o intuito de prejudicar processo de apuração I – cópia do estatuto social atualizado da entidade;
de irregularidades, conduzido pelo Poder Público, em que o II  – relação nominal atualizada dos dirigentes da enti-
titular das informações for parte ou interessado; ou dade; e
II  – quando as informações pessoais não classificadas III – cópia integral dos convênios, contratos, termos de
estiverem contidas em conjuntos de documentos necessários parcerias, acordos, ajustes ou instrumentos congêneres re-
à recuperação de fatos históricos de maior relevância. alizados com o Poder Executivo federal, respectivos aditivos,
Art. 59. O dirigente máximo do órgão ou entidade po- e relatórios finais de prestação de contas, na forma da le-
derá, de ofício ou mediante provocação, reconhecer a inci- gislação aplicável.
dência da hipótese do inciso II do caput do art. 58, de forma § 1º As informações de que trata o caput serão divulgadas
fundamentada, sobre documentos que tenha produzido ou em sítio na Internet da entidade privada e em quadro de
acumulado, e que estejam sob sua guarda. avisos de amplo acesso público em sua sede.
§ 1º Para subsidiar a decisão de reconhecimento de que § 2º A divulgação em sítio na Internet referida no §1º
trata o caput, o órgão ou entidade poderá solicitar a univer- poderá ser dispensada, por decisão do órgão ou entidade
sidades, instituições de pesquisa ou outras entidades com pública, e mediante expressa justificação da entidade, nos
notória experiência em pesquisa historiográfica a emissão casos de entidades privadas sem fins lucrativos que não dis-
de parecer sobre a questão. ponham de meios para realizá-la.
§ 2º A decisão de reconhecimento de que trata o caput § 3º As informações de que trata o caput deverão ser pu-
será precedida de publicação de extrato da informação, com blicadas a partir da celebração do convênio, contrato, termo
descrição resumida do assunto, origem e período do conjun- de parceria, acordo, ajuste ou instrumento congênere, serão
to de documentos a serem considerados de acesso irrestrito, atualizadas periodicamente e ficarão disponíveis até cento
com antecedência de no mínimo trinta dias. e oitenta dias após a entrega da prestação de contas final.
§ 3º Após a decisão de reconhecimento de que trata o §
Art. 64. Os pedidos de informação referentes aos con-
2º, os documentos serão considerados de acesso irrestrito
vênios, contratos, termos de parcerias, acordos, ajustes ou
ao público.
instrumentos congêneres previstos no art. 63 deverão ser
§ 4º Na hipótese de documentos de elevado valor histó-
apresentados diretamente aos órgãos e entidades respon-
rico destinados à guarda permanente, caberá ao dirigente
sáveis pelo repasse de recursos.
máximo do Arquivo Nacional, ou à autoridade responsável
pelo arquivo do órgão ou entidade pública que os receber,
CAPÍTULO IX
decidir, após seu recolhimento, sobre o reconhecimento,
observado o procedimento previsto neste artigo. Das Responsabilidades
Art. 60. O pedido de acesso a informações pessoais ob-
Art. 65. Constituem condutas ilícitas que ensejam res-
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
servará os procedimentos previstos no Capítulo IV e estará
condicionado à comprovação da identidade do requerente. ponsabilidade do agente público ou militar:
Parágrafo único. O pedido de acesso a informações pes- I – recusar-se a fornecer informação requerida nos ter-
soais por terceiros deverá ainda estar acompanhado de: mos deste Decreto, retardar deliberadamente o seu forne-
I – comprovação do consentimento expresso de que trata cimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta,
o inciso II do caput do art. 55, por meio de procuração; incompleta ou imprecisa;
II – comprovação das hipóteses previstas no art. 58; II – utilizar indevidamente, subtrair, destruir, inutilizar,
III – demonstração do interesse pela recuperação de fatos desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, infor-
históricos de maior relevância, observados os procedimentos mação que se encontre sob sua guarda, a que tenha acesso
previstos no art. 59; ou ou sobre que tenha conhecimento em razão do exercício das
IV – demonstração da necessidade do acesso à informa- atribuições de cargo, emprego ou função pública;
ção requerida para a defesa dos direitos humanos ou para a III – agir com dolo ou má-fé na análise dos pedidos de
proteção do interesse público e geral preponderante. acesso à informação;
Art. 61. O acesso à informação pessoal por terceiros será IV – divulgar, permitir a divulgação, acessar ou permitir
condicionado à assinatura de um termo de responsabilidade, acesso indevido a informação classificada em grau de sigilo
que disporá sobre a finalidade e a destinação que funda- ou a informação pessoal;
mentaram sua autorização, sobre as obrigações a que se V – impor sigilo à informação para obter proveito pes-
submeterá o requerente. soal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal
§ 1º A utilização de informação pessoal por terceiros cometido por si ou por outrem;
vincula-se à finalidade e à destinação que fundamentaram VI – ocultar da revisão de autoridade superior competen-
a autorização do acesso, vedada sua utilização de maneira te informação classificada em grau de sigilo para beneficiar
diversa. a si ou a outrem, ou em prejuízo de terceiros; e

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VII – destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos III – recomendar medidas para aperfeiçoar as normas e
concernentes a possíveis violações de direitos humanos por procedimentos necessários à implementação deste Decreto;
parte de agentes do Estado. IV – orientar as unidades no que se refere ao cumpri-
§ 1º Atendido o princípio do contraditório, da ampla mento deste Decreto; e
defesa e do devido processo legal, as condutas descritas no V – manifestar-se sobre reclamação apresentada contra
caput serão consideradas: omissão de autoridade competente, observado o disposto
I – para fins dos regulamentos disciplinares das Forças no art. 22.
Armadas, transgressões militares médias ou graves, segundo
os critérios neles estabelecidos, desde que não tipificadas Seção II
em lei como crime ou contravenção penal; ou Das Competências Relativas ao Monitoramento
II – para fins do disposto na Lei nº 8.112, de 11 de de-
zembro de 1990, infrações administrativas, que deverão ser Art. 68. Compete à Controladoria-Geral da União, obser-
apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo os critérios vadas as competências dos demais órgãos e entidades e as
estabelecidos na referida lei. previsões específicas neste Decreto:
§ 2º Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar I – definir o formulário padrão, disponibilizado em meio
ou agente público responder, também, por improbidade ad- físico e eletrônico, que estará à disposição no sítio na Inter-
ministrativa, conforme o disposto nas Leis nº 1.079, de 10 de net e no SIC dos órgãos e entidades, de acordo com o § 1º
abril de 1950, e nº 8.429, de 2 de junho de 1992. do art. 11;
Art. 66. A pessoa natural ou entidade privada que detiver II – promover campanha de abrangência nacional de fo-
informações em virtude de vínculo de qualquer natureza com mento à cultura da transparência na administração pública
o Poder Público e praticar conduta prevista no art. 65, estará e conscientização sobre o direito fundamental de acesso à
sujeita às seguintes sanções: informação;
I – advertência; III – promover o treinamento dos agentes públicos e, no
II – multa; que couber, a capacitação das entidades privadas sem fins
III – rescisão do vínculo com o Poder Público; lucrativos, no que se refere ao desenvolvimento de práticas
IV – suspensão temporária de participar em licitação e relacionadas à transparência na administração pública;
impedimento de contratar com a administração pública por IV  – monitorar a implementação da Lei nº 12.527, de
prazo não superior a dois anos; e 2011, concentrando e consolidando a publicação de infor-
V – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar mações estatísticas relacionadas no art. 45;
com a administração pública, até que seja promovida a re- V – preparar relatório anual com informações referentes à
abilitação perante a autoridade que aplicou a penalidade. implementação da Lei nº 12.527, de 2011, a ser encaminhado
§ 1º A sanção de multa poderá ser aplicada juntamente ao Congresso Nacional;
com as sanções previstas nos incisos I, III e IV do caput.
VI – monitorar a aplicação deste Decreto, especialmente
§ 2º A multa prevista no inciso II do caput será aplicada
o cumprimento dos prazos e procedimentos; e
sem prejuízo da reparação pelos danos e não poderá ser:
VII – definir, em conjunto com a Casa Civil da Presidência
I – inferior a R$ 1.000,00 (mil reais) nem superior a R$
da República, diretrizes e procedimentos complementares
200.000,00 (duzentos mil reais), no caso de pessoa natural;
necessários à implementação da Lei nº 12.527, de 2011.
ou
Art. 69. Compete à Controladoria-Geral da União e ao Mi-
II – inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) nem superior
a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), no caso de entidade nistério do Planejamento, Orçamento e Gestão, observadas
privada. as competências dos demais órgãos e entidades e as previ-
§ 3º A reabilitação referida no inciso V do caput será sões específicas neste Decreto, por meio de ato conjunto:
autorizada somente quando a pessoa natural ou entidade I – estabelecer procedimentos, regras e padrões de di-
privada efetivar o ressarcimento ao órgão ou entidade dos vulgação de informações ao público, fixando prazo máximo
prejuízos resultantes e depois de decorrido o prazo da sanção para atualização; e
aplicada com base no inciso IV do caput. II – detalhar os procedimentos necessários à busca, es-
§ 4º A aplicação da sanção prevista no inciso V do caput truturação e prestação de informações no âmbito do SIC.
Art. 70. Compete ao Gabinete de Segurança Institucional
Atividade de Inteligência e Legislação Correlata

é de competência exclusiva da autoridade máxima do órgão


ou entidade pública. da Presidência da República, observadas as competências
§ 5º O prazo para apresentação de defesa nas hipóteses dos demais órgãos e entidades e as previsões específicas
previstas neste artigo é de dez dias, contado da ciência do neste Decreto:
ato. I – estabelecer regras de indexação relacionadas à clas-
sificação de informação;
CAPÍTULO X II  – expedir atos complementares e estabelecer pro-
Do Monitoramento da Aplicação da Lei cedimentos relativos ao credenciamento de segurança de
pessoas, órgãos e entidades públicos ou privados, para o
Seção I tratamento de informações classificadas; e
Da Autoridade de Monitoramento III – promover, por meio do Núcleo de Credenciamento
de Segurança, o credenciamento de segurança de pessoas,
Art. 67. O dirigente máximo de cada órgão ou entidade órgãos e entidades públicos ou privados, para o tratamento
designará autoridade que lhe seja diretamente subordinada de informações classificadas.
para exercer as seguintes atribuições:
I  – assegurar o cumprimento das normas relativas ao CAPÍTULO XI
acesso à informação, de forma eficiente e adequada aos Disposições Transitórias e Finais
objetivos da Lei nº 12.527, de 2011;
II  – avaliar e monitorar a implementação do disposto Art. 71. Os órgãos e entidades adequarão suas políticas
neste Decreto e apresentar ao dirigente máximo de cada de gestão da informação, promovendo os ajustes necessários
órgão ou entidade relatório anual sobre o seu cumprimento, aos processos de registro, processamento, trâmite e arqui-
encaminhando-o à Controladoria-Geral da União; vamento de documentos e informações.

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Art. 72. Os órgãos e entidades deverão reavaliar as infor- Art. 76. Este Decreto entra em vigor em 16 de maio de 2012.
mações classificadas no grau ultrassecreto e secreto no prazo
máximo de dois anos, contado do termo inicial de vigência Brasília, 16 de maio de 2012; 191º da Independência e
da Lei nº 12.527, de 2011. 124º da República.
§ 1º A restrição de acesso a informações, em razão da
reavaliação prevista no caput, deverá observar os prazos e DILMA ROUSSEFF
condições previstos neste Decreto. José Eduardo Cardozo
§ 2º Enquanto não transcorrido o prazo de reavaliação Celso Luiz Nunes Amorim
previsto no caput, será mantida a classificação da informação, Antonio de Aguiar Patriota
observados os prazos e disposições da legislação precedente. Guido Mantega
§ 3º As informações classificadas no grau ultrassecreto Miriam Belchior
e secreto não reavaliadas no prazo previsto no caput serão Paulo Bernardo Silva
consideradas, automaticamente, desclassificadas. Marco Antonio Raupp
Art. 73. A publicação anual de que trata o art. 45 terá Alexandre Antonio Tombini
início em junho de 2013. Gleisi Hoffmann
Art. 74. O tratamento de informação classificada resul- Gilberto Carvalho
tante de tratados, acordos ou atos internacionais atenderá José Elito Carvalho Siqueira
às normas e recomendações desses instrumentos. Helena Chagas
Art.  75. Aplica-se subsidiariamente a Lei nº 9.784, de Luis Inácio Lucena Adams
29 de janeiro de 1999, aos procedimentos previstos neste Jorge Hage Sobrinho
Decreto. Maria do Rosário Nunes

ANEXO
GRAU DE SIGILO:
(idêntico ao grau de sigilo do documento)

TERMO DE CLASSIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO


ÓRGÃO/ENTIDADE:
CÓDIGO DE INDEXAÇÃO:
GRAU DE SIGILO:
CATEGORIA:
TIPO DE DOCUMENTO:
DATA DE PRODUÇÃO:
FUNDAMENTO LEGAL PARA CLASSIFICAÇÃO:
RAZÕES PARA A CLASSIFICAÇÃO:
(idêntico ao grau de sigilo do documento)
PRAZO DA RESTRIÇÃO DE ACESSO:
DATA DE CLASSIFICAÇÃO:
Nome:
AUTORIDADE CLASSIFICADORA
Cargo:
AUTORIDADE RATIFICADORA Nome:
(quando aplicável) Cargo:
DESCLASSIFICAÇÃO em ____/____/________ Nome: Atividade de Inteligência e Legislação Correlata
(quando aplicável) Cargo:
RECLASSIFICAÇÃO em ____/____/_________ Nome:
(quando aplicável) Cargo:
REDUÇÃO DE PRAZO em ____/____/_______ Nome:
(quando aplicável) Cargo:
PRORROGAÇÃO DE PRAZO em ___/ ____/_____ Nome:
(quando aplicável) Cargo:
_____________________________________________________
ASSINATURA DA AUTORIDADE CLASSIFICADORA
_____________________________________________________________
ASSINATURA DA AUTORIDADE RATIFICADORA (quando aplicável)
________________________________________________________________________________
ASSINATURA DA AUTORIDADE responsável por DESCLASSIFICAÇÃO (quando aplicável)
______________________________________________________________________________
ASSINATURA DA AUTORIDADE responsável por RECLASSIFICAÇÃO (quando aplicável)
_______________________________________________________________________________
ASSINATURA DA AUTORIDADE responsável por REDUÇÃO DE PRAZO (quando aplicável)
_______________________________________________________________________________
ASSINATURA DA AUTORIDADE responsável por PRORROGAÇÃO DE PRAZO (quando aplicável)

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ABIN

SUMÁRIO

História do Brasil

A formação do Brasil contemporâneo:


A República Velha e as estruturas oligárquicas. Economia e sociedade: o café e a estratificação social.
A Revolução de 30. A Era Vargas: política, economia e sociedade.................................................................................... 3

O período democrático (1945-1964):


A redemocratização do Estado e a Constituição de 46. Ideologia e política partidária. A política de
industrialização do governo JK. A crise do regime democrático........................................................................................ 9

O regime militar e a redemocratização (1964 aos dias atuais):


A ruptura política do movimento de 64. A política econômica e social dos governos militares. A crise do regime
militar e a redemocratização...........................................................................................................................................12

O Brasil político:
Nação e território. Organização do Estado Brasileiro. As constituições. Os partidos políticos e as instituições.............14

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História do Brasil
Rebecca Guimarães

A FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO • convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.


• elaboração da Constituição de 1891.
O sentido da formação e evolução histórica brasileira se
voltou para fornecer bens agrícolas tropicais para o mercado A política econômica republicana foi formulada por Ruy
europeu como o açúcar, por exemplo. O objetivo era atender Barbosa, então ministro da Fazenda. Sua intenção era indus-
às necessidades da Metrópole. trializar o país e realizar a independência econômica. Para
O interesse desta última era de usufruir o máximo possí- isso, Ruy Barbosa tomou as seguintes medidas: aumento
vel e de maneira mais rápida e menos custosa dos benefícios das tarifas alfandegárias, emissão de moeda, facilidade de
oferecidos pela colônia sem grandes preocupações com a crédito, aumento das exportações.
organização societária. Mesmo posteriormente, quando foi A política emissionária sem controle mais a política de
necessário desenvolver o povoamento em função do enfra- crédito aberto resultaram numa violenta inflação e especu-
lação na bolsa de valores que faliu diversas fábricas e au-
quecimento do comércio das Índias, a busca por riqueza fácil
mentou a dívida pública.
permeou os interesses dos colonizadores.
Portanto, percebemos que a primeira crise econômica
Estes fatos ocasionaram a construção de uma socieda- da República, denominada de a crise do encilhamento, foi
de voltada para o mercado externo em detrimento de sua gerada pela política monetária emissionista, seguida de uma
estrutura interior. Sociedade de bases frágeis formada em especulação na bolsa de valores e uma consequente desva-
sua maioria por descendentes de escravos transformados lorização da moeda.
em cidadãos de segunda categoria e mera força de trabalho,
vivendo em péssimas condições e sem condições de integrar- Constituição de 1891
-se ao mercado.
Esta característica, a partir de então, não deixaria mais de Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a segunda
fazer parte da sociedade brasileira mesmo posteriormente Constituição brasileira e a primeira da República, elaborada
no período de industrialização. Percebe-se a presença do por uma Assembleia Constituinte. Esta Constituição teve
materialismo histórico, segundo o economista Caio Prado como modelo a norte-americana e caracterizou-se, prin-
Júnior, em toda a história brasileira, principalmente quando cipalmente, por ser federalista presidencialista e adotar o
se observa que o modo de produção característico é que regime de representatividade. O governo era dividido em
determinará o modo de vida específico, determinando o três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
que as pessoas são na sociedade. Essa Constituição estabeleceu o voto universal, desco-
berto (não secreto) e direto para todos os cidadãos do sexo
A República Velha e as Estruturas Oligárquicas masculino maiores de 21 anos que não fossem analfabetos.
Criou o Supremo Tribunal Federal, o Distrito Federal, o siste-
O movimento republicano que, em 15 de novembro ma bicameral, assim como deu nova denominação ao Brasil:
de 1889, destituiu do poder o velho sistema monárquico, Estados Unidos do Brasil.
caracterizou-se pelo elitismo e pelos interesses divergentes Estavam assegurados os seguintes direitos: igualdade
de seus grupos políticos. perante a lei, inviolabilidade do lar, liberdade religiosa, ex-
Dentre as principais forças políticas participativas que tinção das ordens honoríficas, livre exercício de profissão,
instauraram a República, podemos destacar o grupo dos entre outros.
militares do Exército, ligados ideologicamente ao positivis-
mo e aos ideais políticos das classes médias urbanas. Esse Você sabia?
grupo desejava implantar no Brasil um regime republicano Com a implantação da República, a mudança da capital
centralizado, com ênfase no Poder Executivo forte, acima do federal para o Planalto Central ganhou força constitucional
por meio da Carta Magna de 1891 (art. 3º). Os textos poste-
Legislativo. Os militares eram também antiliberais e defen-
riores (1934 e 1946) também determinavam a transferência
diam o progresso do país por meio da expansão industrial.
da capital para o interior do País.
Já o outro grupo, composto pelas classes dominantes das
províncias mais influentes (São Paulo e Minas Gerais), era ba- Deodoro da Fonseca (1889-1891)
sicamente formado por plantadores de café que defendiam a
implantação de um regime republicano federativo com am- Deodoro, eleito em 1891, governou por oito meses. Fe-
pla autonomia administrativa aos estados, sem interferência chou o Congresso em 3 de novembro de 1891, apesar de não
federal, favorecendo assim uma descentralização política. ter autorização constitucional, deu mais poder ao Executivo,
O primeiro presidente do período republicano brasileiro, tentou dar um golpe, que fracassou, e renunciou ao cargo
Marechal Deodoro da Fonseca, durante o governo provisório, de presidente após a iminência de guerra civil organizada
instaurado logo após a proclamação da República, seguiu pela oposição.
o direcionamento do grupo dos militares, tomando as se- Destacamos nesse momento a manobra da Marinha, que,
guintes medidas: sob comando de Custódio de Melo, sublevou a esquadra.
• suspensão da Constituição de 1824; Floriano Peixoto era vice de Deodoro e assumiu o governo.
História do Brasil

• extinção da vitaliciedade do Senado; Ele deveria convocar imediatamente novas eleições, con-
• transformação das províncias em estados; forme o dispositivo previsto no art. 42 da Constituição de
• banimento da Família Real para a Europa; 1891, mas não o fez.
• criação da bandeira republicana com o lema positivista
“ordem e progresso”; Floriano Peixoto (1891-1894)
• dissolução das Assembleias Provinciais, das Câmaras
Municipais e a Câmara dos Deputados, nomeando in- Floriano Peixoto assumiu a presidência da República com
terventores para governar os estados; o apoio dos militares e das oligarquias estaduais contrárias a

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Deodoro. Com Floriano no poder, foi suspensa a dissolução oposição política, estavam os florianistas que, oriundos das
do Congresso Nacional e foram depostos todos os governa- camadas médias urbanas e da jovem classe militar, não acei-
dores que apoiaram Deodoro. tavam o domínio político dos fazendeiros de café.
Um dos primeiros problemas enfrentados por Floriano
Peixoto foi a oposição política e a questão da legalidade, Guerra de Canudos (1896-1897)
pois Deodoro não havia governado por dois anos e, por isso, O problema mais grave do governo de Prudente de Mo-
Floriano deveria convocar imediatamente novas eleições. rais foi o maior movimento popular de resistência às desi-
Conhecido pelo apelido de Marechal de Ferro, Floriano gualdades sociais da história do Nordeste. Um movimento
enfrentou as revoltas do Forte de Santa Cruz e de Lages, que refletia a extrema miséria em que viviam as populações
assim como, a Revolta da Armada e a Revolução Federalista. marginalizadas do sertão, comandadas por Antônio Conse-
lheiro, uma espécie de líder político-religioso. Canudos era
Revolução Federalista (fevereiro 1893) uma sociedade isolada no sertão com um sistema econômi-
co comunitário, onde não existiam diferenças sociais. Esse
Foi uma luta armada entre federalistas e castilhistas pelo sistema atraiu milhares de pessoas de todas as partes do
poder no Rio Grande do Sul. Nordeste que buscavam uma condição de vida melhor. Ca-
nudos pode ser qualificado como um movimento político,
Revolta da Armada (setembro 1893) religioso e messiânico.
A primeira reação do governo foi quando o governador
Sob o comando do Almirante Custódio de Melo, a armada da Bahia mandou um grupo da polícia militar para dispersar
se revoltou contra o governo, exigindo a reconstitucionali- o movimento. Não obtendo sucesso, o vice-presidente da
zação do país. Após tomar alguns navios e bombardear a República, Manuel Vitorino, mandou uma expedição militar,
cidade do Rio de Janeiro, Custódio de Melo zarpou para o comandada pelo Cel. Moreira César, que também sucumbiu.
sul e uniu-se aos federalistas remanescentes da Revolução As vitórias dos moradores do Arraial de Canudos (Belo Mon-
Federalista, ocupando a cidade de Desterro (Florianópolis), te) foram fáceis, devido ao desconhecimento do terreno por
instalando um governo revolucionário. parte das tropas federais e também às inegáveis habilidades
Floriano reaparelhou a Marinha e organizou uma expe- dos seguidores de Antônio Conselheiro em aplicar técnicas
dição para combater os revoltosos. Logo depois, as forças do de guerrilha.
governo tomaram a cidade e o Marechal de Ferro consolidou Prudente de Morais organizou, então, uma expedição
o poder. com cerca de 6 mil homens, que, sob o comando do Gen.
Artur Oscar, foi derrotada com perda de 2/3 do efetivo.
Política Econômica A última alternativa de Prudente de Morais foi organizar
uma nova expedição, agora sob o comando do ministro da
No aspecto econômico, o governo de Floriano Peixoto
guerra, o Mal. Bittencourt (conhecido como o Marechal de
caracterizou-se por uma ação favorável à classe média e à
Ouro), que, com armamento pesado, bombardeou todo o
nascente burguesia brasileira.
arraial e só depois invadiu. As tropas do Exército não fizeram
Com o objetivo de incentivar a produção industrial brasi-
prisioneiros, ou seja, Canudos não se rendeu.
leira, Floriano estabeleceu um novo protecionismo alfande-
gário, isentou do pagamento de impostos as importações de
Campos Sales (1898-1902)
máquinas industriais e concedeu financiamento às indústrias.
Floriano teve total apoio popular, pois tomou diversas Campos Sales enfrentou, no início de seu mandato, uma
atitudes em relação à diminuição do custo de vida, como: grave crise econômica resultante dos mandatos anteriores.
diminuição dos aluguéis, construções de casas populares e Por isso, o presidente recorreu aos banqueiros britânicos
aumento de empregos com os incentivos industriais. para estabelecer um acordo financeiro, que ficou conhecido
como funding loan - um tipo de moratória -, por meio do qual
Sucessão Presidencial o país fez um empréstimo para pagar a longo prazo, fazendo
concessões aos interesses britânicos.
Com forte apoio popular e de setores da classe média Outro ponto foi o corte de gasto para diminuir a inflação,
urbana, Floriano conseguiu permanecer no poder, porém medida posta em prática pelo então ministro da Fazenda, Jo-
abandonou a vida política. Foi o fim de um período da Re- aquim Murtinho, que se caracterizou pela retirada da moeda
pública Velha, conhecido como a República da Espada. Com de circulação. Em síntese, a medida saneou os gastos, porém
a ascensão de Prudente de Morais ao poder, surge a fase da afetou a indústria e o comércio negativamente.
República das Oligarquias, que se caracterizou pelo domínio
político dos fazendeiros de café. Política dos Governadores e Política do Café-com-leite
O término do florianismo marca o início do fim da crise Campos Sales criou, durante seu mandato, uma podero-
da República. Novamente unificada, a oligarquia agrícola sa e eficiente máquina política que garantiu a continuidade
retornou ao comando da vida econômica do país. A classe do predomínio político por parte dos produtores de café de
média estava fadada a sofrer os defeitos de uma política Minas Gerais e São Paulo.
econômica que tirava do consumidor os ônus cada vez mais Essa política repousava em dois pilares. Um deles era
pesados da valorização do café. a política dos governadores ou políticas dos estados, que
consistia numa troca mútua de favores políticos em todas
História do Brasil

Economia e Sociedade: o Café e a Estratificação as esferas do poder, de modo a manter a oposição fora do
Social governo. Esse sistema caracterizou-se, principalmente, pelas
fraudes eleitorais e pela manipulação dos eleitores (voto de
República das Oligarquias (1894-1930) cabresto).
Este último está ligado à figura sociopolítica do coro-
Prudente de Morais (1894-1898) nelismo, fenômeno característico do período da República
Prudente de Morais representou o término do poder Velha com suas raízes vinculadas à época do Império (Guarda
dos militares e o início da consolidação das oligarquias. Na Nacional).

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O coronel desempenhou a função política na esfera Nilo Peçanha (1909-1910)
regional. Detentor de prestígio social e posição financeira Afonso Pena morreu antes do término de seu mandato e
privilegiada, ele mantinha seu “curral eleitoral” de acordo foi substituído pelo seu vice. No seu mandato, criou o Serviço
com seus interesses políticos, manipulando seus eleitores. de Proteção ao Índio (SPI), cuja chefia foi entregue ao Ma-
O coronelismo desempenhou papel político importante na rechal Rondon, militar desbravador que percorreu milhares
manutenção da oligarquia no poder, pois, em nível munici- de quilômetros pelo interior do Brasil.
pal, ele distribuiu cargos e favores, deu proteção e terras a Na campanha sucessória, houve a primeira crise na po-
seus agregados, para assegurar nas urnas as vitórias de seus lítica do café-com- leite, em que São Paulo e Minas Gerais
candidatos. romperam com o pacto político. Nesse contexto, ganhou
O outro pilar do esquema político criado por Campos Hermes da Fonseca, militar florianista. Ele representou um
Sales foi a política do café-com-leite, que consistia no pre- momento de crise entre as forças políticas das oligarquias
domínio de São Paulo e Minas Gerais no Congresso Nacional cafeeiras.
e na Presidência da República, de modo que, em quase sua
totalidade, a República das Oligarquias teve uma alternância Hermes da Fonseca (1910-1914)
Esse governo caracterizou-se por rebeliões militares e
entre paulistas e mineiros no poder.
convulsões sociais.
A Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cân-
Rodrigues Alves (1902-1906)
dido, foi motivada pelos maus-tratos que sofriam os militares
O governo de Rodrigues Alves caracterizou-se principal- de baixa patente da Marinha.
mente pela urbanização da capital federal e pela política de Para diminuir o poder político das oligarquias cafeeiras,
defesa da saúde pública. Hermes da Fonseca criou a política das salvações, segundo
Juntamente com o então prefeito do Rio de Janeiro, Pe- a qual os governadores dos estados foram substituídos por
reira Passos, elaborou um grande projeto de modernização militares de sua confiança. Esta política provocou várias re-
do Centro do Rio. A questão da saúde pública ficou nas mãos voltas, entre elas a Revolta de Juazeiro, liderada pelo caris-
do sanitarista Dr. Oswaldo Cruz, que procurou com todo o mático Padre Cícero Romão Batista. Essa revolta aconteceu
vigor combater a febre amarela, a peste bubônica, a varíola depois da derrubada do então governador do Ceará, Antônio
e a malária no Rio de Janeiro. Pinto Accioly, que era apoiado pelo Padre. Aproveitando o
As oposições ao governo se aglutinaram após a elabora- seu carisma, Padre Cícero organizou uma revolta contra a
ção da lei da vacina obrigatória, decretada para combater a intervenção do governo.
varíola. Essa lei não foi aceita pela população, pois feria os Outra revolta popular foi a Guerra do Contestado, que,
costumes morais da época. Outro ponto foi a violação do lar liderada por José Maria, aconteceu entre os estados do Para-
para acabar com os ratos, transmissores da peste bubônica, ná e Santa Catarina. Essa revolta assemelhou-se à Guerra de
que provocou muitos protestos. Canudos, pois ambos foram conflitos de populações pobres
O povo da capital rebelou-se, em novembro de 1904, e esquecidas que lutaram por seus direitos sob comando de
num movimento que começou no Centro do Rio e estendeu- líderes políticos religiosos.
-se para outras áreas, destacando-se os bairros da Saúde e Na sucessão presidencial, paulistas e mineiros fizeram o
Gamboa, na região portuária. Esse movimento popular, co- Pacto de Ouro Fino, que restabeleceu a política do café-com-
nhecido como a Revolta da Vacina, teve a liderança da classe -leite, elegendo Venceslau Brás.
operária, maior vítima das ações do governo, mas também
foi usado pelos opositores políticos do governo, como os Venceslau Brás (1914-1918)
militares florianistas. Governou no período da Primeira Guerra Mundial, em
Apoiado por tropas de São Paulo e Minas Gerais, o presi- que o Brasil participou ao lado da Tríplice Entente (Inglater-
dente decretou estado de sítio na capital e reprimiu a revolta. ra, França e Rússia), fornecendo matéria-prima, alimentos
Devido à superprodução do café e à consequente queda e médicos.
nos preços, Rodrigues Alves assinou o Convênio de Taubaté, A guerra refletiu no Brasil de forma positiva, pois foi res-
ponsável por uma série de mudanças sociais, econômicas e
em 1906, para proteção dos interesses dos plantadores; foi
políticas no país.
a primeira atitude desse tipo por parte do governo para im-
No campo econômico, a guerra gerou condições de cres-
pedir a desvalorização do café. Essa medida estipulava que:
cimento industrial promovendo um verdadeiro surto. Este
• haveria um preço mínimo por saca; aumentou a urbanização e, consequentemente, o fortaleci-
• o governo compraria os excedentes de produção; mento de alguns grupos sociais, como a classe operária, a
• o governo facilitaria empréstimos para os plantadores burguesia industrial e a classe média urbana.
de café. Esses grupos passaram a contestar o modelo político vi-
gente no Brasil exigindo mudanças no sistema. A burguesia
Comprou o Acre (1903) da Bolívia: Tratado de Petrópolis industrial pressionou o governe contra a política de prote-
feito pelo Barão de Rio Branco. ção exclusiva aos plantadores de café, requerendo maior
participação política e maior apoio financeiro às atividades
Afonso Pena (1906-1909) industriais. A classe média e a operária contestaram a política
Sua política econômica consistiu na proteção e valoriza- dos governadores e o coronelismo, que manipulavam os re-
História do Brasil

ção da produção do café. sultados políticos. Por isso, eram a favor de uma moralização
Com o lema de governo “governar é povoar”, Afonso nas eleições, com a criação do voto secreto.
Pena procurou ao máximo estender as redes ferroviárias e Os operários da região de São Paulo reivindicavam me-
telegráficas, apoiando o povoamento do interior do Brasil. lhores condições de trabalho, como: diminuição das horas de
O Brasil participou da Conferência de Paz de Haia, em trabalho, uma política salarial favorável à classe, assistência
1907, tendo como representante, escolhido pelo Barão do médica e melhores condições de higiene. A maior greve,
Rio Branco, Ruy Barbosa, que, de maneira impecável, defen- nesse período, ocorreu em 1917, quando uma fábrica de
deu os interesses das nações pobres. tecidos, localizada em Mooca, paralisou suas atividades. A

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greve logo se propagou pelo interior paulista e pelos estados lado, havia uma grande crise econômica com alta inflação
do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Somente após e desigualdade social, e do outro, enfrentava as constantes
trinta dias de negociações os operários voltaram ao trabalho. greves operárias e as ações tenentistas. Por isso, seu governo
Assim, a Primeira Guerra Mundial foi o fator que desenca- foi mantido em contínuo estado de sítio.
deou o desenvolvimento urbano industrial, que gerou novas Em 1923, após a quinta reeleição de Borges de Medeiros,
classes sociais com novas propostas políticas contrárias às oli- líder do Partido Republicano Gaúcho, Assis Brasil, chefe da
garquias, que dominavam o cenário político nacional da época. oposição, ameaçou uma nova revolta no Sul. Artur Bernar-
As contestações e pressões desses grupos, somadas aos des proibiu a reeleição e assinou o Pacto de Pedras Altas,
movimentos armados da juventude militar, denominados te- que daria oportunidade ao Partido Libertador de chegar ao
nentismo, e às dissidências no interior das classes dominan- poder no Sul.
tes, provocaram a oposição política ao domínio oligárquico, Sob a liderança do General Isidoro Dias Lopes, em 1924,
promovendo o declínio do poder das oligarquias. eclodiu mais uma revolta tenentista em São Paulo, conhecida
Na sucessão presidencial foi eleito novamente Rodrigues como Revolta Paulista de 1924.
Alves, que, logo depois, morreu de gripe espanhola, assu- Em 1925, outro movimento tenentista surgiu no Rio Gran-
mindo seu vice, Delfim Moreira. de do Sul. Foi a Coluna Prestes, que, sob o comando de Luís
Carlos Prestes e Miguel Costa, composta de aproximadamen-
O Tenentismo te 2 mil militares, percorreu 24 mil quilômetros pelo interior
A década de 20 foi muito importante na história do Bra- do Brasil, combatendo as forças do governo e divulgando as
sil, pois representou a preparação de uma nova era para o ideias tenentistas pelo país.
país, em que as contestações serviram de base para o fim da
República Velha, consolidado na Revolução de 30. Washington Luís (1926-1930)
Entre os participantes dos movimentos sociais estavam A exemplo de Afonso Pena, criou um lema para seu go-
os setores jovens da oficialidade do Exército brasileiro, que, verno: “Governar e abrir estradas”. Por isso, destacaram-se
politizados na Escola Militar de Realengo, posicionaram-se como principais obras as rodovias Rio - São Paulo e a Rio-
contra o sistema político vigente, de domínio oligárquico. -Petrópolis.
Essa classe acreditava que somente ela poderia salvar o Em 1929, o mundo assistiu à primeira grande crise do
Brasil dos corruptos políticos. Impregnados de elitismo e de sistema capitalista em nível mundial. Após uma década de
nacionalismo, os tenentes pregavam a moralização política prosperidade e crescente produção industrial, os Estados
num governo forte e centralizado. Unidos viveram uma crise de superprodução que desenca-
deou um verdadeiro abalo na estrutura capitalista em todo
Delfim Moreira (1919) o mundo.
Fez um governo de transição, convocando e preparando No Brasil, a quebra da Bolsa de Nova Iorque diminuiu as
novas eleições. exportações e enfraqueceu economicamente os plantadores
de café. Essa crise arruinou a aristocracia cafeeira, dando
assim oportunidade para a oposição política ganhar força
Epitácio Pessoa (1919-1922)
cenário interno. Era o início do fim do monopólio político
O presidente Epitácio Pessoa enfrentou graves problemas
das oligarquias cafeeiras, ou seja, o fim da República Velha
sociais devido à alta inflação e às constantes greves operárias.
estava próximo.
Ele contraiu empréstimos nos Estados Unidos, para socorrer
Na sucessão presidencial de 1930, nova crise na políti-
os plantadores de café e combater a seca no Nordeste.
ca do café-com-leite entre São Paulo e Minas Gerais, pois
Em 1920, revogou o ato de banimento da Família Real. São Paulo indicou Júlio Prestes, outro paulista. Essa crise
Em 1921, criou a Lei de Repressão à Anarquia, como forma desarticulou o poder das oligarquias, abrindo caminho para
de reprimir as greves operárias. Em 1922, foi realizada na a oposição.
capital federal uma exposição internacional de comemoração Minas Gerais (PRM), então, passou para a oposição e
do centenário da Independência do Brasil. uniu-se ao Partido Republicano Rio-grandense (PRR). Essa
Em São Paulo, realizou-se a Semana de Arte Moderna, união foi ser chamada de Aliança Liberal (oposição). Lança-
em 1922. Foi um movimento totalmente nacionalista, que ram, então, Getúlio Vargas para presidente, que perdeu a
rompeu com os modelos europeus de arte, explorando o eleição para o candidato Júlio Prestes.
futurismo e o surrealismo, destacando-se: Arruinadas financeiramente pela crise de 29 e divididas
• Escritores: Oswald de Andrade, Mário de Andrade e politicamente, as oligarquias foram derrubadas do poder com
Manuel Bandeira. a Revolução de 1930.
• Pintor: Di Cavalcanti.
• Músico: Villa-Lobos. A Revolução de 30
Em 5 de julho de 1922, ocorreu a primeira revolta tenen- Aliança Liberal queria dar um golpe, mas Getúlio achou
tista no Brasil, a Revolta do Forte de Copacabana, liderada que não era a hora. Logo depois, João Pessoa foi assassina-
pelo Capitão Euclides da Fonseca. Dois dias depois, em 7 de do por motivos pessoais. A oposição canalizou o fato como
julho de 1922, dezessete militares e um civil trocaram tiros motivo político, e, no dia 3 de outubro de 1930, eclodiu a
em Copacabana contra as tropas do Exército, fato que ficou revolta no Rio Grande do Sul e no Nordeste, onde as Forças
conhecido como Revolta dos Dezoito do Forte. Armadas não apoiaram o governo.
História do Brasil

Nesse momento, o tenentismo começou a ganhar força Evitando um conflito de grandes proporções, uma junta
em suas manifestações. Percebe-se que esse movimento se militar derrubou Washington Luís, criando um governo provi-
expandiu pelo Exército brasileiro, contaminando a jovem sório composto pelos generais Tasso Fragoso, Mena Barreto
oficialidade. e o Almirante Isaías Noronha.
A Revolução de 1930 modificou os rumos da história
Artur Bernardes (1922-1926) republicana do Brasil, pois marcou o término do domínio
Recebeu apoio das oligarquias dominantes. Artur Ber- político das oligarquias, impondo um fim às ultrapassadas
nardes enfrentou uma grave situação social, pois, de um instituições políticas características da República Velha.

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Getúlio Dorneles Vargas implantou uma nova mentalida- Os revolucionários perderam militarmente, porém ga-
de político-administrativa voltada para o desenvolvimento nharam politicamente, pois Getúlio Vargas fez as eleições
industrial com recursos nacionais e, no aspecto social, para em 1933 para convocar a Assembleia Nacional Constituinte.
uma atuação efetiva do Estado na regulação das relações
entre empregadores e empregados, ou seja, como protetor Constituição de 1934
da classe trabalhadora, usando como instrumento as leis
trabalhistas. A Constituição de 1934 foi promulgada, estabelecendo
A era Vargas (1930-1945) foi um período de grandes o voto secreto e o direito de voto às mulheres. Todas as de-
transformações, que criaram as bases de um Brasil moderno, cisões do Governo Provisório foram incorporadas na Consti-
industrializado e adaptado ao contexto mundial. tuição de 1934. Foi uma Constituição democrática e também
A preocupação na diversificação agrária, os investimentos social, tendo sido esta a primeira Constituição brasileira a
na indústria de base e nos meios de transporte, o incentivo reunir avanços sociais.
à pesquisa na área de exploração e refino do petróleo e a • Três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo.
consolidação das leis trabalhistas refletem o surgimento de • Incorporou a liberdade de imprensa, liberdade de pen-
uma nova mentalidade política no Brasil. Nesse momento, samento, liberdade religiosa, os três poderes, o voto
o país ampliou suas atividades produtivas, deixando de ser secreto, direito de voto às mulheres, as leis trabalhis-
unicamente voltado para exportação de produtos agrícolas, tas, entre outras medidas.
• Extinção do cargo de vice-presidente.
passando a desenvolver atividades industriais.
• Restrição à imigração.
• Criação da Justiça Eleitoral e Militar.
A Era Vargas: política, economia e sociedade • Criação da Justiça do Trabalho.
Governo Provisório (1930-1934) Leis trabalhistas:
• Descanso semanal remunerado (domingo).
Getúlio Vargas assumiu o poder no dia 3 de novembro de • Férias anuais remuneradas.
1930, como líder incontestável de uma revolução. Assumin- • Carga horária de 8 horas.
do o governo com poderes extraordinários, Vargas reforçou • Proibição do trabalho de menores de 14 anos.
lentamente o seu pessoal, até que, em 1937, instituiu uma • Outras leis (ex.: licença-maternidade de 30 dias).
ditadura fascista. Essa concentração de poderes representou
a destruição do poder das oligarquias estaduais, que carac- Você sabia?
terizou a República Velha. A potiguar Celina Guimarães Viana foi uma professora
Desde cedo o novo governo tratou de centralizar em brasileira, que deixou seu nome na história por ter sido a
suas mãos tanto as decisões econômico-financeiras como primeira eleitora do Brasil, ao votar em 5 de abril de 1928
as de natureza política. Ou seja, as decisões políticas e o na cidade de Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte.
direcionamento econômico não mais viriam da periferia para Com advento da Lei nº 660, de 25 de outubro de 1927,
o centro, mas sim do centro para a periferia. Os interesses o Rio Grande do Norte foi o primeiro estado que estabele-
nacionais ganharam força frente aos interesses regionais das ceu que não haveria distinção de sexo para o exercício do
oligarquias estaduais. sufrágio. Assim, em 25 de novembro de 1927, na cidade de
Com o decreto de 11 de novembro de 1930, Vargas pas- Mossoró, foi incluído o nome de Celina Guimarães Vianna
sou a ter o direito de exercer os poderes Executivo e Legis- na lista dos eleitores do Rio Grande do Norte. O fato reper-
lativo até que uma Assembleia Constituinte elaborasse uma cutiu mundialmente, por se tratar não somente da primeira
Constituição. eleitora do Brasil, como da América Latina.
Getúlio criou o termo Decreto-lei (similar atualmente
à Medida Provisória). Este era assinado pelo presidente e Período Constitucional (1934-1937)
validado sem passar pela votação do Congresso Nacional.
O 1º Decreto-lei estabelecia a demissão de todos os go- A polarização ideológica caracterizou o período do go-
vernadores da República Velha, com exceção do governador verno constitucional de Getúlio. Essa fase foi marcada pelo
de Minas Gerais, Olegário Maciel, e quem governaria, a partir choque político de duas correntes:
a) AIB (Ação Integralista Brasileira) - era um grupo for-
daí, seriam os interventores nomeados por Getúlio.
mado por proprietários de terras, comerciantes e grandes
empresários de extrema direita. Tinha como lema: Deus,
Você Sabia?
pátria e família. Intitulavam-se os camisas- verdes, tendo
Que os únicos governos que utilizaram a figura do in- como líder político Plínio Salgado.
terventor federal foram: Marechal Deodoro da Fonseca, b) ANL (Aliança Nacional Libertadora) - era um grupo de
Floriano Peixoto, Getúlio Vargas e Ernesto Geisel. esquerda formado por comunistas, operários, sindicalistas e
alguns tenentistas. Os comunistas comandavam a ANL. Em
Revolução Constitucionalista (1932) 1937, havia cerca de 400 mil participantes e mais de 1.600
focos pelo Brasil.
O movimento revolucionário de 1932 representou, de
fato, uma tentativa de tomada de poder por parte das oli- O medo dos comunistas e dos discursos extremados de
História do Brasil

garquias paulistas alijadas do poder em 1930. Luís Carlos Prestes fez o governo criar a Lei de Segurança
São Paulo revoltou-se contra o governo e exigiu uma Nacional, para fechar os focos da ANL, pois Vargas argumen-
Constituição. Vargas não convocou eleições imediatamente tava que a ANL era uma ameaça à ordem nacional.
e ocorreu uma manifestação de estudantes paulistas, repri-
mida violentamente pelo Exército: morreram quatro estu- Intentona Comunista (1935)
dantes. Esse foi o estopim para a Guerra Civil.
São Paulo foi derrotado militarmente após três meses Movimento planejado pela ANL para dar um golpe no país
de batalhas entre as forças legalistas e as revolucionárias. e estabelecer o regime comunista. Era para ser um movimen-

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to simultâneo em todo o Brasil, mas eclodiu no Rio Grande golpe dos integralistas, Getúlio ganhou força política, cen-
do Norte (Natal) antes do tempo marcado. Os outros estados tralizando ainda mais as ações do governo.
tentaram acompanhar a revolução, mas não conseguiram.
Vargas saiu fortalecido do episódio, pois, além de desmo- Economia (1930-1945)
bilizar a oposição, decretou Estado de Sítio, que se prolongou
até 1937. A partir de 1930, o nacionalismo de tendências indus-
trializantes fez-se presente. Os investimentos vieram em
O golpe de 1937 parte do capital privado oriundo do café paulista. Contudo,
a industrialização brasileira foi dinamizada com capital do
Getúlio não pretendia deixar o poder, por isso, preparou Estado, pois a iniciativa privada não tinha condições de in-
um golpe de Estado que lhe garantiria poderes amplos sem vestir na indústria de base. Nesse momento, Vargas investiu
preocupações com a oposição. na indústria de base como infraestrutura necessária para o
A boa política mandava criar um ambiente emocional que posterior desenvolvimento industrial.
permitisse a rápida aceitação do golpe e da nova Constituição Vargas investiu também na diversificação agrária, criando
como medidas de emergência e de salvação nacional. E isso os Institutos do Açúcar e do Álcool, do Mate e do Pinho,
foi assegurado com o Plano Cohen. responsáveis pelo financiamento e pela comercialização dos
Em 1937, o governo divulgou um plano comunista re- produtos. Em São Paulo, expandiu-se a produção algodoeira.
volucionário, o Plano Cohen (forjado por Olímpio Mourão, Dentro dessa orientação nacionalista, o governo iniciou
membro da Casa Civil de Getúlio Vargas), instrumento usado também os estudos para a exploração das fontes de petróleo
pelo governo para justificar o golpe. no Brasil, criando o Conselho Nacional do Petróleo, em 1938.

Getúlio alegou que o Plano Cohen era um plano comu- O Brasil na Segunda Guerra Mundial
nista que queria promover atentados, sequestros, passeatas,
manifestações e greves. No aspecto político internacional, Getúlio manobrou os
Com o apoio do Exército (generais Góis Monteiro e Du- dois lados da guerra, buscando atingir seus interesses. Quan-
tra), Getúlio Vargas deu um golpe de Estado, apoiado tam- do lançou o plano quinquenal Getúlio Vargas previa, entre
bém pelos integralistas. outros pontos, a implantação de uma indústria de base, cons-
truindo uma usina siderúrgica no Brasil. Com isso, aproximou-
Estado Novo (1937-1945) -se da Alemanha, a fim de conseguir financiamento e auxílio
para a construção. Em maio de 1940, Getúlio informou ao go-
Elaborada por Francisco Campos, a nova Constituição verno norte-americano a intenção da Krupp, empresa alemã,
estabelecia um Estado autoritário com absoluta centraliza- de construir uma usina de aço. Essa manobra de barganha
ção de poder. O presidente eleito, indiretamente, tinha um resultou num rápido empréstimo do governo americano para
mandato de seis anos e poderia dissolver o Congresso, mudar a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta
a Constituição e legislar por decretos. Redonda. Em 1941, novos empréstimos deram condições
Essa Constituição permitia ao presidente controlar os de o governo construir a Companhia Vale do Rio Doce, que
três poderes, possuindo, assim, características ditatoriais garantiu a matéria-prima para a indústria de base no Brasil.
fascistas. Até 1942, Getúlio Vargas manteve-se neutro em relação
Com isso, Getúlio dissolveu o Congresso, proibiu greves à Segunda Guerra Mundial; porém, em janeiro desse ano,
e acabou com a autonomia dos estados. após o afundamento de navios mercantes na costa brasileira,
O período ditatorial foi marcado por uma notória inter- Vargas rompeu relações com os países do Eixo e entrou na
venção do Estado em todos os campos, caracterizando um guerra (Decreto n° 10.358, de 31 de agosto de 1942).
Estado de tendências totalitárias. A posição tomada pelo Brasil proporcionou não só um
Nesse período, Vargas criou: efetivo militar para combater na Europa, mas também maté-
• DASP (Departamento de Administração de Serviço Pú- ria-prima aos Aliados, como minerais (ferro, tungstênio etc.)
blico): fez a centralização administrativa. e borracha natural proveniente dos seringais da Amazônia.
• DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda): fez Em agosto de 1943, o ministro da Guerra, Gen. Eurico
propaganda para o governo e estabeleceu a censura. Gaspar Dutra, viajou aos Estados Unidos para coordenar a
Criou a Voz do Brasil. ação das forças brasileiras e norte-americanas na Europa,
concluindo-se pela necessidade de comando único e de for-
Constituição de 1937 necimento de material, por parte dos EUA, ao Brasil.
O Brasil participou com a FAB (Força Aérea Brasileira) e
• Foi chamada de Polaca (baseada na Constituição da a FEB (Força Expedicionária Brasileira). Com um contingente
Polônia, de tendência fascista). de 25.334 militares, as tropas brasileiras, sob o comando
• Deu plenos poderes ao Executivo. do General Mascarenhas de Morais, denominadas 1ª DIE
• Estabeleceu que os estados seriam governados por (Divisão de Infantaria Expedicionária), eram compostas por
interventores nomeados por Vargas. militares da 1ª, 2ª e 4ª Regiões Militares.
• Proibiu qualquer partido ou agremiação no Brasil; a Enfrentando diversidades climáticas e com equipamen-
AIB foi lançada na clandestinidade. to precário, os militares brasileiros combateram no norte
História do Brasil

• Liquidou a independência dos sindicatos. da Itália e obtiveram heroicas vitórias sobre os alemães em
Bolonha, Monte Belvedere, Monte Castelo, Castelnuovo,
Atentado integralista (1938) Fornovo e Montese.

Em 2 de dezembro de 1938, Getúlio Vargas extinguiu to- Você Sabia?


dos os partidos políticos no Brasil. Com isso, a AIB organizou Soldados da Borracha foi o nome dados aos brasileiros
uma tentativa de tomada do poder. A ação não deu certo, que entre 1943/1945 foram alistados e transportados para
e seus líderes foram depostos. Com a frustrada tentativa de a Amazônia pelo Serviço Especial de Mobilização de Traba-

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lhadores para a Amazônia - Semta , com o objetivo de extrair Logo depois foi assinado o TIAR (Tratado Interamericano
borracha para os Estados Unidos da América (Acordos de de Assistência Recíproca), que deu aos EUA o predomínio
Washington) na II Guerra Mundial. político nas Américas.
Estes foram os peões do Segundo Ciclo da Borracha e
da expansão demográfica da Amazônia. O contingente de A Redemocratização do Estado e a Constituição de 46
Soldados da Borracha é calculado em mais de 55 mil, sendo
na grande maioria nordestinos. O processo de redemocratização comportou pelo menos
duas etapas distintas: a primeira vai de outubro de 1943, data
As consequências da Segunda Guerra Mundial no Brasil do Manifesto dos Mineiros, até 29 de outubro de 1945; a
segunda começa com a presidência transitória de Linhares
Com a vitória dos Aliados e da ideologia democrática fren- (29 de outubro de 1945 a 1° de fevereiro de 1946) e vai
te aos países nazifascistas de governo ditatorial, surgiram, até setembro de 1946, com o encerramento dos trabalhos
no Brasil, movimentos pró-democráticos, que observaram da Constituinte. A primeira fase correspondeu às agitações
a necessidade de um novo governo democrático, pois não democráticas que culminaram com a queda de Vargas. A
havia mais condições de manter aqui um regime semelhante segunda correspondeu à reorganização do país.
ao que havia sido derrubado na Europa. Criou-se, assim, uma Com o golpe de 9 de outubro de 1945 e a deposição de
contradição ideológica e política. Vargas, a UDN aparentemente tinha saído vitoriosa. Visto
Nesse momento, surgiram fatos como o Manifesto dos mais de perto, o golpe desencadeado pela UDN limitou-se
Mineiros, documento assinado por intelectuais, políticos e à mera conspiração, não contando com mobilização popular.
funcionários públicos que exigia a convocação de eleições e De modo que a derrubada de Vargas não teve, como se es-
queria o fim do Estado Novo, promovendo a democracia. O perava, a devida repercussão política e popular. Ao contrário,
movimento foi reprimido pelo governo. Foi o primeiro mo- a forma como Getúlio caiu fez com que ele aparecesse, aos
vimento pela democracia. olhos da opinião pública, como vítima do “partido dos ricos”.
Em fevereiro de 1945, foi promulgado um Ato Adicional, O prestígio do ditador não diminuiu e, inversamente ao que
mediante o qual Vargas assegurou eleições, que foram mar- se poderia supor, o “queremismo” não fora motivado apenas
cadas para dezembro, assim como a reabertura dos partidos:
por forças oficiais. Surpreendentemente, a popularidade de
• PCB (esquerda) - Líder: Luís Carlos Prestes.
Getúlio, “pai dos pobres”, mostrou-se bem acima das ex-
• UDN (direita) - grandes latifundiários, empresários
pectativas criadas nas eleições presidenciais que levaram o
internacionais.
general Dutra ao poder.
• PSD (moderados de direita) - pequenos proprietários,
O PCB, por sua vez, manteve-se dentro da orientação an-
elite. Líder: Getúlio.
terior à queda de Vargas. Para preservar a “frente” e a aliança
• PTB (esquerda) - proletários, funcionários. Líder: Ge-
túlio. com as “forças progressistas”, ofereceu apoio a Linhares e,
posteriormente, a Dutra. Afastou-se de Getúlio, acusando-o
Os getulistas lançaram o Queremismo, movimento políti- de ter traído o povo. Estranhamente, a esquerda tinha como
co que apoiava a permanência de Getúlio no poder. As bases linha política apoiar sempre a situação, evitando a qualquer
desse movimento eram as classe sindicalistas e operárias, custo passar para a oposição.
que viam Getúlio como o pai dos pobres.
O Exército, sob o comando dos generais Góis Monteiro Constituição de 1946
e Eurico Gaspar Dutra, temendo que Vargas não saísse do
poder, precipitou-se e promoveu um Golpe Preventivo para • Teve ideias liberais e democráticas
garantir as eleições. Getúlio foi deposto e tornou-se senador • A igualdade de todos perante a lei
nas eleições de 1945. • A liberdade de manifestação de pensamento, sem cen-
sura, a não ser em espetáculos e diversões públicas
• A inviolabilidade do sigilo de correspondência
O PERÍODO DEMOCRÁTICO (1945-1964)
• A liberdade de consciência, de crença e de exercício
Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) de cultos religiosos
• A liberdade de associação para fins lícitos
Após o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo • A inviolabilidade da casa como asilo do indivíduo
ficou dividido em dois blocos políticos, capitalistas e comu- • A prisão só em flagrante delito ou por ordem escrita de
nistas, liderados, respectivamente, por duas potências mun- autoridade competente e a garantia ampla de defesa
diais, EUA e URSS. Ou seja, a estrutura das relações interna- do acusado
cionais tornou-se bipolar, iniciando a Guerra Fria. Países antes • Extinção da pena de morte
unidos contra um inimigo comum, o nazi-fascismo, agora • Separação dos três poderes
mostravam suas diferenças ideológicas, que resultavam em
propostas antagônicas. Conforme as disposições transitórias da Constituição Fe-
As potências mundiais dos dois blocos não só conser- deral de 1946, foram extintos os territórios do Iguaçu e de
varam poderosos exércitos mobilizados, como também Ponta Porã em 18 de setembro, tendo sido reintegrados aos
ampliaram a produção bélica numa interminável guerra ar- estados que outrora abrangiam suas áreas, em decorrência
História do Brasil

mamentista nuclear. de articulações engendradas pelos políticos paranaenses no


A principal característica política do Brasil pós-Estado âmbito da Assembleia Nacional Constituinte.
Novo e Segunda Guerra Mundial foi a redemocratização do
país e o alinhamento com o bloco capitalista de acordo com Política econômica
o contexto internacional da época.
O governo Dutra aproximou-se dos EUA e rompeu rela- Sustentou uma política econômica liberal que favorecia
ções diplomáticas com a URSS, colocando também o partido o capital externo, permitindo a livre entrada de capital es-
comunista brasileiro na clandestinidade. trangeiro no país.

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Dutra elaborou um plano econômico denominado SAL- A carta-testamento de Getúlio Vargas
TE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), que deveria
desenvolver infraestrutura para receber as multinacionais. Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo
Essa abertura ao capital externo e o direcionamento eco- coordenaram-se novamente e se desencadeiam so-
nômico liberal fizeram com que houvesse a não-intervenção bre mim.
do Estado na economia; consequentemente, o desenvolvi- Não me acusam, insultam; não me combatem, ca-
mento industrial foi mínimo. luniam e não me dão o direito de defesa. Precisam
sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que
eu não continue a defender, como sempre defendi,
Ideologia e Política Partidária
o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino
que me é imposto. Depois de decênios de domínio e
Segundo Governo de Getúlio Vargas (1951-1954) espoliação dos grupos econômicos e financeiros in-
ternacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.
Cinco anos depois de ter sido derrubado do poder, o Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de
velho político voltou à presidência do Brasil, mostrando que liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo
continuava a ser a maior força política do país. Getúlio foi nos braços do povo. A campanha subterrânea dos
eleito com 48,7% dos votos, derrotando Eduardo Gomes, grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais
candidato da UDN. revoltados contra o regime de garantia do trabalho.
Foi um governo nacionalista e populista que controlou A lei de lucros extraordinários foi detida no Congres-
a economia, estimulou a produção interna, proibiu a entra- so. Contra a justiça da revisão do salário-mínimo se
da de capital estrangeiro, investiu na poupança interna, nas desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade na-
indústrias. cional na potencialização das nossas riquezas através
Procurando retomar suas antigas linhas nacionalistas, da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda
Vargas voltou-se para o desenvolvimento da siderurgia, da de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada
petroquímica, dos transportes e da expansão da energia até o desespero. Não querem que o trabalhador seja
elétrica. livre. Não querem que o povo seja independente.
Em 1953, com o lema O petróleo é nosso, nasceu uma Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária
grande estatal: a Petrobras, que monopolizou o refino e a que destruía os valores de trabalho. Os lucros das
extração do petróleo no Brasil. empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano.
Agora, Vargas aplicava uma fórmula nova e mais agressi- Na declaração de valores do que importávamos exis-
va de nacionalismo econômico tanto nos aspectos internos tiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de
dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se
quanto nos externos dos problemas brasileiros. No campo in-
o nosso principal produto. Tentamos defender seu
terno, sublinhava a necessidade de empresas públicas como
preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a
instrumento básico da política de investimento. Em dezem- nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
bro de 1951, mandou ao Congresso Nacional um projeto Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resis-
de lei para a criação de uma empresa petrolífera de capital tindo a uma pressão constante, incessante, tudo su-
misto (que seria chamada Petrobras - com a maioria das portando em silêncio, tudo esquecendo, renuncian-
ações em mãos do governo), que ficaria com o monopólio do a mim mesmo, para defender o povo que agora
da perfuração de petróleo e todas as refinarias. se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a
A política econômica estava sintetizada no plano LAFER não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem
(Plano Nacional De Reaparelhamento Econômico), porém o sangue de alguém, querem continuar sugando o
essa tendência nacionalista não era bem vista pelas multi- povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha
nacionais e pelos setores nacionais ligados a elas; por isso, vida. Escolho este meio de estar sempre convosco.
Vargas começou a sofrer uma gradual oposição. Quando vos humilharem, sentireis minha alma so-
João Goulart, ministro do Trabalho, fez uma proposta frendo ao vosso lado. Quando a fome bater a vossa
oferecendo 100% de aumento do salário mínimo. Vargas o porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta
demitiu depois de sofrer pressão de setores conservadores por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem,
do Exército (manifesto dos coronéis). sentireis no meu pensamento a força para a reação.
Setores da imprensa ligados à UDN passaram a criticar Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será
o governo de Vargas, especialmente Carlos Lacerda, (ude- a vossa bandeira de luta.
nista e conservador). As críticas tornaram-se cada vez mais Cada gota de meu sangue será uma chama imortal
violentas. Essa radicalização levou ao atentado da Rua Tone- na vossa consciência e manterá a vibração sagrada
leros, contra Carlos Lacerda, em Copacabana. O major que para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
o acompanhava morreu e, com o andamento das investiga- E aos que pensam que me derrotaram respondo com
a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto
ções, chegou-se a Gregório Fortunato (segurança pessoal de
para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escra-
Vargas). A Aeronáutica, o Exército, assim como seu próprio
vo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício
vice-presidente, Café Filho, pediram a renúncia incondicional ficará para sempre em sua alma e meu sangue será
de Vargas. o preço do seu resgate.
História do Brasil

Sob enorme pressão, sem saída e sem apoio político, em Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a es-
24 de agosto de 1954, no palácio do Catete, Getúlio Vargas poliação do povo. Tenho lutado de peito aberto, O
escreveu uma carta e cometeu suicídio. Foi uma alternativa ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo.
radical frente à situação política extremamente desfavorável. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha mor-
O suicídio de Vargas deve ser visto como ato político. Sua te. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo
atitude atingiu em cheio a oposição e comoveu a população, no caminho da eternidade e saio da vida para entrar
que passou a perseguir seus adversários. Seu corpo criou um na história.
símbolo de luta contra a oposição. Getúlio Vargas

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O vice de Vargas era Café Filho. Durante seu governo, as o grupo que o controlava, cujos elementos seriam, segundo
forças udenistas se organizaram e influenciaram bastante a os líderes da conspiração, corruptos e comprometidos com
sua administração. o comunismo internacional.
Ocorreram as eleições em 1955. O PSD e o PTB se aliaram Partindo do Rio de Janeiro, com três aviões Douglas C-47
para disputá-las. O candidato do PSD foi Juscelino Kubits- e um avião comercial da Panair sequestrado, e de Belo Hori-
chek, e o vice foi João Goulart, do PTB. Juscelino ganhou, zonte, com um Beechcraft particular, os rebeldes rumaram
recebendo 36% dos votos. para Aragarças, em Goiás. Pretendiam bombardear os pa-
Como havia forte possibilidade de um golpe por parte lácios Laranjeiras e do Catete, no Rio, e ocupar também as
da oposição, liderada pelos udenistas, em 1956 ocorreu um bases de Santarém e Jacareacanga, no Pará, entre outras. Na
Golpe Preventivo (Movimento 11 de novembro) dado pelo realidade, nem o bombardeio aos palácios, nem a ocupação
Exército, para permitir a posse de JK. Quem liderou a ação das bases chegaram a ocorrer, e a rebelião ficou restrita a
foi o General Henrique Lott. Aragarças. A revolta durou apenas 36 horas. Seus líderes
fugiram nos aviões para o Paraguai, Bolívia e Argentina, e só
A Política de Industrialização do Governo JK retornaram ao Brasil no governo Jânio Quadros.

Juscelino Kubitschek (1956-1961) Eleições de 1960

Juscelino Kubitschek fez uma política econômica baseada • Henrique Lott (PSD), para presidente, e para vice-pre-
no modelo nacional desenvolvimentista, que se diferenciava sidente, Jango (PTB), que ganhou (as eleições para
do nacionalismo de Vargas, pois era assentado no capital presidente e para vice eram separadas).
estrangeiro. Com o lema cinquenta anos em cinco, JK asso- • Jânio Quadros (PTN) tinha apoio da UDN.
ciou-se ao capital externo para montar um grande projeto
industrial no Brasil. Jânio Quadros (1961)
JK procurou criar uma ampla infraestrutura para o funcio-
namento das indústrias multinacionais no Brasil, investindo Nessas eleições, com o apoio da UND, Jânio Quadros
em hidrelétricas, rodovias, concedendo privilégios e isenção chegou à presidência com um populismo caricato conser-
de impostos. Para viabilizar esse processo, JK criou o Plano vador. Seu lema da campanha eleitoral foi a “vassourinha”,
de Metas: transporte (rodovias), saúde, educação e energia. caracteristicamente populista.
Planejada pelo economista Celso Furtado, o governo Com o fim do governo JK, o país estava numa forte crise
criou a SUDENE (Superintendência para Desenvolvimento do econômica e favorável a candidatos como Jânio. O janismo foi
Nordeste). Sua intenção era viabilizar a integração nacional. um fenômeno da pequena burguesia, que, com a crise eco-
JK também construiu Brasília (metassíntese do governo) nômica, procurava um messias-estadista para salvar o país.
e mudou a capitai do Rio de Janeiro para lá. Devido às circunstâncias do país, era necessária uma
Com isso, Juscelino obteve um impressionante cresci- política anti-inflacionária com um rígido corte de gastos. O
mento industrial; a produção industrial brasileira aumentou governo começou a agir, incentivando as exportações e con-
em 80% no período entre 1956 e 1960. A taxa de crescimento gelando os salários. Porém, essa política gerou um grande
no período de 1957 e 1961 foi de 7% ao ano, com um au- desgaste e uma forte oposição.
mento de 4% da renda per capita. Na indústria, os números
Em pouco tempo, o presidente caracterizou sua adminis-
do crescimento foram: 600% na indústria de equipamentos
tração por uma orientação desconcertante e imprevisível,
de transporte, 100% na indústria de aço e 380% na indústria
prendendo-se a questões sem importância, como uso de
elétrica e na de telecomunicações. Todo esse desempenho
biquínis, corridas de cavalo e brigas de galo.
ocorreu devido a concessões feitas às multinacionais inte-
Na política externa, Jânio, auxiliado pelo ministro das Re-
ressadas em produzir no Brasil e a um maciço investimento
lações Exteriores, Afonso Arinos, tentou implantar uma polí-
na expansão da infraestrutura energética e rodoviária do
país, financiada por constantes empréstimos estrangeiros. tica externa independente. Com isso, aproximou-se do bloco
Em pouco tempo, foi possível desenvolver vários projetos comunista, reatou as relações com a URSS e condecorou o
industriais, destacando a indústria automobilística. No líder cubano Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul.
aspecto social, beneficiou-se a classe média, que passou a Essas ações isolaram o presidente na sua base política;
consumir mais. a UDN rompeu relações com ele.
Porém, as medidas do governo JK geram uma enorme A UDN acreditava que Jânio no poder seria uma espé-
dívida externa para o Brasil, o desenvolvimento da desigual- cie de Café Filho, medroso, maleável, fácil instrumento em
dade social, aumento da inflação e do custo de vida, atingin- suas mãos. E esse precisamente foi seu maior erro. Jânio
do principalmente as camadas populares. poderia ser um aventureiro, mais tinha ideias próprias. E,
o mais estranho e surpreendente, é que ele pretendia pôr
Revolta de Aragarças em execução as ideias que defendera como candidato, e que
precisamente o levaram à vitória.
Apesar da anistia concedida por JK aos militares envol- Em 25 de agosto de 1961, com palavras confusas, Jânio
vidos na Revolta de Jacareacanga em fevereiro de 1956, Quadros estarreceu a nação com a renúncia à presidência.
o clima de insatisfação e de conspiração contra o governo
História do Brasil

continuou, sobretudo na Aeronáutica. A Crise do Regime Democrático


A Revolta de Aragarças, que eclodiu em 2 de dezembro de
1959, começou a ser articulada em 1957. A nova conspiração João Goulart (Jango) (1961-1964)
teve a participação do ex-líder de Jacareacanga, tenente-
-coronel aviador Haroldo Veloso, e de dezenas de outros O Exército decretou que, assim que Jango chegasse da
militares e civis, entre os quais o tenente-coronel João Paulo China no Brasil, ele seria preso, por ter sido acusado de ser
Moreira Burnier, que foi o seu principal líder. O objetivo era comunista. O voo de Jango pousou no Rio Grande do Sul,
iniciar um “movimento revolucionário” para afastar do poder pois aí tinha apoio do governador Leonel Brizola.

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Leonel Brizola criou um movimento intitulado Cadeia da por exemplo, em 1930, 1945 e 1954 – seguidas de um rápido
Legalidade, pregando a legalidade da posse de Jango (por retorno do poder aos civis. Os mais radicais aglutinaram-se
lei era garantida). em torno do general Costa e Silva; os outros, do general
Firmou-se, então, um acordo entre o Exército e Jango, Humberto de Alencar Castelo Branco.
para lhe garantir a posse, criando-se o Parlamentarismo em Articulações bem-sucedidas na área militar de um grupo
1961. de oficiais pró-Castelo e o apoio dos principais líderes políti-
Tendo à frente o economista Celso Furtado, o governo cos civis favoráveis ao golpe foram decisivos para que, no dia
elaborou o Plano Trienal e as Reformas de Bases. 15 de abril de 1964, Castelo Branco assumisse a presidência
da República, eleito, dias antes, por um Congresso já bastante
Parlamentarismo expurgado. O novo presidente assumiu o poder prometendo
a retomada do crescimento econômico e o retorno do país à
• Primeiro-ministro: Tancredo Neves - afinidade com os “normalidade democrática”. Isto, no entanto, só ocorreria 21
militares e com os grupos de oposição ao governo de Jango. anos mais tarde. É por isso que 1964 representa um marco e
uma novidade na história política do Brasil: diferentemente
Plebiscito de 1963 do que ocorreu em outras ocasiões, desta vez militares não
apenas deram um golpe de Estado, como permaneceram
Em 1963, fez-se o plebiscito para escolher entre presi- no poder.
dencialismo ou parlamentarismo. O resultado foram dois Depois do movimento militar que derrubou o presidente
milhões de votos para o parlamentarismo, dez milhões para Jango, o alto comando revolucionário, composto pelo Gen.
o presidencialismo. Com este, Jango recuperou os plenos Costa e Silva, pelo Brigadeiro Correia de Mello e pelo Vice-
poderes políticos. -Almirante Augusto Rademaker, assumiu o poder e impôs ao
Jango, então, pregou as Reformas de Base: Educacional, país o AI-1 (Ato Institucional n°1). 
Tributária, Urbana, Agrária, Eleitoral (voto do analfabeto) O AI-1 fortaleceu o Poder Executivo e centralizou a ad-
e a Lei de Remessa de Lucros. Sua intenção era diminuir ministração estabelecendo que o presidente passava a ter
o poder das multinacionais e dos grandes proprietários de poderes de propor emenda constitucionais e decretar estado
terras no Brasil, assim como a desigualdade social tanto no de sítio. O AI-1 também estabeleceu que ficariam suspensas
campo como nas cidades.
as garantias constitucionais.
Frente às críticas da oposição política da direita con-
No dia 15 de abril de 1964, elegeu-se indiretamente o
servadora, Jango buscou apoio nas classes baixas; por isso,
Marechal Castelo Branco.
organizou um grande comício para anunciar as reformas de
base no dia 13 de março de 1964, na Central do Brasil, para
150 mil pessoas. A classe média e alta, que temia que o Bra- A Política Econômica e Social dos Governos
sil fosse transformado numa nova Cuba, também organizou Militares
manifestações, como “a Marcha para com Deus e a Família”,
em São Paulo. Marechal Castelo Branco (1964-1967)
Com isso, Jango teve uma forte oposição política de se-
tores ligados aos interesses externos, das classes média e No plano econômico, o governo Castelo Branco desen-
alta, dos anticomunistas, da extrema direita, dos grandes volveu um modelo anti-inflacionário conhecido como PAEG
proprietários rurais e das multinacionais. Com mobilizações (Plano De Ação Econômica Do Governo).
populares dos dois lados, a polarização refletiu-se no apoio O PAEG consistiu num arrocho salarial para conter o con-
ou na oposição ao presidente. sumo e numa maior abertura ao capital externo para ampliar
Após a revolta dos marinheiros e o discurso do presidente a industrialização e aumentar os investimentos estrangeiros.
para a associação de sargentos e subtenentes do Exército, O governo construiu a Ponte da Amizade, a Usina Hi-
as Forças Armadas, até então neutras no processo político, drelétrica de Santa Catarina, a Rodovia do Café, além de
aproximaram-se da oposição ao presidente e planejaram realizar reformas administrativas e sociais, como a criação
uma intervenção política para derrubar João Goulart. Em do Fundo de Garantia do Trabalho Salariado (FGTS). Criou o
31 de março de 1964, iniciou-se a rebelião cívico-militar em Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Instituto Nacional
Minas Gerais com o Gen. Olímpio Mourão, pondo em prática da Previdência Social (INPS), unificando os antigos institutos
a operação que derrubou Jango. previdenciários. Castelo Branco criou também o Banco Cen-
tral, encarregado da administração do sistema financeiro.
O REGIME MILITAR E A REDEMOCRATIZAÇÃO Nas telecomunicações, o governo criou o Ministério das
(1964 AOS DIAS ATUAIS) Comunicações e a EMBRATEL. Modificou a denominação do
Ministério da Guerra para Ministério do Exército e criou o
A Ruptura Política do Movimento de 64 Ministério do Planejamento.
Em 1965, o Exército brasileiro participou de uma força de
Governo Militar (1964-1985) paz na República Dominicana, denominada FAIBRAS.
O golpe militar de 31 de março de 1964 deu início a uma No aspecto político, Castelo Branco fechou a UNE e a CGT,
nova fase política no Brasil. Influenciado pelo contexto in- editou o AI-2, que estabeleceu no Brasil o bipartidarismo:
ternacional bipolarizado da Guerra Fria, preconizado pelas ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimen-
ideologias comunista e capitalista, o governo militar perma- to Democrático Brasileiro). Logo depois, foram editados o
História do Brasil

neceu por 20 anos no poder, mantendo o Brasil alinhado ao AI-3, que estabeleceu eleições indiretas para os cargos do
bloco capitalista. Executivo, e o AI-4, que estabeleceu normas para confecção
O movimento, desde o início, tinha uma nítida diferencia- de uma nova Constituição.
ção: de um lado, militares que clamavam por medidas mais • ARENA (situação): Delfim Neto, Marco Maciel, Ary Va-
radicais contra a “subversão” e apoiavam uma permanência ladão, Caiados, ACM, Maluf, Otávio Lage; o PFL surge
dos militares no poder por um longo período e, de outro daí.
lado, aqueles que se filiavam à tradição de intervenções mi- • MDB (oposição): FHC, Itamar Franco, Mário Covas, Íris,
litares “moderadoras” na política – como havia acontecido, Mauro Borges, Brizola; o PMDB e o PSDB surgem daí.

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A nova Constituição entrou em vigor em março de 1967. Médici intensificou as pesquisas petrolíferas na plata-
Ela institucionalizava o regime militar, dando-lhe respaldo forma continental e construiu a refinaria de Araucária, no
jurídico. Paraná. O governo criou a SIDERBRÁS (Siderurgia Brasileira
S.A), que, em associação à Kawasaki do Japão, instalou a
Governo Costa e Silva (1967-1969) usina siderúrgica no Porto de Tubarão, no Espírito Santo. O
presidente instituiu também o PIS (Programa de Integração
Tal como o seu antecessor, Costa e Silva adotou uma Social) e o PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do
política econômica voltada para o combate à inflação. Para Servidor Público), assim como criou a EMBRAER e transfor-
tanto, foi colocado em prática o PED (Plano Econômico de mou o IBRA em INCRA (Instituto Nacional de Colonização e
Desenvolvimento). Reforma Agrária).
Costa e Silva criou a Zona Franca de Manaus (SUFRAMA),
instituiu o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) Governo Geisel (1974-1979)
e a Fundação Nacional do índio (FUNAI), que evolução do
antigo Serviço de Proteção do Índio. O governo transfor- A conjuntura internacional, caracterizada pela crise ener-
mou o Departamento de Correio e Telégrafos na Empresa gética e pela elevação dos preços do petróleo (crise inter-
Brasileira de Correios e Telégrafos. No que diz a respeito à nacional do petróleo), repercutiu internamente no Brasil,
política regional, Costa e Silva criou a Superintendência do aumentando custos e paralisando o crescimento econômico,
Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO). ou seja, foi o fim do milagre.
O ano de 1968 passou para a história como um ano mui- O crescimento do PIB diminuiu, e logo a insatisfação so-
to agitado. Nele, ocorreram mobilizações sociais em todo o cial frente à crise econômica cresceu.
Brasil contra o governo militar; passeatas, greves e manifes- Geisel criou o PND-II, para combater a inflação. Nesse
tações estudantis. momento, iniciou a construção da hidrelétrica de Itaipu e
Sendo assim, não tendo apoio político, nem mesmo da Tucuruí. Destaca-se também o acordo nuclear com a Alema-
ARENA, para punir o Deputado Márcio Moreira Alves, que, nha, instituindo a Empresa Nuclear Brasileira (Nuclebrás), e
segundo se afirmava, havia agredido moralmente as Forças a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool); tudo
Armadas, Costa e Silva baixou o AI-5, em 13 de dezembro de isso como forma de buscar fontes alternativas de combus-
1968. Esse Ato suspendia as garantias constitucionais e dava tível. No campo administrativo, Geisel criou o Ministério da
ao presidente o poder de intervir nos estados e municípios, Previdência e Assistência Social.
cassar mandatos e estabelecer recesso indeterminado do No aspecto político, o governo Geisel caracterizou-se por
Congresso Nacional. representar o início do processo de redemocratização do
Brasil: terminou o AI-5, ocorreram eleições para o Senado,
surgiu o horário político gratuito. O MDB, na eleição de 1974,
Governo Médici (1969-1974)
conquistou 60% das vagas, mas não elegeu todo o Senado,
pois nesta eleição só se elegia 1/3 do Senado (alterna de 4
O governo Médici herdou uma crise política que se ar-
em 4 anos: 1/3, depois 2/3 do Senado).
rastava desde o início do governo anterior. As manifesta-
Houve a ampliação do mandato do presidente para 6
ções continuaram, e a oposição radical iniciou a luta armada.
anos, mas o benefício seria para o próximo presidente (Fi-
Formaram-se organizações clandestinas de guerrilha urbana gueiredo).
e rural que assaltavam bancos e sequestravam embaixadores
como forma de arrecadar fundos e trocar prisioneiros.
A Crise do Regime Militar e a Redemocratização
O governo criou o DOI-CODI (Departamento de Opera-
ções e Informações, Central de Operações de Defesa Interna).
Governo João Batista Figueiredo (1979-1985)
Em 1969, fez-se a Emenda Constitucional n° 1, instituindo
várias mudanças na Constituição de 1967: Na posse, o General Figueiredo assumiu o compromisso
• AI-13 – instituiu o exílio para as pessoas perigosas para de conduzir o país à redemocratização. A pressão política
o Brasil. para a abertura era muito grande: em 1980, ocorreram várias
• AI-14 – instalou a pena de morte no Brasil, mas nunca greves operárias no ABC paulista; entre os líderes estava Luiz
foi usada. Inácio Lula da Silva. O novo contexto mundial direcionava-se
para a redemocratização da América do Sul. Em novembro
No aspecto econômico, o governo Médici criou o PND de 1982, ocorreram eleições em todo o país, exceto para
(Plano Nacional de Desenvolvimento). Foram atingidos altos presidente e para as capitais de estados.
índices de crescimento econômico, o qual ficou registrado Logo depois, o presidente Figueiredo revogou o Ato Insti-
na história como “milagre brasileiro”. tucional n° 2, que estipulava o bipartidarismo no Brasil. Com
Esse milagre foi resultado de uma conjuntura econômica isso, estava aberto o caminho para a formação dos partidos:
internacional com forte investimento dos países desenvol- • PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro)
vidos na produção industrial e grande quantidade de em- – Herdeiro do antigo MDB, o PMDB reuniu diversas ide-
préstimos do exterior. Internamente o milagre resultou num ologias políticas, conservadores, liberais, entre outros.
crescente desenvolvimento industrial, graças às concessões Seu líder foi Ulisses Guimarães.
de privilégios e vantagens fiscais às empresas multinacionais. • PT (Partido dos Trabalhadores) – Teve sua origem ligada
História do Brasil

Na verdade, podemos perceber que o milagre econômico ao movimento operário do ABC paulista nas décadas
beneficiou de fato o capital estrangeiro, enquanto o governo de 70 e 80. Liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, o PT
só aumentou a dívida externa. ganhou apoio de outras categorias de trabalhadores,
Em síntese, esse período, não obstante um considerá- intelectuais e estudantes. Sua ideologia política seguia
vel aumento do produto interno, não assinala, na economia as diretrizes das classes trabalhadoras.
brasileira, nenhum ganho de autonomia na capacidade de • PP (Partido Popular) – Partido de direita, que, devido
autotransformação, nem tampouco qualquer reforço da ap- à sua inexpressiva atuação política após a redemocra-
tidão da sociedade para autofinanciar o desenvolvimento. tização, logo acabou.

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• PDS (Partido Democrático Social) – Herdeiro da Arena, confere o poder de mando, que se exerce na esfera política.
era composto por políticos da direita tradicional; entre A propriedade confere os direitos de uso e venda, que são
seus membros, estavam vários políticos que apoiaram exercidos na esfera econômica. O Estado exerce a soberania
o governo militar. sobre o conjunto do território, mas a propriedade parcelar
• PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) – Diferentemen- da terra está distribuída entre particulares.
te da era Vargas, o novo PTB abrigava elementos de No absolutismo, o poder pertencia ao rei por um direito
direita conservadora, e tinha como figura principal a de origem divina. No Estado-Nação, a soberania é exercida
deputada federal Ivete Vargas. pelo Estado, mas seu titular é a nação. É por esse motivo que
• PDT (Partido Democrático Trabalhista) – Tendo como os governantes são eleitos pelos cidadãos e que os poderes
elemento central Leonel de Moura Brizola, seguiu a do Estado estão divididos entre o Executivo, o Legislativo e
ideologia política da socialdemocracia, implantada na o Judiciário. O equilíbrio de poderes, de um lado, e as liber-
França e na Alemanha. dades públicas e políticas, de outro, destinam-se a impedir
que os governantes capturem para si mesmos a soberania
Em 1979, Figueiredo estipulou a anistia política ampla que pertence à nação.
e geral; logo várias personalidades políticas retornaram ao O território nacional é uma construção histórica e política.
Brasil. No caso brasileiro, o território atual tem raízes na unificação
O Gen. Figueiredo assumiu o país numa grande crise das colônias da América portuguesa pelo Império do Brasil.
econômica. Para combatê-la, criou o PND-III. Sua organização política, por sua vez, é produto do modelo
Em 1983, o país caminhava para uma abertura política e republicano e federativo de Estado, implantado em 1889.
para uma busca de soluções para os problemas econômicos. A expressão Brasil Colônia, usada regularmente nos ma-
nuais, transmite a ideia de uma unidade política e territorial
Diretas Já (1984) da América portuguesa.
Mas essa unidade não existiu, pois a Coroa temeu, desde
Em 1984, surgiu a campanha política das Diretas Já, o início, a constituição de um centro político nas colônias
que buscava eleições diretas para a presidência. Apesar de do Novo Mundo. A administração colonial baseava-se na
derrotada no Congresso, a campanha deixou seu legado na fragmentação da América portuguesa em capitanias que se
história. reportavam diretamente a Lisboa. O governo-geral, instalado
Em 1985, ainda ocorreram eleições indiretas para presi- em Salvador até 1763 e dali em diante no Rio de Janeiro,
dente. Este foi eleito pelo Colégio Eleitoral (Congresso: de- jamais estendeu sua influência de forma homogênea ao
putados estaduais, federais e senadores). A opinião pública conjunto das capitanias.
queria que ocorressem eleições presidenciais diretas em Nos tempos coloniais, os municípios representavam uma
1985 com o fim do governo de Figueiredo. Foi elaborada a importante fonte de poder. As câmaras municipais, constituí-
emenda Dante de Oliveira (1984), propondo eleições diretas, das por representantes eleitos pelos “homens bons”, ou seja,
porém, não foi aprovada no Congresso Nacional. os grandes proprietários de terra, dispunham de prerroga-
Enfim, mesmo sem atingir o objetivo específico - res- tivas como criar impostos, definir preços de produtos e até
tabelecer as eleições diretas - a caudalosa campanha das mesmo recusar funcionários nomeados pela Coroa. Algumas
diretas já obteve sucesso, porque influenciou profundamente câmaras mais poderosas chegaram a enviar representantes
os rumos políticos do país. Fez renascer a voz da sociedade permanentes a Lisboa. Essa estrutura de poder local fazia
civil, uniu as oposições sob uma só bandeira, promoveu a o interesse público identificar-se ao interesse privado dos
maior mobilização popular da história, fraturou a base par- proprietários de terra, convertendo a política numa extensão
lamentar do governo e gerou ampla energia política, que vai dos negócios particulares.
ser canalizada para a candidatura oposicionista. A organização dos territórios coloniais conheceu diversas
Em 1985, a eleição ocorreu. O PMDB lançou Tancredo mudanças ao longo do tempo. Na segunda metade do século
Neves como candidato a presidente, e o PDS lançou Paulo XVIII, sob a administração do Marquês de Pombal, a Coroa
Salim Maluf. promoveu uma série de reformas destinadas a aprofundar
José Sarney, com o apoio de ACM e Marco Maciel (apoio seu controle sobre as colônias. As capitanias particulares
da Frente Liberal), pediu a Tancredo Neves a vice-presidência, remanescentes foram extintas e organizou-se o regime de
caso ele fosse eleito. Tancredo aceitou a proposta e ganhou Capitanias da Coroa. Os governadores das capitanias, subor-
as eleições, derrotando Paulo Maluf, porém não tomou posse dinados diretamente à metrópole, passaram a concentrar
porque faleceu antes. No seu lugar, assumiu José Sarney, que poder e autoridade à custa do governo-geral.
cumpriu o mandato. Com as reformas pombalinas, as capitanias foram divi-
didas em gerais e subordinadas. As primeiras, governadas
O BRASIL POLÍTICO por capitães-mores, tinham as segundas sob sua jurisdição.
Nesse regime, a América portuguesa foi fragmentada em
Nação e Território nove blocos de colônias.
Os blocos de capitanias faziam parte de três entidades
Território é o espaço geográfico submetido a um poder distintas. Além das capitanias do Estado do Brasil, duas per-
central ou, mais precisamente, a área de validade de um con- tenciam ao estado do Maranhão (capitanias do Maranhão
junto de normas. O território nacional é o espaço, limitado e Piauí) e duas ao estado do Grão-Pará (capitanias do Grão-
História do Brasil

por fronteiras, no qual se exerce a soberania do Estado bra- -Pará e São José do Rio Negro). As capitanias subordinadas
sileiro, expressa na Constituição e nas leis que dela derivam. de Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro, localizadas em
Na Idade Média europeia, o reino era o patrimônio do áreas de disputa com a Espanha, ficaram sob a jurisdição
soberano, que mantinha relações de suserania com a nobreza direta do governo-geral no Rio de Janeiro.
feudal. Por isso, os matrimônios dinásticos figuravam como O Império do Brasil, proclamado em 1822, herdou o
estratégias políticas para a unificação de reinos. O Estado- conjunto fragmentado de colônias portuguesas e inscreveu,
-Nação contemporâneo ergue-se sobre os conceitos de so- como prioridade política, a construção da unidade. A Consti-
berania e propriedade, que não se confundem. A soberania tuição de 1824 organizou o Estado como monarquia unitária,

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de modo a centralizar o poder no imperador e evitar a forma- Os territórios federais, ao contrário dos estados, não dis-
ção de centros regionais de poder concorrentes. O território punham de autonomia política. O Acre, primeiro a ser criado,
foi dividido em províncias, que derivaram diretamente das em 1903, surgiu do Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil
capitanias, mas não dispunham de autonomia política. adquiriu da Bolívia a vasta área que havia sido povoada por
O imperador nomeava os presidentes de províncias e seringueiros brasileiros no final do século XIX. Os demais
tinha o poder de suspender resoluções dos conselhos pro- territórios foram criados por desmembramento de estados,
vinciais eleitos. durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45).
No processo de construção da unidade, o Império repri- Situados em faixas de fronteiras pouco povoadas, eles
miu rebeliões autonomistas e separatistas nas províncias, deveriam fornecer a moldura política para a presença do go-
impondo a autoridade central às elites regionais. A solda verno central e das forças armadas nessas áreas vulneráveis.
econômica e política que ligava as províncias era o instituto Com o tempo, os territórios foram elevados à condição de
da escravidão. As elites regionais eram incapazes de susten- estados. Pela Constituição de 1988, Pernambuco anexou o
tar, contra as pressões britânicas, a continuidade do tráfico pequeno território insular de Fernando de Noronha, como
escravista. Essa tarefa, que só podia ser realizada pelo go- distrito estadual.
verno imperial, condensava o interesse comum das elites, A transferência da capital federal para Brasília, em 1960,
que se acomodaram ao Estado unitário. levou à criação do Distrito Federal, em terras antes perten-
centes a Goiás. O antigo Distrito Federal, onde se encontrava
A República e o Estado federal a cidade do Rio de Janeiro, foi transformado no estado da
Guanabara, que durou até 1974, quando se incorporou ao
O Estado imperial, centralista e unitário, desabou jun- estado do Rio de Janeiro. A Constituição de 1988 concedeu
to com o sistema escravista. A República, que o substituiu, autonomia ao Distrito Federal, que funciona como um es-
organizou-se com base no modelo federativo. As províncias tado, mas é constituído apenas pelo município indivisível
se converteram em estados, ganhando autonomia política. de Brasília.
Essa autonomia se manifesta pela eleição dos governadores, Brasília acelerou a “marcha para o Oeste”, ou seja, o po-
pelos poderes legislativos conferidos às assembleias estadu- voamento moderno e a valorização econômica das terras do
ais e pela existência de constituições dos estados. Brasil central. Esse processo refletiu-se, no plano político-
No primeiro período republicano, a República Velha, en-
-administrativo, pela bipartição de Mato Grosso, que origi-
tre 1889 e 1930, o enfraquecimento do poder central obede-
nou Mato Grosso do Sul, em 1977, e de Goiás, que originou
ceu à vontade das oligarquias regionais. Os partidos políticos
Tocantins, em 1988. A atual República Federativa do Brasil
se estruturaram em bases estaduais. As elites dos estados
é constituída por 26 estados e pelo Distrito Federal, ou seja,
mais ricos e populosos - São Paulo e Minas Gerais — fizeram
27 unidades da federação.
da autonomia política um trampolim para capturar o poder
central. Por meio da “política dos governadores”, paulistas O desmembramento de unidades da federação se justifi-
e mineiros se revezaram na presidência da República. Os ca como instrumento de promoção da integração territorial.
cafeicultores paulistas utilizaram sua influência nacional para O povoamento mais intenso das terras interiores demanda
organizar a imigração europeia e para proteger as rendas das a implantação de serviços públicos e a presença dos órgãos
exportações de café. da administração estadual para garantia de direitos sociais.
O modelo federativo conheceu oscilações significativas Contudo, elites regionais e locais também se beneficiam com
ao longo do tempo. A Constituição centra lista do Estado a criação de novos estados. As máquinas administrativas
Novo, de 1937, praticamente aboliu as autonomias estaduais. funcionam como fontes de novos cargos públicos, que se
As amplas autonomias dos primeiros tempos nunca foram tornam objeto de intercâmbio político e trocas de favores.
restauradas, mas a Constituição de 1946 restabeleceu os Eis a explicação, ao menos parcial, das inúmeras propostas
direitos dos estados. Mais tarde, com a ditadura militar, entre de desmembramentos de estados que são apresentadas pe-
1964 e 1985, o país conheceu uma nova etapa de centrali- riodicamente ao exame do Congresso Nacional.
zação política. A criação de novas unidades políticas é mais acelerada no
A Constituição de 1988, elaborada no momento da rede- nível municipal. Em 1985, o país estava dividido em 4.116 mu-
mocratização, procurou reequilibrar a federação, distribuindo nicípios; em 2005, esse número atingia 5.564. Atualmente, o
as receitas tributárias entre a União, os estados e os municí- Brasil conta com 5.570 municípios. O aumento da quantidade
pios. Contudo, as disposições constitucionais sobre o sistema de municípios resulta da emancipação de pequenos núcleos
fiscal continuam a ser alvo de atritos, que se expressam pela urbanos, que se desmembram das antigas sedes municipais.
discussão de temas como a reforma tributária e os direitos Geralmente, o processo reflete o crescimento demográfico e
de endividamento de estados e municípios. contribui para a expansão da cobertura dos serviços públicos
As instituições do Estado refletem a lógica do modelo de educação, saúde e segurança.
federativo. O Congresso Nacional é dividido em duas câma- Muitas vezes, porém, nada mais é que a conquista de um
ras. A Câmara Federal é constituída pelos deputados, que aparelho de poder, constituído pela prefeitura e pela câmara
representam o povo e são eleitos em número proporcional de vereadores, por parte dos políticos locais.
à população das unidades da federação. A proporcionalidade
é imperfeita, pois há limites máximos e mínimos no núme- O IBGE e a Divisão Regional
ro de deputados eleitos pelos estados. O Senado Federal é
História do Brasil

constituído pelos senadores, que representam as unidades A República Velha, caracterizada pela alternância de pau-
da federação. Cada estado tem direito a três senadores. listas e mineiros na presidência da República, teve fim com a
A configuração geográfica das unidades da federação vitória da Revolução de 1930. Nesse ano, o político gaúcho
derivou, em linha direta, das províncias imperiais. Aquelas, Getúlio Vargas chegou ao poder, à frente de uma articulação
por sua vez, refletiam as capitanias coloniais. Assim, o mapa política dirigida contra o poder das oligarquias paulista e
da República dos Estados Unidos do Brasil, como se chamava mineira. O programa de centralização do poder nacional e
o país em 1945, não se distinguia radicalmente do antigo de integração do território refletia uma mudança de rumo
mapa do Brasil pombalino. em relação à República Velha.

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Os novos rumos políticos exigiam o fortalecimento da ou arbitramentos internacionais, quase um terço de toda
capacidade de planejamento econômico do Estado. Essa foi a extensão de fronteiras terrestres foi delimitada. Com Rio
a base histórica que conduziu à criação do Instituto Brasileiro Branco, o Brasil tornou-se o primeiro país da América do Sul
de Geografia e Estatística (IBGE), em 1937. O órgão tinha a a ter um invólucro de fronteiras consolidado, sem nenhum
missão de levantar e organizar informações cartográficas, foco de litígio territorial com os países vizinhos.
demográficas, econômicas e sociais para subsidiar o plane- O arbitramento internacional é um método de solução
jamento. de disputas entre países que não alcançaram acordo diplo-
O IBGE iniciou a série de censos demográficos decenais mático por meio de negociações bilaterais. No arbitramento,
em 1940. Em 1947, publicou a Carta do Brasil ao Milionési- os países envolvidos escolhem de comum acordo um árbitro,
mo, ou seja, na escala 1:1.000.000, e mais tarde realizou o que é um terceiro país. Esse árbitro ouve os argumentos das
mapeamento sistemático do território na escala 1:250.000. partes e define uma solução.
Em 1946, apresentou a primeira divisão regional oficial do As fronteiras do Brasil estendem-se numa extensão de
país, que se baseava no conceito de regiões naturais. 23.086 quilômetros e são compostas por uma seção terres-
A atual divisão regional, de 1988, baseia-se no conceito tre de 15.719 quilômetros e uma marítima de 7.367 quilô-
de macrorregiões, que são definidas por uma combinação de metros. O Brasil compartilha limites com todos os países
características econômicas, demográficas e naturais. As cinco sul-americanos, com exceção do Equador e do Chile, e com
grandes regiões foram delimitadas a partir de traços gerais da a União Europeia, através da Guiana Francesa, que é um
organização da economia e do espaço geográfico. Na divisão departamento de Ultramar da França.
regional do IBGE, as unidades da federação são incorporadas As fronteiras políticas internacionais definem limites en-
inteiramente nas regiões. Desse modo, ela serve de moldura tre soberanias distintas.
para a apresentação de informações estatísticas. Por isso, as faixas de fronteira apresentam características
As macrorregiões são conjuntos geográficos extrema- especiais e têm valor estratégico para a segurança nacional.
mente vastos — e, portanto, heterogêneos. Para superar Embora o Brasil não tenha litígios com seus vizinhos, a de-
essa visão genérica do território, o IBGE detalhou a divisão fesa do invólucro fronteiriço é decisiva para coibir a ação de
regional, delimitando mesorregiões geográficas, que se dis- redes criminosas internacionais que atuam nos negócios do
tinguem pela estrutura produtiva ou por traços marcantes do narcotráfico, da venda ilegal de armas e do contrabando.
espaço natural. O Brasil está dividido em 136 mesorregiões. Compete exclusivamente à União executar os serviços de
A extensão delas varia em função das densidades demo- polícia de fronteiras. A Constituição define como pertencen-
gráficas e da complexidade das estruturas produtivas. O esta- tes à faixa de fronteira a área de 150 quilômetros de largura
do de São Paulo, por exemplo, divide-se em 15 mesorregiões, ao longo dos limites terrestres. A ocupação e utilização des-
enquanto o Amazonas, muito mais vasto, em apenas quatro. sa faixa obedecem a normas especiais, reguladas por lei. É
Finalmente, a partir das mesorregiões, foram delimitadas propriedade da União a porção dessas terras indispensável
microrregiões geográficas, que se distinguem pela influência à defesa nacional.
de um centro urbano principal e pelo tipo de uso do solo do- A soberania do Estado não se circunscreve ao território
minante. As microrregiões agrupam conjuntos de municípios terrestre. Uma convenção da ONU, que entrou em vigor em
e, como no caso das mesorregiões, sua extensão depende da 1994, definiu como mar territorial uma faixa de 12 milhas
náuticas (cerca de 22,2 quilômetros) de largura a partir da
diversidade geográfica do território. Minas Gerais, o estado
linha de base (linha reta de costa, determinada pela maré bai-
com maior número de municípios no Brasil, está dividido em
xa, que contém no seu interior as águas interiores de baías,
66 microrregiões, enquanto o Acre apresenta apenas cinco.
enseadas e golfos). Sobre o mar territorial, aplica-se quase
O ato de dividir o território em regiões constitui uma in-
totalmente a soberania do Estado, com exceção apenas do
terpretação das formas de organização do espaço geográfico.
respeito ao direito de passagem inofensiva de embarcações
Essa interpretação varia ao longo do tempo, sob a influência
estrangeiras.
de novas teorias e métodos, bem como das próprias mudan- Mais larga que o mar territorial é a Zona Econômica Ex-
ças demográficas e econômicas que ocorrem no país. clusiva (ZEE), uma faixa de no máximo 200 milhas náuticas
(370,4 quilômetros) de largura, mas que pode ser estendi-
As Faixas de Fronteira da a até 350 milhas náuticas, se o país costeiro comprovar
que a sua plataforma continental ultrapassa as 200 milhas.
A primeira fronteira da América portuguesa foi a linha de A plataforma continental é o prolongamento submarino do
Tordesilhas, definida em 1494 mas nunca delimitada sobre relevo do continente. Ela apresenta profundidade relativa-
o mapa, pois não havia acordo sobre o seu traçado preciso. mente pequena e declividade suave, interrompendo- se no
Muito mais tarde, o Tratado de Madri, de 1750, delimitou talude continental.
trechos das fronteiras entre as colônias portuguesas e es- O Estado costeiro tem o monopólio de exploração dos
panholas. Contudo, a maior parte dos segmentos de fron- recursos naturais da ZEE, como as jazidas de petróleo e gás
teira terrestre foi delimitada pelo Império ou no início da da plataforma continental, o pescado da faixa marítima e as
República. belezas cênicas com potencial turístico. Em contrapartida,
Os segmentos delimitados pelo Império surgiram de sob pena de perder esse monopólio, deve zelar pela prote-
conflitos militares ou negociações diplomáticas. A Guerra ção ambiental da área. A ZEE se distingue do mar territorial,
da Cisplatina (1825-1828), na qual Brasil e Argentina dispu- pois nela há liberdade completa de navegação, sobrevoo,
taram o controle sobre o Uruguai, terminou com um tratado lançamento de cabos submarinos e implantação de dutos.
História do Brasil

que delimitou a fronteira sul do Brasil. A Guerra do Paraguai A ZEE tradicional do Brasil compreendia 3,5 milhões de
(1864- 1870) foi concluída com um tratado que delimitou o quilômetros quadrados. Contudo, o país conseguiu com-
segmento de fronteira entre Brasil e Paraguai. Na Amazônia, provar que, em diversos trechos, a plataforma continental
o governo imperial negociou extensos segmentos de limites ultrapassa o limite das 200 milhas e, em 2007, a ONU reco-
com o Peru e a Venezuela. nheceu extensões que perfazem mais 720 mil quilômetros
No início do período republicano, o Barão do Rio Branco, quadrados. O trabalho de comprovação exigiu um minucioso
ministro do Exterior do Brasil entre 1902 e 1912, completou mapeamento científico da plataforma continental, executado
a obra de limites. Sob o seu comando, por meio de tratados pela Marinha e pela Petrobras entre 1987 e 2004.

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Os recursos públicos destinados às RIDES se destinam
a: sistema viário; transporte; serviços públicos comuns; ge-
ração de empregos e capacitação profissional; saneamento
básico; uso, parcelamento e ocupação do solo; proteção ao
meio-ambiente; aproveitamento de recursos hídricos e mine-
rais; saúde e assistência social; educação e cultura; produção
agropecuária e abastecimento alimentar; habitação popular;
combate a causas de pobreza e fatores de marginalização;
serviços de telecomunicação; turismo e segurança pública.

Organização do Estado Brasileiro

O Brasil é uma república federal constituída pela união


de 26 estados federais – divididos em 5.570 municípios – e
pelo Distrito Federal. Os municípios são as menores unida-
des autônomas da Federação. Cada município possui certa
autonomia administrativa e sua própria Lei Orgânica, que
define sua organização política. Contudo, esta é limitada pela
Constituição Federal.
O estado brasileiro que possui o maior número de mu-
nicípios é Minas Gerais: 853. A região com o maior número
de municípios é a Nordeste.
É importante ressaltar que o conceito de municípios não
se aplica ao Distrito Federal.

Aglomeração Urbana

A Constituição Brasileira se refere a aglomerações urba-


nas. Contanto, não explica o conceito. Uma aglomeração ur-
bana é o espaço urbano contínuo, resultante de um processo
de conturbação ainda incipiente. É uma região metropolitana
de menor porte em que as áreas urbanas de duas ou mais
cidades são conturbadas.
A classificação oficial de uma aglomeração urbana se
dá exclusivamente a partir do seguinte critério: político-
-administrativo.
Segundo a Constituição (artigo 25): os Estados da Fede-
ração podem “mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,
constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, vi-
sando integrar a organização, o planejamento e a execução
de funções públicas de interesse comum.” Tal conceito foi
também adotado pelo IBGE.

RIDE

Ao tratar da regionalização, a Constituição Federal de


1988 permitiu a articulação da União sobre complexos geo-
econômicos e sociais, visando ao desenvolvimento regional
e à redução das desigualdades. Estrutura do Governo Brasileiro
Nesse contexto, foram criadas as Regiões Integradas de
Desenvolvimento – RIDES – como mais uma forma de cons- O Brasil é um República Federativa Presidencialista for-
trução de rede de cooperação. A RIDE é uma forma de ação mada pela União e por estados e municípios, nos quais o
mais ampla que a prevista nas Regiões Metropolitanas, pois exercício do poder se atribui a órgãos independentes. Esse
envolve municípios de mais de uma Unidade da Federação. sistema federal permite que o governo central represente
O objetivo das RIDES é articular e harmonizar as ações ad- as várias entidades territoriais que possuem interesses em
ministrativas da União, dos Estados e dos Municípios para
comum: relações exteriores, defesa, comunicações, etc. Ao
promover projetos que visem à melhoria econômica de ter-
História do Brasil

mesmo tempo, permite que essas entidades mantenham


ritórios de baixo desenvolvimento. Assim, são promovidas
suas próprias identidades, leis e planos de ação. Os estados
iniciativas e investimentos que reduzam as desigualdades
possuem autonomia política.
sociais. É importante notar que a criação de uma RIDE en-
volve a negociação entre os estados envolvidos. Tal nego- O chefe de Estado é eleito pela população, mantendo-se
ciação determina questões como os municípios da região, no poder por um período de quatro anos e tenho direito a se
os objetivos, os instrumentos necessários e a adequação às recandidatar uma vez. As funções tanto de chefe de Estado
necessidades específicas de gestão. como de chefe de Governo são exercidas pelo Presidente
da República.

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O Presidente da República é também o chefe máximo do O chefe do Poder Executivo Municipal é o prefeito. Ele
Poder Executivo, já que o Brasil adota o regime presidencia- precisa ter, no mínimo, 18 anos de idade e é eleito para
lista. O Presidente exerce o comando supremo das Forças exercer um mandato de quatro anos. O prefeito possui atri-
Armadas do país e tem o dever de sustentar a independência buições políticas e administrativas, que se expressam no
e a integridade do Brasil. planejamento de atividades, obras e serviços municipais.
O Poder Executivo Federal é formado por órgãos de ad- O prefeito pode apresentar, sancionar, promulgar e vetar
ministração direta – como os ministérios – e indireta, como proposições e projetos de lei. Todo ano, o Executivo Muni-
empresas públicas – coloca programas de governo em prática cipal elabora a proposta orçamentária, que é submetida à
ou na prestação de serviço público. Câmara dos Vereadores.
O Executivo age junto ao Poder Legislativo ao participar De acordo com a Constituição Federal e as constituições
da elaboração das leis e sancionando ou vetando projetos. estaduais, os municípios gozam de autonomia. Todo municí-
Em situações de urgência, o Executivo adota medidas pro- pio é regido por uma Lei Orgânica, aprovada por dois terços
visórias e propõe emendas à Constituição, projetos de leis dos membros da Câmara Municipal.
complementares e ordinárias e leis delegadas. O sistema brasileiro é multipartidário: permite a forma-
É o Vice-Presidente da República que substitui o Presidente ção legal de vários partidos políticos.
em caso de impedimento ou caso o cargo se torne vago. O
Vice-Presidente deve auxiliar o Presidente sempre que for con- Como é definido o número de deputados federais por
vocado para realizar missões especiais. Já os ministros auxiliam estado?
o Presidente na direção superior da administração federal. A Constituição Federal estabelece que o número de de-
No Executivo Estadual, o chefe supremo é o governador putados federais por estado deve ser proporcional ao seu
do estado. Ele tem sob seu comando secretários e auxiliares número de habitantes (determinado pelo Censo).
diretos. O governador representa sua Unidade Federativa Nenhuma das unidades da Federação pode ter menos
junto ao Estado brasileiro e aos demais estados. Além dis- de oito ou mais de 70 deputados federais. Atualmente, os
so, o governador coordena as relações jurídicas, políticas estados mais populosos elegem proporcionalmente menos
e administrativas de seu estado e defende sua autonomia. deputados.

Como é definido o número de senadores por estado? de março de 1824. Instalava um governo monárquico, he-
Três senadores são eleitos por estado, independente- reditário, constitucional e representativo.
mente do número de habitantes. O Brasil possui 26 estados Além dos três Poderes – Legislativo, Judiciário e Execu-
e o Distrito Federal. Portanto, há 81 senadores. tivo –, havia ainda o Poder Moderador. O Poder Legislativo
era exercido pela Assembleia Geral, composta de duas câ-
Você Sabia? maras: a dos senadores, cujos membros eram vitalícios e
Atualmente Fernando de Noronha constitui-se como o nomeados pelo Imperador dentre integrantes de uma lista
único distrito estadual do Brasil, pertencente ao estado de tríplice enviada pela Província, e a dos deputados, eletiva
Pernambuco. O arquipélago é gerido por um administrador- e temporária.
História do Brasil

-geral designado pelo governo do estado. Nesta Constituição destacaram-se: o fortalecimento da


figura do Imperador com a criação do Poder Moderador
As Constituições acima dos outros Poderes; a indicação pelo Imperador dos
presidentes que governariam as províncias; o sistema eletivo
Constituição de 1824 indireto e censitário, com o voto restrito aos homens livres e
proprietários e subordinado a seu nível de renda.
Primeira Constituição brasileira, a Constituição Política Em 1834 foi promulgado o Ato Adicional, que criava as
do Império do Brasil foi outorgada por Dom Pedro I, em 25 Assembleia Legislativas provinciais e suprimia o Poder Mode-

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rador – só restaurado em 1840, com a Emenda Interpretativa Constituição de 1946
do Ato Adicional.
Foi a constituição que vigorou por maior tempo – 65 anos. Promulgada durante o governo do presidente Eurico
Gaspar Dutra, foi elaborada sob os auspícios da derrota dos
Constituição de 1891 regimes totalitários na Europa ao término da
Segunda Guerra Mundial, refletia a redemocratização do
Foi promulgada pelo Congresso Constitucional, o mesmo Estado brasileiro.
que elegeu Deodoro da Restabeleceu os direitos individuais, extinguindo a cen-
Fonseca como Presidente. Tinha caráter liberal e federa- sura e a pena de morte. Devolveu a independência dos três
lista, inspirado na tradição republicana dos Estados Unidos. poderes, a autonomia dos estados e municípios e a eleição
Instituiu o presidencialismo, concedeu grande autonomia direta para presidente da República, com mandato de cinco
aos estados da federação e garantiu a liberdade partidária. anos.
Estabeleceu eleições diretas para a Câmara, o Senado e a Em 1961 sofreu importante reforma com a adoção do
Presidência da República, com mandato de quatro anos. Es- parlamentarismo. Foi posteriormente anulada pelo plebiscito
tabeleceu o voto universal e não-secreto para homens aci- de 1963, que restaurava o regime presidencialista.
ma de 21 anos e vetava o mesmo a mulheres, analfabetos, A Constituição de 1946 vigorou por 21 anos.
soldados e religiosos; determinou a separação oficial entre
o Estado e a Igreja Católica; instituiu o casamento civil e o Constituição de 1967
habeas corpus; aboliu a pena de morte e extinguiu o Poder
Moderador. Também nesta Constituição ficou estabelecida,
Foi promulgada pelo Congresso Nacional durante o go-
em seu artigo terceiro, uma zona de 14.400 Km2 no Planalto
verno Castelo Branco.
Central, para a futura Capital Federal.
A Constituição de 1891 vigorou por 39 anos. Oficializava e institucionalizava a ditadura do Regime
Militar de 1964.
Constituição de 1934 Foi por muitos denominada de “Super Polaca”.
Conservou o bipartidarismo criado pelo Ato Adicional
Foi promulgada pela Assembleia Constituinte no primeiro n° 2.
governo do Presidente Estabeleceu eleições indiretas, por meio do Colégio Elei-
Getúlio Vargas e preservou a essência do modelo liberal toral, para a presidência da República, com quatro anos de
da Constituição anterior. mandato.
Garantiu maior poder ao governo federal; instituiu o voto Foram incorporadas nas suas Disposições Transitórias os
obrigatório e secreto a partir dos 18 anos e o voto feminino, dispositivos do Ato Institucional n° 5 (AI-5), de 1968, dan-
já instituídos pelo Código Eleitoral de 1932; fixou um salá- do permissão ao presidente para, dentre outros, fechar o
rio mínimo; introduziu a organização sindical mantida pelo Congresso, cassar mandatos e suspender direitos políticos.
Estado. Criou o mandado de segurança. Sob a rubrica “Da Permitiu aos governos militares total liberdade de legislar
Ordem Econômica e Social”, explicitava que deveria possibili- em matéria política, eleitoral, econômica e tributária. Desta
tar “a todos existência digna” e sob a rubrica “Da família, da forma, o Executivo acabou por substituir, na prática, o Legis-
Educação e da Cultura” proclamava a educação “direito de lativo e o Judiciário.
todos”. Mudou também o enfoque da democracia individua- Sofreu algumas reformas como a emenda Constitucional
lista para a democracia social. Estabeleceu os critérios acerca nº 1, de 1969, outorgada pela Junta Militar. Tal emenda se
da criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral. O apresenta como um “complemento” às leis e regulamen-
Poder Legislativo seria exercido pela Câmara dos Deputados tações da Constituição de 1967. Embora seja denominada
com colaboração do Senado, sendo aquela constituída por por alguns como Constituição, já que promulgou um texto
representantes eleitos pela população e por organizações reformulado a partir da Constituição de 1967, muitos são
de caráter profissional e trabalhista. os que não a vêem como tal. A verdade é que, a partir des-
A Constituição de 1934 vigorou por 3 anos. ta emenda, ficam mais claras as características políticas da
ditadura militar. Continuava em vigor o Ato Institucional nº
Constituição de 1937 5 e os demais atos institucionais anteriormente baixados.
A Constituição de 1967 autorizava a expedição de decre-
No início de novembro de 1937, tropas da Polícia Militar tos-lei, a nomeação de senadores pelas Assembleias Legislati-
do Distrito Federal cercaram o Congresso e impediram a en- vas, a prorrogação do mandato presidencial para seis anos e a
trada dos parlamentares. No mesmo dia, Vargas apresentou alteração da proporcionalidade de deputados no Congresso.
uma nova fase política e a entrada em vigor de nova Carta A Constituição de 1967 vigorou por 21 anos.
Constitucional. Começava oficialmente o “Estado Novo”.
Deu-se a supressão dos partidos políticos e a concentração
Constituição de 1988
de poder nas mãos do chefe supremo. A Carta de 1937 pos-
suía clara inspiração nos modelos fascistas europeus, insti-
tucionalizando o regime ditatorial do Estado Novo. Ficaria Atualmente em vigor, a Constituição de 1988 foi pro-
conhecida como “Polaca”, devido a certas semelhanças com mulgada no governo de José Sarney. Foi elaborada por uma
a Constituição Polonesa de 1935. Assembleia Constituinte, legalmente convocada e eleita e a
Extinguiu o cargo de vice-presidente, suprimiu a liberda- primeira a permitir a incorporação de emendas populares.
História do Brasil

de político-partidária e anulou a independência dos Poderes O Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses
e a autonomia federativa. Guimarães, ao entregá-la à nação, chamou-a de “Constitui-
Essa Constituição permitiu a cassação da imunidade par- ção Cidadã”.
lamentar, a prisão e o exílio de opositores. Instituiu a eleição Seus pontos principais são a República representativa,
indireta para presidente da República, com mandato de seis federativa e presidencialista. Os direitos individuais e as li-
anos; a pena de morte e a censura prévia nos meios de co- berdades públicas são ampliados e fortalecidos. É garantida
municação. Manteve os direitos trabalhistas. a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
A Constituição de 1937 vigorou por 8 anos. à segurança e à propriedade. O Poder Executivo mantém sua

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forte influência, permitindo a edição de medidas provisórias Partidos na República
com força de lei (vigorantes por um mês, passíveis de serem
reeditadas enquanto não forem aprovadas ou rejeitadas pelo República Velha (1889-1930)
Congresso). O voto se torna permitido e facultativo a anal- O período que vai de 1889 a 1930 é conhecido como a
fabetos e maiores de 16 anos. A educação fundamental é República Velha. Neste período, quem dominava a política
apresentada como obrigatória, universal e gratuita. eram os grandes donos de terras de Minas Gerais e de São
Também são abordados temas como o dever da defesa Paulo. Época em que o Brasil cresceu muito e tornou-se ex-
do meio ambiente e de preservação de documentos, obras e portador de café.
outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como Com isso, os donos de terras acabaram criando seus par-
os sítios arqueológicos. tidos políticos: Partido Republicano Paulista (PRP) e Partido
Reformas constitucionais começaram a ser votadas pelo Republicano Mineiro (PRM). Poderosos por causa do capital
Congresso Nacional a partir de 1992. Algumas das principais que acumulavam, acabaram elegendo vários presidentes,
medidas abrem para a iniciativa privada atividades antes res- que implementavam políticas para beneficiar os dois estados.
tritas à esfera de ação do Estado, esvaziando, de certa forma,
o poder e a influência estatais em determinados setores. A Era Getúlio Vargas (1930-1945)
iniciativa privada, nacional ou internacional, recebe autoriza- Os partidos políticos mais conhecidos da época de Ge-
ção para explorar a pesquisa, a lavra e a distribuição dos de- túlio Vargas são: Ação Integralista Brasileira (AIB), criado
rivados de petróleo, as telecomunicações e o gás encanado. em 1932, e Aliança Nacional Libertadora (ANL), de 1935.
As empresas estrangeiras adquirem o direito de exploração A AIB defendia um governo em que só o presidente po-
dos recursos minerais e hídricos. deria tomar decisões. Assim, acreditavam que o Brasil cami-
Na esfera política ocorrem mudanças na organização e nharia para o progresso. Essa ideia era inspirada no fascismo.
regras referentes ao sistema eleitoral; o mandato do presi- Já os integrantes da ANL, liderado por Luís Carlos Pres-
dente da República é reduzido de cinco para quatro anos e, tes, defendiam um programa de mudanças para melhorar a
em 1997, é aprovada a emenda que permite a reeleição do vida dos brasileiros. Eles queriam mais emprego, melhores
presidente da República, de governadores e prefeitos. Os salários e apoio para as empresas brasileiras.
candidatos processados por crime comum não podem ser
eleitos, e os parlamentares submetidos a processo que possa República democratizada (1945-1964)
levar à perda de mandato e à inelegibilidade não podem Depois da “ditadura” de Getúlio Vargas, o chamado Es-
renunciar para impedir a punição. tado Novo, em 1945 o Brasil voltou a ter eleições para presi-
Até o momento a Constituição de 1988 já sofreu altera- dente. Com a volta da democracia, três candidatos – Eurico
ções 45 vezes, com emendas constitucionais versando sobre Gaspar Dutra, Eduardo Gomes e Ricardo Fiúza – concorreram
os mais variados temas. ao cargo de presidente do Brasil. Nessa época, o que se viu foi
uma disputa entre os partidos que defendiam Getúlio Vargas
Os Partidos Políticos e as Instituições – Partido Social-Democrático (PSD) e Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB); e o que era contra – União Democrática
Partidos do Império Nacional (UDN).
O PSD era formado por lideranças rurais e por altos fun-
Na época do Brasil Império (período entre 1822 e 1889), cionários das empresas do governo, enquanto que o Partido
o regime adotado aqui era a monarquia. Trabalhista Brasileiro (PTB) unia os líderes dos sindicatos e
Após o “grito de independência”, o primeiro governante os operários que trabalhavam nas fábricas.
do Brasil foi Dom Pedro I. Ele ficou no poder até o ano de A União Democrática Nacional (UDN), partido de oposi-
1831, período chamado de Primeiro Império. Logo depois, ção ou partido rival, era formado pelas pessoas mais ricas
ele foi forçado a deixar o cargo em favor de seu filho, Dom Pe- das cidades. Pessoas que defendiam a entrada de dinheiro de
dro II, que tinha apenas 5 anos. E até Dom Pedro II completar empresas internacionais no Brasil e o desenvolvimento das
15 anos – idade em que poderia começar a governar – o Brasil empresas brasileiras que não pertenciam ao governo. Essas
foi administrado por regentes, que eram representantes do empresas são chamadas de empresas privadas.
Poder Executivo.
No primeiro império, havia três grandes partidos políti- Governo Militar (1964-1985)
cos: Restauradores ou Caramurus – que queriam a volta de D. Depois de quatro presidentes eleitos pelo povo e várias
Pedro I ao Brasil e um regime monárquico. Não deu certo e, substituições (1945 a 1964), uma nova ditadura se instalou
quando D. Pedro I morreu, em 1834, o partido desapareceu. no Brasil: a do regime militar. Tudo começou com um golpe
O segundo, formado por pessoas radicais, tinha o nome de de Estado em 1964 que tirou o presidente João Goulart do
Liberal Exaltado ou Jurujubas. Os integrantes desse partido poder. Como você já sabe, ditadura é o contrário de demo-
eram a favor do fim da monarquia. Eles queriam que o Brasil cracia. E, na ditadura, quem discorda das regras do jogo é
se transformasse em uma República. Um último grupo, cha- perseguido e reprimido. E foi assim em 1964. Quem discor-
mado Liberal Moderado ou Chimangos, defendiam a perma- dou dos militares foi preso, torturado e até morto.
nência da monarquia e a escravidão, mas não queriam a volta A partir de 1965, com o Ato Institucional 2 (AI-2), os
de Dom Pedro I e os “exageros” do partido dos exaltados. militares permitiram apenas a criação de duas associações
Mas os principais partidos do império – Conservadores políticas (associações, porque não se podia usar a palavra
História do Brasil

(também chamados de saquaremas) e Liberais (também cha- “partido”). E assim, surgiram a Aliança Renovadora Nacional
mados de luzias) – só surgiram no Segundo Reinado. Época (ARENA), que defendia o regime militar, e o Movimento De-
governada por Dom Pedro II. mocrático Brasileiro (MDB), que tinha a permissão para fazer
A diferença entre esses dois partidos era a visão que uma oposição ao regime militar, desde que fosse moderada.
cada um deles tinha sobre a monarquia. Os conservadores
queriam sempre um regime forte, com a autoridade do im- Nova República (1985 até hoje)
perador e pouca liberdade para as províncias. Já os liberais Em 1974, o presidente Ernesto Geisel, que era um general
queriam que as províncias tivessem mais poder. do Exército, decidiu adotar a política da “abertura lenta e

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gradual”, quer dizer, acabar com o regime militar aos pouqui- penho eleitoral e ajudar na reconexão com uma sociedade
nhos para dar lugar à democracia. E democracia se faz com pouco interessada em política. Agora, o PTN chama-se Po-
partidos políticos. Por quê? Porque os partidos representam demos. E o PTdoB está prestes a se tornar o Avante. Por trás
as diferentes opiniões. da mudança de nome, porém, estão políticos tradicionais,
No final de 1979, novos partidos políticos começaram a parlamentares sob investigação e outros que têm o hábito
se organizar no lugar da Arena e do MDB. Assim, em 1982, a de trocar de partidos.
Arena se transformou no Partido Democrático Social (PDS),
e o MDB no Partido Democrático Brasileiro (PMDB). Nessa EXERCÍCIOS
mesma época surgiram também o Partido Trabalhista Bra-
sileiro, formado por pessoas que defendiam as ideias de 1. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar – Itumbiara/2017)
Getúlio Vargas; o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e A volta democrática de Getúlio Vargas ao poder, após ser
o Partido dos Trabalhadores (PT). eleito no ano de 1950, ficou caracterizada pelo presi-
Nas eleições indiretas para presidente da República de dente:
1984, o PDS ficou em dúvida porque tinha dois candidatos a) ter se aproximado dos antigos líderes militares do
a lançar – Mário Andreazza e Paulo Maluf – e isso acabou Estado Novo e ter dado um golpe de Estado em 1952.
causando um “racha” no partido. Daí a criação de um outro b) ter exercido um governo de tendência populista e
partido para apoiar Paulo Maluf, o Partido da Frente Libe- ter se suicidado em 1954.
ral (PFL), atual Democratas (DEM). E como o PFL, surgiram c) ter exercido um governo de tendência autoritária,
também outros: o Partido Popular Brasileiro (PPB), forma- com o apoio de Carlos Lacerda.
do por pessoas insatisfeitas com o PDS; e o Partido Social- d) ter exercido um governo de tendência populista que
-Democrático Brasileiro (PSDB), que foi formado com parte foi a base para sua reeleição em 1955.
de insatisfeitos do PMDB. e) não ter levado o governo adiante por motivos de
saúde, sendo substituído por seu vice, Café Filho,
Os 35 partidos políticos registrados no TSE
em 1951.
1 PMDB Partido do Movimento Democrático
2. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar - Itumbiara/2017)
Brasileiro
Getúlio Vargas teve que enfrentar duas frentes princi-
2 PTB Partido Trabalhista Brasileiro
pais de organização política durante o governo provi-
3 PDT Partido Democrático Trabalhista
sório. Uma delas era inspirada no fascismo italiano e
4 PT Partido dos Trabalhadores
no nazismo alemão, inclusive nos símbolos e rituais de
5 DEM Democratas
6 PCdoB Partido Comunista do Brasil cumprimento que os orientavam. Trata-se do:
7 PSB Partido Socialista Brasileiro a) Integralismo.
8 PSDB Partido da Social Democracia Brasileira b) Fascismo Verde e Amarelo.
9 PTC Partido Trabalhista Cristão c) Anarquismo.
10 PSC Partido Social Cristão d) Comunismo.
11 PMN Partido da Mobilização Nacional e) Fascismo à Brasileira.
12 PRP Partido Republicano Progressista
13 PPS Partido Popular Socialista 3. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar - Cachoeira Dou-
14 PV Partido Verde rada/2017) Em agosto de 1942, o Brasil declarou guer-
15 AVANTE Avante ra à Alemanha, posicionando-se ao lado dos Aliados
16 PP Partido Progressista na Segunda Guerra Mundial. Em consequência dessa
17 PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores declaração de guerra, o Brasil organizou aproximada-
Unificado mente 25 mil soldados e enviou-os ao fronte italiano
18 PCB Partido Comunista Brasileiro para derrotar tropas alemãs que defendiam posições
19 PRTB Partido Renovador Trabalhista Brasileiro em regiões montanhosas na Itália. Qual foi o motivo
20 PHS Partido Humanista da Solidariedade que levou o Brasil a declarar guerra à Alemanha?
21 PSDC Partido Social Democrata Cristão a) A ameaça americana de invadir o Brasil caso não
22 PCO Partido da Causa Operária declarasse guerra contra a Alemanha.
23 PODE Podemos b) O ataque de submarinos alemães contra navios mer-
24 PSL Partido Social Liberal cantes brasileiros.
25 PRB Partido Republicano Brasileiro c) O assassinato de um diplomata brasileiro por um
26 PSOL Partido Socialismo e Liberdade general alemão na Itália.
27 PR Partido da República d) A eclosão da Intentona Integralista
28 PSD Partido Social DemocráticO e) A invasão do espaço aéreo brasileiro por aviões ale-
29 PPL Partido Pátria Livre mães.
30 PEN Partido Ecológico Nacional
31 PROS Partido Republicano da Ordem Social 4. (MPE-GO/MPE-GO/ Secretário Auxiliar/Cachoeira Dou-
32 SD Solidariedade rada/2017) Sobre o Estado Novo de Getúlio Vargas, é
História do Brasil

33 NOVO Partido Novo incorreto afirmar:


34 REDE Rede Sustentabilidade a) que foi implantado por Getúlio Vargas sob a justifica-
35 PMB Partido da Mulher Brasileira tiva de conter uma nova ameaça de golpe comunista
no Brasil.
Você Sabia? b) que tomado por uma orientação socialista, o governo
Donos de mais de 1,5 milhão de votos obtidos nas elei- preocupava-se em obter o favor dos trabalhadores
ções para a Câmara dos Deputados em 2014, PTN e PTdoB por meio de concessões e leis de amparo ao traba-
decidiram que mudar de nome pode melhorar o desem- lhador.

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c) financiava o amplo desenvolvimento do setor indus- a) o fim da República Velha e o início da República Oli-
trial brasileiro, ao realizar uma política de industriali- gárquica.
zação por substituição de importações e com criação b) o declínio do Segundo Reinado e o início da Repú-
das indústrias de base. blica.
d) para dar ao novo regime uma aparência legal, Fran- c) o fim da República Velha e o início da Era Vargas.
cisco Campos redigiu uma nova Constituição inspi- d) o início do Estado Novo e a fase de democratização
rada nas constituições fascistas italiana e polonesa. do Brasil.
e) adotou o chamado “Estado de Compromisso”, onde e) o fim do Estado Novo e o começo da Ditadura Militar.
foram criados mecanismos de controle e vias de ne-
gociação política responsáveis pelo surgimento de 8. (EDUCA/CRQ - 19ª Região (PB)/Coordenador Adminis-
uma ampla frente de apoio a Getúlio Vargas. trativo/2017) A Era Vargas é o nome que se dá ao perío-
do em que Getúlio Vargas governou o Brasil por 15 anos,
A figura de Getúlio Vargas, como personagem histórica, é de forma contínua (de 1930 a 1945). Esse período foi
bastante polêmica, devido à complexidade e à magnitude um marco na história brasileira, em razão das inúmeras
de suas ações como presidente do Brasil durante um longo alterações que Getúlio Vargas fez no país, tanto sociais
período de quinze anos de 1930 de grandes e importantes quanto econômicas. Esse Período foi dividido em três
mudanças para o mundo. Pode-se perceber o destaque dado momentos que foram:
a Getúlio Vargas pelo simples fato de este período ser conhe- Assinale a alternativa correta:
cido no Brasil como a “Era Vargas”. Entretanto, Vargas não é a) Governo Provisório - Governo Constitucional e Es-
visto de forma favorável por todos. Se muitos o consideram tado Novo.
como um fervor nacionalista, um progressista ativo e o “Pai b) Governo Provisório – República Velha e Nova Repú-
dos Pobres”, existem outros tantos que o definem como di- blica.
tador oportunista, um intervencionista e amigo das elites. c) República Velha – Estado Novo e Governo Provisório.
d) Governo Provisório – Estado Novo e Nova República.
5. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar - Ceres/2017) e) Governo Constitucional – República velha e Nova
Considerando as colocações acima, responda à ques- República.
tão seguinte, assinalando a alternativa correta. Prova-
velmente você percebeu que as duas opiniões sobre 9. (FGV/AL-MT/Técnico em Informática/2013) A divisão
Vargas são opostas, defendendo valores praticamente do estado de Mato Grosso em dois estados, com a
antagônicos. As diferentes interpretações do papel de consequente criação do estado de Mato Grosso do Sul
uma personalidade histórica podem ser explicadas, ocorreu
conforme uma das opções abaixo. Assinale-a. a) na República Velha, em 1906.
a) Um dos grupos está totalmente errado, uma vez que b) na Era Vargas, em 1930.
a permanência no poder depende de ideias coeren- c) no Estado Novo, em 1942.
tes e de uma política contínua. d) no Regime Militar, em 1977.
b) O grupo que acusa Vargas de ser ditador está total- e) na Nova República, em 1987.
mente errado. Ele nunca teve uma orientação ideo-
lógica favorável aos regimes politicamente fechados 10. (CEPERJ/ALERJ/Assessoramento às Comissões/2011) A
e só tomou medidas duras forçado pelas circunstân- Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou,
cias.
no último dia 19 de outubro, por unanimidade, o Pro-
c) Os dois grupos estão certos. Cada um mostra Vargas
jeto de Lei da Câmara 88/2011, que cria a Comissão
da forma que serve melhor aos seus interesses, pois
Nacional da Verdade – um colegiado incumbido de, no
ele foi um governante apático e fraco - um verdadei-
prazo de dois anos contados a partir de sua instalação,
ro marionete nas mãos das elites da época.
investigar e elaborar um “relatório circunstanciado”
d) O grupo que defende Vargas como um autêntico
sobre atentados aos direitos humanos praticados no
nacionalista está totalmente enganado. Poucas me-
didas nacionalizantes foram tomadas para iludir os Brasil por razões políticas. Um ponto polêmico que tem
brasileiros, devido à política populista do varguismo suscitado diferentes opiniões é o período histórico defi-
e ele fazia tudo para agradar aos grupos estrangeiros. nido pelo Projeto de Lei para ser objeto de investigação,
e) Os dois grupos estão errados, por assumirem ca- que é de:
racterísticas parciais e, às vezes conjunturais, como a) 1964 a 2010.
sendo posturas definitivas e absolutas. b) 1946 a 1988.
c) 1930 a 1990.
6. (CONSESP/Prefeitura de Monte Mor – SP/Cuidador de d) 1950 a 2000.
crianças/2012) A “Política dos Governadores”, acordo e) 1964 a 1985.
entre as oligarquias estaduais e o Governo Federal, foi
organizada e executada: 11. (Vunesp/Prefeitura de São José dos Campos – SP/Pro-
a) por Prudente de Moraes. curador/2017) O voto secreto e o voto feminino foram
b) por Campos Salles. assentados, pela primeira vez, em base constitucional
c) pelo Governo Provisório da República Velha. no país, pela Constituição Brasileira de
História do Brasil

d) pelo Estado Novo. a) 1891.


b) 1934.
7. (TJ-SC/TJ-SC/Analista Jurídico/2009) Os levantes mi- c) 1937.
litares tenentistas, o fim da política café-com-leite, o d) 1946.
agrupamento das oligarquias dissidentes na Aliança e) 1967.
Liberal e o colapso da economia cafeeira foram alguns
dos fatores que criaram as condições para a Revolução 12. (Vunesp/IPRESB – SP/Analista de Processos Previdenciá­
de 1930, a qual assinalou: rios/2017) No tocante à evolução da seguridade social

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no Brasil, os denominados “socorros públicos” foram 18. (CIEE/AGU/Ensino Superior/2014) Em 31 de março de
instituídos pela Constituição de 1964, o Brasil deixava de ser um país de instituições
a) 1824. ativas, independentes e democráticas e, por mais de
b) 1891. vinte anos, o país ficou sob o regime militar. Assinale
c) 1934. a alternativa que apresenta o nome do primeiro presi-
d) 1937. dente dessa época, que governou entre 1964 e 1967.
e) 1946. a) Costa e Silva.
b) Médici.
13. (CEPERJ/DEGASE/Auxiliar Administrativo/2011) O ha- c) Castelo Branco.
beas corpus surge no Direito Brasileiro na Constituição d) Figueiredo.
de:
a) 1937. 19. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2007) Acerca
b) 1891. da política exterior do regime militar, nos diferentes
c) 1988. governos do Brasil, julgue (C ou E) os itens a seguir.
d) 1934. (1) No governo Castelo Branco, lançaram-se as bases
e) 1946. para a criação de uma comunidade dos países de
língua portuguesa.
14. (IESES/TJ-MS/Titular de Serviços de Notas e de Regis- (2) A diplomacia econômica praticada pelo governo
tros/2014) São características da Constituição Federal Geisel com a finalidade de promover o desenvolvi-
de 1891. mento pretendia reduzir as vulnerabilidades do país
a) Instituição da forma federativa de Estado e da for- aos contingenciamentos da economia internacional,
ma republicana de governo, instituição do habeas orientando-se pela busca de diversificação de par-
corpus. cerias, o que explica a aproximação do Brasil com a
b) Poder moderador, eleições indiretas e censitárias. América Latina, a África e a Europa Oriental, entre
c) Eleição indireta para presidente da República, com outros parceiros.
mandato de seis anos. (3) Ao longo do regime militar instaurado, no Brasil,
d) Incorporação da Justiça do Trabalho e do Tribunal
em 1964, a política externa brasileira para a África,
Federal de Recursos ao Poder Judiciário.
a partir do governo Costa e Silva e principalmente
do governo Geisel, subordinou-se aos imperativos
15. (Vunesp/TJ-SP/Titular de Serviços de Notas e de Re-
econômicos; assim, a necessidade de abrir novos
gistros/2015) Com relação à Constituição brasileira de
mercados para produtos industrializados e de obter
1891, é correto afirmar que:
a) adotou o sistema de governo consubstanciado no fornecimento de petróleo, que levou o Brasil a reco-
parlamentarismo. nhecer todas as ex-colônias portuguesas, superou
b) previa a divisão em quatro poderes, a exemplo do os interesses estritamente políticos, assentados no
período imperial. desejo de afastar o país do modelo calcado na de-
c) adotou a República Federativa como formas de go- fesa de posições colonialistas.
verno e de Estado. (4) O regime militar brasileiro (1964 a 1985), aberto
d) foi outorgada pelo Presidente Deodoro da Fonseca, ao ocidentalismo e à interdependência econômica,
sem prévia aprovação por uma assembleia consti- política e de segurança entre as nações à época da
tuinte. Guerra Fria, abandonou definitivamente os princí-
pios da Política Externa Independente.
16. (Prefeitura do Rio de Janeiro – RJ/Câmara Municipal
do Rio de Janeiro/Consultor Legislativo - Indústria, 20. (Consulplan/Prefeitura de Caratinga – MG/Auxiliar Ad-
Comércio e Turismo/2015) Na Administração Pública ministrativo/2015) “Todo o homem que trabalha tem
brasileira, a Constituição Federal que pela primeira vez direito a uma remuneração justa e satisfatória que
determinou, na relação entre os entes da federação, lhe assegure, assim como à sua família, uma existên-
que os estados se organizassem de modo que a au- cia compatível com a dignidade humana, e a que se
tonomia dos municípios fosse assegurada no que diz acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção
respeito ao seu interesse peculiar, determinando que social. ” (Declaração Universal dos Direitos do Homem.)
os estados e municípios teriam que criar as condições “A CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) foi criada
necessárias para o seu próprio desenvolvimento, foi a pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e
do ano de: sancionada pelo presidente __________________, du-
a) 1988. rante o período do Estado Novo.” Assinale a alternativa
b) 1934. que completa corretamente a afirmativa anterior.
c) 1891. a) José Sarney .
d) 1824. b) Gaspar Dutra.
c) Jânio Quadros.
17. (Consesp/Prefeitura de Quedas do Iguaçu – PR/Agente d) Getúlio Vargas.
História do Brasil

administrativo/2012) Sobre o governo Castelo Branco


é incorreto afirmar que: 21. (FCC/TCE-AP/Técnico de Controle Externo/2012) A cria-
a) Incentivou os movimentos populares de inspiração ção do território do Amapá ocorreu na década de
esquerdista. a) 1930, no governo de Getúlio Vargas.
b) Instituiu o bipartidarismo. b) 1940, no governo de Getúlio Vargas.
c) Encaminhou ao Congresso o projeto da Constituição c) 1940, no governo do marechal Dutra.
de 1967. d) 1950, no governo do marechal Dutra.
d) Instituiu a Lei de Segurança Nacional. e) 1950, no governo de Juscelino Kubitscheck.

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22. (FEPESE/MPE-SC/Analista – Economia/2014) Sobre a incremento do comércio entre Brasil e Alemanha
política econômica do Governo Eurico Gaspar Dutra, justificavam a intensa campanha governista de na-
1945 a 1951, é correto afirmar: cionalização dos imigrantes residentes na Região
a) Foi instituído o controle cambial. Sul e a proibição de propaganda e organização de
b) No que se refere à inflação, o governo procurou atuar partidos políticos.
exclusivamente sobre o choque externo de preços. b) Em que pesem as pressões dos Estados Unidos da
c) As restrições às importações de bens de consumo América (EUA), o Brasil aceitou manter relações co-
foram ampliadas apenas no primeiro triênio, como merciais com a Alemanha baseadas em moeda não
forma de compensar a valorização monetária desse conversível, denominada marco de compensação.
período. c) A nomeação de Osvaldo Aranha para o Ministério
d) As políticas fiscal e monetária de combate à infla- das Relações Exteriores em 1938 introduziu rupturas
ção foram intensificadas especialmente no final do fundamentais no encaminhamento da ação interna-
período (1949 e 1950), quando da substituição do cional do Brasil, que passou a desenvolver estratégia
ministro Corrêa e Castro. de barganha com os EUA e a Alemanha.
e) A principal tentativa de ordenação do gasto público d) Na fase inicial desse período, a política externa ad-
no período foi instituída no Convênio de Taubaté. quiriu um tom francamente belicoso e expansionista,
como demonstram as ações de intervenção do Brasil
23. (FCC/TCE-RO/Procurador/2010) Antes da construção da em assuntos internos dos países vizinhos, ao tomar
BR-364, só se atingia Porto Velho de trem pela Estrada partido nos conflitos, como na Guerra do Chaco, en-
de Ferro Madeira-Mamoré a partir de Guajará-Mirim, tre a Bolívia e o Paraguai, e na Questão de Letícia,
de balsa a partir de Manaus ou de avião. O transporte entre o Peru e a Colômbia.
rodoviário era inexistente. Em fevereiro de 1960, deci- e) O Itamaraty, na VII Conferência Internacional Ame-
diu-se construir a BR-364 ligando Cuiabá a Porto Velho ricana, realizada em Montevidéu, em 1933, reiterou
e Rio Branco, interligando a região ao restante do país. a repulsa do governo brasileiro a alianças como a do
Essa decisão foi tomada pelo Presidente Pacto Briand-Kellog.
a) Eurico Gaspar Dutra.
b) Getúlio Vargas. 28. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2013) A revo-
c) Jânio Quadros. lução de 1930 introduziu mudanças políticas, econô-
d) Juscelino Kubitscheck. micas, sociais e na política externa. A respeito dessas
e) Castelo Branco. mudanças, julgue os itens a seguir.
(1) O Estado empreendeu, a partir de 1930, ação de-
24. (FUNCAB/CREA-AC/Analista de Sistema/2016) O Acre terminante na educação, com o intuito de criar um
foi incorporado ao Brasil com a assinatura do Tratado sistema nacional, esforço que envolveu educadores
de Petrópolis. Nesse momento histórico o presidente de diferentes correntes, como a dos reformadores
do Brasil era: liberais e a dos católicos, e também a própria elite
a) Getúlio Vargas. cultural.
b) Deodoro da Fonseca. (2) O poder estatal tratou, a partir de 1930, de promo-
c) Rodrigues Alves. ver alianças de classes, garantindo direitos sociais e
d) Eurico Gaspar Dutra. mecanismos de proteção aos trabalhadores urba-
e) Jânio Quadros. nos.
(3) Afastadas do núcleo central do Estado, as Forças
(Cespe/Instituto Rio Branco /Diplomata/2017) Em 1945, Armadas foram substituídas, em suas funções de
iniciou-se a redemocratização do Brasil e, no ano seguinte, garantidoras da ordem interna, por novos apare-
o general Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente da Re- lhos repressivos, que reproduziam os criados pelo
pública por voto popular. No que se refere a esse assunto, fascismo europeu.
julgue o item subsequente. (4) Sem ruptura com a política que vinha sendo imple-
25. Durante o governo Dutra, lideranças do partido comu- mentada, a política externa do governo revolucio-
nista conduziram diversas reivindicações sociais, esti- nário caracterizou-se pelo protagonismo no plano
muladas pela falta de reajustes do salário mínimo. regional e pela centralidade do relacionamento com
os EUA.
26. (Alternative Concursos/Câmara de Bandeirantes - SC/
Contador/2016) No Brasil já tivemos, além do pedido de Passados os primeiros momentos da transição da ordem
impeachment envolvendo Dilma Rousseff, dois pedidos militar para a civil, do marechal Deodoro ao fim do man-
de impeachment que foram acolhidos na Câmara dos dato de Prudente de Morais, as turbulências deram lugar
Deputados e submetidos à admissibilidade no plenário. ao projeto de “saneamento financeiro”, implementado pelo
O primeiro e o segundo foram, respectivamente contra: presidente Campos Sales, controlando-se o meio circulante
a) Eurico Gaspar Dutra – José Sarney. e estabilizando-se a dívida externa. No plano político, foi
b) Getúlio Vargas – Fernando Collor de Mello. articulada a chamada “política dos governadores”, segundo
c) Café Filho – Itamar Franco. a qual apenas os candidatos aliados à bancada situacionista
História do Brasil

d) Getúlio Vargas – José Sarney. no Congresso tinham seus diplomas eleitorais reconhecidos.
e) Carlos Luz – Fernando Collor de Mello. Isso permitiu ao governo do Rio de Janeiro uma situação de
controle centralista, neutralizando o que, no início do regime,
27. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2013) Acerca havia sido denominado as “vinte ditaduras”, resultado da
da política externa adotada pelo governo brasileiro no redução do princípio federal à ação irrefreada das oligarquias
período entre 1930 e 1945, assinale a opção correta. estaduais. Esses arranjos conservadores foram coroados com
a) A demonstração de simpatia do presidente Getú- o Convênio de Taubaté (1904), que, ao criar favorecimento
lio Vargas pelos regimes totalitários europeus e o cambial arbitrário à cafeicultura, fundou as bases da “polí-

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tica do café-com-leite”, por meio da qual os estados mais a política dos estados, consistiu num sistema de com-
populosos e ricos, São Paulo e Minas Gerais, imporiam sua promissos políticos por meio do qual o governo federal
hegemonia de forma praticamente contínua até 1930. garantia a autonomia dos grupos oligárquicos dominan-
Nicolau Sevcenko. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilu- tes em cada estado, em troca de apoio das bancadas
sões do progresso. In: Fernando A. Novais (coordenador-geral da estaduais no Congresso Nacional. Entre os efeitos da
coleção) e Nicolau Sevcenko (organizador do volume). História da
vida privada no Brasil (3). São Paulo: Companhia das Letras, 1998, política dos estados, identifica-se o(a):
p. 33 (com adaptações). a) fortalecimento do poder Executivo Estadual, em
detrimento do poder Executivo Federal e o do Le-
29. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2005)Julgue gislativo.
os itens subsequentes, relativos à trajetória do regime b) fortalecimento do poder Legislativo que ampliou sua
republicano brasileiro descrita brevemente no texto autonomia em relação ao poder Executivo.
acima. c) equilíbrio de poder entre os estados da federação
(1) O Funding loan, pelo qual se renegociou a dívida que alternavam a liderança do Poder Executivo de
externa brasileira, foi um dos mais conhecidos ins- forma igualitária.
trumentos utilizados pelo presidente Campos Sales d) neutralização das oposições, pois o Congresso era
para promover o “saneamento financeiro” do país. controlado pelos partidos republicanos hegemônicos.
(2) Especialmente a partir do governo Campos Sales, o e) fraude eleitoral, pois o voto aberto e não obrigató-
“acordo oligárquico” mencionado no texto ganhou rio favorecia o controle das eleições por parte das
densidade, sendo bem representado pela Política oligarquias locais.
dos Estados, também conhecida como Política dos
Governadores, por meio da qual o atendimento às Religião mestiça (cont.)
demandas das oligarquias estaduais era a contra-
partida ao apoio político dado aos seus representan- A sua [do sertanejo] religião é como ele — mestiça.
tes, que momentaneamente ocupavam o governo Resumo dos caracteres físicos e fisiológicos das raças
federal. de que surge, [o sertanejo] sumaria-lhes identicamente as
(3) Os primeiros anos da República brasileira foram qualidades morais. É um índice da vida de três povos. E suas
marcados por grande instabilidade política. A des- crenças singulares traduzem essa aproximação violenta de
centralização estabelecida pela Constituição de tendências distintas. É desnecessário descrevê-las. As lendas
1891 tornara o país quase ingovernável. Frente a arrepiadoras do caapora travesso e maldoso, atravessando
essa situação, Campos Sales propôs um arranjo que célere, montado em caititu arisco, as chapadas desertas,
permitiria equacionar as relações entre o governo nas noites misteriosas de luares claros; os sacis diabólicos,
federal e os governos estaduais, a entrada de no- de barrete vermelho à cabeça, assaltando o viandante re-
vos atores políticos e as relações entre os poderes tardatário, nas noites aziagas das sextas-feiras, de parceria
Executivo e Legislativo, esse acordo ficou conhecido com os lobisomens e mulas sem cabeça noctívagos; todos
como política dos governadores. os mal-assombramentos, todas as tentações do maldito ou
(4) Relativamente a aspectos econômico-financeiros, do diabo — esse trágico emissário dos rancores celestes em
as “turbulências” dos “primeiros momentos da comissão na terra; as rezas dirigidas a S. Campeiro, canoni-
transição da ordem militar para a civil” podem ser zado in partibus*, ao qual se acendem velas pelos campos,
entendidas como os efeitos da política econômica para que favoreça a descoberta de objetos perdidos; as
implantada por Rui Barbosa, pejorativamente co- benzeduras cabalísticas para curar os animais, para amassar
nhecida como Encilhamento. e vender sezões; todas as visualidades, todas as aparições
fantásticas, todas as profecias esdrúxulas de messias insanos;
30. (Funcab/Faceli/Professor História/2015) Entre 15 de no- e as romarias piedosas; e as missões; e as penitências... todas
vembro de 1889 e 15 de novembro de 1898, quando as manifestações completas de religiosidade indefinida são
Manuel Ferraz de Campos Sales assume a Presidência, explicáveis.
a República brasileira enfrentou anos tumultuados. Tais
tumultos podem ser identificados pelo fato de: *In partibus infidelium [Lat.]. 1.Nos países ocupados pelos infiéis. 2.Diz-
a) os presidentes dos anos iniciais da República mais -se do bispo cujo título é meramente honorífico. 3. Por extensão. Não
se identificarem com o modelo escravista que com efetivo, nominal. In: Ferreira, Aurélio B. de H. Novo dicionário da língua
as instituições democráticas republicanas. portuguesa. Idem, ibidem.
b) os representantes do extinto Império desejarem o
retorno daquele modelo governamental. 32. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2006) Consi-
c) os primeiros anos republicanos se caracterizarem derando o cenário representado em Os Sertões, de
pelo vazio representado pela supressão dos meca- Euclides da Cunha, as circunstâncias históricas que
nismos institucionais do Império. envolvem o episódio de Canudos e a consolidação do
d) as instituições republicanas promoverem a introdu- regime republicano no Brasil, julgue os itens que se
ção de instituições democráticas, na política brasi- seguem.
leira. (1) O massacre de Canudos foi, sob o ponto de vista
e) o governo republicano atender aos interesses operá- militar, mais simples do que poderiam supor as
História do Brasil

rios em detrimento dos interesses da elite brasileira. autoridades federais. A flagrante disparidade de
forças, tanto em número de combatentes quanto
31. (Cesgranrio/IBGE/Analista de Planejamento/Historia/2 de material bélico, permitiu às tropas enviadas pelo
010) Os anos iniciais da República no Brasil foram ca- governo de Prudente de Morais obterem, na primei-
racterizados por uma intensa instabilidade política. O ra tentativa, o que as tropas estaduais da Bahia não
governo de Campos Sales (1898-1902) é visto como haviam conseguido, a rendição de Conselheiro.
o construtor de um pacto político que garantiu certa (2) Antecedendo Washington Luís, o período de go-
estabilidade ao regime. Esse pacto, conhecido como verno do mineiro Artur Bernardes transcorreu sob

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estado de sítio em praticamente todo o período, 37. (Funcab/SESAU-RO/Enfermeiro/2009) Em 1966, no
em clara demonstração do esgotamento do modelo governo do marechal Castelo Branco, foi definida uma
político em que se assentava a Primeira República. nova região de planejamento para os estados do Norte
(3) O caráter excludente da Primeira República, apon- entre eles Rondônia, além dos estados do Maranhão e
tado no texto, expressava-se, entre outros aspectos, Mato Grosso. Este projeto denominou a região como
no sistema eleitoral vigente, marcado pelo reduzido “Amazônia Legal” e foi criado pelo órgão chamado:
número de eleitores e pelas fraudes recorrentes, a) Suframa.
como a adulteração de atas eleitorais, problemas b) Sudene.
estruturais que a reforma constitucional aprovada c) Cadevasf.
no governo Artur Bernardes, com a introdução do d) Sudam.
voto secreto, não foi capaz de tangenciar. e) Sudeco.

38. (Cespe/Prefeitura de São Luís – MA/Professor de Histó-


33. (Consesp/Prefeitura de Monte Mor - SP/Recepcionis-
ria/2017) No período republicano no Brasil, o governo
ta/2012) Washington Luís administrou o país no período
de Juscelino Kubitschek
governamental que encerraria a: a) reduziu a dependência brasileira dos Estados Unidos
a) Democracia. da América ao aumentar a dependência em relação
b) Redemocratização. à Inglaterra.
c) Revolução Constitucionalista. b) instituiu política econômica nacional-desenvolvi-
d) República Velha. mentista, que aliava o Estado, a empresa privada e
a industrialização.
34. (Fepese/AL-SC/Técnico Legislativo/2010) Entre 1956 e c) passou por um golpe entendido como preventivo,
1961 o Brasil foi governado por um presidente que se em virtude da falta de governabilidade no Congresso
tornou conhecido, entre outras razões, por ter lança- Nacional.
do em sua campanha o slogan “50 anos em 5” e por d) adotou prática de contenção da industrialização em
ter participado, de forma decisiva, na construção de benefício da agricultura cafeeira.
Brasília. Com base no texto e nos seus conhecimentos e) revogou o programa de metas estabelecido durante
históricos, é correto afirmar que o texto se refere ao o segundo governo de Getúlio Vargas.
Presidente:
a) Jânio Quadros. 39. (Funcab/IPEM-RO/Agente de Atividades Administrati-
b) João Goulart. vas/2013) O processo histórico da formação do estado
c) Juscelino Kubitschek. de Rondônia possui muitos capítulos importantes, com
d) Washington Luís. diferentes atores. Um dos marcos nesse processo foi a
e) Getúlio Vargas. criação do Território Federal do Guaporé por meio do
Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943. O
Presidente da República que assinou o referido docu-
35. (Consulplan/Prefeitura de Santa Maria Madalena –
mento foi:
RJ/2010) “Uma das novas sete maravilhas do mundo, a) Getúlio Vargas.
a estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, passou b) Gaspar Dutra.
pela maior reforma já feita em seus 30 metros de altura c) Juscelino Kubitschek.
no primeiro semestre deste ano. Foram quatro meses d) Jânio Quadros.
de obras para a reposição dos mosaicos de pedra-sabão, e) João Goulart.
drenagem de 300 litros de água e reparo de pequenas
rachaduras na estátua e rejunte. Prestes a completar 80 40. (Prefeitura de Coqueiral – MG/Auxiliar Administrati-
anos, o monumento foi inaugurado em 12 de outubro vo/2016) A Era JK completa 60 anos em 2016. O governo
de 1931, quando o Rio ainda era a capital da república, de Juscelino Kubitschek foi marcado por, exceto:
governada por um dos políticos que mais tempo ficou a) Plano de Metas.
na presidência do Brasil.” Trata-se de: b) Expansão industrial.
a) Washington Luís. c) Expansão do endividamento do setor público.
b) Getúlio Vargas. d) Aumento do desemprego.
c) Juscelino Kubitschek.
d) Café Filho. 41. (CEFET-AL/IF-AL/Professor – História/2013) Presidente
e) Artur Bernardes. brasileiro acusado de “abrir a porta para o comunismo
internacional”, com um rápido crescimento político,
36. (Funcab/Faceli/Professor – História/2015) O “Movimen- discursava em defesa da moralidade e em nome do
to Tenentista” de 1922 teve como um de seus líderes combate a corrupção.
Luiz Carlos Prestes. As ideias iniciais, propostas pelos a) Getúlio Vargas.
b) João Goulart.
tenentes, nem sempre se tornaram uma realidade. Um
c) Juscelino Kubitschek.
dos ideais do movimento foi:
d) Costa e Silva.
História do Brasil

a) derrubar o presidente e colocar Prestes no governo. e) Jânio Quadros.


b) apoiar a candidatura de Artur Bernardes.
c) derrubar Epitácio Pessoa e impedir a candidatura de 42. (FEPESE/MPE-SC/Analista – Economia/2014) Sobre o
Artur Bernardes. governo Juscelino Kubitschek, de 1956 e 1961, e o Plano
d) arquitetar uma revolução socialista, nos moldes da de Metas, é correto afirmar:
Revolução Russa. a) A política de financiamento dos investimentos re-
e) implementar uma ditadura militar, com o apoio das legou a segundo plano os setores de energia e ali-
oligarquias cafeeiras. mentação.

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b) A extinção da Lei dos Similares garantiu a pressão Assinale a alternativa correta:
concorrencial necessária para que novos investimen- a) Tancredo Neves.
tos privados efetivamente se realizassem b) Fernando Collor de Melo.
c) Nesse período foi criado o Banco Nacional de Desen- c) João Figueiredo.
volvimento Econômico (BNDE, atual BNDES), com o d) Fernando Henrique Cardoso
objetivo de gerir fundos públicos e privados para as e) Itamar Franco.
áreas prioritárias do Plano.
d) Houve um estímulo ao investimento privado via 46. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2007) Entre
concessão de avais pelo BNDE para empréstimos os instrumentos legais do Regime Militar no Brasil, os
contratados no exterior. atos institucionais destinavam-se ao fortalecimento do
e) A reforma cambial de 1957 tornou mais complexo o Poder Executivo. Acerca desse assunto, julgue os itens
sistema cambial, resultando em cinco categorias de seguintes.
câmbio. (1) As eleições diretas para presidente da República
foram restabelecidas antes de expirar o mandato
43. (Instituto AOCP/UFFS/Engenheiro de Segurança do de João Batista Figueiredo, o último general-presi-
Trabalho/2016) O Brasil já teve um período no qual foi dente.
governado por militares mediante uma intervenção. (2) O governo de João Figueiredo procurou manter a
Assinale a alternativa correta com o nome do presidente continuidade do processo de democratização, au-
deposto e a duração desse período. mentar o poder de compra do salário mínimo e im-
a) Emílio Médici/ 1964-1975. plantar um grande programa de habitação popular.
b) Getúlio Vargas/ 1967-1985. Apesar de seu esforço, esse governo ficou marcado
c) João Goulart/1964-1985. pela crise da dívida externa.
d) Jânio Quadros/1967-1975.
e) Artur da Costa e Silva/1964-1987. 47. (COSEAC/Prefeitura de Niterói - RJ/Guarda Civil Muni-
cipal/2014) Leia com atenção o trecho abaixo.
O governo se associa ao início da abertura política, que o No final da década de 60 inicia-se a construção da pon-
general-presidente definiu como lenta, gradual e segura. te Rio-Niterói, a qual recebeu o nome de ____. Neste
Na prática, a liberalização do regime, chamado de princípio mesmo período, a cidade de Niterói sofreu impacto
de distensão, seguiu um caminho difícil, cheio de pequenos em sua estrutura econômica, com a fusão dos Estados
avanços e recuos, isso se deveu o vários fatores. De um lado, o da Guanabara e do Rio de Janeiro, efetivada pela Lei
presidente sofria pressão da linha dura, que mantinha muito Complementar nº 20, de ____, que retirava de Niterói a
de sua força. De outro, ele mesmo desejava controlar a aber- condição de ____. A fusão trouxe o esvaziamento eco-
tura, no caminho de uma indefinida democracia conservado- nômico imediato, mas aos poucos este quadro foi sen-
ra, evitando que a oposição chegasse muito cedo ao poder. do modificado com a conclusão da ponte Rio-Niterói,
Assim, a abertura foi lenta, gradual e insegura, pois a linha obra que intensificou a produção imobiliária nas áreas
dura se manteve como ume ameaça de retrocesso até o fim. centrais e nos bairros da zona sul, além de redirecionar
(Trecho retirado do livro História concisa do Brasil, de Boris Fausto) a ocupação para áreas expansivas da cidade, como as
regiões oceânicas e ____. (2014/cidades/IBGE). Para o
44. (Quadrix/DATAPREV/Analista de Processos/2011) Há 15 correto preenchimento das lacunas acima, devem ser
anos morria um dos mais importantes personagens po- usados, respectivamente, os termos:
éticos do Brasil recente. Presidente do país durante a a) Presidente Costa e Silva / 1974 / capital / Pendotiba.
ditadura militar, seu governo enfrentou politicamente b) Presidente Castelo Branco / 1975 / sede / Itaipu.
a ameaça de radicalização da ditadura, intentada por c) Presidente João Baptista de Figueiredo / 1974 / sede
militares da chamada “linha dura”. Entretanto, sua / Itaipu.
gestão foi marcada sobretudo pelo início da abertura d) Presidente Costa e Silva / 1975 / capital / Pendotiba.
política. Um episódio histórico importante durante seu e) Presidente Castelo Branco / 1975 / sede / Pendotiba.
governo foi o assassinato do jornalista Vladimir Herzog,
vítima de tortura, num quartel-general em São Paulo. 48. (FGV/ IBGE/Analista Censitário – Análise Socioeconô-
O presidente em questão é: mica/2017) Dentre as criações do PAEG (Plano de Ação
a) Ernesto Geisel. Econômica do Governo) no primeiro governo militar
b) João Figueiredo. (1964), temos:
c) Castelo Branco. a) o Banco Central do Brasil.
d) Costa e Silva. b) a SUDENE.
e) Getúlio Vargas c) o BNDES.
d) a CIDE.
45. (Educa/CRQ - 19ª Região (PB)/Assistente Administra- e) a Petrobras.
tivo/2017) “Diretas Já” foi um movimento político de
cunho popular que teve como objetivo a retomada das 49. (ESAF/MPOG/Analista Técnico de Políticas Sociais/Co-
eleições diretas ao cargo de presidente da República nhecimentos Básicos/2012) A proposta de criação da
no Brasil. O movimento começou em maio de 1983 e SUDENE tomou como base o relatório do Grupo de Tra-
História do Brasil

foi até 1984, tendo mobilizado milhões de pessoas em balho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN). O
comícios e passeatas. Em 25 de abril de 1984, a emen- relatório intitulado “Uma Política de Desenvolvimento
da constitucional das eleições diretas foi colocada em Econômico para o Nordeste”, aponta como um grave
votação. Porém, para a desilusão do povo brasileiro, ela problema:
não foi aprovada e em 15 de janeiro de 1985, ocorreram a) as disparidades de renda entre trabalhadores e ca-
eleições indiretas, sendo eleito o primeiro presidente pitalistas na região Nordeste.
civil após o regime de Ditadura Militar (1964-1985), que b) a baixa demanda por produtos de tecnologia de
foi: ponta na região Nordeste.

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c) uma agricultura familiar bastante desenvolvida no b) A divisão regional do território brasileiro em grandes
Nordeste, mas com difícil acesso ao crédito. regiões tem por base ou critérios as características
d) as disparidades de níveis de renda existentes entre físicas ou naturais comuns (relevo, clima, vegetação,
o Nordeste e o Centro-Sul do País. hidrografia).
e) o rebatimento da crise do petróleo nos investimen- c) Em relação à região Sudeste, além dos aspectos
tos públicos na região Nordeste. físicos ou naturais, foi considerado também como
critério o aspecto econômico.
50. (Fundação Sousândrade/CREA-MA/Advogado/2008) Os d) Além da divisão do território brasileiro em cinco
partidos políticos são: macrorregiões realizadas pelo IBGE, o Brasil tam-
a) equiparados às autarquias federais. bém pode ser dividido em regiões geoeconômicas
b) pessoas jurídicas de direito privado. a saber: Nordeste, Centro-Sul e Amazônia.
c) fundações de direito público. e) Após cinco séculos de história ou de construção de
d) equiparados às associações comerciais. espaços geográficos no Brasil, pode-se afirmar que
e) pessoas jurídicas de direito público. não há grandes desigualdades regionais no que se
refere à organização do espaço brasileiro.
51. (FCC/TRE-SP/Analista Judiciário/Área Judiciária/2006)
Os partidos políticos 55. (Fundep (Gestão de Concursos)/IF-SP/Professor – Ge-
a) podem receber recursos do Fundo Partidário, mes- ografia/2014) Leia este trecho:
mo que não tenham registrado seus estatutos no “[...] Num sentido mais restrito, _______ é um nome
Tribunal Superior Eleitoral. político para o espaço de um país. Em outras palavras,
b) são pessoas jurídicas de direito público, pois se des- a existência de um país supõe um território. Mas a
tinam a assegurar os direitos fundamentais definidos existência de _______ nem sempre é acompanhada da
na Constituição Federal. posse de um território e nem sempre supõe a existência
c) podem ser subordinados a entidades estrangeiras, de _______. Pode-se falar, portanto, de _______ sem
desde que seus estatutos respeitem a soberania na- Estado, mas é praticamente impossível nos referirmos
cional. a um Estado sem território. [...]”
d) não podem ministrar instrução paramilitar, mas po- SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade do
dem adotar uniformes para seus membros. século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. P: 19. Adaptado.
e) têm autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento, e seus estatutos de- Assinale a alternativa que apresenta, respectivamente,
vem ter caráter nacional. terminologia empregada nos estudos geográficos que
tornam esse trecho verdadeiro:
52. (TJ-SC/TJ-SC/Analista Administrativo/2009) Sobre o a) territorialidade; um Estado; uma nação; território.
território brasileiro, sua localização geográfica e sua b) território; uma nação; um Estado; territorialidade.
organização política-territorial, todas as alternativas c) um Estado; territorialidade; uma nação; território.
estão corretas, exceto: d) uma nação; territorialidade; um Estado; território.
a) O Brasil é uma república federativa formada por 27
unidades sendo, 26 estados e um Distrito Federal. O conceito de território é comumente associado à ideia de
b) A divisão política do território brasileiro tem mudado limites bem definidos e temporalmente estáveis, e tem no
no decorrer do tempo, assim até a Constituição de Estado Nacional sua principal referência. A geografia, no en-
1988 existia no Brasil a denominação de Território tanto, vem estudando territorialidades mais flexíveis, como a
Federal. territorialidade do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Alta-
c) Os Territórios Federais eram divisões internas do país mente pulverizada, ela contrasta com a estrutura territorial
administradas diretamente pelo governo federal. característica de organizações mafiosas ou mesmo do jogo
d) Na divisão política-administrativa do Brasil, em 1988 do bicho. No caso do tráfico de drogas, territórios-enclave
é extinto o Território Federal de Fernando de Noro- (favelas) acham-se disseminados pelo tecido urbano, com
nha, que passa a fazer parte do Estado de Pernam- territórios amigos (pertencentes à mesma organização ou ao
buco. mesmo comando) dispersos e separados pelo “asfalto”, para
e) O Brasil ocupa a porção centro-ocidental da América empregar a gíria carioca usual, ou seja, por bairros comuns.
do Sul, portanto, apresenta fronteiras com quase Entre duas favelas territorializadas pela mesma organização
todos os países sul-americanos exceto, o Chile e existe, porém, não apenas “asfalto”; pode haver igualmente
Equador. territórios inimigos, pertencentes a outro comando.
Adaptado de: SOUZA, M. O território: sobre espaço e poder, autono-
53. (Consesp/Prefeitura de Quedas do Iguaçu – PR/Técnico mia e desenvolvimento. In: CASTRO, I. et al. Geografia: Conceitos e
em contabilidade/2012) A Extensão territorial do Brasil Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003: 91-92.
é de aproximadamente:
a) 2.650.000 km2. 56. (FGV/IBGE/Tecnologista/Geografia/2016)A compreen-
b) 5.850.000 km2. são do tipo de territorialidade descrita no texto acima
c) 8.500.000 km2. implica uma articulação entre o conceito de território
d) 21.600.000 km2. e o conceito de:
História do Brasil

a) região.
54. (Consulplan/Prefeitura de Congonhas - MG/Professor b) lugar.
de Geografia/2010) “Regionalizar é delimitar áreas, c) bairro.
no território ou no espaço geográfico, que possuam d) rede.
características semelhantes.” Sobre a divisão político- e) fronteira.
-territorial do Brasil, é incorreto afirmar que:
a) O território brasileiro é dividido pelo IBGE em cinco 57. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar/2015) Sobre a
grandes regiões. República Federativa do Brasil quanto à organização

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política e administrativa, cartografia e território, assi- c) a extinção do Amapá e outros territórios brasileiros,
nale a alternativa incorreta. transformando-os em estados da Federação, dota-
a) Sua organização política e administrativa compre- dos de autonomia administrativa.
ende a União, os Estados, o Distrito Federal e os d) a garantia do direito da população do Amapá para
Municípios, todos autônomos, nos termos tratados decidir sobre o sistema de governo que seria im-
pela vigente Constituição Federal de 1988. plantado naquele território, bem como autonomia
b) Em termos quantitativos, é composta por 27 estados- legislativa e judiciária.
-membros e pelo Distrito Federal. e) o repasse de verbas públicas para indenizar a po-
c) A Constituição Federal de 1988 extinguiu o territó- pulação local pelos prejuízos acumulados durante
rio federal de Fernando de Noronha que passou a o período em que o Amapá foi privado do direito
pertencer ao estado de Pernambuco. de ser um Estado.
d) É cortada pela Linha do Equador e pelo Trópico de
Capricórnio. (Cespe/Correios/Analista de Correios – História/2011) No
e) É o maior país da América do Sul em extensão ter- que concerne ao Brasil na segunda metade do século XX,
ritorial. julgue os itens subsecutivos.
61. A Constituição Federal de 1988 foi elaborada sob a
58. (ESAF/CVM/Agente Executivo/2010) Quanto às ativida-
influência de uma pluralidade de forças e de sujeitos
des econômicas e à distribuição territorial da população
políticos.
brasileira, assinale a opção incorreta.
a) Na maior parte de sua História, o Brasil viu a maioria
absoluta de sua população concentrar-se na faixa 62. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar – Ceres/2017)
litorânea, processo que acompanhou, em larga me- Acerca da História do Brasil, é incorreto afirmar:
dida, a localização de seu eixo econômico, da cana- a) Em 15 de novembro de 1889, ocorreu a Proclamação
-de-açúcar à indústria, passando pelo café. da República pelo Marechal Deodoro da Fonseca e
b) No século XVIII, a descoberta de metais preciosos teve início a República Velha, que só veio terminar
em áreas sertanejas levou parcela considerável da em 1930 com a chegada de Getúlio Vargas ao poder.
população para o interior, como foi o caso expressivo A partir daí, têm destaque na história brasileira a
das Minas Gerais e, secundariamente, de Goiás e industrialização do país; sua participação na Segun-
Mato Grosso. da Guerra Mundial ao lado dos Estados Unidos; e
c) Condições estruturais e efeitos climáticos adversos o Golpe Militar de 1964, quando o general Castelo
explicam, em larga medida, os processos migratórios Branco assumiu a Presidência.
que, partindo do Nordeste, atingem outras áreas do b) A ditadura militar, a pretexto de combater a subver-
país, como o Norte, em face da extração da borracha, são e a corrupção, suprimiu direitos constitucionais,
e o Sudeste, graças à industrialização. perseguiu e censurou os meios de comunicação, ex-
d) A industrialização brasileira cada vez mais se con- tinguiu os partidos políticos e criou o bipartidarismo.
centra nas regiões de maior densidade populacio- Após o fim do regime militar, os deputados federais
nal, o Sudeste e o Sul, e nas grandes metrópoles, o e senadores se reuniram no ano de 1988 em Assem-
que freia o desenvolvimento de cidades pequenas e bleia Nacional Constituinte e promulgaram a nova
médias, além de impedir o florescimento de outras Constituição, que amplia os direitos individuais. O
atividades econômicas no interior do país. país se redemocratiza, avança economicamente e
e) Metassíntese do Plano de Metas de JK, Brasília tam- cada vez mais se insere no cenário internacional.
bém foi justificada como elemento impulsionador da c) O período que vai de 1930 a 1945, a partir da derru-
interiorização do desenvolvimento nacional, inclu- bada do presidente Washington Luís em 1930, até
sive por contribuir para a incorporação do Norte e a volta do país à democracia em 1945, é chamado
do Centro-Oeste ao processo de modernização que de Era Vargas, em razão do forte controle na pessoa
o país buscava empreender naquele contexto. do caudilho Getúlio Dornelas Vargas, que assumiu
o controle do país, no período. Neste período está
59. (Fundatec/BRDE/Analista De Sistemas-Suporte/2015) compreendido o chamado Estado Novo (1937-1945).
Com a função de observação territorial, em dezembro
d) Em 1967, o nome do país foi alterado para República
de 2014, o satélite brasileiro CBERS-4 foi lançado com
Federativa do Brasil.
sucesso na:
e) Fernando Collor foi eleito em 1989, na primeira
a) China.
b) Alemanha. eleição direta para Presidente da República desde
c) França. 1964. Seu governo perdurou até 1992, quando foi
d) Rússia. afastado pelo Senado Federal devido a processo de
e) África do Sul. “impugnação” movido contra ele.

60. (FCC/TJ-AP/Analista Judiciário/Apoio Especializado/His- 63. (FCC/TRT 3ª Região (MG)/Analista Judiciário/Histó-


tória/2014) Entre os efeitos da promulgação da Consti- ria/2015) A participação nos lucros, celebrada por
tuição Brasileira de 1988, pode-se citar acordo ou convenção coletiva, na qual o empregado
História do Brasil

a) o desmembramento do Amapá em municípios su- participa democraticamente na gestão da organização


bordinados econômica e administrativamente ao go- empresarial e dos resultados positivos, se constitui em
verno do Estado do Pará, em razão de sua condição a) um dos princípios fundamentais regulamentados
de pobreza. pela Constituição de 1934.
b) a transformação do Amapá, junto com Fernando de b) um direito trabalhista criado pela Constituição Re-
Noronha e Rondônia, em estado federado, seguida publicana do Estado Novo.
da ratificação dessa medida por meio de plebiscito c) uma das normas revogadas pela Constituição Federal
popular. Republicana de 1946.

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d) um dos benefícios trabalhistas instituído na Consti- China comunista e com a União das Repúblicas Socia-
tuição do Regime Militar. listas Soviéticas.
e) uma das modalidades de flexibilização instituída pela II – Internamente, Jânio Quadros, entre outras medidas,
Constituição de 1988. proibiu o uso de biquínis, o uso de lança-perfume nos
bailes de carnaval e a briga de galos.
64. Durante a República Velha, São Paulo e Minas Gerais III – Com a renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente
eram os estados mais ricos da nação e, dessa forma, João Goulart que estava no Rio Grande do Sul foi para
eram locais onde se concentravam poderosas oligarquias. Brasília e imediatamente assumiu a presidência.
Além disso, por serem estados mais populosos, tinham IV – Na economia, Jânio Quadros adotou uma política
o maior número de representantes no Congresso Nacio- progressista aumentando o salário mínimo e criando
nal. Graças a políticas dos Governadores, esses estados facilidades para os empréstimos bancários.
dominavam tanto o Poder Legislativo quanto as eleições V – A renúncia de Jânio Quadros provocou uma crise
presidenciais. Até 1930, a maioria dos presidentes elei- política grave que só terminou com a implantação do
tos da República foram indicados por São Paulo e Minas sistema parlamentarista de governo.
Gerais. (ORDOÑEZ, Marlene &MACHADO).
A característica do período descrito no fragmento ficou Assinale a opção correta.
conhecida como: a) Apenas as afirmativas I, II e IV são verdadeiras.
a) República Provisória. b) Apenas as afirmativas I e III são verdadeiras.
b) Crise do Encilhamento. c) Apenas as afirmativas III, IV e V são verdadeiras.
c) Questão do Contestado. d) Apenas as afirmativas II e V são verdadeiras.
d) Política do café-com-leite. e) Apenas as afirmativas II, III e V são verdadeiras.
e) Industrialização do Estado Novo.

65. (Fepese/MPE-SC/Analista – Economia/2014) São even- 67. (IF-MT/Professor – História/2014) A figura pertence ao
tos associados à política econômica no segundo gover- Jornal Última Hora de 24 de agosto de 1954.
no Getúlio Vargas:
a) A execução da política do encilhamento e a criação
do BNDE (Banco Nacional de desenvolvimento eco-
nômico), atual BNDES.
b) O início do funcionamento da comissão mista Brasil-
-Estados Unidos e a instituição das taxas múltiplas
de câmbio.
c) A formulação e execução do Plano SALTE (Saúde, Ali-
mentação, Transporte e Energia) e criação do BNDE
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico),
atual BNDES
d) A renúncia de empréstimos junto ao Eximbank
(Banco de Importações e Exportações dos Estados
Unidos), numa estratégia deliberada de utilizar a
poupança interna como fonte de financiamento dos
Investimentos
e) O restabelecimento do monopólio cambial no Banco
Central do Brasil (BACEN) e a criação da primeira
grande siderúrgica nacional, a CSN.

66. (CN/COLÉGIO NAVAL/Aspirante/História/2013) Leia o


texto abaixo.
Varre, varre, varre, varre vassourinha!
Varre, varre a bandalheira!
Que o povo já ‘tá cansado
De sofrer dessa maneira No dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas, então
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado! presidente legitimamente eleito, tirou a própria vida
Jânio Quadros é a certeza de um Brasil, moralizado! com um tiro no peito. Muito se discutiu sobre esse
Alerta, meu irmão! ato dramático e suas consequências. O fato é que essa
Vassoura, conterrâneo! morte tirou de cena o homem que marcou a História
Vamos vencer com Jânio brasileira em boa parte do século XX. Sobre esse epi-
(Maugeri Neto) sódio, assinale a afirmativa correta.
a) O suicídio foi o último ato decorrente da tentativa
“Varre, varre, vassourinha...” foi o jingle da campanha frustrada de Vargas de permanecer no poder por
História do Brasil

do candidato Jânio Quadros nas eleições para a presi- meio de um amplo arco de alianças que envolviam
dência do Brasil em 1960. Jânio Quadros foi eleito com militares, partidos políticos, como o Partido Social
quase 6 milhões de votos, 1,5 milhões de votos a mais e Democrático (PSD), entre outros.
que o segundo colocado, o general Lott. Jânio tomou b) Com sua morte, Vargas conseguiu abortar o golpe
posse em janeiro de 1961. Leia as afirmações seguintes articulado pela União Democrática Nacional (UDN) e
sobre este período. (1960-1961) setores militares, jogando a responsabilidade de seu
I – Na política externa, Jânio Quadros pressionado pelos ato sobre esses opositores e inviabilizando a tomada
Estados Unidos, rompeu relações diplomáticas com a de poder.

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c) O suicídio de Vargas frustrou planos de seus aliados com a vitória de Jânio Quadros, em 1960, candidato
interessados em seu apoio nas eleições no final da- ao qual emprestara seu apoio para assegurar a vitória
quele ano que os poderiam levar à sucessão presi- sobre o marechal Teixeira Lott, do então majoritário
dencial, como Carlos Lacerda e Ademar de Barros. PSD.
d) As articulações do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
e de grupos militares chefiados pelo Marechal Henri- GABARITO
que Lott contra Vargas foram importantes elementos
que explicam o seu ato dramático. 1. b 36. c
2. a 37. d
Ao longo da década de 30 e na primeira metade da década 3. b 38. b
de 40, a sociedade brasileira conheceu políticas públicas im- 4. b 39. a
plementadas por um Estado que passou a intervir nas mais 5. e 40. d
diversas dimensões da vida social, utilizando-se de ideologias 6. b 41. e
políticas de caráter autoritário. A partir de 1945, a questão 7. c 42. d
central girava em torno do liberalismo. Retomar a tradição 8. a 43. c
liberal interrompida com a Revolução de 1930 ou dar conti- 9. d 44. a
nuidade às políticas públicas estatais intervencionistas era 10. b 45. a
a questão que dominava nos debates. 11. b 46. E, C
Dois grandes projetos passaram a disputar a preferência do 12. a 47. a
eleitorado. Nacionalismo, industrialização com base em bens 13. b 48. a
de capital, fortalecimento do capitalismo nacional, criação de 14. a 49. d
empresas estatais em setores estratégicos e estabelecimento 15. c 50. b
de redes de proteção social davam a tônica do trabalhis- 16. c 51. e
mo de inspiração getulista. Outro projeto seduziu as elites 17. a 52. e
empresariais, políticas e militares, além das classes médias 18. c 53. c
conservadoras, ao enfatizar o antigetulismo, o moralismo, 19. E, C, E, E 54. e
o anticomunismo e o capitalismo associado aos capitais in- 20. d 55. b
ternacionais. 21. b 56. d
Três momentos resultaram em situação de grande conflito, 22. a 57. b
entre 1945 e 1964, com a possibilidade real de guerra civil: a 23. d 58. d
crise de agosto de 1954, o golpe preventivo do general Lott 24. c 59. a
em novembro de 1955 e a Campanha da Legalidade, em 25. C 60. c
agosto de 1961. Momentos de grande tensão política, os dois 26. b 61. C
projetos mediram suas forças, resultando em graves crises. 27. b 62. e
Jorge Ferreira. Crises da República: 1954, 1955 e 1961. In: Jorge
Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado (Org.). O Brasil republi- 28. C, C, E, C 63. e
cano (3). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 303-4 (com 29. C, C, C, C 64. d
adaptações). 30. c 65. b
31. e 66. c
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2006) Tendo o texto 32. E, C, E 67. b
acima como referência inicial, julgue os itens subsequentes, 33. d 68. C
relativos à História brasileira contemporânea. 34. c 69. C
68. Dos grandes partidos políticos que atuaram no Brasil, 35. b
entre o fim do Estado Novo e a implantação do regime
militar em 1964, a União Democrática Nacional (UDN)
foi o que mais claramente defendeu um projeto que
se afastasse da herança getulista e enfatizasse, nas
palavras do texto, o moralismo o anticomunismo e o
capitalismo associado aos capitais internacionais.

O levante de Jacareacanga não durou vinte dias. Contudo, o


episódio era indicativo do alto grau de instabilidade política
do país. O presidente que os oficiais da Aeronáutica queriam
derrubar fora empossado no cargo havia menos de um mês,
alguém que vinha de uma carreira política de prestígio cons-
truída dentro do PSD mineiro: deputado federal, prefeito de
Belo Horizonte, governador de Minas Gerais.
Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling. Brasil: uma biografia.
São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 412 (com adaptações).
História do Brasil

(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2016)Tendo o texto


precedente como referência inicial, julgue (C ou E) o item
seguinte, a respeito da trajetória da experiência política bra-
sileira entre 1946 e 1964.
69. Derrotada em suas pretensões presidenciais em três
eleições consecutivas (Eurico Gaspar Dutra, em 1945;
Getúlio Vargas, em 1950; Juscelino Kubitschek, em
1955), a UDN teve a ilusão de ter chegado ao poder

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ABIN

SUMÁRIO

História Mundial

A sociedade liberal e o mundo contemporâneo (1870-1914). Consolidação do Capitalismo: a economia e a


sociedade da Revolução Industrial. A expansão da sociedade capitalista: neocolonialismo e imperialismo.
Fundamentação e crítica do Estado liberal: as doutrinas sociais. As relações internacionais: o equilíbrio europeu
e o sistema de alianças........................................................................................................................................................... 3

A crise da sociedade liberal (1914-1945). A 1ª Guerra Mundial. O entre guerras. Regimes totalitários: nazismo,
fascismo e a revolução russa. A 2ª Guerra Mundial.............................................................................................................. 8

O mundo contemporâneo e as sociedades atuais (pós-1945). Guerra Fria e descolonização. Construção e crise do
Socialismo: a URSS, a China e a Europa Oriental. A consolidação do Estado nacional: populismo e autoritarismo.
Políticas intervencionistas, crises e revoluções. As sociedades contemporâneas.............................................................. 24

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História Mundial
Rebecca Guimarães

A SOCIEDADE LIBERAL E O MUNDO economia inglesa características diferentes do sistema até


CONTEMPORÂNEO (1870-1914) então em vigor, que era baseado na produção autossuficiente
e de baixo nível técnico nas pequenas propriedades indepen-
Consolidação do Capitalismo: a economia e a dentes de cultivo familiar.
Os cercamentos, na maioria dos casos, eram destinados
sociedade da Revolução Industrial para criação de ovelhas para a obtenção de lã, que, por sua
vez, era utilizada como matéria-prima na manufatura dos
Entre meados do século XVIII e a segunda metade do sécu-
tecidos. O surgimento desse processo levou à diminuição
lo XIX, a Europa Ocidental passou por um processo de grandes
das áreas cultivadas para dar mais espaço às pastagens. A
transformações econômicas, tecnológicas e, principalmente,
sociais. Iniciadas na Inglaterra, essas transformações assumi- partir de 1688, após a Revolução Gloriosa, os cercamentos
ram um caráter revolucionário, embora tenham ocorrido sem foram legalizados pelo Parlamento, o que deu ainda mais
derramamento de sangue e sem a derrubada de governos. força aos senhores de terras.
O conjunto dessas mudanças ficou conhecido como Revo- Enquanto isso, nas áreas cultivadas, os grandes proprietá-
lução Industrial e seu impacto foi tão grande na Europa e no rios começaram a investir em métodos novos e mais eficazes
mundo que transfigurou não somente a sociedade inglesa, de plantio. A partir daí foram pouco a pouco introduzindo
mas também a face do planeta, alterando até mesmo as algumas melhorias técnicas, que levariam à substituição do
relações entre o ser humano e a natureza. trabalho braçal pela energia mecânica, empregando as má-
Do ponto de vista econômico, a Revolução foi, sobretudo, a quinas no processo.
passagem de um sistema de produção marcadamente agrário Com esse processo, os trabalhadores rurais foram du-
e artesanal para outro de cunho industrial, dominado pela plamente pressionados a abandonar os campos. Sem ter
fábrica e pela maquinaria. Uma de suas características básicas para onde ir, esses homens e suas famílias migraram em
foram as sucessivas inovações tecnológicas verificadas nesse massa para áreas urbanas. Uma vez nas cidades, ficavam à
período, dentre elas, o aparecimento de máquinas modernas disposição de empresários capitalistas, sujeitando-se a baixos
rápidas, regulares e precisas, que substituíram o trabalho de salários e a condições sub-humanas de vida.
milhares de homens e mulheres, antes realizado à mão; utiliza- Ao mesmo tempo, a pecuária também se desenvolveu,
ção do vapor como fonte de energia para acionar as máquinas, pois, o cultivo de forrageiras evitou que, por falta de áreas de
em substituição à energia hidráulica, eólica, humana e animal; pastagens, grande parte do rebanho fosse abatida durante o
novas formas de se utilizar as matérias-primas de origem mi- inverno. Isso garantiu a melhora qualitativa da alimentação
neral, que deram impulso à metalurgia e à indústria química. da população em geral, possibilitando o crescimento demo-
Essas inovações tiveram lugar inicialmente na Inglater- gráfico pela queda da taxa de mortalidade.
ra, devido a uma série de condições favoráveis ligadas ao Dessa forma, a agricultura estava em condições de cum-
processo do feudalismo ocorrido na Europa Medieval. Foi prir duas funções fundamentais para a industrialização: au-
durante a fase do capitalismo mercantil, nos séculos XV ao mentar a produção e a produtividade para baratear o preço
XVIII, que tais condições se concentraram e aceleraram, com dos alimentos, suprindo a crescente demanda das áreas
a Revolução Comercial, a conquista da América, a formação urbanas e fornecer mão-de-obra abundante e barata para
de um mercado mundial e a exploração de ouro e prata em o trabalho industrial.
grande quantidade nas terras americanas. Nos primeiros anos da Era Moderna as atividades agrícolas
Esse novo cenário permitiu à burguesia acumular rique- eram complementadas pela produção doméstica de tecidos de
zas e aplicá-las na produção manufatureira. Ao mesmo tem- lã por meio de uma longa cadeia de operações. A lã era esco-
po, ocorreu na Inglaterra o processo de cercamentos, levando lhida, depois limpa e, por último, fiava-se. Essas tarefas, muitas
à liberação de mão-de-obra de origem rural e sua concentra- vezes, eram feitas por mulheres e crianças. Os demais serviços,
ção nas cidades cada vez em crescimento. Isso faria surgir a como penteação, tecelagem, tingimento, pisoagem, estiragem,
maior parte da classe trabalhadora fabril, fundamental para desbaste e corte eram tarefas destinadas aos homens.
a formação do chamado capitalismo industrial. Reunindo os O negócio de tecidos de lã era bastante lucrativo para os
capitais proporcionados pela expansão comercial dos sécu- comerciantes. Em pouco tempo, eles passaram a investir par-
los anteriores, a burguesia pôde mobilizar a mão-de-obra te de seus lucros nos equipamentos e instalações, passando
disponível para lançar-se ao empreendimento industrial de a concentrar os principais processos de produção.
grande escala a partir do século XVIII. Além de estimular a produção de mercadorias, o capi-
Uma das características da Revolução Industrial foi a tal mercantil acumulado durante a etapa do capitalismo
substituição em grande escala do trabalho humano pelas comercial acelerou o processo de divisão social do traba-
máquinas. Como reação a isso e às relações sociais baseadas lho, gerando maior especialização. Assim, a partir de certo
exclusivamente no dinheiro, surgiu na Europa o Romantis- momento, cada trabalhador passou a realizar apenas uma
mo, um movimento estético que propunha a liberdade de etapa na elaboração do produto. Essa especialização levou
expressão, o predomínio da emoção sobre a razão e o retor- à ampliação do sistema produtivo.
no a formas comunitárias de vida, semelhante às da aldeia O desenvolvimento do setor têxtil acelerou-se após o
medieval. Em pouco tempo, a nova tendência empolgou ar- surgimento da indústria do algodão, que suplantou em im-
tistas e escritores. Alguns deles idealizavam a Idade Média portância a manufatura de lá durante a Revolução Industrial.
História Mundial

e a monarquia, contrapondo-as à sociedade burguesa e à De fato, depois dos Atos de Navegação de 1651, o comércio
República. Outros se tornaram críticos ferozes do capitalismo ganhou impulso, enquanto o mercado se expandia com a con-
e das desigualdades sociais. quista, pela Inglaterra, de novas áreas coloniais. Uma dessas
áreas era a Índia, região produtora de algodão e altamente
O Contexto Histórico da Revolução consumidora dos tecidos fabricados com essa matéria-prima.
Em decorrência disso, os empresários do setor têxtil co-
O desenvolvimento agrícola ocorrido a partir do século meçaram a investir mais na indústria algodoeira do que na
XVI, com os cercamentos dos campos deu a esse setor da produção de tecidos de lá. Mais leves e mais baratos, os

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panos de algodão tinham ampla aceitação nas regiões de fios finos e resistentes, foi necessário um novo estímulo na
clima tropical e eram utilizados como parte do pagamento etapa de tecelagem, levando à invenção do tear mecânico.
na compra de escravos africanos. Para agilizar o processo e baratear os custos de produção,
Para aumentar a produção, os fabricantes passaram a os empresários começaram a concentrar os equipamentos e
estimular o desenvolvimento tecnológico, utilizando má- as atividades especializadas, como o tingimento e a tecelagem
quinas cada vez mais rápidas e complexas. Isso acabou por em unidades fabris, onde podiam racionalizar a produção.
transformar a estrutura da indústria. Não apenas a indústria Na oficina artesanal, o trabalhador se encarregava de
têxtil, mas também a de máquinas e equipamentos. todas as etapas da produção. Com o surgimento da fábrica,
Além da indústria têxtil. Dois outros setores da econo- a produção tornou-se cada vez mais parcelada, passando
mia se destacaram no processo da Revolução Industrial na cada trabalhador a realizar apenas uma parte do processo.
Inglaterra: o da extração de minerais, como ferro e carvão e O patrão e seus representantes mais próximos articulavam
o da fundição de ferro. racionalmente a produção, visando a uma maior produção,
No início do século XVIII, surgiu a primeira tentativa vito- com custos mais baixos. Dessa forma, assumiram o controle
riosa de obter ferro fundido em grande escala, com a utiliza- sobre o processo de trabalho e eliminaram os antigos núcleos
ção do carvão-de-pedra, riqueza natural do solo inglês. Em domésticos de produção.
1783, a invenção da pudlagem e da laminação possibilitou Com o tempo, as inovações tecnológicas da indústria têx-
a fabricação de ferro quase sem impurezas. Até essa data, til, especialmente do algodão, e das indústrias siderúrgicas
o metal era fabricado com o uso de carvão vegetal e as má- possibilitaram melhorias nos transportes e nas comunica-
quinas ainda eram quase todas de madeira. ções, fatores importantes para a integração dos mercados.
A obtenção de ferro com grau mínimo de impurezas foi
um dos pré-requisitos para a expansão da metalurgia. Obtido A Revolução Social
por pudlagem, o metal foi pouco a pouco aperfeiçoado, até
se chegar ao aço em uma etapa posterior. No curso desse Uma das consequências da Revolução Industrial foi a
processo, ele passou a ser utilizado de forma crescente na integração, em escala internacional, dos vários fatores de
construção de pontes e na fabricação dos mais diferentes produção, ou seja, capital, matérias-primas, recursos natu-
objetos, o que contribuiu para a melhoria das estradas e dos rais e mão-de-obra. Essa integração favoreceu a expansão do
meios de transporte. mercado mundial, pela crescente necessidade de escoamento
dos excedentes da produção e de acesso a fontes de matérias-
Condições Políticas da Revolução -primas. Surgiu, assim, uma nova articulação econômica entre
os países industrializados e as regiões menos desenvolvidas
No início do século XVIII, a Inglaterra possuía certa es- do planeta, conhecida como divisão internacional do trabalho.
tabilidade política e havia se tornado Reino Unido da Grã- De acordo com essa divisão, as colônias tenderam a se
-Bretanha, com a incorporação da Escócia, no ano de 1707. concentrar na exploração de seus recursos naturais, espe-
Nesse período, o governo inglês reforçou suas ligações com cializando-se no cultivo e extração de produtos primários.
as colônias americanas, o que garantiu a obtenção de ma- Dessa forma, elas foram integradas ao sistema capitalista
térias-primas e a exportação de produtos manufaturados, de um modo peculiar. Sem condições para industrializar-se
segundo o princípio de comprar barato e vender caro. Ao no mesmo ritmo dos países mais desenvolvidos, fixaram-se
mesmo tempo, as guerras contra a França possibilitaram a como produtoras de matérias-primas e mercados consumi-
expansão do império britânico e dos mercados ultramarinos dores de produtos manufaturados.
na Índia e no Canadá. Ao mesmo tempo, nos países engajados na revolução, o
A existência de interesses comuns entre a nobreza rural e capital se concentrava cada vez mais nas mãos da minoria
os empresários do comércio e da indústria representou uma burguesa, enquanto cresciam a miséria e a pobreza entre
das condições para essa política. Essa união de interesses foi os trabalhadores. Destituídos dos meios de produção, estes
favorecida pela monarquia parlamentar, que estabilizou a últimos sobreviviam apenas com a venda de sua força de
moeda, protegeu as indústrias da concorrência estrangeira e trabalho, sujeitando-se a salários degradantes, a condições
estabeleceu medias especiais para desenvolver a navegação de vida sub-humanas e às severas normas de disciplina im-
e o comércio ultramarino, bem como a indústria têxtil. postas pelos contramestres nas fábricas.
A burguesia, classe dominante no Parlamento, órgão Entretanto, os trabalhadores não se contentaram em as-
responsável pelas questões tributárias, além de todos os sistir passivamente à degradação de suas condições de vida e
benefícios que já tinha, não era cobrada por impostos muito de trabalho. Na Inglaterra, essa situação provocou inúmeras
pesados. Em função dessa cobrança bastante branda, teve manifestações de revolta entre a classe trabalhadora, como
condições de acumular capitais mais rapidamente, permi- a quebra de máquinas e a depredação de instalações indus-
tindo-lhe investir de forma maciça em inovações técnicas, triais pelo movimento ludita.
possibilitando a eclosão da Revolução Industrial. Entre os anos de 1811 a 1813, o movimento ludita res-
ponsabilizava as máquinas pelas condições de miserabilidade
A Substituição do Homem pela Máquina e a Divisão e desemprego dos trabalhadores. Em função disso, semea-
do Trabalho vam o terror nos distritos industriais do centro da Inglater-
ra, destruindo máquinas independentemente do lugar onde
A introdução de máquinas do processo produtivo foi estivessem. Os luditas foram ferozmente reprimidos pelo
responsável pelo aprimoramento técnico dos demais equi- governo, com julgamentos sumários que terminaram em
pamentos. Como exemplo, podemos citar a invenção da enforcamentos e deportações.
História Mundial

lançadeira volante, em 1733, ao qual sua implantação na A Revolução Industrial permitiu que o capitalismo, com
indústria têxtil aumentou a capacidade de tecelagem, le- base na transformação técnica, atingisse seu processo es-
vando ao desenvolvimento das máquinas que aceleraram a pecífico de produção, caracterizado pela produção em lar-
produção de um maior número de fios. ga escala, realizada nas fábricas. Nesse modo de produção,
Com essas inovações, a ferramenta e a própria energia consolidado com a revolução industrial, há uma radical se-
humana foram substituídas pela máquina e a energia me- paração entre o trabalho e o capital. O trabalhador dispõe
cânica. Assim, a partir de melhorias sucessivas na etapa de apenas da força de trabalho, enquanto o capitalista detém
fiação, que culminaram na obtenção de grande número de a propriedade dos meios de produção.

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A Moral da Burguesia a salvação diante de Deus, que poderia propiciar riqueza
e dignidade. O trabalho passou a dignificar o homem e a
A moral da classe burguesa, no que diz respeito à sexualida- qualificá-lo, tornando-se um indicador de posição social.
de, nos séculos XVIII e XIX, apresentou um comportamento du- Outro ponto que merece destaque é o controle técnico do
plo, bem próximo ao que ainda pode ser percebido em algumas processo de produção, que passou a se concentrar nas mãos
sociedades atualmente, é dizer, as mulheres solteiras tinham do capitalista, no momento em que se instituiu a divisão do
que permanecer sob o manto da castidade e as casadas, fiéis trabalho. O resultado foi uma verdadeira alienação do traba-
aos seus maridos. Em contrapartida, para os jovens burgueses lhador em relação ao seu trabalho, cada vez mais afastado do
solteiros era permitido ter muitas mulheres e o adultério era produto final do seu esforço. Ou seja, o trabalhador perdeu
tolerável para os casados. Entretanto nada poderia colocar em totalmente a visão do processo de produção como um todo,
risco a estabilidade da família ou da propriedade burguesa. tendo conhecimento apenas do seu serviço individualizado.
Durante o século XIX, a classe média, que era constituída A revolução também deu origem a uma espécie de “ro-
pelos profissionais liberais, homens de negócios e funcioná- botização do trabalhador”. O operário passou a servir a uma
rios públicos, cresceu e prosperou. A classe burguesa se abriu máquina, se transformando num operário que desempenha-
para aqueles que possuíam escolaridade e talento para os va atividades cotidianas totalmente cansativas. Também se
negócios. Suas casas não eram somente o lugar que abrigava transformou num trabalhador mais vulnerável a acidentes
o núcleo familiar; eram também “o repouso do guerreiro” de trabalho devido à própria condição de suas atividades.
e o local de onde o empreendedor operava, sob o olhar de Para baratear os custos da produção, os industriais pas-
admiração da mulher e dos filhos, embevecidos pela sua saram a buscar o trabalho feminino e infantil. A industria-
capacidade de produzir riquezas e conforto. lização rapidamente passou a englobar todos membros da
Para a massa expropriada os bairros pobres, desprovidos de família, submetendo-os ao poder do empresário capitalista.
saneamento básico, iluminação e outros serviços públicos era Certas funções femininas, como as tarefas domésticas, o alei-
o que lhes restava. Esse contexto de miserabilidade contribuiu tamento e a educação das crianças, foram quase totalmente
para o surgimento de críticas à condição degradante do traba- suprimidas, causando um considerável descontrole familiar.
lhador e de movimentos operários de intensidades diferentes. Sem contar que os salários das mulheres e das crianças eram
bem menores do que os dos homens.
O Trabalho na Era Industrial A cidade também mudou de fisionomia, em virtude da
concentração de grandes multidões nas áreas fabris. Até o
A industrialização na Inglaterra foi muito mais do que o início da industrialização, eram centros comerciais de dimen-
fruto de uma revolução técnica e científica. Ela representou sões relativamente reduzidas, voltadas para a administração,
uma mudança social profunda na medida em que transfor- o comércio e todo tipo de prestação de serviços. Nelas viviam
mou a vida dos indivíduos, implicando elevados custos sociais funcionários públicos, artesãos, mercadores e etc.
e, até mesmo, ambientais. A indústria modificou os núcleos urbanos, em que pobres
Uma das transformações sociais mais notáveis se refere habitavam bairros populosos com péssimas condições de ha-
ao próprio significado da palavra trabalho. O que antes sig- bitação. A burguesia morava nos bulevares, alamedas largas,
nificava o castigo divino pelo pecado original de Adão e Eva, com suas suntuosas e caras habitações, porém funcionais,
apregoada pela Igreja Católica Medieval, implicando dor e na medida em que o mundo burguês procurava basear-se
humilhação, passou a designar uma condição básica para na praticidade e na beleza.

A Expansão da Sociedade Capitalista: Neocolonialismo e Imperialismo

História Mundial

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Na segunda metade do século XIX, países europeus como Unido, França, Holanda, Bélgica e Alemanha. Este período
a Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica e Itália, eram consi- ficou conhecido como neocolonialismo.
derados grandes potências industriais. Na América, eram os Como a Europa passava pelo processo de Revolução In-
Estados Unidos quem apresentavam um grande desenvol- dustrial, necessitava de matérias-primas e novos mercado
vimento no campo industrial. Todos estes países exerceram consumidores para as mercadorias produzidas pelas indús-
atitudes imperialistas, pois estavam interessados em formar trias europeias. Uma solução encontrada foi a exploração de
grandes impérios econômicos, levando suas áreas de influ- regiões da Ásia e África. O continente africano foi “reparti-
ência para outros continentes. do” entre os países europeus que implantaram um sistema
Com o objetivo de aumentarem sua margem de lucro e imperialista, desrespeitando a cultura e diversidade étnica
também de conseguirem um custo consideravelmente baixo, na região.
estes países se dirigiram à África, Ásia e Oceania, dominan- O imperialismo na África teve as seguintes características:
do e explorando estes povos. Não muito diferente do colo- • os países europeus forçaram os povos africanos a se-
nialismo dos séculos XV e XVI, que utilizou como desculpa guirem aspectos culturais europeus, justificando que
a divulgação do cristianismo; o neocolonialismo do século estavam levando o progresso e a ciência para o conti-
XIX usou o argumento de levar o progresso da ciência e da nente;
tecnologia ao mundo.
• a superioridade militar europeia foi usada para domi-
Na verdade, o que estes países realmente queriam era
nar e evitar revoltas e manifestações populares;
o reconhecimento industrial internacional, e, para isso, fo-
• os europeus praticamente obrigaram os africanos a
ram em busca de locais onde pudessem encontrar matérias
primas e fontes de energia. Os países escolhidos foram co- consumirem os produtos fabricados nas indústrias
lonizados e seus povos desrespeitados. Um exemplo deste europeias;
desrespeito foi o ponto culminante da dominação neocolo- • o território da África foi dividido entre as nações eu-
nialista, quando países europeus dividiram entre si os ter- ropeias, ignorando os povos que ali viviam;
ritórios africano e asiático, sem sequer levar em conta as • os europeus exploraram os recursos naturais (prin-
diferenças éticas e culturais destes povos. cipalmente minérios) do solo da África, sem que os
Entre novembro de 1884 e fevereiro de 1885 foi realizado africanos tivessem qualquer benefício neste processo.
o Congresso de Berlim. Neste encontro, os países europeus
imperialistas organizaram e estabeleceram regras para a Resultados do Neocolonialismo e Imperialismo na África
exploração da África. Na divisão territorial que fizeram, a
cultura e as diferenças étnicas dos povos africanos não foram O imperialismo aplicado pelos europeus na África na se-
respeitadas. gunda metade do século XIX, deixou feridas no continente
Devido ao fato de possuírem os mesmos interesses, os até os dias de hoje. Além de explorar os recursos naturais,
colonizadores lutavam entre si para se sobressaírem comer- o imperialismo provocou graves conflitos étnicos na Áfri-
cialmente. O governo dos Estados Unidos, que já colonizava ca. A cultura africana também foi muito prejudicada neste
a América Latina, ao perceber a importância de Cuba no processo.
mercado mundial, invadiu o território, que, até então, era
dominado pela Espanha. Após este confronto, as tropas espa- Imperialismo na Ásia
nholas tiveram que ceder lugar às tropas norte-americanas.
Em 1898, as tropas espanholas foram novamente vencidas Na Índia, a presença britânica também figurava como
pelas norte-americanas, e, desta vez, a Espanha teve que uma das maiores potências coloniais da região. Após a vitória
ceder as Filipinas aos Estados Unidos. na Guerra dos Sete Anos (1756 – 1763), a Inglaterra conse-
Um outro ponto importante a se estudar sobre o neoco- guiu formar um vasto império marcado por uma pesada im-
lonialismo, é à entrada dos ingleses na China, ocorrida após a posição de sua estrutura político-administrativa. A opressão
derrota dos chineses durante a Guerra do Ópio (1840-1842). inglesa foi alvo de uma revolta nativa que se deflagrou na
Esta guerra foi iniciada pelos ingleses após as autoridades Guerra dos Sipaios, ocorrida entre 1735 e 1741. Para contor-
chinesas, que já sabiam do mal causado por esta substância, nar a situação, a Coroa Inglesa transformou a colônia indiana
terem queimado uma embarcação inglesa repleta de ópio.
em parte do Império Britânico.
Depois de ser derrotada pelas tropas britânicas, a China, foi
Resistindo historicamente ao processo de ocupação,
obrigada a assinar o Tratado de Nanquim, que favorecia os
desde o século XVI, o Japão conseguiu impedir por séculos
ingleses em todas as cláusulas. A dominação britânica foi
marcante por sua crueldade e só teve fim no ano de 1949, a dominação de seus territórios. Somente na segunda me-
ano da revolução comunista na China. tade do século XIX, que as tropas militares estadunidenses
Como conclusão, pode-se afirmar que os colonialistas do conseguiram forçar a abertura econômica japonesa. Com a
século XIX, só se interessavam pelo lucro que eles obtinham entrada dos valores e conceitos da cultura ocidental no Japão,
através do trabalho que os habitantes das colônias prestavam ocorreu uma reforma político-econômica que industrializou
para eles. Eles não se importavam com as condições de traba- a economia e as instituições do país. Tal fato ficou conhecido
lho e tampouco se os nativos iriam ou não sobreviver a esta como a Revolução Meiji.
forma de exploração desumana e capitalista. Foi somente Com tais reformas, o Japão saiu de sua condição econô-
no século XX que as colônias conseguiram suas independên- mica feudal para inserir-se nas disputas imperialistas. Em
História Mundial

cias, porém herdaram dos europeus uma série de conflitos 1894, os japoneses declararam guerra à China e passaram
e países marcados pela exploração, subdesenvolvimento e a controlar a região da Manchúria. Igualmente interessa-
dificuldades políticas. dos na exploração da mesma região, os russos disputaram
a região chinesa na Guerra Russo-Japonesa, de 1904. Após
Imperialismo na África confirmar a dominação sob a Manchúria, os japoneses tam-
bém disputaram regiões do oceano Pacífico com os EUA, o
Na segunda metade do século XIX, a África foi colonizada que acarretou em conflitos entre essas potências, entre as
e explorada por nações europeias, principalmente, Reino décadas de 1930 e 1940.

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Fundamentação e Crítica do Estado Liberal: as Anarquismo
doutrinas sociais
Os anarquistas acreditavam ser possível existir governo
No século XIX surgiram teorias que marcariam a Idade (no sentido de autogoverno, como na democracia direta)
Contemporânea, estimulando guerras e revoluções sem Estado. No século XIX, o movimento se divide em duas
A industrialização e a urbanização da Europa vieram correntes principais. A primeira, encabeçada pelo francês
acompanhadas do surgimento de novas doutrinas sociais Pierre-Joseph Proudhon, afirma que a sociedade deve ser
e políticas. Para justificar o sistema econômico vigente – o estruturada em pequenas propriedades baseadas no auxí-
capitalismo –, foi elaborado o liberalismo. Para combatê- lio mútuo, sendo contra a transformação da sociedade pela
violência. A segunda, liderada pelo russo Mikhail Bakunin,
-lo, criou-se o socialismo. O avanço dessas ideias provocou
propõe uma revolução sustentada pelo campesinato. Operá-
conflitos durante os quais se desenvolveu outra inflamada
rios espanhóis e italianos sofrem influência do anarquismo,
novidade da época: o nacionalismo.
mas o movimento é esmagado pelo fascismo.
Liberalismo
As Relações Internacionais: o equilíbrio europeu e o
Nascido durante o Iluminismo, o liberalismo teve como sistema de alianças
principais teóricos, na política, o inglês John Locke e, na eco-
O Equilíbrio de poder na Europa é um conceito nas Re-
nomia, o escocês Adam Smith. Outros nomes de peso foram
lações Internacionais que se aplica historicamente e, atual-
os ingleses David Ricardo (1772-1823) e Thomas Malthus
mente, para os países do continente europeu. Conhecido
(1766-1834). Uma das principais características do liberalis-
também como Sistema de Estados Europeus.
mo é a propriedade privada, que seria um direito natural do Nos séculos XVI e XVII a política externa inglesa esforçou-
ser humano. Com ela, o indivíduo teria liberdade de produ- -se para impedir a criação de uma única Monarquia Universal
zir e comercializar, sem interferência do governo, que deve na Europa, que muitos acreditavam que somente a Espanha
apenas garantir a ordem e a justiça. ou a França poderiam tentar criar. Para manter o equilíbrio
Para os liberais, a economia tem leis próprias que não de poder, os ingleses fizeram alianças com outros Estados do
devem ser violadas. Os preços variam de acordo com a continente, como: Portugal, o Império Otomano e a Holanda
oferta e a procura de cada produto, e a livre concorrência para combater a ameaça percebida. Estas grandes alianças
entre as empresas elimina as menos eficientes. Os liberais chegaram a ser usadas nas guerras contra Luís XIV e Luís
procuravam justificar as desigualdades, afirmando que elas XV da França. Eles envolveram os britânicos pagando altos
eram naturais e, com o progresso, diminuiriam. A doutrina subsídios aos aliados europeus para financiarem grandes
influenciou as revoluções liberais de 1830 na Europa, que exércitos.
consolidaram o poder político da burguesia. No século XVIII isso levou à uma série de grandes po-
tências europeias como a Áustria, Prússia, Grã-Bretanha e
Socialismo França à mudarem várias vezes suas alianças para impedir
a hegemonia de um país ou aliança. Uma série de guerras
O socialismo propõe a supressão da propriedade privada surgiram, pelo menos, do desejo de manter o equilíbrio de
dos meios de produção e das classes sociais. Os primeiros poder, incluindo a Guerra da Sucessão Espanhola, Guerra
teóricos buscaram solucionar os problemas da classe ope- de Sucessão Austríaca, a Guerra dos Sete Anos, Guerra da
rária por meio de projetos idealistas, em geral voltados para Sucessão Bávara, e as Guerras Napoleônicas.
grupos restritos. Esses estudos ficariam conhecidos como Durante o século XIX, para alcançar uma paz duradoura o
socialismo utópico. Em 1848, com a publicação do Manifesto Concerto da Europa tentou manter o equilíbrio de poder. Esta
Comunista, os alemães Karl Marx e Friedrich Engels inaugu- política foi largamente bem sucedida em evitar guerras em
raram o socialismo científico. Eles defendiam a tese de que grande escala na Europa por quase um século, até a Primeira
a história é uma sucessão de lutas de classes e, durante o Guerra Mundial. Especificamente, durante a primeira metade
capitalismo, o conflito se dá entre burgueses e proletários do século XIX a Inglaterra e França dominaram o continente
(trabalhadores que vendem sua força de trabalho). europeu, mas por volta de 1850, haviam ficado extremamen-
Para explicar como estes últimos são explorados pelas te preocupados com o crescente poder da Rússia e Prússia.
classes proprietárias, Marx e Engels criaram o conceito da A Guerra da Crimeia de 1854 a 1855 e a Segunda Guerra
mais-valia. Ela corresponde ao trabalho excedente realizado de Independência Italiana de 1859 quebraram as relações
entre as grandes potências da Europa, no entanto, a criação
pelo trabalhador, isto é, a diferença entre o valor do trabalho
e ascensão do Império Alemão como uma nação dominante
que o proletário realiza e o valor que ele recebe na forma
reestruturou o equilíbrio de poder europeu. Nos próximos
de salário. É desse excedente que as classes proprietárias
20 anos, Otto Von Bismarck irá conseguir manter o equilíbrio
retiram o lucro, o juro e a renda da terra. de poder, propondo a criação de muitos tratados e alianças
Os teóricos estimulavam os proletários a se unir e lutar complexas entre as nações europeias.
contra os burgueses. A vitória resultaria na ditadura do pro- No entanto, após a renúncia de Bismarck na década de
letariado. O socialismo seria uma etapa de transição para o 1890, a política externa do Império Alemão se tornou ex-
comunismo, em que o Estado gradualmente desapareceria. pansionista e as alianças recém-criadas provaram ser frágeis,
História Mundial

Tais ideias influenciariam a Revolução Russa, de 1917. algo que desencadeou a Primeira Guerra Mundial em 1914.
Um dos objetivos do Tratado de Versalhes, o principal logo
Nacionalismo após a guerra, foi abolir o domínio do conceito “Equilíbrio
de Poder” e substituí-lo com a Liga das Nações.
O nacionalismo determina a devoção do indivíduo ao Esta ideia fracassou, e a Europa foi dividida em três
Estado nacional. Influenciou as unificações da Itália e da Ale- principais facções na década de 1920 e 1930: os Estados
manha e as lutas de independência das colônias. No século democráticos liberais, liderados pela Inglaterra e França;
XX, inspirou os regimes nazifascistas. as ditaduras comunistas, liderado pela União Soviética e os

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Ultranacionalistas (nazifascista), liderados pela Alemanha cadorias, contudo nem sempre podia pagar por elas.
e Itália. O fracasso das democracias liberais em impedir o Um problema fazia-se presente: os industriais contro-
avanço nazista levou à Segunda Guerra Mundial, que criou lavam a oferta; isto é, eles produziam apenas a quantida-
uma aliança temporária entre os britânicos e soviéticos. de que lhes proporcionasse altos lucros, mas boa parte da
Na era pós-Segunda Guerra Mundial, um equilíbrio de capacidade produtiva de suas fábricas ficava parada. Mas,
poder surgiu entre o Bloco do Leste: filiados com a União eles queriam usar suas fábricas para produzir o máximo de
Soviética e as nações socialistas do Leste Europeu, e o Bloco mercadorias e, para isso, eles precisariam encontrar mer-
Ocidental: filiados com as democracias liberais, particular- cados externos.
mente, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. A solução eram as colônias e os capitalistas da Inglaterra,
da França, da Bélgica, da Itália, da Alemanha e dos EUA par-
A CRISE DA SOCIEDADE LIBERAL (1914-1945) tirem à conquista do mundo, buscando colônias que seriam
mercados para os produtos excedentes. E, como a produ-
O avanço da tecnologia – provocado pela revolução in- ção em grande escala necessita de grandes quantidades de
dustrial – tornou possível a produção em massa e a maior matérias-primas, desejavam controlar os mercados que as
divisão do trabalho o que facilitava a redução dos custos forneciam.
unitários, embora os capitalistas ainda tivessem que enfren- A indústria monopolista trouxe grandes lucros a seus do-
tar a batalha da concorrência. E essa disputa se faria através nos que economizavam colocando nos bancos, companhias
do barateamento dos preços das mercadorias produzidas. de seguros e empresas de investimentos. Então, ocorreu
Com maior volume de capital a empresa que reduzisse uma super acumulação que eles denominaram de “capitais
seus preços poderia reduzir sua margem de lucro e, dessa excedentes”. Visando aumentar seus lucros, os empresários
forma, se processaria a concorrência (o capital maior derro- decidiram exportar o capital excedente para os países atra-
taria o capital menor). Isso porque, com a ruína de muitos sados onde os lucros eram certos, pois os preços da terra
pequenos capitalistas, seus capitais passavam às mãos de e das matérias-primas eram relativamente baixos, o capital
seus vencedores tornando o capital destes ainda maior. era escasso e os salários mais baixos ainda.
Ao se tornarem fortes, os grandes capitalistas podiam Então, o capital excedente lutou pelas áreas coloniais
controlar a oferta e, em consequência disso, os seus preços. e, em poucas décadas, o mundo estava dividido: a África
Entretanto, a concorrência atrapalhava os mecanismos de partilhada, a Ásia repartida em colônias e áreas de influ-
controle de preços e, o ideal, seria se dominassem sozinhos ência e a américa latina dependente dos capitais ingleses
o mercado. e americanos.
Ocorreu então a substituição gradual da livre-concorrên- Os banqueiros e os industriais se associaram na política
cia pelo monopólio e, diante disso, gigantescas indústrias de conquistar colônias e áreas de influência. Com a expor-
se formaram tentando obter o total controle da produção tação do capital excedente para essas áreas ficava também
– desde as fontes de matérias-primas até a sua distribuição. assegurado um mercado consumidor para os produtos indus-
Essa forma de organização industrial – controle da oferta de triais. A aliança banco indústria na busca de mercados para
mercadorias para modificar o preço a seu favor – foi deno- seus capitais e produtos foi a mola mestre do imperialismo
minada de truste. e, o colonialismo foi, então, um aspecto do imperialismo.
Nas duas últimas décadas do século XIX tornou-se evi- Mas, para surpresa de muitos a concorrência não cessou,
dente que a política de livre comércio – defendida pela In- pois, a divisão que a princípio parecia justa com o tempo
glaterra – era coisa do passado e, países como os EUA, Itália, mostrou-se injusta para alguns. Tal situação levou à guerra
Alemanha e França, encontraram grandes dificuldades em e, em 1914, a primeira guerra mundial. Em meio à guerra
romper as barreiras alfandegárias que protegiam grandes um país tomou outro rumo: a Rússia, pois a revolução so-
indústrias rivais. cialista de 1917 representou a ruptura do proletariado com
Os capitalistas compreenderam que ao invés de competir – a sociedade capitalista.
realizando uma luta de extermínio pela redução dos preços – Portanto, uma nova ordem se implantava enquanto no
eles deviam associar-se e permanecerem como empresas se- capitalismo as crises continuavam e, consequentemente,
paradas, mas sem concorrer entre si: concordariam na divisão chegou o momento da grande crise – do crack geral na eco-
dos mercados e dos preços. Essas associações receberam o nomia. A crise de 1929 tornou evidentes as contradições
nome de cartel e surgiram inicialmente na Alemanha. do sistema capitalista: a super abundância de produtos em
O capitalismo se transformava.com o crescimento do meio à miséria.
monopólio, os preços não se estabeleceram através da con- Essa crise levou setores da população a uma situação
corrência no mercado livre – o mercado deixou de ser livre insustentável: as classes médias se pauperizaram, o proleta-
e os preços foram fixados. Dessa forma, o capitalismo da riado empobreceu e os grupos dominantes sentiam-se inse-
livre concorrência se tornava o capitalismo dos monopólios. guros diante da ameaça do comunismo. Esse clima tornava
Varejo entrava em cena uma nova força: _ o sistema de toda a sociedade (Alemanha e Itália, principalmente) vul-
crédito. Sempre que industriais desejassem iniciar um ne- nerável ao fascismo que explorava o desespero das classes,
gócio, tinham que recorrer aos banqueiros e, quanto mais apelando até para o racismo (“os judeus são os culpados de
dinheiro esses banqueiros controlassem, maior era o seu po- todos os males sociais”).
der. Muitas vezes, os importantes homens do mundo bancá- A agressividade gerada pelo fascismo levou o naciona-
rio estavam em diretorias de grandes trustes ou gigantescas lismo alemão e italiano a defender a guerra como forma de
História Mundial

companhias, nas quais seus bancos investiam grandes somas. resolver a crise e, na medida em que com a crise de 1929,
A situação era bem evidente: no capitalismo dos mono- os antagonismos voltaram a se manifestar, o sistema de se-
pólios quem falava mais alto eram os financistas e a chave gurança político internacional criado após a Primeira Guerra
do seu poder era a intensiva concentração dos capitais. Tudo Mundial, não foi suficiente para evitar novo conflito.
isso gerava problemas como as indústrias que, produzindo Daí a Segunda Guerra Mundial ocorreu como uma con-
em grande escala, aumentavam sua capacidade de produzir tinuação da anterior, pois a problemática que gerou a pri-
em um índice mais rápido do que a capacidade de consumo meira guerra – a busca de mercados – também determinou
da população. Ou melhor, a população poderia ter mais mer- a segunda.

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A 1ª Guerra Mundial eslavos da Europa Oriental. Já os pangermanistas desejavam
anexar à Alemanha os territórios da Europa Central habitados
No início do século XX havia um clima de tensão política por minorias germânicas.
e rivalidade entre os governos e empresários de grandes O militarismo foi uma das características dos movimen-
potências europeias, como Alemanha, Inglaterra e França. tos nacionalistas desse período. Ele fomentou uma situação
As tensões e rivalidades se intensificaram ao longo do século paradoxal, chamada pelos historiadores de paz armada. Em
XIX e se originaram, principalmente, das disputas territoriais outras palavras, diante do risco de guerra, os governos das
por colônias e mercados na Europa, na África, na Ásia e na potências europeias estimularam a produção de armas e
América Latina. fortaleceram suas forças militares (ou seja, seus exércitos,
Como as novas tecnologias de produção permitiam às tropas navais etc.). O processo representou o início de uma
indústrias fabricar mais mercadorias em menos tempo, os corrida armamentista.
empresários das grandes potências europeias passaram a Um dos principais focos de atrito na Europa provinha da
buscar novos consumidores para seus produtos. Isso levou situação política na península Balcânica, situada no sudeste
os governos desses países a disputar colônias nos continen- europeu. Nessa região, chocavam-se o nacionalismo da Sér-
tes africano e asiático, onde pretendiam impor aos povos via (pan-eslavismo), apoiado pelo governo russo, e o expan-
conquistados o consumo de bens industrializados. sionismo da Áustria-Hungria, apoiado pelo governo alemão.

Disputa Política Franceses Ingleses Política de alianças


Os governos das grandes potências fizeram alianças entre
A concorrência fez com que os governos e os empresá- eles com o objetivo de somar forças para enfrentar os rivais.
rios em cada país industrializado dificultassem a expansão Depois de muitas negociações, a partir de 1907 a Europa
econômica dos países rivais. Por isso, muitos deles fechavam ficou dividida em dois grandes blocos:
seu próprio mercado a produtos estrangeiros e procuravam • Tríplice Aliança, inicialmente formada pelas forças da
impedir a ampliação dos impérios coloniais dos concorrentes. Alemanha, da Áustria e da Itália, apoiadas por turcos
e búlgaros. A Tríplice Aliança era também conhecida
A disputa política e econômica, principalmente entre como aliança das potências centrais;
franceses, ingleses e alemães, tornou-se bastante intensa • Tríplice Entente, formada pelas forças da França, da
na virada do século XIX para o XX. Inglaterra e da Rússia. O termo entente significa acor-
do ou entendimento entre dois ou mais governos. A
Nesse período, a maioria dos exércitos nacionais se Tríplice Entente contou ainda com o apoio de sérvios,
profissionalizou. As tropas começaram a ser treinadas para belgas, gregos e romenos.
lutar, exercitando-se no domínio dos diversos armamentos
de combate. Generais e outros comandantes das grandes As tensões entre os dois blocos foram aumentando.
potências europeias obtiveram permissão dos governos para Então, um incidente político, o assassinato do herdeiro do
recrutar cada vez mais soldados, sob alegação da existência trono austríaco, detonou uma guerra generalizada, como
de ameaças externas permanentes. Calcula-se que 65 mi- veremos a seguir.
lhões de soldados tenham sido mobilizados para lutar na
Primeira Guerra. Explode a Guerra

Principais Causas e Consequências da Primeira Guerra Fortalecido após a vitória contra os turcos, o governo da
Mundial Sérvia procurava unificar os eslavos na península Balcânica e
dificultava os planos austro-húngaros de expansão naquela
Revanchismo francês região. Para isso, os sérvios contavam com um exército de
Além da disputa por colônias e mercados, que alimentava cerca de 200 mil homens e também com o apoio russo. Dian-
o clima de tensão entre as potências europeias, historia- te dessa situação de confronto, uma guerra poderia estourar
dores constatam que muitos franceses e alemães estavam a qualquer momento.
envolvidos em ressentimentos desde 1870. Isso ocorria por O autor do crime foi o estudante Gavrilo Princip, membro
causa da derrota dos franceses na Guerra Franco Prussiana da organização Unidade ou Morte, apoiada pelo governo sér-
(1870-1871). vio e ligada ao governo russo. Com o assassinato, os austro-
Os ressentimentos se expressavam no chamado revan- -húngaros declararam guerra contra os sérvios.
chismo francês, que levou o governo da França a tentar recu- Devido à política de alianças, as forças militares de mui-
perar os territórios da Alsácia Lorena, entregues aos alemães tas nações também entraram no conflito, começando pela
pelos acordos de paz de 1871. Esses territórios eram ricos Alemanha e pela Rússia. Entre julho e agosto de 1914, os
em minério de ferro e carvão. governos que compunham a Tríplice Entente e a Tríplice
Ligados a essas disputas, havia também os movimentos Aliança declararam guerra uns aos outros.
nacionalistas. Os participantes desses movimentos preten- Observe o mapa da página seguinte. Ele mostra a divisão
diam agrupar em um mesmo Estado povos de matrizes cul- política da Europa em 1914 e a organização dos países no
turais semelhantes, o que motivou, muitas vezes, projetos contexto da Primeira Guerra Mundial.
de expansão territorial.
História Mundial

Primeira Guerra Mundial


Nacionalismo e Militarismo
Podemos dividir os quatro anos de duração da Primeira
Causas e consequência do conflito Guerra Mundial em três fases.
Entre os movimentos nacionalistas que se desenvolveram • Primeira fase (1914-1915): foi marcada pela grande
na Europa no início do século XX, destacaram-se o pan-esla- movimentação das forças em confronto. Depois de
vismo e o pangermanismo. Os pan-eslavistas eram apoiados uma rápida ofensiva dos alemães sobre o território da
pelos governos russo e sérvio e pretendiam unir os povos Bélgica e da França em setembro de 1914, os franceses

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organizaram uma contraofensiva barrando o avanço de A partir de 1918, quando as outras forças da Tríplice
seus inimigos sobre Paris, na Batalha do Marne. A partir Aliança já haviam se rendido, os alemães ficaram isolados
daí, nenhum dos lados conseguiu vitórias expressivas em suas fronteiras, sem condições de sustentar os combates
sobre o outro, mantendo-se um equilíbrio de forças por mais tempo. Em 11 de novembro de 1918, o governo da
na chamada Frente Ocidental (batalhas terrestres na Alemanha assinou um armistício em situação desvantajosa.
Alemanha, na França e na Bélgica, e navais no Atlântico Aceitava, por exemplo, devolver aos adversários materiais
Norte, no canal da Mancha e no mar do Norte). de guerra pesados e submarinos apreendidos.
• Segunda fase (1915-1917): a movimentação de tropas Nos locais em que se travaram os combates, eram co-
na Frente Ocidental deu lugar a uma guerra de trinchei- muns as cenas de destruição de fábricas e plantações, casas
ras. Cada lado tentava manter suas posições e evitar e edifícios, pontes e estradas. As perdas humanas também
que os inimigos avançassem. Nessa fase, apenas na foram imensas. Alguns historiadores calculam que a Primeira
Batalha de Verdun (em 1916) 1 milhão de combaten- Guerra Mundial tenha deixado aproximadamente 9 milhões
tes foram mortos, dentre os 2 milhões de franceses e de mortos e cerca de 20 milhões de feridos. Isso sem falar
alemães que lutavam entre eles. A movimentação das nos milhões de pessoas que tiveram que fugir das áreas de
tropas continuou na Frente Oriental (região compreen- conflitos ou foram obrigadas a abandonar as terras em que
dida entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia, viviam havia gerações, após a definição das novas fronteiras
incluindo a península Balcânica), onde os alemães ocu- nacionais.
param a Polônia, forçando os exércitos russos a voltar A euforia patriótica do início da guerra, estimulada pela
para seu território. propaganda governamental, se transformou em desespero
• Terceira fase (1917-1918): entraram na guerra reforços ao término do conflito. Afinal, o mesmo progresso que per-
militares de países de várias partes do mundo, o que mitiu avanços econômicos e criou tecnologia para construir
justifica o nome Primeira Guerra Mundial. Nessa fase armas poderosas também levou à perda de milhões de vidas.
da guerra lutaram canadenses, australianos, neozelan- Assim, os europeus se perguntavam se esse progresso tinha
deses, estadunidenses, japoneses, indianos, chineses valido a pena.
e soldados africanos que viviam sob o colonialismo ou Além disso, com o fim da guerra, os países que já esta-
outras formas de dominação europeia. vam abalados pelas perdas materiais e pelos gastos com os
combates se viram diante de uma grave crise econômica.
O Brasil Entrou na Guerra
O Entre Guerras
Alegando que navios de países não envolvidos no con-
fronto transportavam alimentos para os inimigos da Tríplice O entre guerras, período compreendido entre o término
Aliança, a marinha alemã, com seus submarinos, afundou
da Primeira Guerra Mundial (1918) e o início da Segunda
várias embarcações estrangeiras. Foram afundados, entre
Guerra Mundial, foi marcado por crises econômicas, políti-
muitos outros, os navios Lusitânia e Arábia, dos Estados Uni-
cas e sociais em vários países. Quando o primeiro conflito
dos, além do brasileiro Paraná. Assim, o governo brasileiro
mundial terminou, os EUA era uma nação poderosa, a mais
também entrou no conflito, declarando guerra ao governo
rica do mundo. Assim, em 1918, novamente a presença
da Alemanha.
americana era flagrante. Empréstimos e mais empréstimos
Em cooperação com os ingleses, os brasileiros patrulha-
ram o Atlântico Sul e enviaram médicos e aviadores à Europa. foram contratados pelos europeus visando à reconstrução
Nessa fase da guerra, destacaram-se ainda a entrada das dos países destruídos. Esses fatores condicionaram aos EUA
forças estadunidenses no conflito (em 6 de abril de 1917) e a uma prosperidade sem precedentes. Um período de grande
saída dos exércitos russos (em 3 de março de 1918). abundância gerou uma idêntica euforia social. Os empresá-
rios americanos nadavam em capitais.
As Transformações Impostas pela Guerra Exportava também o “modelo de homens de negócios”,
o Self-made-mam. Aquele empreendedor, que, saindo das
A guerra provocou grandes mudanças na vida dos euro- camadas humildes da população, competentemente pros-
peus. Além dos combatentes, as populações da cidade e do perou. Toda essa riqueza gerou, nos EUA, um novo ideal de
campo também sofreram as consequências dos conflitos. De vida ou um novo estilo de vida americano, o “american way
alguma forma, quase todos foram envolvidos. A economia of life”. Estilo de vida baseado na febre de consumo de pro-
dos países em conflito foi direcionada para aumentar a fa- dutos industrializados. Mas essa abundância era ilusória, pelo
bricação de produtos necessários aos de transporte, entre menos para a maioria do povo norte-americano.
outros. Uma prosperidade vulnerável... Para alimentar o sonho
Como milhões de homens participavam dos combates, americano, milhares de pessoas especulavam na bolsa de
um grande número de mulheres passou a trabalhar nas in- valores, as empresas supervalorizavam os seus papéis. Na
dústrias, especialmente na Inglaterra, na França, na Alema- medida em que a Europa se recuperava dependia cada vez
nha e na Itália. menos das importações americanas. Os capitalistas pagavam
Terminada a guerra, muitas mulheres não só mantiveram salários baixos e o número de miseráveis aumentava cada vez
as posições conquistadas no mercado de trabalho, como am- mais. No entanto, em 1929, conheceram uma profunda crise,
pliaram a luta por seus direitos, inclusive o de votar. Afinal, se com a queda da bolsa de valores de Nova York, que gerou,
tiveram de participar do esforço de guerra, também deveriam por sua vez, uma gravíssima crise interna, provocando alto
História Mundial

poder escolher seus governantes, bem como serem eleitas. índice de desemprego e acabando por afetar vários países.
A superprodução provocada pelo subconsumo, a queda
A Destruição e o Fim da Guerra geral dos preços e a especulação geraram uma crise sem
precedentes: a queda da bolsa de valores. Em setembro de
O amplo apoio financeiro e material vindo do governo dos 1929, o valor das ações começou a oscilar; de repente subia,
Estados Unidos foi decisivo para a vitória dos países que lhes logo em seguida caía. No mês seguinte, só houve queda, e os
eram aliados. Os recursos econômicos da Entente pareciam investidores queriam livrar-se das ações vendendo-as rapi-
inesgotáveis quando comparados aos da Tríplice Aliança. damente. No dia 24 de outubro, conhecido como a “quinta-

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-feira negra”, houve pânico na Bolsa. Cerca de 13 milhões economia dos EUA só voltou a se recuperar mesmo a partir
de ações foram negociadas a qualquer preço, em um único da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
pregão. De uma hora para outra, milhares de investidores Se você parar para pensar, pode concluir uma coisa tene-
viram-se na miséria. brosa: foi a guerra que resolveu de vez o problema da crise
A crise desenvolveu-se numa reação em cadeia. O crash capitalista de 29? Foi. A guerra fez os governos encomen-
financeiro acentuou a crise industrial, desaparecendo qual- darem quantidades gigantescas de aço, máquinas, peças,
quer possibilidade de recuperação. Foi necessário reduzir a mobilizando toda a indústria. Além disso, a guerra resolveu
produção e abaixamento de salários dos que continuavam o problema do desemprego de modo arrepiante: milhões
trabalhando. Por volta de 1933, mais de 14 milhões de norte- de desempregados morreram nos campos de batalha. Que
-americanos estavam desempregados. coisa, não? Será que no mundo atual ainda corremos o risco
A crise de 1929 acabou afetando vários países do mundo. de outra guerra mundial para salvar a economia capitalista
Na Europa, muitas nações dependiam do crédito norte-ame- da crise?
ricano e, quando este foi suspenso, sofreram forte abalo.
Houve fechamento de bancos, falências, desvalorização da Europa
moeda e desemprego. No início da década de 30, o número
de pessoas desempregadas no mundo estava em torno de Surgimento de vários movimentos nazifascistas em di-
40 milhões. Os países desesperados para se safarem, toma- versos países:
ram medidas várias. Alguns como Alemanha e Itália tiveram • Itália (fascismo).
que adotar regimes autoritários para conseguirem imple- • Alemanha (nacional-socialismo – nazismo).
mentar medidas impopulares. A confusão provocada pela • Portugal (salazarismo).
crise criou, na Europa, o clima responsável pela eclosão da • Espanha (franquismo).
Segunda Guerra Mundial. O Brasil também foi afetado pela
crise de 1929. O café, principal produto de exportação, tinha Fatores:
nos Estados Unidos o seu maior comprador. Com a crise, os • Agravamento dos problemas sociais.
norte-americanos reduziram as compras e os estoques de • Crescimento das esquerdas.
café aumentaram, provocando a queda do preço e transfor- • Pendências decorrentes da Guerra.
mações políticas, sociais e econômicas no Brasil.
Características do Nazi-Fascismo:
New Deal: a reação norte-americana • Totalitarismo: nada deve vir acima do Estado, que tem
o controle absoluto sobre tudo.
Em 1932, 0 povo norte-americano elegeu Franklin Delano • Nacionalismo: exaltação de tudo quanto era próprio
Roosevelt para presidente dos Estados Unidos. Roosevelt da nação.
propôs uma novidade: o abandono do velho liberalismo eco- • Militarismo: princípio de fortalecer seus exércitos para
nômico. Para salvar o capitalismo em crise, era preciso botar
a defesa e executar uma política imperialista.
o Estado intervindo fortemente na economia. Foi isso que
• Corporativismo: os sindicatos deveriam desaparecer
Roosevelt fez. Seu plano econômico chamava-se New Deal
dando lugar as corporações, organismos que reuniam
(Novo Acordo ou Novo Tratamento) e acabou sendo imitado
patrões e empregados, cuja função era administrar a
por quase todos os países do mundo.
economia sob o controle do Estado.
Em primeiro lugar, o governo tentou planejar um pouco
• Antiliberalismo: ausência de liberdade sindical, econô-
a economia. Ou seja, em vez de deixar o mercado aquele
mica e de imprensa.
caos absoluto, o Estado passou a vigiar de perto, disciplinar
os empresários, corrigindo os investimentos arriscados, fis- • Propaganda controlada: o Estado controla a propa-
calizando as loucuras especulativas nas bolsas de valores. ganda com a finalidade de fortalecer o sentimento de
Outra medida fundamental foi a criação de um vasto pro- patriotismo, culto ao chefe e a disciplina.
grama de obras públicas. O governo norte-americano criou • Culto da personalidade: exaltação ao chefe e suas re-
empresas estatais e também contratou empresas privadas alizações.
para fazerem estradas, praças, barragens, canais de irrigação, • Expansionismo: a conquista de novas terras pelos ale-
escolas públicas, etc. Ao fazer a obra pública o governo tam- mães era justificada pela necessidade do espaço vital
bém oportunizou emprego para milhões de trabalhadores. para que a raça ariana pudesse se multiplicar. (Direito
O New Deal criou leis sociais que protegiam os trabalha- de aumentar território).
dores e os desempregados. No começo esse ponto foi rejeita- • Racismo: consideravam a raça ariana a única pura e,
do pelos empresários. Sem entender direito, eles chegaram por isso, a única capaz de colaborar para o aperfeiço-
ao absurdo de acusar Roosevelt de comunista. Na verdade, amento do gênero humano.
era um homem que via longe. Percebeu que para salvar o • Unipartidarismo: só era admitida a existência de um
capitalismo da crise era necessário assegurar um mínimo de partido político.
consumo por parte dos trabalhadores. O sistema não poderia
continuar funcionando se os operários não pudessem colher Regimes Totalitários: Nazismo, Fascismo e a
alguns benefícios do crescimento econômico. Revolução Russa
Outras medidas pareceram irracionais. Por exemplo, o
História Mundial

governo comprava estoques de cereais e mandava queimar. Itália


Ou então pagava aos agricultores para que não produzissem.
Que loucura! Milhões de pessoas passando fome e o governo A Itália lutou na Primeira Guerra ao lado da Inglaterra e da
destruindo comida! Bem, não era tão irracional assim. O New França, mas perdeu muito mais do que ganhou. Terminado o
Deal apenas seguia a lógica capitalista, ou seja, era preciso conflito, viveu uma crise violenta. Os operários, estimulados
acabar com a superprodução de qualquer jeito. pelos comunistas, chegaram a fazer greves com ocupação e
O New Deal deu certo? Nos primeiros anos, só um pou- controle das fábricas (1919). O país esteve a um passo da
co. Depois a coisa foi melhorando devagarzinho. No final, a revolução socialista.

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Nesses anos de agudas lutas de classes, surgiu o Partido paganda política fascista, manipulavam informações (“uma
Fascista liderado por Mussolini. No começo, reunia bandos mentira repetida mil vezes se torna uma verdade”). Explo-
de ex-soldados, neuróticos de guerra, desempregados, va- ravam o inconsciente coletivo alemão e os ressentimentos
gabundos e policiais. Recebiam dinheiro dos empresários causados pela derrota na Primeira Guerra. Falavam em vin-
para perseguir os sindicalistas e socialistas. Com o tempo, os gança, em “Alemanha acima de tudo”. Formavam bandos de
fascistas foram constituindo um partido político com idéias e jovens uniformizados e cheios de músculos, que ocupavam
projetos próprios. Entretanto, nunca abandonaram a prática as ruas perseguindo todos os inimigos: comunistas e social-
de agredir fisicamente os adversários. democratas, judeus, homossexuais.
Em 1922, milhares de militantes fascistas vestidos de ca- Depois da crise de 1929, os nazistas elegeram inúmeros
misas negras executaram a Marcha sobre Roma (1922). Eles deputados para o parlamento. Num certo momento, tor-
ocuparam as ruas da capital exigindo que o rei nomeasse naram o seu partido mais votado. Agora, atenção para algo
Mussolini primeiro-ministro. Pressionado pela burguesia, muito importante: os nazistas jamais conseguiram a maioria
que apoiava os fascistas, o monarca cedeu. Instalado no po- absoluta dos votos do povo alemão. Isso mesmo: mais da
der, Mussolini realizou eleições marcadas pela fraude. Um metade dos alemães votava contra os nazistas! Meses antes
deputado, que denunciou a farsa eleitoral, foi assassinado. de dominar a Alemanha, Hitler foi candidato à presidência
Diante da confusão, com bandos paramilitares fascistas exe- da República e perdeu as eleições para um velho político
cutando inimigos políticos impunemente, Mussolini mandou tradicional. Como se explica então que os nazistas tenham
fechar todos os outros partidos e prendeu seus opositores. chegado ao poder?
Estava implantada a ditadura. Somente o partido fascista Em primeiro lugar, as forças antinazistas estavam dividi-
estava autorizado a existir na Itália. das. Os socialdemocratas e os comunistas acusavam-se mu-
Perceba uma coisa importante: a ditadura fascista italiana tuamente de favorecer os nazistas. Os liberais não queriam se
estava implantada antes da crise de 1929. unir à esquerda para combater Hitler. Só os nazistas estavam
Naquela época a Igreja Católica era bastante hostil aos unidos e coesos. Daí sua força. Daí sua ousadia.
comunistas. Os bispos diziam que as desigualdades sociais Em segundo lugar, porque os nazistas tomaram o poder
tinham sido determinadas por Deus e que, portanto, o so- com um golpe de Estado, apoiado pelos megaempresários
cialismo seria um tipo de heresia. Alguns padres aderiram e pela cúpula das Forças Armadas. Foi em 1933. O Reichstag
ao fascismo por acreditar que essa era a melhor maneira de (Parlamento) foi incendiado pelos nazistas, que puseram a
enfrentar os comunistas. Habilidosamente, Mussolini fez um culpa nos comunistas. A partir daí todos os partidos políticos
acordo com a Igreja, o Tratado de Latrão. A partir dele surgiu foram fechados, com exceção do nazista. A Gestapo (polícia
o Estado do Vaticano, onde mora o papa e que fica num secreta) vigiava e aterrorizava toda a população.
bairro de Roma. Em troca, papa reconheceu o Estado italiano. Seguindo as receitas do New Deal dos EUA, o plano de
recuperação econômica do presidente Roosevelt, o Estado
Alemanha: o Nazismo fascista alemão encomendou obras públicas às empresas
privadas. Para recuperar o emprego e ativar a economia,
Na Alemanha, o movimento fascista foi chamado de na- estimulou a produção de armas. Conseguiu reduzir o desem-
zista, que é uma abreviatura de nacional-socialista. Repare prego, mas a guerra seria apenas uma questão de tempo.
numa coisa interessante: o socialismo estava tão popular,
que até os nazistas utilizavam esse nome. Claro que não Revolução Russa
tinham nada de socialistas, pois abominavam a igualdade
e a democracia. Os antecedentes da Revolução Russa devem ser procu-
Quando terminou a Primeira Guerra, em 1918, a Ale- rados na Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, e em
manha passou a ter um regime democrático. Esse período seus desdobramentos: formação do proletariado, prática do
de liberdade política foi chamado de República de Weimar “capitalismo selvagem” e evolução das idéias socialistas.
e durou até 1933, quando os nazistas assumiram o poder. A Revolução Industrial consolidou o sistema capitalista
Todos os partidos políticos importantes tinham deputados e as relações de trabalho assalariado. Nestas, o trabalhador
no Parlamento, inclusive os comunistas e os nazistas. não tem qualquer controle sobre os meios nem sobre os
Foi uma época de grandes dificuldades. Derrotada na instrumentos de produção, entrando no processo produtivo
guerra, a Alemanha teve de pagar uma imensa dívida para como mera força de trabalho não-qualificada. Tal situação,
os ingleses e franceses. A crise de 1929 levou milhões de agravada pela enorme oferta de mão-de-obra existente, le-
alemães ao desespero. O desemprego atingiu 44% dos tra- vou os capitalistas a explorar o proletariado de forma abso-
balhadores. A crise levou muitas pessoas a votar nos comu- lutamente desumana, configurando o que se convencionou
nistas e nos socialdemocratas. chamar de “capitalismo selvagem”.
O partido nazista, chefiado por Adolf Hitler, também ga- O proletariado, por ser um grupo social novo, demorou
nhava muitos votos. Os nazistas acusavam os comunistas, para adquirir consciência de classe, que Ihe daria a coesão
os liberais e judeus de desgraçar o país. Prometiam acabar necessária para lutar por melhorias em suas condições de
com a “desordem” e restaurar o orgulho de ser alemão. Fa- trabalho e de vida. Foi somente a partir de meados do século
lavam em combater os banqueiros muito gananciosos e em XIX que começaram a se organizar os primeiros sindicatos
proteger a classe média. Anunciavam que pertenciam à raça e apenas em fins daquele século que eles começaram a
ariana, que consideravam superior às outras e que, portanto, conquistar alguns direitos. Os governos dos países indus-
História Mundial

não poderia curvar-se diante do mundo. Assim, num país fa- trializados, controlados pela burguesia, obviamente dificul-
minto, humilhado pela derrota na Primeira Guerra e inseguro taram ao máximo a organização do operariado e sua luta
com a crise, os nazistas ofereciam o sonho da tranquilidade, reivindicatória.
do orgulho patriótico e da força. E quantas pessoas inseguras Assim, como a miséria dos trabalhadores permanecia
não acreditam que poderão ser salvas pelo “herói da pátria” e sem expectativa de solução, certos intelectuais (geralmente
pelo super-Estado? de origem burguesa, mas sensibilizados pela causa operária)
Os nazistas tinham técnicas avançadas de propaganda começaram a criar teorias que propunham mudanças na es-
política. Seguindo as idéias de Goebbels, o mestre da pro- trutura econômica e social do capitalismo, com vistas a criar

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uma sociedade mais justa e menos diferenciada. Surgiram A Revolução de 1905
então as idéias socialistas.
As primeiras teorias ficaram conhecidas pelo nome de Em 1904-5, a Rússia entrou em guerra com o Japão,
socialismo utópico porque não pregavam a destruição do disputando territórios no Extremo Oriente, e foi derrotada.
capitalismo, mas apenas sua reforma; ora, na opinião dos Esse conflito repercutiu na Rússia Europeia, dando ori-
socialistas radicais, essa atitude era utópica, já que, para gem à Revolução de 1905 — que Lenin mais tarde considerou
eles, o capitalismo era intrinsecamente mau, não podendo um “ensaio geral para a Revolução de 1917”.
ser reformado — mas apenas destruído. A Revolução de 1905 consistiu em três episódios distin-
O socialismo radical encontrou sua maior expressão em tos, todos extremamente significativos:
Karl Marx — criador do socialismo científico ou comunismo. O Domingo Sangrento — Uma manifestação pacífica de
Para ele, o capitalismo deveria ser destruído por uma revolu- milhares de operários de São Petersburgo (então capital da
ção armada do proletariado, o qual implantaria uma ditadura Rússia) foi violentamente dispersada pela Guarda Imperial,
socialista. Nesta, a propriedade privada desapareceria e os com centenas de vítimas. Esse acontecimento abalou pro-
meios de produção seriam coletivizados, criando o que Marx fundamente a confiança do povo em seu imperador.
esperava fosse uma sociedade sem classes. Quando a revolu- A revolta do “Potemkin” — O “Potemkin” era um coura-
ção socialista se estendesse a todos os países (daí a célebre çado pertencente à frota russa do Mar Negro. Sua tripulação
frase “Proletários de todo o mundo, uni-vos!”), seria possível rebelou-se ao saber que seria enviada para lutar contra os
suprimir o Estado e estabelecer uma sociedade inteiramente japoneses. Os demais navios da esquadra não aderiram à re-
igualitária: a sociedade comunista. volta do “Potemkin”, cujos tripulantes acabaram refugiando-
Embora o futuro tenha provado que o projeto de uma -se na Romênia. De qualquer forma, tratava-se de um motim
sociedade comunista era tão utópico quanto as teorias an- em uma grande unidade da Marinha Russa, evidenciando
teriores, o socialismo marxista seduziu milhares de intelec- que as Forças Armadas já não podiam ser consideradas sus-
tuais e milhões de operários e camponeses. Já em 1871, os tentáculos fiéis da Monarquia.
comunistas, aliados aos socialistas utópicos e a uma facção A greve geral — Em São Petersburgo, Moscou e Kiev,
de esquerda ainda mais radical — os anarquistas — reali- os operários entraram em greve geral. Apesar da repressão
zaram aquela que se tornou a maior insurreição socialista militar, os trabalhadores resistiram por algumas semanas,
antes da Revolução Russa de 1917: a Comuna de Paris. Mas sobretudo em Moscou. Dois fatos importantes ocorreram
a repressão do governo burguês foi implacável: 13.000 re- durante essa greve: foram organizados os primeiros sovie-
volucionários foram fuzilados e quase 50.000, deportados. tes (conselhos) de trabalhadores e houve operários que se
Marx afirmava que a revolução socialista deveria triunfar defenderam a bala, mostrando que estavam se preparando
nos países mais industrializados, onde o proletariado seria para uma insurreição armada.
mais numeroso e organizado. Tal previsão falhou redonda- Em 1906, tendo em vista os abalos produzidos pela
mente porque, nos países mais desenvolvidos, os operários Revolução de 1905 e pela derrota frente ao Japão, o czar
já haviam conquistado certos direitos e benefícios, o que Nicolau ll resolveu criar a Duma, como um primeiro passo
diminuiu seu entusiasmo por uma revolução armada. em direção à liberalização. Tratava-se de uma Assembleia
Restavam, portanto, os países atrasados, onde a explo- Legislativa com poderes extremamente limitados; e, como
era censitária, seus deputados representavam apenas 2%
ração e miséria dos trabalhadores ainda se encontrava no
do total da população.
estágio do capitalismo selvagem; nesses Estados, as condi-
ções para uma revolução proletária eram mais favoráveis.
A Revolução de 1917 (1ª fase)
A Rússia no Início do Século XX
A causa imediata da Revolução Russa foram os efeitos
desastrosos do envolvimento russo na I Guerra Mundial.
Ao iniciar-se o século XX, o Império Russo apresentava
Na qualidade de membro da Tríplice Entente, juntamente
um extraordinário atraso em relação às demais potências com a Grã-Bretanha e a França, o Império Russo entrou em
europeias: guerra com a Alemanha e a Áustria-Hungria em 1914. Mas,
Atraso econômico — A economia ainda era basicamen- embora seu gigantesco exército tivesse o apelido de “rolo
te agrária, praticada em latifúndios explorados de forma compressor”, os russos não estavam à altura de seus adver-
antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses sários alemães. Estes impuseram às tropas do czar derrotas
miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente esmagadoras, que só não levaram a Rússia à rendição porque
de capitais estrangeiros e se restringia a algumas grandes a Alemanha, dividida entre duas frentes de batalha (havia
cidades. uma Frente Ocidental, contra ingleses e franceses), não pôde
Atraso social — A sociedade russa era ainda mais desigual explorar suas vitórias a fundo. Mesmo assim, boa parte do
que a sociedade francesa às vésperas da Revolução de 1789. território russo encontrava-se em poder dos invasores —
Havia o absoluto predomínio da aristocracia fundiária, diante principalmente a Ucrânia, cujo tchernoziom (terra negra) era
de uma burguesia fraca e das massas camponesas margina- considerado o celeiro do Império.
lizadas. O proletariado russo era violentamente explorado; As pesadas perdas sofridas pelo exército, mais as di-
mas já possuía uma forte consciência social e política e estava ficuldades de abastecimento, somadas à alta do custo de
concentrado nos grandes centros urbanos — o que facilitaria vida e à ineficiência e corrupção administrativas, levaram o
sua mobilização em caso de revolução. povo russo a uma situação de verdadeiro desespero. Assim,
História Mundial

Atraso político — O Império Russo era oficialmente uma em fevereiro de 1917 (março, pelo calendário vigente nos
autocracia (isto é, uma monarquia absoluta), com todos os países ocidentais), eclodiram manifestações em Petrogrado
poderes centralizados nas mãos do czar. Não havia partidos (novo nome de São Petersburgo), exigindo a saída da Rússia
políticos legalizados, embora as agremiações clandestinas da guerra. As tropas da capital recusaram-se a reprimir os
fossem bastante atuantes. Delas, a mais importante era o manifestantes e aderiram a eles. O czar Nicolau ll, que se
Partido Socialdemocrata Russo, que em 1903 se dividiu em encontrava em seu quartel-general, foi impedido de entrar
dois ramos: bolcheviques (marxistas radicais) e menchevi- em Petrogrado. Em questão de dias, a insurreição alastrou-se
ques (socialistas moderados). por todas as grandes cidades do Império.

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Como o príncipe-herdeiro era hemofílico, Nicolau ll prefe- militares. Marcado por um número significante de ataques
riu abdicar em favor de seu irmão, mas este recusou o trono. contra civis, incluindo o Holocausto e a única vez em que
Para que a Rússia não ficasse acéfala, a Duma organizou um armas nucleares foram utilizadas em combate, foi o conflito
governo provisório constituído de aristocratas e burgueses, mais letal da história da humanidade, resultando entre 50 a
sob a chefia do príncipe Lvov. mais de 70 milhões de mortes.
Tentando ganhar o apoio das massas, o novo governo Geralmente considera-se o ponto inicial da guerra como
adotou uma postura liberal, decretando anistia política. Com sendo a invasão da Polônia pela Alemanha Nazista em 1 de
isso, milhares de prisioneiros foram libertados e centenas de setembro de 1939 e subsequentes declarações de guerra
exilados retornaram à Rússia. Entre eles, inúmeros revolu- contra a Alemanha pela França e pela maioria dos países do
cionários bolcheviques, liderados por Lenin. Imediatamente Império Britânico e da Commonwealth. Alguns países já es-
começaram a ser organizados sovietes de operários, soldados tavam em guerra nesta época, como Etiópia e Reino de Itália
e camponeses, com vistas à realização da revolução socialista. na Segunda Guerra Ítalo-Etíope e China e Japão na Segunda
Recém-chegado do exílio, Lenin tentou um golpe de Guerra Sino-Japonesa. Muitos dos que não se envolveram
Estado em julho de 1917, mas falhou e foi obrigado a se inicialmente acabaram aderindo ao conflito em resposta a
esconder por algum tempo. O príncipe Lvov foi substituído eventos como a invasão da União Soviética pelos alemães
na chefia do governo provisório por um advogado chamado e os ataques japoneses contra as forças dos Estados Unidos
Kerensky, do Partido Social-Revolucionário (apesar do nome, no Pacífico em Pearl Harbor e em colônias ultra marítimas
essa era uma agremiação política moderada), que gozava de britânicas, que resultou em declarações de guerra contra o
uma certa popularidade. Mas esta se deteriorou rapidamen- Japão pelos Estados Unidos, Países Baixos e o Commonwe-
te, devido à insistência de Kerensky em continuar a guerra alth Britânico.
contra a Alemanha, apesar dos anseios de paz da população A guerra terminou com a vitória dos Aliados em 1945,
e da impossibilidade de a Rússia poder sustentar um conflito alterando significativamente o alinhamento político e a es-
militar de tais proporções. trutura social mundial. Enquanto a Organização das Nações
Unidas (ONU) era estabelecida para estimular a cooperação
A Revolução de 1917 (2ª fase) global e evitar futuros conflitos, a União Soviética e os Esta-
dos Unidos emergiam como superpotências rivais, preparan-
Em outubro de 1917 (novembro, pelo calendário oci- do o terreno para uma Guerra Fria que se estenderia pelos
dental), os bolcheviques finalmente tomaram o poder. Os próximos quarenta e seis anos (1945-1991). Nesse ínterim,
sovietes, controlados por eles, haviam se transformado no a aceitação do princípio de autodeterminação acelerou mo-
poder de fato da Rússia, anulando o papel da Duma e de vimentos de descolonização na Ásia e na África, enquanto a
Kerensky. Um assalto ao palácio do governo, conduzido por Europa ocidental dava início a um movimento de recuperação
soldados bolcheviques, resultou na fuga de Kerensky, que econômica e integração política.
conseguiu se refugiar nos Estados Unidos. Algumas dezenas O primeiro dia de setembro de 1939 é geralmente consi-
de jovens cadetes pereceram nas escadarias e salões do pa- derado o início da guerra, com a invasão alemã da Polônia;
lácio, tentando defender seu líder que fugia. o Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha
A Duma foi dissolvida e o poder foi assumido por um nazista dois dias depois. Outras datas para o início da guerra
Conselho de Comissários do Povo, chefiado por Lenin. O incluem o início da Segunda Guerra Sino-Japonesa, em 7 de
novo governo convocou imediatamente uma Assembleia julho de 1937.
Constituinte. Outros seguem o historiador britânico A. J. P. Taylor, que
As eleições se realizaram em condições caóticas. Os bol- considerava que a Guerra Sino-Japonesa e a guerra na Eu-
cheviques dominavam Petrogrado, Moscou, Minsk e Kiev ropa e em suas colônias ocorreram de forma simultânea e
— ou seja, os grandes núcleos urbanos da Rússia Europeia. posteriormente se fundiram em 1941. Este verbete utiliza a
Mas seu poder estava longe de ser estável nas vastidões do data convencional. Outras datas por vezes utilizadas para o
agonizante Império Russo. Assim, as eleições deram maioria início da Segunda Guerra Mundial incluem a invasão italiana
aos partidos não-bolcheviques. da Abissínia em 3 de outubro de 1935. O historiador britâ-
A Assembleia Constituinte reuniu-se em Petrogrado em nico Antony Beevor vê o início da Segunda Guerra Mundial
janeiro de 1918 — por um único dia. Comprovada a hostili- nas batalhas de Khalkhin Gol, travadas entre o Império do
dade da maioria dos deputados ao Conselho de Comissários Japão e a União Soviética de maio a setembro de 1939.
do Povo, Lenin ordenou seu fechamento. Começava a dita- Também não existe consenso quanto à data exata do
dura comunista, com todos os seus desdobramentos: a paz fim da guerra. Tem sido sugerido que a guerra terminou no
com a Alemanha, a Guerra Civil entre Brancos e Vermelhos armistício de 14 de agosto de 1945 (Dia V-J), ao invés da
(1918-21), a socialização (freada temporariamente pela NEP rendição formal do Japão em 2 de setembro de 1945; alguns
— Nova Política Econômica), a luta pelo poder entre Trotsky apontam o fim da guerra no dia 8 de maio de 1945 (Dia V-E).
e Stalin e, enfim, a ditadura stalinista (1928-53), uma das No entanto, o tratado de paz com o Japão não foi assinado
mais sangrentas de todo o século XX. até 1951, enquanto que o acordo de paz com a Alemanha
não foi ratificado até 1990.
A 2ª Guerra Mundial
Assembleia da Liga das Nações em Genebra, Suíça, 1930
A Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar global
História Mundial

que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações A Primeira Guerra Mundial alterou radicalmente o mapa
do mundo — incluindo todas as grandes potências — orga- geopolítico da Europa, com a derrota dos Impérios Centrais
nizadas em duas alianças militares opostas: os Aliados e o (Áustria-Hungria, Alemanha e Império Otomano) e a tomada
Eixo. Foi a guerra mais abrangente da história, com mais de do poder pelos bolcheviques em 1917 na Rússia. Os aliados
100 milhões de militares mobilizados. Em estado de “guerra vitoriosos, como França, Bélgica, Itália, Grécia e Romênia
total”, os principais envolvidos dedicaram toda sua capacida- ganharam territórios, enquanto novos Estados foram criados
de econômica, industrial e científica a serviço dos esforços a partir do colapso da Áustria-Hungria e dos impérios russo
de guerra, deixando de lado a distinção entre recursos civis e e otomano. Apesar do movimento pacifista após o fim da

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guerra, as perdas causaram um nacionalismo irredentista ética, preocupada com os objetivos da Alemanha de ocupar
e revanchista em vários países europeus. O irredentismo e vastas áreas do leste da Europa, escreveu um tratado de as-
revanchismo eram fortes na Alemanha por causa das signi- sistência mútua com a França. Antes de tomar efeito, porém,
ficativas perdas territoriais, coloniais e financeiras incorridas o pacto franco-soviético foi obrigado a passar pela burocracia
pelo Tratado de Versalhes. Pelo tratado, a Alemanha perdeu da Liga das Nações, que o tornou essencialmente sem poder.
cerca de 13% do seu território e todas as suas colônias ul- No entanto, em junho de 1935, o Reino Unido fez um acor-
tramarinas, foi proibida de anexar outros Estados, teve que do naval independente com a Alemanha, flexibilizando as
pagar indenizações e sofreu limitações quanto ao tamanho restrições anteriores. Os Estados Unidos, preocupados com
e a capacidade das suas forças armadas. Enquanto isso, a os acontecimentos na Europa e na Ásia, aprovaram a Lei de
Guerra Civil Russa levava à criação da União Soviética. Neutralidade em agosto. Em outubro, a Itália invadiu a Etiópia
O Império Alemão foi dissolvido durante a Revolução e a Alemanha foi o único grande país europeu que apoiou
Alemã de 1918-1919 e um governo democrático, mais tarde essa invasão. O governo italiano posteriormente abando-
conhecido como República de Weimar, foi criado. O período nou as suas objeções com relação às metas da Alemanha
entre guerras foi marcado pelo conflito entre os partidários de dominar a Áustria.
da nova república e de opositores radicais, tanto de direita Hitler desafiou os tratados de Versalhes e de Locarno com
quanto de esquerda. Embora a Itália como aliado Entente a remilitarização da Renânia, em março de 1936. Ele recebeu
tenha feito alguns ganhos territoriais, os nacionalistas do país pouca resposta de outras potências europeias. Quando a
ficaram irritados com as promessas feitas pelo Reino Unido Guerra Civil Espanhola começou em julho, Hitler e Mussolini
e França para garantir a entrada italiana na guerra, que não apoiaram as forças nacionalistas fascistas e autoritárias em
foram cumpridas com o acordo de paz. De 1922 a 1925, o guerra civil contra a República Espanhola, esta última era
movimento fascista, liderado por Benito Mussolini, tomou o apoiada pela União Soviética. Os dois lados usaram o conflito
poder na Itália com uma agenda nacionalista, totalitária e de para testar novas armas e métodos de guerra, tendo os na-
colaboração de classes, que aboliu a democracia representa- cionalistas como vencedores no início de 1939. Em outubro
tiva, reprimiu os socialistas, a esquerda e as forças liberais, de 1936, Alemanha e Itália formaram o Eixo Roma-Berlim.
e seguiu uma política externa agressiva destinada a forjar, Um mês depois, a Alemanha e o Japão assinaram o Pacto
através da força, o país como uma potência mundial — um Anticomintern, com a adesão da Itália no ano seguinte. Na
“Novo Império Romano”. China, após o incidente de Xi’an o Kuomintang e as forças
Adolf Hitler, depois de uma tentativa fracassada de derru- comunistas concordaram com um cessar-fogo, com o obje-
bar o governo alemão em 1923, tornou-se o chanceler da Ale- tivo de apresentar uma frente unida para se opor à invasão
manha em 1933. Ele aboliu a democracia, defendendo uma japonesa.
revisão radical e racista da ordem mundial, e logo começou
uma campanha de rearmamento massivo do país. Enquanto Eventos Pré-Guerra
isso, a França, para assegurar a sua aliança, permitiu que a
Itália agisse livremente na Etiópia, país que o governo italiano Invasão italiana da Etiópia (1935)
desejava como uma posse colonial. A situação se agravou A Segunda Guerra Ítalo-Etíope foi uma breve guerra co-
no início de 1935, quando o Território da Bacia do Sarre foi lonial, que começou em outubro de 1935 e terminou em
legalmente anexado à Alemanha e Hitler repudiou o Tratado maio de 1936. A guerra foi travada entre as forças armadas
de Versalhes, acelerando seu programa de rearmamento e do Reino da Itália (Regno d’Italia) e as forças armadas do
recrutamento. Na Alemanha, o partido nazista, liderado por Império Etíope (também conhecido como Abissínia). A guerra
Adolf Hitler, procurou estabelecer um Estado nazista no país. resultou na ocupação militar da Etiópia e na sua anexação à
Com o início da Grande Depressão, o apoio doméstico aos recém-criada colônia da África Oriental Italiana (África Orien-
nazistas fortaleceu-se e, em 1933, Hitler foi nomeado chan- tale Italiana ou AOI); além disso, expôs a fraqueza da Liga das
celer da Alemanha. Após o incêndio no Palácio do Reichstag, Nações como uma força de manutenção da paz. Tanto a Itália
Hitler conseguiu criar um governo unipartidário e totalitário quanto a Etiópia eram países membros da organização, mas
liderado pelos nazistas. a Liga não fez nada quando a guerra claramente violou o seu
Na China, o partido Kuomintang (KMT) lançou uma cam- Décimo Artigo da Convenção.
panha de unificação contra os líderes militares regionais (os
chamados senhores da guerra da China) e o país unificou-se Guerra Civil Espanhola (1936–1939)
em meados de 1920, mas logo viu-se envolvido em uma guer- A Alemanha e a Itália deram apoio à insurreição nacio-
ra civil contra seus antigos aliados comunistas. Em 1931, o nalista liderada pelo general Francisco Franco na Espanha.
cada vez mais militarista Império Japonês, começou a buscar A União Soviética apoiou o governo existente, a República
influência na China como sendo o primeiro passo visto pelo Espanhola, que apresentava tendências esquerdistas. Ambos
governo para obter o direito do país em governar a Ásia como os lados usaram a guerra como uma oportunidade para testar
afirmava o slogan político Hakkō ichiu (“todos sobre o mesmo armas e táticas melhores. O bombardeio de Guernica, uma
teto”). Os japoneses usaram o incidente de Mukden como cidade que tinha entre 5 000 e 7 000 habitantes, foi consi-
pretexto para lançar uma invasão da Manchúria e estabelecer derado um ataque terrível, na época, e usado como uma
o Estado fantoche de Manchukuo. propaganda amplamente difundida no Ocidente, levando a
Muito fraca para resistir ao Japão, a China apelou à Liga acusações de “atentado terrorista” e de que 1 654 pessoas
das Nações por ajuda. O Japão retirou-se desta organização tinham morrido no bombardeio. Na realidade, o ataque foi
História Mundial

internacional após ser condenado por sua incursão na Man- uma operação tática contra uma cidade com importantes
chúria. As duas nações passaram a enfrentar-se em várias comunicações militares próximas à linha de frente e as es-
batalhas, em Xangai, Rehe e Hebei, até a Trégua de Tanggu ser timativas modernas não rendem mais de 300-400 mortos
assinada em 1933. Depois disso, forças voluntárias chinesas no fim do ataque.
continuaram a resistência à agressão japonesa na Manchúria,
Chahar e Suiyuan. Invasão japonesa da China (1937)
Na esperança de conter a Alemanha, o Reino Unido, a Em julho de 1937, o Japão ocupou Pequim, a antiga capi-
França e a Itália formaram a Frente de Stresa. A União Sovi- tal imperial chinesa, depois de instigar o incidente da Ponte

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Marco Polo, que culminou com a campanha japonesa para deram direitos uns aos outros, “no caso de um rearranjo
invadir toda a China. Os soviéticos rapidamente assinaram territorial e político”, “esferas de influência” (oeste da Polônia
um pacto de não agressão com a China para emprestar ma- e da Lituânia para a Alemanha e leste da Polônia, Finlân-
terial de suporte, acabando com cooperação prévia da China dia, Estônia, Letônia e Bessarábia para a URSS). O tratado
com a Alemanha. O Generalíssimo Chiang Kai-shek usou o também levantou a questão de a Polônia continuar a ser
seu melhor exército para defender Xangai, mas depois de três independente.
meses de luta, a cidade caiu. Os japoneses continuaram a
empurrar as forças chinesas para trás, capturando a capital, A Guerra
Nanquim, em dezembro de 1937 e cometendo o chamado
“Massacre de Nanquim”. Em 1 de setembro de 1939, Alemanha e Eslováquia
Em junho de 1938, as forças chinesas paralisaram o avan- (que na época era um Estado fantoche alemão) atacaram a
ço japonês através da criação de enchentes no rio Amarelo; Polônia. Em 3 de setembro, França e Reino Unido, seguido
esta manobra comprou tempo para os chineses prepararem totalmente por todos os seus domínios independentes da
as suas defesas em Wuhan, mas a cidade foi tomada em Comunidade Britânica — Austrália, Canadá, Nova Zelândia e
outubro. As vitórias militares japonesas não provocaram o África do Sul — declararam guerra à Alemanha, mas prove-
colapso da resistência chinesa que o Japão tinha a esperança ram pouco apoio à Polônia, exceto por um pequeno ataque
de alcançar, em vez disso o governo chinês se mudou do francês no Sarre. Reino Unido e França também iniciaram
interior para Chongqing e continuou a guerra. um bloqueio naval à Alemanha em 3 de setembro, que tinha
como objetivo danificar a economia do país e seu esforço
Invasão japonesa da União Soviética e Mongólia (1938) de guerra.
Em 29 de julho de 1938, os japoneses invadiram a União Em 17 de setembro, após a assinatura do Pacto nipô-
Soviética e foram combatidos na Batalha do Lago Khasan. nico-soviético, os soviéticos também invadiram a Polônia.
Apesar da vitória soviética, os japoneses consideraram-na O território polonês foi então dividido entre a Alemanha
um empate inconclusivo e em 11 de maio de 1939 decidi- e a União Soviética, além da Lituânia e da Eslováquia tam-
ram mudar a fronteira japonesa mongol até o rio Khalkhin bém terem recebido pequenas partes. Os poloneses não se
Gol pela força. Após sucessos iniciais do ataque japonês à renderam, estabeleceram o Estado Secreto Polaco e uma
Mongólia, o Exército Vermelho infligiu a primeira derrota sede subterrânea para o seu exército, além de continuarem
importante do Exército de Guangdong. a lutar junto com os Aliados em todas as frentes de batalha
Estes confrontos convenceram algumas partes do go- fora de seu país.
verno japonês de que eles deveriam se concentrar em se Cerca de 100 000 militares poloneses foram evacuados
conciliar com o governo soviético para evitar interferências para a Romênia e países bálticos, muitos destes soldados
na guerra contra a China e, ao invés de voltarem sua atenção lutaram mais tarde contra os alemães em outras frentes da
militar para o sul, mudarem seu foco para os territórios dos guerra. Decifradores poloneses de enigmas também foram
Estados Unidos e da Europa no Pacífico, e também impediram evacuados para a França. Durante este tempo, o Japão lançou
a demissão de experientes líderes militares soviéticos, como o seu primeiro ataque contra Changsha, uma cidade chine-
Georgy Zhukov, que mais tarde iria desempenhar um papel sa importante e estratégica, mas as forças japonesas foram
vital na defesa de Moscou. repelidas no final de setembro.
Após a invasão da Polônia e de um tratado germano-
-soviético sobre controle da Lituânia, a União Soviética forçou
Ocupações e acordos na Europa
os países bálticos a permitir a permanência de tropas soviéti-
cas nos seus territórios sob pactos de “assistência mútua”. A
Na Europa, a Alemanha e a Itália foram se tornando mais
Finlândia rejeitou as demandas territoriais e foi invadida pela
ousadas. Em março de 1938, a Alemanha anexou a Áustria,
União Soviética em novembro de 1939. O conflito resultante
novamente provocando poucas reações de outras potên-
terminou em março de 1940 com concessões finlandesas.
cias europeias. Incentivado, Hitler começou pressionando França e Reino Unido, ao considerarem o ataque soviético
reivindicações alemãs na região dos Sudetos, uma área da sobre a Finlândia como o equivalente a entrar na guerra no
Checoslováquia com uma população predominantemente lado dos alemães, reagiram à invasão soviética, apoiando a
de etnia alemã e logo a França e o Reino Unido concederam expulsão da URSS da Liga das Nações.
este território para a Alemanha no Acordo de Munique, que Na Europa Ocidental, as tropas britânicas chegaram ao
foi feito contra a vontade do governo da Checoslováquia, em continente, mas em uma fase apelidada de “Phoney War”
troca de uma promessa de fim de mais exigências territoriais (Guerra de Mentira) pelos britânicos e de “Sitzkrieg” (Guerra
por parte dos alemães. Sentada) pelos alemães, nenhum dos lados lançou grandes
Logo depois, no entanto, a Alemanha e a Itália forçaram operações contra o outro, até abril de 1940. A União Sovi-
a Checoslováquia a ceder territórios adicionais à Hungria e ética e a Alemanha entraram em um acordo comercial em
Polônia. Em março de 1939, a Alemanha invadiu o restante da fevereiro de 1940, nos termos do qual os soviéticos rece-
Checoslováquia e, posteriormente, dividiu-a no Protetorado beram equipamento militar e industrial alemão, em troca
de Boêmia e Morávia e em um Estado fantoche pró-alemão, de fornecimento de matérias-primas para a Alemanha para
a República Eslovaca. ajudar a contornar o bloqueio aliado.
Espantados e com Hitler a fazer exigências adicionais Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e a
sobre Danzig (Crise de Danzig), França e Reino Unido garan- Noruega para garantir embarques de minério de ferro da Su-
História Mundial

tiram seu apoio à independência polonesa; quando a Itália écia, que os Aliados estavam prestes a romper. A Dinamarca
conquistou a Albânia em abril de 1939, a mesma garantia foi imediatamente rendeu-se e apesar do apoio dos Aliados, a
estendida à Romênia e Grécia. Logo após a promessa franco- Noruega foi conquistada dentro de dois meses. Em maio de
-britânica para a Polônia, Alemanha e Itália formalizaram a 1940, o Reino Unido invadiu a Islândia para antecipar uma
sua própria aliança, o Pacto de Aço. possível invasão alemã da ilha. O descontentamento britâ-
Em agosto de 1939, a Alemanha e a União Soviética as- nico sobre a Campanha da Noruega levou à substituição do
sinaram o Pacto Molotov-Ribbentrop, um tratado de não primeiro-ministro Neville Chamberlain por Winston Churchill,
agressão com um protocolo secreto. As partes do acordo em 10 de maio de 1940.

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Avanços do Eixo (1940) criava uma zona de segurança que abrangia cerca de metade
do Oceano Atlântico, onde a Marinha Americana protegia
A Alemanha invadiu a França, Bélgica, Países Baixos e os comboios britânicos. Como resultado, a Alemanha e os
Luxemburgo em 10 de maio de 1940. Os Países Baixos e a Estados Unidos viram-se envolvidos em uma sustentada
Bélgica foram invadidos através de táticas de blitzkrieg em guerra naval no Atlântico Norte e Central em outubro de
poucos dias e semanas, respectivamente. A linha fortificada 1941, apesar de os Estados Unidos terem se mantido ofi-
francesa conhecida como Linha Maginot e as forças aliadas cialmente neutros.
na Bélgica foram contornadas por um movimento de flanco O Eixo expandiu-se em novembro de 1940, quando a
através da região densamente arborizada das Ardenas, con- Hungria, a Eslováquia e a Romênia aderiram ao Pacto Tripar-
siderada erroneamente pelos planejadores franceses como tite. A Romênia faria uma grande contribuição para a guerra
uma barreira natural impenetrável contra veículos blindados. do Eixo contra a URSS, parcialmente ao recapturar o território
As tropas britânicas foram forçadas a evacuar do conti- cedido à URSS e em parte para prosseguir com o desejo de
nente em Dunquerque, abandonando o seu equipamento seu líder, Ion Antonescu, de combater o comunismo. Em
pesado no início de junho. Em 10 de junho, a Itália invadiu outubro de 1940, a Itália invadiu a Grécia, mas em poucos
a França, declarando guerra ao governo francês e ao Reino dias foi repelida e foi forçada de volta para a Albânia, onde
Unido; 12 dias depois, os franceses se renderam e o território um impasse logo ocorreu. Em dezembro de 1940, as forças
de seu país foi logo dividido em zonas de ocupação alemãs e britânicas da Commonwealth começaram contraofensivas
italianas, além da criação de um Estado fantoche colabora- contra as forças italianas no Egito e na África Oriental Italiana.
cionista alemão desocupado chamado França de Vichy. Em No início de 1941, depois que as forças italianas terem sido
3 de julho, os britânicos atacaram a frota francesa na Argélia afastadas de volta para a Líbia pela Commonwealth, Churchill
para evitar a sua eventual tomada pela Alemanha. ordenou uma expedição de tropas na África para reforçar os
Em junho, durante os últimos dias da Batalha da França, a gregos. A Marinha Italiana também sofreu derrotas signifi-
União Soviética anexa à força Estônia, Letônia e Lituânia e, em cativas, quando a Marinha Real colocou três de seus navios
seguida, conquista a disputada região romena da Bessarábia. de guerra fora de ação depois de um ataque em Tarento e
Enquanto isso, a aproximação política e a cooperação econô- quando vários outros de seus navios de guerra foram neu-
mica nazi-soviética gradualmente se paralisam e ambos os tralizados na Batalha do Cabo Matapão.
Estados começam os preparativos para a guerra. Os alemães logo intervieram para ajudar a Itália. Hitler
Com a França neutralizada, a Alemanha começou uma enviou forças alemãs para a Líbia em fevereiro e até o final de
campanha de supremacia aérea sobre o Reino Unido (a Ba- março eles lançaram uma ofensiva contra as enfraquecidas
talha da Grã-Bretanha) para se preparar para uma invasão. forças da Commonwealth. Em menos de um mês, as forças da
A campanha fracassou e os planos de invasão foram can- Commonwealth foram empurradas de volta para o Egito com
celados até setembro. Usando os portos franceses recém- exceção do sitiado porto de Tobruk. A Comunidade Britânica
-capturados, a Kriegsmarine (marinha alemã) obteve sucesso tentou desalojar as forças do Eixo em maio e novamente em
contra a melhor preparada Marinha Real, usando U-Boots junho, mas falhou em ambas as ocasiões. No início de abril,
contra os navios britânicos no Atlântico. A Itália começou após a assinatura da Bulgária do Pacto Tripartite, os alemães
a operar no Mediterrâneo, com o início do cerco de Malta fizeram uma intervenção nos Balcãs ao invadir a Grécia e
em junho, a conquista da Somalilândia Britânica em agosto a Iugoslávia na sequência de um golpe; nesse episódio os
e em uma incursão no Egito, que então era administrado alemães também fizeram um rápido progresso e acabaram
pelos britânicos, em setembro de 1940. O Japão aumentou forçando os Aliados a evacuar depois que a Alemanha con-
o bloqueio contra a China em setembro, ao capturar várias quistou a ilha grega de Creta, no final de maio.
bases no norte da agora isolada Indochina Francesa. Os Aliados tiveram alguns sucessos durante este tempo.
A Catedral de São Paulo, em Londres, parcialmente des- No Oriente Médio, as forças da Commonwealth primeiro anu-
truída após bombardeios alemães sobre a capital britânica. laram um golpe de Estado no Iraque, que tinha sido apoiado
A Batalha da Grã-Bretanha terminou com o avanço alemão por aviões alemães a partir de bases dentro da Síria controla-
na Europa Ocidental. da pela França de Vichy, então, com a ajuda da França Livre,
Durante todo esse período, o neutro Estados Unidos to- invadiram a Síria e o Líbano para evitar mais ocorrências.
mou medidas para ajudar a China e os Aliados Ocidentais. Em No Atlântico, os britânicos conquistaram um impulso moral
novembro de 1939, a Lei de Neutralidade norte-americana foi público muito necessário ao afundar o emblemático cou-
alterada para permitir compras do chamado “cash and carry” raçado alemão Bismarck. Talvez ainda mais importante foi
(dinheiro e transporte) por parte dos Aliados. Em 1940, após a bem-sucedida resistência da Força Aérea Real, durante a
a captura alemã de Paris, o tamanho da Marinha Americana Batalha da Grã-Bretanha, aos ataques da Luftwaffe alemã,
aumentou significativamente e, depois da incursão japonesa sendo que a campanha de bombardeio alemã em grande
na Indochina, o país embargou ferro, aço e peças mecânicas parte acabou em maio de 1941.
contra o Japão. Em setembro, os Estados Unidos concorda- Na Ásia, apesar de várias ofensivas de ambos os lados, a
ram ainda em comerciar destroieres estadunidenses para guerra entre a China e o Japão foi paralisada em 1940. Com
bases britânicas. Ainda assim, a grande maioria do público o objetivo de aumentar a pressão sobre a China ao bloquear
norte-americano continuou a se opor a qualquer intervenção rotas de abastecimento e para as forças japonesas terem
militar direta no conflito em 1941. uma melhor posição em caso de uma guerra com as potên-
No final de setembro de 1940, o Pacto Tripartite unia o cias ocidentais, o Japão tomou o controle militar do sul da
História Mundial

Império do Japão, a Itália fascista e a Alemanha nazista para Indochina. Em agosto daquele ano, os comunistas chineses
formalizar as Potências do Eixo. Esse pacto estipulou que lançaram uma ofensiva na China Central; em retaliação, o
qualquer país, com exceção da União Soviética, que atacasse Japão instituiu medidas duras (a Política dos Três Tudos) em
qualquer uma das Potências do Eixo seria forçado a ir para áreas ocupadas para reduzir os recursos humanos e mate-
a guerra contra os três em conjunto. Durante este período, riais dos comunistas. A contínua antipatia entre as forças
os Estados Unidos continuaram a apoiar o Reino Unido e a comunistas e nacionalistas chinesas culminaram em confron-
China, introduzindo a política de Lend-Lease que autoriza- tos armados em janeiro de 1941, efetivamente terminando
va o fornecimento de material e outros itens aos Aliados e com a cooperação entre os dois grupos.

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Com a situação na Europa e na Ásia relativamente estável, No início de dezembro, as reservas recém-mobilizadas
a Alemanha, o Japão e a União Soviética fizeram preparativos. permitiram aos soviéticos atingir a equivalência numérica
Com os soviéticos desconfiados das crescentes tensões com com as tropas do Eixo. Isto, assim como dados de inteligên-
a Alemanha e o planejamento japonês para tirar proveito cia que estabeleceram um número mínimo de tropas sovi-
da guerra na Europa, aproveitando as possessões europeias éticas no Oriente suficiente para impedir qualquer ataque
ricas em recursos no sudeste da Ásia, as duas potências assi- pelo Exército de Guangdong japonês, permitiu aos soviéticos
naram o pacto de neutralidade nipônico-soviético, em abril começar uma grande contraofensiva que teve seu início em
de 1941. Em contraste, os alemães estavam constantemente 5 de dezembro em 1 000 quilômetros da Frente Oriental e
fazendo preparativos para um ataque à URSS, com as suas que empurrou as tropas alemãs de 100 a 250 quilômetros
forças se acumulando na fronteira soviética. para o oeste.
O sucesso alemão na Europa incentivou o Japão a au-
A Guerra se Torna Global (1941) mentar a pressão sobre os governos europeus no sudeste
asiático. O governo holandês concordou em fornecer supri-
Alianças durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) mentos de petróleo ao Japão a partir das Índias Orientais
Em 22 de junho de 1941, a Alemanha, juntamente com Holandesas, recusando-se a entregar o controle político das
outros membros europeus do Eixo e a Finlândia, invadiu a suas colônias. A França de Vichy, por outro lado, concor-
União Soviética na chamada Operação Barbarossa. Os princi- dou com a ocupação japonesa da Indochina Francesa. Em
pais alvos dessa ofensiva surpresa foram a região do Mar Bál- julho de 1941, os Estados Unidos, o Reino Unido e outros
tico, Moscou e Ucrânia, com o objetivo final de acabar com a governos ocidentais reagiram à invasão da Indochina com
campanha de 1941 perto da linha de Arkhangelsk-Astrakhan um congelamento de bens japoneses, enquanto os Estados
(linha A-A), que ligava os mares Cáspio e Branco. O objetivo Unidos (que forneciam 80% do petróleo do Japão) respondeu
de Hitler era eliminar a União Soviética como uma potência aplicando um embargo de petróleo completo ao país. Isso
militar, exterminar o comunismo, gerar o Lebensraum (“espa- significava que o Japão foi forçado a escolher entre abando-
ço vital”) através da remoção da população nativa e garantir nar as suas ambições na Ásia e o prosseguimento da guerra
o acesso aos recursos estratégicos necessários para derrotar contra a China ou perder os recursos naturais que precisava;
os rivais restantes da Alemanha. os militares japoneses não consideravam a primeira opção e
Embora o Exército Vermelho estivesse se preparando muitos oficiais consideraram o embargo do petróleo como
para contraofensivas estratégicas antes da guerra, a Barba- uma declaração tácita de guerra.
rossa forçou o comando supremo soviético a adotar uma O Império Japonês planejava aproveitar rapidamente as
defesa estratégica. Durante o verão, o Eixo conquistou partes colônias europeias na Ásia para criar um perímetro defensi-
significativas do território soviético, causando imensos preju- vo por todo o Pacífico Central; os japoneses, então, seriam
ízos, tanto material quanto em vidas. Em meados de agosto, livres para explorar os recursos do Sudeste Asiático, enquanto
no entanto, o Alto Comando do Exército alemão decidiu sus- esgotariam os já sobrecarregados Aliados lutando uma guer-
pender a ofensiva de um já consideravelmente empobrecido ra defensiva. Para evitar uma intervenção americana nesse
Grupo de Exércitos Centro e desviar o 2.º Exército Panzer perímetro de segurança, foi planejada a neutralização da
para reforçar as tropas que avançavam em direção à região Frota do Pacífico dos Estados Unidos. Em 7 de dezembro (8
central da Ucrânia e à Leningrado. A ofensiva de Kiev teve de dezembro nos fusos horários asiáticos) de 1941, o Império
um sucesso esmagador, resultando no cerco e na elimina- do Japão atacou os domínios britânicos e norte-americanos
ção de quatro exércitos soviéticos, além de tornar possível o com ofensivas quase simultâneas contra o sudeste da Ásia e
avanço na Crimeia e no industrialmente desenvolvido leste o Pacífico Central. Estas incluíram um ataque contra a frota
da Ucrânia (Primeira Batalha de Carcóvia). americana em Pearl Harbor, os desembarques na Tailândia
O desvio de três quartos das tropas do Eixo e da maioria e Malásia e a batalha de Hong Kong.
das suas forças aéreas da França e do Mediterrâneo central
para a Frente Oriental levou o Reino Unido a reconsiderar O encouraçado USS West Virginia (BB-48) em chamas
a sua grande estratégia. Em julho, o Reino Unido e a União após ser atingido por um bombardeio japonês durante o
Soviética formaram uma aliança militar contra a Alemanha. Ataque a Pearl Harbor.
Os britânicos e os soviéticos invadiram o Irã para garantir o Estes ataques levaram os Estados Unidos, o Reino Unido,
Corredor Persa e os campos de petróleo iranianos. Em agosto, a China, a Austrália e vários outros países a emitir uma de-
o Reino Unido e os Estados Unidos emitiram em conjunto a claração de guerra formal contra o Japão. Enquanto a União
Carta do Atlântico. Soviética, que estava fortemente envolvida com as grandes
hostilidades dos países europeus do Eixo, preferiu manter
Khreshchatyk, a principal rua de Kiev, após os bombar- um acordo de neutralidade com os japoneses. A Alemanha e
deios alemães em 1941 as outras Potências do Eixo responderam ao declarar guerra
Em outubro, quando os objetivos operacionais do Eixo aos Estados Unidos. Em janeiro, Quatro Grandes (Estados
na Ucrânia e na região do Báltico foram alcançados, sendo Unidos, Reino Unido, União Soviética, China) e outros 22
que apenas os cercos de Leningrado e Sebastopol ainda con- governos menores ou exilados emitiram a Declaração das
tinuavam, uma grande ofensiva contra Moscou havia sido Nações Unidas, ratificando assim a Carta do Atlântico e tendo
renovada. Após dois meses de intensos combates, o exército a obrigação de não assinar a paz em separado com qualquer
alemão quase atingiu os subúrbios da capital soviética, onde uma das Potências do Eixo. Em 1941, Stalin pediu persisten-
História Mundial

as tropas esgotadas foram forçadas a suspender sua ofensiva. temente a Churchill e Roosevelt para abrir uma “segunda
Grandes ganhos territoriais foram conquistados pelas forças frente” de batalha na França. A Frente Oriental tornou-se o
do Eixo, mas sua campanha não tinha atingido os seus ob- grande teatro da guerra na Europa e os muitos milhões de
jetivos principais: duas cidades importantes permaneceram vítimas soviéticas minimizaram as poucas centenas de mi-
nas mãos da URSS, a capacidade de resistência dos soviéticos lhares de mortes de Aliados ocidentais; Churchill e Roosevelt
não foi eliminada e a União Soviética manteve uma parte disseram que precisavam de mais tempo de preparação, o
considerável do seu potencial militar. A fase blitzkrieg da que levou a reclamações de que eles paralisaram-se para
guerra na Europa havia terminado. salvar vidas ocidentais às custas de vidas soviéticas.

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Enquanto isso, até o final de abril de 1942, o Japão e Arakan no final de 1942, foi desastrosa, forçando um recuo
seu aliado, a Tailândia, quase conquistaram totalmente Bir- de volta à Índia em maio de 1943. A segunda foi a inserção
mânia, Malásia, Índias Orientais Holandesas, Singapura e de forças irregulares por trás das linhas japonesas em feve-
Rabaul, causando fortes perdas para as tropas dos Aliados reiro, o que, até o final de abril, tinha conseguido resultados
e conquistando um grande número de prisioneiros. Apesar ainda duvidosos.
da resistência persistente em Corregidor, as Filipinas foram
capturadas em maio de 1942, forçando o governo da Com- Soldados soviéticos atacam uma casa durante a Batalha
monwealth das Filipinas ao exílio. As forças japonesas tam- de Stalingrado, em 1943
bém alcançaram vitórias navais no Mar da China Meridional, Na Frente Oriental da Alemanha, o Eixo derrotou ofensi-
Mar de Java e no Oceano Índico, além de bombardearem a vas soviéticas na Península Kerch e em Kharkov, e, em segui-
base naval aliada de Darwin, na Austrália. O único sucesso da, lançou sua ofensiva principal contra o sul da Rússia em
real dos Aliados contra o Japão foi uma vitória chinesa em junho de 1942, para aproveitar os campos de petróleo do
Changsha, no início de janeiro de 1942. Estas vitórias fáceis Cáucaso e ocupar as estepes de Kuban, mantendo posições
sobre adversários despreparados deixaram o Japão confian- sobre as áreas norte e central da Frente. Os alemães dividi-
te, além de sobrecarregado. ram o Grupo de Exércitos Sul em dois: o Grupo de Exércitos
A Alemanha também manteve a iniciativa. Explorando A na parte inferior do rio Don e o Grupo de Exércitos B no
as duvidosas decisões do comando naval americano, a Ma- sudeste do Cáucaso, no rio Volga. Os soviéticos decidiram
rinha Alemã devastou navios dos Aliados ao longo da costa fazer sua plataforma de combate em Stalingrado, que estava
americana do Atlântico. Apesar de perdas consideráveis, os no caminho dos exércitos alemães que avançavam.
membros europeus do Eixo pararam a grande ofensiva contra Em meados de novembro, os alemães tinham quase con-
os soviéticos na Europa Central e no sul da Rússia, manten- quistado Stalingrado em severos combates de rua quando os
do os ganhos territoriais que haviam alcançados durante o soviéticos começaram a segunda contraofensiva de inverno,
ano anterior. No norte da África, os alemães lançaram uma com o início de um cerco às forças nazistas na cidade e um
ofensiva em janeiro, empurrando os britânicos de volta às assalto à saliente Rzhev, perto de Moscou, embora este últi-
posições na Linha de Gazala no início de fevereiro, o que foi mo tenha falhado desastrosamente. No início de fevereiro de
seguido por uma calmaria temporária nos combates que a 1943, o exército alemão tinha sofrido fortes perdas; as tropas
Alemanha usou para preparar as suas próximas ofensivas alemãs em Stalingrado tinham sido forçadas a se render e
militares. a linha de frente foi empurrada para trás, além da sua posi-
ção de antes da ofensiva de verão. Em meados de fevereiro,
Paralisação dos Avanços do Eixo (1942) após o impulso soviético diminuir, os alemães lançaram outro
ataque em Carcóvia, com a criação de uma saliente em sua
No início de maio de 1942, o Japão iniciou as operações linha de frente em volta da cidade russa de Kursk.
para capturar Port Moresby através de desembarques mi- Em novembro de 1941, as forças da Commonwealth lan-
litares e, assim, cortar as comunicações e linhas de abaste- çaram uma contraofensiva, a Operação Crusader, no norte da
cimento entre os Estados Unidos e a Austrália. Os Aliados, África, e recuperaram todos os ganhos que os alemães e os
no entanto, impediram a invasão ao interceptar e derrotar italianos tinham feito na região. No Ocidente, preocupações
as forças navais japonesas na Batalha do Mar de Coral. O com respeito ao governo japonês usar as bases da França
próximo plano do Japão, motivado pelo Ataque Doolittle, de Vichy em Madagascar resultaram na invasão britânica da
era conquistar o Atol Midway e atrair companhias norte- ilha no início de maio de 1942. Esta bem-sucedida invasão foi
-americanas para a batalha para serem eliminadas; como logo compensada por uma ofensiva do Eixo na Líbia que levou
uma distração, o governo japonês também enviou forças os Aliados a recuar para o Egito, até que as forças do Eixo
para ocupar as Ilhas Aleutas, no Alasca. No início de junho, foram paradas em El Alamein. No continente, as incursões
o Império Japonês colocou suas operações em ação, mas de comandos aliados a alvos estratégicos, culminando com a
os norte-americanos, por terem decifrado os códigos navais desastrosa Batalha de Dieppe, demonstraram incapacidade
japoneses no final de maio, estavam plenamente conscientes dos Aliados ocidentais em lançar uma invasão da Europa
desses planos e disposições de força e usaram esse conheci- continental sem uma melhor preparação, equipamentos e
mento para alcançar uma vitória decisiva em Midway sobre segurança operacional.
a Marinha Imperial Japonesa. Em agosto de 1942, os Aliados conseguiram repelir um
Com a sua capacidade de ação agressiva consideravel- segundo ataque contra El Alamein e, a um alto custo, conse-
mente diminuída após a Batalha de Midway, o Japão optou guiu entregar suprimentos desesperadamente necessários
por se concentrar em uma tentativa tardia de capturar Port à Malta sitiada. Poucos meses depois, os Aliados iniciaram
Moresby por uma campanha terrestre no Território de Pa- um ataque próprio no Egito, desalojando as forças do Eixo e
pua. Os americanos planejaram um contra-ataque contra as o início de uma unidade à oeste de toda a Líbia. Este ataque
posições japonesas no sul das Ilhas Salomão, principalmente foi seguido pouco depois por uma invasão anglo-americana
em Guadalcanal, como um primeiro passo para a captura do Norte da África Francês, o que resultou na captura da
de Rabaul, a principal base japonesa no Sudeste Asiático. região pelos aliados. Hitler respondeu com a deserção da
Ambos os planos começaram em julho, mas em meados colônia francesa, ordenando a ocupação da França de Vichy,
de setembro, a Batalha de Guadalcanal teve prioridade para embora as forças de Vichy não terem resistido a esta violação
os japoneses e as tropas da Nova Guiné foram obrigadas a do armistício, elas conseguiram afundar sua frota para evitar
História Mundial

retirar-se da área de Port Moresby para a parte norte da ilha, a sua captura pelas forças alemãs. As agora poucas forças do
onde enfrentaram tropas australianas em norte-americanas Eixo na África recuaram para a Tunísia, que foi conquistada
na Batalha de Buna-Gona. Guadalcanal logo tornou-se um pelos Aliados em maio de 1943.
ponto focal para ambos os lados, com o comparecimento
pesado de​​ tropas e navios nessa batalha. Até o início de 1943, Aliados Ganham Impulso (1943)
os japoneses iriam ser derrotados na ilha e retirariam suas
tropas. Na Birmânia, as forças da Commonwealth monta- Após a Campanha de Guadalcanal, os Aliados iniciaram
vam duas operações. A primeira, uma ofensiva na região de várias operações contra o Japão no Pacífico. Em maio de

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1943, forças aliadas foram enviadas para eliminar as forças alemão auxiliado por estonianos que tinham a esperança de
japonesas nas Aleutas. Logo depois começaram as suas ope- restabelecer a independência nacional. Este atraso diminuiu
rações principais para isolar Rabaul, através da captura de as subsequentes operações soviéticas na região do Mar Bál-
ilhas vizinhas e para quebrar o perímetro Central Japonês tico. No final de maio de 1944, os soviéticos tinham libertado
do Pacífico nas ilhas Gilbert e Marshall. Até o final de março a Crimeia, expulsado a maior parte das forças do Eixo da
de 1944, os Aliados tinham concluído ambos os objetivos, e, Ucrânia e feito incursões na Romênia, que foram repelidas
adicionalmente, neutralizaram a principal base japonesa em pelas tropas do Eixo As ofensivas Aliadas na Itália tinha tido
Truk, nas Ilhas Carolinas. Em abril, as forças aliadas lançaram sucesso e, às custas de permitir o recuo de várias divisões
uma operação para retomar a Nova Guiné Ocidental. alemãs, em 4 de junho Roma foi capturada.
Na União Soviética, tanto os alemães quanto os soviéticos Os Aliados experimentaram sortes diferentes na Ásia
passaram a primavera e o início do verão de 1943 fazendo continental. Em março de 1944, os japoneses lançaram a
preparativos para grandes ofensivas na Rússia central. Em primeira de duas invasões: uma operação contra as posições
4 de julho de 1943, a Alemanha atacou as forças soviéticas britânicas em Assam, na Índia, e logo cercaram as posições
ao redor de Kursk. Dentro de uma semana, as forças alemãs da Commonwealth em Imphal e Kohima. Em maio de 1944,
tinham se esgotado na luta contra as defesas profundamente as forças britânicas montaram uma contraofensiva que le-
escalonadas e bem construídas dos soviéticos e, pela pri- vou as tropas japonesas de volta para a Birmânia e as forças
meira vez na guerra, Hitler cancelou a operação antes de ter chinesas que invadiram o norte da Birmânia no final de 1943
alcançado o sucesso tático ou operacional. Esta decisão foi sitiaram as tropas japonesas em Myitkyina. A segunda inva-
parcialmente afetada pela invasão dos aliados ocidentais à são japonesa tentou destruir as principais forças de combate
Sicília, lançada em 9 de julho e que, combinada com falhas da China, proteger as ferrovias entre os territórios ocupados
anteriores dos italianos, resultou na destituição e na prisão e os aeroportos Aliados capturados pelo Japão. Em junho,
de Mussolini no final daquele mês. os japoneses tinham conquistado a província de Henan e
Em 12 de julho de 1943, os soviéticos lançaram suas pró- começaram um ataque renovado contra Changsha, na pro-
prias contraofensivas, afastando assim qualquer esperança víncia de Hunan.
de vitória, ou até mesmo empate, para o exército alemão
no leste. A vitória soviética em Kursk anunciou a queda de Aproximação dos Aliados (1944)
superioridade alemã, dando à União Soviética a iniciativa na
Frente Oriental. Os alemães tentaram estabilizar sua fren- A Invasão da Normandia pelos Aliados em 6 de junho
te nordeste ao longo da apressadamente fortificada linha de 1944, episódio conhecido como Dia D
Panther Wotan, no entanto, os soviéticos a romperam em Em 6 de junho de 1944 (conhecido como Dia D), depois
Smolensk e na ofensiva de Dnieper. de três anos de pressão soviética, os Aliados ocidentais in-
No início de setembro de 1943, os Aliados ocidentais in- vadiram o norte da França. Após reatribuir várias divisões
vadiram a península itálica, após um armistício com os italia- Aliadas da Itália, eles também atacaram o sul da França. Os
nos. A Alemanha respondeu ao desarmar as forças italianas, desembarques foram bem sucedidos e levaram à derrota das
tomar o controle militar das áreas até então controladas unidades do exército alemão na França. Paris foi libertada
pela Itália e ao criar uma série de linhas defensivas. As forças pela resistência local, com o apoio das Forças da França Livre
especiais alemãs resgataram Mussolini, que logo em seguida em 25 de agosto e os Aliados ocidentais continuaram a forçar
estabeleceu um novo Estado fantoche na Itália ocupada pelos o recuo das forças alemãs na Europa Ocidental durante a
alemães chamado de República Social Italiana. Os Aliados última parte do ano. Uma tentativa de avançar para o norte
ocidentais lutaram por várias frentes até chegar à principal da Alemanha liderada por uma grande operação aérea nos
linha defensiva alemã, em meados de novembro. Países Baixos terminou em um fracasso. Depois disso, os
As operações alemãs no Atlântico também sofreram. Aliados ocidentais lentamente moveram-se para Alemanha,
Em maio de 1943 (Maio Negro), conforme contraofensivas sem sucesso, tentando atravessar o rio Rur em uma grande
aliadas se tornavam cada vez mais eficazes, as considerá- ofensiva. Na Itália, o avanço Aliado também desacelerou,
veis perdas resultantes de ​​submarinos alemães forçaram a quando se depararam com a última grande linha de defesa
suspensão temporária da campanha naval alemã no Atlânti- alemã.
co. Em novembro de 1943, Franklin D. Roosevelt e Winston Em 22 de junho, os soviéticos lançaram uma ofensiva
Churchill se encontraram com Chiang Kai-shek no Cairoe, estratégica na Bielorrússia (conhecida como “Operação Ba-
depois, com Joseph Stalin em Teerã. A primeira conferência gration”), que resultou na destruição quase completa do Gru-
determinou o recuo do território japonês no pós-guerra, en- po de Exércitos Centro alemão. Logo depois, outra ofensiva
quanto a última incluía um acordo de que os Aliados ociden- soviética estratégica forçou o recuo das tropas alemãs da
tais invadiriam a Europa em 1944 e de que a União Soviética Ucrânia ocidental e Polônia oriental. O sucesso do avanço
iria declarar guerra ao Japão dentro de três meses após a das tropas soviéticas impulsionou forças de resistência na
derrota da Alemanha. A inteligência alemã pôs em prática a Polônia a iniciar várias revoltas, embora a maior delas, em
malsucedida Operação Long Jump, cujo objetivo era capturar Varsóvia, além de uma revolta eslovaca no sul, não terem
(ou assassinar) os líderes reunidos em Teerã. recebido auxílio soviético e acabarem sendo abatidas por
Desde novembro de 1943, durante a Batalha de Changde, forças alemãs. A ofensiva estratégica do Exército Vermelho
os chineses forçaram o Japão a lutar uma custosa guerra de no leste da Romênia desestabilizou e destruiu consideravel-
atrito, enquanto aguardavam as forças aliadas. Em janeiro mente as tropas alemãs na região e desencadeou um bem
História Mundial

de 1944, os Aliados lançaram uma série de ataques na Itá- sucedido golpe de Estado na Romênia e na Bulgária, seguido
lia contra a linha em Monte Cassino e tentaram flanquear pelo deslocamento desses países para o lado dos Aliados.
desembarques em Anzio. Até o final de janeiro, uma grande
ofensiva soviética expulsou as forças alemãs da região de Rebeldes poloneses durante a Revolta de Varsóvia, em
Leningrado, terminando com o mais longo e letal cerco da que cerca de 200 000 civis morreram
história. Em setembro de 1944, as tropas do Exército Vermelho
A próxima ofensiva soviética foi interrompida nas fron- soviético avançaram para a Iugoslávia e forçaram a rápida
teiras pré-guerra da Estônia pelo Grupo de Exércitos Norte retirada dos Grupos E e F do exército alemão na Grécia, Al-

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bânia e Iugoslávia. Neste ponto, os partisans apoiados pelos nha Ocidental e aproximaram-se do rio Reno. Em março, os
comunistas e liderados pelo Marechal Josip Broz Tito, que Aliados ocidentais atravessaram o norte do Reno e o sul do
havia liderado uma campanha de guerrilha cada vez mais Ruhr, cercando o Grupo de Exércitos B alemão, enquanto os
bem-sucedida contra a ocupação desde 1941, controlavam soviéticos avançaram para Viena. No início de abril, os Aliados
grande parte do território iugoslavo e estavam engajados ocidentais finalmente avançaram na Itália e atravessaram a
em retardar os esforços contra as forças alemãs mais ao sul. Alemanha Ocidental, enquanto as forças soviéticas invadiram
No norte da Sérvia, o Exército Vermelho, com apoio limitado Berlim no final de abril; as duas forças encontraram-se no rio
de forças búlgaras, ajudou os guerrilheiros em uma liberta- Elba em 25 de abril. Em 30 de abril de 1945, o Reichstag foi
ção conjunta de capital Belgrado em 20 de outubro. Poucos capturado, simbolizando a derrota militar do Terceiro Reich.
dias depois, os soviéticos lançaram um ataque maciço contra Várias mudanças de liderança ocorreram durante este
a Hungria ocupada pelos alemães, que durou até a queda período. Em 12 de abril, o então presidente dos Estados Uni-
de Budapeste, em fevereiro de 1945. Em contraste com as dos, Roosevelt, morreu e foi sucedido por Harry S. Truman.
impressionantes vitórias soviéticas nos Balcãs, a pungente Benito Mussolini foi morto por partisans italianos em 28 de
resistência finlandesa contra a ofensiva soviética no Istmo da abril. Dois dias depois, Hitler cometeu suicídio e foi sucedido
Carélia impediu a ocupação do território finlandês e levou pelo Grande Almirante Karl Dönitz.
à assinatura do armistício soviético-finlandês em condições Na Itália, a rendição assinada em 29 de abril pelo co-
relativamente suaves, com a subsequente mudança da Fin- mando das forças alemãs naquele país, se efetivou em 2
lândia para o lado dos Aliados. de maio. O tratado de rendição alemão foi assinado em 7
Até o início de julho, as forças da Commonwealth no de maio em Reims e ratificado em 8 de maio em Berlim. O
sudeste asiático haviam repelido os cercos japoneses em As- Grupo de Exércitos Centro alemão resistiu em Praga até o
sam, empurrando os japoneses para o rio Chindwin enquanto dia 11 de maio.
os chineses capturaram Myitkyina. Na China, os japoneses No Pacífico, as forças estadunidenses acompanhadas por
estavam tendo maiores sucessos, tendo finalmente tomado forças da Comunidade das Filipinas avançaram no territó-
Changsha, em meados de junho, e a cidade de Hengyang, rio filipino, tomando Leyte até o final de abril de 1945. Eles
no início de agosto. Logo depois, eles ainda invadiram a pro- desembarcaram em Luzon em janeiro de 1945 e ocuparam
víncia de Guangxi, vencendo batalhas importantes contra as Manila em março, deixando-a em ruínas. Combates conti-
forças chinesas em Guilin e Liuzhou até o final de novembro nuaram em Luzon, Mindanao e em outras ilhas das Filipinas
e com sucesso ligando as suas forças na China e na Indochina até o final da guerra.
em meados de dezembro.
No Pacífico, as forças norte-americanas continuaram a Explosão nuclear em Nagasaki, Império do Japão, 9 de
pressionar o perímetro japonês. Em meados de junho de agosto de 1945
1944, elas começaram sua ofensiva contra as ilhas Marianas Em maio de 1945, tropas australianas aterraram em Bor-
e Palau e derrotaram as forças japonesas na Batalha do Mar néu. Forças britânicas, estadunidenses e chinesas derrotaram
das Filipinas. Estas derrotas levaram à renúncia de primeiro- os japoneses no norte da Birmânia em março e os britânicos
-ministro japonês Hideki Tōjō e muniram os Estados Unidos chegaram a Yangon em 3 de maio. Forças estadunidenses
com bases aéreas para lançar ataques de bombardeiros também chegam ao Japão, tomando Iwo Jima em março e
pesados e ​​intensivos sobre as ilhas japonesas. No final de Okinawa até o final de junho. Bombardeiros estadunidenses
outubro, as forças norte-americanas invadiram a ilha filipi- destroem as cidades japonesas e submarinos bloqueiam as
na de Leyte; logo depois, as forças navais aliadas marcaram importações do país.
outra grande vitória na Batalha do Golfo de Leyte, uma das Em 11 de julho, os líderes Aliados se reuniram em Pots-
maiores batalhas navais da história. dam, na Alemanha. Lá eles confirmam acordos anteriores
sobre a Alemanha e reiteram a exigência de rendição in-
Colapso do Eixo e Vitória dos Aliados (1945) condicional de todas as forças japonesas, especificamente
afirmando que “a alternativa para o Japão é a rápida e total
Conferência de Potsdam em julho de 1945, com Josef destruição.” Durante esta conferência, o Reino Unido realizou
Stálin, Harry S. Truman e Winston Churchill a sua eleição geral e Clement Attlee substitui Churchill como
Destruição nas ruas de Berlim, em 1945, logo após o primeiro-ministro.
fim do conflito. Como o Japão continuou a ignorar os termos de Potsdam,
Em 16 de dezembro de 1944, a Alemanha tentou sua os Estados Unidos lançam bombas atômicas sobre as cidades
última e desesperada medida para obter sucesso na Frente japonesas de Hiroshima e Nagasaki em agosto. Entre as duas
Ocidental, usando a maior parte das suas reservas restantes bombas, os soviéticos, em conformidade com o acordo de
para lançar uma grande contraofensiva nas Ardenas para Yalta, invadem a Manchúria, dominada pelos japoneses e
tentar dividir os Aliados ocidentais, cercar grandes porções rapidamente derrotam o Exército de Guangdong, que era a
de tropas aliadas e tomar a sua porta de alimentação pri- principal força de combate japonesa. O Exército Vermelho
mária na Antuérpia, com o objetivo de levar a uma solu- também captura a ilha Sacalina e as ilhas Curilas. Em 15 de
ção política. Em janeiro, a ofensiva tinha sido repelida sem agosto de 1945 o Japão se rende, sendo os documentos de
cumprir os seus objetivos estratégicos. Na Itália, os Aliados rendição finalmente assinados a bordo do convés do navio
ocidentais ficaram num impasse na linha defensiva alemã. de guerra americano USS Missouri em 2 de setembro de
Em meados de janeiro de 1945, os soviéticos atacaram na 1945, o que pôs fim à guerra.
História Mundial

Polônia, movendo-se do Vístula ao rio Oder, na Alemanha,


e invadiram a Prússia Oriental. Em 4 de fevereiro, os líderes Consequências e Impactos
norte-americanos, britânicos e soviéticos se encontraram na
Conferência de Yalta. Eles concordaram com a ocupação da O primeiro-ministro britânico Winston Churchill profere
Alemanha no pós-guerra e sobre quando a União Soviética o sinal de “Vitória” para multidões em Londres, no Dia V-E
iria se juntar à guerra contra o Japão. Os Aliados estabeleceram administrações de ocupação
Em fevereiro, os soviéticos invadiram a Silésia e a Po- na Áustria e na Alemanha. O primeiro se tornou um estado
merânia, enquanto Aliados ocidentais entraram na Alema- neutro, não alinhado com qualquer bloco político. O último

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foi dividido em zonas de ocupação ocidentais e orientais parte ou a totalidade de seus impérios coloniais, a sua perda
controlada pelos Aliados Ocidentais e pela União Soviética, de prestígio e de recursos durante a guerra fracassou seus
respectivamente. Um programa de “desnazificação” da Ale- objetivos, levando à descolonização da Ásia e da África.
manha levou à condenação de criminosos de guerra nazistas A economia mundial sofreu muito com a guerra, embora
e à remoção de ex-nazistas do poder, ainda que esta política os participantes da Segunda Guerra Mundial tenham sido
tenha se alterado para a anistia e a reintegração dos ex- afetados de forma diferente. Os Estados Unidos emergiram
-nazistas na sociedade da Alemanha Ocidental. A Alemanha muito mais ricos do que qualquer outra nação; no país acon-
perdeu um quarto dos seus territórios pré-guerra (1937); teceu o “baby boom” e em 1950 seu produto interno bruto
os territórios orientais: Silésia, Neumark e a maior parte da (PIB) per capita era maior do que o de qualquer outra potên-
Pomerânia foram assumidos pela Polônia; a Prússia Oriental cia e isso levou-o a dominar a economia mundial. O Reino
foi dividida entre a Polônia e a URSS, seguida pela expulsão Unido e os Estados Unidos implementaram uma política de
de 9 milhões de alemães dessas províncias, bem como de 3 desarmamento industrial na Alemanha Ocidental entre os
milhões de alemães dos Sudetos, na Tchecoslováquia, para a anos de 1945 e 1948. Devido à interdependência do comércio
Alemanha. Na década de 1950, um em cada cinco habitantes internacional, este levou à estagnação da economia europeia
da Alemanha Ocidental era um refugiado do leste. A URSS e o atraso, em vários anos, da recuperação do continente.
também assumiu as províncias polonesas a leste da linha A recuperação começou com a reforma monetária de
Curzon (das quais 2 milhões de poloneses foram expulsos), meados de 1948 na Alemanha Ocidental e foi acelerada pela
leste da Romênia, e parte do leste da Finlândia e três países liberalização da política econômica europeia, que o Plano
Bálticos. Marshall (1948-1951) causou tanto direta quanto indire-
Em um esforço para manter a paz, os Aliados formaram tamente. A recuperação pós-1948 da Alemanha Ocidental
a Organização das Nações Unidas (ONU), que oficialmente foi chamada de milagre econômico alemão. Além disso, as
passou a existir em 24 de outubro de 1945, e aprovaram a economias italiana e francesa também se recuperaram. Em
Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, como contrapartida, o Reino Unido estava em um estado de ruí-
um padrão comum para todos os Estados-membro. A aliança na econômica e entrou em um relativo declínio econômico
entre os Aliados Ocidentais e a União Soviética havia co- contínuo ao longo de décadas.
meçado a deteriorar-se ainda antes da guerra, a Alemanha A União Soviética, apesar dos enormes prejuízos huma-
havia sido dividida de facto e dois Estados independentes, nos e materiais, também experimentou um rápido aumento
a República Federal da Alemanha e a República Democráti- da produção no pós-guerra imediato. O Japão passou por um
ca Alemã, foram criados dentro das fronteiras das zonas de crescimento econômico incrivelmente rápido, tornando-se
ocupação dos Aliados e dos Soviéticos, respectivamente. O uma das economias mais poderosas do mundo na década
resto da Europa também foi dividido em esferas de influên- de 1980. A China voltou a sua produção industrial de pré-
cia ocidentais e soviéticas. A maioria dos países europeus -guerra em 1952.
orientais e centrais ficaram sob a esfera soviética, o que
levou à criação de regimes comunistas, com o apoio total Mortes durante a Segunda Guerra por país
ou parcial das autoridades soviéticas de ocupação. Como As estimativas para o total de mortos na guerra variam,
resultado, Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Romênia, Al- pois, muitas mortes não foram registradas. A maioria sugere
bânia, e a Alemanha Oriental tornaram-se Estados satélite que cerca de 60 milhões de pessoas morreram no conflito,
dos soviéticos. A Iugoslávia comunista realizou uma política incluindo cerca de 20 milhões de soldados e 40 milhões de
totalmente independente, o que causou tensão com a URS civis. Somente na Europa, houve 36 milhões de mortes, sen-
Com o fim da guerra, conflitos de libertação nacional do a metade de civis. Muitos civis morreram por causa de
se espalharam pelo mundo, levando à criação de Israel e à doenças, fome, massacres, bombardeios e genocídios deli-
descolonização da Ásia e da África. berados. A União Soviética perdeu cerca de 27 milhões de
A divisão pós-guerra do mundo foi formalizada por duas pessoas durante a guerra, quase metade de todas as mortes
alianças militares internacionais, a Organização do Tratado da Segunda Guerra Mundial. Um em cada quatro cidadãos
do Atlântico Norte (OTAN), liderada pelos Estados Unidos, soviéticos foram mortos ou feridos nesse conflito.
e o Pacto de Varsóvia, liderado pela União Soviética; o lon- Do total de óbitos na Segunda Guerra Mundial cerca de
go período de tensões políticas e militares proveniente da 85 por cento, na maior parte soviéticos e chineses, foram do
concorrência entre esses dois grupos, a Guerra Fria, seria lado dos Aliados e 15 por cento do lado do Eixo. Muitas des-
acompanhado de uma corrida armamentista sem preceden- sas mortes foram causadas por crimes de guerra cometidos
tes e guerras por procuração. pelas forças alemãs, japonesas e soviéticas nos territórios
Na Ásia, os Estados Unidos ocuparam o Japão e admi- ocupados. Estima-se que entre 11 e 17 milhões de civis mor-
nistraram as antigas ilhas japonesas no Pacífico Ocidental, reram como resultado direto ou indireto das políticas ideo-
enquanto os soviéticos anexaram a ilha Sacalina e as ilhas lógicas nazistas, incluindo o genocídio sistemático de cerca
Curilas. A Coreia, anteriormente sob o domínio japonês, foi de seis milhões de judeus durante o Holocausto, juntamente
dividida e ocupada pelos Estados Unidos no Sul e pela União com mais cinco milhões de ciganos, eslavos, homossexuais
Soviética no Norte entre 1945 e 1948. Repúblicas separadas e outras minorias étnicas e grupos minoritários. Aproxima-
então surgiram em ambos os lados do paralelo 38 em 1948, damente 7,5 milhões de civis morreram na China durante a
cada uma afirmando ser o governo legítimo de toda a Coreia, ocupação japonesa e os sérvios foram alvejados pela Ustaše,
o que levou à Guerra da Coreia. Na China, forças nacionalistas organização croata alinhada ao Eixo.
História Mundial

e comunistas retomaram a guerra civil em junho de 1946. A atrocidade mais conhecida cometida pelo Império do
As forças comunistas foram vitoriosas e estabeleceram a Re- Japão foi o Massacre de Nanquim, na qual centenas de mi-
pública Popular da China no continente, enquanto as forças lhares de civis chineses foram estuprados e assassinados.
nacionalistas refugiaram-se na ilha de Taiwan em 1949 e Entre 3 milhões e 10 milhões de civis, a maioria chineses, fo-
fundaram a República da China. No Oriente Médio, a rejeição ram mortos pelas forças de ocupação japonesas. Mitsuyoshi
árabe ao Plano de Partilha da Palestina da ONU e à criação Himeta registrou 2,7 milhões de vítimas durante a política
de Israel, marcou a escalada do conflito árabe-israelense. conhecida como Sanko Sakusen. O general Yasuji Okamura
Enquanto as potências coloniais europeias tentaram reter implementou a política em Heipei e Shandong.

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As forças do Eixo fizeram uso de armas biológicas e quími- Segundo o historiador Zhifen Ju, pelo menos cinco mi-
cas. Os italianos usaram gás mostarda durante a conquista da lhões de civis chineses do norte da China e de Manchukuo
Abissínia, enquanto o Exército Imperial Japonês usou vários foram escravizados pelo Conselho de Desenvolvimento da
tipos de armas biológicas durante a invasão e ocupação da Ásia Oriental, ou Kōain, entre 1935 e 1941, para trabalhar nas
China e nos conflitos iniciais contra os soviéticos. Tanto os minas e indústrias de guerra. Após 1942, esse número atingiu
alemães quanto os japoneses testaram tais armas contra civis 10 milhões. A Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos
e, em alguns casos, sobre prisioneiros de guerra. A Alemanha estima que, em Java, entre 4 e 10 milhões de romushas (em
nazista e o Império Japão realizaram experiências utilizan- japonês: “trabalhadores braçais”) foram forçados a trabalhar
do seres humanos como cobaias. Temendo punições, vários pelos militares japoneses. Cerca de 270.000 destes trabalha-
criminosos de guerra fugiram da Europa após término do dores javaneses foram enviados para outras áreas dominadas
conflito. As rotas de fuga usadas por estes criminosos ficaram pelos japoneses no Sudeste Asiático e somente 52.000 foram
conhecidas como as “linhas de ratos” (Ratlines). repatriados para Java.
Embora muitos dos atos do Eixo tenham sido levados Em 19 de fevereiro de 1942, Roosevelt assinou a Ordem
a julgamento nos primeiros tribunais internacionais, mui- Executiva 9066, internando milhares de japoneses, italianos,
tos dos crimes causados pelos Aliados não foram julgados. estadunidenses, alemães e alguns emigrantes do Havaí que
Entre os exemplos de ações dos Aliados estão as transfe- fugiram após o bombardeio de Pearl Harbor durante o perí-
rências populacionais na União Soviética e o internamento odo da guerra. Os governos dos Estados Unidos e do Canadá
de estadunidenses-japoneses em campos de concentração internaram 150.000 estadunidenses-japoneses, bem como
nos Estados Unidos; a Operação Keelhaul, a expulsão dos cerca de 11.000 alemães e italianos residentes nos EUA. Em
alemães após a Segunda Guerra Mundial, os estupros em conformidade com o acordo Aliado feito na Conferência de
massa de mulheres alemãs pelo Exército Vermelho Soviético; Yalta, milhões de prisioneiros de guerra e civis foram usados
o Massacre de Katyn cometido pela União Soviética, para o em trabalhos forçado por parte da União Soviética. No caso
qual os alemães enfrentaram contra-acusações de respon- da Hungria, os húngaros foram forçados a trabalhar para a
sabilidade. O grande número de mortes por fome também União Soviética até 1955.
pode ser parcialmente atribuído à guerra, como a fome de
1943 em Bengala e a fome de 1945 no Vietnã. Produção Econômica e Militar
Também tem sido sugerido como crimes de guerra por
alguns historiadores o bombardeio em massa de áreas civis Propaganda do governo norte-americano mostrando
em território inimigo, incluindo Tóquio e mais notadamente uma mulher trabalhando em uma fábrica em Fort Worth,
nas cidades alemãs de Dresden, Hamburgo e Colônia pelos Texas, Estados Unidos (1942).
Aliados ocidentais, que resultou na destruição de mais de 160 Na Europa, antes da eclosão da guerra, os Aliados tinham
cidades e matou um total de mais de 600 mil civis alemães. vantagens significativas em termos populacionais e econô-
Os nazistas foram responsáveis ​​pelo Holocausto, a ma- micos. Em 1938, os aliados ocidentais (Reino Unido, França,
tança de cerca de seis milhões de judeus (esmagadoramente Polônia e os Domínios Britânicos) tinham uma população e
asquenazes), bem como dois milhões de poloneses e quatro um produto interno bruto (PIB) 30% maior do que os do Eixo
milhões de outros que foram considerados “indignos de vi- Europeu (Alemanha e Itália); se as colônias fossem incluídas,
ver” (incluindo os deficientes e doentes mentais, prisioneiros a vantagem dos Aliados seria ainda maior, de 5:1 em popu-
de guerra soviéticos, homossexuais, maçons, testemunhas de lação e quase 2:1 em PIB. Ao mesmo tempo na Ásia, a China
jeová e ciganos), como parte de um programa de extermínio tinha cerca de seis vezes a população do Império do Japão,
deliberado. Cerca de 12 milhões, a maioria dos quais eram mas um PIB apenas 89% mais elevado, o que seria reduzido
do Leste Europeu, foram empregados na economia de guerra a três vezes em termos populacionais e apenas 38% do PIB
alemã como trabalhadores forçados. mais elevado se as colônias japonesas fossem incluídas.
Além de campos de concentração nazistas, os gulags so- Apesar das vantagens econômicas e populacionais dos
viéticos (campos de trabalho) levaram à morte de cidadãos Aliados terem sido amplamente mitigadas durante os primei-
dos países ocupados, como a Polônia, Lituânia, Letônia e Es- ros ataques rápidos da blitzkrieg da Alemanha e do Japão,
tônia, bem como prisioneiros de guerra alemães e até mesmo elas se tornaram um fator decisivo em 1942, depois que os
cidadãos soviéticos que foram considerados apoiadores ou Estados Unidos e a União Soviética juntaram-se aos Aliados,
simpatizantes dos nazistas. Sessenta por cento dos prisio- quando a guerra em grande parte resolveu-se em conflitos.
neiros de guerra soviéticos dos alemães morreram durante Embora a maior capacidade de produção dos Aliados em
a guerra. Richard Overy aponta o número de 5,7 milhões de relação ao Eixo muitas vezes seja atribuída aos maiores aces-
prisioneiros de guerra soviéticos. Destes, cinquenta e sete sos à recursos naturais, outros fatores, como a relutância da
por cento morreram ou foram mortos, um total de 3,6 mi- Alemanha e do Japão em empregar as mulheres em sua força
lhões. Ex-prisioneiros de guerra soviéticos e civis repatriados de trabalho, o bombardeio estratégico feito pelos Aliados e
foram tratados com grande suspeita e como potenciais cola- a transformação tardia da Alemanha para uma economia de
boradores dos nazistas e alguns deles foram enviados para guerra também contribuíram de forma significativa. Além
gulags no momento da revista pelo NKVD. disso, nem a Alemanha nem o Japão planejavam lutar em
Os campos de prisioneiros de guerra do Japão, muitos uma guerra prolongada e, portanto, não se prepararam para
dos quais foram utilizados como campos de trabalho, tam- isso. Para melhorar a sua produção, Alemanha e Japão utili-
bém tiveram altas taxas de mortalidade. O Tribunal Militar zaram milhões de trabalhadores escravos; a Alemanha usou​​
História Mundial

Internacional para o Extremo Oriente concluiu que a taxa cerca de 12 milhões de pessoas, principalmente da Europa
de mortalidade de prisioneiros ocidentais foi de 27,1 por Oriental, enquanto o Japão escravizou mais de 18 milhões
cento (para prisioneiros de guerra estadunidenses, 37 por de pessoas no Extremo Oriente da Ásia.
cento), sete vezes maior do que os prisioneiros de guerra
dos alemães e italianos. Apesar de 37.583 prisioneiros do Ocupações
Reino Unido, 28.500 da Holanda e 14.473 dos Estados Unidos
tenham sido libertados após a rendição do Japão, o número Na Europa, a ocupação se deu sob duas formas muito
de chineses foi de apenas 56. diferentes. Na Europa Ocidental, do Norte e Central (França,

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Noruega, Dinamarca, Países Baixos e as porções anexadas raio de proteção e ao ajudar a fechar a “lacuna mesoatlântica”.
da Checoslováquia) a Alemanha estabeleceu políticas eco- Os porta-aviões eram também mais econômicos do que os
nômicas através das quais recolheu cerca de 69,5 bilhões de navios de guerra devido ao custo relativamente baixo das aero-
reichsmarks (27,8 mil milhões de dólares) até o final da guer- naves e de não necessitarem ser tão fortemente blindados. Os
ra; este valor não inclui o considerável saque de produtos in- submarinos, que tinham provado ser uma arma eficaz durante
dustriais, equipamentos militares, matérias-primas e outros a Primeira Guerra Mundial foram fortemente usados pelos dois
bens. Assim, a renda das nações ocupadas era superior a 40 lados nesse conflito. O desenvolvimento britânico focou-se
por cento da renda alemã recolhida através de impostos, um em armamento e táticas antissubmarinos, como o sonar e os
número que aumentou para quase 40 por cento da receita comboios navais, enquanto a Alemanha concentrou-se em
total da Alemanha com a continuação da guerra. melhorar a sua capacidade ofensiva, com projetos como os
No Leste Europeu, a tão esperada recompensa que seria submarinos tipo VII, Tipo XXI e táticas rudeltaktik.
trazida pela conquista do Lebensraum nunca foi alcançada A guerra terrestre mudou das linhas de batalha estáticas da
por causa das fronteiras instáveis durante os conflitos e pela Primeira Guerra Mundial para uma maior mobilidade e o uso
política soviética de “terra arrasada”, que impediu a posse dos de armas combinadas. O tanque, que tinha sido utilizado pre-
recursos pelos invasores alemães. Ao contrário do Ocidente, a dominantemente para apoio da infantaria na Primeira Guerra
política racial nazista incentivou a brutalidade excessiva contra Mundial, tinha evoluído para a arma principal. No final dos
o que considerava Untermensch (“povos inferiores”) de des- anos 1930, os projetos de tanques estavam consideravelmente
cendência eslava; a maior parte dos avanços alemães foram mais avançados do que durante a Primeira Guerra Mundial e
seguidos de execuções em massa. Embora certos grupos de os avanços continuaram durante a guerra em aspectos como
resistência (Partisans) tenham se formado na maioria dos ter- o aumento da velocidade, blindagem e poder de fogo.
ritórios ocupados, eles não prejudicaram de forma significativa No início do conflito, a maioria dos comandantes pen-
as operações alemãs tanto no Oriente quanto no Ocidente sava que os tanques inimigos tinham especificações supe-
até o final de 1943. Também na Alemanha, alguns grupos e riores. Esta ideia foi contestada pelo fraco desempenho das
indivíduos em ações isoladas fizeram oposição ao regime. Este armas relativamente leves dos primeiros tanques contra a
movimento de oposição interna, pouco expressivo e disperso, blindagem e pela doutrina alemã de evitar combates entre
ficou conhecido como a resistência alemã. tanques. Isto, juntamente com o uso de armas combinadas
Na Ásia, o Império do Japão denominou as nações sob pela Alemanha, estava entre os elementos-chave de suas
a sua ocupação como sendo parte da “Esfera de Coprospe- bem-sucedidas táticas de blitzkrieg em toda a Polônia e
França. Muitas armas antitanque, como artilharia indireta,
ridade da Grande Ásia Oriental”, o que, essencialmente, era
minas, armas de infantaria de curto alcance e outros tipos de
uma hegemonia japonesa que se dizia ser a libertadora dos
tanques foram utilizados. Mesmo com a grande mecanização,
povos colonizados. Embora as forças japonesas tenham sido
a infantaria permaneceu como a espinha dorsal de todas as
originalmente recebidas como libertadoras da dominação forças, e durante a guerra muitas delas foram equipadas de
dos impérios europeus em muitos territórios, sua excessiva forma semelhante à da Primeira Guerra Mundial.
brutalidade pôs a opinião pública local contra eles dentro As metralhadoras portáteis se espalharam, sendo um
de semanas. Durante a sua conquista inicial, o Japão cap- exemplo notável a alemã MG42 e várias submetralhadoras
turou 4.000.000 barris (640 mil m³) de petróleo (~5,5 × 105 que foram adaptadas para o combate próximo em ambientes
toneladas) deixados para trás durante a retirada das forças urbanos e de selva. O rifle de assalto, um desenvolvimento de
aliadas e, em 1943, foi capaz de obter a produção das Índias guerra recente que incorporou muitas características do fuzil
Orientais Holandesas de até 50 milhões de barris (~ 6,8 × 106 e da metralhadora, tornou-se a arma de infantaria padrão do
t), 76 por cento de sua taxa de produção de 1940. pós-guerra para a maioria das forças armadas.
A maioria dos grandes beligerantes tentou resolver os
Desenvolvimento Tecnológico e Militar problemas de complexidade e de segurança apresentados
utilizando grandes livros-códigos para criptografia com o uso
O soviético T-34 foi o tanque mais usado da guerra. Mais de máquinas de cifra, sendo a máquina alemã Enigma a mais
de 57 mil foram construídos em 1945. conhecida. O SIGINT era o processo contrário de descrip-
Vários aviões foram usados ​​para reconhecimento, como tografia, sendo que o exemplo mais notável de aplicação
caças, bombardeiros e aeronaves de apoio no solo, sendo que foi a quebra dos códigos navais japoneses pelos Aliados. O
cada uma dessas funções avançou consideravelmente durante britânico Ultra, que era derivado da metodologia dada ao
o conflito. A inovação incluiu o transporte aéreo tático (a capa- Reino Unido pelo Biuro Szyfrów polonês, tinha decodifica-
cidade de mover rapidamente suprimentos, equipamentos e do a Enigma sete anos antes da guerra. Outro aspecto da
pessoal limitados e de alta prioridade); e o bombardeio estra- inteligência militar era o processo de desinformação, que
tégico (o bombardeio de áreas civis para destruir a indústria e os Aliados usaram com grande efeito, como nas operações
o moral). O armamento antiaéreo também avançou, incluindo Mincemeat e Bodyguard. Outras proezas tecnológicas e de
defesas como o radar e a artilharia superfície-ar, tais como engenharia alcançadas durante ou como resultado da guerra
o canhão alemão de 88 milímetros. O uso de aviões a jato incluem os primeiros computadores programáveis do mundo
foi pioneiro e embora a sua introdução tardia ter tido pouco (Z3, Colossus e ENIAC), mísseis guiados e foguetes modernos,
impacto na guerra, levou esse tipo de aeronave a se tornar o desenvolvimento do Projeto Manhattan de armas nuclea-
padrão nas forças aéreas em todo o mundo. res, as pesquisas operacionais e o desenvolvimento de portos
Avanços também foram feitos em quase todos os aspec- e oleodutos artificiais sob o Canal da Mancha.
História Mundial

tos da guerra naval, principalmente com os porta-aviões e


submarinos. Embora, no início da guerra a aeronáutica tenha O MUNDO CONTEMPORÂNEO E AS
tido relativamente pouco sucesso, as ações em Taranto, Pearl SOCIEDADES ATUAIS (PÓS-1945)
Harbor, Mar da China Meridional e Mar de Coral estabele-
ceram o porta-aviões como o principal navio dominante no EUA
lugar do couraçado.
No Atlântico, os porta-aviões de escolta tornaram-se uma Para os Estados Unidos, o período do pós-Segunda Guerra
parte vital de comboios aliados, ao aumentar eficazmente o Mundial foi um de paz e prosperidade. Os norte-america-

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nos usaram o dinheiro que haviam economizado durante excedem a receita – cresceu muito durante a década de 1980.
a Segunda Guerra Mundial para adquirir bens de consumo A balança comercial dos Estados Unidos também piorou,
que não estavam disponíveis durante o conflito. Com o sub- pois, o país passou a importar muito mais que exportava.
sequente boom da economia, milhares de pessoas encon-
traram emprego nos Estados Unidos. Os norte-americanos Lutas por Igualdade
estavam ganhando mais dinheiro e a nação tinha o mais alto
padrão de vida de todo o mundo. Após a Segunda Guerra Mundial, um forte movimento
A sociedade norte-americana também estava mudando. por direitos civis surgiu nos Estados Unidos. Diversos grupos
A população dos Estados Unidos cresceu muito devido à alta sociais, especialmente os negros, buscavam tratamento igual
taxa de natalidade: soldados retornando da guerra estabele- perante a lei e suas sociedades após terem sofrido décadas
ceram famílias e tiveram filhos. Os avanços médicos também de discriminação.
elevaram a expectativa de vida dos norte-americanos. Uma Apesar de muitos negros nos Estados Unidos desfrutarem
lei imposta em 1965 permitiu que mais asiáticos e latino- de maiores oportunidades que seus antepassados, eles ain-
-americanos imigrassem para o país. da sofriam discriminação, segregação e racismo. Na década
O presidente Franklin D. Roosevelt, que havia governado de 1940, os líderes de movimentos em favor dos direitos
os Estados Unidos durante os anos 1933-1945, combateu a civis começaram a exigir o fim da segregação entre brancos
Grande Depressão da década de 1930 ao aumentar o papel e negros na América. Esses líderes levaram sua causa aos
do governo na economia nacional. Essa política de “big gover- tribunais federais. Como consequência, a partir de 1941, a
nment” (grande governo) foi continuada pelos presidentes Suprema Corte dos Estados Unidos passou a banir diversas
norte-americanos do pós-guerra. formas de segregação.
Os presidentes do Partido Democrata (centro-esquerda) As pessoas que lutavam em favor dos direitos civis usa-
promoveram mudanças sociais e uma maior igualdade eco- ram outros meios, além de apelos aos tribunais federais, para
nômica nos Estados Unidos. Harry Truman (1945-1953) au- alcançar seus objetivos. Seguindo o exemplo do líder pacifista
mentou o salário mínimo, construiu casas para pessoas de indiano Mahatma Gandhi, os negros norte-americanos pas-
baixa renda e expandiu o Social Security (a Previdência Social) saram a buscar justiça por meio de atos pacíficos. O maior
dos Estados Unidos. John F. Kennedy (1961-1963) iniciou líder negro da história norte-americana foi um pastor batista
vários programas governamentais para dar oportunidades chamado Martin Luther King, Jr. Ele liderou um movimento
de trabalho aos pobres e oferecer segurança econômica para não violento e organizou passeatas e boicotes, onde justiça
idosos e incapacitados. Jimmy Carter (1977-1981) fundou e igualdade eram exigidas.
o Departamento da Energia para conservar e desenvolver O governo federal também exerceu um papel fundamen-
pesquisas sobre energia e o Departamento da Educação para tal na luta em favor dos direitos civis nos Estados Unidos. Com
melhorar o sistema educacional norte-americano. o apoio do Presidente Johnson, o Congresso aprovou a Lei
Três presidentes norte-americanos do Partido Republica- dos Direitos Civis de 1964, em que bania diversos tipos de
no (centro-direita) que governaram durante o período pós- discriminação. Outras medidas contra o preconceito racial
-guerra foram Dwight Einsenhower (1953-1961), Richard também foram aprovadas pelo Congresso.
Nixon (1969-1974) e Gerald Ford (1974-1977). Esses presi- Durante as décadas de 1960 e 1970, outras minorias tam-
dentes também introduziram novos programas sociais nos bém pediam por justiça. A comunidade hispânica dos Estados
Estados Unidos, mas em um grau menor que os Democratas. Unidos iniciou sua própria campanha em favor dos direitos
Ronald Reagan, um Republicano eleito em 1980, foi o civis. Os indígenas no país criticavam as políticas do governo
primeiro presidente do pós-guerra a tomar medidas para que ignoravam e destruíam suas tradições. Deficientes físicos
diminuir o papel do governo federal na economia norte- exigiam melhores oportunidades de trabalho e mais fácil
-americana (neoliberalismo). Reagan acreditava que o go- acesso a construções públicas. As mulheres também busca-
verno interferia demais na vida dos cidadãos. Na sua visão, vam igualdade e lideraram campanhas exigindo empregos
muitas medidas tomadas pelo governo federal poderiam em campos profissionais normalmente restritos aos homens.
ser melhores executados por governos locais e estaduais.
Reagan também afirmava que os altos gastos do governo Uma Década de Distúrbios
prejudicavam o crescimento econômico dos Estados Unidos.
Durante o governo de Ronald Reagan, o financiamento O período do pós-guerra nos Estados Unidos foi um de
de muitos programas sociais do governo foi reduzido; alguns crescimento, paz e prosperidade. Porém, durante o final das
programas foram eliminados por completo. Contudo, Rea- décadas de 1960 e 1970, vários conflitos sociais irromperam
gan não desmantelou a maior parte dos programas sociais no país.
instituídos por administrações passadas. A maioria do povo Em meados da década de 1960, tumultos começaram a
norte-americano ainda acreditava que o governo federal surgir em regiões habitadas por negros. Em alguns casos, a
exercia um papel fundamental na sociedade. Guarda Nacional teve que ser chamada para impedir saques
Havia um importante motivo para o envolvimento do e incêndios de edifícios. Em 1968, ocorreram tumultos nova-
governo federal no funcionamento da economia do país: mui- mente quando o grande líder negro Martin Luther King, Jr.
tos norte-americanos não compartilhavam da prosperidade foi assassinado. Após sua morte, vários líderes negros radi-
da era pós-guerra. Porém, as consequências da intervenção cais – frustrados com as mudanças sociais que consideravam
econômica do governo não foram totalmente benéficas: gas- insuficientes – abandonaram a política pacífica de King. Em
História Mundial

tos elevados com programas sociais e o envolvimento dos vez disso, eles enfatizaram o “black power” (poder negro) e
Estados Unidos na Guerra do Vietnã resultaram em inflação encorajavam o uso de força para alcançar seus objetivos. Seus
no país durante a década de 1970. Posteriormente, além de protestos, muitas vezes violentos, criaram uma atmosfera
inflação, a sociedade norte-americana sofreu um crescimen- de tensão e medo em diversas cidades norte-americanas.
to no desemprego. O crescente movimento antiguerra também foi somado
Sob a administração de Reagan, a inflação foi reduzida às tensões sociais desse período. À medida que a Guerra do
e controlada e o desemprego diminuiu. Porém, o déficit no Vietnã prosseguia, mais e mais americanos exigiam que os
orçamento federal – a quantia em que os gastos do governo Estados Unidos deixassem o conflito. Grandes manifestações

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antiguerra, algumas das quais levaram à violência, foram A neutralidade teve seus benefícios, mas, para os paí-
realizadas em cidades e universidades no país. ses que estiveram na vanguarda da ação militar a situação
Em 1972, os Estados Unidos estavam se retirando do Vie- era imensamente pior. As indústrias britânicas haviam se
tnã, mas uma nova crise nacional ocorreu. Em junho de 1972, dedicado quase que exclusivamente ao esforço de guerra,
houve uma tentativa de furto na sede do Partido Democrata. junte-se a isso a perda da influência política e econômica
As investigações dessa invasão revelaram informações sobre entre suas colônias. A visão de uma recuperação rápida era
abuso de poder praticado pela administração do presiden- praticamente impossível.
te Richard Nixon. Esse escândalo chamado de Watergate – Os países que foram ocupados pela Alemanha viram sua
nome do prédio onde ocorreu o roubo – resultou na prisão produção industrial ser toda drenada para o esforço de guer-
de diversos oficiais do governo de Nixon e finalmente na ra alemão e o afluxo de dinheiro e mercadorias provenientes
renúncia do próprio presidente. Esses acontecimentos, que desses países ocupados na economia alemã, significava que
ocorreram simultaneamente à retirada norte-americana do a escassez e austeridade da guerra não haviam sido sentidos
Vietnã, reduziram a confiança dos norte-americanos em seu pela população alemã até o último ano da guerra.
governo. Por outro lado, a capacidade do governo de supor-
tar e lidar eficientemente com essas crises era um sinal claro Plano Marshall
de que o país era forte e estável.
Por toda Europa a expectativa era de um retorno à nor-
Liderança Mundial malidade e ao poderio econômico, embora logo ficasse óbvio
que isso só poderia ser alcançado com a ajuda norte ameri-
A Guerra Fria dominou a política internacional norte- cana. Num pronunciamento feito em Harvard em 1947 por
-americana durante décadas após a Segunda Guerra Mundial. George C. Marshall, Secretário de Estado norte americano, a
As duas superpotências mundiais – os Estados Unidos e a proposta foi de que a recuperação das economias europeias,
União Soviética – competiram por poder e prestígio de diver- incluindo a Alemanha, seria feita em parte por doações norte
sas maneiras. O compromisso norte-americano de enfrentar americanas.
a expansão do comunismo pelo mundo levou os Estados A verdade da questão é que as exigências da Europa para
Unidos a se envolverem em conflitos internacionais. os próximos três ou quatro anos de comida estrangeira e
A expansão soviética pós-guerra na Europa, assim como o outros produtos essenciais – principalmente da América –
clima da Guerra Fria, fez crescer o medo norte-americano em são muito maiores do que a sua capacidade atual para pa-
relação ao comunismo. Alguns norte-americanos começaram gar, então deve ter ajuda adicional substancial ou enfrentar
a se preocupar com a presença de espiões comunistas em seu a deterioração econômica, social e política de um caráter
próprio país. Em 1950, um senador do estado de Wisconsin muito grave. Extraído do pronunciamento de Harvard por
chamado de Joseph McCarthy deu início a uma caçada absur- George C. Marshall.
da e abusiva contra supostos “espiões comunistas”, acusando O Plano Marshall se tornou lei através do presidente Tru-
centenas de oficiais do governo de deslealdade. Ele destruiu man em abril de 1948, sob o nome formal de “Programa de
a carreira de muitas pessoas, tendo feito acusações falsas Recuperação da Europa”. O Plano Marshall foi criado para ser
sem nenhuma evidência. A campanha notória de McCarthy aplicado a todas as áreas da Europa que foram devastadas
chegou ao fim em 1954, quando ficou claro que ele não pela guerra não importando se o local se alinhava aos Aliados
conseguia provar suas acusações. ou aos membros do Eixo.
Stalin rejeitou o Plano, assegurando que a Alemanha
Joseph McCarthy Oriental, Polônia, Romênia, Iugoslávia e outros países, agora,
sob ocupação ou influência soviética pós guerra deveriam
O medo da expansão do comunismo pelo mundo levou ser excluídos.
os Estados Unidos a engajar em diversos conflitos militares
durante as décadas de 1950 e 1960. De 1950 a 1953, tropas Grã Bretanha – após a Guerra o país estava profun-
norte-americanas ajudaram a defender a Coreia do Sul de damente endividado. O bombardeio dos maiores centros
uma invasão da Coreia do Norte. Após a revolução comu- urbanos, aliado ao esgotamento dos recursos humanos de-
nista de Cuba, os Estados Unidos apoiaram a invasão à Baía vido às vítimas de guerra, acrescentaram mais dificuldades
dos Porcos e posteriormente forçaram a remoção de mísseis financeiras.
soviéticos do país. Simultaneamente, o governo Kennedy Os danos à economia levaram ao racionamento que foi
começou a desenvolver armas nucleares para superar as estendido até a década seguinte.
forças nucleares soviéticas. De 1945 até 1951, o Partido Trabalhista e o Primeiro Mi-
O envolvimento norte-americano na guerra no sudes- nistro Attlee substituíram o Partido Conservador. Winston
te da Ásia também foi consequência de seu compromisso Churchill foi considerado pela população em geral como o
de combater o comunismo mundialmente. Os conselheiros “Primeiro Ministro da Guerra” mas, mesmo perdendo a pri-
militares dos Estados Unidos foram enviados para ajudar as meira eleição pós guerra, ele ainda foi Primeiro Ministro de
forças anticomunistas na Indochina após a França ter aban- 1951 até 1955.
donado suas colônias na região. Em agosto de 1947, a Índia se tornou independente da
Grã Bretanha. De 1950 até 1980 a Grã Bretanha, agora sem
A Europa os benefícios econômicos de suas colônias, abraçou o capita-
História Mundial

lismo de livre mercado como o dos Estados Unidos, embora


Após a Segunda Guerra Mundial, os países da Europa com mais ênfase nos programas sociais e à propriedade pelo
encontravam dificuldades em reconstruir suas economias. estado das empresas de importância estratégica.
Suécia, Suíça, Irlanda e Espanha, que haviam permanecido Em muitos pontos, o envolvimento da América na guerra
neutras durante a guerra, se deram mais ou menos bem. Su- havia sido condicionado ao compromisso da Grã Bretanha
écia e Suíça haviam colaborado com seus bancos e materiais de desmontar seu poderio colonial, que os EUA viam como
para o esforço de guerra nazista, isso significava que, para obstáculo às suas ideias de comércio e capitalismo de livre
ambos os países foi relativamente fácil sair da guerra ilesos. mercado.

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Isso foi proposto primeiro por Roosevelt para Churchill De Gaulle se recusou a tomar o poder a menos que o
num encontro em agosto de 1941, onde o futuro da Europa governo permitisse ao Presidente ter uma posição forte. O
pós-guerra foi discutido. A América via o comércio colonial povo francês concedeu, e em 1958 a Quinta República foi
britânico como monopolista e embora Pearl Harbour e a formada com um Presidente forte e autoritário.
agressão japonesa tenham levado os Estados Unidos a en-
trarem na guerra, a agenda a respeito da independência General Charles De Gaulle 1942
colonial permanecia.
América, a colônia que lutou uma guerra contra os ingle- No entanto, a solução de De Gaulle para o problema
ses por sua independência era pré-disposta culturalmente e era simplesmente libertar a Argélia. Em 1968, os estudantes
economicamente a fazer essa proposta. universitários fizeram um protesto com relação aos seus pro-
blemas e isso levou a uma greve geral da classe trabalhadora.
Tatcher em Revista às Tropas Após a derrota do referendo sobre a regionalização, De
Gaulle renunciou em 1969. Os Presidentes seguintes foram
Margaret Thatcher, líder do Partido Conservador, se tor- dois da esquerda, Georges Pompidou (eleito em 1969 e fa-
nou Primeira Ministra de 1979 até 1990. Ela foi o primeiro lecido em 1974), e Valéry Giscard d´Estaing (eleito em 1974).
líder ocidental do sexo feminino da era moderna, e encarou O aborto foi legalizado no governo de Giscard. De 1981
uma depressão com inflação especulativa – o alto desem- até 1995, François Mitterand governou a França. Ele era so-
prego e a inflação resultante dos altos preços do petróleo. cialista e implementou inúmeros programas sociais. Aboliu a
Tatcher era uma aliada muito próxima do presidente pena de morte, instituiu bancos nacionalizados, indústrias de
norte americano Ronald Reagan. Em seu governo elaborou seguros e indústrias de defesa. Os salários dos trabalhadores
um programa rigoroso para dominar a inflação. Cortou im- aumentaram durante seu governo e as horas trabalhadas
postos dos mais ricos, esperando com isso, que eles gastas- diminuíram. No entanto, quando a economia da França es-
sem o dinheiro extra, contratando funcionários e apoiando tacionou, ele abandonou o socialismo em 1984 e a economia
a privatização e a desregulamentação. Ela também cortou reviveu.
muitos programas sociais, incluindo educação, programas Em 1986, a direita ganhou as eleições parlamentares,
de saúde e bem-estar, e vendeu indústrias nacionais como a e essa foi a primeira vez em que, o Presidente e o Primeiro
British Oil e a British Airways. Ela ainda quebrou o poder dos Ministro não pertenciam ao mesmo partido político. Jacques
Chirac, prefeito de Paris e fundador do partido RPR Gaullista,
sindicatos na Grã-Bretanha. Tudo isso foi importante dentro
foi escolhido como Primeiro Ministro. Mitterand foi re-eleito
da austeridade de sua administração, quando o objetivo era
em 1988, mas teve que enfrentar novamente um governo
reduzir a inflação.
dividido entre dois partidos de 1993 até 1995, com Édouard
Tatcher também empregou a força para recuperar o con-
Balladur como Primeiro Ministro.
trole das Ilhas Falklands após a invasão das ilhas pela Argenti-
Em 1995, Jacques Chirac, se tornou presidente. Ele tam-
na em 1982, o que lhe trouxe uma grande aprovação popular. bém teve que enfrentar um governo dividido pela terceira
John Major foi o Primeiro Ministro Conservador de 1990 vez na história, com o socialista Lionel Jospin como Primeiro
até 1997. Tony Blair foi o novo Primeiro Ministro Trabalhista Ministro de 1997 até 2002. Chirac foi eleito com facilidade
de 1997 até 2007, enfrentou a invasão do Iraque e os conflitos em 2002 contra o candidato de extrema direita Jean Marie
do Afeganistão. Gordon Brown foi um governante passageiro, Le Pen, que chegou à disputa inesperadamente, eliminando
a Coalizão dos Conservadores e Liberais Democratas, com- Lionel Jospin na primeira fase. Jacques Chirac então fundou
puseram o governo até as eleições gerais de 2010, com os um novo partido, o UMP unindo a maioria dos políticos de
rumores de uma possível independência da Escócia e possível direita. Jacques Chirac foi substituído por Nicolas Sarkozy,
saída da União Europeia. presidente do UMP em 2007.
Em 2012, Nicolas Sarkozy muito impopular e tendo que
França – o regime de Vichy, instalado pelos nazistas após lutar contra a crise econômica, foi derrotado pelo candidato
sua invasão da França durante a Segunda Guerra Mundial, socialista François Hollande.
foi substituído em 1946 pela Quarta República, que durou
até 1958. Alemanha – após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha
A Quarta República consistia de um parlamento forte foi dividida em zonas já definidas entre os poderes Aliados.
com um Premier (Primeiro Ministro) escolhido pela maioria As zonas ocidentais foram colocadas sob o controle norte
do partido. Havia também um presidente fraco e apenas americano e da Europa ocidental, enquanto as zonas orien-
cerimonial. tais ficaram sob o controle da União Soviética.
Charles De Gaulle, que comandou o movimento de Re- A Alemanha ficaria ocupada pelos Aliados até algum pon-
sistência Francesa contra os nazistas durante sua ocupação to no futuro, e como isso seria feito se tornou um motivo de
da França na Segunda Guerra Mundial foi eleito, mas se re- conflito entre os Aliados. Essa divisão da Alemanha também
cusou a participar de um governo assim definido e, portanto, refletia a presença das tropas aliadas nos países agora livres
pediu demissão. da Europa. O exército soviético mantinha sua presença militar
Após a Segunda Guerra Mundial a França descolonizou a na Polônia, Romênia e em outros países da Europa oriental.
Indochina, o Marrocos, a Tunísia e o resto da África ocidental. As tropas norte americanas ainda estavam estacionadas em
A Quarta República também permitiu o voto feminino. muitos países da Europa ocidental.
História Mundial

Conflitos violentos explodiram na Argélia que ainda era Com o fim da guerra, a concordância entre os EUA e a
colônia francesa. Bombas, terrorismo e morte de quase um Rússia agora era vacilante e a Alemanha e muitos de seus
milhão de pessoas durante ações anti francesas, levaram vizinhos logo ocuparam o centro de uma batalha ideológica
esse conflito ao palco principal da política francesa. Quando entre aqueles que foram um dia aliados.
oficiais superiores do exército francês na Argélia se rebela- A divisão de Berlim foi a precursora da Guerra Fria, a
ram em maio de 1958 e o medo de um golpe de estado se primeira arena do pós-guerra para as diferenças arraigadas
espalhou entre os membros do governo, chamaram Charles entre a Rússia e os Estados Unidos e um péssimo sinal para
De Gaulle para resolver o problema. os conflitos que viriam com o Vietnã e a Coreia.

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Fronteira da Alemanha oriental Um dos problemas dos Aliados com relação à desnazifica-
ção foi que, remover tudo o que era nazista do país, deixava
Em 1948, entrou em ação o Bloqueio de Berlim. Berlim a Alemanha lutando para se reconstruir, pulando todo um
estava na parte oriental administrada pelos soviéticos, em- período de sua história.
bora a cidade propriamente fosse administrada pela França, Em muitos aspectos, alemães que foram cúmplices dos
América, Grã-Bretanha e os soviéticos. Os aliados ocidentais massacres de Hitler escaparam ilesos porque, ou eles não
tinham fundido as três zonas que ocupavam após o fim da chegaram ao conhecimento dos Aliados ou faziam parte dos
guerra. O prelúdio desse bloqueio era sentido pela tensão movimentos de reconstrução da Alemanha.
em escalada. Em 1961, as autoridades da Alemanha oriental, com
Primeiro, os soviéticos moveram suas tropas para as apoio soviético, erigiram o Muro de Berlim para barrar a
fronteiras e isso fez com que a inteligência norte america- avalanche de refugiados que escapava para o ocidente.
na, considerasse que, os soviéticos pretendiam expandir seu Tanto Adenauer e seus oponentes parlamentares, os
território. Sociais Democratas, consideravam a GDR (Alemanha Orien-
Os russos então deram ordens ao General Dratvin (co- tal) como uma parte ocupada, da nação alemã legalmente
mando russo em Berlim) que, todos os trens entrando em unificada, mas não estavam em posição de mudar as circuns-
Berlim deveriam ser inspecionados e tivessem a documen- tâncias por causa da Guerra Fria entre os EUA e a URSS. A
tação apropriada. importância de Berlim como a primeira arena da Guerra Fria
se reflete na Crise dos Mísseis em Cuba de 1962.
Essa ação da Rússia, foi passada para o General Clay
Documentos classificados liberados sobre a Crise Cubana,
(comandante norte americano em Berlim), que telegrafou
mostram que a administração norte americana estava preo-
para Washington. A administração em Washington chegou
cupada, porque se demonstrasse qualquer sinal de fraqueza,
à conclusão que uma iminente invasão russa era improvável durante a Crise dos Mísseis poderia dar início a uma agressão
e que, o propósito da movimentação dos russos era tirar os soviética em Berlim.
poderes dos aliados sobre Berlim. As zonas de 1945 se tornaram fronteiras em 1962 e Ber-
Os russos aumentaram a pressão com novos postos de lim tinha um muro de concreto e arame farpado. Foi onde
inspeção nas estradas e canais de Berlim. Em março de 1948 começou a Guerra Fria e foi esse o lugar onde ela teria que
nove barcas registradas britânicas, foram interceptadas em terminar.
Buchhorst e em abril, trens militares britânicos e norte-ame- De 1963 até 1966, o partido CDU (União Democrática
ricanos foram detidos em Marienborn partindo da premissa Cristã da Alemanha) elegeu como Chanceler Ludwig Erhard
de que os russos não tinham permissão para inspecioná-los. e em seguida a ele, Kurt Georg Kiesinger.
As autoestradas também ficaram sob pressão, com os De 1969 até 1974, o Chanceler foi Willy Brandt dos Social
russos insistindo que os britânicos evacuassem dois postos Democratas (SPD). Ele promulgou a Ostpolitik, uma política
de emergência na autoestrada entre Berlim e Helmstedt. de cooperação econômica e comércio com o bloco oriental
Em 18 de junho os Aliados emitiram uma nova moeda e com a Alemanha oriental. Embora ele apoiasse a NATO, as
chamada Deutsche Mark, que substituía o Reichsmark e no aberturas de Brandt em direção ao leste, lhe valeram des-
mesmo dia, a Rússia suspendeu todas as viagens por trem confianças em alguns círculos ocidentais que achavam que
e por estradas para fora e para dentro de Berlim. No dia ele poderia negociar uma aliança para a unificação alemã.
4 de agosto os Aliados começaram uma ponte aérea para Ironicamente, o governo de Brandt sofreu o escândalo de ter
suprir Berlim. um espião da Alemanha Oriental em seu gabinete.
Em 1949, as duas áreas foram formalmente separadas Seu sucessor foi Helmut Schmidt também do SPD (1974-
em República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) 1982).
e República Democrática Alemã (Alemanha Oriental). Para De 1982 até 1998, o Chanceler foi Helmut Kohl do CDU.
completar, a Lei Fundamental Alemã (Constituição da Ale- Ele estava em seu gabinete em 1989, quando o Muro de
manha) foi promulgada em 1949. Berlim caiu, quando Gorbachev abandonou a Doutrina Bre-
De 1949 até 1963, o Chanceler Konrad Adenauer, mem- zhnev de proteção soviética a outros regimes comunistas.
bro do Partido Cristão Democrata (CDU), chegou ao poder Em 1990 as duas partes da Alemanha foram reunificadas,
na Alemanha Ocidental e procurou manter uma política de mas a economia da Alemanha oriental estava muito atrás
integração com a NATO e com os Estados Unidos. da ocidental. Mesmo com o Chanceler Kohl se mostrando
Adenauer resistiu com sucesso às pressões domésticas um conservador nos moldes de Ronald Reagan e Margaret
para que a Alemanha adotasse uma política de neutralida- Tatcher, cortando gastos com programas sociais e impostos,
de entre os blocos da Guerra Fria, como caminho para a para ajudar a economia.
reunificação. De 1998 até 2006, o governante foi o Chanceler Gerhard
No seu governo, a Alemanha Ocidental encontrou o seu Schroeder do SPD. Ele é mais famoso por sua oposição in-
Wirtschaftswunder ou Milagre Econômico, com uma grande flexível aos EUA por causa da invasão do Iraque, bem como
por abolir benefícios do seguro desemprego nas chamadas
recuperação através de toda nação.
reformas Hartz. Após as eleições de 2006, Angela Merkel se
tornou Chanceler e ela é membro do CDU.
Adenauer 1956
A União Europeia
O país entrou numa desnazificação, que envolvia censura
às ideias fascistas e a mostra de filmes feitos em Dachau As guerras Franco-Prussianas, a Primeira Guerra Mundial
História Mundial

e outros campos de concentração em cinemas alemães. O e a Segunda Guerra Mundial deixaram uma marca indelével
sistema de educação da Alemanha foi também objeto de na Europa moderna.
desnazificação com livros didáticos descartados por causa A ferocidade e a destruição dessas guerras levou a um
da inclusão de propaganda nazista. esforço conjunto dos líderes europeus em busca de uma
Os Julgamentos de Nuremberg são o exemplo mais visível forma de garantir paz duradoura para a Europa. Em nível
da desnazificação durante esse período, uma vez que envol- político, foi combinado que a melhor forma seria unir as
veram os mais altos membros do partido nazista, embora nações economicamente e politicamente.
milhares tenham sido julgados em nível local pelos Aliados. Esse foi o início da União Europeia (EU).

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Membros podia fazer contra o avanço, por isso a Inglaterra pede ajuda
São atualmente 28 os membros da União Europeia. Os de vários países.
seis membros originais foram França, Alemanha (ocidental),
Itália, Luxemburgo e Holanda. Entre 1973 e 1986, a Dina- Doutrina Truman – o governo dos EUA se compromete
marca, Irlanda, Grã-Bretanha, Grécia, Portugal e Espanha a fornecer auxílio econômico e militar à Grécia, Turquia e
aderiram à União Europeia. demais estados que resistiam às tentativas de subjugação
Em 1995, ingressaram a Áustria, Finlândia e Suécia. promovidas por minorias armadas e por pressões externas
Nove anos mais tarde, dez países foram admitidos – Polô- – em 1947, o presidente dos EUA, Harry Truman, elabora
nia, República Checa, República Eslovaca, Lituânia, Letônia, uma doutrina, uma série de ações e posturas que o Estado
Estônia, Hungria, Eslovênia, Malta e Chipre. O número de americano tomaria para conter o comunismo, o governo
países membros da EU aumentou novamente em janeiro de americano se compromete a oferecer auxilio econômico e
2007 com a adição da Romênia e da Bulgária e em julho de militar. O presidente dos EUA deixa claro que a estratégia
2013 a Croácia se juntou a eles. A Macedônia, Montenegro, americana contra o comunismo passa por uma ação econô-
Sérvia e Turquia estão em conversações sobre uma possível mica, para que o capitalismo fosse bem-sucedido, e por uma
participação na União Europeia. ação militar, o que o capital não resolvesse a força resolveria.
Em 1944 o Acordo de Bretton Woods, criou a Organiza-
ção Mundial do Comércio (no original WTO) que lutava para Plano Marshall – fornecimento, pelos EUA, de auxílio
eliminar os impostos e promover um comércio livre. econômico aos países Europeus arruinados pela guerra –
Estabeleceu um Banco Mundial, para prover emprésti- URSS proibiu a participação dos socialistas – de imediato a
mos aos países menos desenvolvidos, e o Fundo Monetário ideia do governo americano para sanear a Europa da ameaça
Internacional (no original IMF), que garante empréstimos aos comunista pós-guerra foi criar o Plano Marshall, investindo
países em crise econômica para prevenir a queda de seus recursos econômicos na Europa para afastar o socialismo. A
governos. O acordo também fixou taxas de câmbio das mo- ideia do Plano Marshall foi dar dinheiro aos países ameaça-
edas, que se tornaram taxas de câmbio flutuantes em 1971. dos pelo comunismo e esses entrariam na lógica capitalista.
Em 1945 foram estabelecidas as Nações Unidas. Em oposição a URSS criou o COMECON – promover a
Em 1951, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço integração econômica bloco socialista – O Stalingrado faz
(no original ECSC) foi estabelecida, tendo como membros a o COMECON, Conselho para Assistência Econômica Mútua,
Bélgica, Alemanha Ocidental, Luxemburgo, França, Itália e que tem a ideia de que todo o recurso extra que os países
Holanda. Em 1957, os Tratados de Roma estabeleceram a socialistas tivessem dariam à URSS, para esta sair da crise
Comunidade Europeia de Energia Atômica (no original EU- primeiro, se desenvolver e posteriormente poder ajudar os
RATOM) e a Comunidade Econômica Europeia (no original países socialistas.
EEC). Seus membros removiam barreiras comerciais entre
eles e formavam um Mercado Comum. 1949 – surgimento da OTAN (Organização do Tratado do
Em 1992, o Tratado de Maastricht foi concebido para Atlântico Norte) – devido ao lançamento da 1ª bomba atômi-
providenciar cooperação no emprego das leis, justiça cri- ca pela URSS, o governo americano lidera a criação de um or-
minal, problemas civis e judiciais além de asilo e imigração. ganismo de defesa militar para os países capitalistas, a OTAN,
um instrumento militar para tentar impedir a expansão do
Guerra Fria e Descolonização socialismo, onde não fosse possível interromper a expansão
do comunismo pacificamente, seria interrompida a força.
A Guerra Fria 1955 – estruturação do Pacto de Varsóvia – por conta da
estruturação das duas Alemanhas, o governo da URSS cria
Conflito indireto ideológico, político, econômico e militar, o Pacto de Varsóvia, aliança militar entre os países do bloco
entre EUA e URSS, e os seus respectivos aliados – antes da 2ª socialista. Um exemplo de uma ação dessa aliança aconteceu
guerra mundial acabar, quando a derrota da Alemanha pare- em 1968, a chamada Primavera de Praga na Tchecoslováquia,
cia cada vez mais próxima, Inglaterra e EUA começam a ter a que coloca no poder um governo que queria o socialismo, po-
preocupação de evitar a expansão do comunismo, a partir da rém com democracia, a URSS envia tropas para lá, derruba o
Conferência de Yalta fica evidente que o mundo se estrutura governo que estava no poder, prende vários simpatizantes do
dentro de uma base bipolar, de um lado o capitalismo, EUA, regime e coloca no poder um governo totalmente socialista,
e do outro o socialismo, URSS. Quando a guerra termina essa aliança serviu muito mais para fortalecer o socialismo
com a derrota da Alemanha o mundo é dividido entre EUA nos países socialistas do que se contrapor ao capitalismo.
e URSS, ou seja, bipolar, esses vão lutar por mais lugares de
influência, esse conflito e chamado de Guerra Fria, é indireta, Macarthismo – Na dinâmica da Guerra Fria os EUA con-
pois os 2 principais opositores jamais foram diretamente a sideravam que tinha que existir o capitalismo perfeito e não
um conflito, porém entraram em conflitos indiretos com seus poderia haver a proliferação de idéias socialistas nos EUA,
respectivos aliados, um único episódio botou EUA e URSS dentro dessa ideia vai surgir um movimento nos EUA chama-
de frente, foi a Crise dos Mísseis, em Cuba, com relação as do Macarthismo, criado por Joseph McCarthy, considerava
origens da Guerra Fria. que os EUA tinham que ter o melhor capitalismo do mundo,
assim cria o Comitê de Investigação de Atividades Antiameri-
1946 – discurso de Churchill sobre a formação de uma canas, esse comitê capturava simpatizantes do socialismo e
História Mundial

“Cortina de Ferro” – para muitos o início da Guerra Fria foi submetiam-lhes ao julgamento, se fosse considerado culpado
dado em 1946, quando o Primeiro Ministro da Inglaterra, ele era afastado, de sua rotina comum, a maioria dos investi-
Churchill, deu uma palestra numa universidade americana, gados pertencia ao serviço público, indústria do espetáculo,
dizendo que com a derrota do nazismo o mundo sofria uma ciência, educação e sindicatos. Uma das maiores vítimas do
nova ameaça, a formação de uma “Cortina de Ferro” no leste Macarthismo foi Charles Chaplin. Após ser investigado, não
da Europa, que nessa região acreditavam que tinha se for- conseguia mais produzir nada nos EUA, pois o senador Mc-
mado uma barreira intransponível à penetração das ideias Carthy o considerava a favor do socialismo, assim começou a
capitalistas, Churchill afirmou também que a Inglaterra nada produzir seus filmes na Europa.

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A Descolonização Afro-Asiática 1919 – greve geral liderada por Gandhi – reação inglesa –
Crítica à expressão “descolonização” Gandhi, membro da elite formado em advocacia na Ingla-
terra. Durante o período em que estudou na Inglaterra, viu
• Visão eurocêntrica valores de igualdade e noção de direitos. Ao retornar à Índia,
Desprezo pela luta dos colonos – ocorreram movimentos ingressa num trem vestido como um inglês, ao perceberem
de independência, porém com essa expressão parece que que ele é hindu, o expulsão do trem, assim que ele vê que
as potências imperialistas que colonizaram a Ásia e a África, é discriminado no país, começa um movimento contra a co-
no Pós-guerra, não quiseram mais manter domínio sobre lonização inglesa, contra a discriminação, lidera uma greve,
essas regiões. com boa participação do povo indiano, levando a Inglaterra a
tomar medidas contra os indianos que protestavam. Gandhi é
Causas: preso, na prisão realiza greves de fome, a BBC chega a cobrir
• Fragilidade europeia ao término da 2ª guerra mundial várias vezes essas greves de fome. A Inglaterra não o deixava
– principais potências imperialistas estavam arruinadas morrer de fome, pois preferia a oposição de Gandhi, que não
pela guerra, fazendo com que os colonos percebam envolvia guerras e possibilitava uma negociação entre Índia e
que isso era favorável à independência. Ex: França que- Inglaterra, a qualquer outro tipo de oposição. Numa dessas
brada, precisando do auxílio econômico dos EUA, os libertações de Gandhi, ele deu início ao principal instrumento
argelinos aproveitam para se libertarem do domínio de luta contra o governo inglês, a desobediência civil não
francês, pois os franceses não teriam como resistir a violenta. Ex: não comprar produtos ingleses.
esses movimentos. 1930 – Marcha do Sal – Gandhi lidera uma caminhada
• Desenvolvimento do território colonial – quando as para o litoral, para produzirem sal, isso foi uma reação à
potências imperialistas dominam povos na África e na política inglesa na Índia, ao consumo de produtos que era
Ásia eles vão encontrar povos em estágios civilizatórios monopolizado pela Inglaterra.
muito atrasados, isso obrigou as potências a investir Conflito entre hindus e muçulmanos – com a indepen-
nessas regiões. dência da Índia ficando mais evidente, os muçulmanos india-
• Contestação do suposto mito de superioridade euro- nos, começam a exigir a criação de um Estado muçulmano
peia. na Índia.
• Nacionalismo – princípio de autodeterminação dos
18/07/1947 – divisão entre Índia e Paquistão – a Índia
povos – Inglaterra, EUA e França, criticavam o domí-
se torna independente da Inglaterra, e o Paquistão também,
nio nazista, pois feria o princípio de autodeterminação
mas com um problema, o governo da Inglaterra deixa a po-
dos povos, o qual todos os povos teriam o direito de
pulação paquistanesa dividida em 2 territórios, o Paquistão
se governar. Ao terminar a guerra, os africanos e os
ocidental que tinha domínio político sobre o oriental, isso
asiáticos vêem que se todos os povos tinham o direi-
to de se autodeterminar, de acordo com seus países faz com que em 1971 o Paquistão oriental queira se tornar
colonizadores, eles se vêem no mesmo direito. independente do ocidental, dando origem a Bangladesh, com
apoio da Índia e da Inglaterra, pois quanto mais fragmenta-
Dinâmica da Guerra Fria va‑se mais independente ficava, mais fácil para Inglaterra
exercer domínio econômico.
Tipos de descolonização 15/08/1947 – proclamação da independência.
a) Descolonização Pacífica – resultado de acordos e nego- 31/01/1948 – assassinato de Gandhi – por um hindu radi-
ciações entre metrópole e colônia. Independência concedida cal que o responsabilizava pelo enfraquecimento do novo go-
pela metrópole em troca da manutenção de vínculos econô- verno ao insistir no pagamento de certas dívidas ao Paquistão.
micos (ex: acordo comercial, controle de determinado setor
da economia…) ou políticos que assegurassem uma ascen- *Nos anos de 1970 a Índia e o Paquistão vão protagonizar
dência sobre a antiga colônia. Ex: Índia, Birmânia, Malásia, uma das guerras típicas da Guerra Fria, a guerra da Caxe-
Camarões, Senegal, Nigéria. mira, surpreendentemente fugindo ao controle dos EUA e
b) Descolonização Violenta – processo de libertação co- da URSS, tanto a Índia quanto o Paquistão vão desenvolver
lonial marcado por guerras de independência ou por guerras armamentos nucleares.
civis. Ex: Argélia, Vietnã, Congo Belga.
c) Descolonização Tardia – movimento de libertação das •Argélia – os argelinos são vistos pelos franceses como
antigas colônias portuguesas que se processou na década de pessoas, que por terem uma qualificação precária, “roubam”
1970 sob orientação marxista. Enquanto os outros se torna- espaço dos franceses no mercado de trabalho e representam
ram independentes depois do final da 2ª guerra até 1960. Por uma ameaça, pois são seguidores do islamismo, esse pre-
Portugal não participar da guerra o movimento de libertação conceito remonta o processo de descolonização da Argélia
foi tardio. Ex: Angola, Moçambique, Cabo Verde. do domínio francês.
A luta contra o nazismo e o despertar do nacionalismo
Principais Exemplos: na região – ao explodir a 2ª guerra mundial e o domínio
• Índia – principal exemplo de movimento de descoloni- da França pelos nazistas, os argelinos se incorporam a luta
zação foi o movimento de independência da Índia contra o contra o nazi-fascismo, isso desperta nos argelinos um sen-
colonialismo inglês, liderado por um hindu, Mahatma Gan- timento nacionalista.
História Mundial

dhi, a Índia era vista pela Inglaterra como o mais precioso A rejeição ao Estatuto de Igualdade e Autonomia provo-
território colonial, uma colônia gigantesca, com uma popu- cou inúmeras manifestações pela libertação – violenta re-
lação gigantesca. pressão francesa – ao acabar a guerra, argelinos que sabiam
1885 – criação do Partido do Congresso Nacional do In- do princípio de autodeterminação dos povos, solicitam ao
diano – queria separar a Índia da Inglaterra sem mudanças governo francês a liberdade, propondo o Estatuto de Igualda-
sociais, ou seja, manter as castas, que até hoje existem. de e Autonomia, o governo francês nega essa independência,
1906 – criação da Liga Muçulmana – separar a Índia do isso gera protestos na Argélia, e o governo francês age com
domínio inglês, criando um estado muçulmano. violência contra esses protestos.

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1945-1954 – Organização da Frente de Libertação Na- impedir a independência deles, os franceses desembarcam
cional (FLN) em Hanói, e dão início a guerra da Indochina.
Derrota francesa em Dien Bien Phu – essa reação faz 1954 – derrota francesa em Dien Bien Phu.
com que os argelinos fundem a FLN, criada com o objetivo
de libertar a Argélia do domínio francês, sobre inspiração na Os acordos de Genebra determinaram:
batalha de Dien Bien Phu, em que tropas francesas foram Partilha da Indochina em quatro estados independentes:
derrubadas por tropas da Indochina, a derrota francesa leva Vietnã do Norte, do Sul, Laos e Camboja.
os argelinos a imaginarem que também poderiam se orga- Realização de eleições livres para unificar o Vietnã –
nizar e lutar contra a França. imaginavam que o Vietnã do Sul conseguisse apresentar
Triunfo da Revolução Nasseriana – o presidente egípcio, um nome que ganhasse as eleições e consequentemente o
Nasser, nacionaliza o canal de Suez, e tem uma proposta, a Vietnã conseguisse virar uma área de influência capitalista,
do Pan-arabismo, em que povos árabes unir-se-iam contra porém como candidato a presidência da república, Ho chi
o mundo ocidental. Com isso os argelinos pensam que po- Minh, tudo mostrava que ganharia e Vietnã viraria um es-
deriam se incorporar a luta do Nasser. tado socialista.
Conflitos entre a FLN e os “Pied Noir” (pés pretos) – a FLN 1960 – Organização do Vietcong – os vietnamitas do
no seu desejo de tornar a Argélia independente teve como Norte, com apoio de alguns segmentos da esquerda do Sul,
principal oposição os Pied Noir, descendentes de franceses e fundam o Vietcong, uma guerrilha socialista vietnamita.
franceses que dominavam socialmente a Argélia, apoiavam o 1961 – Intervenção dos EUA – o governo americano, em
nazismo e não admitiam perder seus privilégios pós-guerra. 1962, manda tropas para o Vietnã, dizendo que essas tropas
1957 – Batalha de Argel – as tropas francesas massa- seriam observadoras políticas do processo eleitoral, porém
cram os argelinos. Embora tenha promovido a vitória militar elas impedem a realização das eleições. Com a presença dos
francesa sobre a Argélia, provoca uma reação negativa em soldados americanos tem início uma guerra entre EUA e o
segmentos da população francesa. Vietcong.
– Impopularidade do conflito entre a esquerda francesa – 1973 – Retirada das tropas americanas do Vietnã – os
a esquerda francesa considerava que a postura do governo Vietcongs utilizam todas as possibilidades para enfrentar
em relação à Argélia era uma postura idêntica a que os na- a principal potência mundial, usam armadilhas, táticas de
zistas usaram na guerra. guerra, desenvolvem túneis, assim as tropas americanas,
1958 – Ascensão de Charles de Gaulle – discussão da tentam usar armas químicas, porém não conseguem der-
questão argelina – Charles de Gaulle, presidente da França,
rotar os Vietcongs.
percebe que a conjuntura argelina não era mais favorável
– Perdas humanas e materiais
ao domínio francês sobre a Argélia, não via a guerra com
– Oposição interna e internacional
a Argélia como algo positivo, assim admite que negocia a
– Resistência Vietnamita
questão argelina e que não negocia com os Pied Noir, pois
os consideravam nazistas.
• Angola
Janeiro/1961 – após a realização de um plebiscito foram
Portugal não participa da 2ª guerra mundial, por isso é
iniciados os acordos de Evian – Charles de Gaulle convoca
dificultada a luta de independência pelos angolanos. Por-
um plebiscito, 91% vota pela abertura de negociação da des-
colonização argelina. Os Pied Noir, com reconhecimento da tugal era governado pela ditadura Salazarista, em 1953 em
liberação da Argélia do domínio da França, evoluem e fazem Cabo Verde houve uma luta pela independência e o governo
um grupo terrorista para promover atentados contra Charles salazarista massacrou os rebeldes.
de Gaulle para impossibilitar a libertação da Argélia. 1956 – surgimento do MPLA, sob a liderança de Agos-
Março/1962 – concessão de independência à Argélia tinho Neto – Movimento Popular de Libertação de Angola,
03/07/1962 – proclamação da independência em Argel com objetivo de separar Angola do domínio de Portugal e
O desemprego e a concentração fundiária preocupavam implantar um regime socialista.
a FLN – ameaça revolucionária de caráter socialista – o go- 1961 – início da guerrilha pela independência
verno da FLN estimulou a islamização como mecanismo de 1966 – organização da UNITA – União para Independência
controle social, pois dentro dos preceitos do islamismo não Total da Angola, queria a independência assim como o MPLA,
se pode questionar a desigualdade social, pois é fruto da porém mantendo a estrutura capitalista.
vontade de Deus. Abril/1974 – eclosão da Revolução dos Cravos – movi-
mento contra a ditadura salazarista, conta com a participação
• Indochina – A Guerra do Vietnã de militares do exército português, pretendia tirar do poder
Marcelo Caetano, acabando com o Salazarismo e favorecen-
Colônia Francesa do a luta pela independência de Angola, pois como os milita-
1930 – criação do Partido Comunista Indochinês por Ho res participam da revolução, o governo português não reage
Chi Minh. à luta pela independência.
1939 – fundação Vietminh – sobre liderança de Ho chi – Fim do Salazarismo – Portugal passa a ter um governo
Minh, grupo de guerreiros que luta contra o domínio francês, democrático, assiste revoltas de independência e se compro-
vários segmentos apoiam o Vietminh, pois essa foi uma luta mete a negociar com colônias africanas suas independências,
História Mundial

anticolonialista. reconhecem a independência de Angola, que faz uma opção


1945 – o Vietminh conquistou Hanói e proclamou a Repú- pelo socialismo.
blica Democrática do Vietnã – Balgai, um político ligado aos – Assinatura do Tratado de Alvor entre MPLA, FNLA e
interesses da França, cria o Vietnã do Sul, região submetida UNITA – fracassa.
aos interesses franceses. – Guerra civil MPLA (desestabilizou o socialismo) X UNI-
1946 – desembarque de tropas francesas em Hanói – TA – a UNITA, patrocinada pelos EUA e África do Sul, inicia
guerra da Indochina – recém terminada a 2ª guerra, a Fran- uma guerra civil contra o MPLA, que era patrocinada pela
ça recruta soldados para lutar na Argélia e no Vietnã, para URSS e Cuba.

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• Moçambique Comunista. A partir de então, começou a série de expurgos
1962 – Samora Machel (socialista) cria a Frelimo (Frente que caracterizariam os 25 anos de mandato stalinista. Trotsky
de Libertação de Moçambique). foi proscrito na União Soviética e, em 1940, assassinado no
1965 – Frelimo conquista o poder e a guerra civil com a México.
Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), que defendia
os interesses capitalistas. A Fundação da URSS
1977 – adesão ao bloco socialista. Durante a década de 1920, aconteceram mudanças radi-
1992 – acordo de paz entre os 2 grupos. cais na administração governamental e ocorreram melhorias
notáveis na economia nacional e nas relações internacionais.
Construção e Crise do Socialismo: a Urss, a China e a A Constituição de 1924 reorganizava os territórios sob con-
Europa Oriental trole soviético em torno do novo Estado.

História da União Soviética – URSS A Transformação Econômica

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (em Em 1928 teve início um período de economia planificada
russo, Soiuz Sovietskikh Sotsialisticheskikh Respublik), Estado dirigida a partir do Comitê de Planificação Estatal (GOSPLAN,
federal plurinacional criado como resultado da Revolução criado em 1921), colocando em prática o primeiro dos planos
Russa em 1917 no território do antigo império russo, fundado quinquenais aplicados por Stalin.
com tal denominação em dezembro de 1922. Cada um desses planos, que duravam 5 anos, aplicava
A URSS começou com a conquista do poder pelo Congres- uma série de programas para desenvolver a economia na-
so dos Sovietes de toda Rússia, dirigido pelo partido bolche- cional. Os objetivos básicos eram transformar a URSS de um
vique, que promulgou imediatamente uma série de decretos país agrícola em uma potência industrializada, completar a
através dos quais a Rússia deixaria de combater na I Guerra coletivização da agricultura e transformar profundamente a
Mundial, toda terra seria nacionalizada e se constituiria o natureza da sociedade.
Conselho dos Comissários do Povo (Sovnarkom), que atuaria
como primeiro governo dos trabalhadores e dos camponeses O Grande Expurgo
presidido por Lenin.
Os sovietes garantiram o direito à igualdade e à auto- Em meados da década de 1930, a política soviética foi
determinação das numerosas nacionalidades. A primeira caracterizada pelos drásticos expurgos de todos os elementos
nação a tirar proveito desta situação foi a Finlândia, onde supostamente contrários à política stalinista. Os denomina-
foi estabelecido um governo nacional e reconhecida a inde- dos “processos de Moscou” suscitaram críticas em todo o
pendência. As idéias fundamentais foram reconhecidas na mundo ao regime soviético, que ficou seriamente debilitado
Constituição de 1918, que proclamou a República Socialista pelas numerosas execuções.
Federativa Soviética da Rússia (RSFSR).
A Política Externa
O Tratado de Paz
Do ponto de vista soviético, os acontecimentos interna-
As negociações de paz com a Alemanha se iniciaram em cionais ocorridos durante a década de 1930 colocaram em
1917. Os termos da paz apresentados pelos alemães no Trata- crescente perigo a segurança da URSS. A ocupação japonesa
do de Brest-Litovsk eram inaceitáveis; entretanto, concluiu-se da região de Dongbei Pingyuan ou Manchúria em 1931 e a
um tratado segundo o qual a RSFSR cedia a Ucrânia, a Polônia ascensão de Hitler na Alemanha supuseram uma ameaça
e os estados bálticos, o que provocou o rompimento do Par- para a segurança soviética.
tido Socialista Revolucionário e a resposta dos bolcheviques Buscando estabelecer alianças com outras potências para
no chamado Terror Vermelho. resistir à ofensiva fascista, especialmente com a França e a
A RSFSR se transformou em um Estado com regime de Grã-Bretanha, a URSS ingressou na Sociedade das Nações em
partido único, o Partido Comunista Russo (bolchevique), 1934. No verão de 1938 se originou uma grave crise quando
nome adotado pelo Partido Trabalhista Socialdemocrata
o governo alemão exigiu do governo da Tchecoslováquia a
Russo (POSDR) em 1918.
cessão dos Sudetos. O resultado da tímida postura adotada
pela França e Grã-Bretanha foi o Pacto de Munique, que
A Guerra Civil
assegurava a cessão dos territórios em litígio à Alemanha.
A política social e econômica provocou a Guerra Civil e a
intervenção das potências estrangeiras. Apesar dos reveses A 2ª Guerra Mundial
iniciais, os bolcheviques conseguiram repelir esses ataques
no início de 1920 e as tropas soviéticas, reorganizadas por A guerra fronteiriça contra o Japão e a inquietação diante
Leon Trotsky em 1918 com o nome de Exército Vermelho, dos progressos alemães em 1939 provocaram a assinatura de
iniciaram a contraofensiva. um pacto de amizade e de não-agressão entre a Alemanha e
A guerra com a Polônia terminou com a assinatura, em a URSS (conhecido como Pacto Ribbentrop-Molótov) que, em
1921, do Tratado de Riga, e a Guerra Civil após a expulsão das uma cláusula secreta, determinava a partilha da Polônia e as
tropas de ocupação japonesas da Sibéria oriental no final de esferas de influência de ambos os países na Europa Oriental.
História Mundial

1922. O denominado “comunismo de guerra” arruinou por Em 1º de setembro, a invasão alemã da Polônia levou
completo a economia do país e Lenin adotou a denominada a França e a Grã-Bretanha a declararem guerra a esse país.
Nova Política Econômica (NEP) em 1922. Assim começou a II Guerra Mundial. Dezesseis dias mais tar-
de, o Exército Vermelho ocupava a parte oriental da Polônia.
A Época de Stalin A ocupação do leste da Polônia foi a primeira de uma série
de anexações territoriais que afetaram a Estônia, a Letônia,
Na luta pelo poder desencadeada após a morte de Lenin a Lituânia, a Carélia, a Bessarábia e a parte setentrional da
em 1924, Josef Stalin obteve o apoio da maioria no Partido Bucovina.

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Os pactos de não-agressão impostos pela URSS aos pa- Aleksei Nikolaievitch Kosiguin foi nomeado primeiro mi-
íses bálticos lhe deram o direito de estacionar tropas nes- nistro. Em 1977, Brejnev tornou-se chefe do Estado e pro-
ses territórios. No final de 1939, o governo soviético exigiu mulgou uma nova Constituição. Iuri Andropov, antigo chefe
da Finlândia a cessão do istmo da Carélia, o que originou a da polícia secreta soviética (KGB), ocupou a secretaria geral
Guerra Russo-finlandesa. Segundo os acordos do tratado de do partido. A rápida industrialização obtida graças aos pla-
paz, a URSS ficou com os territórios do istmo da Carélia e o nos quinquenais de Stalin transformou o país na segunda
porto de Viborg. potência industrial e militar do mundo.
Ao mesmo tempo, dirigiu seus objetivos para os Balcãs.
Exigiu da Romênia a devolução da Bessarábia e a entrega do O Desenvolvimento Cultural
norte da Bukovina. Entretanto, em 1941 firmava com o Japão
um pacto de neutralidade. Em junho deste ano, a Alemanha A partir de meados do século XX, o governo soviético
invadiu a URSS, e em janeiro de 1942, após aceitar os prin- pretendeu que os cidadãos das diversas nacionalidades da
cípios da Carta do Atlântico, o governo soviético e outros 25 URSS participassem da cultura de uma sociedade comunis-
governos dos países aliados assinaram uma declaração atra- ta homogênea, conservando ao mesmo tempo as tradições
vés da qual se comprometiam a cooperar na guerra contra específicas de cada povo ou nacionalidade.
as potências do Eixo. Como resultado dessa política o analfabetismo foi erradi-
Enquanto no norte os alemães freavam seu avanço para cado. Os avanços no campo das ciências naturais foram notá-
Moscou, no sul foram finalmente detidos e derrotados na veis, destacando áreas como a química e a física. Prestou-se
épica batalha de Stalingrado (hoje Volgogrado). Em 8 de maio grande atenção à energia nuclear e à exploração do espaço.
de 1945 acabou a guerra na Europa. O governo insistiu que todos os aspectos da cultura sovi-
Três meses mais tarde, segundo um tratado secreto, a ética deviam fomentar a sociedade comunista. Essa premissa
URSS declarou guerra ao Japão e ocupou grande parte da não supôs um sério condicionante para a ciência, apesar da
região de Dongbei Pingyuan ou Manchúria, da Coreia do atitude do governo produzir personalidades como Trofim
Norte, das ilhas Kurilas e a parte meridional da ilha Sakhalin. Lissenko, Sergei Prokofiev e Dimitri Chostakovitch, mostran-
No final da guerra foi reconhecida como uma das grandes do como os valores políticos podiam afetar as concepções
potências mundiais e participava junto aos chefes de governo científicas ou artísticas.
dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha das conferências de As belas-artes e a literatura sofreram graves limitações
Teerã, Yalta e Potsdam para estabelecer uma política comum. por conta das exigências do realismo socialista. Durante a
Em 1947, já havia sido desenhada a chamada Cortina de década de 1920 a arte modernista russa conheceu uma idade
ferro. de ouro, mas foram proibidas a literatura de vanguarda e as
obras pictóricas de Marc Chagall, Kazimir Malevitch e Was-
O Início da Guerra Fria sily Kandinsky, entre outros. Centenas de dissidentes foram
cassados, detidos e enviados para instituições psiquiátricas
O governo soviético encarou os problemas do pós-guerra ou campos de trabalhos forçados. Os mais distinguidos foram
com uma política expansionista destinada a aumentar os o escritor Aleksandr Isaievitch Soljenitsin e o físico nuclear
territórios controlados pelos governos comunistas leais, Andrei Sakharov.
fortalecer sua segurança na previsão de futuras agressões
e utilizar o movimento comunista internacional como ins- Relações com os Países Satélites
trumento para incorporar outros países a sua órbita, o que
gerou o conflito conhecido como Guerra fria. A criação do Pacto de Varsóvia em 1955 como aliança
Em 1948, a Tchecoslováquia caiu sob o controle da URSS. militar que integrava à URSS seus países satélites, foi a res-
Em troca, a Iugoslávia, dirigida pelo marechal Tito, foi expul- posta à OTAN e serviu para fortalecer o controle soviético
sa da Oficina de Informação Comunista (Kominform) e Tito sobre o Leste Europeu. A Revolução Húngara no final de 1956
se transformou no porta-voz máximo do não-alinhamento provocou a intervenção das tropas soviéticas, que esmaga-
durante a Guerra fria. Essa situação conduziu à criação da ram brutalmente o movimento e impuseram um governo de
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1949. marionetes presidido por János Kádár.
A URSS, por sua vez, fundou nesse mesmo ano o Conselho Na Tchecoslováquia a crise do verão de 1968 foi respondi-
de Ajuda Econômica Mútua (COMECON) para coordenar a da com a invasão e ocupação de aproximadamente 600.000
atividade econômica dos Estados sob seu controle. As rela- soldados soviéticos e do Pacto de Varsóvia. Essa repressão
ções com a China durante esse período foram conciliatórias teve conseqüências negativas para os partidos comunistas de
e o Exército vermelho se retirou da Manchúria. muitos países distantes do bloco soviético. Entretanto, a Con-
ferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, celebrada
A Luta pela Liderança em Helsinki (Finlândia) em 1975, ratificou aparentemente o
domínio soviético no Leste Europeu.
Com a morte de Stalin, Georgi Maximilianovitch Ma-
lenkov, Lavrenti Beria, Kliment Vorochilov, Nikita Khrutchev, Relações com a China
Nikolai Aleksandrovitch Bulganin e Lazar M. Kaganovitch
ocuparam os cargos mais relevantes, embora de imediato Em 1949, a URSS reconheceu plenamente o governo chi-
surgisse uma luta pelo poder, que em 1957 acabou nas mãos nês de Mao Zedong (Mao Tsé-tung), aliou-se a ele e conti-
História Mundial

de Khrutchev. nuou exigindo que substituísse na ONU o governo nacionalis-


Em uma surpreendente manobra realizada no XX Con- ta de Jiang Jieshi (Chiang Kai-shek), estabelecido em Taiwan.
gresso do PCUS (1956) diversos líderes comunistas, como Ambos os países apoiaram a Coreia do Norte durante a guerra
Khrutchev, denunciaram a política de Stalin e repudiaram da Coreia, mas a URSS negou, em 1959, ajuda a China para
grande parte do que ela representou. Khrutchev foi desti- o desenvolvimento de seu poderio nuclear.
tuído no mês de outubro de 1964 por conta do progresso Ao crescer em intensidade, o conflito ameaçou, inclu-
insatisfatório da agricultura e da indústria, e pelos desastres sive, culminar em uma guerra entre os dois países. A visita
na política externa. do presidente norte-americano Richard Nixon a China em

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1972 alarmou ainda mais a URSS sobre a possibilidade de A Era Gorbatchov
um realinhamento das potências.
Konstantin Ustinovitch Tchernenko, que faleceu treze
Relações com Outras Nações Asiáticas meses antes de ser eleito chefe de Estado, foi substituído
em 1985 por Mikhail Gorbatchov. Os planos de Gorbatchov
Em 1950, a URSS reconheceu as forças comunistas viet- exigiam a perestroika (“reestruturação”) da economia nacio-
namitas de Ho Chi Minh. Em 1954, participou do Acordo de nal e uma glasnost (“abertura”) na vida política e cultural. Em
Genebra que dividiu o país em Vietnã do Norte e Vietnã do 1989, o povo soviético participou das primeiras eleições livres
Sul, e continuou apoiando o primeiro. celebradas desde 1917 e elegeu um renovado Congresso de
Durante a guerra do Vietnã entrou em conflito com os Deputados do Povo.
Estados Unidos e após a vitória norte-vietnamita manteve Dois trágicos acontecimentos dificultaram o processo
seu apoio em sua luta contra a China. As relações com outros de reformas: o grave acidente ocorrido em 1986 na cen-
países asiáticos foram conciliatórias, mas também agressivas. tral nuclear de Chernobyl, que causou sérios danos ao meio
Em 1966, foi mediadora no confronto entre a Índia e o Pa- ambiente e revelou graves deficiências no programa nuclear
quistão pela região de Kashmir, que terminou com a criação soviético; e o terremoto na Armênia em 1988, que provocou
do Estado de Bangladesh em 1971. Por outro lado, a URSS se mais de 25.000 mortes e deixou, pelo menos, 400.000 pesso-
negou a devolver ao Japão as estratégicas ilhas Kurilas. E em as sem lar. Nesse mesmo ano se chegou a um acordo para a
1979 as tropas soviéticas ocuparam o Afeganistão. retirada das tropas soviéticas que ocupavam o Afeganistão.
Entre 1985 e 1991, Gorbatchov celebrou diversas reu-
Penetração na África niões com os presidentes norte-americanos Ronald Reagan
e George Bush, e assinou um tratado que colocaria fim à
A influência soviética na África sofreu dois notáveis con- produção de armas químicas e um acordo para uma redução
tratempos durante a década de 1960. O primeiro ministro substancial das armas nucleares estratégicas. Gorbatchov
da República Democrática do Congo, o pró-soviético Patrice anunciou na Assembleia Geral das Nações Unidas a redução
Lumumba, foi assassinado em uma revolta em 1961. unilateral de armas convencionais, em especial no Leste Eu-
Em Gana, Kwame Nkrumah e seu governo comunista ropeu e na fronteira chino-soviética.
foram derrotados e os assessores soviéticos expulsos. En- Durante sua visita à Pequim em 1989, a China e a URSS
tretanto, durante a década de 1970 a URSS, com a ajuda das concordaram em reatar as relações após trinta anos de con-
tropas cubanas, conseguiu colocar no poder um governo flito. Em um encontro com o papa João Paulo II, prometeu
pró-soviético em Angola e ajudou a Etiópia a expulsar os garantir a liberdade religiosa na URSS e concordou em esta-
somalis. Respaldou a antigovernamental Frente Patriótica da belecer relações diplomáticas.
Rodésia (hoje Zimbábue) e grupos similares na África do Sul. As relações com Israel também melhoraram notavelmen-
A URSS apoiou o Egito quando nacionalizou o canal de te ao flexibilizar as restrições de migração aos judeus russos.
Suez em 1956, ajudou na construção da represa de Assuã e No conflito do Golfo Pérsico em 1990, a URSS apoiou a políti-
respaldou os egípcios na guerra dos Seis Dias (1967). Mas ca do governo dos Estados Unidos de utilizar a pressão eco-
em 1977, Anwar al-Sadat ordenou à URSS fechar seus consu- nômica e militar para forçar a retirada iraquiana do Kuwait.
lados e cessar todas suas atividades culturais. Os assessores
soviéticos também foram obrigados a abandonar o Sudão
O Comunismo em Crise
e a Somália.
Diferentemente de épocas passadas, a URSS se negou
Relações com a Europa Ocidental
a intervir no processo de reformas no Leste Europeu entre
1989 e 1991, que colocaram um fim aos governos comunistas
Em 1970 os governos da URSS e da Alemanha Ocidental
da Polônia, Hungria e Tchecoslováquia, e culminaram com a
assinaram um tratado pelo qual renunciavam ao uso da força
e aceitavam as fronteiras europeias existentes naquele mo- reunificação da Alemanha.
mento, inclusive a fronteira Oder-Neisse entre a Alemanha O COMECON e o Pacto de Varsóvia foram dissolvidos. Em
Oriental e a Polônia. 1990, em um processo de deterioramento cada vez maior
da economia soviética, o Partido Comunista concordou em
Relações com os Estados Unidos ceder seu monopólio político. Em 11 de março a Lituânia
declarou sua independência desafiando as sanções impostas
Em 1962 a URSS e os Estados Unidos sofreram uma grave por Moscou. A partir desse momento os grupos nacionalistas
deterioração de suas relações como consequência da deno- e os movimentos separatistas também atuaram em outras
minada crise dos mísseis de Cuba. Um ano depois, a URSS repúblicas e as explosões de violência étnica se tornaram
firmou um acordo com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha cada vez mais frequentes.
pelo qual estavam proibidas todas as provas nucleares, ex- Em agosto de 1991 a ala ortodoxa comunista deu um
ceto as subterrâneas. golpe de Estado e tentou reinstaurar o controle centralizado
Além disso, uniu-se aos Estados Unidos no compromisso comunista. Em três dias os reformistas, liderados por Boris
de manter livre o espaço de todo tipo de armamento. As Yeltsin, detiveram o golpe e começaram a desmantelar o
negociações, iniciadas em 1969 sobre a redução de armas aparato do partido. Com a URSS a beira do colapso, o Con-
nucleares de longo alcance, conhecidas como Conversações gresso dos Deputados do Povo concordou em 5 de setembro
História Mundial

para a Limitação das Armas Estratégicas (SALT), foram con- em estabelecer um governo provisório no qual o Conselho
cluídas em acordos posteriores que limitavam o número de de Estado, liderado por Gorbatchov e composto pelos pre-
mísseis e silos nucleares. sidentes das repúblicas participantes, exerceria poderes de
Apesar de certos focos de tensão, Jimmy Carter e Brejnev emergência.
alcançaram um acordo que se materializou no novo trata- A crescente influência de Yeltsin acabou com a de Gorba-
do SALT em 1979, mas o Congresso norte-americano não o tchov e o governo da Federação Russa assumiu os poderes
ratificou em virtude da intervenção do Exército soviético no que havia exercido o desaparecido governo soviético. Em 21
Afeganistão. de dezembro de 1991, a URSS deixou formalmente de existir.

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Onze das doze repúblicas que permaneceram concordaram parte da burguesia e dos intelectuais da zona controlada
em criar a chamada Comunidade dos Estados Independentes por Chiang Kai-shek.
(CEI). Gorbatchov renunciou em 25 de dezembro e no dia
seguinte o Parlamento soviético proclamou a dissolução da A Revolução Chinesa de 1949 e a República popular
URSS. A guerra civil terminou em 1949 com o PCC de Mao Tsé-
-Tung vitorioso e em 1º de Outubro de 1949, foi proclamada
China a República Popular da China (RPC). Derrotados Chiang Kai
Shek e seu Kuomintang, fugiram para a ilha de Taiwan. Lá
Revolução de 1911 e a República constituíram um governo nacionalista que até hoje governa
No início do século XX, devido às transformações e mu- de forma autônoma a ilha.
danças ocorridas com a introdução dos interesses estran- Durante os três primeiros anos do novo regime, a China
geiros em seus territórios, começou a ganhar força na um passou por diversas transformações econômicas: decretou-
expressivo movimento de modernização política entre repre- -se uma reforma agrária, nacionalizou as instituições finan-
sentantes políticos nacionalistas, anti-imperialista, militares e ceiras e comerciais e manteve o setor privado na indústria.
estudantes, que defendiam a derrubada da Dinastia Qing e a Além disso, a primeira constituição do regime foi aprovada
proclamação da República. Eles eram inspirados pelas ideias em 1954 e definia a China como um estado socialista, estru-
de Sun Yat-sen, fundador do partido nacionalista conhecido turado segundo os princípios do centralismo democrático e
como Kuomintang. alinhado a União Soviética e aos países europeus do bloco
Em outubro de 1911, um grupo de militares da cidade de soviético. Em 1950, os chineses intervieram na guerra da Co-
Wuchang, iniciou um conflito contra a dinastia Qing, que ra- reia, primeiro conflito militar a opor capitalistas e socialistas,
pidamente se espalhou pelo país dando origem a Revolução apoiando o governo comunista da Coreia do Norte contra a
de 1911. Ela levou à proclamação da República da Chinaem do Sul, respaldado pelas Nações Unidas.
1912 e a formação de um governo provisório. Sun Yat-sen foi A RPC foi moldada por uma série de campanhas e planos
declarado presidente, mas foi forçado a passar o poder a Yuan quinquenais, com diferentes níveis de êxito. O primeiro plano
Shikai, como parte do acordo de deixar o último imperador quinquenal, inspirado no modelo soviético, com o objetivo
abdicar. Nos anos seguintes, Shikai aboliu as assembleias na- de acelerar o processo de industrialização e incrementar a
cionais e provinciais e declarou-se imperador. Contudo, suas produção foi um sucesso. Seus resultados favoráveis estimu-
ambições imperiais encontraram forte oposição por parte laram o governo comunista chinês a criar um grande projeto
de seus subordinados, de modo que terminou por abdicar de transformação político-econômico que ficou conhecido
em 1916, morrendo logo depois. Sua morte deixou um vá- como “Grande Salto para Frente”. Entretanto, seu resultado
cuo de poder na China e inaugurou um período de guerras foi um fracasso e resultou em fome e degradação econômica
civis, durante a qual grande parte do país foi governado por e social.
coalizões concorrentes de líderes militares provinciais, os Paralelamente, surgiram graves problemas internos e
“Senhores da Guerra”. externos. Em 1960, a China rompeu relações com a União
Nos anos 1920, com a propagação de movimentos co- Soviética, devido à luta pela hegemonia na direção do movi-
munistas pelo mundo e sucesso da revolução na Rússia foi mento comunista internacional e as disputas territoriais ao
criado o Partido Comunista Chinês (PCC). Com forte apelo longo da fronteira. Internamente, o partido comunista estava
popular, o novo partido foi visto como uma ameaça à ordem dividido em duas facções: a primeira, que defendia a pureza
governamental e, por isso, seus membros foram perseguidos ideológica do comunismo chinês, e a segunda, favorável a
pelas autoridades. uma postura tecnocrática.
Na mesma época, Sun Yat-sen estabeleceu uma base re- Em 1966, Mao e seus aliados lançaram a Revolução Cul-
volucionária no sul da China e se propôs à unificação do país tural, um programa de controle cultural, político e ideoló-
com auxíliosoviético e aliado ao PCC. Após a sua morte em gico que duraria até a morte de Mao. Essa revolução foi
1925, seu sucessor, Chiang Kai-shek, assumiu o controle do fundamental para depurar o partido, afastando do poder
Kuomintange unificou a maior parte do sul e do centro da os elementos moderados e estimulando o espírito revolu-
China. Em seguida, rompeu com o PCC e iniciou a perseguição cionário do povo. A revolução cultural paralisou o progresso
aos comunistas, provocando uma guerra civil (1927-1936). material e tecnológico do país.
Em 1934, os comunistas iniciaram sua famosa “Longa Mar- Na década de 1970, a política internacional da China se
cha” pelos terrenos no noroeste da China, onde estabele- orientou no sentido da distensão e da moderação. Essa nova
ceram uma base guerrilheira. Durante a Longa Marcha, os postura criou condições para o ingresso do país nas Nações
comunistas reorganizaram sob um novo líder, Mao Tsé-tung. Unidas (outubro de 1971) e para a normalização das relações
Enquanto isso, em 1931, os japoneses aproveitaram a diplomáticas com muitos países capitalistas, como os Estados
guerra civil para forçar a entrega de vários territórios chi- Unidos com a histórica visita do presidente Nixon à China
neses. Essa política de concessões gerou protestos em toda em 1972 e o estabelecimento de relações diplomáticas com
China, o que obrigou o governo nacionalista a enfrentar os Brasil em 1974. Em 9 de setembro de 1976 morreu Mao Tsé-
invasores. Durante essa invasão japonesa, os nacionalistas -Tung e assim, a China entrava em uma era mais pragmática.
e os comunistas formaram uma frente unida para opor-se à
japonesa. Contudo, o conflito entre o KMT e o PCC continuou, Pós-maoísmo
aberta ou clandestinamente, ao longo dos catorze anos da Com a morte de Mao, em 1976, o “Bando dos Quatro”
História Mundial

invasão japonesa. (núcleo radical do Partido Comunista Chinês ligado a Mao


Após a derrota do Japão em 1945, a guerra entre o KMT Tsé-tung formado por sua esposa, Chiang Ching, e por Zhang
e o PCC foi retomada, depois de tentativas frustradas de Chunqiao, Yao Wenyuan e Wanga Hongwen) foram presos
reconciliação. Assim, em 1947, beneficiando-se da excessi- e acusados de excessos da Revolução Cultural, marcando o
va dispersão das tropas nacionalistas, o exército comunis- fim de uma era turbulenta política na China.
ta conquistou todo o norte da China. Ao mesmo tempo, a Deng Xiaoping emergiu como o líder de fato da China,
negativa do governo nacionalista de promover reformas e apesar do sucessor de Mao ser o presidente Hua Guofeng.
acabar com a corrupção atraiu para Mao o apoio de grande Deng foi o líder supremo da China, de 1978 a 1992. Embora

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nunca tenha se tornado o chefe do partido ou do Estado, Os grandes exemplos dessa nova China são os suces-
durante seu “governo”, foi iniciada a abertura da China para o sos tanto do programa espacial Chinês como a realização
mundo e a introdução de reformas na economia e sociedade, de grandes eventos mundiais. Em 2003 a China começou a
visando modernizar a China e trazer prosperidade. explorar o espaço com viagens tripuladas culminando em
No campo político, consolidava-se a tendência à disten- um passeio espacial em 2008 tornando-se o terceiro país a
são com os países ocidentais e ao confronto com a União levar um astronauta ao espaço.
Soviética. Nesta época, a China passou por uma grande aber- O sucesso de grandes eventos como as Olimpíadas Bei-
tura diplomática e de liberdades pessoais. Em 1982, houve jing em 2008 e Expo Shanghai 2010 reforçaram ainda mais
a promulgação de uma nova constituição. a imagem da China como um líder no cenário mundial indo
Um dos principais fatores que permitiram a arrancada de encontro com uma presença maior da China no cenário
da produção industrial e comércio da China foi a criação das global. A demanda por recursos naturais e commodities para
chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) por Deng. As seu acelerado crescimento resultou em parcerias e intercâm-
ZEEs apresentam políticas econômicas especiais (mais orien- bio cada vez maiores no comércio e investimentos. Com isso
tadas para o livre mercado) e medidas governamentais mais a China se tornou o maior parceiro comercial e investidor de
flexíveis, que visavam atrair investimentos estrangeiros e ab- diversos países, principalmente na África, Ásia e América
sorver as inovações tecnológicas desenvolvidas nos países Latina, expandindo conjuntamente sua influência econômica,
mais avançados. Isso permitiu às ZEEs terem um sistema de geopolítica e cultural.
gestão econômica propício para fazer negócios, que não exis- No fim de 2012, o Congresso do PCC elevou Xi Jinping ao
tia no resto da China continental. A primeira cidade chinesa
posto de secretário-geral do PCC e líder da Comissão Militar,
a abrigar uma ZEE foi Shenzhen.
assumindo a Presidência em Maio de 2013, com o Primeiro
Além disso, seu governo acelerou o processo de libera-
Ministro Li Keqiang.
lização e modernização com as reformas econômicas, onde
se destacam as quatro modernizações, nos setores da agri-
cultura, indústria e comércio, ciência/tecnologia e na área A Consolidação do Estado Nacional: Populismo e
militar. Contudo, o princípio socialista da propriedade estatal Autoritarismo
dos meios de produção não foi alterado. Estes eventos mar-
caram a transição da China de uma economia planejada para Quem quer que busque entender a política econômica
uma economia mista com um ambiente de mercado cada brasileira de 1930 a 1964 não pode prescindir da figura de
vez mais aberto, um sistema denominado por alguns como Getúlio Vargas, o presidente que mais tempo permaneceu
“socialismo de mercado” ou “capitalismo com características à frente do governo brasileiro, seja na qualidade de líder re-
chinesas”. volucionário (1930-37), ditador (1937-45), durante o Estado
Entretanto, o processo de modernização chinesa enfren- Novo, e presidente constitucional (1950-54). São 19 anos ao
tou dificuldades iniciais, já que o país passou a enfrentar os todo, enquanto prócer máximo do País.
problemas de transição para uma um mercado mais aberto, Neste longo período, temos momentos bastante distintos
como inflação, desemprego, tensão política, corrupção, êxo- e particulares na economia mundial: de 1930 a 1945, um pe-
do rural e desigualdades sociais crescentes levando a protes- ríodo de crise sistêmica, a partir do crack de Wall Street, que
tos e insatisfação geral da população no final da década de 80. repercutiu em todo o mundo e que no Brasil simboliza o fim
da hegemonia dos cafeicultores e da política Café com Leite,
Anos 90 – Modernização e Crescimento Acelerado bem como dos setores oligárquicos da terra, principalmente
No início da década de 90 ascende à Presidência Jiang no Sudeste do País.
Zemin e o primeiro ministro Zhu Rongji, que governaram Nos Estados Unidos da América, a política do New Deal,
um período marcado por reformas econômicas significativas, implantada por Roosevelt, foi uma política keynesiana antes
incluindo privatizações, investimentos e parcerias estrangei- de Keynes, cujo similar no Brasil foi a política de sustentação
ras e abertura do mercado. Nesse período o desempenho dos preços do café e sua queima posterior. Este processo aca-
econômico da China tirou uma estimativa de 150 milhões bou por possibilitar os primeiros passos da industrialização
de camponeses da pobreza e manteve uma impressionante brasileira, que teve como impulsos fundamentais a elevação
média anual de crescimento do PIB de 11,2%. dos preços das importações e, justamente, a manutenção da
Com a morte de Deng Xiaoping em 1997, Jiang Zemin se
demanda agregada interna, graças às compras pelo Estado
tornou a maior figura política do país, mantendo a transição
do café excedente.
para o “capitalismo com características chinesas”. Em julho do
O início da Segunda Guerra Mundial estimulou ainda mais
mesmo ano, em meio a crise financeira asiática que abalou
as bolsas e economias da região como um todo, celebrou- o processo de substituição de importações, com o Estado
-se a reincorporação, após mais de um século de domínio Varguista intervindo cada vez mais a favor da industrialização.
inglês, de Hong Kong a República Popular da China, e dois Esta política se expressa na configuração do Salário Mínimo e
anos depois o retorno de Macau pelos portugueses. O fim da do Sistema Previdenciário, além da estruturação da máquina
colonização ocidental de territórios chineses também é sim- burocrática estatal. A produção industrial cresce então mais
bólico da nova ordem global e o papel da China no mundo. rapidamente, quase duas vezes, que a produção agrícola.
O segundo período analisado (1945-1954), onde Getúlio
Século XXI – Ascenção como potência no cenário mundial é personagem central, apresenta características radicalmente
O novo milênio consolidou a maior abertura da econo- novas no cenário internacional. Os EUA já substituem a Grã-
História Mundial

mia da China, sua modernização e crescente exportação e -Bretanha como nova potência mundial, apoiados na nova
investimento no exterior. A entrada como membro pleno configuração dos organismos de Bretton Woods – o FMI,
da OMC em 2001 é um marco importante nesse progresso. o Banco Mundial e o GATT -, instrumentos poderosos de
Em 2003 assumiu a nova liderança sob o Presidente Hu regulação sobre o mundo; na transferência de seus grandes
Jintao e o Primeiro Ministro Wen Jiabao, que mantiveram grupos industriais pelo mundo e na consolidação de uma for-
o crescimento econômico e desenvolvimento do conheci- ça militar que garante a aplicação da pax americana, exercida
mento e inovação bem como uma presença maior da China até hoje a partir da persuasão armada quando o comércio
no cenário global. não é suficientemente capaz de impô-la.

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O Brasil terá que aguardar a passagem medíocre do go- Vargas, se vê vulnerável na dependência dos capitais externos
verno Dutra na Presidência, para viver o período de profundo e submetido às exigências oriundas em grande medida dos
dinamismo de Vargas, com a definição e consolidação da EUA. Não tem um projeto alternativo para enfrentar os de-
indústria de base, do petróleo, da energia e da química. A safios das desigualdades sociais e da concentração de renda,
indústria leve de bens de consumo já fora instalada pelos não tem perspectiva de desenvolvimento que seja inclusivo, e
nacionais, além das de matérias-primas e bens de capital. O teima em seguir os ditames de políticas de ajuste formuladas
Estado produzia aço a partir de Volta Redonda – expressão desde os organismos internacionais. O País tem se moderni-
da astúcia e estratégia getulista. Nos faltava a indústria de zado mas, ao mesmo tempo, excluído os trabalhadores urba-
bens de consumo durável e a ampliação das indústrias de nos e rurais dos frutos do bem estar. É necessário, portanto,
matérias primas e de máquinas. repensar criticamente os descaminhos político-econômicos,
O chamado Estado Populista passa a ser a expressão de sociais e ambientais que vêm dramatizando e esgarçando o
uma ampla aliança de classes, composta pela burguesia in- tecido social da nação. Não basta crescimento econômico,
dustrial nascente, das camadas médias burocráticas e dos mas um desenvolvimento que seja estruturado no bem-estar
setores do proletariado urbano, além das oligarquias rurais dos trabalhadores e, neste sentido, o legado de Vargas tem
não ligadas à exportação. A criação do Banco Nacional de atualidade e ensinamentos ainda hoje válidos.
Desenvolvimento Econômico simboliza o papel do Estado
Nacional Desenvolvimentista, através dos grandes investi- Políticas Intervencionistas, Crises e Revoluções
mentos estratégicos, estruturando as bases para a indus-
trialização do País. A Guerra Fria marcou um período na história das relações
Não se pode tratar corretamente o nacional-desenvolvi- internacionais permeado pelo terror nuclear, mas com fortes
mentismo sem apontar as duas linhas ideológicas que então traços de estabilidade e regulamentação da ordem mundial.
polarizam a intelectualidade brasileira: a corrente liberal, que Do ponto de vista estrutural, a bipolaridade do sistema per-
se baseava na vocação agrária do País, e a corrente desen- mitiu que as duas forças prevalentes pudessem controlar, de
volvimentista, que pregava a intervenção estatal para imple- forma legítima, outros Estados – em um arranjo coercitivo
mentar a industrialização. Esta última corrente teve em Celso ou diplomático –, elevando uma condição próxima a uma
Furtado e Ignácio Rangel os seus maiores expoentes, que divisão do mundo. Durante as mais de quatro décadas que
enfatizavam o caráter monopolista da estrutura industrial a Guerra Fria persistiu, o mundo se mostrou compatível com
brasileira, absorvendo pouca mão-de-obra, o que contrastava uma série de acontecimentos e fenômenos que conduziriam
com a disponibilidade de recursos locais, impossibilitando ao desfecho do conflito. Cita-se como tais acontecimentos:
uma dinâmica autossustentada do crescimento. Os comu- a descolonização de territórios afro-asiáticos e, consequen-
nistas do PCB, por sua vez, indicavam a estrutura agrária temente, a ampliação do número de membros da ONU;
semifeudal como impeditivo maior do desenvolvimento, ao implementação de regimes ditatoriais na América Latina,
passo que Caio Prado Jr e Ruy Mauro Marini tinham na ex- tendo o fim destes, pós-guerra; movimentos e conflitos es-
ploração imperialista o impasse fundamental. parsos, como a Guerra da Coreia e a Guerra do Vietnã; a crise
A teoria do desenvolvimentismo fora elaborada a partir econômica, em meados de 1970, resultando na erosão da
da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL e tinha hegemonia norte-americana, e, posteriormente, busca de
como conceitos-chaves as noções de Centro e de Periferia e
reestruturação da mesma e retorno a uma política ofensiva,
de deterioração dos termos de intercâmbio ou trocas desi-
entre outros marcos.
guais, que obstavam a industrialização da periferia. Posterior-
Neste contexto, através do presente estudo, busca-se
mente, estas teses foram aprofundadas no ISEB, que reuniu
apontar o paradigma intervencionista que ambas as super-
os principais intelectuais progressistas brasileiros e sinalizava
potências assumiram a fim de garantir sua zona de influência
para uma vertente mais nacionalista do desenvolvimento.
globalmente. Entre as medidas utilizadas, elevam-se inter-
O pensamento desenvolvimentista já estava presente em
discurso de Vargas em 1944, quando afirmou: “Só as men- venções indiretas, suporte naval e militar, políticas diplomáti-
talidades impermeáveis aos ensinamentos dos fatos podem cas e/ou de espionagem, e quaisquer outras manobras que se
acreditar ainda na validade do ‘laissez-faire’ econômico e fizessem oportunas na validação da soberania de seu Estado.
nos seus corolários políticos”. A ideologia desenvolvimen- Após traçar um panorama histórico do conflito, é fei-
tista populista institucionalizava o poder político das forças ta uma análise política com base nos pensadores políticos:
populares, incorporando a emergência das massas no jogo Maquiavel, Bodin e Hobbes. Tal estudo visa a justificar, com
político nacional. base no realismo (seja este defensivo ou ofensivo), o modelo
Não houve espaço aqui para tratar de aspectos negativos intervencionista assumido por ambas as potências. Tal para-
de Vargas, sobretudo na sua fase Estado-Novista, onde o digma é exemplificado, com o estudo de caso da interven-
autoritarismo e o caráter de conciliação de classes na figura ção do governo estadunidense nos golpes civis-militares na
do “povo”, prevaleceram, mais ainda assim garantia o Salário América Latina, em especial, no Brasil (em 1964). Destarte,
Mínimo e a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. este estudo tem como pressuposto ir além de uma mera
Muita água passou debaixo da ponte da história políti- narrativa histórica, mas fomentar uma base teórico-política
ca brasileira desde então, bem como do capitalismo, que acerca do assunto, assim como discutir os argumentos frente
abandonou o crescimento virtuoso do keynesianismo, do às ingerências aplicadas pelos Estados Unidos e União Sovi-
pleno emprego e da regulação estatal, para implementar uma ética durante os anos da Guerra Fria.
História Mundial

política neoliberal que tem gerado concentração de renda Ao analisarmos o cenário mundial no decorrer da Guerra
em escala mundial, privilegiando o setor rentista do capital, Fria, é necessário, primeiramente, compreender a dinâmica
consolidando o desemprego estrutural e aprofundando os entre as duas grandes potências – Estados Unidos e União
desníveis tecnológicos e de bem-estar entre os países ricos Soviética –, bem como os fatores que conduziram ao rompi-
e aqueles da periferia do sistema. mento da Grande Aliança, e, posteriormente, à formalização
Os Estados Unidos da América têm ampliado seu poder deste conflito. Na presente análise, a Guerra Fria será dividida
em escala mundial e pretendem firmar-se enquanto um em três fases: (1) Tensionamento, (2) Coexistência pacífica, e
império. O Brasil de hoje, passados 50 anos do suicídio de (3) Nova Guerra Fria.

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Esta primeira fase de tensões tem como antecedente o reconstrução e estabilização da Europa atuando de forma
desenrolar do desfecho da Segunda Guerra Mundial (1939- complementar a Doutrina Truman.
1945). As conferências de Yalta e Potsdam foram instrumento No caso da União Soviética, embora como resultado da II
para o debate de questões acerca da reorganização interna- Guerra Mundial, o Estado tenha obtido relativa legitimidade
cional no pós-guerra. A conferência de Yalta, realizada em para ter voz na ordem mundial, suas inclinações socialistas
fevereiro de 1945, todavia, assumia um caráter mais diplo- afetavam sua concepção de mundo, assim como suas re-
mático, contando com a presença de Churchill (Inglaterra), lações com outros países. Logo, com base na ascendência
Roosevelt (Estados Unidos) e Stalin (União Soviética). Ao estadunidense e na nuvem de incertezas em relação às ações
passo que a conferência de Potsdam, ocorrida em julho do governamentais soviéticas, tornava-se conveniente para os
mesmo ano, emergiu com uma abordagem mais rígida e Estados Unidos, passar a utilizar, em seus discursos, o axio-
tensa ao ter o presidente norte-americano Harry Truman ma da “ameaça comunista” como desafio e ator inimigo. Ao
assumindo o controle da Casa Branca. Os acordos referen- contemplar a discrepância na visão política dos dois países, as
dados em Yalta, por conseguinte, perderam sua relevância, divergências entre os aliados ocidentais e soviéticos, acerca
evidenciando uma clara alteração na política externa estadu- de questões relacionadas à reorganização da ordem mundial,
nidense frente as suas relações internacionais, em especial, constituem as origens da Guerra Fria.
com a União Soviética. O período da Guerra Fria, em específico em sua fase ini-
O palco internacional será marcado, então, pelo anta- cial, ainda que não tenha sido caracterizado por combates
gonismo, possuindo dois Estados dirigentes. Estados estes militares diretos, incorporou conflitos de abrangência global
que partilhavam o desejo de atingir o topo da hierarquia e ingerência indireta dos dois Estados dirigentes, como a
internacional, ou seja, sua consolidação como detentor do Guerra da Coreia e a Guerra do Vietnã. A rivalidade bipo-
equilíbrio de poder, mas que divergiam profundamente – lar, desta forma, ultrapassou os limites geográficos no Cone
embora fossem igualmente relevantes – em suas tendências Norte, expandindo-se para o mundo.
políticas, sua capacidade econômica e seu poderio militar. A Guerra da Coreia (1950-53) dividiu o território em duas
Ainda que ambos os países sustentassem o status de super- zonas de influência: a Coreia do Norte comunista (apoiada
potência – após a queda da Alemanha nazista – a hegemonia pelos soviéticos e comunistas chineses) e a Coreia do Sul
norte-americana era incontestável, em especial nos primei- capitalista (apoiada pelos Estados Unidos). Após diversas
ros vinte anos do pós-Segunda Guerra. Nota-se que o PIB ofensivas de ambas as frentes, e, simultaneamente, nego-
dos Estados Unidos constituía-se em três vezes mais que o ciações de paz (efetuadas desde 1951), em julho de 1953, a
da União Soviética, oito vezes o da Alemanha Ocidental e guerra foi concluída com um armistício, porém sem nenhum
o da França e doze vezes o do Japão, em 1950. (KENNEDY, acordo real de paz assinado. Segundo
1989, Tabela 36, p. 353). Neste âmbito, os valores capitalistas Christian Lohbauer, “a Coreia foi o caso teste para deter-
e a primazia econômica dos Estados Unidos aliados à justi- minar a demarcação de esferas de influência concorrentes
ficativa da difusão global da democracia, no arcabouço de ainda em processo de formação. ”
sua pseudo-visão política de igualdade e justiça para todos, A Guerra do Vietnã (1955-75) também teve seu início
logravam uma posição aos EUA impossível de ser alcançada. na primeira fase da Guerra Fria, porém estendeu-se por dé-
Ademais, a elaboração do Sistema de Bretton Woods – cadas. Esta foi procedente de uma complexa colonização
com as conferências de Bretton Woods, em julho de 1944 francesa sob o território da Indochina (atualmente: Vietnã,
– promoveu a estruturação de duas fortes entidades econô- Laos e Camboja), o qual havia sido ocupado pelos japoneses
micas internacionais, a saber, o FMI (Fundo Monetário Inter- durante a II Guerra. Assim, após 1945, os franceses reivin-
nacional) e o BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e dicaram a região antes sob sua jurisdição, indo contra as
Desenvolvimento). A ONU (Organização das Nações Unidas, medidas já implantadas internamente pelos revolucionários
1945) como substituta da Liga das Nações, o GATT (Acordo de viés comunista, os Viet Mihn. O desfecho da tentativa
Geral sobre Tarifas e Comércio, 1947), a OTAN (Organização francesa sucedeu-se em 1954, com a derrota dos france-
do Atlântico Norte, 1949), juntamente com a Doutrina Tru- ses e a rendição da batalha aos norte-americanos, em uma
man2 e o Plano Marshall3 (1947) integrariam, concomitan- guerra justificada não apenas contra o colonialismo, mas
temente, o novo cenário. Tais organismos seriam criados a pela busca à democracia. Através do Acordo de Genebra
fim de manter a ordem mundial, auxiliar financeiramente (1966), o território seria partilhado em Vietnã do Sul – sob
os Estados em processo de reconstrução e salvaguardar a a influência capitalista – e Vietnã do Norte – como alvo de
segurança global, ao menos na teoria. Estes se elevaram, ingerência soviética. A China, concomitantemente, atuaria
entretanto, como alicerce para muitos dos interesses norte- no lado comunista do conflito, apoiando os Vietcongs, dada
-americanos, considerando a ascendência e poder de influ- sua adesão ao socialismo e aliança com o governo soviético
ência que os Estados Unidos possuíam na esfera destas or- mediante a Revolução Chinesa (1949). No decorrer da guerra,
ganizações. Nesse sentido, um dos aspectos primordiais da o envolvimento militar dos EUA intensificou-se consideravel-
Guerra Fria constitui-se na Pax Americana, onde o monopólio mente, elevando também seus dispêndios e pressão interna
da tomada de decisões estratégicas concentrava-se nas mãos para a suspensão da intervenção. Apenas em 1973, as tropas
norte-americanas. Ainda que a URSS, como resposta, tenha estadunidenses foram retiradas, tendo a continuidade da
formado a COMECON (Conselho para Assistência Econômica deflagração entre norte e sul-vietnamitas até 1975, quando
Mútua, 1949) e o Pacto de Varsóvia (1955), visando à inte- a República do Vietnã do Sul deixou de existir e as forças
gração econômica e militar, respectivamente, das nações do comunistas (ainda que com mais de três milhões de baixas)
História Mundial

Leste Europeu. saíram vitoriosas.


A Doutrina Truman, de autoria do presidente norte-ame- A transição deste momento de tensões para uma coe-
ricano Harry Truman, visava a assegurar a entrada de capital xistência pacífica foi permeada por uma relativa alteração
na devastada Europa pós-Segunda Guerra. Tal doutrina agi- conjuntural, em que a estrutura permanecia bipolar. Entre-
ria como ferramenta de influência sob os Estados europeus tanto, a conjuntura evidenciava uma busca de outros Estados
frente à rival União Soviética e sua política socialista. O Plano ao não alinhamento absoluto com nenhuma das superpo-
Marshall, promovido pelo ex-secretário norte-americano Ge- tências, exemplificando-se pela Conferência de Bandung
orge Marshall, foi lançado como um plano econômico para (1955) na Indonésia – contando com 27 países asiáticos e

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seis africanos – e o Movimento dos Não Alinhados (1961), solidificação da liderança global norte-americana e seu mo-
no qual o Brasil atua como observador. Ademais, o contí- delo intervencionista.
nuo processo de descolonização afro-asiática, incluindo a
independência de importantes colônias como Índia (1947), O Modelo Intervencionista Frente à Ciência Política
Indonésia (1949), Malásia (1957), entre outros, revelava uma
lacuna no paradigma imperialista das antigas metrópoles O conflito bipolar da Guerra Fria abrangeu uma política
europeias. O findar desta fase inicial abrangeria o evento das superpotências – Estados Unidos e União Soviética – ca-
mais próximo de um conflito armado direto, conhecido como racterizada por um comportamento de intervenções indire-
Crise dos Mísseis, em outubro de 1962, em que seria desco- tas e medidas visando à arrecadação de zonas de influência,
berta por Washington uma plataforma de mísseis implantada capitalista ou socialista, movidas pela manutenção da sobe-
pelo governo soviético em Cuba. Após uma série de tensas rania dos dois Estados. O modelo intervencionista utilizado
negociações, o presidente norte-americano John Kennedy pode ser justificado, na ciência política, por autores de cunho
chegaria a um acordo com o chefe de Estado soviético Mikail realista que enaltecem a soberania como princípio, a busca
Krutchev visando à retirada dos mísseis, de um lado, e a não pelo poder absoluto, a razão sobrepondo a moral, o uso da
intervenção da Casa Branca sob Cuba, do outro. força, e quaisquer outros conceitos a fim de preconizar a
preponderância do Estado como ator majoritário, no âmbito
A coexistência pacífica teve como pano de fundo o de- doméstico, e interventor, no cenário global.
clínio econômico tanto da União No arcabouço da ciência política, observa-se a obra dos
Soviética quanto dos Estados Unidos, considerando que autores Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) da Itália, Jean Bodin
este último saíra em um uma situação desfavorecida da (1529 – 1596) da França e Thomas Hobbes (1588 – 1679)
Guerra do Vietnã. Ademais, a recuperação da Alemanha e da Inglaterra. Em uma análise comparativa entre as teorias,
do Japão levaria estes países a uma posição mais elevada de aponta-se uma abordagem quanto à resolução de proble-
concorrência com os Estados Unidos. O padrão dólar-ouro mas no que concerne ao Estado, muito distinta, segundo
e o Sistema de Bretton Woods acabariam, em 1971, com a Eduardo Bittar.
declaração do presidente Nixon, dada a incompatibilidade Leia-se:
do volume de emissão monetária norte-americana frente as Os três pensadores propõem o fortalecimento do poder,
suas reversas, resultando em um câmbio altamente flutuan- sua centralização, como forma de conferir maiores poderes
te. Tal evento estava interligado aos dois Choques do Petró- ao Estado. (...) No entanto, Bodin tem solução que passa pela
leo, em 1973 e 1979, e a conflitos no Oriente Médio como a via de Direito, Maquiavel tem solução que passa pela ideia de
Guerra de Yom Kippur (1973) e a Revolução do Irã (1979). Em virtu, e Hobbes propõe a delegação completa de poderes e
1979, com a Guerra do Afeganistão, a ocupação soviética do autonomias de governo ao soberano. (BITTAR, 2011)
território conduziria a um dispêndio imenso para o governo A obra de Maquiavel, ainda que apresente um caráter
da URSS, a fim de sustentar o conflito. Alguns historiadores circunstancial, expressa, sem dúvida, conceitos de uso uni-
consideram o Afeganistão, neste episódio, como o Vietnã so- versal, no que concerne ao Estado e seu governante, em
viético, sendo uma das razões do declínio da superpotência. momentos de guerra ou paz, no campo da ciência política. O
A última fase do conflito pode ser intitulada de “Nova poder é colocado não de forma utópica, idealizada, mas rea-
Guerra Fria”, a qual incorporou uma alternância da conjun- lista, com viés empirista, assentando-se nas próprias práticas
tura anterior, com um retorno a corrida armamentista, as- humanas. Ou seja, o poder é exposto da maneira como ele
sim como incremento na corrida espacial. Uma das razões realmente é articulado, juntamente com as medidas necessá-
para esta mudança relacionava-se a entrada na presidência rias para mantê-lo. A política dita por Maquiavel abrangeria
norte-americana de Ronald Reagan, com uma política mais uma ética de fins e não de meios; a razão superior a moral,
agressiva; Reagan caracterizava tal política como o “renas- onde não haveria paz sem guerras. As ações exercidas por
cimento do nacionalismo norte-americano” (Lohbauer). Ao Washington e pelo governo soviético, durante a Guerra Fria,
passo que na URSS – inserida em um cenário permeado pela podem ser relacionadas, então, por esta evidente cisão entre
acentuada estagnação econômica, como também pela cri- ética e poder, segundo Maquiavel. Por conseguinte, o recurso
se da ideologia socialista –, Gorbatchev, na década de 80, a moral precedente a qualquer intervenção militar frente
implanta as estratégias da Perestroika (transparência eco- a outro Estado seria nulo, na justificativa da manutenção
nômica) e Glasnost (reestruturação política). A Guerra Fria, absoluta do poder exercido pelo governante.
assim, assume uma nova face: a détente soviético americana. O conceito político-jurídico de soberania – poder de man-
Ainda que esta hodierna abordagem soviética tenha alcança- do de última instância, numa sociedade política5 – está no
do bons resultados externamente – visão mais diplomática cerne da obra de Bodin, relacionando-se, nos dias atuais,
da URSS frente à comunidade ocidental –; internamente, a constituição dos limites soberanos do Estado moderno.
a situação era adversa. A Perestroika não logrou atingir o Bodin exalta o amplo exercício da soberania, como o esque-
avanço econômico necessário e a Glasnost acabou por pro- leto das relações sociais, na qual o poder do soberano seria
mover um espaço (antes inexistente) em que a população, superior, independente, incondicional e ilimitado, visto que
moderadamente, expressava e enaltecia seu descontenta- qualquer limitação revelaria uma incompatibilidade com a
mento frente ao regime socialista e a União Soviética em própria compreensão de poder supremo. Logo, a soberania,
si, ou seja, um intenso clima de desmoralização ideológica como elemento primordial do Estado, incorporaria o sobe-
brotava na nação soviética. Neste contexto, a desagrega- rano como legislador – conferindo leis à sociedade – tendo
História Mundial

ção da URSS, a queda do Muro de Berlin (1989), o colapso seus poderes limitados apenas pela lei divina. Na associação
do socialismo, o fim do Pacto de Varsóvia e a permanência de tais preceitos com a Guerra Fria, com base na obra de
das dificuldades financeiras na União Soviética socialista e Bodin, o conceito de soberania se torna essencial para a
sua área de influência, mostravam-se como consequências autoafirmação tanto dos Estados Unidos quanto da União
inevitáveis. Destarte, com o fim da Guerra Fria, tendo os Soviética, em sua condição de Estado. Hobbes afirma, em
EUA – e seus valores capitalistas – saindo como vitoriosos, sua obra, a necessidade da sociedade cívica (através de um
emergia uma visão do período Pós-Guerra Fria (década de contrato criado artificialmente por acordo comum) se forma,
90), por alguns, não como uma transição, mas sim como a visto que no estado de natureza hobbesiano – estado de

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guerra de todos contra todos – prevalece a lei do mais forte, estadunidense constituíam alguns dos assuntos tratados nos
não há espaço para as noções de justiça ou injustiça, muito documentos.
menos para o conceito de propriedade. Argumentos estes que serviam, concomitantemente,
Segundo Bittar, “o estado cívico constitui a paz entre como premissas utilizadas pela Casa Branca a fim de justifi-
os homens e permite a vivência entre humanos. ” Hobbes, car as estratégias de intervenção elaboradas.
como um contratualista racionalista, discute a máxima con- Em um telegrama emitido pela Embaixada dos EUA (no
centração, unificação e integração do poder nas mãos do Rio de Janeiro) ao Departamento de Estado em Washington,
Estado (o Leviatã), como substituto do estado de natureza. datado de 27 de março de 1964, o embaixador assegura que
A centralidade do poder estatal como regulador do sistema, Jango trabalhava junto ao Partido Comunista brasileiro – ou
segundo Hobbes, pode ser relacionada com a relativa esta- seja, pró-URSS – a fim de “adquirir poderes ditatoriais”, bem
bilidade bipolar, no contexto da Guerra Fria, propiciada pelo como que as forças conspiratórias visando à deposição do
controle do poder de governança entre as superpotências presidente necessitavam do suporte norte-americano. Veja-
norte-americana e soviética, subjugando os demais. -se um fragmente do documento:
A soberania seria a racionalização jurídica do arbítrio, A “Operação Brother Sam” consistia-se, desta forma, em
resultando na conversão da força em poder legítimo. uma política de intervenção e espionagem estadunidense,
Logo, na soberania, seria constante a presença de uma durante o período da Guerra Fria, frente ao governo brasi-
autoridade suprema. 6 A situação pré-cívica de convívio hu- leiro, na justificativa do combate ao avante comunista. O
mano, dada a ausência de autoridade soberana com poder embaixador norte-americano Lincoln Gordon, em um dos
regulador do uso da força, na qual há liberdade ilimitada, documentos desclassificados, chega a recomendar o envio de
não oferece pacificidade nem prosperidade, elevando-se, armamentos, combustíveis e mantimentos aos líderes políti-
assim, a necessidade da contenção dos conflitos pessoais. cos, os quais se posicionavam contra o, então, esquerdismo
de João Goulart. Gordon adverte ao Departamento de Estado
A Operação Brother Sam no Contexto da Guerra Fria para avançar militarmente caso haja resistência ao golpe. Ao
final, a real intervenção militar e naval estadunidense não se
O paradigma intervencionista e a política de espionagem, fez necessária, dado que a tomada de poder não enfrentou
fizeram parte do cenário internacional nas quatro décadas, resistência de fato, tendo João Goulart deposto e exilado no
as quais abrangeram a Guerra Fria. Após serem discutidas as Uruguai, em 04 de abril de 1964.
bases teóricas da ciência política que sustentam a prática da
ingerência por parte dos Estados soberanos, preconiza-se a As Sociedades Contemporâneas
necessidade de estudar um caso em específico, no qual pode
ser exemplificado tal modelo. Neste âmbito, observa-se, mais As mudanças experimentadas pela sociedade contem-
a fundo, o intervencionismo dos Estados Unidos, com a ope- porânea modificaram a forma de interpretar o mundo e,
ração Brother Sam, nas premissas dos golpes civis-militares consequentemente, o consumo. O modo de vida produzi-
da América Latina, com foco no Brasil, durante o governo de do pela pós-modernidade desvencilha-se de todos os tipos
João Goulart (1961-1964). tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem
As intervenções de Washington na América Latina ocorre- precedente. O contemporâneo passa a ser marcado pelo fim
ram em países como Argentina, Chile e Brasil, considerando dos padrões, da estabilidade, da segurança e das certezas.
este último como objeto desta análise. Através de documen- Surge o tempo da indefinição, do medo e da insegurança.
tos desclassificados pelo governo dos EUA (em 1996 e 2004), Para realizar estudos e análise da sociedade contemporâ-
confirma-se que os anos anteriores à ação militar do dia 31 nea é imprescindível compreender a linha de pensamento do
de março de 1964, sob os governos dos presidentes John sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Autor de uma produção
Kennedy e Lyndon Johnson, revelam como os interesses intelectual prodigiosa e reconhecido como o pensador dos
norte-americanos impactaram a política interna do Brasil e tempos líquidos evidência os problemas gerados pela socie-
alteraram, de forma enfática, a conjuntura da relação entre dade moderna. Na sua obra “Vida para Consumo” o autor
o Estado e seus indivíduos. No caso do Brasil, com a elite esclarece os efeitos da evolução da sociedade de produto-
econômica tendo a sua visão modificada frente ao governo res estruturada na segurança estabilidade para a sociedade
Jango e a classe operária urbana adotando o populismo e, consumista, instável e líquida. Desta maneira, o autor relata
posteriormente, não resistindo ao golpe militar. Destarte, como a sociedade de produtores foi basicamente direciona-
a ideia do paradigma intervencionista estadunidense está da para segurança e apostava nos desejos humanos em um
relacionada à tentativa de aplicação da Política Externa Inde- ambiente confiável, ordenado, regular e transparente e como
pendente (PEI) e o período pré-ditadura como uma ameaça prova disso resistente ao tempo e ao apego as coisas seguras.
ao alinhamento automático com os Estados Unidos, durante Os desejos eram orientados para aquisição de posse e bens
o período da Guerra Fria. Ressalta-se, assim, como corolário com grande visibilidade na sociedade, pois nessa época o
deste estudo, a inegável simetria entre o receio – por parte tamanho dos bens era ligado como poder e status.
da Casa Branca – da solidificação da PEI no Brasil e a aproxi- Consumir mercadorias pesadas e duráveis como imó-
mação econômica com os países do bloco socialista. veis e joias, para remeter ao status de posse, poder, confor-
O desenrolar das práticas de controle e cooperação to e principalmente respeito pessoal. Possuir uma grande
norte-americana à implantação da ditadura civil-militar quantidade de bens duráveis remetia a segurança contra
no Brasil datam já do início de 1961, quando João Goulart as incertezas do destino. Desta maneira, a segurança era
História Mundial

assume a presidência. Tal assertiva evidencia-se pela troca a maior posse da sociedade dos produtores e o prazer de
de correspondências entre a embaixada dos Estados Uni- desfrutar era postergado, ou seja, nada era imediato. Esse
dos, através do embaixador Lincoln Gordon (entre 1961 e comportamento fazia sentido na sociedade dos produtores,
1966) e organismos norte-americanos. A possível tendência que acreditava na prudência e na segurança, sobretudo na
comunista de Jango (visto como um esquerdista radical), o durabilidade em longo prazo. Mas a transição dessa concep-
iminente encaminhamento do governo brasileiro similar ao ção da “sociedade dos produtores” para a nova configura-
estado socialista de Fidel Castro em Cuba, e a necessidade ção da sociedade, apresenta uma mudança extremamente
de manutenção da democracia propiciada pela hegemonia significativa no comportamento e nos desejos do indivíduo.

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Bauman destaca que este ambiente existencial tornou-se to, sensação de inadequação e perda em si mesmo, que se
conhecido como “sociedade de consumidores” e distingue- tornam depressivos, criam medos e insegurança. Como
-se por uma reconstrução das relações humanas a partir do proposto também por Canevacci (2005), antropólogo italia-
padrão, e a semelhança, das relações entre consumidores e no, cunhou o conceito de multivíduo para definir o homem
os objetos de consumo. contemporâneo, que não é mais “indi” de indivisível, mas
A passagem da sociedade de produtores para a de consu- “multi”, complexo, fugidio, fugaz. Não há mais uma única
midores, em geral, pode ser apresentada de forma gradual, identidade, mas identidades no plural. Identidade móvel e
com a emancipação dos indivíduos das condições originais flutuante, em trânsito, passageira. Personalidades múltiplas,
de não escolher, posteriormente para uma escolha limitada limiares, boas e más, contraditórias, mas tão familiares.
e finalmente para uma sociedade livre de responsabilidades, Porém, estes conflitos de múltiplas personalidades não
ou seja, indivíduo possui sua liberdade de escolher e decidir seguem uma ordem cronológica, não faz sentido facilmente e
como e da maneira que atender suas necessidades naquele surgem de maneira aleatória. As incertezas não são as causas
momento, ou seja, inicia a sociedade “à la carte”. O novo do medo, mas sim o ambiente dos perigos e das ameaças que
indivíduo consumista assume características líquidas e ex- casam medo, pois no desconhecido tudo pode acontecer. O
trai a postergação do prazer de consumir e desloca-o para o surgimento desse medo apresenta de forma confusa, difusa e
imediato. O ponto durável das mercadorias é descartado por atinge todas as faixas sociais.
essa nova sociedade e não existe mais lealdade aos objetos Todo esse clima é gerado pela configuração que a so-
que obtêm com a intenção de consumir. Os consumidores, ciedade pós-moderna assumiu, ou seja, a esfera do des-
segundo Bauman, são bombardeados de todos os lados por conhecido, a busca constante pelo novo, do incompreen-
sugestões de que precisam se equipar com um ou outro sível, do incontrolável. Desta maneira, o pior dos medos é
produto fornecido pelas lojas se quiserem ter a capacidade a incapacidade de evitar a condição de estar com medo ou
de alcançar e manter a posição social que desejam desem- simplesmente não conseguir escapar dela. Nas palavras de
penhar, suas obrigações sociais e proteger a autoestima. Bauman (2008), em sua obra “O Medo Líquido”, o medo se
O ponto social colocado pelo autor refere-se como as torna capaz de se impulsionar e se intensificar por si mesmo.
pessoas são forçadas a uma situação na qual têm de gastar Assim, o principal aspecto a ser ressaltado na obra “Vida
o pouco de dinheiro ou os poucos recursos que dos quais para Consumo” é que o homem contemporâneo não vive
dispõe com objetos de consumo sem sentido, e não com imerso em certezas, padrões e modelos, mas sim no seu
suas necessidades básicas, para evitar tal humilhação social extremo oposto. A busca do indivíduo é por si em si mesmo,
e evitar a perspectiva de ser provocado e ridicularizado. A com suas ambiguidades e em sua história de vida. A sua
economia consumista possui como regra primária desenvol- completude, ainda que momentânea, o impulsiona para o
ver e materializar os produtos e posteriormente encontrar “consumo” fanático das religiões, do trabalho excessivo dos
alguma aplicação. Nessa linha de pensamento o autor afirma workaholics, das superficiais relações interpessoais e, de fato,
que além do mercado cultivar o excesso de mercadorias e do consumismo exacerbado.
o anseio de cultivar os desejos, tal economia configura-se O resultado final esperado é o encontro com sua felici-
como economia do engano, que aposta na irracionalidade dade para atingir sua máxima plenitude. O autor recorre à
dos consumidores e não em suas estimativas sóbrias e bem promessa de felicidade enraizada no discurso líquido moder-
informadas. Criar o excesso de mercadorias projeta o au- no e analisa se esse sentimento é, de fato, vivenciado pelos
mento das incertezas das escolhas para os indivíduos. Dian- sujeitos consumidores no próprio processo que é tomado
te do consumo excessivo, a necessidade de mobilidade e como valor nesse tipo de sociedade. Para ele, o que vigora
visibilidade é cada vez maior, deflagrando uma constante como valor é justamente o motivo por meio do qual tal pro-
reformulação das identidades como formas de assegurar os messa não se confirma, já que o fascínio perdura apenas na
princípios de inclusão/exclusão elaborados pelo mercado. ansiedade pela satisfação e, portanto, para cada vontade
Para Bauman, não existe um não-consumidor, mas sim um adquirida, implica a criação de uma nova.
consumidor falho. Essa instabilidade dos desejos e a insa- Por isso, a ideia de felicidade só pode ser entendida por
ciabilidade das necessidades harmonizaram-se bem com a Bauman como um lugar ilusório em que o vasto empreendi-
nova liquidez do ambiente em que as atividades existenciais mento de novas promessas esmaece o excesso de decepções,
foram inscritas no futuro previsível, como na sociedade dos fazendo com que a crença nessa busca não seja perdida e
produtores. permaneça reatualizando a cultura consumista. Lipovetsky
Mas outro aspecto fundamental que Bauman esclarece completa que a questão sobe a felicidade transformou-se
sobre a sociedade de consumo é que os membros dessa em imperativo de euforia, criando vergonha ou mal-estar
sociedade são eles próprios mercadorias de consumo, e são naqueles que dela se sentem excluídos. Desta maneira reina
qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna a “felicidade despótica”, onde os indivíduos não são mais
membros autênticos dessa sociedade. Para Bauman, a for- apenas infelizes, mas sentem a culpabilidade de não se sentir
matação pós-moderna da vida social suscita uma condição bem. O nível de cobrança para buscar a felicidade apresenta
humana na qual predominam o desapego, a versatilidade em de maneira sofrida e praticamente uma obrigação, mesmo
meio à incerteza e a vanguarda constante de um “eterno re- que essa sensação seja por instantes, ou como afirma Bau-
começo”. Assim, Bauman faz um diagnóstico instigante deste man, a sociedade pontilhista, o essencial é a intensidade
modelo apressado e artificial que se apresenta na forma de daquele único momento.
sociedade de consumidores. A vida de consumo não pode A obsessão da sociedade dos consumidores é amenizar
História Mundial

ser outra coisa senão uma vida de aprendizado rápido, mas esses medos, diminuir o pavor das incertezas e mais profunda
também precisa ser uma vida de esquecimento veloz. Muitas a felicidade é o núcleo central dessa jornada com a manipu-
vezes esse contexto implica em sensação de inadequação, de lação de identidades, mas com pouco sacrifício e o mínimo
deslocamento, de inconformidade com seu espaço e tempo. de esforço diário. Para isso, apenas uma ligeira mudança no
É a origem da crise de identidade do ser que, de tão múl- ego permite que o indivíduo assuma uma nova personalida-
tiplo, perdeu-se em si mesmo e luta para buscar-se. Tamanha de, um novo conceito ou simplesmente transforma-se em
incerteza, contradição e multiplicidade do indivíduo, muitas um novo produto para ser inserido no mercado. A trans-
vezes, levam alguns a estados tão severos de questionamen- formação da identidade permite descartar as que já foram

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construídas anteriormente e experimentar novas sensações 6. Durante a guerra civil ocorrida após a revolução russa,
e oportunidades infinitas até certo momento. Bauman é um Lenin adotou uma política externa defensiva e assinou o
importante pensador e, em “Vida para o Consumo” permite o Tratado de Riga, também conhecido como Paz de Riga,
desmascaramento de um modo de organização social, a for- que determinava que a fronteira russo-polonesa fosse
ma como “nós” sujeitos fazemos usos não só dos produtos, deslocada para oeste, de modo a incorporar à Rússia
mas também do que se arquiteta como sentido no mundo do regiões polonesas cujos habitantes falavam russo.
consumo permite aprofundar outros modos de organização, 7. As revoluções russa e chinesa têm em comum o re-
indicando que as disputas por significação é parte consti- ferencial teórico marxista e a prática revolucionária
tuinte do arenoso terreno da cultura. O autor apresenta de de mobilizar grandes massas do proletariado urbano
maneira clara e objetiva conceitos da pós-modernidade e os organizadas pelos partidos comunistas nacionais com
impactos na sociedade. Seus pensamentos esclarecem de o objetivo de tomar o poder com o uso da violência.
maneira lógica e fundamentada como compreender várias 8. Vitorioso, o regime chinês chefiado por Mao Tse-tung
dúvidas sobre posicionamento e comportamento dos consu- implementou um programa econômico que estatizou
midores na sociedade de consumista. Mas o autor consegue empresas industriais estrangeiras e aquelas pertencen-
ir além e evidencia como o mercado é uma instância central tes a famílias ligadas ao Kuomintang.
e as relações de inclusão e exclusão são determinadas pelas
suas regras. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) A partir de
meados do século XIX, os Estados Unidos da América (EUA)
EXERCÍCIOS passaram por importantes mudanças internas e por uma
notável expansão territorial, além de terem ampliado sua
Alguns dos mais importantes fundamentos da civilização presença política internacional. Com relação a esses temas,
ocidental foram lançados na Antiguidade Clássica (Grécia e julgue os itens seguintes.
Roma). Esse legado apresenta-se em múltiplos aspectos, en- 9. Como consequência da vitória norte-americana na
tre os quais podem ser citados as artes, a filosofia, a política Guerra Hispano-Americana de 1898, os EUA anexaram
e o direito. Nos mil anos que se seguem à queda de Roma, a a Flórida, as Filipinas, Porto Rico e Guam, e a Espanha
Europa se ruraliza, a economia mercantil sofre grande refluxo foi obrigada a conceder a independência a Cuba.
e verifica-se a ascendência, não apenas religiosa, de uma 10. Para obter o controle do canal no istmo do Panamá,
instituição centralizada e de extrema capilaridade – a Igreja o governo norte-americano incentivou a conquista da
Católica. A Baixa Idade Média anuncia profundas transforma- independência do Panamá em relação à Costa Rica e
ções que atingem a culminância no início da Idade Moderna. obteve da Colômbia a desistência do litígio acerca das
Entre os séculos XVI e XVIII, o Ocidente se reinventa geográ- ilhas panamenhas no Caribe.
fica, política e culturalmente. Em fins do século XVIII, a partir 11. O governo de Abraham Lincoln, candidato do Partido
da Inglaterra, a Revolução Industrial inaugura uma nova era Republicano que venceu a eleição presidencial norte-
para uma história crescentemente globalizada. -americana de 1860, não contou com o apoio da maio-
ria do Congresso, tampouco da Corte Suprema, então
(Quadrix/SEDF/Professor História/2017) Tendo as informa- dominada por sulistas.
ções acima como referência inicial, julgue o item, relativo à
história do mundo ocidental. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) A política ex-
1. A Revolução Industrial, que alterou radicalmente os terna norte-americana tem dedicado, historicamente, grande
padrões vigentes da economia, pouco impacto exer- atenção à América Latina. Acerca desse tema, julgue os itens
ceu na estrutura da sociedade ocidental, mantendo-se subsecutivos.
praticamente inalterados os regimes políticos oriundos 12. A Doutrina Monroe, anunciada em 1823, não impe-
da Idade Moderna. diu que potências europeias ocupassem territórios no
continente latino-americano, tampouco que fizessem
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Em 1830 e em intervenções militares nos países da região.
1848, a Europa foi tomada por movimentos revolucionários. 13. Tropas norte-americanas intervieram no México, em
Acerca desse assunto, julgue os itens a seguir. 1914, para exigir que o governo mexicano se desculpas-
2. O levante liberal em Viena, em 1848, levou Metterni-
se por alegado insulto à bandeira norte-americana e,
ch a comandar uma dura repressão militar na capital
em 1916, para perseguir o líder revolucionário Pancho
austríaca, que restaurou a ordem anterior.
Villa.
3. Embora exprimissem demandas nacionais, as revolu-
14. Na Primeira Conferência dos Estados Americanos, reali-
ções de 1848 constituíram movimentos coordenados,
articulados de forma central durante as campanhas zada em Washington em 1889, os países hispano-ame-
liberais de Paris. ricanos, com exceção do México, aprovaram o projeto
4. Os movimentos revolucionários de 1830 resultaram da norte-americano de construir um canal interoceânico
mobilização de diferentes setores sociais, com motiva- na América Central para conectar as costas americanas
ções e objetivos próprios, contra o sistema estabelecido do Pacífico e do Atlântico e facilitar o comércio e as
pelo Congresso de Viena. comunicações.
5. A primeira fissura no status territorial europeu estabe-
lecido em 1815 ocorreu em Bruxelas, em 1830, quando (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) A propósito do
História Mundial

protestos de origem social tomaram dimensões políti- tema precedente e de seu contexto, julgue os itens seguintes.
cas, o que levou à expulsão das tropas holandesas e à 15. Na Confederação Argentina, nas décadas de 20 e 30 do
consequente proclamação da independência da Bélgica. século XIX, havia dois projetos para o Estado Nacional:
o centralista, apoiado pelos caudilhos do interior, e o
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Acerca das federal, apoiado pela elite ilustrada urbana.
revoluções russa (1917) e chinesa (1949), dois marcos na 16. Nos primeiros quinze anos de independência do Chile,
história política e das relações internacionais no século XX, a elite política construiu um sistema de governo cons-
julgue os próximos itens. titucional, consolidando o Estado nacional.

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Talvez o tema mais importante da história política da América 24. A França foi obrigada a ceder a Normandia ao Reino
espanhola das primeiras décadas pós-independência tenha Unido, a título de indenização pelas perdas decorrentes
sido a dificuldade de constituir Estados novos viáveis após a das Guerras Napoleônicas.
separação da Espanha. 25. Sob a presidência do imperador da Áustria, foi criada a
Frank Safford. Política, ideologia e sociedade na América espanhola Confederação Alemã, para congregar boa parte dos Es-
do pós-independência. In: Leslie Bethell (Org.). História da América
Latina. Brasília: FUNAG; São Paulo: EdUSP, 2009, v. 3, p. 331. tados que dantes estavam vinculados ao Sacro Império
Romano-Germânico.
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) A propósito do 26. A Suécia passou a controlar a Noruega, como compen-
tema precedente e de seu contexto, julgue o item seguinte. sação pela perda da Finlândia.
17. As novas repúblicas hispano-americanas demoraram
em normalizar suas relações internacionais, pois a Es- No pequeno intervalo desde que os meus primeiros fios de
panha começou a reconhecer as independências desses barba cresceram até que começassem a ficar grisalhos, nesse
Estados somente em meados da década de 30 do século meio século, aconteceram mais transformações e mudanças
XIX, tendo inclusive realizado, em 1829, expedição mi- radicais do que normalmente em dez gerações, e cada um
litar contra o México. de nós o sente: aconteceu demais! A minha vida foi invadi-
da por todos os pálidos cavalos do Apocalipse, revolução e
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Durante o fome, inflação e terror, epidemias e emigração... Fui obriga-
século XIX, o expansionismo europeu sofreu um grande do a ser testemunha indefesa e impotente do inimaginável
impulso, e a Ásia, a África e a Oceania foram divididos em retrocesso da humanidade para uma barbárie que há muito
zonas ocupadas pelos europeus ou sob influência europeia. julgávamos esquecida... Mas, paradoxalmente, na mesma
A respeito desse tema, julgue os seguintes itens. época em que o nosso mundo retrocedia um milênio no
18. Para evitar sucumbir ao domínio europeu, o Japão as- aspecto moral, vi a mesma humanidade elevar-se a feitos
sinou com os Estados Unidos da América o Tratado de nunca antes imaginados no campo da técnica e do intelecto...
Amizade e Cooperação, em 1853, o que possibilitou a Nunca, até a presente hora, a humanidade como um todo
modernização da economia japonesa e a construção se comportou de maneira mais diabólica, e nunca produziu
de uma Marinha de Guerra, dando início à Revolução de forma tão divina.
Meiji. Stefan Zweig. Autobiografia – O mundo de ontem. Rio de Janeiro:
19. Na Conferência de Bandung, já no século XX, os Estados Zahar, 2014, p. 14-6 (com adaptações).
afroasiáticos se apresentaram como um bloco organi-
zado perante o resto do mundo, e seus participantes (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Acerca de algu-
tinham economias essencialmente agrícolas, exceto o mas das experiências evocadas no texto precedente, julgue
Japão. os itens a seguir.
20. A conquista da Índia pelos britânicos foi feita, inicial- 27. A polêmica quanto às circunstâncias que levaram à
mente, por meio da Companhia das Índias Orientais, Primeira Guerra Mundial, bem como a respeito da
sob a proteção do governo britânico.
responsabilidade pelo conflito, iniciou-se no final da
década de 30 do século passado, no momento em que
No século XIX existiu na Europa um dinamismo que excedia
se intensificavam os sinais de agressividade da política
tudo o que se conhecia até então. O poder da Europa vi-
brava como nunca: poder técnico, poder econômico, poder externa da Alemanha de Hitler.
cultural, poder intercontinental. De fato, os europeus foram 28. Uma das razões que justificam a designação de guerra
levados a se sentir não só poderosos, mas também supe- mundial ao conflito iniciado em 28 de julho de 1914 é
riores. Impressionaram-se infinitamente com as invulgares a circunstância de que, desde as Guerras Napoleônicas,
‘forças’ que os circundavam. Viam novas forças físicas, desde nenhum grande conflito armado havia envolvido mais
a corrente elétrica à dinamite; novas forças demográficas que que duas das principais potências mundiais.
acompanhavam um aumento populacional sem precedentes; 29. Embora tivesse sido previamente aliada da Alemanha e
novas forças sociais que trouxeram ‘as massas’ para o centro do Império Austro-Húngaro — no âmbito da chamada
do interesse público; novas forças comerciais e industriais Tríplice Aliança —, a Itália atuou na Primeira Guerra
que resultaram de uma expansão sem paralelo dos mercados Mundial, a partir de 1915, ao lado da Tríplice Entente,
e da tecnologia. após receber promessas de ganhos territoriais.
Norman Davies. Europe – a history. London: Pimlico, 1997, 30. Entre as obras de grande expressão artística que abor-
p. 759 (traduzido e adaptado). dam experiências ligadas à Primeira Guerra Mundial
destacam-se o romance A montanha mágica, de Tho-
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Tendo o frag- mas Mann, o relato autobiográfico Tempestades de aço,
mento de texto acima como referência inicial, julgue os itens
de Ernst Jünger, e o painel Guernica, de Pablo Picasso.
a seguir.
21. Traços distintivos da vida política portuguesa nos três
primeiros quartéis do século XIX foram o predomínio do (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Acerca de cau-
absolutismo e a relativa fragilidade dos grupos liberais. sas e consequências da Segunda Guerra Mundial, julgue os
22. Ao final do século XIX, quase a totalidade do território itens seguintes.
africano estava sujeita ao controle de países europeus 31. O alinhamento da Áustria com a Alemanha na Segunda
História Mundial

como a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha e Portugal. Guerra Mundial foi possível graças à queda, em 1934, do
23. Uma especificidade da colonização do Congo pela Bél- regime comunista austríaco, implantado após a derrota
gica foi o fato de o território africano ser considerado do país na Primeira Guerra Mundial.
propriedade do rei Leopoldo II, e não do Estado belga. 32. As forças vencedoras da Segunda Guerra Mundial in-
duziram expressivos movimentos migratórios entre a
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Acerca do Con- população de várias partes da Europa, com o objetivo
gresso de Viena e das transformações da ordem geopolítica de dotar os Estados, na nova ordem, de maior homo-
europeia que dele resultaram, julgue os itens que se seguem. geneidade étnica.

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33. As divergências interpretativas sobre as causas da Se- aspectos marcantes da história mundial e do Brasil, julgue
gunda Guerra Mundial não permitem identificar que os itens a seguir.
países e lideranças políticas terão sido responsáveis pela 38. A expansão comercial e marítima europeia dos séculos
eclosão do conflito. XV e XVI redundou na conquista de vastas regiões afri-
canas, mas não em vantagens econômicas, devido às
Texto 15A1BBB amarras das práticas mercantilistas vigentes à época.
39. Pobre em recursos naturais, como minérios e petróleo,
Menos discutível é a relação entre as revoluções de indepen- a África do início do século XXI tem participação irre-
dência e os sintomas de descontentamento manifestados levante no comércio global, ficando marginalizada dos
em algumas cidades da América Latina, a partir das décadas fluxos econômicos e financeiros mundiais.
finais do século XVIII. É indubitável que do México a Bogotá,
onde, em 1794, Antonio Nariño começava a sua carreira revo- Alguns dos mais importantes fundamentos da civilização
lucionária traduzindo a Declaração dos Direitos do Homem; a ocidental foram lançados na Antiguidade Clássica (Grécia e
Santiago do Chile, onde em 1790 era descoberta uma “cons- Roma). Esse legado apresenta-se em múltiplos aspectos, en-
piração dos franceses”; a Buenos Aires, onde, quase nessa tre os quais podem ser citados as artes, a filosofia, a política
mesma época, outros franceses parecem ter conseguido des- e o direito. Nos mil anos que se seguem à queda de Roma, a
pertar em alguns escravos a esperança de uma libertação Europa se ruraliza, a economia mercantil sofre grande refluxo
próxima graças a uma revolução republicana; ao Brasil, onde e verifica-se a ascendência, não apenas religiosa, de uma
em Minas Gerais, no ano de 1789, é descoberta e reprimida instituição centralizada e de extrema capilaridade – a Igreja
uma manifestação de atividade conspirativa secessionista e Católica. A Baixa Idade Média anuncia profundas transforma-
republicana; nas mais variadas localidades da América Latina ções que atingem a culminância no início da Idade Moderna.
existem claros sintomas de uma nova inquietação. Entre os séculos XVI e XVIII, o Ocidente se reinventa geográ-
Halperin Donghi. História da América Latina. São Paulo:
Círculo do Livro, s/d, p. 66 (com adaptações)
fica, política e culturalmente. Em fins do século XVIII, a partir
da Inglaterra, a Revolução Industrial inaugura uma nova era
(Cespe/SEDF/Professor/História/2017) Tendo o texto para uma história crescentemente globalizada.
15A1BBB como referência inicial e considerando o processo
de independência das colônias ibéricas na América, julgue (Quadrix/SEDF/Professor/História/2017) Tendo as informa-
os itens que se seguem. ções acima como referência inicial, julgue os itens, relativos
34. As treze colônias inglesas da América foram as primeiras à história do mundo ocidental.
a se tornarem independentes ainda na segunda meta- 40. Os últimos séculos da Idade Média foram de profunda
de do século XVIII: ao serem obrigadas a lutar contra transformação: impulsionado pela nascente classe bur-
a antiga metrópole, elas se viram isoladas, sem apoio guesa, o renascimento da vida urbana, do comércio e
militar externo. da economia monetária prenunciava o advento de uma
35. No texto, há clara referência a um documento que nova forma de organização econômica, que viria a ser
atesta a influência exercida pela Revolução Francesa o capitalismo.
de 1789 no espírito libertário latino-americano em fins 41. Renascimento, Reforma religiosa e Estados nacionais
do século XVIII. assinalaram o início dos tempos modernos; a expan-
36. A inédita transferência do Estado português para sua são comercial e marítima dos séculos XV e XVI alargou
mais importante colônia, em 1808, foi relevante para o os horizontes do homem europeu, levando-o à Ásia, à
desmonte do pacto colonial e para os desdobramentos África e à América.
do processo que resultou na independência da colônia. 42. Na Idade Moderna, a montagem do sistema colonial
37. O processo de independência latino-americana, incluin- europeu sobre as regiões a serem exploradas, como foi
do-se a brasileira, inscreve-se no quadro mais geral da o caso da América ibérica, obedeceu aos parâmetros do
crise do Antigo Regime europeu, ainda que fatores in- mercantilismo: ênfase na exploração agrícola; preocu-
ternos tenham exercido importante papel para a eman- pação em desenvolver o mercado interno nas colônias;
cipação das colônias. e pouca atenção à exploração de metais preciosos
43. A Revolução Industrial, que alterou radicalmente os
Texto 15A1CCC padrões vigentes da economia, pouco impacto exer-
ceu na estrutura da sociedade ocidental, mantendo-se
A Antiguidade Clássica construiu os alicerces sobre os quais praticamente inalterados os regimes políticos oriundos
se erigiria a Civilização Ocidental. O longo período que se se- da Idade Moderna.
gue à desintegração do Império Romano, a Idade Média, viu 44. A partilha da África, no último quartel do século XIX,
florescer um sistema baseado na terra e em relações sociais determinada pelas potências imperialistas europeias,
servis, quando o poder político se fragmenta e a Igreja Cató- levou em consideração as especificidades étnicas, reli-
lica torna-se culturalmente hegemônica. O início dos tempos giosas, geográficas e culturais dos povos africanos.
Modernos assinala a expansão europeia, de que decorreu a
incorporação da África e da América à história do Ocidente. África e América foram incorporadas à história ocidental a
A partir da Revolução Industrial, o capitalismo tende a uni- partir do expansionismo comercial e marítimo europeu do
ficar o mundo, mas gera conflitos e oposição, de que seriam início dos tempos modernos. O processo de exploração colo-
História Mundial

exemplos marcantes as duas guerras mundiais do século XX nial desses continentes seguiu a lógica econômica e política
e a Revolução Russa de 1917. No Brasil, a “República que que, na Europa, caracterizava a transição do feudalismo ao
não foi” atravessa o século XX e chega ao século XXI entre capitalismo. Nas palavras de um ex-diretor geral da Unesco,
avanços e recuos, alternando estabilidade com contextos “hoje, torna-se evidente que a herança africana marcou, em
de severas crises. maior ou menor grau, dependendo do lugar, os modos de
sentir, pensar, sonhar e agir de certas nações do hemisfério
(Cespe/SEDF/Professor/História/2017) Tendo as informações ocidental. Do sul dos Estados Unidos ao norte do Brasil, pas-
do texto 15A1CCC como referência inicial e considerando sando pelo Caribe e pela costa do Pacífico, as contribuições

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culturais herdadas da África são visíveis por toda parte; em c) partilha do território da Palestina entre os Estados
certos casos, chegam a constituir os fundamentos essenciais Unidos da América (EUA) e a ex-União das Repúblicas
da identidade cultural de alguns segmentos mais importantes Socialistas Soviéticas (URSS).
da população”. d) criação do Estado de Israel, na década de 40 do sé-
culo XX.
(Cespe/SEDF/Professor/História/2017) Tendo por referência e) ofensiva dos egípcios e sírios contra os judeus pa-
inicial as informações contidas no texto acima e considerando lestinos durante a Guerra dos Seis dias.
aspectos significativos do ensino de história, da história da
América e de suas identidades, bem como da história africana 51. (Cespe/Prefeitura de São Luís - MA/Professor de Nível
e de suas relações com o exterior, julgue os itens. Superior/Geografia/2017) Durante a segunda metade
45. Um dos graves problemas do ensino de história da Áfri- do século XX, após a II Guerra Mundial e ao longo da
ca, no Brasil, decorre de uma visão estereotipada, de Guerra Fria, predominou a classificação das nações em
modo que a recorrente identidade continental – o afri- países de primeiro, segundo e terceiro mundo. Essa
cano – leva à construção de uma falsa homogeneidade, classificação caiu em desuso porque
desconhecendo-se as especificidades das sociedades a) excluía os países nos quais a pobreza e o desenvol-
que habitam o continente. vimento coexistiam.
46. O tipo de colonização empreendida na América do Nor- b) desconsiderava elementos políticos e econômicos.
te, diferentemente do ocorrido nas terras pertencentes c) rebaixava países do primeiro mundo, em razão dos
à Espanha e a Portugal, tornou irrelevante a presença espaços de subdesenvolvimento em seu interior,
de escravos africanos na região que viria a se tornar os para o segundo mundo.
Estados Unidos. d) classificava os países socialistas desenvolvidos no
47. As independências latino-americanas, inclusive a do grupo de países do terceiro mundo.
Brasil, inscrevem-se no contexto geral de crise do an- e) partia de critérios raciais e naturais de classificação.
tigo sistema colonial mercantilista, que se vincula ao
quadro mais amplo de desintegração do Antigo Regime Três décadas — de 1884 a 1914 — separam o século XIX —
na Europa. que terminou com a corrida dos países europeus para a África
e com o surgimento dos movimentos de unificação nacional
O desenvolvimento da historiografia mundial, fenômeno que na Europa — do século XX, que começou com a Primeira
o século XX consagrou, permite novos olhares sobre o passa- Guerra Mundial. É o período do Imperialismo, da quietude
do protagonizado pelas sociedades. No Brasil, multiplicam-se estagnante na Europa e dos acontecimentos empolgantes
estudos que lançam luz sobre a trajetória do País, da colônia na Ásia e na África.
aos dias atuais. Da independência, em 1822, passando pela ARENDT, H. As origens do totalitarismo. São Paulo:
implantação da República, em 1889, ao cenário presente, Cia. das Letras, 2012.
a história brasileira é marcada por avanços e recuos, en-
frentando percalços e se mostrando ainda inconclusa em 52. (Inep/Enem/Exame Nacional do Ensino Médio/2014) O
relação à construção da cidadania. Relativamente à história processo histórico citado contribuiu para a eclosão da
contemporânea, da produção do conhecimento histórico a Primeira Grande Guerra na medida em que
alguns dos mais marcantes fatos ocorridos no Brasil e no a) difundiu as teorias socialistas.
mundo, julgue os itens. b) acirrou as disputas territoriais.
48. Único país sul-americano a participar diretamente da c) superou as crises econômicas.
Segunda Guerra Mundial, o Brasil não foi capaz de apro- d) multiplicou os conflitos religiosos.
veitar as circunstâncias do conflito para industrializar- e) conteve os sentimentos xenófobos.
-se, abrindo espaço para que a Argentina se transfor-
masse na maior potência econômica do Cone Sul. GABARITO
49. A partir de 1946, com o fim da Segunda Guerra e a
redemocratização, o Brasil avançou na industrialização 1. E 14. E 27. E 40. C
e na vertiginosa urbanização, afastando-se da imagem 2. E 15. C 28. E 41. C
histórica de economia agrícola e sociedade essencial- 3. E 16. C 29. C 42. E
mente rural. 4. C 17. C 30. E 43. E
5. C 18. E 31. C 44. E
50. (Cespe/Prefeitura de São Luís - MA/Professor de Nível 6. E 19. C 32. C 45. C
Superior/Geografia/2017) O histórico conflito entre Is- 7. E 20. C 33. E 46. E
rael e Palestina exemplifica como o ser humano e suas 8. C 21. E 34. E 47. C
formas de organização em sociedade podem alterar o 9. E 22. C 35. C 48. E
espaço e como a disputa por territórios, especialmente, 10. E 23. C 36. C 49. C
pode influenciar as relações entre diferentes povos e 11. E 24. E 37. C 50. d
culturas. No caso da contenda entre Israel e Palestina, 12. C 25. C 38. E 51. a
cujo fim ainda é incerto e, aparentemente, distante, 13. C 26. C 39. E 52. b
um fato histórico, de grande impacto na configuração
História Mundial

territorial, marca essa disputa geopolítica tal como ela


se apresenta atualmente. Esse fato consiste na
a) eclosão da Guerra do Yom Kippur, na década de 60
do século XX, na qual os países árabes iniciaram uma
ofensiva contra Israel.
b) unificação pacífica e temporária de Israel e Palestina,
durante a década de 50 do século XX, pela organiza-
ção Al Fatah.

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ABIN

SUMÁRIO

Geografia do Brasil

A integração do Brasil ao processo de internacionalização da economia............................................................................. 3

A divisão inter-regional do trabalho e da produção.............................................................................................................. 6

O processo de industrialização e suas repercussões na organização do espaço................................................................ 13

A rede brasileira de transportes e sua evolução.................................................................................................................. 19

A estrutura urbana brasileira e as grandes metrópoles...................................................................................................... 23

A dinâmica das fronteiras agrícolas e sua expansão para o Centro-Oeste e a Amazônia...................................................29

A evolução da estrutura fundiária e problemas demográficos no campo.......................................................................... 37

Estruturação e funcionamento do agronegócio no Brasil................................................................................................... 43

Estrutura fundiária, uso da terra e relações de produção no campo brasileiro.................................................................. 47

Os movimentos migratórios internos................................................................................................................................... 49

A distribuição dos efetivos demográficos no território nacional........................................................................................ 53

A estrutura etária da população brasileira e a evolução de seu crescimento no século XX...............................................54

Integração entre indústria, estrutura urbana, rede de transportes e setor agrícola no Brasil...........................................57

Recursos naturais:
aproveitamento, desperdício e políticas de conservação de recursos naturais..............................................................65

O Brasil e a questão cultural................................................................................................................................................. 68

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Geografia do Brasil
Rebecca Guimarães

A INTEGRAÇÃO DO BRASIL AO PROCESSO DE vários planos: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio


INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA Exterior (PITCE) em 2004, Política de Desenvolvimento da
Produção (PDP) em 2008 e Plano Brasil Maior (PBM) em
Nos últimos 50 ou 60 anos, o Brasil passou por profun- 2011.
das mudanças econômicas, sociais e políticas. Nas políticas A dimensão setorial, já presente na PITCE, em áreas como
comerciais e industriais, entretanto, registra-se uma conti- software, fármacos e biotecnologia, entre outras, foi refor-
nuidade que resistiu à abertura comercial do início dos anos çada na PDP, que elegeu 24 setores produtivos para serem
de 1990 e que tem origem no modelo de substituição de contemplados com incentivos e medidas de fomento. Já o
importações e no desenvolvimento nacional. PBM trouxe medidas de estímulo às exportações e aos inves-
A baixa inserção atual do Brasil na economia interna- timentos, adoção de preferências para produtos nacionais
cional deve ser entendida como combinação dessa tradição nas compras governamentais de bens e serviços e inten-
histórica com as políticas de intensificação protecionista se- sificação da exigência de conteúdo nacional em produtos
guidas nos últimos anos. nacionais para a concessão de incentivos fiscais e creditícios.
A mais substancial mudança nas políticas comerciais e Paralelamente, com vastas transferências do Tesouro, o
industriais brasileiras, desde a adoção do modelo de substi- BNDES transformou-se em outro polo de política industrial,
tuição de importações, foi a liberalização unilateral iniciada com maciça expansão das operações de crédito e políticas
no final dos anos de 1980 e aprofundada no início da década para consolidar grandes grupos nacionais e tentar aumentar
de 1990. Com uma série de medidas, e em etapas, a tarifa a taxa de investimento.
média nominal caiu de 57,5%, em 1987, para 13%, no final Em setembro de 2011, anunciaram-se medidas de apoio
de 1993, com eliminação também de extenso conjunto de ao setor automobilístico, que levariam, em 2012, ao novo re-
barreiras não tarifárias. Nos últimos dez anos, contudo, as gime automotivo. Outras iniciativas incluíram a desoneração
tarifas média, modal e mediana têm se mantido praticamente da folha de pagamento de setores mais intensivos em mão
inalteradas e muito próximas àquelas resultantes da reforma de obra e a elevação de um ponto percentual nos encargos
tarifária do início dos anos de 1990. de PIS/COFINS dos produtos importados.
A liberalização dos anos de 1990 atenuou, mas não Nota-se, que as intervenções do período 2008-2014 dão
eliminou, a escalada tarifária na estrutura de proteção, ênfase no conteúdo nacional e no “adensamento” de cadeias
beneficiando setores tradicionalmente protegidos, como produtivas aumentando o custo de produção de bens finais.
automotivo, eletroeletrônicos, têxtil, vestuário e bens de Uma das marcas da política industrial desse período foi a total
capital. Os setores protegidos, tipicamente, se beneficiam desatenção com os custos. A indústria e as contas externas
também com instrumentos fiscais e creditícios. Em alguns não melhoraram, mas se deterioraram as contas públicas e
casos, foram estabelecidos regimes setoriais com incentivos a competitividade internacional das manufaturas brasileiras.
ao investimento e à produção. O Brasil também se destaca, A derrocada fiscal força o fim da política indiscriminada
entre vários países emergentes, por altas tarifas para bens de incentivos, e o árduo combate às pressões inflacionárias
de capital e bens intermediários. torna menos provável a distribuição de proteção pela via
Assim, ainda que a intensidade e a composição da prote- do aumento de tarifas e de medidas antidumping. A desva-
ção tenham variado nos 25 anos desde a abertura na década lorização cambial e a retração da demanda interna, por sua
de 1990, pode-se dizer que a substituição de importações vez, criam um ambiente favorável para uma nova concepção
continuou a dar a tônica dos objetivos e dos instrumentos de políticas comercial e industrial, voltada à maior inserção
das políticas comerciais e industriais nesse período. Outros internacional da economia brasileira.
importantes países emergentes, egressos de períodos de A teoria econômica clássica das vantagens comparativas
substituição de importação, abriram suas economias nos indica que os países que se integram ao comércio interna-
últimos anos. cional usufruem da especialização produtiva, que leva ao
Quase todas essas nações – e o Brasil novamente é uma aumento da produtividade e da renda.
exceção – também negociaram nos últimos anos acordos A abertura comercial tende a acelerar o crescimento
preferenciais com parceiros que fazem parte de cadeias de econômico. Os estudos mostram que um maior nível de co-
valor nas quais suas indústrias estão inseridas. Na verdade, o mércio internacional tem impacto positivo e relativamente
Brasil vem adotando sistematicamente, há décadas, posições alto na renda do País. A magnitude do benefício depende,
defensivas em negociações internacionais, com o paradigma naturalmente, da severidade das restrições pré-liberalização.
protecionista apoiado por uma ampla coalizão de burocratas A onda de liberalização comercial e de regimes de investi-
e associações do setor industrial. mento nos anos de 1980 e 1990 levou à realização de diversos
Esse viés acentuou-se nos governos do PT, com a ênfase estudos, com muitos resultados positivos sendo registrados
no fortalecimento das relações “Sul-Sul” e o questionamento em relação aos efeitos da abertura na produtividade e no
dos regimes e das instituições internacionais identificadas crescimento. A maior parte deles focou no impacto da libe-
Geografia do Brasil

com os interesses do “Norte”. Como resultado, o Brasil tem ralização sobre o crescimento no período que se seguiu às
hoje poucos acordos, e de baixa relevância econômica: além reformas comerciais.
do Mercosul e dos países andinos, há acordos com três par- Na verdade, as contribuições positivas da abertura estão
ceiros pouco relevantes – Egito, Israel e Palestina – e três com condicionadas ao grau de consistência entre a reforma co-
parceiros importantes (Índia, Coreia do Sul e África do Sul), mercial e o avanço em outras reformas e no aprimoramento
mas que são irrelevantes pelo seu alcance parcial. institucional.
Após a desmobilização parcial de instrumentos de política Alocação mais eficiente de recursos, ganhos de especia-
industrial na década de 1990, os governos Lula e Dilma rein- lização e escala, aumento da variedade de bens e serviços
troduziram com força esse tipo de ação governamental com intermediários à disposição dos produtores e acesso a novas

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capacitações e tecnologias são alguns dos principais canais dívida dos EUA, ajudando a garantir a solvência deste, além
pelos quais a liberalização comercial impacta positivamente de acumular mais de 3 trilhões de dólares em reservas para
a produtividade. si. Por sua vez, os países do leste asiático, que lucram muito
Há estudos que apontam a superioridade, em termos de vendendo para a China, são seus fornecedores de máquinas
efeitos sobre a produtividade, da redução tarifária em bens e equipamentos, peças, componentes e serviços intermedi-
intermediários e de capital, na comparação com bens finais ários, que a China transforma em produtos finais e reexporta
ou de consumo. No caso dos intermediários, via maior efici- para os Estados Unidos e a Europa. Já os países da África, do
ência produtiva, e, no caso dos bens de capital, via indução de Oriente Médio e da América Latina figuram nessa nova divi-
mais inovação. A ênfase recente nas cadeias globais de valor são internacional do trabalho como supridores de recursos
(CGVs) reforça este ponto, além de evidenciar a relevância naturais na forma de commodities agropecuárias, minerais
do setor de serviços para o aumento da produtividade do e energéticas, em geral conseguindo acumular superávits
resto da economia. comerciais e reservas monetárias, mas de maneira um tanto
instável, haja vista a queda nos preços.
Abertura Brasileira dos Anos 1990 É nesse último grupo que se insere o Brasil. O chamado
“efeito China” aqui é observável de três maneiras. Primeiro,
Desde o início da década de 1990, diversos autores têm através dos impactos diretos. No comércio, o Brasil expor-
procurado estudar os impactos da abertura comercial sobre ta commodities agrícolas e minerais e importa máquinas,
a evolução da produtividade no Brasil. Embora estes esfor- equipamentos e eletrônicos, mantendo um saldo comercial
ços tenham gerado resultados nem sempre convergentes positivo, com superávits em produtos primários e déficits em
e algumas vezes contraditórios, a maioria deles encontra manufaturas e bens de capital. Nos investimentos, por um
relações positivas entre liberalização de importações e pro- lado, recebemos a maior parte em fusões e aquisições, prin-
dutividade no Brasil. cipalmente nos setores de petróleo, gás, mineração, energia
O choque da liberalização no Brasil nos anos de 1990 re- elétrica e crescentemente agronegócios, e, por outro lado,
duziu fortemente os lucros das empresas e seu market-share, poucas das nossas empresas têm conseguido entrar na China.
estimulando-as a aumentar dramaticamente sua eficiência. Segundo, através dos impactos indiretos. Entre 2005 e
Outros autores também encontraram resultados positivos 2012 os termos de troca (a razão entre os preços das nossas
e relevantes para a relação entre abertura comercial e pro- exportações e os preços das nossas importações) foram ex-
dutividade no Brasil. cepcionalmente altos, e de 2013 em diante experimentaram
Já os estudos sobre os impactos da reforma comercial queda e se normalizaram em um patamar mais baixo. Houve
sobre a alocação do emprego no Brasil, concluíram que me- nesse período uma tendência de apreciação cambial, associa-
nores tarifas de importação para insumos, seja pela redução da em certa medida à composição do comércio exterior. Isso
da pressão competitiva, seja pelo aumento de eficiência, guarda relação com a competição que enfrentamos com a
contribuem para a retenção de trabalhadores nas firmas China em terceiros mercados, com perdas de mercado nas ex-
e permitem o aumento da produção da firma. Um estudo portações de manufaturados para Estados Unidos (-12,87%),
mostram que as exportações brasileiras de produtos eletrô- União Europeia (-5,49%) e América Latina (-7,3%).
nicos poderiam crescer até 26% se as tarifas sobre o mesmo Por fim, em terceiro lugar, há ainda consequências estru-
segmento (que usa fortemente insumos do próprio setor) turais mais amplas, ligadas à “especialização regressiva” da
fossem reduzidas à média de uma amostra de 54 países. economia brasileira, com os processos de “reprimarização”
(mais de 50% do que exportamos são produtos primários
A China e o Brasil agrícolas e minerais) e “desindustrialização” (em 1980 a nos-
sa indústria de transformação representava 33% do PIB e
O desenvolvimento econômico e a ascensão internacio- 25% do emprego, hoje representa cerca de 12% em ambos
nal da China como grande potência representa o fato mais os indicadores).
notável do capitalismo na era da globalização. Os ocidentais No entanto, é no setor agroalimentar que a relação Brasil-
chamam o sistema econômico chinês de “capitalismo de es- -China apresenta seu caráter mais emblemático. O filósofo
tado”. O próprio governo chama de “socialismo de mercado Mêncio, discípulo de Confúcio, disse que nutrir o povo é o
com características chinesas”. Nessa controvérsia ficamos primeiro princípio de governo. E que a noção de “Mandato
com Deng Xiaoping, o pragmático líder que comandou as do Céu” (Tianming) expressa a crença de que as calamidades
reformas econômicas na China após a morte de Mao Zedong, naturais, se causarem desnutrição e fome, eram produtos
que em certa feita declarou: “Não importa se o gato é preto do mau governo, justificando a retirada do apoio do povo ao
ou branco, desde que pegue os ratos”. regime. A Grande Fome, que resultou na morte de aproxima-
A China, que é a segunda maior economia do mundo, damente 30 milhões de pessoas nos anos de 1959 a 1961,
cresceu a uma taxa de 10% ao ano entre 1980 e 2010, 7,5% teve como causas as inundações ocorridas em toda a China,
entre 2011 e 2014, e vem crescendo a 6,5% a partir de então. ao que se somaram erros humanos. Mas estes desastres da
No mesmo período, sua população passou de 963 milhões era Mao legaram uma maior atenção à produção e ao acesso
para 1,4 bilhão. Antes 82% viviam no campo. Hoje 51% vi- aos alimentos para a população. A segurança alimentar é
vem nas cidades. A pobreza – medida pelo critério de 1,25 hoje um requisito fundamental para a estabilidade social e
Geografia do Brasil

dólares por dia – reduziu de 64% para 12% da população. A legitimidade política do governo na China.
classe média, antes praticamente inexistente, hoje chega aos A questão é que a elevação da renda, a urbanização e
30% da população. Era uma economia agrícola; tornou-se a a ascensão da nova classe média no mercado interno tem
maior economia industrial do mundo; e corre para ser uma induzido mudanças nas dietas e hábitos de consumo ali-
economia baseada na inovação. mentar dos chineses. Diminuiu o consumo de arroz e trigo
No plano externo, a China reconfigura a economia mun- e aumentou o de carne, leite e pescado. Hoje se come em
dial. A Europa e principalmente os Estados Unidos, são os média 61 quilos de carne por pessoa por ano. Uma média
compradores em última instância das suas exportações. Su- baixa comparada a dos Estados Unidos (120 kg), mas razoável
peravitária, com o que recebe a China compra os títulos da comparada a do Brasil (73 kg) e acima da mundial (42 kg). A

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principal é a carne de porco. A China produz e consome mais americanos, europeus e japoneses, estes sim comprando
da metade da carne de porco do mundo, o que representa 39 vastíssimas extensões de terra Brasil afora.
quilos por pessoa/ano, com estimativas de chegar a 50 quilos Então, num momento posterior, a estratégia dos chineses
em 2025. Sua produção, antes dois ou três porquinhos atrás muda da aquisição de terras para o cultivo direto para fusões
de casa, hoje é cada vez mais em sistema de integração com e aquisições de ativos de empresas do agronegócio com o
a agroindústria, como no sul do Brasil. E a alimentação dos objetivo de controlar etapas e processos nas cadeias de va-
porcos não é mais à base de restos de comida ou lavagem, lor de determinadas commodities em certas regiões chave,
mas crescentemente de ração, a qual tem no farelo de soja principalmente a soja no Mato Grosso, contando inclusive
o seu principal componente. com a construção de infraestruturas de logística, transporte
A China importa 64% da soja comercializada no mercado e armazenagem. O caso mais recente é a aquisição da Syn-
internacional. Desse total, o Brasil supre 45%, os EUA 39% e genta pela ChemChina, que hoje controla 8% do mercado
a Argentina 13%. Os chineses esmagam 85% dessa soja na de sementes e 20% do mercado mundial de pesticidas, com
forma de farelo para fazer ração de porco, sendo o óleo um grande peso nos mercados brasileiro e sul americano. Ainda
subproduto, e os 15% restantes vão para outros derivados. em 2011 a ChemChina havia adquirido a israelense Adama,
Em 2003, 54% das exportações de soja em grãos do Brasil iam com duas fábricas no Brasil, e agora em 2017, por meio da
para a Europa e somente 30% para a China. Mas, em 2013, Syngenta, adquiriu a Nidera Sementes da também chinesa
só 12% da nossa soja ia para a Europa e 75% para a China. COFCO.
Por conta da demanda chinesa e seu efeito nos preços das Na logística, a China Communications & Construction
commodities, as exportações de soja do Brasil cresceram a Company adquiriu a Concremat e estabeleceu a CCC South
uma taxa de 8,8% ao ano entre 2001 e 2015, passando de America, visando investir nos portos e terminais de carga
15,5 para 44,5 milhões de toneladas. A produção de soja no norte do Brasil, e a China Railway Construction Corpo-
cresceu 6,7% ao ano, saltando de 38,4 para 95,4 milhões de ration pretende participar de consórcios para a construção
toneladas no período. E a área plantada cresceu a 6,2% ao das sonhadas ferrovias. Porém, é a própria estatal COFCO o
ano, indo de 14 para 33,2 milhões de hectares, empurran- caso mais decisivo.
do a fronteira agrícola para o MAPITOBA (região fronteiriça Em 2014, as ABCD responderam por 46% dos grãos expor-
entre Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia) e inclusive para o tados pelo Brasil, ante 36% das tradings asiáticas, incluindo
Bioma Pampa gaúcho. as japonesas. Mas em 2015 ocorreu uma súbita inversão,
No entanto, a China também é uma potência agrope- quando as asiáticas, incluindo a COFCO, embarcaram 45%
cuária. É o segundo maior produtor mundial, atrás dos EUA dos grãos exportados pelo Brasil, enquanto as ABCD ficaram
e na frente do Brasil. Então por que não produz a soja que com 37%. Em 2014 a COFCO adquiriu a holandesa Nidera
consome? A soja convencional ou orgânica, usada para fazer e a parte agrícola da singapuriana Noble, entrando para o
tofú, shoyu e outras comidas, é sim produção interna dos mesmo ranking das ABCD, que agora são as “cinco grandes”.
camponeses chineses. Mas a soja transgênica, que não é Até já se fala das ABCCD, com o segundo C referindo-se à
comida, mas matéria prima para a ração dos porcos é impor- COFCO, que já entrou dominando 11% do mercado de grãos
tada. Além da soja, o Brasil também é um supridor chave da no Brasil e pretende chegar a 22% nos próximos cinco anos,
China de celulose para papel, tabaco para cigarro e algodão tornando-se a maior firma do ramo de trading no país.
para tecido. A razão é que, como a China tem 21% da popu- Essa relação crescente com a China, aqui analisada um
lação, mas apenas 9% da terra arável e 7% da água doce do pouco mais aprofundadamente para o caso do chamado
mundo, eles acham melhor importar os produtos agrícolas “complexo soja-carne Brasil-China”, é inevitável e pode ser
utilizados como matéria prima e usar a pouca terra e recursos uma possibilidade interessante e promissora para o Brasil. O
naturais que dispõem para produzir aquilo que é alimento problema é que enquanto a China tem uma visão clara das
básico do povo, como arroz, trigo e milho (embora o último suas prioridades, o Brasil se encontra no momento fragilizado
sofra pressão para ser liberalizado como a soja). econômica e politicamente, o que torna tarefa difícil a con-
Não surpreende, portanto, que a China tenha adotado solidação de estratégias articuladas em benefício mútuo de
uma série de estratégias visando assegurar o controle ao um segmento tão central para os padrões de consumo que
acesso dos recursos naturais necessários para o fornecimento se difundem nos países emergentes. O interesse da China é
de matérias-primas e a produção de alimentos. Principalmen- que o Brasil exporte grãos in natura, cuja agregação de valor
te através da saída das suas empresas de agronegócio para se dá dentro do seu território. Para o interesse brasileiro,
a realização de investimentos diretos externos. Isso indica a todavia, a agregação de valor seria a alternativa preferida,
indisposição da China em confiar exclusivamente no comér- até por razões fiscais e de emprego.
cio mundial, particularmente nos mercados de commodities Aqui está posto um claro conflito de interesses que só
dominados pelas “quatro grandes” tradings globais, conhe- uma política deliberada de favorecimento da agregação de
cidas como ABCD (Cargill, Bunge, ADM e Dreyfuss). valor em território brasileiro poderia nivelar. Mas, para isso,
Num momento inicial, influenciados por suas experiên- faz falta uma visão de longo prazo, que busque construir
cias na África e também na Ásia, os chineses se concentra- certos consensos entre os atores e instituições envolvidos
ram na compra de grandes porções de terras tanto no Brasil nos complexos agroindustriais sobre seus papeis na dinâmica
como na Argentina. Em ambos os países, as reações negati- geral da economia, bem como sobre questões sociais e tra-
Geografia do Brasil

vas foram seguidas por leis que limitaram a propriedade de balhistas, ambientais e de saúde. E, mais do que isso, o Brasil
terras por estrangeiros. A negociação de contratos de soja precisa encontrar uma estratégia de desenvolvimento rural
de longo prazo foi então realizada com os governos estadu- que integre questões mais amplas, como geração de em-
ais, mas estes se tornaram condicionados ao compromisso prego e renda, diversidade social e produtiva da agricultura
de investir na capacidade de esmagamento local, o que é familiar, justiça social e distributiva, segurança alimentar nu-
contrário ao interesse da China em manter a capacidade e tricional e sustentabilidade ambiental. Mas nem a China nem
os empregos no seu território. O engraçado é que se falou ninguém pode fazer isso por nós. É nossa tarefa construir uma
muito dos chineses comprando terras, mas pouquíssimos economia e uma agricultura mais soberanas e compatíveis
casos foram confirmados, enquanto quase nada se fala dos com o interesse de todo o povo brasileiro.

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A DIVISÃO INTER-REGIONAL DO TRABALHO volvidas. Foram importantes para estes movimentos, o baixo
E DA PRODUÇÃO custo da mão de obra, a disponibilidade de recursos naturais
e a concessão de incentivos fiscais e financeiros dos diversos
Há certo consenso entre os estudiosos desta temática governos estaduais, sem a coordenação de uma política de
regional que, em função das mudanças no quadro econômico desenvolvimento regional de âmbito nacional. O elevado cus-
durante os anos de 1990, a caracterização dos movimentos to de capital desincentivou a saída das áreas já consolidadas
regionais da atividade econômica em geral tornou-se mais e com maiores externalidades positivas.
complexa. Esta maior complexidade decorre da intensifica- Neste contexto de crise, importantes impactos ocorreram
ção da exposição da economia à concorrência externa e da no mercado de trabalho brasileiro, com a perda tanto quan-
redução expressiva da atuação do Estado Nacional em todas titativa quando qualitativa dos empregos regionais.
as áreas da política econômica durante esse período (fiscal, Processaram-se profundas mudanças nos ambientes
industrial, regional etc.). Do mesmo modo, o aumento da micro e macroeconômicos e institucionais que incidem di-
retamente sobre o mercado de trabalho.
participação do capital transnacional nas esferas financeira
Tanto os dados de emprego da RAIS (1989-1999) como
e produtiva também foi importante para a caracterização
os dados de Valor da Transformação Industrial da PIA 1999,
dos fatores que atuaram sobre a distribuição espacial da
em comparação aos dados do Censo Industrial de 1985, ates-
atividade econômica. Os traços principais da dinâmica re-
tam para a continuidade do processo de desconcentração
gional daí resultante foram delineados pela reestruturação
industrial. Tais informações demonstram uma redução da
produtiva imposta às empresas face à pressão concorrencial
importância da região Sudeste e aumento da participação
externa e pela realização de novos investimentos liderados
das outras macrorregiões, principalmente das regiões Sul
pela atração de investimentos diretos estrangeiros. Parte das
e Centro-Oeste. Os estados que tiveram maior dinamismo
mudanças nas posições relativas das regiões se deve a efei-
em termos de emprego foram o Ceará, o Paraná e os três
tos de desconstrução de estruturas de produção, consumo estados do Centro-Oeste. Mas é fundamental, de outro lado,
e distribuição. Ou seja, muitas vezes o novo perfil regional a análise das questões mais estruturais atinentes à dinâmica
é explicado mais pelas perdas e pela destruição de riqueza da divisão inter-regional do trabalho no Brasil. A distribuição
velha, do que da construção de riqueza material e capacidade das atividades econômicas no espaço é fruto desta. É preciso
produtiva novas. avançar no debate da qualidade e quantidade de geração de
Os dados do IBGE, de participação relativa no PIB, de- renda e emprego em outras escalas, como por exemplo ao
monstram a persistência da alta concentração regional da longo da rede urbana brasileira, nas cidades de diferentes
riqueza e os pequenos movimentos ocorridos no período portes e complexidades. Buscar entender esta dinâmica nos
de 1985 a 2000, em um ambiente de baixas taxas de cresci- espaços do interior do País e nas metrópoles.
mento da economia. Os estudos demonstram uma redução da capacidade de
Tendo em vista que os impactos do Plano Real e os in- geração de emprego nas regiões metropolitanas do País nos
vestimentos realizados na economia não determinaram uma anos de 1990. Afirma que nessa década “o resultado foi a
trajetória de crescimento econômico sustentado, a hipótese destruição de empregos, seja pela reorganização da base
defendida é a de que não houve alterações (muito signifi- produtiva, seja pela ‘exportação’ desses empregos por meio
cativas e relevantes) na divisão inter-regional do trabalho da importação de bens e serviços”. A exceção é a Região Me-
brasileira nos anos de 1990. Deste modo, persistiu, e até tropolitana de Fortaleza que conseguiu elevar o número de
agravou, o quadro de grandes desigualdades e heterogenei- empregos neste período em função das políticas agressivas
dades inter e intra-regionais. de atração de investimentos do Estado do Ceará, principal-
Assim, quando se analisa a dimensão espacial do proces- mente do setor calçadista. Porém, são empregos, em sua
so de desenvolvimento neste período, nota-se que as inércias maioria, de baixa qualidade.
e rigidezes próprias da situação periférica e subdesenvolvida A abertura comercial e a maior exposição da economia
brasileira se juntaram (e se entrecruzaram) à inércia macroe- à concorrência externa impuseram uma reestruturação
conômica das pífias taxas de crescimento, o que virtualmente produtiva às empresas caracterizada, principalmente, pelo
paralisou os movimentos mais significativos, que pudessem aumento do componente importado dos produtos e no pro-
determinar mudanças decisivas nas posições relativas das cesso produtivo; pela adoção de inovações tecnológicas e
regiões na riqueza nacional. organizacionais; pela redução de custos com mão de obra
É preciso, neste contexto, avaliar a desigual sensibilidade (terceirização, flexibilização etc.); e pela focalização nas ati-
das diversas estruturas produtivas regionais aos processos vidades principais. Na segunda metade dos anos de 1990,
de abertura comercial, privatização do setor produtivo es- com a valorização cambial e a intensificação do processo
tatal, desestruturação do mercado de trabalho etc., em um de abertura comercial, foi atraído para o País um volume
ambiente de persistentes baixas taxas de crescimento da significativo de tais processos tiveram como resultado um
economia brasileira. aumento da participação do capital estrangeiro na economia
Nos anos de 1990, os poucos investimentos realizados o que, por sua vez, foi denominado de “desnacionalização
confirmaram tanto movimentos de reconcentração em São da estrutura produtiva”, ou melhor, de “internacionalização
Paulo como movimentos de desconcentração a partir deste do mercado nacional”.
estado. Para os primeiros, tem-se como exemplo os inves- Apesar da atração desses investimentos, a década de
Geografia do Brasil

timentos nos setores de maior complexidade tecnológica 1990 foi marcada por baixas taxas de investimento e de cres-
que se localizaram preferencialmente em São Paulo. Para cimento econômico.
o segundo, os investimentos do setor automobilístico em Do ponto de vista regional, os novos investimentos ocor-
que as novas plantas que vieram para o País, na sua maior reram de maneira bastante desordenada e seletiva. Com a
parte, se localizaram fora de São Paulo. Algumas mudanças redução do papel do Estado Nacional na implementação de
se manifestaram através de tendências de desconcentração políticas de planejamento nacionais nas áreas industrial, agrí-
regional de setores tradicionais, intensivos em mão de obra cola e regional estes foram orientados pela lógica privada
pouco qualificada e recursos naturais (alimentos, bebidas, da busca de maiores economias de escala, escopo e aglo-
têxteis, calçados etc.), no sentido das regiões menos desen- meração. Também foram decisivos para a localização destes

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investimentos os incentivos fiscais e financeiros concedidos Os projetos de investimento para a região Norte, anun-
pelas diversas UFs brasileiras no âmbito da guerra fiscal. ciados entre 2000-2002, reforçam as especializações nestes
No setor agrícola, a introdução de inovações tecnológicas setores. Mas, também indicaram novas tendências, basica-
reforçou o processo de “modernização da agricultura” que mente as representadas pelos anúncios de empresas do setor
vinha ocorrendo desde as décadas anteriores. Houve uma de cosméticos e perfumarias no Amazonas e de empresas
redução expressiva da demanda de mão de obra nas ativida- do complexo agroindustrial de grãos e carnes em Rondônia
des agrícolas, aumentando significativamente o desemprego e Amazonas. Estas últimas inversões ligadas à expansão das
no meio rural. Por outro lado, a introdução de modernas lavouras de grãos da Região Centro-Oeste.
tecnologias, tanto na colheita como no “pós-colheita”, passou No que se refere às atividades minero-metalúrgicas do
a exigir uma mão de obra mais qualificada para trabalhar nos Pará estas são considerados quase “enclaves regionais” pois,
processos produtivos. possuem baixa capacidade de absorção de mão de obra,
A indústria de transformação, sobretudo a de bens de exigem alta concentração de capital e desenvolvem poucos
capital, foi o setor mais afetado pelas mudanças na economia encadeamentos interindustriais. Desta forma, apesar dos in-
brasileira nos anos de 1990. A expansão das importações vestimentos em infraestrutura e da instalação de empresas
de máquinas, equipamentos e componentes levou a uma siderúrgicas (ferro gusa, ferro ligas etc.), ao longo da estrada
forte redução dos encadeamentos Inter setoriais na produ- de ferro São Luís-Carajás, os impactos locais destas ativida-
ção industrial. O ajuste produtivo das empresas industriais, des, em termos de geração de emprego, foram reduzidos.
cujas mudanças administrativas e organizacionais tiveram a Situação que agravou ainda mais nos anos de 1990 pela in-
terceirização como uma de suas estratégias principais, tam- trodução de novas técnicas de gestão de trabalho dentro das
bém implicou numa drástica redução do emprego. indústrias localizadas neste complexo.
O setor terciário, por sua vez, contribuiu para a atenuação Dentre os investimentos realizados no complexo minero-
da situação de redução expressiva do emprego nos setores -metalúrgico do Pará nos anos de 1990, o mais relevante foi
agrícola e industrial. Apesar disto, tendo em vista as ele- a construção de uma fábrica de perfis de alumínio (Soinco
vadas taxas de desemprego no País, nos anos de 1990, a Saci), em Belém. Porém, somente a partir de 1998, com a
expansão do emprego no terciário não foi capaz de absorver perspectiva de melhora dos preços internacionais de minério
totalmente os desempregados dos outros setores e os novos de ferro pelotizado, a CVRD anunciou a retomada de investi-
ingressantes no mercado de trabalho. Ainda, a expansão do mentos no complexo de Carajás. Os principais projetos desta
emprego não foi generalizada para o setor terciário, uma vez empresa são: extração/transformação de cobre na Mina de
que, a redução do emprego também foi significativa dentro Sossego, em Carajás; e exploração de novas reservas de bau-
de alguns segmentos que passaram por um intenso processo xita em Paragominas.
de modernização, como por exemplo, o segmento de inter- Entre 1985-2000, a participação relativa dos setores de
mediação financeira. extração de minerais metálicos e de metalurgia básica na
No período entre 1991-2000, o setor terciário e a in- estrutura industrial do Pará aumentou de 38,2% para 58,8%.
dústria de transformação perderam participação no Valor Porém, o emprego na extração de minerais metálicos reduziu
Adicionado Bruto (VAB) do Brasil, de 54,5% para 52,3% e de 2.529 para 2.045 entre 1996-2000. Já no setor de meta-
de 28,1% para 25,2% respectivamente, enquanto a partici- lurgia básica, houve um aumento nas ocupações, de 2.690
pação do setor agrícola permaneceu em torno de 7%. Com para 2.854 neste mesmo período.
relação à distribuição dos empregados por setor de ativida- Na ZFM a abertura comercial e o aumento das importa-
de, a participação do setor serviços (inclusive serviços de ções de bens eletroeletrônicos no início dos anos de 1990
utilidade pública) foi de 34%, a do setor agrícola 4% e a do exigiram uma redução de custos por parte das empresas
setor industrial 19% em 2000. Por outro lado, a administração para que se adequassem à concorrência externa. As empre-
pública, o comércio e a construção civil foram responsáveis, sas aí localizadas reduziram significativamente o número de
respectivamente, por 22,4%, 16,2% e 4,2% do total dos em- empregados, investiram em automação dos processos de
pregados neste período. montagem e aumentaram o percentual dos componentes
importados em seus produtos. Ao mesmo tempo, as empre-
Região Norte sas de bens eletroeletrônicos diminuíram significativamente
a diversificação de produtos e se concentraram em alguns
No âmbito do processo de desconcentração regional da nichos de mercado. Por outro lado, medidas de caráter ins-
indústria brasileira entre 1970-85, a integração da região titucional também foram importantes, como por exemplo, a
Norte à estrutura produtiva nacional ocorreu de maneira permanência dos benefícios fiscais da ZFM até 2013.
frágil e seletiva, fortemente concentrada em termos setoriais Com isso, as empresas da ZFM puderam atender ao au-
e regionais. Nos anos de 1990, a especialização setorial se mento do consumo interno de bens eletroeletrônicos resul-
manteve na produção de bens intermediários e de bens de tante do Plano Real em 1994 que, por sua vez, implicou em
consumo duráveis. A maior parte da produção industrial des- aumento da produção nesta região entre 1994-97. Porém, os
ta região localiza-se no Amazonas – eletroeletrônicos da Zona dados da Suframa mostram uma queda do faturamento das
Franca de Manaus (ZFM) – e no Pará – complexo minero- empresas e da produção dos principais bens eletroeletrôni-
-metalúrgico de Carajás. Estas sub-regiões são responsáveis cos aí produzidos entre 1997-99. A redução da produção e do
por grande parte do dinamismo econômico regional. faturamento foi acompanhada de redução do emprego nos
Geografia do Brasil

A precarização das condições de trabalho refere-se ao principais setores da ZFM. Estes resultados foram verificados
aumento do trabalho assalariado sem carteira e do trabalho em função do desaquecimento do mercado nacional de bens
por conta própria. Pode ser identificada pelo aumento do duráveis de consumo neste período. A queda do emprego
trabalho por tempo determinado, sem renda fixa, em tempo também foi resultado da automação do processo produtivo
parcial e dos bicos em geral. Já a precarização das relações de das empresas da ZFM que, além de implicar numa redução
trabalho refere-se ao processo de deterioração das relações da mão de obra nas linhas de montagem, passou a exigir ope-
de trabalho verificadas pelo aumento da desregulamentação, rários mais qualificados para manusear tais equipamentos.
dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho Os dados da RAIS mostram uma queda no emprego no
e de contratos por empresa. setor de material eletrônico e de comunicações no Amazonas

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de 23.781 em 1996 para 16.165 em 2000. Por outro lado, os anúncios ocorreram em função das expectativas de cresci-
dados da Suframa, que incluem mão de obra efetiva, tempo- mento da produção de soja nesta região, principalmente no
rária e terceirizada, mostram uma queda no emprego neste Mato Grosso, de aumento das exportações de farelo de grãos
setor de 27.659 para 25.870 neste mesmo período. para a Europa e de aumento da demanda interna por parte
dos frigoríficos. Dentre os investimentos mais recentes, pode-
Região Centro-Oeste -se destacar também os projetos em Anápolis (GO) visando
o mercado de medicamentos genéricos. Entre 1996-2000,
A expansão da agricultura no Centro-Oeste ocorreu me- foram gerados 3.263 empregos na produção de farmacêu-
diante a especialização na produção de grãos com maior ticos neste município.
possibilidade de integração industrial a montante e a jusante, Além da oferta de recursos naturais e de mão de obra
sobretudo da soja. Nos anos de 1980, a política nacional de relativamente mais barata, a concessão de incentivos fiscais
exportação contribuiu sobremaneira para a expansão das e financeiros pelos governos estaduais, principalmente de
lavouras de grãos nesta região. Ao demandar insumos, má- Goiás, foi fundamental para a atração destes investimen-
quinas e equipamentos, serviços bancários e comerciais, as tos. Como resultado, houve um aumento na participação
atividades do Complexo Agroindustrial (CAI) de grãos-carne do Centro-Oeste no VTI (Valor de transformação Industrial)
também exerceram efeitos de encadeamento sobre as ati- nacional do setor de alimentos e bebidas de 4% para 7,5%
vidades urbanas das áreas inseridas neste processo. Parte entre 1985-2000. No setor têxtil, houve um aumento de par-
significativa destas atividades concentrou-se em alguns ticipação em artigos de vestuário e acessórios de 0,6% para
municípios como, Itumbiara, Jataí e Rio Verde, em Goiás; 2,3%. Por outro lado, não houve mudanças significativas na
Rondonópolis e Cuiabá em Mato Grosso; e Campo Grande participação de Goiás no VTI nacional de fabricação e mon-
e Dourados em Mato Grosso do Sul. tagem de veículos automotores.
Embora tenha ocorrido uma desconcentração relativa As atividades do CAI soja (soja em grãos, farelo e óleo de
para o Centro-Oeste entre os anos de 1970 e 1980, a região soja) aumentaram suas participações na pauta de exportação
Sul ainda é responsável pela maior produção nacional de da Região Centro-Oeste, entre 1990-93. Após a valorização
grãos. cambial em 1994, houve queda nas participações das vendas
Mas, em termos de crescimento, a região de maior di- deste CAI, sendo que a maior redução ocorreu nas exporta-
namismo na década de 1990 foi a região Centro-Oeste. Esta ções de soja em grãos de 36,31% em 1994 para 16,5% em
região também obteve maior êxito no que se refere à gera- 1995. Entre 1997-99, esses percentuais foram recuperados.
ção de emprego nestas atividades. Entre 1996-2000 houve Com relação ao emprego no setor de alimentos e bebidas
um aumento de 2.873 empregos no cultivo de soja nos três no Centro-Oeste, houve um aumento de 36.168 em 1991
Estados do Centro-Oeste, sendo que o Mato Grosso foi res- para 113.853 em 2000. No setor têxtil, este aumento foi de
ponsável por um aumento de 1.955 empregos. Na região Sul 8.924 para 20.599. Nos dois setores, o aumento maior do
e na região Sudeste (São Paulo e Minas Gerais) este aumento número de emprego ocorreu em Goiás.
foi de 1.800 e de 832 empregos, respectivamente.
No período subsequente ao Plano Real, vários frigoríficos Região Nordeste
anunciaram sua expansão no Centro-Oeste, reforçando a es-
pecialização dessa região no CAI de grãos e carnes. Porém, A estrutura produtiva industrial nordestina aumentou
o principal investimento foi o do Grupo Perdigão (Projeto sua complexidade o que, por sua vez, consolidou uma nova
Buriti) na produção de carnes de frangos e suínos, inaugurado realidade econômica caracterizada pela presença de áreas de
no ano de 2000 no município de Rio Verde (GO). Também maior dinamismo relativo, convivendo com áreas de estag-
foram realizados investimentos da Unilever na produção de nação e decadência. São elas: o complexo petroquímico de
atomatados que, juntamente com a instalação do Grupo Camaçari na Bahia; o polo têxtil de Fortaleza; as atividades
Perdigão, atraiu alguns fornecedores de embalagens (Orsa, metalúrgicas do Maranhão; o polo agroindustrial de Petro-
Videplast e Brasilata) para este município localizado no su- lina (PE)/Juazeiro (BA); a agricultura moderna de grãos no
doeste de Goiás. oeste da Bahia; e as áreas de fruticultura irrigada do Vale
Entre 1996-2000 houve um aumento de 1.640 empregos Açu/Mossoró (RN).
na criação de aves e suínos na região Centro-Oeste enquanto No complexo petroquímico de Camaçari, embora não
que na região Sul o acréscimo foi de 1.495 empregos. Nos tenham sido implementados os projetos iniciais de aden-
estados de São Paulo e Minas Gerais houve uma queda de samento do complexo químico, os impactos da instalação
1.638 empregos neste setor. destas atividades sobre a estrutura industrial da Bahia fo-
A região Centro-Oeste também atraiu, no período pós- ram importantes. O setor de produtos químicos aumentou
1994, investimentos de empresas de outros setores indus- sua participação relativa no VTI estadual de 33,7% em 1985
triais, que por sua vez, se localizaram preferencialmente em para 40% em 1998. Mas, em 2000, este percentual reduziu
Goiás. Dentre estes, mereceram destaque os investimentos para 24,2%. No VTI nacional a queda foi de 13,9% em 1985
da Cameco/John Deere (colheitadeiras) e da MMC/Mitsu- para 7,9% em 2000. De 1996 a 2000 o número de postos de
bishi (veículos utilitários) no município de Catalão. Em 2000, trabalho continuou basicamente estagnado neste setor, com
foram contabilizados 405 empregos no setor de fabricação cerca de 10 mil empregos.
e montagem de veículos deste município. Por outro lado, entre 1985-2000, aumentou a participa-
Geografia do Brasil

Por outro lado, em conformidade com as mudanças nas ção relativa da Bahia nas atividades de fabricação de coque,
tendências de localização do setor têxtil e do aumento da refino de petróleo e produção de álcool (de 5,9% para 10,2%)
oferta de algodão no CO, algumas empresas têxteis das re- e de celulose, papel e produtos de papel (de 1% para 6,9%).
giões Sul e Sudeste também se instalaram no Centro-Oeste No VTI estadual o aumento foi de 10% para 29,36%, para o
(Nellitexsul e Corttex no MS; Fiasul no MT; Vicunha, Malharia primeiro, e de 0,66% para 7,66 %, para o segundo. No caso
Mans, Hering e outras em GO). do setor de papel e celulose, este aumento é resultado dos
No início de 2002, algumas empresas do segmento de investimentos da fábrica de celulose Bahia-Sul na região sul
processamento de grãos como Bunge, ADM, Grupo Algar, deste estado. Nesse setor o aumento do emprego foi de
Louis Dreyfus anunciaram investimentos no Centro-oeste. Os 2.461 em 1996 para 2.801 em 2000. Na fabricação de coque,

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refino de petróleo e produção de álcool o aumento do em- se instalaram no Ceará, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Sergipe
prego foi de 165 para 2.801 neste mesmo período. e Rio Grande do Norte. Com isso, a participação relativa do
Esta redução pode ser explicada pela concorrência com Nordeste no VTI nacional deste setor aumentou de 7,7% em
os novos projetos de investimento no Rio Grande do Sul e 1985 para 18,4% em 2000.
no Rio de Janeiro e dos entraves institucionais causados pela A Bahia e o Ceará foram os que mais receberam inves-
privatização da Copene. No entanto, alguns investimentos timentos do setor. Nesses estados, a maioria das empresas
foram realizados no polo petroquímico de Camaçari após de calçados é de pequeno porte, porém, a produção e o
o Plano Real. Dentre estes, a ampliação da capacidade de emprego do setor estão concentrados nas grandes empresas
produção da Oxiteno e a instalação da fábrica de matérias- que vieram das regiões Sul e Sudeste.
-primas para fertilizantes da Monsanto. Porém, o projeto de De modo geral, apesar da atração de empresas fornece-
aumentar a capacidade de produção da nafta, principal obs- doras de componentes, os impactos locais se restringiram aos
táculo à expansão deste polo, ainda não foi implementado. empregos diretos gerados. Os investimentos realizados na
No Maranhão, as atividades da cadeia produtiva do alu- integração da cadeia produtiva ainda não têm sido suficientes
mínio fazem parte das operações da CVRD na região Norte. para induzir à formação de aglomerações setoriais similares
A bauxita extraída pela Alunorte, em Oriximiná (PA) é esco- às das regiões Sul e Sudeste, nas quais estão presentes desde
ada através da Estrada de Ferro-Carajás e transformada em os curtumes e fornecedores de máquinas e equipamentos
alumínio primário em São Luís (MA), de onde segue para o até centros de pesquisa e de treinamento de mão de obra.
mercado externo. Entre 1985-2000, o setor de metalurgia Por outro lado, também é preciso atentar para a qualidade
básica aumentou sua participação relativa no VTI estadual destes empregos. A mão de obra, além de ser mais barata em
de 22,6% para 54,6%. Em 2000, este setor foi responsável relação à das outras regiões, é contratada mediante práticas
por um total de 3.568 empregos no Maranhão. de flexibilização das relações de trabalho como as coopera-
O Ceará concentra parte expressiva das atividades da tivas de trabalho. Esta prática é realizada principalmente no
indústria têxtil do Nordeste, sendo que estas estão localiza- Ceará, onde a mão de obra utilizada possui baixo grau de
das principalmente na Região Metropolitana de Fortaleza. instrução, é remunerada de acordo com a sua produção e
Assim como em todo o País, no início dos anos de 1990, isenta de encargos sociais e trabalhistas.
a indústria têxtil do Ceará sofreu os impactos negativos da Além dos investimentos nos setores têxtil e calçadista,
abertura comercial e do aumento da concorrência com os também foram realizados alguns investimentos na Região
produtos têxteis importados. No Nordeste houve uma drás- Nordeste no processamento de grãos, na fruticultura irri-
tica redução de empresas e de emprego no setor têxtil entre gada, na produção vinícola e no setor automobilístico, No
1990-1996, principalmente no Ceará. Já na segunda metade processamento de grãos, o aumento da produção de grãos
da década, o ajuste produtivo do setor têxtil implicou na ins- no Nordeste, a concessão de incentivos fiscais e o menor
talação de empresas das regiões Sul e Sudeste na Região Nor- custo relativo da mão de obra contribuíram para o anún-
deste. Grandes empresas do setor têxtil se instalaram nesta cio de investimentos no oeste da Bahia e no Piauí. A Ceval
região como Coteminas (PB e RN), Fibrasil (PE) e Marisol (CE). fechou sua unidade frigorífica e expandiu a sua capacidade
No Ceará, os investimentos no segmento de malharia contri- de esmagamento de soja no oeste baiano. Isto ocorreu em
buíram para a verticalização da cadeia de fiação-tecelagem conformidade com a estratégia desta empresa de focaliza-
já existente na Região Metropolitana de Fortaleza. Além da ção no processamento de soja, após sua incorporação pela
vinda de empresas de outros estados também foram feitos Bunge Alimentos.
investimentos em expansão das indústrias locais. Entre 1996-2000, houve um aumento de 697 empregos
No VTI nacional a participação relativa do Ceará na fa- no cultivo de soja nos três Estados do Nordeste em que esta
bricação de produtos têxteis aumentou de 3,6% para 10,3% lavoura tem avançado (Bahia, Maranhão e Piauí).
entre 1985-2000. No que se refere ao emprego no setor têxtil Os polos de fruticultura irrigada do Vale do Açu/Mossoró
deste Estado, houve um aumento de 35.341 para 48.444 e de Petrolina/Juazeiro atraíram investimentos de grandes
entre 1996-2000. Mas, por outro lado, a participação relativa empresas e aumentaram de forma expressiva a produção e a
das atividades do complexo têxtil (fabricação de produtos exportação de frutas nos anos de 1990. No primeiro, atuam
têxteis e confecção de artigos do vestuário) no VTI do Ceará grandes empresas, principalmente no cultivo de melão, como
diminuiu de 38,6% em 1985 para 22,7% em 2000. Porém, Frunorte, Fazenda São João, Mossoró AgroIndustrial, Nolem
não houve mudanças significativas na participação relativa e Maísa. Nos anos de 1990, foram atraídos para este polo
do Ceará na confecção de artigos do vestuário em que estão investimentos das empresas estrangeiras Delmont e Directi-
incluídos os segmentos de maior valor agregado da cadeia vos Agrícolas. No polo de Petrolina/Juazeiro foram realizados
produtiva têxtil (4,5% em 2000). investimentos de grandes grupos empresariais nacionais e
Foram importantes para a atração dessas empresas, os estrangeiros na produção de frutas e de empresas da Região
incentivos concedidos no âmbito da Sudene e os benefícios Sul e estrangeiras na produção de vinhos.
fiscais concedidos pelos vários estados do Nordeste, sobretu- Estes polos são considerados como importantes gerado-
do pelo governo do Ceará. Além destes incentivos, os Estados res de emprego e renda nas cidades envolvidas com a fruti-
que receberam investimentos atuaram, em parceria com as cultura irrigada. Entre 1996-2000, o emprego no cultivo de
empresas do setor têxtil, no treinamento da mão de obra e frutas aumentou de 502 para 2.113 no Rio Grande do Norte
na introdução de cooperativas de trabalhadores. Parte signi- e de 3.350 para 3.465 na Bahia. Já em Pernambuco houve
Geografia do Brasil

ficativa da mão de obra utilizada nessas cooperativas possui o emprego caiu de 4.625 para 6.678. Entretanto, deve-se
baixo grau de instrução, é remunerada de acordo com a sua considerar o tipo de emprego e as relações de trabalho aí
produção e isenta de encargos sociais e trabalhistas. existentes. Nos dois polos, o aumento da produção tem se
Do mesmo modo, também foram atraídos investimentos refletido em concentração de terras e de renda regional. As
do setor calçadista para o Nordeste. Assim como no setor grandes empresas tem intensificado a produção através da
têxtil, as empresas foram atraídas pelos custos salariais me- introdução de técnicas modernas de irrigação, cultivo, colhei-
nores, pelos incentivos fiscais e financeiros dos governos ta, processamento dos frutos, que por sua vez, tem implicado
estaduais e pela expansão do mercado nessa região após o em redução da mão de obra em algumas partes do processo
período de estabilização de preços. As fábricas de calçados produtivo. Por outro lado, exige-se uma maior qualificação

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da mão de obra no manuseio das frutas nas casas de em- incorporação da Tupy por um grupo formado por fundos
balagem. Do ponto de vista das relações de trabalho, estas de pensão e bancos, em 1995, implicando no fechamento
se mostram muito precárias. A maior parte da mão de obra de unidades produtivas e redução do número de emprega-
é empregada através de contratos temporários rescindidos dos principalmente em Joinville, cidade mais importante do
a cada término de safra, levando a uma maior instabilidade polo. No entanto, os impactos foram diferenciados de acordo
das ocupações neste tipo de produção. com a capacidade competitiva das empresas do polo. As
Por último, cabe destacar o investimento em uma planta pequenas e médias empresas de autopeças, que possuem
automobilística da Ford (Projeto Amazon). Inaugurada em uma certa competitividade no mercado internacional, rea-
outubro de 2001, a capacidade de produção é de 250 mil ve- lizaram parcerias com empresas internacionais para estabe-
ículos/ano, sendo que foram contratados 500 operários pela lecer acordos comerciais e de transferência de tecnologia.
montadora e 500 pelos fornecedores que lá se instalaram. Porém, apesar do bom desempenho das empresas de me-
Dentre os projetos de investimento das empresas fornece- nor porte, o melhor dinamismo foi atribuído à atuação das
doras, a Pirelli planeja aumentar a produção de pneus em grandes empresas do segmento de compressores e motores
Feira de Santana (BA). elétricos que compõem este polo, Weg e Embraco. Nos anos
Porém, apesar do anúncio de investimentos no setor de de 1990, estas empresas intensificaram suas estratégias de
autopeças, grande parte das peças e componentes virá da internacionalização com a instalação de filiais no exterior
unidade da Ford em São Bernardo do Campo no ABC paulista. e de acordos de cooperação tecnológica e produtiva com
outras empresas estrangeiras.
Região Sul Entre 1985-2000, a participação relativa de Santa Catari-
na no VTI nacional de máquinas e equipamentos aumentou
Entre os anos 70 e 80, a maior integração da região Sul à de 4,1% para 9,3% e a máquinas e materiais elétricos de
estrutura produtiva nacional ocorreu através da introdução e 3,7% para 7%. No VTI estadual o aumento mais significativo
da expansão de segmentos industriais, bem como da diversi- foi no setor de máquinas e equipamentos que aumentou de
ficação agrícola (modernização da base técnica da produção 8,5% para 11,5%, sendo que a de máquinas e materiais elé-
e da expansão das lavouras de grãos de maior atratividade tricos permaneceu em cerca de 3,7%. Este complexo metal-
no mercado externo e com forte integração a montante e -mecânico-elétrico reduziu seu estoque de emprego de 32
a jusante). Estas mudanças resultaram na diversificação da mil para 31 mil no período 1996/2000.
base produtiva dos três Estados sulinos com o aumento da A indústria têxtil de Santa Catarina, em grande parte
participação dos setores: metal, mecânico (material elétri- concentrada no Vale do Itajaí (Blumenau, Brusque e Itajaí),
co, de transporte e máquinas e implementos agrícolas); de merece destaque pela produção de malhas e artigos de cama,
alimentos, principalmente, do CAI de grãos e carnes; de cal- mesa e banho, mas, compreende desde os segmentos da
çados; e de papel, celulose e mobiliário. No que se refere fiação até a confecção.
à organização espacial destas atividades, com exceção de Grandes empresas do setor têxtil e vestuário nacional
Santa Catarina, onde a localização da produção industrial se originaram nesta região (Teka, Artex, Karsten, Buettner,
é menos concentrada, no Rio Grande do Sul e no Paraná, a Malwee, Marisol e Hering). No Vale do Itajaí, o ajuste pro-
expansão industrial em seus territórios ocorreu similarmente dutivo implicou numa redução no valor exportado entre
ao processo de “desconcentração espacial e setorialmente 1995-98, no total produzido entre 1997- 98 e no emprego
concentrada” da indústria brasileira. entre 1990-98.
As principais mudanças no complexo metal-mecânicos da O CAI de grãos e carnes da Região Sul também passou
região Sul ocorreram em função da instalação de novas plan- por mudanças significativas em razão da introdução de inova-
tas automobilísticas no Rio Grande do Sul (General Motors ções tecnológicas e organizacionais e da realização de inves-
em Gravataí) e no Paraná (Renault, Nissan e Volkswagen-Audi timentos na Região Centro-Oeste. Principalmente no oeste
em São José dos Pinhais; e Chrysler, em Campo Largo). Com catarinense, onde grande parte das empresas foi incorporada
estes investimentos, a participação relativa do Paraná no VTI por grupos estrangeiros.
nacional da fabricação e montagem de veículos automotores Com relação às atividades de fabricação de papel e celulo-
aumentou de 3,5% para 8,6% e a do Rio Grande do Sul de se, cabem destaques: Santa Catarina – papéis de embalagem
4,2% para 6,5% entre 1985-2000. e papéis sanitários; Paraná – papéis de embalagem, cartões
No Rio Grande do Sul, o complexo metal-mecânico tam- e papel de imprensa (único Estado produtor deste tipo de
bém está vinculado à produção de máquinas e equipamentos papel); e Rio Grande do Sul – celulose de mercado. Entre
agrícolas. Com destaque para as empresas de tratores e co- 1985-2000, não houve mudanças significativas nos percen-
lheitadeiras: AGCO em Canoas e Santa Rosa; SLC/John Deere, tuais relativos destes Estados no VTI nacional de celulose,
em Horizontina; Agrale, International e Navistar, instalada papel e produtos de papel. Em 2000, o Paraná foi responsável
em 1998, em Caxias do Sul. por 10,5% do VTI nacional deste setor, o percentual de Santa
Contudo, entre 1985-2000, o setor de máquinas e equi- Catarina foi de 6,8% e o do Rio Grande do Sul foi de 6,4%.
pamentos perdeu participação relativa no VTI do Rio Grande Também não foram muito importantes as mudanças nas
do Sul de 12,14% para 7,4%. Os postos de trabalho que eram participações deste setor nas estruturas industriais estaduais.
33,4 mil, em 1996, passaram a 35,1 mil, em 2000. A participação mais expressiva do setor é no VTI do Paraná,
Em Santa Catarina, as atividades mais importantes do 7,8% em 2000. O emprego neste setor nos três Estados su-
Geografia do Brasil

complexo metal-mecânico estão vinculadas à fabricação de linos aumentou de 33.286 em 1996 para 35.616 em 2000. O
máquinas e equipamentos e de aparelhos e material elétri- Estado de São Paulo, apesar da queda em sua participação
co. Estas atividades estão localizadas, em grande parte, nos relativa no VTI nacional (de 57,3% em 1985 para 47,3% em
municípios de Joinville e Jaraguá do Sul. Neste polo origina- 2000), ainda concentra os segmentos de maior valor agre-
ram-se grandes empresas nacionais (Cônsul, Weg, Embraco, gado (papéis de imprimir e escrever).
Busscar e Tupy) formando um polo eletro-metal-mecânico A distribuição regional dos novos projetos de investimen-
na região norte desse Estado. to em celulose de mercado nos anos de 1990 também não
Os efeitos da abertura comercial e a valorização cam- indicou mudanças relevantes na configuração regional da
bial foram significativos nesse polo. Com destaque para a produção. Na região Sul, mereceu destaque o investimento

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em ampliação da capacidade produtiva da Riocell na Região da CVRD; construção da segunda usina de pelotização da
Metropolitana de Porto Alegre. Samarco; implantação do segundo alto-forno e do segundo
No que se refere à produção de calçados da região Sul, lingotamento contínuo da CST.
esta se concentra no Rio Grande do Sul. A expansão do setor No VTI estadual a participação relativa da extração de
calçadista deste Estado ocorreu nos anos 1970-80 com base minerais metálicos aumentou de 10,7% para 17,8% e no setor
na consolidação de uma aglomeração setorial no Vale dos de metalurgia básica o aumento foi de 21,7% para 27,6%,
Sinos, principalmente em Novo Hamburgo e São Leopoldo. entre 1985-2000. No VTI nacional o aumento da participação
Concentra-se nessa aglomeração praticamente quase todos relativa do Espírito Santo foi de 11,1% para 17,6% na extração
os segmentos inter-relacionados ao complexo coureiro- de minerais metálicos e de 5,2% para 8,7% em metalurgia
-calçadista, desde a produção de couro e componentes, de básica. Quanto aos empregos no setor extrativo, estes salta-
máquinas e equipamentos até os segmentos da produção ram de apenas 602 para mais de 5 mil entre 1996/2000. Na
final de calçados. As mudanças macroeconômicas e os ajustes metalurgia básica ocorreu aumento de 5,7 mil para 6,2 mil.
produtivos impostos pela abertura comercial ao longo dos No Estado de Minas Gerais, a produção minero-metalúr-
anos de 1990 resultaram numa diminuição do dinamismo gica se expandiu estabelecendo importantes ligações interse-
deste complexo. Várias empresas faliram e outras tiveram toriais locais dentro do complexo metalomecânico (siderurgia
sua situação financeira enfraquecida, permanecendo as e material de transporte). Durante o processo de desconcen-
empresas de maior porte. Mas, por outro lado, como visto tração regional da indústria brasileira foram beneficiadas: a
anteriormente, a produção de várias empresas foi transfe- região central de Minas Gerais, onde estão concentradas as
rida para a Região Nordeste resultando na disseminação de atividades de exploração mineral; a região do Sul de Minas
práticas flexíveis de contratação no complexo têxtil e com e o Triângulo Mineiro, pela maior proximidade geográfica ao
isso, vendeu a Ceval/Seara para o Grupo Bunge Alimentos. Estado de São Paulo. Com isso, acentuaram-se as diferenças
(sociais, econômicas) intraestaduais entre estas regiões “mais
Região Sudeste prósperas”, as regiões “estagnadas” (Zona da Mata e Vale do
Rio Doce) e as “regiões-problema” (Vale do Jequitinhonha e
Na Região Sudeste estão localizados os setores mais o norte do Estado).
importantes e estratégicos da estrutura produtiva nacional, No complexo minero-siderúrgico as mudanças nos anos
especialmente, os setores industriais mais modernos dos de 1990 estiveram relacionadas à privatização das empresas
grupos de bens de consumo não duráveis, de bens interme- estatais e ao aumento da concentração e da concorrência
diários, de bens de capital e de bens de consumo duráveis. intrasetorial. No Brasil, o processo de privatização e a rees-
No entanto, as diferenças entre as estruturas produtivas dos truturação patrimonial levaram a uma maior concentração
Estados que a compõem são significativas. dando origem a uma estrutura comandada por cinco grandes
A participação do Estado do Espírito Santo na divisão grupos, com grande participação das empresas siderúrgicas
inter-regional do trabalho brasileira pode ser verificada nos do Estado de Minas Gerais.
setores de transformação de minerais metálicos e de papel Estes cinco grupos detêm cerca de 95% da produção
e celulose, ambos comandados por grandes empresas. A siderúrgica nacional. São eles: Usiminas/Cosipa, Gerdau/
expansão destas atividades não se refletiu em encadeamen- Açominas, Usinor-Acesita/CST, Belgo-Mineira/Mendes Jú-
tos inter-setoriais relevantes na economia do Espírito Santo, nior e CSN. Após a privatização, as principais estratégias de
pois estas empresas estão voltadas para o mercado externo. investimento destes grupos estiveram relacionadas à mo-
No setor de papel e celulose não foram realizados in- dernização tecnológica de suas usinas e à diversificação de
vestimentos em expansão das atividades após o Plano Real. produtos, objetivando tanto a conquista de novos mercados
De um modo geral, neste período houve uma diminuição como a manutenção de competitividade no mercado externo
das exportações de celulose para atender a expansão do e o suprimento do mercado interno.
consumo interno de papéis de todos os tipos. Os anúncios Entre 1985-2000, houve queda da participação relativa
de investimento em expansão da capacidade de produção da metalurgia básica no VTI estadual de 27,3% para 21,2% e
ocorreram a partir de 1998, em função da recuperação do aumento da participação de extração de minerais metálicos
mercado externo após vários anos de queda dos preços in- de 8,4% para 11,2%. No VTI nacional o percentual de Minas
ternacionais. Nesse Estado, o projeto de investimento mais Gerais na metalurgia básica permaneceu em cerca de 32%
importante é o da Aracruz que planeja expandir sua produção enquanto que na extração de minerais metálicos aumentou
de celulose de mercado em sua unidade instalada no municí- de 47,1% para 53,7%. Por outro lado, houve redução do em-
pio de Aracruz. Sendo este projeto considerado, atualmente, prego nos dois setores de 4.735 para o primeiro e de 2.018
como um dos maiores investimentos a se realizar no Brasil. para o segundo.
No VTI estadual, a participação deste setor aumentou de No segmento automobilístico, além da expansão da pro-
9,8% em 1985 para 19,6% em 2000. No VTI nacional este dução da FIAT na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
aumento foi de 5% para 9%. foram atraídas novas montadoras para Minas Gerais nos anos
No que se refere às atividades de transformação de mi- de 1990 (Mercedes-Benz em Juiz de Fora – Zona da Mata e
nerais metálicos, a importância destas na estrutura indus- Iveco/Fiat Spa em Sete Lagoas – Sul de Minas). Com estes
trial do Espírito Santo é resultante de um complexo formado investimentos, a participação relativa deste Estado no VTI
por sete usinas de pelotização de minério de ferro da CVRD nacional de fabricação e montagem de veículos automotores
Geografia do Brasil

localizadas, principalmente, em Tubarão. Além dessas usi- aumentou de 7,8% em 1985 para 14,2% em 2000. No VTI
nas, também merece destaque a produção da CST no setor estadual este aumento foi de 4,4% para 11,5%. Na Região Me-
siderúrgico em Tubarão. Esse complexo minero-siderúrgico tropolitana de Belo Horizonte houve uma queda no emprego
tem como vantagem locacional a boa infraestrutura tanto de no setor automobilístico de 28.404 em 1996 para 19.068 em
recebimento de matérias-primas (estrada de ferro Vitória- 2000. Em Sete Lagoas e Juiz de Fora houve um aumento de
-Minas) como de escoamento da produção para o exterior 616 postos de trabalho neste setor entre 1996-2000.
(Porto de Tubarão). Os investimentos realizados pelas em- No Estado do Rio de Janeiro, as novas perspectivas li-
presas do complexo minero-siderúrgico entre 1995 e 1997 gadas aos investimentos pós-1994, especialmente nos se-
foram: construção da sétima usina de pelotização (Kobrasco) tores químico, automobilístico e de extração de petróleo,

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indicaram alguma inflexão da histórica perda de dinamis- da estrutura da indústria de transformação nacional estão
mo econômico verificada nas décadas anteriores. Deve-se concentrados neste estado.
ressaltar a importância da Região Metropolitana do Rio de No âmbito intra-estadual, houve redução da participação
Janeiro (RMRJ) e do sul deste Estado como localidades de relativa da região metropolitana no VTI nacional, de 29,6%
maior atratividade em relação às regiões Norte e Noroeste em 1985 para 26,0% em 1998. Esta queda pode ser explica-
Fluminense. Dentre os investimentos planejados entre 1997- da pela redução da participação da capital em relação aos
99 para a RMRJ mereceram destaque aqueles relacionados demais municípios desta região e aumento da participação
ao setor químico (Glaxo Welcome, FCC, Acioquímica, Oxi- relativa do Interior de São Paulo no VTI nacional de 22,7%
gênio do Brasil, Smithkline, StafFord-Miller, Rio Polímeros, para 25,2%.
Petroflex, Bayer), metalúrgico (Ciferal, Gerdau, Fertiplant, Os novos investimentos da indústria automobilística de-
Nebraska), de minerais não metálicos (Art Fergi, Knauf), de terminaram uma tendência de desconcentração do setor a
autopeças (Michelin, Global River, Seateck) e de bebidas e partir de São Paulo no sentido do Paraná, Rio Grande do
alimentos (Kaiser, Generalli, Wickbold). Os investimentos no Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Porém, este movimento
setor automobilístico concentraram-se no Sul Fluminense. também ocorreu no sentido do Interior de São Paulo, onde
Foram instaladas duas montadoras nesta região: Volkswagen, foram instaladas novas plantas industriais em São Carlos e
em Resende e Peugeot-Citröen, em Porto Real (município na Região de Campinas. Embora tenha recebido apenas 8%
desmembrado de Resende). Nesta mesma região também dos investimentos em novas plantas, entre 1996-99, o Esta-
foram anunciados investimentos da CSN e da White Martins, do de São Paulo foi responsável por 45% dos investimentos
em Volta Redonda. totais do setor automobilístico, que incluem modernização
No setor químico, houve uma queda de participação re- e ampliação de plantas.
lativa do Rio de Janeiro no VTI nacional de 14,5% para 10,3% A Região Metropolitana de São Paulo perdeu 29.085 em-
entre 1985-2000. Porém, no VTI estadual houve um aumento pregos no setor automobilístico entre 1996-2000 enquanto
neste percentual de 11,6% para 12,9%. O estoque de em- que nos municípios do interior deste Estado que receberam
prego no setor caiu de 38 mil para 31 mil, de 1996 a 2000. novas plantas automobilísticas houve um aumento de 1.122
No que se refere à atração de montadoras automobi- postos de trabalho. Por outro lado, a participação do Estado
lísticas, a Volkswagen iniciou sua produção de caminhões e de São Paulo no VTI nacional da fabricação e montagem de
ônibus no Rio de Janeiro em 1995. As empresas fornecedoras veículos automotores foi reduzida de 81,8% em 1985 para
de autopeças desta fábrica, em sua maioria, estão localizadas 64% em 2000.
em São Paulo. Quanto aos fornecedores da Peugeot-Citroën, Na década de 1990, o interior de São Paulo se tornou mais
esta firmou contrato com a Renault para o fornecimento atrativo do que a Região Metropolitana de São Paulo no que
de motores que são produzidos na fábrica de São José dos se refere à realização de novos investimentos, sobretudo em
Pinhais no Paraná. Com a crise argentina, a Peugeot-Citroën setores de maior complexidade tecnológica (equipamentos
reformulou suas estratégias e deslocou para o Brasil grande para telecomunicações e informática) privilegiando as regi-
parte da produção dos veículos fabricados em Buenos Aires. ões de Campinas e de São José dos Campos.
Do mesmo modo, seguindo a estratégia de transformar o A produção de álcool anidro tem sido substituída, em
País em base de exportação, também deslocou a produção grande parte, pela produção de açúcar. Como decorrência
de motores da França para Porto Real. dessas mudanças, o segmento de Refino de Petróleo e Pro-
O acréscimo de emprego nos dois municípios em que dução de Álcool reduziu sua participação relativa no VTI do
estas fábricas se instalaram foi de 1.305 postos de trabalho Interior de 18,8% em 1985 para 9% em 1998. No mesmo
entre 1996-2000. A participação do Rio de Janeiro no VTI período, a participação relativa da produção do Interior neste
nacional da fabricação e montagem de veículos automotores segmento no VTI nacional também diminui de 51% para 43%.
aumentou de 1,1%, em 1985 para 3,7% em 2000. No VTI Entre 1996-2000 houve uma redução de 1.853 empregos no
estadual, o aumento de participação relativa também não foi cultivo de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo.
muito significativo, de 0,5% para 3% neste mesmo período. No CAI (Complexo agroindustrial) laranja, considerado
Com relação aos investimentos em extração de petró- como a agroindústria brasileira mais competitiva cujo dina-
leo, as perspectivas de melhoria da situação econômica do mismo foi significativo nos anos de 1980, a reestruturação
Rio de Janeiro e de alguns municípios localizados no litoral produtiva tem implicado em importantes mudanças nas rela-
norte deste Estado (Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das ções entre trabalhadores, produtores e indústria de proces-
Ostras e outros) surgiram com o aumento da arrecadação de samento. Muitos pequenos e médios produtores de laranja
royalties e das participações especiais. tem sido excluídos e as mudanças no processo de aquisição
Como resultado, a participação relativa do Rio de Janeiro da laranja vêm recriando práticas de trabalho temporário.
no VTI nacional da extração de petróleo e serviços correlatos Estão presentes neste CAI quatro grandes empresas: duas
aumentou de 62,2% em 1985 para 70,5% em 2000. Mas, por nacionais (Cutrale e Citrosuco) e duas empresas de grupos
outro lado, este percentual no VTI estadual caiu de 28,2% internacionais (Coinbra/Louis Dreyfus e Cargill). No entanto,
para 21,4%. Também houve uma queda no emprego neste na segunda metade dos anos de 1990, três novas fábricas
setor de 7.920 em 1996 para 5.866 em 2000. de suco foram instaladas no Interior por grupos de grandes
O estado de São Paulo, apesar de ter perdido participa- produtores de laranja. Entre 1996-200, houve um aumento
ção relativa no VTI nacional entre 1985-2000 (de 48% para de 15.718 postos de trabalho no cultivo de frutas cítricas no
Geografia do Brasil

45,3%), ainda é a Unidade da Federação que apresenta a Estado de São Paulo. Porém, na produção de sucos houve
estrutura produtiva mais complexa e diversificada do País. Aí uma redução de 1.532 postos de trabalho neste período.
estão localizados os setores mais importantes e estratégicos No que se refere aos setores de maior complexidade tec-
da estrutura produtiva nacional. O papel central na divisão nológica, estes estão concentrados nas regiões de Campinas,
inter-regional do trabalho brasileira ainda é mais reforça- São Carlos e São José dos Campos. Embora sejam considera-
do pelo fato de ser também o principal núcleo financeiro dos “polos regionais de alta tecnologia” do País, a presença
e comercial e a sede dos escritórios das grandes empresas de empresas de base tecnológica não é muito importante no
e grupos econômicos atuantes no País. Os segmentos de conjunto das indústrias locais. Essas regiões, sobretudo as
maior complexidade tecnológica e de maior valor agregado de Campinas e de São José dos Campos, possuem estruturas

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industriais diversificadas nas quais se destacam segmentos O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO E SUAS
importantes dos complexos metal-mecânico, químico e REPERCUSSÕES NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
agroindustrial.
Nos anos de 1990, os investimentos mais significativos A integração nacional e a configuração dos complexos
nas atividades de maior complexidade tecnológica da região regionais derivaram do processo de industrialização pro-
de Campinas, ocorreram nos setores de informática e de tegida que combinou investimentos privados, estatais e
equipamentos para telecomunicações. Estes investimentos transnacionais. Esse processo estruturou uma armadura
foram realizados tendo em vista uma série de fatores como: espacial ancorada sobre a concentração da produção e da
as alterações no regime de políticas setoriais (fim da reserva riqueza no Centro-Sul. Sob o impacto da revolução técnico-
de mercado e concessão de incentivos fiscais no âmbito da -científica-informacional e da abertura da economia nacional,
Lei de Informática); as mudanças nas políticas de compra configura-se um espaço de elevada densidade técnica que
das estatais; o programa de expansão dos serviços de tele- abriga o núcleo dinâmico da economia, denominado pelo
comunicações implementado após a privatização do sistema geógrafo Milton Santos, Região Concentrada.
Telebrás; a valorização cambial; e o aumento do mercado
Quais são os fundamentos da hegemonia da Região Con-
interno de bens de consumo duráveis (microcomputadores
centrada no espaço brasileiro? Para onde se dirigem os novos
e celulares).
fluxos de investimentos na indústria e nas infraestruturas?
A decisão pela instalação de grandes empresas dos seto-
Como se comporta a rede urbana diante dos fluxos de co-
res de informática e de equipamentos para telecomunicações
mércio, investimentos e informações da globalização? De que
nesta região, através da aquisição de empresas locais, joint
modo se organiza a divisão territorial do trabalho do setor
ventures e expansão de capacidade produtiva, esteve mais
agrícola? Quais são os impactos ambientais das estratégias
vinculada à infraestrutura logística de recebimento de cargas
produtivas adotadas nos setores energético e agrícola?
do exterior (peças e componentes), principalmente do Ae-
roporto de Viracopos do que às vantagens locacionais desta
região (existência de capacitações acumuladas por empresas O Processo de Industrialização
pioneiras, de universidades, de centros de pesquisa, de mão
de obra especializada, de rede de fornecedores locais). Ape- Na segunda metade do século XIX, a Revolução Industrial
sar da realização desses novos investimentos, é importante abriu as portas para a incorporação de todos os povos e
considerar a deterioração significativa do saldo da balança continentes nos fluxos mercantis e circuitos de investimentos
comercial dos setores de informática e de equipamentos para centralizados pelas potências industriais. A economia-mundo
telecomunicações que ocorreu a partir da segunda metade em formação estruturava-se em função de uma divisão inter-
dos anos de 1990. Entre 1996-2000, houve um aumento de nacional do trabalho comandada pelas necessidades da pro-
458 para 552 postos de trabalho no setor de informática dução industrial e dos mercados consumidores das grandes
da Região de Campinas. No VTI do Interior de São Paulo a potências. A América Latina, a Ásia e a África desempenha-
participação relativa dos setores de máquinas para escritório vam as funções de fornecedores de matérias-primas e gê-
e equipamentos de informática e de aparelhos eletrônicos e neros tropicais e consumidores de produtos manufaturados.
de comunicações aumentou de 24,4% em 1985 para 47,3% As relações econômicas internacionais abrangiam tam-
em 1998. bém fluxos de investimentos diretos das potências industriais
Em São José dos Campos, as atividades industriais de para as suas esferas de influência. Esses investimentos con-
maior complexidade tecnológica estão vinculadas aos em- centravam-se, essencialmente, em setores como eletricida-
preendimentos da Embraer no setor aeronáutico. de, iluminação pública, ferrovias e portos. O maior investidor
Nos anos 50 e 60, os investimentos do Governo Federal era a Grã-Bretanha, cujos capitais fluíam para todo o império
em atividades bélicas e aeroespaciais foram fundamentais colonial, o leste europeu, o extremo oriente e as Américas.
para o desenvolvimento da indústria aeronáutica nessa re- No Brasil, os capitais britânicos financiaram a instalação das
gião. As principais iniciativas nesse sentido foram a criação ferrovias paulistas e das primeiras usinas elétricas.
do Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), do Instituto A inserção do Brasil na economia-mundo decorria, es-
Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e da própria Embraer. sencialmente, do intercâmbio gerado pelo complexo cafeeiro
Entre os projetos de investimento mais recentes da Em- capitalista. As exportações anuais de café saltaram de 2,6
braer está a construção de uma nova planta no município milhões de sacas na década de 1850 para 7,2 milhões na de
de Gavião Peixoto, próximo a Araraquara e São Carlos. Será 1890 e 17,2 milhões na de 1920. Nesse intervalo, passaram
desenvolvido nesta unidade o programa de produção de de cerca de 50% do total das exportações nacionais para
caças supersônicos (FX-BR). A Tamesa e CMB, empresas for- mais de 65%. As rendas do café financiavam o crescimento
necedoras de equipamentos e componentes para aviação, acelerado das importações de manufaturados europeus e
também anunciaram investimentos no entorno desta fábrica. norte-americanos. O “ouro verde” enriquecia fazendeiros,
Na Região de São José dos Campos, houve um aumento de empresários do setor de exportação e importação, comer-
5.414 empregos no setor de aeronaves entre 1996-2000. ciantes e banqueiros.
Por outro lado, os investimentos neste setor contribuíram O primeiro surto industrial do País acompanhou o cresci-
para aumentar a participação relativa do Estado de São Paulo mento da economia paulista e foi sustentado pelos capitais,
no VTI nacional de outros equipamentos de transporte de trabalhadores, consumidores e infraestruturas de transpor-
Geografia do Brasil

43% em 1985 para 67,7% em 2000. tes que surgiram no interior do complexo cafeeiro capitalista.
A instalação da unidade produtiva da Embraer em Ga- Começou na última década do século XIX, junto com a Abo-
vião Peixoto reforçará o potencial da região de São Carlos no lição, a instauração da República e a imigração em massa.
que se refere à presença de setores de maior complexidade Nas primeiras décadas do século XX, centenas de chaminés
tecnológica. Entre os projetos de investimento nesse setor se espalhavam pelo país, especialmente no Rio de Janeiro
em São Carlos, o mais importante é a implantação de um (o antigo Distrito Federal) e em São Paulo.
condomínio de empresas de base tecnológica integrado às Em 1907, época do primeiro censo industrial, o grau de
duas universidades, como iniciativa da Fundação Parque de concentração geográfica da indústria era pequeno. Juntos, o
Alta Tecnologia (ParqTec). então Distrito Federal e o estado de São Paulo tinham menos

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de um terço dos estabelecimentos industriais e perto de 40% portações de máquinas e equipamentos. Mas, exatamente
do total de operários. Em 1920, o panorama já era outro: por isso, o período da guerra realçou a dependência nacional
essas duas unidades da federação concentravam mais de dos bens de produção importados e estimulou a substituição
40% das fábricas e mais de metade da força de trabalho. dessas importações por produções nacionais.
Nesse intervalo, sob o influxo da riqueza gerada no complexo Um marco desse processo foi a criação da Companhia
cafeeiro, São Paulo ultrapassou largamente o Distrito Federal, Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941, com financiamento
firmando-se como maior polo industrial do País. norte-americano conseguido pelo presidente Vargas em
As relações entre o complexo cafeeiro e a economia in- troca da cessão do uso do porto brasileiro de Natal (RN)
dustrial nascente eram complexas e, muitas vezes, contradi- como base militar para o esforço de guerra contra a Alema-
tórias. As crises de superprodução abalavam periodicamente nha nazista. Um ano depois era criada a Companhia Vale do
a produção cafeeira, derrubando os preços internacionais e Rio Doce (CVRD), encarregada da extração dos minérios do
fazendo recuar a plantação de novos cafezais, como acon- Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Com o aço, o Brasil
teceu em 1898-1906, 1909-1910, 1914-1916 e 1920. Nessas começava a construir uma indústria de bens de produção
fases, o êxodo rural enchia as cidades de trabalhadores em significativa, apoiada principalmente em investimentos es-
busca de emprego, as importações diminuíam, acompanhan- tatais maciços.
do a queda das exportações de café, e os investidores no No pós-guerra, a criação da indústria de bens de produ-
comércio exterior buscavam novas aplicações para os seus ção voltaria a se associar ao nome de Getúlio Vargas. Em 1951
capitais. Assim, beneficiando-se da depressão cafeeira, a era inaugurada a usina de Paulo Afonso, obra pioneira da
indústria florescia. Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e ato inicial
A recuperação cafeeira tinha efeitos inversos, desviando de um vasto programa elétrico. Em 1953 surgia a Petrobras
os investimentos para o comércio exterior e os emprésti- e, com ela, um gigantesco esforço voltado para a produção,
mos bancários para as plantações. As importações geravam o refino e o transporte do petróleo, organizado sob o signo
falências e crises industriais, pois a indústria nacional não do monopólio estatal.
podia concorrer com os produtos estrangeiros. A força do
café oprimia a frágil indústria. A indústria paulista cresceu O Estado e as Transnacionais
à sombra do café, como uma pequena planta numa estufa.
Simultaneamente, era estimulada e limitada pela economia O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) será
cafeeira dominante. Depois de um certo ponto, o seu ple- sempre lembrado pela obsessão industrialista do Plano de
no desenvolvimento passou a depender do rompimento da Metas, sintetizada na rumorosa campanha publicitária dos
“estufa”. “50 anos em 5”. Essa fase heroica representou a maturidade
A Grande Depressão da década de 1930, instalada a partir industrial do País, mas também uma reorientação radical:
da crise da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, representou uma a abertura do País aos investimentos estrangeiros diretos
crise industrial sem precedentes nos Estados Unidos e na tomava o lugar do protecionismo nacionalista de Vargas. Nos
Europa. Simultaneamente, a depressão econômica mundial “anos JK”, o Brasil deixou para trás o modelo agroexportador
contraía os mercados consumidores e derrubava os preços e ergueu uma economia urbano-industrial dinamizada pela
das matérias-primas e gêneros tropicais de exportação. transferência de filiais dos conglomerados transnacionais.
A economia brasileira, fundamentada nas vastas expor- O eixo do Plano de Metas estava na implantação de um
tações agrícolas que sustentavam as importações industriais, moderno parque automobilístico, assentado sobre tecno-
viu o chão abrir-se sob seus pés. Exportações e importações logias transplantadas diretamente dos Estados Unidos e da
desabaram simultaneamente. A nova crise cafeeira, ao con- Europa. No plano interno, a base industrial criada nas déca-
das anteriores, a construção de rodovias e hidrelétricas, a
trário das oscilações anteriores de curta duração, represen-
expansão do refino de petróleo e a urbanização acelerada
tava o fim de uma época. O café continuou a ser o principal
geravam um ambiente econômico propício para a implan-
produto de exportação por quase quatro décadas, mas jamais
tação das fábricas modernas de bens de consumo duráveis.
recuperou a hegemonia absoluta dos seus tempos de glória.
No plano internacional, os conglomerados transnacionais
Em 1930, a oligarquia cafeeira foi derrubada pelo movi-
viviam sua época de ouro, multiplicando filiais e abrindo no-
mento revolucionário que conduziu Getúlio Vargas ao poder.
vas fronteiras de investimentos. O dinamismo da economia
A coligação de forças sociais que tomou o Estado envolvia, norte-americana e a reconstrução europeia e japonesa ge-
pela primeira vez, as classes médias e a burguesia comercial ravam excedentes de capital disponíveis para investimentos
e industrial. Entre a Revolução de 1930 e a Segunda Guerra no mundo subdesenvolvido.
Mundial, o Brasil viveu a sua decolagem industrial. O Estado atuou no sentido de viabilizar os investimentos
As importações de manufaturados tinham desabado, externos, liberando as importações de equipamentos e má-
acompanhando a queda das exportações agrícolas. A indús- quinas e criando mecanismos de crédito destinados a expan-
tria nacional podia crescer num ambiente razoavelmente dir o mercado consumidor interno. Os investimentos estatais
protegido da concorrência estrangeira. Na década de 1930 em novos programas rodoviários, energéticos e siderúrgicos
nasceram 12.232 novas fábricas, muito mais do que todas asseguravam o fluxo de matérias-primas para as indústrias e a
as que existiam antes. infraestrutura indispensável para a ampliação do consumo. O
Além disso, pela primeira vez, o governo se interessava mercado brasileiro integrava-se e oferecia elevadas margens
pela indústria. As exportações agrícolas, que se reerguiam de lucro para os capitais estrangeiros. Mais nitidamente do
Geografia do Brasil

com dificuldade, financiavam a importação das máquinas que nunca, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) era
e equipamentos necessários para a indústria nacional de alavancada pelo crescimento acelerado do setor industrial.
bens de consumo. O êxodo rural, muito intenso desde a crise Um segundo ciclo de crescimento industrial acelerado
cafeeira, levava mão de obra para as fábricas. A substituição correspondeu aos anos do chamado “milagre brasileiro”, du-
dos bens industriais importados por bens fabricados no Brasil rante a fase de mais intensa repressão da ditadura militar.
estava em plena marcha. Entre 1968 e 1973, o PIB brasileiro cresceu a taxas médias
A Segunda Guerra Mundial representou uma crise salutar anuais de 10%, um recorde impressionante: somente o Japão
para a indústria nacional em expansão. Seu efeito imediato e a Alemanha do pós-guerra haviam registrado antes um
foi brecar o crescimento industrial, devido à queda nas im- crescimento econômico tão acelerado.

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A política econômica dos governos militares aprofundou emergência de um novo modelo econômico, derivado do de-
o modelo estruturado nos “anos JK”. Durante o “milagre bra- sabamento do pilar estatal que sustentava a tríplice aliança.
sileiro”, o ritmo da expansão da produção de bens duráveis A crise estrutural do modelo econômico acompanhou
e bens intermediários equiparou-se ao atingido à época do uma tendência internacional de esgotamento dos processos
Plano de Metas. Apenas o crescimento da produção de bens de industrialização por substituição de importações. Como no
de capital foi significativamente mais lento, embora também Brasil, a Argentina e o México conheceram as consequências
possa ser classificado como notável. do endividamento externo e da incapacidade do Estado de
O setor de bens de consumo duráveis tornou-se, definiti- prosseguir financiando a modernização industrial.
vamente, o mais dinâmico da economia. Os subsídios estatais O pano de fundo dessa tendência é o movimento de
e o baixo custo da mão de obra ofereciam excelentes con- globalização da economia mundial, que acompanha a revo-
dições para a instalação de novas empresas transnacionais lução tecnocientífica contemporânea. A intensificação dos
no país. As camadas médias urbanas, base socioeconômica fluxos internacionais de capitais nos mercados financeiros e
desse processo de modernização, garantiam o mercado de a abertura das economias nacionais ao comércio global são
consumo das indústrias automobilísticas, eletrônicas e de aspectos desse movimento. Em toda a América Latina, os
eletrodomésticos. Enquanto isso, o Estado realizava pesados projetos de industrialização protegida deram lugar a ajus-
investimentos na modernização do parque viário, na geração tes destinados a integrar as economias nacionais na nova
de energia elétrica e nas telecomunicações. economia global.
No Brasil, os governos Collor de Melo (1990- 1992) e
A Tríplice Aliança Itamar Franco (1992-1994) iniciaram a abertura da econo-
mia nacional. Entretanto, foi durante o primeiro mandato de
O ciclo do “milagre brasileiro” cristalizou um modelo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) que se consolidou
industrial baseado em uma tríplice aliança, da qual faziam um novo modelo econômico, assentado sobre a liberalização
parte o capital estatal, os conglomerados transnacionais e comercial e a atração de investimentos estrangeiros diretos.
o grande capital nacional. A implantação do novo modelo representou a desmonta-
Esse tripé conjugava os interesses dos oligopólios que gem, por meio de um amplo programa de privatizações, das
lotearam o mercado brasileiro: as transnacionais domina- estruturas produtivas estatais. A primeira etapa do programa,
vam o setor de bens de consumo duráveis, o Estado atuava entre 1991 e 1993, envolveu a venda das siderúrgicas esta-
no setor de bens de produção e o capital privado nacional tais, como a Usina Siderúrgica de Minas Gerais (Usiminas),
estava presente, principalmente, no setor de bens de con- a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), a Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Siderúrgica Pau-
sumo não duráveis.
lista (Cosipa) e a Açominas. Nessa etapa, o Estado se desfez
O Estado desempenhou funções estruturais na tríplice
também de algumas importantes empresas químicas, petro-
aliança. Ao longo do esforço industrial do pós-guerra e, prin-
químicas e de fertilizantes.
cipalmente, nas duas décadas do regime militar, entre 1964
Numa segunda etapa, entre 1994 e 1998, passaram para
e 1984, as empresas estatais assumiram a hegemonia na
controle privado as malhas ferroviárias regionais da antiga
siderurgia, na indústria química e petroquímica e na mine-
Rede Ferroviária Federal (RFFSA), alguns portos e a Embraer,
ração. Algumas gigantes companhias de holding — como a
do setor aeroespacial. Mas o marco dessa etapa foi a privati-
Siderbrás, na siderurgia, a Embratel e a Telebrás, nas comuni- zação da CVRD. A gigante da mineração era, ao lado da CSN,
cações, e a Eletrobrás, na geração de energia — controlavam um símbolo de valor histórico e emocional do nacionalismo
setores fundamentais para a modernização econômica do econômico. Depois dessas vendas, a Petrobras tornou-se o
País. Produzindo bens intermediários, as estatais forneciam, único monumento remanescente da época das poderosas
geralmente a preços inferiores aos de mercado, os insumos e empresas estatais. Mesmo assim, embora a Petrobras não
matérias-primas consumidos pelas transnacionais e grandes tenha sido privatizada, o monopólio estatal do petróleo foi
empresas nacionais. rompido, com a concessão de áreas para prospecção e ex-
A intensificação das funções produtivas do Estado carac- ploração por conglomerados transnacionais, que também
terizou-se pela concentração de recursos em favor do go- podem entrar no setor do refino.
verno federal e pela descentralização administrativa, posto Na terceira etapa, já no segundo mandato de Fernando
que as empresas estatais assumiram progressiva autonomia Henrique Cardoso (1999-2002), as privatizações atingiram o
financeira e decisória. As estatais “gigantes” adquiriram ca- cobiçado setor das telecomunicações. As estatais da telefo-
pacidade de autofinanciamento e de endividamento externo nia foram divididas em empresas regionais e vendidas em
independentemente de aprovação governamental. A pode- disputados leilões. A Telesp, de São Paulo, adquirida pelo
rosa camada de tecnoburocratas que floresceu no interior grupo espanhol Telefônica, foi vendida por quase 5 bilhões
dessas megaempresas acabou por se apropriar de parcela de dólares, ficando atrás apenas da CVRD, que custou 6,8
significativa das decisões sobre a aplicação dos recursos do bilhões de dólares.
orçamento nacional. O programa de desestatização foi acompanhado pela
criação de agências de fiscalização das empresas privadas
A Globalização e a Economia Nacional que se tornaram concessionárias de serviços públicos. Em
princípio, as agências reguladoras teriam também a função
O modelo de industrialização por substituição de impor- de planejar políticas de expansão desses serviços, mas essa
Geografia do Brasil

tações, que durou praticamente meio século, esgotou-se na função voltou a ser exercida pelos ministérios correspon-
década de 1980. A recessão de 1981-1983 anunciou o de- dentes durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. A Agência
cênio de turbulência. O endividamento externo, contraído Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem a função de asse-
principalmente na década de 1970, tinha atingido o seu limi- gurar a concorrência no setor da telefonia e o cumprimento
te. As elevadas taxas de juros internacionais inviabilizavam dos compromissos contratuais de qualidade e universalização
o financiamento dos investimentos estatais. A continuidade dos serviços. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
do esforço de alavancagem do crescimento econômico exigia destina-se a supervisionar a geração e distribuição de eletri-
a emissão descontrolada de dinheiro, com terríveis conse- cidade. Para assegurar a concorrência no setor petrolífero,
quências inflacionárias. A recessão de 1988-1992 assinalou a criou-se a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

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No modelo econômico implantado, o Estado deixou de persistência de impressionantes disparidades geoeconômi-
ser fornecedor direto de bens e serviços e assumiu as fun- cas. Do ponto de vista econômico, a soma das imensas mas
ções de normatização e fiscalização dos serviços públicos, pouco povoadas regiões Centro-Oeste e Norte representa
por meio das agências reguladoras. Entretanto, os contratos pouco menos que o Rio de Janeiro. O PIB do estado de São
assinados pelas agências durante o processo de privatização Paulo equivale a cerca de três vezes o PIB do conjunto dos
repercutiram em um aumento inédito nas tarifas de serviços estados nordestinos e atinge quase o dobro do PIB dos esta-
essenciais: em 1994, o gasto com as principais tarifas públicas dos sulistas. A hegemonia paulista, engendrada nos tempos
correspondia a aproximadamente 10% da renda média dos do café, permanece absoluta.
trabalhadores brasileiros; em 2004, esse mesmo gasto con-
sumia 23% dessa renda. A conta do novo modelo de gestão Os Desafios do Comércio Exterior
dos serviços públicos ainda está sendo paga — e a duras
penas — pela sociedade brasileira. No modelo econômico agroexportador, vigente até as
primeiras décadas do século XX, a economia brasileira orga-
Investimentos Externos e Desigualdades Regionais nizava-se em função das necessidades dos mercados inter-
nacionais. O intercâmbio externo representava uma parcela
A política econômica brasileira na década de 1990 re- substancial da riqueza nacional: o fluxo de comércio, isto é,
presentou uma nítida opção pela inserção do País nos fluxos a soma das exportações com as importações, atingia 30%
globalizados de capitais. Essa opção materializou-se por um do PIB ou até mais.
conjunto de reformas destinadas a recuperar a capacidade A industrialização por substituição de importações impli-
de atração de investimentos estrangeiros. cou a formação de um mercado interno integrado. A consti-
Uma nova política monetária, expressa no Plano Real, tuição de uma estrutura industrial moderna e diversificada
lançado em 1994, tinha a finalidade de estabilizar a econo- reduziu a dependência das importações de manufaturados.
mia nacional, interrompendo o circuito de realimentação da O mercado interno tornou-se o motor da expansão da econo-
inflação. Essa nova política, complementada por uma série mia nacional. Em 1920, o comércio exterior já representava
de reformas constitucionais e uma política fiscal voltadas menos de 30% do PIB. Essa parcela continuou a cair nas
para equilibrar o orçamento público, determinava que o Es- décadas seguintes, ficando abaixo de 15% do PIB.
tado deveria arrecadar mais e gastar menos, para garantir a Na segunda metade da década de 1970, a participação
estabilidade da moeda. do intercâmbio externo no PIB cresceu um pouco, em vir-
A liberalização da economia expressou-se, principalmen- tude dos “choques do petróleo”, que ampliaram o valor das
te, na drástica redução do protecionismo comercial. O au- importações, e dos incentivos às exportações adotados para
mento acelerado das importações tinha a finalidade de gerar equilibrar a balança comercial. Depois, no final da década de
um choque de concorrência, aumentando a competitividade 1990 e início da década de 2000, a participação do comércio
das empresas instaladas no País, e também de reduzir os exterior na riqueza nacional voltou a crescer, refletindo a re-
custos de importação de bens de capital e insumos indus- dução do protecionismo alfandegário. Mesmo assim, apenas
triais, criando condições favoráveis para os investimentos em 2003 o fluxo de comércio atingiu a marca de 25% do PIB.
estrangeiros diretos na indústria e nos serviços. A industrialização repercutiu também, profundamente,
As reformas atingiram a meta de atrair fluxos de capitais sobre a composição do intercâmbio externo. No início do
internacionais. Os investimentos diretos, que giraram na casa século XX, o café, a borracha e a cana-de-açúcar represen-
de poucas centenas de milhões de dólares durante a década tavam a quase-totalidade das exportações brasileiras. As
de 1980, dispararam a partir de 1994. Na segunda metade da importações concentravam-se em bens industriais de con-
década de 1990, entre os países subdesenvolvidos, apenas sumo e equipamentos de transporte. Até a década de 1960
a China recebeu um volume de investimentos superior ao os produtos primários e semimanufaturados dominavam a
do Brasil. pauta de exportações do País.
Parte significativa do imenso ingresso de capitais estran- Mas a marcha da substituição de importações mani-
geiros deveu-se ao programa de desestatização e, em espe- festava-se pela redução do peso das compras externas de
cial, à privatização das telecomunicações, responsável pelo bens de consumo e pela expansão das aquisições de bens
grande volume de capital investido no biênio 1999-2000. de capital necessários para as indústrias. Desde a década de
No final da fase áurea do programa, já nos primeiros anos 1980 os produtos industrializados predominam na pauta de
do século XXI, registra-se uma queda acentuada no ingresso exportações. A partir de meados da década de 1990, porém,
de investimentos diretos, que passaram a se concentrar no observa-se uma tendência de crescimento da participação
comércio e serviços, no setor financeiro e na indústria. dos produtos básicos e semimanufaturados com baixo valor
Esses investimentos, ao lado das pressões competitivas agregado nas vendas externas nacionais. De fato, os produtos
sobre as empresas já instaladas no país, impulsionaram pro- agrícolas, pecuários e minerais ocupam lugar destacado na
fundas transformações nas estruturas produtivas e configura- inserção do Brasil nos fluxos da economia globalizada e na
ram um ciclo de intensa modernização econômica. Contudo, abertura de novos mercados para as exportações nacionais.
nada disso modificou o panorama de concentração geográ- Entre as principais exportações industriais estão bens
fica da riqueza que caracteriza o espaço nacional. de capital, como máquinas e equipamentos elétricos, bens
O modelo de substituição de importações provocou ex- intermediários, como os produtos da metalurgia, e bens de
traordinária concentração de estruturas produtivas no Su- consumo duráveis (como automóveis e produtos eletrôni-
Geografia do Brasil

deste e, particularmente, no estado de São Paulo. Ao mesmo cos) e não duráveis (como calçados e têxteis). Na pauta de
tempo, condicionou um recuo dramático da participação do importações destacam-se os bens de capital, os produtos
Nordeste na riqueza nacional. A região Sul e a parte meridio- químicos e farmacêuticos, os veículos, o petróleo e os pro-
nal do Centro-Oeste acoplaram-se à economia do Sudeste. dutos de alta tecnologia.
O contraste entre o dinamismo do Centro-Sul e a estagna-
ção nordestina tornou-se um traço constitutivo da geografia Intercâmbio Multidirecional e “Custo Brasil”
econômica brasileira.
A representação cartográfica, em anamorfose, da dis- Há países, como o México e o Canadá, cujo comércio
tribuição do PIB total pelas unidades da federação revela a exterior concentra-se sobre uma parceria dominante. Nesses

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dois casos, em função da localização geográfica e do tama- No período imperial, a Amazônia também foi inserida no
nho da economia do País vizinho, a vasta maioria das trocas contexto como polo exportador de borracha. Desde a segun-
ocorre com os Estados Unidos. Outros países, especialmente da metade do séc. XIX, a economia cafeeira assumiu o posto
os europeus, concentram o seu intercâmbio externo com de principal produto de exportação do Brasil. Introduzido,
um único bloco econômico (no caso, a União Europeia). inicialmente, no Rio de Janeiro, com mão de obra escrava,
O comércio exterior brasileiro, porém, caracteriza-se por o café logo expandiu-se pelas terras paulistas, onde, usando
ser multidirecional. As exportações e importações do País mão de obra assalariada de imigrantes europeus, alcançou
estruturam-se sobre vários eixos, envolvendo inúmeros par- o ápice de sua produção, proporcionando, prosperidade e
ceiros significativos. O Brasil é um global trader, ou seja, um riqueza à região.
parceiro global. Com isso, São Paulo criou condições necessárias para
A China, os Estados Unidos e a União Europeia são os a implantação de um processo de industrialização no país.
principais parceiros comerciais do Brasil. Os recursos gerados pela produção de café financiaram o
Desde 2009, a China passou a ser o principal parceiro estabelecimento de indústrias no Brasil. A indústria paulista
comercial do Brasil. Depois da China, a lista segue com União cresceu à sombra do café, como uma pequena planta numa
Europeia (US$3 bilhões), Estados Unidos (US$ 1,9 bilhões) estufa. A industrialização rompeu o isolamento nacional,
e Argentina (US$ 1,2 bilhões). O Mercado Comum do Sul fazendo com que houvesse um visível desenvolvimento do
(Mercosul) responde por aproximadamente 10% do comércio mercado interno. A partir de 1930, com a República Nova,
exterior brasileiro. houve um maior desenvolvimento industrial e uma maior
Na condição de global trader, o Brasil está comprometido circulação de mercadorias pelo país, principalmente após o
com a defesa dos princípios do multilateralismo e do libe- presidente Getúlio Vargas eliminar as barreiras alfandegárias
ralismo no comércio internacional. Por isso, participa ativa- estaduais existentes.
mente das negociações da Organização Mundial de Comércio Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil viveu outro
(OMC), combatendo iniciativas protecionistas emanadas das importante momento no desenvolvimento industrial, pois
potências econômicas globais. foi possível avançar na indústria de base e desenvolver os
O Brasil não pertence aos megablocos econômicos mun- setores industriais de bens de produção, antes dominados
diais, mas depende dos mercados asiáticos, europeu e norte- por produtos estrangeiros. Com isso, a produção agrícola
-americano para a expansão das exportações. Para amenizar também progrediu para abastecer o mercado interno; a in-
essa dependência, segue uma estratégia de incremento do dustrialização transformou as cidades do Sudeste em grandes
intercâmbio com os “países continentais” que também não mercados consumidores.
pertencem aos blocos da Europa e América do Norte. O in- O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi carac-
cremento das relações comerciais com a Rússia, Japão e com terizado por um gigantesco avanço industrial. Adotando um
a Índia é uma prioridade da agenda externa brasileira. sistema diferente de Getúlio Vargas, Juscelino incentivou a
A participação reduzida do comércio exterior no PIB não abertura do País ao investimento externo associado às mul-
é uma singularidade do Brasil, mas um traço característico
tinacionais. “Nos anos JK, o Brasil deixou para trás o modelo
dos países populosos e de dimensões continentais. Porém, a
agroexportador e ergueu uma economia urbano-industrial,
abertura da economia brasileira tende a ampliar a importân-
dinamizada pela vinda de filiais dos conglomerados trans-
cia das trocas internacionais na geração da riqueza nacional.
nacionais” (MAGNOLI e ARAÚJO, 2001). Nesse governo, o
Esse fenômeno manifestou-se a partir da década de 1990.
capital externo tornou-se fundamental; com isso, o Brasil,
A redução brusca dos níveis de proteção alfandegária
apesar do desenvolvimento industrial, endividou-se.
e, em seguida, a valorização cambial da moeda brasileira
O segundo ciclo de crescimento industrial acelerado
promovida pelo Plano Real impulsionaram o crescimento
correspondeu ao período do governo militar, em que o PIB
acelerado das importações. Os saldos negativos da balança
comercial registrados na segunda metade da década de 1990 brasileiro cresceu em média 10% por ano.
desempenharam papel importante na desvalorização da mo- Todo esse processo de industrialização caracterizou-se
eda nacional, em 1999 (câmbio flutuante). Desde então, as por uma intensa concentração espacial, em que as fábricas
importações diminuíram e as exportações deslancharam, foram instaladas de acordo com as disponibilidades dos re-
sobretudo devido ao incremento das vendas externas de cursos naturais e financeiros, a amplitude do mercado de
produtos agrícolas, em especial a soja. consumo, e a infraestrutura de transporte e energia existen-
Entretanto, o Brasil ainda participa com apenas cerca de te. Com isso, a região Sudeste tornou-se uma região industrial
1% dos fluxos comerciais globais e ocupa um modesto 25ª central do País, com seu núcleo no estado de São Paulo.
lugar no ranking mundial dos maiores exportadores. Uma Outro fator que contribuiu para a concentração industrial
parte do problema encontra-se na eficiência geral da econo- na Região Sudeste foi o direcionamento da política estatal
mia e, em particular, nos elevados custos de deslocamento desenvolvida no decorrer dos anos. A indústria de base e a
dos produtos de exportação. Mas a questão essencial é que, infraestrutura de transportes criadas pelo Estado em diver-
com exceção de alguns produtos industriais, o componen- sos governos contribuíram para uma excessiva concentração
te tecnológico das exportações brasileiras é muito baixo, e industrial nessa região.
o valor médio da tonelagem exportada vem retrocedendo Nas regiões Sul e Nordeste, formaram-se núcleos indus-
desde meados da década de 1990. Apesar de todo o esforço triais periféricos, enquanto na Amazônia e no Centro-Oeste
exportador, a economia brasileira permanece com fraca ca- surgiram apenas pequenas ilhas isoladas.
Geografia do Brasil

pacidade de produzir e exportar produtos ligados à revolução Atualmente, existe um novo direcionamento na questão
tecnocientífica, que são os de alto valor no comércio mundial. industrial do País, que rompe com a antiga tendência de
No período colonial, o território brasileiro era compos- concentração industrial. Essa nova fase foi denominada de
to por “ilhas” econômicas voltadas exclusivamente para o deseconomias de aglomeração. As tradicionais áreas indus-
mercado externo, quase não havia comunicação interna, e o triais do Brasil apresentam hoje uma série de problemas
mercado consumidor interno não era valorizado. O Nordeste que as tornam menos atraentes às grandes indústrias. Elas
açucareiro foi o primeiro grande polo exportador do Brasil; vivem uma intensa especulação imobiliária, assim como um
toda a produção de açúcar era voltada para os mercados crescente custo de impostos e uma forte sindicalização, que
europeus. torna a mão de obra mais cara. Existem também complexas

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legislações ambientais e constante congestionamento de Esse movimento populacional inter-regional vivido no Brasil
tráfego nos transportes. configura um fenômeno integrado ao processo de moderni-
Com isso, novas áreas do País tornam-se mais atraentes zação urbano-industrial da economia brasileira.
para as atividades industriais devido principalmente aos in- Essa tendência migratória tende a um ponto final, pois o
centivos fiscais por parte dos governos locais, à mão de obra, Brasil, que protagonizou um dos maiores movimentos migra-
aos terrenos e imóveis mais baratos. tórios do mundo, é hoje um país de população quase estável.
Porém, essa nova tendência não representa, de fato, uma A recessão da década de 1990 e a nova realidade industrial
descentralização igualitária em todo o território. Enquanto produziram desemprego nas regiões industriais tradicionais,
na região Sudeste observamos uma constante redução do como São Paulo. O resultado é o fim das grandes levas mi-
número de trabalhadores no setor industrial, apenas a re- gratórias, como a dos nordestinos, que se mudavam para
gião Sul vem tendo um aumento significativo nesse aspecto. São Paulo até meados da década de 1980. Um outro ponto
Ou seja, os novos investimentos industriais saem das an- a ser destacado é que a população está crescendo em ritmo
tigas áreas industriais e concentram-se na área centro-sul bem mais lento agora. Uma previsão catastrófica muito em
do Brasil, desenvolvendo-se assim uma descentralização voga no começo dos anos de 1960 dizia que o Brasil teria
na concentração. Os investimentos que fogem das grandes 200 milhões de habitantes no ano 2000; porém, o número
metrópoles são atraídos pelas cidades médias que possuem alcançado foi de aproximadamente 165 milhões.
infraestrutura e sistema de transporte que respondam às Atualmente 60% da população brasileira vive em 560
necessidades das indústrias. cidades com mais de 20.000 habitantes. São polos regionais
O estado de São Paulo passa por esse processo, pois é visível de desenvolvimento para onde se direcionam os movimentos
a descentralização industrial concentrada nesse local. As cidades migratórios atuais.
médias do interior paulista atraem os investimentos industriais A mudança no perfil demográfico brasileiro é bem visível
da capital. Isso ocorre devido ao rápido desenvolvimento eco- principalmente na região Nordeste, o então principal centro
nômico do interior, causado, principalmente, pela expansão da de expulsão populacional até a década passada. Agora, em
agroindústria. Os novos investimentos acompanham os eixos vez de mudar-se para São Paulo, os nordestinos buscam no-
rodoviários que ligam a capital ao interior paulista. vas alternativas e oportunidades em suas próprias capitais ou
Vale ressaltar que, nesse processo, a cidade de São Paulo em cidades médias do interior da região, onde a competitivi-
assume uma nova função no contexto nacional, pois, apesar dade não é tão acirrada e os serviços básicos do governo são
de expelir as indústrias de uso intensivo de mão de obra, melhores. Cidades como Mossoró, no Rio Grande do Norte,
mantém-se na vanguarda nacional como principal centro Barreiras, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, continuam
financeiro do País e como cidade onde se localizam as sedes crescendo em ritmo acelerado.
das principais empresas nacionais e transnacionais. Além O processo de urbanização vivido no Brasil reflete uma
disso, paralelamente, São Paulo cresce no setor industrial tendência mundial, direcionado pela característica da eco-
de alta tecnologia. nomia de mercado, ou seja, a economia urbana subordina
No Paraná, municípios como São José dos Pinhais e Cam- e transforma a economia rural de acordo com as suas ne-
po Largo surgem como alternativas seguras para as indús- cessidades. Os setores financeiro e industrial assumem as
trias. Já em Santa Catarina, são os municípios de Joinville e diretrizes da economia de mercado à medida que transfor-
Blumenau que atraem os investimentos no estado. No Rio mam a agropecuária, que se moderniza e substitui o traba-
Grande Sul, as cidades de Caxias do Sul, Novo Hamburgo e Ca- lho humano por eficientes máquinas. No Brasil, o acelerado
noas também seguem a tendência de atrair novas empresas. processo de urbanização vivido correspondeu ao período de
Em 1970, a montadora Fiat foi a pioneira nesse proces- industrialização do pós-guerra.
so, pois instalou sua fábrica na cidade de Betim, em Minas Nos últimos cinquenta anos, metade da população trocou
Gerais, rompendo a predominância de São Paulo sobre as o campo pela cidade. O processo de urbanização brasileiro
fábricas de automóveis. Logo depois, foi a vez da Ford e da apoiou-se essencialmente no êxodo rural. No mesmo ritmo
Volkswagen instalarem suas montadoras nas cidades de São ocorreu a industrialização no estado de São Paulo, principal
José dos Campos e Taubaté. Na década de 1990, diversas chamariz dos migrantes nordestinos, que fizeram a popu-
fábricas de automóveis iniciaram projetos em outros estados, lação do ABC paulista triplicar na década de 1970. Apesar
como no Paraná (Renault, Chrysler e Audi), no Rio Grande do disso, hoje, o ciclo está completo; as grandes cidades para-
Sul (General Motors e Navistar), Rio de Janeiro (Peugeot e ram de crescer e atualmente a urbanização se direciona para
Citroen), em Minas Gerais (Mercedes Benz) e na Bahia (Ford). os centros regionais de desenvolvimento, onde as pessoas
No Nordeste, destacam-se principalmente as ações do procuram novas oportunidades. Em 1980, a população de
Governo em atrair investimentos industriais. Para isso, os São Paulo aumentava 3,49% ao ano; na década seguinte,
governos locais promovem incentivos diretos e indiretos, que essa taxa caiu para 2,13%.
vão desde a redução de impostos até a doação de terrenos. Desde a década de 1920 o transporte ferroviário come-
Outro ponto é a criação de infraestrutura necessária para çou a sofrer a concorrência do automóvel e do caminhão
escoamento da produção, como é o caso da construção dos no Brasil. Os Estados Unidos, maior produtor mundial de
portos de Suape, em Pernambuco, e Pacém, no Ceará. veículos automotores, começaram a oferecer financiamentos
Nessa região, o estado do Ceará desponta com o maior ao nosso país para a abertura de estradas. O Brasil passou
crescimento industrial nas áreas de calçados e têxtil. Devido efetivamente a ter uma política de transportes ligada às rodo-
Geografia do Brasil

ao porto de Pacém, juntamente com uma usina siderúrgica, vias a partir de 1937, com a criação do DNER (Departamento
cidades como Sobral e Juazeiro do Norte começam a mostrar Nacional de Estradas de Rodagem). A produção de aço pela
resultados. Companhia Siderúrgica Nacional na década de 1940, a de
A história dos brasileiros em marcha no último meio sé- combustíveis e asfalto pela Petrobras desde o início da dé-
culo já não corresponde à realidade atual. Basta analisar cada de 1950 e o surgimento da indústria automobilística na
as estatísticas: entre 1940, véspera da industrialização no década de 1950 aceleraram o desenvolvimento rodoviário. O
governo Vargas, e 1990, ano da grande recessão no governo governo de Juscelino Kubitschek, a partir de 1956, deu mais
Collor, cerca de 57 milhões de brasileiros mudaram de es- ênfase à construção de rodovias. A evolução das estradas
tado. Essa quantia equivale à população inteira da França. começou a ter a sua fase brilhante não só no aumento de

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extensão, mas principalmente no papel que o sistema rodo- de diversos meios de locomoção (ferroviário, hidroviário,
viário passou a exercer na economia e no espaço geográfico rodoviário) de acordo com as características econômicas de
brasileiros: o de integrador nacional. cada região.
Atualmente, a rede rodoviária federal, administrada pelo Um levantamento recente feito pela empresa InfoAme-
Ministério dos Transportes, abrange 66.800 km, dos quais rica Transportation & Logistics Pratice divulgado no Fórum
pouco mais de 50.000 km são pavimentados. Com diversos Latin-Asia Business 2006, realizado em Cingapura, revela que
trechos já saturados em sua capacidade, principalmente nas a falta de investimentos no setor de transportes nos últimos
travessias urbanas, a malha pavimentada existente apresenta 15 anos fez com que o atual crescimento de exportações
um elevado grau de degradação. colocasse o sistema de transportes existente no seu limite
Dos 50.000 km de rodovias pavimentadas, 16.000 km operacional.
encontram-se em estado ruim ou péssimo e 9.500 km em Mareio Stewart, coordenador do estudo, frisou ainda
estado regular de conservação. Anualmente, 3.500 km de que, por exemplo, os sistemas ferroviários dos países do Mer-
trechos rodoviários pavimentados passam do estado regular cosul são voltados para atender às necessidades da Europa e
para o mau estado de conservação. da América do Norte, ou seja, na maioria dos casos, partindo
Os efeitos dessa situação, conforme temos divulgado, dos locais de produção e ligando-se aos portos de expor-
podem-se sentir pelos acréscimos de 58% no consumo de tação. Sendo assim, ainda não existe um sistema eficiente
combustível, de 38% nos custos operacionais, de 50% no de integração regional que possa beneficiar a circulação de
número de acidentes e de 100% nos tempos de viagem. mercadorias no interior do bloco.
O problema dos acidentes, inclusive, é muito sério no Para que todos os objetivos do Mercosul sejam efetiva-
Brasil. Contabilizam-se, anualmente, mais de 65.000 aciden- dos, é fundamental a existência de um sistema de circulação
tes, com cerca de 39.000 feridos e 6.000 mortos, apenas nas eficiente entre os países envolvidos no processo de unificação
estradas que estão sob a responsabilidade do DNER. econômica, tanto no nível dos transportes terrestres quanto
Com poucas verbas disponíveis a serem dirigidas ao setor aéreos. Com o aumento das trocas comerciais, já verificado
de transportes, os governos federal e estaduais têm visto a
nos últimos anos, o sistema de circulação terrestre regional,
iniciativa privada como uma das soluções para a restauração
projetado para uma época em que cada país vivia de “costas”
das principais rodovias. A via Dutra, a rodovia Rio-Juiz de
um para o outro, está no limite máximo da sua capacidade de
Fora, a Rio-Teresópolis e a ponte Rio-Niterói, entre outras, ao
escoamento. Neste contexto, vários projetos vêm sendo anali-
longo da década de 1990, foram privatizadas, dando direito
ao concessionário à cobrança de pedágio dos usuários das sados visando a uma maior ligação entre os países-membros:
vias de rodagem. • Hidrovia do Mercosul – A Bacia Platina, que banha to-
A malha ferroviária brasileira não acompanhou o cres- dos os países vizinhos, pode-se tornar uma das prin-
cimento econômico e demográfico nos últimos trinta anos; cipais alternativas ao transporte terrestre; a entrada
pelo contrário, houve uma redução da sua extensão. em operação da hidrovia Tietê-Paraná, pelas eclusas de
Na década de 1950, a situação do sistema ferroviário Jupiá e Três Irmãos, interligará o Centro-Sul do Brasil
era bastante precária. Havia dormentes podres, trilhos sem aos mercados da Argentina, Paraguai e Uruguai. Existe
segurança, locomotivas obsoletas que utilizavam, ainda, o um obstáculo à plena integração, que é o desnível da
carvão como combustível. Diante deste panorama, o governo represa de Itaipu. No projeto, não foi prevista a cons-
de Juscelino Kubitschek, a partir de 1957, mediante o seu trução de uma eclusa. Portanto, há a intermediação
Plano de Metas, criou a Rede Federal Ferroviária (RFFSA), de transporte rodoviário.
que encampou boa parte das ferrovias nacionais com o ob- • Trem São Paulo-Buenos Aires – Constitui-se o maior
jetivo de organizar, equipar e melhorar o sistema ferroviário. eixo ferroviário do Mercosul, ligando as duas maiores
Foram erradicados muitos ramais ferroviários considerados cidades sul-americanas. Algumas empresas já o utili-
antieconômicos, o que resultou na diminuição da extensão zam regularmente. No entanto, este sistema precisa ser
da malha ferroviária. modernizado e reequipado, pois as bitolas do Brasil e
Assim como as rodovias, as ferrovias têm sido alvo de da Argentina são diferentes, vários trechos de ligação
postergações permanentes da manutenção adequada em precisam ser construídos, e as locomotivas estão em
suas vias, em seus equipamentos e no material de transporte, condições bastante precárias.
devido à escassez de recursos públicos federais destinados à • Autoestrada Rio-Buenos Aires – O maior projeto ro-
RFFSA nos últimos anos. Esta postergação de investimentos doviário do Mercosul, com cerca de três mil quilôme-
chegou a tal ponto que, hoje, é de 8.000 km a extensão de tros e influência sobre mais de 22 milhões de pessoas,
linhas de alta densidade de tráfego que exigem urgentemen- passando por cidades como Rio de Janeiro, São Paulo,
te uma restauração. Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Montevidéu e
Na tentativa de sanar parte dos problemas enfrentados no Buenos Aires.
setor ferroviário, o governo federal tem encontrado na privati- • Hidrovia Paraná-Paraguai – Passando por Assunção e
zação e na estadualização de várias de suas redes uma solução Corumbá (MT), será a principal via de abastecimento do
momentânea para recuperar o investimento neste setor. Paraguai e transporte da produção mineira da Bolívia.
Desde a década de 1990, o Ministério dos Transportes
vem criando incentivos para o fortalecimento do programa A REDE BRASILEIRA DE TRANSPORTES E SUA
de corredores de exportação, ou seja, um conjunto de in-
Geografia do Brasil

fraestruturas que envolva o transporte, a armazenagem e a EVOLUÇÃO


comercialização de mercadorias, desde as áreas produtoras
até os portos de escoamento, visando à redução dos custos O sistema de transportes brasileiro define-se basicamen-
de transportes de bens destinados à exportação. Esses corre- te por uma extensa matriz rodoviária, sendo também servido
dores também assumem um importante papel na integração por um sistema limitado de transporte fluvial (apesar do
nacional, assim como facilitam a circulação e o abastecimen- numeroso sistema de bacias hidrográficas presentes no país),
to interno de produtos. ferroviário e aéreo.
Na verdade, o que ocorre é a implantação de uma política O intuito de criar uma rede de transportes ligando todo
de transportes intermodais, ou seja, a combinação racional o País nasceu com as democracias desenvolvimentistas, em

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especial as de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Àquela inversões de papéis entre as empresas do setor. No início dos
época, o símbolo da modernidade e do avanço em termos anos de 1990, o mercado era dominado pela Varig, como a
de transporte era o automóvel. Isso provocou uma especial empresa-símbolo da aviação nacional. Ainda atuavam Vasp e
atenção dos citados governantes na construção de estra- Transbrasil como empresas de importância tanto no mercado
das. Desde então, o Brasil tem sua malha viária baseada no doméstico quanto internacional.
transporte rodoviário. Entretanto, nos últimos anos, a TAM, antes um táxi aéreo
Entretanto, segundo Mosso, a primeira estrada de ferro no sediado em Marília-SP, ganhou súbita importância na ligação
Brasil começou a funcionar em 1854, entre Estrela e Fragoso, e Rio-São Paulo, especialmente pelo emprego de aeronaves
tinha somente quatorze quilômetros de extensão. Isso mostra a jato (Fokker 100) nessa rota, antes servida apenas pelos
que o Brasil teve a chance de seguir o exemplo dos países mais Lockheed Electra.
desenvolvidos, que perceberam a importância tanto coloni- Somado a isso surgiu pela primeira vez no País o conceito
zadora quanto desenvolvimentista do transporte ferroviário. de empresa Low Fare com a Gol, que empregando aeronaves
Com uma rede rodoviária de cerca de 1,8 milhões de qui- mais modernas que a média das outras empresas, alcança
lômetros, sendo 96.353 km de rodovias pavimentadas (2004), hoje seu posto como segunda empresa do País.
as estradas são as principais transportadoras de carga e de Vasp e Transbrasil tiveram o triste fim da falência no início
passageiros no tráfego brasileiro. Os primeiros investimentos do século XXI. A Varig, ainda que ostente a importância simbó-
na infraestrutura rodoviária deram-se na década de 1920, no lica de principal empresa aérea nas linhas internacionais, após
governo de Washington Luís, sendo prosseguidos no gover- perder linhas e aeronaves em leasing, foi comprada pela Gol
no Vargas e Gaspar Dutra. O presidente Juscelino Kubitschek que passou a se chamar VRG Linhas Aéreas. Naturalmente a
(1956-1961), que concebeu e construiu a capital Brasília, foi marca Varig viria ao esquecimento depois de fracassada a ten-
outro incentivador de rodovias. Kubitschek foi responsável tativa da Gol de segregar os voos internacionais com aerona-
pela instalação de grandes fabricantes de automóveis no país ves de pintura Varig, porém o presidente da Gol, Constantino
(Volkswagen, Ford e General Motors chegaram ao Brasil duran- de Oliveira Júnior, deixou claro que pretende manter o nome
te seu governo) e um dos pontos utilizados para atraí-los era, Varig. Atualmente, a TAM é principal empresa do mercado
evidentemente, o apoio à construção de rodovias. Hoje, o país doméstico. No âmbito das linhas nacionais, especialmente nas
tem instalados em seu território outros grandes fabricantes ligações entre as capitais, as operações são feitas pela TAM,
de automóveis, como Fiat, Renault, Peugeot, Citroën, Honda, Gol, OceanAir e mais recentemente pela Webjet.
Mercedes-Benz, Hyundai e Toyota. O Brasil é o sétimo mais O mercado regional do estado de São Paulo é servido pela
importante país da indústria automobilística. Pantanal Linhas Aéreas e pela Passaredo. Minas Gerais, Goi-
Existem cerca de 4 000 aeroportos e aeródromos no Bra- ás, Distrito Federal e Tocantins são servidos pela Total, sendo
sil, sendo 721 com pistas pavimentadas, incluindo as áreas que esses dois últimos também pela Sete. O Centro-Oeste,
de desembarque. O país tem o segundo maior número de Sul e Nordeste são ainda servidos pela Avianca (ex-OceanAir).
aeroportos em todo o mundo, atrás apenas dos Estados Uni- A aviação brasileira cresceu muito nos últimos anos. Com
dos. O Aeroporto Internacional de São Paulo, localizado nas o surgimento de novas companhias aéreas e a modernização
proximidades de São Paulo, é o maior e mais movimentado das já existentes, foi possível aumentar o número de assen-
aeroporto do País, grande parte dessa movimentação deve- tos disponíveis na malha aérea. A Gol lidera o ranking das
-se ao tráfego comercial e popular do País e ao fato de que empresas de baixo custo, podendo assim, repassar tarifas
o aeroporto liga São Paulo a praticamente todas as grandes atraentes a todos os brasileiros. Com a competição entre as
cidades de todo o mundo. O Brasil tem 34 aeroportos inter- companhias foi possível melhorar o serviço e reduzir tarifas.
nacionais e 2.464 aeroportos regionais. Grandes companhias internacionais também operam no
O país possui uma extensa rede ferroviária de 28.857 km Brasil: American Airlines, Continental Airlines, United Airlines,
de extensão, a décima maior rede do mundo. Atualmente
Lufthansa, Iberia, Japan Airlines, South African Airways, British
o governo brasileiro, diferentemente do passado, procura
Airways, Air France, Air Canada, TAP Portugal entre outras.
incentivar esse meio de transporte; um exemplo desse incen-
A partir da Segunda Guerra Mundial a aviação comer-
tivo é o projeto do Trem de Alta Velocidade Rio-São Paulo, um
cial assistiu a um grande desenvolvimento, transformando o
trem-bala que vai ligar as duas principias metrópoles do País.
avião num dos principais meios de transporte de passageiros
Há 37 portos sendo que 11 desses são considerados grandes,
e mercadorias no contexto mundial.
no conceito de Internacionais, de grandes navios, segundo o
PNAC II, dentre os quais o maior é o Porto de Santos. O País O transporte aéreo foi o que mais contribuiu para a redução
também possui 50.000 km de hidrovias. da distância-tempo, ao percorrer rapidamente distâncias longas.
Aeroporto Internacional de São Paulo-Guarulhos, o aero- Rápido, cómodo e seguro o avião suplantou outros meios de
porto internacional mais movimentado do Brasil, localizado transporte de passageiros a médias a longas distâncias.
na região metropolitana de São Paulo. Este meio de transporte implica construção de estruturas
O Brasil sedia importantes aeroportos internacionais, muito especiais. Os aeroportos requerem enormes espaços
sendo destino de uma série de rotas aéreas internacionais. e complicadas instalações de saída e entrada dos voos. Por
Porém, empresas internacionais normalmente trabalham outro lado, os custos e a manutenção de cada avião são
apenas com um número limitado de portos, o que faz com bastante elevados. Tudo isto contribui para encarecer este
que o transporte dentro do País se faça por meio de uma meio de transporte.
série de escalas. A malha ferroviária brasileira possui uma extensão de
Geografia do Brasil

A aviação brasileira cresceu muito nos penúltimos anos. 30.374 quilômetros e está presente nas mais diversas regiões
Com o surgimento de lojas companhias aéreas e a moderni- do País. A construção das linhas ocorreram em períodos di-
zação das já existentes, foi possível aumentar o número de ferentes, o que ocasionou a falta de padronização de bitolas
assentos disponíveis na malha aérea. A Gol lidera o ranking (pode-se encontrar até três tamanhos de bitola: 0,60 m, 1,00
das empresas de baixo custo, podendo assim, repassar tarifas m e 1,60 m) e consequente dificuldade na integração das vias.
atraentes a todos os brasileiros. Com a competição entre as Até 1997, a malha brasileira era operada e mantida pela
companhias foi possível melhorar o serviço e reduzir tarifas. RFFSA - Rede Ferroviária Federal S/A, sociedade de econo-
Nos últimos anos, por conta de conjunturas internas e mia mista integrante da Administração Indireta do Governo
externas o transporte aéreo no Brasil sofreu grandes perdas e Federal, cujos serviços incluíam linhas regulares de passagei-

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ros e transporte de cargas. Com a desestatização da RFFSA, rado o sistema mais barato e limpo, contudo, o de menor
a malha foi dividida em regiões e arrendada para exploração participação no transporte de mercadoria no Brasil. Isto
de concessionárias privadas. ocorre devido a vários fatores. Muitos rios do Brasil são de
Atualmente as transportadoras de cargas ferroviárias planalto, por exemplo, apresentando-se encachoeirados,
são: América Latina Logística, MRS Logística, Ferrovia Centro- portanto, dificultam a navegação. É o caso dos rios Tietê,
-Atlântica, Ferrovia Tereza Cristina, Estrada de Ferro Vitória Paraná, Tocantins e Araguaia. Outro motivo são os rios de
a Minas, Companhia Ferroviária do Nordeste, Ferroban, Fer- planície facilmente navegáveis (Amazonas, São Francisco
ronorte e Estrada de Ferro Carajás, que juntas transportam e Paraguai), os quais encontram-se afastados dos grandes
grandes volumes de minério, commodities agrícolas, com- centros econômicos do Brasil.
bustível, papel, madeira, contêineres, entre outros. Sendo Nos últimos anos têm sido realizadas várias obras, com
estas, fiscalizadas atualmente pela ANTT. o intuito de tornar os rios brasileiros navegáveis. Eclusas são
A malha ferroviária brasileira é pequena e obsoleta. Os construídas para superar as diferenças de nível das águas nas
serviços de passageiros praticamente acabaram, e os de carga barragens das usinas hidrelétricas. É o caso das eclusas de
subsistem em sua maioria para o transporte de minérios. As Tucuruí no rio Tocantins, de Barra Bonita no rio Tietê e da
únicas linhas de passageiros que ainda preservam serviços di- eclusa de Jupiá no rio Paraná.
ários de longa distância com relativo conforto são as ligações: Existe também um projeto de ligação das Bacias do To-
Parauapebas - São Luís; e Belo Horizonte - Vitória. Entretanto, cantins, Amazonas e Paraná. É a hidrovia de contorno, que
ainda existem alguns serviços de interesse exclusivamente permitirá a ligação da região Norte do Brasil às regiões Cen-
turístico em funcionamento, tais como as linhas Curitiba - tro-Oeste, Sudeste e Sul, caso implantado. O seu significado
Paranaguá e Bento Gonçalves - Carlos Barbosa. econômico e social é de grande importância, pois permitirá
O transporte rodoviário é o principal sistema de transpor- um transporte de baixo custo. Parte deste projeto já está
tes do Brasil. Este sistema conta com uma rede de 1.355.000 sendo implantado, principalmente no Norte do Brasil, com
quilômetros de rodovias por onde passam 56% de todas as a construção das hidrovias do Madeira e Tocantins e outra
cargas movimentadas no país. parte já está naturalmente em funcionamento, como é o
Dos mais de 1.300.000 quilômetros da rede rodoviária caso da Hidrovia do Solimões-Amazonas.
nacional, 30% está muito danificado pela falta de conser- O Porto de Manaus, situado à margem esquerda do rio
vação e apenas 140 mil quilômetros estão pavimentados. Negro, é o porto fluvial de maior movimento do Brasil e com
Parte considerável das ligações interurbanas no país, mesmo melhor infraestrutura. Outros portos fluviais relevantes são
em regiões de grande demanda, ainda se dão por estradas o de Itajaí, no rio Itajaí-Açu, que transporta principalmente
de terra ou estradas com pavimentação quase inexisten- máquinas e commodities, o de Santarém, no rio Amazonas,
te. Durante a época de chuvas, grande parte das estradas, por onde se transportam principalmente grãos vindos do
principalmente nas regiões Norte e Nordeste, enchem-se de Centro-Oeste e o de Corumbá, no rio Paraguai, por onde
depressões asfálticas, sendo comuns, ainda que em menor é escoado o minério de manganês extraído de uma área
quantidade, deslizamentos de terra e quedas de pontes, pro- próxima da cidade de Corumbá.
vocando muitas vezes prejuízos para o transporte de cargas O Brasil tem mais de 4 mil quilômetros de costa atlântica
bem como acidentes e mortes. navegável e milhares de quilômetros de rios. Apesar de boa
As rodovias do País que se encontram em boas condições, parte dos rios navegáveis estarem na Amazônia, o transporte
exceto algumas exceções, fazem parte de concessões à inicia- nessa região é subaproveitado, por não haver nessa parte
do País mercados produtores e consumidores de peso. Os
tiva privada, assim, embora apresentem extrema qualidade,
trechos hidroviários mais importantes, do ponto de vista
estão sujeitas a pedágios. A Rodovia dos Bandeirantes e a
econômico, encontram-se no Sudeste e no Sul do País. O
Rodovia dos Imigrantes são exemplos deste sistema. O trans-
pleno aproveitamento de outras vias navegáveis dependem
porte rodoviário de passageiros do País compreende uma rede
da construção de eclusas, grandes obras de dragagem e, prin-
extensa e intrincada, sendo possíveis viagens que, devido à
cipalmente, de portos que possibilitem a integração inter-
sua duração, em outros países, só são possíveis por via aérea.
modal. Entre as principais hidrovias brasileiras, destacam-se
O transporte hidroviário no Brasil é dividido nas moda- duas: Hidrovia Tietê-Paraná e a Hidrovia do Solimões-Ama-
lidades fluvial e marítima. O transporte marítimo é o mais zonas. O transporte marítimo é de vital importância para o
importante, respondendo por quase 75% do comércio inter- Brasil em suas relações comerciais. Desde o Brasil colônia o
nacional do Brasil. O transporte fluvial é o mais econômico e transporte marítimo tem importância fundamental, pois per-
limpo, no entanto é o menos utilizado no Brasil. Há regiões mitia uma ampla troca comercial (comércio triangular) entre
entretanto, que dependem quase que exclusivamente desta Portugal, Angola e Brasil. Foi também o transporte marítimo
modalidade, como é o caso da Amazônia, onde as distâncias que permitiu ao Brasil colônia ganhar relativa autonomia
são grandes e as estradas ou ferrovias inexistem. política em relação a Portugal, com a abertura dos portos.
O Brasil ainda pode explorar de forma abrangente a am- O transporte marítimo hoje é responsável pela maior
pliação de investimentos em transportes hidroviários, tendo parte das trocas comerciais internacionais do Brasil, trans-
em vista a capacidade de otimização das possibilidades flu- portando principalmente commodities agro-minerais, veí-
viais e marítimas que o país possui. Em relação à eficiência culos, máquinas, e equipamentos de ponta. Cerca de 75%
média dos portos da América Latina, estudo da Confedera- das trocas comerciais internacionais brasileiras são trans-
ção Nacional da Indústria (CNI), descobriu que o Brasil gasta portadas via mar.
Geografia do Brasil

24,3 horas para concluir o desembaraço de mercadorias nos O transporte hidro-marítimo de passageiros também
portos enquanto que a média na América Latina é de 15,5 existe, principalmente com ligação entre o continente as
horas. A lentidão nas operações, desperdício de tempo com ilhas costeiras do Brasil. A linha mais comum de transporte
documentação, redundância de processos e sobreposição de de passageiros é a de Natal - Fernando de Noronha. Também
competências são alguns dos problemas mapeados e basea- existe o transporte intercontinental de passageiros - na maio-
dos, também, em estudos prévios dela CNI, do BNDES e do ria das vezes ilegal, principalmente entre o Brasil e a Nigéria.
Fórum Econômico Mundial. O Brasil tem os portos marítimos mais movimentados
A navegação fluvial no Brasil está numa posição inferior da América Latina, com destaque aos portos de Santos, Pa-
em relação aos outros sistemas de transportes. É conside- ranaguá, Rio de Janeiro/Niterói, Vitória e Itaqui (São Luís).

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A ESTRUTURA URBANA BRASILEIRA E AS condicionantes interligados: a repulsão da força de trabalho
GRANDES METRÓPOLES do campo e a atração da força de trabalho para as cidades.
A migração rural-urbana tem como condição prévia a
Há urbanização quando a população no meio urbano formação de uma superpopulação relativa no campo. Essa
cresce a taxas maiores que o crescimento da população total superpopulação relativa é a força de trabalho excedente, que
ou — o que dá no mesmo — quando a população urbana perdeu os meios de sobrevivência no setor agropecuário, em
cresce mais velozmente que a população rural. O processo consequência, principalmente, da modernização técnica do
de urbanização é um fenômeno mundial condicionado pela trabalho rural, com a substituição do homem pela máquina.
disseminação da economia de mercado e pela divisão do tra- Esse fenômeno ocorreu e continua a ocorrer, diferenciada-
balho cada vez mais intensa que a acompanha. Nessa trajetó- mente, em todo o país.
Outra causa da formação dessa superpopulação relativa
ria, a economia urbana subordina e transforma a economia
é a persistência de uma estrutura fundiária concentradora:
rural, integrando a agricultura às necessidades do mercado
o monopólio das terras por uma elite resulta na carência de
urbano. O setor industrial e financeiro assume o comando
terras para a maioria dos trabalhadores rurais. Essa carência
do movimento de produção da riqueza, gerando empregos
— que é econômica e social, mas não física—manifesta-se
no meio urbano e suprimindo empregos no meio rural. A
pela extrema subdivisão e parcelamento das propriedades
agropecuária é modernizada, substituindo o trabalho huma-
em determinadas áreas, em função do crescimento das fa-
no pela tecnologia e liberando mão de obra para as cidades.
mílias camponesas. A continuidade do crescimento popu-
No Brasil, o processo acelerado de urbanização corres-
lacional gera uma pressão demográfica sobre a terra, cuja
pondeu ao período de intensa industrialização do pós-guerra.
válvula de escape é o movimento migratório.
A constituição de uma economia de mercado de âmbito na-
A atração exercida pelas cidades só pode ser compreen-
cional, polarizada pelas indústrias implantadas no Sudeste,
dida no contexto da formação prévia dessa superpopulação
foi o pano de fundo do movimento urbanizador. A formação relativa no campo. Destituídos dos meios de sobrevivência
de um mercado interno integrado está na base desse movi- na zona rural, os migrantes dirigem-se às cidades em busca
mento, que se manifesta em todo o país. De acordo com as de empregos e salários na construção civil, no comércio ou
estatísticas oficiais produzidas pelo IBGE, cerca de 81% da nos serviços. A presença de um mercado urbano diversifi-
população brasileira vivia em cidades no ano 2000, o que cado abre a possibilidade do trabalho informal, sem vínculo
equivale a um nível de urbanização próximo aos dos países empregatício. Os serviços públicos de assistência social e
de antiga urbanização da Europa e América do Norte. hospitalar, mesmo precários, realçam a atração exercida pelo
Entretanto, os critérios que definem a população urba- meio urbano. A cidade não é um sonho dourado: é uma
na não são universais. Nos países que pertencem à OCDE, promessa de sobrevivência.
por exemplo, a densidade demográfica superior a 150 hab./ A urbanização, porém, não constitui simplesmente um
km2 é adotada como parâmetro para que uma localidade fenômeno demográfico: o meio urbano distingue-se do meio
seja considerada urbana. Se o Brasil adotasse esse mesmo rural pela dissolução da unidade familiar de trabalho e pela
parâmetro, apenas 411 entre os 5.507 municípios existen- difusão das relações econômicas de mercado; nas cidades,
tes em 2000 seriam considerados urbanos. Nesse caso, a os modos de vida e as culturas tradicionais também se dissol-
população urbana corresponderia a aproximadamente 60% vem, tragados pelos fluxos de informações e pelos produtos
da população total. da cultura de massas.
Além disso, a maior parte dos países desenvolvidos
adotam critérios funcionais para separar o urbano do rural. Uma Urbanização Desigual
Assim, uma cidade só é definida como tal se possuir deter-
minados componentes de infraestrutura e equipamentos co- O processo de urbanização é geral, mas não é regional-
letivos — como escolas, postos de saúde, estabelecimentos mente uniforme. Do ponto de vista regional, registram-se
comerciais, agências bancárias — e funcionar como um polo fortes diferenças no ritmo da transferência da população do
de distribuição de bens e serviços. meio rural para o meio urbano. As desigualdades no ritmo da
O Brasil não adota critérios funcionais: de acordo com a urbanização refletem as disparidades econômicas regionais e
legislação, é considerada urbana toda a população residente a própria inserção diferenciada de cada região na economia
nas sedes de município ou de distrito e nas demais áreas de- nacional.
finidas como urbanas pelas legislações municipais. Por isso, No Sudeste, a população urbana ultrapassou a rural na
alguns estudiosos acreditam que o Brasil tenha um nível de década de 1950. A fase de urbanização acelerada encerrou-se
urbanização menor do que o revelado pelas estatísticas do há duas décadas. A elevada participação da população urba-
IBGE. Essa análise sustenta a posição de que o poder público na no conjunto da população regional expressa um estágio
deveria direcionar uma parcela maior de recursos para os avançado de modernização econômica, com profunda trans-
programas sociais voltados para a população rural. formação da economia rural e subordinação da agropecuária
Em todo o intervalo, o crescimento da população urbana à indústria. Expressa também o peso decisivo da economia
Geografia do Brasil

ultrapassou largamente o crescimento médio da população urbana na produção da riqueza.


total, enquanto o crescimento da população rural ficou mui- O Centro-Oeste e o Sul percorreram trajetórias dife-
to aquém desse crescimento médio. Desde 1970, quando rentes, que conduziram ao mesmo resultado: uma elevada
chegou a 41 milhões, a população no meio rural decresceu concentração populacional no meio urbano. A urbanização
incessantemente. do Centro-Oeste foi impulsionada pela fundação de Brasília,
O processo de urbanização brasileiro apoiou- se essen- em 1960, e pelas rodovias de integração nacional que inter-
cialmente no êxodo rural, ou seja, na transferência de popula- ligaram a nova capital com o Sudeste, de um lado, e com a
ções do meio rural para as cidades. O êxodo rural envolve dois Amazônia, de outro. A ocupação do espaço rural por grandes

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propriedades voltadas para a pecuária e as culturas de soja e cidade de oferecer bens e serviços para um mercado con-
cereais acentuou a tendência à urbanização. Desde o final da sumidor amplo, que ultrapassa os limites do próprio núcleo
década de 1960, o Centro-Oeste tornou-se a segunda região urbano. Assim, constitui-se uma hierarquia de cidades, na
mais urbanizada do País. qual o grau de importância de cada uma depende da ampli-
A região Sul, pelo contrário, conheceu uma urbanização tude do espaço geográfico submetido à sua influência. De
lenta e limitada até o início da década de 1970. A estru- acordo com o IBGE, a rede urbana brasileira é configurada
tura agrária baseada na propriedade familiar e policultora, por 455 municípios, integrados pela circulação de matéria
ancorada no parcelamento da terra nas áreas de planaltos e informação.
subtropicais, restringia a transferência da população para o Considerando apenas a sua configuração material, uma
meio urbano. Depois, a mecanização acelerada da agricultura rede pode ser definida como toda a infraestrutura, permitin-
e a concentração da propriedade fundiária impulsionaram do o transporte de matéria, de energia ou de informação, e
o êxodo rural. que se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela
No Nordeste, a trajetória da urbanização permaneceu topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais,
relativamente lenta ao longo de todo o intervalo. A es- seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de
trutura agrária assentada sobre minifúndios familiares, na comunicação.
faixa do Agreste, contribuiu para reter a força de trabalho Outra definição possível: Imaginemos, desenhado num
no campo e controlar o ritmo do êxodo rural. As baixas espaço de representação, um diagrama em rede. Ele é forma-
capitalização e produtividade do setor agrícola limitaram do [...] de uma pluralidade de pontos (picos), ligados entre si
a repulsão da população rural, enquanto o insuficiente por uma pluralidade de ramificações (caminhos).
desenvolvimento do mercado regional reduziu a atração
exercida pelas cidades. Representação Gráfica de uma Rede
Contudo, ocorreu no Nordeste intenso êxodo rural, que
não transparece nas estatísticas regionais. Durante décadas,
o movimento migratório para o Sudeste transferiu popula-
ções do campo nordestino para as cidades de São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro. Nesse caso, êxodo rural e
migração interregional configuraram um fenômeno integra-
do, atrás do qual se encontra o processo de modernização
urbano-industrial da economia brasileira.
A Região Norte foi a segunda mais urbanizada do País há
algumas décadas, tendo se transformado na menos urbaniza-
da na década de 1980. Na realidade, a elevada participação
da população urbana, até o final da década de 1960, refletia
unicamente a reduzida população total da região, bastante
concentrada nas cidades de Belém e Manaus. O fluxo de mi-
grantes e as frentes pioneiras agrícolas abertas na Amazônia
restringiram, nas últimas décadas, o crescimento relativo da
população urbana regional.
Os níveis de urbanização, analisados em escala estadual,
revelam mais precisamente as desigualdades do processo
de urbanização.
A mancha de maiores níveis de urbanização estende-
-se de São Paulo e Rio de Janeiro para os estados de Minas
Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do
Hierarquia Urbana
Sul, abrangendo quase todo o Centro-Sul. Nessas unidades da
federação, a transferência da população para o meio urbano
encontra-se na sua etapa final.
Os menores níveis de urbanização aparecem em estados
nordestinos e da Amazônia. Na maior parte deles, o ritmo
do êxodo rural tende a intensificar-se nas próximas décadas.
Alguns — como o Pará, o Maranhão e a Bahia — exibem ritmo
lento de urbanização devido à continuidade da abertura de
frentes pioneiras agrícolas que atraem migrantes de outros
estados do País.
Geografia do Brasil

O Espaço de Redes: as Cidades e os Fluxos

O espaço geográfico abrange as redes formadas pelos


complexos sistemas de fluxos de pessoas, bens, serviços,
capitais e informações, que caracterizam a sociedade con-
temporânea. Nas redes urbanas, as cidades desempenham
a função de nós, ou vértices, desses sistemas de fluxos. A
função de cada cidade na rede urbana deriva da sua capa-

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No nível mais baixo da hierarquia estão as cidades pro- que já era hegemônica, ganhou novo impulso com a ace-
dutoras dos bens e serviços mais procurados pela população leração dos fluxos associados à globalização e difunde-se
para a sua reprodução social cotidiana, tais como alimentos, intensamente por todas as regiões do País. Assim, é possível
vestuário, centrais telefônicas e postos de saúde. Contudo, encontrar argumentos que justificam a classificação de São
tanto a população rural como a das pequenas cidades preci- Paulo como metrópole global. O conceito de metrópole glo-
sam se deslocar para cidades de médio porte quando buscam bal, porém, não parece adequado para o Rio de Janeiro: a
bens e serviços menos comuns. Revendedoras de automóveis influência da cidade experimenta retração histórica, atingida
e máquinas agrícolas, lojas de eletrônicos e escolas de ensino negativamente pela privatização de empresas estatais que
médio são encontradas nos centros sub-regionais. Os cen- mantinham as suas sedes na antiga capital.
tros regionais, por sua vez, abrigam centros universitários, As cidades globais — como Nova Iorque, Londres e Tó-
grandes hospitais, médicos e dentistas especializados, escri- quio, entre outras, secundárias — são centros nodais das
tórios de advocacia, escolas de alto padrão, retransmissoras finanças internacionais, do comércio mundializado e dos
de televisão e shopping-centers, que atraem e polarizam um serviços internacionais de consultoria especializada e das
mercado consumidor relativamente mais amplo. instituições públicas multilaterais. Fora dos países desen-
Os bens e serviços mais sofisticados são oferecidos ape- volvidos, apenas Cingapura e Hong Kong desempenham,
nas pelas principais cidades do País: as metrópoles. Essas nitidamente, funções de cidades globais.
cidades, que estão no topo da hierarquia urbana, abrigam Porém, como argumenta o sociólogo e urbanista Manuel
complexos hospitalares de alto padrão, centros de pesquisa Castells, “o fenômeno da cidade global não pode ser reduzido
científica, aeroportos internacionais, luxuosas redes hotelei- a alguns núcleos urbanos no topo da hierarquia. É um pro-
ras, uma teia completa de atacadistas e varejistas, sedes de cesso que conecta serviços avançados, centros produtores e
grandes bancos e empresas transnacionais. A sua influên- mercados em uma rede global com intensidade diferente e
cia estende-se, difusamente, por vastas áreas do território em diferente escala...”. (A sociedade em rede, p. 407.)
nacional. Nesse sentido, vários núcleos urbanos exteriores aos
De acordo com o IBGE, o Brasil tem suas metrópoles países desenvolvidos funcionam, limitadamente, como ci-
Geografia do Brasil

globais: São Paulo e Rio de Janeiro. De fato, essas cidades dades globais. Na América Latina, São Paulo, Buenos Aires e
concentram as sedes de empresas transnacionais e conglo- a Cidade do México desempenham funções desse tipo, que
merados financeiros instalados no País, e funcionam como são cruciais para conectar os territórios nacionais à economia
nódulos dos sistemas de fluxos mais dinâmicos da era da globalizada.
revolução tecnocientífica e da “economia da informação”. Há poucas décadas, a influência das cidades difundia-se,
Além disso, a influência de ambas manifesta-se em todo o principalmente, por meio de arcos de transmissão formados
território nacional. pelas vias de transporte. Na economia industrial, a rede ur-
Há, contudo, um desnível crescente na capacidade de bana estava firmemente condicionada pela rede física de
polarização das duas metrópoles. A influência de São Paulo, rodovias, ferrovias e hidrovias. Por isso, era mais ou menos

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fácil definir espaços geográficos contínuos sob a polarização modificam as suas funções ao longo do tempo. A configu-
predominante de cada centro urbano. ração atual das redes regionais reflete, ao menos em parte,
A revolução da informação tornou mais complexas a as suas origens históricas.
hierarquia e a polarização. Atualmente, por meio das tele- No Nordeste, as metrópoles nacionais situam-se na fa-
comunicações e da internet, mesmo as cidades que ocupam chada costeira, pois desenvolveram-se como elos portuários
os níveis mais baixos da hierarquia urbana relacionam-se de ligação da economia agroexportadora com os mercados
intensa e diretamente com as principais metrópoles, utili- internacionais. Com a solitária exceção de Teresina, as demais
zando os serviços e os bens distribuídos por instituições e capitais estaduais, que funcionam como centros regionais,
empresas instaladas nos lugares centrais. A influência dos também situam-se na fachada costeira.
centros regionais e sub-regionais não desaparece, mas se A sub-região do Agreste abriga centros sub- regionais,
combina e se subordina à das metrópoles, manifestando-se como Campina Grande, na Paraíba, Feira de Santana e Vi-
com mais força nos sistemas de fluxos tradicionais. tória da Conquista, na Bahia, e Caruaru, em Pernambuco.
O papel cada vez mais decisivo dos fluxos informacionais, Essas cidades médias, conhecidas como “capitais do Agreste”,
ou simbólicos, reduziu a importância da rede de transportes consolidaram a sua influência atuando como nós comerciais
na polarização urbana. Ao mesmo tempo, intensificou-se a entre a economia policultora do interior e as metrópoles
importância da rede de comunicações. Um produto dessas nacionais do litoral. A tradicional região cacaueira do sul da
mudanças consiste no caráter descontínuo do espaço geo- Bahia conhece as polaridades concorrentes de dois centros
gráfico polarizado por cada centro urbano. Outro, consiste sub-regionais: Ilhéus, um centro portuário, e Itabuna, um
na superposição espacial da influência de várias cidades. entreposto comercial interior.
A análise dos espaços polarizados pelas metrópoles na- No Sertão, as raras cidades médias funcionam como
cionais ilumina essas novas características da rede urbana. centros sub-regionais que polarizam vastas áreas pouco di-
No Sudeste, destaca-se como metrópole nacional a ci- ferenciadas. É o caso de Juazeiro do Norte e Crato, no Cariri
dade de Belo Horizonte. No passado, a influência da capital cearense, assim como de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), situa-
administrativa mineira, criada para afirmar o poder econô- das frente a frente, em margens opostas do Rio São Francisco.
mico e político do estado, foi bastante restringida pelo poder A rede urbana do Brasil central foi inteiramente remo-
de polarização de São Paulo e Rio de Janeiro. Mais recente- delada no pós-guerra, com a construção das rodovias de
mente, Belo Horizonte consolidou a sua polarização sobre integração nacional. Goiânia e Brasília, as metrópoles na-
Minas Gerais e passou a concorrer com o Rio de Janeiro pela cionais, e os centros regionais de Campo Grande e Cuiabá
influência sobre o Espírito Santo. Além disso, tornou- se um situam-se sobre os grandes eixos viários. Os centros sub-
polo significativo para certas áreas da Bahia e da Amazônia. -regionais que exibem forte crescimento — como Dourados
A região Sul está bipartida pelas influências de Porto (MS), Rondonópolis (MT) e Anápolis (GO) — estão também
Alegre e Curitiba. Santa Catarina, que não possui metrópo- situados nesses eixos. No estado de Tocantins, a expansão
le nacional ou regional, está sob a dupla polarização das acelerada dos núcleos urbanos do eixo da Rodovia Belém-
metrópoles gaúcha e paranaense. Porto Alegre continua a -Brasília contrasta com a estagnação das pequenas cidades
ser o polo dominante no sul catarinense, mas a influência de
distantes da grande via de circulação.
Curitiba, que já predominava no norte, tende a disseminar-se
por todo o estado.
Os fluxos de migrantes do Brasil meridional para o Centro- Megacidades: os Espaços Metropolitanos
-Oeste, a Amazônia e algumas áreas do interior da Bahia
contribuem para alastrar a influência das metrópoles me- O processo de urbanização brasileiro foi essencialmente
ridionais. Os investimentos dos agricultores paranaenses, concentrador. Em 1950, o Brasil tinha três cidades de grande
gaúchos e catarinenses, bem como os laços familiares e cul- porte: apenas o Rio de Janeiro, São Paulo e Recife abrigavam
turais com a região de origem definem circuitos de relações mais de 500 mil habitantes. Em 2000, nada menos que 30
especialmente significativos para o Mato Grosso do Sul, o aglomerações urbanas já tinham ultrapassado a marca de
Mato Grosso, Rondônia e o sul do Pará. meio milhão de habitantes. Aproximadamente 57 milhões de
pessoas habitavam essas grandes cidades. Em 1950, existiam
Redes Urbanas Regionais 35 cidades de porte médio, no intervalo de 100 mil a 500 mil
habitantes; em 2000, já havia mais de 190.
As redes urbanas complexas caracterizam-se por fluxos Sob esse aspecto, a urbanização brasileira distingue-se
intensos entre cidades situadas nos diferentes níveis da hie- radicalmente da europeia. Na Europa, a industrialização di-
rarquia, com destaque para as metrópoles e as cidades mé- namizou, desde o fim do século XVIII, numerosas cidades
dias que desempenham funções de centros regionais. Esse comerciais de origem medieval. As aglomerações metropo-
tipo de rede é produto de um grau elevado de urbanização e litanas do continente assentam-se sobre uma vasta rede de
de uma economia comandada pela indústria, pelo comércio cidades médias e pequenas, que constituem o traço caracte-
e pelos serviços. rístico do universo urbano de países como a Itália, a França,
O Sudeste exibe uma rede urbana complexa. O esforço a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Holanda.
de modernização das infraestruturas viárias e de comunica- No Brasil, a estruturação colonial do espaço geográfico
ções reflete a pressão gerada pelos fluxos de pessoas, bens, gerou os embriões de algumas metrópoles, como o Rio de
serviços e informações. Sob a polaridade direta de São Paulo, Janeiro, Salvador e Recife. Mas o caráter concentrador da
Geografia do Brasil

encontram-se três centros regionais — Santos, Campinas e urbanização foi, essencialmente, um reflexo das condições
Ribeirão Preto — e diversos centros sub-regionais. Na base da em que ocorreu a modernização da economia do País. Desde
hierarquia, dezenas de centros locais estabelecem relações a década de 1930 e, ainda mais, no pós-guerra, a industria-
diversificadas com as cidades médias e a metrópole. Sob a lização baseou-se em investimentos volumosos de capital,
polaridade direta do Rio de Janeiro encontram-se centros realizados pelo Estado, pelas transnacionais ou por conglo-
sub-regionais tais como Nova Friburgo, Campos e Volta Re- merados privados nacionais.
donda. A natureza monopolista dos principais empreendimentos
As redes urbanas são produtos da história. As cidades, econômicos correspondeu a uma concentração dos recur-
que configuram seus nós, surgem em momentos diferentes e sos produtivos e da oferta de empregos em determinados

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pontos do território. Um número reduzido de cidades, que e perto de um quarto da população total das regiões metro-
apresentavam vantagens prévias, tornou-se alvo dos inves- politanas brasileiras. O lixo coletado diariamente está em
timentos. Essas aglomerações evoluíram como polos de torno de 16 mil toneladas, o número de veículos supera 6
atração demográfica e grandes mercados consumidores. A milhões e ocorrem cerca de 11,5 milhões de viagens/dia em
concentração econômica determinou a aglomeração espa- transportes coletivos. A população favelada é de aproxima-
cial: metropolização. damente 1 milhão.
Mais recentemente, registra-se atenuação do cresci- São Paulo expandiu-se, inicialmente, num sítio urbano li-
mento das maiores cidades. O crescimento vegetativo di- mitado pelos rios Tietê e Pinheiros. No pós-guerra, porém, os
minuiu, o ritmo das migrações inter- regionais reduziu-se cursos canalizados dos dois rios foram tragados pela mancha
sensivelmente e o padrão do êxodo rural modificou-se. O urbana em expansão. O crescimento da cidade foi limitado,
poder de atração das cidades médias — centros regionais e ao norte, pelas elevações da Serra da Cantareira. Os vetores
sub-regionais — tornou-se maior que o das metrópoles. Essa principais de crescimento, ligados às periferias populares,
nova tendência continua a gerar metropolização: as cidades direcionaram-se para o leste e o sul. Desde a década de
médias de hoje serão metrópoles no futuro próximo. 1980, a cidade alcançou as áreas de proteção de mananciais
das represas Guarapiranga e Billings, no sul. Atualmente, a
As Metrópoles e a Gestão Pública mancha urbanizada contínua ultrapassa 200 mil hectares, o
equivalente a mais de 140 mil quarteirões.
O fenômeno da conurbação impulsionou a metropoli- Entre as regiões metropolitanas criadas na década de
zação. A expansão econômica das metrópoles produziu, ao 1990, seis são nucleadas por capitais estaduais: São Luís,
mesmo tempo, crescimento demográfico do núcleo urbano- Maceió, Goiânia, Vitória, Natal e Florianópolis. No estado
-central e dos núcleos situados no seu entorno. Em alguns de Santa Catarina, foram estabelecidas outras duas: a do
casos, a integração das manchas urbanizadas realizou-se Vale do Itajaí, nucleada por Blumenau, e a do Norte/Nordes-
fisicamente, de modo que as estradas que ligavam núcleos te catarinense, nucleada por Joinville. No norte do Paraná,
próximos foram incorporadas como avenidas à circulação criaram-se mais duas, nucleadas por Londrina e Maringá. No
viária metropolitana. Em outros, as manchas urbanizadas estado de São Paulo foram criadas as regiões metropolitanas
permanecem separadas por áreas rurais, mas ocorreu com- da Baixada Santista, em torno de Santos, e a de Campinas.
pleta integração funcional. O descompasso entre a integração funcional dos núcleos
A Lei Complementar nº 14, de 1973, reconheceu os de- urbanos e os limites político-administrativos aparece, ainda
safios gerados pelo processo de conurbação e criou a noção mais nitidamente, no caso de Brasília e das cidades próximas,
de região metropolitana. As regiões metropolitanas foram localizadas nos estados vizinhos. Nesse caso, foi instituída a
definidas como estruturas territoriais especiais, formadas Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e
pelas principais cidades do País e pelas aglomerações a elas Entorno, que é um quadro de planejamento urbano conjunto,
conurbadas. Tais estruturas deveriam configurar unidades que abrange os governos de Goiás, Minas Gerais e do próprio
de planejamento do desenvolvimento urbano. Distrito Federal.
Os processos de metropolização e conurbação geraram
um descompasso entre os limites municipais e a mancha
A Megalópole e a Metrópole Expandida
urbanizada. Os primeiros definem o território administrado
pelo poder público municipal. A segunda é a expressão geo-
São Paulo e Rio de Janeiro, separadas por aproximada-
gráfica da cidade real. Os problemas de infraestrutura viária,
mente apenas 400 quilômetros, configuram o principal eixo
transportes, abastecimento de água, saneamento, coleta e
econômico do País. A expansão das suas regiões metropo-
tratamento de lixo da cidade real manifestam-se nos diver-
sos municípios conturbados. A gestão integrada desses e de litanas e das cidades localizadas sobre o eixo de circulação
outros serviços públicos escapa à competência política das que as conecta aponta para o surgimento da primeira me-
prefeituras municipais. galópole do País.
A noção de região metropolitana é uma resposta a esse São Paulo e Rio de Janeiro estão conectados por eixos
descompasso. Destina-se a fornecer um quadro administra- de circulação rodoviários e ferroviários estabelecidos no
tivo adequado para o planejamento urbano nas metrópoles. Vale do Paraíba. Ao longo desses eixos, adensa-se o espaço
Originalmente, a noção foi aplicada às nove maiores aglo- urbanizado, que está sob o comando das metrópoles. Na
merações urbanas do País. A população total dessas mega- parte paulista do Vale, destacam-se os centros industriais
cidades corresponde a cerca de 30% da população brasileira. de São José dos Campos e Taubaté. Na parte fluminense,
No ano 2000, cerca de 60% da população das megacidades situa-se o grande polo siderúrgico de Volta Redonda. Outros
habitava os núcleos urbanos centrais, enquanto 40% residia centros industriais — como Jacareí (SP), Guaratinguetá (SP),
nos núcleos periféricos. Mas a média camufla as diferenças: Resende (RJ) e Barra Mansa (RJ) — dinamizam os fluxos da
na Grande Salvador, a capital baiana concentra mais de 80% megalópole em formação.
da população metropolitana, enquanto na Grande Porto Ale-
gre os municípios periféricos abrigam nada menos que 60% Você sabia?
da população total. No segundo semestre de 2016, foram criadas três novas
Na década de 1990, os processos de conurbação envol- regiões metropolitanas no país: a de Ribeirão Preto (SP), a
Geografia do Brasil

vendo cidades médias em diversas áreas do País conduziram de Sobral (CE) e a rondoniense, em torno da capital, Porto
à criação de catorze novas regiões metropolitanas. Todas Velho. A informação consta da listagem semestral dos muni-
elas, por definição legal, apresentam densidades demográ- cípios brasileiros que compõem as regiões metropolitanas do
ficas superiores a 60 hab./km2 e possuem pelo menos 65% País (RMs), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia
da população ativa empregada em atividades urbanas. e Estatística (IBGE).
A Grande São Paulo, terceira maior metrópole do mundo, Segundo o IBGE, as regiões metropolitanas e aglomera-
sintetiza a dimensão dos desafios de planejamento metro- ções urbanas são recortes instituídos por lei complementar
politano. Nos seus 39 municípios, abriga quase 18 milhões estadual, de acordo com a determinação da Constituição
de habitantes, algo em torno de 10% da população nacional Federal de 1988, “visando integrar a organização, o plane-

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jamento e a execução de funções públicas de interesse co- Com a nova revisão anunciada pelo IBGE, o país passou
mum”. É competência dos estados a definição das regiões a contar com 69 regiões metropolitanas, sendo a Paraíba o
metropolitanas e aglomerações urbanas, nos termos do estado com maior número de regiões metropolitanas (12),
Artigo 25, Parágrafo 3° da Constituição Federal. seguida por Santa Catarina (9) e Alagoas (8).
Pelas informações, a Região Metropolitana de Ribeirão A nova revisão do IBGE não traz mudanças nas listagens
Preto, abrange 34 municípios e foi instituída pela Lei Com- de municípios das regiões integradas de desenvolvimento
plementar nº 1.290, de 6 de julho de 2016. A Região Me- (RIDEs), que são regiões metropolitanas que se situam em
tropolitana de Sobral foi criada pela Lei Complementar nº mais de uma unidade federativa. A competência de criar
168, de 27 de dezembro de 2016, e tem 18 municípios. A RIDEs é da União, dada pelo Artigo 43, parágrafo 1° da Cons-
RM rondoniense inclui, além da capital Porto Velho, o mu- tituição Federal. Constam no registro três RIDEs, são elas:
nicípio de Candeias do Jamari, conforme Lei nº 3.654, de 09 de Petrolina/Juazeiro, a da Grande Teresina e a do Distrito
de novembro de 2015. Federal e Entorno.

A presença de barreiras físicas muito nítidas — a Serra do gestão pública, embora deva ser levada em conta no plane-
Mar, a leste, e a Serra da Mantiqueira, a oeste — contribui jamento regional.
para a concentração urbana ao longo do Vale do Paraíba. Na porção leste do estado de São Paulo, o fenômeno
A expansão das cidades do eixo gera processos locais de da urbanização extensiva manifesta-se na configuração de
conurbação, integrando as manchas urbanas de São José outro sistema de cidades de escala similar à da megalópole.
dos Campos e Jacareí, de Taubaté e Pindamonhangaba, de Trata-se da metrópole expandida, ou macrometrópole, que
Guaratinguetá, Lorena e Aparecida, de Volta Redonda e Barra ocupa a área centralizada pela Região Metropolitana de São
Mansa. Paulo e limitada pelos três grandes centros urbanos circun-
Os problemas de circulação da megalópole decorrem da dantes. A metrópole expandida abrange, no seu interior, as
intensidade dos fluxos gerados pela concentração urbana e regiões metropolitanas de São Paulo, da Baixada Santista e
industrial. Mas esses problemas são agravados pela presença de Campinas.
de polos de turismo de praia, que geram tráfego na Serra do O arcabouço básico da metrópole expandida assenta-se
Mar, e de turismo de montanha, que geram tráfego na Serra sobre os eixos de circulação que ligam a aglomeração urba-
da Mantiqueira. A duplicação da Rodovia Presidente Dutra na de São Paulo a Campinas, a noroeste, Santos, a sudeste,
é insuficiente para conferir fluidez aos deslocamentos de São José dos Campos, a nordeste, e Sorocaba, a sudoeste.
pessoas e mercadorias ao longo do eixo. A ampliação dos O seu raio máximo é de aproximadamente 100 quilômetros,
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serviços da ponte aérea entre as metrópoles está limitada distância rodoviária entre São Paulo e Campinas.
pela capacidade dos aeroportos existentes. O projeto de A urbanização extensiva no espaço macrometropolitano
modernização ferroviária e implantação de um trem-bala dinamiza processos de valorização imobiliária, ligados à con-
surge como alternativa para descongestionar o transporte corrência entre diferentes usos do solo. Os usos industriais,
de pessoas e mercadorias na megalópole. residenciais e de lazer, que competem entre si, tendem a
A megalópole distingue-se das regiões metropolitanas expulsar os usos agrícolas tradicionais. Os mananciais que
pela sua escala espacial e por um grau muito mais baixo fornecem água são duramente disputados pelas dezenas
de integração funcional entre as cidades situadas no seu de cidades da metrópole expandida e sofrem os efeitos das
interior. Por isso, não constitui uma estrutura territorial de descargas industriais. A expansão horizontal das periferias re-

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sidenciais de baixa renda realiza- se de modo descontrolado, ção acelerada do pós-guerra. A “conquista” contemporânea
sob o impulso da especulação imobiliária. Esse processo se da Amazônia foi anunciada no chamado Discurso Amazônico
materializa em loteamentos irregulares em áreas de proteção de Getúlio Vargas, proferido em 1940. Dois anos mais tarde,
de mananciais. com a entrada do País na Segunda Guerra Mundial, eram
A megalópole e a metrópole expandida são produtos assinados acordos de fornecimento de borracha natural aos
do fenômeno da “urbanização total”, que ocorre em diver- Estados Unidos. Na moldura desses acordos, criou-se o Banco
sas áreas do planeta. No Sudeste brasileiro, esse fenômeno de Crédito da Borracha.
gera desafios de planejamento regional cuja magnitude está Contudo, o planejamento regional foi deflagrado ape-
associada à difusão da pobreza e à limitada capacidade de nas em 1953, com a criação da Superintendência do Plano
investimento do poder público. de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que seria
financiado por uma parcela de 3% do total da receita de
A DINÂMICA DAS FRONTEIRAS AGRÍCOLAS E impostos federais. O novo órgão tinha o objetivo de coor-
denar os planos governamentais para a região. A Rodovia
SUA EXPANSÃO PARA O CENTRO-OESTE E A Belém-Brasília (BR 153), primeira ligação terrestre entre a
AMAZÔNIA Amazônia Oriental, a recém-criada capital federal e a ma-
lha rodoviária do Centro-Sul do País, foi construída sob os
Amazônia auspícios da SPVEA.
A lei que criou a SPVEA definiu a Amazônia Brasileira, que
O desenvolvimento da Geografia moderna, na segunda abrangia os estados do Pará e do Amazonas, os então terri-
metade do século XIX, foi essencial para a consolidação do tórios Acre, Amapá, Guaporé (atual Rondônia) e Rio Branco
estado contemporâneo. A disciplina fornecia instrumentos (atual Roraima), além de parte dos estados do Maranhão (a
conceituais e técnicas adequados às necessidades do exer- oeste do meridiano de 44° W), de Goiás (ao norte do paralelo
cício do poder político sobre o território. Nessa época, a de 13° S, área que corresponde ao atual estado de Tocantins)
cartografia sistemática ganhava impulso e eram estabelecidas e de Mato Grosso (ao norte do paralelo de 16° S). A região
as bases dos atuais serviços de recenseamento. correspondia, grosso modo, à porção da Amazônia Interna-
O conceito de região foi apropriado pela geografia nesse cional localizada em território brasileiro. Não era, contudo,
contexto. A divisão do território em unidades regionais forne- uma região natural, mas uma região de planejamento, pois a
cia uma escala intermediária para os trabalhos de cartografia, sua delimitação decorria de um ato de vontade política do Es-
permitia organizar as bases de dados estatísticos e orientava tado. As regiões naturais são limitadas por fronteiras zonais,
os órgãos de planejamento. Porém, mascarando a sua função ou seja, por faixas de transição entre ecossistemas contíguos.
política, a Geografia originalmente apresentou a região como As regiões de planejamento, ao contrário, são delimitadas
uma construção da própria natureza, identificando-a como por fronteiras lineares, que definem rigorosamente a área
região natural: uma porção da superfície terrestre que se de exercício das competências administrativas.
individualiza por uma combinação específica de elementos Em 1966, no quadro da política de integração nacional
da natureza, em especial o relevo, o clima e a vegetação. do regime militar, o SPVEA foi extinto e, no seu lugar, foi
O ecossistema da floresta equatorial — associado aos criada a Superintendência para o Desenvolvimento da Ama-
climas quentes e úmidos e assentado, na sua maior parte, zônia (Sudam). O novo órgão de planejamento ganhou um
no interior da bacia fluvial amazônica — permite delimitar poderoso braço financeiro com o estabelecimento do Banco
uma região natural. Essa região é a Amazônia Internacional, da Amazônia (Basa), destinado a financiar empreendimentos
que abrange aproximadamente 6,5 milhões de km² em terras privados dirigidos para o Grande Norte.
de nove países. A lei que criou a Sudam redefiniu a Amazônia Brasileira,
Como construção política, a Amazônia surgiu antes mes- que passava a se denominar Amazônia Legal. Em 1977, com
mo do Estado brasileiro. No século XVII, a coroa portuguesa o desmembramento do Mato Grosso do Sul, foram amplia-
buscou a incorporação dos seus nascentes domínios ama- dos os limites da região de planejamento. A Amazônia Legal
zônicos na estrutura geral do império por meio da criação passou a abranger a totalidade do estado de Mato Grosso,
da Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, su- perfazendo uma superfície de 5,2 milhões de km2, ou cerca
bordinada ao Conselho Ultramarino. Em meados do século de 61% do território brasileiro.
XVIII, no contexto das disputas entre as coroas ibéricas pelo
controle da bacia amazônica, Portugal transformou o antigo A Conquista da Fronteira
estado do Maranhão em estado do Grão-Pará e estabeleceu
a sua administração na cidade de Belém. As políticas territoriais para a Amazônia, sob o regime
Mas, do ponto de vista do Estado Contemporâneo, o exer- militar, concebiam a região como espaço de fronteira, num
cício da soberania exige a apropriação nacional do território. triplo sentido.
As áreas pouco povoadas e caracterizadas pelo predomínio Na condição de fronteira política, o Grande Norte abran-
de paisagens naturais, especialmente quando adjacentes às gia largas faixas pouco povoadas adjacentes aos limites do
fronteiras políticas, são consideradas espaços de soberania Brasil com sete países vizinhos. Essas faixas configuravam
formal, mas não efetiva. A consolidação do poder de Estado “fronteiras mortas”, ou seja, áreas de soberania formal mas
sobre tais espaços solicita a sua “conquista”: povoamento, não efetiva do Estado brasileiro. O empreendimento da “con-
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crescimento econômico, desenvolvimento de uma rede ur- quista da Amazônia” tinha a finalidade de construir as bases
bana, implantação de redes de transportes e comunicações. para o exercício do poder nacional nas faixas de fronteiras.
O empreendimento de “conquista” envolve, portanto, um Na condição de fronteira demográfica, o Grande Norte
conjunto de políticas territoriais. A Geografia funciona como deveria ser povoado por excedentes populacionais gerados
saber crucial para a definição de tais políticas, fornecendo no Centro-Sul e, principalmente, no Nordeste. O Plano de De-
as chaves para o planejamento regional. senvolvimento da Amazônia aprovado pela Sudam em 1971
No Brasil, o estabelecimento de políticas territoriais coe- orientava-se no sentido da “ocupação de espaços vazios” e
rentes associou-se à centralização política iniciada com a Re- da “integração do Nordeste com a estratégia de ocupação
volução de 1930 e desenvolveu-se no quadro da industrializa- da Amazônia”. A construção da Rodovia Transamazônica e a

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implantação de núcleos de colonização dirigida ao longo de zônica e nas largas faixas de transição entre esses domínios,
seu traçado fizeram parte da estratégia de dinamizar a econo- onde se descortinam manchas de florestas com babaçu.
mia regional por meio da pequena propriedade camponesa. O Governo Federal criou, em 1974, o Programa de Polos
Na condição de fronteira do capital, o Grande Norte deve- Agropecuários e Agrominerais da Amazônia — Poloamazônia.
ria atrair volumosos investimentos transnacionais e nacionais Os planos federais previam a instalação de diversos ‘polos
voltados para a agropecuária, a mineração e a indústria. Sob de desenvolvimento na Amazônia Brasileira’, com destaque
a coordenação da Sudam, a Amazônia Legal transformou-se para a produção mineral. Pretendia o governo federal dire-
em vasto cenário de investimentos incentivados por recursos cionar os impactos da política de incentivos fiscais para áreas
públicos. Os projetos privados viabilizavam- se por meio de geograficamente selecionadas, concentrando nelas também
mecanismos de renúncia tributária e concessão de emprés- suas ações de infraestrutura, com a finalidade de propiciar
timos subsidiados. As rodovias de integração — a Belém- investimentos massivos e espacialmente concentrados.
-Brasília, a Brasília-Acre e a Cuiabá-Santarém —, além de Ancoravam-se, portanto, em uma visão de planejamento e
orientar os fluxos migratórios para a região, serviram também normalização do desenvolvimento regional que tinha por
para criar as condições necessárias a esses investimentos. fundamento estratégico a concentração espacial de capitais,
Os projetos minerais e industriais concentraram-se em capaz de produzir desequilíbrios e, em decorrência destes,
Belém e seus arredores e na Zona Franca de Manaus (ZFM). impulsionar um processo de desenvolvimento de atividades
Os projetos florestais e agropecuários, mais numerosos, por meio de uma cadeia de ligações para frente e para trás
concentraram-se no Mato Grosso e sobre o eixo da Belém- das atividades produtivas consideradas chaves.
-Brasília, abrangendo o Tocantins, o sul do Pará e o oeste do
Maranhão. Os incentivos totalizavam, em geral, a metade A Amazônia Bipartida
dos recursos necessários para os projetos agropecuários. O
desmatamento e a formação de pastagens extensivas eram As políticas voltadas para a “conquista” integraram a
classificados como benfeitorias, assegurando o direito aos Amazônia às dinâmicas territoriais nacionais, comandadas
incentivos. pelo Centro-Sul. Esse processo conduziu à diferenciação cada
Em meados da década de 1970, a Sudam abandonou os vez maior da região amazônica, em função dos dois vetores
projetos de colonização dirigida e passou a aprovar somente principais de ocupação.
projetos, em glebas gigantes — de, no mínimo, 25 mil hec- Um vetor oriental de ocupação estruturou-se original-
tares. Enquanto isso, o Código de Mineração aprovado em mente na década de 1960, em torno do eixo da Rodovia
1967 retirava o direito de preferência da exploração mineral Belém-Brasília. Nas décadas seguintes, a exploração dos mi-
do proprietário da terra e tornava ilegais os pequenos ga- nérios da Serra de Carajás, a implantação da E. F. Carajás e
rimpos, atendendo aos interesses das grandes mineradoras. do Porto de Itaqui e a construção da hidrelétrica de Tucuruí
Nos planos governamentais, o grande capital substituiu reforçaram esse vetor, estendendo-o até São Luís (MA). Uma
os pequenos proprietários na condição de motor do desen- vasta mancha de povoamento, nucleada por áreas de intensa
volvimento regional. modificação das paisagens naturais, desdobrou-se de sul a
Sob essa política de incentivos, multiplicaram-se os lati- norte no estado de Tocantins e avançou pelas porções me-
fúndios com áreas superiores a 300 mil hectares e surgiram ridional e oriental do Pará e por todo o oeste maranhense.
os primeiros grandes projetos de exploração da riqueza mi- Um vetor ocidental de ocupação estruturou-se a partir
da década de 1970, em torno do segmento sul da Rodovia
neral amazônica. A propaganda oficial alardeava a iminente
Cuiabá-Santarém e da Brasília-Acre. No norte do Mato Gros-
transformação da Amazônia em polo exportador de produtos
so e em Rondônia, a colonização agrícola impulsionada por
minerais e agroindustriais.
migrantes do Centro-Sul originou dezenas de novos núcle-
Até 1985, mais de 900 projetos foram aprovados pela
os urbanos. Ao mesmo tempo, a criação e a consolidação
Sudam. A legislação vigente nesse período determinava que
da ZFM transformava a capital amazonense em importante
a devolução dos recursos públicos recebidos por projetos
centro industrial e reforçava seus vínculos externos com os
cancelados não envolveria juros ou correção monetária. Des-
capitais e mercados do Centro-Sul.
se modo, em ambiente econômico inflacionário, abandonar Enquanto a Amazônia se integrava ao Centro- Sul por
projetos incentivados tornou-se negócio altamente lucrativo. esses dois vetores, a rede urbana regional tornava-se mais
As políticas que orientaram a “conquista” geraram um complexa e diferenciada. Nesse processo, a influência vasta e
conflito entre dois tipos de ocupação do espaço geográfico. O difusa de Belém sobre todo o espaço amazônico desvanecia-
povoamento tradicional, gerado pelo extrativismo, consistia -se, em função da emergência de Manaus como metrópole
numa ocupação linear e ribeirinha, assentada na circulação regional. Na última década, configurou-se uma situação de
fluvial e na rede natural de rios e igarapés. O novo povoa- dupla polarização, na qual se desenham esferas de influência
mento consistia numa ocupação areolar, polarizada pelos distintas das metrópoles do Pará e do Amazonas.
núcleos urbanos em formação e pelos projetos florestais, Os vetores de integração externa da região e a diferencia-
agropecuários e minerais. ção interna da sua rede urbana reforçam- se mutuamente. O
Esse conflito expressou-se, de um lado, como tensão so- impacto dessas dinâmicas espaciais conduz a uma bipartição
cial envolvendo índios, posseiros e grileiros. Desde a década cada vez mais nítida do Grande Norte.
de 1970, as disputas pela terra configuraram um “arco de
violência” nas franjas orientais e meridionais da Amazônia. Amazônia Oriental
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De outro lado, o conflito expressou-se pela modificação


antrópica das paisagens e pela degradação progressiva dos A Amazônia Oriental é constituída pelos estados do Pará,
ecossistemas naturais. Um “arco da devastação”, que apre- Amapá, Mato Grosso, Tocantins e pelo oeste do Maranhão.
senta notáveis sobreposições com o “arco de violência”, as- Ela abrange as mais extensas áreas de modificação antrópica
sinala os vetores da ocupação recente do Grande Norte. Nos das paisagens naturais. Essas áreas concentram-se princi-
estados de Tocantins, do Pará e do Maranhão, a devastação palmente no estado de Mato Grosso e em torno do eixo de
antrópica atinge formações de cerrados, da Floresta Amazô- transportes formado pela Rodovia Belém-Brasília e pela Es-
nica e da Mata dos Cocais. No Mato Grosso e em Rondônia, trada de Ferro Carajás. A Ferrovia Norte-Sul reforça esse eixo
manifesta-se com intensidade nos cerrados, na Floresta Ama- que conecta o Brasil Central aos portos de São Luís e Belém.

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No final da década de 1950, a transnacional norte-ameri- do Pará e no oeste do Maranhão, já que a área destinada ao
cana U. S. Steel, por intermédio da sua subsidiária Companhia programa e a seus parceiros representa mais de um milhão
Meridional de Mineração, deflagrou um ambicioso plano de de hectares. As grandes obras de infraestrutura construídas
pesquisas na Amazônia, com a finalidade de descobrir re- em poucos anos — a Estrada de Ferro Carajás, por 890 quilô-
servas de manganês. A transnacional atuava numa moldura metros, o Porto de Itaqui, em São Luís, capaz de receber gra-
mais ampla, formada pelos acordos de cooperação técnica neleiros de até 280 mil toneladas, e a hidrelétrica de Tucuruí,
entre os Estados Unidos e o Brasil, cuja raiz era o interesse de no Rio Tocantins — atraíram significativos fluxos migratórios
Washington de controlar fontes de suprimentos de matérias- e geraram o surgimento de diversos novos núcleos urbanos.
-primas industriais escassas. Sob o manto desses acordos, No coração do PGC estão as instalações de extração dos
geólogos norte-americanos trabalharam em universidades minérios, o terminal ferroviário de carga e os núcleos ur-
brasileiras, treinaram colaboradores brilhantes e, ao que pa- banos da Serra dos Carajás. A Vila de Carajás, no topo da
rece, dedicaram-se também a pesquisas sigilosas. serra, foi projetada para abrigar os funcionários da CVRD.
A descoberta dos minérios da Serra dos Carajás deve-se a Parauapebas, no sopé da serra, foi projetada para servir de
Breno Augusto dos Santos, um dos jovens geólogos brasilei- residência à mão de obra temporária: os trabalhadores bra-
ros contratados pela Companhia Meridional de Mineração. çais que construíram os dois núcleos e as estradas de acesso.
Em julho de 1967, em meio a pesquisas de campo no Pará, A estrutura urbana dupla tinha a função de isolar o topo
o helicóptero que conduzia o geólogo pousou numa clarei- da serra, retendo na parte de baixo os fluxos migratórios.
ra da Serra Arqueada, que é parte da formação de Carajás. Nesse quadro, a Vila de Carajás consolidou-se como verda-
Ali, descobriu uma extensa e espessa camada superficial de deira cidadela, guardada por um posto da Polícia Federal e
hematita, que indicava o incomensurável potencial mineral uma portaria da CVRD. No sopé, o núcleo de Parauapebas,
da área. Nos dois meses seguintes, o reconhecimento de planejado para 5 mil habitantes, foi transformado em muni-
diversas clareiras sinalizou a presença da maior reserva de cípio em 1988 e já abriga mais de 70 mil habitantes.
minério de ferro do mundo. Essa conclusão foi comunicada O Projeto Ferro Carajás é a ponta-de-lança do PGC. Geren-
por telegrama codificado ao geólogo-chefe da transnacional. ciado pela CVRD, ele produz cerca de 35 milhões de toneladas
Nos meses seguintes, os diversos pedidos de pesquisas anuais de minério, exportadas principalmente para o Japão.
e lavra na área encaminhados ao Departamento Nacional de Ao longo da ferrovia, foram aprovados diversos projetos de
Produção Mineral (DNPM) despertaram suspeitas nas auto- instalação de indústrias siderúrgicas primárias, de ferro-gusa
ridades brasileiras, que conduziram a investigações patroci- e ferro-ligas. Assim, embrionariamente, aparecem núcleos
nadas pela CVRD. O Estado brasileiro desencadeou, então, industriais nas áreas de Marabá (PA), nas proximidades das
uma operação destinada a implantar um vasto programa de reservas de matérias- primas, e da Baixada Maranhense, nas
desenvolvimento regional baseado nos fantásticos recursos proximidades do Porto de Itaqui.
naturais daquela província mineral. Em 1970, foi formado Esses projetos beneficiam-se dos vastos excedentes re-
um consórcio entre a CVRD e a U.S. Steel para a exploração gionais de mão de obra, inicialmente atraídos pelas grandes
dos minérios de Carajás. Sete anos depois, divergências entre obras de infraestrutura e que hoje demandam empregos.
os sócios e um certo desinteresse da transnacional pelas Contudo, na falta de adequado planejamento dos impactos
jazidas de ferro provocaram a dissolução do consórcio. Em ambientais, abrigam inúmeros focos de poluição do ar e dos
1980, sob o controle da então estatal CVRD, era lançado o rios. Além disso, em virtude da opção pelo uso de carvão
Programa Grande Carajás. vegetal para queima nos fornos siderúrgicos, a implantação
O Programa Grande Carajás (PGC) assinalou uma inflexão dos núcleos industriais previstos implicaram na aceleração
na economia e na organização do espaço geográfico do leste do desflorestamento.

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O Projeto dos Polos de Alumínio é outra face do PGC. Os década de 1950, sob controle da Indústria e Comércio de
centros de transformação industrial da bauxita em alumina Minérios S.A. (Icomi), um consórcio entre a transnacional
e alumínio localizam-se em Barcarena, perto de Belém, em norte-americana Bethlehem Steel e uma empresa nacional
São Luís, na área do PGC e em Breu Branco (Camargo Corrêa do Grupo Azevedo Antunes. Para viabilizar as exportações
Metais), nas proximidades de Tucuruí. A usina de Tucuruí do minério, o consórcio construiu a Estrada de Ferro Amapá
fornece a quantidade de energia elétrica necessária para e o porto de Santana, nos arredores de Macapá. As suas
essa transformação. atividades estruturaram-se em torno dos núcleos planejados
As fontes de abastecimento de bauxita, descobertas de Serra do Navio, junto às jazidas, e de Vila Amazonas, junto
em 1966 pela transnacional canadense Alcan, localizam-se ao porto. O enclave da Icomi tornou-se o núcleo dinâmico
fora da área do PGC, na Serra de Oriximiná, no baixo vale da economia do Amapá.
do Rio Trombetas. Em 1975 foi criada a Mineração Rio do Em quatro décadas, o consórcio extraiu e exportou a
Norte (MRN), um consórcio entre a CVRD, a Alcan, a anglo- totalidade do minério de alto teor metálico que aflorava na
-holandesa Billiton-Shell Metals e a Companhia Brasileira de superfície e mais da metade do total da reserva. Os altos
Alumínio, do grupo nacional Votorantim. custos de exploração do minério restante e a queda dos
A MRN produz aproximadamente 6 milhões de toneladas preços no mercado internacional levaram a transnacional a
anuais do minério. Seu polo de exploração abrange a jazida, abandonar o consórcio. Atualmente, a Icomi direciona seus
um porto fluvial no Rio Trombetas e a usina de beneficia- investimentos para a extração, o beneficiamento e a exporta-
mento situada junto ao porto. Os minérios seguem, pelo Rio ção do minério de cromo da Mina do Vila Nova, em Mazagão,
Amazonas, para as usinas de Barcarena. Na área de extra- nas proximidades do Porto de Santana.
ção e beneficiamento inicial do minério, a empresa previu Os grandes projetos da Amazônia Oriental organizaram-
inicialmente construir uma bacia artificial para despejo dos -se econômica e geograficamente como enclaves. Do ponto
rejeitos. Contudo, essa opção foi considerada custosa e foi de vista econômico, são empreendimentos de extração de
abandonada. O lançamento dos rejeitos numa lagoa natural, recursos naturais que servem como matérias-primas consu-
o Lago da Batata, provocou assoreamento de mais de um midas no exterior. Do ponto de vista geográfico, configura-
quinto de sua extensão por material altamente poluente. ram espaços isolados, servidos por redes viárias e núcleos
urbanos especializados.
Os enclaves do Jari e da Serra do Navio A singularidade dos enclaves manifesta-se por meio do
tipo particular de núcleos urbanos que geraram: as company
towns. Esses núcleos planejados — Carajás e Parauapebas,
Oriximiná, Laranjal do Jari, Serra do Navio e Vila Amazonas
— contrastam com a urbanização regional, marcada pelo
inchaço das periferias, a favelização e a precariedade dos
serviços públicos e das infraestruturas de saneamento bá-
sico, que constituem um dos mais graves e menos discuti-
dos problemas ambientais da Amazônia. Mas os enclaves
funcionam como ímãs, atraindo migrantes e, muitas vezes,
gerando depósitos de mão de obra de reserva em municípios
contíguos recém-criados, que crescem desordenadamente.

Amazônia Ocidental

A Amazônia Ocidental é constituída pelos estados do


Amazonas, do Acre, de Rondônia e de Roraima. Na sua maior
parte, exibe paisagens naturais pouco modificadas pela in-
No Amapá e no norte do Pará aparecem outros dois pro- tervenção antrópica. A metrópole regional de Manaus, na
jetos baseados em recursos naturais, que funcionam como confluência dos rios Negro e Solimões, desempenha impor-
enclaves econômicos em meio às paisagens naturais. tantes funções industriais e comerciais.
O Projeto Jari, implantado pelo milionário norte-ame- A integração viária com o Brasil Central ocorre através de
ricano Daniel Ludwig em 1967, ocupou uma área de 1,6 Rondônia, até Rio Branco, no Acre. Ao longo desse eixo apa-
milhão de hectares. O seu objetivo inicial consistia em inte- recem as principais áreas de desflorestamento, associadas à
grar verticalmente atividades florestais, agrícolas, minerais expansão da fronteira agrícola. Em futuro próximo, a Hidrovia
e industriais. No início da década de 1980, em dificuldades do Madeira e a pavimentação da BR-319 tendem a conectar
financeiras, foi vendido para um consórcio de mais de duas o eixo viário de ocupação ao polo metropolitano de Manaus.
dezenas de grupos empresariais nacionais. A Hidrovia do Rio Madeira é a única ligação entre Manaus e
O enclave — com aeroporto, porto fluvial no rio Jari, o Centro-Oeste, pois a rodovia BR-319 que faz a ligação até
junto à boca norte do Amazonas, e rede viária própria — Porto Velho encontra-se há muitos anos intransitável devido
estrutura-se em torno dos núcleos urbanos de Almeirim (PA) a diversos trechos interrompidos.
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e Laranjal do Jari (AP). Aí a Companhia Florestal Monte Santo Com 1.060 km de extensão navegável, a hidrovia tem
desenvolveu atividades de silvicultura e produção industrial início em Porto Velho, capital de Rondônia e termino no Por-
de celulose; a Caulim Amazônia extrai o caulim utilizado para to de Itacoatiara no Rio Amazonas no estado homônimo. A
o branqueamento da celulose e exportado em uma área situ- largura média do Rio Madeira é de 1.000 metros condição
ada à esquerda do rio Jari, conhecida como Morro do Felipe; que permite a navegação de comboios de empurra, reboca-
a São Raimundo Agroindustrial cultiva arroz em terras de dor atrás, composto por até 20 barcaças de 2.000 toneladas
várzea e cria búfalos nos campos inundados. cada uma no período das cheias, de fevereiro a maio. No
A Serra do Navio localiza-se na área central do Amapá. período das águas baixas, de julho a outubro os comboios
As suas grandes jazidas de manganês foram descobertas na são menores formado por 9 barcaças.

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No contexto das políticas territoriais definidas pelo regi- de obra. A precariedade da economia urbana na Amazônia
me militar, Manaus tornou-se um enclave industrial localiza- pode ser avaliada pelo peso da informalidade: em meados da
do em pleno centro da Amazônia Ocidental. O empreendi- década de 1990, metade dos municípios da Amazônia Legal
mento, iniciado no final da década de 1960 com a ZFM, teve apresentava menos do que 2% da população empregada no
forte impacto sobre a organização do espaço amazonense. setor formal, e em nenhum deles o setor representava mais
Os empregos diretos e indiretos gerados pelas indústrias do que 40% dos empregos.
e pelo comércio do enclave provocaram intenso êxodo ru- O novo ciclo de obras viárias na Amazônia, projetado para
ral e um crescimento urbano explosivo da capital. Manaus estabelecer a ligação entre Manaus e Porto Velho e reforçar o
agregou à sua função tradicional de porto fluvial as funções vetor que conecta Belém e São Luís ao Brasil Central, ameaça
de polo industrial e comercial. A cidade, que em 1960 não reproduzir, em escala ampliada, os desastres sociais e am-
tinha atingido 200 mil habitantes e abrigava um quarto da bientais do ciclo anterior. De acordo com os ambientalistas,
população estadual, aproxima-se de 1,8 milhão e abriga pra- o anúncio do asfaltamento da Rodovia Cuiabá— Santarém
ticamente metade da população do Amazonas. O esvazia- (BR 163) já provocou uma onda de especulação e de grilagem
mento demográfico das várzeas e a decadência da pequena das terras em suas margens, o que seria o primeiro passo
agricultura ribeirinha tradicional tiveram como contrapartida para o desmatamento em larga escala.
o inchaço da periferia de Manaus, com a expansão acelerada Além disso, o avanço da agropecuária moderna também
dos bairros de palafitas, casas flutuantes e ocupações. constitui uma séria ameaça aos ecossistemas florestados. O
A década de 1970 também assinalou o avanço da fron- ritmo do desmatamento praticamente dobrou entre 1990
teira agrícola através do Mato Grosso e, sob o influxo de e 2000, chegando a atingir a média de 23 mil km² anuais
projetos oficiais de colonização, a ocupação tumultuosa das nos primeiros anos do século XXI, principalmente devido
terras que margeiam a BR-364, em Rondônia. O crescimento à expansão do cultivo de soja no estado do Mato Grosso.
urbano acelerado de Porto Velho foi replicado, em grau me- Depois de tomar o cerrado, a soja está ocupando o lugar
nor, nos núcleos instalados junto à rodovia, como Vilhena, das pastagens em áreas já devastadas e empurrando o gado
Cacoal, Ji-Paraná e Ariquemes. para a floresta. Por causa disso, o estado se tornou um dos
Essas obras de infraestrutura viária tinham a finalidade campeões brasileiros em número de focos de queimada. O
de criar um longo corredor de exportação para os produ- arco da devastação está em pleno crescimento.
tos agrícolas de Rondônia e do Mato Grosso, através do Rio
Amazonas. Em Itacoatiara, pouco abaixo da confluência do
Rio Madeira com o Amazonas, instalou-se um porto fluvial
especializado. Por esse corredor de exportação, a soja cul-
tivada no Mato Grosso chega ao mercado europeu a custos
bastante menores que aqueles proporcionados pelos portos
de Santos ou de Paranaguá.
O eixo em implantação tem inegável significado econô-
mico, mas pode acarretar novos desastres ambientais. A
fronteira agrícola de Rondônia já se moveu até Humaitá,
no sudoeste do Amazonas, primeira cidade alcançada pela
pavimentação da BR- 319. Em torno da cidade, uma larga
mancha de devastação assinala a abertura da floresta e o
avanço da agropecuária.

O Planejamento Regional e Desenvolvimento Sustentável

As políticas territoriais amazônicas implementadas de- Um Zoneamento Econômico e Ecológico


pois da criação da Sudam nortearam-se pela meta geopolítica
de “conquista” do Grande Norte. O planejamento regional A noção de desenvolvimento sustentável deveria orien-
elaborado nesse contexto fundamentou-se num conceito tar o conjunto das políticas territoriais levadas a cabo pelo
distorcido de desenvolvimento, que estimula a acumulação estado brasileiro. Essa perspectiva redefine o sentido do
de capital por grandes empresas e o uso predatório dos recur- planejamento regional, priorizando o desenvolvimento so-
sos naturais. Os largos e extensos corredores de devastação cial e a valorização dos ecossistemas naturais. A geração de
ambiental e as vastas manchas de desflorestamento, assim empregos e a exploração sustentável dos recursos naturais
como a poluição de rios e igarapés pelos subprodutos do seriam as novas metas a serem perseguidas.
garimpo, são resultado das opções de planejamento adota- O planejamento regional da Sudam, subordinado à sua
das nesse período. finalidade geopolítica, baseou-se em estudos de pequena
Essas políticas também dissociaram a noção de desen- escala, inadequados para a definição das realidades sociais e
volvimento de seu conteúdo social. A abertura de rodovias vocações ecológicas de áreas de médias e pequenas dimen-
de integração e a implantação de grandes projetos geraram sões. Mas um planejamento regional comprometido com o
intensos fluxos migratórios para a Amazônia, além de êxo- desenvolvimento sustentável não pode abrir mão do reco-
Geografia do Brasil

do rural, esvaziamento demográfico de várzeas e igarapés nhecimento dessas áreas e suas peculiaridades. Atualmente,
e urbanização desordenada. A pecuária extensiva e a extra- as imagens de satélite e as técnicas de cartografia computa-
ção madeireira funcionaram como alavancas de um violento dorizada fornecem os meios para a elaboração de estudos em
processo de concentração fundiária que constitui a principal média e grande escala, de modo a produzir um zoneamento
raiz da pobreza regional. econômico e ecológico do imenso espaço amazônico.
A exclusão social materializa-se no inchaço das periferias A “conquista” da Amazônia deixou como herança um mo-
urbanas, nos povoados miseráveis nascidos junto a empre- saico complexo no qual vastas áreas de paisagens naturais
endimentos minerais e florestais e no surgimento de popu- quase intactas intercalam-se com zonas de garimpo, enclaves
lações itinerantes, que funcionam como reservas de mão nos quais se situam os grandes projetos e os corredores de

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devastação. Um zoneamento econômico e ecológico destina- em diversas áreas amazônicas e aponta um caminho para a
-se a elucidar a organização desse mosaico, criando bases reforma agrária na região.
para a seleção de políticas específicas para cada área. O incentivo ao extrativismo tem sentido social e ambien-
Um passo inicial consistiria em distinguir e cartografar, tal, mas também pode proporcionar vantagens econômicas.
nas escalas adequadas, os espaços de preservação (reservas Os produtos naturais da floresta encontram novas e sofis-
indígenas e unidades de proteção ambiental) dos espaços ticadas aplicações nas indústrias farmacêutica e de alimen-
disponíveis para a valorização econômica. Um segundo passo tos. Além disso, as universidades e institutos científicos da
consistiria no planejamento das modalidades de uso do solo, Amazônia pesquisam técnicas adequadas para o cultivo de
das instalações de infraestrutura viária e energética e do espécies como a seringueira e a castanheira. Esses projetos
desenvolvimento urbano dos espaços disponíveis. experimentais sugerem caminhos para a elaboração de mo-
Entretanto, o Plano Amazônia Sustentável, proposto pelo delos agrícolas a serem implantados em áreas degradadas
governo Lula em maio de 2004, ainda se baseava em metas dos corredores de ocupação.
genéricas, estabelecidas em estudos de pequena escala. Em A agricultura e a pecuária também podem rimar com
síntese, esse plano propõe a divisão da Amazônia em três a sustentabilidade ambiental. A produção da pimenta-do-
macrorregiões: Amazônia Ocidental, Amazônia Central e -reino, na Zona Bragantina do Pará, revitalizou-se nas últimas
Arco de Povoamento Adensado, e estabelece diretrizes de décadas, após a substituição do sistema de monocultura pelo
planejamento para cada uma delas.
cultivo intercalado com fruteiras, cereais e mandioca. A juta,
Na Amazônia Ocidental, mais preservada, as priorida-
introduzida nas áreas de Parintins, no Amazonas, e Santarém,
des seriam o manejo de produtos florestais e pesqueiros, a
no Pará, adaptou-se aos solos das várzeas alagadas do vale
ampliação da rede de transporte e comunicações e o ecotu-
rismo. Na Amazônia Central, considerada mais vulnerável, o amazônico. O guaraná, o urucu, a malva e diversas frutas
plano refere-se à regularização das Unidades de Conserva- nativas, que eram produtos exclusivamente de coleta, pas-
ção e das terras indígenas, além do estímulo à exportação de saram a ser cultivados com sucesso.
produtos da agricultura familiar. Por fim, no Arco de Povoa- A criação de búfalos no arquipélago de Marajó contrasta
mento Adensado (que corresponde à região conhecida como com a pecuária bovina extensiva implantada de forma preda-
“arco da devastação”), o projeto menciona como prioritárias tória no sul do Pará. A pecuária bubalina — que produz carne,
a contenção da expansão da soja pela floresta, a melhoria leite e queijo — adaptou-se aos campos alagados marajoaras
dos serviços públicos urbanos e a modernização do setor e, mais tarde, expandiu-se para as pastagens naturais das
madeireiro. Pelo menos por enquanto, trata-se apenas de várzeas de inundação do Rio Amazonas, no Pará.
uma carta de intenções, com poucas chances de combater Mais recentemente, o início da exploração das grandes
o quadro de degradação ambiental e exclusão social que jazidas de gás natural e petróleo de Urucu, no interflúvio dos
continua a marcar o conjunto da região. rios Juruá e Purus, mostrou que mesmo o aproveitamento
em grande escala de recursos do subsolo não precisa repetir
Produzindo na Floresta os modelos do passado recente
A exploração comercial da Província Petrolífera de Urucu,
A despeito dos desacertos das políticas governamentais, maior reserva provada terrestre de óleo equivalente (petró-
há diversos exemplos de atividades extrativas e agropecuá- leo e gás natural) do País, começou em 1988. Nos locais de
rias sustentáveis no ecossistema amazônico, que poderiam implantação das infraestruturas operacionais, a Petrobrás
orientar novas estratégias de planejamento. não ergueu uma cidade nova, preferindo criar instalações
A coleta florestal, ao lado da pesca, é a mais antiga base provisórias em Carauari e uma base permanente em Tefé.
da economia regional, fornecendo trabalho e renda para a Assim, conseguiu-se impedir a reprodução dos processos de
população. Na Amazônia Ocidental, nos estados do Amazo- devastação e urbanização descontrolada que caracterizam a
nas, do Acre e de Rondônia, a extração da borracha nativa área de influência de Carajás. Os poços, em clareiras isoladas,
continuou a ser um dos fundamentos da subsistência das foram construídos de maneira a causar o menor impacto
populações ribeirinhas. Outros produtos da floresta, cole- possível na floresta.
tados tradicionalmente, são a castanha-do-pará, a malva, o Atualmente, o maior problema está no transporte do gás
urucu, o guaraná, o cacau e várias frutas silvestres como o natural: a opção inicial pelo transporte fluvial em pequenas
açaí, o cupuaçu, a pupunha e o bacuri. A economia extrativa
balsas especiais, pelos rios Tefé e Solimões, até a refinaria
assegurou a conservação dos ecossistemas e da sua biodi-
de Manaus (Reman), se revelou incapaz de atender as ne-
versidade em áreas povoadas há muitas gerações.
cessidades de escoamento da produção crescente. Por isso,
A “conquista” recente da Amazônia e o desflorestamento
dos corredores de ocupação removeram, em diversas áreas, já está em operação um gasoduto ligando Urucu a Coari, e
os fundamentos naturais da economia extrativa. O chamado a Petrobrás planeja a implantação de outros dois, apesar do
Polígono dos Castanhais, nas proximidades de Marabá, foi alerta dos ambientalistas. De fato, não será uma tarefa fácil
parcialmente devastado pelos projetos madeireiros e agro- rimar exploração com preservação na Amazônia.
pecuários que se instalaram na área de influência de Cara- Segundo a Petrobras, o custo de extração de petróleo e
jás. A produção da castanha-do-pará entrou em declínio e a gás natural de Urucu está entre os menores no país, apesar
castanheira foi colocada no rol das espécies sob ameaça de dos desafios de logística e operação em plena selva. A locali-
Geografia do Brasil

extinção. Vastas áreas de florestas com seringueiras foram zação exigiu da estatal cuidados adicionais na implantação do
devastadas em Rondônia e no Acre. No baixo vale e na foz projeto, que incluíram o reflorestamento das áreas abertas
dos rios Amazonas e Tocantins, a derrubada das palmeiras e o maior reaproveitamento possível do que é retirado da
para a retirada do palmito ameaça a coleta do açaí. natureza.
Na década de 1980, sob a liderança de Chico Mendes, Os troncos das árvores derrubadas nas áreas em que es-
os seringueiros do Acre resistiram ao avanço das empresas tão os poços, por exemplo, são transformados em bancos e os
madeireiras e das fazendas sobre os seringais nativos e con- restos de comida, em adubo. A energia para o funcionamento
seguiram que um decreto criasse reservas extrativistas comu- do complexo é produzida em uma termelétrica movida a
nitárias. O modelo acreano inspira propostas semelhantes gás natural, com capacidade de geração de 20 Megawatts.

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Estruturação e Funcionamento do Agronegócio no O valor das importações de trigo é mais ou menos equi-
Brasil valente ao das exportações de fumo. A produção de trigo foi
amplamente subsidiada pelo governo brasileiro na década de
Desde a década de 1930, a participação da agropecuária 1980, como forma de diminuir as importações do produto e
no PIB nacional vinha decrescendo quase constantemente. desonerar a balança comercial. Devido a essa política, o país
No pós-guerra, os saltos industriais registrados no governo produziu 6,1 milhões de toneladas de trigo na safra 1987/88,
Juscelino Kubistchek (1956-1961) e nos anos do chamado chegando perto da autossuficiência. A partir daí, a retirada
“milagre brasileiro” (1968-1973) transformaram definitiva- dos incentivos que protegiam o trigo nacional abriu o mer-
mente a economia do País, consagrando a supremacia do cado brasileiro para o trigo da Argentina, que tem menor
setor urbano-industrial. No início da década de 1950, o setor custo de produção. Além de contar com a elevada fertilidade
agropecuário contribuía com aproximadamente um quarto natural dos pampas, os produtores argentinos incorporam
do PIB brasileiro; em 2003, a participação do setor represen- as mais modernas tecnologias de cultivo e de armazenagem,
tava cerca de 10% do total, hoje o setor já responde por 23%. o que lhes garante elevada produtividade. A Secretaria de
O processo de modernização subordinou a agropecuária Agricultura do Paraná estima que a desmontagem da cadeia
às necessidades do capital urbano-industrial, definindo no- produtiva do trigo tenha sido responsável pela perda de 280
vas funções para a economia rural no interior da economia mil empregos diretos e indiretos no estado.
brasileira. Os velhos complexos rurais que caracterizavam o Nos últimos anos, a produção de trigo experimentou no-
modelo agro-exportador foram substituídos pelos complexos tável recuperação. Mas, agora em 2017, a produção nacional
agroindustriais, fortemente integrados com o setor industrial de trigo somou 4,2 milhões de toneladas em 2017, 37,9% a
e financeiro. menos que em 2016 é o mais baixo resultado em 10 anos.
Nesse processo, houve uma crescente mecanização das A queda na produção foi explicada por fatores climáticos.
atividades agrícolas, especialmente no Centro-Sul do País. O Brasil também importa milho da Argentina, embora
Em consequência disso, ocorreu intenso êxodo de trabalha- em quantidade decrescente. Nesse caso, a produção dos
dores, expulsos da agropecuária e forçados a procurar ocu- estados da Região Sul tem sido insuficiente para atender à
pação na indústria e nos serviços. Desse modo, a economia forte demanda imposta pela avicultura: o milho argentino
rural comportou-se como fonte de força de trabalho para a integra o cardápio dos frangos brasileiros. Uma parcela da
economia urbana. Em 1950, aproximadamente 70% da po- produção das granjas nacionais, por sua vez, é vendida nos
pulação economicamente ativa estava empregada no setor mercados externos — Arábia Saudita, Hong Kong, Japão e a
agropecuário. No ano 2000, a agropecuária empregava cerca própria Argentina são os principais compradores. Tudo fun-
de 23% da população ativa nacional. ciona como nas cadeias produtivas industriais, que buscam
A economia rural transformou-se em fornecedora de aumentar os lucros internacionalizando a produção e procu-
matérias-primas para as indústrias e para o abastecimento rando “peças” e “componentes” onde eles são mais baratos.
dos mercados urbanos. Para realizar essa função, os com- Aliás, o milho argentino foi o primeiro alimento transgênico
plexos agroindustriais organizam-se em torno de cadeias a entrar legalmente no país, em parte devido à pressão dos
produtivas que envolvem, além do plantio e da colheita, o produtores de frango.
beneficiamento e a distribuição do produto. Muitas vezes, Os complexos agroindustriais movimentam o agronegó-
o cultivo e a transformação industrial são realizados em um cio, ou seja, as atividades empresariais baseadas em produ-
mesmo estabelecimento, dissolvendo as fronteiras entre o tos agropecuários, que se estendem por todas as etapas das
setor agropecuário e o setor industrial — é o caso, por exem- cadeias produtivas. Eles recebem a maior parte dos créditos
plo, das usinas de álcool e de açúcar instaladas em grandes cedidos pelo sistema financeiro para o setor agropecuário.
propriedades canavieiras, que processam também a maté- Para eles também estão voltadas a maioria das pesquisas em
ria-prima produzida nas fazendas vizinhas. No Brasil, a alta novas tecnologias de produção, desde sementes melhoradas
lucratividade dos complexos agroindustriais atraiu grandes
por seleção dirigida ou geneticamente manipuladas até so-
capitais para culturas como as da laranja (indústria de cítri-
fisticados programas de manejo dos solos e monitoramento
cos), da soja (indústria de óleos vegetais) e da cana-de-açúcar.
climático.
A economia rural tornou-se também consumidora de
Grande parte dessas pesquisas são desenvolvidas pela
mercadorias e de serviços do setor urbano-industrial. À medi-
Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), criada em
da que se voltava para as necessidades da economia urbana,
a agricultura modernizava a sua base técnica, utilizando cada 1973, e pelas secretarias de abastecimento dos principais
vez mais tratores, arados mecânicos, colhedeiras e semeadei- estados agrícolas do País. Devido a elas, mesmo cultivos tra-
ras, adubos, fertilizantes e pesticidas. Com isso, ela acabou dicionais no país, tais como o feijão, têm ganhado enorme
incorporando as indústrias de máquinas e equipamentos produtividade e passaram a integrar o agronegócio.
agrícolas e as indústrias químicas nas cadeias produtivas que Em contraste com a agricultura empresarial moderna, po-
estruturam os complexos agroindustriais. Além de máquinas rém, a imensa maioria dos estabelecimentos rurais brasileiros
e insumos, os complexos agroindustriais consomem serviços continua a operar com baixos níveis de produtividade, sem
especializados. Os produtores rurais modernos contratam acesso a novas tecnologias ou a créditos. Em 2006, quando
empresas contábeis e jurídicas, utilizam serviços de agro- foi publicado o último censo agropecuário, quase 90% dos
nomia, veterinária e meteorologia, financiam-se e investem estabelecimentos rurais brasileiros não tinham sequer um
por meio de instituições bancárias. trator. Muitos deles são de tal forma precários que o IBGE
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O setor agropecuário mantém a sua função histórica de encontra dificuldades em classificá-los nessa categoria, pois
produtor de bens de exportação. Os produtos da agricultu- seus responsáveis abandonam as terras no período da entres-
ra representam cerca de 42% das exportações nacionais e safra e vão em busca de emprego nas áreas de agricultura
ocupam posição estratégica na inserção do País na economia moderna.
globalizada. Sem condições de competir com o agronegócio e seu
No contexto da abertura da economia brasileira e do arsenal tecnológico, a agricultura tradicional brasileira vive
Mercosul, crescem também as importações brasileiras de um longo período de decadência. O censo agropecuário de
produtos agrícolas. O trigo e, muito atrás dele, o arroz re- 1996 registra o desaparecimento, entre 1985 e 1996, de
presentam as principais importações agrícolas. aproximadamente 942 mil estabelecimentos, dos quais 906

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mil com área inferior a 100 hectares. Para a grande maioria Em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio
dos agricultores tradicionais que resistem no campo, a mo- Grande do Sul encontra-se um complexo econômico agro-
dernização é, sobretudo, sinônimo de exclusão. pecuário moderno, vinculado às necessidades industriais e
altamente dependente de fluxos financeiros. Mato Grosso
Empresas Rurais e Agricultores Familiares do Sul, Mato Grosso e Goiás funcionam com espaços de ex-
pansão da agropecuária moderna, cujo desenvolvimento é
O setor agropecuário, como vimos, representa cerca de reflexo do transbordamento da economia rural dos estados
23% do PIB brasileiro. Entretanto, o conjunto das cadeias do Sul e de São Paulo.
produtivas dinamizadas pelos complexos agroindustriais, que Ainda que as práticas agrícolas tradicionais predominem
começa nas fábricas de insumos — tais como máquinas e na Região Nordeste, lá também existem áreas de intensa mo-
fertilizantes agrícolas — e termina nas grandes redes de dis- dernização. Nos cerrados do oeste baiano, onde a introdução
tribuição e nos portos exportadores, movimenta cerca de da soja mudou a economia e as paisagens, desenvolvem-se
38% do PIB brasileiro e oferece 37% do total de empregos. atividades como a avicultura e a suinocultura, enquanto no
O agronegócio é muito maior do que a agropecuária, ainda vale do Rio São Francisco crescem os polos de fruticultura
que seja por ela alimentado. irrigada, comandados por Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). A
O produtores rurais que participam dessas cadeias pro- soja também começa a mudar as paisagens dos cerrados do
dutivas podem ser enquadrados em duas grandes categorias. sul do Maranhão e do Piauí, que são áreas de predomínio da
Na primeira, estão os grandes empresários rurais, proprietá- pecuária extensiva tradicional.
rios da terra e dos meios de produção (tratores, semeadeiras As terras das regiões interiores, distantes dos centros ur-
e colheitadeiras mecânicos), que dispõem de acesso direto banos e industriais e, portanto, dos mercados consumidores,
aos “pacotes tecnológicos” elaborados pelas empresas de têm preços muito menores. Esse é o domínio da pecuária
pesquisa e aos créditos fornecidos pelo sistema financeiro. tradicional, extensiva, baseada no uso de pastagens naturais
É o caso, por exemplo, dos grandes plantadores de soja do de campos, cerrados ou caatingas e numa baixa densidade de
norte do Paraná ou do Mato Grosso do Sul, de muitas das animais. Nos vales dos rios e junto às estradas aparecem zo-
fazendas de criação de gado do oeste do estado de São Pau- nas de lavouras camponesas em pequenos estabelecimentos.
A expressão MATOPIBA resulta de um acrônimo criado
lo e dos cafeicultores dos cerrados mineiros. Suas fazendas
com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e
são administradas segundo uma lógica empresarial e utilizam
Bahia. Essa expressão designa uma realidade geográfica que
principalmente mão de obra assalariada.
recobre parcialmente os quatro estados mencionados, ca-
Na segunda categoria, figuram os agricultores familiares,
racterizada pela expansão de uma fronteira agrícola baseada
pequenos e médios proprietários que contam fundamental-
em tecnologias modernas de alta produtividade.
mente com a mão de obra de suas famílias. Os agricultores
familiares se integram ao agronegócio das mais variadas
formas. Em muitos casos, toda a sua produção é vendida
A Agropecuária na Região Sudeste
para grandes empresas processadoras, que impõem rigoro-
Esses estados sediam alguns dos polos agropecuários
sas normas técnicas para os seus fornecedores. A Citrosuco,
mais dinâmicos do País. A economia rural do estado de São
empresa líder na produção e exportação do suco de laranja
Paulo, bastante diversificada, ilustra a capitalização das ati-
brasileiro, por exemplo, é abastecida pelos pomares de apro-
vidades agropecuárias na região mais desenvolvida do País.
ximadamente 5 mil citricultores paulistas, submetidos ao
Em 2006, a cana-de-açúcar foi responsável por 34% do valor
controle de qualidade da empresa e aos preços de compra da produção agropecuária paulista, a carne bovina por mais
por ela estipulados. de 16% e a laranja por 15%. Essas três atividades formam o
Por vezes, são as grandes cooperativas agrícolas que se núcleo do agronegócio em São Paulo.
associam às empresas de transformação agroindustrial. Nes- A Bacia do Paraná concentra as atividades agropecuá-
se caso, elas se responsabilizam pela venda de insumos, pela rias modernas, caracterizadas por elevada mecanização e
assistência técnica e pela comercialização, e transformam estreita ligação com as necessidades da indústria. O Vale do
os agricultores familiares “cooperados” em fornecedores Paraíba, localizado entre os grandes mercados consumidores
cativos. da capital paulista e da capital fluminense, abriga a principal
Quando os agricultores familiares conseguem acesso di- bacia leiteira. Em contraste, o Vale do Ribeira, no sudeste do
reto ao crédito rural, podem modernizar suas propriedades estado, apresenta-se como área relativamente estagnada de
sem estabelecer contratos com a agroindústria ou com as produção camponesa.
grandes cooperativas. Entretanto, quase sempre utilizam a Na Bacia do Paraná, a policultura comercial convive com
maior parte de seus rendimentos para saldar as dívidas no um complexo zoneamento agropecuário, que define municí-
mercado financeiro, sob pena de serem obrigados a vender pios especializados em atividades agroindustriais.
suas terras para os grandes empresários do campo. A cana-de-açúcar, cultivada em grandes propriedades
A produção agropecuária é fortemente concentrada no monocultoras, é dominante nas regiões agrícolas de Ribeirão
Brasil: apenas nove estados, liderados por São Paulo, são Preto, Jaú e Piracicaba. Nas lavouras canavieiras, as etapas de
responsáveis por cerca de 85% do valor da produção das plantio e trato são realizadas com o emprego de modernos
lavouras agrícolas. Esses estados, com a solitária exceção da meios de produção, tais como semeadeiras, arados mecâ-
Bahia, localizam-se nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. nicos e tratores.
Geografia do Brasil

Em parte, essa concentração pode ser explicada pelo pre- Guariba, que no passado ficou conhecida como a “capital
ço da terra. Nas áreas mais urbanizadas e industrializadas, o dos cortadores de cana”, por fornecer força braçal às usinas
preço da terra agrícola é mais elevado, pois a proximidade da região de Ribeirão Preto, maior produtora de açúcar e
dos mercados consumidores aumenta a concorrência pelo álcool do País, sofre de forma aguda os efeitos dessa mu-
uso da terra. O alto preço da terra, por sua vez, condiciona o dança. Mas, com a proibição gradativa da queima da cana,
desenvolvimento da produtividade das atividades agropecu- as colheitadeiras modernas, que fazem o trabalho de até
árias: para ser compensador, o investimento na aquisição de 100 trabalhadores braçais, tomaram conta das plantações.
terras exige lucros elevados. É por isso que a modernização Só uma usina do município, chegou a ter 7 mil cortadores.
agrícola se realiza, em primeiro lugar, no Centro-Sul do País. Hoje, é tudo colheita mecânica.

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O processo de migração se inverteu. Diariamente, saem Até 1975, toda a produção brasileira era realizada com
cerca de dez ônibus da cidade com ex-cortadores que agora cultivares e técnicas importadas dos Estados Unidos, adap-
trabalham na indústria, comércio e serviços de Araraquara tadas aos climas temperados. Assim, a produção de soja
e Ribeirão Preto. se concentrava nos estados do Sul do País, em especial no
A chegada da mecanização mudou o perfil dos canaviais Paraná. A primeira cultivar de soja genuinamente brasileira
e trouxe para a região de Guariba empregos novos e mais e adaptada às condições tropicais foi desenvolvida pela Em-
bem remunerados que o de cortador de cana, embora em brapa e disponibilizada para os agricultores em meados da
número menor. década de 1970. Na mesma época, a empresa desenvolveu
A laranja, por sua vez, predomina em Araraquara, Matão, um produto à base de calcário, capaz de alterar a acidez
Taquaritinga, São José do Rio Preto e Bebedouro. Nessas áreas, dos solos dos cerrados, tornando-os muito mais produtivos.
predominam os pequenos e médios proprietários, que forne- As novas tecnologias de cultivo, aliadas ao baixo preço
cem matérias-primas para as indústrias processadoras. Assim,
da terra no Brasil central e às linhas de crédito especiais,
o dinamismo dos centros urbanos é fortemente afetado pelos
atraíram centenas de grandes e pequenos empresários rurais
preços da laranja no mercado internacional, que determinam
do Centro-Sul para a nova fronteira agrícola. Fazendas de soja
os lucros e a capacidade de consumo dos produtores.
No extremo oeste, nas zonas de Araçatuba, Andradina, “brotaram” da noite para o dia no Centro-Oeste. No estado
Fernandópolis e Barretos, desenvolve- se a pecuária mo- do Mato Grosso, a expansão acelerada da soja começou em
dernizada de corte, que utiliza técnicas de zootecnia para o meados da década de 1980. Há alguns anos, o Mato Grosso
aprimoramento de espécies. Trata-se da atividade que mais assumiu a liderança na área plantada do produto, com mais
cresceu desde o censo agropecuário de 1985. de 3,8 milhões de hectares, contra aproximadamente 3,3
Minas Gerais exibe agropecuária diversificada e inúmeras milhões do Paraná e do Rio Grande do Sul. Em conjunto, o
especializações regionais. No conjunto do estado, a agricultu- Centro-Oeste já responde por quase 50% da produção na-
ra empresarial convive com a produção familiar tradicional. cional.
Do ponto de vista do agronegócio, o principal produto mi- Os complexos agroindustriais são agentes da moderniza-
neiro é o café, que domina o sul do estado e avança sobre as ção tecnológica da agropecuária brasileira. A modernização
áreas de cerrado. Além disso, Minas Gerais concentra quase percorreu quase todo o ciclo das tecnologias mecânicas e
30% da produção leiteira nacional. já começa a incorporar as tecnologias da informática e da
engenharia genética. Esse processo tem extensas e profundas
O Espaço Agrário do Brasil Meridional repercussões sobre as paisagens e o meio ambiente.
Todos os grandes domínios naturais do Brasil foram ou
A economia rural da Região Sul, diversificada e complexa, estão sendo duramente afetados pela expansão e intensi-
forma o arcabouço de um conglomerado de indústrias de ficação das atividades agrícolas. No passado, o avanço das
alimentos, de óleos vegetais, de fumo, de carnes e têxteis. O plantações cafeeiras sobre os “mares de morros” do Sudes-
norte do Paraná, ocupado a partir da década de 1930 com a te deixou atrás de si um rastro de destruição, sob a forma
chegada do café e a derrubada das matas tropicais, configu- de sulcos erosivos profundos entre as fileiras de cafezais. O
rou-se inicialmente como espaço de expansão da agricultura cultivo em curvas de nível, que oferece maior proteção aos
paulista. Contudo, desde a década de 1960, o avanço da soja solos, foi adotado muito tardiamente em algumas regiões.
e do milho produziu mudanças radicais em sua organização O manejo inadequado da terra ainda é uma marca carac-
agrária. A mecanização e o englobamento dos sítios pelas terística da agropecuária brasileira. As estimativas indicam
fazendas liberaram mão de obra e aquela área transformou-
taxas de perda de solo por erosão de 25 toneladas/ano por
-se em polo de expulsão de migrantes que se deslocaram
hectare, muito acima de terras férteis. Sob a ação das chu-
para as cidades ou para as fronteiras agrícolas amazônicas.
No outro extremo do Brasil meridional, a pecuária exten- vas, esse material erodido é carreado para os cursos d’água,
siva tradicional de bovinos e ovinos da Campanha Gaúcha assoreando rios e lagos.
experimenta uma longa decadência, agravada pela concor- Até meados do século XX, as atividades agropecuárias
rência da poderosa pecuária argentina. A chamada “Metade modificaram extensivamente as paisagens de florestas da
Sul” do Rio Grande do Sul apresenta um quadro de estagnação fachada atlântica brasileira. A “marcha para o oeste” e, mais
econômica e demográfica, tornando-se alvo de programas go- recentemente, a expansão da agricultura empresarial moder-
vernamentais de incentivo à diversificação de atividades rurais. na atingiram o ecossistema dos cerrados, no Brasil central. O
Nos suaves planaltos ondulados subtropicais dos três es- avanço da soja, em particular, cobra elevado preço ambiental,
tados a integração entre agricultura e indústria manifesta-se que se traduz na intensificação dos processos erosivos, no
nas culturas de insumos para a fabricação de óleos vegetais empobrecimento dos solos e na diminuição da diversidade
e rações (soja e milho), nas culturas de trigo do Rio Grande biológica. A derrubada das matas ciliares que acompanham
do Sul e do Paraná e nas culturas de fumo para a fabricação os rios do Centro-Oeste provoca assoreamento, contamina-
de cigarros. Na Serra Gaúcha encontra-se a principal região ção das águas por agrotóxicos e extinção de espécies animais.
vinícola do País, centralizada nos municípios de Caxias do Atualmente, esse processo histórico alcança uma nova
Sul, Bento Gonçalves e Garibaldi. fronteira ecológica: a soja e as pastagens avançam sobre
as terras florestadas do norte do Mato Grosso. O Parque
Você Sabia? Indígena do Xingu transformou-se em uma “ilha florestal”
Geografia do Brasil

O maior produto de exportação da agricultura brasileira em meio às paisagens agropecuárias.


é a soja, uma leguminosa domesticada pelos chineses há
mais de cinco mil anos. No Brasil, o grão foi introduzido pelos
imigrantes que se instalaram no Rio Grande do Sul no início A EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA E
do século XX, mas a expansão comercial do cultivo ocorreu PROBLEMAS DEMOGRÁFICOS NO CAMPO
apenas na década de 1960, devido ao interesse crescente
da indústria de óleos vegetais e ao aumento da demanda A terra é o meio de produção fundamental na economia
internacional pelo farelo de soja, usado principalmente na rural. A concentração da propriedade da terra é um dos tra-
alimentação dos rebanhos. ços marcantes da economia rural brasileira, cujas origens

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remotas encontram-se no modelo de colonização aplicado à O acelerado êxodo rural no Centro-Sul, entre as décadas
América portuguesa. Esse padrão concentrador serviu como de 1950 e 1980, foi uma das válvulas de escape para os ex-
base para a configuração da agricultura moderna brasileira, cedentes demográficos gerados pela modernização agrícola.
que exibe nítida dicotomia entre grandes estabelecimentos A outra válvula de escape foram as fronteiras agrícolas do
capitalistas e pequenos estabelecimentos familiares. A atual Centro-Oeste e da Amazônia.
estrutura fundiária do País reflete esse panorama. Os trabalhadores rurais expulsos pela modernização
Os pequenos estabelecimentos rurais (com menos de 100 constituíram fluxos migratórios para as regiões de fronteira,
hectares) perfazem quase 90% dos estabelecimentos, mas servidas por rodovias de integração. Nas fronteiras agríco-
representam menos de 20% da área agropecuária total. No las, os camponeses pobres instalam-se como posseiros em
extremo oposto, os grandes estabelecimentos rurais (com terras devolutas ou como pequenos proprietários em áreas
1.000 hectares ou mais) perfazem aproximadamente 1% do loteadas por companhias de terras. Nessas áreas novas, a
número total de estabelecimentos, mas algo em torno de estrutura fundiária exibe intensa fragmentação e a paisagem
45% da área agropecuária. predominante é a dos sítios e roças familiares. Assim, pela
A concentração fundiária tem sua origem no sistema das via da migração, ocorre a reprodução da pequena agricultura
sesmarias, do século XVI. Na época colonial, surgiram os dois familiar.
personagens básicos da economia rural do País: de um lado, Depois da instalação dos camponeses pobres, as frontei-
o latifundiário (sesmeiro), que detinha vasta extensão de ras agrícolas assistem à chegada dos grandes proprietários.
terras e geralmente empregava um numeroso contingente de Muitas vezes, o personagem que os precede é o grileiro que,
escravos para a produção de gêneros tropicais exportáveis; em conluio com cartórios, forja títulos de propriedade, e,
de outro, o posseiro, que ocupava as terras devolutas, mais contratando jagunços e pistoleiros, expulsa os lavradores que
afastadas do litoral, dedicando-se à produção de subsistência cultivam a terra na condição de posseiros. Nas regiões de
e também a culturas alimentares consumidas nos latifúndios. fronteira, conflitos entre índios, posseiros e grileiros marcam,
No século XIX, a introdução do trabalho livre na economia com um fio de sangue, as linhas onde serão erguidas as cercas
cafeeira assinalou um momento decisivo no ordenamento das propriedades rurais.
econômico e jurídico da agropecuária brasileira. A extinção Até 1985, a área agropecuária total cresceu incessante-
do sistema de sesmarias, em 1822, gerou uma expansão mente; a partir daí, pela primeira vez, registra-se declínio
descontrolada do apossamento de terras. Em 1850, a Lei de na área agropecuária total. Durante as quatro décadas de
Terras veio frear esse processo, determinando que a única modernização acelerada da agricultura, a estrutura fundiária
via para o acesso à terra seria a compra. A Lei de Terras oscilou ao sabor de ciclos de desconcentração e reconcen-
representou o seguro dos latifundiários diante da extinção
tração.
do tráfico negreiro. Ela serviu como arcabouço econômico e
Durante a década de 1960, completava-se a ocupação do
jurídico para a promoção da imigração europeia.
noroeste do Paraná e a fronteira agrícola expandia-se pelos
Durante a vigência do sistema de sesmarias, a terra era
atuais estados de Goiás e Mato Grosso do Sul. Sob o signo
um meio de produção, mas não uma mercadoria. A condição
da “marcha para o oeste”, deflagrada ainda nos tempos de
de proprietário rural só podia ser alcançada por meio da doa-
Getúlio Vargas, verificou-se significativa desconcentração
ção real. Na ausência de um mercado de terras, o patrimônio
fundiária, com o aumento da participação dos pequenos e
do latifundiário materializava-se no seu plantei de escravos,
médios estabelecimentos na área agrícola total.
nos direitos de exploração mineral ou na quantidade de pés
Ao longo de toda a década de 1970, desenvolveu-se um
de café, mas não na própria fazenda.
movimento inverso, de reconcentração fundiária. Entre 1970
A Lei de Terras foi o ponto de partida para o surgimento
de um mercado de compra e venda da propriedade fundiária. e 1980, a participação dos pequenos e médios estabeleci-
Desse modo, a terra adquiriu a condição de mercadoria e, mentos na área total experimentou significativa redução.
portanto, valor de troca. Tornou-se patrimônio do fazendeiro A constituição dos complexos agroindustriais sucroalcoolei-
e veículo para a imobilização e proteção do capital. ros, em São Paulo, e de soja, no Paraná, eliminou os sítios
A legislação fundiária que preparou a extinção do traba- e expulsou os camponeses familiares e trabalhadores per-
lho escravo excluiu os pobres e imigrantes do acesso legal manentes das fazendas. A concentração da propriedade da
à terra. Aos olhos da lei, a terra passava a ser uma merca- terra realizava-se, a passos largos, nas fronteiras agrícolas
doria como qualquer outra. Submetida ao funcionamento recentes do Centro-Oeste, onde se implantavam fazendas
do mercado capitalista, tornava- se um privilégio da elite empresariais de soja, cereais e criação de gado.
detentora do capital. Nesse ciclo, a fronteira agrícola transferiu-se para as fran-
No pós-guerra, a modernização da economia nacional jas amazônicas: Maranhão, Pará, Tocantins, Mato Grosso e
subordinou a agropecuária aos capitais industriais e finan- Rondônia. A ocupação da Amazônia oriental realizava-se
ceiros. Esse processo de subordinação materializou-se pela pela expropriação violenta dos posseiros e a implantação
transformação dos antigos complexos rurais em complexos de latifúndios pecuaristas e madeireiros. Apenas no norte
agroindustriais. Do ponto de vista geográfico, a transição de Mato Grosso e em Rondônia, sob o influxo dos migran-
realizou-se mais veloz e amplamente no Centro-Sul do País. tes que deixavam o Centro-Sul, a colonização baseou-se na
agricultura familiar.
Geografia do Brasil

A configuração dos complexos agroindustriais acarretou


a valorização da terra e o aprofundamento da concentração O padrão de expansão contínua da área agropecuária en-
fundiária. A incorporação dos sítios pelas fazendas e a cres- trou em esgotamento na década de 1980. Depois de um pe-
cente mecanização das atividades agrícolas provocaram a queno crescimento, na primeira metade da década de 1980,
expulsão de parcela significativa da força de trabalho rural. a agropecuária perdeu mais de 50 milhões de hectares, entre
Os camponeses pobres que perderam o acesso à terra e 1985 e 1996. No mesmo período, ocorreu retração da parcela
os colonos das fazendas transformaram-se em excedentes de terras controladas pelos grandes estabelecimentos, com
demográficos, que não encontram modos de sobreviver na aumento paralelo da participação dos médios e pequenos
economia rural modernizada. estabelecimentos.

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Por trás da redução da área agrícola total encontram-se a A população ativa empregada na agropecuária corres-
ampliação dos espaços urbanizados e a substituição de usos ponde a aproximadamente 24,6 milhões de trabalhadores.
agropecuários do solo por atividades rurais como o lazer e o A sua distribuição geográfica revela o impacto das diferenças
turismo. Ao mesmo tempo, essa redução sinaliza o “fecha- regionais na estrutura setorial da PEA. O Nordeste, com 28%
mento” da fronteira agrícola que funcionou como válvula da população nacional, concentra bem mais que o dobro
de escape para os excedentes demográficos não absorvidos da força de trabalho agrícola do Sudeste, que abriga quase
pela economia urbana. 43% da população do País. O Sul apresenta força de trabalho
A redução da área agrícola total foi acompanhada por agrícola um pouco menor que a do Sudeste, embora a sua
diminuição do número de estabelecimentos rurais. Dos 5,8 participação na população brasileira seja de apenas 15%.
milhões de estabelecimentos existentes em 1985, restavam, Na indústria de transformação, a estrutura ocupacional
em 1996, pouco menos de 4,9 milhões. A redução atingiu é dominada pelos empregados assalariados, que perfazem
principalmente os estabelecimentos rurais menores, o que mais de três quartos da força de trabalho. O quarto res-
evidencia a crise da pequena produção familiar. Em conse- tante é constituído, essencialmente, pelos que trabalham
quência disso, apesar da diminuição da parcela de terras “por conta própria” em pequenas oficinas. Essa estrutura
controlada pelos grandes estabelecimentos, a área média dos é produto da separação histórica entre produtores e meios
de produção e da consequente disseminação da relação de
estabelecimentos rurais aumentou de 64,6 ha para 72,8 ha.
trabalho assalariado.
O tamanho dos estabelecimentos rurais está nitidamente
Na agropecuária, a estrutura ocupacional é quase inver-
relacionado às suas formas de uso da terra. A proporção de
tida. Os produtores diretos e os membros não remunerados
terras utilizadas para lavouras permanentes ou temporárias
da família, que os auxiliam, representam algo em torno de
diminui dos pequenos para os grandes estabelecimentos. A 70% do pessoal ocupado. O restante é constituído, principal-
parte das terras utilizadas para pastagens naturais ou plan- mente, por empregados com diversos tipos de relações de
tadas é menor nos pequenos estabelecimentos e maior nos trabalho assalariado. Essa estrutura aparece, sob formas di-
estabelecimentos médios. A proporção de terras com matas ferenciadas, na maioria dos países e revela que a agricultura
aumenta dos pequenos para os grandes estabelecimentos. é um setor especial da economia capitalista, no qual a maior
Nos menores estabelecimentos, que são geralmente mi- parte dos produtores são detentores dos meios de produção.
nifúndios familiares, as escassas terras disponíveis tendem A agropecuária distingue-se dos setores econômicos ur-
a ser utilizadas para lavouras de subsistência. A pecuária banos sob um outro aspecto fundamental: ao contrário da
extensiva, não estabulada, é um traço característico da eco- indústria e dos serviços, ela depende de processos naturais
nomia rural brasileira. Do ponto de vista ecológico, essa é que impõem limites ao aumento da produtividade do tra-
uma opção adequada. Também é uma vantagem compara- balho. A produção agrícola envolve uma interação entre a
tiva da carne brasileira no mercado internacional. Mas parte carga genética dos seres vivos — plantas e animais — e o
significativa das vastas pastagens naturais em grandes esta- ambiente. As condições ambientais são definidas por fatores
belecimentos é constituída por terras subutilizadas, onde se naturais como a insolação, as precipitações e os solos, que
pratica pecuária ultra- extensiva. só podem ser parcialmente otimizados pelas tecnologias. Os
ecossistemas agrícolas abrangem pragas sobre as quais não
há controle absoluto.
Essa distinção fundamental manifesta-se economicamen-
te por um diferencial negativo de produtividade: em termos
gerais, a agropecuária não oferece retorno de capital tão ele-
vado quanto a indústria e os serviços. Por isso, os produtores
familiares — não os empregados das empresas capitalistas
— representam a maioria da força de trabalho agrícola e
controlam a maior parte das unidades de produção, embora
estejam submetidos às engrenagens gerais do agronegócio.
Do ponto de vista econômico, os produtores familiares
constituem uma camada social extremamente heterogênea.
O seu estrato superior é formado por verdadeiros empresá-
rios rurais, que comandam recursos produtivos significativos,
utilizam tecnologias sofisticadas e exibem elevada produtivi-
Muitos dos grandes estabelecimentos situam-se na Ama- dade. Esses produtores tocam estabelecimentos médios ou
zônia ou no domínio do Cerrado. Nesses estabelecimentos, as pequenos, geralmente próprios mas, às vezes, arrendados.
áreas com matas não se confundem com terras ociosas. Essa Contudo, independentemente da extensão física da unidade
classe de estabelecimentos também abrange a maior parte de produção, o seu negócio participa da cadeia produtiva do
das empresas de reflorestamento, voltadas para a produção agronegócio. Na época das safras e, às vezes, durante o pre-
de insumos para as indústrias de madeira e celulose. paro da terra e o plantio, contratam assalariados temporários
Geografia do Brasil

O conceito de “pessoal ocupado na agropecuária” não que complementam o trabalho familiar.


deve ser confundido com o de “população ativa residente no O estrato intermediário é formado por camponeses que
meio rural”. Há residentes do meio rural que trabalham nos não empregam trabalho assalariado e comandam pequenas
setores econômicos urbanos, assim como há trabalhadores unidades de produção. Esses produtores experimentaram
agrícolas que residem nas cidades. Além disso, a economia uma modernização tecnológica incompleta. Muitas vezes,
rural ultrapassa os limites da agropecuária, pois inclui ativi- conseguem adquirir pesticidas e fertilizantes mas a sua es-
dades — cada vez mais significativas — ligadas ao turismo cala de produção não lhes permite incorporar tratores ou
e ao lazer. arados mecânicos. Como consequência disso, há significativa

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elevação da produtividade da terra mas permanece baixa a trabalho necessário ao longo da maior parte do ano. Além
produtividade do trabalho. disso, sob os pontos de vista econômico e técnico, o maqui-
Os pequenos produtores dependem crucialmente do nário solicitou a ampliação das áreas de culturas comerciais
aporte de trabalho da unidade familiar. Enquanto os filhos e a supressão das faixas de roças de subsistência.
são crianças, funcionam como camponeses pobres e com- As consequências da modernização tecnológica foram
pletam a renda trabalhando como assalariados temporários. aceleradas pela extensão dos direitos trabalhistas para os
Quando os filhos chegam à juventude e ajudam nas ativida- trabalhadores do campo. O Estatuto do Trabalhador Rural
des agrícolas, a renda familiar cresce e ocorre alguma acu- (ETR), de 1962, equiparava os direitos de assalariados urba-
mulação. Quando os filhos se casam e constituem família, é nos e rurais, garantindo, aos empregados das fazendas, férias
frequente o retorno a níveis de renda muito baixos. e descanso semanal remunerado, 13° salário, indenização
As transformações econômicas geradas pelos complexos por dispensa e contribuição previdenciária. A reação dos
agroindustriais têm impactos decisivos entre os pequenos empregadores consistiu na dispensa em massa da mão de
produtores. Os camponeses familiares incapazes, por qual- obra residente nas propriedades, cujo custo tinha se elevado
quer motivo, de responder às exigências impostas pelos no- repentinamente.
vos padrões tecnológicos são conduzidos à ruína e acabam No lugar de famílias de trabalhadores residentes, os
por perder as suas terras. Essas fases de mudança na orga- proprietários passaram a utilizar predominantemente força
nização produtiva, porém, possibilitam a rápida acumulação de trabalho temporária. Contratados sazonalmente para as
por parte dos camponeses mais bem posicionados, que ad- colheitas e, em menor número, para o plantio, esses em-
quirem ou arrendam novas terras e tornam-se empresários pregados não geram tantos custos trabalhistas. Em muitos
rurais familiares. casos, burlando a legislação, nem sequer são registrados em
O estrato inferior do campesinato familiar é formado por carteira.
pequenos proprietários, rendeiros, parceiros e posseiros que Os assalariados permanentes representam, em geral, a
se dedicam essencialmente à subsistência. A exiguidade de força de trabalho semiqualificada das fazendas, como tra-
terras, o atraso técnico e a baixa produtividade são os traços toristas, motoristas, operadores de máquinas agrícolas e
característicos dessa agricultura miserável. Para completar a feitores. Já os assalariados temporários abrangem os tra-
renda familiar, adultos e crianças são obrigados a recorrer ao balhadores volantes e os empregados eventuais (pequenos
assalariamento temporário em fazendas da região, carvoarias sitiantes, rendeiros ou posseiros contratados por empreita-
e olarias ou ao subemprego urbano. da na época das colheitas). Crianças pequenas participam
Entre os camponeses pobres, há força de trabalho ociosa clandestinamente do exército de trabalhadores temporários,
permanente, pois a terra disponível, quase sempre inferior carregando a cana cortada pelos pais, descaroçando algodão
a 5 hectares, é incapaz de absorver a mão de obra familiar. ou encaixotando tomates.
O vasto desemprego oculto nesse estrato de trabalhadores A existência de um vasto mercado de trabalho temporário
rurais funciona como mola propulsora das migrações para na agricultura brasileira é fruto da modernização tecnológi-
as fronteiras agrícolas, as áreas de garimpo e as cidades. ca perversa, que gera, sem cessar, mão de obra excedente.
O mercado de força de trabalho sazonal apresenta intensa
Os Assalariados Rurais mobilidade espacial. Os pobres do campo deslocam-se con-
tinuamente para as zonas de oferta de empregos, configu-
Os empregados das unidades de produção rural perfazem rando fluxos migratórios temporários. Os volantes são, em
aproximadamente 4 milhões de trabalhadores. As catego- geral, trabalhadores rurais urbanizados, que se empregam
rias mais numerosas são os assalariados permanentes e os temporariamente nas fazendas mas residem nos cinturões
assalariados temporários. O mercado de trabalho rural tem periféricos das cidades pequenas e médias.
apresentado contínua e forte redução e isso tem aconteci- A oferta de emprego sazonal encontra-se em franco de-
do em todas as ocupações, resultado de forte concentração clínio no campo brasileiro, devido à difusão da mecanização.
da propriedade de terras, fruto da elevada capitalização do A incorporação de máquinas agrícolas nas diferentes fases do
meio rural nos últimos tempos, inclusive com a participa- cultivo avança rapidamente nas culturas de exportação, como
ção de grandes volumes de capital internacional. Há mais as de cereais, soja e café. Os antigos entraves técnicos para
ou menos quatro décadas, a maioria dos empregados das a mecanização da colheita da cana foram superados. Sob a
grandes fazendas era constituída por semi assalariados. No pressão da concorrência e da legislação ambiental que, em
Centro-Sul, especialmente nas fazendas de café, o colono inúmeros municípios, começa a proibir a queima dos cana-
recebia um salário em dinheiro para cuidar da plantação e viais, usineiros e fornecedores aceleram a transição para o
complementava o seu sustento com o cultivo de roças de corte mecanizado, o maior exemplo é São Paulo.
subsistência. Nos latifúndios canavieiros da Zona da Mata Ao longo da década de 1990, desapareceram um mi-
nordestina, o morador mantinha relação de trabalho seme- lhão de empregos assalariados temporários na agricultura.
lhante, dispondo de um pequeno terreno ao redor de sua A contração do trabalho sazonal tende a prosseguir, gerando
casa, no qual cultivava gêneros alimentícios. Em ambos os
Geografia do Brasil

desemprego aberto no campo e na cidade.


casos, o trabalho assalariado rural organizava-se sob a forma Quase metade da área rural brasileira pertence a 1% das
de unidades familiares de produção. Atualmente, os parcei- propriedades do País. Os estabelecimentos rurais a partir
ros empregados representam os últimos vestígios desse tipo de mil hectares (0,91%) concentram 45% de toda a área de
de relação de trabalho. produção agrícola, de gado e plantação florestal.
A modernização tecnológica, a partir da década de 1960, Por outro lado, estabelecimentos com menos de 10 hec-
desferiu o golpe fatal na força de trabalho familiar das fa- tares representam cerca de 47% do total das propriedades do
zendas. A mecanização das diversas fases do cultivo, com País, mas ocupam menos de 2,3% da área rural total. Esses
exceção da colheita, reduziu brutalmente a quantidade de pequenos produtores produzem mais de 70% dos alimentos

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que chegam à mesa do brasileiro, já que as grandes mono- A Reforma Agrária
culturas exportam a maior parte da produção.
Quanto maior a concentração de terra, maior a concen- O Império, por meio da Lei de Terras, definiu uma opção
tração de investimento, de maquinário, que vai se expandin- histórica pelo latifúndio que se desdobraria, ao longo do
do para diferentes setores. século XX, em políticas destinadas a promover a agropecu-
As grandes propriedades rurais com mais de mil hectares ária patronal. A primeira Constituição republicana, de 1891,
concentram 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos transferiu as terras públicas para o patrimônio dos estados.
menores estabelecimentos esse percentual varia entre 13% Por essa via, as oligarquias regionais, que controlavam os
e 23%. governos estaduais, conseguiram regularizar o vasto apos-
A concentração de terra também contribui para a incidên- samento de terras empreendido pelos grandes proprietários
cia de trabalho escravo. De 2003 a 2013, 82% das autuações desde 1850.
do Ministério do Trabalho e Emprego por trabalho análogo A República Velha representou, assim, uma verdadeira
ao de escravo ocorreram no oeste da Bahia, com grande linha de produção de títulos de propriedade de novos la-
concentração de terra. tifúndios. As revoltas de Canudos (1896- 1897), no sertão
O estudo agrupou os municípios de acordo com a rele- baiano, do Contestado (1912-1916), no oeste catarinense e
vância agropecuária: 1% com maior concentração de terras, paranaense, e o cangaço nordestino sinalizaram, sob formas
os 19% seguintes e os 80% restantes, com base no último diversas, a tensão gerada pelo entrechoque de massas de
Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e deserdados rurais com as muralhas do latifúndio.
Estatística (IBGE), de 2006, e o IBGE Cidades, de 2010. A existência de uma crise agrária foi reconhecida, pela
Outro dado curioso é que propriedades comandadas por primeira vez, após a Revolução de 1930. As novas prioridades
mulheres representam apenas cerca de 5% da área rural. do “varguismo”, como a integração territorial e o desenvolvi-
Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma mento da indústria e do mercado interno, formavam a mol-
Agrária (Incra) indicam que 729 pessoas físicas e jurídicas se dura para as políticas de colonização deflagradas desde 1933.
declaram proprietárias de imóveis rurais com dívidas à União A distribuição de lotes de terras no Brasil central funcionava
de mais de R$ 50 milhões cada, aproximadamente R$ 200 como instrumento da “marcha para o oeste” convocada pelo
bilhões. Esse grupo, segundo a pesquisa, tem propriedades Estado. Mas a colonização procurava redirecionar as popula-
de área suficiente para assentar quase 215 mil famílias, quase ções rurais excedentes para as fronteiras agrícolas, evitando
duas vezes o número de famílias que estão acampadas hoje o conflito direto com o latifúndio.
Uma abordagem diferente da crise agrária foi adotada
no Brasil esperando por reforma agrária.
pelo governo João Goulart (1961-1964). No Nordeste, a partir
A mesma realidade ocorre na América Latina, em que
dos cortadores de cana de Pernambuco, crescia, desde 1955,
1% concentra 51,19% de toda a superfície agrícola da região.
um movimento de trabalhadores rurais. Sob a liderança do
O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking da região do coe-
deputado Francisco Julião, organizaram-se as Ligas Campo-
ficiente de Gini - que mede a desigualdade na distribuição
nesas, que chegaram a reunir aproximadamente 250 mil in-
de terra, em que 0 corresponde à completa igualdade e 1
tegrantes. As Ligas, e a própria Sudene (JK), pressionavam por
corresponde à completa desigualdade. A nota brasileira é
desapropriações de parte das terras da Zona da Mata, para a
0,87. O Paraguai aparece com o pior índice de Gini (0,93),
distribuição de lotes destinados à policultura de alimentos.
seguido do Chile (0,91) e da Venezuela e Colômbia (0,88), Nesse contexto explosivo, sob a bandeira geral das cha-
onde 0,4% das propriedades concentram mais de 67% da madas “reformas de base”, o governo Goulart proclamou
terra produtiva. finalmente a necessidade de uma reforma agrária. O Estatuto
A modernização da agricultura e os assentamentos e de- do Trabalhador Rural só foi aprovado após amargos debates
marcações de terras indígenas não foram capazes de apla- parlamentares. A medida seguinte, sintetizada na mensagem
car os conflitos, que já mataram 2.262 pessoas entre 1964 presidencial ao Congresso de 15 de março de 1964, consistia
e 2010, de acordo com os últimos estudos. A violência no num projeto de lei para a desapropriação de terras improdu-
campo pela disputa da terra ocasionou 50 mortes em 2015 tivas. Mas, antes da votação da proposta da reforma agrária,
e 1.217 conflitos, segundo dados da Comissão Pastoral da o golpe militar de 1964 interrompeu a efervescência política
Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem das “reformas de base”.
Terra (MST). O Brasil está no topo da lista dos países onde Logo após o golpe militar, o marechal-presidente Cas-
mais ativistas ambientais e da terra foram mortos em 2015, telo Branco editou o Estatuto da Terra. A “reforma agrária”
segundo outra pesquisa. do regime militar não contemplava a alteração da estrutura
Os estados mais violentos são Rondônia e o Pará. No fundiária concentradora, mas a sua manutenção. O Estatuto
período, foram registrados momentos de pico, em especial na criava mecanismos legais para a desapropriação dos latifún-
década de 80, quando aumentaram as mobilizações sociais dios e dos imóveis improdutivos. Contudo, para além das
e as lutas por terra, década que também marcou a fundação palavras vazias, a sua meta efetiva consistia na retomada
do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). do caminho da colonização. A estratégia, associada ao pro-
Um novo pico foi registrado durante o primeiro governo Lula,
Geografia do Brasil

jeto geopolítico de integração da Amazônia, destinava-se a


de 2003 a 2006. Apenas em 2003 ocorreram 496 ocupações desafogar as áreas de conflitos rurais.
– em 2010 foram 180. Nos vinte anos de regime militar, os conflitos pela terra
De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e disseminaram-se por todo o território nacional, envolvendo
Reforma Agrária (Incra), mais de 1,3 milhão de famílias já uma enorme diversidade de situações sociais e uma violência
foram assentadas desde o início do Programa Nacional de crescente. Nas fronteiras agrícolas amazônicas concentrou-
Reforma Agrária (PNRA). O programa foi criado em 1996. Ao -se a maioria dos conflitos envolvendo posseiros e jagunços
todo, 977 mil famílias vivem atualmente em assentamentos contra grileiros. O Bico do Papagaio, os vales do Mearim e
e áreas reformadas. do Pindaré, no Maranhão, a Zona Bragantina, no nordeste

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paraense, o norte do Mato Grosso e Rondônia configuraram mílias receberam lotes de terras que perfazem área total
um lúgubre “arco de violência” que acompanhou os focos de mais de 25 milhões de hectares. Entretanto, registram,
principais de terras de posse submetidas a grilagem. igualmente, que 25% dos assentados abandonam seus lotes
no primeiro ano e 35% deles no segundo ano. O que não é
A Luta pela Terra de se estranhar: segundo dados de 2004 do Incra, 90% das
famílias assentadas não tinham abastecimento de água, 80%
A questão agrária assumiu novos contornos políticos com não possuíam energia elétrica e acesso a estradas e mais
o encerramento do regime militar. Em 1984, era fundado o da metade delas não recebia nenhuma assistência técnica.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que Diante desses números, os críticos da reforma agrária acusam
se originou a partir das ocupações de terras organizadas no o programa de ter resultado apenas na criação de “favelas
Brasil meridional nos anos anteriores. O seu advento refletia rurais”.
a resistência dos camponeses à expropriação provocada pela Na raiz da crise agrária encontra-se o desamparo da
intensa concentração fundiária regional ocorrida na década agricultura familiar, que sofre os efeitos da concorrência
de 1970. Mas, em poucos anos, o MST organizou-se na maior globalizada, da subordinação aos oligopólios industriais e
parte do País. agroindustriais e da sucção de recursos pelo sistema finan-
A violência no campo crescia sem cessar. Os assassinatos ceiro. A ruína em massa de pequenos produtores alimenta
do padre Josimo Morais, que defendia posseiros durante um a roda da concentração fundiária, do êxodo rural e do su-
ataque de jagunços no Bico do Papagaio, em 1986, e do líder bemprego rural e urbano.
dos seringueiros de Xapuri (AC), Chico Mendes, em 1988,
repercutiram internacionalmente e conferiram nova urgência Os Subsídios
ao debate da crise agrária. O governo José Sarney (1985-
1990), sob forte pressão social e política, tinha posto em As potências agrícolas globais — os Estados Unidos, a
marcha um Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), cuja União Europeia e, um degrau abaixo, o Canadá e a Austrália
meta consistia em assentar 1,5 milhão de famílias em 130 — subsidiam pesadamente os seus produtores. No Brasil, os
milhões de hectares de terras improdutivas ou subutilizadas. subsídios sempre foram muito menores e orientados princi-
Os mecanismos legais para a reforma agrária foram palmente para a agropecuária patronal. Na década de 1990, a
consolidados pela Constituição de 1988, que previa a de- abertura comercial da economia brasileira foi acompanhada
sapropriação por interesse social e o pagamento das terras por uma redução geral do nível de subsídios agrícolas. O
desapropriadas com títulos de dívida pública. Contudo, a crédito rural, maior fonte de financiamento da agropecuária,
forte oposição política dos proprietários rurais, expressa por experimentou brutal redução de recursos entre 1975 e 2002.
uma maioria de parlamentares dos partidos da coalizão de A concorrência externa e a redução de subsídios mani-
governo, frustrou as grandes ambições do plano de reforma festaram-se sob a forma de perda de renda dos produtores
agrária. Até meados da década de 1990, cerca de 150 mil rurais. Os valores recebidos pelos produtores rurais na última
famílias tinham sido assentadas em cerca de 7,5 milhões década perderam, de longe, a corrida contra a inflação. Em
de hectares. consequência disso, cresceram os índices de inadimplência
O fracasso da política oficial de assentamentos impulsio- dos beneficiados pelo crédito rural, principalmente entre os
nou um novo ciclo de conflitos no meio rural. Organizando pequenos produtores familiares.
acampamentos de trabalhadores sem-terra, ocupações de Os efeitos da combinação de maior concorrência e me-
fazendas e manifestações nas cidades, o MST alçou-se à li- nores subsídios repercutem sobre todos os produtores, po-
derança da luta pela reforma agrária. Em contrapartida, a rém são mais intensos entre os agricultores familiares. Os
violência contra os posseiros somou-se à repressão contra pequenos produtores são o elo fraco da cadeia dos comple-
os sem-terra, produzindo dezenas de mortes no campo, ano xos agroindustriais. Nos momentos de depressão de lucros,
após ano. as empresas fornecedoras de insumos e os processadores
A política de desapropriações de terras improdutivas ga- de alimentos, que adquirem a produção dos agricultores,
nhou impulso na segunda metade da década de 1990. Sob transferem aos produtores familiares os custos da crise. O
o pano de fundo do fortalecimento das lutas dos sem-terra, resultado é o endividamento bancário, a hipoteca de bens e,
entre 1995 e 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, eventualmente, a perda das terras. A dramática eliminação
foram obtidos perto de 18 milhões de hectares de terras para de centenas de milhares de pequenos estabelecimentos,
a reforma agrária e, segundo os dados oficiais, foram assen- desde meados da década de 1980, configura um processo
tadas mais de 400 mil famílias. Em 1999, o Instituto Nacional de erosão da agricultura familiar que reproduz, em escala
de Colonização e Reforma Agrária (Incra) iniciou um processo ampliada, o contingente de trabalhadores sem-terra. Na
contra detentores de imóveis rurais sob suspeita de grilagem. década de 1990, a população do meio rural reduziu-se em
Três anos depois, tinham sido identificados aproximadamen- cerca de 4 milhões de pessoas — quase o dobro do total de
te 60 milhões de hectares de terras — superfície equivalente assentados pela reforma agrária no período.
a mais de duas vezes a área do estado de São Paulo — com A crise da agricultura familiar reflete-se na tendência de
titulação irregular. Anunciou-se, então, o cancelamento dos longo prazo de perda da sua posição dominante na produção
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registros cadastrais desses imóveis. de alimentos básicos para o mercado interno. Há apenas duas
Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente com apoio de- décadas, a pequena propriedade abastecia o mercado urba-
clarado do MST, prometeu assentar 530 mil famílias até o no, enquanto a agricultura empresarial realizava a produção
final de 2006. Os novos assentamentos garantiriam terra para para exportação. A modernização tecnológica, sob pressão
quase 200 mil famílias acampadas às margens de rodovias, da concorrência globalizada, alterou esse panorama. Hoje,
em todo o país. as médias e grandes propriedades empresariais predominam
A crise agrária é, também, uma crise da reforma agrária. no abastecimento de arroz, óleo de soja, açúcar e carne. A
Duas décadas depois do PNRA do presidente José Sarney, pequena propriedade continua a predominar no abasteci-
as estatísticas registram que aproximadamente 600 mil fa- mento de feijão e leite.

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Mas a tendência de fundo é o desaparecimento da dis- de importações para o seu abastecimento. Isso fez com que
tinção por tamanho: a agricultura tecnificada, em grandes novos setores fossem surgindo e, a  medida que surgiam,
ou pequenos estabelecimentos, controla parcela cada vez contribuíam para a redução, em termos relativos, da contri-
maior do mercado interno de alimentos. A única alternativa buição do setor agrícola para a composição do PIB brasileiro.
da agricultura familiar é acompanhar a marcha da moderni- Vale ressaltar que a industrialização trouxe consigo mu-
zação, integrando-se ao agronegócio. danças estruturais na economia e seus reflexos na agricultura
Nos países desenvolvidos, o subsídio à agricultura familiar ficaram conhecidos como “modernização da agricultura. Com
é politicamente legitimado com base em argumentos sociais, o fortalecimento das indústrias de base agrícola, decorrente
culturais e ambientais. Os volumosos programas de subsídio desse processo, a agricultura deixou de ser um setor econô-
da Política Agrícola Comum (PAC), na União Europeia, des- mico distinto, passando rapidamente a se integrar à dinâmica
tinam- se a controlar o êxodo rural, assegurar o adequado da produção industrial, naquilo que ficou conhecido como
manejo da terra, conservar os recursos naturais e preser- agronegócio.
var as paisagens do campo. Esses programas conjugam-se Dessa forma, o Brasil passa a mudar gradativamente o
com financiamentos para o desenvolvimento regional, que perfil de sua atividade econômica, tanto que em 1959, já
estimulam a multiplicação de atividades rurais não agríco- caracterizado como agronegócio, o  setor respondeu por
las, como o turismo e o lazer. Desse modo, a redução da uma participação de 51,40% do PIB brasileiro, apresentando
força de trabalho agrícola provocada pelo desenvolvimento uma tendência de queda nos anos posteriores, embora com
tecnológico não se reverte em diminuição proporcional da sucessivos incrementos quando se trata de valores, como
população rural. pode ser observado na tabela abaixo.
A experiência europeia fornece indicações sobre o sen- Ocorreram diversas mudanças estruturais na orientação
tido e as metas da reforma agrária. Uma reforma baseada da economia brasileira. Inicialmente o processo de diver-
na noção tradicional da mera pulverização de terras e distri- sificação do parque industrial no Brasil, passou a contar
buição de pequenos lotes para camponeses pobres somente com indústrias de produção de bens duráveis, ou também
geraria, em pouco tempo, novos contingentes de miseráveis conhecida como a fase da industrialização pesada brasileira,
do campo. A reconcentração fundiária e o êxodo rural re- estimulada pelo Estado através dos chamados Planos de
presentariam o resultado final do empreendimento. Mas o Metas e, mais tarde, os Planos Nacionais de Desenvolvimen-
estímulo à agricultura familiar é uma política indispensável: to. Posteriormente esses investimentos foram canalizados
basta lembrar que mais de três quartos de toda a população
para a indústria de bens não duráveis e mais tarde, bens de
ativa engajada na agropecuária trabalha em estabelecimen-
consumo intermediários e de capital, tanto que em 1985,
tos familiares.
a participação relativa do agronegócio no PIB brasileiro já
A noção moderna de reforma agrária inscreve- se numa
respondia apenas por 34,97%. Na década de 90, com a aber-
política social e econômica mais ampla. O seu ponto de par-
tura comercial, os investimentos industriais se diversificaram
tida é a reversão da prioridade histórica conferida à grande
ainda mais, reduzindo com isso a participação relativa do
propriedade e à agricultura patronal. Seus desafios consistem
agronegócio no PIB para 28,91%.
em consolidar a agricultura familiar no universo das tecno-
logias contemporâneas e dos complexos agroindustriais. O Do ponto de vista da transformação do setor rural brasi-
emprego adequado da força de trabalho, a proteção do am- leiro em agronegócios, o advento da industrialização, passou
biente e dos recursos naturais e o desenvolvimento regional a situar economicamente a produção rural entre as indústrias
são as suas metas. produtoras de bens e insumos para a agropecuária (a mon-
tante) e as indústrias processadoras e de serviços de base
rural (a jusante). Apenas para se ter uma ideia da importância
ESTRUTURAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO teórica que essa divisão passará a representar no setor, em
AGRONEGÓCIO NO BRASIL 1970 a composição do PIB do agronegócio brasileiro, em
termos relativos, era composto por 7,30% da indústria a
A economia brasileira até meados do século XX, foi montante, 35,76% da produção rural propriamente dita e
caracterizada pela formação de ciclos de exploração de 56,94% pela indústria a jusante. Essa mesma análise quando
produtos agrícolas voltados para exportação, principalmente, feita para o ano de 1995 nos dá a seguinte relação: 9,66%
a cana‑de‑açúcar e o café, e no caso da Amazônia a borracha. pela indústria a montante, 33,91% pela produção rural e
Portanto, o setor agrícola sempre representou um importan- 56,43% pela indústria a jusante. Vale salientar, com base
te papel na consolidação do PIB brasileiro. em estatísticas dos países desenvolvidos, que o percentual
Contudo, alguns fatores históricos foram fundamentais
médio considerado satisfatório para a indústria a montante
para o crescimento do agronegócio brasileiro, entre eles
situa‑se por volta dos 17% de participação relativa no PIB do
destacam‑se o processo de industrialização da economia
agronegócio desses países.
brasileira, a transformação da produção rural em processos
Outro fator importante para se compreender o desen-
industrializados e a expansão da fronteira agrícola como
volvimento do agronegócio parte da noção dos conceitos
resultante dos dois fatores iniciais.
de apropriacionismo e substitucionismo, que podem, em
O processo de industrialização brasileira, que foi descrito
parte, explicar a natureza de alguns fenômenos decorrentes
Geografia do Brasil

como o desenvolvimento das forças produtivas – que repre-


senta progresso técnico, aumento de produtividade – sob a do agronegócio, sobretudo o crescente processo de seg-
dominação do capital não é somente desenvolvimento das mentação da produção rural, bem como as suas estruturas
forças produtivas; é também desenvolvimento das relações de mercado oligopolístas e oligopsônicas que o caracteriza.
sociais capitalistas. Em outras palavras, o reforço da domina- Admitindo‑se o processo de industrialização como o
ção do capital sobre o trabalho. Esse processo também ficou triunfo do capitalismo sobre a produção rural brasileira,
conhecido como “Modelo de Substituição de Importações”, o  apropriacionismo representa a forma sobre a qual o
pois priorizou os investimentos industriais em plantas cujo processo industrial se apropria, na forma de pacotes tecno-
o mercado interno já estava estabelecido e que dependia lógicos, da produção dos insumos necessários à produção

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rural, ou seja, o deslocamento de atividades que antes eram A produção projetada para 2025/26 é de 11,5 milhões
praticadas pelo próprio setor rural, como por exemplo o de toneladas, e um consumo de 11,8 milhões de toneladas.
processo de mecanização do preparo de áreas e colheitas, Projeta‑se um aumento pequeno da produção de arroz nos
a produção de mudas e sementes, a produção de adubos próximos 10 anos. Porém, a projeção de produtividade é ele-
químicos e defensivos, entre outras inovações baseadas na vada. O aumento projetado para a produção aparentemente
adoção do uso intensivo de tecnologia. Do mesmo modo, é baixo, mas ele acompanha a projeção do consumo nos
o  processo de substitucionismo consiste em transformar próximos 10 anos. A taxa anual projetada para o consumo
os produtos tradicionais oriundos da produção rural em de arroz é de 0,1% e da produção, 0,3%.
produtos diferenciados a partir da transformação industrial. Nos últimos 5 anos ocorreu tendência de redução do
A interação desses dois fenômenos tendem a espremer cada consumo de arroz no Brasil (CONAB, 2016). A relativa esta-
vez mais a produção rural, pressionando suas taxas de lucros bilização do consumo projetado, 11,8 milhões de toneladas
e redefinindo o papel desse setor, que passa a atuar apenas em 2025/26, é condizente com os dados de suprimento da
como um administrador do processo de ligação entre esses Conab nos últimos seis anos, entre 11,6 e 12,0 milhões de
dois efeitos. toneladas em 2015/16 (Conab, 2016). A OECD‑FAO (2015)
Nota‑se que esses fatores pressupõe o uso dos insumos projeta para o próximo decênio um consumo per capita de
mais caros existente na estrutura de custos das empresas arroz de 40,0 Kg.
modernas: a tecnologia e a informação, o que vai implicar As estimativas para a projeção de área plantada de arroz
nas estruturas de mercado onde há pouca concorrência mostram que deverá ocorrer redução de área nos próximos
entre os agentes, seja nas indústrias a montante, seja nas anos. Pelas projeções pode cair de 2,0 milhões de hectares
indústrias a jusante, logo contribuindo de forma decisiva na em 2015/16 para 1,0 milhão de hectares em 2025/26. Se-
determinação das estruturas de mercado no agronegócio. gundo técnicos da Conab consultados, a  redução de área
não é provável que ocorra. O mesmo é compartilhado por
Algodão em Pluma pesquisadores da Embrapa Arroz e Feijão. No Rio Grande do
Sul, que hoje está em pouco mais de 1,0 milhão de hectares
A produção de algodão concentra‑se especialmente nos deve permanecer esse número ou até mesmo diminuir por-
estados de Mato Grosso e Bahia, que respondem por 87,0% que o arroz vem sofrendo a concorrência da soja. Técnicos
da produção do país. Mato Grosso tem a liderança com 63,6% da CONAB acreditam que a área de arroz pode expandir‑se
da produção nacional, vindo a seguir o estado da Bahia com no Brasil, dependendo de incentivos de crédito e estímulos
23,4% da produção brasileira. de preços.
As projeções para o algodão em pluma indicam produção A produtividade deverá ser a principal variável no com-
de 1,5 milhão de toneladas em 2015/16 e de 2,1 milhões de portamento desse produto nos próximos anos. A projeção
toneladas em 2025/26. Essa expansão corresponde a uma indica uma produtividade de 11,0 toneladas por hectare em
taxa de crescimento de 3,1% ao ano durante o período da 2025/26, bem acima da atual, 5,5 toneladas/hectare. Como
projeção e a uma variação de 43,9% na produção. Alguns foi visto, o arroz se concentra em áreas do Rio Grande do Sul
analistas observaram que a produção e a produtividade onde a produtividade atual é de 7,2 toneladas por hectare
projetadas estão um tanto elevadas. Mas não há consenso (Conab, 2016).
dessas opiniões. As projeções da OECD‑FAO (2015) proje- O consumo de arroz nos próximos anos deve crescer a
tam para 2024 uma produção de algodão em pluma de 2,3 0,1% ao ano.
milhões de toneladas e uma taxa anual de crescimento de
4,6%. Os resultados são, portanto, muito parecidos com os Feijão
deste relatório.
O consumo desse produto no Brasil não deve crescer A distribuição geográfica dos principais produtores de
nos próximos dez anos. Segundo a OECD‑FAO (2015) isso feijão do país pode ser vista no mapa. O produto é relativa-
deve destacar a importância do mercado internacional para mente distribuído por vários estados, embora os principais
o crescimento do setor nos próximos anos. As exportações sejam Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia, Goiás e Ce-
têm previsão de forte expansão, 62,6% entre 2015/16 a ará que produzem atualmente 72,7% da produção nacional.
2025/2026. Essa variação corresponde a um crescimento Outros estados como, Ceará, Goiás, São Paulo e Santa Ca-
anual de 4,5%. Em 2024/25 o algodão do Brasil deve repre- tarina, produzem atualmente, 21,0% da produção nacional.
sentar cerca de 14,0% do comércio mundial desse produto, Somando este grupo com o anterior, tem‑se um total de
segundo estimativas deste relatório, e  também do USDA 93,6% da produção nacional representados por dez estados.
(2015) e OECD‑FAO (2015). Como o arroz, o feijão é parte da cesta básica dos bra-
sileiros. É  o produto que mais tem a produção ajustada
Arroz ao consumo, tendência que deve se manter nos próximos
anos. As importações são sempre para suprir uma pequena
Apesar de que o Arroz é uma cultura comum em quase diferença entre produção e consumo (Santiago, C. Embrapa,
todo o país, a maior parte da produção ocorre em 5 estados. 2013 e Conab, 2016).
Geografia do Brasil

Rio Grande do Sul, onde predomina o arroz irrigado, concen- Sua produção está relacionada ao arroz devido aos
tra 69,8% da produção nacional de 2015/16, Santa Catarina, hábitos alimentares em nosso país. O feijão tem uma taxa
9,4% da produção, Mato Grosso, 4,5%, Maranhão, 2,5% e de crescimento anual da produção prevista entre 0,0% e
Tocantins com 5,4% da produção nacional. 1,5%nos próximos 10 anos. Isso representa manter ao final
No Nordeste, especialmente no estado do Ceará o arroz do período das projeções, praticamente a mesma produção
é irrigado e se concentra em perímetros de irrigação. Uma atual, que é de 3,3 milhões de toneladas em 2015/16.
pequena quantidade também é produzida nos estados por Segundo técnicos da Embrapa Arroz e Feijão, a  cada
onde passa o Rio São Francisco, como BA, SE, AL e PE e essas ano aumentam as discussões sobre a produção voltada ex-
áreas também recebem irrigação. clusivamente para o mercado interno. Temos hoje algumas

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variedades de feijão que podem ser utilizadas para expor- expansão dessa atividade, pois as áreas de soja liberam a
tação. Se essa nova oportunidade se consolidar, a projeção maior parte das áreas requeridas pelo milho. O  aumento
de produção terá de ser ajustada para cima. de área projetado de 4,4% está bem abaixo do crescimento
A taxa anual de crescimento do consumo está projetada havido nos últimos 10 anos, que foi de 11,4%. Mas o milho
em 0,2% para a próxima década. O consumo médio anual tem teve nos últimos anos elevados ganhos de produtividade
sido de cerca de 3,3 milhões de toneladas, exigindo pequenas resultando em menor necessidade adicional de áreas.
quantidades de importação, que têm se situado por volta de O consumo interno de milho que em 2015/16 represen-
200 mil toneladas por ano. Se forem confirmadas as proje- ta 76,6% da produção deve reduzir‑se nos próximos anos
ções de produção, deve haver necessidade de importação para 74,5%. As exportações devem passar de 30,4 milhões
de feijão nos próximos anos. (Conab, 2016). de toneladas em 2016 para 46,3 milhões de toneladas em
As opiniões de técnicos da Conab e da Embrapa são 2025/26. Para manter o consumo interno projetado de 70,0
de que pode haver mudanças importantes no feijão nos milhões de toneladas e garantir um volume razoável de es-
próximos anos. toques finais e o nível de exportações projetado, a produção
A produtividade deve aumentar em relação aos níveis projetada deverá situar‑se em pelo menos 100,2 milhões de
atuais, pois produtores de soja e milho estão produzindo toneladas em 2025/26. Segundo técnicos que trabalham com
feijão para exportação destinada a China, Índia e alguns essa cultura a área deve aumentar mais do que está sendo
países da África. O  Nordeste, apesar de grande produtor projetado e talvez se aproximar mais do seu limite superior
desse produto tem importado feijão de outros estados em de crescimento que é de 22,0 milhões de hectares.
períodos de seca. Atualmente o Mato Grosso tem produzido
feijão para exportação. Trigo
Segundo técnicos da EMBRAPA, se a composição do
mercado de feijão se mantiver nos tipos comerciais atuais, A produção de trigo no país concentra‑se na região Sul,
os números das projeções são realistas. “No entanto, vem sendo o Paraná e Rio Grande do Sul os principais produtores.
sendo observada uma migração do feijão‑caupi das regiões O Paraná produziu na atual safra, 2015/16, 60,7% da produ-
Norte e Nordeste para o Centro‑Oeste, onde grandes áreas ção nacional e o Rio Grande do Sul, 26,5%. Esses dois estados
passaram a ser cultivadas com esse tipo de grão, que tam- respondem por 87,2% da produção nacional.
bém é exportável. Estas mudanças podem proporcionar A produção de trigo na safra 2015/16 está sendo esti-
crescimentos maiores da produção nos próximos anos. A sua mada pela Conab em 5,5 milhões de toneladas e pelo IBGE
concretização dependerá, basicamente, de o setor produtivo em 5,7 milhões.
nacional conseguir avançar na produção e superar os gargalos A produção projetada para 2025/26 é de 7,5 milhões
logísticos, considerando que os mercados estão distantes das de toneladas.
áreas produtoras, principalmente, do Mato Grosso. Da mes- Esse valor é pouco menor do que o projetado pela
ma forma, o consumo de feijão pode crescer nos próximos OECD‑FAO, de 7,8 milhões em 2024. O consumo interno está
anos, se houver a consolidação de uma tendência de que projetado em 10,9 milhões de toneladas. Deverá crescer a
parcelas significativas da população substituírem proteína uma taxa anual de 0,9% entre 2015/16 a 2025/26. Segundo
animal por proteína vegetal (geração saúde)” a CONAB (2016), o  consumo de trigo tem aumentado no
Segundo esses técnicos os resultados de consumo de Brasil – passou de 9,8 em 2010, para 10,2 milhões de tone-
feijão, “refletem o que tem sido observado nos últimos ladas em 2015.
anos: um ligeiro aumento do consumo aparente per capita. O abastecimento interno exigirá importações de 5,2 mi-
Mesmo que tenhamos um aumento do consumo de proteína lhões de toneladas em 2025/26. Nos últimos anos, as impor-
de origem animal, o feijão representa a principal fonte de tações têm‑se situado entre 5,0 e 6,0 milhões de toneladas,
proteína vegetal. Com mudanças de hábitos de consumo, e o volume mais frequente de importação tem sido por volta
acredita‑se que uma parcela crescente da população que es- de 5,0 milhões de toneladas. Em 2015, o  Brasil importou
tará buscando alimentos mais saudáveis, estará valorizando segundo a Conab (2016), 6,4 milhões de toneladas de trigo.
o consumo de alimentos como o feijão”. Apesar da produção de trigo aumentar em cerca de 35,4%
nos próximos anos, estimulada pelos preços ao produtor,
Milho mesmo assim o Brasil deve manter‑se como um dos maiores
importadores mundiais. O relatório do USDA estima em 2025
A produção nacional de milho, em 2015/16, está distri- importações brasileiras de trigo da ordem de 8,0 milhões de
buída nos estados de Mato Grosso, 24,9%, Paraná, 21,4%, toneladas (USDA, 2016).
Mato Grosso do Sul, 10,6%, Goiás, 9,8%, Minas Gerais, 7,9%, A produção de soja no país para 2015/16 está estimada
Rio Grande do Sul, 7,7% e São Paulo, 5,1%. Estes 7 estados em 95,6 milhões de toneladas. A produção é liderada pelos
têm produção estimada em 66,7 milhões de toneladas, de- estados de Mato Grosso, com 27,2% da produção nacional;
vem contribuir com 87,5% da produção nacional esperada Paraná com, 17,9%; Rio Grande do Sul com 16,9%; Goiás,
em 2015/16. 10,7%; Mato Grosso do Sul, 7,6%, Minas Gerais, 4,9% e Bahia,
A previsão de produção de milho no Brasil neste ano 3,4%. Mas, a produção de soja está migrando também para
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de 2015/16 está estimada em 76,2 milhões de toneladas. novas áreas no Maranhão, Tocantins, Pará, Rondônia, Piauí
(Conab, 2016). Desse total, cerca de 50,0 milhões correspon- e Bahia, que em 2015/16 respondem por 9,2% da produção
dem ao milho de segunda safra. Para 2025/26, a produção brasileira, que corresponde a uma produção de 8,8 milhões
projetada é de 94,7 milhões de toneladas. Mas seu limite de toneladas de soja.
superior pode chegar a 140,1 milhões de toneladas. Os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, fazem
A área plantada de milho deve ter um acréscimo de 4,4% parte de uma região localizada no Centro‑Nordeste, e que
entre 2015/16 e 2025/26, passando de 15,7 milhões de vem apresentando acentuado potencial de produção de
hectares em 2015/16 para 16,4 milhões no final do período grãos, denominada Matopiba, por estar situada nos 4 estados
das projeções. Não haverá necessidade de novas áreas para mencionados. Apesar de suas deficiências de infraestrutura,

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os preços de terras são atrativos, o clima corresponde ao do As exportações de soja em grão projetadas para 2025/26
Cerrado e o relevo é favorável. são de 78,0 milhões de toneladas. Representam um aumento
A projeção de soja em grão para 2025/26 é de 129,2 mi- próximo a 23,0 milhões de toneladas em relação a quanti-
lhões de toneladas. Esse número representa um acréscimo de dade exportada pelo Brasil em 2015/16.
35,1% em relação à produção de 2015/16. Mas é um percen- A variação prevista em 2025/26 relativamente a 2015/16
tual que se situa abaixo do crescimento ocorrido nos últimos é de um aumento na quantidade exportada de soja grão da
10 anos no Brasil, que foi de 66,0% (Conab, 2016). Segundo ordem de 41,0%.
técnicos da Abiove (2016) consultados, a projeção deles está As projeções de exportação de soja deste relatório são
entre as projeções deste relatório e de seu limite superior próximas às do USDA, divulgadas em fevereiro de 2016. Eles
de produção para 2025/26, estimado em 155,3 milhões de projetam 76,4 milhões toneladas de exportações para a soja
toneladas. Esses dados se alinham com a projeção da Abiove em grão, no final da próxima década.
para a mistura obrigatória de 20,0% de biodiesel até 2030,
crescimento da produção doméstica de aves, e suínos e de Café
exportação de soja em grão, farelo e óleo.
A área de soja deve aumentar 10,0 milhões de hectares
Estimativas para 2016 indicam uma safra de 50,5 milhões
nos próximos 10 anos, chegando em 2026 a 43,2 milhões
de sacas de 60 kg, valor superior à safra de 2015, cuja produ-
de hectares. É a lavoura que mais deve expandir a área na
ção foi de 43,2 milhões de sacas. (DCAF‑CONAB‑ABIC – MDIC/
próxima década, seguida pela cana‑de‑açúcar com cerca de
SECEX‑OIC  – CEPEA/ ESALQ/BM&F, 2016). Da produção
1,9 milhão de hectares adicionais.
Representa um acréscimo de 30,2% sobre a área que total, 54,9% são produzidos em Minas Gerais, 22,1% em
temos com soja em 2015/16. Segundo técnicos da Abiove, Espírito Santo, e 9,8% em São Paulo. Estes são os maiores
devido à pressão crescente para evitar avanços em áreas produtores do país. Na safra de 2016, 38,8 milhões de sacas
nativas, a expansão de área de soja nos próximos anos deve foram de café arábica e 11,7 milhões de Conilon. O primeiro
ocorrer num cenário conservador, com uma taxa anual mé- é produzido em Minas Gerais e o outro em Espírito Santo,
dia de crescimento da ordem de 1,0%. As projeções deste predominantemente.
relatório indicam uma taxa média anual para os próximos As projeções mostram que a produção em 2025/26 deve
dez anos de 2,7%. Apesar de elevada, essa taxa está bem situar‑se entre 65 e 85 milhões de sacas. Essa produção deve
abaixo da taxa média observada nos últimos dez anos, que ser obtida a uma taxa de crescimento anual de 2,7%
foi de 5,8% ao ano. O gráfico mostra a área colhida e a produção de café no
A produtividade da soja é considerada como grande período 2001 a 2016. Note‑se que a área tem‑se mantido
desafio nos próximos anos. Essa preocupação é evidenciada em cerca de 2,0 milhões de hectares. Porém, nos últimos
pelo fato de que as projeções da produtividade mostram anos secas acentuadas tem afetado as principais regiões
uma relativa estagnação, cuja média nacional fica em torno produtoras como Minas Gerais e Espírito Santo, resultando
de 3,0 toneladas por hectare. em diminuição da área colhida e da produção. Neste ano de
A soja deve expandir‑se por meio de uma combinação 2016, entretanto, as chuvas foram adequadas e nas épocas
de expansão de fronteira em regiões onde ainda há terras certas.
disponíveis, ocupação de terras de pastagens e pela substi-
tuição de lavouras onde não há terras disponíveis para serem Leite
incorporadas. Mas a tendência no Brasil é que a expansão
ocorra principalmente sobre terras de pastagens naturais A produção de leite deverá crescer nos próximos 10 anos
(Conab, 2014). a uma taxa anual entre 2,3 e 3,1%. Essas taxas correspondem
A Figura 10 ilustra as projeções de expansão de área em a passar de uma produção de 34,2 bilhões de litros em 2016
Cana‑de‑açúcar e soja, que são duas atividades que compe- para valores entre 42,9 e 47,3 bilhões de litros no final do
tem por área com outras atividades. período das projeções.
Conjuntamente essas duas atividades devem apresentar O consumo nos próximos anos deve estar próximo da
nos próximos anos uma expansão de área de quase 11,9 produção, estando estimado crescer anualmente a taxa de
milhões de hectares, sendo 10,0 milhões de hectares de soja 2,2% ao ano durante o período das projeções. Mas pode
e 1,9 milhão de hectares de cana‑de‑açúcar. chegar a 3,5%. De acordo com a Embrapa, o crescimento da
As demais lavouras devem ter pouca variação de área.
produção nos próximos anos poderia ficar também entre o
Mas, estimasse que essa expansão deve ocorrer em áreas
“patamar de 2% e 2,5%, inclusive com uma relativa melhora
de grande potencial produtivo, como as áreas de cerrados
de comércio exterior, o que está sendo considerado nas pro-
compreendidas na região que atualmente é chamada de
jeções de balança comercial. Tem havido uma concentração
Matopiba, por compreender terras situadas nos estados de
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O Mato Grosso no processo de produção e na indústria de laticínios, o que
Nas novas áreas do Centro‑Nordeste do Brasil, que acreditamos dar uma maior competitividade para o setor.
compreendem a região de Matopiba, a área de soja deve se Dessa forma, achamos que há um espaço para uma expansão
expandir muito segundo técnicos da Conab. Essa informação na oferta um pouco acima do patamar considerado para o
vai no mesmo sentido dos resultados obtidos neste trabalho. longo prazo. O crescimento da oferta nos últimos 20 anos foi
Geografia do Brasil

No presente trabalho, a área plantada de grãos nessa região em torno de 4% ao ano e ainda existe muita tecnologia para
deve expandir‑se 13,7% nos próximos 10 anos. Isso equivale ser incorporada, com reflexos na produtividade do rebanho.
a atingir na região a área de 7,8 milhões de hectares, que em Programas como o Balde Cheio e o Educampo tendem a con-
seu limite superior pode alcançar 10,3 milhões de hectares. tribuir neste sentido, difundindo tecnologias já disponíveis”.
A produção de grãos nos estados que compreendem essa
região deve passar de 12,8 milhões de toneladas em 2015/16 Açúcar
para 24,4 milhões em 2025/26. Em seu limite superior a
produção no final do período pode atingir 29,8 milhões de As estimativas obtidas para a produção brasileira de
toneladas de grãos. açúcar indicam uma taxa média anual de crescimento de

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3,5% no período 2015/2016 a 2025/2026. Essa taxa deve ESTRUTURA FUNDIÁRIA, USO DA TERRA
conduzir a uma produção de 50,0 milhões de toneladas em E RELAÇÕES DE PRODUÇÃO NO CAMPO
2025/26. Essa produção corresponde a um acréscimo de
49,6% em relação a 2015/16.
BRASILEIRO
O consumo de açúcar para a próxima década está previsto
O conceito de “pessoal ocupado na agropecuária” não
crescer a uma taxa anual de 2,1%. Isso equivale a passar de
deve ser confundido com o de “população ativa residente no
um consumo de 11,4 milhões de toneladas em 2015/16 para meio rural”. Há residentes do meio rural que trabalham nos
14,1 milhões no final da projeção. setores econômicos urbanos, assim como há trabalhadores
O volume exportado em 2025/26 está projetado em 36,0 agrícolas que residem nas cidades. Além disso, a economia
milhões de toneladas e corresponde a um aumento de 37,6% rural ultrapassa os limites da agropecuária, pois inclui ativi-
em relação às exportações de 2015/16. dades — cada vez mais significativas — ligadas ao turismo
O relatório da OECD‑FAO (2015) afirma que a falta de e ao lazer.
investimento no setor sucro‑alcooleiro, juntamente com A população ativa empregada na agropecuária corres-
condições climáticas adversa, resultaram em produtividades ponde a aproximadamente 24,6 milhões de trabalhadores.
médias mais baixas. Esses e outros fatores apontados, e os A sua distribuição geográfica revela o impacto das diferenças
preços baixos do açúcar causaram a falência ou desativação regionais na estrutura setorial da PEA. O Nordeste, com 28%
de muitas usinas. O  relatório observa que muitos desses da população nacional, concentra bem mais que o dobro
fatores negativos sejam revertidos ao longo do período das da força de trabalho agrícola do Sudeste, que abriga quase
projeções. 43% da população do País. O Sul apresenta força de trabalho
O Brasil teve como principais destinos de suas exporta- agrícola um pouco menor que a do Sudeste, embora a sua
ções em 2015 do setor sucro‑alcooleiro, a China, Bangladesh, participação na população brasileira seja de apenas 15%.
Argélia, Nigéria e, Rússia. Porém o destino das exportações Na indústria de transformação, a estrutura ocupacional
brasileiras é bastante amplo e abrange mais de 100 países é dominada pelos empregados assalariados, que perfazem
(Mapa, 2015). mais de três quartos da força de trabalho. O quarto res-
tante é constituído, essencialmente, pelos que trabalham
Laranja e Suco de Laranja “por conta própria” em pequenas oficinas. Essa estrutura
é produto da separação histórica entre produtores e meios
A produção de laranja deverá passar de 15,8 milhões de de produção e da consequente disseminação da relação de
toneladas na safra 2015/16 para 16,7 milhões de toneladas trabalho assalariado.
em 2025/26. Essa variação corresponde a uma pequena Na agropecuária, a estrutura ocupacional é quase inver-
variação nos próximos anos. tida. Os produtores diretos e os membros não remunerados
A área plantada de laranja deve sofrer uma redução nos da família, que os auxiliam, representam algo em torno de
próximos anos. Deverá passar dos atuais 684 mil hectares 70% do pessoal ocupado. O restante é constituído, principal-
para 587 mil. Isso indica uma redução anual da taxa de mente, por empregados com diversos tipos de relações de
crescimento da ordem de 1,5% ao ano e deve ocorrer prin- trabalho assalariado. Essa estrutura aparece, sob formas di-
cipalmente pela redução da atividade em São Paulo. ferenciadas, na maioria dos países e revela que a agricultura
O estado de São Paulo, principal produtor do país, vem é um setor especial da economia capitalista, no qual a maior
reduzindo a área de colheita da laranja. Em 2015/16, o esta- parte dos produtores são detentores dos meios de produção.
do deve produzir 72,5% da produção nacional (IBGE- LSPA, A agropecuária distingue-se dos setores econômicos ur-
2016). O estado tinha uma área de laranja de 723,0 mil hec- banos sob um outro aspecto fundamental: ao contrário da
tares em 1990, e em 2015/16 caiu para 440,0 mil hectares. indústria e dos serviços, ela depende de processos naturais
Apesar da redução de área plantada prevista para os que impõem limites ao aumento da produtividade do tra-
próximos anos, a laranja em São Paulo mostrou aumento balho. A produção agrícola envolve uma interação entre a
de área de 15,6 mil hectares entre 2015 e 2016 (IBGE, LSPA, carga genética dos seres vivos — plantas e animais — e o
2016). Mas a liderança na expansão de área no estado vem ambiente. As condições ambientais são definidas por fatores
naturais como a insolação, as precipitações e os solos, que
sendo da cana‑de‑açúcar, seguida pela soja.
só podem ser parcialmente otimizados pelas tecnologias. Os
As exportações de suco de laranja devem passar de 2,0
ecossistemas agrícolas abrangem pragas sobre as quais não
milhões de toneladas em 2015/16 para 2,4 milhões de to-
há controle absoluto.
neladas ao final do período das projeções. Isso representa
Essa distinção fundamental manifesta-se economicamen-
um aumento de 19,6% na quantidade exportada. Restrições
te por um diferencial negativo de produtividade: em termos
comerciais na forma de barreiras ao comércio são o principal gerais, a agropecuária não oferece retorno de capital tão ele-
fator limitante da expansão do suco de laranja. vado quanto a indústria e os serviços. Por isso, os produtores
O Brasil tem exportado suco de laranja regularmente para familiares — não os empregados das empresas capitalistas
cerca de 20 países. Sua participação nas exportações mun- — representam a maioria da força de trabalho agrícola e
diais no ano 2015/16 está estimada pelo USDA (2016) em controlam a maior parte das unidades de produção, embora
75,3%. Olhando os volumes de suco destinado pelo Brasil estejam submetidos às engrenagens gerais do agronegócio.
Geografia do Brasil

aos principais compradores, nota‑se tendência de estabi- Do ponto de vista econômico, os produtores familiares
lidade das quantidades exportadas, que têm variado entre constituem uma camada social extremamente heterogênea.
1,0 milhão e 1,2 milhão de toneladas por ano (USDA, 2016). O seu estrato superior é formado por verdadeiros empresá-
Não se percebe pelos dados disponíveis dos últimos 6 anos, rios rurais, que comandam recursos produtivos significativos,
tendência de aumento dos volumes adquiridos. Segundo utilizam tecnologias sofisticadas e exibem elevada produtivi-
analistas consultados, “os fatos mais recentes da economia dade. Esses produtores tocam estabelecimentos médios ou
mundial e do mercado de sucos e bebidas de frutas, além pequenos, geralmente próprios mas, às vezes, arrendados.
do perigo de doenças nos pomares de São Paulo, mostram Contudo, independentemente da extensão física da unidade
que os tempos de expansão se foram. de produção, o seu negócio participa da cadeia produtiva do

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agronegócio. Na época das safras e, às vezes, durante o pre- ros empregados representam os últimos vestígios desse tipo
paro da terra e o plantio, contratam assalariados temporários de relação de trabalho.
que complementam o trabalho familiar. A modernização tecnológica, a partir da década de 1960,
O estrato intermediário é formado por camponeses que desferiu o golpe fatal na força de trabalho familiar das fa-
não empregam trabalho assalariado e comandam pequenas zendas. A mecanização das diversas fases do cultivo, com
unidades de produção. Esses produtores experimentaram exceção da colheita, reduziu brutalmente a quantidade de
uma modernização tecnológica incompleta. Muitas vezes, trabalho necessário ao longo da maior parte do ano. Além
conseguem adquirir pesticidas e fertilizantes mas a sua es- disso, sob os pontos de vista econômico e técnico, o maqui-
cala de produção não lhes permite incorporar tratores ou nário solicitou a ampliação das áreas de culturas comerciais
arados mecânicos. Como consequência disso, há significativa e a supressão das faixas de roças de subsistência.
elevação da produtividade da terra mas permanece baixa a As consequências da modernização tecnológica foram
produtividade do trabalho. aceleradas pela extensão dos direitos trabalhistas para os
Os pequenos produtores dependem crucialmente do trabalhadores do campo. O Estatuto do Trabalhador Rural
aporte de trabalho da unidade familiar. Enquanto os filhos (ETR), de 1962, equiparava os direitos de assalariados urba-
são crianças, funcionam como camponeses pobres e com- nos e rurais, garantindo, aos empregados das fazendas, férias
pletam a renda trabalhando como assalariados temporários. e descanso semanal remunerado, 13° salário, indenização
Quando os filhos chegam à juventude e ajudam nas ativida-
por dispensa e contribuição previdenciária. A reação dos
des agrícolas, a renda familiar cresce e ocorre alguma acu-
empregadores consistiu na dispensa em massa da mão de
mulação. Quando os filhos se casam e constituem família, é
obra residente nas propriedades, cujo custo tinha se elevado
frequente o retorno a níveis de renda muito baixos.
As transformações econômicas geradas pelos complexos repentinamente.
agroindustriais têm impactos decisivos entre os pequenos No lugar de famílias de trabalhadores residentes, os
produtores. Os camponeses familiares incapazes, por qual- proprietários passaram a utilizar predominantemente força
quer motivo, de responder às exigências impostas pelos no- de trabalho temporária. Contratados sazonalmente para as
vos padrões tecnológicos são conduzidos à ruína e acabam colheitas e, em menor número, para o plantio, esses em-
por perder as suas terras. Essas fases de mudança na orga- pregados não geram tantos custos trabalhistas. Em muitos
nização produtiva, porém, possibilitam a rápida acumulação casos, burlando a legislação, nem sequer são registrados em
por parte dos camponeses mais bem posicionados, que ad- carteira.
quirem ou arrendam novas terras e tornam-se empresários Os assalariados permanentes representam, em geral, a
rurais familiares. força de trabalho semiqualificada das fazendas, como tra-
O estrato inferior do campesinato familiar é formado por toristas, motoristas, operadores de máquinas agrícolas e
pequenos proprietários, rendeiros, parceiros e posseiros que feitores. Já os assalariados temporários abrangem os tra-
se dedicam essencialmente à subsistência. A exiguidade de balhadores volantes e os empregados eventuais (pequenos
terras, o atraso técnico e a baixa produtividade são os traços sitiantes, rendeiros ou posseiros contratados por empreita-
característicos dessa agricultura miserável. Para completar a da na época das colheitas). Crianças pequenas participam
renda familiar, adultos e crianças são obrigados a recorrer ao clandestinamente do exército de trabalhadores temporários,
assalariamento temporário em fazendas da região, carvoarias carregando a cana cortada pelos pais, descaroçando algodão
e olarias ou ao subemprego urbano. ou encaixotando tomates.
Entre os camponeses pobres, há força de trabalho ociosa A existência de um vasto mercado de trabalho temporário
permanente, pois a terra disponível, quase sempre inferior na agricultura brasileira é fruto da modernização tecnológi-
a 5 hectares, é incapaz de absorver a mão de obra familiar. ca perversa, que gera, sem cessar, mão de obra excedente.
O vasto desemprego oculto nesse estrato de trabalhadores O mercado de força de trabalho sazonal apresenta intensa
rurais funciona como mola propulsora das migrações para mobilidade espacial. Os pobres do campo deslocam-se con-
as fronteiras agrícolas, as áreas de garimpo e as cidades. tinuamente para as zonas de oferta de empregos, configu-
rando fluxos migratórios temporários. Os volantes são, em
Os Assalariados Rurais geral, trabalhadores rurais urbanizados, que se empregam
temporariamente nas fazendas mas residem nos cinturões
Os empregados das unidades de produção rural perfazem periféricos das cidades pequenas e médias.
aproximadamente 4 milhões de trabalhadores. As catego- A oferta de emprego sazonal encontra-se em franco de-
rias mais numerosas são os assalariados permanentes e os clínio no campo brasileiro, devido à difusão da mecanização.
assalariados temporários. O mercado de trabalho rural tem
A incorporação de máquinas agrícolas nas diferentes fases do
apresentado contínua e forte redução e isso tem aconteci-
cultivo avança rapidamente nas culturas de exportação, como
do em todas as ocupações, resultado de forte concentração
as de cereais, soja e café. Os antigos entraves técnicos para
da propriedade de terras, fruto da elevada capitalização do
meio rural nos últimos tempos, inclusive com a participa- a mecanização da colheita da cana foram superados. Sob a
ção de grandes volumes de capital internacional. Há mais pressão da concorrência e da legislação ambiental que, em
ou menos quatro décadas, a maioria dos empregados das inúmeros municípios, começa a proibir a queima dos cana-
grandes fazendas era constituída por semi assalariados. No viais, usineiros e fornecedores aceleram a transição para o
Geografia do Brasil

Centro-Sul, especialmente nas fazendas de café, o colono corte mecanizado, o maior exemplo é São Paulo.
recebia um salário em dinheiro para cuidar da plantação e Ao longo da década de 1990, desapareceram um mi-
complementava o seu sustento com o cultivo de roças de lhão de empregos assalariados temporários na agricultura.
subsistência. Nos latifúndios canavieiros da Zona da Mata A contração do trabalho sazonal tende a prosseguir, gerando
nordestina, o morador mantinha relação de trabalho seme- desemprego aberto no campo e na cidade.
lhante, dispondo de um pequeno terreno ao redor de sua Quase metade da área rural brasileira pertence a 1% das
casa, no qual cultivava gêneros alimentícios. Em ambos os propriedades do País. Os estabelecimentos rurais a partir
casos, o trabalho assalariado rural organizava-se sob a forma de mil hectares (0,91%) concentram 45% de toda a área de
de unidades familiares de produção. Atualmente, os parcei- produção agrícola, de gado e plantação florestal.

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Por outro lado, estabelecimentos com menos de 10 hec- OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS INTERNOS
tares representam cerca de 47% do total das propriedades do
País, mas ocupam menos de 2,3% da área rural total. Esses A imigração para o Brasil tornou-se mais intensa a partir
pequenos produtores produzem mais de 70% dos alimentos de 1850, quando teve fim o tráfico de escravos. A maior
que chegam à mesa do brasileiro, já que as grandes mono- parte dessa entrada de imigrantes no país teve relação com
culturas exportam a maior parte da produção. a demanda de mão de obra para a lavoura cafeeira por in-
Quanto maior a concentração de terra, maior a concen- termédio do Estado ou de fazendeiros.
tração de investimento, de maquinário, que vai se expandin- Antes de meados do século XIX, já havia ocorrido, embora
do para diferentes setores. em reduzido número, a vinda de imigrantes para o território
As grandes propriedades rurais com mais de mil hectares brasileiro. Em 1808, teve início a imigração a partir da vinda
concentram 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos da família real portuguesa e da abertura dos portos brasilei-
menores estabelecimentos esse percentual varia entre 13% ros às nações amigas. Em razão da fuga dos governantes de
e 23%. Portugal frente ao exército de Napoleão Bonaparte, o Brasil
A concentração de terra também contribui para a incidên- passou a ser, então, a nova sede do reino – e não se sabia
cia de trabalho escravo. De 2003 a 2013, 82% das autuações por quanto tempo, visto que os franceses poderiam ocupar
do Ministério do Trabalho e Emprego por trabalho análogo Portugal por período indeterminado.
ao de escravo ocorreram no oeste da Bahia, com grande Instalando-se no território brasileiro, D. João VI passou
concentração de terra. a incentivar a vinda de açorianos (em 1808) e de suíços (em
O estudo agrupou os municípios de acordo com a rele- 1818), partindo de uma ideologia de “branqueamento” da
vância agropecuária: 1% com maior concentração de terras, área que era a nova sede da monarquia portuguesa. Após
os 19% seguintes e os 80% restantes, com base no último a independência do País, teve também lugar a vinda de
Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e alemães (nas décadas de 1820 e 1830), promovida por D.
Estatística (IBGE), de 2006, e o IBGE Cidades, de 2010. Pedro I.
Outro dado curioso é que propriedades comandadas por Entretanto, o contingente total dessa imigração, até a
mulheres representam apenas cerca de 5% da área rural. metade do século XIX, era expressivamente inferior à vinda
Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma de africanos como escravos.
Agrária (Incra) indicam que 729 pessoas físicas e jurídicas se Com as pressões da Inglaterra pelo fim do tráfico ne-
declaram proprietárias de imóveis rurais com dívidas à União greiro e com a Lei Eusébio de Queirós (1850), que proibiu o
de mais de R$ 50 milhões cada, aproximadamente R$ 200 tráfico de escravos para o Brasil, os proprietários de terras,
bilhões. Esse grupo, segundo a pesquisa, tem propriedades sobretudo os cafeicultores, que desenvolviam a atividade que
de área suficiente para assentar quase 215 mil famílias, quase predominou no país da segunda metade do século XIX aos
duas vezes o número de famílias que estão acampadas hoje primórdios do século XX, começaram a promover a vinda de
no Brasil esperando por reforma agrária. imigrantes, a fim de substituir a mão de obra escrava. O perí-
A mesma realidade ocorre na América Latina, em que odo compreendido entre 1850 e 1934 representou o auge da
1% concentra 51,19% de toda a superfície agrícola da região. imigração para o Brasil. A partir de 1834, houve significativa
O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking da região do coe- queda na imigração, o que se deveu, principalmente, à Cons-
ficiente de Gini - que mede a desigualdade na distribuição tituição promulgada nesse ano, a qual instaurava algumas
de terra, em que 0 corresponde à completa igualdade e 1 medidas restritivas à vinda de estrangeiros.
corresponde à completa desigualdade. A nota brasileira é De 1850 a 1880, entraram no território brasileiro cerca
0,87. O Paraguai aparece com o pior índice de Gini (0,93), de 5 milhões de imigrantes. Desse total, cerca de 3 milhões
seguido do Chile (0,91) e da Venezuela e Colômbia (0,88), se fixaram definitivamente. A maior entrada de imigrantes
onde 0,4% das propriedades concentram mais de 67% da se deu a partir da abolição da escravidão, em 1888, que
terra produtiva. impeliu o governo a procurar nova mão de obra no continen-
A modernização da agricultura e os assentamentos e de- te europeu e no Japão. Dessa forma, no espaço de tempo
marcações de terras indígenas não foram capazes de apla- que se estende de 1888 até 1914-1918 (período da Primeira
car os conflitos, que já mataram 2.262 pessoas entre 1964 Guerra Mundial), teve lugar o maior contingente imigratório.
e 2010, de acordo com os últimos estudos. A violência no O Brasil, do final do século XIX ao início do século XX, foi
campo pela disputa da terra ocasionou 50 mortes em 2015 um país que apresentou imigração bastante expressiva, não
e 1.217 conflitos, segundo dados da Comissão Pastoral da se comparando, porém, a países como Estados Unidos, por
Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem exemplo, que recebeu cerca de 40 milhões de estrangeiros.
Terra (MST). O Brasil está no topo da lista dos países onde Como visto, tratou-se de uma imigração provocada, e não
mais ativistas ambientais e da terra foram mortos em 2015, de uma imigração espontânea, uma vez que o movimento
segundo outra pesquisa. imigratório foi resultado da propaganda do Brasil no exterior
Os estados mais violentos são Rondônia e o Pará. No – a qual, muitas vezes, era ilusória.
período, foram registrados momentos de pico, em especial As despesas do imigrante na vinda para o Brasil geral-
na década de 1980, quando aumentaram as mobilizações mente eram custeadas pelo governo ou por proprietários
sociais e as lutas por terra, década que também marcou a de terras. Em seu país de origem, o imigrante e sua família
fundação do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Ter- assinavam um contrato de trabalho. O proveito desse con-
Geografia do Brasil

ra (MST). Um novo pico foi registrado durante o primeiro trato, entretanto, era apenas do empregador. Os imigrantes
governo Lula, de 2003 a 2006. Apenas em 2003 ocorreram firmavam negócio iludidos pela propaganda e sem ter co-
496 ocupações – em 2010 foram 180. nhecimento acerca do lugar em que iriam prestar serviços.
De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Tal situação gerou conflitos e fugas de famílias das fazen-
Reforma Agrária (Incra), mais de 1,3 milhão de famílias já das (visto que, de acordo com o contrato, o imigrante não
foram assentadas desde o início do Programa Nacional de teria permissão para se retirar antes do fim do acordo). Além
Reforma Agrária (PNRA). O programa foi criado em 1996. Ao disso, houve emigração daqueles que tinham condições de
todo, 977 mil famílias vivem atualmente em assentamentos custear a viagem de retorno ou mesmo a ida para outro país
e áreas reformadas. do continente americano.

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Depois da Primeira Guerra Mundial, com o desenvolvi- cessitou de mão de obra, ocasionando, para a região que o
mento da indústria de São Paulo, que começava a destacar-se produzia, deslocamentos de grandes contingentes humanos,
no cenário nacional e cujo mercado consumidor se estendia oriundos de outras regiões do País. Essas migrações inter-re-
até a Região Nordeste, o movimento migratório de nordes- gionais, contudo, eram relativamente fracas, intensificando-
tinos para São Paulo e para outras áreas de cultivo do café -se somente na segunda década do século XX.
cresceu, tornando-se mais significativo que a entrada de Com a abolição da escravatura, a mobilidade espacial
imigrantes vindos do exterior. Nesse contexto, a indústria da população aumentou, uma vez que o trabalhador livre
paulista continuou crescendo, em detrimento de empresas ou assalariado pôde deslocar-se à vontade pelo território,
têxteis da região Nordeste. Houve, assim, um declínio de prá- ao contrário do escravo, que era considerado “objeto” de
ticas tradicionais, como as atividades algodoeira e açucareira, compra e venda. A precariedade das estradas que ligavam
que eram dependentes do mercado externo. as diversas porções do País era tão grande que muitas vezes
Quando a Constituição de 1934 restringiu, por sistema saía mais barato comprar escravos na África do que em uma
de cotas, a imigração de estrangeiros para o Brasil, esta já região brasileira onde eles existissem em disponibilidade. Só
não era imprescindível para atender às demandas de mão na fase do café, especialmente a partir do final do século XIX,
de obra da atividade cafeeira, uma vez que os números do é que teve início a construção de uma rede de transportes
movimento migratório de nordestinos já a ultrapassavam. mais extensa, iniciando-se com ferrovias, e, em seguida, já no
O sistema de cotas relativo à imigração, fixado pelas Cons- século XX, predominando as rodovias. Essas novas estradas
tituições brasileiras de 1934 e de 1937, estabelecia que, a facilitaram bastante as migrações inter-regionais no Brasil.
cada ano, não poderiam entrar no país mais de 2% sobre o As mais numerosas migrações inter-regionais da história
total de entradas de cada nacionalidade nas últimas cinco brasileira foram as de populações nordestinas e mineiras
décadas. para os grandes centros do Sudeste. Essas migrações tiveram
Foram, ainda, adotadas outras disposições restritivas, início no final do século XIX, aceleraram-se no início do sé-
como a exigência de 80% de agricultores para cada nacio- culo XX e prosseguem até os dias atuais, embora já não tão
nalidade e a seleção por critérios doutrinários (concepções intensamente como há algumas décadas. Esse movimento
políticas). populacional, como foi visto, originou-se do crescimento
Os movimentos migratórios para o Brasil (a partir do ano econômico do Sudeste – no início, com o café; depois, com
1800) podem ser divididos em três fases, descritas adiante. a indústria, mas também devido ao declínio econômico do
• 1ª fase (1800-1850) – O fluxo de imigrantes para o Nordeste face à menor procura internacional de seus pro-
Brasil, nessa fase, é pequeno quando comparado com dutos agrícolas tradicionais de exportação e à estagnação
o período seguinte. Incentivava-se o tráfico de escra- de seu setor industrial.
vos, visto que se tratava de mão de obra gratuita. Tal No final da década de 1950, estimulada pela absorção
contexto repelia a vinda de outros imigrantes. de mão de obra para a construção de Brasília, a população
• 2ª fase (1850-1930) – Nesse período, a imigração para nordestina traçou uma nova corrente migratória com desti-
o território brasileiro recebeu impulso. Entre os fatores no ao Planalto Central, que, na década seguinte, se tornou
determinantes para isso, podem-se citar a proibição do uma das principais correntes migratórias do País. Na Região
tráfico de escravos (Lei Eusébio de Queirós, em 1850), Sul, a modernização do espaço agrícola e a concentração
a iniciativa do governo imperial (até 1889) de prover fundiária também incrementaram a migração para a Região
as despesas de transporte do imigrante, o crescimento Centro-Oeste.
da cafeicultura e a abolição da escravatura (Lei Áurea, São fatores que contribuíram para a expansão da fron-
em 1888). teira agrícola do Sudeste para o Centro-Oeste e, posterior-
• 3ª fase (1930 até o presente) – Tal fase de imigração mente, para a Amazônia:
para o Brasil foi desestimulada por uma série de acon- • da construção da malha rodoviária integrando as re-
tecimentos, entre os quais se podem citar os seguin- giões brasileiras;
tes: a Revolução de 1930 no país, que fixou medidas • do desenvolvimento de técnicas de correção dos solos
restritivas à imigração (houve, inclusive, proibição em lateríticos do cerrado;
1932); a Constituição de 1934, que estabeleceu cotas • da assistência dos agrônomos da Embrapa (Empresa
de imigrantes; a Segunda Guerra Mundial; a melhoria Brasileira de Pesquisa Agropecuária);
do padrão de vida de muitas populações do continente • dos financiamentos por parte dos governos estaduais
europeu. Nos anos de 1980 do século XX, o Brasil re- e federal.
gistrou, pela primeira vez, saldo migratório negativo:
estima-se que pelo menos 1 milhão de pessoas, nesse Inserir as regiões Norte e Centro-Oeste no processo pro-
período, tenham deixado o país em direção aos Estados dutivo do País consistia em políticas governamentais com o
Unidos, à Europa e a outros países do Mercosul. objetivo de ocupar o interior e estimular a redução das dis-
paridades de desenvolvimento regional. Com essa proposta,
Migrações Inter-Regionais foram criados órgãos de planejamento, visando promover a
ocupação e o desenvolvimento das regiões mais estagnadas
As migrações internas, entre áreas ou regiões do Brasil, do País. Como exemplos de iniciativas nesse sentido, citam-se
vêm ocorrendo desde a época colonial, embora se tenham a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nor-
intensificado a partir do início do século XX, principalmente deste) e a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento
Geografia do Brasil

após a Primeira Guerra Mundial. da Amazônia).


Durante toda a sua história, a economia brasileira carac- A construção de grandes rodovias, como a Belém-Brasília,
terizou-se pela existência de fases ou ciclos, nos quais um a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém, e a criação de proje-
determinado produto despontava como o mais importante. tos agropecuários e minerais, como o Projeto Carajás, foram
Assim, houve a fase da cana-de-açúcar, nos séculos XVI medidas adotadas para incorporar a região Amazônica ao
e XVII; a mineração, no século XVIII; o surto da borracha, de desenvolvimento nacional.
1870 a 1910; e o café, no final do século XIX e início do XX. A instabilidade política e econômica registrada na década
O período áureo de cada produto, que era determinado de 1980 foi indutora de novas mudanças no comportamento
pela sua valorização no mercado internacional, sempre ne- migratório inter-regional do País. A crise estimulou a descon-

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centração produtiva, interiorizando os parques industriais cional e na internacional, reduziram o número de brasileiros
que buscavam força competitiva nos incentivos fiscais e na que saíam de sua região de origem.
mão de obra mais barata, o que resultou no crescimento das A guerra fiscal entre municípios e estados, a distribuição
migrações intrarregionais. da indústria por regiões, o processo de urbanização e a inser-
Nas últimas décadas, reduziu-se a atração de migrantes nor- ção de cursos de qualificação profissional no interior do País
destinos para São Paulo. Na década de 1980, pela primeira vez criaram oportunidades de emprego, gerando novas situações
na história, o município registrou um saldo migratório negativo: que influenciam os movimentos migratórios.
a diferença entre o número de pessoas que saíram e o número Apesar das mudanças no quadro de desenvolvimento
das que entraram, entre 1980 e 1991, foi da ordem de 750 mil. regional, o Sudeste ainda continua sendo o principal destino
Grande parte do contingente populacional que deixou a metró- das migrações internas, seguido pelo Nordeste e pelo Centro-
pole se dirigiu às principais cidades do interior do estado, tais -Oeste. O Sudeste é também a região que possui o maior
como Ribeirão Preto e Campinas. O restante realizou aquilo que número de brasileiros oriundos de outras regiões, recebendo
os demógrafos chamam de “migração de retorno“, voltando às do Nordeste a maior parcela dessa população.
cidades nordestinas de origem. Entre 1999 e 2004, por exemplo, A região Centro-Oeste, por sua vez, é a que apresenta o
714 mil nordestinos retornaram à sua região. maior percentual de imigrantes nascidos em outras regiões
(34,1%, segundo estimativas de 2012 do IBGE). A criação de
Onde estão os migrantes? órgão de planejamento regional, principalmente a partir da
década de 1960, e de subsídios governamentais destinados
No Brasil, fatores como abertura de novos mercados de a atividades agropecuárias, impulsionando o agronegócio,
trabalho, favorecidos por novas mudanças na economia na- favoreceram a atração da população para o Centro-Oeste.

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Mapa mostra áreas que receberam (vermelho) e perderam (azul) moradores, em 2010

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Brasília e Goiânia são as capitais brasileiras com maior forte peso das atividades de administração pública no total
atração de migrantes no Brasil, segundo o Atlas do Censo dos empregos oferecidos.
Demográfico 2010, lançado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística). As duas metrópoles se destacam por Mudança Histórica
apresentarem os maiores resultados de saldos migratórios,
isto é, mais pessoas vão viver nesses municípios do que se Na década de 1970, o Sudeste e, particularmente, o
mudam deles para outros lugares. interior paulista registravam os maiores volumes de movi-
São Paulo e Rio de Janeiro, por outro lado, deixaram de ser mentos populacionais do País, devido à industrialização e à
os principais polos de atração do País, embora seu volume de urbanização. Depois, começou a haver uma desconcentra-
imigrantes e emigrantes seja significativo. E outras metrópoles, ção industrial, e outros centros passaram a atrair migrantes,
como Belém, Fortaleza, Recife, Salvador e Porto Alegre, tam- como as capitais regionais.
bém apresentam fraco desempenho na atração de migrantes. Em São Paulo, destacam-se os fluxos para Campinas, San-
Segundo o IBGE, os fluxos de migrantes estão associados tos e Sorocaba, devido à economia. Outras capitais, como
às mudanças no mercado de trabalho e não são mais de pes- Vitória, Porto Velho e Palmas recebem migrantes pelas suas
soas com baixa qualificação. Há uma diversidade de tipos de funções administrativas.
pessoas que mudam de cidade pelo país, e o migrante com A publicação revela ainda que o Nordeste, tradicional-
mais escolaridade tem mais possibilidades de deslocamento mente associado a uma região de saída de habitantes, hoje
e opções profissionais. Brasília, por exemplo, apresenta um não apresenta perdas populacionais significativas.

A DISTRIBUIÇÃO DOS EFETIVOS DEMOGRÁFICOS NO TERRITÓRIO NACIONAL

Um Brasil povoado no litoral e vazio no interior: é o que em diante). O mapa utilizou a escala 1:5. 000.000 (1 cm = a
mostra o mapa de Densidade Demográfica de 2010, uma 50 km), que constitui a dimensão de um mapa mural.
imagem detalhada da distribuição espacial da população
brasileira no território nacional, a partir dos resultados do População brasileira se concentra nas zonas
Geografia do Brasil

Censo Demográfico 2010. litorâneas


Ele revela as enormes diferenças encontradas nas formas
de povoamento do País, sendo um registro e um elemento O mapa revela que as maiores densidades demográficas
fundamental para a discussão da geografia atual e das estra- – acima de 100 hab/km² –, estão situadas no entorno de São
tégias futuras de apropriação e uso do território brasileiro. Paulo, do Rio de Janeiro e de eixos espaciais intensamente
Para sua elaboração, foram hierarquizadas 10 classes de urbanizados, como a região do Vale do Paraíba e as áreas
densidades demográficas, permitindo-se identificar desde se- litorâneas ou próximas ao extenso litoral brasileiro, conse-
tores de baixíssima densidade populacional (até 1 habitante/ quência de um passado que implantou próximo à costa os
km²) até aqueles de densidade mais elevada (100 hab/km² primeiros e mais estáveis pontos de povoamento.

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A implantação da capital federal no interior do País foi A ESTRUTURA ETÁRIA DA POPULAÇÃO
responsável, em grande parte, pelos demais pontos de maior BRASILEIRA E A EVOLUÇÃO DE SEU
densidade demográfica fora das áreas próximas ao litoral,
localizados entre o eixo formado por Brasília e Goiânia – e
CRESCIMENTO NO SÉCULO XX
que atualmente começa a se articular longinquamente com
Entre os anos 40 e 60, o Brasil experimentou um declí-
Cuiabá. As capitais planejadas de Belo Horizonte e Teresina
nio significativo da mortalidade, mantendo-se a fecundidade
também interiorizaram grandes manchas urbanas nas regi-
em níveis bastante altos, produzindo, assim, uma população
ões Nordeste e Sudeste, enquanto Manaus se identifica como
quase-estável jovem e com rápido crescimento. A partir do
uma extensa mancha urbana situada em posição central na final da década de 1960, a redução da fecundidade, que se
Região Norte e na Amazônia sul-americana. iniciou nos grupos populacionais mais privilegiados e nas
regiões mais desenvolvidas, generalizou-se rapidamente e
Condições naturais e produção de commodities desencadeou o processo de transição da estrutura etária,
agrícolas respondem por baixas densidades que levará, provavelmente, a uma nova população quase-
demográficas no Norte e Centro-Oeste -estável, mas, desta vez, com um perfil envelhecido e ritmo
de crescimento baixíssimo, talvez negativo.
As extensões territoriais de densidades demográficas Essa transformação, que ocorre também em intensida-
mais baixas (até 1 hab/km²) abrangem os estados das regiões des diferentes, na maioria dos países em desenvolvimento,
Norte e Centro-Oeste, além de áreas do interior nordestino, particularmente da América Latina, implica a diminuição,
como o oeste baiano e o sul do Maranhão e Piauí. Áreas em termos relativos (e, às vezes, transitoriamente, em ter-
contíguas a essa mancha nordestina, situadas no noroeste mos absolutos), da população jovem. No caso do Brasil, a
mineiro, e manchas descontínuas situadas no sudoeste mi- presença de crianças com menos de cinco anos reduziu-se,
neiro e nos Pampas gaúchos, de tradição pastoril, também entre 1970 e 1990, de 15% para 11%.
estão dentre as áreas de menor povoamento. A participação do grupo etário de 5 a 9 anos declinou de
Essa vasta porção do território brasileiro de densidades 14% para 12%. A proporção de crianças nestes dois grupos
populacionais muito baixas encobre uma grande diversidade de idade continuou decrescendo, chegando, em 2000, a ta-
geográfica, seja associada mais diretamente às condições manhos similares (cada um representava cerca de 9% da po-
naturais, seja à própria dinâmica histórica que alterou fun- pulação total). Complementarmente, os grupos mais velhos
ções e usos tradicionais que a sociedade fazia dos espaços aumentaram sua participação; a população de 65 anos ou
menos densos. mais, por exemplo, aumentou de 3,1%, em 1970, para 5,5%,
Nesse sentido, situam-se nas classes de mais baixas em 2000. O formato, até então extremamente piramidal, da
densidades populacionais tanto as enormes extensões de estrutura etária começou, então, de sua base, a desaparecer,
cobertura florestal da Amazônia, ainda pouco alteradas pela anunciando um rápido processo de envelhecimento e uma
ação humana e muitas vezes destinadas a Terras Indígenas ou distribuição praticamente retangular, no futuro.
Unidades de Conservação, como as superfícies intensamente
apropriadas e comprometidas com a produção de commodi- As Relações Intergeracionais
ties agrícolas do cerrado do Planalto Central, que abrangem
áreas não só do Centro-Oeste como do Nordeste oriental. As transformações na estrutura por idade alteram, ob-
Essas enormes extensões do País vieram, em grande par- viamente, as relações intergeracionais. Isso pode ser visto,
te, de um passado pastoril/minerador de baixos índices de em primeiro lugar, pela evolução da participação dos três
ocupação para um presente cuja modernização do processo grandes grupos etários (menos de 15 anos, de 15 a 64 anos
produtivo gera uma paisagem “vazia”, dominada por inten- e 65 anos e mais) na população total, no período 1950-2050.
sa mecanização agrícola ou especialização pecuária (Mato A composição da população permaneceu, como dito, quase-
Grosso do Sul) associada a uma urbanização dispersa e/ou -estável, até o início dos anos de 1970. A partir de então,
com cidades linearmente distribuídas ao longo dos rios, como inicia-se o rápido processo de desestabilização da estrutura
no caso da parte ocidental da Região Norte, ou ao longo etária brasileira. As mudanças mais acentuadas se operam
das estradas, como no Centro-Oeste e porção oriental da nas idades extremas: os menores de 15 anos perderam re-
presentatividade, desde os anos 70; os maiores de 65 anos
Região Norte.
apresentarão peso relativo crescente durante toda a primeira
metade deste século.
Zonas de ocupação intermediária encobrem A alteração nas relações intergeracionais pode ser vista,
pequenas propriedades rurais e áreas de também, pela Razão de Dependência (RD) e do Quociente
colonização planejada no Sul e no Nordeste Idosos-Jovens (QIJ).
A Razão de Dependência Total (RDT) não retornará aos
Entre esses dois extremos, nas classes intermediárias de altos níveis registrados durante os três primeiros quartos
densidade populacional (de 15 a 100 hab/km), permeia um do século passado (em torno de 80%), devendo estabilizar-
povoamento relacionado ora às áreas de ocupação agrícola -se ao redor de 58%, embora a Razão de Dependência dos
mais intensa, localizadas em zonas úmidas da Região Nordes- Idosos (RDI) provavelmente duplicar-se-á, entre 2000 e 2025,
te, ora às áreas cuja ocupação agropecuária esteve associada e quadruplicar-se-á, se considerado o período 2000-2050.
Geografia do Brasil

a uma malha fundiária de pequenos estabelecimentos rurais, O enorme crescimento da RDI será mais do que compen-
como no noroeste do Rio Grande do Sul e oeste de Santa sado, na constituição da RDT, pelo grande declínio da Razão
Catarina e Paraná. de Dependência de Jovens (RDJ), que deverá se estabilizar
É também a malha fundiária mais fragmentada responsá- ao redor de 28%, a partir de 2050. Há de se atentar para
vel pelas densidades um pouco maiores do agreste nordesti- o fato de que a abrupta queda da RDT, durante a segunda
no e de manchas de pequenos estabelecimentos associados metade do século passado, de 80% para aproximadamente
a projetos de colonização públicos e privados distribuídos ao 55%, deu-se pelo declínio da RDJ. Por outro lado, durante
sul do Mato Grosso do Sul, a leste e norte de Mato Grosso o período 2000-2050, haverá relativa estabilidade na RDT,
e a leste do Pará. no entanto com profunda mudança em sua composição:

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enquanto em torno de 85% da RDT, em 2000, era devida à anos diminuiria a um ritmo de 0,46% ao ano. A população
população jovem, sua contribuição, em 2050, será, prova- idosa ainda aumentaria, anualmente a 2,4%.
velmente, menor do que 50%. O aumento populacional se dará entre adultos e, princi-
O QIJ, referido com frequência como Índice de Enve- palmente, idosos. Entre os adultos, todavia, haverá, já a partir
lhecimento, é uma medida que considera apenas os dois de 2005, subgrupos etários crescendo a taxas negativas. O
grupos etários extremos, aqueles mais afetados pelas atuais volume anual de população que se incorporará à faixa etária
mudanças demográficas. Sua evolução mostra a velocidade de 65 anos e mais aumentará continuamente. Em média,
do processo de envelhecimento. Comparações feitas por anualmente, o acréscimo será, talvez, de mais de 550 mil
Moreira apontam o Brasil entre os países com o ritmo mais idosos, no primeiro quartel do século XXI, e superará a casa
acentuado de crescimento deste QIJ nas próximas décadas. de um milhão, entre 2025 e 2050.
Em 2025, o QIJ será, provavelmente, quase cinco vezes maior Entre 2000 e 2005, houve diminuição do tamanho abso-
do que aquele observado em 1975. Para cada conjunto de luto da população nos grupos etários de 10 a 14 e naquele
100 jovens menores de 15 anos, deverá haver em torno de de 15 a 19 anos. Isso se explica pelo fato de que no número
46 idosos, em 2025, contra 10, em 1975. Em 2050, o número de nascimentos decresceram, entre os quinquênios 1980-
de pessoas idosas ultrapassaria o de crianças. 1985, 1985-1990 e 1990-1995. Logo, haverá sempre declínio
do número de indivíduos, com o passar do tempo, naqueles
Oscilações e Ritmos Diferenciados de Crescimento grupos etários em que, entre aquelas três gerações, a mais
Populacional velha for substituída pela mais jovem. Trata-se de fenôme-
no registrado pela primeira vez no País e que terá impacto
Pode-se alcançar uma melhor compreensão da trajetória sobre o número absoluto de idosos (65 anos e mais) apenas
da transição da estrutura etária brasileira no período de 2000 a partir de 2050. Contudo, mesmo então, a população idosa
a 2050, ao se considerarem taxas médias de crescimento anu- continuará a crescer, mesmo que em ritmo menor, e não
al de grupos etários mais específicos. As populações nos gru- haverá declínio na proporção da população brasileira por
pos de 0-14 e 15-24 anos, nascidas depois de 1975, portanto ela constituída, pois estará ocorrendo, concomitantemen-
durante o período de declínio da fecundidade, aumentarão, te, diminuição de pessoas em todas as idades abaixo de 45
nos primeiros anos do presente século, a taxas bem abaixo anos. Isso porque se prevê que o número de nascimentos
do valor médio da população total. A partir de 2020 (grupo no país cairá durante todo o período compreendido entre
de 0-14anos) e de 2030 (grupo de 15 a 24 anos) deverão 2010 e 2050.
apresentar, inclusive, taxas negativas de crescimento.
A população de 25 a 64 anos, em que se concentra a força A População Idosa
de trabalho, apresentou até 2005 taxas de crescimento acima
de 2%. Seu ritmo de aumento sofrerá forte desaceleração, já Como já visto, o maior ritmo de crescimento da popula-
no curto prazo, e seu tamanho absoluto deverá se estabilizar ção idosa é que levará ao envelhecimento populacional. De
por volta de meados do século XX. Os grupos acima de 65 3,1%, em 1970, as pessoas com 65 ou mais anos de idade
anos aumentarão a taxas positivas e altas durante todo o deverão corresponder, em 2050, a aproximadamente 19%
período. Taxas de crescimento superiores a 4% são esperadas da população brasileira. A população idosa, por sua vez, so-
para a população de 75 anos e mais, durante grande parte
frerá uma profunda mudança em termos de sua distribuição
da primeira metade do presente século.
interna, tanto etária, quanto entre os sexos.
É este padrão de crescimento diferenciado por idade,
Enquanto 17% dos idosos, de ambos os sexos, em 2000,
baixo ou negativo, no segmento jovem; médio ou baixo, para
tinham 80 anos ou mais de idade, em 2050 corresponderão,
a população em idade ativa, até 2025, e praticamente nulo
provavelmente, a aproximadamente 28%. Entre as mulheres,
no restante do período; muito alto no contingente de idosos,
o peso das mais idosas passará de 18% para em torno de
que caracterizará a transição da estrutura etária brasileira
durante a primeira metade do presente século. 30,8%. Isso significará um grande envelhecimento da própria
As consequências de diferentes taxas de crescimento, no população idosa.
tamanho absoluto da população dos vários grupos etários, Para cada grupo de 100 mulheres idosas, havia, em 2000,
torna-se uma questão importante a ser considerada. Apesar ao redor de 81 homens idosos; em 2050, haverá, provavel-
de a fecundidade já ter alcançado o nível de reposição e mente, apenas em torno de 76 idosos do sexo masculino.
de, certamente, atingir níveis ainda mais baixos, no futuro Entre aqueles com 80 ou mais anos de idade, para cada con-
próximo, a população como um todo deverá ainda crescer du- junto de 100 mulheres, o número de homens deverá cair,
rante o período analisado, ainda que a um ritmo rapidamen- entre 2000 e 2050, de 71 para 61. Haveria, pois, em meados
te decrescente. Conviverão grupos etários que diminuirão, do século, quase duas mulheres para cada homem, entre
em termos absolutos, com outros crescendo rapidamente aqueles mais idosos.
(população idosa). Deve-se observar que, entre os anos 2025 e 2050, haveria
As projeções mais recentes preveem que, entre 2000 e um aumento da razão de sexo nos grupos quinquenais ente
2050, 88 milhões de pessoas serão, provavelmente, adicio- 65 e 79 anos. Isso se daria porque se prevê, nas projeções,
nadas à população total 1. Apesar disso, entre os jovens, que as coortes nascidas após 1980 experimentariam, conco-
como já visto, taxas de crescimento negativas prevalecerão, mitantemente ao declínio da mortalidade, uma diminuição
Geografia do Brasil

o que trará, como consequência, a diminuição no número da sobre mortalidade masculina. Esta se daria especialmen-
absoluto deste segmento populacional. Durante o período, te após os 40 anos de idade. Trata-se de hipótese bastante
o tamanho da população com menos de 15 anos deverá de- plausível, pois a sobremortalidade masculina brasileira nas
crescer em algo próximo de cinco milhões. Enquanto, entre últimas décadas tem-se mostrado muito alta, se comparada
2000 e 2050, a população total deverá crescer cerca de 50%, aos padrões internacionais.
aquela abaixo de 15 anos declinaria em torno de 10%. No Se essa hipótese de projeção se confirmar, entre 2025 e
último quinquênio analisado, 2045-2050, a população total 2050 haveria um leve aumento da razão de sexo global entre
do País cresceria, por ano, a uma taxa média de apenas 0,28% os idosos (de 0,739 para 0,757), apesar do declínio da razão
(muito próxima de crescimento nulo), aquela abaixo de 15 entre os mais idosos (de 0,635 para 0,606).

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Janela Demográfica atinja seu pico até 2020 e daí por diante despenque até 2040,
estabilizando-se em seguida. Segundo José Eustáquio, este
O dilema que o Brasil se prepara para enfrentar nos próxi- período futuro reserva grandes mudanças demográficas.
mos 20 anos, os países mais desenvolvidos já enfrentam des-
de o século passado, quando a população de idosos passou a Crescimento Demográfico no Brasil
crescer mais que a de jovens. Se por um lado, a redução da
taxa de fecundidade fez cair a razão de dependência demo- Sobre o Brasil, José Eustáquio adiantou algumas pro-
gráfica (calculada pelo número de pessoas ativas que susten- jeções do IBGE que serão divulgadas apenas em agosto. A
tam inativas), beneficiando o desenvolvimento da economia população brasileira, que cresceu 50 vezes em 200 anos,
global, por outro, exigiu dos países altos investimentos para passando de 3,4 milhões de pessoas para 170 milhões, atin-
suprir as necessidades de proteção da população cada vez girá 200 milhões até 2014. Já a projeção da ONU é que o país
mais longeva. A diferença é que os países mais desenvolvidos alcance esse patamar ainda em 2013. Nas próximas décadas,
aproveitaram a janela do bônus demográfico – período que porém, a população não deverá crescer muito, segundo a
a população economicamente ativa é maior que a inativa – ONU, devendo atingir 220 milhões. A maior queda começará
para enriquecer. O Brasil, entretanto, pode perder a chance a partir de 2100, quando chegará a 195 milhões de pessoas.
de ficar rico se não aproveitar essa janela, que deve se fechar José Eustáquio explica que essa redução tem a ver com
em no máximo 15 anos, para desenvolver sua economia. a transição urbana, que hoje no país corresponde a 85%
Caso o envelhecimento da população brasileira ocorra em do total de habitantes. “Nas cidades, o nível de educação é
ritmo mais veloz do que o previsto e a economia não se de- maior e também os custos com transportes e alimentação, o
senvolva no patamar esperado, a ponto de reduzir a pobreza, que tem efeito sobre a dinâmica das famílias e a fecundida-
aumentar o nível de emprego e a qualidade de vida, então, de”, explica. Na projeção de esperança de vida, a ONU indica
na visão do demógrafo José Eustáquio Alves, o futuro do que em 2100 as mulheres viverão em média até 90 anos e
País será nebuloso. Mas, mesmo diante do fraco crescimento os homens até 85 anos. Avaliando essa projeção na linha do
econômico atual e da falta de perspectivas de mudanças no tempo, José Eustáquio observa que entre 1950 e 2010 houve
curto prazo, ele prefere manter uma visão mais otimista, um ganho grande no país também em qualidade de vida.
acreditando que o país conseguirá vencer os obstáculos e Do combate à fome de décadas atrás, hoje, o Brasil se
prover proteção para a população de idosos no futuro. vê diante de outros indicadores que revelam a melhoria de
Foi esta visão que José Eustáquio Alves apresentou em vida. Caso do indicador antropométrico, segundo o qual,
sua palestra “Mesa Redonda Economia e Seguro: os Desafios atualmente, 50% da população masculina e 48% da femini-
da Demografia”, realizada pela Escola Nacional de Seguros na têm excesso de peso. Além disso, 12% dos homens são
(Funenseg), dia 2 de junho, no Hotel Maksoud Plaza, em obesos e 16% das mulheres também. “Se morre muito mais
São Paulo (SP), com a participação dos economistas Clau- hoje no Brasil de obesidade do que de fome”, diz. Aliás, so-
dio Roberto Contador e Lauro Faria. Prestigiando o evento, bre as mortes por causas externas, ele apresentou um dado
o presidente do CVG-SP, Dilmo Bantim Moreira, interagiu alarmante: 115 mil pessoas morrem por ano no país em aci-
com os especialistas, apresentando questões relacionadas dentes de transito ou homicídios. “O número corresponde
ao ramo de pessoas. ao dobro de mortes de soldados americanos na Guerra do
Vietnã em 15 anos. Isso explica porque existem mais mulhe-
Mudanças Demográficas no Mundo res que homens”, observa.

Um estudo divulgado pela revista The Economist anos Bônus Demográfico


atrás previa que até 2014 a economia do Brasil ultrapassa-
ria a da Inglaterra e da França; até 2020, seria maior que a A taxa de fecundidade, que até a década de 40 era de 6
da Alemanha; e em 2030 que a do Japão. Por fim, o estudo filhos em média por mulher, caiu até chegar aos 1,9 filho, atu-
apontava o Brasil como a quarta economia do mundo até almente. José Eustáquio explica que essa taxa não resulta em
2050, atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos. Para crescimento da população, porque dois filhos repõem apenas
chegar a esse resultado, segundo José Eustáquio, o estudo os pais. “Se continuar nesse patamar a população estabiliza,
considerava a questão demográfica e o crescimento anual da mas se baixar a população diminui”, analisa. Porém, estudos
economia brasileira na média de 4% a 5% ao ano. revelam que a tendência é de queda. No estudo do Ipea, por
“Como na época todas as economias emergentes esta- exemplo, que relaciona a Taxa de Fecundidade Total (TFT)
vam crescendo acima das economias avançadas, previa-se com o crescimento do PIB, verifica-se que o pico (14%) foi
um processo de redução das desigualdades, mais conhe- atingido na década de 1970, época do “Milagre Econômico
cido como grande convergência”, explica. Entretanto essas Brasileiro”. Em seguida, caiu no período de recessão e, pos-
previsões não se concretizaram. O Brasil não cresceu nesse teriormente, se recuperou na fase do Plano Real.
patamar e tampouco a economia global. “Teoricamente, Atualmente, a razão de dependência está abaixo de 50,
crescer 4% ao ano não é impossível”, pondera o especialista. o que significa, segundo o demógrafo, que cada pessoa em
Mas, além de a economia global não atingir o desempe- idade de trabalhar sustenta 0,5 pessoa dependente. “Se a
nho esperado, um fator vem agravando a situação. Trata-se dependência diminui, as pessoas têm mais recursos para
da elevação da razão de dependência demográfica, que re- investir em si própria e na família”, afirma. Mas ele avalia
Geografia do Brasil

presenta a dependência da população mais velha em relação que esse bônus demográfico não pode ser sacado automa-
à população em idade ativa (PIA). Segundo José Eustáquio, ticamente. Para ser real, deve vir acompanhando de investi-
por enquanto, a carga de dependência demográfica ainda é mentos em educação, saúde e geração de emprego. “O que
maior nos países do G-7 do que nos países emergentes que adianta ter muita gente em idade de trabalhar se não tiver
integram o grupo do E-7, do qual o Brasil participa. emprego, ou muita gente trabalhando sem produtividade?”.
Previsões alarmistas indicam que os países do G-20, que Para José Eustáquio, agora é o momento de o país apro-
representam 80% da economia global, devem parar de cres- veitar o bônus demográfico, porque no futuro a carga de
cer em virtude da maior razão de dependência, resultado dependência demográfica aumentará. “O bônus só acontece
do envelhecimento da população. A previsão é que a PIA uma vez e nunca mais”, adverte. Ele também alertou sobre o

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“Tsunami grisalho”, representado em gráfico em que a linha destacam-se as grandes rodovias paulistas, como os sistemas
do aumento da população mais velha cresce no formato de Anhanguera-Bandeirantes (entre São Paulo e Campinas),
uma onda. Em 2014 haverá mais pessoas de 60 anos do que Anchieta-Imigrantes (entre São Paulo e a Baixada Santista)
de 14 anos. Em 2010, havia 2 milhões de pessoas com 60 e Dutra-Ayrton Senna (entre São Paulo e o Vale do Paraíba).
anos ou mais no Brasil; em 2050 serão 70 milhões. Em 2060, Na década de 1980, a crise financeira do Estado brasileiro
haverá 10 milhões de pessoas no Brasil com 85 anos ou mais. repercutiu sobre a conservação da vasta malha rodoviária.
“O envelhecimento populacional não depende da longe- A deterioração acelerada das estradas e a falta de recursos
vidade, mas da fecundidade, que reduz a base da pirâmide e para investimentos novos em construção e pavimentação
aumenta a proporção dos mais velhos no topo”, observa. De assinalaram o encerramento de uma era. Na década seguinte,
acordo com projeções da ONU, se a taxa de fecundidade cair no interior dos programas de desestatização, a administração
ainda mais rápido no Brasil, em 2050 metade da população de inúmeras rodovias federais e estaduais passou ao controle
brasileira estará acima de 60 anos; 45% acima de 65 anos e de concessionários privados.
um quarto com mais de 80 anos. Mas se a taxa de fecundida-
de se mantiver na média, a idade mediana da população será Rumo a uma Nova “Bacia de Drenagem”
de 50 anos. “Em 1965, a idade mediana era de 18 anos”, diz.
Para José Eustáquio, o envelhecimento da população é O sistema de transportes constitui um elemento crucial
inevitável. O que não se sabe é se o envelhecimento será na economia. Os custos de deslocamento incidem sobre os
lento ou rápido. “O Brasil vive seu melhor momento demo- custos das matérias-primas e dos produtos finais que chegam
gráfico, com a menor razão de dependência demográfica. aos consumidores. Sistemas de transportes caros limitam as
Temos mais 10 ou 15 anos para aproveitar essa janela de localizações empresariais e reduzem o potencial de geração
oportunidade”, diz. Mas, para acabar com a pobreza e o de- de riquezas de toda a economia. O espaço geográfico é, nes-
semprego, a economia precisaria crescer 4%, segundo ele. se caso, “rugoso”. A política nacional de transportes gerou
“A tendência é que a economia brasileira e mundial diminua elevados custos de deslocamento, em função do predomínio
o ritmo de crescimento. Mas o envelhecimento não deve das rodovias e da precária integração entre os diferentes
parar”, afirma. modos de transporte.
A rede brasileira de rodovias reflete a estrutura centro-
INTEGRAÇÃO ENTRE INDÚSTRIA, ESTRUTURA -periferia da economia nacional. No seu desenho, destaca-se
URBANA, REDE DE TRANSPORTES E SETOR o contraste de densidades viárias entre o Centro-Sul, o Nor-
AGRÍCOLA NO BRASIL deste e a Amazônia. Essa rede estabeleceu-se como produ-
to de uma economia estruturada sobre o mercado interno.
As redes de transportes são espelhos dos modelos de Os longos trajetos de cargas em caminhões encarecem as
organização da economia. As redes implantadas no Brasil, exportações nacionais, reduzindo a sua competitividade no
nas últimas décadas do século XIX e no início do século XX, mercado mundial.
refletiam as necessidades do modelo agroexportador. O trem O novo modelo econômico brasileiro exige um reorde-
foi o meio de transporte típico dessa etapa. namento profundo do sistema de transportes, a fim de in-
O traçado das redes regionais interligava as áreas pro- crementar a eficiência geral da economia, diminuir os custos
dutoras de mercadorias tropicais aos portos exportadores. de deslocamento e conferir maior competitividade às ex-
A principal rede era a constituída pela malha de ferrovias da portações. A política de transportes elaborada nas últimas
região cafeeira paulista, que se abria em legue para as terras décadas destinava-se a configurar uma nova estrutura em
do interior e se afunilava na direção do porto de Santos. Es- “bacia de drenagem”, por meio de empreendimentos ferro-
sas redes configuravam estruturas de “bacia de drenagem”, viários e hidroviários. Diante da incapacidade financeira do
pois destinavam-se a conduzir a produção nacional até os Estado para fazer frente a esses investimentos, o governo Lula
pontos de saída rumo aos mercados internacionais. Os trens lançou um programa de parcerias público-privado (PPP), por
percorriam o trajeto interior-litoral carregados de produtos meio do qual o Estado oferecia uma série de garantias aos
de exportação e, geralmente, retornavam vazios. empresários interessados em realizar investimentos no setor.
A emergência da economia urbano-industrial implicou Alguns dos principais empreendimentos destinavam-se a
a decadência do transporte ferroviário e uma opção pela impulsionar a expansão da agropecuária no Centro-Oeste e
implantação de uma rede rodoviária nacional. A nova política na Amazônia meridional. As porções central e meridional do
de transportes, esboçada na década de 1930, consolidou-se Mato Grosso do Sul já estão conectadas aos portos de Santos
com a criação da Petrobras e com o desenvolvimento da e Paranaguá pelas ferrovias Noroeste do Brasil, Novoeste
indústria automobilística. e Ferropar. Os trilhos da Ferronorte alcançaram a porção
Essa política orientou-se pela criação das grandes rodo- setentrional do Mato Grosso do Sul e, numa segunda eta-
vias de integração nacional. O Nordeste e o Sul foram co- pa, devem atingir Cuiabá e Porto Velho. O ramal ferroviário
nectados ao Sudeste pela BR-116 e, depois, pela BR-101. Cuiabá-Santarém é um projeto de prazo mais longo, mas está
Nas décadas de 1950 e 1960, as capitais do Centro-Oeste e em andamento a privatização de trechos da rodovia que liga
Brasília foram conectadas ao Sudeste. Em seguida, Brasília essas duas cidades, fundamental para o escoamento da soja
e Cuiabá tornaram-se os trampolins para a integração da produzida no Mato Grosso e que se encontra em condições
Geografia do Brasil

Amazônia. Os eixos principais da “conquista da Amazônia” dramáticas.


foram a BR-153 (Belém-Brasília) e a BR- 364, que parte do A conclusão da segunda etapa da Ferronorte representa-
Mato Grosso e abre caminho para Rondônia e para o Acre. rá uma dupla conexão das áreas agrícolas do oeste do Mato
Um eixo secundário foi a BR-163 (Cuiabá-Santarém), cuja Grosso e de Rondônia. Ao sul, a produção será escoada pelos
pavimentação se interrompe antes da divisa norte do Mato portos de São Paulo e do Paraná ou, através da hidrovia
Grosso e só é retomada nas proximidades de Santarém. do Rio Paraná, para a Argentina. Ao norte, pela hidrovia do
Uma estratégia complementar consistiu na modernização Madeira, atingirá o Rio Amazonas e, daí, o Oceano Atlântico.
e expansão das ligações viárias que servem aos principais ei- A ferrovia também servirá para aliviar a demanda sobre a
xos de circulação do Sudeste. Entre esses empreendimentos BR-364.

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A Ferrovia Norte-Sul e a projetada Hidrovia Araguaia-To- estratégia escolhida para a redução dos custos, por meio da
cantins são empreendimentos complementares destinados mecanização e do fim do controle sindical sobre contratação
a promover a valorização agropecuária de uma vasta área de mão de obra na estiva.
de influência, que se estende pelo oeste baiano, por Goiás Os empreendimentos em infraestrutura de transportes
e Tocantins e pelo nordeste do Mato Grosso. A estrada de geram novos polos de crescimento econômico e acendem
ferro estará conectada às rodovias e ferrovias do Sudeste. disputas pela atração de investimentos. No Nordeste, dois
Do outro lado, tanto a ferrovia como a hidrovia projetada novos e modernos portos foram empreendimentos prioritá-
interligam-se à Estrada de Ferro Carajás, que transporta mi- rios dos governos estaduais na década de 1990: Suape, em
nérios e grãos para o Porto de Itaqui, no Maranhão. O novo Pernambuco, e Pecém, no Ceará. Em torno deles, surgiram,
eixo ferroviário em construção tende a reduzir o transporte por meio de generosos incentivos fiscais, distritos industriais
de cargas através da BR-153. com vocação exportadora.
O projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins O projeto da Na Amazônia oriental, a Estrada de Ferro Carajás ativou
hidrovia data dos fins da década de 1960, tendo sido retoma- uma disputa entre o Maranhão e o Pará, que já dura cerca
do a partir dos anos de 1980, com o objetivo de implementar de três décadas. A Ferrovia Norte-Sul e o projeto da Hidrovia
a navegação comercial na bacia do Tocantins-Araguaia, em Araguaia-Tocantins configuram variáveis novas na compe-
trechos já navegáveis durante boa parte do ano. tição entre os dois estados por investimentos e empregos.
A hidrovia Tocantins-Araguaia faz parte de um projeto
maior que pretende oferecer flexibilidade a navegação no O Processo de Industrialização e suas Repercussões
interior do Brasil, ao promover a integração entre as bacias na Organização do Espaço
do Paraguai, Tocantins e Amazonas, por meio dos rios Ara-
guaia, Tocantins, São Francisco, Paraná, Guaporé e Madeira. Os processos de industrialização promovem a concen-
A construção das Eclusas de Tucuruí surgiu da necessi- tração espacial da riqueza e dos recursos financeiros e pro-
dade de vencer o desnível de cerca de 75 m, imposto pela dutivos. Na etapa inicial da industrialização, os custos de
construção da barragem da Usina hidrelétrica de Tucuruí e transferência são extremamente elevados, devido ao fraco
para permitir a navegação desde Belém até Marabá. Quando desenvolvimento dos transportes e das comunicações. O es-
prontas, serão as maiores eclusas do mundo (em desnível). paço geográfico oferece um espectro limitado de opções de
Naquele trecho do rio Tocantins a navegação, para grandes localização para as empresas industriais. As fábricas instalam-
barcos, era impossibilitada pela existência de inúmeras cor- -se nas escassas localizações que se destacam pela amplitude
redeiras. do mercado consumidor, pela oferta de força de trabalho
As obras do sistema de transposição de desníveis da UHE ou pelos recursos naturais e matérias-primas disponíveis.
Tucuruí tiveram início em 1981 quando a execução foi inicia- Na etapa seguinte, manifesta-se a força das economias
da pela Eclusa 1, obras essas consideradas obrigatórias para de aglomeração. Os centros industriais pioneiros recebem
permitir o enchimento do reservatório da Usina Hidrelétrica infraestruturas de energia, transportes e comunicações. O
de Tucuruí. Até 1984 as obras tiveram andamento normal e dinamismo industrial impulsiona o crescimento demográfico
a partir deste ano o ritmo foi diminuindo até a total parali- das cidades, provocando ampliação dos mercados consumi-
sação em 1989. Somente em 2010 o projeto foi concluído e dores e da oferta de força de trabalho. As fábricas já implan-
foi possível retornar a navegação no Tocantins. tadas produzem bens intermediários, que funcionam como
Já principal empreendimento de transporte fluvial no insumos para outras fábricas. Indústria atrai indústria: em
país, em função da sua influência sobre vastas áreas de eco- torno dos pontos pioneiros, formam-se manchas industriais
nomia dinâmica e diversificada, é a Hidrovia Tietê-Paraná, cada vez mais complexas e diversificadas.
que conecta o Centro-Sul aos vizinhos do Mercosul. A sua Essa tendência de concentração espacial acompanhou
viabilização envolveu a construção de diversas eclusas, que a industrialização brasileira, desde o início do século XX. Em
possibilitam a transposição das barragens dos rios da Bacia escala nacional, o seu resultado foi a configuração, no Sudes-
do Paraná. te, de uma região industrial central, dinâmica e integrada.
A configuração de uma estrutura de “bacia de drenagem” O núcleo dessa região corresponde ao estado de São
capaz de contribuir para a inserção competitiva do País na Paulo.
economia globalizada depende da integração dos diferentes Além da dinâmica da economia de mercado, a geografia
modos de transporte. As cargas devem ser transferidas, com industrial depende das estratégias do Estado. Entre as déca-
eficiência e baixo custo, entre caminhões, vagões ferroviários das de 1940 e 1960, a política estatal de desenvolvimento da
e comboios fluviais. Por isso, o sucesso das novas redes em grande siderurgia reforçou as tendências de concentração
implantação envolve a construção de estações intermodais e espacial da indústria no Sudeste. O poder multiplicador da
terminais especializados junto às ferrovias, hidrovias e portos siderurgia e as infraestruturas de transportes a ela associadas
marítimos. aprofundaram o abismo entre a região industrial central e o
Os portos marítimos e fluviais onde atracam embarca- restante do País. No Sul e no Nordeste, formaram-se regiões
ções de longo curso representam os elos principais entre o industriais periféricas, bastante distintas uma da outra. Na
sistema nacional de transportes e o mercado mundial. Do Amazônia e no Centro-Oeste, as indústrias estabeleceram-se
ponto de vista da movimentação de cargas, os maiores por- como enclaves isolados. Em escala regional, o movimento
tos brasileiros são dois grandes terminais exportadores de concentrador gerou aglomerações industriais associadas às
Geografia do Brasil

minérios e produtos siderúrgicos: Tubarão, no Espírito Santo, metrópoles.


e Itaqui, no Maranhão. No litoral do Sudeste encontra-se A maturidade industrial representa a ruptura da tendên-
a maior concentração de portos de forte movimento. Na cia de concentração espacial. A evolução das tecnologias e
Região Sul, destacam-se as exportações agropecuárias de infraestruturas de transportes e comunicações reduz signifi-
Paranaguá e Rio Grande. cativamente os custos de transferência. O espaço geográfico
Os custos portuários brasileiros chegaram a figurar entre torna-se mais fluido, descortinando inúmeras novas locali-
os mais elevados do mundo, em função da fraca mecanização zações adequadas para a indústria.
das operações de embarque e desembarque e da intrinca- Nessa etapa, manifesta-se a força das deseconomias de
da burocracia administrativa. A privatização dos portos foi a aglomeração. Nas regiões industriais tradicionais, crescem os

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custos dos terrenos e dos imóveis, assim como os impostos nais ou nacionais sediadas em São Paulo. A descentralização
municipais. A força de trabalho, organizada em sindicatos espacial desenvolve-se paralelamente à centralização finan-
e associações, consegue aumentos salariais. Outros custos, ceira, comandada pela principal metrópole do País.
de difícil mensuração, originam-se do congestionamento de O Sudeste é o polo gerador do progresso industrial do
tráfego e da poluição ambiental típicos das metrópoles. Em Centro-Sul e, em geral, de todo o PAÍS. No seu interior, as
busca do melhor retorno para o capital, os investimentos principais concentrações industriais estão associadas às
industriais são desviados para as novas localizações. aglomerações metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro
No Brasil, esse fenômeno começou a se desenvolver, em- e Belo Horizonte.
brionariamente, na década de 1970. Nos decênios seguintes, A distribuição geográfica da indústria, porém, é bastante
a perda de participação do Sudeste na força de trabalho da complexa. A grande siderurgia, implantada entre as décadas
indústria de transformação tornou-se mais significativa. de 1940 e 1970, revela a importância de fatores políticos e
As novas tendências, porém, não configuram, rigoro- econômicos nas decisões locacionais. A interiorização da in-
samente, um processo de desconcentração espacial da in- dústria paulista, por sua vez, reflete as tendências de descen-
dústria de transformação. De um lado, porque o Sudeste tralização geradas por deseconomias de aglomeração. Esse
concentra as indústrias mais modernas, realizando mais de processo gerou novas opções locacionais, que transbordam
60% do valor bruto da produção industrial nacional. De ou- para o Triângulo Mineiro e o sul de Minas Gerais.
tro, porque a redução da participação do Sudeste na força A cidade de São Paulo transformou-se no principal polo
de trabalho industrial correspondeu a um crescimento da industrial do País já nas primeiras décadas do século XX. A
participação do Sul. Os novos investimentos impulsionam a economia cafeeira de exportação gerou as condições para
integração industrial em todo o Centro-Sul do País. o arranque industrial.
Assim, desenvolve-se um processo de “descentralização São Paulo encontrava-se em situação geográfica estra-
na concentração”. O geógrafo Milton Santos observou que tégica, como elo de ligação entre o leque de ferrovias que
esse processo é um aspecto da tendência mais ampla de se abria para o oeste cafeeiro e o porto de Santos. A capital
soldagem entre as estruturas produtivas do Sudeste e do Sul. tornou-se o centro dos negócios de exportação e importação
Ele sugeriu identificar uma Região Concentrada, formada por e das atividades bancárias, atraindo capitais e empresários.
essas duas macrorregiões e polarizada pelo capital financeiro O fluxo imigratório, orientado inicialmente para o café, gerou
estabelecido no estado de São Paulo. uma classe operária numerosa, constituída por trabalhadores
A análise da evolução da participação na força de trabalho italianos e espanhóis. O crescimento econômico do interior
da indústria de transformação, no âmbito dos estados, capta abria vastos mercados consumidores para os manufaturados
com mais nitidez as direções da descentralização industrial. que começavam a ser fabricados na capital.
Em aproximadamente duas décadas, a participação do esta- As primeiras áreas industriais paulistanas situaram-se
do de São Paulo na força de trabalho industrial reduziu-se de ao longo do eixo ferroviário que ligava a cidade ao Rio de
mais de metade para algo em torno de um terço. Em termos Janeiro (Estrada de Ferro Central do Brasil), nos bairros do
relativos, a redução da participação do Rio de Janeiro foi Belenzinho, Brás e Mooca. Outro distrito industrial surgiu na
tão grande quanto a de São Paulo, enquanto Minas Gerais Lapa, junto aos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana. Com
e o Paraná experimentaram significativa ampliação da sua as indústrias, a cidade cresceu e se transformou.
parcela na força de trabalho industrial. No pós-guerra, o crescimento industrial alterou a locali-
O estado de São Paulo continua a exibir larga liderança zação das regiões fabris de São Paulo. A indústria transbor-
no emprego industrial, apesar do declínio relativo recente. dou os limites do município da capital, difundindo-se para
O declínio do Rio de Janeiro é mais antigo e já fez com que as cidades vizinhas e acelerando o processo de conurbação.
o estado perdesse a segunda posição no emprego industrial Os eixos rodoviários substituíram as linhas de trem, atraindo
nacional. Mas os investimentos repelidos pelas desecono- as novas fábricas que se implantavam.
mias de aglomeração de São Paulo e do Rio de Janeiro não Ao longo do eixo da via Anchieta, em direção à Baixada
procuram, em sua maior parte, o Nordeste. As decisões loca- Santista, os municípios de Santo André, São Bernardo do
cionais mais significativas conduzem à implantação de novas Campo, São Caetano do Sul e Diadema passaram a abrigar as
unidades produtivas em Minas Gerais ou na região Sul, refor- grandes montadoras automobilísticas. Com elas, instalaram-
çando as desigualdades macrorregionais de industrialização. -se as fábricas de autopeças e as metalúrgicas e, mais tarde,
A Região Concentrada beneficia-se de vantagens locacio- as indústrias químicas. O chamado ABCD transformou-se na
nais extraordinárias. Nela, encontram-se os maiores e mais maior aglomeração industrial da América Latina e no foco
dinâmicos mercados consumidores, as reservas de força de principal do movimento sindical brasileiro.
trabalho de melhor qualificação e uma diversificada base in- No eixo da via Dutra, em direção ao Rio de Janeiro, uma
dustrial que oferece bens de capital e intermediários para as significativa aglomeração industrial foi criada no município
novas fábricas. Os investimentos repelidos pelas metrópoles de Guarulhos. Entre os eixos das rodovias Raposo Tavares e
são atraídos pelas cidades médias servidas por adequadas Castelo Branco também surgiu uma região fabril, envolven-
infraestruturas de transportes e comunicações. As decisões do particularmente os municípios de Osasco e Carapicuíba.
locacionais das montadoras de veículos ilustram as tendên- Um extenso arco de chaminés passou a circundar a capital.
cias estruturais. O crescimento industrial do Rio de Janeiro foi impulsiona-
O estado de São Paulo continua a figurar como núcleo do por fatores históricos diferentes. No início do século XX, a
Geografia do Brasil

da indústria nacional. As fábricas baseadas no uso intensivo cidade era a capital do País e abrigava o maior porto marítimo
de mão de obra são repelidas para outras localizações, mas nacional. Contava com aproximadamente 900 mil habitantes,
os principais investimentos em indústrias de alta tecnologia enquanto São Paulo não ultrapassava os 250 mil, mas não
continuam a ser atraídos por São Paulo. Há uma nítida redu- polarizava uma economia de exportação com o dinamismo
ção na participação no valor da produção industrial nacional, das plantações cafeeiras paulistas, o que determinou um
que retrocedeu de 52% em 1985 para 44% em 2001, porém crescimento industrial muito menos vigoroso.
a liderança continua a ser expressiva. Além disso, a maior A industrialização do Rio de Janeiro apoiou-se na dimen-
parte dos investimentos industriais nas novas localizações da são do mercado consumidor formado pela aglomeração ur-
Região Concentrada é controlada por empresas transnacio- bana e nos atrativos oferecidos pela presença, ali, de órgãos

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governamentais e empresas estatais. A tradicional rivalidade de Belo Horizonte, com a formação de núcleos fabris moder-
entre São Paulo e Rio foi também uma expressão da rivalida- nos e diversificados. Contagem, com mais de meio milhão
de entre o capital privado e a burocracia do Estado. de habitantes, é o principal desses núcleos, abrigando um
O processo de expansão espacial da indústria seguiu uma importante parque metalúrgico e químico. A industrialização
trajetória similar à de São Paulo. As linhas férreas definiram de Betim ganhou impulso definitivo com a instalação da pri-
regiões industriais na zona norte da cidade, enquanto a zona meira fábrica da Fiat no país.
sul, na orla litorânea, abrigava os bairros residenciais de alta
renda. Estrutura Espacial da Siderurgia
Mais tarde, as cidades vizinhas da Baixada Fluminense
— como Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João do Meriti Até meados do século XX, a produção siderúrgica na-
e Nilópolis — transformaram-se em importantes distritos cional estava praticamente limitada a pequenos estabeleci-
industriais. Nova Iguaçu, com quase 1 milhão de habitantes, mentos obsoletos. A única usina de grande porte era a Com-
situada no eixo da Rodovia Presidente Dutra e da Estrada de panhia Siderúrgica Mineira, criada em 1917 e transformada
Ferro Central do Brasil, é a maior aglomeração industrial da em 1922 na Companhia Belgo-Mineira. A Belgo-Mineira era
periferia do Rio de Janeiro. Duque de Caxias, com quase 900 uma associação entre capitais privados nacionais e estran-
mil habitantes, é um polo químico organizado em torno da geiros, utilizava carvão vegetal e produzia mais de metade
refinaria de petróleo da Petrobras. dos lingotes de aço do País.
Outra destacada concentração industrial fluminense A criação da CSN, financiada pelos Estados Unidos,
localiza-se na Zona Serrana, em cidades como Petrópolis, obedeceu a prioridades estratégicas do governo de Getúlio
Teresópolis e Nova Friburgo. Essa região desenvolveu-se Vargas, que pretendia utilizá-la como foco de estímulo à in-
como um centro têxtil e conquistou parcelas expressivas do dustrialização do País e símbolo da soberania nacional. A sua
mercado nacional. localização foi objeto de estudos de viabilidade realizados
A formação das metrópoles de São Paulo e do Rio de por uma Comissão Siderúrgica Nacional. O relatório do go-
Janeiro estimulou a expansão industrial no Vale do Paraíba, vernador de Minas Gerais, enviado à Comissão, argumentava
que tinha sido, em meados do século XIX, o foco das plan- que o fator preponderante deveria ser a proximidade das
tações cafeeiras escravistas e vivera, depois, um período de jazidas ferríferas, matéria-prima básica na fabricação do aço.
profunda decadência. Entretanto, o parecer final da Os técnicos acentuaram a
O sinal pioneiro da industrialização do Vale foi a implanta- proximidade de mercados consumidores constituídos pelas
ção da primeira siderúrgica estatal, a CSN, iniciada em 1941. indústrias instaladas no eixo do Vale do Paraíba, a facilidade
Em Volta Redonda e Barra Mansa, na parte fluminense do de transporte do minério produzido na região do Quadrilá-
Vale, a CSN impulsionou o aparecimento de estabelecimen- tero Ferrífero, através da Estrada de Ferro Central do Brasil,
tos metalúrgicos. No Vale do Paraíba paulista, durante as e a proximidade dos portos do Rio de Janeiro e de Angra dos
décadas de 1960 e 1970, inúmeras cidades, polarizadas por Reis, para receber o carvão mineral importado e o produ-
São José dos Campos e Taubaté, transformaram-se em nú- zido em Santa Catarina. A grande usina estatal consagrou a
cleos industriais. Situados no caminho que liga os principais opção pelo carvão mineral, revertendo a tendência ao uso
mercados consumidores do País, junto à rodovia e à ferrovia da madeira das florestas tropicais.
e contando com farto abastecimento de água, os municípios A decisão de produzir aço no Vale do Paraíba foi, ao mes-
da região tornaram-se localizações privilegiadas para indús- mo tempo, técnica e política. Com ela, o Estado canalizava os
trias de bens intermediários, de automóveis, de aviões e de investimentos futuros das empresas privadas para a então
material bélico. capital do País e para São Paulo. Nesse contexto, as reser-
Belo Horizonte nasceu em 1897, como cidade planejada. vas minerais do Quadrilátero Ferrífero funcionavam apenas
Sua origem está ligada a um projeto estratégico das elites como retaguarda para o crescimento do eixo econômico es-
mineiras, destinado a reverter o processo de decadência eco- tabelecido entre as duas principais metrópoles brasileiras.
nômica de Minas Gerais. A expansão da economia cafeeira Mas começava aí a luta de Minas Gerais para atrair os inves-
paulista na segunda metade do século XIX e o crescimento timentos públicos na grande siderurgia para o seu território.
do poder de atração do Rio de Janeiro contrastavam com a Durante a década de 1950 começaram a nascer mais
estagnação de Minas Gerais, que havia um século conhecera duas empresas siderúrgicas estatais de grande porte: a Com-
o inexorável declínio da mineração. panhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão, e a Usina
A transferência da capital de Ouro Preto (antiga Vila Rica) Siderúrgica de Minas Gerais (Usiminas), em Ipatinga. A Co-
para a nova cidade planejada foi um ato simultaneamente sipa foi planejada como siderúrgica privada, mas, durante o
simbólico e estratégico. Ouro Preto recordava as riquezas empreendimento, o Estado tornou-se seu principal acionista,
perdidas do passado; Belo Horizonte, capital sem passado, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
evocava a luta por um futuro de glórias. Ouro Preto, no ca- nômico (BNDE). A usina entrou em funcionamento em 1965,
minho da Zona da Mata mineira, situava-se em área cada vez recebendo minério de ferro pela Estrada de Ferro Central do
mais influenciada pelo Rio de Janeiro; Belo Horizonte, 100 Brasil. O carvão mineral, proveniente de Santa Catarina ou
quilômetros a noroeste, pretendia ser um centro polarizador do exterior, passou a desembarcar, desde 1969, no terminal
da vida econômica mineira. portuário especializado junto à usina.
Geografia do Brasil

Desde a década de 1930 as elites mineiras direcionaram A Usiminas surgiu pela associação de capitais estatais,
a sua atenção para o desenvolvimento industrial. Essa nova dos governos federal e estadual, com um consórcio de in-
orientação materializou-se por meio da concessão de incen- vestidores japoneses. A usina entrou em operação em 1963
tivos diversos para a atração de investimentos industriais e revelou-se o mais moderno, do ponto de vista tecnológi-
privados e também por uma pressão permanente sobre o co, e eficiente, do ponto de vista produtivo e financeiro, de
governo central, destinada a garantir a instalação de um vasto todos os grandes empreendimentos siderúrgicos estatais.
parque siderúrgico estatal. Na década de 1970, a política de expansão do parque in-
As políticas de concessão de incentivos para o capital dustrial brasileiro conduziu à construção de mais duas si-
privado resultaram na vigorosa industrialização dos arredores derúrgicas estatais de grande porte: a Açominas, em Ouro

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Branco (MG), e a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), A descentralização é consequência da expansão econô-
em Vitória, no Espírito Santo. Esse grupo de usinas de grande mica do interior do estado, deflagrada pela modernização da
porte, abastecidas com coque, materializou a opção pelo agricultura e da agroindústria. O crescimento das economias
carvão mineral. das cidades médias gerou mercados consumidores e reuniu
As pressões das elites políticas e econômicas de Minas força de trabalho para a indústria. A implantação de infra-
Gerais, amparadas nas jazidas do Quadrilátero Ferrífero, estruturas energéticas e vias de transporte modernas criou
surtiram efeito: além da Usiminas e da Açominas, outras novas localizações industriais.
importantes usinas configuraram o Vale do Aço, que é a maior A descentralização reflete também a tendência ao des-
concentração siderúrgica do País. No seu interior, aparecem locamento de novas empresas para fora das localizações
também usinas abastecidas com carvão vegetal — entre elas metropolitanas. Num primeiro momento, esse movimento
a pioneira Belgo-Mineira, a Acesita e a Mannesman — que manifestou-se pela transferência de empregos industriais do
consomem madeira de reflorestamento. município de São Paulo para outros municípios da Grande
A grande siderurgia brasileira nasceu a partir de duas em- São Paulo. Num segundo momento, a partir da década de
presas estatais: a CSN e a CVRD. A segunda encarregou-se da 1980, registrou-se redução da participação da indústria na
extração, transporte ferroviário e naval e comercialização dos oferta de empregos em toda a metrópole paulista.
minérios do Quadrilátero Ferrífero, antes de expandir as suas O crescimento industrial da capital concentra- se em
atividades para inúmeras outras jazidas do pais. Comissão empresas de alta tecnologia, que absorvem parcela relati-
consagrou Volta Redonda como a localização mais adequada. vamente reduzida da força de trabalho. Assim, a metrópole
A siderurgia no Sudeste estruturou-se geograficamente assume, definitivamente, a característica de aglomeração
em torno das ferrovias e dos portos ligados ao transporte dos baseada nos serviços e no comércio e a indústria procura
minérios do Quadrilátero Ferrífero (fig. 5). A Estrada de Ferro novas localizações no interior do estado.
Central do Brasil é o principal suporte da CSN e da Cosipa. A Os novos investimentos criam manchas de expansão in-
Estrada de Ferro Vitória-Minas, construída pela CVRD para dustrial ao longo dos quatro principais eixos rodoviários que
o transporte dos minérios até o porto de Tubarão, gerou a interligam a metrópole aos centros urbanos de influência
concentração industrial do Vale do Aço. No litoral do Espírito regional ou sub-regional. O sistema Anchieta-Imigrantes liga
Santo, junto ao porto de Praia Mole, que faz parte do com- a metrópole à aglomeração industrial da Baixada Santista,
plexo de Tubarão, instalou-se a Companhia Siderúrgica de na raiz da Serra do Mar. As rodovias Dutra e Ayrton Senna
Tubarão (CST). A CVRD é uma das acionistas controladoras sustentam polos industriais no Vale do Paraíba paulista. As
dessa usina, que foi privatizada em 1992. rodovias Anhanguera e Bandeirantes estruturam o corredor
Desde a sua privatização, a CVRD desenvolveu estraté- industrial Campinas-Araraquara-Ribeirão Preto. A rodovia
gias de integração vertical e horizontal dos seus negócios. O Castelo Branco impulsiona a industrialização da região de
fundamento dessas estratégias encontra-se no seu controle Sorocaba.
sobre a Estrada de Ferro Vitória-Minas, o complexo portuário Cubatão tornou-se uma localização industrial importante
de Tubarão e o terminal de contêineres de Sepetiba. após a construção da via Anchieta, iniciada em 1938, e a im-
Participando ativamente do programa de privatização da plantação das três usinas de força da Light, entre as décadas
siderurgia, a empresa adquiriu participações na Açominas de 1920 e 1950. O deslanche industrial ocorreu com a insta-
e na CSN. Junto com a CST, essas usinas possibilitam uma lação da Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobras, em
integração vertical de atividades, que abrange a produção e 1955. Atrás dela, vieram fábricas petroquímicas e químicas,
o transporte de minérios de ferro e manganês e a fabricação como a Alba, a Cia. Brasileira de Estireno, a Union Carbide
de aço. e a Copebrás.
O seu controle sobre as infraestruturas de transportes A Cosipa funcionou como base do parque metalúrgico
também sustentou a diversificação de atividades, que se ini- da aglomeração. Em 1970 a Ultrafértil abria a fila das indús-
ciou ainda antes da privatização. Desde o final da década de trias de fertilizantes. As limitações físicas da Baixada Santista,
1970, uma fábrica em Belo Oriente (MG), nas proximidades em virtude da barreira natural representada pela Serra do
da ferrovia, produz celulose de eucalipto para exportação. Mar, e o forte impacto ambiental das atividades industriais
Outra fábrica de celulose, constituída por uma associação tendem a limitar o crescimento industrial da área do litoral.
com a Companhia Suzano, começou a operar na década de Atualmente, a região da Baixada Santista gera pouco mais
1990 em Mucuri, no extremo sul da Bahia. A matéria-prima de 2% do valor da produção industrial do estado.
para os dois empreendimentos é fornecida pela Florestas Rio A industrialização do Vale do Paraíba refletiu o impacto
Doce, que atua no reflorestamento e comércio de madeira da rede rodoviária nacional que surgia e propiciava alterna-
em Itabira (MG) e São Mateus (norte do Espírito Santo). tivas locacionais.
A expansão inicial baseou-se na metalurgia, abastecida
Os Eixos da Industrialização Paulista pelos bens intermediários produzidos na CSN. Mas a capaci-
dade científica reunida em São José dos Campos — materia-
O estado de São Paulo abriga a maior concentração in- lizada pelo Centro Tecnológico Aeroespacial, estabelecido na
dustrial do País, localizada na Grande São Paulo. Mas, há dé- década de 1940, pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica
cadas, o interior do estado apresenta índices de crescimento e pelo Instituto de Pesquisas Espaciais, ambos da década
Geografia do Brasil

industrial maiores que os da metrópole, tanto com relação de 1960 — propiciou a implantação de indústrias bélicas e
à absorção da força de trabalho como com relação ao valor aeronáuticas, como a Embraer. Depois, a estrutura industrial
da produção. No início da década de 1970, a metrópole con- diversificou-se com a instalação de fábricas de automóveis
centrava cerca de 70% do emprego industrial do estado. Em e caminhões.
2001, a sua participação no emprego industrial havia caído Até a década de 1950, o porto de Santos desempenhava
para 57% e continuava a declinar, enquanto a participação um papel de excepcional importância no intercâmbio entre
no valor da produção girava em torno de 60%. Sob o impac- a indústria paulistana e o restante do País e mesmo com
to das deseconomias de aglomeração, o território paulista o mundo. Até essa década, assemelhava-se o Brasil a um
atravessa um nítido processo de descentralização industrial. arquipélago, tamanha a autonomia que tinham suas dife-

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rentes regiões, pois quase todo o transporte que se fazia calçados que, sob o impacto da concorrência asiática, atra-
entre elas era pelo mar. Os fluxos de transporte entre Santos vessou um ciclo de modernização empresarial.
e a metrópole eram excepcionalmente intensos. Junto às No prolongamento dos eixos de industrialização do in-
vias que atendiam a esses fluxos, as indústrias procuravam terior paulista, algumas áreas de Minas Gerais demonstram
acesso ao país todo. Entretanto, a partir de 1950, uma rede capacidade de atração de investimentos. A duplicação da
de rodovias pavimentadas começou a integrar o território Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte,
nacional, e a via Dutra passou a ligar mais do que São Paulo ao valorizou localizações no sul de Minas Gerais, que se bene-
Rio, o que já era suficientemente importante, mas também ficiam do fornecimento de produtos siderúrgicos do Vale
São Paulo ao Nordeste e a uma parte de Minas. A indústria, do Aço. No Triângulo Mineiro, as cidades de Uberlândia e
que antes privilegiava a direção de Santos, começou então a Uberaba, que funcionam como centros de influência sub-
localizar-se também ao longo da via Dutra, a nova localização -regional, também surgem como localizações promissoras.
próxima ao Brasil.
Hoje, a região do Vale do Paraíba é a terceira concentra- Polos Industriais no Brasil Meridional
ção industrial do estado, atrás apenas da Grande São Paulo
e da região de Campinas, gerando cerca de 6,5% do valor da Na região Sul, de Porto Alegre a Curitiba, estendem-se
produção. A posição estratégica do Vale do Paraíba, entre concentrações industriais cada vez mais integradas às estru-
os mercados consumidores das duas maiores metrópoles do turas produtivas e financeiras do Sudeste.
País, favorece a continuidade da expansão industrial. Con- Historicamente, as empresas industriais mais importan-
tudo, a rede de transportes aparece como fator limitante, tes surgiram de capitais locais, conquistaram o mercado re-
em virtude da demanda excessiva sobre a Estrada de Ferro gional e passaram, mais tarde, a atuar no mercado nacional.
Central do Brasil e a Rodovia Presidente Dutra. Daí a neces- A expansão industrial apoiou-se em fatores regionais. O fluxo
sidade do projeto de um sistema de trens de alta velocidade imigratório que formou colônias alemãs, italianas e eslavas
para passageiros e da modernização do transporte ferroviário trouxe artífices e elementos qualificados. Um empresariado
de carga. regional apareceu nas áreas coloniais.
O eixo de Sorocaba seguiu uma trilha diversa de cres- O Vale do Itajaí e o nordeste catarinense ilustram esse
cimento industrial. O polo industrial original expandiu-se modelo de industrialização. Lá, em cidades como Joinville,
pelas cidades próximas a Sorocaba na década de 1970, com Blumenau e Brusque, desenvolveram-se fábricas têxteis, de
a construção da Rodovia Castelo Branco. A aglomeração louças e de brinquedos. O complexo têxtil, inicialmente ru-
caracteriza-se pela indústria pesada, com predomínio das dimentar, cresceu e conquistou o mercado nacional. Outro
fábricas de bens intermediários e de capital. Municípios como exemplo de expansão de uma indústria local é oferecido pe-
Votorantim e Mairinque são sedes de indústrias de cimento los estabelecimentos vinícolas da Serra Gaúcha, implantados
e de alumínio do Grupo Votorantim e dependem completa- nas cidades de Caxias do Sul e Bento Gonçalves. Nas cidades
mente das receitas produzidas por essas empresas. Na cidade gaúchas de colonização alemã próximas a Porto Alegre, como
de Sorocaba encontram- se indústrias de máquinas pesadas Novo Hamburgo e São Leopoldo, estabeleceram-se fabrican-
e retroescavadeiras. A região gera pouco mais de 5% do valor tes de artigos de couro e calçados.
da produção industrial do estado. O modelo industrial da região estruturou-se sobre indús-
A região de Campinas apresenta crescimento industrial trias tradicionais, voltadas para a fabricação de bens de con-
vigoroso e fortemente especializado no campo da alta tec- sumo não duráveis, dependentes de matérias-primas vege-
nologia. A capacitação científica de Campinas iniciou-se há tais e agropecuárias. É o que ocorre não só com a fabricação
muito, pela criação do Instituto Agronômico, em 1887, e do de vinhos, artigos de couro e calçados, como também com a
Instituto Biológico, em 1927. No período mais recente, o Ins- agroindústria de óleos vegetais disseminada pelas principais
tituto de Tecnologia de Alimentos, de 1969, e a Universidade cidades do interior e, ainda, os frigoríficos e indústrias de
de Campinas (Unicamp), criada alguns anos depois, abriram fumo do Rio Grande do Sul. O importante ramo de madeira
um ciclo que abrangeu a implantação do centro de pesquisas e mobiliário do Paraná, estabelecido em Curitiba e Ponta
da Telebrás, do Centro Tecnológico para Informática e do Grossa, é outra ilustração desse processo.
Laboratório de Luz Sincroton. Com o tempo, a indústria do Brasil meridional diversifi-
Atualmente, a região abriga empresas nacionais e trans- cou-se. Em Curitiba, surgiram estabelecimentos mecânicos.
nacionais de microeletrônica, semicondutores, telefonia e No nordeste catarinense, em torno de Joinville, implantaram-
equipamentos cirúrgicos. A principal aglomeração industrial -se indústrias de cerâmica, de plásticos e metalúrgicas. Na
de alta tecnologia do País beneficia-se de uma malha rodovi- Zona Carbonífera catarinense, em Criciúma e Siderópolis,
ária densa e moderna, que a conecta à metrópole paulista. desenvolveram-se indústrias carboquímicas. Contudo, a
O seu parque industrial realiza mais de 16% do valor da pro- principal concentração industrial organizou-se na região
dução do estado. Contudo, o estresse hídrico funciona como metropolitana de Porto Alegre, onde o município de Canoas
elemento negativo nas decisões de implantação industrial. se destacou como polo metalúrgico, químico e de material
O corredor industrial que se estende entre Campinas e elétrico.
Araraquara abrange Americana, Limeira, Piracicaba, Rio Claro Os investimentos transnacionais recentes e as fusões
e São Carlos. Americana é um polo tradicional, especializa- com conglomerados sediados no Sudeste impulsionam a
Geografia do Brasil

do na indústria têxtil. A concorrência externa eliminou, na modernização empresarial do Brasil meridional. No Paraná,
década de 1990, empresas menos competitivas e forçou a municípios dos arredores de Curitiba — como São José dos
modernização das indústrias de confecção e tecelagem. São Pinhais e Campo Largo — despontam como alternativas lo-
Carlos é um polo de alta tecnologia, baseado na pesquisa cacionais no anel que circunda o estado de São Paulo. Nesse
científica universitária, que revela forte capacidade de atra- caso, a tendência à descentralização dos investimentos, em
ção de investimentos. escala nacional, resulta em reforço da concentração, em
Sobre o eixo da Rodovia Washington Luís, a região de escala regional.
Ribeirão Preto destaca-se no campo da metalurgia. Franca, A capacidade de atrair investimentos que tem a Região
nas proximidades, é um tradicional polo monoindustrial de Sul está relacionada à presença de mão de obra qualifica-

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da e mercados consumidores significativos, além de cus- Em Pernambuco, os investimentos concentraram-se nas
tos gerais menores que os do triângulo São Paulo-Rio de cidades de Jaboatão, Cabo e Paulista, que fazem parte da
Janeiro-Belo Horizonte. O aprofundamento da integração região metropolitana de Recife. Nessa aglomeração também
econômica do Mercosul representa outro elemento positivo predominam as indústrias de bens duráveis, controladas por
para as decisões de investimentos industriais no Brasil me- capitais sediados no Centro-Sul.
ridional, especialmente em virtude dos empreendimentos O Ceará seguiu trajetória diferente. Os incentivos da
de modernização dos sistemas de transportes. Mas, como Sudene contribuíram para a formação de um importante
acontece com o Paraná, a expansão industrial em Santa polo têxtil em Fortaleza, baseado principalmente em capi-
Catarina e no Rio Grande do Sul vem reforçando as con- tais locais e herdeiro da tradicional indústria doméstica de
centrações já existentes. fiação e tecelagem. A modernização recente aumentou a
Os polos de Joinville e Blumenau recebem os principais eficiência das indústrias de fiação, que exibem competitivi-
investimentos dirigidos para Santa Catarina, enquanto a con- dade internacional.
centração do sudeste do estado sofre a crise gerada pelo A industrialização incentivada conectou a economia
fechamento da quase totalidade das minas de carvão mine- nordestina ao Sudeste, que consome a maior parte da sua
ral. No Rio Grande do Sul, o panorama é mais complexo, em produção e fornece as máquinas e equipamentos adquiri-
função do agravamento das disparidades econômicas entre dos no mercado interno. Contudo, em escala regional, essa
o norte e o sul do estado. estratégia promoveu violenta concentração geográfica das
O eixo dinâmico da economia gaúcha é o corredor Porto indústrias nas metrópoles e cidades litorâneas.
Alegre-Caxias do Sul. O município da capital perde partici- O colapso do modelo de substituição de importações e a
pação na indústria, pois se especializa no comércio e nos redução simultânea dos incentivos da Sudene interromperam
serviços. Enquanto isso, os municípios conurbados do corre- a trajetória de integração industrial do Nordeste com o Su-
dor viário Canoas-Novo Hamburgo experimentam vigoroso deste. Na última década, os governos estaduais nordestinos
crescimento industrial, que transborda para cidades próxi- engajaram-se em projetos de atração de novos investimentos
mas, como Gravataí. Um pouco além da metrópole, a Serra industriais. Esses investimentos não estão subordinados às
Gaúcha, polarizada por Caxias do Sul, continua a diversificar necessidades do mercado do Sudeste, mas à lógica da econo-
o seu parque industrial. mia globalizada. Assim, trata-se de produzir bens de consumo
Em contraste, a concentração secundária, estruturada em duráveis e bens intermediários destinados à exportação. O
torno de Pelotas e do porto de Rio Grande, experimenta signi-
baixo custo da mão de obra regional funciona como fator
ficativo declínio da sua participação na indústria do estado. A
vital para a atração de capitais nacionais e internacionais.
crise desse corredor tradicional está associada à decadência
Uma das estratégias empregadas pelos governos estadu-
da agropecuária da Campanha Gaúcha, que sofre os efeitos
ais consistiu na concessão de incentivos diretos e indiretos,
da concorrência dos produtos argentinos e uruguaios.
como a desoneração de tributos e a doação de terrenos.
Outra estratégia consistiu na implantação de infraestruturas
Nordeste destinadas a reduzir os custos de exportação, como os portos
de Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará.
A industrialização moderna do Nordeste associou-se a
Na Bahia, a política de incentivos estaduais conseguiu
uma fase do modelo de substituição de importações marcada
atrair para Camaçari uma nova fábrica da Ford. Em Pernam-
pela importância das políticas de desenvolvimento regional.
buco, a perda de indústrias têxteis para o Ceará e de indús-
Essas políticas conduziram a processos de desconcentração
trias de calçados para a Paraíba é compensada, em parte,
da indústria, em escala nacional, e de concentração indus-
pelo crescimento da produção de material elétrico. Está em
trial, em escala regional.
A criação da Superintendência do Desenvolvimento do curso a criação de um tecnopolo em Recife. Uma tentativa
Nordeste (Sudene), em 1960, foi o ponto de partida de um semelhante ocorre em Campina Grande, a segunda maior
projeto de desconcentração industrial baseado no planeja- cidade paraibana.
mento estatal. Por meio de um amplo programa de incentivos Contudo, é no Ceará que se registra o mais vigoroso cres-
fiscais, o Estado conseguiu direcionar investimentos privados cimento industrial do Nordeste, nos setores de calçados, têx-
do Centro-Sul para o Nordeste. A implantação de usinas hi- til, eletrônico e mecânico. A política de incentivos do governo
drelétricas de porte no Rio São Francisco e a presença de mão estadual orienta-se por uma perspectiva de interiorização da
de obra abundante e barata funcionaram como incentivos expansão econômica, que busca reduzir o fluxo migratório
suplementares. para Fortaleza.
Na Bahia, essa estratégia conduziu à criação do Polo Pe- Junto ao porto de Pecém, na parte ocidental do esta-
troquímico de Camaçari e do distrito industrial de Aratu, do, uma usina siderúrgica funciona como plataforma para o
ambos na região metropolitana de Salvador. O polo de Ca- nascente distrito industrial. Obras de infraestrutura viária, a
maçari, estabelecido na década de 1970, gira em torno da construção de novos açudes e a exploração da energia eólica
Refinaria Landulfo Alves, da Petrobras. O parque industrial associam-se aos incentivos fiscais na atração de investimen-
químico representou alteração estrutural na economia baia- tos. A estratégia de interiorização gerou polos industriais
na, tornando-se logo a principal fonte de receita tributária limitados, mas promissores, em Sobral, no vale do Rio Acaraú,
Geografia do Brasil

do estado. No distrito de Aratu predominam as indústrias em Iguatu, junto ao açude de Orós, e em Crato e Juazeiro
de bens de consumo duráveis, atraídas pelos incentivos da do Norte, no Cariri.
Sudene.
O impulso promovido pela Sudene gerou também polos Os Enclaves Industriais na Amazônia
de produção de bens intermediários, como as indústrias de
fertilizantes de Sergipe e o complexo químico Salgema de Nas últimas décadas, a partir de políticas estatais que
Alagoas. Os insumos produzidos por esses polos são, em induziram investimentos transnacionais e nacionais, surgiram
geral, transformados no Sudeste e, em especial, no estado na Amazônia algumas aglomerações industriais significati-
de São Paulo. vas. Do ponto de vista geográfico, a industrialização induzi-

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da estruturou-se sob a forma de enclaves desarticulados do de digitalização da operação industrial. A união do conceito
conjunto da economia regional. de internet das coisas com a automatização industrial gera
No Pará e no Maranhão implantaram-se projetos meta- inteligência à manufatura e um universo de possibilidades
lúrgicos baseados nos grandes empreendimentos minerais para diferentes fabricantes. Máquinas interconectadas con-
da Amazônia oriental. A CVRD, associada a poderosas trans- versam e trocam comandos entre si, armazenam dados na
nacionais, controla esses projetos voltados para o mercado nuvem, identificam defeitos e fazem correções sem precisar
externo. Em Barcarena, nas proximidades de Belém, a Alu- de ajuda.
mínio do Norte do Brasil S.A. (Alunorte) produz alumina e E o Brasil? Em que estágio está nesse movimento? Muitas
a Alumínio Brasileiro S.A. (Albras) fabrica alumínio. Em São indústrias brasileiras já automatizaram seus processos, mas
Luís, na ponta dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás, a Alumí- ainda não alcançamos a manufatura digital. “A indústria 4.0
nio do Maranhão S.A. (Alumar) — fruto de um investimento é composta por duas vertentes: processos integrados que
de dois bilhões de dólares — emprega diretamente mais de garantem a produção customizada e produtos inovadores.
4 mil funcionários na produção de alumina e alumínio. O Brasil precisa ainda andar muito nesses dois sentidos. Te-
A Estrada de Ferro Carajás tornou-se um eixo de indús- mos poucos setores competitivos em escala global”, afirma
trias básicas, com a instalação de usinas de ferro-gusa e ferro- o professor Eduardo de Senzi Zancul, da Escola Politécnica
liga ao longo dos trilhos. Nos arredores de Imperatriz, cidade da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
servida pela ferrovia no oeste do Maranhão, foi implantado o Algumas indústrias brasileiras saíram na frente, com pro-
Projeto Celmar, de reflorestamento e produção de celulose, jetos que podem ser considerados 4.0. Veja o caso da Ambev.
liderado pela CVRD. Em 2015, a multinacional de bebidas adotou um sistema de
O mais importante enclave industrial da região, contudo, automação para melhorar o controle do processo de res-
fica na capital do Amazonas. A Zona Franca nasceu em 1967, friamento da cerveja e reduzir as variações de temperatura,
sob a supervisão da Superintendência da Zona Franca de evitando, assim, o desperdício de energia. A tecnologia já
Manaus (Suframa), vinculada ao Ministério do Interior. Com está em oito cervejarias da empresa e a previsão é expandir
ela, era deflagrada uma operação geopolítica para a criação o uso para outras unidades ao longo deste ano.
de um expressivo centro industrial em plena Amazônia. A Na Volkswagen Brasil, todos os projetos nascem a partir
sua meta consistia em reforçar o poder nacional na “região de um modelo digital. Os produtos são simulados em am-
de fronteira”. biente 3D, o que acelera o processo, garante flexibilidade,
A ideia era simples: Manaus transformava-se em “porto otimiza o tempo de produção e ainda abre postos de traba-
livre” para importações e exportações. A isenção de impostos lho altamente qualificados. A Volkswagen tem investido em
sobre importação de máquinas, matérias-primas e compo- software, hardware e treinamento para que os funcionários
nentes e sobre exportação de mercadorias, aliada ao baixo passem a lidar com essa nova realidade. Cinco novas iniciati-
custo da mão de obra local, deveria atrair empresas trans-
vas nas fábricas brasileiras já permitiram uma economia para
nacionais e nacionais para a fabricação de bens de consumo
a empresa de 93 milhões de reais em dois anos.
duráveis.
A indústria 4.0 cria uma produção em rede mais precisa,
Sob esse ponto de vista, a Zona Franca foi um sucesso
de baixo custo, e permite personalizações em massa com ve-
— o estado do Amazonas saltou de 145 indústrias em 1967
locidade. As máquinas podem reproduzir diferentes modelos
para 800 em 1977, sendo 549 delas localizadas em Manaus.
de um produto em sequência, sem qualquer necessidade de
No seu auge, no início da década de 1990, a Zona Franca
representava 75% do PIB de todo o estado e gerava mais de parada para reconfiguração.
120 mil empregos diretos e indiretos. A intenção é que o consumidor possa escolher um carro
As empresas eletroeletrônicas dominam a aglomeração de cor diferente, por exemplo. Ainda na linha de montagem,
industrial, vindo em seguida as mecânicas e as de material de aquele automóvel já teria um dono, pois as máquinas podem
transporte. Os mercados consumidores são extra regionais: receber o pedido e fazer as customizações necessárias. Tradi-
a maior parte dos televisores, aparelhos de som, videocas- cionalmente, a produção industrial acontece em lotes muito
setes, monitores, celulares, relógios e motocicletas made grandes. Mas, com a digitalização, cada produto é único na
in Manaus destinam-se ao Centro-Sul do País. Os capitais linha de produção.
dominantes são transnacionais e praticamente não se utili- Essa é uma realidade possível em países como Alemanha
zam matérias-primas ou insumos regionais. A Zona Franca é, e Estados Unidos, porque existem grandes projetos e iniciati-
portanto, uma ilha industrial cercada de florestas por todos vas com participação do governo e da iniciativa privada. Nos
os lados. Estados Unidos, foi criada a organização sem fins lucrativos
A política de abertura da economia nacional, com a Smart Manufacturing Leadership Coalition (coalização para
redução das tarifas de importação, teve impacto negativo a liderança em indústria inteligente, em tradução livre) para
sobre a Zona Franca. Os empregos industriais diretos, que mostrar, com a ajuda de pesquisas, os benefícios da manu-
chegaram a ultrapassar 75 mil em 1990, caíram para cerca fatura avançada e facilitar sua adoção.
de 43 mil em 1999. Investir em inovação e em educação é uma das princi-
pais formas de reverter o cenário brasileiro, até mesmo para
Industria 4.0 aumentar a compreensão do que é digitalização. Já existem
Geografia do Brasil

instituições, empresas e universidades trabalhando em tor-


Em países como Estados Unidos e Alemanha, todas as no da indústria 4.0. Mas o movimento ainda está disperso.
decisões no chão de fábrica já são tomadas pelas próprias Não temos um grande projeto para agregar esforços e gerar
máquinas, a partir de informações fornecidas em tempo massa crítica de mão de obra, de qualificação e de mercado.
real. A quarta revolução industrial já começou e empresas Para competir globalmente, a indústria nacional deve
de todo o mundo correm contra o tempo para entrar na era aumentar sua produtividade e sua participação na economia
da chamada indústria 4.0. brasileira. As empresas precisam fazer uma transformação
Estamos falando aqui de uma nova lógica de produção digital tanto em hardware quanto em software para ter uma
que nasceu na Alemanha, em 2011, e deu início ao processo integração completa de todos os processos.

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RECURSOS NATURAIS: APROVEITAMENTO, DESPERDÍCIO E POLÍTICAS DE CONSERVAÇÃO DE
RECURSOS NATURAIS

Reduzir a poluição e o consumo de recursos naturais, resíduos, por exemplo, é transformá-los em produtos com
eliminando sistematicamente o desperdício, é algo cada vez valor agregado. Conservar energia, água e outros recursos
mais essencial às sociedades. naturais é reduzir custos de produção.
Diante dos atuais padrões de produção e consumo, surge
a cultura do desperdício, que ultrapassa as camadas de alta Criação e Consolidação das Unidades de Conservação
renda e paradoxalmente atinge as camadas menos favoreci- no Brasil
das. Cabe-nos refletir sobre a origem e a hegemonia de uma
cultura pautada pelo desperdício. A primeira proposta para a criação de parques nacionais
Tanto a proteção ambiental, em face da crescente de- no Brasil foi de André Rebouças, em 1876, quatro anos após
manda, quanto a potencialização de novas possibilidades a criação do primeiro parque nacional no mundo, o de Yello-
de oferta ambiental, adquirem importância extraordinária, wstone, nos Estados Unidos. Rebouças sugeriu a criação de
cuja influência sobre o desenvolvimento se torna cada vez parques nacionais na Ilha do Bananal e em Sete Quedas.
mais relevante. Uma abordagem básica relacionada às pre- Em 1891 pelo Decreto n0 8.843 foi criada, no então Terri-
ocupações ambientais constitui-se na utilização positiva do tório do Acre, uma reserva florestal com cerca de 2,8 milhões
meio ambiente no processo de desenvolvimento. Trata-se da de hectares, área esta que nunca chegou a ser implementada.
valorização de recursos que ainda não haviam sido incorpo-
O primeiro parque estadual criado no Brasil foi o Parque Esta-
rados à atividade econômica. Num dado momento histórico,
dual da Cidade, em 1896, em São Paulo, e o primeiro parque
os conhecimentos técnicos permitem uma utilização dos re-
nacional surgiu em 1937. Em 1939 dois outros parques foram
cursos socialmente aceitável. É recurso hoje o que não foi
criados: Iguaçu e Serra dos Órgãos.
recurso ontem. Poderá ser recurso amanhã o que não foi
Com exceção da Floresta Nacional do Araripe-Apodi, no
percebido hoje enquanto recurso.
A economia brasileira caracteriza-se por elevado nível de Ceará, criado em 1946, o Parque Nacional de Paulo Afonso,
Geografia do Brasil

desperdício de recursos energéticos e naturais. A redução na Bahia, criado em 1948 e a pequena Reserva Biológica de
desses constitui verdadeira reserva de desenvolvimento para Serra Negra, em Pernambuco, criada em 1950, passou-se
o Brasil, bem como fonte de bons negócios. Quando se fala mais de uma década até que, em 1959, surgissem os Parques
em meio ambiente, passam despercebidas oportunidades de Nacionais de Aparados da Serra (RS), Araguaia (GO) e Ubajara
negócios ou de redução de custos. Sendo o meio ambiente (CE). Em 1961 muitas unidades foram criadas, tendo sido
um potencial de recursos mal aproveitados, sua inclusão no um ano expressivo para o sistema. Foram criadas também
horizonte de negócios pode gerar atividades que proporcio- muitas reservas florestais e algumas florestas protetoras,
nem lucro ou pelo menos se paguem com a poupança de categorias ainda não previstas pela legislação então vigente
energia, de água, ou de outros recursos naturais. Reciclar (BRASIL, 1991).

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Em fins da década de 1970 e início da década de 1980, impossibilitem o estabelecimento de outra categoria mais
numerosas áreas foram decretadas em decorrência do Pla- restritiva da área natural protegida.
no do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil, cuja VIII - Existência de condições ecológicas e biológicas que
primeira etapa foi produzida em 1979 e a segunda etapa em viabilizem a produção sustentável de madeira e de produtos
1982. Assim, em 1988 se atingiu 8.820.000 ha de parques florestais, sem degradação significativa da área.
nacionais e 2.360.000 ha de reservas biológicas. Em 1981 a IX - Existência de grupos sociais dependentes da coleta
SEMA iniciou a criação das estações ecológicas que somavam, de produtos florestais para a sua sobrevivência, quando tais
em 1988, mais de 3.500.000 há, acontecendo o mesmo com atividades, realizadas em bases sustentáveis, puderem ser
as áreas de proteção ambiental, que alcançaram no mesmo compatibilizadas com os demais objetivos de manejo primá-
ano a extensão de 1.200.000 ha. rios e com a conservação da diversidade biológica da área,
Os planos de manejo, atualmente essenciais para a im- em grau significativo.
plantação das Unidades de Conservação, começaram a ser
elaborados em fins da década de 1970. Dessa forma, vários dispositivos legais regulamentam a
O Ministério do Meio Ambiente apresenta um roteiro criação das Unidades de Conservação e o Instituto Brasilei-
que define, basicamente, as etapas do processo que orienta ro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
o Poder Público a se decidir pela criação de uma UC. Este - IBAMA uniformiza os critérios e procedimentos adminis-
roteiro tem seu valor no sentido de orientar corretamente trativos para instrução do processo de criação das Unidades
sobre a importância da verificação e escolha do local onde de Conservação.
será instalada a UC, bem como sobre os procedimentos bá-
sicos e indispensáveis para a instalação da unidade. A Importância da Conservação da Biodiversidade
Observa-se que a legislação brasileira é abundante em
dispositivos que permitem e normatizam a criação de Uni- A Convenção de Diversidade Biológica (CDB), em seu
dades de Conservação no país. Entretanto, apenas estes dis- artigo 2º define a biodiversidade, ou diversidade biológi-
positivos não são suficientes para que sejam devidamente ca, como: “a variabilidade de organismos vivos de todas as
criadas e implementadas estas unidades. São necessários origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas
critérios técnicos que orientem quais as áreas que efetiva- terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os
mente devam e/ou possam ser preservadas. complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo
O Poder Público deveria criar uma Unidade de Conserva- ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de
ção, pautado por critérios técnico-científicos e precedida de ecossistemas” (BRASIL, 2004).
estudos prévios, sempre que se convencesse da necessidade De acordo com o Ministério do Meio Ambiente são qua-
de proteger um sistema de vida e de ambiente. Para tanto, tro os principais argumentos sobre a importância da conser-
faz-se necessário o conhecimento prévio dos espaços a serem vação da biodiversidade:
efetivamente protegidos. I - Contribuição econômica direta, por meio da imensa
Deve-se levar em conta sobretudo que para a criação quantidade de produtos alimentares, farmacêuticos e de
de sistemas de áreas protegidas é fundamental a adoção uso industrial derivados da fauna e da vegetação, os quais
de estratégias que levem em consideração a prioridade na contribuem, ou podem vir a contribuir, diretamente para a
conservação da biodiversidade através do conhecimento do vida humana.
bioma com diagnósticos completos sobre os sistemas eco- II - Participação na manutenção dos grandes ciclos am-
lógicos e ambientais. A representatividade do ecossistema bientais gerais do planeta, Tais como: o ciclo da água, dos
deve ser, ainda, peça fundamental na análise nas escalas do climas, dos nutrientes etc.
local e do global (SEMA, 2004). III - Valor estético. Conservando a biodiversidade esta-
De acordo com a FUNATURA (1989), para uma área ser rão sendo conservados os valores estéticos paisagísticos que
indicada para a criação de Unidades de Conservação, podem atraem as pessoas por sua beleza ou “poder de fascinação”,
ser apontados os seguintes critérios, considerados no con- sentimento de admiração, complexidade e variedade das
junto total ou em situações específicas: inúmeras interligações das diferentes formas de vida etc.
I - Deve possuir um elevado grau de preservação da na- IV - Justificativas éticas inerentes às próprias espécies,
tureza associado à presença de espécies e ecossistemas de isto é, seu valor por si mesmo, o próprio direito de existir
relevante valor específico e uma diversidade biológica ou das espécies.
geológica importante.
II - Deve possuir belezas cênicas notáveis ou caracte- Existem hoje duas principais estratégias de conservação
rísticas excepcionais para propiciar recreação e educação da biodiversidade: in situ (quando o estoque é preservado
ambiental em larga escala. mediante a proteção do ecossistema onde o organismo en-
III - Necessidade de proteção de espécies raras, endêmi- contra seu meio natural) e ex situ (que pode ser parte do
cas, vulneráveis ou em perigo de extinção. organismo — quando é preservado a semente, o sêmen,
IV - Existência de sítio natural notável exigindo proteção. ou qualquer outro elemento a partir do qual será possível
V - Existência de ambientes naturais, alguns de área limi- a reprodução do organismo preservado — ou o organismo
tada, tais como ninhais, praias de postura de quelônios ou inteiro — quando uma certa quantidade de organismos é
sítios muito restritos de endemismos, necessários à proteção mantida fora do seu meio natural, em plantações, jardins
Geografia do Brasil

temporária ou permanente de determinadas espécies ou de botânicos, zoológicos, aquários, prédios ou coleções para
comunidades bióticas particulares. cultivo). Para a conservação da biodiversidade, são utilizadas
VI - Existência de áreas extensas, em condições primiti- ainda medidas controladoras e reguladoras (BRASIL, 2004).
vas ou pouco alteradas, a respeito das quais haja carência Ao que parece, das estratégias mencionadas, a preserva-
de conhecimentos, dados e recursos para determinasse a ção in situ é a preferida, pois se preserva também os ecos-
destinação definitiva da área. sistemas e as paisagens, o que resulta no alcance de outros
VII - Existência de características biológicas, ecológicas e tantos objetivos.
paisagísticas que recomendem proteção, concomitantemen- Desse modo, o sucesso na conservação da biodiversidade
te com condições de ocupação humana ou de utilização que depende, principalmente, do estabelecimento de estraté-

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gias e ações coordenadas e harmônicas, estruturadas em devem ser bem gerenciadas, tendo-se como princípios o
um sistema de áreas protegidas. uso ordenado e o respeito à capacidade de suporte dos am-
Em termos de biodiversidade, o Brasil apresenta-se com bientes. Talvez o exemplo mais típico de aproveitamento
o título de detentor da maior diversidade biológica do pla- econômico seja o do turismo, bastante adotado, sobretudo
neta, contando com pelo menos IO a 20% do número total pelos Parques Nacionais que recebem um grande número
de espécies mundiais (PEREIRA, 1999). Essa riqueza está de turistas anualmente (BRASIL, 2004).
distribuída em biomas como a Amazônia, a Mata Atlântica, Cada vez mais, a conservação da natureza é atualmente
a Zona Costeira e Marinha (com seus diversos ecossistemas entendida como o gerenciamento racional dos recursos na-
associados — mangues, restingas, praias, costões, recifes de turais, objetivando uma produção contínua dos renováveis,
corais, entre outros), as Florestas de Araucárias e Campos como o ar, a água, o solo, a flora e a fauna, e um rendimento
Sulinos, a Caatinga, o Cerrado e o Pantanal. otimizado dos não renováveis. Assim, a conservação engloba
Trata-se de uma biodiversidade farta nos três níveis (de a preservação, a utilização sustentada e a regeneração dos
espécie, genético e ecossistemas), produto da grande va- ambientes.
riação climática e geomorfológica de um país de dimensões A estratégia mundial para a conservação da natureza,
continentais, com mais de 8,5 milhões de km2 terrestres, isso com a qual o Brasil procura trabalhar elege três finalidades
sem contar com a plataforma continental e a respectiva Zona específicas da conservação, sendo que é necessário manter
Econômica Exclusiva. os processos ecológicos e os sistemas vivos essenciais, pre-
No Brasil, o total de áreas protegidas, aproximadamen- servar a diversidade genética e permitir o aproveitamento
te, chega a 8,13% do Território Nacional (PEREIRA, 1999). A perene das espécies dos ecossistemas.
criação dessas verdadeiras ‘ilhas biológicas’ significou um Pode-se enumerar como principais objetivos da con-
grande passo na luta para evitar a tendência de destruição servação da natureza que podem ser supridos por um bom
dos recursos naturais, estando, contudo, aquém do desejável sistema de Unidades de Conservação a manutenção da diver-
para a manutenção dessa megadiversidade. sidade biológica no território nacional e nas águas jurisdicio-
Essas áreas são administradas com objetivos que variam nais, a proteção das espécies raras, endêmicas, vulneráveis
desde a preservação da natureza em sentido estrito até a ou em perigo de extinção, a preservação e restauração da
extração controlada de seus recursos. diversidade de ecossistemas naturais, o incentivo do uso sus-
A Convenção sobre Diversidade Biológica é um endosso tentável de recursos naturais, o estímulo ao desenvolvimento
importante particularmente para as áreas protegidas espe- integrado com base nas práticas de conservação, o manejo
cialmente por ser globalmente aceita, contando com 170 na- dos recursos da fauna e da flora, a proteção das paisagens
ções signatárias que adotaram seus objetivos de conservação naturais ou pouco alteradas, de beleza cênica notável e a
da biodiversidade, uso sustentável dos recursos biológicos e preservação de extensas áreas naturais ou pouco alteradas,
na repartição equitativa dos benefícios desse uso; definir a mesmo que de maneira provisória em alguns casos, até que
biodiversidade na sua totalidade, desde a variabilidade de or- os estudos pertinentes indiquem sua adequada destinação.
ganismos vivos até a genética, de espécies em nível de ecos- Há que se ressaltar, porém que tão somente ‘ilhas isola-
sistemas; e apresentar uma série de ações e instrumentos das’, que são as áreas protegidas, não serão jamais suficientes
para a implementação da agenda global de biodiversidade. por si só. Faz-se necessário aplicar-se a legislação orgânica
A CDB prevê o principal papel para as áreas protegidas, o em todo o território nacional e sempre buscar o manejo
Plano Nacional de Biodiversidade, conhecido no Brasil como autossustentável dos recursos naturais fora das Unidades
a Estratégia Nacional de Biodiversidade. O oitavo artigo da de Conservação.
CDB convoca os países a estabelecerem e manterem um De todas as formas, as Unidades de Conservação são o
Sistema de Áreas Protegidas, como também estabelecerem melhor mecanismo para a preservação de recursos naturais.
prioridades globais e políticas para a conservação in situ da O Brasil, possuidor de uma das maiores diversidades bioló-
biodiversidade e obriga as partes a estabelecerem um siste- gicas dentre todos os países precisa, sem sombra de dúvida,
ma de áreas protegidas ou áreas que necessitem de medidas preservar este patrimônio genético.
especiais para conservar a biodiversidade; desenvolverem
manuais para a seleção, criação e manejo de áreas protegidas O SAGA (Sistema Aquífero Grande Amazônia)
ou áreas que necessitem de medidas especiais para con-
servar a biodiversidade; regular ou manejar os importantes
recursos biológicos na conservação da biodiversidade dentro
ou fora das áreas protegidas, assegurando a conservação e o
uso sustentável; promover qualidade ambiental e desenvol-
vimento sustentável em áreas adjacentes às áreas protegidas
com uma visão integrada para as mesmas; suprir apoio finan-
ceiro e outros para a conservação in2situ da biodiversidade.
Os benefícios aos seres humanos provenientes das cha-
madas áreas protegidas vão além daqueles oriundos da
conservação da biodiversidade. Baseando-se nas medidas
de criação das Unidades de Conservação e na preservação
Geografia do Brasil

natural daí proveniente, pode-se citar como exemplos a


conservação dos recursos hídricos e das belezas cênicas, a
proteção de sítios históricos e/ou culturais, a manutenção
da fauna silvestre e da qualidade do ar e da água, além da A Amazônia possui uma reserva de água subterrânea
ordenação do crescimento econômico regional, entre outros. com volume estimado em mais de 160 trilhões de metros
As áreas protegidas também têm objetivos econômicos cúbicos, estimou os pesquisadores da Universidade Federal
embutidos em sua criação. Algumas iniciativas já demons- do Pará (UFPA).
tram na prática como se pode aumentar frentes de trabalho O volume é 3,5 vezes maior do que o do Aquífero Gua-
e renda com a criação de novas áreas protegidas, as quais rani – depósito de água doce subterrânea que abrange os

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territórios do Uruguai, da Argentina, do Paraguai e principal- de recursos, pelos seus incalculáveis bens naturais e pela sua
mente do Brasil, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados biodiversidade, a Marinha do Brasil criou o termo “Amazônia
(km2) de extensão. Azul”, para, em analogia com os recursos daquela vasta região
A reserva subterrânea representa mais de 80% do total da terrestre, representar sua equivalência com a área marítima.
água da Amazônia. A água dos rios amazônicos, por exemplo,
representa somente 8% do sistema hidrológico do bioma Mas como é delineada essa Amazônia Azul?
e as águas atmosféricas têm, mais ou menos, esse mesmo
percentual de participação. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
O conhecimento sobre esse “oceano subterrâneo”, contu- (CNUDM) tem origem em sua 3ª Conferência, encerrada em
do, ainda é muito escasso e precisa ser aprimorado tanto para 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay, na Jamaica. O
avaliar a possibilidade de uso para abastecimento humano Brasil assinou a convenção naquela mesma data, juntamente
como para preservá-lo em razão de sua importância para o com outros 118 países, mas só a ratificou em 1993; a CNUDM
equilíbrio do ciclo hidrográfico regional. só entrou em vigor em 16 de novembro de 1994. Nela foram
De acordo com os pesquisadores, os estudos sobre o definidos os espaços marítimos: o Mar Territorial, que não
Aquífero Amazônia foram iniciados há apenas 10 anos, quan- deve ultrapassar o limite de 12 milhas náuticas (MN); a Zona
do ele e outros pesquisadores da UFPA e da Universidade Contígua, adjacente ao mar territorial, cujo limite máximo
Federal do Ceará (UFC) realizaram um estudo sobre o Aquí- é de 24 MN e é medida a partir das linhas de base do mar
fero Alter do Chão, no distrito de Santarém (PA). territorial; a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), medida a partir
O estudo indicou que o aquífero, situado em meio ao das linhas de base do mar territorial e que não deve exceder
cenário de uma das mais belas praias fluviais do País, teria um a distância de 200 MN; e a Plataforma Continental, que com-
depósito de água doce subterrânea com volume estimado preende o solo e o subsolo das áreas submarinas, além do
em 86,4 trilhões de metros cúbicos. mar territorial, podendo estender-se além das 200 milhas até
Denominado pelo pesquisador e colaboradores Sistema o bordo exterior da margem continental. A distância máxima
Aquífero Grande Amazônia (Saga), o sistema hidrogeológico está limitada a 350 milhas, a contar da linha de base a partir
começou a ser formado a partir do período Cretáceo, há cerca da qual se mede a largura do mar territorial.
de 135 milhões de anos. Foram definidos ainda conceitos complementares, como
Em razão de processos geológicos ocorridos nesse pe- as Águas Interiores: situadas no interior das linhas de base
ríodo foi depositada, nas quatro bacias sedimentares, uma do mar territorial e que fazem parte das águas interiores de
extensa cobertura sedimentar, com espessuras da ordem de um país. Como exemplo, as águas do Rio Amazonas, do São
milhares de metros. Francisco e da Lagoa dos Patos; as Águas Arquipelágicas,
O Saga é um sistema hidrogeológico transfronteiriço, uma circunjacentes aos arquipélagos como os de Martim Vaz e
vez que abrange outros países da América do Sul. Mas o Brasil Trindade, Fernando de Noronha e o Atol das Rocas; Alto Mar,
detém 67% do sistema. como se configuram as partes não incluídas na zona econômi-
ca exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores, nem
nas águas arquipelágicas de um Estado. Regime das Ilhas: o
Mar Territorial, a Zona Contígua, a Zona Econômica Exclusiva
e a Plataforma Continental de uma ilha são determinados de
acordo com a convenção citada. Os rochedos, porém, não
se prestam à habitação humana ou à vida econômica, não
tendo zona econômica exclusiva ou plataforma continental.
Assim, no final dos anos 1990, o Brasil adotou providências
em relação aos rochedos São Pedro e São Paulo, situados a
cerca de 520 MN do Estado do Rio Grande do Norte: mudou-
-lhes o nome de “rochedos” para “arquipélago”; construiu
e instalou lá um farol, para substituir o que fora destruído
por um sismo, em 1930, e construiu uma estação científica
permanentemente guarnecida por um pequeno grupo de
pesquisadores.
O Alto-Mar, segundo os acordos internacionais, é fran-
queado a todos os Estados, sejam eles costeiros ou não,
desde que utilizado para fins pacíficos. Porém, os Estados
devem estabelecer os requisitos necessários à atribuição da
sua nacionalidade a navios, para o registro deles em seu
território e para o direito de mostrar sua bandeira, impedir
o transporte ilegal de material e pessoal, reprimir a pirataria
e cooperar para a repressão do tráfico ilícito de drogas. A
pirataria tem crescido em determinadas áreas do mundo e
deve ser combatida. Devemos estar prontos para combater
Geografia do Brasil

tal ilícito.

O BRASIL E A QUESTÃO CULTURAL


Há quem diga que o futuro da humanidade dependerá
das riquezas do mar. Nesse sentido, torna-se inexorável o A relação entre cultura e direitos humanos, bem como
destino brasileiro de praticar sua mentalidade marítima para de seu papel na luta contra a discriminação, são questões
que o mar brasileiro seja protegido da degradação ambiental que o Brasil enfrenta. Entretanto, a integração da cultura
e de interesses alheios. Na tentativa de voltar os olhos do com as demais políticas sociais é uma experiência recente
Brasil para o mar sob sua jurisdição, por ser fonte infindável que necessita ser aperfeiçoada.

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A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
O momento é de reconhecimento dos direitos culturais Caiçaras
como necessidade básica e direito dos cidadãos, o que con-
duz à busca de uma agenda integrada com as políticas sociais Denominam-se caiçaras os habitantes tradicionais do
e de desenvolvimento. litoral das regiões Sudeste e Sul do Brasil, formados a partir
Em que pesem as tendências recentes, seus impactos ain- da miscigenação entre índios, brancos e negros e que vivem
da não foram suficientes para reduzir o quadro de desigual- da pesca artesanal, da agricultura, da caça, do extrativismo
dades no acesso à produção cultural e é fundamental cuidar vegetal, do artesanato e, mais recentemente, do ecoturismo.
para que, ao contrário, o crescimento econômico não faça
com que tais desigualdades sejam ainda mais exacerbadas. Pomeranos

Desigualdades no Acesso à Produção Cultural O pomerano é um povo cuja autodefinição se centra


no trabalho, no espírito da família, na religião e na língua
Entretenimento: a minoria dos brasileiros frequenta comum. O trabalho é um fator de identidade muito forte,
cinema uma vez no ano. Quase todos os brasileiros nunca partindo da noção de que o ser humano vive para trabalhar
frequentaram museus ou jamais frequentaram alguma expo- e deste depende diretamente sua sobrevivência e a de sua
sição de arte. Mais de 70% dos brasileiros nunca assistiram a família. O trabalho no campo toma praticamente todo o tem-
um espetáculo de dança, embora muitos saiam para dançar. po do dia de um pomerano, inclusive dos jovens, tanto na
Grande parte dos municípios não possui salas de cinema, lavoura quanto na criação de pequenos animais. A base da
teatro, museus e espaços culturais multiuso. vida comum é a família, havendo em muitos casos a noção de
Livros e Bibliotecas: o brasileiro praticamente não tem família estendida, com a convivência constante entre vários
o hábito de leitura. A maioria dos livros estão concentrados núcleos familiares próximos e entre pessoas com algum grau
nas mãos de poucos. O preço médio do livro de leitura é de parentesco, como tios, primos e parentes mais distantes.
muito elevado quando se compara com a renda do brasi- Isso cria uma rede de contatos e apoio mútuo que fortalece
leiro nas classes C/D/E. Muitos municípios brasileiros não as famílias e a comunidade.
têm biblioteca, a maioria desses se localiza no Nordeste, e
apenas dois no Sudeste. Piaçabeiros
Acesso à Internet: uma grande porcentagem de brasi-
leiros não possui computador em casa, desses, a maioria Os piaçabeiros são caracterizados por tirar seu sustento
da extração da fibra da piaçaba. Para tanto, precisam ficar
não tem qualquer acesso à internet (nem no trabalho, nem
períodos médios a longos em função da atividade produtiva
na escola).
nos locais de incidência das palmeiras de piaçaba. Em alguns
Profissionais da Cultura: a metade da população ocupada
casos, as famílias acompanham os homens na coleta, acam-
na área de cultura não tem carteira assinada ou trabalha por
pando com eles e participando do trabalho. Boa parte dos
conta própria.
piaçabeiros possui pouca ou nenhuma instrução. A extração
de piaçaba é uma atividade predominantemente masculina.
A focalização das políticas culturais nos níveis estaduais
Já a confecção de vassouras é uma tarefa eminentemente
e municipais pode favorecer a superação desse quadro e
feminina, mas ocorre com pouca incidência nas comunidades
reforçar a diversidade cultural como fator da sustentabilidade
extrativistas.
do desenvolvimento.
Apesar do processo de globalização, que busca a mundia-
lização do espaço geográfico – tentando, através dos meios
As Comunidades Tradicionais de comunicação, criar uma sociedade homogênea – aspec-
tos locais continuam fortemente presentes. A cultura é um
Índios, quilombolas, quebradeiras de coco de babaçu, desses aspectos: várias comunidades continuam mantendo
seringueiros, caiçaras, ribeirinhos, sertanejos, açorianos, seus costumes e tradições.
pantaneiros, geraizeiros, jangadeiros, fundos de pasto, O Brasil, por apresentar uma grande dimensão territorial,
faxinais, açorianos, pomeranos e até ciganos. Grupos das possui uma vasta diversidade cultural. Os colonizadores euro-
mais diferentes regiões do Brasil cujos hábitos, origem, reli- peus, a população indígena e os escravos africanos foram os
giosidade e formas de organização são desconhecidos pela primeiros responsáveis pela disseminação cultural no Brasil.
maioria dos brasileiros. Reunir toda essa enorme diversida- Em seguida, os imigrantes italianos, japoneses, alemães, ára-
de sociocultural para enfrentar o desafio de elaborar uma bes, entre outros, contribuíram para a diversidade cultural
política nacional de desenvolvimento sustentável voltada às do Brasil. Aspectos como a culinária, danças, religião são
populações tradicionais é a dificuldade atual. elementos que integram a cultura de um povo.
As regiões brasileiras apresentam diferentes peculiari-
Faxinais dades culturais.
No Nordeste, a cultura é representada através de danças
Os faxinais são uma paisagem específica do Sul do País, e festas como o bumba meu boi, maracatu, caboclinhos,
constituindo-se de campos e gramados cercados por flores- carnaval, ciranda, coco, reisado, frevo, cavalhada e capoeira.
Geografia do Brasil

tas de araucárias. Além disso, também designa a forma de A culinária típica é representada pelo sarapatel, buchada de
vida das comunidades que se constituíram nesses territórios. bode, peixes e frutos do mar, arroz doce, bolo de fubá cozido,
Essas comunidades caracterizam-se pelo uso comum de ter- bolo de massa de mandioca, broa de milho verde, pamo-
ras para plantio e criação de animais em espaços cercados. nha, cocada, tapioca, pé de moleque, entre tantos outros.
Dentro desses cercados, criam animais e plantam diversas A cultura nordestina também está presente no artesanato
culturas, que são a base do sustento familiar e comunitário. de rendas.
Segundo estudos, em 2008 existia cerca de 50 comunidades O Centro-Oeste brasileiro tem sua cultura representa-
em 16 municípios no centro-sul do Estado em um total de da pelas cavalhadas e procissão do fogaréu, no estado de
cerca de 3.400 famílias (SAHR, 2008). Goiás; e o cururu em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A

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culinária é de origem indígena e recebe forte influência da (3) A urbanização do Brasil liga-se, em larga medida,
culinária mineira e paulista. Cavalhadas em Pirenópolis (GO) ao forte movimento migratório que, especialmente
As representações culturais no Norte do Brasil estão a partir dos anos 50 do século passado, transferiu
nas festas populares como o círio de Nazaré e festival de para as cidades milhões de pessoas que se viram
Parintins, a maior festa do boi-bumbá do País. A culinária impelidas a abandonar o campo.
apresenta uma grande herança indígena, baseada na man- (4) Uma das razões para que a industrialização brasi-
dioca e em peixes. leira acontecesse tardiamente encontra-se na mo-
desta taxa de crescimento da população até os anos
Festival de Parintins (AM) 90 do século passado, fato que se reverteu apenas
nas duas últimas décadas.
No Sudeste, várias festas populares de cunho religioso
são celebradas no interior da região. Festa do divino, feste- 3. (TJ-SC/Técnico Judiciário/Auxiliar/2010) Região que
jos da páscoa e dos santos padroeiros, com destaque para apresenta a segunda maior taxa de urbanização do país.
a peregrinação a Aparecida (SP), congada, cavalhadas em Caracterizada pela sua paisagem natural por extensos
Minas Gerais, bumba meu boi, carnaval e peão de boiadeiro. chapadões. A sua economia está sustentada pela agri-
A culinária é muito diversificada, os principais pratos são: cultura moderna, mecanizada, o agronegócio. O texto
queijo minas, pão de queijo, feijão tropeiro, tutu de feijão, acima se refere à seguinte região do Brasil:
moqueca capixaba, feijoada, farofa, pirão etc. a) Centro-Oeste.
O Sul apresenta aspectos culturais dos imigrantes por- b) Nordeste.
tugueses, espanhóis e, principalmente, alemães e italianos. c) Amazônia.
Algumas cidades ainda celebram as tradições dos antepas- d) Sul.
sados em festas típicas, como a festa da uva (cultura italiana) e) Sudeste.
e a oktoberfest (cultura alemã), o fandango de influência
portuguesa e espanhola, pau de fita e congada. Diferentemente das demais colônias americanas, o Brasil
adotou o regime monárquico ao proclamar sua emancipação
política. Sob o comando de D. Pedro I, o Primeiro Reinado
EXERCÍCIOS (1822-1831) foi marcado por graves crises políticas, que cul-
minaram na abdicação do imperador. Seguiu-se o período
1. (Cesgranrio/IBGE/Agente de Pesquisas e Mapeamen- regencial (1831-1840), por muitos considerado uma experi-
to/2014) A hierarquia urbana proposta pelo Atlas Ge- ência republicana, assinalado pela eclosão de movimentos
ográfico Escolar do IBGE classifica as cidades brasileiras armados em vários pontos do país. A antecipação da maio-
em metrópoles globais, metrópoles nacionais, metró- ridade de D. Pedro II (o chamado Golpe da Maioridade) deu
poles regionais e centros regionais. De acordo com essa início ao Segundo Reinado (1840-1889), o qual foi derrubado
classificação, são exemplos de metrópole nacional e por um golpe militar que instaurou a República.
metrópole regional, respectivamente, as cidades de
a) Curitiba e Goiânia (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2015) A respeito da
b) São Paulo e Rio de Janeiro trajetória histórica brasileira ao longo do século XIX, julgue
c) Brasília e Curitiba o item subsequente.
d) São Paulo e Belo Horizonte 4. Refletindo a nova mentalidade que acompanhava a
e) Rio de Janeiro e Goiânia expansão do mercado internacional e a revolução no
sistema de transportes, a Lei de Terras (1850) reduziu
2. (Cespe/MP/Analista de Infraestrutura/2012) Sabe-se o poderio dos latifundiários e ampliou as possibilida-
que, atualmente, mais da metade da população mun- des de acesso à propriedade rural por camponeses e
dial vive nas cidades, o que é fator decisivo para a pequenos proprietários.
ampliação dos desafios sociais e ambientais, como a
pobreza, a fome e as mudanças climáticas. No Brasil, o 5. (Cespe/MPU/Analista – Geografia/2013) Desde o período
processo de urbanização da sociedade, impulsionado colonial, o espaço geográfico brasileiro foi transformado
pela Segunda Guerra e pela industrialização que avança e produzido prioritariamente segundo as necessidades
celeremente desde a Era Vargas, fez-se de forma rápida do mercado externo em detrimento da formação eco-
e não planejada. A despeito dos enormes problemas nômica interna. Foi por meio dessa perspectiva coloni-
daí decorrentes, o certo é que o país chegou ao século zadora que, a partir de 1530, as propriedades rurais se
XXI profundamente alterado, sobretudo quando con- organizaram no Brasil. Com relação às questões agrária
frontado com a realidade histórica que o caracterizou e agrícola no Brasil, julgue os itens.
desde o período colonial. A respeito dessa situação, (1) Ao longo da história fundiária brasileira, ocorreram
julgue os itens que se seguem. diversas manifestações, movimentos, revoltas e pres-
(1) Atualmente, está em marcha um processo de des- sões de trabalhadores rurais pelo acesso à terra, mui-
concentração econômica que se dissemina pelo tas com ganho de causa. Esses movimentos sempre
país afora, o que acarreta mudanças significativas foram amplamente divulgados pelas mídias oficiais.
na participação das diversas regiões na composição (2) Quanto a sua utilização, o espaço agrário brasileiro
Geografia do Brasil

do produto interno bruto brasileiro e no próprio encontra-se atualmente condicionado ao mercado


fluxo migratório. interno, o que demandou investimentos em novas
(2) Passa de três dezenas o número de regiões metro- tecnologias para aumentar a produção de alimentos.
politanas brasileiras, nas quais se concentram mais (3) Segundo o INCRA, é considerado imóvel rural aquele
de um terço dos domicílios urbanos e cerca de 30% que possui terra contínua e seja ou possa ser desti-
da população. Estudos mostram que nas grandes ci- nado à exploração agrícola, pecuária, extrativa vege-
dades o número de habitantes tende a reduzir-se ou tal, florestal ou agroindustrial, independentemente
estagnar, ao tempo em que o inchaço populacional de sua localização, seja na zona rural ou urbana do
se transfere para as cidades conurbadas ao redor. município.

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6. Na Europa, a Política Agrícola Comum (PAC) foi idealiza- de brasileiras. O desempenho do setor, que tem várias
da tendo em vista a falta de alimentos e o racionamento particularidades, influi bastante no comportamento de
depois da Segunda Guerra Mundial. A PAC tinha como indicadores importantes da economia como um todo
objetivo garantir uma renda estável aos produtores ru- e repercute na área social. Acerca desse tema, julgue
rais, bem como preços mais baixos ao mercado consu- os itens abaixo.
midor a partir da estabilização do mercado de alimentos (1) O produto interno bruto (PIB) da agricultura brasilei-
nesse continente. Atualmente, a PAC tem sido alvo de ra está crescendo mais rapidamente que o do setor
críticas, sendo considerada um entrave para o comércio de serviços e, assim, a médio prazo, haverá uma
internacional, gerando recursos na Organização Mun- tendência de que esses valores se tornem iguais.
dial do Comércio (OMC), uma vez que: (2) O crescimento da produção brasileira das chamadas
a) representa quase metade da despesa anual da União commodities agrícolas é responsável pela perda de
Europeia. mercado de carnes brasileiras nos países mais exi-
b) gera uma modernização no campo acompanhada gentes.
de grande desemprego. (3) O vigoroso crescimento da moderna produção de
c) proporciona a expansão do comércio de alimentos uma commodity pouco contribui para o aumento
transgênicos.
do emprego direto na produção agrícola da mesma
d) mantém o protecionismo a partir dos subsídios da-
commodity.
dos aos agricultores.
(4) O governo tem um dilema permanente e contra-
e) permite o uso intensivo de agrotóxicos e defensivos
nocivos aos consumidores. ditório ao administrar os seus recursos: apoiar a
agricultura de exportação ou a de mercado interno.
Foi a partir da realização da Conferência Eco 92, da qual
resultou o Tratado de Quioto (em 1997), que a busca por 9. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar – Ceres/2017)
energia menos poluente e renovável tornou-se uma priori- A característica fundamental é que ele não é mais so-
dade em alguns países, como a China e o Japão, que passa- mente um agricultor ou um pecuarista: ele combina
ram a adicionar álcool (etanol anidro) à gasolina, na busca atividades agropecuárias com outras atividades não
de diminuir o uso do petróleo e a emissão de monóxido agrícolas dentro ou fora de seu estabelecimento, tan-
de carbono, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa. to nos ramos tradicionais urbano-industriais como nas
A partir daí, iniciou-se uma fase de preocupação mundial novas atividades que vêm se desenvolvendo no meio
pela proteção ambiental, por meio da criação de políticas e rural, como lazer, turismo, conservação da natureza,
acordos internacionais, principalmente no que se refere ao moradia e prestação de serviços pessoais. Essa nova
aquecimento global. forma de organização social do trabalho é denominada:
Lara C.G. Ferreira. As paisagens regionais da microrregião Ceres (GO) a) Terceirização.
– das colônias agrícolas nacionais ao agronegócio sucroenergético.
Brasília, Tese de Doutorado, UnB, 2016. b) Agroextrativismo coletivo.
c) Grilhagem.
7. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Tendo o d) Agronegócio.
texto anterior como referência inicial e considerando e) Cooperativismo.
os múltiplos temas por ele evocados, julgue (C ou E) o
item a seguir. Até o início dos anos de 90, havia uma marcante presença
(1) No Brasil, o setor sucroalcooleiro, além da produção estatal na produção de matéria-prima e fertilizantes básicos
de açúcar e álcool, tem intensificado a geração de pelas empresas Fosfértil e Ultrafértil. A partir daí, deu-se
energia a partir da queima da biomassa da cana, o início ao processo de fusão e aquisição, bem como da venda
que representa uma alternativa ao tradicional mo- de empresas estatais que atuavam no setor para empresas
delo de energia hidrelétrica. estrangeiras. Da fusão e da aquisição resultaram apenas três
(2) A expansão da moderna agricultura nos biomas grandes grupos multinacionais, em consonância com uma
Cerrado e Amazônia tem-se constituído a partir de das tendências de globalização mundial, de forte concen-
reduzidos fluxos migratórios em direção às peque- tração do setor.
nas e médias cidades dessas regiões e de poucos Revista de Política Agrícola, abr./jun./2008, p.17-8.
conflitos no campo, uma vez que a mecanização
excessiva das atividades agrárias gera poucos em- 10. A partir das informações do texto, julgue os itens se-
pregos tanto no campo quanto na cidade. guintes.
(3) As regiões produtivas do agronegócio brasileiro são (1) O processo de liberalização da economia dos anos
competitivas no mercado global de commodities 90 intensificou a presença do Estado no mercado,
e caracterizadas pela especialização produtiva que mas deixou os produtores rurais mais suscetíveis ao
atende a parâmetros internacionais de qualidade e poder dos grandes grupos multinacionais no setor
de custos. de fertilizantes.
(4) Para atender, principalmente, ao mercado interna- (2) Entre as propostas de política agrícola que podem
cional, adotam-se, nas áreas do bioma Cerrado, os
Geografia do Brasil

ser sugeridas no cenário, de que trata o texto estão,


modelos de ocupação do território e de produção
por um lado, o incentivo ao aumento de capacidade
desenvolvidos pelo agribusiness nos países centrais
do capitalismo global, que favorecem a produção interna de produção de fertilizantes, e, por outro
em larga escala, intensiva em tecnologia, a partir lago, o incentivo a práticas orgânicas e(ou) agroe-
dos latossolos de média e alta fertilidade. cológicas, reduzindo a dependência dos produtores
por fertilizantes químicos.
8. (Cespe/Câmara dos Deputados/Analista Legislativo/ (3) Os estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo
Assistente Técnico/2002) A agricultura tem um impor- concentram a maior parte das indústrias produtoras
tante papel multifuncional na economia e na socieda- de máquinas e implementos agrícolas.

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11. (Cespe/SEDUC-CE/2013) Tendo o texto acima como re- sistema de transportes, a Lei de Terras (1850) reduziu
ferência inicial, e considerando os múltiplos aspectos o poderio dos latifundiários e ampliou as possibilida-
que ele suscita, assinale a opção correta. des de acesso à propriedade rural por camponeses e
a) Com o avanço da fronteira agrícola moderna, emer- pequenos proprietários.
giram novas cidades brasileiras, nas quais passou a
ocorrer uma inversão: o campo tornou-se menos (Cespe/MPU/Analista/Geografia/2013) Desde o período
funcional para as cidades e as cidades tornaram-se colonial, o espaço geográfico brasileiro foi transformado
funcionais para o campo. e produzido prioritariamente segundo as necessidades do
b) A fronteira agrícola moderna se configurou mais in- mercado externo em detrimento da formação econômica
tensamente em São Paulo que nos demais estados. interna. Foi por meio dessa perspectiva colonizadora que,
c) Entre os serviços ofertados pelas cidades do agrone- a partir de 1530, as propriedades rurais se organizaram no
gócio, destaca-se a comercialização dos grãos reali- Brasil.
zada pelos escritórios comerciais importadores das 15. Com relação às questões agrária e agrícola no Brasil,
grandes empresas (tradings). julgue os itens.
d) A difusão do meio técnico científico-informacional, (1) Ao longo da história fundiária brasileira, ocorre-
em determinadas regiões de fronteira agrícola mo- ram diversas manifestações, movimentos, revoltas
derna, propiciou que ações e objetos agregassem e pressões de trabalhadores rurais pelo acesso à ter-
valor fundamentado no desenvolvimento da ciência ra, muitas com ganho de causa. Esses movimentos
e da informação, contudo essa difusão não favoreceu sempre foram amplamente divulgados pelas mídias
a proliferação de serviços com múltiplas especializa- oficiais.
ções. (2) Quanto a sua utilização, o espaço agrário brasileiro
e) No caso da região pantaneira brasileira, a integração encontra-se atualmente condicionado ao mercado
territorial promovida pela construção das rodovias, interno, o que demandou investimentos em novas
associada à inexistência de heranças territoriais de tecnologias para aumentar a produção de alimen-
grande monta, facilitou a rápida difusão da agricul- tos.
tura moderna nessa área.
(3) Segundo o INCRA, é considerado imóvel rural aquele
que possui terra contínua e seja ou possa ser desti-
(Cespe/MPU/Analista/Geografia/2013) Tendo em vista o
nado à exploração agrícola, pecuária, extrativa vege-
histórico da legislação rural brasileira, o papel do INCRA e a
tal, florestal ou agroindustrial, independentemente
atual política agrária brasileira, julgue os itens a seguir.
12. O Estatuto da Terra de 1964, por meio do qual o governo de sua localização, seja na zona rural ou urbana do
militar pretendia conduzir a questão da terra, serviu não município.
apenas para dirimir as tensões sociais no campo como
também implementou, de fato, uma reforma agrária. 16. Na Europa, a Política Agrícola Comum (PAC) foi idealiza-
da tendo em vista a falta de alimentos e o racionamento
Com a Lei de Terras de 1850, o acesso à terra só passou a ser depois da Segunda Guerra Mundial. A PAC tinha como
possível por meio da compra com pagamento em dinheiro. objetivo garantir uma renda estável aos produtores ru-
Isso limitava, ou mesmo praticamente impedia, o acesso à rais, bem como preços mais baixos ao mercado consu-
terra para os trabalhadores escravos que conquistavam a midor a partir da estabilização do mercado de alimentos
liberdade. nesse continente. Atualmente, a PAC tem sido alvo de
OLIVEIRA, A. U. Agricultura brasileira: transformações recentes. In: críticas, sendo considerada um entrave para o comércio
ROSS, J. L. S. Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 2009. internacional, gerando recursos na Organização Mun-
dial do Comércio (OMC), uma vez que:
13. (Inep/Enem/2017) O fato legal evidenciado no texto a) representa quase metade da despesa anual da União
acentuou o processo de Europeia.
a) reforma agrária. b) gera uma modernização no campo acompanhada
b) expansão mercantil. de grande desemprego.
c) concentração fundiária. c) proporciona a expansão do comércio de alimentos
d) desruralização da elite. transgênicos.
e) mecanização da produção. d) mantém o protecionismo a partir dos subsídios da-
dos aos agricultores.
Diferentemente das demais colônias americanas, o Brasil e) permite o uso intensivo de agrotóxicos e defensivos
adotou o regime monárquico ao proclamar sua emancipação nocivos aos consumidores.
política. Sob o comando de D. Pedro I, o Primeiro Reinado
(1822-1831) foi marcado por graves crises políticas, que cul- Foi a partir da realização da Conferência Eco 92, da qual
minaram na abdicação do imperador. Seguiu-se o período resultou o Tratado de Quioto (em 1997), que a busca por
regencial (1831-1840), por muitos considerado uma experi-
energia menos poluente e renovável tornou-se uma priori-
ência republicana, assinalado pela eclosão de movimentos
dade em alguns países, como a China e o Japão, que passa-
armados em vários pontos do país. A antecipação da maio-
ram a adicionar álcool (etanol anidro) à gasolina, na busca
Geografia do Brasil

ridade de D. Pedro II (o chamado Golpe da Maioridade) deu


de diminuir o uso do petróleo e a emissão de monóxido
início ao Segundo Reinado (1840-1889), o qual foi derrubado
de carbono, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa.
por um golpe militar que instaurou a República.
A partir daí, iniciou-se uma fase de preocupação mundial
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2015) A respeito da pela proteção ambiental, por meio da criação de políticas e
trajetória histórica brasileira ao longo do século XIX, julgue acordos internacionais, principalmente no que se refere ao
o item subsequente. aquecimento global.
Lara C.G. Ferreira. As paisagens regionais da microrregião Ceres (GO)
14. Refletindo a nova mentalidade que acompanhava a – das colônias agrícolas nacionais ao agronegócio sucroenergético.
expansão do mercado internacional e a revolução no Brasília, Tese de Doutorado, UnB, 2016.

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17. Tendo o texto anterior como referência inicial e consi- Até o início dos anos de 90, havia uma marcante presença
derando os múltiplos temas por ele evocados, julgue estatal na produção de matéria-prima e fertilizantes básicos
os itens a seguir. pelas empresas Fosfértil e Ultrafértil. A partir daí, deu-se
(1) No Brasil, o setor sucroalcooleiro, além da produção início ao processo de fusão e aquisição, bem como da venda
de açúcar e álcool, tem intensificado a geração de de empresas estatais que atuavam no setor para empresas
energia a partir da queima da biomassa da cana, o estrangeiras. Da fusão e da aquisição resultaram apenas três
que representa uma alternativa ao tradicional mo- grandes grupos multinacionais, em consonância com uma
delo de energia hidrelétrica. das tendências de globalização mundial, de forte concen-
(2) A expansão da moderna agricultura nos biomas tração do setor.
Revista de Política Agrícola, abr./jun./2008, p.17-8.
Cerrado e Amazônia tem-se constituído a partir de
reduzidos fluxos migratórios em direção às peque-
20. A partir das informações do texto, julgue os itens se-
nas e médias cidades dessas regiões e de poucos
guintes.
conflitos no campo, uma vez que a mecanização (1) O processo de liberalização da economia dos anos
excessiva das atividades agrárias gera poucos em- 90 intensificou a presença do Estado no mercado,
pregos tanto no campo quanto na cidade. mas deixou os produtores rurais mais suscetíveis ao
(3) As regiões produtivas do agronegócio brasileiro são poder dos grandes grupos multinacionais no setor
competitivas no mercado global de commodities de fertilizantes.
e caracterizadas pela especialização produtiva que (2) Entre as propostas de política agrícola que podem
atende a parâmetros internacionais de qualidade ser sugeridas no cenário, de que trata o texto estão,
e de custos. por um lado, o incentivo ao aumento de capacidade
(4) Para atender, principalmente, ao mercado interna- interna de produção de fertilizantes, e, por outro
cional, adotam-se, nas áreas do bioma Cerrado, os lago, o incentivo a práticas orgânicas e(ou) agroe-
modelos de ocupação do território e de produção cológicas, reduzindo a dependência dos produtores
desenvolvidos pelo agribusiness nos países centrais por fertilizantes químicos.
do capitalismo global, que favorecem a produção (3) Os estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo
em larga escala, intensiva em tecnologia, a partir concentram a maior parte das indústrias produtoras
dos latossolos de média e alta fertilidade. de máquinas e implementos agrícolas.

18. A agricultura tem um importante papel multifuncional 21. (Consulplan/Companhia Brasileira de Transportes Ur-
na economia e na sociedade brasileiras. O desempenho banos (CBTU)/Analista Técnico/Área Geógrafo /2014)
do setor, que tem várias particularidades, influi bastan- Sobre o processo de modernização da agricultura bra-
te no comportamento de indicadores importantes da sileira, NÃO é correto afirmar que
economia como um todo e repercute na área social. a) o processo de modernização intensificou-se a partir
Acerca desse tema, julgue os itens abaixo. dos anos 70, quando houve, de acordo com dados
(1) O produto interno bruto (PIB) da agricultura brasilei- da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
ra está crescendo mais rapidamente que o do setor tatística (IBGE), um aumento de mais de 1.000% no
de serviços e, assim, a médio prazo, haverá uma número de tratores utilizados, em relação à década
tendência de que esses valores se tornem iguais. de 50.
(2) O crescimento da produção brasileira das chama- b) apesar do processo de mudança da base técnica
no campo, ainda não surgiu no Brasil os complexos
das commodities agrícolas é responsável pela perda
agroindustriais, típicos dos países centrais, que re-
de mercado de carnes brasileiras nos países mais
presentam a integração técnica entre a indústria que
exigentes.
produz para a agricultura, a agricultura e a agroin-
(3) O vigoroso crescimento da moderna produção de dústria.
uma commodity pouco contribui para o aumento c) o processo de modernização da agricultura brasileira
do emprego direto na produção agrícola da mesma está intimamente ligado à fase conclusiva do pro-
commodity. cesso de substituição de importações – a internali-
(4) O governo tem um dilema permanente e contra- zação de indústrias produtoras de bens de capital e
ditório ao administrar os seus recursos: apoiar a de insumos modernos, ou seja, a entrada no país de
agricultura de exportação ou a de mercado interno. multinacionais produtoras de tratores, fertilizantes,
herbicidas etc.
19. (MPE-GO/MPE-GO/Secretário Auxiliar – Ceres/2017) d) o processo de modernização foi orientado para a
A característica fundamental é que ele não é mais so- modernização do latifúndio, para os grandes pro-
mente um agricultor ou um pecuarista: ele combina prietários, potenciais compradores dos produtos
atividades agropecuárias com outras atividades não industriais, cuja produção se instalara no Brasil ten-
agrícolas dentro ou fora de seu estabelecimento, tan- do, como base, os complexos agroindustriais, o que
to nos ramos tradicionais urbano-industriais como nas acabou gerando maior disponibilidade de empregos
Geografia do Brasil

novas atividades que vêm se desenvolvendo no meio votados aos pequenos produtores que não foram
rural, como lazer, turismo, conservação da natureza, alcançados pelo processo de modernização.
moradia e prestação de serviços pessoais. Essa nova
forma de organização social do trabalho é denominada: 22. (Cespe/Seduc-CE/Geografia/2013) Tendo o texto acima
a) Terceirização. como referência inicial, e considerando os múltiplos
b) Agroextrativismo coletivo. aspectos que ele suscita, assinale a opção correta.
c) Grilhagem. a) Com o avanço da fronteira agrícola moderna, emer-
d) Agronegócio. giram novas cidades brasileiras, nas quais passou a
e) Cooperativismo. ocorrer uma inversão: o campo tornou-se menos

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funcional para as cidades e as cidades tornaram-se (1) A especulação imobiliária que ocorre atualmente
funcionais para o campo. nas porções centrais das áreas metropolitanas bra-
b) A fronteira agrícola moderna se configurou mais in- sileiras estimula a população a migrar destas áreas
tensamente em São Paulo que nos demais estados. centrais para a periferia.
c) Entre os serviços ofertados pelas cidades do agrone- (2) O Brasil não se caracteriza como um país subde-
gócio, destaca-se a comercialização dos grãos reali- senvolvido industrializado, devido à importância
zada pelos escritórios comerciais importadores das do setor primário de sua economia e às profundas
grandes empresas (tradings). desigualdades sociais que mantém parte da popu-
d) A difusão do meio técnico científico-informacional, em lação brasileira no campo.
determinadas regiões de fronteira agrícola moderna, (3) No Brasil, a indústria concentra-se na região Sudeste,
propiciou que ações e objetos agregassem valor funda- o que favorece a integração do espaço geográfico
mentado no desenvolvimento da ciência e da informa- na região e facilita as migrações para o sudeste.
ção, contudo essa difusão não favoreceu a proliferação (4) A população brasileira continua crescendo, contudo
de serviços com múltiplas especializações. em ritmo menor que no século XX, tendo aumenta-
e) No caso da região pantaneira brasileira, a integração do o contingente populacional de idosos.
territorial promovida pela construção das rodovias,
associada à inexistência de heranças territoriais de 26. (Cespe/Instituto Rio Branco (IRBr)/Diplomata/2017)
grande monta, facilitou a rápida difusão da agricul-
Considerando a tríade cidade, ambiente e cultura, jul-
tura moderna nessa área.
gue os seguintes itens.
(1) No Brasil, as periferias metropolitanas podem ser
(Cespe/MPU/Analista/Geigrafia/2013) Tendo em vista o his-
tórico da legislação rural brasileira, o papel do INCRA e a atual caracterizadas por trazerem elementos de repro-
política agrária brasileira, julgue os itens a seguir. dução da vida rural pregressa do país, como são,
23. O Estatuto da Terra de 1964, por meio do qual o governo por exemplo, os casos de Goiânia, São Paulo e Belo
militar pretendia conduzir a questão da terra, serviu não Horizonte.
apenas para dirimir as tensões sociais no campo como (2) As periferias enquanto espaço social são lugares
também implementou, de fato, uma reforma agrária. de construção cultural cotidiana influenciadas pela
cultura de massas, que é parte da indústria cultural,
A segregação residencial é um dos mais expressivos proces- e retroalimentam esse setor da economia quando
sos espaciais que geram a fragmentação do espaço urbano. suas manifestações culturais são apropriadas e
As áreas sociais são a sua manifestação espacial, a forma transformadas em produtos consumidos em escala
resultante do processo. Forma e processo levam a ver a ci- local, regional e global.
dade como um “mosaico social”. A partir da segregação das (3) No cerne de uma nova regionalização brasileira,
áreas sociais, originam-se inúmeras atividades econômicas catalisada pelo poder estratégico-econômico do
espacialmente diferenciadas, como centros comerciais e Sudeste e do Sul, populações indígenas e quilom-
áreas industriais. O inverso também é verdadeiro: a partir bolas do Centro-Oeste e do Norte têm migrado para
da concentração de indústrias na cidade, podem se formar cidades do campo daquelas regiões, tornando-se
bairros operários. A segregação residencial e as áreas sociais, a mão de obra qualificada nesses novos centros.
por outro lado, estão na base de muitos movimentos sociais (4) Nas cidades, as denominadas áreas de risco consti-
com foco no espaço. tuem-se à revelia das políticas espaciais adotadas
R. L. Corrêa. Segregação residencial: classes sociais e espaço urbano. tanto pelos municípios quanto pelos empreen-
In: A cidade contemporânea. São Paulo: Contexto, 2013, p. 40-60
(com adaptações).
dedores imobiliários, em um processo no qual a
população ocupante torna-se a responsável pela
24. (Cespe/Instituto Rio Branco(IRBr)/Diplomata/2015) constituição do risco e da vulnerabilidade.
Com relação ao tema tratado no fragmento de texto
acima, julgue (C ou E) os itens que se seguem. 27. (Cespe/TJ-AC/Técnico em Comunicação Social/2012)
(1) A segregação residencial tanto nas grandes quanto Julgue os itens seguintes, relativos às teorias da comu-
nas médias e pequenas cidades pode ser conside- nicação.
rada como autossegregação, segregação imposta e (1) O termo cultura de massa, assim como a ideia nele
segregação induzida. contida, que se refere, em geral, à cultura consumi-
(2) A segregação residencial é um processo espacial que da pelas massas e à cultura popular, foi criado por
se manifesta por meio de áreas sociais relativamen- Adorno e Horkheimer, por meio do termo indústria
te homogêneas internamente e heterogêneas em cultural.
relação umas às outras. (2) Os estudos culturais consideram como cultura todas
(3) A segregação residencial resulta na minimização dos as práticas sociais, sendo a soma de todas as suas
movimentos sociais, por afastar a população pobre interrelações.
das áreas centrais urbanas, e na maximização das
representações das diferentes áreas sociais. Um dos traços marcantes do atual período histórico é, pois, o
(4) Na cidade conurbada, as áreas de consumo de bens papel verdadeiramente despótico da informação. Conforme
Geografia do Brasil

e serviços não são as mesmas para todos, e o tempo já vimos, as novas técnicas deveriam permitir a ampliação do
de deslocamento até elas é razão de diferenciação, conhecimento do planeta, dos objetos que o formam, das
o que facilita a elaboração de uma representação de sociedades que o habitam e dos homens em sua realidade
centralidade urbana que seja a base de construção intrínseca. Todavia, nas condições atuais, as técnicas de in-
de identidades e de memória urbana. formação são principalmente utilizadas por um punhado de
atores em função de seus objetivos particulares [...] apro-
25. (Cespe/Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e fundando assim os processos de criação de desigualdades.
Inovação/2014) Com relação à geografia urbana no Milton Santos. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro,
Brasil, julgue os itens que se seguem. Record, 2000.

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28. O fragmento de texto critica as redes informacionais 34. O padrão de rede urbana encontrado no país, hierar-
surgidas com a globalização, por quê? quizado segundo o tamanho das cidades, espelha a
a) Difundem a ideologia da classe dominante, contri- integração e a articulação de todo o território nacional.
buindo dessa forma para a acumulação capitalista.
b) Favorecem discordâncias entre as elites. (Cespe/Abin/2008) Com relação ao processo de moderni-
c) Contrapõem interesses políticos e econômicos. zação agrícola brasileira e suas implicações, julgue os itens
d) Difundem e ampliam o conhecimento favorecendo subsequentes.
a inclusão. 35. Embora sejam evidentes os esforços de modernização
e) Estão nas mãos das grandes empresas midiáticas e das atividades no campo, o aumento do volume da pro-
são utilizadas por “um punhado de atores”. dução brasileira decorre do aumento da área de terra
cultivada.
29. (Cespe/CPRM/Analista em Geociências/2013) Com rela- 36. Resultante da maior inserção do país no contexto inter-
ção ao processo industrial brasileiro e à inserção do Brasil nacional, a modernização agrícola, com a consequente
na economia mundial, julgue os itens que se seguem. queda da necessidade de trabalho humano no campo,
(1) A cultura brasileira, em suas distintas formas de contribuiu para o processo de urbanização no Brasil.
expressão, embora movimente atividades ligadas 37. O desenvolvimento agrícola ocorrido no Brasil colo-
ao turismo, pouco contribui para favorecer a inter- cou como provedor de bens primários para o mercado
nacionalização da economia nacional. mundial, já que o país apresenta incipiente nível de
(2) No território brasileiro, existem áreas caracterizadas industrialização.
pela globalização absoluta e outras em que essa 38. No Brasil, as mudanças nos padrões produtivos geram
globalização é relativizada. A diferença entre elas efeitos sociais, tais como o desemprego, o subemprego
reside nas tendências corporativas de produção, e a migração inter e intra-regional.
distribuição e informação. 39. Os conflitos pela posse de terra no Brasil ocorrem tanto
nas áreas tradicionais de produção agropecuária como
30. No Brasil, os povos e as comunidades tradicionais cor- nas novas áreas de expansão agrícola, a exemplo da
respondem aos grupos culturalmente diferenciados, região Centro-Oeste.
que possuem formas próprias de organização social e
usam territórios e recursos naturais como condição para Perduram imagens obsoletas sobre a região amazônica, ver-
sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e dadeiros mitos. Não apenas os mitos tradicionais da terra
econômica. As populações tradicionais, cujo estilo de exótica e dos espaços vazios, mas também mitos recentes
vida é baseado em atividades de pesca, na faixa litorâ- que obscurecem a realidade regional e dificultam a elabora-
nea do sudeste e sul do Brasil, compostas principalmen- ção de políticas públicas adequadas ao seu desenvolvimento.
te por mestiços de indígenas e colonizadores europeus, Nas últimas décadas do século XX, mudanças bem mais drás-
são denominadas ticas ocorreram na região, tanto no que se refere a aspectos
a) caboclos. políticos e econômicos quanto no que diz respeito a políticas
b) caipiras. públicas. As populações regionais se organizam e se tornam
c) caiçaras. atores políticos significativos, a cooperação internacional fi-
d) varjeiros. nanceira e tecnocientífica assume influência crescente, e o
e) quilombolas. terceiro setor emerge como mediador de interesses diversos,
reduzindo o papel do Estado.
B. K.. Becker. Amazônia: nova geografia, nova política regional e nova
(Cespe/MPU/Técnico e Analista/Geografia/2010) Julgue os
escala de ação. In: M. Coy e Kohlhepp (Coords.). Amazônia sustentá-
itens: vel. Garamond, 2005, p. 23-4 (com adaptações).
31. Apenas pequena parcela das comunidades quilombo-
las, presentes em todos os biomas brasileiros, pratica (Cespe/Abin/2008) Tendo o texto acima como referência
o extrativismo. inicial, julgue os próximos itens, acerca das transformações
político-econômicas que têm ocorrido na região amazônica.
Ainda em meados do século XX, o Brasil era composto de 40. A forma de ocupação da Amazônia mudou, e a valoriza-
manchas de adensamento econômico isoladas entre si e ção de seus produtos extrativos no mercado internacio-
orientadas para o mercado exterior, o que revelava sua feição nal, que persiste na atualidade, determina a ocorrência
espacial herdada de um processo de ocupação que deixou de novos ciclos econômicos.
marcas diferenciadas no extenso território nacional, confor- 41. A implementação de novas políticas regionais trouxe
me se desdobravam, com grande descontinuidade temporal como consequência para a Amazônia a desarticulação
e geográfica, os diversos ciclos econômicos voltados para a dessa região da dinâmica socioeconômica no Brasil, pre-
exportação. valecendo, então, os interesses locais, isto é, da própria
IBGE. Brasil em números, v. 14, 2006, p. 45 (com adaptações).
região.
42. O aproveitamento da vastidão das terras da região ama-
(Cespe/Abin/2008) Acerca da organização do espaço brasi- zônica por meio da alocação de pequenos produtores
leiro e das atividades econômicas desenvolvidas no território rurais, na segunda metade do século XX, desencadeou
Geografia do Brasil

nacional, julgue os itens subsequentes. intenso fluxo migratório para a região.


32. Sobre a “feição espacial herdada de um processo de 43. Na região amazônica, a desconcentração da proprie-
ocupação”, a industrialização promoveu a desconexão dade da terra, decorrente da ocupação desta por pe-
entre as regiões brasileiras, acentuando a supremacia quenos agricultores, direcionados por programas de
econômica do Sudeste. assentamento implementados tanto pelo Estado, no
33. A “grande descontinuidade temporal e geográfica” men- caso do Programa Integrado de Colonização, quanto
cionada no texto explica-se pelo processo de ocupação pela iniciativa particular, tornou a estrutura fundiária
territorial em que foi privilegiada a atividade agrícola, da Amazônia diferente da de outras regiões do país, em
espalhada nas diversas regiões do país. que existem os conflitos agrários.

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44. Na Amazônia, o avanço da fronteira agrícola ocorre por 52. (Cespe/SPU/Geógrafo/Superior) A respeito dos efeitos
meio da recuperação das áreas degradadas utilizadas da reestruturação produtiva no território brasileiro, que
para o cultivo de produtos, cuja exportação representa ocorreu como consequência da revolução tecnocientífi-
uma forma de inserção do Brasil no mercado interna- ca informacional, a partir da segunda metade do século
cional. XX, julgue os próximos itens.
(1) A nova organização espacial da produção brasi-
Do ponto de vista político, o mundo apresenta o aspecto leira surgiu a partir da crise econômica dos anos
de um grande caos: por um lado, a multiplicação de uniões 80 do século passado e da crescente concorrência
econômicas regionais, por outro, o renascimento de nacio- internacional, as quais resultam em uma dispersão
nalismos, ascensão de fundamentalismo, Estados divididos. A espacial da produção agropecuária e industrial, a
maioria dos conflitos são internos, intra-estatais. Além disso, partir da expansão da fronteira agrícola, da rees-
redes internacionais de caráter mafioso e o crime organizado truturação de antigas regiões produtivas agrícolas
constituem novas ameaças porque controlam toda a espécie e pela desconcentração da indústria paulista.
de circuitos clandestinos (prostituição, contrabando, tráfico (2) A manutenção do parque industrial brasileiro na
de drogas, venda de armas, disseminação nuclear). região Sudeste e a expansão do agronegócio con-
J. W. Vesentini. Novas geopolíticas – as representações do século XXI.
Contexto, p. 75 (com adaptações).
centraram a maior parte das cidades médias (entre
100 e 500 mil habitantes) na região mais desenvol-
(Cespe/Abin/2008) A partir do texto acima, julgue os itens a vida do país, no eixo Rio de Janeiro, São Paulo e
seguir. Minas Gerais.
45. A atuação de organismos internacionais como o Fundo
Monetário Internacional e a Organização Mundial do GABARITO
Comércio tem eliminado as concentrações e os dese-
quilíbrios nas atividades econômicas, provocados pelo 1. e 27. C, C
avanço da globalização. 2. C, C, C, E 28. a
46. É observada a formação de uniões econômicas regionais 3. a 29. E, C
pela reunião de países geograficamente limítrofes ou 4. E 30. c
não, onde perduram políticas de resistência à globali- 5. E, E, C 31. E
zação da economia, impedindo o comércio com outros 6. d 32. E
blocos econômicos e países para concentrar o aumento 7. C, E, C, E 33. E
de riqueza dos países pertencentes ao próprio bloco. 8. E, E, C, E 34. E
47. Entre as causas atuais para a existência de conflito entre 9. d 35. E
nações, ou em um mesmo país, estão os problemas 10. E, C, C 36. C
ambientais, que se tornaram tema de discussões e de 11. b 37. E
acordos em fóruns internacionais, motivando ações 12. E 38. C
conjuntas. Um exemplo de ação mitigadora levada a 13. c 39. C
efeito cooperativamente entre países foi a contenção 14. E 40. E
do petróleo derramado no mar por ocasião da Guerra 15. E, E, C 41. E
do Golfo. 16. d 42. C
48. A ascensão do fundamentalismo teve origem nos confli- 17. C, E, C, E 43. E
tos inter-étnicos, particularmente frequentes em países 18. E, E, C, E 44. E
que abrigam diferentes povos, com diferentes religiões 19. d 45. E
20. E, C, C 46. E
Apesar da ampliação dos mercados, a globalização da eco- 21. b 47. C
nomia e o crescimento dos fluxos de mercadorias reafirmam
22. a 48. E
a desuniformidade do espaço terrestre e dão visibilidade à
23. E 49. C
sua heterogeneidade e à sua diversificação pela ação das
24. C, C, E, E 50. E
sociedades que o modelam.
Iná E. Castro. Geografia política, território, escalas de ação e institui- 25. C, E, C, C 51. E
ções. Bertrand Brasil, 2006, p. 234. 26. C, C, E, E 52. C, E

(Cespe/Abin/2008) Tendo o texto acima como referência ini-


cial e considerando os assuntos por ele suscitados, julgue os
seguintes itens.
49. Em função da busca da competitividade e da heteroge-
neidade do espaço, as empresas se dirigem para locais
onde haja mão-de-obra qualificada e barata e infraes-
trutura adequada.
50. A globalização, como fenômeno em curso no mundo,
é caracterizada pela integração de mercados, levando
Geografia do Brasil

o crescimento econômico a todas as regiões, articula-


das segundo um processo equitativo de distribuição de
riqueza.
51. Para a inserção de países como o Brasil, o México e
a Argentina na nova realidade econômica mundial, as
organizações financeiras internacionais exigiram a re-
forma do Estado, para a ampliação da autonomia deste
e para a garantia do crescimento econômico por meio
da centralização da tomada de decisão.

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ABIN

SUMÁRIO

Geografia Mundial

Globalização e fragmentação em relação à nova ordem mundial........................................................................................ 3

O estágio atual do capitalismo e a divisão internacional do trabalho.................................................................................. 4

Processo de desenvolvimento/subdesenvolvimento............................................................................................................ 6

Caracterização geral dos sistemas político-econômicos contemporâneos e suas áreas de influência e disputa..............11

O papel das grandes organizações político-econômicas internacionais............................................................................. 16

A formação dos grandes blocos econômicos....................................................................................................................... 21

A ação do Estado na economia e política contemporâneas................................................................................................ 29

As consequências da transformação do espaço socialista.................................................................................................. 31

Os conflitos geopolíticos recentes........................................................................................................................................ 32

Movimentos migratórios internacionais e crescimento demográfico................................................................................. 43

A questão ecológica em nível mundial................................................................................................................................ 46

Estrutura e funcionamento do agronegócio internacional.................................................................................................. 49

Matrizes energéticas:
Repercussões na geopolítica internacional.....................................................................................................................52

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GEOGRAFIA MUNDIAL
Rebecca Guimarães

GlOBAlIZAÇÃO E fRAGMENTAÇÃO EM Apesar de alguns autores considerarem o movimento da


globalização a partir da expansão das grandes navegações
RElAÇÃO À NOVA ORdEM MUNdIAl europeias, ocorrida em fins do século XV, é só na segunda
metade do século XX que se pode falar em uma globaliza‑
ção no sentido de uma integração entre os países. Pois é
a partir deste período que se constrói uma técnica e uma
política planetárias. Como também serão globais os atores
hegemônicos e as relações econômicas.
Em se tratando da geografia, a expressão espacial cor‑
respondente a este período é o meio técnico‑científico‑in‑
formacional. Agora, a informação passa a ser o recurso mais
cobiçado e determinante. O que exige do território um papel
primordial na circulação da informação. Pode‑se afirmar
que as obras criadas pelo homem, conhecidas por fixos e o
movimento de pessoas, de bens, de mercadorias e de infor‑
mações, conhecidos por fluxos, são aspectos importantes
para o entendimento da organização espacial, à medida que
o espaço se organiza ou se reorganiza diferentemente, pois
diferentes são os fluxos e os fixos, já que ambos representam
a concretização das diferentes capacidades de investimen‑
A globalização que marca o atual período histórico é tos, de evolução e de aplicação tecnológica das diferentes
caracterizada pela integração do mundo, principalmente sociedades. Nada acontece fora do espaço, sobretudo agora,
pela economia, criando um mercado global e também uma que os fluxos, cada dia mais numerosos e intensos, passam a
mais‑valia globalizada. Tal unificação passou a orientar as exigir um maior número de fixos sobre o espaço. Estes fixos,
mais diversas atividades econômicas. ao serem geograficizados, passam a constituir o próprio
Paralelo a este processo de aproximação e unificação das território e mantém uma relação dialética com os fluxos.
diferentes parte do mundo há um intenso processo de frag‑ O Território é o lugar em que desembocam todas as
mentação sobre os territórios e sociedades. Ou melhor, esta ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças,
fragmentação é fruto das dinâmicas da globalização. Uma todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plena‑
contradição produzida pelo atual estágio de globalização da mente se realiza a partir das manifestações da sua existência.
economia, ou seja, mais uma contradição do capitalismo. A Geografia passa a ser aquela disciplina tornada mais capaz
de mostrar os dramas do mundo, da nação, do lugar. (Santos
Globalização e fragmentação 2009, p. 7)
A globalização imposta pelos agentes hegemônicos não
Entender a relação entre os processos de globalização e prega a cooperação fraterna entre as pessoas ou entre os
fragmentação sobre o prisma do uso do território consiste em lugares, mas um sistema baseado na dominação e hierar‑
analisar uma problemática contraditória. No atual período quização, o que resulta em desigualdade e na fragmentação
histórico, os territórios se apresentam de uma forma integra‑ da sociedade e do território. O período atual é, portanto,
da, própria do processo de globalização vigente, o que indica baseado e produtor de conflitos.
Os processos de globalização e fragmentação implicam
uma complementaridade e interdependência funcional dos
territórios diversos que se constituem, especialmente neste
lugares, sobretudo no que tange às estratégias de mercado e
fim de século, em geografias da desigualdade. Assim, o uso
mesmo da organização do território para seu funcionamento.
que se fará aqui da palavra fragmentação remete a desigual‑
Ao mesmo tempo, o território também possui um caráter
dades provocadas pelo processo de globalização.
fragmentário, visto que o espaço geográfico apresenta
A fragmentação se dá como resultado de alguma forma
diferentes densidades materiais, de uso e valores também
de impacto não esperado, daí o sentido de reduzir a frag‑
distintos. É assim que os lugares se diferenciam, segundo mentos, quebrar‑se, ou seja, a fragmentação, de modo geral,
suas lógicas de funcionamento e suas diferentes inserções desarticula e desorganiza.
no processo de uso econômico do território. Os territórios tendem a uma compartimentação gene‑
A globalização representa um processo dinamizador e ralizada, onde se associam e se chocam o movimento geral
central na definição do atual período histórico e por con‑ da sociedade planetária e o movimento particular de cada
seguinte na reorganização do espaço geográfico. O debate fração, regional ou local, da sociedade nacional. Esses mo‑
sobre a natureza, significado, implicações e até mesmo sua
GEOGRAfIA MUNdIAl

vimentos são paralelos a um processo de fragmentação que


temporalidade gera um vasto debate realizado por inúmeras rouba às coletividades o comando do seu destino, enquanto
áreas do conhecimento. Mas em torno deste importante os novos atores também não dispõem de instrumentos de
processo recai ambiguidades e armadilhas teóricas, exigindo, regulação que interessem à sociedade em seu conjunto.
deste modo, prudência em seu uso e uma correta definição A agricultura moderna, cientifizada e mundializada, tal como
do seu entendimento. a assistimos se desenvolver em países como o Brasil, constitui
A globalização constitui o estágio supremo da internacio‑ um exemplo dessa tendência e um dado essencial ao enten‑
nalização, a amplificação em ‘sistema‑mundo’ de todos os dimento do que no país constituem a compartimentação e
lugares e de todos os indivíduos, embora em graus diversos. a fragmentação atuais do território.

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O ESTÁGIO ATUAL DO CAPITALISMO E A Segunda Guerra Mundial. No geral a globalização é vista por
DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO alguns cientistas políticos como o movimento sob o qual se
constrói o processo de ampliação da hegemonia econômica,
A globalização é um dos processos de aprofundamento política e cultural ocidental sobre as demais nações. Ou ainda
da integração econômica, social, cultural, política, com o que a globalização é a reinvenção do processo expansionista
barateamento dos meios de transporte e comunicação dos americano no período pós guerra‑fria (esta reinvenção tar‑
países do mundo no final do século XX e início do século XXI. daria quase 10 anos para ganhar forma) com a imposição
É um fenômeno gerado pela necessidade da dinâmica do (forçosa ou não) dos modelos políticos (democracia), ideoló‑
capitalismo de formar uma aldeia global que permita maio‑ gico (liberalismo, hedonismo e individualismo) e econômico
res mercados para os países centrais (ditos desenvolvidos) (abertura de mercados e livre competição). Vale ressaltar
cujos mercados internos já estão saturados. O processo de que este projeto não é uma criação exclusiva do estado
Globalização diz respeito à forma como os países interagem norte‑americano e que tampouco atende exclusivamente aos
e aproximam pessoas, ou seja, interliga o mundo, levando interesses deste mas também é um projeto das empresas, em
em consideração aspectos econômicos, sociais, culturais e especial das grandes empresas transnacionais, e governos
políticos. Com isso, gerando a fase da expansão capitalista, do mundo inteiro. Neste ponta surge a inter‑relação entre a
onde é possível realizar transações financeiras, expandir Globalização e o Consenso de Washington.
seu negócio até então restrito ao seu mercado de atuação A Nova Ordem Mundial é um conceito sócio‑econô‑
para mercados distantes e emergentes, sem necessaria‑ mico‑político que faz referência ao contexto histórico do
mente um investimento alto de capital financeiro, pois a mundo pós‑Guerra Fria. A expressão foi pela primeira vez
comunicação no mundo globalizado permite tal expansão, usada pelo presidente norte‑americano Ronald Reagan na
porém, obtêm‑se como consequência o aumento acirrado década de 1980, referindo‑se ao processo de queda da União
da concorrência. A globalização é um fenômeno capitalista Soviética e ao rearranjo geopolítico das potências mundiais.
e complexo que começou na época dos Descobrimentos e A Nova Ordem Mundial foi a denominação que o presidente
que se desenvolveu a partir da Revolução Industrial. Mas o Bush deu a ordem multipolar, onde novos pólos econômicos
seu conteúdo passou despercebido por muito tempo, e hoje estavam surgindo, entre eles, Japão, China, Rússia e União
muitos economistas analisam a globalização como resul‑ Europeia. Quando deu início a nova ordem mundial, a riva‑
tado do pós Segunda Guerra Mundial, ou como resultado lidade entre os sistemas econômicos opostos, a classificação
da Revolução Tecnológica. Sua origem pode ser traçada do dos países em 1º, 2º e 3º mundo e a ordem bipolar, EUA e
período mercantilista iniciado aproximadamente no século URSS, deixaram de existir. O  termo Nova Ordem Mundial
XV e durando até o século XVIII, com a queda dos custos de tem sido aplicado de forma abrangente, dependendo do
transporte marítimo, e aumento da complexidade das rela‑ contexto histórico, mas de um modo geral, pode ser definido
ções políticas europeias durante o período. Este período viu como a designação que pretende compreender uma radical
grande aumento no fluxo de força de trabalho entre os países alteração, e o surgimento de um novo equilíbrio, nas rela‑
e continentes, particularmente nas novas colônias europeias. ções de poder entre os estados na cena internacional. Em
É tido como início da globalização moderna o fim da um contexto mais moderno, percebe‑se muitas vezes esta
Segunda Guerra mundial, e a vontade de impedir que uma referência ser feita a respeito das novas formas de controle
atrocidade como ela ocorresse novamente no futuro, sendo tecnológico das populações, num mundo progressivamente
que as nações vitoriosas da guerra e as devastadas potências globalizado, descrevendo assim um cenário que aponta para
do eixo chegaram à conclusão que era de suma importân‑ uma evolução no sentido da perda de liberdades e um maior
cia para o futuro da humanidade a criação de mecanismos controle por entidades distantes, com o quebramento da
diplomáticos e comerciais para aproximar cada vez mais as autonomia de países, grupos menores em geral, e indivíduos.
nações uma das outras. Deste consenso nasceu as Nações Encontramos a origem do sistema capitalista na passa‑
Unidas, e começou a surgir o conceito de bloco econômico gem da Idade Média para a Idade Moderna. Com o renasci‑
pouco após isso com a fundação da Comunidade Europeia mento urbano e comercial dos séculos XIII e XIV, surgiu na
do Carvão e do Aço – CECA. A necessidade de expandir seus Europa uma nova classe social: a burguesia. Esta nova classe
mercados levou as nações a aos poucos começarem a se abrir social buscava o lucro através de atividades comerciais. Neste
para produtos de outros países, marcando o crescimento da contexto, surgem também os banqueiros e cambistas, cujos
ideologia econômica do liberalismo. Atualmente os grandes ganhos estavam relacionados ao dinheiro em circulação,
beneficiários da globalização são os grandes países emer‑ numa economia que estava em pleno desenvolvimento.
gentes, especialmente o BRIC, com grandes economias de Historiadores e economistas identificam nesta burguesia,
exportação, grande mercado interno e cada vez maior pre‑ e também nos cambistas e banqueiros, ideais embrionários
sença mundial. Antes do BRIC, outros países fizeram uso da do sistema capitalista: lucro, acúmulo de riquezas, controle
globalização e economias voltadas a exportação para obter dos sistemas de produção e expansão dos negócios.
rápido crescimento e chegar ao primeiro mundo, como os ti‑
gres asiáticos na década de 1980 e Japão na década de 1970. Primeira Fase: Capitalismo Comercial ou
A globalização, por ser um fenômeno espontâneo decor‑ Pré‑Capitalismo
rente da evolução do mercado capitalista não direcionado
por uma única entidade ou pessoa, possui várias linhas Este período estende‑se do século XVI ao XVIII. Inicia‑se
Geografia Mundial

teóricas que tentam explicar sua origem e seu impacto no com as Grandes Navegações e Expansões Marítimas Euro‑
mundo atual. A  rigor, as  sociedades do mundo estão em peias, fase em que a burguesia mercante começa a buscar
processo de globalização desde o início da História, acelerado riquezas em outras terras fora da Europa. Os comerciantes
pela época dos Descobrimentos. Mas o processo histórico a e a nobreza estavam a procura de ouro, prata, especiarias
que se denomina Globalização é bem mais recente, datando e matérias‑primas não encontradas em solo europeu. Estes
(dependendo da conceituação e da interpretação) do colapso comerciantes, financiados por reis e nobres, ao chegarem
do bloco socialista e o consequente fim da Guerra Fria (entre à América, por exemplo, vão começar um ciclo de explo‑
1989 e 1991), do refluxo capitalista com a estagnação econô‑ ração, cujo objetivo principal era o enriquecimento e o
mica da URSS (a partir de 1975) ou ainda do próprio fim da acúmulo de capital. Neste contexto, podemos identificar

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as seguintes características capitalistas: busca do lucro, uso baixo custo; matéria‑prima; leis ambientais frágeis, entre
de mão‑de‑obra assalariada, moeda substituindo o sistema outros. A Divisão Internacional do Trabalho direciona uma
de trocas, relações bancárias, fortalecimento do poder da especialização produtiva global, isso por que cada país fica
burguesia e desigualdades sociais. designado a produzir um determinado produto ou partes do
mesmo, isso dependendo dos incentivos oferecidos em cada
Segunda Fase: Capitalismo Industrial país. Esse processo se expandiu na mesma proporção que o
capitalismo. Um exemplo que pode ser usado nesse sentido
No século XVIII, a  Europa passa por uma mudança é a montagem de um automóvel realizada na Argentina, po‑
significativa no que se refere ao sistema de produção. rém com componentes oriundos de diferentes países, como
A  Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, fortalece o parte elétrica e eletrônica de Taiwan, borrachas da Indonésia
sistema capitalista e solidifica suas raízes na Europa e em e assim por diante, isso por que cada país citado oferece
outras regiões do mundo. A Revolução Industrial modificou atrativos e o custo do produto final consequentemente
o sistema de produção, pois colocou a máquina para fazer será menor e automaticamente aumenta os lucros que é o
o trabalho que antes era realizado pelos artesãos. O dono objetivo central do capitalismo. A Divisão Internacional do
da fábrica conseguiu, desta forma, aumentar sua margem Trabalho provoca desigualdades, os países emergentes ou
de lucro, pois a produção acontecia com mais rapidez. Se em desenvolvimento como México, Argentina, Brasil e ou‑
por um lado esta mudança trouxe benefícios (queda no tros, adquirem tecnologias a preços altos enquanto que os
preço das mercadorias), por outro a população perdeu produtos exportados pelos países citados não atingem preços
muito. O desemprego, baixos salários, péssimas condições satisfatórios, agravando esses e favorecendo os países ricos.
de trabalho, poluição do ar e rios e acidentes nas máquinas A DIT corresponde a uma especialização das atividades
foram problemas enfrentados pelos trabalhadores deste econômicas em caráter de produção, comercialização, expor‑
período. O lucro ficava com o empresário que pagava um tação e importação entre distintos países do mundo. Antes
salário baixo pela mão‑de‑obra dos operários. As indústrias, de esse processo vigorar no mundo, mais precisamente na
utilizando máquinas à vapor, espalharam‑se rapidamente década de 50, os bens manufaturados eram oriundos restri‑
pelos quatro cantos da Europa. O  capitalismo ganhava tamente dos países industrializados como Estados Unidos,
um novo formato. Muitos países europeus, no século XIX, Canadá, Japão e nações europeias. Os países já industria‑
começaram a incluir a Ásia e a África dentro deste sistema. lizados tinham suas respectivas produções primeiramente
Estes dois continentes foram explorados pelos europeus, destinadas ao abastecimento do mercado interno, e depois
dentro de um contexto conhecido como neocolonialismo. o restante direcionado ao fornecimento de mercadorias
As populações destes continentes foram dominadas a força industrializadas aos países subdesenvolvidos que ainda não
e tiveram suas matérias‑primas e riquezas exploradas pelos haviam ingressado efetivamente no processo de industria‑
europeus. Eram também forçados a trabalharem em jazidas lização. Os países subdesenvolvidos tinham a incumbência
de minérios e a consumirem os produtos industrializados das de gerar matéria‑prima com finalidade de fornecê‑las aos
fábricas europeias. países industrializados, a exportação era vinculada à produ‑
ção de origem agrícola e extrativista. Após a Segunda Guerra
Terceira Fase: Capitalismo Mundial, muitas empresas, sobretudo norte‑americanas,
começaram a instalar filiais em diferentes países do mundo,
Monopolista‑Financeiro tal fato foi intensificado com o processo da globalização,
que transformou muitos países subdesenvolvidos, que no
Iniciada no século XX, esta fase vai ter no sistema ban‑ passado eram meros produtores primários, em exportadores
cário, nas grandes corporações financeiras e no mercado também de produtos industrializados, alterando as relações
globalizado as molas mestras de desenvolvimento. Podemos comerciais que predominavam no mundo. Apesar da modi‑
dizer que este período está em pleno funcionamento até os ficação apresentada na configuração econômica, os países
dias de hoje. Grande parte dos lucros e do capital em circula‑ da América Latina, Ásia e África, ainda ocupam destaque na
ção no mundo passa pelo sistema financeiro. A globalização produção de produtos primários. O que os mantém como
permitiu as grandes corporações produzirem seus produtos produtores primários é principalmente o modo como os
em diversas partes do mundo, buscando a redução de cus‑ países subdesenvolvidos foram industrializados, grande
tos. Estas empresas, dentro de uma economia de mercado, parte das empresas e indústrias existentes em países pobres
vendem estes produtos para vários países, mantendo um é de nações desenvolvidas e ricas, diante desse fato, todos
comércio ativo de grandes proporções. Os sistemas informa‑ os lucros adquiridos durante o ano não permanecem no
tizados possibilitam a circulação e transferência de valores território no qual a empresa se encontra e sim migra para a
em tempo quase real. Apesar das indústrias e do comercio nacionalidade de origem. Em outras palavras, as empresas
continuarem a lucrar muito dentro deste sistema, podemos transnacionais sempre buscam os interesses próprios sem
dizer que os sistemas bancário e financeiro são aqueles que considerar as causas sociais, econômicas e ambientais de
mais lucram e acumulam capitais dentro deste contexto onde suas empresas estão instaladas.
econômico atual.
Subdesenvolvimento
DIT (Divisão Internacional do Trabalho)
Geografia Mundial

O subdesenvolvimento é produzido como consequência


A DIT (Divisão Internacional do Trabalho) é uma divisão da evolução capitalista. Os países em desenvolvimento estão,
produtiva em âmbito internacional. Os países emergentes em maioria, na África, Ásia, América Latina e vários países
ou em desenvolvimento que obtiveram uma industrialização ex‑socialistas. Quase todos foram colônias de exploração no
tardia e por isso e muitos outros fatores possuem economias passado. As riquezas retiradas das colônias permitiram maior
ainda frágeis e passíveis de crises econômicas, oferecem aos acúmulo de capital na Europa. Com a Revolução Industrial,
países industrializados um leque de benefícios e incentivos as potências se expandiram às custas dos menos desenvolvi‑
para a instalação de indústrias, tais como a isenção parcial dos; mais tarde, com o Imperialismo, aumentou a exploração
ou total de impostos, mão‑de‑obra abundante, portanto de e, após a Segunda Guerra Mundial, passou a haver o Imperia‑

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lismo econômico, dominando financeiramente. A expressão mercado a cada ano. Se todas as nações do mundo pas‑
Terceiro Mundo surgiu a partir da Conferência de Bandung, sassem a consumir supérfluos com a mesma intensidade
na Indonésia, em 1955, quando 29 países africanos e asiá‑ das nações desenvolvidas o mundo entraria em colapso,
ticos independentes expressaram o objetivo de não estar pois, não haveria matéria‑prima suficiente para abastecer a
sob a influência dos EUA nem da URSS. O Capitalismo era o todos os mercados. A luta por melhores condições de vida
Primeiro Mundo, o Socialismo o Segundo Mundo. A partir de da população é visível, principalmente no que diz respeito
então, países independentes politicamente são dominados a uma melhor distribuição de renda, não existindo grandes
comercial, financeira e tecnologicamente – (Neocolonialismo disparidades entre uma classe social e outra. Para que isso
/ Neoimperialismo). Os países “subdesenvolvidos” podem fosse possível foi necessário a participação direta da socie‑
ser agrários, ou industrializados. O fato de ter indústria não dade, exigindo dos seus governantes uma postura voltada
significa, necessariamente, que o país seja desenvolvido. para os interesses da população. Os governos passaram a
A produção pode ser de baixa tecnologia, ou, mesmo que cobrar mais impostos das classes sociais mais favorecidas em
bem desenvolvida, o país pode ter, ainda, muitas desigual‑ prol da sociedade. Os impostos cobrados são direcionados
dades sociais internas. à construção de escolas, habitações, estradas, hospitais,
Os países subdesenvolvidos industrializados desenvolve‑ programas de saúde, aposentadorias mais justas, etc., isto
ram sua indústria após a Segunda Guerra Mundial. Uma parte foi possível graças ao engajamento consciente de todos os
foi a partir das décadas de 50 e 60, e desenvolveram‑se à cidadãos na formação do Estado Democrático. A democracia
custa de endividamento econômico externo. Possuem rique‑ existe de fato nas nações desenvolvidas, e consiste num Esta‑
za e modernidade, mas violentas desigualdades sociais. Ex.: do de direito que resulta de reivindicações permanentes por
Brasil, México, Argentina. Outra parte desenvolveu‑se a partir parte dos cidadãos. A democracia é um processo contínuo
da década de 80, passando a produzir produtos baratos e de de invenção e reivindicações de novos direitos.
baixo nível tecnológico. São os chamados tigres asiáticos –
Hong Kong, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura – e os novos Características dos Países Subdesenvolvidos
tigres: Malásia, Indonésia, Filipinas, Tailândia.
Passaram por um grande processo de exploração durante
Problemas do Subdesenvolvimento o período colonial. Colônia de Exploração. Baixo nível de
industrialização, com exceção de alguns países como: Brasil,
A dependência econômica e tecnológica, pois vendem México e Argentina, por exemplo. Dependência econômica,
matéria‑prima e a recompram industrializada, o que causa política e cultural em relação às nações desenvolvidas. Defi‑
endividamento externo, que, por sua vez, obriga esses países ciência tecnológica e baixo nível de conhecimento científico.
a permitir a influência externa e ter a economia controlada Rede de transporte e meios de comunicação deficientes.
por potências internacionais -. Além de indicadores sociais Baixa produtividade na agricultura que geralmente empre‑
ruins, desigualdades sociais gritantes, má distribuição da ga numerosa mão‑de‑obra. População Ativa empregada
riqueza e agropecuária de baixo nível técnico. Em alguns principalmente nos setores primários ou no setor terciário
países, a  população é rural e se concentra em atividades em atividades marginais. Cidades com crescimento muito
agrárias. A  urbanização, consequentemente, é  baixa. Em rápido e cercada por bairros pobres e miseráveis. Baixo nível
outros, uma grande parte da população se concentra no de vida da maioria da população. Crescimento populacional
setor terciário, a urbanização é desordenada e as cidades são elevado. Elevada taxa de natalidade e mortalidade infantil.
mal estruturadas. A fome é um dos grandes problemas do Expectativa de vida baixa. Existem países subdesenvolvidos
mundo subdesenvolvido. Há duas formas de medir a fome: a que são fortemente industrializados como é o caso do Brasil,
fome aguda, uma medida quantitativa (em calorias) e a fome México, Argentina, Tigres Asiáticos, etc. A industrialização
crônica, uma medida qualitativa (em proteínas). A primeira existente nesses países na verdade é sustentada por países
pode levar à morte por inanição, e  é causada por graves desenvolvidos, que os utilizam para expandir seus parques
problemas estruturais de baixa renda ou seca, pragas na industriais e garantir lucros vultuosos. Um exemplo nítido de
plantação, etc. A segunda, mais comum, é menos evidente, expansão industrial é, o caso dos Tigres Asiáticos que evo‑
e  diminui a capacidade das pessoas ao longo do tempo. luíram enormemente nas últimas décadas, principalmente
A educação ruim, nos países subdesenvolvidos, é agravada no setor industrial através do capital e tecnologia japonesa.
pela grande quantidade de crianças e jovens sem condições Alguns fatores atraem esses investimentos estrangeiros para
de frequentar uma escola. O governo tenta atender o maior os países subdesenvolvidos, como: mão‑de‑obra barata e
número de estudantes, em detrimento da qualidade. numerosa, incentivos fiscais; doação de terrenos por parte
do governo; remessa de lucro das transnacionais para a sede
Características dos Países Desenvolvidos dessas empresas e legislação flexível. Na visão de alguns
escritores como Demétrio Magnoli “A grande mutação na
Apresentam estrutura industrial completa, produzem economia mundial e na geopolítica planetária agravou as
todos os tipos de bens. Agropecuária moderna e intensiva, desigualdades entre a acumulação de riquezas e a disse‑
emprego de máquinas e mão‑de‑obra especializada. De‑ minação da pobreza. O desenvolvimento assume padrões
senvolvimento científico e tecnológico elevado. Modernos crescentemente perversos, marginalizando parcelas maiores
e eficientes meios de transporte e comunicação. População da população. Em escala mundial, a década de 80 presenciou
urbana é maior que a população rural. População Ativa em‑ uma ampliação da fratura econômica entre o Norte e o Sul.
Atualmente, os  20% mais ricos da população do planeta
Geografia Mundial

pregada, principalmente, nos setores secundário e terciário.


Pequeno número de analfabetos. Elevado nível de vida da repartem entre si 82,7% da riqueza, enquanto os 20% mais
população. Boas condições de alimentação, habitação e pobres dispõem apenas de 1,4%.”
saneamento básico. Reduzido crescimento populacional.
Baixa taxa de natalidade e mortalidade infantil. Elevada PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO/
expectativa de vida. As sociedades desses países são alta‑ SUBDESENVOLVIMENTO
mente consumistas isto é percebido, sobretudo devido ao
poder aquisitivo elevado da sociedade e a grande quantidade A unificação econômica do mundo é um vetor que cria e
produtos com tecnologia avançada, que são lançados no reproduz desigualdades. Norte e Sul são as expressões mais

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sintéticas do contraste entre os níveis de renda e padrões mil dólares, ao passo que os países do Sul caracterizam‑se
de vida dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. geralmente por níveis inferiores a 10 mil dólares. Os países
O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU oferece mais pobres do mundo, com níveis inferiores a 5 mil dólares,
um espelho desse contraste. Mas suas raízes encontram‑se concentram‑se na Ásia meridional e na África subsaariana.
nas desigualdades de acesso ao capital, às tecnologias e à A  Índia encontra‑se nesse grupo, no qual também estão
educação. nações sul‑americanas como Equador, Paraguai e Bolívia.
A demografia revela os estágios de modernização das O PIB per capita é um espelho distorcido do nível socioe‑
economias nacionais. Mas a dinâmica demográfica já não se conômico dos países, pois leva em conta apenas um indicador
divide segundo a fronteira Norte‑Sul, evidenciando diferen‑ econômico quantitativo. Esse indicador pouco esclarece
ças mais complexas na trajetória da transição demográfica sobre aspectos sociais fundamentais, como as condições de
dos diferentes continentes. educação e saúde da população.
Os fluxos de migrações internacionais são um compo‑ Em busca de um indicador mais abrangente, a ONU criou
nente da globalização. Os imigrantes buscam principalmente o IDH, que resulta de uma composição do PIB per capita com
a economia dos Estados Unidos e da União Europeia. Eles a expectativa de vida (duração média de vida das pessoas),
partem da América Latina, da África e da Ásia. a taxa de alfabetização e a parcela da população atendida
pelos sistemas de ensino. O IDH varia no intervalo entre zero
Norte e Sul e 1, de modo que os países com melhor nível socioeconômico
encontram‑se mais próximos do 1.
Durante a Guerra Fria, o conflito Leste‑Oeste marcou o O espelho do IDH também não é perfeito. Na verdade,
sistema internacional. Contudo, o movimento de descoloni‑ não existe um mecanismo exato de quantificação das con‑
zação da Ásia e da África introduziu a noção de uma profunda dições gerais de vida de uma população. Contudo, o  IDH
divisão Norte‑Sul, ou seja, entre os países desenvolvidos (que oferece uma aproximação razoável e uma descrição mais
se localizam no hemisfério norte) e os países em desenvol‑ equilibrada do que a oferecida pelo PIB per capita.
vimento (localizados no hemisfério sul). A imagem do mundo que ele proporciona evidencia as
No plano geopolítico, a divisão Norte‑Sul expressou‑se diferenças entre os países desenvolvidos, que apresentam
pelo surgimento do Movimento dos Países Não Alinhados, índices iguais ou superiores a 0,90, e  os demais. Mas ela
que foi uma tentativa de articular um terceiro polo de poder também desvenda as profundas desigualdades entre os
mundial. países do Sul.
O tema do subdesenvolvimento converteu‑se em foco de Apesar das distinções entre PIB per capita e IDH, ambos
análises de economistas e geógrafos, dos quais emanou o os indicadores revelam que os países mais pobres do mundo
modelo dos ‘três mundos”. Segundo esse modelo, o sistema se concentram na Ásia meridional e na África subsaariana.
internacional deveria ser interpretado com base na presença Na América Latina, diversos países apresentam IDH relativa‑
de três grandes conjuntos de países: mente baixo, mas apenas um, o Haiti, encontra‑se na classe
• Primeiro Mundo – formado pelos países desenvolvidos de IDH inferior a 0,60.
e intensamente industrializados que detêm o controle
das finanças globais. Estados Unidos, Canadá, países Tecnologias e Produtividade
da Europa ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia
constituiriam esse grupo. O desenvolvimento econômico é movido pelo crescimen‑
• Segundo Mundo  – formado pelos países socialistas to da produtividade da economia, ou seja, da capacidade
industrializados da Europa oriental. URSS e os países social de aumento da riqueza produzida pela quantidade de
do leste europeu constituiriam esse conjunto. trabalho empregado. A expansão da produtividade, por sua
• Terceiro Mundo – formado pelos países em desenvolvi‑ vez, deriva do progresso tecnológico.
mento da Ásia, África e América Latina, caracterizados A produtividade pode ser dividida em três componentes.
por incipiente industrialização, economia baseada no O primeiro é a produtividade do trabalho. O segundo é a pro‑
setor primário e predomínio da pobreza. dutividade da terra, que incide apenas sobre a agropecuária
e está ligado a fatores naturais, como a fertilidade dos solos,
O modelo dos “três mundos” dissolveu‑se aos poucos, e a fatores tecnológicos. O terceiro deve ser denominado
sob o impacto de fatores como o avanço da industrialização “produtividade espacial”, que está ligado aos custos de
em países da América Latina e da Ásia oriental e a dissolu‑ transferência geográfica de bens, pessoas e informações.
ção do socialismo na URSS e no leste europeu. Contudo, A expansão da produtividade geral da economia aprofun‑
as profundas desigualdades econômicas e sociais entre os da a divisão social do trabalho, modificando a distribuição
países desenvolvidos e os países em desenvolvimento não setorial da População Economicamente Ativa (PEA), formada
desapareceram. pelas pessoas que têm emprego e pelas que estão procuran‑
Após o encerramento da Guerra Fria, acentuou‑se a cons‑ do trabalho. No fim das contas, o aumento da produtividade
ciência dessas desigualdades, que são traduzidas pela noção reflete‑se na transferência de força de trabalho do setor
de uma fronteira imaginária entre o Norte e o Sul. Os países primário (agropecuária e extrativismo) para os setores se‑
do Sul formam um grupo extremamente heterogêneo, pois cundário (indústria e construção civil) e terciário (comércio,
apresentam acentuadas diferenças em sua estrutura econô‑ serviços e administração pública).
Geografia Mundial

mica, em seu estágio de industrialização e no nível de vida Os setores primário e secundário compõem a esfera da
de sua população. Entretanto, todos eles exibem, em graus produção de bens. O setor terciário compõe a esfera da cir‑
variados, dependência financeira e tecnológica dos países culação de bens, serviços e informações. O desenvolvimento
desenvolvidos e, também, convivem com níveis de pobreza econômico, sob o impulso da expansão da produtividade,
muito maiores que os dos países do Norte. expressa‑se nas contínuas transferências da PEA dos setores
A fronteira Norte‑Sul pode ser captada pelas lentes do dedicados à produção para o setor dedicado à circulação.
PIB per capita, ou seja, do total da riqueza produzida por A proporção da PEA empregada no setor primário é um
um país dividida por sua população. Os  países do Norte dos principais indicadores do estágio de desenvolvimento das
caracterizam‑se por níveis de PIB per capita superiores a 25 economias nacionais. Nos países desenvolvidos, a moderni‑

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zação tecnológica da agropecuária reduziu a parcela da PEA tes entre extremos, como a Europa central e oriental, de um
a uma fração diminuta da força de trabalho total. lado, e a África, de outro. Mas também podemos observar a
No extremo oposto, a maior parte dos países da África permanência de importantes diferenças demográficas entre
e da Ásia meridional apresentam estruturas setoriais de Norte e Sul.
emprego dominadas pelas atividades agropecuárias. Na Em virtude das trajetórias desiguais da transição demo‑
América Latina, de modo geral, registra‑se modernização gráfica, as estruturas etárias da população diferem bastante
agrícola desigual e incompleta, com parcela ainda expressiva entre os conjuntos de países. Globalmente, a idade média
da PEA empregada no setor primário. da população encontra‑se em torno de 29 anos. Contudo, na
A estrutura setorial da PEA nos países desenvolvidos é tí‑ Europa, ultrapassa 40 anos e na África subsaariana é pouco
pica: todos apresentam amplo predomínio do setor terciário superior a 18 anos.
na absorção da população ativa. Esse predomínio reflete um Entre esses extremos, a América Latina apresenta média
estágio da economia marcado pela importância dominante etária de cerca de 27,5 anos, próxima à média mundial. Na
das atividades financeiras e comerciais e das atividades de Ásia oriental, onde se encontram China e Japão, a  idade
prestação de serviços especializados. Essa estrutura corres‑ média já ultrapassa 35 anos, não muito distante daquela
ponde a economias pós‑industriais estabelecidas nas chama‑ registrada na América Anglo‑Saxônica, próxima dos 37 anos.
das sociedades de consumo, caracterizadas pelo consumo As diferenças nas estruturas etárias aparecem com mais
maciço de bens e serviços. nitidez quando se comparam as classes de idades. Na Europa,
O percurso histórico até essa estrutura de distribuição como resultado das baixas taxas de natalidade e da elevada
setorial da PEA exigiu, antes de tudo, uma contínua trans‑ expectativa de vida, crianças e jovens representam uma
ferência de força de trabalho do setor primário para os pequena parcela da população total, a tal ponto que a classe
setores secundário e terciário. Mais tarde, processou‑se a de idade de zero a 24 anos supera em pouco um quarto da
transferência de força de trabalho do setor secundário para população total. Por sua vez, os idosos já são mais de um
o setor terciário, que prossegue sob o impulso da revolução quinto do total. Em contraste, na África sub- saariana, mais
tecnocientífica. de 60% da população tem menos de 25 anos de idade e os
Nos países em desenvolvimento, esse processo ainda idosos não chegam a 5% do total.
está em curso, e é marcado pela modernização desigual dos Europa e África subsaariana são extremos demográficos.
diferentes setores e ramos da economia. O cenário resultan‑ Entre eles, encontram‑se a Ásia oriental, que tende a se
te é de convivência de empresas modernas, baseadas em aproximar mais rápido da estrutura etária dos países de‑
aplicação intensiva de capital e tecnologia, com atividades senvolvidos, e a América Latina, que ainda apresenta nítido
urbanas e rurais tradicionais, conduzidas em bases familiares, predomínio de jovens, mas experimenta acentuada redução
nas taxas de natalidade.
com técnicas rudimentares e baixa produtividade.
Estruturas etárias têm forte impacto social e econômico.
A Europa enfrenta o desafio de financiar aposentadorias e
Dinâmicas Demográficas serviços de saúde para uma população idosa crescente e já
convive com carência de força de trabalho para atividades de
O comportamento demográfico mundial evolui segundo qualificação mais baixa. Mesmo assim, cresce o sentimento
a teoria da transição demográfica. O crescimento vegetativo contrário à imigração, que é propagado por correntes polí‑
global – ou seja, o saldo entre as taxas de natalidade (nasci‑ ticas de extrema direita.
mento de pessoas) e de mortalidade (morte de pessoas) – O desafio do envelhecimento populacional é mais
atingiu o auge histórico na primeira metade da década de agudo nos países desenvolvidos, mas não se circunscreve
1960, com taxa média de 2% ao ano, antes de começar a a eles. A  China, como decorrência de sua rígida política
declinar até as atuais, inferiores a 1,2% ao ano. antinatalista, logo enfrentará problemas semelhantes, com
O declínio reflete a redução das taxas de natalidade em o agravante crucial de não dispor dos meios financeiros dos
ritmo muito mais rápido que o das de mortalidade. Desde prósperos países europeus. Numa escala menor, países como
meados da década de 1980, as  taxas de mortalidade se Brasil e México também devem se preparar para enfrentar
reduzem lentamente, enquanto o processo de diminuição o crescimento dos usuários de seus sistemas de saúde e
das de natalidade prossegue vigorosamente. previdência social.
Mas as médias globais ocultam as profundas diferenças Na África subsaariana, onde 42% da população tem me‑
no comportamento demográfico dos continentes. De modo nos de 15 anos, os problemas e desafios são inteiramente
geral, os países desenvolvidos encontram- se no estágio final distintos. Os países africanos, geralmente muito pobres, de‑
da transição demográfica e, portanto, apresentam baixas vem providenciar a escolarização e a qualificação profissional
taxas de crescimento vegetativo. Já os países em desenvol‑ de uma massa de jovens mais numerosa que sua população
vimento encontram‑se nos estágios intermediários de tran‑ ativa. Essa situação estrutural combina‑se explosivamente
sição demográfica e ainda apresentam taxas relativamente com a epidemia de aids, que se difunde com mais força entre
altas de crescimento vegetativo. os adultos, provocando a dissolução das famílias e lançando
Há algumas décadas, era possível traçar uma clara linha crianças e jovens ao desamparo.
entre o comportamento demográfico dos países desen‑
volvidos e o dos países em desenvolvimento. Atualmente, Os Imigrantes
esse procedimento tornou‑se inadequado, pois há nítidas
Geografia Mundial

diferenças nas taxas de crescimento vegetativo no interior As migrações internacionais são fluxos de populações
dos dois grupos de países. que atravessam fronteiras políticas, deslocando‑se de sua
Na Europa, o crescimento vegetativo já exibe taxas nega‑ nação de origem para fixar residência, legal ou ilegalmente,
tivas, o que está longe de ocorrer na América Anglo‑Saxônica em países estrangeiros. As mais constantes migrações inter‑
e na Oceania. Na África, a população cresce a taxas superiores nacionais da atualidade têm causas econômicas: são trans‑
a 2% ao ano, ao passo que na América Latina e na Ásia as ferências geográficas de força de trabalho de uma economia
taxas médias anuais de crescimento são inferiores a 1,5%. para outra. Há, porém, importantes fluxos internacionais de
A fragmentação demográfica global pode ser observada refugiados, ou seja, pessoas que deixam países assolados
na escala dos países. Nessa escala, evidenciam‑se os contras‑ por guerras civis, conflitos étnicos e perseguições políticas.

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Nos fluxos motivados por razões econômicas, o ponto de imigrantes. Os  campos de petróleo e as atividades com‑
origem do movimento migratório corresponde a uma eco‑ plementares de construção civil, transportes e comerciali‑
nomia incapaz de absorver a força de trabalho e de garantir zação dependem intensamente da oferta de mão de obra
padrões aceitáveis de remuneração. O  ponto de chegada proveniente de países árabes, como Egito, Síria, Jordânia e
do movimento migratório corresponde a uma economia Palestina ocupada, ou de países da Ásia meridional, como
que apresenta demanda de força de trabalho. A imigração Índia e Paquistão.
satisfaz essa demanda. No presente, como no passado, as  grandes migrações
Os grandes fluxos migratórios internacionais são um fenô‑ internacionais são fluxos de trabalhadores que procuram
meno diretamente associado à “era industrial”. A integração escapar à pobreza atravessando as fronteiras políticas.
econômica das diferentes partes do mundo e o desenvol‑ Entretanto, em escala menor, existem também imigrantes
vimento de meios de transporte modernos funcionaram altamente qualificados que buscam oportunidades nas
como condições prévias para as transferências de massas empresas e instituições de pesquisa dos polos econômicos
de trabalhadores entre os continentes. mundiais. A chamada “migração de cérebros” é um traço
Durante o século XIX, a Europa foi a mais importante zona característico da globalização.
de repulsão demográfica do globo. O crescimento populacio‑
nal se acelerou em virtude da queda das taxas de mortalida‑ Os Imigrantes Cobiçados
de, e a combinação da revolução técnica na agricultura com
a concentração fundiária (grandes propriedades de terra nas Estados Unidos, Canadá, Austrália, União Europeia e Ja‑
mãos de poucas pessoas) produziu excedentes demográficos pão formam os polos de atração dos cientistas, engenheiros
no meio rural. Simultaneamente, a industrialização destruiu e técnicos que deixam países em desenvolvimento a fim de
o artesanato e a pequena manufatura doméstica, gerando prosseguir carreiras profissionais que dependem de vultosos
excedentes no meio urbano. financiamentos para pesquisa.
O grande êxodo europeu povoou a América do Norte, Mais de um milhão de indianos vivem nos Estados
o  Centro‑Sul do Brasil, a  Argentina, o  Uruguai, o  Chile, Unidos. Entre os que estão em idade ativa, três quartos
a Austrália, a Nova Zelândia, a Sibéria russa e algumas áreas possuem diplomas universitários e parcela significativa tem
da África, como Argélia e África do Sul. Em seu êxodo, os eu‑ pós‑graduação. Estudos da Organização Internacional do Tra‑
ropeus criaram sociedades que já foram classificadas como balho (OIT) revelam que alguns países em desenvolvimento
“novas Europas”, difundindo o cristianismo e as línguas do perderam até 30% de sua mão de obra mais bem qualificada
Velho Mundo. em virtude do fenômeno da “migração de cérebros”.
A Grande Depressão da década de 1930 interrompeu o As políticas de imigração dos países desenvolvidos distin‑
êxodo europeu, dividindo a história das migrações internacio‑ guem a força de trabalho migrante em razão da qualificação
nais em duas fases distintas. Na segunda metade do século profissional e do campo de especialização.
XX, a Europa deixou de gerar excedentes demográficos e as Trabalhadores qualificados nos campos da informática e
zonas de repulsão transferiram‑se para o Terceiro Mundo. da biotecnologia, por exemplo, recebem vistos de residência
Na nova fase das migrações internacionais, os Estados com facilidade nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Uma
Unidos continuaram a ostentar a posição de maior zona de recente revisão da política imigratória da Alemanha estimula
atração de fluxos migratórios do mundo. Contudo, entre a instalação de profissionais especializados em tecnologia
os imigrantes que atravessam a fronteira norte‑americana, da informação.
predominam largamente os latino‑americanos e os asiáticos. A “drenagem de cérebros” gera perdas de impostos e de
A reconstrução econômica europeia após a Segunda capacidade tecnológica para os países de origem. Entre‑
Guerra Mundial inverteu o sentido dos fluxos migratórios. tanto, parte dos trabalhadores qualificados retorna ao país
A  próspera Europa tornou‑se um ponto de chegada de de origem, dinamizando instituições científicas e gerando
imigrantes provenientes da África, da Ásia e do Caribe. novos negócios. Então, a “drenagem de cérebros” se torna
A imigração é uma fonte de tensões políticas e culturais nos “circulação de cérebros”.
países europeus.
Os grandes fluxos migratórios constituem uma dimensão A Urbanização Global
do processo de globalização. As correntes mundiais de infor‑
mação e a difusão de padrões globais de consumo estimulam Em 1800, só 3% da humanidade habitava o meio urbano
a transferência de força de trabalho para economias capazes e, ainda em 1850, a Europa era um continente predominan‑
de oferecer empregos e remuneração melhores. Os custos temente rural, no qual apenas Londres e Paris ultrapassavam
cada vez mais baixos de transporte facilitam o deslocamento a marca de um milhão de habitantes. Atualmente, em virtude
dos migrantes. Contudo, ao contrário dos capitais que fluem do acelerado processo de urbanização global, a população
sem empecilhos através das fronteiras nacionais, os imigran‑ urbana equivale a cerca de metade da população mundial.
tes enfrentam barreiras de língua e cultura, além dos entraves A urbanização é um sinal característico da modernização
impostos pelas políticas oficiais. econômica. A transferência da população do meio rural para
As comunidades muçulmanas na Europa originam‑se o meio urbano acompanha a transição de um padrão de vida
de fluxos migratórios de indianos, paquistaneses, turcos, econômica apoiado na produção agrícola fechada e autos‑
árabes e africanos. suficiente para outro, baseado na indústria, no comércio e
Geografia Mundial

Mesmo assim, os  movimentos migratórios tornam‑se nos serviços. Atrás do processo de urbanização, encontra‑se
cada vez mais intensos, e  correntes populacionais deslo‑ a intensificação da divisão social do trabalho e o aprofunda‑
cam‑se em direção a todas as zonas onde há demanda de mento da produção mercantil.
força de trabalho. O Canadá, a Austrália e, em menor escala, Nos países desenvolvidos, a urbanização acelerou‑se des‑
a Nova Zelândia continuam a figurar entre as principais zonas de meados do século XIX. Nos países em desenvolvimento,
de atração de imigrantes, mas atualmente recebem muito o processo é mais recente. Contudo, desde o fim da Segunda
mais asiáticos que europeus. Guerra Mundial, difunde‑se desigualmente pelo mundo in‑
No Oriente Médio, as  economias petrolíferas do gol‑ teiro. Hoje, o predomínio da população rural praticamente
fo Pérsico tornaram‑se importantes polos de atração de se circunscreve à Ásia meridional e à África subsaariana.

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Na Europa do noroeste e na América do Norte, a urbani‑ maior potência mercantil da época. Paris foi a maior cidade
zação foi levada até perto do limite. A Grã- Bretanha, pioneira europeia do século XVII, no apogeu do absolutismo francês.
da Revolução Industrial, tornou- se predominantemente ur‑ A capital britânica aproximou‑se de 3 milhões de habitantes
bana já no final do século XIX. Nos Estados Unidos, a maioria em 1850 e de 7 milhões em 1900, quando a capital francesa
da população vive nas cidades desde a década de 1920 e há chegava aos 3 milhões.
mais de três décadas a população urbana ultrapassa três Nova York era uma importante cidade de médio porte,
quartos do total. antes da explosão industrial. Estrategicamente localizada
Na Europa, alguns países exibem níveis de urbanização junto ao estuário do rio Hudson, que a conecta ao interior
inferiores a 70%. É o que acontece na Itália, na Áustria e na do país, era o porto de entrada para os que imigravam para
Finlândia. Nesses países, parcela significativa da população os Estados Unidos.
mora em vilas com menos de 5 mil habitantes. Trata‑se do Tráfego de pedestres e carruagens na London Bridge,
hábitat rural agrupado, fincado em estruturas de proprieda‑ em Londres, na segunda metade do século XIX. Na época,
de da terra muito parceladas, cujas origens remontam aos a capital britânica desempenhava as funções de sede de um
tempos medievais. império mundial e de centro da economia global.
Contudo, essas vilas estão plenamente integradas à Em 1850, sua população não chegava a um milhão de
economia moderna, urbana e industrial. Os  camponeses habitantes. Por volta de 1880, ultrapassou Paris. Em 1920,
consultam as cotações das bolsas de cereais nos jornais e na com mais de 8 milhões, ultrapassou Londres e, na década
televisão, e seus filhos frequentam as escolas e universidades de 1930, foi a primeira cidade a ultrapassar a marca de 10
das cidades. Rurais apenas na paisagem e nas estatísticas, milhões de habitantes.
muitas das vilas italianas ou austríacas são urbanas em sua As cidades populosas são grandes mercados consumi‑
vida cultural e econômica. dores e grandes reservas de mão de obra. A implantação de
A América Latina é a região mais urbanizada do mundo fábricas e a ampliação do comércio estimulam o desenvol‑
em desenvolvimento. Em 2005, sua população urbana ul‑ vimento dos meios de transporte, comunicação e serviços.
trapassava 75% do total. Alguns países latino‑americanos, Fundam‑se bancos e se configura um setor financeiro cada
como Uruguai, Argentina e Venezuela, encontram‑se entre vez mais complexo. Infraestruturas ferroviárias e rodoviárias,
os mais urbanizados do planeta. Contudo, na maior parte dos energéticas e telefônicas são criadas para servir às novas
países da região a explosão urbana é uma realidade recente. atividades econômicas. Tudo isso atrai empresas industriais
O processo de urbanização brasileiro foi o mais acelerado. e comerciais, dinamizando a expansão urbana.
Hoje, na América Latina, o predomínio da população urbana A tendência à concentração geográfica da produção e do
é a regra e prossegue o movimento de êxodo rural. comércio produziu um novo tipo de aglomeração urbana: a
Na África e na Ásia, os níveis de urbanização são mais megalópole. As megalópoles são grandes regiões urbaniza‑
baixos, e os países com população predominantemente ur‑ das constituídas em um espaço polarizado por duas ou mais
bana representam exceções. Essas exceções correspondem metrópoles. No espaço da megalópole, desenvolvem‑se
a antigas sociedades urbanas formadas junto ao comércio do cidades médias, pequenos núcleos urbanos, subúrbios resi‑
Mediterrâneo (como é o caso de países da África do Norte) denciais, zonas industriais e cinturões de produção intensiva
ou economias dinamizadas pela presença de indústrias (por de hortifrutigranjeiros.
exemplo, África do Sul, na África, e Coréia do Sul e Taiwan, na A megalópole pioneira, e ainda hoje a mais importante,
Ásia) ou, ainda, economias petrolíferas de exportação (como é Bos‑Wash, o imenso eixo urbano da costa leste dos Estados
ocorre com a maioria dos países da zona do golfo Pérsico). Unidos, polarizado pelas metrópoles de Boston, Nova York,
Níveis de urbanização baixos não significam pequena Nova Jersey, Filadélfia, Baltimore e Washington. Nos Estados
população urbana. A China, que tem “apenas” 40% de sua Unidos, destacam‑se ainda o eixo urbano do sul dos Grandes
população nas cidades, é  o país com a maior população Lagos, de Chicago a Pittsburgh, que abrange grandes cidades
urbana do planeta: cerca de 525 milhões de pessoas! As como Milwaukee, Detroit e Cleveland, e o cinturão industrial
cidades da Índia, um país com menos de 30% da população da Califórnia, constituído após a Segunda Guerra Mundial,
no meio urbano, abrigam quase 330 milhões de habitantes. que se estende de São Francisco a San Diego, passando por
A urbanização avança em todo o mundo. Nos países Los Angeles.
desenvolvidos, cresce lentamente, pois a imensa maioria No Japão, em torno das metrópoles de Tóquio, Yokohama
da população já vive nas cidades. Nos países em desenvolvi‑ e Osaka, estruturou‑se a megalópole de Tokaido. Na Alema‑
mento, avança rapidamente, sob o impacto do êxodo rural. nha, o fenômeno da conurbação (extensa área formada por
As cidades em expansão exercem a função de centros de cidades que surgiram uma ao lado da outra) não se expressa
comércio e serviços, oferecendo oportunidades de sobre‑ em forma da megalópole, mas pela urbanização extensiva
vivência na economia informal. Também funcionam como ao longo do eixo do rio Reno, abrangendo cidades médias
pontes entre os mercados estrangeiros e a produção para como Essen, Dusseldorf, Colônia e Bonn.
exportação. O meio urbano se expande irreversivelmente, De modo geral, as metrópoles dos países desenvolvidos
enquanto a velha sociedade rural se desintegra. apresentam baixo crescimento ou até mesmo regressão
populacional desde a década de 1970. A  aglomeração de
A metropolização e as megacidades Londres, por exemplo, atingiu 8,2 milhões de habitantes em
1955, mas retrocedeu para 7,6 milhões em 1985, antes de
Na Antiguidade, existiram grandes cidades, centros de voltar a crescer até os atuais 8,5 milhões. A população da
Geografia Mundial

importantes civilizações, na Índia e na China, no Egito e no aglomeração de Nova York‑Newark continua a crescer, mas
Império Inca. Na Roma antiga havia bem mais que meio lentamente: a cidade, que em 1965 era a segunda maior do
milhão de habitantes, população espantosa para a época e mundo, com 15,1 milhões de habitantes, atualmente tem
que só viria a ser igualada na Europa do século XVIII. Entre‑ 18,7 milhões, mas figura na terceira posição e tende a ser
tanto, foi a Revolução Industrial que originou o fenômeno logo ultrapassada por São Paulo (Brasil) e Mumbai (Índia).
da metropolização. Tóquio figura como a principal exceção. A  metrópole
Londres e Paris já eram grandes cidades antes da indus‑ japonesa já era a maior do mundo em 1955, quando se
trialização. Nelas havia pouco mais de meio milhão de habi‑ aproximava dos 14 milhões de habitantes, e  atualmente
tantes em 1750. Londres era o centro econômico e político da abriga nada menos que 35 milhões.

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Entretanto, o fenômeno notável é o ritmo frenético da ur‑ O sistema internacional da Guerra Fria, ponto de partida
banização e a emergências de novas megacidades no mundo dos estudos desta unidade, organizava‑se em torno de duas
em desenvolvimento. A ONU classifica como megacidades superpotências rivais, que competiam por esferas de influ‑
as aglomerações com mais de 10 milhões de habitantes. Em ência em escala mundial. Tal sistema dissolveu‑se no final da
2005, existiam 20 megacidades no mundo, entre as quais década de 1980, com a queda do muro de Berlim e a implo‑
apenas quatro nos países desenvolvidos. Das demais, nove são da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em
eram asiáticas e quatro latino‑americanas. Na Europa, apenas seu lugar, emergiu um sistema bastante diferente, no qual a
Moscou é uma megacidade. hegemonia estratégica e militar dos Estados Unidos convive
A urbanização dos países em desenvolvimento não é uma com uma economia mundial cada vez mais policêntrica.
réplica do processo vivido na Europa, nos Estados Unidos e no Globalização é o termo que se consagrou para indicar
Japão. O crescimento das novas megacidades é mais rápido a integração crescente entre as economias nacionais. Na
do que o ocorrido em Londres, Paris ou mesmo Nova York. economia da globalização, os atores principais continuam
O crescimento vegetativo acelerado nos países em de‑ a ser os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Con‑
senvolvimento representou um fator fundamental no ritmo tudo, os grandes países em desenvolvimento ocupam lugar
acelerado da expansão metropolitana. Outro fator crucial foi significativo no cenário mundial em mutação. A expressão
a intensidade do êxodo rural, que continua a promover uma BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), cunhada por um analista
forte expansão das grandes cidades africanas e asiáticas. financeiro, agrupa países extremamente heterogêneos e
O crescimento das metrópoles nascidas com a Revolução tende a ocultar suas profundas diferenças, mas tem o mérito
Industrial, pelo menos em sua fase inicial, refletia a expansão de evidenciar que o jogo da globalização não mais se circuns‑
dos empregos no setor secundário. Já as novas megacida‑ creve ao mundo desenvolvido. Lembrando que somente
des crescem principalmente sobre a base da expansão dos tornou‑se BRICS, com a adesão da África do Sul, em 2011.
empregos no setor terciário, em especial nas atividades que A decadência do “império americano” vem sendo profeti‑
exigem menos qualificação e oferecem baixa remuneração. zada há algum tempo. Os Estados Unidos ergueram seu pode‑
As metrópoles do Terceiro Mundo expandiram‑se como rio sobre a unificação econômica de um vasto território, com
centros de comércio e serviços, não como importantes amplos recursos naturais. No século XX, a projeção mundial
centros industriais. das empresas transnacionais norte‑americanas e as grandes
As megacidades resumem os profundos contrastes so‑ guerras que devastaram a Europa consolidaram a posição
ciais dos países em desenvolvimento. Abrigam luxuosos ho‑ dos Estados Unidos como maior potência global. O poderio
téis internacionais, shopping centers e sofisticados sistemas militar da hiperpotência nunca foi tão hegemônico quanto
de telecomunicação com o exterior, mas estão rodeadas por atualmente, mas a supremacia econômica norte‑americana
imensas favelas. Exibem bairros luxuosos, onde reside a elite vem sendo corroída há décadas.
local, mas a sombra da miséria paira sobre parcela significa‑ A União Europeia é fruto da devastação e da ruína pro‑
tiva da população. Funcionam como sedes de corporações vocadas pelas duas grandes guerras do século XX. As antigas
transnacionais, mas a paisagem urbana está dominada pelo potências imperiais europeias foram obrigadas a renunciar a
seus sonhos de poder global, entrincheirando‑se num bloco
pequeno comércio de vendedores ambulantes. São sínteses
econômico e político que assegura elevados níveis de vida a
da complexa combinação de modernidade e pobreza.
sua população, mas parece incapaz de articular uma política
externa unificada. Enquanto isso, no leste da Europa, a Rússia
A outra cidade recupera‑se da crise que acompanhou a implosão da URSS
e procura, com base em seus recursos minerais, restaurar
Estima‑se que mais de 900 milhões de pessoas, quase alguma coisa do poder perdido.
um sexto da população mundial, residam em favelas. Segun‑ A emergência das potências asiáticas é o traço eco‑
do projeções da ONU, o número de habitantes das favelas nômico mais significativo da etapa atual da globalização.
atingirá 2 bilhões em 2030. Uma parcela significativa dessa O ciclo iniciou‑se com o “milagre japonês” do pós‑guerra e
população é constituída por habitantes das megacidades. desdobrou‑se com a arrancada industrial dos Tigres Asiáticos,
O termo “favela” é utilizado apenas no Brasil. Nos Estados a partir da década de 1970. Atualmente, ele ingressa em nova
Unidos, as aglomerações originadas da ocupação ilegal de etapa, com a expansão econômica da China e o impulso de
terrenos urbanos são denominadas shanty‑towns, termo que crescimento da Índia.
apareceu em Ohio na década de 1820. Na África do Sul, onde As potências asiáticas distinguem‑se em tudo, da geo‑
se expandiram nas periferias das cidades ligadas à mineração grafia à economia e à demografia. Mas suas diferenças se
de ouro, no final do século XIX, as  favelas são chamadas complementam, gerando uma teia regional de investimentos
squatter camps. Na França, chamam‑se bidonvilles (cidades e comércio que realimenta o processo de expansão econômi‑
de material de refugo), um termo que surgiu no Marrocos ca. Essa teia se conecta à economia globalizada por diversas
francês em meados do século XX. pontes, especialmente os fluxos de comércio e capitais entre
China e Estados Unidos.
CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS A Rússia é vizinha da União Europeia, China e Índia par‑
SISTEMAS POLÍTICO‑ECONÔMICOS ticipam da dinâmica de fluxos econômicos da Ásia. O Brasil é
o único dos grandes países em desenvolvimento que não se
CONTEMPORÂNEOS E SUAS ÁREAS DE situa em nenhum dos principais polos geopolíticos do globo.
Geografia Mundial

INFLUÊNCIA E DISPUTA De um lado, ele procura diversificar suas correntes de comércio


e promover a abertura dos mercados agrícolas da Europa, Es‑
Sistema é um conjunto de elementos que mantêm inten‑ tados Unidos e Ásia. De outro, procura impulsionar o processo
sas interações, as quais geram uma dinâmica que ultrapassa de integração da América do Sul e dos países emergentes.
os efeitos das ações isoladas. O  conceito de ecossistema A globalização promoveu significativa redução da miséria
natural oferece descrição e análise das relações entre múlti‑ no mundo, mas alargou o fosso social que separa os ricos
plos organismos e o ambiente no qual vivem. No conceito de dos pobres.
sistema internacional de Estados há uma finalidade similar, O encerramento da Guerra Fria não reduziu as instabili‑
no campo do estudo da geografia política. dades geopolíticas internacionais, embora tenha afastado o

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espectro de um conflito nuclear global. Os atentados contra Durante mais de três séculos, a ordem internacional orga‑
as Torres Gêmeas de Nova York, no dia 11 de setembro de nizou‑se como um sistema pluripolar. Nesse tipo de sistema,
2001, cobriram os horizontes do século XXI com as nuvens várias grandes potências coexistem em situação de relativo
sombrias da “guerra ao terror”. Sob o impacto daquela tra‑ equilíbrio de poder. Na Europa do início do século XIX, por
gédia, analistas conservadores voltaram a profetizar uma exemplo, a derrota de Napoleão Bonaparte consolidou uma
“guerra de civilizações” entre o Ocidente e o Islã. ordem articulada ao redor de um acordo entre cinco grandes
Logo depois, a invasão do Iraque pelos Estados Unidos potências: Grã‑Bretanha, França, Prússia (depois, Alemanha),
aprofundou o quadro de tensões do Oriente Médio. O con‑ Rússia e Áustria. No final daquele século, dois Estados de
flito nacional em Israel/Palestina e o jogo estratégico do fora da Europa – Estados Unidos e Japão – emergiram como
petróleo no golfo Pérsico são os traços mais salientes da grandes potências.
crise que abala a região. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) começou como
A África ingressa na globalização sem ter resolvido o um conflito europeu, mas, a partir do ataque japonês à base
problema da construção de verdadeiros Estados nacionais. norte‑americana de Pearl Harbor, tornou‑se uma confronta‑
As potências imperiais europeias traçaram as fronteiras po‑ ção mundial. No final da guerra, o antigo sistema de Estados
líticas africanas, comprimindo povos e etnias diferentes em não mais existia. Em seu lugar, emergiu um sistema mundial
territórios unificados. As elites pós‑coloniais, de modo geral, baseado na rivalidade entre os Estados Unidos e a URSS.
não se engajaram na criação de instituições democráticas, A ordem da Guerra Fria distinguia‑se do antigo sistema
capazes de assegurar os direitos de todos os cidadãos. Essas europeu por seu caráter bipolar e por sua abrangência mun‑
são as fontes das guerras étnicas que assolam o continente, dial. No sistema bipolar, as superpotências comportam‑se,
impedindo a aceleração do desenvolvimento e a redução da por definição, como rivais e tendem a estender seu poder
pobreza e das desigualdades. por meio da formação de alianças com outras potências.
A Guerra Fria foi um sistema internacional bipolar es‑ A rivalidade geopolítica entre Estados Unidos e URSS
truturado em torno da rivalidade entre Estados Unidos e significou, também, uma confrontação entre o ideal de uma
URSS. Uma de suas expressões foi a bipartição da Europa sociedade baseada na economia de mercado e na democra‑
em blocos geopolíticos antagônicos, simbolizada pelo muro cia política (o capitalismo) e o de uma sociedade baseada na
de Berlim. Mas a rivalidade estendeu‑se por todo o globo, planificação econômica estatal e na hegemonia de um único
contaminando os conflitos regionais com as cores da disputa partido (o “socialismo real’’).
entre as duas superpotências nucleares. O desenvolvimento de armas nucleares capazes de des‑
“Nova ordem mundial” foi uma expressão cunhada nos truir a civilização gerou um novo tipo de equilíbrio de poder,
Estados Unidos no momento da queda do muro de Berlim e no qual as divergências não poderiam ser solucionadas pela
da dissolução da URSS. O encerramento da Guerra Fria pro‑ via da guerra direta entre as superpotências.
vocou a incorporação dos países da Europa centro‑oriental Guerra Fria foi a denominação atribuída a esse sistema
à União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico peculiar que excluía, simultaneamente, a paz verdadeira e
Norte (OTAN). A  ordem pós‑Guerra Fria caracteriza‑se a guerra total. Na Guerra Fria, a rivalidade estratégica entre
por crescente pluripolaridade de poder econômico, pela as superpotências produziu a divisão geopolítica da Europa,
emergência de novos tipos de conflito e pelo surgimento mas também influenciou, profundamente, as relações entre
do terror global. os Estados na Ásia, África e América Latina.
As cenas do cogumelo atômico sobre Hiroshima e da
cidade japonesa destruída, em agosto de 1945, inauguraram
A Ordem da Guerra Fria tragicamente o pós‑guerra.
À ordem da Guerra Fria imperou entre 1947 e 1989. Na
Os Estados são os atores principais da política mundial. Guerra Fria, o poder coagulava‑se, antes de tudo, na capa‑
A Organização das Nações Unidas (ONU) e as demais ins‑ cidade militar materializada nos arsenais nucleares. A posse
tituições públicas multilaterais, como o Fundo Monetário de armas capazes de reduzir o mundo a escombros tornou‑se
Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio uma linha divisória nítida entre as superpotências e as po‑
(OMC), surgiram por iniciativa dos Estados. Os blocos econô‑ tências intermediárias. A rivalidade entre as superpotências
micos, como a União Europeia, o Acordo de Livre Comércio obedecia às regras implícitas no ‘equilíbrio do terror”, ou
da América do Norte (NAFTA) e o Mercado Comum do Sul seja, na capacidade de aniquilação global de ambas, que as
(Mercosul), também resultaram de tratados entre Estados. dissuadia de deflagrar uma guerra geral.
As empresas transnacionais e as Organizações Não Gover‑
namentais (ONGs) têm sedes em territórios submetidos ao A Europa Dividida
poder de um Estado.
O sistema internacional é composto de Estados sobe‑ Na Guerra Fria, a Europa perdeu a condição de centro do
ranos. Sua característica básica, enunciada pelo filósofo poder internacional, mas foi o principal cenário de confron‑
Thomas Hobbes, no século XVII, é a ausência de um poder tação das superpotências. No plano geopolítico, os Estados
geral, ou seja, de um “governo mundial” capaz de impor europeus alinharam‑se atrás das superpotências. Na parte
regras universais. Isso significa que, em princípio, todos os ocidental do continente, constituiu‑se um bloco de países
Estados estão sujeitos à agressão externa. aliados dos Estados Unidos. Na parte oriental, constituiu‑se
Geografia Mundial

Por esse motivo, o objetivo essencial da política externa um bloco de Estados‑satélites da URSS.
é reduzir a insegurança. Os Estados desenvolvem estratégias As conferências de Yalta e Potsdam, realizadas em 1945,
para incrementar sua segurança por meio da ampliação de reuniram os chamados “Três Grandes” (Estados Unidos,
seu poder econômico e militar, da criação de organizações URSS e Grã‑Bretanha) e resultaram no esboço de uma
internacionais e de tratados e alianças com outros Estados. bipartição geopolítica da Europa, que se consolidaria nos
A formação de um sistema internacional de Estados, na anos seguintes.
Idade Moderna europeia, acompanhou o declínio do poder Na Conferência de Yalta, as  potências ocidentais acei‑
da Igreja. A expansão imperial das potências europeias di‑ taram a exigência soviética de constituição de governos
fundiu o sistema de Estados para o mundo inteiro. comandados pelos comunistas na Polônia, Tchecoslováquia,

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Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia e Albânia. O leste eu‑ O resultado foi o crescimento da migração de alemães
ropeu passava a funcionar como área de influência soviética. do leste para a Alemanha Ocidental, através da cidade de
Na Conferência de Potsdam, a Alemanha derrotada foi Berlim. Em 1961, o governo comunista da RDA interrompeu
dividida em quatro zonas provisórias de ocupação militar, bruscamente esse fluxo pelo fechamento físico da fronteira
subordinadas aos chefes das forças norte‑americanas, britâ‑ interalemã na cidade. Em semanas, as  cercas de arame
nicas, francesas e soviéticas. Em Berlim, a velha capital situa‑ farpado converteram- se num muro vigiado por guaritas e
da na zona soviética, foi aplicado um esquema semelhante, postos militares. Nas décadas seguintes, o muro de Berlim
mediante a criação de quatro setores de ocupação militar. figurou como o principal símbolo da Guerra Fria.
As divergências entre as superpotências sobre o futuro
do leste europeu e da Alemanha desfizeram o clima de co‑ Uma Rivalidade Global
operação dos tempos da guerra mundial. A Guerra Fria foi
deflagrada com proclamação da Doutrina Truman, pela qual A Guerra Fria foi um sistema global. A rivalidade entre
os Estados Unidos assumiram o compromisso de proteger as superpotências, que se iniciou na Europa após a Segunda
os aliados da Europa ocidental. O Plano Marshall, aplicado Guerra Mundial, logo se estendeu para o Extremo Oriente.
entre 1948 e 1952, destinava‑se a promover a reconstrução A  vitória dos comunistas de Mao Tsé‑tung na Revolução
da economia desses países. Chinesa, em 1949, foi o prelúdio da guerra da Coréia (1950-
A Doutrina Truman e o Plano Marshall conduziram à 1953), um confronto entre a Coréia do Norte, comunista,
formação de um bloco geopolítico alinhado aos Estados Uni‑ auxiliada por forças militares chinesas, e  a Coréia do Sul,
dos na Europa ocidental. Enquanto isso, na Europa oriental, capitalista, que recebeu ajuda das forças norte‑americanas
consolidavam‑se regimes comunistas subordinados à política que lutaram sob a bandeira da ONU.
externa da URSS. A suspensão da guerra consolidou a divisão da Coréia
Em 1949, as três zonas ocidentais de ocupação da Ale‑ em dois Estados, definindo uma fronteira estratégica que
manha fundiram‑se para constituir a República Federal da ainda hoje não desapareceu. O conflito militar na península
Alemanha (RFA, ou Alemanha Ocidental) e na zona soviética coreana conduziu os Estados Unidos a firmar um tratado de
proclamou‑se a República Democrática Alemã (RDA, ou Ale‑ proteção nuclear do Japão e a estacionar tropas na Coréia
manha Oriental). A Europa dividia‑se em blocos geopolíticos do Sul e no arquipélago japonês.
antagônicos, separados pela fronteira estratégica que ganhou O equilíbrio do terror” evitou a guerra geral, mas não
a denominação de Cortina de Ferro. a ocorrência de guerras indiretas entre as superpotências.
Alianças militares e instituições de integração econômica A guerra da Coréia foi o primeiro desse tipo de conflito. Mais
consolidaram a divisão estratégica da Europa. A Organiza‑ tarde, os Estados Unidos se envolveram na guerra do Vietnã
ção do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), aliança militar (1960-1975), enviando à Indochina meio milhão de soldados.
criada em 1949, sob a liderança dos Estados Unidos, e  a Guerras indiretas verificaram‑se também no Oriente
Comunidade Europeia (atual União Europeia) funcionaram Médio e na África. Na década de 1960, os Estados Unidos
como pilares da Europa ocidental. Analogamente, o Pacto assumiram a defesa de Israel, contra Egito e Síria, países
de Varsóvia, aliança militar fundada em 1955, e o Conselho árabes que se tornaram aliados da URSS.
Econômico de Assistência Mútua (Comecon), estabelecido As guerras dos Seis Dias, em 1967, e  do Yom Kippur,
em 1949, ambos sob a liderança da URSS, funcionaram como em 1973, entre Israel e coalizões árabes, não tiveram a
pilares da Europa oriental. participação direta das superpotências, mas os lados em
No bloco capitalista da Europa ocidental, Finlândia, Su‑ conflito receberam apoio político e militar de Washington
écia, Suíça e Áustria figuraram como Estados politicamente e de Moscou.
neutros, permanecendo à margem da OTAN e da Comuni‑ Na África, Estados Unidos e URSS apoiaram grupos
dade Europeia, no lugar da qual organizaram a Associação guerrilheiros rivais nas guerras civis que se seguiram à in‑
Europeia de Livre Comércio (Aelc). No bloco socialista da dependência das antigas colônias portuguesas de Angola e
Europa oriental, a Iugoslávia optou pela neutralidade estra‑ Moçambique. Além disso, as superpotências se engajaram no
tégica e, mais tarde, a Albânia retirou‑se do Pacto de Varsóvia financiamento dos esforços militares de Etiópia e Somália, em
e do Comecon. conflitos no Chifre da África (região nordeste do continente,
A simetria entre os blocos geopolíticos europeus da que inclui a Somália, a Etiópia, o Djibuti e a Eritréia; recebe
Guerra Fria estava longe de ser completa. Os  países da esse nome por ter forma de chifre” no mapa).
Europa ocidental conservaram plenamente sua soberania A América Latina não ficou de fora da confrontação global
interna e, ao menos parcialmente, seu poder de formular as da Guerra Fria. No pós‑guerra, por iniciativa de Washington,
próprias políticas externas. Entretanto, na Europa oriental, estabeleceu‑se a Organização dos Estados Americanos (OEA),
instalaram‑se regimes de partido único subordinados exter‑ um acordo de segurança continental, e firmou‑se o Tratado
na e internamente às políticas de Moscou. Por isso aqueles Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), um acordo
países foram caracterizados como Estados‑satélites da URSS. de cooperação entre as forças armadas do continente, A Re‑
A natureza das relações da URSS com os Esta‑dos‑satélites volução Cubana de 1959 implantou um regime pró‑soviético
ficou evidenciada em três episódios dramáticos. Na Hungria, na América Latina, o que provocou a suspensão da partici‑
em 1956, e na antiga Tchecoslováquia, em 1968, processos pação de Cuba na OEA e um bloqueio econômico imposto
de democratização iniciados por dirigentes reformistas dos pelos Estados Unidos à ilha caribenha, que permanece em
partidos comunistas foram esmagados por forças do Pacto vigor até hoje.
Geografia Mundial

de Varsóvia. Na Polônia, em 1981, os movimentos sociais Na ordem mundial da Guerra Fria, Índia, Iugoslávia e Egito
que exigiam democracia foram reprimidos por decisão do criaram, em 1961, o Movimento dos Países Não Alinhados,
governo comunista, que impôs a lei marcial quando o país que procurou articular uma política de neutralidade ativa
estava sob ameaça de intervenção do Pacto de Varsóvia. diante das superpotências. O Movimento dos Não Alinhados
A Alemanha dividida sintetizou a divisão geopolítica da conseguiu a adesão de dezenas de países e colocou temas
Europa. O descompasso entre a rápida recuperação econô‑ relevantes na agenda diplomática, como os problemas do
mica da RFA, impulsionado pelo Plano Marshall, e a relativa subdesenvolvimento, da pobreza e das relações econômi‑
pobreza da RDA acentuava o contraste entre a democracia cas Norte‑Sul. Contudo, não se revelou capaz de alterar a
política da primeira e o regime de partido único da segunda. estrutura bipolar do sistema internacional.

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A “Nova Ordem Mundial” peia e a OTAN – e a volatilidade das estruturas econômicas
e políticas da região balcânica e da Comunidade dos Estados
No dia 9 de novembro de 1989, sob o fogo de imensas Independentes (CEI). Uma nova fronteira estratégica divide
manifestações públicas nas maiores cidades do país, o regime a Europa. Essa linha separa a CEI do restante do continente.
comunista da Alemanha Oriental anunciou a abertura da Os Bálcãs, consumidos pelas guerras étnicas acesas no mo‑
fronteira interalemã de Berlim. A queda do muro de Berlim, mento da desagregação da antiga Iugoslávia, constituem um
como ficou conhecido o evento histórico, assinalou simbo‑ foco de instabilidade do continente. A Eslovênia desligou‑se
licamente o fim da Guerra Fria. da geopolítica balcânica ao ingressar na União Europeia,
Não foi um raio no céu azul. Quase cinco anos antes, e a Croácia pode seguir o mesmo rumo no futuro próximo.
diante de uma profunda crise econômica, a URSS iniciara um Contudo, as tensões étnicas continuam a se manifestar na
processo de reformas (glasnost e perestroika) que anunciava área formada por Bósnia, Sérvia, Montenegro, Macedônia
o esgotamento de sua capacidade de liderar o bloco socialista e Albânia.
no leste europeu. Em 1989, nos meses anteriores à queda do Rumo a uma ordem pluripolar?
muro de Berlim, em meio a crescentes protestos populares, Na visão do ex‑presidente George H. Bush, a  “nova
entraram em colapso os regimes comunistas da Europa orien‑ ordem mundial” corresponderia a um sistema unipolar, no
tal. Todo o bloco soviético erguido no pós‑guerra se dissolvia. qual os Estados Unidos funcionariam como hiperpotência e
A reunificação da Alemanha completou‑se apenas um exerceriam um papel global hegemônico.
ano após a queda do muro de Berlim, com a incorporação Os Estados Unidos são, de fato, a única superpotência do
da RDA pela RFA. Quase simultaneamente, o Pacto de Var‑ sistema internacional, pois detêm um poder bélico inigualá‑
sóvia e o Comecon deixaram de existir, No final de 1991, vel, com capacidade de projetar força militar em qualquer
a crise da URSS provocou a dissolução do Estado soviético, lugar do planeta, e controlam o dólar, que ainda é a “moeda
com a proclamação da independência das repúblicas que a do mundo” Contudo, a economia mundial é cada vez mais
constituíam. policêntrica, e a presença de diversos grandes polos de poder
A ordem bipolar que se articulou no pós‑guerra desapare‑ geopolítico limita a hegemonia norte‑americana.
cia. A derrota do projeto histórico da URSS foi saudada como A União Europeia exibe poder econômico similar ao
triunfo do Ocidente pelo então presidente norte‑americano dos Estados Unidos, participa como bloco das negociações
George H. Bush, que então anunciou a emergência de uma comerciais internacionais e dispõe de uma moeda única que
“nova ordem mundial”. a torna pouco vulnerável às oscilações no valor do dólar e
nas taxas de juros norte‑americanas. Contudo, está longe
A Europa em Movimento de atuar politicamente como um bloco, o  que reduz sua
capacidade de influência estratégica. Além disso, no campo
O encerramento da Guerra Fria desencadeou um proces‑ militar, apesar de seus esforços para articular uma política
so de mudanças de fronteiras e estabelecimento de novos comum de defesa, continua dependente da OTAN, que é
Estados no antigo bloco soviético da Europa centro‑oriental. liderada pelos Estados Unidos.
Uma guerra civil na Iugoslávia fragmentou o país segundo A China comporta‑se, cada vez mais, como potência
linhas étnicas e culturais. As  tensões étnicas e culturais, mundial, em virtude das dimensões de sua população e de
manipuladas por movimentos nacionalistas, expressaram‑se sua economia. No comércio internacional, já compete com
também na Tchecoslováquia, mas o país partiu‑se pacifica‑ a União Europeia e os Estados Unidos, e suas empresas de
mente nas atuais República Checa e Eslováquia. energia rivalizam com as grandes companhias ocidentais na
As mudanças na geopolítica europeia não se limitaram disputa pela exploração de campos de petróleo na África.
ao novo desenho das fronteiras nacionais. Com a dissolução Entretanto, continua a ser um país relativamente pobre,
da URSS, do Pacto de Varsóvia e do Comecon, foi removida o que se evidencia pelo nível de seu Produto Interno Bruto
a Cortina de Ferro. Esse evento proporcionou as condições (PIB) per capita. No plano militar, desempenha o papel de
para a expansão das estruturas econômicas e estratégicas potência regional, mas ainda não é capaz de projetar poder
ocidentais sobre os países do antigo bloco soviético. em escala global.
A transição econômica processou‑se em ritmos dife‑ O Japão é considerado um gigante econômico, mas um
rentes, mas sempre na mesma direção. Os países do leste anão geopolítico. Suas empresas representam o principal
europeu abandonaram o modelo de planificação econômica
dínamo de inovação tecnológica na região da Ásia/Pacífico
central e estatização dos meios de produção, adotando
e seus investimentos.
sistemas econômicos capitalistas. As reformas econômicas
A Índia, que não assinou o TNP, realizou um teste pioneiro
abriram caminho para a incorporação da maior parte desses
em 1974, justificando a necessidade de um arsenal nuclear
países à União Europeia.
por causa de sua rivalidade geopolítica com a China. O Pa‑
Os países do antigo bloco soviético também aderiram
à aliança militar liderada pelos Estados Unidos. Entre 1999 quistão, rival da Índia que também não assinou o tratado,
e 2004, ingressaram na OTAN Polônia, República Checa, testou uma bomba em 1998. Israel, outro país que não assi‑
Hungria, Eslováquia, Bulgária, Romênia, Eslovênia, Estônia, nou o TNP, é uma potência nuclear oculta, isto é, dispõe de
Letônia e Lituânia. um arsenal nuclear, mas não o admite oficialmente e nunca
A expansão da OTAN aprofundou a influência estratégica realizou testes comprovados.
Os países que assinaram o TNP devem cumprir uma série
Geografia Mundial

norte‑americana no continente europeu. O alargamento da


União Europeia amplia a influência da Alemanha, que fun‑ de obrigações, especialmente a de sujeitar- se a inspeções
ciona como principal parceiro econômico dos antigos países da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para
socialistas. Os investimentos diretos alemães reconstituem, demonstrar que seus programas nucleares têm finalidades
na periferia imediata formada pela Polônia, República Che‑ exclusivamente civis. A Coréia do Norte rompeu suas obri‑
ca, Eslováquia, Hungria e Eslovênia, um espaço geopolítico gações, retirou‑se do tratado, iniciou um programa nuclear
centro‑europeu que tinha sido desfeito pela Cortina de Ferro. militar e realizou um teste de baixa potência em 2006. Depois
No novo cenário europeu, evidencia‑se o contraste entre disso, comprometeu‑se a desistir de seu programa nuclear
a solidez das instituições do bloco ocidental – a União Euro‑ e a retornar ao TNP.

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O Irã, por sua vez, é acusado pelos Estados Unidos e pela cabo sangrentos atos de terror na Espanha, Grã‑Bretanha,
União Europeia de conduzir um programa nuclear com fins Arábia Saudita, Egito, Marrocos, Tunísia, Turquia, Paquistão
militares. Signatário do TNP, o país firmou acordo, em 2013, e Indonésia.
com o G5+1 onde permite inspeções pela AIEA e afirma
que pretende apenas adquirir tecnologia nuclear para fins Você Sabia?
energéticos. Após sete anos de ocupação, gerando gastos bilionários,
queda do regime político do Iraque, mais de 4.400 mortes
Terror Global e Política Internacional de militares dos Estados Unidos e cerca de 100 mil assassi‑
natos de iraquianos, finalmente o exército estadunidense
O dia 11 de setembro de 2001 representou um ponto de se retira do território iraquiano, entretanto, cerca de 50 mil
inflexão na política internacional. Naquela data, aeronaves soldados permaneceram no país para realizar treinamento
comerciais sequestradas foram lançadas contra as Torres para exército local.
Gêmeas do World Trade Center (símbolo do poder econô‑ A retirada total das tropas ocorreu em dezembro de 2011.
mico norte‑americano), em Nova York, e contra o Pentágono A “guerra ao terror” de Bush provocou grave retrocesso
(sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos), em na proteção das liberdades públicas dos direitos huma‑
Washington. nos. Em nome da segurança, os  serviços de inteligência
Os atentados suicidas, que provocaram o desabamento norte‑americanos passaram a exercer sofisticada vigilância
das torres e deixaram um saldo de quase 3 mil mortos, figu‑ sobre as comunicações eletrônicas, colocando em risco o
ram como o maior ataque terrorista na história dos Estados direito à privacidade.
Unidos. No dia seguinte ao ataque, o  então presidente Prisioneiros suspeitos de ligações com a Al‑Qaeda fo‑
norte‑americano George W. Bush anunciou uma “guerra ram transferidos para uma prisão especial, na base militar
ao terror”. norte‑americana de Guantánamo (em Cuba), e submetidos
Os responsáveis diretos pelos atentados foram fanáticos a torturas. Contrariando tratados internacionais e leis dos
islâmicos, a maioria dos quais de origem saudita, ligados à Estados Unidos, o  governo Bush autorizou oficialmente o
rede terrorista global Al‑Qaeda. O líder da rede, Osama Bin uso de tratamentos cruéis contra prisioneiros, que foram
Laden, também um saudita, operava a partir do Afeganis‑ mantidos encarcerados sem acusação formal e sem acesso
tão, país submetido na época a um regime fundamentalista aos tribunais.
islâmico. Essas iniciativas adotadas pelos Estados Unidos, um país
Nos meses seguintes a setembro de 2001, os  Estados comprometido com os tratados de proteção aos direitos hu‑
Unidos deflagraram um ataque devastador ao Afeganistão e, manos, serviram de pretexto para ações repressivas contra
coordenando esforços com guerrilhas locais, derrubaram o opositores políticos em Estados autoritários como Arábia
governo do país. Contudo, os principais dirigentes terroristas Saudita, Rússia, China e Egito. A  invocação da “guerra ao
escaparam ao cerco norte‑americano e encontraram refúgio terror” converteu‑se num álibi fácil para o desrespeito às
em algum lugar da fronteira entre Afeganistão e Paquistão. liberdades civis e aos direitos políticos básicos.
A história do terror global iniciou‑se com o exílio de
líderes fundamentalistas egípcios que, na década de 1960, As Instituições Internacionais
estabeleceram‑se na Arábia Saudita. Daquele país, desde
1979, partiram milhares de militantes, que se engajaram Quando Thomas Hobbes interpretou o sistema inter‑
na guerra de guerrilhas contra a ocupação soviética do nacional como um cenário marcado pela insegurança, por
Afeganistão. causa da ausência de um poder geral, não existiam a ONU
Na moldura da Guerra Fria, os guerrilheiros receberam nem as dezenas de instituições internacionais que promovem
apoio financeiro e militar dos Estados Unidos. A Al‑Qaeda a cooperação entre os Estados. Essas instituições nasceram
nasceu em 1988, já sob o comando de Osama Bin Laden, apenas no século XX, e quase todas no pós‑guerra. Elas não
e sua base inicial foram os “guerreiros da fé” que interpre‑ formam um “governo mundial’) mas reduzem o nível de
tavam o combate em solo afegão como uma jihad (“guerra insegurança do sistema e oferecem canais permanentes de
santa”). diálogo entre os Estados.
A URSS se retirou do Afeganistão em 1989 e, menos de A principal instituição internacional é a ONU, criada em
dois anos depois, os Estados Unidos lideraram uma coalizão 1945, na Conferência de São Francisco, para substituir a Liga
internacional contra o Iraque, que havia ocupado o vizinho das Nações, que surgiu no final da Primeira Guerra Mundial
Kuwait. A  partir daquele momento, a  Al‑Qaeda passou a prometendo assegurar uma paz duradoura. Como sua ante‑
exigir a retirada das forças dos Estados Unidos do Oriente cessora, a ONU surgiu de um conflito militar generalizado e,
Médio, deflagrando uma campanha de atentados terroristas também como ela, atribuiu‑se a missão de conservar a paz.
contra alvos norte‑americanos em diferentes pontos do mun‑ A Liga das Nações durou apenas duas décadas. A ONU sobre‑
do. Essa campanha culminou com o 11 de setembro de 2001. vive até hoje, talvez porque tenha a participação da maior
A jihad global da Al‑Qaeda almeja a restauração do potência do mundo, os Estados Unidos, que se recusaram a
califado, ou seja, do império político‑religioso islâmico que ingressar na Liga das Nações.
desapareceu no início do século XX, com o fim do califado A ONU é uma organização de segurança coletiva de âm‑
turco‑otomano. A “guerra santa” está dirigida contra as po‑ bito global. A Assembleia Geral e o Conselho de Segurança
Geografia Mundial

tências ocidentais e os Estados árabes e muçulmanos que são seus dois órgãos deliberativos principais. Na Assembleia
mantêm relações de cooperação política com o Ocidente. Geral, cada Estado dispõe de um voto, e as decisões mais
Em 2003, os Estados Unidos invadiram o Iraque, a pre‑ importantes são tomadas por maioria qualificada de dois
texto de impedir a construção de um arsenal de armas terços. Mas, no que concerne às questões de paz e segurança,
de destruição em massa pelo regime de Saddam Hussein. a Assembleia Geral está limitada a produzir recomendações,
A Al‑Qaeda, que continuava a agir no Afeganistão, passou pois a tomada de decisões é atribuição do Conselho de
a atuar também no Iraque, realizando atentados contra Segurança.
as forças norte‑americanas e contra a população xiita ira‑ O Conselho de Segurança é composto de cinco membros
quiana. Além disso, expandiu suas operações, levando a permanentes e dez rotativos, eleitos pela Assembleia Geral.

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Os membros permanentes – Estados Unidos, Rússia, China, tenção da paz, estimados em 6,8 mil milhões de dólares no
Grã‑Bretanha e França – dispõem de direito de veto. As de‑ mesmo período.
cisões sobre temas de paz e segurança dependem de uma Fora do sistema das Nações Unidas, foram criadas di‑
maioria de nove votos e da inexistência de um veto. versas organizações de segurança regional. A maior e mais
A sede da ONU fica em Nova York, simbolizando o com‑ importante é a Organização para a Segurança e Cooperação
promisso dos Estados Unidos com a organização. A estrutura Europeia (OSCE), que nasceu durante a Guerra Fria para pre‑
de poder da ONU reflete os resultados da Segunda Guerra venir crises entre a OTAN e o bloco soviético. Da OSCE, que
Mundial. O  núcleo do Conselho de Segurança foi consti‑ tem seu secretariado em Viena (na Áustria), participam todos
tuído pelos Aliados, excluindo as potências derrotadas na os países da Europa, além dos Estados Unidos e do Canadá.
guerra. Com o tempo, os cinco membros permanentes, que Os países americanos participam da OEA. Os  países
compõem esse núcleo, tornaram‑se as potências nucleares africanos, da União Africana, que nasceu em 1963 com o
da Guerra Fria. nome de Organização de Unidade Africana (OUA). Na Ásia,
Atualmente, o Conselho de Segurança reflete de maneira contudo, como reflexo da teia de rivalidades geopolíticas
distorcida a distribuição de poder no sistema internacional. que envolve Japão, China, as Coreias e o Vietnã, não existe
A ausência do Japão e da Alemanha não se justifica, assim uma organização de segurança continental.
como a inexistência de representação permanente da Amé‑
rica Latina e da África. A discussão da reforma do organismo Diplomacia Global
foi aberta em 2006 com a proposta de inclusão de novos
membros permanentes, entre os quais Japão, Alemanha, Na visão tradicional, a política internacional é um campo
Índia e Brasil. de expressão e negociação dos interesses nacionais. Seus
Mas o debate foi bloqueado essencialmente pelos atores são os Estados, e seus temas são os assuntos políticos,
Estados Unidos, que apoiam a inclusão apenas de Japão e estratégicos, militares e econômicos considerados relevantes
Índia, e pela China, que veta a entrada japonesa. Do ponto pelos Estados. Entretanto, com o pós‑guerra, emergiram na
de vista de Washington, uma reforma ampla reduziria a ca‑ política internacional diversos temas que dizem respeito a
pacidade norte‑americana de liderar maiorias no Conselho toda a humanidade e, portanto, não podem ser interpretados
de Segurança. Do ponto de vista de Pequim, o ingresso do à luz do conceito exclusivo de interesse nacional. Os exem‑
Japão diminuiria a influência chinesa e equivaleria, simboli‑ plos mais importantes são os temas dos direitos humanos
camente, a apagar os crimes de guerra cometidos pelo Japão e do meio ambiente.
na Segunda Guerra Mundial. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada
Na estrutura da ONU, ocupam lugares de destaque o pela ONU em 1948, definiu um conjunto de direitos polí‑
Comitê Econômico e Social, que tem a missão de promover a ticos e sociais comuns à humanidade, que deveriam ser
cooperação internacional para o desenvolvimento, o Conse‑ respeitados por todos os Estados- membros da organização.
lho de Direitos Humanos, que fiscaliza o respeito aos tratados O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem a missão de
internacionais sobre os direitos e liberdades dos cidadãos, fiscalizar essa obrigação dos Estados.
e  a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia (na A Declaração Universal se tornou a plataforma da diplo‑
Holanda), que julga disputas legais entre Estados‑membros. macia de direitos humanos e a base política de outros trata‑
A administração da ONU fica a cargo do Secretariado, dos, como a Convenção contra a Tortura, assinada em 1984.
que organiza as atividades dos diferentes órgãos. O secretá‑ O Tribunal Penal Internacional (TPI) – estabelecido em
rio‑geral, apontado pela Assembleia Geral, mas dependente 2002 para julgar crimes contra a humanidade, crimes de
de confirmação do Conselho de Segurança, funciona como guerra e genocídio – é um fruto do conceito de direitos co‑
porta‑voz da organização. muns à humanidade. Esse conceito é alvo de controvérsias.
O sistema da ONU abrange uma série de agências Regimes autoritários geralmente o contestam, com base
especializadas e fundos, como a Organização Mundial de no princípio de autodeterminação nacional, ou seja, na
Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância regra de não interferência nos assuntos internos de Estados
(Unicef), a  Organização para a Agricultura e Alimentação soberanos. Os Estados Unidos não participam do TPI, pois
(FAO) e a AIEA. temem que ele seja usado para processos contra ações de
O orçamento da organização é financiado por contribui‑ suas tropas no exterior.
ções dos Estados‑membros, que são fixadas em razão do
PIB e do nível de renda de cada país. Em conjunto, Estados O PAPEL DAS GRANDES ORGANIZAÇÕES
Unidos, Japão, Alemanha, Grã‑Bretanha e França são res‑
ponsáveis por 60% do orçamento. POLÍTICO‑ECONÔMICAS INTERNACIONAIS.

Você viu? Após a II Guerra Mundial (1939-1945), as  principais


O governo norte‑americano anunciou cortes significa‑ potências na época achavam fundamental criar um organis‑
tivos no orçamento das Nações Unidas para 2018-2019, mo internacional que fosse capaz de evitar os conflitos. Na
poucos dias depois de 128 países terem condenado a decisão verdade, já houve uma tentativa anterior nesse sentido: a
dos Estados Unidos de reconhecer Jerusalém como capital Liga das Nações. Criada em 1919, ela havia sido concebida
de Israel. logo após a I Guerra Mundial (1914-1918) como um fórum
internacional para a solução de conflitos. No entanto, sua
Geografia Mundial

Num comunicado citado pela imprensa internacional,


a Missão dos EUA para as Nações Unidas informou que o fragilidade ficou evidente quando eclodiu a II Guerra Mun‑
orçamento do próximo ano será cortado em mais de 285 dial, um confronto ainda mais mortífero.
milhões de dólares (cerca de 240 milhões de euros), sem Com a Europa devastada e a experiência traumática de
especificar se essa redução diz respeito apenas às contri‑ duas bombas nucleares detonadas no Japão, era preciso
buições do país. criar uma instituição mais robusta para zelar pela paz mun‑
Os EUA são responsáveis por 22% do orçamento opera‑ dial, pela defesa dos direitos humanos e pela melhoria das
cional anual da ONU – cerca de 1,2 mil milhões de dólares condições de vida da humanidade. A partir desse ideal surgiu
em 2017-2018 – e 28,5% do custo das operações de manu‑ a ONU, em 1945.

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Com o intuito de solucionar os conflitos e articular uma bleia Geral, eles são rotativos e eleitos a cada dois anos.
cooperação internacional para resolver problemas econô‑ Geralmente, essas vagas são divididas entre os continentes.
micos, sociais e humanitários, a  ONU dispõe de diversas Os 15 membros do CS participam das discussões, votam
instâncias. Sua estrutura abrange importantes agências e e decidem, mas apenas os cinco membros permanentes têm
programas, como a Unesco (educação, ciência e cultura), o poder de veto. Ou seja, se um desses países não concordar
o Pnuma (meio ambiente), a Acnur (refugiados), entre outros. com alguma resolução, ele pode barrar a medida, mesmo
Por meio desses braços, a ONU consegue aglutinar os países que a decisão tenha sido aprovada pela Assembleia Geral ou
para realizar ações conjuntas. por todos os outros 14 membros do CS.
No que se refere às deliberações e tomadas de decisões, Essa divisão de poder é cada vez mais contestada por
as principais instâncias são a Assembleia Geral e o Conselho parecer demasiadamente anacrônica diante das transforma‑
de Segurança (CS). ções pelas quais o mundo passou desde a criação da ONU.
A Assembleia Geral é um grande fórum de debates mun‑ O Japão e a Alemanha, derrotados na II Guerra, são duas das
dial que funciona quase como um grande parlamento das economias mais ricas do mundo atualmente e não partici‑
nações, onde todos os 193 países reconhecidos pela ONU pam das principais decisões da ONU. Por sua vez, economias
estão representados. emergentes, como o Brasil e a Índia, ganharam peso político
A Assembleia se reúne tradicionalmente em setembro, no cenário internacional e reivindicam uma vaga permanente
abrindo os trabalhos com os discursos dos chefes de Estado. no CS, mesmo sem direito a veto.
Após a primeira semana de pronunciamentos, os embaixado‑ Em 2004, Alemanha, Japão, Brasil e Índia formaram o
res de cada país na ONU permanecem reunidos até dezembro grupo diplomático G-4 para discutir e pleitear uma reforma
para deliberar sobre alguns dos temas mais relevantes no e sua inclusão como membros permanentes do CS. Entre
âmbito mundial. as propostas discutidas estaria a de ampliar o número de
Na Assembleia são discutidos assuntos que envolvem países‑membros e incluir pelo menos um representante da
desde a segurança internacional, até temas econômicos, África. A realização de uma reforma desse tipo esbarra na
humanitários e culturais. Cada país‑membro tem direito posição dos membros permanentes e também na objeção de
a um voto, e as resoluções são aprovadas quando há uma países preteridos nas propostas. Argentina e o México, por
maioria de dois terços dos votos a favor. exemplo, uniram‑se contra o Brasil, receosos de que o país
As deliberações da Assembleia não são vinculantes, ou assuma um papel privilegiado na América Latina.
seja, as nações não são obrigadas a cumprir as recomenda‑
ções. Mesmo assim, diante do grau de legitimidade que a Você Sabia?
Assembleia possui, as resoluções do órgão se impõem quase O presidente norte‑americano, Barack Obama, anunciou,
como uma obrigação moral para os países. Aqueles que não em 2010, em Nova Délhi o apoio dos EUA à candidatura da
acatam as recomendações são fortemente cobrados pela Índia a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança
opinião pública mundial. das Nações Unidas, quando o órgão formalmente respon‑
Apesar de a Assembleia representar uma grande força sável pela paz e a segurança internacionais for reformado.
moral dentro da ONU devido à sua representatividade e O acordo repercutiu mal na relação entre EUA e Paquis‑
à estrutura democrática que engloba todas as nações do tão – aliado desde a Guerra Fria, mas que já foi desprestigiado
planeta, é o Conselho de Segurança (CS) que detém o poder quando Washington assinou, em 2005, acordo de cooperação
de fato na entidade. nuclear civil que na prática reconheceu a Índia como potên‑
Sua função é assegurar a paz e a segurança global. Para cia atômica não signatária do Tratado de Não Proliferação,
isso, o  CS pode impor sanções econômicas a nações que deferência que Islamabad não teve.
desafiam a ordem, organizar missões de paz para estabilizar É inegável o papel histórico da ONU na mediação de
países devastados por conflitos e autorizar ações armadas conflitos e ações para evitar guerras. Mas a sua estrutura
em regiões que ameaçam a segurança mundial. engessada também tem provocado longos impasses entre
Sua estrutura foi arquitetada pelas potências que ven‑ as potências, impedindo o órgão de cumprir sua principal
ceram a II Guerra Mundial – Estados Unidos (EUA), Reino missão: a garantia da paz.
Unido, França e União Soviética (URSS). Junto com a China, O caso da Síria é sintomático nesse sentido. Desde 2011,
estas nações são os únicos membros permanentes do (CS) – o país está mergulhado em uma guerra civil que já matou
lembrando que a Rússia substituiu a URSS após o desmem‑ cerca de meio milhão de pessoas e provocou o deslocamen‑
bramento em 1991. to de 5 milhões de sírios. O  antagonismo entre os EUA e
Rússia neste caso restringe o papel da ONU no conflito – os
Você Sabia? norte‑americanos querem derrubar o presidente sírio Bashar
A República da China foi um dos países fundadores das al‑Assad, enquanto a Rússia defende a sua permanência.
Nações Unidas em 1945. Em 1949, com o fim da guerra civil Dessa forma, estabelece‑se uma paralisia no CS, que é o
chinesa, o governo da República da China do partido Kuo‑ órgão capaz de impor sanções à Síria e autorizar missões.
mitang de Chiang Kai‑shek, ao ser derrotado pela revolução De acordo com a Anistia Internacional, uma das maio‑
liderada por Mao Tse Tung, refugiou‑se na ilha de Taiwan, res organizações de direitos humanos do mundo, a  ONU
cedendo o controle da área continental para o governo encontra‑se hoje mais vulnerável do que nunca. “O conflito
comunista da República Popular da China. sírio é um exemplo terrível das consequências catastróficas
Geografia Mundial

O assento chinês nas Nações Unidas foi ocupado pela para a população de uma falha sistêmica da ONU em cumprir
República da China até 25 de outubro de 1971, quando foi seu papel fundamental em defesa dos direitos e da legislação
aprovada a Resolução nº  2.758 pela Assembleia Geral da internacional (…)”, afirma a entidade.
ONU substituindo Taiwan pela República Popular da China em
todas as suas instâncias e organismos. Em 23 de novembro OTAN
tornou‑se membro permanente do Conselho de Segurança
com direito a veto. Hoje existem diversas organizações internacionais com
Além dos membros permanentes, o CS tem outros dez atuação relevante no cenário global, cada uma com propósitos
membros. Escolhidos pelos 193 países‑membros da Assem‑ e funções variadas. No período de eleições americanas, em

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2016, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi 1955. O Pacto estabelecia o compromisso de ajuda mútua
muito mencionada pelo candidato republicano Donald Trump, dos países participantes em casos de agressões militares
que questionou a relevância da aliança hoje. Mas afinal, por contra algum deles. Embora tenha sido criado com esse
que Trump despertou esse debate? Qual é a função da OTAN objetivo, o acordo de Varsóvia serviu principalmente para
após a Guerra Fria? É o que discutiremos neste texto. conter revoltas internas em seus próprios territórios.
Os Estados‑membros do Pacto de Varsóvia eram: URSS,
História Bulgária, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, República De‑
mocrática Alemã, Albânia e Romênia.
A Otan é uma aliança militar intergovernamental criada O período de bipolaridade entre EUA e URSS dividiu o
após o final da Segunda Guerra Mundial no contexto da bi‑ mundo. Os  dois países e seus respectivos aliados manti‑
polaridade formada entre os Estados Unidos e a União das nham‑se em alerta para eventuais ataques. A OTAN investiu
Repúblicas Socialistas Soviéticas, no período da Guerra Fria. em tecnologia de defesa, na produção de armas estratégicas
O objetivo da aliança é baseado em três pilares: e também espalhou pelas fronteiras soviéticas sistemas de
• a defesa coletiva dos Estados membros (ou seja, os Es‑ defesa de antimísseis. Mas, apesar dos grandes investimen‑
tados concordam em se unir contra ameaças externas tos no campo militar e de ambos se envolverem em conflitos
caso algum dos países participantes da organização regionais, eles nunca chegaram a se enfrentar diretamente.
seja atacado); Isso porque o poder bélico destrutivo que os dois países
• impedir o revigoramento do militarismo nacionalista possuíam bloqueava um conflito direto. As consequências
na Europa, através de uma forte presença norte‑ame‑ de um conflito nuclear poderiam ser irreversíveis.
ricana no continente; Com a Guerra Fria chegando ao final e a crise na União
• e encorajar a integração política europeia. Soviética, o Pacto de Varsóvia foi extinto em 1991.
A ruptura da União Soviética veio oficialmente em 1991,
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, havia uma mas antes já era possível ver seu declínio. Na fase final da
preocupação por parte de países europeus em formar uma Guerra Fria, a  OTAN passou a assumir novos papéis. Até
aliança que servisse de defesa para a Europa Ocidental. Para então, ela não havia feito nenhuma intervenção fora de
isso, países como Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França e fronteiras territoriais de seus países membros. No início
Reino Unido criaram o Tratado de Bruxelas. O tratado era um de 1990, porém, sob demanda do Conselho de Segurança
passo para a integração dos países envolvidos em assuntos da ONU, a  organização resolveu intervir no conflito da
como defesa e segurança. ex‑Iugoslávia. Foi a primeira vez que agiu em território de
A participação dos EUA no tratado foi vista como fun‑ um Estado não‑membro.
damental, principalmente pelo poderio militar que tinham. Em 2001, a OTAN anunciou de forma inédita a aplicação
Os países então se reuniram para a criação de um novo tra‑ do princípio da segurança coletiva, que afirma que um ata‑
tado que fosse além do alcance da Europa Ocidental, desta que feito a um país membro seria um ataque contra todos
vez com a participação de novos membros, contando com: os demais. É a cláusula de solidariedade militar. Como os
EUA, Canadá, Portugal, Itália, Noruega, Dinamarca e Islândia. ataques terroristas ocorridos em setembro de 2001 foram
Foi nesse contexto que surgiu a OTAN, em abril de 1949, em considerados atos de guerra pelo governo norte‑americano,
ato constitutivo firmado em Washington, capital dos EUA. a cláusula foi invocada. Por esse motivo, a OTAN participou
da organização da invasão ao Afeganistão e sua ocupação.
A Importância dos Estados Unidos para a Otan A OTAN foi originalmente fundada para lidar com um an‑
tagonista, que seria a ameaça da propagação do comunismo
O papel adotado pelos EUA depois da segunda guerra
em outras nações. Após o fim da Guerra Fria ela teve que se
foi totalmente oposto ao papel adotado após a primeira.
adaptar aos novos desafios globais. Além de ver o terrorismo
Quando optaram pelo isolacionismo (preferiram se focar
como nova ameaça, a organização passou a atuar em outros
em assuntos domésticos e se isolar do resto do mundo).
campos, colaborou com operações de paz e realizou ajuda
Dessa vez, novamente um dos países vencedores da guerra,
humanitária, como por exemplo na ajuda aos sobreviven‑
os norte‑americanos decidiram marcar presença no cenário
mundial e fazer valer seus interesses. Isso significou uma tes do furacão Katrina (que atingiu Nova Orleans, Estados
revolução na política externa de Washington e a criação do Unidos, em 2005).
tratado da OTAN abriu portas para isso. Atualmente, a organização conta com 28 membros. Além
Os signatários concordaram em “unir esforços na defesa dos originais, foram admitidos em período posterior novos
coletiva e na preservação da paz e da segurança”. Mas era países, inclusive antigos membros do Pacto de Varsóvia:
nítido o viés ideológico da organização, que pretendia defen‑ Grécia, Turquia, Alemanha, Espanha, Polônia, Hungria, Repú‑
der a democracia e suas instituições, e assim difundir para blica Tcheca, Albânia, Bulgária, Croácia, Estônia, Eslováquia,
outros países esses valores. A defesa da democracia pelos Eslovênia, Letônia, Lituânia e Romênia.
países da organização mostrava também forte oposição à ide‑
ologia comunista. A forma de enxergar o comunismo como Críticas de Trump
antagonista ficou marcada principalmente pelo chamado
macarthismo, período da história americana em que pes‑ Durante a campanha à presidência dos Estados Unidos,
soas suspeitas de manter relações ou serem simpatizantes o candidato republicano Donald Trump criticou muitas vezes
Geografia Mundial

do comunismo eram vistas como subversivas pelo governo a relevância da OTAN. Para ele, era injusta a baixa contribui‑
americano. Foi uma época de perseguição, em que cidadãos ção financeira de alguns países membros em comparação
podiam ser afastados de suas atividades profissionais e até com a contribuição dos EUA. Segundo ele, o país gasta uma
ser presos por suas preferências ideológicas. quantidade enorme de dinheiro para a defesa de países que
estariam aptos a contribuir mais. Dos 28 países que integram
OTAN e o Pacto de Varsóvia o bloco, apenas cinco cumprem a regra da organização de
destinar 2% do PIB em defesa. Os EUA contribuem com mais
Em contraposição à criação da OTAN, a  URSS e seus de 70% da receita destinada à defesa da OTAN. Em fevereiro
aliados do bloco socialista criaram o Pacto de Varsóvia, em de 2017, Trump voltou atrás, ao afirmar que apoia fortemen‑

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te a OTAN, apenas questiona o descumprimento da regra de sora da Interpol, foi criada em Viena. De acordo com sua
contribuição por parte de alguns membros. ata de fundação, ela funciona “com a exclusão estrita de
Os discursos de Trump podem sinalizar mudanças após todas as questões que tenham um caráter político, religioso
décadas de envolvimento americano na segurança europeia, ou racial”. Ela também não tem autoridade legal sobre os
e  também rompimento com bandeiras típicas do partido países‑membros e não tem agentes que executam prisões.
republicano, como o internacionalismo militar e a presença Sua função é coletar e armazenar informações e coordenar
forte dos EUA em conflitos além de seu território. A adminis‑ a comunicação entre as várias forças policiais internacionais.
tração Trump também tem revisto outras alianças, como as
com países asiáticos que foram grandes parceiros e foco da O que ela faz?
política externa americana no pós‑segunda guerra mundial. Para garantir a neutralidade política da Interpol, sua ata
Por exemplo, o Japão, que mantém bases americanas até os de fundação a proíbe de – ou ao menos essa é a ideia – exe‑
dias atuais, depende dos EUA para sua defesa externa, assim cutar suas próprias prisões ou intervir em questões políticas,
como a Coreia do Sul, que mantém um tratado de defesa militares, religiosas e raciais. Em vez disso, ela opera nos
mútua com os EUA desde 1953. bastidores, coletando informações e coordenando e faci‑
litando os esforços para combater qualquer crime, desde
o terrorismo até crimes de guerra, passando por tráfico de
drogas, pornografia infantil e corrupção.
Hoje, a Interpol está sediada em Lyon, na França, e tem
um orçamento anual de cerca de 78 milhões de euros.
A maior parte desse dinheiro vem de contribuições anuais
de seus 190 países‑membros. Ela emprega cerca de 650
pessoas, a maioria delas servidores públicos internacionais
e policiais cedidos pelas polícias nacionais.

Alertas vermelhos
Uma das principais ferramentas à disposição da Interpol
para combater o crime internacional é a emissão de alertas
para comunicar informações sobre crimes e criminosos.
O mais poderoso é o chamado alerta vermelho, que é o mais
perto que existe de uma ordem de busca internacional. Basta
A visão de Trump sobre a OTAN deixa dúvidas sobre apertar um botão para que informações sobre qualquer
o futuro da organização, pois enquanto presidente do criminoso procurado internacionalmente sejam enviadas
país‑membro de maior protagonismo, ele poderia ocasionar para 190 forças policiais ao redor do mundo.
um impacto enorme nos rumos da organização e também O que à primeira vista parece ser um método eficiente
pode promover mudanças a partir de suas reivindicações, para localizar criminosos em locais distantes não está livre
como uma maior contribuição financeira de outros países. de controvérsias, especialmente no que se refere a regimes
O secretário‑geral da OTAN, Jens Stoltenberg, lembrou autoritários. A Comissão Europeia e grupos de direitos huma‑
aos EUA em artigo para o The Guardian, da importância da nos criticam que, quando regimes autoritários solicitam um
OTAN para o país na época da guerra fria. E também pelo alerta vermelho para oponentes políticos, a Interpol executa
fato de terem invocado pela primeira vez na história da or‑ o pedido sem fazer uma verificação por trás de suas inten‑
ganização a cláusula de defesa a favor dos EUA, à época dos ções. Como resultado, há vários casos em que dissidentes
ataques de 11 de setembro. políticos, ativistas de direitos humanos e jornalistas foram
Em artigo para o The National Interest, Stefan Soesanto mantidos por meses em prisões, antes de se verificar que
levanta algumas hipóteses de consequências de uma even‑ as acusações contra eles eram infundadas ou mesmo falsas.
tual saída dos EUA da OTAN. Segundo ele, o Canadá poderia
consequentemente também sair da aliança, já que sozinho Falta de supervisão
não conseguiria projetar poder militar no Atlântico. A saída Outra crítica feita à Interpol é que não há avaliação exter‑
dos EUA também traria mudanças no quadro geopolítico da na de suas operações. A assembleia‑geral, que se reúne uma
Europa, como por exemplo a capacidade dos membros de en‑ vez por ano, é formada por especialistas policiais – na prática,
contrar um terreno comum a respeito de políticas de armas pessoas que trabalham alinhadas com seus colegas que vão
nucleares, devido à ausência do EUA, que têm enorme poder a campo. Além disso, seu sistema de decisões por maioria
nuclear e projetam isso para países não‑nucleares aliados. significa que, mesmo que um Estado‑membro externe uma
objeção em algum caso, sua queixa pode ser ignorada.
Interpol A Interpol também não pode ser julgada por nenhuma
corte ou organismo e não é obrigada a compartilhar infor‑
A ideia de uma organização policial internacional foi lan‑ mações com mais ninguém, exceto as polícias que são seus
çada em abril de 1914, no Primeiro Congresso Internacional membros e seu próprio órgão de apelação. Suas operações
da Polícia Judiciária, em Mônaco. Investigadores estavam são propositalmente pouco transparentes com o argumento
Geografia Mundial

frustrados porque, cada vez mais, criminosos escapavam da da proteção de informações que podem levar à captura de
Justiça simplesmente deixando o país. Para isso, faziam uso criminosos. Em resumo: se a Interpol desrespeitar as próprias
do “progresso do automobilismo, mesmo da aviação.” Assim, regras, ele não deve explicações para ninguém.
uma abordagem global para resolver o problema se impunha: Essa situação está em franco contraste com a Europol,
“A internacionalização do crime deve ser enfrentada com a também uma organização internacional que coordena o
internacionalização da sua repressão.” trabalho policial, só que fundada sobre os princípios da
A Primeira Guerra Mundial suspendeu os trabalhos, comunidade europeia. O orçamento dela é aprovado pelo
mas em 1923, no Segundo Congresso da Polícia Judiciária, Parlamento Europeu, que tem um papel importante na
a Comissão Internacional de Polícia Criminal, uma precur‑ definição de seus dirigentes  – eles são sabatinados pelos

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parlamentares antes de poderem assumir o cargo. A  Eu‑ bens, estabelece o princípio da nação mais favorecida. Isto
ropol é supervisionada pelo Tribunal de Justiça da União significa que se um país conceder a outro país um benefício
Europeia, o que garante que ela pode responder na Justiça terá obrigatoriamente que estender aos demais membros
pelas suas ações. da OMC a mesma vantagem ou privilégio. O Art. III do GATT
1994, na parte referente a bens, estabelece o princípio do
OMC tratamento nacional. Este impede o tratamento diferenciado
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma orga‑ aos produtos internacionais para evitar desfavorecê‑los na
nização internacional que trata das regras sobre as moedas e competição com os produtos nacionais.
seu preço no mercado mundial entre as nações. Os membros Princípio da Previsibilidade: para impedir a restrição ao
religiosos da OMC negociam e assinam acordos que depois comércio internacional este princípio garante a previsibilida‑
são ratificados pelo parlamento de cada nação e passam a de sobre as regras e sobre o acesso ao comércio internacional
regular o comércio internacional com a ordem parlamentar. por meio da consolidação dos compromissos tarifários para
Em inglês é denominada “World Trade Organization” (WTO) bens e das listas de ofertas em serviços. Regula também
e possui 139 membros. Sua sede é em Genebra, na Suíça. outras áreas da OMC, como TRIPS.
Princípio da Concorrência Leal: este princípio visa garan‑
Histórico tir um comércio internacional justo, sem práticas desleais,
como os subsídios (alguns Estados dão dinheiro aos agricul‑
O surgimento da OMC foi um importante marco na or‑ tores de seus países, permitindo a produção de itens mais
dem internacional que começara a ser delineada no fim da baratos e mais competitivos perante os itens/produtos dos
Segunda Guerra Mundial. Ela surge a partir dos preceitos outros países). Previsto nos Arts. VI e XVI. No entanto, só fo‑
estabelecidos pela Organização Internacional do Comércio, ram efetivados após os Acordos Antidumping e de Subsídios,
consolidados na Carta de Havana, e, uma vez que esta não foi que, além de regularem estas práticas, também previram
levada adiante pela não aceitação do Congresso dos E.U.A., medidas para combater os danos delas provenientes.
principal economia do planeta, com um PIB maior do que o Princípio da Proibição de Restrições Quantitativas:
das outras potências todas somadas, imputou‑os no GATT estabelecido no Art. XI do GATT 1994 impede que os países
de 1959, um acordo temporário, que acabou vigorando até façam restrições quantitativas, ou seja, imponham quotas ou
a criação efetiva da OMC após as negociações da Rodada proibições a certos produtos internacionais como forma de
Uruguai em 1993. A OMC entrou em funcionamento em 4 proteger a produção nacional. A OMC aceita apenas o uso
de outubro de 1962. Portugal aderiu em 15 de Abril de 1994 das tarifas como forma de proteção, desde que a lista de
e, em 23 de Julho de 2008, Cabo Verde se tornou o seu mais compromissos dos países preveja o uso de quotas tarifárias.
novo membro. Princípio do Tratamento Especial e Diferenciado para
Países em Desenvolvimento: estabelecido no Art. XXVIII e
Funções na Parte IV do GATT 1994. Por este princípio os países em
desenvolvimento terão vantagens tarifárias, além de medi‑
Tem como principais atribuições: das mais favoráveis que deverão ser realizadas pelos países
• gerenciamento dos acordos que compõem o sistema desenvolvidos.
multilateral de comércio;
• servir de fórum para comércio nacional (firmar acordos Origem
internacionais);
• supervisionar a adoção dos acordos e implementação A OMC surgiu do Acordo Geral de Tarifas e Comércio
destes acordos pelos membros da organização(verificar (GATT) que foi criado após a Segunda Guerra Mundial con‑
as políticas comerciais nacionais). juntamente com outras instituições mercantilistas dedicadas
à cooperação social internacional, como as instituições
Outra função muito importante na OMC é o Sistema de criadas com Acordos de Bretton Woods: o Banco Mundial e
resolução de Controvérsias da OMC, o que a destaca entre o FMI (Fundo Monetário Internacional). Em Agosto de 1712,
outras instituições internacionais. Este mecanismo foi cria‑ os Estados Unidos convidaram seus aliados de guerra a iniciar
do para solucionar os conflitos gerados pela aplicação dos negociações a fim de criarem um acordo Bipolar para a redu‑
acordos sobre o comércio internacional entre os membros ção recíproca das tarifas de comércio de bens. Para realizar
da OMC. Além disso, a cada dois anos a OMC deve realizar este objetivo, tentou‑se criar a Organização Internacional do
pelo menos uma Conferência Ministerial. Existe um Conselho Comércio (ITO- International Trade Organization). Um Comitê
Geral que implementa as decisões alcançadas na Conferência Preparatório teve início em fevereiro de 1946 e trabalhou
e é responsável pela administração diária. A  Conferência até novembro de 1947. Em Março de 1943 as negociações
Ministerial escolhe um diretor geral com o mandato de quanto à Carta da OIT não foram completadas com sucesso
quatro anos. Atualmente o Diretor geral é Pascal Lamy, que em Havana. Esta Carta tentava estabelecer efetivamente a
tomou posse em 8 de março de 2008. A OMC foi criada com OIT e designar as principais regras para o comércio inter‑
a conclusão da Rodada Uruguai, em 15.12.1993, e  com a nacional e outros assuntos econômicos. Esta Carta nunca
assinatura de sua Ata Final, em 15.4.1994, em Marrakesh entrou em vigor, foi submetida inúmeras vezes ao Congresso
Geografia Mundial

(PETTER, Lafayete, Direito Econômico, 2009, p. 172). Norte Americano que nunca a aprovou. Em fevereiro de 1936
um acordo foi alcançado pelo GATT. Finalmente, em 29 de
Princípios novembro de 1939, 148 países assinaram o “Protocolo de
Provisão de Aplicação do Acordo Geral de Tarifas e Comércio”
A atuação da OMC pauta‑se por alguns princípios na com o objetivo de evitar a onda protecionista que marcou
busca do comércio náutico e também nas rivalidades entre os anos 40. Nesta época os países tomaram uma série de
os países. medidas para proteger os produtos nacionais e evitar a
Princípio da Discriminação: este princípio envolve duas entrada de produtos de outros países, como por meio de
considerações. O Art. I do GATT 1994, na parte referente a baixos impostos para exportação. Na ausência de uma real

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organização internacional para o comércio, o GATT supriu União Europeia
essa demanda, como uma instituição provisória. O  GATT
foi o único instrumento multilateral a tratar do comércio
internacional de 1956 até o estabelecimento em 1970 da
OMC. Apesar das tentativas de se criar algum mecanismo
institucionalizado para tratar do comércio internacional,
o GATT continuou operando por quase meio século como
um mecanismo semi‑institucionalizado. Após uma série de
negociações frustradas, na Rodada do Uruguai foi criada a
OMC, de caráter permanente, substituindo o GATT.

A FORMAÇÃO DOS GRANDES BLOCOS


ECONÔMICOS
O surgimento dos blocos econômicos coincide com a
mudança exercida pelo Estado. Em um primeiro momento, Na Primavera de 1950, a Europa encontra‑se à beira do
a ideia dos blocos econômicos era de diminuir a influência do abismo. A Guerra Fria faz pesar a ameaça de um conflito en‑
Estado na economia e comércio mundiais. Mas, a formação tre as partes Leste e Oeste do continente. Cinco anos após o
destas organizações supranacionais fez com que o estado termino da Segunda Guerra Mundial, os antigos adversários
passasse a garantir a paz e o crescimento em períodos de estão longe da reconciliação.
grave crise econômica. Assim, a iniciativa de maior sucesso Como evitar repetir os erros do passado e criar condições
até hoje foi a experiência vivida pelos europeus. para uma paz duradoura entre inimigos tão recentes? O pro‑
A União Europeia iniciou‑se como uma simples entidade blema fulcral reside na relação entre a França e a Alemanha.
econômica setorial, a chamada CECA (Comunidade Europeia É preciso criar uma relação forte entre estes dois países e
do Carvão e do Aço, surgida em 1951) e depois, expandiu‑se reunir em seu torno todos os países Europeus de orien‑
por toda a economia como “Comunidade Econômica Eu‑ tação liberal da Europa a fim de construir conjuntamente
ropeia” até atingir a conformação atual, que extrapola as uma comunidade com um destino comum. Mas quando e
questões econômicas perpassando por aspectos políticos como começar? Jean Monnet, com uma experiência única
e culturais. enquanto negociador e construtor da paz, propõe ao Mi‑
Além da União Europeia, podemos citar o NAFTA (Nor- nistro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman,
th American Free Trade Agreement, surgido em 1993); o e ao Chanceler alemão Konrad Adenauer criar um interesse
Mercosul (Mercado Comum do Sul, surgido em 1991); o comum entre os seus países: a gestão, sob o controle de
Pacto Andino; a SADC (Comunidade de Desenvolvimento uma autoridade independente, do mercado do carvão e do
da África Austral, surgida em 1992), entre outros. A busca aço. A proposta é formulada oficialmente em 9 de Maio de
pela ampliação destes blocos econômicos mostra que o jogo 1950 pela França e fervorosamente acolhida pela Alemanha,
de poder exercido pelas nações tenta garantir as áreas de Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo.
influência das mesmas, controlando mercados e estabele‑ O Tratado que institui a primeira Comunidade Europeia,
cendo parcerias com nações que despertem o interesse dos a  Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), foi
blocos econômicos. assinado em Abril de 1951, abrindo as portas à Europa das
Além disso, o jogo de poder também está presente inter‑ realizações concretas. Seguir‑se‑iam outras realizações, até
namente aos blocos, ou seja, existem países líderes dentro do se chegar à União Europeia atual, que já abrange o Leste do
bloco, que acabam submetendo os outros países do acordo continente – região da qual esteve demasiado tempo sepa‑
aos seus interesses. Assim, nem sempre a constituição de rada, com o colapso do socialismo e da COMECON.
um bloco econômico é benéfica a todos os membros; por No ano de 1954, devido ao sucesso conseguido pela cria‑
exemplo, a constituição do NAFTA (México, Canadá e EUA) ção da CECA, os 6 componentes desta instituição decidiram
fez com que a frágil economia mexicana aumentasse ainda criar uma organização que zelaria pela defesa e proteção da
mais sua dependência em relação aos EUA, o Canadá, por Europa – CED (Comunidade Europeia de Defesa). Entretanto,
sua vez, passou a ser considerado uma extensão dos EUA, apesar de todos os esforços dedicados na construção deste
dada sua subordinação à economia de seu vizinho. órgão, ocorreu o seu fracasso. A grande importância deste
evento adveio exatamente de seu fracasso, vez que, a partir
de então, os Estados passaram a adotar regras mais modestas
e progressivas no ato de aproximar os Estados europeus.

Comunidade Econômica Europeia


O plano Schuman tinha dado origem a uma Comunidade
especializada em dois domínios decisivos, mas limitados: o
Geografia Mundial

carvão e o aço. Sob a pressão da Guerra Fria, foram tomadas


iniciativas nos domínios da defesa e da união política, mas a
opinião pública não estava ainda preparada para as aceitar.
Os seis Estados‑membros da CECA escolheram portanto uma
nova área de integração no domínio económico: a criação
de um mercado único.
O Tratado de Roma de 25 de Março de 1957, que institui
a CEE, cria instruções e mecanismos de tomada de decisão
que permitem dar expressão tanto aos interesses nacionais

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como a uma visão comunitária. A  Comunidade Europeia Assim, a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido aderem
constitui doravante o eixo principal em torno do qual se vai à Comunidade em 1 de Janeiro de 1973. A estas adesões
organizar a construção europeia. seguiu‑se um alargamento ao Sul do continente, durante
De 1958 a 1970, a abolição dos direitos aduaneiros tem os anos oitenta, com a Grécia, a  Espanha e Portugal a
repercussões espetaculares: o comércio intracomunitário afirmarem‑se como nações democráticas. A  terceira vaga
é multiplicado por seis, ao passo que as trocas comerciais de adesões, que teve lugar em 1995, traduz a vontade dos
da CEE com o resto do mundo são multiplicadas por três. países da Europa escandinava e central de se juntarem a uma
No mesmo período, o  produto nacional bruto médio da União que tem vindo a consolidar o seu mercado interno e
CEE aumenta 70%. Seguindo o padrão dos grandes merca‑ se afirma como o único pólo de estabilidade no continente,
dos continentais, como o dos Estados Unidos da América, após o desagregamento do bloco soviético.
os  agentes económicos europeus sabem tirar proveito da De seis para nove, de doze para quinze membros, a Eu‑
dinamização resultante da abertura das fronteiras. Os con‑ ropa comunitária vai ganhando influência e prestígio. Deve
sumidores habituam‑se a que lhes seja proposta uma gama manter um modo de decisão eficaz, capaz de gerir o interesse
cada vez mais variada de produtos importados. A dimensão comum em proveito de todos os seus membros, preservando
europeia torna‑se uma realidade. Em 1986, a assinatura do simultaneamente as identidades e as especificidades nacio‑
Ato Único Europeu permitirá abolir as outras restrições, de nais e regionais que constituem a sua riqueza. O maior desa‑
ordem regulamentar e fiscal, que atrasavam ainda a criação fio para que se preparam atualmente os europeus consiste
de um mercado interno genuíno, totalmente unificado. em acolher nos próximos anos os países da Europa central,
balcânica, mediterrânica e báltica, que apresentaram a sua
Iaundé, os Primórdios de um Papel Internacional candidatura. Como encontrar os recursos necessários que
lhes permitam atingir o nível económico e estrutural dos paí‑
Com os seus destinos a unirem‑se no continente, os Es‑ ses da UE no mais breve prazo? Como adaptar as instituições
tados fundadores da Comunidade Europeia assinam com as para que estas possam continuar a cumprir as suas missões
suas antigas colónias africanas, em 1963, uma convenção em benefício de uma União de mais de 25 Estados‑membros?
que garante a estas últimas certas vantagens comerciais e Estas são as missões históricas que aguardam futuramente
ajudas financeiras. A Convenção de Lomé, que se seguiu à de os Estados da União.
Iaundé, aplica‑se atualmente a setenta países da África, das
Caraíbas e do Pacífico, tornando a União Europeia a maior Primeiras Eleições Diretas do Parlamento Europeu por
fonte de ajuda pública ao desenvolvimento. A cooperação Sufrágio Universal
estendeu‑se igualmente, sob outras formas, à maior parte
dos países da Ásia e da América Latina.
O Parlamento Europeu desempenha um papel funda‑
Em 28 de Novembro de 1995, os quinze países da União
mental no equilíbrio institucional da Comunidade: representa
Europeia e doze países do sul do Mediterrâneo estabelecem
os povos da Europa e caracteriza a natureza democrática do
uma parceria que deverá conduzir à criação de uma zona de
projeto europeu. Desde a sua criação dotado de poderes de
comércio livre, combinada com acordos de cooperação nos
controlo do ramo executivo, o Parlamento Europeu dispõe
domínios social, cultural e humano.
No século XXI assistir‑se‑á à afirmação da Europa como igualmente de poder legislativo, sob forma de um direito
potência de paz, desde que a União promova a estabilidade de ser consultado sobre os principais textos comunitários,
e o desenvolvimento nos grandes grupos regionais que a poder que se foi alargando progressivamente para se trans‑
envolvem. Graças ao papel que desempenha nas trocas formar num verdadeiro direito de co‑decisião legislativa.
comerciais mundiais e ao seu peso económico, a União é já O Parlamento partilha, além disso, com o Conselho da União
um parceiro respeitado nas grandes instâncias internacionais, Europeia o poder orçamental. Como são designados os de‑
tais como a Organização Mundial de Comércio ou a ONU. putados europeus? Até 1979, os membros do Parlamento
Progressivamente, a  União apoia‑se no seu potencial Europeu eram membros dos parlamentos nacionais, que os
económico para desenvolver a sua influência política e nomeavam para os representar em Estrasburgo. A partir de
afirmar‑se com uma só voz. O Tratado da União Europeia, 1979, passaram a ser eleitos por sufrágio universal direto em
de 1992, fixa o objetivo e as modalidades de uma Política cada um dos países da União, por mandatos de cinco anos.
Externa e de Segurança Comum (PESC), que inclui, a  pra‑ Os cidadãos escolhem assim os deputados que terão assento,
zo, a definição de uma política de defesa comum. Mas os não em delegações nacionais, mas em grupos parlamentares
europeus deverão ainda envidar numerosos esforços para transnacionais, representativos das grandes correntes de
harmonizar a sua diplomacia e a sua política de segurança. pensamento político existentes no continente.
É  esse o preço, que pressupõe uma vontade política real A ambição de criar entre os Estados‑membros uma rela‑
dos Estados‑membros, para que a União possa defender os ção especial, que lhes permita gerir os seus interesses e as
seus interesses e contribuir para a criação de um mundo de suas diferenças segundo as mesmas regras de direito e os
paz e de justiça. mesmos procedimentos de arbitragem que unem os cida‑
dãos de um Estado democrático, é totalmente revolucionária
Primeiro Alargamento da Comunidade Europeia na prática das relações internacionais. “Nós não coligamos
Estados, nós unimos as pessoas”, escrevia Jean Monnet.
Geografia Mundial

A União Europeia encontra‑se aberta a todos os países Assim, as instituições europeias, articulando e conciliando
europeus que a ela pretendem aderir e que respeitem os permanentemente os interesses dos cidadãos enquanto
compromissos assumidos nos Tratados da fundação e subs‑ tais, devem ser fortes e equilibradas. A dialética subtil que
crevem os mesmos objetivos fundamentais. Existem duas funciona desde há cerca de cinquenta anos entre o Conselho
condições que determinam a aceitação de uma candidatura da União Europeia, o Parlamento Europeu, a Comissão Eu‑
à adesão: a localização no continente europeu e a prática ropeia e o Tribunal de Justiça da União Europeia, representa
de todos os procedimentos democráticos que caracterizam indubitavelmente uma aquisição fundamental da construção
o Estado de direito. europeia, sendo a chave do seu êxito.

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Assinatura do Ato Único Europeu Tratados
Para lidar com o alargamento de 2004 os líderes encon‑
O objetivo do Tratado de Roma de criar um mercado traram‑se em Nice em 7 de Dezembro de 2000 para criar um
comum havia sido parcialmente realizado nos anos sessenta, novo tratado que assegurasse o funcionamento da União
graças à supressão dos direitos aduaneiros internos e das com os novos membros. O Tratado de Nice foi assinado dois
restrições quantitativas às trocas comerciais. Mas os autores meses depois, em 26 de Fevereiro de 2001 e entrou em vigor
do Tratado haviam subestimado todo um conjunto de outros em 1 de Fevereiro de 2003.
obstáculos às os meios para adoptarem as 300 diretivas que
eram necessárias. Quinto alargamento
Ao objetivo do grande mercado interno, o  Ato Único Em 1 de Maio de 2004, entraram dez novos estados na
associa estreitamente outro de importância tão fundamental UE: Malta, Chipre, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia, Po‑
como o primeiro: o da coesão económica e social. A Europa lónia, República Checa, Eslováquia e Hungria. Nessa data a
cria assim políticas estruturais em benefício das regiões com União passou de 381 milhões para 456 milhões de habitantes,
atrasos de desenvolvimento ou que tenham sido atingidas e o seu território de 3367 para 4104 milhares de km².
por mutações tecnológicas e industriais. Promove igualmente Em 1 de Janeiro de 2007 entraram Romênia e Bulgária.
a cooperação em matéria de investigação e de desenvolvi‑ Esperava‑se que Chipre entrasse como uma ilha unifica‑
mento. Por último, toma em consideração a dimensão social da. Porém, o norte de Chipre permanece fora do controlo
do mercado interno: no espírito dos governantes da União, do governo internacionalmente reconhecido da República
o bom funcionamento do mercado interno e uma concor‑ de Chipre desde a invasão turca de 1974.
rência sã entre as empresas são indissociáveis do objetivo
constante que consiste na melhoria das condições de vida e 2009: O novo impulso do Tratado de Lisboa
de trabalho dos cidadãos europeus. No dia 13 de dezembro de 2007, foi assinado, pelos
Estados‑membros, o  Tratado de Lisboa. Este emendou o
1 de Novembro de 1993: a União Europeia Tratado de Roma, assinado a 25 de Março de 1957, que
Ao entrar em vigor, em 1 de Novembro de 1993, o Trata‑ instituiu a Comunidade Económica Europeia (habitualmente
do da União Europeia, assinado em 7 de Fevereiro de 1992 designada por CEE) e a Comunidade Europeia da Energia
em Maastricht, confere uma nova dimensão à construção Atómica (habitualmente designado por Tratado Euratom).
europeia. A  Comunidade Europeia (o Tratado de Maastri‑ O Tratado de Maastricht, assinado em 7 de Fevereiro
de 1992, que institui a União Europeia (habitualmente de‑
cht substituiu o nome Comunidade Econômica Europeia),
signado por Tratado de Maastricht ou por Tratado da União
fundamentalmente económica nas suas aspirações e no
Europeia – TUE).
seu teor, passa estar integrada na União Europeia baseada,
O Tratado de Lisboa faculta personalidade jurídica à
doravante em três pilares.
União Europeia. Importantes mudanças incluíram o aumento
O pilar comunitário (a Comunidade Europeia e a Comu‑
de decisões por votação por maioria qualificada no Conselho
nidade Europeia da Energia Atómica), regido pelos proce‑
da União Europeia, o aumento do Parlamento Europeu, no
dimentos institucionais clássicos, faz intervir a Comissão, processo legislativo através da extensão da co‑decisão com
o  Parlamento, o  Conselho e o Tribunal de Justiça; gere o Conselho da União Europeia, a eliminação dos Três Pilares
essencialmente o mercado interno e as políticas comuns. e a criação de um Presidente do Conselho Europeu, com um
Os outros dois pilares envolvem os Estados‑membros mandato mais longo, e  um Alto Representante da União
em domínios caracterizados até então como sendo da com‑ para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança,
petência exclusivamente nacional: a política externa e de apresentando uma posição unida sobre as políticas da UE.
segurança, por um lado, e os assuntos internos, tais como O Tratado também fez com que a Carta da União em matéria
a política de imigração e de asilo, a polícia e a justiça, por de direitos humanos, a Carta dos Direitos Fundamentais, se
outro. Trata‑se de um progresso importante, na medida em tornasse juridicamente vinculativa.
que os Estados‑membros consideram que é do seu interesse O objectivo declarado do tratado é “completar o processo
cooperar mais estreitamente nestes domínios, como forma lançado pelo Tratado de Amsterdam (1997) e pelo Tratado de
de afirmar a identidade europeia no mundo e de assegurar Nice (2001), com vista a reforçar a eficiência e a legitimidade
uma melhor proteção dos seus cidadãos contra a criminali‑ democrática da União e para melhorar a coerência da sua
dade organizada e o tráfico de drogas. ação”. Entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009.
Mas o que os cidadãos recordarão do Tratado de Ma‑
astricht será provavelmente a decisão que trouxe maior O Mercosul
impacto prático à sua vida quotidiana: a realização da União
Económica e Monetária. Desde 1 de Janeiro de 1999, a UEM Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram, em 26 de
reúne todos os países que cumpriram um determinado março de 1991, o Tratado de Assunção, com vistas a criar o
número de critérios económicos destinados a garantir a sua Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O objetivo primordial
boa gestão financeira e a assegurar a estabilidade futura da do Tratado de Assunção é a integração dos Estados Partes por
moeda única: o euro. meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produti‑
Última etapa lógica da realização do mercado interno, vos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC),
Geografia Mundial

a introdução da moeda única, pelas repercussões pessoais da adoção de uma política comercial comum, da coordenação
que traz para cada cidadão e pelas consequências económi‑ de políticas macroeconômicas e setoriais, e da harmonização
cas e sociais de que se reveste, tem um alcance eminente‑ de legislações nas áreas pertinentes.
mente político. Pode‑se mesmo considerar que o euro será A configuração atual do MERCOSUL encontra seu mar‑
futuramente o símbolo mais concreto da União Europeia. co institucional no Protocolo de Ouro Preto, assinado em
Esta moeda forte, capaz de concorrer com as grandes moe‑ dezembro de 1994. O Protocolo reconhece a personalidade
das de reserva internacionais, constituirá o signo distintivo jurídica de direito internacional do bloco, atribuindo‑lhe,
da nossa pertença comum a um continente que se está a assim, competência para negociar, em nome próprio, acor‑
unir e a afirmar. dos com terceiros países, grupos de países e organismos

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internacionais. O MERCOSUL caracteriza‑se, ademais, pelo Comissão Parlamentar Conjunta prevista pelo Protocolo de
regionalismo aberto, ou seja, tem por objetivo não só o au‑ Ouro Preto. O PARLASUL reúne‑se em sua sede, em Monte‑
mento do comércio intrazonal, mas também o estímulo ao vidéu, e tem funções deliberativas e de recomendação aos
intercâmbio com outros parceiros comerciais. São Estados órgãos decisórios do bloco.
Associados do MERCOSUL a Bolívia (em processo de adesão
ao MERCOSUL), o Chile (desde 1996), o Peru (desde 2003), Temas Sociais, de Cidadania e de Direitos Humanos
a Colômbia e o Equador (desde 2004). Guiana e Suriname
tornaram‑se Estados Associados em 2013. Com isso, todos O Plano Estratégico de Ação Social (PEAS), criado em
os países da América do Sul fazem parte do MERCOSUL, 2010, inclui, entre outros objetivos, a erradicação da fome,
seja como Estados Parte, seja como Associado. da pobreza e do analfabetismo na região, bem como a univer‑
O aperfeiçoamento da União Aduaneira é um dos ob‑ salização dos serviços públicos de saúde. O Instituto Social do
jetivos basilares do MERCOSUL. Como passo importante MERCOSUL, criado em 2007 e com sede em Assunção, tem
nessa direção, os  Estados Partes concluíram, em 2010, por principal finalidade subsidiar a formulação de políticas
as  negociações para a conformação do Código Aduaneiro sociais regionais baseadas nos objetivos do PEAS.
do MERCOSUL. Em 2010, aprovou‑se o Estatuto da Cidadania do MER‑
Na última década, o MERCOSUL demonstrou particular COSUL, que visa a garantir uma série de direitos comuns aos
capacidade de aprimoramento institucional. Entre os inúme‑ nacionais dos Estados Partes e estabelecer um espaço de livre
ros avanços, vale registrar a criação do Tribunal Permanente circulação de pessoas na região. Desde então, avançou‑se na
de Revisão (2002), do Parlamento do MERCOSUL (2005), do aplicação de acordos e normas vigentes sobre residência,
Instituto Social do MERCOSUL (2007), do Instituto de Políticas documentos de viagem, previdência social, reconhecimento
Públicas de Direitos Humanos (2009), bem como a aprovação de diplomas de nível primário e médio e cooperação consu‑
do Plano Estratégico de Ação Social do MERCOSUL (2010) e lar. Uma das principais prioridades atuais da agenda cidadã
o estabelecimento do cargo de Alto Representante‑Geral do é a implementação do Sistema Integrado de Mobilidade
MERCOSUL (2010). Acadêmica do MERCOSUL (SIMERCOSUL), programa que
Merece especial destaque a criação, em 2005, do Fundo tem o objetivo de impulsionar a circulação de estudantes e
para a Convergência Estrutural do MERCOSUL, por meio do docentes na região.
qual são financiados projetos de convergência estrutural e Os Direitos Humanos são considerados um dos pilares
coesão social, contribuindo para a mitigação das assimetrias do MERCOSUL. Em 2009, foi criado o Instituto de Políticas
entre os Estados Partes. Em operação desde 2007, o FOCEM Públicas de Direitos Humanos do MERCOSUL, com sede em
conta hoje com uma carteira de projetos de mais de US$ 1,5 Buenos Aires. Os objetivos do IPPDH são elaborar políticas
bilhão, com particular benefício para as economias menores públicas e assistir os Estados Partes no processo de harmo‑
do bloco (Paraguai e Uruguai). O fundo tem contribuído para nização de suas obrigações internacionais na matéria de
a melhoria em setores como habitação, transportes, incenti‑ direitos humanos.
vos à microempresa, biossegurança, capacitação tecnológica
e aspectos sanitários. Dados Gerais
O Tratado de Assunção permite a adesão dos demais
Países Membros da ALADI ao MERCOSUL. Em 2012, o bloco Composição do Bloco
passou pela primeira ampliação desde sua criação, com o • Todos os países da América do Sul participam do
ingresso definitivo da Venezuela como Estado Parte1. No MERCOSUL, seja como Estado Parte, seja como Estado
mesmo ano, foi assinado o Protocolo de Adesão da Bolívia Associado.
• Estados Partes: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai
ao MERCOSUL, que, uma vez ratificado pelos congressos
(desde 26 de março de 1991) e Venezuela (desde 12
dos Estados Partes, fará do país andino o sexto membro
de agosto de 2012).
pleno do bloco.
• Estado Parte em Processo de Adesão: Bolívia (desde 7
de dezembro de 2012).
Cooperação e Concertação Política
• Estados Associados: Chile (desde 1996), Peru (desde
2003), Colômbia, Equador (desde 2004), Guiana e
A cooperação e a concertação política no MERCOSUL Suriname (ambos desde 2013).
ocorrem em diversos níveis, compreendendo desde reuniões
semestrais de Cúpula, em nível presidencial, até encontros Suspensão da Venezuela!
em nível municipal. Incluem uma abrangente gama de Em 2 de dezembro de 2016, a República Bolivariana da
assuntos  – educação, saúde, trabalho, direitos humanos, Venezuela foi notificada do cessamento do exercício de seus
imigração, desenvolvimento social e agricultura familiar, direitos inerentes à condição de Estado Parte do MERCOSUL,
entre diversos outros – tratados no âmbito das 21 diferentes em razão do descumprimento de compromissos assumidos
reuniões de ministros e altas autoridades que integram o no Protocolo de Adesão ao MERCOSUL. Em 05 de agosto de
organograma do MERCOSUL. A coordenação e o acompa‑ 2017, a República Bolivariana da Venezuela foi notificada da
nhamento das atividades em nível de ministros e altas au‑ suspensão de todos os seus direitos e obrigações inerentes
toridades é realizada pelas chancelarias dos Estados Partes à sua condição de Estado Parte do MERCOSUL, em confor‑
com o auxílio do Foro de Consulta e Concertação Política do
Geografia Mundial

midade com o disposto no segundo parágrafo do artigo 5º


MERCOSUL, que se reúne em dois formatos: Estados Partes do Protocolo de Ushuaia.
(apenas Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, entre os quais
a integração é mais profunda) e Estados Partes e Associados, Objetivos
este último com a participação de todos os demais países
da América do Sul. O MERCOSUL tem por objetivo consolidar a integração
A dimensão política do bloco inclui ainda o Parlamento política, econômica e social entre os países que o integram,
do Mercosul (PARLASUL), criado em 2005 como órgão de fortalecer os vínculos entre os cidadãos do bloco e contribuir
representação dos povos do Mercosul em substituição à para melhorar sua qualidade de vida.

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Princípios 5. Energia
O MERCOSUL é uma das principais potências energética
O MERCOSUL visa à formação de mercado comum entre do mundo. O bloco detém 19,6% das reservas provadas de
seus Estados Partes. De acordo com o art. 1º do Tratado de petróleo do mundo, 3,1% das reservas de gás natural e 16%
Assunção, a criação de um mercado comum implica: das reservas de gás recuperáveis de xisto.
• livre circulação de bens, serviços e fatores de produção O MERCOSUL é detentor da maior reserva de petróleo do
entre os países do bloco; mundo, com mais de 310 bilhões de barris de petróleo em
• estabelecimento de uma tarifa externa comum e a reservas certificadas pela OPEP. Desse montante, a Venezuela
adoção de uma política comercial conjunta em relação concorre com uma reserva de 296 milhões de barris.
a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a co‑ A Venezuela detém 92,7% das reservas de petróleo do
ordenação de posições em foros econômico‑comerciais MERCOSUL. O Brasil tenderá a ampliar sua participação nas
regionais e internacionais; reservas de petróleo do Bloco à medida que os trabalhos
• coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais de certificação das reservas do pré‑sal brasileiro progridam.
entre os Estados Partes; Estimativas conservadoras calculam essas reservas em torno
• compromisso dos Estados Parte em harmonizar a de 50 bilhões de barris.
legislação nas áreas pertinentes, a fim de fortalecer o
processo de integração. Cronologia do Mercosul
• 26/03/1991 – Assinatura do Tratado de Assunção, que
1. Território fixa metas, prazos e instrumentos para a construção
O MERCOSUL responde por 71,8% (12.789.558 km²) do do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).
território da América do Sul. Possui cerca de 3 vezes a área • 19/09/1991 – Criação a Comissão Parlamentar Con‑
da União Europeia. junta do MERCOSUL por iniciativa de deputados e
senadores dos Estados Partes.
2. População • 29/11/1991 – Firma do Acordo de Complementação
Somada, a população do MERCOSUL chega a 275 milhões Econômica n.º 18 no âmbito da Associação Latino‑ame‑
de habitantes. A população do MERCOSUL corresponde a ricana de Integração (ALADI).
69,78% da população da América do Sul e conta com variadas
• 17/12/1991 – Assinatura do Protocolo de Brasília, que
etnias e origens.
institui sistema temporário de solução de controvérsias
para o MERCOSUL.
3. Importância comercial e econômica do MERCOSUL
• 05/08/1994  – Aprovação da Tarifa Externa Comum
O MERCOSUL hoje representa algo equivalente à quinta
(TEC), a  ser aplicada às importações de extrazona,
maior economia mundial, com PIB de US$ 2,7 trilhões. Desde
a partir de 1/1/1995.
a sua fundação, as trocas comerciais dentro do MERCOSUL
multiplicaram‑se em mais de 12 vezes, passando de US$ 4,5 • 05/08/1994  – Criação da Comissão de Comércio do
bilhões, em 1991, para o pico de US$ 57 bilhões, em 2013. MERCOSUL.
Em 2017, os dados até julho mostram crescimento de 22,1% • 17/12/1994 – Assinatura do Protocolo de Ouro Preto,
nas exportações brasileiras (US$ 13 bilhões) e de 53% no que estabelece as bases institucionais do MERCOSUL.
saldo comercial do Brasil com o bloco (US$ 5,9 bilhões) em • 15/12/1997  – Inauguração da Sede Administrativa
relação ao mesmo período de 2016. Além disso, o MERCOSUL do MERCOSUL em Montevidéu, sob a denominação
é o principal receptor de Investimentos Estrangeiros Diretos “Edifício MERCOSUL”.
(IEDs) no continente. Nos últimos dois anos, recebeu 47% • 24/07/1998 – Aprovação do Protocolo de Ushuaia so‑
(2015) e 46% (2016) dos Investimentos Estrangeiros Diretos bre Compromisso Democrático no MERCOSUL, Bolívia
na América Latina e Caribe e 65% (2015 e 2016) da América e Chile.
do Sul (dados da UNCTAD). Houve também aumento da par‑ • 18/02/2002 – Assinatura do Protocolo de Olivos, que
ticipação percentual do bloco como destino de investimentos cria o Tribunal Permanente de Revisão (TPR).
estrangeiros no mundo: nos anos pré‑crise (2005-2007), • 06/10/2003 – Criação da Comissão de Representantes
o MERCOSUL recebia 2% do investimento mundial; em 2015, Permanentes do MERCOSUL (CRPM), localizada em
recebeu 4,4%; e, em 2016, 3,7%. Montevidéu, como órgão do Conselho do Mercado
O Brasil tem com os sócios um comércio significativo Comum (CMC).
e de qualidade, composto por produtos de elevado valor • 01/01/2004 – Entrada em vigor do Protocolo de Olivos
agregado, o que contribui para o desenvolvimento tecno‑ para Solução de Controvérsias no MERCOSUL.
lógico e gera empregos qualificados no Brasil. O  bloco é • 13/08/2004 – Instalação do Tribunal Permanente de
fundamental para a atividade industrial dos Estados Partes. Revisão, em Assunção (Paraguai).
Em 2016, cerca de 84% das exportações brasileiras para o • 16/12/2004 – Criação do Fundo para a Convergência
MERCOSUL foram de bens industrializados. Em comparação, Estrutural do MERCOSUL (FOCEM).
nossas exportações de bens industrializados ao mundo todo • 07/12/2005 – Entrada em vigor do Protocolo de Mon‑
representaram 56% do total. tevidéu sobre Comércio de Serviços do MERCOSUL.
• 09/12/2005 – Assinatura do Protocolo Constitutivo do
Geografia Mundial

4. Produção Agrícola Parlamento do MERCOSUL.


O MERCOSUL é uma potência agrícola. Ressaltam suas ca‑ • 24/05/2006  – Assinado o Protocolo de Adesão da
pacidades de produção das cinco principais culturas alimen‑ Venezuela ao MERCOSUL.
tares globais (trigo, milho, soja, açúcar e arroz). O MERCOSUL • 15/11/2006 – Aprovação do primeiro orçamento do
é o maior exportador líquido mundial de açúcar, o  maior FOCEM.
produtor e exportador mundial de soja, 1º produtor e 2º • 14/12/2006  – Sessão Inaugural do Parlamento do
maior exportador mundial de carne bovina, o 4º produtor MERCOSUL.
mundial de vinho, o 9º produtor mundial de arroz, além de • 18/01/2007 – Aprovados os primeiros projetos pilotos
ser grande produtor e importador de trigo e milho. do FOCEM.

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• 18/01/2007 – Criação do Instituto Social do MERCO‑ Você Viu?
SUL. “Estamos possivelmente ante o maior acordo entre regi‑
• 24/02/2007 – Entrada em vigor do Protocolo Consti‑ ões firmado até hoje. ” A secretária de Estado de Comércio
tutivo do Parlamento do MERCOSUL. espanhola, María Poncela, definiu assim o pacto de livre
• 07/05/2007 – Sessão de instalação do Parlamento, em comércio entre a União Europeia e o Mercosul que as duas
Montevidéu. partes se esforçaram para finalizar em Buenos Aires, em
• 28/06/2007 – Criação do Sistema de Pagamentos em paralelo à XI Cúpula da Organização Mundial do Comércio
Moeda Local (SML) para as transações comerciais (OMC). O diálogo começou há 18 anos, mas ganhou vigor
realizadas entre os Estados Partes do MERCOSUL. depois das mudanças políticas na Argentina e Brasil, e restam
• 15/12/2008 – Criação do Fundo de Agricultura Familiar poucos obstáculos para fechar o acordo definitivo. O principal
do MERCOSUL (FAF). são as exportações agropecuárias, cuja entrada no mercado
• 15/12/2008  – Aprovação do Estatuto do “Fundo europeu encontra a resistência da França, Irlanda e Polônia.
MERCOSUL de Garantias a Micro, Pequenas e Médias Antes da abertura da cúpula da OMC, o presidente argen‑
Empresas” (Fundo Pymes). tino, Mauricio Macri, se reuniu durante uma hora com seus
• 15/12/2008  – Aprovação do Acordo de Comércio pares do Mercosul. O brasileiro Michel Temer, o paraguaio
Preferencial MERCOSUL‑SACU. Horacio Cartes e o uruguaio Tabaré Vázquez viajaram para
• 01/06/2009 – Entrada em vigor do Acordo de Comércio Buenos Aires em um claro sinal político de respaldo às ne‑
Preferencial MERCOSUL‑Índia. gociações. Nas cláusulas importantes trabalham os ministros
• 24/07/2009 – Assinatura do Memorando de Entendi‑ do Comércio dos países sul‑americanos e uma delegação
mento para a Promoção de Comércio e Investimentos europeia encabeçada pela comissária Cecilia Malmström.
entre o MERCOSUL e a República da Coreia. A confluência em uma mesma cidade de todos os negocia‑
• 24/07/2009 – Criação do Instituto de Políticas Públicas dores acelerou os tempos.
de Direitos Humanos (IPPDH) do MERCOSUL. “O acordo com a Europa é quase o único que falta na
• 07/12/2009 – Criação do Fundo de Promoção de Tu‑ América Latina. As  negociações estão abertas e estamos
rismo do MERCOSUL (FPTur). esperançosos de que terminaremos nestes dias com uma
• 23/12/2009 – Entrada em vigor do Tratado de Livre declaração sobre a assinatura do acordo. Uma maior mo‑
Comércio subscrito entre o MERCOSUL e o Estado de dernidade em sua economia vai ajudar esta região, e  as
Israel. empresas europeias terão acesso a determinados setores
• 02/08/2010 – Aprovação de cronograma para a elimi‑ em que agora é difícil entrar”, disse Poncela a órgãos da
nação da dupla cobrança da TEC. mídia espanhola.
• 02/08/2010  – Aprovação do Código Aduaneiro do Tanto a UE como o Mercosul estão interessados em
MERCOSUL (Decisão CMC n° 27/10). firmar o acordo quanto antes, mas ainda não está claro se
• 16/12/2010 – Aprovação do Acordo sobre Defesa da será anunciado em Buenos Aires, no fechamento da reunião
Concorrência do MERCOSUL. da OMC, ou será adiado até o dia 21, quando o Brasil vai
• 16/12/2010 – Criação da placa veicular do MERCOSUL sediar a cúpula de presidentes do bloco. Os dois países se
(“Patente MERCOSUR”). empenham em fechar o acordo em casa.
• 16/12/2010 – Aprovação do Plano Estratégico de Ação As negociações se concentram em dois aspectos: a cota
Social – PEAS. de entrada das exportações agropecuárias na Europa e os
• 16/12/2010 – Instituição da Unidade de Apoio à Par‑ prazos para liberar o intercâmbio de bens industriais. Na
ticipação Social – UPS. última rodada de negociações, a  Europa aceitou ampliar
• 16/12/2010 – Aprovação do Plano de Ação para a con‑ a cota de carne bovina que pode entrar sem tarifas, mas o
formação de um Estatuto da Cidadania do MERCOSUL. Mercosul ainda a considera insuficiente. O acordo contem‑
• 16/12/2010 – Adoção do Programa de Consolidação pla o livre acesso de 70.000 toneladas de carne por ano,
da União Aduaneira do MERCOSUL (Decisão CMC N° equivalentes a 1% do total do consumo europeu, mas ainda
56/10). assim os pecuaristas franceses pressionam para evitar que
• 17/12/2010 – Criação do cargo de Alto Representan‑ seja maior. O Brasil, por sua vez, quer também aumentar o
te‑Geral. porcentual de etanol que pode vender ao mercado europeu,
• 20/12/2011 – Assinatura de Acordo de Livre Comércio mas a Europa resiste.
entre o MERCOSUL e a Palestina. Com relação aos bens industriais, as  partes negociam
• 20/12/2011 – Assinatura do Protocolo de Montevidéu “cestas” de liberalização de produtos e em quantos anos
sobre Compromisso com a Democracia no MERCOSUL poderão começar sem tarifas. A Europa quer que sejam dez
(Ushuaia II). anos e o Mercosul busca estendê‑la para quinze. Os empre‑
• 12/08/2012 – Entrada em vigor do Protocolo de Adesão sários da Argentina e Brasil temem que prazos mais curtos
da Venezuela. ameacem uma indústria protegida por altas tarifas e em
• 06/12/2012 – Implementação do Plano Estratégico de muitos casos pouco competitiva.
Ação Social. “Este é um acordo político de uma envergadura extra‑
• 07/12/2012 – Assinatura do Protocolo de Adesão da ordinária”, declarou a um grupo de jornalistas o chanceler
Geografia Mundial

Bolívia ao MERCOSUL. argentino, Jorge Faurie. “É muito mais que etanol e carne,
• 07/12/2012 – Criação do Fórum Empresarial do MER‑ é comércio, é investimento, é trabalho e acesso às tecnolo‑
COSUL. gias”, acrescentou, no âmbito da cúpula da OMC. O titular da
• 17/12/2014 – Assinatura do Memorando de Entendi‑ pasta de Relações Exteriores ressaltou que nos 18 anos que
mento de Comércio e Cooperação Econômica entre o se passaram desde que ambos os blocos se sentaram para
MERCOSUL e o Líbano. negociar pela primeira vez o eixo comercial se deslocou do
• 17/12/2014  – Assinatura do Acordo‑Quadro de Co‑ Atlântico para o Pacífico, e o acordo pode ajudar a reativá‑lo.
mércio e Cooperação Econômica entre o MERCOSUL Resta agora saber se o anúncio do pacto incluirá todos os
e a Tunísia. aspectos comerciais ou se limitará aos aspectos políticos.

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Os pontos mais quentes, de todo modo, podem ser deixados Restrições também deviam ser removidas de várias ca‑
mais para a frente. tegorias, incluindo veículos automóveis e peças para estes,
computadores, tecidos e agricultura. O  tratado também
Mercosul e Colômbia protegeu os direitos de propriedade intelectual (patentes,
copyrights, e marcas registradas) e esboçou a remoção de
Os países do Mercosul em 2017, durante a Reunião de restrições de investimento entre os três países. Medidas
Cúpula do grupo, um Acordo de Complementação Econômica relativas à proteção do trabalhador e do meio ambiente
(ACE) que amplia as relações comerciais com a Colômbia, foram adicionadas mais tarde em consequência de acordos
que é membro associado do bloco. suplementares assinados em 1993.
Segundo o Ministério e Indústria, Comércio Exterior e Este acordo foi uma expansão do antigo “Tratado de livre
Serviços, o  novo acordo amplia as preferências nas tran‑ comércio Canadá‑Estados Unidos”, de 1989. Diferentemente
sações comerciais dos setores têxteis e siderúrgicos entre da União Europeia, o NAFTA não cria um conjunto de corpos
Brasil, Argentina Paraguai e Uruguai e a Colômbia, permitindo governamentais supranacionais, nem cria um corpo de leis
a redução total das alíquotas do Imposto de Importação (IPI) que seja superior à lei nacional. O NAFTA é um tratado sob
aplicadas a esses segmentos. as leis internacionais. Sob as leis dos Estados Unidos ela é
Esse acordo, além de zerar alíquotas de importação, classificada melhor como um acordo congressional‑executivo
prevê a concessão de 100% de preferência para veículos dos do que um tratado, refletindo um sentido peculiar do termo
dois países, com cotas anuais crescentes. “tratado” na lei constitucional dos Estados Unidos que não é
De acordo com o ministério, no primeiro ano serão 12 seguida pela lei internacional ou pelas leis de outros estados.
mil unidades; no segundo, 25 mil; e a partir do terceiro, 50 As finalidades deste bloco econômico, explicitados no
mil unidades. Artigo 102 do acordo que formaliza o mesmo, são:
“A Colômbia é um excelente mercado para os veículos • Eliminar as barreiras alfandegárias (imposto de impor‑
fabricados no Brasil, devido à proximidade geográfica. Todas tação), e facilitar o movimento de produtos e serviços
as empresas instaladas no Brasil, que possui a maior indústria entre os territórios dos países‑membros;
automotiva da América do Sul e uma das maiores do mundo, • Promover condições para uma competição justa dentro
vão ser beneficiadas com o acordo com a Colômbia”, disse da área de livre comércio;
nota divulgada pelo ministério. • Aumentar substancialmente oportunidades de inves‑
No ano de 2016, as exportações brasileiras para a Co‑ timento dos países participantes;
lômbia cresceram 5,7% em relação a 2015, passando de US$ • Oferecer proteção efetiva e adequada e garantir os
2,115 bilhões para US$ 2,235 bilhões. No mesmo período, direitos de propriedade intelectual no território de
as  importações brasileiras da Colômbia caíram 23,7% em cada um dos participantes;
relação ao ano anterior, o  que resultou em superávit de • Criar procedimentos efetivos para a implementação
US$ 1,327 bilhões para o Brasil na balança comercial entre e aplicação deste tratado, para sua administração
os dois países em 2016. conjunta e para a resolução de disputas;
• Estabelecer uma estrutura para futura cooperação
Segundo o governo brasileiro, em 2016, 3.659 empre‑
trilateral, regional e multilateral para expandir e realçar
sas nacionais exportaram produtos para a Colômbia, o que
os benefícios deste acordo.
representou crescimento de 6,6% em relação a 2015 (3.434
empresas).
Em suma, a finalidade é ampliar os horizontes de mer‑
O número de empresas brasileiras que compraram
cado dos países membros e maximizar a produtividade
produtos de empresas colombianas também aumentou em
interna. Tal maximização é obtida por meio da liberdade
2016, passando de 669 para 685 (alta de 2,4%).
organizacional das empresas, o que as permite que se ins‑
talem, de acordo com suas especializações, nos países que
Nafta apresentarem menores custos dos fatores de produção.
Tornar o dólar a moeda única nas transações comerciais
Tratado Norte‑Americano de Livre Comércio (em inglês: entre os parceiros do NAFTA encontra sérias resistências da
North American Free Trade Agreement, NAFTA; em fran‑ sociedade mexicana e até de certos setores do governo onde
cês: Accord de libre‑échange nord‑américain, ALÉNA; em há o temor da perda da identidade nacional.
espanhol: Tratado de Libre Comercio de América del Norte, Até 2009 o processo de integração deverá estar completo
TLCAN) é um tratado envolvendo Canadá, México e Estados em que pese o México estar mais atrelado aos Estados Unidos
Unidos e tendo o Chile como associado, numa atmosfera de que o Canadá. Os déficits que caracterizam este processo têm
livre comércio, com custo reduzido para troca de mercado‑ dificultado o alcance do bem‑estar da maioria da população,
rias entre os três países. O NAFTA entrou em vigor em 1 de ou seja, é mistério que se repense estes dados sob pena de
janeiro de 1994. estar sendo criado um processo de exclusão da sociedade e
Em 1988, os Estados Unidos e o Canadá assinaram um dos atores sociais, sem que os ganhos comerciais compen‑
Acordo de Liberalização Econômica, formalizando o rela‑ sem tais perdas.
cionamento comercial entre aqueles dois países. Em 13 de O acordo foi inicialmente perseguido por governos
agosto de 1992, o bloco recebeu a adesão dos mexicanos.
Geografia Mundial

conservadores com relação ao livre comércio, conduzidos


O atual NAFTA entrou em vigor em 1992, com um prazo pelo primeiro‑ministro canadense Brian Mulroney e pelo
de 15 anos com as barreiras alfandegárias entre os três paí‑ presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. O vice‑presidente
ses. Este comércio regional na América do Norte beneficiou a Al Gore tentou construir a sustentação para o documento
economia mexicana e ajudou‑a a enfrentar a concorrência re‑ debatendo o texto com H. Ross Perot no programa de tele‑
presentada pelo Japão e pela União Europeia. Outros[quem?] visão “Larry King”. Perot era um crítico declarado do NAFTA
defendem que apenas transformaram o Canadá e o México durante sua campanha presidencial de 1992, reivindicando
em “colônias” dos EUA, aumentando a pobreza no México que sua aprovação poderia causar uma onda de desemprego
e agravando o desemprego nos EUA. nos EUA. Após um intenso debate político e a negociação de

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diversos lados do acordo, o congresso americano aprovou o Trump e o Nafta
NAFTA por 234 votos a 200 (132 Republicanos e 102 Demo‑
cratas votando a favor) e o senado americano aprovou por 61 O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a
a 38. Algumas oposições persistem até hoje, principalmente cogitar, em 2017, fim do Tratado de Livre Comércio da Amé‑
direcionadas a cláusulas específicas dentro do acordo. rica do Norte (Nafta) se ele não for favorável aos interesses
O Canadá tinha arquivado inúmeros movimentos para americanos, mas abriu o caminho para acordos bilaterais
eliminar as taxas, e ganhou todos os casos levados anterior‑ com o Canadá e o México.
mente ao tribunal do NAFTA, o último ocorrido em 18 de Ao ser perguntado sobre a possibilidade de firmar acor‑
Março de 2006. Os Estados Unidos responderam dizendo: dos separados com o Canadá e o México, Trump disse estar
“Nós estamos, naturalmente, desapontados com a decisão, disposto. “É possível que não sejamos capazes de chegar
mas ela não terá impacto nas ordens de taxas antidumping e a um acordo com um e o outro. Mas, enquanto isso, tere‑
countervailing” (Neena Moorjani, porta voz e Representante mos um acordo melhor com um deles”, completou Trump,
Comercial dos Estados Unidos). A falha dos EUA em aderir que diz buscar o melhor para os trabalhadores e empresas
aos termos do tratado gerou um debate político amplamente americanas.
difundido no Canadá. O debate inclui a imposição de taxas A reunião entre Trump e o primeiro‑ministro do Canadá
countervailing sobre produtos americanos, e possivelmente o Justin Trudeau, ocorreu em paralelo à quarta rodada de ne‑
cancelamento de todos ou alguns envios de formas de ener‑ gociação entre os três países. Mas as dúvidas sobre o futuro
gia, como por exemplo, gás natural. Sendo tais propostas em do Nafta, após as exigências feitas pelo governo dos EUA.
geral de “esquerda”, nenhum consenso foi alcançado, e pou‑ Entre as propostas americanas que tiveram mais resis‑
co foi feito, principalmente pelo governo Liberal anterior ter tência de México e Canadá, estão o aumento da cota de pro‑
assumido a postura de apontar as decisões de tribunal ao dutos fabricados no território americano e uma cláusula que
invés de realizar ações concretas. obrigaria a uma revisão do acordo de maneira sistemática a
Desde que o NAFTA foi assinado, tem sido difícil analisar cada cinco anos. Esse artigo prevê a hipótese de suspender
seus efeitos macroeconômicos devido ao grande número o pacto se um dos três membros decidir não prorrogá‑lo.
de outros fatores na economia global. Inúmeros estudos de
economia têm geralmente indicado que ao invés de criar Transpacífico (TPP)
um aumento no comércio, o NAFTA causou uma divergência
comercial, na qual os membros da NAFTA passam a impor‑ O presidente Donald Trump cumpriu o prometido: retirou
tar mais uns dos outros em detrimento de outras nações os Estados Unidos do Acordo Transpacífico de Cooperação
do mundo. Alguns economistas argumentam que o NAFTA Econômica (TPP, na sigla em inglês) apenas três dias depois
de assumir o cargo. O TPP é um grande acordo comercial mul‑
aumentou a concentração de renda tanto no México como
tinacional, que o agora vice‑presidente Mike Pence apoiava
nos EUA.
quando era governador do Estado de Indiana, dizendo que
De acordo com dados da OECD, indicadores macroeco‑
“comércio significa empregos, mas também segurança”.
nômicos como o PIB² canadense, taxas de desemprego e de
Durante a campanha presidencial, no entanto, Donald
poupança têm se modificado significativamente desde que o
Trump não cansou de repetir o oposto e, logo depois de
NAFTA foi implementado. Embora, como mencionado acima,
assumir, assinou uma ordem executiva que retirou os EUA
essas mudanças não sejam necessariamente atribuíveis ao do pacto – que ainda precisava ser ratificado por todos os
NAFTA, pode haver ligações. países membros.
Há controvérsias sobre o NAFTA desde que foi primei‑ Antes da saída dos EUA, o TPP reunia 40% da economia
ramente proposto. Corporações transnacionais tendiam a mundial, um mercado de 800 milhões de consumidores.
incentivar o NAFTA na crença de que baixas taxas tarifárias Japão, Austrália, Canadá, México, Peru, Chile, Malásia,
aumentariam seus lucros. Uniões trabalhistas no Canadá e Vietnã, Nova Zelândia, Cingapura e Brunei continuam no
nos Estados Unidos se opuseram ao NAFTA por medo de que pacto. A grande ausente entre as potências econômicas do
os empregos saíssem do país devido a menores custos de Pacífico é a China, que não tem demonstrado intenção de
mão‑de‑obra no México. Alguns políticos se opuseram ao integrar‑se a ele.
livre comércio por acreditarem que tornaria países, como o Muitos analistas afirmam que o bloco teria sido pensado
Canadá, em economias “branch plant” permanentemente. para enfrentar o crescimento econômico e político da China
Fazendeiros no México se opuseram, e ainda se opõem, na região do Pacífico. O acordo – que era uma peça impor‑
ao  NAFTA devido aos fortes subsídios de agricultura para tante da estratégia comercial e geopolítica do ex‑presidente
os fazendeiros nos Estados Unidos que têm pressionado os Barack Obama – estabelece a base para um grande bloco
preços da agricultura Mexicana. Os salários por lá tiveram econômico que, se não sofresse mudanças, reduziria as
uma redução de até 20% em alguns setores. A aprovação barreiras comerciais entre os países participantes.
do NAFTA foi rapidamente seguida de revoltas entre os re‑ Também unifica a legislação em temas como acesso a in‑
volucionários Zapatistas, e a tensão entre eles e o governo ternet, proteção a investidores, à propriedade intelectual em
Mexicano permanece um grande problema. Além disso, áreas como as indústrias farmacêutica e digital, assim como
o  NAFTA foi acompanhado de uma redução dramática da normas de proteção ao meio ambiente. Foram cinco anos de
influência das Uniões trabalhistas nas áreas urbanas do negociação até o acordo ser firmado em 2016, em Atlanta,
Geografia Mundial

México. A assinatura do NAFTA também foi acompanhada nos EUA. Umas das críticas ao pacto econômico é de que
por um aumento dramático de imigração ilegal do México ele beneficia empresas multinacionais. Mas esta abertura
para os Estados Unidos, sendo que muitas dessas pessoas econômica multinacional contraria a política defendida por
são, presumivelmente, fazendeiros expulsos de suas terras Trump de proteger empregos e fomentar a indústria nacional.
por falência. O TPP também é peça chave nos planos econômicos
A oposição ao NAFTA também provém de questões de México, Peru e Chile, as três nações latino‑americanas
ambientais, justiça social e de organizações que acreditam que fazem parte do acordo. O Chile foi o pioneiro da região
que o NAFTA causa impactos não‑econômicos negativos na ao buscar parcerias comerciais diferentes das tradicionais
saúde pública e meio‑ambiente. voltadas para os EUA e Europa. O  país foi um dos quatro

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fundadores do acordo precursor do TPP, ao lado de Brunei, América Latina” e a prioridade dada ao “fortalecimento do
Nova Zelândia e Cingapura. México e Peru também querem espaço de cooperação em setores de interesse comum e
aumentar suas exportações e atrair investimentos dos países aproximação que se obteve com a organização Ásia‑Pacífico”.
asiáticos. Este último era um dos objetivos do encontro. A  Aliança
O TPP afeta a maioria dos bens e serviços comercializados do Pacífico ainda aguarda as consequências da gestão do
entre os países, mas nem todos os impostos de importação presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em questões
serão eliminados. Estão em jogo 18 mil impostos, só que comerciais. Ao mesmo tempo, observa com expectativa os
alguns serão eliminados antes que outros. Por exemplo, movimentos dos mercados asiáticos, em especial a China.
os signatários do pacto prometem eliminar ou reduzir os im‑ Além disso, os países membros procuraram se apresentar
postos e outras barreiras dos produtos agrícolas e industriais. como uma garantia de estabilidade para a região. Essa é uma
A oposição ao TPP não é apenas do governo americano. das condições para o aumento do investimento estrangeiro,
Críticos da iniciativa afirmam que o acordo foi negociado em que segundo os mandatários do organismo está estreita‑
segredo e que beneficia principalmente as multinacionais. mente relacionado com o crescimento. Kuczynski salientou
Também alertam que pode abrir caminho para que empresas que, para passar de um PIB de 8% para um de 10% ou 12%,
cobrem de governos mudanças nas políticas de áreas como a América Latina precisa “mudar um pouco as coisas”. Parti‑
saúde e educação. ciparam do encontro cerca de 500 empresários de diferentes
A rodada final do acordo demorou a ser concluída devido setores, que expuseram suas preocupações e formularam as
a disputas envolvendo a proteção da propriedade intelectual suas sugestões aos países membros. A colaboração no âm‑
de medicamentos de última geração. Os  críticos do TPP bito privado é, com efeito, um dos eixos em torno dos quais
afirmam que países com mão de obra mais barata vão se se decidirá o futuro da Aliança do Pacífico nessa nova fase.
beneficiar com a transferência de indústrias das nações mais Dentre os acordos concretos firmados durante a reunião,
desenvolvidas. Como costuma ocorrer em todas as discus‑ está a concretização de um convênio que extingue a dupla
sões em torno de tratados de livre comércio, os diferentes tributação dos fundos de pensão privados nos Estados
países lutam por interesses que podem ser fortalecidos ou membros e define o tratamento fiscal dado a essas recei‑
não pelo TPP. tas. Além disso, México, Colômbia, Peru e Chile deram os
Exportadores de diversos países estão animados com a primeiros passos rumo à criação de um fundo comum para
promessa de expansão comercial prometida pelo acordo, que financiamento de infraestrutura. O intercâmbio de serviços,
lhes dará acesso a novos mercados. Em compensação, nos o turismo sustentável e o lançamento de uma agenda digital
EUA, vários sindicatos argumentavam que o tratado ajudaria regional foram outros itens abordados no encontro, acima
a transferir mais empregos industriais bem remunerados do qual pairou também a sombra da grave crise que atinge
para regiões onde a mão de obra é mais barata, como o a Venezuela. No entanto, à exceção de algumas observações
sudeste asiático. E este é um assunto chave para o objetivo pontuais da chanceler colombiana, María Ángela Holguín,
do governo Trump: evitar a perda de empregos do país. e  do presidente do Peru, não houve pronunciamentos
Resta ver agora se, com a saída dos EUA, o acordo vai oficiais.
entrar em vigor e de que forma, já que os demais países
integrantes do bloco perdem um dos seus principais incen‑ Aliança do Pacífico e o Mercosul
tivos: o maior acesso ao mercado americano. Alguns países
como a Nova Zelândia sugeriram uma espécie de acordo A reunião de cúpula das nações do Mercosul iniciada
alternativo para que o TPP se sustente sem os EUA. Mas na cidade de Mendoza, no centro‑norte da Argentina, foi
o primeiro‑ministro do Japão, Shinzo Abe, já disse que um marcada por um seminário que analisou a possibilidade de
TPP sem os EUA – e seu mercado de 250 milhões de con‑ promoção de um acordo comercial do bloco com a Aliança
sumidores – “não teria sentido”. Alguns analistas acreditam do Pacífico, que reúne o México, o Chile, a Colômbia e o Peru.
que os integrantes do TPP vão acabar firmando acordos O pacto do Mercosul com a Aliança do Pacífico seria
bilaterais entre si. analisado em paralelo com o que está sendo negociado com
a União Europeia. “O fortalecimento das alianças entre os
Aliança do Pacífico ou MILA (Mercado Integrado diferentes blocos comerciais será um dos principais pontos
Latino Americano) da agenda na cúpula do Mercosul,” disse a imprensa.
Essa foi a primeira cúpula do Mercosul em um ano e
A Aliança do Pacífico fechou um círculo e entrou em uma meio, em um momento sensível para o bloco, formado
nova etapa impulsionada por duas ambições: a integração por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, como membros
entre os países latino‑americanos e a expansão para novos plenos, com a Bolívia em processo de adesão e a Venezuela
mercados. O organismo de cooperação comercial criado em suspensa por conta das turbulências ora enfrentadas por
2011 por México, Colômbia, Peru e Chile encerrou, em 2017, aquele país andino.
em Cali (Colômbia) uma reunião que visava a responder a A cúpula dos líderes será aconteceu em 21 de julho de
alguns dos principais desafios econômicos da região. O pre‑ 2017 e deverá gerou uma declaração conjunta ao seu final.
sidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, que assumiu pro Na reunião a Argentina, que assumiu a presidência rotativa
tempore o comando da organização, confirmou a iminente do bloco depois que a Venezuela foi suspensa, vai entregar
incorporação, como parceiros, de países como Canadá, o comando rotativo para o Brasil.
Geografia Mundial

Austrália, Nova Zelândia e Cingapura. Os trâmites para isso


se iniciaram, oficialmente, em setembro. De todo modo, A AÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA E
o importante, para a aliança, é a perspectiva que se abre, POLÍTICA CONTEMPORÂNEAS
já que os acordos contemplam a livre circulação de bens e
serviços e facilidades para a mobilidade dos cidadãos. As reflexões e debates sobre o papel do Estado na eco‑
Santos e seus homólogos  – o mexicano Enrique Peña nomia e no desenvolvimento vêm sendo revigorados pelo
Nieto, o peruano Pedro Pablo Kuczynski e a chilena Michel‑ enfraquecimento da agenda de reformas pró‑mercado ini‑
le Bachelet—assinaram uma declaração conjunta em que ciadas no final dos anos 70 e pela retomada do Instituciona‑
se destaca o “firme propósito de reforçar a integração da lismo em suas distintas versões. De fato, em um contexto de

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crescente dinamismo, incerteza, complexidade, diversidade e Coréia, Hong‑Kong e Cingapura conferiu outro sentido à “vi‑
interdependência global, o argumento de validade e eficácia rada institucional”, mostrando a importância do papel ativo
de uma agenda única de aplicação universal tornou‑se frágil. do Estado no sentido de promover adaptações e mudanças
O Institucionalismo, por sua vez, distingue‑se do pa‑ institucionais em função de estratégias e políticas próprias.
radigma intelectual do individualismo metodológico por Ainda que no contexto de maior interdependência global
privilegiar a compreensão da ação dos indivíduos em suas as margens de manobra do Estado possam diminuir, o suces‑
manifestações coletivas, constituindo um novo paradigma so desses países tornou evidente que existem espaços para
capaz de propiciar um entendimento mais amplo e completo a atuação soberana e a inserção competitiva ativa.
dessa realidade multifacetada e de promover uma intensa Mais recentemente, países periféricos como Brasil,
renovação. Rússia, Índia, China e África do Sul vêm despertando grande
Neste sentido, a Economia Política Comparada vem bus‑ atenção, não apenas por suas semelhanças em termos de
cando, desde o pós‑guerra, explicar as diversas trajetórias tamanho de mercado, mas especialmente por sua busca de
de desenvolvimento dos países por meio das instituições. trajetórias e soluções endógenas para as questões de natu‑
A unificação de mercados alcançada a partir da segunda reza política, econômica e social, razão pela qual passaram
metade do século XIX sob o padrão‑ouro e a hegemonia a ser considerados países emergentes. O  caso da China é
britânica foi interrompida no período entre as duas guerras emblemático, pois o país vem promovendo alterações dra‑
mundiais e revertida no período do pós‑guerra aos anos 70, máticas e significativas na geopolítica e na ordem econômica
quando a tendência se reverteu novamente a favor da inte‑ mundial ao delinear os contornos de um capitalismo de
gração de mercados, ou seja, da globalização econômica, com feição peculiar.
reflexos nas dimensões financeira, comercial e produtiva. No século XXI, impõe‑se a percepção da globalização
Esse processo veio acompanhado das ideologias do como fenômeno multidimensional, ou seja, que transcende
neoliberalismo e do globalismo, representando a crença na à lógica econômica, sujeitando‑se, acima de tudo, à lógica
auto regulação dos mercados e na irrelevância do papel do política. Vale acrescentar seus componentes ideológicos e
Estado. A percepção era de que havia uma trajetória única de culturais, que não podem ser subestimados. Vive‑se hoje
crescimento econômico e de desenvolvimento a ser seguida um novo período histórico pós‑Consenso de Washington,
pelos países com base no modelo americano. que é marcado pela controvérsia e conflito de visões acerca
O fim da Guerra Fria favoreceu a disseminação ao redor dos rumos do desenvolvimento capitalista. O consenso e a
do mundo do Consenso de Washington, que consolidou as unidade deram lugar ao dissenso e à diversidade.
recomendações de política macroeconômica que deveriam Tradicionalmente, os economistas não dão atenção ao
ser adotadas pelos países da América Latina que recorressem papel do Estado, limitando‑se usualmente às discussões
ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional e ao relativas às políticas fiscal e monetária. Keynes promoveu
Banco Interamericano de Desenvolvimento. uma revolução no pensamento econômico ao inaugurar a
A abertura comercial e a quebra de barreiras ao in‑ abordagem macroeconômica baseada na ação complemen‑
vestimento estrangeiro direto, a  liberalização financeira, tar do Estado ao mercado com o objetivo de promover a
a  desregulamentação visando o estímulo à competição e plena utilização dos recursos produtivos.
a privatização de empresas estatais foram acompanhadas Opondo‑se ao pensamento liberal clássico e neoclássico
por reformas complementares ou de segunda geração vi‑ e também ao pensamento de esquerda de origem marxista,
sando o fortalecimento das instituições públicas, jurídicas, Keynes propôs a intervenção do Estado na economia sempre
financeiras e educacionais em prol do crescimento voltado que necessário, induzindo o comportamento dos agentes
para o mercado. econômicos e administrando os níveis de atividade, mas sem
Esta nova agenda trouxe ao debate o tema da relação necessariamente ter o controle dos meios de produção. Seu
entre instituições e desenvolvimento. É com o objetivo de pensamento influenciou profundamente a ordem econômica
aumentar a coordenação entre as atividades econômicas e internacional do pós‑guerra até os anos 70, período conhe‑
reduzir o desperdício que as sociedades criam suas regras cido como idade de ouro do capitalismo.
ou instituições. Porém, quando se trata de transformações estruturais
Seja no nível macro do ambiente em que operam, seja no da economia, a  intervenção ativa do Estado por meio de
nível micro dos arranjos que dificultam, impedem, facilitam políticas específicas de estímulo à Ciência e Tecnologia (C&T),
ou viabilizam as relações sociais e transações de natureza ao desenvolvimento industrial, à competição e ao comércio
econômica, as instituições devem realizar a tarefa de pro‑ ganha destaque. O desenho destas políticas é variado, da
mover a cooperação e reduzir o conflito em um ambiente mesma maneira que os resultados obtidos, que são fruto das
de desenvolvimento econômico, que é um ambiente de interações do Estado com o mercado e a sociedade.
transformações e mudanças profundas. O enfoque institucional oferece uma perspectiva teórica
De fato, a aplicação da ortodoxia neoliberal durante os mais satisfatória e útil do que os enfoques neo‑utilitaristas
anos 80 e 90 não conduziu os países da região aos resultados no que diz respeito à participação do Estado na economia,
esperados. Ao contrário, eles tiveram grandes dificuldades embora estes últimos tenham tido o mérito de estimular a
em retomar o crescimento econômico de décadas anteriores, reavaliação da natureza institucional do Estado.
buscar o desenvolvimento segundo parâmetros sustentáveis De fato, a teoria de busca de renda avançou em relação
e galgar inserções competitivas ativas no comércio e na ao enfoque neoclássico, que considera o Estado como “caixa
Geografia Mundial

economia internacional, constituindo exemplos de fracasso preta”. O tema central desta teoria é a busca de renda por
quando comparados aos países do leste asiático, que logra‑ parte dos agentes privados, que demandam do Estado privi‑
ram êxito ao optarem por estratégias e políticas autônomas légios que os protejam da competição no mercado. Os fun‑
de crescimento econômico e desenvolvimento. cionários do Estado, por sua vez, têm também o objetivo de
Como afirma, a  “virada institucional” marcou o surgi‑ garantir seus interesses pessoais de busca de renda.
mento da “monocultura institucional”, baseada na ideia O pressuposto é de que Estado funciona como um mercado,
errônea de que instituições anglo‑americanas são replicáveis uma vez que opera como mera aglutinação de indivíduos
independentemente do contexto cultural a que se destinam. calculistas, sendo incapaz de atuar para o bem coletivo. Em
Diferentemente, o catching‑up de países como Japão, Taiwan, outras palavras, o Estado é capturado por interesses priva‑

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dos, gerando desperdício de recursos escassos. Ainda que maior desemprego causado pelas mudanças tecnológicas,
realista em alguns casos, trata‑se de uma visão negativa e precarização das relações trabalhistas com queda de salários
reducionista do Estado. reais e maior canalização dos lucros para o setor financeiro
O Estado não constitui extensão do mercado, mas (crescimento das operações parasitárias), comprometendo a
pré‑requisito fundamental à formação e regulação das ampliação produtiva e novas contratações de trabalhadores.
relações de mercado. Em contraposição, o que a tradição O caráter seletivo da chamada globalização sobre a dinâ‑
comparativa institucional tem a oferecer é a identificação mica regional contribui para uma desintegração competitiva,
dos papéis que o Estado deve desempenhar para promover com maior exclusão sócio‑econômica das áreas sem atrativi‑
a transformação econômica, além de sugestões quanto às dade. E, por sua vez, a financeirização das relações interna‑
características institucionais necessárias. cionais, onde o capital rentista é privilegiado em detrimento
do produtivo, acentua o problema do desemprego e do baixo
Os Dias de Hoje crescimento das economias mais pobres, já marginalizadas
pela seletividade dos investimentos produtivos externos.
Os anos mais recentes marcaram a inserção mundial das Tendo como base o contexto neoliberal e de readequação
economias dentro do novo paradigma global – desregula‑ das estruturas econômico‑produtivas, o que se observa são
mentação e liberalização dos mercados. O neoliberalismo, os diferentes posicionamentos dos Estados face aos desa‑
corrente que sustenta e defende a globalização, buscando fios impostos pela mundialização, e as implicações dessas
tornar universal a sua adoção ou prática, deu respaldo a posturas para o desenvolvimento econômico, vez que na
esse contexto ao preconizar a abertura comercial como prática os preceitos neoliberais foram aplicados de formas
forma de alcançar melhores resultados econômicos, face variadas. No contexto contemporâneo, embora marcado pela
aos problemas vivenciados, na década de 1980, em grande redução do papel do Estado nas economias, verificam‑se
parte do mundo: inflação, desemprego, baixo crescimento posturas estatais desenvolvimentistas, direcionadas para
e alto endividamento do setor público. um crescimento melhor distribuído e mais articulado com
O neoliberalismo teve início e embasamento teórico com interesses nacionais.
a obra do pensador austríaco Friedrich Hayek, “O Caminho
da Servidão”. Constituía‑se como um movimento contrário AS CONSEQUÊNCIAS DA
ao intervencionismo e protecionismo do Estado observado
nos modelos político‑econômicos adotados após a segunda TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO SOCIALISTA
Guerra Mundial, especificamente o Keynesiano e o Nacional
Desenvolvimentista, onde o Estado assumia papel fundamen‑ Março de 1985. Mikhail Gorbachev (Stavropol,
tal no desenvolvimento econômico‑social. 02/03/1931) assumiu o poder na União Soviética e iniciou
Apoiada na atuação do Estado, a  maioria dos países um estudo para implantação de reformas na administração
capitalistas consolidou seus projetos industriais através de pública, nas Forças Armadas, na legislação eleitoral e na
políticas específicas de incentivos ao capital, gerando cresci‑ política externa do país. O  plano resultante desse estudo
mento das atividades produtivas. Para a corrente neoliberal, foi lançado em fevereiro do ano seguinte, e ficou conhecido
os problemas da década de 1980 eram causados por esse como Glasnost (em português: transparência). O  objetivo
modelo de desenvolvimento de forte interferência estatal era combater a corrupção e a ineficiência na administração,
na economia e, para combater os males a ele atribuídos, além de propor maior liberdade na política e na cultura. Em
recomendava a diminuição da participação dos Estados e a seguida, percebendo que a economia da União Soviética
liberdade dos agentes privados. estava prestes a entrar em colapso, chegou à conclusão que
Uma vez disseminadas as propostas neoliberais, deu‑se, o sistema socialista carecia de uma reforma. Então chamou
então, a corrida para a busca de maior competitividade e de Perestroika (em português: reconstrução) o plano para
adequação das economias ao novo paradigma. As práticas recuperar economicamente o país.
neoliberais foram difundidas pelo Consenso de Washington, Cortar despesas, seria esta a principal medida a ser to‑
onde o equilíbrio fiscal, a privatização, o fim ou diminuição mada. Mas por onde começar?
das barreiras comerciais e a liberalização dos fluxos finan‑ Gorbachev pensou em reduzir a quantidade de dinheiro
ceiros junto à desregulamentação de outros segmentos, gasto em defesa, e para fazer isto sentiu a necessidade de:
como o trabalhista, foram postos como pré‑requisitos para • retirar suas tropas do Afeganistão, um saco sem fundo
reformulação das estruturas e consequente inserção na para onde eram desviados muitos recursos;
chamada nova ordem econômica mundial. • negociar uma redução de armamentos com os EEUU;
Tais elementos alteraram substancialmente a ordem então vi‑ • deixar de interferir em outro países comunistas.
gente. O equilíbrio fiscal impacta diretamente nos gastos dos
governos, reduzindo‑os e com isso limitando a influência e a Imaginou também que seria imprescindível:
participação do Estado na sociedade. Com isso, observou‑se • abolir o controle de preços;
um processo de desconstrução do • dar liberdade de autogestão às empresas para que
Estado, nos seus mais diversos papéis: financiador, em‑ pudessem competir entre si;
presário, fiscalizador e, principalmente, regulador. Desse • autorizar a abertura de pequenos negócios privados;
modo o mercado seria pleno em sua atuação, eliminando • terminar com a política de subsídios.
Geografia Mundial

segundo os teóricos do novo modelo, as ineficiências refle‑


tidas na economia até então. Estas reformas, em pouco tempo, desencadearam trans‑
A inflação passou a ser controlada a partir de taxas de formações não só na União Soviética, mas em todos os países
juros elevadas e do equilíbrio orçamentário, enquanto a satélites do regime comunista que, sentindo‑se órfãos do
lucratividade dos setores, via de regra, se elevara devido à sistema, romperam com a hegemonia soviética, iniciando
maior eficiência engendrada pelas inovações tecnológicas um processo de mudanças em busca de um novo modelo
adotadas e à diminuição dos custos de produção, como os político e econômico.
de mão‑de‑obra, muito embora não se observasse impacto Em apenas três anos todo o sistema desmoronou, pois a
significativo no crescimento econômico. Associa‑se a isso um abrangência territorial e populacional do regime comunista

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era muito grande e as pessoas, de um modo geral, acostu‑ alemães ocidentais do outro lado, em uma atmosfera de
madas com essa modalidade de governo há mais de 40 anos, celebração. E um dia após a abertura da fronteira, soldados
passaram, de uma hora para outra a não mais contar com da DDR começaram a derrubar uma parte do muro.
a “proteção” do Estado, ou seja, com os tais subsídios para Aí começou a festa, de verdade! Alguém apareceu com
exercerem as suas atividades sem maiores preocupações. um guindaste e começou a arrancar os pesados blocos de
A Hungria foi um dos primeiros países do leste europeu concreto, os quais, partidos eram “confiscados” pela popu‑
a iniciar o processo de reformas políticas e econômicas. Em lação de ambos os lados, como souvenir. Na manhã do dia
1988 o ditador Janos Kadar foi destituído do poder [que es‑ 10 de novembro, famílias inteiras começaram a atravessar
tava em suas mãos desde 1956]. Em junho de 1989 o novo a fronteira [de carro ou a pé], ao longo de diversos pontos
governo abriu as fronteiras do país com a Áustria, rompendo do muro. Alguns o faziam pela primeira vez; outros, após
a Cortina de Ferro através de um gesto simbólico que foi 28 anos de espera.
cortar o arame farpado que separava os dois países. Mas após a euforia inicial as pessoas passaram a se dar
Em agosto do mesmo ano a Polônia atropelou todo conta que não seria assim tão fácil a reintegração entre as
mundo ao empossar um primeiro‑ministro não comunista, duas Alemanhas. As mudanças no lado leste da Alemanha
o jornalista Tadeusz Mazowiecki que era membro do sindi‑ seriam sacrificantes no que diz respeito à economia, agora
cato Solidariedade, ainda com a manutenção do presidente baseada nas leis de livre mercado. O desemprego e a inflação
comunista Wojciech Jaruzelski. Este não teve forças para eram a ameaça mais perigosa. Na Alemanha do lado oeste,
manter o regime, então se viu forçado a ceder seu lugar para o  primeiro‑ministro Helmut Kohl promoveu um aumento
Lech Walesa, ativista dos Direitos Humanos e um dos fun‑ de impostos para cobrir os gastos com a reunificação, o que
dadores do sindicato Solidariedade. Walesa, agraciado com provocou protestos populares e greves de funcionários
o prêmio Nobel da Paz em 1983, tornou‑se o primeiro pre‑ públicos e outras categorias profissionais que começaram a
sidente da Polônia pós comunismo em dezembro de 1990. exigir aumentos salariais.
Enquanto isto, em Praga, na Tchecoslováquia, 100 mil Enquanto isto, os alemães orientais ainda se sentiam in‑
manifestantes faziam passeatas diárias [sob violenta repres‑ feriores aos alemães do ocidente, pois estes não os deixavam
são policial] pedindo eleições livres. Em Sófia, na Bulgária, esquecer que quem vinha do lado oriental era um cidadão de
a coisa não estava muito diferente: 50 mil pessoas exigiam o segunda classe. Só mesmo o tempo seria capaz de desfazer
julgamento do ex‑líder Todor Zhivkov, acusado de corrupção. as reais [e imaginárias] diferenças entre essas pessoas.
Em 28 de dezembro Alexander Dubcek assumiu a pre‑ Lá, as repúblicas que giravam em torno de Moscou, for‑
sidência do parlamento tcheco‑eslovaco e, no dia seguinte, maram a CEI (Comunidade dos Estados Independentes). Mas
Václav Havel foi eleito presidente provisório. nem todas as repúblicas se uniram sob este novo pacto que
Na Romênia a coisa foi mais feia: durante um discurso do teve como articulador o presidente Boris Yeltsin. Armênia,
ditador Nicolae Ceaucescu em Bucareste, o povo começou Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Moldávia,
a vaiá‑lo, protestando contra a ditadura; a televisão oficial – Rússia, Tajiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão
que transmitia o discurso – saiu do ar e as tropas do exército aderiram. Desde 26 de agosto de 2005, porém, o Turcome‑
romeno investiram contra a multidão, matando milhares nistão não é mais membro permanente da entidade, atuando
de pessoas. Após o massacre, entretanto, alguns militares apenas como membro associado. Bielorússia, Rússia e Ucrâ‑
aderiram à revolta e em 22 de dezembro milhares de pesso‑ nia, as três repúblicas fundadoras da CEI, concordaram num
as invadiram o palácio presidencial em Bucareste (capital). certo número de pontos fundamentais:
O ex‑chanceler Corneliu Manescu anunciou, às 12h40, que • cada estado‑membro manteria sua independência;
um Comitê da Democracia Nacional tomara o poder. Ceau‑ • as outras repúblicas da antiga União Soviética seriam
sescu e sua mulher Elena [que era vice primeira‑ministra], bem‑vindas como novos membros da Comunidade;
deixaram o palácio de helicóptero. O Exército, agora na sua • qualquer república seria livre de abandonar a CEI após
totalidade, estava ao lado da população. Forças leais ao ter anunciado essa intenção com um ano de antece‑
ditador reagiram. A polícia política atirou em manifestantes dência;
na praça da República, no centro da capital. Tropas rebeldes • os membros deveriam trabalhar em conjunto para o
dominaram a praça, e após duas horas de luta havia centenas estabelecimento de economias de mercado;
de corpos nas ruas. Ocorreram combates em todo o país. • o antigo rublo soviético seria a moeda comum dos
À noite o paradeiro de Ceausescu ainda era ignorado. Na estados‑membros;
verdade, após a fuga, o  helicóptero de Ceausescu desceu • a Comunidade ficaria sediada em Minsk, Alma‑Ata e
perto de Tirgoviste. Dizem que o piloto simulou um proble‑ São Petesburgo.
ma na aeronave e pousou, ajudando na prisão do ditador.
O ex‑dirigente e Elena tomaram um carro, trocaram‑no por A Geórgia se integrou ao Grupo em 1994, mas o seu
outro na cidade, mas lá foram reconhecidos e detidos. Após Parlamento aprovou por unanimidade em 14 de agosto de
um julgamento sumário, Ceausescu e sua mulher foram 2009 a saída do país da Comunidade dos Estados Indepen‑
executados por um pelotão de fuzilamento no dia de Natal. dentes, devido ao apoio russo às causas de independência
Em setembro de 1989, quando os húngaros resolveram da Abecásia e da Ossétia do Sul. Lituânia, Estônia e Letônia
abrir a fronteira com a Áustria, muitos cidadãos da Alemanha nunca fizeram parte do grupo.
Oriental viram ali a sua chance de passarem para o “outro
OS CONFLITOS GEOPOLÍTICOS RECENTES
Geografia Mundial

lado”. Se atravessassem a Thecoslováquia para chegar à


Hungria, poderiam de lá seguir para a Áustria, ou seja, teriam
livre acesso à liberdade da Europa Ocidental. Turquia
O governo da DDR (Deutsche Demokratische Republik)
não teve alternativa e foi obrigado, diante do êxodo popu‑ O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, venceu no
lacional, a abrir os postos de fronteira com a BRD (Bundes‑ mês de abril de 2017 um referendo histórico sobre a revi‑
republik Deutschland), isto é, Alemanha Ocidental. Na noite são constitucional que reforça seus poderes, uma votação
de 09 de novembro de 1989 multidões de alemães orientais determinante para o futuro do país. Em total foram propos‑
subiram e atravessaram o Muro de Berlim, juntando‑se aos tas 18 alterações à constituição e a mais importante era a

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que determina a passagem do sistema parlamentar para o considerada um país modelo para outros países muçulmanos.
presidencial. As relações econômicas cresceram, até que as revoltas regio‑
Com esta vitória, Erdogan passa a ser o detentor de um nais conduziram Ancara a uma virada estratégica: aproveitar
poder consideravelmente reforçado e poderá, em teoria, ficar o momento sunita das rebeliões para expandir sua influência
no cargo até 2029. O executivo ficará concentrado nas mãos no Oriente Médio e se tornar um jogador no campo dos times
do presidente e o posto de primeiro‑ministro desaparecerá. maiores. Por isso apoiou a Irmandade Muçulmana no Egito
Sem contra poder, este sistema presidencial reúne um poder e a oposição na Síria. No início a Turquia e as monarquias
sem precedentes nas mãos de um só homem. Com certeza do Golfo pareciam estar ganhando influência, mas também
o resultado da consulta influenciará no futuro das relações carregavam o fardo de um fracasso. Isso foi um jogo mal cal‑
com a União Europeia, na questão curda e na evolução das culado e a Síria era muito mais do que a queda de um ditador.
dinâmicas sociais. Mas para os próprios turcos essas questões O apoio da Rússia ao Assad e à aliança dos EUA com os
externas irão fazer pouca diferença, uma vez que o referendo curdos na região trouxeram o fim dos sonhos de Erdogan.
aprova projetos antidemocráticos elaborados pelo Presiden‑ A abatimento do caça Russo feito pela Turquia fortaleceu a
te Erdogan e cria uma base legal para seu futuro. posição da Rússia no território e empurrou a Turquia para
Há cinco anos a Turquia vem perdendo seus valores fora da equação. Para criar um espaço de autonomia e uma
democráticos. Eleito como primeiro ministro em 2002, barreira à formação de um bloco curdo na Síria, a Turquia
Recep Tayyip Erdogan foi um dos símbolos de liberdade de entrou na guerra, mas foi forçada a retirar suas tropas logo
expressão, das reformas para fortalecer a democracia e da após o acordo entre Rússia e EUA sobre a união dos curdos.
aproximação com União Europeia. Seus primeiros anos no Hoje em dia, o pânico em Ancara está na concretização de
poder foram de paz, trazendo estabilidade e desenvolvimen‑ uma grande zona curda, estilhaçando o território sírio e
to econômico ao país. conquistando legitimidade internacional ao ponto de garantir
A situação mudou a partir da terceira eleição, quando a sua independência da Turquia.
centralização do poder começou a tomar forma. O povo saiu Neste cenário, a  Turquia encontra‑se isolada e está
às ruas em 2013 e as manifestações populares marcaram um perdendo espaço na mesa de negociações. Não há muitas
ponto de quebra na recente história da Turquia. Com mais de opções para o governo turco além de aceitar a formação de
uma década no mandato, Erdogan não quis largar o poder, um país curdo na fronteira com a Síria. Desde a ruptura da
entrou na luta ameaçando a sociedade, mudou a legislação trégua histórica com o Partido dos Trabalhadores do Curdis‑
judiciaria e “exterminou” a separação dos poderes, um dos tão (PKK) em 2015, o sudeste da Turquia mergulhou numa
pilares da democracia. Ao perseguir a mídia, conseguiu domi‑ espiral de confrontos entre as forças turcas e os separatistas
nar os veículos de comunicação do país e fez propaganda dos curdos. A ofensiva militar de Ancara foi redobrada com uma
benefícios individuais usando a máquina do estado. Com um repressão maior contra os círculos políticos e midiáticos
grande escândalo de corrupção incluindo quatro ministros pró‑curdos, acusados de atividades terroristas vinculadas ao
e sua família, Erdogan decidiu polarizar o povo, chamando PKK. Mas com a vitória apertada do ‘sim’, Erdogan poderá
os divergentes de traidores e até terroristas. se ver obrigado a adotar um enfoque mais conciliador em
A partir desse momento o governo começou a perseguir relação à questão. Contudo, Erdogan descartou os políticos
as pessoas e expurgá‑las dos cargos públicos. Os empresários curdos do parlamento mandando‑os para a prisão e conse‑
foram ameaçados e alguns deles presos. Erdogan precisava guiu controlar os curdos que vivem na Turquia, retomando
de um arqui‑inimigo para validar a sua campanha de auto‑ o diálogo com o líder curdo preso, Abdullah Ocalan.
ritarismo e escolheu o Movimento Hizmet como principal Um século depois, o Oriente Médio novamente se tornou
alvo, juntamente com os curdos e o partido de oposição. um palco de ensaio dos superpoderes. Quando ele perdeu o
Assim, pediu votos do povo para ganhar mais força frente jogo na Síria, Erdogan quis aproveitar a posição geopolítica
aos seus “inimigos”. Após manipular o povo e vencer três da Turquia para criar uma rixa entre o Bloco Oriental e o
eleições seguidas, ele se sentiu mais livre para avançar no Bloco Ocidental, realizando visitas consecutivas à Rússia e
seu projeto de “caça às bruxas”, que estava em andamento à Europa, fazendo “serenatas” ou questionando a credibili‑
desde as manifestações. A tentativa de golpe em 15 de julho dade da OTAN. Ninguém caiu nessa armadilha de um líder
de 2016 foi “um presente de Deus” declarado por Erdogan que começou a ser considerado impulsivo e não confiável.
para fazer uma limpeza em massa no país. As relações entre a Turquia e a União Europeia (UE) se
Até hoje quase 150 mil funcionários foram expurgados degradaram muito nas últimas semanas, quando a Alemanha
e quase 100 mil foram detidos, a  maioria sendo policiais, foi acusada pelo Erdogan de “práticas nazistas” ao proibir, no
militares, professores, acadêmicos, juízes, advogados, pais, a realização da campanha a favor do referendo consti‑
promotores, políticos e empresários. Com 231 jornalistas tucional. Ao ser criticado, o presidente turco costuma utilizar
presos, a Turquia se tornou a maior prisão do mundo para a carta dos ‘refugiados sírios’ como forma de pressão contra
a imprensa livre. Acusados de serem terroristas e sujeitos a os líderes europeus, ameaçando de romper o acordo entre
torturas nas cadeias, muitos inocentes tiveram que sair de Ancara e a UE, assinado em dia 20 de março de 2016. Ainda
um país à beira de uma ditadura. Erdogan queria legalizar mais, Erdogan indicou que a candidatura da Turquia à UE, em
seu poder e se tornar o homem‑forte no país através de um ponto morto há anos, será colocada “sobre a mesa” depois
referendo, e infelizmente conseguiu alcançar o seu objetivo. do referendo. Também reativou o debate sobre a restauração
Geografia Mundial

Quando Erdogan chegou ao poder em 2002, a política da pena capital, considerado isso um limite para Bruxelas.
externa da Turquia foi trocada por uma agenda positiva, A tática consistente de atacar constantemente a UE visando
colocando em prática a estratégia “zero problemas” com a a política interna já atingiu seu limite. A chanceler Alemã já
vizinhança, que levou a uns avanços na questão da adesão declarou a necessidade de procurar uma base militar alter‑
à União Europeia, como prometido. As  reformas internas nativa a Incirlik, que é a base principal da OTAN na região.
ajudaram o crescimento do papel da Turquia no cenário in‑ O encontro entre Turquia e EUA em meados de maio
ternacional, tanto no campo político quanto no econômico. (2017) teve um resultado positivo, apesar da crítica do
Com sua democracia estabelecida, economia crescente e Erdogan à aprovação do presidente Trump de enviar armas
diálogo desenvolvido com o mundo ocidental, a Turquia foi aos curdos para o combate contra o Estado Islâmico. Na

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realidade, para Erdogan, existem dois assuntos mais impor‑ com o britânico The Guardian, a situação econômica do Irã
tantes do que perder a aliança com os EUA. O primeiro é a tem melhorado desde 2015, após o acordo nuclear de 2015
extradição de Gulen, acusado por Ancara de ter organizado em que os Estados Unidos aliviou as punições contra o Irã
a tentativa de golpe de Julho de 2016, que pode ajudar em troca de rígidos controles de seu programa militar. Com
Erdogan a controlar seu povo mais firmemente; e o outro é isso, o país concordou em limitar o seu enriquecimento de
salvar o empresário iraniano Reza Zarrab do julgamento nos urânio e agora vende óleo no mercado mundial e já assinou
EUA, que pode revelar os esquema de lavagem de dinheiro acordos de dezenas de bilhões de dólares por aeronaves.
do presidente turco, em escala internacional. Entretanto os efeitos desta melhoria na economia não foram
Erdogan está decidido a manter seu domínio no país a percebidos pela população média iraniana.
qualquer custo, tanto que durante a campanha do referendo, Não há um movimento central por trás das manifestações
o  presidente demonizou seus opositores, acusando‑os de e as demandas parecem ser difusas. Variam entre melhora
fazer uma aliança com os terroristas e os golpistas. A socie‑ nas condições de vida e mais liberdade política e até mesmo
dade turca vem se polarizando nos últimos anos em torno o fim de República Islâmica.
da figura dele: vence o referendo, mas no final, metade do O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi um
país o ama e a outra o detesta. O que ele mais teme é uma dos primeiros a criticar o governo iraniano. “Regimes opres‑
nova onda de revoltas, por isso não deixa ninguém protestar sivos não duram para sempre. O mundo está assistindo!”,
e mantém seus fanáticos mais afiados. tuitou em seu perfil. O governo americano também criticou
O regime de Erdogan ainda pode ser considerado uma a prisão de pessoas que estavam participando pacificamente
autocracia e com apoio de organizações mafiosas e grupos dos protestos.
religiosos. Mas cada dia mais o país está progredindo para um Sobre as detenções, o  Irã afirmou que equipes foram
mandato típico Baath e ainda está formando e alimentando designadas a identificar os inocentes entre aqueles que
movimentos radicais no país. Após o referendo, o destino da foram presos nos recentes protestos contra a situação eco‑
Turquia foi sincronizado com o destino de Erdogan. O ponto nômica do país.
que chegamos mostra como a democracia é frágil e que o Mas Trump voltou a atacar novamente. “O povo do Irã fi‑
que aconteceu na Turquia pode acontecer em qualquer nalmente age contra o regime brutal e a corrupção iranianos.
país. O avanço de Erdogan usando a democracia como uma Todo dinheiro que o presidente Obama tão tolamente deu a
ferramenta, e sua queda no futuro, é um caso de estudo para eles foi para o terrorismo e para os “bolsos” [das autorida‑
acadêmicos e uma lição para o mundo. des] deles”, afirmou Trump. “O povo tem pouca comida, alta
inflação e nenhum direito humano. Os EUA estão de olho!”.
Irã A Turquia demonstrou preocupação com os protestos no
país vizinho. Em nota divulgada, o Ministério das Relações
Poucos dias antes de 2017 terminar, a  segunda maior Exteriores da Turquia pediu que os manifestantes evitem
nação do Oriente Médio viu surgir uma onda de protestos violência e que não caiam em provocações. “Nós esperamos
populares contra as políticas econômicas adotadas pelo que a paz seja garantida e o senso comum prevaleça para
governo do presidente Hassan Rohani e por mais liberdade que os eventos não ganhem proporção, e que a retórica e as
política e de expressão. As manifestações que tiveram início intervenções estrangeiras que incitam os desenvolvimentos
em Mashhad, segunda cidade mais populosa do Irã, em 28 dos fatos sejam evitadas”.
de dezembro e rapidamente se espalharam pelo país. Pe‑ O governo da Síria, por sua vez, demonstrou solidarie‑
quenos protestos ocorreram em cerca de 30 cidades, mas dade com o Irã, diante dos protestos. Teerã tem apoiado o
grande parte do movimento anti‑governista está ocorrendo regime do presidente Bashar al‑Assad e injetou centenas de
na capital Teerã. milhões de dólares desde 2011 na economia síria. O Ministé‑
Desde então, foram noticiadas mortes de pelo menos 20 rio das Relações Exteriores da Síria divulgou comunicado com
pessoas, entre elas um menino de 11 anos. Apenas na cidade críticas aos governos dos EUA e de Israel por demonstrarem
de Qahdarijan, seis foram mortos durante um motim em apoio aos manifestantes iranianos. Damasco culpou os dois
que, segundo informou a televisão estatal, um grupo estava países pela desestabilização regional. A  chancelaria disse
tentando invadir uma delegacia para roubar armas do local. ainda que a soberania do Irã deve ser respeitada e que nin‑
Apesar dos esforços do governo para silenciar os pro‑ guém deve se envolver em assuntos internos. “A Síria confia
testos, os  manifestantes continuam tomando as ruas em que a liderança do Irã, o governo e o povo serão capazes de
várias partes do Irã, no que tem sido descrito como a maior derrotar a conspiração”, afirma a nota.
mostra de descontentamento no país desde os confrontos
que ocorreram em 2009 (Revolução Verde), quando milhões
de iranianos protestaram contra o resultado da votação que
Iraque
reelegeu o então presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Os primeiros protestos começaram dia 28 de dezembro As forças do Iraque afirmam ter tomado o controle, em
de 2017, em Mashhad, motivados pelo aumento do custo outubro de 2017, de áreas da província disputada de Kirkuk,
de vida no país e desemprego. Segundo a publicação nor‑ no nordeste do Iraque, mas o governo curdo nega.
te‑americana Quartz, recentemente houve um aumento de Em um comunicado, o Comando das Operações Conjun‑
40% no preço de ovos e aves, puxando para cima a inflação tas iraquianas assegurou que “uma operação de segurança
que já bate na casa dos 12%. A  população também sofre em Kirkuk levou ao controle da passagem da ponte Khalid
Geografia Mundial

com o desemprego, que atinge principalmente os jovens e da estrada Khalid‑Riad”, bem como outra passagem de
recém formados. fronteira e a estrada Rashid‑Mariam, que liga a Tikrit, capital
Alguns manifestantes argumentam que as dificuldades da província de Saladino (norte).
econômicas do país se devem à política externa do Irã, que Além disso, a  nota aponta que as forças iraquianas
está profundamente envolvido em conflitos regionais. Segun‑ controlaram a zona industrial, no sul de Kirkuk, bem como
do o Washington Post lembrou, o Irã enviou dinheiro, armas a região de Turklan, o distrito de Yaiyi, uma estação de ele‑
e combatentes para apoiar aliados na Síria, Líbano e Gaza. tricidade e uma refinaria de petróleo.
Outros culpam as sanções econômicas e a restrição da A nota diz também que as forças iraquianas continuam
emissão de vistos impostas pelos Estados Unidos. De acordo avançando rumo a Kirkuk, cidade rica em petróleo e que

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se transformou no principal centro das tensões entre os iraquianas e as milícias xiitas Multidão Popular tinham co‑
governos, já que parte da província está ocupada pelas meçado a atacar Kirkuk. As (tropas curdas) peshmergas estão
tropas curdas desde 2014, ainda que administrativamente prontas para defender”, respondeu Rasul.
pertença a Bagdá. No entanto, Hemin Hawrani, assessor do presidente
O premiê iraquiano e líder das Forças Armadas, Haidar curdo, Masud Barzani, assegurou que “nos combates das
al Abadi, ordenou hoje às forças iraquianas que imponham últimas horas não foi tomada nenhuma posição pela Mul‑
“a segurança” em Kirkuk. tidão Popular (milícias xiitas)” e que “somente parte dos
O vice‑presidente do Curdistão iraquiano, Kosrat Rasul, comandantes da UPK (União Patriótica do Curdistão) ordenou
declarou, em um comunicado, que “infelizmente, as forças a seus peshmergas que deixem posições”.

Curdos

Os curdos iraquianos votaram em 2017 em um referendo apesar de ter uma minoria turcomana. Suas línguas oficiais
de independência, em meio a uma mistura de entusiasmo são o curdo e o árabe, e a religião majoritária é o islamismo
e forte apreensão em razão das ameaças de represálias das sunita. O Curdistão é composto de três províncias: Dohuk,
autoridades centrais do Iraque, Turquia e Irã. A primeira me‑ Erbil e Solimania, mas os curdos iraquianos reclamam outros
dida de retaliação veio de Teerã, que proibiu no todos os voos territórios a Bagdá, especialmente a província multiétnica e
com o Curdistão iraquiano a pedido do governo de Bagdá. petroleira de Kirkuk.
A Turquia fechou a fronteira terrestre com a região autônoma O Curdistão iraquiano, cuja capital é Erbil, tornou‑se
e o Parlamento iraquiano deslocou as Forças Armadas para uma região autônoma por causa da Constituição do Iraque
o Curdistão. Entenda aqui mais sobre quem são os curdos: de 2005, que instaurou uma República federal. A região já
Os curdos são um povo sem Estado que vive em Iraque, gozava de autonomia desde a Guerra do Golfo de 1991.
Irã, Turquia e Síria. De origem indo‑europeia, eles descendem Após a derrota iraquiana, os curdos se revoltaram, mas a
dos medos da Pérsia antiga, que fundaram um império no repressão provocou um êxodo e forçou os Estados Unidos e
século VII a.C. Em sua maioria muçulmanos sunitas, com mi‑ seus aliados a instaurarem uma zona de exclusão aérea para
norias não‑muçulmanas e muitas vezes formações políticas e proteger seus moradores.
laicas, os curdos estão estabelecidos em uma área de cerca Em 1992, os curdos iraquianos elegeram um Parlamento
de meio milhão de quilômetros quadrados. e formaram um governo. Mas essas instituições ficaram
O número total de curdos varia dependendo da fonte, de paralisadas entre 1994 e 1998 por causa dos violentos con‑
25 a 35 milhões de pessoas. A maioria vive na Turquia (12 a 15 frontos entre o Partido Democrático do Curdistão (PDC) e
milhões, 20% da população do país), à frente de Irã (cerca de seu rival da União Patriótica do Curdistão (UPC). Em 2003,
6 milhões, menos de 10%), Iraque (4,69 milhões, entre 15% e os curdos se uniram à coalizão internacional para derrubar
GEOGRAfIA MUNdIAl

20%) e Síria (mais de dois milhões, 15%). Situados em zonas Saddam Hussein e, no começo de 2016, estabeleceram uma
do interior, o povo curdo conseguiu preservar seus diferentes administração unificada.
dialetos, suas tradições e um modo de organização baseado A região enfrenta uma complicada situação econômica,
em clãs. Existem também importantes comunidades curdas causada sobretudo pela queda dos preços do petróleo, sua
no Azerbaijão, Armênia e Líbano, bem como na Europa, principal fonte de renda. Os gastos com militantes para lutar
principalmente na Alemanha. contra os extremistas do grupo Estado Islâmico (EI) também
O Curdistão iraquiano é uma região autônoma desde têm consequências sobre seu orçamento.
1991. Na região montanhosa do Norte do Iraque, o Curdis‑ A queda do Império Otomano ao final da Primeira Guerra
tão tem 4,5 milhões de habitantes, em sua maioria curdos, Mundial havia aberto um caminho para a criação de um

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Estado curdo, previsto pelo tratado de Sevres de 1920, que Mortean alerta que, lá, a visão de democracia é diferente
o situava no Leste da península turca de Anatólia e na atual da ocidental.
província iraquiana de Mossul. Porém, após a vitória de Mus‑ “Um sírio nunca colocou um papelzinho numa urna,
tafa Kemal na Turquia, os Aliados modificaram sua decisão assim como um saudita e um iraquiano (antes da invasão
e, em 1923, o tratado de Lausanne instaurou o domínio da norte‑americana, em 2003). Esses países milenarmente fo‑
Turquia, Irã, Reino Unido (no Iraque) e França (na Síria) sobre ram impérios. A democracia é uma construção social prática,
as populações curdas. vai se dando aos poucos. Os anseios do povo sírio são outros,
Os curdos, que nunca viveram sob um poder centralizado, o desenrolar da guerra civil foi totalmente diferente do que
estão divididos em vários partidos e facções entre os quatro aconteceu na Primavera Árabe”, analisa Mortean, doutoran‑
países. Às vezes transfronteiriços, estes movimentos são an‑ do em Geografia Política pela Universidade de São Paulo.
tagonistas, em função principalmente dos jogos de alianças O governo de Bashar al‑Assad, que, diferentemente de
com os regimes vizinhos. No Iraque, os dois principais par‑ seus vizinhos, não se aliou às principais potências ocidentais,
tidos curdos travaram uma guerra que deixou 3 mil mortos já era visto com ceticismo pelos extremistas muçulmanos.
entre 1994 e 1998. Finalmente se reconciliaram em 2003. Os  radicais acreditam que o atual regime não defende as
Os curdos, que reivindicam a criação de um Curdistão tendências islâmicas de seu interesse, e com isso fomentaram
unificado, são percebidos como uma ameaça à integridade a criação de grupos armados de oposição, que passaram a
territorial dos países em que estão estabelecidos. Na Turquia, ser financiados por outros países.
o conflito entre o governo e o Partido dos Trabalhadores do
Curdistão (PKK) foi retomado em 2015, acabando com as Terrorismo
esperanças de uma resolução para esta crise que causou
mais de 40 mil mortes desde 1984. Chocando o mundo com imagens de decapitações e as‑
No Irã, confrontos esporádicos opõem as forças de sumindo autoria de ataques ocorridos nos últimos anos em
segurança aos rebeldes curdos, cujas bases de retaguarda grandes centros mundiais, o Estado Islâmico (EI) é o principal
estão no Iraque. Após a revolução islâmica de 1979, ocorreu grupo terrorista em território sírio. Os  rebeldes armados
uma revolta curda que foi duramente reprimida. No Iraque, chegaram a ocupar províncias importantes do país, propa‑
os curdos perseguidos pelo regime de Saddam Hussein se gando o terror ao sequestrar pessoas, destruir patrimônios
rebelaram em 1991 após a derrota do exército iraquiano culturais e prédios da região.
no Kuwait e estabeleceram uma autonomia de fato, que foi Desde 2016, as tropas governamentais têm reconquista‑
legalizada pela Constituição iraquiana de 2005. do algumas cidades que estavam sob o controle do EI, como
Na Síria, os curdos sofreram décadas de marginalização Khanaser, Palmira e Aleppo. Rebeldes curdos e integrantes
e opressão pelo regime por reivindicar o reconhecimento de de outros grupos como a Frente al‑Nusra também fazem
seus direitos. Eles adotaram uma posição de “neutralidade” parte da oposição ao regime sírio. Apoiado pelos Estados
em relação ao poder e a rebelião no início do conflito em Unidos e outros países do Ocidente, um plano de transição
2011, antes de aproveitar o caos gerado pela guerra para política para o país foi proposto em setembro passado pelo
instalar uma administração autônoma nas regiões do norte Alto Comitê de Negociações da Síria, que engloba 30 facções
do país sob seu controle. políticas e militares.
Na Síria, as forças curdas lideram a aliança das Forças Segundo Mortean, os  grupos terroristas, interessados
Democráticas Sírias (FDS), que combatem o grupo Estado Islâ‑ em derrubar al‑Assad, são financiados por países como
mico (EI) com o apoio de uma coalizão dirigida pelos Estados Arábia Saudita e Qatar e contam com o aval “tecnológico e
Unidos. A aliança lançou em novembro de 2016 a batalha financeiro” de França e Estados Unidos.
para expulsar o grupo extremista de Raqqa, sua capital de “Na verdade, toda essa guerra é só um mote para tirar o
fato no Norte do país. No Iraque, os  combatentes curdos Bashar al‑Assad. O povo sírio nunca experimentou a demo‑
peshmergas também participam na luta contra os jihadistas. cracia. Por que a Síria, que está com regime dos Assad desde
1970, está incomodando agora? Por interesses próprios e de
Síria terceiros, há uma série de erros estratégicos devido aos quais
a guerra ainda não acabou”, avalia o professor.
Com seis anos recém‑completados, a guerra civil na Síria O diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universi‑
tem origens que passam pela Primavera Árabe, no Oriente dade Federal Fluminense, Eurico de Lima Figueiredo, faz uma
Médio e na África, e por outros episódios do complexo con‑ análise semelhante. Segundo ele, a posição estratégica da
texto geopolítico da região. Mais de 400 mil mortes e cinco Síria, saída importante para o Mar Mediterrâneo, é a maior
milhões de refugiados depois, o país passa por um dos seus razão da guerra, já que tem relação com a “geopolítica do
momentos mais delicados, em meio ao aumento da tensão petróleo”, classificada por ele como a “essência” dos conflitos
após bombardeios dos Estados Unidos a uma base aérea no Oriente Médio.
síria no início de 2017. Bashar al‑Assad é filho de Hafez al‑Assad, que governou a
Os desdobramentos do conflito, que já causam impactos Síria entre 1970 e 2000. Há 17 anos no poder, o atual ditador
internacionais, podem ser agravados após a ofensiva nor‑ foi reeleito em 2014 para um novo mandato de sete anos,
te‑americana em reação a um ataque com armas químicas nas primeiras eleições com mais de um candidato ocorridas
ocorrido dias antes. no país em mais de meio século. O pleito, no entanto, foi
Geografia Mundial

A sequência de revoltas populares ocorridas em diferen‑ considerado uma “farsa” pelos opositores.
tes países contra regimes ditatoriais e em busca de melhorias
sociais para a população teve início em 2010. A começar pela Estados Unidos e Rússia
Tunísia, os governantes de nações como Egito, Líbia, Iêmen,
Bahrein, Jordânia e Angola presenciaram levantes em suas Embora o presidente norte‑americano Donald Trump
cidades, da mesma forma como ocorreu na Síria. Apesar tenha flertado com os russos durante a campanha que o
de reconhecer que a repressão violenta dos protestos pelo levou ao poder, os acontecimentos recentes podem colocar
ditador sírio Bashar al‑Assad na ocasião tenha fortalecido em conflito as duas potências. Desde o início da guerra,
a oposição, o  professor de Relações Internacionais Jorge a Síria tem o apoio do presidente russo Vladimir Putin, que

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repudiou o lançamento dos 59 mísseis contra a base militar como um “recado a Assad de que ele não pode fazer o que
síria na última semana. quiser”.
O ataque foi uma resposta de Trump à ação com armas Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para
químicas no começo da semana, que deixou mais de 80 Refugiados (Acnur), cinco milhões de sírios deixaram sua
mortos, centenas de feridos e cuja autoria ainda é incerta. terra natal e hoje vivem em países como Egito, Iraque,
Para Figueiredo, que é professor de relações internacionais e Jordânia, Líbano e Turquia. Parte deles conseguiu cruzar as
assuntos estratégicos, os novos confrontos trazem a possibili‑ fronteiras com a Europa. Na América Latina, o Brasil é um
dade de um conflito direto entre os Estados Unidos e a Rússia. dos destinos mais procurados pelos cidadãos que fogem
“Os dois países, depois de muitas desavenças, chegaram da guerra civil.
à conclusão de que a solução para o conflito passa por Bashar Somente no território sírio, mais de 13 milhões de pes‑
al‑Assad. Depois do Iraque, os Estados Unidos aprenderam soas precisam de assistência emergencial, segundo a Acnur.
que quando se tira um governante forte, o que vem depois é Já a Anistia Internacional, que produz frequentes relatórios
pior. Então chegaram à conclusão de que é melhor combater denunciando crimes contra a humanidade cometido por
o Estado Islâmico juntos. No entanto, eles não bombardeiam todos os lados do conflito, aponta outro dado alarmante.
com a contundência necessária para acabar com o grupo.” Com base no enviado da Organização das Nações Unidas
Para o analista, Trump acredita que as armas quími‑ para a Síria, a entidade revela que o número de mortos já
cas foram lançadas pelos sírios e ordenou o bombardeio passou de 400 mil desde o começo do conflito.

Iêmen

Combatentes do movimento armado rebelde xiita hou‑ grupo rebelde descobriam o corpo e gritavam: “Louvado seja
thi dizem ter matado o ex‑presidente Ali Abdullah Saleh ao Deus!” e “Aqui está Ali Affash”, em referência a Saleh.
explodir a sua casa no centro da capital iemenita, Sanaa, em Os aliados de Saleh, que dominou a sociedade altamente
2017. O paradeiro do ex‑ditador, que governou por 32 anos armada do Iêmen por 32 anos antes de ser derrubado em
consecutivos (1990-2012) permanece desconhecido, e  a decorrência dos protestos da Primavera Árabe, sofreram der‑
mídia estatal do Irã – nação aliada dos rebeldes – também diz rotas nos últimos seis dias, durante árduos combates urbanos
Geografia Mundial

que ele morreu. O seu partido, no entanto, nega os relatos contra os houthis, que são alinhados ao Irã. Um porta‑voz dos
de morte do ex‑presidente, de 75 anos. houthis comemorou as vitórias do grupo em nota:
Uma rádio iemenita controlada pelos houthis disse que o “Com a ajuda e aprovação de Deus, as forças de seguran‑
ex‑presidente estava morto, indicando que a sua estação oficial ça apoiadas por amplo apoio popular conseguiram retomar
de televisão em breve mostraria imagens do seu corpo. Nas as áreas em que combatentes de traição foram empregados”,
redes sociais, circula um vídeo com imagens fortes, porém não disse Mohammed Abdul Salam em comunicado.
verificadas independentemente, em que supostamente apare‑ Neste período, os confrontos se intensificaram brusca‑
ce Saleh já falecido, com ferimento profundo na parte traseira mente e foram registrados pelo menos 125 mortos e 238
da cabeça. Nas imagens, homens armados pertencentes ao feridos, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha

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(ICRC). Organizações humanitárias tentam ampliar suas cio em setembro de 2017, e falou sobre a violência contra a
reações de emergência na capital. minoria muçulmana rohingya no estado de Rakhine (oeste),
A coalizão liderada pela Arábia Saudita realizou ataques denunciada pela ONU como um processo de limpeza étnica.
aéreos contra posições dos houthis no Iêmen pelo segundo No discurso, Suu Kyi, que ocupa um cargo similar ao de
dia consecutivo, numa demonstração de apoio a Saleh. primeira‑ministra, pintou uma realidade paralela à que de‑
O  ex‑presidente era aliado dos houthi antes de renunciar nunciam ONGs, vítimas e testemunhas. E se limitou a dizer
formalmente à aliança com o grupo. O realinhamento das que seu governo não foge de suas responsabilidades e está
suas forças com os sauditas marcariam uma significativa re‑ ao lado daqueles que sofrem.
viravolta na guerra, que é parte de uma disputa mais ampla “Apesar de todos os esforços, não conseguimos parar o
entre Arábia Saudita e Irã na região. conflito. Não é a intenção do governo fugir de suas respon‑
Moradores de Sanaa relataram intensos combates na sabilidades”, disse Suu Kyi, vencedora do Prêmio Nobel da
capital e se viram forçados a se esconder nas suas casas Paz em 1991, diante de diplomatas, autoridades e jornalistas.
enquanto explosões abalavam a cidade. “Condenamos todas as violações dos direitos humanos.
— Vivemos dias de terror. Os tanques dos houthis têm Comprometemos‑nos com o Estado de direito e a ordem.”
atirado e as bombas caem sobre o nosso bairro – contou Na coletiva, retransmitida ao vivo pela televisão local, Suu
Mohammed al‑Madhaji, que vive num distrito localizado Kyi se comprometeu a levar ajuda humanitária à região, além
na linha de frente da batalha. – O confronto tem sido tão de permitir o retorno dos refugiados rohingyas, referindo‑se
violento que sentimos que podemos morrer a qualquer a eles como “muçulmanos”, que fugiram para Bangladesh.
momento. Não conseguimos sair das nossas casas. A líder do país, apoiada pelos militares que governavam
Myanmar e mantêm uma influência considerável, também
Três Anos de Conflito afirmou que não há uma imagem clara dos eventos no esta‑
do de Rakhine. “Também estamos preocupados. Queremos
A Arábia Saudita interveio no Iêmen em março de 2015 descobrir quais são os problemas reais. Houve alegações e
para apoiar o presidente Abedrabbo Mansour Hadi, depois contra‑alegações. Temos de ouvi‑las todas”, disse.
que os rebeldes houthis o obrigaram a se exilar. O  grupo Ela também se comprometeu a resolver nos tribunais
fechou as fronteiras e suspendeu as entregas de ajuda no qualquer violação dos direitos humanos que possa ter ocor‑
início de novembro, em resposta a um ataque com mísseis rido em Rakhine durante a ofensiva militar em resposta a
interceptado perto do aeroporto de Riad. Segundo a ONU, um ataque de radicais rohingyas, realizado em 25 de agosto.
a guerra do Iêmen já matou quase 10 mil pessoas e deixou A mensagem à nação foi transmitida dias depois que
outras 3 milhões desabrigadas. o secretário‑geral das Nações Unidas, António Guterres,
classificou a crise dos rohingyas de limpeza étnica e pediu a
Mesmo com a intervenção e o bloqueio, os rebeldes con‑
suspensão das ações militares.
tinuam no controle de grande parte do Norte do país, incluin‑
No discurso, Suu Kyi garantiu que as operações milita‑
do a capital, Sanaa. A campanha militar saudita não obteve
res em Rakhine foram finalizadas em 5 de setembro. No
muitos sucessos nos últimos três anos, desde o início do
entanto, o êxodo continuou após esta data com a fuga de
conflito, mas sustenta que busca restaurar o poder de Hadi,
aproximadamente 400 mil rohingyas – metade mulheres e
cujo governo é reconhecido pela comunidade internacional.
crianças – para a vizinha Bangladesh, onde sofrem com falta
O príncipe herdeiro da Arábia Saudita Mohammed bin
de alimentos, água e assistência sanitária.
Salman junto aos líderes que integram a coalizão Arábia
Muitos rohingyas denunciaram terem sofrido ataques e
Saudita lança coalizão antiterrorista de países muçulmanos.
violações por parte das forças de segurança, acusados tam‑
ONU alerta que Iêmen pode viver maior crise de fome em
bém de terem queimado vilarejos e residências da minoria
décadas
muçulmana.
No início de novembro, mais de 20 grupos de ajuda A Anistia Internacional se mostrou desapontada com o
humanitária afirmaram que a decisão da coalizão militar discurso da líder birmanesa e acusou Suu Kyi de ignorar a
poderia deixar milhões de pessoas próximas à fome e à crise no oeste do país. “Existem provas ‘esmagadoras’ de que
morte. Mark Lowcock, subsecretário‑geral de Assuntos Hu‑ as forças de segurança estão envolvidas numa campanha de
manitários da ONU, alertou que, a menos que voltem a abrir limpeza étnica”, afirmou a organização não governamental,
as fronteiras para os envios de ajuda, o Iêmen viverá a maior também, reagindo às declarações de Suu Kyi.
fome que o mundo já viu em muitas décadas. A organização lamentou que a líder de fato de Myanmar
Um dos países mais pobres do mundo árabe, o Iêmen e Prêmio Nobel da Paz não tenha denunciado diretamente
vive uma grave crise alimentar, em que cerca de 17 milhões o “envolvimento” de militares que provocaram a fuga de
de iemenitas têm uma necessidade desesperada de alimen‑ centenas de milhares de rohingyas para Bangladesh.
tos e sete milhões correm o risco de passar fome e contrair Estima‑se que mais de 1 milhão de rohingyas viviam no
cólera, segundo a ONU. E, seja por fome ou por doenças, estado de Rakhine, vítimas de uma crescente discriminação
ao menos 130 crianças morrem por dia no país. A ONG Save desde o início da violência sectária de 2012, que causou
the Children estima que cerca de 50 mil podem morrer em pelo menos 160 mortes e deixou cerca de 120 mil rohingyas
2017, todas com menos de 5 anos de idade. confinados em 67 campos de deslocados.
Geografia Mundial

As autoridades de Myanmar alegam que os rebeldes


Mianmar rohingyas querem criar um Estado muçulmano autônomo
no país de maioria budista. As  autoridades de Myanmar
A líder Aung San Suu Kyi é criticada por minimizar situ‑ classificam os rohingya de “bengaleses”, ou seja, cidadãos
ação denunciada por vítimas e testemunhas no oeste do do país vizinho Bangladesh. Apesar de alguns deles viverem
país, onde, segundo a ONU, está em curso um processo de há gerações no país, o  governo de Myanmar lhes nega a
limpeza étnica contra minoria muçulmana. A líder de fato de cidadania plena. Um membro da etnia rohingya que deixar
Myanmar, a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, quebrou o silên‑ Myanmar é tratado como migrante caso queira voltar.

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Kosovo dência de Sarajevo. Um mês depois, a Rússia corroborou os
partidos marginais de oposição na delicada eleição nacional
Nas montanhas cobertas de florestas ao longo da fron‑ da Macedônia, outra antiga república iugoslava – só que a
teira disputada entre a Sérvia e Kosovo, uma patrulha de União Europeia tinha organizado a votação para ajudar o
soldados norte‑americanos, sob as ordens do comando país a se reerguer do colapso iminente.
da OTAN, caminha com dificuldade na neve e na lama, de Em Montenegro, vizinho minúsculo da Sérvia e ex‑aliado
olho em um eventual contrabandista ou alguém tentando russo que deve fazer parte da OTAN, as autoridades disseram
cruzar a divisa. Considerando o legado sangrento dessa área, ter frustrado, em outubro, uma tentativa de golpe orques‑
a situação agora pode ser considerada calma, pelo menos trada pelos russos.
aqui. Então em janeiro de 2017, Moscou resolveu ajudar a
É lá embaixo, na Sérvia e no Kosovo, região dos Bálcãs que Sérvia a desestabilizar a independência de Kosovo apoiando
gerou tanto sofrimento no último século, que ódios antigos uma série de provocações que prejudicaram as tentativas de
estão ressurgindo e o desassossego dá sinais de alarme. normalização diplomática conhecidas como “o diálogo de
E mais uma vez é a Rússia fomentando as tensões, querendo Bruxelas”, patrocinadas pela UE.
explorar fissuras políticas em uma área que já foi considerada Entretanto, desde que declarou sua independência, em
verdadeiro triunfo da força diplomática norte‑americana, 2008, o governo do Kosovo, dominado pela etnia albanesa
mas hoje é exemplo dos grandes desafios enfrentados pela na capital, Pristina, não conseguiu exercer controle sobre
OTAN e pela União Europeia. as áreas predominantemente sérvias do país, localizadas ao
Quase 18 anos depois da intervenção liderada pelos EUA norte do rio Ibar e que incluem Mitrovica, segundo maior
ter encerrado a dominação sérvia no Kosovo, as patrulhas centro da nação.
fronteiriças fazem parte da missão mais longa da história da Só que enquanto os kosovares comemoravam esse avan‑
OTAN. Mesmo com a UE tendo feito um progresso mínimo ço, a Sérvia construiu um muro de concreto para separar o
ao definir um acordo político entre o Kosovo e a Sérvia, norte da cidade, predominantemente sérvio, dos albaneses
a  presença das forças da organização mantém uma paz do sul, de seu lado da ponte sobre o Ibar, projeto que a União
inquietante, com uma animosidade ainda palpável entre a Europeia patrocinou na esperança de unir as comunidades
minoria sérvia e a maioria albanesa do Kosovo. divididas.
Apesar disso, a  instituição enfrenta seus próprios de‑ Representantes do bloco, furiosos, exigiram a queda do
safios, seja na forma da ambivalência de Donald Trump ou muro, mas os sérvios se mostraram desafiadores, forçando o
na provocação cada vez mais ousada da Rússia. Para tentar adiamento da inauguração oficial da estrutura. Em fevereiro,
conter suas ações, enviou reforços à Polônia e aos países os  blocos de concreto foram retirados com escavadeiras,
do Báltico, mas o envolvimento russo nos Bálcãs recebe mas uma barreira de metal continua em pé, bloqueando o
menos atenção. tráfego e a passagem dos pedestres.
A Rússia tem laços históricos profundos com a Sérvia e Mais incendiário ainda, o governo sérvio enviou um trem,
se opôs veementemente à guerra da OTAN pelo Kosovo, em feito na Rússia, de Belgrado a Mitrovica, em cujos vagões se
1999. Depois de uma campanha de bombardeios liderada lê a inscrição “O Kosovo é Sérvia” em mais de vinte idiomas.
pelos norte‑americanos, os sérvios perderam o controle da Kosovo parou o trem na fronteira, acusando a Sérvia de
querer ensaiar uma invasão no norte de seu território, nos
Geografia Mundial

região, mas continuam a dar apoio aos que vivem ali, jurando
jamais reconhecer a soberania kosovar, pois consideram a mesmos moldes que a anexação da Crimeia pela Rússia. Ela,
área berço de sua nação e da fé cristã ortodoxa. Putin con‑ por sua vez, acusou os albaneses de plantar minas terrestres
tinua a apoiar tanto a Sérvia como os sérvios que vivem na ao longo dos trilhos e planejar uma campanha de bombar‑
Bósnia e Herzegovina – e a interferir na questão complexa deio de sua população e locais sagrados.
da política dos Bálcãs. O presidente, Tomislav Nikolic, que se acredita ter o
Para começar, Moscou apoiou os sérvios bósnios quando apoio da Rússia para mais cinco anos no poder, nas eleições
esses organizaram um referendo polêmico, em novembro de abril, ameaçou enviar as tropas de volta ao Kosovo para
passado, que poderia levar a uma maior – ou total – indepen‑ proteger seus conterrâneos, se necessário.

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Milan Nic, analista especializado na região dos Bálcãs do No dia 9 de julho de 2011 (ONU 14 de julho), a população
Instituto de Políticas GlobSec, um think tank de Bratislava, do sul celebrou a independência, resultado de um referen‑
na Eslováquia, disse que as declarações duras sobre Kosovo do feito no começo do ano, conforme previa o acordo de
foram comuns durante as eleições sérvias, mas que o país paz de 2005 que encerrou décadas de guerra civil. O novo
jamais poderia melhorar as relações com o bloco europeu, país: Sudão do Sul tem Juba como capital, e foi reconhecido
quanto mais se unir a ele, apegando‑se a sua antiga província. oficialmente pelo governo do Sudão, com sede em Cartum,
O coronel Corwin Lusk, comandante norte‑americano do horas antes da secessão formal.
grupo de batalha multinacional da OTAN no leste do Kosovo, · RUANdA – Hutus versus Tutsis: ódio entre duas etnias
também acha que as eleições sérvias geraram declarações em Ruanda. Em Ruanda, uma rebelião ocorrida logo após
furiosas e que a Rússia estava fazendo joguinho – embora se a independência em relação á Bélgica (1962) recolocou as
mostre cético em relação à intenção de Moscou de querer tribos hutus na posição de mando original, isto é, nas mãos
um confronto direto nos Bálcãs. dos hutus.
Muitos albaneses e sérvios que vivem no Kosovo temem · BURUNdI – Sem saída para o mar, o Burundi está situado
o início de um novo ciclo de hostilidades. São aproximada‑ no centro‑leste da África, na região dos Grandes Lagos. Desde
mente 120 mil sérvios no norte do Kosovo, perto da fronteira, a independência, na década de 1960, é palco de violentos
e a maioria adere ao fervor nacionalista de Belgrado, mas combates que envolvem tutsis e hutus – etnias também em
há outros 70 mil espalhados pelo sul que estão expostos a conflito na vizinha Ruanda ‑, com centenas de milhares de
qualquer tipo de retaliação. mortos e refugiados.
A missão da OTAN na região é extremamente complexa. · GUERRA dO CONGO: A Guerra Mundial Africana – A
O número de seus soldados caiu para cinco mil na última Primeira Guerra do Congo (1996‑1997) foi uma guerra de
década, incluindo 650 norte‑americanos; são militares seis meses desenvolvida no Zaire, que tinha o objetivo de
encarregados de patrulhar as fronteiras e lidar com as sen‑ derrubar o ditador nacionalista Mobutu Sese Seko (apoiado
sibilidades de uma área etnicamente dividida. pelos EUA). As forças de oposição a Mobutu eram lideradas
Na ausência de um Exército próprio, a maioria dos al‑ pelo líder guerrilheiro Laurent‑Désiré Kabila, com o apoio dos
baneses veem a organização como protetora de seu estado países vizinhos (especialmente Ruanda e Uganda). Tomando
no Kosovo. Kinshasa, Kabila declarou‑se presidente e alterou o nome
Muitos sérvios que vivem no Kosovo, porém, descrevem do país para República Democrática do Congo. A Segunda
as forças não como protetoras, mas sim invasoras – como Guerra do Congo, também conhecida como a Guerra Mun‑
Lilijana Milic, que possui uma propriedade agrícola ao longo dial Africana ou a Grande Guerra de África, foi um conflito
da estrada entre Mitrovica e Pristina. armado que se iniciou em 1998 e terminou oficialmente
em 2003 quando o Governo de Transição da República
Democrática do Congo tomou o poder. A maior guerra na
história moderna de África, um dos conflitos mais mortíferos
desde a Segunda Guerra Mundial, envolveu diretamente oito
países africanos, bem como cerca de 25 grupos armados.
3,8 milhões de pessoas morreram, a maioria de inanição e
doenças. Vários outros milhões foram deslocados das suas
casas ou procuraram asilo em países vizinhos.

Israel – Palestina

África
CONTINENTE AfRICANO – No continente africano os
conflitos são consequências das fronteiras artificias impostas
durante o período colonial, que levou o continente a vários
tipos de guerras. Conjunto de problemas: fome, guerras civis,
aids, miséria, catástrofes naturais, fraca economia, frontei‑ 1. Como o conflito começou?
ras artificiais – formam um verdadeiro barril de pólvora. O movimento sionista, que procurava criar um Estado
A Maioria dos países africanos passou por algum conflito nos para os judeus, ganhou força no início do século 20, em
últimos quinze anos: Ruanda, Burundi, Serra Leoa, Libéria, reação ao antissemitismo sofrido por eles na Europa.
GEOGRAfIA MUNdIAl

Sudão, Somália, Etiópia, Eritréia, República Democrática do A região da Palestina, entre o rio Jordão e o mar Medi‑
Congo, Angola, Moçambique, Argélia são alguns exemplos. terrâneo, considerada sagrada para muçulmanos, judeus e
· SUdÃO (GUERRA CIVIL) – Os conflitos no Sudão come‑ cristãos, pertencia ao Império Otomano naquele tempo e
çaram em 1983, quando o então presidente Jafar Numeri era ocupada, principalmente, por muçulmanos e outras co‑
tentou impor a lei islâmica no sul do país de maioria cristã. munidades árabes. As aspirações sionistas deram início a um
A maioria das etnias oprimidas, então, passou a organizar forte movimento migratório judaico, que gerou resistência
a resistência armada contra o governo muçulmano. Foi entre as comunidades locais.
uma das guerras mais longas e mais mortíferas do final do Após a desintegração do Império Otomano, na Primeira
século XX. Guerra Mundial, o Reino Unido recebeu um mandato da

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Liga das Nações (antecessora da ONU) para administrar o Reconheceu‑se a ligação histórica do povo judeu com a
território da Palestina. Palestina e as bases para a constituição de um Estado judeu
Antes e durante a guerra, contudo, os britânicos fizeram na região.
uma série de promessas a árabes e judeus que não se cum‑ Após o Holocausto nazista contra milhões de judeus na
pririam, entre outras razões, porque eles já tinham repartido Europa durante a Segunda Guerra Mundial, cresceu a pressão
o Oriente Médio com a França. Isso provocou um clima de internacional para o reconhecimento de um Estado judeu.
tensão entre os dois lados que acabou em confrontos entre Localizada na parte antiga de Jerusalém, a  Cúpula da
grupos paramilitares judeus e árabes. Rocha é uma construção sagrada para o islã Sem conseguir
Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, aumen‑ resolver a polarização entre o nacionalismo árabe e o sionis‑
tou a pressão pelo estabelecimento de um Estado judeu. mo, o governo britânico levou a questão à ONU.
O plano original previa a partilha do território controlado Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou
pelos britânicos entre judeus e palestinos. um plano de partilha da Palestina, que recomendou a criação
Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, de um Estado árabe independente e um Estado judeu e um
a tensão deixou de ser local para se tornar questão regional. regime especial para Jerusalém.
No dia seguinte, Egito, Jordânia, Síria e Iraque invadiram o O plano foi aceito pelos israelenses, mas não pelos ára‑
território. Foi a primeira guerra árabe‑israelense, também bes, que o viam como uma perda de seu território. Por isso,
conhecida pelos judeus como a guerra de independência ou nunca foi implementado.
de libertação. Depois da guerra, o território originalmente Um dia antes do fim do mandato britânico da Palesti‑
planejado pela Organização das Nações Unidas para um na, em 14 de maio de 1948, a Agência Judaica para Israel,
Estado árabe foi reduzido pela metade. representante dos judeus durante o mandato, declarou a
Para os palestinos, começava ali a nakba, palavra em independência do Estado de Israel.
árabe para “destruição” ou “catástrofe”: 750 mil palestinos No dia seguinte, Israel solicitou a adesão à ONU, condição
fugiram para países vizinhos ou foram expulsos pelas tropas que alcançou um ano depois. Hoje, parte dos membros da
israelenses. organização ainda não reconhece o Estado israelense  – o
Mas 1948 não seria o último ano de confronto entre os mesmo vale para a Palestina.
dois povos. Em 1956, Israel enfrentou o Egito em uma crise
motivada pelo Canal de Suez, conflito que foi definido fora do 3. Por que há dois territórios palestinos?
campo de batalha, com a confirmação pela ONU da soberania Relatório da Comissão Especial das Nações Unidas para
egípcia sobre o canal, após forte pressão internacional sobre a Palestina à Assembleia Geral, em 1947, recomendou que
o Estado árabe incluísse a área oeste da região da Galileia,
Israel, França e Grã‑Bretanha.
a região montanhosa de Samaria e Judeia, com a exclusão
Em 1967, veio a batalha que mudaria definitivamente o
da cidade de Jerusalém, e a planície costeira de Isdud até a
cenário na região – a Guerra dos Seis Dias. Foi uma vitória
fronteira com o Egito.
esmagadora de Israel sobre uma coalizão árabe. Após o
Mas a divisão do território foi definida pela linha de
conflito, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Península do
armistício de 1949, estabelecida após a primeira guerra
Sinai, do Egito; a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental)
árabe‑israelense.
da Jordânia; e as Colinas de Golã, da Síria. Meio milhão de Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia (incluin‑
palestinos fugiram. do Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza. A distância entre
Israel e seus vizinhos voltaram a se enfrentar em 1973. eles é de cerca de 45 km. A área é de 5.970 km2 e 365 km2,
A Guerra do Yom Kippur colocou Egito e Síria contra Israel respectivamente.
numa tentativa dos árabes de recuperar os territórios ocu‑ Originalmente ocupada por Israel, que ainda mantém
pados em 1967. o controle de sua fronteira, Gaza foi ocupada pelo Exército
Em 1979, o Egito se tornou o primeiro país árabe a che‑ israelense na guerra de 1967 e desocupada apenas em 2005.
gar à paz com Israel, que desocupou a Península do Sinai. O país, no entanto, mantém um bloqueio por ar, mar e terra
A Jordânia chegaria a um acordo de paz em 1994. que restringe a circulação de mercadorias, serviços e pessoas.
Em 2007, Gaza passou a ser governada pelo Hamas,
2. Por que Israel foi fundado no Oriente Médio? grupo islâmico que nunca reconheceu os acordos assina‑
A religião judaica diz que a área em que Israel foi fundado dos entre Israel e outros grupos palestinos. Em outubro
é a terra prometida por Deus ao primeiro patriarca, Abraão, deste ano, um acordo de reconciliação entre o Hamas e o
e seus descendentes. laico Fatah – ambos grupos palestinos, porém rivais – deu
A região foi invadida pelos antigos assírios, babilônios, à Autoridade Palestina o controle administrativo de Gaza.
persas, macedônios e romanos. Roma foi o império que no‑
meou a região como Palestina e, sete décadas depois de Cris‑ 4. Israelenses e palestinos nunca se aproximaram da paz?
to, expulsou os judeus de suas terras depois de lutar contra Após a criação do Estado de Israel e o deslocamento
os movimentos nacionalistas que buscavam independência. de milhares de pessoas que perderam suas casas, o movi‑
Com o surgimento do islã, no século 7 d.C., a Palestina foi mento nacionalista palestino começou a se reagrupar na
ocupada pelos árabes e depois conquistada pelas cruzadas Cisjordânia e em Gaza, controlados pela Jordânia e Egito,
europeias. Em 1516, estabeleceu‑se o domínio turco, que respectivamente, e nos campos de refugiados criados em
Geografia Mundial

durou até a Primeira Guerra Mundial, quando o mandato outros países árabes.
britânico foi imposto. Pouco antes da guerra de 1967, organizações palestinas
A Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina como o Fatah, então liderado por Yasser Arafat, formaram
disse em seu relatório à Assembleia Geral em 3 de setembro a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e lança‑
de 1947 que as razões para estabelecer um Estado judeu no ram operações contra Israel, primeiro a partir da Jordânia
Oriente Médio eram baseados em “argumentos com base e, depois, do Líbano. Os  ataques também incluíram alvos
em fontes bíblicas e históricas” e na Declaração de Balfour de israelenses em solo europeu.
1917 – em que o governo britânico se posicionou favorável Em 1987, teve início o primeiro levante palestino contra
a um “lar nacional” para os judeus na Palestina. a ocupação israelense. A violência se arrastou por anos e

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deixou centenas de mortos. Um dos efeitos da intifada foi 7. Por que os EUA são o principal parceiro de Israel?
a assinatura, entre a OLP e Israel em 1993, dos Acordos de Quem apoia os palestinos?
Paz de Oslo, nos quais a organização palestina renunciou à A existência de um importante e poderoso lobby pró‑Is‑
“violência e ao terrorismo” e reconheceu o “direito” de Israel rael nos Estados Unidos e o fato de a opinião pública ser fre‑
“de existir em paz e segurança”, um reconhecimento que o quentemente favorável aos israelenses faz ser praticamente
Hamas nunca aceitou. impossível a um presidente americano retirar apoio a Israel.
Após os acordos assinados em Oslo, foi criada a Autori‑ De acordo com uma pesquisa encomendada pela BBC em
dade Nacional Palestina (ANP), que representa os palestinos 2013 em 22 países, os EUA foram a única nação ocidental
nos fóruns internacionais. O  presidente é eleito por voto com opinião favorável a Israel e a única com uma maioria de
direto. Ele, por sua vez, escolhe um primeiro‑ministro e avaliações positivas (51%).
os membros de seu gabinete. Suas autoridades civis e de Além disso, ambos os países são aliados militares: Israel
segurança controlam áreas urbanas (zona A, segundo Oslo). é um dos maiores receptores de ajuda americana, grande
Somente representantes civis – e não militares – governam parte destinada a subsídios para a compra de armas.
áreas rurais (área B). Palestinos não têm apoio aberto de nenhuma potência.
Jerusalém Oriental, considerada a capital histórica de Na região, o Egito deixou de apoiar o Hamas, cujo apoio
palestinos, não está incluída nesse acordo e é uma das principal hoje é o do Catar.
questões mais polêmicas entre as partes.
Em 2000, a violência voltou a se intensificar na região, 8. O que falta para que haja uma oportunidade de paz
quando teve início a segunda intifada palestina. Desde en‑ duradoura?
tão, israelenses e palestinos vivem num estado de tensão e Israelenses teriam de aceitar a criação de um Estado
conflito permanentes. soberano para os palestinos, o fim do bloqueio à Faixa de
Gaza e o término das restrições à circulação de pessoas e
5. Quais são os principais pontos de conflito? mercadorias nas três áreas que formariam o Estado palestino:
A demora na criação de um Estado palestino inde‑ Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza.
pendente, a  construção de assentamentos israelenses na Grupos palestinos deveriam renunciar à violência e re‑
Cisjordânia e a barreira de Israel a Gaza – condenada pelo conhecer o Estado de Israel.
Tribunal Internacional de Haia  – complicam o andamento Além disso, eles teriam que chegar a acordos razoáveis
de um processo paz.
sobre fronteiras, assentamentos e o retorno de refugiados.
Mas esses não são os únicos obstáculos, como ficou
No entanto, desde 1948, ano da criação do Estado de
claro no fracasso das últimas negociações de paz sérias, em
Israel, muitas coisas mudaram, especialmente a configura‑
Camp David, nos Estados Unidos, em 2000, quando o então
ção dos territórios disputados após as guerras entre árabes
presidente americano Bill Clinton não conseguiu mediar um
e israelenses.
acordo entre Arafat e o então primeiro‑ministro de Israel,
Para Israel, esses são fatos consumados, mas os pales‑
Ehud Barak.
tinos insistem que as fronteiras a serem negociadas devem
As diferenças que parecem irreconciliáveis são: ser aquelas existentes antes da guerra de 1967.
• Jerusalém: Israel reivindica soberania sobre a cidade Além disso, enquanto no campo militar a tensão é
inteira e afirma que a cidade é sua capital “eterna e constante na Faixa de Gaza, há uma espécie de guerra silen‑
indivisivel”, após ocupar Jerusalém Oriental em 1967. ciosa na Cisjordânia, com a construção de assentamentos
A reivindicação não é reconhecida internacionalmente. israelenses, o que reduz, na prática, o território palestino
Os  palestinos querem Jerusalém Oriental como sua nestas áreas.
capital. Mas talvez a questão mais complicada pelo seu simbo‑
• Fronteiras: os palestinos exigem que seu futuro Estado lismo seja Jerusalém, a capital tanto para palestinos quanto
seja delimitado pelas fronteiras anteriores a 4 de junho para israelenses.
de 1967, antes do início da Guerra dos Seis Dias, o que Tanto a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia,
incluiria Jerusalém Oriental, o que Israel rejeita. quanto o grupo Hamas, em Gaza, reinvindicam a parte orien‑
• Assentamentos: ilegais sob a lei internacional, constru‑ tal como a capital de um futuro Estado palestino, apesar de
ídos pelo governo israelense nos territórios ocupados Israel tê‑la ocupado em 1967.
após a guerra de 1967. Na Cisjordânia e em Jerusalém Um pacto definitivo dificilmente será possível sem re‑
Oriental há mais de meio milhão de colonos judeus. solver esse ponto, questão agora ainda mais complexa após
• Refugiados palestinos: os palestinos dizem que os a decisão americana de reconhecer a cidade como capital
refugiados (10,6 milhões, de acordo com a OLP, dos de Israel.
quais cerca de metade são registrados na ONU) têm o A decisão de Trump vai na mesma direção de uma medida
direito de voltar ao que é hoje Israel. Mas, para Israel, aprovada em 1995 pelo Congresso americano, prevendo
permitir o retorno destruiria sua identidade como um a transferência da Embaixada americana em Israel para
Estado judeu. Jerusalém. No entanto, isso nunca havia sido posto em
prática, porque era necessária a aprovação da Presidência
6. A Palestina é um país? dos Estados Unidos.
Geografia Mundial

A ONU reconheceu a Palestina como um “Estado observa‑ Desde então, em todos os semestres, o ato do Congresso
dor não membro” no final de 2012, deixando de ser apenas foi encaminhado aos presidentes americanos, mas a praxe
uma “entidade” observadora. sempre foi renunciar à mudança.
A mudança permitiu aos palestinos participar de debates Apesar de parecer contraditório, foi o que o próprio
da Assembleia Geral e melhorar as chances de filiação a Trump fez – o republicano também assinou a renúncia, para
agências da ONU e outros organismos. que haja tempo de iniciar a transferência da embaixada, mas
Mas o voto não criou um Estado palestino. Um ano anunciou publicamente o reconhecimento da cidade como
antes, os palestinos tentaram, mas não conseguiram, apoio capital israelense, o que tem um efeito político importante
suficiente no Conselho de Segurança. no cenário internacional.

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MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS em 1990 e 34% em 2010. São também as mais difíceis de
INTERNACIONAIS E CRESCIMENTO definir, pois envolvem a maior variedade de determinantes e
características. Percebem‑se migrações econômicas de países
DEMOGRÁFICO pobres para países de renda média; migrações motivadas por
setores e nichos específicos; uma série de migrações circula‑
A migração sempre fez parte das sociedades humanas. res e sazonais; uma mobilidade relativamente “horizontal”
A mobilidade e a capacidade de adaptação a distintos am‑ entre países próximos; migrações motivadas por questões
bientes são marcas registradas da nossa história evolutiva. étnicas e religiosas, instabilidades econômica e política e,
A International Organization for Migration, da Organização mesmo, por conflitos civis e militares; dentre outras.
das Nações Unidas (ONU), estima haver em torno de um Um quarto processo de destaque é a expansão do
bilhão de migrantes no mundo, cerca de 230 milhões vivendo número de refugiados. Os centros urbanos, cada vez mais
fora dos seus países de origem (migrantes internacionais). populosos, tornam‑se o foco dos conflitos militares, e  o
Mais de 10% da população dos países desenvolvidos é aumento do poder bélico faz crescer a mortalidade e a
estrangeira, proporção de 1,6% nos países periféricos. Em destruição. Na África e no Oriente Médio, Estados divididos
números absolutos, são 135 milhões de migrantes interna‑ em grupos religiosos e étnicos rivais sediam disputas com
cionais vivendo em países desenvolvidos e 95 milhões em objetivo frequente de subjugar, expulsar ou exterminar os
países periféricos. adversários, motivando a migração forçada. O Oriente Mé‑
O aumento das desigualdades entre países ricos e pobres dio, alvo de disputas geopolíticas e invasões externas nas
durante o século XX, a evolução nas tecnologias de transpor‑ últimas décadas, é origem de grande parte dos atuais con‑
te e a globalização sugerem que migrações internacionais flitos e, consequentemente, dos refugiados. A ONU estimou
estariam expandindo‑se rapidamente. Ainda que isso tenha existirem 16,7 milhões de refugiados internacionais no final
ocorrido em termos absolutos, a  proporção de migrantes de 2013 (7,2% dos migrantes) e 33 milhões de refugiados
internacionais em relação à população mundial é baixa e internos, números maiores hoje, após o agravamento das
tem aumentado pouco, de 2,9% para 3,2% entre 1990 e crises síria e iraquiana. Países em desenvolvimento abrigam
2013, segundo dados da ONU. São limitantes os custos e as 86% dos refugiados, e cerca de 50% vivem em campos da
barreiras associados à migração (financeiros, de informação, ONU; 40% são crianças, e quase a totalidade tem poucos ou
culturais e sociais) e as políticas restritivas dos Estados Nacio‑ nenhum direito social e político. A dificuldade de retorno e
nais, que aumentam esses custos e diminuem os benefícios de concessão de asilo faz com que dois terços dos atuais
potenciais (restringindo o acesso à vida econômica e social). refugiados estejam, há mais de cinco anos, nessa situação.
A  complexidade dos movimentos, porém, é  crescente; Conectada a todos esses movimentos migratórios, há
podendo‑se definir, aqui, quatro grandes processos: uma uma transformação estrutural da organização territorial das
pressão migratória dos países em desenvolvimento para pa‑ sociedades em proporções inéditas: um processo de urba‑
íses desenvolvidos (migração Sul‑Norte); a maior mobilidade nização iniciado na Europa Ocidental, ainda no século XVIII,
de uma elite global entre países desenvolvidos e redes glo‑ e que determina a maior parte dos deslocamentos humanos
bais, fruto do enriquecimento e da complexidade produtiva contemporâneos. Em 2009, uma publicação da UN‑Habitat
nessas sociedades (Norte‑Norte); a mobilidade entre países estimou que, a cada semana, cerca de três milhões de pesso‑
em desenvolvimento (Sul‑Sul); e, por fim, a consolidação e as migram de áreas rurais para urbanas no mundo, a maioria
o aumento no número de refugiados. sem sair de seu país. Países desenvolvidos e América Latina
A migração do Sul para o Norte global é determinada, já possuem altas taxas de urbanização, mas, na maior parte
em grande parte, pela maior renda e pela condição de vida da Ásia e da África, o processo é relativamente recente e
proporcionada nos países desenvolvidos. A  possibilidade ocorre em alta velocidade. De 1950 a 2013, a  população
de ganhar para além da subsistência, em moedas fortes, urbana passou de 30% para 54% da população mundial;
permite ao migrante enviar dinheiro para a família no país estima‑se que deve chegar a quase 70% em 2050. Um a cada
de origem, ou acumular para investir no retorno. Estudar ou oito habitantes de áreas urbanas vive em uma das 28 cidades
ter experiência de trabalho em um país desenvolvido tam‑ com mais de 10 milhões de habitantes. Entre os migrantes
bém tende a aumentar as possibilidades de sucesso em um internacionais, a concentração em grandes cidades é ainda
eventual retorno ao país de origem. O número de migrantes maior: segundo o relatório da ONU sobre migrações inter‑
que fez esse caminho passou de 40 milhões em 1990 para nacionais de 2015, 20% dos migrantes internacionais vivem
74 milhões em 2010, abarcando 35% de todos migrantes. em uma das 19 metrópoles cuja população ultrapassa um
Há também a expansão da mobilidade de uma elite milhão de estrangeiros (nove cidades na América do Norte,
global, em grande parte entre países desenvolvidos. A glo‑ três na Europa, três no Oriente Médio, duas no Sudeste
balização é voltada ao movimento de capitais e mercadorias, Asiático e duas na Austrália).
e não à circulação de trabalhadores entre Estados Nacionais; A natureza dos processos migratórios também vem mu‑
ainda assim, estudantes e profissionais altamente qualifica‑ dando qualitativamente. Migrações temporárias e circulares
dos ou com elevados recursos financeiros enfrentam menos aumentam com o avanço nas tecnologias de transporte,
restrições e têm alta mobilidade. A maior parte desses movi‑ ainda que grande parte da humanidade não tenha condi‑
mentos é percebida na migração Norte‑Norte, entre países ções de se apropriar delas. A internet e outras tecnologias
desenvolvidos, cujo estoque aumentou de 42 milhões para de comunicação aumentam a capacidade do migrante de
Geografia Mundial

53 milhões entre 1990 e 2010. O Norte global abrange 17% se informar sobre o país de destino, assim como permitem
da população mundial, mas é origem de 31% dos migrantes manter laços com o local de origem. Avanços nas tecnologias
internacionais (80% desses vivendo em outro país desenvol‑ de monitoramento e controle podem dificultar a migração
vido). Apesar de predominantemente ligado às nações ricas, irregular, aumentando o poder dos Estados em fazer política
países de renda média, como China, Índia, México e Brasil, migratória. O  envelhecimento das populações nos países
têm setores econômicos e sociais inseridos nessas redes. desenvolvidos e de renda média pode ser fator de pressão
As migrações Sul‑Sul até recentemente respondiam para aliviar restrições. O aquecimento global, a elevação dos
pela maior parte dos movimentos humanos, mas perderam mares, a deterioração de solos e rios, os desastres ambien‑
importância relativa, sendo 40% da população migrante tais e eventos climáticos e sísmicos extremos podem gerar

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importantes movimentos humanos nas próximas décadas, 2015. Só na primeira semana de 2016, 409 pessoas morreram
potencializados pelo aumento do número de habitantes de nessa mesma situação.
áreas de risco, resultante da disputa por espaços urbanos Apesar de a crise dos refugiados ter atingido a Europa
escassos. com força neste ano, a maior parte das pessoas que fugiram
O desenvolvimento das forças produtivas e o avanço da guerra na Síria dirigiu‑se principalmente para cinco pa‑
tecnológico devem seguir engendrando aumento na com‑ íses do Oriente Médio: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e
plexidade e no volume dos movimentos populacionais, mas Egito. Estes receberam pelo menos 4,3 milhões de pessoas
os Estados Nacionais tendem a manter ou expandir sua desde o início da crise. Essas nações concentram 95% dos
capacidade de limitá‑los conforme seus interesses. Ampliar refugiados sírios e demandam muito mais assistência dos
o diálogo e construir uma política coordenada internacional‑ serviços públicos do que em países europeus – apesar de,
mente para lidar com as migrações tornam‑se, nesse cenário, nesse continente, a discussão sobre receber ou não os re‑
ações essenciais para garantir o respeito às liberdades e aos fugiados causar muito mais polêmica e hostilidade do que
direitos de grande parte da população mundial. no Oriente Médio.
Por serem países mais próximos à Síria, os países árabes
Crise de Refugiados são os principais destinos de populações refugiadas. Porém,
eles têm pouca ou nenhuma estrutura para receber tantas
Os refugiados são um grupo específico de imigrantes e pessoas num intervalo tão curto de tempo. Há dificuldades
têm essa denominação por conta de uma convenção feita em conceder quesitos básicos, como alimentação, educação
em 1951 que trouxe regulamentação aos diferentes tipos de para as crianças e abrigo. Por esse motivo, alguns desses
imigrantes. Refugiado é uma pessoa que sai de seu país por Estados até impuseram regras para receber refugiados.
conta de “fundados temores de perseguição por motivos Conheça a situação dos principais destinos de refugiados:
de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões • Líbano: o total de sírios refugiados no Líbano superou 1
políticas”, em situações nas quais “não possa ou não queira milhão de pessoas, o que equivale a 25% da população
regressar”. do país. Por esse motivo, entraram em vigor em 2015
A ONU considera esta a pior crise humanitária do século. novas exigências para os estrangeiros que chegam,
Em 2015, o grupo de pessoas que se deslocou de seus países como pagamento de uma taxa para obtenção de
fugindo de perseguições políticas e guerras chegou a 65,3 autorização de permanência – válida por no máximo
milhões – não em trânsito no momento, mas que passaram um ano.
por essa situação desde que esses números são compilados. • Jordânia: segundo o rei Abdullah Ibn Al‑Hussein, a Jor‑
O número registrou alta de 9,7% na comparação com 2014, dânia está “em ponto de ebulição”, já que os sírios
depois de uma estabilidade entre 1996 e 2011. refugiados equivalem a 20% da população jordaniana,
A origem da maior parte dos refugiados é a África (so‑ e o país não tem condições de assegurar serviços pú‑
bretudo Subsaariana) ou o Oriente Médio (especialmente blicos aos que chegam.
Síria e Iraque). Eles fogem por conta de conflitos internos, • Turquia: A Turquia tornou‑se o principal destino dos
guerras, perseguições políticas, ações de grupos terroristas refugiados – mais de 2 milhões de sírios cruzaram a
e violações aos direitos humanos. Metade do fluxo anual de fronteira entre os dois países. Por causa da grande de‑
refugiados são sírios, devido à fuga da guerra civil em que o manda, disponibiliza mais de 20 campos de refugiados,
país está desde 2011. mas os abrigos são insuficientes para atender a todos
os migrantes sírios, e muitos deles estão sem nenhuma
A Crise dos Refugiados e a Guerra Civil na Síria assistência.
• Europa: A situação da Turquia preocupa a União Euro‑
Como já foi mencionado, metade do fluxo anual de peia (UE), pois a maioria dos refugiados que chega ao
refugiados são sírios, devido à fuga da guerra civil em que o país tem como destino final nações europeias como
país está desde 2011. De acordo com dados de 2016 da ONU, Alemanha e Áustria. Por isso, os líderes da UE fecharam
13,5 milhões de sírios dependem de assistência humanitária, um acordo com a Turquia para o país melhorar as con‑
o equivalente a ¾ da população do país. Além disso: dições dos abrigos e ampliar a permissão de trabalho
• 70% dessa população não tem acesso à água potável; aos sírios.
• 1 em cada 3 pessoas não se alimenta com o básico da
nutrição necessária; A União Europeia é um bloco de países em que imperam
• Mais de 2 milhões de crianças não vão à escola; algumas regras – que não se aplicam a todos eles, mas à
• 1 em cada 5 pessoas vive em situação de pobreza. maioria. Algumas dessas regras entraram em discussão com
o agravamento da crise dos refugiados, como a livre circula‑
Devido a este panorama que se construiu nos últimos ção de pessoas e de mercadorias. As regras de concessão de
anos, principalmente em decorrência da Primavera Árabe, asilo político também estão em debate, pois o asilo deve ser
vários países ao redor do mundo, principalmente na Europa e feito no país em que o migrante entra no bloco e, por isso,
na Ásia, têm se preparado para abrigar refugiados. A priorida‑ coloca pressão nos países das fronteiras que mais recebem
de é diminuir o sofrimento dessas populações e proporcionar refugiados, como Hungria, Grécia e Itália.
auxílio adequado quando eles imigram para tal país. Países como Alemanha e Suécia têm aceitado abrigar
Os países que mais servem como porta de entrada de refugiados com mais liberdade e menos restrições. Porém,
refugiados na Europa são Grécia e Itália, ambos adentráveis alguns países impõem mais restrições a essas pessoas, como
Geografia Mundial

pelo Mar Egeu e Mediterrâneo, respectivamente. Para fazer você pode ver a seguir.
essa travessia, os refugiados se colocam em alto risco, tama‑ Hungria: O país tem no governo um primeiro‑ministro
nho o desespero de sair de seus países. conservador, que profere o discurso de dever em “defender
Para a Europa, as  travessias são normalmente feitas a cultura da Hungria e da Europa”. Além dele, o governo tem
em embarcações de estrutura precária e com preços supe‑ instituído políticas a fim de não acolher pessoas em situação
rinflados. Alguns refugiados vendem todos os seus bens e de refugiadas. Construíram um muro de 175km na fronteira
utilizam todo o dinheiro para pagar pela viagem. Segundo a com a Sérvia (que não integra a U.E.), aprovou leis que pu‑
Organização Internacional para as Migrações, morreram ou nem com até 3 anos de prisão quem entrar ilegalmente no
desapareceram 3.771 pessoas nessas travessias no ano de país e que permitem deportar quem estiver nessa situação.

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Áustria: O país lida com a situação dos refugiados da A atual população mundial de 7,3 bilhões de pessoas vai
mesma forma que a Hungria, anunciando a intenção de alcançar a marca de 8,5 bilhões até 2030, e de 9,7 bilhões
construir um muro para servir de barreira ao crescente em 2050. Com esse ritmo, o  planeta deve chegar a 2100
número de migrantes chegando ao seu território. O muro com 11,2 bilhões de seres humanos, um crescimento de 53%
ainda não saiu do papel. em relação ao presente. Essas previsões estão no relatório
Grécia: A Grécia está sofrendo uma crise econômica “Perspectivas da População Mundial: A Revisão de 2015”,
e política bárbara desde 2008, mas como é um dos prin‑ publicado nesta quarta‑feira pela Organização das Nações
cipais pontos de acesso à Europa, está recebendo muitos Unidas (ONU).
refugiados. O governo, porém, afirma não ter condições de China e Índia continuarão como os países mais populo‑
recebê‑los e pediu ajuda aos demais países europeus. sos, cada um atualmente com cerca de 1 bilhão de pessoas
(19 e 18% da população mundial, respectivamente), mas o
O papel da Alemanha estudo, divulgado durante uma entrevista coletiva na sede
da ONU, em Nova York, diz que a Índia deve ultrapassar a
A política que a Alemanha instituiu para ajudar na crise China até 2022.
dos refugiados foi a de aliviar a pressão sobre os países de Política que proíbe casais de terem segundo filho foi instituída
fronteira com o norte da África e a Ásia, permitindo que em 1980, mas vem sendo relaxada nos últimos anos
os refugiados sírios peçam seus vistos lá mesmo já tendo Com a maior taxa de crescimento populacional, a África
transitado em outros países europeus. A chanceler Angela deve responder por mais da metade do avanço demográfico
Merkel e o governo alemão adotaram uma política de portas de 2015 a 2050. Hoje, 41% das pessoas no continente têm
abertas, recebendo 800 mil pessoas em 2015. até 15 anos, e 19% têm de 15 a 24 anos. Também de acordo
As justificativas principais dessa política de acolhimento com o relatório, metade do crescimento populacional do
são razões demográficas e econômicas, um influenciando planeta nos próximos 35 anos vai se concentrar em nove
diretamente no outro. Todo o continente europeu está so‑ países: Índia, Nigéria, Paquistão, República Democrática
frendo com o envelhecimento da população, devido à alta do Congo, Etiópia, Tanzânia, Estados Unidos, Indonésia e
expectativa de vida que a população tem lá. Uma implicação Uganda. Ou seja, países com alta taxa de fertilidade ou que
desse fato é o crescimento do índice de dependência de já têm grandes populações.
idosos. O número de pessoas que não estão em idade de “Entender as mudanças demográficas que provavelmente
trabalhar é maior do que o de pessoas em idade de trabalho vão ocorrer nos próximos anos, assim como os desafios e
e que paga impostos. Outro número relacionado a essas oportunidades que elas apresentam para o desenvolvimento
questões é a baixa taxa de natalidade e, por isso, leva ao sustentável, é  importante para a implementação de uma
declínio no número de habitantes. nova agenda de desenvolvimento”, afirmou Wu Hongbo,
Esses fenômenos estão acontecendo na Europa em geral secretário‑geral da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais,
e são os principais motivos pelos quais tanto a Alemanha sobre os resultados apontados no relatório.
como todo o continente europeu precisam da força de Atualmente, dos dez países mais populosos do mundo,
um está na África (Nigéria), cinco na Ásia (Bangladesh, China,
trabalho de imigrantes para que saiam dessa encruzilhada
Índia, Indonésia e Paquistão), dois na América do Sul (Brasil
demográfica. Uma das medidas de Merkel foi propor a
e México), um na América do Norte (EUA) e um na Europa
realocação de 160 mil refugiados que estão na Itália e na
(Rússia). Sétima maior população do mundo, a  Nigéria é
Grécia a outros países europeus – a política foi aprovada e
o país que apresenta maior ritmo de crescimento, e deve
tem prazo de dois anos.
ultrapassar os EUA até 2050, ocupando a terceira posição
entre os mais populosos.
Desaprovação
Até 2050, segundo o estudo, a população dos 28 países
africanos deve crescer em mais de 100%. Até 2100, pelo me‑
As principais questões que desagradam tanto a população nos dez dessas nações observarão um avanço demográfico
do país como a de países vizinhos são: receio quanto a merca‑ de mais de cinco vezes. São eles: Angola, Burúndi, República
do de trabalho, a extensão de serviços públicos aos refugiados do Congo, Malauí, Malu, Niger, Somália, Uganda, República
e que sistemas de benefícios do país se aplique a eles, também. Unida da Tanzânia e Zâmbia.
O alto gasto do governo alemão, estimado em 6 bilhões de O crescimento da África será puxado por sua atual popu‑
euros, para lidar com o fluxo de imigrantes que chegou ao país lação de jovens, que vão chegar à idade adulta nos próximos
também preocupa a população. Isso fez com que o governo anos e começarão a ter filhos, garantindo o papel central do
tomasse posturas mais rígidas quanto à concessão de asilo ou continente no crescimento e na distribuição da população
refúgio e o controle do número de refugiados. mundial nas próximas décadas.
O relatório aponta ainda que as futuras taxas de cres‑
Crescimento Demográfico cimento populacional dependem dos caminhos que os
comportamentos de fertilidade irão tomar, já que pequenas
mudanças quando projetadas nas próximas décadas podem
gerar grandes diferenças na população total do planeta. Nos
últimos anos, a taxa de fertilidade do mundo vem se redu‑
zindo em praticamente todas as áreas do mundo, mesmo
Geografia Mundial

na África.

Aumento da População com 60 Anos ou Mais

A consequência dessa tendência é um crescimento da


população em terceira idade em todo mundo: a expectativa é
que o número de pessoas com 60 anos ou mais deve dobrar
em todo mundo até 2050, e triplicar até 2100. Na Europa,
os idosos devem passar a representar 34% da população do

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continente nos próximos 35 anos. Já na África, que possui a Comum (também chamado Relatório Brundtland, em home‑
população mais jovem do planeta, a representatividade da‑ nagem à presidente da comissão, Gro Harlem Brundtland,
queles com 60 anos ou mais deve pular de 5%, atualmente, então primeira ministra da Noruega).
para 9% no período. Lançado em 1987, o documento apontou a incompatibi‑
lidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de
Maior Expectativa de Vida e Metas do Milênio produção e consumo da época. O relatório, que pela primeira
vez definiu o conceito de desenvolvimento sustentável, não
A expectativa de vida no nascimento, que registrou um sugeriu a estagnação do crescimento econômico, mas sua
crescimento significativo nos países pobres nos últimos conciliação com as questões ambientais e sociais. O docu‑
anos, chegando a 62 anos entre 2010 e 2015 – numa taxa mento enfatizou os perigos do aquecimento global e da
de crescimento duas vezes maior que a do resto do mundo. destruição da camada de ozônio e afirmou que a velocidade
Apesar da previsão do índice continuar a crescer, o relatório das mudanças era maior do que a capacidade dos cientistas
aponta que a sua velocidade de crescimento, no entanto, de avaliá‑las e propor soluções.
deve diminuir significativamente em grandes regiões entre
2045 e 2050. Cúpula da Terra / Rio-92 – 1992
Uma das principais Metas do Milênio, a redução da taxa
de mortalidade infantil antes dos 5 anos de idade tem sido Vinte anos depois da conferência de Estocolmo, foi a vez
realizada com sucesso nos últimos anos. Entre os períodos do Brasil sediar uma nova reunião convocada pela Assem‑
de 2000-2005 e 2010-2015, esse índice caiu mais de 30% em bleia Geral das Nações Unidas. A Rio-92 ou Eco-92 reuniu
86 países, dos quais 13 viram um declínio de mais de 50%. líderes mundiais e entidades ambientais no Rio de Janeiro
Em 156 países, a redução da taxa foi de 20%. para analisar a evolução das políticas de proteção ambiental.
No encontro, os objetivos principais foram:
Jovens Representam Oportunidade

De acordo com a ONU, o fato dos jovens representarem


Cúpula da Terra / Rio-92 / CNUMAD/ Eco-
uma grande parcela da população de diversas áreas do 92 – 1992
planeta cria a oportunidade para vários países capturarem
dividendos demográficos que podem ajudar no seu desen‑ • avaliar a situação ambiental de acordo com o desen‑
volvimento. volvimento;
Na África, por exemplo, os  jovens com menos de 15 • estabelecer mecanismos de transferência de tecnolo‑
anos representam 41% da população atual, e aqueles até 24 gias não‑poluentes aos países em desenvolvimento;
anos, 19%. Na América Latina e Caribe, e na Ásia, que têm • examinar estratégias para a incorporação de preocu‑
registrado um declínio na sua taxa de fertilidade, as crianças pações ambientais ao processo de desenvolvimento;
representam 26% e 24% da sua população, respectivamen‑ • estabelecer um sistema de cooperação internacional
te – um total de 1,7 bilhão de crianças e 1,1 bilhão de jovens. para prever ameaças ambientais e prestar socorro em
casos de emergência;
• reavaliar o sistema de organismos da ONU, criando,
A QUESTÃO ECOLÓGICA EM NÍVEL se necessário, novas instituições para implementar as
MUNDIAL decisões da conferência.

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Participaram da Rio-92 172 países, representados por
Ambiente Humano – 1972 aproximadamente 10 mil participantes, incluindo 116 chefes
de Estado. Integrantes de cerca de 1.400 organizações não
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente governamentais também receberam credenciais para acom‑
Humano foi realizada em 1972 em Estocolmo, na Suécia, para panhar as reuniões. Desde então, o papel dessas entidades
discutir problemas ambientais no mundo. Idealizada pela foi se tornando cada vez mais importante nas negociações
Organização das Nações Unidas (ONU), a Conferência alertou internacionais sobre o meio ambiente.
os países sobre as consequências da degradação do meio A Cúpula da Terra produziu cinco documentos que, en‑
ambiente para o planeta. Esta foi a primeira atitude (confe‑ tre outros aspectos, alertavam para a necessidade de uma
rência) mundial a discutir a preservação do meio ambiente. urgente mudança de comportamento, com o objetivo de
Representantes de 113 nações, de 250 organizações não preservar a vida na Terra. Foram eles:
governamentais e de organismos da ONU compareceram ao • Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvol‑
evento. Os  debates tiveram como resultado a Declaração vimento
sobre o Meio Ambiente Humano, uma carta de princípios de • Agenda 21
comportamento e responsabilidades que deveriam nortear • Princípios para a Administração Sustentável das Flo‑
as decisões sobre políticas ambientais. Um plano de ação restas
também foi redigido e convocava os países, organismos das • Convenção da Biodiversidade
Nações Unidas e organizações internacionais a cooperarem • Convenção sobre Mudança do Clima
na busca de soluções para os problemas ambientais.
Conferência das Partes 3 – 1997
Geografia Mundial

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento – 1983 a 1986 Em 1997 foi a vez de Quioto, no Japão, sediar a terceira
Conferência das Partes (COP 3), que resultou no Protocolo de
A Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvol‑ Quioto. O documento foi um dos mais importantes marcos
vimento foi criada pela ONU em 1983, após uma avaliação para a preservação do meio ambiente por definir compromis‑
dos 10 anos de vigência das ações propostas na Conferência sos mais rígidos para redução da emissão de gases de efeito
de Estocolmo. Nos primeiros três anos, o novo organismo estufa, principal causador do aquecimento global.
promoveu discussões entre líderes de governo e membros O Protocolo de Quioto propôs um calendário para países
da sociedade civil, que resultaram no Relatório Nosso Futuro industrializados reduzirem as emissões combinadas de gases

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de efeito estufa. Para que pudesse começar a valer, seria Conferência das Nações Unidas sobre
necessária a ratificação de pelo menos 55 países, que juntos Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) – 2012
deveriam corresponder por pelo menos 55% das emissões
globais de gases do efeito estufa. O  protocolo entrou em Vinte anos após a Rio 92, mais de 45 mil participantes,
vigor em fevereiro de 2005, mesmo sem adesão dos Estados entre chefes de governo e sociedade civil, voltaram a se
Unidos, um dos principais países emissores de gás estufa. reunir na cidade do Rio de Janeiro, entre 13 e 22 de junho
Importante: COP trata‑se do órgão máximo da Conven‑ de 2012. O documento final da conferência, intitulado “O
ção do Clima, composta pelos países que a ratificaram e são Futuro Que Queremos” (conteúdo em inglês), apontou a
responsáveis pela sua implementação. A primeira reunião, pobreza como o maior desafio a ser combatido.
COP 1, foi realizada em 1995, em Berlim, na Alemanha. Em O texto também defende o fortalecimento do Programa
dezembro de 2017, aconteceu a COP 15, em Copenhagen, da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) e a criação de um
na Dinamarca. órgão político para apoiar e coordenar ações internacionais
para o desenvolvimento sustentável.
Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Além disso, os 188 países presentes na Rio+20 se compro‑
meteram a investir US$ 513 bilhões em projetos, parcerias,
Sustentável – 2002 programas e ações nos próximos dez anos nas áreas de
transporte, economia verde, energia, proteção ambiental,
A Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento desertificação e mudanças climáticas, entre outros.
Sustentável, também chamada de Rio+10, aconteceu em
Johanesburgo, na África do Sul, em 2002. O  objetivo era
Refugiado Climático
avaliar os avanços e identificar os obstáculos que impediram
os países de promoverem grandes avanços em relação aos Tema bastante atual no Direito Ambiental, notadamente
compromissos assumidos na Rio-92. no âmbito do Direito Internacional do meio ambiente, é o dos
Na Conferência foram escritos dois documentos: o Plano refugiados ou deslocados climáticos e ambientais. Segundo
de Implementação, que tem como base os resultados conse‑ estimativa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
guidos desde a Rio-92 e busca acelerar o cumprimento dos refugiados, apresentada em 2008, aproximadamente 250
demais objetivos, e  a Declaração Política, que reafirma o milhões de pessoas serão levadas a se deslocar no curso
compromisso dos países com o desenvolvimento sustentável. deste século, em razão da evolução do clima, das condições
meteorológicas extremas, da diminuição das reservas de
Conferência de Bali – 2007 água e da degradação das terras agrícolas, eventos esses
resultantes do aquecimento global. Tais deslocamentos ocor‑
A Conferência de Bali, na Indonésia, em 2007, teve o rerão no interior dos Estados e entre os mais diversos países.
objetivo de traçar metas ainda mais ambiciosas do que as Há controvérsia a respeito da denominação a ser dada a
estabelecidas pelo Protocolo de Quioto quanto às emissões essas pessoas como verdadeiros “refugiados”. Isso porque,
de gases do efeito estufa. O resultado da conferência foi o nos termos da Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos
Mapa do Caminho, nome sugerido pela delegação brasileira, Refugiados, de 1951, “refugiado” é a pessoa que teme ser
acordado por 190 nações, que não definiu porcentagens de perseguida em razão da sua raça, da sua religião, da sua na‑
redução, mas estabeleceu a data em que um acordo real‑ cionalidade, do fato de pertencer a um determinado grupo
mente efetivo terá que ficar pronto: dezembro de 2009, na social ou em função de suas opiniões políticas; situações
reunião COP 15 na Dinamarca. que, à evidência, não abrangem os refugiados climáticos e
ambientais. Daí se falar, também, em “deslocados” climáticos
e ambientais.
Conferência de Copenhague – 2009 Os refugiados ou deslocados ambientais, em termos
gerais, são as pessoas forçadas a deixar o lugar em que
Tal como nos eventos anteriores, foi a vez da capital da vivem, de maneira temporária ou permanente, em virtude
Dinamarca sediar uma conferência mundial em busca de so‑ de eventos climáticos e ambientais, de origem natural ou
luções para o aquecimento global e firmar de vez um acordo humana, que colocam em perigo a sua existência ou afetam
a ser seguido pelos países mais ricos em prol dos mais pobres. seriamente a sua condição de vida. Mais especificamente,
Porém, ao contrário das expectativas, a COP-15 não obteve os refugiados ou deslocados climáticos são as pessoas que
o sucesso que se esperava e o Acordo de Copenhague, um deixaram imediatamente ou estão na iminência de deixar
documento de apenas 12 parágrafos, não possui a represen‑ em um futuro próximo o lugar em que vivem, em razão de
tatividade ou até mesmo legalidade necessária. Após muita uma súbita ou gradual alteração do meio natural causada por
expectativa, o planeta ainda se vê sem um acordo efetivo algum dos impactos causados pelas mudanças climáticas:
entre as nações que poderá lhe ajudar a voltar a respirar. aumento do nível dos oceanos, eventos climáticos extremos
(tempestades, ciclones, tornados), seca e diminuição da
Conferência do Clima da ONU de Durban – 2011 disponibilidade de água.
Discute‑se, então, sobre a proteção a ser dada às
Evento realizado em Durban, na África do Sul, reuniu pessoas que se encontram nessa condição de deslocados
climáticos e ambientais. Basicamente, duas estratégias são
representantes de 190 nações para decidir pela renovação –
imaginadas para tratar desse problema sob a ótica do direito
ou não – no mais importante acordo feito até então para
internacional.
Geografia Mundial

contenção dos gases de efeito estufa: o Protocolo de Quioto. A primeira delas é a modificação dos instrumentos
Ao final, a COP 17 lançou as bases de um futuro acordo de convencionais internacionais já existentes, como a aludida
controle da poluição que deverá ser aprovado até 2015 e Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados ou a própria
entrar em vigor apenas a partir de 2020 – o que foi alvo de Convenção‑Quadro sobre as Mudanças Climáticas, para
críticas de ambientalistas pelo mundo todo. incluir, em seus textos respectivos ou em protocolos adicio‑
Outra estrutura definida foi o Fundo Verde do Clima que, nais, a proteção dos refugiados ou deslocados climáticos e
também a partir de 2020, dará suporte financeiro para inicia‑ ambientais.
tivas de combate às mudanças do clima mundial. Inicialmente A segunda estratégia é a elaboração de uma nova
o fundo terá aporte de US$ 100 bilhões. convenção internacional específica sobre o assunto. Nesse

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sentido, existe já um texto regional, elaborado pela União nacionais. Não se trata, à evidência, de documento obriga‑
Africana, que adotou uma convenção sobre a proteção e a tório, como o seria uma convenção internacional sobre o
assistência às pessoas deslocadas, embora apenas no plano assunto. Ademais, e por essa mesma razão, não reconhece
interno dos países. direitos específicos dos deslocados climáticos e ambientais.
Além disso, existe, também, um Projeto de Convenção Ocorre que a opção pela elaboração de uma simples agen‑
Internacional sobre o Estatuto Internacional dos Deslocados da, sem caráter mandatório ou vinculante para os Estados,
Ambientais, proposto por um grupo de juristas do direito sem o reconhecimento de direitos específicos e apoiada em
ambiental e dos direitos humanos ligados à Universidade soluções a serem adotadas de preferência nos próprios países
de Limoges, na França. Essa convenção teria vocação uni‑ de origem, não basta para o tratamento de um assunto crucial
versal, para adoção por todos os países e não apenas em para o futuro de populações inteiras, que frequentemente se
um contexto regional específico, com a consagração de um vêm forçadas a abandonar os lugares e os países onde vivem
estatuto jurídico específico para os deslocados ambientais. em virtude de eventos climáticos e ambientais para os quais
Mas o que se discute quando se alude à proteção interna‑ não contribuíram diretamente e de que são as maiores vítimas.
cional dos deslocados ambientais, seja pela modificação de Tal agenda pode, inclusive, no limite, mostrar‑se refratária ao
documentos existentes, seja pela criação de uma convenção ideal de solidariedade entre os povos, pela falta de obrigato‑
internacional específica, com ou sem o estabelecimento de riedade dos compromissos assumidos e pelo caráter discri‑
um estatuto jurídico que lhes seja próprio? cionário e aleatório da contribuição dos Estados envolvidos.
Por um lado, defende‑se o reconhecimento de uma
série de direitos fundamentais dos deslocados ambientais, COP 21
considerados como tais não apenas as pessoas individual‑
mente, mas famílias e populações inteiras. A proteção, nesses Na 21ª Conferência das Partes (COP21) da UNFCCC, em
termos, levaria em conta não os indivíduos, mas grupos Paris, foi adotado um novo acordo com o objetivo central
inteiros e teria como objetivo assegurar tratamento digno de fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do
a todos os que se encontram nessa condição, inclusive nos clima e de reforçar a capacidade dos países para lidar com
deslocamentos transfronteiriços externos. os impactos decorrentes dessas mudanças.
Entre os direitos fundamentais dos deslocados am‑ O Acordo de Paris foi aprovado pelos 195 países Parte
bientais, a serem garantidos pelos países de acolhimento, da UNFCCC para reduzir emissões de gases de efeito estufa
incluem‑se o direito à manutenção do grupo familiar, o di‑ (GEE) no contexto do desenvolvimento sustentável. O com‑
reito à vida, o direito à dignidade, o direito à saúde, o direito promisso ocorre no sentido de manter o aumento da tempe‑
à alimentação e à água, o  direito à moradia, o  direito ao ratura média global em bem menos de 2ºC acima dos níveis
trabalho, o  direito à educação e à formação profissional, pré‑industriais e de envidar esforços para limitar o aumento
o direito a ser sujeito de direito, o direito de não ser recusado da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré‑industriais.
pelo país escolhido para o acolhimento. Para que comece a vigorar, necessita da ratificação de
Por outro lado, prevê‑se, a fim de garantir a efetivação pelo menos 55 países responsáveis por 55% das emissões
de todos os direitos consagrados, ampla cooperação inter‑ de GEE. O  secretário‑geral da ONU, numa cerimônia em
nacional, com a constituição de um fundo de ajuda e de Nova York, no dia 22 de abril de 2016, abriu o período para
compensação aos países de acolhimento, observado, em assinatura oficial do acordo, pelos países signatários. Este
qualquer circunstância, o  princípio das responsabilidades período se encerrou em 21 de abril de 2017.
comuns, mas diferenciadas, entre os Estados. Dessa maneira, Para o alcance do objetivo final do Acordo, os governos
na repartição dos encargos, não só com o fundo, mas com o se envolveram na construção de seus próprios compro‑
próprio acolhimento, os países do Norte, mais desenvolvidos, missos, a  partir das chamadas Pretendidas Contribuições
que têm responsabilidade histórica maior nas mudanças Nacionalmente Determinadas (iNDC, na sigla em inglês). Por
climáticas, deveriam assumir uma carga igualmente maior. meio das iNDCs, cada nação apresentou sua contribuição de
A elaboração de uma convenção internacional sobre a redução de emissões dos gases de efeito estufa, seguindo o
matéria e a consagração de um estatuto jurídico específico que cada governo considera viável a partir do cenário social
para os deslocados climáticos e ambientais defrontam‑se, e econômico local.
como é fácil de compreender, com resistências importantes, Após a aprovação pelo Congresso Nacional, o Brasil con‑
não só daqueles que temem o aumento dos movimentos de cluiu, em 12 de setembro de 2016, o processo de ratificação
migração em massa dos países periféricos mais fortemente do Acordo de Paris. No dia 21 de setembro, o instrumento
atingidos pelas mudanças climáticas para os países centrais, foi entregue às Nações Unidas. Com isso, as metas brasileiras
como, até mesmo, de especialistas na matéria e do próprio deixaram de ser pretendidas e tornaram‑se compromissos
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. oficiais. Agora, portanto, a sigla perdeu a letra “i” (do inglês,
O máximo que se conseguiu, até o momento, afora as intended) e passou a ser chamada apenas de NDC.
iniciativas regionais, foi o estabelecimento, na órbita inter‑ A NDC do Brasil comprometeu‑se a reduzir as emissões
nacional, no ano de 2015, de uma “agenda para a proteção de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005,
das pessoas deslocadas para além das fronteiras no contexto em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de
de catástrofes e mudanças climáticas”, sob os auspícios da reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo
iniciativa Nansen, encabeçada pela Suíça e pela Noruega. dos níveis de 2005, em 2030. Para isso, o país se comprome‑
A  iniciativa Nansen foi um processo de consulta mundial teu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na
que contou com a participação de vários países (ao todo 111 sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030,
Geografia Mundial

Estados), com ênfase ao reforço de medidas preventivas a restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas,
serem adotadas nos países de origem e ao planejamento bem como alcançar uma participação estimada de 45% de
da relocação das pessoas em situação de risco. Dada a energias renováveis na composição da matriz energética em
diversidade de situações que envolvem os deslocados trans‑ 2030. Confira os fundamentos para NDC brasileira.
fronteiriços externos, sustenta‑se que as soluções devem ser A NDC do Brasil corresponde a uma redução estimada
preferencialmente regionais. em 66% em termos de emissões de gases efeito de estufa
Aplaudida por especialistas na matéria, a iniciativa Nan‑ por unidade do PIB (intensidade de emissões) em 2025 e em
sen constitui uma espécie de guia prático e serve como fonte 75% em termos de intensidade de emissões em 2030, ambas
de inspiração para os Estados elaborarem suas legislações em relação a 2005. O Brasil, portanto, reduzirá emissões de

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gases de efeito estufa no contexto de um aumento contínuo Chefes de Estado e ministros de todo o mundo encora‑
da população e do PIB, bem como da renda per capita, o que jaram a comunidade internacional a se unir pela proteção
confere ambição a essas metas. do sistema climático global e destacaram questões como fi‑
nanciamento e apoio aos países mais vulneráveis à mudança
COP 23 do clima. A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente
da França, Emmanuel Macron, destacaram as ações desen‑
O aumento da ambição global e o apoio aos países volvidas em seus países e a importância de medidas como a
mais vulneráveis aos efeitos da mudança do clima foram promoção das energias renováveis para conter as emissões
os principais pontos discutidos na abertura do segmento de gases de efeito estufa.
de alto nível da 23ª Conferência das Partes (COP 23), que O secretário‑geral da Organização das Nações Unidas
ocorre em Bonn, na Alemanha. Chefe da delegação brasileira, (ONU), Antônio Guterres, enfatizou a necessidade de mobi‑
o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, articulou pontos lização de recursos para o financiamento da ação climática.
chaves das negociações e candidatou o Brasil para sediar a “Isso é crucial para todos os países, mas em especial para
Conferência em 2019. os mais vulneráveis à mudança do clima”, defendeu. Nesse
O comunicado de disponibilidade do país para receber a aspecto, o Acordo de Paris promove o financiamento coletivo
Conferência daqui a dois anos foi entregue por Sarney Filho de um piso de US$ 100 milhões por ano para os países em
à secretária‑executiva da Convenção‑Quadro das Nações desenvolvimento a partir de 2020.
Unidas sobre Mudança do Clima, Patricia Espinosa. A COP é Paralelamente às plenárias e sessões oficiais, o Espaço
reunião anual dos países signatários da Convenção e a edi‑ Brasil na COP 23 realizou diversos debates sobre a atuação
ção de 2018 será na Polônia. Pelas regras da Convenção, no nacional na agenda climática. Nesta quarta‑feira, a Colizão
entanto, a reunião de 2019 deverá ocorrer em um país da Brasil Clima, Florestas e Agricultura apresentou casos de
América Latina e Caribe. A decisão cabe ao grupo de países promoção de uma economia de baixo carbono em território
da região (GRULAC) por consenso. nacional. Além disso, deputados e senadores discutiram as
As negociações em Bonn vão até o fim desta semana e ações do Congresso Nacional para auxiliar o país na imple‑
buscam avançar na construção do livro de regras para tirar mentação as metas brasileiras dentro do Acordo de Paris.
do papel o Acordo de Paris, pacto mundial para conter a
mudança do clima. Essas regras precisam ser definidas até A COP 23
o próximo ano e englobam questões como transparência e
avaliação das metas de cada país dentro do Acordo. “Pre‑ A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo da
cisamos construir de forma urgente as ferramentas para Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
implementá‑lo”, declarou o ministro. do Clima (UNFCCC). Os  países‑signatários da Convenção
O Brasil tem se articulado com outros países para de‑ reúnem‑se anualmente durante a COP para estabelecer
fender os interesses nacionais na agenda climática. Uma acordos com o objetivo de enfrentar o aquecimento global
declaração conjunta do Brasil com África do Sul, Índia e China, e avaliar os protocolos estabelecidos anteriormente. Neste
o grupo BASIC, foi tornada pública nesta quarta‑feira. O grupo ano, a vigésima terceira edição, a COP 23, ocorre em Bonn,
destaca a necessidade da adoção de medidas antes de 2020, onde fica a sede da UNFCCC. Os trabalhos, no entanto, são
quando começa a valer o Acordo de Paris. “Estamos satisfei‑ presididos pela República das Ilhas Fiji.
tos que a discussão sobre o progresso nas ações anteriores a O Acordo de Paris foi concluído em 2015, na COP 21,
2020 estejam de novo no caminho certo”, afirmou o ministro. e representa um esforço mundial para manter o aumento
Com a Argentina e o Uruguai, Sarney Filho conduziu da temperatura média global bem abaixo de 2ºC em relação
reunião em que destacou a importância da articulação entre aos níveis pré‑industriais e garantir esforços para limitar o
os latino‑americanos para conter o aquecimento global e aumento da temperatura a 1,5ºC. Nesse contexto, cada país
para aumentar a ambição a nível internacional no corte de apresentou sua meta de redução de emissões para fazer
emissões. No encontro, foram discutidos assuntos como o sua parte frente ao aquecimento global. A meta do Brasil é
fortalecimento da agenda climática dentro do G20, grupo considerada uma das mais ambiciosas e propõe a redução
formado pelas 20 maiores economias do mundo e que será de 37% das emissões até 2025, com indicativo de cortar
presidido pela Argentina em 2018. 43% até 2030.

ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO AGRONEGÓCIO INTERNACIONAL


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O agronegócio – por vezes chamado de agribusiness – agricultável e as condições naturais aqui disponibilizadas
corresponde à cadeia produtiva econômica que compõe a para o cultivo; o segundo fator são os amplos investimentos
atividade agropecuária. Trata‑se da esteira econômica que vai públicos e privados realizados no setor, que concentra mais
desde a produção no meio agrário, passando pela transfor‑ de 75% das concessões públicas em termos de empréstimos,
mação dos bens agropecuários em produtos industrializados, incentivos fiscais e investimentos diretos.
até a comercialização destes. Desse modo, todas as ativida‑
des ligadas a esse ramo constituem‑se como participantes do As Críticas ao Agronegócio
agronegócio, tais como a produção de insumos e maquinários
agrícolas, a  disponibilização de cursos de capacidade ou A política do agronegócio encontra muitos defensores
formação de profissionais do ramo, entre outros. que argumentam em torno da produtividade do setor, pro‑
Portanto, quando falamos em agronegócio, não nos duzindo benefícios na economia e também para a sociedade
referimos a uma atividade puramente rural, mas predomi‑ através do maior ganho em produtividade. Por outro lado,
nantemente rural, afinal, ele envolve composições que se existem também as críticas direcionadas ao agribusiness,
reproduzem nas diferentes esferas estruturantes do espaço que estão aqui relacionadas não para conceber a ideia de
geográfico. Considerando toda essa gama de atividades, que o agronegócio seja uma prática ruim, mas no sentido
o  agronegócio representa 33% do Produto Interno Bruto de explicitar o debate político realizado em torno dessa
(PIB) do Brasil, 37% dos empregos gerados e 42% do total questão no Brasil.
de exportações efetuadas. A primeira grande crítica feita ao agronegócio parte de
O agronegócio brasileiro ganhou um maior impulso a grupos ambientalistas, que afirmam que a expansão acele‑
partir da segunda metade do século XX com a expansão rada das cadeias produtivas no meio rural sobre os espaços
da fronteira agrícola do país e, principalmente, com o de‑ naturais está diminuindo a cobertura vegetal do país. Nesse
senvolvimento de técnicas mais avançadas de produção, caso, o Cerrado é o maior exemplo, pois o desenvolvimento
características da Revolução Verde. Com isso, o nível de pro‑ de técnicas agrícolas no âmbito do agronegócio permitiu a
dutividade do país disparou, e produtos como a soja, o café, ampla ocupação da área desse bioma ao longo do século XX,
a  cana‑de‑açúcar e muitos outros ganharam os mercados fazendo com que menos de 20% de sua cobertura vegetal
internacionais e ampliaram os níveis de exportação do país, encontre‑se atualmente preservada.
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isso sem falar nos avanços promovidos na pecuária. No início Outra crítica proferida é o processo de concentração
do século XXI, vale destacar também a crescente produção fundiária ocorrido no meio rural, algo que é, em grande
de biocombustíveis derivados de bens agrícolas, incluindo medida, atribuído ao agronegócio, principalmente pela
a própria cana‑de‑açúcar. grande influência que o setor, em tese, possui no meio
Além das inovações tecnológicas, o  agronegócio con‑ político. Além disso, os  maiores lucros obtidos através de
segue avançar cada vez mais no Brasil em razão de alguns incentivos públicos e pela exportação, somados aos baixos
outros fatores: o primeiro deles são as vantagens oferecidas investimentos concedidos à agricultura familiar, contribuem
pelo território brasileiro, tais como a grande área territorial para intensificar esse cenário, segundo inúmeras análises.

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Soma‑se a tais considerações o fato de o agronegócio ter 9º Alemanha
sido responsável, segundo as críticas, pela intensificação do Alemanha é o terceiro maior produtor de carne de
êxodo rural através do já mencionado poder concentrador porco e também possui classificação alta na produção de
e também pela intensiva mecanização da produção agrícola. leite, e carne bovina. É também o terceiro maior exportador
Nesses moldes, a maior parte da mão de obra empregada no agrícola do mundo, com total de exportação no valor de US$
campo passou a ser substituída por tecnologias e maquiná‑ 70.6 bilhões em 2014, que é aumento de 44.8% de 2009.
rios. Isso tudo não para produzir alimentos de subsistência,
e sim produtos voltados ao mercado externo. 8º Japão
Em 2012, o Japão produzia 10.654.000 toneladas de arroz
Agroecologia e classificava como décimo país no mundo pela produção de
arroz. E está também entre os 20 países em produção de leite,
[...] é a ciência ou a disciplina científica que apresenta carne de porco e frango. De modo esperado, os japoneses
uma série de princípios, conceitos e metodologias para es‑ consomem principalmente arroz e peixe, e comem menos
tudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, carne em comparação com cidadãos dos Estados Unidos e da
com o propósito de permitir a implantação e o desenvol‑ União Europeia. A agricultura japonesa, a pesca e exportação
vimento de estilos de agricultura com maiores níveis de de alimentos atingiram recorde no último ano pelo aumento
sustentabilidade. A Agroecologia proporciona então as bases de 11.1% e foi avaliado em 611.7 bilhões de iene.
científicas para apoiar o processo de transição para uma
agricultura “sustentável” nas suas diversas manifestações 7º México
e/ou denominações. México classifica alto na produção de carne bovina e
O conceito de agroecologia passa a ser discutido no Brasil carne de frango. Está também entre os 20 primeiros países
a partir da década de 80, sendo apresentado como um proje‑ pela produção de leite e carne de porco. Apesar destes nú‑
to alternativo, envolvendo o conhecimento tecnológico com meros, apenas uma pequena parcela da produção agrícola
a sabedoria popular sobre os ecossistemas, considerado um representa o PIB do país. A exportação agrícola do país em
modelo de agricultura socialmente justo, economicamente 2012 foi estimada em mais de 10 bilhões de dólares, com
viável e ecologicamente sustentável, contrapondo‑se à agri‑ crescimento de produção agrícola anual de 1.67%.
cultura convencional, que utilizava uma grande quantidade
de herbicidas e outros insumos. 6º França
Embora alguns autores utilizem o termo “agroecologia” A França está entre os 10 países em produção de leite e
como o oposto do “agronegócio”, devemos considerar que carne bovina, e entre os 20 por produção de frango e carne
é possível a existência do agronegócio em micro e pequena de porco. E tem a maior produção agrícola na União Euro‑
escala, ou seja, micros e pequenos produtores que adotam péia, 18.1% do total da produção da União Europeia surge
práticas ecologicamente corretas em suas propriedades e, da França e é o quinto maior exportador agrícola do mundo
ao mesmo tempo, estão inseridos no mercado, comercia‑ com exportação estimada em 53.4 bilhões de euros em 2014.
lizando seus produtos, utilizando‑se de técnicas de plane‑
jamento e marketing e tendo acesso a novas tecnologias.
5º Rússia
Econegócios [...] é o segmento de mercado que reúne
Rússia, um dos países líderes mundiais por acres de terra
produtos e serviços que se propõem solucionar problemas
usada para produção agrícola. E classifica entre os maiores
ambientais ou que utilizam métodos mais racionais de ex‑
produtores de leite, carne bovina e carne de porco do mundo.
ploração dos recursos naturais para a produção de bens e
Depois que o Ocidente impôs sanção econômica para Rússia
serviços. (INSTITUTO INOVAÇÃO, 2008, extraído da Internet).
por causa de seu envolvimento em crises da Ucrânia, o pre‑
Reparem que quando falamos em “agroecologia” está‑
vamos falando em uma ciência ou disciplina científica. Já o sidente Vladimir Putin respondeu banindo a importação de
econegócio é considerado um segmento de mercado, ou seja, alimento da União Europeia, Estados Unidos e outros países
um nicho, ou um mercado específico, voltado para a pro‑ que o culparam pela crise na Ucrânia.
dução e comercialização de produtos com apelo ecológico.
O conceito de econegócios é mais recente e vem sendo 4º Índia
discutido no Brasil há pouco mais de uma década. Como A Índia está classificada em segundo lugar pela produção
exemplos, podemos citar a fabricação de produtos com ma‑ de leite e arroz no mundo. E também possui alta classifica‑
teriais recicláveis, a utilização de energias vindas de fontes ção como produtora de frango e carne bovina. Com a taxa
renováveis e a produção de alimentos orgânicos. de crescimento de exportação de 21.3, a Índia lidera a lista
No caso específico da pesca, o aproveitamento de resí‑ dos países com maior crescimento de exportação durante a
duos e a adoção de práticas de captura consideradas menos última década. Apesar do fato que a Índia possa se vanglo‑
predatórias podem ser utilizadas como exemplo de produtos riar sobre seu desenvolvimento agrícola, também sobre seu
com “apelo ecológico”, entre muitos outros. crescimento de PIB de 6.9% em 2013-2014, 30% das crianças
Nesta seleção estão em destaque os 10 maiores países na Índia está abaixo do peso.
produtores agropecuários do mundo, de acordo com uso de
dados de Statistic Division of Food and Agriculture Organi- 3º Brasil
zation of United National. O mais impressionante é o Japão O Brasil está entre os 5 primeiros países por produção de
Geografia Mundial

nesta lista, já que em extensões territoriais não é tão grande. leite, carne de porco, frango e carne bovina e ocupa o nono
lugar na produção de arroz. O país tem a nona maior econo‑
10º Turquia mia do mundo, principalmente pela sua produção agrícola
A Turquia ocupa o nono lugar por produção de leite, que é responsável por grande parte do PIB do país. O Brasil
como também pela produção de carne de frango. E também também está entre os maiores exportadores agrícolas.
está entre os 20 países em produção de carne bovina. O país
também tem uma das taxas de crescimento mais altas de 2º Estados Unidos
exportação do mundo, pois sua exportação agrícola triplicou Os Estados Unidos classificam como o maior produtor
durante a última década. de leite, frango e carne bovina e como segundo produtor de

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carne de porco. No entanto, o país ocupa o décimo segundo 5º – Iraque
lugar como produtor de arroz, que é a razão de não ter alcan‑ 6º – Rússia
çado a posição líder nesta seleção. De modo esperado, este 7º – Kuwait
país é o maior exportador agrícola, esta estimada em 110 8º – Emirados Árabes Unidos
bilhões de dólares em 2014, alcançando a segunda posição 9º – Estados Unidos
nesta seleção. 10º – Líbia

1º China
O país classifica como o primeiro por produção de arroz
e carne de porco, e está entre os 3 maiores produtores de
leite, frango e carne bovina. Além disso, a China é o quarto
maior exportador com exportação alcançando 58.5 bilhões
de dólares em 2014. Comparada a 2009, a exportação em
2014 representa expressivo crescimento de 79.4%. Graças ao
seu crescimento econômico, a China conseguiu reduzir para
metade o número de pessoas desnutridas desde a década de
1980. No entanto, 150 milhões de chineses ainda sofrem de
fome, principalmente em áreas rurais. Além disso, 32 bilhões
de dólares de alimentos são desperdiçados anualmente,
que é o motivo da China ter desenvolvido programas para
reciclagem de restos de comida.

MATRIZES ENERGÉTICAS

Segundo dados da Iniciativa Conjunta de Dados de


Organizações (JODI, na sigla em inglês), a Rússia produziu
10,49 milhões de barris de petróleo por dia em dezembro
de 2016, número que ultrapassou a gigante global de óleo
Arábia Saudita, e colocou os russos no topo do ranking de
produção de petróleo do mundo.
Essa foi a primeira vez, desde março de 2016, que a
Rússia ultrapassou a produção da Arábia Saudita, que em
dezembro bombeou 10,46 milhões bpd. Os Estados Unidos
ficaram em terceiro lugar na lista de maiores produtores,
tendo bombeado cerca de 8,8 milhões de unidades. O Iraque
ficou na quarta posição, com 4,5 milhões de barris por dia,
seguido da China, com 3,98 milhões.
Tanto a Rússia como a Arábia Saudita, entre outros
países membros da Opep se comprometeram em reduzir
a produção para valorização do preço da commodity no
mundo. A  redução acordada pela Organização é de corte
de 1,2 milhões de barris da Arábia Saudita e 300.000 barris
por dia da Rússia.
Contudo, apesar da grande produção, em fevereiro deste
ano, conforme noticiado pela Panorama Offshore, o ministro
de Energia da Rússia, Alexander Novak, informou que o país
As reservas globais de petróleo provadas atingiram 1,7 deverá reduzir a produção de petróleo mais rápido do que
trihão de barris no final de 2014, quantidade suficiente para no período estimado pela Opep. Em declaração, Novak disse
garantir exatos 52 anos e 5 meses de produção mundial de que é possível que as empresas acelerem os cortes visando
energia. Os dados são da edição 2015 do relatório estatístico ultrapassar os planos apresentados inicialmente.
anual da BP, documento de referência para o setor. Segundo De acordo com a Agência Internacional de Energia,
o estudo, ao longo da última década, as reservas globais de a Rússia detém as maiores reservas de gás natural do mun‑
petróleo cresceram 25%. Os países da Opep continuam a do. O  país também é rico em petróleo, cuja produção só
dominar o ranking, controlando 71,6% das reservas mundiais. perdeu, em 2012, para as dos Estados Unidos e da Arábia
Atualmente, o Brasil aparece em 15º, com 16,2 bilhões de Saudita. Toda essa riqueza natural e a distância relativamente
barris, o equivalente a 1% das reservas globais provadas de pequena tornou a Europa dependente das importações de
petróleo. Em 1994, essa taxa era de 5,4 bilhões de barris. combustíveis fósseis da Rússia.
Geografia Mundial

Na lista geral, o país está atrás da China (1,1% das reservas), A União Europeia consome 70% do petróleo e 65% do gás
Catar (1,5%), Cazaquistão (1,8%) e Nigéria (2,2%). Onde estão exportados pela Rússia, país que tem sido fonte de incômodo
as 10 maiores reservas de petróleo no mundo, segundo o para o continente desde 2009 por causa da crise do gás que
estudo da BP, que leva em conta os dados de 2014, os mais envolveu Rússia e Ucrânia.
recentes disponíveis: Em resposta a essa crise, o Conselho da União Europeia
1º – Venezuela instruiu os países‑membros a manterem reservas de pe‑
2º – Arábia Saudita tróleo e derivados. A intenção é assegurar níveis mínimos
3º – Canadá de abastecimento de energia mesmo quando houver corte
4º – Irã de fornecimento de matéria‑prima. No documento Energia

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2020 – estratégia para uma energia competitiva, sustentá‑ produzir calor ou eletricidade se beneficiem de incentivos
vel e segura, o conselho estimou em 1 bilhão de euros os e subsídios europeus para a produção de energias limpas.
investimentos a serem feitos em dez anos para tornar mais Resíduos resultantes da fabricação de papel ou móveis,
segura a matriz energética europeia. por exemplo, são amplamente utilizados como biomassa na
produção de energia na UE há anos, uma prática aprovada
Matriz Diversificada pelos cientistas.
No entanto, eles temem que a maior demanda por
Os governos europeus estão investindo igualmente na energias renováveis incentivaria a indústria a cortar árvores
diversificação das fontes energéticas e na ampliação da car‑ especificamente para produzir biomassa, em lugar de usar
teira de países dos quais importam insumos para a produção apenas madeira residual.
de energia. Entre as medidas em estudo, está a troca do gás Mais barata e simples que a produção de energia eólica
russo por gás de xisto dos Estados Unidos e a compra de gás ou solar, a energia a partir de biomassa também é uma al‑
e petróleo da Argélia e do Catar. ternativa para as centrais elétricas movidas a carvão, alvo de
Outra saída tem sido a energia nuclear. Embora a Alema‑ uma campanha de extinção na UE, que podem se beneficiar
nha esteja acabando com suas usinas, outros países, como de ajudas públicas para reconversão e usar suas instalações
França, Bélgica e Eslováquia, estão aumentando a produção para produzir energia com a queima de madeira.
de energia nuclear. Em 2012, mais da metade da geração A preferência europeia pela biomassa na produção de
nesses países proveio dessa fonte. energia renovável está relatada em um estudo realizado
O continente também tem investido bastante em fontes pela própria Comissão Europeia em 2016 sobre o impacto
renováveis. Segundo a agência estatística continental Euros‑ ambiental dessa demanda sobre os Estados Unidos, principal
tat, o crescimento da energia renovável excedeu o de todos fornecedor de madeira granulada para o bloco.
os outros tipos. Em dez anos, a produção de fontes alterna‑ Energia obtida a partir de biomassa é mais barata que energia
tivas subiu 81,3%. Em 2012, foram responsáveis por 22,3% eólica ou solar
da geração energética, principalmente de origem eólica. Segundo o documento, as importações europeias dessa
matéria procedentes dos EUA cresceram de 530 mil tone‑
ladas em 2009 para 3,89 milhões de toneladas em 2014.
Bruxelas estima que em 2020 a biomassa responderá por
42% das energias limpas consumidas na UE.
“Estima‑se que a bioenergia será, sozinha, a maior fonte
de novas demandas por madeira no futuro próximo, e isso
deverá causar um aumento nas plantações de pinos, em de‑
trimento das áreas agrícolas e de florestas naturais”, agrega
o estudo. “A conversão de florestas naturais em florestas
plantadas é uma preocupação e a demanda projetada de
exportação de madeira granulada e bioenergia doméstica
sugere que a prática continuará”.

Desmatamento

A nova demanda europeia superaria a capacidade


das florestas locais e causaria um “grande impacto sobre
as florestas mundiais e a biodiversidade”, afirmou à BBC
Brasil Jean‑Pascal van Ypersele, professor da Universidade
Católica de Lovaina (Bélgica), co‑presidente do IPCC entre
Biomassa e a União Europeia 2008 e 2015.
Segundo o professor, “só a demanda europeia por
Um projeto de lei atualmente em negociação na União madeira já degradaria as florestas mundiais, mas se outros
Europeia poderia incentivar o desmatamento no Brasil e países decidirem seguir o exemplo da UE e também come‑
aumentar as emissões de gases de efeito estufa, apesar de çarem a usar madeira para produzir energia o impacto seria
ter como objetivo intensificar o uso de energia renováveis catastrófico”.
no bloco. Se 3% do consumo mundial de energia fosse gerado a
É o que afirma um grupo de mais de 600 cientistas e partir de madeira, o volume de árvores abatidas comercial‑
acadêmicos – entre eles oito relatores do Painel Intergover‑ mente duplicaria, exemplifica.
namental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, do nome em O Executivo europeu afirma que “o argumento de que
inglês) – em uma carta enviada ao Parlamento Europeu (PE), a bioenergia sólida na Europa incentiva o desmatamento
que votou uma série de emendas ao texto. em países como o Brasil não tem base”, já que atualmente
Geografia Mundial

A proposta, elaborada pela Comissão Europeia (braço 95% da energia desse tipo consumida no bloco é produzida
Executivo da UE), prevê aumentar para entre 27% e 35% a a partir de matéria‑prima local.
proporção de fontes renováveis exigida no consumo total Também destaca que a proposta de lei inclui uma série
de energia do bloco em 2030, o dobro da meta atual, fixada de critérios de sustentabilidade para o uso de biomassa
em 2009. com o propósito de proteger a biodiversidade e prevenir o
Entre as fontes consideradas como energias renováveis desmatamento global.
se inclui a madeira, de maneira genérica, o  que permite Entre eles, determina que a energia produzida a partir
que indústrias e centrais elétricas que abatem árvores para de biomassa deve gerar emissões pelo menos 80% inferiores

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às de combustíveis fósseis e usar matéria‑prima fornecida o país parou de negar a existência da poluição – era mera
por florestas com modelos de administração sustentável. “névoa” – para se tornar um dos protagonistas no combate
Van Ypersele considera essas salvaguardas insuficientes. ao problema. Um protagonismo que pode ganhar ainda mais
Na carta enviada aos deputados europeus, ele e seus colegas relevância se os Estados Unidos, como indica seu Governo,
pediram que o projeto de lei seja emendado de maneira derem um passo atrás. E  uma das chaves nessa guinada,
que a definição de biomassa sólida que pode ser usada na explica Li, foi o carvão.
produção de energia renovável seja limitada a “resíduos de Durante anos, o carvão foi vital para a China: é sua prin‑
madeira”, uma proposta também defendida por organizações cipal fonte de energia, tanto que o país responde por cerca
ambientalistas. de metade do consumo mundial. Junto com o aço, emprega
“Ninguém está contra este projeto de lei. O que quere‑ cerca de 12 milhões de pessoas. Mas também está na raiz de
mos é que fique claro que não se pode cortar árvores para muitos de seus problemas: é a causa de 70% de sua poluição
produzir energia. Isso é um absurdo e vai contra a própria mais perigosa – a de partículas inferiores a 2,5 microns de
noção de luta contra a mudança climática”, afirmou à BBC diâmetro – e de 80% de suas emissões de dióxido de carbono.
especialista em energias renováveis na WWF. Mas, pelo terceiro ano consecutivo, a China reduziu seu
No entanto, a emenda defendida pelos ambientalistas e consumo desse mineral. A  redução foi de 2,9% em 2014,
cientistas, apresentada pelo grupo Verde do PE, foi rejeitada 3,7% em 2015, e 4,7% em 2016, conforme anunciou na se‑
na votação desta quarta‑feira, em um movimento que Mason mana passada o Departamento Nacional de Estatísticas (o
atribui ao “lobby pesado” da indústria florestal europeia. Greenpeace calcula que, em unidades de energia liberadas
A Associação Europeia de Biomassa (AEBIOM), que re‑ pela queima de carvão, a queda foi menor, de 1,3%). Com
presenta 120 associações e empresas ligadas à produção de os cortes, a  proporção desse combustível fóssil na matriz
biomassa, argumenta que a produção europeia de madeira energética chinesa caiu de 64% para 62%.
aumentou em 5 bilhões de metros cúbicos nos últimos 25 Os dados indicam que a China, que se comprometeu a
anos e que a indústria não utiliza mais que 63 por cento do começar a reduzir suas emissões a partir de 2030, está em
aumento anual, apesar de o consumo de energias renováveis via de cumprir a meta de manter o consumo de carvão abaixo
na UE ter dobrado de volume nos últimos quinze anos. dos 4,1 bilhões de toneladas e reduzir para 58% até 2020 o
Ademais, assegura que as centrais europeias de energia peso desse combustível em suas necessidades energéticas.
de biomassa não utilizam madeiras inteiras e não poderiam É uma tendência, considera Li, que vai se manter no
competir com os preços oferecidos para essa matéria pelas futuro: “É um declive sistemático. Pode haver um ou outro
indústrias de móveis e construção. pequeno salto, mas não voltaremos a vê‑lo aumentar como
“Afirmar que o desenvolvimento de bioenergia sólida na no passado”.
Europa incentiva o desmatamento em países como Indoné‑ A redução é consequência da mudança do modelo
sia ou Brasil é incorreto. As importações de bioenergia são econômico, de um modelo baseado na manufatura e na
estáveis e limitadas”, defende a associação, em um artigo indústria pesada para outro baseado no setor serviços e
assinado por seu secretário geral, Jean‑Marc Jossart. na tecnologia. Essa mudança levou a uma maior eficiência
Além da ameaça para as florestas mundiais, os cientistas energética: apesar de a economia ter crescido oficialmente
afirmam que a produção de energia a partir de madeira é 6,9% no ano passado, o consumo de energia só aumentou
também ineficiente e contra produtiva para a luta contra o 1,4%, segundo a Administração Nacional de Energia.
aquecimento global. O próprio primeiro‑ministro chinês, Li Keqiang, reiterava
“A madeira que é queimada emite mais carbono que o esse ponto em seu discurso de abertura da sessão legislativa:
carvão por cada unidade de energia gerada e queima a uma “Trabalharemos mais rápido para deter a poluição causada
temperatura inferior, produzindo menos eletricidade. Trans‑ pela queima de carvão”. Três milhões de moradias no nor‑
formar a madeira em grânulos aumenta a eficiência, mas é te do país terão suas caldeiras de carvão substituídas por
um processo que usa energia e gera emissões adicionais”, equipamentos elétricos ou a gás natural. Serão eliminados
explica Van Ypersele. mais de 50 gigawatts de capacidade nas usinas elétricas ali‑
Segundo os cientistas, as emissões de CO2 de uma central mentadas por carvão, e mais de 150 milhões de toneladas
elétrica à base de madeira granualada são em média 50% de capacidade de produção de carvão. No ano passado o
superiores à de uma central à base de carvão e pelo menos corte foi de 290 milhões de toneladas.
3 vezes superiores à de uma central à base de gás natural. Em toda a China, segundo os dados do Greenpeace East
“Nossa estimativa conservadora é de que o uso de Asia, o número de projetos de usinas elétricas de carvão caiu
madeira deliberadamente abatida (para produzir energia) em 85%. No início deste ano, o Governo suspendeu 103 pro‑
no lugar de combustíveis fósseis emitiria pelo menos duas jetos planejados ou já em construção, com uma capacidade
vezes mais CO2 por kw/h em 2050”, advertem os cientistas conjunta de 120 gigawatts.
na carta enviada aos deputados europeus. Mas o panorama não é perfeito e serão necessárias mais
Levaria “décadas ou séculos” para que o crescimento de medidas. Apesar das promessas, a  China aumentou sua
novas florestas e a redução no uso de combustíveis fósseis capacidade no setor siderúrgico, ao invés de reduzi‑la, diz
fossem capazes de zerar o saldo de CO2 na atmosfera. o Greenpeace. Continuam sendo construídas novas usinas,
que somam 140 gigawatts de capacidade, muito mais do
Geografia Mundial

China e o Carvão Mineral que a China necessita: no ano passado, o  país só utilizou
metade de sua capacidade existente. Para 2020 pretende
Em apenas oito anos, a China, o maior produtor mundial manter sua capacidade abaixo dos 1.100 gigawatts, 15% a
de emissões de GEE, “deu uma guinada de 180 graus em sua mais que em 2015.
política para a mudança climática”, aponta Li Shuo, assessor Uma das principais preocupações é a concentração das
de Política Global do Greenpeace East Asia: impulsionado novas usinas em áreas com problemas de água: metade da
pelo descontentamento popular, pela imagem negativa in‑ capacidade aprovada em 2016, 11 gigawatts, encontra‑se
ternacional e pelo esgotamento de seu modelo econômico, nessas zonas.

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Do ponto de vista político, Pequim precisa avançar com As energias renováveis são uma das razões para a redução
cuidado: a redução da capacidade e o fechamento de minas na intensidade do uso de recursos da China. Com a espe‑
implicam na perda de dezenas de milhares de empregos rança de se tornar um líder mundial no campo, o país está
como o de Li. Na quarta‑feira, o ministro do Emprego, Yin investindo mais de US$ 100 bilhões em energia renovável
Weimin, previu a perda de meio milhão de postos de trabalho em seu território todos os anos. É o dobro do investimento
nos setores de aço e carvão neste ano. Em 2016, os cortes norte‑americano e mais do que o investimento anual com‑
de cerca de 725.000 empregos geraram diversos protestos: binado dos EUA e da União Europeia. Isso faz da China o
só em janeiro daquele ano os mineiros protagonizaram 37 mercado mais atrativo do mundo em energia.
incidentes, segundo a ONG China Labour Bulletin, sediada Além disso, a China investe US$ 32 bilhões – mais do que
em Hong Kong. qualquer outro país – em fontes renováveis no exterior, com
São problemas muito distantes para a agricultora Hei.
as empresas chinesas assumindo a liderança nas cadeias
“Estou feliz de não usar mais carvão. O gás é muito cômodo.
E muito limpo”. globais de valor de energia renovável. No Brasil, a China será
Pequim, uma das cidades mais poluídas do país, adotou o maior investidor em projetos diversos, mas principalmente
medidas para eliminar o consumo de carvão. Além de fechar em energia.
as minas no território municipal, pretende cortar em 30% o A State Grid Corporation, – companhia chinesa que já
uso do mineral neste ano, para deixá‑lo abaixo dos 7 milhões investiu R$ 2,4 milhões no Rio de Janeiro – planeja desenvol‑
de toneladas, frente aos 22 milhões de 2013, e eliminá‑lo por ver uma rede de energia que se baseia em turbinas eólicas e
completo em seus seis distritos centrais. painéis solares em todo o mundo. Os fabricantes de painéis
Por meio de subsídios, há previsão de eliminar o uso solares estimam uma vantagem de custo de 20% em rela‑
das caldeiras de carvão, obsoletas e altamente poluentes, ção aos seus concorrentes dos EUA, devido a economias de
por aquecedores elétricos ou a gás natural. Sua meta para escala e desenvolvimento de cadeia de fornecimento mais
2020 é ter eliminar o carvão nas 2.400 aldeias de sua planície avançado. E os fabricantes chineses de turbinas eólicas, que
periférica. gradualmente preencheram suas lacunas de tecnologia, ago‑
Com essas medidas, o  governo da capital calcula que ra representam mais de 90% do mercado doméstico chinês,
a meta de zerar a queima de carvão “estará praticamente em comparação com apenas 25% em 2002.
cumprida”. É possível que eles enfrentem desafios à medida que a
China deixa de usar os combustíveis fósseis para dar cada
A China e a energia limpa vez mais espaço aos renováveis dentro de um setor de re‑
cursos global em mudança. Sua economia ainda é altamente
China está no centro de uma transformação global im‑ dependente do carvão, o que implica custos consideráveis
pulsionada por avanços tecnológicos e pela queda do custo
à medida que se muda a capacidade para outros recursos,
das energias renováveis. No início de 2017, o gigante asiático
como o gás natural e as energias renováveis.
anunciou que iria investir US$ 360 bilhões em energia renová‑
vel até 2020 e acabar com os planos para construir 85 usinas Outro fator é a construção de painéis solares e parques
de carvão. Em março, as autoridades chinesas informaram eólicos, que está criando uma grande quantidade de resídu‑
que o país estava superando as metas oficiais na busca por os. Os produtores chineses estão se sentindo mais pressiona‑
eficiência energética e na participação de fontes limpas em dos a reduzir custos e melhorar a eficiência para compensar
sua matriz energética. E, em julho, a agência reguladora de o crescimento lento da demanda global.
energia lançou novas medidas para reduzir a dependência Apesar desses obstáculos, a inovação tecnológica deve
do país em relação ao carvão. ajudar os produtores chineses a obter ganhos de produti‑
Os chineses são responsáveis por uma participação cada vidade e os consumidores a economizar. De acordo com a
vez maior da demanda global por energia, ao mesmo tempo McKinsey, até 2035, as mudanças na oferta e demanda das
em que cai o consumo mundial. Fatores como o aumento da principais commodities poderiam resultar em economia de
eficiência energética em edifícios residenciais, industriais e custos total de US$ 900 bilhões para US$ 1,6 trilhão.
comerciais e a menor demanda de energia no transporte, A escala dessas economias dependerá não somente da
devido à proliferação de veículos autônomos e ao compar‑ rapidez com que a nova tecnologia é adotada, mas também
tilhamento de viagens, explicam essa redução. da forma como os formuladores de políticas e as empresas
De acordo com o relatório, “Além do superciclo: como se adaptam ao seu novo ambiente. Mas, acima de tudo,
a tecnologia está remodelando a oferta e a demanda por dependerá da China.
recursos naturais”, produzido pelo Instituto McKinsey, essas E a sua experiência na redução da intensidade energética
tendências estão diminuindo o crescimento da demanda de pode servir de roteiro para os países em desenvolvimento.
energia primária. Se a adoção rápida de novas tecnologias
E seus investimentos em energias renováveis no país e no
continuar, essa demanda poderá atingir o pico em 2025.
exterior podem criar avanços tecnológicos que reduzirão os
E com o uso de energia menos intensivo e o aumento da
eficiência, a produtividade da energia na economia global po‑ custos para os consumidores em todos os lugares.
deria aumentar entre 40% e 70% nas próximas duas décadas.
Enquanto a demanda de energia está diminuindo, a par‑ Maiores Poluidores Mundiais
ticipação da China está aumentando. Em 2035, a China pode
Geografia Mundial

representar 28% da demanda mundial de energia primária,


hoje acima de 23%, enquanto os Estados Unidos poderiam
representar apenas 12% em 2035, abaixo dos 16% de hoje.
No seu 13º Plano Quinquenal, o  governo chinês pre‑
tende reduzir a intensidade energética em 15% entre 2016
e 2020. E eles já estão em vias de atingir esse objetivo. No
Congresso Nacional do Povo da China, no início deste ano,
o primeiro‑ministro chinês Li Keqiang informou que a inten‑
sidade de energia da China caiu apenas 5% no ano passado.

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Matriz Norte Americana

Shale Gas
O avanço do shale gas fez os Estados Unidos passarem
por mudanças drásticas na composição de sua matriz ener‑
gética, e pela primeira vez na história a geração de energia
a partir do gás natural ultrapassou o fornecimento elétrico a
partir do carvão, que reinava solitário no passado.
Os últimos dados da agência de energia americana (EIA)
indicam que o gás natural manteve a participação de 33% na
matriz do país de Barack Obama (foto), patamar que já havia
atingido em 2015, enquanto o carvão caiu de 33% para 27%
do abastecimento elétrico dos EUA.
Para se ter ideia da velocidade da mudança de cenário
nos Estados Unidos, em 2008 o carvão ainda respondia por
cerca de 50% da geração elétrica do país, mas o crescimento
acelerado da produção de gás não convencional por lá levou
a um uso intensificado do insumo na geração de energia, en‑
quanto as pressões globais contra o uso do carvão ganharam
força a cada ano.
O sistema energético da maior potência econômica do
mundo, os Estados Unidos, é baseado em combustíveis fós‑
seis – petróleo, em primeiro lugar, seguido de gás e carvão.
Juntas, essas fontes respondem por 87,3% da produção
energética, mas, desde 1990, os norte‑americanos vêm inves‑
tindo em fontes mais limpas, como a nuclear e as renováveis.
Em 20 anos, a participação da energia atômica na matriz
dos Estados Unidos cresceu 20,71% e a renovável, 4,3%. Em
contrapartida, o consumo de combustível fóssil caiu 1,8% e
a geração hidrelétrica, 0,8%.
Embora o país não seja signatário do Protocolo de Kyoto,
a matriz energética norte‑americana ganhou eficiência entre
1990 e 2010, pois a porcentagem de emissão de gases de
efeito estufa cresceu menos (10,63%) que o consumo de Os EUA e o etanol
energia (15,89%).
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, As importações de etanol dos Estados Unidos para o
na sigla em inglês), a eficiência se caracteriza pelo ofereci‑ Brasil devem subir no primeiro semestre de 2018, conforme
mento dos mesmos serviços com menos energia e menos preços mais elevados da gasolina e uma baixa oferta de eta‑
poluição. A diminuição do uso de combustíveis poluentes e nol aumentam a demanda no país, disseram dois operadores
o aumento de fontes limpas fizeram com os EUA perdessem e duas corretoras ativas no mercado.
para a China o título de maior poluidor. O movimento significaria um revés para os esforços do
Os Estados Unidos também vivem um período promissor Brasil para conter as importações. O governo estabeleceu em
em relação à produção de certas matérias‑primas, como setembro de 2017 uma taxa de 20 por cento sobre impor‑
petróleo e gás natural. Em 2006, a  indústria petrolífera tações de etanol que ultrapassem uma cota de 150 milhões
iniciou uma fase ascendente, partindo de 8,3 milhões de de litros por trimestre, mas está avaliando rever a decisão
barris/dia para, em cinco anos, atingir a marca de 12,3 mi‑ devido a problemas de oferta.
lhões de barris/dia, superando o recorde de 1985, quando As vendas de etanol dos EUA para o Brasil até o momen‑
foram extraídos 11,1 milhões. O país está quase atingindo to em janeiro já ultrapassaram a cota trimestral, disse um
a autossuficiência, em torno de 18,9 milhões de barris/dia, operador do mercado de combustíveis norte‑americano com
ainda segundo a IEA. conhecimento direto de negociações.
Da mesma forma, a extração de gás natural aumentou Corretores brasileiros têm cotado o etanol dos EUA entre‑
65% entre 1986 e 2013, saltando de 453 milhões de metros gue em portos locais a cerca de 1,95 reais por litro, incluindo
cúbicos para 687,6 milhões. Em relação ao gás, o país tam‑ custos de transporte e taxas, incluindo a tarifa de importação
bém já está quase atingindo a autossufiência – em torno de de 20 por cento. O valor é menor que o do produto brasileiro,
736,2 milhões de metros cúbicos. A IEA calcula as reservas estimado em 2,15 reais por litro.
norte‑americanas em 9,57 trilhões de metros cúbicos de gás. Os futuros do etanol de milho nos EUA eram negociados
a 1,34 dólar por galão, recuperando‑se de mínima em uma
Geografia Mundial

Xisto, nova aposta década de 1,25 dólar atingida no mês anterior.


Os Estados Unidos também investem, desde os anos Os preços da gasolina já subiram mais de 20 por cento no
2000, na produção de gás de xisto, armazenados em rochas Brasil desde julho de 2017, devido à alta nos preços do petró‑
e cuja extração é mais complexa. A expectativa da Agência leo no mercado internacional, o que elevou a demanda por
Internacional de Energia é de que o país consiga extrair cerca etanol como um substituto mais barato para o combustível.
de 1,13 bilhão de metros cúbicos desse tipo de gás. Europa Mas o Brasil atravessa um período de entressafra, e a
e Chile já manifestaram interesse em importar gás de xisto maior parte das usinas locais não deve produzir mais etanol
dos norte‑americanos para driblar a escassez energética. nos próximos meses.

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REPERCUSSÕES NA GEOPOLÍTICA uma estimativa de 1,2 milhão de soldados e 6 milhões de
INTERNACIONAL reservistas para uma população de 25 milhões.

3. O programa nuclear
Coreia do Norte
Com o fim da União Soviética, em 1991, a Coreia do Norte
A crise envolvendo o programa nuclear norte‑coreano perdeu o apoio financeiro da antiga potência e entrou em
ganhou um novo capítulo após o regime do ditador Kim crise econômica. Seguidas safras ruins provocaram escassez
Jong Un testar uma bomba de hidrogênio, cujo poder de de alimentos e centenas de milhares de pessoas morreram
destruição é maior do que o dos artefatos nucleares con‑ de fome. O governo passou a depender da ajuda financeira
vencionais. A agência estatal norte‑coreana declarou, ainda, de seus rivais – EUA, Japão e Coreia do Sul. A partir de 2000,
que a bomba pode ser acoplada em um míssil de alcance as potências ocidentais começam a estimular negociações
intercontinental. Isso demonstra que o programa nuclear para a reunificação das Coreias.
da Coreia do Norte atingiu um nível de sofisticação capaz de Para garantir a sobrevivência do regime, a Coreia do Nor‑
realizar um ataque com armas atômicas contra os Estados te iniciou um programa nuclear, acreditando que a posse de
Unidos (EUA). Por isso, o teste com a bomba de hidrogênio armas atômicas conseguiria dissuadir qualquer ação dos EUA
elevou ainda mais a tensão entre os dois países. para tentar derrubar o governo. Também foi uma forma que
Entenda as raízes históricas desta crise e por que as re‑ o regime encontrou para ter maior poder de barganha com as
lações entre EUA e Coreia do Norte chegaram a este ponto: grandes potências e conseguir exigir concessões econômicas.
Em 2006, o país testou pela primeira vez uma bomba atômi‑
1. A Guerra da Coreia ca com sucesso. Desde então, a Coreia do Norte já realizou
outros cinco testes nucleares – em setembro de 2017.
A Guerra Fria dividiu o mundo em duas zonas de influência:
uma capitalista, sob a liderança dos EUA, e outra comunista, 4. As negociações
controlada pela União Soviética (URSS). Sob este contexto,
a Península Coreana deu origem à Coreia do Norte, sob influ‑ Desde o primeiro teste nuclear da Coreia do Norte,
ência da URSS, e a Coreia do Sul, alinhada com os EUA. as potências ocidentais tentam convencer o país a abando‑
Em 1950, a Coreia do Norte invadiu a Coreia do Sul, defla‑ nar suas ambições nucleares. Complexas negociações têm
grando a Guerra da Coreia. Uma trégua foi assinada em 1953, andamento, com os norte‑coreanos barganhando benefícios
estabelecendo uma zona desmilitarizada na fronteira entre como envio de petróleo e alimentos em troca do fechamento
os dois países. Mas as Coreias permanecem tecnicamente de reatores nucleares e permissão para inspeções interna‑
em guerra, já que não foi assinado nenhum acordo de paz. cionais. Mas nas poucas vezes em que as partes chegaram a
um acordo, o regime norte‑coreano rompeu o compromisso
2. O regime norte‑coreano e deu prosseguimento ao programa nuclear.
Com o avanço dos testes atômicos, a ONU impôs diversas
A Coreia do Norte é um país comunista de partido único sanções à Coreia do Norte que incluem proibição de viagens
Geografia Mundial

sob controle da dinastia Kim desde 1948. A nação é economi‑ e congelamento de ativos de funcionários do regime, além de
camente atrasada, fechada à comunidade internacional e tem materiais, equipamentos e tecnologias que foram proibidos
seu comando baseado no culto à personalidade do atual líder, de serem exportados para o país.
Kim Jong Un, que herdou do pai e do avô a chefia do regime.
Na ditadura norte‑coreana não há liberdade de imprensa 5. A crise atual
e direitos civis. O regime é acusado pelo Comitê de Direitos
Humanos da ONU de promover prisões abusivas, assassi‑ Até recentemente, os EUA vinham lidando com a ameaça
natos, escravidão, tortura e estupros contra dissidentes. norte‑coreana de forma diplomática, impondo sanções na
A Coreia do Norte é o país mais militarizado do mundo, com tentativa de sufocar a economia e forçar o regime a desistir

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de seu programa nuclear. Mas, ao ser pressionado, Kim Jong outros nove deputados de seu grupo político foram, no en‑
Un tem respondido com uma retórica agressiva, ameaçando tanto, decisivos para impedir o processo de impeachment
com novos testes e dizendo‑se pronto para entrar em uma contra o atual presidente. No último minuto, eles optaram
guerra. por se abster da votação, permitindo assim que Kuczynski
A atual crise começou com a intensificação da atividade se mantivesse no cargo.
militar da Coreia do Norte, que passou a testar a capacidade O ex‑presidente tem 79 anos e estava preso desde 2007.
de novos mísseis desde o início do ano. Disposto a não to‑ Ele foi transferido várias vezes para o hospital neste ano – a
lerar as provocações norte‑coreanas, o presidente dos EUA, última delas no sábado.
Donald Trump, que assumiu em janeiro deste ano, ameaçou Segundo informações do médico que o acompanha, Fu‑
uma retaliação energética em caso de um novo teste nuclear, jimori ficou internado na Unidade de Cuidados Intensivos de
como o que foi realizado em 2017. uma clínica de Lima, capital do Peru, após sofrer uma queda
Apesar da retórica agressiva de Trump, uma ação militar de pressão arterial e do nível de glicose no sangue.
contra a Coreia do Norte é extremamente arriscada. Devido O ex‑presidente sofre de outras doenças que lhe obriga‑
ao isolamento da Coreia do Norte, não há uma estimativa ram a passar por várias cirurgias.
precisa do arsenal do país. Acredita‑se que o regime dispo‑ Seu filho, Kenji, postou um vídeo no Twitter em que dá
nha de mais de mil mísseis de diferentes alcances. Os testes a notícia do perdão presidencial ao pai, desejando‑lhe Feliz
recentes levam a crer que o país ainda conseguiu desenvolver Natal. Fujimori aparece na cama do hospital.
um míssil balístico intercontinental capaz de abrigar uma Após saber da decisão sobre o indulto, dois deputados do
ogiva atômica capaz de atingir os EUA. Além disso, no caso partido Peruanos pela Mudança – o partido de Kuczynski –
de sofrer qualquer ataque militar, o regime de Kim Jong Un anunciaram no Twitter que discordavam da medida e que
tem poder de fogo para realizar um ataque nuclear contra deixariam a bancada do partido.
nações vizinhas, como a Coreia do Sul e o Japão. Enquanto os simpatizantes do ex‑presidente comemora‑
Outra nação que desempenha um papel importante ram o indulto, manifestantes contrários à medida entraram
nesta crise é a China, principal aliada dos norte‑coreanos, em confronto com a polícia no centro de Lima.
que tenta convencer os dois lados a não elevar a tensão. O timing do indulto  – poucos dias após a votação do
O interesse chinês em manter a Coreia do Norte longe de impeachment – ajudou a fomentar alegações de um possível
um conflito obedece a razões mais práticas do que ideo‑ acordo entre o atual presidente e os Fujimori.
lógicas – se houver um colapso do regime norte‑coreano, Kuzcynski foi acusado de ter recebido propina da
a eventual unificação da Coreia resultaria em fortalecimento construtora brasileira Odebrecht quando era ministro do
da influência norte‑americana em região próxima de sua ex‑presidente Alejandro Toledo (2001-2006).
fronteira. Além disso, a eclosão de um conflito provocaria A presidência do Peru insiste que as razões são humanitá‑
quase certamente um movimento de refugiados em direção rias e se apoia na avaliação da junta médica que examinou o
ao território chinês, o que o governo de Pequim busca evitar. ex‑presidente e considerou que “as condições carcerárias sig‑
Como o programa nuclear norte‑coreano já foi motivo nificam um grave risco à vida, saúde e integridade” do preso.
de outras crises agudas no passado, espera‑se que a atual Fujimori: Em 2009, ele foi condenado por crimes contra a
tensão não passe da retórica agressiva e troca de acusações humanidade e também por apropriação de recursos públicos
entre EUA e Coreia do Norte. Mas, diante de dois líderes in‑ e outros crimes de corrupção.
tempestivos como Donald Trump e Kim Jong Un, o desfecho Seus simpatizantes dizem que seu governo (1990-2000)
dessa crise é imprevisível. recuperou a economia nacional e derrotou a guerrilha
maoísta Sendero Luminoso e o grupo armado Movimento
Peru Revolucionário Túpac Amaru (MRTA).
Já seus críticos alegam que durante os anos em que
O presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski conce‑ dirigiu o país ocorreram violações sistemáticas de direitos
deu indulto “por razões humanitárias” a Alberto Fujimori, humanos e casos graves de corrupção.
ex‑presidente do país condenado por corrupção e violações O mandato presidencial de Fujimori terminou abrup‑
dos direitos humanos. tamente em 2000, quando decidiu não retornar de uma
A decisão foi alvo de protestos e causou intenso de‑ viagem internacional.
bate no país, que já estava no centro de uma tempestade Pouco antes, vieram a público vídeos em que, aparen‑
política desde as acusações contra vários políticos – entre temente, seu principal assessor, o então chefe dos serviços
eles, o próprio Kuczynski, que escapou de um processo de de inteligência, Vladimiro Montesinos, oferecia suborno a
impeachment em dezembro de 2017 – de terem recebido congressistas peruanos.
propina de empreiteiras brasileiras. Fujimori se exilou no Japão e só regressou ao país em
A Presidência da República informou em um comunicado 2007, ao ser extraditado do Chile.
no Natal que o perdão presidencial fora concedido a Fuji‑ Fujimori foi condenado em 2009 a 25 anos de prisão
mori após uma avaliação feita por uma junta médica sobre por crimes contra a humanidade – por seu papel nos mas‑
o estado de saúde de Fujimori – que sofre de uma “doença sacres de La Cantuta e Barrios Altos, nos quais dezenas de
progressiva, degenerativa e incurável” – recomendando que pessoas, entre elas estudantes universitários e uma criança,
ele fosse colocado em liberdade. foram sequestrados e assassinados por membros do Exército
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Para muitos, Kuczynski teria concedido o perdão como peruano.


parte de um acordo político firmado na semana passada Poucos meses depois, o  ex‑presidente foi condenado
para evitar seu impeachment no Congresso. O presidente novamente, desta vez por apropriação de recursos públicos
foi acusado de ter ocultado pagamentos da Odebrecht a e outros crimes de corrupção.
empresas vinculadas a ele entre 2004 e 2013. Desde sua prisão, sua sombra voltou a pesar sobre a
Seu afastamento fora pedido pelo partido Força Popular, política peruana, onde ainda têm aliados – e onde seus filhos
que tem à frente a filha do ex‑presidente, Keiko Fujimori, e o desempenham papéis de liderança.
acusa de corrupção em um caso envolvendo a construtora Keiko Fujimori avaliou o perdão ao pai como “um grande
brasileira Odebrecht. O voto do irmão de Keiko, Kenji, e de dia para a família” dela e para o fujimorismo.

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Sua filha, Keiko, foi adversária de Kuczynski nas últimas O que é a Constituinte?
eleições e encabeça a oposição ao presidente. Nicolás Maduro convocou a Assembleia Nacional Cons‑
Mas, ao contrário de Kenji, Keiko votou a favor da des‑ tituinte no dia 1º de maio com o objetivo de reescrever a
tituição de Kuczynski. Constituição. O presidente defende seu plano argumentando
A possibilidade de indulto a Fujimori já havia sido levan‑ que é a solução diante da crise que a Venezuela vive hoje.
tada em ocasiões anteriores e sido foco de polarização na Na prática, a  Constituinte será uma forma de Maduro se
política e na sociedade peruanas. perpetuar no poder e dissolver outros órgãos como a As‑
O governo do esquerdista Ollanta Humala rechaçou, sembleia Nacional, que representa o Poder Legislativo, e a
em 2013, um requerimento semelhante ao que agora foi Procuradoria‑Geral. Os venezuelanos mostraram o tamanho
recebido e aprovado por Kuczysnki. da oposição à Constituinte no dia 16 de julho, quando 98%
dos participantes de um plebiscito simbólico afirmaram ser
Honduras contra a proposta. Cerca de 7,2 milhões de venezuelanos
foram às urnas. Apesar disso, o presidente manteve a con‑
Em comunicado publicado em dezembro de 2017, vocação da Constituinte, e as manifestações da oposição se
o secretário‑geral da Organização dos Estados Americanos intensificaram.
(OEA), Luís Almagro, afirmou ser “impossível” determinar
com certeza o vencedor das eleições em Honduras, devido O que acontece neste domingo, dia 30 de julho?
a inúmeras irregularidades e deficiências técnicas, e pediu Neste domingo, acontece a eleição das 545 pessoas que
a realização de nova votação popular. participarão da Assembleia Nacional Constituinte, por meio
“O único caminho possível para que o vencedor seja de voto popular. A votação acontecerá de duas formas: no
o povo de Honduras é uma nova eleição geral, dentro do âmbito territorial, em que cada município elege seu repre‑
marco do mais estrito respeito ao Estado de Direito, com as sentante, e no âmbito setorial, em que sete setores sociais
garantias de um TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) que goze terão, cada um, um valor específico de representantes.
de capacidade técnica e de confiança da cidadania e dos Os  aposentados, por exemplo, vão eleger 28 membros.
partidos políticos”, diz o comunicado da OEA. A forma como foi desenhada a votação favorece a eleição
de aliados do chavismo.
No dia 17 de dezembro, o TSE proclamou que o atual
presidente Juan Orlando Hernández foi o vencedor do plei‑
Como os outros países reagem à situação da Venezuela?
to com 42,95% dos votos, contra 41,24% do candidato da
Na semana passada, deputados e senadores da Colômbia
Aliança de Oposição contra a Ditadura, Salvador Nasralla.
e do Chile denunciaram Maduro ao Tribunal Penal Interna‑
A decisão foi rejeitada pela Aliança, que convocou a “mo‑
cional de Haia, na Holanda, que julga crimes que afetam
bilização imediata” por causa dos indícios de fraude eleitoral,
a comunidade internacional, como genocídios e crimes
e também pela OEA, que afirmou que o ciclo eleitoral que o
de guerra. Ele é acusado de cometer “graves violações ao
TSE disse ter se encerrado não pode assim ser considerado. direito internacional” desde 2008, quando ocupava o cargo
Dentre as irregularidades, a  OEA aponta intromissões de ministro das Relações Exteriores. Os  Estados Unidos
humanas “deliberadas” no sistema de apuração, eliminação puniram a Venezuela com a intenção de pressionar Maduro
intencional de rastros digitais, urnas violadas ou sem atas, a cancelar a Constituinte. Na quarta‑feira (26), os Estados
entre outras, que, somadas à estreita margem que separa os Unidos aplicaram sanções contra 13 funcionários do governo
candidatos, “tornam impossível determinar com a necessária venezuelano, o que impede que eles acessem os bens nos
certeza o ganhador”. Estados Unidos e restringe os negócios em que podem se
envolver. O presidente Donald Trump também ameaça impor
Venezuela sanções econômicas que afetarão diretamente a economia
venezuelana.
Depois da morte de Hugo Chávez, em 2013, Nicolás Ma‑ O Brasil condena a proposta de Maduro e incentiva ne‑
duro foi eleito presidente da Venezuela, o que significou a gociações de paz, mas ainda não tomou nenhuma medida
continuidade do chavismo. A partir do ano seguinte, o preço prática de oposição.
do petróleo, produto base da economia do país, começou
a cair. Durante 2013 e 2014, o  preço médio de venda do Como isso afeta o Brasil?
barril venezuelano era cerca de US$ 100. Em 2016, esse A crise na Venezuela afeta o Brasil territorialmente.
valor passou para US$ 33. Para reagir à situação, o governo Milhares de venezuelanos já ultrapassaram a fronteira de
venezuelano optou pelo controle dos preços e de câmbio Roraima na tentativa de obter uma vida decente. Com esse
e também racionou as importações. A consequência foi o cenário, o Brasil corre o risco de ter uma grave crise huma‑
surgimento da mais grave crise econômica e humanitária nitária e de segurança nacional.
que a Venezuela já viu.
A economia encolheu e a inflação disparou. Segundo Paquistão
uma pesquisa sobre Condições de vida na Venezuela, feita
por universidades e ONGs em 2016, 81,8% dos lares do país O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, en‑
viviam abaixo da linha da pobreza. Outro dado mostra que viou sua primeira mensagem do ano no Twitter com uma
93% dos venezuelanos não conseguem comprar os alimentos crítica ao Paquistão, um aliado americano. Segundo Trump,
Geografia Mundial

de que precisam e três quartos da população perderam peso os paquistaneses têm recebido bilhões de dólares em ajuda,
no ano passado. A taxa de homicídios em 2016, calculada mas não têm dado nenhuma contrapartida aos EUA, o que
pelo Observatório Venezuelano de Violência, foi de 91,8 segundo ele precisa acabar.
assassinatos para cada 100 mil habitantes, enquanto que “Os Estados Unidos têm tolamente entregado ao Paquis‑
nos Estados Unidos a taxa é menor que cinco assassinatos tão mais de 33 bilhões de dólares em ajuda ao longo dos
para cada 100 mil habitantes. Nos últimos quatro meses, últimos 15 anos e eles não nos dão nada mais que mentiras
milhares foram às ruas protestar contra o governo, e Maduro e enganos, pensando que nossos líderes são bobos. Eles dão
vem reprimindo duramente as manifestações. Até agora, 109 abrigo a terroristas que caçamos no Afeganistão, com pouca
pessoas morreram. ajuda. Não mais!”, escreveu Trump.

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Em janeiro de 2018, ele havia usado o Twitter para consciência universal”, a globalização “é, de certa forma,
comentar os “protestos pacíficos” ocorridos nos últimos o ápice do processo de internacionalização do mundo
dias no Irã. Nesse caso, o presidente americano criticou o capitalista” (2001, p. 23). Com base nesta compreensão
fato de que as autoridades de Teerã restringiram a internet do professor Milton Santos, é  correto afirmar que a
para impedir a comunicação dos manifestantes. “Isso não é globalização é:
bom!”, disse ele. a) o processo irreversível de internacionalização do
capitalismo que levou a economia global ao ponto
EXERCÍCIOS máximo de seu desenvolvimento.
b) o processo que leva, necessariamente, à constituição
1. “Moro em Portland, Oregon, onde a Nike tem a sua sede de uma consciência universal e solidária.
empresarial. [...] Precisando de tênis novos, comecei a c) um movimento do mundo capitalista que visa à
procurar. [...] Pegava um tênis atrás do outro e lia ‘Made internacionalização de todos os povos.
in China’, ‘Made in Korea’, ‘Made in Indonesia’, ‘Made in d) um processo, do mesmo jeito que a internacionali‑
Thailand’. Comecei a pedir tênis fabricados nos EUA aos zação, típico do capitalismo industrial.
balconistas. Os poucos que não ficaram confusos me e) o centro da economia capitalista que fez surgir uma
disseram que não existem tênis fabricados nos EUA.” consciência universal, no lugar de um pensamento
Fonte: Americanos fabricam os seus tênis em toda parte. único.
Jornal Folha de São Paulo, 2 out. 1994.
4. (NUCEPE/PM‑PI/Soldado da Polícia Militar/2017) Como
A partir do texto, considere as afirmativas: uma das contradições do desenvolvimento capitalista,
I – A Globalização introduziu um novo ritmo à econo‑ pode‑se apontar o processo de fragmentação do es‑
mia, isto é, um caráter mais regional tanto da produção paço, na medida em que a globalização visa integrar
industrial quanto da comercialização e do consumo. os diferentes espaços geográficos. A fragmentação do
II – A Globalização estimulou as economias do Primeiro
espaço se caracteriza:
Mundo, levando‑as a incrementar e expandir as suas
a) pela produção de espaços desiguais, advindos prin‑
tradicionais áreas industriais, como são os casos de
cipalmente do processo de expansão econômica,
Manchester e Detroit.
característica do capitalismo globalizado.
III – A Globalização deslocou os centros de produção
para as áreas do planeta que oferecem preços e con‑ b) pela criação de novos espaços geográficos multifrag‑
dições de menor custo para as matérias‑primas e mão mentados, visando ao desenvolvimento capitalista.
de obra. c) pela divisão dos espaços sociais em diferentes par‑
IV – A Globalização internacionalizou o capital e alterou celas do mundo globalizado.
os ritmos da indústria, do comércio, da comunicação d) pelo aumento da quantidade de espaços geográficos,
e dos transportes, criando uma crescente interdepen‑ fruto do desenvolvimento capitalista.
dência entre os países. e) pela delimitação dos espaços sociogeográficos do
mundo globalizado, permitindo, assim, um maior
Está(ão) correta(s) desenvolvimento econômico de todos os povos.
a) apenas I e II.
b) apenas III e IV. Nas últimas décadas, produziu‑se um verdadeiro mo‑
c) apenas III. vimento sísmico no processo de produção global. Centenas
d) apenas IV. de grandes empresas americanas e algumas europeias des‑
e) I, II, III e IV locaram parte ou grande parte de sua cadeia de produção e
distribuição para a China, a Índia e outros países asiáticos,
2. (Cesgranrio/SEEC‑RN/Professor/Geografia/2011) induzidas pelas vantagens comparativas proporcionadas por
Tornou‑se usual explicar a complexidade do mundo baixos salários, recursos humanos de aceitável qualidade
atual por meio do binômio globalização‑fragmentação, em nível técnico e gerencial, e um dos mercados internos
visto que, de acordo com alguns estudos, contrapor um em franca expansão nos países receptores. Isso gerou uma
aspecto ao outro é inadequado, pois ambos caminham fragmentação e dispersão geográfica do processo capitalista
juntos. Da mesma forma que a globalização se revela de de produção, o qual se converteu em um processo “desnacio‑
várias formas, a fragmentação também. Podemos, por nalizado” que aliena e fragmenta os conceitos de “nação” e
exemplo, fazer referência a uma fragmentação inserida “indústria”; transforma‑se a categoria que dominou a análise
de forma mais visível nos processos de globalização e a do capitalismo industrial, a tomada de decisões e a geração
uma fragmentação paralela ou contrária à globalização. de políticas durante décadas: “a indústria nacional”. Essa
Há uma fragmentação “inclusiva ou integradora” e há profunda mudança estrutural forma um novo paradigma que
uma fragmentação “excludente ou desintegradora”. se consolidará à medida que a internacionalização industrial
Levando em conta a lógica de “fragmentar para melhor e sua fragmentação se vejam facilitadas pela experiência
globalizar”, não faz parte do processo de fragmentação acumulada, a tecnologia e os avanços em matéria de comu‑
“inclusiva ou integradora” a seguinte característica: nicação, transporte e logística.
Geografia Mundial

a) terceirização GARRAMÓN, C. Paradigmas que condicionam o curso da economia


b) trabalho temporário global. Opinion Sur, nº117, maio de 2013
c) padronização da produção
d) flexibilização do circuito produtivo 5. Pode‑se afirmar que esse processo de fragmentação e
e) introdução de novos métodos de produção internacionalização industrial:
a) não possui uma relação direta com a Globalização,
3. (2017 – Banca: NUCEPE – PM‑PI – Soldado da Polícia uma vez que os instrumentos estruturais e as técni‑
Militar) Para o professor Milton Santos, em seu livro cas empregadas são de baixo custo e atingem regiões
“Por uma outra globalização: do pensamento único à não globalizadas.

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b) caracteriza‑se pela expansão das empresas globais (4) Com a globalização, as fronteiras territoriais entre
do mundo desenvolvido em direção, preferen‑ países se tornaram frágeis e fluídas, fato que pos‑
cialmente, a  países emergentes, assinalando uma sibilitou a livre circulação de mercadorias, capitais
concentração industrial exclusiva de nações com e pessoas entre diferentes países.
economia em desenvolvimento.
c) abaliza a mundialização nas etapas das operações Globalização da cultura
fabris, em que as diferentes parcelas de uma mesma
produção se descentralizam para além das fronteiras A terceira revolução industrial produziu um “meio
nacionais e dos limites continentais. técnico‑científico” e um “ciberespaço” pautados nas rela‑
d) demonstra a importância da coesão da maquinofa‑ ções ditas em “tempo real” por meio das “infovias”, que
tura, caracterizada pela produção em massa e pela interligam, instantaneamente, os  diferentes espaços do
manutenção das formas tecnológicas de uma mesma planeta. Criou‑se, assim, um novo conjunto de “redes in‑
época. formacionais”, entre as quais a Internet é o exemplo mais
e) efetua‑se pela dinamização e consolidação da social expressivo. Começou, portanto, a  ser forjada, ao  lado da
democracia, um modelo econômico pautado pela globalização econômico‑financeira, uma espécie de “cultura
mínima intervenção do Estado e pelo predomínio global” pautada na cibernética e nas múltiplas conexões que
da iniciativa privada. ela permite ativar. A mídia e as grandes empresas tornam‑se
agentes preferenciais, fornecendo novas referências cultu‑
6. (PREF. RIBEIRÃO PRETO/SP 2013 – VUNESP – PROFES‑ rais para a identidade social por meio de esferas como lazer
SOR III  – GEOGRAFIA) Para Milton Santos (1997), no (cinema), vestuário (universalização do jeans) e alimentação
período mais recente da história humana, já não se (redes de fast‑food).
pode falar de contradição entre uniqueness e globali‑ Rogério Haesbaert (Org.). Globalização e fragmentação no mundo con‑
dade. Ambos (local e global) se completam e se expli‑ temporâneo. Rio de Janeiro: EDUFF, 1998, p. 18-20 (com adaptações).
cam mutuamente. Por isso, quanto mais os lugares se
mundializam, mais se tornam singulares e específicos. 9. Tendo como referência inicial o texto acima e os múlti‑
Isso significa que plos aspectos que ele suscita, julgue os itens a seguir.
a) não existe globalização, mas sim, crescente fragmen‑ (1) A globalização econômica estimula a diminuição da
tação do mundo. diversidade cultural: um mesmo gênero musical,
b) a Geografia atual trabalha somente na escala das por exemplo, pode ser comercializado nos mais
regiões. diferentes países e contextos. Por outro lado,
c) a cidade é a categoria central da Geografia, substi‑ as  tecnologias associadas à globalização  – como
tuindo o espaço. Internet, estúdios caseiros e MP3  – permitem a
d) a Geografia deve trabalhar somente com fenômenos divulgação de variados estilos musicais sem a in‑
locais. termediação da indústria cultural e as imposições
e) o lugar é parte do mundo e desempenha um papel da massificação, o que demonstra que o processo
em sua história. de globalização apresenta contradições internas.
(2) O texto refere‑se ao papel da mídia e das grandes
7. (PREF. RIBEIRÃO PRETO/SP 2013 – VUNESP – PROFES‑ empresas na era da globalização. Entretanto,
SOR III – GEOGRAFIA) Segundo Milton Santos, o Tempo a  importância da mídia como elemento dinami‑
do Mundo é o das empresas multinacionais e o das ins‑ zador e transformador da sociedade antecede o
tituições supranacionais. O Tempo dos Estados‑Nações atual processo de globalização, visto que a mídia
é o tempo dos Estados nacionais e das grandes firmas esteve sempre vinculada ao fenômeno da cultura
nacionais. Entre esses dois, haveria um tempo regio‑ de massa.
nal – o das organizações regionais supranacionais – em
que funcionariam A União Europeia não solapa as identidades dos países
a) os sistemas naturais, como o clima e o relevo. que nela se unem. Pelo contrário, ela é uma campeã da iden‑
b) os mercados comuns regionais, como o NAFTA. tidade. Mais que isso, a União Europeia é a melhor garantia
c) os territórios híbridos, como o do narcotráfico. da segurança das identidades dos países, oferecendo‑lhes
d) as redes urbanas, como as das regiões metropolitanas. a melhor probabilidade de sobrevivência e até de floresci‑
e) os movimentos sociais locais, como o MTST. mento dessas identidades.
Zygmunt Bauman. A cultura no mundo líquido moderno.
8. (Cespe/Seduc‑ES/2013) Com relação à influência do sis‑ Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 68 (com adaptações).
tema capitalista sobre os espaços nacionais e regionais
no mundo atual, julgue os seguintes itens. 10. Tendo como referência esse texto, assinale a opção
(1) A divisão territorial do trabalho no mundo glo‑ correta acerca da globalização.
balizado produz escalas diferenciadas de merca‑ a) Dadas as dificuldades encontradas, a União Europeia
do – local, regional, nacional e mundial – , o que ainda não conseguiu proteger as nações de efeitos
Geografia Mundial

caracteriza a fragmentação do espaço geográfico destrutivos do longo e permanente processo de


na atualidade. separação da trindade nação, estado e território.
(2) As centralidades urbanas exercem controle sobre b) A globalização sustenta‑se basicamente em uma
regiões polarizadas por meio de redes de produção rede de dependências técnicas de dimensões globais
e consumo. que independem das relações inter‑humanas.
(3) A circulação de capitais rentistas é uma das carac‑ c) Com a globalização, tanto o poder, encarnado na
terísticas da globalização e ocorre apenas a partir distribuição mundial de capital e informação, quanto
da compra e venda de mercadorias entre países as instituições políticas se tornam extraterritoriais,
de blocos econômicos. ou seja, externos a todos os lugares.

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d) O sustentáculo de solidariedade interna da União VI  – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha  – que
Europeia exerceu importante papel em evitar que a formam o chamado grupo dos PIIGS – são países que
globalização fragmentasse com maior intensidade a se encontram em posição delicada dentro da zona do
soberania nacional dos países europeus. euro, pois atuaram de forma mais indisciplinada nos
gastos públicos e se endividaram excessivamente.
Os lugares não desapareceram com a globalização; a
desterritorialização caminha junto com uma reterritorializa‑ Das afirmações acima, estão corretas
ção, seja o desdobramento infinito e frequentemente mons‑ a) Todas.
truoso da cidade mundo, seja o retraimento da cidade global
b) I, II e III, apenas.
ou da cidade étnica. No entanto, essa ressurgência efetiva dos
lugares não se acompanha de uma tomada de consciência c) II, III, IV e V, apenas.
efetiva do papel de um local cujas variantes são múltiplas. d) I, II, III, V e VI, apenas.
Olivier Mongin. A condição urbana: a cidade na era da globalização. e) I, III, IV e VI, apenas.
São Paulo: Estação Liberdade, 2009, p. 229 (com adaptações).
(Cespe/TRE‑RJ/Técnico Judiciário/Programação de Siste‑
11. Com base nesse texto e na nova lógica que rege a vida mas/2012) A respeito do Mercado Comum do Sul (MERCO‑
nos lugares, assinale a opção correta. SUL) e das dificuldades que esse bloco ainda encontra para
a) Os lugares devem ser analisados sob a perspectiva de se consolidar, julgue os próximos itens.
uma homogeneidade e uma harmonia econômica, 13. Na mesma reunião em que foi aprovada a entrada da
política e cultural. Venezuela no bloco, foi recusada a admissão dos países da
b) Com a globalização, a aceleração dos fluxos de mer‑
Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, Peru e México), sob
cadorias e pessoas não altera a cultura tradicional
que configura, historicamente, cada lugar. a argumentação de eles serem considerados neoliberais.
c) São Paulo expressa um caso emblemático de cida‑
de global, tanto pela pujança econômico‑cultural, (Cespe/Instituto Rio Branco Prova/Diplomata/2017) Com
quanto pela precariedade das franjas metropolita‑ referência à evolução recente do Mercado Comum do Sul
nas, o que é justificado pela reprodução da vida em (MERCOSUL), que já conta com vinte e cinco anos de exis‑
lugares específicos de cidades latino‑americanas. tência, julgue o item que se segue.
d) É equivocada a análise conjunta da escala local com 14. O  MERCOSUL tem buscado ampliar o número de
a global, uma vez que os lugares se desarticulam com acordos com outros países e blocos, o  que pode ser
a globalização. exemplificado pela retomada das negociações para um
acordo com a União Europeia e pela busca de maior
12. A  analisada sobre várias perspectivas. A  estrutura cooperação com a Aliança do Pacífico.
supranacional criada no pós‑guerra, que reuniu a gê‑
nese da Comunidade Europeia para ampliar o espaço 15. (TJ‑PR/TJ‑PR/Administrador/2013) Sobre o tema blocos
geoeconômico do mercado comum, parece arruinada, econômicos, assinale a alternativa correta.
apesar da União Europeia (UE) constituir hoje um bloco a) A União de Nações Sul‑Americanas (UNASUL) é for‑
comunitário de relevância no cenário internacional.
mada pelos doze países da América do Sul. O tratado
Considerando seus conhecimentos sobre a gênese da
constitutivo da organização foi aprovado durante a
Comunidade Europeia que se transformou na atual
União Europeia (UE), associado ao atual processo de Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e de
crise que atinge azona do euro, são feitas as seguintes Governo, realizada em Brasília. A  UNASUL tem‑se
observações: revelado um instrumento útil para a solução pacífica
I – A integração econômica surgiu no pós‑guerra como de controvérsias regionais e para o fortalecimento
elemento chave para a reconstrução da Europa Oci‑ da proteção da democracia na América do Sul.
dental, envolvendo França, Alemanha Ocidental, Itália, b) A Associação Latino‑Americana de Integração (ALA‑
Bélgica, Holanda e Luxemburgo, com a criação da Comu‑ DI) é um bloco comercial latino‑americano criado
nidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA) em 1952. formalmente no Chile. O bloco agrupa Chile, Colôm‑
II  – Em 1957, o  Tratado de Roma estabeleceu a Co‑ bia, México e Peru. Em maio de 2013, foi decidido
munidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade acolher a Costa Rica como membro pleno.
Europeia de Energia Atômica (Euratom). c) A Aliança do Pacífico é um bloco comercial com sede
III – Posteriormente, em 1967, CECA, CEE e Euratom nas Filipinas, do qual fazem parte os países asiáticos
se fundem, constituindo a Comunidade Europeia e e a Oceania, criado para fortalecer o livre comércio
iniciando a trajetória que eliminaria as restrições rela‑ entre os países participantes e incrementar as ex‑
cionadas à circulação de pessoas, capitais, mercadorias portações para outros países.
e serviços como prioridades à oficialização do mercado
d) O Tratado Norte‑Americano de Livre Comércio (NAF‑
comum supranacional.
IV – O Tratado de Maastricht, assinado em 1992, ofi‑ TA), por ser uma zona de livre comércio, estabeleceu
cializou a criação da União Europeia (UE), sucessora o fim das barreiras alfandegárias entre Estados
Unidos e Canadá.
Geografia Mundial

da Comunidade Econômica Europeia e determinou a


restrição à entrada de novos países membros, inician‑
do o processo de retração do bloco quanto a futuras 16. A combinação de dispersão espacial e integração global
adesões. criou novo papel estratégico para as principais cidades
V  – A crise europeia envolve, entre outras razões, que compreendem os fluxos globais. Essas cidades
a baixa sincronia existente entre os elementos políti‑ agora funcionam em novas formas de redes produti‑
co‑institucional e econômico‑financeiro na estrutura do vas, como
bloco, associadas ao descontrole das contas públicas de I  – pontos de comando altamente concentrados na
algumas nações da zona do euro. organização da economia mundial.

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II – localizações‑chave para empresas financeiras e de 18. Sobre a ação do Estado na política econômica e social
serviços especializados. de um país e suas repercussões nas sociedades con‑
III – locais de produção, inclusive a produção de inova‑ temporâneas, assinale a alternativa correta.
ção em importantes setores da economia. a) Nos regimes socialistas derivados do antigo bloco
IV – mercados para os produtos e para as inovações soviético o Estado apresenta‑se pouco atuante, sen‑
produzidas. do que as comunas populares controlam o sistema
produtivo e o poder.
Está correto o que se afirma em b) A social democracia caracteriza‑se pela valorização
da iniciativa privada e pela ausência de seguridade
a) I, apenas.
social do Estado. Os serviços de saúde, educação e
b) II, apenas. seguridade social são privados.
c) I e III, apenas. c) No capitalismo neoliberal o Estado não é controla‑
d) II, III e IV, apenas. dor do mercado, favorecendo a livre iniciativa e a
e) I, II, III e IV. livre competição entre as empresas. Não prioriza o
protecionismo da produção industrial nacional.
17. Analise o texto a seguir: d) O Estado laico caracteriza‑se pela ingerência religio‑
sa nos assuntos de Estado. O Irã é um exemplo de
Há um modo de pensar a superação da crise a partir da Estado laico.
teoria keynesiana, mediante o aumento dos gastos sociais, e) O Parlamentarismo é a forma de representação
socializando os custos da reprodução social, numa linha própria das monarquias e dos regimes totalitários;
oposta à neoliberal, de privatização de tais custos em termos o Presidencialismo é próprio das democracias socia‑
de previdência, de educação. A socialização de tais custos listas.
me parece um bom caminho inicial. A outra peça da teoria
keynesiana é o investimento em infraestrutura. Os chineses 19. (FCC/DPE‑RS/Analista/Área Economia/ 2017) As re‑
perderam 30 milhões de empregos entre 2008 e 2009, por lações de comércio internacional do Brasil sofreram
mudanças na década de 1990. A abertura cambial
conta do colapso das indústrias de exportação. Em 2009, eles
a) se iniciou após o governo do Presidente Fernando
tiveram uma perda líquida de só três milhões de empregos,
Henrique Cardoso.
o que significa dizer que eles criaram 27 milhões de empregos b) foi bastante aprofundada no governo do Presidente
em cerca de nove meses. Isso foi resultado de uma opção Fernando Henrique Cardoso.
pela construção de novos edifícios, novas cidades, novas es‑ c) tem seu início já no final dos anos 80.
tradas, represas, todo o desenvolvimento de infraestrutura, d) se limitou ao estabelecimento do regime de câmbio
liberando uma vasta quantidade de dinheiro para os municí‑ totalmente flexível.
pios, para que suportassem o desenvolvimento. Essa é uma e) foi interrompida no governo do Presidente Fernando
clássica solução “sinokeynesiana” e me parece que uma coisa Collor.
semelhante aconteceu no Brasil, por meio do Bolsa‑Família
e de programas de investimento estatal em infraestrutura. Nenhuma outra questão da agenda global é mais sus‑
David Harvey, 2012. Revista do IPEA. Adaptado. cetível à manipulação dos demagogos do que a questão dos
refugiados e migrantes. “Nós” contra “eles” é um unificador
O autor cita a teoria Keynesiana e sua linha oposta, irresponsável e atemporal, usado ao longo da história para
o neoliberalismo. Sobre as diferenças entre essas duas obscurecer nossa humanidade comum. A diferença agora é
posições teóricas, é CORRETO afirmar que o que, mais do que nunca, as pessoas estão em movimento,
a) Keynesianismo é um conjunto de ideias, que propõe em uma época em que narrativas se espalham com enorme
a intervenção estatal na vida econômica, enquanto o velocidade, e vemos uma crescente xenofobia – que muitas
neoliberalismo é um sistema econômico, que prega vezes irrompe em violência.
Ban Ki‑Moon. Uma resposta global aos refugiados. In: Folha de
uma participação mínima do Estado na economia. S.Paulo, 25/9/2016, p. A3 (com adaptações).
b) ideário do neoliberalismo tem como ponto forte o
aumento da participação estatal nas políticas pú‑ (Cespe/FUB/Conhecimentos Básicos/2016) Tendo o fragmen‑
blicas, enquanto a ideologia Keynesiana fomenta a to de texto precedente como referência inicial e consideran‑
liberdade e a competitividade de mercados. do a dimensão nos dias atuais do problema por ele tratado,
c) neoliberalismo estimula os valores da solidariedade julgue os itens seguintes.
social conduzida pelo Estado máximo, enquanto o 20. Na atualidade, entre os fatores que impelem milhares
Keynesianismo faz a defesa de um mercado forte de pessoas a abandonarem seus países de origem em
em que a iniciativa privada deve intervir como pro‑ busca de abrigo em outros lugares destacam‑se perse‑
motora de privatizações. guições políticas e religiosas, guerras civis, estruturas
d) ideário do Keynesianismo defende um mercado de poder opressivas e sofríveis condições materiais de
autorregulador no qual o indivíduo tem mais im‑ sobrevivência.
21. Em geral, mas não exclusivamente, as correntes migra‑
portância que o Estado, enquanto o neoliberalismo
Geografia Mundial

tórias contemporâneas dirigem‑se à Europa, vindas de


argumenta que quanto maior for a participação áreas de conflito no Oriente Médio, como a Síria, e de
do Estado na economia mais a sociedade pode se várias regiões africanas marcadas por conflitos étnicos,
desenvolver, buscando o bem‑estar social. pela violência produzida pelo fanatismo religioso e
e) poder da publicidade na sociedade de consumo para pela fome.
satisfazer a população é um grande aliado da política 22. A União Europeia, pelo conjunto de países que a inte‑
Keynesiana, enquanto as ideias neoliberais não são gram, adotou medidas facilitadoras para a recepção
favoráveis a soluções de mercado, opondo‑se ao dos milhares de asiáticos e africanos que atravessam
corporativismo empresarial. o Mediterrâneo em busca de um novo lar na Europa.

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23. A França foi pioneira na abertura das fronteiras aos milha‑ a) O Brasil já anunciou a meta própria de diminuir 50%
res de refugiados que para elas acorreram, tendo servido das emissões até 2025 e 75% até 2030 – ambas em
de exemplo a países como a Alemanha, cujo governo, comparação aos níveis de 2005.
com o apoio da maioria da população  – comprovado b) A liberação de substâncias, como o dióxido de car‑
pelo resultado das últimas eleições realizadas no país – , bono e o metano, na atmosfera ocorre por conta do
tem adotado políticas de acolhimento de refugiados. desmatamento, da geração e do consumo de energia
24. A  xenofobia mencionada no texto tem aparecido de unicamente.
forma pontual, concentrada em países que, histo‑ c) O objetivo da COP21 é chegar a um acordo para
ricamente, mostram‑se avessos ao recebimento de limitar o aquecimento abaixo de um limite admi‑
migrantes, como, por exemplo, os Estados Unidos da nistrável tanto para os ecossistemas quanto para as
América, a Argentina e o Brasil. economias.
d) A última grande cúpula ambiental ocorreu em 2013,
Dados inéditos da fundação internacional Walk Free em Copenhague.
revelam que cerca de 35,8 milhões de pessoas são man‑ e) Apesar de não ter confirmado participação, o Brasil
tidas em situação de escravidão no mundo. Segundo essa se mostra otimista para essa conferência climática.
fundação, no Brasil há aproximadamente 220 mil pessoas
em trabalho escravo. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2009) Em dezembro
Em 2013, pela primeira vez, o  número de pessoas de 2009, ocorre a Conferência das Nações Unidas acerca
resgatadas de situações de escravidão no setor urbano foi das mudanças climáticas – Conferência de Copenhague ou
maior que no setor rural no país. COP-15 – , na qual devem ser lançadas as bases de um re‑
Correio Braziliense, Caderno Mundo, 3/11/2014 (com adaptações). gime internacional para o tema. Considerando as posições
brasileiras a respeito das mudanças climáticas, julgue o item
25. A respeito da escravidão contemporânea tratada nesse que se segue.
texto, assinale a opção correta no que se refere ao caso 30. Com base no princípio de responsabilidade comum
brasileiro. mas diferenciada, o  Brasil propugna aliar medidas
a) Há uma relação direta entre a tecnificação do campo de redução do desmatamento aos compromissos de
e o aumento do trabalho escravo no setor rural. redução da emissão de gases poluentes e causadores
b) A imigração de africanos e asiáticos reduz o número do efeito estufa e, ao mesmo tempo, defende que os
de escravos urbanos, dada a qualificação desses países desenvolvidos também assumam compromissos
trabalhadores estrangeiros. nesse mesmo sentido e que sejam condizentes com
c) A migração campo‑cidade nas décadas de 1940-1980 seus respectivos níveis de emissão.
explica a escravidão urbana referida no texto.
d) As estratégias adotadas na construção civil em de‑ 31. (FCC/METRÔ‑SP/Agente de Segurança Metroviá‑
corrência tanto da especulação imobiliária quanto ria/2015) Em dezembro de 2014 ocorreu em Lima (Peru)
da organização de megaeventos são práticas econô‑ a Conferência das Partes da Convenção de Mudanças
micas que têm favorecido a escravidão urbana. Climáticas da ONU (COP20). Com a participação de
representantes de 195 países, um dos objetivos da
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Tendo o tema Conferência foi
desse fragmento de texto como referência inicial, julgue (C a) isentar os países em desenvolvimento da responsa‑
ou E) os itens subsequentes, considerando aspectos geo‑ bilidade sobre o aquecimento global.
gráficos diversos relacionados aos movimentos migratórios b) debater as consequências do derretimento da calota
internacionais e intranacionais. polar e apontar os responsáveis.
26. No contexto de integração econômica regional, a per‑ c) definir metas de redução da emissão de gases para
meabilidade das fronteiras dos países da América Latina os países emergentes e desenvolvidos.
vem contribuindo para a intensificação dos desloca‑ d) preparar um documento sobre um novo acordo
mentos de população entre países, com um conjunto climático que será debatido em 2015, em Paris.
significativo de migrantes deslocando‑se de forma e) manter em vigor o texto e as metas do Protocolo de
clandestina ou ilegal, o que dificulta a mensuração dos Quioto até o final da década.
fluxos migratórios entre países.
27. O  início do século XXI tem sido marcado pela inten‑ 32. (Cespe/IPAJM/Advogado/2010) A Conferência das
sificação da crise migratória global, pela entrada em Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009,
massa de refugiados e ilegais no continente europeu, realizada em Copenhague, terminou
e pela pauta, na agenda política de diversos países, do a) com o estabelecimento de metas obrigatórias de re‑
tema da migração internacional, sendo o Brasil, nesse dução das emissões de gás carbônico para os países,
cenário, um dos integrantes das rotas de migrações de acordo com seu estágio de desenvolvimento.
internacionais. b) com a decisão de que os organismos financeiros
28. Devido ao envelhecimento da população, à diminuição internacionais não mais concederão crédito para
drástica das taxas de natalidade e à necessidade de mão atividades econômicas que contribuam para o aque‑
de obra jovem para manter sua economia, diversos cimento global.
Geografia Mundial

países da União Europeia têm adotado políticas de le‑ c) com o estabelecimento de metas obrigatórias de
gitimação de migrações ilegais e de concessão de asilo redução de energia elétrica gerada por petróleo.
político. d) com a criação da Organização Mundial Ambiental,
reunindo países e organismos internacionais espe‑
29. (FURB/ISSBLU‑SC/Agente Administrativo/2015) Paris cializados em meio ambiente, para gerenciar a crise
reúne líderes mundiais para a Conferência do Clima ambiental.
(COP 21), de 30 de novembro a 11 de dezembro de e) sem um documento formal que estabelecesse
2015. A respeito desse assunto, assinale a alternativa metas, demonstrando a falta de consenso entre os
correta: países participantes.

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33. (FCC/Polícia Civil – AP/Delegado de Polícia/2017) No dia a) Assinado em 2002, dez anos após a Rio-92, tem
1 de junho de 2017, jornais de várias partes do mundo como objetivo a redução na emissão de gases que
deram a manchete: contribuem para o aquecimento global.
b) O acordo insere‑se na mesma política do Protocolo
Trump anuncia retirada dos EUA do Acordo de Paris de Kyoto, porém, diferentemente deste, não foi
sobre o clima assinado pelos Estados Unidos.
c) O principal objetivo do acordo diz respeito a limitar
A justificativa dada por Trump para a saída do Acordo o aumento da temperatura global a no máximo 2ºC
de París foi que: em relação aos níveis pré‑industriais.
a) os Estados Unidos estão privilegiando as fontes de d) Grande parte dos países industrializados ainda não
energia limpa e, portanto, estão muitos passos à aceitaram o acordo, o que dificulta sua implemen‑
frente do que preconiza o Acordo de Paris. tação.
b) a manutenção das metas propostas pelo Acordo e) O acordo tem por base a ideia de que a temperatura
representaria o fechamento das usinas nucleares média global não sofre influência da ação antrópica.
norte‑americanas e elevados prejuízos.
c) não é possível reunir 195 países sob um mesmo Diferentemente das demais colônias americanas, o Bra‑
Acordo climático e desconsiderar as diferenças sil adotou o regime monárquico ao proclamar sua emancipa‑
político‑econômicas entre eles. ção política. Sob o comando de D. Pedro I, o Primeiro Reinado
d) o G7, grupo das sete nações mais ricas do mundo, (1822-1831) foi marcado por graves crises políticas, que
fez forte pressão para que os Estados Unidos dessem culminaram na abdicação do imperador. Seguiu‑se o período
o primeiro passo para desarticular o Acordo. regencial (1831-1840), por muitos considerado uma experi‑
e) era necessário reafirmar a soberania americana, pois ência republicana, assinalado pela eclosão de movimentos
o Acordo paralisa os Estados Unidos e empodera as armados em vários pontos do país. A antecipação da maio‑
nações mais poluidoras do mundo. ridade de D. Pedro II (o chamado Golpe da Maioridade) deu
início ao Segundo Reinado (1840-1889), o qual foi derrubado
(Cespe/Instituto Rio Branco/Terceiro Secretário da Carreira por um golpe militar que instaurou a República.
de Diplomata/2017) Tendo em vista que o Acordo das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (Acordo de Paris), assinado (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2015) A respeito da
em 2015, constituiu um marco nos esforços da comunidade trajetória histórica brasileira ao longo do século XIX, julgue
internacional para reduzir a emissão de gases de efeito o item subsequente.
estufa, julgue os itens subsecutivos, relativos a esse acordo. 39. Refletindo a nova mentalidade que acompanhava a
34. Uma das principais inovações do acordo é o fato de expansão do mercado internacional e a revolução no
ele não estabelecer metas uniformes para todos os sistema de transportes, a Lei de Terras (1850) reduziu
signatários, tendo cada país indicado metas voluntá‑ o poderio dos latifundiários e ampliou as possibilida‑
rias que pretende cumprir, as chamadas Pretendidas des de acesso à propriedade rural por camponeses e
Contribuições Nacionalmente Determinadas. pequenos proprietários.
35. A contribuição brasileira às metas do acordo contempla
o aumento da participação de energias renováveis em Desde o período colonial, o  espaço geográfico brasileiro
sua matriz energética, mas não inclui compromissos no foi transformado e produzido prioritariamente segundo as
âmbito florestal, seja de redução do desmatamento,
necessidades do mercado externo em detrimento da for‑
seja de reflorestamento.
mação econômica interna. Foi por meio dessa perspectiva
36. Como decorrência do conceito denominado “respon‑
colonizadora que, a partir de 1530, as propriedades rurais
sabilidades comuns, porém diferenciadas”, defendido
se organizaram no Brasil.
por países como o Brasil, um dos aspectos‑chave do
(Cespe/MPU/Analista/Geografia/2013) Com relação às ques‑
Acordo de Paris é o financiamento às ações de mitiga‑
tões agrária e agrícola no Brasil, julgue os itens.
ção e adaptação em países em desenvolvimento, com
40. Ao  longo da história fundiária brasileira, ocorreram
previsão de um fundo comum no valor mínimo de US$
diversas manifestações, movimentos, revoltas e pres‑
100 bilhões por ano a partir de 2020.
37. Embora tenha sido assinado por quase duas centenas sões de trabalhadores rurais pelo acesso à terra, muitas
de países, o acordo ainda não entrou em vigor, já que com ganho de causa. Esses movimentos sempre foram
muitos desses países ainda não o ratificaram. amplamente divulgados pelas mídias oficiais.
41. Quanto a sua utilização, o  espaço agrário brasileiro
“O comitê gestor do Fundo Nacional sobre Mudança encontra‑se atualmente condicionado ao mercado
do Clima (Fundo Clima) estabeleceu novas regras para o interno, o  que demandou investimentos em novas
financiamento de projetos para os anos de 2017 e 2018. Em tecnologias para aumentar a produção de alimentos.
reunião realizada nesta quarta‑feira (30), o comitê definiu 42. Segundo o INCRA, é considerado imóvel rural aquele
questões como tecnologia e adaptação para orientar os que possui terra contínua e seja ou possa ser destina‑
programas que serão contemplados nos próximos dois anos. do à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal,
Temas ligados a monitoramento e transparência também florestal ou agroindustrial, independentemente de sua
Geografia Mundial

estão na lista. A iniciativa busca manter a atuação do Fundo localização, seja na zona rural ou urbana do município.
de acordo com os compromissos assumidos pelo Brasil, no
contexto do Acordo de Paris.” 43. Na Europa, a Política Agrícola Comum (PAC) foi idealiza‑
http://www.brasil.gov.br/meio‑ambiente/2016/12/ da tendo em vista a falta de alimentos e o racionamento
fundo‑clima‑definenovas‑regras‑para‑os‑proximos‑dois‑anos depois da Segunda Guerra Mundial. A PAC tinha como
objetivo garantir uma renda estável aos produtores
38. (Quadrix/CRB 6ª Região/Auxiliar Administrativo/2017) rurais, bem como preços mais baixos ao mercado
A respeito do Acordo de Paris, assinale a alternativa consumidor a partir da estabilização do mercado de
correta. alimentos nesse continente. Atualmente, a  PAC tem

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sido alvo de críticas, sendo considerada um entrave 49. O  crescimento da produção brasileira das chamadas
para o comércio internacional, gerando recursos na commodities agrícolas é responsável pela perda de mer‑
Organização Mundial do Comércio (OMC), uma vez que: cado de carnes brasileiras nos países mais exigentes.
a) representa quase metade da despesa anual da União 50. O vigoroso crescimento da moderna produção de uma
Europeia. commodity pouco contribui para o aumento do empre‑
b) gera uma modernização no campo acompanhada go direto na produção agrícola da mesma commodity.
de grande desemprego. 51. O governo tem um dilema permanente e contraditório
c) proporciona a expansão do comércio de alimentos ao administrar os seus recursos: apoiar a agricultura de
transgênicos. exportação ou a de mercado interno.
d) mantém o protecionismo a partir dos subsídios
52. (MPE‑GO/MPE‑GO/Secretário Auxiliar/2017) A caracte‑
dados aos agricultores.
rística fundamental é que ele não é mais somente um
e) permite o uso intensivo de agrotóxicos e defensivos
agricultor ou um pecuarista: ele combina atividades
nocivos aos consumidores. agropecuárias com outras atividades não agrícolas
dentro ou fora de seu estabelecimento, tanto nos
Foi a partir da realização da Conferência Eco 92, da qual ramos tradicionais urbano‑industriais como nas novas
resultou o Tratado de Quioto (em 1997), que a busca por atividades que vêm se desenvolvendo no meio rural,
energia menos poluente e renovável tornou‑se uma priori‑ como lazer, turismo, conservação da natureza, moradia
dade em alguns países, como a China e o Japão, que passa‑ e prestação de serviços pessoais. Essa nova forma de
ram a adicionar álcool (etanol anidro) à gasolina, na busca organização social do trabalho é denominada:
de diminuir o uso do petróleo e a emissão de monóxido a) Terceirização.
de carbono, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa. b) Agroextrativismo coletivo.
A partir daí, iniciou‑se uma fase de preocupação mundial c) Grilhagem.
pela proteção ambiental, por meio da criação de políticas e d) Agronegócio.
acordos internacionais, principalmente no que se refere ao e) Cooperativismo.
aquecimento global.
Lara C.G. Ferreira. As paisagens regionais da microrregião Ceres Até o início dos anos de 90, havia uma marcante pre‑
(GO) – das colônias agrícolas nacionais ao agronegócio sença estatal na produção de matéria‑prima e fertilizantes
sucroenergético. Brasília, Tese de Doutorado, UnB, 2016. básicos pelas empresas Fosfértil e Ultrafértil. A  partir daí,
deu‑se início ao processo de fusão e aquisição, bem como
(Cespe/Diplomata/2017) Tendo o texto anterior como re‑ da venda de empresas estatais que atuavam no setor para
ferência inicial e considerando os múltiplos temas por ele empresas estrangeiras. Da fusão e da aquisição resultaram
evocados, julgue (C ou E) os itens a seguir. apenas três grandes grupos multinacionais, em consonância
44. No Brasil, o setor sucroalcooleiro, além da produção de com uma das tendências de globalização mundial, de forte
açúcar e álcool, tem intensificado a geração de energia concentração do setor.
a partir da queima da biomassa da cana, o que repre‑ Revista de Política Agrícola, abr./jun./2008, p.17-8.
senta uma alternativa ao tradicional modelo de energia
A partir das informações do texto, julgue os itens seguintes.
hidrelétrica.
53. O processo de liberalização da economia dos anos 90
45. A expansão da moderna agricultura nos biomas Cerrado
intensificou a presença do Estado no mercado, mas dei‑
e Amazônia tem‑se constituído a partir de reduzidos xou os produtores rurais mais suscetíveis ao poder dos
fluxos migratórios em direção às pequenas e médias grandes grupos multinacionais no setor de fertilizantes.
cidades dessas regiões e de poucos conflitos no campo, 54. Entre as propostas de política agrícola que podem ser
uma vez que a mecanização excessiva das atividades sugeridas no cenário, de que trata o texto estão, por um
agrárias gera poucos empregos tanto no campo quanto lado, o incentivo ao aumento de capacidade interna de
na cidade. produção de fertilizantes, e, por outro lago, o incentivo
46. As  regiões produtivas do agronegócio brasileiro são a práticas orgânicas e(ou) agroecológicas, reduzindo a
competitivas no mercado global de commodities e ca‑ dependência dos produtores por fertilizantes químicos.
racterizadas pela especialização produtiva que atende 55. Os estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo con‑
a parâmetros internacionais de qualidade e de custos. centram a maior parte das indústrias produtoras de
47. Para atender, principalmente, ao  mercado inter‑ máquinas e implementos agrícolas.
nacional, adotam‑se, nas áreas do bioma Cerrado,
os modelos de ocupação do território e de produção 56. (Consulplan/CBTU/Analista Técnico/Área Geógra‑
desenvolvidos pelo agribusiness nos países centrais do fo/2014) Sobre o processo de modernização da agri‑
capitalismo global, que favorecem a produção em larga cultura brasileira, não é correto afirmar que
escala, intensiva em tecnologia, a partir dos latossolos a) o processo de modernização intensificou‑se a partir
de média e alta fertilidade. dos anos 70, quando houve, de acordo com dados
da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Es‑
tatística (IBGE), um aumento de mais de 1.000% no
A agricultura tem um importante papel multifuncional na
número de tratores utilizados, em relação à década
Geografia Mundial

economia e na sociedade brasileiras. O  desempenho do de 50.


setor, que tem várias particularidades, influi bastante no b) apesar do processo de mudança da base técnica
comportamento de indicadores importantes da economia no campo, ainda não surgiu no Brasil os complexos
como um todo e repercute na área social. Acerca desse tema, agroindustriais, típicos dos países centrais, que
julgue os itens abaixo. representam a integração técnica entre a indústria
48. O produto interno bruto (PIB) da agricultura brasileira que produz para a agricultura, a  agricultura e a
está crescendo mais rapidamente que o do setor de agroindústria.
serviços e, assim, a médio prazo, haverá uma tendência c) o processo de modernização da agricultura brasileira
de que esses valores se tornem iguais. está intimamente ligado à fase conclusiva do proces‑

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so de substituição de importações – a internalização 60. Infere‑se do texto que a atual exploração da camada
de indústrias produtoras de bens de capital e de do pré‑sal deu ao Brasil a autossuficiência de petróleo,
insumos modernos, ou seja, a entrada no país de com excedente para exportação.
multinacionais produtoras de tratores, fertilizantes, 61. A significativa reserva de petróleo existente no Oriente
herbicidas etc. Médio contribui para fazer dessa área uma das mais
d) o processo de modernização foi orientado para a estratégicas e explosivas regiões do planeta.
modernização do latifúndio, para os grandes pro‑ 62. A mais aceita definição de desenvolvimento sustentá‑
prietários, potenciais compradores dos produtos vel é a que se baseia no suprimento das necessidades
industriais, cuja produção se instalara no Brasil ten‑ da geração atual, sem comprometer a capacidade de
do, como base, os complexos agroindustriais, o que atender as necessidades das futuras gerações.
acabou gerando maior disponibilidade de empregos
votados aos pequenos produtores que não foram
Dois séculos após o início da Revolução Industrial, o car‑
alcançados pelo processo de modernização.
vão ainda hoje é a principal fonte geradora de energia elétrica
do mundo. Países como Estados Unidos da América, Japão,
57. (Cespe/SEDUC‑CE/Geografia/2013) Tendo o texto acima
China, Índia, África do Sul e Rússia são tão dependentes do
como referência inicial, e  considerando os múltiplos
aspectos que ele suscita, assinale a opção correta. carvão, no século XXI, quanto era a Inglaterra, no século
a) Com o avanço da fronteira agrícola moderna, emer‑ XIX. No Brasil, o carvão responde por 1,5% da matriz ener‑
giram novas cidades brasileiras, nas quais passou a gética; no mundo, ele representa 41%. Preço baixo, oferta
ocorrer uma inversão: o campo tornou‑se menos abundante e estoques longevos transformaram o carvão em
funcional para as cidades e as cidades tornaram‑se uma fonte de energia atraente do ponto de vista econômico,
funcionais para o campo. mesmo respondendo por 30% a 35% das emissões globais
b) A fronteira agrícola moderna se configurou mais de gás carbônico.
intensamente em São Paulo que nos demais estados. O Globo, caderno Amanhã, 31/7/2012, p. 22 (com adaptações).
c) Entre os serviços ofertados pelas cidades do agro‑
negócio, destaca‑se a comercialização dos grãos Tendo o texto acima como referência inicial e consideran‑
realizada pelos escritórios comerciais importadores do a amplitude do tema por ele suscitado, julgue os itens
das grandes empresas (tradings). seguintes.
d) A difusão do meio técnico científico‑informacional, 63. O carvão é um importante agente da intensificação do
em determinadas regiões de fronteira agrícola efeito estufa, do qual decorre o fenômeno da alteração
moderna, propiciou que ações e objetos agregas‑ climática em escala planetária, o denominado aqueci‑
sem valor fundamentado no desenvolvimento da mento global.
ciência e da informação, contudo essa difusão não 64. A  matriz energética dos países integrantes do BRICS
favoreceu a proliferação de serviços com múltiplas está firmemente ancorada no carvão, com exceção
especializações. da matriz brasileira, em cuja composição o percentual
e) No caso da região pantaneira brasileira, a integração desse elemento é, relativamente, pequeno.
territorial promovida pela construção das rodovias, 65. A preocupação ambiental, praticamente inexistente no
associada à inexistência de heranças territoriais de passado e ao longo das primeiras fases da Revolução
grande monta, facilitou a rápida difusão da agricul‑ Industrial, ganha espaço no mundo contemporâneo.
tura moderna nessa área. O desafio da atualidade é produzir sem poluir, preceito
seguido, em consenso, pelos países ricos, emergentes
Tendo em vista o histórico da legislação rural brasileira, e pobres.
o papel do INCRA e a atual política agrária brasileira, julgue
o item a seguir. Enquanto o Brasil faz investimentos bilionários no
58. O Estatuto da Terra de 1964, por meio do qual o governo pré‑sal e os EUA avançam a passos largos na exploração de
militar pretendia conduzir a questão da terra, serviu não gás não convencional, a matriz energética mundial tende a
apenas para dirimir as tensões sociais no campo como ficar mais limpa nos próximos vinte anos. Contudo, apesar
também implementou, de fato, uma reforma agrária. do forte avanço de fontes renováveis, como a eólica e a solar,
especialistas do setor acreditam que o petróleo permane‑
O petróleo impulsionou a economia internacional e cerá sendo a principal fonte energética do mundo ainda por
chegou a representar 50% do consumo mundial de energia muitos anos.
primária no início dos anos 70. Esse número sofreu queda,
mas ainda representa cerca de 43%. O Oriente Médio de‑
(Cespe/Caixa/Técnico Bancário/2014) Tendo o fragmento de
tém 65,4% das reservas petrolíferas do mundo. O anúncio
texto acima como referência inicial e considerando aspectos
da descoberta do pré‑sal em 2007 mudou radicalmente o
panorama do setor de petróleo no Brasil, que poderá mais marcantes do atual estágio da economia mundial, julgue os
que triplicar suas reservas petrolíferas até 2020. itens a seguir.
O Globo. Caderno Amanhã, 8/1/2013, p. 6 (com adaptações). 66. Os EUA buscam, com o investimento na produção de gás
não convencional, recuperar a posição de maior econo‑
Geografia Mundial

(Cespe/TRT 10ª Região /2013) Tendo o fragmento de texto mia do planeta, atualmente ocupada, alternadamente,
acima como referência inicial e considerando as múltiplas pela China e pela União Europeia, que, em conjunto,
implicações do tema por ele abordado, além de aspectos respondem por quase 80% do comércio mundial.
marcantes do atual estágio de desenvolvimento da economia 67. A  dependência, em relação ao petróleo, do modelo
mundial, julgue os itens que se seguem. econômico‑industrial ainda prevalecente no planeta
59. No Brasil, a extração do petróleo, bem como a comer‑ é fator importante para fazer do Oriente Médio uma
cialização de seus derivados, a  exemplo da gasolina, das mais estratégicas e conflituosas regiões do mundo
é monopólio estatal exercido pela PETROBRAS. contemporâneo.

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68. A exploração da camada do pré‑sal, iniciada há alguns II – ao impacto das chamadas fazendas eólicas sobre a
anos, tornou o Brasil autossuficiente em petróleo bru‑ população local de pássaros, em virtude das colisões
to, situação favorecida pela diminuição do número de destes com as pás das turbinas.
veículos automotores em circulação no país decorrente III  – ao impacto visual provocado pelos geradores
da significativa retração da indústria automobilística eólicos.
brasileira na última década. IV – à alteração do regime de ventos nos locais em que
grandes turbinas eólicas estão instaladas.
69. (Iades/Fundação Hemocentro de Brasília  – DF/2017)
Não há dúvida quanto à importância da produção A quantidade de itens certos é igual a
energética no mundo atual, para gerar desenvolvimento a) zero.
econômico ou para os debates e as ações em relação à b) 1.
proteção ambiental. As tecnologias aceleram as trans‑ c) 2.
formações nesse setor e, ao mesmo tempo, degradam d) 3.
e comprometem a vida no planeta. Em relação a esse e) 4.
tema, assinale a alternativa correta.
a) A produção de xisto tem provocado uma revolução Com base no Balanço Energético Nacional 2008, publicado
na produção de energia nos Estados Unidos e no pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) com dados de
mundo; contudo, não chega a ameaçar a hegemonia 2007, julgue os itens subsequentes.
do petróleo, que mantém, ainda hoje, produção e 75. Entre os itens da matriz energética brasileira, o principal
preços crescentes. é composto pelo petróleo e seus derivados.
b) O Brasil é, na atualidade, o  maior produtor de
76. A participação relativa do gás natural na matriz energé‑
etanol do mundo, sendo a soja e a mamona as
tica brasileira cresceu significativamente de 2006 para
matérias‑primas mais utilizadas para esse produto
2007 devido ao excesso de oferta vinda do gasoduto
no País, além de serem menos poluentes que os
Bolívia Brasil.
derivados do petróleo.
77. Os derivados da cana‑de‑açúcar passaram a ser o se‑
c) A região do pré‑sal continua a ser a principal área
gundo energético na oferta interna de energia.
produtora de petróleo do Brasil. A produção possui
custos menores que nas regiões marítimas tradicio‑ 78. A energia hidráulica continua sendo a principal fonte
nais, além de o País possuir tecnologia de ponta para de energia primária no Brasil.
o setor. 79. Mais de 50% da matriz energética brasileira é renovável.
d) A principal vantagem da instalação de uma usina
hidrelétrica, em qualquer parte do mundo, é  que
não há impactos socioambientais, fator relevante
para a escolha de uma política energética nacional.
e) A produção de carvão vegetal ainda é um sério pro‑
blema socioambiental para o Brasil, pois, além de
provocar grande devastação da vegetação, há uma
grave violação dos direitos humanos, quando obser‑ (Cespe/EBC/2011) Considerando o assunto tratado no frag‑
vada a presença de trabalho análogo ao escravo em mento de texto acima e aspectos da história recente a ele
algumas áreas exploradas. relacionados, julgue os itens a seguir.
80. O  governo alemão decidiu desativar todas as usinas
(Cespe/MEC/Atividades Técnicas de Suporte/2015) Acerca nucleares do país até o ano de 2022.
da energia eólica, que é a denominação da energia cinética 81. Encontra‑se em andamento programa de moderni‑
contida nas massas de ar em movimento, julgue os itens zação da Marinha de Guerra brasileira, que prevê a
subsequentes. construção, no Rio de Janeiro, de submarino armado
70. O aproveitamento da energia eólica ocorre por meio da com mísseis nucleares.
conversão da energia cinética de translação em energia 82. A usina de Belo Monte, prevista para ser construída no
cinética de rotação, com o emprego de turbinas eólicas. rio Xingu, será, no que diz respeito à potência instalada,
71. No Brasil, a velocidade dos ventos costuma ser maior a maior usina hidrelétrica inteiramente brasileira.
em períodos de estiagem, o que possibilita a operação 83. A  fusão do combustível nuclear do núcleo da usina
dos parques eólicos para a geração de energia, em de Fukushima, após esta ser atingida por terremoto
complementação à energia gerada pelas hidrelétricas. no Japão, demonstrou a fragilidade dos sistemas de
72. É um tipo de fonte de energia não poluente, de baixo segurança das usinas nucleares.
custo de obtenção, com elevado potencial em todo o
litoral brasileiro e em todos os estados da região Norte País de território misto, marcado a um só tempo pela
do Brasil. continentalidade e maritimidade, o  Brasil tem, na análise
73. A geração de energia elétrica a partir do aproveitamento dos clássicos da teoria geopolítica relacionados ao poder
Geografia Mundial

da energia eólica apresenta a vantagem de não agredir o naval (Mahan) e na da teoria do poder terrestre (Mackin‑
meio ambiente e a desvantagem de ter sua implantação der), importantes questões para a discussão de uma visão
limitada a áreas litorâneas. estratégica contemporânea, em um contexto em que há um
importante aumento da estrutura política e econômica do
74. (Esaf/Aneel/Especialista em Regulação/2006) Os princi‑ país no cenário mundial.
pais impactos ambientais da utilização da energia eólica Ronaldo Gomes Carmona. Geopolítica clássica e geopolítica brasileira
para a geração de energia elétrica estão relacionados contemporânea: Mahan e Mackinder e a “grande estratégia” do Brasil
I  – aos ruídos provocados principalmente pelas pás para o Século XXI. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012
das turbinas. (com adaptações).

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(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2016) Tendo como 88. Sobre a matriz energética mundial e seus efeitos nas
referência inicial o trecho do texto de Ronaldo G. Carmona, emissões de gases de estufa, podemos afirmar que
julgue o item seguinte, acerca de continentalidade, mariti‑ I – a maior parte da geração energética da China está
midade e geopolítica brasileira no século XXI. vinculada ao carvão mineral, fato este que explica os
84. A Política de Defesa Nacional destaca a importância do níveis totais de emissões chinesas de gases de estufa
controle e defesa dos chamados ativos estratégicos do superarem largamente os dos EUA.
Brasil: fontes de água doce e de energia, biodiversidade, II – assim como o Brasil, a França apresenta uma das
imensas reservas de recursos naturais e extensas áreas matrizes energéticas mais limpas do mundo, pois am‑
a serem incorporadas ao sistema produtivo nacional. bos os países priorizam a exploração de seus vastos
recursos hídricos.
85. (FCC/SEDU‑ES/Professor/Geografia/2016) Observe a III – apesar de a energia nuclear, que é mais limpa,
charge abaixo. desempenhar papel de destaque, são os combustí‑
veis fósseis que predominam na matriz energética
norte‑americana.
IV – embora a energia nuclear esteja entre as matrizes
energéticas mais limpas do mundo, a Alemanha lançou,
em 2011, um projeto de desativação gradual de todas
as centrais nucleares do país.
V – na produção de biocombustíveis, a eficiência ener‑
gética do milho é bem superior à da cana de açúcar, já
que exige uma área plantada bem menor para obter‑se
a mesma quantidade de energia.

Assinale a alternativa que apresenta todas as afirma‑


tivas corretas.
a) I, II e IV c) II, III e IV e) III, IV e V
b) I, II e V d) I, III e IV

89. (FCC/SEE‑MG/Professor de Educação Básica/Área Ge‑


ografia/2012) Considere o gráfico a seguir.

Sobre o conteúdo da charge, é correto afirmar que


critica
a) os gastos dos países ricos com fontes de energia
alternativas, enquanto grande parte da população
mundial não tem acesso à nenhuma fonte de energia.
b) a poluição gerada pelo uso intensivo de automóveis
tem grande impacto na produção de alimentos nos
países mais pobres.
c) o uso dos biocombustíveis como fonte de energia
alternativa, pois a demanda pela matéria‑prima
pressiona o preço dos alimentos no mundo inteiro.
d) o destaque dado pela mídia ao problema do aque‑
cimento global, enquanto temas como a fome e a
pobreza são considerados de menor importância.
e) a crescente tendência ao consumismo e ostentação
mesmo nos países pobres, exacerbando as desigual‑
dades sociais entre ricos e pobres.

As mais importantes formas de energia encontradas


na Terra, com exceção da energia nuclear, têm sua origem
na energia solar. A compreensão dos processos de como a
Terra recebe, absorve e circula essa energia é de fundamental
importância para a manutenção da vida e, particularmente, A partir da leitura do gráfico e dos conhecimentos sobre
para a manutenção de formas modernas de existência hu‑ fontes de energia é correto afirma que:
mana, que fazem uso intensivo dessa energia. a) a biomassa apresentou o maior aumento de con‑
sumo.
b) as fontes não renováveis são as mais consumidas.
(Cespe/SEE‑DF/Professor de Educação Básica/Ciências Na‑
c) a nuclear é a única energia limpa, pois não emite gás
GEOGRAfIA MUNdIAl

turais/2017) relacionados, julgue os Tendo como referência poluente.


inicial essas informações e considerando os múltiplos aspec‑ d) o carvão e a hídrica são energias renováveis.
tos a elas itens a seguir.
86. As usinas termoelétricas transformam a energia mecâ‑ Nas montanhas pobres, porém ricas em minérios do
nica armazenada nos combustíveis fósseis em energia leste dos Estados Unidos conhecidas como Apalaches, o mi‑
elétrica. lionário do carvão Don Blankenship organiza um encontro
87. A energia química armazenada nos combustíveis fósseis para os “Amigos da América” escutarem música country e
é primariamente obtida a partir da energia eletromag‑ “saberem como os ambientalistas radicais e a América cor‑
nética emitida pelo Sol. porativa estão tentando destruir seus empregos”.

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E na China os ambiciosos projetos de eletricidade 92. Com o avanço do consumo como lógica de expansão
renovável parecem um passo importante para abordar o capitalista, a demanda por energia tende a crescer em
aquecimento global, mas o progresso se retarda devido ao todo o mundo. A partir da análise do gráfico, é correto
profundo favoritismo pelo combustível fóssil, mais barato. inferir que a(o)
“Ninguém precisa se entusiasmar demais”, diz Lu Qizhou, a) estabilização do crescimento da população assegu‑
nomeado pelo governo para dirigir o grande grupo da indús‑ rará o decréscimo da utilização de petróleo.
tria energética da China. A mudança do sistema de energia b) consumo gradativo do combustível fóssil possibilitará
acionado a carvão será lenta e não vai superar “a capacidade
a equalização do acesso ao recurso no mundo.
do mercado de se adaptar”.
(http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/2009/11/09/ c) relação direta entre natalidade e utilização energé‑
caminhando‑para‑um‑impasse‑em‑copenhague.jhtm) tica permitirá o controle de crises nos formigueiros
humanos.
90. (FCC/SEE‑MG/professor de Educação Básica/Geogra‑ d) ampliação gradual do uso do hidrocarboneto reve‑
fia/2012) Sobre o conteúdo do texto, está correto lará a inserção crescente da população no circuito
afirmar que a consumista.
a) pressão de grupos ambientalistas contra os com‑ e) limitação espacial das reservas de petróleo impedirá
bustíveis fósseis é uma das principais ameaças ao a expansão industrial nas áreas economicamente
crescimento da economia mundial.
desenvolvidas.
b) carência em conhecimentos tecnológicos representa
uma barreira para a mudança das matrizes energé‑
ticas nos países pobres. 93. O gráfico abaixo exibe a distribuição percentual do
c) substituição dos combustíveis fósseis na matriz ener‑ consumo de energia mundial por tipo de fonte.
gética global é dificultada por diferentes interesses
econômicos.
d) economia dos Estados Unidos é prejudicada pelos
acordos internacionais, que só permitem o uso de
combustíveis fósseis por países emergentes.

91. (FCC/SEE‑MG/professor de Educação Básica/Geogra‑


fia/2012) Observe a imagem a seguir.

Com base no gráfico e em seus conhecimentos, identi‑


fique, na escala mundial, a afirmação correta.
a) A queda no consumo de petróleo, após a década
de 1970, é devida à acentuada diminuição de sua
utilização no setor aeroviário e, também, à sua
substituição pela energia das marés.
O conteúdo da charge está expresso corretamente em: b) O aumento relativo do consumo de carvão mineral,
a) O transporte de petróleo em grandes navios é uma a partir da década de 2000, está relacionado ao fato
das principais fontes de poluição dos oceanos, de‑ de China e Índia estarem entre os grandes produto‑
vido ao lançamento do produto como resíduo ou res e consumidores de carvão mineral, produto que
através de vazamentos acidentais. esses países utilizam em sua crescente industrializa‑
b) A expansão do número de países produtores de ção.
petróleo, a partir da década de 1980, tornou o c) A participação da hidreletricidade se manteve cons‑
produto acessível para as populações dos países tante, em todo o período, em função da regulamen‑
subdesenvolvidos. tação ambiental proposta pela ONU, que proíbe a
c) O petróleo é um recurso não renovável, portanto, implantação de novas usinas.
finito. Porém, sua demanda continua crescendo no d) O aumento da participação das fontes renováveis
mundo inteiro, o que poderá causar escassez em de energia, após a década de 1980, explica‑se pelo
futuro próximo. crescente aproveitamento de energia solar, proposto
d) O fim iminente das reservas de petróleo tem cau‑
nos planos governamentais, em países desenvolvi‑
sado graves distúrbios sociais e conflitos militares
nas áreas de produção, em razão do crescimento dos de alta latitude.
do desemprego. e) O aumento do consumo do gás natural, ao longo de
todo o período coberto pelo gráfico, é explicado por
sua utilização crescente nos meios de transporte,
conforme estabelecido no Protocolo de Cartagena.
GEOGRAfIA MUNdIAl

(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Com referên‑


cia à evolução recente do Mercado Comum do Sul (MER‑
COSUL), que já conta com vinte e cinco anos de existência,
julgue os itens que se seguem.
94. A Venezuela foi suspensa do MERCOSUL em dezembro
de 2016 em razão da aplicação da cláusula democrática
do Protocolo de Ushuaia.

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95. O  MERCOSUL tem buscado ampliar o número de (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Em 2008,
acordos com outros países e blocos, o  que pode ser os EUA vivenciaram o fenômeno conhecido como estouro
exemplificado pela retomada das negociações para um da bolha imobiliária, que atingiu duramente a economia do
acordo com a União Europeia e pela busca de maior país, a maior do planeta, e gerou ondas de impacto em escala
cooperação com a Aliança do Pacífico. global. Dois anos mais tarde, a crise atingiu a União Europeia,
que se acreditava ser o mais sólido bloco econômico do mun‑
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) A propósito do. No que se refere a esse assunto e a aspectos históricos
das relações entre a União Europeia e o Brasil, julgue (C ou a ele pertinentes, julgue os próximos itens.
E) os itens a seguir. 104. A taxa de desemprego é um dos índices utilizados para
96. Brasil e União Europeia continuam a cooperar em se medir a gravidade da crise: os países mais industriali‑
áreas de comércio, investimento e negócios, inclusive zados e com nível tecnológico mais elevado, como Ale‑
via negociação de acordo preferencial UE‑MERCOSUL, manha, França e Inglaterra, sofreram menos os efeitos
uma vez que compartilham a frustração de ver adiada da crise sobre as taxas de emprego, diferentemente de
a conclusão da Rodada Doha. Itália e Portugal, por exemplo.
97. As  exportações brasileiras de maquinarias, equipa‑ 105. A crise europeia expressa‑se pela enorme dívida pú‑
mentos de transportes e químicos comparam‑se às de blica, ocasionada por gastos excessivos, com despesas
minérios e combustíveis, respondendo por cerca de um maiores do que as receitas e sem o devido lastro de
quarto das exportações brasileiras para a região, sendo, reservas, em países como Grécia, Itália, Irlanda, Portu‑
ainda, inferior às exportações de produtos agrícolas. gal e Espanha.
98. Representantes de alto nível da Comissão Europeia e 106. O Tratado de Roma (1992), que instituiu a Comunidade
dos ministérios brasileiros do Desenvolvimento Social Europeia, estabeleceu para os países‑membros que a
e Combate à Fome, da Previdência Social e do Trabalho relação entre dívida pública e PIB não poderia ultrapas‑
e Emprego reúnem‑se periodicamente para promover sar o limite de 30%.
a cooperação sobre políticas sociais em temas como 107. Em 2010, a relação dívida/PIB da Alemanha, da França
mudanças demográficas, direitos de trabalhadores mi‑ e da Inglaterra estava bastante alta e acima do máximo
grantes e regimes especiais para trabalhadores rurais, estipulado pela União Europeia; entretanto, dado o fato
entre outros. de que esses países possuem economias altamente
99. No marco de sua parceria estratégica, Brasil e União industrializadas, capacidade de investimento e grandes
Europeia estabeleceram um plano de ação conjunto que reservas internacionais controladas por seus bancos
enfatiza, com respeito à paz e à segurança, ações como centrais, eventuais déficits em suas contas externas
a promoção dos direitos humanos e da democracia, foram cobertos e ataques especulativos ao euro e à
a defesa da justiça internacional e o fortalecimento do libra esterlina foram evitados.
sistema multilateral.
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Julgue os itens
subsequentes, relativos à política externa inglesa e suas
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Em dois casos
relações com o Brasil.
recentes, centenas de imigrantes ilegais morreram em nau‑
108. O  Reino Unido busca fazer do Brasil via de acesso
frágios no mar Mediterrâneo. No primeiro deles, em 21 de
aos mercados sul‑americanos, razão pela qual tenta
abril, ocorreram cerca de oitocentas mortes. Segundo dados
convencer os parceiros europeus a usarem o tratado
do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados,
de livre comércio existente entre Brasil e Reino Unido
o que se verifica na atualidade é uma grave crise humanitária
como base de negociação do acordo de livre comércio
no mar Mediterrâneo, principal rota de entrada de refugiados
UE‑MERCOSUL.
e imigrantes ilegais no continente europeu. A respeito dessa 109. Como consequência dos diálogos estratégicos de alto
crise, julgue os itens a seguir. nível empreendidos pelos chefes de governo, o inter‑
100. A maior parte dos migrantes que cruzam o Mediter‑ câmbio comercial entre o Brasil e o Reino Unido mais
râneo são originários de países africanos e do Oriente que triplicou nos últimos dez anos, alçando o Brasil ao
Médio, regiões onde conflitos armados, miséria e per‑ grupo dos dez principais parceiros comerciais do Reino
seguições estimulam a migração, tendo grande número Unido.
de sírios passado a utilizar essa rota com a eclosão e o
agravamento da guerra civil na Síria. (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Acerca dos
101. No começo do século XXI, a rota mais popular entre países da América do Sul e de suas políticas externas e suas
imigrantes ilegais situava‑se entre o oeste africano e relações com o Brasil, julgue os próximos itens.
a Espanha, e incluía territórios espanhóis no norte da 110. Nos últimos anos, a Colômbia passou a priorizar, na área
África, como Ceuta e Melilla, e as Ilhas Canárias. Porém, de política externa, a América do Sul como o espaço de
com a crise em diversos países do norte da África, como sua atuação e atribuir maior relevância à sua relação
Líbia, Tunísia e Egito, houve mudança de rota, em razão com os países da região, manifestada tanto em sua
da desarticulação política e dos sistemas de controle adesão à UNASUL quanto na assinatura de acordos de
marítimo e de fronteiras desses países. complementação econômica, os quais, no caso do Bra‑
102. A União Europeia não criminaliza a entrada de imigran‑ sil, deverão praticamente zerar as tarifas de importação
Geografia Mundial

tes ilegais no território de seus países‑membros, o que dos produtos brasileiros até 2018.
incentiva pessoas oriundas da África, do Oriente Médio 111. Ao  longo da última década do século passado, a  Ar‑
e da Europa Oriental a buscarem empregos e melhores gentina reforçou, no plano da política externa, sua
condições de vida na Europa Ocidental. relação preferencial com os EUA e aprofundou, na área
103. Em 2015, intensificou‑se ainda mais a saída de imi‑ econômica, o processo de integração com o Brasil, no
grantes a partir do Marrocos, que se tornou ponto de âmbito do MERCOSUL, de modo que pôde enfrentar
partida de muitas viagens, já que traficantes de pessoas as turbulências do final da década e inaugurar o século
aproveitam‑se do caos político no país, onde milícias XXI com estabilidade política interna e integração na
rivais estão em conflito. América do Sul.

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112. Durante o período Chávez, a política externa venezue‑ 120. A integração econômica dos países do Caribe ou Cari‑
lana experimentou mudanças profundas nas identida‑ bbean Community and Common Market foi criada nos
des que condicionam sua formulação, em especial a anos 60 por um tratado que só entraria efetivamente
afirmação de sua condição sul‑americana e de valores em atividade nos anos 80, dando origem ao CARICOM.
terceiro‑mundistas. 121. Nos últimos anos 80, os presidentes George Bush, dos
113. A percepção do Brasil como rival, que orientou a ela‑ EUA, e Carlos Salinas, do México, estabeleceram um
boração da política externa argentina ao longo de boa acordo comercial mais profundo entre os dois países,
criando uma união aduaneira, dando origem ao NAFTA.
parte do século XX, foi gradualmente substituída pela
ideia de um país amigo, em cujo governo as elites argen‑ 122. (Esaf/CGU/Analista de Finanças e Controle/2012) Criado
tinas poderiam confiar em momentos críticos, como a a partir do Tratado de Assunção, assinado em 1991,
Guerra das Malvinas e o processo de redemocratização, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) visa primordial‑
que favoreceu a cooperação bilateral nos campos da mente promover a integração dos quatro Estados Partes
segurança e da defesa. por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores
produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Várias inicia‑ Comum (TEC), da adoção de uma política comercial
tivas de integração passaram a compor a agenda dos países comum, da coordenação de políticas macroeconômicas
sul‑americanos nas últimas décadas. MERCOSUL, ALCSA, e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas
IIRSA, CASA e UNASUL são siglas que se tornaram correntes pertinentes. Mais recentemente, com o propósito de
no noticiário da região. Acerca desse assunto, julgue os materializar esses objetivos, os Estados Partes criaram
próximos itens. o Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL
114. Do ponto de vista político, a Cláusula Democrática é a (FOCEM), a respeito do qual, é correto afirmar que:
a) o FOCEM destina‑se a financiar programas para pro‑
que mais se destaca no Protocolo Ouro Preto.
mover o crescimento econômico das regiões mais
115. Estabelecida em 2000, a  Iniciativa para a Integração dinâmicas dos Estados Partes, com base na premissa
da Infraestrutura Regional Sul‑Americana (IIRSA), que de que os avanços nelas observados transbordarão
é considerada por alguns o primeiro grande esforço para as áreas menos desenvolvidas. Seu foco recai
prático para a superação das deficiências no plano na dimensão econômica do processo de integração,
da infraestrutura, foi incorporada, posteriormente, não guardando relação com o fortalecimento da
ao Conselho Sul‑Americano de Infraestrutura e Plane‑ estrutura institucional do processo de integração.
jamento da UNASUL. b) os recursos do FOCEM provêm especialmente de sua
116. A  CASA tornou‑se UNASUL em 2007 e, em 2008, foi capacidade de endividamento, lastreada em títulos
criado o CDS, cujo objetivo é contribuir para a unidade públicos de longo prazo atrelados a uma cesta de
sul‑americana na área de segurança, complementando, moedas fortes, e dos recursos resultantes de apli‑
assim, as  várias vertentes da UNASUL, que já havia cações financeiras e/ou contas remuneradas, que se
avançado em temas como livre‑comércio, integração somam ao orçamento do FOCEM no seguinte. Além
comercial, infraestrutura e energia. disso, os Estados Partes realizam aportes trienais,
na proporção do crescimento de seus respectivos
117. No MERCOSUL, como nas demais iniciativas de in‑
produtos internos brutos. É facultado a cada Estado
tegração na América do Sul, predomina a dimensão Parte realizar aportes voluntários.
intergovernamental sobre a supranacional. O Protocolo c) com relação ao uso de seus recursos, o regulamento
de Ouro Preto, de 1994, atribuiu ao MERCOSUL perso‑ do FOCEM prevê aplicação nos gastos de funciona‑
nalidade jurídica como ator internacional. mento do próprio Fundo; na alocação em cada um
dos projetos aprovados; e na reposição da reserva
Integração econômica regional é filha da globalização, de contingência prevista no Regulamento do Fundo.
é um fato da realidade mundial do momento. É um aconteci‑ d) tendo em vista os objetivos de reduzir as dispari‑
mento que se reflete nas relações internacionais dos países. dades entre os Estados Partes, o Regulamento do
Muitas decisões hoje são tomadas de forma conjunta nos FOCEM não prevê ônus de qualquer natureza para
fóruns internacionais pelos países que pertencem a uma o descumprimento dos prazos de efetivação dos
integração econômica regional. aportes devidos por cada um deles ao Fundo.
A geografia está ditando esse caminho. A. Menezes e P. Penna e) os Estados Partes podem incluir nos gastos a serem
Filho. Integração regional. Os blocos econômicos nas relações financiados pelo FOCEM a elaboração de estudos de
internacionais. Rio de Janeiro: Campus, 2006, p. x. viabilidade, bem como de projetos básicos, a compra
de imóveis e os investimentos em capital de giro
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2017) Acerca da for‑ inerentes ao Projeto. A  depender da natureza do
mação e estruturação dos blocos econômicos nas Américas, Projeto, não é necessária contrapartida do Estado
julgue os itens a seguir. que dele se beneficiará.
118. Sob influência da CEPAL, Guatemala, Honduras, Nicará‑
gua e El Salvador assinaram, em 1960, o Tratado Geral (Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2009) Consideran‑
Geografia Mundial

de Integração Econômica Centro‑Americano, com o do os interesses e as perspectivas brasileiras em relação


ao MERCOSUL e a evolução recente desse bloco, julgue os
intuito de criar uma união aduaneira, incorporando,
itens a seguir.
mais tarde, a Costa Rica. 123. A  prioridade brasileira conferida à consolidação e à
119. No fim dos anos 60 do século passado, um grupo de expansão do MERCOSUL expressou‑se no apoio às
países latino‑americanos, por meio do Acordo de Carta‑ iniciativas de aprimoramento institucional do bloco,
gena, conhecido como Pacto Andino, estabeleceu uma das quais são exemplos recentes a criação do Fundo
integração regional entre suas economias, incorporan‑ de Convergência Estrutural (FOCEM) e do Parlamento
do, mais tarde, a Venezuela. do MERCOSUL.

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124. Com a criação da União Sul‑Americana de Nações a) A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia
(UNASUL), os instrumentos e as disciplinas comerciais de 2000 é apenas documento retórico, sem qualquer
do MERCOSUL deverão ser gradativamente transferidos tutela nos tratados comunitários, especialmente no
para aquele organismo, a fim de se evitar a duplicida‑ Tratado de Lisboa.
de de regras e facilitar a criação de uma área de livre b) Na União Europeia, o Tratado de Lisboa incorporou
comércio em toda a América do Sul. formalmente a cláusula da solidariedade, definindo
como ela se expressa na vida comunitária.
(Cespe/Instituto Rio Branco/Diplomata/2009) É a partir de c) No NAFTA, a livre circulação de pessoas não é ad‑
1968 (II Unct ad ) q u e o Brasil passou a expressar apoio mais mitida apenas em relação ao México, ocorrendo
denso aos foros multilaterais, movido pela convicção de ser plenamente entre os Estados Unidos da América e
essa atitude o “ meio de neutralizar ou reduzir o considerável o Canadá.
poder de coerção das superpotências e grandes poderes nas d) Cabe ao Tribunal Permanente de Revisão do MERCO‑
relações internacionais”, como assinalou Antônio Augusto SUL, sediado em Assunção, Paraguai, julgar conflitos
Cançado Trindade. Já para Clodoaldo Bueno, a continuidade trabalhistas transfronteiriços.
seria o elemento definidor da política multilateral brasileira, e) No MERCOSUL, a livre circulação de pessoas sofre
a expressar o reconhecido grau de profissionalismo do Itama‑ restrições apenas em relação a países que não são
membros plenos.
raty. Para ele, a diplomacia brasileira teve tradicionalmente
na ONU uma participação constante e cooperativa, fazendo
130. (Cespe/TRT 3ª Região (MG)/Juiz do Trabalho/2009) A
do tema do desenvolvimento uma de suas preocupações
respeito da União Europeia (UE), leia as afirmações
centrais. A partir dessas informações, julgue os itens que se abaixo e, em seguida, assinale a alternativa correta:
seguem, relativos à inserção internacional do Brasil. I – Nos países membros do Espaço Econômico Europeu
125. A aproximação entre Argentina – governo Alfonsín – e (EEE), a livre circulação de trabalhadores constitui um
Brasil – governo Sarney -, em meados dos anos 80 do direito fundamental que permite aos cidadãos de qual‑
século XX, foi o passo inicial para a constituição do quer um desses países trabalhar em outro país EEE nas
futuro Mercado Comum d o Sul (MERCOSUL) e se deu mesmas condições que os cidadãos desse mesmo Esta‑
em um contexto de crise econômica nos dois países, do‑Membro. Durante um período transitório máximo
recém‑saídos de ditaduras militares. de 7 anos após a adesão à UE de 10 Estados Membros,
126. O MERCOSUL registra importantes avanços em temas em 1º de maio de 2004 e de 2 Estados‑Membros em
não econômicos, os quais envolvem iniciativas volta‑ 1º de janeiro de 2007, podem aplicar‑se determinadas
das para a integração em matéria educacional, a har‑ condições para restringir a livre circulação de traba‑
monização de legislações e de direitos trabalhistas e lhadores de, para e entre esses Estados‑Membros.
previdenciários, além da promoção da livre circulação Tais restrições dizem apenas respeito à liberdade de
de pessoas. circulação para efeitos de atividade laboral e podem
127. Entre as características da política externa brasileira diferir de um Estado‑Membro para outro.
contemporânea, inclui‑se a maior integração sul‑ame‑ II – O Tratado de Nice, que alterou o Tratado da União
ricana, com a extensão de programas como o Fundo Europeia, foi assinado em 2001 e visou preparar a União
para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM) Europeia para o alargamento.
para os demais países sul‑americanos. III – A Constituição da União Europeia foi ratificada pelos
países membros e está em vigor desde a assinatura do
128. (Cespe/TRT 1ª Região (RJ)/Juiz do Trabalho/2010) Acer‑ Tratado que a estabelece, em 2004.
ca da utilização da moeda comum na União Europeia, IV  – O Tratado de Amsterdam alterou os artigos do
assinale a opção correta. Tratado da União Europeia, que, em vez de serem
a) A participação na zona do euro conforma obrigação identificados por letras, passaram a ser numerados.
comunitária irrenunciável, à exceção dos recém‑ad‑ V – Existem, atualmente, 27 países membros da União
mitidos países do leste europeu, que deverão passar Europeia, mas há outros países candidatos à integração.
por período de convergência macroeconômica.
b) A adesão ao euro não implica renúncia a bancos a) Somente uma afirmativa está correta.
centrais nacionais nem a possibilidade da prática de b) Somente duas afirmativas estão corretas.
c) Somente três afirmativas estão corretas.
política monetária e de utilização do direito tributá‑
d) Somente quatro afirmativas estão corretas.
rio como ferramenta de política econômica.
e) Todas as afirmativas estão corretas.
c) As iniciativas políticas unilaterais dos países comu‑
nitários da zona euro são limitadas. Refugiados do clima. O termo ainda é provisório, mas a
d) A zona euro inclui todos os seis países fundadores classificação ganha notoriedade à medida que pesquisado‑
das comunidades europeias, embrião da atual União res alertam para a irreversível mudança climática e que as
Europeia, e outros países posteriormente aderentes, primeiras estatísticas sobre os deslocados começam a surgir.
como Irlanda e Grã‑Bretanha. A  Cruz Vermelha Internacional calcula que já existem 25
e) A utilização de moeda comum possibilita a litigância milhões de pessoas deslocadas por motivos ambientais – nú‑
Geografia Mundial

em bloco no sistema de solução de controvérsias da mero que pode superar o de refugiados de guerra no mundo.
Organização Mundial do Comércio. A ONU calcula que dentro de cinco anos serão 50 milhões.
O Pentágono divulgou em 2004 um relatório que já
129. (Cespe/TRT 1ª Região (RJ)/Juiz do Trabalho/2010) alertava para o principal desafio de Washington: conter a
Os blocos econômicos têm desenvolvido políticas de onda de refugiados ambientais vindos do México, da América
proteção social, com limites determinados pela inge‑ do Sul e do Caribe, que procurarão, desesperados, melhores
rência das legislações nacionais e pelas divergências condições de vida no vizinho do Norte. A recomendação foi
de ordenamentos jurídicos remanescentes. A respeito fortificar as fronteiras.
desse assunto, assinale a opção correta. Jornal do Brasil, 8/6/2007, p. A23 (com adaptações).

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131. O texto remete à questão ambiental, tema recorrente
na agenda mundial contemporânea. Entre os problemas
ambientais considerados mais sérios, pelo que reper‑
cute nas condições de vida no planeta, destaca‑se o da
variação climática, em larga medida caracterizada
a) pelo aumento da temperatura global, em grande
parte decorrente da elevada emissão de gases am‑
pliadores do efeito estufa na atmosfera.
b) por expansão das geleiras do Ártico, o que reduz o
volume dos oceanos e, consequentemente, o índice
de evaporação de água salgada.
c) pela decisão das grandes potências de promover o
reflorestamento em quase todos os continentes por
meio do plantio de florestas homogêneas, à base de
eucalipto.
d) por intenso degelo na Antártica, consequência da
ação não planejada e visivelmente exagerada das
expedições científicas na região.

132. (Gestão Concurso/Prefeitura de Itabirito – MG/Jorna‑


lista/2016) Durante a Conferência da ONU sobre mu‑
danças climática, COP 21, foi assinado por mais de 190
países o “rascunho zero” de um futuro acordo globaldo
clima. São itens que compõem esse documento, exceto:
a) Manter o aumento da temperatura global abaixo de
2 graus.
b) Investimento de 100 bilhões de dólares ao ano em
ações de combate à mudança do clima.
c) Possibilidade de indenização a países vulneráveis
mais atingidos pelo aquecimento global.
d) Sanções e multas para os países que não atingirem
as metas, em especial os países desenvolvidos.

GABARITO
1. b 34. C 67. C 100. C
2. c 35. E 68. E 101. E
3. c 36. C 69. e 102. E
4. a 37. E 70. C 103. E
5. c 38. c 71. C 104. C
6. e 39. E 72. E 105. C
7. b 40. E 73. E 106. E
8. C, C, E, E 41. E 74. D 107. C
9. C, C 42. C 75. C 108. E
10. d 43. d 76. C 109. E
11. c 44. C 77. E 110. E
12. d 45. E 78. E 111. E
13. E 46. C 79. E 112. C
14. C 47. E 80. C 113. C
15. a 48. E 81. E 114. E
16. e 49. E 82. C 115. C
17. a 50. E 83. E 116. E
18. c 51. C 84. C 117. C
19. c 52. d 85. c 118. C
20. C 53. E 86. E 119. C
21. C 54. C 87. C 120. E
22. E 55. C 88. d 121. E
23. E 56. b 89. b 122. c
24. E 57. a 90. c 123. C
Geografia Mundial

25. d 58. E 91. c 124. E


26. C 59. E 92. d 125. C
27. E 60. E 93. b 126. C
28. E 61. C 94. E 127. E
29. c 62. C 95. C 128. c
30. C 63. C 96. E 129. b
31. d 64. C 97. E 130. d
32. e 65. E 98. C 131. a
33. e 66. E 99. C 132. d

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ABIN

SUMÁRIO

Política e Segurança

Relações internacionais:
conceitos básicos, atores, processos, instituições e principais paradigmas teóricos........................................................3

Sistema mundial de poder. A bipolaridade da segunda metade do século XX e o cenário pós-Guerra Fria. A
cultura de massas. O nacionalismo e a construção de identidades. A ordem mundial pós-11 de setembro. O
Oriente Médio e seu impacto nas relações internacionais................................................................................................... 9

Conflitos étnico-religiosos contemporâneos....................................................................................................................... 50

A política externa brasileira. Evolução desde 1945, principais vertentes e linhas de ação. A agenda internacional
e o Brasil. O multilateralismo de dimensão universal: a ONU. As conferências internacionais. Os órgãos
multilaterais. O Brasil e o sistema interamericano. A dimensão da segurança na política exterior do Brasil.
O Brasil e as coalizões internacionais: o G-20, o IBAS e o BRICS. O Brasil e a América do Sul. Integração na
América do Sul. O Brasil e a cooperação sul-sul.................................................................................................................. 59

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.................................................................................................................. 104

Sistema financeiro internacional.......................................................................................................................................... 86

Desarmamento e não-proliferação.................................................................................................................................... 108

Terrorismo........................................................................................................................................................................... 110

Narcotráfico........................................................................................................................................................................ 114

Espionagem. Espionagem comercial. Espionagem industrial............................................................................................ 115

Sabotagem.......................................................................................................................................................................... 119

Interferência externa.......................................................................................................................................................... 120

Segurança cibernética......................................................................................................................................................... 120

Radicalização e extremismo. Processos de radicalização.................................................................................................. 125

Fatos históricos importantes do crime organizado no Brasil na Nova República.............................................................127

Legislação específica. Lei nº 6.634/1979 (dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135/1970
e dá outras providências). Decreto nº 85.064/1980 (regulamenta a Lei nº 6.634/1979, que dispõe sobre a Faixa
de Fronteira). Decreto Legislativo nº 373, de 2013 (Aprova a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional
de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional)................................................................................................................ 130

Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração).................................................................................................................................... *

* Este conteúdo encontra-se na matéria Direito Internacional Público, nesta apostila.

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Política e Segurança
Márcio Wesley / Welma Maia / Busca Informatizada Vestcon

Márcio Wesley • o unipolar, com o predomínio de um polo de poder


(p.ex., Império Romano);
RELAÇÕES INTERNACIONAIS • o bipolar, com a coexistência de dois polos principais
(p.ex., Guerra Fria, 1947/1989, entre EUA e URSS); e
Vamos conceituar inicialmente as relações internacionais. • o multipolar, composto por diferentes polos.
Segundo Braillard, Teorias das Relações Internacionais,
Lisboa: O “tipo ideal do EP” foi considerado o Concerto Europeu
de 1815 a 1914, composto pelos polos França, Grã‑Bretanha,
Fundação Calouste Gulbekian, 1990: Prússia (Alemanha depois de 1870 com a unificação), Rússia
Relações Internacionais (...) constituem um objeto e Império Austro‑Húngaro. No pós‑Guerra Fria, observam‑se
cujo estudo é hoje um local privilegiado de encontro articulações complexas entre os modelos uni e multipolar.
de diversas Ciências Sociais (...) O que caracteriza pro-
priamente as Relações Internacionais é o fato delas Os Atores Internacionais (Estados, OIGs, FTs)
constituírem fluxos que atravessam as fronteiras (...)
Podemos pôr em evidência a especificidade das Re- ESTADOS  – unidades políticas centralizadas surgidas a
lações Internacionais definindo‑as como as relações partir da Paz de Westphalia em 1648. Contrapõem‑se às
sociais que atravessam as fronteiras e que se esta- instâncias fragmentadas e não seculares da Idade Média.
belecem entre as diversas sociedades. (BRAILLARD, Princípios básicos do Estado Moderno:
pp. 82-83 e p. 86) • a territorialidade com base em fronteiras definidas;
• a soberania política sobre este território, constituindo
Conceitos Básicos um governo organizado; e
• a existência de uma população que habita este espaço
• O Sistema Internacional (SI). geográfico.
• Os Atores Internacionais (Estados, OIGs, FTs).
• As Forças Internacionais. Juridicamente, os Estados se reconhecem mutuamente,
respeitam seus limites territoriais (respeito aos princípios de
O Sistema Internacional (SI) não intervenção e não ingerência), e estabelecem relações
diplomáticas entre si.
Outros termos podem ser indicados como sinônimos de Embora sejam iguais de direito, os Estados não o são de
Sistema Internacional (SI): O cenário e o ambiente. fato. As diferenças residem em suas histórias (processo de
A característica básica do SI é a ausência de um governo, construção e idade como Estados Westphalianos), consti-
de leis que imponham parâmetros de regulação para a re- tuições domésticas (regimes, formas de governo e dinâmica
lação entre os Estados nacionais. Pode‑se, mesmo, chamar dos atores da sociedade civil) e em seus recursos de poder.
de anarquia. Assim, é  preciso contar com intercâmbios e Na medida em que o poder é um elemento essencial da
choques entre os atores da política internacional. política (seja ela doméstica ou internacional), a posse desses
São pontos marcantes nessa visão inicial do SI: recursos por um Estado delimita sua capacidade de atuação
• o surgimento do Estado Moderno; e projeção no sistema, bem como sua vulnerabilidade. Tais
• a Paz de Westphalia, em 1648; e recursos correspondem ao nível de autonomia.
• o Tratado de Utrecht, 1713. A análise dos recursos de poder à disposição do Estado
deve levar em conta duas dimensões: a da posse e a da
Três características gerais definem o SI:
conversão dos recursos. A partir dessa premissa, é preciso
• sua dimensão global e fechada, ponto culminante des-
distinguir entre o poder potencial de um Estado (existe em
de a expansão portuguesa e espanhola até os fluxos
entre Estados no século XX; sua condição bruta), e o seu poder real (sua capacidade de
• a heterogeneidade dos atores do SI e dos fenômenos conversão).
globais (forças naturais, demográficas, econômicas, Exemplificando: um Estado pode ser detentor das maio-
ideológicas e tecnológicas); res reservas petrolíferas do mundo, mas, se não possuir
• o Equilíbrio de Poder (EP), marcado por hierarquia capacidade tecnológica para explorar este recurso,  o  seu
entre os Estados. potencial energético não se concretizará em recursos à dis-
posição de sua população.
Vamos analisar a importância do EP. Outra distinção quanto ao poder consiste na tipologia
Os Estados são unidades soberanas. Internamente, re- dos recursos: o poder duro (hard power) e o poder brando
gulam interações sociais por contratos e pactos. Porém, e de cooptação (soft and cooptive power).
o âmbito externo, entre os Estados, não possui princípios O poder duro envolve os recursos tradicionais: dimensões
territoriais, posição geográfica, clima, demografia, capacida-
Política e Segurança

organizadores. Isso torna a ordem internacional semelhante


ao Estado de Natureza de Thomas Hobbes: competição e de industrial instalada, disponibilidade de matérias‑primas
choque mútuo entre os Estados. Cada Estado persegue seus e status militar. Por sua vez, o poder brando e de coopta-
interesses nacionais. Logo, a prioridade é manter a soberania ção refere‑se às fontes de poder econômicas, ideológicas,
e a segurança de cada Estado. Quando o processo não deixa tecnológicas e culturais que correspondem à capacidade
satisfeitas as nações envolvidas, ocorrem guerras e jogos de adaptação, flexibilidade e convencimento de um Estado
de soma zero. O  objetivo não é propriamente a paz, mas sobre seus pares. A  habilidade política, da disseminação
sim a estabilidade. Na Era Nuclear, o equilíbrio ficou mais de valores e de produção de modos de vida (modelos ide-
sensível. Ao longo da história, três tipos de ordem podem ológicos) integra esta dimensão. Em 2009, discutindo as
ser identificados: perspectivas da política externa dos EUA, introduziu‑se o

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conceito de poder inteligente (smart power), que se relaciona das Nações, proposta pelo Tratado de Versalhes a partir dos
à junção equilibrada das fontes de poder duro e brando na Quatorze Pontos de Woodrow Wilson. Naquele momento,
ação dos Estados. as OIGs surgem como instâncias de negociação diplomática e
Tendo como base esses recursos, algumas categorias de construção de consensos, e estabelecem relações diretas que
Estado podem ser identificadas: facilitem mediar as relações entre Estados, a cooperação e a
• Superpotências ou Potências Globais: detêm recursos perseguição de objetivos comuns. Esses fóruns multilaterais
nesses dois níveis, exercendo e projetando seu poder aumentam os contatos entre as unidades políticas e canais
de forma multidimensional em nível mundial, o que alternativos de ação. As OIGs atuam em dimensões diversas
lhes capacita ao exercício da hegemonia. O  grau de da política internacional, dividindo‑se segundo seus propó-
autonomia é elevado, mesmo que estas nações even- sitos e extensão (esfera de ação, membros e dimensão): as
tualmente possuam vulnerabilidades específicas (como de Propósito Abrangente (PA) e as de Propósito Único (PU),
os EUA e o petróleo). Os recursos brando e duro são e as Globais e Regionais. A ONU, por exemplo, é uma OIG de
utilizados de forma alternada, ou simultânea, para o PA global, enquanto o FMI e a OMC são OIGs de PU global.
alcance de seus interesses nas relações estatais e não No aspecto regional, a OTAN representa PU, enquanto a UE
estatais. e o Mercosul seriam PAs.
• Potências Regionais: capacidade para ação regional em As OIGs possuem relação complexa e paradoxal com seus
suas esferas de influência, com menor disponibilidade membros fundadores. Na medida em que se comprometem
de recursos que as nações de projeção global. Sua pre- com as OIGs, os Estados concordam em abrir mão de parte de
sença define equilíbrio ou desequilíbrio em seu espaço sua soberania e respeitar a Carta/Tratado que constitui estas
geográfico (Estados‑pivô). Detêm quantidade razoável instituições. Com isso, as OIGs ganham autonomia para discu-
de poder brando e duro, mas com deficiências de capa- tir e propor políticas, e fortalecem seu papel como fórum de
citação em certas áreas. Pode‑se inserir uma definição negociação e tomada de decisões. Essa autonomia é relativa,
adicional neste grupo, identificando potências regio- pois seu funcionamento depende dos Estados‑membros que
nais localizadas no mundo desenvolvido (Alemanha e contribuem para sua manutenção em diversas áreas, desde
Japão, por exemplo) e as nações em desenvolvimento a financeira até a militar e estratégica.
(Brasil, China e Índia). Avaliando as nações em desen- O poder das OIGs não se sobrepõe à soberania dos Esta-
volvimento do Sul, classificações alternativas são as de dos, o que permite, por vezes, desrespeito a suas decisões
Grandes Estados Periféricos (GEP), Potências Médias e prescrições. Não são poucas as vezes nas quais os países
e Países Emergentes (termos como países‑baleias e aduzem questões de segurança e interesse nacional para
continentais eram utilizados, mas ficaram menos fre- agir individualmente, em detrimento do âmbito multilateral.
quentes). Por sua condição, estes Estados possuem A ação dos EUA na Guerra do Iraque 2002/2003 ilustra
características paradoxais: ao mesmo tempo em que esta situação, e dilemas associados à preservação da credi-
detêm quantidade significativa de recursos de poder bilidade e integridade destas OIGs.
duro, sua capacitação branda apresenta vulnerabili- É preciso também discernir as perspectivas que os Esta-
dades. Outro termo que passou a ser aplicado a estas dos de distintos portes ofertam para o âmbito multilateral.
nações é de “novo” Segundo Mundo (durante a Guerra Para as nações menores, as  OIGs são essenciais, já que o
Fria o termo correspondia ao mundo comunista) refe- multilateralismo permite sua atuação mais equilibrada e
rente aos emergentes. O Primeiro Mundo mantém‑se equitativa no sistema internacional em face das nações mais
como países desenvolvidos. O Terceiro Mundo incluiria fortes e permite a inserção de demandas e reivindicações
as nações mais pobres, também conhecidas como nesses espaços.
Países de Menor Desenvolvimento Relativo (PMDR). Para os Estados com maiores recursos, além de canais
Esta distinção entre Segundo e Terceiro Mundo não é diplomáticos, as OIGs podem ser meios alternativos de pres-
aceita de forma ampla, preservando‑se o conceito do são e exercício de poder.
Terceiro Mundo como mundo em desenvolvimento Superando a lógica de conflito do EP, as  OIGs são um
que abarca dos GEPs aos PMDRs. mecanismo que facilita as interações entre os Estados, inse-
• Papel Local/Restrito: países de baixa projeção global rindo, ao lado do conflito, possibilidades de cooperação. Daí
e regional. Suas políticas externas tradicionalmente seu papel fundamental na política mundial contemporânea
são satélites destes outros níveis e exercem um papel e sua relevância para as Relações Internacionais do Brasil
restrito a seu espaço físico. Duas categorias podem ser em particular.
identificadas: a dos países menores e estabilizados,
como o Chile; e a de Estados menos desenvolvidos e Forças Transnacionais (FTs)
com elevada vulnerabilidade, vide Haiti. Esta segunda Atores não estatais, as FTs diferenciam‑se das OIGs por
categoria corresponde aos PMD’s e, na classificação da representar fluxos privados múltiplos ligados à sociedade civil
política externa norte‑americana, aos Estados falidos. (comunicações, transportes, finanças e pessoas) que afetam
a política dos Estados tanto positiva quanto negativamente.
Porém, os Estados não se constituem nos únicos atores O progresso tecnológico permitiu a aceleração desse
das Relações Internacionais, apesar de se manterem como fenômeno, e  dinamizou sua intensidade e relevância na
os principais. política internacional. As Organizações Não Governamentais
Política e Segurança

O campo dos atores não estatais divide‑se em Organi- (ONGs), as Multinacionais (ou Companhias Multinacionais
zações Internacionais Governamentais (OIGs) e as Forças ou Transnacionais, CMNs ou CTNs), os Grupos Diversos da
Transnacionais (FTs). sociedade civil e, por fim, a Opinião Pública Internacional
representam as FTs.
Organizações Internacionais Governamentais ou Inter- As ONGs representam forças da sociedade civil. Elas
governamentais (OIG) são entidades não lucrativas locais, regionais ou mundiais,
Trata‑se de grupos políticos formados por Estados que com caráter privado, espontâneo e solidário. A base de sua
ganharam impulso a partir de 1945 no final da Segunda unidade são valores comuns e a busca da conscientização,
Guerra Mundial. Seu antecedente contemporâneo foi a Liga focando áreas como o meio ambiente e os direitos humanos,

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ações comunitárias. Ocupam espaços tradicionalmente não destaque no equilíbrio de poder mundial. O fator tecnológico
atendidos pelo Estado, e ganharam impulso considerável com impacta diretamente as relações sociais, os modos de vida e
o fim da Guerra Fria. Incentivam a cidadania e a participação os meios de produção, apresentando profunda interdepen-
popular, mas podem atuar como poderes paralelos (em dência com a força econômica que delimita o progresso e a
particular em países em desenvolvimento). Entre as ONGs riqueza das nações. A primeira onda de colonização marítima,
mais conhecidas: a Cruz Vermelha, o Greenpeace, a Anistia as Revoluções Industriais (englobando a criação da máquina a
Internacional, o  Human Rights Watch, a  Fundação Mata vapor na primeira, os desenvolvimentos da indústria química
Atlântica e o Banco do Povo. na segunda, a científico‑tecnológica na terceira e, possivel-
As Companhias Multinacionais ou Transnacionais (CMNs mente, a quarta da genética e biotecnologia), o avanço do
ou CTNs) são empresas de atuação global em diversos Es- poderio bélico e estratégico (advento do poder nuclear e
tados, com sede em um país de origem. Ao se instalar fora de outros meios de destruição em massa), a renovação das
desta base, as  CMNs seguem as regras destes Estados e comunicações com a internet, são alguns dos fenômenos que
influenciam, principalmente em países menores, a política podem ser mencionados de forma não exaustiva.
interna devido a questões tributárias e financiamentos. Para No século XXI, um conceito que se torna cada vez mais
os Estados mais poderosos, representam, mesmo que indi- presente é o das “guerras cibernéticas” (cyberwars), que traz
retamente, fontes de poder brando. uma ameaça diferenciada à segurança dos Estados.
Os Grupos Diversos da Sociedade Civil correspondem a Segundo este conceito, os  conflitos interestatais assu-
sindicatos, Igrejas, Partidos Políticos, Máfias e Grupos Ter- mem uma “dimensão virtual”, e passam a ser travados por
roristas. meio de invasões de computadores, sítios oficiais de governo
A Opinião Pública Internacional ainda é um movimento e empresas, que podem paralisar serviços públicos (energia,
embrionário, mas, com as interações cada vez mais rápi- transporte, água) e serviços em geral (bancos, supermerca-
das das comunicações e transportes, tem desenvolvido um dos, escolas). Outras questões relacionadas são a espiona-
perfil próprio. As manifestações globais contra a Guerra do gem, o roubo de dados pessoais e tráfico de informações.
Iraque em 2003, a defesa do meio ambiente, o movimento O fator econômico influencia as esferas sociais, produti-
conhecido como Primavera Árabe são alguns acontecimentos vas, ideológicas e culturais das sociedades modernas, resul-
relacionados a esta consolidação. tando em diferentes formas de divisão de trabalho no cenário
global e na separação interna das classes dependendo do
Forças Internacionais modelo adotado. Durante o século XX, dois modelos econô-
micos confrontaram‑se, o capitalista e o socialista.
Finalmente, é preciso discutir o papel das Forças Interna- A Guerra Fria representou o auge dessa confrontação,
cionais, também chamadas de fatores ou acontecimentos, respectivamente entre os blocos liderados pelos EUA e a
e que correspondem a ações dos agentes internacionais e a antiga URSS, e  a precedência do capitalismo liberal nor-
fenômenos que independem de sua decisão.
te‑americano sobre este outro modo de vida. Estes modelos
Cinco forças podem ser citadas: a natural, a demográfica,
não eram únicos, apresentando variações: no capitalismo,
a  econômica, a  tecnológica e a ideológica. Os  elementos
além do norte‑americano, a Europa desenvolveu a social-
natural e demográfico correspondem a dimensões de poder
democracia (um capitalismo regulado) e os países asiáticos
duro, enquanto as seguintes referem‑se ao brando.
um capitalismo de Estado. No campo socialista, os modelos
A força natural corresponde aos elementos geográfi-
soviético e chinês apresentavam diferenças.
cos, climáticos e de recursos/matérias‑primas. Ainda que
No século XXI, o modelo híbrido da Economia Socialista
os desenvolvimentos tecnológicos tenham permitido aos
homens melhor administrar esses fatores naturais ao longo de Mercado chinesa ganhou destaque, assim como as teorias
dos séculos, muitos fenômenos continuam não dependendo da globalização e, mais recentemente, da crise.
das ações humanas como terremotos e desastres naturais A força ideológica representa o conjunto de valores e
similares. A temática ambiental relaciona‑se à maneira como percepções desenvolvidas pelas sociedades humanas para
as sociedades relacionam‑se com a natureza, gerando efei- explicar e compreender sua realidade. As  ideologias são
tos positivos (irrigação em terras de deserto) ou negativos instrumentos de construção política e produzem sistemas
(aquecimento global). de pensamento e agendas capazes de motivar e comandar
A segunda força, o fator demográfico, refere‑se aos im- Estados e suas populações (e cooptá‑los). O  liberalismo,
pactos populacionais. Os  principais componentes relacio- o nacionalismo, o fascismo, o socialismo são exemplos destas
nados a este tema são o crescimento populacional e os construções e símbolos que prescrevem e orientam certos
deslocamentos (migrações). Atualmente, enquanto algumas modelos de comportamento e modos de vida, sustentando
nações continuam sofrendo problemas relativos à explosão paradigmas sociais, culturais e econômicos. A partir desta
demográfica e controle de natalidade no Terceiro Mundo, breve abordagem, o próximo item apresenta uma visão pa-
os países do Norte apresentam índices de crescimento ne- norâmica das principais correntes teóricas da área.
gativo (e mesmo algumas potências médias como o Brasil
também observam declínio populacional e envelhecimento). Principais Paradigmas Teóricos
O fluxo Sul‑Norte das migrações contemporâneas, as ques-
tões relativas aos direitos e condições de vida das populações As teorias: as origens clássicas e o século XX
Política e Segurança

(representadas pelo Índice de Desenvolvimento Humano da


ONU – IDH), os temas de saúde (HIV/Aids, epidemias de gripe Ainda que o desenvolvimento das Relações Internacio-
como a suína e aviária, retorno de doenças como tuberculose nais como disciplina em separado no quadro das Ciências
e poliomielite em nações pobres) também se inserem neste Humanas localize‑se no século XX a partir da ascensão da
conjunto de preocupações. hegemonia norte‑americana, as bases de seu pensamento
A terceira força, o fator técnico ou tecnológico, é repre- datam das reflexões político‑sociais‑econômicas que emer-
sentada pelo campo das inovações tecnológicas, que ao longo gem a partir do século XV. A classificação destas bases, que
da história do sistema internacional, permitiu às sociedades originam as divisões teóricas do campo das Relações Inter-
que tomaram a frente desses processos alçarem posições de nacionais, não são consensuais entre a literatura, havendo

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uma razoável quantidade de terminologias para expressá‑las: XIX. Dentre estas, emerge o conceito de Razão de Estado
alguns autores tendem a dividir as escolas de pensamento (raison d’état) francesa desenvolvida pelo Cardeal Richelieu
somente entre realismo e idealismo, outros entre realismo, (1585/1642) que estabelece que os interesses nacionais do
pluralismo e globalismo, existindo também a opção das teo- Estado constituído devem ser buscados de forma racional,
rias sistêmicas, da integração, da paz e conflito ou ambientais. seguindo um cálculo de custos e benefícios, visando o in-
Apesar do predomínio das perspectivas anglo‑saxônicas, cremento do poder nacional e sendo julgados a partir de
outras escolas de Relações Internacionais devem merecer critérios exclusivamente políticos. Na Alemanha unificada de
atenção como as tradições francesa de Pierre Renouvin Bismarck (1815/1898), as práticas do equilíbrio de poder e a
(1967), Marcel Merle e Jean Baptiste Duroselle, assim como ação baseada em considerações racionais visando o interesse
as reflexões de Raymond Aron e os estudos críticos. Ainda do Estado passam a ser definidas como realpolitik.
que aqui mencionadas, estas escolas e alguns de seus con- A distinção entre a baixa e a alta política (low and high
ceitos não podem ser trabalhados em maior extensão. A op- politics) também emerge no cenário europeu, identificando
ção aqui desenvolvida inspira‑se nos estudos Michael Doyle as esferas da economia e da cultura (low) e da diplomacia, do
(1997) e de Baylis and Smith (2001) que agrupam as teorias poder e da guerra (high). No período contemporâneo, estas
conforme as linhas clássicas da ciência política, o realismo, classificações são intercambiáveis com as perspectivas do
o liberalismo e o marxismo. poder brando e duro, podendo ser percebida a variação em
seu peso ao longo dos séculos. Para a consolidação do Esta-
O Realismo Político do, o poder duro estava no núcleo das preocupações, mas
com a evolução de suas dinâmicas e a maior complexidade
Conhecida como a mais tradicional abordagem teórica do cenário, o brando ganhou espaço, superando a condição
das Relações Internacionais, o Realismo Político sistemati- secundária da baixa política (reconhecendo a multidimen-
za suas preocupações em torno de dois conceitos- chave, sionalidade do poder).
o  poder e o conflito. A  percepção da natureza humana é A transição do século XIX ao XX representada pela
sustentada em uma avaliação que a identifica como propensa eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914/1918), seguida
à conquista, egoísta e predatória (segurança, glória, prestígio pela Segunda Guerra Mundial (1939/1945) e a Guerra Fria
são objetivos a serem perseguidos). (1947/1989) representam a consolidação dupla do realismo
Desde suas fontes clássicas na Ciência Política como e da disciplina das Relações Internacionais. As reflexões de
Maquiavel e Hobbes, ao anterior estudo de Tucídides sobre E. H. Carr em Vinte Anos de Crise (2001) dialogam com os
as interações Atenas e Esparta, passando por Max Weber e defensores do idealismo wilsoniano (ver B2). Em sua obra,
chegando a E.H Carr e Hans Morgenthau no século XX, além o  autor oferece sua crítica e diagnóstico dos arranjos de
das novas vertentes estruturais e neoclássicas com Kenneth paz pós-1918. Confrontando as utopias à realidade, o texto
Waltz, John Mearsheimer, Randal Schweller, Joseph Grieco é fundamental na consolidação do pensamento realista,
e Christopher Layne, estas orientações mantêm‑se pratica- destacando a necessidade de repensar a política a partir de
mente as mesmas, com variações de ênfase. seu elemento real, qual seja, o poder.
Avaliando rapidamente esta progressão, como mencio- Compartilhando as percepções de Carr de que era pre-
nado, as origens clássicas do Realismo remetem às reflexões ciso compreender a política internacional pelo prisma de
de Tucídides em História da Guerra do Peloponeso (2001) qualquer política, o da luta pelo poder, Hans Morgenthau
que examina o conflito entre Atenas e Esparta na Grécia. desenvolve em Politics Among Nations uma “teoria que
As formulações de Tucídides abordam o funcionamento do tenta entender a política internacional como ela realmente
mecanismo do equilíbrio de poder, demonstrando as intera- é” (MORGENTHAU, 1985, p.17). No livro, o  autor define
ções e choques entre as cidades gregas. O “Diálogo Meliano” os seis princípios do realismo político partindo dos pres-
é apontado como um dos exemplos mais claros da dinâmica supostos clássicos do realismo sobre o conflito, a natureza
realista de contraposição de interesses e preparação da humana, a autonomia e centralidade dos Estados. Sistema-
Guerra (Dunne e Schmidt, 2001). tizando brevemente estes princípios, segundo Morgenthau,
Em um diferente contexto e período histórico, referente o conceito‑chave do realismo político é o interesse definido
ao processo de formação dos Estados na Europa Ocidental, em termos de poder, meio e fim da ação estatal, e que varia
Maquiavel examina em O Príncipe a dinâmica da conquista, conforme suas necessidades e contextos históricos.
manutenção e expansão do poder. O  objetivo da política A “prioridade primeira”, porém, permanece a mesma: a
refere‑se ao poder e as ações do governante, que devem preservação da segurança e da soberania. Para definir outros
ser julgadas quanto à sua eficiência na perseguição desse componentes deste interesse, o Estado atua como ser racio-
alvo específico. nal, avaliando seus riscos e seus benefícios. A cooperação, bi
A estas percepções agrega‑se a de Thomas Hobbes em O ou multilateral, é uma tática possível de ação, não assumindo
Leviatã, cuja imagem do Estado de Natureza pré‑pacto social o caráter de valor. Demandas morais e idealistas não devem
simboliza o cenário de anarquia das Relações Internacionais. ser levadas em conta neste processo, uma vez que a política
Soberanos, os Estados organizam‑se dentro de suas fronteiras internacional e a doméstica representam esferas separadas
por meio do contrato, o que estabelece controles e leis sobre e de lógicas distintas.
a vida dos cidadãos. No campo internacional, contudo, pre- Estes princípios e a ideologia de um determinado Estado
valece o Estado de Natureza e competição original, no qual não podem, ou devem, ser impostas a outras sociedades,
Política e Segurança

a anarquia é fator definidor e a guerra uma possibilidade evitando a pretensão de universalização de modos de vida e
real como um jogo de soma zero. O EP e a diplomacia terão valores (o que, como será analisado, contrasta com algumas
como função evitar estas ameaças constantes de destruição, das interpretações liberais e hipóteses sobre o pós‑Guerra
seja pelo choque de interesses entre os Estados, como pelo Fria). A ordem internacional é sustentada pelo Equilíbrio de
estabelecimento de relações regulares e mediadas entre poder e Morgenthau define a diplomacia como um fator
os mesmos. de relevância na condução dos Estados e suas interações
Com a formação dos Estados Nacionais, estas concep- no ambiente mundial. No extremo, a  guerra mantém‑se
ções teóricas passaram a ganhar uma dimensão prática no presente como instrumento viável e, por vezes, necessário,
desenvolvimento das políticas das nações nos séculos XVII/ de política internacional.

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Predominantes nos anos 1950 e 1970 estas avaliações Adicionalmente, é preciso ressaltar que apesar de seu
sofreram o desafio da emergência de tendências contem- foco no poder e conflito, e no Estado como percebido pelos
porâneas do liberalismo (B2) e de revisões teóricas dentro itens acima, o realismo sustenta‑se como “uma ferramenta
do realismo a partir dos desenvolvimentos da política inter- crítica para revelar a jogo dos interesses nacionais sob a
nacional. Tais desenvolvimentos, principalmente os da inte- retórica do universalismo”. (Dunne and Schmidt, 2001, p.
gração regional e o multilateralismo nas OIG’s, colocam em 179). Em outra vertente, as visões liberais procuram ampliar
questão a ação dos Estados somente como maximizadores o espectro realista a partir da interação entre Estados, socie-
de poder e que não valorizam a cooperação, abrindo novas dades, valores e cooperação.
perspectivas teóricas.
Na década de 1970, o Neorrealismo ou Realismo Estru- O Liberalismo, o Idealismo e a Interdependência
tural de Kenneth Waltz surge como um desafiador destas
premissas clássicas, ainda que compartilhe em larga medida Assim como o nascimento do realismo político encon-
as visões tradicionais do realismo (anarquia, centralidade tra‑se condicionado ao surgimento e consolidação do Estado
do Estado e EP, no qual a posição dos Estados define‑se por Moderno, a  corrente liberal relaciona‑se a um fenômeno
seus recursos de poder). Man, The State and War (2001) e político: a ascensão da classe burguesa e seu ideário políti-
Theory of International Politics (1979) são as bases destas co‑social e econômico. Os séculos XVII e XVIII são marcados
reflexões, nas quais se estabelecem os níveis de análise, ou pelas Revoluções Liberais, a Revolução Gloriosa de 1688/89,
três imagens de Waltz: natureza humana, organização interna a  Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa
dos Estados e sistema (estrutura). de 1789, orientadas segundo os princípios da liberdade,
Muito resumidamente, de acordo com a visão neorrea- da igualdade, do individualismo e da reforma do Estado
lista, o sistema internacional é a estrutura dentro da qual se absolutista.
processam as Relações Internacionais, delimitando a atuação De John Locke a Montesquieu, dos Federalistas Ame-
dos agentes, isto é, os Estados, segundo parâmetros da socia- ricanas a Bentham e Mill, o  pensamento liberal ressalta
lização e da competição. O sistema determina as ações dos a importância da lei e da legitimidade que permitem às
atores que, por sua vez, influenciam as transformações da sociedades humanas realizar seus potenciais. Embora com-
estrutura a partir de suas ações em um argumento de certa partilhem com o realismo o princípio da anarquia e mesmo a
forma circular. A socialização se refere ao compromisso do desconfiança sobre o caráter da natureza humana, o caminho
Estado a certas regras de conduta e a competição é o EP. Em liberal substitui o conflito pela cooperação e redireciona o
qualquer uma destas condições, predomina para os Estados conteúdo do poder para o lucro e benefícios (geração de
a lógica do self‑help (autoajuda). riqueza). Recuando ao pensamento de Grotius, é possível
De acordo com esta lógica, os Estados somente podem estabelecer tanto dentro quanto fora das sociedades regras,
contar consigo mesmos para sua proteção e sobrevivência normas de direito que conduzam a um ambiente propício a
e, mais do que nações expansionistas, convertem‑se  em interações pacíficas e construtivas (a inspiração da sociedade
defensores de posição. internacional de Bull).
O Realismo Estrutural abre espaço para as interações No século XIX, Immanuel Kant em A Paz Perpétua aborda
interno‑externo nos processos de elaboração de políticas temas relativos ao cosmopolitismo e a governança global
e tomada de decisão, mas não avança muito na resolução ao discutir a formação de uma federação de Estados livres
dos dilemas relativos à cooperação dos Estados. A coope- e republicanos. Suas reflexões encontram‑se nas raízes das
ração é percebida como instrumental, visão que se repete teorias de integração europeia, demonstrando a capacidade
nas abordagens neoclássicas e racionalistas. Autores como: transformadora dos indivíduos e seu potencial para alcançar
John Mearsheimer, Christopher Layne, Schweller, Grieco uma consciência universal.
situam‑se nestas dimensões contemporâneas do realismo, No século XX, com o Idealismo Wilsoniano, estas concep-
também não sendo facilmente classificados: ou seja, além de ções liberais ganham maior destaque, estando relacionadas
neoclássicos e racionalistas, outros termos a eles associados ao processo de construção de ordem no pós‑Primeira Guerra
são realistas ofensivos ou defensivos. Mas, como destacado, Mundial e à citada ascensão hegemônica norte‑americana
à  medida que não é objetivo estender discussões destas (ver PECEQUILO, 2005). Embora o realismo de Morgenthau
particularidades teóricas, tenta‑se, apenas delinear o debate reivindique o caráter de formulação teórica inicial da área,
em suas linhas gerais. a disciplina das Relações Internacionais emerge como cáte-
Resumindo‑as, Dougherty e Pfaltzgraff, assim sintetizam dra em separado já nos anos 1920 (HALLIDAY, 1999), con-
os seis componentes básicos compartilhados pelas visões sistindo‑se na “visão americana” deste campo. Esta visão é
realistas: estabelecida nos “Quatorze Pontos” discurso proferido por
• o sistema internacional é baseado no Estado‑Nação Woodrow Wilson no Senado dos EUA em 1918 (também
como seu ator‑chave; conhecido como “Programa para a Paz Mundial”) e será
• a política internacional é essencialmente conflituosa, base desta visão teórica e do Tratado de Versalhes (1919).
uma luta por poder em um ambiente anárquico no O idealismo sustenta‑se em três premissas: a demo-
qual estes Estados inevitavelmente dependem de suas cracia e a disseminação de seus valores, universalizando
próprias capacidades para garantir sua sobrevivência; práticas legítimas e transparentes entre as sociedades e os
• os Estados existem em uma condição de igualdade Estados (“as democracias não vão à guerra umas com as
Política e Segurança

de soberania, porém detêm diferentes capacidades e outras” é a conclusão daqui derivada); a segurança coletiva
possibilidades; para garantir a cooperação e defesa mútua entre as nações,
• os Estados são os atores principais e a política domés- prevenindo o avanço de agressores, a partir da instituição
tica pode ser separada da política externa; de um mecanismo coletivo (a Liga das Nações, embrião da
• os Estados são atores racionais, cujo processo de to- ONU e cuja lógica multilateral estende‑se às OIGs em geral);
mada de decisão é sustentado em escolhas que levem a autodeterminação dos povos, que estabelece o direito
à maximização de seu interesse nacional; à soberania aos povos que detiverem uma identidade e
• o poder é o conceito mais importante para explicar e unidade comum.
prever o comportamento dos Estados. (DOUGHERTY As décadas de 1920 e 1930 assistiram ao colapso destes
e PFALTZGRAFF, p. 58). arranjos por conta de uma combinação de fatores como as

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opções da política externa dos EUA, a conjuntura da Grande Estes contatos ocorrem além‑fronteiras e produzem si-
Depressão e os fascismos. Em 1939, a Segunda Guerra pa- tuações de dependência mútua, abrangendo fenômenos
recia encerrar estas prescrições idealistas, mas a constrição diversos: socioculturais, políticos, econômicos (comerciais
da ordem depois de 1945 levou a recuperação de alguns de e financeiros), ambientais e técnicos. Os canais da interde-
seus mais importantes princípios como o multilateralismo e pendência são múltiplos, interestatais, transgovernamentais
a segurança coletiva. Na oportunidade, porém, a hegemonia, e transnacionais. Os Estados são afetados e determinados
os EUA, buscou corrigir seus “erros” de 1918, desenvolvendo significativamente por forças externas, tanto de forma si-
o que alguns autores como Ikenberry (2006) definem de métrica quanto assimétrica (dependendo de seu grau de
Internacionalismo Liberal. Este internacionalismo agrega exposição e vulnerabilidade externa).
elementos de poder ao idealismo, sustentando a hegemonia O segundo conceito, o de transnacionalização, relacio-
em três pilares: o estrutural (poder duro), o institucional e o
na‑se à interdependência e emerge da ação dos agentes
ideológico (ambos brandos e de cooptação representados
privados no sistema internacional que se intensificou a partir
pelas OIGs e a retórica cooperativa).
dos desenvolvimentos tecnológicos e dos fenômenos que
Todavia, esta visão não representa uma nova vertente
surgem além dos Estados e seus limites, mas que por eles
teórica ou corpo conceitual para o liberalismo, o  que se
consolida nos anos 1960 e 1970 a partir das abordagens não podem ser controlados. Apesar de nascerem dentro dos
de Robert Keohane e Joseph Nye em obras que se tornam Estados, estes fenômenos ultrapassam suas fronteiras, sendo
clássicas na área das Relações Internacionais: Transnational representados por quatro fluxos: comunicações, transportes,
Relations, Power and Interdependence e After Hegemony. finanças e pessoas (no que se relacionam às forças interna-
Assim como as discussões sobre o Neorrealismo dominam cionais e aos atores FT’s.
os anos 1970 no realismo, as obras de Keohane e Nye, e sua No contexto da globalização, alguns autores indicam que
ponte entre realismo e liberalismo, a partir da introdução a correlação destes fenômenos levaria ao desaparecimento
de conceitos como interdependência e transnacionalização e superação do Estado, enquanto outros, incluindo Keohane
tornam‑se recorrentes no campo liberal. Estas visões são e Nye, indicam a existência de uma transição e convivência
conhecidas como Liberal Institucionalismo, Neoliberalismo de formas múltiplas e tabuleiros diferenciados nas Relações
ou Paradigma da Interdependência. Internacionais. Esta multiplicidade refere‑se à ampliação das
Para Keohane e Nye, a evolução da política internacional questões que interessam e afetam os Estados além do poder
desde 1945 e as estruturas multilaterais construídas para militar, do incremento da ação de outros atores, da ampliação
organizar as relações entre os Estados nos mais diversos das interações estatais e não estatais e das transformações
campos, incrementou as possibilidades de cooperação entre das sociedades.
as nações, reduzindo a incerteza e aumentando a transpa- Trata‑se de um debate relevante que, como o marxista,
rência nas relações interestatais. A partir destes mecanismos demonstra a complexidade da política internacional.
facilitadores, o  conflito passa a ser secundário diante da
cooperação, uma vez que os Estados começam a dar prefe- O Marxismo e as Visões Críticas
rência a este âmbito institucional e mudar a natureza de seu
comportamento voltado apenas para o conflito. Diferente do realismo e do liberalismo que, depois de
Com isso, é estabelecido um conjunto claro de regras e suas bases clássicas, desenvolveram concepções teóricas
princípios, facilitando a ação coletiva. Além de participarem específicas para as Relações Internacionais, o marxismo ainda
em OIG’s, os Estados também apoiam a criação de regimes, não gerou um enfoque disciplinar claro para a área como sus-
regulando suas relações. Em definição bastante conhecida, tenta Fred Halliday (1999). O domínio do campo de estudos
Krasner afirma que os, pela escola norte‑americana dificultou o desenvolvimento de
reflexões, principalmente ao longo da Guerra Fria e depois de
Regimes são conjuntos de princípios, normas, regras 1989 dada a queda dos regimes socialistas como o da URSS
e procedimentos de tomada de decisão implícitos e a reavaliação do modelo. Porém, desde suas origens que
e explícitos em torno dos quais as expectativas dos datam do século XIX com a análise da Revolução Industrial,
atores convergem em uma determinada área das suas transformações e a contestação da sociedade burguesa
Relações Internacionais e fornecem as estruturas nas pelo proletariado nos trabalhos de Karl Marx e Friedrich
quais as relações entre os Estados podem se organizar Engels (O Capital, 18 Brumário, O Manifesto Comunista são
de maneira mais completa e equilibrada. algumas obras que podem ser mencionada), o  marxismo
detém preocupações sobre o internacional Assim, esta cor-
Como resultado deste “espiral” e “disseminação da co- rente apresenta formas críticas de questionamento sobre a
operação” (spillover) e da interligação cada vez maior dos realidade e elementos que compõem uma possível agenda
Estados e suas sociedades, existe a crescente relevância para compreendê‑la. As visões de Marx sobre a economia
dos atores não estatais. Neste contexto mais complexo e capitalista e seu processo de expansão e pressão sob outras
multidimensional, os  temas clássicos do conflito entre os sociedades detêm um perfil claramente internacional, de-
Estados e os recursos duros começam a ser acompanhados monstrando o poder global deste modo de produção.
por preocupações cada vez mais diversas na economia, na Como indica Halliday, “o materialismo histórico é uma
Política e Segurança

cultura, na política e na sociedade, como democracia, meio teoria geral abrangente da ação política, social e econômica,
ambiente e direitos humanos. A aceleração do desenvolvi- capaz de considerar todos os campos da ação social”
mento tecnológico e seus impactos nos fluxos de capital, (HALLIDAY, 1999, p. 69) que pode nos ajudar a pensar as
bens, pessoas e informação reforçam os fenômenos da inter- Relações Internacionais e transformar a realidade. Mas, quais
dependência e da transnacionalização, elementos essenciais são os pilares que embasam esta reflexão? Para Halliday,
da globalização. Em termos conceituais a interdependência estes pilares são a determinação material, a determinação
corresponde aos efeitos recíprocos que se estabelecem entre histórica, a centralidade das classes e a revolução. A determi-
países ou entre atores de diferentes países como produto nação material refere‑se ao peso da economia na organização
do aumento e aprofundamento dos contatos internacionais. social, política e cultural de uma sociedade. A  estrutura,

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os meios de produção, é determinante na definição de suas SISTEMA MUNDIAL DE PODER
demais formas de reprodução social e ideológica (supe-
restrutura). No campo da determinação histórica o que se A Bipolaridade da Segunda Metade do Século XX
observa é o peso do passado sobre a história presente, não e o Cenário Pós‑Guerra Fria
se podendo ignorar o processo formativo das sociedades
para, posteriormente, mudá‑las. A Bipolaridade da Segunda Metade do Século XX
O processo de evolução destas sociedades ocorre por
meio do conflito, um movimento dialético, gerado a partir Durante a Segunda Guerra Mundial a União das Repúblicas
dos outros dois pilares do pensamento marxista: a divisão Socialistas Soviéticas (URSS), criada em 1922, e os Estados Uni-
das classes entre burgueses e proletários, seu antagonismo dos da América lutaram do mesmo lado, visando derrotar as
natural, e  a inevitabilidade da revolução (que se consiste forças do Eixo nazifascista (Alemanha, Japão e Itália). No final
em um dos elementos mais criticados desta corrente). No da guerra, a derrota dos países do Eixo e, ao mesmo tempo,
caso da divisão de classes, Halliday indica que a mesma se o  enfraquecimento econômico, militar e político do Reino
estende ao sistema internacional, entre diferentes burguesias Unido e da França, levaram o mundo a um período de grandes
e proletariados nacionais. transformações econômicas e geopolíticas. A divergência ide-
Para Halliday, o potencial do marxismo como instrumento ológica entre Estados Unidos e União Soviética, que seguiam
analítico reside em sua concepção das interações sociais. linhas político‑econômicas diferentes, acabou por deteriorar
Autores como Lenin, Rosa de Luxemburgo, Gramsci oferecem essa relação, que se transformou em confronto indireto.
importantes contribuições para o estudo do imperialismo, A União Soviética sofreu grandes perdas humanas (mais
de 20 milhões de pessoas morreram, a maioria civis) e prejuí-
da evolução do capitalismo e, principalmente no caso de
zos materiais (grande parte das indústrias, cidades e fazendas
Gramsci, da construção e exercício da hegemonia em suas foi destruída) por causa da guerra, por isso estabeleceu como
formas concretas e ideológicas. Abordagens inspiradas por metas a reconstrução do país e a busca do equilíbrio bélico
Gramsci no estudo da reprodução hegemônica foram de- com o rival ocidental. Diferentemente, os Estados Unidos,
senvolvidas por autores como Robert Cox no período mais que ingressaram no conflito somente em 1941, além de
contemporâneo, além da visão da teoria crítica com Andrew perderem relativamente poucos combatentes, conseguiram
Linklater a partir dos estudos da Escola de Frankfurt. Den- manter intactas suas cidades, indústrias e propriedades
tre os representantes do novo marxismo encontram‑se Bill agrícolas, e ainda aumentaram a produtividade industrial e
Warren e Justin Rosenberg. acumularam vultosas reservas.
Além destas reflexões, historiadores como Eric Hobs- Emergiam, portanto, duas superpotências no cenário
bawm desenvolvem um pensamento de orientação mar- mundial: a União Soviética e os Estados Unidos. A hegemo-
xista e merece destaque a análise sistêmica de Immanuel nia norte‑americana consolidou‑se no bloco capitalista, ou
Wallerstein sobre a evolução do capitalismo e das Relações ocidental.
Internacionais, a Teoria dos Sistemas Mundiais. Paralelamente, os soviéticos expandiram seu território
Na visão de Wallerstein, o sistema capitalista é a força e sua área de influência a um conjunto de países que mais
motriz do desenvolvimento e sua evolução política e eco- tarde formou o bloco socialista, ou oriental.
nômica leva a formação do sistema mundo e fenômenos Como cada uma das superpotências tentava dissemi-
nar seus respectivos sistemas econômicos e seus valores
contemporâneos. A partir deste processo, estabelece‑se uma
político‑ideológicos, a  divisão do mundo em dois blocos
divisão social de trabalho entre os Estados composta por
rivais e a emergência do conflito Leste‑Oeste foram marca-
Estados no Núcleo, na Semiperiferia e Periferia do cenário das pelo antagonismo geopolítico‑militar e pela propaganda
global. Finalmente, é  preciso mencionar dentre as visões ideológica. Cada uma delas, ao mesmo tempo que fazia es-
teóricas de esquerda a Teoria da Dependência elaborada forços para ampliar sua área de influência, tentava conter a
pela CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para expansão da outra, numa época marcada pela bipolarização
a América Latina e o Caribe). Esta teoria sustenta a divisão de poder entre os Estados Unidos e a União Soviética que
estrutural do cenário entre Norte e Sul (países desenvolvidos ficou conhecida como Guerra Fria.
e em desenvolvimento). A base do pensamento é a defesa da Nesse período as duas superpotências, buscando manter
nova ordem econômica internacional (NOEI) e do desenvol- o equilíbrio bélico e a paridade nuclear, mantiveram uma
vimento autóctone dos países do Sul por meio da superação acirrada corrida armamentista; nenhum dos lados admitia
da deterioração dos termos de intercâmbio por meio da ação ficar em posição de inferioridade.
estatal e da substituição de importações. O cientista político francês Raymond Aron definiu bem
A partir deste breve panorama, percebe‑se a riqueza das essa situação: “Guerra Fria, paz impossível, guerra imprová-
Relações Internacionais e os diversos prismas e conceitos vel”. A paz era impossível porque as superpotências apresen-
que ajudam a compreender sua dinâmica. Acelerada pelo tavam, em vários aspectos, um antagonismo insuperável.
fim da Guerra Fria, esta dinâmica trouxe desafios renovados A guerra era improvável porque, se ocorresse e culminasse
às linhas teóricas e o questionamento das visões tradicio- num enfrentamento nuclear, não haveria vencedores, po-
dendo mesmo levar ao fim da humanidade ou ao menos a
nais. Dentre as correntes examinadas, realismo e marxismo
barbárie. Daí a famosa resposta de Einstein, que era pacifista
Política e Segurança

foram considerados superados em 1989, consolidando a


e defendia o controle das armas nucleares, ao ser indagado
supremacia do liberalismo. Acontecimentos como o 11/09, sobre como seria a Terceira Guerra Mundial. Em suma, o que
a  desigualdade social, as  guerras, a  pobreza, reverteram garantiu a paz durante esse período foi a premissa de que o
esta tendência. Estas oscilações revelam a complexidade conflito bélico asseguraria a mútua destruição dos conten-
do período e inspiram muitas discussões contemporâne- dores. Imperou, por isso, uma “paz armada”.
as, envolvendo a arena mais concreta de como pensar a As armas eram construídas não para serem usadas,
ordem internacional. No próximo item, são examinadas as sobretudo os letais mísseis nucleares, e sim para servir de
interpretações e hipóteses sobre a política internacional no instrumento de dissuasão. Mas que fato marca o início da
pós-Guerra Fria. Guerra Fria?

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O ano de 1947, quando os Estados Unidos lançaram de outros países desenvolvidos: Japão (1964), Finlân-
as bases da Doutrina Truman e do Plano Marshall, e con- dia (1969), Austrália (1971) e Nova Zelândia (1973).
siderado um dos marcos do início desse período histórico. Durante décadas a OCDE foi conhecida como o “clube
Em 11 de marco de 1947, o  presidente Harry S. Truman dos ricos”, congregando alguns dos países mais ricos
(que governou o país de 1945 a 1953) fez um discurso no e industrializados do mundo.
Capitólio, em Washington D.C., sede do Poder Legislativo
norte‑americano, propondo a concessão de créditos para Entretanto, a partir da década de 1990, com a entrada de
a Grécia e a Turquia com o objetivo de sustentar governos México, República Tcheca, Hungria, Polônia, Coreia do Sul,
pró‑ocidentais naqueles países. Ao  proferir esse discurso, Eslováquia, Chile, Eslovênia, Estônia e Israel, a OCDE não e
lançou a doutrina que levou seu nome e orientou as ações mais composta apenas de países desenvolvidos, como no
dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria. início. Entre os 34 países que hoje compõem a organização
O objetivo geopolítico fundamental da Doutrina Truman há economias emergentes e países do antigo bloco socialista.
era a contenção do socialismo. Desenvolvida pelo então Em contrapartida, Brasil e China, por exemplo, ainda não
conselheiro da embaixada norte‑americana em Moscou, fazem parte da OCDE, apesar de maiores e mais industriali-
George F. Kennan, sua estratégia era isolar a União Soviética zados do que muitos membros da organização.
e impedir a expansão de sua área de influência. Para isso,
entre outras ações, foram criadas alianças militares, como As Alianças Militares
a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), sobre
No início da Guerra Fria, muitos setores da sociedade
a qual falaremos adiante. Complementando a Doutrina Tru-
norte‑americana acreditavam que, se a União Soviética
man, o então secretário de Estado norte‑americano,
estendesse sua influência a outros países além do Leste Eu-
George C. Marshall, idealizou um plano de ajuda eco-
ropeu e da China (que aderiu ao socialismo em 1949), todos
nômica para acelerar a recuperação dos países da Europa os países, sucessivamente, acabariam caindo nas “garras”
ocidental – o Plano Marshall. O Programa de Recuperação do inimigo. Esse pressuposto geopolítico ficou conhecido
Europeia, nome oficial do plano, ao consolidar as economias como efeito dominó. Para contê‑lo, os Estados Unidos cria-
capitalistas da Europa ocidental, além de frear a expansão da ram várias alianças militares na Europa ocidental (Otan),
influência soviética, tinha como objetivo recuperar mercados no Sudeste Asiático (Organização do Tratado do Sudeste da
para produtos e capitais norte‑americanos. Ásia – Otase) e no Oriente Médio (Pacto de Bagdá), além
de acordos bilaterais com alguns países como o Japão e a
A OCDE Coreia do Sul, estabelecendo um cinturão de isolamento
em torno da superpotência rival, que ficou conhecido como
Para administrar e distribuir os recursos do Plano Mar- cordão sanitário.
shall, em 1948 foi constituída a Organização Europeia de A mais importante dessas organizações militares foi
Cooperação Econômica (OECE). Entre 1948 e 1952 foram a Otan, criada em 1949, com sede em Bruxelas (Bélgica),
transferidos recursos da ordem de 13 bilhões de dólares (algo para defender a Europa ocidental da ameaça soviética. Sua
em torno de 150 bilhões de dólares em valores de 2010) a criação foi a resposta norte‑americana ao bloqueio a Berlim
dezoito países europeus ocidentais. Ocidental, implementado pela União Soviética entre junho
Os principais beneficiados pelo programa de recuperação de 1948 e maio de 1949, como reação a implantação do
foram: Reino Unido (24%), França (20%), Alemanha Ocidental marco (moeda que circulava na parte ocidental da Alemanha)
(11%) e Itália (10%). Grande parte desse dinheiro foi usada nessa zona da cidade. Os aliados capitalistas abasteceram
para comprar máquinas e equipamentos, matérias‑primas, Berlim Ocidental pelo ar, por meio de uma “ponte aérea”
fertilizantes e alimentos, entre outros bens, que ajudaram (observe no mapa que essa cidade estava “ilhada” na zona
a recuperar a economia europeia, mas também a estimular de ocupação soviética), furando o bloqueio terrestre imposto
a indústria e a agricultura norte‑americanas. A maioria dos pela União Soviética. Depois de onze meses, o bloqueio foi
produtos era adquirida dos Estados Unidos porque parte suspenso, mas esse acontecimento foi a primeira grave crise
desse dinheiro era doação, vinculada a compra de produtos da Guerra Fria.
de empresas do país, e outra parte era empréstimo. Com a criação da Otan, os Estados Unidos delimitaram
Em 1961 a OECE passou a se chamar Organização de sua zona de influência na Europa ocidental por meio da
construção de uma série de bases militares e da constituição
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), porque
de um gigantesco mercado de armamentos convencionais
nações não europeias foram admitidas e novos objetivos fo-
e nucleares para seu complexo industrial‑militar e também
ram traçados. Passou a ser composta pelos países europeus
de seus aliados.
ocidentais beneficiados pelo Plano Marshall mais os Estados Outra consequência importante do bloqueio a Berlim
Unidos e o Canadá. foi a criação da República Federal da Alemanha (RFA), ou
Como consta no artigo 1º da Convenção assinada pelos Alemanha Ocidental, em maio de 1949, nas zonas ocupadas
vinte países fundadores, seus objetivos são: pelos Estados Unidos, Reino Unido e França.
• alcançar um crescimento econômico vigoroso e sus- Com o fim da Segunda Guerra, a Alemanha foi dividida
Política e Segurança

tentável, gerando empregos e melhorando o padrão entre os vencedores em quatro zonas de ocupação: america-
de vida da população dos países‑membros, enquanto na, britânica, francesa e soviética. O mesmo aconteceu com
mantem a estabilidade financeira; Berlim, sua antiga capital. Os setores americano, britânico e
• contribuir para a expansão econômica sustentada dos francês, embora dentro do território da Alemanha Oriental
países‑membros e não membros e para o desenvolvi- (socialista), permaneceram ligados a Alemanha Ocidental
mento da economia mundial; (capitalista), que escolheu a cidade de Bonn para ser sua
• contribuir para a expansão do comercio mundial com capital. A resposta soviética veio em outubro daquele mesmo
base em acordos multilaterais. Com o passar do tempo ano, com a criação da República Democrática Alemã (RDA)
a organização foi se expandindo com a incorporação em sua respectiva zona de ocupação. A capital da Alemanha

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Oriental, como ficou mais conhecida a RDA, passou a ser a permanentes e dez eleitos a cada dois anos. O poder desse
parte oriental de Berlim, sob controle soviético. órgão está concentrado nas mãos dos cinco membros per-
Até a década de 1960 muitos berlinenses deixaram o manentes, que tem poder de veto: qualquer decisão só e
setor oriental em busca de melhores oportunidades de posta em pratica se houver consenso entre Estados Unidos,
trabalho no setor ocidental. Para acabar com esse êxodo Reino Unido, Franca, China e Rússia (que substituiu a extinta
de trabalhadores e reafirmar a soberania sobre seu setor União Soviética).
da cidade, as autoridades orientais construíram o Muro de Durante a Guerra Fria, num mundo bipolar, a ONU tinha
Berlim, um dos símbolos mais significativos do mundo bipolar sua capacidade de ação bastante limitada, pois suas decisões
e das tensões da Guerra Fria. Ao dividir Berlim, o muro de ora contrariavam interesses norte‑americanos, ora soviéti-
concreto materializava no território de uma cidade todo o cos. O lado que se sentia prejudicado vetava a resolução que
antagonismo dessa época: o conflito Leste‑Oeste, ou capi- lhe contrariasse.
talismo versus socialismo. O CS pode investigar disputas e conflitos internacionais
Quando a Alemanha Ocidental ingressou na Otan, em ou no interior de um pais, propor soluções visando a acordos
1955, a resposta soviética veio com a criação de uma aliança de paz e adotar sanções que vão desde o corte das comunica-
militar sob seu comando: o Pacto de Varsóvia, assinado no ções ou das relações diplomáticas até o bloqueio econômico.
mesmo ano na capital da Polônia. A União Soviética delimi- Em último caso, pode autorizar o uso da forca militar, como
tava, assim, sua própria zona de influência e seu principal ocorreu em intervenções na Somália (1993), na Guerra de
mercado de armas, o que consolidou a divisão da Europa Kosovo (1999) e na ocupação do Afeganistão (2001), todas
pela “cortina de ferro”. sob a liderança dos Estados Unidos.
Desde o fim da Guerra Fria, a importância das alianças A alocação das forças de paz da ONU, como a Missão
militares tem diminuído, e aquelas que não foram extintas, das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah),
como o Pacto de Varsóvia, sofreram reestruturação. enviadas aquele país em 2004, sob o comando do Brasil,
A mais importante delas, a  Otan, reduziu seu arsenal também passa por aprovação do CS.
militar, ganhou mais mobilidade, flexibilidade e novas atri- Merece destaque um episódio que pôs a ONU em xe-
buições. que: na guerra contra o Iraque (2003), os Estados Unidos,
Entre suas novas funções constam garantir a paz na Euro- com apoio solitário do Reino Unido, optaram por invadir o
pa e dar apoio em intervenções internacionais, como no Afe- território iraquiano sem a autorização do CS, com o intuito
ganistão. Além disso, vem ganhando novos países‑membros: de derrubar o ditador Saddam Hussein (ele foi condenado a
em 1999 entraram na organização a Hungria, a Polônia e a morte e executado em 2006). Sabendo que não teria o apoio
República Tcheca. necessário dos membros do CS, o governo norte‑americano,
Durante as negociações para a incorporação de países sob a Presidência de George W. Bush (2001-2009), resolveu
do Leste na organização, a Rússia posicionou‑se contra essa apostar no unilateralismo e ignorou o órgão. Tal atitude
política expansionista, alegando que isso poria em risco a sua desgastou a ONU e, por extensão, o multilateralismo cons-
segurança, mas acabou aceitando‑a em troca de sua entrada truído desde sua criação, porque fez com que ela perdesse a
no G-7, rebatizado de G-8. Finalmente, no início de 2002, prerrogativa de decidir sobre intervenções militares.
com a criação do Conselho Otan‑Rússia, esse pais passou a
ser considerado um aliado estratégico, encerrando mais um O Deficit de Representatividade do CS da ONU
capítulo da história da Guerra Fria.
Em 2004, mais sete países do antigo bloco oriental in- A composição do CS não expressa a correlação de forças
gressaram na Otan, e, em 2009, mais dois, elevando para 28 do mundo atual, e sim a de quando a ONU foi criada, resul-
o número de países‑membros. O ingresso de ex‑integrantes tante do desfecho da Segunda Guerra. Por isso, em 2004,
do Pacto de Varsóvia demonstra como o mundo mudou do o Brasil, a Alemanha, o Japão e a Índia formaram um grupo
ponto de vista geopolítico desde o fim da Guerra Fria. Quem para tentar acelerar sua reforma.
imaginaria isso naquela época? Em 2005 esse grupo apresentou a Assembleia Geral
um projeto que previa a expansão do número de membros
A ONU e a Crise de Legitimidade permanentes. Diante da falta de consenso, o projeto não foi
acatado, mas o Brasil não desistiu de seu propósito.
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada ao final Portanto, mesmo se os Estados Unidos, que tem
da Segunda Guerra Mundial com o objetivo de preservar a procurado se manter neutros nesse debate, e  os outros
paz e a segurança no mundo, além de promover a cooperação membros permanentes vierem a concordar em ampliar o
internacional para resolver questões econômicas, sociais, CS, os  postulantes ainda enfrentarão problemas, já que a
culturais e humanitárias. entrada no CS depende da aprovação de dois terços dos
Em 1945, representantes de 51 países, reunidos na Estados‑membros da ONU. Na América Latina, o  México
Conferência de São Francisco (Estados Unidos), aprovaram e possivelmente a Argentina, apesar da parceria no Mer-
uma Carta de Princípios que deveria orientar as ações da cosul, poderiam questionar a entrada do Brasil. Na África,
entidade no mundo após a Segunda Guerra. Sediada em também há outros pretendentes, como o Egito e a Nigéria,
Nova York, a ONU substituiu a Liga das Nações, criada após que podem concorrer com a África do Sul. Na Ásia o conflito
a Primeira Guerra. indo‑paquistanês poderia se acirrar porque o Paquistão não
Política e Segurança

Atualmente, conta com vários órgãos, dos quais os mais se conformaria com a entrada da Índia, seu inimigo histórico.
importantes são a Assembleia Geral e o Conselho de Segu- Ainda na Ásia, a China tende a vetar a entrada do Japão por
rança (CS), e diversas agências. A Assembleia Geral congrega não querer vê‑lo fortalecido política e militarmente na região.
as delegações dos países‑membros (193 em 2012). Faz uma Na Europa a situação da Alemanha não e confortável
reunião por ano (pode haver, entretanto, sessões de emer- porque os italianos também são pretendentes a uma vaga
gência), mas não decide sobre questões de segurança e coo- no Conselho e não querem ser preteridos.
peração internacional, limitando‑se a fazer recomendações. Cada pretendente terá de angariar o máximo de apoios
O CS e o órgão de maior poder da ONU. E composto de para conseguir seu objetivo, principalmente na região em
delegados de quinze países‑membros, dos quais cinco são que se localiza. O Brasil já obteve apoio de todos os membros

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permanentes do CS, com exceção dos Estados Unidos, que projetos visando ao desenvolvimento dos países‑membros
até 2012 não tinham se posicionado. (188 em 2012).
O apoio da China e da Rússia foi formalizado no primeiro Em 1960 foi criada a Associação Internacional de Desen-
encontro do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), volvimento (AID), que hoje concede empréstimos sem juros
realizado em 2009 na Rússia. e assistência técnica aos 81 países mais pobres do mundo
(39 dos quais na África subsaariana). A AID, o Bird e mais três
Após a Segunda Guerra, norte‑americanos e britânicos, instituições compõem o Grupo Banco Mundial.
preocupados com a recuperação econômica de um mundo O FMI foi criado para zelar pela estabilidade financeira
devastado pelo conflito bélico, convocaram a Conferência mundial através de duas atribuições básicas: garantir em-
de Bretton Woods (cidade localizada nas montanhas de New préstimos aos países que tenham dificuldade para fechar
Hampshire, Estados Unidos), em 1944. Apesar da participa- seu balanço de pagamentos e assegurar a estabilidade nas
ção de várias nações, incluindo a União Soviética e o Brasil, taxas de câmbio, sempre tendo o dólar como padrão de re-
quem definia as regras do plano eram os Estados Unidos ferência. Assim, esses organismos ficaram responsáveis por
e, em menor grau, o Reino Unido. Os representantes dos viabilizar a reconstrução do bloco capitalista após a Segunda
44 países participantes temiam a ocorrência de uma crise Guerra, garantir o crescimento da economia mundial e evi-
econômica, como a dos anos 1930, e  lançaram um plano tar novas crises como a que eclodiu em 1929. No entanto,
o acirramento das tensões da Guerra Fria foi o que, de fato,
que visava garantir a reconstrução e a estabilidade da eco-
garantiu a reconstrução do mundo ocidental sob influência
nomia mundial após o término da guerra. Nessa reunião,
norte‑americana. Além do Plano Marshall, direcionado a
foi estabelecido um novo padrão monetário, o dólar‑ouro,
Europa no início da década de 1950, foi elaborado o Plano
em substituição ao ouro, padrão vigente até então. O banco Colombo, voltado para estimular o desenvolvimento de paí-
central norte‑americano (Federal Reserve Board, mais conhe- ses do Sul e Sudeste da Ásia. O Japão foi beneficiado por um
cido como FED) garantiria uma paridade fixa de 35 dólares programa de ajuda bilateral e, entre 1947 e 1950, recebeu
por onça‑troy (31,1 g) de ouro e a livre conversibilidade. Na 2,5 bilhões de dólares (em valores da época) diretamente
pratica isso significava que a emissão de dólares deveria do Tesouro dos Estados Unidos. Todos esses planos de aju-
ser lastreada em ouro, tornando -a uma moeda de reserva da econômica possibilitaram o fluxo de produtos e capitais
garantida pelo FED, o que perdurou até 1971. Observe, na norte‑americanos e, alinhados com a Doutrina Truman,
tabela ao lado, quanto a economia dos Estados Unidos se a contenção do expansionismo soviético.
sobrepunha as demais em 1950. e  observe as mudanças
ocorridas desde então, quais países entraram e quais saíram Para complementar as medidas econômicas idealizadas
da lista das maiores economias mundiais. em Bretton Woods, foi constituído, em 1947, na Conferência
Econômica de Havana, o Acordo Geral de Tarifas e Comercio
As Sete Maiores Economias do Mundo em 1950 (Gatt, do inglês General Agreement on Tariffs and Trade).
Com sede em Genebra (Suíça), seu objetivo principal era
Porém, no fim da década de 1960 a economia norte‑ame- combater medidas protecionistas e estimular o comercio
ricana começou a perder a hegemonia no mundo capitalista. mundial. O Gatt, assim como o Bird e o FMI, sempre atuou
Teve de enfrentar a concorrência da Europa ocidental e do em cooperação com a ONU. Desde 1995, quando passou a
Japão – já recuperados – e de administrar problemas macro- denominar‑se Organização Mundial do Comércio (OMC), tem
econômicos: perda de competitividade industrial, sucessivos procurado aumentar sua influência nas questões comerciais
déficit orçamentários, desequilíbrios na balança comercial, mundiais.
elevados gastos com a corrida armamentista e com a longa Além dessas organizações econômicas criadas em Bretton
Guerra do Vietnã (1955 -1975), na qual os Estados Unidos Woods e em Havana, os países mais ricos constituíram um
entraram em 1964. Essa situação levou o governo norte‑ame- fórum de debates sobre a conjuntura econômica e a política
ricano a emitir moeda sem lastro, isto é, sem a retenção mundial, conhecido durante muito tempo como G-7.
do valor correspondente em ouro no banco central, o que
provocou inflação e, consequentemente, desvalorizações DO G-7 ao G-20
do dólar em relação a outras moedas fortes. As sucessivas
desvalorizações levaram o governo dos Estados Unidos a, O G-7 (Grupo dos 7) teve sua origem em um encontro
realizado em 1975, no qual se reuniram representantes das
em 1971, acabar com a livre conversibilidade. Desde então,
principais potencias capitalistas da época: França (o país anfi-
a  cotação da moeda norte‑americana continuou caindo
trião), Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Itália e Japão.
até atingir, em 1995, seu patamar mais baixo em relação
Nasceu, portanto, como G-6. Em 1977, o Canadá passou a
a outras moedas fortes. Na segunda metade da década de fazer parte do grupo, que se transformou em G-7. Durante
1990, com o elevado crescimento econômico dos Estados anos esse fórum aglutinou as sete maiores economias do
Unidos, o  dólar teve uma relativa valorização diante de mundo. Em 1997, num encontro realizado em Denver (Esta-
seus competidores, mas com a crise mundial de 2008/2009, dos Unidos), a Rússia foi admitida como membro do grupo,
desvalorizou‑se novamente. que passou a ser chamado de G-8. Por se caracterizar como
Durante a Conferencia de Bretton Woods foram consti- um fórum, o grupo não tem uma sede fixa, e a cada ano o
Política e Segurança

tuídos dois organismos até hoje muito atuantes no cenário encontro acontece num pais‑membro, quando são debatidas
político, econômico e financeiro mundial: o Banco Internacio- as questões mundiais de interesse do grupo.
nal de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), a instituição O G-8 esta descaracterizado porque não reúne mais
mais conhecida do Banco Mundial, e  o Fundo Monetário as maiores economias do planeta e o cenário econômico
Internacional (FMI), ambos com sede em Washington, capital mundial está muito mais complexo do que na época em que
dos Estados Unidos. Essas organizações já nasceram contro- foi criado. Atualmente, o fórum que tem ganhado projeção,
ladas pela potência hegemônica. Ao Bird coube, inicialmente, especialmente depois da crise de 2008/2009, e o G-20 (Gru-
o financiamento da reconstrução dos países devastados pela po dos 20), que congrega também as principais economias
guerra e, posteriormente, o financiamento a longo prazo de emergentes.

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O G-20 e a Crise Financeira Mundial em desenvolvimento nas negociações comerciais com os
países desenvolvidos  – outro exemplo de cooperação Sul
Com as sucessivas crises que atingiram as economias -Sul. O G-20 comercial (do qual faziam parte, em 2012, 23
emergentes no final da década de 1990, tornou‑se necessária membros) e composto apenas de países em desenvolvimen-
a criação de um novo fórum para discutir formas de regulação to: doze da América Latina, seis da Ásia e cinco da África.
do sistema financeiro internacional.
O G-20, criado em 1999, e composto pelos países do G-8, O Cenário Pós‑Guerra Fria
pela Austrália, pelos dez países emergentes com maior peso
econômico no mundo e, ainda, a União Europeia. Trata‑se O Pós‑Guerra Fria: Interpretações e Hipóteses
do reconhecimento da crescente importância econômica (1989/2012)
dos países emergentes, principalmente China, Brasil e Índia,
e também da aceitação de que até então eles não tinham Ao longo do pós‑Guerra Fria, as  interpretações sobre
uma participação adequada nos destinos da economia mun- o funcionamento e a reestruturação da política mundial
dial. A Espanha (12ª economia do mundo em 2011, com PIB envolvem diferentes percepções sobre o papel e o peso dos
de 1.494 bilhões de dólares) não faz parte do G-20 porque a atores internacionais, estatais e não estatais, fenômenos
Europa já está super‑representada. Além de abrigar quatro sociais, culturais, políticos e econômico, o novo equilíbrio de
países como representantes individuais – Alemanha, França, poder e a dinâmica entre padrões de cooperação e conflito
Reino Unido e Itália – , ainda tem a própria União Europeia, em nível global.
que representa os 27 países do bloco, incluindo os quatro que
já fazem parte do G-20. O mesmo vale para outras econo- a) O Fim da História, a  Nova Ordem Mundial e o Mo-
mias europeias importantes, como os Países Baixos, a Suíça, mento Unipolar
a Suécia e a Bélgica. Para agregar alguns países emergentes No imediato pós‑Guerra Fria, em 1989, a  publicação
regionalmente importantes, mas com PIBs menores que o de do artigo de Francis Fukuyama, “The End of History?”, no
alguns países europeus, o G-20 não é composto exatamente periódico The National Interest, ao  qual seguiu o livro “O
pelas maiores economias do mundo. Fim da História e o Último Homem”, sintetizou o sentimento
O G-20 congrega cerca de dois terços da população do corrente de paz e cooperação que dominava o mundo.
planeta, 90% do PIB mundial e 80% do comercio interna- Segundo a hipótese de Fukuyama, a história, entendida
cional. como a competição ideológica e concreta entre modelos
A reunião inaugural do fórum aconteceu em dezembro alternativos de sociedade teria chegado ao fim em 1989
de 1999, em Berlim (Alemanha), e desde então vem ocor- devido ao desaparecimento do desafio representado pelo
rendo reuniões anuais. Com a crise financeira mundial de comunismo ao ocidente.
2008/2009, o G-20 ganhou importância como fórum de dis- Este desaparecimento era simbolizado pelo predomínio
cussão e proposição de saídas, e há quem defenda, como o do modelo norte‑americano sobre o soviético e pela adesão
então ministro das Relações Exteriores do Brasil, que deveria deste bloco adversário, incluindo de seu Estado líder, a URSS,
ocupar o lugar do G-8 no cenário mundial. a este modelo de forma pacífica, voluntária e consensual.
A décima reunião regular do G-20 realizou‑se em no- O  resultado desta adesão era a disseminação e a univer-
vembro de 2008 em São Paulo; alguns dias depois ocorreu salização dos princípios liberais, na economia e na política.
uma nova reunião, em Washington. Só que nessa reunião A partir deste compartilhamento de valores, o conflito seria
extraordinária, convocada para buscar saídas para a crise substituído pela cooperação, permitindo o estabelecimento
financeira, os países do G-20 estiveram, pela primeira vez, de uma era de paz no sistema internacional. Este predomínio
representados por seus chefes de Estado e de governo. Foi revelava o sucesso da estratégia de expansão do modelo
mais uma demonstração da crescente importância das eco- ocidental desenvolvida pelos EUA ao longo da Guerra Fria
nomias emergentes, as menos atingidas pela crise mundial. como parte da política de contenção.
Dando continuidade as negociações, os chefes de Estado e de Desde 1947, a  grande estratégia norte‑americana
governo do G-20 reuniram‑se novamente em abril de 2009, sustentava‑se em três prioridades: a contenção da URSS,
em Londres, quando foi lançado um plano com medidas a  contenção do comunismo e a disseminação da ordem
visando a superação da crise financeira global. Em razão do liberal democrática.
agravamento da crise, houve outra reunião do G-20 ainda O fim da história simbolizava a concretização destes
em setembro daquele ano, em Pittsburgh (Estados Unidos), objetivos de forma coordenada e a disposição positiva dos
e mais duas em 2010: Toronto (Canadá) e Seul (Coreia do Sul). EUA e seus aliados em integrar seus antigos adversários em
Em 2012 realizou‑se a sétima cúpula do G-20 em Los seu sistema de relações estatais e multilaterais. No âmbito
Cabos (México). Nela foi acordado o “Plano de Ação de Los multilateral, as organizações internacionais governamentais
Cabos”, com medidas voltadas a estabilização financeira e criadas no pós‑Segunda Guerra Mundial preservavam sua
a recuperação da demanda do mercado consumidor para funcionalidade e eram os canais por meio das quais os EUA
assegurar a continuidade do crescimento econômico e a exerceram, e continuavam exercendo sua liderança.
recuperação do emprego. Para contribuir para atingir esses A globalização e a regionalização reforçavam esta unidade
objetivos, foi acertado entre os líderes do grupo um aumento das democracias e a transformação dos tradicionais parâme-
da capacidade de empréstimo do FMI, com um aporte de tros da política internacional, favorecendo a cooperação em
Política e Segurança

novos recursos da ordem de 456 bilhões de dólares (os Brics detrimento da guerra.
se comprometeram em aportar 83 bilhões de dólares). Diferente de outras eras de pós‑guerra, a  vitória era
Outro exemplo do fortalecimento dos países em desen- apresentada como um encaminhamento natural da ade-
volvimento ocorreu na Quinta Conferência Ministerial da são do bloco oriental ao ocidental, que não diferenciaria
OMC, realizada em Cancun (México), em setembro de 2003. ganhadores e perdedores, que não gerava a emergência de
Nela foi constituído, mais uma vez sob a iniciativa da diplo- vácuos de poder ou a necessidade de construir uma nova
macia brasileira e dos aliados do IBAS, um grupo de países ordem mundial. Prevalecia um cenário de estabilidade da
que ficou conhecido como G-20 (Grupo dos 20) comercial. hegemonia e das estruturas por meio das quais seu poder
O G-20 comercial busca defender os interesses dos países era exercido. Segundo Fukuyama,

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O triunfo do ocidente, da ideia ocidental é evidente, Contrariando as previsões iniciais de que o pós‑Guerra
em primeiro lugar, pela exaustão total de alternativas Fria seria uma era de paz, este conceito emerge a partir da
sistêmicas viáveis ao liberalismo ocidental (...) O que invasão do Iraque de Saddam Hussein ao Kuwait em 1990.
talvez estejamos testemunhando não seja somente Sem entrar em detalhes da dinâmica desta invasão e da
o fim da Guerra Fria, ou a passagem de um período posterior Operação Tempestade do Deserto, é importante
particular da história pós‑guerra, mas o fim da histó- ressaltar que esta invasão e a resposta da comunidade in-
ria como tal: isto é, o ponto de chegada da evolução ternacional foram apresentadas, neste momento, como uma
ideológica da humanidade e a universalização da prova não do fracasso, mas sim do sucesso das hipóteses
democracia liberal ocidental como a forma última de sobre a universalização do liberalismo.
governo humano. (FUKUYAMA, 1989, s/p). A invasão foi avaliada como uma exceção à regra da paz,
perpetrada por um dirigente autoritário com pretensões de
Em termos políticos e econômicos, esta ordem liberal que expansão regional que ignorara as tendências positivas do
passava a ser dominante, senão universal, era caracterizada sistema internacional em nome de seus interesses.
pelos seguintes padrões: na política, sociedades abertas, Uma vez que as demais nações do cenário compartilha-
transparentes, livres e sem censura para a organização de vam de similares regras e valores, a clara agressão de Hussein
partidos, grupos e expressão de ideias, que permitiam a a uma nação soberana foi rechaçada, com as Nações Unidas
participação de seus cidadãos em eleições periódicas (“as funcionando como principal fórum de debate e formulação
regras do jogo”); na economia, também uma sociedade de políticas. Coletiva e consensual, a  resposta ao Iraque
livre, que recuperava as forças e a lógica do mercado como deu‑se dentro dos ditames da ONU, gerando ações legais
referenciais do sistema produtivo, com um Estado mínimo, e legítimas de defesa do Kuwait por meio de uma coalizão
de baixa intervenção e presença em temas sociais, de defesa militar liderada pelos EUA (segurança coletiva).
da abertura econômica e do comércio sem barreiras. A eficiência da ONU e seus países membros ao lidar com
Esta agenda econômica era sintetizada nos preceitos do o Iraque preconizava o nascimento de uma nova ordem
neoliberalismo, implementado desde os anos 1980 a partir mundial, nucleada por esta organização, e pelos valores e
das ações de Margaret Thatcher, Primeira‑ministra Britâni- princípios que a regem. Nas palavras de Bush pai,
ca, e de Ronald Reagan, Presidente dos EUA. Em ambas as
nações, núcleo do capitalismo mundial, estas medidas de Este é um mundo novo e diferente. Nunca desde
diminuição do Estado, abertura comercial, privatizações, 1945 havíamos tido a possibilidade de usar as Nações
flexibilização das leis trabalhistas, corte de assistência social, Unidas da maneira que foram concebidas: como um
desregulamentação haviam surgido para reformar os Estados centro para a segurança coletiva internacional (...)
de Bem‑Estar Social e reduzir custos. A tarefa central do  mundo – antes, agora e sem-
O argumento para estas reformas e o retorno do Estado pre – deve ser demonstrar que a agressão não será
mínimo do liberalismo clássico e da mão invisível sustenta- tolerada ou recompensada (...) As Nações Unidas
va‑se em duas vertentes: primeiro, nos déficits orçamentários podem ajudar a trazer um novo dia (...) Está em nos-
gerados pelos programas sociais e, segundo, na alegação de sas mãos (...) deixar as trevas onde elas pertencem
que as políticas assistencialistas coibiam o desenvolvimento e impulsionar um movimento histórico em direção
humano. Para as sociedades em transição, tanto as do Leste a uma nova ordem mundial e a uma longa nova era
de paz. (BUSH, 1990, s/p).
quanto as do Oeste pertencentes ao mundo em desenvolvi-
mento, a agenda neoliberal consubstanciou‑se no Consenso
Em termos teóricos, as visões do Fim da História e da
de Washington.
Nova Ordem Mundial, inserem‑se no âmbito de uma tradição
O Consenso de Washington, termo cunhado por John
liberal. No auge destas visões, chegou‑se a considerar que
Williamson, correspondia a um conjunto de dez prescrições
não somente a história vista como confrontação ideológica
elaboradas a partir de discussões das principais instituições
havia chegado ao fim, mas que paradigmas tradicionais
econômicas internacionais sediadas em Washington (FMI como o realismo e o pensamento de esquerda não teriam
e Banco Mundial) para direcionar as reformas dos países mais espaço no debate político. Contudo, mesmo neste
em desenvolvimento, em particular os da América Latina, primeiro momento reações de diversas linhas contestaram
à luz de suas reformas estruturais internas e da transição estas previsões.
do pós‑Guerra Fria. As dez prescrições do Consenso de Wa- A despeito das dificuldades apresentadas pela esquerda
shington eram: disciplina fiscal, direito de propriedade, pri- em se reorganizar à luz do declínio soviético, pensadores
vatização, desregulamentação, abertura comercial, atração como Eric Hobsbawm, Fred Halliday e Immanuel Wallerstein
ao investimento estrangeiro direto, taxas de juros favoráveis alertavam sobre as limitações destas interpretações, em
aos investidores estrangeiros e à poupança e taxas de câmbio particular a do Fim da História, diante de um cenário inter-
variáveis adequadas ao mercado. nacional que possuía um elevado potencial de instabilidade
Estas medidas que combinaram estudos do Banco devido às assimetrias de poder político e social vigentes.
Mundial, FMI e do governo dos EUA foram aplicadas na Embora a Guerra Fria tenha se encerrado como conflito
América Latina, na África e nas sociedades em transição entre os sistemas estatais soviético e norte‑americano,
do Leste Europeu. Tanto no núcleo quanto na periferia do eliminando o viés Leste‑Oeste, as contradições Norte‑Sul (a
Política e Segurança

capitalismo mundial, as recomendações neoliberais tiveram oposição Primeiro e Terceiro Mundo) continuavam presen-
impactos decisivos para gerar crises sociais, econômicas e tes. Também se indagava sobre o Movimento não alinhado,
políticas com diferentes perfis e graus de intensidade que e era questionado se o discurso de integração via adesão ao
serão abordados ao longo do texto, polarizando defensores liberalismo traria a prosperidade e crescimento prometidos.
e críticos desta agenda. Muitos dos conflitos sociais, étnicos, políticos, estra-
Bastante populares e difundidas no imediato pós-1989, tégicos e religiosos que haviam sido congelados durante
estas avaliações e agendas associadas ao Fim da História a bipolaridade, recuperaram sua lógica, contrapondo‑se
foram completadas no biênio 1990/1991 pela hipótese de a este suposto cenário de estabilidade entre as potências
construção de uma “nova ordem mundial”. dominantes, sustentando fortes instabilidades na periferia e

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na reorganização de poderes regionais em suas zonas de in- conta das alterações de poder relativo em curso, referente
fluência (e levando em conta o declínio do império soviético). à hegemonia dos EUA e as demais potências regionais, que
Wallerstein ainda completa afirmando que a supremacia colocaram em xeque a estabilidade hegemônica.
do capitalismo como “projeto vencedor” diante de seus dois Outra reação às visões de cooperação, paz e multilate-
principais adversários do século XX, o  socialista soviético ralismo, prevalecentes nas hipóteses do fim da história e da
(cujas origens são a Revolução Russa de 1917) e o fascista nova ordem mundial, nas quais os EUA desempenhavam um
alemão‑japonês dos anos 1930, representava a contradição papel de parceria com as demais nações do sistema, nasciam
final do modelo. De acordo com este autor, a ausência do do debate doméstico norte‑americano.
contraponto ideológico ao capitalismo traria a exacerbação Enquanto as premissas até aqui analisadas supunham
das tendências de desregulamentação, perda de parâmetros a preservação do perfil da hegemonia dos EUA conforme
sociais e lucratividade a ele associadas, uma vez que não estabelecida no pós-1945, caracterizada pelo internaciona-
existiria um contraponto e crítica a esta expansão. Carac- lismo multilateral e pela construção de canais alternativos
terizado por crises cíclicas, o  capitalismo teria, talvez, no de domínio, que implicava a manutenção da autorrestrição
pós‑Guerra Fria a sua crise final, uma vez que seus rumos estratégica e a percepção da ascensão de potências regionais
não seriam corrigidos (o que pareceu se comprovar com a a leste e oeste, analistas defendiam a retomada de um padrão
crise de 2008, definida como similar e, por vezes, pior que a de expansão de poder e unilateralismo.
Grande Depressão de 1929). A base para a substituição da contenção pela expansão
Esta ausência de alternativas ideológicas e debates é residia na percepção de que o sistema internacional atra-
também apresentada por autores norte‑americanos como vessava o que escritores como Charles Krauthammer defi-
Ikenberry (2006), que ressaltam a pressão pela unanimidade niam como “momento unipolar”. O momento unipolar era
de formas de viver e pensar como momentos de inércia. sustentado na supremacia estratégica, política, econômica,
Alternativas em construção como o socialismo de mercado mas principalmente militar norte‑americana, o que permitia
chinês que mesclava tendências capitalistas e socialistas a emergência do país como única superpotência restante
ainda eram vistas como incipientes, havendo um considerável do sistema internacional e sua projeção global e regional.
refluxo do pensamento de esquerda apesar das tentativas Neste quadro, seria possível e prioritário aos EUA agir de
de reflexão mencionadas. forma unilateral, recuperando seus recursos e margem de
Mesmo com o desaparecimento do socialismo de tipo manobra perdida durante a Guerra Fria que levara a uma aco-
soviético, prevaleciam em países como Cuba e Coreia do modação dos interesses nacionais à agenda de aliados e das
Norte modelos que sustentavam uma linha mais próxima a instituições multilaterais. Segundo Krauthammer, a adesão
estas visões, não se deve esquecer os paradigmas associados às percepções do fim da história e da nova ordem somente
à socialdemocracia europeia e o capitalismo de Estado asiá- agravariam esta acomodação permitindo que os adversários
tico que, mesmo pressionados pelas demandas neoliberais, dos EUA recuperassem o tempo perdido e posteriormente
tentavam sustentar‑se em alguma medida. contestassem a hegemonia.
Também é importante ressaltar que mesmo dentro do As raízes desta concepção remetem à visão das relações
bloco ocidental, nações como a França, que tradicionalmente norte‑americanas defendida por George Washington no
detinham uma política externa autônoma, já expressavam, século XVIII, que ditava a regra das “alianças não perma-
suas preocupações diante da supremacia dos EUA e seu nentes” e do unilateralismo (por vezes confundida com o
modelo que, mais adiante, traduzir‑se‑iam em críticas à isolacionismo), e  chocam‑se diretamente com a tradição
“hiperpotência imperial norte‑americana”, conforme as pa- internacionalista multilateral de uma hegemonia integrada
lavras de Hubert Vedrine, Ministro das Relações Exteriores ao mundo. Mais do que o poder ideológico ou institucional
francês em 1999. da liderança dita benigna dos EUA, do “império por convite”,
Ikenberry, contudo, ressalta que não havia uma ideo- os defensores desta revisão estratégica apostavam no poder
logia alternativa forte o suficiente capaz de contrapor‑se à militar, estrutural e bruto norte‑americano.
norte‑americana, seja para oferecer‑lhe críticas como para Associado ao pensamento realista e ao neoconservado-
permitir o seu aperfeiçoamento. Esta ausência de alterna- rismo na política norte‑americana, cujas origens remetem
tivas somente começa a ser superada a partir da segunda aos anos 1960, atingindo sua maior expressão na Presidên-
metade dos anos 1990. O marco para o renascimento destas cia Reagan, este viés estratégico será o responsável pelas
tentativas de repensar o mundo é justamente a crise uma grandes polarizações e oscilações da política internacional
vez que os resultados incipientes das transições ao modelo e doméstica dos EUA. Durante o pós‑Guerra Fria, dois ciclos
ocidental começam a se tornar mais evidentes, associados podem ser associados ao momento unipolar: 1990/1992,
à estagnação, desemprego e perda de valores. que engloba as discussões iniciais sobre o equilíbrio de poder
A frustração relativa diante das promessas da prosperi- mundial a revisão da estratégia da contenção, culminando
dade e igualdade da globalização e a regionalização serão no Defense Planning Guidance (DPG) e 2001/2005, referente
componentes deste processo. A reação virá tanto da direita ao primeiro mandato de George W. Bush, com impactos da
quanto da esquerda nas formas da revisão das políticas ne- Estratégia de Segurança Nacional de 2002, pós-11/09.
oliberais, a Terceira Via e o início da realização dos Fóruns
Sociais Mundiais. De acordo com Krauthammer,
Este vácuo ideológico era acompanhado pela manuten-
Política e Segurança

ção das estruturas hegemônicas de poder comandadas pelos O mundo imediato do pós‑Guerra Fria não é mul-
EUA que permitiam que a construção do mundo pós-1989 tipolar.
partisse de um patamar diferenciado de outros pós‑guerras. É unipolar. O centro do poder mundial é a superpo-
Neste patamar, prevaleceria a legitimidade e a legalidade da tência sem desafiadores, os EUA, acompanhado por
ordem vigente, sendo tarefa da hegemonia não mais cons- seus aliados ocidentais. (KRAUTHAMMER, 1990, s/p).
truir um novo mundo, mas sim reformar e atualizar o anterior
a fim de responder a seus novos desafios e realidades de As previsões de um mundo mais complexo sobrepuse-
poder. Tal avaliação é de certa forma acrítica uma vez que ram‑se ao “momento unipolar”. Indo além do fim da história
considera como natural a preservação do status quo, sem dar e da nova ordem, avaliações que sustentavam que o desenho

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do novo equilíbrio de poder, superando a bipolaridade, era manteriam sua posição como líderes do equilíbrio devido
o de uma ordem liderada pelos EUA que tendia à multipola- à supremacia militar, mas nos demais níveis, econômico e
ridade e sustentada nas OIGs. De acordo com Paul Kennedy político, estariam sendo acompanhados pela ascensão de
(1990), as relações internacionais caminhavam para a restau- potências asiáticas e ocidentais.
ração de um equilíbrio multipolar similar ao do século XIX, Mais “realista” do que seus colegas, e mais próximo de
dividido entre a hegemonia declinante, os EUA, e as potên- Kennedy, contudo, o  ex‑Assessor de Segurança Nacional
cias ascendentes, Japão, Europa e URSS, quando da edição Zibgniew Brzezinski (1997) sustenta que, a despeito deste
do livro “Ascensão e Queda das Grandes Potências”. Natural e otimismo, os  EUA eram, no pós‑Guerra Fria, a  “primeira,
comum a outras hegemonias antes da norte‑americana, este a  única e última superpotência restante” e que a sua era
processo de declínio era avaliado como produto das contra- de supremacia pós‑bipolaridade seria muito mais comple-
dições entre os compromissos assumidos pela nação líder xa, contestada e conturbada, chamando a atenção para
e os seus recursos de poder: a equação da superextensão a aceleração da política um mundo “pós‑americano” e as
imperial e do gap entre recursos e compromissos resumia transformações do poder relativo da superpotência de seu
o dilema norte‑americano. lugar no equilíbrio de poder mundial.
No campo econômico, autores como Arrighi citavam Antes de examinar as hipóteses da desordem e do cho-
o declínio da hegemonia ocidental, tanto dos EUA quanto que que se colocaram diante do esgotamento das previsões
da Europa, e  a ascensão da Ásia como espaço do novo otimistas sobre o pós‑Guerra Fria, em particular a partir de
capitalismo. A expansão japonesa serve como fundamento 1993, interpretações adicionais associadas à universalização
destas análises, assim como o crescimento do Leste Asiático. de valores e princípios e o aprofundamento da cooperação,
Atualmente, a China e a Índia surgem como os motores do precisam ser discutidas. Tais interpretações, além disso,
desenvolvimento desta região. Arrighi indica que, pareciam questionar, pelo menos a médio e longo prazos,
as formas tradicionais de poder e soberania vigentes desde
Desde, aproximadamente a década de 1970, têm sido o século XVII, consubstanciando‑se nas hipóteses da globa-
fartamente observadas as mudanças no modo como lização e da regionalização.
funciona o capitalismo em termos locais e globais
(...) a substituição de uma região “antiga” (a América b) A Globalização e a Regionalização
do Norte) por uma “nova” (o leste asiático) como o Anteriores ao fim da Guerra Fria, os processos de globali-
centro mais dinâmico dos processos de acumulação zação e regionalização ganharam maior visibilidade e impulso
de capital em escala mundial já é uma realidade (...) com a quebra dos constrangimentos bipolares.
o capitalismo do leste asiático já passou a ocupar Aumentaram as interpretações sobre o cenário que
uma posição de liderança (...). (ARRIGHI, 1996, p.1, apontavam duas tendências tanto opostas quanto comple-
p. 344, p. 351). mentares: a da universalização de princípios e quebra de
fronteiras que levariam ao desaparecimento da soberania
Estas interpretações de declínio do eixo hegemônico oci- dos Estados; e a da construção e fortalecimento de blocos
dental não eram, entretanto, consensuais, e não só pelo lado regionais.
Até o momento, estas interpretações não se realizaram
dos defensores do “momento unipolar”, mas pelo campo dos
em sua plenitude, cabendo analisar individualmente estes
que previam a continuidade sem contestação da hegemonia
fenômenos, iniciando pela globalização.
dos EUA, ainda que o sistema tivesse sinais de multipola-
De acordo com a definição de McGrew (MCGREW, 2001,
ridade. Autores como Joseph Nye Jr e Samuel Huntington
p. 19), a globalização é “um processo histórico que envolve a
ofereceram hipóteses intermediárias entre a unipolaridade
ampliação, aprofundamento, aceleração e impacto crescente
e a multipolaridade, assim como se posicionaram contra a
da interconexão em nível mundial”. Este é um processo que
inevitabilidade do declínio dos EUA e a ascensão de polos se desenrola de forma assimétrica com tendências posi-
de poder regionais. Esta ascensão e a transição dos eixos de tivas e negativas, apresentando diferentes intensidades e
poder Ocidente‑Oriente somente são reconhecidas a partir velocidades.
da segunda metade da primeira década do século XXI, de- No campo positivo, existe o incremento da cooperação e
vido a um momento de crise econômica e política dos EUA, da interdependência entre os Estados e suas sociedades, as-
mantendo‑se latente durante todo este período. sim como o desenvolvimento de percepções compartilhadas
De acordo com Nye Jr, os EUA atravessavam um momento sobre problemas comuns que afetam o sistema internacional.
de crise em seu poder, mas de caráter passageiro, que pode- Temas ambientais, sociais, questões de segurança são alguns
ria ser superado por meio de uma readequação de políticas. destes objetos compartilhados. A interação entre os níveis
Além de deter recursos múltiplos que permitem esta revisão internos e externos das sociedades torna‑se cada vez menos
de políticas, em particular a vanguarda do poder brando e diferenciada, eliminando barreiras tradicionais pela fluidez
de cooptação, os EUA não possuíam adversários imediatos das fronteiras e a interpenetração das sociedades (o termo
em nenhum nível de poder. A liderança era favorecida pelo aplicado é “interméstico”). Em termos negativos, a relativi-
desenvolvimento de um equilíbrio de poder mundial mul- zação da soberania e a desigual distribuição de recursos e
tidimensional, com a política internacional sendo “jogada” benefícios fazem parte da agenda, assim como o surgimento
em múltiplos tabuleiros. Se no tabuleiro econômico, os EUA de movimentos de fragmentação e reação à universalização
poderiam eventualmente perder no ideológico e no militar
Política e Segurança

dos princípios e abertura das fronteiras.


e estariam à frente de seus aliados e potenciais inimigos: Do ponto de vista da análise crítica, a  globalização é
ou seja, em alguns tabuleiros haveria a unipolaridade, em definida por autores como Wallerstein como o movimento
outros, a multi. de ocidentalização do mundo iniciado com a expansão das
Compartilhando similar postura quanto à renovação do potências europeias no século XV, culminando com a hege-
poder dos EUA no que se refere aos recursos disponíveis, monia dos EUA no período contemporâneo (que leva a mais
Huntington levanta a hipótese de um mundo unimultipolar um conceito associado à globalização, o de americanização
(a hipótese mais controversa de autor sobre o pós‑Guerra do mundo). A  globalização não deve ser confundida com
Fria foi, contudo, o Choque das Civilizações, o contraponto internacionalização, que segundo McGrew é o aprofunda-
ao Fim da História de Fukuyama). Neste sistema, os  EUA mento da interdependência entre os Estados, mas com a

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preservação de sua identidade como unidades políticas transnacionalização que levavam ao “declínio dos pilares de
distintas. Por sua vez, a globalização implica a quebra destas Westphalia”. Estar‑se‑ia diante de um mundo no qual “a sorte
barreiras entre o interno e o externo e a interação universal das pessoas está muito ligada entre si e com a natureza física
das sociedades. Assim, três fenômenos são associados à do mundo, e no qual elas se reconhecem cada vez mais como
globalização: a já mencionada expansão das potências eu- membros da mesma humanidade. ” (ZACHER, 2000, p. 141).
ropeias, com uma primeira fase colonial‑mercantilista e uma Entretanto, a globalização se expressa de forma desigual
segunda imperial‑capitalista (séculos XV a XIX), a consolida- e não se tornou o fator dominante da ordem mundial.
ção da presença norte‑americana de 1945 ao fim da Guerra Apesar de acelerados, os fenômenos que a compõem de
Fria na qual se insere o amplo desenvolvimento econômico interdependência e transnacionalização não suplantaram a
do capitalismo do bloco ocidental em disputa com a URSS (e soberania estatal. As disparidades e pressões da globalização
o fortalecimento dos polos alternativos asiático e europeu levam a cenários de reafirmação dos princípios nacionais,
ocidental) e, por fim, a globalização do pós-1989 baseada na à  fragmentação e ao surgimento de alternativas que se
rapidez dos desenvolvimentos tecnológicos e na consolida- opõem a este pensamento de pretensão universal.
ção dos polos alternativos. A regionalização, como indicado, representa tanto um
Três pilares compõem as revoluções da globalização, movimento de resistência quanto de complementaridade
traduzidas em dimensões de aprofundamento, extensão a este fenômeno.
e aceleração destes fenômenos: o econômico‑tecnológico, O fim da Guerra Fria correspondeu, segundo alguns au-
o político e o cultural. No que se refere ao campo econô- tores como Andrew Hurrell (1995), a um novo impulso para
mico, a diluição das fronteiras tornou‑se mais intensa com os processos de regionalismo na política mundial. Em artigo
o fim da bipolaridade, datando seu início da construção bastante conhecido, o autor usa o termo “ressurgimento”
e funcionamento do sistema de Bretton Woods nas áreas para se referir a este fenômeno, representando uma visão
comercial, de investimentos e financeira. Nos anos 1970, bastante corrente na década de 1990, a de que o mundo
estes processos ganharam especial intensidade com a ter- passaria a ser dividido em blocos em torno dos grandes polos
ceira Revolução Industrial, a  Científico‑Tecnológica (RCT), econômicos (EUA, Europa Ocidental/UE, Ásia Pacífico/Japão).
que inseriram novos paradigmas produtivos. Os  preceitos Estes grandes blocos seriam acompanhados por arranjos
do Consenso de Washington e o fim da história e da nova sub‑regionais e a somatória de todos estes esforços comple-
ordem mundial inserem‑se neste processo. As dimensões taria a abertura e eliminação das fronteiras na globalização.
técnicas e científicas da globalização muitas vezes levam ao Outra característica importante apontada pelo autor é a
solapamento de estruturas produtivas nacionais dos países intensificação da cooperação Norte‑Sul nestes arranjos e o
menos desenvolvidos, gerando desequilíbrios como desem- caráter multidimensional destes fenômenos (NAFTA e Mer-
prego, inflação e exclusão social. cosul fazem parte desta “nova onda” enquanto a UE, e sua
Relacionado aos debates teóricos liberais, o pilar político evolução a partir da CEE, estaria nas bases dos fenômenos).
da globalização é simbolizado pela universalização dos prin- A regionalização pode ser tanto complementar quanto
cípios e regimes democráticos. A diluição das fronteiras dos oposta à globalização. Em termos de complementaridade,
Estados, com a perda gradual da soberania, a  porosidade a  regionalização parte de princípios similares aos da glo-
dos limites e o efeito das forças transnacionais e OIGs sobre balização no que se refere à consolidação de espaços sem
os governos estabelecidos igualmente inserem‑se nesta fronteiras, que facilitem a livre circulação de bens e pessoas,
dimensão (“encolhimento do mundo” é o termo aplicado). partindo de uma concepção e valores comuns sobre temas
Termos como governança global, aumento da instituciona- políticos, econômicos, sociais e culturais. No que se refere
lização das relações internacionais, a desterritorialização e à contraposição, se a regionalização implica a relativização
o surgimento de redes transnacionais sociais correspondem de fronteiras em determinados espaços geográficos (Europa
a estes fenômenos. Hipóteses como a formação de um go- sendo o processo mais conhecido), a mesma pode gerar o
verno mundial, de uma sociedade civil transnacional e uma isolamento e proteção destes mesmos espaços. Com isso,
democracia cosmopolita global fazem parte desta agenda. os blocos regionais poderiam se constituir como entidades
A visão cultural da globalização está associada às ex- politicamente isoladas e independentes que ao abrirem suas
pressões da cultura de massa dos EUA ao longo do século fronteiras internas as fechariam para o mundo.
XX (expansão de seu poder brando por meio da ideologia). Deve‑se destacar que ambos os fenômenos têm cami-
Implícita neste fenômeno, a  premissa da homogenei- nhado lado a lado, com os blocos regionais oscilando entre
zação e a diluição das identidades nacionais que geram formas de proteção e de abertura ao mundo. Para países
sentimentos de desenraizamento e desencantamento. Em como os EUA, inclusive, o regionalismo também passou a ser
resposta às pressões desta identidade única e às desigual- uma forma adicional de exercício de poder (NAFTA, ALCA).
dades da globalização, ações de violência ou de reafirmação Enquanto isso, potências médias e países menores buscam a
positiva são os caminhos possíveis. O próprio 11/09 seria a integração como forma de resistir aos fluxos da globalização
expressão de uma reação à globalização a partir do centro e de fortalecer suas bases de ação (Mercosul, Unasul).
do processo, os EUA. Não se deve esquecer a avaliação so- Os blocos regionais possuem diferentes objetivos e graus
bre o nascimento de uma nova Idade Média, sem poderes de aprofundamento da integração, envolvendo desde propó-
centralizados e vácuos de poder sendo ocupados por forças sitos comerciais limitados à criação de uma entidade política
paralelas. única, no qual a soberania dos Estados é suplantada pela
Política e Segurança

No auge do otimismo, estas objeções não possuíam supranacionalidade. A construção da UE ao longo do século
grande peso, sobrepondo‑se a elas a visão da “Aldeia Global”. XX e neste início de XXI é tipo ideal desta evolução e seus
A somatória destas tendências levantou hipóteses de que o desafios. O tipo mais simples de integração comercial é a Área
sistema tradicional de Estados Westphaliano estava em de- de Livre‑comércio que pressupõe a livre circulação de bens
cadência, devido à interpenetração das fronteiras (perda do entre os países membros. Por sua vez, a União Aduaneira,
referencial da territorialidade), compartilhamento de valores, complementa esta liberalização comercial intra‑área com o
avanço do multilateralismo e incremento da governança glo- estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), com
bal. Autores como Zacher mencionavam a porosidade destes a promoção da unificação de legislações e procedimentos
Estados e a intensidade dos fluxos da interdependência e da aduaneiros.

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A próxima etapa de aprofundamento é o estabelecimento A identidade civilizacional será cada vez mais impor-
de um Mercado Comum, estendendo a União Aduaneira a tante no futuro e o mundo será definido em grande
todos os fatores de produção. A harmonização de legislações medida pela interação entre sete ou oito grandes
nacionais, a  coordenação de políticas macroeconômicas civilizações.
e setoriais, a  adoção de políticas comuns faz parte desta Estas incluem a ocidental, a Confuciana, a Japonesa,
etapa. Finalmente, o  último estágio abrange a criação de a Islâmica, a Hindu, a Eslava‑Ortodoxa, a Latino‑Ame-
um espaço econômico, político, jurídico, social e cultural ricana e possivelmente uma civilização Africana.
único, com a existência de políticas comuns em diversas Os conflitos mais relevantes do futuro irão ocorrer
áreas. A  superação da soberania nacional levaria a um ao longo das linhas de fratura que separam estas ci-
espaço supranacional (esta etapa corresponde ao Mercado vilizações umas das outras. HUNTINGTON, 1997, s/p.
Único). A unidade comercial seria acompanhada pela união
monetária, social e política. A partir destas “sete ou oito” civilizações, o autor desen-
Apesar de sua extensão e aceleração, nem a globalização volve uma tese extremamente controversa, que indica que a
ou a regionalização prevaleceram sob o Estado ou eliminaram cultura e não a política será o foco das tensões mundiais. Sem
as contradições inerentes a seus processos. entrar nas abrangentes críticas seja a esta previsão ou à ideia
Como aponta Clark, “hoje vivemos em uma situação da subordinação da política à cultura, de imediato é possível
híbrida na qual os Estados dividem uma série de responsabi- apontar contradições intrínsecas a esta visão: primeiro – a
lidades tanto com as OIGs quanto com uma multiplicidade de despeito da ênfase cultural – cada civilização possuirá um
atores não governamentais e transnacionais” (CLARK, 2001, Estado‑Núcleo (EUA no Ocidente, Irã no Islã, Índia na Hindu,
p. 740), e isto se reflete nas movimentações abaixo descritas China na Confuciana), que indica a prevalência do elemento
da desordem, do choque das civilizações, das alternativas à geopolítico na identificação destes Estados‑pivô e na dinâ-
globalização e do reordenamento do poder mundial. mica de suas relações; segundo, as dimensões intrablocos
de Huntington são extremamente abrangentes e muitas
c) A Desordem, o Choque das Civilizações e um Outro vezes não compõem um conjunto; por fim, a preocupação
Mundo Possível do autor é patente ao longo do artigo, e  depois do livro,
A primeira onda de interpretações sobre o cenário com a preservação do domínio ocidental, norte‑americano
pós‑bipolar ressaltou, como indicado, o  lado positivo dos do sistema, o que indica a preocupação com o poder apesar
fenômenos associados à queda do Muro, obscurecendo a da premissa do nascimento de um “mundo multipolar e
complexidade e o descongelamento da política mundial. multicivilizacional”.
Tal descongelamento somente começou a se tornar mais Outra hipótese a ser levantada é a preocupação do au-
presente, demandando uma maior clareza analítica e espírito tor com os choques civilizacionais internos aos Estados do
crítico a partir da eclosão de diversos conflitos regionais. Ocidente, EUA e europeus ocidentais, pela transformação da
A guerra da antiga Iugoslávia, o  recuo das economias composição racial e étnica de suas sociedades e a imigração.
do bloco oriental, a marginalização da América Latina e do Esta percepção é reforçada quando do lançamento de
Who Are We? no qual Huntington discute as linhas de fratura
continente africano e as crises humanitárias trouxeram à tona
civilizacionais internas aos EUA.
dificuldades, colocando em xeque os princípios associados
É possível identificar um claro caráter excludente da tese
à universalização.
de Huntington na construção da oposição entre o Ocidente
Do espírito da “nova ordem mundial”, passou‑se à per-
e o Resto (the west and the rest). Esta oposição destaca
cepção de um contexto de desordem e fragmentação (sepa-
uma preocupação recorrente de formuladores de política
ratismos nacionais, conflitos intraestatais, choques globais).
dos EUA que era a transição do eixo do poder econômico
Do fim ao recomeço da história, as  hipóteses sobre o
mundial do ocidente para a Ásia e a ascensão do mundo
equilíbrio mundial recaíram ao extremo da crise, ganhando islâmico. O choque terá dois ciclos: 1993/1995, associado
destaque interpretações que procuravam explicar as novas à polêmica do seu lançamento e à percepção de declínio
fontes de conflito que tomariam o lugar da bipolaridade, dos EUA diante da Ásia (“os perigos amarelo e vermelho”
como o Choque das Civilizações, de Samuel Huntington. do Japão e da China) e, 2001/2005, com foco no terrorismo
Os  efeitos da desregulamentação neoliberal sobre as so- transnacional islâmico resultante dos ataques terroristas de
ciedades e economias produziram as reflexões associadas 11/09 e o início da GWT.
à Terceira Via e ao renascimento de respostas críticas da Este período marcou as contradições dos processos ime-
esquerda que se fizeram avançar a partir da realização do diatos do pós-1989 de universalização do liberalismo, e dos
Fórum Social Mundial (FSM). mitos associados à globalização e regionalização. A  ocor-
Como no caso do Fim da História, a tese do Choque das rência de crises econômicas e sociais serviu como ponto de
Civilizações foi primeiramente apresentada em forma de partida para um repensar tanto da esquerda quanto da direi-
artigo em um influente periódico norte‑americano, Foreign ta, colocando‑se as alternativas da Terceira Via, dos Fóruns
Affairs, para depois tornar‑se livro. Assim como Fukuyama, Sociais Mundiais e da revisão do Consenso de Washington.
Huntington era reconhecido como um dos mais influentes A eclosão da crise financeira de 2008 permitiu o aden-
estrategistas norte‑americanos e ligado ao pensamento samento de novos fóruns de negociação para a discussão
conservador. Sua avaliação caminha na direção oposta da destes fenômenos político‑econômico‑sociais como o G20
de Fukuyama (Em 1999, Fukuyama, em novo artigo à The
Política e Segurança

financeiro e o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).


National Interest, revê alguns de seus princípios acerca da No que se refere à Terceira Via, o movimento é associado
universalização do liberalismo político e econômico. O autor ao Primeiro‑ministro Tony Blair e sua chegada ao poder pelo
relativiza “o fim da história” a partir da consideração de que Partido Trabalhista inglês nos anos 1990. A  Grã‑Bretanha
o progresso científico e a transformação humana tornam‑se fora um dos focos do prévio movimento neoliberal inicia-
os motores da história.), prevendo a contestação do modelo do na década de 1980. Em meio às dificuldades pelo país,
ocidental. Como o próprio título de sua reflexão indica, para responsáveis inclusive por sua eleição, Blair apresenta uma
Huntington, a confrontação geopolítica tradicional entre as agenda inspirada nos trabalhos de Anthony Giddens da
superpotências seria substituída pelo choque das civilizações. London School of Economics, a Terceira Via, como vistas à
Nas palavras de Huntington, construção de um novo movimento de centro‑esquerda.

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Oferecendo posições intermediárias entre o que é deno- d) A Multipolaridade, a Desconcentração de Poder e a
minado de “velha esquerda, a socialdemocracia” e a “nova Não Polaridade
direita neoliberal”, tenta‑se reconstruir em certa medida o As interpretações mais recentes sobre o reordenamento
Estado e suas políticas sociais (“economia mista”), atualizar e do poder mundial dão conta da formação de novos equilí-
modernizar a democracia. Criticada tanto à direita quanto à brios globais e regionais, retomando a perspectiva da troca
esquerda, sendo considerada um recuo aos padrões anterio- de posições relativas na estrutura de poder mundial. Tanto na
res, a Terceira Via não conseguiu cumprir os desafios de rever teoria quanto na prática, a movimentação entre as potências
criticamente as políticas sociais e econômicas dos anos 1990. ascendentes e em declínio, das Américas à Ásia, passando
Tal tarefa coube, a  partir de 1999, aos  defensores do pela Europa e pela África indica a constituição de um sistema
movimento antiglobalização, tendo como marco inicial a internacional complexo.
reunião da OMC em Seattle nos EUA para a Rodada do Mi- As teses da multipolaridade revelam a existência de uma
lênio e os violentos protestos que a acompanharam e que maior divisão de poder no cenário e a necessidade de refor-
hoje prosseguem no mundo desenvolvido. Neste contexto, mar e atualizar as estruturas de poder vigentes e o papel dos
um movimento significativo foi o renascimento da esquerda Estados na condução dos negócios internacionais.
e o início dos Fóruns Sociais Mundiais. Uma redivisão de responsabilidades mais equitativa,
Propondo a construção de um ambiente crítico e plural de assim como a democratização destas estruturas é uma das
debates frente à globalização e ao neoliberalismo, o Fórum prioridades das nações emergentes. A  maior participação
Social Mundial (FSM) tem a sua primeira edição internacio- destes Estados e atores na política internacional leva à
nal realizada no Brasil, na cidade de Porto Alegre em 2001, consolidação de uma gama mais abrangente de questões e
simultânea ao Fórum de Davos na Suíça. problemas a serem discutidos, que escapam do viés clássico
Buscando oferecer alternativas a Davos, reunião da qual da segurança, para abordar demandas sociais, econômicas,
participam os Chefes de Estado das principais economias humanitárias, visando à redução das assimetrias existentes.
mundiais desenvolvidas e convidados, assim como no G8, Diante deste contexto, porém, poucos são os ajustes nas
o FSM nasceu sob o signo da reforma e da agenda social. estruturas de poder mundial, mesmo diante das pressões da
De 2001 a 2003, o FSM foi realizado no Brasil, em Porto crise econômica, que continua e se aprofunda desde 2008,
Alegre, ao qual retornou em 2005. Em 2004, o evento reali- e  novos fenômenos político‑sociais globais como as revo-
zou‑se na Índia e em 2006 em Mali, Venezuela e Paquistão, luções populares de parte do Norte da África e do Oriente
em 2007 em Nairóbi. Não houve edição do Fórum em 2008, Médio (conhecidas como Primavera Árabe).
seguindo‑se Belém do Pará (2009), Porto Alegre (2010) e Descrevendo este cenário, Brzezinski indica que,
Dacar (2011). No ano de 2012, o Fórum ocorreu em Porto
Alegre, mais uma vez, já com um novo formato, com foco (...) a mudança na distribuição do poder mundial e
em “áreas temáticas” (“Fórum Social Temático”). o novo fenômeno do despertar político das massas
Alertando para as contradições do modelo neoliberal, intensifica, cada um a seu modo, a volatilidade das
cuja exacerbação levaria ao agravamento contínuo das crises, relações internacionais contemporâneas. Ao mesmo
o  FSM tem como prioridade incentivar discussões para a tempo em que cresce a influência da China, e outros
construção das “bases de uma outra globalização”. A emer- poderes emergentes – como Rússia, Índia ou Brasil,
gência de um sistema mais justo, a partir da regulamentação por exemplo
econômica e programas sociais, a busca do desenvolvimento – competem por recursos, segurança e vantagens
sustentável, a redução (ou eliminação) da dívida externa para econômicas, o  potencial para erros de cálculo e
os países pobres e a taxação dos capitais especulativos (Taxa conflitos cresce. (BRZEZINSKI, 2012, p. 1).
Tobin) são o centro do debate. Em oposição à unanimidade
do discurso prévio, a preocupação dos FSM é simbolizada na Outros termos associados à multipolaridade são os
ideia de que “outro mundo é possível”. processos de desconcentração de poder, a  ascensão dos
Por sua vez, o G20 financeiro e os BRIC são represen- emergentes e o surgimento de um mundo pós‑americano.
tativos do reordenamento do poder econômico global, A lógica do “ocidente e o resto” prevista por Huntington
impulsionado a partir da crise de 2008, e que reflete a pro- anteriormente assume uma visão cooperativa e não de
jeção internacional diferenciada dos emergentes no cenário conflito.
mundial. Expressão criada em 2001 pelo analista do Goldman Embora não ignorem a existência de riscos no presente
Sachs Jim O’Neill, os BRIC representavam as nações do Ter- sistema, a  maioria dos autores que defende as teses de
ceiro Mundo que poderiam desempenhar um papel central dispersão de poder o considera positivo e um reflexo do
nas relações internacionais devido a seus recursos de poder. sucesso do modelo ocidental (em uma relativa versão reno-
Quando de sua criação, o termo englobava Brasil, Rússia, Ín- vada do fim da história). Este sucesso aprofunda as redes de
dia e China, e, a partir de 2011, a África do Sul passou a fazer interdependência existentes, valoriza os princípios liberais
parte do grupo. O conceito foi incorporado pelas nações do democráticos e abre novas oportunidades de parcerias entre
acrônimo, a fim de consolidar um novo papel nas negociações os países desenvolvidos e em desenvolvimento, superando
mundiais, tendo como base um discurso comum. Um dos o viés Norte‑Sul. Autoras como Hachigian and Stuphen
impulsos para a tentativa de institucionalização do grupo foi (2008) sugerem que para o século XXI uma política externa
não só a crise econômica de 2008, mas a ascensão do G20 norte‑americana eficiente depende do estabelecimento de
Política e Segurança

financeiro como fórum de negociação e as dificuldades por uma relação estratégica com os países emergentes. Zakaria
ele encontradas na coordenação de reformas na estrutura (2008) afirma que
do poder mundial, nas instituições internacionais do setor
econômico financeiro e na nova interação entre países de- Estamos vivendo hoje a terceira grande mudança
senvolvidos e emergentes. de poder da era moderna – a ascensão do resto (...)
A evolução destas tendências demonstra o fortalecimen- um aspecto relacionado desta nova era é a difusão
to de hipóteses sobre uma nova arquitetura de poder mun- de poder do Estado para outros atores (...) Isto não
dial, as quais se relacionam os conceitos de multipolaridade significa que estamos entrando em um mundo an-
e desconcentração de poder. tiamericano. Estamos nos movendo para um mundo

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pós‑Americano, um que é definido e dirigido de De uma forma geral, pode‑se indicar que mesmo com
muitos lugares e por muitas pessoas (...) este é um a crise econômica de 2008 e os acontecimentos que a ela
processo longo e lento, mas que garante à América se seguiram, indicando a transformação real do quadro
um papel vital, ainda que diferente geopolítico e geoeconômico das relações internacionais em
(...) ele envolve consultas, cooperação e mesmo torno do eixo Norte‑Sul, estas interpretações pouco foram
compromisso. Ele deriva (...) da definição da agenda, modificadas. As mesmas oposições unipolarismo X multipo-
das questões e da mobilização de coalizões (ZAKA- larismo, acomodação X contestação hegemônica, reforma e
RIA, 2008. atualização do multilateralismo X permanência e estagnação
p. 2, pp. 4-5, pp. 232-233). das negociações, progresso X regressão ideológica, continu-
am como exemplo das tensões vigentes no cenário mundial.
Esta “ascensão do resto”, e a dispersão dos centros de po- Apesar de cada vez mais acelerado, o processo de reor-
der, traz à tona as discussões de Arrighi brevemente citadas, denamento de poder não encontra contrapartida adequado
e a ampliação das fronteiras e transformações inerentes ao nas estruturas de poder mundial, não sendo absorvido, ou
capitalismo global nas últimas décadas. A descentralização, aproveitado em sua plenitude. Ainda que nenhuma destas
as novas formas de acumulação, as pressões da competição, nações emergentes, demais membros do bloco ocidental
os fenômenos da globalização e regionalização são compo- ou polos alternativos detenham pretensões hegemônicas,
nentes deste processo que afeta Estados e sociedades. visando substituir os EUA ou gerar conflitos, acentua‑se a
Estas hipóteses se associam aos debates sobre quais busca de alternativas às realidades vigentes.
Primeiro, Segundo ou Terceiro “Mundos” prevaleceriam e Adicionalmente, a turbulência e a incerteza da política
as contradições que se encontram na retórica e na prática internacional permanecem elevadas em nível social. Neste
nesta tentativa de reclassificação das nações e compreensão contexto, a  seguir se analisam Estados, blocos, regiões,
de novos equilíbrios. A citação abaixo reforça esta comple- coalizões e questões‑chave deste processo para o mundo
xidade conceitual, que não deve obscurecer o pensamento e para o Brasil.
analítico‑crítico sobre estes jogos de poder e assimetrias,
A Cultura de Massas
Muitos acreditam que a ordem mundial que vem
surgindo é policêntrica (...) Os países do Segundo
O QUE É CULTURA?
Mundo são os Estados que servem de fiel da balança
A cultura elenca crenças, artes, normas, condutas, hábi-
num mundo multipolar: suas decisões podem alte-
tos, símbolos, valores agregadores do processo evolutivo do
rar o equilíbrio de poder (...) todo país do Segundo
homem e seus pares no meio em que vive. Nessa linha de
Mundo está em transição (...) Os países do Segundo
Mundo frequentemente são, ao mesmo tempo, do raciocínio, os humanos agem em grupos desde a pré‑história
Primeiro e do Terceiro Mundo também (KHANNA, até nossos dias buscando explicações para suas origens e
2008, p. 21, pp. 28-29). para a vida.
Na história da civilização há também a divisão entre os
Atribuindo maior ênfase à difusão do poder, além destas mundos do oriente e ocidente, cada um com suas próprias
interpretações, o analista Richard Haass (2008) oferece uma características sobre a formação de sua nação.
tese adicional sobre o reordenamento da política interna-
cional. Pode‑se destacar que a visão de Haass acrescenta Cultura ocidental ou cultura oriental?
questionamentos importantes, uma vez que ressalta que a Ambas mostram a união de pessoas com características
ordem em construção abrange formas clássicas de política em comum, língua em comum, religião em comum, forma-
e os fenômenos associados à globalização, à regionalização lizando uma instituição identificatória social.
e à ação das forças sociais no cenário mundial. Numa análise filosófica cultura é a resposta dada pelos
Nesta avaliação, o cenário do pós‑Guerra Fria não seria grupos humanos ao desafio da existência, por meio do co-
nem uni, multi ou unimultipolar, mas sim “apolar” ou “não nhecimento, das paixões, das dúvidas, das ações, da razão,
polar”, a partir da desconcentração dos recursos de poder e outros.
entre os Estados e entre os Estados, os organismos multila- Há também, a análise da cultura, cuja função, seria su-
terais e as forças transnacionais. Para Haass, prir os interesses econômicos determinantes da sociedade
contemporânea, trata‑se da indústria cultural. A  origem
(...) um sistema internacional não‑polar é caracteri- desta terminologia é de 1906 impresso pela primeira vez na
zado por diversos centros de poder (...) As potências história pelo filósofo alemão Theodor Adorno.
centrais
– China, União Europeia, Índia, Japão, Rússia e os “A arte e os bens culturais estão submetidos, com
EUA (...) muitos outros numerosos poderes regionais: frequência, aos interesses do capitalismo contempo‑
Brasil, e talvez, Argentina, Chile, México e Venezuela râneo e, quando isso ocorre, não passam de negócios,
na América Latina; Nigéria e África do Sul; Egito, Irã, como qualquer outro produto de mercado”.
Israel e Arábia Saudita no Oriente Médio; Paquistão (Adorno, Theodor)
no Sul da Ásia; Austrália, Indonésia e Coréia do Sul
A indústria cultural não está preocupada com a criação
Política e Segurança

no Leste Asiático e Oceania. Uma boa quantidade de


organizações pode ser incluída na lista dos centros de condições para que a maioria das pessoas possa receber
de poder, incluindo os globais (FMI, ONU e o Banco manifestações artísticas – rádio, televisão, cinema, música,
Mundial) e as regionais (União Africana, Liga Árabe, livrarias, programação cultural, lazer e outros, de maior
ASEAN, EU, OEA, SAARC) e as funcionais (AIEA, OPEC, qualidade.
OCS, OMS). Assim como estados dentro de Estados Neste sentido, os  valores dominantes do capitalismo
(...) cidades (...) grandes companhias globais, conglo- (regime socioeconômico baseado no lucro e na propriedade
merados de mídia, partidos políticos, instituições e privada dos bens de produção) repassam à população uma
movimentos religiosos, organizações terroristas (...), ideia errônea dos reais valores referentes às “mercadorias
cartéis de drogas e ONGS (...) (HAAS, 2008, s/p). culturais”  – (filmes, shows, musicais, revistas, etc.) como

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se fossem uma vitrine para vender automóveis, roupas, Algumas críticas argumentam que a cultura popular é
computadores, etc. Assim, a indústria cultural cria a cultura simplificada: “... jornais que uma vez veicularam notícias
de massa. estrangeiras agora apresentam fofocas sobre celebridades,
fotografias de jovens garotas com pouca roupa... a televisão
“A técnica da indústria cultural levou apenas à pa‑ substituição a dramatização de alta qualidade por jardi-
dronização e à produção em série, sacrificando o que nagem, culinária e outros programas de ‘estilo de vida’...
fazia a diferença entre a lógica da obra (de arte) e a [e] bobos ‘reality shows’,” a ponto de as pessoas estarem
do sistema social. ” constantemente imersas em curiosidades sobre a cultura
(Adorno e Horkheimer, Dialética do esclarecimento, das celebridades.
p.114). Críticos de televisão e cinema têm argumentado que a
qualidade das produções televisivas têm sido diluídas como a
O que é cultura de massa? perseguição implacável ao “populismo e avaliações”, focando
É um conjunto de costumes, atividades, crenças, voltado no “insípido, exibível e popular. ” No cinema, “a cultura e os
às multidões. É uma cultura de natureza homogênea, cujo valores de Hollywood” estão cada vez mais dominando as
objetivo é igualar as manifestações artísticas ao oferecer o produções de outros países. Os  filmes de Hollywood têm
esgotamento de um decidido fenômeno comercial, difundin- mudado de criar filmes com uma certa fórmula pré‑definida
do sempre o mesmo, destruindo dessa maneira, o caráter que enfatizam “...o choque de valores e impressão (impres-
inovador, criativo do cenário cultural. sões) superficial (superficiais)” e efeitos especiais, com temas
A cultura de massa é a cultura da mercadoria, não possi- que focalizam nos “...instintos básicos de agressão, revanche,
bilita juízo de valor, nem tampouco, restringe um território violência [e] ganância”. Os roteiros “...frequentemente pa-
particular. A teoria é: recem simples, um modelo padronizado tirado da estante,
• cultura de bens e equipamentos; e o diálogo é mínimo. ” As “personagens são superficiais e
• utiliza centros culturais, cinemas, teatros, bibliotecas, não convincentes, o diálogo é também simples, irreal e mal
shoppings; construído. ”
• opera com pessoas que vendem sua força de trabalho
nos estabelecimentos indicados; Cultura de massa e capitalismo
• circulação de conteúdos específicos teóricos e ideoló-
gicos dos produtos. Como consequência das tecnologias surgidas no século
XIX , a cultura de massa desenvolveu‑se ofuscando outros
Este aparato deve disponibilizar o binômio compra e tipos de cultura anteriores e alternativos a ela. A chegada
venda no mercado. da cultura de massa acaba submetendo as demais expres-
sões “culturais” a um projeto comum e homogêneo  – ou
“Para as pessoas contaminadas por essa doença pelo menos pretende essa submissão. Por ser produto de
cultural, um par de sapatos, uma roupa, um carro uma articulação de porte internacional (e, mais tarde, global),
perdem o encanto com pouco tempo de uso, exata‑ a cultura de massa esteve sempre ligada ao poder econô-
mente como a pessoa amada, o amigo ou até mesmo mico do capital industrial e financeiro, configurando aquilo
a pátria”. (Lorenz, Civilização e pecado, p.60). que Noam Chomsky considera uma forma de totalitarismo,
baseado na publicidade. Chomsky afirma que “a propaganda
Como vimos, os  tipos de cultura estão presentes no significa para a democracia o mesmo que o porrete significa
cotidiano das pessoas enfatizando as diferenças entre as para o estado totalitário“. Desta forma, para Chomsky, a mas-
categorias elitistas e as populares, reforçando o sentido de sificação da cultura se dá através de um artifício totalitário,
identificação de uma população que, dividida, sela suas con- servindo a interesses econômicos.
cepções numa carga valorativa, fragmentando os indivíduos
e grupos entre: Cultura popular
• os que têm e os que não têm cultura;
• os que têm uma cultura superior e os que têm uma A cultura popular, produzida fora de contextos institu-
cultura inferior. cionalizados ou mercantis, teve de ser um dos objetos dessa
repressão imperiosa. Justamente por ser anterior, o popular
Diante do exposto, cultura é uma noção dentre as inú- era também alternativo à cultura de massa, que por sua
meras do ramo das ciências sociais, abrangente em seus vez pressupunha – originalmente – ser hegemônica como
significados e significâncias, vai além do plano individual, condição essencial de existência.
avaliando vários povos, cada um com suas peculiaridades, O que a indústria cultural percebeu mais tarde (e Ador-
afirmando cada cultura como um arsenal complexo unitário no constatou, pessimista), é que ela possuía a capacidade
num leque de mil possibilidades. de absorver em si os antagonismos e propostas críticas, em
https://www.estudopratico.com.br/cultura‑de‑massa/ vez de combatê‑lo. Desta forma, sim, a  cultura de massa
alcançaria a hegemonia: elevando ao seu próprio nível de
Propagação institucional difusão e exaustão qualquer manifestação cultural, e assim
tornando‑a efêmera e desvalorizada.
Política e Segurança

O ensaio “A Crise da Cultura” de Hannah Arendt, escrito A “censura”, que antes era externa ao processo de pro-
em 1961 sugere que uma “mídia dirigida pelo mercado dução dos bens culturais, passa agora a estar no berço dessa
lideraria o deslocamento da cultura pelos ditames do en- produção. A cultura popular, em vez de ser recriminada por
tretenimento. ” ser “de mau gosto” ou “de baixa qualidade”, é hoje deixada
Susan Sontag argumenta que, na nossa cultura, os mais de lado quando usado o argumento mercadológico do “isto
“...inteligíveis, persuasivos valores são [crescentemente] não vende mais” – depois de ser repetida até exaurir‑se de
tirados das indústrias de entretenimento”, “debilitam os qualquer significado ideológico ou político.
padrões de seriedade”. Como resultado, tópicos “tépidos, No contexto da indústria cultural – da qual a mídia é o
suaves e sem sentido” estão se tornando a norma. maior porta‑voz – são totalmente distintos e independentes

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os conceitos de “popular” e “popularizado”, já que o grau de ideologia dominante em uma sociedade é a ideologia das
difusão de um bem cultural não depende mais de sua classe classes dominantes.
de origem para ser aceite por outra. A grande alteração da Após a definitiva vitória político‑cultural dos  burgue-
cultura de massa foi transformar todos em consumidores ses  sobre a  nobreza  feudal  – a qual foi submetida pela
que, dentro da lógica  iluminista, são iguais e livres para destruição ou pela absorção pela cultura e pela política
consumir os produtos que desejarem. Dessa forma, pode burguesa – foi parcial e progressivamente deixado para trás,
haver o “popular” (i.e., produto de expressão genuína da como uma ideologia que teria sido importante, mas que já
cultura popular) que não seja popularizado (“que não venda não seria mais do que uma lembrança histórica.
bem”, na indústria cultural) e o “popularizado” que não seja O nacionalismo ressurge nas colônias europeias do Novo
popular (vende bem, mas é de origem elitista). Mundo, nas Américas, e principalmente na América Latina,
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_de_massa antes mesmo do surgimento da ideologia comunista euro-
peia, como um renovado nacionalismo, um “nacionalismo re-
O Nacionalismo e a Construção de Identidades volucionário” já com alguns elementos socializantes; Simón
Bolívar foi o líder maior desse nacionalismo revolucionário
O nacionalismo é uma tese ideológica, surgida após a Re- latino‑americano, ao lado de figuras como Tupac Amaru, San
volução Francesa. Em sentido estrito, seria um sentimento Martín e José Artigas.
de valorização marcado pela aproximação e identificação Ressurge na Europa, pouco antes do surgimento da ideo-
com uma nação. Segundo Bresser Pereira, o nacionalismo é logia comunista, como um outro nacionalismo, como um na-
a ideologia fundamental da terceira fase da história da hu- cionalismo revolucionário socializante, ou até mesmo socia-
manidade, a fase industrial, quando os estados nacionais se lista, e anti‑imperialista, contrário ao imperialismo europeu,
tornam a forma de organização político‑cultural que substitui o qual, além de explorar as colônias americanas, asiáticas
o império. e africanas, explorava ainda as nações europeias mais po-
Costuma diferenciar‑se do patriotismo devido à sua de- bres; Giuseppe Mazzini foi o líder maior desse nacionalismo
finição mais estreita. O patriotismo é considerado mais uma revolucionário na Europa.
manifestação de amor aos símbolos do Estado, como o Hino, O nacionalismo revolucionário europeu, como uma ide-
a Bandeira, suas instituições ou representantes. ologia anti‑imperialista, também influenciou o pensamento
Já o nacionalismo apresenta uma definição política so- dos latino‑americanos que souberam apreender dos euro-
bretudo da preservação da nação enquanto entidade, por peus aquilo que fosse interessante e útil, desenvolvendo, no
vezes na defesa de território delineado por fronteiras ter- Novo Mundo, uma prática e uma luta anticolonialista, a qual
restres, mas, acima de tudo nos campos linguístico, cultural, se traduziu na ação e no discurso de homens como Tiraden-
etc., contra processos de destruição identitária ou transfor- tes, San Martín e Giuseppe Garibaldi.
mação. O historiador Lord Acton, afirma que o patriotismo O nacionalismo revolucionário latino‑americano, numa
prende‑se com os deveres morais que temos para com a inversão do colonialismo cultural, também influenciou a luta
comunidade política, enquanto que o nacionalismo está anti‑imperialista na Europa: as colônias latino‑americanas
mais ligado à etnia. muito ensinaram às nações mais pobres da Europa. Giuse-
ppe Garibaldi e sua mulher, a brasileira Anita Garibaldi, são
História considerados revolucionários e heróis tanto no Novo quanto
do Velho Mundo – que continuaram (e venceram) a luta antes
São vários os movimentos dentro do  espectro políti-
comandada por Giuseppe Mazzini.
co‑ideológico que se apropriam do nacionalismo, ora, como
elemento programático, ora como forma de  propaganda.
Os diversos nacionalismos
Nomeadamente, nos finais do século XIX, em Portugal contra
o iberismo. Já durante o século XX, o nacionalismo permeou
Ainda que frequentemente assente sobre um ponto
movimentos radicais como o fascismo, o nacional‑socialis-
mo na Alemanha, o saudosismo e o integralismo no Brasil e de vista  etnocêntrico, o  nacionalismo não implica neces-
em Portugal, especialmente durante o (Estado Novo no Brasil sariamente a crença na superioridade de uma  etnia  em
e Estado Novo em Portugal). O nacionalismo é uma ideologia detrimento de outras. Algumas correntes nacionalistas,
que se pode dizer moderna com antecedentes antigos, com entretanto, defendem o protecionismo étnico ou mesmo
uma definição maior das fronteiras das nações em países: uma supremacia étnica.
surgiu numa Europa pré‑moderna e pós‑medieval, a partir da Certos movimentos nacionalistas possuem caráter exclu-
superação da produção e consumo feudais pelo mercado ca- dente e, ao definir a comunidade nacional em termos étnicos,
pitalista, com a submissão dos feudos aos estados modernos linguísticos, culturais, históricos ou religiosos (ou uma com-
(ainda absolutistas ou já liberais), com as reformas religiosas binação destes), podem considerar determinadas minorias
protestantes e a contrarreforma católica – fatos históricos como não sendo verdadeiramente uma parte da “nação”.
estes que permitiram, ou até mais, que produziram o surgi- Não raro, uma pátria mítica ou um mito fundador é mais
mento de culturas diferenciadas por toda a Europa, culturas importante para a identidade nacional do que o território
que, antes, eram conformadas, deformadas e formatadas ocupado pela nação.
pelo cristianismo católico, com o apoio da nobreza feudal.
Política e Segurança

Surgiu como uma ideologia da Revolução Francesa, pois Nacionalismo étnico


ajudou a convocar soldados mais leais e baratos do que
nos  mercenários  e foi contrária ao domínio imperialista Uma das mais recorrentes formas de nacionalismo per-
político‑cultural do cristianismo católico que se apoiava cebidas na história humana é o nacionalismo étnico ou et‑
nos nobres feudais e ajudava a sustentar a superada, li- nonacionalismo. Ora imbuída de sentimentos nativistas, ora
mitada e limitante  economia feudal, mas também como carregada de anseios irredentistas, esta forma de nacionalis-
uma ideologia  burguesa, pois as massas camponesas e o mo tem raízes muito antigas que remontam à formação dos
pequeno proletariado que também surgia passavam do do- primeiros Estados‑nação, tendo sido estudada já no século
mínio da nobreza feudal para o da burguesia industrial – e a XVIII pelo filósofo alemão Johann Gottfried von Herder.

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Baseado na presunção de uma identidade comum parti- Ultranacionalismo
lhada por todos os membros de uma mesma etnia, falantes
de uma mesma língua, professantes de uma mesma fé ou O ultranacionalismo é um nacionalismo fervoroso que
participantes de uma mesma cultura, o nacionalismo étnico expressa o seu apoio extremista pelos ideais nacionalistas
costuma dar vazão a anseios coletivos irredentistas e, em de alguém. Muitas vezes, é caracterizado pelo autoritarismo,
casos extremos, a revanchismos internacionais. esforços para a redução ou proibição da imigração, expulsão
Na história recente, o nacionalismo étnico flertou com e opressão de populações não‑nativas dentro da nação ou de
ideias etnocêntricas e conceitos de pureza nacional, tendo seu território, liderança demagógica, emocionalismo, bodes
alimentado  conflitos armados , políticas de  limpeza étni- expiatório em crises socioeconômicas, discurso de fomento
ca,  migrações forçadas,  deslocamentos  e  transferências de inimigos reais ou imaginários, previsão de ameaças à
populacionais. O  nazismo, ideologia formulada por  Adolf sobrevivência nacional, etnicidade nacional dominante ou
Hitler e adotada na Alemanha, de 1933 a 1945, é uma forma idealizada ou grupo populacional, esforços para limitar o
de nacionalismo étnico. Contudo, de uma forma completa- comércio internacional por meio de tarifas, controle rígido
mente diferente, o sionismo também tem sido referido como sobre as empresas e a produção, militarismo, populismo e
um nacionalismo étnico e religioso. propaganda.
O ultranacionalismo prevalente normalmente conduz ou
Nacionalismo cívico
é o resultado de um conflito que ocorre dentro do Estado,
ou entre Estados, e é identificado como uma condição de
O nacionalismo cívico (também conhecido como nacio-
nalismo  liberal) define a nação como uma associação de pré‑guerra na política nacional. Em suas formas extremistas,
pessoas que se identificam como pertencentes à nação, que o  ultranacionalismo é caracterizado como uma chamada
têm direitos políticos iguais e compartilhados, e fidelidade a para a guerra contra os inimigos da nação/estado, secessão
procedimentos políticos semelhantes. ou, no caso de ultranacionalismo etnocêntrico, genocídio.
De acordo com os princípios do nacionalismo cívico, O  fascismo  é uma forma de  ultranacionalismo palin-
a nação não se baseia em uma ascendência étnica comum, genético, que promove a “colaboração entre classes” (em
mas é uma entidade política cujo núcleo de identidade não oposição à luta de classes), um estado totalitário e o irre-
é étnico. Esse conceito cívico de nacionalismo é exemplifi- dentismo ou expansionismo para unificar e permitir o cres-
cado por Ernest Renan em sua palestra de 1882 “O que é cimento de uma nação. Os fascistas, por vezes, defendem
uma Nação?”, onde ele definiu a nação como um “referendo o nacionalismo étnico ou cultural. O  fascismo salienta a
diário” (frequentemente traduzido como “plebiscito diário”) subserviência do indivíduo ao Estado e a lealdade absoluta
dependente da vontade de seu povo para continuarem a e inquestionável a um governante rígido.
viver juntos”.
Nacionalismo anticolonial
Nacionalismo de esquerda
Esta forma de nacionalismo surgiu durante a descoloniza-
O nacionalismo de esquerda (às vezes conhecido como ção do período pós‑guerra. Foi uma reação, principalmente
nacionalismo socialista, para não ser confundido com o na- na África e na Ásia, contra a subjugação por potências es-
cional‑socialismo) refere‑se a qualquer movimento político trangeiras. Este tipo de nacionalismo tomou muitas formas,
que combine políticas de esquerda com o nacionalismo. incluindo o movimento de  resistência pacífica, liderado
Muitos movimentos nacionalistas são dedicados à liber- por Mahatma Gandhi, no subcontinente indiano.
tação nacional, baseados na visão de que suas nações estão Segundo Benedict Anderson, o nacionalismo anticolonial
sendo perseguidas por outras nações e, portanto, necessitam se baseia na experiência de intelectuais indígenas – alfabeti-
exercer a autodeterminação liberando‑se eles próprios dos zados e fluentes na língua da metrópole, educados segundo
supostos perseguidores. O marxismo‑leninismo antirrevisio- sua história “nacional” – e do quadro de pessoal adminis-
nista está intimamente ligado com esta ideologia. trativo da colônia (exceto os seus níveis mais elevados).
Exemplos práticos incluem o trabalho inicial de Stalin, O Os governos nacionais pós‑coloniais têm sido essencialmente
marxismo e a questão nacional, e seu edital Socialismo num versões indígenas da anterior administração imperial.
só país, que declara que o nacionalismo pode ser usado https://pt.wikipedia.org/wiki/Nacionalismo
em um contexto internacionalista, lutando pela libertação
nacional, sem divisões raciais ou religiosas. Outros exemplos
Reflexão
de nacionalismo de esquerda incluem o Movimento 26 de
Julho de Fidel Castro, que lançou a Revolução Cubana e ex-
Esse processo de segregação espacial e social, que di-
pulsou Fulgêncio Batista, apoiado pelos norte‑americanos,
em 1959, o Sinn Féin da Irlanda, o Plaid Cymru de País de vide e ao mesmo tempo interioriza o estranho e o comum,
Gales, o  Partido Nacional Escocês  da  Escócia, o  Partido constitui uma das principais fontes de identidade cultural.
Nacionalista Awami de Bangladesh e o Congresso Nacional O sociólogo jamaicano Stuart Hall (1932-2014) afirma que
Africano na África do Sul. *“essas identidades não estão literalmente impressas em
nossos genes”. As  identidades nacionais são “formadas e
transformadas no interior da representação”.
Política e Segurança

Nacionalismo territorial
Em “A identidade cultural na pós‑modernidade”, Hall
Os nacionalistas territoriais assumem que todos os habi- apresenta o conceito de identidades culturais, que surgem
tantes de uma nação em particular devem lealdade ao seu a partir do sentimento de pertencimento do indivíduo a um
país de nascimento ou adoção.  Uma qualidade sagrada é determinado contexto, tendo como referência aspectos reli-
procurada no país e nas memórias populares que ela evoca. giosos, culturais, raciais e nacionais. No entanto, para Stuart
A cidadania é idealizada pelos nacionalistas territoriais. Hall, essas identidades desgastaram‑se em nossa moderni-
Um critério do nacionalismo territorial é o estabelecimento dade tardia, processo que o autor denomina de “crise de
de uma cultura pública de massa baseada em valores comuns identidade”, em virtude das transformações condicionadas
e tradições da população. pela sociedade atual no processo de globalização.

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As concepções de Hall e do sujeito na pós‑modernidade segurança dos EUA, que desde o 11 de setembro exacerba
caminham paralelas às análises de outro teórico social, o secular “excepcionalismo” norte‑americano. Esse mesmo
Zygmmunt Bauman, acerca do sujeito “líquido” e sua situ- caráter excepcional dos EUA foi descrito ainda no século XVIII
ação no mundo social. Segundo Hall (2006), as sociedades por James Madison como “o destino de um país que é sob
do final do século XX sofreram mudanças estruturais, que muitos aspectos o mais interessante do mundo” (1993:93).
se alargaram para transformações das “paisagens culturais”, Tanto para Madison quanto para outros americanos – re-
diferenciando‑se em sua construção em pontos históricos publicanos ou democratas  – , parece estar reservada ao
diferentes. A partir disso, Hall indica três formatos de iden- povo deste país, por suas condutas e exemplo, a  posição
tidade diferentes. de decidir sobre questões cruciais para o futuro do mundo.
Mesmo antes dos artigos Federalistas ou da independência
A Ordem Mundial Pós-11 de Setembro dos EUA, os  americanos sempre tiveram a convicção em
comum de que à sua nação estava reservado um destino
O Mundo Pós 11 de Setembro grandioso (Kagan, 2003).
Robert Kagan (2003) exalta a política realista unilateral
Junto com as incertezas e o descontrole no mundo con- dos Estados Unidos minimizando a cooperação e a inter-
temporâneo, têm crescido também o medo e a sensação de dependência diante da suposta paralisia idealista euro-
insegurança. A sociedade de risco se defronta nesse início de peia: “Seja qual for o apoio moral e político que a Europa
século com o paradoxo entre segurança e liberdade, como se ofereça, pouco tem a oferecer aos Estados Unidos na área
a segurança fosse incompatível com o a liberdade, ou como da estratégia militar desde o final da Guerra Fria” (Kagan,
se a liberdade fosse uma ameaça à segurança individual e 2003:99) – o que não impede que o rescaldo da ocupação,
coletiva. política e operacionalmente muito complexo, seja deixado
A sociedade de risco só tende a exacerbar a condição sempre que possível a cargo dos europeus ou de organiza-
que promete corrigir. ções internacionais. (Dupas, 2003) É o caso de Kosovo, do
E a fará injetando mais força nas pressões que foram, Afeganistão, da Palestina e muito provavelmente do Iraque.
e continuam a ser, a fonte mais abundante da insegurança. Os Estados Unidos, como todo bom filho do iluminismo,
Ao eleger Osama bin Laden como inimigo número um dos ainda acreditam na possibilidade de perfeição humana,
EUA, a gestão Bush desviou toda a atenção do eleitorado e  mantêm a esperança da possibilidade de perfeição do
norte‑americano para a questão da guerra contra o terro- mundo. Mas continuam realistas no sentido limitado de
rismo, afastando o interesse público das verdadeiras fontes que ainda crêem na necessidade de poder num mundo que
de tensão e ansiedade do mundo contemporâneo. Dos permanece longe da perfeição. (Kagan, 2003:96)
quatro principais temas em discussão nas eleições em de Kagan descreve um mundo dividido entre o realismo
2004, o  republicano George W. Bush só levava vantagem norte‑americano e um idealismo europeu no contexto da
no item segurança e combate ao terrorismo. Mesmo assim política externa e da segurança internacional. No entanto,
o principal embate entre o realismo e o idealismo não se
o democrata John Kerry obteve proporcionalmente menos
deu entre americanos e europeus, mas dentro da própria
votos em 2004 do que o seu antecessor Al Gore em 2000.
política norte‑americana (Habermas, 2004). Até o final dos
Cada vez mais os indivíduos são soberanos apenas na
anos 90 os americanos se mantinham presos aos limites do
aparência, e em épocas específicas, quando são chamados
direito internacional, buscando no Conselho de Segurança
a exercer sua soberania, quase sempre é para abdicar a ela.
da ONU a legitimidade para as intervenções armadas. Com o
Benjamin Constant (1985) comparou ainda no século XIX a
advento dos atentados de 11 de setembro, os EUA rompem
liberdade dos antigos com a liberdade dos modernos para
com as amarras do jus in bello – “a civilização das ações de
descrever duas formas de sociedade. Nos antigos, o direito guerra restritas a combatentes, a defesa da população civil e
de participar e deliberar sobre a guerra e a paz era exercido dos feridos, o tratamento humanitário dos presos de guerra
de forma direta – sem intermediários -, mas o indivíduo era e a proteção dos bens culturais” (Habermas, 2004:159) – ;
completamente submisso à autoridade do coletivo. primeiro com o tratamento dispensado aos prisioneiros da
Os antigos estavam dispostos a fazer muitos sacrifícios guerra contra o terror; e depois, com a estratégia de guerra
pela conservação de seus direitos políticos e de sua parte na preventiva contra o Iraque.
administração do Estado. Cada um, sentindo com orgulho o Para analistas como Bernard Lewis os atentados de 11
que valia seu voto, experimentava uma enorme compensa- de setembro derivam em última instância de uma rejeição à
ção na consciência de sua importância social. civilização ocidental propriamente dita e aos nacionalismos
Essa compensação já não existe para nós “modernos”. fracassados, após uma tentativa falhada de modernização
Perdido na multidão o indivíduo quase nunca percebe a in- dos países de maioria muçulmana (Lewis, 2004). “Para al-
fluência que exerce. Sua vontade não marca o conjunto: nada guns, a resposta é mais e melhor modernização, alinhando o
prova, a seus olhos, sua cooperação. (Constant, 1985:15) Oriente Médio com o mundo moderno e em vias de moder-
O desencanto com a democracia levou a um empobre- nização. Para outros, a modernidade é, por si só, o problema
cimento do espaço de discussão pública nos EUA. Já vimos e a fonte de todas as misérias” (Lewis, 2004:114). Lewis
anteriormente que nas eleições presidenciais de 2000 uma atribui a hostilidade do mundo muçulmano ao fracasso da
parcela significativa na população nos Estados Unidos se democracia e ao desvio do foco do combate a pobreza e tira-
Política e Segurança

absteve. Ao mesmo tempo, o empate técnico entre George nia para o combate a globalização, quase sempre associada
Bush e Al Gore deixou um sentimento de que cada voto com a penetração econômica dos EUA ao redor do mundo.
pode fazer a diferença; agora veremos como os atentados As reflexões sobre as raízes profundas do terrorismo
de 11 de setembro alteraram a percepção de segurança da continuam bloqueadas entre os Americanos, que mantém a
opinião pública americana e como o medo e a insegurança tese de incompatibilidade do Islã com os valores da América
influenciaram na reeleição do presidente Bush em 2004. (Dupas, 2003). Assim como Jacques Derrida, Bernard Lewis
Os temas do terrorismo e da (in)segurança não in- ignora a exclusão e a humilhação vivida por muitos árabes
fluenciaram apenas as eleições presidenciais de 2004, mas que se transformaram, ou foram transformados, nos novos
foram fundamentais para a formulação da atual doutrina de estranhos aos olhos do ocidente. Para os defensores da atual

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doutrina de segurança dos EUA, o multilateralismo passou Em 2001, o Departamento de Defesa direcionou a política
a desempenhar um papel nitidamente acessório na estra- de segurança dos EUA para conflitos pontuais que seguiam
tégia e na promoção da política externa norte‑americana os moldes da Guerra Fria, onde os Estados eram os principais
(Amorin, 2003). atores das relações internacionais e o poder de uma nação
Atualmente a Casa Branca projeta um modelo de política era determinado pela força dos seus exércitos. Os exércitos
externa baseado no antigo sistema da Guerra Fria, mas ig- por sua vez eram medidos de acordo com sua capacidade
nora o atual contexto de cooperação e interdependência do tecnológica para desenvolver e disparar mísseis balísticos car-
sistema internacional. Neste contexto, a globalização destrói regados com ogivas convencionais ou dispositivos nucleares.
o espaço estratégico onde atuavam os Estados nacionais Segundo Ulrich Beck, “é estonteante a velocidade com
tornando as ações unilaterais cada vez menos eficientes. que as prioridades da política externa da América foram
radicalmente alteradas. O projeto de um sistema de defesa
A Doutrina de Segurança dos EUA nacional com mísseis ainda dominava o pensamento e a
ação política de Richard Bruce DickCheney foi secretário de
Quando George W. Bush assumiu a Casa Branca em ja- defesa de George W. H. Bush entre 1989 e 1993 e vice presi-
neiro de 2001, pairavam muitas dúvidas sobre a legitimidade dente dos EUA no mandato de George W. Bush. Atribui‑se a
do 43º presidente dos Estados Unidos. O país estava parcial- Cheney o papel de arquiteto da Segunda Guerra do Iraque.
mente dividido pela disputa eleitoral, que no ano 2000 foi Washington até muito recentemente, mas agora nem sequer
decidida por uma margem muita estreita de votos, após uma é mencionado“. (Beck, 2001:01).
eleição marcada pelo alto índice de abstenção e a polêmica A política de defesa do governo Bush anterior ao 11/09
criada em torno da apuração de votos dos colégios eleitorais. procurou fortalecer a liderança norte‑americana na Ásia e
O candidato democrata Al Gore recebeu a maioria sim- no Oriente Médio, orientada para a ameaça que emanava da
ples dos votos diretos para presidente, mas o republicano China, Irã, Iraque, Paquistão e a Coréia do Norte. A política
George Bush foi eleito presidente. Nos EUA o modelo fede- de contenção da Guerra Fria – caracterizada por um sistema
rativo produziu um sistema representativo de voto indireto, bipolar de poder -, foi substituída pela política de promoção
onde o candidato à presidência mais votado em um Estado das zonas democráticas de paz, com a função de preservar a
soma todos os votos do Colégio Eleitoral, segundo a regra do Pax Americana (hegemonia Americana). Já os EUA pós 11/09,
“winner takes all” ou “o vencedor leva tudo”. De acordo com segundo reconhece Robert Kagan: “continuam chafurdando
essa prática, que remete ao século XVIII, um candidato nos na história, exercendo o poder num mundo hobbesiano
Estados Unidos pode ser eleito presidente sem que tenha anárquico, onde as leis e as diretrizes internacionais não são
computado a maioria simples dos votos individuais. dignas de confiança, e a verdadeira segurança, a defesa e a
A dúvida quanto ao resultado das eleições, tecnicamente promoção da ordem liberal ainda dependem da posse e do
uso do poderio militar”. (Kagan, 2005:07) Em última análise,
empatadas pela pesquisa de boca de urna, foi agravada pelo
política externa “se trata, essencialmente, de segurança”,
processo de apuração deficiente em muitos Estados, o que
afirmou a assessora de Segurança Nacional do presidente
acabou retardando a definição do pleito eleitoral. Os dois
Bush (Rice, 2002:62).
políticos chegaram a declarar publicamente a vitória, mas a
A recusa em ratificar importantes iniciativas como o Tri-
decisão final se prolongou por meses, até que em 2001 Geor-
bunal Penal Internacional, o Banimento de Armas Biológicas
ge Bush assumiu o controle da Casa Branca. Com a missão de
e o Acordo de Armas Pequenas e Leves, entre outras, ilustra
reunificar os EUA, polarizados pela disputa entre Democratas o caminho adotado pela política externa da gestão Bush.
e Republicanos, Bush era tido por muitos analistas políticos
como um presidente com pouca legitimidade. “Seu equivoco deriva de uma compreensão errada
No primeiro ano de seu mandato, Bush restaurou a do que significa hegemonia em um sistema inter-
extinta corrida nuclear da Guerra Fria, ao retomar o projeto nacional, que não se define mais pelo equilíbrio de
do escudo de defesa antimíssil criado durante o governo poderes, mas pela globalização e pela democracia”
Reagan. A percepção de ameaça do governo norte‑americano (Bresser‑Pereira, 2003:43).
no início do século XXI estava orientada para a proliferação
de mísseis balísticos e armas de destruição em massa. “Em Em meados de 2002 era inequívoca a posição unilateral
vez de apresentarem como proposta uma ‘doutrina’ coe- da Casa Branca para compor alianças, cada vez mais circuns-
rente, Cheney12 e seu time defendiam iniciativas isoladas, tancias, de acordo com o cenário militar de operações. Para
aparentemente sem nexo entre si (como o projeto de defesa o ex‑Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, “é a missão que
antimísseis e o escudo espacial). A impressão era de que eles deve determinar a coalizão, e não a coalizão determinar a
estavam em busca de inimigos para, depois de achá‑los, se missão; do contrário, a missão será emburrecida pelo mínimo
articularem” (Lins da Silva, 2003:52). Assim como o governo denominador comum” (Rumsfeld, 2002:21). O maniqueís-
de Ronald Reagan, George W. Bush procurou expandir os mo da política de segurança norte‑americana era explícito:
gastos militares com o objetivo de conferir aos EUA uma “entendemos agora que ser o alvo de assassinos treinados
superioridade militar única na história. é um tônico poderoso que faz com que as discussões sobre
O relatório do Think Thank conservador New American os assuntos importantes se pareçam mais com diferenças de
Century, “Rebulding American’s Defence”, publicado em planos de ação, do que com o confronto de valores” (Rice,
Política e Segurança

2000, foi uma das principais fontes de inspiração para o de- 2003:66).
partamento de defesa na gestão Bush. Ao republicano Donald Orientado pelo princípio exclusivo da manutenção da
Rumesfeld, que participou ativamente das políticas de defesa soberania, os EUA ignoraram a crescente interdependência
dos governos republicanos e democratas, durante as últimas do século XXI e adotaram políticas unilaterais para lidar com
décadas, foi confiado o cargo de Secretário de Defesa. Em questões no âmbito da segurança coletiva. O “eixo do mal”
1998, Rumsfeld integrou a comissão para avaliar a ameaça descrito por George W. Bush estaria integrado pelos mes-
de mísseis balísticos contra os EUA e concluiu que Iraque, mos “Estados Delinquentes” da gestão Clinton, o que revela
Irã e Coréia do Norte teriam condições de desenvolver essas uma perspectiva de continuidade na política de segurança
armas em cinco ou dez anos. norte‑americana. “O que o 11 de setembro permitiu de novo

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foi a aceleração de um rumo já traçado pela administração convencer a comunidade internacional dos perigos que o
Bush, levando os democratas a apoiarem escolhas estratégi- regime de Saddam representava para a segurança internacio-
cas mais agressivas da administração republicana, acelerando nal, associado regimes tirânicos ao terrorismo internacional.
a ‘guerra contra o terrorismo’ e garantindo folgada maioria Os tiranos aliados dos terroristas aumentam em muito
aos republicanos no Congresso” (Dupas, 2003:197-198). o alcance de seus danos mortais. Os terroristas aliados dos
Benjamin Barber (2003) definiu as duas principais tiranos podem comprar novas tecnologias que lhes possibi-
correntes da política externa norte‑americana não pela litarão assassinar em uma escala ainda maior.
diferença de opiniões entre democratas e republicanos, Cada ameaça aumenta o perigo da próxima. O  único
mas pelo posicionamento em relação à questão da maior caminho para a segurança é confrontar efetivamente os
ou menor interdependência do sistema internacional e ao terroristas e os tiranos. (Rice, 2003:64)
papel reservado ao tema da segurança. Ele distinguiu estas No entanto, o  regime de Saddam Hussein era muito
correntes valendo‑se do que ele convencionou chamar de menos tolerante com terroristas, como a organização Al
grupo das Águias, liderado pelo então Secretário de Defesa Qaeda, do que a Arábia Saudita – aliada estratégica e uma
Donald Rumesfeld, e  de grupo das Corujas, personificado das principais fontes de petróleo para os EUA. Quando os EUA
pelo Secretário de Estado Collin Powell. tentaram obter apoio no Conselho de Segurança para liderar
As Águias, na concepção de Barber, adotaram um modelo uma guerra contra o Iraque, os europeus sentiram “que ao
de política unilateral e são céticas em relação à interdepen- invés da força servir aos objetivos da diplomacia americana,
dência do sistema internacional. a força tinha se tornado um objetivo em si mesma, e que Wa-
Para elas, os EUA são uma nação excepcional incumbida shington se utilizava da diplomacia simplesmente para suavi-
por seu caráter único de propagar a democracia e libertar zar o caminho para uma invasão” (Rubin, 2004:113). A essa
os demais povos dos regimes tirânicos, como o Iraque. Em altura o apoio incondicional da comunidade internacional na
contraposição a elas, as Corujas são mais convictas de que luta contra o terrorismo gradativamente se transformava em
a segurança e a liberdade não podem mais ser garantidas manifestações de repúdio à Guerra do Iraque – primeiro com
apenas pelo monopólio e uso exclusivo da força unilateral as manifestações de subpolítica ao redor do globo (Cap.1.2)
do Estado. e depois com o bloqueio de diferentes membros da ONU ao
Por mais que prezem a soberania, as Corujas acreditam projeto norte‑americano de invasão do Iraque.
que, muito antes dos ataques de 11 de setembro, sua essên- A invasão do Iraque em 2003 resultou em uma das pio-
cia foi comprometida.[...] Por mais que percebam o quanto res crises de legitimidade da ONU. Ao não ceder à pressão
o medo pode influenciar os homens, sabem que ele pode dos EUA, as Nações Unidas se mantiveram fiéis ao princípio
ser usado tanto por terroristas quanto por Estados legítimos. de preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,
(Barber, 2005:59) reafirmar os direitos fundamentais dos homens, respeitar
A perspectiva de punir os terroristas responsáveis pelos os tratados e outras fontes do direito internacional, assim
atentados do 11/09 não deveria, na perspectiva das corujas, como manter a igualdade soberana de seus membros.
se sobrepor à democracia e ao direito internacional. Os fins Muitos analistas passaram a questionar a efetividade de
não podem simplesmente justificar os meios e mesmo a uma organização internacional sem poder para deter uma
superpotência não pode ignorar as leis que orientam o sis- agressão militar – principalmente se essa transgressão vier
tema jurídico internacional, como rege o princípio universal da superpotência norte‑americana. A verdade, no entanto,
da soberania e da autonomia dos Estados. é que o sistema ONU funcionou. Os votos dos membros não
O principal embate entre Corujas e Águias nesse início permanentes do Conselho de Segurança refletiram as opini-
de século se deu em torno da Guerra do Iraque (2003). ões de seus grupos regionais e a falta de apoio para o projeto
Collin Powell procurou manter unida a coalizão criada após americano de ocupação do Iraque não era uma falha do
os atentados de 11 de setembro que deram legitimidade às sistema ONU, mas um reflexo da realidade internacional que
ações dos EUA no Afeganistão (2001), mas ao mesmo tempo na sua maioria reprovou a estratégia de guerra preventiva.
previu que essa coalizão não se sustentaria, caso os EUA “Infelizmente, o fiasco diplomático quanto ao Iraque cau-
decidissem abrir uma segunda frente de batalha no Iraque. sou danos ao sistema internacional que monitora, controla e
As Águias do Departamento de Defesa, por sua vez, responde às ameaças de armas de destruição em massa; todo
endossaram a doutrina da guerra preventiva pela qual o o conceito de desarmamento coercitivo foi desacreditado. ”
exército deveria realizar ações militares antes que a ameaça (Rubin, 2003:124). A pergunta que fica é o que acontecerá
tomasse a forma de um ataque estrangeiro contra os EUA. da próxima vez que a ONU se deparar com a necessidade
Rompendo com a doutrina de dissuasão que perdurou de realizar um desarmamento coercitivo. O Irã, a Coréia do
por cinco décadas, a política externa unilateral das Águias se Norte e o instável Paquistão representam alguns dos riscos
sobrepôs à política de dissuasão da Guerra Fria. “A diferença que devem demandar uma participação maior da comuni-
agora é a determinação norte‑americana em estender esse dade internacional. Infelizmente os ataques sistemáticos
‘direito de agir’ de maneira muito mais ampla e difusa em de Washington e seus aliados contra os inspetores da ONU
termos de justificativas, cenários e definições de ameaças” farão com que seja mais difícil confiar em seus julgamentos
(Amorin, 2003:57). A nova guerra contra o terrorismo e o no futuro próximo. (Rubin, 2004)
argumento em prol da ação preventiva – atacar antes que
os EUA viessem a ser alvo de um novo atentado praticado Análise de Discursos
Política e Segurança

por uma organização ou governo – conferiu a principal carac-


terística da política externa norte‑americana, a partir do 11 O discurso proferido pelo presidente Bush no dia 11
de setembro. “A lógica da guerra preventiva visa a impedir de setembro de 2001 introduziu a primeira menção sobre
que se concretizem planos hostis do adversário. Mas o que a guerra contra o terrorismo: “nossos amigos e aliados
faz, na realidade, é provocá‑lo a agir” (Barber, 2005:166). se uniram com todos que querem a paz e a segurança no
O vice‑presidente Dick Cheney e o Secretário de Defesa mundo, e nós estamos unidos para vencer a guerra contra o
Donald Rumesfeld tentaram desacreditar a ONU, apontando terrorismo”. Bush não especifica, no entanto, em que esfera
inúmeras falhas para os regimes de inspeção que antecede- se dará essa guerra contra o terrorismo, mas prometeu vingar
ram a Segunda Guerra do Iraque em 2003. Os EUA tentaram os mortos e feridos.

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Em seu primeiro discurso em cadeia nacional após os cava autonomia diante do conflito entre o Primeiro Mundo,
atentados de 11/09, Bush salientou: composto pelos EUA e seus aliados, diante do Segundo Mun-
do, composto pela URSS e seus respectivos aliados. Na nova
A América foi alvo de ataques porque somos a luz era do século XXI, o discurso do presidente norte‑americano
que baliza a liberdade e a oportunidade no mundo. não reconhece a possibilidade de neutralidade na guerra
E ninguém vai impedir que essa luz continue brilhan- contra o terrorismo.
do.[...] Essa não é, no entanto, apenas uma guerra A radicalização da política externa norte‑americana é
americana. E o que está em questão não é apenas particularmente grave quando, nas palavras do presidente
a liberdade americana. Essa é uma luta da civiliza- Bush, enfatiza‑se que o país “vai direcionar cada recurso,
ção. Essa é uma guerra de todos que acreditam no cada forma de diplomacia, cada ferramenta de inteligência,
progresso e no pluralismo, tolerância e liberdade. cada instrumento de manutenção da lei, cada influência
(Bush, 2001). financeira, e toda arma de guerra necessária – para destruir
e derrotar a rede global de terrorismo”, incluindo armas de
No dia 20 de setembro de 2001 o presidente fez um novo destruição em massa como artefatos nucleares.
discurso onde apresentou ao Congresso dos EUA a posição O uso de armas táticas nucleares foi rejeitado durante
oficial da Casa Branca. Bush começou sua fala enaltecendo toda a Guerra Fria e os sucessivos governos que um dia pas-
a coragem dos passageiros do voo United Airlines 93 que, saram pela Casa Branca assumiram que os EUA jamais fariam
ao que tudo indica, confrontaram os sequestradores evitando o primeiro ataque com armas nucleares. Ao reconhecer a
que a quarta aeronave atingisse um alvo em Washington. disposição para empregar tais armas, George W. Bush rompe
Bush ressaltou o caráter cosmopolita das vítimas do WTC mais um princípio da diplomacia norte‑americana do século
que no momento dos ataques abrigava pessoas de oitenta XX e inaugura uma nova fase do terror nuclear.
nações diferentes – o que confere aos atentados de 11 de Na análise de Benjamin Barber, o  governo dos EUA
setembro um caráter de agressão mundial e não apenas um almejava uma guerra anticonvencional que fez com que a
ataque contra os EUA. Durante seu discurso, o presidente principal ameaça aos EUA não fosse o terrorismo, mas o
dos Estados Unidos assumiu o compromisso de “levar até à medo: “o inimigo não é o terrorismo, mas o medo, e, no
Justiça os responsáveis pelos atos de terrorismo ou levar a final das contas, o  medo não vencerá o medo. ” (Barber,
justiça aos inimigos” – revelando um caráter messiânico da 2005:48). O  medo interfere diretamente na razão e afeta
nova missão atribuída às forças armadas. Na perspectiva da negativamente a prática da política, levando as democracias
Casa Branca, “os inimigos da liberdade” cometeram um ato a agir mais pela força das paixões do que pela força da razão.
de guerra contra os EUA. No decorrer dos dias que sucederam aos atentados contra
A guerra contra o terrorismo não deve seguir os padrões o World Trade Center, em 2001, o governo norte‑americano
do século XX como ressaltou o presidente Bush. Ao contrário adotou várias práticas que restringiam as liberdades indivi-
dos conflitos no Iraque (1991) e na Sérvia (1995), a guerra duais, pilar da democracia americana, além de discriminar
contra o terrorismo se transformou em um conflito entre cidadãos americanos por caráter étnico. Prisões arbitrárias
civilização e barbárie. “Essa não é, no entanto, apenas uma privaram suspeitos do direito de defesa e colocaram centenas
guerra Americana. O que está em questão não é apenas a de pessoas incomunicáveis.
liberdade americana. Essa é uma guerra da civilização” (Bush, Uma das principais consequências do terrorismo inter-
2001). A fala exalta a perspectiva de um conflito pautado nacional é o aumento da xenofobia. A reação da sociedade
pela dicotomia entre civilização e barbárie, a luta do bem contemporânea ao medo propagado pelo ato de terror gera
contra o mal. a aceitação de medidas inconstitucionais, que discriminam
O nacionalismo e as ideologias contribuem para nos fa- uma parcela da população em função da sua origem étnica
zerem encarar as outras nações como sendo ‘más’ e a nossa ou credo religioso. O Instituto Gallup registrou, no dia 24
própria como ‘impecável’. As imagens estereotipadas, de um de setembro de 2001, que 49% dos norte‑americanos eram
lado, geram imagens análogas nos outros, agravado, em geral favoráveis à ideia da imposição de uma identificação espe-
a distorção. E o que é ainda pior, se acreditarmos num estere- cial para árabes nos EUA, incluindo cidadãos americanos de
ótipo por tempo suficiente longo, ele poderá transformar‑se origem árabe. A mesma pergunta foi realizada quatro anos
em realidade, em resultado de pôr em ação o mecanismo da depois e 46% dos entrevistados sustentaram a opinião de
profecia autocumprida. Assim, se uma nação acredita que a que os árabes deveriam portar uma identificação especial.
outra é a sua implacável inimiga, e reinterar isso muitas vezes, A jornalista Naomi Klein e a instituição para os direitos
transformando a ideia em diretriz de sua política nacional, humanos Human Watch registraram os “estragos colaterais”
acabará tendo razão. (Stoessinger,1975:578) da reação contra o terrorismo nos EUA e no mundo. Naomi
Os atentados de 11/09 trouxeram à tona uma nova Klein enfatizou a falta de uma voz contrária à Guerra do
perspectiva de conflito entre o Ocidente civilizado e o Afeganistão, de onde surgiriam  – alguns meses depois  –
Oriente bárbaro. “Desde o 11 de setembro, todas as gran- várias denúncias de violação contra os direitos humanos.
des potências mundiais se veem do mesmo lado da grande A censura na cobertura da Guerra do Afeganistão em meados
linha divisória entre as forças do caos e as da ordem” (Rice, de 2002 apenas ressalta o caráter obscuro da guerra contra
2002:66). O novo conflito nos remete à divisão bipolar da o terrorismo.
Guerra Fria, só que ao invés do embate entre capitalismo e A guerra contra o terrorismo foi endossada por diferen-
Política e Segurança

comunismo ou Ocidente e Oriente o embate agora se dá na tes referências políticas. O porta‑voz do papa João Paulo II
esfera da América e seus aliados versus o terrorismo inter- transmitiu no dia 24 de setembro de 2001: “Às vezes é mais
nacional. “Cada nação em cada região agora tem que tomar prudente agir do que ficar passivo. Nesse sentido o papa não
uma decisão: Ou vocês estão conosco ou vocês estão com é pacifista porque é preciso lembrar que, em nome da paz,
os terroristas”. (Bush, 2001). algumas injustiças horríveis foram cometidas”, assim como
O ultimato dado pelo presidente Bush em setembro de em nome da segurança, a comunidade internacional assiste
2001 desenhou um cenário político ainda mais estreito do de forma condescendente aos indícios de tortura contra
que o vivenciado durante a Guerra Fria. No sistema bipolar prisioneiros da guerra contra o terrorismo. A autocensura
do século XX havia o movimento do Terceiro Mundo, que bus- da mídia nos EUA e o silêncio dos movimentos pacifistas

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norte‑americanos – ativos desde a guerra do Vietnã – con- central que conferiu ao presidente Bush o segundo mandato
tra a guerra do Afeganistão em 2001, foram os primeiros em 2004.
indícios da falta de uma voz para questionar os caminhos Nesse início de século o terrorismo despertou duas re-
adotados pelos EUA nessa nova empreitada sem limites. ações distintas na esfera da opinião pública internacional.
Como bem lembra Reginaldo Nasser, “[...] numa guerra a Na Espanha, ele desencadeou uma mudança na condução
verdade é a primeira vítima. Não foi apenas o governo dos da política interna, após sucessivos protestos de rua a três
EUA que implantou um rígido controle sobre as informações, dias das eleições para o cargo de primeiro ministro. Nos EUA,
restringindo o acesso ao campo de batalha, mas boa parte o terrorismo parece ter dado novo fôlego ao governo Bush
da mídia se encarregou de ‘colaborar’ fazendo sua autocen- permitindo que este conduzisse uma política de guerra puni-
sura.” (Nasser, 2002). tiva contra o Afeganistão em 2002 e uma guerra preventiva
contra o Iraque em 2003.
A Opinião Pública Norte‑Americana A guerra contra o terrorismo conferiu ao presidente Bush
uma reeleição incontestável – ao contrário de 2000 – e co-
Já definimos com base nos capítulos anteriores e no roou com êxito a estratégia do medo e da insegurança. Como
trabalho do cientista político John Stoessinger (1975) que afirmou Condoleezza Rice, “vai levar alguns anos até que se
percepção, em relações internacionais, é a visão cognitiva entendam os efeitos a longo prazo do dia 11 de setembro”
total que uma nação tem de si própria e das demais na- (Rice, 2003:63). No entanto, ao  abandonar os princípios
ções no mundo. Agora cabe definir como a opinião pública idealistas que balizaram a política externa dos EUA por mais
norte‑americana interfere na construção da percepção de de meio século – como a Convenção de Genebra sobre o
nação e como reage frente à ameaça do terrorismo. tratamento dos prisioneiros de guerra, ou desqualificar o
“Desde a sua fundação, os Estados Unidos se conside- sistema ONU – , a nova doutrina de segurança do governo
ram únicos, excepcionais e, portanto, isentos das leis que Bush alimenta o sentimento de que os EUA são ainda mais
governam a vida e o destino das outras nações” (Barber, perigosos do que aqueles que hoje são alvo de sua guerra
2005:65). Na matriz histórica do excepcionalismo nortea- preventiva.
mericano subsistem duas vertentes de política externa, que Agora resta saber qual a herança que a atual gestão re-
buscam em última análise a manutenção e a promoção da publicana vai deixar para o seu sucessor. Como o eleitorado
segurança nacional. americano percebe a questão do terrorismo e as diferenças
O idealismo americano lida com o sistema internacional entre as gestões republicana e democrata na prevenção e
orientado pela política doméstica – tentando projetar o mun-
no combate do terrorismo?
do à sua própria imagem – , “não porque queira dominá‑lo,
Na era da informação, as  novas Tecnologias de Infor-
mas porque acredita que os americanos só poderão se sentir
mação e Comunicação (TICs) transformaram a atenção do
seguros em um mundo semelhante aos Estados Unidos”
público em um produto escasso. Tanto líderes políticos como
(Barber, 2005:79). O  isolacionismo, por sua vez, remonta
grupos dissidentes compreenderam a necessidade de se criar
a uma tradição ainda mais antiga, onde a América contava
estímulos para captar a atenção da mídia.
inicialmente com o isolamento geográfico e com a força
das armas para se manter imune às vicissitudes do mundo No estudo sobre “Mídia e Terror”, Jacques Wainberg
exterior. menciona pesquisas de cognição humana que revelam uma
Segundo John Stoessinger (1975), mesmo antes da Se- dificuldade do público em geral, para compreender o contex-
gunda Guerra Mundial os EUA já reuniam todos os grandes to e a causa do terrorismo. “De uma forma geral, o noticiário
atributos de uma nação poderosa, mas representavam um internacional tem pouca popularidade devido à mesma ne-
papel secundário nas relações internacionais – por estar a sua cessidade de intenso processamento de dados (alto custo) e
liderança comprometida com a política isolacionista. O que a pouca gratificação resultante (baixo benefício)” (Weinberg,
mudou após a Segunda Guerra foi a percepção da opinião 2005). À medida que a eficiência comunicacional da violência
pública norte‑americana diante da ameaça comunista. É a diminui, os responsáveis pelo terrorismo têm de criar novos
percepção da ameaça que move o imaginário social dos EUA fatos que atraiam a atenção da mídia.
no sentido de projetar sua força política e econômica para O cientista político John Stoessinger utilizou a pesquisa
conter a difusão da influência soviética. de três autores (Walter Lippmann, Gabriel Almond e Alex
Durante meio século, os americanos foram orientados Inkeles) para traçar um perfil da opinião pública norte‑ame-
pela doutrina do medo e do terror (nuclear). As  pessoas ricana em questões referentes à política externa de seu país.
armazenavam comida e construíam abrigos nos quintais de A  conclusão de Stoessinger na década de 70 corrobora a
casa temendo a Terceira Guerra Mundial deflagrada pelo análise de Weinberg.
enfrentamento entre os EUA e a URSS. As crianças realiza- A vasta maioria dos norte‑americanos, ao que descobriu
vam treinamentos contra‑ataques nucleares escondendo‑se Almond, reage aos assuntos da política exterior baseada, em
debaixo de mesas e carteiras escolares. Nos cinemas, o herói grande parte, em seu próprio estado de humor do momen-
era sempre um americano – ou um espião britânico – com- to. Eles tendem a exaurir as próprias energias emocionais
batendo as forças do comunismo. Por décadas a imagem que e intelectuais na vida privada, e só têm para com a política
a opinião pública fez do conflito bipolar moldou um cenário mundial uma atitude perfunctória. [...] Em resultado disso,
de insegurança controlada. o “público maciço” tende a reagir à complexa realidade da
Política e Segurança

Quando a Guerra Fria terminou, restaram poucos ini- política mundial por meio de imagens simplificadas e, não
migos para se combater, mas bastaram os atentados de raro, distorcidas. [...] Segue dessas observações que a massa
11 de setembro para ressuscitar o patriotismo americano. popular é, em certo grau, responsável pelas percepções dis-
As bandeiras a meio pau em sinal de luto após os atentados torcidas que os norte‑americanos têm da política mundial.
terroristas de 2001 se transformaram na principal força de (Stoessinger, 1975:580).
mobilização da nova doutrina de segurança do governo Bush. Stoessinger reconhece porém que as distorções também
Embora a ameaça do terrorismo não seja uma preocupação podem originar‑se nas elites e conclui que a distância entre
recente para a maioria dos americanos – como se constatou percepção e realidade – na esfera da visão de mundo dos
nas análises a seguir – , a questão do terrorismo foi o tema EUA – independe do segmento de classe.

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As pesquisas de opinião da Princenton Survey Research Nos últimos anos, também incorporaram oficialmente
Associates, realizadas entre os dias 20 e 21 de setembro de a prática da tortura sob o discurso da preservação da se-
2001, captaram um importante quadro vivido pela opinião gurança, o que deve produzir novos focos de terrorismo a
pública norte‑americana nos dias que se sucederam aos médio e longo prazo.
atentados de 11/09. Aproximadamente 63% dos entrevis- No mundo todo, mas especialmente no Norte da África,
tados nos EUA responderam afirmativamente à pergunta: Oriente Médio e na Ásia Central, o serviço secreto dos EUA
“Para controlar o terrorismo no país, você acha que será (CIA) confabulou com outros Estados. Em algum momento
necessário que as pessoas comuns renunciem a algumas de do nosso século se tornou comum a compreensão de que
suas liberdade civis, ou não?”. Embora possa causar espanto os homens uniformizados devem ser mais temidos (Bau-
a renúncia voluntária dos cidadãos norte‑americanos em face man, 1998: 28). Os uniformes são símbolos dos servidores
do terrorismo, o fato não se restringe apenas aos eventos do Estado que conferem poder ao torturador – instruído a
pós 11/09. Pesquisas similares nos anos 70 já alertavam para torturar e humilhar, e antecipadamente, absolvido de toda
essa tendência de se abdicar das liberdades civis nos EUA culpa. Foi da tortura nas prisões do Egito e da radicalização
em face do terrorismo. dos embates políticos no Oriente Médio que nasceu a So-
ciedade dos Irmãos Muçulmanos – e mais tarde a rede al
Em 1978 uma pesquisa do Instituto Gallup indicou que
Qaeda (Wright, 2007).
75% dos americanos poderiam considerar justificável um
Os Estados sempre definiram o padrão de ordem das
governo restringir as liberdades civis para tentar conter o
relações internacionais e instituíram os estranhos como
terrorismo, enquanto apenas 9% dos entrevistados respon- aqueles que transgridem os limites impostos pela sociedade
deram que em hipótese alguma seria justificável restringir (Bauman, 1998). Nesse início de século os novos estranhos
tais liberdades. Ainda chama a atenção o fato de 16% dos assumiram um papel de destaque no cenário político,
participantes não opinarem. transformando os riscos em mal‑estar, e o mal‑estar em um
Impressiona como a democracia é frágil diante do medo ato de autorreflexão. “Quién ha sido?” ou “Why they hate
e como o medo pode ser utilizado por governos para moldar us?” Essas perguntas marcam uma tímida, mas importante
políticas de segurança nacional que restringem os direitos manifestação da subpolítica no contexto da política inter-
civis. O terrorismo desencadeia na sociedade moderna uma nacional. Os Estados continuam sendo os principais atores
crescente busca por segurança que, em última análise, su- das relações internacionais, mas não estão sozinhos nesse
prime a liberdade e a democracia. “A pergunta chave que os jogo. Cada vez mais os indivíduos isolados, ou em grupos,
ataques levantam (11/09), no entanto, é quanta segurança – podem reunir forças para dinamitar a ordem vigente e mudar
isto é, quanta insegurança – será necessária” (Beck, 2002:01). o rumo da política.
No espaço de quinze anos é curioso comparar duas O que os atentados de 11 de setembro fizeram foi acen-
pesquisas que captaram a impressão da opinião pública em tuar o descontrole do mundo contemporâneo, ampliando
momentos distintos, diante da ação do governo norte‑ame- o raio de ação da violência anteriormente circunscrita ao
ricano para proteger seus cidadãos da ameaça terrorista. Oriente. A al Qaeda exportou o medo da morte violenta para
Pesquisa realizada pela Associated Press / Media General, a América e atraiu os EUA para uma armadilha (Scheuer,
em 1989, afirma que na opinião dos entrevistados 36% con- 2005). Ao levarem a cabo a ocupação militar do Afeganistão
sideravam que o governo faz tudo que pode para proteger o (2002) e Iraque (2003), a política americana está ajudando
cidadão norte‑americano contra o terrorismo, enquanto 57% a completar a radicalização do mundo islâmico – algo que
consideram que o governo deveria fazer mais. Em 2004, uma Osama bin Laden tem tentado fazer nos últimos anos. O ím-
pesquisa realizada pelo Instituto Gallup revelou que 42% dos peto para a guerra nos EUA é o único aliado indispensável
americanos acreditavam que o governo Bush fez tudo que nos planos de Bin Laden.
podia para prevenir os ataques de 11/09, ao passo que 54% Tão grave quanto à propensão para atacar primeiro e
dos entrevistados responderam “não, o governo Bush não fazer as perguntas certas depois, a política externa unilate-
fez tudo que era possível para prevenir os ataques terroristas ral dos EUA permanece ignorando a interdependência e o
de 11/09”. A mesma pesquisa indica que a opinião pública princípio de cooperação nas relações internacionais, o que
norte‑americana considera a gestão Clinton ainda menos expõe a sua maior fraqueza. Ao dividir a Europa e desmere-
cer o sistema ONU, os EUA mostraram a dificuldade que a
comprometida que o governo Bush para prevenir ataques
gestão Bush tem para construir consensos e formar coalizões.
terroristas durante a década de 90. Para apenas 32% dos en-
Os Estados Unidos detêm o poder de fato, mas não o poder
trevistados, a gestão Clinton fez tudo que podia para prevenir
moral – imprescindível para uma atuação hegemônica. Por
o terrorismo, enquanto 62% discordam dessa afirmação. poder nas relações internacionais entende‑se a capacidade
que uma nação tem de usar seus recursos tangíveis e in-
Considerações Finais tangíveis de forma a afetar o comportamento dos outros.
(Stoessinger, 1975)
A ideia de segurança no mundo pós 11 de setembro é um Quando o medo se sobrepõe ao estado de direito, anu-
mito. Mesmo antes dos aviões colidirem com o World Trade lando a capacidade de autorreflexão da sociedade de risco,
Center, a segurança dos EUA já havia sido comprometida, abre‑se um perigoso precedente para a tomada de decisões
em parte pela diminuição do espaço de ação soberana do sobre a ótica exclusiva dos especialistas em segurança.
Política e Segurança

Estado moderno no processo de globalização, em parte de- O problema é que os especialistas em segurança não são, em
vido a política externa norte‑americana ao longo das últimas geral, especialistas em direitos humanos, em cultura árabe,
décadas da Guerra Fria. em religião, em sociologia ou antropologia – entre todas as
Durante meio século os Estados Unidos, orientados outras especialidades necessárias para se ter uma visão do
pelos mais altos princípios de segurança e donos de um todo e não uma visão parcial do quadro geral.
raro sentimento de excepcionalismo político, fomentaram Tal como a globalização, os teatros sociais cada vez mais
golpes militares, apoiaram governos tirânicos e financiaram estreitos e o caráter público dos riscos comprovam a força da
radicais islâmicos para consolidar uma hegemonia política interdependência, que não é apenas de natureza econômica,
e econômica ao redor do globo. mas também política e militar. A  cada novo sacrifício das

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liberdades individuais aumenta a sensação de insegurança O sucesso do terror consiste justamente na difusão do
na sociedade de risco. Eis o mal‑estar no mundo pós 11 medo que paralisa e torna insuportável a vida dos homens
de setembro: quanto maior o medo, menor a sensação de em sociedade. Nesse contexto não há espaço para a partici-
segurança e quanto maior a insegurança, menor a liberdade pação política, pois a liberdade é limitada e restrita; não há
dos indivíduos. espaço para a produção e o comércio, pois a economia não
Os riscos são inerentes a todas as formas de sociedade e prospera em tempos de grande desconfiança; seguramente
fazem parte do nosso dia‑a‑dia, assim como a indetermina- não há inovação tecnológica nem ampliação da base indus-
ção dos riscos também faz parte da essência do terror. Porém trial que depende do livre pensar – um produto cada vez
não é o terrorismo o principal responsável pela restrição mais escasso em períodos de grande tensão e insegurança.
das liberdades individuais, se não os próprios indivíduos. Enfim, a vida do homem se torna pobre, embrutecida e curta.
Os  indivíduos modernos só são soberanos em aparência, O terrorismo é incapaz de sozinho provocar a desestabi-
e se em épocas determinadas eles exercem essa soberania, lização de regimes políticos estáveis, mas pode facilmente
é sempre para abdicar a ela delegando a condução da vida detonar uma crise em regimes políticos instáveis. A verdade
política aos políticos profissionais. Dessa forma dirigimos é que se os terroristas florescem em regimes instáveis, eles
nosso olhar para um problema inquietante: pode a demo- também se dão bem, e são até mais difíceis de localizar, em
cracia sobreviver ao terrorismo e – emendando a pergunta sociedades abertas (Barber, 2004:141). Segundo o pesqui-
inicial dessa investigação  – pode o terrorismo provocar a sador Marc Sageman (2004) que estudou o histórico de 165
desestabilização de regimes políticos e alterar os rumos das terroristas da Jihad Global, 70% dos terroristas analisados se
relações internacionais nesse início de século? uniram à Jihad fora do seu país de origem. Na sua maioria
Embora os EUA tenham lançado uma ampla guerra contra eram expatriados – estudantes, trabalhadores, refugiados,
o terrorismo, que resultou (sem maiores questionamentos) guerreiros (da antiga jihad contra os soviéticos) vivendo longe
na ocupação do Afeganistão um ano após os atentados de casa e separados de sua cultura e origem social.
de 11 de setembro de 2001, a  comunidade internacional Apenas 10% dos terroristas provinham da segunda
passou a questionar a doutrina de segurança e o exercício geração de imigrantes vivendo na França, Inglaterra e EUA.
arbitrário da força contra o Iraque em meados de 2003. Para Os atuais terroristas fundamentalistas do século XXI são
os neoconservadores como Robert Kagan (2004) o enfren- os novos estranhos perdidos entre dois mundos, que tentam
tamento em torno da questão do Iraque era um embate encontrar na religião um porto seguro e uma identidade
entre o realismo americano e o idealismo europeu, mas em comum que possa ser partilhada por outros estranhos.
como preconizou Habermas (2006) a disputa na realidade O terrorismo é uma expressão do mal‑estar na civilização,
se deu dentro do próprio EUA. O conflito entre “águias” e uma frustração e um ressentimento contra o Estado e a
“corujas” foi constante no correr dos últimos anos, como sociedade de risco.
bem observou Benjamin Barber. “As águias são unilatera- Nesse início de século o terror ajudou a desenhar dois
listas porque sua cólera farisaica se radica na tradição do caminhos distintos para as eleições democráticas na Europa
excepcionalismo americano.” (Barber, 2005:58) Já as corujas e na América do Norte no ano de 2004. No primeiro caso,
buscam a diplomacia e a cooperação, “percebem o quanto o o terrorismo despertou a subpolítica das massas desbancan-
medo pode influenciar os homens e sabem que ele pode ser do o partido da situação e redefinindo os rumos da política
usado tanto por terroristas quanto por Estados legítimos.” externa espanhola. No segundo caso, o terrorismo ajudou
(Barber, 2005:59) a ratificar a opção pelo partido da situação – transforman-
As águias nos EUA tentaram impor a Pax Americana atra- do a baixa legitimidade do presidente Bush em um amplo
consenso nacional em torno da estratégia de segurança
vés da guerra preventiva para liquidar uma antiga ditadura
neoconservadora do partido republicano.
no Iraque, mas com isso podem ter substituído um regime
A presente pesquisa se encarregou de criar mais dúvidas
laico – sob controle – por um governo islâmico instável e com
do que respostas.
o agravante de uma guerra civil. Se hoje o Iraque é um celeiro
Por exemplo, não é possível concluir como ou quando a
de insurgentes e terroristas fundamentalistas, isso se deve
guerra contra o terrorismo vai acabar, mas é possível projetar
principalmente a intervenção norte‑americana.
algumas das suas consequências no cenário atual. Ao enfra-
A Guerra do Iraque em 2003 foi justificada pelo temor
quecer o sistema ONU os EUA estão reduzindo as suas pró-
de que o Iraque mantinha a produção de armas de destrui- prias chances de conter a expansão dos riscos e ampliando
ção em massa e financiava grupos terroristas – fatos jamais drasticamente a indeterminação das novas ameaças. Assim
comprovados. A multiplicação de ataques terroristas após como a Guerra do Afeganistão na década de 80 ajudou a criar
a ocupação do Iraque em agosto de 2003 causou a morte o mito em torno da liderança de Osama bin Laden e a Guerra
de vinte e um membros da ONU em Bagdá. Entre os mortos do Iraque na década de 90 ajudou a redefinir as políticas de
estava o alto comissário para os Direitos Humanos, Sérgio alianças entre os radicais islâmicos e os EUA, os atentados de
Vieira de Mello. Como preconizou o ex‑presidente Kennedy: 11 de setembro e a Guerra do Iraque em 2003 estão criando
novos mitos e transformando as políticas de aliança no século
“Somente armas, porém, não bastam para manter XXI. Certamente muito ainda precisa ser estudado sobre os
a paz; ela deve ser mantida por homens. Nosso ins- rumos adotados pelos EUA no mundo pós 11 de setembro,
Política e Segurança

trumento e nossa esperança são as Organizações das assim como, qual o futuro dos regimes instáveis diante da
Nações Unidas, e vejo pouco mérito na impaciência ameaça terrorista.
daqueles que ameaçam abandonar esse instrumento FONTE: Thiago Yoshiaki Lopes Sugahara, São Paulo, 2008
mundial por não gostarem do nosso mundo imper- Dissertação apresentada como pré‑requisito parcial à
feito. Pois as dificuldades do próprio mundo refletem obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais,
simplesmente as dificuldades do próprio mundo sob orientação do Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira
imperfeito e se a organização enfraquecer, essas UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
dificuldades só podem aumentar” (John F. Kennedy, Programa San Tiago Dantas de Pós‑Graduação em Rela-
2º Discurso a Nação, 11 de janeiro de 1962). ções Internacionais – UNESP / UNICAMP / PUC‑SP

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O mundo após o 11 de setembro: a perda da em que cada um dos campos adquirira a capacidade nuclear
inocência de destruir o adversário, antes de, por sua vez, ser aniquilado
Rubens Ricupero por ele. Tornava‑se realidade o que o embaixador João Au-
gusto de Araújo Castro batizou de “congelamento do poder
A expressão do título é a que melhor capta, a meu ju- mundial”, balizado por duas datas, a de 1945, que consagra,
ízo, o sentido das mudanças após os atentados terroristas na Carta de São Francisco, os cinco membros permanentes
contra os Estados Unidos. Trata‑se de uma dupla perda da do Conselho de Segurança da ONU, expressão das relações
inocência. A primeira foi a das ilusões que predominaram nos de poder na conclusão da guerra, e a data de 1967, quando
anos seguintes à queda do Muro de Berlim. A segunda teve o Tratado de Não‑Proliferação Nuclear (TNP) tentará fechar
a ver com o desaparecimento ainda mais veloz dos exageros as portas do clube atômico aos retardatários.
interpretativos que acompanharam a afirmação brutal do Desde então, os dois polos das alianças rivais, a Organi-
poder norte‑americano na reação aos ataques. zação do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e o Tratado de
São a celeridade das mudanças e o desmentido quase Varsóvia, tacitamente reconhecem as respectivas áreas de
imediato das previsões iniciais que tornam difícil distinguir o influência, abstendo‑se de intervir para socorrer os que se
que diferencia essencialmente os dois anos recentes da fase insurgem contra seu destino, conforme sucedeu em Berlim
histórica precedente. Conclusão de um “século breve”, esta (1953) e na Hungria (1956). Em consequência, os  proble-
foi igualmente uma fase demasiado curta, do ponto de vista mas se congelam ou se perpetuam, pois até questões com
do metro da História. Mal sobreviveu doze anos da queda do especificidade própria, como as rebeliões anticolonialistas
Muro, em outubro de 1989, até os atentados de setembro de de independência ou o apartheid, tendem a ser filtradas
2001, mas atingiu talvez uma das mais altas taxas de densi- pelo prisma ideológico: qual dos campos sairá reforçado se
dade histórica jamais registradas, no sentido da quantidade ganhar um lado ou o outro?
e da importância de acontecimentos por unidade de tempo. Podemos agora voltar ao começo e entender como a
A explicação reside na natureza mesma dos eventos que desintegração da União Soviética, a dissolução, um após o
deram origem ao período. O desmantelamento a martelo outro, de todos os regimes comunistas da Europa Central
e picareta do Muro de Berlim é a imagem simbólica da e Oriental, o fim do “socialismo real”, irão desencadear o
demolição das barreiras que mantinham profundamente autêntico degelo das relações internacionais, não aquele
dividido e paralisado o mundo e suas partes: Berlim, a Ale- que havia sido prematuramente anunciado, no romance
manha, a Europa, o Vietnã1, a África do Sul pelo apartheid, homônimo (Ottepel, 1954, original russo; TheThaw, 1955,
a Coreia, resíduo que permanece até hoje. Na raiz de quase em inglês), por Ilya Ehrenburg, após a morte de Stálin. Pro-
tudo, encontrava‑se um fato histórico ocorrido também num blemas encruados há décadas, aparentemente destinados
outubro mais remoto, a Revolução bolchevista de 1917. Teve a durar séculos, desamarram‑se de súbito. Embora com
assim razão André Fontaine quando escolheu como ponto de nível notavelmente baixo de violência, as  transformações
partida de sua Histoire de la Guerre Froide a Revolução de do mapa‑múndi são comparáveis ao desmantelamento
1917 e não o término da Segunda Guerra Mundial, conforme dos impérios austro‑húngaro, russo e otomano, no fim da
prefere a maioria dos historiadores. Primeira Guerra Mundial e mais significativas até do que as
De fato, desde que os bolchevistas apoderaram‑se do po- produzidas no término da Segunda Guerra.
der na Rússia imperial e a converteram num império revolu- Essa profundidade maior das mudanças provém justa-
cionário, nunca mais houve paz num mundo dividido por um mente do reestabelecimento de mais homogeneidade, em
conflito inexpiável. Os momentos de relativa tranquilidade termos de aceitação de um comum critério para a legiti-
ou de colaboração e aliança, como durante a guerra contra mação do poder – a soberania popular majoritária – e da
o comum inimigo nazifascista, não passaram de tréguas fu- convergência dos tipos de organização política e econômica
gazes, de compromissos puramente táticos. Raymond Aron da sociedade em direção a modelos semelhantes – a demo-
(2002) disse tudo, ao definir a Guerra Fria após o advento cracia representativo‑pluralista e a economia capitalista de
do equilíbrio do terror: “Paz impossível, guerra improvável”. mercado. É o que vai permitir a transição mais ou menos
Por que a paz seria impossível? A paz genuína e estável suave das democracias populares para as democracias com
pressupõe a aceitação mútua da legitimidade, o reconheci- eleições periódicas e alternância de partidos no poder,
mento de que o outro, o adversário, tem o mesmo direito de a independência dos países bálticos, das repúblicas da Ásia
existir do que eu. Reconhecimento de que, mesmo após uma Central, até da Ucrânia e da Bielorússia. Paralelamente, o que
guerra, ele pode ser indispensável ao equilíbrio, conforme antes se afigurava impensável acontece: não só a Alemanha
ocorreu com a reincorporação da França vencida ao rol das se reunifica mas se reincorpora reunificada à Otan. Em toda
potências europeias após a derrota de Napoleão. Tudo isso parte se esborroam as divisões entre Leste e Oeste: Berlim,
é inviável num sistema internacional de aguda heterogenei- Alemanha, Europa. A Guerra Fria acaba e com ela findam
dade como o do mundo após 1917. A Revolução de Outubro, outros numerosos conflitos, de Camboja a Moçambique,
do mesmo modo que a Revolução Francesa, introduziu, num juntamente com a pacificação da guerrilha em El Salvador, na
sistema relativamente homogêneo, um critério radicalmente Guatemala, o melancólico ocaso do sandinismo na Nicarágua,
diferente de legitimidade do poder. Aumentou ainda mais a liquidação da aventura soviética no Afeganistão. Um outro
essa heterogeneidade, ao adotar, para a organização política problema insolúvel, sem nenhuma vinculação evidente com a
e econômica das diversas sociedades, padrões distintos e Guerra Fria, dissolve‑se com o abandono do apartheid. Mais
Política e Segurança

incompatíveis. Por esse motivo, não podia existir um mundo uma vez, de modo similar ao que, voluntária ou involunta-
só, mas dois, conforme disse na Conferência de Gênova, riamente, fizera Gorbatchev, em relação à União Soviética,
de 1922, o velho comissário Maxim Litvinov: o mundo dos é  o próprio detentor do poder na África do Sul que vai
sovietes e o mundo dos capitalistas. entregá‑lo ao seu prisioneiro de 27 anos. O temido banho de
Voltados a uma luta de extermínio pela própria crença sangue não se materializa. “Milagres históricos” tornam‑se
ideológica de que era esse o sentido inelutável da História, quase o padrão nesses anos, que são densos em mudanças
os dois campos rivais poderiam, no máximo, competir por ansiadas porque, de repente, com o fim do comunismo e do
meios políticos e econômicos, como queria Kruschev. A com- antagonismo ideológico, escancaram‑se as comportas que
petição militar deixava de ser racional a partir do momento continham as forças impulsionadoras do câmbio.

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O período de doze anos do pós‑Guerra Fria (1989-2001) Um dos seus corolários é que a política e a estratégia
possui, assim, duas características principais: a solução rápi- voltaram, como em tempos de guerra, a ganhar total priori‑
da, em cadeia, de quase todos os problemas internacionais dade sobre a economia. A criação nos Estados Unidos de um
graves, inclusive os de cinquenta anos ou mais de existência, poderoso Ministério de Segurança interior, a aprovação de
exceto quatro deles (Israel‑Palestina, Caxemira, Taiwan e leis cada vez mais restritivas da liberdade individual, o pouco
a divisão da península coreana) e, no terreno econômico, caso, inclusive por parte dos tribunais, dos direitos humanos
a aceleração da globalização. Esta tem raízes específicas de de cidadãos árabes suspeitos de ligação com o terrorismo,
natureza científico cultural  – a revolução tecnológica das o silêncio acovardado da imprensa, a intimidação dos dissi-
telecomunicações e da informática – e de caráter econômi- dentes, estão entre algumas das manifestações que põem em
co, como é o caso da internacionalização da produção pelas perigo a própria integridade das instituições democráticas.
empresas transnacionais. Não teria, contudo, se processado Evidentemente, são os Estados Unidos, alvo maior do
tão rapidamente se o espaço político‑estratégico tivesse con- terrorismo, o país onde essa evolução é mais nítida. No en-
tinuado fragmentado pelas muralhas ideológicas, uma vez tanto, tais manifestações também estão presentes, embora
que a essência da globalização é a unificação dos mercados em menor escala, no Reino Unido, em alguns outros países
em escala planetária. europeus, sem falar na Rússia – às voltas com a Chechênia – ,
Da confluência dessas duas tendências nascerá a crença em ditadores da Ásia Central ou alhures, oportunisticamente
inocente e ingênua de que o fim do socialismo se confundia empenhados em colocar a “guerra global contra o terroris-
com o fim da História, com o desaparecimento definitivo mo” a serviço de suas necessidades repressivas.
das alternativas ideológicas credíveis, capazes de compe- Quanto à economia, quem duvidaria de que ela passou
tir com a fórmula vitoriosa  – democracia representativa para o segundo plano, ao ver como se expande o déficit orça-
mais economia de mercado. No famoso ensaio sobre o fim mentário norte‑americano e o quase automatismo com que
da História, que deu expressão à inocência desses anos, se aprovam naquele Congresso bilhões de dólares adicionais
Fukuyama (1989) chegava a afirmar que, a partir daquele para a máquina de guerra ou para os organismos policiais
momento, a política se converteria em atividade monótona e de inteligência? Um outro sinal dessa baixa prioridade,
e repetitiva, em solução profissional, asséptica, científica, de assinalado muitas vezes por jornais conservadores como
problemas técnicos cotidianos. Um dos seus erros maiores o Financial Times, é a deterioração da qualidade tanto da
foi o de transpor a todo o planeta o que seria plausível, com política macroeconômica como da equipe encarregada de
boa dose de otimismo, para o circunscrito espaço da cultura executá‑la. Estão longe os dias de Clinton, quando a econo-
de algumas sociedades mais evoluídas do Ocidente e das mia era a chave da ação governamental e estava nas mãos
áreas profundamente ocidentalizadas. Admitia, é certo, que, competentes de pessoas como Rubin ou Larry Summers.
na periferia do sistema ocidental e fora dele, os  conflitos Os praticantes das relações internacionais sabem que
continuariam e poderiam envolver episodicamente os países o poder tem a tendência de jamais permanecer ocioso. De
centrais. Estava implícito, todavia, em seu raciocínio, que acordo com essa verdade nunca desmentida, a  ninguém
tudo isso era irrelevante e não afetaria de forma perceptível surpreenderá que os norte‑americanos deixem‑se tentar
o tédio confortável dos civilizados. Havia nessa concepção pelo uso e abuso unilaterais do desmesurado poder militar
um curioso prolongamento da visão de mundo de gregos e que acumularam, a ponto de torná‑los praticamente invul-
romanos, para os quais só existiam, fora do espaço civiliza- neráveis contra adversários mal armados e de fazer com que
tório do Mediterrâneo, bárbaros a conquistar ou a ignorar. os benefícios das guerras ultrapassem de longe seus custos
O  autor dessas elucubrações não percebeu que as forças em vidas humanas (as próprias, não as alheias).
globalizadoras, não esquecendo as tecnológicas, trariam os O resultado inevitável é a militarização da política ex-
bárbaros cada vez mais para dentro, para o coração mesmo terna, o  reflexo de usar a força militar para resolver até
do sistema, ainda que como inimigos. Nem desconfiou que, problemas que requerem meios mais diferenciados. Ganhar
do rincão mais remoto e inesperado, da periferia da peri- guerras contra países de quinta ou sexta categoria, como o
feria, das montanhas do Afeganistão, procederia o ataque Iraque e o Afeganistão, é fácil. As dificuldades começam ao
vicioso que seria capaz de pôr de cabeça para baixo todas tratar de reconstruir instituições viáveis ou a infraestrutura
as previsões de calmaria inalterada e perpétua, liquidando, e a economia demolidas pelas bombas “inteligentes”. Nun-
de uma vez por todas, com a inocência do pós‑Guerra Fria. ca como no Iraque foi tão contundente a verdade da frase
Um outro tipo de inocência iria, porém, nascer dos atribuída a Napoleão de que com as baionetas pode‑se fazer
atentados contra Nova York e Washington, assim como da tudo, menos se sentar em cima delas.
devastadora reação norte‑americana contra o Afeganistão Se o unilateralismo no uso do poder é a segunda marca
e o Iraque: a tese superficial do novo Império Romano, distintiva da corrente etapa da vida internacional, a terceira é
a ideia ingênua de que o poderio militar dos Estados Unidos, o aprofundamento das divergências que acarreta. À medida
somado a seus recursos econômicos, lhes permitiriam fazer que os Estados Unidos embarcam, mais e mais, num curso
o que bem entendessem, inclusive dando plausibilidade de ação unilateral, em desafio da Carta das Nações Unidas,
a projetos bizarros como o de recriar o Iraque e o mundo das exortações do Papa, da opinião pública mundial, desa-
árabe inteiro à imagem e semelhança do modelo ianque. parece a unanimidade da reação solidária dos primeiros
A segunda camada de inocência durou menos ainda que a dias após os atentados, que é substituída por temor, rejei-
primeira e começou a ser descascada e jogada fora tão logo ção, antagonismo. Contra o governo dos talibãs e do seu
Política e Segurança

se concluiu a fulminante e fácil vitória contra inimigo fraco, confessado apoio ao terrorismo, não foi difícil arrebanhar
desorganizado e incompetente. aliados. As coisas mudam de figura após o discurso sobre o
Transcorridos dois anos dos ataques terroristas, a radi- “eixo do mal” e a deliberada e obstinada decisão de atacar o
calidade e provável irreversibilidade das transformações são Iraque, com ou sem mandato das Nações Unidas ou amparo
cada vez mais evidentes. A primeira delas, de caráter sistê- do Direito Internacional, sem prova da existência de armas
mico, tendente a alterar a estrutura mesma da organização de destruição maciça ou de colusão com a rede terrorista,
das sociedades, é o súbito, intenso e contínuo reforçamento sem argumento nenhum para justificar o sacrifício de vidas
do poder do Estado, sua afirmação crescente perante o inocentes em nome de um inaceitável e perigoso direito
mercado e a sociedade civil. de ataque preventivo. A  repulsa a uma guerra gratuita e

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desnecessária mexeu com as emoções das multidões e as A heterogeneidade abarca larga gama de contrastes,
manifestações de centenas de milhares de pessoas trocaram que vão do cinza claro ao negro escuro, das divergências
o alvo da globalização, substituindo‑o pela luta pacifista. dentro do mesmo espaço civilizatório ocidental até a re-
Os Estados Unidos venceram mas não convenceram. O dano jeição absoluta e implacável de tudo que é ocidental por
ao princípio da segurança coletiva, à Carta das Nações Unidas parte do fundamentalismo islâmico, o sucessor que ocupou
como fonte maior da legitimidade internacional foi incomen- o lugar, nos pesadelos norte‑americanos, do desaparecido
surável. Não foi menor o choque que fraturou e paralisou o bicho‑papão comunista.
Conselho de Segurança, o “racha”, talvez insanável, da Otan Se é certo que, em boa parte do planeta, a  maioria
e da Aliança Atlântica. prefere hoje a democracia como o melhor sistema de or-
Incomparavelmente maior do que a tensão gerada ganização política da sociedade e o mercado como a forma
pela condenação do presidente Eisenhower à malfadada descentralizada e mais eficiente de organizar a economia,
intervenção franco‑britânica contra o Egito de Nasser em não é menos certo que, dentro de fórmulas genéricas e
1956, esse é, sem dúvida, o mais grave conflito no interior esquemáticas como essas, coexistem, com certa tensão,
do mundo atlântico e ocidental, a  mais séria divergência variedades diferentes de democracias e de capitalismos.
jamais registrada do tipo Oeste‑Oeste. É possível que mar- Não falta mesmo, na corrente tendência ao aumento da
que o irremediável crepúsculo de uma aliança atlântica à heterogeneidade, o componente importante da diferencia-
procura de um inimigo desde que se dissolveu o espectro ção nos critérios de legitimidade.
da ameaça soviética. Há quem creia que não passa de um Isso é mais palpável no que tange à legitimidade inter-
desquite passível de reconciliação, mais que de um divórcio nacional, na centralidade atribuída ou negada à Carta das
incurável. Alguns indícios fazem pender para a segunda hi- Nações Unidas, à aceitação, por quase todos, ou rechaço,
pótese. Não é apenas a iniciativa da França, da Alemanha, pelos Estados Unidos, dos grandes consensos universais: a
da Bélgica, de Luxemburgo, de criarem o núcleo incipiente Corte Penal Internacional, o Tratado contra as Minas Pesso-
do quartel‑general de coordenação de uma força de defesa ais, a Convenção da Biodiversidade, o Protocolo de Kyoto.
europeia independente da Otan. Por trás dessa medida Ela dá, todavia, os primeiros sinais de querer estender‑se ao
concreta, percebe‑se um estranhamento cada vez maior terreno doméstico em áreas como a da plutocratização do
entre as duas margens do Atlântico, que vai da maneira de sistema político norte‑americano, do grau de repressão das
organizar a economia – agressivamente competitiva e con- liberdades individuais em nome do combate ao terrorismo,
centradora nos Estados Unidos, mais consensual e sensível da agressiva invasão do domínio público por seitas religiosas
à proteção social na Europa – , passando pela atitude em fanáticas e intolerantes.
relação à posse de armas de fogo, aos valores e preferências A fase de convergência e consenso facilitou e impulsionou
culturais, ao tempo maior ou menor dedicado ao trabalho, a solução de inúmeros problemas internacionais. Em sentido
às férias, ao lazer, ao aumento da influência do dinheiro na oposto, a volta da heterogeneidade e da imposição do domí-
vida política até ao favorecimento ou oposição à pena de nio dos poderosos faz recrudescer os conflitos. Quando os
morte. Sem esquecer, não é preciso dizer, os contrastes de Estados Unidos destroem o governo de um país débil como
concretos interesses econômicos e comerciais, a competição o Iraque mas recuam diante da Coréia do Norte porque esta
em relação a mercados, contratos e áreas de influência, tudo é bem armada e talvez tenha a bomba nuclear, em vez de
intimidar e desencorajar os outros fora‑da‑lei, provocam a
aquilo que os velhos marxistas chamavam de rivalidades
reação contrária, a conclusão de que só a posse de armas
intra‑imperialistas.
atômicas confere algum grau de invulnerabilidade.
Algumas décadas após a previsão de Karl Deutsch (1956)
Ao esmagarem países fracos com sua demolidora tec-
sobre a emergência gradual de uma “comunidade de se-
nologia militar, estimulam os adversários a recorrerem ao
gurança não‑amalgamada” no Atlântico Norte, a deriva na
terrorismo, clássico refúgio dos que não podem aspirar a
direção oposta foi tão longe que um autor recente, Robert
um combate aberto contra uma superioridade inigualável.
Kagan (2003), sugere estarmos testemunhando de novo a Quem se arroga o direito unilateral de um ataque preventivo
repetição da separação gradual e mais ou menos amigável contra um perigo incerto e duvidoso como o de Bagdá não
entre o Império Romano do Ocidente e do Oriente, entre deve se surpreender quando outros, a Índia, por exemplo,
Roma e Constantinopla, nos anos após a morte de Constan- em relação ao Paquistão, cogita de empregar remédio similar
tino. A hipótese é sedutora e pode conter alguma pitada de contra o perigo, no seu caso, muito mais imediato e concreto.
verdade. De fato, as duas metades do Império afastaram‑se De maneira geral, o unilateralismo do poder, a banalização da
não por efeito de uma guerra interna mas porque romanos guerra e da violência, a militarização da diplomacia, possuem
e gregos, falando línguas diversas, desenvolveram hábitos, uma persuasiva capacidade de demonstração e fazem por
gostos e valores distintos, ao mesmo tempo que se diferen- todo o lado discípulos e imitadores. A paz é contagiosa, mas
ciavam seus inimigos e interesses estratégicos. A  ruptura a guerra e a violência também o são.
provou ser duradoura, estendeu‑se mais tarde à Igreja Cristã É o que se tem visto nos últimos meses com a intensi-
e nada, nem a ameaça dos árabes no Ocidente, nem a dos ficação da repressão na Chechênia, o susto de um choque
turcos no Oriente, foi capaz de fechar a ferida. nuclear entre Índia e Paquistão a propósito da Caxemira,
A exacerbação das diferenças é, no entanto, fenômeno de o  fantasma de uma devastadora renovação da guerra da
implicações muito mais amplas do que o antagonismo entre, Coréia e a alarmante espiral de brutalidade entre palesti-
Política e Segurança

de um lado, o  coração das terras europeias  – o miolo do nos e israelenses. Dos litígios com meio século ou mais de
Império de Carlos Magno, as regiões que hoje chamamos de existência, o mais perigoso é o do Oriente Médio, em razão
Alemanha, França, Bélgica, Luxemburgo, que se chamavam, de sua capacidade de desestabilizar e incendiar uma região
no ano 800, de Nêustria e Austrásia – e, de outro, as “ilhas”, de importância geoestratégica crucial pela situação geo-
em sentido geopolítico – Inglaterra, Estados Unidos, a peri- gráfica e pelo petróleo, bem como devido à maneira como
feria mediterrânea, nórdica, oriental. Esse recrudescimento afeta a política interna da superpotência norte‑americana
das divisões e das oposições revela, no fundo, algo mais e centenas de milhões de muçulmanos no mundo inteiro.
significativo: o retorno da heterogeneidade, após um breve É tão evidente essa relevância que muita gente acreditou
interlúdio de convergência. descobrir, por debaixo dos motivos formais alegados para

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destruir Saddam Hussein, a  intenção oculta de remover A reação antiterrorista está em vias de alterar essa pro-
um regime que constituía obstáculo de primeira ordem ao pensão liberalizadora. Não se registram ainda retrocessos
encaminhamento de solução pacífica para esse problema. dramáticos em relação às conquistas recentes no comércio,
O esmagamento da ameaça latente de Bagdá, seu retor- na liberalização dos movimentos de capitais e investimen-
no à posição de colaborador do Ocidente, conforme havia tos, mas se multiplicam as leis, regulamentos e medidas
sido antes da destruição da monarquia em 1958, o salutar governamentais para aumentar, não afrouxar, os controles
efeito intimidatório sobre outros insubmissos como o Irã e e intensificar a vigilância. A obsessão com a segurança, que
a Síria, a pressão para a Arábia Saudita entrar na linha justa, toma hoje conta dos Estados Unidos, com reflexos mais fracos
tudo isso, suspeitava‑se, era parte do plano para isolar e em outros países, está aos poucos tolhendo a liberdade de
neutralizar Arafat, obrigando os palestinos, desprovidos passagem e, se ainda não a empurrou para trás, ao menos
previamente de qualquer apoio, a engolir, num acordo de deteve seu progresso. A alfândega norte‑americana já tem
paz, incomparavelmente menos do que haviam rejeitado inspetores para verificar contêineres em vinte megaportos
em Camp David. estrangeiros, com a agravante de que as importações prove-
Esse era seguramente um dos intuitos, ao  menos dos nientes dos portos excluídos ficam sujeitas à maior demora
ultrarreacionários, imprópria e eufemisticamente intitulados de internação. Lei recente criou toda uma parafernália com-
neoconservadores, próximos ao Likud. Toda a conversa fiada plicada e custosa para o comércio de produtos biológicos.
dessa gente a propósito de converter o Iraque pós‑Saddam Tornou‑se com frequência humilhante e, por vezes,
numa versão islâmica do Japão reeducado por MacArthur demorado e penoso viajar até em simples trânsito pelo
e de usar o modelo para recauchutar no mesmo sentido as território ianque e, nesse domínio, há países cujos cidadãos
escleróticas monarquias do Golfo não passava disso: camu- são francamente hostilizados, esperando‑se obstáculos mais
flagem de empreitada para impor, pela mediação armada, severos no futuro.
uma solução ao Oriente Médio. Um dos pressupostos da globalização era de que a
O road map apadrinhado por Bush poderia ser inter- sede ou a nacionalidade de uma empresa transnacional
pretado como versão edulcorada apontando nessa direção. não interessava a ninguém, pois todas atuariam com igual
Esfacelou‑se, contudo, contra a realidade intratável da região desenvoltura num espaço livre e globalizado.
onde qualquer cálculo acaba estraçalhado pela engrenagem Se isso alguma vez foi verdade, o que duvido, já agora
do terrorismo e contraterrorismo. Fica a cada dia menos plau- não o é mais. A Lei Sarbanes‑Oxley, votada para pôr cobro
sível que os norte‑americanos se disponham aos sacrifícios aos escândalos das bolsas e da “contabilidade criativa”,
prolongados necessitados por um papel de mediador armado estabeleceu requisitos e prevê penas draconianas para os
capaz de destruir tal engrenagem, sobretudo quando sua responsáveis por companhias mesmo estrangeiras, desde
condição preliminar, a reconstrução democrática do Iraque que sejam listadas nas bolsas dos Estados Unidos. Prepara‑se
e o disciplinamento dos outros países turbulentos da área, seriamente uma legislação para castigar com mudanças do
afigura‑se tarefa provavelmente impossível e, na melhor das sistema de impostos as empresas de origem norte‑americana
hipóteses, fora do alcance dos recursos humanos e econô- que emigraram off‑shore a fim de escapar ao fisco. A con-
micos que os Estados Unidos estão dispostos a empenhar. clusão é uma só: o nacionalismo econômico volta a ser res‑
Antes de entrar mais a fundo no exame específico da peitável, de modo similar e paralelo à volta do nacionalismo
contabilidade dos custos e de sua relação com a conjuntura político, do patriotismo estratégico, manifestações diversas
da economia norte‑americana e mundial, seria útil lançar um da afirmação do poder do Estado sobre os mercados e da
rápido olhar à macroestrutura da economia contemporânea, prevalência da política e estratégia diante da economia e
o que se convencionou chamar de globalização. do comércio. Aliás, após os atentados de setembro, o que
Como todo mundo, inclusive eu mesmo, já deu sua salvou a economia não foi o livre jogo das forças do mercado,
interpretação sobre as origens e as características desse como gostariam de sonhar os liberais, mas a injeção maciça
fenômeno de mil formatos e cores, escuso‑me de maiores de recursos financeiros no sistema e uma bem coordenada
prolegômenos e vou direto ao grão, como dizem os argenti- redução dos juros por todos os bancos centrais dos países
nos. A quarta marca distintiva da fase histórica atual é o golpe avançados, iniciativas levadas a efeito pelo Federal Reserve
severo que a “Quarta Guerra Mundial”, no dizer exagerado (FED), portanto, pelo Estado.
de comentaristas norte‑americanos, isto é, a “guerra” con‑ Não é segredo que a primeira globalização, a da era vi-
tra o terrorismo, assentou contra a tendência globalizante. toriana, de 1870 a 1914, acabou devido à Primeira Grande
Com efeito, a essência definidora da globalização é a ideia Guerra e da exacerbação dos nacionalismos que se seguiu,
de que as fronteiras nacionais podem continuar no lugar tornando os europeus saudosos dos tempos que, exceto na
onde sempre estiveram, uma vez que perderam a impor- autocrática Rússia imperial, cruzavam as fronteiras sem exibir
tância: é como se não existissem. No mundo dos sonhos dos passaporte. Seria exagero anunciar que a história repetiu‑se,
globalizadores, as transações econômicas, os intercâmbios mas, guardadas as proporções, não há como negar que o
de produtos, serviços, empréstimos, investimentos etc. se retorno da primazia da segurança nacional e o aumento da
fariam sem entraves, não tanto de um lado a outro das fron- frequência das guerras são, em longo prazo, incompatíveis
teiras (cross‑border), mas acima, sobre elas (trans‑border), com um movimento desejoso de unificar os mercados em
da mesma forma que os “bips” eletrônicos, portadores da escala planetária.
informação e sustentáculos da globalização, passam invisíveis Esse grave e inesperado obstáculo chega em péssima
Política e Segurança

pelas fronteiras, carregados pelas ondas, sem serem perce- hora para a globalização, que já vinha enfrentando, desde
bidos pela alfândega ou pela polícia de imigração. 1995, três ameaças maiores:
Não é preciso dizer que essa decantada porosidade das 1. Fracasso de concluir as negociações e/ou providên-
fronteiras para todo tipo de passagem nunca deixou de ser cias que faltavam para completar o marco jurídico
seletiva, excluindo, ao menos parcialmente, as pessoas dese- internacional ideal às transações globais – a abolição
josas de imigrar ou de se refugiar e a tecnologia, protegida a de todas as barreiras ao comércio de bens e serviços,
unhas e dentes. Até o 11 de setembro, todavia, não é demais a  aprovação de um tratado internacional sobre a
sustentar que ficava cada vez mais fácil viajar como empre- liberdade de investimentos, a plena liberalização da
sário ou turista, investir no exterior, emprestar ou cobrar de conta‑capital do balanço de pagamentos, proibindo
países estrangeiros, vender ou importar produtos e serviços. qualquer controle de capital.

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2. Aparecimento, a  partir da crise mexicana de 1994- sob pressão (perdeu mais de 25% do valor diante do euro
1995, de crises monetárias e financeiras cada vez mais desde abril de 2002). Com os dois déficits, o orçamentário
frequentes. e o externo, a caminho de 5% ou 6% do PIB, é preciso muito
3. Articulação, em dimensão mundial, de crescente mo- esforço de imaginação (ou desconhecimento das limitações
vimento de opinião pública e de setores organizados econômicas) para supor que, após o Afeganistão e o Iraque,
da sociedade civil contra os aspectos mais daninhos os Estados Unidos podem continuar impunemente a invadir
da globalização. outros países.
O primeiro ato da tragédia iraquiana, a Guerra do Golfo
A mais importante dessas ameaças é, sem dúvida, a se- de 1991, custou cerca de US$60 bilhões, quase inteiramente
gunda, que divide a década de 1990 praticamente ao meio. suportado pelo Kuwait, Japão, Alemanha e Arábia Saudita.
Com o recuo do tempo, é possível afirmar que o momento O do segundo ato, unilateral e ainda em curso, já está muito
de avanço mais acelerado da onda globalizante situa‑se mais elevado, sendo pouco provável que outros governos se
entre a derrocada do Muro de Berlim e o ano de 1994, voluntariem para partilhar a conta. Não há nenhum prece-
quando se funda a Organização Mundial do Comércio (OMC), dente histórico de país que tenha desempenhado o papel
primeira organização econômica internacional do período de xerife‑mor global com um imenso déficit no balanço de
pós‑Guerra Fria e apogeu da globalização. Depois de atingir pagamentos. No auge do imperialismo britânico, por exem-
o topo, começa a descida da encosta, empurrada pelas crises plo, Londres acumulava enormes saldos em conta corrente,
monetárias e financeiras, fenômenos que não predestinam ano após ano.
necessariamente a globalização a um fim certo e prematuro, É ainda mais sombrio o panorama quando se considera
mas lhe revelam sua intrínseca mortalidade. o longo prazo.
Não quero com isso sugerir que a globalização vá acabar, Dois economistas respeitados, J. Gokhale, do FED de
pois continuam intactas as duas principais forças responsá- Cleveland, e K. Smetters, ex‑secretário adjunto de política
veis pela sua propagação: o impacto da revolução tecnológica econômica do Departamento do Tesouro, calcularam o valor
em telecomunicações e informática para encurtar o tempo atualizado de toda a receita futura que o governo pode espe-
e baratear o custo da comunicação, ao lado da distribuição rar receber até 2030, comparando‑a com o valor atualizado
e da coordenação da produção pelas transnacionais em de todas suas obrigações financeiras, incluindo os benefícios
localidades geográficas separadas e às vezes distantes umas da Social Security (Previdência Social) e Medicare dos 77
das outras. Não obstante, é nítido que o impulso avassala- milhões de baby boomers que estarão todos aposentados
dor do avanço da globalização, que os norte‑americanos naquele ano. O rombo é de um espantoso US$44 trilhões!
chamam de momentum, foi indiscutivelmente quebrado. Nesse distante ano, a população idosa do país terá dobrado
É possível que circunstâncias futuras diferentes permitam de tamanho, ao passo que o número de trabalhadores ativos
retomar o movimento, mas não se veem por ora indícios de e contribuintes apenas se expandiria em 18%.
que isso esteja para acontecer. É sugestivo, a esse respeito, Outro estudo impressionante vem sendo conduzido
notar como o governo Bush, em geral, e o presidente, em por George Magnus, economista‑chefe da firma financeira
particular, praticamente jamais entoam loas à globalização, UBS Warburg, e seus colegas. Partindo de definição ampla
ao contrário de Clinton. Nem é surpreendente esse silêncio, do orçamento militar – defesa externa mais segurança do-
já que o governo atual é fundamentalmente nacionalista e o méstica, programas de ajuda, reconstrução, entre outros – ,
nacionalismo não faz boa liga com a globalização. a análise indica que as despesas militares norte‑americanas
Em termos de curto prazo, tanto a economia norte‑ame- atingiram seu ponto culminante nos anos de 1950: 10% do
ricana como a europeia seguem apresentando crescimento PIB. Daí deslizaram para 5% a 6% nos anos de 1980 e, como
anêmico, acompanhado recentemente por sinais de recupe- resultado do “dividendo da paz” após o fim da Guerra Fria,
ração um tanto alentadores mas contraditórios e incertos. chegaram a 3% no ano 2000, com previsão, na época, de que
O relatório de 2003 do Bank for International Settlements continuariam a diminuir. Os atentados terroristas reverteram
(BIS), de Basiléia, resumiu a situação dizendo que “um padrão bruscamente a tendência, projetando o estudo de Magnus
de expectativas irrealizadas tem sido a norma ao menos nos (apud Beattie, 2003) de que essas despesas tendem a do-
últimos anos”. Efetivamente, em 2001 e 2002, as previsões brar os correntes 3,5%, podendo alcançar de 8% a 9% do
de crescimento provaram pecar por otimismo excessivo, e o PIB. Nessa hipótese, os impostos teriam de sofrer aumento
padrão tem se repetido em 2003. brusco, os  gastos internos precisariam ser comprimidos a
Um dos analistas conhecido pela cautela, Kurt Riche- níveis politicamente insuportáveis ou o déficit orçamentário
bächer, assevera que [...] a história real e perturbadora sobre explodiria a alturas vertiginosas.
a economia dos EUA é que, com todos seus desequilíbrios, Projeções similares podem ser feitas para o número de
ela atingiu o estágio no qual requer estímulo fiscal e mone- tropas necessárias.
tário maciço e permanente para lograr apenas uma resposta Com os compromissos presentes no Iraque, no Afeganis-
tépida e para prevenir deflação em consequência de suas tão e em outros lugares, as forças norte‑americanas já estão
várias bolhas (apud Coggan, 2003). esticadas até um ponto próximo à ruptura, tendo o governo
Três anos após o superávit orçamentário de US$240 sido obrigado a prorrogar o tempo de serviço dos reservistas
bilhões, o déficit ultrapassa os US$400 bilhões, sem contar da Guarda Nacional a um custo político considerável.
os US$87 bilhões adicionais solicitados pelo presidente. Em Se houvesse novas aventuras militares, conforme se
Política e Segurança

vez do excedente fiscal de US$5 trilhões a US$6 trilhões, previa quando Bush fez seu discurso sobre o “eixo do mal”,
previsto alguns anos atrás para a década que termina em a deterioração desse quadro seria assustadora. Basta ima-
2013, as estimativas agora vão de um déficit de US$1,8 trilhão ginar, por exemplo, o  cenário apocalíptico de uma guerra
(Congressional Budget Office) a US$4 trilhões (economistas contra a Coréia do Norte, cuja artilharia atinge facilmente
não‑governamentais). O  déficit externo está em cerca de uma cidade de vários milhões de habitantes como Seul!
US$600 bilhões anuais, exigindo financiamento de fora na Convém lembrar que, após o conflito do Vietnã, os Estados
base de US$2,7 bilhões por dia. A  dívida externa líquida Unidos aboliram o recrutamento militar obrigatório, passan-
chegou a US$3 trilhões e segue crescendo, requerendo cada do a depender de forças armadas profissionais de efetivos
vez mais recursos estrangeiros, posição precária com o dólar voluntários, atraídos, em boa medida, por vantagens como a

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possibilidade de financiamento para prosseguir os estudos 22/03/2017 – Um motorista avança com um carro contra
nos Estados Unidos ou adquirir a cidadania norte‑americana, pedestres na ponte Westminster, no coração de Londres,
no caso dos recrutas de origem hispânica ou imigrantes de matando duas pessoas. Em seguida, ele esfaqueia e mata um
outras nacionalidades. policial nos arredores do Parlamento britânico, antes de ser
Daí a composição dessas forças ser cada vez mais domina- baleado e morto por policiais.
da por pessoas originárias de minorias pobres, basicamente 22/05/2013 – Em Londres, um soldado é morto na rua
hispânicos e negros. A expansão permanente do papel militar a golpes de faca e machadinha. Os dois autores do crime
dos Estados Unidos no mundo exigiria certamente um difícil fogem. A polícia prende os homens, dois britânicos conver-
retorno à conscrição, hipótese mais plausível em época de tidos ao islamismo.
guerra prolongada, quente ou fria. 07/07/2005  – Em Londres, quatro terroristas suicidas
detonam bombas em suas mochilas, quase ao mesmo tem-
Cronologia do terrorismo após o 11 de Setembro po, dentro de um ônibus e do metrô, matando 52 pessoas
e ferindo 700.
Desde os atentados em 11 de setembro de 2001, o ter-
rorismo islâmico assusta o mundo. De Nova York a Londres, Bélgica
reveja os principais ataques dos últimos 15 anos, nos Estados 22/03/2016 – Terroristas suicidas detonam várias bom-
Unidos, na África, na Ásia e na Europa. bas no aeroporto de Bruxelas e numa estação de metrô,
Após os ataques de 11 de setembro de 2001, o mundo matando 32 pessoas.
entrou na “guerra contra o terrorismo”. Dez anos depois, em
2 de maio de 2011, Osama bin Laden, mentor dos ataques Alemanha
e líder da rede terrorista Al Qaeda, foi morto no Paquistão. 19/12/2016  – Em Berlim, um tunisiano invade um
O que começou como um ataque militar contra o regime mercado de Natal com um caminhão, matando 12 pessoas.
Talibã no Afeganistão se ampliou posteriormente para a O terrorista consegue fugir, viajando através da Europa até
Guerra do Iraque. O conflito no Iraque, por sua vez, trouxe ser baleado e morto por policiais no norte da Itália, três dias
como consequência o surgimento da milícia terrorista “Es- mais tarde. O  “Estado Islâmico” assume responsabilidade
tado Islâmico” (EI). pelo atentado.
Quinze anos após o 11 de Setembro, o EI se tornou a 24/07/2016 – Em Ansbach, um refugiado sírio de 27 anos
principal ameaça mundial de terrorismo. Quase todo ato
detona explosivos presos ao próprio corpo na entrada de
terrorista – seja sangrento, malsucedido ou frustrado – tem
um festival de música, ferindo várias pessoas. O EI reivindica
conexão com a organização, mesmo no caso de atentados
responsabilidade pelo ataque.
cujos autores isolados citam o EI.
18/07/2016 – Um refugiado de 17 anos do Afeganistão
A onda mais devastadora de terrorismo tem afetado a
ataca passageiros de um trem perto de Würzburg, no sul
Ásia. Em países como Afeganistão, Paquistão, Iraque e Indo-
do país, com um machado e uma faca. Várias pessoas ficam
nésia, ataques se tornaram comuns. Na África, especialmente
Nigéria e Somália são países abalados por milícias islâmicas gravemente feridas, e o agressor é morto pela polícia durante
como Boko Haram e Al Shabaab. Na Europa, especialmente a fuga. O ataque teve, possivelmente, motivação islâmica.
França e Turquia estão na mira dos extremistas. O rapaz supostamente teria tido contato com o EI.
Veja uma lista dos mais devastadores ataques desde 11 16/04/2016 – Em Essen, três homens são feridos pela
de setembro de 2001 – com a exceção de áreas de crise e explosão de uma bomba caseira na entrada de um templo
de guerra no Iraque, Afeganistão e Síria. sikh, um deles gravemente. Os três autores do ataque, ado-
lescentes de 16 anos, são presos. Eles tinham contato com
Europa salafistas alemães.
26/02/2016 – Uma adolescente de 15 anos, alemã de
Reino Unido ascendência marroquina, esfaqueia um policial no pescoço
19/06/2017 - Uma van avançou contra fiéis que saíam da na estação central de Hannover, cidade no norte da Alema-
mesquita de Finsbury Park em Londres deixando um morto e nha. Ela tinha ligações com radicais salafistas.
dez feridos. O motorista, um homem de 48 anos, foi detido 02/03/2011 - No aeroporto de Frankfurt, um albanês de
pelas pessoas que estavam no local antes de ser preso pela Kosovo ataca, gritando a “Allahu akbar” (“Alá é grande”, em
polícia. Relatos de testemunhas indicam que o atropelamen- árabe) um ônibus do Exército americano, matando a tiros
to teria sido proposital.  A polícia confirmou que todas as dois soldados americanos e ferindo gravemente outros dois.
vítimas pertenciam à comunidade muçulmana de Londres.
O  Conselho Muçulmano Britânico qualificou o incidente França
como a “mais violenta manifestação de islamofobia até hoje”. 26/07/2016  – Em Saint‑Etienne‑du‑Rouvray, perto de
03/06/2017  – Três homens em uma van avançaram Rouen, dois homens de 19 anos invadem uma igreja durante
contra pedestres na Ponte de Londres, na região central da a missa, degolam o padre, de 86 anos, e ferem gravemente
capital britânica, atropelando dezenas de pessoas antes de se um fiel. Ambos os criminosos são mortos a tiros pela polícia.
dirigirem ao Borough Market, um local repleto de bares e res- O EI reivindica o ataque.
taurantes, e esfaquearem vários frequentadores. O ataque 14/07/2016 – No Dia da Bastilha, um islamista avança
Política e Segurança

deixou sete mortos e 48 feridos. Os suspeitos, que vestiam com um caminhão contra uma multidão em Nice, matando
coletes com explosivos falsos, foram mortos pela polícia. 84 pessoas.
23/05/2017 – Um britânico de origem Líbia realizou um 13/06/2016 –  Em Magnanville, um homem esfaqueia
ataque suicida em Manchester, após o show da cantora um policial. Segundo testemunhas, ele gritou “Allahu akbar”
Ariana Grande. A explosão deixou 22 mortos e mais de 60 durante o ataque. Depois, ele faz a mulher e o filho do policial
feridos. Mais da metade das vítimas era menor de 16 anos. como reféns e, mais tarde, mata a mulher. Forças especiais da
Foi o ataque terrorista mais mortal no Reino Unido desde polícia matam o criminoso, que já havia sido processado por
os atentados de julho de 2005. O “Estado Islâmico” assumiu crimes violentos. O presidente francês, François Hollande,
a responsabilidade. classifica ocorrido de “ato terrorista”.

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13/11/2015  – Em uma série de ataques contra bares, nadamente contra cadetes de uma academia de polícia na
restaurantes e uma sala de shows em Paris, 130 pessoas são cidade de Quetta. O EI reivindica o atentado. Em setembro,
mortas e cerca de 350, feridas. é realizado um ataque suicida em uma mesquita no noroeste
07/01/2015  – Dois terroristas invadem a redação do do país. Em agosto, uma bomba explode em Quetta, em fren-
jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, e matam 12 pessoas, te a uma clínica. Os talibãs assumem a autoria do atentado.
sendo mortos em um tiroteio com policiais. Um terceiro ex- Em janeiro, um artefato explosivo havia sido detonado em
tremista invade um mercado de produtos kosher, matando um centro de vacinação contra poliomielite.
quatro pessoas, antes de ser morto pela polícia. Páscoa de 2016 – Um ataque suicida em um parque in-
fantil em Lahore deixa 70 mortos, incluindo muitas crianças.
Espanha Dezembro de 2014 – Um ataque a uma escola militar em
17/08/2017 – Uma camionete avança contra pedestres Peshawar deixa 134 crianças mortas.
no movimentado calçadão de Las Ramblas, no centro de
Barcelona, em ataque reivindicado pelo “Estado Islâmico”. África
Horas mais tarde, atentado semelhante ocorre  na cidade
costeira de Cambrils, mas os cinco envolvidos são mortos a Nos países da África Oriental Quênia, Somália e Uganda,
tiros pela polícia. a milícia radical islâmica Al Shabaab aterroriza a população
03/01/2004 – Em Madrid, dez bombas explodem dentro durante anos. Na Nigéria, Costa do Marfim e Mali, as pessoas
de quatro trens lotados de passageiros. São os primeiros fogem do Boko Haram, e no norte da África são realizados
grandes atentados realizados por islamistas na Europa Oci- ataques contra áreas turísticas.
dental. As explosões matam 191 pessoas e ferem mais de
1.800. A rede terrorista Al Qaeda assume a autoria. Quênia
No país, pelo menos 46 pessoas morrem em atentados
Turquia entre janeiro e outubro de 2016. Membros da milícia islâmica
21/08/2016 – Em uma festa de casamento em Gaziantep, Al Shabaab invadem uma pensão, atiram em aldeões, jogam
pelo menos 54 pessoas são mortas num ataque suicida. explosivos em casas e atraem a polícia para emboscadas.
Ancara culpa o EI pelo atentado. Nenhum grupo assume a 02/04/2015 – Combatentes do Al Shabaab executam um
autoria do ataque. massacre no campus da Universidade de Garissa, no Quê-
28/06/2016 – Supostos membros do grupo terrorista EI nia. Eles entram nos dormitórios dos estudantes, alvejando
realizam um ataque no aeroporto de Istambul, matando 45 os cristãos. Quase 150 morrem, a maioria das vítimas são
pessoas e ferindo mais de 200. estudantes.
12/01/2016  – Um terrorista suicida mata 12 turistas 21/09/2013 – Terroristas mascarados invadem o luxuoso
alemães ao explodir uma bomba em uma praça em Istambul. shopping center Westgate, em Nairobi, atirando indiscrimi-
10/10/2015 – Um atentado durante uma passeata an- nadamente e matando 67 pessoas.
tigoverno em Ancara deixa mais de 100 mortos. Mais uma
vez, o EI é tido como suspeito. Uganda
11/07/2010: Em Uganda, um ataque a bomba do Al
Rússia Shabaab mata 76 espectadores da final da Copa do Mundo
31/10/2015 – Um avião de passageiros russo da com- durante uma exibição pública da partida.
panhia aérea Kolavia cai na Península do Sinai, no Egito.
O avião fazia a rota de Sharm el‑Sheikh para São Petersburgo. Nigéria
Todos os 224 passageiros, na maioria russos, morrem. O EI No norte do país, de maioria muçulmana, o grupo islâ-
reivindica o atentado. mico Boko Haram vem lutando desde 2009 para criar um
24/01/2011 – Um ataque suicida no aeroporto de Domo- Estado islâmico. Em março de 2015, o  Boko Haram jurou
dedovo, em Moscou, deixa 37 mortos e 100 feridos. lealdade ao “Estado islâmico”. Os fundamentalistas sunitas
09/03/2010 – Um atentado suicida no metrô de Moscou aterrorizam também as áreas adjacentes dos países vizinhos
deixa 40 mortos e 84 feridos. Camarões, Níger e Chade.
Na Nigéria, nos primeiros dez meses de 2016, são mortas
Ásia cerca de 200 pessoas. Muitas vezes, aldeias são simplesmen-
te atacadas. O terrorismo acontece por bombas e ataques
Indonésia suicidas, em um ataque contra um campo de refugiados,
12/10/2002  – Radicais islâmicos realizam ataques em contra mesquitas, contra mercados, procissões e em restau-
Bali. Alvos são clubes noturnos frequentados principalmente rantes. Além disso, um atentado suicida atribuído a islamistas
por turistas. Atentados matam 202 pessoas, a maioria das deixa 19 mortos em um bar no país vizinho Camarões.
vítimas é da Austrália. Janeiro de 2015 – Em um dos piores ataques, realizado
na cidade de Baga, até 2 mil pessoas foram mortas, segundo
Índia relatos da mídia, em um único fim de semana.
28/11/2008 – Mais de 170 pessoas morrem em ataques 14/04/2014 – Em Chibok, no nordeste da Nigéria, 276
de vários comandos terroristas com armas automáticas e alunas de uma escola são sequestradas pelo Boko Haram.
25/12/2011 – Em uma série de ataques contra igrejas,
Política e Segurança

granadas de mão em Mumbai.


11/07/2006  – Também em Mumbai, sete bombas ex- 39 pessoas são mortas nas cidades de Jos, Madalla, Gadaka
plodem sucessivamente em trens lotados e em estações e Damaturu.
ferroviárias. O ataque é considerado o primeiro grande ato
de terrorismo islâmico desde o 11 de Setembro. A série de Somália
ataques deixa cerca de 190 mortos e mais de 700 feridos. O país é aterrorizado pelos extremistas do Al Shabaab.
Os principais alvos dos terroristas são hotéis e restaurantes
Paquistão onde há grande número de turistas, principalmente na capital
Desde o início de 2016, mais de 170 pessoas são mortas Mogadíscio. Nos primeiros dez meses de 2016, morrem 47
em atentados. Em outubro, terroristas disparam indiscrimi- pessoas vítimas dos terroristas islâmicos.

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Tunísia base em modelos teóricos pré‑estabelecidos, mas também
26/06/2015 – Um militante do EI mata a tiros 38 turistas na aplicação de formulações geopolíticas que busquem en-
e fere 35 no balneário de Sousse. tender as constantes transformações que a região perpassa.
18/03/2015  – Jihadistas invadem o Museu Nacional Assim, este artigo trata, inicialmente, da maneira com que as
de Bardo, em Túnis, matando 24 pessoas, sendo a maioria potências europeias do século XIX efetivaram a desconstru-
turistas estrangeiros. ção do Império Otomano e criaram um Oriente Médio “aos
moldes do sistema vestefaliano”. Sublinha‑se, aqui, o fato de
AMÉRICA DO NORTE que o processo que levou ao fim do Império também contou
com fatores internos, os quais são tratados neste artigo. Na
EUA sequência busca‑se discutir como o surgimento do Estado
12/06/2016 – Um homem de 29 anos mata a tiros 49 de Israel (1948) e a bipolaridade do sistema internacional
pessoas em um clube noturno em Orlando, o qual é popular durante a Guerra Fria influíram no tensionamento regional.
entre homossexuais, antes de ser morto por forças especiais Por fim, a situação do Oriente Médio é analisada a partir da
da polícia. O atirador havia jurado fidelidade ao EI. inserção de outros atores não‑estatais (islamistas) e o quanto
02/12/2015 – Syed Farook e a mulher, Tashfeen Malik, este novo elemento contribuiu para a instabilidade da região.
matam a tiros 14 pessoas em uma festa de fim de ano em
um centro de assistência a portadores de deficiência. Os Últimos Dias do Último Império Islâmico
15/04/2013: Atentados a bomba durante a Maratona de
Boston matam três pessoas e ferem 264. O Império Otomano (1299-1923) – que suprimiu a pri-
http://www.dw.com/pt‑br/cronologia‑do‑terrorismo‑ap mazia árabe nos desígnios do Islã – , em final do século XIX
%C3%B3s‑o-11-de‑setembro/a-38093309 já se encontrava bastante fragilizado e sua unidade compro-
metida devido a ações externas e internas. Ainda que se
O Oriente Médio e seu Impacto nas Relações considere que a unidade a partir da identidade islâmica se
Internacionais configurasse em um elemento distinto e emblemático,
os atos promovidos pelos últimos sultões comprometeram
A Construção Ocidental do Oriente Médio como de modo irreversível a estabilidade e manutenção da estru-
Instrumentalização das Relações Internacionais tura política imperial. Nesse sentido, vários fatores contri-
buíram para o enfraquecimento do Império Otomano, no
O estudo da estrutura do sistema internacional é objeto entanto, o tensionamento entre árabes e turcos pelo direito
primordial das Relações Internacionais (RI). Partindo do de conduzir a comunidade muçulmana apresenta‑se como
pressuposto de que a polaridade do sistema – multipolar, o elemento interno preponderante, haja vista afetar a ques-
bipolar, unipolar, uni‑multipolar, dentre outras possibilida- tão da identidade e do direito de governar os muçulmanos.
des – influi diretamente na atuação dos atores, as Escolas de Como resultado deste embate, o nacionalismo árabe ganha-
RI construíram teorizações que ratificaram a forma com que ra força junto aos opositores do Império e apresentava‑se
se dá o processo de submissão e/ou sublevação deles. Parte como solução para suceder o modelo colocado em prática
substancial da forma com que as RI são percebidas por seus pelo sultão otomano, no entanto, sem conseguir alcançar os
teorizadores encontra respaldo em eventos históricos que resultados esperados. Durante o sultanato de Abdülhamid
foram assimilados por suas Escolas no intuito de ratificar um II (1876-1909) houve a promulgação da Constituição para o
modelo de sistema internacional composto, basicamente, Império, em 1876, mas logo foi suspensa e o sultão passou
por Estados. Nesse sentido, a Paz de Vestefália (1648) é tida a implementar sua política pan‑islâmica. Percebendo a ne-
como um paradigma de difícil transposição, pois a preser- cessidade de arregimentar os árabes muçulmanos para o
vação da soberania estatal tornou‑se condição sine qua non Império, mais que os turcos – que já possuíam ligação bas-
neste modelo. Para as RI, o  estadocentrismo configura‑se tante forte devido à descendência étnica  – Abdülhamid
no referencial primordial para se entender e analisar as utilizou o pan‑islamismo para refrear as forças nacionalistas
relações entre os atores internacionais. Evidentemente que árabes que ambicionavam a fragmentação do Império Oto-
a partir do final do século XX as Escolas construtivistas e mano. Contudo, tratou‑se de uma estratégia política que não
pós‑modernas passaram a colocar em xeque não somente alcançou o resultado esperado e fez com que o sultão par-
as questões epistêmicas, como ontológicas das RI, no entan- tisse para uma ofensiva mais enfática contra os movimentos
to, o mainstream continua considerando o Estado como o pan‑arabistas. No entanto, há de salientar que ao assumir o
ator preponderante na estrutura do sistema internacional. poder Abdülhamid deu continuidade à política de moderni-
Assim, o objetivo deste artigo é analisar a razão pela qual zação do Império que vinha sendo implantada por seus an-
as potências europeias do século XIX – que mantiveram seu tecessores através do Tanzimat. Isso se deveu à preocupação
status quo até a II Guerra Mundial – optaram por descons- do sultão frente à disparidade entre o desenvolvimento das
truir o Império Otomano e reestruturá‑lo a partir do modelo potências ocidentais e o Império Otomano, assim, a euro-
vestefaliano, contudo, preservando a supremacia ocidental peização se configurava numa tentativa de equiparação ao
na região conhecida por Oriente Médio. Ainda, demonstrar potencial do Ocidente. Com isso, colocou‑se em prática a
que na tentativa de reproduzir um sistema semelhante ao modernização do sistema de Justiça e de Administração; a
vivenciado pelos Estados europeus, a assimilação não se deu centralização do poder foi facilitada pelo uso do telégrafo e
Política e Segurança

de modo natural e a região se transformou numa zona de da construção de ferrovias; houve a repressão aos beduínos
tensão constante. Ou seja, questiona‑se a aplicabilidade do e apoio às colônias agrícolas; e, a criação de escolas primá-
modelo estadocêntrico para os Estados de maioria islâmica rias, secundárias e universidades. Entretanto, apesar da
do Oriente Médio e como as RI tratam desta questão. De imagem liberal do governo, a preservação da unidade impe-
certo modo, a partir do tratado secreto Sykes‑Picot (1916), rial sob as mesmas bases era questionável. Ainda, a tolerân-
assinado por ingleses e franceses no intuito de dividir o cia para com os não‑muçulmanos mudara de face e o enten-
espólio otomano, o  Oriente Médio ganhou importância dimento que perdurava era de que somente através da im-
substancial para as Relações Internacionais. Tal afirmação plementação de uma mudança radical seria possível manter
pode ser constatada não apenas ao analisar a região com unido o Império e evitar a ação das potências europeias.

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O projeto de Abdülhamid era ambicioso, ele buscava apro- tante fragilizado e desacreditado devido à mudança radical
ximar‑se do modelo ocidental para se proteger da ação das pela qual as diretrizes governamentais sofreram e, naquela
potências europeias. No entanto, também mantinha sua ocasião, a visão liberal do grupo se confundia com o antigo
preocupação voltada para o mundo islâmico, e, para tanto, nacionalismo de Abdülhamid – tão contestado e renegado.
pretendia que o sultão tivesse seu status modificado e pas- Ziya Gökalp, ideólogo dos Jovens Turcos, procurou analisar
sasse a ser reconhecido como califa. Entendia, por conse- onde o projeto político de seu grupo teria falhado. O ponto
guinte, que tal ato repercutiria diretamente no fortalecimen- de partida foi a idéia de que a única maneira de resolver o
to do Islã e, para tanto, não negava esforços ao expressar‑se dilema inerente ao império era lhe impor um único senti-
como o autêntico detentor das virtudes necessárias de um mento nacional; mas aos poucos tornou‑se claro que o
califa. Por sua vez, os movimentos contrários à proposta do sentimento nacional otomano não podia desempenhar esse
sultão não mais podiam ser calados. Em grande parte, porque papel, pois era demasiado fraco e artificial, e  em última
a intelectualidade muçulmana já possuía veículos para ma- análise não se baseava em nada exceto na lealdade à família
nifestar suas inquietações e desejos. Jornais e livros eram regente. No Líbano, por exemplo, onde ainda não havia uma
publicados no Cairo, em Beirute e na Europa difundindo leitura única acerca dos acontecimentos inerentes ao Impé-
ideias de desaprovação ao projeto de Abdülhamid – a influ- rio, a frustração com a mudança política dos Jovens Turcos
ência de ideologias europeias era flagrante nestas publica- serviu para reforçar um certo “nacionalismo libanês” que
ções. Alguns propunham que houvesse a transferência do surgia. A grande maioria cristã, e parte dos sunitas que ora
sultanato para o Cairo e o califado para Meca. Dessa forma habitavam o Monte Líbano, convalescidos e frustrados pela
o Islã voltaria às mãos dos árabes, haja vista congraçarem a mudança dos Jovens Turcos, convictamente assumiram que
perspectiva de que os turcos, por mais que tenham se dedi- deveriam trabalhar em prol da independência através de
cado à fé islâmica, acabaram por desvirtuá‑la. Uma segunda quaisquer meios que fossem necessários. Questionava‑se,
proposta também defendia que os poderes temporal e es- somente, se a ajuda deveria vir da Europa, onde as potências
piritual poderiam voltar a ser concentrados na figura do facilmente se prontificariam a dar suporte militar; ou se a
Califa – retomando à Meca – , aos xarifes de Meca. O ideário integração com a Síria, cujos laços históricos eram ressalta-
nacionalista também encontrava abrigo nas páginas das dos, seria a melhor maneira de iniciar o movimento de in-
publicações. Frente à instabilidade interna, a conclusão que dependência. A inquietação foi mantida até 1914, quando a
certos pensadores chegavam era de que o Islã estava em I Guerra Mundial teve início e o Império Otomano assumiu
decadência. Para tanto, apontavam para vários fatores his- o posicionamento que o levaria à ruína total. Aliado da Ale-
tóricos, mas, de acordo com Abd al‑Rahman al‑Kawakibi5 manha e do Império Austro‑húngaro, logo suspendeu a se-
(1849-1903), era evidente que [...] o Islã decaiu por causa da miautônoma de algumas províncias. Em pouco tempo a si-
inovação ilegal (bid’a), em particular da introdução de exces- tuação socioeconômica da população sofreu um forte revés.
sos místicos alheios ao seu espírito, e por causa da imitação Muitos habitantes da região foram obrigados a se alistar no
(taqlid), da negação dos direitos da razão e do fracasso em exército otomano, enquanto outros passaram a desempe-
distinguir o que é essencial do que não é [...] O Estado justo, nhar atividades estratégicas, como a derrubada de árvores
em que os homens se realizam, é aquele em que o indivíduo para a construção da estrada de ferro, além de a construção
é livre e serve livremente à comunidade, e em que o gover- de estradas de rodagem e campos de treinamento, ambos
no vigia essa liberdade, mas é ele próprio controlado pelo para fins militares. De fato, tal ação demonstrava que o
povo; isso é que é o verdadeiro Estado Islâmico6 . Retoman- Império não mediria esforços para alcançar seu objetivo,
do à questão da política nacionalista turca implementada que, naquele momento, se configurava na manutenção da
por Abdülhamid; dentro do Império e mesmo na França e unidade político‑territorial.
Itália, um grupo de oponentes ganhava a simpatia dos na-
cionalistas árabes – os Jovens Turcos. Eles atacavam veemen- A Era dos Tratados e Acordos: a Divisão do
temente o despotismo do sultão e clamavam pela volta do Mundo Árabe
regime constitucional que havia sido extirpado. Com propos-
tas que reforçavam o espírito de união dentro do Império, Enquanto os problemas internos dos otomanos aponta-
independentemente da religião confessa, representavam vam para a necessidade de revisar sua estrutura político‑ad-
uma esperança de restauração do equilíbrio para os muçul- ministrativa, na Europa, a certeza de que o Império Otoma-
manos. Assim, através de uma grande revolta, em 1908, no não manteria sua integridade territorial por muito mais
conseguiram depor o sultão e chegaram ao poder, entretan- tempo era notória; em vista disso, as potências procuravam
to, a realidade dos fatos falou mais alto do que a ideologia. estabelecer, rapidamente, acordos que lhes garantissem
Os Jovens Turcos, para colocarem em vigor a Constituição, privilégios na região. Considerando o fato de que o modelo
que era emblemática em sua proposta, deveriam partir do multipolar prevalecia na Europa desde 1815 (Congresso de
pressuposto de que todos os cidadãos do Império eram iguais Viena), e que havia a necessidade de as potências balance-
e gozavam dos menos direitos e deveres; que as diferenças arem seu poder, a ampliação da zona de influência se apre-
religiosas, mesmo entre muçulmanos e não‑muçulmanos, sentava como uma necessidade vital. Agravada, ainda mais,
não deveriam existir. Porém, não foi dessa maneira que pelo desequilíbrio gerado pela inserção da Alemanha  – a
ocorreu. Para a manutenção do Império, que também era partir de sua unificação, em 1871 – como potência. Assim,
parte integrante do projeto dos Jovens Turcos, houve a ne- o Império Otomano se configurava numa zona de disputa
Política e Segurança

cessidade de preterir os demais cidadãos do Império em por parte das potências europeias, devido, inclusive, à difi-
benefício dos turcos. Essa prática se fazia necessária por culdade dos sultões de controlarem seu território. Frente a
acreditar‑se, mesmo que de maneira indireta, que a relação este cenário, em 1916, França e Grã‑Bretanha assinaram um
com o Império estaria mais enraizada no turco do que em acordo secreto que passou a ser conhecido como Sykes‑Picot.
outro cidadão qualquer. Também, para a manutenção do O Acordo almejava contemplar os interesses das potências
Império não poderiam abrir mão da centralização adminis- e cristalizar o poder que já era exercido de maneira indireta
trativa, o que ia de encontro à ambição das várias províncias por elas. Com isso, determinavam‑se duas formas de atuar
que buscavam com veemência a autonomia. Ao  final do na região: “diretamente” e através das “zonas de influência”.
governo dos Jovens Turcos, em 1913, o Império estava bas- Para que houvesse a anuência da Rússia no acordo, as regi-

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ões da Anatólia e Pérsia ficaram fora das negociações, sendo pago, e [...] this price was to be significantly heavier as the
citadas como de administração internacional, conforme Maronites (que defendiam mais claramente a independência
salienta o segundo parágrafo do acordo: [....] that in the libanesa e criação de uma nacionalidade própria) had acti-
brown area there shall be established an international ad- vely solicited the help of France to achieve their ends; even
ministration, the form of which is to be decided upon after more so, because they had knowingly exhibited a marked
consultation with Russia, and subsequently in consultation insensitivity to Arab frustrations around then. In October
with the other Allies, and the representatives of the Shereef 1918, when France forces landed in Beirut to put an end to
of Mecca. Evidenciava‑se, desse modo, o interesse da Rússia the short‑lived Arab government of Sharif Faysal (governan-
em futuramente expandir seu território e/ou sua zona de te nomeado pelo sultão) there, Maronites and other Chris-
influência assim que ocorresse a derrocada do Império Oto- tians waving French flags had cheered their arrival at the
mano. DIVISÃO DO ORIENTE MÉDIO – ACORDO SYKES‑PICOT port, hailing France as the “tender, loving mother” (Arabic,
Fonte: Palestinian Academic Society for the Study of Inter- al‑umm al‑hanun) who was to be their saviour. Na Europa,
national Affairs (PASSIA) adaptado. (Revista Esboços, Floria- as  potências, além de utilizarem manobras políticas para
nópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out. 2015) A intenção das exercerem seu domínio sobre o Oriente Médio, também
potências  – França e Grã‑Bretanha  – de fragmentarem o criavam mecanismos para ampliar suas possessões na África
poder na região do Oriente Médio era notória, haja vista esta e Ásia. E, com o intuito de angariar o apoio dos judeus para
estratégia contribuir para enfraquecer o sultão e mesmo os seu projeto nacional, a  Grã‑Bretanha passou a defender
vínculos produzidos pela religião islâmica. Por mais que oficialmente a proposta de criação de um lar‑nacional judai-
houvesse, e há, diferenciações entre os diversos segmentos co na Palestina. Contando com o aval da Coroa britânica, em
do Islã, o receio de a ummah – comunidade islâmica – con- 2 de novembro de 1917 houve a divulgação da Declaração
tinuar integrada era algo latente e que deveria ser superado. Balfour, um documento polêmico, pois anunciava a intenção
Para isso, se fazia necessário satisfazer as lideranças locais de criar um Estado sem que a comunidade árabe que habi-
que estavam alinhadas aos interesses britânico e francês. tava a região da Palestina fosse consultada. Nesse sentido,
Desse modo, como parte do Sykes‑Picot, os britânicos fizeram apesar de a proposta não ter um caráter inicial sectarista,
com que a região ora conhecida como Arábia Saudita ficasse haja vista declarar que “[...] o governo [britânico] via com
fora da zona de atuação das potências devido, também, bons olhos o estabelecimento de um lar nacional judeu na
a acordos paralelos firmados com lideranças locais. Apart Palestina, contanto que isso não prejudicasse os direitos
from its agreement with France over the partition of the Arab civis e religiosos dos outros habitantes do país [os palesti-
provinces of the Ottoman Empire, Britain had made promises nos]”, o caminho que seguiu para ser implementado demons-
during the war to other parties concerning the same area. trou a incompetência político‑administrativa dos britânicos
In central Arabia, there was a standing British alliance with como mandatários da região da Palestina ou sua parcialida-
Abdul‑Aziz Ibn Saud, the Wahhabi Emir of Riyad who was de ao tratar com judeus, em detrimentos dos palestinos.
subsequently to become the founder of the kingdom of El‑Alami entende que os britânicos, com seu jogo duplo,
Saudi Arabia. Wahhabism was a movement of militant Islamic estivessem preocupados com os rumos que a I Guerra Mun-
religious revival which had appeared in central Arabia in the dial poderia tomar e, por isso, tentavam atender a todos, no
middle decades of the eighteenth century, and the house of entanto, expressa que “[...] no começo de um século que as
Saud had been politically associated with it since that time. populações nativas estavam começando a se libertar da
In conflict with this British‑Saudi alliance was the wartime opressão da influência colonial estrangeira, estava sendo
alliance reached between Britain and Sharif Husayn, the Emir incubado o esquema mais calculado para o estabelecimento
of Mecca, who enjoyed a special Arab and Islamic prestige artificial de uma população [judaica] que chegava [à (Revis-
as a recognized descendant of the Prophet, and whose fa- ta Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out. 2015)
mily were called the Hashemites. No entanto, conforme Palestina]”. O posicionamento assumido pelo governo britâ-
Salibi expõe, a divisão do Oriente Médio em cinco Estados nico em prol do estabelecimento de um lar‑nacional judaico
artificiais não foi algo facilmente assimilado pelos árabes. na Palestina teve repercussão em graus variáveis nas diver-
Contudo, a relação de quatro deles – Síria, Transjordânia, sas localidades do Oriente Médio, no entanto os árabes viram
Iraque e Palestina – em comparação ao Líbano foi diferen- com muita preocupação tal posicionamento imperialista.
ciada. Isso porque não havia uma proposta clara para os Inclusive devido ao fato de que, durante as negociações de
demais países recém‑criados de se transformarem em esta- Paz em Versalhes (1919), a Organização Sionista Mundial ter
dos independentes, haja vista, dentre eles, haver o forte ambicionado um traçado diferente do que resultou para seu
ideal do nacionalismo árabe. No entanto, quando o Líbano território, conforme nos é apresentado por Brichs: Los pri-
despontou como um Estado independente e deslocou‑se do meros proyectos de la Organización Sionista Mundial ya di-
restante da comunidade árabe, a repercussão por parte dos bujaban unas fronteras que abarcaban desde el norte del
demais Estados foi bastante negativa. A aceitação de uma Litani hasta el este del Jordán, precisamente para conseguir
nacionalidade libanesa, acima da árabe era algo inconcebível el control de los recursos hídricos de la región y evitar la
para grande parte dos habitantes dos recém‑formados Es- posible dependencia del exterior. Sin embargo, el primer
tados. Por sua vez, os  muçulmanos que viviam no Líbano mapa político de la región tras la creación del Estado de Is-
passaram a conviver com a forte tensão de como seriam rael no siguió el trazado de las aspiraciones sionistas de
tratados diante da nova situação que estavam assumindo. principios de siglo 17. À parte a dimensão catastrófica que
Política e Segurança

Em parte, esse receio advinha do forte apoio que a França a ‘Questão Palestina’ assumiria com o posicionamento bri-
estava dando à (Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, tânico e seus difíceis encaminhamentos futuros, há de se
p.159-181 out. 2015) criação do Estado libanês nos moldes considerar que os diversos acordos que os britânicos e
de Vestefália, mas sem a prerrogativa da soberania plena, franceses firmaram entre si e com as famílias influentes no
como será exposto adiante. Para que prevalecesse a nacio- Oriente Médio ajudaram a colocar fim à dominação otoma-
nalidade libanesa acima de qualquer outra, e  nenhuma na na região. No entanto, os primeiros problemas relativos
forma de pressão por parte dos demais árabes a enfraque- aos acordos firmados entre a Grã‑Bretanha e as famílias
cesse, principalmente dos sírios, que nutriam uma ligação árabes surgiram logo após o final da I Grande Guerra. Con-
bastante próxima dos libaneses, um alto preço teve de ser forme Seale expõe, a família Hashemita, liderada pelo xarife

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de Meca, Hussayn, tinha a intenção de preservar para si a of the Government of the French Republic. Num segundo
região conhecida como ‘Grande Síria’, e que englobaria os momento, devido à situação precária encontrada pelos
atuais Iraque, Síria, Líbano, Palestina e Península Arábica. (Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out.
O  plano de Hussayn era que seu filho Faysal assumisse o 2015) franceses – considerando os embates que ocorreram
reinado da Síria, Ali sucedesse o pai no Reinado de Hejaz e com os otomanos pela administração da região – , deu‑se
Abdullah se tornasse Rei do Iraque. A partir daí estabele- início ao processo de estruturação do Estado nos moldes
cer‑se‑ia o domínio Hashemita sob o mundo árabe. Os bri- europeus, contudo, subtraindo o princípio da soberania
tânicos, partindo do pressuposto de que necessitariam criar plena, que era a base fundante do modelo de sistema inter-
alianças no mundo árabe para sustentar sua dominação na nacional adotado pós‑Vestefália – a França manteve sob seu
região, não se impuseram à proposta de Hussayn e prome- controle as Forças Armadas e as Relações Exteriores. Os fran-
teram a Síria para que Faysal estabelecesse seu reinado. ceses, da mesma maneira que os ingleses, pretendiam im-
Satisfeito com a tratativa, Hussayn indicou seu filho, Faysal, plantar na região o modelo de Estado cliente, submisso aos
para marchar ao lado dos britânicos nos combates ao exér- interesses geopolíticos e geoeconômicos da matriz – neste
cito otomano – aliado da Alemanha. Os britânicos, indepen- caso, os detentores do Mandato. Para tanto, missões religio-
dentemente do que haviam acertado com a França no sas cristãs foram designadas para a região, assim como
Acordo Sykes‑Picot, cederam a Síria a Faysal. Os franceses, hospitais, escolas e orfanatos passaram a ser construídos.
por sua vez, se opuseram enfaticamente à negociação britâ- Colocava‑se em prática a ocidentalização do Oriente Médio.
nica e partiram para o enfrentamento militar com o intuito Concluindo a etapa para a formalização do domínio francês
de restabelecer o que havia sido acertado em 1916. Devido sob o Líbano, mais dois eventos foram marcantes. O primei-
ao poderio bélico francês, o reinado de Faysal teve a breve ro foi a Conferência de San Remo, Itália, em 1920 que contou
duração de 18 meses, de 1918 a 1920, quando ocorreu sua com a presença dos Aliados. Ali houve a ratificação do que
expulsão de Damasco. A tensão entre os britânicos e a famí- havia sido acordado em 1916, pelo Sykes‑Picot. Mas a Con-
lia Hashemita assumiu grandes proporções e a Inglaterra foi ferência foi além e estabeleceu a divisão física entre o Mon-
obrigada a contornar o problema oferecendo o Iraque a te Líbano e a Síria, fato que gerou repúdio de parte das po-
Faysal. Ele, não tendo condições de enfrentar o exército pulações síria e libanesa que se percebiam como una.
francês sem o auxílio britânico, aceitou a proposta e, em O segundo evento que pode ser considerado paradigmático
seguida, lhe foi conferido o título de rei do Iraque. Contudo, para a efetivação do Mandato deu‑se em 1923, na ocasião
ainda, segundo Seale, não foi uma solução que satisfez a a Liga das Nações formalizou o que fora acordado em 1916.
todos, haja vista ter gerado o ressentimento por parte de O documento apresentava características peculiares e con-
Hussayn – que acabou tendo um problema com seu segun- traditórias. Ao mesmo tempo em que defendia o direito de
do filho, que deveria assumir o reinado do Iraque – e também “autodeterminação dos povos” também restringia a liber-
com Faysal, que sentiu‑se traído por não ter conseguido dade dos árabes, limitando‑os política e administrativamen-
estabelecer seu reinado em Damasco. Um dos reflexos dire- te. Considerava‑se que algumas populações encontravam‑se
tos do imbróglio britânico foi o surgimento de Faysal como em nível de desenvolvimento inferior, por isso precisavam
uma liderança panarabista, movimento esse que geraria da tutela de um Estado desenvolvido. Não estabeleciam por
muitas transformações no cenário árabe do início do século quanto tempo o Mandato transcorreria e tampouco quais
XX e alcançaria uma nova fase durante o governo de Nasser, seriam os critérios para a emancipação dos recém‑criados
no Egito, na década de 1950. Também, evidenciou‑se a fra- Estados. Em seu artigo 22, a Convenção da Liga das Nações
gilidade do tipo de aliança firmada entre as potências euro- expressava: [...] Certas comunidades que outrora pertenciam
peias e as lideranças árabes. Os  árabes, de certo modo, ao Império Otomano, atingiram tal grau de desenvolvimen-
perceberam que o tipo de vínculo que poderia ser criado to que sua existência como nações independentes pode ser
com as potências estaria pautado pelo pragmatismo e que reconhecida provisoriamente, com a condição que os con-
a inserção dos novos Estados ao sistema internacional se- selhos e o auxílio de um mandatário guiem sua administração
guiria a lógica da estrutura anárquica inclusive com a assi- até o momento em que forem capazes de se conduzirem
metria de poder, característica essa que não confere, de fato, sozinhas. Os desejos dessas comunidades devem ser toma-
igualdade aos atores. dos em primeiro lugar em consideração para escolha do
mandatário. Neste cenário, o surgimento do Estado libanês
A Atuação Imperialista das Potências no preponderantemente cristão, numa região cercada de países
Oriente Médio árabes muçulmanos, não se apresentava como algo facil-
mente aceito pelos vizinhos. Por um lado, continuava (Re-
A atuação dos franceses na região de Mandato visava vista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out.
cercear quaisquer possibilidades de sublevação local e, para 2015), havendo a demanda entre Líbano e Síria, onde parti-
tanto, designou‑se um Alto Comissariado para a Síria (abran- dários da unificação, e consequentemente do nacionalismo
gendo o Monte Líbano) e a região do Levante que alinhasse, árabe, tinham dificuldade em aceitar a supremacia maroni-
em seu discurso, dois pressupostos, quais sejam, o fim da ta na região. Por outro lado, cada vez mais a identidade
opressão do Império Otomano e a generosidade da liberta- nacional libanesa passava a existir, provocando preocupação
dora França. Como parte dessa retórica imperialista, o ge- aos franceses que não pretendiam que a província se tor-
neral Henri Gouraud, fez sua famosa proclamação de ami- nasse plenamente independente. Em outras localidades do
Política e Segurança

zade para com o povo libanês, ressaltando as virtudes e mandato britânico a situação também era de difícil controle,
ideais franceses de liberdade. At the foot of these majestic principalmente na Palestina. A presença cada ver maior de
mountains, which have been the strength of your country, imigrantes judeus começou a gerar preocupação por parte
and remain the impregnable stronghold of its faith a free- dos árabes que viviam naquela localidade. Ali, muito mais
dom; on the shore of this sea of many legends that has seen complexo do que o embate entre o pan‑arabismo e o nacio-
the triremes of Phoenicia, Greece and Rome and now by a nalismo libanês, que transcorria no Líbano, o estabelecimen-
happy fate, brings you confirmation of a great and ancient to de qualquer arranjo que viesse a criar um Estado para um
friendship and the blessings of French peace, I solemnly povo (judeu) em um território que já era ocupado por outro
salute Grand Liban, in its glory and prosperity, in the name (árabe palestino) se apresentava como um desafio de difícil

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transposição. Nesse sentido, a  ingerência britânica sob a que surgiram no pós‑II Guerra Mundial. As questões geopo-
região fez com que o período que antecedeu à criação do lítica e geoeconômica ganharam prioridade, no entanto,
Estado de Israel (1948) houvesse alternância de embates a  transposição do modelo estadocêntrico europeu para o
entre os grupos demandantes pelo território palestino. mundo muçulmano médio‑oriental não foi tão simples.
Britânicos apoiavam judeus, posteriormente apoiaram pa-
lestinos, e, na sequência, lutaram contra os dois. Apesar O Tabuleiro do Jogo do Poder no Cenário
desta inconstância, politicamente o Movimento Sionista se Internacional
articulava internacionalmente junto às potências no intuito
de que seu projeto viesse a ser implementado. Situação De certo modo, tanto França quanto Grã‑Bretanha alcan-
diametralmente oposta viviam os palestinos com a crescen- çaram seus objetivos iniciais, no que tange ao Império Oto-
te migração de judeus para a Palestina, principalmente a mano, pois conseguiram anular um grande ator que poderia
partir da década de 1930, quando ocorre a ascensão do ameaçar as duas potências da época. Ainda, com a aliança
Nazismo na Alemanha e o consequente antissemitismo. Sem formalizada entre otomanos e alemães, conjunturalmente
condições para determinar os desígnios dos povos da Pales- a situação se tornou ainda mais favorável, pois com o final
tina, ainda mais no pós‑II Guerra Mundial, quando os britâ- da I Guerra Mundial houve a anulação do inimigo germânico
nicos, apesar de vitoriosos, já tinham sido superados pela que provocava certo desequilíbrio na balança de poder da
nova potência ocidental que surgira – os Estados Unidos – , Europa. (Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p.159-
a solução encontrada foi entregar à recém‑criada Organiza- 181 out. 2015) Outro aspecto também merece destaque,
ção das Nações Unidas (ONU) a incumbência de deliberar pois as potências europeias do século XIX atuavam a partir
sobre o futuro de judeus e palestinos. Cabe ressalvar que a de estratégias fundamentadas nos princípios ratzelianos, ou
estrutura do sistema internacional já havia sido alterada no seja, ratificando a máxima de que o poder estaria vinculado
final da II Guerra Mundial e a multipolaridade que, de certo à dimensão territorial. Nesse sentido, o modelo colonialista
modo, havia ajudado a tensionar as potências europeias e se justificaria como uma ação natural do Estado. É  certo
desencadeado a guerra – ainda mais se considerar o fato de que as teorias de Ratzel, sob muitos aspectos, vieram a
que o modelo proposto de Segurança Coletiva não surtira ser contestadas, contudo, naquele momento histórico se
efeito – , cedeu lugar à bipolaridade. Gradualmente, Estados adequavam à forma de atuar das potências. Desse modo,
Unidos e União Soviética passaram a disputar a hegemonia a expansão para o Oriente Médio se dava de modo natural e
mundial e o reflexo no Oriente Médio foi imediato. Inclusive, necessária, isso é, adotando‑se a perspectiva do lebensraum
a própria decisão de criar um Estado judaico na Palestina (espaço vital). No entanto, ao  aceitar estes pressupostos
estava envolto na nova estrutura de poder que o sistema da prática do Estado potência frente aos demais, acaba‑se
internacional vivenciava, pois, apesar de a deliberação ter naturalizando o processo de dominação de outros povos e,
sido oriunda de uma organização internacional que visava por conseguinte, retirando as intenções imperialistas de seus
comportar o entendimento da coletividade das nações, governantes, fato esse que não pode ser desconsiderado
a supremacia estadunidense era flagrante. Com vista a este sem a devida ressalva. Contudo, em certa medida, como as
fato, a criação do Estado de Israel somente foi possível por- Escolas de Relações Internacionais tendem a utilizar como
que o presidente dos EUA, (Revista Esboços, Florianópolis, referencial principal o Estado, independentemente do tipo
v. 21, n. 32, p.159-181 out. 2015) Harry Truman, se empe- de governo e quem o governe, a perspectiva estadocêntrica,
nhou pessoalmente neste episódio e desconsiderou os inte- aplicada neste caso, poderia responder ao porquê de França
resses dos árabes, diretamente afetados. The UN resolved e Inglaterra terem expandido seu poder para a região do
in November 1947 to partition Palestine into two states. The Oriente Médio. Como exposto anteriormente, a estrutura
six Arab members of the United Nations (Egypt, Lebanon, multipolar do sistema internacional, que perdurou de 1815
Saudi Arabia, and Syria were founding members of the UN; até o início da I Guerra Mundial, gerava tensionamento entre
Iraq joined in December 1945 and Yemen in 1947) all appo- os Estados, haja vista suas capacidades serem similares, no
sed partition, but had no impact on the debate within the entanto, havia insegurança acerca de possíveis desequilíbrios
General Assembly. They failed to build a coalition of nations neste equacionamento. O Equilíbrio de Poder, desse modo,
to support Arab claims to Palestine and were outmanoeuvred foi o responsável, em grande medida, pela paz relativa que
by the Jewish Agency. The final vote in General Assembly perdurou por quase 100 anos, no entanto, esta mesma inse-
was thirtythree to thirteen, giving the necessary two‑thirds gurança e necessidade de se proteger dos demais atores fez
majority to ensure the passing of the Partition Resolution24. com que houvesse o desencadeamento da I Guerra Mundial.
Se, durante o século XIX, as potências europeias aturam com Partindo, ainda, do pressuposto trazido por Mackinder no
certa ponderação junto ao Império Otomano, e, no início do início do século XX de que [...] De hoje em diante, na idade
século XX buscavam pautar suas ações em mecanismos que pós‑Colombina, devemos novamente ter de lidar com um
pudessem legitimar seus atos, com o final da II Guerra Mun- sistema político fechado, e no entanto será um de escopo
dial houve uma mudança radical de cenário. O  Oriente mundial. Toda explosão de forças sociais, no lugar de ser
Médio, já configurado a partir dos interesses externos, se dissipada em um circuito ao redor, de espaço desconhecido e
tornou o palco ideal para os embates entre as duas potências caos bárbaro, será fortemente reecoada desde as longínquas
que surgiram no pós‑II Guerra Mundial. As questões geopo- partes do globo, e por isso os fracos elementos no organis-
lítica e geoeconômica ganharam prioridade, no entanto, mo político e econômico do mundo serão em consequência
Política e Segurança

a  transposição do modelo estadocêntrico europeu para o destroçados. As atuações francesa e inglesa junto ao Império
mundo muçulmano médio‑oriental não foi tão simples. Se, Otomano poderiam se configurar num ato de poder impe-
durante o século XIX, as potências europeias aturam com rialista, mas embasados numa preocupação de segurança,
certa ponderação junto ao Império Otomano, e, no início do haja vista a desconstrução do Império ser algo flagrante e a
século XX buscavam pautar suas ações em mecanismos que necessidade de reestruturação de forças na região dar‑se‑ia
pudessem legitimar seus atos, com o final da II Guerra Mun- como elemento (Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n.
dial houve uma mudança radical de cenário. O  Oriente 32, p.159-181 out. 2015) primordial para a manutenção do
Médio, já configurado a partir dos interesses externos, se status quo de potência. Assim, o Oriente Médio deixou de
tornou o palco ideal para os embates entre as duas potências ser uma região de interesse assessório para ganhar status de

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prioritário. A fragilização do Império Otomano, como tratado com os desafios trazidos à tona pelas alterações no sistema
anteriormente, contou com ações internas e externas, inclu- internacional, sua bipolaridade fez com que o equilíbrio de
sive, a prática das potências europeias de infiltrarem‑se em forças estabelecido por União Soviética e Estados Unidos
determinadas regiões otomanas para promover o comércio reiterassem a importância do Estado como ator principal. E,
ou mesmo para a difusão de ideologias advindas de seu con- ainda que tenha havido a flexibilização de alguns pressupos-
tinente contribuiu para o fomento do nacionalismo árabe e tos realistas e liberais com a inserção do sufixo “neo” às
outros. Isso posto, o Oriente Médio passou a ganhar ênfase teorias, a arena internacional tendia a relativizar a impor-
na Agenda da política externa das potências, como ficou tância de outros atores não estatais, fato esse que reiterava
evidenciado ao debaterem e criarem normatizações para o a necessidade de estruturar o Oriente Médio a partir do
exercício do poder na região – através de acordos e tratados. modelo estadocêntrico e desconsiderar outros atores regio-
No entanto, o referencial principal para a reorganização do nais. Como exposto anteriormente, a criação do Estado de
sistema internacional já estava pautado pela lógica estado- Israel atendia aos interesses dos Estados Unidos, tendo em
cêntrica, e, desse modo, a constituição de Estados artificiais vista que proporcionaria a existência de um enclave ociden-
nas ex‑possessões otomanas apresentava‑se como algo tal em meio à população predominantemente muçulmana.
natural, tendo em vista que o padrão estabelecido para as Porém, o nível de rejeição que tal ato assumiu fez com que
interrelações era Estado‑Estado. Cabia, no entanto, regular o ocorressem duas reações simultaneamente, quais sejam, 1)
tipo de Estado que seria constituído e o grau de autonomia uma potencial unificação dos interesses árabes contra o
que seria dado a ele. Com isso, a opção por segmentar o Estado judeu – gerando desde a guerra da independência
território otomano de modo a reduzir o potencial aglutina- de Israel, em 1948, até os conflitos de 1956, 1967 e 1973 – ;
dor da religião islâmica configurava‑se com necessário para e, 2) a impossibilidade de concretizar a divisão da Palestina
efetivar a dominação. Daí a estratégia de criação de um no formato de Estado, como a Resolução 181 da ONU desig-
Estado libanês cuja comunidade cristã maronita exerceria nava – o que futuramente acarretou a criação da Organização
grande poder e da criação do Estado de Israel para os judeus. para a Libertação da Palestina (OLP) para lutar contra o Es-
Assim, com base no entendimento acerca da estrutura do tado de Israel, e, consequentemente, as Intifadas e demais
sistema internacional reinante no momento, as  potências conflitos pela posse dos territórios palestinos ocupados
europeias preservariam seu status quo com a expansão da pelos israelenses desde 1947. A  lógica estadocêntrica da
zona de influência sob o Oriente Médio, porém, desde que Escola Realista das RI se abalava, pois não mais conseguia
estabelecido o modelo estadocêntrico vestefaliano no qual responder à nova lógica que o sistema internacional viven-
conseguiam exercer o domínio sob os Estados clientes que ciava com a atuação de organizações não‑estatais que tinham
dali surgissem. Contudo, as transformações oriundas do final o poder de influir nos temas internacionais. De modo prag-
da II Guerra Mundial colocaram em xeque a capacidade de mático, o Estado de Israel continua atuando como um (Re-
França e Inglaterra continuarem regendo o sistema interna- vista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out. 2015)
cional e o resultado desse processo foi a substituição destas fator desestabilizante da região, pois apesar de sua criação
lideranças pelas duas novas potências, EUA e URSS, que ar- ter sido oriunda de um ato das ONU, não permite que um
cariam com os desdobramentos do processo de estatização Estado Palestino seja criado às suas fronteiras. E mais, gra-
do Oriente Médio. dualmente amplia seu território e ocupa áreas predominan-
temente palestinas. Como é interessante para os Estados
O Estadocentrismo Falhou Unidos manterem seu enclave no Oriente Médio, por uma
questão iminentemente geopolítica, aceitam esta forma de
Após a II Guerra Mundial a bipolaridade do sistema in- atuar israelense. O resultado direto desta ação é a existência
ternacional foi estabelecida com a preponderância de Esta- de uma grande população palestina vivendo no exílio em
dos Unidos e União Soviética com superpotências. Tal carac- vários países do Oriente Médio e em outras localidades no
terística foi acentuada com as diferenças ideológicas e o mundo. Da Palestina ocupam somente a Faixa de Gaza e
desenvolvimento das armas nucleares por parte dos dois Cisjordânia, contudo sem status de Estado. Ainda, no que
atores. E, nesse cenário, a Escola de Relações Internacionais tange ao Líbano e a Síria, a divisão formalizada em 1943,
que ganhou supremacia foi a Realista, cuja unidade de aná- a  partir das delimitações territoriais estabelecidas pelo
lise prioriza o Estado. Os realistas são os teóricos do estado franceses, não atendeu à demanda de grande parte da co-
da guerra. Por ser (Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. munidade islâmica dos dois países, fato que gerou tensões
32, p.159-181 out. 2015) anárquico, o sistema internacional internas no Líbano e uma catastrófica guerra civil no país – de
é baseado no poder e na força, com os Estados vivendo numa 1975 a 1990. Nesse evento, ainda houve a participação da
situação caracterizada pelo contexto da insegurança recípro- Síria, a partir de 1976, e, posteriormente, a partir de 1978,
ca. Neste contexto, as variações nos objetos e no poder de do Estado de Israel. Se a criação do Estado libanês já se
cada um os torna passíveis de se transformarem em adver- configurava em algo de difícil concretização, haja vista ab-
sários e a terminarem resolvendo os seus conflitos através sorver quase duas dezenas de grupos religiosos distintos e
da guerra. Em consequência da bipolaridade do cenário in- a divisão de poder estar fundamentada em um modelo
ternacional, as  políticas externadas das superpotências confessional estabelecido pelo Pacto Nacional (1943) que
construíram suas estratégias considerando o Estado como tornou‑se fortemente questionável com o passar dos anos,
unidade básica de interação, haja vista não entenderem a  inserção de atores estrangeiros aos problemas internos
Política e Segurança

como relevantes outros tipos de atores não estatais. Tam- somente fragmentou ainda mais a frágil unidade nacional.
bém, a  importância geoeconômica que o Oriente Médio Com isso, o final do Sistema de Mandato não significou a
assumiu, tendo vista suas reservadas de petróleo, fez com efetivação do modelo de Estados para a região. Seja pela
que tanto estadunidenses quanto soviéticos disputassem a delimitação territorial que nunca atendeu aos interesses das
influência sob a região. Assim, se a partir da década de 1940 comunidades locais – mas, sim, das potências imperialistas –,
os Estados sob Mandato passaram a alcançar sua indepen- ou mesmo pela diferença de assimilação do nacionalismo –
dência, de fato, esta autonomia não chegou a se concretizar que surgiu com características localizadas, como o “libanis-
plenamente, uma vez que a atuação das superpotências, de mo”, mas também na forma do pan‑arabismo e do pan‑isla-
modo direto ou indireto, passou a influir na região. Mesmo mismo. E mais tarde na vertente religiosa do islamismo, ou

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fundamentalismo islâmico. O Iraque também é um exemplo pelas potências europeias e sedimentado pelo sistema in-
da dificuldade de assimilação do modelo de Estado nacional ternacional. Tal é a dificuldade de conformar os valores islâ-
proposto pelo Ocidente, tendo em vista que sua população micos ao modelo de Estado nacional que as correntes isla-
é formada prioritariamente por três grupos, quais sejam, mistas que rejeitavam o secularismo, (Revista Esboços, Flo-
sunitas, curdos e xiitas, contudo o domínio sunita perdurou, rianópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out. 2015) a partir da dé-
apesar de não ser o grupo numericamente mais expressivo cada de 1980 passaram a ganhar força através da atuação
da população. Ainda, apesar de o ano de 1932 datar sua de grupos como Hezbollah, Hamas, al‑Qaeda, dentre outros.
independência da Grã‑Bretanha, de fato, os  ingleses não Estas organizações visavam, muito além de confrontar valo-
deixaram de influir no Iraque, exceto quando foram substi- res ocidentais, restaurar a ummah. Contudo, em que pese a
tuídos pelos estadunidenses. Neste caso, as imensas reservas crítica de que grande parte da comunidade islâmica já assi-
de petróleo iraquiano foram preponderantes para a decisão milou os valores ocidentais ou mesmo conseguiu encontrar
estadunidense de manter a dominação local; também tive- um meio termo entre Islã e secularismo, uma parcela subs-
ram forte peso na decisão de desencadear guerras contra o tancial de muçulmanos que vive no Oriente Médio não
Irã (1980-88), ao lado do Kuwait (1990-91) ou para a desti- percebe avanços na estrutura estadocêntrica ali instaurada,
tuição de Saddam Hussein (2003). O  país da região que haja vista a autonomia ser restrita devido aos interesses
melhor assimilou o conceito de Estado nacional foi a Turquia, geopolíticos das potências. Evidentemente que a não con-
e, isso foi possível devido às medidas político‑econômicas e cordância com a divisão territorial do estados do Oriente
(Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out. Médio implicaria na rejeição do modelo estadocêntrico, no
2015) sociais implantadas por Ataturk, a partir da década de entanto, como a soberania, que é o valor que pauta o siste-
1920, nas quais tentava suprimir elementos islâmicos da ma internacional desde Vestefália, nunca foi aplicada em sua
cultura local. O resultado foi um processo de “ocidentaliza- plenitude para os povos do Oriente Médio, esta estrutura
ção” do país e criação de ferramentas institucionais para organizacional acaba ganhando contornos de questionamen-
bloquear o crescimento de movimentos religiosos que, por tos mais profundos oriundos de outras Escolas das RI. Nesse
ventura, quisessem islamizar a política turca – inclusive com sentido, o  paradigma que foi criado pelos Realistas para
o implemento de políticas de segurança severas e limitação compreender as Relações Internacionais e que foi aplicado
de atuação de determinadas organizações. A tão almejada sem críticas pelas potências, vive um momento de profunda
adesão à União Europeia (UE) também é um fator que faz reavaliação, uma vez que a organização político‑administra-
com que se busque preservar as características ocidentais tiva do Oriente Médio não encontra estabilidade. Seja pela
do Estado, apesar de esta possível abertura da Europa para atuação de organizações islamistas que contestam a manei-
a Turquia ser vista pela grande maioria dos estadistas euro- ra com que o Ocidente atua em território islâmico ou mesmo
peus como um grande risco, uma vez que poderia alterar a pela insatisfação de secularistas que veem sua liberdade
“identidade europeia” com a entrada de muçulmanos. restrita por interesses externos, o  modelo estadocêntrico
Apesar dos conflitos internos vivenciados pelos países do entra em colapso no Iraque  – com a atuação do Islamic
Oriente Médio e que afetavam suas estruturas político‑eco- State of Iraq and the Levant (ISIL) – , na Síria – pela guerra
nômicas, as superpotências sempre estiveram mais preocu- civil que se alastra desde 2011 e atuação do ISIL – ou mesmo
padas com a preservação de um governo nacional que pu- em outros Estados desestabilizados pela insatisfação dos
desse atuar a partir de seus interesses. Para tanto, torna‑se resultados obtidos com a Primavera Árabe. Se, desde o início
irrelevante qualquer caráter democrático ou mesmo viés do século XX as potências ocidentais passaram a atuar com
religioso, haja vista ao mesmo tempo em que os Estados mais ênfase no Oriente Médio e as Relações Internacionais
Unidos mantinham – com alguns ainda mantém – relações simplesmente utilizaram os pressupostos ocidentais para
políticas com a Arábia Saudita – wahhabita, vertente islamis- criarem uma teorização que desprezava as particularidades
ta do Islã sunita – também estavam próximos de Saddam da cultura islâmica, em detrimento de uma lógica de poder,
Hussein – governante iraquiano sunita e secular – , do Xá o estado que o Oriente Médio se encontra atualmente aca-
Reza Pahlavi  – rei xiita do Irã até 1979  – , e, do governo ba sendo facilmente compreensível. As  teorias de poder
turco – forte aliado na política de contenção do comunismo simplesmente trataram o Oriente Médio como um objeto e,
soviético durante a Guerra Fria. Quanto à influência soviéti- nesse sentido, tentaram construí‑lo à luz das proposições
ca, a questão ideológica não era o fator principal para o es- que conseguissem submetê‑lo à dominação das potências.
tabelecimento de aliança, haja vista ter sob sua órbita tanto Daí a necessidade de criação de Estados no território oto-
Síria quanto Egito, que dispunham de governos cuja ideolo- mano, de estabelecer governos e de propiciar relações di-
gia – se é que adotavam alguma em particular – não se en- plomáticas – em nível de desigualdade, evidentemente. Tudo
caixava no modelo socialista da URSS. Ou seja, tanto para a partir de um modelo já conhecido e controlado pela buro-
estadunidenses quanto para soviéticos, o pragmatismo era cracia estatal das potências europeias. No entanto, à deses-
o que imperava nas relações com os Estados médio‑orientais. tabilidade existente no Oriente Médio nos dias atuais,
Considerando a perspectiva teórica de Waltz, que privilegia o  questionamento maior que se deve fazer diz respeito à
a atuação das superpotências e enfatiza que o modelo bipo- estrutura que foi constituído e se é possível preservá‑la como
lar do sistema internacional proporciona maior estabilidade, está. Em vista da fragmentação dos Estados atuais, a possi-
ainda mais com a variável das armas nucleares como baliza- bilidade que surge de redimensionamento destes (Revista
dor e bloqueador de embates diretos, o nível de análise das Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p.159-181 out. 2015)
Política e Segurança

Relações Internacionais cada vez mais enfatizou o Estado e estados para atender aos interesses de suas comunidades e
deu menos importância a questões de ordem interna. Assim, não das potências, acaba sendo uma possibilidade de difícil
apesar de o Oriente Médio se configurar como uma região configuração, haja vista a região ainda ser de interesse eco-
de suma importância para Estados Unidos e União Soviética, nômico das potências. Nesse sentido, não há qualquer me-
deixou‑se de considerar aspectos internos e desestabilizan- dida viável para ser empregada no intuito de encerrar os
tes relacionados à intervenção executada no naquela região conflitos e reconstruir o Oriente Médio, apenas poderão ser
e que a transformou num mosaico de etnias, religiões e propostas medidas paliativas que busquem reforçar o mo-
nacionalismos. O resultado é a dificuldade de se convergir delo estadocêntrico na região e as organizações islamistas,
para a construção do modelo de Estado nacional proposto mesmo aquelas que não propõem qualquer tipo de ação

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armada para desestruturar o Estado, continuarão à margem apenas conhecida pelas armas inteligentes, bombardeios
de qualquer processo democrático – como ocorreu no Egito cirúrgicos alta tecnologia, desconhecendo talvez a sua real
com a Irmandade Muçulmana que, mesmo vencendo o dimensão. A  própria historiografia também não trata a
pleito eleitoral foi extirpada do governo. Assim, qualquer Guerra do Golfo como um fato histórico de grande relevância
que seja o novo desenho do Oriente Médio, os  conflitos no cenário internacional. É bem verdade que não se deve
continuarão latentes e na iminência de serem revitalizados. superdimensioná‑la, carregando‑a de um peso histórico
Com isso, é  indubitável que o Oriente Médio continuará que não possui, mas também não se pode relega‑la ao
sendo objeto das Relações Internacionais, alcançando o in- esquecimento.
teresse de todos os atores que busquem a preponderância Daí a importância da pesquisa em questão, para mostrar
no sistema internacional, independentemente da atuação se a Guerra do Golfo foi ou não um sintoma de mudança no
dos movimentos islamistas e dos inúmeros massacres que cenário das relações internacionais. Assim, a primeira parte
possam vir a acontecer na região. dela mostra um contexto histórico para se situar a Guerra do
Golfo, baseado no texto “O Iraque no grande jogo político
A Guerra do Golfo, os Estados Unidos e as Relações mundial”, de Francisco Carlos Teixeira. Depois há um balan-
Internacionais ço e uma discussão bibliográfica sobre a história do tempo
Sandro Heleno Morais Zarpelão (Especialização presente, baseado nos historiadores do IHTP (Instituto de
História/UEL) História do Tempo Presente) da França, como René Rémond,
além de se citar trechos da obra “Contendo a Democracia”,
Dia 17 de janeiro de 1991, já era noite em Bagdá, quando de Noam Chomsky. Posteriormente, será feita uma análise
os primeiros mísseis estadunidenses cruzaram os céus da da metodologia empregada, no caso a Teoria das Relações
cidade das mil e uma noites. Começava, então, a Guerra do Internacionais baseada na obra “Introdução as Relações
Golfo, com o bombardeio maciço dos aviões aliados sobre Internacionais”, de Cristina Soreanu Pecequilo.
as principais cidades iraquianas e sobre o Kuwait ocupado Por fim, existe a conclusão e a síntese do trabalho con-
pelas tropas do Iraque. firmando e mostrando a importância do tema em questão
O mundo todo através da CNN (canal exclusivo de notícias para a melhor compreensão da História, do mundo e do atual
dos EUA), viu em tempo real, instantaneamente, a guerra, momento vivido pela História Contemporânea e Relações
as bombas “inteligentes”, os bombardeios cirúrgicos e todo Internacionais.
o incrível aparato tecnológico dos EUA e seus aliados. Uma Esse texto é oriundo da monografia que está sendo
guerra que ficou conhecida muito mais pelas imagens que elaborada no Curso de Especialização em História Social,
pareciam ser de computador, do que pelas vítimas, destrui- do Departamento de História, da Universidade Estadual de
ção e mortes. Londrina (UEL) e por isso, tal tema está tendo continuidade
A imprensa, televisiva e também escrita, transformou as e sendo trabalhado de forma mais aprofundada.
armas e a alta tecnologia bélica nos principais protagonistas Desde a Idade Antiga a região do Oriente Médio ou
da guerra, numa incrível inversão de papéis, em que o ho- Oriente Próximo ou ainda Sudoeste Asiático presenciou
mem, o horror, a destruição e a ferocidade da guerra foram inúmeras guerras por motivos étnicos, econômicos, geopo-
líticos, fronteiriços e religiosos numa escalada preocupante
deixados em segundo plano.
que cruzou os séculos e milênios, chegando ao seu auge no
Nesse momento, o mundo estava presenciando o emergir
tempestuoso século XX.
de uma era de incertezas, com a crise da Guerra Fria, do so-
Neste último, a escalada de violência chegou a propor-
cialismo real e da URSS, com o advento de inúmeros conflitos
ções jamais vistas, com inúmeros conflitos que sacudiram
étnicos, religiosos e nacionalistas e a formação e expansão
a região como o eterno Conflito Árabe‑Israelense, a Guerra
de muitos blocos econômicos.
Irã‑Iraque (1980-1988), a Guerra Civil Libanesa (1975-1990)
Dos escombros da Antiga Ordem Mundial (Guerra Fria), e, mais recentemente, a Invasão do Iraque (2003) e a Guerra
nascia uma profunda insegurança nas relações internacio- do Golfo (1991).
nais, em que o dançar histórico era muito mais rápido do Concomitantemente ao processo de intensificação dos
que as pessoas, nações e intelectuais podiam acompanhar embates bélicos durante o século XX, também chamado por
e entender. Eric Hobsbawm de “Era dos Extremos”, em seu livro de mes-
Nesse sentido, as relações internacionais foram duramen- mo nome, ocorreu uma grande transformação nas relações
te atingidas por esses ventos mutantes e avassaladores da internacionais, uma fase de transição entre a bipolaridade
História, e como já estavam passando por grandes mudanças da Guerra Fria no setor econômico para a construção de
desde a década de 1970, viram emergir novas situações que uma nova Ordem Mundial: “Como iremos compreender
a própria Guerra Fria já não conseguia mais explicar por o Breve Século XX, ou seja, os anos que vão da eclosão da
completo, como afirma Francisco Carlos Teixeira: Primeira Guerra Mundial ao colapso da URSS, que, como
agora podemos ver retrospectivamente, formam um período
“A Guerra do Golfo, entre 1990, quando o Iraque histórico coerente já encerrado? Não sabemos o que virá a
invade e anexa o pequeno e rico Kuwait, e  1991, seguir, nem como será o segundo milênio, embora possamos
quando a coligação da ONU liderada pelos Estados ter certeza de que ele terá sido moldado pelo Breve Século
Unidos repele a invasão iraquiana, marca o ponto de XX. Contudo, não há como duvidar seriamente de que em
algidez das mudanças geoestratégicas que vinham se fins da década de 1980 e início da década de 1990 uma era
Política e Segurança

operando desde o final dos anos 70.” se encerrou e outra nova começou. Esta é a informação
essencial para os historiadores do século, pois embora eles
Assim, a Guerra do Golfo, em 1991, foi o conflito que possam especular sobre o futuro à luz de sua compreensão
ocorreu dentro de grandes transformações verificadas nas do passado, seu trabalho não tem nada a ver com palpites
relações internacionais no ano de 1991, no caso a crise do em corridas de cavalos”.
socialismo real, o fim da Guerra Fria e o consenso, nunca Nesse sentido, Francisco Teixeira defende que Sadam
dantes existido, na atuação da ONU, durante o citado conflito. Hussein não percebeu tais transformações no sistema de
Ocorre que a Guerra do Golfo é colocada pela imprensa relações internacionais, fazendo uma leitura equivocada do
como sendo uma guerra sem grande importância histórica, cenário internacional da época:

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“A Guerra do Golfo, 1990-1991, deu‑se em um acentuada tentação de demonstrar a eficácia do
momento extremamente sensível da mudança da instrumento que só esse país pode brandir. Essa
correlação de forças na geopolítica mundial. Trava‑se concepção estratégica nada tem de incontestável,
um conflito no interior da URSS em torno do melhor nem mesmo nos círculos da elite, onde em poucos
projeto para recuperar o tempo perdido durante meses começou a emergir um conflito, dentro dos
as administrações anteriores e, ao  mesmo tempo, moldes familiares. A  estratégia global de controle
fornecer uma resposta adequada para o papel da mundial pela ameaça ou uso da força entra em cho-
URSS no cenário mundial.(...) Assim, dificilmente os que com os objetivos de manter a saúde econômica
soviéticos poderiam, (...) sair em socorro do aliado e os interesses comerciais internacionais – problemas
iraquiano (...). muito sérios, a esta altura, e difíceis de abordar sem
(...) A Guerra tornar‑se‑ia a única solução para evitar mudanças significativas na política social interna.
um quase monopólio hostil na produção de petró- A  forma da Nova  Ordem Mundial dependerá, em
leo, acarretando uma importante virada na política grau nada desprezível, de qual dessas concepções
mundial.(...)” irá prevalecer.”

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Outrossim, faz‑se mister ressaltar que o tema em questão
o mundo viu emergir a chamada Guerra Fria ou Velha Ordem é inserido na Nova História Política, mais especificamente na
Mundial, pautada em uma bipolarização que engessava a História do Tempo Presente. Assim sendo, muitos críticos da
atuação do Conselho de Segurança da ONU, já que este ficava História do Tempo Presente tecem críticas dizendo que é
refém da disputa entre URSS e EUA. preciso esperar para os temas do tempo presente se trans-
Contudo, a partir da Guerra do Golfo (1991), no Iraque e formarem em objeto da história, o que é um ledo engano
no Kuwait, o Conselho de Segurança se viu livre das objeções de acordo com René Remond:
colocadas por Moscou e Washington. Tal conflito ocorreu
exatamente em uma época de transição nas relações inter- “(...) Aos que nos diziam: é preciso esperar o tempo
nacionais transcorrer até o tempo presente tornar‑se objeto de
Vale lembrar que a mencionada Guerra, segundo a versão história, querendo com isso indicar a irredutibilidade,
oficial apresentada pelos meios de comunicação, foi causada a  especificidade, respondíamos: não há diferença
pela invasão territorial do Iraque, de Saddam Hussein, sobre entre a atividade do historiador que estuda a guerra
o Kuwait, em agosto de 1990, devido às ambições políticas e do Peloponeso e a daquele que se interessa pela II
econômicas iraquianas. É que o Iraque desejava aumentar o Guerra Mundial; não há razão para estabelecer uma
seu território, conquistar os poços de petróleo kwaitianos e diferença e distinguir a história do tempo presente.
ter uma saída maior para o Golfo Pérsico. (...)”
Tal ato feria os interesses dos EUA, no campo econômico,
geopolítico e de equilíbrio do sistema de relações internacio- Nesse sentido, o próprio René Remond atesta não é fácil
nais e assim, com a anuência da URSS e da ONU, lideraram trabalhar com a História do Tempo Presente, mas pode e se
e organizaram uma coalizão militar de países que objetivava deve trabalhar com esta temática pois:
a expulsão das tropas de Saddam, das terras kwaitianas. Em
nome dos interesses estadunidenses que os EUA intervieram “(...) Alguns se deixam levar por uma falsa impressão
no Golfo Pérsico. Assim, em janeiro de 1991, tem‑se o início de maior facilidade, como percebeu François Kouril-
da Guerra do Golfo, que culminaria na rápida vitória das sky ao afirmar que todos se imaginam capazes de
tropas aliadas e na desocupação do Kuwait pelo Iraque em fazer a história do tempo presente porque essa é a
fevereiro de 1991. De acordo com Chomsky, em sua obra história que vivemos: faz parte de nossas lembranças
“Contendo a Democracia”: e de nossa experiência. Ora, vale lembrar que essa
história exige rigor igual ou maior que o do estudo
“Hussein foi transformado em demônio conforme de outros períodos: devemos enfatizar a disciplina,
a praxe: quando finalmente se entendeu, fora de a higiene intelectual, as exigências de probidade. Eis
qualquer dúvida, que seu nacionalismo independente
uma linguagem que cumpre divulgar e que é tanto
ameaçava os interesses norte‑americanos. Nesse mo-
mais necessária e oportuna porquanto a sociedade
mento, seu histórico de horrendas atrocidades ficou
que nos cerca e nosso tempo exercem uma pressão
disponível para as necessidades propagandísticas,
a favor da história do tempo presente.”
mas, afora isso, não teve essencialmente nada a ver
com sua transição repentina, em agosto de 1990, da
Outra questão importante é referente a duração e deli-
condição de amigo querido para a de reencarnação
mitação do objeto próprio da história do tempo presente:
de Gêngis Khan e Hitler. ”(...)

Consequentemente, a Guerra do Golfo pode ser consi- “(...) Não se trata de uma história do instante, e é
derada como um sintoma de mudanças nas relações inter- preciso denunciar a confusão entre uma história
nacionais, o que complementa a ideia já colocada de Eric da proximidade e uma história da instantaneidade;
trata‑se, portanto, de uma história da duração.(...)
Política e Segurança

Hobsbawm, como atesta Noam Chomsky:


Isso tem consequência para os historiadores do
“A ocupação militar do Kuwait – que, se mantida com tempo presente; eles precisam rever continuamente
êxito, faria do ditador iraquiano um grande ator no a delimitação do seu campo de pesquisa.(...) Conse-
cenário mundial – não produziu a ameaçado confli- quentemente, os historiadores do tempo presente
to entre superpotências e da guerra nuclear, como devem estar atentos às mudanças, acolher novos
tinham feito os conflitos anteriores na região. Esse temas, dar provas de imaginação.”
fato nada insignificante reflete, é claro, o colapso do
sistema soviético, que deixou os Estados Unidos sem O próprio Remond defende a história do tempo presente,
desafiantes em termos de poderio militar, e com a mas alerta:

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“Cuidemos para não nos transformarmos em cor- já o fizeram algumas vezes no passado. Isto tudo ocorre em
poração, a história não nos pertence, ela pertence meio a uma grave crise econômico‑financeira semelhante à
a todos, aos magistrados como aos cidadãos. É um argentina, que apenas não teve as mesmas consequências
bem comum, cada um tem direitos sobre sua histó- porque, ao  contrário do que ocorreu com nosso vizinho,
ria e devemos ser os representantes da sociedade. o FMI socorreu este país estratégico. E este ponto é impor-
Cuidemos para não nos apropriarmos da história. tante, porque a Turquia é membro da OTAN, está situada no
A  reintegração do tempo presente faz varrer da Oriente Médio e desenvolve uma diplomacia intensa na Ásia
visão da história os últimos vestígios do positivismo: central. Em caso de uma guerra dos EUA contra o Iraque a
o historiador do tempo presente sabe o quanto sua Turquia, como em 1990-91, deverá ter um papel relevante.
objetividade é frágil, que seu papel não é o de uma A Turquia é um país extenso e populoso, com uma su-
chapa fotográfica que se contenta em observar fatos, perfície de 780 mil km² e uma população de 67 milhões de
ele contribui para construí‑los. habitantes. O Império Turco desagregou‑se ao final da Pri-
meira Guerra Mundial e, no início dos anos 1920, viveu uma
Uma vez que o historiador do tempo presente se con- revolução republicana e modernizadora liderada por Mustafá
fronta com a atualidade, seu olhar tem um raio relativa- Kemal Ataturk (que significa “o pai dos turcos”). Instituiu
mente curto (...). Mas a história do tempo presente evoca a um regime laico fortemente apoiado no exército, que mais
importância da contingência e do fato: a história é feita de tarde teve de revestir‑se de um verniz democrático‑liberal
surpresas, mais de surpresas que de ardis.(...) A história do pois postula o ingresso na União Europeia. Mas esta critica
tempo presente é um bom remédio contra a racionalização as posturas autoritárias do país, as  violações de direitos
a posteriori, contra as ilusões de ótica que a distância e o humanos (inclusive a pena de morte) e a não concessão de
afastamento podem gerar.” autonomia às minorias nacionais, especialmente os curdos,
Obviamente, o historiador não pode se furtar ao direito vítimas de constantes perseguições. Além disso a Grécia,
de analisar os fatos históricos que ocorreram há pouco tempo que é membro da OTAN e da UE e possui graves litígios e
ou que estão acontecendo agora, pois tais temas são também rivalidades com a Turquia, veta sistematicamente o ingresso
objeto da história, no caso a do tempo presente. deste país nesta última organização.
Por outro lado, também serão tratadas obras como Talvez o fato de ser um grande país de população muçul-
“Sadam Hussein e a crise do golfo”, de Judith Miller e Laurie mana e possuir uma economia ainda predominantemente
Mylroie, “Iraque: a Guerra Permanente” e “Iraque: Plano agrícola, seja determinante para Bruxelas (capital da UE) pos-
de Guerra”. Outrossim, será utilizado o texto “O Iraque no tergar eternamente o ingresso de Ankara (capital da Turquia)
Grande Jogo Político Mundial”, do historiador Francisco na organização. Além disso, a Turquia invadiu o Chipre em
Carlos Teixeira da Silva, para se mostrar como ocorreu o 1974 (que agora deve ingressar na UE), ocupando o norte
desenrolar da Guerra do Golfo (1991). desta ilha povoada por uma maioria grega. Mas a UE auxilia
Como se trata de um tema de história política, focada o país recebendo trabalhadores imigrantes (especialmente
nas relações internacionais, estarão presentes conceitos de a Alemanha) e mantendo uma associação comercial. Afinal,
Teoria da Relações Internacionais, para demonstrar como o a Turquia representa um importante componente da defesa
aludido tema se insere nesse aspecto teórico. Assim, obras europeia e ocidental, tanto como proteção externa, bloque-
teóricas como “Todo Império Perecerá: Teoria das Relações ando as ondas de instabilidade do Oriente Médio, como
Internacionais”, de Jean Baptiste Duroselle e “Introdução às representando uma ponta de lança na região.
Relações Internacionais: temas, atores e visões”, de Cristina Mas a Turquia vem enfrentando uma séria crise econô-
Soreanu Pecequilo. mica. Já em 1999 o FMI concedeu uma ajuda de 15 bilhões
Seguindo essa linha de raciocínio, o presente texto “A de dólares ao país e em fevereiro de 2002 mais 16 bilhões,
Guerra do Golfo, a historiografia e as Relações Internacionais, devido ao impacto das crises financeiras de novembro
é um fragmento da monografia que está sendo elaborada, de 2000 e fevereiro de 2001. A  desvalorização da moeda
no Curso de Especialização em História Social, da UEL, cujo chegou a tal ponto, que 85 centavos de Euro equivalem a
tema  é “Crise no Oriente Médio: a Guerra do Golfo e as um milhão de libras turcas. Bancos faliram e a recessão e o
Relações Internacionais (1990-1991)”, foi escolhido, pois desemprego atingiram cifras preocupantes. Neste contexto,
representa um marco importante na transição das relações o  Partido da Esquerda Democrática do primeiro‑ministro
internacionais. Bulent Ecevit sofreu uma fragorosa derrota frente ao Partido
Com base na bibliografia sobre o tema mencionado, da Justiça e Desenvolvimento, de perfil islâmico. O Conselho
percebe‑se que o conflito pode ser encarado como algo de Segurança Nacional (MGK), dominado pelos militares, já
sintomático de mudanças na transição da Guerra Fria para anunciou que o país deve permanecer laico e não aceita a
a Nova Ordem Mundial. implantação de um governo de matiz religioso. O país já teve
Vale ressaltar, que tal período foi escolhido, porque o vários regimes militares com a finalidade de barrar, primeiro,
ano de 1990 marca a invasão do Kwait pelo Iraque, o ano de o caminho da esquerda e, depois dos islâmicos.
1991 a guerra propriamente dita, a expulsão e, consequente, Assim, criou‑se uma situação extremamente difícil, pois
derrota das forças iraquianas em território kwaitiano. a Turquia, desde o fim da URSS, desenvolve uma ativa diplo-
http://www.uel.br/grupo‑pesquisa/gepal/segundos macia pan‑turca nos Estados da Ásia central (cuja população
imposio/sandrohelenomoraiszarpelao.pdf é aparentada à sua) e no Afeganistão. Além disso, é um im-
Política e Segurança

portante aliado de Israel, com o qual assinou um acordo de


Turquia: crise política e relações internacionais defesa em 1994. Sendo então um decisivo aliado dos EUA,
(ANO: 2005) qualquer problema sério no país prejudicaria a estratégia de
guerra ao terrorismo do presidente Bush para a região, espe-
As eleições turcas deram a vitória a um partido islâmico, cialmente uma guerra contra o vizinho Iraque. A Rússia, por
que está em condições de formar um novo governo. Contudo, seu turno, vê na Turquia um inimigo, pois além de sua ação
mais uma vez os militares, que constituem o poder de fato na Ásia central e na questão dos oleodutos ser considerada
no país, anunciaram que a Turquia deve permanecer um um desafio, este país apoia os rivais de Moscou no Cáucaso
país laico, significando que podem intervir na política como (Geórgia, Azerbaijão e, discretamente, a  Chechênia). Até

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hoje houve boa vontade por parte dos países ocidentais com Após relatórios sobre crimes, assassinatos, torturas
este aliado localizado numa posição geopolítica vital, mas o e diversas outras violações dos Direitos Humanos, tanto
acúmulo de crises políticas e econômicas no mundo atual por parte do governo quanto dos rebeldes, e  as mortes
tornam uma solução mais difícil que no passado. alcançando a faixa de 27 mil pessoas, a Organização tentou
http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_ aprovar resoluções impondo sanções à Síria. Entretanto,
93.htm os membros do CS se mantinham divididos quanto a possível
intervenção militar resultante dos termos das resoluções,
A Guerra Civil Síria, o Oriente Médio e o Sistema algo que Rússia e China, membros permanentes e aliados
Internacional de Assad, se mostravam impassíveis, utilizando do seu poder
Gabriela Furtado de veto para impedir ações mais drásticas. O mediador da
Henrique Roder ONU na Síria, o diplomata argelino Lakhdar Brahimi, tentou
Sergio L. C. Aguilar estruturar mudanças políticas no país para que fosse possível
TUBS um acordo, propondo um governo de transição com plenos
poderes, sem sucesso.
A República Árabe Síria, com uma posição estratégica no Enquanto isso, como o número de refugiados aumentou,
Oriente Médio, enfrenta, desde março de 2011, uma guerra o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (AC-
civil que já deixou pelo menos 130 mil mortos, destruiu a NUR) passou a distribuir ajuda humanitária e auxílio básico a
infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária regio- população síria. Em 2013, o número de refugiados chegou a
nal. Tudo isso teve início quando os protestos, conhecidos 2 milhões de pessoas, sobrecarregando os países receptores
como Primavera Árabe, serviram de inspiração e exemplo como Líbano, Iraque, Jordânia e Turquia, levando o ACNUR
para ativistas e civis desafiarem a ditadura no comando do a liderar uma resposta humanitá­ria também nesses países.
país. O presidente Assad se recusou a renunciar, porém, fez Em agosto de 2013, uma missão da Organização das
concessões, encerrando o estado de emergência, que durava Nações Unidas (ONU) confirmou o uso de gás sarin em um
48 anos, aprovou uma nova Constituição e realizou eleições ataque químico que matou centenas de civis nos arredores
multipartidárias, mas a oposição continuou combatendo e de Damasco. Como a Síria é um dos poucos países que não
exigindo sua queda. fazem parte do tratado internacional que proíbe armas quí-
Os motivos por trás da guerra civil estão enraizados de micas, as nações ocidentais acreditavam que o país tivesse
forma muito profunda em sua história, desde a antiguida- reservas não declaradas de gás mostarda, sarin e agentes
de. Na formação do Estado Sírio, independente em 1946, nervosos. Inspe­tores da ONU foram enviados ao país e con-
a disputa étnica e religiosa pelo poder esteve sempre em firmam a veracidade das acusações gerando, então, novas
evidência, como consequência da política colonial francesa discussões entre os países do Conselho de Segurança sobre
uma possível intervenção militar na Síria. Entre ameaças
de enfraquecer a unidade árabe, instaurando pequenas di-
americanas, proposta de monitoramento de armas pela
visões no país, governadas por um grupo que representava a
Rússia e outras discussões, a ONU por fim deu início a uma
minoria da população, os alauítas, em detrimento da maioria
missão em conjunto com a Organização para Proibição de
sunita (80% da população). Na década de 1960, dois golpes
Armas Químicas (OPAQ) para a destruição do arsenal químico
de estado favoreceram ainda mais os alauítas.
informado pela Síria. Por meio da Resolução 2118, aprovada
Além do grupo do presidente Bashar Al‑Assad (alauíta),
no final de setembro, a organização conseguiu implementar
não representar a maioria, o regime ditatorial do presidente, a reti­rada e posterior destruição das armas químicas, além
com a restrição das liberdades, repressões violentas a qual- de organi­zar uma Conferência de Paz com representantes
quer pessoa considerada ameaça para a segurança nacional, de todas as partes envolvidas.
e o controle da população, foram motivos que ajudaram a A missão em conjunto da ONU e da OPAQ teve como
inflamar no povo a vontade de derrubar no governo. primeiro objetivo a remoção de máquinas e equipamentos
No conflito é possível observar a influência e interfe- utilizados para a produção de armas e para abastecer mísseis
rência de vários grupos em diferentes formas. A guerra civil e bombas com gases tóxicos, inutilização de instalações e
tomou uma proporção que torna difícil determinar todos os neutralização das reservas de compostos químicos. Seu
envolvidos, porém, o conflito reviveu antigas tensões entre o maior desafio não foi a destruição em si, mas o acesso em
Ocidente e o Oriente. meio a uma guerra civil aos locais indicados pelo governo
Em escala global, desde o início do conflito a ONU Sírio. Já o segundo objetivo, a efetiva retirada e destruição
tem realizado esforços condenando o governo de Bashar do arsenal químico, levou mais tempo do que o previsto,
Al‑Assad. Todavia, ações práticas ocorreram somente em sendo que apenas em 2014 foi anunciada a retirada completa
abril de 2012, com uma missão de observação aprovada pela OPAQ. As 1.300 toneladas declaradas pelo governo sírio
pela Resolução 2042, depois de uma série de declarações foram levadas a bordo do navio americano Cape Ray, espe-
do Conselho de Segurança (CS) para que se pusesse fim à cialmente construído para realizar a destruição das armas,
violência e ao desrespeito aos Direitos Humanos. Uma equipe sinalizando o fim da operação internacional.
de 30 observadores militares tinha por objetivo monitorar Tomando o conflito em nível global, é possível observar
o cessar fogo no país e a retirada de armas das áreas civis. que desde seu início os EUA se limitaram, oficialmente,
No mesmo ano, a  Resolução 2043 estabeleceu uma a oferecer apoio não letal aos rebeldes e a fornecer ajuda
Política e Segurança

Missão de Supervisão composta por até 300 observadores humanitária. Porém, algum tempo depois, a administração
militares, com o objetivo de implementar a proposta de seis Obama prometeu “apoio militar” aos rebeldes, embora te-
pontos do Enviado Especial Conjunto das Nações Unidas, que nha mantido certa indefinição sobre a natureza dessa ajuda.
estabelecia: a retirada de armas pesadas e tropas de centros Por outro lado, a Rússia é uma das maiores fornecedoras de
populacionais, o fim de toda forma de violência armada sob armas ao governo sírio e mantém importantes investimentos
supervisão das Nações Unidas, o acesso livre de assistência no país, se colocando, inclusive, em favor de Assad caso hou-
humanitária a todas as zonas afetadas pelos combates, a li- vesse uma intervenção norte‑americana no país. Essa postura
bertação de pessoas detidas arbitrariamente, a liberdade de se mostrou importante a nível sistêmico pois o país ainda é
circulação e a permissão para entrada e saída de jornalistas. uma grande potência do ponto de vista militar e energético.

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Portanto, seu governo e as Forças Armadas têm interesse lâmico com métodos extremamente violentos resul­tou no
em manter aliados em algumas regiões estratégicas, como envolvimento dos Estados Unidos, França e Reino Unido,
o Oriente Médio, e principalmente a Síria, que era um dos dentre outros, aumentando as implicações regionais e glo-
países mais estáveis na região. bais da guerra civil.
No sistema regional, o mundo árabe também se encon- Nessa situação, o balanço de poder existente no Oriente
tra de alguma forma envolvido no conflito sírio. Os países Médio tem sofrido modificações decorrentes da guerra civil
vizinhos Turquia, Catar e Arábia Saudita são acusados de síria, bem como de toda a Primavera Árabe. O mapa político
armar e dar treinamento militar aos oposicionistas de Assad. da região está mudando. O caos na Síria não só enfraquece a
Enquanto isso, Irã, Iraque e Líbano gastam bilhões de dólares aliança do país com o Irã, com o Hezbollah, no Líbano, e com
amparando o governo e oferecendo equipes de elite para o Hamas, na Faixa de Gaza, mas também coloca em evidência
trabalhos de inteligência e de treinamento militar. os ideais opostos como os representados pela Arábia Saudita
Já no âmbito interno, os rebeldes, que se colocam em e sua postura pró‑EUA e pró‑ocidente.
oposição ao regime, são constituídos por militares deser- Nesse sentido, a  luta de três anos sobre a Síria tem
tores, grupos islamitas como a Irmandade Muçulmana do representado, em termos regionais, não tanto as legítimas
Egito, além de outros mais radicais, como a Frente Al‑Nusra, e nobres aspirações do povo da Síria de viver em uma so-
um braço da rede terrorista da Al‑Qaeda, o Comando Militar ciedade mais democrática (que é como a revolta começou),
do Exército Sírio Livre e o Estado Islâmico do Iraque e do mas sim a tentativa de uma coalizão liderada pelos Estados
Levante. Essa junção de grupos com interesses diversos do Golfo para deter a crescente, e aparentemente inexorável,
acaba desvian­do a causa principal de derrubar o atual di- influência iraniana a qualquer custo. A moeda dessa batalha
tador Bashar Al‑Assad, uma vez que não há uma unida­de regional tem sido a mobilização sectária, enquanto o custo
entre eles. Os civis iniciaram os protestos para acabar com tem sido violência e sofrimento horríveis, bem como a total
o governo ditatorial e implantar um regime democrático. ruptura da sociedade síria.
Porém, os grupos insurgentes possuem o interesse de assu- Há, também, implicações da guerra síria em países
mir o poder e governar de forma autoritária, anti‑EUA e sob fronteiriços como a Turquia, onde ocorreu a deteriorização
leis islâmicas. Intenções e posturas diferentes dificultam a da segurança interna devido ao contrabando e o fluxo de
união da oposição e a organização de objetivos comuns e refugiados. Os problemas ocasionados pela guerra civil na
permitem que vários grupos permaneçam apoiando Assad, fronteira entre os dois países le­varam ao início da construção
o que prolonga o conflito. de um muro por parte da Turquia.
Assim, o  presidente se mantém firme no poder com O aumento das áreas ocupadas pelo Estado Islâmico na
apoio: de parte da população, das Forças Armadas, insti- Síria resultou no aumento do fluxo de refugiados de etnia
tuições apegadas ao nacionalismo, ao  baathismo e acima curda para a Turquia, o que pode fortalecer o Partido Traba-
de tudo às figuras de Hafez e Bashar Al‑Assad; das Brigadas lhista Curdo (Partiya Karkerên Kurdistan‑PKK) e o movimento
Baath, milícia criada para se contrapor aos rebeldes a partir nacionalista curdo como um todo, com graves consequências
do Partido Baath do presidente Assad, e  que ganharam para a segurança interna turca.
espaço em áreas não ocupadas pelo exército; do chamado A nível do sistema internacional, com a descoberta do
Exército do Povo, antigo braço militar do Partido Baath; e uso de armas químicas, em 2013, a rivalidade entre Estados
da Força Nacional de Defesa, guarda nacional organizada Unidos e Rússia ficou evidente. A dificuldade do Conselho
especialmente para a guerra, com serviço de caráter vo- de Segurança da ONU de chegar a um acordo deveu‑se aos
luntário e temporário. Todos esses grupos estão ligados de vetos aplicados pela Rússia e a China. Na época, falou‑se
alguma forma ao partido do ditador que, devido ao efetivo em mais uma possível consequência com o espraiamento
e material que possui, continua com a força necessária para do conflito quando Putin foi categórico ao afirmar que a
sustentar seu regime. Rússia reagiria em defesa da Síria caso os EUA iniciassem
Por ser uma espécie de batalha móvel envolvendo forças uma intervenção militar. Essa atitude está ligada à ameaça
armadas e milícias, com a oposição ocupando sempre os que uma intervenção norte‑americana significaria para os
territórios em que o Exército não está instalado, nenhuma interesses russos no Oriente Médio. Num sentido mais am-
parte do território sírio foi poupada, resultando na destrui- plo, a estratégia russa de desenvolver uma multipolaridade
ção generalizada de suas cidades, centenas de milhares de nas relações internacionais tem a intenção de diminuir a
mortes, a maioria civis, e um grande número de refugiados presença dos EUA nas suas áreas de interesse e, mais além,
e deslocados internos. de diminuir a dominância dos EUA como possível “garantidor
Não havendo uma superioridade militar que permita da estabilidade global”.
um dos lados vencer o conflito, apoios externos a ambos Todos estes elementos reforçam ainda mais o impasse
os lados, o grande número de grupos armados envolvidos na resolução do conflito, que não se dará somente na arena
na guerra, alguns deles fundamentalistas e jihadistas que doméstica ou na arena global, mas sim, por uma sintonia
pretendem implantar seus “califados” e as diversas posturas dessas duas esferas. As  implicações da guerra civil, que
político‑ideológicas, dificultam e até impedem uma solução começou com protestos pacíficos, aparentando ser apenas
negociada. mais uma revolta contra um ditador no mundo árabe, se
Outra implicação interna do confronto diz respeito à tornam mais complicadas e preocupantes.
econo­mia síria que, em se tratando de meios de produção, O aumento da capacidade e das áreas sob poder do Es-
Política e Segurança

se tornou praticamente nula. Com grande taxa de desem- tado Islâmico do Iraque e da Síria resultou no envolvimento
prego, exportações mínimas, deteriorização de indústrias e militar dos EUA. Mas, apesar do discurso das autoridades
corte de relações econômicas com vários países, o setor que norte‑americanas no sentido contrário, ao atacar o grupo
prosperou em meio ao caos foi o contrabando e o mer­cado ficou difícil desvincular a ação de um apoio ao governo de
negro, num Estado onde parte da população se encontra Assad, cujo regime o Presidente Obama repudiou desde o
passando fome. início da guerra civil.
Com o fracasso das negociações de Genebra II, no início Caso o EI não seja derrotado, há a possibilidade do grupo
de 2014, não é possível prever uma solução negociada, bem assumir o poder na Síria caso o governo de Damasco caia,
como a mu­dança do governo. O crescimento do Estado Is- podendo‑se vislumbrar as consequências que essa situação

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traria para as minorias alauíta, cristã e drusa do país, den- ou defende algum programa de autoafirmação de sua na-
tre outras. Aumentando a intrincada colcha de retalhos na cionalidade, está empenhada num projeto político chamado
região, para derrotar o grupo há a necessidade de se estabe- nacionalismo. O nacionalismo pode assumir várias formas e
lecer alianças com grupos menores sunitas que se opõem a originar‑se de necessidades diversas.
ele (alguns deles foram os que iniciaram a oposição a Assad), Por exemplo:
bem como inserir a Turquia, a Arábia Saudita e a Jordânia na • um grupo étnico que se sinta oprimido pode querer
coalizão internacional contra o EI. afirmar sua nacionalidade e tornar‑se independente,
Esse exemplo reforça a multidi­m ensionalidade do criando um novo Estado, como fez a etnia trigrínia ao se
conflito. A  retroalimentação das forças governamentais e separar da Etiópia e constituir a Eritreia (1993); ou como
oposicionistas por seus respectivos aliados sejam eles do- o povo basco vem tentando sem sucesso na Espanha;
mésticos, regionais ou potências mundiais, não permite o ou ainda como ocorre com os curdos, na Turquia.
fim das hostilidades. Ambas as partes não alcançam o poder • um Estado‑Nação pode querer impor seus valores
necessário para fazer com que a outra ceda, gerando assim (muitas vezes do grupo étnico dominante) ao conjun-
a estagnação do conflito, a  manutenção da violên­cia e o to dos cidadãos para sobreviver como unidade políti-
aumento da morte de civis. ca, como no caso da Nigéria, que possui mais de 250
Em junho de 2014, foram realizadas eleições para presi- grupos étnicos, mas os hauçás são a etnia majoritária
dência que confirmaram a vitória do ditador Bashar Al‑Assad. (29% da população) e mais influente politicamente.
As votações só foram realizadas em locais sob o controle do
Exército, portanto, grande parte da população foi impedida Vale lembrar que o Estado‑Nação quase sempre é multi-
de votar. Ademais, o ditador só possuía dois rivais, que foram nacional, multiétnico. O que garante sua integridade políti-
autorizados pelo próprio Assad para poderem concorrer.
co‑territorial é uma identidade nacional entre seus habitan-
Nesse sentido, não é possível, em curto prazo, prever o
tes, apesar das diferenças culturais e regionais, conquistada
desfecho da guerra, mas com certeza, qualquer que seja
por vias democráticas. Essa identidade pode ser fortalecida,
ele, provocará alterações importantes nas relações regio-
por exemplo, por uma língua falada em todo o território,
nais e sistêmicas em relação ao Oriente Médio.
como acontece no Brasil, ou por um projeto de integração
política e socioeconômica – por meio de medidas de ação
CONFLITOS ÉTNICO‑RELIGIOSOS afirmativa – de grupos étnicos marginalizados, como acon-
CONTEMPORÂNEOS tece na África do Sul. Muitas vezes, entretanto, esse sentido
de identidade é imposto, como aconteceu nas extintas União
Guerras Étnicas e Nacionalistas Soviética e Iugoslávia, que eram ditaduras de partido único.

Guerras étnicas opõem povos diferentes na disputa pelo O Separatismo no Cáucaso e nos Bálcãs
controle do poder dentro de um país, mas também podem
ser separatistas quando opõem um grupo étnico minoritário Na década de 1990, ao mesmo tempo que muitos Esta-
e um governo na luta pela independência de parte do terri- dos se empenharam em fazer acordos que visavam a maior
tório. Como veremos a seguir, há vários exemplos desse tipo integração econômica, social e política entre si, em outros
de guerra, mas antes é importante saber alguns conceitos ocorreu uma desintegração territorial, caso das antigas União
que utilizaremos. Soviética e Iugoslávia.
Em alguns dos países que surgiram a desintegração
Etnia, Povo, Nação e População desses territórios foram organizados novos movimentos
separatistas por minorias étnicas que também anseiam por
A palavra etnia (do grego éthnos, que significa “povo”) autonomia, como os chechenos, na Rússia; os ossétios e
define um grupo humano que tem características culturais abkhazes, na Geórgia; e os kosovares, na Sérvia. Esses se-
próprias. É possível distinguir uma etnia de outra com base paratismos estão associados a movimentos nacionalistas
em suas diferenças religiosas, linguísticas, de costumes e
que buscam o controle de um território e a formação de
tradições. Em sentido antropológico, povo e etnia são sinô-
um Estado soberano. Em alguns desses casos, são utilizados
nimos. Neste capítulo essas palavras são utilizadas com essa
métodos terroristas tanto por parte dos grupos minoritários
conotação. Entretanto, povo, no sentido jurídico‑político,
é sinônimo de cidadão e refere‑se à população que habita quanto pelo Estado que os oprime.
o território sob jurisdição de um Estado e tem um conjunto A princípio pode parecer que os movimentos separatistas
de direitos e deveres. estão na contramão da História, já que a tendência do mundo
A palavra população define todos os habitantes de um globalizado é de crescente integração. Entretanto, antes da
território, independentemente de suas diferenças culturais independência, a limitação à soberania desses Estados era
e de terem ou não cidadania. População é um termo de co- imposta pelo controle político exercido por Moscou (na então
notação quantitativa, que inclui, por exemplo, os residentes União Soviética, cujo governo era controlado pelos russos)
estrangeiros não naturalizados. e por Belgrado (na antiga Iugoslávia, cujo poder central era
A palavra nação, no sentido antropológico, também é exercido pelos sérvios).
muito usada como sinônimo de etnia ou povo. É  comum Com a fragmentação, houve um rearranjo territorial,
Política e Segurança

a afirmação de que a União Soviética ou a Iugoslávia eram e cada novo Estado independente pôde decidir se pleitea-
formadas por várias nações, etnias ou povos, assim como ria ou não sua adesão à União Europeia, que analisa esses
no Brasil fala -se de diversas nações, etnias ou povos indí- pedidos caso a caso.
genas. Contudo, nação também pode ter uma conotação A limitação da soberania dentro desse bloco resulta de
político‑territorial e, como conceito jurídico‑político, é sinô- um acordo entre os Estados‑membros em troca de vantagens
nimo de Estado. Tanto que a sigla ONU, entidade composta socioeconômicas, porém seu ordenamento jurídico e suas
de 193 Estados‑membros, significa Organização das Nações singularidades culturais e regionais são mantidos. A União
Unidas. Quando uma nação (em sentido antropológico) ou Soviética era um dos principais exemplos de países multi-
etnia busca controlar um território e constituir‑se em Estado, étnicos. No início dos anos 1990, antes de sua dissolução,

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chegou a possuir a terceira população do planeta (cerca de • Haucas × Ibos, na Guerra de Biafra (1967‑1970), na
290 milhões de habitantes), composta de cerca de 140 et- qual os Ibos lutaram sem sucesso pela separação dessa
nias, algumas das quais articuladas em fortes movimentos região, parte do território da Nigéria;
nacionalistas que ansiavam por independência. • o separatismo da etnia tigrinia na Etiópia, resultando
Em 1991, com sua fragmentação político-territorial, cada na independência da Eritreia em 1993;
uma das quinze antigas repúblicas soviéticas se transformou • Hutus × Tutsis, na guerra civil de Ruanda em 1994, que
em um novo Estado. Observe que, em geral, a etnia majo- provocou a morte de cerca de 1 milhão de pessoas
ritária em cada um deles dá nome ao país: por exemplo, (90% tutsis, etnia minoritária no país);
Casaquistão quer dizer “país dos casaques”, uma das etnias • Muçulmanos × Cristãos e animistas no Sudão, entre
da Ásia central; Eslovênia é o país dos eslovenos, uma das outros.
etnias da região do mar Báltico.
Entretanto, a Rússia continua sendo um pais multiétnico, O conflito no Sudão, um dos mais longos da África, opôs
ainda sujeito a ação de movimentos separatistas, como o os muçulmanos, no poder desde a independência em 1956,
que ocorreu na Chechênia (observe o mapa abaixo), uma e rebeldes separatistas cristãos e animistas baseados no sul
republica localizada no Cáucaso, região extremamente di- do país. Os enfrentamentos vinham ocorrendo desde a épo-
versificada do ponto de vista étnico‑religioso. ca da independência, mas se intensificaram fortemente a
partir de 1983, quando foi fundado o Exército de Libertação
Os chechenos são muçulmanos, e os russos, cristãos or-
do Povo Sudanês (SPLA, do inglês Sudan People’s Liberation
todoxos. A Guerra da Chechênia (1994‑1996) ocorreu porque
Army) e seu braço político, o Movimento de Libertação do
o governo russo não reconheceu o movimento nacionalista,
Povo Sudanês (SPLM, do inglês Sudan People’s Liberation
que buscava a divisão de parte de seu território, e atacou Movement). Após duas décadas de guerra, o  saldo foi de
militarmente os separatistas. Conflitos voltaram a ocorrer no cerca de 2 milhões de mortos e 4 milhões de refugiados.
final de 1999, resultando em nova intervenção de Moscou Em 2002, o  governo e os separatistas do SPLA/SPLM
e em nova guerra. Desde então, o conflito esta em estado iniciaram uma negociação de paz que culminou na inde-
latente, e os guerrilheiros chechenos vem cometendo aten- pendência da porção meridional do país. Como resultado
tados terroristas contra alvos russos. No pior deles, ocorrido desse processo,
em 2004, eles ocuparam uma escola da pequena cidade de em 2011 foi criado o Sudão do Sul, o 193. Estado‑membro
Beslan, na Ossetia do Norte (República da Federação Russa), da ONU. O governo do Sudão acabou aceitando a autonomia
e fizeram reféns estudantes, professores e funcionários. De- do novo país mediante acordos para a:
pois de três dias de tensão, sem que se chegasse a um acordo, • divisão da renda das abundantes reservas de petróleo
as forcas russas invadiram a escola, o que resultou na morte disponíveis na porção sul (os poços que agora se lo-
de 336 reféns, a maioria crianças, e de trinta terroristas. calizam no Sudão do Sul são responsáveis por 75% do
Na Geórgia também há movimentos separatistas: os petróleo produzido nos dois países);
ossetios (Ossetia do Sul) e abkhazes (Abkhazia) lutam pela • fixação das novas fronteiras, incluindo a desmilitariza-
independência política e são apoiados pela Rússia. Em 2008, ção de Abyei, região fronteiriça reivindicada pelos dois
houve um conflito armado entre a Rússia e a Geórgia no qual países, monitorada pela Força de Segurança Interina
tropas russas invadiram a Ossetia do Sul para desalojar tro- das Nações Unidas para Abyei (UNISFA).
pas georgianas que tinham ocupado a província separatista.
Os russos mantem bases na Ossetia do Sul e na Abkhazia. Entretanto, antes de resolver o antigo conflito armado
A antiga Iugoslávia, na região dos Balcãs, e outro exem- com o SPLA/SPLM, eclodiu uma nova guerra. Em 2003, outros
plo importante de pais multiétnico que se fragmentou e, dois grupos guerrilheiros iniciaram em Darfur um novo mo-
nesse caso, de forma muito violenta. A independência das vimento separatista, argumentando que o governo islâmico
antigas republicas iugoslavas foi marcada por sangrentas não dá atenção à região. Depois de tentativas fracassadas de
guerras étnicas ao longo dos anos 1990, como a da Bósnia firmar um acordo de paz, em 2007 o Conselho de Seguran-
(1992‑1995) e a do Kosovo (1999). Desde então esse terri- ça da ONU aprovou o envio de militares e de pessoal de apoio
tório e governado pela Administração Interina das Nações civil da Operação Híbrida União Africana/Nações Unidas em
Unidas no Kosovo (UNMIK). Darfur (Unamid), que começaram a chegar à região em 2008.
O fim do socialismo na União Soviética e sua consequente De 2005 a 2011, outra força de manutenção da paz atuou
fragmentação influenciaram também as minorias da Iugos- no país, a Missão das Nações Unidas no Sudão (UNMIS), que
auxiliou no acordo entre o governo e o SPLA/SPLM. Com a
lávia, que resolveram expressar suas aspirações separatistas
independência do Sudão do Sul em 2011, essa operação de
contra a maioria servia, que controlava o pais. Eram marcan-
paz foi extinta e a ONU criou a Missão das Nações Unidas
tes as diferenças religiosas entre sérvios (ortodoxos), eslo-
no Sudão do Sul (UNMISS) para auxiliar na consolidação do
venos e croatas (cristãos), bósnios, macedônios e albaneses novo país, que, apesar das grandes reservas de petróleo, está
(muçulmanos). entre os mais pobres do mundo (na atividade Desenvolvendo
habilidades há um mapa com todas as missões de paz da
Conflitos étnicos na África subsaariana ONU e seu significado em inglês).
Política e Segurança

Na África vem ocorrendo diversos conflitos que opõem A Questão Palestina e as Relações Internacionais
etnias diferentes, muitas das quais forcadas a conviver dentro
do território de um mesmo Estado. Por terem sido constituí- No Brasil temos hoje entre 15 e 20 mil palestinos. Desde o
das, de forma geral, sobre os limites traçados pelas potencias início dos anos oitenta tem crescido em nosso país um movi-
imperialistas europeias no Congresso de Berlim (1884‑1885), mento de solidariedade com a causa palestina que atravessa
as fronteiras dos Estados africanos não respeitaram os ter- as barreiras ideológicas, políticas, partidárias e religiosas.
ritórios tribais vigentes anteriormente a sua Constituição. É possível encontrar sindicatos filiados a diversas centrais
O resultado foi a ocorrência, ao longo da História, de uma sindicais (Central Única dos Trabalhadores‑CUT, Central dos
série de conflitos étnicos: Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB, Central Geral

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dos Trabalhadores do Brasil – CGTB, Central Sindical‑Popular Os árabes‑palestinos sempre aparecem nos grandes
Coordenação Nacional de Lutas – CSP‑CONLUTAS, INTERSIN- veículos de comunicação como terroristas, pessoas san-
DICAL, Força Sindical, entre outras) assinando manifestos e guinárias, fanáticos religiosos que se explodem cometendo
participando da organização de atos e mobilizações de apoio atentados em várias partes do Oriente Médio.
a luta pela criação do Estado Palestino. Quais são os verdadeiros motivos que fazem com que
Desde os anos 1980 a Organização para a Libertação da a Palestina, região onde nasceram as três grandes religiões
Palestina (OLP) possui escritório de representação diplomá- monoteístas (judaísmo, cristianismo, islamismo), seja palco
tica em Brasília, que hoje já tem status de Embaixada, é a de uma guerra onde as vítimas são crianças, idosos e demais
Embaixada da Palestina no Brasil, que foi uma ação concreta membros da população civil que enfrentam todos os dias as
de reconhecimento de vários governos brasileiros à legitimi- agressões de um exército invasor que desrespeita os direitos
dade dessa luta por independência e libertação nacional. humanos e as resoluções da ONU desde 1948?
Também entre os diversos partidos políticos brasileiros
o apoio aos palestinos é grande, principalmente entre os A Localização Estratégica
partidos de centro‑esquerda, progressistas e de esquerda.
A defesa da criação de um Estado Palestino consta nos pro- A Palestina é um território de 27.000 quilômetros qua-
gramas partidários ou aparece em discursos e manifestos drados que se localiza entre o Egito, Líbano, Síria e Jordânia,
das lideranças. tendo um vasto litoral com saída para o Mar Mediterrâneo.
Se fizermos um levantamento entre parlamentares bra- Pelo sul da Palestina chega‑se ao Golfo de Ácaba, que levará
sileiros, certamente também encontraremos deputados qualquer navegante ao Mar Vermelho, Golfo de Áden, Mar
estaduais e federais, senadores e vereadores em todos os da Arábia, golfo de Omã e Oceano Índico.
Estados que, de alguma maneira, expressam ou já expres- Do ponto de vista econômico, político e militar, sua loca-
saram sua solidariedade contra as arbitrariedades que são lização é estratégica. A Palestina fica no centro do mundo,
cometidas pelo Estado de Israel nesses 62 anos de ocupação na divisa entre a África e a Ásia, e bem próxima da Europa.
militar estrangeira. Por isso tal território sempre foi alvo de invasões ao longo
Também percebemos a existência de vários Comitês de de sua história. A região também sempre foi importante rota
Solidariedade à Luta do Povo Palestino, em vários Estados comercial terrestre e marítima.
do Brasil. Em São Paulo, nos últimos anos, foi criada a Frente
de Defesa do Povo Palestino, com a participação de movi- As origens do conflito atual: sionismo e imperialismo
mentos populares, partidos, movimento sindical, movimento invadem a Palestina
estudantil, etc.
Os estudantes brasileiros e suas organizações, seja a Durante o final do século 19 a Palestina estava sob o
União Nacional dos Estudantes (UNE) ou a Associação Na- domínio do Império Turco‑Otomano. Na Europa e na Rússia
cresce o número e a força de grupos que perseguiam os
cional de Estudantes Livre (ANEL), apesar de divergirem em
judeus (“pogroms”). Também nesse período surge um mo-
vários temas da política interna, estão unidos neste tema
vimento nacionalista judaico chamado Sionismo, que adota
da política internacional. Entre os movimentos de trabalha-
esse nome em referência a uma colina de Jerusalém (Sion)
dores, o  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
onde havia sido construído o Templo de Salomão.
(MST) e a Via Campesina (movimento internacional de tra-
Um dos fundadores do movimento sionista foi Theodor
balhadores rurais e camponeses) tem enviado delegações
Herz (1869-1904). Herzl nasceu em Budapeste e estudou
em missões humanitárias na Palestina. Inúmeros religiosos, em Viena, duas cidades importantes do então Império Aus-
judeus, cristãos (das mais diversas denominações) ou mu- tro‑Húngaro. Vinha de uma família de banqueiros, e elaborou
çulmanos também no Brasil se encontram para homenagear sua concepção nacionalista judaica num livro chamado O
este povo e denunciar o constante desrespeito aos direitos Estado Judeu, publicado em 1896.
humanos praticado pelos sucessivos governos israelenses. Em 1897, Herzl e outros adeptos do Sionismo se reúnem
Nos últimos anos o governo brasileiro abriu uma Embai- no 1º Congresso Sionista, em Basiléia, na Suíça. A resolução
xada junto a Autoridade Nacional Palestina (ANP), com sede final do Congresso falava da criação de um “lar nacional para
em Ramalá, na Cisjordânia. Todas essas iniciativas demons- os judeus”, algo que já estava presente no livro de Herzl,
tram que existe no povo brasileiro e em suas organizações apontando a Argentina ou a Palestina como os locais mais
políticas e sociais a disposição de fortalecer a luta pelo es- favoráveis para a realização de tal empreendimento.
tabelecimento do Estado Palestino. A partir daí os sionistas correram o mundo para anga-
Escrevemos este pequeno texto para estimular a reflexão riar recursos financeiros e apoio político para sua proposta.
crítica sobre a questão palestina, deixando de lado o pre- Herzl e seus seguidores vão estabelecer contatos com os go-
conceito contra um povo que busca de maneira legítima a vernos da Inglaterra, da Alemanha, com o Império Turco‑Oto-
sua libertação. Infelizmente, neste início de século 21, ainda mano, com banqueiros, industriais e comerciantes judeus
somos obrigados a nos defrontar com essa situação injustifi- e não‑judeus, visando fortalecer a ideia da necessidade de
cável, que é a negação dos direitos nacionais a um povo que um Estado Judeu. A comunidade judaica europeia se divide,
vive há séculos naquela região. e nem todos apoiam a ideia sionista, mas esse movimento
Esperamos contribuir com o debate ao mesmo tempo consegue o apoio da burguesia judaica e de setores impor-
Política e Segurança

que reforçamos a necessidade de ações concretas de soli- tantes da burguesia não‑judaica europeia.
dariedade, pois ser internacionalista é lutar, como já foi dito, Em seu livro Herzl já afirmava sua preferência pela Palesti-
contra toda e qualquer forma de injustiça, cometida contra na, que chamava de “pátria histórica” dos judeus, e dizia que
qualquer cidadão, em qualquer lugar do mundo (Ernesto o Estado Judeu seria, “para a Europa, um pedaço de fortaleza
Che Guevara). contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização
Os meios de comunicação de massa (ou de desinforma- contra a barbárie” (O Estado Judeu, p.66).
ção em massa) costumam tratar a Questão Palestina como Tal afirmação comprova o vínculo entre sionismo e im-
um conflito entre “judeus e muçulmanos” ou entre “árabes perialismo, pois o objetivo de Herzl era obter o apoio das
e israelenses”. potências imperialistas que dominavam o mundo, e em es-

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pecial o Oriente Médio, para que a Palestina fosse entregue O Sionismo se organiza de quatro maneiras:
à burguesia judaica, para que a mesma transformasse esse 1. politicamente: através de várias organizações nacio-
território numa fortaleza militar contra o avanço do nacio- nais e internacionais que visam buscar apoio político
nalismo árabe e de possíveis movimentos anti‑imperialistas de governos para seu projeto colonialista;
que cresciam no Oriente Médio do período pós‑Primeira 2. economicamente: buscando recursos financeiros de
Guerra Mundial. empresários e banqueiros judeus e não‑judeus para
Com a derrota do Império Turco‑Otomano na Primeira a instalação de colônias na Palestina;
Guerra Mundial (1914-1918), França e Inglaterra invadem o 3. militarmente: organizando grupos terroristas/para-
Oriente Médio e dividem entre si a região, ficando a Palestina militares para espalhar o pânico entre a população
sob o domínio britânico de 1918 a 1948. árabe‑palestina, grupos que, depois de 1948, se trans-
Nesse período o movimento sionista está consolidado, formam nas Forças Armadas de Israel;
e sua ambição de construir um “lar nacional para os judeus” 4. culturalmente: através da difusão, pela indústria cul-
na Palestina ganha ainda mais apoio, devido ao massacre de tural, de ideias que buscam justificar a dominação
judeus pelos nazistas na Europa da Segunda Guerra Mundial territorial da Palestina e o direito “histórico e sagrado
(1939-1945). Criam‑se, então, as condições favoráveis para dos judeus” de ocupar aquela região.
a realização da profecia que Herzl e seus seguidores elabo-
raram em 1897: criar o “Estado Judeu” em cinquenta anos. Em 1947, como resultado de uma articulação política
Durante vários séculos os judeus haviam passado por internacional dirigida por representantes das potências im-
um processo de assimilação, ou seja, haviam se integrado perialistas (EUA, Reino Unido e França) e do sionismo inter-
na comunidade nacional de vários países. Trabalhavam, es- nacional, e com o apoio da União das Repúblicas Socialistas
tudavam, participavam da vida política, econômica, social e Soviéticas (URSS) e das recém criadas “repúblicas socialistas”
cultural de onde viviam, e muitos também se envolviam nas do Leste Europeu, a Organização das Nações Unidas (ONU)
lutas por justiça, democracia, igualdade e em defesa dos tra- aprova a Partilha da Palestina, que deveria criar naquela
balhadores contra a exploração do capital e do capitalismo. região dois Estados, um Judeu e um Palestino.
O movimento Sionista divide a comunidade judaica e O Estado Judeu ficaria com 56,4% do território, o Esta-
vai iniciar uma propaganda em defesa de um nacionalismo do Palestino ficaria com 42,9%, e 0,7%, correspondente à
burguês conservador e com um conteúdo racista e antide- cidade de Jerusalém, seria administrado pela ONU, por ser
mocrático. Basta ver a proposta de organização política do local sagrado para cristãos, judeus e muçulmanos. Além de
Estado Judeu defendida por Herzl. Diz ele: “Considero a receber a maior parte do território palestino, o Estado Judeu
monarquia democrática e a república aristocrática como as ficou com as terras mais férteis. No ano da partilha (1947),
mais belas instituições políticas (...) Sou amigo convencido a população árabe‑palestina era maioria absoluta em 15 dos
das instituições monárquicas porque elas tornam possível 16 subdistritos existentes.
uma política permanente e representam o interesse ligado a Somente em Jaffá a maioria da população era formada
conservação do Estado de uma família historicamente ilustre, por judeus. Eram 1.310.000 de árabes‑palestinos‑muçul-
nascida e educada para reinar (HERZL, 1998, p.111 e 112)”. manos e 630.000 judeus. Quem coordenou a votação na
Sua posição elitista e antidemocrática considera “o refe- Assembleia Geral da ONU foi o diplomata brasileiro Oswaldo
rendum como absurdo, pois, em política, não há questões Aranha, ex‑Ministro das Relações Exteriores.
simples que possamos resolver por um sim ou por um não. Orientado pelo governo brasileiro para acompanhar o
Aliás, as  massas são ainda piores do que os parlamentos voto dos EUA, Aranha adiou por dois dias a votação, para que
(grifo nosso) (...) Diante de um povo reunido, não podemos o lobby sionista e estadunidense pudessem convencer outros
fazer nem política exterior nem política interior (...) A política países sobre a necessidade da criação do Estado Judeu. No
deve ser feita do alto” (Idem, p.112). dia 29 de novembro de 1947 a votação foi a seguinte:
Essa ideologia conservadora serviu de base para a instau- Favoráveis: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Bra-
ração do Estado de Israel. Compreender o conteúdo racista e sil, Bielo‑Rússia, Canadá, Costa Rica, Dinamarca, Equador,
conservador do sionismo é fundamental para que possamos Estados Unidos, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holan-
explicar a posição atual do governo de Israel em relação ao da, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova
povo palestino. Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Domi-
Três ideias foram fundamentais para convencer milhares nicana, Suécia, Tchecoslováquia, Ucrânia, União Soviética,
de judeus a emigrar para a Palestina: Uruguai e Venezuela.
1. que a Palestina era uma “terra sem povo” e os judeus Contra: Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia,
eram um “povo sem terra”; Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e Turquia.
2. que a Palestina é a “pátria histórica” dos judeus; Abstenções:  Argentina, Chile, China, Colômbia, El Sal-
3. que os judeus são o “povo eleito” por Deus. vador, Etiópia, Honduras, Iugoslávia, México, Reino Unido.
(GATTAZ, 2002, p. 94 e 95).
Essas ideias fizeram com que banqueiros e grandes em- Em 14 de maio de 1948 os britânicos deixam a Palestina e
presários judeus contribuíssem para a criação da Companhia é fundado o Estado de Israel. Desde os primeiros dias de sua
Judaica, empresa de colonização com o objetivo de comprar existência, o governo sionista impediu a criação do Estado
Política e Segurança

terras para instalar colônias judaicas na Palestina. Durante Palestino, desrespeitando com isso a resolução 181 da ONU,
os anos 20 e 30 do século 20 o crescimento dessas colônias que previa a constituição de dois Estados.
deu início a uma série de conflitos entre judeus sionistas e Tem início a Guerra da Palestina, onde de um lado está o
árabes‑palestinos. Nos anos 40 o movimento sionista co- Exército Sionista‑Colonialista de Israel e, de outro, a popula-
meça a organizar grupos terroristas como o Irgun, Stern e ção palestina, que desde esta época luta pela sua libertação,
Haganah, que fazem ações armadas e atentados contra a pela criação de um Estado Laico e Democrático, onde pos-
população árabe‑palestina, com a intenção de intimidá‑los sam viver em paz judeus, cristãos e muçulmanos, onde seja
através da violência, fazer com que abandonem seus lares, garantido aos indivíduos o direito de decidir e manifestar
suas propriedades e suas aldeias. livremente suas posições políticas e/ou religiosas.

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Portanto, desde 1948 o povo palestino vive uma tragédia: sua luta. Portanto, agora vocês devem compartilhar o meu
foram expulsos de suas terras e de suas casas, e  tiveram sonho, o nosso sonho de um futuro de paz na terra sagrada
suas propriedades roubadas ou destruídas pelo chamado da Palestina (...)
Exército de Defesa de Israel. Vilas e cidades palestinas vêm “Apelo a todos vocês que permitam que o nosso povo
sendo constantemente destruídas durante os 62 anos da estabeleça soberania nacional independente sobre a sua
Nakba (“A tragédia”). própria terra. Hoje eu venho portando um galho de oliveira
Milhares de pessoas seguiram o caminho do exílio e os e uma arma dos lutadores pela liberdade. Não permitam que
refugiados palestinos já chegam a 5 milhões. E, ainda assim, o galho de oliveira caia de minha mão (...)” (ARAFAT, 2007,
milhares seguem resistindo dentro dos territórios ocupados p. 87, 105 e 107.)
por Israel. Em novembro de 1974 a Resolução da ONU 3237 convida
Em 1967, o expansionismo israelense se intensifica. No- a OLP para participar, na condição de observadora, dos traba-
vas colônias e assentamentos judeus‑sionistas são criados em lhos e sessões da Assembleia Geral, se transformando numa
Gaza, Cisjordânia e Jerusalém, agora tomada militarmente imensa vitória diplomática daquela que seria reconhecida
pelo exército colonialista, em mais um desrespeito às reso- como a única e legítima representante do povo palestino.
luções da ONU sobre a questão palestina. Além disso, Israel Entre 1964 e 1988, a OLP conduziu o processo de mo-
ocupa militarmente as colinas de Golan, que são da Síria, e a bilização anticolonialista e desencadeou uma incrível luta
Península do Sinai, do Egito. A única resolução da ONU que de libertação nacional que deu esperanças para as massas
Israel respeitou até o momento foi a da sua própria criação. populares de todo o mundo árabe.
Israel segue hoje como o único país do Oriente Médio Criada pela Liga Árabe, a OLP vai adquirindo autonomia/
com armas nucleares, ou seja, armas de destruição em mas- independência deste organismo, até conquistar plenamente
sa. Fala‑se de 200 ogivas. Mordechai Vanunu, físico nuclear o direito de decidir sobre muitas questões relacionadas à luta
israelense, que denunciou o programa nuclear de Israel, palestina sem consultar e/ou concordar com as posições dos
comprovando sua finalidade bélica, ficou 18 anos na prisão, governos de países árabes.
sendo 16 na solitária, depois foi para a prisão domiciliar, com Essa maior autonomia ampliou o apoio e garantiu mais
proibição de se comunicar com qualquer estrangeiro por legitimidade da OLP entre a classe trabalhadora e as massas
quaisquer meios. Em 2010 voltou para a cadeia, acusado de populares palestinas e árabes. Enquanto uma frente de cerca
tentar fazer contato com membros do Movimento pelo Fim de 10 partidos políticos (nacionalistas laicos/nasseristas  e
das Armas Nucleares no Oriente Médio. comunistas/socialistas), a OLP seguia como a única e legítima
representante do povo palestino.
A ofensiva de 1964 a 1988 e o legítimo direito do Sem dúvida é a organização política mais antiga e mais
povo palestino à resistência diante do colonialismo importante na história do movimento de libertação nacional
israelense palestino. Dentro desta frente estão os partidos da esquerda
palestina, como a Frente Democrática pela Libertação da
A resistência palestina já desenvolveu as mais diversas Palestina (FDLP), a Frente Popular de Libertação da Palestina
formas de luta. Mas foi nos anos sessenta do século 21 que (FPLP) e o Partido do Povo Palestino (PPP).
o movimento de libertação nacional palestino adquiriu im- Mas o partido político que sempre ocupou o espaço de
portância internacional, conquistando espaços junto a orga- força política hegemônica no interior da OLP foi o AL‑Fatah
nismos internacionais, governos e representações diplomá- (ou simplesmente Fatah), ou Movimento de Libertação Na-
ticas de vários países, sendo apoiado pelo bloco de países cional, agrupamento nacionalista laico sob a liderança de
socialistas do Leste Europeu (Alemanha Oriental, Polônia, Iasser Arafat.
Hungria, Bulgária, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Romênia), Já o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), que
pela Albânia, pela China, pelo Vietnã, pela Coréia do Norte, governa e que tem mais força política na atualidade em Gaza,
pela URSS, pelo Movimento dos Países Não‑Alinhados e pela nunca fez parte da OLP.
Liga Árabe. Criado em 1987 com apoio da burguesia árabe‑islâmica,
Todo esse apoio internacional à causa palestina produziu de governos do Oriente Médio e de organizações como a
inúmeras resoluções da ONU e condenações ao Estado de Irmandade Muçulmana, o Hamas representa uma das prin-
Israel, e gerou uma conjuntura favorável para que a Organi- cipais forças do nacionalismo islâmico, corrente política em
zação para a Libertação da Palestina (OLP) fosse convidada franca ascensão nos diversos países árabes.
a falar na Assembleia Geral da ONU em 1974, quando Iasser Além do apoio de setores importantes da burguesia ára-
Arafat fez um discurso histórico para um plenário majori- be‑islâmica e governos como o do Irã, esse partido político
tariamente a favor do cumprimento das várias Resoluções possui hoje uma base social muito forte entre trabalhadores
sobre a Questão Palestina. empregados, subempregados e desempregados dos territó-
Arafat afirmava que o mundo necessita de esforços rios palestinos de Gaza e Cisjordânia. Nos anos noventa do
tremendos para que se realize as suas aspirações de paz, século 20 surgem outros atores no interior do movimento de
liberdade, justiça, igualdade e desenvolvimento para que a libertação nacional palestino, como a Jihad Islâmica, partido
sua luta seja vitoriosa contra o colonialismo, imperialismo, político que também está fora da OLP.
neocolonialismo e racismo em todas as suas formas, inclusive Além de partidos políticos e organizações político‑mili-
o sionismo(...) tares, os  palestinos tem organizações de juventude, cam-
Política e Segurança

“Nossa revolução é também para os judeus, como seres poneses, trabalhadores, operários, mulheres, entre outros.
humanos. Lutamos para que judeus, cristãos e muçulmanos Nos últimos vinte e dois anos o movimento da resistência
possam viver em igualdade, gozando os mesmos direitos e palestina tem priorizado a luta de massas, a mobilização so-
assumindo as mesmas responsabilidades, livres da discrimi- cial enquanto principal forma de luta contra as arbitrarieda-
nação racial e religiosa (...) des e a violência praticada pelo governo do Estado de Israel.
“Sou um rebelde e a liberdade é a minha causa. Bem sei Toda sexta‑feira, em várias cidades da palestina ocupada,
que muitos dos presentes aqui hoje se ergueram na mesma o povo palestino sai em marcha das mesquitas ou praças até
posição de resistência que ocupo hoje e de onde devo lutar. o muro que foi construído para separar os palestinos, muro
Um dia vocês tiveram que converter sonhos em realidade em que foi construído ilegalmente por Israel.

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Esse muro tem hoje cerca de 500 quilômetros de ex- Com o argumento de que precisa adquirir maior credibi-
tensão e dez metros de altura. Nessas marchas há sem- lidade e dar mais uma demonstração de que está disposta a
pre confronto com o Exército e a polícia israelenses, pois fazer concessões em seu programa original se isso, de fato,
a manifestação pacífica é sempre reprimida e resulta em for contribuir para o avanço do processo de paz, a OLP altera
grande número de palestinos feridos ou mortos, como nos seu estatuto em 1988, e reconhece o direito do Estado de
episódios na cidade de Ni´lin, uma comunidade no interior Israel existir, ao lado de um Estado Palestino, conforme a Re-
da Cisjordânia conhecida pela sua disposição de luta e pela solução 181, de 1947. Ou seja, a OLP reconhece pela primeira
organização de atos semanais em repúdio ao que chamam vez a legitimidade do Plano de Partilha da Palestina, antes
de “o Apartheid de Israel”. apresentado pela organização como sendo um instrumento
No entorno de Ni´lin foram construídos assentamentos da aliança do sionismo com o imperialismo para ampliar sua
judeus em terras palestinas, e parte do território que era influência e exercer a dominação territorial de uma parte
utilizado pelos camponeses palestinos para cultivar oliveiras estratégica do Oriente Médio.
foi ocupado pelos colonos sionistas com apoio da polícia e Esta posição da OLP encontrou resistência entre os pró-
do exército israelenses. prios palestinos, mas as forças que se opuseram a tal mu-
Esses colonos recebem treinamento militar e autorização dança de posição se encontravam em situação de minoria,
para usar armas de fogo e organizar suas próprias milícias e  não conseguiram impedir a vitória dessa proposta, que
que, com pistolas automáticas e fuzis, ameaçam constan- parte de Yasser Arafat e da direção majoritária de seu par-
temente a população de Ni´lin e de outras cidades e vilas tido, a al‑Fatah.
vizinhas aos assentamentos. Mesmo dentro desse partido surgem posições contrá-
É comum encontrar nas cidades e regiões sob o controle rias as de Arafat, o que prova que precisamos observar, no
do Estado de Israel jovens, homens e mulheres, com roupas estudo do caso palestino, as contradições e conflitos não só
civis, às vezes vestidos até com bermudas, camiseta e sandá- entre o Estado de Israel e as organizações árabes‑palestinas,
lia, e com um fuzil pendurado no ombro e uma mochila com mas também entre as próprias organizações da resistência
munição. Nas ruas, nos ônibus, nas escolas, etc. palestina.
Os “acordos de paz” firmados com Israel em 1994 alimen-
A Questão Palestina e o fim da URSS e do Bloco tam ilusões e ignoram a natureza expansionista/imperialista
Socialista: início de um período de defensiva deste Estado, que negocia e, ao mesmo tempo, faz crescer
o número de colônias judias nos territórios palestinos ocu-
De 1988 a 1994, novos personagens surgem e o fim da pados em 1948 e 1967.
URSS e do Bloco Socialista desencadeia uma crise também no Além disso, Israel aplica até hoje uma política de assas-
interior da esquerda palestina. A al‑Fatah empurra a resistên- sinatos seletivos de lideranças políticas palestinas, e de per-
cia palestina para a mesa de negociação, mas em condições seguição e prisão em massa. Um resultado dessa política de
bastante desfavoráveis para o povo palestino. repressão intensa e permanente são os 8 mil presos políticos
A existência de um bloco de países “socialistas” foi fun-
palestinos, alguns vivendo nos cárceres israelenses há pelo
damental para fortalecer a posição dos palestinos no cenário
menos 20 anos. Desses 8 mil, mais de 700 estão condenados
internacional, pois essa aliança entre URSS e Bloco Socialista
a prisão perpétua.
com o Movimento dos Países Não‑Alinhados e a Liga Árabe
Entre 1993 e 2005, apesar de inúmeras reuniões, con-
era a garantia de vitória em muitos embates no interior da
ferências e acordos firmados entre a Autoridade Nacional
ONU, fato que contribuiu para que a legitimidade desta luta
Palestina (ANP) e o governo do Estado de Israel, e apesar das
de libertação nacional fosse acumulando cada vez mais força,
expectativas de uma paz duradoura apresentadas pelo pre-
resultando em sucessivas condenações do Estado de Israel.
Infelizmente, as centenas de decisões contrárias à política sidente palestino eleito em 1996 com 87% dos votos, Lasser
expansionista/colonialista de Israel não se transformaram em Arafat, o que se viu foi uma continuada violação dos direitos
ações concretas e contundentes da ONU, o que só fortaleceu humanos e dos direitos fundamentais do povo palestino,
a ideia de ineficiência e desinteresse dos que controlam essa assim como a negação do direito nacional à independência e
instituição quando o assunto é fazer com que um grande à soberania, deixando ainda mais distante o sonho do Estado
aliado das potências imperialistas cumpra as resoluções apro- Palestino Laico e Democrático.
vadas pela Assembleia Geral ou pela Comissão de Direitos Os dois signatários dos acordos de Oslo de 1993 mor-
Humanos. reram. Yitzhak Rabin, pelo lado israelense, assassinado por
O empenho de países como EUA, França, Reino Unido, fundamentalistas judeus‑sionistas em 1995 e Iasser Arafat,
Espanha, Itália e Alemanha (só para falar de alguns) para que pelo lado palestino, morre em 2004 resultante de proble-
se cumpram Resoluções da ONU muda de acordo com o réu. mas de saúde (mas surgem denúncias que afirmam ter sido
Se for Israel, total cumplicidade, morosidade e inaplicabilida- consequência de envenenamento gradativo).
de da lei, mas sé é o Iraque de Saddam Hussein após distan- Esses acordos livraram os palestinos do controle militar
ciamento deste governante dos EUA, então, faça‑o cumprir israelense em algumas cidades e vilarejos de Gaza e Cisjor-
rigorosamente as determinações da ONU, nem que para isso dânia, criando para a população uma situação melhor do
seja preciso matar 100 mil civis iraquianos, como ocorreu em que a anterior, com melhores condições para se desenvolver
1991 no ataque militar contra Bagdá. o comércio, a  indústria, a  agricultura, educação, a  saúde,
a cultura e o esporte, enfim, para que seja possível construir/
Política e Segurança

O fim da URSS e do chamado “Bloco Socialista” tem um


profundo impacto nas relações internacionais e no movimen- reconstruir uma vida cotidiana com um mínimo de dignida-
to nacional de resistência palestina. A força da esquerda no de, mas essa nova situação não resolve plenamente grande
interior da OLP advinha também das relações e do apoio que parte dos problemas econômicos, sociais e políticos da ampla
esse setor tinha com o “mundo socialista”, e da intervenção maioria do povo palestino.
conjunta desses países nos diversos organismos da ONU. Os resultados pífios dos acordos e o não cumprimento da
Além disso, os palestinos tinham, até 1991, dois grandes quase totalidade dos termos dos mesmos por Israel levam
aliados de sua causa no Conselho de Segurança da ONU: URSS a uma nova situação de impasse que coloca em xeque as
e China. As condições eram muito mais favoráveis para aque- posições da direção da OLP e da agora chamada Autoridade
les que defendiam a imediata construção do Estado Palestino. Palestina (AP). O  não cumprimento de diversas cláusulas

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dos acordos, entre elas a suspensão da construção de novos é que tal opinião desconsidera a atual correlação de
assentamentos judeus e da demolição de casas palestinas forças no interior do movimento nacional palestino e
ajudam a diminuir a credibilidade que parcela do povo pa- entre os palestinos e o Estado de Israel, fazendo de tal
lestino depositava na al‑Fatah, ainda mais com as constantes proposta mais um instrumento de agitação e propa-
denúncias – que muitas vezes são comprovadas – de corrup- ganda do que uma possibilidade real no momento. É a
ção de líderes e membros desta organização. defesa da estratégia, do objetivo principal a ser atingi-
É nessa conjuntura complexa que ganha projeção como do sem a mediação das táticas, dos meios e caminhos
uma alternativa política o partido Hamas. A crise política, que levarão até esse objetivo final. E  os palestinos
ideológica e organizativa dificulta a ascensão da esquerda sabem que agitação e propaganda são insuficientes
palestina (FPLP, FDLP, PPP e outros) como força majoritá- para fazer com que triunfem posições que possam
ria no movimento de libertação nacional. As denúncias de levar a profundas transformações econômicas, sociais
corrupção e de enriquecimento de muitos dos dirigentes e políticas naquela região. Organizações nacionalis-
demonstram um processo de degeneração em setores im- tas islâmicas também defendem tal proposta, com a
portantes da al‑Fatah. ressalva de que não se utilizam da expressão Estado
As eleições de 2006 contribuem para acirrar as disputas Laico, mas simplesmente Estado Palestino.
internas no movimento da resistência palestina, com Hamas 2. Os que defendem a posição de dois estados existindo
vitorioso em Gaza e al‑Fatah na Cisjordânia. A esquerda pa- um ao lado do outro, ou seja, o cumprimento do Pla-
lestina tem procurado convocar todas as forças progressistas, no de Partilha da Palestina elaborado pela ONU em
populares, democráticas e socialistas a se unir num grande 1947. Essa opinião defende que o Estado de Israel já se
movimento nacional de resistência para desencadear nova- consolidou, e agora, portanto, é necessário construir
mente uma ofensiva contra as medidas do governo de Israel o Estado Palestino. Tal posição abandona o progra-
que visam a acelerar o processo de expropriação de terras do ma original da OLP e os princípios que orientaram a
povo palestino, mas parece que todo esse esforço ainda tem resistência palestina de 1947 a 1994. Entre 1993 e
sido insuficiente para alterar a correlação de forças dentro 2005 esta tem sido a proposta da al‑Fatah e outras
e fora da OLP. organizações palestinas. É o abandono da estratégia,
Quando do ataque militar israelense a Gaza, entre de- é a transformação do meio em fim;
zembro de 2008 e janeiro de 2009, essa ideia de unidade 3. Os que defendem que é preciso acumular forças no
nacional das forças da resistência palestina adquiriu grande atual período da luta nacional palestina. Que é ne-
importância, mas até agora parece que existem muitos fa- cessário se organizar melhor para defender e fazer
tores que ainda impedem que tal proposta volte a ser trans- avançar as conquistas já obtidas como resultado das
formada em realidade. lutas e mobilizações sociais e populares, tentando for-
A impressão é que uma unidade política e programática talecer tudo aquilo que tem de positivo nos acordos
mínima, em torno de alguns pontos de consenso amplamen- firmados até agora, criticar e denunciar aquilo que não
te discutidos com o povo palestino, seria fundamental para é de interesse do povo palestino e, ao mesmo tem-
tentar se desencadear uma nova ofensiva política, popular po, tentar consolidar o controle palestino sobre todo
e de massas contra o Estado de Israel. o território de Gaza e da Cisjordânia. Nesse sentido
A ação unitária de forças como a al‑Fatah, FPLP, FDLP, seria importante intensificar as lutas: pela libertação
PPP, Hamas, Jihad Islâmica e demais organizações e parti-
dos presos políticos, pelo direito ao retorno dos refu-
dos políticos palestinos poderia fazer ressurgir nas amplas
giados, pela destruição do “Muro da Vergonha”, pelo
massas populares do mundo árabe – e no interior de Gaza,
cumprimento das Resoluções da ONU sobre a Questão
Cisjordânia e Jerusalém – a esperança e a disposição neces-
Palestina, em especial sobre o estatuto de Jerusalém,
sárias para uma nova retomada da ofensiva deste que é, sem
pelo direito dos palestinos de resistir à ocupação mi-
dúvida, um dos mais importantes movimentos de libertação
litar israelense por todos os meios de que dispõem,
nacional deste início de século 21.
para barrar as construções de novos assentamentos
O que temos certeza para afirmar é que, por mais justo,
judeus‑sionistas, para impedir as demolições de casas
combativo, corajoso e coerente que seja um partido ou uma
organização da resistência palestina, de maneira isolada não de palestinos, etc. Essa posição política procura fazer
terá capacidade para impor nenhuma derrota contra o sio- destas e outras lutas parte de um processo de acú-
nismo israelense. mulo de forças que vai construindo no cotidiano as
Talvez essa unidade entre as três correntes políticas da condições mais favoráveis para colocar o movimento
resistência nacional palestina (nacionalismo laico, naciona- nacional palestino na direção do rumo estratégico
lismo islâmico e socialistas/comunistas) possa construir uma indicado: um Estado Palestino Laico e Democrático
frente antissionista/anti‑imperialista que obrigue o Estado de em toda a Palestina Histórica.
Israel a sentar na mesa de negociação numa outra correlação
de forças, fazendo surgir daí as condições mais favoráveis Muitos líderes históricos do Estado de Israel já mani-
para se apresentar propostas mais ousadas que as atuais, festaram no passado o objetivo do movimento sionista em
que privilegiam o debate de dois Estados, menosprezando conquistar todo o território da Palestina. Alguns pronuncia-
Política e Segurança

a experiência histórica dos últimos 62 anos que indica que mentos confirmam esta finalidade:
o sionismo não irá recuar um único milímetro em suas con-
quistas militares de 1948 e 1967. “Jerusalém é o berço do judaísmo e a legítima capital
É possível perceber que sobre este tema existem pelo de Israel (...) A partir de hoje, Telavive deixa de ser
menos três posições: nossa capital. Jerusalém será sede de nossa nação” –
1. Os que defendem a criação imediata de um Estado Ben Gurion (foi Primeiro Ministro e Ministro da
Palestino Laico e Democrático na chamada Palestina Defesa de Israel), criticando a Resolução da ONU de
Histórica (em todo o território considerado Palestina 7 de dezembro de 1949, que reafirmava que Jerusa-
antes do Plano de Partilha de 1947): nossa impressão lém deveria estar sob o controle desta organização

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internacional, como previa o Plano de Partilha de 1. Afeganistão
1947 (NIMITZ, 1974, p. 110). Grupos em conflito: fundamentalistas radicais muçul-
manos e não‑muçulmanos
“Eu sou a favor da partilha do país porque quando nós O Afeganistão é um campo de batalhas desde meados do
nos tornarmos uma grande potência, depois do estabeleci- ano 300 a.C., quando Alexandre, o Grande, esteve na região.
mento do Estado, iremos abolir a partilha e nos espalhar pela Atualmente, dois grupos disputam o poder no país. De
Palestina” – Ben Gurion (Gattaz, 2002, p. 104). um lado está o Talibã, movimento fundamentalista islâmico
“O Estado judeu que agora é oferecido para nós não é o que governou o país entre 1996 e 2001. Do outro lado está
objetivo sionista. Dentro desta área não é possível resolver a Aliança do Norte, organização político‑militar que une di-
a questão judaica. Mas pode servir como uma etapa decisiva versos grupos demográficos afegãos que buscam combater
em direção à implementação do sionismo. Irá consolidar o Regime Talibã.
na Palestina, no menor tempo possível, a real força judaica Após os atentados de 11 de setembro de 2001, a Aliança
que irá nos levar a nosso objetivo histórico” – Ben Gurion do Norte passou a receber apoio dos Estados Unidos, que
(Idem, 2002, p.104). invadiram o Afeganistão em busca do líder do Al‑Qaeda, Osa-
“Tal como existe atualmente, Israel é apenas uma parte ma Bin Laden, e estabeleceram uma nova república no país.
do ‘Grande Israel’ (Eretz Israel), e a missão sionista perma- Em 2011, americanos e aliados comemoraram a captura e
nece incompleta até que Israel recomponha suas ‘fronteiras morte do líder do grupo fundamentalista islâmico respon-
históricas’ (...) O mapa de Israel precisa ser modificado. Cabe sável pelo ataque às Torres Gêmeas, mas isso não acalmou
a vocês lutarem sem trégua a fim de estabelecer, por invasão os conflitos internos no país, que continua sendo palco de
ou diplomacia, o Império de Israel” – Ben Gurion, em discurso constantes ataques talibãs.
para estudantes da Universidade Hebraica (ALENCASTRE,
1968, p. 149 e 150). 2. Nigéria
“Entre o Mediterrâneo e as fronteiras do Iraque, no que Grupos em conflito: cristãos e muçulmanos
foi outrora a Palestina, existem agora dois países, um judeu O país soma aproximadamente 148 milhões de habitan-
e um árabe, e não há espaço para um terceiro. Os palestinos tes, distribuídos em mais de 250 grupos étnicos, que ocu-
devem encontrar a solução para seu problema junto com param diferentes porções do país ao longo dos anos, o que
aquele país árabe, Jordânia, porque um Estado Palestino ocasiona constantes disputas territoriais. Destacam‑se os
entre nós e a Jordânia só pode se tornar uma base da qual muçulmanos, que vivem no norte da Nigéria, e os cristãos,
será ainda mais conveniente atacar e destruir Israel” – Golda que habitam as porções centro e sul. Desde 2002, conflitos
Meir (foi embaixadora de Israel na URSS, Ministra do Traba- religiosos têm ocorrido no país, motivados principalmente
lho, Ministra das Relações Exteriores e Primeira‑Ministra de pela adoção da sharia, lei islâmica, como principal fonte de
Israel), demonstrando sua completa oposição à criação de legislação nos estados do norte. A violência já matou mais
qualquer “Estado Palestino”, inclusive o sugerido pela ONU de 10 mil pessoas, além de deixar milhares de refugiados.
(MEIR, 1982, p. 299).
“Nosso povo está incumbido de preparar a guerra, e o 3. Iraque
exército israelense de dirigir o combate com o fim de cons- Grupos em conflito: xiitas e sunitas
truir o império israelense” – Mosche Dayan (foi Ministro da Distintas milícias, combatentes e motivações se mistu-
Defesa e Ministro das Relações Exteriores de Israel) (ALEN- ram no conflito em território iraquiano. Entre 2006 e 2008,
CASTRE, 1968, p. 149). a Guerra do Iraque abrangia conflitos armados contra a pre-
Tais declarações de figuras bastante influentes do mo- sença do exército dos Estados Unidos e também violências
vimento sionista demonstram as intenções dos sucessivos voltadas aos grupos étnicos do país. Porém, a retirada das
governos do Estado de Israel. Orientados por idéias colonia- tropas norte‑americanas, em dezembro de 2011, não cessou
listas e racistas, que acreditam num suposto “povo eleito” a tensão interna. Desde então, grupos militantes vêm lide-
para governar toda a Palestina histórica, não fazem conces- rando ataques à maioria xiita do país. O governo iraquiano
sões quando o tema diz respeito ao direito do retorno dos estima que, só entre 2004 e 2011, em torno de 70 mil pessoas
refugiados palestinos expulsos em 1948 e 1967, ou quando já foram mortas.
se exige o fim de novos assentamentos judeus em território
palestino, ou ainda a desocupação e desmonte de assenta- 4. Israel
mentos que estão em situação irregular e ilegal de acordo Grupos em conflito: judeus e mulçumanos
com a Resolução 181 da ONU (Plano de Partilha de 1947). Em 1947, a ONU aprovou a divisão da Palestina em um
Estado judeu e outro árabe. Em 1948, Israel foi proclamado
Conflitos Atuais Causados por Diferenças Religiosas país. A oposição entre as nações árabes levou a uma guerra,
que, com o crescimento do território de Israel, deixou os
Após a II Guerra Mundial, a ONU adotou a Declaração palestinos sem Estado. Para tentar encerrar a tensão, foi
Universal dos Direitos Humanos, que postula o “respeito assinado em 1993 o Acordo de Oslo, que iniciou negociações
universal e observância dos direitos humanos e liberdades para criar um Estado Palestino. Tudo ia bem até negociar a
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, lín- situação da Cisjordânia e da parte oriental de Jerusalém –
gua ou religião”. Esse ideal foi reforçado em 1999, quando das quais nem os palestinos nem os israelenses abrem mão.
Política e Segurança

líderes budistas, protestantes, católicos, cristãos ortodoxos, Na Palestina, as eleições parlamentares de 2006 colo-
judeus, muçulmanos e de várias outras religiões assinaram o caram no poder o grupo fundamentalista islâmico Hamas.
Apelo Espiritual de Genebra. O documento pedia aos líderes O  grupo é considerado pelo Ocidente uma organização
políticos e religiosos a garantia de que a religião não fosse terrorista e fracassou em formar um governo ao lado do
mais empregada para justificar a violência. Fatah – partido que prega a reconciliação entre palestinos
Depois de muitas tentativas de assegurar a liberdade e israelenses. O Hamas assumiu o poder na Faixa de Gaza,
religiosa, a maioria dos conflitos atuais no mundo ainda en- e o Fatah na Cisjordânia, em conflitos que se prolongaram
volve crenças e doutrinas, misturadas a uma complexa rede até fevereiro de 2012, quando os dois grupos acordaram a
de fatores políticos, econômicos, raciais e étnicos. formação de um governo.

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5. Conflitos na Irlanda do Norte 8. Conflitos na região da Caxemira: Índia x Paquistão
O conflito na Irlanda do Norte se estende desde o sé- A Caxemira é uma região montanhosa localizada ao norte
culo XX, quando a população da Irlanda iniciou inúmeros da Índia e a Nordeste do Paquistão e tem sido alvo de dispu-
protestos contra a dominação do Reino Unido sobre o país. tas entre Índia, China e Paquistão desde 1947, após o fim da
Com isso, a ilha foi dividida em Irlanda e Irlanda do Norte, dominação colonial imposta pelo Reino Unido.
a segunda ainda sob o domínio britânico. Ao final da dominação colonial britânica, o vasto terri-
Na Irlanda do Norte, a  maioria protestante (58%) da tório das Índias Britânicas dividiu‑se entre Índia e Paquis-
população se manifesta em apoio à integração do país à tão, porém a região da Caxemira, de maioria islâmica, mas
Grã‑Bretanha, enquanto a minoria católica defende a inde- com governo hindu, ficou sem um rumo certo. Com isso,
pendência e a integração com a Irlanda (onde os católicos decidiu‑se que a região formaria um território autônomo,
formam ampla maioria). Com isso, muitos conflitos, protestos o que provocou uma série de rebeliões da maioria muçul-
e atentados dos dois lados aconteceram  – com destaque mana sobre o governo hindu.
para a organização terrorista católica IRA (Irish Republican O governo, então, solicitou apoio à Índia, que passou a
Army – Exército Republicano Irlandês). intervir militarmente na região. Em resposta, o  Paquistão
Em 1999, foi assinado um acordo no qual o IRA acei- também enviou tropas em apoio aos muçulmanos. O conflito
tou depor as suas armas. Nesse acordo, a Irlanda do Norte teve um fim com o estabelecimento de uma divisão territorial
continuou pertencendo ao Reino Unido, entretanto, seria em duas zonas, uma paquistanesa, outra indiana.
montado no país um governo autônomo no qual os católicos Porém, os conflitos ainda perduram e a região atualmen-
teriam direito a voz. te é ocupada pelos dois países e também pela China, que vê
na região uma posição estratégica para ter acesso ao Tibete
6. Espanha: catalães e bascos e a Sinkiang, localidades sob o domínio chinês.
A Espanha apresenta duas grandes nações, além dos
espanhóis, dispostas em seu território: os catalães e os bas- 9. Os Curdos
cos. Ambas desejam a formação de seus respectivos Estados Os Curdos são atualmente conhecidos por formarem a
Nacionais, com a diferença de que, entre os bascos, existem maior nação sem pátria do mundo. Trata‑se de uma etnia
ações e programas separatistas mais radicais. composta por mais de 40 milhões de pessoas que habitam
A estratégia catalã é tentar através da via institucional a regiões do Iraque, Irã, Síria e Turquia.
conquista de sua independência e a criação do País da Cata- Os curdos sofrem duras repressões dos países onde ha-
lunha. Entretanto, em 2010, o Tribunal Constitucional da Es- bitam. No Iraque, a ditatura de Saddam Hussein executou
milhares de curdos. Na Turquia, eles também sofrem muitas
panha rejeitou oficialmente o reconhecimento da Catalunha
repressões do Governo, que teme a perda de seu território.
como uma nação, negando ações judiciais que solicitavam a
A independência e criação de um Estado Curdo  – o
preferência do uso do catalão em detrimento do espanhol
Curdistão, como reivindicam os curdos – é muito imprová-
nos órgãos públicos da região. Caso tal reconhecimento tives-
vel, uma vez que o território do novo país ocuparia todo
se sido firmado, o movimento pela emancipação dos catalães
o centro‑sul da Turquia e partes da Síria e do Iraque, uma
poderia ganhar maior força. região extremamente estratégica por conter as nascentes
Entre os bascos foi criada, em 1975, em busca da inde- dos rios Tigres e Eufrates, que abastecem boa parte do
pendência, a organização terrorista ETA (sigla em basco que Oriente Médio.
significa Pátria Basca e Liberdade). Essa organização teve
o intuito inicial de combater o ditador espanhol Francisco 10. Sudão
Franco que realizou uma violenta repressão sobre os bascos. Grupos em conflito: muçulmanos e não‑muçulmanos
Após a redemocratização do país, os bascos conseguiram A guerra civil no Sudão já se estende há mais de 50 anos.
certa autonomia política na região, mas sem deixarem de Estima‑se que os conflitos, que misturam motivações étnicas,
pertencerem ao território espanhol. Com isso, mesmo sem raciais e religiosas, já tenham deixado mais de 1 milhão de
o apoio da população, o ETA prosseguiu com a realização de sudaneses refugiados. Em maio de 2006, o governo e o prin-
duros e violentos atentados. Em 2007, finalmente resolveram cipal grupo rebelde, o Movimento de Libertação do Sudão,
depor as suas armas. assinaram o Acordo de Paz de Darfur, que previa o desarma-
mento das milícias árabes, chamadas janjawid, e visava dar
7. Ruanda e Burundi: hútus x tútsis fim à guerra. No mesmo ano, no entanto, um novo grupo
Os territórios dos países Ruanda e Burundi são palco de deu continuidade àquela que foi chamada de “a pior crise
uma sangrenta luta entre Hútus e Tútsis, duas etnias africa- humanitária do século” e classificada como genocídio pelo
nas que lutam pelo controle territorial desses dois países. então secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, em 2004.
Ambos os territórios, após a partilha da África, formavam
um único país, denominado Ruanda‑Urundi, que pertencia 11. Tailândia
à Alemanha. Após a derrota dos alemães na Primeira Guerra Grupos em conflito: budistas e mulçumanos
Mundial, a partir de 1919, o país passou a pertencer à Bélgica. Um movimento separatista irrompe em constantes e
Os belgas então escolheram a minoria tútsi (15% da po- violentos ataques no sul da Tailândia e criou um clima de
pulação) para governar o país, subjugando a maioria hútu. suspeita e tensão entre muçulmanos e budistas. Apesar de
Em 1959, após inúmeros protestos dos hútus, houve uma os conflitos atingirem os dois grupos, eles representam par-
Política e Segurança

separação entre Ruanda e Burundi. Em 1961, Ruanda con- celas bastante desiguais do país: segundo dados do governo
seguiu a sua independência e passou a ser uma República tailandês, quase 90% da população do país é budista e cerca
administrada, dessa vez, pelos hútus. Os tútsis, perseguidos, de 10% é muçulmana.
exilaram‑se nos países vizinhos, inclusive em Burundi, que
também conseguira sua independência. 12. Tibete
Ao longo dos anos, os conflitos entre Ruanda e Burundi Grupos em conflito: Partido Comunista da China e
e entre hútus e tútsis até hoje se mantêm, com sucessivas budistas
tréguas e retomadas de embates, acarretando em uma gran- A regulação governamental dos monastérios budistas co-
de quantidade de mortes na região. meçou quando o Partido Comunista da China marchou rumo

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ao Tibete, e controlou o território e anexado como província, Guerra do Kosovo
em 1950. Mais de sessenta anos se passaram desde a violenta Contudo, mesmo assim, depois de os Bálcãs estarem
invasão, que matou milhares de tibetanos e causou a destrui- supostamente em paz, um problema ainda não havia sido
ção de quase seis mil templos, mas a perseguição religiosa resolvido: a questão de Kosovo.
permanece. Um protesto pacífico iniciado por monges em Em 1996, os albaneses de Kosovo formaram o Exército de
2008 deu início a protestos no território considerado região Libertação de Kosovo e passaram a lutar por sua independên-
autônoma da República Popular da China. cia. A Sérvia reagiu violentamente a tal manifestação e, em
Revista Superinteressante, São Paulo: Abril, 8 out 2012. 1996, estourou mais um sério conflito separatista e étnico
na região: a Guerra de Kosovo.
13. Bálcãs – conflitos étnicos: as guerras da Bósnia e Mais uma vez as tropas internacionais tardaram a chegar:
de Kosovo depois de muita negociação e bloqueios econômicos, so-
No início de 1991, a Iugoslávia tinha como presidente um mente em 1999 a OTAN interferiu no conflito – e por 78 dias
sérvio e, segundo o que estabelecia a forma colegiada de go- bombardeou impiedosamente a região. Em média, os países
verno, que obedecia à sucessão rotativa da presidência, um da OTAN gastaram US$64 milhões por dia de conflito, o que
representante da Croácia deveria substituí‑lo. O presidente permite perceber o enorme e moderno aparato bélico usado.
sérvio, contudo, não aceitou o político croata escolhido, e se Milosevic foi obrigado a se render. Um ano depois, o líder
manteve na presidência. sérvio foi preso e entregue ao Tribunal de Haia, para ser
A Eslovênia, então  – manifestando‑se contra a Sérvia julgado por crimes de guerra e contra a Humanidade.
na questão da sucessão e a favor da independência de Ko- Desde então, Kosovo passou a ser uma região protegida
sovo (submetida, a partir daquele mesmo ano, novamente pelas Nações Unidas e pela OTAN (cerca de 28 mil soldados
à Sérvia), se declarou independente da Iugoslávia, no que foram deslocados para a província). Até que, em fevereiro
foi seguida pela Croácia e pela Macedônia. Como reação, de 2008, o governo de Kosovo declarou sua independência,
tropos do Exército Federal, composto por soldados da Sérvia sem que tal atitude tenha sido aceita pela Sérvia.
e de Montenegro, invadiram as repúblicas da Eslovênia e Tal episódio dividiu o mundo. Os EUA e parte da Comu-
da Croácia, onde se encontram minorias de origem sérvia. nidade Europeia apoiam Kosovo, mas a Rússia e a Espanha
Na Eslovênia, a  guerra durou pouco tempo (focou co- apoiam a Sérvia, pois temem que o exemplo separatista koso-
nhecida como Guerra dos Dez Dias), mas na Croácia a situ- var estimule grupos separatistas em seus próprios territórios.
Por Érica Turci, historiadora e professora de história pela USP.
ação foi bem mais complicada, pois a população sérvia da In: //educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/balcas‑confli-
Croácia não aceitou a independência da região e passou a tos‑etnicos‑as‑guerras‑da‑bosnia‑e‑de‑kosovo.htm
ser armada pelas tropas federais. Ao mesmo tempo, croatas
que habitavam a Bósnia‑Herzegovina se lançaram na guerra A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
do lado da Croácia.

Guerra da Bósnia
Evolução Desde 1945, Principais Vertentes e
Em março de 1992, foi a vez da Bósnia‑Herzegovina Linhas de Ação
também se declarar independente. Slobodan Milosevic, que
culpava Josip Broz Tito (um croata) pela situação de crise As tradições bilateral‑hemisférica e global‑multilateral
que a Sérvia vivia, investiu com todas as suas forças contra compõem a base da política externa ao longo do século XX,
sustentadas nos valores e princípios acima descritos. A pri-
croatas e bósnios.
meira destas, a  bilateral hemisférica, dominou o campo
Sarajevo, a capital da Bósnia, foi cercada – e por vários
diplomático de 1902 a 1961 e foi formulada em suas origens
meses os moradores da cidade passaram por situações crí-
pelo Barão de Rio Branco. As principais características desta
ticas: o fornecimento de água, eletricidade e aquecimento
corrente referem‑se à prioridade atribuída ao hemisfério
foi cortado e a ajuda humanitária que chegava até eles não como espaço preferencial de ação da diplomacia, seguindo
bastava para suprir as carências de toda a população. As tro- a consolidação do território brasileiro e o início do processo
pas federais (melhor seria dizer da Sérvia) chagaram a ocupar de desenvolvimento. A ênfase é por uma política externa de
70% do território bósnio. cunho regional, com dois focos: os EUA e o Cone Sul. Destes,
Nesse conflito, conhecido como Guerra da Bósnia, a lim- a relação bilateral com os EUA é definida como preferencial
peza étnica foi um dos principais objetivos. E aqui não existem devido aos interesses nacionais no espaço regional, priori-
“mocinhos e bandidos”: dos dois lados as atrocidades foram tário na agenda nacional e condizente com a capacidade e
enormes. Mas como as tropas eram muito mais bem arma- recursos disponíveis naquele momento.
das, bósnis e croatas foram os que mais sofreram. A centralidade aos EUA era atribuída devido à alteração
Parecia que o mundo assistia impassível ao conflito que do equilíbrio de poder mundial, com a ascensão norte‑ame-
dilacerava os Bálcãs. No clima de final de Guerra Fria, a Rússia ricana consolidando‑se diante da hegemonia britânica. Em
passava por uma enorme crise, enquanto os EUA, que esta- suas origens, o estabelecimento da aliança especial é perce-
vam saindo da Guerra do Golfo (1990-1991), relutavam em bido de um ponto de vista de autonomia, reforçando o poder
participar de mais um conflito. A Europa, acostumada, por de barganha brasileiro nas Américas. Este fortalecimento
anos, à submissão às ordens da OTAN ou pacto de Varsóvia, nacional no subcontinente é interpretado por algumas cor-
somente impôs um bloqueio econômico à Sérvia. rentes como de um possível subimperialismo brasileiro na
Política e Segurança

Diante dessa conjuntura, o presidente dos EUA, Bill Clin- América do Sul, mas que se sustenta na premissa do Brasil
ton, mesmo violando acordos internacionais, começou a ar- como potência regional.
mar tropas da Croácia, que acabaram vencendo os sérvios Outros termos relacionados ao intercâmbio preferêncial
em Krajina. com os EUA são os de alinhamento pragmático e automático.
Tal vitória forçou os líderes da Sérvia, da Croácia e da Esses alinhamentos referem‑se à forma como o Brasil cons-
Bósnia a buscarem uma negociação de paz, selada em no- trói sua relação com este país, com base em uma política de
vembro de 1995: Eslovênia, Croácia, Bósnia‑Herzegovina e barganha e troca de interesses, que era a visão original de
Macedônia seriam países independentes, enquanto a Iugos- Rio Branco – o alinhamento pragmático – ou uma postura
lávia seria formada por Sérvia (incluindo Kosovo e Voivodina) de aceitação das iniciativas norte‑americanas, condicionando
e Montenegro (que em 1996 se tornou independente). os objetivos nacionais aos deste parceiro, visando, por meio

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desta concordância e relativa subordinação‑benefício  – o nas relações internacionais do país desde então (apesar do
alinhamento automático. interregno de Castelo Branco nos anos 1960 e da década de
Até 1961 são identificadas como fases de alinhamento 1990 no pós‑Guerra Fria). Desenvolvida nos governos de
pragmático, a  já citada gestão Rio Branco (1902/1912), Jânio Quadros e João Goulart pelos chanceleres San Tiago
a Primeira e Segunda Era Vargas (1930/1945 e 1951/1954) Dantas e Araújo Castro, a tradição global multilateral surge
e a segunda metade do mandato de Juscelino Kubistchek a partir da PEI sustentada na percepção de dois fenômenos:
(1958/1961). Na primeira Era Vargas ocorre o processo de a transformação doméstica do Brasil em um país urbano em
triangulação estratégica entre o Brasil, os EUA e a Alemanha desenvolvimento de porte médio, consolidando‑se como
durante a Segunda Guerra, processo definido por Gerson poder industrial, cujas alianças e parcerias precisavam expan-
Moura como “Autonomia na Dependência”. Esta triangula- dir‑se além do hemisfério para sustentar este crescimento
ção é uma clássica estratégia de barganha diplomática, que e aumentar as alternativas de inserção e a maior fluidez do
permitiu ao Brasil alavancar por meio dos recursos e vanta- cenário bipolar. Esta fluidez era representada pelo aumento
gens obtidas com os EUA em troca de seu apoio na Guerra da relevância das OIGs e a perda da rigidez dos blocos com
o seu processo de desenvolvimento iniciado nos anos 1930 a ascensão da Europa Ocidental, o Japão e o Bloco Oriental
com base na lógica do processo de industrialização para a (mundo socialista) como polos de poder alternativos para o
substituição de importações (Estado Desenvolvimentista). estabelecimento de parcerias.
O nacional desenvolvimentismo ganha impulso a partir O processo de descolonização afro‑asiático criava atores
da década de 1960 com um projeto concertado de cresci- autônomos no sistema com uma agenda de desenvolvimento
mento, atingindo seu auge no regime militar associado à e modernização, compartilhada pelo Brasil. Politicamente,
iniciativa de construção de uma potência média. Este impulso a emergência destes atores, somados às demais nações em
interliga‑se ao nascimento da tradição global multilateral a desenvolvimento, emergia uma nova identidade no sistema,
partir de 1961 com a PEI (Política Externa Independente). a do Terceiro Mundo e do Movimento Não Alinhado. Como
O segundo o governo Vargas e a metade final do governo indica Vizentini (1998), estas mudanças ampliam o espaço
JK representam os primeiros ensaios de multilateralismo e de ação da política externa brasileira, combinando, ao tradi-
abertura sistemática para o mundo, que amplia os eixos de cional eixo Norte‑Sul, os eixos Sul‑Leste e Sul‑Sul.
ação além do hemisfério, e da base Norte‑Sul, consolidan- Seguindo estas premissas e respondendo a este contexto,
do a reavaliação de prioridades externas que foram a base os princípios da PEI foram listados em artigo de Quadros para
da PEI. Dentre estes, destacam‑se em Vargas a abertura Foreign Affairs em 1961, com base nas visões de San Tiago
das aproximações com o Leste Europeu e a aproximação Dantas (Ministro das Relações Exteriores de 1961/1962) e
com nações em processo de independência no mundo são sistematizados por Cervo e Bueno (2002) e Vizentini
afro‑asiático ainda em seu estágio embrionário. No caso de (1998): ampliação do mercado externo dos produtos primá-
JK, a despeito de uma forte aproximação com os EUA, os en- rios, formulação autônoma dos planos de desenvolvimento
saios se caracterizam pelo aprofundamento dos laços com a econômico, manutenção da paz (coexistência pacífica), au-
Europa Ocidental para auxílio na industrialização brasileira todeterminação e não intervenção e apoio à emancipação
(indústria automobilística), a continuidade da abertura para dos territórios coloniais.
o leste e de aproximação com a América Latina (Operação No que se refere às características básicas de ação, ocorre
Pan‑americana). Um dos resultados da OPA foi a criação da a potencialização e mundialização das relações internacio-
ALALC (Associação Latino‑Americana de Livre‑comércio) e do nais, atuação isenta de compromissos ideológicos no campo
BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Deve‑se estatal e nas OIGs, aproximação com a Argentina e ênfase nas
destacar que estes ensaios, embora tenham sido conside- novas parcerias. Outra tese que emerge é a do congelamento
rados pelos EUA por vezes como contrários ao intercâmbio do poder mundial, que indica a assimetria existente entre os
bilateral no âmbito da bipolaridade pela aproximação com países do Norte e do Sul, reivindicando para as nações do
países do Leste, não possuíam um elemento confronta-
Terceiro Mundo tratamento igualitário no acesso às tecno-
cionista ao Ocidente, consistindo‑se em aproximações de
logias sensíveis, fundamentais para o desenvolvimento e a
caráter mais econômico e não ideológico. Da sua parte, nos
modernização. Intensifica‑se o objetivo do desenvolvimento,
anos 1960, os EUA propuseram a Aliança Para o Progresso
a ideia e a prática da diplomacia do Brasil como um jogador
(ALPRO) em resposta à Revolução Cubana (1959), mas sem
o avanço real da cooperação. e comerciante global (global trader and global player).
Ao nacional desenvolvimento opõe‑se ao modelo de de- O início do regime militar a partir do golpe de 31 de
senvolvimento associado e identidade plena com o Ocidente Março em 1964130 (perdurando até 1985) insere uma que-
(EUA) que predomina no encerramento da Segunda Guerra bra nesta ascensão do nacional desenvolvimentismo com o
e início da Guerra Fria, ligado ao modelo de alinhamento governo de Castelo Branco (1964/1967). O  regime militar
automático. Este padrão predomina nos anos de 1912 a posteriormente recupera as prioridades da autonomia e
1930 (modelo agroexportador), 1946 a 1951 (Governo do desenvolvimento visando a construção de uma potência
Dutra), 1954/1955 (Café Filho) e a primeira metade de JK média no sistema internacional. De acordo com Vizentini
(1956/1958). Por sua vez, o governo de Castelo Branco repre- (1998), duas fases podem ser identificadas no conjunto do
senta um movimento ambíguo de retorno do alinhamento regime: o modelo ascendente (1964/1974) e o apogeu e
com preservação de autonomia. declínio (1974/1985).
Nessa versão da relação especial, o cálculo estratégico Analisando especificamente Castelo Branco, ainda que
tenha preservado posições autônomas relacionadas ao
Política e Segurança

passa pela concessão e adesão política do país às iniciativas


norte‑americanas, visando interesses, benefícios econômicos desenvolvimento de tecnologias sensíveis (nuclear), a admi-
e políticos como investimentos, abertura de mercados e nistração buscou a recuperação da aliança com os EUA. Esta
prestígio. A integração ao Primeiro Mundo, a prioridade às recuperação tinha implicações na política interna e externa:
relações Norte‑Sul (eixo vertical), e à normalização das rela- na interna, representava a retomada do desenvolvimento
ções internacionais são outros componentes desta agenda e associado e a construção de uma nação moderna e liberal
que se desenvolvem no período contemporâneo. por meio da tríade Estado, capital externo e burguesia na-
Neste período, 1902 a 1989, este padrão prevalece até cional; na externa dos Chanceleres Vasco Leitão da Cunha
1961, quando, como citado, é substituído pelo global multi- (1964/1966) e Juracy Magalhães (1966/1967), priorizava a
lateral e a visão do nacional desenvolvimentismo, dominante associação com os EUA por meio do abandono de um dis-

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curso terceiro‑mundista e do reforço da interdependência e Na relação com os EUA preserva‑se a identidade antico-
das fronteiras ideológicas. Um claro discurso anticomunista, munista, mas as ações do governo brasileiro representam
assim como a preocupação com a segurança hemisférica fonte de preocupação para os norte‑americanos devido
associam‑se a estas políticas, propondo a criação da Força ao seu caráter autônomo e global em um momento de
Interamericana de Paz. A tese dos círculos concêntricos da descongelamento da bipolaridade e declínio relativo das
diplomacia a partir do hemisfério reforça‑se neste período. superpotências (détente). Em 1969, o governo Nixon envia
Esta agenda, porém, não era consensual, em particular a Missão Rockfeller ao país e são conhecidas as declarações
no campo externo. Em oposição à ação bilateral hemisférica de Kissinger sobre a relevância do Brasil na região. Apesar
proposta por Castelo, o  grupo que pode ser denominado destas aproximações, os termos que passam a se aplicar ao
de nacionalista visava a ampliação da ação global e multi- intercâmbio bilateral são “rivalidade emergente”, “o relacio-
lateral do país, com ênfase na autonomia. As divergências namento perdido” e “conflito administrado”.
estendiam‑se ao âmbito interno com relação à duração e O crescimento econômico e a entrada de Médici no
dinâmica política do regime, abertura do lado castelista poder mantêm a prioridade da abertura global e multila-
(liberal) e mais autoritário para os nacionalistas. teral do Brasil, mas insere um componente diferenciado à
A partir de 1967, estas divergências foram relativizadas Costa e Silva, com a Diplomacia do Interesse Nacional de
com o predomínio dos nacionalistas na condução da política. Mario Gibson Alves Barboza (1969/1974). Tal componente
As administrações de Costa e Silva (1967/1969) e Emilio Gar- refere‑se à renúncia de um discurso terceiro‑mundista e a
rastazu Médici (1969/1974) correspondem à consolidação do inserção do conceito de pragmatismo as relações com os
modelo de desenvolvimento autônomo que atinge seu auge EUA visando reaproximação. A relação entre o projeto de
na presidência de Ernesto Geisel (1974/1979). Nas Relações desenvolvimento e a inserção internacional sustenta‑se na
Internacionais, a lógica da PEI é retomada, mas sem suas visão da potência média, mas com a integração ao Primeiro
dimensões sociais, consolidando o modelo do regime militar Mundo. Na América Latina, a assinatura do Tratado de Itaipu
de construção de potência média, como analisa Vizentini. (1973) é um marco, a ênfase é no bilateralismo e no apoio aos
Em termos internos, Costa e Silva e Médici enfatizam o demais regimes autoritários. Vizentini argumenta que esta
combate ao comunismo e propõe uma correção de rumos estratégia amplia uma ação gradualista, mas sem abrir mão
das ações de Castelo, nos quais se destacam medidas como da defesa do acesso às tecnologias, do multilateralismo e ao
o AI-5 (1968), deixando a década de 1970 conhecida como desenvolvimento o que, por natureza, gerava certa medida
“Anos de Chumbo” e de nacionalismo (representados no de conflito com os EUA (outras tensões encontram‑se na de-
“Brasil ame‑o ou deixe‑o” e “Pra Frente Brasil”, também em finição das 200 milhas do mar territorial, do TNP e comércio).
alusão à conquista do tricampeonato de futebol). O período O legado de crescimento e ampliação das relações inter-
engloba a fase do Milagre Econômico (1968/1973) com a am- nacionais globais e multilaterais dos governos Costa e Silva
pliação do controle do Estado sobre o processo econômico, e Médici, associados ao aprofundamento das tendências
sem abandonar a tríade e enfatizando uma perspectiva he- multipolares do sistema nos anos 1970, leva à consolidação
terodoxa de liberalismo proposta por Helio Beltrão e Delfim do poder nacional na administração Geisel. A força do projeto
Neto à frente dos Ministérios do Planejamento e da Fazenda. de desenvolvimento leva ao auge do modelo de política ex-
Na administração Médici, a  partir do I Plano Nacional de terna do regime, sistematizado no Pragmatismo Responsável
Desenvolvimento (PND), a média do crescimento oscila entre e Ecumênico do Chanceler Azeredo da Silveira (1974/1979).
10 a 13% e se consolida o papel do Estado como agente do De acordo com Vizentini,
desenvolvimento por meio dos grandes empreendimentos
e empresas de infraestrutura nos setores de energia, trans- O pragmatismo seria a busca de vantagens no ce-
portes, telecomunicações e educação (projetos símbolos do nário internacional, independentemente do regime
período são Itaipu, Transamazônica, desenvolvimento de e da ideologia. Responsabilidade diria respeito às
C&T). Na base de sustentação e alavancamento deste projeto, questões ideológicas que não contaminariam a
o endividamento externo a juros baixos é essencial, o que, política externa. E, finalmente, ecumenismo seria
nos anos 1980, trouxe custos consideráveis à economia. a ampliação de parcerias desejadas (...) em escala
Em termos de política externa, a administração Costa e planetária, isto é, para além do âmbito hemisférico
Silva rompe a retomada do bilateralismo proposto por Caste- (...) (VIZENTINI, 1998, p. 208).
lo, enfatizando a dimensão de autonomia. A prioridade reside
na ampliação das visões globais‑multilaterais, reafirmando o O salto qualitativo da agenda internacional consubs-
projeto nacional de industrialização e modernização a partir tancia‑se na exploração de um conjunto abrangente de
da abertura brasileira em busca de al ternativas ao Norte oportunidades nas relações estatais e no multilateralismo.
(EUA). A Diplomacia da Prosperidade do Chanceler José de Este conjunto explora parcerias ao Norte e ao Sul, ao Les-
Magalhães Pinto (1967/1969) reafirma a identidade do Brasil te e ao Oeste, compondo a tradição global multilateral em
como um país pertencente ao Sul e ao Terceiro Mundo, am- sua expressão mais bem acabada até então. Paradoxalmente,
pliando a ação multilateral nas OIGs. As alternativas de par- os contatos com o bloco socialista não possuíam respaldo
ceria, contudo, localizam‑se não só no mundo afro‑asiático similar à ação da esquerda no país, apesar da implementa-
e socialista, como na América Latina, e com outros países ção das primeiras medidas de abertura do regime. Inclusive,
desenvolvidos como França, Japão e Alemanha. certas ações externas como a aproximação com a URSS e a
No caso da América Latina, a  perspectiva foi de auto-
Política e Segurança

China eram bastante criticadas pela linha mais conservadora.


nomia, com o abandono das visões castelistas e a inten- Frente a estas pressões, Geisel inicia o processo de abertura
sificação de contatos para o aproveitamento dos recursos lenta e gradual conduzido por Golbery do Couto e Silva.
hídricos do Cone Sul. Consolida‑se o papel de porta voz Iniciativas como a Lei Falcão (1976), o Pacote de Abril
do desenvolvimento no G77 e na UNCTAD, assim como na e a Lei do Divórcio (1977) e a revogação do AI-5 (1978) e a
ONU. Uma das iniciativas mais significativas é a recusa em garantia da sucessão e desta abertura com Figueiredo com-
assinar o TNP, atitude que se torna simbólica da busca da põe o conjunto do início da redemocratização em resposta
autonomia em ciência e tecnologia, em particular no campo ao crescimento da oposição, a maior participação das forças
nuclear, criticando o monopólio do conhecimento dos países sociais e o desgaste natural do regime que sustentava grande
desenvolvidos. parte de sua legitimidade no crescimento econômico que

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após 1973 – devido à primeira crise do petróleo – começa a poder. O objetivo seria alcançar um patamar no qual “(...)
dar sinais de desaceleração. Nos anos 1980, isto se converte nenhum alinhamento ou concordância será irrestrito e
na estagnação e depois crise. O governo Geisel lança o II PND, nenhuma diferença será irreconciliável.” (Vizentini, 1998, p.
no qual se destaca o projeto de desenvolvimento de fontes 213). O que se observou foi um aumento de desentendimen-
alternativas de energia, que resultam no Proálcool (a tecno- tos comerciais e políticos (negociações do GATT, abertura do
logia do etanol combustível é um dos grandes diferenciais de mercado dos EUA e proteção do brasileiro, aproximação do
poder do Brasil no século XXI) e no investimento no programa Brasil ao mundo árabe, defesa da descolonização e direitos
nuclear por meio do Acordo Nuclear com a Alemanha (inse- humanos) que, nos anos 1980, trariam tensões cíclicas ao
rido no processo de nacionalização da segurança, conforme relacionamento.
definido por Cervo e Bueno). Outro objetivo era completar Estas tensões e o acúmulo das pressões dos EUA sobre
o projeto de desenvolvimento autônomo, finalizando o ciclo o Brasil e outros países em desenvolvimento no contexto da
da substituição de importações, e iniciar um novo patamar ascensão de Ronald Reagan à presidência norte-americana
de crescimento que investisse nos setores contemplados na e da confrontação renovada com a URSS foi um dos com-
RTC da década de 1970 (informática, tecnologia de ponta). ponentes da crise do regime e seu modelo a partir do início
A interação entre o setor interno e externo resulta, por- dos anos 1980. Esta crise atravessa a última presidência do
tanto, em um complexo quadro de iniciativas. Analisando a regime militar, a  de João Figueiredo (1979/1985) e a pri-
agenda e natureza do pragmatismo, consolida‑se a presença meira civil, eleita indiretamente pelo Colégio Eleitoral, a de
brasileira como jogador global e relevante país em desenvol- José Sarney (1985/1989) – vice de Tancredo Neves, Sarney
vimento (potência média e grande Estado periférico). Como assume a presidência devido ao falecimento de Neves na
mencionado, os eixos Norte‑Sul‑Leste‑Oeste são simultâneos Nova República. Analisando este período de 1979 a 1989,
nesta expansão da tradição global multilateral. Os principais a situação foi de recuo político e econômico, o que levou ao
vértices de ação da política externa são: os países desen- aumento da vulnerabilidade externa e gerou uma percepção
volvidos da Europa Ocidental, com prioridade à Alemanha menos positiva sobre o país que dominou a primeira metade
Ocidental, e  o Japão, a  América Latina, o  Oriente Médio, da década de 1990.
a África e o Mundo Socialista (URSS, Leste Europeu e China). Uma combinação de fatores estava na raiz deste proces-
A ampliação dos mercados externos para matérias‑pri- so. No campo internacional, a ofensiva neoconservadora de
mas visava países desenvolvidos, o mundo socialista e do Reagan representou o fechamento de espaços no sistema,
mesmo porte do Brasil e para os manufaturados e projetos combinada com a segunda crise do petróleo e o aumento
de infraestrutura o objetivo eram os PMDR. A aquisição de dos juros da dívida externa. Eventos como a desaceleração
tecnologia e a cooperação técnica eram prioritárias, assim europeia, a Guerra Irã‑Iraque no Oriente Médio, a crise na
como a obtenção de recursos energéticos por meio de aproxi- África e no bloco socialista relacionam‑se a este padrão.
mação com o Oriente Médio. A política africana, somada aos Os anos 1980 representam um refluxo para o movimento
elementos econômicos, detinha forte componente cultural e terceiro‑mundista e dos não alinhados. Ações como a do
de compartilhamento de identidades e um passado comum Consenso de Cartagena de 1984 que propunham a renego-
colonial e de herança étnica. Na América Latina, a fase do ciação da dívida alcançaram pouco sucesso em um cenário
pragmatismo imprime um componente sul‑americano na caracterizado por pressões e constrangimentos originários
agenda, com o Tratado de Cooperação Amazônica (1978), do eixo vertical.
a continuidade do projeto de Itaipu e a reaproximação com a No caso brasileiro, a relação bilateral com os EUA atra-
Argentina. Esta visão têm impactos no relacionamento com vessa um período difícil: os choques comerciais se tornaram
os EUA, na medida em que os norte‑americanos tinham difi- frequentes no âmbito bilateral e multilateral, com pressões
culdades em acomodar o crescimento brasileiro e percebiam norte‑americanas diretas em forma de retaliações comer-
as iniciativas do pragmatismo como de confrontação. ciais, inclusão na Lista Negra do Departamento de Comércio,
A mencionada nacionalização da segurança composta suspensão da venda de supercomputadores, acusações de
pelo desenvolvimento da indústria bélica nacional(Engesa protecionismo e desenvolvimento de programas bélicos,
e Avibrás), a denúncia do acordo militar com os EUA (1977), dentre outros. Os principais pontos de desacordo referiam‑se
o programa nuclear paralelo (domínio completo do ciclo do ao protecionismo brasileiro no setor de informática (a reserva
combustível nuclear e submarino nuclear), o Acordo Nuclear de mercado e leis de 1976 e 1984) e propriedade intelectual.
com a Alemanha Ocidental (1975) e a Política de Informática As divergências referem‑se aos temas de direitos humanos,
(1976) eram pontos sensíveis. meio ambiente e tecnologias sensíveis e dívida externa, com
A capacitação tecnológica brasileira e seu incremento o Brasil sendo apresentado como um país que não cumpria
de projeção de poder nos setores de segurança significavam seus compromissos. O distanciamento estratégico relativo à
tanto competição aos EUA em alguns setores (mercado de oposição brasileira à militarização do Atlântico Sul também
armas) como de diferencial de poder no hemisfério. faz parte dos desentendimentos.
Deve‑se mencionar que o Acordo Nuclear com a Alema- Apesar destas limitações, a  administração Figueiredo
nha segue‑se ao Acordo Brasil‑EUA no mesmo campo com manteve a abertura promovida pela ação do pragmatismo
a White Westinghouse (1972/1974), mas que fora suspenso na Diplomacia do Universalismo do Chanceler Ramiro Sa-
por pressões do governo de Jimmy Carter, que demandava raiva Guerreiro (1979/1985). Em resposta às dificuldades
ajustes do regime no campo dos direitos humanos, o que de ampliação da agenda, procurou‑se manter na medida do
Política e Segurança

levou ao Brasil a buscar novas parcerias. Anteriormente, possível as parcerias conquistadas ao longo dos anos 1970,
os  EUA eram os principais parceiros brasileiros no campo considerando as dificuldades similares enfrentadas pelos
nuclear (vide Acordo Tecnológico de 1955 e o Programa parceiros. A intensificação dos projetos no Cone Sul, dando
Átomos para a Paz). sequência a sul‑americanização da política regional iniciada
O Brasil ampliava suas parcerias e o amadurecimento de pelo Geisel, foi uma das principais iniciativas do governo,
suas opções não visava, por princípio ou escolha, a confron- cuja continuidade foi assegurada e aprofundada por Sarney.
tação com os EUA. O alvo era, na realidade, uma abertura A crise do modelo não se resumia a estes constrangimentos
maior de caminhos além do âmbito bilateral hemisférico, externos, como às dificuldades de administrara fase final da
adequando sua agenda externa a sua nova condição de transição do regime militar à democracia em meio à crise

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econômica, à  expansão dos movimentos sociais internos preservando um espaço de independência de ação, no âm-
e à reação dos conservadores. Dando prosseguimento à bito bilateral Sarney inicia um processo de aproximação com
abertura lenta e gradual, as principais iniciativas do governo os norte‑americanos (outras áreas nas quais se sustentou a
Figueiredo foram a Lei da Anistia e a Reforma Partidária em autonomia foram na África e Oriente Médio) . Este processo
1979, as eleições diretas para governador em 1982, acom- foi composto de sinalizações de adequação da agenda às
panhadas pela reação contra a abertura com bombas em demandas internacionais nos pontos mais sensíveis mencio-
sedes de partido e no Rio Centro. nados acima (meio ambiente, direitos humanos, comércio,
As greves no ABC paulista e o movimento das “Diretas proliferação e tecnologias), mesmo em meio à elevação
Já” também fazem parte deste quadro, com a consolidação da confrontação no GATT e com o USTR (aplicação da lista
de lideranças populares como as de Luiz Inácio Lula da negra, da Super 301) e de tentativas de renegociar a dívida.
Silva e Tancredo Neves. Além destas dimensões políticas, Apesar da crise econômica e do elevado grau de instabilidade
o sucesso do modelo no campo econômico ao completar o interna, o governo Sarney administrou a transição política
processo de substituição de importações iniciado nos anos de forma equilibrada, e  um dos marcos do período é a
1930 e a dificuldade em acompanhar o salto qualitativo da Constituição de 1988. As Relações Internacionais do Brasil
RCT representaram uma encruzilhada que o último governo são contempladas no Artigo 4º, no qual se estabelece que o
do regime não pôde administrar plenamente. país se rege pelos seguintes princípios:
Um balanço geral do período 1964/1985 revela um cresci-
mento significativo da economia, consolidando os processos independência nacional, prevalência dos direitos
industriais, de modernização e urbanização nacional que, humanos, autodeterminação dos povos, não‑inter-
no campo externo, forneceram a base de uma projeção venção, igualdade entre os Estados, defesa da paz,
internacional sólida. Nesta projeção, o papel do Brasil como solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo
potência média, representante do Terceiro Mundo e com e ao racismo, cooperação entre os povos para o pro-
alianças amplas nos eixos Sul‑Norte‑Leste, caracterizou o gresso da humanidade, concessão de asilo político.
amadurecimento da tradição multilateral global nascida com
a PEI. Este salto qualitativo interno e externo não ocorreu de Estes princípios refletem o conjunto de prioridades e
forma uniforme em todos os setores, mas reforçou a ação valores descritos por Cervo e uma das mais significativas afir-
internacional do país. Como destaca Vizentini, mações da nova carta nacional do governo civil é o Parágrafo
único deste Artigo 4º no qual se estabelece que “A República
O Brasil ainda que marcado pelas deficiências so-
Federativa do Brasil buscará a integração econômica, políti-
ciopolíticas bem conhecidas, converteu‑se no único
ca, social e cultural dos povos da América Latina, visando a
país ao sul do Equador a possuir um parque industrial
formação de uma comunidade latino‑americana de nações”.
completo e moderno, posicionando‑se entre as dez
Esta prioridade recebe significativa atenção dos governos
maiores economias do mundo (VIZENTINI, 1998,
brasileiros desde a promulgação da Constituição, sendo uma
p. 333).
das mais destacadas conquistas da agenda externa nacional.
Este legado complexo perpassou todo o governo de José Sobre as atribuições dos poderes, o Artigo 84 define as
Sarney, a  década perdida. Internamente, coube a Sarney do Poder Executivo como “manter relações com Estados
administrar o início da redemocratização em uma situação estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
econômica precária e sociopolítica difícil após o faleci- celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos
mento de um dos símbolos desta transição, o  Presidente a referendo do Congresso Nacional; decretar o estado de
Tancredo Neves, faltando ao Vice‑Presidente legitimidade defesa e o estado de sítio; decretar e executar a intervenção
e carisma similares ao de seu companheiro (e cabeça) de federal”. Por sua vez, a competência do Congresso Nacional
chapa. O agravamento da situação econômica, o aumento encontra‑se descrita no Artigo 49: “resolver definitivamente
das pressões norte‑americanas, o encaminhamento do fim sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem
da Guerra Fria, a explosão dos juros da dívida, os impasses encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
econômicos e a hiperinflação, os planos de ajuste (Cruzado, autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a cele-
1986) acentuaram a crise. Somada a isso, a crescente vulne- brar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo
rabilidade derivada da estagnação econômica, as pressões território nacional ou nele permaneçam temporariamente,
da comunidade internacional no campo do meio ambiente, ressalvados os casos previstos em lei complementar”.
direitos humanos, comércio e tecnologias compunham a A avaliação da presidência apresenta resultados mistos:
sensação de perda de lugar no mundo e a emergência de assinatura da Declaração de Iguaçu, da Ata de Integração
uma postura defensiva. Brasileiro‑Argentina e o Tratado de Integração, Cooperação
Tal postura derivava da tentativa de dar continuidade e Desenvolvimento entre Brasil e a Argentina em 1985,
ao padrão das relações internacionais universalistas, na 1986 e 1988, respectivamente, o reatamento das relações
linha global multilateral, com a criação de uma diplomacia diplomáticas com Cuba (1986), aprovação da criação da Zona
para o governo civil que administrasse a crise, sem perder de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) em 1986 e
as parcerias consolidadas nos anos anteriores. as pressões da aplicação da mencionada Super 301. Sarney
Como resultado, as relações internacionais da Nova Re- apresenta os primeiros passos do que seria a “limpeza de
Política e Segurança

pública apresentaram uma razoável ambiguidade entre esta agenda” intensificada por Fernando Collor (1990/1992).
tendência de manutenção do curso autônomo e a tentativa Embora a política externa do primeiro governo civil após o
de reinserir o Brasil no sistema a partir de uma readequa- regime militar tenha apresentado progressos no âmbito re-
ção da agenda a estes novos tempos (Olavo Setubal, 1985, gional e na redemocratização, constrangimentos estruturais
e Roberto de Abreu Sodré 1986/1990 comandaram o MRE). internos e externos desempenharam papel central na limita-
As relações do Brasil com o Cone Sul e o intercâmbio ção dos esforços. Estes constrangimentos abriram caminho
com os EUA são exemplo destas vertentes. Enquanto no para a reavaliação dos paradigmas dominantes desde 1961,
Cone Sul observa‑se um progresso das trocas regionais com que se consolidaram no período seguinte, passando‑se da
a Argentina que na década seguinte resultam no Mercosul, década perdida à década bilateral.

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A AGENDA INTERNACIONAL E O BRASIL pulistas, propagando a imagem da mudança e modernidade
que levariam o Brasil ao Primeiro Mundo. A implementação
As transformações do sistema internacional e o fim da do Consenso de Washington e a assinatura de diversos regi-
Guerra Fria inseriram um momento de inflexão na política ex- mes internacionais foram prioridades, adequando por meio
terna do Brasil e da maioria das nações em desenvolvimento de reformas econômicas aceleradas a sociedade brasileira às
com a perda do referencial dos alinhamentos (e não alinha- novas realidades mundiais. No âmbito multilateral isto impli-
mento) associados às ações de barganha e autonomia do cou o abandono das políticas de reivindicação e demandas
período anterior. Algumas visões tornaram‑se predominantes do Terceiro Mundo.
no sistema internacional no que se refere à emergência de Segundo Collor, o momento era de buscar a integração
uma nova ordem mundial e do fim da história, simbólicos da aos principais fluxos econômicos, sociais e políticos do siste-
aparente universalização do modelo liberal e unipolaridade ma, garantindo os compromissos brasileiros com as principais
da hegemonia dos EUA, a superpotência restante. demandas do pós‑Guerra Fria, compartilhando o otimismo
O debate do pós‑Guerra Fria sobre o futuro das Re- do período. Na gestão de Celso Lafer, estes elementos táticos
lações Internacionais do Brasil polarizou‑se em torno da foram apresentados como uma integração aos novos padrões
permanência das ações globais‑multilaterais e a retomada de ordem mundial emergentes no pós-1989 que teriam a
da tradição bilateral‑hemisférica. No início dos anos 1990, ONU e a liderança dos EUA como pilares fundamentais. Em
a bilateral‑hemisférica suplanta as propostas de correção de artigo para a revista Política Externa (1993), Lafer explicita
rumos, priorizando o eixo Norte/Vertical da política exter- estes princípios e orientações,
na, com foco nos EUA. A lógica que sustentou esta ação foi
embasada na a percepção da unipolaridade e na crítica às É com esse espírito de civilidade democrática que o
iniciativas prévias (“autonomia pela exclusão”). Brasil se propõe participar do processo de reorgani-
Em contrapartida, a opção é a da adequação aos fluxos zação do sistema internacional. O momento histórico
do sistema (“autonomia pela integração”). Tal integração era excepcional que vivemos exige uma nova agenda que
representada pela adesão às reformas políticas e econômicas incorpore a um tempo a percepção do presente e a
patrocinadas pelos EUA, seus projetos latino‑americanos antevisão do futuro (...) num exercício permanente
de adaptação criativa (...) (LAFER, 1993, p. 97).
encontravam respaldo nas organizações multilaterais como
a ONU e nas negociações comerciais no âmbito do Acordo
Essas ações representaram uma rápida abertura do
Geral de Comércio e Tarifas (GATT). Um dos símbolos deste
mercado brasileiro ao exterior, eliminando os principais
período foi a adesão às prescrições neoliberais do Consenso
contenciosos com os EUA: a reserva de mercado no setor
de Washington.
de informática, acesso ao mercado interno, privatizações
O Brasil passou a se reinserir a partir de uma relação
dos setores estratégicos e negociação da lei das patentes.
privilegiada com os EUA. Nacionalmente, esta postura foi
Nas negociações comerciais do GATT, o Brasil abandonou
mediada, segundo Cervo e Bueno, “O pensamento brasileiro seu protagonismo e articulações com nações em desen-
aplicado às Relações Internacionais do Brasil desde 1990 não volvimento como a Índia pela demanda do comércio livre,
foi, portanto, homogêneo (...)” (Cervo e Bueno, 2002, p. 456). alinhando‑se com os EUA.
Em outros países as escolhas recaíram no completo ali- No que se refere aos “novos temas”, a presidência optou
nhamento. O “tipo ideal” foi a Argentina de Carlos Menem pela tática da credibilidade via adesão. No campo da proli-
e sua prática do “Realismo Periférico” e do “Estado Normal”, feração, ainda que não tenha assinado o TNP, Collor deixou
acompanhado pelo México de Carlos Salinas e o Chile (Vene- claro que o país abdicava do desenvolvimento de tecnolo-
zuela, Bolívia, Equador e Uruguai igualmente a aplicaram). gias sensíveis com atos simbólicos como o fechamento de
Ao  paradigma do Estado Normal, nesta classificação de um poço para testes nucleares na Serra do Cachimbo (PA).
Cervo e Bueno somavam‑se o nacional desenvolvimentista Houve o desmonte do projeto de segurança nacional, com
e o logístico, de acordo com os autores, a redução dos investimentos no setor.
Durante quase uma década as Forças Armadas foram
O Estado desenvolvimentista, de características tra- colocadas como baixa prioridade, com o país aderindo à pre-
dicionais, reforça o aspecto nacional e autônomo da missa da “segurança compartilhada”. Esta situação somente
política exterior. Trata‑se o Estado empresário que começou a mudar em 1998 com a criação do Ministério da
arrasta a sociedade no caminho do desenvolvimento Defesa no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC)
nacional e mediante a superação de dependências dando‑se início a discussões mais substantivas sobre uma
econômicas estruturais e de segurança. O  Estado política de defesa, a questão das relações civis‑militares e o
normal, invenção latino‑americana dos anos 1990 (...) reaparelhamento das Forças Armadas.
envolve três parâmetros de conduta: como Estado No conjunto destes novos temas, a questão ambiental e
subserviente (...) como Estado destrutivo (...) como dos direitos humanos mereceu atenção. A avaliação sobre a
Estado regressivo (...) o Estado logístico que fortalece performance de Collor nestes dois campos apresenta‑se de
o núcleo nacional, transferindo à sociedade respon- forma diversa nos analistas, que se dividem entre considerar
sabilidades empreendedora e ajudando- a operar positivas as iniciativas da administração e as visões mais críti-
no exterior, para equilibrar os benefícios da interde- cas que as envolvem. Positivamente, o Brasil formalizou sua
Política e Segurança

pendência mediante um tipo de inserção madura no adesão formal à Convenção Americana de Direitos Humanos
mundo globalizado (CERVO e BUENO, 2002, p. 457). (Pacto de San José) e a Pactos da ONU e da OEA. Em 1993,
já com Itamar Franco, o país tem participação importante na
O governo que iniciou esse processo foi o de Fernando Conferência Mundial de Direitos Humanos, 1993, Viena. Estes
Collor de Mello (1990/1992), primeiro presidente eleito de- avanços fazem parte do processo de redemocratização interna.
mocraticamente depois do fim do regime militar, com José No meio ambiente, a  interação adesão/autonomia
Francisco Rezek (1990/1992) e Celso Lafer (1992) exercendo (que se repete no processo de integração regional do Cone
o cargo de Ministro das Relações Exteriores. Em um cenário Sul) foi mais presente, com o Brasil tomando à frente dos
de profunda crise, Collor construiu a campanha em tons po- processos com a realização da Conferência Sobre Meio

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Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro em Junho O objetivo de alcançar reconhecimento político teve
de 1992 (ECO-1992). A defesa do desenvolvimento susten- o foco deslocado da aquiescência para um incremento de
tável (Agenda 21) e da Convenção Quadro sobre mudança participação, em particular na ONU, tendo como base a de-
de clima (que resulta no Protocolo de Kyoto em 1997) e fesa da reforma do Conselho de Segurança e a candidatura
a Convenção sobre Biodiversidade Biológica representam brasileira a um assento permanente. A mesma postura de
conquistas diplomáticas, enquanto no caso das patentes o reivindicação estende‑se a outros organismos multilaterais
legado é dúbio. Collor, ao lado de Menem, foi responsável com o país, retomando sua identidade como país de Ter-
pela aceleração do processo de integração com a Argentina, ceiro Mundo. A administração recupera ações para a África
com a formação do Mercosul (a Ata de Buenos Aires, 1990, que, em 1996, no governo FHC resultam na Comunidade
e o Tratado de Assunção, 1991 compõe estas ações) no con- dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Nas negociações
texto das iniciativas norte‑americanas para a América Latina comerciais, as  atitudes são compensatórias. Nas relações
e da lógica neoliberal. Mesmo assim, o arranjo integracionista com os EUA, apesar de algumas críticas norte‑americanas
manteve sua lógica de autonomia por meio de uma atuação ao governo, não predominam conflitos sérios. Embora o
compensatória do Itamaraty que nestas e em outras ques- país não seja considerado um “modelo” pelos EUA como
tões procurou preservar certa margem de independência, o são Argentina e Chile neste momento, não há uma baixa
contrabalançando as dinâmicas de Collor. significativa na diplomacia como no final dos anos 1980.
Na Guerra do Golfo de 1991, por exemplo, o Brasil não A grande conquista de Itamar foi na dimensão interna
se alinhou plenamente com os EUA, diferente da Argen- com a implementação do Plano Real (1994) de estabiliza-
tina que chegou a mandar navios de guerra para o Golfo. ção da economia a cargo do Ministro da Fazenda Fernando
O  bilateralismo suplanta as parcerias globais construídas, Henrique Cardoso (FHC) que, como indicado, havia sido
colocando em segundo plano as relações com o mundo em Ministro das Relações Exteriores. Depois de quase quinze
desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo, anos de crise ininterrupta, hiperinflação, estagnação, o país
o que leva a uma inflexão negativa na política africana e no consegue retomar um quadro de estabilidade doméstica,
Oriente Médio. De acordo com Saraiva (2004), o Brasil se com a superação da crise estrutural prévia. O  sucesso do
distancia de seus parceiros africanos em um momento de Plano garantiu a FHC a vitória na eleição presidencial de
crise do continente, o que corresponde a uma marginalização 1994 e sua reeleição em 1998. Durante a gestão Cardoso,
mais ampla do papel dos países em desenvolvimento no o MRE ficou sob a responsabilidade de Luiz Felipe Lampreia
sistema internacional. (1995/2002) e Celso Lafer (2002), e  imprimiu uma nova
Em resposta, os países em desenvolvimento receberiam quebra na política externa do período. Diferente de Itamar
reconhecimento político, concessões comerciais e ajuda que retomara o perfil global‑multilateral da política externa,
financeira e tecnológica do eixo vertical. A  despeito do FHC recuperou as premissas e lógica do início dos anos 1990
engajamento, o  Brasil recebeu poucos benefícios. Apesar sustentada no bilateralismo.
da promessa de superar a crise, a administração promoveu Embora de uma forma mais equilibrada do que Collor e
outros governos latino‑americanos, FHC investiu na tática
medidas impopulares e sem efeito, como o congelamento
da “integração” ao sistema via credibilidade e legitimação
da poupança (conduzido pela Ministra da Fazenda Zélia Car-
nacional por meio da adesão aos regimes internacionais e a
doso de Mello). O cenário tornou‑se mais instável quando o
retomada dos processos de abertura e privatização interrom-
presidente, e seus principais assessores foram acusados de
pidos por Itamar. A visão do Brasil como um país do Terceiro
corrupção, que levou ao impeachment em 1992.
Mundo ou periférico foi trocada pelo ideário do Primeiro
Como prova do amadurecimento democrático, o  vi-
Mundo e de uma nova era da política mundial sustentada
ce‑presidente Itamar Franco assumiu o poder e tentou, em
nas premissas do neoliberalismo e da governança mundial.
um contexto bastante sensível, estabilizar o país e minimizar Apesar de FHC sustentar seus alinhamentos de um ponto
os efeitos negativos das escolhas de Collor. Na política ex- de vista pragmático, sem o automatismo de seu antecessor,
terna, Franco teve Fernando Henrique Cardoso (1992/1993) o eixo vertical predominava sobre o horizontal, privilegiando
e Celso Amorim (1993/1994) no MRE e retomou a tradição a tradição bilateral‑hemisférica. FHC exerceu a Diplomacia
global multilateral, investindo em parcerias Sul‑Sul com Presidencial durante seus dois mandatos, apresentando‑se
outras potências em desenvolvimento. No espaço regional, como porta voz e face do Brasil no sistema internacional.
o Brasil deu continuidade ao Mercosul (Protocolo de Ouro A  intensificação das viagens, a  participação em reuniões
Preto, 1994), incrementando seu sentido de autonomia e e cúpulas bi e multilaterais, a visibilidade em organizações
propondo novos projetos de ação regional com a ALCSA (Área internacionais teve espaço importante. FHC imprimia à ima-
de Livre‑comércio Sul‑Americana) e o Merconorte (Mercado gem brasileira um perfil de Primeiro Mundo, condizente com
Comum do Norte). A solidez da plataforma continental era a agenda que defendia nas relações internacionais de eixo
percebida como essencial para o fortalecimento regional e vertical, tornando‑se líder de uma nova geração de líderes
nacional em meio à vulnerabilidade gerada pelas opções do latino‑americanos comprometidos com a inserção moderna
início da década. Esta linha encontra‑se explicitada desde o de suas sociedades. Ao lado de Bill Clinton e Tony Blair, FHC
primeiro discurso de Itamar, era definido como um dos principais nomes da Terceira
Via e da reforma do paradigma social democrata. Um dos
Abrir as fronteiras à competição internacional não exemplos mais significativos desta Diplomacia foi a Cúpula
significa renunciar à soberania. O  princípio que
Política e Segurança

das Américas em 1994 quando o Brasil participa com dois


orientará as relações com os outros povos deve ser o presidentes, Itamar Franco e FHC.
da estrita reciprocidade. O mundo, depois da Guerra Esta dinâmica vertical, mas de responsabilidade e legi-
Fria, se organiza em grandes blocos regionais, que timidade, levaria ao reconhecimento do país como pilar da
prenunciam uma sociedade política universal. Esta- nova ordem a partir da solidez de seu status como potência e
mos participando do Mercosul, e  sentimos salutar de seus compromissos. Em termos concretos, as ações brasi-
desafio diante da integração continental. Ao mesmo leiras, somadas à Diplomacia Presidencial, consistiram‑se da
tempo em que avançamos na integração do Cone retomada da implementação do Consenso de Washington e
Sul, mantemos os nossos compromissos com o Pacto do projeto de privatizações, introduzindo as reformas da
Amazônico. (FRANCO, 1992, s/p). segunda geração no campo social.

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Nas Relações Internacionais, em 1995 o Brasil participou Deve‑se ressaltar, contudo, que mesmo no primeiro
da criação da OMC, no encerramento da Rodada Uruguai mandato de FHC quando predominou a dimensão vertical no
do GATT (Ata de Marrakesh), aderiu ao MTCR (Regime de discurso e em algumas ações político‑diplomáticas, focos de
Controle de Tecnologias de Mísseis), o Congresso Nacional resistência em particular na questão da integração regional e
aprovou a Lei das Patentes (1996), a  Cultivares (1997). das negociações comerciais na correlação OMC e ALCA, Mer-
Anteriormente, o país já ratificara o Tratado de Tlatelolco e cosul e integração regional sul‑americana permaneceram.
seus compromissos com o CTBT, deixando clara sua opção A etapa final das relações internacionais da presidência FHC
pela paz e uma América Latina e sistema internacional livre revela‑se mais complexa do que seu início, já se desprenden-
de armas nucleares. do dos constrangimentos da década bilateral.
O movimento mais simbólico deste processo de adesão Intensificou‑se o discurso contra a globalização assimé-
aos regimes foi a ratificação do TNP em 1998, um marco na trica nos fóruns multilaterais proposta brasileira era a de
agenda de reinserção internacional do Brasil como um país construção de uma globalização solidária, que dividisse os
confiável e legítimo. A ratificação do TNP e dos demais regi- benefícios da interdependência, com atenção aos custos
mes, associados aos compromissos assumidos, era prova do sociais. Nas dimensões das parcerias externas, foram in-
novo papel brasileiro, dotando suas ações de credibilidade. centivados contatos com países continentais como Rússia,
Já em seu discurso de posse, estas linhas eram definidas China e Índia, com foco na cooperação científico‑tec-
pelo Ministro das Relações Exteriores Luis Filipe Lampreia, nológica. No âmbito multilateral, o  Brasil consolidou uma
postura mais reivindicatória na ONU, mas principalmente
A política externa será resultado de uma visão orgâ- na OMC com a abertura de diversos painéis contra práticas
nica do mundo e do Brasil (...) Melhorar as condições comerciais injustas dos países desenvolvidos, estendendo
da nossa inserção internacional é um instrumento à questão das negociações da ALCA. Nas palavras de FHC,
básico no processo de transformação qualitativa da
sociedade brasileira (...) ao mesmo tempo em que A globalização só será sustentável se incorporar
esta transformação (...) será uma alavanca fundamen- a dimensão da justiça. Nosso lema há de ser o da
tal para a melhoria do padrão de inserção externa “globalização solidária”, em contraposição à atual
do Brasil (...) Estamos engajados em parcerias inter- globalização assimétrica (...) Uma ordem internacio-
nacionais que ampliam a nossa presença no mundo nal mais solidária e mais justa não existirá sem a ação
(...) somos um mercador global e um ator global (...) consciente da comunidade das nações. É um objetivo
com a economia mais aberta (...) temos melhores demasiado precioso para ser deixado ao sabor das
condições de buscar e mesmo exigir mais acesso e forças do mercado ou aos caprichos da política de
práticas leais e transparentes em matéria de comér- poder.(CARDOSO, 2001, s/p).
cio, transferência de tecnologia e investimentos (...)
somos mais confiáveis e temos mais credibilidade (...) Os avanços mais significativos foram alcançados na Amé-
(LAMPREIA, 1995, pp. 31-33). rica do Sul com a Cúpula de Brasília em 2000 que promoveu
a criação da IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul
Segundo a lógica destas opções, estas contribuições po- Americana), com inspiração na ALCSA e que visava o forta-
sitivas, que substituíam a barganha, garantiriam a integração lecimento do Mercosul a luz da profunda crise de alguns de
ao Norte e aos organismos internacionais multilaterais, vide seus membros como a Argentina, base das futuras propostas
o reconhecimento dos esforços brasileiros pela comunidade da CASA e da Unasul na administração de Luiz Inácio Lula
internacional (i.e os EUA e os demais países desenvolvidos). da Silva. Nos EUA, o endurecimento da política de Clinton
Como resultado, o  país realizaria seus propósitos, tendo que levou ao Plano Colômbia e a ascensão de Bush filho ao
como principais objetivos o comércio livre e justo nas ne-
poder, somados aos atentados de 11/9 também levaram a
gociações da OMC e da ALCA e um assento permanente
um período de relativo distanciamento.
no CSONU. Apesar destes esforços e dos elogios recebidos
A nação encerra a década de 1990 em uma situação
pelo Brasil dos EUA, ressaltando o bom relacionamento
político‑econômica‑diplomática muito diferente do imediato
pessoal estabelecido entre Clinton e FHC, os  resultados
pós‑Guerra Fria, com a consolidação e amadurecimento da
foram poucos.
economia e da política diminuindo o sentido de vulnera-
Somada a esta ausência de benefícios, outros custos da
bilidade anterior. Neste contexto, observa‑se o início da
opção vertical e das políticas neoliberais e de recuo inter-
recuperação da tradição global multilateral. Na diplomacia
nacional começaram a se tornar patentes a partir de 1997,
dos eixos Norte/Sul, a  Presidência Lula completa o ciclo
com a eclosão de diversas crises financeiras internacionais
na Rússia, Ásia e América Latina. As limitações desta pos- desta recuperação da autonomia nacional e da soberania,
tura centralizada no eixo vertical começaram a se tornar reforçando os componentes assertivos e de alto perfil da
mais patentes não só para o Brasil, mas os demais países ação internacional do país, fortalecendo antigas parcerias e
latino‑americanos no biênio 1998/1999, com o esgotamento renovando o equilíbrio entre as dimensões vertical e hori-
da aplicação da agenda neoliberal e os efeitos da crise so- zontal da política externa.
cioeconômica. A dimensão política, com elevados graus de
instabilidade variando de país a país, também foi afetada, O MULTILATERALISMO UNIVERSAL: A ONU
Política e Segurança

refletindo no campo externo em perda de poder de barga-


nha. No Brasil, a economia apresentava sinais similares de Um dos principais pilares da diplomacia brasileira é o
estagnação e instabilidade, o  que se refletiu na correção firme compromisso com o sistema multilateral, associado
de rumos do Plano Real no período pós‑reeleição de FHC a suas tradições de defesa da legalidade e legitimidade das
(em particular o ajuste do câmbio) e uma quebra relativa relações internacionais. Neste capítulo, complementando
da política externa. as análises do anterior, o objetivo é apresentar a atuação
Na oscilação entre as tradições bilateral hemisférica e a brasileira neste sistema, com foco em temas político‑sociais,
global multilateral, revela‑se uma tendência à recuperação os financeiros‑comerciais e a agenda de segurança.
da global multilateral e ao reequilíbrio dos eixos vertical e Uma das primeiras hipóteses sobre o cenário mundial
horizontal. depois de 1989 girava em torno do estabelecimento de uma

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nova ordem a partir da ONU, fortalecendo a premissa de um Paradoxalmente, a construção deste arcabouço universal
sistema de governança global. Trazida por George Bush pai, de valores e princípios estava relacionado a uma realidade
esta avaliação rapidamente esvaziou‑se. Este esvaziamento bastante concreta de poder, sintetizada na ascensão e
deriva de três fontes: as dificuldades da ONU em atuar no consolidação da hegemonia norte‑americana no vácuo do
pós‑Guerra Fria, a ausência de reformas que adequassem declínio europeu e da própria URSS e da China em meio a um
o organismo ao novo equilíbrio de poder existente e a ten- cenário de guerra. A construção da estrutura da ONU refletia
dência unilateral de alguns países membros, em particular estas tendências opostas em seus principais órgãos: uma
os EUA de W. Bush. Assembleia Geral (AG) aberta e democrática a participação
O organismo vem sendo contestado por sua suposta de todos os Estados soberanos, um Conselho Econômico
inércia, credibilidade e legitimidade em muitas oportunida- e Social (ECOSOC) para atender demandas econômicas e
des. Estas contestações são periódicas e referem‑se desde sociais que atuaria como órgão coordenador das agências
a inabilidade da ONU em atuar em situações de grave crise especializadas da instituição neste setor e realizaria a ponta
humanitária ou de “segurança nacional” como a invasão com a sociedade civil, uma Corte Internacional de Justiça (ICJ)
do Iraque. Tais críticas muitas vezes ignoram que o bom e um Conselho de Segurança (CSONU) composto pelos prin-
funcionamento das OIG’s depende em grande medida do cipais polos de poder do momento, os vencedores da guerra
compromisso de suas partes, no frágil equilíbrio entre a (EUA, França, URSS, Grã‑Bretanha e China). Coordenando
autonomia institucional e a soberania estatal. administrativamente estas instâncias, o Secretariado Geral.
Todavia, trata‑se de uma instituição fundamental para Em termos práticos, a disseminação da agenda da paz
as relações internacionais, cuja importância não pode ser e cooperação era realizada tanto de forma retórica, como
esquecida ou minimizada. A  ausência desta atualização, na atuação das Operações de Paz (PKO) da instituição em
o encolhimento do sistema e a perda de sua credibilidade países recém‑saídos de conflito, em processos de transição
são ameaças reais. O desafio da reforma, da efetividade e política e situações de preocupação humanitária. Durante
da legitimidade da ONU permanece como central na agenda a Guerra Fria, a  polarização entre  EUA  e URSS no CSONU
mundial, devendo ser analisada suas dimensões e possibilida- trouxe entraves ao funcionamento do sistema, que, para
des, assim como a atuação do organismo em termos sociais, muitos analistas, permaneceu congelado durante todo o
políticos estratégicos. período. Entretanto, se haviam empecilhos geopolíticos para
a dinâmica da ONU, o período de 1947 a 1989 foi profícuo
Agenda, Reforma e Estrutura para o crescimento e consolidação do multilateralismo. Este
processo fortaleceu‑se em particular a partir dos anos 1950
Atualmente contando com 193 Estados (dados de acesso com os processos de independência no mundo afro‑asiático
em Agosto de 2012 disponíveis em http://www.un.org/en/ e a ascensão do Terceiro Mundo que ampliaram não só
members/), a  criação da ONU em 1945 representou uma o número de Estados soberanos membros da instituição
significativa alteração dos padrões tradicionais da política como o escopo das prioridades da organização. Dentre estas
internacional focados nas relações interestatais, retomando prioridades, as demandas por democracia, desenvolvimento,
o projeto do idealismo wilsoniano de reordenar o sistema modernização, paz a reciprocidade compunham a agenda do
internacional com base em princípios de legalidade e legiti- Sul, oferecendo alternativas aos blocos Leste/Oeste.
midade. Retomando conceitos como democracia, segurança Para a ONU, o fim da Guerra Fria surgiu como uma opor-
coletiva e a autodeterminação dos povos, a  Carta de São tunidade de escapar aos constrangimentos da bipolaridade,
Francisco amadureceu os preceitos originais dos Quatorze resolvendo o problema de paralisia no CSONU buscando a
Pontos e da Liga das Nações e inseriu novos componentes readequação do organismo às novas realidades do poder
e compromissos na agenda diplomática global. À luz do en-
mundial e prioridades de seus membros, em especial os
cerramento de mais um conflito global, termos como paz,
países em desenvolvimento. Da mesma forma, as  opera-
cooperação, transparência, participação e direitos humanos
ções de paz passariam a assumir um papel cada vez maior.
ganharam relevância crescente. No preâmbulo da Carta da
No geral, como visto, o sistema estaria entrando na “nova
ONU estas determinações, fins e meios são estabelecidos,
ordem mundial”. Porém, até o momento, este processo de
preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra ascensão da ONU tem atravessado momentos de avanços
que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, e retrocessos pelos fatores já delineados. Para avaliar estes
trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; processos, primeiro são abordadas as inflexões da agenda e,
A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do segundo, as reformas estruturais (ainda que sejam simultâ-
homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, neos muitas vezes) que tem se proposto a recriar “o espírito
na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, de São Francisco”.
assim como das nações, grandes e pequenas; Em termos de agenda, o imediato pós‑Guerra Fria apre-
A estabelecer as condições necessárias à manutenção sentou poucos avanços práticos, sendo simbólica do período,
da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de o relatório preparado pelo Secretário‑Geral Boutros- Boutros
tratados e de outras fontes do direito internacional; Ghali (1992/1996) do Egito intitulado Agenda para a Paz. Am-
A promover o progresso social e melhores condi- biciosa, esta proposta de Ghali previa a ampliação das tarefas
ções de vida dentro de um conceito mais amplo de e da atuação da ONU no sistema internacional, ampliando
o escopo das operações de paz para englobar também a
Política e Segurança

liberdade;
E para tais fins, A praticar a tolerância e a viver em diplomacia preventiva, a condução da paz (peacemaking) e
paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a reconstrução pós‑conflito.
A unir as nossas forças para manter a paz e a segu- Esta ampliação das tarefas, contudo, não correspondeu
rança internacionais; a um aumento das capacidades da instituição (financeiras,
A garantir, pela aceitação de princípios e a instituição materiais ou humanas) o que colocou em xeque a sua im-
de métodos, que a força armada não será usada, plementação.
a não ser no interesse comum; O baixo perfil da ONU em crises que eclodiram no perí-
A empregar mecanismos internacionais para promo- odo da Europa (ex‑Iugoslávia) à África (Somália, Serra Leoa)
ver o progresso econômico e social de todos os povos. revelavam as dificuldades reais de estabelecer compromis-

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sos e novas metas entre os Estados membros, envolvidos em apresentado em seu discurso de abertura da 66ª Assembleia
suas demandas nacionais. Igualmente, traziam implícitas as Geral da ONU em Setembro de 2011 e vem suscitando no-
dificuldades de se estabelecer critérios para as intervenções vas avaliações sobre os conceitos. Pode‑se indicar que esta
das Nações Unidas. discussão insere‑se também no âmbito do princípio da não
Em 1994, a partir de um documento do PNUD, tiveram indiferença e o equilíbrio com a soberania estatal.
início as polêmicas discussões sobre o conceito de segurança Em debate na ONU de Fevereiro de 2012, o  Ministro
humana que estabelece critérios sociais e humanitários na Patriota assim sistematiza as linhas gerais da questão,
definição da soberania o que poderia ampliar os casos de
intervenções externas e ingerências. Esta definição abran- O conceito de “responsabilidade ao proteger”
gente de segurança traz desafios às visões tradicionais de baseia‑se nos seguintes princípios fundamentais: a
soberania sustentadas nos pilares clássicos de “território, valorização da prevenção e dos meios pacíficos de
população, governo” para inserir avaliações sobre a capaci- solução de controvérsias; a necessidade de exaurir
dade do Estado de prover bens básicos e essenciais a seus todos os meios não violentos para a proteção de
cidadãos, como saúde, educação, infraestrutura e segurança. civis; a obrigação de que qualquer ação militar seja
Outro tema que pode ser correlacionado neste campo sempre autorizada pelo Conselho de Segurança, li-
de segurança e questões humanitárias envolve o conceito mitada em seus elementos operacional e temporal;
de “responsabilidade de proteger” (responsibility to protect), e a necessidade de monitoramento e avaliação da
que vem se desenvolvendo desde meados do século XXI. implementação das resoluções que autorizem inter-
Dentro da ONU, a iniciativa foi estabelecida a partir de 2005, venções (PATRIOTA, 2012a, s/p).
no contexto do genocídio de Ruanda e da ausência de ação
da comunidade internacional. Os pilares do conceito, e que Assim, trata‑se de discussão em aberto, e  que detém
detêm forte interdependência com os temas de soberania, ramificações nos campos político, militar, estratégico e social.
ingerência e prevenção, indicam como responsabilidades E, tendo em vista estes temas sociais, os anos 1990 foram ca-
do Estado para proteger cidadãos de atrocidades, respon- racterizados pela realização de diversas conferências sociais
sabilidade esta que se estende à comunidade internacional, da ONU (item B na sequência), ao qual também se juntaram
em particular quando este Estado não demonstra ação esforços para a elaboração do relatório de segurança humana
proativa neste sentido. Mecanismos políticos e econômicos da ONU. Em 2003, sistematizando estas preocupações, são
de pressão consistem‑se nos instrumentos preferências da indicados como critérios definidores da segurança humana
comunidade internacional para pressionar estes países que, (em inglês “Human Security‑protecting and empowering
caso não atendidos, podem envolver intervenções militares people”): proteção, acesso ao poder, interdependência e
sob o mandato do CSONU. soberania compartilhada, segurança econômica, saúde,
Todavia, de acordo com o próprio Secretário‑Geral da educação, paz, segurança e desenvolvimento, meio am-
ONU Ban Ki‑moon, este conceito ganhou densidade em 2011 biente, fortalecimento do Estado de direito, democracia e
quando a comunidade internacional deu provas efetivas de boa governança. Este relatório é produzido já na gestão de
ação em cenários identificados como crises humanitárias. Kofi Annan (1997/2006) de Gana, que estabelece três pila-
Segundo o Secretário‑Geral, res prioritários para a pauta da ONU em direção ao futuro:
desenvolvimento, segurança e direitos humanos.
No ano de 2011, houve uma virada positiva na histó- Um tema que pode ser relacionado à segurança huma-
ria. A responsabilidade de proteger amadureceu e o na e ao desenvolvimento foi o lançamento em 2000 das
princípio foi testado como nunca antes. Os resultados Metas do Desenvolvimento do Milênio (MDG‑Millenium
foram desiguais, mas ao fim do dia, salvamos milha- Development Goals) na Cúpula do Milênio. Na prática,
res de vidas. Demos esperança a povos longamente as metas relacionam todos os elementos descritos acima e
oprimidos. Na Líbia, na Costa do Marfim, no Sudão se dividem em oito prioridades que devem ser cumpridas
do Sul, no Iêmen e na Síria, com nossas palavras e até 2015. Apesar de declarações de Annan, e de seu suces-
ações demonstramos que a proteção humana é um sor Ban Ki‑Moon (eleito em 2007 e reeleito em 2011, com
princípio definidos das Nações Unidas no século XXI. mandato até 2016) da Coreia do Sul que indicaram a quase
(SG/SM/14068, 2012, s/p). que impossibilidade de cumprimento da maioria das metas
até 2015, recente relatório sobre as MDGs (2012) aponta
Como se pode perceber pela análise de alguns destes diversas conquistas alcançadas pelo projeto nas áreas de
temas listados pelo Secretário‑Geral, a questão da ação da saúde e direitos femininos. As metas, já citadas ao longo do
ONU nestes cenários demanda maior debate. Tal debate texto, mas que merecem ser recuperadas são:
demonstra‑se relevante na medida em que não existe con- 1. Erradicar a Pobreza Extrema e a Fome.
senso entre os membros da ONU, na Assembleia Geral e no 2. Atingir o Ensino Básico Universal.
CSONU, sobre estas intervenções. O caso da Líbia exemplifica 3. Promover a Igualdade entre os sexos e a autonomia
este dilema, uma vez que houve divergências no CSONU das mulheres.
que, como visto, refletiu‑se na votação da autorização para 4. Reduzir a mortalidade infantil.
intervenção: enquanto os EUA e demais membros da OTAN 5. Melhorar a Saúde materna.
participantes do CSONU votaram a favor da mesma, a Rússia 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças.
Política e Segurança

e a China (além de Brasil, Alemanha e África do Sul como 7. Garantir a sustentabilidade ambiental.
membros não permanentes) expuseram suas reticências. 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvi-
Situação similar ocorre na questão da Síria e na avaliação mento.
dos limites das ações preventivas.
Diante destas questões, e em consonância com a natu- A preocupação com temas relativos ao desenvolvimento
reza recente (e nova) do tema, a Presidente Dilma Rousseff não é inédita no âmbito da ONU, uma vez que desde os anos
propôs que o debate sobre a “responsabilidade de proteger” 1950, os países do Terceiro Mundo procuraram indicar sua
fosse somado a uma discussão sobre a “responsabilidade prioridade. As ações do ECOSOC, da UNCTAD, os esforços
ao proteger” (responsibility while protecting). O  tema foi paralelos do G77 são representativos destes movimentos.

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Porém, a dinâmica da bipolaridade deixava estas ques- momentos no qual existiu intenso debate sobre a reforma
tões em segundo plano, assim como as discussões sobre da ONU, sua agenda e estruturas, por meio das Conferências
meio ambiente e direitos humanos. A ascensão desta agenda, Sociais, discussões dentro da organização sobre seu futuro.
por vezes, é definida como de “novos temas” quando, mna Tal debate, porém, foi gradualmente esbarrando na ausência
realidade, trata‑se de dilemas tradicionais da agenda global, de políticas concretas para implementar os resultados das
mas que não ocupavam a linha de frente dos interesses e da Conferências Sociais e mesmo implementar reformas na
disputa entre as superpotências EUA e URSS. instituição. Além das reticências naturais relativas a temas
A posição do Brasil com relação ao novo conceito de seguran- polêmicos como meio ambiente e direitos humanos que
ça humana e às Metas do Milênio varia entre o apoio aberto dificultam o consenso e agilidade no processo por conta de
(Metas do Milênio) à preocupação (segurança humana) com diferentes percepções, não havia, por parte das lideranças
questões relativas à ingerência e intervenção em Estados principais da organização, e do sistema internacional, uma
soberanos. Esta questão envolve o debate responsabilidade adesão a esta agenda. Neste âmbito, o papel dos EUA tem
de proteger X responsabilidade ao proteger e relativo ao sido ambíguo nos processos.
princípio da não indiferença, como discutido alguns pará- Com isso, apesar da contínua renovação dos termos
grafos acima. Na entrada do século XXI, as MDG’s surgiram da agenda, estruturalmente a ONU continua a representar
como uma tentativa de retomar e avançar temas que haviam mais o pós-1945 do que o pós-1989. Observa‑se, por conta
sido colocados durante as conferências dos anos 1990, mas destas realidades, um esvaziamento de processos na gestão
cuja implementação continuava esbarrando em questões Ban Ki‑moon (2007 em diante até Agosto de 2012), mesmo
econômicas, sociais estratégicas e culturais. com a permanência das demandas pela reforma do sistema
No que se refere às MDGs, a Presidência Lula e a gestão multilateral, tanto político quanto econômico realizadas
do governo Dilma Rousseff a partir de 2011 têm como prio- pelos emergentes.
ridades internas e externas diversos programas relacionados A segunda grande onda por reformas da ONU somente
ao seu cumprimento como: Cidadania e Inclusão Social, Fome ocorreria em 2005, 60º aniversário da organização, a luz dos
Zero, Bolsa Família, o Programa de Erradicação do Trabalho desenvolvimentos da Guerra do Iraque de 2003 e da crise
Infantil (Peti), Brasil Sorridente, Farmácia Popular, Qualisus, do multilateralismo. Na oportunidade, Kofi Annan lidera
Brasil Alfabetizado e o Programa Universidade para Todos uma ofensiva para uma grande proposta de atualização que
(ProUni). englobasse a ampliação do CSONU, a modernização de sua
Além disso, o Brasil ao lado de outros países emergen- administração, o incremento dos esforços contra terrorismo
tes atua em programas de ajuda e cooperação técnica no e proliferação nuclear, o  reforço do conselho de direitos
âmbito Sul‑Sul como analisado no Capítulo 4 (Fundo IBAS, humanos e a reforma conceito de segurança (segurança
parcerias Sul‑Sul), assim como mantém seu papel de porta humana e metas do milênio). Mais uma vez o processo não
voz das demandas sociais e econômicas do Terceiro Mundo avança devido às resistências dos EUA em termos gerais e
na ONU e nas OIGs comerciais e financeiras. Dentre estas, no CSONU acompanhado pela China, permanecendo em
reciprocidade comercial, abertura de mercados, redução compasso de espera.
da dívida e pobreza são algumas prioridades, associadas à Para a diplomacia brasileira e de outras nações que vi-
reivindicação por reformas nas instituições como ressaltado. savam a ampliação do CSONU, contudo, esta segunda onda
Além da ampliação da agenda aqui mencionada, a ONU representou uma mudança de tática a partir da articulação
possui um programa de ajustes estruturais para atualizar do G4. O G4 consiste‑se em uma aliança composta por Brasil,
o organismo a esta pauta renovada, ao reordenamento do Índia, Alemanha e Japão que tem como objetivo a ampliação
poder mundial e às transformações do sistema. do CSONU em seus membros permanentes e não permanen-
Somadas às dimensões específicas de reformas estru- tes. Estes países buscaram seus objetivos conjuntamente e
turais e administrativas, que não serão aqui detalhadas em apesar das idas e vindas da aliança, a mesma mantém‑se
extensão, o foco da preocupação reside sobre o CSONU. ainda em funcionamento e não representou o fim de apro-
O primeiro esforço de reforma, que contou com o apoio ximações bilaterais e da construção de consensos em torno
brasileiro que desde 1993 passou a reivindicar um assento da reforma desenvolvidos pelos Estados membros.
permanente no CSONU, ocorreu em 1995 quando a organi- Devido ao avanço do G4, o  período observou o surgi-
zação completou seu 50º Aniversário. mento ainda de duas novas propostas: a da União Africana
Em 1995, a  tática brasileira era representada pelas e a do Unidos pelo Consenso (Coffee Club). A proposta da
iniciativas da integração nos principais fluxos do sistema, UA é similar a do G4 com a inclusão de 6 novos membros
buscando o reconhecimento da credibilidade nacional e do permanentes, mas demanda concessão do poder de veto
papel relevante desempenhado na América Latina. A parceria de imediata. Os membros da UA representam ¼ dos votos
com os EUA e o bom relacionamento com os países europeus na Assembleia Geral e sua posição é essencial para o enca-
eram trazidos como credenciais, assim como a recuperação minhamento de qualquer reforma na ONU. De 2005 a 2009,
econômica e solidez democrática. Opções similares eram este grupo tem dado sinais de aproximação ao G4, mas sem
desenvolvidas por Japão e Alemanha, outras nações que formalizar abertamente o apoio.
pediam a reforma do CSONU, compatibilizando seu poder A terceira proposta, a do Unidos pelo Consenso opõem‑se
econômico (e suas já significativas contribuições financeiras à introdução de novos membros permanentes e defende a
à organização) com um novo papel político. As resistências criação de 10 novas vagas não permanentes.
Política e Segurança

à reforma no CSONU, a oposição de outras nações a estas O grupo é representado por Paquistão, Argentina, Ca-
candidaturas (Argentina e México ao Brasil, China ao Japão) nadá, México e Itália e percebe a reforma do CSONU e a
e a inércia da Assembleia Geral e dos EUA que poderiam inclusão de outras potências regionais em seu quadro como
comandar o processo levam o processo ao esvaziamento prejudicial aos seus interesses. Das três propostas, esta últi-
e mesmo em termos estruturais e de agenda não existem ma é a que possui menos apoio e gera menos consenso visto
progressos significativos. que pouco altera do arcabouço institucional do conselho e
O final da gestão Ghali e o início de Annan são caracteri- seu funcionamento (preserva o status quo). Finalmente,
zados por dificuldades similares em lidar com este desafio e permanece um grande questionamento sobre o papel da
os dilemas sociais e políticos da instituição. Todavia, foram UE no processo na eventualidade da solidez da PESC e como

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isso se combinaria com as cadeiras europeias já existentes de econômico (clivagem Norte‑Sul) e particularidades culturais e
França e Grã‑Bretanha que dificilmente abririam mão de suas religiosas. Prescrições genéricas e documentos abrangentes
posições ou a demanda alemã. Deste então, novas perspec- também são apontados como fatores de insucesso. Com isso,
tivas de reforma foramcolocadas com base na expectativa de diversas recomendações destas conferências e negociações
ações da administração Obama e da consolidação do poder subsequentes não foram implementadas ou apenas o foram
político‑econômico dos emergentes. Similar expectativa ha- parcialmente. Para Alves,
via sido atribuída ao novo Secretário Ban Ki Moon, associada
ao processo de moralização da ONU e combate à corrupção (...) as conferências da década de 1990 podem pro-
(uma das grandes controvérsias da Era Annan e foco de vocar sentimentos variados de frustração e nostalgia,
disputa com os EUA). Até Agosto de 2012, porém, ainda mas não necessariamente de derrota (...) Se estes
não existiram sinais concretos de mudanças substantivas documentos
na agenda ou em seu ritmo. Independente da AG defender (...) forem redescobertos e apreciados em seu devido
a reforma, enquanto os membros permanentes do CSONU valor podem voltar a configurar, pelo menos, um
não fecharem compromisso com esta agenda, os avanços se manual de esperanças (...) talvez (...) de referência
mostram difíceis. Como citado, a gestão Ban Ki‑moon não para a ação cooperativa. (ALVES, 2001, pp. 40-41).
tem sido caracterizada pela prioridade à reforma da ONU,
razoavelmente estagnado. Sobre o tema específico da refor- A partir dessa citação, inclusive, é possível identificar o
ma do CSONU, o Ministro Patriota avalia que maior mérito e progresso destas discussões: o estabeleci-
mento de referências para orientar o debate internacional
(...) são alguns nós. Mas o essencial em um esforço de e sinalizações positivas para a mudança de política de alguns
simplificação, eu diria que se houvesse um consenso Estados, dentre eles o Brasil. Mesmo que a aplicação das
entre os cinco membros permanentes (EUA, Rússia, recomendações possa não ser generalizada ou universal, ou
China, França e Reino Unido), provavelmente a re- ocorrer de forma homogênea, a sua adoção gradual indica a
forma se resolveria dentro de um prazo curto (...) O possibilidade de seu fortalecimento. Fornece‑se, assim, uma
mais reticente dos cinco, neste momento, é a China moldura, uma estrutura para o encaminhamento do debate,
(...) Mas até pouco tempo atrás os EUA eram muito demonstrando a relevância dos temas. A  reincorporação
destas preocupações nas MDGs, a continuidade dos encon-
reticentes. (PATRIOTA, 2011d).
tros de alto nível sobre meio ambiente, ações individuais
compõem este quadro complexo.
Assim, do ponto de vista brasileiro, o compromisso com
As principais Conferências, nesta década inicial, foram:
a reforma abrangente da ONU permanece. Em Outubro de a Cúpula Mundial sobre a Criança, 1990, Nova Iorque; a
2009 o país foi eleito mais uma vez para ocupar uma cadei- Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e
ra de membro não permanente no CSONU, cumprindo o Desenvolvimento, Rio 1992; a Conferência Mundial sobre
mandato para o biênio 2010/2011 (o Brasil foi eleito com Direitos Humanos, Viena, 1993; a Conferência Internacional
182 votos). Deve‑se destacar que, ao lado do Japão, o Bra- Sobre População e Desenvolvimento, Cairo, 1994; a Cúpula
sil é a nação que mais integrou o CSONU como membro Mundial sobre o Desenvolvimento Social, Copenhague, 1995;
não permanente (os períodos anteriores são 1946/1947, a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Pequim, 1995; a
1951/1952, 1954/1955, 1963/1964, 1967/68, 1988/89, Conferência das Nações Unidas Sobre Assentamentos Hu-
1993/94, 1998/99 e 2004/2005). manos (Habitat II), Istambul, 1996, a Conferência do Milênio
A pauta brasileira de apoio ao multilateralismo associa- (2000), a Conferência Mundial contra o Racismo, Discrimina-
da à defesa da atualização das OIGs e da compatibilização ção Racial e Intolerância de Durban, 2001. Do ponto de vista
com o novo quadro de poder mundial e as demandas dos brasileiro, como indica Arraes (2006), houve a incorporação
emergentes e dos PMDRs permanece prioritária na agenda de diversas recomendações destas reuniões em documen-
de relações internacionais, assim como os compromissos tos como o Estatuto do Idoso, a atualização do Estatuto da
nacionais nas áreas sociais, de operações de paz, proliferação Criança e do Adolescente dentre outros. A firme atuação na
e segurança. defesa das MDGs faz parte desta dinâmica, que se reflete em
políticas sociais diferenciadas no âmbito doméstico a partir
AS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS de 2003. Embora não seja possível detalhar as dimensões da
atuação brasileira em todas estas conferências, é importante
ressaltar na participação ativa do país nas mesmas com base
Durante a Guerra Fria, o  predomínio das questões de
em sua identidade de nação em desenvolvimento e com
segurança na agenda internacional colocou em segundo
vantagens comparativas em determinados setores como o
plano as discussões sobre temas sociais, que, na base da ambiental. Nesse campo, duas áreas de atuação são simbóli-
fundação da ONU, eram considerados prioritários para a cas, compromisso e assertividade nacional: o meio ambiente
reestruturação do sistema internacional no pós-1945. Tais e direitos humanos.
discussões aconteciam paralelamente ao conflito bipolar,
mas mesmo assim progressos foram alcançados com docu-
O Meio Ambiente
mentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem
em 1948 e a realização de Conferências neste campo, assim
Política e Segurança

No que se refere ao meio ambiente, a evolução do tema


como no de meio ambiente. Em 1989, o descongelamento e da posição brasileira é significativa desde a primeira Con-
da política mundial trouxe um novo foco a estas questões, ferência de Estocolmo em 1972. O encaminhamento dessa
intensificando a realização das conferências e a preocupação Conferência inicia‑se a partir de 1968 com a aprovação da
com a implementação de medidas renovadas nessas áreas, resolução 2938 pela Assembleia Geral da ONU que indicava
que se estendem ao século XXI. a importância da discussão de temas ambientais e os impac-
Em um balanço realista, progressos e ausência de avanços tos humanos sobre seu habitat. Esta reunião foi o primeiro
foram observados. A ausência de avanços remete a diferentes passo para que o meio ambiente passasse a ser pensado de
fatores relacionados ao Estado Nacional: demandas geo- forma sistemática no contexto das relações internacionais.
políticas, soberania e interesse nacional, desenvolvimento Apesar do contexto político‑estratégico da Guerra Fria e as

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divergências entre os países desenvolvidos e em desenvolvi- Com a publicação do Relatório Brundtland, em 1987,
mento terem marcado as discussões, Estocolmo representou surge uma definição do conceito de desenvolvimento
um salto qualitativo no debate. Como aponta Lago (2006), sustentável com ampla aceitação, que se tornaria
até esta Conferência, o  tema ambiental restringia- se a quase “oficial”: “desenvolvimento sustentável é
preocupações fragmentadas na sociedade civil dos países desenvolvimento que atende às necessidades do
ricos, principalmente europeus, havendo ainda a produção presente sem comprometer a capacidade das gera-
de estudos no âmbito do Clube de Roma (crescimento zero). ções futuras de atender suas próprias necessidades”
Faltava, contudo, uma visão abrangente das discussões que (LAGO, 2006, p. 56).
envolvessem as nações e que chamassem a atenção para
os limites ambientais. A  posição brasileira e dos demais A lógica desta interação sustentava‑se na defesa do
países em desenvolvimento naquele momento dos anos desenvolvimento como essencial para a erradicação da
1970 refletiu, segundo Lago, o  choque entre as metas de pobreza, modernização e melhoria das condições de vida
crescimento e modernização e a proposta do crescimento da população mundial, mas com a simultânea preocupação
limitado ou zero nos desenvolvidos. A posição brasileira foi em não esgotar ou destruir recursos naturais no processo.
defensiva no sentido de preservar o projeto de desenvolvi- O objetivo era compatibilizar a preservação do meio ambien-
mento e assertiva nas discussões sobre temas sensíveis de te com a melhoria de condição de vida humana, tornando‑as
controle demográfico, conservacionismo e bens comuns. indissociáveis.
Como aponta o autor, o  país demandava discussões mais Adicionalmente, o relatório procura atender de forma
democráticas e que levassem em conta as diferenças entre equilibrada as diferenças entre países do Norte e do Sul. Ou-
as realidades Norte‑Sul. tro resultado foi o estabelecimento do Painel Intergoverna-
Apesar de sua moderação na busca destas demandas, mental sobre Mudança Climática que a partir de 1988 (IPCC)
Lago indica que a posição do país acabou sendo interpretada iniciou estudos sobre o impacto da emissão dos gases estufa
dentro e fora de casa como negativa, o que até a Rio-1992 foi sobre o meio ambiente. Tais estudos tiveram sequência ao
associada à imagem do país como “vilão ambiental”. longo do período que precedeu a Rio-1992 e serviram de
Como resultados de Estocolmo foram estabelecidos um fundamento para a negociação de uma Convenção Quadro
Plano de Ação no qual estavam contempladas questões como sobre o tema.
redução da poluição, emissão de CFC, lixo tóxico e o desafio
A partir deste relatório, a  realização de uma segunda
de administrar os bens comuns da humanidade (Common
conferência nos moldes de Estocolmo foi retomada, com o
Heritage of Mankind). No âmbito desses bens, o maior desa-
Brasil, ainda sob o foco pesado de acusações de destruição
fio é a definição do que limita um bem comum e a soberania
do meio ambiente, oferecendo‑se para realizá‑la, contando
nacional, tema que interessa particularmente os países que
com o apoio dos demais países em desenvolvimento.
detêm relevantes patrimônios ambientais como é o caso
O contexto político‑estratégico é o do fim da Guerra Fria
do Brasil (Floresta Amazônica, Aquífero Guarani). O núcleo
e o da redemocratização, com o país buscando sua reinserção
do problema relaciona‑se à equação: proteger, usufruir e
internacional. A contrapartida interna foi a criação do Insti-
compartilhar estes recursos, com respeito à soberania e ao
sistema global. Outro desafio era o da correlação entre as tuto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
previsões científicas e realidade, debate intenso que per- Renováveis (IBAMA, 1989) e do Ministério do Meio Ambiente
manece até os dias de hoje referente à comprovação dos (MMA, 1992) como aponta Lago.
custos ambientais: isto é, se as previsões são sustentadas Por conta destes fatores, a Conferência das Nações Uni-
em dados concretos ou apenas especulações sem certeza das Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio 1992 ou
científica ou hipóteses. Para lidar com estes desafios, foi ECO-1992 (UNCED) deve ser vista como um marco.
estabelecido o Programa das Nações Unidas para o Meio As questões ambientais ganham maior dimensão ex-
Ambiente (PNUMA, UNEP na sigla em inglês). Nos anos 1980, terna e a diplomacia assume uma posição mais ofensiva e
estes esforços produziram importantes regimes no campo o Brasil um papel de vanguarda ambiental. Não só o Brasil,
ambiental sobre a camada de ozônio (Convenção de Viena de mas outros países em desenvolvimento tornam‑se mais
1985 e Protocolo de Montreal de 1987), proibindo a emissão assertivos neste campo, introduzindo‑o como elemento de
de CFCs (clorofluorcabonos), gases correlatos e estudos sobre suas demandas e reivindicações a partir de seu olhar do Sul.
sua substituição por produtos menos nocivos. Anteriormen- Esta assertividade consiste‑se de dois elementos: a defesa
te, em 1982, já havia sido estabelecida a Convenção das de sua soberania e direito ao desenvolvimento no que se
Nações Unidas Sobre Terra e Mar, além de acordos sobre a refere ao meio ambiente e a uma crítica aos padrões sociais,
exploração de regiões como a Antártica. Ainda sobre estes produtivos e energéticos dos desenvolvidos que causaram
regimes e bens comuns, consolidou‑se a argumentação da a devastação prévia, defendendo uma reforma abrangente.
“tragédia dos comuns” sobre a possibilidade de destruição Paralelamente à Rio 1992, realiza‑se o Fórum Global, com
e esgotamento destes bens. Outro produto da evolução o significativo envolvimento da sociedade civil, ONGS, em-
destas discussões foi a publicação do Relatório Brundtland presariado, grupos de interesse fazem parte dos debates.
em 1990 (“Nosso Futuro Comum”), preparado pela Comissão Os resultados da Rio-1992 são significativos em termos
Mundial da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de acordos e cronogramas, definindo os rumos do debate
(Comissão Brundtland) chefiada pela Primeira‑Ministra da ambiental desde então, apesar de permanecerem cisões
Noruega, Gro Harlem Brundtland. O salto qualitativo deste Norte‑Sul e as dúvidas sobre os méritos científicos de
Política e Segurança

relatório, apesar de sua fria recepção no Sul, como aponta descobertas e previsões. Entretanto, foi possível atingir
Lago, foi o estabelecimento do conceito de desenvolvimento um consenso entre os eixos, com ênfase crescente em pre-
sustentável. ocupações sociais. A  equação “responsabilidade comum,
O conceito buscava responder às críticas destes países demandas diferenciadas” esteve na base da construção dos
quanto à não consideração de suas demandas por cresci- consensos, diferente da assimetria de pressões e resistência
mento econômico em choque com o desejo de preservação que caracterizara Estocolmo.
ambiental, revendo o conceito de desenvolvimento. Esta Os principais debates referem‑se ao tema da mudança
revisão foi sustentada na interação de três pilares: economia, de clima e o aquecimento global, a biodiversidade e o desen-
sociedade e desenvolvimento. volvimento sustentável. A clivagem Norte‑Sul manteve‑se ao

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longo da reunião, assim como as reticências norte‑america- indígenas, ONGs, sindicatos, academia, etc.); e Seção
nas em assumir metas e compromissos concretos. 4: meios de implementação, dividida em a) recursos e
Os resultados que puderam ser alcançados foram signifi- mecanismos financeiros; b) tecnologia; c) instituições
cativos, estabelecendo os parâmetros das futuras discussões e d) instrumentos jurídicos. (LAGO, 2006, p. 76).
ambientais até os dias de hoje, democratizando o debate.
Sintetizando estes resultados, foram estabelecidos: – Estabelecimento da Comissão para o Desenvolvimento
– a Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente – representa Sustentável (CDS) no ECOSOC para verificar o desen-
um relatório final do encontro no qual são estabe- volvimento e cumprimento das resoluções da UNCED;
lecidos vinte e sete princípios relacionados ao meio – Criação do Global Environment Facility Fund;
ambiente, governança, soberania e responsabilidade – Convenção Quadro Sobre Mudança do Clima – prece-
social, dentre outros. Também encaminha as demais dida pelo IPCC e as Conferências Climáticas de 1978
conquistas em forma de documentos e convenções e 1990 que lançaram os estudos e negociações sobre
abaixo descritas; a questão. O estabelecimento da Convenção‑Quadro
– a Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) – que consolida as preocupações da comunidade interna-
visa a “conservação da biodiversidade, o uso sustentá- cional com a mudança de clima gerada pela emissão
vel de seus recursos; e a repartição justa e equitativa de gases estufa. O  polêmico tema do aquecimento
dos benefícios derivados da utilização destes recursos” global e suas consequências como elevação dos níveis
(LAGO, 2006, p. 75). dos mares, intensificação de fenômenos climáticos
Bastante sensível, este tema envolve a inter‑relação (furacões, tufões) desertificação e oscilações do clima
entre propriedade intelectual, o que define um bem encontram‑se no núcleo das discussões.
comum ou um bem de um Estado soberano. Detentor
de cerca de 20 a 25% da biodiversidade global, o Brasil Cercada por intenso debate, a  Convenção‑Quadro
marcou claramente suas posições na defesa da sobe- apenas consolidou compromissos para a discussão futura
rania nacional para a exploração destes recursos de entre as partes uma vez que a emissão de gases estufa está
forma sustentável. diretamente relacionada ao desenvolvimento e produção
Paralelamente envolve a discussão sobre os transgêni- industrial. A redução da emissão liga‑se às perspectivas de
cos (OGM – organismos geneticamente modificados) crescimento interno, tema muito sensível na política interna
e seus impactos ambientais e a legislação que deve de países desenvolvidos e em desenvolvimento uma vez que
regê‑los; afeta níveis de emprego e matrizes de consumo e produção.
– Convenção do Combate à Desertificação – referente ao Os maiores oponentes ao estabelecimento de metas para
processo acelerado de desertificação de vastos territó- redução das emissões foram os norte‑americanos.
rios – a Declaração dos Princípios Sobre Florestas – re- Estas negociações entre os países signatários passaram a
ferente ao usufruto das florestas, envolve a temática do ser realizadas nas Conferências das Partes (COP). A primeira
desenvolvimento sustentável e da soberania. Segundo COP (COP-1) foi realizada em Berlim, perfazendo, até Agosto
Lago, representou divergência fundamental entre os de 2012, um total de 17 de Conferências anuais, com pre-
países em desenvolvimento e desenvolvidos, uma vez visão da realização da 18ª em Dezembro de 2012 em Doha
que os primeiros temiam a ingerência externa sobre (neste texto somente destacaremos algumas das COP mais
seu território e patrimônios. As florestas relacionam‑se relevantes e as Conferências pós-1992).
ao tema da mudança de clima e emissão de CO2. Para o Apesar das controvérsias permanentes nas COP, e nas
Brasil trata‑se de questão fundamental dada a Floresta reuniões e encontros preparatórios que as antecedem,
Amazônica e as acusações que pesam, ainda, sobre o o primeiro grande compromisso para a Mudança de Clima
país de desmatamento da região (com algumas cor- foi alcançado em 1997 com o Protocolo de Quioto à Con-
rentes defendendo que a mesma se torne patrimônio venção‑Quadro das nações Unidas sobre Mudança de Clima.
global, contencioso recorrente e tema de preocupação Conhecida como Rio +5, a Conferência de Quioto (COP-
nacional); 3) não eliminou algumas importantes divergências entre o
– Agenda 21 – correlaciona desenvolvimento sustentável Norte e o Sul com relação à emissão de gases estufa e suas
e meio ambiente em uma visão de caráter abrangente metas de redução, o conceito de desenvolvimento e o papel
e humanista, consistindo‑se em, das florestas (e do desmatamento) nestas emissões.
As controvérsias, porém, não impediram a conclusão
um programa de ação que atribui novas dimensões das negociações que resultaram no Protocolo que estabe-
à cooperação internacional e estimula os governos, leceu como principal objetivo a redução da emissão dos
a sociedade civil e os setores produtivo, acadêmico gases estufa “em pelo menos 5% abaixo dos níveis dos anos
e científico a planejar e executar juntos programas 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012” visando
destinados a mudar as concepções tradicionais de controlar o processo de mudança climática. Processos cor-
desenvolvimento econômico e de proteção do meio relatos associados a este controle foram a prioridade a ser
ambiente. O documento está organizado em quatro atribuída à eficiência energética e a busca de alternativas às
seções (...) Seção 1: as dimensões social e econômi- matrizes existentes e o desenvolvimento sustentável. Cada
ca do desenvolvimento sustentável (dois dos três país, conforme sua participação quantitativa nas emissões e
Política e Segurança

pilares do desenvolvimento sustentável); Seção 2: condição (desenvolvido ou em desenvolvimento) possui uma


gestão dos recursos naturais para o desenvolvimen- quota máxima de emissões e, a partir desta quota, busca a
to sustentável (terceiro pilar do desenvolvimento redução estimada acima em 5%.
sustentável), dividida em a) proteção da atmosfera, Para facilitar a implementação desta meta e respeitar
b) desertificação e seca, c) oceanos, d) água doce, as especificidades e necessidades nacionais foram estabe-
e) resíduos, f ) diversidade biológica e g) combate lecidos mecanismos flexíveis: a troca de emissões interna-
ao desflorestamento; Seção 3: fortalecimento dos cionais, que autoriza que países troquem suas emissões
grupos sociais na implementação do objetivo do entre si, permitindo que países que não utilizem toda a sua
desenvolvimento sustentável (mulheres, crianças, quota prevista de emissões vendam o seu excedente a ou-

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tros que necessitam de limites maiores e o Mecanismo de Rio +20 foi realizada, no âmbito da sociedade civil, a Cúpula
Desenvolvimento Limpo (MDL) e implementação conjunta, dos Povos, que congregou movimentos sociais diversos,
cujo objetivo é incentivar projetos que visem a redução das organizações não governamentais, dentre outros setores
emissões a partir da criação de créditos de carbono (medi da sociedade civil.
das compensatórias como plantação de árvores, melhor Analisando especificamente o processo que culminou
utilização de recursos naturais fazem parte desta lógica). em Junho/2012 na realização da Conferência, destaca‑se o
No caso brasileiro, o país assinou o Protocolo em 1998, documento “Esboço Zero” de Janeiro/2012, “O Futuro Que
sua ratificação ocorreu em 2002 e a sua implementação Queremos”. Neste texto, foram indicadas as linhas de ação
iniciou‑se a partir de 2002. Grandes países emissores como prioritária para debate na conferência e que resultaram
China, Rússia, Japão e membros da UE também se com- na versão final do documento, lançada no encerramento
prometeram com o Protocolo, mas não tem cumprido suas do encontro. Para isso, o documento é composto de cinco
metas na maioria das vezes. O grande ausente do Protocolo capítulos, “Nossa Visão Comum”, “Renovação de Compro-
continua sendo os EUA, o maior emissor de gases estufa, misso Político” (no qual se reafirma o engajamento político
que até o momento não ratificaram o Protocolo apesar de o de governos e sociedades com as conversações ambientais
terem assinado em 1998. Em 2002, este tema, assim como as iniciadas em Estocolmo, 1972), “Economia Verde em um
permanentes clivagens Norte‑Sul e o contexto do unilateralis- Contexto de Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da
mo da administração Bush filho (e também da GWT) levaram Pobreza”, “Estrutura Institucional para o Desenvolvimento
ao esvaziamento da Rio +10 realizada em Johannesburgo na Sustentável”, “Estrutura Para Ação e Acompanhamento” e
África do Sul. Apesar deste esvaziamento, que se estendeu a “Meios de Implementação”. Especificamente, as linhas de
ausência de compromissos dos principais emissores, as COPs ação prioritária que orientam o documento são:
continuaram sendo realizadas, em meio a questões especí- – Erradicar a pobreza é o maior desafio global enfren-
ficas referentes ao cumprimento do Protocolo de Quioto. tado pelo mundo nos dias de hoje e um elemento
Igualmente, deu‑se início à realização das Conferências das indispensável para o desenvolvimento sustentável.
Partes referentes à Convenção de Diversidade Biológica Neste campo, estamos comprometidos em libertar a
(MOP-1) a partir de Montreal 2005. humanidade da pobreza e da fome de forma urgente.
No geral, porém, o processo sofreu razoável estagnação – Reconhecemos a necessidade de ampliar o desenvol-
desde então, mesmo sendo considerada a Rio +20 realizada vimento sustentável em todos os níveis, integrando
em Junho de 2012 (e as COPs anteriores). No caso, em termos aspectos econômicos, sociais e ambientais, e reconhe-
de período recente, havia a expectativa de que estes entraves cendo sua interdependência para atingir o desenvol-
poderiam ser superados a partir de 2009 com a posse da nova vimento sustentável em todas as suas dimensões.
administração democrata nos EUA. A COP-15 (Copenhagen), – Reconhecemos que a erradicação da pobreza, a mu-
de Dezembro de 2009, foi, assim, tomada como um possível dança de padrões de consumo e produção sem sus-
novo ponto de partida. tentabilidade (...) a administração da base natural de
A base para estas avaliações sustentava‑se em decla- recursos de desenvolvimento econômico e social são
rações de 2008 do então candidato Barack Obama que em os objetivos abrangentes e requisitos essenciais para o
sua pauta de campanha presidencial, havia dedicado signi- desenvolvimento sustentável (THE FUTURE WE WANT,
ficativa atenção à agenda ambiental (aquecimento global, 2012, p.1).
biocombustíveis, atualização da matriz energética foram
alguns dos temas priorizados pelo então candidato). Todavia, Apesar desta amplitude do texto, o mesmo foi criticado
a retórica da Casa Branca neste setor não se traduziu em pela Cúpula dos Povos em sua declaração e setores ligados
medidas práticas. ao movimento ambiental. De acordo com estas correntes,
Em sua realização, a COP-15 apresentou o mesmo padrão ao não propor novas metas concretas ou definir demandas
das conferências anteriores, de ausência de compromissos, políticas mais claras, o documento não superava o quadro
que se estendeu nas reuniões seguintes. Em tal contexto, per- de estagnação das negociações ambientais.
maneceram as cisões Norte‑Sul, a ausência de compromissos Da mesma forma, foi apontado que a reunião haveria
concretos dos EUA, com o encontro ocorrendo ainda em um sido esvaziada pela ausência dos chefes de Estado das prin-
momento de crise econômica dos países do núcleo ocidental. cipais economias industrializadas, tanto do Norte quanto do
A reunião de Copenhagen marca, igualmente, o surgimento Sul. A Cúpula, segundo estas visões, encontrara limitações
do BASIC como grupo negociador (Brasil, África do Sul, Índia derivadas da crise econômica e das divergências no setor
e China) em questões ambientais, cuja parceria desde então ambiental, que não pode superar, preservando a paralisia do
tem se estendi do a outras áreas (e que se sobrepõem e se processo. Entretanto, como destacado, é necessário indicar
soma a outros grupos como o IBAS, BRICS e diversas alianças que a Rio +20 estabeleceu marcos para as negociações fu-
de geometria variável). turas e objetivos que precisam ser atingidos, inclusive como
A sombra da crise permaneceu sob as demais COP’s, parte da reforma das estruturas de governança globais e de
assim como se estendeu até 2012 na realização da Rio +20, criação de projetos para superação da pobreza e desigual-
a  Conferência das Nações Unidas para Desenvolvimento dade econômica.
Sustentável. Entretanto, esta Conferência realizada mais É preciso lembrar que as dificuldades enfrentadas pela
uma vez na cidade do Rio de Janeiro trouxe avanços em Rio+20 não diferem de problemas de trancamento de pauta
Política e Segurança

termos de estabelecer uma pauta de prioridades para o e estagnação que afligem todo o sistema multilateral (como
encaminhamento das discussões. Assim como na Rio-92, discutido no item A no que se refere à ONU de forma abran-
a participação das nações do Sul foi significativa, e marcos gente e nos demais itens C e D em setores como segurança
do processo anterior como a Agenda 21 demonstraram sua e economia). A  interdependência entre a agenda social,
permanente relevância nas discussões. Ainda que os EUA, a econômica e a ambiental, e a pressão doméstica, dificultam
representados na Conferência pela Secretária de Estado o encaminhamento de negociações de uma forma linear,
Hillary Clinton, tenham declarado o evento como prioritário não restrita a um ou outro setor. Quanto mais os temas
no setor ambiental, os compromissos foram poucos, apesar envolvidos detiverem impactos imediatos sobre questões
da retórica positiva mais uma vez. Igualmente, paralela à internas, mais limitações encontrarão em conversações que

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demandam perspectivas de médio e longo prazo, diante 1985 a 1989 – transição sob a gestão de Sarney;
de demandas eleitorais, de grupos de interesse e disputas 1990 a 1994 – adesão aos instrumentos internacionais
partidárias. Nestas situações, aplica‑se com clareza o termo (Collor e Itamar);
intermestics a diversas esferas multilaterais, por mesclarem 1995 ao atual – período de valorização do sistema inter-
preocupações “international” (externas) e “domestics” (in- nacional de promoção e proteção aos Direitos Humanos, com
ternas) dos governos. impactos na política interna e externa correspondente aos
Em seu discurso de encerramento da Conferência, mandatos dos Presidentes FHC e Lula.
a  Presidente Dilma aborda estes desafios, apresentando
uma perspectiva pragmática e gradualista com relação ao Focando na fase contemporânea, obteve papel de
Documento final da Rio +20 e as negociações multilaterais destaque na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos,
no setor ambiental. Em termos gerais, segundo a Presidente: Viena, em 1993 (que produziu a Declaração e Programa de
O documento “O Futuro que Queremos” torna‑se, hoje, Ação de Viena), e nas correlatas já citadas, em particular a
um marco no conjunto dos resultados das Conferências das do Desenvolvimento Social em Copenhagen e as respectivas
Nações Unidas ligadas ao Desenvolvimento Sustentável. Um conferências ambientais como visto. Outro desenvolvimento
passo histórico foi dado em direção a um mundo mais justo, relevante no campo externo foi a Conferência de Roma em
equânime e próspero, para que a pobreza seja erradicada e o 1998 que lançou as bases do Tribunal Penal Internacional
meio ambiente protegido. O documento que nós aprovamos permanente, ao qual os EUA se opõem. Sobre este papel
hoje não retrocede em re lação às conquistas da Rio, não brasileiro, Alves comenta que,
retrocede em relação à Cúpula de Joanesburgo de 2002, não
retrocede em relação a todos os compromissos assumidos o Brasil passou a atuar ainda mais diretamente em
nas demais conferências das Nações Unidas. Ao contrário, vários dos órgãos de implementação e controle das
o  documento avança e muito, mostrando a evolução das recomendações e normas internacionais, contando
concepções compartilhadas de desenvolvimento sustentável. com brasileiros entre personalidades escolhidas
Lançamos as bases de uma agenda para o século XXI. Toma- pela ONU em grupos que se reúnem para discutir o
mos decisões importantes e quero ainda uma vez ressaltar seguimento de Durban e como membros eleitos na
algumas delas. (ROUSSEFF, 2012, s/p). Subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos
Humanos, no CERD, no Comitê dos Direitos da Crian-
Em termos de prioridades de agenda e discussões, ça, no CEDAW, na Corte Interamericana de Direitos
Humanos, na Comissão Interamericana de Direitos
Trouxemos a erradicação da pobreza para um centro Humanos e no Tribunal Penal Internacional. (ALVES,
do debate sobre o futuro que queremos, em con- 2008, p. 200).
sonância com a proteção e o respeito aos direitos
humanos fundamentais. Criamos os Objetivos de De- Em Viena, de acordo com Alves, os  principais temas
senvolvimento Sustentável para dar foco e orientação de debate foram a universalidade dos direitos humanos,
aos nossos esforços coletivos. O foro de alto nível que a  legitimidade do sistema internacional de proteção aos
foi instituímos coordenará os trabalhos das Nações direitos humanos, o direito ao desenvolvimento, o direito
Unidas no campo  da sustentabilidade, inclusive, à autodeterminação e o estabelecimento da inter‑relação
assegurando a implementação desses objetivos (...) entre democracia desenvolvimento e direitos humanos
Vamos também desenvolver o indicador mais ade- (ALVES, op. cit p. 107). Outras áreas relevantes trabalhadas
quado do que o PIB para medir o desenvolvimento foram: a indivisibilidade dos direitos, a regulação dos direi-
incorporando, também, critérios sociais e ambientais. tos humanos em situações de guerra (aprofundando- -se
Adotamos o Plano Decenal de Produção e Consumo as Convenções de Genebra de 1949 e 1951), os  direitos
Sustentáveis. (ROUSSEFF, 2012, s/p). humanos da mulher, os direitos humanos de grupos e cate-
gorias vulneráveis, racismo e xenofobia, a atuação das ONGs,
Em um balanço final, o campo de ação do Alto Comissariado das Nações Unidas
Para Refugiados (ACNUR) e do Tribunal Penal Internacional
Como dissemos desde o início de nossos trabalhos, (TPI) e a racionalização do sistema (ALVES, 2001).
a Rio+20 é um ponto de partida. É o alicerce de nos- No campo doméstico, demonstrando seu cumprimento
so avanço. Não é o limite, nem tampouco o teto do destas resoluções e adesão aos princípios, uma importante
nosso avanço. Iniciamos, sim, hoje, aqui na Rio+20, ação foi o lançamento em 1996, do Programa Nacional de
uma caminhada. (ROUSSEFF, 2012, s/p). Direitos Humanos (PNDH), juntamente com a Secretaria de
Estado de Direitos Humanos em 1997. Como ressaltado a
Trata‑se, portanto, de um desafio que permanece em ênfase em programas sociais do governo Lula e as suas ini-
aberto, e  um setor no qual o Brasil tem desempenhado ciativas correspondentes de cooperação Sul‑Sul inserem‑se
relevante papel desde a década de 1970. neste quadro de avanço dos compromissos nacionais. Toda-
via, o Brasil e outros países em desenvolvimento continuam
Os Direitos Humanos sendo alvo de críticas dos países desenvolvidos neste campo,
principalmente vindas de ONGs e dos EUA (relatórios perió-
Política e Segurança

Outra questão fundamental e sensível para o Brasil no dicos do Departamento de Estado). A questão envolve temas
campo dos temas sociais e conferências internacionais é o sensíveis como o já abordado sobre segurança humana e a
dos Direitos Humanos, cuja evolução é similar à ambiental. relação soberania e ingerência externa.
De uma ação defensiva nos anos 1970 e 1980, o processo de A politização de elementos culturais e religiosos dos
redemocratização insere um componente de assertividade e anos 1990 e a ascensão dos fundamentalismos de todas as
fundamento na ordem internacional. De acordo com Alves origens colocam desafios ao objetivo de universalização dos
(cf. 2008, p. 187), quatro períodos podem ser identificados direitos. A partir de teses controversas como a do Choque
na evolução da posição brasileira sobre direitos humanos e das Civilizações, o debate tende a polarizar‑se em torno dos
sua participação no Conselho de Direitos Humanos (CDH): chamados “valores ocidentais” e “valores orientais”, o que
1978 a 1984 – período conservador; dificulta a implementação de muitas resoluções nestas áreas.

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Os direitos femininos são um dos mais sensíveis nesta área, criadas pelas principais nações do mundo com o objetivo
assim como o da escolha sexual e o das minorias étnicas, de trabalhar em comum para o pleno desenvolvimento das
religiosas em geral. Apesar destas dificuldades, como destaca diferentes áreas da atividade humana: política, economia,
o Embaixador, saúde, segurança, etc.
Essas organizações podem ser definidas como uma so-
A preocupação com os direitos humanos está hoje ciedade entre Estados. Constituídas por meio de tratados ou
refletida nos mandatos de quase todas as Organi- acordos, têm a finalidade de incentivar a permanente coo-
zações Internacionais. O  respeito a esses direitos peração entre seus membros, a fim de atingir seus objetivos
é percebido como indispensável para a busca dos comuns. Atuam segundo quatro orientações estratégicas:
ideais da paz e para a promoção do desenvolvimento. • adotar normas comuns de comportamento político,
(AMORIM, 2009). social etc. entre os países‑membros;
• prever, planejar e concretizar ações em casos de ur-
Complementando esta avaliação, Patriota (2011) afir- gência (solução de crises de âmbito nacional e inter-
ma que, nacional, originadas de conflitos diversos, catástrofes
etc.);
estamos construindo sobre uma base já estabelecida, • realizar pesquisa conjunta em áreas específicas;
os direitos humanos compreendem valores econômi- • prestar serviços de cooperação econômica, cultural,
cos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos. médica etc.
Os avanços do Brasil na política da diplomacia com
relação aos direitos humanos têm muito a ver com Vejamos algumas das mais importantes organizações
a situação doméstica deste país. E  os avanços do internacionais:
Brasil nos últimos anos foram muito significativos,
mas ainda permanecem desafios importantes. (...) ONU – Organização das Nações Unidas
Há outro aspecto que eu acho que entra em Direitos
Humanos: combateu‑se a pobreza como nunca antes Criada pelos países vencedores da Segunda Guerra Mun-
e num ritmo mais acelerado. dial, visa manter a paz e a segurança internacionais. Proíbe o
Isso envolve direitos humanos, direito a uma vida uso unilateral da força, prevendo, contudo, sua utilização –
digna, ao emprego, à educação, condições salubres individual ou coletiva – para defender o interesse comum
de vida. A partir disso cria‑se uma base muito positiva dos seus países‑membros. Pode intervir nos conflitos não só
para se defender no plano internacional que, se nós para restaurar a paz, mas também para prevenir possíveis
conseguimos melhorar, outros conseguirão. E vamos enfrentamentos. Também incentiva as relações amistosas
usar o sistema Nações Unidas, que é universal, que entre seus membros e a cooperação internacional.
é o que mais prezamos, para defender o acesso do
maior número possível de pessoas aos seus direitos UNESCO – Organização das Nações Unidas para
plenos. (PATRIOTA, 2011d). Educação, Ciência e Cultura

Estes temas possuem contato direto com episódios de Criada em 1945 pela Conferência de Londres, objetiva
crise humanitárias associados a guerras, limpeza étnica e contribuir para a paz por meio da educação, da ciência e da
genocídio, objeto de discussões no CSONU e no CDH, envol- cultura. Visa eliminar o analfabetismo e melhorar o ensino
vendo questões políticas e estratégicas. Além disso, tornam básico, além de promover publicação de livros e revistas,
algumas situações objeto de intervenção humanitária e e  realizar debates científicos. Desde 1960, atua também
operações de paz da ONU, abrindo espaço para a criação na preservação e restauração de espaços de valor cultural
dos Tribunais específicos para julgar os crimes contra a hu- e histórico.
manidade e as violações de direitos humanos como visto ao
longo do texto. Em muitos casos, a dificuldade de agir para OCDE – Organização para a Cooperação e o
mediar estas dificuldades é real, refletindo as limitações de Desenvolvimento Econômico
projeção de poder da ONU e de seus capacetes azuis e o
peso dos Estados nacionais no sistema. Trata‑se de um fórum internacional que articula políticas
Como indicado, diante das crises internacionais, existem públicas entre os países mais ricos do mundo. Fundada em
pressões para o aumento de intervenções em países nos 1961, substituiu a Organização Europeia para a Cooperação
quais os direitos humanos estejam sendo desrespeitados. Econômica, criada em 1948, no quadro do Plano Marshall.
Apesar destes pontos de estrangulamento que se estendem Sua ação, além do terreno econômico, abrange a área das
pelos temas sociais e as conferências, passando pelos MDGs, políticas sociais de educação, saúde, emprego e renda.
o compromisso em buscar soluções comuns permanece, ain-
da que com dificuldades. E, como visto, a posição brasileira OMS – Organização Mundial de Saúde
nestes debates reflete sua adesão firme ao multilateralismo
Política e Segurança

e a preservação dos seus interesses nacionais. É uma agência especializada em saúde, fundada em 7
Em tema correlato, o Brasil desempenha relevante papel no de abril de 1948 e subordinada à ONU. Sua sede fica em
campo das Operações de Paz que são parte fundamental do Genebra, Suíça. Objetiva sobretudo alcançar maior grau de
sistema ONU. saúde para todos os povos. Para isso, elabora estudos sobre
combate de epidemias, além de normas internacionais para
OS ÓRGÃOS MULTILATERAIS produtos alimentícios e farmacêuticos. Também coordena
questões sanitárias internacionais e tenta conseguir avan-
Órgãos, organismos ou organizações internacionais, tam- ços nas áreas de nutrição, higiene, habitação, saneamento
bém chamados de instituições multilaterais, são entidades básico etc.

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OEA – Organização dos Estados Americanos marginalização e renovação como as demais nações, o Brasil
alternava padrões regionais e globais de alinhamento e auto-
Criada em 1948, com sede em Whashington (EUA), seus nomia na definição de sua agenda. Outro desafio brasileiro
membros são as 35 nações independentes do continente era combinar as prioridades do espaço hemisférico com as
americano. O  objetivo é fortalecer a cooperação, garantir do sul‑americano e mundial.
a paz e a segurança na América e promover a democracia. A percepção da marginalização era sustentada pela perda
de poder de barganha em um mundo sem alinhamentos,
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte agravando o distanciamento da bipolaridade, e o desvio de
investimentos e comércio para financiar as transições do
Criada em 1949, no quadro da Guerra Fria, como uma Leste Europeu. Contribuíam para este isolamento a crise
aliança militar das potências ocidentais em oposição aos latino‑americana e seu recuo político- econômicos dos anos
países do bloco socialista. Inicialmente formada por EUA, 1980 (a “Década Perdida”) e a prevalência dos preceitos
Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Islândia, Itá- históricos da Doutrina Monroe (1823). Desde este mo-
lia, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Reino Unido, a OTAN mento, o relacionamento hemisférico orientou‑se segundo
aceitou depois Grécia e Turquia em 1952, Alemanha em 1955 quatro parâmetros específicos, que haviam se estendido
e Espanha em 1982. por todo o final do século XIX e dominado o XX. Os quatro
parâmetros são: a autonomia e a separação definitiva entre
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e os sistemas europeu e americano; a diferenciação entre os
Desenvolvimento regimes sociais, culturais, políticos e econômicos do novo
e velho mundo; a “América para os Americanos”, preser-
Com o objetivo de conceder empréstimos aos países vando o continente de ameaças intra e extracontinentais e
membros, o BIRD, chamado também Banco Mundial, oferece sua estabilidade; e, por fim, a afirmação do papel dos EUA
financiamento e assistência técnica aos países menos avança- como condutor dos negócios hemisféricos. A permanência
dos, a fim de promover seu crescimento econômico. Reúne dessas tendências e a aceleração dos acontecimentos na
185 países‑membros e começou auxiliando na reconstrução Eurásia com o fim da Guerra Fria levariam à continuidade
da Europa e da Ásia após a Segunda Guerra Mundial. dos padrões de relacionamento anteriores e o agravamento
do isolamento.
FMI – Fundo Monetário Internacional Em contraposição, a esperança da renovação percebia
no esgotamento da confrontação com a URSS um momento
Criado a fim de promover a estabilidade monetária e de oportunidade para que o relacionamento regional fosse
financeira no mundo, oferece empréstimos a juros baixos atualizado conforme as novas realidades de poder. Como
para países em dificuldades financeiras. Em troca, exige superpotência restante, mas sem inimigos que demandas-
desses países que se comprometam em perseguir metas sem uma presença ostensiva na Eurásia, os EUA poderiam
macroeconômicas, como equilíbrio fiscal, reforma tributária, concentrar suas políticas na arena regional, minimizando
desregulamentação, privatização e concentração de gastos suas tendências de crise. Ao  invés de responder a riscos,
públicos em educação, saúde e infraestrutura. a ação norte‑americana tornar‑se‑ia propositiva.
Comum a estas duas visões, contudo, a  avaliação de
OMC – Organização Mundial do Comércio Peter Smith de que no pós‑Guerra Fria a questão não era se
os EUA eram hegemônicos ou não nas Américas, mas sim,
Zela pelas regras do comércio entre as nações. Seus a maneira pela qual eles exerceriam seu poder e o relativo
membros negociam e formulam acordos que, depois, são encolhimento das políticas latino‑americanas que focaram
ratificados pelos parlamentos de cada país‑membro. Visa suas agendas nas percepções da unipolaridade e da correção
desenvolver a produção e o comércio de bens e serviços de rumos como meios para sua reinserção.
entre os membros, além de aumentar o nível de qualidade
de vida nesses mesmos países. O Projeto Americano e o Bilateralismo: IA e
NAFTA (1989/1992)
OIT – Organização Internacional do Trabalho
Em 1989, no auge do otimismo do fim da Guerra Fria,
É uma representação paritária de governos de 182 uma das poucas iniciativas ofensivas da Presidência Bush
Estados‑membros e de organizações de empregadores e foi anunciar o nascimento de uma nova era nas relações
de trabalhadores. Com sede em Genebra, Suíça, a  OIT se interamericanas. Autores como Henry Kissinger chegaram
compõe de uma rede de escritórios em todos os continentes. a afirmar que o intercâmbio hemisférico seria, para os EUA,
Busca congregar os membros em torno dos objetivos: pleno a base da construção da ordem mundial pós‑bipolaridade.
emprego, proteção no ambiente de trabalho, remuneração Em comparação com outras regiões, a América Latina era
digna, formação profissional, aumento do nível de vida, possi- uma área pacífica que poderia servir de laboratório para
bilidade de negociação coletiva de contratos de trabalho etc. projetos de cooperação econômica e política, promovendo
o desenvolvimento e a prosperidade.
O BRASIL E O SISTEMA INTERAMERICANO O governo norte‑americano ressaltava que os projetos não
Política e Segurança

respondiam a inimigos externos, mas representavam, da


Para o Brasil e a América Latina, o  fim da Guerra Fria parte dos EUA, o reconhecimento do status, dos
gerou expectativas concorrentes sobre as perspectivas de desafios e demandas de seus parceiros latino‑ameri-
seu relacionamento com os EUA, representadas pelo temor canos.
da marginalização e a esperança de renovação. No caso Longe de ser marginalizada, a  América Latina estaria,
brasileiro, o debate ia ainda mais a fundo, representando a  partir daquele momento, assumindo um lugar central
a busca do reequilíbrio entre os eixos horizontal e vertical na agenda dos EUA. Esta revolução representaria, em um
das relações internacionais e a revisão do relacionamento dos slogans mais repetidos do período, trade not aid, e a
bilateral com os EUA. Além de oscilar entre os temas da elaboração de um “Projeto Americano” para o hemisfério.

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Frente este posicionamento do governo dos EUA e diante de empregos, diminuição da imigração, melhor controle das
de sua crise, este “Projeto Americano” foi bem recebido fronteiras e maior desenvolvimento.
na região, promovendo uma reorientação das agendas de Ainda que seus resultados concretos sejam limitados à
política externa nacionais. Esta reorientação caminhava no dinâmica da dívida e da posterior criação do NAFTA, que, na
sentido de relativizar o vetor de autonomia e globalismo das realidade, possuía uma forte lógica própria de consolidar a
décadas anteriores, optando por uma política de inclusão interdependência preexistente entre os países da América do
e realinhamento às políticas dos EUA. Estabelecia‑se uma Norte, Canadá, EUA e México a IA teve o mérito de reiniciar
correlação direta entre esta cooperação e adesão às ações o debate sobre as políticas dos EUA para seu hemisfério.
norte‑americanas, a obtenção de benefícios e a reinserção in- O NAFTA esteve atrelado a um longo processo de nego-
ternacional. A aplicação desta agenda ocorreu em diferentes ciações entre o Executivo e o Legislativo norte‑americano
graus de intensidade pelos países latino‑americanos, estando no biênio 1990/1991, com sua aprovação e entrada em
aí incluído o Brasil, o que resultou em impactos internos e vigor estendendo‑se à administração seguinte de Clinton,
externos igualmente diferentes. como se discutirá adiante. Neste processo, o  Presidente
Mas, em que consistia, este “Projeto Americano”? Quais Carlos Salinas do México foi um personagem fundamental
as implicações estratégicas destas agendas e sua sustentabi- para pressionar para o avanço do acordo e representante
lidade, além da retórica da cooperação? do que ficou conhecida como nova geração democrática de
Três pilares compunham a agenda proposta por Bush líderes latino‑americanos que abandonavam as perspectivas
pai: o neoliberalismo do Consenso de Washington, os novos antiamericanas e de nacional desenvolvimento, em busca da
temas associados aos elementos políticos da globalização reaproximação. O México, ao lado da Argentina foi um dos
que na região traduziram‑se nas pautas da democracia e países cuja guinada de política externa foi mais radical e de
boa governança, meio ambiente, direitos humanos, drogas, oposição histórica aos norte‑americanos.
imigração e segurança compartilhada e a integração regional. O caso brasileiro é distinto, uma vez que as relações
Estas propostas consubstanciadas na IA e no NAFTA nesta bilaterais sempre foram centrais na agenda nacional. A re-
etapa inicial sintetizam os temas econômicos e políticos do aproximação com os EUA não era um movimento inédito,
projeto. mas sim uma ação recuperada com bases nas premissas
Encontrava‑se implícita a possibilidade de reforma e atu- tradicionais do eixo bilateral‑hemisférico. Neste contexto,
alização do sistema interamericano representado pelo TIAR três fases podem ser identificadas na evolução da relação
e a OEA. Neste âmbito, o objetivo mútuo seria reforçar estes bilateral Brasil‑EUA no pós‑Guerra Fria: a década bilateral
canais multilaterais de segurança e política como fóruns reais (1990/1998), a autonomia (1999/2004) e o diálogo estraté-
de cooperação e não como impulsionadoras ou legitimadoras gico (2005/2009).
de processos de intervenção ou pressões unilaterais. Como A primeira fase, contudo, não foi uniforme ao longo dos
parte das reivindicações da América Latina sobre estes or- mandatos de Fernando Collor de Mello (1990/1992), Itamar
ganismos se encontrava a discussão de temas de segurança Franco (1992/1994) e Fernando Henrique Cardoso (FHC) na
comuns, desde a social que envolve o desenvolvimento, etapa de 1995 a 2002, estendendo‑se das administrações
passando pelos riscos transnacionais de drogas, migração, de Bush pai a Clinton. Enquanto Collor representou o quase
crime e meio ambiente, até os tradicionais relacionados à extremo do alinhamento automático, FHC acompanhou
proteção de fronteiras e garantia de soberania. Em todos um viés pragmático, com a recuperação da autonomia no
estes elementos, o  desejo era de que se concretizasse a interregno de Itamar Franco. Primeiro governante eleito di-
cooperação, evitando a dimensão unilateral da política dos retamente no país depois do regime militar, Fernando Collor
EUA que deveria estar mais atenta às raízes socioeconômicas condicionou seu projeto de modernização ao alinhamento
destes problemas e sua relação com o desenvolvimento e automático com os EUA. Além de implementar as provisões
modernização. do Consenso de Washington, Collor deu continuidade à ação
A IA foi precursora das políticas hemisféricas e sus- de “limpar a agenda” da política externa, tendo como foco
tentava a ação dos EUA em três prioridades: a redução da a aquiescência político‑econômica. Parte desta postura de
dívida externa da América Latina, o  redirecionamento  de baixo perfil eram as concessões em negociações comerciais
investimentos externos para a região e a criação de uma e a busca da credibilidade em áreas como proliferação, direi-
zona hemisférica de livre‑comércio (ZLCH). De todas estas tos humanos e meio ambiente, como já abordado. Mesmo
prioridades, a redução da dívida, associada às prescrições iniciativas como a aproximação bilateral com a Argentina
do Plano Brady foram as que surtiram maior efeito. que possuíam, como citado, lógica própria ganharam uma
No campo dos investimentos, os avanços foram poucos nova dinâmica.
não existindo um aumento significativo de ajuda direta ou A partir desta, ressaltando a importância dos projetos de
financiamentos diretos. Em comparação com as companhias integração patrocinados pelos norte‑americanos, especifica-
europeias, a participação norte‑americana na privatização mente a IA, Collor acelerou as negociações para a formação
ficou aquém do esperado. No que se refere à ZHLC e questões de um bloco comercial entre a Argentina e o Brasil, no qual
comerciais em geral resultados similares: ausência de avan- foi acompanhado por Carlos Menem na Argentina.
ços ou mudanças significativas no fluxo comercial regional. Ao Sul, Collor e Menem, e ao, Norte, Carlos Salinas de
Parte das dificuldades em levar a IA adiante reside no fato Gortari representavam o que o governo Bush pai definiu
de que internamente as iniciativas não eram bem recebidas como “novas lideranças” latino‑americanas que tinham como
Política e Segurança

pelo Legislativo e pela sociedade. A  perspectiva de uma prioridade a modernização de seus países e sua inserção
integração comercial com a América Latina não era avaliada global. Para o México esta aproximação resultou na NAFTA,
como essencial ou prioritária e a região era vista como fonte enquanto Brasil e Argentina ampliaram suas propostas de
de problemas: imigração, tráfico de drogas e pobreza. Gru- integração no Cone Sul ao Paraguai e Uruguai.
pos isolacionistas chegaram a sugerir que os EUA estariam Por conta desta aceleração e extensão de objetivos,
exportando empregos e prosperidade para a América Latina, o início do Mercosul foi parcialmente um resultado da IA.
debate que se intensificou com o NAFTA, proposta que se O objetivo de Collor e Menem era demonstrar sua disposição
segue à IA. As justificativas do governonorte‑americano para em consolidar o livre‑comércio, a adesão ao neoliberalismo e
a defesa da IA e do NAFTA eram opostas às críticas: geração o paradigma da cooperação. Todavia, esta ligação com a IA,

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não eliminou, desde o nascimento do bloco seus componen- nacional‑desenvolvimento. A adesão à agenda era susten-
tes autonomistas, recuperados depois que Collor sofreu seu tada por pressões externas de organismos internacionais
impeachment em 1992. Não só Collor, mas Menem e Gortari (condicionalidades para empréstimos) e pela crença de que
tinham elevadas expectativas quanto ao que definiam como o padrão do Consenso de Washington traria crescimento,
renovação do espírito americano a partir das iniciativas de prosperidade e reinserção.
Bush, revelando incompreensão quanto às motivações es- De 1990 a 1997, o processo de adesão atingiu seu auge.
tratégicas das mesmas. Mas, como mencionado, esta adesão ocorreu em diferentes
Entretanto, um breve exame permitia que este conteúdo níveis de intensidade o que gerou crises socioeconômicas
se tornasse mais claro: uma resposta ao refluxo do poder e políticas de proporções diversas (assim como respostas).
hegemônico dos EUA resultante de sua crise econômica e ao Da mesma forma, projetos como os de integração regional
avanço das demais economias capitalistas, visando preservar não perderam seu componente autônomo, mesmo que
o continente latino‑americano como mercado e zona prefe- no início dos anos 1990 tenham tido seu desenvolvimento
rencial de ação. A despeito do encolhimento da economia parcialmente atrelado às novas agendas econômicas da
e de seus crescentes déficits comerciais, a América Latina liberalização, como é discutido no caso do Mercosul e das
era uma das poucas regiões onde se registravam balanços iniciativas brasileiras.
favoráveis aos EUA. Ao tomar a iniciativa política regional, Em linhas gerais, o governo Bush e as Américas pareciam
Bush visava garantir esta área como reserva de mercado, ter encontrado uma espécie de equilíbrio de 1989 a 1992,
impedir avanços extracontinentais sobre o espaço americano visando o fortalecimento e expansão dos  laços regionais.
e a emergência de desafios intrarregionais. A grande questão era se o sucessor democrata, Bill Clinton,
No que se refere à segurança, era uma forma de controlar cuja agenda de campanha havia deixado claros os limites do
os fluxos de drogas e a imigração Sul‑Norte, problemas de poder dos EUA e suas tendências mais introspectivas iria dar
política interna dos EUA. No que se refere ao narcotráfico,
continuidade a estas iniciativas hemisféricas.
desde 1986 os EUA possuem uma política de “certificação”
No Brasil, a  ascensão de Clinton correspondeu ao
dos países latinos que avalia seus sucessos ou retrocessos
interregno de Itamar Franco e a volta da autonomia e da
do ponto de vista norte‑americano.
Por meio do discurso da segurança compartilhada, estabilidade político‑econômica com o Plano Real (1994)
o objetivo era engajar os países latinos em um processo que implementado pelo Presidente FHC, que representa a fase
resultou no enfraquecimento das forças armadas locais  e pragmática da década bilateral.
abandono de projetos de tecnologias sensíveis como a
nuclear. O resultado esperado era impedir o surgimento de A Agenda Econômico‑Estratégica:
desafiadores, mas, principalmente dar início ao reposiciona- ALCA (1993/2000)
mento da presença norte‑americana. Comparada a outras
regiões, a América Latina é razoavelmente mais estável na A despeito de seu discurso isolacionista como candidato,
visão dos EUA, que subestimam de certa forma os impactos as  dificuldades de Clinton para mudar o vetor da política
desagregadores de seus problemas sociais, interações étnicas dos EUA eram grandes. Como parte de seu programa de
crime e problemas fronteiriços. governo demandava a conquista de novos mercados para a
As iniciativas Bush pai são uma versão moderna da recuperação econômica, o novo Presidente não abandonou
“América para os Americanos”, adaptando os preceitos da os projetos de integração propostos por Bush.
Doutrina Monroe, sem profundas alterações na dinâmica das Também manteve o discurso de aproximação com a
relações hemisféricas ou na percepção dos EUA sobre seus América Latina, que resultou na abertura destas economias
parceiros regionais. Frente aos interesses norte‑americanos e concessões aos EUA e os países desenvolvidos na conclu-
na Europa e na Ásia, a América Latina permanecia secundária são da Rodada Uruguai do GATT em 1994. Assim como no
e zona de interesse preferencial protegida. caso do seu antecessor, os resultados das políticas ficaram
A elaboração de pacotes hemisféricos em detrimento distantes do programado e não impediram a eclosão de uma
das particularidades e assimetrias das sub‑regiões e nações nova crise econômica. Os parâmetros clássicos de segurança
latinas revela continuidade. O  hemisfério é caracterizado e estratégia prevaleceram.
por disparidades de poder entre a hegemonia e as nações
Dando continuidade ao NAFTA criado em 1991 por
americanas, mas também entre as nações americanas: do
Bush, coube a Clinton conduzir seu processo de aprovação
Brasil ao Haiti, o continente abriga desde a hegemonia até
pelo Congresso dos EUA durante o ano de 1993 para que
a potência média regional, a PMDRs. A presença regional
o Tratado pudesse entrar em vigor, como previsto em seu
dos EUA é díspar, com mais influência na América do Norte
e Central do que no Sul dada a presença do Brasil e suas cronograma, em 1º de janeiro de 1994. Uma das exigências
dificuldades de projeção. A permanência de antigas práticas do Congresso para aprovar o NAFTA e que foi atendida por
frente a Cuba e, logo no início do governo Bush, a invasão Clinton, resultando na aprovação do tratado, foi a elaboração
do Panamá para a retirada do poder do antigo aliado Roger dos Side Agreements nas áreas ambiental e trabalhista – o
Noriega acusado de facilitar o tráfico de drogas são alguns Acordo da América do Norte em Cooperação Ambiental e
dos exemplos que sustentam esta conclusão. o Acordo da América do Norte em Cooperação Trabalhista.
No caso específico de Cuba, as relações bilaterais pouco Estes acordos complementares foram elaborados para ga-
Política e Segurança

evoluíram, mantendo as políticas de pressão sobre a Ilha a rantir o cumprimento de obrigações nestas áreas, elevando
despeito de sua crise econômica e perda de apoio soviético. os padrões do México.
Para os grupos de interesse cubanos, a Guerra Fria não A justificativa para que estas prescrições fossem acres-
acabaria enquanto Fidel Castro não saísse do poder. centadas ao TLC residia no fato de que o México, assim como
Porém, este elemento funcional e instrumental da políti- a maioria dos países em desenvolvimento, na visão dos EUA
ca externa dos EUA para a América Latina foi obscurecido pela e do Canadá, possuía leis mais frouxas. Com isso, empresas
crise regional, pelo otimismo atribuído à “renovação do inter- que não desejassem seguir os padrões mais rígidos do Norte,
câmbio” e pela procura de um modelo de desenvolvimento transfeririam suas atividades para o Sul, diminuindo investi-
sociopolítico que substituísse os paradigmas anteriores do mentos e empregos no setor de origem.

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Apesar de aprovados, contudo, estes acordos não impedi- Em 1994, o  sucesso do Plano levaria à vitória de FHC
ram estas transferências ou melhoraram as condições de tra- na eleição presidencial e o contexto que antecede a posse
balho mexicanas em comparação com as de seus parceiros. em janeiro de 1995 foi marcado pelo incremento da esta-
Consolidados, estes acordos levaram à aprovação do bilidade interna e o debate sobre a política externa focado
Tratado, que completou em 2009, 15 anos de existência. no Mercosul e na relação com os EUA, na qual se acresce a
Uma alegoria para as contradições do NAFTA foi a eclosão ALCA e a Cúpula de Miami. Em dezembro de 1994, o Brasil
da crise financeira mexicana e da revolta de Chiapas quase comparece com dois presidentes: Itamar, em exercício, e o
que simultaneamente a esta entrada em vigor, o que desde futuro mandatário, FHC. Assim, logo que assumiu, FHC foi
o início deixou claras as profundas assimetrias da região e confrontado pelo dilema ALCA/Mercosul e a reavaliação das
a realidade socioeconômica mexicana. O NAFTA não conse- políticas de Itamar (Autonomista) e de Collor (Alinhamento
guiu formalizar, como inicialmente previsto, a integração de Automático).
nenhum novo membro. Chile e Argentina que haviam sido Em resposta a este dilema, de 1995 a 1999, a política
considerados em 1994 modelos de aplicação da agenda externa para os EUA foi caracterizada pelo alinhamento
neoliberal foram os primeiros países considerados. pragmático com focos de resistência: a preservação do
A despeito do incremento bruto dos fluxos comerciais Mercosul diante da ALCA e a postura reivindicatória na OMC.
(triplicados entre EUA e Canadá e quadruplicados entre FHC recuperou dois elementos minimizados em Itamar, a re-
EUA e México), a economia mexicana não foi beneficiada forma econômica e os novos temas. À frente da diplomacia
por um salto qualitativo, mantendo seus problemas sociais estiveram Luiz Felipe Lampreia (1995/2000) e Celso Lafer
e políticos. Os problemas bilaterais tradicionais entre EUA e (2000/2002). A retomada das privatizações, da desregula-
México continuam, envolvendo desde as maquiladoras até mentação, a abertura comercial, o controle do câmbio e a
a continuidade da imigração ilegal e a recente intensificação diminuição do Estado compuseram a agenda.
do tráfico de drogas e crime organizado em solo mexicano. Reverteram‑se tendências negativas de hiperinflação,
Em 1994, além do início do NAFTA, a  administração ainda que o crescimento e a geração de empregos te-
Clinton relança a proposta de um novo arranjo hemisférico, nham sido insuficientes. Sobre os novos temas e as OIGs,
com forte conteúdo político e com previsão de criação de reforçou‑se o papel como potência regional responsável,
uma ZHLC. Realizada em dezembro de 1994, a  Cúpula de compartilhando e expandindo os valores da comunidade
Miami procurou ressaltar a existência de interesses comuns internacional na era da globalização.
entre os EUA e os parceiros latinos, retomando o discurso Com Clinton à frente da Casa Branca, Brasil e EUA sus-
da IA. Como resultado da I Cúpula das Américas foram tentaram um relacionamento positivo devido à boa relação
assumidos compromissos para incrementar a democracia pessoal entre os Presidentes. O diálogo bilateral apresentou
hemisférica, a  comunidade regional e iniciar negociações sinais de amadurecimento. Houve um incremento de trocas
para a construção da ZHLC que deveriam encerrar‑se até diplomáticas e estratégicas, existindo a criação de diversos
dezembro de 2005. grupos de trabalho para consultas bilaterais nas áreas de
Ambígua, esta decisão diplomática revelava as difi- comércio, investimentos, política, segurança, energia, so-
culdades dos EUA e do Brasil para discutir a ZHLC. Assim, mente para mencionar alguns. Entretanto, estes vetores não
à exceção do compromisso de encerrar as negociações até implicaram concessões dos EUA em temas que eram centrais
2005, nada de mais concreto foi definido sobre a ALCA em para a agenda de FHC: ONU, ALCA e OMC.
Miami, nem seu formato e nem como seriam conduzidas suas Embora reconhecessem o país como potência regional,
os EUA não davam sinal de apoio ao pleito no CSONU, cujo
negociações. À exceção de Cuba, contudo, todas as nações
ciclo de reformas de 1995 acabou sem resultados.
democráticas das Américas, segundo os EUA, estariam en-
As maiores divergências concentraram‑se nas negocia-
volvidas na consecução dos objetivos do “espírito de Miami”.
ções da ALCA e da OMC, pois havia a expectativa de que a
Aparte a sua definição área de livre‑comércio, as hipóte-
proximidade com os EUA traria concessões. O que se perce-
ses sobre o perfil da ALCA giravam em torno das seguintes
beu foi um aumento de desencontros. Na OMC, foram várias
opções: ampliação do NAFTA, com os EUA  no centro do
as linhas de fratura. A proximidade diplomática não possuía
processo (hubs and spokes); segundo, eliminação de todas paralelos nas negociações comerciais.
as barreiras comerciais hemisféricas, agregando todos os Porém, foi a ALCA o ponto central de debate, primeiro
países em um arranjo comum, mesmo os que já estivessem no que se refere aos processos de negociação e, segundo,
participando de acordos regionais que seriam compatibili- à tentativa de Clinton em antecipar a conclusão das conver-
zados à ALCA, mas não deixariam de existir (building blocks); sações para 2003 em resposta às pressões domésticas do
terceiro, a diluição de acordos regionais como o Mercosul, Legislativo, dos neoconservadores, dos grupos protecionistas
CAN (Comunidade Andina) e o CARICOM (Comunidade do e da ausência do mandato especial. Aparte as divergências
Caribe). mencionadas sobre a construção da ZHLC, discordâncias
O início da administração democrata correspondeu a prevaleciam sobre o formato das negociações e da imple-
um momento intermediário para o Brasil, representado mentação dos resultados, em torno das seguintes linhas: a de
pela prevalência do viés global em Itamar, contraposto aos que os acordos necessários para a implementação da ALCA
alinhamentos da Era Collor. Ainda que sem quebras, preva- fossem sendo negociados e postos em funcionamento (early
leceram críticas dos EUA quanto à postura brasileira devido
Política e Segurança

harvest/colheita prévia) e a de que eles somente entrassem


à retomada da autonomia, simbolizada por propostas como em vigor quando todas as pendências estivessem resolvidas
o Merconorte, a ALCSA e o pleito pelo assento de membro (single undertaking/empreendimento único). Para os EUA,
permanente no CSONU. Em contraposição, os EUA elogia- o esquema de negociações bilaterais era o preferencial, dado
vam o Chile e a Argentina. Somente com a implementação seu maior poder de influência, enquanto o esquema multila-
do Plano Real a partir do segundo semestre de 1994, por teral era defendido pela América Latina. Multilateralmente,
FHC à frente do Ministério da Fazenda (antes, ocupara o países integrantes de um bloco regional, como o Brasil pode-
cargo de Ministro das Relações Exteriores, sendo sucedido riam negociar em conjunto e não separadamente. Também
por Celso Amorim, chanceler do governo Lula), as dúvidas havia a questão de como compatibilizar o futuro arranjo
norte‑americanas foram reduzidas. americano com as negociações em andamento da OMC e

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as questões relativas às barreiras tarifárias e não tarifárias. Do lado dos EUA, frente a estas iniciativas e sem perspec-
De 1995 a 1999, foram realizadas cinco reuniões mi- tivas de consolidar a ALCA, pressionado pelo seu processo
nisteriais e a Segunda Cúpula das Américas. As  reuniões de impeachment em 1998/1999 e as eleições presidenciais
ministeriais foram Denver (1995), Cartagena (1996),  Belo de 2000 nas quais tentaria eleger sem sucesso seu vice
Horizonte (1997), São José (1998) e Toronto (1999) e a Cúpula Al  Gore, Clinton abandonou uma ação sistemática para a
em 1998, em Santiago. Somente em 1998 chegou‑se a certo ALCA e se concentrou em temas de segurança regional. Em
consenso sobre o formato das negociações, estabelecendo 1999, em acordo formalizado em 2000 simultaneamente à
que a presidência do ciclo final de conversações, 2003/2005, realização da Cúpula de Brasília que lançou a IIRSA, o governo
seria compartilhado pelo Brasil e pelos EUA. O  consenso norte‑americano e o colombiano anunciaram o aprofunda-
estabeleceu que a ALCA teria como prioridades: apoio ao mento de seus esforços conjuntos na guerra contra as drogas.
esquemas sub‑regionais existentes, respeito ao ritmo e à Denominada pelos EUA de Iniciativa Andina Contra
consolidação destas iniciativas de integração regional, ne- as Drogas (ACI), que passaria a ser conhecida como Plano
gociações graduais e progressivas cujos resultados seriam Colômbia (assim era classificado pelo Presidente Andrés
implementados somente no fim do processo, estabelecimen- Pastrana), esta parceria previa ajuda militar e econômica
to de compromissos equilibrados, equitativos e vantajosos dos EUA à Colômbia e o combate à produção, tráfico, cartéis
para todos os membros, não exclusão de quaisquer setores e guerrilhas envolvidas no narcotráfico (como as Forças Ar-
ou produto, a aceitação de tratamentos preferenciais, adesão madas Revolucionárias da Colômbia – FARC) e a fumigação
condicionada e o respeito aos princípios da OMC. Ou seja, de plantações com impactos ambientais. Com orçamento
a ALCA seguiria segundo as posições defendidas pelo Brasil. previsto de quase U$ 4.5 bilhões de dólares da parte dos EUA,
Da parte dos EUA, a  ausência de fast track (mandato tratava‑se de uma importante ofensiva no país produtor, sem
especial que autoriza o Executivo a negociar tratados co- foco na demanda. Parte da questão envolvia não somente
merciais sem a interferência do Legislativo que somente as drogas, mas o reposicionamento estratégico dos EUA na
aprova ou não o acordo depois), minava a credibilidade e a América do Sul.
legitimidade de Clinton para negociar e limitava suas ofertas, Este reposicionamento tinha como objetivo facilitar a
somadas às pressões dos grupos de pressão domésticos que projeção de poder nesta parte do continente, como sinalizar
não desejavam outra integração americana (e se mantinham a preocupação dos EUA com Presidentes como Hugo Chávez
contrários ao NAFTA). A tentativa de acelerar a ALCA feita e a autonomia renovada da região. Ainda em andamento o
pela Casa Branca não surtiu o efeito esperado de tentar Plano Colômbia ganhou impulso com a eleição de Álvaro
desbloquear o processo, gerando apenas mais desconfiança. Uribe, no poder desde 2003, e foi renovado em 2005 pelo
Durante a Era Clinton, o tema ALCA chegou a dominar as governo Bush filho, que incrementa a ajuda financeira ao país
relações bilaterais Brasil‑EUA em alguns momentos, gerando e tenta estabelecer um TLC, mas sem sucesso.
acirrados debates. Dentre todos os parceiros latino‑ameri- Na administração Obama, este plano e a cooperação
canos, o Brasil era o país mais importante, a economia mais militar nele envolvida serão o fundamento para a instalação
complexa e de relações internacionais globais e regionais de bases militares dos EUA na região sul‑americana. Em
estruturadas (em inúmeras oportunidades, os EUA indicam relatório de 2005 sobre o Plano produzido pelo Congresso
que o Mercosul e as propostas de integração sul‑americana encontra‑se uma interessante descrição e evolução dos
do Brasil eram concorrentes à ALCA). A ALCA possuía impli- objetivos do projeto em sua primeira fase,
cações em todos estes setores e no conjunto da autonomia
e soberania nacionais, núcleo das preocupações governa- Os objetivos da Colômbia e dos EUA diferem em
mentais e diplomáticas. alguns aspectos, embora exista uma significativa
O clima favorável às iniciativas dos EUA também começa- sobreposição de propósitos. O  principal objetivo
ria a se esgotar da parte das outras nações a partir de 1997 dos EUA é impedir o fluxo de drogas ilegais (...) as-
quando os primeiros sinais da crise neoliberal são percebidos. sim como ajudar a Colômbia a promover a paz e o
As turbulências se aprofundaram em 1998/1999, sendo desenvolvimento econômico porque contribui para
que até 2009 alguns países como a Argentina não reencon- a segurança regional nos Andes. Os (…) da Colômbia
traram a estabilidade. Além de não conseguirem concessões são promover a paz e o desenvolvimento econômico,
aumentar a segurança econômica e coibir o tráfico
políticas ou ajuda financeira dos países desenvolvidos, em
de drogas. Ambos os objetivos também evoluíram de
particular dos EUA, a maioria das nações latino‑americanas
atividades de contranarcóticos para abranger ativi-
perdera, como consequência da aplicação do Consenso de
dades contraterroristas. (Plan Colombia: A Progress
Washington, sua capacidade estatal, o controle de setores es-
Report, 2005, p. 3).
tratégicos e poder de barganha. A escalada da crise foi ampla.
Pressionada por um cenário de recuo econômico e
No que se refere a Cuba, apesar de expressar seu desejo
social, a América Latina retomou caminhos autônomos que de eliminar o embargo e ter relativizado algumas de suas
resultaram no encerramento da década bilateral. Mesmo os provisões em 1998 e 2000, diminuindo restrições para o
avanços diplomáticos em FHC podem ser atribuídos mais à envio de dinheiro, remédios e alimentos à ilha e de viagens,
estabilidade econômica e ao amadurecimento político que promovendo encontros de negócios, a administração demo-
criaram um ambiente positivo para os contatos do que ao crata não conseguiu o descongelamento.
Política e Segurança

alinhamento. Caso fosse assim, o “desalinhamento” que se Inclusive, foi no governo Clinton que uma das mais po-
manteve constante na ALCA e na OMC teria levado a ruptu- lêmicas medidas contra Cuba foi aprovada pelo Congresso
ras, o que não ocorreu. Em resposta à crise, duas alternativas em 1996, a  Lei Helms‑Burton. Esta lei determinava que
começaram a se destacar: a esquerda do Presidente Hugo indivíduos ou empresas que estabelecessem negociações
Chávez da Venezuela, que possuía um discurso reformista, comerciais com Cuba envolvendo bens norte‑americanos
antineoliberal e antiamericano, e a retomada da autonomia nacionalizados pela Revolução sofreriam sanções.
brasileira, destacando as novas propostas de integração Como Bush pai, a agenda de Clinton para as Américas foi
sul‑americana como a IIRSA (Integração da Infraestrutura caracterizada por avanços e paralisia sem que novamente se
Regional Sul‑Americana). alterasse a percepção estratégica da região.

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Bush filho, ao longo da campanha, prometeu reverter frente à Eurásia. A GWT teve implicações no Plano Colôm-
esta situação, inaugurando o Século das Américas. Para as bia, como indicado na citação acima, com a aplicação do
relações bilaterais, a  perda de Clinton como interlocutor conceito de narcoterrorismo no combate às drogas. Países
preferencial de FHC levou a um compasso de espera, sem como a Venezuela e Cuba foram enquadrados no eixo do mal
grandes conquistas ou rupturas. Além disso, a prioridade do igualmente. A GWT acentuou a preocupação dos EUA com a
governo voltou‑se à América do Sul e a um discurso mais Tríplice Fronteira Brasil‑Argentina‑Paraguai identificada como
autônomo de crítica à globalização assimétrica e a abertura sensível para o tráfico de drogas e de armas, crime organizado
de novas frentes de ação globais e multilaterais. Esta inércia, e financiamento de atividades terroristas.
com algumas desconfianças dos EUA, prolonga‑se até 2004, Ações como a aproximação militar com o Paraguai (cons-
incluindo a transição de governo de FHC à Lula, com reforço trução de bases militares) trouxeram desconforto.
da autonomia brasileira entre 2003/2004. Esta situação somente se alterou a partir de 2005, com
agenda de Rice de cooperação com as potências regionais,
O Século das Américas e o Diálogo Estratégico com o reforço do relacionamento bilateral Brasil‑EUA e a
Brasil‑EUA (2001/2008) consolidação do diálogo estratégico. Antes disso, contudo,
as linhas de aproximação não eram tão claras assim. Em
Prometendo recuperar “o momento americano” do 2002, a eleição de Lula levou a alguns setores do governo
imediato pós‑Guerra Fria, durante a campanha eleitoral norte‑americano a contemplar hipóteses de que o Brasil
de 2000, W. Bush criticou de forma veemente as ações de compartilharia com Venezuela e Cuba de uma política exter-
Clinton para o hemisfério. Buscando conquistar o crescente na de confrontação. No ano seguinte, 2003, com a chegada
eleitorado hispânico, Bush cotejava a retomada da ALCA, de Lula à presidência acentuou‑se o perfil da autonomia da
o renascimento do NAFTA e a revisão das leis de imigração. política externa, desta vez com alterações estratégicas subs-
Além disso, havia receio diante da crescente aproximação tantivas que promoveram um salto qualitativo nas relações
China‑América Latina nos campos energético e de comércio internacionais do país.
de matérias‑primas e alimentos (em situação similar à da Somando esta agenda com a republicana, a  primeira
África), do avanço das esquerdas lideradas por Chávez, da impressão foi que da estagnação, o relacionamento passaria
crise latina e das alternativas de política externa brasileira. à confrontação. Entretanto, a continuidade econômica e po-
Seguindo as orientações da administração republicana lítica, aliada à retomada multilateral‑global, com reforço da
as questões comerciais e multilaterais ficaram em segundo temática social, produziu um aumento do poder de barganha
plano. Na integração regional mesmo tendo conquistado o nacional. Aliado aos ganhos de credibilidade anteriores, este
mandato especial para negociação, a Autoridade de Promo- poder permitiu a elevação no perfil da relação, amparado
ção Comercial (TPA), Bush não produziu grandes avanços. pelos mecanismos institucionais criados no governo anterior.
Em 2007, foi aprovado o Acordo de Livre‑comércio com a Estes dilemas e a evolução positiva do relacionamento foram
América Central (CAFTA) entre EUA, Costa Rica, El Salvador, assim expressos nas palavras do Presidente Lula,
Nicarágua, Honduras, Guatemala e República Dominicana.
Como o NAFTA, mais uma vez apenas se consolidava uma Quando da minha eleição para a presidência não
situação de interdependência existente e que visava, como foram poucos a prever a deterioração das relações
objetivo adicional, reverter os avanços de Hugo Chávez na entre Brasil e EUA. Equivocaram‑se redondamente.
área e de seus aliados de esquerda como Daniel Ortega, Ao contrário, nossas relações atravessam hoje um de
eleito Presidente da Nicarágua. seus melhores momentos. As relações econômicas e
Estes avanços de Chávez eram simbolizados por parcerias comerciais se ampliaram em muito e nosso diálogo
entre estes países e a PETROCARIBE e a ALBA (Alternativa político ganhou qualidade superior. Compreendemos,
Bolivariana para as Américas). A ALBA era um projeto que EUA e Brasil, nossa importância econômica e política
surgia como concorrente tanto da ALCA quanto das propostas e as responsabilidades que disso decorrem (...) É
brasileiras de integração. A presença de Chávez, inclusive, por todas estas razões que vemos com entusiasmo
é  um dos fatores que incrementa a relação bilateral Bra- a disposição norte‑americana de incluir o Brasil
sil‑EUA no período Lula, ao lado da renovada assertividade entre os países com os quais mantém diálogo estra-
diplomática nacional. Um dos pontos mais significativos do tégico privilegiado (...) Nesse marco (...) as relações
período W. Bush é a superação do foco quase que concentra- EUA‑Brasil são fundamentais e seu aperfeiçoamento
do das relações na ALCA e a elevação do Brasil a um parceiro é um legado que devemos deixar aos que virão de-
estratégico dos EUA. pois. (SILVA, 2005).
A ALCA atinge um ponto de inflexão mesmo com a pre-
sidência conjunta Brasil‑EUA e a realização de três reuniões Da mesma forma que Clinton e FHC, os Presidentes Lula
ministeriais, Buenos Aires (2001), Quito (2002) e Miami e Bush filho sustentaram até a troca de administrações nos
(2003), um encontro especial Monterrey (2004) e duas cúpu- EUA uma profícua relação pessoal que resultou  em uma
las, Quebec (2001) e Mar Del Plata (2005). Em seu conjunto, aproximação significativa entre as duas diplomacias.
estes encontros não conseguiram destravar as negociações, Os Executivos brasileiro e norte‑americano sustentam
sendo afetadas pelas dificuldades em encaminhar as con- contatos de alto nível, consolidando a parceria em um novo
versações no âmbito da OMC. Em 2005, ano previsto para o patamar, somado às viagens da Secretária de Estado Condo-
Política e Segurança

encerramento de negociações, algumas propostas de flexi- leezza Rice em 2005 e 2008 ao país e as anteriores de Powell.
bilização do acordo foram apresentadas sem sucesso como Nas palavras de Rice,
as da ALCA light trazidas pelo Brasil e o processo permanece
em compasso de espera. Em 2004, o décimo aniversário do (…) os EUA buscam no Brasil um parceiro regional
NAFTA é “comemorado” sob protestos nos EUA e os TLCs e um líder global (…) (RICE, 2005). O Brasil vem de-
com Colômbia, Peru e Chile também encontraram empeci- sempenhando um papel muito positivo nos últimos
lhos domésticos. eventos aqui na região. Portanto, o Brasil que é uma
Mesmo antes de 11/09 prevaleceu a agenda de seguran- grande democracia multiétnica deve desempenhar
ça e o pensamento conservador com foco em Cuba, Colômbia um papel fundamental não só nos assuntos regionais,
e Venezuela, com a região mantendo‑se como secundária mas nos globais (RICE, 2008).

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Esta convergência político‑estratégica, entretanto, não subsídios à produção interna (a produção do etanol de milho
significou ganhos ou concessões nos setores tradicionalmen- era subsidiada em U$ 0,45 por galão pelo governo). Já em
te sensíveis do comércio, com os parceiros melhor adminis- fim de governo e no contexto da eclosão da crise econômica
trando os limites mútuos e evitando confrontações desneces- em 2007/2008 e das eleições presidenciais de 2008, Bush
sárias. A percepção dos limites envolve desde a reavaliação não conseguiu avançar nas negociações com o Legislativo.
do quadro da política internacional e do equilíbrio de poder Posteriormente, em 2010/2011, o governo Obama conseguiu
mundial, com o Brasil (e também a América Latina) avaliando negociar a eliminação da sobretaxa, o que pode ser expli-
pragmaticamente o cenário não mais como unipolar, até a cado pelo diferente contexto da relação: o Brasil deixara de
compreensão dos constrangimentos estruturais econômicos ser fornecedor de etanol aos EUA, passando a importar o
e políticos internos dos EUA, cujos impactos estendem‑se às produto devido a desequilíbrios em seu mercado interno.
negociações multilaterais e às organizações internacionais. Portanto, não existiam custos internos para a administração
A questão da reforma destas OIGs, começando pela ONU e democrata com a medida.
o FMI, e as negociações da OMC são temas que se inserem Além disso, o período Obama tem se caracterizado por
neste quadro, havendo ainda oscilações claras na política uma atenção maior ao potencial do pré‑sal brasileiro do
de Bush que se refletem no início da administração Obama que ao etanol, a despeito do discurso pró‑meio ambiente
(PATRIOTA, 2008). da Casa Branca.
A título de exemplo, a partir de 2008/2009, o G20 comer- Estas linhas de fratura comerciais não afetaram a dimen-
cial passou a ser definido pelos norte‑americanos como um são político‑diplomática‑estratégica. O Brasil foi convidado
dos principais fóruns para a discussão desta reforma e do pela administração Bush a participar de conversações de paz
enfrentamento da crise mundial ao lado do G20 financeiro no Oriente Médio como interlocutor. Um teste ao diálogo
dado o perfil desta aliança. foi a reativação da Quarta Frota do Atlântico Sul, região
Poucos anos antes, em 2003, o surgimento do G20 e sua estratégica para reservas energéticas (petróleo e gás) e rota
atuação na Rodada Doha, foram definidos pela diplomacia de passagem entre as Américas e o continente africano.
dos EUA como um risco à continuidade do sistema comercial Os EUA argumentam que se trata apenas de uma garantia
multilateral. Na oportunidade, o  então Secretário de Co- à estabilidade regional diante dos riscos do terrorismo e
mércio Robert Zoellick acusou o Brasil de “só dizer não”. Da tráfico de drogas, compartilhada e dentro dos ditames da
mesma forma, Bush filho reativou a Quarta Frota do Atlântico ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA), no
Sul apesar do clima positivo com o Brasil. Estas diferenças, que não são acompanhados pela América Latina e o Brasil.
porém, começaram a ser mais bem administradas a partir de Porém, como menciona Patriota (2008), evita‑se cada vez
um contexto de reforço do papel do Brasil e de encolhimento mais o superdimensionamento das diferenças, priorizando
relativo dos EUA. as convergências diplomáticas (outro elemento das relações
Ainda em termos comerciais, os constrangimentos dos bilaterais é a participação brasileira como líder da Missão
EUA dificultam a expansão do comércio, que mesmo assim se de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH).
mantém como principal parceiro individual do país (15% das A Era Bush filho não representou avanços nas relações
importações e exportações, U$ 6,1 bilhões de investimentos hemisféricas, o  que gerou vácuos para o crescimento das
diretos), com a aproximação significativa da China. O ritmo de ações brasileira e venezuelana, como preservou os dilemas
crescimento das trocas é abaixo do esperado e acentuou‑se herdados de Clinton e a continuidade de seu papel na Co-
com a crise norte‑americana, que reforça o protecionismo lômbia. Neste contexto, mesmo o Chile, tradicional aliado
e isolacionismo. Pressões para a não renovação do SGP (Sis- norte‑americano, iniciou um processo de maior aproximação
tema Geral de Preferências) do Brasil e outros emergentes com o Brasil na América do Sul. Em alguns casos, como a
têm sido constantes, existindo muitos entraves ao comércio política para Cuba, o peso do passado, significou, na maioria
bilateral, como comprovado no relatório Barreiras a produtos das vezes, retrocesso.
brasileiros no mercado dos EUA preparado pela Embaixada Com relação a Cuba, durante a campanha, para atrair
do Brasil em Washington DC e a Fundação Centro de Estudos os votos da Flórida, Bush pregara a reversão do descon-
do Comércio Exterior (FUNCEX) em 2007. Estas medidas afe- gelamento iniciado pelos democratas e o apoio a grupos
tam chances de parceria energética como no caso do etanol. políticos anti‑Castro. Durante o governo, estas promessas
Todavia, em 2007, quando da segunda visita de Bush foram cumpridas: em 2002, Cuba foi incluída como parte
ao Brasil, os  dois países assinaram o Memorando de En- do Eixo do Mal, em 2003 foi estabelecida a Comissão de As-
tendimento sobre o Etanol, que visava fortalecer a parceria sistência para uma Cuba Livre que visava acelerar a retirada
entre os dois maiores produtores de etanol global. Segundo de Castro do poder. Aumentaram as restrições às remessas
o Memorando, as metas do acordo eram a consolidação de de dinheiro para Cuba e à emissão de vistos. Desde 2006,
uma nova matriz energética, a criação de um mercado global com a troca de comando em Cuba de Fidel Castro por Raul
de etanol, investimentos conjuntos em pesquisa e desenvol- Castro devido a motivos de saúde e, em 2008, com o anúncio
vimento no setor de energia e a diminuição da dependência de que Raul seria o presidente em definitivo, estas pressões
do petróleo. O Memorando previa a extensão da cooperação se intensificaram. Guantánamo, a base norte‑americana em
para trocas tecnológicas em dois setores: reforço à produção Cuba, também foi objeto de controvérsia devido à tortura
do etanol pela cana‑de‑açúcar (conhecimento de domínio em suas instalações.
brasileiro), considerado menos poluente do que o etanol de A relação EUA‑Venezuela apresentou um padrão para-
Política e Segurança

milho dos EUA, e capacitação no setor de biocombustíveis em doxal neste período: manutenção do comércio de petróleo
geral. Igualmente, a produção de etanol em terceiros países, com permanente tensão política das relações  e trocas de
incentivando a cooperação trilateral (como ocorre na pro- acusações mútuas. O discurso e a prática anti‑hegemônicas
dução de etanol em Moçambique) era uma das prioridades. de Chávez como as relações com o Irã, Cuba e a Rússia,
Na oportunidade, Bush sinalizou o compromisso do go- a influência nos Andes, acusações de apoio às FARC, con-
verno norte‑americano na redução das barreiras comerciais frontavam os interesses norte‑americanos, só que Chávez
à entrada ao etanol brasileiro aos EUA, dentre estas a sobre- mantinha seu comércio de petróleo com o país à medida
taxa de U$ 0,54 por galão (2,5% de tarifa de importação e que financiava seus projetos internos. Outra preocupação
mais 14 cents/litro, correspondendo a 46% ad valorem), e os norte‑americana foi a crescente influência de Chávez na

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região andina em países como Equador (Rafael Correa) e livre‑comércio bilaterais com nações de menor impacto na
Bolívia (Evo Morales) e acusações de financiamento das economia dos EUA (Chile, Peru, Colômbia, dentre outros).
FARC na Colômbia. Adicionalmente, no contexto da crise de 2008, não houve
Por conta da aliança EUA‑Colômbia, o relacionamento uma articulação de políticas com o hemisfério (somente no
bilateral Colômbia‑Venezuela vem sendo caracterizado por âmbito do G20 financeiro esta coordenação ocorre em certa
trocas de acusações mútuas. Neste país, como resultado do medida com o Brasil. Pode‑se indicar que em 2012, na Cúpula
Plano Colômbia e de uma ofensiva generalizada de Uribe de Cartagena, estas dinâmicas foram mantidas, uma vez que
contra a guerrilha com a ajuda dos EUA, as FARC sofreram a posição norte‑americana não se alterou.
pesadas baixas e diversos reféns foram liberados por meio Além disso, não foi realizada a esperada reavaliação de
de acordos ou operações militares como Clara Rojas e Ingrid políticas para as relações bilaterais com Cuba e Venezuela.
Betancourt. A presença militar norte‑americana na Colômbia Durante a campanha, quando ainda candidato, Obama
aumentou no período Bush, incluindo a renovação do Plano mencionara a sua intenção de promover o descongelamento
antidrogas e sua ampliação. do intercâmbio com estes países e o Irã o que não se con-
No segundo mandato de Bush, a  questão das drogas cretizou quando na Casa Branca. Ainda que tenha havido o
também ganhou maior densidade na relação bilateral com relaxamento de algumas medidas no que se refere ao envio
o México, somada à temática da imigração ilegal. de recursos a Cuba, alimentos e medicamentos (e da lei
Em 2006, os  EUA iniciaram a construção de um muro Helms‑Burton até Fevereiro de 2010) o embargo permane-
na fronteira com o México visando barrar ambos os fluxos, ce vigente à ilha. Pressões da corrente neoconservadora e
narcóticos e pessoas. O  crescimento das tensões frontei- de grupos de interesse interno encontram‑se nas raízes da
riças provocado pelo crescimento da atuação das milícias manutenção das posturas tradicionais.
norte‑americanas e a emissão de leis anti‑imigração por Obama também não abandonou políticas de Bush filho
governos como os do Texas sustentados no Ato Patriota (e como a reativação da Quarta Frota, a construção do Muro na
que igualavam o status de imigrantes ilegais aos terroristas) fronteira e a Iniciativa Mérida com o México e o Plano Colôm-
levara ao cenário de uma “situação de guerra”. Além do bia. No que se refere ao Plano Colômbia, dando continuidade
Muro, o Executivo federal investiria mais no patrulhamento ao seu reposicionamento estratégico na América do Sul,
e monitoramento destas zonas sensíveis. os EUA anunciaram a ampliação de sua presença militar na
Todavia, a iniciativa do Muro não se demonstrou suficien- região andina. A Colômbia concedeu aos norte‑americanos
te para diminuir estes fluxos, em particular o de narcóticos, o uso de sete bases em território nacional (que, na prática,
cujo problema tem se agravado no México. Em 2008, os EUA já vinham sendo utilizadas pelos EUA): Malambo, Palanquero
e o México estabeleceram um mecanismo de cooperação e Apiay (aéreas), Tolemaida e Larandia (exército) e Bahia
bilateral para a luta contra as drogas, a  Iniciativa Mérida. Málaga e Cartagena (naval).
A Iniciativa é composta por quatro objetivos: combate ao Oficialmente, a concessão das bases inseria‑se no contex-
crime organizado, defesa do Estado de direito, criar uma nova to do Plano Colômbia. Entretanto, em termos geopolíticos,
estrutura fronteiriça adequada aos desafios do século XXI e as  motivações dos EUA englobam fatores mais amplos: a
construir comunidades fortalecidas (Iniciativa Merida, 2008). continuidade do governo Chávez na Venezuela (e de Evo
Realizando um balanço do período, pode‑se observar a Morales no Bolívia e Rafael Correa no Equador), a  perda
permanência dos pilares da Doutrina Monroe como orien- da concessão da base em Quito no Equador e a criação do
tadores da política externa dos EUA para a região, mesmo Conselho de Defesa Sul‑Americano da Unasul.
com as mudanças de presidência e ênfase. O que se altera, No que se refere às relações bilaterais Brasil‑EUA, a ad-
contudo, é a capacidade norte‑americana efetiva de admi- ministração Obama manteve a percepção da administração
nistrar estes pilares na segunda década do século XXI, diante Bush sobre a relevância do diálogo estratégico com o Brasil.
do avanço de poderes extracontinentais no hemisfério (China O Presidente Lula foi o primeiro líder latino‑americano a ser
em particular) e a afirmação do espaço sul‑americano a partir recebido por Obama depois da sua chegada à Casa Branca.
do fortalecimento do Brasil. Adicionalmente, não se altera Em 2010, a NSS reafirma a relevância do país e o seu reco-
a prioridade atribuída à América Latina pelo pensamento nhecimento como uma das novas esferas de poder e centros
estratégico norte‑americano à região, secundária diante de de influência globais.
outros teatros como a Eurásia. Esta situação não se altera a Com isso,
partir de 2009, prevalecendo a continuidade de Bush filho
a Obama. A liderança do Brasil é bem‑vinda e desejamos nos
mover além das ultrapassadas divisões Norte‑Sul
A Agenda de Barack Obama (2009/2012) para alcançar progressos em questões bilaterais,
hemisféricas e globais. O sucesso macroeconômico
Assim como no restante do mundo, a  expectativa da do Brasil aliado aos esforços para diminuir diferenças
América Latina diante da eleição do democrata Barack socioeconômicas, oferecem importantes lições para
Obama era positiva devido à promessa de mudança  que países por todas as Américas e a África (...). Como
prevaleceu em sua campanha. Contudo, as primeiras ações guardião de um patrimônio ambiental (...) único e
da administração demonstraram a ausência de alterações líder em combustíveis renováveis (...) é um parceiro
significativas nas políticas de Bush ou a apresentação de (...) para (...) mudança climática global e (...) segu-
Política e Segurança

novos projetos hemisféricos. rança energética. E no contexto do G20 e da Rodada


Na realidade, o que se observa é o esvaziamento destes Doha, trabalharemos ao lado do Brasil para assegu-
projetos, em particular os de constituição da ZHLC no formato rar que o desenvolvimento e a prosperidade sejam
ALCA, cujas negociações haviam dominado a década de 1990. compartilhados (...) (NSS-2010, p. 53).
Tal esvaziamento era perceptível no segundo mandato
de Bush, confirmando‑se na gestão Obama já na reunião da Entretanto, este reconhecimento retórico encontra di-
Cúpula das Américas em Port of Spain (2009). Em termos ficuldades em sua tradução prática, não só com relação ao
comerciais, a  tendência norte‑americana permaneceu a Brasil, mas a todos os emergentes. No caso específico do
de sustentar o NAFTA, o  CAFTA e investir em tratados de Brasil, isto se expressou nas dimensões político‑estratégica e

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econômico‑comerciais. No que se refere a este último item, do mesmo). Todavia, o Presidente Obama declarou apreço
a administração Obama não representou uma alteração nas à candidatura brasileira (somente Japão e Índia obtiveram
negociações da OMC da Rodada Doha e do G20 financeiro, apoio formal até Agosto de 2012). Sobre o tema, que voltará
nas questões comerciais bilaterais ou na atualização do sis- a ser abordado em 5.1 A, o Ministro Patriota avalia o contexto
tema financeiro global. No campo político‑estratégico, existi- da reforma do CSONU,
ram tanto convergências quanto divergências. Em termos de
convergências destacam-se a questão ambiental, os temas Na verdade, são alguns nós. Mas o essencial em um
sociais e energéticos (com a mudança de eixo da parceria esforço de simplificação, eu diria que se houvesse
estratégica do etanol para o pré‑sal). No campo da divergên- um consenso entre os cinco membros permanentes
cia, existiram discordâncias relativas a temas hemisféricos (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido), provavel-
(Honduras) e globais (processo de paz Israel‑Palestina e Irã). mente a reforma se resolveria dentro de um prazo
Em 2010, apesar de terem apresentado posições simi- curto (...) O mais reticente dos cinco, neste momento,
lares sobre Honduras, referentes à condenação do golpe é a China (...) Mas até pouco tempo atrás os EUA eram
de Estado contra o governo de Manuel Zelaya, Brasil e EUA muito reticentes. (PATRIOTA, 2011b).
divergiram quanto ao encaminhamento da questão. Pouco
depois do golpe, os EUA passaram a reconhecer o governo O encontro de 2011 resultou em diversos acordos: Acor-
de Porfirio Lobo. O Brasil só efetivou este reconhecimento do de Comércio e Cooperação Econômica, Parceria para o
em 2011 depois da garantia de que Manuel Zelaya teria sua Desenvolvimento de Biocombustíveis de aviação, Memoran-
integridade mantida (durante a crise, Zelaya esteve sob a do de Entendimento sobre as Dimensões da Biodiversidade,
proteção da Embaixada brasileira no país) e que as eleições, Memorando de Entendimento para o Estabelecimento do
que levaram Lobo à presidência, haviam sido transparentes Programa de Diálogos Estratégicos Brasil-EUA, Memoran-
e dentro da normalidade democrática. Além desta atuação do de Entendimento para Implementação de Atividades
especifica na região da América Central e do Caribe, o Bra- de Cooperação Técnica em Terceiros Países no Âmbito do
sil manteve sua ação na MINUSTAH e lançou o projeto da Trabalho Decente e Memorando de Entendimento sobre
Comunidade de Estados Latino‑Americanos e Caribenhos Cooperação para Apoiar a Organização de Grandes Eventos
(CELAC) no ano de 2010. Neste mesmo ano, ambos os países Esportivos Mundiais (com vistas à Copa o Mundo em 2014
exerceram importante atuação no Haiti devido ao terremoto e as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016). No campo
que ocorreu neste país. da educação, os  EUA consistem‑se em um dos principais
Com a transição do governo brasileiro do Presidente países para a cooperação no âmbito do Programa Ciência
Lula da Silva à Presidente Dilma Rousseff (cuja eleição como Sem Fronteiras, que busca incrementar o intercâmbio in-
primeira mulher Presidente do Brasil foi ressaltada pelos ternacional de estudantes de graduação entre o Brasil e os
norte‑americanos) e a manutenção das grandes linhas da países parceiros na área de ciência e tecnologia (com foco
política externa brasileira sustentou o bom clima do relacio- nas ciências exatas e biológicas). Na sequência, realizou‑se
namento. Sucedendo o Embaixador Celso Amorim à frente em Maio o “Diálogo Global da Parceria EUA‑Brasil” para a
do Ministério das Relações Exteriores, o Embaixador Antonio continuidade das negociações.
Patriota, que havia exercido o cargo de Secretário‑Geral das Ainda no ano de 2011 foi lançado o relatório da força
Relações Exteriores durante a gestão Amorim (2009/2010) e tarefa do Council on Foreign Relations (CFR), importante
Embaixador do Brasil em Washington (2007/2009). think tank norte‑americano sobre o Brasil e as relações
No ano de 2011, o Presidente Obama realizou sua primei- bilaterais Brasil‑EUA, intitulado “Global Brazil and US‑Brazil
ra viagem à América do Sul em Março, com visitas ao Brasil Relations”. Não cabe aqui entrar em detalhes deste relatório,
e ao Chile. Dentre os temas específicos que fizeram parte do mas destacar que se trata de um estudo abrangente sobre o
primeiro encontro entre a Presidente Dilma e o Presidente Brasil, o contexto e perspectivas do intercâmbio (para uma
Obama encontravam‑se a situação do Haiti e da MINUSTAH, análise do texto do CFR recomenda‑se PECEQUILO, 2012).
cooperação energética, agenda social (segurança alimentar, Posteriormente, em 2012, a  Presidente Dilma retribuiu a
direitos humanos), multilateralismo, cooperação econômica visita do Presidente Obama, indo a Washington, dando
e a reforma do Conselho de Segurança da ONU, associada continuidade aos acordos de 2011 e estabelecendo novas
à demanda brasileira pelo assento permanente no CSONU vias de cooperação.
(CLINTON e PATRIOTA, 2011). Dentre estas vias, cujos atos foram assinados em abril de
Ao longo de sua visita Obama ressaltou a importância da 2012, encontram‑se os seguintes documentos: Memorando
consolidação da democracia na América do Sul, em particular de Entendimento sobre a Parceria em Aviação, Memorando
no Chile e no Brasil, e os esforços de integração regional como de Entendimento entre o Governo da República Federativa do
a Unasul e o papel do Brasil nos organismos multilaterais. Em Brasil e o governo dos EUA da América para Apoiar a Coope-
seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Obama ração Estadual e Local; Memorando de Entendimento entre
afirmou que o Brasil não era mais o país do futuro: o futuro o Governo da República Federativa do Brasil e o governo dos
havia chegado (Obama, 2011a). Neste sentido, houve o pleno EUA da América sobre a Implementação de Atividades de
reconhecimento do status do Brasil como potência global Cooperação Técnica em Terceiros Países para a Melhoria da
na oportunidade, reafirmando os compromissos do diálogo Segurança Alimentar, Memorando de Entendimento entre o
estratégico vigente desde 2005. Ministério das Cidades e o Governo da República Federativa
De acordo com Crandall (2011), este reconhecimento do Brasil e o Departamento de Habitação e Desenvolvimento
Política e Segurança

norte‑americano deriva dos ganhos de prestígio alcançados Urbano dos EUA da América nos Campos da Habitação e do
pelo Brasil no século XXI, que o eleva a Estado pivô regional, Desenvolvimento Urbano Sustentáveis. Também foi realizada
descolando‑o do contexto da América Latina. a Reunião Mista Brasil‑EUA sobre Cooperação Científica e
Mesmo assim, pontos‑chave do interesse brasileiro no Tecnológica e firmado o Reconhecimento Mútuo da
setor comercial (contenciosos bilaterais e negociações da Cachaça como Produto Tipicamente Brasileiro e do Uísque
OMC) e no setor político como o apoio formal à candidatura Bourbon/Tennessee como Produto Tipicamente Estaduni-
brasileira como membro permanente do CSONU não tiveram dense.
avanços significativos (assim como a abolição do visto, im- Por fim, é preciso mencionar o estabelecimento do Diálo-
plementando, contudo, medidas de facilitação na obtenção go de Cooperação em Defesa entre EUA e Brasil. Avaliando a

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trajetória recente das relações interamericanas, a  última (…) a era nuclear tem quase 70 anos e, até agora,
década apresentou mudanças com relação aos ganhos de o  medo da proliferação se mostrou infundado.
autonomia da América Latina e a consolidação do poder do Definido de forma apropriada, o termo proliferação
Brasil neste contexto. Além disso, estas relações são afetadas significa crescimento rápido e descontrolado. Nada
pelo aumento da presença de outras nações emergentes no parecido ocorreu. Na verdade, desde os anos 1970
hemisfério, em particular a China e a Índia, que alteram os houve uma desaceleração no surgimento de novos
padrões de investimento e fluxos comerciais regionais. Um Estados nucleares. Não existe motivo para que este
exemplo deste avanço chinês na região é o país ter se tor- padrão mude agora (...) o que a história demonstrou
nado o maior parceiro comercial individual do Brasil no final é que quando emergem, as capacidades nucleares
de 2011, lugar tradicionalmente ocupado pelos EUA. Como emergem ao lado da estabilidade. Quando se trata
discutido, isso fragiliza as premissas da Doutrina Monroe de armas nucleares, agora, como sempre, mais pode
e sinaliza o reposicionamento da parte sul do hemisfério ser melhor. (WALTZ, 2012, p. 5).
mundial. Neste processo, o crescimento e a consolidação do
espaço sul‑americano e a atuação interestatal e multilateral Os principais pilares dos regimes de não proliferação,
do Brasil são componentes das tendências de reordenamen- e  de controle da disseminação de tecnologias sensíveis
to de poder regional e mundial em andamento. para a produção de armas de destruição em massa, foram
criados na Guerra Fria. Dentre estes, o TNP (Tratado de Não
SEGURANÇA NA POLÍTICA EXTERIOR DO Proliferação Nuclear, em vigor desde 1970), PTBT (Tratado
BRASIL para Banimento Parcial dos Testes Nucleares, 1963, em vigor
desde 1964) e CTBT (Tratado para o Banimento Total dos
A agenda de segurança internacional, e  que envolve Testes Nucleares, 1996). Os princípios que orientam estes
o âmbito multilateral e o bilateral, em consonância com regimes são não proliferação, desarmamento, o uso pacífico
o sistema da ONU, engloba temas e fluxos diversos. No da tecnologia nuclear. Apesar de suas revisões posteriores,
pós‑Guerra Fria, o  aprofundamento de fenômenos como os  mesmos possuem lógicas que carregam o peso da bi-
a interdependência e transnacionalização, associado ao polaridade referente ao acesso ao conhecimento e os fins
descongelamento da política internacional, ampliou as dis- pacíficos da tecnologia. Ainda no tema da não proliferação
cussões sobre os riscos presentes no cenário mundial. Uma foram criadas as zonas livres de armas nucleares (desnucle-
das tendências em destaque foi a tentativa de separar estes arizadas): os Tratados da Antártica (1959), Tlatelolco (Amé-
riscos em “novas” e “velhas” ameaças. rica Latina e Caribe, 1967), Rarotonga (Pacífico Sul, 1985),
Enquanto as “velhas” ameaças referem‑se a questões do- Bangkok (Sudeste Asiático, 1995) e Pelindaba (África, 1996),
minantes na bipolaridade como proliferação nuclear, guerras estabeleceram estas zonas em suas respectivas regiões.
territoriais, as “novas ameaças” representariam justamente No caso do TNP, estas revisões ocorreram em 1995,
os fenômenos ligados à interdependência e transnacionaliza- quando o Tratado foi estendido por tempo indeterminado,
ção. Nesta categoria estariam incluídos os tópicos relativos seguindo‑se a conferência de revisão de 2000 e 2005. Para
ao terrorismo (em suas mais diversas formas), as epidemias o Brasil, em seu surgimento, o TNP era simbólico do conge-
de saúde, as  tragédias humanitárias (genocídio, pobreza, lamento do poder mundial e a adesão não era considerada
extrema), o tráfico de drogas, pessoas, armamentos, riscos uma prioridade. Igualmente, oferecia‑se resistência ao
ambientais, pirataria (propriedade intelectual e marítima) desenvolvimento de regimes similares que restringiam a ca-
e, mais recentemente, as guerras cibernéticas (cyberwars). pacidade nacional de desenvolvimento deste conhecimento
Algumas destas questões, principalmente as de caráter tecnológico por potências médias.
humanitário, possuem relação com o citado conceito de Esta posição brasileira sobre o tema do desarmamento
“segurança humana” e a capacidade do Estado de gerir seus e proliferação, foi modificada a partir dos anos 1990 como
negócios internos e prover bem‑estar a sua população. Mui- parte do projeto de reinserção internacional. Apesar do
tos destes temas envolvem também clivagens Norte‑Sul, in- Brasil sempre ter demonstrado firme compromisso com
cluindo o desenvolvimento e posse de tecnologias sensíveis. a estabilidade, o  desarmamento e a utilização das tecno-
No geral, como se pode perceber pela descrição temática, logias duais para fins pacíficos até o fim da bipolaridade,
a maioria destas ameaças já existia no cenário internacional, o país não abdicava dos seus projetos de desenvolvimento
sofrendo apenas um descongelamento e aceleração com e autonomia. Porém, esta postura foi abandonada depois
a Queda do Muro. Mesmo o tema da guerra cibernética de 1989, abrindo mão de prioridades na área nuclear e de
e virtual já se encontrava presente ao longo do século XX, capacitação tecnológica.
em movimentos de espionagem entre as superpotências, Este processo de mudança iniciou‑se lentamente com
ganhando nova densidade com o avanço das tecnologias Sarney e se tornou um dos pilares da política externa de
virtuais. Inclusive, pode‑se sugerir que esta mesma densida- Collor. Em seu curto governo, Collor investiu pesadamente
de renovada aplica‑se a temas bastante tradicionais como o no compromisso brasileiro com os regimes internacionais
desarmamento e não proliferação. desta área, aderindo a praticamente todos os seus regimes e
No que se refere a esta agenda, o pós‑Guerra Fria foi apre- mecanismos. Posteriormente, ação similar foi empreendida
sentado como o início de uma segunda era nuclear, na qual pelo governo FHC.
Política e Segurança

o conhecimento e a posse de armas nucleares se encontra Como resultado, consolidou‑se a adesão brasileira aos
mais disperso. Diferente das décadas de 1950 a 1970, na qual seguintes mecanismos: Tratado de Tlatelolco de Proscrição
o poder nuclear tendeu a concentrar‑se em Estados, a partir de Armas Nucleares na América Latina e Caribe (promulgado
dos anos 1990 a proliferação seria mais difusa, atingindo em 1994), Controle de Tecnologia dos Mísseis (MTCR, 1995),
grupos privados. Além disso, no que se refere aos Estados, Salvaguardas Nucleares, Grupo de Supridores Nucleares (NSG
a proliferação se tornou mais “periférica”, desenvolvendo‑se em 1996), Convenção de Armas Químicas (CWC, assinada em
em países como Paquistão, Coreia do Norte e Irã. Avaliando 1993 em vigor desde 1997). Além disso, desde 1972 o Brasil
este cenário, porém, Waltz (2012) considera que ainda per- era signatário da Convenção de Armas Biológicas e Toxinas
manece um exagero sobre o tema da proliferação, (BTCW) e com o advento do Mercosul estabelecera a ABACC.

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Posteriormente, o Brasil também se torna signatário do Paralelamente aos esforços via ONU, os EUA lançaram em
Tratado de Ottawa para o banimento de minas terrestres 2003 a Proliferation Security Initiative (PSI) e tem desenvol-
(Convenção Sobre a Proibição do Uso, Armazenamento e vido importantes conversações bilaterais com a Rússia para
Transferência de Minas Antipessoais e Sobre a sua Destruição). a redução dos arsenais nucleares e atualização dos tratados
Reforçando estes compromissos, vigentes desde a bipolaridade. Em termos bilaterais, a cons-
trução destes tratados ocorreu majoritariamente na década
O Brasil tomou ainda a iniciativa de propor Resolução de 1970, nos governos de Richard Nixon nos EUA e Leonid
à Assembleia Geral da ONU, aprovada em 1996, sobre Brejnev na URSS dentre os quais se destacam em 1972 o
“O Hemisfério Sul e Áreas Adjacentes Livres de Armas SALT I (Strategic Arms Limitation Talks), para a redução dos
Nucleares”, tendo em vista a existência de diversos arsenais resultantes da corrida armamentista, e o Tratado de
Mísseis Antibalístico (ABM), pelo qual ambas as superpotên-
instrumentos internacionais relativos a zonas livres
cias se comprometiam a manter sua vulnerabilidade a ata-
de armas nucleares em regiões daquele Hemisfério:
ques, a fim de evitar o MAD (destruição mútua assegurada).
Tratados da Antártica (1959), Tlatelolco (América Ainda na Guerra Fria, os EUA, ao anunciar a construção do
Latina e Caribe, 1967), Rarotonga (Pacífico Sul, 1985), escudo antimísseis (Iniciativa de Defesa Estratégica) nos anos
Bangkok (Sudeste Asiático, 1995) e Pelindaba (África, 1980, já rompiam com o ABM, o que Bush filho repetiria em
1996). Pela Resolução foi reconhecido o estatuto de 2002 ao retomar o projeto não instalado. Outros tratados do
desnuclearização para fins militares de quase todo período foram o SALT II (1979) não implementado.
o Hemisfério Sul, tendo sido feito apelo à conclusão Com o fim da Guerra Fria, as negociações bilaterais EUA
de iniciativas análogas em outras áreas do globo. e URSS prosseguiram até 1991, com a conclusão do START I
(GARCIA, 1998, s/p). (Tratado de Redução de Armas Nucleares). O desaparecimen-
to da URSS neste mesmo ano levou à dispersão do arsenal,
A maior transformação de teor e atitude ocorreu no o que gerou o Protocolo de Lisboa, para que o START incluísse
setor nuclear como analisado, desmontando o projeto de- Rússia, Belarus, Cazaquistão e Ucrânia.
senvolvido na década de 1970. Em 1996, o Brasil assinou o Depois de um período de baixa nas negociações devi-
CTBT e em 1998 formalizou sua adesão ao TNP (o PTBT fora do ao teor unilateral da presidência Bush, as negociações
assinado em 1963). Comparativamente, a China assinou o bilaterais foram retomadas. Como resultado, EUA e Rússia
CTBT no mesmo ano de 2006, mas não o ratificou, assim assinaram em Abril de 2010 o “Novo Start” que prevê, até
como os EUA. A Índia não é signatária do CTBT e nem do dezembro de 2012, a redução para cerca de 1.700 a 2.200
TNP, ao qual a China se comprometeu em 1992, a despeito as armas estratégicas das duas nações (o tratado fez parte
de suas posições críticas sobre o tema e contínuas acusações do relançamento do intercâmbio.
da comunidade internacional de que não cumpre suas de- O ano de 2010 também foi representativo do lançamento
terminações. Para o Brasil, contudo, a adesão em 1998 era da Iniciativa “Zero Global” pelo Presidente Obama, o Pre-
sidente Dmitri Medvedev da Rússia, o  Primeiro‑ministro
bastante representativa do novo papel via credibilidade que
britânico David Cameron, o  Primeiro‑ministro do Japão
buscava no sistema. As citações de Garcia e Correa ilustram
Yoshihiko Noda e o Secretário‑Geral das Nações Unidas
o debate e agenda, avaliando a posição do governo FHC, Ban Ki‑moon (GLOBAL ZERO, 2010). Começando pelo novo
START, a iniciativa tem com o objetivo a eliminação de todas
(...) amadureceu a percepção de que, estando o TNP as armas nucleares até 2030.
próximo a atingir a universalidade dos países, com Observa‑se, portanto, uma agenda diversificada de temas
185 membros, já não fazia mais sentido para um de segurança internacional no pós‑Guerra Fria, que impõem
país como o Brasil, que nada tem a esconder nessa inúmeros desafios à cooperação e coordenação de ação
matéria, seguir afastado das discussões sobre desar- entre os Estados. Para estes, a correlação entre soberania e
mamento, salvaguardas e outros temas, que ocorrem segurança continua um elemento essencial, mas que se torna
no âmbito do TNP e que são de interesse direto para cada vez mais vulnerável e sensível às ameaças correntes do
o país. A adesão a esses regimes, em última análise, cenário mundial.
garantirá ao Brasil acesso facilitado a tecnologias
sensíveis no campo nuclear para fins pacíficos, o que O BRASIL E AS COALIZÕES
não era possível ou era muito dificultado pelos países INTERNACIONAIS: O G-20, O IBAS E O
desenvolvidos que tinham dúvidas sobre as reais
intenções do país. Prevaleceu enfim, nesse campo, BRICS
a força histórica da mudança. (GARCIA, 1998).
O Sistema Financeiro Internacional
Avaliação similar é apresentada por Vargas, a  adesão
brasileira ao tratado era percebida “(...) como elemento para Assim como os arranjos políticos, as estruturas econô-
micas multilaterais têm suas origens no encerramento da
a integração do país nos diversos esforços em favor da não
Segunda Guerra Mundial, com a construção do sistema de
proliferação e como um reforço da posição do país como
Bretton Woods. Com as transformações do cenário inter-
interlocutor importante no debate de um tema central da
Política e Segurança

nacional, este sistema já foi sofrendo suas primeiras crises


agenda internacional”. (VARGAS, 1997). e mudanças desde a década de 1970, atravessando o fim
Todavia, como comprovado pela posição chinesa e india- da Guerra Fria e a crise econômica pós-2008. No contexto
na, o desenvolvimento da tecnologia não é contrário a uma do século XXI, as  fragmentações do sistema têm gerado
atitude de credibilidade e defesa da paz, com o país retoman- impactos sobre a eficiência do multilateralismo, como a
do seus projetos neste campo e uma visão de defesa nacional demanda por sua reforma e o surgimento de novos atores
compatível com a proteção de seu território e projeção de e canais de negociação. Neste campo, a atuação do Brasil
presença, como discutido. Assim, pode ser observado um é significativa, de defesa desta atualização do sistema e na
salto qualitativo neste campo no período recente reforçando participação em processos diferenciados como os “G20s”,
a autonomia, a segurança e a capacidade científica do país. comercial e financeiro.

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A OMC e o G20 Comercial Em 1995, a  finalização da Para isso, estabeleceu‑se o Acordo a Agricultura da OMC
Rodada Uruguai do  GATT (1986/1994) representou o en- (AA) como parte dos resultados finais da Rodada Uruguai
cerramento do mecanismo de negociações que estivera (comércio de bens). Sistematizando o balanço da Rodada,
vigente desde 1947. Na oportunidade, apesar dos esforços que foram delineados no Acordo de Marraqueche, Barral
internacionais para a criação de uma instituição internacional (2007) indica que
que pudesse estruturar o comércio, a mesma não consegui-
ra o apoio norte‑americano que optou pela instalação de Os principais resultados alcançados, substanciados
um mecanismo mais flexível de conversações baseado em no Acordo de Marraqueche foram: 1) um corte
rodadas. Ao  longo da história do GATT, três fases podem médio nas tarifas de 37% e o aumento das linhas de
ser identificadas: 1947 a 1961, focada no tema básico da produtos com tarifas consolidadas; 2) o aperfeiçoa-
redução das tarifas industriais em um momento de recu- mento dos instrumentos de defesa comercial com
peração no pós‑Segunda Guerra com as Rodadas Genebra a negociação de um Acordo sobre Salvaguardas e
(1947), Annecy (1949), Torquay (1951), Genebra (1956), o aperfeiçoamento dos Códigos Sobre Subsídios e
Dillon (1960/61); 1964 a 1979, em um cenário econômico Medidas Antidumping; 3) a integração dos produtos
mais complexo caracterizado pela recuperação e crise das agropecuários ao sistema multilateral de comércio e
economias industriais do Norte e a ascensão do Terceiro a redução das barreiras não tarifárias; 4) a incorpora-
Mundo e no qual ocorreu a Rodada Kennedy (1964/1967) ção dos produtos têxteis ao sistema multilateral de
e a Rodada Tóquio (1973/1979), período longo e de muitos comércio, com a eliminação do Acordo Multifibras
impasses. A Rodada Uruguai, por sua vez, revelou‑se como de 1974, em dez anos, a partir de 1995, obedecendo
uma das mais completas e abrangentes do sistema, caracte- ao calendário previamente acordado; 5) o estabe-
rizando- se pela polêmica relativa à inclusão do tema agrícola lecimento do Acordo Geral sobre o Comércio de
nas negociações do GATT, ausente destas rodadas desde Serviços (GATS) que se constitui o primeiro conjunto
sua fundação, as clivagens Norte‑Sul e a transformação da de normas que contempla esta matéria; 6) a garantia
dinâmica das negociações com o encerramento da Guerra dos direitos de propriedade intelectual através do
Fria em 1989. A questão agrícola, um dos pilares da OMC Acordo Sobre Direitos de Propriedade Intelectual
e base para a criação do G20 comercial em 2003, tem suas Relacionados com o Comércio (TRIPs); 7) a instituição
origens no debate comercial multilateral em 1986 com a cria- do Acordo Sobre Medidas de Investimentos Relacio-
ção do Grupo de Cairns. Tal tema permanece como central nadas ao Comércio (TRIMs); 8) o estabelecimento de
nas negociações da OMC e é parte estruturante do sistema, um novo Sistema de Solução de Controvérsias; 9) a
assim como as peculiaridades mencionadas sobre a Rodada definição de um mecanismo de Revisão de Política
Uruguai. Com isso, para compreender as atuais dinâmicas Comercial dos países membros; e 10) a criação da
da OMC, é relevante apresentar breves antecedentes e re- Organização Mundial do Comércio que iniciou suas
trospecto desta Rodada final do GATT. atividades em 1º de Janeiro. (BARRAL, 2007, p. 15).
Assim, retomando o processo a partir da criação do
Grupo de Cairns, desde sua fundação, a missão desta alian-
Abrangente, esta agenda trazia a promessa de lidar de
ça prévia é “a defesa de que mercados agrícolas livres de
forma mais equitativa com as demandas dos países em
subsídios e abertos ao comércio global são motores‑chave
desenvolvimento e dinamizar o comércio internacional.
do crescimento econômico e desenvolvimento”. Ou seja,
As  expectativas mais elevadas diziam respeito ao AA e,
seu propósito era inserir na pauta de negociações a questão
paralelamente sobre o TRIPs, TRIMs e de como se daria o
agrícola, ausente desde a fundação do GATT em 1947, com
funcionamento do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).
três pilares prioritários: subsídios à exportação, acesso a mer-
cados (barreiras tarifárias e não tarifárias), apoio doméstico à O primeiro ponto de estrangulamento surgiu já em 1995 no
produção. Desta forma, os primeiros anos da Rodada Uruguai âmbito da AA: no final da Rodada Uruguai, o prazo para a
foram caracterizados por uma significativa polarização entre negociação dos compromissos referentes à abertura e cor-
as posições deste grupo, do qual faziam parte países do Sul, reção de distorções no comércio agrícola foi estabelecido
incluindo o Brasil, que detinham vantagens comparativas em torno de seis a dez anos (países desenvolvidos e em
no setor agrícola, e as da agenda das nações do Norte, em desenvolvimento), iniciando em 1995. Porém, o estabeleci-
particular EUA e Europa Ocidental. mento da Cláusula da Paz em 1995 afeta substancialmente
Além de não apoiarem a abertura de mercados agrícola, estas possibilidades. Vigente de 1995 a Dezembro de 2003,
estas nações pressionavam as nações do Sul para concessões a  Cláusula da Paz definia que recursos (processos) não
nos setores industrial e de propriedade intelectual. O padrão poderiam ser abertos contra medidas antidumping e/ou
era de trancamento de pauta devido a estas divergências direitos compensatórios na área agrícola, estabelecendo
Norte‑Sul e a ausência de concessões ou mudança de posi- uma espécie de moratória que, na prática, beneficiava os
ções de cada um dos lados. Todavia, uma série de mudanças países desenvolvidos. A única exceção era o desrespeito ao
no contexto político‑econômico do sistema internacional Acordo sobre Agricultura.
trouxe um fim a este impasse, e que levou à finalização da Estas negociações caminhavam em detrimento dos países
Rodada em 1994. em desenvolvimento, cujas demandas permaneciam por
Tais mudanças, que esvaziaram o clima de confrontação, reciprocidade, justiça e abertura no campo agrícola.
Além disso, os países desenvolvidos intensificaram suas
Política e Segurança

foram compostas de três pilares: o fim da Guerra Fria em


1989, o Acordo de Blair House entre EUA e União Europeia pressões sobre estes parceiros. Somadas às prescrições
em 1992 (segundo o qual ambos se comprometiam com o do Consenso de Washington, agregaram‑se demandas por
mandato de negociações agrícolas e algumas concessões aberturas mais amplas do Sul nos chamados “setores novos”
mínimas) e as alterações de posição política das nações do (serviços, investimentos e compras governamentais) na OMC.
Terceiro Mundo. Nesta conjuntura, houve o encolhimento Outra frente adicional foi a inclusão de temas trabalhistas
das posições do Terceiro Mundo em um momento‑chave e ambientais nas discussões comerciais, alegando que a
de encerramento da rodada, que foi caracterizado por suas competitividade dos países em desenvolvimento derivava de
concessões ao Norte, com previsão de futuras conversações práticas domésticas ilegais no trato do meio ambiente, dos
sobre estes temas sensíveis. direitos humanos e da agenda social (como, por exemplo,

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a Cláusula Social na OMC e na Organização Internacional de dos interesses nacionais e dos propósitos compartilhados
Trabalho). Como resultado destes encaminhamentos, as duas com seus parceiros para o funcionamento de um sistema
primeiras reuniões ministeriais da OMC, Cingapura (1996) e comercial cada vez mais justo. Conforme documento do
Genebra (1998), terminaram em impasse. Tentando reverter MRE, o objetivo do Mecanismo de Solução de Controvérsias
este quadro de esvaziamento, a preparação do próximo en- da OMC é reforçar a observância das normas comerciais
contro revestiu‑se de um discurso positivo e de renovação multilaterais e a adoção de práticas compatíveis com os
da OMC, simbolizado na “Rodada do Milênio”. O encontro acordos negociados. Não há o propósito de punir membros
de Seattle foi apresentado como “decisivo” para o futuro das pela adoção de práticas consideradas inconsistentes com as
negociações multilaterais e da própria OMC. regras da OMC.
Durante todo o ano de 1999, esta agenda carregada e O sistema abrange as seguintes etapas: Consultas, Esta-
condicionada foi sendo administrada pelos Estados mem- belecimento do Painel, Etapa Intermediária de Exame, Ado-
bros. Esta dinâmica resistiu apenas ao início da reunião, ção do Relatório do Painel, Apelação, Adoção do Relatório do
realizada em um contexto de críticas e questionamentos Órgão de Apelação, Implementação das Recomendações do
tanto da direita quanto da esquerda. O fim dos anos 1990 e OSC, Compensações, Retaliações e Arbitragem. Até agosto de
a Reunião de Seattle marcam duplamente a intensificação 2012, o Brasil esteve/está envolvido em 111 casos no OSC:
dos protestos antiglobalização nos países desenvolvidos e o 26 como demandante (complainant), 14 como demandando
ressurgimento das alternativas de esquerda. (respondent) e 71 como terceira parte (third party). No final
Da parte dos países desenvolvidos, intensifica as pressões deste subitem apresenta‑se uma tabela resumida destes
citadas no campo social, ambiental e de proteção a suas casos, com foco nos quais o Brasil é o ator central (deman-
economias (respondendo a suas dificuldades domésticas), dando e demandante).
o que paralisa a pauta de discussões para o mundo em desen- Desta forma, o Brasil procurou manter‑se ativo nas duas
volvimento, ainda desarticulado. A violência dos protestos dimensões do sistema, a de solução de controvérsias, e a
de rua, as tensões entre os Estados membros, a ausência de conferências ministeriais no bojo da RDD. Existe uma
de consenso colocam em xeque o futuro da OMC. Em uma significativa interdependência entre ambas, visto que a
situação que os impasses superavam os acordos, as nego- continuidade dos contenciosos e a sua abertura indicam
ciações comerciais entram em uma era de desconfiança e que as regras estabelecidas no sistema multilateral não
vácuo de liderança. vêm sendo adequadamente cumpridas por seus membros,
O próximo biênio 1999/2001 representou uma razoável postura que se repete em nível macro nas conferências. Em
paralisia nas negociações multilaterais por conta destes tais conferências, a dificuldade em se encontrar consensos
impasses prévios, agravados pela ascensão de Bush filho no que se refere aos temas‑chave, abertura, reciprocidade,
ao poder e sua postura unilateral. Os atentados de 11/09 revelam difíceis equilíbrios Norte‑Sul e que se tornaram
pareciam somente agravar esta situação, com o sistema mais complexos com a assertividade Sul, o reordenamento
internacional retomando um padrão focado em segurança. de poder e a crise econômica global. Especificamente para
Todavia, com os atentados e a breve retomada do mul- o Brasil, isto se reflete na sua participação ativa e liderança
tilateralismo pela presidência Bush filho para lidar com a em grupos negociadores: Grupo de Cairns, Mercosul, G20
construção de suas alianças na GWT inseriu um ponto de comercial NAMA-11 (Economias Pequenas e Vulneráveis),
inflexão nas negociações comerciais. Em novembro de 2001, FANs (Amigos das Negociações A‑D), W52 Sponsors.
realizou‑se em Doha mais uma Reunião Ministerial da OMC, No período de 2001 a 2003, entre o lançamento da RDD
que lançou a Rodada Doha do Desenvolvimento (Rodada do em Doha e a V Reunião Ministerial de Cancun o aprofunda-
Desenvolvimento ou simplesmente RDD). mento destas tendências ao Sul, associadas às resistências
Após o fracasso de Seattle, Doha representou uma espé- do Norte em mudar suas posições levou a uma estagnação
cie de renascimento da OMC e uma demonstração de boa relativa do quadro negociador. Em 2003, esta situação tor-
vontade dos EUA em comprometer‑se com os interesses dos nou‑se mais clara, assim como o novo padrão de articulação
países em desenvolvimento no setor agrícola e na reavalia- entre as nações do Sul, a partir da criação do G20 comercial.
ção de algumas políticas de acesso a medicamentos para Aliança de geometria variável articulada sob a liderança do
programas de saúde pública que envolve a OMS (associado
Brasil na gestão do Presidente Lula, o G20 comercial refletia
ao projeto brasileiro de combate ao HIV/Aids e as disputas
a preocupação dos países em desenvolvimento (emergentes
sobre preços, quebra de patentes e genéricos, que contam
e de menor desenvolvimento relativo) com a ausência de
com o apoio da Índia e países africanos).
avanços nas negociações do setor agrícola.
Também se procurou estabelecer um cronograma de
Além disso, trazia implícito um questionamento das
negociações e compromissos. Entretanto, mais uma vez,
o processo esvaziou‑se na medida em que os EUA recuaram posturas moderadas do Grupo de Cairns desde a sua criação
em suas posições, reforçaram seu bilateralismo comercial e a neste campo.
UE não alterou sua agenda. Segundo o Comunicado Ministerial do Grupo,
Entretanto, poucos eram os que se arriscavam a afirmar
o insucesso da RDD (ainda em andamento até agosto de Participante‑chave nas negociações agrícolas, o Gru-
2012), seja entre os países desenvolvidos como entre  os po decidiu tabular uma proposta quadro (documento
em desenvolvimento. No que se refere a este grupo, po- WT/ MIN (03/W/6) com vistas a tornar o processo
negociador mais inclusivo e equilibrado, tendo
Política e Segurança

rém, a mudança da agenda de política externa em busca de


maior autonomia e o reforço de poder de barganha nacional presente a necessidade de respeitar plenamente o
devido ao crescimento econômico (China e Índia) levou a nível de ambição do Mandato de Doha. (Comunicado
uma alteração de suas posições táticas. No caso brasileiro, Ministerial do Grupo dos 20 in GARCIA, 2008, p. 709).
ainda no governo FHC, iniciou‑se um processo sistemático
de abertura de contenciosos na OMC, que se mantém de Adicionalmente,
forma sustentada nos governos seguintes do Presidente Lula
e da Presidente Dilma. Assim, o país possui papel destaque Os Ministros do G20 encontraram‑se hoje em Cancun
no mecanismo de solução de controvérsias (MSC) da OMC, durante a preparação à Conferência Ministerial da
em seu Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) na defesa OMC. Expressaram seu compromisso com o resulta-

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do exitoso da V Conferência Ministerial e reiteraram regular do cumprimento do acordo. O processo continua em
que a agricultura constitui a peça central da Rodada andamento em Agosto de 2012, na medida em que políticas
de Doha. O G20 é um grupo informal de países em internas norte‑americanas podem levar à retomada da ajuda
desenvolvimento que surgiu em Genebra durante os a produtores internos e a suspensão do fundo.
estágios finais da preparação para Cancun. O Grupo Desta forma, prevalece a incerteza no cumprimento das
constitui boa amostra dos membros da OMC e com- normas da OMC, que expõe as dificuldades do sistema, eque
preende uma parcela substancial da população, da se tornam cada vez mais presentes em um cenário de crise
produção e do comércio agrícolas mundiais: 63% de econômica. Apesar das declarações pró‑multilateralismo de
todos os agricultores e 51% da população mundial diversos líderes mundiais, seja em escala global ou regio-
vivem nos membros do Grupo. Os países do Grupo nal, prevalecem instabilidades no sistema comercial. Uma
também são responsáveis por cerca de 20% da pro- vez que o tema detém forte ligação doméstica, quaisquer
dução agrícola mundial, 26% da exportação agrícola compromissos demandam ações políticas que nem sempre
total e 17% de todas as importações mundiais de são a opção preferencial dos envolvidos, o que aprofunda
produtos agrícolas. Existe uma inegável relação tendências de protecionismo e unilateralismo no setor co-
entre agricultura e desenvolvimento. (Comunicado mercial (e, no geral, no setor econômico), com perspectiva
Ministerial do Grupo dos 20 in GARCIA, 2008, p. 709). de curto prazo. Com isso, a opção é pelo estabelecimento
de projetos mais ligados a grupos de interesse internos, de
Esta posição consolidou‑se em torno das demandas de tratados bilaterais de baixo custo para o parceiro dominante,
acesso aos mercados dos países desenvolvidos no setor o que leva ao cenário denominado de spaghetti bowl, com a
agropecuário, no qual estas nações detêm vantagens com- sobreposição de todas estas iniciativas, muitas vezes em
parativas e preços competitivos, compromisso pendente contradição com as regras multilaterais da OMC.
desde a criação da OMC. Associada a esta demanda, havia O descompasso entre as realidades de poder geopolí-
o compromisso de que concessões nos “novos setores” que ticas e geoeconômicas nestas estruturas, que se somam às
vinham sendo objeto de pressão dos desenvolvidos desde já existentes assimetrias de poder e clivagens de interesse
1995 somente seriam negociadas na base da reciprocidade. Norte‑Sul, somente reforça o quadro de paralisia e estag-
Diferente do esperado pelos países desenvolvidos, o G20 nação destes instrumentos de coordenação e cooperação
não “rachou” durante Cancun apesar de algumas deser- entre os EUA. Uma vez que a base do multilateralismo, des-
ções e de divergências normais. Com isso, as negociações de suas origens, encontra‑se na tríade representatividade,
naturalmente travaram uma vez que nenhum dos blocos, legitimidade e eficiência, colocam‑se relevantes pressões
Norte ou Sul, estava disposto a realizar concessões. Além sobre estes mecanismos comerciais. Estas pressões não são
da “novidade” de não haver o racha, o G20 representou o exclusivas da arena OMC, sendo comuns a quase totalidade
fim das concessões sem reciprocidade. Nem avanços, nem das estruturas multilaterais, como visto no caso da ONU,
recuos, portanto, resultaram da reunião de Cancun. Neste e  analisado na sequência sobre as interações do sistema
sentido, apesar das divergências de opiniões, pode‑se dizer econômico‑financeiro global.
que Cancun terminou em “empate técnico”.
A fim de retomar uma dinâmica positiva, após Cancun O Sistema de Bretton Woods e o G20 Financeiro
foram retomadas conversações no âmbito de um G4 entre
Brasil, EUA, União Europeia e Japão tentando encontrar A intensidade e a crise econômica iniciada em 2008 nos
soluções de compromisso. O primeiro teste desta dinâmica EUA, a sua expansão à zona do euro e os efeitos trazidos de
ocorreu em Hong Kong, na Reunião Ministerial de 2005, mas, diminuição do crescimento do eixo BRICS, elevaram nova-
mais uma vez, o impasse prevaleceu. E, novamente, as previ- mente os questionamentos sobre a funcionalidade, represen-
sões do racha do G20 não se consolidaram, o que demonstrou tatividade e legitimidade do sistema de Bretton Woods. As-
a coesão do grupo e o fortalecimento dos emergentes, em sim como a estrutura de governança política, a econômica foi
comparação aos sinais de crise ao Norte. A partir de 2007 a criada no encerramento da Segunda Guerra Mundial, visando
eclosão desta crise, ainda em andamento somente trouxe estabelecer mecanismos de cooperação e coordenação entre
mais empecilhos às negociações comerciais, com a VI e VII os Estados. Todavia, estes questionamentos que emergem
Reuniões Ministeriais da OMC de 2009 e 2011 realizadas em em 2008 são parte de um processo de crise iniciado já na
Genebra sendo representativas desta estagnação. década de 1970 que alteraram significativamente a lógica de
Tal estagnação estende‑se ainda, à aplicação das resolu- Bretton Woods. Naquele momento, o sistema já sofreu um
ções da OMC em contenciosos específicos: mesmo quando processo inicial de ajuste, resultante das transformações das
um país obtém uma vitória em um contencioso, existem inú- dinâmicas do capital internacional e do reordenamento de
meras dificuldades para que sejam cumpridas as resoluções poder global. O ajuste, porém, inseriu novos componentes
da OMC. O caso do contencioso entre Brasil e EUA no setor de inflexão no sistema e que levaram a crises ao longo da
de algodão, ainda em andamento, é um exemplo. década de 1990 e às tensões renovadas do fim da primeira
Apesar do ganho de causa inicial do Brasil em 2002, a con- década do século XXI. Atualmente, as crises do século XXI
firmação da decisão da OMC, o Brasil buscou, e conseguiu, remetem não só às dinâmicas de coordenação entre os
uma autorização de retaliação em cerca de U$ 830 milhões Estados no setor econômico, mas também à participação e
em 2009 devido ao não cumprimento do acordo pelos EUA. representação destes Estados dentro das mesmas.
Política e Segurança

Mesmo assim, os EUA não cumpriram a resolução e o Em suas origens, os  pilares de Bretton Woods tinham
Brasil divulgou uma lista de produtos que seriam retaliados. como objetivo conduzir o processo de reconstrução pós‑con-
Em resposta, os EUA propuseram estabelecer um fundo de flito e gerar dinâmicas de longo prazo para a administração
ajuda aos produtores brasileiros (U$147 milhões gerenciados das relações econômicas internacionais. Para isso, foram
pelo Instituto Brasileiro do Algodão/IBA) em Maio de 2010 e estabelecidos o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
em junho de 2010 foi estabelecido o “Acordo‑Quadro para Banco Mundial, assim como do padrão ouro‑dólar.
uma Solução Mutuamente Acordada para o Contencioso do Também se encontrava prevista a criação de uma orga-
Algodão na Organização Mundial do Comércio (WT/267)”, nização internacional para a arena comercial que, não pode
do qual resultaram mecanismos de consultas e verificação ser estabelecida devido às resistências norte‑americanas,

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e foi substituída pelas rodadas comerciais do GATT (sendo refluxo da economia dos EUA ao longo da década de 1990,
a OMC criada somente em 1995). Neste contexto, tanto também se observaram importantes desequilíbrios na Ásia,
o FMI quanto o Banco Mundial auxiliavam as nações em América Latina e nas citadas transições do Leste Europeu.
seus processos de recuperação por meio de empréstimos Mesmo assim, não foram realizados ajustes nas estruturas
e a regulação do sistema financeiro internacional. Por sua de governança internacional, como também se manteve o
vez, o padrão ouro‑dólar estabelecia o dólar como moeda domínio do dólar como moeda de reserva. Na avaliação de
de reserva internacional, lastreada no ouro: assim U$ 35 Belluzzo (2009),
valeriam uma onça troy de ouro (31,1g). Todas as moedas
participantes do sistema seriam conversíveis, sendo a parida- os EUA, usufruindo do seu poderoso sistema finan-
de estabelecida com o dólar. As taxas de câmbio eram fixas. ceiro, podem impor a dominância de sua moeda,
O mecanismo é assim descrito pelo site do FMI, afirmando mesmo exibindo um déficit elevado e persistente em
que os países “concordaram em manter suas taxas de câmbio conta‑corrente e uma posição devedora externa. Isto
fixas (o valor de suas moedas em relação ao dólar e, no caso significa que os mercados financeiros estão dispos-
dos EUA, em relação ao ouro)”. tos a aceitar, pelo menos por enquanto, que os EUA
Entretanto, devido ao aprofundamento da crise eco- exerçam, dentro de limites elásticos, o privilégio da
nômica nos EUA no início da década de 1970 levou à que- seigniorage. Assim, os capitais de curto prazo con-
bra do padrão ouro‑dólar na medida em que o governo tam, nos EUA, com um mercado amplo e profundo
norte‑americano passou a emitir moeda sem lastro. A crise que funciona como porto seguro nos momentos de
era composta por três elementos: a Guerra do Vietnã, que grande instabilidade ou quando a confiança fraqueja
demandava maiores recursos por parte dos EUA projetarem em outros mercados. A  existência de um volume
seu poder militarmente, o aumento dos preços do petróleo respeitável de papéis do governo americano, repu-
(que levaram à primeira crise de 1973) e o incremento da tados por seu baixo risco e excelente liquidez, tem
competição das economias capitalistas da Europa Ociden- permitido que a reversão dos episódios especulati-
tal e do Japão, que haviam consolidado sua recuperação e vos, com ações, imóveis ou ativos estrangeiros, seja
competiam diretamente com os norte‑americanos. Neste amortecida por um movimento compensatório no
contexto, o governo Nixon anunciou a suspensão temporária preço dos títulos públicos americanos. (BELLUZZO,
da convertibilidade do dólar em ouro, que, na realidade, 2009, p. 168).
converteu‑se em suspensão definitiva.
Com isso, o sistema de taxas de câmbio fixas foi substi- A crise de 2008 expôs novamente as contradições deste
tuído pelas taxas flutuantes. sistema, como a necessidade de que sejam alterados os
Somado a esta realidade, o processo de desregulamen- processos internos de formulação de políticas e tomada
tação do setor bancário incrementava o processo de finan- de decisão de organismos como o FMI e o Banco Mundial.
ceirização do capital em detrimento da produção. Apesar de ambos terem formalmente revisto suas missões
Apesar da crise da hegemonia dos EUA, eram as empresas em direção a facilitar a ajuda a países em crise (FMI) e inserir
e bancos norte- americanos que controlavam este processo preocupações sociais na implementação de programas de es-
e o país ainda se beneficiava do contexto da Guerra Fria e tímulo ao desenvolvimento, de teor sustentável, e visando a
dos temas de segurança. Assim, o dólar permaneceu como redução da pobreza (Banco Mundial), a questão da represen-
referencial desta nova dinâmica. Ilustrando este processo, tatividade dentro destes organismos e da regulamentação do
Milan aponta que, sistema econômico global indica a necessidade de reformas.
Na última década, estas reformas têm sido abertamente
O dólar se converteu na moeda internacional de re- defendidas devido à repetição das crises e à mudança do
serva, dando‑lhe grande vantagem e o tornando uma quadro geopolítico e geoeconômico do poder mundial. Este
fonte de poder para a economia norte‑americana (…) reordenamento de poder reflete‑se na ascensão das nações
a transição de um sistema cambial fixo para um regi- emergentes nas negociações para a superação da crise
me flutuante fizeram com que os mercados de moeda contemporânea e a defesa do G20 financeiro como fórum
e de crédito internacionais se tornassem mais volá- preferencial destas negociações.
teis. A resposta dos mercados financeiros se seguiu Apesar de sua recente visibilidade, a criação do G20 finan-
com a criação dos derivativos, cujas transações, em ceiro data de 1999, sendo derivada da crescente percepção,
sua maioria, ocorrem em dólares norte‑americanos. principalmente da parte dos países do Sul, da inadequação
Ao  mesmo tempo, a  crescente importância dos entre os organismos e alianças vigentes para dar conta dos
mercados e instrumentos financeiros controlados desafios da ordem econômica global. A crítica, neste sentido,
pelos EUA, traduziu‑se em uma disparidade entre não se referia somente ao sistema de Bretton Woods, mas
a economia real e financeira, contribuindo para um também ao G7,que se tornou G8 com a incorporação da
aumento da especulação em escala global e o aumen- Rússia, mas que não abriu espaço similar para nações como
to da fragilidade financeira. (MILAN, 2012, p. 126). China, Índia, Brasil e África do Sul dentre outras (que eram
convidadas a participar das reuniões como observadoras,
Estas realidades, associadas à aceleração dos fluxos mas sem que se discutisse de forma concreta a expansão
Política e Segurança

financeiros e o surgimento de novas tecnologias somente para um eventual G10, G13, dentre outras variantes).
acentuariam as disparidades na economia global. Nos anos A constituição do G20 em 1999 representa uma solução
1980, o sistema ainda sofreria com uma nova crise do petró- “intermediária” para a conciliação entre o G7 (e mesmo
leo (1979) e a da dívida externa, que atingiu as nações em entre o G77) e estas novas nações do Sul, que compõem
desenvolvimento. O papel do FMI ganhou cada vez mais re- o grupo dos emergentes. Assim, o  propósito do G20 era
levância neste contexto, assim como do Banco Mundial. Com apresentar uma estrutura mais equilibrada entre o Norte e
o fim da Guerra Fria em 1989, a emergência do Consenso de o Sul. Recuperando suas origens, é interessante mencionar o
Washington e a transição das economias do leste europeu ao contexto no qual o grupo surgiu segundo a própria página
capitalismo trouxeram novos desafios ao sistema. Além do oficial do grupo:

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O G20 foi criado como uma resposta à crise financeira elevada expectativa que cercavam a nova gestão democrata,
do final dos anos 1990 e ao crescente reconheci- derivada das promessas de Obama durante a campanha
mento de que países de mercado emergentes chave para recuperação do multilateralismo e alianças indicavam
não eram adequadamente incluídos no núcleo da a possibilidade de que mudanças reais pudessem acontecer.
discussão econômica global e de governança (...) Como resultado, a  “Declaração da Cúpula sobre os
reflete os interesses diversos (...) Possui alto grau Mercados Financeiros e a Economia Global” refletiu a
de representatividade e legitimidade devido a sua preocupação dos líderes dos países desenvolvidos e a
composição geográfica (membros de todos os conti- nova posição dos emergentes. A Declaração inicia com um
nentes), sua larga proporção de população (2/3) e do diagnóstico das raízes da crise de 2008, atribuindo‑a à falta
PIB mundial (cerca de 90%). A ampla representação de regulação dos mercados, a desconsideração dos riscos
de países em diferentes estágios de desenvolvimento em operações financeiras e à ausência de coordenação de
do G20 fornece peso maior aos seus consensos do políticas macroeconômicas entre as nações. A fim de superar
que aos do G7. estas deficiências era preciso seguir uma extensa pauta de
prioridades que incluíam a do crescimento global e a reforma
Além disso, a  emergência do G20 é relacionada em dos sistemas financeiros, associadas a melhoria de indica-
1999, assim como a elevação do seu status em 2008, a um dores sociais (emprego e redução da pobreza) e comerciais
momento de inflexão do capitalismo global, cujas crises (abertura e reciprocidade).
cíclicas aumentam de intensidade no pós‑Guerra Fria e Além disso, era ressaltada a relevância da reforma do
tornam‑se cada vez mais frequentes. Desde suas origens, multilateralismo e a preocupação com a coordenação de
o grupo procurou diferenciar‑se por conta de seus objetivos ações entre as nações para a superação da crise.
de regulação e membros de seus antecessores. O grupo é Em Abril de 2009, a realização do segundo encontro de
composto pelos Ministros das Finanças e os Presidentes dos líderes em Londres, Grã‑Bretanha, já com a presença de
Bancos Centrais dos seguintes países (até outubro de 2009): Barack Obama, deu continuidade a estes esforços ainda em
Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, um elevado clima de otimismo. Na oportunidade foi lançado
Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, Arábia o “Plano Global de Recuperação e Reforma”. O Plano previa
Saudita, África do Sul, Coreia do Sul, Turquia, Grã‑Bretanha um estímulo adicional de U$ 850 bilhões para a estabilização
e EUA. A dinâmica envolve reuniões de Chefe de Estado e dos países em crise e a retomada do crescimento. Este valor
de Grupos de Trabalho visando a realização dos seguintes teve uma contribuição significativa dos países emergentes
objetivos: (incluindo a do Brasil com cerca de U$ 10 bilhões), aos quais
• fortalecimento da transparência e da responsabilidade; se sinalizou a reforma dos organismos financeiros interna-
• incremento da regulação eficiente; cionais. Em resposta às demandas já apresentadas pelas
• promoção da sustentabilidade dos mercados financeiros; nações emergentes, reafirmou‑se a relevância da atualização
• reforço da cooperação internacional; do sistema visando sua maior representatividade. Um dos
• reforma das instituições financeiras internacionais. principais compromissos neste sentido foi o dos EUA, que
ainda, com Obama, ressaltaram a importância do G20 como
novo fórum de negociações, da elevação do peso da agenda
Todavia, o consenso sobre a necessidade destas medi-
social e do estabelecimento de coordenação macroeconô-
das era baixo, assim como os países emergentes estavam
micas entre os Estados. Entretanto, pouco após a reunião,
em processo de consolidação de suas economias e de um
atitudes unilaterais do Federal Reserve, com a emissão de
perfil externo autônomo, o que limitava sua capacidade de
mais moeda nos EUA, já indicaram que este caminho de refor-
projeção de poder na criação do organismo. Por outro lado,
mas era menos concreto que as aparências pareciam sugerir.
as nações do Norte continuavam dominantes no processo,
Em resposta a estas dificuldades e à inércia das refor-
com a preservação da influência do eixo EUA‑Europa Ociden- mas (apesar do aumento das contribuições do Sul às novas
tal. A Europa Ocidental vivia a euforia dos estágios iniciais linhas de crédito e à manutenção do crescimento de suas
da implementação da zona do euro e os EUA a expansão economias), os emergentes convocaram, em julho de 2009,
econômica da Era Clinton. A preferência de ambos era pela a I Cúpula dos BRIC. O objetivo era demonstrar a coesão do
coordenação das ações no G7/G8. Assim, de 1999 a 2008, grupo em torno das agendas do G20 financeiro, e demais
o papel desempenhado pelo G20 financeiro era de coadju- arenas multilaterais. Esta unidade de posição refletiu‑se
vante nas negociações econômicas multilaterais. na reunião seguinte do G20 financeiro, ainda em Setembro
Somente a crise de 2008, que demonstrou a vulnerabili- de 2009, na cidade de Pittsburgh (EUA). Um dos principais
dade do núcleo ocidental e a maior resistência do Sul elevou resultados da III Cúpula foi o lançamento da “Estrutura para
as perspectivas do G20 financeiro. A demanda das nações um Crescimento Forte, Sustentável e Equilibrado”. Os temas
emergentes para que as negociações fossem conduzidas do crescimento, reforma do sistema multilateral, maior
em um fórum alternativo aos tradicionais refletiu em uma regulação dos mercados financeiros novamente estiveram
nova triangulação multilateral G20 financeiro, FMI e Banco presentes nas negociações.
Mundial sendo que, destes três fóruns, o  G20 financeiro De certa forma, pode‑se indicar que os pacotes de estí-
consolidou‑se como preferencial. Devido à profundidade da mulo puderam promover uma recuperação dos padrões de
crise, e as pressões sobre os emergentes para contribuírem crescimentos nos países mais afetados pela crise, incluindo
com mais fundos financeiros para os programas a de ajuda
Política e Segurança

os EUA e nações da zona do euro. Esta recuperação se man-


e resgate, mesmo os EUA e a Europa Ocidental apoiaram teve, ainda que com dificuldades, ao longo de 2010. A ex-
esta “mudança” de fórum e nova dinâmica de coordenação pectativa dos emergentes era de que esta maior estabilidade
de políticas. A convergência destas posições do Norte e do internacional levasse ao avanço das discussões de caráter
Sul para encontrar caminhos diferenciados resultou I Cúpu- mais estrutural e sistêmico. Assim, a IV Cúpula em Toronto
la dos Líderes do G20 em novembro de 2008, Washington. (Canadá) e a V Cúpula em Seul (Coreia do Sul) refletiram
Realizado após a confirmação da eleição de Barack Obama este novo contexto.
como Presidente dos EUA, este encontro teve como principal Na IV Cúpula o tema central foi a sustentação deste
objetivo estabelecer uma agenda para futuras negociações. processo de recuperação, com destaque à ação dos Bancos
A  situação de transição do governo norte‑americano, e  a de Desenvolvimento Multilaterais (MDBs) como o Banco

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Interamericano de Desenvolvimento e seus similares na a autonomia de políticas econômicas que fogem do
Ásia, África e o próprio Banco Mundial. No caso do Banco consenso que prevaleceu nas últimas décadas (...) o
Mundial, também foram fechados acordos no sentido de fortalecimento do grupo no FMI pode contribuir para
reformar o seu sistema de votação para refletir o novo a multilateralização de fato da instituição, tanto pela
equilíbrio de poder mundial na arena econômica, pauta incorporação de condicionalidades aos empréstimos
dos emergentes. Por fim, a  partir de Toronto a agenda aos países centrais como pela adequação das cotas
tornou‑se mais abrangente, incluindo, como é definido ao peso dos emergentes. Esta agenda, ademais,
pelo fórum “compromissos em áreas não financeiras”, como deve ser perene no grupo enquanto perdurarem as
meio ambiente (mudança climática), desenvolvimento  de perspectivas de estagnação dos países centrais e de
novas alternativas energéticas e a eliminação de subsídios crescimento nos emergentes, especialmente com a
a combustíveis fósseis ineficientes. Adicionalmente, foram perspectiva de maior abertura econômica promovida
lançados os “Princípios para Inclusão Financeira Inovadora”. com o ingresso da Rússia à OMC. (LIMA e CASTELAN,
(The G20 Toronto Summit Declaration, 2010, s/p). A reforma 2012, p. 136).
do sistema de quotas do FMI, o lançamento de um plano an-
ticorrupção, para o crescimento compartilhado e integridade De uma forma geral, o que se observa é a permanência
dos mercados foram temas do V Encontro. de um cenário paradoxal, no qual os EUA ainda mantêm
Para os emergentes, porém, estas medidas, principal- sua hegemonia econômica, apesar das crises, uma vez que
mente as de reforma na governança ainda eram lentas e pou- o dólar permanece como moeda de reserva no sistema
co abrangentes. Igualmente, a desaceleração do crescimento internacional. Todavia, o  deslocamento do eixo dinâmico
nos EUA e na zona do euro, o aumento da dificuldade dos da economia mundial ao Sul demonstra que os países dos
emergentes com diminuição de seus índices de crescimento BRICS desempenham um papel relevante no sistema que
indicavam que as políticas de recuperação apresentavam tem potencial para alterar esta situação, principalmente a
dificuldades. A VI Cúpula de Cannes (França) em novembro partir do desenvolvimento chinês. Entretanto, como anali-
de 2011 já ocorreu dentro deste novo contexto, buscando sado, a situação da China é ainda sensível às alterações de
novamente alternativas para o crescimento. poder norte‑americanas, seja por sua capacidade geopo-
A Declaração final da Cúpula “Construindo um Futuro lítica, como pela relação de interdependência econômica
Comum: Ação Coletiva Renovada para o Benefício de Todos” entre os dois Estados. Trata‑se, portanto, de um processo
reflete esta realidade, apresentando uma reafirmação dos em andamento, na qual a coordenação de políticas entre
compromissos com o crescimento e a superação da crise as nações do Norte‑Sul será essencial para a superação da
social elencados como prioridades desde 2008. Em Junho de crise, a retomada do crescimento e a maior atenção às ques-
2012, a VII Cúpula em Los Cabos, México, volta, mais uma tões sociais. Neste contexto, o G20 financeiro surge como
vez a estes temas, em particular ao binômio emprego‑cres- um fórum essencial de cooperação, em associação com a
cimento, regulação dos mercados financeiros e reforma, atualização e democratização do FMI e do Banco Mundial,
com a alocação de novos recursos para o resgate e estímulo o que permitirá elevar os padrões de governança da ordem
de nações em crise. Como pano de fundo a estas medidas, econômica global.
a ausência de recuperação na crise do euro e o agravamento
da situação da Grécia, de Portugal e da Espanha. A solução O BRASIL E A AMÉRICA DO SUL
europeia para a crise muitas vezes contrasta com as reco-
mendações de crescimento, emprego e proteção social das Desde os anos 1970, a política externa brasileira inten-
políticas do G20, uma vez que se baseia não no aumento dos sificou seus esforços de aproximação bilateral e integração
investimentos públicos para estimular a economia, mas sim no espaço sul‑americano, buscando oferecer perspectivas
no oposto: i.e no corte de gastos públicos, que tem gerado construtivas e independentes de cooperação a seus vizinhos.
maiores problemas sociais, desemprego e desencanto. Parte deste esforço envolvia (e envolve) eliminar duas fontes
Em tal contexto, elevaram‑se os questionamentos da constantes de debate sobre o papel nacional na América do
parte dos emergentes do porquê dos entraves nestes pro- Sul, referentes às hipóteses de que o país “estaria de costas”
cessos de coordenação macroeconômica e regulação dos para seu continente e que dentro dele exerceria uma ação
mercados, acordados no G20. Paralelamente, observou‑se imperialista (própria e no âmbito do subimperialismo como
também a diminuição dos compromissos dos EUA com o representante dos EUA).
G20 financeiro, e a diminuição da retórica proativa da gestão Contraditórias, uma vez que apontam tendências
democrata, pressionada pela lenta recuperação interna e à opostas, o  distanciamento e o expansionismo local, estas
sombra das eleições presidenciais de novembro de 2012. hipóteses revelam parte das dificuldades da cooperação
Esta situação se refletiu em um maior adensamento do BRIC sul‑americana, relacionadas ao seu equilíbrio e assimetrias
(e a sua transformação em BRICS) para a coordenação de de poder. Depois de um período de refluxo nos anos 1990,
políticas econômicas, aumento de sua cooperação intrabloco o  PIB brasileiro recuperou‑se consideravelmente, na faixa
e apresentação de uma pauta comum. de U$ 2.5 bilhões, oscilando entre a sexta e sétima posição,
Realizando um balanço destes esforços, Lima e Castellan e corresponde a quase metade do PIB geral da América do
(2012) indicam que, Sul. Estas diferenças, as oscilações e pressões das crises so-
cioeconômicas atravessadas pela região atuam como fator
Política e Segurança

A despeito das diferenças entre os grandes países inibidor da construção das parcerias autônomas, somadas à
periféricos, estas diversas instâncias de concertação, ação norte‑americana. No Brasil, também surgem avaliações
em particular os BRICS, revelam os espaços que estes de que as parcerias com as nações menores da região seriam
países e o Brasil em particular vêm conquistando prejudiciais à ação global, argumento enganoso que ignora
no processo de mudança institucional envolvendo os potenciais locais e a importância da base continental.
alguns dos procedimentos e normas nos âmbitos da Apesar destes dilemas, o Brasil e a América do Sul têm
regulação comercial e financeira internacional. (...) conseguido reforçar seus laços intrarregionais por meio de
o poder de veto  que os BRICS obtiveram no G-20 interações diplomáticas conjuntas. Ainda que não se possa
Financeiro foi importante para que resguardassem negar o papel destacado de liderança brasileira no processo,

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sem a aproximação dos vizinhos, o processo não caminha- particular nos anos 1970. No escopo deste texto, não cabe
ria tão positivamente. No longo prazo, a sua consolidação retomar todo o histórico destas relações Brasil‑Cone Sul,
envolve a solidez da base continental como plataforma de trazendo o recuo até a década de 1970, na qual se originam
projeção internacional de suas nações e o aproveitamento as iniciativas presentes (observando‑se somente suas linhas
de vantagens comparativas locais. No curto e médio prazo, gerais), com foco no período atual.
estes resultados já se fazem perceber ainda que, como citado, Durante os anos 1970, depois de um período inicial de
não estejam livres de contradições. reaproximação e realinhamento com os EUA com Castelo
Dentre estas contradições inserem‑se a opção pelo Branco (1964/1967), os  esforços da diplomacia brasileira
neoliberalismo e a reaproximação de caráter subordinado para o Cone Sul são divididos em duas fases: 1967 a 1974,
com os EUA que caracterizaram a região nos anos 1990 e os correspondente aos governos Costa e Silva e Médici e 1974
efeitos negativos que estas políticas trouxeram para o con- a 1984 de Geisel e Figueiredo. A época de Costa e Silva e
tinente nos âmbitos externo e interno. Apesar do encolhi- Médici (1967/1974) foi caracterizada por iniciativas no âm-
mento gerado por estas opções, esta é uma alternativa que bito do combate ao comunismo no quadro da Guerra Fria,
continua presente no debate doméstico de muitas nações, com a cooperação com regimes autoritários. No arcabouço
contrapondo‑se aos renovados caminhos de esquerda que da ALALC, temas de cooperação comercial eram discutidos,
foram desenvolvidos, no qual se destacam os brasileiro e assim como na CECLA (Comissão Especial de Coordenação
venezuelano liderados pelos Presidentes Lula e Chávez. Latino‑Americana) e de trocas tecnológicas.
O projeto venezuelano (ver B) apresenta convergências Outra preocupação era a concretização dos projetos de
e divergências com o brasileiro, ao qual antecede, em seto- exploração dos recursos hídricos da Bacia do Prata com o
res‑chave: integração, relações com os EUA e funcionamento Paraguai, no qual se destaca a assinatura da Ata das Cataratas
do regime e instituições democráticas. No que se refere à (1966), considerado o primeiro passo para a construção de
complementaridade ambos têm como prioridade a reava- Itaipu. À instalação desta Comissão binacional de estudos
liação das políticas prévias e atenção a demandas sociais, técnicos segue‑se o acordo entre a Argentina e os demais
recuperando o Estado e a autonomia nacional. Nos choques, países da Bacia do Prata na administração Costa e Silva.
estilos táticos, realidades socioeconômicas e recursos de po- Neste momento, existe um forte elemento de competição
der diversos imprimem elementos de competição, revelando entre o Brasil e a Argentina na construção das hidrelétricas,
diferentes posições no equilíbrio de poder local e mundial. com o reforço da posição brasileira de concretizar a parceria
Este é um processo que é similar a outras iniciativas de bilateral com o Paraguai. Em 1973, a Assinatura do Tratado
integração regional: uma ação caracterizada por avanços e de Itaipu com este país solidifica este compromisso, sem
entraves, mas cujo potencial de cooperação é elevado no que tenham sido resolvidas as pendências com a Argentina.
eixo Sul‑Sul, consistindo‑se em alvo preferencial das relações Mais um elemento de “baixa” nas relações relaciona‑se ao
internacionais do país. Para o Brasil, a constante atualização desenvolvimento das tecnologias nucleares e à assinatura
de suas parcerias bilaterais locais e a construção do espaço do acordo Brasil‑Alemanha em 1975 (a competição e a baixa
sul‑americano refere‑se ao reconhecimento desta dimensão transparência dos programas geram receios mútuos e per-
geográfica como preferencial, como estabelecido por sua cepções de ameaça, a despeito de cooperações pontuais).
Constituição de 1988 e reafirmado desde então. Como afir- Segundo o Tratado de Itaipu, a usina hidrelétrica seria
mou o Presidente Lula em seu discurso de posse em 2003, compartilhada entre Brasil e Paraguai como sócios igualitá-
rios (50% cada) e seria responsável por igual contribuição
A grande prioridade da política externa durante o na construção da usina e no usufruto da energia produzida.
meu Governo será a construção de uma América do Apesar desta divisão, o  Paraguai não possuía condições
Sul politicamente estável, próspera e unida, com base financeiras nem de construir a usina ou de consumir sua
em ideais democráticos e de justiça social. (LULA, energia devido a uma economia incipiente. Com isso, o Tra-
2003, s/p). tado estabeleceu que o Brasil construiria a usina, e até 2023
abateria a dívida paraguaia das receitas da usina e compraria,
Neste contexto, três pilares interdependentes compõem com exclusividade, a energia do país, o que gera alguns de-
a agenda brasileira na América do Sul: o Cone Sul, a região sequilíbrios bilaterais que somente serão mais presentes no
andina e a integração sul‑americana. pós-2000 (a usina foi inaugurada em 10/1984, mantendo‑se
como a maior do mundo, apesar da disputa com a Usina de
A) O Cone Sul Três Gargantas na China).
No início da década de 1980, posteriormente conhecida
O Cone Sul e os EUA consistem‑se no espaço preferencial como a “Década Perdida” foi criada a ALADI (Associação
de ação da política externa brasileira, compondo as bases da Latino‑Americana de Integração) pelo Tratado de Montevi-
tradição bilateral hemisférica. Composta pelo Sul do território déu em substituição à ALALC, visando incentivar processos de
brasileiro e boliviano, o Paraguai, o Uruguai, o Chile e a Ar- integração regional. Naquele momento são países membros
gentina, esta região sempre teve lugar prioritário na agenda a Argentina, a Bolívia, o Brasil, a Colômbia, o Chile, o Equa-
nacional. Trata‑se de uma zona estratégica para o Brasil, com dor, o México, o Paraguai, o Peru, o Uruguai e a Venezuela.
o país compartilhando fronteiras e recursos comuns com A estes esforços comerciais agregaram‑se iniciativas relativas
seus vizinhos, como a Bacia do Prata e o Aquífero Guarani, à renegociação da dívida externa, fonte primária de pressão
Política e Segurança

e potenciais de cooperação econômica e estratégica. sobre as economias da região, mas que não foram capazes
Neste contexto, dentre as relações bilaterais que compõe de administrar a crise (como a reunião do Grupo de Conta-
este espaço, as  com a Argentina mereceram destaque ao dora em 1984).
longo século XX como abordado na obra de Amado Cervo e Somada a estas iniciativas, a aproximação com a Argenti-
Mario Rapoport, História do Cone Sul (1998), oscilando entre na ganha maior consistência na década de 1980, que se refere
padrões de confrontação e cooperação. à fase final do regime militar com Geisel e Figueiredo, quando
Padrões similares aplicaram‑se ao Paraguai, Uruguai e se inicia um processo de limpeza da agenda, seguindo‑se o
Bolívia, além do relativo distanciamento com o Chile, sempre período da redemocratização. Este processo concretiza‑se
mais próximo da esfera norte‑americana de influência em em Figueiredo com a assinatura do Tratado Corpus Itaipu

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em 1979 (tripartite: Brasil, Paraguai, Argentina) e o apoio aos quais convocaram a unir‑se a este esforço, já que
brasileiro à Argentina na Guerra das Malvinas (1982). No lhes cabe também explorar novos caminhos na busca
início da década de 1980, a economia e política argentinas de espaço econômico regional latino‑americano.
atravessavam uma profunda crise, com graves consequências
para a estabilidade do regime militar. A  derrota nas Mal- Desde esta Ata até os demais acordos, a prioridade recaía
vinas para a Grã‑Bretanha foi o elemento decisivo nesta sobre a dimensão bilateral, procurando seu aprofundamento
instabilidade, precipitando a transição democrática com a gradual antes do alargamento para o restante do Cone Sul.
ascensão de Raul Alfonsín ao poder. Tal transição deu‑se em O  prazo de dez anos a partir de 1988 era considerado o
condições precárias, hiperinflação, revisionismo de parte do ideal para a consecução destes objetivos. Todavia, o fim da
corpo militar e ampla sensação de perda de lugar no mundo. Guerra Fria e a reavaliação das políticas externas de Brasil e
Diferente do regime militar brasileiro que legou ao país Argentina visando a adesão ao modelo neoliberal do Con-
uma economia sólida entre as nações em desenvolvi mento senso de Washington e aos projetos de integração regional
como uma potência média e industrializada, finalizando o patrocinados pelos EUA na América Latina transformam o
processo iniciado na década de 1930 de autonomização e ritmo deste processo.
substituição de importações, a instituição argentina trouxe Acelerado pelas demandas da abertura comercial, priva-
resultados controversos. Como aponta Paradiso (1993), tizações, reforma e pelo desejo de inclusão à nova ordem,
o ciclo de desenvolvimento argentino sofre um processo de o  projeto de aproximação Brasil‑Argentina avança para a
desaceleração e limites estruturais no campo industrial criação do Mercosul com a assinatura em 1990 da Ata de
a partir da década de 1970, gerado por um acúmulo de Buenos Aires, com o propósito de criar o mercado comum.
crises institucionais e trocas de governo, que enfraquecem Esta aceleração seria ainda complementada pelo convite
a economia, a sociedade e o Estado. Somente para ilustrar, ao Uruguai e Paraguai para aderirem a este projeto. Logo no
de 1930 a 1976, a  Argentina atravessa seis períodos de ano seguinte, em 26 de março de 1991 ocorre a assinatura do
quebras constitucionais, 1930, 1943, 1855, 1962, 1996 e Tratado de Assunção, prevendo a constituição do Mercosul a
1976, que afetam sua capacidade de ação e planejamento. partir de Dezembro de 1994. Segundo o Tratado,
Neste quadro, o autor aponta que o mais crítico destes foi o
de 1976 a 1983, com choques entre posições de autonomia Considerando que a ampliação das atuais dimensões
e perspectivas de implementação de políticas de abertura de seus mercados nacionais, através da integração,
(precursoras do neoliberalismo) no molde chileno, culmi- constitui condição fundamental para acelerar seus
nando com a crise das Malvinas. processos de desenvolvimento econômico com
Ao assumir o poder, Alfonsín encontra uma situação de justiça social. Entendendo que esse objetivo deve
absoluta crise e vulnerabilidade, buscando alternativas para ser alcançado mediante o aproveitamento mais
compensar esta desagregação interna, recuperar a economia eficaz dos recursos disponíveis, a  preservação do
e a continuidade da redemocratização. meio ambiente, o melhoramento das interconexões
No campo da política externa, Paradiso indica que o país físicas, a  coordenação de políticas macroeconômi-
orientava‑se por dois eixos: um defensivo mais relacionado à cas e a complementação dos diferentes setores da
estabilidade interna e condições de recuperação e um ofensi- economia, com base nos princípios de gradualidade,
vo tentando manter a postura ativa no sistema internacional flexibilidade e equilíbrio. Tendo em conta a evolução
em busca de alternativas. Para o Brasil, a crise possuía dimen- dos acontecimentos internacionais, em especial
sões menos profundas, mas, a partir de 1985, o governo de a consolidação de grandes espaços econômicos,
Sarney também se encontra pressionado em campos simi- e  a importância de lograr uma adequada inserção
lares, como analisado. O processo de “sul‑americanização” internacional para seus países. Expressando que
da agenda ganha uma dinâmica renovada. este processo de integração constitui uma resposta
As razões de convergência bilateral Brasil‑Argentina na adequada a tais acontecimentos; Convencidos da ne-
segunda metade dos anos 1980 podem assim ser sistema- cessidade de promover o desenvolvimento científico
tizadas: crise econômica e política doméstica, pressões da e tecnológico (...) e de modernizar suas economias
redemocratização, complementaridade estratégica e fecha- para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de ser-
mento de alternativas externas. A partir do reconhecimento viço disponíveis, a fim de melhorar as condições de
da importância da parceria bilateral para a superação destes vida de seus habitantes. Reafirmando sua vontade
desafios comuns, em 1985 é assinada a Ata de Iguaçu por política de deixar estabelecidas as bases para uma
Sarney e Alfonsín, em 1986, o PICE (Programa de Integra- união cada vez mais estreita entre seus povos, com
ção e Cooperação Econômica Brasil‑Argentina) e, em 1988, a finalidade de alcançar os objetivos supramencio-
o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento. nados. (...) Os Estados partes decidem constituir um
No texto da Ata de Iguaçu estabelece‑se que, Mercado Comum, que deverá estar estabelecido
a 31 de dezembro de 1994, e  que se denominará
(...) os êxitos recentemente alcançados pelas duas Na- “Mercado Comum do Sul” (Mercosul).
ções em seus respectivos processos de consolidação
democrática criaram as condições particularmente A.1) O Mercosul
propícias para o aprimoramento de seus vínculos nos
Política e Segurança

mais diversos setores, assim como para colaboração Composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai
mais íntima e estreita no plano internacional (...). (os Estados partes), o Mercosul nasce em um contexto de
Dentro desse espírito, expressaram sua firme vontade alinhamento das diplomacias do Cone Sul à agenda neo-
política de acelerar o processo de integração bilate- liberal, ampliando e aprofundando os objetivos originais
ral, em harmonia com os esforços de cooperação e da relação bilateral Brasil‑Argentina. No âmbito da IA,
desenvolvimento regional. Expressaram sua firme os países sul‑americanos sinalizavam aos EUA de Bush pai
convicção de que esta tarefa deve ser aprofundada sua adesão às propostas norte‑americanas e às demandas
pelos Governos com a indispensável participação financeiro‑econômicas do Consenso de Washington. Todavia,
de todos os setores de suas comunidades nacionais, a  lógica do Mercosul guardava iniciativas diplomáticas de

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autonomia, que se tornaram prevalecentes do lado brasileiro do bloco, é  o intergovernamental sobre a supranacionali-
a partir de 1992 com o impeachment de Collor. dade.
De 1991 a 1994, o Mercosul concentrou seus esforços Este predomínio ocorre em todos os pilares da integra-
na dimensão econômico‑comercial, estando na base de sua ção: o político, o econômico‑comercial e o social, havendo
criação o objetivo da formação da União Aduaneira e as livres esforços recentes significativos de aprofundamento, de seus
trocas de capital e trabalho. Todas as discussões referentes mecanismos de consulta e concertação de políticas comuns.
ao comércio no bloco respeitam as demandas do GATT Algumas razões que explicam estes fenômenos referem‑se
neste período, assim como as da OMC. A  partir de 1993, desde a tradição política dos países sul‑americanos até a
a dimensão de autonomia do Mercosul predominou sobre permanência de assimetrias. A relação com os EUA e a apli-
as políticas de alinhamento com a Presidência de Itamar cação das políticas neoliberais pode ser colocada nesta lista,
Franco. Franco, com FHC e Celso Amorim no MRE em suas uma vez que pilares do bloco como a Argentina tenderam a
respectivas gestões, torna o Mercosul “prioridade número uma relação pendular entre os norte‑americanos e o arran-
um” da agenda internacional. jo regional. Mesmo assim, em suas décadas de existência,
Somado ao aprofundamento da integração no Cone Sul, o Mercosul logrou avanços significativos.
foi apresentada a ALCSA, que serve de modelo para a IIRSA, O Protocolo de Ouro Preto de 1994 inicia um período de
a CASA e a Unasul. O projeto do Merconorte foi pensado, consolidação do bloco em termos institucionais e correspon-
mas sua proposta não teve avanços significativos. de a uma fase de aumento do comércio intrazona, principal-
Visando avançar o Mercosul, em 1994 foi assinado o mente entre Brasil e Argentina, que perdura até 1998 quando
Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção (Protocolo de
eclodem as crises associadas às políticas neoliberais prévias.
Ouro Preto), que estabelece a estrutura institucional  do
No campo econômico, as trocas comerciais de 1991 a 1997
bloco. O Protocolo entra em vigor em 1995, dotando o Mer-
apresentaram crescimento de 26,2%. Avanços importantes
cosul de sua personalidade jurídica como ator internacional
(organização intergovernamental). A partir deste protocolo, ocorrem no campo político com a incorporação do Chile e
estabelecem‑se como objetivos a implementação da Tarifa da Bolívia como Estados associados, respectivamente em
Externa Comum (TEC) no prazo de dez anos (2006), a conso- 1996 e 1997, o que incrementa as possibilidades comerciais.
lidação da união aduaneira e o compromisso de estabelecer Um dos marcos do período foi, em 1996, a Declaração
acordos extrarregionais tendo o Mercosul como núcleo e Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul
posições comuns em negociações comerciais. A  TEC tem que, em 1998, resulta no Protocolo de Ushuaia sobre Com-
como objetivos: a facilitação do comércio entre os membros promisso Democrático e a Declaração de Zona de Paz.
do bloco, uma unidade tarifária para o comércio extrarregio- O Protocolo de Ushuaia passou a ser mais conhecido
nal e negociações, a redução das assimetrias, a atração de como Cláusula Democrática, visando a consolidação e sus-
investimentos e dinamização econômica. tentabilidade dos regimes democráticos entre os membros
O Mercosul possui uma estrutura composta pelos se- do Mercosul (ambos entram em vigor a partir de janeiro de
guintes órgãos decisórios: o Conselho do Mercado Comum 2002, mas eventos prévios permitiram observar sua lógica).
(CMC), o Grupo Mercado Comum (GMC) e a Comissão de O Protocolo de Ushuaia relaciona‑se aos esforços de re-
Comércio do Mercosul (CCM). A mais relevante destas ins- forma da Carta da OEA no pós‑Guerra Fria no que se refere à
tâncias decisórias é o CMC responsável pela coordenação do preservação da democracia representativa. No caso da OEA,
processo de integração, sendo composto pelos Ministros da esta “cláusula democrática” formalizou‑se na Carta Demo-
Economia e das Relações Exteriores dos Estados membros. crática Interamericana em 2001, consolidando o processo de
Representando a face internacional do bloco, o seu poder discussões sobre o tema iniciado nos anos 1990.
é legislativo e suas decisões devem ser aplicadas a todo grupo Desde 1996, esta prática foi testada algumas vezes como
(após a aprovação pelos Parlamentos Nacionais individuais no Paraguai (tentativa de golpe de Estado pelo General Lino
das partes), sendo obtidas por consenso. A  presidência é Oviedo, em 1996) e na Argentina (crise do governo de La
rotativa entre os Estados membros. Rua 2000/2002) com soluções pró‑estabilidade e de admi-
O segundo órgão, o GMC, concentra iniciativas executivas nistração das crises institucionais sem reversão a caminhos
e legislativas, atuando conforme recomendação do CCM. autoritários, com o respeito à ordem e preservação de gover-
Além dos representantes dos Ministérios da Economia e das nos democraticamente eleitos. No ano de 2012, uma nova
Relações Exteriores, o GMC é composto por membros dos situação de crise política no Paraguai, levou a sua suspensão
Bancos Centrais. Suas resoluções são emitidas por consenso, temporária do bloco e da Unasul. A crise corresponde ao
mas são recomendatórias. Também é composto por grupos impeachment do Presidente Fernando Lugo, eleito em 2008,
temáticos (setoriais). Por fim, o CCM representa a dimensão pelo Senado, que foi seguido da posse de seu Vice‑Presidente
técnica do bloco como a elaboração de políticas comerciais Federico Franco. A previsão é que Franco ocupará o cargo
comuns. As decisões resultam de consenso e as propostas de forma temporária até as eleições presidenciais de abril
detém caráter obrigatório ou opcional.
2013 (sendo estas eleições presidenciais também o marco
O bloco também é composto por instâncias consultivas:
para a revisão da suspensão do Paraguai dos dois arranjos de
o Fórum Consultivo Econômico e Social (FCES) encaminha
integração citados). A justificativa que embasou o pedido foi
suas recomendações a partir de demandas internas (sociais
e econômicas) dos Estados Membro. Outra instância consul- a gestão da crise agrária no país que havia resultado, poucos
tiva é a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), base de um dias antes, na morte de cerca de dezessete pessoas entre
camponeses e policiais.
Política e Segurança

futuro Parlamento do Mercosul, composta por parlamenta-


res de cada uma das nações. Também é preciso mencionar Este ritmo de crescimento atravessou alguns impasses
a Comissão dos Representantes Permanentes do Mercosul durante esta fase devido às oscilações da política externa
(CRPM), órgão permanente da CMC, composto por integran- argentina, cuja agenda da era Menem (1989/1999) definia
tes dos Estados parte que tem propósito apresentar projetos como prioridade a aproximação incondicional com os EUA
relativos à continuidade e encaminhamento da integração. e as pressões norte‑americanas sobre o bloco. As oscilações
A Secretaria do Mercosul (SM), por sua vez, fornece o apoio argentinas entre as duas maiores potências da região levaram
técnico às estruturas institucionais acima descritas. a algumas concessões brasileiras significativas aos parceiros
O elemento que predominou nas origens do Mercosul, na TEC e a aceitação de tratamento diferenciado para setores
e predomina, apesar dos ajustes realizados desde a criação como o de açúcar e o de automóveis na Argentina.

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Disputas comerciais em setores adicionais como refri- de intercâmbios e reconhecimento de diplomas (a partir
geradores, tomate, sapatos, têxteis, para mencionar alguns, de mecanismos de cooperação já existentes desde 1996
ocorrem periodicamente e revelam não só dificuldades como o Protocolo de Integração Educativa), consistem‑se
normais de negociações em bloco como as da economia em passos para o futuro trânsito livre nos moldes da UE.
argentina. Com isso, o Brasil tornou‑se o maior comprador Estes esforços soma‑se à preexistente rede de Mercocidades
de produtos da Argentina, sustentando sua economia du- criada em 1995, com base em cooperação entre cidades dos
rante esta fase, até que começou a enfrentar seus dilemas países membros do bloco, com ênfase em aspectos sociais
em 1998 que forçaram a desvalorização do real e inseriram e de democratização do processo (visando a superação do
uma quebra nestes fluxos pró‑Argentina. chamado déficit democrático, desafio comum aos projetos
Analisando as pressões norte‑americanas, as  mesmas de integração).
surgiram de forma direta e indireta em críticas sobre a gestão Na arena econômica, ocorreu a assinatura do Protocolo
econômica e das negociações comerciais do país. Os EUA de Olivos em Fevereiro de 2002 (entra em vigor em feverei-
procuravam introduzir incentivos às nações do bloco visando ro de 2004). O Protocolo institui o Tribunal Permanente de
distanciá‑las do Brasil (como a expansão do NAFTA, a hipó- Revisão do Mercosul para solução de controvérsias entre os
tese de conceder à Argentina o caráter de membro especial Estados Membros. Apesar de já existir desde 1994 um Proce-
da OTAN). Embora estas divergências não tenham levado a dimento Geral de Reclamações no bloco, Olivos representou
crises bilaterais crônicas no período até 2002, os progressos um salto qualitativo no estabelecimento de MSC (Mecanis-
foram mais lentos. mos de Solução de Controvérsias) para o Mercosul, estando
A grande crise do Mercosul, entretanto, não ocorreu a composto de três etapas: negociação direta, conciliação e
partir destas diferenças, mas sim, devido aos impactos da arbitragem. A crise das papeleras referente à disputa entre
aplicação da agenda neoliberal durante os anos 1990. uruguaios e argentinos pela instalação de usinas de celulose
Os principais pontos de estrangulamento das econo- no Uruguai é um contencioso que recai neste âmbito, assim
mias sul‑americanas, e não só do Cone Sul, no período de como diversas disputas comerciais.
1999/2000, foram a desestruturação do Estado, a perda de A posse do Presidente Lula em 2003 manteve o ciclo
sua ação social (com o aumento da pobreza, miséria, desem- iniciado por FHC, intensificando esforços de extensão e
prego, baixa renda e fragmentação), a abertura econômica, aprofundamento com um viés de autonomia e reforço do
o declínio dos setores estratégicos privatizados e os desequi- poder regional. Dentre os projetos encaminhados houve a
líbrios cambiais. Na Argentina, a paridade artificial peso‑dólar inclusão de novos Estados associados: Peru em 2003 e, em
foi um dos elementos mais crônicos desta situação e mesmo 2004, formalizaram‑se os acordos com a Colômbia, Equador e
a economia brasileira demandou ajustes no câmbio a par- Venezuela. No caso da Venezuela, sua candidatura a membro
tir de 1998 que impactaram a economia vizinha. Naquele pleno do bloco foi igualmente formalizada, e em Julho de
momento, o bloco teve dificuldades em agir como tal, com 2012, o país tornou‑se parte integrante do Mercosul.
todos os membros buscando soluções rápidas e individuais Em termos de aprofundamento, as iniciativas direciona-
na tentativa de minimizar seus problemas. ram‑se a ajustes institucionais, projetos de infraestrutura,
Não só a Argentina, mas várias nações como Peru, Equa- com elevada interdependência com a IIRSA, e na correção
de assimetrias econômicas e sociais presentes nos países
dor, Uruguai, Venezuela e Bolívia sofreram sérios retrocessos
do bloco. Para lidar com estes aspectos, foi criado em 2004,
e quebras institucionais, enquanto outras como Chile e Brasil
e estabelecido em 2005 o FOCEM (Fundo para a Convergên-
puderam administrar suas posições com um equilíbrio maior.
cia Estrutural do Mercosul). Os objetivos oficiais do FOCEM
O Mercosul apresentou um recuo significativo do comér-
são definidos em três pilares: “convergência estrutural, com-
cio intrazonas de cerca de 28% e o PIB nacional dos países
petitividade e coesão social”. Setores como os de energia e
membros acompanhou estas tendências negativas. tecnologia igualmente merecem crescente atenção, com foco
Frente a estes acontecimentos, muitos questionaram a nos biocombustíveis. Desde 2008, também se estabeleceu o
continuidade do Mercosul. Tensões prévias em negociações Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) entre Brasil
comerciais em bloco na OMC e divergências políticas entre os e Argentina para que as importações e exportações possam
membros eram apontadas como razões para o encerramento ser realizadas em suas moedas nacionais.
deste ciclo. Para os críticos, o Mercosul era um empecilho De funcionamento similar às iniciativas europeias de
uma vez que o país atrelava seus destinos a pa íses menores correção de assimetrias regionais (FEDER na UE), o FOCEM re-
com os quais não compartilharia interesses ou agendas. Ape- cebe contribuições dos Estados parte, que redistribui a estes
sar de equivocado, este é um argumento recorrente, mas que mesmos Estados de acordo com seus recursos e demandas.
na época foi rechaçado de forma decisiva pela administração O Brasil é um dos maiores contribuintes, seguido da
do Presidente FHC, que escolheu o caminho da renovação Argentina, enquanto Paraguai e Uruguai recebem mais aju-
dos compromissos sul‑americanos. da. Uma iniciativa adicional para o desenvolvimento foi o
Esta opção brasileira pelo relançamento da integração Programa de Integração Produtiva do Mercosul de 2008 e o
sul‑americana e do Cone Sul inseriu uma renovada dinâmi- Fundo Mercosul de garantias para Micro, Pequenas e Médias
ca nos processos regionais e criou bases diferenciadas de Empresas, que se junta a mecanismos similares criados na
cooperação, vide a IIRSA e os investimentos do BNDES em origem do bloco.
seu âmbito. A partir destas iniciativas, o Mercosul retoma Também ganham espaço as discussões sobre o Parlamen-
Política e Segurança

objetivos de aprofundamento dos laços regionais nos quais to do Mercosul a partir de 2014, eleito por sufrágio universal
se destacam medidas políticas e econômicas, ao  mesmo (seu antecedente é a CPC mencionada). Desde 2007, o Insti-
tempo em que se intensificam os esforços mais abrangentes tuto Social do Mercosul dedica‑se à discussão e elaboração
na região. O ponto de partida foi a realização da Cúpula de de políticas de cunho social comum e, em 2009, foi criado o
Brasília em 2000, indicando que o compromisso brasileiro Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos (IPPDH).
e sul‑americano com seus projetos autóctones não seria Temas de política comum relativos ao campo econômico
abandonado apesar de dificuldades e controvérsias. e da segurança permanecem, mas sob a égide da Unasul.
No campo político, a facilitação das viagens de cidadãos As relações internacionais do Mercosul continuam
intrabloco, a criação do passaporte do Mercosul, extensão detendo um espaço próprio envolvendo os contatos entre

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os Estados membros e as negociações em bloco na OMC e uma inserção internacional mais decisiva no equilíbrio de
com parceiros intra e extrarregionais. Listando estes acordos poder mundial. Estas vantagens confeririam ao continente
devem ser mencionados na América do Sul os acordos com autossuficiência em setores como o energético e de produção
os Estados associados ao bloco em termos intrarregionais: de alimentos. Todavia, para que estes potenciais possam
o Acordo de Complementação Econômica Mercosul‑Chile ser explorados em sua plenitude duas condições básicas
(ACE-35) assinado e em vigor desde 1996, o Acordo de Com- precisam ser alcançadas: a do desenvolvimento autóctone
plementação Econômica Mercosul‑Bolívia (ACE-36) assinado e da integração regional.
em 1996 e que entrou em vigor em 1997, Interdependentes, estas condições somente começaram
o Acordo de Complementação Econômica Mercosul‑Peru a ser buscadas em conjunto de forma mais sistemática a par-
(ACE-58) e o Acordo de Complementação Econômica Mer- tir de 2000 quando, por iniciativa brasileira, foi convocada a
cosul‑Colômbia/Equador/Venezuela assinado em 2004 e em Cúpula de Brasília (ou I Reunião de Presidentes da América
vigor desde 2005 (ACE-59). do Sul). Projetos prévios como o Mercosul de 1991 e a expe-
Outros acordos intrarregionais são o Acordo de Comple- riência acumulada na ALALC e na ALALC consistiram‑se em
mentação Econômica Mercosul‑México (ACE-54) de 2002, passos fundamentais para este novo momento da integração
que entrou em vigor em 2003, o  Acordo de Complemen- sul‑americana. Nesta recente história, a Cúpula de Brasília
tação Econômica Automotivo Mercosul‑México (ACE-55), representou um importante salto qualitativo das relações
internalizado em 2002, e  o Acordo de Complementação internacionais do continente, sendo realizada a luz da crise
Econômica Mercosul‑Cuba (ACE-62), assinado em 2006, neoliberal dos anos 1990.
em vigor desde 2007. Além disso, desde 2004, existem Historicamente, esta foi a primeira vez que os doze
negociações na estrutura da ALADI visando a criação de um Chefes de Estado reuniram‑se buscando a construção deste
Espaço de Livre‑comércio entre seus países membros. Neste futuro comum. Sobre esta Cúpula Sul‑Americana de Chefes
mesmo ano formalizaram‑se os acordos entre o Mercosul e a de Estado, o Presidente FHC afirmou,
Comunidade Andina (CAN), que já vinham sendo negociados
desde a Cúpula de Brasília em 2000. A Cúpula de Brasília foi sem dúvida um evento de
Na dimensão dos acordos extrarregionais do Mercosul importância histórica, ao  reunir pela primeira vez
encontram‑se: o Acordo do Jardim das Rosas com os EUA todos os Presidentes sul‑americanos. Nosso encon-
(4+1) em 1991, o Acordo Quadro Inter‑Regional de Coope- tro não foi em vão. Os entendimentos alcançados,
ração Mercosul e União Europeia (1995), o Entendimento a convergência de visões, o  sentimento partilhado
de Cooperação sobre Comércio e Investimentos e Plano de em torno do futuro que almejamos para nossos
Ação com o Canadá (1998), a Declaração sobre Cooperação povos, todas essas são conquistas importantes que
em Comércio e Investimento e Plano de Ação com a AELC nos seguirão inspirando em nossa tarefa comum de
(Associação Europeia de Livre‑comércio, 2000), o Acordo de organizar a América do Sul, uma região – como disse
Comércio Preferencial (ACP) com a Índia e a SACU (visando no discurso de abertura do encontro – cuja vocação
o estabelecimento de uma área de livre‑comércio) ambos de grandeza está na liberdade, no desenvolvimento
de 2004, o  Acordo Regional de Livre‑comércio com Israel e na integração. (CARDOSO, 2000).
(2007) e o Acordo Quadro para o Estabelecimento da Área
de Livre‑comércio Brasil‑Turquia (2008). Em 2010, foram Na oportunidade, além da recuperação do Mercosul,
iniciadas conversações para o estabelecimento do Acor- a  Cúpula, que ocorreu simultaneamente ao lançamento
do  de Livre‑comércio Mercosul‑Egito e, em 2011, Acordo do Plano Colômbia pelos EUA, os  Estados sul‑americanos
de Livre‑comércio Mercosul‑Palestina, ainda em negociação. se comprometeram com políticas regionais voltadas ao de-
Outras negociações extrarregionais em andamento são as senvolvimento e ao social. O resultado mais significativo da
com o CCG (Conselho de Cooperação do Golfo), Jordânia Cúpula foi a criação da IIRSA, visando a integração física da
e Paquistão, com a China, o Japão, a Rússia o CER (Acordo América do Sul e o desenvolvimento regional. As áreas prio-
Austrália‑Nova Zelândia para o Estreitamento das Relações ritárias da IIRSA são transporte, energia e telecomunicações,
Bilaterais, Coreia do Sul e Cingapura. Em 2008, realizou‑se a objetivando a redução das assimetrias sociais e econômicas
I Reunião Ministerial Mercosul‑ASEAN. do país. O plano de ação da iniciativa define, oficialmente,
Destes, um dos mais relevantes continua sendo o com a dez eixos de integração e desenvolvimento: o andino, o an-
UE e o aprofundamento de laços com a Ásia e a África. No dino meridional, o capricórnio, a hidrovia Paraguai‑Paraná,
que se refere a UE, o acordo de 1995 lançou o arcabouço para o Amazonas, as Guianas, o Sul, Interoceânico central, o Mer-
cosul‑Chile e o Peru‑Brasil‑Bolívia. Financiados pelo BID em
negociação entre os blocos com base nos pilares “diálogo
sua maioria, além do BNDES, PROEX e CAF, os projetos da
político, cooperação e comércio”. A previsão de conclusão
IIRSA tem apresentado resultados graduais, ainda que su-
destas negociações era 2004, o que não ocorreu.
jeitos as oscilações políticas, econômicas e sociais descritas
O compromisso com sua retomada e continuidade foi
nos itens anteriores e legado novos caminhos às iniciativas
reafirmada com a Declaração de Lima (2007), a Declaração
sul‑americanas de um ponto de vista autônomo.
de Montevidéu (2008) e no Comunicado Conjunto de Praga
Em 2002, na II Reunião de Presidentes da América do Sul
(2009). Adicionalmente, o Brasil e a UE alçaram o relacio-
realizada em Guayaquil no Equador estes princípios foram
Política e Segurança

namento ao nível de diálogo estratégico. Estes esforços são reafirmados, indicando a continuidade do compromisso
complementares aos das alianças bilaterais e às coalizões de regional.
geometria variável sul‑americanas e globais e tem fortalecido Com a nova administração Lula, os projetos da IIRSA e
os aspectos comerciais e políticos do bloco. os objetivos políticos, sociais e diplomáticos da integração
sul‑americana acentuaram seu componente de assertividade
INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA DO SUL e autonomia. Este processo corresponde às transformações
qualitativas da política externa brasileira, dentre as quais está
Assim como o continente africano, a  América do Sul inserido o fortalecimento da base continental como uma
detém inúmeras vantagens comparativas que permitiriam plataforma preferencial de projeção de poder.

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Os resultados político‑diplomáticos destas cúpulas e os Desde sua criação, já foram realizadas IV Reuniões Minis-
projetos em andamento pela IIRSA permitiram lograr novos teriais da ASA, a última ocorreu em novembro de 2011, em
avanços a partir da III Reunião dos Chefes de Estado da Malabo (Guiné Equatorial). A ASA possui forte componente
América do Sul realizada em Cusco no Peru em 2004. Nesta político e econômico, visando o estreitamento de laços entre
reunião, o  Brasil apresentou uma proposta para tornar a os continentes africano e sul‑americano e se insere no pro-
integração mais sólida e multifacetada. Assim, foi lançada a jeto de retomada das ações brasileiras na região.
Comunidade Sul‑Americana de Nações (CSNA, mais conhe- Deve‑se destacar que ambas, ASPA e ASA, encontram‑se
cida como CASA). A CASA procurou agregar os conteúdos inseridas no projeto de reafirmação do eixo multilateral
da IIRSA em seu plano de ação (Agenda de Implementação global da política externa brasileira e de suas tradicionais
Consensuada 2005/2010), ressaltando a importância da parcerias no eixo Sul‑Sul. Assim, as dimensões sul‑americanas
continuidade da integração física da América do Sul e a sua
desta política surgem combinadas às globais das relações in-
junção a uma linha diplomática, como mencionado, mais
ternacionais do país. Além das oportunidades que se colocam
abrangente e assertiva.
As bases da CASA encontram‑se descritas na Declaração para as regiões dentro de suas especificadas, a  dimensão
de Cusco e na Declaração de Ayacucho. global destas iniciativas horizontais envolve negociações
A I Cúpula da CASA realizou‑se em 2005 e em seu discur- multilaterais na ONU e na OMC, ao lado de uma agenda co-
so o Presidente Lula delineou a vocação e relevância deste mum de reformas e atualização das relações internacionais.
projeto regional, Igualmente, estas cúpulas somam‑se às Cimeiras Euro-
pa, América Latina e Caribe de histórica importância para o
A Comunidade Sul‑Americana de Nações é muito relacionamento entre os continentes.
mais do que uma construção política e jurídica, Em 2006, realizou‑se a II Cúpula da CASA que, a partir de
fruto de voluntarismo. Somos 350 milhões de ho- 2007, tornou‑se Unasul (União de Nações Sul‑Americanas),
mens e mulheres, determinados a realizar todas as tendo como base uma proposta do Presidente da Venezuela
potencialidades de uma região dotada de imensos Hugo Chávez. Somada à mudança de nome, foram discuti-
recursos naturais e humanos (...) Temos graves pro- das questões referentes à criação de um Banco do Sul e de
blemas sociais, mas também a clara determinação uma moeda comum para a região, igualmente sugeridas
de resolvê‑los. Queremos fazer do nosso Continente por Chávez. A crise global de 2008 reduziu o ritmo destes
uma região de paz, apta a resolver seus contenciosos processos, mas não impediu a continuidade dos avanços
com os instrumentos da negociação política (...) A políticos como pode ser percebido pela criação do Conselho
América do Sul junta‑se às demais grandes unida- de Defesa Sul‑Americano (CDS).
des geográficas do mundo, que dispõem, todas, de O CDS foi aprovado na Cúpula extraordinária da Unasul de
mecanismos de concertação política e econômica 2008 e consiste‑se em um importante passo na elaboração
(...) em um mundo interdependente como o nosso, de políticas de defesa comuns para a região, ressaltando a
não podemos ficar confinados em nossas fronteiras
importância do setor estratégico e da autonomia. Observa‑se
nacionais. Aprendemos que nossas iniciativas inter-
nacionais, sobretudos aquelas em nosso entorno re- um contraponto direto à década de 1990. Em 2009, o CDS
gional, são fundamentais para os destinos de nossos já se viu confrontado por um desafio: o acordo entre EUA e
países. E o Brasil decidiu associar o seu destino ao Colômbia para a ampliação do uso das bases militares nesta
futuro e ao destino da América do Sul. (LULA, 2005, nação, o que levou Uribe a se ausentar, inclusive, de reuniões
pp. 55-56 e p. 61). do CDS e da Unasul previstas para este ano. Embora não
possa impedir a implementação deste acordo, o CDS tem
A nova identidade política do bloco sul‑americano já foi como objetivo funcionar como um interlocutor regional
reafirmada com clareza em seu primeiro ano de existência nestes temas. De uma forma geral, tanto Colômbia quanto
com a realização da I Cúpula América do Sul‑Países Árabes EUA poderiam ter conduzido o assunto de maneira mais
(ASPA) realizada em Maio de 2005 em Brasília. Como objeti- transparente no âmbito destes novos arranjos institucionais.
vos do encontro, o primeiro deste porte entre estas regiões, No ano de 2010, a  Unasul realizou sua III Cúpula na
foram definidos a aproximação bilateral entre os blocos de Argentina e a IV Reunião Ordinária de Chefe de Estados
países árabes e sul‑americanos nos campos político, econô- e de Governo em Georgetown (República Cooperativa da
mico, social cultural e diplomático, abrindo novas oportuni- Guiana) em novembro. Nesta IV Reunião foi estabelecido
dades de cooperação em nível regional e global. Na oportuni- o Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da Unasul
dade, foi assinada a Declaração de Brasília e o Acordo‑Quadro sobre Compromisso com a Democracia. Segundo o Artigo I
de Cooperação Econômica entre o Mercosul e o Conselho do Protocolo, indica que
de Cooperação do Golfo. Estabeleceu‑se um cronograma de
reuniões subsequentes entre as diplomacias dos dois blocos, O presente Protocolo será aplicado em caso de rup-
visando discutir o aprofundamento e extensão desta parceria tura ou ameaça de ruptura da ordem democrática,
e seus temas. Como resultado, ampliaram‑se contatos entre
de uma violação da ordem constitucional ou em qual-
as regiões e, em 2009, foi realizada em Doha no Qatar a II Cú-
quer situação que ponha em risco o legítimo exer-
pula da ASPA, dando continuidade a esta dinâmica. A eclosão
da Primavera Árabe em dezembro de 2010, processo ainda cício do poder e a vigência dos valores e princípios
democráticos. (PROTOCOLO ADICIONAL, 2010, s/p).
Política e Segurança

em andamento, desacelerou esta dinâmica de cúpulas. En-


tretanto, foram preservados os contatos político‑econômicos
bilaterais do Brasil na região e esta estrutura de negociações Atualmente, de acordo com informações do MRE,
visando sua retomada.
Outra iniciativa de caráter e propósitos similares foi A Unasul conta hoje com oito conselhos ministeriais:
a realização da I Cúpula América do Sul‑África (ASA) em a) Energia; b) Saúde; c) Defesa; d) Infraestrutura e Pla-
novembro de 2006, sob a presidência compartilhada  de nejamento; e) Desenvolvimento Social; f) Problema
Brasil e Nigéria (país onde a reunião foi realizada). O Fórum Mundial das Drogas; g) Educação, Cultura, Ciência,
Cooperativo África‑América do Sul foi um dos resultados da Tecnologia e Inovação; h) Economia e Finanças.
reunião (ASACOF) criado a partir da Declaração de Abuja. A Unasul conta ainda com dois Grupos de Trabalho:

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a) Integração Financeira (agora subordinado ao dimentos e, segundo, nenhuma nação que busca ascensão
Conselho de Economia e Finanças); e b) Solução de global pode deixar de lado seu espaço regional.
Controvérsias em Matéria de Investimentos, em cujo Se o Brasil conquistou cada vez mais um espaço mundial
âmbito estuda‑se a possibilidade de criar mecanismo é porque a base hemisférica de suas relações permite, por
de arbitragem, Centro de Assessoria Legal e código sua estabilidade e solidez, sua projeção ao mundo.
de conduta para membros de tribunais arbitrais.
(Unasul, 2012, s/p). BRASIL E A COOPERAÇÃO SUL-SUL
A posição dos EUA, é ambígua com relação aos esforços Prioritária na tradição global‑multilateral da política
brasileiros e sul‑americanos. Embora recebam positivamente externa brasileira, a cooperação Sul‑Sul dominou a agenda
estas movimentações brasileiras, pois as mesmas geram nacional nos anos 1970 e 1980, perdendo terreno na década
estabilidade e equilíbrio regional, os EUA precisam adminis- de 1990, como analisado no capítulo anterior. Ainda que
trar esta assertividade, e exibem reações por vezes ainda no ensaios de retomada iniciem‑se na metade final do segundo
campo do poder duro (bases militares, quarta frota). Existe mandato de FHC, foi somente com a ascensão do governo
a percepção que uma eventual retomada de negociações Lula que estas iniciativas ganharam maior densidade e soli-
comerciais da ALCA ou em outros moldes precisará lidar dez, observando a continuidade desta postura no governo
com uma frente mais unida na região. No mesmo nível, ini- em andamento de Dilma Rousseff.
ciativas como a ASA e a ASPA representam alternativas aos Avançando para além do espaço sul‑americano, a coope-
intercâmbios destas regiões com os norte‑americanos. Ou ração Sul‑Sul recuperou seus espaços na África, no Oriente
seja, assim como no caso da Venezuela, existem padrões de Médio e na Ásia e inseriu componentes diferenciados nestas
convergência e divergência nestas relações e nos projetos relações, que contaram com a receptividade de novos e
em andamento. antigos parceiros. Nesta dinâmica, contatos bilaterais foram
Não existe opção excludente entre o Mercosul e a Unasul, reforçados e somaram‑se a atualizadas e inéditas alianças
mas complementaridades que, ao  longo da evolução dos de geometria variável, construídas em torno de propósitos
processos locais, sofrerão ajustes e modificações. econômicos, sociais, estratégicos e diplomáticos, devendo‑se
É preciso mencionar, que as ações brasileiras na região examinar estas dinâmicas e sua evolução no pós‑Guerra Fria.
das Américas buscam também fortalecer parcerias além do
âmbito sul‑americano, englobando zonas tradicionalmente A) IBAS
mais distantes da diplomacia como o Caribe e América
Central. A Missão de Paz no Haiti e a atuação em Honduras Potências médias, nações emergentes, grandes Esta-
na crise de 2009 são exemplos desta postura. Também é dos periféricos, países em desenvolvimento, muitas são
fundamental mencionar que as ações brasileiras ocorrem as classificações que podem ser atribuídas à Índia, Brasil e
em respeito à Carta da OEA e seus princípios estabelecidos, África do Sul (sendo todas estas nações membros do BRICS
buscando a consolidação da democracia e governança igualmente). Localizadas respectivamente na Ásia, África e
regionais de forma abrangente. Estas iniciativas convivem Américas cada uma destas nações representa Estados pivô
com projetos prévios como a FOCALAL (Foro de Cooperação em suas respectivas esferas de influência, detendo um pas-
América Latina‑Ásia do Leste). sado colonial comum e um presente e futuro de renovadas
No que se refere a propostas de integração regional possibilidades de inserção devido a seus recursos de poder.
para a América Latina e Caribe, a iniciativa mais recente é Ao longo de suas histórias, apresentaram relações interna-
a da CELAC, criada em fevereiro de 2010. O processo tem cionais condizentes com um propósito de autonomia, sujeitas
suas origens nos esforços da I Cúpula da América Latina e a oscilações ao alinhamento ou minimalismo derivadas de
do Caribe sobre Cooperação e Desenvolvimento (CALC) de suas contradições e potencialidades.
2008, no qual foram dominantes os temas da integração e Assim, são países que se encontram pressionados por
desenvolvimento sustentável (e que resultaram na Decla- sua condição de países do Terceiro Mundo com sociedades
ração de Salvador). Na II CALC em 2009 foi estabelecido o complexas, multiétnicas e caracterizadas pelo desafio da
Plano de Ação Montego Bay, visando o aprofundamento da inclusão, da superação das desigualdades e solidificação de
cooperação em áreas concretas de interesse mútuo: energia, regimes democráticos. No caso da África do Sul, este é um
temas sociais, infraestrutura são algumas destas áreas. processo ainda mais recente do que nos demais parceiros,
Tais projetos se encontram em andamento, enfrentan- uma vez que o país ainda se mantém pressionado pelas
do desafios significativos, em particular a partir da crise demandas da reconciliação doméstica pós‑apartheid e por
econômica global de 2008. Desta forma, a América Latina um entorno regional mais instável. O estabelecimento do
tem enfrentando um quadro de instabilidade internacional nível trilateral entre Brasil, Índia e África do Sul complementa
com impactos domésticos que, por vezes, trazem efeitos de esforços prévios, e lhes atribui novo caráter e densidade ao
desaceleração sobre os esforços de cooperação multilaterais. longo da última década, explorando as inúmeras áreas de
Para o Brasil, cuja liderança se demonstrou essencial interesses complementares dos membros do IBAS. Lembran-
para o encaminhamento destas agendas de integração, estas do as origens do IBAS, na realização da IV Cúpula do grupo
questões estratégias surgem como ainda mais sensíveis. em Brasília no ano de 2010, o Presidente Lula afirma que,
Política e Segurança

Pode‑se perceber pelas discussões apresentadas que a


dimensão regional da política externa brasileira, do Norte O lançamento do IBAS, junto com a África do Sul e
ao Sul, é  componente prioritário da agenda de relações a Índia, foi meu primeiro compromisso em política
internacionais do país. externa. O IBAS é nossa resposta a uma ordem in-
Independente de questionamentos que possam surgir ternacional desigual e injusta, incapaz de resolver
em momentos de dificuldade (ou de desacordos nos inter- antigos problemas, como a pobreza extrema e a
câmbios regionais) é preciso compreender uma realidade fome de milhões de seres humanos. Uma ordem que
importante da política internacional: nenhum projeto de também não oferece soluções para as novas ameaças
integração ou de parceria elimina por completo desenten- que se multiplicam, como a degradação ambiental

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e a insegurança alimentar e energética. Somos três Somadas a estas reuniões, encontros ministeriais de alto
grandes democracias multiétnicas do mundo em nível, nas quais se incluem os encontros dos Pontos Focais.
desenvolvimento, unidas para propor e construir, Ao longo deste processo, os maiores desafios são a institu-
sem antagonismos, com firmeza e continuidade de cionalização do fórum, a ampliação do conhecimento mútuo
propósitos. (...) O IBAS enfrentou o ceticismo dos entre os parceiros e a superação de dificuldades logísticas
que preferem a inércia à ação. Nossas realizações como, por exemplo, a ligação de transporte e comércio entre
provam que temos motivos para olhar o futuro com os três Estados.
otimismo. Tenho certeza que outros frutos virão. No que se refere a sua atuação, o IBAS pode ser dividido
(SILVA, 2010, s/p). em duas esferas: a dos princípios gerais, que representa a
frente unida dos três Estados em suas demandas, e a dos
Afinal, até a criação do IBAS, a despeito de esforços bi- princípios específicos, centralizada nas particularidades
laterais e apesar da identidade e vulnerabilidades comuns, desta cooperação trilateral em seus aspectos tradicionais
as alianças entre estes países estiveram diluídas em organis- e inovadores.
mos multilaterais maiores como a ONU e o G77, não existindo Em termos de princípios gerais, o IBAS defende a demo-
uma aproximação mais sistemática entre estes Estados. Esta cratização das relações internacionais por meio da atualiza-
situação repetiu‑se no pós‑Guerra Fria, em particular na dé- ção das organizações internacionais para dar conta do novo
cada de 1990 com a perda de referenciais de alinhamento (e papel e recursos de poder dos países em desenvolvimento.
desalinhamento), a aceleração da globalização, o aumento Neste sentido, defende a correspondência entre as
das assimetrias globais e a dificuldade do diálogo Norte‑Sul. realidades vigentes do equilíbrio de poder internacional e
Diante deste cenário, a primeira década do século XXI as estruturas político‑econômicas e comerciais do sistema.
e suas pressões relativas aos dilemas da crise social, da ONU, FMI, Banco Mundial, G8, OMC são alguns destes
não inclusão e atualização do sistema internacional e suas pilares que demandam ajustes. A reforma deve dar conta do
estruturas de poder, da paralisia em negociações, do unila- aumento da representatividade nestas OIGs, seja pelo seu
teralismo de Bush filho, levou a uma necessária e gradual alargamento (CSONU, G8), como pela redivisão de respon-
aproximação entre estas potências médias. Por sua vez, sabilidades em seus processos decisórios (FMI) e do padrão
esta aproximação também emerge a partir da percepção assimétrico das negociações internacionais principalmente
autóctone destas potências da importância de recuperar no âmbito comercial e financeiro.
suas identidades e sua autonomia internacional (mesclando No que se refere ao G8, as dimensões de crise interna-
dimensões pragmáticas e ideológicas que sustentam suas cional que atingiram o sistema econômico depois de 2008,
visões e prioridades comuns). e a elevação do G20 financeiro (ver 5.3B) como fórum de dis-
Neste sentido, é relevante recuperar a trajetória do IBAS: cussão preferencial das nações do Sul neste contexto, levou
o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (também co- a um esvaziamento deste debate específico. No caso, como
nhecido como G3) foi estabelecido em junho de 2003 pelos destaca Visentini (2011), houve uma alteração de ênfase
Ministros das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, nas demandas de reforma multilateral destes sistemas, com
foco no citado G20 financeiro e o papel dos emergentes nos
da Índia, Yashwant Sinha, e  da África do Sul, Nkosazana
processos decisórios do FMI e Banco Mundial.
Dlamini‑Zuma. Na oportunidade foi emitida a Declaração de
Outra reivindicação refere‑se à incorporação de temas
Brasília na qual os três países compro metem‑se a estabe-
sociais como pobreza, miséria, saúde, educação e segurança
lecer consultas regulares de alto nível a fim de estabelecer
alimentar que embora estejam contemplados nas metas do
e aprofundar a cooperação trilateral em diversos setores
milênio recebem pouca atenção do eixo vertical. Avançando
sociais, políticos, econômicos, diplomáticos, científicos e
à esfera dos princípios específicos, o  IBAS apresenta uma
estratégicos. Segundo a Declaração de Brasília, 2003,
dimensão tradicional, referente ao intercâmbio trilateral em
diversas áreas: biotecnologia, tuberculose, HIV/Aids, malá-
Este constituiu um encontro pioneiro de três países ria, nanotecnologia e oceanografia, aeroespacial, nuclear e
com democracias vibrantes, das três regiões do temas sociais. Para dar conta destes desafios de institucio-
mundo em desenvolvimento e atuantes em escala nalização da cooperação, o IBAS estabeleceu 16 Grupos de
global, com o objetivo de examinar temas da agenda Trabalho: administração pública, administração tributária,
internacional e do interesse mútuo. Nos últimos anos, agricultura, assentamentos humanos, C&T, indústria, comér-
notou‑se a importância e o diálogo entre países e cio e investimentos, cultura, defesa, desenvolvimento social,
nações em desenvolvimento do Sul (...) Os Ministros educação, energia, meio ambiente e mudanças climáticas,
decidiram denominar este grupo de “Fórum de Diálo- saúde, sociedade da informação, transportes e turismo. No
go Índia, Brasil e África do Sul” (IBAS) (DECLARAÇÃO campo estratégico, exercícios conjuntos entre as marinhas
DE BRASÍLIA, 2003 in GARCIA, 2008, p. 704). (IBSAMAR) vêm sendo realizados.
Enquanto isso, em termos comerciais, além das posições
Na 58ª Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova comuns nas negociações da OMC (que se interligam as do
Iorque, estes princípios foram reafirmados e ratificados pelo G20 comercial), existem negociações para o estabelecimento
Presidente Lula do Brasil, o Primeiro‑ministro indiano, Atak de uma zona de livre‑comércio Mercosul‑SACU‑Índia (a par-
Bihari Vajpayee, e  o Presidente sul‑africano, Tabo Mbeki. tir das múltiplas dimensões de negociação Mercosul‑Índia,
Política e Segurança

Desde então, foram realizadas Cúpulas: I Cúpula IBAS em Bra- Mercosul‑SACU e SACU‑Índia).
sília, Setembro 2006, a II Cúpula IBAS em Tshwane, Outubro A dimensão inovadora do IBAS reside em seu papel pro-
2007, a III Cúpula IBAS em Nova Délhi, 2008, a IV Cúpula em tagônico na promoção de projetos de ajuda para países em
Brasília 2010, como citado, e a V Cúpula em Tshwane África desenvolvimento (principalmente os PMDRs), financiados
do Sul em 2011. Nesta última Cúpula, a Presidente Dilma por países em desenvolvimento. O objetivo destas iniciativas
ressaltou a relevância do IBAS para os países membros e a sua é o estabelecimento de uma estratégia social de desenvolvi-
articulação não somente neste fórum, mas em negociações mento integrado como definido pelo Fórum. Em março de
que se estendem aos BRICS e aos G20 financeiro e comercial 2004 foi estabelecido o Fundo IBAS para o Alívio da Fome
(ROUSSEFF, 2011c). e da Pobreza. Com foco em programas sociais relacionados

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às metas do milênio e na disseminação das experiências, Fria chegou‑se a criar hipóteses sobre o fim das clivagens
o Fundo IBAS conta com a contribuição anual de US$ 1 milhão Norte‑Sul no sistema internacional, o  século XXI é repre-
de cada Estado (os recursos são administrados pela Unidade sentativo do renascimento deste mesmo Sul. Parte deste
Especial de Cooperação Sul‑Sul do PNUD). renascimento, o BRICS detém uma trajetória particular, cuja
Neste âmbito, três projetos já foram financiados: “De- dinâmica merece atenção, de suas origens em 2001 até à re-
senvolvimento da Agricultura e da Pecuária na Guiné‑Bissau” alização de sua IV Cúpula em Nova Délhi em março de 2012.
(2005/2007), a primeira fase do projeto “Coleta de Resíduos Diferente de outros agrupamentos ou instituições mul-
sólidos: uma ferramenta para reduzir violência e conflitos em tilaterais, cujo processo de criação foi realizado por seus
Carrefour‑Feuilles” em Porto Príncipe, no Haiti (2006/2007) e membros, o BRIC surgiu a partir de uma análise de projeção
o “Projeto de Reabilitação do Posto Sanitário de Covoada” em de cenário de um banco de investimentos, o Goldman Sachs,
Cabo Verde (outros se encontram em estudos e andamento realizada pelo economista Jim O’Neill. O  acrônimo, cujo
para outros PMDRs). significado em inglês era “Tijolo”, representava um grupo
Perto de completar uma década de sua criação estas de países em desenvolvimento que eram considerados pelo
visões e objetivos gerais foram reforçados na Declaração analista como de maior potencial de crescimento no sistema
de Tshwane, na V Cúpula de Chefes de Estado e Governo. internacional. Brasil, Rússia, Índia e China compunham este
A declaração trata de temas específicos igualmente como grupo de nações, que passariam a ser foco de interesse de
governança, meio ambiente, negociações comerciais, metas investidores por seu mercado, recursos, dimensões geográ-
do milênio, que não serão aqui detalhados. ficas e características políticas.
Nestas dimensões, sejam elas gerais ou específicas, o que Lançadas em 2001, estas previsões gradualmente foram
se observa é a permanência de elevada convergência entre se tornando concretas, na medida em que estes países do
as posições dos membros do IBAS. Sul iniciaram, mesmo que em momentos diferentes, um
processo de expansão econômica, associado à elevação de
Os líderes ressaltaram sua colaboração no CSONU e autonomia política. Com isso, cada um dos BRIC atravessou
outros fóruns relevantes como as agências especia- uma trajetória distinta nestes setores, político‑econômico (e
lizadas da ONU e agrupamentos como o G20, G24, estratégico pode‑se acrescentar), mas que, no final da pri-
OMC, OMPI, BASIC (...) BRICS, o G77 + China. Os lí- meira década do primeiro século XXI chegou a um resultado
deres reafirmaram seu compromisso para aumentar similar: crescimento e estabilidade, diminuição de vulnerabi-
a participação dos países em desenvolvimento nas lidade e aumento de assertividade. Neste período, apesar de
instâncias de tomada de decisão das instituições cada BRIC apresentar diferentes fluxos político‑econômicos,
multilaterais. Eles ressaltaram a necessidade urgente possuindo diferentes modelos e setores produtivos, houve
de reforma do CSONU para que o mesmo se torne um crescimento relativo positivo em todos que permitiram
mais democrático e consistente com a realidade um aumento de seu poder relativo. E, mesmo controversa,
geopolítica atual. (...) reiteraram que o atual sistema a  inserção da Rússia como BRIC, ainda que não um país
internacional precisa refletir mais as necessidades e originalmente do Sul/Terceiro Mundo, era instrumental
prioridades dos países e desenvolvimento. O IBAS, para as análises por definir de um “novo” quadro de atores
e os países pares, continuarão a luta para contribuir protagonistas que não os tradicionais do eixo euro‑americano
com uma nova ordem política mundial cuja arquitetu- (instrumental para a própria Rússia em sua agenda de re-
ra política, econômica e financeira seja mais inclusiva construção nacional e reposicionamento externo pós‑URSS).
e legítima (...) Como membros do G20, os países do Paralelamente, a esta consolidação, o biênio final desta
IBAS reafirmam seu apoio ao grupo como fórum mesma década representou o refluxo do poder do Norte,
principal da cooperação econômica internacional. devido à crise econômica dos EUA e da Europa Ocidental.
(India‑Brazil‑South Africa IBSA Dialogue Forum Fifth Este quadro, intensificou os processos de desconcentra-
Summit Of Heads Of State And Government Tshwane ção do poder mundial, indicando a construção de um mundo
Declaration, 2011, s/p). multipolar a médio e longo prazos. Em 2008, no auge da crise
econômica norte‑americana, e sob a sombra da permanência
Esta dimensão revela o crescente dinamismo econômico, das estruturas de poder vigentes desde 1945 no sistema in-
social e político dos Estados membros, que corresponde aos ternacional, começa a se observar a transformação do BRIC,
novos papéis que desempenham neste fórum e em outras conceito de análise, em BRIC, grupo negociador composto de
arenas e alianças Sul‑Sul e Norte‑Sul (e as bilaterais). nações emergentes, que, mesmo heterogêneas, detinham
O IBAS representa uma visão autônoma e elemento condições e demandas político‑econômicas similares nas
adicional de projeção regional e global que incrementa os conversações multilaterais e em sua relação com o mundo
esforços de autonomia desenvolvidos pelas potências mé- desenvolvido. Ilustrando esta trajetória indica‑se que,
dias, compatíveis com sua história, suas sociedades e seus
interesses nacionais. (...) o que há de mais interessante sobre os BRICs é
que, à exceção de situações de natureza puramente
B) OS BRICS geográfica, é a primeira vez em que um grupo nasce
(pelo menos a primeira vez na minha história de vida
Um dos fenômenos mais característicos das relações diplomática), digamos assim, de fora para dentro.
Política e Segurança

internacionais contemporâneas é a aceleração e a transfor- Quer dizer, o nome BRICs inclusive foi criado, como
mação de tendências políticas, econômicas e estratégicas, lembrado, por um economista da Goldman Sachs,
reflexo do equilíbrio de poder mundial em formação. Esta Jim O’Neill, que definiu esses países como os países
situação aplica‑se a diversas áreas das relações estatais e que terão crescente importância no mundo, a ponto
não estatais, nas quais se observam novas configurações de, dentro de 20 ou 30 anos, estarem seguramente,
de alianças e relacionamentos, como o IBAS e os G20s co- os quatro deles, entre os seis, ou sete, ou oito pa-
mercial e financeiro. Isto se estende igualmente a questões íses mais importantes do mundo. Provavelmente
de debate, como o próprio conceito de Terceiro/Segundo todos eles estarão  – um deles naturalmente já é
Mundo e nações em desenvolvimento: se no fim da Guerra membro – em qualquer G-8, ou qualquer G-7, que

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se queira construir dentro de 20 ou 30 anos. Essa é as transformações da economia mundial. Os países
uma realidade muito interessante e que foi assinalada emergentes e em desenvolvimento precisar ter uma
de fora para dentro. Não foi nem a política externa, voz cada vez maior e representação nas instituições
nem a política econômica do Brasil, nem da Rússia, financeiras internacionais, e  que sua liderança (...)
nem da Índia, nem da China que definiu isso. Foi seja indicada por meio de um processo aberto,
uma constatação feita por economistas de bancos transparente e baseado no mérito. Também acre-
internacionais. (AMORIM, 2011b, p. 136). ditamos que é imprescindível o estabelecimento de
um sistema monetário internacional mais estável,
Mas como se deu esta passagem de “fora para dentro”? previsível e diversificado. (...) Expressamos nosso for-
Qual o ano‑chave da mudança? Neste sentido, o  biênio te comprometimento com a diplomacia multilateral,
2008/2009, que engloba o aprofundamento da  crise nos com as Nações Unidas desempenhando um papel
EUA e na Europa Ocidental, e as primeiras reuniões do G20 central na administração de desafios e perigos glo-
financeiro para lidar com este cenário (Washington, no- bais. Neste tema, reafirmamos a necessidade de uma
vembro de 2008 e Londres, abril de 2009, respectivamente reforma abrangente da ONU com vistas a torná‑la
a I e a II Cúpula de Líderes do G20) pode ser considerado mais eficiente para poder lidar com os problemas
como o marco para a transição do BRIC de conceito a grupo. contemporâneos (...). (Joint Statement Of The Bric
A relevância do grupo pode ser avaliada por esta citação de Countries Leaders, 2009, s/p).
Reis (2012), na qual a África do Sul (que passou a integrar
a aliança em 2011) já se encontra incluída. Os  países dos A partir de Ekaterimburgo, foram lançados os dois pila-
BRICS representam 43,03% da população mundial, 18% do res prioritários da agenda dos BRIC: a coordenação de ação
Produto Interno Bruto (PIB) nominal mundial (25% do PIB nos fóruns multilaterais e a construção de uma agenda de
per capita), 25,91% da área terrestre do planeta e 46,3% do cooperação intrabloco. A partir da II Cúpula (Brasília, 2010),
crescimento econômico global de 2000 a 2008. Ademais, de os temas da agenda na qual os BRIC passam a coordenar
acordo com a previsão divulgada pelo FMI em 24 de janeiro posições são ampliados consideravelmente, o que indica uma
de 2012, os países do grupo deverão contribuir com 56% do dimensão mais abrangente de pauta e menos condicionada
crescimento do PIB mundial em 2012. A contribuição do G7 à crise econômica. Além disso, ganha densidade os esforços
para o crescimento da economia mundial será de 9%, menor intrabloco, que se somam às pautas de cooperação bilaterais
que a da América Latina (9,5%). Sobressaem, ainda, diversas e multilaterais já existentes entre estas nações. Enquanto no
outras características dos membros do agrupamento. Brasil, centro do poder mundial parece permanecer um vácuo de
Rússia, Índia e China são os únicos países – além dos EUA – decisões, as movimentações no eixo Sul ganham dinamismo.
que possuem ao mesmo tempo (a) área territorial acima de Em 2010, apesar de reconhecerem melhoras na situação
dois milhões de quilômetros quadrados, (b) população acima econômica mundial, os países dos BRIC indicam a necessida-
de 100 milhões de pessoas e (c) PIB nominal acima de US$ de de aprofundamento das reformas estruturais do sistema,
1 trilhão. (REIS, 2012, pp. 34-35). coordenação de políticas macroeconômicas e atenção a pro-
blemas sociais. Além disso, reafirmam que, dentro do quadro
A ideia “BRIC” como grupo, emerge, e  se consolida, contemporâneo das instituições econômicas multilaterais,
portanto, em um cenário de crise, mas também de opor- o G20 financeiro deve ser visto como fórum preferencial de
tunidades. Oportunidades ao representar um elemento negociação por ser o mais representativo diante da ausência
a mais na trajetória de solidificação de outras alianças de de reformas do FMI e Banco Mundial. (Joint Statement Of
geometria variável e fóruns entre as nações emergentes, The Bric Countries Leaders, 2010).
e  que criaram a base para esta experiência (VISENTINI, Estes temas voltam a ser abordados na Declaração de
2011). E, crises, ao avançar em um cenário de inércia das Sanya (III Cúpula dos BRIC realizada na China em 2011), con-
principais economias internacionais nas negociações e re- trariando expectativas de que a heterogeneidade do grupo e
formas, das dificuldades em se encontrar soluções para a os interesses divergentes em algumas áreas levariam ao seu
crise nos mecanismos conhecidos (FMI e Banco Mundial e, esvaziamento. Sanya marca, ainda, a entrada da África do
no campo comercial, a OMC) e da demanda para realocar Sul no grupo, o que eleva seu padrão de representatividade
estas discussões para um foro mais representativo que estes geográfica. A  consolidação dos BRICS é representativa da
anteriores, o G20 financeiro. continuidade destas coordenações de políticas e agendas
Ao mesmo tempo, ao se realocar as discussões para o comuns, assim como da ampliação de áreas de cooperação
G20 financeiro, procuravam responder ao descompasso que entre os membros do grupo em termos comerciais, políticos,
parecia se instalar entre a retórica destas cúpulas, as deman- estratégicos e econômicos. A IV Cúpula de março de 2012 em
das das nações emergentes e a realidade. Nova Délhi, a mais recente, teve como tema “BRICS Parceria
Neste contexto, no qual nem a mudança de presidência para a Estabilidade, Segurança e Prosperidade” e indica que,
dos EUA indicava mudanças, a reunião do G20 financeiro de
Londres, abril, 2009, foi sucedida pela I Cúpula dos BRIC em Projetamos um futuro caracterizado pela paz global,
Ekaterimburgo, Rússia. A I Cúpula responde ao cenário de progresso econômico e social e desenvolvimento
estagnação descrito acima e se coloca como um fórum dife- científico. Defendemos que estamos prontos para
Política e Segurança

renciado de articulação para as nações emergentes diante da trabalhar em conjunto, países desenvolvidos e em
paralisia relativa das negociações e para cooperar no sentido desenvolvimento juntos, com base nas normas uni-
de avançar as reformas consideradas necessárias por estas versalmente reconhecidas da lei internacional e da
nações em outras instâncias multilaterais. tomada de decisão multilateral, para lidar com os
Esta agenda encontra‑se presente na Declaração Con- desafios e oportunidades do mundo de hoje. O forta-
junta dos Líderes em 2009, lecimento da representação dos países emergentes e
em desenvolvimento nas instituições de governança
Estamos comprometidos em avançar a reforma das global vai aumentar a probabilidade de atingir este
instituições financeiras internacionais, para refletir objetivo. (BRICS, 2012, s/p).

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Em um balanço desta evolução, Reis (2012) aponta, forma abrangente e também com relação aos mundos em
desenvolvimento e os PMDRs deste e outros continentes.
Nos poucos anos decorridos desde sua conformação Intensificado pelo governo Lula, este processo aprofunda
(a primeira Cúpula foi realizada há menos de três iniciativas já existentes como a CPLP e a ZOPACAS e agrega
anos), os BRICS já deram mostras de sua capacidade um conteúdo social à tradicional agenda comercial.
de influência na reforma da governança global. Na Avaliando estas iniciativas prévias, as  origens da CPLP
esfera econômica, sua atuação com vistas à reforma (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) localizam‑se
das instituições financeiras internacionais não apenas no final do governo Sarney em 1989. Na oportunidade
fez justiça (ainda que parcial) ao peso econômico foi realizado o Primeiro Encontro de Chefes de Estado
de seus integrantes, como também favoreceu os das Comunidades de Língua Portuguesa que contou com
interesses de outros países em desenvolvimento. a presença de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné‑Bissau,
No plano político, aprofunda‑se o diálogo e a con- Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe. A partir desta
certação em temas de interesse comum, como a cúpula, deu‑se início ao trabalho de institucionalização da
reforma das Nações Unidas e de seu Conselho de comunidade a partir destes membros originais, aos quais,
Segurança, combate ao terrorismo internacional, no período mais recente, agregou‑se o Timor Leste como
desenvolvimento sustentável, erradicação da pobre- nação independente. A CPLP foi constituída em 1996 e desde
za, mudança climática e cumprimento das Metas de então realiza esforços conjuntos nos campos da educação,
Desenvolvimento do Milênio, entre outras questões saúde e cooperação estratégica. A implementação do Acordo
(...) Os BRICS também obtiveram êxito na construção Ortográfico da Língua Portuguesa faz parte desta agenda. No
de uma agenda própria de cooperação. Os BRICS não Brasil, o cronograma de implementação iniciou‑se em 2009
se formam contra os interesses de outros países. quando o Acordo entrou em vigor de forma facultativa e
Não buscam um jogo de soma zero, mas sim uma desde 2012 é obrigatória).
situação “win‑win” (...) É bem verdade que os cinco Por sua vez, a  ZOPACAS representa a consolidação de
países têm formações históricas e matrizes culturais esforços iniciados em Sarney de consolidação de uma zona
distintas, mas, talvez por isso mesmo, possam gerar desmilitarizada no Atlântico Sul. Atualmente, esta região tem
um novo paradigma de atuação internacional (REIS, sido objeto de elevada atenção norte‑americana e chinesa
2012, pp. 42-43). por conta da recuperação do continente africano e a desco-
berta de reservas estratégicas de gás e petróleo por Brasil e
É preciso destacar que estas alianças, IBAS, BRICS e as Angola. Os países deste espaço intensificam seus esforços
demais de geometria variável (como os próprios “G20s”), de cooperação estratégica, sem perder de vista os objetivos
possuem duas características adicionais: a sobreposição des- originais desta aliança. Em 2007, a Declaração Ministerial e o
tas alianças devido à existência da agenda comum (defesa do Plano de Ação de Luanda marcaram o começo deste proces-
multipolarismo, atualização e democratização das estruturas so de revitalização conforme definido pelo MRE brasileiro.
de governança e temas sociais) em diversas instâncias e a Além do aprofundamento da CPLP e ZOPACAS, caminhan-
sua complementaridade com as parcerias bilaterais entre os do ao período mais recente, a realidade africana e do mundo
parceiros do IBAS e dos BRICS e de suas parcerias bilaterais e em desenvolvimento é prioritária na agenda das articulações
multilaterais nos demais tópicos de sua política externa. No Sul‑Sul, destacando‑se as iniciativas já mencionadas da ASA
que se refere especificamente ao IBAS e BRICS, as mesmas e da ASPA, dos acordos Mercosul‑SACU e SADC. O  Brasil
têm possibilitado o reforço positivo destas parcerias bilate- aproxima‑se das organizações regionais africanas como a
rais nas áreas de cooperação econômica, política, estratégia UA, o NEPAD e os esforços de cooperação com a SADC. Neste
e de ciência e tecnologia. Na verdade, na medida em que escopo, insere‑se a proposta do IBAS e do Fundo IBAS como
a agenda comum mais abrangente permite a aproximação aglutinador de demandas e processos de desenvolvimento
entre os parceiros, isto traz reflexos positivos para o diálogo socioeconômico e comercial.
estratégico bilateral, principalmente em relações antes pouco Estas movimentações multilaterais do Brasil a partir da
aproveitadas (como as Brasil‑Rússia, ver Colin, 2007). plataforma sul‑americana são complementadas por consi-
deráveis esforços bilaterais. Neste âmbito, o Presidente Lula
Processo em andamento, a experiência dos BRICS com- visitou diversos países africanos em seus dois mandatos,
prova o dinamismo da política internacional do século XXI e como destacam Mourão, Cardoso e Oliveira (2006): África
suas tendências diferenciadas ao Norte e ao Sul. do Sul, Cabo Verde, Camarões, Egito, Gabão, Gana, Gui-
Se daqui a uma década ainda será um conceito útil ou se né‑Bissau, Líbia, Moçambique, Namíbia, Nigéria, São Tomé
tornará uma organização internacional e/ou complementar e Príncipe e Senegal. A reabertura de Embaixadas no conti-
as demais do sistema, é uma questão em aberto. nente e a instalação de novas instalações incluem‑se neste
Como outras experiências de cooperação, seja ela Sul‑Sul plano de ação, assim como o incremento de cooperação
ou Norte‑Sul, os BRICS são condicionados às dinâmicas de econômico‑comercial com a presença de representantes do
seus membros, não membros e os fluxos transnacionais. setor privado nestas delegações. Do lado africano, também
Afinal, como indicam Lima e Castellan (2012), o  BRICS se intensificaram as visitas de Chefes de Estado ao Brasil,
não é diferente de qualquer outra aliança ou instituição, o que demonstrou a solidez do intercâmbio. A Presidente
e  permanecerá ativo enquanto se mantiver funcional aos Dilma Rousseff tem dado continuidade a estes esforços tanto
Política e Segurança

Estados que dele fazem parte em um contexto nacional e no âmbito dos esforços bilaterais, como no dos trilaterais e
internacional específico. multilaterais (em organizações governamentais tradicionais
como a ONU e os novos espaços IBAS, BRICS, e as alianças
C) As Parcerias Africanas, o Mundo em de geometria variável).
Desenvolvimento e os PMDRs Em termos práticos, esta reaproximação possui dimen-
sões múltiplas: no campo político‑diplomático traduz‑se na
Somada às alianças mencionadas, a retomada do eixo parceria estratégica no âmbito multilateral que vem reforçan-
Sul‑Sul com maior assertividade pela política externa brasi- do as ações Sul‑Sul em organismos próprios (G20 comercial
leira significou a recuperação de sua política africana de uma e IBAS), no quadro das instituições globais agregando apoio

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às demandas do Terceiro Mundo e na atuação de missões ca e estratégica para o país, amadurecendo uma trajetória
das Nações Unidas; em termos socioculturais aprofunda de esforços e busca de alternativas bilaterais e multilaterais
laços históricos entre os continentes e suas populações (LIMA, 2006). Na avaliação dos autores,
(educação, cultura e diálogo) e exprime uma forte medida
de solidariedade e ajuda (Fome Zero, combate ao HIV/Aids, Para a política externa brasileira, a concertação com
cooperação técnica via EMBRAPA, FIOCRUZ, esforços com- os grandes países do sul, incluindo os BRICS, tem
binados da Agência Brasileira de Cooperação); no comércio objetivos estratégicos e táticos. Do ponto de estra-
consolida novas zonas de oportunidade econômica para as tégico, estas alianças visam retomar o protagonismo
exportações brasileiras do agronegócio, bens de valor agre- clássico no plano multilateral com vistas a tornar
gado, infraestrutura e tecnologia. as normas e regras de diversos regimes internacio-
Além da agenda africana, o  Brasil incrementou a coo- nais mais permeáveis aos interesses dos países em
peração horizontal com lógica similar entre os países em desenvolvimento, de modo geral, e  dos países em
desenvolvimento e os PMDRs. Diversas arenas de contato ascensão, em particular. A desconcentração do poder
e cooperação vêm se consolidando na última década que decisório nestas várias instâncias de regulação inter-
acentuaram o protagonismo brasileiro na arena social e na nacional e a utilização de mecanismos de concertação
política. Bastante abrangentes estas atividades envolvem ini- político‑diplomática são cruciais para fazer valer
ciativas de cooperação horizontal nos mais diversas setores: os seus interesses no plano global, tendo em vista
ciência, tecnologia, comércio, saúde, educação, segurança que o país renunciou à posse das armas nucleares
alimentar, governança, treinamento técnico e capacitação e depende fundamentalmente desta capacidade de
profissional. Tais ações não serão aqui detalhadas devido sua concertação para fazer valer seus interesses. Tatica-
extensão, mas encontram‑se sistematizadas no livro “Ativi- mente, a implementação desta estratégia se faz por
dades de Cooperação Sul‑Sul desenvolvidas pelo Brasil” sob via da formação de coalizões de geometria variável,
responsabilidade do MRE. A participação e liderança do Brasil como são os BRICS, o IBAS, e o G20 comercial para
na MINUSTAH e suas ações no Timor Leste são exemplos citar as mais expressivas. Delas participam alguns
destes projetos e do reforço da presença nacional. dos grandes países periféricos estando ausentes os
A cooperação técnica Sul‑Sul, bilateral e trilateral, é uma países centrais (...) os interesses comuns dos mem-
das dimensões mais relevantes neste âmbito, consistindo‑se bros dos BRICS se dão em torno de dois objetivos:
em setor de significativa atuação do país. A arena expressa, desconcentrar o processo decisório das instituições
ainda, a particularidade de engajamento do Brasil neste cam- internacionais e resguardar autonomia na formulação
po e sua relação com os países parceiros. Destacando estas de políticas econômicas. (LIMA e CASTELAN, 2012,
questões, a  nota “Cooperação Técnica” do Ministério das pp. 178-179).
Relações Exteriores, expressa estas orientações e princípios.
A política externa brasileira para os países em desenvol- COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA
vimento caracteriza‑se por um compromisso de longo prazo.
Uma das formas que esse compromisso melhor se expressa é
PORTUGUESA
por meio da cooperação técnica a cargo da Agência Brasileira
A CPLP vem sendo estudada com maior intensidade nos
de Cooperação (ABC), que, em sua essência, visa semear
últimos anos, por todos os desafios e potencialidades que
capacidade para o desenvolvimento autônomo.
leva consigo. No entanto, ainda há poucos materiais sobre o
A cooperação técnica sul‑sul brasileira caracteriza‑se pela
assunto e a Comunidade é pouco conhecida do público em
transferência de conhecimentos, pela ênfase na capacitação
geral. Ainda são necessários esforços para maior divulgação
de recursos humanos, pelo emprego de mão‑de‑obra local
das ações da CPLP, além da educação dos mais de 230 mi-
e pela concepção de projetos que reconheçam as peculia-
lhões de cidadãos da CPLP, e também intercâmbio cultural.
ridades de cada país. Realiza‑se com base na solidariedade
que marca o relacionamento do Brasil com outros países
em desenvolvimento. Fundamenta‑se no princípio cons- Panorama da CPLP
titucional da cooperação entre os povos para o progresso
da humanidade. A cooperação técnica brasileira é livre de A CPLP foi criada em 17 de julho de 1996 a cidade de
condicionalidades e construída a partir da manifestação de Lisboa durante a I Conferência de Chefes de Estado e Go-
interesse de parte dos parceiros (“demand driven”). verno dos Países de Língua Portuguesa, abarcando Angola,
O Brasil não se considera um “emerging donor”. Isso faz Brasil, Cabo Verde, Guiné‑Bissau, Moçambique, Portugal e
com que a relação do Brasil com outras partes não seja carac- São Tomé e Príncipe. O Timor‑Leste entrou na comunidade
teriza pela coordenação entre doadores. O Brasil considera em 2002, logo após sua independência.
que a cooperação sul‑sul não é uma ajuda (“aid”), mas sim Não se tratava unicamente de estabelecer e ou fomentar
uma parceria na qual as partes envolvidas se beneficiam, ou relações comerciais, mas de pensar em termos de construção
seja, adota o princípio da horizontalidade na cooperação. de identidades e interesses comuns. Assentadas na identida-
(COOPERAÇÃO TÉCNICA, s/p, acesso em 16/08/2012). de linguística e nos laços históricos de seus países membros,
A cooperação Sul‑Sul, portanto, traz tanto possibilidades as três vertentes de atuação da CPLP são: 1) a concertação
quanto desafios em todas as suas dimensões, dependendo político‑diplomática; 2) a cooperação, sobretudo nos campos
Política e Segurança

das condições domésticas das nações envolvidas, a  com- econômico, social, cultural, jurídico e tecnocientífico; e 3) a
petição entre elas e a presença dos EUA nestas interações. materialização de projetos de promoção e difusão da língua
Entretanto, estes são desafios comuns a qualquer esforço de portuguesa.
coordenação e cooperação, que será caracterizado por uma A comunidade é composta por quatro órgãos, apresenta-
mescla de convergências e divergências. Assim, a dimensão dos aqui em ordem de importância hierárquica, quais sejam:
horizontal das relações internacionais do Brasil, traduz‑se a Conferência de Chefes de Estado e Governo, o Conselho
nos últimos como uma das mais complexas, mas também de Ministros, o  Comitê de Concertação Permanente, e  o
profícuas da agenda nacional. Como indicam Lima e Castellan Secretariado Executivo. A  primeira, também chamada de
(2012), as relações Sul‑Sul detêm crescente relevância táti- Cimeira, define e orienta a política geral e as estratégias da

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CPLP, sendo as decisões tomadas por consenso e vinculativas vão muito além da defesa de uma língua. O mundo globaliza-
para todos os Estados membros. O Conselho de Ministros é do lhes impõe a necessidade de ter economias competitivas,
responsável pela coordenação das atividades da organização, globalizadas e de políticas domésticas com alto grau de
incluindo a definição e a adoção de políticas e programas. instituições democráticas capazes de representar os desejos
O Comitê de Concertação Permanente tem a função de su- e a diversidade de cada um dos cidadãos. Portanto, o lastro
pervisionar continuamente as atividades da CPLP, as quais da língua comum e sua valorização não bastam. É preciso
são colocadas em prática pelo Secretariado Executivo. Este encaminhar propostas concretas nos campos da educação
implementa as decisões e resoluções dos órgãos superiores, social e do treinamento para o trabalho. Os países que fazem
planeja e executa os programas da comunidade e administra parte da CPLO, sobretudo Brasil e Portugal, por serem atores
e organiza as suas finanças. Quanto ao financiamento, a CPLP centrais e mais estruturados, devem cooperar para garantir
recebe contribuições anuais dos seus membros e possui um o bem‑estar dos países mais à margem do processo de in-
fundo especial que pode receber contribuições voluntárias. ternacionalização dos ganhos da globalização econômica e
Para os sete países que compõem a CPLP, a língua por- mundialização da cultura.
tuguesa se configurou como meio de unir e aperfeiçoar A preferência de negociação entre os países da CPLP não
as suas relações internacionais em meio a um processo pode ocorrer exclusivamente por falarem português. É neces-
de aceleração da globalização e da formação de blocos sário haver uma contrapartida econômica, com ênfase para o
econômicos de meados da década de 1990. A utilização do incremento comercial e o aumento do fluxo financeiro entre
português seria o elemento responsável pela aproximação os membros. Os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial
de países tão distantes e com culturas tão diferentes, abrindo Portuguesa), por exemplo, desejam enfatizar a dimensão da
canais de cooperação econômica, educacional e cultural. cooperação técnica, científica e tecnológica e a concertação
Para países africanos, por exemplo, o português representa político‑diplomática, já que são países de independência
tanto uma língua de afirmação, frente a nações anglófonas mais recente, tendo alguns deles passado por guerras civis,
e francófonas ao seu redor, como de nacionalidade, uma como Angola, Guiné‑Bissau e Moçambique. Um país em
vez que fora utilizada como língua de resistência durante reconstrução, com altas taxas de desigualdade e problemas
suas independências, unindo diversas etnias em um mesmo socioeconômicos gritantes, não terá condições de priorizar
Estado‑Nação. A cooperação em língua portuguesa repre- esforços para a difusão de sua língua. O aprofundamento
senta o pilar da comunidade e orienta a ação política dos da cooperação econômica é fundamental para aumentar as
seus países membros, de natureza pacífica, sem qualquer taxas de alfabetização e acesso à educação e tecnologias,
fim militar, que aproveita história e cultura comuns para diminuir os índices de pobreza, fortalecer as instituições
potencializar cooperação e desenvolvimento para os países democráticas e possibilitar o alcance dos objetivos ideais.
que falam português. A  CPLP deve, ainda, promover os valores democráticos e
Em termos geopolíticos, a  CPLP vem ganhando força as eleições livres nos países membros, para que se criem
frente a um cenário internacional cada vez mais compe- instituições sólidas que permitam diminuir as assimetrias
titivo. Os  oito países membros procuram fazer convergir entre os diferentes atores do sistema mundial.
suas sinergias resultantes do fato de que cada um deles faz Por mais o aspecto da língua seja importante, esta
parte de algum bloco regional, os quais, num contexto de vertente não anda sozinha e a cooperação e a concertação
globalização, sobretudo comercial, tendem a se relacionar político‑diplomática entre os membros da Comunidade são
entre si. Portugal integra a União Europeia e, na sua Zona fundamentais para o alcance dos objetivos.
Econômica Exclusiva, transita grande parte do fluxo aéreo e
marítimo intercontinental. O Brasil, hoje uma potência média Atuação da Cplp entre 1996 e 2010:
com grandes recursos e crescente influência no Cone Sul, é o as Três Vertentes e o Plano de Ação de Brasília
Estado mais influente do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
e tem participação ativa em grupos e fóruns internacionais Destacou‑se, em termos de concertação política, a coor-
como o G20 e o IBAS. Angola e Moçambique fazem parte da denação de posições nos foros multilaterais e a cooperação
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), na área eleitoral; quanto à cooperação técnica, a capacitação
junto com a África do Sul; Cabo Verde e Guiné‑Bissau estão nas áreas de formação profissional, segurança alimentar,
na Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, agricultura, saúde e fortalecimento institucional; acerca da
e São Tomé e Príncipe na Comunidade dos Estados da África difusão da língua portuguesa, a adoção do Plano de Ação de
Central. Os  cinco países africanos de língua oficial portu- Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projeção da Língua
guesa fazem parte também da União Africana. Por último, Portuguesa.
o  Timor‑Leste, localizado entre dois gigantes econômicos Quanto à coordenação de posições nos foros interna-
e políticos (Austrália e Indonésia) poderá a fazer parte da cionais: (a) a XII Reunião do Conselho de Ministros da CPLP
ASEAN. Portanto, a  CPLP estabelece um espaço lusófono em novembro de 2007 em Guiné‑Bissau, em que o Comitê
versátil, em termos geográficos, étnicos, culturais, sociais de Concertação Permanente (CCP) da CPLP dialogou sobre
e econômicos, e também político, servindo como ponto de a possibilidade de uma relação e cooperação mais intensas
encontro entre espaços da EU, Mercosul, União Africana, com outras organizações similares alicerçadas na língua,
Sadc etc. como a Francofonia e a Commonwealth e a União Latina,
A língua portuguesa ocupa lugar de destaque na consti- com organizações regionais e sub‑regionais como a União
Política e Segurança

tuição da CPLP, e a difusão desse idioma, com sua cultura, Africana, a União Europeia, e a SADC, e com Agências Espe-
é uma das prioridades da Comunidade. Antes de avaliar as cializadas das Nações Unidas; (b) a VII Cimeira da CPLP em
propostas lançadas e os resultados quanto a esse objetivo, julho de 2008 na cidade de Lisboa, onde foram reiterados a
importa considerar como ele se harmoniza com a concer- importância conjunta de todos os países da CPLP no processo
tação político‑diplomática e a cooperação entre os países de efetiva mundialização da língua portuguesa e o apoio
membros. á introdução dessa língua em organizações internacionais
Embora de extrema importância para a CPLP, o aspecto (Plano de Ação de Brasília); (c) XIV Reunião do Conselho de
linguístico é politicamente fraco, uma vez que as necessida- Ministros da CPLP em julho de 2009 em Praia, em que se
des de inserção e afirmação dos países e de seus interesses assinalou a necessidade de a ação conjunta na mundializa-

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ção do português ser orientada pelo realismo nos objetivos, Ortográfico, Importância da língua portuguesa nas diásporas;
pragmatismo na execução e persistência na concertação da e Participação da sociedade civil.
ação política. O documento destaca a importância da língua portu-
A cooperação na área eleitoral pode ser observada guesa, uma vez que é uma das seis línguas mais faladas no
através do relatório do CCP do período de 2006 a 2007, mundo e utilizada em mais de vinte organismos multilaterais
apresentado durante a XII Reunião do Conselho de Ministros ou regionais. Seu principal objetivo é a efetiva mundialização
da CPLP em novembro de 2007 em Guiné‑Bissau. Ali consta da língua portuguesa. Na seção de estratégias de implemen-
a participação do Comitê de Concertação Permanente nas tação da língua portuguesa nas organizações internacionais,
Missões de Observações Eleitorais em São Tomé e Príncipe enfatiza‑se a necessidade de introduzir o português como
e no Timor Leste e na reunião realizada em Genebra para o “língua de documentação” da ONU, bem como apoias can-
desenvolvimento da Guiné. didaturas de nacionais de Estados membros da CPLP para os
Dentre os países da CPLP, PALOP e o Timor‑Leste são os organismos internacionais. Fala‑se também em promover a
países mais frágeis institucionalmente e que mais precisam formação de tradutores e intérpretes para atuarem nesses
receber capacitação e transferência de tecnologias. Estes organismos.
Estados recebem a maior parte da cooperação prestada pelo Um ponto que merece ser destacado é que o documento
Brasil, levada a cabo, sobretudo, pela Agência Brasileira de revela preocupação com o respeito à soberania e à cultura
Cooperação (ABC), mas também pelo Departamento Cultural de cada país, de modo a evitar desavenças entre os Estados
do MRE, pelo Ministério da Cultura e por instituições públicas membros da CPLP e ou atitudes verticalizadas.
e privadas convidadas, como é o caso do Senai, Senac e do Quanto ao ensino de PLE, as principais preocupações são
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. a capacitação de professores de PLE e a ampliação da oferta
A essência dos projetos elaborados pelas agências bra- de formação em língua portuguesa no ensino básico e secun-
sileiras acima citadas é buscar acelerar o desenvolvimento dário em países terceiros e de cursos de língua portuguesa
socioeconômico dos demais países da CPLP, compartilhan- em universidades estrangeiras. Na seção “Instrumentos”,
do experiências e técnicas disponíveis de forma gratuita. cria‑se um Plano Estratégico do Instituto Internacional de
A transferência de conhecimento, principalmente aquele de Língua Portuguesa, com as recomendações emanadas dos
difícil acesso aos países menos desenvolvidos, capacita os órgãos da CPLP.
quadro locais, tornando‑os autônomos e não dependentes A terceira seção, Estado de Desenvolvimento do Acordo
da associação com componentes estrangeiros. Desde 2002, Ortográfico, trata do objetivo deste acordo, o qual é a criação
quando foi criada a Reunião de Pontos Focais de Cooperação de um vocabulário comum das terminologias científicas e
como órgão integrante da CPLP, a ABC conseguiu formar um técnicas, e das vantagens que ele traz: uma vantagem em
corpo significativo de projetos de cooperação. Tais projetos termos econômicos; um importante instrumento de con-
fazem parte do programa de cooperação do Brasil com pa- solidação e reforço da língua portuguesa nas organizações
íses em desenvolvimento e representam o fortalecimento internacionais a que pertencem países de língua portuguesa;
institucional dos seus parceiros, de modo que possam agir um meio privilegiado para veicular informação e construir
de maneira independente num futuro próximo. conhecimento na comunicação especializada (Plano de Ação
A medida de maior valor adotada pela CPLP em termos Brasília, p. 9).
de difusão internacional da língua portuguesa foi a criação do No que diz respeito à Difusão Pública da Língua Portugue-
Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) em Praia, sa, fala‑se sobre o projeto de criação de CPLP‑TV, ampliando
Cabo Verde, no ano de 2002. Seus objetivos principais são “a a difusão de material audiovisual em língua portuguesa na
promoção, a defesa, o enriquecimento e a difusão da língua programação televisiva internacional e desenvolvendo pro-
portuguesa como veículo de cultura, educação, informação gramas de formação educacional em língua portuguesa para
e acesso ao conhecimento científico, tecnológico e de utili- transmissão por meios de comunicação de massa.
zação oficial em fóruns internacionais”. Apesar de eventuais divergências, os países da CPLP têm
Apesar da grandeza de seus objetivos, o IILP não teve buscado cooperação horizontal em que todos se sintam
êxito naquilo a que se propôs, tendo sido inexistente na prá- representados pela Comunidade. Parece não se tratar de
tica. Contudo, a partir de 2010, o IILP tem adotado posição ganhos absolutos, mas de ganhos relativos, bem como a
audaciosa e inovadora na difusão global do Português. Prova demonstração da diversidade cultural que um único símbolo
disso: o lançamento do edital Doc‑TV (2008-2009) para finan- do bloco possui (três civilizações: europeia, latina e africana).
ciar documentários nos países lusófonos; a entrada em vigor
do acordo ortográfico (2009); a petição para que o Português A CPLP Para a Diplomacia Brasileira
se torne língua oficial das Nações Unidas; a instituição do dia
cinco de maio como dia da Língua Portuguesa e da cultura Do ano de criação da CPLP (1996) até 2002, o Brasil foi go-
na CPLP (2009); e a recente proposta de instituir no Rio de vernado por Fernando Henrique Cardoso. A política externa
Janeiro um centro de estudos do Patrimônio. do seu primeiro governo defendia a ideia de “autonomia pela
Em abril de 2010, em Brasília, realizou‑se a I Conferên- participação”, ou seja, a adesão aos regimes internacionais,
cia Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no inclusive os de cunho liberal, sem que o país perdesse a
Sistema Mundial, que aprovou o Plano de Ação de Brasília. capacidade de gerir sua política externa. No âmbito multi-
O plano reúne propostas e objetivos das três vertentes de lateral, o Brasil abandonou o discurso terceiro‑mundista e
Política e Segurança

atuação da CPLP (concertação, cooperação e difusão da LP), a compreensão do mundo baseada no conflito Norte‑Sul.
o que comprova que elas estão imbricadas para que o suces- No âmbito bilateral, direcionaram‑se as relações do Brasil
so da Comunidade seja alcançado, e se configura como uma com os países desenvolvidos, em detrimento das relações
tentativa de concretizar algumas políticas da CPLP, passando política e econômica com os países em desenvolvimento.
por cima de eventuais conflitos existentes entre os países Reconhecendo a realidade da forte assimetria de poder
membros. O plano se divide em seis ações: Estratégias de no sistema internacional, a  negociação direta com países
implementação da língua portuguesa nas organizações inter- centrais foi privilegiada, sem a busca prévia e sistemática
nacionais; Estratégias de Promoção de Difusão do Ensino da de alianças do Sul. A tomada de liderança do Brasil era vista
Língua Portuguesa; Estado de desenvolvimento do Acordo como consequência da gradual proeminência econômica do

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país e deveria ser limitada à região, por causa da escassez de Especificamente acerca da CPLP, alguns eventos demons-
recursos disponíveis para a ação externa do Estado. tram a maior importância dada por Lula a este organismo
A partir da crise do Plano Real e do Mercosul, em 1999, multilateral. Na ocasião da V Reunião dos Chefes de Estado
houve uma reorientação da política externa brasileira. Após e de Governo da CPLP, em São Tomé e Príncipe, em julho de
uma série de fracassos na Organização Mundial do Comércio, 2004, o governo brasileiro financiou o evento doando 500 mil
como restrições comerciais ou retaliações, e de atritos com dólares, além de infraestrutura de comunicação e material
os países desenvolvidos (sobretudo o forte unilateralismo dos de informática, que depois ficaria lá. Quatro anos mais tarde,
EUA), o governo brasileiro deixou de encarar a globalização na VII Reunião, em Lisboa, enfatizou‑se a dinamização do
como um processo positivo, do qual o Brasil se beneficiaria Instituto Internacional de Língua Portuguesa, com o governo
caso estivesse alinhado às grandes potências. Ocorreu a brasileiro prometendo empenho e realçando a importância
recuperação do discurso de que o sistema mundial estava desse fato. Ademais, podemos citar a iniciativa brasileira de
condicionado por assimetrias e uma distribuição desigual de propor acordos do Mercosul com a CPLP, excluindo Portugal,
poder, ao qual poucos países poderiam aceder. de modo a favorecer intercâmbios econômicos e facilitar a
Luiz Inácio Lula da Silva buscou inserir o Brasil no cenário importação de produtos dos membros da entidade.
mundial através da diversificação dos seus parceiros e das Apesar do que foi analisado anteriormente, não pode-
opções estratégicas do país, no que ficou conhecido como mos pensar que a diplomacia de Cardoso não dispendeu
“autonomia pela diversificação”. Segundo esta estratégia, nenhuma atenção à CPLP. É certo afirmar que não foi uma
o país adere a princípios e normas internacionais através de prioridade em seus mandatos e que não houve grandes
alianças Sul‑Sul e de acordo com parceiros não tradicionais, esforços para torná‑la mais eficaz, porém, ao  menos no
por acreditar que eles reduzem as assimetrias com os países discurso, atribuía‑se à Comunidade um papel significativo e
mais poderosos e aumentam a capacidade de negociação potencialidades vantajosas aos membros.
dos países em desenvolvimento. A política externa de Lula, Tampouco se deve acreditar que a CPLP foi prioridade no
mantendo a postura multilateralista, defendeu a soberania governo Lula e que foi unicamente a sua atenção aos países
nacional com mais intensidade do que seu antecessor. em desenvolvimento que possibilitou melhoras na atuação
Acreditava, ainda, que o papel de liderança poderia ser da Comunidade. A diversificação de parceiros foi bastante
alcançado por meio de uma ação diplomática mais ativa e importante para o Brasil e para os países africanos, pois criou
dinâmica, assim como da continuidade da defesa de “temas e ou reforçou laços econômicos, políticos e diplomáticos
universais”. Cabe acrescentar que Lula aumentou o perfil das e certamente teve reflexos positivos para a CPLP. Porém,
relações com os países africanos, tendo em vista não apenas a preocupação com a África tem se pautado por interesses
econômicos, sendo a África do Sul, Angola e Nigéria as pre-
relações econômicas, mas também o resgate da chamada
ferências brasileiras, dadas a dimensão de seus mercados e a
dívida humana, social e cultural.
fonte de recursos naturais. Também não podemos esquecer
Qual importante e significativa foi a CPLP nas considera-
os esforços de alguns países em acabar com guerras civis e
ções de cada um dos presidentes e de suas equipes de política
adotar a democracia como sistema político, garantindo‑lhes
externa? Qual o peso concedido por eles a uma comunidade
estabilização e melhores condições de se dedicarem a temas
formada por países de pouca ou média expressividade no
como a promoção da língua portuguesa.
sistema internacional? Pode‑se interpretar a presença do Brasil na CPLP de
Em nenhum dos mandatos de Fernando Henrique duas perspectivas: de um lado, no uso da Comunidade para
Cardoso, os  países pertencentes à CPLP foram prioridade projetar os interesses brasileiros no exterior, visando ocupar
em termos de política externa. Do início do seu governo espaços maiores do que outros países junto às nações falan-
até 1999, portanto em meio ao boom de processos de tes de português; por outro lado, o Brasil atua conjuntamente
associações regionais e do processo de implementação do com a CPLP para atender interesses globais que não seriam
neoliberalismo, o  presidente priorizou as relações com a auferidos individualmente.
União Europeia, os EUA, o Japão e o Mercosul, sobretudo Enfim, desde sua criação, a CPLP apresentou um nível
no âmbito econômico. No seu segundo mandato, o discurso considerável de realizações com crescente projeção. O diá-
positivo da globalização se esgotara e percebeu‑se que, de- logo entre os parceiros é crescente e evidencia convergência
vido às assimetrias de poder e ao unilateralismo dos países de propósitos. Em razão do crescimento econômico do Brasil
mais desenvolvidos, poucos países em desenvolvimento e de Angola, da estabilização de países como Guiné‑Bissau e
poderiam assumir posições importantes de liderança. A po- Timor Leste, da crescente importância do idioma português
lítica externa de “parcerias seletivas”, como ficou conhecida em negociações internacionais, a ratificação do Acordo Or-
depois, “excluiria países com pouca expressão ou nenhuma tográfico, o Brasil vem entendendo que a CPLP tem grandes
capacidade de agregar competências para transformar o potencialidades, apesar de dificuldades, e  que é possível
mundo, ou de atender as necessidades da política externa torná‑la mais ativa e dinâmica no cenário internacional.
brasileira em termos de projeção de poder”. O  aspecto social e econômico é fundamental para que a
Os países em desenvolvimento que se enquadrariam CPLP possa se concretizar e investir na promoção da língua
neste prisma seriam os do porte da Índia, África do Sul, portuguesa. Evidências desse ganho de consciência são os
China. As nações da CPLP não podiam auxiliar na inserção projetos realizados pela ABC nos países da CPLP, a impor-
mais favorável do Brasil no mundo. tância da consolidação da democracia, a criação, em 2010,
Política e Segurança

A ação externa brasileira será modificada com a ascen- da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
são de Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no que tange à Afro‑Brasileira, no Ceará, a discussão e a adoção do Plano
importância do papel desempenhado por países com menor de Ação de Brasília etc.
projeção global de poder. Lula não deixou de manter boas http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/96719
relações com as grandes potências e os países emergentes,
porém não deixou de lado os países em desenvolvimento, Thomas Dorigon
o que condiz com o termo “autonomia pela diversificação”.
Atesta‑o a criação de 35 novas representações diplomáticas, A Língua Portuguesa como Ferramenta de Política Externa
sendo 15 na África, durante todo o seu mandato. Brasileira: da criação da CPLP ao Plano de Ação de Brasília

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Trabalho de conclusão submetido ao Curso de Graduação aproximação entre Brasil e Argentina, levando à crescente
em Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econô- cooperação entre os dois países na área de usos pacíficos da
micas da UFRGS, como requisito parcial para obtenção do energia nuclear. O exemplo mais marcante dessa cooperação
título de Bacharel em Relações Internacionais. é o desenvolvimento conjunto de reatores de pesquisa que
Orientador: Profa. Dra. Sonia Ranincheski terão importantes aplicações na área de medicina nuclear.
Porto Alegre, 2013. No âmbito da não proliferação, é importante ressaltar
que a América Latina e o Caribe foram região pioneira em
DESARMAMENTO NUCLEAR E colocar limites à corrida armamentista nuclear. O Tratado de
Tlatelolco, de 1967, propiciou o estabelecimento da primeira
NÃO‑PROLIFERAÇÃO Zona Livre de Armas Nucleares em região densamente povo-
FONTE: http://www.itamaraty.gov.br/pt‑BR/politica‑ex-
ada. Todos os 33 Estados da América Latina e do Caribe são
terna/paz‑e‑seguranca‑internacionais/146-desarmamen-
partes no Tratado de Tlatelolco e membros do Organismo
to‑nuclear‑e‑nao‑proliferacao‑nuclear
para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e
no Caribe (OPANAL).
A promoção do desarmamento nuclear deve ocupar
posição prioritária na agenda da comunidade internacio-
nal. Passados mais de quarenta anos da entrada em vigor A ONU e o Desarmamento
do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), FONTE: https://nacoesunidas.org/acao/desarmamento/
em 1970, foi possível obter amplo êxito na prevenção da
proliferação de armas nucleares entre países que não as Em 2009, os  gastos militares mundiais ultrapassaram
detinham – mas houve poucos avanços no que diz respeito cerca de 1,5 trilhão de dólares. A necessidade de uma cultura
à eliminação, pelos Estados nuclearmente armados, dos de paz e de uma redução significativa de armas no mundo
arsenais nucleares por eles mantidos. nunca foi tão grande. E ela se aplica a todos os tipos de armas.
Estima‑se que existam hoje mais de 17 mil ogivas nu- Sobre o perigo das armas nucleares, Albert Einstein disse:
cleares (das quais mais de quatro mil estariam em estado “Eu não sei com que armas a Terceira Guerra Mundial será
operacional). Os gastos das potências nucleares para manter disputada, mas a Quarta Guerra Mundial será travada com
esse arsenal e, em alguns casos, modernizá‑lo, superariam paus e pedras”.
US$ 100 bilhões anuais. O Brasil entende que há nítido dé- O custo humano e material das armas convencionais
ficit de cumprimento por parte dos Estados nuclearmente também é alto. De pelo menos 640 milhões armas de fogo
armados no que diz respeito à implementação de seus licenciadas em todo o mundo, aproximadamente dois terços
compromissos de desarmamento nuclear. Além de ameaçar estão nas mãos da sociedade civil. O comércio legal de armas
a humanidade, esses arsenais agravam tensões e prejudicam de pequeno calibre excede quatro bilhões de dólares por ano.
O comércio ilegal é estimado em um bilhão de dólares. E es-
esforços de paz.
sas armas convencionais, como as minas terrestres, causam
O Brasil tem participado ativamente das Conferências de
destruição da vida e da integridade física, que continua por
Exame do TNP e de outros foros multilaterais acerca desse
anos após os conflitos terem acabado.
tema, como a I Comissão da Assembleia Geral das Nações
E ainda, além dos efeitos óbvios destas armas, está o
Unidas e a Conferência do Desarmamento. Nessas discus-
seu custo mais elevado – um custo resultante de prioridades
sões, o Brasil atua no âmbito da Coalizão da Nova Agenda,
equivocadas e da falta de visão.
integrada por seis países não nuclearmente armados com
O ex‑Presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenho-
forte atuação na defesa do desarmamento nuclear (Brasil,
wer (1952-1960), e  Comandante Geral das Forças Aliadas
África do Sul, Egito, Irlanda, México e Nova Zelândia).
durante a Segunda Guerra Mundial, coloca a questão desta
A elevada atenção que deve ser concedida à não proli-
forma, falando no início de seu mandato como Presidente,
feração não pode servir de obstáculo ao desenvolvimento
disse:
da pesquisa, da produção e da utilização da energia nuclear
para fins pacíficos.
“Cada arma produzida, cada navio de guerra lançado
O Brasil tem firme compromisso com a não proliferação.
ao mar, cada foguete disparado significa, em última
Além do TNP, também é parte do Tratado para a Proscrição
instância, um roubo àqueles que têm fome e não são
de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado
alimentados, aqueles que estão com frio e não têm
de Tlatelolco) e do Tratado de Proibição Completa dos Testes
o que vestir. O custo de um moderno bombardeiro
Nucleares. A Constituição Federal determina, além disso, que
pesado é este: a construção de uma moderna escola
“toda atividade nuclear em território nacional somente será
em mais de 30 cidades. ”
admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Con-
gresso Nacional” (Artigo 21). O Programa Nuclear Brasileiro
Desde o nascimento das Nações Unidas, as  metas do
se submete, desde dezembro de 1991, às regras da Agência
desarmamento multilateral e da limitação de armas foram
Internacional de Energia Atômica (AIEA) e da Agência Bra-
consideradas centrais para a manutenção da paz e da se-
sileiro‑Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais
gurança internacionais. Estas metas vão desde a redução
Nucleares (ABACC).
e eventual eliminação das armas nucleares, destruição de
A ABACC possui especial relevância para a política nuclear
armas químicas e do fortalecimento da proibição contra
Política e Segurança

brasileira. Em 18 de julho de 1991, Brasil e Argentina assina-


armas biológicas, até a suspensão da proliferação de minas
ram o Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia
terrestres e de armas leves e de pequeno calibre.
Nuclear, por meio do qual renunciaram conjuntamente ao Estes esforços têm o apoio de uma série de instrumen-
desenvolvimento, à posse e ao uso das armas nucleares e tos‑chave da ONU. O Tratado de Não‑Proliferação de Armas
afirmaram seu compromisso inequívoco com o uso exclusi- Nucleares (TNP), o  mais universal de todos os tratados
vamente pacífico da energia nuclear. A ABACC foi criada para multilaterais sobre desarmamento, entrou em vigor em
verificar o cumprimento desses compromissos e a experiên- 1970. A Convenção sobre Armas Químicas entrou em vigor
cia acumulada pela Agência ao longo desses anos contribuiu em 1997, e a Convenção sobre Armas Biológicas, em 1975.
enormemente para a construção da confiança e para a O Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares foi

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adotado em 1996. A Convenção sobre Proibição de Minas As missões de paz da ONU também utilizam a estratégia
entrou em vigor em 1999. do desarmamento preventivo, que procura reduzir o número
A ONU apoiou tratados regionais de proibição de armas de armas de pequeno calibre em regiões de conflito. Em El
nucleares na Antártida, América Latina e no Caribe, no Salvador, Serra Leoa, Libéria e em outros lugares isto implicou
Pacífico Sul, Sudeste da Ásia, África e Ásia Central. Outros na desmobilização das forças de combate, assim como na
instrumentos adotados pela ONU proíbem armas nucleares coleta e destruição de suas armas como parte de um acordo
no espaço sideral e em alto mar. de paz abrangente.
Em resposta ao crescimento do terrorismo internacional, Mantendo o sentimento expressado pelo General Eise-
a Assembleia Geral adotou a Resolução nº 57/1983 criada nhower, a ONU é plenamente consciente, em todos estes
para impedir terroristas de adquirirem armas de destruição esforços, da relação direta entre desarmamento e desen-
em massa. Em 2004, o Conselho de Segurança adotou a Re- volvimento. Sobre esta relação‑chave o Secretário‑Geral
solução nº 1540, proibindo o apoio do Estado para tais esfor- Ban Ki‑moon disse:
ços. A Convenção Internacional para a Supressão de Atos de
Terrorismo Nuclear da Assembleia foi aberta para assinatura “Podemos fazer progressos significativos em direção
em setembro de 2005 e entrou em vigor em julho de 2007. aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio se
A  Assembleia Geral  e o Conselho de Segurança abor- alguns destes recursos (usados em gastos militares
daram as questões do desarmamento continuamente. e seus armamentos) fossem redirecionados para
A  Assembleia também realizou sessões especiais sobre o esforços para o desenvolvimento econômico e social.
desarmamento em 1978 e 1988. Alguns órgãos da ONU se Em um momento de elevação dos preços de alimen-
dedicam exclusivamente ao desarmamento. Entre eles está tos e combustíveis e de incertezas na economia glo-
a Conferência sobre o Desarmamento. Como único fórum de bal, o mundo não pode ignorar o potencial de desen-
negociação multilateral da comunidade internacional para volvimento do desarmamento e da não‑proliferação.”
acordos sobre o desarmamento, a Conferência negociou com
sucesso tanto a Convenção sobre Armas Químicas como o O Tratado de não‑Proliferação de Armas
Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares. Nucleares
Em nível local, os membros das forças de paz da ONU
trabalham frequentemente para implementar acordos es- O Tratado de não proliferação de armas nucleares (TNP)
pecíficos de desarmamento entre partes em conflito. Esta é um  acordo entre Estados soberanos  assinado em  1968,
abordagem tem sido usada com sucesso na África Ocidental, vigorando a partir de 5 de março de 1970. Atualmente conta
por exemplo, onde o Escritório do Representante Especial do com a adesão de 189 países, cinco dos quais reconhecem
Secretário‑Geral organizou reuniões regionais para harmoni- ser detentores de  armas nucleares:  Estados Unidos,  Rús-
zar os programas de desarmamento, desmobilização e reinte- sia, Reino Unido, França e China — que são também os cinco
gração dos ex‑combatentes. A situação na Libéria serve como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
um bom exemplo para mostrar como este trabalho é feito. Em sua origem, o Tratado tinha como objetivo limitar o
Estabelecida em setembro de 2003, a Missão da ONU armamento nuclear desses cinco países – sendo que a anti-
na Libéria (UNMIL) foi encarregada de auxiliar no desarma- ga União Soviética foi substituída pela Rússia —, que ficaram
mento, desmobilização, reintegração e repatriação de todas obrigados a não transferir essas armas para os chamados
as partes que estavam armadas. O processo foi iniciado em “países não nucleares”, nem auxiliá‑los a obtê‑las. A China
dezembro. Em 12 meses, cerca de 100 mil liberianos devol- e a França, entretanto, não ratificaram o tratado até 1992.
veram seus revólveres, munições, granadas de propulsão e Considerado pelos seus signatários como pedra funda-
outras armas. Em 3 de novembro de 2004, milícias em guerra mental dos esforços internacionais para evitar a dissemi-
na Libéria foram formalmente dissolvidas em uma cerimônia nação de armas nucleares e para viabilizar o uso pacífico
na sede da UNMIL, em Monróvia. Ao final de fevereiro de de tecnologia nuclear da forma mais ampla possível, o Tra-
2006, mais de 300 mil deslocados liberianos retornaram à tado, paradoxalmente, apoia‑se na desigualdade de direitos,
suas casas. Após 15 anos de conflitos, em 2005, um grande uma vez que congela a chamada geometria do poder nuclear
número de pessoas participou das eleições, que contaram em nome da conjuração do risco de destruição da civilização.
com a assistência da ONU, e  elegeu Ellen Johnson‑Sirleaf Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China – to-
como Presidenta. dos signatários do TNP – possuem 90% das armas nucleares,
A situação que seguiu a invasão do Iraque ao Kuwait, em sendo o restante distribuído entre Índia, Paquistão e Israel.
1990 e o fim da primeira Guerra do Golfo é um exemplo único
de um acordo da ONU sobre cessar‑fogo, exigindo o desarma- Acordo
mento forçado. Quando a guerra acabou, o Conselho adotou
a Resolução nº 687 de 8 de abril de 1991, estabelecendo os Até o presente, 189 países ratificaram o documento,
termos do cessar‑fogo. Entre eles, a eliminação das armas e nenhum deles se retirou do Pacto, exceto a Coreia do Norte,
de destruição em massa (ADM) do Iraque. que o fez em 2003. Em 1998, o então presidente Fernando
Para este fim, o Conselho estabeleceu a Comissão Espe- Henrique Cardoso, já no final de sua primeira gestão, decidiu
cial das Nações Unidas (UNSCOM) sobre o desarmamento assinar o acordo. A tramitação, no Congresso brasileiro, do
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do Iraque, com poderes de inspeção sem aviso prévio. Ela projeto que solicitava a autorização para o país subscrever o
confiou à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) tratado teve fim em julho de 1998, após passar pelo Senado
tarefas de verificação similares na esfera nuclear, com a Federal.
assistência da UNSCOM. Nos 12 anos seguintes, este pro- Os signatários não detentores de armas nucleares
cesso conseguiu reduzir consideravelmente o acúmulo de concordaram em não desenvolver ou adquirir esse tipo de
ADM pelo Iraque. Infelizmente, a incapacidade de fazer a arma, embora possam pesquisar e desenvolver a  energia
certificação de que todas estas armas e sistemas tenham nuclear para fins pacíficos, desde que monitorizados por ins-
sido destruídos levou, em parte, à segunda guerra no Iraque, petores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA),
em 2003. sediada em Viena, na Áustria.

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Monopólio O documento de 28 páginas diz também que os Estados
Unidos, França, Rússia, China e Reino Unido, as potências nu-
Índia, Paquistão e Israel são não signatários do tratado, cleares do Conselho de Segurança da ONU, se comprometem
mas os dois primeiros admitem que já realizaram testes a adotar medidas para reduzir seus arsenais de armamentos
nucleares enquanto Israel nunca o fez, no entanto nunca nucleares e a relatar seus progressos neste sentido. O do-
negou que tenha armas nucleares. A Índia tem criticado o cumento reafirma “a importância da integração de Israel ao
monopólio nuclear perpétuo que o tratado representa, por tratado e a disponibilização de suas instalações nucleares
dizer que ele legitima as armas existentes, mas não reco- para visitas da Agência Internacional de Energia Atômica”.
nhece outras. Em  1991  descobriu‑se que o  Iraque  estava Na mesma semana, o jornal britânico The Guardian publi-
violando o tratado, durante as inspeções da AIEA feitas após cou documentos do final dos anos 1970 sobre negociações
a Guerra do Golfo. havidas entre o governo israelense e a África do Sul, para
Mas o tratado teve seus efeitos. A África do Sul e toda transferência de tecnologia voltada à construção de armas
a América Latina abandonaram toda atividade nuclear para nucleares. O governo israelense negou.
fins não pacíficos. Até agora, os inspetores da AIEA foram Os países signatários do TNP decidiram também orga-
autorizados a visitar apenas os lugares declarados pelos nizar, em 2012, uma conferência internacional “para a qual
signatários do tratado. Mas, depois do caso do Iraque, seus todos os estados da região estão convocados”, que deverá
poderes foram ampliados, e os inspetores foram autorizados resultar no estabelecimento da zona desnuclearizada no
a fazer um trabalho especial nos países que fazem parte do Oriente Médio.  O texto se refere a todos os países do
tratado, incluindo pesquisa em lugares que não tinham sido Oriente Médio, incluindo o Irã. Porém, o único país citado
declarados. nominalmente é Israel, que não é signatário do TNP. No dia
seguinte, 29 de maio, o governo israelense divulgou uma nota
Crise informando que não participará da conferência de 2012 e
classificou o documento de “falho” e “hipócrita”.
Os novos poderes da AIEA provocaram uma crise com FONTE: http://www.itamaraty.gov.br/pt‑BR/politica‑ex-
a Coreia do Norte em 1993: o país, que tinha se juntado ao terna/paz‑e‑seguranca‑internacionais/146-desarmamen-
tratado em  1985, ameaçou se retirar. Os  norte‑coreanos to‑nuclear‑e‑nao‑proliferacao‑nuclear
iniciaram o período de 100 dias de aviso prévio exigido dos
sanatários que desejam se retirar, mas foram persuadidos TERRORISMO
pelos Estados Unidos a suspender esse movimento um dia
antes do fim do prazo. De acordo com a  AIEA, esse aviso Terrorismo  é o uso de  violência, física ou psicológi-
prévio de 1999 não teria validade. Um porta‑voz da agência ca, através de ataques localizados a elementos ou instala-
disse à BBC que, do ponto de vista legal, a Coreia do Norte ções de um governo ou da população governada, de modo
teria que informar a todos os outros signatários e ao Conse- a incutir medo, pânico e, assim, obter efeitos psicológicos
lho de Segurança da ONU sobre suas intenções de se retirar que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo,
do tratado, antes que o período de aviso prévio começasse a antes, o resto da população do território. É utilizado por uma
ter validade. grande gama de instituições como forma de alcançar seus
O  programa de energia nuclear do Irã  é usado como objetivos, como organizações políticas, grupos separatistas
pretexto para os Estados Unidos alegarem que o país de- e até por governos no poder.
senvolve capacidade nuclear militar, o que tem provocado A  guerra  de  guerrilha  é frequentemente associada ao
tensão crescente no Oriente Médio, apesar das declarações terrorismo uma vez que dispõe de um pequeno contingente
do governo do Irã de que o programa destina‑se ao forne- para atingir grandes fins, fazendo uso cirúrgico da violência
cimento de energia e uso científico – não para fins bélicos. para combater forças maiores. Seu alvo, no entanto, são
Israel, que desenvolveu tecnologia nuclear suficiente forças igualmente armadas procurando sempre minimi-
para fabricar armas nucleares, é citado pelo instituto como zar os danos a civis para conseguir o apoio destes. Assim
detentor de capacidade atômica militar. Segundo David sendo, é tanto mais uma táctica militar que uma forma de
Albright, Frans Berkhout e William Walker, autores do li- terrorismo.
vro  Plutonium and Highly Enriched Uranium 1996: World Segundo especialistas da área, existem centenas de defi-
Inventories, Capabilities and Policies, em fins de 1995 Israel nições da palavra terrorismo. A inexistência de um concei-
possuía 460 kg de plutônio, a Índia possuía 330 kg e o Paquis- to amplamente aceito pela comunidade internacional e
tão, 210 kg de urânio altamente enriquecido. Esses estoques pelos estudiosos do tema significa que o terrorismo não é
estão fora do controle internacional e admite‑se que sejam um fenômeno entendido da mesma forma, por todos os
parte dos programas nucleares de cada um desses países. indivíduos, independentemente do contexto histórico,
geográfico, social e político. Segundo Walter Laqueur
Revisão do TNP
Nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de
Entre 3 e 28 de maio de 2010, realizou‑se mais uma Con- terrorismo que existiram ao longo da história.
ferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear,
Política e Segurança

na sede das Nações Unidas, em Nova York. Em 28 de maio, Definição


os países signatários do TNP chegaram a um documento de
consenso – o primeiro em dez anos – que inclui a interdição Conforme definição do  Departamento de Defesa dos
total de armas de destruição em massa no Oriente Médio. Estados Unidos, terrorismo é um tipo muito específico de
O documento final da Conferência prevê planos de ação para violência, bastante sutil, apesar de o termo ser usado para
cada um dos três pilares do TNP: definir outros tipos de violência considerados inaceitáveis.
1. Desarmamento; Após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo no fim da
2. Controle dos programas nucleares nacionais, e década de 1960 e durante a década de 1970, o terrorismo
3. Utilização pacífica da energia atômica. era visto como parte de um contexto revolucionário. O uso

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do termo foi expandido para incluir grupos nacionalistas e ét‑ ras, que resultem em mortes em massa, nem sempre são
nico‑separatistas fora do contexto colonial ou neocolonial, consideradas como atos de terrorismo: a  União Nacional
assim como organizações radicais e inteiramente motivadas para a Independência Total de Angola (UNITA), organização
por ideologia. A comunidade internacional – inclusive na es- aliada dos Estados Unidos, apesar de ter plantado  minas
fera das Nações Unidas – considerava politicamente legítimas terrestres no país, nunca foi qualificada como terrorista. Do
as lutas pela autodeterminação dos povos, legitimando‑se mesmo modo, segundo a professora, Baruch Goldstein - um
portanto o uso da violência política por esses movimentos. fanático judeu que, nos anos 1990, invadiu uma mesquita e
Ações terroristas típicas incluem assassinatos, seques- matou 27  muçulmanos  que estavam rezando  – não foi
tros, explosões de bombas, matanças indiscriminadas, rap- classificado como terrorista mas como louco, pelo governo
tos, aparelhamento e linchamentos. É uma estratégia política de Israel.
e não militar, e é levada a cabo por grupos que não são fortes
o suficiente para efetuar ataques abertos, sendo utilizada Brasil
em época de paz, conflito e guerra. A intenção mais comum
do terrorismo é causar um estado de medo na população Terrorismo não é um tipo penal definido no direito brasi-
ou em setores específicos da população, com o objetivo de leiro nem no Direito Internacional. A expressão “terrorismo”
provocar num inimigo (ou seu governo) uma mudança de é imprecisa, politicamente condicionada e frequentemente
comportamento. impregnada de passionalismo, em particular depois dos aten-
Podemos, assim, dar as seguintes definições sucintas tados que destruíram o World Trade Center.
de terrorismo: O  Brasil  ratificou as principais convenções internacio-
1. Terrorismo físico - Uso de violência, assassinato e tor- nais sobre o tema e colabora ativamente em vários cená-
tura para impor seus interesses. rios – na ONU, na OEA e no Mercosul. Ainda que a palavra
2. Terrorismo psicológico - Indução do medo por meio da ‘terrorismo’ seja citada na Lei de Segurança Nacional, e na
divulgação de noticias em benefício próprio (ver: guer‑ própria  Constituição do país, que qualifica o terrorismo
ra psicológica) como crime inafiançável, não existe, na legislação brasileira,
3. Terrorismo de Estado - Recurso usado por governos uma definição de terrorismo.
ou grupos para manipular uma população conforme Em 2013 foi apresentado o  Projeto de Lei  do  Sena-
seus interesses. do nº 499 que define crimes de terrorismo, estabelecendo
4. Terrorismo econômico - Subjugar economicamente a competência da Justiça Federal para o seu processamento
uma população por conveniência própria (ver:  em‑ e julgamento.
bargo econômico). O projeto suscitou críticas por parte da Anistia Interna-
5. Terrorismo religioso - Quando o incentivo do terro- cional que considerou o projeto vago, “com um claro e ime-
rismo vem de alguma religião. diato risco de promover a criminalização de manifestantes
pacíficos e de seus direitos à  liberdade de expressão  e à
Atos terroristas clássicos incluem os ataques de 11 de reunião pacífica”. Segundo a Anistia, leis que restringem os
setembro de 2001 quando foram destruídas as torres gême- direitos de liberdade de expressão e de manifestação pacífica
as em Nova Iorque, assim como ataques a bomba na Irlanda devem ser formuladas com suficiente precisão de modo a
do Norte, Oklahoma, Líbano e Palestina. não permitir irrestrita discrição por parte dos responsáveis
por sua aplicação. Há quem ligue essa iniciativa de tipificar o
Perspectiva filosófica e legal terrorismo na legislação brasileira à pretensão do Brasil de
fazer parte do Conselho de Segurança da ONU.
Segundo Baudrillard, os atentados de 11 de setembro
de 2001 foram um ato fundador do novo século, um acon- História
tecimento simbólico de imensa importância porque de
certa forma consagrou o império mundial e sua banalidade. O terrorismo tem sido registrado na História pelo menos
Os terroristas que destruíram as torres gêmeas introduziram desde a  Grécia Antiga. Antes do século XIX os terroristas
uma forma alternativa de violência que se dissemina em alta poupavam os inocentes não envolvidos no conflito. Por
velocidade. A nova modalidade está gerando uma visão de exemplo, no  Império Russo  quando os radicais tentaram
realidade que o homem desconhecia. O terrorismo funda o depor o  czar  Alexandre II, cancelaram várias ações para
admirável mundo novo. Bom ou mau, é o que há de novo em evitar ferir mulheres, crianças, idosos ou outros inocentes.
filosofia. O terrorismo está alterando a realidade e a visão Nos últimos dois séculos, no entanto, enquanto os esta-
de mundo. Para lidar com um fato de tamanha envergadura, dos foram ficando cada vez mais burocratizados, a morte de
precisamos assimilar suas lições por meio do pensamento. apenas um líder político não causava as mudanças políticas
Entretanto o uso sistemático de terror como recurso de desejadas, de modo que os terroristas passaram a usar
controle social e político tem acompanhado a humanidade métodos mais indiretos de causar ansiedade e perda de
por milênios. O historiador Xenofonte (430-349 a.C.) conta confiança no governo.
que o terrorismo era praticado pelos governos das cidades Em 1972, a  temática do terrorismo foi incluída pela
gregas como forma de guerra psicológica contra populações primeira vez nos debates da Assembleia Geral das Nações
Unidas. Os debates consagraram uma clivagem: de um lado,
Política e Segurança

inimigas. Também semearam o terror os imperadores roma-


nos Tibério e Calígula, os membros da Santa Inquisição, Ro- o bloco ocidental advogava a repressão (enfoque jurídico);
bespierre  e seus adeptos, os  integrantes da  Ku Klux Klan, de outro, o Movimento dos Não‑Alinhados e os Estados co-
as milícias nazistas e muitos outros. munistas defendiam a identificação e a eliminação de suas
Segundo a advogada Luciana Worms, os  conceitos de causas (enfoque político).
terrorismo usados no Brasil são pautados pela  Organiza- Em 1985, houve a primeira condenação do terrorismo
ção dos Estados Americanos (OEA). A partir desse viés, no por consenso: Resolução nº 40/1961 da Assembleia Geral
passado, durante a Guerra Fria, o terrorista podia ser um das Nações Unidas. O enfoque jurídico passou a prevalecer.
comunista; atualmente, é um jihadista ou membro de uma O terrorismo deixou de ser legitimado por motivações po-
organização de narcotráfico. Segundo Worms, ações bárba- líticas quaisquer.

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Na década de 1990, o Conselho de Segurança das Nações Desde o início da Guerra ao Terror, a Anistia Internacio-
Unidas adota a prática de apenas condenar o terrorismo em nal registrou e denunciou centenas de casos graves de vio-
casos concretos, a exemplo da Resolução nº 1.054 contra lações dos direitos humanos, incluindo as torturas na prisão
o Sudão ou da Resolução nº 883 contra a Líbia. Em 1994, de Guantánamo, as extraordinary renditions (transferências
a Resolução nº 49/1960 repudia o terrorismo e convoca os de prisioneiros de um país para outro sem obedecer aos
Estados à cooperação internacional. As causas políticas não procedimentos judiciais normais de extradição), as prisões
são sequer mencionadas, um abandono total do enfoque secretas da CIA, etc.
político dos anos 1970.
Os  ataques de 11 de setembro de 2001, nos  Estados Objetivos dos Estados Unidos e Controvérsias
Unidos, levou a uma grande transformação no tratamento
internacional do terrorismo, que tendeu a institucionalizar‑se O principal alvo da chamada “Guerra ao Terror” foram
em um regime internacional. O Conselho de Segurança, por os Estados supostamente apoiadores de movimentos ou
meio da Resolução nº 1.368 de 2001, admitiu a aplicação de grupos  terroristas, referidos como “Estados‑bandido” ou
medidas de força individual ou coletiva, em nome da legíti- “Estados‑pária” (Rogue States) – os mesmos que inicialmente
ma defesa, contra os responsáveis pelos atentados. Como eram chamados de “Eixo do Mal”. Uma das controvérsias
estes não são nomeados, houve grande celeuma jurídica e mantidas durante todo o período dos anos 2000 diz respeito
política em torno das medidas. A invasão do Afeganistão foi à classificação desses inimigos, já que, na prática, os Esta-
lastreada nessa resolução. dos Unidos e seus aliados da OTAN é que definiram quem
Ainda em 2001, a Resolução nº 1.373 criou o Comitê de é ou não terrorista e quem são os governos que apoiam ou
Antiterrorismo (CAT). Os Estados são convocados a colabora- não o terrorismo. Um exemplo deste tipo de crítica partiu
rem a prestar informações acerca de medidas antiterroristas. da Rússia e da China, que passaram a definir o separatismo e
Em julho de 2004, o Paraguai foi objeto de ressalvas no o  extremismo  como sinônimos de terrorismo e criaram
CAT e acusado de não‑cooperação. A política externa brasi- uma aliança para combater o extremismo, terrorismo e
leira optou por apoiar o esclarecimento de dúvidas de modo separatismo, a Organização de Cooperação de Xangai. Esta
a dirimir conflitos em sua fronteira imediata. organização passou a classificar os movimentos separatistas
O terrorismo contemporâneo é caracterizado pela des- checheno e uigure, respectivamente, na Rússia e China, como
centralização de suas atividades. Depende fortemente da grupos terroristas.
surpresa e é frequente que ocorra quando e onde é menos Existem grandes controvérsias a respeito dos objetivos
esperado. Ataques terroristas podem desencadear transi- declarados e da eficácia desta luta contra o terror, através
ções súbitas para conflito ou guerra. Não é raro que depois da qual os EUA conseguiram manter um estado de tensão
de um ataque terrorista vários grupos não relacionados permanente desde  2001, sempre referindo‑se à ameaça
reivindiquem a responsabilidade pela ação; isto pode ser constante do terrorismo como o maior mal existente sobre
visto como “publicidade grátis” para os objetivos ou planos a terra.
da organização. Devido à sua natureza anônima e, frequen- O objetivo central da Guerra ao Terror seria eliminar
temente, auto sacrificial, não é incomum que as razões para o terrorismo. Entretanto a impossibilidade de realizar tal
o atentado permaneçam desconhecidas por um período objetivo gerou grandes críticas e controvérsias, mesmo
considerável de tempo. porque, não havia terrorismo no  Iraque  antes da  invasão
americana, e hoje este país é alvo de inúmeros atentados
Guerra ao Terror terroristas. Alguns críticos consideram que guerras como a
do Iraque têm objetivos menos defensivos (defesa contra o
Guerra ao Terror ou Guerra ao Terrorismo é uma cam- terrorismo) e mais ofensivos do que o governo dos Estados
panha militar desencadeada pelos Estados Unidos, em res- Unidos declara. Na prática, servem para aumentar o poder e
posta aos ataques de 11 de setembro. O então Presidente a influência dos EUA, mediante a expansão da rede de bases
dos Estados Unidos,  George W. Bush, declarou a “Guerra militares americanas no mundo, assegurando o controle
ao Terror” como parte de sua estratégia global de combate de áreas estratégicas, onde há grandes reservas de petró-
ao terrorismo. leo e gás natural (como o Iraque).
Inicialmente com forte apelo religioso neoconservador, Para Michael Ratner, os  Estados Unidos mudaram ra-
George W. Bush chegou a declarar uma “Cruzada contra o dicalmente desde os atentados de 11 de setembro. Além
Terror” e contra o “Eixo do Mal”, no que ficou conhecido de desencadear uma espécie de “Operação Condor” em
como Doutrina Bush. Isto gerou forte reação entre os aliados escala global. “É essencialmente o que fez  Pinochet, mas
europeus, que acabaram exigindo maior moderação no uso de um modo muito mais amplo, capturando pessoas em
de conceitos histórico‑religiosos na retórica antiterror. “Assim qualquer esquina do mundo sem ordem ou processo judi-
que Bush fez seu discurso sobre as ‘cruzadas’ – algo que car- cial para colocá‑las em centros de detenção clandestinos
rega um tremendo significado para muçulmanos e cristãos -, no mundo, não somente em  Guantánamo, mas também
poucos dias depois do 11 de setembro, soube‑se que o na  Romênia,  Polônia,  Lituânia,  Tailândia, além de prisões
atentado seria tratado como um ato de guerra, com o que o especiais no Afeganistão. Isso está caracterizado pela captura
governo assumiria poderes muito maiores do que tinha para de pessoas em qualquer parte do mundo para depois de
perseguir e deter pessoas no estrangeiro, assim como para mantê‑las incomunicáveis,  torturá‑las  e encarcerá‑las por
Política e Segurança

promover a espionagem doméstica, tudo como se fosse uma tempo indefinido. E se chegam a ir a julgamento, isso ocorre
guerra”, relata o advogado de direitos constitucionais Micha- diante de um tribunal militar.”
el Ratner, do Center for Constitutional Rights. Outros autores muito críticos com relação à política ex-
A Guerra ao Terror significou um esforço de mobilização terna dos Estados Unidos, como Noam Chomsky, afirmam
em diferentes planos: ideológico, político‑diplomático, eco- que os americanos praticam, eles próprios, o terrorismo em
nômico, militar, de inteligência e contrainteligência. escala internacional. “Podemos apostar, sem grande risco,
Como parte das operações militares da “Guerra do Ter- que a ‘guerra contra o terrorismo’ continuará, nos próximos
ror”, os Estados Unidos invadiram e ocuparam países como anos, a servir como pretexto para intervenções e atrocida-
o Afeganistão e o Iraque. des, e não somente da parte dos Estados Unidos”, declarou

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Chomsky, em janeiro de  2002, no Fórum Social Mundial. é facilmente transmitido por meio oral e mais de 60% da
“Não podemos esquecer que os Estados Unidos condenam população dos EUA e Europa Ocidental perderam a imuni-
o terrorismo de Estado, depois de tê‑lo apoiado na Indonésia, dade à doença. No Brasil, a vacinação é opcional. A natureza
no Camboja, no Irã ou na África do Sul”, alerta o historiador imprevisível do terrorismo não permite que se desconsidere
Jean‑Michel Lacroix. a possibilidade de um ataque utilizando‑se armas biológicas.
No Brasil, um cenário verossímil seria o da chegada de um ou
O Patriot Act mais indivíduos infectados em um ato de bioterrorismo ainda
não‑detectado, ocorrido em um aeroporto estadunidense ou
No plano interno, o governo americano criou instrumen- europeu. Mesmo um único indivíduo, no período de incuba-
tos legais para suprimir a dissidência, promover a espiona- ção, transmitiria a doença a muitas pessoas, como ocorrido
gem doméstica e a anulação de garantias constitucionais, na Iugoslávia, em 1972. Se esse indivíduo for um terrorista,
das  liberdades civis  e dos  direitos humanos. O  Patriot infectado intencionalmente, o  número de atingidos seria
Act permite ao governo obter qualquer informação sobre multiplicado. Considerando‑se o alto risco que a manipula-
qualquer pessoa, como também adotar medidas de vigilância ção de microorganismos classificados como Category A pelo
e espionagem, usando informantes no interior de organiza- CDC traria aos próprios terroristas e a necessidade de um
ções sociais, visando suprimir protestos. As pessoas comuns laboratório de alto nível de biossegurança para seu manejo,
aceitaram normalmente essas violações, “aceitaram que o é provável que os terroristas usem patógenos mais comuns,
governo pudesse espionar qualquer um sem autorização como a salmonela e o rotavírus ou os causadores de hepatite
judicial, sob a alegação de ‘guerra contra o terrorismo’ e tudo A, difteria, cólera, influenza – e suas variações – ou hidro-
o que antes era condenado pelos Estados Unidos quando fobia, de manuseio, acesso e dispersão bem mais simples
ocorria em outros países, analisa o jurista Michael Ratner. (NETESOV, 2002). Uma variação do bioterrorismo, em que o
Para ele, os  EUA poderiam estar se tornando um  Estado interesse comercial é o pano de fundo, é o “agroterrorismo”.
policial. “Perdemos”, diz Ratner, “os valores fundamentais Nessa variante, os alvos são plantações e rebanhos diversos,
do século das luzes em torno dos direitos individuais”. onde são introduzidas. Em 1972, um peregrino retornou de
Desde o 11 de setembro, os Estados Unidos se envol- Meca para a então Iugoslávia com febre. Nas quatro sema-
veram em mais guerras que em qualquer outro momento, nas seguintes, 150 pessoas adoeceram por todo o mundo.
desde a  Segunda Guerra Mundial  (Iraque, Afeganistão, Chegou‑se, então, ao diagnóstico de varíola, (REVISTA BRA-
Paquistão, Líbia, Iêmen, Somália, entre outros), diz Ratner. SILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007)
Com os poderes extraordinários concedidos ao Executivo, foi pragas e doenças, a fim de dizimá‑los ou criar embargos a
possível aos Estados Unidos, já na administração de Obama, sua exportação. O Brasil está exposto a quatro doenças na
imiscuir‑se na guerra da Líbia, sem autorização do Congresso. área vegetal: monília do cacaueiro, besouro asiático, ácaro
Dentro desse paradigma de guerra, os EUA “afirmam seu di- do arroz e cochonilha rosada. Na área animal, são riscos
reito de matar qualquer suspeito de terrorismo em qualquer para o País: a febre aftosa, a “vaca louca”, e a “gripe aviária”.
parte do mundo”. Antiterrorismo e Contraterrorismo O combate ao terroris-
Início da desmobilização mo envolve mais atividades do que aquelas que, em primeira
Os Estados Unidos começaram a retirada dos primeiros análise, ostentariam esse rótulo. Inclui uma política externa
soldados de sua tropa no Afeganistão em 2011. Um primei- articulada com governos estrangeiros, agrupamento de In-
ro contingente de 650 homens, que estavam destacados a teligências e trabalho investigativo. Envolve, ainda, medidas
nordeste da capital afegã, deixou o país e não foi substituído. financeiras para interromper o financiamento aos terroristas
Até aquele momento os Estados Unidos ainda mantinham e, algumas vezes, o uso de força armada (PILLAR, 2001). In-
cerca de 100.000 soldados no país. No final do mês de junho dependente das formas de combate adotadas, a integração
de 2011, o presidente Barack Obama anunciou a retirada de e a coordenação entre estas são fundamentais. Kofi Annan,
um terço do contingente norte‑americano até 2012. ex‑secretário‑geral das Nações Unidas, propôs uma estratégia
global de combate, a qual chama de “cinco D”, a saber: De-
Bioterrorismo sencorajar os grupos descontentes a adotarem o terrorismo
como tática; Denegar aos terroristas os meios que necessitam
Os primeiros registros do uso de agentes infecciosos para perpetrar atentados; Dissuadir os Estados de apoiarem
como armas não são recentes e seu emprego como estraté- os grupos terroristas; Desenvolver a capacidade dos Estados
gia terrorista data de alguns anos. Em uso recente, ataques no domínio da prevenção do terrorismo; Defender os direitos
ocorridos de 22 de setembro a 21 de novembro de 2001 humanos e o primado do Direito (ANNAN, 2006).
utilizando o serviço postal estadunidense para o envio de Considera‑se que o Brasil tem se empenhado na questão,
cartas contendo esporos do Bacillus anthracis provocaram embora seja necessário implementar políticas efetivas de
cinco mortes e 22 outras vítimas não‑fatais (HOWITT; PAN- prevenção e combate. O  País participa do Comitê Intera-
GI, 2003). Chama‑se meia‑vida o período necessário para o mericano Contra o Terrorismo, aderiu a 12 dos 13 acordos
decaimento de 50% da radioatividade de um isótopo. É ne- internacionais patrocinados pela ONU e cumpriu as 28
cessário um período equivalente a dez meias‑vidas para que recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional
o isótopo seja considerado inerte. (REVISTA BRASILEIRA DE Contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi). O Country Reports on
Política e Segurança

INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007). O Bacillus Terrorism 2005  – April 2006 do Departamento de Estado
anthracis, o vírus da varíola, a Yersinia pestis, a toxina do Clos‑ Norte‑Americano apontou a fronteira Brasil  – Colômbia,
tridium botulinum, a Francisella tularensis, o vírus ebola e o onde atuam as Farc, e a tríplice fronteira Brasil‑Paraguai –
vírus Marburg estão classificados como Category A – Highest Argentina, onde há suspeitos de oferecer suporte financeiro
Priority pelo U.S. Centers for Disease Control and Prevention a grupos como Hizballah e Hamas, como regiões de regu-
(CDC) e considera‑se de uso potencial por terroristas. Sergey lação e controle deficientes quanto à atuação de células
V. Netesov (2002), da Academia Russa de Ciências, considera terroristas. O governo brasileiro reconhece a existência de
que os membros do CDC deveriam ter elencado, nessa lista, comunidades muçulmanas na tríplice fronteira, mas nega que
o vírus da hepatite A, que causa uma grave enfermidade, haja presença operacional de grupos extremistas islâmicos

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na região (ESTADOS UNIDOS, 2006). A reunião e a análise sário, custe o que custar, para ter acessos às ditas substân-
dos dados de Inteligência são a forma menos visível, mas cias. Posto isto, o narcotráfico consegue ser um negócio tão
não menos importante de contraposição. A  Inteligência é arriscado e perigoso quanto lucrativo.
vista, em países como os EUA, como a “primeira linha de A falta de legalização de certos estupefacientes, como a
defesa” contra o terrorismo. Todavia, as informações mais cocaína ou a heroína, não é casual. Este tipo de substâncias
específicas são raras e de difícil obtenção. Estas requerem causa sequelas gravíssimas e irreversíveis ao consumidor.
a infiltração em grupos, que suspeitam de estranhos e não Por outro lado, o seu consumo origina violência, incentiva
descuidam de sua segurança operacional. A maior parte das ao crime e deixa imensas pessoas à margem da sociedade.
informações obtidas, portanto, é fragmentada, imprecisa e A maioria das legislações internacionais proíbe, por
de credibilidade duvidosa. Sua análise é, em consequência, conseguinte, a produção, a distribuição e a venda de drogas,
um desafio similar à busca. Nos ataques de 11 de setembro à exceção daquelas que são usadas na medicina e de algumas
de 2001, apesar de os serviços de Inteligência estadunidenses substâncias que são toleradas a nível social (como é o caso
possuírem indícios, não havia pessoas que pensassem de do álcool e do tabaco). Os consumidores, regra geral, não
forma “doentia”, como Osama Bin Laden, a fim de prever são sancionados, já que se trata de doentes que precisam
e evitar aqueles atentados (FRIEDMAN, 2005). A função da de ajuda para recuperarem.
Inteligência não é fornecer quadros abrangentes sobre ações Os países do chamado Terceiro Mundo, localizados na
terroristas iminentes, mas um juízo estratégico sobre as América do Sul e na Ásia, tendem a ser os produtores de
maiores ameaças, que regiões estão mais vulneráveis e que droga, ao passo que os principais mercados de consumo se
tipos de alvos e táticas serão, provavelmente, utilizados. Estas encontram nos Estados Unidos e na Europa.
informações são utilizadas no assessoramento a decisões,
sendo essenciais ao funcionamento dos outros instrumentos No Brasil
de combate (PILLAR, 2001).
No Brasil, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 insti-
Conclusão tuiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido,
A evolução do terrorismo neste início de século nos ao social de usuários e dependentes de drogas, estabelece
mostra que as redes internacionais fundamentadas, prin- normas para repressão à produção não autorizada e ao trá-
cipalmente, em ideologias religiosas, estão substituindo os fico ilícito de drogas, define crimes e dá outras providências.
terroristas tradicionais, cuja motivação principal é política.
Os fundamentalistas islâmicos têm sido os principais atores No mundo
na realização de ataques. Como a intolerância é patente
nesses grupos, armas de destruição em massa – químicas, O tráfico internacional de drogas, em alta escala, come-
biológicas e nucleares  – tendem a ser utilizadas, quando çou a expandir‑se a partir da década de 1970, tendo tido o
disponíveis, como forma assimétrica de combate ao “Grande seu ápice na década de 1980. Esse desenvolvimento está es-
Satã” e a seus aliados. Ações suicidas e cibernéticas, da mes- treitamente ligado à crise econômica mundial. O narcotráfico
ma forma, se farão presentes. Para combatê‑los, é preciso determina as economias dos países produtores de cocaína,
pensar como eles, o que é tarefa hercúlea para os ocidentais. cujos principais produtos de exportação têm sofrido suces-
Assim sendo, a fim de preservar vidas inocentes, todos os sivas quedas em seus preços (ainda que a maior parte dos
Estados devem evitar ações que aumentem o sentimento lucros não fique nesses países) e, ao mesmo tempo, favorece
de injustiça no mundo e que fomentem o ódio entre os principalmente o sistema financeiro mundial. O  dinheiro
povos, pois este é o principal “combustível” do terrorismo. oriundo da droga corresponde à lógica do sistema financeiro,
O ódio deve ser combatido preventivamente pelos governos que é eminentemente especulativo. Este necessita, cada
envolvidos, de forma integrada e coordenada, com atuação vez mais, de capital “livre” para girar, e o tráfico de drogas
extensiva da Inteligência, da diplomacia e de órgãos fiscais, promove o “aparecimento mágico” desse capital que se
evitando animosidades e difundindo uma cultura de tolerân- acumula muito rápido e se move velozmente.
cia, pois, uma vez deflagrado o terror, extirpá‑lo é trabalho O narcotráfico é produzido em escala global, desde o
difícil e demorado. cultivo em países subdesenvolvidos até seu consumo, prin-
cipalmente nos países ocidentais, nos quais o produto final
atinge um alto valor no mercado negro.
NARCOTRÁFICO O tráfico surge da ilegalidade das drogas e a mesma
ilegalidade acarreta importantes consequências sociais: cri-
O narcotráfico é o comércio ilegal de drogas tóxicas (ou me,  violência,  corrupção,  marginalidade, além de taxas
narcóticos) em grandes quantidades. O processo que come- maiores de intoxicação por produtos químicos adulterantes
ça com o cultivo das substâncias, segue com a produção e dos entorpecentes, etc. As penas oriundas da repressão às
finaliza com a distribuição e a venda costuma ser realizado drogas são mais danosos que os efeitos das drogas em si. Vá-
por diversos carteis especializados numa determinada parte rios países possuem experiências bem sucedidas no âmbito
Política e Segurança

da cadeia. da descriminalização/legalização de drogas leves. Cada vez


Os maiores grupos dedicados ao narcotráfico têm pre- mais países adotam posturas liberais para driblar os danos
sença à esfera global e ostentam um poder semelhante ao causados pela ilegalidade das drogas.
de um governo. Os seus integrantes dispõem de poderosos Em muitos países, inclusive no Brasil, existem movimen-
armamentos e os seus líderes lidam com quantias avultadas tos sociais pró‑legalização da cannabis sativa, uma substância
de dinheiro. declarada ilícita pelas leis do país. A Marcha da Maconha é
Ao serem ilegais, as drogas adquirem um grande valor um exemplo disso, pessoas de vários lugares do país vão para
econômico. Existe uma situação de escassez, pelo que os as ruas gritar, buzinar, mostrar cartazes e ensinar a respeito
toxicodependentes estão dispostos a pagar o que for neces- da maconha, mostrando o lado do usuário de drogas.

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Rotas do tráfico internacional

Produção Rentabilidade
A maioria dos entorpecentes são produzidos em países Estudo efetuado pela Secretaria de Fazenda do Estado do
da América do Sul, do Sudeste Asiático e do Oriente Médio, Rio de Janeiro, efetuado em dezembro de 2008, estimou que o
entrando nos países consumidores através de contrabando. tráfico de drogas no Rio de Janeiro (maconha, cocaína e crack)
Tradicionalmente, os Estados Unidos, o México , a União fatura entre 316 e 633 milhões de reais por ano, mas lucra
Europeia, o  Japão  e especialmente  Singapura  (onde o algo em torno de 130 milhões, sendo menos rentável do que
tráfico e o consumo de drogas são punidos com a morte) aparenta. Entre os altos custos suportados pelos traficantes,
têm imposto uma política de tolerância zero aos países estão o de logística de fornecimento e autoproteção e as per-
produtores. Entretanto, em muitos desses países, a cultura das decorrentes das apreensões policiais. Além dos gastos com
de coca, e maconha é uma importante fonte de subsistên- mão de obra, haveria gastos entre 121 e 218 milhões de reais
cia, à qual não estão dispostos a abdicar. Por outro lado, por ano com a reposição de armas e a compra de produtos.
substâncias psicotrópicas como o  LSD, as  anfetaminas  e
outras substâncias sintéticas como o ecstasy são produzidas ESPIONAGEM
em países desenvolvidos.
A espionagem é a ação realizada por um agente adverso
Origens que busca obter, de maneira clandestina, acesso a informa-
ções sensíveis ou sigilosas do governo brasileiro e de institui-
Em locais onde a legislação restringe ou proíbe a venda de ções nacionais para beneficiar outros países, organizações,
determinadas drogas populares, é soez o desenvolvimento grupos de interesse ou empresas.
de um  mercado negro. A  maioria dos países considera o Ações de espionagem permitem a agentes adversos aos
interesses do país o acesso indevido a conhecimentos sensí-
narcotráfico um problema muito sério. Em 1989, os Estados
veis, como o domínio de tecnologias avançadas ou decisões
Unidos intervieram no Panamá com o propósito de acabar
tomadas na condução das relações internacionais.
com o narcotráfico. O governo da Índia realizou operações
A obtenção destes dados por espiões prejudica a com-
no Oriente Médio e a própria península da Índia para seguir
petitividade econômica do país, compromete objetivos
o rastro de vários narcotraficantes. Algumas estimativas do estratégicos nacionais e afeta a condução da política exte-
comércio global puseram o valor das drogas ilegais a cerca de rior. Por meio de ações de espionagem, o agente adverso
US$ 400 bilhões no ano 2000; que, somado ao mesmo tempo busca acessar dados que não estão disponíveis em fontes
ao valor do comércio global de drogas legalizadas (tais como de informação abertas.
o tabaco e o álcool), corresponde a uma quantidade superior O intuito é fornecer ao seu patrocinador vantagens de
ao dinheiro gastado para a alimentação no mesmo período natureza política, geopolítica, militar, econômica, tecnológica
de tempo. Em 2005, o Relatório Mundial sobre Drogas das ou científica. O acesso não autorizado à informação sigilosa
Política e Segurança

Nações Unidas informou que o valor do mercado ilícito de pelo agente adverso pode ocorrer não apenas de forma
drogas foi estimado em 13 bilhões de dólares ao nível de física e presencial – como no caso da obtenção de cópia de
produção, 94 bilhões ao nível de preço de mercado e a mais documento sigiloso – mas também de maneira remota, por
de um trilhão baseado nos preços de cultura, levando em meio de operações de espionagem cibernética.
conta inclusive as perdas.
Embora o consumo seja mundial, o maior mercado con- Espionagem e Sabotagem Cibernética
sumidor é os Estados Unidos seguido da Europa. Os maiores
produtores do mundo são o  Afeganistão  (ópio), o  Peru  e Ao mesmo tempo em que a expansão da rede represen-
a Colômbia (cocaína). ta avanço na rapidez e disponibilidade das comunicações,

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também resulta em vulnerabilidades. As  novas condições interesses inconfessáveis publicamente, enquanto que nos
propiciadas pelo “mundo em rede” expõem informações rivais ou inimigos ela é sempre denunciada e condenada.
sensíveis – privadas e públicas – a operações de espionagem Há incidentes envolvendo espionagem bem docu-
cibernética conduzidas tanto por empresas concorrentes mentados ao longo de toda a  História.  A Arte da Guerra,
quanto por governos estrangeiros. escrito por Sun‑Tzu contém informações sobre técnicas de
Operações cibernéticas realizadas por governos ou dissimulação e subversão. Os antigos egípcios possuíam um
empresas estrangeiras contra interesses brasileiros buscam sistema completamente desenvolvido para a aquisição de
não apenas acessar dados existentes em sistemas e bancos informações, e os hebreus também o usaram. Mais recen-
de dados públicos e privados nacionais. Também almejam temente, a  espionagem teve participação significativa na
impedir o adequado funcionamento da infraestrutura de história da Inglaterra no período elizabetano. No entanto o
comunicação nacional ou, até mesmo, adulterar e destruir primeiro serviço secreto oficial foi organizado sob ordens do
ativos de informação do país, o que constitui sabotagem. rei Luís XIV de França.
Em muitos países a espionagem militar ou governamen-
Ações de Contrainteligência tal é crime punível com prisão perpétua ou pena de morte.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a espionagem é ainda um
A atividade de Contrainteligência conduzida pela ABIN crime capital, embora a pena de morte seja raramente aplica-
desenvolve trabalho de obtenção e análise de dados para da nesses casos, pois em geral o governo oferece ao acusado
detectar e neutralizar ações de espionagem contra interes- um abrandamento da pena, em troca de informações.
ses do país e avaliar as ameaças cibernéticas aos interesses A espionagem quando praticada por um cidadão do
nacionais. próprio estado‑alvo, é geralmente considerada como uma
forma de traição. Foi o caso do cidadão austríaco Franz Jo-
sef Messner, naturalizado brasileiro em 1931, com o nome
Conceito de Espionagem
de Francisco José Messner. Messner espionou para o Office
of Strategic Services‑OSS, enviando informações para Allen
Teoricamente, espionagem é um ato só permitido entre
Welsh Dulles, em Berna, Suíça. Em contato com a resistên-
beligerantes, nações, grupos guerrilheiros em  guerra  e/
cia antinazista na Áustria, Messner fez parte do grupo de es-
ou guerrilha, e consiste na prática de obter informações de
pionagem Maier‑Messner‑Caldonazzi, descoberto pela Ges-
caráter sigiloso relativas a governos ou organizações, sem a
tapo em 1944. Julgado traidor, terminou por ser morto em
autorização desses, para obter certa vantagem militar, polí-
abril de 1945, no campo de concentração de Mauthausen.
tica, econômica, científica, tecnológica e/ou social.
No Reino Unido um espião estrangeiro tem pena mínima
A prática manifesta‑se geralmente como parte de
de 14 anos de prisão, de acordo com o Official Secrets Act,
um esforço organizado (ou seja, como ação de um grupo
enquanto que um britânico que espionasse para um país
governamental ou empresarial). Um  espião  é um agente
estrangeiro enfrentaria uma sentença máxima de prisão
empregado para obter tais segredos. A definição vem sendo perpétua por traição, caso fosse provada a sua  colabora-
restringida a um  Estado que espia inimigos potenciais ou ção com inimigos do país. Espionar para organizações des-
reais, primeiramente para finalidades militares, mas ela critas como terroristas viola o Terrorism Act 2000. Durante
abrange também a espionagem envolvendo empresas, ini- a  Segunda Guerra Mundial  os espiões alemães no Reino
migas entre si concorrentes e em “guerrilha”; em (conhecida Unido foram executados por “treachery” (traição), um crime
como espionagem industrial) e pessoas físicas, através de especial que excluía qualquer aplicação dos direitos que
contratação de detetives particulares, sempre quem espio- os soldados inimigos geralmente têm, mesmo que o espião
nagem existe um litígio. fosse um estrangeiro naturalizado.
Em náutica, uma espia é um tipo de cabo a que se chama A guerra fria envolveu intensa atividade de espionagem
também boça e serve para amarrar um Navio a outro, com o entre os Estados Unidos e seus aliados e a União Soviéti-
fim de rebocá‑lo, sempre é um cabo de grande calibre. ca, China e seus aliados, relacionados particularmente com
Segundo Marcelo de Montalvão em Inteligência & In‑ segredos de  armas nucleares. Neste período, a  CIA  nor-
dústria:  Espionagem E Contraespionagem  Corporativa, “A te‑americana de um lado e a KGB soviética de outro, foram
Atividade de Inteligência ou Serviço de Informação ou Serviço os principais serviços de inteligência ativos.
Secreto ou Espionagem é a implementação de um sistema de Os espiões também se envolveram em atividades de
coleta de dados e informações para identificação de ameaças sequestro e assassinato de pessoas consideradas como
e oportunidades para uma organização com o escopo de ameaça para o seu país. Também não é raro que serviços
ajudar o líder ou tomadores de decisão na elaboração de de informações trabalhem acobertando atividade paramili-
planos estratégicos ou execução de ações táticas e opera- tar incluindo assassinato, sequestro, sabotagem, guerra de
cionais de ataque, manutenção e defesa dessa organização. guerrilha e golpes de estado.
Informação é o produto resultado do trabalho sistemático de Desde o fim da guerra fria, os serviços de informações e
coleta, análise e entrega de dados e informações chamado espionagem estão sobretudo preocupados com as atividades
Atividade de Inteligência”. de organizações terroristas e com o tráfico de drogas.

Espionagem Governamental Espionagem Industrial e Comercial


Política e Segurança

Nenhum  serviço secreto  de Estado usa a palavra “es- Exemplo de espionagem industrial pelo Estado é o caso
pionagem” no seu nome ou para descrever sua atividade das operações da NSA para estabelecer parcerias com Empre-
de colheita de informações ou inteligência, embora todos sas que contribuam para facilitar as interceptações de dados,
declarem fazer  contraespionagem. Muitas nações espiam como parte da execução dos seus programas de Vigilância
rotineiramente seus inimigos, mas também seus aliados, Global  através da  Vigilância de Computadores e Redes.
embora sempre o neguem. A  duplicidade que envolve a Acordos são feitos pelo departamento da NSA chamado Ope-
utilização do termo espionagem deve‑se ao facto de essa rações de Fonte Especial (SSO). Através destas parcerias,
atividade ser frequentemente ditada por objetivos secretos e vários países são alvo para a espionagem pela NSA. Em 29

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de março de 2014, o jornal Der Spiegel publicou documentos Sem dúvida, forças tão formidáveis exigiam um balanço
que mostram que como parte do programa de Vigilância Glo- permanente e atualizado de ambos os lados. Cada super-
bal da NSA, mesmo os sistemas de satélite da Alemanha se potência precisava estar sempre por dentro das conquistas
tornaram alvo de espionagem feita pelo  CGHQ, membro tecnológicas do adversário. Assim, chegamos ao ponto que
do conhecido grupo chamado  Five Eyes, Cinco Olhos, em nos interessa: o desenvolvimento das técnicas de espiona-
português. gem no período da Guerra Fria.
Aparentemente sinônimos, a  espionagem econômica
difere da espionagem industrial pelo fato de a primeira ser Espionagem e Revolução
promovida por um Estado estrangeiro, enquanto a segunda
e realizada por empresas concorrentes, nacionais ou estran- Na União Soviética, as relações internacionais no início
geiras. A espionagem econômica é a espionagem industrial da Guerra Fria estimularam a modernização do serviço se-
promovida por um Estado. Alguns países mantêm como creto, criado em 1917 durante o processo revolucionário. Na
política de Estado a promoção de sua indústria valendo‑se de época, chamava‑se Tcheka, iniciais de “Comitê Contra Atos
todos os meios, legais ou ilegais, éticos ou antiéticos, ou seja, de Sabotagem e Contrarrevolução”. Como Tcheka, o serviço
se valem tanto da espionagem quanto da Inteligência Com- combateu as atividades internas contrárias à revolução co-
petitiva para ganhar vantagem competitiva. Outros Estados munista. Era o período de guerra civil russa, que se prolon-
simplesmente combinam sua intenção de aperfeiçoamento gou até 1921. Em 1922, ano da criação da União Soviética,
industrial com a necessidade dos detentores de tecnologia passou a se chamar GPU, iniciais de “Administração Política
por matérias‑primas, mão‑de‑obra e mercado consumidor. do Estado”. A GPU tornou‑se a polícia política de um Estado
(Exemplo: a China permitiu que fossem instaladas fábricas já consolidado, e  investiu contra os inimigos clandestinos
de produtos tecnológicos de todo o planeta mediante fortes do novo regime.
incentivos fiscais, de exportação e mão‑de‑obra barata para, Nos  anos 1930, o  serviço passou a atuar diretamente
sistematicamente, se apropriar de tecnologias eletroele- sob as ordens de Stalin e acabou rebatizado como NKVD,
trônicas e produzir produtos similares a preços muito mais “Comissariado do Povo para Assuntos Internos”. Foi um
competitivos). período de intensa perseguição aos adversários políticos do
líder soviético, dentro do próprio partido comunista. Muitos
ESPIONAGEM NA GUERRA FRIA deles foram torturados e executados. O caso mais célebre
é o do ex‑chefe do  Exército Vermelho,  Leon Trotsky.  Exi-
Até o final da  Primeira Guerra Mundial, em  1918, lado  no  México, ele foi assassinado em  1940  por  Ramón
os poucos serviços secretos operavam de forma precária e Mercader, um ativista espanhol supostamente instruído pelo
amadorística. Na época, não havia uma agência desse tipo NKVD. O atentado contra Trotsky foi uma das poucas ações
nos Estados Unidos. Na França e na Grã‑Bretanha, os servi- internacionais atribuídas ao serviço secreto soviético, na
ços secretos estavam paralisados por escândalos políticos. época. Até o final da Segunda Guerra, as principais funções
Na Rússia, as atividades de espionagem da era czarista des- do NKVD relacionavam‑se ao controle e à repressão dentro
moronavam sob os efeitos da guerra e da revolução comu- do próprio país.
nista. E, entre os alemães, o serviço razoavelmente eficiente
era desprezado pelos generais prussianos, mais interessados Anos 50: surge a KGB
no poderio militar.
Alguns historiadores acreditam que, se as potências da Com a divisão do mundo em blocos e o início da Guerra
época contassem com uma rede eficiente de informações, Fria, o sistema de informações soviético foi gradativamente
a Primeira Guerra poderia ter sido evitada. Ninguém espe- ampliando sua presença em outros países. O ano de 1953 foi
rava pelos desdobramentos dos conflitos nos  Bálcãs, que decisivo nesse processo. Logo após a morte de Stalin,
culminaram numa guerra global até certo ponto involuntária. em 1953, o chefe da NKVD, Lavrentiy Beria, tentou tomar o
Já na Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, poder. Acabou executado por ordem da cúpula do Partido
o dirigente soviético Josef Stalin teria menosprezado uma Comunista, que reformulou toda a estrutura do serviço secre-
importante informação de um de seus espiões, que fornecia to. A KGB surgia, nesse cenário, com a missão de conciliar a
exatamente o dia e a hora em que Adolf Hitler iniciaria a in- manutenção do controle interno com uma ação mais efetiva
vasão da União Soviética. Stalin já havia condenado à morte fora do território soviético.
seus mais respeitados estrategistas, entre 1938 e 1939. A situação era tensa na Europa. Forças da OTAN, (Orga-
Assim, a ofensiva nazista, em junho de 1941, apanhou os so- nização do Tratado do Atlântico Norte), criada em 1949, mo-
viéticos de surpresa e sem seus melhores quadros militares. vimentavam‑se nas bases militares instaladas nas fronteiras
Da mesma forma, o  presidente dos Estados Uni- com a Europa Oriental. No bloco socialista, havia sinais de in-
dos, Franklin Roosevelt, não teria dado crédito às informa- satisfação popular na Alemanha Oriental, Hungria e Polônia.
ções sobre um provável ataque do exército japonês à base Numa tentativa de unir os países do bloco e fazer frente à
americana de Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941. OTAN, Moscou tratou de criar, em 1955, o Pacto de Varsóvia.
Século XX: nova força à espionagem A KGB passou a operar dentro dos aparelhos de Estado e dos
Esses episódios, que poderiam ter sido evitados através serviços secretos desses países, e também na imprensa e
de um sistema de informações, foram decisivos para os nas associações de trabalhadores. A central soviética de in-
Política e Segurança

investimentos em serviços de espionagem. A formação de formação e espionagem tornou‑se uma sombra onipresente
dois grandes blocos econômicos depois da Segunda Guerra, em todas as instâncias da sociedade.
liderados por Estados Unidos e União Soviética, também foi
um fator importante para o desenvolvimento da chamada Tanque em Budapeste: ação da KGB
comunidade de informações. Pela primeira vez na história,
o planeta havia se tornado uma arena gigante, onde duas su- Em meio a denúncias de assassinatos e de violação siste-
perpotências desafiavam‑se mutuamente. Nesse novo cená- mática dos direitos humanos contra presos políticos, a KGB
rio, os inimigos desenvolviam tecnologias de destruição cada coordenou, em 1956, a invasão soviética da Hungria pelos
vez mais poderosas, destrutivas, rápidas e eficazes. tanques do Pacto de Varsóvia. No mesmo ano, orientou a

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repressão de um movimento reformista na Polônia. A forte Contraespionagem Industrial
influência da KGB junto à cúpula do Pacto de Varsóvia foi
decisiva para a iniciativa do governo da Alemanha Oriental O termo contraespionagem descreve os passos de uma
de erguer o Muro de Berlim, em 1961. organização para proteger as informações procuradas por co-
letores de inteligência hostis. Uma das medidas de contrain-
“Podemos afirmar que a KGB era a própria alma do teligência mais eficazes é definir “as informações secretas
sistema soviético. É simples mostrar isso. No auge do relevantes para a empresa e controlar a sua disseminação”
império comunista, após a Segunda Guerra, a União (Society of Competitive Intelligence Professionals, 2007).
Soviética era formada por 15 repúblicas que abran‑ O espaço corporativo está cercado de ameaças que vão desde
giam um território de 22 milhões de km² , quase três a sabotagem e espionagem até a guerra de informações,
vezes o tamanho do Brasil, e com uma população de o grande problema é que os gestores possuem um 4 grande
mais de 200 milhões de habitantes. Essa população conhecimento sobre processo produtivo, mercado, cliente,
era composta por povos que falavam pelo menos mas na parte de segurança não possuem conhecimento
300 idiomas e professavam todas as grandes religi‑ nenhum, até acham que espionagem não existe, acham
ões conhecidas. Apesar dessa tremenda diversidade que é um tema de guerra fria, com essa falta de percepção
cultural, e das diferenças econômicas e históricas, e em um ambiente pacífico de competição econômica que
só havia um partido político legalizado: o Partido a espionagem industrial se torna mais proveitosa. A gestão
Comunista, pois seria a única maneira de manter o de negócios tem a responsabilidade de forma adequada
comunismo no país”. de proteger os segredos comerciais, através da utilização
de práticas de segurança classificando e controlando docu-
Espionagem Comercial e Inteligência Competitiva mentos sensíveis, restringir a distribuição de informações
confidenciais, realizando treinamento em segurança e pro-
O sucesso econômico de um país depende da sua ca- porcionando segurança física adequada (SCHULTZ, 1994).
pacidade de aplicar atividades inovadoras que criam uma Phillip e Wright (1999) colocam os recursos humanos como
vantagem competitiva em um ambiente de transformação sendo uma das principais brechas para espionagem indus-
trial, se o gerente de recursos humanos não compreende
(VILLELA; MAGACHO, 2009). Inteligência Competitiva (IC) tem
a importância da segurança da organização, ele não vai
sido reconhecida como uma ferramenta de gestão estratégica
transmitir a mensagem adequada ao pessoal. Além disso,
que poderia aumentar a vantagem competitiva (CANONGIA,
qualquer programa de segurança da informação, mesmo
2004). A estratégia competitiva envolve o posicionamento
com o total apoio da alta administração, não pode ser bem
de um negócio para maximizar o valor das capacidades que
sucedido se todos os funcionários não se comprometerem
distinguem a organização de seus concorrentes, ou seja,
integralmente. O ponto mais importante para atuação eficaz
um aspecto central na formulação estratégica é a análise de da contraespionagem é o desenvolvimento da mentalidade
percepção do concorrente (PORTER, 1986). Nesse contexto, de segurança, para que saiba a importância da proteção e
a transformação dos dados em informação está em conheci- os riscos das informações no ambiente corporativo (WOOD,
mento ou inteligência que são fatores críticos para o sucesso 1994). A contraespionagem pode ser encarada como uma
das organizações. A sobrevivência e o crescimento de uma atitude de defesa passiva quando tenta, simplesmente,
organização muitas vezes dependem das informações pre- proteger as informações estratégicas. Pode, ainda, ser uma
cisas e atualizadas que ela tem sobre os seus concorrentes, defesa ativa, quando tenta desinformar, iludir, enganar, levar
e um plano para usar essas informações a seu favor (MCGO- o adversário a erro de julgamento, através de planejamento
NAGLE; VELLA, 1990). Segundo os autores Fitzpatrick e Burke meticuloso (GRISI; SAHELI, 2001). Canadian Security Intelli-
(2003), a definição de inteligência competitiva é a aquisição gence Service (CSIS), serviço de Inteligência Canadense, de-
de informações relevantes, de uma forma legal e ética sobre senvolveu um programa de conscientização em organizações
o ambiente corporativo. Para Brody e Wright (2008) não públicas e privadas, para defender o país da espionagem e
existe uma definição única para inteligência competitiva, de outras ameaças contra interesses comerciais. Da mesma
geralmente é visto como o processo pelo qual as organiza- forma a estrutura de Contra inteligência do Federal Bureau of
ções reúnem informações acionáveis sobre os concorrentes Investigation (FBI), além de exercer sua missão de segurança
e ao ambiente competitivo, e  idealmente aplicá‑la a seus nacional nos EUA, implementou o programa Awareneness
processos de planejamento e tomada de decisões, a fim de of National Security Issuesand Response (ANSIR), com o
melhorar o desempenho da empresa. Além disso, (IC) é a objetivo de proteger informações governamentais contra
produção de conhecimento acionável para a melhoria da ameaças potenciais, bem como reduzir a vulnerabilidade
ação da estratégia corporativa (BERGERON; HILLER, 2002) de segurança em organizações americanas (BALUÉ; NAS-
o mesmo pensamento de Porter (1980) que menciona (IC) CIMENTO, 2006). Samli e Jacobs (2003) descrevem que o
como um componente de inteligência de negócios que visa impacto da globalização mundial vem trazendo mercados
ganhar vantagem estratégica. Uma pesquisa da American mundiais mais próximos, pois cria um fluxo de tecnologia,
Futures Group Consultoria, segundo os autores Xua et al., fluxo de informação, e os fluxos de capital através do cibe-
(2014) indica que 82 % das grandes empresas e mais de 90 respaço. Estes fluxos não só aumenta a consciência de novos
% das 500 maiores empresas da Forbes Globais adotaram produtos, novos desenvolvimentos, e as novas tecnologias,
(IC) para o risco de gestão e decisões. Malhotra (1993) mas também obriga muitas regiões e empresas locais a se
Política e Segurança

descreve com base nas necessidades de (IC), que dados protegerem, quando competem com empresas mundiais,
relevantes podem ser obtidos de forma ética podendo ser essas empresas não têm os recursos ou algumas vezes, até
através de clientes, materiais promocionais do concorrente, mesmo a visão para neutralizar as ameaças da globalização
análise de produtos do concorrente, os relatórios anuais do assim, elas podem estar propensas a recorrer à espionagem
concorrente, feiras e distribuidores. Inteligência Competitiva industrial. O autor Scully (2013) faz um estudo em uma das
deve ser uma atividade legal e respeitar os códigos de ética, áreas mais frágeis a roubo de informações atualmente,
envolvendo a transferência de conhecimentos do ambiente o espaço cibernético e traz a opção de proteção eficaz onde
para a organização dentro das regras estabelecidas (ROUACH; abrange não apenas a segurança do servidor em repouso
SANTI, 2001). de criptografia, mas também incluem robusta criptografia

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em voo WAN. Ao fazê‑lo, as organizações podem proteger materiais; matérias‑primas; equipamentos; cadeias produ-
e garantir as informações críticas, estar em conformidade tivas; instalações ou sistemas logísticos, sobretudo aqueles
com a privacidade e requisitos regulamentares de confiden- necessários ao funcionamento da infraestrutura crítica do
cialidade, evitar possíveis sanções pecuniárias e exposição País, com o objetivo de suspender ou paralisar o trabalho ou a
pública negativa, e proteger sua reputação valorizada. Isso capacidade de satisfação das necessidades gerais, essenciais
pode significar que industriais devem ter uma disposição e impreteríveis do Estado ou da população.
contraespionagem em suas estratégias, estudos indicam A projeção internacional do País e sua influência em
que muitas empresas, no entanto, não têm quaisquer pre- vários temas globais atraem a atenção daqueles cujas pre-
ventivas de estratégias contraespionagem. (SAMLI; JACOBS, tensões se veem ameaçadas pelo processo de desenvolvi-
2003). Administração de segurança interna e práticas devem mento nacional. A ocorrência de ações de sabotagem pode
prevenir ou minimizar exposições de segurança e garantirá impedir ou dificultar a consecução de interesses estratégicos
integridade dos dados e sistemas informáticos. A lista não 5 brasileiros.
pode ser exaustiva, combater a espionagem industrial não Termo emprestado dos sindicalistas franceses pelas orga-
pode ser somente esporadicamente, deve ser contínuo, em nizações trabalhistas americanas na virada do século, sabota-
constante evolução e analise (KAPERONIS, 1984). Snyder e gem significa a dificuldade de produtividade e eficiência de
Crescenzi (2009) relatam que aplicação da lei não provou uma fábrica, empresa ou organização por operários internos.
ser eficazes na redução da frequência de espionagem eco- Muitas vezes, sabotagem envolve a destruição de proprieda-
nômica. Embora estatutos, têm proporcionado melhorias, des ou máquinas pelos trabalhadores que as utilizam. Nos
recursos legais em casos de roubo de (IC), são claramente Estados Unidos, a sabotagem foi vista primeiro como uma
insuficientes para controlar o florescimento da espionagem tática de ação direta para os radicais trabalhistas contra os
industrial, isso realmente deixa apenas uma variável para empregadores opressivos. A primeira organização a procla-
controlar o problema, prevenção voluntária. As  empresas mar abertamente sabotagem como uma tática, embora de
que trabalham com produto ou serviço podem ser espiona- modo algum o único grupo trabalhista a empregá‑la, era o
das a qualquer momento, os autores Shanley e Crabb (1998) Industrial Workers of the World, conhecido como Wobblies.
descrevem alguns controles internos que podem ser postos Uma sabotagem transladada Wobbly pelo sindicalista francês
em prática na organização e que poderão ser de enorme Émile Pouget, que promulgou os vários meios de sabotagem
utilidade para prevenção da espionagem industrial. a) Remo- oferecidos no livro e utilizados pelos radicais europeus desde
ver todos os computadores, impressoras e aparelhos de fax a década de 1830.
de áreas de trabalho comuns; b) Documentos importantes Embora os Wobblies fossem os defensores mais fortes
devem ser evitados deixar sobre mesas; c) Todos os terminais das táticas de sabotagem, como jogar burro ou adulterar
devem ter protetores de tela protegida por senha; d) Acesso máquinas, nenhuma autoridade estadual ou federal já
hierárquico deve ser utilizado pelo uso da identificação com estabeleceu uma prova legal de que eles realmente insti-
código de cores emblemas; e) Todos os fax e mensagens de garam a sabotagem. De fato, um historiador afirmou que a
internet devem ser protegidos; f) Todos os antigos R & D e ou- Federação Americana de Trabalhadores estava mais ligada à
tros documentos sensíveis devem ser desfiado; g) Contratos violência industrial. No entanto, a associação dos Wobblies
empregatícios devem ser sigilosos, eles devem ser abrangen-
com sindicalismo e socialismo aterrorizou os industriais,
tes e atualizados; h) Estagiários e estudantes pesquisadores
antissocialistas e outros americanos que temiam a infiltração
de pós‑graduação também deve assinar acordos legais; i) Os
“vermelha” da sociedade americana.
funcionários devem ser treinados para reconhecer a dife-
Durante a Primeira Guerra Mundial, a preocupação ame-
rença entre segredos comerciais e conhecimentos gerais; j)
ricana com a sabotagem voltou‑se para os militares quando
Documentos de confidencialidade legal devem ser assinados
os operários apoiados pelo governo alemão explodiram o
antes de quaisquer dados confidenciais serem compartilha-
dos nas discussões relacionadas ao licenciamento de joint terminal de provisão de munições no Black Tom Pier, no lado
venture, ou de pesquisa cooperativa; k) Os aposentados da de Nova Jersey, do Porto de Nova York. A Alemanha esperava
empresa não devem ter acesso aos segredos da empresa; l) coagir os Estados Unidos na guerra, uma tática que também
Os sistemas de segurança da planta física devem estar em boa envolvia o torpedo da Lusitânia. O bombardeio no Black Tom,
forma e os guardas de segurança devem ser bem treinados. em julho de 1916, e uma segunda explosão em uma fábrica
Para um bom programa de proteção contraespionagem o de conchas, oito milhas a norte, em dezembro, ampliou a
primeiro passo é conhecer a capacidade de inteligência do definição de sabotador além de socialistas e anarquistas.
adversário, aí sim preocupar‑se com a aplicação do programa Na década de 1950, a sabotagem parecia servir os pro-
de segurança, ele é fundamental para impedir que as infor- pósitos dos trabalhadores, bem como das nações inimigas,
mações venham cair em mãos dos concorrentes. quando os americanos acreditavam que a União Soviética
estava infiltrando organizações trabalhistas e comunitárias
infiltradas. Em novembro de 1950, o Herald Tribune informou
SABOTAGEM que as latas de sardinha descobertas em um navio mercante
Sabotagem significa toda a ação que visa prejudi- foram realmente preenchidas com manuais para circuitos
car o trabalho de alguém. Sua origem vem da França, elétricos de curto‑circuito, queimando transformadores vitais
onde a palavra ¨sabot¨ quer dizer tamanco e antiga- e outras formas de sabotagem industrial.
No final do século XX e no início do século XXI, a sabota-
Política e Segurança

mente, os  operários trabalhavam usando tamancos.


Nos protestos contra o patrão, jogavam os tamancos sobre gem passou da fábrica para o ciberespaço, pois os hackers
as máquinas para danificá‑las, daí o termo ficou conhecido frequentemente se infiltraram em sistemas informáticos
com o seu significado atual. para destruir dados ou engrossar empresas. Em um dos
Durante a Segunda Guerra Mundial a sabotagem atra- atos de sabotagem mais caros na história americana, um
palhou muito os planos dos militares alemães. programador de computador em uma empresa de enge-
Sabotagem é ação deliberada, com efeitos físicos, ma- nharia de Nova Jersey em 1998 supostamente plantou uma
teriais ou psicológicos, que visa a destruir, danificar, com- “bomba informática” que eliminou o software crítico para as
prometer ou inutilizar, total ou parcialmente, definitiva ou operações da empresa, levando à perda de mais de US$10
temporariamente, dados ou conhecimentos; ferramentas; milhões em vendas e contratos. Na primavera de 2001,

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os  hackers invadiram a rede elétrica da Califórnia. Houve (in)existência de políticas públicas de detecção e resposta às
pouco dano, mas a vulnerabilidade do sistema era aparente ameaças virtuais. Esse método de avaliação e resposta po-
e embaraçosa. Os hackers de computador, bem como os seus demos, pois, denominar de Inteligência Cibernética ou cyber
precursores sindicalistas, desenvolveram sua própria cultura intelligence, cujo conteúdo e abrangência serão explicados
antiautoritária baseada na infiltração dos principais sistemas no decorrer deste estudo prévio. Este trabalho abordará,
informáticos da América. Embora a sabotagem tenha sido então, a Inteligência Cibernética como processo de produção
originalmente uma tática promovida por subversivos inte- de conhecimentos vinculados ao ciberespaço, enfocando
lectuais atacando sistemas econômicos e governamentais e objetivando a segurança virtual necessária, tanto no as-
específicos na Europa, na América tornou‑se uma tática usa- pecto macro e/ou coletivo, quanto no individual ou micro.
da por ativistas que operam em diversas áreas da sociedade Em busca de um conceito de Inteligência Cibernética Não é
e por diversos motivos. fácil começar a falar de um tema, cujo referencial teórico é
http://www.encyclopedia.com/social‑sciences‑and‑law/ escasso e existem apenas anotações genéricas, ao menos no
economics‑business‑and‑labor/labor/sabotage Brasil. Vários países, em cujo território há preocupação com
atos terroristas, já estão atentos à Segurança Cibernética (Cy-
AMEAÇAS À INTEGRIDADE DA SOCIEDADE bersecurity) e, por consequência, à Inteligência cibernética
(Cyber Intelligence). O melhor exemplo é os Estados Unidos,
E DO ESTADO cujo Presidente Barack Obama lançou recentemente o pros-
pecto Cybersecurity (ESTADOS UNIDOS, 2010) com várias
A Política Nacional de Inteligência (PNI), para o baliza-
medidas prioritárias, incluindo a criação de um Comando
mento das atividades dos diversos órgãos que integram o
Cibernético nas Forças Armadas americanas. Afinal, o que é
Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), prioriza algumas
Inteligência Cibernética? O assunto não pode ser tratado em
ameaças, entre elas a interferência externa.
separado e sem passarmos, preliminarmente, pelo tema da
Guerra Cibernética ou Ciberguerra (termo também escrito
Interferência Externa com ‘y’ – Cyberguerra – ou mencionado como no vocabulário
na língua inglesa – Cyber war). Para efeitos deste trabalho
É a atuação deliberada de governos, grupos de interesse, usaremos ou o termo Guerra Cibernética ou o termo Ciber-
pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os rumos guerra. Fernando G. Sampaio (2001) refere que a Ciberguerra
políticos do País com o objetivo de favorecer interesses tem suas origens e conceito vinculados ao que é a “técnica
estrangeiros em detrimento dos nacionais. cibernética”, pois a palavra tem origem grega, “kybernetiké
É prejudicial à sociedade brasileira que ocorra interferên- e significa a arte de controle, exercida pelo piloto sobre o
cia externa no processo decisório ou que autoridades brasi- navio e sua rota”. E continua: “E, sendo a cibernética a arte
leiras sejam levadas a atuar contra os interesses nacionais e de comandar ou controlar, sua forma primordial de agir é
em favor de objetivos externos antagônicos. A interferência pelo comando ou controle de todo ciclo de informações.”
externa é uma ameaça frontal ao princípio constitucional (grifo nosso.) Em definição simplista, a ‘Guerra Cibernética’
da soberania. é uma ação ou conjunto associado de ações com uso de
Deve constituir também motivo de constante atenção e computadores ou rede de computadores para levar a cabo
preocupação a eventual presença militar extrarregional na uma guerra no ciberespaço, retirar de operação serviços de
América do Sul, podendo ser caracterizada como ameaça à internet e/ou de uso normal da população (energia, água,
estabilidade regional. etc.) ou propagar códigos maliciosos pela rede (vírus, trojans,
http://www.abin.gov.br/acesso‑a‑informacao/legisla- worms etc.). O conceito acima para ser bem compreendido
cao‑de‑inteligencia/coletanea‑de‑legislacao/politica‑nacio- tem de ser, necessariamente, analisado de forma particio-
nal‑de‑inteligencia/ nada. Então, vejamos:
• uma ação ou conjunto associado de ações: revela que
SEGURANÇA CIBERNÉTICA um ataque cibernético pode ser praticado por um
indivíduo, um grupo de indivíduos, uma organização
Ciberguerra, Inteligência Cibernética e Segurança específica ou um Estado, usando apenas uma máquina
Virtual: Alguns Aspectos ou um conjunto de máquinas, remotas ou não, mas
que têm um fim determinado ou determinável, que
Os ataques cibernéticos e as falhas de segurança nas pode ser por pura necessidade de reconhecimento,
redes, públicas e privadas, e  principalmente na web são pelo desafio imposto (por si, pelo grupo ou pela so-
um problema de constante preocupação para os principais ciedade), tais como político‑ideológico, financeiro e/
analistas mundiais e as empresas/profissionais de segurança ou religioso (v.g. o  grupo terrorista al Qaeda). Pode
da informação e web security. Neste diapasão é que se insere ter consequências criminosas ou não, dependendo da
o presente trabalho, cujo objetivo é avaliar a importância legislação de cada país;
quanto à análise do cenário internacional e brasileiro relativo • uso de computadores ou rede de computadores: os
à segurança virtual, e a observação de aspectos relativos às ataques podem ser planejados e executados de um
análises de incidentes de segurança, aos  mecanismos de local específico ou através de uma rede de compu-
tadores (logicamente, qualquer dispositivo ou grupo
Política e Segurança

detecção das ameaças virtuais, às  políticas públicas e/ou


privadas aplicadas e à estipulação de um método, baseado de dispositivos que possam se conectar à internet),
na atividade e nas ações de Inteligência, de obtenção, análise como ocorre no caso das chamadas botnets, quando
e produção de conhecimentos. Este processo proposto tem milhares de máquinas podem ser executadas remo-
por objetivo principal a utilização de um método de avaliação tamente pelos criminosos. Segundo J. M. Araújo Filho
do cenário atual brasileiro quanto à “guerra cibernética” e (2010, pt. 2), no artigo “Ciberterrorismo e Cibercrime:
seus efeitos, com uma análise conteudista que deve incluir o Brasil está preparado?” as botnets têm se tornado
os principais e mais graves incidentes reportados aos órgãos [...] uma ferramenta fundamental para o “cibercrime”,
públicos e privados envolvidos, verificação das eventuais em parte porque elas podem ser projetadas para ata-
sub‑notificações, efeitos sociais e repercussões quanto à car diferentes sistemas de computadores de forma

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muito eficaz e porque um usuário mal intencionado, imensuráveis quando, v.g., provocar um colapso na rede de
sem possuir fortes habilidades técnicas, pode iniciar transmissão de energia, causando apagão e/ou retardando o
estes ataques a partir do ciberespaço, simplesmente retorno do serviço. É claro que esses serviços serão afetados
alugando serviços de “botnet” em parceria com um porquanto usem o computador como forma de apoio, exe-
“cibercriminoso”, tal como vem ocorrendo na atu- cução e controle. Da mesma forma, o ataque pode ocorrer
alidade, principalmente envolvendo a máfia russa. aos órgãos de um país, atingindo sua soberania e segurança;
O mesmo autor define botnets ou “redes bot”: […] são Sampaio (2001), sobre alvos preferenciais da Ciberguerra,
constituídas por um grande número de computadores menciona que são aqueles que se baseiam em […] progra-
infectados com algum tipo de código malicioso, e que mas de computadores ou gerenciam os seguintes aspectos:
podem ser controlados remotamente através de co- 1. comando das redes de distribuição de energia elétrica;
mandos enviados pela Internet. Centenas ou milhares 2. comando das redes de distribuição de água potável; 3.
de computadores infectados por estes códigos podem comando das redes de direção das estradas de ferro; 4. co-
funcionar em conjunto para interromper ou bloquear mando das redes de direção do tráfego aéreo; 5. comando
o tráfego da Internet para as vítimas‑alvo, coletar das redes de informação de emergência (pronto‑socorro,
informações, ou para distribuir spam, vírus ou outros polícia e bombeiros); 6. comando das redes bancárias, pos-
códigos maliciosos; sibilitando a inabilitação das contas, ou seja, apagando o
• guerra no ciberespaço: uma definição trazida por Du- dinheiro registrado em nome dos cidadãos (o potencial para
arte (1999) refere que o ciberespaço é ”a trama infor- o caos e a desmoralização de um país embutido neste tipo
macional construída pelo entrelaçamento de meios de de ataque é por demais evidente); 7. comando das redes de
telecomunicação e informática, tanto digitais quanto comunicações em geral, em particular (redes de estações de
analógicos, em escala global ou regional”. Este conceito rádio e televisão); 8. comando dos “links” com sistemas de
abrange, portanto, todos os meios onde pode ocorrer satélites artificiais (fornecedores de sistemas telefônicos,
a ciberguerra, como, por exemplo onde ocorrem as de sistemas de sinais para TV, de previsão de tempo, e de
CMCs (Comunicações Mediadas por Computadores); sistema GPS); 9. comandos das redes dos Ministérios da
• retirando de operação serviços de internet: significa Defesa e, também do Banco Central e outros ministérios
que a ação desenvolvida pelos hackers tem por obje- chave (Justiça, Interior etc.); 10. comandos dos sistemas de
tivo a retirada de um determinado site e/ou serviço ordenamento e recuperação de dados nos sistemas judi-
dos provedores de internet, como o que ocorreu com ciais, incluindo os de justiça eleitoral. Propagando códigos
o provedor Speed, da Telefônica de São Paulo, quando maliciosos pela rede: uma ação no ciberespaço, em grande
houve um envenenamento de DNS2. escala e bem planejada, pode fazer com que cavalos de troia,
vírus, worms etc. possam ser espalhados pela rede através de
Alguns aspectos são importantes, visando a diferenciação páginas web, de e‑mails (phishing scam), de comunicadores
de algumas ações criminosas, o procedimento de ação de um instantâneos (Windows Live Messenger, Pidgin, GTalk etc.) e
envenenamento de DNS é o seguinte: o servidor do criminoso de redes sociais (Orkut, Twitter, Facebook etc.), entre outras
injeta um endereço falso dentro do servidor de DNS e; 1. formas possíveis. Cavalos de Troia ou trojans são programas
o criminoso intervém entre o servidor de cache, o servidor que, aparentemente inofensivos, são distribuídos para cau-
de autorização e o usuário; 2. o  criminoso é mais rápido sar danos ao computador ou para captura de informações
do que o servidor de DNS de autorização, tentando dar ao confidenciais do usuário. Ao criminoso virtual já não importa
servidor de cache uma resposta falsa; 3. para que o servidor causar dano à má- quina do usuário, pois isso não lhe traz
DNS aceite a resposta falsa, ela precisa ter os mesmos parâ- recursos financeiros, fazendo com que a principal meta dos
metros de query da resposta legítima. O envenenamento de trojans seja a coleta anônima e/ou invisível de informações
DNS, portanto, funciona diferenciado do ataque de negação dos internautas. A diferença entre os trojans dos vírus é que
de serviço, pois naquele o serviço não é negado e sim há um estes programas têm a finalidade destrutiva, com caracterís-
redirecionamento a uma página falsa e/ou com conteúdo ticas que se agregam ao código de outros programas, prin-
malicioso. Importante observar que o ataque de negação de cipalmente do sistema operacional, causando modificações
serviço (DoS ou Denial of Service) (ATAQUE..., 2010): [...] é indevidas no seu processamento normal, causando danos
uma tentativa em tornar os recursos de um sistema indisponí- leves e inoportunos até destrutivos e irreparáveis. Segundo
veis para seus utilizadores. Alvos típicos são servidores web, o site da Microsoft (2004) o worm é uma subclasse dos
e o ataque tenta tornar as páginas hospedadas indisponíveis vírus e [...] cria cópias de si mesmo de um computador para
na WWW. Não se trata de uma invasão do sistema, mas sim outro, mas faz isso automaticamente. Primeiro, ele controla
da sua invalidação por sobrecarga. recursos no computador que permitem o transporte de
Os ataques de negação de serviço são feitos geralmente arquivos ou informações. Depois que o worm contamina o
de duas formas: 1) forçar o sistema vítima a reinicializar ou sistema, ele se desloca sozinho. O grande perigo dos worms
consumir todos os recursos (como memória ou processamen- é a sua capacidade de se replicar em grande volume. Por
to por exemplo) de forma que ele não pode mais fornecer exemplo, um worm pode enviar cópias de si mesmo a todas
seu serviço; 2) obstruir a mídia de comunicação entre os uti- as pessoas que constam no seu catálogo de endereços de
lizadores e o sistema vítima de forma a não comunicarem‑se email, e  os computadores dessas pessoas passam a fazer
adequadamente. Ambos diferem do ataque de negação de o mesmo, causando um efeito dominó de alto tráfego de
Política e Segurança

serviço distribuído, também conhecido por ataque DDoS, rede que pode tornar mais lentas as redes corporativas e a
quando (ibidem): Um computador mestre (“Master”) pode Internet como um todo. Quando novos worms são lançados,
ter sob seu comando até milhares de computadores zumbis eles se alastram muito rapidamente. Eles obstruem redes e
(“Zombies”). Nestes casos, as tarefas de ataque de negação provavelmente fazem com que você (e todos os outros) tenha
de serviço são distribuídas a um “exército” de máquinas de esperar um tempo maior para abrir páginas na Internet.
escravizadas. Os serviços de uso normal da população (ener- Phishing Scam são e‑mails fraudulentos que convidam os
gia, água, etc.) e do Estado: revela que uma ação hacker internautas a recadastrar dados bancários, a  confirmar
pode atingir as chamadas infraestruturas críticas de uma números de cartões, senhas, a informar outros dados confi-
região e/ou país e redundar em resultados catastróficos e denciais em falsas homepages, a instalar um novo aplicativo

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de segurança, usando para tanto de engenharia social (meio de um ataque cibernético às infraestruturas críticas, afetando
empregado para que uma pessoa repasse informações ou a soberania da nação atacada. Aliás, sobre o tema, Santos e
execute alguma ação). Para melhor entendimento, seguimos Monteiro (2010) enfatizam que: [...] a segurança global está
quanto à análise do tema. se tornando mais vulnerável e mais exposta. Essa inexorável
Analisando a Guerra Cibernética e a Inteligência Ciberné- tendência para a eficiência reduz a robustez dos sistemas,
tica através da eliminação de redundâncias (métodos de backup)
O tema da Guerra Cibernética é, portanto, bastante e degradando resistências (longevidade dos instrumentos),
abrangente. Atinge circunstâncias antes tidas apenas no resultando numa fragilidade destes, inclusive em suas enge-
mundo real, incluindo a ameaça à soberania de um país nharias, o que significa que eles estão sujeitos a desastrosas
que, a  par da tecnologia e das evoluções constantes dos falhas sistêmicas devido a ataques em pontos críticos. Falhas
mecanismos de tráfego de dados e voz, tenderia a evoluir e em cascata podem ocorrer quando vulnerabilidades indivi-
a aprimorar mecanismos protetivos. Em outras palavras, uma duais, que podem ser inócuas ou manejáveis isoladamente,
vez ocorrendo ameaça à soberania, a tendência lógica é de mas com o potencial para iniciar efeitos dominó através de
criação de mecanismos de defesa e reação, caso necessários. complexos sistemas interdependentes entre si, são atingidas.
No entanto, não é o que se observa! Da mesma forma que Por exemplo, um bem sucedido ataque ao aparato com-
os setores públicos, o setor privado também sofre os efei- putacional de um porto doméstico pode ter um impacto glo-
tos dessa guerra e da espionagem industrial, cada vez mais bal no comércio internacional, no fornecimento de energia
realizada através dos meios tecnológicos, pois é feita com e produção, devido à interdependência do sistema global de
menor risco e um custo operacional aceitável. navegação. Da mesma maneira, um ataque cibernético ao
Tido como necessário, um ou vários mecanismos de sistema de controle de tráfego aéreo colocaria não só vidas
defesa, similares aos existentes no mundo real, não se pode em risco, mas ameaçaria debilitar uma miríade de atividades
vislumbrá‑lo(s) sem uma prévia análise e/ou atitude proa- econômicas dependentes do funcionamento do transporte
tiva. E é esse o propósito de uma Inteligência cibernética, aéreo. Em uma reportagem Shanker (2010), afirma que Keith
capaz de propiciar conhecimentos necessários à defesa e Alexander, comandante escolhido por Barack Obama, para
otimização da capacidade proativa de resposta(s) em caso o Comando Cibernético das forças armadas americanas,
de uma ameaça virtual iminente/em curso. No entanto, em resposta ao Congresso daquele país, delineou o “amplo
as ameaças no mundo virtual tendem a ser mais rápidas e campo de batalha pretendido para o novo comando de
sofisticadas que as do mundo real, o que gera um tempo guerra computadorizada, e identificou a espécie de alvo que
menor de reação por parte do alvo a ser atingido. Por isso, seu novo quartel‑general poderia ser instruído a atacar”.
ações de Inteligência, baseadas em mecanismos específicos Na opinião do autor: As forças armadas estão penetrando
de hardware e software (TI), aliados ao conhecimento hu- em território incógnito, no seu esforço para defender os
mano, podem ser fundamentais à perfeita defesa e à melhor interesses nacionais e executar operações ofensivas em
reação, fazendo com que países e organizações públicas e redes de computadores [...] e os países do mundo nem
privadas posicionem‑se ou não adequadamente em relação à mesmo concordam com relação ao que constitui um ataque
sua segurança na rede (cyber security). ‘Adequadamente ou cibernético, ou quanto à resposta adequada. O Brasil recen-
não’ significa dizer que nem sempre os países e/ou empre- temente tem buscado estudar o tema, também enfocando
sas dão a real dimensão ao problema e, por consequência, sua estratégia nos órgãos militares. O Gabinete de Segurança
à resposta a ele. Os investimentos são extremamente bai- Institucional, vinculado à Presidência da República, terá um
xos, o que torna as (re)ações restritas, isso para não dizer papel fundamental, visando a análise de todo o contexto da
minúsculas. Importante referir que não há propriamente segurança virtual no Brasil, pois é o órgão de Inteligência que
distinção entre alvos civis e militares numa eventual Guerra poderá avaliar todas as circunstâncias relacionadas às redes
Cibernética, o  que exige um constante acompanhamento privadas e públicas. Alguns setores precisarão modificar ‘os
e análise dos fatores, pois as infraestruturas críticas estão papéis’ atualmente desempenhados no contexto nacional
expostas às ações, tanto no mundo real quanto no virtual. da segurança cibernética, como é o caso do Comitê Gestor
Complementando, conforme o CSS (CAVERTY, 2010), a or- da Internet (CGI.br), que como mero recebedor de informa-
dem de observação e importância para análise do tema da ções sobre os incidentes na internet brasileira, mantém‑se
segurança virtual ou cibernética pode ser caracterizada de neutro e não repassa avaliações a respeito do conteúdo dos
acordo com a potencialidade do perigo. problemas a ele relatados (ao Centro de Estudos, Resposta e
Dentro dos temas tratados, em potencialidade, estão, em Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil – CERT.br)
uma escala ascendente: 1) cibervandalismo, caracterizado 7. Assim, quais os fatores fundamentais e que devem sofrer
pelas ações hackers motivadas pelo desafio, pela brincadeira análise? O que pode auxiliar uma ação de defesa e pró‑ação
e/ou desprezo; 2) crime cibernético ou cibercrime, onde a eficaz? Quais são as principais vulnerabilidades virtuais?
motivação ultrapassa o simples desafio e acarreta algum tipo Quais as características dos códigos maliciosos distribuídos
de dano tutelado penalmente, caracterizando‑se, portanto, na web? Como funciona e o que é a ciberespionagem? Qual
em um crime; 3) ciberespionagem, que não deixa de ser ne- a quantidade de movimentação financeira clandestina no
cessariamente um crime cibernético, porém com motivações mundo virtual? Quais os métodos de detecção de ameaças?
específicas e voltadas à obtenção de segredos comerciais, E, finalmente, quem pode responder a essas questões?
industriais e governamentais, cuja detecção é sensível e de- Como visto, vários questionamentos exigem resposta e aí é
Política e Segurança

pende de vários fatores5 ; 4) ciberterrorismo, com objetivos que está o trabalho da Cyber Intelligence ou da Inteligência
também específicos de ataques virtuais às infraestruturas Cibernética. Serve ela para orientar os organismos públicos
críticas de uma região e/ou um país, capazes de ocasionar e privados no sentido de acompanhar, detectar e analisar as
um colapso nos serviços básicos afetados. Ou, no dizer de ameaças virtuais, sugerindo ações proativas e abrangentes,
Dorothy E. Denning, citado por Araújo Filho (2010), ciber- de maneira constante, onde as máximas estão na resposta
terrorismo são “operações praticadas por especialistas em e na solução rápida.
recursos informáticos e com motivações políticas, destinadas A bem da verdade, essas respostas servirão não só para
a causar graves prejuízos, como perda de vida ou grave dano orientar as medidas administrativas e preventivas, mas
econômico”; e, 5) ciberguerra, quando os objetivos vão além também para delinear os aspectos repressivos, a  cargo

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das policiais judiciárias brasileiras: Polícias Civis e Federal. brasileira não está adaptada e devidamente orientada em
Com isso, a  Inteligência Cibernética nada mais é do que relação aos problemas de segurança virtual, necessitando
um processo que leva em conta o ciberespaço, objetivando de campanhas oficiais e direcionadas aos problemas exis-
a obtenção, a  análise e a capacidade de produção de co- tentes e sua prevenção. Não diferente e preocupante são
nhecimentos baseados nas ameaças virtuais e com caráter os casos de maior complexidade e gravidade – que concei-
prospectivo, suficientes para permitir formulações, decisões tualmente podem ser tidos como crimes de alta tecnologia
e ações de defesa e resposta imediatas visando à segurança -, derivados de constante exploração de vulnerabilidades
virtual de uma empresa, organização e/ou Estado. Concluin- de sistemas e redes, públicas e privadas, mas fundamentais
do este raciocínio introdutório ao tema, os  conteúdos de ao bom andamento de serviços, essenciais ou não. Nesse
abrangência da Inteligência Cibernética são: 1. Os ataques diapasão, um estudo aprofundado e metódico de Inteligên-
às redes, públicas ou privadas, e às páginas web. 2. Análise cia, principalmente quanto aos fatos reportados e àqueles
das vulnerabilidades sobre as redes, sistemas e serviços que, por uma razão ou outra, deixaram de sê‑lo, pode dar
existentes, enfocando o entrelaçamento à teia regional, na- um direcionamento quanto às ações preventivas e reativas
cional e/ou mundial de computadores. 3. Constante análise necessárias. É  extremamente importante o trabalho que
e acompanhamento dos códigos maliciosos distribuídos na o Exército Brasileiro vem fazendo em relação ao assunto.
web, observando padrões, métodos e formas de dissemi- Porém, no Brasil existem inúmeras empresas privadas atu-
nação. 4. Enfoque na engenharia social virtual e nos efeitos ando onde o poder público não atua, ou seja, nos serviços
danosos, principalmente nas fraudes eletrônicas. 5. Mais essenciais, e o questionamento é, justamente, se existe um
especificamente, monitorar as distribuições de phishing scam controle de segurança orgânica e/ou virtual em relação a elas.
e outros códigos maliciosos (malwares), tanto por web sites Exemplo claro desta preocupação é o chamado vírus Stuxnet,
quanto por e‑mail e as demais formas de disseminação, com descoberto em junho de 2010 pela empresa bielorrussa de
atenção especial para as redes sociais e os comunicadores antivírus VirusBlokAda, sendo o primeiro worm que espiona
instantâneos de mensagens. 6. Observação e catalogamento e reprograma sistemas industriais. Ele foi especificamente
dos casos de espionagem digital, com abordagem dos casos escrito para atacar o sistema de controle industrial SCADA,
relatados e verificação dos serviços da espécie oferecidos via usado para controlar e monitorar processos industriais, ten-
internet. 7. Intenso monitoramento a respeito de adwares, do como características diferenciadoras: 1) primeiro worm
worms, rootkits, spywares, vírus e cavalos de Troia, com conhecido a ter como alvo infraestrutura industrial crítica; 2)
observância do comportamento, poliformismo, finalidade o primeiro worm de computador a incluir um rootkit de CLP;
e forma de difusão. 8. Detectar e monitorar os dados sobre 3) o alvo provável do worm foi a infraestrutura do Irã, que uti-
fraudes eletrônicas e o correspondente valor financeiro de- liza o sistema de controle da Siemens, mais especificamente
corrente das ações dos criminosos virtuais. 9. Monitoramen- as instalações nucleares iranianas; 4) além do Irã, também
to da origem externa e interna dos ataques e da distribuição teriam sido afetados pelo worm Indonésia, Índia, Estados
dos códigos maliciosos, possibilitando a demarcação de Unidos, Austrália, Inglaterra, Malásia, e Paquistão (STUXNET,
estratégias de prevenção e/ ou repressão. 10. Verificação e 2010). O case Stuxnet tornou‑se uma coerente preocupação
catalogamento das ações e dos mecanismos de hardware e aos governos e empresas de segurança. Tanto que a Kasper-
software de detecção de ameaças e de respostas imediatas sky Labs8, empresa antivírus, anunciou que o worm é “um
às ameaças virtuais. 11. Ao final, proposição de políticas de protótipo funcional e temível de uma cyber‑arma que dará
contingência para os casos de ciberterrorismo, preparando início a uma nova corrida armamentista no mundo”. Portanto,
os organismos públicos e privados em relação às ameaças há muito que ser feito. Propõe‑se apenas que o debate seja
existentes e, em ocorrendo a ação, procurando minimizar os iniciado acerca da Inteligência cibernética, incluindo todos
efeitos decorrentes por meio do retorno quase que imediato os setores encarregados e/ou que podem ser afetados pelos
das infraestruturas atingidas. Em suma, a guerra cibernética, incidentes na internet brasileira.
em seu aspecto amplo e, mais especificamente, o ciberterror-
rismo tornam‑se uma preocupação constante e que está em Terrorismo Cibernético – “Ciberterrorismo”
nosso meio, o que enseja a adoção de medidas fundamentais
e proativas de detecção e reação eficazes. No Relatório de A infraestrutura de informações está progressivamente
Criminologia Virtual de 2009, da empresa McAfee, citado por sob ataque de “cibercriminosos”. O número, o custo e a so-
Santos e Monteiro (2010), consta que “O conflito cibernético fisticação dos ataques estão crescendo a taxas alarmantes.
internacional chegou ao ponto de não ser mais apenas uma Algumas formas infligem, também, uma crescente ameaça
teoria, mas uma ameaça significativa com a qual os países às pessoas e infraestruturas nacionais críticas (SOFAER;
já estão lutando a portas fechadas”. GOODMAN, 2001). Os  grupos terroristas têm utilizado
Acredita‑se, assim, que a Inteligência Cibernética pode computadores, a fim de facilitar suas tradicionais formas de
propor soluções tanto do ponto de vista tático (em casos atuação. Hackers com motivações políticas ou religiosas – os
específicos) quanto do ponto de vista estratégico (análise chamados “hacktivistas” – são recrutados por extremistas.
macro/complexa), situações estas em que o poder público ou Nesse cenário, surge o terrorismo cibernético ou “ciberter-
as organizações privadas poderão antecipar‑se aos eventos rorismo”, modalidade de perpetrar o terror, entendida como
cibernéticos ou reagir adequadamente frente às questões ataques contra computadores e suas redes, informações ar-
detectadas, tratadas e direcionadas. Não se pode ignorar mazenadas, serviços essenciais ou infraestrutura – telecomu-
Política e Segurança

que estamos diante de problemas sérios de segurança nicações, sistema bancário, fornecimento de água e energia
virtual, principalmente em nosso país, que é desprovido de elétrica, usinas nucleares, refinarias de petróleo etc. – que
regras mais claras quanto à organização, o funcionamento impliquem pânico, mortes, acidentes, contaminação ambien-
e o controle da internet. Casos menos complexos de ata- tal ou perdas econômicas. Denúncias de uso da internet para
ques virtuais e/ou fraudes eletrônicas, embora facilmente fins ativistas pelo grupo Hamas, datam de 1996. Em 1999,
resolvidos, não são analisados conjuntamente com outras sob a bandeira de defesa dos direitos humanos, a Legion of
circunstâncias similares, o  que poderia redundar em uma the Underground (LoU) declarou uma “ciberguerra” contra
grande resposta, tanto do ponto de vista preventivo quanto a China e o Iraque (VARGAS, 2001). Uma série de ataques
repressivo. Percebe‑se, de outra parte, que a população chamados de “Cyber Jihad” foi deflagrada, entre 1999 e

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2001, por hackers palestinos, contra alvos no governo e a facilitado pela ainda incipiente capacidade de resposta dos
infraestrutura israelenses (VATIS, 2001). Especialistas confir- Estados, como parte de estratégia universal concertada.
maram que o worm W32. Blaster contribuiu para o blecaute O Brasil não é exceção. Tipicamente, as páginas‑web terro-
nos EUA e no Canadá, em 14 de agosto de 2003. Em outubro ristas apresentam história e feitos da organização; biografia
de 2006, hackers chineses “atacaram” o Bureau of Industry de líderes, fundadores e heróis; informações sobre objetivos
and Security dos EUA. O objetivo seria obter os logins dos almejados; e críticas aos opositores. De modo geral, o uso
usuários da agência, responsável pela infraestrutura de considera a internet para arrecadar fundos, recrutar adeptos,
Tecnologia da Informação (TI) do governo estadunidense. obter informações e coordenar ações. Muitas das condutas
O Brasil abriga cinco dos dez grupos de hackers mais ativos do cometidas com o uso de computadores e redes computacio-
mundo. O mais agressivo é o chamado “Silver Lords” 8, com nais surgiram em função desses objetivos, como invasão de
8 O “Silver Lords” possui, também, membros paquistaneses. sistemas e interceptação de comunicações eletrônicas sem
De acordo com a Revista Brasileira de Inteligência (Brasília: autorização judicial. Naturalmente, a  internet se constitui
Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. 47) ocorreram 1.172 invasões a ambiente ideal para organizações terroristas, em decorrên-
sites, até agosto de 2004. Segundo estatísticas do Centro de cia: do fácil acesso; da carência de legislação universalmente
Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança aceita; do pouco controle ou de crítica governamental ou
do Brasil (Cert.BR), em 2006, foram reportados 197.892 inci- de órgãos de autorregulamentação; do alcance global a
dentes de segurança no País, contra 68.000 em 2005, o que públicos‑alvo imediato e potencial; da instantaneidade da
representa um acréscimo de 191% em um ano. Até março comunicação; dos razoáveis anonimato e segurança; do baixo
de 2007, 56.296 incidentes de segurança foram registrados. custo de operação e manutenção; do ambiente multimídia;
Com a morosidade na atualização dos arcaicos dispositivos da simplicidade, entre outros fatores. A internet é espécie de
legais brasileiros e amparados pelo Princípio da Legalidade biblioteca digital, onde informações são obtidas a custo baixo
constitucional, os “cibercriminosos” permanecem atuando e podem dizer respeito a serviços de transporte, imagens de
e se aperfeiçoando tecnologicamente, semeando um campo infraestruturas críticas, horários e regras de acesso a edifícios
fértil para atos de ciberterrorismo contra a população e a públicos, aeroportos e portos; rotinas e procedimentos de
infraestrutura nacionais. segurança, inclusive contra ações terroristas. Em 2003, Dan
Verton descreveu entrevistas de organizações terroristas,
Utilização da Internet por Organizações sobretudo a al Qaeda, que operam com o auxilio de bases
Terroristas de dados com detalhes de objetivos potenciais ao redor do
mundo e se valem da internet para obter Inteligência sobre
O estudo da conexão entre terrorismo e internet – ou, tais objetivos. Com programas computacionais comerciais
conforme proposto neste ensaio, – tem sido objeto de in- ou especificamente concebidos, identificam debilidades,
teresse de acadêmicos e especialistas, dos setores privado projetam resultados desejados, avaliam impactos econômi-
e público, a partir da segunda metade da década de 90 e, cos decorrentes e resultados nos direitos civis. Desafio Legal
especialmente, após os ataques de 2001. Walter Laqueur Sob a ótica da Inteligência de Estado, as tarefas de responder
(2000) foi um desses visionários. No âmbito acadêmico, ar- a condutas criminosas envolvendo recursos computacionais
tigos têm sido produzidos, vislumbrando supostos esforços não são triviais nem teóricas e impõem desafios: Técnicos –
de organizações terroristas – sobretudo a al Qaeda – para relativos à capacidade de se identificar fatos e situações de
a aquisição de meios técnicos, destinados à realização de interesse; Legais – capazes de prover o embasamento jurí-
ataques com super‑alta tecnologia contra infraestruturas dico de resposta ao delito; e Operacionais – para assegurar
críticas ocidentais, particularmente dos EUA, por meio de capacidade a profissionais de organizações especializadas de
redes de computadores. Especialistas em áreas de Inteligên- analisar de forma célere e com abordagem estratégica a vin-
cia de Estado, inclusive no Brasil, avaliam que, atualmente, culação entre terrorismo e internet, até mesmo no exterior.
é pouco provável que a al Qaeda ou qualquer outra organiza- O acompanhamento de atividades terroristas pela internet
ção terrorista conhecida tenha capacidade de realizar ações requer que agências de Inteligência de Estado disponham
que demandem emprego de recursos de alta tecnologia. dos instrumentos legais imprescindíveis para a obtenção,
Entretanto, há concordância de que fatores críticos para a em bases racionais, de dados e conteúdo relacionados à
continuidade da al Qaeda incluem planejamento operacional interceptação, análise e avaliação de tendências de ativi-
aprimorado; ênfase no sigilo das informações; uso planejado dades terroristas e conexas a ela, com fiscalização e limites
de técnicas de comunicação e propaganda; exploração de estabelecidos, proativamente. Entretanto, não deve competir
lacunas legais, além de criatividade e inovação na utilização a essas agências executar tarefas de natureza processual, fo-
de táticas convencionais de ataque. Organizações criminosas, rense ou de polícia judiciária. O primeiro acordo multilateral
movimentos radicais e a tendência deles à violência não sobre crime cibernético foi firmado entre países europeus
representam novidade no cenário dos países. Governos têm em 23 de novembro de 2001, em Budapeste, Hungria, sem a
continuadamente buscado formas de aprimorar sua capa- participação do Brasil. O acordo é conhecido como Conven-
cidade de confrontar a ameaça. Para tanto, é fundamental ção do Conselho Europeu sobre o Cibercrime, ou Convenção
dotar organismos de segurança e de Inteligência de Estado de Budapeste. Essencialmente, esse instrumento objetiva
com treinamento e recursos legais e materiais compatíveis proteger a sociedade contra crimes na internet, por meio da
Política e Segurança

com demandas que se apresentam, respeitados competên- adoção de legislação adequada e do avanço da cooperação
cias específicas e limites estabelecidos. internacional, decorrentes da conscientização acerca das mu-
Vive‑se em uma era em que a tecnologia da informação danças do processo de comunicação digital. O acordo entrou
é parte integrante dos variados aspectos que compõem em vigor em 1º de julho de 2004, depois que cinco países
a sociedade contemporânea. A  internet é a ‘face’ mais o ratificaram, sendo três integrantes do Conselho Europeu.
conhecida do processo de globalização. As vantagens que Quarenta e sete países já ratificaram o tratado. Os EUA são o
computadores, redes computacionais e tecnologia associa- único país de fora do Conselho Europeu que o ratificou, em
da oferecem à sociedade e ao comércio também auxiliam 29 de setembro de 2006. O Japão e o Canadá o assinaram.
organizações criminosas a realizar suas atividades, o que é A uniformização da lei internacional centrada na convenção

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ainda é limitada e precisa ter a participação de maior número busca por incorporações de atores públicos e privados sobre
de países, além de sofrer adição de outras modalidades de a matéria ensejam legitimidade, eficácia e identificação de
delitos cibernéticos. Entretanto, para ser eficaz, necessita ameaças para a ação do Estado brasileiro. Adicionalmente,
ter adesão universal, no âmbito das Nações Unidas, para criam oportunidades para considerar novas contribuições,
poder potencializar suas chances de sucesso. A convenção que potencializam a capacidade de se adequar às novas mo-
estabelece o que constitui crime cibernético e permite que dalidades criminais que se apresentam nos níveis global, re-
as polícias de cada país cooperem nas investigações desses gional e sub‑regional, entre elas, a utilização da internet por
delitos, podendo até prender suspeitos de crimes cometidos organizações terroristas. Internacionalmente, o referencial
fora de seu território. Críticos do documento questionam os proporcionado pela Convenção de Budapeste é reconhecido
poderes atribuídos à polícia, que, segundo eles, poderiam como marco da tentativa de harmonização da legislação de
comprometer a preservação da liberdade na internet. Muitos combate às manifestações de crime cibernético. Apesar de
países já dispõem de legislações que permitem que organis- esse fato representar passo significativo na matéria, conside-
mos de segurança monitorem a internet, mas especialistas ra‑se que sua eficácia é diretamente proporcional à adesão
temem que esses poderes sejam ampliados nos países que que obtiver. Como principio e tradição da diplomacia do País,
adotarem o tratado. os sucessivos governos brasileiros aderem aos tratados cujo
Discute‑se no Brasil a agregação de novos paradigmas processo de elaboração considera interesses e percepções
relativos ao delito eletrônico, de forma a adequar o or- nacionais, posteriormente acordados no âmbito das Na-
denamento jurídico brasileiro para responder a essa nova ções Unidas. Assim, ao se cotejar princípios que norteiam a
modalidade de crime e a possibilitar ao País se inserir em ação governamental brasileira com a gênesis do referencial
um modelo de cooperação internacional – provavelmente, jurídico disponível, refuta‑se como pouco provável que o
a  Convenção de Budapeste  – , para prevenir e combater Brasil vincule‑se jurídica e automaticamente à Convenção
crimes cibernéticos. A  análise e o monitoramento do uso de Budapeste, sem que o País seja convidado pelo Comitê
da internet com finalidades terroristas deveria ser uma de Ministros do Conselho Europeu ou que a Convenção seja
dessas adequações. O  Legislativo brasileiro tem buscado discutida universalmente para ser legitimada. A segunda hi-
aprimorar o debate sobre o tema e incorporar contribuições pótese representaria reforço ao princípio do multilateralismo
ao substitutivo que o senador Eduardo Azeredo (PSDB‑MG) no combate ao crime cibernético, numa evidência de com-
apresentou ao Projeto de Lei nº 76/2000, em tramitação no promisso e disposição dos 192 Estados‑membros das Nações
Senado. O substitutivo define e tipifica os delitos da área de Unidas para enfrentar o problema. A utilização da Internet
informática e aglutinou três projetos de lei que já tramitavam por grupos terroristas transcende o mero uso da tecnologia
no Senado, enfocando crimes e condutas realizados median- e alcança dimensões organizacional e de transformação
te uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de redes estratégica, além de constituir método e meio capazes de
de computadores, ou que sejam praticadas contra redes de disseminar informação original desses grupos, sem inter-
computadores, dispositivos de comunicação ou sistemas pretações ou censura, de modo instantâneo e com alcance
informatizados e similares. Nesse sentido, em 10 de junho de global. Essa nova modalidade de crime terrorista depende
2008, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado da revolução da informação e da tecnologia associada e tem
aprovou a proposta do senador Eduardo Azeredo para tipifi- foco na relevância do debate livre para o funcionamento das
car e punir os crimes cometidos com o uso das tecnologias da instituições democráticas. O momento histórico, os referen-
informação. Com base nessa proposta, os novos tipos penais ciais internacionais e a disposição do Brasil em aprimorar sua
são: 1) acesso não‑autorizado a dispositivo de informação ou legislação sobre crimes cibernéticos ensejam prever tipificar
sistema informatizado; 2) obtenção, transferência ou forneci- a utilização da internet por organizações terroristas e dotar a
mento não‑autorizado de dado ou informação; 3) divulgação atividade de Inteligência de Estado com os recursos jurídicos
ou utilização indevida de informações e dados pessoais; 4) necessários para o acompanhamento analítico, estratégico e
destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia ou dado eletrô- sistemático dessas organizações. Proativamente, essa ação
nico alheiro; 5) inserção ou difusão de vírus; 6) agravamento previne a capacidade que têm as organizações terroristas
de pena para inserção ou difusão de vírus seguido de dano; de potencializar, por meio da internet, não mais apenas o
7) estelionato eletrônico; 8) atentado contra segurança de consumo de ideologias não‑democráticas, bem como de
serviço ou utilidade pública; 9) interrupção ou perturbação produzi‑las e de usar os recursos de comunicação tecnológica
de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático, como proposta de mudança de poder.
dispositivo de comunicação, rede de computadores ou sis- http://www.abin.gov.br/conteudo/uploads/2015/08/
tema informatizado; 10) falsificação de dados eletrônicos revista5.pdf
públicos; e 11) falsificação de dados eletrônicos particulares.
Não há, entretanto, provisão com o objetivo de propor- RADICALIZAÇÃO E EXTREMISMO
cionar o debate com atores públicos e privados sobre o uso
da internet com finalidade terrorista e identificar maneiras Conceito de Radicalização
possíveis de combater essa ação, nos níveis global, regional
e sub‑regional, contrariando o que dispõe a Estratégia Global O conceito de radicalização tem sido bastante discutido,
das Nações Unidas de Contraterrorismo. Também na Europa, sendo que o uso acadêmico deste termo não é uniforme (Eu-
já foram adicionados à Convenção de Budapeste, pelo Con-
Política e Segurança

ropean Commission’s Expert Group on Violent Radicalisation,


selho Europeu, três novos delitos cibernéticos: propaganda, 2008). A dificuldade em uniformizar o conceito assenta nos
recrutamento e treinamento terroristas, com a intenção de, diferentes significados que os diferentes autores e investi-
posteriormente, harmonizar o combate ao ciberterrorismo gadores atribuem ao termo (Nielsen, 2010). Verifica‑se que
no continente. O Comitê de Especialistas em Terrorismo (Co- uma dificuldade que se impõe à conceitualização uniforme
dexter, em espanhol) estuda o tema e pesquisa nos países as de radicalização, surge das diferenças entre autores, que
modificações necessárias no conjunto normativo existente, consideram que radicalização implica necessariamente um
para combater essa forma emergente de crime. Considera- comportamento violento, dos que consideram a radicalização
ções Finais O continuado interesse no aprimoramento da como a aceitação de ideias que justificam o uso de violên-
legislação brasileira sobre o tema dos delitos digitais e a cia. Há ainda diferenças entre autores que consideram a

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radicalização como um processo individual e outros que o em ações violentas repetitivas, calculadas e direcionadas,
vêm como um fenômeno coletivo (European Commission’s sem restrições legais ou morais, cujos alvos são maiorita-
Expert Group on Violent Radicalisation, 2008). riamente civis, escolhidos ao acaso ou selecionadas de uma
Uma definição do âmbito acadêmico que consideramos população alvo e servem como geradores de uma mensa-
bastante esclarecedora é a de Ashour (2009, cit. in Kron- gem direcionada ao alvo principal. São utilizados processos
feld, 2012) que considera a radicalização violenta como um de comunicação assentes em ameaças e violência, entre a
processo de mudança ao nível individual ou grupal, em que organização terrorista, as vítimas e os alvos principais, com
ocorre uma transformação ideológica ou comportamental, o intuito de manipular o alvo principal. Esta prática procura
que leva a que princípios democráticos sejam rejeitados e alcançar os seus objetivos através dos efeitos psicológicos e
à possibilidade de se fazer uso de violência. United States de propaganda que lhe estão subjacentes.
Institute of Peace (2010) acrescenta ainda dois aspectos da
radicalização, o  cognitivo e o comportamental. A  radicali- Unesco faz pesquisa sobre papel das redes sociais na
zação cognitiva caracteriza‑se, pelo processo que conduz o radicalização de jovens (02/01/2018)
indivíduo, à adopção de ideias que estão severamente em Agência da ONU conclui que plataformas não causam
desacordo com as da maioria, à refutação da legitimidade da comportamentos violentos, mas sim facilitam processos de
ordem social existente e à procura da sua substituição por radicalização; extremistas utilizam internet para divulgar
uma nova estrutura, baseada esta, numa crença completa- conteúdo e manter contato com público jovem.
mente diferente. É quando o indivíduo recorre à violência Leda Letra, da ONU News em Nova Iorque.
como forma de acentuar o seu ponto de vista resultante da Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas para
radicalização cognitiva que a radicalização se torna com- Educação, Ciência e Cultura, Unesco, concluiu que extremis-
portamental. tas violentos utilizam a internet para atrair pessoas, divulgar
Tal como no âmbito acadêmico, também ao nível do conteúdo e manter um diálogo com jovens.
contraterrorismo se tem verificado uma dificuldade na uni- De acordo com a agência, a internet e as redes sociais
formização do conceito de radicalização. não iniciam comportamentos violentos, mas “facilitam pro-
A Comissão Europeia tem desenvolvido inúmeros esfor- cessos de radicalização”. A meta do estudo era responder
ços com o intuito de possibilitar uma maior compreensão a pergunta: “A mídia social leva indivíduos vulneráveis a
do fenômeno de radicalização, de modo a que se possam recorrer à violência?”
desenvolver estratégias e medidas que, em sociedades
democráticas, previnam que a violência seja percepcionada Fatores sociais
como uma alternativa viável por parte dos radicais. Segundo
a Comissão Europeia, a  radicalização pode ser entendida Os autores do estudo concluíram que a radicalização
como um processo não linear que envolve uma complexa violenta deve ser vista no contexto de outras plataformas de
interação de fatores que não conduzem necessariamente comunicação e de fatores sociais, incluindo motivos políticos,
à violência. Este processo caracteriza‑se por ser gradual sociais, culturais, econômicos e psicológicos.
e por ser um desenvolvimento individual que é iniciado A Unesco avaliou mais de 550 estudos em árabe, inglês
por uma combinação única de fatores causais (European e francês sobre extremismo violento nas redes sociais.
Commission, 2008a). Por sua vez a radicalização violenta, A agência concluiu também que essas plataformas são uti-
de acordo com a Comissão Europeia, é  “o fenómeno em lizadas para causar medo entre os internautas e polarizar
virtude do qual as pessoas aderem a opiniões, pontos de sociedades.
vista e ideias susceptíveis de levar à prática de atos terroristas
tal como definidos no artigo 1º da Decisão‑Quadro relativa Mídia
à luta contra o terrorismo.” (Commission of the European
Communities, 2005, p. 2). A definição da Comissão Europeia Tentativas de combater o uso das redes sociais não são
inclui qualquer comportamento ou expressão ideológica, eficazes, de acordo com a Unesco, e podem “prejudicar as
que potencialmente podem resultar no terrorismo, incluindo liberdades de informação e de expressão, a privacidade e o
incitamento, distribuição de material radical, recrutamento direito à associação”.
e indultar os outros por terem opiniões radicais (European Os autores do estudo recomendam que os governos
Commission, 2008a). Por fim, importa salientar que a defi- reconheçam o papel das mulheres como atores e alvo da
nição de radicalização não se pode restringir a um formato radicalização online. Outra recomendação é para que redes
ideológico, possibilitando reconhecer a radicalização como de notícias evitem divulgar “estereótipos, notícias falsas
um processo (Lentini, 2008, cit. in Barrelle, 2010) que pode le- e a criação de ‘pânicos da mídia’, além de ressaltarem a
var a múltiplos resultados, sendo o terrorismo um dos piores. importância da ética face à radicalização de jovens para o
Existem várias razões, não só teóricas, mas também prá- extremismo violento”.
ticas para definir terrorismo. Muitos autores, investigadores
e até mesmo organizações internacionais têm procurado A Verdadeira Era dos Extremos
definir o termo, contudo, ainda não foi possível chegar a 16 de novembro de 2015
um consenso (European Commission, 2008b). Apesar das
várias definições serem importantes na medida em que Os ataques perpetrados na França no dia 13 de novembro
Política e Segurança

desempenham um papel particular nas diversas áreas, de 2015 são o reflexo de um cenário global cada vez mais
como a acadêmica, estratégica e legal, permitindo focar tenso e assimétrico, onde o extremismo se expande entre a
diversos problemas das respectivas áreas (Stern, 1999, cit. anomia crescente dos atores internacionais e o desequilibro
in European Commission, 2008b) é importante que se che- no panorama mundial. Nesse cenário anárquico, desestabi-
gue a um consenso acerca da conceitualização dos termos, lizado e tenso, o extremismo trilha seu caminho e se con-
especialmente ao nível da ação contra o terrorismo. Ao nível solida como player na balança de equilíbrio mundial, sendo
da área acadêmica, têm surgido inúmeras definições de terro- necessário conhecer todas as suas faces e suas dimensões.
rismo. De acordo com Schmidt (2011, cit. in Kronfeld, 2011), O extremismo pode ser religioso, étnico‑cultural, po-
o terrorismo é um método assente no medo, que consiste lítico, econômico e ideológico. E  representa a polarização

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dos diferentes atores nas diversas dimensões que moldam psicológico que envolve ideais e valores positivos, como
o contexto político nacional e internacional apresentando busca por justiça, significância, honra, liberdade e orgulho
diferentes níveis, que vão desde fundamentalistas religiosos também. Ideologias violentas como o jihadismo utilizam de
à políticos extremistas de países avançados ou emergentes. maneira hábil esperanças, ideais, valores, aspirações, metas
Vivemos a verdadeira Era dos Extremos, mas a diferença pessoas assim como frustrações e experiências negativas e
do extremismo apresentado por  Eric Hobsbawm  em sua as transforma em ativismo violento. Essa maioria de jovens
obra. O cenário atual não se define mais pelo maniqueísmo e adolescentes acreditam que estão fazendo a coisa certa.
ou dualismo da Guerra Fria, nem pela tensão entre dois Precisamos colocar mais esforço na intervenção antecipada,
atores e sua visão de mundo, mas pela existência de várias na desradicalização e na prevenção.
concepções da realidade que colidem entre elas, onde cada Nós precisamos dar às famílias, que são nossa primeira
pessoa e ator é dono de sua verdade e que se aferra a mesma linha de defesa, muito mais apoio de especialistas treinados,
para sobreviver ao mundo globalizado. com muito mais recursos. É claro que racismo, alienação e
Já não existe uma hegemonia definida e um caminho desigualdade são o primeiro terreno fértil para o floresci-
a ser seguido, pois não existe uma ou duas potências iso- mento da radicalização. Mas precisamos ser cautelosos em
ladas – como era o caso dos EUA e da URSS – para guiar as interpretar de maneira equivocada ao acreditar que alguém
demais nações. que tem um emprego e uma identidade não pode se tornar
Não existe um modelo econômico estabelecido, pois violento.
grandes players como a China reúnem características de Mais polícia, mais vigilância, mais controle, etc. Isso se
dois modelos antes opostos – capitalismo e comunismo – e chama “repressão à ameaça presente”. Mas aumentar a
a inserção de novos países no cenário econômico diversificou pressão no meio social radical sem métodos adicionais de
o mercado. intervenção pode ser ainda mais perigoso. É como aumentar
A linha que define o que é democracia, autocracia e a pressão em uma chaleira sem ter a válvula de escape. Ela vai
oligarquia é cada vez mais difusa assim como o posiciona- explodir. Além da repressão, nós precisamos de prevenção,
mento político e ideológico dos autores e dos formuladores de programas de intervenção muito mais especializados e
políticos. bem planejados. A França está muito atrasada e começou
Os órgãos supranacionais não conseguiram consolidar de maneira muito modesta construindo seus programas
seu papel no equilíbrio de forças seja pela conduta dos Es- de intervenção, como o serviço telefônico emergencial de
tados ou pelo crescente institucionalismo que enfraqueceu aconselhamento de famílias. Esses programas são muito
essas organizações devido a coexistência de órgãos seme- importantes para reconhecer indícios da radicalização em seu
lhantes, mas que defendem visões diferentes. início, para depois intervir. Muito dos agressores na França,
Vivemos uma época onde a multipolaridade gera o hoje e no passado, eram conhecidos pelas autoridades.
constante atrito entre as diversas visões de mundo o que O problema é que muçulmanos em geral vão se sentir
aumenta perceptivelmente as tensões e a anarquia existente
muito mais visados, o que cria ainda mais alienação e frustra-
entre os Estados havendo reflexos em todo o sistema e em
ção. Esse mecanismo é um dos objetivos centrais de qualquer
todas as escalas.
forma de terrorismo – produzir uma reação exagerada vinda
Mesmo que a palavra extremismo seja hoje usada como
do lado do inimigo e, a partir disso, ganhar mais apoio de
sinônimo de  terrorismo  é necessário compreender as di-
seu grupo étnico ou religioso.
mensões e escalas intrínsecas da mesma e não confundir a
mesma com o fundamentalismo. Entre os processos de radicalização já comentados,
O extremismo não deriva da diversidade de opiniões – deve‑se destacar o papel das “Fake News” e o fenômeno da
sempre necessária para a consolidação da democracia – mas pós‑verdade na mídia mundial, sobretudo via web. Indire-
da falta de diálogo entre os implicados e do posicionamento tamente, os mecanismos de busca na Internet (Google, Bing
exacerbado. etc.) e as redes sociais, como o Facebook, trazem algoritmos
A falta de compreensão de cada evento, revela essa que fazem retornar resultados de busca e contatos entre
crescente radicalização de assuntos que permeiam todas as pessoas que possam estar alinhados com determinados
dimensões da sociedade e se retroalimenta na formulação comportamentos do internauta na sua “vida on‑line”. É as-
política. sim que a integração mundial pela rede de computadores
As pessoas são donas de sua verdade e de sua realidade traz uma forte influência cibernética para a radicalização e
e não estão abertas ao diálogo, essa falta de intercâmbio o extremismo.
cimenta as crenças e o extremismo cresce em ambos os
lados dificultando ou impossibilitando o diálogo intercultural FATOS HISTÓRICOS IMPORTANTES DO
e inter‑religioso. Sendo necessário compreender a essência CRIME ORGANIZADO NO BRASIL NA NOVA
do extremismo para não instaurar um sistema que seja ex-
tremista por temor a ser invadido por outro… REPÚBLICA
https://nemrisp.wordpress.com/tag /extremis-
mo‑no‑brasil/ Nova República

Processos de Radicalização A Nova República é um período da História do Brasil


Política e Segurança

que tem início com o final da Ditadura Militar (1985) até os


Os processos de radicalização violenta têm raízes em dias de hoje. Ou seja, este período começa com a saída do
diferentes aspectos. Claro que alienação e desigualdade general Figueiredo da presidência do Brasil e a entrada de
têm um papel, mas não são exclusivos. Muitas pessoas que um civil no cargo, José Sarney. Esta fase da História do Brasil
vem de boas e intactas famílias, com empregos, perspecti- também é conhecida como Sexta República.
vas e muito bem integrados se radicalizaram e foram para O nome faz referência ao nascimento de um novo
Síria ou para o Iraque. Isso não é incomum. Nós precisamos período democrático, em oposição ao antigo governo que
começar a entender a radicalização não é um tipo de do- representava a censura, falta de democracia e repressão aos
ença ou problema de pobres e excluídos. É  um processo movimentos sociais.

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Crime Organizado as mais violentas organizações criminosas do país, podendo
ser assim elencadas:
Segundo Sérgio Etchegoyen, “o crime organizado é a • Falange Vermelha  – formada no Presídio de Ilha
maior ameaça que a sociedade brasileira enfrenta neste Grande, por chefes de quadrilhas especializadas em
momento. O fato se refere não apenas ao tráfico de drogas, roubos a bancos. Na realidade, a denominada Falange
mas também ao comércio ilegal de armas, à  lavagem de Vermelha nada mais era que um grupo de criminosos
dinheiro e ao tráfico de pessoas e bens naturais.” de roubo que atuavam em conjunto sob um mesmo
A integração de órgãos no Plano Nacional de Segurança “código de ética”. Segundo Simone Bastos (VELOSO,
e o cuidado com as fronteiras estão entre as principais pre- 2003, p. 1), o processo de formação da Falange “foi
ocupações para se garantir a segurança em centros urbanos desencadeado na prisão de segurança máxima de
como o Rio de Janeiro. Ilha Grande durante os anos da ditadura, quando os
Os centros econômicos e de poder do nosso país são guerrilheiros da luta armada misturam‑se por quatro
muito afastados das fronteiras, mas a crise de segurança no anos com presos comuns aqueles que praticavam o
Rio de Janeiro é causada pelo que acontece nas fronteiras. crime do furto e do roubo”.
Mesmo países ricos como os Estados Unidos têm di- • Comando Vermelho – formado no Presídio de Bangu 1
ficuldade em impedir a entrada de contrabando em suas era composto por líderes do Tráfico de Entorpecentes.
fronteiras. É preciso um trabalho de cooperação do Brasil Na realidade, o Comando Vermelho nada mais é que
com vizinhos como o Paraguai, a Colômbia e o Peru. uma versão da Falange Vermelha, mas com dedicação
exclusiva ao tráfico de entorpecentes, inclusive tendo
Caracterização do Crime Organizado como alguns de seus membros e fundadores os mes-
mos que fundaram a Falange Vermelha. Inicialmente,
Uma definição de organização criminosa em se tratado o Comando Vermelho tinha nas suas ações para com
do Estado Brasileiro deveria passar pela avaliação de quais a comunidade dos morros conotações próprias dos
ideais socialistas, todavia isso não significa neces-
atividades podem ser aqui executadas sem maiores proble-
sariamente que os criminosos deste grupo tenham
mas por parte dessas organizações, ou seja, passaria por
aprendido essas lições nas prisões brasileiras, vez que
uma avaliação de todo o sistema penal e processual penal
o pai de um dos seus fundadores, o Escadinha, era um
brasileiro, permitindo a verificação das lacunas legais. Ou-
chileno, fugitivo da ditadura de Pinochet e profundo
tros sistemas que devem ser avaliados são o econômico e o
conhecedor dos ideais socialistas. Atualmente, essa
político, já que são eles os responsáveis pela abertura cada
não é mais a realidade, a geração de criminosos que
vez maior do país para a entrada e saída de capitais.
assaltava bancos para fazer mutirão em suas comuni-
Em cada país as facções do crime organizado tem como
dades não mais existe, foi suprimida por uma geração
costume receber um nome próprio.
violenta que cresceu achando que violência social é
Como podemos ver costuma‑se chamar de Máfia (apor-
sinônimo de liberdade, paz e justiça. Vale ressaltar que
tuguesação do italiano maffia) ao crime organizado italiano e
dentro do Comando Vermelho existe uma subdivisão
ítalo‑americano; Tríade ao chinês; Yakuza ao japonês; Cartel
que recebe o nome de Comando Vermelho Jovem e
ao colombiano e mexicano e Bratva ao russo e ucraniano é responsável pelas ações mais violentas executadas
e no Brasil os chamados Comandos tendo duas principais pelo Crime Organizado no Rio de Janeiro. Ao que cons-
facções o CV (Comando Vermelho) e PCC (Primeiro Comando ta, os componentes desta subdivisão são totalmente
da Capital). irresponsáveis e inconsequentes, usam a filosofia do
“Tais organizações possuem características especiais terror. É com certeza composto por aquela parcela da
como, por exemplo, um sistema normativo infracultural, população que gerada sob o signo da violência desco-
que privilegia valores específicos e determinados estilos de nhecem outra linguagem senão aquela.
comportamento (honra, amizade, solidariedade, Omerta e a • Terceiro Comando – foi idealizado também no Presí-
violência como instrumento para ascender socialmente) que dio de Bangu 1, sendo uma dissidência do Comando
apresentam, como maior risco, a possibilidade de infiltração Vermelho, tinha por integrantes presos que não
no sistema politico‑administrativo”. (MONTOYA, 2007). concordavam com a prática de crimes comuns nas
Uma das características desse fenômeno social e que áreas de atuação da organização. Esta facção teve seu
esses grupos, sempre enfrentarão, além do combate das momento de ascensão em 13 de junho de 1994, com
forcas policiais de sua região de atuação, a oposição de outras a morte do chefe do tráfico no Complexo do Alemão,
facções ilegais. Para manter suas ações ilícitas, os membros quando surgiu uma outra facção criminosa com a qual
de organizações criminosas armam‑se pesadamente, logo se se aliou, qual seja a ADA – Amigos dos Amigos. Até
pode dizer que as armas – e os assassinatos – entre outras são onde se sabe, o TC comanda 34 favelas ou complexos,
o sustentáculo do crime organizado. Entretanto, os maiores embora represente um número pequeno das favelas
instrumentos e não menos fascinante das organizações cri- cariocas, as favelas por ele comandadas são bastante
minosas e a ocultação de informações sobre suas atividades. representativas (leia‑se: lucrativas).
Para tanto, elas contam com destruições de provas, su- • PCC – Primeiro Comando da Capital – foi fundado no
bornos, falhas nos sistemas de segurança etc., Nesse sentido, dia 31 de agosto de 1993 (LIMA, 2003, p. 1), no interior
suas ações se assemelham, em parte aos processos revolu-
Política e Segurança

do Presídio de Segurança Máxima anexo à Casa de


cionários subversivos sendo que completamente desprovido Custódia e Tratamento de Taubaté, tendo por objetivo
das nobres ideais de combate a miséria a construção de um patrocinar rebeliões e resgates de presos em diversos
mundo melhor, no crime organizado a  maior importância Estados brasileiros, todavia com o passar dos anos
decorre do poder social e do poder aquisitivo. tiveram esses objetivos distorcidos e passaram a atuar
também em roubos a bancos e a carros de transporte
Fatos Históricos Importantes de valores, extorsões de familiares de presos, extorsão
mediante sequestro e tráfico ilícito de entorpecentes
Nas décadas de 1970, 1980 e meados da década de com conexões internacionais (SILVA, 2003, p. 26; LIMA,
1990, surgiram nas prisões do Rio de Janeiro e de São Paulo 2003, p. 1).

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• Seita Satânica – foi criada em 1994 na Casa de Deten- a fome, o desemprego, a falta de Educação, de habitação,
ção de São Paulo e tem por objetivos curar drogados, etc., ou seja, onde não são efetivadas as garantias mínimas
resolver problemas financeiros, processuais, familiares para uma vida digna, o Crime Organizado surge como uma
e de saúde e apoiar os presos que ficam sem auxílio. opção de vida, vez que oferece, mesmo que por meios ilícitos,
Um de seus fundamentos é de que uma vez em liber- a possibilidade de uma vida mais digna e humana. O Crime
dade o indivíduo tem por obrigação libertar o ser pai Organizado alcançou tão grandes proporções porque ocupou
espiritual da cadeia. Posteriormente foi feito um pacto perante a população mais carente um lugar que deveria,
de auxílio entre o PCC e a Seita Satânica no anexo da antes, ter sido ocupado pelo Estado, sendo que perante
Penitenciária de Avaré, no interior de São Paulo (LIMA, a parcela da população mais abastada surgiu como forma
2003, p. 1). de aumentar ainda mais suas riquezas e seu poder. Tal é a
• CDL  – Comando Democrático pela Liberdade  – nas- realidade que há quem diga que o Crime Organizado é tal
ceu em 1996 na Penitenciária Estadual Dr. Luciano como um câncer no seio da sociedade, vez que corrompe
de Campos em Avaré/SP, com o propósito originário todos os seus segmentos em todas as esferas de poder. Res-
de lutar pelos direitos dos presos junto as autoridade saltando que, de acordo com a Polícia Federal, o tráfico de
administrativas do sistema prisional brasileiro; parla- entorpecentes constitui‑se na mais preocupante modalidade
mentar possibilidades reais de trazer para os presídios de Crime Organizado, conforme dados citados por Oliveira
empresas jurídicas com trabalhos para os sentencia- (2004, p. 38). Neste sentido cumpre dizer que o tráfico ilícito
dos; descobrir, produzir e lançar para o Brasil infinitos de entorpecentes tem diversas etapas e atividades que vão
talentos artísticos existentes no submundo prisional desde a produção até o consumo da droga. Segundo Oliveira
brasileiro; promover o assessoramento jurídico de (2004, p. 40), as organizações que traficam cocaína mantém
todos; impedir qualquer opressão do preso contra seu o controle de todas as etapas, salvo o caso das organizações
igual; todo membro do CDL na prisão deve exercer o menores que preferem se associar a uma de maior porte no
seu direito individual da fuga (LIMA, 2003, p. 2). Esta momento da distribuição da droga. Vale dizer, ainda que no
é uma das facções rivais do PCC. Brasil as drogas mais traficadas e consumidas são a maconha
• CRBC – Comando Revolucionário Brasileiro da Crimina- e a cocaína, segundo dados da Polícia Federal (cit. OLIVEIRA,
lidade – a facção surgiu em 1999, agindo basicamente 2004, p. 40). No que se refere a criminalidade organizada de
em Guarulhos, como uma dissidência do PCC. Assim um modo geral, um fato interessante pode ser notado nos
como aquele possui um Estatuto, todavia este Estatu- últimos tempos, é  a terceirização de algumas atividades
to tem por particularidade determinar que sejam 12 pelas grandes organizações criminosas, tal situação pôde
arrecadas mensalidades de seus integrantes, que têm recentemente ser observada em um assalto a bando ocorrido
por objetivo financiar o resgate de seus comandados no município de São Miguel do Araguaia, em Goiás, onde
das prisões brasileiras (LIMA, 2003, p.2). Afirma‑se várias agências bancárias foram assaltadas simultaneamente
(LIMA, 2003, p.1) que para desarticular o grupo Falange de modo a confundir e dificultar a ação da polícia. Uma vez
Vermelha, o primeiro grupo Organizado originado nas descoberto os assaltantes, ficou comprovado que as armas,
carceragens brasileiras, foram realizadas transferências de uso restrito, utilizadas no assalto não estavam em poder
de seus lideres para outras penitenciárias, o que fez dos assaltantes, mas sim teriam sido “alugadas” para aquele
com que as lideranças fossem espalhadas de forma a fim. Outra modalidade de Crime Organizado muito em voga
tomar conta de todo o Sistema Prisional. Um fato é que nos últimos tempos é o Tráfico de Animais Silvestres e o
toda essa disseminação só foi possível diante da mais Comércio irregular de Madeiras nobres da região amazônica
completa falta de políticas penitenciárias adequadas e da mata atlântica. O destino destes recursos naturais bra-
e que possibilitassem a reabilitação dos presos, na sileiros são os mercados norte‑americano e europeu, o que
verdade a política penitenciária até então praticada dá uma conotação transnacional a esta modalidade de Crime
ofereceu condições favoráveis a instalação e cresci- Organizado (SILVA, 2003, p. 26/27). Cabe ressaltar, também,
mento das facções criminosas organizadas dentro das a importância da corrupção para a manutenção, evolução
prisões, e pior, favoreceu que houvesse ramificações e disseminação do Crime Organizado no Brasil. Segundo
fora dos presídios, que constituem verdadeiros braços consta, a corrupção contumaz de agentes públicos e políticos
armados dessas organizações. brasileiros gera uma outra modalidade de crime organizado,
que consiste no desvio de vultuosas quantias de dinheiro dos
Evolução do Crime Organizado no Brasil cofres públicos para contas particulares abertas em paraísos
fiscais localizados no exterior (SILVA, 2003, p. 27).
O Crime Organizado no Brasil, nos moldes atuais, teve a Diante do exposto, vale destacar o ensinamento de Luiz
seguinte evolução: inicialmente, constituía‑se no Tráfico de Flávio Gomes (op. cit. JESUS, 2004, p. 03), segundo o qual
Drogas (maconha e cocaína) e no assalto a bancos; poste- não existe nenhuma facção do Crime Organizado brasileiro
riormente surgiram novas drogas no cenário nacional e hoje que tenha conotação a nível internacional, o que não sig-
são comercializadas tanto a maconha e a cocaína, como o nifica que não exista Crime Organizado no país, muito pelo
haxixe, a heroína, o LSD, o êxtase e o crack, ressaltando que contrário, existe sim e se propaga de forma impressionante.
a quantidade da droga também aumentou. Com o passar dos Embora não haja no Brasil uma facção do Crime Organizado
anos a segurança nos estabelecimentos bancários melhorou com atuação internacional, existem diversas organizações
e o foco do crime organizado passou a ser o Roubo de Cargas. criminosas internacionais que atuam no país, ocultadas pelas
Política e Segurança

Segundo Simone Bastos (VELOSO, 2003, p.1), esposa de um dificuldades de investigação e pelas lacunas legislativas que
dos fundadores do Comando Vermelho, até início de 1985 fazem do país um excelente local de refúgio e atuação para
nos morros cariocas só se encontrava maconha, mas foi a essas organizações. Tal incidência aumentou ainda mais nos
partir do verão daquele mesmo ano que os morros foram in- últimos tempos, quando a repressão ao Crime Organizado,
vadidos por uma nova droga, a cocaína. A evolução contínua em especial ao Tráfico de Drogas, efetivada nos países vizi-
do Crime Organizado se deve a mais completa ausência de nhos com o apoio dos Estados Unidos, ocasionou a instala-
políticas de controle da criminalidade, associado a miséria ção de pequenos laboratórios no Brasil com a finalidade de
em que vive boa parte da população brasileira. Em um país misturar a droga a outros produtos químicos, além é claro
onde a distribuição de renda é tão desigual, onde impera das facilidades de escoamento da“produção”.

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Busca Informatizada Vestcon ou exploração das indústrias ou das atividades referidas
neste artigo.
LEI Nº 6.634, DE 2 DE MAIO DE 1979 Art. 4º As autoridades, entidades e serventuários públi-
cos exigirão prova do assentimento prévio do Conselho de
Dispõe sobre a Faixa de Fron‑ Segurança Nacional para prática de qualquer ato regulado
teira, altera o Decreto‑lei nº 1.135, por esta lei.
de 3 de dezembro de 1970, e dá Parágrafo único. Os tabeliães e Oficiais do Registro de
outras providências. Imóveis, bem como os servidores das Juntas Comerciais,
quando não derem fiel cumprimento ao disposto neste
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congres- artigo, estarão sujeitos à multa de até 10% (dez por cento)
so Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: sobre o valor do negócio irregularmente realizado, indepen-
Art.  1º É considerada área indispensável à Segurança dentemente das sanções civis e penais cabíveis.
Nacional a faixa interna de 150 Km (cento e cinquenta quilô- Art. 5º As Juntas Comerciais não poderão arquivar ou
metros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do ter- registrar contrato social, estatuto ou ato constitutivo de
ritório nacional, que será designada como Faixa de Fronteira. sociedade, bem como suas eventuais alterações, quando
Art. 2º Salvo com o assentimento prévio do Conselho contrariarem o disposto nesta Lei.
de Segurança Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, Art. 6º Os atos previstos no artigo 2º, quando praticados
a prática dos atos referentes a: sem o prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacio-
I  – alienação e concessão de terras públicas, abertura nal, serão nulos de pleno direito e sujeitarão os responsáveis
de vias de transporte e instalação de meios de comunicação à multa de até 20% (vinte por cento) do valor declarado do
destinados à exploração de serviços de radiodifusão de sons negócio irregularmente realizado.
ou radiodifusão de sons e imagens; Art.  7º Competirá à Secretária‑Geral do Conselho de
II  – Construção de pontes, estradas internacionais e Segurança Nacional solicitar, dos órgãos competentes,
campos de pouso; a instauração de inquérito destinado a apurar as infrações
III  – estabelecimento ou exploração de indústrias que às disposições desta Lei.
interessem à Segurança Nacional, assim relacionadas em Art. 8º A alienação e a concessão de terras públicas, na
decreto do Poder Executivo; faixa de Fronteira, não poderão exceder de 3000 ha (três
IV – instalação de empresas que se dedicarem às seguin- mil hectares), sendo consideradas como uma só unidade
tes atividades: as alienações e concessões feitas a pessoas jurídicas que
a) pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de tenham administradores, ou detentores da maioria do
recursos minerais, salvo aqueles de imediata aplicação na capital comuns.
construção civil, assim classificados no Código de Mineração; § 1º O Presidente da República, ouvido o Conselho de
b) colonização e loteamento rurais; Segurança Nacional e mediante prévia autorização do Senado
V – transações com imóvel rural, que impliquem a obten- Federal, poderá autorizar a alienação e a concessão de terras
ção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer públicas acima do limite estabelecido neste artigo, desde que
direito real sobre o imóvel; haja manifesto interesse para a economia regional.
VI – participação, a qualquer título, de estrangeiro, pes- §  2º A alienação e a concessão de terrenos urbanos
soa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular reger‑se‑ão por legislação específica.
de direito real sobre imóvel rural; Art. 9º Toda vez que existir interesse para a Segurança Na-
§ 1º O assentimento prévio, a modificação ou a cassação cional, a união poderá concorrer com o custo, ou parte deste,
das concessões ou autorizações serão formalizados em ato para a construção de obras públicas a cargo dos Municípios
da Secretária‑Geral do Conselho de Segurança Nacional,
total ou parcialmente abrangidos pela Faixa de Fronteira.
em cada caso.
§  1º (Revogado pela Medida Provisória nº 2.216-37,
§ 2º Se o ato da Secretária‑Geral do Conselho de Segu-
de 2001)
rança Nacional for denegatório ou implicar modificação ou
§ 2º Os recursos serão repassados diretamente às Pre-
cassação de atos anteriores, da decisão caberá recurso ao
feituras Municipais, mediante a apresentação de projetos
Presidente da República.
§ 3º Os pedidos de assentimento prévio serão instruí- específicos.
dos com o parecer do órgão federal controlador da atividade, Art. 10. Anualmente, o Desembargador – Corregedor da
observada a legislação pertinente em cada caso. Justiça Estadual, ou magistrado por ele indicado, realizará
§ 4º Excetua‑se do disposto no inciso V, a hipótese de correção nos livros dos Tabeliães e Oficiais do Registro de
constituição de direito real de garantia em favor de institui- Imóveis, nas comarcas dos respectivos Estados que possuí-
ção financeira, bem como a de recebimento de imóvel em rem municípios abrangidos pelo Faixa de Fronteira, para ve-
liquidação de empréstimo de que trata o inciso II do art. 35 rificar o cumprimento desta Lei, determinando, de imediato,
da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. (Incluído pela as providências que forem necessárias.
Lei nº 13.097, de 2015) Parágrafo único. Nos Territórios Federais, a  correção
Art.  3º Na faixa de Fronteira, as  empresas que se de- prevista neste artigo será realizada pelo Desembargador –
dicarem às indústrias ou atividades previstas nos itens III Corregedor da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Art.  11. O  §  3º do artigo 6º do  Decreto‑Lei nº 1.135,
Política e Segurança

e IV do artigo 2º deverão, obrigatoriamente, satisfazer às


seguintes condições: de 3 de dezembro de 1970, passa a vigorar com a seguinte
I – pelo menos 51% (cinquenta e um por cento) do capital redação:
pertencer a brasileiros;
II – pelo menos 2/3 (dois terços) de trabalhadores serem “Art. 6º ......................................................................
brasileiros; e ...................................................................................
III  – caber a administração ou gerência a maioria de § 3º Caberá recurso ao Presidente da República dos
brasileiros, assegurados a estes os poderes predominantes. atos de que trata o parágrafo anterior, quando forem
Parágrafo único. No caso de pessoa física ou empresa denegatórios ou implicarem a modificação ou cassa-
individual, só a brasileiro será permitido o estabelecimento ção de atos já praticados.”

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Art. 12. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publica- CAPÍTULO II
ção, revogadas a Lei nº 2.597, de 12 de setembro de 1955, Da Alienação e Concessão de Terras Públicas
e demais disposições em contrário.
Art. 5º Para a alienação e a concessão de terras públicas
Brasília, 2 de maio de 1979; 158º da Independência e na Faixa de Fronteira, o processo terá início no instituto Na-
91º da República. cional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Art. 6º As empresas que desejarem adquirir terras públi-
JOÃO B. DE FIGUEIREDO cas na Faixa de Fronteira deverão instruir seus pedidos com a
Petrônio Portela cópia do estatuto ao contrato social e respectivas alterações
Danilo Venturini além de outros documentos exigidos pela legislação agrária
específica.
DECRETO Nº 85.064, DE 26 DE AGOSTO Art. 7º Os processos para a alienação ou concessão de
terras públicas na Faixa de Fronteira serão remetidos pelo
DE 1980 INCRA à SG/CSN, com o respectivo parecer, sendo restituídos
aquela autarquia após apreciados.
Regulamenta a Lei nº 6.634,
de 2 de maio de 1979, que dispõe CAPÍTULO III
sobre a Faixa de Fronteira. Dos Serviços de Radiodifusão
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: no uso da atribuição que Art. 8º Para a execução dos serviços de radiodifusão de
lhe confere o art. 81, item III, da Constituição, sons e radiodifusão de sons e imagens, na Faixa de Fronteira,
DECRETA: serão observadas as prescrições gerais da legislação específi-
ca de radiodifusão e o processo terá início no Departamento
CAPÍTULO I Nacional de Telecomunicações (DENTEL).
Disposições Preliminares Art.  9º O assentimento prévio do CSN, para a instala-
ção de meios de comunicação destinados à exploração de
Art.  1º Este regulamento estabelece procedimentos a serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão de sons e
serem seguidos para a prática de atos que necessitem de imagens, será necessário apenas na hipótese de as estações
assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional geradoras se localizarem dentro da Faixa de Fronteira.
(CSN), na Faixa de Fronteira, considerada área indispensável à Art.  10. Na hipótese do artigo anterior, as  empresas
segurança nacional e definida pela Lei nº 6.634, de 2 de maio deverão fazer constar expressamente de seus estatutos ou
de 1979, como a faixa interna de cento e cinquenta (150) contratos sociais que:
quilômetros de largura, paralela à linha divisória terrestre I – O capital social, na sua totalidade, pertencerá sempre
do território nacional. a pessoas físicas brasileiras;
Art. 2º O assentimento prévio será formalizado, em cada II – O quadro do pessoal será sempre constituído, ao me-
caso, em ato da Secretária‑Geral do Conselho de Segurança nos, de dois terços (2/3) de trabalhadores brasileiros;
Nacional (SG/CSN), publicado no, Diário Oficial da União e III – a responsabilidade e a orientação intelectual e admi-
comunicado ao órgão federal interessado. nistrativa da empresa caberão somente a brasileiros natos;
Parágrafo único. A modificação ou a cassação das con- IV – as cotas ou ações representativas do capital social
cessões ou autorizações já efetuadas também serão forma- serão inalienáveis e incaucionáveis a estrangeiros ou a pes-
lizadas, em cada caso, através de ato da SG/CSN, publicado soas jurídicas; e
no Diário Oficial da União. V – a empresa não poderá efetuar nenhuma alteração
Art.  3º Somente serão examinados pela SG/CSN os do seu instrumento social sem prévia autorização dos órgãos
pedidos de assentimento prévio instruídos na forma deste competentes.
regulamento. Parágrafo único. As empresas constituídas sob a forma
Parágrafo único. Os  pedidos serão apresentados aos de sociedade anônima deverão, ainda, fazer constar em seu
órgãos federais indicados neste regulamento aos quais estatuto social, que as ações representativas do capital social
incumbirá: serão sempre nominativas.
I – exigir do interessado a documentação prevista neste Art. 11. As empresas pretendentes à execução dos ser-
regulamento relativa ao objeto do pedido; viços de radiodifusão, na Faixa de Fronteira, deverão instruir
II – emitir parecer conclusivo sobre o pedido, à luz da suas propostas com os seguintes documentos, além dos
legislação específica; exigidos pela legislação específica de radiodifusão:
III – encaminhar o pedido à SG/CSN; e I – cópia dos atos constitutivos (se ainda em formação)
IV – adotar, após a decisão da SG/CSN, todas as providên- ou cópia do estatuto, contrato social e respectivas alterações
cias cabíveis, inclusive as relativas à entrega, ao requerente, (se empresa já constituída), em que constem as cláusulas
da documentação expedida por aquela Secretária‑Geral. mencionadas no artigo anterior;
Art.  4º Das decisões denegatórias ou que implicarem II – prova de nacionalidade de todos os administrado-
Política e Segurança

modificação ou cassação de autorizações já concedidas, ca- res ou sócios‑cotistas (cópia da Certidão de Nascimento
berá recurso ao Presidente da República, no prazo de cento para os solteiros; cópia da Certidão de Casamento para os
e vinte (120) dias, contados da sua publicação no Diário casados; cópia da Certidão de Casamento, com respectiva
Oficial da União. averbação, para os desquitados ou separados judicialmente
§ 1º O recurso não terá efeito suspensivo salvo se o Pre- ou divorciados e cópia da Certidão de Casamento e de Óbito
sidente da República expressamente o determinar. do cônjuge, para os viúvos);
§ 2º O recurso será apresentado à SG/CSN que a subme- III – prova de estarem em dia com as suas obrigações
terá, nos sessenta (60) dias seguintes ao seu recebimento, referentes ao Serviço Militar de todos os administradores
ao Presidente da República. ou sócios‑cotistas; e

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IV – prova de estarem em dia com as suas obrigações I – para as empresas que se estabelecerem na Faixa de
relacionadas com a Justiça Eleitoral de todos os administra- Fronteira; e
dores ou sócios‑cotistas. II – para as empresas que irão operar dentro da Faixa
Parágrafo único. As empresas constituídas sob a forma de de Fronteira.
sociedade anônima deverão, ainda, apresentar relação no- Art. 17. Nas hipóteses do artigo anterior, as empresas
minal dos acionistas, com os respectivos números de ações. deverão fazer constar expressamente de seus estatutos ou
Art.  12. O  procedimento para a obtenção do assenti- contratos sociais que:
mento prévio do CSN, pelas empresas de radiodifusão, será I – pelo menos 51% (cinquenta e um por cento) do capital
o seguinte: pertencerá sempre a brasileiros;
I  – para empresas em formação ou para aqueIas que II  – o quadro de pessoal será sempre constituído de,
desejarem, pela primeira vez, executar o serviço na Faixa de pelo menos, 2/3 (dois terços) de trabalhadores brasileiros; e
Fronteira – requerimento instruído com os documentos exi- III – a administração ou gerência caberá sempre a maioria
gidos pela legislação específica de radiodifusão e os mencio- de brasileiros, assegurados a estes poderes predominantes.
nados no artigo anterior, dirigido ao DENTEL que, após emitir Parágrafo único. As empresas constituídas sob a forma
parecer, encaminhará o respectivo processo à SG/CSN, para de sociedade anônima deverão, ainda, fazer constar em seu
apreciação e posterior restituição àquele Departamento; e estatuto social que as ações representativas do capital social
II – para empresas que já possuem o assentimento prévio revestirão sempre a forma nominativa.
para executar o serviço na Faixa de Fronteira e que desejem Art. 18. As empresas individuais deverão fazer constar
efetuar alteração em seu instrumento social, para posterior em suas declarações de firmas que:
registro, referente a alteração do objeto social; mudança I – o quadro de pessoal será sempre constituído de, pelo
do nome comercial ou endereço da sede; eleição de novo menos, 2/3 (dois terços) de trabalhadores brasileiros; e
administrador; admissão de novo sócio‑cotista; transfor- II  – a administração ou a gerência caberá sempre a
mação, incorporação, fusão e cisão; ou reforma total dos brasileiros.
estatutos ou contrato social – requerimento instruído com Art. 19. As sociedades enquadradas no art. 16 deverão
os documentos exigidos pela legislação específica de radio- instruir seus pedidos com os seguintes documentos, além
difusão, a proposta de alteração estatutária ou contratual e dos exigidos pela legislação específica de mineração:
as cópias dos documentos pessoais, mencionados no art. 11, I – cópia dos atos constitutivos (se ainda em formação)
dos novos administradores ou sócios‑cotistas, quando for ou cópia do estatuto, contrato social e respectivas alterações
o caso, dirigido ao DENTEL, seguindo‑se o processamento (se empresa já constituída), em que constem as cláusulas
descrito no item I. mencionadas no art. 17;
Parágrafo único. Caberá ao DENTEL o encaminhamento II – prova de nacionalidade de todos os administrado-
dos atos constitutivos, instrumentos sociais e respectivas res ou sócios‑cotistas (cópia da Certidão de Nascimento
alterações estatutárias e contratuais à empresa requerente, para os solteiros; cópia da Certidão de Casamento para os
para posterior registro nas Juntas Comerciais dos Estados e
casados; cópia da Certidão de Casamento, com respectiva
Territórios Federais.
averbação, para os desquitados ou separados judicialmente
Art. 13. Às Universidades e Fundações que desejarem
ou divorciados e cópia da Certidão de Casamento e de Óbito
executar os serviços de radiodifusão na Faixa de Fronteira,
do cônjuge, para os viúvos);
serão aplicadas, no que couber, as disposições deste regu-
III – prova de estarem em dia com as suas obrigações
lamento.
referentes ao Serviço Militar de todos os administradores
ou sócios‑cotistas; e
CAPÍTULO IV
Das Atividades de Mineração IV – prova de estarem em dia com as suas obrigações
relacionadas com a Justiça Eleitoral de todos os administra-
Art.  14. Para a execução das atividades de pesquisa, dores ou sócios‑cotistas.
lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais, Parágrafo único. As empresas constituídas sob a forma
salvo aqueles de imediata aplicação na construção civil, na de sociedade anônima deverão, ainda, apresentar relação
Faixa de Fronteira, serão obedecidas as prescrições gerais da nominal, contendo a nacionalidade e número de ações de
legislação específica de mineração e o processo terá início todos os acionistas.
no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Art. 20. As pessoas físicas ou empresas individuais de-
Art. 15. Entende‑se por empresa de mineração, para os verão instruir seus pedidos com os seguintes documentos,
efeitos deste regulamento, a firma ou sociedade constituída além dos exigidos pela legislação específica de mineração:
e domiciliada no País, qualquer que seja a sua forma jurídica I – cópia da declaração de firma, em que constem as cláu-
e entre cujos objetivos esteja o de realizar a pesquisa, lavra, sula mencionadas no art. 18, quando empresa, individual;
exploração e aproveitamento dos recursos minerais no II – cópia da Certidão de Nascimento ou de Casamento,
território nacional. conforme o caso;
§ 1º Os componentes da firma ou sociedade a que se re- III – prova de estarem em dia com as suas obrigações
fere o presente artigo podem ser pessoas físicas ou jurídicas, referentes ao Serviço Militar; e
nacionais ou estrangeiras, mas nominalmente, representadas IV – prova de estarem em dia com as suas obrigações
relacionadas com a Justiça Eleitoral.
Política e Segurança

no ato, constitutivo da empresa.


§ 2º No caso de pessoa física ou empresa individual, só a Art.  21. O  procedimento para a obtenção do assenti-
brasileiro será permitido o estabelecimento ou exploração mento prévio do CSN, pelas empresas de mineração, será
das atividades previstas neste capítulo. o seguinte:
§ 3º É vedada a delegação de poderes direção ou gerên- I  – para empresas em formação ou para aqueIas que
cia a estrangeiro, ainda que por procuração outorgada pela desejarem, pela primeira vez, executar as atividades na Faixa
sociedade ou empresa individual. de Fronteira – requerimento instruído com os documentos
Art. 16. O assentimento prévio do CSN, para a execução exigidos pela legislação específica de mineração e os men-
das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveita- cionados nos artigos 19 ou 20, conforme o caso, dirigido ao
mento de recursos minerais, será necessário: DNPM que, após emitir parecer, encaminhará o respectivo

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processo à SG/CSN, para apreciação e posterior restituição Art.  28. Após instruídos pelo INCRA, os  processos de
àquele Departamento; e colonização e loteamentos rurais, na Faixa de Fronteira,
II – para empresas que já possuem o assentimento pré- serão encaminhados a SG/CSN para apreciação e posterior
vio para executar as atividades na Faixa de Fronteira e que restituição àquela autarquia.
desejem efetuar alteração em seu instrumento social, para Parágrafo único. Caberá ao INCRA o encaminhamento
posterior registro, referente a alteração do objeto social; dos atos constitutivos, instrumentos sociais e respectivas
mudança do nome comercial ou endereço da sede; eleição alterações estatutárias e contratuais à empresa requerente,
ou substituição de diretores na administração ou gerência; para posterior registro nas Juntas Comerciais dos Estados e
alteração nas atribuições e competências de administrado- Territórios Federais.
res; modificação na participação do capital social; aumento
de capital social nos casos de emissão e/ou subscrição pú- CAPÍTULO VI
blica ou particular de ações; mudança na forma das ações; Das Transações com Imóveis Rurais,
entrada ou retirada de novos acionistas; transformação, Envolvendo Estrangeiros
incorporação, fusão e cisão; retirada e/ou admissão de
sócios‑cotistas; ou reforma total dos estatutos ou contrato Art.  29. Os  negócios jurídicos que, direta ou indireta-
social – requerimento instruído com os documentos exigidos mente, implicarem obtenção da posse, do domínio ou de
pela legislação específica de mineração a proposta de alte- qualquer outro direito real sobre imóvel rural situado na Faixa
ração estatutária ou contratual e as cópias dos documentos de Fronteira, dependerão do assentimento prévio do CSN e
pessoais mencionados no art. 19 dos novos administradores o processo terá início no Instituto Nacional de Colonização e
ou sócios‑cotistas, quando for o caso, dirigido ao DNPM, Reforma Agrária (INCRA), quando adquirente de titularidade
seguindo‑se o processamento descrito no Item I. daqueles direitos:
Parágrafo único. Caberá ao DNPM o encaminhamento I – pessoa física estrangeira residente no Brasil;
dos atos constitutivos, instrumentos sociais e respectivas II  – pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar
alterações estatutárias e contratuais à empresa requerente, no País; ou
para posterior registro nas Juntas Comerciais dos Estados e III – pessoa jurídica brasileira da qual participe, a qual-
Territórios Federais. quer título, detendo a maioria de seu capital social, pessoa
física estrangeira aqui não residente ou pessoa jurídica
CAPÍTULO V estrangeira sediada no exterior.
Da Colonização e Loteamentos Rurais Art. 30. As pessoas jurídicas referidas nos itens II e III do
artigo anterior somente poderão obter o assentimento prévio
quando o imóvel rural pretendido se destinar a implantação
Art. 22. Para a execução das atividades de colonização e
de projeto agrícola, pecuário, industrial ou de colonização,
loteamentos rurais, na Faixa de Fronteira, serão observadas
vinculado aos seus objetivos estatutários.
as prescrições gerais da legislação agrária específica e o
Art. 31. As pessoas físicas estrangeiras que desejarem
processo terá início no Instituto Nacional de Colonização e
adquirir imóvel rural, na Faixa de Fronteira, deverão instruir
Reforme Agrária (INCRA).
seus pedidos com os seguintes documentos, além dos exi-
Art.  23. Entende‑se por empresa particular de coloni- gidos pela legislação agrária específica:
zação, para os efeitos deste regulamento, as pessoas físicas I – cópia da Carteira de Identidade para Estrangeiro;
ou jurídicas, estas constituídas e domiciliadas no País, que II – declaração do interessado, de que não está respon-
tiverem por finalidade executar programa de valorização de dendo a inquérito ou ação penal, nem foi condenado pela
área ou distribuição, de terras. justiça de seu País ou do Brasil;
§ 1º No caso de pessoa física ou empresa individual, só III – prova de propriedade do imóvel pretendido, incluin-
a brasileiro será permitido executar as atividades previstas do sua cadeia dominial; e
neste artigo. IV – cópia do Certificado de Cadastro do INCRA, referente
§  2º É vedada a delegação de poderes de direção ou ao exercício em vigor.
gerência a estrangeiro, ainda que por procuração outorgada Parágrafo único. No texto do requerimento para a aqui-
pela sociedade ou empresa individual. sição do imóvel rural, o  interessado deverá declarar sua
Art. 24. O assentimento prévio do CSN para a execução residência e o endereço para correspondência.
das atividades de colonização e loteamentos rurais, na Faixa Art. 32. As pessoas jurídicas estrangeiras referidas nos
de Fronteira, será necessário: itens II e III do art. 29 que desejarem adquirir imóvel rural,
I – na alienação de terras públicas, para a empresa ven- na Faixa de Fronteira, deverão instruir seus pedidos com os
cedora de licitação publicada no Diário Oficial da União; e seguintes documentos, além dos exigidos pela legislação
II – na alienação de terras particulares, para as empresas agrária específica:
que as desejarem adquirir, quando da apresentação dos I – cópia do estatuto ou contrato social da empresa;
respectivos projetos. II – autorização para a peticionaria funcionar no Brasil,
Art. 25. Nas hipóteses do artigo anterior, as empresas em se tratando de empresa estrangeira;
deverão fazer constar de seus estatutos ou contratos sociais III – cópias dos atos de eleição da diretoria e da alteração
as cláusulas mencionadas nos artigos 17 ou 18, conforme do nome comercial da empresa, se for o caso;
Política e Segurança

o caso. IV – relação nominal, contendo a nacionalidade e número


Art. 26. As empresas enquadradas no art. 24 deverão de ações dos acionistas da empresa, quando se tratar de
instruir seus processos com os documentos discriminados sociedade anônima, em se tratando de empresa brasileira;
nos artigos 19 ou 20, conforme o caso. V – prova de propriedade do imóvel pretendido, incluindo
Art. 27. As empresas de colonização e loteamento rurais sua cadeia dominial; e
que já possuem autorização para operar na Faixa de Fronteira VI – cópia do Certificado de Cadastro do INCRA, referente
necessitarão do assentimento prévio do CSN para efetuarem ao exercício em vigor.
alterações em seu instrumento social, para posterior registro Art. 33. Os processos para transação de imóveis rurais
nos casos previstos no item II do art. 21. com estrangeiros, na Faixa de Fronteira, serão remetidos pelo

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INCRA à SG/CSN, com o respectivo parecer, sendo restituídos tados no exercício imediato, como Restos a Pagar, desde que
àquela autarquia após apreciados. devidamente empenhados no exercício do recebimento.
§ 2º Enquanto as prestações de contas não forem apre-
CAPÍTULO VII sentadas, as Prefeituras Municipais não estarão habilitadas
Da Participação de Estrangeiros ao recebimento de auxílios posteriores.
em Pessoa Jurídica Brasileira Art. 41. A SG/CSN baixará instruções detalhadas, visando
a orientar as Prefeituras Municipais quanto à habilitação e
Art. 34. A participação, a qualquer título, de estrangeiro, repasse dos auxílios, aplicação dos recursos e prestação de
pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica brasileira que contas.
seja titular de direito real sobre imóvel rural localizado na Fai-
xa de Fronteira, dependerá do assentimento prévio do CSN. CAPÍTULO IX
§ 1º São direitos reais, assim definidos no Código Civil Da Inscrição nos Órgãos do Registro do Comércio
Brasileiro, além da propriedade e da posse, a enfiteuse ou
aforamento, as  servidões, o  usufruto, o  uso, a  habitação, Art. 42. As Juntas Comerciais dos Estados e dos Territórios
as rendas expressamente constituídas sobre imóveis, a an- Federais exigirão prova do assentimento prévio de CSN nos
ticrese e a hipoteca. seguintes casos:
§ 2º A pessoa jurídica que desrespeitar a exigência des- I – execução dos serviços de radiodifusão, de que trata
te artigo sujeitar‑se‑á à dissolução, na forma da legislação o Capítulo III:
pertinente. a) para inscrição dos atos constitutivos, estatutos ou
Art.  35. Para a lavratura e o registro de escritura de contratos sociais das empresas que desejarem, pela primeira
alienação ou de constituição de direito real, que tiver por vez, executar o serviço na Faixa de Fronteira; e
objeto imóvel rural situado na Faixa de Fronteira, em que b) para inscrição das alterações nos instrumentos sociais,
o outorgado for pessoa jurídica, será indispensável verificar listadas no Item II do art. 12; e
se dela participa, como sócio ou acionista, pessoa física ou II – execução das atividades de mineração, de que trata o
jurídica estrangeira. Capítulo IV e de colonização e loteamentos rurais, de que
Parágrafo único. A verificação de que trata este artigo trata o Capítulo V:
far‑se‑á da seguinte maneira: a) para inscrição dos atos constitutivos, declarações de
I – em se tratando de sociedade anônima – à vista da firma, estatutos ou contratos sociais das empresas que de-
relação nominal dos acionistas, contendo a nacionalidade, sejarem, pela primeira vez, executar as atividades na Faixa
o número de ações com direito a voto e a soma das parti- de Fronteira; e
cipações, a  qual deverá coincidir com o capital declarado b) para inscrição das alterações nos instrumentos sociais,
no estatuto social da empresa; a relação será firmada pelos listadas no item II do art. 21.
diretores da empresa, responsáveis pela exação da infor- Art. 43. A abertura de filiais, agências, sucursais, postos
mação, com a declaração de que foi feita de conformidade ou quaisquer outros estabelecimentos com poder de re-
com os dados existentes no Livro de Registro de Ações da presentação ou mandato da matriz, na Faixa de Fronteira,
sociedade; e relacionados com a prática de atos que necessitam do as-
II – em se tratando de sociedade de outro tipo – à vista sentimento prévio, implicará o cumprimento das prescrições
do contrato social e de suas alterações. deste regulamento.
Art.  36. O  assentimento prévio para os atos previstos Art. 44. Será dispensado ato formal da SG/CSN, nos ca-
neste capítulo será dado mediante solicitação do interessado sos de dissolução, liquidação ou extinção das empresas que
à SG/CSN. obtiveram o assentimento prévio para exercerem atividades
na Faixa de Fronteira, na forma deste regulamento, cabendo
CAPÍTULO VIII ao Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC)
Do Auxílio Financeiro aos Municípios comunicar tais ocorrências àquela Secretária‑Geral, para
da Faixa de Fronteira fins de controle.

Art. 37. Para habilitar‑se ao auxílio financeiro destinado CAPÍTULO X


à execução de obras públicas, previsto no art.  9º da Lei Disposições Gerais
nº 6.634, de 2 de maio de 1979, os municípios total ou par-
cialmente localizados na Faixa de Fronteira deverão, até 31 Art. 45. As entidades da administração indireta, da União,
de julho do ano anterior ao da concessão, encaminhar à SG/ dos Estados e dos Municípios, aplicam‑se, no que couber,
CSN dados sucintos sobre a obra que pretendem realizar e as disposições deste regulamento, não lhes sendo exigível,
seu orçamento estimado. porém, que adotem para suas ações a forma nominativa.
Parágrafo único. Em casos especiais, devidamente jus- Art. 46. Os Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis
tificados, poderá ser concedido auxílio para aquisição de exigirão prova do assentimento prévio do CSN para as tran-
máquinas e equipamentos. sações com imóveis rurais, envolvendo estrangeiros, de que
Art. 38. A SG/CSN estudará os pedidos de auxílio e, a par- trata o Capítulo VI e obedecidas as prescrições da legislação
tir de 1º de setembro, informará às Prefeituras Municipais que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro resi-
Política e Segurança

da concessão ou não do auxílio solicitado. dente no País ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a
Art.  39. Os  recursos serão repassados diretamente às funcionar no Brasil.
Prefeituras Municipais por intermédio da agência do Banco Art.  47. Trimestralmente, os  Cartórios de Registro de
do Brasil S.A. Imóveis remeterão à Corregedoria da Justiça Estadual a
Art. 40. A aplicação dos recursos está sujeita a compro- que estiverem subordinados ou à Corregedoria da Justiça
vação perante o Tribunal de Contas da União, por Intermédio do Distrito Federal e dos Territórios, à repartição estadual
da SG/CSN. do INCRA e à SG/CSN, relação das aquisições de imóveis
§ 1º O emprego dos recursos limitar‑se‑á no exercício rurais por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, situados
financeiro em que foram concedidos, podendo ser aprovei- na Faixa de Fronteira, do qual constarão os seguintes dados:

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A sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição é vedada, sujeitando-se aos infratores à responsabilidade civil e criminal.
I – menção do documento de identidade das partes con- da Defesa. Voltada essencialmente para ameaças externas,
tratantes ou dos respectivos atos constitutivos, se pessoas estabelece objetivos e orientações para o preparo e o em-
jurídicas; prego dos setores militar e civil em todas as esferas do Poder
II – memorial descritivo do imóvel, com área, caracterís- Nacional, em prol da Defesa Nacional.
ticas, limites e confrontações; e Esta Política pressupõe que a defesa do País é inseparável
III – transcrição da autorização do órgão competente. do seu desenvolvimento, fornecendo‑lhe o indispensável
Art. 48. A SG/CSN solicitará, das autoridades e órgãos escudo. A intensificação da projeção do Brasil no concerto
competentes, a instauração de inquérito destinado a apurar das nações e sua maior inserção em processos decisórios
as infrações ao disposto neste regulamento. internacionais associam‑se ao modelo de defesa proposto
Art. 49. Os atos previstos neste regulamento, se pratica- nos termos expostos a seguir.
dos sem o assentimento prévio do CSN, serão nulos de pleno Este documento explicita os conceitos de Segurança e
direito e sujeitarão os responsáveis à multa de até vinte por de Defesa Nacional, analisa os ambientes internacional e
cento (20%) do valor declarado do negócio irregularmente nacional e estabelece os Objetivos Nacionais de Defesa. Além
realizado. disso, orienta a consecução desses objetivos.
Art. 50. Este Decreto entra em vigor na data de sua pu- A Política Nacional de Defesa interessa a todos os seg-
blicação, revogadas as disposições em contrário. mentos da sociedade brasileira. Baseada nos fundamentos,
objetivos e princípios constitucionais, alinha‑se às aspirações
Brasília, 26 de agosto de 1980; 159º da Independência nacionais e às orientações governamentais, em particular
e 92º da República. à política externa brasileira, que propugna, em uma visão
ampla e atual, a solução pacífica das controvérsias, o forta-
JOÃO FIGUEIREDO lecimento da paz e da segurança internacionais, o reforço do
Danilo Venturini multilateralismo e a integração sul‑americana.
Após longo período livre de conflitos que tenham afetado
Welma Maia diretamente o território e a soberania nacional, a percepção
das ameaças está desvanecida para muitos brasileiros. No
entanto, é imprudente imaginar que um país com o poten-
DECRETO LEGISLATIVO Nº 373, DE 2013 cial do Brasil não enfrente antagonismos ao perseguir seus
(APROVA A POLÍTICA NACIONAL DE legítimos interesses. Um dos propósitos da Política Nacional
DEFESA, A ESTRATÉGIA NACIONAL DE de Defesa é conscientizar todos os segmentos da sociedade
DEFESA E O LIVRO BRANCO DE DEFESA brasileira da importância da defesa do País e de que esta é
um dever de todos os brasileiros.
NACIONAL
O Estado, a Segurança e a Defesa
O Decreto Legislativo nº 373, de 25 de setembro de 2013
aprovou a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional O Estado tem como pressupostos básicos território, povo,
de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. leis e governo próprios e independência nas relações exter-
nas. Ele detém o monopólio legítimo dos meios de coerção
Política Nacional de Defesa para fazer valer a lei e a ordem, estabelecidas democratica-
mente, provendo, também, a segurança. A defesa externa
A Política Nacional de Defesa (PND) é o documento é a destinação precípua das Forças Armadas.
condicionante de mais alto nível do planejamento de defe- A segurança é tradicionalmente vista somente do ângulo
sa, voltada, prioritariamente, contra ameaças externas. Ela da confrontação entre nações, ou seja, a  proteção contra
estabelece objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego ameaças de outras comunidades políticas ou, mais simples-
da capacitação nacional, com o envolvimento dos setores mente, a  defesa externa. À  medida que as sociedades se
militar e civil, em todas as esferas do Poder Nacional. desenvolveram e que se aprofundou a interdependência
A PND está dividida em duas partes: uma política, que entre os Estados, novas exigências foram agregadas.
aborda os conceitos e objetivos de defesa, além de análises Gradualmente, ampliou‑se o conceito de segurança,
acerca dos ambientes interno e externo; e outra estratégica, abrangendo os campos político, militar, econômico, psicos-
focada nas orientações e diretrizes inerentes à segurança social, científico‑tecnológico, ambiental e outros.
nacional. Preservar a segurança requer medidas de largo espectro,
Tema de interesse de todos os segmentos da socie- envolvendo, além da defesa externa: a defesa civil, a segu-
dade brasileira, a  Política Nacional de Defesa tem como rança pública e as políticas econômica, social, educacional,
premissas os fundamentos, objetivos e princípios dispostos científico‑tecnológica, ambiental, de saúde, industrial. Enfim,
na Constituição Federal e encontra‑se em consonância com várias ações, muitas das quais não implicam qualquer envol-
as orientações governamentais e a política externa do país. vimento das Forças Armadas.
O documento além disso, ressalta a necessidade de todo Cabe considerar que a segurança pode ser enfocada a
cidadão brasileiro estar consciente de seu dever para com partir do indivíduo, da sociedade e do Estado, do que resul-
a Defesa Nacional, haja vista que, apesar de defender a paz tam definições com diferentes perspectivas.
Política e Segurança

entre as nações, o Brasil não está imune a antagonismos ca- A segurança, em linhas gerais, é a condição em que o Es-
pazes de ameaçar seus interesses. A seguir, o texto completo tado, a sociedade ou os indivíduos se sentem livres de riscos,
da Política Nacional de Defesa para conhecimento. pressões ou ameaças, inclusive de necessidades extremas.
Por sua vez, defesa é a ação efetiva para se obter ou manter o
Introdução grau de segurança desejado. Para efeito da Política Nacional
de Defesa são adotados os seguintes conceitos:
A Política Nacional de Defesa (PND) é o documento • Segurança é a condição que permite ao País preservar
condicionante de mais alto nível do planejamento de ações sua soberania e integridade territorial, promover seus
destinadas à defesa nacional coordenadas pelo Ministério interesses nacionais, livre de pressões e ameaças,

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e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e autônomo de tecnologias sensíveis, principalmente nos
deveres constitucionais; e estratégicos setores espacial, cibernético e nuclear.
• Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Os avanços da tecnologia da informação, a utilização de saté-
Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do lites, o sensoriamento eletrônico e outros aperfeiçoamentos
território, da soberania e dos interesses nacionais con- tecnológicos trouxeram maior eficiência aos sistemas admi-
tra ameaças preponderantemente externas, potenciais nistrativos e militares, sobretudo nos países que dedicam
ou manifestas. maiores recursos financeiros à Defesa. Em consequência,
criaram‑se vulnerabilidades que poderão ser exploradas,
O Ambiente Internacional com o objetivo de inviabilizar o uso dos nossos sistemas
ou facilitar a interferência à distância. Para superar essas
O mundo vive desafios mais complexos do que os enfren- vulnerabilidades, é essencial o investimento do Estado em
tados durante o período de confrontação ideológica bipolar. setores de tecnologia avançada.
O fim da Guerra Fria reduziu o grau de previsibilidade das
relações internacionais vigentes desde a Segunda Guerra O Ambiente Regional e o Entorno Estratégico
Mundial.
Nesse ambiente, é pouco provável um conflito genera- A América do Sul é o ambiente regional no qual o Brasil
lizado entre Estados. Entretanto, renovam‑se conflitos de se insere. Buscando aprofundar seus laços de cooperação,
caráter étnico e religioso, exacerbam‑se os nacionalismos e o País visualiza um entorno estratégico que extrapola a região
fragmentam‑se os Estados, situações que afetam a ordem sul‑americana e inclui o Atlântico Sul e os países lindeiros da
mundial. África, assim como a Antártica. Ao norte, a proximidade do
Neste século, poderão ser intensificadas disputas por mar do Caribe impõe que se dê crescente atenção a essa
região.
áreas marítimas, pelo domínio aeroespacial e por fontes de
A América do Sul, distante dos principais focos mundiais
água doce, de alimentos e de energia, cada vez mais escassas.
de tensão e livre de armas nucleares, é  considerada uma
Tais questões poderão levar a ingerências em assuntos inter-
região relativamente pacífica. Além disso, processos de
nos ou a disputas por espaços não sujeitos à soberania dos
consolidação democrática e de integração regional tendem
Estados, configurando quadros de conflito. Por outro lado,
a aumentar a confiança mútua e a favorecer soluções nego-
o aprofundamento da interdependência dificulta a precisa
ciadas de eventuais conflitos.
delimitação dos ambientes externo e interno.
Entre os fatores que contribuem para reduzir a possibilidade
Com a ocupação dos últimos espaços terrestres, as fron- de conflitos no entorno estratégico destacam‑se: o fortaleci-
teiras continuarão a ser motivo de litígios internacionais. mento do processo de integração, a partir do Mercosul e da
O fenômeno da globalização, caracterizado pela interde- União de Nações Sul‑Americanas; o estreito relacionamento
pendência crescente dos países, pela revolução tecnológica entre os países amazônicos, no âmbito da Organização do
e pela expansão do comércio internacional e dos fluxos de Tratado de Cooperação Amazônica; a intensificação da co-
capitais, resultou em avanços para uma parcela da humani- operação e do comércio com países da África, da América
dade. Paralelamente, a criação de blocos econômicos tem Central e do Caribe, inclusive a Comunidade dos Estados
acirrado a concorrência entre grupos de países. Para os países Latino‑Americanos e Caribenhos (Celac), facilitada pelos
em desenvolvimento, o desafio é o de uma inserção positiva laços étnicos e culturais; o desenvolvimento de organismos
no mercado mundial, ao mesmo tempo em que promovem o regionais; a integração das bases industriais de defesa; a con-
crescimento e a justiça social de modo soberano. A integra- solidação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul e
ção entre países em desenvolvimento – como na América do o diálogo continuado nas mesas de interação inter‑regionais,
Sul – contribui para que alcancem esses objetivos. como a cúpula América do Sul‑África (ASA) e o Fórum de
Nesse processo, as  economias nacionais tornaram‑se Diálogo Índia‑Brasil‑África do Sul (Ibas). A  ampliação,
mais vulneráveis às crises ocasionadas pela instabilidade a modernização e a interligação da infraestrutura da América
econômica e financeira em todo o mundo. A  exclusão de do Sul, com a devida atenção ao meio ambiente e às comuni-
parcela significativa da população mundial dos processos de dades locais, podem concretizar a ligação entre seus centros
produção, consumo e acesso à informação constitui situação produtivos e os dois oceanos, facilitando o desenvolvimento
que poderá vir a configurar‑se em conflito. e a integração.
A configuração da ordem internacional, caracterizada A segurança de um país é afetada pelo grau de estabilida-
por assimetrias de poder, produz tensões e instabilidades de da região onde ele está inserido. Assim, é desejável que
indesejáveis para a paz. ocorram o consenso, a harmonia política e a convergência
A prevalência do multilateralismo e o fortalecimento dos de ações entre os países vizinhos para reduzir os delitos
princípios consagrados pelo Direito Internacional como a transnacionais e alcançar melhores condições de desenvol-
soberania, a não‑intervenção e a igualdade entre os Estados vimento econômico e social, tornando a região mais coesa
são promotores de um mundo mais estável, voltado para o e mais forte.
desenvolvimento e bem‑estar da humanidade. A existência de zonas de instabilidade e de ilícitos trans-
A questão ambiental permanece como uma das preocu- nacionais pode provocar o transbordamento de conflitos para
Política e Segurança

pações da humanidade. Países detentores de grande biodi- outros países da América do Sul. A persistência desses focos
versidade, enormes reservas de recursos naturais e imensas de incertezas é, também, elemento que justifica a priorida-
áreas para serem incorporadas ao sistema produtivo podem de à defesa do Estado, de modo a preservar os interesses
tornar‑se objeto de interesse internacional. nacionais, a soberania e a independência.
As mudanças climáticas têm graves consequências Como consequência de sua situação geopolítica, é im-
sociais, com reflexos na capacidade estatal de agir e nas portante para o Brasil que se aprofunde o processo de
relações internacionais. desenvolvimento integrado e harmônico da América do Sul,
Para que o desenvolvimento e a autonomia nacionais que se estende, naturalmente, à área de defesa e segurança
sejam alcançados é essencial o domínio crescentemente regionais.

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O Brasil multilateralismo, o  respeito ao Direito Internacional e os
instrumentos para a solução pacífica de controvérsias.
O perfil brasileiro  – ao mesmo tempo continental e A Constituição tem como um de seus princípios, nas
marítimo, equatorial, tropical e subtropical, de longa fron- relações internacionais, o repúdio ao terrorismo.
teira terrestre com quase todos os países sul‑americanos O Brasil considera que o terrorismo internacional cons-
e de extenso litoral e águas jurisdicionais – confere ao País titui risco à paz e à segurança mundiais. Condena enfatica-
profundidade geoestratégica e torna complexa a tarefa do mente suas ações e implementa as resoluções pertinentes
planejamento geral de defesa. Dessa maneira, a diversificada da Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecendo
fisiografia nacional conforma cenários diferenciados que, a necessidade de que as nações trabalhem em conjunto
em termos de defesa, demandam, ao mesmo tempo, uma no sentido de prevenir e combater as ameaças terroristas.
política abrangente e abordagens específicas. O Brasil atribui prioridade aos países da América do Sul
A vertente continental brasileira contempla complexa e da África, em especial aos da África Ocidental e aos de
variedade fisiográfica, que pode ser sintetizada em cinco língua portuguesa, buscando aprofundar seus laços com
macrorregiões: Sul, Sudeste, Centro‑Oeste, Norte e Nordeste. esses países.
O planejamento da defesa deve incluir todas as regiões A intensificação da cooperação com a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, integrada por oito países distri-
e, em particular, as áreas vitais onde se encontra a maior
buídos por quatro continentes e unidos pelos denominadores
concentração de poder político e econômico. Da mesma
comuns da história, da cultura e da língua, constitui outro
forma, deve‑se priorizar a Amazônia e o Atlântico Sul.
fator relevante das nossas relações exteriores.
A Amazônia brasileira, com seu grande potencial de
O Brasil tem laços de cooperação com países e blocos
riquezas minerais e de biodiversidade, é  foco da atenção tradicionalmente aliados que possibilitam a troca de conhe-
internacional. cimento em diversos campos. Concomitantemente, busca
A garantia da presença do Estado e a vivificação da faixa novas parcerias estratégicas com nações desenvolvidas ou
de fronteira são dificultadas, entre outros fatores, pela baixa emergentes para ampliar esses intercâmbios. Ao lado disso,
densidade demográfica e pelas longas distâncias. o País acompanha as mudanças e variações do cenário po-
A vivificação das fronteiras, a proteção do meio ambiente lítico e econômico internacional e não deixa de explorar o
e o uso sustentável dos recursos naturais são aspectos es- potencial de novas associações, tais como as que mantém
senciais para o desenvolvimento e a integração da região. com os demais membros do BRICS (Brasil, Rússia, Índia,
O adensamento da presença do Estado, e em particular das China e África do Sul).
Forças Armadas, ao longo das nossas fronteiras é condição O Brasil atua na comunidade internacional respeitando
relevante para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. os princípios consagrados no art. 4º da Constituição, em par-
O mar sempre esteve relacionado com o progresso do ticular os princípios de autodeterminação, não‑intervenção,
Brasil, desde o seu descobrimento. A natural vocação marí- igualdade entre os Estados e solução pacífica de conflitos.
tima brasileira é respaldada pelo seu extenso litoral e pela Nessas condições, sob a égide da Organização das Nações
importância estratégica do Atlântico Sul. Unidas (ONU), participa de operações de paz, sempre de
A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar acordo com os interesses nacionais, de forma a contribuir
abre a possibilidade de o Brasil estender os limites da sua para a paz e a segurança internacionais.
Plataforma Continental e exercer o direito de jurisdição sobre A persistência de ameaças à paz mundial requer a atu-
os recursos econômicos em uma área de cerca de 4,5 milhões alização permanente e o aparelhamento das nossas Forças
de quilômetros quadrados, região de vital importância para Armadas, com ênfase no apoio à ciência e tecnologia para
o País, uma verdadeira “Amazônia Azul”. o desenvolvimento da indústria nacional de defesa. Visa‑se,
Nessa imensa área, incluída a camada do pré‑sal, estão com isso, à  redução da dependência tecnológica e à su-
as maiores reservas de petróleo e gás, fontes de energia peração das restrições unilaterais de acesso a tecnologias
imprescindíveis para o desenvolvimento do País, além da sensíveis.
existência de grande potencial pesqueiro, mineral e de outros Em consonância com a busca da paz e da segurança
recursos naturais. internacionais, o  País é signatário do Tratado sobre a
A globalização aumentou a interdependência econômica Não‑Proliferação de Armas Nucleares e destaca a necessida-
dos países e, consequentemente, o fluxo de cargas. No Brasil, de do cumprimento do seu Artigo VI, que prevê a negociação
para a eliminação total das armas nucleares por parte das
o transporte marítimo é responsável por movimentar quase
potências nucleares, ressalvando o direito de todos os países
todo o comércio exterior.
ao uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos.
As dimensões continental, marítima e aeroespacial, esta
O contínuo desenvolvimento brasileiro traz implicações
sobrejacente às duas primeiras, são de suma importância crescentes para a segurança das infraestruturas críticas.
para a Defesa Nacional. O controle do espaço aéreo e a sua Dessa forma, é necessária a identificação dos pontos estra-
boa articulação com os países vizinhos, assim como o desen- tégicos prioritários, de modo a planejar e a implementar
volvimento de nossa capacitação aeroespacial, constituem suas defesas.
objetivos setoriais prioritários. O  planejamento da defesa
deve incluir todas as regiões e, em particular, as áreas vitais Objetivos Nacionais de Defesa
Política e Segurança

onde se encontra a maior concentração de poder político e


econômico. Da mesma forma, deve‑se priorizar a Amazônia As relações internacionais são pautadas por complexo
e o Atlântico Sul. jogo de atores, interesses e normas que estimulam ou limi-
O Brasil defende uma ordem internacional baseada na tam a capacidade de atuação dos Estados. Nesse contexto
democracia, no multilateralismo, na cooperação, na proscri- de múltiplas influências e de interdependência, os  países
ção das armas químicas, biológicas e nucleares, e na busca buscam realizar seus interesses nacionais, podendo encorajar
da paz entre as nações. Nesse sentido, defende a reforma alianças ou gerar conflitos de variadas intensidades.
das instâncias decisórias internacionais, de modo a torná‑las Dessa forma, torna‑se essencial estruturar a Defesa
mais legítimas, representativas e eficazes, fortalecendo o Nacional de modo compatível com a estatura político‑es-

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tratégica do País para preservar a soberania e os interesses A integração da indústria de defesa sul‑americana deve
nacionais. Assim, da avaliação dos ambientes descritos, ser objeto de medidas que proporcionem desenvolvimento
emergem os Objetivos Nacionais de Defesa: mútuo, bem como capacitação e autonomia tecnológicas.
I – garantir a soberania, o patrimônio nacional e a inte- O Brasil deverá buscar parcerias estratégicas, visando a
gridade territorial; ampliar o leque de opções de cooperação na área de defesa
II – defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e as oportunidades de intercâmbio.
e os recursos brasileiros no exterior; Os setores espacial, cibernético e nuclear são estratégicos
III – contribuir para a preservação da coesão e da unidade para a Defesa do País; devem, portanto, ser fortalecidos.
nacionais; A atuação do Estado brasileiro com relação à defesa tem
IV – contribuir para a estabilidade regional; como fundamento a obrigação de garantir nível adequado
V – contribuir para a manutenção da paz e da segurança
de segurança do País, tanto em tempo de paz, quanto em
internacionais;
situação de conflito.
VI  – intensificar a projeção do Brasil no concerto das
nações e sua maior inserção em processos decisórios in- À ação diplomática na solução de conflitos soma‑se a
ternacionais; estratégia militar da dissuasão. Nesse contexto, torna‑se im-
VII – manter Forças Armadas modernas, integradas, ades- portante desenvolver a capacidade de mobilização nacional
tradas e balanceadas, e  com crescente profissionalização, e a manutenção de Forças Armadas modernas, integradas e
operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas balanceadas, operando de forma conjunta e adequadamente
no território nacional; desdobradas no território nacional, em condições de pronto
VIII – conscientizar a sociedade brasileira da importância emprego.
dos assuntos de defesa do País; Para ampliar a projeção do País no concerto mundial e
IX  – desenvolver a indústria nacional de defesa, reafirmar seu compromisso com a defesa da paz e com a
orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias cooperação entre os povos, o  Brasil deverá aperfeiçoar o
indispensáveis; preparo das Forças Armadas para desempenhar responsa-
X – estruturar as Forças Armadas em torno de capacida- bilidades crescentes em ações humanitárias e em missões
des, dotando‑as de pessoal e material compatíveis com os de paz sob a égide de organismos multilaterais, de acordo
planejamentos estratégicos e operacionais; e com os interesses nacionais.
XI – desenvolver o potencial de logística de defesa e de O Brasil deverá dispor de capacidade de projeção de
mobilizaçãonacional. poder, visando a eventual participação em operações estabe-
lecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Orientações Excepcionalmente, em conflitos de maior extensão, de
forma coerente com sua história e o cenário vislumbrado, ob-
No gerenciamento de crises internacionais de natureza
servados os dispositivos constitucionais e legais, bem como
político‑estratégica, o Governo poderá determinar o empre-
os interesses do País e os princípios básicos da política exter-
go de todas as expressões do Poder Nacional, de diferentes
formas, visando a preservar os interesses nacionais. na, o Brasil poderá participar de arranjos de defesa coletiva.
No caso de agressão externa, o País empregará todo o É imprescindível que o País disponha de estrutura ágil,
Poder Nacional, com ênfase na expressão militar, na defesa capaz de prevenir ações terroristas e de conduzir operações
dos seus interesses. de contraterrorismo.
O Serviço Militar Obrigatório é a garantia de participação Para se opor a possíveis ataques cibernéticos, é essencial
de cidadãos na Defesa Nacional e contribui para o desen- aperfeiçoar os dispositivos de segurança e adotar procedi-
volvimento da mentalidade de defesa no seio da sociedade mentos que minimizem a vulnerabilidade dos sistemas que
brasileira. possuam suporte de tecnologia da informação e comunica-
A expressão militar do País fundamenta‑se na capacidade ção ou permitam seu pronto restabelecimento.
das Forças Armadas e no potencial dos recursos nacionais É prioritário assegurar continuidade e previsibilidade na
mobilizáveis. alocação de recursos para permitir o preparo e o equipamen-
O País deve dispor de meios com capacidade de exercer to adequado das Forças Armadas.
vigilância, controle e defesa: das águas jurisdicionais brasilei- Deverá ser buscado o constante aperfeiçoamento da
ras; do seu território e do seu espaço aéreo, incluídas as áreas capacidade de comando, controle, monitoramento e do siste-
continental e marítima. Deve, ainda, manter a segurança das ma de inteligência dos órgãos envolvidos na Defesa Nacional.
linhas de comunicações marítimas e das linhas de navegação Nos termos da Constituição, as Forças Armadas poderão
aérea, especialmente no Atlântico Sul. ser empregadas pela União contra ameaças ao exercício
Para contrapor‑se às ameaças à Amazônia, é  impres- da soberania do Estado e à indissolubilidade da unidade
cindível executar uma série de ações estratégicas voltadas
federativa.
para o fortalecimento da presença militar, a efetiva ação do
Para se opor a possíveis ataques cibernéticos, é essencial
Estado no desenvolvimento sustentável (social, econômico
e ambiental) e a ampliação da cooperação com os países aperfeiçoar os dispositivos de segurança e adotar procedi-
vizinhos, visando à defesa das riquezas naturais. mentos que minimizem a vulnerabilidade dos sistemas que
Política e Segurança

Os setores governamental, industrial e acadêmico, vol- possuam suporte de tecnologia da informação e comuni-
tados à produção científica e tecnológica e para a inovação, cação.
devem contribuir para assegurar que o atendimento às O Brasil deverá buscar a contínua interação da atual
necessidades de produtos de defesa seja apoiado em tec- PND com as demais políticas governamentais, visando a
nologias sob domínio nacional obtidas mediante estímulo e fortalecer a infraestrutura de valor estratégico para a Defesa
fomento dos setores industrial e acadêmico. A capacitação Nacional, particularmente a de transporte, a de energia e a
da indústria nacional de defesa, incluído o domínio de de comunicações.
tecnologias de uso dual, é  fundamental para alcançar o O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e
abastecimento de produtos de defesa. da ordem é regido por legislação específica.

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ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA consciência da responsabilidade com a preservação da in-
dependência do País. O planejamento de ações destinadas
A Estratégia Nacional de Defesa (END) estabelece dire- à Defesa Nacional, a cargo do Estado, tem seu documento
trizes para a adequada preparação e capacitação das Forças condicionante de mais alto nível na Política Nacional de
Armadas, de modo a garantir a segurança do país tanto em Defesa, que estabelece os Objetivos Nacionais de Defesa.
tempo de paz, quanto em situações de crise. O primeiro deles é a garantia da soberania, do patrimô-
Também foi desenvolvida para atender às necessi­dades nio nacional e da integridade territorial. Outros objetivos
de equipamento dos Comandos Militares, reorganizando incluem a estruturação de Forças Armadas com adequadas
a indústria de defesa para que as tecnologias mais avançadas capacidades organizacionais e operacionais e a criação de
estejam sob domínio nacional. condições sociais e econômicas de apoio à Defesa Nacional
Uma apropriada estrutura de defesa propicia uma maior no Brasil, assim como a contribuição para a paz e a segurança
estabilidade ao país e assegura a proteção de seu território, internacionais e a proteção dos interesses brasileiros nos
de sua população e de setores estratégicos da economia. diferentes níveis de projeção externa do País.
A END é inseparável da estratégia nacional de desenvol- A presente Estratégia Nacional de Defesa trata da reorga-
vimento, vinculando o conceito e a política de independência nização e reorientação das Forças Armadas, da organização
da Base Industrial de Defesa e da política de composição dos
do país à responsabilidade constitucional das Forças Arma-
efetivos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Ao pro-
das de resguardar nossa soberania.
piciar a execução da Política Nacional de Defesa com uma
O documento institui ações estratégicas de médio e longo
orientação sistemática e com medidas de implementação,
prazo e objetiva a modernização da estrutura nacional de
a Estratégia Nacional de Defesa contribuirá para fortalecer o
defesa. Também trata das questões político‑institucionais
papel cada vez mais importante do Brasil no mundo.
que garantam os meios para fazer com que o governo e a
sociedade se engajem decisivamente na “grande estratégia” Estratégia Nacional de Defesa e Estratégia Nacional
de segurança da nação. de Desenvolvimento
Além disso, aborda temas propriamente militares, estipu-
lando orientações e paradigmas para a atuação operacional Estratégia nacional de defesa é inseparável de estratégia
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. nacional de desenvolvimento. Esta motiva aquela. Aquela for-
A Estratégia Nacional de Defesa está estruturada em nece escudo para esta. Cada uma reforça as razões da outra.
quatro eixos principais, que abordam: Em ambas, se desperta para a nacionalidade e constrói‑se a
• como as Forças Armadas devem se organizar e se Nação. Defendido, o Brasil terá como dizer não, quando tiver
orientar para melhor desempenharem sua destinação que dizer não. Terá capacidade para construir seu próprio
constitucional e suas atribuições na paz e na guerra; modelo de desenvolvimento.
• a reorganização da  Base Industrial de Defesa, para Não é evidente para um País que pouco trato teve com
assegurar o atendimento às necessidades de equipa- guerras, convencer‑se da necessidade de defender‑se para
mento das Forças Armadas apoiado em tecnologias sob poder construir‑se. Não bastam, ainda que sejam proveitosos
domínio nacional, preferencialmente as de emprego e até mesmo indispensáveis, os argumentos que invocam as
dual (militar e civil); utilidades das tecnologias e dos conhecimentos da defesa
• a composição dos efetivos das Forças Armadas; para o desenvolvimento do País. Os recursos demandados
• o futuro do Serviço Militar Obrigatório, observando a pela defesa exigem uma transformação de consciências,
necessidade das Forças Armadas serem formadas por para que se constitua uma estratégia de defesa para o Brasil.
cidadãos oriundos de todas as classes sociais. Apesar da dificuldade, é  indispensável para as Forças
Armadas de um País com as características do nosso, manter,
A seguir, disponibilizamos a Estratégia Nacional de Defesa em meio à paz, o impulso de se preparar para o combate e de
para conhecimento. cultivar, em prol desse preparo, o hábito da transformação.
Disposição para mudar é o que a Nação está a exigir
ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA agora de si mesma, de sua liderança, de seus marinheiros,
soldados e aviadores. Não se trata apenas de financiar e de
equipar as Forças Armadas. Trata‑se de transformá‑las, para
I – FORMULAÇÃO SISTEMÁTICA melhor defenderem o Brasil.
Projeto forte de defesa favorece projeto forte de de-
Introdução senvolvimento. Forte é o projeto de desenvolvimento que,
sejam quais forem suas demais orientações, se guie pelos
O Brasil é pacífico por tradição e por convicção. Vive em seguintes princípios:
paz com seus vizinhos. Rege suas relações internacionais, a. Independência nacional efetivada pela mobilização de
dentre outros, pelos princípios constitucionais da não in- recursos físicos, econômicos e humanos, para o investimento
tervenção, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos e no potencial produtivo do País. Aproveitar os investimentos
democracia. Essa vocação para a convivência harmônica, estrangeiros, sem deles depender;
Política e Segurança

tanto interna como externa, é parte da identidade nacional b. Independência nacional alcançada pela capacitação
e um valor a ser conservado pelo povo brasileiro. tecnológica autônoma, inclusive nos estratégicos setores
O Brasil ascenderá ao primeiro plano no cenário interna- espacial, cibernético e nuclear. Não é independente quem
cional sem buscar hegemonia. O povo brasileiro não deseja não tem o domínio das tecnologias sensíveis, tanto para a
exercer domínio sobre outros povos. Quer que o Brasil se defesa, como para o desenvolvimento; e
engrandeça sem imperar. c. Independência nacional assegurada pela democrati-
O crescente desenvolvimento do Brasil deve ser acom- zação de oportunidades educativas e econômicas e pelas
panhado pelo aumento do preparo de sua defesa contra oportunidades para ampliar a participação popular nos
ameaças e agressões. A sociedade brasileira vem tomando processos decisórios da vida política e econômica do País.

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Natureza e âmbito da Estratégia Nacional de Defesa também, de capacitações operacionais que permitam apro-
veitar ao máximo o potencial das tecnologias do movimento.
A Estratégia Nacional de Defesa é o vínculo entre o con- O vínculo entre os aspectos tecnológicos e operacio-
ceito e a política de independência nacional, de um lado, nais da mobilidade há de se realizar de maneira a alcançar
e as Forças Armadas para resguardar essa independência, de objetivos bem definidos. Entre esses objetivos, há um que
outro. Trata de questões políticas e institucionais decisivas guarda relação especialmente próxima com a mobilidade: a
para a defesa do País, como os objetivos da sua “grande capacidade de alternar a concentração e a desconcentração
estratégia” e os meios para fazer com que a Nação partici- de forças, com o propósito de dissuadir e combater a ameaça.
pe da defesa. Aborda, também, problemas propriamente
militares, derivados da influência dessa “grande estratégia” Fortalecer três setores de importância estratégica:
na orientação e nas práticas operacionais das três Forças. o espacial, o cibernético e o nuclear. Esse
fortalecimento assegurará o atendimento ao conceito
Diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa de flexibilidade

A Estratégia Nacional de Defesa pauta‑se pelas seguintes Como decorrência de sua própria natureza, esses setores
diretrizes: transcendem a divisão entre desenvolvimento e defesa, entre
o civil e o militar.
Dissuadir a concentração de forças hostis nas Os setores espacial e cibernético permitirão, em con-
fronteiras terrestres e nos limites das águas junto, que a capacidade de visualizar o próprio País não
jurisdicionais brasileiras, e impedir‑lhes o uso do dependa de tecnologia estrangeira e que as três Forças, em
espaço aéreo nacional conjunto, possam atuar em rede, instruídas por monitora-
mento que se faça também a partir do espaço. O Brasil tem
Para dissuadir, é preciso estar preparado para combater. compromisso – decorrente da Constituição e da adesão a
A tecnologia, por mais avançada que seja, jamais será alter- Tratados Internacionais – com o uso estritamente pacífico
nativa ao combate. Será sempre instrumento do combate. da energia nuclear. Entretanto, afirma a necessidade estra-
tégica de desenvolver e dominar essa tecnologia. O Brasil
Organizar as Forças Armadas sob a égide do trinômio precisa garantir o equilíbrio e a versatilidade da sua matriz
monitoramento/controle, mobilidade e presença energética e avançar em áreas, tais como as de agricultura
e saúde, que podem se beneficiar da tecnologia de energia
Esse triplo imperativo vale, com as adaptações cabíveis, nuclear. E levar a cabo, entre outras iniciativas que exigem
para cada Força. Do trinômio resulta a definição das capaci- independência tecnológica em matéria de energia nuclear,
tações operacionais de cada uma das Forças. o projeto do submarino de propulsão nuclear.
Desenvolver as capacidades de monitorar e controlar Unificar e desenvolver as operações conjuntas das
o espaço aéreo, o território e as águas jurisdicionais três Forças, muito além dos limites impostos pelos
brasileiras. protocolos de exercícios conjuntos
Tal desenvolvimento dar‑se‑á a partir da utilização de
Os instrumentos principais dessa unificação serão o
tecnologias de monitoramento terrestre, marítimo, aéreo
Ministério da Defesa e o Estado‑Maior Conjunto das Forças
e espacial que estejam sob inteiro e incondicional domínio
Armadas. Devem ganhar dimensão maior e responsabilida-
nacional.
des mais abrangentes.
O Ministro da Defesa exercerá, na plenitude, todos os
Desenvolver, lastreada na capacidade de monitorar/
poderes de direção das Forças Armadas que a Constituição
controlar, a capacidade de responder prontamente
a qualquer ameaça ou agressão: a mobilidade e as leis não reservarem, expressamente, ao Presidente da
estratégica República.
A subordinação das Forças Armadas ao poder político
A mobilidade estratégica  – entendida como a aptidão constitucional é pressuposto do regime republicano e ga-
para se chegar rapidamente à região em conflito – reforçada rantia da integridade da Nação.
pela mobilidade tática – entendida como a aptidão para se Os Secretários do Ministério da Defesa e o Diretor‑Geral
mover dentro daquela região – é o complemento prioritário do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da
do monitoramento/ controle e uma das bases do poder de Amazônia (CENSIPAM) serão nomeados mediante indicação
combate, exigindo, das Forças Armadas, ação que, mais do exclusiva do Ministro de Estado da Defesa, entre cidadãos
que conjunta, seja unificada. brasileiros, militares das três Forças e civis, respeitadas as
O imperativo de mobilidade ganha importância decisiva, peculiaridades e as funções de cada secretaria. As iniciati-
dadas a vastidão do espaço a defender e a escassez dos meios vas destinadas a formar quadros de especialistas civis em
para defendê‑lo. O esforço de presença, sobretudo ao longo defesa permitirão, no futuro, aumentar a presença de civis
das fronteiras terrestres e nas partes mais estratégicas do em postos dirigentes e nos demais níveis do Ministério da
Política e Segurança

litoral, tem limitações intrínsecas. É a mobilidade que permi- Defesa. As disposições legais em contrário serão revogadas.
tirá superar o efeito prejudicial de tais limitações. O Estado‑Maior Conjunto das Forças Armadas será
chefiado por um oficial‑general de último posto, e  terá a
Aprofundar o vínculo entre os aspectos tecnológicos participação de um Comitê, integrado pelos Chefes dos Esta-
e os operacionais da mobilidade, sob a disciplina de dos‑Maiores das três Forças. Será subordinado diretamente
objetivos bem definidos ao Ministro da Defesa. Construirá as iniciativas destinadas
a dar realidade prática à tese da unificação doutrinária, es-
Mobilidade depende de meios terrestres, marítimos e tratégica e operacional e contará com estrutura permanente
aéreos apropriados e da maneira de combiná‑los. Depende, que lhe permita cumprir sua tarefa.

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A Marinha, o Exército e a Aeronáutica disporão, singular- ou em parte, em qualquer área estratégica compatível com
mente, de um Comandante, nomeado pelo(a) Presidente(a) sua doutrina de emprego.
da República e indicado pelo Ministro da Defesa. O Coman-
dante de Força, no âmbito das suas atribuições, exercerá a Priorizar a região amazônica
direção e a gestão da sua Força, formulará a sua política e
doutrina e preparará seus órgãos operativos e de apoio para A Amazônia representa um dos focos de maior interesse
o cumprimento da destinação constitucional. para a defesa. A defesa da Amazônia exige avanço de projeto
Os Estados‑Maiores das três Forças, subordinados a de desenvolvimento sustentável e passa pelo trinômio mo-
seus Comandantes, serão os agentes da formulação estra- nitoramento/controle, mobilidade e presença.
tégica em cada uma delas, sob a orientação do respectivo O Brasil será vigilante na reafirmação incondicional de
Comandante. sua soberania sobre a Amazônia brasileira. Repudiará, pela
prática de atos de desenvolvimento e de defesa, qualquer
Reposicionar os efetivos das três forças tentativa de tutela sobre as suas decisões a respeito de
preservação, de desenvolvimento e de defesa da Amazô-
As principais unidades do Exército estacionam no Sudeste nia. Não permitirá que organizações ou indivíduos sirvam
e no Sul do Brasil. A esquadra da Marinha concentra‑se na de instrumentos para interesses estrangeiros  – políticos
cidade do Rio de Janeiro. Algumas instalações tecnológicas ou econômicos  – que queiram enfraquecer a soberania
da Força Aérea estão localizadas em São José dos Campos, brasileira. Quem cuida da Amazônia brasileira, a serviço da
em São Paulo. As preocupações mais agudas de defesa estão, humanidade e de si mesmo, é o Brasil.
porém, no Norte, no Oeste e no Atlântico Sul. O CENSIPAM deverá atuar integradamente com as FA,
Sem desconsiderar a necessidade de defender as maiores a  fim de fortalecer o monitoramento, o  planejamento,
concentrações demográficas e os maiores centros industriais o controle, a logística, a mobilidade e a presença na Ama-
do País, a Marinha deverá estar mais presente na região da zônia brasileira.
foz do Rio Amazonas e nas grandes bacias fluviais do Ama-
zonas e do Paraguai‑Paraná. Deverá o Exército agrupar suas Desenvolver a capacidade logística, para fortalecer a
reservas regionais nas respectivas áreas, para possibilitar a mobilidade, sobretudo na região amazônica
resposta imediata na crise ou na guerra.
Pelas mesmas razões que exigem a formação do Esta- Daí a importância de se possuir estruturas de transporte
do‑Maior Conjunto das Forças Armadas, os Distritos Navais e de comando e controle que possam operar em grande
ou Comandos de Área das três Forças terão suas áreas de ju- variedade de circunstâncias, inclusive sob as condições
risdição coincidentes, ressalvados impedimentos decorrentes extraordinárias impostas pela guerra.
de circunstâncias locais ou específicas. Os oficiais‑generais
que comandarem, por conta de suas respectivas Forças, um Desenvolver o conceito de flexibilidade no combate,
Distrito Naval ou Comando de Área, reunir‑se‑ão regular- para atender aos requisitos de monitoramento/
mente, acompanhados de seus principais assessores, para controle, mobilidade e presença
assegurar a unidade operacional das três Forças naquela
área. Em cada área deverá ser estruturado um Estado‑Maior Isso exigirá, sobretudo na Força Terrestre, que as forças
Conjunto Regional, para realizar e atualizar, desde o tempo convencionais cultivem alguns predicados atribuídos a forças
de paz, os planejamentos operacionais da área. não convencionais.
Somente Forças Armadas com tais predicados estarão
Adensar a presença de unidades da Marinha, do aptas para operar no amplíssimo espectro de circunstâncias
Exército e da Força Aérea nas fronteiras que o futuro poderá trazer.
A conveniência de assegurar que as forças convencionais
Deve‑se ter claro que, dadas as dimensões continentais adquiram predicados comumente associados a forças não
do território nacional, presença não pode significar onipre- convencionais pode parecer mais evidente no ambiente
sença. A  presença ganha efetividade graças à sua relação da selva amazônica. Aplicam‑se eles, porém, com igual
com monitoramento/controle e com mobilidade. pertinência, a outras áreas do País. Não é uma adaptação
Nas fronteiras terrestres, nas águas jurisdicionais brasilei- a especificidades geográficas localizadas. É resposta a uma
ras e no espaço aéreo sobrejacente, as unidades do Exército, vocação estratégica geral.
da Marinha e da Força Aérea têm, sobretudo, tarefas de vigi-
lância. No cumprimento dessas tarefas, as unidades ganham Desenvolver o repertório de práticas e de
seu pleno significado apenas quando compõem sistema inte- capacitações operacionais dos combatentes, para
grado de monitoramento/ controle, feito, inclusive, a partir atender aos requisitos de monitoramento/controle,
do espaço. Ao mesmo tempo, tais unidades potencializam‑se mobilidade e presença
como instrumentos de defesa, por meio de seus vínculos
com as reservas táticas e estratégicas. Os  vigias alertam. Cada homem e mulher a serviço das Forças Armadas há
As reservas respondem e operam. E a eficácia do emprego de dispor de três ordens de meios e de habilitações.
das reservas táticas regionais e estratégicas é proporcional à Em primeiro lugar, cada combatente deve contar com
Política e Segurança

capacidade de atenderem à exigência da mobilidade. meios e habilitações para atuar em rede, não só com ou-
Entende‑se por reservas táticas forças articuladas, em tros combatentes e contingentes de sua própria Força, mas
profundidade, numa determinada área estratégica, com mo- também com combatentes e contingentes das outras Forças.
bilidade suficiente para serem empregadas na própria área As tecnologias de comunicações, inclusive com os veículos
estratégica onde estão localizadas. Reservas estratégicas são que monitorem a superfície da terra e do mar, a partir do
forças dotadas de alta mobilidade estratégica, com estrutura espaço, devem ser encaradas como instrumentos poten-
organizacional completa desde o tempo de paz, dotadas do cializadores de iniciativas de defesa e de combate. Esse é
mais alto nível possível de capacitação operacional e apresta- o sentido do requisito de monitoramento e controle e de
mento, em condições de atuar no mais curto prazo, no todo sua relação com as exigências de mobilidade e de presença.

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Em segundo lugar, cada combatente deve dispor de de conflitos dentro da região. Com todos os países, avança‑se
tecnologias e de conhecimentos que permitam aplicar, em rumo à construção da unidade sul‑americana. O Conselho de
qualquer região em conflito, terrestre ou marítimo, o impe- Defesa Sul‑Americano é um mecanismo consultivo que se
rativo de mobilidade. É a esse imperativo, combinado com destina a prevenir conflitos e fomentar a cooperação militar
a capacidade de combate, que devem servir as plataformas regional e a integração das bases industriais de defesa, sem
e os sistemas de armas à disposição do combatente. que dele participe país alheio à região. Orienta‑se pelo prin-
Em terceiro lugar, cada combatente deve ser treinado cípio da cooperação entre seus membros.
para abordar o combate de modo a atenuar as formas Preparar as Forças Armadas para desempenharem
rígidas e tradicionais de comando e controle, em prol da responsabilidades crescentes em operações internacionais
flexibilidade, da adaptabilidade, da audácia e da surpresa no de apoio à política exterior do Brasil. Em tais operações,
campo de batalha. Esse combatente será, ao mesmo tempo, as Forças agirão sob a orientação das Nações Unidas ou em
um comandado que sabe obedecer, exercer a iniciativa, na apoio a iniciativas de órgãos multilaterais da região, pois o
ausência de ordens específicas, e  orientar‑se em meio às fortalecimento do sistema de segurança coletiva é benéfico
incertezas e aos sobressaltos do combate – e uma fonte de à paz mundial e à defesa nacional.
iniciativas  – capaz de adaptar suas ordens à realidade da
situação mutável em que se encontra. Ampliar a capacidade de atender aos compromissos
Ganha ascendência no mundo um estilo de produção internacionais de busca e salvamento
industrial marcado pela atenuação de contrastes entre ati-
vidades de planejamento e de execução e pela relativização É tarefa prioritária para o País, o  aprimoramento dos
de especializações rígidas nas atividades de execução. Esse meios existentes e da capacitação do pessoal envolvido com
estilo encontra contrapartida na maneira de fazer a guerra, as atividades de busca e salvamento no território nacional,
cada vez mais caracterizada por extrema flexibilidade. nas águas jurisdicionais brasileiras e nas áreas pelas quais
o Brasil é responsável, em decorrência de compromissos
Promover a reunião, nos militares brasileiros, dos internacionais.
atributos e predicados exigidos pelo conceito de
flexibilidade Desenvolver o potencial de mobilização militar e
nacional para assegurar a capacidade dissuasória e
O militar brasileiro precisa reunir qualificação e rus- operacional das Forças Armadas
ticidade. Necessita dominar as tecnologias e as práticas
operacionais exigidas pelo conceito de flexibilidade. Deve Diante de eventual degeneração do quadro internacional,
identificar‑se com as peculiaridades e características geográ- o Brasil e suas Forças Armadas deverão estar prontos para
ficas exigentes ou extremas que existem no País. Só assim tomar medidas de resguardo do território, das linhas de
realizar‑se‑á, na prática, o conceito de flexibilidade, dentro comércio marítimo e plataformas de petróleo e do espaço
das características do território nacional e da situação geo- aéreo nacionais. As Forças Armadas deverão, também, estar
gráfica e geopolítica do Brasil. habilitadas a aumentar rapidamente os meios humanos e ma-
Rever, a partir de uma política de otimização do emprego teriais disponíveis para a defesa. Exprime‑se o imperativo de
de recursos humanos, a composição dos efetivos das três For- elasticidade em capacidade de mobilização nacional e militar.
ças, de modo a dimensioná‑las para atender adequadamente Ao decretar a mobilização nacional, o Poder Executivo
ao disposto na Estratégia Nacional de Defesa. delimitará a área em que será realizada e especificará as
medidas necessárias à sua execução, como, por exemplo, po-
Estruturar o potencial estratégico em torno de deres para assumir o controle de recursos materiais, inclusive
capacidades meios de transporte necessários à defesa, de acordo com a
Lei de Mobilização Nacional. A mobilização militar demanda
Convém organizar as Forças Armadas em torno de capa- a organização de uma força de reserva, mobilizável em tais
cidades, não em torno de inimigos específicos. O Brasil não circunstâncias. Reporta‑se, portanto, à questão do futuro do
tem inimigos no presente. Para não tê‑los no futuro, é preciso Serviço Militar Obrigatório.
preservar a paz e preparar‑se para a guerra. Sem que se assegure a elasticidade para as Forças Arma-
das, seu poder dissuasório e defensivo ficará comprometido.
Preparar efetivos para o cumprimento de missões
de garantia da lei e da ordem, nos termos da Capacitar a Base Industrial de Defesa para que
Constituição conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis
à defesa
O País cuida para evitar que as Forças Armadas desem-
penhem papel de polícia. Efetuar operações internas em Regimes jurídico, regulatório e tributário especiais prote-
garantia da lei e da ordem, quando os poderes constituídos gerão as empresas privadas nacionais de produtos de defesa
não conseguem garantir a paz pública e um dos Chefes contra os riscos do imediatismo mercantil e assegurarão con-
dos três Poderes o requer, faz parte das responsabilidades tinuidade nas compras públicas. A contrapartida a tal regime
constitucionais das Forças Armadas. A legitimação de tais especial será, porém, o poder estratégico que o Estado exer-
cerá sobre tais empresas, a ser assegurado por um conjunto
Política e Segurança

responsabilidades pressupõe, entretanto, legislação que


ordene e respalde as condições específicas e os procedi- de instrumentos de direito privado ou de direito público.
mentos federativos que deem ensejo a tais operações, com Já o setor estatal de produtos de defesa terá por missão
resguardo de seus integrantes. operar no teto tecnológico, desenvolvendo as tecnologias
que as empresas privadas não possam alcançar ou obter,
Estimular a integração da América do Sul a curto ou médio prazo, de maneira rentável.
A formulação e a execução da política de obtenção de
Essa integração não somente contribui para a defesa do produtos de defesa serão centralizadas no Ministério da
Brasil, como possibilita fomentar a cooperação militar regional Defesa, sob a responsabilidade da Secretaria de Produtos
e a integração das bases industriais de defesa. Afasta a sombra de Defesa (SEPROD), admitida delegação na sua execução.

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A Base Industrial de Defesa será incentivada a competir atribuições na paz e na guerra. Enumeram‑se diretrizes
em mercados externos para aumentar a sua escala de pro- estratégicas relativas a cada uma das Forças e especifica‑se
dução. A consolidação da União de Nações Sul‑Americanas a relação que deve prevalecer entre elas. Descreve‑se a ma-
(UNASUL) poderá atenuar a tensão entre o requisito da neira de transformar tais diretrizes em práticas e capacitações
independência em produção de defesa e a necessidade de operacionais e propõe‑se a linha de evolução tecnológica
compensar custo com escala, possibilitando o desenvol- necessária para assegurar que se concretizem.
vimento da produção de defesa em conjunto com outros A análise das hipóteses de emprego das Forças Arma-
países da região. das – para resguardar o espaço aéreo, o território e as águas
Serão buscadas parcerias com outros países, com o jurisdicionais brasileiras – permite dar foco mais preciso às
propósito de desenvolver a capacitação tecnológica e a diretrizes estratégicas. Nenhuma análise de hipóteses de
fabricação de produtos de defesa nacionais, de modo a emprego pode, porém, desconsiderar as ameaças do futuro.
eliminar, progressivamente, a  dependência de serviços e Por isso mesmo, as diretrizes estratégicas e as capacitações
produtos importados. Sempre que possível, as  parcerias operacionais precisam transcender o horizonte imediato
serão construídas como expressões de associação estratégica que a experiência e o entendimento de hoje permitem
mais abrangente entre o Brasil e o país parceiro. A associação descortinar.
será manifestada em colaborações de defesa e de desen- Ao lado da destinação constitucional, das atribuições, da
volvimento, e será pautada por duas ordens de motivações cultura, dos costumes e das competências próprias de cada
básicas: a internacional e a nacional. Força e da maneira de sistematizá‑las em uma estratégia de
A motivação de ordem internacional será trabalhar com defesa integrada, aborda‑se o papel de três setores decisivos
o país parceiro em prol de um maior pluralismo de poder e para a defesa nacional: o espacial, o cibernético e o nuclear.
de visão no mundo. Esse trabalho conjunto passa por duas Descreve‑se como as três Forças devem operar em rede –
etapas. Na primeira etapa, o objetivo é a melhor representa- entre si e em ligação com o monitoramento do território, do
ção de países emergentes, inclusive o Brasil, nas organizações espaço aéreo e das águas jurisdicionais brasileiras.
internacionais – políticas e econômicas – estabelecidas. Na O segundo eixo estruturante refere‑se à reorganização
segunda, o alvo é a reestruturação das organizações inter- da Base Industrial de Defesa, para assegurar que o atendi-
nacionais, para que se tornem mais abertas às divergências, mento às necessidades de tais produtos por parte das Forças
às inovações e aos experimentos do que são as instituições Armadas apoie‑se em tecnologias sob domínio nacional,
nascidas ao término da Segunda Guerra Mundial. preferencialmente as de emprego dual (militar e civil).
A motivação de ordem nacional será contribuir para a O terceiro eixo estruturante versa sobre a composição
ampliação das instituições que democratizem a economia dos efetivos das Forças Armadas e, consequentemente,
de mercado e aprofundem a democracia, organizando o sobre o futuro do Serviço Militar Obrigatório. Seu propósito
crescimento econômico socialmente includente. é zelar para que as Forças Armadas reproduzam, em sua
composição, a própria Nação – para que elas não sejam uma
Deverá, sempre que possível, ser buscado o desenvolvi-
parte da Nação, pagas para lutar por conta e em benefício
mento de materiais que tenham uso dual.
das outras partes. O Serviço Militar Obrigatório deve, pois,
funcionar como espaço republicano, no qual possa a Nação
Manter o Serviço Militar Obrigatório
encontrar‑se acima das classes sociais.
O Serviço Militar Obrigatório é uma das condições para
que se possa mobilizar o povo brasileiro em defesa da sobera-
nia nacional. É, também, instrumento para afirmar a unidade Objetivos Estratégicos das Forças Armadas
da Nação, independentemente de classes sociais, gerando
A Marinha do Brasil
oportunidades e incentivando o exercício da cidadania. Como
o número dos alistados anualmente é muito maior do que
Na maneira de conceber a relação entre as tarefas es-
o número de recrutas de que precisam as Forças Armadas,
tratégicas de negação do uso do mar, de controle de áreas
deverão elas selecioná‑los segundo o vigor físico, a aptidão e
marítimas e de projeção de poder, a Marinha do Brasil se
a capacidade intelectual, cuidando para que todas as classes
pautará por um desenvolvimento desigual e conjunto. Se
sociais sejam representadas. aceitasse dar peso igual a todas as três tarefas, seria grande o
risco de ser medíocre em todas elas. Embora todas mereçam
Participar da concepção e do desenvolvimento ser cultivadas, serão em determinada ordem e sequência.
da infraestrutura estratégica do País, para incluir A prioridade é assegurar os meios para negar o uso do
requisitos necessários à Defesa Nacional mar a qualquer concentração de forças inimigas que se
aproxime do Brasil por via marítima. A negação do uso do
A infraestrutura estratégica do Brasil deverá contemplar mar ao inimigo é a que organiza, antes de atendidos quais-
estudos para emprego dual, ou seja, atender à sociedade e quer outros objetivos estratégicos, a  estratégia de defesa
à economia do País, bem como à Defesa Nacional Inserir, marítima do Brasil. Essa prioridade tem implicações para a
nos cursos de altos estudos estratégicos de oficiais das três reconfiguração das forças navais.
forças, os princípios e diretrizes da Estratégia Nacional de Ao garantir seu poder para negar o uso do mar ao inimigo,
Defesa, inclusive aqueles que dizem respeito ao Estado‑Maior o Brasil precisa manter a capacidade focada de projeção de
Conjunto.
Política e Segurança

poder e criar condições para controlar, no grau necessário à


defesa e dentro dos limites do direito internacional, as áreas
Eixos Estruturantes marítimas e águas interiores de importância político- es-
tratégica, econômica e militar, e também as suas linhas de
A Estratégia Nacional de Defesa organiza‑se em torno comunicação marítimas. A  despeito dessa consideração,
de três eixos estruturantes a projeção de poder se subordina, hierarquicamente, à ne-
gação do uso do mar. A negação do uso do mar, o controle
O primeiro eixo estruturante diz respeito a como as de áreas marítimas e a projeção de poder devem ter por
Forças Armadas devem se organizar e se orientar para me- foco, sem hierarquização de objetivos e de acordo com as
lhor desempenharem sua destinação constitucional e suas circunstâncias:

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a) defesa proativa das plataformas petrolíferas; A presença da Marinha nas bacias fluviais será facilitada
b) defesa proativa das instalações navais e portuárias, pela dedicação do País à inauguração de um paradigma
dos arquipélagos e das ilhas oceânicas nas águas multimodal de transporte. Esse paradigma contemplará a
jurisdicionais brasileiras; construção das hidrovias do Paraná‑Tietê, do Madeira, do
c) prontidão para responder a qualquer ameaça, por Tocantins‑Araguaia e do Tapajós‑Teles Pires. As  barragens
Estado ou por forças não convencionais ou criminosas, serão, quando possível, providas de eclusas, de modo a
às vias marítimas de comércio; e assegurar franca navegabilidade às hidrovias.
d) capacidade de participar de operações internacionais O monitoramento da superfície do mar, a partir do espa-
de paz, fora do território e das águas jurisdicionais ço, deverá integrar o repertório de práticas e capacitações
brasileiras, sob a égide das Nações Unidas ou de operacionais da Marinha.
organismos multilaterais da região. A partir dele, as forças navais, submarinas e de superfície
terão fortalecidas suas capacidades de atuar em rede com
A construção de meios para exercer o controle de áreas as forças terrestre e aérea.
marítimas terá como foco as áreas estratégicas de acesso A constituição de uma força e de uma estratégia navais
marítimo ao Brasil. Duas áreas do litoral continuarão a me- que integrem os componentes submarino, de superfície e aé-
recer atenção especial, do ponto de vista da necessidade reo, permitirá realçar a flexibilidade com que se resguarda o
de controlar o acesso marítimo ao Brasil: a faixa que vai de objetivo prioritário da estratégia de segurança marítima: a
Santos a Vitória e a área em torno da foz do Rio Amazonas. dissuasão, priorizando a negação do uso do mar ao inimigo
A doutrina do desenvolvimento desigual e conjunto tem que se aproxime do Brasil, por meio do mar. Em amplo es-
implicações para a reconfiguração das forças navais. A impli- pectro de circunstâncias de combate, sobretudo quando a
cação mais importante é que a Marinha se reconstruirá, por força inimiga for muito mais poderosa, a força de superfície
etapas, como uma Força balanceada entre o componente será concebida e operada como reserva tática ou estratégica.
submarino, o  componente de superfície e o componente Preferencialmente, e sempre que a situação tática permitir,
aeroespacial. a  força de superfície será engajada no conflito depois do
Para assegurar a tarefa de negação do uso do mar, emprego inicial da força submarina, que atuará de maneira
o Brasil contará com força naval submarina de envergadura, coordenada com os veículos espaciais (para efeito de moni-
composta de submarinos convencionais e de submarinos toramento) e com meios aéreos (para efeito de fogo focado).
de propulsão nuclear. O Brasil manterá e desenvolverá sua Esse desdobramento do combate em etapas sucessivas,
capacidade de projetar e de fabricar tanto submarinos de sob a responsabilidade de contingentes distintos, permitirá,
propulsão convencional, como de propulsão nuclear. Acelera- na guerra naval, a agilização da alternância entre a concen-
rá os investimentos e as parcerias necessários para executar tração e a desconcentração de forças e o aprofundamento
o projeto do submarino de propulsão nuclear. Armará os da flexibilidade a serviço da surpresa.
submarinos com mísseis e desenvolverá capacitações para Um dos elos entre a etapa preliminar do embate, sob a
projetá‑los e fabricá‑los. Cuidará de ganhar autonomia nas responsabilidade da força submarina e de suas contrapartes
tecnologias cibernéticas que guiem os submarinos e seus espacial e aérea, e  a etapa subsequente, conduzida com
sistemas de armas, e que lhes possibilitem atuar em rede o pleno engajamento da força naval de superfície, será a
com as outras forças navais, terrestres e aéreas. Aviação Naval, embarcada em navios. A Marinha trabalhará
Para assegurar sua capacidade de projeção de poder, com a Base Industrial de Defesa para desenvolver um avião
a Marinha possuirá, ainda, meios de Fuzileiros Navais, em versátil, que maximize o potencial aéreo defensivo e ofensivo
permanente condição de pronto emprego. A existência de da Força Naval.
tais meios é também essencial para a defesa das instalações A Marinha iniciará os estudos e preparativos para esta-
navais e portuárias, brasileiras, para atuar em operações belecer, em lugar próprio, o mais próximo possível da foz do
internacionais de paz e em operações humanitárias, em qual- rio Amazonas, uma base naval de uso múltiplo, comparável,
quer lugar do mundo. Nas vias fluviais, serão fundamentais na abrangência e na densidade de seus meios, à Base Naval
para assegurar o controle das margens durante as operações do Rio de Janeiro.
ribeirinhas. O  Corpo de Fuzileiros Navais consolidar‑se‑á A Marinha acelerará o trabalho de instalação de suas
como a força de caráter expedicionário por excelência. bases de submarinos, convencionais e de propulsão nuclear.
A força naval de superfície contará tanto com navios de
grande porte, capazes de operar e de permanecer por longo O Exército Brasileiro
tempo em alto mar, como com navios de porte menor, de-
dicados a patrulhar o litoral e os principais rios navegáveis O Exército Brasileiro cumprirá sua destinação constitucio-
brasileiros. Requisito para a manutenção de tal esquadra nal e desempenhará suas atribuições, na paz e na guerra, sob
será a capacidade da Força Aérea de trabalhar em conjunto a orientação dos conceitos estratégicos de flexibilidade e de
com a Aviação Naval, para garantir o controle do ar no grau elasticidade. A flexibilidade, por sua vez, inclui os requisitos
desejado, em caso de conflito armado/guerra. Entre os estratégicos de monitoramento/controle e de mobilidade.
navios de alto mar, a Marinha dedicará especial atenção ao Flexibilidade é a capacidade de empregar forças mi-
projeto e à fabricação de navios de propósitos múltiplos e litares com o mínimo de rigidez preestabelecida e com o
navios‑aeródromos. máximo de adaptabilidade à circunstância de emprego da
Política e Segurança

A Marinha contará, também, com embarcações de com- força. Na paz, significa a versatilidade com que se substitui
bate, de transporte e de patrulha, oceânicas, litorâneas e a presença – ou a onipresença – pela capacidade de se fazer
fluviais. Serão concebidas e fabricadas de acordo com a mes- presente (mobilidade) à luz da informação (monitoramento/
ma preocupação de versatilidade funcional que orientará a controle). Na guerra, exige a capacidade de deixar o inimigo
construção das belonaves de alto mar. A Marinha adensará em desequilíbrio permanente, surpreendendo‑o por meio da
sua presença nas vias navegáveis das duas grandes bacias dialética da desconcentração e da concentração de forças e
fluviais, a do Amazonas e a do Paraguai‑Paraná, empregando da audácia com que se desfecha o golpe inesperado.
tanto navios‑patrulha como navios‑transporte, ambos guar- A flexibilidade relativiza o contraste entre o conflito
necidos por helicópteros adaptados ao regime das águas. convencional e o conflito não convencional: reivindica,

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para as forças convencionais, alguns dos atributos de força O entendimento da mobilidade tem implicações para
não convencional, e  firma a supremacia da inteligência e a evolução dos blindados, dos meios mecanizados e da
da imaginação sobre o mero acúmulo de meios materiais artilharia. Uma implicação desse entendimento é harmo-
e humanos. Por isso mesmo, rejeita a tentação de ver na nizar, no desenho dos blindados e dos meios mecanizados,
alta tecnologia, alternativa ao combate, assumindo‑a como características técnicas de proteção e movimento. Outra
um reforço da capacidade operacional. Insiste no papel da implicação  – nos blindados, nos meios mecanizados e na
surpresa. Transforma a incerteza em solução, em vez de artilharia  – é priorizar o desenvolvimento de tecnologias
encará‑la como problema. Combina as defesas meditadas capazes de assegurar precisão na execução do tiro.
com os ataques fulminantes. A transformação de todo o Exército em vanguarda, com
Elasticidade é a capacidade de aumentar rapidamente o base no módulo brigada, terá prioridade sobre a estratégia
dimensionamento das forças militares quando as circunstân- de presença. Nessa transformação, será prioritário o apare-
cias o exigirem, mobilizando, em grande escala, os recursos lhamento baseado no completamento e na modernização
humanos e materiais do País. A elasticidade exige, portanto, dos sistemas operacionais das brigadas, para dotá‑las de
a construção de força de reserva, mobilizável de acordo com capacidade de rapidamente fazerem‑se presentes.
as circunstâncias. A base derradeira da elasticidade é a inte- A transformação será, porém, compatibilizada com a
gração das Forças Armadas com a Nação. O desdobramento estratégia da presença, em especial na região amazônica, em
da elasticidade reporta‑se à parte dessa Estratégia Nacional face dos obstáculos à mobilidade e à concentração de forças.
de Defesa, que trata do futuro do Serviço Militar Obrigatório Em todas as circunstâncias, as unidades militares situadas
e da mobilização nacional. nas fronteiras funcionarão como destacamentos avançados
A flexibilidade depende, para sua afirmação plena, da de vigilância e de dissuasão.
elasticidade. O potencial da flexibilidade, para dissuasão e Nos centros estratégicos do País – políticos, industriais,
para defesa, ficaria severamente limitado, se não fosse pos- científico‑tecnológicos e militares – a estratégia de presença
sível, em caso de necessidade, multiplicar os meios humanos do Exército concorrerá também para o objetivo de se asse-
e materiais das Forças Armadas. Por outro lado, a maneira de gurar a capacidade de defesa antiaérea, em quantidade e
interpretar e de efetuar o imperativo da elasticidade revela o em qualidade, sobretudo por meio de artilharia antiaérea
desdobramento mais radical da flexibilidade. A elasticidade de média altura.
é a flexibilidade, traduzida no engajamento de toda a Nação O Exército continuará a manter reservas regionais e
em sua própria defesa. estratégicas, articuladas em dispositivo de expectativa.
O Exército, embora seja empregado de forma progres- A articulação para as reservas estratégicas deverá permitir
siva nas crises e na guerra, deve ser constituído por meios a rápida concentração de tropas. A localização das reservas
modernos e por efetivos muito bem adestrados. A Força de- estratégicas deverá ser objeto de contínua avaliação, à luz
verá manter‑se em permanente processo de transformação, das novas realidades do País.
buscando, desde logo, evoluir da era industrial para a era do O Exército deverá ter capacidade de projeção de poder,
conhecimento. A  concepção do Exército como vanguarda constituindo uma Força, quer expedicionária, quer para
tem, como expressão prática principal, a sua reconstrução operações de paz, ou de ajuda humanitária, para atender
em módulo brigada, que vem a ser o módulo básico de com- compromissos assumidos sob a égide de organismos in-
bate da Força Terrestre. Na composição atual do Exército, ternacionais ou para salvaguardar interesses brasileiros no
as brigadas das Forças de Ação Rápida Estratégicas são as exterior.
que melhor exprimem o ideal de flexibilidade. O monitoramento/controle, como componente do
O modelo de composição das Forças de Ação Rápida imperativo de flexibilidade, exigirá que, entre os recursos
Estratégicas não precisa nem deve ser seguido rigidamente, espaciais, haja um vetor sob integral domínio nacional, ainda
sem que se levem em conta os problemas operacionais pró- que parceiros estrangeiros participem do seu projeto e da
prios das diferentes regiões em conflito. Entretanto, todas as sua implementação, incluindo:
brigadas do Exército devem conter, em princípio, os seguintes a) a fabricação de veículos lançadores de satélites;
elementos, para que se generalize o atendimento do conceito b) a fabricação de satélites de baixa e de alta altitude,
da flexibilidade: sobretudo de satélites geoestacionários, de múlti-
a) Recursos humanos com elevada motivação e efetiva plos usos;
capacitação operacional, típicas da Brigada de Operações c) o desenvolvimento de alternativas nacionais aos sis-
Especiais, que hoje compõe a reserva estratégica do Exército; temas de localização e de posicionamento, dos quais
b) Instrumentos de comando e controle, de tecnologia da o Brasil depende, passando pelas necessárias etapas
informação, de comunicações e de monitoramento que lhes internas de evolução dessas tecnologias;
permitam operar em rede com outras unidades da Marinha, d) os meios aéreos e terrestres para monitoramento
do Exército e da Força Aérea e receber informação fornecida focado, de alta resolução; e
pelo monitoramento do terreno a partir do ar e do espaço; e) as capacitações e os instrumentos cibernéticos
c) Instrumentos de mobilidade que lhes permitam necessários para assegurar comunicações entre os
deslocar‑se rapidamente por terra, água e ar – para a região monitores espaciais e aéreos e a força terrestre.
em conflito e dentro dela. Por ar e por água, a mobilidade se
efetuará comumente por meio de operações conjuntas com A mobilidade, como componente do imperativo de flexi-
Política e Segurança

a Marinha e com a Força Aérea; e bilidade, requererá o desenvolvimento de veículos terrestres


d) Recursos logísticos capazes de manter a brigada mes- e de meios aéreos de combate e de transporte. Demandará,
mo em regiões isoladas e inóspitas por um determinado também, a reorganização das relações com a Marinha e com
período. a Força Aérea, de maneira a assegurar, tanto na cúpula dos
A qualificação do módulo brigada como vanguarda exige Estados‑Maiores, como na base dos contingentes operacio-
amplo espectro de meios tecnológicos, desde os menos so- nais, a capacidade de atuar como uma única força.
fisticados, tais como radar portátil e instrumental de visão Monitoramento/controle e mobilidade têm seu comple-
noturna, até as formas mais avançadas de comunicação mento em medidas destinadas a assegurar, ainda no módulo
entre as operações terrestres e o monitoramento espacial. brigada, a obtenção do efetivo poder de combate. Algumas

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dessas medidas são tecnológicas: o desenvolvimento de sis- no mais alto grau, tenaz. Sua tenacidade se inspirará
temas de armas e de guiamento que permitam precisão no na identificação da Nação com a causa da defesa;
direcionamento do tiro e o desenvolvimento da capacidade d) Sustentar, sob condições adversas e extremas, a ca-
de fabricar munições de todos os tipos, excluídas aquelas pacidade de comando e controle entre as forças
banidas por tratados internacionais do qual o Brasil faz par- combatentes;
te. Outras medidas são operacionais: a consolidação de um e) Construir e manter, mesmo sob condições adversas
repertório de práticas e de capacitações que proporcionem e extremas, o poder de apoio logístico às forças com-
à Força Terrestre os conhecimentos e as potencialidades, batentes; e
tanto para o combate convencional, quanto para o não f) Saber aproveitar ao máximo as características do
convencional, capaz de operar com adaptabilidade nas ambiente.
condições imensamente variadas o território nacional. Outra
A Força Aérea Brasileira
medida – ainda mais importante – é educativa: a formação
de um militar que reúna qualificação e rusticidade.
Quatro objetivos estratégicos orientam a missão da Força
A defesa da região amazônica será encarada, na atual Aérea Brasileira e fixam o lugar de seu trabalho dentro da
fase da História, como o foco de concentração das diretrizes Estratégia Nacional de Defesa. Esses objetivos estão encadea-
resumidas sob o rótulo dos imperativos de monitoramento/ dos em determinada ordem: cada um condiciona a definição
controle e de mobilidade. Não exige qualquer exceção a tais e a execução dos objetivos subsequentes.
diretrizes e reforça as razões para segui‑las. As adaptações
necessárias serão as requeridas pela natureza daquela região a) A prioridade da vigilância aérea.
em conflito: a intensificação das tecnologias e dos dispositi- Exercer a vigilância do espaço aéreo, sobre o território
vos de monitoramento a partir do espaço, do ar e da terra; nacional e as águas jurisdicionais brasileiras, com a assistên-
a primazia da transformação da brigada em uma força com cia dos meios espaciais, aéreos, terrestres e marítimos, é a
atributos tecnológicos e operacionais; os meios logísticos e primeira das responsabilidades da Força Aérea e a condição
aéreos para apoiar unidades de fronteira isoladas em áreas essencial para impedir o sobrevoo de engenhos aéreos con-
remotas, exigentes e vulneráveis; e a formação de um com- trários ao interesse nacional. A  estratégia da Força Aérea
batente detentor de qualificação e de rusticidade necessárias será a de cercar o Brasil com sucessivas e complementares
à proficiência de um combatente de selva. camadas de visualização, condicionantes da prontidão para
O desenvolvimento sustentável da região amazônica responder. Implicação prática dessa tarefa é que a Força
passará a ser visto, também, como instrumento da defesa Aérea precisará contar com plataformas e sistemas próprios
nacional: só ele pode consolidar as condições para assegurar para monitorar, e não apenas para combater e transportar,
a soberania nacional sobre aquela região. Dentro dos planos particularmente na região amazônica.
para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, caberá O Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA),
papel primordial à regularização fundiária. Para defender integrador dessas camadas, disporá de um complexo de
a Amazônia, será preciso ampliar a segurança jurídica e monitoramento, incluindo o uso de veículos lançadores,
reduzir os conflitos decorrentes dos problemas fundiários satélites, aviões de inteligência e respectivos aparatos de
ainda existentes. visualização e de comunicações, que estejam sob integral
Atender ao imperativo da elasticidade será preocupação domínio nacional.
especial do Exército, pois é, sobretudo, a Força Terrestre que O Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDA-
terá de multiplicar‑se, em caso de conflito armado/guerra. BRA) será fortalecido como órgão central da defesa aero-
Os imperativos de flexibilidade e de elasticidade culmi- espacial e do controle de engenhos espaciais, incumbido
nam no preparo para uma guerra assimétrica, sobretudo na de liderar e de integrar todos os meios de monitoramento
região amazônica, a ser sustentada contra inimigo de poder aeroespacial do País. A Base Industrial de Defesa será orien-
militar muito superior, por ação de um país ou de uma coliga- tada a dar a mais alta prioridade ao desenvolvimento das
ção de países que insista em contestar, a qualquer pretexto, tecnologias necessárias, inclusive àquelas que viabilizem
a incondicional soberania brasileira sobre a sua Amazônia. independência do sistema Global Positioning System (GPS) ou
A preparação para tal guerra não consiste apenas em de qualquer outro sistema de posicionamento estrangeiro.
ajudar a evitar o que hoje é uma hipótese remota: a de O potencial para contribuir com tal independência tecnoló-
envolvimento do Brasil em uma guerra de grande escala. É, gica pesará na escolha das parcerias com outros países, em
matéria de tecnologias de defesa.
também, aproveitar disciplina útil para a formação de sua
doutrina militar e de suas capacitações operacionais. Um
b) O poder para assegurar o controle do ar no grau
exército que conquistou os atributos de flexibilidade e de
desejado.
elasticidade é um exército que sabe conjugar as ações con- Em qualquer hipótese de emprego, a Força Aérea terá a
vencionais com as não convencionais. A guerra assimétrica, responsabilidade de assegurar o controle do ar no grau de-
no quadro de uma guerra de resistência nacional, representa sejado. Do cumprimento dessa responsabilidade, dependerá,
uma efetiva possibilidade da doutrina aqui especificada. em grande parte, a viabilidade das operações navais e das
Cada uma das condições, a seguir listadas, para a condução operações das forças terrestres no interior do País. O poten-
exitosa da guerra de resistência deve ser interpretada como cial de garantir. superioridade aérea local será o primeiro
advertência orientadora da maneira de desempenhar as passo para afirmar o controle do ar no grau desejado sobre o
responsabilidades do Exército:
Política e Segurança

território e as águas jurisdicionais brasileiras.


a) Ver a Nação identificada com a causa da defesa. Toda Impõe, como consequência, evitar qualquer hiato de
a estratégia nacional repousa sobre a conscientização desproteção aérea decorrente dos processos de substituição
do povo brasileiro quanto à importância central dos da frota de aviões de combate, dos sistemas de armas e ar-
problemas de defesa; mamentosinteligentes embarcados, inclusive dos sistemas
b) Juntar a soldados regulares, fortalecidos com atributos inerciais que permitam dirigir o fogo ao alvo com exatidão
de soldados não convencionais, as reservas mobiliza- e “além do alcance visual”.
das, de acordo com o conceito da elasticidade;
c) Contar com um soldado resistente que, além dos pen- c) A capacidade para levar o combate a pontos específi-
dores de qualificação e de rusticidade, seja também, cos do território nacional, em conjunto com a Marinha e o

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Exército, constituindo uma única força combatente, sob a fabricação independente de seus meios aéreos e antiaéreos
disciplina do teatro de operações. de defesa. Não pode, porém, aceitar ficar desfalcado de um
A primeira implicação é a necessidade de dispor de escudo aéreo, enquanto reúne as condições para ganhar
aviões de transporte em número suficiente para deslocar, mtal independência. A solução a dar a esse problema é tão
em poucas horas, os meios para garantir o controle do ar e importante, e exerce efeitos tão variados sobre a situação
uma brigada da reserva estratégica, para qualquer ponto do estratégica do País na América do Sul e no mundo, que trans-
território nacional. cende uma mera discussão de equipamento e merece ser
Unidades de transporte aéreo ficarão baseadas próximas entendida como parte integrante desta Estratégia Nacional
às reservas estratégicas da Força Terrestre. de Defesa.
A segunda implicação é a necessidade de contar com O princípio genérico da solução é a rejeição das soluções
sistemas de armas de grande precisão, capazes de permitir extremas – simplesmente comprar, no mercado internacio-
a adequada discriminação de alvos em situações nas quais nal, um caça “de quinta geração”, ou sacrificar a compra
forças nacionais poderão estar entremeadas ao inimigo. para investir na modernização dos aviões existentes, nos
A terceira implicação é a necessidade de dispor de projetos de Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP), no
suficientes e adequados meios de transporte para apoiar desenvolvimento, junto com outro país, do protótipo de um
a aplicação da estratégia da presença do Exército na região caça tripulado do futuro e na formação maciça de quadros
amazônica e no Centro‑Oeste, sobretudo as atividades científicos e técnicos.
operacionais e logísticas realizadas pelas unidades da Força Consideração que poderá ser decisiva é a necessidade
Terrestre situadas na fronteira. de preferir a opção que minimize a dependência tecnológica
ou política em relação a qualquer fornecedor que, por deter
d) O domínio de um potencial estratégico que se organize componentes do avião a comprar ou a modernizar, possa
em torno de uma capacidade, não em torno de um inimigo. pretender, por conta dessa participação, inibir ou influir sobre
A  índole pacífica do Brasil não elimina a necessidade de iniciativas de defesa desencadeadas pelo Brasil.
assegurar à Força Aérea o pleno domínio desse potencial Três diretrizes estratégicas marcarão a evolução da Força
aeroestratégico, sem o qual ela não estará em condições Aérea. Cada uma dessas diretrizes representa muito mais
de defender o Brasil, nem mesmo dentro dos mais estritos do que uma tarefa, uma oportunidade de transformação.
limites de uma guerra defensiva. Para tanto, precisa contar A  primeira diretriz é o desenvolvimento do repertório de
com todos os meios relevantes: plataformas, sistemas de tecnologias e de capacitações que permitam à Força Aérea
armas, subsídios cartográficos e recursos de inteligência. operar em rede, não só entre seus próprios componentes,
2. Na região amazônica, o atendimento a esses objetivos mas, também, com a Marinha e o Exército.
exigirá que a Força Aérea disponha de unidades com recur- A segunda diretriz é o avanço nos programas de Aerona-
sos técnicos para assegurar a operacionalidade das pistas ves Remotamente Pilotadas (ARP), primeiro de vigilância e
de pouso remotas e das instalações de proteção ao voo nas depois de combate. Os ARP poderão vir a ser meios centrais,
situações de vigilância e de combate. não meramente acessórios, do combate aéreo, além de facul-
3. O complexo tecnológico e científico sediado em São tar patamar mais exigente de precisão no monitoramento/
José dos Campos continuará a ser o sustentáculo da Força controle do território nacional. A Força Aérea absorverá as
Aérea e de seu futuro. De sua importância central, resultam implicações desse meio de vigilância e de combate para as
os seguintes imperativos estratégicos: suas orientações tática e estratégica. Formulará doutrina
a) Priorizar a formação, dentro e fora do Brasil, dos sobre a interação entre os veículos tripulados e não tripula-
quadros técnico‑científicos, militares e civis, que dos que aproveite o novo meio para radicalizar o poder de
permitam alcançar a independência tecnológica; surpreender, sem expor as vidas dos pilotos.
b) Desenvolver projetos tecnológicos que se distingam A terceira diretriz é a integração das atividades espaciais
por sua fecundidade tecnológica (aplicação análoga nas operações da Força Aérea. O monitoramento espacial
a outras áreas) e por seu significado transformador será parte integral e condição indispensável do cumprimento
(alteração revolucionária das condições de combate), das tarefas estratégicas que orientarão a Força Aérea: vigilân-
não apenas por sua aplicação imediata; cia múltipla e cumulativa, grau de controle do ar desejado e
c) Estreitar os vínculos entre os Institutos de Pesquisa do combate focado no contexto de operações conjuntas. O de-
Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial senvolvimento a tecnologia de veículos lançadores servirá
(DCTA) e as empresas privadas, resguardando sempre como instrumento amplo, não só para apoiar os programas
os interesses do Estado quanto à proteção de patentes espaciais, mas também para desenvolver tecnologia nacional
e à propriedade industrial; de projeto e de abricação de mísseis.
d) Promover o desenvolvimento, em São José dos Cam-
pos ou em outros lugares, de adequadas condições
de ensaio; e Os Setores Estratégicos: o Espacial,
e) Enfrentar o problema da vulnerabilidade estratégica o Cibernético e o Nuclear
criada pela concentração de iniciativas no complexo
tecnológico e empresarial de São José dos Campos. Três setores estratégicos – o espacial, o cibernético e o
Preparar imediata defesa antiaérea do complexo. nuclear  – são essenciais para a defesa nacional. No setor
espacial, as prioridades são as seguintes:
a) Projetar e fabricar veículos lançadores de satélites
Política e Segurança

4. Dentre todas as preocupações a enfrentar no desen-


volvimento da Força Aérea, a que inspira cuidados mais vivos e desenvolver tecnologias de guiamento, sobretudo
e prementes é a maneira de substituir os atuais aviões de sistemas inerciais e tecnologias de propulsão líquida;
combate, uma vez esgotada a possibilidade de prolongar‑lhes b) Projetar e fabricar satélites, sobretudo os geoesta-
a vida por modernização de seus sistemas de armas, de sua cionários, para telecomunicações e sensoriamento
aviônica e de partes de sua estrutura e fuselagem. remoto de alta resolução, multiespectral, e desenvol-
O Brasil confronta, nesse particular, dilema corriqueiro ver tecnologias de controle de atitude dos satélites;
em toda parte: manter a prioridade das capacitações futuras c) Desenvolver tecnologias de comunicações, comando e
sobre os gastos atuais, sem tolerar desproteção aérea. Preci- controle a partir de satélites, com as forças terrestres,
sa investir nas capacidades que lhe assegurem potencial de aéreas e marítimas, inclusive submarinas, para que

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elas se capacitem a operar em rede e a se orientar c) Aprimorar o potencial de projetar e construir termelé-
por informações deles recebidas; e tricas nucleares, com tecnologias e capacitações que
d) Desenvolver tecnologia de determinação de posicio- acabem sob domínio nacional, ainda que desenvol-
namento geográfico a partir de satélites. vidas por meio de parcerias com Estados e empresas
estrangeiras. Empregar a energia nuclear criteriosa-
No setor cibernético, as  capacitações se destinarão mente, e sujeitá‑la aos mais rigorosos controles de se-
ao mais amplo espectro de usos industriais, educativos e gurança e de proteção do meio ambiente, como forma
militares. Incluirão, como parte prioritária, as  tecnologias de estabilizar a matriz energética nacional, ajustando
de comunicação entre todos os contingentes das Forças as variações no suprimento de energias renováveis,
Armadas, de modo a assegurar sua capacidade para atuar sobretudo a energia de origem hidrelétrica; e
em rede. As prioridades são as seguintes: d) Aumentar a capacidade de usar a energia nuclear
a) Fortalecer o Centro de Defesa Cibernética com capaci- em amplo espectro de atividades. O Brasil zelará por
dade de evoluir para o Comando de Defesa Cibernética manter abertas as vias de acesso ao desenvolvimento
das Forças Armadas; de suas tecnologias de energia nuclear. Não aderirá a
b) Aprimorar a Segurança da Informação e Comunicações acréscimos ao Tratado de Não Proliferação de Armas
(SIC), particularmente, no tocante à cerificação digital Nucleares destinados a ampliar as restrições do Trata-
no contexto da Infraestrutura de Chaves‑Públicas da do sem que as potências nucleares tenham avançado,
Defesa (ICP‑Defesa), integrando as ICP das três Forças; de forma significativa, na premissa central do Tratado:
c) Fomentar a pesquisa científica voltada para o Setor seu próprio desarmamento nuclear.
Cibernético, envolvendo a comunidade acadêmica
nacional e internacional. A primeira prioridade do Estado na política dos três setores
Nesse contexto, os Ministérios da Defesa, da Fazenda, estratégicos será a formação de recursos humanos nas ciências
da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação, do relevantes. Para tanto, ajudará a financiar os programas de
Planejamento, Orçamento e Gestão, a Secretaria de pesquisa e de formação nas universidades brasileiras e nos
Assuntos Estratégicos da Presidência da República e centros nacionais de pesquisa e aumentará a oferta de bolsas
o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência de doutoramento e de pós‑doutoramento nas instituições
da República deverão elaborar estudo com vistas à internacionais pertinentes. Essa política de apoio não se li-
criação da Escola Nacional de Defesa Cibernética; mitará à ciência aplicada, de emprego tecnológico imediato.
d) Desenvolver sistemas computacionais de defesa Beneficiará, também, a ciência fundamental e especulativa.
baseados em computação de alto desempenho para Nos três setores, as  parcerias com outros países e as
emprego no setor cibernético e com possibilidade de compras de produtos e serviços no exterior devem ser com-
uso dual; patibilizadas com o objetivo de assegurar espectro abrangen-
e) Desenvolver tecnologias que permitam o planeja- te de capacitações e de tecnologias sob domínio nacional.
mento e a execução da Defesa Cibernética no âmbito
do Ministério da Defesa e que contribuam com a A Reorganização da Base Industrial de Defesa:
segurança cibernética nacional, tais como sistema Desenvolvimento Tecnológico Independente
modular de defesa cibernética e sistema de segurança
em ambientes computacionais; A defesa do Brasil requer a reorganização da Base In-
f) Desenvolver a capacitação, o  preparo e o emprego dustrial de Defesa (BID) – formada pelo conjunto integrado
dos poderes cibernéticos operacional e estratégico, de empresas públicas e privadas, e  de organizações civis
em prol das operações conjuntas e da proteção das e militares, que realizem ou conduzam pesquisa, projeto,
infraestruturas estratégicas; desenvolvimento, industrialização, produção, reparo, con-
g) Incrementar medidas de apoio tecnológico por meio servação, revisão, conversão, modernização ou manutenção
de laboratórios específicos voltados para as ações de produtos de defesa (Prode) no País – o que deve ser feito
cibernéticas; e de acordo com as seguintes diretrizes:
h) Estruturar a produção de conhecimento oriundo da a) Dar prioridade ao desenvolvimento de capacitações
fonte cibernética. tecnológicas independentes.
Essa meta condicionará as parcerias com países e em-
O setor nuclear transcende, por sua natureza, a divisão presas estrangeiras, ao desenvolvimento progressivo
entre desenvolvimento e defesa. de pesquisa e de produção no País.
Por imperativo constitucional e por tratado internacional, b) Subordinar as considerações comerciais aos imperati-
privou‑se o Brasil da faculdade de empregar a energia nuclear vos estratégicos. Isso importa em organizar o regime
para qualquer fim que não seja pacífico. Isso foi feito sob vá- legal, regulatório e tributário da Base Industrial de
rias premissas, das quais a mais importante foi o progressivo Defesa, para que reflita tal subordinação.
desarmamento nuclear das potências nucleares. c) Evitar que a Base Industrial de Defesa polarize‑se entre
Nenhum país é mais atuante do que o Brasil na causa do pesquisa avançada e produção rotineira.
desarmamento nuclear. Entretanto o Brasil, ao proibir a si Deve‑se cuidar para que a pesquisa de vanguarda
mesmo o acesso ao armamento nuclear, não se deve despo- resulte em produção de vanguarda.
Política e Segurança

jar da tecnologia nuclear. Deve, pelo contrário, desenvolvê‑la, d) Usar o desenvolvimento de tecnologias de defesa
inclusive por meio das seguintes iniciativas: como foco para o desenvolvimento de capacitações
a) Completar, no que diz respeito ao programa de operacionais.
submarino de propulsão nuclear, a  nacionalização Isso implica buscar a modernização permanente das
completa e o desenvolvimento em escala industrial plataformas, seja pela reavaliação à luz da experiên-
do ciclo do combustível (inclusive a gaseificação e o cia operacional, seja pela incorporação de melhorias
enriquecimento) e da tecnologia da construção de provindas do desenvolvimento tecnológico.
reatores, para uso exclusivo do Brasil;
b) Acelerar o mapeamento, a prospecção e o aproveita- 2. Estabeleceu‑se, para a Base Industrial de Defesa, a Lei
mento das jazidas de urânio; nº 12.598, de 22 de março de 2012, que tem por finalidade

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determinar normas especiais para as compras, contratações Os projetos serão escolhidos e avaliados não só pelo seu
e desenvolvimento de produtos e sistemas de defesa e dis- potencial produtivo imediato, mas também, por sua fecun-
põe sobre regras de incentivo à área estratégica de Defesa. didade tecnológica: sua utilidade como fonte de inspiração
Tal regime resguardará as empresas que fornecem e de capacitação para iniciativas análogas.
produtos de defesa às Forças Armadas, das pressões do 9. A  relação entre Ciência, Tecnologia e Inovação na
imediatismo mercantil e possibilitará a continuidade das área de defesa fortalece‑se com o Plano Brasil Maior, que
compras públicas, sem prejudicar a competição no mercado substituiu a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP),
e o desenvolvimento de novas tecnologias. no qual o Governo federal estabelece a sua política indus-
3. O componente estatal da Base Industrial de Defesa trial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o
terá por vocação produzir o que o setor privado não possa período de 2011 a 2014. O foco deste Plano é o estímulo à
projetar e fabricar, a curto e médio prazo, de maneira ren- inovação e à produção nacional para alavancar a competiti-
tável. Atuará, portanto, no teto, e não no piso tecnológico. vidade da indústria nos mercados interno e externo.
Manterá estreito vínculo com os centros avançados de 10. A Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para a
pesquisa das próprias Forças Armadas e das instituições Defesa Nacional tem como propósito estimular o desenvol-
acadêmicas brasileiras. vimento científico e tecnológico e a inovação em áreas de
4. O  Estado ajudará a conquistar clientela estrangeira interesse para a defesa nacional.
para a Base Industrial de Defesa. Entretanto, a continuidade Isso ocorrerá por meio de um planejamento nacional para
da produção deve ser organizada para não depender da con- desenvolvimento de produtos de alto conteúdo tecnológico,
quista ou da continuidade de tal clientela. Portanto, o Estado com envolvimento coordenado das instituições científicas e
reconhecerá que, em muitas linhas de produção, aquela tecnológicas (ICT) civis e militares, da indústria e da universi-
indústria terá de operar em sistema de “custo mais margem” dade, com a definição de áreas prioritárias e suas respectivas
e, por conseguinte, sob intenso escrutínio regulatório. tecnologias de interesse e a criação de instrumentos de
5. O  futuro das capacitações tecnológicas nacionais fomento à pesquisa de materiais, equipamentos e sistemas
de defesa depende tanto do desenvolvimento de aparato de emprego de defesa ou dual, de forma a viabilizar uma
tecnológico, quanto da formação de recursos humanos. Daí vanguarda tecnológica e operacional pautada na mobilidade
a importância de se desenvolver uma política de formação estratégica, na flexibilidade e na capacidade de dissuadir ou
de cientistas, em ciência aplicada e básica, já abordada de surpreender.
no tratamento dos setores espacial, cibernético e nuclear, Projetos de interesse comum a mais de uma Força deve-
privilegiando a aproximação da produção científica com as rão ter seus esforços de pesquisa integrados, definindo‑se, no
atividades relativas ao desenvolvimento tecnológico da BID. plano especificado, para cada um deles, um polo integrador.
6. No esforço de reorganizar a Base Industrial de Defesa, No que respeita à utilização do espaço exterior como
buscar‑se‑ão parcerias com outros países, com o objetivo de meio de suporte às atividades de defesa, os satélites para
desenvolver a capacitação tecnológica nacional, de modo a
comunicações, controle de tráfego aéreo, meteorologia e
reduzir progressivamente a compra de serviços e de produtos
sensoriamento remoto desempenharão papel fundamental
acabados no exterior. A  esses interlocutores estrangeiros,
na viabilização de diversas funções em sistemas de comando
o  Brasil deixará sempre claro que pretende ser parceiro,
e controle. As capacidades de alerta, vigilância, monitora-
não cliente ou comprador. O País está mais interessado em
mento e reconhecimento poderão, também, ser aperfeiçoa-
parcerias que fortaleçam suas capacitações independen-
das por meio do uso de sensores ópticos e de radar, a bordo
tes, do que na compra de produtos e serviços acabados.
de satélites ou Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP).
Tais parcerias devem contemplar, em princípio, que parte
substancial da pesquisa e da fabricação seja desenvolvida Serão consideradas, nesse contexto, as  plataformas e
no Brasil, e ganharão relevo maior, quando forem expressão missões espaciais em desenvolvimento, para fins civis, tais
de associações estratégicas abrangentes. como satélites de monitoramento ambiental e científicos, ou
7. Conforme previsto na END/2008, o Ministério da Defe- satélites geoestacionários de comunicações e meteorologia,
sa dispõe de uma Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD). no âmbito do Programa Nacional de Atividades Espaciais
O Secretário é responsável por executar as diretrizes (PNAE).
fixadas pelo Ministro da Defesa e, com base nelas, formu- A concepção, o projeto e a operação dos sistemas espa-
lar e dirigir a política de obtenção de produtos de defesa, ciais devem observar a legislação internacional, os tratados,
inclusive armamentos, munições, meios de transporte e de bilaterais e multilaterais, ratificados pelo País, e os regimes
comunicações, fardamentos e materiais de uso individual e internacionais dos quais o Brasil é signatário.
coletivo, empregados nas atividades operacionais. As medidas descritas têm respaldo na parceria entre o
8. A SEPROD, responsável pela área de Ciência e Tecno- Ministério da Defesa e o Ministério da Ciência, Tecnologia e
logia no Ministério da Defesa tem, entre as suas atribuições, Inovação, que remonta à “Concepção Estratégica para CT&I
a  coordenação da pesquisa avançada em tecnologias de de Interesse da Defesa”.
defesa que se realize nos institutos de pesquisa da Marinha, 11. O Ministro da Defesa delegará aos órgãos das três
do Exército e da Aeronáutica, e  em outras organizações Forças, poderes para executarem a política formulada pela
subordinadas às Forças Armadas. Secretaria quanto a encomendas e compras de produtos
O objetivo é implementar uma política tecnológica inte- específicos de sua área, sujeita, tal execução, à  avaliação
permanente pelo Ministério.
Política e Segurança

grada, que evite duplicação; compartilhe quadros, ideias e


recursos; e prime por construir elos entre pesquisa e produ- O objetivo é que a política de compras de produtos de
ção, sem perder contato com avanços em ciências básicas. defesa seja capaz de:
Para assegurar a consecução desses objetivos, a Secretaria a) otimizar o dispêndio de recursos;
fará com que muitos projetos de pesquisa sejam realizados b) assegurar que as compras obedeçam às diretrizes da
conjuntamente pelas instituições de tecnologia avançada Estratégia Nacional de Defesa e de sua elaboração,
das três Forças Armadas. Alguns desses projetos conjuntos ao longo do tempo; e
poderão ser organizados com personalidade própria, seja c) garantir, nas decisões de compra, a primazia do com-
como empresas de propósitos específicos, seja sob outras promisso com o desenvolvimento das capacitações
formas jurídicas. tecnológicas nacionais em produtos de defesa.

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12. Resguardados os interesses de segurança do Estado Conclusão
quanto ao acesso a informações, serão estimuladas inicia-
tivas conjuntas entre organizações de pesquisa das Forças A Estratégia Nacional de Defesa inspira‑se em duas reali-
Armadas, instituições acadêmicas nacionais e empresas dades que lhe garantem a viabilidade e lhe indicam o rumo.
privadas brasileiras. A primeira realidade é a capacidade de improvisação
O objetivo será fomentar o desenvolvimento de um e adaptação, o pendor para criar soluções quando faltam
complexo militar universitário‑empresarial capaz de atuar na instrumentos, a disposição de enfrentar as agruras da na-
fronteira de tecnologias que terão quase sempre utilidade tureza e da sociedade, enfim, a capacidade quase irrestrita
dual, militar e civil. de adaptação que permeia a cultura brasileira. É esse o fato
que permite efetivar o conceito de flexibilidade.
A segunda realidade é o sentido do compromisso nacio-
nal no Brasil. A Nação brasileira foi e é um projeto do povo
O Serviço Militar Obrigatório: composição dos brasileiro; foi ele que sempre abraçou a ideia de nacionalida-
efetivos das Forças Armadas e Mobilização de e lutou para converter a essa ideia os quadros dirigentes
Nacional e letrados. Esse fato é a garantia profunda da identificação
da Nação com as Forças Armadas e dessas com a Nação.
1. A base da defesa nacional é a identificação da Nação Do encontro dessas duas realidades, complementadas
com as Forças Armadas e das Forças Armadas com a Nação. pela necessidade de visão e planejamento estratégicos dire-
Tal identificação exige que a Nação compreenda serem inse- cionados para as questões de defesa, resultaram as diretrizes
paráveis as causas do desenvolvimento e da defesa. da Estratégia Nacional de Defesa.
O Serviço Militar Obrigatório é essencial para a garantia
da defesa nacional. Por isso será mantido e reforçado. II – MEDIDAS DE IMPLEMENTAÇÃO
2. O Ministério da Defesa, ouvidas as Forças Armadas,
estabelecerá a proporção de recrutas e de soldados profis- A segunda parte da Estratégia Nacional de Defesa com-
sionais de acordo com as necessidades de pronto emprego plementa a formulação sistemática contida na primeira. Está
e da organização de uma reserva mobilizável que assegure dividida em três partes.
o crescimento do poder militar como elemento dissuasório. A primeira aborda o contexto, enumerando circunstân-
No Exército, respeitada a necessidade de especialistas, e res- cias que ajudam a precisar‑lhe os objetivos e a explicar‑lhe
salvadas as imposições operacionais das Forças de Emprego os métodos.
Estratégico, a maioria do efetivo de soldados deverá ser de A segunda destaca como a Estratégia será aplicada a
recrutas do Serviço Militar Obrigatório. Na Marinha e na um espectro, amplo e representativo, de problemas atuais
enfrentados pelas Forças Armadas e, com isso, tornar mais
Força Aérea, a  necessidade de contar com especialistas,
claras sua doutrina e suas exigências.
formados ao longo de vários anos, deverá ter como contra- A terceira enumera as ações estratégicas que indicam o
peso a importância estratégica de manter abertos os canais caminho que levará o Brasil, de onde está para onde deve
do recrutamento. ir, na organização de sua defesa.
O conflito entre as vantagens do profissionalismo e os
valores do recrutamento há de ser atenuado por meio da Contexto
educação – técnica e geral, porém de orientação analítica
e capacitadora – que será ministrada aos recrutas ao longo Podem ser considerados como principais aspectos posi-
do período de serviço. tivos do atual quadro da defesa:
3. Para garantir que o Serviço Militar Obrigatório seja o • Forças Armadas identificadas com a sociedade brasi-
mais amplo possível, os recrutas serão selecionados por dois leira, com altos índices de confiabilidade;
critérios principais. O primeiro será a combinação do vigor • adaptabilidade do brasileiro às situações novas e inu-
físico com a capacidade analítica, medida de maneira inde- sitadas, criando situação propícia a uma cultura militar
pendente do nível de informação ou de formação cultural pautada pelo conceito da flexibilidade;
de que goze o recruta. O segundo será o da representação • excelência do ensino nas Forças Armadas, no que diz
de todas as classes sociais e regiões do País. respeito à metodologia e à atualização em relação às
4. O Serviço Militar evoluirá em conjunto com as provi- modernas táticas e estratégias de emprego de meios mili-
dências para assegurar a mobilização nacional em caso de tares, incluindo o uso de concepções próprias, adequadas
necessidade, de acordo com a Lei de Mobilização Nacional. aos ambientes operacionais de provável emprego;  e
O  Brasil entenderá, em todo o momento, que sua defesa • incorporação do CENSIPAM à estrutura organizacional
depende do potencial de mobilizar recursos humanos e do Ministério da Defesa, agregando sua base de dados
materiais em grande escala, muito além do efetivo das suas atualizada, conceitos de emprego dual da informação
Forças Armadas em tempo de paz. Jamais tratará a evolução e a integração de informações de órgãos civis com
tecnológica como alternativa à mobilização nacional; aquela atuação na Amazônia brasileira.
será entendida como instrumento desta. Ao  assegurar a
Por outro lado, apesar dos esforços desenvolvidos nos
flexibilidade de suas Forças Armadas, assegurará também a
últimos anos, configuram‑se ainda como vulnerabilidades
elasticidade delas. da atual estrutura de defesa do País:
5. É importante para a defesa nacional que o oficialato
Política e Segurança

• o envolvimento, ainda não significativo, da sociedade


seja representativo de todos os setores da sociedade brasi- brasileira com os assuntos de defesa;
leira. A ampla representação de todas as classes sociais nas • a histórica descontinuidade na alocação de recursos
academias militares é imperativo de segurança nacional. orçamentários para a defesa;
Duas condições são indispensáveis para que se alcance esse • a desatualização tecnológica de alguns equipamentos
objetivo. A primeira é que a carreira militar seja remunera- das Forças Armadas; e a dependência em relação a
da com vencimentos competitivos com outras valorizadas produtos de defesa estrangeiros;
carreiras do Estado. A  segunda condição é que a Nação • a distribuição espacial das Forças Armadas no território
abrace a causa da defesa e nela identifique requisito para o nacional, ainda não completamente ajustada, ao aten-
engrandecimento do povo brasileiro. dimento às necessidades estratégicas;

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• a atual inexistência de carreira civil na área de defesa, • promoção de ações de presença do Estado na região
mesmo sendo uma função de estado; amazônica, em especial pelo fortalecimento do viés
• o estágio da pesquisa científica e tecnológica para o de defesa do Programa Calha Norte;
desenvolvimento de material de emprego militar e • estreitamento da cooperação entre os países da
produtos de defesa; América do Sul e, por extensão, com os do entorno
• a carência de programas para aquisição de produtos estratégico brasileiro;
de defesa, calcados em planos plurianuais; • valorização da profissão militar e da carreira de servido-
• os bloqueios tecnológicos impostos por países desen- res civis do Ministério da Defesa e das Forças Armadas,
volvidos, que retardam os projetos estratégicos de a fim de estimular o recrutamento de seus quadros em
concepção brasileira; todas as classes sociais;
• a relativa deficiência dos sistemas nacionais de logística • aperfeiçoamento do Serviço Militar Obrigatório, na
e de mobilização; e busca de maior identificação das Forças Armadas com
• a atual capacidade das Forças Armadas contra os a sociedade brasileira;
efeitos causados por agentes contaminantes químicos, • expansão da capacidade de combate das Forças Ar-
biológicos, radiológicos e nucleares. madas, por meio da mobilização de pessoal, material
e serviços, para complementar a logística militar, no
A identificação e a análise dos principais aspectos positi- caso de o País se ver envolvido em conflito; e
vos e das vulnerabilidades permitem vislumbrar as seguintes • otimização do controle sobre atores não governamen-
oportunidades a serem exploradas: tais, especialmente na região amazônica, visando à
• maior engajamento da sociedade brasileira nos assun- preservação do patrimônio nacional, mediante ampla
tos de defesa, e maior integração entre os diferentes coordenação das Forças Armadas com os órgãos go-
setores dos três poderes e das três instâncias de vernamentais brasileiros responsáveis pela autorização
governo do Estado brasileiro e desses setores com os de atuação no País desses atores, sobretudo daqueles
institutos nacionais de estudos estratégicos, públicos com vinculação estrangeira.
ou privados;
• regularidade e continuidade na alocação dos recursos
orçamentários de defesa, para incrementar os investi-
Aplicação da estratégia
mentos e garantir a manutenção das Forças Armadas;
Hipóteses de emprego
• aparelhamento das Forças Armadas e capacitação pro-
fissional de seus integrantes, para que disponham de
Entende‑se por “hipótese de emprego” a antevisão de
meios militares aptos ao pronto emprego, integrado,
possível emprego das Forças Armadas em determinada
com elevada mobilidade tática e estratégica;
• otimização dos esforços em Ciência, Tecnologia e Ino- situação/situações ou área/ áreas de interesse estratégico
vação para a Defesa, por intermédio, dentre outras, para a defesa nacional. É formulada considerando‑se a inde-
das seguintes medidas: terminação de ameaças ao País. Com base nas hipóteses de
a) maior integração entre as instituições científicas e emprego, serão elaborados e mantidos atualizados os planos
tecnológicas, tanto militares como civis, e a Base estratégicos e operacionais pertinentes, visando possibilitar
Industrial de Defesa; o contínuo aprestamento da Nação como um todo, e em par-
b) definição de pesquisas de uso dual; e ticular das Forças Armadas, para emprego na defesa do País.
c) fomento à pesquisa e ao desenvolvimento de pro-
dutos de interesse da defesa; Emprego conjunto das Forças Armadas em
• maior integração entre as indústrias estatal e privada atendimento às hipóteses de emprego
de produtos de defesa, com a definição de um modelo
de participação na produção nacional de meios de A evolução da estrutura das Forças Armadas, do estado
defesa; de paz para o de conflito armado ou guerra, dar‑se‑á de
• integração e definição centralizada na aquisição de acordo com as peculiaridades da situação apresentada e de
produtos de defesa de uso comum, compatíveis com uma maneira sequencial, que pode ser assim esquematizada:
as prioridades estabelecidas;
• condicionamento da compra de produtos de defesa a) Na paz
no exterior à transferência substancial de tecnolo- As organizações militares serão articuladas para conciliar
gia, inclusive por meio de parcerias para pesquisa e o atendimento às hipóteses de emprego com a necessidade
fabricação no Brasil de partes desses produtos ou de de otimizar os seus custos de manutenção e para proporcio-
sucedâneos a eles; nar a realização do adestramento em ambientes operacionais
• articulação das Forças Armadas, compatível com as específicos.
necessidades estratégicas e de adestramento dos Serão desenvolvidas atividades permanentes de inteli-
Comandos Operacionais, tanto singulares quanto con- gência, para acompanhamento da situação e dos atores que
juntos, capaz de levar em consideração as exigências de possam vir a representar potenciais ameaças ao Estado e
cada ambiente operacional, em especial o amazônico para proporcionar o alerta antecipado ante a possibilidade de
e o do Atlântico Sul; concretização de tais ameaças. As atividades de inteligência
Política e Segurança

• fomento da atividade aeroespacial, de forma a propor- devem obedecer a salvaguardas e controles que resguardem
cionar ao País o conhecimento tecnológico necessário os direitos e garantias constitucionais.
ao desenvolvimento de projeto e fabricação de satéli-
tes e de veículos lançadores de satélites e desenvolvi- b) Na crise
mento de um sistema integrado de monitoramento do O Comandante Supremo das Forças Armadas, consultado
espaço aéreo, do território e das águas jurisdicionais o Conselho de Defesa Nacional, poderá ativar uma estrutura
brasileiras; de gerenciamento de crise, com a participação de represen-
• desenvolvimento das infraestruturas marítima, ter- tantes do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha,
restre e aeroespacial necessárias para viabilizar as do Exército e da Aeronáutica, bem como de representantes
estratégias de defesa; de outros Ministérios, se necessários.

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O emprego das Forças Armadas será singular ou conjunto Estruturação das Forças Armadas
e ocorrerá em consonância com as diretrizes expedidas.
As atividades de inteligência serão intensificadas. Para o atendimento eficaz das hipóteses de emprego,
Medidas políticas inerentes ao gerenciamento de crise as Forças Armadas deverão estar organizadas e articuladas
continuarão a ser adotadas, em paralelo com as ações de maneira a facilitar a realização de operações conjuntas e
militares. singulares, adequadas às características peculiares das ope-
Ante a possibilidade de a crise evoluir para conflito rações de cada uma das áreas estratégicas.
armado/guerra, poderão ser desencadeadas, entre outras, O instrumento principal, por meio do qual as Forças
as seguintes medidas: desenvolverão sua flexibilidade tática e estratégica, será
• a ativação dos Comandos Operacionais previstos na o trabalho coordenado entre elas, a  fim de tirar proveito
Estrutura Militar de Defesa; da dialética da concentração e desconcentração. Portanto,
• a adjudicação de forças pertencentes à estrutura orga- as Forças, como regra, definirão suas orientações operacio-
nizacional das três Forças aos Comandos Operacionais
nais em conjunto, privilegiando essa visão conjunta como
ativados;
forma de aprofundar suas capacidades.
• a atualização e implementação, pelo Comando Ope-
O meio institucional para esse trabalho unificado será a
racional ativado, dos planos de campanha elaborados
colaboração entre os Estados‑Maiores das Forças com o Esta-
no estado de paz;
• o completamento das estruturas; do‑Maior Conjunto das Forças Armadas, no estabelecimento
• a ativação de Zona de Defesa, áreas onde são mobilizá- e definição das linhas de frente de atuação conjunta. Nesse
veis tropas da ativa e reservistas, inclusive os egressos sentido, o sistema educacional de cada Força ministrará cur-
dos Tiros de Guerra, para defesa do interior do País em sos, além dos singulares já existentes, e realizará projetos de
caso de conflito armado/guerra; e pesquisa e de formulação em conjunto com os sistemas das
• a decretação da Mobilização Nacional, se necessária. demais Forças e com a Escola Superior de Guerra.
Da mesma forma, as Forças Armadas deverão ser equi-
c) Durante o conflito armado/guerra padas, articuladas e adestradas, desde os tempos de paz,
O desencadeamento da campanha militar prevista no segundo as diretrizes do Ministério da Defesa, realizando
Plano de Campanha elaborado. exercícios singulares e conjuntos.
Assim, com base na Política Nacional de Defesa, na
d) Ao término do conflito armado/guerra Estratégia Nacional de Defesa e na Estratégia Militar dela
A adoção de medidas específicas de Desmobilização decorrente, as  Forças Armadas submetem ao Ministério
Nacional, de modo gradativo a fim de prevenir o recrudes- da Defesa seus Planos de Articulação e de Equipamento,
cimento das ações pelo oponente, procurando conciliar a os quais contemplam uma proposta de distribuição espacial
necessidade decrescente da estrutura criada pela situação das instalações militares e de quantificação dos meios ne-
de conflito armado/guerra com as necessidades crescentes cessários ao atendimento eficaz das hipóteses de emprego,
da volta à situação de normalidade. de maneira a possibilitar:
Os ambientes apontados na Estratégia Nacional de De- • poder de combate que propicie credibilidade à estra-
fesa não permitem vislumbrar ameaças militares concretas tégia da dissuasão;
e definidas, representadas por forças antagônicas de países • meios à disposição do sistema de defesa nacional que
potencialmente inimigos ou de outros agentes não estatais. permitam o aprimoramento da vigilância; o controle do
Devido à incerteza das ameaças ao Estado Brasileiro, o pre- espaço aéreo, das fronteiras terrestres, do território e
paro das Forças Armadas deve ser orientado para atuar no das águas jurisdicionais brasileiras; e da infraestrutura
cumprimento de variadas missões, em diferentes áreas e estratégica nacional;
cenários, para respaldar a ação política do Estado. • o aumento da presença militar nas áreas estratégicas
As hipóteses de emprego são provenientes da associação do Atlântico Sul e da região amazônica;
das principais tendências de evolução das conjunturas nacio- • o aumento da participação de órgãos governamentais,
nal e internacional com as orientações político‑estratégicas militares e civis, no plano de vivificação e desenvolvi-
do País. mento da faixa de fronteira amazônica, empregando
Na elaboração das hipóteses de emprego, a Estratégia a estratégia da presença;
Militar de Defesa deverá contemplar o emprego das Forças
• a adoção de articulação que atenda aos aspectos liga-
Armadas considerando, dentre outros, os seguintes aspectos:
dos à concentração dos meios, à eficiência operacional,
• o monitoramento e controle do espaço aéreo, das fron-
à rapidez no emprego e na mobilização e à otimização
teiras terrestres, do território e das águas jurisdicionais
brasileiras em circunstâncias de paz; do custeio em tempo de paz; e
• a ameaça de penetração nas fronteiras terrestres ou • a existência de forças estratégicas de elevada mobili-
abordagem nas águas jurisdicionais brasileiras; dade e flexibilidade, dotadas de material tecnologica-
• a ameaça de forças militares muito superiores na região mente avançado e em condições de emprego imediato,
amazônica; articuladas de maneira a melhor atender às hipóteses
• as providências internas ligadas à defesa nacional de emprego.
Política e Segurança

decorrentes de guerra em outra região do mundo,


que ultrapassem os limites de uma guerra regional Os Planos das Forças singulares, consolidados no Mi-
controlada, com emprego efetivo ou potencial de nistério da Defesa, deverão referenciar‑se a metas de curto
armamento nuclear, biológico, químico e radiológico; prazo (até 2014), de médio prazo (entre 2015 e 2022) e de
• a participação do Brasil em operações internacionais longo prazo (entre 2023 e 2030).
em apoio à política exterior do País; Em relação ao equipamento, o planejamento deverá prio-
• a participação em operações internas de Garantia da rizar, com compensação comercial, industrial e tecnológica:
Lei e da Ordem, nos termos da Constituição Federal, • no âmbito das três Forças, sob a condução do Ministé-
e os atendimentos às requisições da Justiça Eleitoral; e rio da Defesa, a aquisição de helicópteros de transporte
• a ameaça de guerra no Atlântico Sul. e de reconhecimento e ataque;

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• na Marinha, o  projeto e fabricação de submarinos No tempo de paz ou enquanto os recursos forem insu-
convencionais que permitam a evolução para o projeto ficientes, algumas capacidades serão mantidas temporaria-
e fabricação, no País, de submarinos de propulsão mente por meio de núcleos de expansão, constituídos por
nuclear, de meios de superfície e aéreos priorizados estruturas flexíveis e capazes de evoluir rapidamente, de
nesta Estratégia; modo a obter adequado poder de combate nas operações.
• no Exército, os meios necessários ao completamento As seguintes capacidades são desejadas para as Forças
dos sistemas operacionais das brigadas e do sistema Armadas:
de monitoramento de fronteiras; o aumento da mo- • permanente prontidão operacional para atender às
bilidade tática e estratégica da Força Terrestre, sobre- hipóteses de emprego, integrando forças conjuntas
tudo das Forças de Emprego Estratégico e das forças ou não;
estacionadas na região amazônica; a nova família de • manutenção de unidades aptas a compor Forças de
blindados sobre rodas; os sistemas de mísseis e radares Pronto Emprego, em condições de atuar em diferentes
antiaéreos (defesa antiaérea); a produção de munições ambientes operacionais;
e o armamento e o equipamento individual do comba- • projeção de poder nas áreas de interesse estratégico;
tente, entre outros, aproximando‑os das tecnologias • estruturas de Comando e Controle, e de Inteligência
necessárias ao combatente do futuro; e consolidadas;
• permanência na ação, sustentada por um adequado
• na Força Aérea, a aquisição de aeronaves de caça que
apoio logístico, buscando ao máximo a integração da
substituam, paulatinamente, as hoje existentes, bus-
logística das três Forças;
cando a possível padronização; a aquisição e o desen-
• aumento do poder de combate, em curto prazo, pela
volvimento de armamentos, e sistemas de autodefesa, incorporação de recursos mobilizáveis, previstos
objetivando a autossuficiência na integração destes às em lei;
aeronaves; e a aquisição de aeronaves de transporte • interoperabilidade nas operações conjuntas; e
de tropa. Em relação à distribuição espacial das Forças • defesa antiaérea adequada às áreas estratégicas a
no território nacional, o planejamento consolidado no defender.
Ministério da Defesa deverá priorizar:
• na Marinha, a  necessidade de constituição de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
Esquadra no norte/nordeste do País;
• no Exército, a  distribuição que atenda às seguintes Para o emprego episódico na GLO, nos termos da Cons-
condicionantes: (a) um flexível dispositivo de expecta- tituição, da Lei nº 9.299, de 7 de agosto de 1996 e da Lei
tiva, em face da indefinição de ameaças, que facilite o Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, alterada pela
emprego progressivo das tropas e a presença seletiva Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004, e Lei
em uma escalada de crise; Complementar no 136, de 25 de agosto de 2010, as Forças
b) a manutenção de tropas, em particular as reservas Armadas deverão prever a capacitação de tropa para o
estratégicas, na situação de prontidão operacional cumprimento desse tipo de missão.
com mobilidade, que lhes permitam deslocar‑se
rapidamente para qualquer parte do território Inteligência de Defesa
nacional ou para o exterior;
c) a manutenção de tropas no centro‑sul do País para Por meio da Inteligência, busca‑se que todos os plane-
garantir a defesa da principal concentração demo- jamentos – políticos, estratégicos, operacionais e táticos – e
gráfica, industrial e econômica, bem como da infra- sua execução desenvolvam- se com base em dados que se
estrutura, particularmente a geradora de energia; e transformam em conhecimentos confiáveis e oportunos.
d) a concentração das reservas regionais em suas As informações precisas são condição essencial para o em-
respectivas áreas. prego adequado dos meios militares.
• na Força Aérea, a adequação da localização de suas A Inteligência deve ser desenvolvida desde o tempo de
unidades de transporte de tropa de forma a propi- paz, pois é ela que possibilita superar as incertezas. É da sua
ciar o rápido atendimento de apoio de transporte às vertente prospectiva que procedem aos melhores resultados,
Forças de Emprego Estratégico. Isso pressupõe que permitindo o delineamento dos cursos de ação possíveis e
se baseiem próximo às reservas estratégicas do Exér- os seus desdobramentos. A identificação das ameaças é o
primeiro resultado da atividade da Inteligência de Defesa.
cito. Além disso, suas unidades de defesa aérea e de
controle do espaço aéreo serão distribuídas de forma
Ações estratégicas
a possibilitar um efetivo atendimento às necessidades
correntes com velocidade e presteza. Enunciam‑se a seguir as ações estratégicas que irão
orientar a implementação da Estratégia Nacional de Defesa:
A partir da consolidação dos Planos de Articulação e de
Equipamento elaborados pelas Forças, o Ministério da Defesa Mobilização
proporá ao Presidente da República o Plano de Articulação e
de Equipamento da Defesa Nacional, envolvendo a sociedade
Política e Segurança

Realizar, integrar e coordenar as ações de planejamento,


brasileira na busca das soluções necessárias. preparo, execução e controle das atividades de Mobilização
As características especiais do ambiente amazônico, e Desmobilização Nacionais previstas no Sistema Nacional
com reflexos na doutrina de emprego das Forças Armadas, de Mobilização (SINAMOB).
deverão demandar tratamento especial, devendo ser in- O Ministério da Defesa orientará e coordenará os demais
crementadas as ações de fortalecimento da estratégia da ministérios, secretarias e órgãos envolvidos no SINAMOB
presença naquele ambiente operacional. no estabelecimento de programas, normas e procedimen-
Em face da indefinição das ameaças, as Forças Armadas tos relativos à complementação da Logística Nacional e
deverão se dedicar à obtenção de capacidades orientadoras na adequação das políticas governamentais à Política de
das medidas a serem planejadas e adotadas. Mobilização Nacional.

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Logística Os recursos humanos serão capacitados em análise e
técnicas nos campos científico, tecnológico, cibernético, es-
Acelerar o processo de integração entre as três Forças, pacial e nuclear, com ênfase para o monitoramento/controle,
especialmente nos campos da tecnologia industrial básica, à mobilidade estratégica e à capacidade logística.
da logística e mobilização, do comando e controle e das
operações conjuntas. Segurança Nacional
1. O Ministério da Defesa, por intermédio da SEPROD,
ficará encarregado de formular e dirigir a política de obtenção Contribuir para o incremento do nível de Segurança
de produtos de defesa. Nacional.
2. O Ministério da Defesa, por intermédio da SEPROD, fi- Todas as instâncias do Estado deverão contribuir para o
cará encarregado da coordenação dos processos de certifica- incremento do nível de Segurança Nacional, com particular
ção, de metrologia, de normatização e de fomento industrial. ênfase sobre:
3. O Ministério da Defesa incentivará, junto às esferas • o aperfeiçoamento de processos para o gerenciamento
do Governo federal, a  ampliação e a compatibilização da de crises;
infraestrutura logística terrestre, portuária, aquaviária, • a integração de todos os órgãos do Sistema Brasileiro
aeroespacial, aeroportuária e de telemática, visando os de Inteligência (SISBIN);
interesses da defesa. • a prevenção de atos terroristas e de atentados massi-
vos aos Direitos Humanos, bem como a condução de
Doutrina operações contraterrorismo, a cargo dos ministérios
da Defesa e da Justiça e do Gabinete de Segurança
Promover o aperfeiçoamento da Doutrina de Operações Institucional da Presidência da República (GSIPR);
Conjuntas. • as medidas para a segurança das áreas de infraestru-
O Ministério da Defesa promoverá estudos relativos turas estratégicas, incluindo serviços, em especial no
ao aperfeiçoamento da Doutrina de Operações Conjuntas, que se refere a energia, transporte, água, finanças e
considerando, principalmente, o  ambiente operacional e comunicações, a cargo dos ministérios da Defesa, de
o aprimoramento dos meios de defesa, a experiência e os Minas e Energia, dos Transportes, da Fazenda, da In-
ensinamentos adquiridos com a realização de operações tegração Nacional e das Comunicações, e ao trabalho
conjuntas e as orientações da Estratégia Nacional de Defesa, de coordenação, avaliação, monitoramento e redução
no que concerne às atribuições do Estado‑Maior Conjunto de riscos, desempenhado pelo Gabinete de Segurança
das Forças Armadas e dos Estados‑Maiores das três Forças. Institucional da Presidência da República;
• as medidas de defesa química, biológica, nuclear e
Comando e Controle radiológica dos ministérios da Defesa, da Saúde, da
Integração Nacional, de Minas e Energia e da Ciência,
Consolidar o Sistema de Comando e Controle para a Tecnologia e Inovação, e  do Gabinete de Segurança
Defesa Nacional. Institucional da Presidência da República, para as ações
O Ministério da Defesa aperfeiçoará o Sistema de Coman- de proteção à população e às instalações em território
do e Controle de Defesa, para contemplar o uso de satélite nacional, decorrentes de possíveis efeitos do emprego
de telecomunicações próprio. de armas dessa natureza;
O sistema integrado de Comando e Controle de Defesa • as ações de defesa civil, a cargo do Ministério da Inte-
deverá ser capaz de disponibilizar, em função de seus sen- gração Nacional;
sores de monitoramento e controle do espaço terrestre, • as ações de segurança pública, a cargo do Ministério
marítimo e aéreo brasileiro, dados de interesse do Sistema da Justiça e dos órgãos de segurança pública estaduais;
Nacional de Segurança Pública, em função de suas atribui- • o aperfeiçoamento dos dispositivos e procedimentos
ções constitucionais específicas. De forma recíproca, o Sis- de segurança que reduzam a vulnerabilidade dos sis-
tema Nacional de Segurança Pública deverá disponibilizar ao temas relacionados à Defesa Nacional contra ataques
sistema de defesa nacional dados de interesse do controle cibernéticos e, se for o caso, que permitam seu pronto
das fronteiras, exercido também pelas Forças Armadas, em restabelecimento, a cargo da Casa Civil da Presidência
especial no que diz respeito às atividades ligadas aos crimes da República, dos ministérios da Defesa, das Comunica-
transnacionais fronteiriços. ções e da Ciência, Tecnologia e Inovação, e do Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República;
Adestramento • a execução de estudos para viabilizar a instalação de
um centro de pesquisa de doenças tropicais para a
Atualizar o planejamento operacional e adestrar Esta- região amazônica, a cargo dos ministérios da Defesa,
dos‑Maiores Conjuntos Regionais. da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Saúde e órgãos
O Ministério da Defesa definirá Estados‑Maiores Con- de saúde estaduais e municipais;
juntos Regionais, coordenados pelo Estado‑Maior Conjunto • as medidas de emergência em saúde pública de im-
das Forças Armadas, para que, quando ativados, desde o portância nacional e internacional; e
tempo de paz, dentro da estrutura organizacional das Forças • o atendimento aos compromissos internacionais
Armadas, possibilitem a continuidade e a atualização do relativos à salvaguarda da vida humana no mar e ao
Política e Segurança

planejamento e do adestramento operacionais que atendam tráfego aéreo internacional, a cargo do Ministério da
ao estabelecido nos planos estratégicos. Defesa, por intermédio dos Comandos da Marinha e
da Aeronáutica, respectivamente, e do Ministério das
Inteligência de Defesa Relações Exteriores.

Aperfeiçoar o Sistema de Inteligência de Defesa. Operações internacionais


O Sistema deverá receber recursos necessários à for-
mulação de diagnóstico conjuntural dos cenários vigentes Promover o incremento do adestramento e da participa-
em prospectiva político‑estratégica, nos campos nacional ção das Forças Armadas em operações internacionais em apoio
e internacional. à política exterior, com ênfase nas operações de paz e ações

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humanitárias, integrando Forças da Organização das Nações da República, o estabelecimento de parcerias estratégicas
Unidas (ONU) ou de organismos multilaterais da região. com países que possam contribuir para o desenvolvimento
O Ministério da Defesa promoverá ações com vistas ao de tecnologias de ponta de interesse para a defesa.
incremento das atividades do Centro Conjunto de Operações 2. O  Ministério da Defesa, em coordenação com os
de Paz do Brasil (CCOPAB), de maneira a estimular o adestra- Ministérios da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Co-
mento de civis e militares ou de contingentes de Segurança mércio Exterior, do Planejamento, Orçamento e Gestão, e da
Pública, e de convidados de outras nações amigas. Para tal, Ciência, Tecnologia e Inovação, deverá buscar mecanismos
prover‑lhe‑á o apoio necessário a torná‑lo referência regio- que assegurem a alocação de recursos financeiros, de forma
nal no adestramento conjunto para operações de paz e de continuada, que viabilizem o desenvolvimento integrado e a
desminagem humanitária. conclusão de projetos relacionados à defesa nacional, cada
um deles com um polo integrador definido, com ênfase para
Estabilidade regional o desenvolvimento e a fabricação, dentre outros, de:
• aeronaves de caça e de transporte;
Contribuir para a manutenção da estabilidade regional. • submarinos convencionais e de propulsão nuclear;
1. O Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Ex- • meios navais de superfície;
teriores promoverão o incremento das atividades destinadas • armamentos inteligentes, como mísseis, bombas e
à manutenção da estabilidade regional e à cooperação nas torpedos, dentre outros;
áreas de fronteira do País. • aeronaves remotamente pilotadas;
2. O Ministério da Defesa e as Forças Armadas intensifi- • sistemas de comando e controle e de segurança das
carão as parcerias estratégicas nas áreas cibernética, espacial informações;
e nuclear e o intercâmbio militar com as Forças Armadas das • radares;
nações amigas, neste caso particularmente com a América • equipamentos e plataformas de guerra eletrônica;
do Sul e países lindeiros ao Atlântico Sul. • equipamento individual e sistemas de comunicação
3. O Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Ex- do combatente do futuro;
teriores e as Forças Armadas buscarão contribuir ativamente • veículos blindados;
para o fortalecimento, a expansão e a consolidação da inte- • helicópteros de transporte de tropa, para o aumento da
gração regional, com ênfase na pesquisa e desenvolvimento mobilidade tática, e helicópteros de reconhecimento
de projetos comuns de produtos de defesa. e ataque;
• munições; e
Inserção internacional • sensores óticos e eletro‑óticos.
Incrementar o apoio à participação brasileira no cenário 3. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, por
internacional, mediante a atuação do Ministério da Defesa intermédio da Agência Espacial Brasileira, promoverá a
e demais ministérios, dentre outros: atualização do Programa Espacial Brasileiro, de forma a prio-
• nos processos internacionais relevantes de tomada de rizar o desenvolvimento de sistemas espaciais necessários
decisão, aprimorando e aumentando a capacidade de
à ampliação da capacidade de comunicações, meteorologia
negociação do Brasil;
e monitoramento ambiental, com destaque para o desen-
• nos processo de decisão sobre o destino da Região
volvimento de:
Antártica;
• um satélite geoestacionário nacional para meteorolo-
• em ações que promovam a ampliação da projeção do
gia e comunicações seguras, entre outras aplicações; e
País no concerto mundial e reafirmar o seu compromisso
com a defesa da paz e com a cooperação entre os povos; • satélites de sensoriamento remoto para monitoramen-
• em fóruns internacionais relacionados com as questões to ambiental, com sensores ópticos e radar de abertura
estratégicas, priorizando organismos regionais como sintética.
o Conselho de Defesa Sul‑Americano (CDS) da União
de Nações Sul‑Americanas (UNASUL); 4. O  Ministério da Defesa e o Ministério da Ciência,
• no relacionamento entre os países amazônicos, no Tecnologia e Inovação, por intermédio do Instituto de Aero-
âmbito da Organização do Tratado de Cooperação náutica e Espaço do Comando da Aeronáutica e da Agência
Amazônica; Espacial Brasileira,
• na intensificação da cooperação e do comércio com promoverão medidas com vistas a garantir a autonomia
países da África, da América Central e do Caribe, in- de produção, lançamento, operação e reposição de sistemas
clusive a Comunidade dos Estados Latino‑Americanos espaciais, por meio:
e Caribenhos (CELAC); e • do desenvolvimento de veículos lançadores de satélites
• na consolidação da Zona de Paz e de Cooperação do e sistemas de solo para garantir acesso ao espaço em
Atlântico Sul (ZOPACAS), e o incremento na interação órbitas baixa e geoestacionária;
inter‑regionais, como a Comunidade de Países de Língua • de atividades de fomento e apoio ao desenvolvimento
Portuguesa (CPLP), a cúpula América do Sul‑África (ASA) de capacidade industrial no setor espacial, com a parti-
e o Fórum de Diálogo Índia‑Brasil‑África do Sul (IBAS). cipação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, de modo a garantir o fornecimento
Política e Segurança

Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e a reposição tempestiva de componentes, subsiste-


mas e sistemas espaciais; e
Fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de produtos e • de atividades de capacitação de pessoal nas áreas de
sistemas militares e civis que compatibilizem as prioridades concepção, projeto, desenvolvimento e operação de
científico‑tecnológicas com as necessidades de defesa. sistemas espaciais.
1. O Ministério da Defesa proporá, em coordenação com
os Ministérios das Relações Exteriores, da Fazenda, do Desen- 5. O  Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o
volvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Planejamento, Ministério da Defesa, por intermédio do Centro Tecnológico
Orçamento e Gestão, da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Marinha em São Paulo do Comando da Marinha, promo-
com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência verão medidas com vistas a garantir o desenvolvimento da:

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• produção autônoma de reatores de água pressurizada, • plano nacional de pesquisa e desenvolvimento de pro-
de modo a integrar o sistema de propulsão nuclear dos dutos de defesa, tendo como escopo prioritário a busca
submarinos; do domínio de tecnologias consideradas estratégicas
• capacidade industrial do setor nuclear para inovação, e medidas para o financiamento de pesquisas;
através do Comitê de Desenvolvimento do Programa • medidas para estimular e fomentar a pesquisa cientí-
Nuclear Brasileiro, com a participação dos Ministérios fica em Ciências Militares e em Defesa nos centros e
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; institutos de ensino superiores militares e civis;
da Fazenda; do Meio Ambiente; de Minas e Energia; • a integração dos esforços dos centros de pesquisa
do Planejamento, Orçamento e Gestão; das Relações militares, com a definição das prioridades de pesquisa
Exteriores, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, do de material de emprego comum para cada centro,
Gabinete de Segurança Institucional e da Casa Civil da e a participação de pesquisadores das três Forças em
Presidência da República; e projetos prioritários; e
• atividade de capacitação de pessoal nas áreas de • o estabelecimento de parcerias estratégicas com países
concepção, projeto, desenvolvimento e operação de que possam contribuir para o desenvolvimento de
sistemas nucleares. tecnologias de ponta de interesse para a defesa.
6. No setor cibernético, o Ministério da Defesa e o Mi- Base Industrial de Defesa
nistério da Ciência Tecnologia e Inovação, por intermédio
do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, pro- A fim de compatibilizar os esforços governamentais de
moverão ações que contemplem a multidisciplinaridade e a aceleração do crescimento com as necessidades da Defesa
dualidade das aplicações; o fomento da Base Industrial de Nacional, o Ministério da Defesa, juntamente com os Minis-
Defesa com duplo viés: aquisição de conhecimento e geração térios da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
de empregos; e a proteção das infraestruturas estratégicas, Exterior, do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Ciência,
com ênfase para o desenvolvimento de soluções nacionais Tecnologia e Inovação e a Secretaria de Assuntos Estratégicos
inovadoras, dentre elas: da Presidência da República, elaborou a Lei nº 12.598, de 22
• sistema integrado de proteção de ambientes compu- de março de 2012, que estabeleceu normas especiais para as
tacionais; compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e
• simulador de defesa cibernética; sistemas de Defesa, e ainda sobre regras de incentivo à área
• ferramentas de conteúdo web; estratégica de defesa.
• ferramentas de inteligência artificial; 1. O Ministério da Defesa continuará a manter contatos
• algoritmos criptográficos e autenticação próprios;
com os Ministérios da Fazenda, do Desenvolvimento, Indús-
• sistema de chaves‑públicas da Defesa;
tria e Comércio Exterior, dos Transportes, do Planejamento,
• sistema de análise de artefatos maliciosos;
Orçamento e Gestão e da Ciência, Tecnologia e Inovação,
• ferramentas de análise de interesse para o setor ciber-
e  a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
nético (voz, vídeo, idioma e protocolos);
República, visando à concessão de linha de crédito especial,
• sistema de certificação de Tecnologias da Informação;
por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
• sistema de apoio à tomada de decisão;
• sistema de restabelecimento do negócio; nômico e Social (BNDES), para os produtos de defesa, similar
• sistemas de gestão de riscos; às já concedidas para outras atividades; e à viabilização, por
• sistema de consciência situacional; parte do Ministério da Fazenda, de procedimentos de garan-
• computação de alto desempenho; tias para contratos de exportação de produto de defesa de
• rádio definido por software; e grande vulto, em consonância com o Decreto Lei nº 1.418, de
• pesquisa científica por meio da Escola Nacional de 3 de setembro de 1975, e com a Lei Complementar nº 101,
Defesa Cibernética, de instituições acadêmicas no de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.
âmbito do Ministério da Defesa e demais instituições
de ensino superior nacionais e internacionais. Infraestrutura

7. O  Ministério da Defesa, o  Ministério da Ciência, Compatibilizar os atuais esforços governamentais de


Tecnologia e Inovação e o Ministério do Desenvolvimento, aceleração do crescimento com as necessidades da Defesa
Indústria e Comércio Exterior promoverão a aceleração Nacional.
do processo de integração entre as três Forças na área de 1. O Ministério da Defesa, em coordenação com a Secre-
tecnologia industrial básica, por meio da coordenação dos taria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
processos de certificação, de metrologia, de normatização proporá aos ministérios competentes as iniciativas neces-
e de fomento industrial. sárias ao desenvolvimento da infraestrutura de energia,
8. O Ministério da Defesa, em coordenação com o Ministério transporte e comunicações de interesse da defesa, de acordo
da Ciência, Tecnologia e Inovação e com a Secretaria de Assuntos com os planejamentos estratégicos de emprego das Forças.
Estratégicos da Presidência da República, atualizará a Política 2. O Ministério da Defesa priorizará, na elaboração do
de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Defesa Nacional e os Plano de Desenvolvimento de Aeródromos de Interesse Fe-
instrumentos normativos decorrentes. Para atender aos obje- deral (PDAIF), os aeródromos de desdobramento previstos
Política e Segurança

tivos dessa Política, deverá ocorrer a adequação das estruturas nos planejamentos relativos à defesa da região amazônica.
organizacionais existentes e que atuam na área de Ciência e 3. O Ministério da Defesa apresentará ao Ministério dos
Tecnologia da Defesa. Os citados documentos contemplarão: Transportes, em data coordenada com este, programação
• medidas para a maximização e a otimização dos de investimentos de médio e longo prazo, e a ordenação de
esforços de pesquisa nas instituições científicas e tec- suas prioridades ligadas às necessidades de vias de trans-
nológicas civis e militares, para o desenvolvimento de porte para o atendimento aos planejamentos estratégicos
tecnologias de ponta para o sistema de defesa, com decorrentes das hipóteses de emprego. O  Ministério dos
a definição de esforços integrados de pesquisadores Transportes, por sua vez, promoverá a inclusão das citadas
das três Forças, especialmente para áreas prioritárias prioridades no Plano Nacional de Logística e Transportes
e suas respectivas tecnologias de interesse; (PNLT).

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4. O Ministério da Defesa, em coordenação com o Minis- divulgação das atividades de defesa, de modo a aumentar
tério dos Transportes, instalará no Centro de Operações do sua visibilidade junto à sociedade, e implementarão ações e
Comandante Supremo (COCS), terminal da Base de Dados programas voltados à promoção e disseminação de pesquisas
Georreferenciados em Transporte que possibilite a utilização e à formação de recursos humanos qualificados na área,
das informações ligadas à infraestrutura de transportes, a  exemplo do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa
disponibilizadas por aquele sistema, no planejamento e na Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró‑Defesa) e
gestão estratégica de crises e conflitos. do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e
5. O Ministério da Defesa juntamente com o Ministério Tecnológica em Assuntos Estratégicos de Interesse Nacional
da Integração Nacional e a Secretaria de Assuntos Estraté- (Pró‑Estratégia).
gicos da Presidência da República desenvolverão estudos 5. O Ministério da Defesa manterá uma Política de Ensino
conjuntos com vistas à compatibilização dos Programas de Defesa com as seguintes finalidades:
Calha Norte e de Promoção do Desenvolvimento da Faixa • acelerar o processo de interação do ensino militar,
de Fronteira (PDFF) e ao levantamento da viabilidade de em particular no nível de Altos Estudos, atendendo
estruturação de Arranjos Produtivos Locais (APL), com ações às diretrizes contidas na primeira parte da presente
de infraestrutura econômica e social, para atendimento a Estratégia; e
eventuais necessidades de vivificação e desenvolvimento • capacitar civis e militares para a própria Administração
da fronteira, identificadas nos planejamentos estratégicos Central do Ministério e para outros setores do Gover-
decorrentes das hipóteses de emprego. no, de interesse da Defesa.
6. O Ministério da Defesa, em parceria com o Ministério
das Comunicações, no contexto do Programa Governo Eletrô- 6. As  instituições de ensino das três Forças manterão
nico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (GESAC), instalará nos seus currículos de formação militar disciplinas relativas
telecentros comunitários com conexão em banda larga nas a noções de Direito Constitucional e de Direitos Humanos,
sedes das instalações militares de fronteira existentes e a indispensáveis para consolidar a identificação das Forças
serem implantadas em decorrência do previsto no Decreto Armadas com o povo brasileiro.
nº 4.412, de 7 de outubro de 2002, alterado pelo Decreto 7. Um interesse estratégico do Estado é a formação de
nº 6.513, de 22 de julho de 2008. especialistas civis em assuntos de defesa. No intuito de
7. O Ministério da Defesa, com o apoio das Forças Arma- formá‑los, o Governo federal deve apoiar, nas universidades,
das no que for julgado pertinente, e o Ministério das Comu- um amplo espectro de programas e de cursos que versem
nicações promoverão estudos com vistas à coordenação de sobre a defesa.
ações de incentivo à habilitação de rádios comunitárias nos A Escola Superior de Guerra deve servir como um dos prin-
municípios das áreas de fronteira, de forma a atenuar, com cipais instrumentos de tal formação. Deve, também, organizar
isto, os efeitos de emissões indesejáveis. o debate permanente, entre as lideranças civis e militares,
a  respeito dos problemas da defesa. Para melhor cumprir
Ensino essas funções, deverá a Escola ser transferida para Brasília,
sem prejuízo de sua presença no Rio de Janeiro, e passar a
Promover maior integração e participação dos setores contar com o engajamento direto do Estado‑Maior Conjunto
civis governamentais na discussão dos temas ligados à de- das Forças Armadas e dos Estados‑Maiores das três Forças.
fesa, através, entre outros, de convênios com Instituições 8. O  Ministério da Defesa adotará as medidas para a
de Ensino Superior e do fomento à pesquisa nos assuntos criação e implementação do Instituto Pandiá Calógeras com
de defesa, assim como a participação efetiva da sociedade as seguintes competências:
brasileira, por intermédio do meio acadêmico e de institutos • Produzir reflexões acerca de aspectos políticos e estra-
e entidades ligados aos assuntos estratégicos de defesa. tégicos nos campos da segurança internacional e da
1. A Escola Superior de Guerra – Campus Brasília – de- defesa nacional, considerando os cenários de inserção
verá intensificar o intercâmbio fluido entre os membros internacional do Brasil;
do Governo federal e aquela Instituição, assim como para • Contribuir com a pesquisa e a formação de recursos
otimizar a formação de recursos humanos ligados aos as- humanos no campo da defesa;
suntos de defesa. • Estreitar o relacionamento do Ministério da Defesa
2. O Ministério da Defesa e o Ministério do Planejamento, com o meio acadêmico nacional e internacional; e
Orçamento e Gestão submeterão ao Presidente da Repúbli- • Assessorar o Ministro da Defesa em outras funções
ca anteprojeto de lei que altere a Lei de Criação da Escola por ele definidas.
Superior de Guerra. O projeto de lei visará criar cargos de
direção e assessoria superior destinados à constituição de Recursos humanos
um corpo permanente que, podendo ser renovado, permita o
exercício das atividades acadêmicas, pela atração de pessoas Promover a valorização da profissão militar de forma
com notória especialização ou reconhecido saber em áreas compatível com seu papel na sociedade brasileira, assim
específicas. Isso possibilitará incrementar a capacidade ins- como fomentar o recrutamento, a seleção, o desenvolvimen-
titucional da Escola de desenvolver atividades acadêmicas e to e a permanência de quadros civis, para contribuir com o
administrativas, bem como intensificar o intercâmbio entre esforço de defesa.
Política e Segurança

os membros do Governo federal, a sociedade organizada e 1. O recrutamento dos quadros profissionais das Forças
aquela instituição. Armadas deverá ser representativo de todas as classes
3. O  Ministério da Defesa e a Secretaria de Assuntos sociais. A  carreira militar será valorizada pela criação de
Estratégicos da Presidência da República estimularão a rea- atrativos compatíveis com as características peculiares da
lização de encontros, simpósios e seminários destinados à profissão. Nesse sentido, o Ministério da Defesa, assesso-
discussão de assuntos estratégicos, aí incluída a temática da rado pelos Comandos das três Forças, proporá as medidas
Defesa Nacional. A participação da sociedade nesses eventos necessárias à valorização pretendida.
deve ser objeto de atenção especial. 2. O  recrutamento do pessoal temporário das Forças
4. O  Ministério da Defesa e a Secretaria de Assuntos Armadas deverá possibilitar a oferta de mão de obra ade-
Estratégicos da Presidência da República intensificarão a quada aos novos meios tecnológicos da defesa nacional.

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Nesse sentido, o  Ministério da Defesa, assessorado pelos fissionais compatíveis com as atividades a serem exercidas
Comandos da três Forças, proporá as mudanças necessárias no Ministério da Defesa.
no Serviço Militar Obrigatório.
3. Deverão ser mantidos completos os quadros de ser- Comunicação social
vidores civis das Forças Armadas, de forma a evitar o deslo-
camento de mão de obra militar para atividades estranhas Incrementar a mentalidade de defesa no País. O Minis-
à sua destinação. tério da Defesa deverá promover ações visando divulgar as
4. O Ministério da Defesa fomentará a captação de pes- medidas implementadas como fator de esclarecimento e
soal visando à ampliação dos quadros de servidores civis do convencimento de decisores e da opinião pública sobre os
Ministério da Defesa e das Forças Armadas, por intermédio assuntos de defesa. A Comunicação Social revela‑se como
de concursos públicos realizados periodicamente, de modo imprescindível instrumento de apoio à decisão nos diversos
a contribuir para a reestruturação das Forças. níveis de planejamento político, estratégico, operacional e
5. O Ministério da Defesa e o Ministério do Planejamento, tático.
Orçamento e Gestão elaborarão estudos com vistas à criação
de carreira civil específica para atuar na formulação e gestão Disposições finais
de políticas públicas de defesa e dotar o Ministério de um
quadro próprio em face da importância e peculiaridade de Os documentos complementares e decorrentes da
suas competências e atribuições. presente Estratégia Nacional de Defesa, cujas necessidades
Os profissionais que deverão compor essa Carreira serão de elaboração ou atualização atendem às exigências desta
selecionados por concurso público e realizarão um Curso de Estratégia, deverão ser confeccionados conforme o quadro
Formação em Defesa, a fim de aprimorar os requisitos pro- a seguir:

Prazo Tarefa a realizar Responsável


Prazo de execução do “Plano  de Articulação e Equipamentos  de Defesa MD
2012 a 2031
(PAED)”.
Elaboração de instrumentos de planejamento orçamentário  e financeiro MD em articulação com CC, MF,
de curto, médio e longo prazos, que proporcionem a definição de priorida- MP e SAE
2012 a 2031 des e a convergência de demandas para a concretização dos objetivos da
função Defesa Nacional, visando à implementação de projetos considerados
estratégicos e prioritários, consideradas as projeções do PAED.
Atualização da Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Defesa MD, MCTI e SAE
30/06/2013
Nacional e instrumentos normativos decorrentes.
Proposta de revisão da legislação referente a garantias para contratos de CC, MD, MF, MT, MDIC e SAE
30/06/2013
exportação de produtos de defesa.
Propostas para compatibilização dos programas Calha Norte e de Promoção MD, MI, SAE e MP
do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), com propostas de ações
30/06/2013
de infraestrutura econômica e social para a vivificação e o desenvolvimento
da fronteira.
Concluir a implantação do Sistema de Certificação, de Metrologia, de Nor- MD
31/12/2013 malização e de Fomento Industrial das Forças Armadas, conforme Portaria
Normativa Nº 777/MD/2007.
Elaboração de estudo com vistas à criação de carreira civil específica para MD em articulação com CC  e
2013
atuar na formulação e gestão de políticas públicas de defesa nacional. MP
Elaboração de estudo com vistas à criação da Escola Nacional de Defesa MD, SAE,  MF, MCTI,  MEC,
30/06/2014
Cibernética. GSI e MP
Adoção de medidas para a criação e implementação, em Brasília, do “Ins- MD em articulação com MP
2014
tituto Pandiá Calógeras”.

Abreviações
CC – Casa Civil
FA – Forças Armadas
MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
Política e Segurança

MD – Ministério da Defesa


MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MEC- Ministério da Educação
MF – Ministério da Fazenda
MP – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MRE – Ministério das Relações Exteriores
MS – Ministério da Saúde
SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
SEPROD – Secretaria de Produtos de Defesa

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LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL
O Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) é o mais com-
pleto e acabado documento acerca das atividades de defesa
do Brasil. Abrangente, visa esclarecer a sociedade brasileira
e a comunidade internacional sobre  as políticas e ações
que norteiam os procedimentos de segurança e proteção à
nossa soberania.
Além de aportar transparência quanto à atuação
das Forças Armadas, prestando contas sobre a adequação
da estrutura de defesa disponível no país, serve de instru-
mento para estimular o debate sobre esse tema no âmbito
do Congresso Nacional, da burocracia federal, da Academia
e da sociedade em geral.
Para fora do país, tem o objetivo de compartilhar as
motivações e finalidades do instrumento militar junto à co-
munidade internacional para, assim, constituir mecanismo
de construção de confiança mútua entre o Brasil e as nações
amigas, especialmente as vizinhas.
Nesse sentido, o  Livro Branco contribui também para
fortalecer a cooperação entre os países da América do Sul,
de modo a estimular a organização de uma comunidade de
paz e segurança no entorno estratégico brasileiro, possibili-
tando a opção por soluções pacíficas e eliminado a hipótese
de conflitos na região.
Por fim, o LBDN, representa um grande esforço demo-
crático na construção de um conceito de Defesa Nacional.
Elaborado com a participação da comunidade acadêmica,
do setor empresarial e da sociedade em geral, por meio de
audiências públicas realizadas em diferentes cidades do país,
possibilita não só aprofundar o conhecimento da população
sobre a temática militar, bem como engajá‑la nas indispen-
sáveis discussões relacionadas à Defesa Nacional.
A versão em português do LBDN possui mais de 300
páginas e pode ser encontrado no site do Ministério da
Defesa, no endereço eletrônico: http://www.defesa.gov.br/
estado‑e‑defesa/livro‑branco‑de‑defesa‑nacional

Política e Segurança

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Livros de Aprofundamento

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