Você está na página 1de 19

Gestão do conhecimento – os modos de conversão do

conv
conhecimento nas incorporações de bases externas

Ademar ORSI
Administrador. Mestre em Administração pela Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.
Professor da Fundação Dom Cabral, da Universidade Presbiteriana Mackenzie
e da Universidade Anhembi Morumbi.
Consultor de empresas.
orsiademar@ig.com.br

Resumo Abstract
Tendo interesse em novos mercados, algumas Aiming at new markets, some enterprises
corporações optam pela incorporação de bases choose to incorporate external bases of
externas de conhecimento, adquirindo outras knowledge through the acquisition of other
empresas que já passaram pelo processo de firms that have already undergone the learning
aprendizado e dispõem de reconhecimento no process and which are acknowledged in the
mercado. Foram conduzidos dois estudos de caso, market. Two case studies have been developed,
envolvendo grandes empresas, uma nacional e uma involving large firms in Brazil, being one
multinacional, ambas atuantes no setor de serviços, Brazilian and one multinational, both of which
e que utilizaram dessa estratégia para a sua inserção had adopted this strategy in their insertion in
no mercado da tecnologia da informação. Algumas the IT market. Some of the main contributions
das principais contribuições deste estudo incluem a for this research include the identification of a
identificação de um conjunto de práticas para a set of practices for the incorporation of external
incorporação de bases externas de conhecimento. bases. A comparison and framing of this
Acrescentam-se a comparação e o enquadramento practices in the knowledge conversion modes,
dessas práticas nos quatro modos de conversão do described by Nonaka e Takeuchi (1997),
conhecimento, descritos por Nonaka e Takeuchi involving socialization, externalization,
(1997), envolvendo a socialização, a externalização, combination and internalization of the
a combinação e a internalização do conhecimento. knowledge, are increased.

Palavras-chave: Conhecimento – Bases – Key-words: Knowledge – Bases –


Conversão. Conversion.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 91
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

1 Introdução por Fleury (1999) quando esclarece que o


A ligação entre competitividade e conhecimento “domínio de qualquer estágio do ciclo de negócio”,
tem sido objeto de crescente atenção e tema de como o profundo conhecimento das condições de
operação de mercados específicos, pode ser
discussão no meio empresarial e acadêmico. O
considerado como uma competência essencial.
conhecimento e a gestão deste não podem ser
considerados como algo novo, pois as empresas Com essa amplitude, o conhecimento passa a ser
sempre valorizaram o know-how, a experiência e a única forma sustentável para que seja atingida
a capacidade de resolução de problemas de seus uma capacidade competitiva duradoura. Isso tem
empregados. O que se observa como novo é a levado as empresas a uma preocupação cada vez
ênfase que se tem colocado sobre esse recurso, a maior com gestão desse ativo e o passo inicial é
“descoberta” de que as ações aleatórias antes a identificação de quais conhecimentos são
adotadas não são mais suficientes para enfrentar necessários, qual a lacuna existente e como
o nível de concorrência atual (TERRA, 2000; eliminá-la mais rapidamente para tornarem-se ou
DAVENPORT e PRUSAK, 1998). manterem-se competitivas. Basicamente, a
literatura aponta para duas grandes maneiras de
O conhecimento que torna a empresa capaz de preenchimento das lacunas observadas: o
competir vai além daquele contido nos produtos: desenvolvimento interno ou a incorporação de
ele está presente tanto nas decisões como nas bases externas. Autores identificam e descrevem
atividades mais cotidianas das organizações, como diferentes formas para cada uma dessas maneiras,
ensina Spender (2001). Essa opinião é fortalecida como apresenta o Quadro 1, a seguir:

Quadro 1 – Formas de obtenção do conhecimento.


Autores Internas Externas

Davenport e Prusak (1998) recursos dedicados, adaptação, rede do aluguel, aquisição de empresas
conhecimento e fusão (1)
pesquisa de mercado, pesquisa e relação com clientes, fornecedores,
Probst et al. (2002) desenvolvimento, solução de problemas, concorrentes e parceiros; consultoria;
grupos de desenvolvimento, arenas de recrutamento de especialistas; alianças,
aprendizagem, etc. aquisição de empresas inovadoras
conversão; metáforas, imagens ou
experiências; caos criativo, intenção,
Nonaka e Takeuchi (1997) compartilhamento de conhecimento
compromisso, variedade de requisitos,
redundância de informações
(1) para esses autores o termo “fusão” tem, neste caso, conotação de combinação deliberada de pessoas da
organização com diferentes habilidades, idéias e valores para gerar soluções criativas.

Entre as alternativas propostas pelos autores 2 Objetivos


citados para atingir o conhecimento necessário, O objetivo deste estudo foi identificar quais são as
optou-se neste estudo pelos processos de práticas empregadas pelas empresas visando a
obtenção de bases de conhecimento através de incorporação de bases externas de conhecimento,
aquisição de empresas. confrontando-as com o modelo de conversão do
conhecimento descrito por Nonaka e Takeuchi (1997).

92 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

3 Revisão bibliográfica Essa dificuldade é maior no setor de serviços do


3.1 O setor de serviços que nos demais. A grande dificuldade de
mecanização e automação da maioria das suas
No tipo de processo investigado, o objetivo é atividades faz com que seja necessário empregar
incorporar e disseminar na empresa o trabalho humano em larga escala, tendo,
conhecimento “adquirido”. Embora possa conseqüentemente, uma dependência
proporcionar acesso mais rápido, “comprar” o significativamente maior do conhecimento tácito.
conhecimento não se resume à aquisição de A gestão do capital intelectual neste setor, por esse
outra empresa, mas implica aprendizado para motivo, torna-se mais importante e complexa do
que ele seja transmitido para a adquirente e que a gestão dos ativos físicos (TERRA, 1999).
retido nesta. Mas o conhecimento acumulado
em uma organização não é facilmente A distribuição mundial da força de trabalho entre
transferido para outra. Nonaka e Takeuchi os três setores da economia – serviços, indústria
(1997) ressaltam que o conhecimento é e agricultura – é apresentada na Tabela 1,
essencialmente tácito – pessoal e não destacando o crescimento da participação
formalizado – e, portanto, difícil de ser humana nos serviços em oposição à estabilização
transmitido. ou à diminuição nos demais setores.

Tabela 1 – Distribuição da força de trabalho no mundo

Participação
Setor
1980 1997
Serviços 39,4% 62,0%
Indústria 23,9% 22,4%
Agricultura 36,7% 15,6%
Fonte: Organização Internacional do Trabalho
(1998, apud TERRA, 1999, p. 8)

Assim, por dependerem mais do trabalho 3.2 Crescente importância do conhecimento


humano, as empresas desse setor precisam empresarial
preparar-se ainda mais para a mudança provocada Não é sem motivo que a gestão do conhecimento
pelas operações de aquisição. Inúmeros estudos tem se tornado tema dos mais relevantes na
relatam a influência decisiva da variável “aspecto discussão acadêmica e empresarial. Se, segundo
humano” no resultado das operações de fusão Toffler (1980), as forças determinantes da riqueza
ou aquisição (OLIE, 1994; CARTWRIGHT e e do poder foram a terra, o capital e o trabalho
COOPER, 1995; Devoge e SHIRAKI, 2000; durante os períodos que ele chamou de primeira
FERNANDES, 2000; CALDAS e TONELLI, e segunda ondas, agora, desde o final do milênio,
2001; BARROS, 2003). na terceira onda, a ‘sociedade da informação’
Essa preocupação com a gestão da mudança deve prevista por Peter Drucker está se manifestando
ser ainda maior quando ela incorpora também a com todo seu vigor e destacando o papel-chave
gestão do conhecimento. desempenhado pelo conhecimento.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 93
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

Sinal dos tempos, o porte das instalações 3.3 Gestão do conhecimento


industriais, dos edifícios administrativos e a A definição de Probst et al. (2002, p. 31): “gestão
quantidade de empregados de uma empresa do conhecimento consiste em métodos para
deixaram de ser uma medida confiável de sua influenciar os ativos intelectuais da organização
importância ou capacidade industrial. O sucesso e orientar o seu desenvolvimento”, é concisa e
espetacular que empresas de conhecimento suficiente para dar um fácil entendimento sobre
intensivo conquistaram nos últimos anos é uma o que é a gestão do conhecimento. Todas as ações
demonstração inequívoca dessa mudança. A que visam à alteração do estágio da empresa em
Microsoft “faz sombra” a gigantes como Boeing relação ao que ela conhece podem ser assim
e Kodak e a SAP, produtora de software, supera colocadas.
a Volkswagen em capitalização no mercado de As empresas sempre procuraram ter acesso ao
ações (PROBST et al., 2002). “saber como fazer” (know-how), atraindo
O desenvolvimento da informatização, a profissionais com o conhecimento e a experiência
globalização e a menor intermediação econômica necessária, adquirindo ou desenvolvendo
pelos estados nacionais trouxeram novos padrões tecnologia, desenvolvendo e treinando seus
de competição, exigindo maior aplicação da empregados, mas, na maioria dos casos, de forma
inteligência para a sobrevivência das isolada e aleatória. Todas essas ações
“influenciam os ativos intelectuais”, mas gestão
organizações. Um exemplo dessa “corrida” pela
do conhecimento é muito mais que isso. A gestão
competitividade é dado por Stewart (1998): uma
do conhecimento parte do pressuposto de que
grande siderúrgica americana tradicional
esse é um ativo estratégico e fundamental para a
precisava normalmente de quatro horas/homem competitividade da empresa e que tanto o
para produzir uma tonelada de aço no início da conhecimento existente como o que deve ser
década de 1990; já em 1995 uma congênere adquirido precisam ser tratados sistematicamente
revolucionária, com um processo que exige para que a empresa possa aproveitá-los em toda
sofisticados computadores, conseguia a mesma a sua potencialidade.
produção em 45 minutos. O incremento do
Entretanto, primeiro, é necessário saber qual é o
componente intelectual fez os componentes
conhecimento existente e qual é o conhecimento
físicos – espaços de armazenagem e produção –
que precisa ser adquirido. Stewart apresenta uma
e o trabalho humano diminuírem na composição composição das possibilidades que a organização
do processo de trabalho. tem para conhecer e controlar o conhecimento:

Quadro 2 – Conhecimento sobre o conhecimento.


Sabe Não sabe
Conhecimento que você Conhecimento que você
Sabe sabe que tem sabe que não tem
(conhecimento explícito) (lacunas conhecidas)
Conhecimento que você Conhecimento que você
Não sabe não sabe que tem não sabe que não tem
(conhecimento tácito) (lacunas desconhecidas)
(STEWART, 1998, p. 121)

94 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

O Quadro 2 é falho apenas quando apresenta níveis táticos ou estratégicos da empresa. A


unicamente o conhecimento tácito no quadrante primeira vinculação – no nível tático – pode
“não sabe que tem”. Outros autores estudados, envolver as situações originadas na necessidade
como Davenport e Prusak (1998) e Probst et al. específica de melhoria ou inserção de um
(2002), explicam que as empresas despendem determinado produto, processo ou tarefa.
tempo e dinheiro para solucionar certos
A gestão do conhecimento pode envolver, por
problemas quando, muitas vezes, soluções já
outro lado, o alinhamento da estratégia de
haviam sido encontradas no passado ou estão
conhecimento da organização com a estratégia
sendo encontradas por outras equipes. Esse é um
geral do negócio, exigindo uma avaliação
tipo de conhecimento que pode ser classificado
contínua do conhecimento existente e uma
como explícito e que elas não sabiam que existia.
comparação com as necessidades futuras. Fleury
Nesse sentido, esses e outros autores atribuem adota o conceito de gestão estratégica do
importância à identificação da base de conhecimento, citado a seguir, que tem forte
conhecimento existente, definida como: relação com os objetivos desta pesquisa.
a base de conhecimento organizacional consiste Gestão estratégica do conhecimento [é] a tarefa de
em ativos de conhecimento individuais e identificar, desenvolver, disseminar e atualizar o
coletivos que a organização pode utilizar para conhecimento estrategicamente relevante para a
realizar suas tarefas. A base de conhecimento empresa, seja por meio de processos internos, seja
também inclui os dados e as informações sobre por meio de processos externos às empresas.
os quais se constroem o conhecimento individual (FLEURY, 2002, p. 19)
e organizacional. (PROBST et al., 2002, p. 29)
Os programas de desenvolvimento gerencial, no
a recategorização e contextualização do âmbito interno, e as alianças corporativas, no âmbito
conhecimento gerado nesses dois níveis externo, ambos com o objetivo de eliminar lacunas
[hierarquia e força tarefa] necessita do de conhecimento, são exemplos citados pela autora
estabelecimento de um terceiro nível, que como instrumentos de gestão estratégica capazes
chamamos de base de conhecimentos. Esse nível de elevar o desempenho da empresa.
não existe na entidade organizacional real, mas é
incorporado na visão da empresa, na cultura Probst et al. (2002) também citam que recorrer
organizacional ou na tecnologia. A visão da às bases de conhecimento externas à organização
empresa e a cultura organizacional controlam o é uma das formas para preencher essas lacunas e
conhecimento tácito, enquanto a tecnologia discorrem sobre as diversas formas de aquisição
controla o conhecimento explícito gerado nos do conhecimento: alianças estratégicas (ligações
dois níveis. (NONAKA e TAKEUCHI, 1997, p. entre produtos, ligações de conhecimento),
272-273) contatos com stakeholders (grupos no ambiente
que sofrem influência, têm interesse ou
Probst et al. (2002) salientam que muitas
necessitam das atividades da empresa), produtos
empresas perdem de vista suas competências
de conhecimento (softwares, propriedade
internas e seus ativos de conhecimento em áreas
intelectual, projetos, engenharia reversa) e
importantes, em virtude do que eles denominam
aquisição de empresas.
de “invisibilidade interna”. Defendem que se deve
conhecer suficientemente os ativos de Assim como as alianças corporativas, entende-
conhecimento relevantes para decidir por onde se que as aquisições com o fim de incorporar
começar a perseguir as metas de conhecimento bases externas de conhecimento também
que visam preencher as lacunas existentes. As estariam enquadradas no nível da gestão
metas de conhecimento estariam vinculadas aos estratégica do conhecimento.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 95
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

3.4 Aquisição de empresas para obtenção de salienta Argyris (2001), exigindo que as
conhecimento organizações concentrem o foco dos programas
de aprendizado na maneira como as pessoas
Geralmente, o termo aquisição é utilizado em raciocinam sobre o próprio comportamento, para,
qualquer transação de compra de parte ou de aí então, romper as barreiras que bloqueiam o
todos os ativos e ocorre com a concordância entre aprendizado organizacional.
as empresas envolvidas. Formas específicas de
aquisição incluem a aquisição de ativos ou ações, Mas, procurando eliminar as dificuldades
união estatutária e consolidações (LEVINE, relativas ao tempo necessário e à possibilidade
1989). A aquisição caracteriza-se como a de não alcançar o objetivo de desenvolver
obtenção por uma empresa da propriedade internamente o conhecimento, as empresas que
controladora de outra empresa com a intenção se lançam nas operações de incorporação de
de conservar, operar ou incorporar, nesse último bases externas de conhecimento podem incorrer
caso extinguindo a adquirida. Já a fusão em outros tipos de problema. Transferir
caracteriza-se como uma combinação das duas conhecimento não é tarefa simples, pois
organizações pressupondo-se a integração das continua dependendo de aprendizado.
duas empresas em uma só.
Sendo o conhecimento basicamente tácito, como
O interesse por um determinado mercado, defendem Nonaka e Takeuchi (1997), o processo
normalmente emergente, e a rapidez em de aquisição se baseia em adquirir o
conseguir capacitação para estarem aptas à conhecimento que é detido por pessoas, e é aí
competição movem certas empresas a optar por que ele passa a se revestir de alta complexidade
incorporar o conhecimento detido por outras e risco. Quanto mais tácito o conhecimento que
ao invés de desenvolvê-lo internamente. O se procura adquirir de uma outra empresa, mais
desenvolvimento do conhecimento necessário difícil é sua aquisição. Assim também, quanto
pode ter um custo elevado e requer tempo mais tácito é o conhecimento, maior a
muitas vezes incompatível com a oportunidade probabilidade que esse conhecimento tenha mais
de inserção no mercado desejado. Há, ainda, valor (INKPEN, 1998).
o risco de não se conseguir atingir o objetivo.
A aquisição de outra organização que já passou As empresas precisam, então, optar entre os
pelo processo de desenvolvimento e riscos de um processo de aquisição e os riscos
aprendizagem e que dispõe de capacitação e de desenvolvimento interno do conhecimento.
de sucesso no mercado seria, por conseguinte, Probst et al. (2002), citando Schülin,
para quem decide, a solução ideal para exemplificam essa dificuldade quando relatam
enfrentar essas dificuldades. que grandes empresas com dificuldade interna
de inovação escolheram as aquisições esperando
Alguns autores, mesmo sendo defensores do adquirir profissionais talentosos no
aprendizado organizacional, admitem a existência desenvolvimento de produtos para seus próprios
de fortes condicionantes para a criação do projetos estratégicos. Entretanto, a criatividade
conhecimento internamente à organização. Garvin destes minguou quando se tentou integrá-los às
(2001), por exemplo, embora entusiasta da compradoras e os melhores deles deixavam a
melhoria contínua, reconhece que são muito mais empresa. No pior cenário, eles saíam para
numerosos os fracassos que os sucessos dos formar uma empresa rival. Assumir toda a base
programas desse tipo porque se faz necessário o de conhecimento de outra empresa, com todos
comprometimento com o aprendizado. Mas, ainda os direitos de acesso, pode desvalorizar e
que exista forte comprometimento, o raciocínio destruir essa base de conhecimento precipitando
defensivo pode bloquear o aprendizado, como uma evasão da intelectualidade.

96 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

Os funcionários que acham que foram “vendidos” 3.5.1 Aprendizagem organizacional


podem não estar dispostos a tornar sua Drummond (1997) resgata que o termo
especialização disponível para os novos donos; “aprendizado organizacional” foi cunhado no início
em casos extremos eles podem usá-la para dos anos 1960 e que surge como produto de uma
realizar sabotagens ou gerar desinformação. larga discussão sobre como as organizações se
Esses fenômenos fazem parte da conhecida adaptam ao ambiente; naquele momento diversos
“síndrome da fusão”; eles devem ser levados em pesquisadores se dedicaram ao exame do processo
conta quando se fazem planos para assumir a base de tomada de decisão e sobre como os membros
de conhecimento de outra empresa. (PROBST da organização deveriam mudar seu
et al., 2002, p. 99) comportamento no sentido de adaptarem-se ao
Outro problema, citado por Duguid e Brown, está requerido pelo ambiente. O principal ponto de
na identificação de onde reside o conhecimento divergência estaria em definir se o aprendizado é
que faz diferença na adquirida. um processo esporádico e pontual (stepwise) ou
contínuo e gradual. Mas a teoria organizacional
O livro Wellsprings of Knowledge, de Leonard- teria se concentrado, a partir de então, em como
Barton, fornece um exemplo particularmente as organizações adotam diferentes estruturas e
extremo disso, discutindo uma transferência de estratégias para adaptação, sem classificar,
controle acionário em que o comprador procurava entretanto, esse processo como aprendizagem.
conquistar um conhecimento sofisticado de um
concorrente, ao assumir o controle, O tema retornou à literatura, nos anos 70, com
principalmente, de seu equipamento avançado e autores como Argyris, Schön, Duncan e outros.
de uma equipe de engenheiros altamente treinados. Segundo Dodgson (apud DRUMMOND,
Apenas após o negócio ser concretizado e os 1997, p. 15), há três principais razões que
demais funcionários da empresa-alvo serem tornam a aprendizagem organizacional
demitidos, ficou claro que “o conhecimento novamente interessante: a) as organizações
operacional mais crítico” era, realmente, dominado estão atentas “em desenvolver estruturas e
por esses empregados recém-despedidos. sistemas mais adaptáveis e sensíveis à
(DUGUID e BROWN, 2001, p. 72) mudança”; b) “a profunda influência que a
rápida mudança tecnológica está exercendo nas
O modo de condução do processo é fundamental organizações”; e c) o fato de que “o conceito
para o uso futuro da base de conhecimento adquirida, de ‘aprendizado’ tem um extenso valor
necessita de cuidados na identificação prévia do analítico”, para isso “é um conceito dinâmico
conhecimento, de preparação para a mudança cultural e seu uso na teoria enfatiza a contínua mudança
decorrente e planejamento do aprendizado que, natural das organizações”.
finalmente, resultará na incorporação do A aprendizagem organizacional é definida de
conhecimento para gerar os resultados esperados. diversas formas pelos pesquisadores, segundo a
luz que colocam sobre a adaptação ao ambiente
versus criação de conhecimento ou sobre os
3.5 Transferência de conhecimento aspectos cognitivos versus comportamentais, ou,
Conhecimento e aprendizagem estão intimamente ainda, nos agentes e níveis de aprendizado
ligados. A aprendizagem tem, portanto, papel (individual, grupal ou organizacional).
fundamental na incorporação de bases externas Probst et al. atribuem à aprendizagem
de conhecimento. A incorporação não se encerra, organizacional as mudanças regulares pelas quais
mas se inicia no momento da aquisição, pois é passa a base de conhecimento e que adquirem
necessário aprender com a empresa adquirida. dimensão coletiva, definindo-a como:

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 97
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

a aprendizagem organizacional consiste em sem abrir uma oportunidade para o aprendizado.


mudanças na base de conhecimento da A obra de Senge (1990) salienta a importância
organização, na criação de estruturas coletivas da “quinta disciplina”: o pensamento sistêmico,
de referência e no crescimento da competência como o “motor” das quatro outras disciplinas
da organização para agir e resolver problemas. fundamentais para a aprendizagem organizacional
(PROBST et al., 2002, p. 29-30) – domínio pessoal, modelos mentais, visão
Garvin (1993, p. 80), com forte influência dos compartilhada, aprendizado em equipe – porque
processos de qualidade total, define que os funde “em um conjunto coerente de teoria e
“organizações que aprendem são organizações prática”. Para ele, as organizações que aprendem
capacitadas em criar, adquirir e transferir são possíveis não só porque aprender faz parte
conhecimentos e modificar seus comportamentos da natureza humana, mas também “porque
para refletir esses novos conhecimentos e insights” adoramos aprender”. As organizações que
e apresenta três dimensões do aprendizado aprendem (learning organizations) são assim
organizacional: (1) cognitiva, a partir da exposição definidas pelo autor:
a novas idéias; (2) comportamental, pela Organizações onde as pessoas expandem
internalização das novas idéias, alteração continuamente sua capacidade de criar os
do comportamento; e (3) melhoria do resultados que elas realmente desejam, onde
desempenho, com mudanças no comportamento maneiras novas e expansivas de pensar são
que levam a melhorias quantificáveis. encorajadas, onde a aspiração coletiva é livre, e
Argyris (2001) alerta para as defesas que onde as pessoas estão constantemente
bloqueiam o aprendizado organizacional e aprendendo a aprender coletivamente. (SENGE,
introduz o conceito de ciclos de aprendizado – 1990, p. 3)
único e duplo. O “aprendizado de ciclo único” Senge ensina que as “organizações só aprendem
resume-se a solucionar os problemas. Quando através de indivíduos que aprendem”, mas, apesar
essa solução resulta em erro ou fracasso, o do aprendizado organizacional depender do
profissional tende a atribuir a responsabilidade aprendizado individual, este é condição
sobre outros, eximindo-se da responsabilidade, necessária, mas não suficiente. Somente as
ao invés de adotar um “aprendizado de ciclo organizações que descobrirem como cultivar nas
duplo” que implica uma profunda análise sobre pessoas o comprometimento e a capacidade de
seu próprio comportamento e a interferência aprender serão bem-sucedidas. Assim, as
deste no processo, seja em sua causa ou em suas organizações que aprendem são um lugar onde
conseqüências. O autor defende que é necessário as pessoas descobrem continuamente como criam
“ensinar as pessoas a raciocinarem sobre seu sua realidade e como podem mudá-la.
comportamento de um modo mais eficaz”,
diferenciando o comportamento real e o Nonaka e Takeuchi (1997) criticam a divisão
comportamento imaginado. Este último é cartesiana entre sujeito e objeto, conhecedor e
decorrente da falta de uma profunda reflexão conhecido, característica do pensamento
sobre si mesmo e visa minimizar o peso dos ocidental e que implica uma visão das
fracassos, manter o controle sobre a situação e organizações como um mecanismo para
reprimir sentimentos negativos que o levariam a “processamento de informações” do ambiente
uma auto-imagem vulnerável ou incompetente. externo para se adaptarem a novas circunstâncias.
No processo defensivo, são usados diversos Os autores defendem que a organização de
argumentos que apóiam seu ponto de vista, mas negócios não só “processa” o conhecimento, mas
sem base real. Como esses argumentos não são também o “cria”. O conhecimento organizacional
testados pelo indivíduo, o ciclo de defesa se fecha nasce da intensa e trabalhosa interação entre os

98 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

membros da organização, tendo, assim, relação O modelo proposto por Nonaka e Takeuchi para
tanto com a experiência física e a tentativa e erro, conversão do conhecimento parte do pressuposto
quanto com a geração de modelos mentais e com de que o conhecimento é criado pela interação
o aprendizado com os outros, com os ideais e entre o conhecimento tácito e o conhecimento
com as idéias. As organizações precisam ter a explícito e pode ser classificado em quatro modos
capacidade de criar conhecimento, disseminá-lo distintos: socialização, externalização,
internamente e incorporá-lo aos produtos, combinação e internalização.
serviços e sistemas.
A “socialização” é a conversão do conhecimento
A teoria da criação do conhecimento tácito em conhecimento tácito, sendo tipicamente
organizacional, desenvolvida por eles, baseia- um processo de compartilhamento de experiências,
se em duas dimensões: epistemológica com aprendizado por meio da observação, imitação
(conhecimento explícito e conhecimento e prática. Sem alguma forma de experiência
tácito) e ontológica (conhecimento do compartilhada, com emoções associadas e
indivíduo, grupo, organizacional e contextos específicos, é extremamente difícil para
interorganizacional). O conhecimento é criado uma pessoa projetar-se no processo de raciocínio
quando a interação entre conhecimento tácito do outro indivíduo. O treinamento prático, as
e explícito eleva-se dinamicamente em sessões de brainstorming para discussão de
“espiral” de um nível ontológico inferior até problemas, os diálogos constantes, os estágios em
os níveis mais altos. outras áreas ou organizações utilizam basicamente
os mesmos princípios.
O núcleo da teoria está na descrição do surgimento
dessa espiral, pelos modos de conversão do A “externalização” é a articulação do
conhecimento, transformando conhecimento conhecimento tácito em conceitos explícitos.
individual em organizacional, que é explicada a Embora ainda inconsistentes e insuficientes, as
seguir, sempre segundo Nonaka e Takeuchi. imagens e expressões ajudam a promover a
“reflexão” e a interação entre os indivíduos.
Normalmente é provocada pelo diálogo e ou
3.5.2 Modos de conversão do conhecimento pela reflexão coletiva. O processo está baseado
Uma singularidade na forma das empresas no uso seqüencial da metáfora, analogia e
japonesas proporcionarem inovações contínuas modelo. Pela metáfora, pode-se relacionar
é a estreita ligação entre o externo e o interno: conceitos muito distantes em nossa mente,
relacionando até mesmo conceitos bastante
O conhecimento acumulado externamente é abstratos a fim de criar conceitos concretos. As
compartilhado de forma ampla na organização, contradições inerentes a uma metáfora são então
armazenado como parte da base de conhecimentos harmonizadas pela analogia que reduz o
da empresa e utilizado pelos envolvidos no desconhecido, destacando o caráter “comum”
desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. de duas coisas diferentes e ajudando a entender
Ocorre algum tipo de conversão e este processo o desconhecido por meio do conhecido, elimina
de conversão – de fora para dentro e para fora a lacuna entre imagem e modelo lógico.
novamente, sob a forma de novos produtos,
serviços ou sistemas, é a chave para entender os A “combinação” é um processo de sistematização
motivos do sucesso das empresas japonesas. de conceitos em um sistema de conhecimento.
(NONAKA e TAKEUCHI, 1997, p. 4) Envolve a combinação de conjuntos de

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 99
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

conhecimento explícito, pela troca de A “internalização” é o processo de incorporação


conhecimento contido em documentos, reuniões, do conhecimento explícito no conhecimento tácito.
conversas ao telefone ou redes de comunicação Dá-se pelo “aprender fazendo” e pela verbalização
computadorizada. A classificação, o acréscimo, e diagramação do conhecimento sob a forma de
a combinação e a categorização do conhecimento documentos, manuais ou histórias orais.
explícito podem levar a novos conhecimentos. “Reexperimentar” experiências vividas ou mesmo
O ensino em um curso de pós-graduação e o ler ou ouvir histórias sobre sucessos pode se
desmembramento e operacionalização de visões transformar em modelo mental tácito. Quando a
empresariais, conceitos de negócios ou de maioria dos membros da organização compartilha
produtos pela gerência de nível médio, são de tal modelo mental, o conhecimento tácito passa
exemplos desse modo de conversão. a fazer parte da cultura organizacional.

Figura 1 – Modos de conversão do conhecimento Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997)

Diálogo
Conhecimento tácito Conhecimento tácito

Socialização Externalização

Conhecimento explicito
Conhecimento tácito

(conhecimento compartilhado) (conhecimento conceitual)


i
i i

conhecimento explicito
Construção do campo

i i

Associação do
i i
i

o g
Conhecimento explic ito
Conhecimento tácito

g
g o g
i
g
(conhecimento operacional) (conhecimento sistêmico)
Internalização Combinação
Conhecimento explicito Conhecimento explicito
Aprender fazendo
i – indiv idual g – g rupal o - o rganizacional

O conteúdo criado por cada modo de conversão é 3.5.3 Dificuldades na transferência de


naturalmente diferente. A socialização gera o conhecimento
“conhecimento compartilhado”, a externalização
Tem sido colocada uma ênfase muito grande na
gera o “conhecimento conceitual”, a combinação dá
criação de infra-estruturas organizacionais e
origem ao “conhecimento sistêmico” e a
técnicas, criação de gerentes do conhecimento,
internalização produz o “conhecimento operacional”.
implantação de softwares sofisticados de
A criação do conhecimento organizacional é uma armazenamento e recuperação de informações e
interação constante, contínua e dinâmica, entre o distribuição eficiente de conhecimento. Entretanto,
conhecimento tácito e o conhecimento explícito, no essas infra-estruturas não resistem ao que Probst et
que os autores chamam de “espiral do conhecimento”. al. chamam de “barreiras individuais e culturais ao

100 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

compartilhamento de conhecimento” e que podem produção pode provocar a redução da oferta de


fragmentar a base de conhecimento da organização. empregos; e (3) a “síndrome do não foi inventado
As barreiras individuais se colocam na capacidade aqui”, pela qual as descobertas externas são,
de compartilhar conhecimento e na vontade de muitas vezes, rejeitadas por funcionários do
fazê-lo. Algumas situações ligadas à atitude das desenvolvimento de produtos, impede a
pessoas e que não favorecem ao terceirização de atividades não centrais de
compartilhamento de conhecimento são típicas: desenvolvimento ou de criação de valor, por
compartilhar pode enfraquecer a posição de seu preferir-se “um desenvolvimento interno
dono (poder); ausência de políticas de incentivos dispendioso a um produto mais barato, e
orientados para o conhecimento – remuneração possivelmente melhor, de fora”.
e recompensas – e de mecanismos de avaliação Existe, portanto, um complexo conjunto de
(práticas administrativas), ausência de ambiente interdependências entre os âmbitos interno e
de confiança (clima organizacional), indefinição externo que determina como o conhecimento
sobre as áreas importantes de conhecimento, externo será recebido. A adoção e a aplicação do
divergências entre o discurso e a prática conhecimento novo podem ser um processo lento
(liderança) (STEWART, 1998; DAVENPORT e e árduo, e o índice de sucesso será altamente
PRUSAK, 1998; PROBST et al., 2002). influenciado pela cultura (DAVENPORT e
Probst et al. citam uma situação relacionada ao PRUSAK, 1998; PROBST et al., 2002) e pelo
último item do parágrafo anterior e que pode ser clima reinante na empresa.
determinante para minar a credibilidade em
programas de gestão do conhecimento, como em 4 Metodologia
qualquer outro:
Trata-se de estudo descritivo no qual se buscou
Folhetos de papel acetinado comunicam aos levantar e conhecer as práticas empregadas pelas
acionistas e funcionários que a empresa é uma empresas para transferência de conhecimento
learning organization: tolerante a erros, aberta, organizacional, comparando-as com o modelo
experimental e criativa. Entretanto, empresas que se de conversão do conhecimento descrito por
dizem campeãs de aprendizado quase sempre se vêem Nonaka e Takeuchi (1997).
muito diferentes frente ao observador imparcial.
(PROBST et al., 2002, p. 218) São descritos dois casos, dos quais foram levantadas
as opiniões dos principais atores. Os dois casos
Há, ainda, que se considerar que programas de foram selecionados entre empresas que procuraram
gestão do conhecimento podem criar tensão nas realizar a obtenção de conhecimento por aquisição
pessoas e desestabilizar o ambiente relativamente de outras empresas, todas no setor de serviços.
seguro proporcionado pelo “estoque de
conhecimento” detido e aceito como satisfatório Os dados primários foram coletados por meio de
até aquele momento, como analisam Probst et entrevistas com roteiro semi-estruturado, durante
al. (2002): (1) a situação pode ser agravada o período de maio a julho de 2003, na cidade de
quando se procura importar conhecimento novo, São Paulo (SP), com pessoas envolvidas no
evocando emoções fortes e reações defensivas processo como gestores. Foram entrevistadas cinco
dentro de uma organização, seja pela entrada de pessoas, e quatro delas ocupavam, à época das
novos funcionários que não se encaixam nas entrevistas, posição equivalente a de diretoria e uma
imagens comuns, ou pelas idéias de especialistas em nível de gerência de primeira linha. A observação
externos que podem conflitar com os resultados assistemática do ambiente organizacional também
de estudos internos, desacreditando dessa forma foi utilizada nessa etapa. Os dados secundários
os seus autores; (2) a compra de licenças de foram obtidos em publicações, como: documentos

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 101
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

das empresas – relatórios, circulares, jornais 5 Análise dos casos


internos, manuais de políticas e práticas
administrativas, etc. – e matérias jornalísticas Este capítulo apresenta a análise dos dois
publicadas na imprensa sobre os casos selecionados. casos: “Um novo espaço para uma
Os dados coletados foram analisados competência essencial – o caso Promon
utilizando-se a técnica de análise de conteúdo, Tecnologia” e “Crescendo através da
sendo as respostas codificadas em conjuntos diversificação – o caso Deloitte Consulting”,
de categorias. A aplicação dessa técnica buscando identificar quais os programas,
(Bardin, 1977). O tratamento dos dados não atividades e incentivos foram empregados
excluiu a necessidade de recorrer à análise e à pelas empresas visando à incorporação de
interpretação dos dados brutos, o próprio bases externas de conhecimento.
conteúdo da entrevista, por permitirem uma
visão do contexto global, estabelecer inter- Os motivos, estratégias e objetivos relatados
relações, exemplificar a amplitude de sentido pelas empresas estudas para a realização das
a qualquer das categorias e estimular novas operações de aquisição estudadas neste
intuições (SELLTIZ, 1975). trabalho são os seguintes:

Quadro 3 – Motivos, estratégias e objetivos.


Promon Deloitte
entrar no mercado de TI e estar presente nas
Motivo: crescimento ainda maior de suas atividades
novas “ondas” de Internet e e-learning
aproveitar a ‘janela de oportunidade’ da ampliação dos serviços prestados pela área de
Estratégia: Internet, usando a competência de integração de tecnologia da informação.
sistemas e em telecomunicações
(1) incorporar equipes já constituídas como
forma de adquirir conhecimento mais (1) dar um salto para o atendimento da
rapidamente (2) ter capacidade de atuação no expectativa de crescimento da demanda;
Objetivo:
segmento, (3) sinalização para o mercado da (2) crescer em faturamento e
intenção de participar ativamente desse (3) ampliar a quantidade de consultores.
segmento, (4) introduzir a marca nesse mercado.

Ambas se direcionaram para o desenvolvimento essencial da empresa, e a grande experiência em


de negócios no âmbito da área de tecnologia da telecomunicações, área esta que já vinha sendo
informação (TI), não obstante a escolha ter recaído associada em larga escala com a tecnologia da
sobre ramos distintos dessa especialização. informação. Na Deloitte é reforçado o
Embora as análises de oportunidades que foram aproveitamento da sua experiência em outros
realizadas pelas empresas pudessem levar à países na própria atividade adquirida e em
possibilidade de incontáveis tipos de negócios, as consultoria empresarial.
decisões sobre a escolha do mercado e do
Essa convergência se explica porque não se
respectivo ramo foram fortemente influenciadas
tratava, obviamente, de operação realizada por
por uma visão do melhor aproveitamento das
“capitalistas de risco” em busca tão-somente do
competências já existentes nas empresas.
maior e mais rápido retorno possível de um
É ressaltado nos relatos da Promon o investimento para, então, partir para outra
aproveitamento da sua forte competência como oportunidade. A aquisição se deu no âmbito de
integradora de sistemas, uma competência organizações que queriam construir uma nova

102 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

perspectiva, agregar ao seu negócio uma nova tempo, a concorrência já é muito grande, podendo
possibilidade de atuação. Nessa concepção, são tornar o negócio menos interessante.
naturais a busca e a opção por aquelas atividades Mais especificamente no segmento de tecnologia
que, além de se constituírem em uma da informação, uma outra característica é a de
oportunidade como negócio e uma oportunidade que os ciclos de vida dos produtos, ou no mínimo
de transformação, representem também uma a necessidade de atualizações destes, são
confortável coerência com o seu espectro extremamente mais rápidos. Quanto mais rápida
vocacional e respeito aos valores fundamentais for, portanto, a consolidação da empresa como
de sua cultura organizacional. competidora, maior será a sua chance de “surfar
Mesmo assim, ainda que essa coerência tenha na onda” dessa oportunidade. É necessário,
existido, as aquisições estavam sendo utilizadas então, aproveitar essa “janela de oportunidade”
como forma de introduzirem-se em mercados e que se abre e se fecha rapidamente e obter o
tecnologias diversos daqueles característicos de reconhecimento como um competidor. Isso leva
seu negócio principal. Lynch (1992) à necessidade não só do conhecimento técnico
recomendaria em uma situação como esta a sobre as atividades, mas, também, do
formação de alianças estratégicas, as quais conhecimento do negócio em si, como misturar
possibilitariam lidar melhor com as diferentes e integrar os diversos recursos tangíveis e
características desses mercados. A Promon intangíveis existentes.
percebeu claramente essa dificuldade ao constatar Daí a decisão pela aquisição de outras empresas
que as dinâmicas, os processos e as métricas para que já haviam passado por todo processo de
as quais a organização estava preparada, eram desenvolvimento e aprendizagem, que dispunham
totalmente diferentes e inadequadas às de ‘massa crítica’ – com equipes capacitadas, já
necessárias aos novos negócios. formadas e atuantes –, dispunham de clientes que
Nos dois casos, a introdução nos novos negócios poderiam vir a compor a carteira das
foi iniciada com o desenvolvimento de equipes compradoras, e que tivessem destacado
internas. Profissionais do próprio quadro com reconhecimento no seu segmento. Essa opção
experiência compatível foram designados para traria dois benefícios principais e convergentes:
iniciar o desenvolvimento do trabalho. Outros com a aquisição poderiam contar com grupos já
profissionais foram recrutados no mercado para formados, detentores dos conhecimentos
complementar as competências necessárias e necessários tanto à gestão quanto à operação do
ampliar a equipe. Histórias de sucesso dessas negócio e, adicionalmente, estariam sinalizando
equipes foram relatadas fazendo crer que a iniciativa para o mercado, com essa sua disposição em
havia sido acertada e demonstrava que esse investir, que estavam se transformando em fortes
conhecimento poderia ser incorporado dessa forma. fornecedores desses serviços.
Entretanto, as características desses novos negócios Na dimensão da aquisição do conhecimento, as
interpunham outras exigências que não estavam empresas consideravam ter atingido o objetivo,
sendo atendidas por essa ação de desenvolvimento. pois conseguiram incorporar uma base de
A dinâmica empresarial nos segmentos em que as conhecimento estruturada que lhes permitia o
barreiras de entrada não são tão fortes, e o segmento atendimento em toda a estratégia de atuação
da tecnologia da informação está nessa condição, é nesses segmentos nos quais se propuseram
caracterizada por uma rapidez muito grande na abranger. As condições de demanda pelos
formação, estabelecimento e consolidação de serviços fizeram, entretanto, que as duas
competidores. As oportunidades surgidas são empresas tivessem resultados diferentes no que
aproveitadas com relativa facilidade e, em pouco se refere à manutenção das equipes.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 103
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

Nos dois casos, não houve perda de pessoas por A Promon alterou o layout de suas instalações
rotatividade espontânea – demissões ocorridas para receber as empresas adquiridas e seu pessoal,
por iniciativa do empregado – além daquela e essa modificação foi utilizada como um
estatisticamente normal nas duas organizações. importante instrumento de comunicação e quebra
de inércia. Já a Deloitte não teve essa
A Deloitte estimava manter cerca de 60% das
possibilidade e foi obrigada a manter as empresas
pessoas das empresas absorvidas, mas
em seus escritórios originais. Atribui uma
considerava, entretanto, que a integração das
dificuldade extra na integração das pessoas ao
equipes ainda não estava totalmente
fato de não ter sido possível reunir todo o grupo
concluída. A Promon, por ter tido que realizar
em um só escritório.
ajustes em seu quadro diante da realidade da
demanda, estimava manter apenas entre 20% Esse aspecto da integração das pessoas era muito
e 30% daquelas pessoas. Os ex-sócios das importante porque as aquisições tinham como
empresas adquiridas pela Promon já não objetivo incrementar um novo negócio lançado a
mantinham vínculo com ela por ocasião das partir de uma base inicial já instalada. Essa base
entrevistas, o que não ocorria com a Deloitte era constituída por pequenas equipes de
que mantinha todos em seu quadro até as profissionais recrutados na própria empresa e no
datas das entrevistas. mercado e envolvidas com os projetos existentes.
À base inicial seriam agregados os componentes
A dimensão do reconhecimento pelo mercado é
de conhecimento técnico e de negócio disponíveis
a que aparecia com a melhor avaliação pelos
nas equipes das adquiridas, além da própria
gestores, chegando a se manifestarem de forma
capacidade como força de trabalho dessas pessoas.
até entusiasmada. Tanto a Deloitte como a
Promon reputavam essa dimensão como a de Muito pouco desse conhecimento estava
maior sucesso. formalizado nas empresas adquiridas. Essas
empresas dependiam muito das pessoas e,
A Deloitte passou a ser considerada pelas grandes
portanto, o que se estava adquirindo era
empresas e convidada a participar das
basicamente o conhecimento tácito, conforme a
concorrências para esses serviços. Tornou-se
acepção de Nonaka e Takeuchi (1997), detido
capacitada a competir não só para a
pelas pessoas vinculadas a elas.
implementação dos sistemas ERP, mas também
para quaisquer outras especialidades atuais em Não se tratava, portanto, de operações que
TI que os clientes possam necessitar. visassem a transmigração do conhecimento
detido por outros para um grupo interno, da
A Promon conseguiu introduzir a sua marca nesse apropriação absoluta desse conhecimento sem
mercado, sendo conceituada como de grande uma contrapartida para os detentores iniciais
porte, e estava em condições de participar e como ocorreria em outras formas de obtenção
vencer concorrências com gigantes de conhecimento externo como a contratação
multinacionais, de ter parceiros estratégicos em temporária de especialistas ou de consultorias
TI e de ter acesso a novos clientes. (PROBST et al., 2002). Isso nem faria sentido
pois em ambos os casos estudados a equipe das
adquiridas era quatro a cinco vezes maior que a
5.1 Incorporação da base de conhecimento
da compradora. Buscou-se, portanto, fazer com
As duas empresas prepararam-se para a absorção que o conhecimento de ambos os grupos fosse
das adquiridas com maior ou menor compartilhado criando uma nova base única e
aprofundamento, dependendo inclusive das estabelecendo uma sinergia capaz de aproveitar
condições disponíveis naquele momento para isso. o melhor de cada um dos lados.

104 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

Dentro dessa premissa, a primeira preocupação era conhecimento, mas adotavam ações nesse sentido
reter esses profissionais que chegavam e, já na nas situações concretas de trabalho, naquelas
formalização da aquisição, foram adotadas atividades cotidianas e fundamentais para o
salvaguardas nesse sentido por meio de cláusulas de desenvolvimento do negócio, desde a definição
permanência dos sócios das adquiridas e de de estratégias até a operação dos serviços, que
comprometimento de manutenção de uma levaram ao aprendizado.
quantidade de pessoas equivalente à existente à época
A Promon até estruturou algumas atividades
da aquisição. Caso não cumpridas essas exigências,
extraordinárias mais voltadas para a integração
o valor de venda negociado seria reduzido.
das equipes no contexto do grupo empresarial,
Além dessas condições direcionadas mas esse era apenas o ponto de partida e um
exclusivamente aos sócios, foram adotados instrumento a mais de aprendizado. Instituiu
outros mecanismos de incentivo à adesão e à eventos mensais informais mais voltados para a
permanência dos novos empregados. integração social, programou eventos mais
Obviamente, nenhum dos colaboradores das estruturados, com participação aberta aos que
adquiridas poderia ser obrigado à adesão, ou seja, se interessassem, quando eram apresentados
ser transferido para a compradora, como também assuntos técnicos para divulgação do que se
a obedecer, como os sócios, a um período de estava fazendo, proporcionando a possibilidade
permanência na nova empregadora. As políticas de debates sobre o tema. Ainda, realizava
de recursos humanos das empresas foram reuniões de coordenação para identificar
utilizadas nesse sentido, sendo enfatizados os iniciativas em que se pudesse aproveitar a sinergia
pontos considerados como fortes em cada uma
entre os negócios e também integrar equipes.
das empresas: a Deloitte enfatizando o binômio
‘conhecimento e carreira’ e a Promon a Comparando os relatos com a espiral de criação
possibilidade de participação acionária, do conhecimento descrita por Nonaka e Takeuchi
distribuição de dividendos e de lucros e a (1997), são observadas algumas atividades típicas
remuneração por performance. No caso dos de cada um dos modos de conversão: socialização,
sócios, a Promon incluiu ainda uma participação externalização, combinação e internalização.
minoritária nos negócios como um todo. A “socialização” é a transmissão de conhecimento
Há aí uma diferença com as operações de fusão tácito. A mescla de pessoas de grupos distintos
e aquisição de caráter defensivo. Nenhuma das com o objetivo de “elaborar propostas juntos”,
empresas adotou alguma forma de seleção dos “ir para os clientes juntos”, citadas por
colaboradores das adquiridas antes ou depois da entrevistados da Deloitte, são formas de
aquisição ou restringiu sua transferência. Foram “socializar” que permitem a observação direta do
absorvidos e mantidos todos aqueles que se modo de atuar das pessoas de cada empresa, como
dispuseram a aderir ao novo empregador. executam determinada tarefa ou, ainda, de como
Essas medidas parecem ter sido eficientes tanto se relacionam com o cliente, entre outras tantas
na adesão, já que a quantidade de pessoas que possibilidades, e levam ao que aqueles autores
não aceitou a transferência foi insignificante, denominam de “conhecimento compartilhado”.
como para a manutenção do quadro, uma vez A “externalização” é a articulação do conhecimento
que não houve rotatividade espontânea além da tácito para conversão em conhecimento explícito.
considerada normal nas estatísticas das empresas. Normalmente essa conversão é provocada pelo
Nenhuma das empresas elaborou o que poderia diálogo e pela reflexão coletiva. O processo tem
ser chamado de um “plano mestre de gestão do como base o uso seqüencial de metáfora, analogia
conhecimento” para a conversão do e modelo. A Promon utilizou-se de metáforas como:

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 105
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

aquelas equipes que foram absorvidas se constituíam A “internalização” é o processo de incorporação


“no pilar do novo negócio” e “no melhor de dois do conhecimento explícito no conhecimento
mundos”. Essas metáforas buscavam desvelar que tácito e se dá pelo “aprender fazendo” e pela
se queria partir da experiência de pequenos projetos verbalização e diagramação do conhecimento sob
como os que eram realizados pelas empresas forma de documentos, manuais ou histórias orais.
adquiridas, para atingir os projetos de maior porte, Quando se transforma em modelo mental
como os que eram normais para a Promon. Essas compartilhado, o conhecimento tácito passa a
são formas típicas do modo “externalização” que fazer parte da cultura organizacional. A Promon,
geram o “conhecimento conceitual”. aproveitando as discussões sobre a forma de agir
É no modo “combinação” que se cria o em cada situação, procurou formalizar os
conhecimento sistêmico. É um processo de resultados em documentos e portais, criar
sistematização de conceitos em um sistema de repositório de documentos, realizar cursos e
conhecimento. A utilização desse modo de apresentar resultados técnicos aos grupos para
conversão foi intensa nos primeiros meses disseminação da informação. Na Deloitte, os
seguintes às aquisições nas duas organizações. cursos, os manuais e a própria documentação dos
As discussões sobre aspectos não explorados nas projetos, desde as diferentes metodologias
fases anteriores – negociação e aquisição – propostas ou utilizadas até os relatórios de etapas,
afloraram necessariamente nesse momento fazem parte de repositórios de conhecimento.
quando as diferentes visões empresariais e as O Quadro 4 a seguir procura sintetizar os
abordagens de atuação precisavam ser comentários desta análise.
operacionalizadas e transmitidas ao grupo. Nesse
momento eram expostas as crenças, visões,
experiências diferenciadas dos envolvidos e foi
preciso muito debate e reflexão para que se
chegasse a um consenso, mas esse exercício foi
fundamental para a integração de fato.
O delineamento conceitual de produtos também
faz parte do modo “combinação” e teve como
exemplo de utilização a situação em que, nas
discussões sobre propostas de trabalho para
clientes, se definiu que os projetos em “Internet
têm que ser mais rápidos”, dado o conceito e a
experiência das pessoas das adquiridas. As
agendas de integração, reuniões em que se
discutia a experiência de cada um dos envolvidos
para fundir planos comerciais, de gestão de
projetos, como elaborar propostas e todas as
atividades do negócio, são outros exemplos do
que foi utilizado. O resultado dessas discussões
gera o conhecimento sistêmico que, registrado
ou não, quando colocado em prática contínua
começa a se incorporar na base de conhecimento
da empresa através do modo de “internalização”.

106 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

Quadro 4 – Programas, atividades e incentivos encontrados


Objetivo Formas
Preparação – layout Alteração de layout das instalações para receber os grupos novos
Retenção dos Cláusulas de permanência dos sócios das adquiridas e de comprometimento de
profissionais – sócios manutenção de equipe
Políticas de recursos humanos com:
Atração e retenção dos Ênfase na participação acionária, dividendos e lucros e a remuneração por performance
outros colaboradores e, também, participação acionária minoritária no caso dos sócios, ou
Ênfase no binômio ‘conhecimento e carreira’
Ações de aprendizado nas situações concretas de trabalho
Conversão do Eventos mensais informais mais voltados para a integração social, eventos técnicos
conhecimento mais estruturados para divulgação de atividades e conhecimento, reuniões de
coordenação para identificar iniciativas para aproveitar a sinergia entre os negócios
Socialização: Mescla de pessoas de grupos distintos para atuação conjunta
Externalização: Metáforas para esclarecer e delinear o tipo de negócio projetado
Utilização intensa nos primeiros meses seguintes às aquisições:
Combinação: Discussões sobre visões empresariais e abordagens de atuação a serem
operacionalizadas e transmitidas ao grupo; delineamento conceitual de produtos;
agendas de integração para fundir planos e atividades
Formalização dos resultados das discussões (documentos e portais, repositório de
documentos), cursos e apresentações
Internalização:
Manuais e a própria documentação dos projetos, desde as diferentes metodologias até
os relatórios, repositórios de conhecimento

6 Conclusão opção na delimitação do estudo, foi escolhido


Este trabalho teve como objetivo identificar as porque é mais dependente do capital intelectual
práticas empregadas pelas empresas visando à que é gerado e ampliado pela gestão do
incorporação de bases externas de conhecimento conhecimento organizacional.
correlacionando-as aos modos de conversão do Ambas as empresas iniciaram o processo pelo
conhecimento descrito por Nonaka e Takeushi desenvolvimento interno do conhecimento
(1997). Decidiu-se estudar os processos em necessário, entretanto concluíram que o tempo
empresas estabelecidas no âmbito do setor de necessário para tanto não seria compatível com
serviços porque este agrega atividades e as condições competitivas vigentes, decidindo-
operações que são, necessariamente, dependentes se, dessa forma, pela operação de aquisição. A
do capital intelectual existente na empresa. Promon acrescenta a esse motivo o interesse
A literatura aponta dois caminhos para uma em associar a sua marca a empresas que
organização obter o conhecimento de que detinham reconhecimento do mercado como
necessita: um é o do desenvolvimento interno, forma de alavancar o negócio e consolidar a
empregando seus próprios recursos e o outro é sua reputação.
o da incorporação de bases externas. Ao delimitar Os indicadores das dimensões “aquisição do
o estudo, optou-se por analisar exemplos de conhecimento” e “reconhecimento pelo mercado”
empresas que seguiram a segunda via, dado o demonstraram que as duas empresas conseguiram
interesse deste autor também pelos processos de atingir seus objetivos de incorporação de bases
fusão e aquisição. O setor de serviços, outra externas de conhecimento.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 107
GESTÃO DO CONHECIMENTO – OS MODOS DE CONVERSÃO DO CONHECIMENTO NAS INCORPORAÇÕES DE BASES EXTERNAS

O que sobressai neste estudo é que a gestão do Referências


conhecimento é mais dependente daquilo que ARGYRIS, C. e Outros – Gestão do
Davenport e Prusak (1998) chamam de “cultura Conhecimento. Ensinando pessoas inteligentes a
de conhecimento”, do que de mecanismos aprender. Harvard Business Review. Rio de
sofisticados e estruturas organizacionais inteiras Janeiro: Campus, 2001.
voltadas para esse fim. Estes são instrumentos para
apoiar a gestão do conhecimento, mas, como tal, BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed.
de nada servem se a organização não tiver Setenta, 1977.
internalizado esse valor em seus padrões culturais.
BARROS, B. T. Fusões e Aquisições no Brasil
A gestão do conhecimento, nestes casos – Entendendo as razões dos sucessos e
estudados, se deu no cotidiano das organizações, fracassos. São Paulo: Atlas, 2003.
em oportunidades que iam desde a formulação
da estratégia do negócio até as operações mais CALDAS, M.P.; e TONELLI, M. J. Casamento,
rotineiras indicando a sua absorção pela cultura estupro, ou dormindo com o inimigo?
organizacional. As pessoas precisam estar Interpretando imagens e representações dos
preparadas e preocupadas em aprender. sobreviventes de fusões e aquisições. Enanpad,
Anais, 2001.
Apesar da aquisição de conhecimento ser um
objetivo do processo nas duas organizações CARTWRIGHT, S.; COOPER, C. L.
estudadas, não se instituiu um “plano mestre de Organizational marriage: “Hard” versus “soft”
gestão do conhecimento”, nem foram issues? Personnel Review, Farnborough, 1995.
paralisadas atividades com o fim específico de
DAVENPORT, T. H. e PRUSAK, L.
compartilhar ou registrar o conhecimento, não
Conhecimento empresarial – como as
obstante pudessem estar sendo utilizadas
organizações gerenciam o seu capital
técnicas e instrumentos para tanto,
intelectual. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
reconhecendo-se, inclusive, as descritas nos
modos de conversão do conhecimento por DEVOGE S.; SHIRAKI, J. People Factors: The
Nonaka e Takeuchi (1997). Missing Link in Merger Success. Compensation
Ficou demonstrado, como já salientado no & Benefits Management, Winter 2000.
capítulo Transferência de conhecimento, que a DODGSON, M. Organizational learning: a
incorporação não se encerra, mas se inicia no review of some literatures. Organization
momento da aquisição, pois é necessário Studies, v. 14, n. 3, p.375-394, (apud
aprender com a empresa adquirida. A Drummond, 1997), 1993.
aprendizagem tem, efetivamente, papel
fundamental também na incorporação de bases DRUMMOND JR., A. Enabling conditions for
externas de conhecimento. organizational learning: a study in
international business ventures. Tese
Embora os resultados tenham sido positivos
(Doutorado). The Judge Institute of Management
neste aspecto, é necessário destacar que o
Studies, University of Cambridge, 1997.
processo de incorporação de bases externas de
conhecimento é mais lento e árduo do que DUGUID, P.; BROWN, J. S. Estrutura e
imaginavam os gestores, requerendo espontaneidade: conhecimento e organização. In:
planejamento das medidas não só para a FLEURY, M. T. L.; OLIVEIRA JR., M. de M.
operação de aquisição em si, mas, Gestão Estratégica do Conhecimento, uma
principalmente, para o período subseqüente à coleção de artigos sobre gestão do
sua consecução. conhecimento. São Paulo: Atlas, 2001.

108 FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7
Ademar ORSI

FERNANDES, N. J. O Fator cultura nos _____. Competindo pelo futuro. Rio de Janeiro:
processos de fusão e aquisição de empresas. Campus, 1990.
Dissertação (Mestrado). São Paulo: PUC-SP,
2000. PROBST, G.; RAUB, S.; ROMHARDT, K.
Gestão do conhecimento, os elementos
FLEURY, M. T. L.; FLEURY, A. Aprendizagem construtivos do sucesso. Porto Alegre:
e inovação empresarial. São Paulo: Atlas, 1995. Bookman, 2002.
_____. Estratégias empresariais e formação SELLTIZ, C.; JAHODA, M.; DEUTSCH, M.;
de competências – um quebra cabeça COOK, S. W. Métodos de pesquisa nas relações
caleidoscópico da indústria brasileira. São sociais. São Paulo: E.P.U./Edusp, 1975.
Paulo: Atlas, 1999. SENGE, P.. A quinta disciplina – arte, teoria e
GARVIN, D. A. et al. Gestão do Conhecimento. prática da organização de aprendizagem. São
Construção da organização que aprende. Paulo: Best Seller, 1990.
Harvard Business Review. Rio de Janeiro: SENN, L. Guia Ernest &Young para
Campus, 2001. Administração de Fusões e Aquisições. Rio de
Janeiro: Record, 1992.
_____. Building a Learning Organization.
Harvard Business Review, 1993. SPENDER, J. C. Gerenciando sistemas de
conhecimento. In: FLEURY, M. T. L. e
INKPEN, A. C. Learning and knowledge OLIVEIRA JR., M. de M. Gestão Estratégica
acquisition through international strategic do Conhecimento, uma coleção de artigos
alliances. The Academy of Management sobre gestão do conhecimento. Rio de Janeiro:
Executive; Ada; v. 12; 4. ed., 1998. Atlas, 2001.
LEVINE, S. N. The acquisitions manual. New STEWART, T. A. Capital Intelectual, a nova
York Institute of Finance, 1989. vantagem competitiva das empresas. Rio de
Janeiro: Campus, 1998.
LYNCH, R. P. Business alliances guide – the
hidden competitive weapon. New York: Wiley, TERRA, J. C. C. Gestão do Conhecimento –
1992. aspectos conceituais, e estudo exploratório
sobre as práticas de empresas brasileiras. Tese
NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação de (Doutorado). São Paulo: EP-USP, 1999.
conhecimento na empresa. Rio de Janeiro:
Campus, 1997. TOFLER, A. A terceira onda. Rio de Janeiro:
Record, 1980.
OLIE, R. Shades of culture and institutions in
international mergers. Organization Studies,
Berlim, v. 15, n. 3, p. 381-405, 1994.
PORTER, M. E. Estratégia competitiva:
técnicas para análise de indústrias e da
concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1986.
PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. The core
competence of the corporation. Harvard Business
Review, v. 68, n. 3, p. 79-91, May/June 1990.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.2 - 2004


v.7 109

Você também pode gostar