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O PSICÓLOGO E A ESCOLA: ALGUMAS

CONTRIBUIÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA


INSTITUCIONAL

Luciana Albanese Valore


Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná
Supervisora de estágios de Psicologia Escolar
Mestre em Psicologia Social e do Trabalho, pela Universidade de São Paulo
Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, pela mesma instituição

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O PSICÓLOGO E A ESCOLA: ALGUMAS CONSTRIBUIÇÕES À LUZ
DA PSICOLOGIA INSTITUCIONAL
Luciana A. Valore
n. 02, Curitiba, jul. 2003
www.utp.br/psico.utp.online
RESUMO
O tema proposto tem como referência as reflexões geradas em pesquisas e na supervisão de traba-
lhos, desenvolvidos por acadêmicos do curso de Psicologia da UFPR, em instituições educativas, na
perspectiva da Psicologia Institucional proposta por Guirado (1987,1995,2000). Através da articula-
ção permanente entre a problematização das práticas institucionais, sua análise e seus possíveis
encaminhamentos, a intervenção à luz da Psicologia Institucional visa à compreensão e à re-signifi-
cação dos discursos que pautam o cotidiano da instituição, favorecendo a superação dos processos
que cristalizam as relações interpessoais, obstruem a circulação de novos discursos e estagnam
qualquer possibilidade de criação no processo educativo. Neste relato, pretende-se, pois, discutir as
condições de intervenção na escola em tal abordagem e os princípios que a norteiam. Além disto,
objetiva-se assinalar algumas contribuições desta proposta para a análise da própria Psicologia como
instituição de saberes a respeito das práticas educativas e dos atores institucionais que as produzem.
Palavras-chave: escola, psicologia institucional, análise de discurso.

ABSTRACT
Present topic is based on reflections gathered from research and the supervision of class works
developed within educational institutions, as part of UFPR’s Course of Psychology, following the
routes on Institutional Psychology proposed by Guirado (1987, 1995, 2000). Through constant
articulation between practices, problems and their analysis, the interventions proposed seek the
comprehension and re-signification of those speechs that rules the institution’s behavior, thus aiming
to surpass those procedures wich crystallizes personal relationship, obstructs the flow of new speechs
and stagnates any creativity within the educational process. Besides, it’s our purpose to distinguish
some contributions from these proposals to the analysis of Psychology itself, as an institution of
knowledges about educational practices and the institutional actors that produce them.
Key words: school, institutional psychology, speech analysis.

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Luciana A. Valore
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A idéia de um certo mal-estar que assola as práticas educativas contemporâneas não constitui
novidade. Queixas relacionadas ao comportamento dos alunos têm sido recorrentes nos discursos
daqueles que atuam em educação. Tendo como base as teorias sociológicas e/ou psicológicas sobre
o fracasso escolar, as soluções apontadas para tal mal-estar são geralmente excludentes da prática
pedagógica: é preciso mudar o sistema social, ou, então, reeducar as famílias para que possam reedu-
car seus filhos para o ingresso na escola, ou, ainda, no limite, é preciso reajustar os alunos. De um
jeito ou de outro, as intervenções propostas remetem, quase sempre, para fora do contexto escolar.
A Psicologia Institucional desenvolvida por Guirado (1987,1995, 2000), oferece-nos um
outro olhar sobre a questão. Tomando de Albuquerque (1978) o conceito de instituição como
sendo o conjunto de práticas sociais que se reproduzem e se legitimam, num exercício incessante
do poder entre os agentes institucionais, Guirado afirma que este poder produz-se na apropria-
ção de um certo tipo de relação, a qual aparece no imaginário institucional como sendo natural,
verdadeira e, portanto, imutável. Segundo a autora, as práticas sociais articulam-se às representa-
ções que os atores institucionais produzem de suas relações concretas. Naquelas estão sempre
presentes efeitos de reconhecimento e de desconhecimento dessas relações, sendo que a sua
análise é possível apenas “a partir dos ritos e mitos das instituições concretas. O discurso dos
agentes sobre o seu fazer e a observação desse fazer são vias de análise de representações”.
(Guirado, 1987, p. 70).
Nessa abordagem, a Psicologia também pode ser pensada como instituição, no que implica de
mitos e ritos que sustentam a produção de saberes e de práticas instituídas que, geralmente, ratifi-
cam os mecanismos de exclusão perpetuados pelas práticas educativas. Como um conjunto de sabe-
res acerca do indivíduo, a Psicologia contribui para produzir, no interior da prática pedagógica,
determinadas formas de representação a respeito do que é o bom aluno, a boa pedagogia, o aluno-
problema etc.... Ao fazer isto, auxilia a engendrar e a perpetuar modos de relação entre os atores
institucionais, particularmente, na lida com o chamado aluno-problema.
A intervenção institucional diferencia-se, então, pela leitura institucional das práticas discursivas,
das relações concretas entre os diferentes atores institucionais e destes com o seu fazer cotidiano, e
tem como método a análise de discurso (ad), proposta por Guirado, em sua interlocução com autores
e campos distintos do conhecimento: o pensamento de Foucault, a análise das instituições concre-
tas de Albuquerque, a Análise do Discurso (escola francesa) e a psicanálise. Ao contrário das abor-
dagens psicológicas tradicionais, que justificam os chamados distúrbios de comportamento ou de
aprendizagem a partir de uma suposta falta intrínseca no desenvolvimento psíquico individual, a
leitura institucional, longe de configurar o “aluno-problema” como empecilho da prática pedagógi-
ca, concebe-o como porta-voz das relações estabelecidas no cotidiano escolar, particularmente, na
sala de aula.
Ao conceber as matrizes institucionais que fundam o sujeito psíquico, Guirado (1995) aponta para o
fato de que toda subjetivação se dá num processo institucional. Um professor só existe enquanto tal
na relação que mantém com um aluno concreto, numa determinada instituição escolar concreta,
com regras e contratos que sustentam os modos de dizer e de fazer de tal relação. Isso significa que
o sujeito resulta de um interjogo entre os lugares institucionais e as relações concretas. Assim, a
condição de sujeito constitui-se como um efeito das relações instituídas, que são, sempre, relações

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de poder no sentido que Foucault (1987) dá ao termo, como sendo um feixe múltiplo de relações de
força, em certa medida, partilhado e exercido por todos.
Para exemplificar, tomemos a questão da indisciplina. Embora apareça encarnada na figura
do “aluno-problema”, ela não remete ao próprio aluno, visto isoladamente, e sim à relação concreta
que se estabelece entre este e os demais atores da instituição escolar. Aquino (2000), estudioso e
pesquisador da Psicologia Institucional, mostra-nos que a indisciplina pode sinalizar uma ruptura
entre uma instituição conservadora, como é a escola e as novas formas de existência social concre-
ta, personificadas nas transformações do perfil da clientela escolar que apresenta novos valores,
hábitos e demandas. Nesse sentido, pode-se pensar a indisciplina como força legítima de resistência
à exclusão operada pela escola através dos discursos (médico e psicológico sobretudo) que a susten-
tam (a exclusão).
Considerando-se que o sujeito, nessa abordagem, não é o indivíduo da Psicologia, posto que,
ao constituir-se como suporte do discurso institucional, extrapola o âmbito das competências indi-
viduais, na ad, explicitar as representações dos sujeitos acerca de suas práticas requer identificar, no
discurso, que lugar as pessoas se atribuem e atribuem aos outros, que vínculos concebem como
possíveis. E é aí, nessa articulação de lugares e de relações instituídas, que se insere a possibilidade
de ação do psicólogo na perspectiva aqui assumida.
Como principais desafios que se desenham ao psicólogo escolar institucional, vislumbramos:
a) o de considerar os dispositivos que constituem a Psicologia como uma instituição que corrobora
os mecanismos de exclusão; b) o de promover o resgate da relação professor-aluno como lócus
privilegiado da possibilidade de mudança nas práticas educativas; c) o de propiciar espaços de fala e
de escuta, a fim de abrir novos canais de circulação dos discursos e de possibilitar a emergência de
formas alternativas de operacionalização do fazer cotidiano; d) o de facilitar o diálogo interdisciplinar;
e) o de contribuir para o resgate do espaço escolar como sendo um lugar de alegria, de prazer, de
abertura para o novo, e em que o ofício de ensinar e de aprender possa ser vivenciado como algo
que vá além do inevitável sacrifício, do mal necessário....
Para tanto, cabe ao psicólogo circunscrever os vários discursos que atravessam e sustentam o
discurso da instituição escolar, ao mesmo tempo em que produzem e regulam os modos de relação
na escola e entre esta e a comunidade mais ampla. Há que se atentar para: o movimento (o jogo de
tensões, as forças de resistência, a violência implícita – às vezes nem tanto – da relação com a
clientela), o o que é dito (sobre os pais, o aluno, o professor, a relação entre ambos, as diferentes
expectativas e idealizações etc.) e, principalmente, para o como é dito .... enfim: há que se investigar
tudo o que acontece na escola: as cenas, as falas que instituem as relações entre os seus atores, o
entrecruzamento dessas cenas com outros cenários sociais.... Cabe ao psicólogo, criar condições
para que também os protagonistas do trabalho educativo possam proceder à análise das condições
institucionais de produção do discurso escolar. A intervenção em grupo, realizado entre pares da
ação institucional ou entre os seus diferentes atores, parece-nos um recurso bastante rico no sentido
de se trabalharem as relações institucionais concretas e o imaginário que as sustenta. Adentrar em
espaços já criados nas práticas educativas, parece-nos também uma boa alternativa.
“Uma análise do cotidiano, no cotidiano, e por meio de uma fala que veicula o reconhecimen-
to/desconhecimento sobre ele: eis a natureza dessa Psicologia Institucional que estamos propondo

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aqui. Seu efeito é o de estabelecer, na legitimação do vivido, um corte que faz pensar...”(Guirado, 1987,
p. 76, grifo nosso).
A intervenção institucional sustenta-se numa aposta - tanto nossa como, e principalmente, da
instituição- no desejo de mudança, na possibilidade de escolha e de implicação pessoal nessa esco-
lha. Uma aposta, em síntese, no poder da intervenção psicológica, poder este concebido, porém,
não como força que produz exclusão e sim, como força que produz a possibilidade de criação de
algo novo no horizonte escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, J. A. G. (1978). Metáforas da desordem: o contexto social da doença mental. Rio de


Janeiro: Paz e Terra.
AQUINO, J. G. (2000). Do cotidiano escolar: ensaios sobre a ética e os seus avessos. São Paulo: Summus.
FOUCAULT, M. (1987). Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes.
GUIRADO, M. (1987). Psicologia institucional. São Paulo: EPU.
____. (1995). Psicanálise e análise do discurso: matrizes institucionais do sujeito psíquico. São Paulo: Summus.
____. (2000). A clínica psicanalítica na sombra do discurso. São Paulo: Casa do Psicólogo.

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