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Caro aluno

Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva metodologia em pe-
ríodo integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos
de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto
contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de
material alternativo complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A
seguir, apresentamos cada seção:

incidência do tema nas principais provas vivenciando

De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu
vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreensão
principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos temas
o território nacional. para além da superficial memorização de fórmulas ou regras. Para
evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvolvida
a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma
preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações entre
aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato em
teoria seu dia a dia.

Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção


tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques-
tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com-
pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas aplicação do conteúdo
que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua-
dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem
e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compilados,
que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e comenta-
dos, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difícil com-
preensão torne-se mais acessível e de bom entendimento aos olhos
do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever, a qualquer
momento, as explicações dadas em sala de aula.
multimídia
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidadosa
seleção de conteúdos multimídia para complementar o repertório
do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreensão, com áreas de conhecimento do Enem
indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. Tudo isso é en-
contrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
temas estudados – há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
sugestões de aplicativos que facilitam os estudos, com conteúdos aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
em uma seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
o conhecimento do nosso aluno. Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resolvê-
conexão entre disciplinas -las com tranquilidade.

Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-


borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos diagrama de ideias
conteúdos de cada área, de cada disciplina.
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los
conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como Bio-
em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aque-
logia e Química, História e Geografia, Biologia e Matemática, entre
les que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio
outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com essa realidade
de esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
por meio de explicações que relacionam a aula do dia com aulas
de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizan- Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo
do temas da atualidade. Assim, o aluno consegue entender que da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos
cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz parte de uma principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organiza-
grande engrenagem no mundo em que ele vive. ção dos estudos e até a resolução dos exercícios.

Herlan Fellini

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Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2020
Todos os direitos reservados.

Autores
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Vinicius Gruppo Hilário

Diretor-geral
Herlan Fellini

Diretor editorial
Pedro Tadeu Vader Batista

Coordenador-geral
Raphael de Souza Motta

Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica


Hexag Sistema de Ensino

Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva

Projeto gráfico e capa


Raphael Campos Silva

Imagens
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Shutterstock (https://www.shutterstock.com)

ISBN: 978-65-88825-00-6

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o ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à dis-
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SUMÁRIO
GEOGRAFIA

AGRÁRIA, INDUSTRIALIZAÇÃO E TRANSPORTES


Aulas 35 e 36: Transportes II 6
Aulas 37 e 38: Urbanização 18
Aulas 39 e 40: Urbanização brasileira 34
Aulas 41 e 42: Fontes de energia I 50
Aulas 43 e 44: Fontes de energia II 61

REGIÕES SOCIOECONÔMICAS MUNDIAIS


Aulas 35 e 36: Regiões socioeconômicas mundiais VI: Japão 76
Aulas 37 e 38: Regiões socioeconômicas mundiais VII: Índia e sudeste asiático 89
Aulas 39 e 40: Regiões socioeconômicas mundiais VIII: Oriente Médio I 105
Aulas 41 e 42: Regiões socioeconômicas mundiais IX: Oriente Médio II 116
Aulas 43 e 44: Regiões socioeconômicas mundiais X: África 127

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Competência 1 – Construir significados para os números naturais, inteiros, racionais e reais.
H1 Reconhecer, no contexto social, diferentes significados e representações dos números e operações – naturais, inteiros, racionais ou reais.
H2 Identificar padrões numéricos ou princípios de contagem.
H3 Resolver situação-problema envolvendo conhecimentos numéricos.
H4 Avaliar a razoabilidade de um resultado numérico na construção de argumentos sobre afirmações quantitativas.
H5 Avaliar propostas de intervenção na realidade utilizando conhecimentos numéricos.
Competência 2 – Utilizar o conhecimento geométrico para realizar a leitura e a representação da realidade e agir sobre ela.
H6 Interpretar a localização e a movimentação de pessoas/objetos no espaço tridimensional e sua representação no espaço bidimensional.
H7 Identificar características de figuras planas ou espaciais.
H8 Resolver situação-problema que envolva conhecimentos geométricos de espaço e forma.
H9 Utilizar conhecimentos geométricos de espaço e forma na seleção de argumentos propostos como solução de problemas do cotidiano.
Competência 3 – Construir noções de grandezas e medidas para a compreensão da realidade e a solução de problemas do cotidiano.
H10 Identificar relações entre grandezas e unidades de medida.
H11 Utilizar a noção de escalas na leitura de representação de situação do cotidiano.
H12 Resolver situação-problema que envolva medidas de grandezas.
H13 Avaliar o resultado de uma medição na construção de um argumento consistente.
H14 Avaliar proposta de intervenção na realidade utilizando conhecimentos geométricos relacionados a grandezas e medidas.
Competência 4 – Construir noções de variação de grandezas para a compreensão da realidade e a solução de problemas do cotidiano.
H15 Identificar a relação de dependência entre grandezas.
H16 Resolver situação-problema envolvendo a variação de grandezas, direta ou inversamente proporcionais.
H17 Analisar informações envolvendo a variação de grandezas como recurso para a construção de argumentação.
H18 Avaliar propostas de intervenção na realidade envolvendo variação de grandezas.
Competência 5 – Modelar e resolver problemas que envolvem variáveis socioeconômicas ou técnico-científicas, usando representações
algébricas.
H19 Identificar representações algébricas que expressem a relação entre grandezas.
H20 Interpretar gráfico cartesiano que represente relações entre grandezas.
H21 Resolver situação-problema cuja modelagem envolva conhecimentos algébricos.
H22 Utilizar conhecimentos algébricos/geométricos como recurso para a construção de argumentação.
H23 Avaliar propostas de intervenção na realidade utilizando conhecimentos algébricos.
Competência 6 – Interpretar informações de natureza científica e social obtidas da leitura de gráficos e tabelas, realizando previsão de
tendência, extrapolação, interpolação e interpretação.
H24 Utilizar informações expressas em gráficos ou tabelas para fazer inferências.
H25 Resolver problema com dados apresentados em tabelas ou gráficos.
H26 Analisar informações expressas em gráficos ou tabelas como recurso para a construção de argumentos.
Competência 7 – Compreender o caráter aleatório e não determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos ade-
quados para medidas, determinação de amostras e cálculos de probabilidade para interpretar informações de variáveis apresentadas em
uma distribuição estatística.
Calcular medidas de tendência central ou de dispersão de um conjunto de dados expressos em uma tabela de frequências de dados agrupados
H27
(não em classes) ou em gráficos.
H28 Resolver situação-problema que envolva conhecimentos de estatística e probabilidade.
H29 Utilizar conhecimentos de estatística e probabilidade como recurso para a construção de argumentação.
H30 Avaliar propostas de intervenção na realidade utilizando conhecimentos de estatística e probabilidade.

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AGRÁRIA, INDUSTRIALIZAÇÃO E TRANSPORTES:
Incidência do tema nas principais provas

Geografia agrária, urbanização e indústria são O processo de industrialização é muito cobrado.


três dos temas preferidos do Enem. Atente-se Estude a relação da industrialização com o
aos conflitos fundiários. desenvolvimento dos meios de transportes
no Brasil.

A prova relaciona todos os temas, princi- A prova da Unifesp não tem Geografia. A prova cobra muito a questão agrária no
palmente a industrialização do Brasil e sua Brasil, principalmente os conflitos fundiários.
relação com as oligarquias agrárias e a relação
disso com o transporte no País. A Unicamp
cobra também o tema da energia e recursos
sustentáveis.

Quase não ocorrem questões relacionadas a Relaciona temas da Geografia agrária com Apresenta temas como conflitos agrários e Cobra conceitos. Estude os tipos de indústria e
este livro. Costuma cobrar temas mais gerais questões ambientais. industrialização do Brasil, por meio de uma os sistemas agrários.
sobre aspectos sociais, e não temas muito perspectiva crítica.
específicos.

UFMG

Cobra bastante urbanização, sobretudo, por Cobra, tradicionalmente, questões de Geogra- A prova da CMMG não tem Geografia.
meio da cartografia. fia agrária.

Cobra muito conflitos agrários e o atual Estude os conceitos de Geografia agrária e Atenção às discussões sobre industrialização.
processo de desindustrialização do Brasil. industrialização. Estude os conceitos, tipos de indústria e como
ocorrem no Brasil e no mundo.

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AULAS Transportes II
35 e 36
Competência: 4 Habilidades: 16 e 17

“Contando com 16.782 quilômetros de estradas de ferro volta de 1850, nas proximidades de Londres, as locomo-
em 1905, o Brasil atinge, em 1940, 108.594 quilômetros. tivas a vapor atingiam até 70 km/h, uma velocidade alta
É a região Sudeste – sobretudo Minas Gerais e São Paulo para o desenvolvimento tecnológico daquele momento.
– que apresenta as maiores expansões e representa, nos
A primeira locomotiva da história pesava 10 toneladas, pu-
últimos anos, 37,27% do total da rede nacional.”
xava cinco vagões e carregava 70 passageiros. O primeiro
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil:
território e sociedade no início do século XXI.
trecho de ferrovia foi criado em 27 de setembro de 1825,
na Inglaterra. A partir de então, esse meio de transporte

1. Transporte ferroviário
espalhou-lhe por todo o mundo.
As locomotivas a vapor eram tocadas a carvão como fonte
O transporte ferroviário e a Revolução Industrial (século de energia. Logo após sua implantação, rapidamente essa
XVIII) estiveram estritamente ligados. Esse meio de trans- tecnologia espalhou-se para outros lugares do mundo,
porte surgiu na Europa, mais precisamente na Inglaterra, principalmente para os Estados Unidos.
no século XIX, durante a segunda Revolução Industrial. Por

Locomotiva e tender da Tramway da Cantareira

Hoje em dia, o transporte ferroviário serve a todos os continentes, graças aos avanços tecnológicos produzidos e absorvidos
no século XX. Os trens modernos alcançam velocidades de até 250 km/h, como os TGV europeus.
A contribuição da revolução técnico-científica-informacional fez com que as ferrovias continuassem de grande valia no
sistema de transportes, em virtude de sua capacidade de transportar uma quantidade muito grande de carga de uma só
vez – algo que não ocorre, por exemplo, com o transporte rodoviário.
O custo por tonelada transportada é baixo, entretanto, os valores para a conservação e construção de ferrovias são elevados.
A utilização desse meio de transporte varia entre os países. Nos Estados Unidos e na Rússia, por exemplo, a maioria dos
fluxos das cargas é feita por meio das ferrovias. Na parte ocidental da Europa, as ferrovias têm seu uso bastante difundido
para o transporte de cargas e de pessoas.
As ferrovias são bastante utilizadas na Europa e em muitos países desenvolvidos, bem como em países muito populosos,
como Índia e China. Países da América latina e da África optaram pelas rodovias em vez das ferrovias – escolha essa, talvez,
não a melhor, uma vez que as ferrovias têm significativas vantagens: é o meio de transporte que permite a maior capaci-

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dade de transporte de cargas e de passageiros a um custo muito menor que as rodovias. Com um litro de combustível, um
caminhão transporta uma tonelada de carga por 25 quilômetros; nas ferrovias, essa distância passa para 86 quilômetros.

Aprenda mais
O grande passo para o desenvolvimento dos trens foi dado pelo inglês e engenheiro mecânico George Stephenson. Nas minas
de Killingworth, Stephenson construiu a sua primeira locomotiva, em 1814. A Blucher, como foi chamada, se destinava ao
transporte dos materiais das minas e conseguia puxar uma carga de 30 toneladas à velocidade de 6 km/h. Stephenson cons-
truiu a primeira linha férrea da história, entre Stockton e a região mineira de Darlington, inaugurada em 27 de setembro de
1825, com cerca de 61 km de comprimento. Quatro anos mais tarde, foi chamado para construir a linha férrea entre Liverpool e
Manchester, na qual foi usada uma nova locomotiva, a Rocket, que tinha uma nova caldeira tubular inventada pelo engenheiro
francês Marc Seguin e já atingia a velocidade de 30 km/h.
No início do século XIX, as rodas motrizes passaram a ser colocadas atrás da caldeira, aspecto que permitiu aumentar o
diâmetro das rodas e, consequentemente, o aumento da velocidade de ponta. O escocês James Watt, com a introdução
de várias alterações na concepção dos motores a vapor, muito contribuiu para o desenvolvimento das estradas de ferro.
Desde então, a evolução do trem e das linhas ferroviárias tornou-se efetiva. Na metade do século XIX, já havia milhares de
quilômetros de vias férreas por todo o mundo: na Inglaterra, havia 10 mil; e nos EUA, 30 mil, onde a colonização do oeste,
tal cifra atingiu mais de 400 mil quilômetros, no início do século XX.
Num ápice, as locomotivas passaram do vapor à eletricidade. No dia 31 de maio de 1879, Werner von Siemens apresentou, na
Exposição Mundial de Berlim, a primeira locomotiva elétrica. No entanto, o seu desenvolvimento só foi significativo a partir de
1890. A história da locomotiva elétrica é polêmica: há quem atribua igualmente esta invenção tanto ao estadunidense Thomas
Davenport como ao escocês Robert Davidson.

Matriz de transportes no mundo

O Brasil também preferiu priorizar as rodovias, embora as ferrovias fossem uma ótima opção, uma vez que o País tem dimen-
sões continentais. Para o transporte de certos tipos de carga, como minério e grãos, as ferrovias são os meios de transporte
mais adequados. No entanto, a falta de investimentos em ferrovias, provavelmente provocada pela pressão da indústria
automobilística, fez com que a indústria ferroviária praticamente estacionasse.

1.1. As ferrovias no Brasil


O transporte ferroviário no Brasil foi predominante até o final do século XIX, quando, consolidado na região Sudeste, encar-
regava-se do escoamento do café e dos deslocamentos de mercadorias. A maior expansão se deu no Estado de São Paulo,
onde chegou a ter 18 ferrovias, sendo as maiores: a E.F. Sorocabana (2.074 km); a Mogiana (1.954 km); a E.F. Noroeste

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do Brasil (1.539 km); e a Cia. Paulista de Estradas de Fer-
ro (1.536 km); além da São Paulo Railway, que detinha a
ligação com o porto de Santos. Juntas, elas permitiram o
crescimento do Estado tanto no setor industrial quanto no
agrícola. Além das ferrovias em São Paulo, outras ferrovias
importantes que surgiram nessa época se destacaram: a
E.F. Vitória–Minas (1903); a Ferrovia Madeira–Mamoré
(1912); e a expansão no sul, com a ligação entre Mafra,
Corupá, Rio Negro e São Francisco do Sul, que conectaram
Curitiba aos portos de São Francisco e Paranaguá (1917).
A ligação entre Ourinhos e Londrina aconteceu em 1935,
chegando a Apucarana, em 1942. Apesar do custo-bene- multimídia: música
fício favorável, nada impediu que, de 1950 até hoje, sua
maior rede tenha sido desativada e sucateada. Trem das onze – Adoniram Barbosa
Entretanto, o que se observou nas últimas décadas foi um
olhar especial por parte dos investidores e do Estado para
esse modal. O investimento anual das ferrovias aumen- Depois da privatização de boa parte das ferrovias nacio-
tou quatro vezes entre o período de 2003 e 2010, saltan- nais, na década de 1990, e da derrocada da Rede Ferro-
do de 1,07 bilhão de reais para 4,32 bilhões de reais por viária Federal (RFFSA), empresa estatal responsável por
ano. As principais investidoras foram: o grupo Vale, com administrá-las, a participação das ferrovias no transporte
1,31 bilhão de reais; o grupo ALL, com 928,7 milhões do Brasil chegou a crescer, apesar de atender a interesses
de reais; e a MRS, com 681 milhões de reais, todas no e deslocamentos muito específicos e limitados. Ainda hoje,
ano de 2010 e que mantiveram investimento constante a malha ferroviária nacional concentra-se nas regiões Sul
no período, focados em infraestrutura, superestrutura e e Sudeste.
material rodante. Um caso à parte é a TLSA (Transnordes-
tina), que aumentou em seis vezes o seu investimento,
apenas de 2009 a 2010, aportando 1,35 bilhão de reais
no ano. Hoje, existem várias ferrovias em construção no
País – a principal delas é a Norte–Sul, com algumas eta-
pas já concluídas e em operação.

O País possui hoje 30 mil km de ferrovias para tráfego, o


que dá uma densidade ferroviária de 3,1 metros por km2;
é bem pequena em relação aos EUA (150 m/km2) e Ar-
gentina (15 m/km2). Apenas 2.450 km são eletrificados. As
multimídia: livros ferrovias apresentam-se mal distribuídas e mal situadas,
Na trilha das ferrovias – Bertholdo de Castro estando 52% localizadas na região Sudeste.
Pelas janelas do trem que transportou o Brasil
dos últimos dois séculos passaram fracassos
rotundos e vitórias colossais. Entre os 14,5
quilômetros da primeira estrada de ferro, feita
para conduzir a família real para o seu retiro
de Petrópolis, e a globalizada sofisticação tec-
nológica das atuais ferrovias, alguns visionários
foram maquinistas, entre avanços e recuos, de
uma das mais belas viagens da história do país.

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Principais ferrovias brasileiras
GUIANA
SURINAME FRANCESA
VENEZUELA Boa GUIANA
COLÔMBIA Vista
ESTRADA DE FERRO
Principais Ferrovias
DO AMAPÁ
ESTRADA DE FERRO
E. F. TROMBETAS CARAJÁS
Macapá

Belém
São
CIA. FERROVIÁRIA
Luis
Manaus E. F. JARI DO NORDESTE
Fortaleza

Teresina

Natal
FERROVIA João
Porto NORTE SUL Pessoa
Velho
Rio Recife
Branco
Palmas
Maceió

Aracaju

PERU Salvador

FERRONORTE DF
Cuiabá
Goiânia
BOLÍVIA
FERROVIA FERROVIA CENTRO
NOVOESTE ATLÂNTICA
Belo
Campo
Horizonte
Grande
Vitória
FERROVIA
VITÓRIA MINAS
PARAGUAI São
Paulo Rio de
CHILE FERROESTE MRS
Oceano Pacífico Janeiro LOGÍSTICA
ARGENTINA Curitiba

Ferrovia Existente METRO SP METRO RJ


FERROBAN CPTM FLUMIRENS
Ferrovia Planejada Florianópolis
Companhia do Metropolitano do Distrito Federal
CPTM e Metrô SP Porto Alegre FERROVIA TEREZA
Metrô Fluminense CRISTINA

Companhia Brasileira de Trens Urbanos


URUGUAI AMÉRICA LATINA
LOGÍSTICA

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2. Transporte hidroviário
Fluxo de transporte marítimo no mundo

Densidade
Alto

Baixo

Dentre os meios de transportes, o mais antigo é o marítimo, que vem da antiguidade. No entanto, a marinha mercante
mundial cresceu efetivamente depois da Primeira Guerra Mundial (1917), resultado de inovações tecnológicas e significativa
evolução, tais como volume de carga a ser transportada nos navios, construção de embarcações especializadas no transporte
de diferentes cargas, aperfeiçoamento dos instrumentos de navegação e de combustível etc.
Os grandes portos marítimos são dotados de sofisticada infraestrutura de maquinários, centros de armazenagem e
recursos de transporte. Rotterdam, na Holanda, é o porto com maior fluxo de mercadorias no mundo. Dele é escoada
praticamente toda a produção da União Europeia, e serve de porta de entrada para produtos importados de outros
continentes. Nos Estados Unidos, Nova Orleans e Nova Iorque são responsáveis pelo maior volume do escoamento e da
importação estadunidenses.
Os Estados Unidos construíram uma passagem no canal do Panamá, com o objetivo de ligar os oceanos Pacífico e Atlântico.
Com isso, a distância entre a costa leste da América e a Europa diminuiu, evitando que as embarcações fossem obrigadas,
como antes, a contornar a América do Sul. O canal permaneceu sob o domínio dos EUA até 1997, quando passou a ser
administrado pelo Panamá.

Os 5 maiores portos do mundo


1. Shanghai (China): o porto se estabeleceu como um dos maiores em movimentação de mercadorias nos últimos anos
e ainda vem numa crescente com relação a sua tecnologia e estrutura.
2. Ningbo (China): é o segundo maior porto da China e foi construído por meio da iniciativa entre Ningbo e Zhoushan.
O porto já ultrapassou a quantia de 450 mil toneladas em mercadorias movimentadas.
3. Singapura (Singapura): o porto mantém mais de 600 linhas de tráfego e contato com mais de 123 países espalhados
ao redor do mundo.
4. Rotterdam (Holanda): funcionando desde o século XIV, o porto reestrutura a cada ano e se consolida como o maior
porto da Europa. Além disso, movimenta em torno de 300 mil toneladas em mercadorias.
5. Tianjin (China): com seus 120 km de extensão, 32 km de cais e mais de 150 berços de atracação, é um dos portos
mais importantes do mundo e fica ao norte da China.

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de dragagem e, principalmente, de portos que possibilitem a
integração intermodal. As principais hidrovias do Brasil são a
Tietê–Paraná, a do rio São Francisco e a do Amazonas.

O navio Providence Bay, em um portão do canal do Panamá

O transporte hidroviário no Brasil é o que tem menos repre-


sentatividade e participação nos sistemas de deslocamen-
to nacional, o que é uma grande contradição, haja vista o
grande potencial que o País tem desse modal. O transporte Porto de Manaus
hidroviário brasileiro é dividido nas modalidades fluvial e Quanto ao transporte marítimo – de vital importância para
marítima. O transporte marítimo é o mais importante, res- as relações comerciais –, ele é responsável pela maior par-
pondendo por quase 75% do comércio internacional do te das trocas comerciais internacionais do Brasil, transpor-
Brasil, enquanto que o transporte fluvial, embora mais eco- tando, principalmente, commodities agrominerais, veículos,
nômico e limpo, é subutilizado. máquinas e equipamentos de ponta. Cerca de 75% das
Costuma-se justificar a falta de investimentos nas hidro- trocas comerciais internacionais brasileiras são transporta-
vias brasileiras em virtude dos muitos rios de planalto, mais das pelo mar.
acidentados, que exigem obras de correção para facilitar De acordo com o itinerário realizado, o transporte marítimo
o transporte. Eclusas foram construídas para superar as pode ser:
diferenças de nível das águas nas barragens das usinas
hidrelétricas – é o caso das eclusas de Tucuruí, no rio To- § de cabotagem: também chamado de “transporte
cantins, de Barra Bonita, no rio Tietê, e de Jupiá, no rio Pa- costeiro”, esse tipo de transporte é doméstico, posto
raná. Outro motivo vem do fato de que os rios de planície, que é realizado somente entre os portos do território
embora facilmente navegáveis (Amazonas, São Francisco e nacional; e
Paraguai), se encontrarem afastados dos grandes centros § internacional: também chamado de “transporte de
econômicos do Brasil. longo percurso”; o nome já indica que a distância é
Por outro lado, a concentração de investimentos em ro- maior, sendo esse realizado entre portos nacionais e
dovias privilegia áreas onde o mais indicado seria o in- internacionais.
vestimento em hidrovias. O caso mais notório disso foi a Embora o País possua dimensões continentais e uma ex-
Transamazônica, uma estrada construída quase paralela- tensa costa litorânea, o transporte marítimo sofre com
mente ao rio Amazonas, que é de fácil navegação. O porto muitos problemas, como os altos custos de transporte, pre-
de Manaus, situado à margem esquerda do rio Negro, é o cariedade dos portos, fiscalização, burocracia, entre outros.
porto fluvial de maior movimento do Brasil e o com me- Por essas razões (que não justificam muito a subutilização),
lhor infraestrutura. Outros portos fluviais relevantes são: ainda é uma modalidade de transporte pouco explorada
de Itajaí, no rio Itajaí-açu, que transporta principalmente no Brasil, em comparação aos meios ferroviário e rodoviá-
máquinas e commodities; de Santarém, no rio Amazonas,
rio. Vale destacar que os portos marítimos são construções
por onde se transportam, principalmente, grãos vindos do
realizadas para receber pessoas e mercadorias (exportação
Centro-Oeste; e de Corumbá, no rio Paraguai, por onde é
e importação), seja em navegação marítima nacional ou in-
escoado o minério de manganês.
ternacional. No Brasil, existem cerca de 40 portos públicos,
No entanto, a partir dos anos 1980, sobretudo após a cria- dos quais se destacam:
ção do Mercosul, houve uma exigência pela implantação
§ Porto de Santos: situado nas cidades litorâneas pau-
de mais hidrovias para a integração do cone sul; apesar de
listas de Santos e do Guarujá, esse é o principal porto do
os investimentos públicos para isso terem se elevado, ainda
Brasil, apresentando a melhor infraestrutura e elevada
são insuficientes. Os trechos hidroviários mais importantes,
movimentação, além de ser o maior da América latina.
do ponto de vista econômico, encontram-se no Sudeste e
no Sul do Brasil. O pleno aproveitamento de outras vias na- § Porto de Itajaí: situado na cidade de Itajaí, no Es-
vegáveis depende da construção de eclusas, grandes obras tado de Santa Catarina, é considerado o segundo

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maior porto do Brasil em relação à movimentação de
cargas. Movimenta muitos tipos de mercadoria, com
2.1. Portos marítimos (SEP)
destaque para os frangos congelados (maior porto A responsabilidade pela formulação de políticas e pela
exportador do País). execução de medidas, programas e projetos de apoio ao
desenvolvimento da infraestrutura dos portos marítimos é
§ Porto do Rio de Janeiro: também é um dos mais da Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/
movimentados do País, localizado na baía de Guana- PR). A ela também compete participar do planejamento
bara, na cidade do Rio de Janeiro. Movimenta grande estratégico e da aprovação dos planos de outorgas, com
quantidade e variedade de cargas, como produtos ele- vistas à segurança e eficiência do transporte marítimo de
trônicos, automobilísticos, siderúrgicos e petroquímicos. cargas e passageiros.
§ Porto de Itaguaí (ou de Sepetiba): está situado na Dos 34 portos públicos marítimos sob gestão da SEP, 16
cidade de Itaguaí, no Estado do Rio de Janeiro, sendo são delegados, concedidos ou autorizados pelos governos
um dos maiores e mais movimentados portos da Amé- estaduais e municipais. Os outros 18 marítimos são admi-
rica latina. nistrados diretamente pelas Companhias Docas, socieda-
§ Porto de Vitória: também sendo um dos mais im- des de economia mista cujo acionista majoritário é o go-
portantes do País, esse complexo portuário engloba os verno federal, razão pela qual são diretamente vinculadas
portos de Vitória, de Praia Mole e de Barra do Riacho. à Secretaria de Portos.

§ Porto de Paranaguá: localizado na cidade de Para- Ao todo, são sete as Companhias Docas brasileiras:
naguá, no Estado do Paraná, é o maior porto de produ- § Companhia Docas do Pará (CDP): administra os
tos a granel da América latina, sendo também o maior portos de Belém, de Santarém e de Vila do Conde.
do País em exportação de produtos agrícolas, sobretu- § Companhia Docas do Ceará (CDC): administra o
do de soja. porto de Fortaleza.
§ Porto de Rio Grande: inaugurado em finais do sé- § Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Co-
culo XIX, é considerado um dos principais portos da dern): administra os portos de Natal e de Maceió e o
região Sul do País, situado na capital do Rio Grande Terminal Salineiro de Areia Branca.
do Sul, Porto Alegre, o qual liga a lagoa dos Patos ao
oceano Atlântico. § Companhia Docas do Estado da Bahia (Code-
ba): administra os portos de Salvador, de Ilhéus e de
Os meios de transporte no Brasil precisam ser diversifica- Aratu.
dos para que haja menos dependência das rodovias nos
§ Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa):
deslocamentos de mercadorias e pessoas. É necessária a
administra os portos de Vitória e de Barra do Riacho.
instalação de uma matriz multimodal, que disponha de
vários sistemas de transportes diferentes integrados. Outra § Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ):
necessidade é a melhor integração rumo ao oeste do País, administra os portos do Rio de Janeiro, de Niterói, de
em direção aos países sul-americanos e ao oceano Pacífico, Angra dos Reis e de Itaguaí.
com vistas a ampliar as trocas comerciais dentro do conti- § Companhia Docas do Estado de São Paulo (Co-
nente e em direção aos países asiáticos. desp): administra o porto de Santos.
Entre as vantagens da implantação de hidrovias, estão a
alta capacidade de transporte e o baixo custo de manu-
tenção e implementação. As desvantagens são a lentidão,
a falta de flexibilidade no transporte, as limitações ao tipo
de carga transportada e a excessiva dependência das con-
dições climáticas.
Apesar de relativamente barata, a implementação de
uma hidrovia pode ter custos variados, dependendo da
necessidade da infraestrutura a ser construída, como bar-
ragens e eclusas. Esse processo depende, sobretudo, da
construção de uma sinalização adequada para as embar-
cações, bem como de correções nos cursos de água que
Eclusa em operação na hidrovia Tietê–Paraná facilitem a circulação dos navios.

12
Porto de Porto de
Porto de Belém Porto de Vila do Conde
Manaus Macapá
Porto de Porto de Itaqui
Santarém Porto de Fortaleza
Terminal Salineiro de Areia Branca
Porto de Natal
Porto de Cabedelo
Porto do Recife
Porto de Suape
Porto de Maceió
Porto de Salvador
Porto de Aratu
Porto de Ilhéus
Porto de Barra do Riacho
Porto de Vitória
Porto de Forno
Porto de Niterói
Porto do Rio de Janeiro
Porto de Itaguai
Porto de Angra dos Reis
Porto de São Sebastião
Porto de Santos
Porto de Antonina
Porto de Paranaguá
Porto de São Francisco do Sul
Porto de Itajaí
Porto de Imbituba
Porto de Laguna
Porto de Estrela
Porto de Porto Alegre
Porto de Pelotas
Porto de Rio Grande

Apesar de apresentar baixos investimentos em hidrovias, o Brasil conta com as do rio Madeira, do Paraguai-Paraná, do
Tocantins-Araguaia, do rio São Francisco, do Solimões-Amazonas e a do Tietê-Paraná.

13
3. A qualidade do transporte populações migrantes foram obrigadas a buscar moradia
em zonas mais afastadas dos grandes centros, a recorrer às
público no Brasil: protestos favelas, às invasões e ocupações irregulares de todo o tipo.
Nessas zonas segregadas, não houve investimentos pú-
A disseminação da onda de protestos e manifestações que
blicos em infraestrutura, o que gerou áreas muito depen-
marcou o ano de 2013 no Brasil foi uma representação do
dentes das regiões urbanas mais valorizadas. Os serviços,
descontentamento de parte da sociedade em relação ao
bem como os empregos, concentraram-se nos bairros mais
transporte público. Mais do que simplesmente insatisfei-
nobres. Os trabalhadores obrigaram-se a se deslocar por
ta com o aumento do preço das passagens, seus usuários
grandes distâncias em cidades cada vez mais “inchadas”
também se queixavam da qualidade dos serviços prestados
para trabalhar ou utilizar serviços públicos e privados.
em todo o País.
Isso explica a origem dos problemas do transporte público
O transporte público no Brasil é caracterizado por ônibus,
no país, se bem que grave mesmo tenha sido a escolha da
metrôs e trens, pelo menos nas grandes cidades e capitais.
classe dominante brasileira por um desenvolvimento capi-
De acordo com a Constituição Federal, esse serviço deve
talista predatório: alta taxa de lucro do capital e falta de
ser administrado e mantido pelos municípios, à custa de
planejamento dos investimentos governamentais, que não
investimentos estaduais e federais.
assegurou a rotatividade desse capital, mas relegou a um
Ressalte-se que transporte público não diz respeito exclu- plano subalterno as demandas sociais de moradia, saúde,
sivamente aos meios de transporte utilizados, mas à mobi- educação e mobilidade urbana.
lidade urbana como tal, à infraestrutura desse transporte,
Essa mobilidade urbana não foi acompanhada de uma po-
como estações, terminais etc.
lítica nacional de investimentos que permitisse sua estrutu-
O transporte público compreende a lógica urbana, sobre- ração, implantação e implementação.
tudo a das grandes metrópoles com maior concentração
No início de 2013, o anúncio de aumento das passagens
populacional. Cidades maiores e com mais zonas segre-
dos transportes urbanos fustigou a insatisfação de parte
gadas necessitam de um transporte público mais amplo e
significativa da população, que saiu às ruas para protes-
massificado para evitar a ocorrência de ônibus lotados e
tar, em manifestações jocosamente chamadas “revolta do
insuficientes para atender à população.
vinagre” (nessas oportunidades, a polícia proibiu o uso de
De modo geral, o transporte público no Brasil é considerado vinagre para conter os efeitos do gás lacrimogêneo).
ruim e ineficiente, com passagens caras e ônibus frequen-
temente superlotados, em más condições de manutenção
e conservação, demorados de um para outros, que exigem
dos passageiros tempo demasiado de espera nos pontos.
Mas de onde surgiu esse problema? O processo de indus-
trialização do Brasil ocorreu tardia e lentamente em com-
paração ao da ampla maioria dos países subdesenvolvidos
e em desenvolvimento. As cidades cresceram descontrola-
damente em virtude do êxodo rural, resultado da mecani-
Milhares de manifestantes reunidos na Avenida
zação e da concentração de terras. Paulista, em São Paulo, SP (jun./2013)

Os problemas de transporte urbano dizem respeito à lógi-


ca urbana, à mobilidade urbana. Mais do que melhorar o
serviço prestado e conter o preço das passagens, é preciso
democratizar os espaços das cidades, ampliando a mobili-
dade e descentralizando os investimentos em infraestrutu-
ra dos espaços nobres e centrais para as periferias e zonas
que concentram a maioria da população urbana.

Estação da Luz, São Paulo, SP (dez./2014)

Essa massa populacional encontrou no espaço das grandes


cidades dificuldades de permanência. Terrenos e imóveis
aumentaram e sobrevalorizaram consideravelmente. As

14
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Os problemas de mobilidade urbana, de movimentação de cargas, os impactos ambientais dos diversos meios de
transportes, a preocupação com a eficiência e pontualidade requerem estudos avançados interdisciplinares, inclusive
no campo da engenharia, que visam maior economia em uma rede de transportes com melhor desempenho multi-
modal. Nos últimos anos, o debate sobre a mobilidade urbana no Brasil vem se acirrando cada vez mais, haja vista
que a maior parte das grandes cidades do País vem encontrando dificuldades em desenvolver meios para diminuir a
quantidade de congestionamentos ao longo do dia e o excesso de pedestres em áreas centrais dos espaços urbanos.
Trata-se, também, de uma questão ambiental, pois o excesso de veículos nas ruas gera mais poluição, interferindo
em problemas naturais e climáticos em larga escala e também nas próprias cidades, a exemplo do aumento do
problema das ilhas de calor.

VIVENCIANDO

Para o aluno que tiver oportunidade, um excelente passeio é visitar o Museu do Transporte Público Gaetano Ferolla,
na Av. Cruzeiro do Sul, 780 – Canindé, São Paulo/SP. Inaugurado oficialmente em 20 de março de 1985, pelo prefeito
da época, Mário Covas, por iniciativa do ex-funcionário da CMTC, Gaetano Ferolla, recebeu o nome de Museu da
Companhia Municipal de Transportes Coletivos. O museu nos proporciona uma volta ao tempo na cidade de São
Paulo do século XIX, através de relíquias que revelam a evolução dos transportes urbanos da era charmosa. O museu
mantém seu acervo através de doações, tanto de instituições, como de colecionadores.

15
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidades
16 Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.

17 Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.

Podemos observar que, ao longo da história, alguns dos maiores esforços da sociedade tem sido no sentido de ga-
rantir a redução significativa dos efeitos da distância entre os diferentes espaços da superfície terrestre. Tais esforços
fazem parte de processos de evolução, tanto das sociedades que buscam vencer a necessidade de deslocamentos
cotidianos, criando para isso formas de encurtar distâncias, como dos sistemas de transportes enquanto forma e pro-
cesso consolidados que, ao longo do tempo, se mostram cada vez mais complexos e articulados com o processo de
organização socioespacial. Os percursos feitos a pé, o transporte muar e os desenvolvimento dos diferentes modais
nos ajudam a entender o processo de evolução dos transportes, num contexto de mundo cada vez mais globalizado,
no qual diferentes atores servem-se das redes e se utilizam dos espaços para produzir e transformar o território na-
cional em um espaço nacional de economia internacional.
Nesse sentido, os diferentes transportes são fundamentais para o desenvolvimento e organização do território, uma
vez que independente das suas escalas de implantação e uso, se em nível local ou nacional, participam do processo de
incremento da economia, à medida que são responsáveis pela movimentação e circulação de pessoas e cargas, desem-
penhando, portanto, papel estratégico na intensidade e na forma com que as relações sociais, espaciais e econômicas
acontecem. Por esse motivo, na atualidade, vêm se tornando cada vez mais comum as análises dos impactos do trans-
porte na economia de diferentes países e regiões. As relações entre o desenvolvimento das infraestruturas de transporte
e técnicas, assim como a análise dos modais presentes no espaço em cada momento histórico, nos mostra o quanto o
transporte pode ser considerado um dos elementos do desenvolvimento regional. Tal consideração se explicaria pelo fato
de que a infraestrutura de transportes tem uma série de impactos e benefícios sobre a sociedade..

Modelo
(Enem) A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que começa a ser construída apenas em 1905, foi criada, ao contrário das outras
grandes ferrovias paulistas, para ser uma ferrovia de penetração, buscando novas áreas para a agricultura e povoamento.
Até 1890, o café era quem ditava o traçado das ferrovias, que eram vistas apenas como auxiliadoras da produção cafeeira.
CARVALHO, D.F. Café, ferrovias e crescimento populacional: o florescimento da região noroeste paulista.
Disponível em: <www.historica.arquivoestado.sp.gov.br>. Acesso em: 2 ago. 2012.
Essa nova orientação dada à expansão ferroviária, durante a Primeira República, tinha como objetivo a:
a) articulação de polos produtores para exportação.
b) criação de infraestrutura para atividade industrial.
c) integração de pequenas propriedades policultoras.
d) valorização de regiões de baixa densidade demográfica.
e) promoção de fluxos migratórios do campo para a cidade.

Análise expositiva - Habilidades 16 e 17: A Ferrovia Noroeste do Brasil, ligando Bauru (SP) à Corumbá
D (MS), teve como objetivo a integração do território a partir do avanço do povoamento, diferentemente das ferro-
vias que se concentravam majoritariamente ao redor da zona produtora de café.
Alternativa D

16
DIAGRAMA DE IDEIAS

BAIXA EFICIÊNCIA NO
TRANSPORTE DE CARGA

CAUSAS PRINCIPAIS

DESBALANCEAMENTO LEGISLAÇÃO E FISCALIZAÇÃO


DE MATRIZ DE TRANSPORTE INADEQUADAS

CAUSAS SECUNDÁRIAS

• BAIXOS PREÇOS DOS FRETES


RODOVIÁRIOS • REGULAMENTAÇÃO DO TRANSPORTE
• POUCAS ALTERNATIVAS AO MODAL • LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA E
RODOVIÁRIO INCENTIVOS FISCAIS
• BARREIRAS PARA INTERMODALIDADE • FISCALIZAÇÕES INEFICIENTES
• PRIORIZAÇÃO DO MODAL RODOVIÁ- • BUROCRACIA
RIO PELO GOVERNO

CAUSAS PRINCIPAIS

DEFICIÊNCIA DA INSEGURANÇA
INFRAESTRUTURA DE APOIO NAS VIAS

CAUSAS SECUNDÁRIAS

• BASE DE DADOS DO SETOR DE


TRANSPORTES • ROUBO DE CARGAS
• TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO • MANUTENÇÃO DAS VIAS
• TERMINAIS MULTIMODAIS

17
AULAS Urbanização
37 e 38
Competência: 4 Habilidades: 18 e 19

“A vida das pessoas se modifica com a mesma rapidez de ”cidade”. A cidade pode ser analisada a partir de di-
com que se reproduz a cidade. O lugar da festa, do encon- versos prismas – O que significa cidade para nós? O que
tro, quase desaparecem; o número de brincadeiras infantis
significava cidade para os antigos? É possível realizarmos
nas ruas diminui – as crianças quase não são vistas; os
pedaços da cidade são vendidos, no mercado, como mer- esta apreensão? – Com relação ao mundo grego, apa-
cadorias; árvores são destruídas, praças transformadas em rentemente sim. As fontes textuais são claras quanto ao
concreto. Todavia, o mesmo modo de vida urbano que ex- aparato necessário para se poder denominar uma certa
pulsa das ruas as brincadeiras infantis, aprisionando crian- localidade cidade-Estado (aparato político) ou cidade
ças e adolescentes, produz o seu inverso, e joga nas ruas
centrais da cidade ou nos cruzamentos de alta densidade (aparato físico). No entanto, ao contrário do esperado,
crianças vendendo coisas ou roubando.” os estudiosos modernos não chegaram ainda a um acor-
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. do sobre a definição e os motores de produção nem da
cidade-Estado nem da cidade grega. Vários estudos pri-

1. As primeiras cidades
vilegiam aspectos diferentes, religiosos, econômicos ou
políticos. Contudo, a ampla produção acadêmica sobre
Um dos grandes debates das Ciências Humanas, desde o tema nos permite abraçar algumas hipóteses e tentar
o século XIX, gira em torno da definição e conceituação estabelecer certos parâmetros norteadores.

18
O próprio termo “cidade” traz em si uma carga moder-
na, cheia de subentendidos que dificultam uma definição As primeiras aldeias sedentárias surgiram quando as
clara do que venha a ser, de fato, uma cidade. De ma- comunidades neolíticas estabeleceram-se num terri-
neira geral, alguns elementos são recorrentes nos estu- tório, dedicando-se, predominantemente, à criação de
dos: homogeneidade social, étnica e de crenças; questão animais e ao cultivo agrícola.
da posse de um território; defesa; divisão do trabalho e Entre as mais antigas cidades do mundo, podemos ci-
elementos de culto – estariam todos, em maior e menor tar Jericó e Beidha, que se desenvolveram a partir de
proporção, relacionados com o surgimento das cidades. primitivas vilas agrícolas. Ambas se situam na região da
A discussão acadêmica mormente centra-se sobre quais Palestina. Também merece destaque a cidade de Çatal
fatores foram preponderantes. Huyuk, que se situava na região da atual Turquia.
O sedentarismo leva os grupos sociais, de uma manei-
ra geral, a construírem assentamentos mais complexos,
de acordo com inúmeros fatores: políticos, econômicos,
sociais e, inclusive, demográficos. A cidade, nesta pers-
pectiva, constitui o nível máximo de elaboração de um as-
sentamento por um determinado grupo social. Impérios
da antiguidade ou países modernos, ambos baseiam-se
na existência de núcleos populacionais vivendo em cida-
des grandes e pequenas. No fundo, a definição de aldeia,
vilarejo, fortificação e outros que possam ser empregados
na descrição de um assentamento humano tem como pa- Vestígios arqueológicos mostram que, apesar de dis-
râmetro a cidade. tarem 800 quilômetros uma da outra, Jericó e Çatal
Huyuk comerciavam entre si. Çatal Huyuk (Colina da
Encruzilhada) foi descoberta por arqueólogos entre
1961 e 1963. É uma paisagem desértica, tipo estepe,
porém fértil, pois é de aluvião. As casas foram, outro-
ra, construídas com adobe feito de argila e palha, co-
locados em moldes de madeira e secos ao sol.
No entanto, uma das características mais espetacu-
lares das casas de Çatal Huyuk reside no fato de que
o acesso a todas as construções da cidade, casas ou
santuários era feito pelo teto, com auxílio de escada.
Com efeito, a arquitetura doméstica de Çatal Huyuk
ignora janelas, pelo menos quanto às construções até
agora exumadas.

As cidades coloniais, como Ouro Preto, em Minas Gerais,


refletem a concepção de exploração dos portugueses.

Muitas pesquisas mostram que as primeiras cidades


surgiram na Mesopotâmia (atual Iraque); depois, vieram
as cidades do vale do Nilo, do Indo, da região mediter-
rânea e da Europa e, finalmente, as cidades da China e
do Novo Mundo.
Embora as primeiras cidades tenham aparecido há mais
de 3.500 anos a.C., o processo de urbanização moderno
teve início no século XVIII, em consequência da Revolu-
Kalasasaia, Tiahuanaco – Bolívia
ção Industrial, desencadeada, inicialmente, na Europa.
No Terceiro Mundo, a urbanização é um fato bem recen- Na Idade Antiga, as cidades eram centros políticos e co-
te. Hoje, mais da metade da população mundial vive em merciais e era neles que geralmente se concentravam as
cidades, e o número tende a aumentar conforme se ace- grandes decisões de uma civilização e o poder que irra-
lera o desenvolvimento. diava delas. Nessa época, cidades como Babilônia, Roma,

19
Esparta e Atenas se destacavam como centros de atuação
política e de práticas de comércio. Na América do Sul, uma
2.1. Fatores atrativos e
das mais antigas cidades foi Tiahuanaco, atualmente terri- fatores repulsivos
tório da Bolívia. O processo de industrialização promoveu, de modo simul-
tâneo, duas realidades: uma de atração pela cidade e outra

2. Urbanização de expulsão do campo.


§ Fatores atrativos ocorrem por causa da urbanização
Entende-se por urbanização o processo de crescimento causada pela atração da população do campo para as
da população urbana em comparação ao crescimento da cidades em busca da maior oferta de emprego gerada
população rural. Isto é, a urbanização ocorre quando se ve- pela industrialização, além da existência de melhores
rifica o crescimento das cidades e, especialmente, quando condições de renda e de vida. O rápido e fácil acesso
as taxas de crescimento da população urbana são maiores a produtos, bens de consumo e serviços, como esco-
que as taxas de crescimento da população residente nas las e hospitais, além de uma maior interação cultural,
áreas rurais. também pode ser listados como fatores atrativos da
urbanização.
§ Fatores repulsivos ocorrem quando a urbanização
acontece pela “expulsão” ou afastamento da popu-
lação do campo para as cidades, com uma migração
em massa, chamada de êxodo rural ou de migração
campo–cidade. Dentre os fatores repulsivos da urbani-
zação, podem-se citar a concentração fundiária (muita
terra nas mãos de poucos), os baixos salários do cam-
po, a mecanização das atividades agrícolas com a subs-
Vista aérea da cidade de Londres, na Inglaterra tituição da mão de obra, entre outros.
Os países desenvolvidos foram os primeiros a urbanizar-se
com a maior presença de fatores atrativos. Com a Revolu-
ção Industrial, ao longo do século XVIII, cidades como Lon-
dres e Paris transformaram-se em grandes centros urbanos;
porém, com uma grande carga de problemas sociais e mi-
séria acentuada, questão que só veio a ser atenuada pelas
reformas urbanas no século seguinte.

Vista aérea da cidade de Berlim, na Alemanha

O fenômeno da urbanização está diretamente ligado à


Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, a princípio
na Inglaterra e, mais tarde, em outras cidades da Europa e
também dos Estados Unidos.
É possível dizer que a urbanização é a representação do Industrialização e urbanização são fatores diretamente relacionados.
capitalismo, ou seja, da modernidade, que proporciona Ao atrair a população do campo para as cidades, as indús-
uma transição social fundamentada no setor primário trias visavam apenas eliminar a carência por mão de obra.
para os setores industrial, comercial e de serviços. A divi- Dessa forma, as fábricas instaladas nas cidades não pre-
são social e territorial do trabalho tende a intensificar-se tendiam, tampouco conseguiam, melhorar a qualidade de
à medida que as relações econômicas tornam-se mais vida das massas operárias que estavam se formando na-
complexas. O espaço urbano é, pois, a expressão mais quele período. Essas cidades cresceram de forma acelerada
dinâmica do espaço geográfico, uma vez que representa e desprovidas, por exemplo, de sistemas de saneamento
um aglomerado de práticas culturais, sociais, econômicas e esgoto. Os bairros operários, por sua vez, eram forma-
e outras em espaços justapostos entre si. dos por aglomerados de cortiços separados por vielas, nas

20
quais o esgoto corria a céu aberto e qualquer doença contagiosa rapidamente transformava-se em epidemia. Aos poucos, os
movimentos sindicais ganharam força e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho nas fábricas e melhorias
nos bairros operários.
Já os países subdesenvolvidos e emergentes só conheceram uma urbanização mais intensificada a partir de meados do
século XX, e muitos territórios ainda estão em fase inicial desse processo. Os principais fatores de urbanização são os repulsi-
vos, como a mecanização do campo e a concentração de terras, além de alguns atrativos, como a industrialização realizada,
predominantemente, pela instalação de empresas multinacionais estrangeiras.
A formação de grandes centros urbanos, chamados de metrópoles, caracteriza-se por ser uma área urbana que abrange
o espaço de várias cidades. Atualmente, as principais cidades do mundo são as chamadas cidades globais, com desta-
que para Nova Iorque, Tóquio, Londres, Berlim, e nos países emergentes, a Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro,
Bombaim e Buenos Aires, além de muitos outros exemplos.
Distribuição das cidades globais

2.2. Industrialização e urbanização


Os processos de industrialização e urbanização estão intrin-
secamente interligados. Foi com os avanços e transformações
proporcionados, por exemplo, pelas revoluções industriais na
Europa, que esse continente concebeu o crescimento expo-
nencial de suas principais cidades, as mais industrializadas.
Ao mesmo tempo, o processo de urbanização intensifica o
consumo nas cidades, o que acarreta a produção de mais
mercadorias e o aumento do ritmo da atividade industrial.

multimídia: música A industrialização é um dos principais fatores de transfor-


mação do espaço geográfico, ou seja, o capitalismo, pois ele
London calling – The Clash interfere nos fluxos populacionais, reorganiza as atividades
nos contextos da sociedade e promove a instrumentalização

21
das diferentes técnicas e meios técnicos, essenciais às ativi- 2.2.1. Mas como a industrialização
dades humanas. A atividade industrial, por definição, corres-
interfere na urbanização?
ponde ao arranjo de práticas econômicas em que o trabalho
e o capital transformam matérias-primas ou produtos de É errôneo pensar que a industrialização é o único fator
base em bens de produção e consumo. que impulsiona o processo de urbanização. Afinal, tal fe-
nômeno está relacionado também com outros eventos que
Com o avanço nos sistemas de comunicação e transporte –
envolvem dinâmicas macroeconômicas, sociais e culturais,
fatores que impulsionaram a globalização –, praticamente
além de fatores específicos do local. No entanto, a ativida-
todos os povos do mundo passaram a consumir produtos
de industrial, como expressão do capitalismo, exerce uma
industrializados, independentemente da distância entre seu
influência preponderante, pois ela atua tanto no espaço
local de produção e o local de consumo. Estabelece-se, com
das cidades, que apresentam crescimento, quanto no es-
isso, uma rede de influências que atua em escala global.
paço rural, que vê uma gradativa diminuição de seu contin-
Em virtude do processo de industrialização e de sua ampla gente populacional em termos proporcionais.
difusão pelo mundo, incluindo boa parte dos países subde-
No meio rural, o processo de industrialização interfere na
senvolvidos e emergentes, a urbanização cresceu a ponto
produção através da inserção de modernos maquinários
de, segundo dados da ONU, o mundo ter se tornado, pela
no sistema produtivo, como tratores, colheitadeiras, seme-
primeira vez, majoritariamente urbano, isto é, com a maior
adeiras e outros. Dessa forma, boa parte da mão de obra
parte da população residindo em cidades, o que ocorreu a
anteriormente empregada é substituída por máquinas e
partir de 2010.
técnicos qualificados em operá-las. Assim, boa parte dessa
população passa a residir em cidades, que, por isso, tor-
nam-se cada vez maiores e mais povoadas. Vale lembrar
que a mecanização não é o único fator responsável pelo
processo de migração em massa do campo para a cidade
– êxodo rural –, mas é um dos elementos mais importantes
nesse sentido.

multimídia: livros
Ensaios sobre a urbanização latino-americana
– Milton Santos
Os textos que compõem Ensaios sobre a ur-
banização latino-americana foram escritos no
início da década de 1980, e neles o autor já
mostrava sua preocupação em trabalhar com
as concepções de desenvolvimento e de sub- A mecanização do campo contribui para o crescimento das cidades.
desenvolvimento, que começaram a surgir na Além disso, a industrialização das cidades faz com que elas
América latina a partir da década de 1960. No se tornem mais atrativas em termos de migrações internas,
livro, dedicou atenção especial às variáveis eco- o que provoca o aumento de seus espaços graças à maior
nômicas e às questões de método, enfatizando oferta de empregos, tanto na produção fabril em si quanto
a importância de estudar, o que ocorre dentro no espaço da cidade, que demandará mais trabalho no se-
do organismo urbano sem alijá-lo de seu con- tor comercial e também na prestação de serviços.
texto, de forma a compreender as relações que
a cidade mantém com sua região, com seu país Não por acaso, os primeiros países a se industrializarem
ou com o mundo, assim como o conteúdo de foram também os primeiros a conhecer a urbanização em
cada um destes organismos urbanos. Dos dez sua versão moderna, tornando-se territórios verdadeira-
ensaios que compõem o livro, cinco são dedi- mente urbano-industriais. Atualmente, esse processo vem
cados a questões teórico-metodológicas e os ocorrendo em países emergentes e subdesenvolvidos,
outros cinco são dedicados a estudos de caso como o Brasil, que passou por esse processo ao longo de
particulares, analisando os casos da Colômbia, todo o século XX. Segundo a ONU, até 2030, todas as re-
do México, da Venezuela e do Peru. giões do mundo terão mais pessoas vivendo nas cidades
do que no meio rural.

22
O grande gargalo desse modelo é o crescimento acelerado das cidades, contribuindo para fomentar a macrocefalia urbana,
ou seja, o inchaço urbano, provocando problemas ambientais e sociais, além da ausência de infraestruturas, crescimento da
periferia e do trabalho informal, excesso de poluição, entre outros problemas. Estima-se que até 2020 quase 900 milhões de
pessoas estarão vivendo em favelas, em condições precárias de moradia e habitação.
Os grandes aglomerados urbanos no mundo

níveis de complexidade econômica das cidades. Como a


própria ideia de hierarquia sugere, trata-se das relações de
dependência econômica exercidas por algumas cidades so-
bre outras, formando uma cadeia mais ou menos definida
de cidades dependentes e economicamente interligadas.
Essas relações econômicas estabelecem, inevitavelmente, a
consolidação de uma rede urbana que estrutura uma teia for-
mada por nós (as cidades) e os fluxos (sistemas de transporte
e telecomunicações). Essa estruturação é um fator que pode
ser diretamente associado ao processo da globalização.
multimídia: sites Cidades globais representam os principais polos da hierar-
quia urbana internacional. Além de concentrarem elevados
http://labur.fflch.usp.br/ índices populacionais, são quase todas megacidades (com
mais de 10 milhões de pessoas) e apresentam uma com-
plexa economia. Ao longo da história, na maioria dos casos,
2.2.2. Hierarquia urbana as cidades globais foram as primeiras a se industrializar no
A hierarquia urbana se refere à estrutura mundial de su- mundo ou, pelo menos, em seus países. Foram também as
bordinação e organização econômica das cidades e suas primeiras a iniciar o processo de desconcentração industrial
redes. Ela é a ordem de organização entre os diferentes que ainda está ocorrendo, passando a ser conhecidas por

23
abrigar as principais sedes e centros de negócios das em- § Metrópoles nacionais são cidades que também
presas multinacionais. É o caso de Nova Iorque, Tóquio, Paris, apresentam uma complexa e avançada organização
Londres, Buenos Aires, Berlim, entre outros. No Brasil, São econômica, uma grande quantidade de habitantes e
Paulo e Rio de Janeiro. uma posição atrativa no recebimento de investimen-
tos, sobretudo de empresas estrangeiras. No entanto, o
nível econômico delas não lhes permite criar em torno
Metrópole de si uma influência além de seus países ou regiões
É uma cidade que, hierarquicamente, influencia uma territoriais próximas. São metrópoles nacionais, Belo
rede urbana, ou seja, cidades que polarizam um gran- Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Brasília.
de número de cidades. Entenda rede urbana como a
trama de uma rede de pesca, por exemplo, onde os
nós dessa rede são as cidades e os traçados são os
fluxos que saem de um nó para outro (fluxos econô-
micos, de capital, de pessoas, de serviços, de informa-
ções, de mão de obra). A migração pendular é uma
das principais características de uma metrópole.
Na antiga classificação do IBGE, tínhamos:
§ São Paulo e Rio de Janeiro, como metrópoles globais;
§ Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza,
como metrópoles nacionais;
§ Manaus, Belém, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia, Moderna, imponente e muito organizada,
como metrópoles regionais. Curitiba encanta logo no primeiro instante da visita.

Na nova classificação do IBGE, temos: § Metrópoles regionais são cidades cuja importância
e domínio alcançam apenas o âmbito regional e es-
§ Grande metrópole nacional: São Paulo (primeiro ní-
tão direta ou indiretamente subordinadas às metrópo-
vel de gestão territorial);
les nacionais e às cidades globais. Mesmo assim, são
§ Metrópole nacional: Rio de Janeiro e Brasília; centros estratégicos, pois representam o elo de regiões
§ Metrópoles: Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortale- ou pontos afastados em relação aos grandes polos da
za, Manaus, Belém, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia economia mundial. São metrópoles regionais, Goiânia,
(segundo nível de gestão territorial). Cuiabá, Campinas, Belém.

Desmetropolização é o processo pelo qual as cidade


médias (de 100 mil a 500 mil habitantes) estão com
taxas de crescimento maiores, se comparadas às
grandes cidades (acima de 500 mil habitantes). Esse
processo está acontecendo por causa da desconcen-
tração industrial.

Vista área noturna de Campinas-SP

Abaixo dessas cidades, no contexto da hierarquia urbana,


encontram-se cidades de menor porte, mas com relativa
influência local, tais como as cidades médias brasileiras,
que, apesar da menor importância, vêm atraindo muitas
Segundo a ONU, Tóquio continuará sendo a maior indústrias e contemplando índices de crescimento muito
metrópole do mundo nas próximas décadas. acima da média das grandes cidades.

24
Adaptado de: SENE, Eustáquio de; MOREIRA, João Carlos. Geografia Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 1999.

2.2.3. Rede urbana


A rede urbana é formada pela integração de cidades em âmbito local, regional e global.

As redes de cidades expressam a integração entre os diferentes centros urbanos.

A rede urbana é o conjunto articulado de cidades e grandes centros urbanos que se integram em escalas mundial, regional
e local, por meio de fluxos de serviços, mercadorias, capitais, informações e recursos humanos. Essa rede estrutura-se por
meio de uma hierarquia, em que as cidades menores costumam ser relativamente dependentes das cidades maiores e eco-
nomicamente mais desenvolvidas.

25
O grau de integração de uma dada rede urbana de um a Idade Média, é um exemplo. Por outro lado, foi com o
país é um indicativo de seu nível de desenvolvimento. Em advento da globalização e da Terceira Revolução Industrial,
regiões economicamente mais dinâmicas, a tendência é a partir do final do século XX, que esse fenômeno alcançou
uma maior interligação entre suas diferentes cidades, ge- escala mundial, através da formação das chamadas cida-
ralmente mais numerosas e com uma melhor infraestrutu- des globais ou megalópoles.
ra. Por outro lado, países considerados subdesenvolvidos
Na economia financeira atual, a formação de cidades
apresentam uma integração limitada entre suas cidades,
globais é algo crucial para o desenvolvimento dos paí-
organização territorial dispersa e pouco coesa.
ses, pois são nessas cidades que se instalam os principais
A rede urbana expressa, assim, a espacialização da divisão centros econômicos e onde a comunicação com os de-
territorial do trabalho e reprodução do capital, em que cada mais polos de desenvolvimento acontece. Forma-se, en-
cidade ou centro urbano exerce uma função complementar tão, uma verdadeira rede de cidades globais, capazes de
para o todo dessa rede. Diante disso, um sistema de trans- concentrar boa parte da população mundial e de garantir
porte articulado e um sistema de informações avançado o funcionamento da economia globalizada. Observe no
permitem um melhor funcionamento operacional. mapa a distribuição dos principais polos econômicos do
mundo na atualidade.
A formação de redes urbanas pelo mundo não é uma novi-
dade. A rede de cidades greco-romanas, que perdurou até

Diante do exposto, pode-se concluir que, à medida que a globalização expande-se, ampliam-se as centralidades em âmbito
mundial, com o surgimento de cada vez mais cidades globais. Isso poderá proporcionar melhor integração mundial das
finanças internacionais, além de dinamizar ainda mais a reprodução do capital e os parâmetros da globalização.

2.2.4. Conurbação
O processo de conurbação é um dos principais fatores determinantes para a formação das regiões metropolitanas. Entende-
-se por conurbação o “encontro” de duas ou mais cidades que formam um mesmo espaço geográfico. Isso ocorre quando
o crescimento dessas cidades é elevado e suas respectivas malhas urbanas integram-se, tornando-se um único meio urbano.

Formação de um região metropolitana


e de uma megalópole 2

1 A A
A 1 B
B
B

C D
C D C

Metrópole
D
Metrópole (A)
(A) e cidades
junta-se às cidades
vizinhas B, C A região
B, C e D por
eD metropolitana (1)
conurbação
formando uma conecta-se à outra
região região metropolitana
metropolitana (1) (2) formando uma
megalópole

26
Ao compreender o que é e como ocorre a conurbação, pode-se notar a diferença entre cidade e espaço urbano. No caso
de municípios conurbados, o exemplo mais evidente é o de várias cidades diferentes formando um mesmo espaço urbano,
integrado econômica, social e estruturalmente, com um intenso fluxo de capitais, mercadorias e, principalmente, de pessoas.
A conurbação não é o único elemento constitutivo das regiões metropolitanas, mas, com certeza, é o principal, uma vez que esse
fenômeno costuma ocorrer a partir de grandes cidades e sua junção é feita com as chamadas “áreas de entorno” ou “cidades-
-satélites”. Assim, forma-se uma região metropolitana que, obviamente, estrutura-se a partir da metrópole, que se expande em
direção às cidades vizinhas.

Desenvolvimento urbano na região de Baltimore/Washington


Conurbação entre as metrópoles Boston, Nova Iorque, Filadélfia, Baltimore e Washington DC.

Em muitos casos, essas cidades são chamadas de “ci- eficiente sistema de transporte e comunicação. Trata-se,
dades-dormitórios”, uma vez que a maior parte de seus portanto, de um domínio regional territorial que costuma
moradores trabalha, estuda ou exerce a maioria de suas concentrar investimentos, atividades industriais e parte sig-
atividades (lazer, consultas médicas e negócios) nas me- nificativa da população de um país.
trópoles. Registra-se, então, uma grande atuação das cha-
Além disso, é importante lembrar de que as megalópoles
madas migrações pendulares nesses espaços. Apesar disso,
não necessariamente apresentam áreas totalmente conur-
algumas dessas cidades-satélites conseguem uma relativa
badas entre todas as suas cidades, ou seja, seu agrupamento
autonomia, que se configura à medida que dinamizam
não é físico, mas econômico e territorial, o que justifica sua
suas economias com a instalação de indústrias, ampliação
definição. Ademais, não se trata de um espaço exclusivamen-
do comércio, serviços e geração de empregos.
te urbano, uma vez que as atividades agropecuárias locali-
No Brasil, o processo de conurbação das cidades é conside- zadas nesses espaços também fazem parte de seu contexto.
rado recente, uma vez que suas industrialização e urbani-
zação são tardias. Assim, as primeiras cidades conurbadas A primeira megalópole a ser identificada na Era Moderna
(Rio de Janeiro e São Paulo) surgiram nas décadas de 1950 foi Nova Iorque, durante os estudos empreendidos pelo
e 1970. Alguns exemplos de cidades brasileiras que pas- geógrafo estadunidense Jean Gottman, nos anos 1960. O
saram pelo processo de conurbação são Belo Horizonte, alcance dessa zona intensamente urbanizada atingia, além
Goiânia, Curitiba (na verdade, praticamente todas as capi- de Nova Iorque, as metrópoles de Boston e Washington,
tais do País são conurbadas com outras cidades), além de produzindo uma alta complexidade logística e financeira
Londrina (PR), Campinas (SP) e muitas outras. em seus espaços. Gottman percebeu que, além do desen-
volvimento, essa megalópole concentrava quase 20% da
Megalópoles constituem-se como as mais complexas
população de todo o território dos Estados Unidos.
formações territoriais do espaço geográfico contempo-
râneo. São regiões de grande aglomeração populacional Atualmente, o maior exemplo de megalópole do mun-
constituídas pelo agrupamento de grandes regiões metro- do está no Japão, interligando as metrópoles de Tóquio,
politanas que se interligam não fisicamente, mas por um Osaka e Kitakyushu, além de centenas de outras cidades

27
que compõem seu entorno. Essa região abriga quase 80% da população japonesa, evidenciando o caráter altamente desen-
volvido de suas estruturas e de seus espaços.

Tokaido, no Japão, é uma das maiores megalópoles do mundo.

Inicialmente, as megalópoles referiam-se apenas aos países O termo megacidade foi um conceito usado pela ONU para
desenvolvidos, mas vem se estendendo aos países subde- se referir a toda e qualquer área urbana contínua formada
senvolvidos e em desenvolvimento, como Brasil e México. por mais de 10 milhões de habitantes. Em muitas cidades e
Na região Sudeste brasileira, encontra-se uma das maiores grandes metrópoles, o contingente populacional é tão ele-
megalópoles do mundo, envolvendo as metrópoles do Rio vado que chega a ser superior ao de muitos países, o que
de Janeiro e São Paulo, Campinas, Baixada Santista e todas explica a necessidade de utilização desse conceito.
as cidades circundantes, totalizando 232 municípios.
Em muitos casos, a constituição das megacidades não
A formação das megalópoles é a evidência das transfor- acontece somente em um município, mas em vários, for-
mações socioespaciais provocadas pelos avanços do meio mando áreas interligadas em um processo de conurbação,
técnico-científico-informacional, além de corresponder às quando as áreas urbanas de municípios diferentes encon-
bases estruturais do processo de globalização, uma vez tram-se. Esse processo é muito comum no Brasil e também
que são nesses espaços que se concentram as principais é responsável pela formação das regiões metropolitanas.
atividades econômicas e as sedes dos poderes das grandes
corporações mundiais; portanto, de reprodução do capital. A maior megacidade brasileira é a cidade de São Paulo,
que reúne em sua região metropolitana uma população
Megacidades correspondem às áreas urbanas com a superior a 20 milhões de habitantes, o que a torna a maior
maior quantidade de habitantes no Planeta, o que gera do País. Além dela, há o Rio de Janeiro e algumas outras ci-
uma série de problemas e desafios. dades com potencial para serem megacidades, como Belo
Horizonte e Porto Alegre.
No mundo, a maior megacidade é Tóquio, também con-
siderada uma metacidade, pois possui uma população
superior a 30 milhões de habitantes. Sua área urbana ultra-
passa boa parte de seus limites municipais, estendendo-se
para várias áreas de entorno. No caso do Japão, essa inten-
sa aglomeração explica-se pela elevada densidade demo-
gráfica do país e pelo número limitado de locais habitáveis,
pois o relevo geologicamente jovem faz com que o país
abrigue um grande número de montanhas, vulcões e áreas
São Paulo, a principal megacidade brasileira de grande declividade.

28
As cidades mundiais ou globais surgiram nos anos
1980, com a ideia de internacionalização de algumas cida-
des no mundo, sem relação com a densidade demográfica.
A expressão se refere ao grau de importância que essas
cidades ocupam no cenário mundial, em virtude da sua
importância econômica e política.
Elas têm importância econômica porque abrigam se-
des de gigantescos impérios industriais e comerciais,
as principais bolsas de valores, os grandes centros de
A cidade de Tóquio já se caracteriza como uma metacidade. difusão de informação, as melhores universidades do
mundo, entre outros segmentos importantes. E impor-
Depois de Tóquio, a maior parte das megacidades do Pla-
neta encontra-se em países subdesenvolvidos e emergen- tância política porque são sedes das principais insti-
tes (doze entre as 21 existentes). O segundo lugar pertence tuições financeiras internacionais, como o FMI, o Bird,
a Déli, na Índia; o terceiro, a São Paulo e o quarto posto a OMC e também organizações, como a ONU, o que
é de Mumbai, também na Índia, seguida pela Cidade do significa que essas cidades representam o palco de de-
México. Todas essas cidades encontram-se em países que cisões mundiais.
experimentaram urbanizações recentes, elevadas e acele- Nos países desenvolvidos, existem várias cidades que se
radas, além de haver concentração de boa parte da popu- inseriram nesses grupos – Nova Iorque, Tóquio, Frankfurt
lação em áreas específicas de seus respectivos territórios. e Londres são importantes centros de decisões político-e-
A dinâmica com que a urbanização e a formação das me- conômicos.
gacidades dos países pobres ocorreram foi responsável As cidades mundiais já não possuem em sua malha urba-
pela deflagração de uma série de problemas sociais, uma na as chaminés das indústrias e não estão voltadas para
vez que o crescimento dessas cidades aconteceu de for-
a produção física; as fábricas estão em outras de menor
ma muito mais intensa e acelerada do que suas estruturas
importância “política”.
permitiram suportar. Some-se a isso a grande dependência
econômica e os problemas de gestão pública, que contri-
buíram para o crescimento das favelas e áreas periféricas,
além do não atendimento de necessidades da população,
como o saneamento básico e outras.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

Cidade dos homens


A expansão das favelas, invasões e áreas periféricas A série ambienta-se nas favelas do Rio de Janeiro.
são problemas comuns em várias megacidades.
Na trama, os dois protagonistas, Acerola e Laran-
Desse modo, além de controlar seu crescimento acentua- jinha, vivenciam dilemas próprios da adolescên-
do, as megacidades – sobretudo as dos países economica- cia, tanto os universais quanto aqueles relativos
mente dependentes – possuem inúmeros desafios, como aos problemas específicos das comunidades ca-
desenvolver infraestruturas básicas, garantir uma melhoria rentes do Rio de Janeiro. São temas recorrentes
de vida aos moradores de baixa renda, entre outros. Outra o contraste entre ricos e pobres, a problemática
necessidade é a busca por medidas de crescimento susten- do poder paralelo estabelecido pelo tráfico de
tável, uma vez que as megacidades, em geral, são centros drogas, a violência urbana, as dificuldades finan-
urbanos com elevados índices de poluição do ar, das águas ceiras e a cultura das favelas.
e dos recursos naturais em geral.

29
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

A cidade se constitui num considerável desafio aos estudiosos do ambiente urbano, principalmente quando se trata
de ambiente urbano-metropolitano. Abordá-la numa perspectiva interdisciplinar, tendo os problemas ambientais
como cerne das preocupações, impõe o exercício conjunto de diversos campos disciplinares.

Sede do FMI, em Washington DC

Nas importantes cidades estão localizadas as sedes e a proporcional de cidades adjacentes, formando grandes
diretoria das grandes empresas, que tomam decisões em metrópoles, embora isso não seja uma regra.
âmbito mundial. Nelas estão presentes centros de produ- De modo geral, pode-se dizer que as cidades globais exer-
ção de tecnologias, como criação de softwares, de novos cem uma função de coordenar as dinâmicas econômicas,
modelos de carros e aviões. políticas e burocráticas em todo o mundo ou em regiões
As cidades mundiais estão classificadas por sua importân- específicas, pois carregam consigo serviços especializados,
cia internacional, regional e continental. São também os centros tecnológicos e científicos, sedes de grandes bancos,
principais centros econômicos do mundo e estão divididas bolsas de valores etc. A cidade de São Paulo, por exemplo,
em três níveis: alfa, beta e gama. exerce uma grande influência nos serviços, estruturas e ne-
gócios de toda a América do Sul; Nova Iorque, por sua vez,
Nos dias atuais, com a globalização em estágio avançado realiza a mesma influência em âmbito global.
de desenvolvimento e a maior conectividade da economia
internacional, a urbanização dos principais centros do capi- O que se percebe é que, mesmo as cidades mais desenvolvi-
talismo mundial vem ganhando novos contornos, assumin- das agrupam-se em hierarquias internas; há as que possuem
do a frente da hierarquia urbana em todo o Planeta. Essas um grau de centralidade e poder maior do que as demais.
cidades com elevado grau de desenvolvimento estrutural, Por esse motivo, a rede de pesquisas GaWC (Globalization
econômico e político são classificadas como cidades globais. and World Cities) do Departamento de Geografia da Uni-
versidade de Loughborough, no Reino Unido, classificou as
Esses são, desse modo, os principais pontos ou “nós” que 129 cidades globais existentes, de acordo com seu grau de
formam a rede mundial que configura as dinâmicas da desenvolvimento e infraestrutura, entre outros fatores.
globalização. Elas centralizam em torno de si as principais
decisões burocráticas, além de sediarem as principais em- Nessa subdivisão, as cidades foram segmentadas em alfa,
presas e instituições internacionais públicas e privadas. beta e gama, que, por sua vez, foram subdivididas em sub-
Na maioria dos casos, congregam um grande volume níveis intermediários. Observe o quadro:

30
Níveis principais
das cidades Subníveis Cidades globais
globais
Alfa ++ Londres e Nova Iorque
Alfa + Hong Kong, Paris, Cingapura, Xangai, Tóquio, Pequim, Sydney e Dubai
Chicago, Mumbai, Milão, Moscou, Frankfurt, Toronto, Los Angeles, Madri, Cidade do México, Amster-
Alfa Alfa
dã, Kuala Lumpur e Bruxelas
Seul, Joanesburgo, Buenos Aires, Viena, São Francisco, Istambul, Jacarta, Zurique, Varsóvia, Wash-
Alfa – ington, Melbourne, Nova Déli, Miami, Barcelona, Bangkok, Boston, Dublin, Taipei, Munique, Esto-
colmo, Praga e Atlanta
Índia, Lisboa, Copenhage, Santiago, Dallas, Filadélfia, Atenas, Berlim, Bogotá, Cairo, Düsseldorf,
Beta +
Hamburgo, Houston, Manila, Montreal, Roma, Tel Aviv, Vancouver e São Paulo
Auckland, Beirute, Bucareste, Budapeste, Cidade do Cabo, Caracas, Chennai, Cantão (China), Cidade de
Beta
Ho Chi Minh, Carachi, Kiev, Lima, Luxemburgo, Manchester, Mineápolis, Montevidéu, Oslo, Riade e Seattle
Beta
Abu Dhabi, Birmingham, Bratislava, Brisbane, Calcutá, Calgary, Casablanca, Cleveland, Colônia,
Denver, Detroit, Genebra, Cidade da Guatemala, Helsinque, Lagos, Manama, Monterrey, Nicósia,
Beta –
Osaka, Cidade do Panamá, Perth, Port Louis, Rio de Janeiro, San Diego, San Juan (Porto Rico),
Shenzhen, Sófia, Saint Louis e Stuttgart
Adelaide, Amã, Antuérpia, Baltimore, Belgrado, Bristol, Charlotte, Cincinnati, Doha, Edimburgo,
Gama + Glasgow, Hanoi, Hyderabad, Jidá, Cidade do Kuwait, Lahore, Nairóbi, Portland, Riga, San José (Cos-
ta Rica), San Jose (EUA), Tunis e Zagreb
Almaty, Columbus, Edmonton, Guadalajara, Indianápolis, Kansas City, Leeds, Lyon, Phoenix, Pitts-
Gama Gama
burgh, Quito, Rotterdam, San Salvador, Santo Domingo e São Petesburgo
Acra, Austin, Belfast, Colombo, Curitiba, Durban, George Town, Gotemburgo, Guayaquil, Islamabad,
Gama – Ljubljana, Marselha, Milwaukee, Mascate, Nagoya, Orlando, Ottawa, Porto, Porto Alegre, Pune, Rich-
mond, Southampton, Tallinn, Tegucigalpa, Turim e Wellington (Nova Zelândia)
Classificação das cidades globais, segundo a GaWC (2010)

31
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidades
18 Analisar os diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais.
Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos
19 espaços rural e urbano.

Atualmente, com a globalização em estágio avançado de desenvolvimento e a maior conectividade da economia in-
ternacional, a urbanização dos principais centros do capitalismo mundial vem ganhando novos contornos, assumin-
do a frente da hierarquia urbana em todo o Planeta. Essas cidades com elevado grau de desenvolvimento estrutural,
econômico e político são classificadas como cidades globais. São, desse modo, os principais pontos ou “nós” que
formam a rede mundial que configura as dinâmicas da globalização. Elas centralizam em torno de si as principais
decisões burocráticas, além de sedes das principais empresas e instituições internacionais públicas e privadas. Além
disso, na maioria dos casos, essas cidades congregam um grande volume proporcional e cidades adjacentes, forman-
do grandes metrópoles, embora isso não seja uma regra.
De modo geral, podemos dizer que as cidades globais exercem uma função de coordenar as dinâmicas econômicas,
políticas e burocráticas em todo o mundo ou em regiões específicas, pois carregam consigo serviços especializados,
centros tecnológicos e científicos, sedes de grandes bancos, bolsas de valores etc. A cidade de São Paulo, por exem-
plo, exerce uma grande influência nos serviços, estruturas e negócios de toda a América do Sul; Nova Iorque, por sua
vez, realiza a mesma influência, porém em âmbito global.

Modelo
(Enem) Além dos inúmeros eletrodomésticos e bens eletrônicos, o automóvel produzido pela indústria fordista pro-
moveu, a partir dos anos 50, mudanças significativas no modo de vida dos consumidores e também na habitação
e nas cidades. Com a massificação do consumo dos bens modernos, dos eletroeletrônicos e também do automóvel,
mudaram radicalmente o modo de vida, os valores, a cultura e o conjunto do ambiente construído. Da ocupação do
solo urbano até o interior da moradia, a transformação foi profunda.
MARICATO, E. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras.
Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 12 ago. 2009 (adaptado).
Uma das consequências das inovações tecnológicas das últimas décadas, que determinaram diferentes formas de uso
e ocupação do espaço geográfico, é a instituição das chamadas cidades globais, que se caracterizam por:
a) possuírem o mesmo nível de influência no cenário mundial.
b) fortalecerem os laços de cidadania e solidariedade entre os membros das diversas comunidades.
c) constituírem um passo importante para a diminuição das desigualdades sociais causadas pela polarização social e pela
segregação urbana.
d) terem sido diretamente impactadas pelo processo de internacionalização da economia, desencadeado a partir do final
dos anos 1970.
e) terem sua origem diretamente relacionada ao processo de colonização ocidental do século XIX.

32
Análise expositiva - Habilidades 18 e 19: A complexidade crescente da economia mundial foi ajudada pela
D rápida evolução das comunicações e da informática, que possibilitaram uma verdadeira revolução nos padrões
de relação econômica e financeira, com impactos sobre o preço da produção industrial e no preço dos produtos
de consumo. Forma-se uma rede de cidades mundiais interconectadas por processos financeiros. Trata-se de uma
rede de cidades fortemente hierarquizada, de acordo com seus níveis de produção, projeção, integração e fluxos
comerciais, resultantes do processo de globalização. Todo o processo repercute na organização das populações
dessas cidades.
Alternativa D

DIAGRAMA DE IDEIAS

URBANIZAÇÃO

FATORES ATRATIVOS FATORES REPULSIVOS

• INDUSTRIALIZAÇÃO
• EXISTÊNCIA DE EMPREGO • CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA
• MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA • MECANIZAÇÃO DO CAMPO
• MELHOR ACESSO A PRODUTOS E SERVIÇOS • BAIXOS SALÁRIOS
• MAIOR INTERAÇÃO CULTURAL

HIERARQUIA URBANA

CLÁSSICA ATUAL

METRÓPOLE NACIONAL METRÓPOLE REGIONAL

METRÓPOLE
METRÓPOLE REGIONAL CENTRO REGIONAL
NACIONAL

CENTRO REGIONAL CIDADE LOCAL

CIDADE LOCAL VILA

VILA

33
AULAS Urbanização brasileira
39 e 40
Competência: 4 Habilidades: 18 e 19

“Mais que a separação tradicional entre um Brasil urba- No século XVIII, o espaço colonial brasileiro já contava com
no e um Brasil rural, há, hoje, no país, uma verdadeira algumas cidades com um grande número de habitantes.
distinção entre um Brasil urbano (incluindo áreas agrí- Pelos fins daquele período, cidades como Salvador e Rio de
colas) e um Brasil agrícola (incluindo áreas urbanas).
No primeiro, os nexos essenciais devem-se, sobretudo, a
Janeiro já abrigavam populações superiores a 40 mil habi-
atividades de relação complexas e, no segundo, a ativi- tantes. Na região Nordeste, locais como São Luis e Recife
dades mais diretamente produtivas.” ultrapassavam a marca dos 20 mil moradores.
SANTOS, Milton. Urbanização brasileira. A desordem que caracteriza os núcleos urbanos coloniais
Algumas pessoas pensam que o processo de desen- explica muito bem as péssimas condições de higiene da
volvimento dos primeiros núcleos urbanos no Brasil só época e tem relação com outros problemas urbanos da
aconteceu após a ocupação do espaço rural brasileiro. No atualidade. Somente no século XIX, outros modelos de
entanto, apesar da exploração colonial caracterizada pela ocupação e ordenamento das cidades viriam a modernizar
economia agroexportadora, historicamente, a formação esse quadro. Atualmente, muitas dessas cidades coloniais
dos núcleos urbanos foi o primeiro modelo de ocupação integram o patrimônio histórico e cultural do Brasil.
do espaço colonial, à qual está vinculada a função que
as cidades tinham no interior do projeto de dominação
colonial implantado pelos portugueses. A cidade servia,
fundamentalmente, como um centro irradiador da cultura
europeia. Ao mesmo tempo, deveria oferecer o suporte
necessário para que as instituições políticas e militares
portuguesas pudessem melhor orientar o controle dos
territórios explorados.
Dada essa primeira característica, temos que os primeiros multimídia: livros
núcleos de ocupação urbana se concentraram nas regiões
litorâneas. Essa escolha visava facilitar o escoamento dos A urbanização brasileira – Milton Santos
produtos e riquezas que eram exportadas para o Velho Neste livro, Milton Santos apresenta uma sín-
Mundo. Com o passar do tempo, graças à ação dos jesuítas tese da urbanização brasileira como processo,
e a descoberta de metais preciosos, as cidades passaram a forma e conteúdo. À luz dos processos sociais,
se estabelecer pelo interior. econômicos e territoriais, como os instrumentos
Ao contrário dos espanhóis, que se preocupavam em re- centrais de análise, disserta sobre a reorgani-
produzir as formas de ocupação do espaço da metrópole zação do território brasileiro, suas realidades e
na colônia, os portugueses optaram por um processo de tendências, buscando, sobretudo, o reconheci-
urbanização de pouca intervenção. Com isso, percebemos mento dos elementos de estruturação do es-
que várias cidades coloniais obedecem ao relevo natural, paço, em suas diversas escalas de ação, nota-
provocando um traçado desordenado que se estendia de damente das condições históricas geradas pelo
acordo com as necessidades imediatas de uso do espaço. sistema temporal pós-revolução tecnológica.

Contrastando com a imagem desalinhada, as cidades


daquele período reuniam as instituições que deveriam
garantir o estabelecimento dos interesses metropolitanos.
1. Urbanização brasileira
As igrejas, as fortificações, os centros administrativos e os As raízes da urbanização brasileira estão localizadas nos
redutos militares ocupavam uma posição de destaque, pois primeiros centros urbanos surgidos no século XVI ao longo
reafirmavam a presença e o domínio lusitano. do litoral, em virtude da produção do açúcar. Nos séculos

34
XVII e XVIII, a descoberta de ouro provocou o surgimento de vários núcleos urbanos, e, no século XIX, a produção de café
provocou o processo de urbanização. Em 1872, a população urbana era restrita a 6% do total de habitantes.
No início de século XX, a indústria desempenhou um importante papel no processo de urbanização. A partir da década de
1930, o País começou a industrializar-se. Como o trabalho no campo era árduo e a introdução da mecanização provocava
a perda de empregos, grande parte dos trabalhadores rurais foram atraídos para as cidades com o intuito de trabalhar no
mercado industrial que crescia. Esse êxodo rural elevou de forma significativa o número de pessoas nos centros urbanos. Atu-
almente, 80% da população brasileira vive nas cidades, caracterizando o Brasil como um país urbano, industrial e agrícola.

Brasília: exemplo de planejamento urbano no Brasil

Ao longo das décadas, a população brasileira multiplicou-se, provocando o crescimento das cidades e a formação de imensas
malhas urbanas, ligando uma cidade a outra e criando as regiões metropolitanas – agrupamento de duas ou mais cidades.

Região metropolitana de São Paulo (2015)

35
O crescimento desenfreado dos centros urbanos provoca uma série de consequências, como o trabalho informal e o
desemprego decorrente de sucessivas crises econômicas. Outro problema muito grave provocado pela urbanização sem
planejamento é a marginalização dos excluídos que habitam áreas sem infraestrutura (saneamento, água tratada, pavi-
mentação, iluminação, policiamento, escolas etc.) e, junto a isso, o aumento da criminalidade (tráfico de drogas, prosti-
tuição, sequestros etc.).

Fonte: Tendências Demográficas, 2000. IBGE, 2001.

A falta de um plano diretor não só demanda problemas


sociais como também alterações ambientais. É o caso da
poluição provocada pelo lixo urbano, pois milhões de pes-
soas consomem e produzem os mais diversos detritos que,
diariamente, são depositados em lixões a céu aberto sem
receber nenhum tratamento; esse lixo transmite doenças e
polui o lençol freático, entre outros danos.
As cidades enfrentam, ainda, a poluição atmosférica prove-
niente da emissão de gases dos automóveis e das indústrias.
Esses gases provocam problemas de saúde, principalmente
respiratórios e, por fim, a poluição das águas, pois os dejetos
das residências e das indústrias são lançados, sem tratamen- multimídia: vídeo
to, nos córregos e rios e, no período chuvoso, as cheias provo- Fonte: Youtube
cam a dispersão da poluição por toda a área metropolitana.
São Sebastião do Rio de Janeiro - A formação
Em suma, percebe-se que a maioria dos problemas ur-
de uma cidade
banos é, primeiramente, de responsabilidade do poder
público, que, muitas vezes, é omisso em relação a essas O documentário aborda o surgimento da cida-
questões; em outros momentos, podemos apontar a pró- de do rio de Janeiro e suas transformações ao
pria população como geradora de problemas, como o lixo longo dos anos que a tornou o que é hoje. O fil-
que é lançado em áreas impróprias. Na verdade, a tarefa de me é feito a partir de imagens de arquivo, simu-
fazer com que a cidade seja um lugar saudável e agradável lações em 3D, filmagens atuais e depoimentos.
de se viver é de todos os que nela habitam.

36
§ Desemprego: provoca um grande crescimento no
Plano diretor número de pessoas que atuam no mercado informal,
além de promover o aumento da violência, pois muitas
O plano diretor é o mecanismo legal que visa orientar
pessoas, pela falta de oportunidades, optam pelo crime.
a ocupação do solo urbano. No Brasil, o plano diretor
é o instrumento básico da política de desenvolvimen- § Favelas: apresentam uma concentração de moradias
to e de expansão urbana, de acordo com a Constitui- insalubres, casebres e barracos em situação precária,
ção Federal e o Estatuto da Cidade. desprovidos de serviços públicos básicos.
A cidade, como espaço onde a vida moderna se de- § Cortiços: correspondem a moradias que abrigam um
senrola, tem suas funções sociais; entre elas, fornecer grande número de famílias; são cômodos alugados em
moradia para as pessoas, trabalho, saúde, educação, antigas casas situadas no centro urbano, em condições
cultura, lazer e transporte. Entretanto, o espaço da ci- deterioradas; essa modalidade de moradia geralmente
dade é parcelado, sendo objeto de apropriação, tanto oferece péssimas condições sanitárias e de segurança
privada (terrenos e edificações) como estatal (ruas, aos seus moradores.
praças, equipamentos etc.). Para um planejamento § Loteamentos populares: ocorrem em áreas perifé-
adequado e racional é necessário propiciar desenvol- ricas, cuja camada da população que habita esses lu-
vimento econômico e social. E é partir daí que surgem gares é de baixa renda; os lotes possuem preços aces-
os planos urbanísticos, com destaque para o Plano síveis e longos prazos para o pagamento. Esse tipo de
Diretor Municipal. habitação é quase sempre localizado em loteamentos
Dessa forma, seu objetivo geral é promover a ordena- clandestinos e as casas são construídas pelo próprio
ção dos espaços habitáveis do município e estabele- morador ou em forma de mutirão.
cer uma estratégia de mudança no sentido de obter
melhoria de qualidade de vida da comunidade local,
viabilizando o pleno desenvolvimento das funções
sociais do todo (a cidade) e das partes (cada proprie-
dade em particular). Seus objetivos específicos depen-
dem da realidade que pretendem transformar e serão
definidos caso a caso.
O Plano de Diretor Municipal consiste em uma lei mu-
nicipal e é condição para impor obrigações a proprietá-
rios de solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, conforme estabelecido na Constituição Fede-
ral, de modo que não é possível a criação de projetos
urbanísticos de forma isolada e desvinculada do plano
diretor. Ele é um importante instrumento competente
para precisar a fluidez do conceito de função social da
propriedade. Isso significa que o conteúdo da função
social da propriedade é preenchido pelo plano diretor.
Sendo assim, a definição dessa função social passa ne-
cessariamente a depender de um planejamento urbano
geral, e não de uma decisão pontual, isolada.

Casario antigo transformado em cortiço,


no Pelourinho, em Salvador/BA
1.1. Problemas da urbanização
§ Enchentes: os centros urbanos caracterizam-se pe-
A grande aglomeração de pessoas nas cidades sem infra- las extensas áreas cobertas por concreto e asfalto, o
estrutura suficiente para a população gera uma série de que dificulta a infiltração da água da chuva no solo;
dificuldades de ordem socioambiental. em grandes proporções, ocasionam um acúmulo muito
Diante desse contexto, podem-se enumerar os problemas grande de água e as galerias pluviais não conseguem
gerados pelo processo de urbanização ocorrido dentre absorver toda enxurrada, que invade residências, pré-
muitos anos, principalmente em países subdesenvolvidos: dios públicos, túneis e compromete o trânsito.

37
Rio Branco sofre com as enchentes do verão de 2015.
multimídia: música
Esses são alguns problemas vividos nas cidades brasileiras e
em diversos países, pois todas as cidades possuem problemas. Metrópole – Legião Urbana

1.2. Problemas sociais nas


cidades brasileiras
O processo de urbanização no Brasil intensificou-se a partir
da década de 1950. As atividades industriais expandiram-
-se, atraindo cada vez mais pessoas para as cidades.

multimídia: livros
A produção do espaço urbano – Ana Fani
Alessandri Carlos
A produção do espaço constitui um elemento
central da problemática do mundo contempo-
râneo, tanto do ponto de vista da realização
do processo de acumulação capitalista − e,
por consequência, de justificativa das ações
do Estado em direção à criação dos funda-
mentos da reprodução − quanto do ângulo da
Praça da Sé, em São Paulo, na década de 1950
(re)produção da vida, que se realiza em espa-
ços-tempos delimitados reais e concretos. As A urbanização sem planejamento tem como consequ-
práticas de resistência precisam ser pensadas ência vários problemas de ordem social. O inchaço das
com o recurso à construção de um olhar teó- cidades, provocado pelo acúmulo de pessoas, e a falta de
rico visceral e dialeticamente articulado, preci- uma infraestrutura adequada geram transtornos para a
samente, com a práxis, em um movimento que população urbana.
revele o sentido e o fundamento dos conflitos
que se estabelecem hoje, em torno do espaço, As grandes cidades brasileiras enfrentam diversos proble-
como luta pelo direito à cidade. mas. Destacam-se as questões da moradia, desemprego,
desigualdade social, saúde, educação, violência e exclu-
Os capítulos nele reunidos trazem e desenvol- são social.
vem abordagens que se propõem a oferecer
algum esclarecimento do tema. Correspondem O acesso à moradia com as devidas condições de infra-
a onze olhares sobre a mesma temática, diver- estrutura (saneamento ambiental, asfalto, iluminação etc.)
sidade que emana tanto do fato de que seus não atinge todas as camadas da população brasileira. É
recortes analíticos são múltiplos quanto da cir- cada vez mais comum o surgimento e a ampliação de fave-
cunstância de que as perspectivas teórico-con- las desprovidas de serviços públicos. Outro agravante são
ceituais adotadas pelos autores são diversas, as pessoas que não conseguem obter renda suficiente para
ainda que não necessariamente divergentes. a habitação e acabam utilizando as ruas da cidade como
espaço de moradia.

38
A educação de baixa qualidade gera vários transtornos, Também chamada de segregação socioespacial, refere-se à
pois parte da população não consegue obter qualificação periferização ou marginalização de determinadas pessoas
profissional exigida pelo mercado de trabalho, cada vez ou grupos sociais por fatores econômicos, culturais, histó-
mais competitivo. Assim, há o aumento do desemprego ricos e até raciais no espaço das cidades. No Brasil, alguns
e intensificam-se atividades como as desenvolvidas por exemplos de segregação urbana mais comuns são a for-
vendedores ambulantes, coletores de materiais recicláveis, mação de favelas, habitações em áreas irregulares, cortiços
flanelinhas, entre outras do mercado informal. e áreas de invasão.
Os serviços públicos de saúde, na sua maioria, apresentam
problemas estruturais, com filas imensas e demoradas, au-
sência de aparelhos e medicamentos, pequeno número de
funcionários, ou seja, total desrespeito com o cidadão que
necessita desse serviço.

Rua sem pavimentação no bairro da Cidade Tiradentes, em São Paulo

A segregação urbana é a representação ou reprodução es-


pacial e geográfica da segregação social e está relacionada
Um dos maiores problemas do SUS com o processo de divisão e luta de classes, em que à po-
é a demora para o atendimento dos pacientes.
pulação mais pobre resta residir em áreas mais afastadas e
Um dos problemas urbanos que mais preocupa a popu- menos acessíveis aos grandes centros econômicos. Esses es-
lação atualmente é a violência, pois todos estão vulnerá- paços segregados, além do mais, costumam apresentar uma
veis aos crimes que ocorrem, principalmente nas grandes baixa disponibilidade de infraestrutura, como pavimentação,
cidades do Brasil. Diariamente, são noticiados assassinatos, saneamento básico, espaços de lazer, entre outros.
assaltos, sequestros, agressões e outros tipos de violência.
Esse fato contribui bastante para que a população viva
amedrontada, e o que é pior, muitos já não confiam na
segurança pública.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
“ENTRE RIOS” - a urbanização de São Paulo
multimídia: música
O principal modelo apontado pela literatura especializa-
A cidade – Chico Science & Nação Zumbi
da – Jean Lojkine, Roberto Lobato Corrêa e Flávio Villaça
– para a causa da segregação urbana é o que parte da
oposição entre centro e periferia e constitui-se a partir da
1.2.1. Segregação urbana formação de novas centralidades. Basicamente, as cidades
A segregação urbana é a reprodução dos imperativos so- constituem-se a partir de seus sítios ou espaços centrais,
ciais no contexto de transformação do espaço das cidades. expandindo-se a partir de então. Nesse ínterim, as classes

39
economicamente mais abastadas tendem a se localizar nas o que encarece os preços dos terrenos e eleva os custos so-
proximidades desse centro, uma vez que são esses os espa- ciais, proporcionando o afastamento das populações mais
ços mais caros e valorizados. pobres e a ocupação pela população mais rica.
O Estado age também nesse processo, no sentido de ofe-
recer a esses centros as melhores condições de infraestru-
tura, com uma maior diversidade de transportes, praças,
áreas de lazer, entre outras. Dessa forma, essas áreas em-
pregam mais do que as demais, o que proporciona uma
maior mobilidade e atividade em seus espaços, incluindo
os trabalhadores que residem nas periferias e que precisam
se deslocar em grandes faixas para exercerem seus ofícios.
Nas chamadas “bordas” das cidades, amplia-se o cresci-
mento desordenado dos bairros periféricos, além das fa-
Edifício de luxo localizado ao lado da comunidade de Paraisópolis, velas e das casas em áreas irregulares, como nas proxi-
na cidade de São Paulo.
midades de cursos de água. Essas áreas são compostas
Com o passar do tempo, esses centros principais tornam-se por pessoas com baixos salários, com poucas condições de
sobrecarregados e inchados, e a evolução das técnicas vai renda e que não possuem outra opção, a não ser residir em
permitindo que as práticas e serviços desloquem-se a partir locais com pouca infraestrutura, o que caracteriza a segre-
de novos subcentros. Eles vão se tornando mais valorizados, gação urbana.

Domicílios com renda domiliar


ciliar Domicílios com renda domiliar
de até 2 salários mínimos de 20 ou mais salários minímos

Distritos
Em %

Até 10,00
De 10,01 até 20,00
De 20,01 a 30,00
De 30,01 a 40,00
40,01 a mais

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010. Projeção Estatística da Amostra.


Secretária Municipal de Desenvolvimento Urbano - SMDU/Depto. de Estatística e Produção de informação - Dipro.
Nota: 1 - As porcentagens indicam a relação entre domicílios de determinada faixa de renda e o número total de domicílios
permanentes. 2 - A distribuição domiciliar com até 2 salários mínimos inclui os domicilios sem rendimento.

1.2.2. Favelização
A favelização é um fenômeno urbano diretamente relacionado à industrialização e possui raízes históricas. É o processo de
surgimento e crescimento do número de favelas em uma dada cidade. Trata-se de um problema social, pois tais moradias
constituem-se a partir das contradições econômicas, históricas e sociais, o que resulta na formação de casas sem planeja-
mento mínimo, resultantes de invasões e ocupações irregulares.

40
trabalhadores nas suas redondezas, provocando, também,
a concentração nos centros urbanos daqueles que buscam
moradia e melhores condições de vida, contribuindo para
a rápida urbanização e para a ocorrência da macrocefalia
urbana. Esse fenômeno está presente no processo de in-
dustrialização e urbanização do Brasil.
Não por acaso, as maiores cidades do Brasil são aquelas
que apresentam o maior número de favelas, como São
Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Mas não se engane:
a formação desse tipo de moradia não é resultante do ex-
cesso de população, mas de sua concentração em função
de diversos fatores, além de ser uma consequência direta
Vista da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, das desigualdades econômicas e históricas que se mate-
a maior do Brasil, segundo o IBGE
rializaram no processo de produção do espaço geográfico.
No entanto, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, Informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geogra-
a favela não nasce “do nada”, ou “da preguiça” das pes- fia e Estatística (IBGE) dão conta de que o Brasil já ultra-
soas em procurar trabalho, ou “da ignorância” delas em passou a marca de 11 milhões de pessoas morando em
habitar zonas irregulares de moradia, como os morros. É favelas, o que é equivalente a cerca de 6% da população
preciso deixar de lado essa concepção preconceituosa e total, um número superior à população total de Portugal.
desinformada dos problemas que afetam a sociedade para Desse contingente de pessoas, 80% delas são de regiões
que se possa realmente compreender a questão. metropolitanas.
A problemática da formação de favelas no espaço da cida- A origem das favelas, além de estar associada à industria-
de está diretamente ligada a dois fatores: a urbanização lização e à urbanização das sociedades, também é uma
e a industrialização. consequência histórica do processo de escravismo que
A relação entre a industrialização e a formação de fa- marcou a história do Brasil. Segundo uma pesquisa realiza-
velas tem origem, principalmente, no êxodo rural, que da pelo professor doutor em Geografia, Andrelino Campos,
é a migração em massa da população do campo para o final do tráfico negreiro e da escravidão estão diretamen-
a cidade. Esse fenômeno é decorrente dos processos de te associados à formação das primeiras ocupações irregu-
mecanização do meio rural e de concentração fundiária, lares nos morros cariocas. Segundo aponta o pesquisador,
ou seja, com a industrialização do campo, o homem foi os ex-escravos, além de serem a população mais pobre,
substituído pela máquina, ao mesmo tempo em que as passaram a habitar os morros que ficam mais próximos de
terras passaram a se concentrar nas mãos de alguns ca- zonas que ofereciam vagas no mercado de trabalho.
pitalistas, e a população rural foi obrigada a buscar em- Portanto, podemos dizer que o processo de favelização re-
prego em áreas urbanas. vela as consequências das desigualdades socioeconômicas
Além disso, faz parte do processo de industrialização, a que marcam a produção do espaço e contribuem para a
urbanização e constituição das grandes cidades. As indús- segregação urbana e cultural das classes menos abastadas
trias se formam próximas e provocam a concentração dos da sociedade.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

A cidade se constitui num considerável desafio aos estudiosos do ambiente urbano, principalmente quando se trata
de ambiente urbano-metropolitano. Abordá-la numa perspectiva interdisciplinar, tendo os problemas ambientais
como cerne das preocupações, impõe o exercício conjunto de diversos campos disciplinares.

41
42
1.2.3. Gentrificação

Entende-se por gentrificação o processo de revitalização Algumas imagens já se tornaram ilustrações clichês desse
dos espaços urbanos ou a aparente substituição de paisa- processo em grandes cidades como Nova Iorque, Berlim,
gens de caráter popular por construções típicas de áreas Londres: um jovem de barba saindo com sua bicicleta do-
nobres. Trata-se de um processo em que o espaço geográ- brável de uma nova rede de cafeterias onde passou a tar-
fico urbano transforma-se e ressignifica-se, sobretudo em de trabalhando, enquanto comerciantes locais vendem o
função da valorização acentuada e do enobrecimento de ponto do comércio que mantinham há décadas no bairro.
uma área antes considerada periférica. Mas a gentrificação é mais plural e complexa que isso. Em
Imagine que a estrutura de um bairro histórico em decadên- São Paulo, assume contornos particulares, envolvendo am-
cia (que, apesar de estar bem localizado, é reduto de po- biciosos projetos de revitalização do centro, muitas vezes
pulações de baixa renda, edificações precárias e, portanto, questionados por sua lógica higienista em relação à popu-
desvalorizado) melhorou muito nos últimos anos: aumentou lação mais vulnerável dessas regiões.
a segurança pública e agora há parques, iluminação, ciclo- O termo gentrificação surgiu na década de 1960, em Lon-
vias, novas linhas de transporte, ruas reformadas, variedade dres, e advém da expressão inglesa gentry, que representa
de comércio, restaurantes, bares, feiras de rua etc. as pessoas ricas ligadas à nobreza. O termo, cunhado pela
Entretanto, depois de todos esses melhoramentos, o valor socióloga Ruth Glass, surgiu de suas observações das di-
nâmicas populacionais na capital inglesa. Naquela época,
do aluguel dobrou, a conta de luz triplicou e as idas se-
pessoas de classes mais abastadas passaram a migrar para
manais ao mercadinho da esquina ficaram cada vez mais
bairros que antes eram predominantemente habitados
caras, ou seja, junto com toda a melhora, o custo de vida
pela classe trabalhadora mais pobre.
subiu tanto que não cabe mais no orçamento dos atuais
moradores. E o mais cruel de tudo é perceber que, enquan- O processo fez com que os custos de se viver nesses locais
to o antigo morador procura um novo bairro, pessoas de aumentassem consideravelmente. Logo, com o incremento
maior poder aquisitivo estão indo morar no seu lugar. dos preços de moradias e do custo de vida, essa popula-
ção acabou indiretamente sendo expulsa dessas regiões. A
Não é de hoje, por exemplo, que o centro da cidade da
mudança, além disso, trouxe consigo uma série de transfor-
maior metrópole da América do Sul é associado à pobreza,
mações na própria estrutura desses bairros, que perderam
violência e drogas. Ao mesmo tempo, porém, a cada ano
seu caráter anterior. Esta transformação decorre dos usos
se veem novas iniciativas que visam agir diretamente nessa
mais “precários“, tais como cortiços, mercados, bares, co-
região, por meio dos mais variados interesses: a revitaliza-
mércio local, para usos mais “sofisticados“: lofts, ateliers,
ção de seus locais históricos, a realização de modalidades
redes de supermercados, restaurantes e bistrôs gourmet e
artísticas ou mesmo com a construção de grandes empre-
grandes marcas. Justamente devido a essas especificidades,
endimentos imobiliários.
o processo de gentrificação, olhado rapidamente, se aproxi-
A questão, contudo, está sempre permeada pelo debate ma e, muitas vezes, se mescla aos projetos de revitalização
a respeito da gentrificação. Isso porque, segundo alguns, urbana. A diferença, contudo, é que o primeiro está atrelado
essas melhorias e mudanças poderiam ocasionar o deslo- aos interesses imobiliários, enquanto que a revitalização se
camento involuntário da população que atualmente vive pauta em demandas sociais específicas. Logo, ainda que em
nessas regiões. Algo que já foi constatado em outras ocasi- alguns casos as obras urbanas se justifiquem pelo ideal de
ões em diversos países. beneficiarem a todos, esses projetos, não raro, são pensados

43
com foco especial nos interesses imobiliários e com objetivos do solo urbano por meio da promoção da cultura – a ani-
especulativos. mação cultural – não é mais uma iniciativa de pequenos
grupos boêmios, mas também uma estratégia deliberada
No caso de São Paulo, um dos exemplos mais emblemáti-
do poder público em retomar uma atmosfera cosmopolita
cos levantado por pesquisadores da área é o caso do bairro
das grandes cidades. Nesse interesse reside também a
da Vila Madalena. O mesmo vem ocorrendo na região da
percepção do centro como área com grande potencial de
Santa Cecília e também pode ser notado no projeto cha-
mercado.
mado “Centro Novo”.
Em vários locais do Brasil, percebe-se uma valorização dos
Ainda que o cenário descrito possa parecer com o que se
perímetros ao redor das áreas históricas após processos de
vê em outras grandes capitais do mundo, a maneira como
revitalização. Esse processo acaba, por sua vez, não apenas
a gentrificação ocorre entre países centrais e emergentes
afastando a população que antes vivia no local, mas tam-
segue caminhos bem particulares. A diferença fundamental
bém gerando perdas dos costumes e das culturas que ha-
reside na violência necessária para conseguir realizar tais
via antes ali. Isso contribui para uma certa perda simbólica
projetos. Como nos países periféricos as contradições são
dessa área cultural, que passa a preservar mais os prédios
mais agudas, a pobreza é massiva e precariedade visível,
do que o aspecto humano e a cultura imaterial que antes
despeja-se um número de pessoas, violam-se direitos hu-
havia. Neste sentido, é fato que muitos turistas vislumbram
manos, despendem-se montantes de verbas públicas em
o que foi criado para agradá-los, dada a lógica que impera
operações cujo retorno é estranho ao grosso da população.
no processo de turistificação dos espaços.
A forma como se justificam essas intervenções urbanas é
também algo a ser notado. Na cidade de São Paulo, especificamente, a retomada do
centro, região de vários prédios com rico valor histórico, foi
realizada em um primeiro momento pelas camadas mais
populares. Contudo, esse retorno se deu em condição de
acentuada precariedade, através do uso de unidades habi-
tacionais em cortiços ou favelas e de empregos informais
e irregulares. Assim, cracolândia, sem-teto, sem-trabalho,
imigrantes, trabalhadores informais e irregulares são reco-
nhecidos como se fossem os agentes da degradação es-
pacial e social, podendo, e às vezes mesmo devendo, ser
eliminados, à medida que são representados como sujeitos
O processo de gentrificação vem ocorrendo do desvio padrão social.
em vários bairros de São Paulo.-

Não à toa, tantos desses projetos abraçam a ideia de que


estão promovendo uma renovação ou uma revitalização.
Esta é a forma mais perversa, porque vem amparada por um
discurso oficial, com repercussões midiáticas e de marketing.
É uma narrativa da modernização que consegue apoio na
opinião pública, ocultando dessa equação a limpeza social,
valendo-se da criminalização da pobreza, além da já sabida
remoção de moradores e do comércio local.
Os projetos de revitalização urbana, em muitos casos, ten-
dem a focalizar os bairros mais centrais das cidades, devido
às facilidades de acesso e por já contarem com uma com-
plexa infraestrutura, ou locais com um rico patrimônio his-
Esquina da Alameda Cleveland com Rua Helvétia, uma das
tórico e turístico. Dessa forma, ainda que em determinadas regiões onde se concentra a vulnerabilidade social e o choque de
ocasiões o objetivo não seja beneficiar o capital especulati- intervenções urbanas. (Imagem: Google Street View, 2017)

vo, as obras acabam gerando por si só um processo seme-


A situação do bairro da Luz, localizado no centro de São
lhante à gentrificação, já que, com a valorização do local,
Paulo, é emblemática. Isso porque, em um primeiro mo-
a população originária não consegue mais manter-se ali.
mento, optou-se por essa revitalização através dos aspec-
Essa valorização dos centros urbanos é uma tendência tos culturais. Hoje, contudo, a estratégia parece passar a
que pode ser observada desde os anos 1960 e 1970. ser a combinação entre a produção de unidades habi-
Contudo, agora existe uma particularidade: a valorização tacionais, em especial as de interesse social, bem como

44
a construção de equipamentos, serviços e infraestruturas
públicas. Isso aconteceu porque as propostas de cons-
truções culturais e públicas encontraram resistências à
sua plena realização – é a situação do Complexo Cultural
Luz. Seu projeto foi desenvolvido pelo laureado escritório
suíço Herzog et De Meuron, sem licitação ou concurso,
contratados por notório saber, pago com recursos públi-
cos. Posteriormente, este projeto foi abandonado pelo
Governo do Estado de São Paulo, e seu terreno, desapro-
priado pelos recursos públicos, passou a ser destinado à
implementação da Parceria Público Privada (PPP) Casa
Paulista. Essa mudança sinalizaria, portanto, um desloca-
mento do âmbito cultural para o nível da habitação de in- O êxodo rural expulsou famílias inteiras do campo.

teresse social, como meio de valorização imobiliária mais A década de 1960 foi o período em que o Brasil, pela
efetiva. O programa Casa Paulista destina 80% de suas primeira vez, passou a ter uma população predominan-
futuras unidades à população que trabalha no centro e temente urbana, ou seja, a maior parte dos habitantes
apenas 20% à população que mora no centro – uma pre- passou a concentrar-se nas cidades. Atualmente, mais
cariedade que é acentuada à medida que a população de 80% dos habitantes do Brasil residem em cidades, na
vulnerável, residente e trabalhadora da região, que está lá sua maioria em grandes centros urbanos e capitais, como
localizada em função de relações precárias, de moradia e São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e
emprego, não conseguir acessar as políticas públicas em outras. Afinal, além de um acelerado êxodo rural, a ur-
função da impossibilidade de comprovação de emprego, banização brasileira contou com um acelerado processo
de renda, de moradia. de metropolização – concentração das populações nas
Ainda que a nova intervenção na região siga um viés ha- grandes metrópoles.
bitacional, acaba não incorporando as famílias de grande Esse foi um dos motivos responsáveis pela desigualdade
vulnerabilidade residentes em cortiços. Além disso, embora tanto em tamanho das cidades e número de habitantes
a Prefeitura tenha formado um Conselho Gestor para que quanto em níveis de avanço econômico e ofertas de in-
a população participe da elaboração do projeto, o gover- fraestrutura no espaço urbano brasileiro. A região Sudes-
no municipal apresentou para a população apenas a PPP te, dessa forma, abrange a maior parte dos habitantes e
como alternativa habitacional. O Conselho foi formado possui as maiores taxas de urbanização, com destaque
após uma Ação Civil Pública movida pela Promotoria de para os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, os quais
Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo, contam com mais de 90% de seus habitantes vivendo
já que se tratava de uma Zona Especial de Interesse Social em cidades.
(ZEIS) com a obrigatoriedade da formação do Conselho.
Por outro lado, a região Norte e algumas áreas da região
Nordeste apresentam números mais modestos nesse sen-
1.3. Espaço urbano brasileiro tido. Os Estados menos urbanizados do Brasil são Pará,
O espaço urbano brasileiro foi profundamente marcado Maranhão e Piauí, enquanto outros apresentam números
pelas dinâmicas econômicas, sociais e políticas ocorridas pouco maiores, mas com índices populacionais baixos, o
no século XX e é caracterizado pela elevada concentração que torna suas cidades menores em termos demográficos,
populacional em torno das cidades do Sudeste. a exemplo do Acre e de Roraima.
O processo de urbanização no território brasileiro iniciou- Outro exemplo de Estado com pouca população e com
-se, de maneira mais concreta, a partir do final do século elevada urbanização é Goiás, graças à grande quanti-
XIX, com o início gradativo da industrialização no País. No dade de pessoas habitando a região metropolitana de
entanto, foi após os anos 1930 que a presença das indús- Goiânia e o entorno do Distrito Federal. Assim como os
trias tornou-se mais intensiva e a urbanização tornou-se dois Estados do Sudeste anteriormente mencionados, o
mais forte. A segunda metade do século XX assistiu ao território goiano é cerca de 90% composto por popula-
intenso êxodo rural ocasionado pela mecanização das ati- ções urbanas, mas seu número total de habitantes é de
vidades produtivas no meio rural, o que gerou um maior apenas 6,5 milhões de pessoas aproximadamente, bem
desemprego no campo e a grande leva de migrantes em menos que a capital paulista, que, sozinha, ultrapassa
direção às principais cidades do Brasil. os 11 milhões.

45
A densidade populacional mais elevada na região Sudeste cidades médias a receberem uma maior carga de investimen-
se deve às heranças econômicas e estruturais herdadas dos tos, indústrias, empregos e habitantes. No entanto, é um equí-
ciclos produtivos anteriores, sobretudo do auge do período voco pensar que as grandes metrópoles do País perderam a
cafeeiro da história da economia brasileira. Por esse moti- importância; pelo contrário, suas estruturas seguem moder-
vo, é nessa região que se encontram as duas únicas cidades nizando-se e, de cidades industriais, elas lentamente vão se
globais do País – São Paulo e Rio de Janeiro –, que, juntas, tornando centros burocráticos, concentrando a maior parte
formam uma megalópole, ponto de intensa aglomeração das sedes das grandes empresas nacionais e internacionais.
urbana com níveis internacionais de alcance produtivo.
Atrás das duas cidades globais estão as metrópoles nacio- 1.3.1. Regiões metropolitanas
nais, responsáveis por estabelecer articulações intensivas O processo de urbanização no Brasil foi muito concentrado,
com praticamente todo o território nacional: Belo Horizon- especialmente onde poucas cidades cresceram acelerada-
te, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Brasília e outras. Há, mente, tornando-se, em pouquíssimo tempo, verdadeiras
ainda, as metrópoles regionais, com destaque para Campi- metrópoles. Essas metrópoles, por concentrarem atividades
nas, Goiânia, Manaus, Florianópolis, entre outras. econômicas, culturais, políticas, infraestruturas e pessoas,
acabam por influenciar outros territórios, pois exercem o
comando por meio de seu denso meio técnico.
O crescimento horizontal das metrópoles fez com que suas
áreas urbanas se interligassem a municípios vizinhos, como
se tornasse uma única cidade. Essa integração recebe o
nome de conurbação. Os problemas de infraestrutura tor-
nam-se comuns a todos os municípios dessa mancha ur-
bana integrada. A partir disso, em 1973, o poder público
aprovou a lei que criou as regiões metropolitanas, isto é,
um conjunto de municípios contígeos, integrados socioes-
Fortaleza/CE é uma metrópole nacional. pacialmente a uma cidade central, com serviços públicos e
Após os longos ciclos de urbanização, êxodo rural e metropo- infraestruturas comuns.
lização vistos ao longo do século XX, o início do século XXI, Também são consideradas regiões metropolitanas as cha-
sobretudo nessa segunda década, circunscreve um gradativo madas “regiões integradas de desenvolvimento“ (ride),
processo de descentralização, com o crescimento das metró- composta por municípios de mais de um Estado e, portan-
poles de médio porte e a desmetropolização – passando as to, regidas por lei federal.

46
VIVENCIANDO

O olhar do habitante, aquele que circula apressado pelas ruas, muitas vezes deixa passar despercebido valores im-
portantes da paisagem urbana. A necessidade de desenvolver atividades com uma “velocidade” cada vez maior faz
com que deixemos de perceber as coisas que têm valor fundamental e, por consequência, provoca uma perda na
relação que se estabelece com o meio em que se vive. Em tom de parábola, Norton Juster se refere, em um conto, a
este fenômeno:
“Há muitos anos, neste mesmo lugar, havia uma linda cidade, cheia de casas bonitas e lugares atraentes... As ruas
eram cheias de coisas maravilhosas para se olhar e as pessoas sempre paravam para olhar para elas. − Elas não
tinham nenhum lugar para ir?, pergunta Milo. − Claro que sim, mas, como você sabe, a razão mais importante de
se ir de um lugar para outro é ver aquilo que há entre os dois lugares... − Aí, um dia, alguém descobriu que, se você
não olhasse para nada e tomasse atalhos, você chegaria mais depressa. As pessoas tornaram-se obcecadas para
chegar lá, correndo, depressa, olhando para o chão. E, porque ninguém mais olhava para as coisas à sua volta, tudo
foi ficando cada vez mais feio e mais sujo e, como tudo foi ficando sujo e feio, as pessoas andavam cada vez mais
depressa, e então uma coisa muito estranha começou a acontecer. A cidade começou a desaparecer. Dia a dia, as
construções iam sumindo e as ruas desaparecendo. E as pessoas continuavam vivendo ali como sempre, nas casas,
em prédios e nas ruas, que já não estavam mais ali, porque ninguém notava nada.“
Assim como acontece na ficção, também as pessoas que habitam a cidade podem perder o contato com a cidade na
qual habitam. Na verdade, a cidade não deixa de existir, ela continua ali, mas a maneira pela qual as pessoas passam
a se relacionar com ela é que vem sendo alterada. O próprio olhar é alterado. James Hillman diz que a qualidade de
vida depende do direcionamento da atenção para algo que restaure a qualidade das imagens que percebemos ou
não no meio urbano. A capacidade de formar uma noção verdadeira das coisas, ou da cidade, depende de uma ob-
servação mais atenta e de uma resposta estética. Segundo ele, isto está diretamente relacionado com um ato básico
que foi esquecido: o caminhar, que foi trocado pela locomoção mecanizada. Ele define o ponto de vista de que este
ato de caminhar deva ser retomado para uma melhor relação entre o habitante e a cidade.

47
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidades
18 Analisar os diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais.
Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos
19 espaços rural e urbano.

A apropriação do espaço público na cidade ocorre por meio da relação existente entre os aspectos físicos do espaço,
sejam eles naturais e/ou construídos, com as articulações dos interesses sociais e econômicos, bem como desejos e
intenções das pessoas de se manifestarem favoráveis às possibilidades que determinados espaços lhe oferecem. A
forma como muitos espaços urbanos são construídos apresentam uma relação mais forte de pertencimento com a
comunidade do que outras. Busca-se, com este, entender porque determinados espaços têm uma interação social mais
estimulada e, consequentemente, são mais apropriados pela população e porque determinadas áreas parecem ser mais
inseguras, e tendem a ser evitadas por pessoas com maior vulnerabilidade. É importante ressaltar que as apropriações,
mesmo quando intuídas e adaptadas, não implicam, necessariamente, em inadequação ou indícios de marginalidade.
Podem, ao contrário, indicar criatividade, capacidade de melhor aproveitamento das infraestruturas públicas e fornecer
subsídios que alimentem o projeto e a construção futura de ambientes desta natureza. Esse entendimento mostra como
a apropriação dos espaços públicos ocorre nos bairros urbanos, estrutura importante da cidade, pois é nele que a vida
urbana acontece. O planejamento de bairro deve então ser definido de acordo com seu tecido, com a vida e a interação
de usos que geram, em vez de definidos por fronteiras formais, com comunidades fixas e inerentes.

Modelo
(Enem) Pense no crescimento tecnológico de sua cidade nos últimos 10 ou 15 anos e perceberá que, embora ela tenha
crescido, a maioria dos novos bairros é moradia de pessoas humildes que, ou foram expulsas da área mais central pelo
progresso técnico-científico, ou vieram do campo ou de outras regiões buscando melhores condições de vida, mas
agora residem em lugares desprovidos dos serviços básicos.
SOUZA, A.J. Texto e sugestões de atividades para abordar os conceitos de progresso e
desenvolvimento. In: Ciência Geográfica, AGB, dez. 1995 (adaptado).

Com as transformações ocorridas nas áreas rurais e urbanas das cidades pelo advento das tecnologias, as pessoas
procuram se beneficiar de novas formas de sobrevivência. Para isso, apropriam-se dos espaços irregularmente. Diante
dessa situação, o poder público deve criar políticas capazes de gerar:
a) adaptação das moradias para oferecer qualidade de vida às pessoas.
b) locais de moradia dignos e infraestrutura adequada para esses novos moradores.
c) mutirões entre os moradores para o melhoramento estético das moradias populares.
d) financiamentos para novas construções e acompanhamento dos serviços técnicos.
e) situações de regularização de seus terrenos, mesmo que em áreas inadequadas.

Análise expositiva - Habilidades 18 e 19: O Estado, por meio de planejamentos eficazes, deve organizar
B espaços funcionais para a população de menor renda.
Alternativa B

48
DIAGRAMA DE IDEIAS

URBANIZAÇÃO
BRASILEIRA

CANA
SÉC. XVI, XVII E XVIII
PRIMEIROS CENTROS URBANOS
MINERAÇÃO

CAFÉ
SÉCULOS XIX E XX
INDUSTRIALIZAÇÃO

CRESCIMENTO
POPULACIONAL

CRESCIMENTO
DAS CIDADES

PROBLEMAS NA
URBANIZAÇÃO

DESEMPREGO FAVELIZAÇÃO ENCHENTES POLUIÇÃO VIOLÊNCIA

49
AULAS Fontes de energia I
41 e 42
Competência: 6 Habilidades: 26, 27 e 28

”A Geopolítica da Energia pode ser entendida como a


análise do conjunto dos elementos geopolíticos e estraté- 1. Introdução
gicos que influenciam o controle de reservas de recursos
energéticos, das tecnologias de exploração, da infraestru-
Há um milhão de anos, as necessidades do homem primi-
tura energética, do transporte e do uso final da energia ou tivo eram relativamente poucas e relacionavam-se intrinse-
dos recursos energéticos. Esta modalidade de análise leva camente à sua sobrevivência. Energeticamente, dependia
em consideração a distribuição geográfica das principais das cerca de duas mil quilocalorias (kcal) extraídas dos
reservas de recursos energéticos e dos grandes centros alimentos que conseguia obter a duras penas. Há sete mil
consumidores, ou ainda, dos países exportadores e impor-
anos, o homem dominava a energia de animais de tração:
tadores de certos tipos de recursos energéticos. Considera,
ainda, o papel das disputas geopolíticas e estratégicas en- um cavalo substituía a força de oito homens. Para o ho-
tre os Estados importadores e os exportadores de recursos mem nômade primitivo, os recursos naturais eram aqueles
energéticos, ou as disputas entre os grandes consumido- que estavam diretamente ao seu alcance. Com o tempo,
res de energia, assim como as estratégias adotadas por dominou o fogo e passou a cortar lenha para se aquecer e
cada grupo de países ou grandes potências para garantir
cozinhar. Com o aumento da população, há pouco mais de
sua própria segurança energética ou influenciar os demais
países no campo energético.” sete mil anos, foi necessário aumentar a produtividade na
OLIVEIRA, Lucas Kerr de. Geopolítica energética dos países emergentes.
obtenção dos recursos por meio da agricultura.

Estágios de desenvolvimento e consumo de energia

50
No começo da Idade Moderna (1400 d.C.), o homem pas- esses tipos de fontes de energia não são isentos de provo-
sou a utilizar as quedas-d’água e os ventos para moer trigo car impactos na natureza. Os biocombustíveis, por exem-
e realizar outras tarefas. A energia de origem fóssil também plo, produzem devastação ambiental no desenvolvimento
era utilizada, mas com baixa intensidade: carvão mineral das culturas que se constituem na suas matérias-primas,
que aflorava da terra aquecia ambientes e fornecia calor tais como cana-de-açúcar, eucalipto, mamona, entre ou-
para pequenas manufaturas, como a siderurgia. O petró- tros, para cujo cultivo são necessárias imensas proprieda-
leo também aflorava, mas era praticamente desconheci- des rurais, denominadas monoculturas.
do: era utilizado na iluminação quando o óleo de baleia
No caso das hidrelétricas, os problemas na geração de
se tornava escasso. Com a Revolução Industrial de 1875,
energia estão na construção das usinas, pois é necessário
o homem desenvolveu a máquina a vapor e multiplicou
represar uma grande quantidade de água que cobre, na
ainda mais suas capacidades na indústria e no transporte.
maior parte das vezes, imensas áreas de florestas, colocan-
A população cresceu e, junto, o consumo de energia. No
do em risco a fauna e a flora, além da emissão de gases
século XX, o homem tecnológico aprimorou a máquina a
provenientes da decomposição de animais e vegetais con-
vapor e desenvolveu motores de combustão interna movi-
tidos no fundo das represas. Outras vezes, destroem áreas
dos a gasolina e a diesel, que são derivados do petróleo.
de pequenas cidades e povoados, regiões indígenas, cau-
Alguns experimentos também foram realizados com óleos
sando danos culturais e econômicos irreparáveis. As ener-
vegetais, mas os derivados de petróleo eram bastante con-
gias solar e eólica produzem impactos quase insignifican-
fiáveis, abundantes, baratos, fáceis de estocar e de trans-
tes e são pouco utilizadas no Brasil.
portar. Vieram mais tarde os motores elétricos e a energia
nuclear, mas o mundo nunca mais rompeu sua relação de As fontes não renováveis correspondem a todo recurso
dependência com o petróleo. natural que não tem capacidade de se renovar ou se refa-
zer. Dentre os recursos finitos com previsões para esgotar

2. Fontes de energia
totalmente estão o petróleo, carvão, urânio, xisto e muitos
outros. Os recursos energéticos classificados como não re-
nováveis geralmente produzem poluentes superiores aos
renováveis. Os impactos podem surgir a partir da emissão
de gases dos veículos automotores, vazamentos em oleo-
dutos, vazamentos de navios petroleiros entre outros.

2.1. Energias limpas


As energias renováveis que não causam poluição pela emis-
são de substâncias são chamadas de energias limpas e in-
cluem: solar, eólica, geotérmica, maremotriz e hidráulica.
Os combustíveis fósseis são os meios de geração de
As fontes de energia podem ser classificadas em renová- energia mais utilizados atualmente. Eles incluem o petróleo
veis e não renováveis. Elas são extremamente importantes e seus derivados (gasolina, óleo diesel etc.), o gás natural,
nas atividades humanas e dão origem aos combustíveis e à o xisto e o carvão mineral. Todos esses combustíveis foram
eletricidade, que servem para iluminar, movimentar máqui- gerados há milhões de anos pela decomposição de seres
nas e caminhões, entre outras aplicações. As energias faci- vivos, animais e vegetais.
litam o trabalho do homem, sendo utilizada para as tarefas São usados em usinas termelétricas em que a combus-
cotidianas, como levantar peso, apertar parafusos, mover tão desses combustíveis libera calor que aquece a água,
veículos, ferver água etc., ao mesmo tempo em que elas gerando vapor que movimenta uma turbina, produzindo
estão na origem de vários processos revolucionários na energia elétrica. São usados também nos automóveis mo-
história da humanidade. Para o desenvolvimento de suas vidos a motor de combustão.
atividades, os seres humanos necessitam efetivamente dos
No entanto, esses combustíveis são causadores de uma
recursos naturais. As fontes energéticas não são diferentes
série de problemas ambientais, em virtude dos gases
e dessa forma podem ser classificadas em dois tipos: fontes
poluentes que eles lançam na atmosfera no momento
renováveis e não renováveis.
de sua combustão. Na combustão completa, eles produ-
A primeira corresponde a todo recurso que tem a capa- zem o dióxido de carbono (CO2), que intensifica o efeito
cidade de se refazer ou não é limitada: biocombustíveis, estufa e agrava o problema do aquecimento global. Ele
hidrelétricas, energia solar, eólica, entre outras. No entanto, também pode reagir com a água da chuva, tornando-a

51
ácida. Na queima incompleta é produzido o monóxido No caso da energia necessária para a movimentação de
de carbono (CO), que também é um gás-estufa. Além veículos, o combustível é considerado limpo apenas no que
disso, várias impurezas são lançadas na atmosfera, diz respeito à não contribuição para a emissão de compos-
como os óxidos de enxofre, que produzem chuva ácida tos do carbono. No entanto, esses combustíveis interferem
muito forte, pois em contato com a água forma-se o sim nos ciclos de outros elementos químicos, como o ciclo
ácido sulfúrico (H2SO4). do nitrogênio. A fonte renovável para a produção de “com-
bustíveis limpos” é a biomassa, ou seja, os biocombus-
Somando-se a esses problemas ambientais, há o fato de
tíveis, que incluem o etanol e o biodiesel.
que os combustíveis fósseis não são renováveis; portanto,
um dia vão se esgotar.
2.1.1. Tipos de energia limpa
Por isso, os cientistas estão cada vez mais direcionando
suas pesquisas para os novos modelos energéticos. Um § Solar: recebemos do Sol uma quantidade dez mil ve-
modo de geração de energia mecânica ou elétrica é consi- zes maior de energia que a necessária para a população
derado limpo, se não liberar substâncias poluentes para o mundial em um ano. Assim, toda essa energia pode ser
meio ambiente. É bem verdade que até o momento não se aproveitada por meio de painéis com células fotovoltai-
descobriu nenhuma forma de geração de energia que não cas. Essa energia térmica captada pode ser usada de
cause algum impacto na natureza; entretanto, no caso da modo direto em residências, como para aquecer a água
energia limpa, esse impacto restringe-se à região da cons- do chuveiro ou aquecer ambientes, e pode também ser
trução da usina. usada indiretamente para a geração de energia elétrica.

Esquema de funcionamento de uma usina solar

As principais vantagens são que, depois de prontas para uso, não geram poluição alguma, seu impacto ambiental é insigni-
ficante e sua manutenção é bem barata.
Entretanto, as desvantagens estão ligadas ao fato de que é necessário extrair e processar silício para produzir os painéis
solares, o que gera poluição (controlável); além disso, o custo ainda continua elevado, mas, à medida que essa tecnologia
avança, ela vem se tornando cada vez mais economicamente viável; seu rendimento é baixo e corresponde a apenas 25%,
principalmente porque seu sistema de armazenamento de energia é pouco eficiente, sua produção oscila conforme o clima
e, à noite, não existe produção.
§ Eólica: sua matéria-prima é o vento captado por uma turbina de duas ou três pás – hélices chamadas de eólias –
presas em um pilar. Seu rendimento depende da rapidez e constância dos ventos na região, o que requer uma análise
desses dados, antes desse sistema de energia ser implantado.
As vantagens principais da energia eólica são que o impacto ambiental é praticamente nenhum e o custo de geração de
eletricidade é baixo.

52
Infelizmente, algumas desvantagens também existem. Apesar de reduzidos, ainda há impactos ambientais na instalação
das usinas, causando alteração na paisagem local; ameaçando os pássaros (se as hélices forem colocadas em suas rotas de
migração); poluição sonora; e interferência em transmissões de rádio e TV.

Esquema do funcionamento de uma usina eólica

§ Geotérmica: a 64 km de profundidade da superfície da Terra, há uma camada denominada magma, em que a eleva-
díssima temperatura ferve a água dos reservatórios instalados no subterrâneo. Assim, a energia geotérmica se baseia na
captação do vapor gerado nesses reservatórios por meio de tubos e canos apropriados. Esse vapor faz lâminas de uma
turbina girar, cujo gerador transforma a energia mecânica em elétrica.

Esquema de funcionamento de uma usina geotérmica

53
§ Maremotriz: esse tipo de energia é produzido por meio da instalação de turbinas perto dos mares, que produzirão
energia elétrica por meio da energia potencial das ondas do mar. Porém, seu rendimento é baixo e o fornecimento de
energia não é contínuo.

Esquema de uma das maneiras para obtenção de energia por meio das marés

§ Hidráulica: esse tipo de energia é bem conhecido,


uma vez que é proveniente do movimento das águas.
Seu rendimento é muito superior aos já mencionados.
Porém, ela gera impactos ambientais imensos, incluin-
do destruição de ecossistemas, alteração de paisagens,
alagamentos, bloqueio nos rios e deslocamento da po-
pulação local.

Esquema de como funciona uma usina nuclear.

De maneira resumida, a energia elétrica produzida nas usi-


nas nucleares é resultado de uma reação de fissão nuclear,
que libera uma quantidade colossal de energia na forma
de calor. Esse calor faz a água ferver, cujo vapor aciona uma
turbina geradora que produz eletricidade.
A maior vantagem desse tipo de energia é a grande quan-
Esquema de funcionamento de uma usina hidrelétrica
tidade de energia elétrica gerada. No entanto, há os riscos
§ Nuclear: esse tipo de energia não é renovável e en- de acidentes, o custo elevadíssimo para sua implementa-
volve altos riscos de contaminação em caso de aciden- ção e a poluição térmica gerada pela água quente que vol-
tes ou de o lixo atômico não receber o tratamento e ta para os rios e lagos. Para saber mais sobre os riscos de
o destino adequados. Mas se tudo transcorrer correta- acidentes que as usinas nucleares oferecem à sociedade,
mente, a energia nuclear é considerada limpa, pois não basta ver o caso do acidente da usina de Chernobyl, em
causa poluição pela emissão de substâncias. Pripyat, na Ucrânia.

54
Funcionamento de uma usina de biomassa, através do resíduo da cana-de-açúcar

§ Biomassa: inclui o uso de matéria orgânica – restos de madeira, colheita, plantas, alimentos, animais e algas. É
constituída, principalmente, por elementos como carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre (em menores
proporções). Esse material orgânico pode ser transformado em combustíveis sólidos, líquidos e gasosos.
O etanol, por exemplo, é produzido a partir da cana-de-açúcar, do milho, entre outras fontes. O biodiesel é outro exemplo e pode
ser produzido a partir de gorduras animais ou óleos vegetais – soja, amendoim, algodão, lama (dendê), girassol, mamona etc.
Esses biocombustíveis representam uma melhoria dos gases de carbono emitidos para a atmosfera, minimizando o problema
do efeito estufa e do aquecimento global, além de apresentarem menor teor de enxofre. Mas eles causam desmatamento e
aplicação de monoculturas.

2.2. Energias não renováveis


Suas fontes são não renováveis e dependem de processos em escala de tempo geológica ou de formação do sistema solar para
se tornarem disponíveis. É o caso do carvão mineral, do petróleo, do gás natural e da energia nuclear. Geralmente, esse tipo
de energia primária precisa ser transformada em energia secundária – como eletricidade, gasolina –, para então ser utilizada.
§ Petróleo: atualmente utilizado como principal fonte de energia, é um combustível fóssil produzido há milhões de anos
pela pressão de material orgânico e encontrado em algumas zonas do subsolo da Terra. O petróleo e o gás natural são
encontrados tanto em terra quanto no mar, principalmente nas bacias sedimentares (onde se encontram meios mais poro-
sos – reservatórios), mas também em rochas do embasamento cristalino. É de fácil transporte, mas seu potencial destruidor
do meio ambiente é muito grande, pois libera grande quantidade de CO2 para a atmosfera. É um dos grandes “vilões” do
chamado aquecimento global, por causa da sua grande utilização nos meios de transportes.

Recuperador Recuperação de Tintas, fibras sintéticas,


de vapores Indústria Patroquímica aromáticos cosméticos, dissolventes
Gasolinas
Alquilação plásticos, detergentes,
medicamentos,...

Óleo diesel
Conecção e petróleo
de iluminação
Combustível Cracking Combustível
para aviões industrial
catalítico

Ceras
Reservatório
Petróleo bruto Óleos
Forno
lubrificantes

Extracção Massas lubrificantes


solvente
Betume Cristalização

55
§ Gás natural: gás natural é a designação genérica de um combustível, cujo principal componente é o metano (CH4) – o
hidrocarboneto de cadeia mais simples. É proveniente de jazidas naturais localizadas em reservas que, geralmente, tam-
bém são fontes de petróleo, mas não necessariamente. Sua composição varia: além do metano, pode ser composta de
etano, propano, butano e hidrocarbonetos mais pesados.

Mapa da produção de gás natural (em m3/ano)

§ Carvão mineral: conhecido por sua coloração preta, reacendeu-se na década de 1970, em consequência, so-
o carvão mineral é uma rocha sedimentar combustí- bretudo, do choque do petróleo, e se mantém em alta até
vel. Esse minério extraído do subsolo pelo processo de hoje. Além da oferta farta e pulverizada, o comportamento
mineração é basicamente um combustível fóssil, cons- dos preços é outra vantagem competitiva. As cotações do
tituído por átomos de magnésio e carbono. Entre os petróleo e derivados têm se caracterizado pela tendência
diversos combustíveis produzidos e conservados pela de alta e extrema volatilidade.
natureza sob a forma fossilizada, acredita-se ser o car-
De acordo com dados da International Energy Agency
vão mineral o mais abundante.
(IEA), o carvão é a fonte mais utilizada para geração de
A formação desse combustível fóssil ocorreu há 300 energia elétrica no mundo, respondendo por 41% da
milhões de anos, devido a galhos, troncos, folhas e ra- produção total. Sua participação na produção global de
ízes de grandes árvores que, depois de mortas, foram energia primária, que considera outros usos além da pro-
soterradas por sedimentos. Mas foi graças à alta pres- dução de energia elétrica, é de 26%. A principal restrição
são e elevadas temperaturas que esses fragmentos de à utilização do carvão é o forte impacto socioambiental
vegetais gradativamente se transformaram em carvão provocado em todas as etapas do processo de produção
mineral. e também no consumo. A extração, por exemplo, provoca
a degradação das áreas de mineração. A combustão é
O processo de transformação do carvão é definido em
responsável por emissões de gás carbônico (CO2). Pro-
estágios. A princípio, constitui-se a turfa, posteriormente
jetos de mitigação e investimentos em tecnologia (clean
o linhito, depois o carvão betuminoso e, por fim, o an-
coal technologies) estão sendo desenvolvidos para ate-
tracito, que é uma forma mais pura de carvão mineral,
nuar este quadro.
rico em carbono, compacto, duro e que não produz cheiro
durante a sua queima. O carvão é o combustível fóssil com maior disponibilidade
do mundo. As reservas totalizam 847,5 bilhões de tonela-
O carvão mineral foi uma das primeiras fontes de energia
das, quantidade suficiente para atender à produção atual
utilizadas em larga escala pelo homem. Sua aplicação, na
por 130 anos. Além disso, ao contrário do que ocorre com
geração de vapor para movimentar as máquinas, foi um
petróleo e gás natural, elas não estão concentradas em
dos pilares da Primeira Revolução Industrial, iniciada na
poucas regiões.
Inglaterra, no século XVIII. Já no fim do século XIX, o vapor
foi aproveitado na produção de energia elétrica. Ao lon-
go do tempo, contudo, o carvão perdeu espaço na matriz
energética mundial para o petróleo e o gás natural, com
o desenvolvimento dos motores a explosão. O interesse

56
Reservas mundiais de carvão mineral (em milhões de toneladas)

O volume extraído e produzido, porém, não é diretamente proporcional à disponibilidade dos recursos naturais. Relaciona-
-se, também, a fatores estratégicos, como a existência de fontes primárias na região e, em consequência, à maior ou menor
dependência da importação de combustíveis. Atualmente, o maior produtor mundial de carvão é a China, que, também
estimulada pelo ciclo de acentuado desenvolvimento econômico, tornou-se a maior consumidora do minério.

Consumo mundial de carvão mineral

No ranking dos maiores produtores de carvão também figuram os seguintes países: Estados Unidos (587,2 Mtep), Índia
(181,0 Mtep) e Austrália (maior exportador do minério do mundo, com 215,4 Mtep). A Rússia, o segundo maior em termos
de reservas, ocupa apenas o sexto lugar no ranking da produção e do consumo. Este desempenho se relaciona à utilização
majoritária, neste país, do gás natural.
Seja pelo alto custo e pelas dificuldades de transporte, seja porque o carvão se constitui em fator estratégico para a seguran-
ça nacional (por ser a principal fonte geradora de energia em vários países), o comércio internacional do mineral é pequeno
frente ao porte das reservas e produção.

2.3. Status atual da matriz energética mundial


As fontes fósseis de energia predominam até hoje na matriz energética mundial e de todos os países individualmente.
Em 2001, o mundo consumiu quase 80% de energias fósseis em um total de 10,2 bilhões de toneladas equivalentes de
petróleo. A principal delas é o petróleo (35% do total), mas as parcelas de carvão (23%) e gás natural (22%) também são
bastante significativas.

57
A energia nuclear, também não renovável, contribuiu alternativa, porém também finita: deve levar cerca de 60
com cerca de 7%. As fontes renováveis contribuíram com anos para se esgotar, mantido o atual ritmo de consumo.
os 13% restantes. Entretanto, pouco menos da meta- Muitas nações possuem vastas reservas de carvão pouco
de dessa parcela, 9% do total mundial, corresponde à exploradas, o que lhes garante o suprimento por mais 250
biomassa tradicional, basicamente à lenha queimada de anos, mas gera altos níveis de poluição. Novas descobertas
forma primitiva. Apenas 4% da matriz energética mun- e novas tecnologias de extração de recursos energéticos
dial foi suprida com a energia hidrelétrica (2%) e com de origem fóssil podem ampliar um pouco esses horizon-
as outras opções “modernas” (2%), como eólica, solar tes, mas o fato é que mais e mais dinheiro é e será gasto
e biocombustíveis. Cada habitante do Planeta consumiu para buscar cada vez menos energia em locais cada vez
1,67 tonelada equivalente de petróleo (tep) em 2001. mais remotos. Os potenciais nucleares atuais são da ordem
Contudo, o consumo de energia é muito diferente entre de 80 anos, podendo se estender por centenas de anos.
países desenvolvidos (do grupo da Organização para a Entretanto, enquanto não vier uma revolução tecnológica
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE) e os para a obtenção de energia nuclear será necessário o pe-
em desenvolvimento (chamados de não OCDE), tanto em tróleo. Além disso, após o acidente de Chernobyl em 1986,
as medidas de segurança para os novos reatores nucleares
quantidade quanto em qualidade.
e rejeitos radioativos requerem mais energia. As energias
Assim, países desenvolvidos consomem quase cinco vezes renováveis também possuem limites, mas esses estão lon-
mais que os em desenvolvimento por habitante: 4,7 contra ge de serem atingidos. O mundo possui vastos potenciais
0,95 tep per capita. No mundo desenvolvido vivem pou- em renováveis, muitos dos quais já estão ao alcance da
co mais de 1 bilhão de pessoas, que consomem 83% de tecnologia atual. É o que acontece com a hidreletricidade,
sua energia por fontes fósseis, mais 11% de eletricidade a energia eólica, os potenciais geotermais e, especialmente
de origem nuclear, somente 6% da energia é renovável. no mundo em desenvolvimento, a biomassa moderna.
Já nos países em desenvolvimento vivem quase 5 bilhões
Matriz energética mundial
de pessoas, que utilizam 22% de energia renovável, prin- 29%
cipalmente a biomassa (cerca de 19% do total); a energia Petróleo
Carvão Mineral
nuclear ainda é pouco desenvolvida e os combustíveis fós- Carvão mineral
31% Petróleo Gás natural
seis predominam.
Biomassa
Gás Natural
Cerca de metade do petróleo que o Planeta possuía ori- Nuclear
Hidrelétrica
ginalmente já foi explorada. Restam cerca de 1 trilhão de
Biomassa 21% Outras renováveis
barris a explorar, o que deve se esgotar em cerca de 50 1%
2%
anos. Isso leva os países a prospectar e desenvolver ou- 5% 10%
Nuclear
tras opções energéticas. O gás natural é uma interessante

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

O aumento na complexidade dos problemas enfrentados pelas sociedades modernas enseja o tratamento dos mes-
mos em uma perspectiva interdisciplinar. Neste ponto, a ciência geográfica, no âmbito da Geologia Aplicada, desem-
penha papel fundamental no sentido em que busca proporcionar uma gama de informações para a compreensão
de uma série de fenômenos ocorrentes na superfície terrestre e mesmo no interior dela, bem como oferece subsídios
para o entendimento acerca da importância e do valor econômico dos recursos naturais relacionados diretamente às
estruturas geológicas terrestres. A interdisciplinaridade da Geografia com a Geologia pode ser constatada à medida
que esta favorece a reflexão crítica acerca das mudanças que afetam nosso planeta, sobre as causas dos riscos
geológicos e suas consequências para a humanidade e fomenta a discussão atualíssima da questão dos recursos
disponíveis versus a sustentabilidade do Planeta.

58
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.

Trata-se de um assunto extremamente estratégico no contexto geopolítico global, pois o desenvolvimento dos países
depende de uma infraestrutura energética capaz de suprir as demandas de sua população e de suas atividades eco-
nômicas. As fontes de energia constituem-se também como uma questão ambiental, pois, a depender das formas de
utilização dos diferentes recursos energéticos, graves impactos sobre a natureza podem ser ocasionados. Atualmente,
grande parte da energia consumida no mundo é proveniente de fontes não renováveis, porque as características des-
sas fontes são bem conhecidas, possuem um rendimento energético elevado (poucas perdas de energia no processo
de transformação), preços atrativos, geram muitos empregos e possuem infraestrutura construída para geração e
distribuição (usinas, dutos, ferrovias e rodovias).

Modelo
(Enem) Um empresa vai fornecer 230 turbinas para o segundo complexo de energia a base de ventos, no sudeste da
Bahia. O Complexo Eólico Alto Sertão, em 2014, terá capacidade para gerar 375 MW (megawatts), total suficiente
para abastecer uma cidade de 3 milhões de habitantes.
MATOS, C. GE busca bons ventos e fecha contrato de R$ 820 mi na Bahia. Folha de S.Paulo, 2 dez. 2012
A opção tecnológica retratada na notícia proporciona a seguinte consequência para o sistema energético brasileiro:
a) redução da utilização elétrica.
b) ampliação do uso bioenergético.
c) expansão das fontes renováveis.
d) contenção da demanda urbano-industrial.
e) intensificação da dependência geotérmica.

Análise expositiva - Habilidade 28: O Complexo Eólico de Alto Sertão é uma área produtora de energia
C limpa e renovável, já que gera energia a partir do vento, acrescentando mais uma alternativa à matriz energética
brasileira e expandindo as fontes renováveis em nosso território.
A questão aborda um dos assuntos muito recorrente no Enem nos últimos anos, que é a questão energética no
Brasil e no mundo – especificamente a questão da matriz energética nacional, que é uma das mais limpa do
mundo por ser quase 100% renovável, quando comparada com outras matrizes energéticas de outros países ou
até mesmo mundial. A busca incessante, por todos os países do mundo, de novas fontes energéticas é o grande
e real fato dos novos tempos. O Brasil ocupa posição destacada na corrida célere e técnica de soluções para a
crise energética e sem produzir poluição. O texto se refere à energia dos ventos e insere o quadro de expansão
das fontes renováveis.
Alternativa C

59
DIAGRAMA DE IDEIAS

ENERGIA

FONTES FONTES NÃO


RENOVÁVEIS RENOVÁVEIS

HÍDRICA URÂNIO

CARVÃO
EÓLICA
MINERAL

PETRÓLEO E
SOLAR
SEUS
DERIVADOS

BIOMASSA
EMITE MUITOS
POLUENTES

CANA-DE- ÓLEO DE EMITE MENOS


LENHA
-AÇÚCAR PALMA POLUENTES

60
AULAS Fontes de energia II
43 e 44
Competência: 6 Habilidades: 26, 27 e 28

1. Fontes de energia do Brasil


As fontes de energia são fundamentais para o desenvolvimento de um país, sendo a qualidade e o nível de capacidade
das fontes de energia de um determinado local indicativos do grau de desenvolvimento da região. Países com maiores ren-
das geralmente dispõem de maior poder de consumo energético.
No Brasil, não é diferente: à medida que o País se modernizou, o setor energético brasileiro foi se desenvolvendo. As princi-
pais fontes de energia do Brasil, atualmente, são hidroelétrica, petróleo, carvão mineral e os biocombustíveis,
além de algumas outras utilizadas em menor escala, como o gás natural e a energia nuclear.

Evolução da capacidade instalada por fonte de geração (GW e %)

1.1. Petróleo, uma fonte não renovável

A produção de petróleo do Brasil vem crescendo nos últimos anos.

61
O caráter não renovável do petróleo se explica pelo des- Santos, a cerca de 800 km do litoral santista. Sua explora-
compasso entre seu lento processo de formação e seu cres- ção teve início a partir de 2012 e é realizada majoritaria-
cente consumo. O petróleo é uma commodity, uma maté- mente por empresas privadas, por meio de leilões realiza-
ria-prima bruta com muitas aplicações, que incluem, além dos durante um período de tempo determinado em edital.
da geração de energia, a fabricação de remédios e outros.
A produção de petróleo no Brasil é marcada pelo
aumento acelerado do desempenho nos últimos anos. Há
cerca de 20 anos, o petróleo brasileiro era, em sua maio-
ria, oriundo de importações. Atualmente, o País já detém a
autossuficiência do produto, ou seja, já produz o suficiente
para atender ao mercado interno. Segundo dados da Petro-
bras, a produção brasileira atual é de mais de 2 milhões de
barris por dia. Esse desempenho coloca o Brasil na segun-
da posição na América latina (atrás apenas da Venezuela)
e em 17º, no ranking mundial. Estima-se que, nos próximos
anos, apenas o Iraque apresentará um crescimento da
produção de petróleo superior à produção brasileira.
O petróleo do tipo light é o mais apropriado para as refina-
rias brasileiras, tipo esse que é mais encontrado nas jazidas
de outros países.
Em 2005, foram descobertas novas jazidas de petróleo na
camada do pré-sal, localizada abaixo do mar da bacia de

PROFUNDIDADE
2000 m

3000 m
Óleo está sob camada
Plataforma perfura
de sal que pode ter
abaixo da camada de
até 2 mil metros de
sal para extrair o óleo
espessura
5000 m

Essas reservas
estão localizadas
entre 5 mil e 7 mil
metros abaixo do
nível do mar
7000 m

Camada de pré-sal

A produção de petróleo no Brasil é realizada em nove bacias petrolíferas, das quais quatro merecem destaque:
1. Bacia de Campos: é a maior e principal bacia petrolífera brasileira. Localizada na região que se estende por todo o
litoral do Espírito Santo até o norte do Rio de Janeiro, é responsável por 80% da produção de petróleo no Brasil. Essa
bacia contribui com cerca de R$ 54 milhões de reais por ano para o produto interno bruto (PIB) do País.
2. Bacia de Santos: é a bacia petrolífera com maior potencial de crescimento do Brasil. É nela que se encontra a camada
pré-sal, recentemente descoberta e explorada a partir de 2012. Sua localização estende-se desde o litoral sul do Estado
do Rio de Janeiro até o norte de Santa Catarina.
3. Bacia do Espírito Santo: está localizada próxima às porções central e norte do Estado do Espírito Santo e ao litoral sul
da Bahia. Essa bacia destaca-se menos pela produção de petróleo e mais pela extração de gás natural e óleo.

62
4. Bacia do Recôncavo Baiano: é a segunda bacia petrolífera brasileira em volume de produção e a primeira a ser explo-
rada no Brasil (década de 1950). Localiza-se ao longo do Estado da Bahia.

Bacias petrolíferas do Brasil

1.2. Hidrelétricas no Brasil


As hidrelétricas no Brasil correspondem a 90% da
energia elétrica produzida no País. A instalação de bar-
ragens para a construção de usinas iniciou-se no Brasil
a partir do final do século XIX, mas foi após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) que a adoção de hidrelé-
tricas passou a ser relevante na produção de energia
brasileira.
Apesar de apresentar o terceiro maior potencial hídrico do
multimídia: vídeo mundo (atrás apenas de Rússia e da China), o Brasil impor-
Fonte: Youtube ta parte da energia hidrelétrica que consome. Isso ocorre
em virtude de a maior hidrelétrica das Américas e segunda
Home maior do mundo, a usina de Itaipu, não ser totalmente bra-
O filme conta com imagens aéreas monumentais sileira. Por encontrar-se na divisa do Brasil com o Paraguai,
de diversos lugares do nosso planeta. Uma frase 50% da produção da usina pertence ao país vizinho, que,
marcante do filme, que reflete sua intenção é: em razão da incapacidade de consumir esse montante,
“O nosso ecossistema não tem fronteiras. Onde vende o excedente para os brasileiros. Além do mais, o Bra-
quer que estejamos, as nossas ações terão reper- sil também compra energia produzida pelas hidrelétricas
cussões”. A narração insere questões ambientais argentinas de Garabi e Yaceritá.
que dialogam com as paisagens: a evolução
histórica dos seres humanos, a industrialização, Muitos analistas consideram ser desnecessária a importa-
a agricultura, a descoberta do petróleo, as extra- ção de energia elétrica para completar o abastecimento do
ções de minerais, os hábitos de consumo criados País e culpam a falta de investimento, uma vez que o Brasil
e, principalmente, os impactos que estamos vi- só aproveita 25% do potencial hídrico existente. Por outro
vendo e viveremos em decorrência disso. lado, a construção de usinas esbarra em questões burocrá-
ticas – como o orçamento e planejamento administrativo

63
– e em questões ambientais. A construção de barragens
para a produção de energia pode causar sérios danos ao
meio ambiente.

multimídia: livros
Energia, recursos naturais e a prática do de-
senvolvimento sustentável – Lineu Belico dos
Reis; Eliane A. Amaral Fadigas; Cláudio Elias
Usina hidrelétrica de Mauá, no Paraná, inaugurada em 2012
Carvalho
A produção de energia elétrica no Brasil é realizada por A Coleção Ambiental, coordenada por Arlin-
dois grandes sistemas estruturais integrados: o sistema do Philippi Jr., reúne resultados de estudos,
Sul–Sudeste–Centro-Oeste e o sistema Norte–Nordeste, pesquisas e experiências de professores, pes-
que correspondem, respectivamente, a 70% e 25% da quisadores e profissionais com reconhecida e
produção de energia hidrelétrica no Brasil. expressiva atuação na área ambiental, oriun-
A partir de 1990, houve uma redução no investimento dos de conceituadas instituições de ensino e
em construções de hidrelétricas no País. Em virtude da pesquisa, caracterizando-se pelo tratamento
política econômica neoliberal, fez-se a opção, em 1995, multi e interdisciplinar que esta área do co-
por um amplo processo de privatização do setor elétri- nhecimento requer.
co, com a perspectiva de que tal medida proporcionasse As obras contribuem tanto para a dissemi-
ampliação de investimentos nesse setor. Entretanto, tais nação do conhecimento em bases cientifica-
expectativas não foram atendidas e as consequências fo- mente sólidas e conectadas às intervenções
ram os sucessivos apagões e o estabelecimento de uma reais da sociedade, quanto para a ampliação
crise energética no Brasil, que culminou no racionamento das reflexões e dos debates sobre questões
de energia realizado em 2001. sociais, econômicas, políticas e ambientais,
Posteriormente, o governo brasileiro ampliou a realização fundamentais para a formação, qualificação e
de estudos e de projetos para a ampliação de usinas hi- capacitação de profissionais.
drelétricas, passando a investir na construção principal- Na nova edição (revisada e atualizada) deste li-
mente de usinas de pequeno porte, distribuídas por todo o vro, a abordagem da integração da energia com
País. A preferência pela construção de pequenas usinas de- temas ligados aos recursos naturais e ao desen-
ve-se ao fato de elas gerarem menos impactos ambientais. volvimento sustentável é realizada por meio da
discussão e análise de questões como: o elo en-
1.2.1. Vantagens e desvantagens da tre a energia, a infraestrutura e a sustentabilida-
produção de energia em hidrelétricas de; a energia no contexto global da infraestrutu-
ra; os recursos naturais; a matriz energética; e as
Existe uma série de vantagens e desvantagens na constru-
bases para um planejamento energético voltado
ção de barragens para a geração de energia a partir das
ao desenvolvimento sustentável.
hidrelétricas. Cabe ao governo e à população do país pesar
os pontos positivos e negativos para avaliar a necessidade
da expansão desse tipo de política energética.
Entre as vantagens, pode-se citar que a água é um recur- Entre as desvantagens, assinala-se o espaço ocupado pelo
so renovável – desde que seja garantida a preservação represamento de rios para a construção das barragens.
das nascentes dos rios. Em segundo lugar, o custo dessa Esse espaço pode se dar em áreas de reservas florestais,
água é bem inferior ao de outros tipos de usina, como as ricas em fauna e flora, que contribuem para a manutenção
termelétricas, as eólicas e as nucleares. Além disso, as hi- da vida em determinadas regiões. Além disso, a área ocu-
drelétricas não geram poluentes na atmosfera, a exemplo pada pode ser povoada por comunidades indígenas e po-
das termelétricas. pulações tradicionais, que veem nesse espaço não somente

64
um local de moradia, mas também um espaço histórico e afetivo, longe do qual dificilmente iriam se adaptar. É importante
lembrar também da quantidade de resíduos gerados nas atividades de manutenção dos equipamentos e o impacto gerado
quando as florestas são inundadas, pois ao se decomporem, produzem metano, um gás que contribui para o efeito estufa.

A construção de hidrelétricas requer o represamento de água em grandes extensões de área.

2.2. Carvão mineral

Fases da formação do carvão mineral

As reservas brasileiras são compostas pelo carvão dos tipos linhito e sub-betuminoso. As maiores jazidas situam-se nos Estados
do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e as menores, no Paraná e em São Paulo. As reservas brasileiras ocupam o 10º lugar no
ranking mundial, mas totalizam 7 bilhões de toneladas, correspondendo a menos de 1% das reservas totais. Contudo, o minério
brasileiro é pobre do ponto de vista energético e não admite beneficiamento nem transporte, em função do elevado teor de
impurezas. Isto faz com que sua utilização seja feita sem beneficiamento e na boca da mina. Essa aplicação restrita é resultante
de fatores como a vocação brasileira para utilização de fontes hídricas na produção de energia elétrica e a baixa qualidade da
maior parte do carvão nacional, o que impede o seu transporte por grandes distâncias e afeta o grau de rendimento da usina
termelétrica – uma vez que a quantidade de energia produzida é inferior àquela obtida com carvões de alto poder calorífico.
Além disso, também há restrições de natureza geopolítica (dependência de importações, por exemplo) e entraves tecnológicos
e econômicos que se refletem no custo da geração da eletricidade.
A produção brasileira é insuficiente, fazendo com que o País importe 50% do carvão produzido nos Estados Unidos, Austrá-
lia, África do Sul e Canadá. No Brasil, uma das principais jazidas encontra-se no Rio Grande do Sul, como as do vale do rio
Jacuí, cuja produção é consumida pelas usinas termelétricas locais.

65
No Estado de Santa Catarina, é encontrada a maior pro-
dução de carvão, com destaque para o vale do rio Tuba-
rão. Nesta jazida, o minério é totalmente aproveitado pe-
las indústrias siderúrgicas localizadas na região Sudeste.

2.3. Biocombustíveis
Os biocombustíveis são fontes de energia do tipo reno-
vável que têm origem a partir de vegetais, como plantas,
sementes e frutos; por isso, também são chamados de
agrocombustíveis.
Jazida de carvão mineral
No Brasil, o principal biocombustível utilizado é o etanol,
Atualmente, cerca de 85% do consumo de carvão são para mas existem outros, como o biogás e o biodiesel. A ado-
o abastecimento das usinas termoelétricas, além de 6% ção dessas fontes de energia passou a ocorrer no País a
para a indústria de cimento, 4% para a indústria de papel partir da década de 1970. Em 2005, procurando ampliar
e celulose e 5% paras as indústrias de cerâmica, alimentos a produção de biocombustíveis, o governo lançou o Plano
e secagem de grãos. Nacional de Energia.

2.3.1. O etanol no Brasil


O etanol (álcool) passou a ser adotado como combustível no Brasil a partir da criação do Programa Nacional do Álcool
– Proálcool, em 1975, extraído da cana-de-açúcar. O auge do Proálcool foi em 1986, elaborado pelo governo federal em
virtude da crise do petróleo ocorrida em 1973, que ocasionou sucessivos aumentos do preço do barril naquele período.
Na década de 1990, o uso de automóveis movidos a álcool diminuiu bastante, sobretudo graças à queda do preço do pe-
tróleo, que se tornou mais rentável para o consumidor que o álcool. Além disso, a adoção do álcool trazia alguns problemas:
§ O grande número de terras destinadas para o plantio de cana-de-açúcar provocou a devastação de muitas áreas naturais
e reduziu o plantio de alimentos básicos – arroz e feijão.

66
§ A tecnologia não era favorável para esse tipo de com- de terras para o cultivo da cana-de-açúcar, somada à inven-
bustível, uma vez que os motores e equipamentos au- ção dos carros do tipo flex, que funcionam tanto a álcool
tomobilísticos apresentavam problemas com o álcool quanto a gasolina, deixando, portanto, de serem reféns das
– em temperaturas baixas, os carros tinham dificuldade oscilações do preço.
para funcionar.
Atualmente, o Brasil é um dos maiores produtores de etanol
§ O preço do álcool oscilava muito conforme as variações do mundo e o maior exportador do produto. A tecnologia
climáticas que alterassem os níveis de produção, o que utilizada no País é referência mundial em termos de alter-
deixava o mercado muito instável. nativas ao petróleo, a despeito das frequentes críticas de
grupos ambientais por conta da larga extensão das lavouras
de cana-de-açúcar que devastam florestas e vegetações em
nome do progresso.

2.3.2. O biogás no Brasil


Trata-se de um combustível gasoso produzido a partir da
extração de metano e outros gases. É possível transformar
em fonte de energia os gases emitidos no armazenamento
de lixo e restos orgânicos de animais.
Ainda é muito pouco utilizado no País; entretanto, existem
estudos aplicados, desde 1973, sobre a criação e utilização
de tecnologias que favoreçam seu uso e produção, sobre-
Charge de Zé Pas tudo visando ao aproveitamento do lixo urbano. Ele pode-
ria ser utilizado como gás de cozinha e como combustível
No início da década de 2000, no entanto, o álcool voltou a
para automóveis.
ser amplamente utilizado no País, graças, primeiramente, às
novas altas do petróleo e à posição do governo brasileiro de Entretanto, em virtude do alto custo da sua produção, o
se tornar menos dependente dessa fonte de energia, que biogás não parece ser um tipo de combustível que possa
é limitada e pode esgotar com o tempo. Além do mais, os ser utilizado em larga escala. No Brasil, o uso dele limita-se,
avanços tecnológicos permitiram um melhor aproveitamen- basicamente, a fazendas e sítios, para abastecer veículos e
to do etanol, que passou a demandar uma menor extensão equipamentos rurais.

1 Excrementos animais
e restos de alimentos
são misturados com
água no alimentador
do biodigestor

3 O gás metano
pode ser
encanado para
alimentar um
gerador ou
aquecedor
4 As sobras
servem
como
fertilizante

2 Dentro do biodigestor,
a ação das bactérias
decompõem o lixo,
transformando o em gás
metano e adubo
Esboço do processo de produção do biogás

67
2.3.3. O biodiesel no Brasil
Adotado no Brasil a partir de 2004, visa diminuir a dependência nacional com o diesel, produto que vem sofrendo sucessivas
altas de preço nos últimos anos. As fontes de produção desse combustível são óleos vegetais (produzidos a partir de semen-
tes, principalmente da mamona) e restos de gorduras de animais. Trata-se de um produto biodegradável, que não polui ou
agride o meio ambiente.

O biodiesel é utilizado como combustível tanto em estado puro quanto misturado ao diesel comum. Em 2008, uma lei
federal tornou obrigatória a adição de 2% de biodiesel ao diesel comum, com o objetivo de diminuir o preço e os custos do
produto. Em 2010, o índice mínimo aumentou para 5%.
Segundo dados do governo federal, no final de 2011, graças à criação do programa de adoção do biodiesel, o Brasil deixou de
importar cerca de 7,9 bilhões de litros de diesel, o que corresponde a um ganho de US$ 5,2 bilhões na balança comercial do País.

2.4. Gás natural


É uma energia de origem fóssil, resultado da decomposição da matéria orgânica fóssil no interior da Terra, encontrado acu-
mulado em rochas porosas no subsolo, constituindo um reservatório e frequentemente acompanhado por petróleo.

68
Geralmente produzido de forma conjunta com o petróleo, é responsável por cerca de 10% do consumo nacional de energia,
na produção de gás de cozinha, no abastecimento de indústrias e usinas termoelétricas e na produção de combustíveis
automotores.

O gás natural é distribuído de forma segura pelos gasodutos.

Quimicamente definido como uma mistura de hidrocarbonetos parafínicos leves, à temperatura ambiente e pressão atmos-
férica, ele permanece no estado gasoso. É um gás inodoro, incolor, não tóxico e mais leve que o ar.
A composição do gás natural pode variar bastante; o gás metano é o principal componente, somado ainda ao etano, propa-
no, butano e outros gases em menores proporções. Apresenta baixos teores de dióxido de carbono, compostos de enxofre,
água, nitrogênio, denominados contaminantes do gás natural.
Origem do Gás Natural e Petróleo
Rocha-cobertura
Rocha impermeável que
impede a migração do
petróleo e do gás até à Rocha-cobertura
(impermeável)
superfície Gás

Petróleo Rocha-armazém

Rocha-armazém
Camada rochosa Água Água
permeável onde o
petróleo se acumula

Rocha-mãe

Rocha-mãe
Camada rochosa onde
o petróleo teve origem

Na área de transportes, pode ser utilizado em ônibus e au- impacto ambiental e substitui combustíveis mais po-
tomóveis, substituindo o óleo diesel, a gasolina e o álcool. luentes: óleos combustíveis, lenha e carvão.
Na indústria, o gás natural é utilizado como combustível § Facilmente transportado e manuseado, não requer
para fornecimento de calor, geração de eletricidade e de estocagem, eliminando os riscos do armazenamento;
força motriz e como matéria-prima nos setores químico, distribuição feita de maneira segura por gasodutos.
petroquímico e de fertilizantes.
§ Mais leve do que o ar, o gás dissipa-se rapidamen-
te pela atmosfera em caso de vazamento; diferença
2.4.1. Vantagens do gás natural significativa do gás de cozinha (GLP), mais pesado
§ Combustão completa, que libera dióxido de carbono que o ar tende a se acumular junto ao ponto de
e vapor de água, ambos componentes não tóxicos; vazamento, facilitando, com isso, a formação de mis-
portanto, é uma fonte de energia limpa, produz baixo tura explosiva.

69
2.4.2. Desvantagens do gás natural local fixo para a destinação dos resíduos radioativos gera-
dos pela usina.
§ Combustível fóssil (formado há milhões de anos),
apresenta a desvantagem por ser uma energia não
renovável, portanto, finita. Também pode gerar gran-
des impactos ambientais quando há vazamentos em
plataformas e gasodutos, além de contaminantes alta-
mente tóxicos que têm de ser eliminados no processo
de refinamento.

2.5. Energia nuclear


Recurso energético também utilizado no País, cujo uso foi
idealizado no início da década de 1960 e implantado a
partir de 1969, com a criação do Programa Nuclear Brasi- multimídia: sites
leiro, sob o argumento de que a energia hidroelétrica, por
si só, não seria suficiente para conduzir a matriz energética
http://www.mme.gov.br/
do Brasil. Tal argumento mostrou-se falso, seja pela desco-
www.petrobras.com.br/pt/
berta da real capacidade hídrica do País (a terceira maior
do mundo), seja pela descoberta de novas formas de pro-
dução de energia, como os biocombustíveis.
2.6. Energia eólica
Em 1981, foi inaugurada a primeira usina nuclear bra-
sileira, localizada na cidade de Angra dos Reis, no Rio Ainda bastante limitada, a produção de energia eólica no
de Janeiro, razão pela qual foi denominada Angra 1. Brasil vem se expandindo cada vez mais rapidamente ao
Porém, por problemas técnicos, já foi desativada e, atual- longo dos últimos anos.
mente, não está em operação.
Posteriormente, graças a um acordo com a Alemanha, fo-
ram iniciados os projetos de Angra 2 e Angra 3, que deve-
riam entrar em funcionamento na década de 1980. Entre-
tanto, a usina de Angra 2 começou a operar em 2000. Já
a usina de Angra 3, que teve a sua obra iniciada em 1984,
está paralisada desde 2015 por causa de denúncias de cor-
rupção, na Operação Lava-Jato.

A produção de energia eólica vem crescendo rapidamente no Brasil.

O Brasil é um país cuja produção de eletricidade baseou-se,


historicamente, na dependência de duas principais matri-
zes: a hidrelétrica, predominante e prioritária; e a termoelé-
trica, cuja maioria das usinas opera somente em tempos de
baixa da matriz principal. Assim, a expansão da energia
eólica no Brasil surge a partir da necessidade de diversi-
ficação das fontes energéticas, para que haja menos susce-
tibilidade a crises no setor e também gere menos impactos
ao meio ambiente.
Usinas Angra 1 (à esquerda) e Angra 2 (à direita),
a única em funcionamento
Embora a produção de energia a partir dos ventos ainda
Além dos altos gastos e do baixo nível produtivo (ape- seja pouco representativa no Brasil, é perceptível a evolu-
nas 3% da produção nacional de eletricidade), as usinas ção do setor ao longo dos últimos anos. Em 2014, segundo
nucleares de Angra são duramente criticadas por grupos dados do governo federal, o Brasil ultrapassou a Alemanha,
ambientalistas em razão dos altos riscos em casos de aci- no que se refere à expansão da energia eólica, atingindo
dentes ou vazamentos e pelo não estabelecimento de um o segundo lugar mundial, atrás apenas da China, o maior

70
investidor em fontes energéticas no mundo, em razão de O potencial de energia eólica no Brasil é mais intenso entre
sua alta demanda. os meses de julho e dezembro, coincidindo com os meses
de menor intensidade de chuva. Isso coloca o vento como
Em 2002, o governo brasileiro criou o Programa de Incenti-
uma grande fonte suplementar à energia gerada por hi-
vo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa, cujo
drelétricas.
objetivo era ampliar as matrizes que geram menos impac-
tos ambientais, dentre elas a eólica, a solar, a geotérmica e A região do Brasil com o maior potencial de produção de
outras. A partir de então, a expansão da energia eólica no energia elétrica a partir dos ventos é a Nordeste, com 75
Brasil ocorreu graças a parcerias entre o poder público e a GW, metade da capacidade de todo o País. Não por acaso,
iniciativa privada, por intermédio da realização de leilões a maioria das usinas encontra-se naquela região. Em se-
e concessões públicas para empresas interessadas, duran- gundo lugar, fica o Sudeste, com 29,7 GW; seguido pelo
te um período de aproximadamente 20 anos. O primeiro Sul, com 22,8 GW; o Norte, com 12,8 GW; e o Centro-Oes-
leilão ocorreu em 2009 e envolveu empreendimentos em te, com capacidade de 3,1 GW. O Nordeste, líder em pro-
cinco Estados da região Nordeste. dução de energia eólica, produz por dia, em média, 2.080
MW. O Estado brasileiro que mais produz energia eólica é o
Embora a expansão do setor de energia eólica seja consi- Rio Grande do Norte. Até 2013, tinha uma capacidade ins-
derável nos últimos anos, os dados revelam que os valores talada de 1.339,2 MW e uma expectativa de crescimento
ainda são incipientes para se dizer que há um processo de para 3.654 MW até 2018.
diversificação energética em curso no Brasil. Com a con-
cretização de todos os projetos existentes, essa matriz será Além de ser importante no processo de diversificação da
responsável por apenas 8% de toda a eletricidade no País produção de eletricidade e diminuição da dependência
em um futuro próximo. de energia no Brasil, a expansão das fontes eólicas é ne-
cessária também por gerar menos impactos ambientais,
como os proporcionados pela ativação de termoelétri-
2.7. Produção de Energia eólica cas. Por isso, os investimentos nessa e em outras fontes,
Todavia, alguns dados merecem destaque. Em 2003, o Bra- embora estejam se intensificando, precisam expandir-se
sil produzia somente 22 MW (megawatts) de eletricidade ainda mais, a fim de gerarem mais e melhores resultados
a partir de fontes eólicas, valor que aumentou para 602 e garantir mais e melhor desenvolvimento do País em ter-
MW, em 2009, e, aproximadamente, 1 GW (gigawatts), em mos de infraestruturas.
2011. Recentemente, em 2014, o País atingiu algo em tor-
no de 5 GW, com a expectativa de elevação para 13 GW Principais Estados brasileiros em
até 2018. Apesar de relevantes, esses números ainda são produção de energia eólica
muito pequenos em face do potencial do território nacio- Capacidade Potencial
nal, calculado em aproximadamente 140 GW. Estado eólica instalada energético em
em 2013 (MW) 2018 (MW)
Os investimentos vão mais que quadruplicar... Rio Grande
1.339,2 3.654,2
do Norte
Valor do investimento acumula-
Ceará 661,0 2,325
do no setor (em bilhões de reais)
Bahia 587,6 1.978,9
Rio Grande
460,0 1978,9
do Sul
Santa Catarina 236,4 236,4
Fonte: Associação Brasileira de Energia Eólica

2.8. Matriz energética mundial


A estrutura do consumo por fontes energéticas constitui
um dos aspectos-chave para analisar os desafios que en-
frentaremos no futuro. Essa estrutura, na qual o petróleo
e os restantes combustíveis fósseis têm um peso signifi-
cativo, está evidenciada na matriz energética de consumo
mundial de energia primária. Nesta seção constam os da-
dos da referida matriz e sua evolução previsível, de acordo
com a Agência Internacional de Energia – AIE.

71
Perspectiva de crescimento da demanda mundial de energia primária

Em escala mundial, os hidrocarbonetos proporcionam


mais da metade da energia primária consumida. Em par-
ticular, 32% do consumo energético primário global pro-
vém do petróleo, fonte energética mais utilizada.
Durante os próximos anos, não se esperam grandes
mudanças. Segundo a AIE, no cenário-base do World
Energy Outlook de 2013, o petróleo registrará uma con-
tração de cinco pontos percentuais na matriz energética
de 2035 em relação a 2011. O gás natural, por sua vez,
alcançará uma participação de 24% da demanda ener-
gética total estimada em 17,3 milhões de toneladas multimídia: música
equivalentes de petróleo.
Herdeiros do futuro – Toquinho

72
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidades
26 Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos
27 e/ou geográficos.

28 Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.

Trata-se de um assunto extremamente estratégico no contexto geopolítico global, pois o desenvolvimento dos países
depende de uma infraestrutura energética capaz de suprir as demandas de sua população e de suas atividades eco-
nômicas. As fontes de energia constituem-se também como uma questão ambiental, pois, a depender das formas de
utilização dos diferentes recursos energéticos, graves impactos sobre a natureza podem ser ocasionados. Atualmente,
grande parte da energia consumida no mundo é proveniente de fontes não renováveis, porque as características des-
sas fontes são bem conhecidas, possuem um rendimento energético elevado (poucas perdas de energia no processo
de transformação), preços atrativos, geram muitos empregos e possuem infraestrutura construída para geração e
distribuição (usinas, dutos, ferrovias e rodovias).

Modelo
(Enem) Nos últimos decênios, o território conhece grandes mudanças em função de acréscimos técnicos que renovam
a sua materialidade, como resultado e condição, ao mesmo tempo, dos processos econômicos e sociais em curso.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M.L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2004 (adaptado).
A partir da última década, verifica-se a ocorrência no Brasil de alterações significativas no território, ocasionando im-
pactos sociais, culturais e econômicos sobre comunidades locais, e com maior intensidade, na Amazônia legal, com a:
a) reforma e ampliação de aeroportos nas capitais dos Estados.
b) ampliação de estádios de futebol para a realização de eventos esportivos.
c) construção de usinas hidrelétricas sobre os rios Tocantins, Xingu e Madeira.
d) instalação de cabos para a formação de uma rede informatizada de comunicação.
e) formação de uma infraestrutura de torres que permite a comunicação móvel na região.

Análise expositiva - Habilidades 26, 27 e 28: Nos últimos anos, a fronteira econômica avançou sobre a
C Amazônia legal, no que diz respeito aos meios energéticos. Com a construção de gigantescas hidrelétricas, di-
versos hectares são destruídos pelos alagamentos das áreas de barragem, já que os rios da Amazônia não são
caudalosos, necessitando da técnica para transformar as paisagens do norte do Brasil e o melhor aproveitamento
energético das usinas. A questão aborda aspectos sobre o processo de ocupação do território brasileiro na atu-
alidade, especificamente da região amazônica. A ocupação e o povoamento da Amazônia resultam de um longo
processo histórico que se iniciou com a colonização e foi marcado por inúmeros conflitos entre comunidades
tradicionais e os exploradores. Nas últimas décadas, ocorreram alterações significativas no território, ocasionando
impactos sociais, culturais e econômicos, com a construção de rodovias, projetos de extrações mineral e a con-
strução de usina hidrelétricas, sobre os rios Tocantins, Xingu e Madeir..
Alternativa C

73
DIAGRAMA DE IDEIAS

FONTES NÃO FONTES


RENOVÁVEIS RENOVÁVEIS

CARVÃO
MINERAL VENTOS

DIESEL
PETRÓLEO NÃO
MARÉS
EMITEM CO2
GASOLINA
MAIS
GÁS NATURAL SOL
CARAS

TERMELÉTRICAS HÍDRICA

BIOMASSA

• ATERROS • CARVÃO VEGETAL


• ESGOTO URBANO BIOGÁS • CANA-DE-AÇÚCAR ETANOL
• DEJETOS DE ANIMAIS • ÓLEO DE PALMA
BIODIESEL
• ÓLEO DE GIRASSOL
ALTERNATIVAS
CONVENCIONAIS

74
REGIÕES SOCIOECONÔMICAS MUNDIAIS: Incidência
do tema nas principais provas

Cobra este tema por meio de questões com A prova exige um amplo conhecimento sobre
interpretação de textos ou imagens. regiões socioeconômicas mundiais. Estude
sempre com um Atlas, para exercitar a noção
cartográfica.

A prova compara e relaciona eventos políticos, Ocorrem bastantes questões de geopolítica A prova da Unifesp não tem Geografia.
sociais e econômicos. É necessário amplo relacionadas às regiões socioeconômicas
conhecimento deste tema e atenção às mundiais.
atualidades.

Não costumam cair questões específicas sobre Aborda aspectos socioeconômicos mundiais, Exige uma noção geral sobre regiões socioe- Não cobra questões específicas sobre as
as regiões socioeconômicas. Estude a regio- de maneira geral, e as relações de poder em conômicas mundiais e cobra sua relação com regiões socioeconômicas mundiais. Atente-se
nalização do espaço mundial e as diferenças escalas local, regional e mundial. os aspectos da globalização. às relações culturais e de ordem social.
socioeconômicas, de maneira geral.

UFMG

Cobra conhecimentos sobre Geografia física. Cobra conhecimentos sobre regiões socioeco- A prova da CMMG não tem Geografia.
Atente-se também aos conflitos socioeconô- nômicas, de maneira geral, ligadas a imagens
micos de cada região. cartográficas.

Aborda aspectos específicos das regiões socio- Estude cada uma das regiões e seus aspectos Atenção aos conceitos e às discussões sobre a
econômicas mundiais. É necessário profundo físicos e socioeconômicos. regionalização do espaço mundial.
conhecimento.

75
Regiões socioeconômicas
AULAS mundiais VI: Japão
35 e 36
Competência: 2 Habilidade: 7

1. Japão
1.1. Aspectos físicos
O Japão é um arquipélago no Pacífico, separado da costa leste da Ásia (China e Coreias) pelo mar do Japão, ao sul, pelo mar
da China Oriental (China e Taiwan) e ao norte, pelo mar de Okhotsk, em direção à Rússia. Tem uma área total de 377,8 mil
km², cuja superfície é intensamente fragmentada. Seu território está distribuído por mais de 6 mil ilhas, das quais Hokkaido,
a mais setentrional e fria, Honshu, a maior e mais populosa, onde se localiza a capital, Shikoku, a menor e menos popu-
losa, e, finalmente, Kyushu, mais ao sul, são as 4 ilhas principais.

O relevo do país é formado fundamentalmente por montanhas, constituído por uma secção da era Cenozoica – relativamen-
te recente, com menos de 65 milhões de anos – no nordeste – e uma secção originada entre as eras Mesozoica e Paleozoica
–, no sudeste, o que explica a carência de recursos minerais. A presença de minerais metálicos como ferro, ouro, manganês,
entre outros, está condicionada a formações geológicas antigas, com pelo menos dois bilhões de anos. Tal fator natural exigiu
do Japão a conquista de porções da Manchúria chinesa e da península da Coreia para sustentar o crescimento industrial
japonês entre o final do século XIX e o início do século XX.
Ainda sobre o relevo, o país está localizado próximo ao contato entre quatro placas tectônicas: Filipinas, Pacífico, Euroa-
siática e Norte-americana. A maior parte do Japão está situada em cima da placa Okhotsk, considerada por muito tempo
parte integrante da placa Norte-americana. Além da formação de cadeias montanhosas, essa localização torna o Japão

76
um país bastante vulnerável à instabilidade tectônica, a é o subtropical, influenciado pela corrente quente e pelas
abalos sísmicos e tsunamis, nas mais diversas intensida- monções de verão, que aumentam a quantidade de chuvas.
des, além de vulcanismo ativo. Ele faz parte de uma zona
conhecida como Círculo de Fogo do Pacífico, que concen-
tra os maiores vulcões em atividade do Planeta.

Primavera, em jardim japonês de Kyoto (2014)

Em virtude das variações climáticas e das diferentes alti-


tudes, o Japão tem variedade de flora e fauna, que ocorre
em áreas bastante restritas, uma vez altamente urbaniza-
do, com grande concentração populacional. Há localidades
Vulcão Sakurajima em erupção, janeiro de 2011
em que a atividade agrícola acaba se confundindo com as
Pesem estudos fundamentados em séculos de observa- paisagens naturais. Na ilha Kyushu, as monções de verão e
ção e excelentes pesquisas geológicas, é praticamente a corrente quente Kuro Shivo contribuem para a formação
impossível prever um grande terremoto com antecedência de biodiversidade maior. Ao Sul, há florestas subtropicais
suficiente que permita a evacuação das áreas. Em 11 de remanescentes e, na porção central, floresta decídua. Ao
março 2011, ocorreu um tremor de 8,9 na escala Richter, norte, ocorrem as coníferas.
que desencadeou um tsunami com cerca de 10 metros de
altura. Entre muitos estragos, causou o acidente na usina
nuclear de Fukushima.
1.2. Aspectos históricos do Japão
A história do Japão foi construída a partir da ocupação do
arquipélago.
Chamada de nação insular, o Japão foi fortemente influen-
ciado pelo Império chinês, notadamente a língua, a escrita e
a cultura. Atualmente, destaca-se como um dos países mais
desenvolvidos do mundo e detém forte mercado de produ-
ção e distribuição de produtos eletrônicos e automobilísticos.
Durante sua história, o Japão teve grande participação na ex-
Rodovia japonesa destruída com o abalo sísmico pansão territorial na região do Pacífico. Localizado no extre-
de 8,9 na escala Richter, janeiro de 2011 mo leste da Ásia, ficou conhecido como Terra do Sol Nascente.
Como quase 80% do relevo japonês é formado por mon- A Segunda Guerra Mundial deixou influências ocidentais
tanhas, as planícies litorâneas concentram a maioria da importantes no Japão. A aristocracia japonesa, de origem
população, onde se potencializam os recursos com a utili- imperial, não foi capaz de manter a propriedade das terras
zação de técnicas como a polderização (avanço de aterros nas províncias que foram privatizadas. Foi nesse período
sobre o mar), principalmente, para aumentar as restritas da história do Japão que predominou a imagem dos guer-
terras agrícolas. Em razão da grande quantidade de áreas reiros samurais, selecionados pelo império para proteger a
montanhosas, os rios japoneses são pouco extensos, mas ordem pública e as propriedades da coroa.
intensamente aproveitados, principalmente para a geração
de energia e irrigação.
1.3. Da modernização Meiji à
O clima, ao norte, recebe influência das massas frias e se- democracia Taishô (1868-1926)
cas que se deslocam da Sibéria, da corrente fria de Oya
Shivo (Curilas) e das monções de inverno, configurando um
clima temperado frio. Na porção central do país, predomi-
1.3.1. O fim do domínio dos
na o clima temperado oceânico, influenciado pela corrente xoguns (origem do xogum)
quente de Kuro Shivo (corrente do Japão), que ameniza O comando das lutas para estabelecer a unidade política
as temperaturas no inverno. Ao sul, o clima predominante do Japão cabia a um seii taishogun. A expressão foi depois

77
abreviada para shogun. No século XII, a força dos xoguns
passou a ameaçar seriamente os imperadores. Em 1185,
Ioritomo, chefe do clã dos Minamoto, destruiu a hegemo-
nia dos Taira e instalou uma ditadura militar: o “Xoguna-
to”. Foi mantido o imperador sem governar. Isso aconteceu
no momento em que o mundo ocidental acabava de expe-
rimentar as principais revoluções civis, como a francesa e a
americana (século XVIII). A economia capitalista em conso-
lidação necessitava cada vez mais de novos mercados, bem
como do japonês. O isolamento provocado após a instau-
ração do Xogunato Tokugawa contrariava as leis de oferta
e procura. Foi assim que começou a pressão internacional
para a abertura dos portos, na metade do século XIX. Sem
sucesso, entre os séculos XVIII e início do XIX, os navios
ingleses e russos tentaram quebrar o isolamento japonês.
Mas essa situação se modificaria.

Mutsuhito Meiji, 122º imperador do Japão (retrato)

O imperador Meiji precisou promover mudanças radicais,


como a abolição da classe dos samurais. Modernizou o
país para atender às necessidades impostas pelo capitalis-
mo. Em 1890, foi instituído um governo constitucional nos
moldes da constituição alemã.
Meiji governou o Japão por 45 anos. Seu mérito foi for-
talecer internamente o país, modernizar rapidamente os
setores industriais, políticos e sociais, disseminar a efer-
Aliança Satsuma-Chôshu, do samurai vescência intelectual com a tradução e leitura dos clássi-
Saigo Takamori, do domínio Satsuma
cos ocidentais.
A Aliança Satsuma-Chôshu, do samurai Saigo Takamori, do
domínio Satsuma, foi um dos mais poderosos feudos da
era Xogunato Tokugawa e Kido Takayoshi, outro conhecido
samurai do domínio Chôshu – um feudo japonês que de-
sempenhou importante papel no xogunato de Tokugawa.
Em 1853, o comodoro Matthew Galbraith Perry, a serviço
dos Estados Unidos, entregou uma mensagem ao emissá-
rio do xogum solicitando o fim do isolamento japonês. Em
31 de março de 1854, o Japão assinava o Tratado de Ka-
nazawa com os Estados Unidos, pelo qual liberava os por-
tos de Shimoda e Halodate para os navios estadunidenses.
Com a assinatura desse tratado e a abertura dos portos,
anunciava a chegada do imperialismo dos EUA na Ásia. Família de imigrantes japoneses (México, início do século XX)
Descontentes com o xogunato e seu altos impostos, além O fenômeno emigratório japonês durante o governo Meiji foi
do forte desejo da reestruturação do poder do imperador, consequência de grandes mudanças estruturais na socieda-
camponeses, samurais (a casa militar dos xoguns) e forças de. Se, durante a era Tokugawa, os japoneses isolaram-se do
progressistas uniram-se para derrubar o regime. resto do mundo, com as mudanças radicais da era Meiji tudo
Em 1867, teve início uma nova etapa na história do Ja- mudou de figura. Como exigência do desenvolvimento do
pão, a restauração Meiji. Aos 14 anos, o jovem Mut- capitalismo, o trabalho rural transitou para o industrial com
suhito Meiji assumiu o trono após a morte do imperador drásticas consequências, como a concentração urbana cau-
Kômei, em 1866. sada pelo êxodo rural, problema esse que a modernização

78
do Japão obrigou-o a resolver com a emigração de parte da Os grandes bancos japoneses são formados nesta época,
sua população, primeiramente para o Hawai, depois Peru e devido, principalmente, ao crescimento do parque indus-
México e, a partir de 1908, para o Brasil. trial. São grupos de créditos como o Mitsui, Mitsubishi,
Sumitomo, Yasuda e Daiichi.
O imperador Meiji morreu em 1912 e foi sucedido pelo
príncipe Yoshihito, o imperador Taishô. É neste governo que O crescimento da economia japonesa foi temporário. Du-
o Japão participa da Primeira Guerra Mundial, ao lado dos rou o tempo necessário para a Europa se recuperar. Com o
aliados. Não foi um governo centralizador como o de Meiji, fim da guerra, os japoneses conheceram o reverso do su-
caracterizando-se pelo avanço das ideias democráticas. Os cesso capitalista. Os produtos japoneses perderam espaço
democratas queriam menos poder para o imperador e mais no mercado. Com isso, a recessão tomou conta da vida dos
para o povo. O sufrágio universal (direito de voto) se torna japoneses. Os democratas aproveitaram-se desse momen-
lei, em 1925, mas só beneficiou homens acima de 25 anos. to, promovendo a difusão das suas ideias.
Movimentos de cunho operário ganharam notoriedade ao O fim da era Taishô, de altos e baixos, de democracia e
lado das ideias dos sindicalistas e socialistas. crescimento econômico, vai ser sucedida pela ascensão das
Entretanto, mal a democracia começa a criar raízes nos ideias nacionalistas, com o respaldo dos militares.
moldes ocidentais, ela tem morte prematura. Tal como o
cristianismo nos séculos XVI e XVII, a democracia é uma
ideia pouco atraente para a aristocracia japonesa que, ao
lado da classe dominante, não estava disposta e ceder par-
te do seu poder. O primeiro-ministro Hara Takashi assume
o cargo em 1918. Três anos foram suficientes para que um
atentado colocasse fim ao seu governo. Hara não era liga-
do nem à aristocracia nem à oligarquia “hambatsu”, que
apoiava o imperador.

Indústria de máquinas pesadas Sumitomo

1.3.2. Do imperador Showa ao imperador


Akihito (1926 aos dias atuais)
Ao falar da era Showa, remete-se naturalmente ao impe-
rador Hirohito, nome que usava quando vivo, cujo governo
foi o mais longo do Japão moderno.

Imperador Taishô

No setor econômico, o Japão obteve sucesso durante o


período Taishô. Conseguiu monopolizar o mercado asiáti-
co, sem a intromissão dos europeus. Devido ao desgaste
provocado pelo conflito de 1914 a 1918, a Europa estava
debilitada. Os industriais japoneses lançam-se a construir
navios diante da escassez mundial deste produto, e con-
seguem capitalizar na indústria naval. Os produtos indus-
trializados, antes fornecidos pela Alemanha, agora são
fabricados pelos japoneses, que conseguem impor seus
produtos nos mercados. É o caso dos produtos químicos,
medicamentos, tintas e adubos. Dos ingleses, os japoneses
tomam o mercado asiático de fiação e tecelagem. Hirohito, imperador do Japão1 (1986)

79
Quando o imperador Showa recebeu o governo de seu an- Ainda não tinha amanhecido no Havaí, em 7 de dezem-
tecessor Taisho, a crise estava instaurada. O malogro da bro de 1941, quando a aviação japonesa atacou a base
democracia tinha criado condições para o fortalecimento estadunidense de Pearl Harbor. Em seguida, declarou
de forças paralelas. Para piorar, o crash da Bolsa de Nova guerra aos Estados Unidos e à Inglaterra. Em 1942, os
Iorque, em 1929, afetou a já debilitada economia japone- japoneses davam sinais de debilidade nas guerras do
sa. O desemprego atingiu cifras assustadoras: dois milhões Pacífico.
de trabalhadores estavam fora das fábricas. Na zona rural,
Derrotado na guerra, o Japão teve de arcar com per-
o preço dos produtos agrícolas chegou ao ponto crítico.
das e dores, bem como foi obrigado a reconstruir e
Em contrapartida, os capitalistas acumularam muita ri-
adaptar o país à modernidade. Mas, antes, as forças
queza. Os partidos políticos viviam ameaçados pela cor-
aliadas ocuparam o Japão, em 1945, sob o comando
rupção. Nessa instabilidade econômica e política nasceu
e germinou o fascismo japonês. Tratava-se de um sistema do general Douglas MacArthur. O período de ocupa-
populista, centralizador e totalitário alicerçado na figura do ção dos EUA, que foi de 1945 a 1952, serviu para o
imperador como comandante, único caminho que poderia Japão retomar o caminho do desenvolvimento. Foram
conduzir o Japão para o desenvolvimento. eliminadas as ideias bélico-imperialistas e restaurada
a democracia. Tal democracia, foi uma das imposições
Em face do fracasso do sistema democrático, cada vez mais estadunidenses encaminhadas pelo general MacAr-
aumentava a influência dos militares. thur, comandante da ocupação. O Japão do pós-guer-
O incidente que vai reforçar a expansão imperialista japo- ra passa por drásticas mudanças de ordem política e
nesa, sob o comando dos militares, é o da Manchúria. A econômica, entre elas: fim da monarquia absoluta e
força japonesa estacionada naquela província desde 1919 adoção do regime parlamentarista monárquico; ado-
provocou, em 1931, uma explosão na Estrada de Ferro ção da democracia e criação de partidos políticos;
Sulmanchuriana, propriedade do governo japonês. A culpa renúncia ao militarismo; reforma agrária; dissolução
recaiu sobre os chineses, o que motivou o argumento ne- dos zaibatsus (grandes conglomerados japoneses, de
cessário para justificar uma agressão militar japonesa, que origem familiar).
passou a atacar cidades chinesas.
Algumas décadas foram necessárias para reinstalar o
A situação interna do Japão não era das melhores. Não Japão entre os países desenvolvidos. Se, no início, os
havia liberdade de expressão; líderes socialistas, operários produtos japoneses eram considerados baratos e ruins
e liberais desapareciam condenados ao ostracismo ou nos até pelos próprios japoneses, em pouco tempo, eles
porões da repressão. passaram a ameaçar os Estados Unidos e tornar o Ja-
Em razão das campanhas militares na China, a economia pão a segunda potência econômica. Os ensinamentos
japonesa encontrava-se dilapidada e o comércio exterior dos EUA de aumento de produtividade e melhoria de
impedido de se expandir por pressão dos aliados. Foi qualidade foram bem assimilados pelos japoneses, que
quando os Estados Unidos resolveram dar o golpe fatal. passaram a adotar métodos de trabalho hoje aprovei-
Em 1939, suspendeu a venda de matérias-primas – petró- tados no mundo inteiro: eliminação de desperdício no
leo e demais insumos industriais – para o Japão. Nenhum processo industrial. Na área comercial, muitos segmen-
acordo com o presidente Franklin Roosevelt foi possível. Do tos ultrapassaram os estadunidenses e invadiram as lo-
lado japonês, o endurecimento das posições deu-se com jas dos Estados Unidos.
o ministro da Guerra, general Tojo Hideki, que ascendeu De 1926 a 1989, por 64 anos, portanto, o imperador
ao cargo de primeiro-ministro. Em vez de acordo com os
Showa governou um país que passou pela Segunda
Estados Unidos, preferiu a guerra.
Guerra Mundial, pela responsabilidade e peso da derro-
ta, experimentou os horrores da bomba atômica, à qual
se, seguiu um intenso trabalho para recuperar o país du-
rante e no pós-guerra. O imperador, até então conside-
rado uma divindade, declarou ser um homem de carne
e osso. Falando pelo rádio para todo o país para explicar
a derrota e, mais tarde, caminhando pelos destroços e
pedindo para que o povo tivesse esperança e força para
reconstrução, ele assumiu a condição de ser humano. Foi
a primeira vez que a grande maioria dos japoneses ouviu
Batalha entre atacantes e bombeiros, em Pearl Harbor ou viu seu líder de perto.

80
1.4. Aspectos populacionais
Japão: densidade populacional

Mapa de densidade populacional por prefeitura


Japão

A população do Japão, segundo dados de 2012, é estima-


da em 127,6 milhões de pessoas, o décimo mais povoado
1.5. Emigração
do mundo, resultado das altas taxas de crescimento ex-
perimentadas durante o final do século XIX e começo do
século XX.
Em geral, ela é bastante homogênea e composta por ja-
poneses étnicos. Há minorias étnicas indígenas, como os
ainus, e estrangeiros em busca de emprego. Em 2004, o
Ministério da Justiça estimou o número de estrangeiros
legais em quase dois milhões, entre coreanos, chineses,
taiwaneses, brasileiros e filipinos. Em menor número estão
peruanos, estadunidenses, ingleses, tailandeses, indoné-
sios, vietnamitas, australianos, canadenses, indianos, ira-
nianos e russos. Rua Galvão Bueno, bairro da Liberdade, São Paulo (2014)

81
Cerca de 6,63 mil japoneses vivem no exterior, dos quais das estatísticas japonesas é diferente do observado nos
aproximadamente 75 mil residem permanentemente em censos étnicos da América do Norte e de alguns países
outro país, mais de seis vezes, hoje, o número dos que europeus. No Reino Unido, por exemplo, pergunta-se a
estavam nessa situação em 1975. Mais de 200 mil ja- origem étnica ou racial de sua população, não a nacio-
poneses foram para o exterior na década de 1990, para nalidade dela. O Departamento de Estatística do Japão
estudar, pesquisar ou trabalhar. Como o governo e as ainda não faz esse tipo de pergunta, visto que o censo
corporações do país buscaram a internacionalização, um populacional registra a nacionalidade dos estrangeiros
maior número de indivíduos foi diretamente afetado, o em vez de sua origem étnica. No censo, os cidadãos
que diminuiu a insularidade histórica do Japão. Apesar japoneses naturalizados e os nativos do Japão com ori-
dos benefícios da experiência de viver no exterior, indi- gens multiétnicas são considerados japoneses. Apesar
víduos que viveram fora do Japão por longos períodos da crença generalizada de que o Japão é um país etni-
frequentemente sofrem problemas de discriminação camente homogêneo, provavelmente seria mais correto
quando retornam. Há quem não os considere mais in- descrevê-lo como uma sociedade multiétnica.
teiramente japoneses. No começo da década de 1980, Na década de 1990 e no começo dos anos 2000, diploma-
esses problemas, principalmente o bullying das crianças tas japoneses assinaram acordos com países do sul da Ásia
que retornavam às escolas, tornaram-se um problema para obter cerca de 50 mil trabalhadores temporários para
público tanto no Japão como nas comunidades japone- trabalhar no Japão. Acordos semelhantes assinados com pa-
sas ao redor do mundo. íses da América, como Brasil, Uruguai, Chile, México e Peru,
conseguiram levar para o Japão 20 mil estrangeiros, dentre
1.6. Imigração eles descendentes de japoneses que podem, no futuro, ser
assimilados culturalmente pela população japonesa.
De acordo com o centro de imigração do Japão, o núme-
ro de residentes estrangeiros no país tem aumentado. A maioria dos brasileiros residentes no Japão são nikkeis
Excluídos os imigrantes ilegais e turistas que permane- (descendentes de japoneses ou cônjuges de nipo-brasilei-
cem no Brasil por menos de 90 dias, os estrangeiros ros), que vivem e trabalham legalmente e são conhecidos
somavam 2,2 milhões, em 2008. Em 2010, esse número como decasséguis.
caiu para 2,1 milhões de pessoas. A maioria dos 230 O Brasil passou a receber imigrantes japoneses em 1908,
mil brasileiros eras descendentes de japoneses; 687 mas a maior parte deles chegou na década de 1930 e fi-
mil chineses e 565 coreanos. Essas três nacionalidades xou-se, sobretudo, em São Paulo. Hoje, a população nipo-
juntas contribuíam com cerca de 69,5% dos residentes -brasileira é de quase 1,5 milhão de pessoas, da qual mais
estrangeiros no país. de um milhão são mestiços. Formam a maior colônia de
Entre os imigrantes, o Japão aceita um fluxo de apro- descendentes japoneses do mundo. Muitos desses mesti-
ximadamente 15 mil novos cidadãos japoneses por ços ou cônjuges brasileiros têm imigrado para o Japão em
naturalização todo ano. O conceito de grupos étnicos busca de melhores condições de vida.

Imigração brasileira no Japão

O Brasil é o país com a maior colônia de japoneses e descendentes fora do Japão.

82
Imigração e incentivo ao aumento do número de filhos são importações abaixo da quota não sofrem restrições, mas
soluções sugeridas para prover trabalhadores jovens, que estão sujeitas a uma tarifa de 341 yenes por quilo. Hoje,
sustentariam a população idosa do país. Porém, políticas essa tarifa é estimada em 490% e tende a aumentar para
de apoio à imigração são impopulares, uma vez que o au- 778%, graças aos novos métodos de cálculo que serão in-
mento do índice de criminalidade é, muitas vezes, atribuído troduzidos como parte da Rodada de Doha.
aos novos moradores estrangeiros.

1.7. Aspectos econômicos


O Japão, um dos membros do G-8, cuja economia é a
terceira maior do mundo, por PIB nominal, com renda per
capita de US$ 36,8 mil (FMI, 2013), e a quarta maior em
paridade do poder de compra. A economia japonesa é
analisada pela pesquisa trimestral Tankan de sentimento
empresarial, conduzida pelo Banco do Japão.
É o terceiro maior produtor de automóveis do mundo, detém
as maiores indústrias de bens eletrônicos e, frequentemente,
um dos mais inovadores. É um dos líderes de registros de
Agricultura de terraceamento ou jardinagem
patentes globais. Vem encarando uma competição crescente
com a China e a Coreia do Sul em produção de bens de Apesar de o Japão ser autossuficiente em arroz (exceto
alta tecnologia e de precisão: instrumentos ópticos, veículos para o processamento industrial) e trigo, o país impor-
híbridos e robótica. As regiões de Kanto e Kansai são os cen- ta cerca de 50% de sua demanda de grãos e outras
tros industriais manufatureiros da economia japonesa. culturas forrageiras, bem como a maior parte da carne
O Japão também é o maior país credor do mundo, cujo su- consumida. É o maior mercado consumidor dos produ-
peravit comercial anual detém um considerável excedente tos agrícolas da União Europeia. Maçãs são produzidas
internacional de investimentos. Os ativos financeiros priva- nas regiões de Tohoku e Hokkaido; peras e laranjas, em
dos (segundo maior do mundo) somam cerca de US$ 14,6 Shikoku e Kyushu.
trilhões, 13,7%. Em 2013, 62 empresas do Fortune Global
500 eram sediadas no Japão. Segundo o Fórum Econômico 1.7.2. Pesca (mundial e o Japão)
Mundial, o país é o nono no ranking de competitividade.
O Japão detém o segundo maior volume de toneladas de
peixes pescados do mundo, atrás apenas da China, com
1.7.1. Agricultura 11,9 milhões de toneladas, em 1989, e ligeiramente acima
O arroz é um produto essencial para o Japão, como mostra dos 11,1 milhões de toneladas, em 1980. Após a crise de
esse arrozal em Kurihara, Miyagi. Apenas 12% do territó- energia de 1973, a pesca no mar profundo diminuiu em
rio japonês é apropriado para o cultivo. Em virtude dessa relação ao volume anual pescado na década de 1980 e
falta de terra arável, utiliza-se um sistema de terraço para alcançou cerca de dois milhões de toneladas. A pesca em
se plantar em pequenas áreas. Consequentemente, o país mar aberto contribuiu com cerca de 50% do total de peixes
tem um dos maiores índices de produção por área quadra- capturados no final dos anos 1980.
da do mundo, o que o torna autossuficiente em produtos A pesca costeira com pequenos barcos, redes de pesca ou
agrícolas por volta de 50% em apenas 56 mil km² (14 técnicas de reprodução contribuíram com cerca de um terço
milhões de acres) cultivados. No espaço agrário japonês, do total da produção do setor; a pesca em alto mar com bar-
além das técnicas do terraceamento, polderes e curvas de cos de média proporção contribuiu com mais da metade da
nível, as propriedades agrícolas no país têm em média 1,7
produção total. O restante foi pescado por grandes barcos.
hectares e são de base familiar, devido a ampla reforma
Entre as várias espécies de frutos do mar pescados estão a
agrária promovida durante a reconstrução no pós-guerra.
sardinha, o atum, o caranguejo, o camarão, o salmão, o es-
O pequeno setor agrícola japonês, todavia, é altamente camudo, a lula, os mariscos, a cavala e o pargo. A pesca em
subsidiado e protegido, cuja regulação favorece o cultivo água doce responde a 30% da indústria pesqueira japonesa.
em pequena escala.
O Japão tem uma das maiores frotas pesqueiras do mundo
O arroz, importado e mais protegido, é sujeito a tarifas e contribui com cerca de 15% da pesca mundial. Algumas
de 490%, restringido a uma quota de apenas 7,2% do entidades acusam-no de pôr em risco de extinção alguns
consumo médio de arroz de 1960 a 1988. Legalmente, as peixes, como o atum, e de apoio comercial à pesca baleeira.

83
O atum é um dos principais pescados do Japão,
pois é a base da sua alimentação.

1.7.3. Indústria
A indústria manufatureira japonesa, altamente dependente de matéria-prima e combustível importados, é composta dos
setores eletrônicos de computadores, semicondutores de cobre, ferro e aço, petroquímico, farmacêutico, da construção naval,
aeroespacial, têxtil e alimentos processados.
Indústria

ferro e aço materiais de construção


máquinas e bens de metal têxtil e vestuário
engenharia elétrica madeira e/ou papel
equipamentos de transporte géneros alimentícios
e/ou construção naval
chemicals outros

Maior área industrial

1.7.4. Construção naval


O Japão dominou a construção naval mundial no final da década de 1980. Responde por mais da metade de todos os pedidos
no mundo. Seus competidores mais próximos são a Coreia do Sul e a Espanha, com 9% e 5,2%, respectivamente, do mercado.

84
Essa indústria foi atingida por uma longa recessão do cimento foi de 8% em 1989, em virtude dos muitos gas-
final da década de 1970 até 1980, o que resultou em tos com a população idosa japonesa. Os fabricantes líderes
drástico corte no uso de fábricas e na força de trabalho. O desenvolveram novas drogas para doenças degenerativas e
reaquecimento do setor deu-se a partir de 1989, graças geriátricas. As empresas farmacêuticas estabeleceram redes
à demanda de outros países que precisavam substituir tripolares entre Japão, Estados Unidos e Europa ocidental, a
suas frotas antigas, e ao declínio súbito da indústria naval fim de coordenarem o desenvolvimento de produtos, inten-
na Coreia do Sul. Em 1988, as empresas japonesas de sificando com isso as fusões e as aquisições no exterior. A
construção naval receberam pedidos de 4,8 milhões de pesquisa e o desenvolvimento da biotecnologia progrediam
toneladas de navios, número esse que saltou para 7,1 com estabilidade, incluindo o lançamento de projetos mari-
milhões de toneladas, em 1989. nhos com a comercialização em grande escala a ocorrer na
década de 1990. Ela cobria uma ampla variedade de cam-
Embora encare a competição com a Coreia do Sul e China,
pos: agricultura, pecuária, farmácia, química, processamento
a indústria manufatureira de construção naval japonesa per-
de alimentos e fermentação industrial. Hormônios e prote-
manece avançada e bem-sucedida. Em 2004, o Japão perdeu
ínas humanas para uso farmacêutico foram pesquisados
sua posição de liderança na indústria para a Coreia do Sul.
mediante recombinação genética com bactérias, bem como
Desde então, sua participação no mercado vem caindo drasti-
melhoria das propriedades das enzimas bacterianas para
camente. A participação de mercado total dos países de toda
desenvolver a tecnologia de fermentação de aminoácidos,
a Europa caiu para apenas um décimo da Coreia do Sul, e
campo no qual o Japão é líder mundial. O governo adverte
os números dos Estados Unidos e outros países tornaram-se
os produtores japoneses, no entanto, contra o excesso de
mínimos. No entanto, a construção naval militar permanece
otimismo no que se refere à biotecnologia e bioindústria. As
dominada pelas empresas dos Estados Unidos e Europa.
pesquisas no Japão e no exterior intensificaram-se na dé-
cada de 1980, levando a disputas por patentes e forçando
1.7.5. Aeroespacial algumas empresas a abandonarem suas pesquisas.
A indústria aeroespacial recebeu um grande impulso em
Em 2006, o mercado farmacêutico japonês foi o segundo
1969, com a fundação da Agência Nacional de Desenvol-
maior do mundo, com vendas que chegaram a 60 bilhões
vimento Espacial, posteriormente Agência Japonesa de
de dólares, aproximadamente 11% do mercado mundial.
Exploração Aeroespacial. Ela se encarregou do desenvol-
vimento de satélites e veículos de lançamento. A indústria A indústria e as leis farmacêuticas são muito particulares,
militar japonesa, embora represente uma fatia pequena do regidas pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar.
PIB, é um setor importante da economia. Em 6 de janeiro de 2001, houve fusão do Ministério da
Saúde e do Bem-Estar com o Ministério do Trabalho,
1.7.6. Petroquímica como parte do programa do governo japonês para reor-
ganizar os ministérios.
A indústria petroquímica japonesa experimentou um cres-
cimento moderado no final da década de 1980, em razão
da expansão econômica estável. O maior crescimento veio
da produção de plásticos, poliestireno e polipropileno. Os
preços dos produtos petroquímicos permaneceram altos
graças à demanda crescente das economias em desenvol-
vimento, na Ásia.
Em 1990, esperava-se que a construção de complexos de
fábricas para produzir produtos baseados no etileno na
Coreia do Sul e na Tailândia aumentaria a oferta e redu-
ziria os preços. Em longo prazo, prevê-se que a indústria
petroquímica japonesa irá deparar-se com uma com-
petição intensa, resultado da integração dos mercados
interno e internacional e dos esforços dos outros países
asiáticos em alcançar o Japão.

1.7.7. Biotecnologia e indústria farmacêutica


As indústrias de biotecnologia e farmacêutica viveram um
crescimento intenso no final da década de 1980, cujo cres- Sede de uma indústria farmacêutica em Tóquio, Japão

85
VIVENCIANDO

Um bom passeio seria uma visita ao Centro de Estudos Japoneses da USP, que fica na Cidade Universitária. O prédio
da Casa de Cultura Japonesa foi construído, em 1971, pela Aliança Cultural Brasil-Japão, atendendo à proposta
lançada pelo então reitor da USP, professor doutor Miguel Reale, que propunha a construção de espaços culturais de
diversos países, entre eles, Alemanha, Itália e Japão. A construção da Casa de Cultura Japonesa contou com doações
substanciais do governo japonês (Programa de Subvenções Especiais, Fundação Japão), Nippon Keidanren (Federa-
ção das Organizações Econômicas do Japão), Banpaku Kikin (Organização Comemorativa da Exposição Mundial de
1970), Nippon Usiminas e de entidades e pessoas físicas e jurídicas do Brasil e do Japão.

Fachada da Casa de Cultura Japonesa

86
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Analisar a ação dos Estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de
8 problemas de ordem socioeconômica.

O controle de natalidade é visto em muitos países como uma solução para o crescimento populacional, a partir
de políticas públicas para o incentivo da diminuição do número de nascimentos no país, por meio de campanhas,
distribuição gratuita de contraceptivos, preservativos, entre outros. Essa ideia de utilizar o controle de natalidade
como método de diminuir os nascimentos vem das teorias malthusiana e neomalthusiana, teorias demográficas
que analisam o alto índice populacional de um país como o fator principal de seu baixo desenvolvimento econômi-
co, colocando em vista que os países com maiores índices de desenvolvimento econômico têm baixo crescimento
populacional, e conseguem esse fato a partir da utilização dos controles de natalidade. Por outro lado, os controles
de natalidade podem afetar as economias dos países após as fases de transição demográfica, pois com a redução
de natalidade em um país, a faixa etária de crianças diminui, e quando esse montante de crianças estiver na fase
adulta, o número de pessoas em idade ativa para o trabalho, mão de obra, será baixa, diminuindo a quantidade de
arrecadação governamental a partir da força de trabalho e, consequentemente, uma menor renda de produto interno
bruto (PIB) dentro do país.

Modelo
(Enem) O número de filhos por casal diminui rapidamente. Para a maioria dos economistas, isso representa um alerta
para o futuro.

Uma consequência socioeconômica para os países que vivenciam o fenômeno demográfico ilustrado é a diminuição da:
a) oferta de mão de obra nacional.
b) média de expectativa de vida.
c) disponibilidade de serviços de saúde.
d) despesa de natureza previdenciária.
e) imigração de trabalhadores qualificados.

87
Análise expositiva - Habilidade 8: O declínio da taxa de fecundidade (número de filhos por mulher na idade
A fértil) em vários países foi decorrente de fenômenos como o avanço da mulher no mercado de trabalho, urban-
ização e conquistas nos setores de educação e saúde. Entre as consequências, a redução no porcentual de jovens
e a perspectiva futura de diminuição da oferta de mão de obra.
Alternativa A

DIAGRAMA DE IDEIAS

JAPÃO

HONSHU
ASPECTOS HISTÓRICOS
HOKKAIDO
4 PRINCIPAIS ILHAS
SHIKOKU
SHOGUNATO ERA MEIJE
KYUSHU

G7

ASPECTOS MAIOR CREDOR


SOCIOECONÔMICOS DO MUNDO

• CONSTRUÇÃO NAVAL
INDÚSTRIA
• AEROESPACIAL
(ALTA TECNOLOGIA)
• BIOTECNOLOGIA

88
Regiões socioeconômicas mundiais
AULAS
VII: Índia e sudeste asiático
37 e 38
Competência: 2 Habilidade: 7

1. Índia
1.1. Aspectos físicos
O sul da Ásia possui três regiões topográficas distintas:
§ uma porção montanhosa, ao norte da Índia, formada pela cordilheira do Himalaia – com as mais altas montanhas
do mundo
§ Karakorum – uma cordilheira que se estende por 500 quilômetros e entre os rios Indo, a leste, e Yarkand, a oeste – e
Hindu Kush – a segunda maior faixa de cordilheira do mundo, com 800 quilômetros de extensão, a oeste e ao sul do
rio Yarkland, com as encostas voltadas para o Sul; e
§ o planalto do Decã, na porção centro-sul.

89
Ao sul das montanhas está a planície Indo-gangética temperaturas e formação de um centro de baixa pressão.
(onde está a maior concentração populacional da Índia), Mares e oceanos com maior calor específico armazenam
uma faixa larga de terras baixas e relativamente planas. esse calor, favorecendo, assim, a formação de centros de
Esta planície aluvial foi criada pelos rios Indo, Ganges, alta pressão. No inverno, os centros de alta e de baixa pres-
Brahmaputra e seus afluentes e com o fluxo de muitos se- são invertem-se: a alta pressão permanece no continente e
dimentos vindos do Himalaia em direção ao mar. O Indo e a baixa, nos oceanos.
seus afluentes correm para o sul e oeste e deságuam no
mar Arábico. O Ganges, o Brahmaputra e seus afluentes
correm para o sul e leste e desembocam na baía de Benga-
la. Essas bacias favorecem a agricultura – historicamente
concentrada no plantio de várzea do arroz e, em terra firme,
com o cultivo do trigo e do algodão.
Ao sul da planície fica o planalto do Decã, uma área
relativamente plana entre as montanhas ocidentais de
Ghat. Elas separam o planalto do litoral e encontram-se no
sul, na ponta da península em forma triangular, conhecida
Atuação das monções na Índia, no inverno e no verão
como Índia peninsular. O Decã corresponde à maior porção
do território da Índia. Embora essenciais para a agricultura, as chuvas de mon-
ções, se muito intensas, agravam problemas sociais, como
enchentes urbanas e deslizamentos. Assim como grande
parte do sudeste asiático, a Índia tem áreas de concentra-
ção populacional classificadas como “formigueiros huma-
nos”, as habitações são precárias e o saneamento básico
não suporta as condições naturais do clima, notadamente
em julho, quando as precipitações são mais intensas.

Cordilheira do Himalaia, região entre a Índia e a China

1.2. Clima e vegetação


O clima é bastante variado, com temperaturas frias no alto
das montanhas, clima temperado no sopé das montanhas,
na planície do Ganges e nas áreas tropicais do planalto
do Decã. A Índia sofre influência do clima de monções, al-
ternando períodos de seca e chuva – monção é um termo
árabe que significa ”ventos sazonais”. No verão, esses Inundação provoca desabamento de edifícios no norte da Índia.
ventos sopram do mar e carregam umidade em direção
Esses ambientes de umidade e calor favorecem a formação
ao continente, quando é chamado de monção úmida ou
de florestas latifoliadas, no sul da Índia, em baixas latitudes,
de verão. No inverno, sopram do centro do continente para
sujeitas à ação mais intensa dos raios solares, uma vez que
o mar e transmitem estiagem. Esse período é conhecido
estão mais próximas da linha do Equador. Na parte central,
como a monção seca ou de inverno.
há savanas – vegetação característica de climas tropicais –,
Esse fenômeno está relacionado às diferenças de pressão que alternam uma estação seca (outono e inverno) e uma
atmosférica. Em geral, os ventos sopram de uma zona de estação chuvosa (primavera e verão). As savanas são for-
alta pressão em direção a uma zona de baixa pressão. madas por árvores de médio porte, regularmente dispersas
Durante o verão, como o calor específico do continente é entre campos naturais. Mais próximas das montanhas, ao
menor que as massas oceânicas, boa parte do calor é re- norte, encontram-se as coníferas – floresta homogênea e
fletido mais rapidamente, o que provoca aquecimento das formada por espécies de pinheiros.

90
1.3. Aspectos históricos Em 31 de dezembro de 1600, a rainha Isabel I a Inglaterra
outorgou uma carta real à Companhia Inglesa das Índias
O termo Índia Britânica é a denominação não oficial do Orientais para comercializar com o Oriente. Os primeiros
domínio colonial do Império Britânico sobre o subconti- navios da Companhia chegaram à Índia, em 1608, e apor-
nente indiano – área geográfica que inclui os territórios taram em Surat, hoje Guzarate.
atuais da Índia, Paquistão, Bangladesh (antigo Paquistão
Quatro anos mais tarde, comerciantes ingleses derro-
Oriental) e Mianmar (antiga Birmânia). Também pode ser
taram os portugueses numa batalha naval, com o que
designado pelo termo Raj Britânico.
ganharam a simpatia do imperador mongol Jahangir.
O período de dominação britânica (1558-1947) corres- Em 1615, o rei Jaime I enviou um embaixador à corte mon-
ponde ao período em que os direitos da Companhia gol, oportunidade em que negociaram um tratado de co-
Britânica das Índias Orientais foram transferidos para a mércio pelo qual a Companhia poderia estabelecer postos
coroa britânica (1947), quando o Reino Unido passou a comerciais na Índia em troca de bens europeus. A Com-
soberania sobre aquele território para os recém-criados panhia comercializava algodão, seda, salitre, índigo e chá.
Índia e Paquistão.
Em meados do século XVII, a Companhia já havia esta-
Sob o ponto de vista formal, o termo “Índia Britânica” belecido postos comerciais nas principais cidades indianas
aplicava-se apenas às porções do subcontinente gover- – Bombaim, Calcutá e Madras – e erguido a primeira fei-
nadas diretamente pela administração britânica em Deli e, toria em Surat, em 1612. Em 1670, o rei Carlos II outorgou
anteriormente, em Calcutá. Naquela época, a maior parte à Companhia das Índias Orientais os direitos de adquirir
do território do subcontinente sob influência britânica não território, formar exército, cunhar moeda e exercer jurisdi-
era governada diretamente pelos britânicos. Os chamados ção em áreas sob seu controle. Ao final do século XVII, a
“Estados principescos” eram nominalmente independen- Companhia havia se transformado num “país” no subcon-
tes, governados por marajás, rajás, thakurs e nababos, que tinente indiano, com considerável poder militar, político e
reconheciam no monarca britânico seu suserano feudal por administrativo. Havia três “presidências” – administrações
meio de tratados. coloniais regionais.

Áden passou a integrar a Índia Britânica a partir de 1839, Os britânicos estabeleceram-se definitivamente no subcon-
e a Birmânia, a partir de 1886 – ambos tornaram-se co- tinente quando tropas financiadas pela Companhia derro-
lônias separadas do Império Britânico, em 1937. Embora taram o nababo bengalês Siraj Ud Daulah, na batalha de
o Sri Lanka (antigo Ceilão) possa ser considerado parte Plassey, em 1757. As riquezas bengalesas foram expropria-
do subcontinente indiano, não integrava a Índia Britânica das, o comércio local foi monopolizado pela Companhia
e Bengala tornou-se um protetorado sob controle direto
e era governado como colônia britânica, diretamente de
britânico. A fome (1769-1773) – provocada pela exigência
Londres, não pelo vice-rei da Índia.
de fazendeiros de que artesãos bengaleses trabalhassem
O Estado Português da Índia e a Índia Francesa eram for- por remuneração irrisória – matou dez milhões de pessoas.
mados por pequenos enclaves costeiros governados por Catástrofe semelhante ocorreu quase um século depois,
Portugal e França, respectivamente. Foram integrados à quando o Reino Unido estendeu seu controle sobre o sub-
Índia, depois da independência. continente: 40 milhões de indianos morreram de fome em
meio ao colapso da indústria local.

1.3.1. Expansão territorial britânica


Em 1773, o parlamento britânico instituiu o cargo de go-
vernador-geral da Índia. Na virada para o século XIX, o
governador-geral, lorde Wellesley, passou a expandir os
domínios da Companhia em grande escala: derrotou Tipu
Sahib; anexou Mysore, na Índia meridional; e removeu a
influência francesa do subcontinente. Em meados daquele
século, o governador Dalhousie lançou a expansão mais
ambiciosa da Companhia – ao derrotar os siques nas guer-
ras anglo-siques, anexou o Panjabe e subjugou a Birmânia,
na segunda guerra anglo-birmanesa. Dalhousie também
Após a batalha de Plassey, Robert Clive tomou posse do
tomou os pequenos Estados principescos de Satara, Sam-
domínio da Companhia das Índias Orientais na Índia. balpur, Jhansi e Nagpur, com base na chamada “doutrina

91
da preempção”, segundo a qual a Companhia poderia anexar qualquer principado cujo governante morresse sem herdeiros
do sexo masculino. A anexação de Oudh, em 1856, foi a última da Companhia e, no ano seguinte, ela assistiu à eclosão da
revolta dos cipaios.
Nesse período, a Inglaterra adotou uma política colonialista e imperialista, dominando várias regiões da África e da Ásia. Os
britânicos tinham como objetivo explorar os recursos minerais e a mão de obra dessas regiões, além de ampliar o mercado
consumidor para seus produtos industrializados.

1.3.1.1. Revolta dos Cipaios Havia rumores de que os cartuchos utilizados em um novo
rifle britânico eram revestidos por uma película de origem
bovina. No hinduísmo, a vaca é considerada um animal sa-
grado, e este fato foi o estopim para o início do conflito. A
princípio, as tropas indianas venceram as tropas britânicas
e dominaram algumas províncias da região central e vá-
rias cidades importantes do norte da Índia. No entanto, em
1859, os britânicos aumentaram seu efetivo militar na re-
gião e sufocaram a revolta, implantando, a partir de então,
um sistema de controle mais rígido.

Rebeldes indianos executados durante a revolta dos Cipaios

A revolta dos Cipaios foi uma revolta armada, que teve


início 1857, contra a dominação e a exploração dos in-
gleses na Índia.
Os ingleses passaram a obrigar jovens indianos a participar
do exército da Companhia Britânica das Índias Orientai –
esses soldados eram conhecidos como cipaios. As péssi-
mas condições de trabalho, os baixos salários, além das
diferenças étnicas, religiosas e culturais entre os soldados
indianos e os oficiais britânicos fizeram crescer o sentimen- Visita do governador-geral da Índia, lorde Canning, ao marajá
to de revolta. de Jammu e Caxemira, Ranbir Singh, em 9 de março de 1987

92
Após sufocar a rebelião e retomar o controle da Índia, o restrições ao comércio interno, alta tributação de cidadãos
governo britânico dissolveu a Companhia e assumiu o go- indianos para financiar expedições malsucedidas no Afega-
verno direto da Índia. A rainha Vitória recebeu, em 1877, o nistão, medidas inflacionárias e exportações de safras in-
título de imperatriz da Índia. dianas de produtos básicos para o Reino Unido. A indústria
local indiana também não foi dizimada depois da revolta
Em Londres, criou-se o cargo de secretário de Estado para
de 1857, e as fomes continuaram até a independência, em
a Índia. O governador-geral – chamado de vice-rei, quan-
1947, como a Fome Bengalesa (1943-1944), que matou
do agia na qualidade de representante junto aos Estados
entre três e quatro milhões de indianos.
principescos regularmente soberanos –, sediado em Cal-
cutá, passou a chefiar a administração da Índia Britânica.
Eram-lhe subordinados os governadores das províncias. O
serviço civil da Índia foi, durante décadas, reservado aos
britânicos, até a década de 1910, quando se admitiram al-
guns poucos indianos.

multimídia: livros
A História da Civilização – Will Durant
Trata-se de um grande clássico de caráter uni-
versal primordial para a educação. Possui texto
de fácil entendimento que estimula o leitor a
pensar e refletir sobre o tema proposto.

1.3.2. Primórdios do autogoverno


No final do século XIX, os britânicos editaram as primeiras
medidas para permitir o envolvimento de indianos no go-
Residência de um rico comerciante britânico na Índia, em 1895
verno do subcontinente, como o Indian Councils Act (1892)
e o Government of India Act (1909). Foram oferecidos aos
Em 1858, o vice-rei anunciou que os tratados anteriores indianos cargos de aconselhamento ao vice-rei e de repre-
celebrados com os Estados principescos seriam honrados, sentação legislativa. Aos poucos, adotou-se o princípio ele-
renunciando, portanto, à “doutrina da preempção”. Cerca tivo para o preenchimento dos cargos legislativos centrais e
de 40% do território indiano e 20% a 25% da popula- provinciais, embora a elegibilidade fosse restrita às classes
ção permaneceram sob controle dos 562 príncipes, com altas indianas. Entretanto, nem o governador-geral nem os
notável diversidade étnica e religiosa: muçulmanos, hindus, governadores provinciais passaram a ser responsáveis pe-
siques etc. Sua propensão à pompa e circunstância tornou- rante os legislativos locais.
-se proverbial, como atestam os sentidos figurados dos ter-
Em 1885, formou-se o Partido do Congresso Nacional India-
mos “marajá”, “nababo” e “principesco”, em português.
no, que buscava ampliar a participação indiana no governo.
Seus territórios, no entanto, que variavam em dimensões
Em 1906, com objetivo similar, criou-se a Liga Muçulmana.
e riqueza, viram-se ultrapassados pelas transformações
sociais e políticas que ocorreram em partes da Índia direta-
mente administradas pelos britânicos.
1.3.3. Processo de independência
O Movimento de Independência da Índia reuniu or-
Depois de 1857, a Índia sofreu um período de calamidade
ganizações políticas, filosóficas e movimentos sociais, com
sem precedentes. Na segunda metade do século XIX, ocor-
o objetivo comum e declarado de acabar com o domínio da
reu algo como 25 episódios de fome, em Tâmil Nadu, Biar e
Companhia Britânica das Índias Orientais e depor a autori-
Bengala, causando a morte de 30 a 40 milhões de pessoas.
dade imperial britânica.
As fomes resultavam de secas naturais e de políticas eco-
nômicas e administrativas britânicas, como a transforma- Durante o início do século XIX, Rammohan Roy introduziu
ção de terras agrícolas locais em latifúndios estrangeiros, a educação moderna na Índia. Swami Vivekananda foi o

93
principal arquiteto que projetou a rica cultura indiana para as restrições à imprensa e ao movimento reivindicatório.
o Ocidente, no final do século XIX. Muitos líderes políticos Uma aparente violação das regras sobre ajuntamento de
do país, dos séculos XIX e XX, dentre eles Mohandas K. pessoas levou ao massacre de Jalianwala Bagh, em Amrit-
Gandhi e Netaji Subhas Chandra Bose, foram influenciados sar, em abril de 1919. Aquela tragédia galvanizou dirigentes
pelos ensinamentos de Swami Vivekananda. Para Netaji políticos, como Jawaharlal Nehru (1889-1964) e Mohandas
Subhas Chandra Bose, grande defensor da luta armada Karamchand “Mahatma” Gandhi (1869-1948), e seus se-
pela independência da Índia, Swami Vivekananda foi “o guidores a pressionarem por mudanças.
criador da Índia moderna”; para Mohandas Gandhi, a in-
Em 1935, uma revisão da situação constitucional indiana
fluência de Swami Vivekananda aumentou seu “amor pelo
manteve a separação dos eleitores e estabeleceu a auto-
seu país por mil”. Seus escritos inspiraram uma geração de
nomia das províncias, transformando os conselhos legisla-
lutadores pela liberdade indiana.
tivos em assembleias legislativas eleitas, das quais apenas
alguns poucos assentos continuaram a ser preenchidos
mediante indicação, e perante as quais eram responsáveis
todos os ministros.

Cerimônia de coroação do rei Jorge V como imperador da Índia,


durante o Delhi Durbar de 1911

Jawaharlal Nehru (esquerda) tornou-se o primeiro


primeiro-ministro da Índia, em1947. Mahatma Gandhi
(direita) liderou o movimento pela independência.

Mapa do auge do Império Britânico, em 1919,


com a Índia Britânica destacada em violeta

Os primeiros movimentos de militantes políticos foram or-


ganizados em Bengala e adquiriram a forma de um mo-
vimento dominante no então recém-formado Partido do
Congresso Nacional Indiano (INC). No início do século XX,
ocorreu uma abordagem política mais radical visando a
independência política proposta por líderes como Lal, Bal,
Pal, Sri Aurobindo e V. O. Chidambaram Pillai.
A importante contribuição da Índia com os esforços do
Império Britânico durante a Primeira Guerra Mundial esti-
mulou os indianos a exigir mais voz no governo. O Partido
multimídia: vídeo
do Congresso Nacional Indiano e a Liga Muçulmana fir- Fonte: Youtube
maram um acordo, propondo a reforma constitucional que Gandhi
incluísse o conceito de eleitorados separados e a exigência
África do Sul, 1893. Após ser expulso da 1ª classe
de autogoverno. Em 1919, o governo britânico ampliou a
de um trem, o jovem e idealista advogado india-
autoridade dos conselhos legislativos central e provinciais,
no Mohandas Karamchand Gandhi (Ben Kin-
mas o governador-geral continuou a ser responsável ape-
gsley) inicia um processo de auto-avaliação da
nas perante Londres.
condição da Índia, que na época era uma colônia
As reformas de 1919 não satisfizeram as exigências políticas britânica, e seus súditos ao redor do planeta.
indianas. Os britânicos reprimiram a oposição e reinstituíram

94
As últimas etapas da luta pela liberdade ocorreram a partir O trabalho desses movimentos políticos levou finalmente
da década de 1920, quando o Congresso adotou a política à Lei de Independência da Índia, de 1947, que criou os
de não violência e de resistência civil. Muhammad Ali Jin- domínios independentes da Índia e do Paquistão. A Índia
nah lutava pelos direitos das minorias indianas e por várias permaneceu como um domínio da coroa britânica até 26
outras campanhas de Mohandas Karamchand Gandhi. Fi- de janeiro de 1950, quando a constituição da Índia entrou
guras lendárias, como Subhas Chandra Bose e Bhagat Sin- em vigor, estabelecendo a República da Índia; o Paquistão
gh, adotaram para o movimento de libertação uma prática permaneceu como um domínio até 1956.
política revolucionária. Poetas como Rabindranath Tagore
e Kazi Nazrul Islam usaram a literatura, a poesia e a fala 1.4. Aspectos populacionais
como armas importantes para ampliar a consciência polí- Atualmente, a Índia tem a segunda maior população do
tica da população. O período da Segunda Guerra Mundial, mundo, ultrapassando a marca de 1,3 bilhão de habitantes.
entre os anos de 1939 e 1945, foi marcado pelo auge das Não obstante, as estimativas são de que, até 2035, ela ultra-
campanhas de movimentos políticos e sociais, como o Quit passe a China e assuma a liderança demográfica mundial.
India (liderado por “Mahatma” Gandhi) e o do Exército
A população indiana representa, atualmente, cerca de 15%
Nacional Indiano (INA), liderado por Netaji Subhas Chan-
dos habitantes do mundo, registrando um crescimento de-
dra Bose, que resultaram na retirada dos britânicos do país.
mográfico médio de 1,3% ao ano, contra os 0,6% regis-
O movimento de independência da Índia foi um movimen- trados pela China. Tal crescimento é resultado de políticas
to de massas que reunia vários segmentos da sociedade públicas que diminuíram as faixas de mortalidade no país
do país e passou por mudanças ideológicas. Embora a desde os anos 1960. Considerando apenas os anos 2000,
ideologia básica do movimento fosse o anticolonialismo, a população já cresceu para 180 milhões de habitantes, e
foi também apoiado por uma visão de desenvolvimento sua densidade demográfica é de 382 habitantes/km2.
econômico capitalista independente que teria de superar Em virtude do rápido crescimento populacional e apesar da
uma estrutura política secular, dando-lhe um caráter de- queda nas taxas de crescimento nas últimas décadas, ocor-
mocrático, republicano e capaz de instituir as liberdades rem muitos abortos e infanticídios com crianças do sexo
civis. Após a década de 1930, o movimento assumiu uma feminino. Parte da população teme que o número elevado
forte orientação socialista, graças à crescente influência de de mulheres seja responsável pelo aumento descontrolado
elementos de esquerda no INC e à fundação e crescimento do número de habitantes e pela situação de escancarada
do Partido Comunista da Índia. discriminação vivida pelas mulheres na Índia.

Densidade demográfica indiana

95
A população indiana está concentrada na planície Indo- étnico-cultural maior que a dos indianos é o continente
-gangética, onde fica a capital Nova Delhi. Mumbai, o africano.
maior aglomerado urbano da Índia, é uma cidade cujos
Apesar dessa pluralidade, há três principais denominações
problemas de metropolização, como crescimento e pro-
culturais que fazem parte do território indiano: os hindus,
blemas ambientais, são típicos de países em desenvol-
com mais de 70% da população; os grávidas, com 25%;
vimento.
e os mongóis, que somam 3% juntamente com outras
A composição étnica da Índia é bastante heterogênea, etnias. Como resultado da miscigenação, no país há 18
havendo um grande número de agrupamentos culturais idiomas oficiais, dos quais os principais são o inglês, em-
diferentes, o que caracteriza a grande diversidade e misci- pregado em negócios comerciais e burocráticos, e o hindi,
genação. A única região do mundo com uma diversidade falado por 30% da população.

Índia - dialetos

A maior parte da população, cerca de 80%, é hinduísta; 13% são muçulmanos, aproximadamente 155 milhões de pessoas,
que fazem da Índia, o terceiro maior país islâmico do mundo. Há cerca de 2% de cristãos e outros tantos 2% de sikhs.
O índice de desenvolvimento humano da Índia, divulgado em 2012, não foi um dos mais animadores: com apenas 0,554,
o país ocupava a 136a posição mundial. Apesar dos elevados crescimentos econômicos que o país vem registrando, os

96
governos não vêm adotando políticas públicas e sociais ca- extremamente desfavoráveis. Seguindo-se o ritmo dos
pazes de reverter esse crescimento em qualidade de vida países emergentes, como o Brasil e a China, mais do
e distribuição de renda. O resultado é o elevado índice de que o crescimento econômico, é preciso ampliar o de-
pobreza: 35% dos indianos vivem com menos de um dólar senvolvimento social.
por dia. A expectativa de vida é de 63,5 anos apenas e
mais de 200 milhões de habitantes encontram-se em qua-
dro de pobreza crônica.
A desigualdade social indiana acaba por dificultar o cresci-
mento econômico, limitando seu potencial de mercado. O
governo indiano, numa tentativa de reverter essa situação,
baixou decretos que estabeleceram a liberdade de consumo
para dalits e sudras (castas que constituem a base da pirâ-
mide social indiana), com o objetivo de aumentar o mercado
consumidor. As castas consideradas inferiores acabam fican- multimídia: livros
do com subempregos e profissões com baixas qualificações.
Os processos de industrialização e urbanização contribuíram, A Índia Desde 1980 – Sumit Ganguly e Rahul
de certa forma, para mudar essa estrutura social. Mukherji
Com o mérito de apresentar a história india-
na dos últimos trinta anos de maneira clara
e organizada, alternando análises do pas-
sado recente com recuos para apresentar o
desenvolvimento indiano desde o pós-inde-
pendência.

Festival hindu de Maha Shivaratri, realizado em homenagem


1.4.1. Aspectos econômicos
a Shiva, o deus da criação e da destruição Após a descolonização europeia, o seguimento industrial
da Índia tem crescido de forma significativa.

Sistema de castas indiano A Índia de hoje figura como uma economia emergente.
Segundo o Fundo Monetário Internacional, o país é a 12ª
economia do mundo.

brâmanes O país vem apresentando um crescimento anual de cerca


de 6,3% nos últimos anos. Dentre os principais fatores
xátrias
desse crescimento estão as multinacionais instaladas em
vaixás seu território, levadas pela reserva de mão de obra de
sudras baixo custo e pelo enorme mercado consumido.
dalits Destaca-se pela produção industrial de tecnologia de pon-
ta: eletroeletrônicos, agroindustriais, informática (maior
O sistema de castas indiano contribui ao milenar siste-
produtora de softwares do mundo) e biotecnologia. São
ma de estratificação social do hinduísmo, baseando a
produtos que concorrem diretamente com as indústrias de
divisão do trabalho a partir da hereditariedade.
países desenvolvidos, sem contar sua significativa repre-
Embora tenha sido oficialmente abolido após a inde- sentatividade na produção industrial de base (siderúrgica
pendência, esse sistema ainda permanece na tradição e química) e têxtil.
cultural do país.
O expressivo crescimento econômico indiano, com ex-
pressivo crescimento no PIB, a Índia foi incluída no acrô-
A terrível herança colonial herdada pelo país, bem mio BRICS, criado em 2001 pelo economista Jean O´neil,
como o resultado do desenvolvimento do capitalis- para caracterizar países de grandes dimensões, potenciais
mo na região, somado à condição de dependência de consumo em elevação e de acelerado crescimento
e subdesenvolvimento, tornam as condições de vida econômico.

97
o impacto da crise global. A região de Ludhiana produz
90% da lã indiana e é conhecida como a região inglesa de
Manchester, na Índia. A região de Tirupur ganhou o reco-
nhecimento mundial como a principal produtora de meias,
vestuário de malha, roupas casuais e roupas esportivas.

A Índia é dona de uma crescente indústria automobilística e


fabrica o carro mais barato do mundo, o Tata Nano.

O acelerado crescimento econômico da Índia, no entan-


to, foi barrado em virtude de questões geopolíticas com o
Paquistão. Além disso, em 1997, ocorreu a crise da Ásia, Mulheres trabalhando na indústria têxtil,
cujo desempenho econômico desacelerou e caiu. Só não segunda maior fonte de empregos na Índia

foi maior graças ao grande mercado interno que consome


A Índia é a 13ª nação produtora de serviços, que empre-
muitos de seus produtos.
ga 23% da força de trabalho e continua em rápido cres-
A indústria representa 28% do PIB e emprega 14% da for- cimento: 7,5%, entre 1991-2000, em contrapartida aos
ça de trabalho total. Em números absolutos, ocupa o 12º 4,5%, entre 1951-1980. Os serviços representaram 55%
lugar no mundo na produção da fábrica nominal, de acor- do PIB, em 2007. A tecnologia da informação e business
do com dados da CIA World Fatbook. Graças a reformas process outsourcing estão entre os setores que mais cres-
econômicas, em 1991 – eliminação de restrições de impor- cem: 33,6%, entre 1997-1998 e entre 2002-2003. Con-
tação, concorrência externa, privatização de indústrias do tribuiu com 25% do total das exportações do país, entre
setor público, liberação do FDI (Foreign Direct Investiment), 2007-2008. No sul do país, a cidade de Bangalori abriga
melhoria da infraestrutura, expansão da produção de fast um importante centro de pesquisa de tecnologia da infor-
moving consumer goods –, o setor industrial indiano pas- mação. Isso se dá em função da alta qualificação dos tra-
sou por mudanças significativas, resultado das mensagens balhadores desse segmento e pela infraestrutura industrial
de liberalização. O setor privado indiano foi confrontado implementada pelo governo.
com o aumento das concorrências interna e externa, den-
tre elas importações chinesas mais baratas.
1.4.2. Mineração
Adotou-se a minimização dos custos e renovação da
Os diferentes minérios formam um segmento importante
gestão às custas de mão de obra barata e de novas tec-
na economia da Índia, com o país explorando 79 tipos de
nologias. No entanto, isso também reduziu a geração de
minérios (excluindo os combustíveis e recursos atômicos)
emprego até mesmo nas pequenas empresas. Depois da
entre 2009-2010, incluindo minério de ferro, manganês,
agricultura, a produção têxtil é a segunda maior fonte de
mica, bauxita, cromita, sal, calcário, asbesto, fluorita, gipsi-
emprego, responsável por 20% da produção industrial e
ta, ocre, fosforita e areia por dióxido de silício.
empregadora de mais de 20 milhões de pessoas. Nos anos
2004-2005, depois de libertar a indústria de limitações
notadamente financeiras, o governo criou condições para 1.4.3. Agricultura
vultosos investimentos de capitais nacionais e estrangeiros. A Índia é a segunda maior produtora agrícola do mundo,
No período entre 2004-2008, o investimento total ascen- em arroz, feijão, algodão, batata, trigo, que atende princi-
deu a 27 milhões de dólares. Em 2012, o governo esperava palmente o mercado interno. Emprega 52,1% de toda a
alcançar os 38 milhões, montante esse que possibilitaria a força de trabalho e, apesar de declínio de sua participação
criação de mais 17 milhões de empregos. Mas a demanda no PIB, ainda é o maior setor econômico e uma porção
por têxteis indianos nos mercados mundiais continuou a significativa do desenvolvimento socioeconômico global
cair. Apenas durante o ano fiscal 2008-2009, a indústria da Índia. A produção de soja por unidade de área de to-
têxtil e de vestuário seria forçada a cortar cerca de 800 mil das as culturas tem crescido desde 1950, graças à ênfase
novos empregos dos dois milhões que havia para suavizar especial na agricultura dada pelos planos quinquenais e às

98
melhorias contínuas em irrigação, tecnologia de aplicação outros golfos e baías dão emprego a cerca de seis milhões
de modernas práticas agrícolas e às linhas de crédito e de de pessoas no setor pesqueiro. Em 2008, a Índia tinha a
subsídios à agricultura, desde a Revolução Verde na Índia. terceira maior indústria de pesca do mundo.
Os principais Estados agrícolas indianos são Uttar Pradesh,
A Índia também é a maior produtora mundial de leite e tem
Punjabe, Haryana, Madhya Pradesh, Andhra Pradesh, Ben-
o segundo maior rebanho de gado do mundo, com 175
gala Ocidental e Maharashtra.
milhões de animais, mas por razões religiosas a carne não é
O total de recursos hídricos são utilizáveis, incluindo rios, explorada comercialmente. A segunda maior produtora de
lagos, nascentes, córregos e aquíferos, que correspondem arroz, trigo, algodão, cana-de-açúcar e amendoim, frutas
a 1,12 milhão km3. Cerca de 39% da área total cultivada (10,9%) e produtos hortícolas (8,6%) e seda, da qual é a
é irrigada. Águas interiores, rios, canais, lagoas e lagos e os maior consumidora (77 milhões de toneladas, em 2005).
recursos marinhos, costas leste e oeste do oceano Índico e

2. Sudeste asiático

O termo Tigres Asiáticos refere-se aos quatro países da Ásia – Hong Kong, Cingapura, Coreia do Sul e Taiwan –, que a partir
da década de 1970 alcançaram um acelerado desenvolvimento industrial e econômico. Em razão da agressividade adminis-
trativa e da localização desses países, eles receberam essa denominação.
Um conjunto de fatores foi responsável pelo desenvolvimento econômico dos Tigres Asiáticos. Esses países adotaram
um modelo industrial caracterizado como industrialização orientada para a exportação (IOE). Esse modelo econômico
fundamentalmente exportador requer uma produção diversificada e voltada para o mercado de países desenvolvidos. No
entanto, o consumo interno não é incentivado, uma vez que os impostos inseridos nos produtos são elevados.
À exceção da Coreia do Sul, os Tigres Asiáticos adotaram uma política de incentivos para atrair as indústrias transnacionais.
Foram criadas zonas de processamento de exportações (ZPE), com doações de terrenos e isenção de impostos pelo Estado.
O modelo sul-coreano baseou-se na instalação de chaebols, redes de empresas com fortes laços familiares. Quatro grandes
chaebols controlam a economia sul-coreana e têm forte atuação no mercado internacional: Hyunday, Daewoo, Samsung
e Lucky Gold Star. Somente na década de 1970, passou-se a instalar transnacionais na Coreia do Sul; entretanto, elas são
associadas a empresas do país.

99
Para o desenvolvimento econômico de Hong Kong, Cinga- Além dos investimentos dos quatro Tigres originais, os
pura, Coreia do Sul e Taiwan, foi necessário forte apoio dos Novos Tigres realizaram acordos comerciais com empre-
governos, desenvolvimento de infraestrutura, transporte, sas dos Estados Unidos, Japão e países europeus. Diver-
comunicação e energia, além do financiamento das ins- sas pequenas indústrias surgiram: têxteis, calçadistas, de
talações industriais e altos investimentos em educação e brinquedos e de produtos eletrônicos. Com mão de obra
qualificação profissional. menos qualificada, mas bem mais barata, esses países en-
traram definitivamente no cenário econômico global, pro-
Os lucros obtidos pelas indústrias nesses países ocorriam
duzindo mercadorias sob encomenda, criadas e planejadas
principalmente em virtude do exército industrial de reserva,
em outros países do mundo, sendo inseridos no processo
da grande quantidade de mão de obra disponível no mer-
de divisão internacional do trabalho (DIT).
cado. Esse processo ocasiona a desvalorização dos salários
pagos pelos detentores do meio de produção, fato acom-
panhado por leis trabalhistas frágeis, se não inexistentes.
Outros fatores que contribuíram para o elevado crescimen-
to dos Tigres Asiáticos foram os incentivos tributários e os
baixos custos para instalação de empresas oriundas de
capitais externos.
Em consequência do grande desenvolvimento econômico
dos Tigres Asiáticos, houve expansão em direção aos países
vizinhos do sudeste, o que proporcionou o processo de in-
dustrialização da Indonésia, Vietnã, Malásia, Tailândia e Fi-
lipinas, que ganharam o apelido de Novos Tigres Asiáticos.

100
VIVENCIANDO

Uma boa sugestão para ampliar o conhecimento do tema é discutir com colegas sobre as razões que fomentam o
separatismo nas diversas regiões da Índia e tentar compará-las com o Brasil, o qual, mesmo sendo maior, não vive
problemas nesse sentido.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

A trajetória da civilização indiana tem início em 3300 a.C., período em que se encontram vestígios de um dos mais
antigos centros urbanos formados nas proximidades do rio Indo. Estudar a história da Índia auxilia nos estudos
geográficos e proporciona uma compreensão do espaço atual do país.

101
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.

Devido ao imenso poder militar que esse tipo de armamento pode conferir a quem o possui, o controle político das
armas nucleares tem sido uma questão-chave desde que elas existem; na maioria dos países, o uso da força nuclear
só pode ser autorizado pelo chefe de governo ou chefe de Estado.
No final de 1940, a falta de confiança entre os Estados Unidos e a União Soviética impedia a realização de acordos
internacionais de controle de armas. O Manifesto Russell-Einstein foi publicado em Londres, em 9 de julho de 1955,
por Bertrand Russell, no meio da Guerra Fria. Ele destacou os perigos colocados pelas armas nucleares e pediu aos
líderes mundiais que buscassem resoluções pacíficas para os conflitos internacionais. Os signatários do manifesto
incluem onze intelectuais e cientistas proeminentes, como Albert Einstein, que o assinou poucos dias antes de sua
morte, em 18 de abril de 1955. Na década de 1960, estavam sendo tomadas medidas para limitar a proliferação de
armas nucleares para outros países e os efeitos ambientais de testes nucleares.
O Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares (1963) restringiu todos os testes nucleares subterrâneos para
evitar a contaminação do meio ambiente pela radiação nuclear; enquanto o Tratado de Não Proliferação de Armas
Nucleares (1968) tentou colocar restrições sobre os tipos de atividade que os seus signatários poderiam participar,
com o objetivo de permitir a transferência de tecnologia nuclear não militar para os países-membros, sem medo de
proliferação de armas.
As armas nucleares também foram controladas por acordos entre outros países. Muitas nações foram declaradas
zonas livres de armas nucleares, áreas onde a produção e a distribuição de armas nucleares são proibidas por meio
de tratados. O Tratado de Tlatelolco (1967) proibiu qualquer produção ou utilização de armas nucleares na América
latina e no Caribe, enquanto Tratado de Pelindaba (1964) proibiu armas nucleares em muitos países africanos. Em
2006, uma zona centro-asiática livre de armas nucleares foi estabelecida entre as ex-repúblicas soviéticas da Ásia
central. Em meados de 1996, o Tribunal Internacional de Justiça, o mais alto tribunal da Organização das Nações
Unidas (ONU), emitiu um parecer consultivo preocupado com a “legalidade da ameaça ou uso de armas nucleares”.
O tribunal decidiu que o uso ou a ameaça de uso de armas nucleares seria uma violação de vários artigos da lei
internacional, incluindo a Convenção de Genebra, a Convenção de Haia, a Carta das Nações Unidas e a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Tendo em vista as características singularmente destrutivas das armas nucleares,
o Comitê Internacional da Cruz Vermelha apelou aos Estados que garantam que essas armas nunca serão usadas,
independentemente se as considerem legítimas ou não.
Além disso, houve outras ações específicas destinadas a desencorajar os países de desenvolver armas nucleares.
Na sequência dos testes efetuados por Índia e Paquistão em 1998, sanções econômicas foram (temporariamente)
impostas contra ambos os países, embora nenhum dos dois fossem signatários do Tratado de Não Proliferação
Nuclear. Um dos casus belli declarados para o início da Guerra do Iraque, em 2003, foi uma acusação dos Estados
Unidos de que o Iraque estava desenvolvendo ativamente armas nucleares (embora isso nunca tenha sido provado).
Em 1981, Israel bombardeou um reator nuclear que estava em construção em Osirak, no Iraque, no que chamou de
uma tentativa de deter as ambições nucleares do Iraque; em 2007, Israel bombardeou um outro reator que estava
sendo construído na Síria.

102
Modelo
(Enem) Os efeitos abomináveis das armas nucleares já foram sentidos pelos japoneses há mais de 50 anos (1945). Vá-
rios países têm, isoladamente, capacidade nuclear para comprometer a vida na Terra. Montar o seu sistema de defesa
é um direito de todas as nações, mas um ato irresponsável ou um descuido pode desestruturar, pelo medo ou uso, a
vida civilizada em vastas regiões. A não proliferação de armas nucleares é importante.
No primeiro domingo de junho de 1998, Índia e Paquistão rejeitaram a condenação da ONU, decorrente da explosão
de bombas atômicas pelos dois países, a título de teste nuclear e comemorada com festa, especialmente no Paquis-
tão. O governo paquistanês (país que possui maioria da população muçulmana) considerou que a condenação não
levou em conta o motivo da disputa: o território de Caxemira, pelo qual já travaram três guerras desde sua indepen-
dência (em 1947, do império britânico, que tinha o subcontinente indiano como colônia). Dois terços da região, de
maioria muçulmana, pertencem à Índia e um terço ao Paquistão.
Sobre o tempo e os argumentos, podemos dizer que:
a) a bomba atômica não existia no mundo antes de o Paquistão existir como país.
b) a força não tem sido usada para tentar resolver os problemas entre Paquistão e Índia.
c) a Caxemira tornou-se um país independente em 1947.
d) os governos da Índia e Paquistão encontram-se numa perigosa escalada de solução de problemas pela força.
e) diferentemente do século anterior, no início do século XX, o império britânico não tinha mais expressão mundial.

Análise expositiva - Habilidade 7: A questão das disputas fronteiriças entre Índia e Paquistão, a par de
D possuir um forte componente cultural religioso pela maneira como tem sido tratada pelas grandes potências do
mundo bipolar, pode ser classificada como uma das últimas expressões da Guerra Fria. Porém, com um adicional
perigoso, que é a crescente autonomia do conflito, que parece escapar do pretenso controle ocidental. Os Estados
Unidos apoiam a Índia em detrimento do Paquistão, cujo perfil de apoio ao ideário muçulmano incomoda os
estadunidenses.
Alternativa D

103
DIAGRAMA DE IDEIAS

ÍNDIA E
SUDESTE ASIÁTICO

ÍNDIA

• DOBRAMENTOS
RELEVO • PLANALTO DO DECÃ
• PLANÍCIE INDO-GANGÉTICA
ASPECTOS
FÍSICOS
• FRIO DE MONTANHA
CLIMA
• TROPICAL DE MONÇÕES

IMPÉRIO
BRITÂNICO SUDESTE ASIÁTICO

ASPECTOS
HISTÓRICOS

PROCESSO DE • HONG KONG


INDEPENDÊNCIA TIGRES • CINGAPURA
TRADICIONAIS • COREIA DO SUL
ASPECTOS
• TAIWAN
SOCIECONÔMCOS

• INDONÉSIA
PREDOMÍNIO DA NOVOS TIGRES • VIETNÃ
POPULAÇÃO URBANA • FILIPINAS
• MALÁSIA
• TAILÂNDIA
PAÍS EMERGENTE

QUESTÕES GEOPOLÍTICAS
(PAQUISTÃO)

104
Regiões socioeconômicas
AULAS mundiais VIII: Oriente Médio I
39 e 40
Competência: 2 Habilidade: 7

“Situado entre a África, a Ásia e a Europa, o Oriente Médio tem limites aproximadamente iguais com cada uma delas e tem os
únicos pontos de contato que ligam esses três continentes entre si.”
CHALITA, Mansour. Esse desconhecido Oriente Médio.

1. Oriente Médio
O Oriente Médio fica no sudeste asiático, num entroncamento continental entre a Ásia, a África e a Europa. Sua posição ge-
ográfica lhe confere grande valor geopolítico, pois é ponto de passagem entre o Ocidente e o Oriente desde tempos remotos.
Nó de passagem terrestre, com o desenvolvimento do comércio marítimo, tornou-se também ponto vital na ligação entre a
Europa e a Índia, a meio caminho entre os dois pontos. Daí a designação Oriente Médio, dada pelos europeus. A região é
repleta de pontos estratégicos.
Mapa político do Oriente Médio e seus pontos estratégicos
Bósforo

Dardanelos

Turquia

Chipre
n eo
err
â Síria
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ano

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Chat-el-Arab
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Canal de do Sinai
Jo

(Egito)
Suez Kuwait
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Estreito de
Bab-el-Mandeb
Golfo de Áden

105
§ Canal de Suez: liga o mar Mediterrâneo ao mar Ver- série de divergências políticas entre os países do Oriente
melho. Construído no século XIX pelo arquiteto francês Médio, o que torna essa área foco de conflitos armados.
Ferdinand Lessepz, caiu depois sob o domínio britânico O Oriente Médio delimita-se geograficamente com: os ma-
e, na segunda metade do século XX, passou a ser con- res Negro e Cáspio, ao norte; o mar Arábico, ao sul; e os
trolado pelo Egito. Apesar de sua importância histórica mares Vermelho e Mediterrâneo, a oeste. O litoral é consti-
como rota comercial marítima entre a Europa e a Ásia, tuído pelas penínsulas Arábica e da Ásia Menor.
hoje já não comporta navios de grande calado.
A parte que compreende a península Arábica é limitada
§ Bab-el-Mandeb: estreita passagem entre a penínsu- geograficamente pelo golfo Pérsico, a leste, e pelo mar Ver-
la Arábica e a África, é uma importante rota comercial melho, a oeste. Não é fácil definir com precisão os países
marítima, em parte atrelada ao canal de Suez. que pertencem integralmente ao Oriente Médio, uma vez
§ Golfo de Ácaba: é a principal saída marítima de Israel que muitos territórios compreendem dois continentes si-
para o sul. multaneamente. É o caso da Turquia, que está na Europa
e na Ásia.
§ Golfo de Áden: margeia o extremo sul da península
Arábica.
1.1. Aspectos naturais
§ Golfo de Omã: sua importância está em localizar-se
bem próximo ao golfo Pérsico. Como uma porção territorial do continente asiático, o relevo
dessa região é constituído basicamente pelos planaltos da
§ Estreito de Ormuz: é o único acesso marítimo ao Anatólia, Iraniano e da Arábia. Há também formações mon-
golfo Pérsico. tanhosas provenientes de dobramentos modernos – montes
§ Golfo Pérsico: concentra em seu entorno as maiores Zagros, Elburz e Iêmen. Somem-se a essas unidades de re-
jazidas petrolíferas do mundo. levo as planícies que compreendem a planície da Mesopo-
tâmia (expressão grega é que significa “entre rios”), cuja
§ Chat-el-Arab: é um estuário formado pela confluên-
maior extensão fica no Iraque, entre dois importantes rios –
cia dos rios Tigre e Eufrates e que desemboca no golfo
Eufrates e Tigre. Na foz do rio Jordão, na fronteira entre Israel
Pérsico.
e Jordânia, encontra-se a depressão do mar Morto.
§ Estreito de Bósforo: estreita passagem, com apro-
Os climas da região são predominantemente árido e semiá-
ximadamente 700 metros de largura, que liga o mar
rido, com temperatura elevada e pouquíssima incidência de
Negro ao mar de Mármara. Fronteira entre a Ásia e
precipitações. Há uma significativa variação de temperatura
a Europa, é em suas margens que fica a capital da
(amplitude térmica) entre o período diurno (com até 50 °C)
turca, Istambul.
e noturno (abaixo de 0 °C). As suas regiões mais úmidas
§ Estreito de Dardanelos: passagem entre o mar de restringem-se às áreas litorâneas com climas mediterrâneos
Mármara e o mar Mediterrâneo. de verões quentes e secos e invernos frios e chuvosos.
Ocupa uma área de 7,2 milhões de km2. Foi justamente A planície da Mesopotâmia é uma das raras áreas úmidas
nesse subcontinente que emergiram as civilizações pre- do Oriente Médio, em função do derretimento de neve no
cursoras da humanidade, mais precisamente no território alto curso dos rios Tigre e Eufrates, que acaba provocando
onde hoje está o Iraque, antes chamado de Mesopotâmia. inundações no baixo curso, tornando-o pantanoso.
Lá, nasceram as primeiras cidades de que se tem registro
– há cerca de cinco mil anos. No Oriente Médio, estão: Afe-
ganistão, Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes
Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano,
Omã, Síria, Turquia e Egito. Somadas as populações desses
países citados, são 260 milhões de habitantes.
A região atrai os olhos do mundo por dois motivos: tra-
ta-se de uma área bastante instável politicamente; e de
um subsolo com a maior reserva mundial de petróleo, que
aguça o interesse das grandes nações europeias, dos Es-
tados Unidos e do Japão. Frequentemente, essas nações
interferem no cenário geopolítico do Oriente Médio. A luta
pelo petróleo, e pela água em alguns casos, provoca uma Deserto de Wadi Rum, na Jordânia

106
Mapa físico do Oriente Médio

Adaptado de: Simielli, Geoatlas

Mar Morto
Apesar do nome, o mar morto não é mar e nem está morto. Trata-se, na verdade, de uma fossa tectônica que formou um
lago com uma água muito salgada, sendo, por isso, chamado também de lago Asfaltite. Recebeu esse nome em função
da afirmação de que, nesse local, não é possível haver vida. No entanto, sabe-se que há sim ao menos uma forma de vida
habitando essas águas, a bactéria Haloarcula marismortui.

107
O índice de salinidade do mar morto é um dos maiores do Planeta. Para se ter uma ideia, a média da quantidade de sal nos
oceanos é de 35 g para cada litro de água, enquanto no mar Morto a média é de 300 g. Por causa disso, além de dificultar
a proliferação de formas de vida macroscópicas, o mar Morto é denso o suficiente para impedir que um corpo afunde nele,
sendo possível boiar facilmente em suas águas. Ele está localizado no Oriente Médio, entre os territórios de Israel, Palestina
e Jordânia, sendo alimentado, principalmente, pelo rio Jordão. Sua área é de 1.020 km2, com 82 km de extensão, 18 km de
largura e uma profundidade máxima de 377 metros.
A elevada salinidade de suas águas deve-se a condições químicas e geográficas. Sua localização é em uma área com clima
bastante seco (semiárido, ao norte, e desértico, ao sul), fazendo com que as águas evaporem muito rapidamente, conser-
vando os minerais que nelas se encontravam. Outro fator é a elevada profundidade (cerca de 400 m abaixo do nível do mar,
a depressão mais profunda do Planeta) o que favorece o escoamento de sedimentos e minerais.
Atualmente, existe o temor de que o mar Morto esteja, literalmente, morrendo. Isso porque, em função dos desvios e usos
das águas do rio Jordão, além dos elevados índices de evaporação, seus níveis estão diminuindo. Contribui também para
agravar a situação o fato de suas águas estarem sendo usadas por Israel e Jordânia, que realizam seu consumo após o
processo de dessalinização.
Por esse motivo, está em construção o aqueduto “Canal da Paz”, que faria uma ligação entre o mar Morto e o mar Vermelho,
que ajudaria a abastecer suas águas. A importância desse grande lago de água salgada está em seu potencial turístico, muito
aproveitado tanto pelos israelenses quanto pelos jordanianos. Além disso, ele é responsável por amenizar as baixíssimas taxas
de umidade do ar que atingem a região onde se encontra.

Em razão da adversidade climática, o subcontinente do Oriente Médio é pobre em vegetação; no entanto, é possível encon-
trar, em lugares mais secos, plantas do tipo xerófilas e estepes em áreas de clima árido. Graças ao clima temperado de regiões
mais úmidas e mediterrâneas, há vegetação arbustiva, campos e pradarias.

1.1.1. Água escassa


Paralelamente às maiores reservas de petróleo do mundo (cerca de 60%), no Oriente Médio há a menor quantidade de água
potável disponível para consumo doméstico, atividades industriais e agrárias. Em razão disso, esse imprescindível recurso natural
foi, é e será um dos principais fatores de disputas geopolíticas na região.
Escassez de água no mundo

Não avaliado

Escassez econômica de água Pouca ou nenhuma escassez de água

Escassez física de água Próximo da escassez física de água

Os analistas políticos afirmam que essa falta de água será a principal causa dos conflitos no século XXI, a começar pelo
Oriente Médio. A região conta com 5% da população mundial, mas apenas 1% das reservas de água do Planeta. A cota
atual de consumo de água pelos habitantes é de aproximadamente 1,5 mil m3. Estimativas do Banco Mundial dão conta de
que, em 2025, essa taxa cairá para 700 m3.

108
A falta de água e o acesso aos recursos hídricos há mui- O caráter geopolítico da água naquela região vai muito além
to é um fator geopolítico de conflito na região do Oriente de um simples recurso natural para tornar-se alvo de um dos
Médio entre judeus e árabes. Somem-se a eles a posse por mais cobiçados elementos territoriais em todo o mundo.
território e conflitos entre diferentes troncos étnico-religio-
sos. Foi nesse contexto que esteve em disputa o acesso e 1.2. Religião e povos
o controle do curso do rio Jordão, dos lençóis freáticos da
Cisjordânia e do mar da Galileia.
Outro foco de tensão faz Turquia, Síria e Iraque enfrentaram-
-se pelo uso dos rios Tigre e Eufrates, que nascem em Ana-
tólia – território turco – e deságuam no golfo Pérsico. São
rios extremamente importantes para o abastecimento desses
países. No entanto, apenas a Turquia dispõe do uso e do con-
trole do montante dos rios, o que afeta as outras duas nações.

Meca é a cidade sagrada dos muçulmanos.


Turquia
O Oriente Médio é o berço das principais religiões monote-
ístas – judaísmo, cristianismo e islamismo. Antes de enten-
der as religiões, é necessário entender sobre os povos que
as profetizam no Oriente Médio. Nessa região, vive uma
variedade de etnias, como árabes, turcos, persas, hebreus,
Rio

Síria
curdos e armênios.
Tig
re

Iraque Pessoas do mesmo grupo étnico muitas vezes têm a mes-


Rio ma religião. No entanto, nem todo árabe é muçulmano e
Euf
rate nem todo muçulmano é árabe. Existem árabes cristãos e
s
muçulmanos persas, por exemplo. O islamismo teve início
no século VII e significa “submissão a Deus”; muçulma-
nos, por sua vez, deriva da palavra árabe muslin e significa
“aquele que se submete”.
Os rios Tigre e Eufrates nascem na Turquia.
São países árabes: Arábia Saudita, Bahrein, Catar,
Na década de 1990, quando a Turquia represou parte do
Emirados Árabes, Egito, Iraque, Jordânia, Kuawait, Lí-
leito dos dois rios para construir a usina de Ataturk, enfren-
bano, Omã, Síria e Iêmen.
tou muitos protestos e até ameaças de invasão por parte
da Síria e do Iraque. Ainda hoje, essa questão é muito polê- O Irã é persa e a Turquia é habitada por turcos. O povo
mica e pode ser causa de sérios problemas no futuro. curdo habita um entroncamento entre Turquia, Iraque,
Síria e Irã. Após a dissolução do Império Turco-Otoma-
no, depois da Primeira Guerra Mundial, o povo curdo
Os rios Tigre e Eufrates nascem na Turquia, cortam a
não foi contemplado com um Estado, mas reivindica
Síria e, em sua maior parte, correm pelo Iraque. O rio
sua independência e a criação do Curdistão nessa área.
Jordão tem sua foz no Líbano, recebe águas de nascen-
tes na Síria e fica na fronteira entre Israel e Jordânia.
Para os muçulmanos, Maomé foi o último e o mais im-
portante dos profetas. Nasceu em Meca, em 570 d.C., e
Recentemente, Israel desenvolveu usinas de dessalinização
passou a primeira parte de sua vida como mercador. No
de água, que consiste basicamente em retirar a água do
ano 610, em uma de suas viagens, quando tinha 40 anos,
mar e transformá-la em água potável, própria para consu-
Maomé diz ter recebido a visita do anjo Gabriel, que lhe
mo. Detentor dessa tecnologia (altamente poluente), bem
recitou os versos enviados por Deus, e que, mais tarde, se-
como líder mundial em aproveitamento da água, apenas
riam reunidos e integrariam o Corão.
Israel dispõe dos recursos necessários para tanto. Dificil-
mente, os demais países da região – subdesenvolvidos e Muitos habitantes de Meca rejeitaram a sua mensagem e
economicamente dependentes – adotariam tais recursos começaram a persegui-lo. Em 622, Maomé foi obrigado a
em futuro próximo. deixar Meca e se mudou para Medina (ou Yatreb), numa

109
migração conhecida como “Hégira”. Nessa cidade, Mao-
mé tornou-se chefe da primeira comunidade muçulma-
na. Antes de sua morte em 632, Maomé tinha unificado
praticamente todo o território sob o signo de uma nova
religião, o islã.
A divisão islâmica tem raízes na morte do profeta, pois
como ele não deixou descendentes homens e nenhum
discípulo indicado, houve uma cisão no seio do movimen-
to: os xiitas e os sunitas. Os partidários de Ali (Shiat Ali), multimídia: livros
primo-genro do profeta, passaram a defender que a úni-
ca liderança legítima para o islã deveria vir da linhagem Oriente Médio - Marcos A. Morais
direta de Maomé, e se tornaram xiitas. Já os sunitas as- Este livro, longe da pretensão de esclarecer
sumiram uma visão mais ortodoxa e pragmática do islã, todos os problemas do Oriente Médio, visa
após a morte do profeta. Diferentemente dos xiitas, eles expor, principalmente, ao leitor em geral e, em
reconhecem as lideranças dos primeiros califas (chefes de especial, ao aluno do Ensino Médio e de cursos
Estado) que assumiram a comunidade islâmica após 632, pré-vestibulares.
e não apenas Ali.

1.3. A produção do petróleo

Participação do Oriente Médio na produção de petróleo, em escala mundial

A economia dos países do Oriente Médio está vinculada


diretamente à extração e ao refino do petróleo. Em alguns
deles, são praticamente as únicas fontes de receita. Numa
região constituída basicamente por desertos e com climas
adversos, impróprios para a agricultura, a maior riqueza
disponível é mesmo o petróleo. As maiores jazidas de pe-
tróleo do Oriente Médio se concentram no golfo Pérsico e
na Mesopotâmia; juntas somam cerca de 65% de todas as
reservas do mundo. Dentre os maiores produtores de pe-
tróleo estão: Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Emirados
multimídia: vídeo Árabes Unidos, Catar e Bahren.
Fonte: Youtube A imensa reserva de petróleo no subcontinente, aliada a
outros fatores políticos e econômicos, favoreceu, em 1960,
Promessas de um Novo Mundo - B.Z.
a criação da Opep – Organização dos Países Expor-
Goldberg
tadores de Petróleo, um dos maiores cartéis do mundo.
Em vez de se concentrar nos acontecimentos po-
líticos, este documentário retrata os conflitos no Atualmente, a Opep produz aproximadamente 40% e
Oriente Médio sob a perspectiva de sete crianças exporta 70% de todo petróleo extraído no mundo. Seus
palestinas e israelenses que vivem em Jerusalém. principais mercados são Alemanha, França, Japão e Esta-
dos Unidos. O fato de essas grandes potências serem as

110
principais compradoras da Opep favorece a interferência
delas no cenário geopolítico do Oriente Médio. A Opep
1.4. Agricultura
está sediada em Viena, na Áustria. Fazem parte dela onze Para o desenvolvimento da agricultura, são necessárias
países, seis dos quais são do Oriente Médio: Arábia Sau- condições naturais favoráveis, como fertilidade, umida-
dita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kuwait, Catar, de e temperatura. No Oriente Médio, elas são adver-
Argélia, Líbia, Nigéria, Indonésia e Venezuela. sas em decorrência dos climas árido e semiárido, que
prevalecem em praticamente todos os países do sub-
continente. Há necessidade de empregar um conjunto
de técnicas agrícolas – irrigação, correção, rodízio de
culturas, entre outras – para se obter um mínimo de cul-
tura agrícola satisfatória, o que nem sempre acontece.
Em geral, os cultivos são desprovidos de tecnologia e
resultam em baixa produtividade.

Iraniano observa o complexo petroleiro de Arak-Irã.

Maiores reservas de petróleo


(em bilhões de barris)
Venezuela 300,8
Arábia Saudita 266,4
Canadá 169,7
Irã 158,4
Iraque 142,5
Kuwait 101,5
Emirados Árabes Unidos 97,8
Rússia 80 Plantação de limão, em Israel
Líbia 48
Pesem essas adversidades, no Oriente Médio há sim im-
Nigéria 37 portantes áreas cultivadas. A Turquia produz tabaco, algo-
Fonte: Agência de Informações de Energia dos EUA (2017) dão, oliveiras e cítricos, nas planícies costeiras da península
Turca, áreas razoavelmente úmidas. No interior, cultivam-se
cevada e trigo.
Em áreas próximas à planície da Mesopotâmia, que com-
preende as bacias hidrográficas dos rios Tigre e Eufrates,
os solos férteis, graças às cheias dos rios, são favoráveis
às promissoras produções de cereais. Com as cheias, as
margens ficam cobertas de sedimentos – restos de ani-
mais, plantas e outros micro-organismos –, que adubam
naturalmente os solos. A Arábia Saudita produz tâmaras
e cereais, em áreas próximas ao mar Vermelho, significa-
multimídia: vídeo tivamente úmidas. No Iêmen, se produz café.
Cítricos, uvas e azeitonas, culturas bem mediterrâneas,
Fonte: Youtube
são produzidos na Síria, Líbano, Jordânia e Israel, pro-
Kedma - Haim Hazaz, Taufik Zayad dutor agrícola destacável no Oriente Médio. Mesmo com
Em 1948, sete dias antes da criação do Esta- dificuldades impostas pelo clima e por outros determi-
do de Israel, o navio Kedma chega à Palestina nantes naturais, o país tem obtido grandes resultados.
com um grupo de judeus refugiados da Europa, Aplicam-se tecnologias avançadas, especialmente na irri-
encontrando uma guerra local entre as tropas gação. Cerca de 50% da produção agrícola de Israel tem
inglesas e o exército secreto judeu, que os im- origem em fazendas coletivas, denominadas kibutzim,
pede de desembarcar. que funcionam graças à participação voluntária firmada
no sistema de cooperativa.

111
Os israelenses investiram em tecnologia triturando as
rochas do deserto de Negeu, implementando projetos os mais idealistas, os melhores soldados, os mais sio-
de irrigação junto ao rio Jordão e convertendo deser- nistas e os que não se preocupam com as futilidades
tos em áreas de grande produtividade. Muitos kibutzim da vida.
foram estrategicamente instalados em zonas de litígio Nunca foram mais que 8% da população israelen-
para garantir a posse de terra à Israel no conflito com se, mas pareciam ser mais da metade. Abba Eban,
os palestinos. ex-chanceler israelense, se refere aos membros dos
kibutzim como a “reserva moral” da sociedade isra-
elense. Por alguns eram chamados de “o sal da so-
Os kibutzim
ciedade”, em alusão a um tempero simples, barato,
Kibbutz são associações comunitárias que surgiram pouco sofisticado, mas sem o qual a comida não tem
em Israel, no início do século XX. Os kibbutz surgiram gosto. Até o início dos anos de 1980 esse era o perfil
do movimento socialista-sionista, que na realidade do kibutznik (membro de um kibutz). Hoje as coisas
muito pouco tinha de religioso. O grande elo de união são um pouco distintas.
entre as pessoas era o sentimento de povo e de na-
Os kibutzim têm uma importância singular na história
cionalismo, pois a religião judaica nunca esteve em
do sionismo: serviram para colonizar o território, para
primeiro plano. Os territórios que deram origem aos
receber imigrantes e para produzir alimentos em difí-
kibbutz foram comprados do Império Turco-Otoma-
ceis épocas de boicote e racionamento. Serviram para
no e de árabes que viviam na região. O objetivo do
demonstrar a todos que há algo mais importante que
movimento sionista era comprar o máximo de terras
as aspirações individuais do sujeito: o coletivo. Seguin-
possíveis e o do movimento kibbutziano era trabalhar
do a lógica marxista de extremo coletivismo e despre-
a terra e tornar os kibbutz locais autossustentáveis,
zo às instituições burguesas, os kibutzim tinham como
onde se pudesse plantar, colher, criar animais. Naquela
objetivo extinguir as fronteiras entre cidade e campo
época, esta era a forma mais sensata de se sustentar
e transformar Israel em um país socialista. O lema era
e obter lucro. Todo lucro era dividido igualmente entre
“dar o que se pode, receber o necessário”. Entre os
os membros dos kibbutz.
anos 1910 e 1980, a ideia do kibutz foi executada
com grande sucesso. Se não transformou Israel em
socialista, deu sentido ao sionismo para muita gente.
Os kibutzim desenvolveram uma forma de praticar
o judaísmo, com comemorações especiais das festas
judaicas (chaguim), práticas seculares de eventos reli-
giosos, como o bar-mitzvah. Deram valor ao sionismo,
quando colocaram o Estado acima de tudo.
Entretanto, a crise econômica, aliada ao corte de investi-
mentos públicos do governo Beguin (Likud) prejudicou a
economia dos kibutzim. O fim do boicote árabe e a paz
Os assentamentos agrícolas de Biluim, nos anos de com o Egito possibilitaram que alimentos entrassem no
1880, foram os pioneiros do movimento kibtz. país a preço mais barato que o produzido pelos kibut-
Da concepção inicial até os dias de hoje, muita coisa zim. A opção por muitos dos “filhos do kibutz” de dei-
mudou. O kibutz tradicional agrícola, uma proprie- xarem o local rumo à cidade, somados às mudanças em
dade coletiva em todos os seus aspectos, já quase suas regras, configuram outra crise, de caráter ideológi-
não existe mais. Não há nada mais sionista que o co. No fim dos anos 1970, muitos kibutzim começaram a
kibutz. Parte fundamental da história do movimento terceirizar serviços, privatizar seu campo e suas fábricas
sionista e do Estado de Israel, os kibutzim (plural de e eliminar a parte de suas normas marxistas, como o lar
kibutz) foram a experiência mais romântica e de su- das crianças (beit ieladim) e o refeitório comunal (chadar
cesso no país. Durante anos, jovens idealistas faziam haochel). É inegável a importância dos kibbutz na for-
aliá (migração) e iam viver em um kibutz. Voluntá- mação e sustentação inicial do Estado de Israel, porém,
rios se inscreviam para participar de alguma maneira e como de fato era esperado, kibbutz hoje em dia são
desta experiência. Os membros dos kibutzim eram organizações muito mais comerciais e comprometidas
vistos de forma quase mística pela sociedade, como em se manter do que em conservar ideologias.

112
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

A Fonte das Mulheres


Em um pequeno vilarejo, situado entre o Norte
da África e o Oriente Médio, as tradições islâmi-
cas são seguidas a risca. Entre elas, a existência
da mulher como procriadora é regra básica, mas
existe uma que faz com que elas sejam as respon-
sáveis por buscar água em um local distante e de
difícil acesso, restando para os homens a tarefa de
matar o tempo bebendo e falando da vida.

CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

Compreender os diversos aspectos que envolvem o Oriente Médio e o mundo muçulmano exige análises detalhadas,
embasamento teórico e percepção para distinguir entre os fatos e os exageros. Os estudos nesta área são ainda fraca-
mente desenvolvidos no Brasil, não existindo tantos grupos de pesquisas ou publicações a respeito. Por essas razões, é
comum que as discussões sobre o universo islâmico provoquem mal-entendidos e reforcem a crença em mitos.

Mesquita Mohammad: templo islâmico xiita, no bairro do Brás, em São Paulo-SP

113
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
7 Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações.

Tradicionalmente, somente o Estado figurava como sujeito de direitos e obrigações, portanto o único detentor de
personalidade internacional. Entretanto, na contemporaneidade, em virtude de uma nova configuração do Direito
Internacional, faz-se necessário acrescentar outros sujeitos como parte deste novo cenário, a saber: as organizações
internacionais e os indivíduos.
Quando surgiu, em 1945, como sucessora da Liga das Nações, a ONU tinha como premissa principal a manutenção
da paz mundial. Embora tenha falhado, é inegável a importância das agências especiais, com forte atuação em áreas
essenciais, como a Unctad, o PNUD, a Unicef, entre outras.

Modelo
(Enem 2017) Palestinos se agruparam em frente a aparelhos de televisão e telas montadas ao ar livre em Ramalah,
na Cisjordânia, para acompanhar o voto da resolução que pedia o reconhecimento da chamada Palestina como um
Estado observador não membro da Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo era esperar pelo nascimento,
ao menos formal, de um Estado palestino. Depois da aprovação da resolução, centenas de pessoas foram à praça
da cidade com bandeiras palestinas, soltaram fogos de artifício, fizeram buzinaços e dançaram pelas ruas. Aprovada
com 138 votos dos 193 da Assembleia Geral, a resolução eleva o status do Estado palestino perante a organização.
Adaptado de: Palestinos comemoram elevação de status na ONU com bandeiras e fogos. Disponível em: http://folha.com. Acesso em: 4 dez. 2012.
A mencionada resolução da ONU referendou o(a):
a) delimitação institucional das fronteiras territoriais.
b) aumento da qualidade de vida da população local.
c) implementação do tratado de paz com os israelenses.
d) apoio da comunidade internacional à demanda nacional.
e) equiparação da condição política com a dos demais países.

Análise expositiva - Habilidade 7: A alternativa D está correta porque, em 2012, a ONU reconheceu a Pal-
D estina como Estado observador não membro, ressaltando o apoio da comunidade internacional à luta histórica
do país em ser reconhecido no âmbito político internacional, a despeito de protestos de países como Estados
Unidos e Israel.
A existência de um Estado Nacional depende do reconhecimento da comunidade internacional. Assim, a
aprovação do status da Palestina como Estado observador corresponde a mais um importante passo no sen-
tido da sua existência formal. A população palestina vive como refugiada dentro do território do Estado árabe,
requerendo o reconhecimento do seu próprio Estado, desde 1948. O reconhecimento da Palestina pela ONU
como Estado observador das organizações reflete o apoio de parte significativa da comunidade internacional à
demanda palestina.
Alternativa D

114
DIAGRAMA DE IDEIAS

DIVISÃO PALESTINA

ÁRABES: CISJORDÂNIA
SIONISMO E FAIXA DE GAZA

ESTADO DE JERUSALÉM DIVIDIDA


ISRAEL

CRIAÇÃO DO ESTADO
DE ISRAEL 1948

2ª GERRA
MUNDIAL

HOLOCAUSTO

REVOLUÇÃO ISLÂMICA
AUMENTO DA IMIGRAÇÃO
DE JUDEUS

GOLFO PÉRSICO IRÃ X IRAQUE

GUERRA DO GOLFO

115
Regiões socioeconômicas
AULAS mundiais IX: Oriente Médio II
41 e 42
Competência: 2 Habilidade: 7

“Combatei, pela causa de Allah, aqueles que vos com- expulsos pelo Império Romano, no século III d.C., quando
batem; porém, não pratiqueis agressão, porque Allah teve início a diáspora (dispersão de judeus pelo mundo).
não estima os agressores.”
Corão sagrado, 190/2

Como pudemos observar e estudar nas aulas anteriores so-


bre os aspectos naturais, o Oriente Médio circunscreve-se
como uma região nodal, pois está num ponto equidistante
de três continentes – África, Ásia e Europa –, configuran-
do-se como um ponto nevrálgico que foi, por séculos, o
termômetro dos mais variados interesses territoriais, mili-
tares e econômicos.
Tem sido alvo de disputa há séculos: no passado, pelos
impérios otomano, russo, britânico, alemão e francês; e a
partir da segunda metade do século XX, por grandes po-
tências políticas e econômicas. Nestas aulas, abordaremos
o Oriente Médio pelo prisma da regionalização geopolítica,
isto é, apesar dele constituir uma unidade, percebe-se niti-
damente que a história da região, considerando principal-
mente os conflitos, possui duas vertentes: uma, em que se
destaca a questão da Palestina; e a outra, em que o foco
são o golfo Pérsico e o petróleo.

1. A questão da Palestina
Um dos conflitos que mais geram tensões e preocupação em
todo o mundo ocorre entre judeus e palestinos, no território
de enclave entre Israel e Palestina. Ambos os povos reivindi-
cam seu próprio espaço de soberania, embora, hoje em dia,
Mapa das divisões estabelecidas
esse direito venha sendo exercido exclusiva e plenamente ONU, em 1947
pela partilha da

pelos israelenses. Em razão disso, não faltam guerras, grupos


Terminada a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a ONU
terroristas, vidas perdidas e nenhuma paz duradoura.
foi encarregada de resolver a situação de conflitos entre pa-
A área de conflitos localiza-se nas proximidades do mar lestinos e judeus. Em 1947, a ONU encaminhou a partilha
Mediterrâneo e o foco principal deles é a cidade de Jerusa- da Palestina em dois Estados: um judeu, com 14,1 mil km2,
lém, destino de forte potencial turístico religioso e sagrado correspondendo a 56% da Palestina e compreendendo uma
para o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. população de 1.008.800 habitantes, sendo metade compos-
ta por árabes e a outra metade por judeus; e um árabe, com
Tudo começou com o movimento sionista, movimento in-
11,5 mil km2, correspondendo a 43% da Palestina e 814 mil
ternacional dos judeus para a criação do Estado de Israel.
habitantes. Os palestinos não aceitam a partilha, pois consi-
Durante e depois da segunda metade do século XIX, grande
deram um interferência indevida da ONU.
quantidade de judeus migrou para os territórios da Palesti-
na, então habitados por cerca de 500 mil árabes. Para os ju- Em 1948, no entanto, Israel rejeitou o tratado e decla-
deus, essa região tinha sido ocupada por eles até que foram rou independência na região, criando o Estado de Israel

116
e dando início ao processo de ocupação da Palestina. Em Os subsequentes anos de derrotas palestinas, principal-
1964, com a criação da Organização para a Liber- mente na guerra dos Seis Dias, demonstraram a superio-
tação da Palestina – OLP, sob a liderança de Yasser ridade militar dos israelenses, que também contavam com
Arafat, tiveram início as lutas pelos direitos perdidos pe- o apoio dos EUA. Numa tentativa de reaver os territórios
los palestinos. O principal grupo político da OLP era o al perdidos, em 1973, Síria e Egito atacaram Israel de surpre-
Fatah, moderado e em atividade até hoje. sa, mas a reação israelense mais uma vez forçou os árabes
Com a reação dos países árabes próximos contrários à cria- a um cessar-fogo. Era o início da guerra do Yom Kippur. No
ção do Estado de Israel, em 1967 eclodiu a guerra dos entanto, nessa guerra os árabes se utilizaram de um novo
Seis Dias. Os israelenses tomaram a Faixa de Gaza e a recurso: interromperam o fornecimento de petróleo aos
península do Sinai, do Egito, as colinas de Golã, da Síria, Je- países alinhados com Israel provocando a crise mundial do
rusalém Oriental, da Jordânia, e a Cisjordânia, em apenas petróleo. Mas a vitória árabe foi apenas política.
seis dias. Até hoje, Israel ignora a resolução da ONU que
determinou, à época, a devolução desses territórios.

Yasser Arafat (1929-2004)

Capa da revista Veja, de 1973

Em 1979, mediado pelos Estados Unidos, Israel decidiu de-


volver a península do Sinai para o Egito, com o objetivo de
selar um acordo entre os dois países, chamado de Acordos
de Camp David. Com isso, o Egito tornou-se o primeiro
Estado árabe a reconhecer oficialmente o Estado de Israel, o
que não ficou sem reação dos demais países da região.
Em 1987, chegou ao auge a Primeira Intifada, uma
revolta espontânea da população árabe palestina contra
o Estado de Israel. O povo atacou com paus e pedras os
tanques e armamentos de guerra judeus. Israel reagiu
com dureza e desencadeou um massacre de palestinos,
com protestos da comunidade internacional, em razão do
peso desproporcional do uso da força nas áreas da Faixa
de Gaza e da Cisjordânia. No mesmo ano, foi criado o Ha-
mas (partido mais radical que a OLP), que passou a visar à
destruição completa do Estado de Israel, ao passo que seu
Mapa dos territórios ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias. objetivo era apenas a criação do Estado palestino.

117
Em 2006, a vitória do Hamas sobre o al Fatah nas eleições
da Autoridade Nacional Palestina elevou novamente a ten-
são na região, intensificada pelo não reconhecimento do
pleito pelos EUA, União Europeia e demais países ocidentais.
Atentados terroristas, sobretudo com carros-bomba, prosse-
guiram contra Israel, que buscava tentativas para eliminar
definitivamente o Hamas. Embargos econômicos sobre Gaza
não deixavam de afetar em cheio a população civil.

Garoto palestino atirando pedras contra um tanque israelense,


durante a Primeira Intifada.

Em meados da década de 1990, a situação aparentava ca-


minhar para o fim: Yasser Arafat, da OLP, e o então primeiro-
-ministro israelense Yitzhak Rabin firmaram os Acordos de
Oslo, mediados pelo presidente dos EUA à época, Bill Clin-
ton. Foi criada a Autoridade Nacional Palestina, responsável
pela administração do território da Palestina, que compreen-
dia a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Na prática, a ANP recebia
os repasses dos impostos que Israel arrecadava em território
palestino e cuidava da saúde, educação, transporte e turismo.
Mapa atual dos territórios palestinos, fragmentados e sem autonomia.
No entanto, em 1995, Yitzhak Rabin foi assassinado por
um extremista judeu, e a extrema direita ganhou força polí- Em 2008, com a mediação do Egito, um acordo de cessar-
tica em Israel. Os judeus não cederam mais à desocupação -fogo foi firmado entre o Hamas e Israel. Seis meses depois,
das áreas onde a população palestina ainda resistia, e os no entanto, sem que o acordo fosse renovado e sem que os
termos de paz dos Acordos de Oslo resultaram em fracasso. judeus interrompessem o bloqueio econômico sobre Gaza,
a região continua até hoje a ser alvo de novos conflitos e
ataques.
Em 2014, novas ofensivas aconteceram. Depois que três
jovens judeus foram assassinados em um ato atribuído ao
Hamas, cuja autoria foi negada, seguiu-se o assassinato de
um jovem palestino por um extremista judeu. Houve ataques
dos dois lados, com ampla vantagem de Israel, mais bem de-
fendido e mais bem armado. Enquanto cerca de 65 soldados
israelenses foram mortos, mais de dois mil palestinos, entre
militares e civis, sucumbiram no conflito. Em razão de mais
Rabin aperta a mão de Arafat, observados por Clinton, esse massacre, países ocidentais, dentre eles o Brasil, passa-
em acordo que foi assinado em 1995, em Oslo.
ram a questionar a atuação de Israel na região.
Em 2000, liderada pelo Hamas, houve uma Segunda Intifa-
da, à qual Israel respondeu novamente com dureza: demo-
liu casas de palestinos e deu início à construção do Muro
da Cisjordânia ou Muro de Israel (2002). Os conflitos foram
sangrentos e estenderam-se até 2004 com a morte do líder
do Hamas. Houve milhares de mortes de ambos os lados.
Firmaram-se acordos de paz que resultaram na desocupa-
ção por parte de Israel da Faixa de Gaza e da Cisjordânia,
medidas que renderam a Ariel Sharon, primeiro-ministro Mulher palestina plantando flores em granadas, como forma
israelense, o Nobel da Paz. de resistência na região de Ramallah, Cisjordânia.

118
1.1. A construção do muro
Os palestinos habitantes de Jerusalém foram “empurra-
dos” para guetos, na parte oriental da cidade. A proposta
inglesa e acatada pela ONU não levou em consideração
as possíveis divergências religiosas, políticas e econômicas
que a divisão da Palestina poderia causar.
Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, até hoje,
a região de Jerusalém vem sendo palco de intermináveis
choques culturais e identitários, que já provocaram guerras,
intolerâncias e massacres contra o povo palestino.

Desenhos de Banksy, no lado palestino do muro,


Imagem aérea mostra vila palestina (à esquerda) e uma colônia satirizam a política israelense.
judaica (à direita) separadas pelo muro israelense.
Em 29 de novembro de 2012 (65 anos depois da Resolu-
A primeira etapa da construção do Muro de Israel começou ção 181, referente à partilha da Palestina), após uma série
em 2004, com o objetivo de segregar Israel da região norte de debates e resoluções, a Assembleia Geral das Nações
da Cisjordânia. Várias regiões sofreram com o levantamen- Unidas, numa votação histórica, passou a reconhecer o Es-
to do muro: vilas ficaram sem áreas agrícolas; cidades fo- tado Palestino como um Estado observador não membro
ram isoladas sem identidade nacional, nem de Israel nem das Nações Unidas (status político igual ao do Vaticano),
da Cisjordânia. o que representa um reconhecimento implícito por parte
A principal justificativa da construção do Muro de Israel foi da comunidade internacional da existência da Palestina
sob comando árabe. Na votação em que eram necessários
o discurso da segurança. Israel isolaria os palestinos para
apenas 97 votos a favor, com o apoio de 139 países, capi-
evitar prováveis ataques a Jerusalém. O muro tem 721 km
taneados na Europa pela França e tendo entre eles o Brasil,
de extensão, oito metros de altura, trincheiras com dois
Angola e Portugal, o Estado Palestino teve seu reconheci-
metros de profundidade, arames farpados e torres de vigi-
mento feito para participar das reuniões da Organização
lância a cada 300 metros. Tudo isso para ser intransponível.
como membro sem direito a voto. Além de Israel, os Esta-
A rigor, já foram construídos dois muros. Um deles cerca as dos Unidos, Canadá e a República Tcheca ficaram entre os
fronteiras da cidade de Jerusalém e bloqueia a livre pas- nove votos contrários (e 41 abstenções) à resolução.
sagem de palestinos para a parte ocidental de Jerusalém; O novo status é principalmente simbólico, mas lideranças
e o outro, na parte externa, cerca e controla as colônias palestinas argumentam que ele ajudará a delimitar o ter-
israelenses instaladas na Faixa de Gaza. ritório que quer para seu Estado próprio – gradativamente
Em 2004, o Tribunal Internacional de Justiça declarou a tomado pelo avanço dos assentamentos israelenses. Tam-
ilegalidade do muro e acusou a obra de separar e isolar bém pode ajudar que essa delimitação de território ganhe
aproximadamente 450 mil pessoas, além de algumas par- reconhecimento formal. A mudança também significa que
tes do muro invadirem territórios palestinos. Entretanto, palestinos poderão participar dos debates da Assembleia
se questionadas, autoridades políticas de Israel alegam Geral da ONU, aumentando suas chances de integrar
que o muro trouxe diminuição de conflitos, razão pela agências e entidades ligadas à Organização. Talvez o maior
temor de Israel seja o de que palestinos usem seu novo
qual não se pensa em retirá-lo. Se, do lado palestino, o
status para entrar no Tribunal Penal Internacional e tentar
muro é alvo de críticas contundentes, ele também passou
acionar Israel judicialmente por supostos crimes de guerra
a ser alvo de artistas do mundo inteiro que grafitam nele
cometidos em territórios ocupados, como na Cisjordânia.
seus desenhos. Banksy, artista britânico, desenhou nele
uma série de ilustrações satirizando a obra que segregou Atualmente, muitas questões dificultam a concretização da
os palestinos dos israelenses. criação do Estado da Palestina, incluindo aí a questão dos

119
colonos judeus incentivados por Israel. Além disso, os isra- Em 1979, pouco antes do início do conflito, o Irã passou
elenses detêm controle sobre recursos naturais e até sobre por uma grande transformação política conhecida como
a água e não parecem estar dispostos a ceder essa posse Revolução Islâmica, quando organizações religiosas
aos árabes. E isso sem falar na cidade de Jerusalém, consi- associadas a partidos esquerdistas e ao apoio popular
derada sagrada para os muçulmanos e reivindicada pelos derrubaram o regime pró-Ocidente do xá (monarca persa)
palestinos e que também não será cedida, sob nenhuma Reza Pahlevi. Instaurou-se um Estado teocrático islâmico e
hipótese, pelo Estado de Israel. de oposição à presença política dos países ocidentais e de
Israel. A maioria da população iraniana e o regime inau-
Consequentemente, os atentados terroristas e os confron-
gurado pelo aiatolá Ruhollah Khomeini tinham orientação
tos continuam ocorrendo, incluindo a forma como Israel
religiosa xiita, divisão do islã que compreendia cerca de
contra-ataca as ações do Hamas, muitas vezes com um uso
10% da população islâmica do mundo, mas de maioria no
desproporcional de força e poderio militar.
Irã, no Iraque e no Barein.

2. Geopolítica do golfo Pérsico


Quando falamos em golfo Pérsico, se com relação ao pe-
tróleo o que temos diante de nós é um verdadeiro império
(cinco das maiores reservas do mundo estão na região),
em termos políticos estamos diante de um complexo amál-
gama de posicionamentos. Enquanto os países árabes O Iraque foi financiado pela Arábia Saudita e pelos
mantêm um peculiar alinhamento com os EUA, o Iraque Estados Unidos; o Irã, pela Síria e pela Líbia.
permanece um enigma e o Irã coloca-se em firme oposição
Ainda no final da década de 1960, o Iraque criou um go-
à política ocidental.
verno de cunho nacionalista graças ao partido Baath, cuja
Nesta equação, o único elemento constante é o petróleo, figura mais conhecida era a de Saddam Takriti Hussein. De
e a possibilidade de equilíbrio entre as partes é muito 1968 a 1979, Saddam foi o vice-presidente, assumindo a
difícil de se obter. É sabido que, desde as primeiras dé- presidência em seguida. Apesar de laico, o regime de Sad-
cadas do século passado, os países do golfo Pérsico já se dam Hussein, da seita sunita, impôs restrições à maioria da
estabeleciam como grandes produtores. A princípio, o in- população, composta por xiitas. Foram reprimidos, tiveram
vestimento estrangeiro foi recebido com passividade. No terras confiscadas e foram impostas a eles limitações à prá-
entanto, à medida que os Estados se familiarizavam com tica religiosa. Os curdos, outra etnia da região, não tiveram
a produção do petróleo, começavam também a enxergar sorte diferente.
a possibilidade de lucrar sem a incômoda interferência
Naquela oportunidade, as sociedades iraquiana e iraniana
estrangeira. E neste momento os conflitos tornaram-se
contavam com os ganhos de uma década de crescimento
inevitáveis.
econômico graças à produção de petróleo, além de gran-
de poder militar, potencial favorável para o crescimento
2.1. Conflito Irã-Iraque econômico e social. Saddam Hussein, mesmo tendo con-
O conflito conhecido como guerra Irã-Iraque ocorreu seguido progressos significativos no desenvolvimento de
entre os anos de 1980 e 1988. Sob uma perspectiva um Estado iraquiano, acreditava que a nova liderança do
histórica, as rivalidades que culminaram na guerra es- Irã revolucionário xiita ameaçava o equilíbrio do Iraque e
tavam atreladas a uma das etapas do antigo conflito seu governo sunita, ao explorar as vulnerabilidades geoes-
árabe-persa pelo controle das terras férteis da planície tratégicas do Iraque, como as limitações de acesso mínimo
da Mesopotâmia. Com fronteiras em comum e localiza- ao golfo Pérsico.
dos na região da Mesopotâmia, ambos os países são A revolução iraniana preocupou os demais Estados do
palco de inúmeras disputas territoriais desde a antigui- golfo Pérsico, pois muitos muçulmanos apoiavam a opção
dade, quando foram povoados por assírios, babilônios, islâmica na política, o que atormentava os dirigentes lo-
persas e árabes. O fator fundamental desses conflitos é cais. O pretexto de Saddam para declarar guerra ao Iraque
de ordem natural: a configuração do relevo com áreas foi questões fronteiriças no entorno do estuário de Chat El
planas e solos férteis, favoráveis à agricultura, e bacias Arab, uma importantíssima zona petrolífera. Saddam ques-
hidrográficas de grandes rios perenes – Tigre e Eufrates tionou o protocolo de Argel (1975), que havia definido as
–, fenômeno raro numa região onde predominam cli- fronteiras entre os dois países nas mediações do estuário e
mas árido e semiárido. pretendia conquistar sua margem oriental.

120
Soldados estadunidenses em parada militar de comemoração
pela vitória na operação apelidada Tempestade no Deserto.

Os EUA foram aliados do Iraque na guerra Irã-Iraque, mas


lideraram as forças aliadas que pressionaram pela desocu-
Soldado iraniano vigia prisioneiros iraquianos com uma metralhadora. pação iraquiana do Kuwait. Passado o prazo dado pela ONU
para a desocupação, as forças aliadas deram início à opera-
Invadiu o Irã, em setembro de 1980, e a primeira fase da
ção Tempestade no Deserto, em 17 de janeiro de 1991. Foi o
guerra foi marcada pelo avanço iraquiano. O Iraque teve
maior aparato militar em operação desde a Segunda Guerra
apoio do Kuwait, dos EUA e da Grã-Bretanha; o Irã, por
Mundial. Consistiu, primordialmente, de ataques aéreos e de
sua vez, contou com o apoio da Líbia e da Síria. O Iraque
lançamento de mísseis de cruzeiros. Durante a batalha, fo-
ofereceu um cessar-fogo ao Irã, pois não imaginava que
ram realizadas mais de 116 mil viagens de ataque ao Iraque
a guerra se prolongaria por tanto tempo, mas a postura
e lançadas mais de 85 mil toneladas de bombas.
inflexível de Khomeini fez com que o Irã recusasse a oferta.
Os ataques foram transmitidos por TV do mundo todo, com
A guerra durou oito anos e, quando chegou o armistício,
a autorização das Forças Armadas dos EUA, que lideravam
as fronteiras continuavam as mesmas do início do conflito.
a coalizão. Os ataques a bases militares, campos de pouso,
A guerra destruiu a economia e a infraestrutura dos dois
pontes, prédios do governo e usinas foram acompanhados
países, sem contar as irreparáveis vidas humanas perdidas.
por imagens ao vivo.
Além disso, quem mais ganhou com essa guerra foi a in-
dústria bélica mundial, visto que os dois países eram abas- Sem capacidade técnico-militar para enfrentar os ataques,
tecidos com os mais modernos equipamentos militares, o a resposta do Iraque consistiu no lançamento de mísseis
que fez com que ambos se endividassem. Scud, de fabricação soviética, sobre os alvos localizados
em Israel e sobre as forças estadunidenses estacionadas
2.2. Primeira guerra do Golfo na Arábia Saudita.
No dia 24 de fevereiro de 1991, uma ofensiva aérea, ter-
Tratou-se de um conflito armado, no início de 1991, que
restre e marítima com duração de cem horas sufocou qual-
opôs o Iraque, presidido por Saddam Hussein, e uma co-
quer possibilidade de reação pelo exército iraquiano. No
alização de forças aliadas lideradas pelos EUA. Além do
dia seguinte, os próprios iraquianos incendiaram centenas
conflito em si, a guerra do Golfo também ficou marcada
de seus poços de petróleo. As tropas aliadas conseguiram
pelas imagens e bombardeios liderados pelos EUA e pelo
forçar a retirada do Kuwait das forças de Saddam Hussein,
despejo de milhares de litros de petróleo no golfo Pérsico, a
em 26 de fevereiro. Um cessar-fogo, logo em seguida, im-
mando de Saddam, transmitidas ao vivo pela TV.
pediu que a capital iraquiana Bagdá fosse invadida e que
O motivo da guerra foi a invasão do Kuwait pelo Iraque, em Saddam Hussein fosse deposto.
1990. Os iraquianos nunca aceitaram a ideia de um Kuwa-
it independente. Para eles, o país nada mais é do que um
prolongamento da província de Basha. Em agosto de 1990,
Saddam ordenou que suas tropas invadissem o Kuwait.
A ONU manifestou-se contrária à ocupação do Kuwait pelo
Iraque e deu prazo até o início de janeiro de 1991 para
que o país fosse desocupado. O Conselho de Segurança da
ONU também impôs sanções econômicas ao Iraque, bem
como autorizou o uso de todas as forças necessárias para George Bush, presidente dos EUA, com oficiais militares,
a desocupação do país. durante a operação Tempestade no Deserto.

121
Durante essa batalha, as vítimas civis iraquianas foram consi- libertação do Kuwait, depois de ser invadido pelos exércitos
deradas efeitos colaterais. Até um abrigo antiaéreo foi bom- de Saddam Hussein, que pretendia anexá-lo. A declaração
bardeado, matando 315 pessoas, dentre elas 130 crianças. de guerra contra o Iraque pelos aliados apoiou-se na ten-
Às centenas, refugiados procuraram a Jordânia para escapar tativa de recuperação dos campos de petróleo tomados. Se
dos ataques. As baixas militares iraquianas chegaram a apro- vitorioso com a anexação do Kuwait, Saddam controlaria
ximadamente 200 mil. Dos aliados, morreram 148 soldados parte significativa do suprimento mundial de petróleo, bem
e outros 145 foram vítimas de fogo amigo. como, e pior, faria da Arábia Saudita seu próximo alvo.
Um desastre ambiental causado pela queima de centenas Eleito, George W. Bush, talvez motivado pelo legado do pai,
de poços de petróleo resultou em uma intensa poluição do bastante criticado por ter, supostamente, vencido a guerra do
ar, que se espalhou por milhares de quilômetros. Só dez Golfo, mas permitido que o ditador permanecesse no poder,
meses depois, o fogo foi definitivamente apagado. Milhões jamais escondeu seu objetivo de derrubá-lo de lá. Após os
de barris de petróleo foram despejados no golfo Pérsico e ataques terroristas de 11 de setembro, a motivação do presi-
contaminaram as águas do oceano Índico. Na zona costei- dente tornou-se ainda mais focada: na sua pregação contra
ra do Kuwait, morreram milhares de espécies animais que o terrorismo, ele apontava Saddam Hussein como uma das
habitavam a região. maiores ameaças à segurança da América e do mundo.
Apesar da esmagadora derrota na guerra do Golfo, Sad-
dam continuou no poder. Durante o conflito, o ditador ira-
quiano ameaçou o mundo. Havia suspeitas de que ele teria
utilizado armas químicas na guerra. Com o discurso de que
Saddam não fizesse isso novamente, as Nações Unidas exi-
giram, como parte do armistício, que o Iraque autorizasse a
ONU a inspecionar sua produção de armamentos.
Desde o final da guerra do Golfo, a disposição iraquiana
em cumprir essa exigência oscilava. Saddam restringia o
A primeira guerra do Golfo também foi chamada de Escudo no Deserto. acesso dos oficiais das Nações Unidas a algumas áreas, o
que alimentava a suspeita de que estivesse desenvolvendo
2.3. Segunda guerra do Golfo armas que não queria revelar ao mundo. Ao fim, em 1998,
o Iraque expulsou os inspetores da ONU e impediu seu re-
Ao tornar-se presidente dos Estados Unidos, George W. Bush torno ao país.
não escondia que um dos objetivos de sua política interna-
cional seria tirar do poder o presidente do Iraque, o ditador
Saddam Hussein, levado pela suspeita de que o Iraque esti-
vera envolvido nos ataques de 11 de setembro, bem como
de que Saddam apoiava o terrorismo internacional e os ho-
mens-bomba palestinos, do que Saddam não fazia segredo.

Saddan Hussein, 2002

Desde o ataque de 11 de setembro, especulava-se a proba-


bilidade de um ataque dos Estados Unidos contra o Iraque.

Ataques às torres gêmeas, em 11 de setembro 2.4. O dossiê britânico


de 2001, Nova Iorque/EUA
George W. Bush dava sinais de que os Estados Unidos esta-
Há mais de uma década, o presidente, pai de George W. vam se preparando para esse ataque. Acusava Saddam do
Bush, liderava uma aliança militar contra o Iraque. Essa fato (presumível) de estar desenvolvendo armas de destrui-
aliança incluía países europeus e árabes que lutavam pela ção em massa. Saddam, por sua vez, não dava ouvidos às

122
ameaças e exigências estadunidenses. Quando, no entanto,
parecia que o ataque ao Iraque era iminente, os iraquianos
2.5. Os EUA preparam-se para o conflito
voltaram atrás. O general Amer al-Saadi, principal conselhei- Depois de desistir de encontrar alguma solução diplo-
ro de Saddam em forças armadas, declarou que o Iraque es- mática para o conflito, os Estados Unidos prepararam-se
taria disposto a autorizar os inspetores da ONU a voltarem para a guerra. O presidente Bush enviou uma resolução ao
ao país para investigar sua produção de armamentos. Congresso estadunidense que, se aprovada, permitiria que
o governo de Washington fizesse uso de todos os meios,
Essa proposta iraquiana ocorreu após a publicação de um
inclusive da força, para obrigar o Iraque a cumprir as or-
relatório do governo britânico, divulgado no dia 24 de
dens impostas pela ONU. Lançou sua nova estratégia de
setembro de 2002, em que o primeiro-ministro britânico
segurança nacional contra qualquer ameaça ao país: “A
Tony Blair declarava: “Não tenho dúvidas de que a amea-
América exige a destruição do armamento de destruição
ça é grave e permanente, que Saddam Hussein progrediu
em massa. Considerando suas atitudes hostis do passa-
na produção de armas de destruição em massa e que ele
do, o governo de Bagdá representa uma ameaça real aos
precisa ser impedido”.
Estados Unidos e ao mundo, por isso deve ser combatida
imediatamente”.
No entanto, diferentemente da guerra do Golfo, havia um
tímido apoio internacional para uma nova campanha mi-
litar contra o Iraque. Dentre os cinco membros permanen-
tes do Conselho de Segurança da ONU – Estados Unidos,
França, Grã-Bretanha, China e Rússia –, apenas a Grã-Bre-
tanha apoiava a posição estadunidense. Os demais países
pregavam a resolução do conflito com o retorno dos inspe-
tores da ONU ao país. Saddam Hussein havia dado indica-
Tony Blair e George W. Bush, 2003 ções de que autorizaria a volta dos inspetores, o que não
Dentre outras constatações, o dossiê com 55 páginas, pre- ocorria desde 1998. Não havia, portanto, necessidade de
parado pelos serviços de inteligência britânico e estaduni- uma nova resolução da ONU contra o Iraque; menos ainda,
uma segunda guerra do Golfo.
dense, afirmava:
Os oficiais estadunidenses duvidavam da eficácia de tais
1. O Iraque continua a fabricar armas químicas e biológi-
inspeções. As palavras do secretário de defesa dos Esta-
cas e tem planos de utilizá-las.
dos Unidos, Donald Rumsfeld, acerca das inspeções foram:
2. O Iraque está tentando obter tecnologia e material “não vão funcionar”. A Casa Branca deixava claro seu ob-
para fabricar armas nucleares e há evidências de que jetivo de mudar a liderança no Iraque.
o país tentou comprar quantidades significantes de
Os críticos dos Estados Unidos denunciaram sistematica-
urânio da África, apesar de não ter um programa civil
mente os planos de Bush para o Iraque, alegando que o
de poder nuclear que exija esse material.
governo de Washington praticava o imperialismo moderno,
3. O Iraque desenvolveu mísseis de longo alcance que abusando de seu poder para atacar países e regimes que
podem atingir nações europeias. não aceitavam as imposições estadunidenses. Alegavam
também que o governo de Washington estava utilizando o
4. O Iraque aprendeu a ocultar equipamentos e docu-
conflito com o Iraque como estratégia para chamar a aten-
mentação dos inspetores das Nações Unidas.
ção dos cidadãos para os problemas internos: proximidade
5. Esse dossiê forçou os Estados Unidos a recusar a últi- das eleições para o Congresso e má trajetória econômica
ma oferta iraquiana de autorizar a inspeção. “Saddam do governo. Uma vitória contra Saddam Hussein poderia
Hussein quer ganhar tempo com mais uma tentativa ajudar o Partido Republicano de Bush nas eleições para o
de enganar o mundo”, declarou a Casa Branca. Congresso.
Dias depois de fazer sua “incondicional” oferta para ins- A política no Oriente Médio nunca foi simples. É possível
peção da ONU, os iraquianos passaram a impor condições: que o Iraque tenha feito a oferta de permitir o retorno dos
as inspeções teriam de respeitar a soberania iraquiana e os inspetores da ONU apenas para tentar isolar os Estados
inspetores não poderiam visitar “locais presidenciais”. Em Unidos e enganar o mundo. Os russos já afirmaram que
outras palavras, a disposição do Iraque passava de fato a a autorização iraquiana para a inspeção da ONU torna-
ser condicional e limitada – seria inspecionado tão somen- va desnecessária uma nova guerra. E Saddam Hussein?
te o que eles permitissem. Pretendia convencer o mundo de que ele não desejava a

123
guerra, enquanto desenvolvia secretamente armas de des- As ações desses grupos têm sido fortemente condenadas
truição em massa? Nada disso ficou provado. por religiosos e lideranças islâmicas, que contrapõem à vio-
lência dos atentados a mensagem de paz contida no livro
sagrado da religião muçulmana. Portanto, embora muitos
queiram disseminar essa imagem, não há relação direta
entre islamismo e terrorismo.
Um dado importante a considerar é que os grupos do terror
possuem estratégias espaciais que tornam mais difícil o com-
bate às suas ações. Em geral, utilizam frações de diversos ter-
ritórios para treinamentos militares ou para alocar militantes
sem vínculos com governos ou lideranças políticas.
Valem-se das telecomunicações modernas, típicas da globa-
Soldado observa área atingida por um míssil, durante
lização, para recrutar adeptos ou planejar e organizar ações.
a segunda guerra do Golfo, 2004 (Iraque). Desse modo, formam-se grupos pequenos e ágeis, que atu-
am em redes geográficas – combatidos por forças militares
Em março de 2003, uma coalizão de países liderada pe-
de base territorial. E, não raro, com respostas inócuas.
los Estados Unidos e pelo Reino Unido invadiu o Iraque
para depor Saddam, depois que o presidente dos Estados O surgimento do grupo Estado Islâmico está associado
Unidos, George W. Bush acusou o líder iraquiano de pos- tanto às divisões entre xiitas e sunitas como a recentes epi-
suir armas de destruição em massa e de ter ligações com sódios no mundo árabe-muçulmano.
a Al-Qaeda. O Partido Baath, de Saddam, foi dissolvido e
Em 2010, um vendedor de frutas na Tunísia ateou fogo
a nação fez uma transição para um sistema democrático.
ao próprio corpo para protestar contra extorsão praticada
Após sua captura, em 13 de dezembro de 2003 (na Ope-
por policiais. Foi o estopim da Primavera Árabe, movimento
ração Red Dawn), o julgamento de Saddam ocorreu sob o
pautado por intensas manifestações e revoltas populares
governo interino iraquiano. Em 5 de novembro de 2006,
que sacudiu o norte da África e o Oriente Médio. Os mani-
ele foi condenado por acusações relacionadas ao assassi-
festantes provocaram a queda de mandatários na Tunísia,
nato de 148 xiitas iraquianos, em 1982, e foi condenado à
Egito, Líbia e Iêmen. Atingiram também Argélia, Marrocos,
morte por enforcamento. A execução de Saddam Hussein
Bahrein, Omã e a Síria e, com menor intensidade, também
foi realizada em 30 de dezembro de 2006.
a Jordânia, Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait.

2.6. A geografia do terror Na Síria, as revoltas desencadearam uma guerra civil a par-
tir de 2011, opondo insurgentes e o governo de Bashar Al-
Os atentados são constantes em embates e conflitos inter- -Assad. De acordo com a ONU, mais de 400 mil pessoas já
nos, como os ocorridos no Paquistão e no Iraque, em con- foram mortas e outros 4,5 milhões imigraram para países
flitos no Cáucaso ou no embate histórico entre israelenses europeus na condição de refugiados.
e palestinos. Parte desses atentados é resultado da ação de
jihadistas (originário da expressão jihad, que foi interpreta- Os primeiros formaram-se de um leque de facções apoia-
da pelos extremistas como “guerra santa aos inimigos do das pela Arábia Saudita e pelo Ocidente e, numa aliança
islã“) – extremistas islâmicos que atacam alvos diversos inusitada, contando com ativistas ligados à Al Qaeda.
em cidades diversas de todo o Planeta. O regime de Assad teve o apoio da corrente alauíta, de
Assim como no ataque às Torres Gêmeas em 2001, outras orientação xiita e à qual pertence a família do governante,
ações de grupos terroristas se voltam contra valores e íco- de minorias cristãs e de países como Rússia, China e Irã (este,
nes ocidentais, como sedes de jornais, estações de metrô e de maioria xiita). Divisões religiosas ajudam a explicar o fato
estabelecimentos comerciais, e até mesmo contra símbolos de sauditas e governo sírio estarem em lados opostos.
de civilizações da antiguidade, como a destruição de está- A guerra civil síria e as fragilidades do Iraque, abalado por
tuas assírias no Iraque promovida por membros do Estado guerras, pela presença estadunidense e atentados e agres-
Islâmico (EI), em 2015.
sões entre sunitas e xiitas formaram o cenário ideal para
Entre as ações de grande violência ou elevado número de o surgimento do Estado Islâmico. Composto por sunitas
mortos e feridos estão as ocorridas em uma estação de extremistas de várias origens, milícias e ex-combatentes de
trem de Madri (Espanha), em 2004, e os ataques simultâ- diferentes nacionalidades, e jovens europeus recém con-
neos a casas de shows, restaurante e estádio de futebol, vertidos ao islamismo, o grupo rapidamente conquistou
em Paris, em novembro de 2015. frações dos territórios do Iraque e da Síria.

124
Ocuparam cidades importantes, como Raqa e Palmira (Sí-
ria) e Mossul (Iraque). Proclamaram um califado (suces-
são, em árabe), regime comandado por um califa, chefe
da nação e alçado a sucessor do profeta Maomé. Neste
califado moderno do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Bagh-
dadi foi nomeado “califa de todos os muçulmanos”. A
certa altura, sobretudo em 2014, o EI chegou a incorpo-
rar em suas fileiras mais de 20 mil estrangeiros, oriundos
de mais de 50 países.
Segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados
(Acnur), dados de 2015 registram que 4 milhões de sírios
saíram do país por causa dos conflitos. Parcelas foram
para países vizinhos; outros tentaram chegar à Europa,
em percursos e travessias muito arriscados. Outros 7,6
milhões de sírios deslocaram-se dentro do país, passan-
do a viver em condições precárias. Retornaremos a esse
ponto mais adiante.
A partir de 2015, gradativamente o EI passou a perder
territórios, em especial no Iraque – que passou a con-
tar com a ajuda de bombardeios aéreos estadunidenses.
O mesmo se deu com os avanços das tropas sírias, com
apoio russo. Nas fronteiras ao norte, as perdas se deve-
ram a investidas da Turquia, que combinou o combate ao
EI com ataques a grupos da minoria curda. Um acordo
para o cessar-fogo entre as tropas de Bashar al-Assad e
os grupos que a ele se opõem, imposto por EUA e Rússia
em setembro de 2016, pode concentrar a partir daí esfor-
ços para combater o EI na Síria.

125
DIAGRAMA DE IDEIAS

DIVISÃO PALESTINA

ÁRABES: CISJORDÂNIA
SIONISMO E FAIXA DE GAZA

ESTADO DE JERUSALÉM DIVIDIDA


ISRAEL

CRIAÇÃO DO ESTADO
DE ISRAEL 1948

2ª GERRA
MUNDIAL

HOLOCAUSTO

REVOLUÇÃO ISLÂMICA
AUMENTO DA IMIGRAÇÃO
DE JUDEUS

GOLFO PÉRSICO IRÃ X IRAQUE

GUERRA DO GOLFO

126
Regiões socioeconômicas
AULAS mundiais X: África
43 e 44
Competência: 3 Habilidade: 14

A primeira noção que nos vem à mente, quando pensamos em África, é a de um continente: uma porção de terra delimitada
por oceanos e mares e ligada ao Oriente pelo istmo do Sinai. Não há dúvida de que o continente assim descrito é facil-
mente identificável. Se detalharmos mais, podemos mencionar algumas de suas características físicas. Olhando no sentido
norte–sul, temos o mar Mediterrâneo, a cadeia do Atlas, o Saara, a floresta tropical com seus rios, os desertos da Namíbia e
do Calahari e o cabo da Boa Esperança. Por mais que essa descrição pareça corresponder ao continente, ela é incompleta.
Ainda faltam inúmeras referências, como os imensos rios, os picos, as cidades etc., que não se completariam caso fizéssemos
uma descrição no sentido leste–oeste.
A África costuma ser regionalizada de duas formas: a primeira valoriza a localização dos países e os dividem em cinco grupos
– Áfricas setentrional, ocidental, central, oriental e meridional; a segunda regionalização – que vem sendo muito utilizada
– usa critérios étnicos e culturais (religião e etnias predominantes em cada região) e é dividida em dois grandes grupos –
África branca ou setentrional (formada pelos oito países do norte, mais a Mauritânia e o Saara Ocidental) e a África negra ou
subsaariana (formada pelos outros 44 países do continente).
Não é fácil fazer o agrupamento dos países da África em conjuntos que apresentem homogeneidade. Assim, para facilitar o
estudo, o continente pode ser dividido em cinco regiões principais: norte da África, África ocidental, África centro-ocidental,
África centro-oriental e África meridional.
Mapa político da África

Madeira (Por) TUNÍSIA


MARROCOS
Is. Canárias (Esp)

ARGÉLIA
LÍBIA EGITO
SAARA
OCIDENTAL

MAURITÂNIA
CABO VERDE
MALI NÍGER
CHADE ERITRÉIA
SENEGAL
GÂMBIA BURKINA SUDÃO
FASO DJIBUTI
GUINÉ-BISSAU GUINÉ
BENIN

NIGÉRIA SOMÁLIA
GANA
TOGO

SERRA LEOA COSTA SUDÃO ETIÓPIA


DO REPÚBLICA
LIBÉRIA MARFIM CENTRO AFRICANA DO SUL
CAMARÕES

GUINÉ EQUATORIAL UGANDA


CONGO QUÊNIA
SÃO TOMÉ GABÃO
& PRÍNCIPE REPÚBLICA RUANDA SEICHELLES
DEMOCRÁTICA BURUNDI
DO CONGO
TANZÂNIA Atol Aldabra
(SEI)

COMORES I. Agalega
ANGOLA (Maurício)
MALAUÍ Mayotte
ZÂMBIA (FRA)
OCEANO MOÇAMBIQUE
MADAGASCAR
ATLÂNTICO NAMÍBIA
ZIMBÁBUE

BOTSUANA

SUAZILÂNDIA
ÁFRICA LESOTO
DO SUL

127
da Europa, que partilha com a Ásia a placa Euro-asiática.
Sua base geológica é formada por grandes e antigas pla-
cas tectônicas, fraturadas em algumas regiões e bastante
desgastadas pela erosão.
Os pontos extremos da África continental são:
§ ao norte – cabo Branco, na Tunísia;
§ ao sul – cabo das Agulhas, na África do Sul;
multimídia: livros § a oeste – península do Cabo Verde, no Senegal;
§ a leste – cabo Hafun, na Somália.
História da África e dos africanos - Paulo Fa-
gundes Visentini, Luis Dario Teixeira Ribeiro e Dentre os acidentes geográficos litorâneos, merecem des-
Ana Lucia Danilevicz Pereira taque o golfo da Guiné, no Atlântico sul, e o estreito de
Esta obra busca motivar a sociedade a conhecer Gibraltar, entre o oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo,
a experiência do Continente Africano, que tanto junto da península Ibérica, na Europa. A leste do continen-
contribuiu para o desenvolvimento da humani- te, está a península da Somália, também chamada de Chi-
dade. Este conhecimento é indispensável para a fre da África, o golfo de Áden, formado por águas do ocea-
superação de estereótipos e preconceitos ainda no Índico e limitado pela península Arábica, pertencente à
vigentes em pleno século XXI. Ásia, e a ilha de Madagascar, que delimita importante via
de tráfego marítimo, o canal de Moçambique.

1. Aspectos físicos
1.1. Espaço natural
Com pouco mais de 30,3 milhões de km2, a África ocupa
20,3% da área total da terra firme do planeta Terra, sendo,
portanto, o terceiro continente mais extenso, atrás apenas
da Ásia e da América. É o segundo continente mais populo-
so, com cerca de 1,1 bilhão de habitantes, atrás apenas da multimídia: livros
Ásia, e detém cerca de um sétimo da população do mundo,
sendo composto por 54 países independentes e por ilhas, A geografia da Pele – Evaristo de Miranda
como a da Madeira, pertencente a Portugal, e a de Ascen- Com domínio absoluto da arte narrativa,
são, pertencente ao Reino Unido. além de um olhar profundo, devassador da
O continente africano é cercado pelos oceanos Atlântico, circunstância humana, Evaristo de Miranda
a oeste, e Índico, a leste, além dos mares Mediterrâneo, escreve com brilhantismo sobre a experiência
no interior do Níger entre 1976 e 1979, mais
ao norte, e Vermelho, a nordeste. Seu litoral estende-se re-
especificamente no Sahel, zona de transição
gularmente por mais de 27 mil quilômetros, com poucos
entre a savana e o deserto, onde esteve para
recortes e ilhas, raras baías, golfos ou penínsulas, o que
conduzir uma pesquisa sobre desequilíbrios
torna difícil o aproveitamento para instalações portuárias.
ecológicos e agrícolas.
A África é cortada por três dos cinco paralelos terrestres:
Equador, trópico de Câncer e trópico de Capricórnio; além
do meridiano de Greenwich. Cerca de 80% de seu territó- 1.2. Relevo
rio ficam na zona intertropical; a maior parte de suas terras No relevo africano predominam imensos tabuleiros, planal-
localiza-se no hemisfério oriental (leste), e só uma pequena tos pouco elevados e considerável altitude média – cerca
parte delas, no hemisfério ocidental (oeste). O continente de 750 metros. Nas regiões central e norte, estão os planal-
possui cinco diferentes fusos horários. tos intensamente erodidos, constituídos de rochas muito
Está separada da Europa pelo mar Mediterrâneo e liga-se antigas e limitados por grandes escarpamentos.
à Ásia na sua extremidade nordeste pelo istmo de Suez. Há 200 milhões de anos, a África e a América do Sul fa-
No entanto, ocupa uma única placa tectônica, ao contrário ziam parte do supercontinente de Gondwana. A separação

128
formou o oceano Atlântico e isolou os dois continentes, No leste está uma de suas características físicas mais
que mantêm semelhanças de estrutura geológica e formas marcantes: uma falha geológica que se estende de norte
de relevo. a sul – o grande vale do Rift, uma fenda tectônica em
que se sucedem montanhas, algumas de origem vulcâni-
Ao norte predomina a área planáltica, ampla e desértica
ca, com vulcões extintos, como o Quilimanjaro, e ativos,
– o Saara –, que se estende do oceano Atlântico ao mar
como o Nabro, o Nyamuragira e o Nyiragongo, além de
Vermelho. A maior formação rochosa dessa área são os
lagos de origem tectônica, formados pelo rebaixamento
montes Tibesti, no Chade, onde se localiza o pico culmi-
da crosta na área dos rifts e o seu posterior rebaixamento
nante da região, o Emi Koussi, com 3,4 mil metros. Além
pelas águas, como os lagos Vitória, Niassa e Tanganica.
do deserto, a cadeia do Atlas também ocupa a região norte
Em função de sua geologia antiga, o continente apre-
do Marrocos, da Argélia e da Tunísia. Sua formação recente
senta muitas depressões, como a de Ngami, ao norte do
apresenta montanhas, cujos picos chegam a 4 mil metros
deserto do Kalahari, em Botsuana. Lá estão localizados
de altura, e está associada ao arco montanhoso do sul da
os maiores lagos do continente, circundados por altas
Europa. Nessa região, o subsolo apresenta significativas
montanhas, como o monte Quilimanjaro, com 5,8 mil
reservas de petróleo, gás natural, ferro, urânio e fosfato.
metros, o monte Quênia, com 5,19 mil metros, e o monte
Além disso, a cadeia do Atlas tem significativa importância
Ruwenzori, com 5,1 mil metros.
para a geografia local, uma vez que barra os ventos úmidos
vindos do oceano.

Mapa hipsométrico do continente africano


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129
Ao sul, onde estão os planaltos, elevam-se os montes Drakensberg, com poucos picos elevados acima dos três mil metros,
mas suficientes para barrar os ventos úmidos do oceano Índico, formando uma costa de climas mais amenos, do Níger e do
Congo. Ao longo do litoral estão as planícies costeiras, ocupando uma área menor que a dos planaltos.
A África não tem muitas ilhas ao seu redor. No Atlântico, há algumas formadas por picos submarinos – ilhas Canárias e ilha
da Madeira –, bem como os arquipélagos de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde. No Índico, encontra-se a grande ilha de
Madagáscar e outras de extensão reduzida, como Comores, Maurício e Seychelles.

1.3. Hidrografia

O esquema mostra a formação do rift Valley e dos grandes lagos africanos: Vitória, Niassa e Tanganica.

Uma vez que as regiões norte e sul são praticamente ocupadas por desertos, a África possui relativamente poucos rios.
Alguns, localizados em regiões tropicais e equatoriais, são muito extensos e volumosos; outros atravessam áreas desérticas,
tornando a vida possível ao longo de suas margens. Poucos deles são extensos.
O mais importante rio africano é o Nilo, que é o segundo mais extenso do mundo depois do Solimões–Amazonas, cujo com-
primento é superior a 6,5 mil km. Nasce nas proximidades do lago Vitória, percorre o nordeste africano e deságua no mar
Mediterrâneo, num delta com 20 mil km2, formando uma das mais importantes áreas agrícolas do continente.
Além do Nilo, o rio Congo fica na zona equatorial, com grande volume de água e elevado potencial hidrelétrico. Depois de
percorrer 4,4 mil km, desemboca no Atlântico, com a segunda maior vazão do mundo. Há ainda o rio Níger, que nasce na

130
Guiné, próximo ao oceano Atlântico, e corre para o interior, Distinguem-se os climas equatorial, tropical, desértico e
penetrando no Saara. Na metade do caminho, muda de mediterrâneo. As médias térmicas mantêm-se elevadas
direção e cai numa longa e estreita planície em direção ao durante o ano todo, exceto nos extremos norte e sul e
sul, desaguando no golfo da Guiné, depois de percorrer 4,1 nos picos das montanhas mais altas.
mil km. Menos extensos, mas igualmente relevantes, são os
O clima equatorial, quente e úmido o ano todo, compre-
rios Zambeze, Senegal, Orange, Limpopo e Zaire.
ende parte da região centro-oeste do continente, com
Na África, há lagos, dos mais extensos e profundos, de ori- temperaturas que variam entre 25 ºC e 30 ºC e índices
gem tectônica e vulcânica; a maioria, situada a leste do pluviométricos de até 3 mil mm ao ano. Em razão das altas
continente: o Vitória, terceiro maior do mundo, com quase taxas de umidade relativa do ar e da abundância de chu-
70 mil m2 de extensão; o Turkana, com cerca de 130 mil vas, praticamente não existe estiagem, o que proporciona
km² de área de bacia hidrográfica; o Niassa, com 29,6 mil a proliferação de florestas equatoriais.
km² de extensão; e o Tanganica, com quase 1,5 mil metros
O clima tropical quente com invernos secos domina quase
de profundidade, o que comprova com ênfase a grande
inteiramente as terras africanas. As temperaturas médias
falha geológica na qual se alojaram os lagos. Milhares de
oscilam entre 22 ºC e 25 ºC com índices pluviométricos
pequenos lagos da região têm água contaminada por sais
de até 1,4 mil mm ao ano. Nessas regiões, há duas esta-
e ácidos provenientes dos vulcões, o que inviabiliza seu uso
ções bem definidas: uma seca e outra chuvosa.
pela população.
O clima mediterrâneo manifesta-se em pequenos trechos
dos extremo norte e sul do continente. É quente com in-
1.4. Clima vernos úmidos, temperaturas amenas que variam entre 15
A linha do Equador divide a África em duas partes distintas: ºC e 20 ºC. A pluviosidade na África é bastante desigual e
o norte é bastante extenso no sentido leste–oeste; o sul, é a principal responsável pelas grandes diferenças entre as
mais estreito, afunila-se onde as águas do Índico encon- paisagens africanas. As chuvas ocorrem com abundância
tram-se com as do Atlântico. Quase três quartos do con- na região equatorial, mas são insignificantes nas proximi-
tinente estão situados na zona intertropical da Terra, com dades do trópico de Câncer, onde se localiza o Saara, e do
altas temperaturas e pequenas variações anuais. trópico de Capricórnio, região em que se estende o Calaari.
Climas do continente africano

Equatorial multimídia: música


Tropical

Desértico

Semiárido Raiz de Glória – Z´África Brasil


Mediterrâneo

Frio de montanha

Localizados no interior do território africano, os desertos 1.5. Vegetação


ocupam grande parte do continente. Ao norte, estão o Dyif A vegetação africana é um reflexo do clima. As paisagens
e o Iguidi, na Líbia (nomes regionais do Saara); ao sul, o distribuem-se pelo espaço geográfico, de acordo com os
da Namíbia (denominação local do deserto de Calaari). O tipos climáticos. Na porção equatorial, onde as chuvas são
Saara ocupa um terço do território africano. Nele, são regis- abundantes o ano inteiro, há florestas equatoriais densas,
tradas temperaturas superiores a 40 ºC. diversificadas e sempre verdes. À medida que avançam
O clima do continente é bastante diversificado e deter- para regiões mais secas, ao norte e ao sul, essas florestas
minado principalmente pela conjunção de dois fatores: vão perdendo a densidade e transformam-se em savanas,
baixas altitudes e predominância de baixas latitudes. que é o tipo de vegetação mais abundante no continente.

131
Vegetação do continente africano progressivamente mais ralas, até se transformarem em
desertos, onde ocorrem eventuais oásis, no quais se de-
senvolvem tamareiras, arbustos e gramíneas. Finalmente,
nos extremos do continente, há maquis e garrigues, co-
nhecidos como vegetação mediterrânea.

Mediterrânea

Pradaria

Deserto

Formações de regiões
semiáridas
Floresta pluvial
tropical e subtropical

Floresta estacional e savana multimídia: música


As estepes aparecem entre as savanas e os desertos. África Nossa – Cesária Évora
À medida que alcançam áreas mais secas, tornam-se

2. Aspectos históricos
Rotas dos navios negreiros (séculos XVI e XVII)

Ao longo da expansão ultramarina europeia dos tempos modernos (séculos XVI e XVII), portugueses e espanhóis estabe-
leceram no litoral africano entrepostos e feitorias destinadas a comercializar madeira, marfim, peles, ouro e, notadamente,
escravos. Um dos mais rentáveis empreendimentos europeus, quando da etapa mercantil do capitalismo dos séculos XVI a
XIX, foi a deportação de grandes contingentes populacionais negros em direção às áreas coloniais da América, onde eram
vendidos como escravos.

132
O monopólio desse comércio foi, sucessivamente, perten- sua dominação submetendo ao seu controle povos mais
cendo a diversas nações. Inicialmente, aos países ibéricos, pobres. O imperialismo é a etapa expansionista da econo-
que forneciam mão de obra para as plantations açucarei- mia capitalista já constituída, como foi o caso do capitalis-
ras antilhanas e brasileiras; no século XVII, aos holandeses, mo comercial.
que começaram a participar do comércio até o século XVIII,
quando cairia nas mãos dos ingleses.
O tráfico negreiro teve consequências extremamente ne-
gativas para a realidade socioeconômica africana: lutas
tribais internas; aniquilamento de tribos e reinos; e a de-
cadência do artesanato africano provocada pela entrada
de manufaturas europeias. Sob o ponto de vista humano,
o apresamento de escravos representou um verdadeiro
desastre. Calcula-se que cerca de 50 milhões a 200 mi-
lhões de negros morreram durante os quatro séculos de
escravidão; 20% dos quais pereceram durante as viagens
para as áreas coloniais do Novo Mundo. multimídia: vídeo
A Revolução Industrial, cuja primeira etapa teve início no Fonte: Youtube
século XVIII, impulsionou a eliminação do escravismo, uma Montanhas da Lua
vez que houve urgência na liberação dos capitais investi-
Em 1860, o capitão Richard Burton (Patrick Ber-
dos no tráfico negreiro para indústrias e outros negócios –
gin) e seu colega John Speke (Iain Glen) realizam
infraestrutura europeia e das colônias. Houve necessidade
uma perigosa expedição: uma longa e acidenta-
de ampliação dos mercados para os excedentes de merca-
da jornada em busca da nascente do rio Nilo, em
dorias gerados pela mecanização da produção.
nome do Império Britânico da Rainha Victória. O
Ao longo do século XIX, o continente africano tornou-se filme mostra o primeiro encontro deles, o surgi-
um privilegiado laboratório natural para pesquisas de cien- mento da amizade e seu fim após a jornada.
tistas europeus. Por volta de 1830, o colonialismo ocidental
ocupava somente a faixa litorânea do continente africano,
aproximadamente 10% de sua superfície total. Contudo, Interessadas principalmente na grande descoberta de dia-
a partir dessa data, Inglaterra, França e Bélgica mostraram mantes na África do Sul e na abertura do canal de Suez, a
interesse em penetrar o continente e ocupar essas regiões. partir de 1869, a nações europeias entenderam a impor-
Num primeiro momento, os exploradores usaram o pretex- tância econômica da África e passaram a explorar o conti-
to da curiosidade científica; em seguida, vieram médicos, nente. Era o início da disputa entre os países europeus para
missionários religiosos, comerciantes e soldados: tinha iní- controlarem os territórios africanos. Sem faltarem acordos
cio a fase imperialista do capitalismo. e estratégias militares para isso, Grã-Bretanha, Alemanha,
França, Portugal, Holanda e Bélgica foram seus grandes
2.1. Expansão do neocolonialismo dominadores. As nações capitalistas europeias exploravam
as matérias-primas dos países africanos e, para dar caráter
Durante o século XIX, em várias regiões do Planeta, nota-
legal à partilha da África e regulamentá-la, convocaram a
damente na África e na Ásia, o imperialismo foi uma es- Conferência de Berlim, em 1884, na qual se decidiu o
tratégia política necessária e empregada pelo capitalismo direito de posse dos países europeus sobre os territórios
para o processo de expansão e dominação territorial, cul- conquistados na África. Deveria ser respeitado e reconheci-
tural, econômica e política. do pelos demais e cada território ocupado teria uma auto-
As nações capitalistas da Europa e da América do Norte ridade que representasse o país conquistador.
usaram o cenário da Segunda Revolução Industrial para O imperialismo dilapidou a economia e a vida dos africanos,
implantar uma nova forma de colonização com o objetivo bem como reelaborou os preconceitos sob o manto de teo-
de impor um estilo de vida entre nações subdesenvolvi- rias científicas à luz das ideias de superioridade racial e cultu-
das, a fim de descobrir e controlar riquezas minerais e ral. A partilha da África não respeitou os limites culturais dos
fontes de energia. povos africanos, fazendo com que populações milenarmente
O imperialismo também foi chamado de neocolonialismo. ligadas fossem separadas, enquanto que outras, muitas ve-
Nações capitalistas com mais poder procuravam ampliar zes inimigas, fossem submetidas ao mesmo poder central.

133
opções: a libertação por meio da guerra, em geral, com
adoção do socialismo; ou a independência gradual conce-
bida pela metrópole, prometendo passar o poder político à
elite local, que, articulada com o mundo capitalista, mante-
ria a dependência econômica num regime neocolonialista.
Em 1955, a Conferência de Bandung, na Indonésia,
reuniu seis países africanos e 23 asiáticos para debate-
rem os problemas dos países pobres e exportadores de
produtos primários para os países ricos e industrializados.
Pela primeira vez, os países do que se convencionou cha-
mar de Terceiro Mundo reuniam-se para debaterem seus
problemas herdados do colonialismo e alimentados pelo
imperialismo e posicionavam-se pelo “não alinhamento”
com os Estados Unidos ou a União Soviética no conflito
ideológico que travavam no contexto da Guerra Fria. Ao
Colonialismo (1914) mesmo tempo, declararam-se a favor do anticolonialismo,
contra o racismo e o imperialismo, os quais se comprome-
tiam a combater.
A Conferência de Bandung mudou o eixo das discussões
entre capitalismo e socialismo, o conflito leste–oeste, ex-
pressão da Guerra Fria, pelo conflito norte–sul, entre os
países industrializados ricos e os países pobres e exporta-
dores de produtos primários. As nações reunidas em Ban-
dung definiram publicamente quatro objetivos básicos:
1. Ativar a cooperação e a boa vontade entre as nações
africanas e asiáticas e promover seus mútuos interesses.
2. Estudar os problemas econômicos, sociais e culturais
dos países participantes.

Mapas do avanço do imperialismo europeu no 3. Discutir a política de discriminação racial, o colonialis-


continente africano (1880-1914) mo e outros problemas que ameaçassem a sua sobe-
rania nacional.
2.2. Descolonização africana 4. Definir a contribuição dos países africanos e asiáticos
Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa foi envolvida na promoção da paz mundial e na cooperação inter-
por um período de grande agitação política e social que nacional.
se estendeu também pelas regiões em processo de des- A Conferência de Bandung firmava a existência de um blo-
colonização. A partir de 1945, o ideal de independência co multinacional não alinhado, denominado Bloco do Ter-
dos povos colonizados transformou-se num fenômeno de ceiro Mundo, com o objetivo de discutir as possibilidades
massas. Países libertaram-se politicamente; no entanto, de superação do subdesenvolvimento, mas não conseguiu,
continuavam economicamente dependentes dos países no entanto, definir uma política concreta de como vencê-lo
colonizadores, que determinavam seu subdesenvolvimen- e superar a herança colonial.
to, o terceiro-mundismo.
Entre 1950 e 1960, mais de 40 países africanos e asiáti- 2.3. África portuguesa
cos conseguiram sua independência, impulsionados pelo As colônias ultramarinas portuguesas na África foram as
nacionalismo, pelo declínio do poderio europeu após a Se- que mais tardiamente conquistaram sua independência,
gunda Guerra Mundial e pelo apoio da ONU, que passou todas após 1970. Desde a década de 1930, Portugal man-
a reconhecer seus direitos. Soma-se a isso a posição favo- tivera-se sob a ditadura de Antônio de Oliveira Salazar, que
rável dos Estados Unidos e da União Soviética, que viam por 40 anos conservou o país longe dos avanços econô-
nesse processo uma forma de ampliarem suas áreas de in- micos, políticos e sociais do período. Em meados dos anos
fluência. No processo de descolonização firmaram-se duas 1970, ocorreram os movimentos de derrubada das últimas

134
ditaduras europeias – Grécia, Portugal e Espanha – e as Foi só com a distensão internacional do início dos anos
lutas coloniais de libertação ganharam força. 1990 e o final da Guerra Fria que se aceleraram os acordos
para a normalização do país, quando governo e a Unita
entraram em entendimento.
Em Moçambique, a Frente de Libertação de Moçambique
(Frelimo), de inspiração socialista e liderada por Eduardo
Mondlane, iniciou, em 1962, a luta pela independência.
Cabo Verde Guiné-Bissau
Com o assassinato de Mondlane por agentes portugue-
ses, em 1969, Samora Machel assumiu o comando do
movimento, ocupando gradativamente o território mo-
São Tomé
e Príncipe çambicano. Com a revolução de 1974, Portugal acelerou
as negociações para libertação dessa colônia, reconhe-
Angola
cendo sua independência em 1975, com Samora Machel
Moçambique na presidência.
A África do Sul, governada por uma maioria branca e a ali-
nhada com o bloco estadunidense nos anos 1980, procu-
rou desestabilizar o governo socialista de Samora Machel,
Países africanos que tiveram dominação portuguesa
por meio da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).
Em Angola, o Movimento Popular pela Libertação da Apesar da assinatura, em 1984, do Acordo de Nkomati
Angola (MPLA), fundando em 1956 por Agostinho Neto, com a África do Sul, que estabelecia a não agressão, os
iniciou um movimento guerrilheiro contra o colonialismo confrontos continuaram.
salazarista, embora outras organizações de libertação sur-
gissem, como a Frente Nacional de Libertação de
Angola (FNLA), liderada por Holden Roberto, e a União
Nacional pela Independência total de Angola (Uni-
ta), chefiada por Jonas Savimbi.
A Revolução dos Cravos, em 1974, que derrubou a ditadu-
ra fascista portuguesa, propiciou a assinatura do Acordo
de Alvor, marcando a libertação angolana em 1975. En-
tretanto, a FLNA, apoiada pelo Zaire, ocupou o norte ango-
lano, enquanto a Unita, apoiada pela África do Sul e com
respaldo dos Estados Unidos, dominava o sul de Angola.
Entre 1986 e 1987, o presidente Ronald Reagan, dos Es-
tados Unidos, e a primeira-ministra Margareth Thatcher, da
Inglaterra, reuniram-se com Jonas Savimbi, subsidiando
economicamente a Unita, na tentativa de desestabilizar o
governo angolano. A FNLA, por sua vez, enfraquecida mili-
tarmente, entrou em processo de extinção.

O cravo vermelho tornou-se o símbolo da


Revolução de Abril de 1974, em Lisboa, Portugal.

Somente na década de 1990, depois de o país ter iniciado


uma abertura política, buscou-se estabelecer acordos entre
o governo e guerrilheiros para a solução da questão moçam-
Jonas Savimbi bicana. Em 1994, foram realizadas eleições multipartidárias

135
vencidas pelo líder da Frelimo e sucessor de Machel, Joaquim Apartheid (segregação racial) tornou-se vitoriosa depois de
Chissano. O novo governo definiu como prioridade a recons- séculos de dominação branca. Mandela tornou-se governan-
trução de Moçambique, tendo em mãos um país arrasado te do país durante os anos 1990 e, mesmo com fortes diver-
por 14 anos de luta pela independência e seguida de mais gências de opositores e discordâncias quanto ao rumo do
16 anos de guerra civil. país, tornou-se um exemplo das potencialidades africanas.
Em Guiné-Bissau e Cabo Verde, a rebelião contra o colo-
nialismo começou em 1961, sob a liderança de Amílcar Ca-
bral, do Partido Africano de Independência da Gui-
né e Cabo Verde (PAIGC), e que foi assassinado em 1973.
Luiz Cabral assumiu, então, a liderança do movimento e
proclamou a independência de Guiné-Bissau que, embora
imediatamente reconhecida pela ONU, só foi oficializada
em 1974, depois da Revolução dos Cravos. Cabo Verde
separou-se de Guiné-Bissau em 1980, embora não desa-
parecessem gestões para uma futura reunificação.

Resistência armada, em luta pelo processo de independência

Apartheid
O Apartheid foi um dos regimes de discriminação
mais cruéis de que se tem notícia no mundo. Vigorou
na África do Sul, de 1948 até 1990, e durante todo
esse tempo esteve ligado à política do país. A antiga
Facção da Frelimo, Moçambique (1972) constituição sul-africana incluía artigos que deixavam
clara a discriminação racial entre os cidadãos negros
No final da década de 1980 e início dos anos 1990, os dois
apesar de serem a maioria da população.
países integraram as transformações internacionais do fim
da Guerra Fria, tendo Cabo Verde, em 1990, adotado o plu-
ripartidarismo. Nas eleições de 1991, ampliou as liberdades
políticas e a abertura econômica. Da mesma forma, o PAI- 2.4. A origem do Apartheid
CG, de Guiné-Bissau, deu inicio à abertura política em 1989, Em 1487, quando o navegador português Bartolomeu Dias
pondo fim ao sistema de partido único. No início dos anos dobrou o cabo da Boa Esperança, os europeus chegaram
1990, deu-se o impasse pela realização de eleições livres em à região da África do Sul. Nos anos seguintes, a região foi
Guiné, dado o radicalismo entre as várias facções políticas. povoada por holandeses, franceses, ingleses e alemães. Os
O domínio colonial e a turbulência política da descoloni- descendentes dessa minoria branca estabeleceram leis,
zação africana deixaram sérios impasses sociopolíticos no no começo do século XX, que garantiam seu poder sobre
continente: de um lado, o quadro de subdesenvolvimento a população negra. Essa política de segregação racial, o
e, de outro, a instabilidade industrial. Não foram raras as Apartheid, ganhou força e foi oficializada em 1948, quan-
crises, catástrofes sociais e políticas. Em Ruanda, grupos do o Partido Nacional, dos brancos, assumiu o poder.
étnicos hutu (90% da população) e tutsis (10%) disputa- O Apartheid atingia a habitação, o emprego, a educação
ram o poder, superdimensionado as heranças coloniais. O e os serviços públicos. Aos negros negava-se o direito à
resultado parcial foi mais de um milhão de mortos e mais propriedade de terras, à participação política, à convivência
de 2,5 milhões de refugiados. nas mesmas zonas residenciais dos brancos, ao casamento
Até mesmo as gigantescas adversidades africanas, contudo, e relações sexuais com brancos. Regularmente, os negros
não conseguiram enterrar transformações que, na dinâmica trabalhavam nas minas, comandados por capatazes bran-
histórica, guardaram algum potencial promissor na solução cos e viviam em guetos miseráveis e superpovoados.
dos principais problemas continentais. Foi o caso da África do Para lutar contra essas injustiças, os negros acionaram o
Sul, onde, sob liderança de Nelson Mandela, a luta contra o Congresso Nacional Africano – CNA, uma organização

136
negra clandestina liderada por Nelson Mandela. Após o primeiras eleições multirraciais na África do Sul, quando
massacre de Sharpeville, o CNA optou pela luta armada Nelson Mandela tornou-se presidente do país.
contra o governo branco, que levou Mandela a ser conde-
nado à prisão perpétua, em 1962. Com isso, o Apartheid
recrudesceu e tornou-se ainda mais violento, chegando a
definir territórios tribais chamados bantustões, onde os
negros eram distribuídos em grupos e ficavam amontoados
nessas regiões.

Nelson Mandela

3. Aspectos sociais
Massacre em Sharpeville, África do Sul (1960)

A partir de 1975, com o fim do império português na Áfri-


ca, lentamente começaram os avanços para acabar com o A população do continente africano alcança quase 1,3 bi-
Apartheid. A comunidade internacional e a ONU pressio- lhão de habitantes, cerca de 14% da população mundial,
naram pelo fim da segregação racial. Em 1991, o então com a maior taxa de crescimento demográfico, 2,3% ao
presidente Frederik Willem de Klerk não teve outra saída: ano, no período entre 2005 a 2010, de acordo com o Fun-
condenou oficialmente o Apartheid e libertou líderes políti- do de População das Nações Unidas (Fnuap), registrando
cos, entre eles Nelson Mandela. taxas anuais de natalidade de 4% e de mortalidade de 2%.
A distribuição da população pelo espaço do continente é
muito irregular. O vale do Nilo, por exemplo, tem densi-
dade demográfica de 500 habitantes por km2, enquanto
os desertos e as florestas são praticamente despovoados.
Outros pontos de alta densidade demográfica são o golfo
da Guiné, as áreas férteis em torno do lago Vitória e al-
guns trechos nos extremos norte e sul do continente. As
regiões das savanas, de maneira geral, são áreas de den-
sidades demográficas médias. Os países mais populosos
são: Nigéria, Egito, Etiópia, República do Congo, África do
Sul, Tanzânia e Sudão.
multimídia: vídeo A cidade de Lagos tem a maior população da Nigéria, cer-
Fonte: Adorocinema ca de 13 milhões de habitantes, e é a que mais cresce no
Um Grito de Liberdade continente africano. Dados relativos à população africana
são baseados em cálculos estimados, uma vez que os obs-
Na África do Sul dos anos 1970, Donald Woods,
táculos dos meios naturais e o subdesenvolvimento tornam
um jornalista branco, faz amizade com Stephen Bi-
quase impossíveis recensear todos os habitantes do territó-
ko, um corajoso ativista negro contra o apartheid.
rio, muitos dos quais vivem em tribos inteiramente isoladas
Biko é executado em 1977 e Donald, exilado, de-
do mundo moderno.
dica-se a divulgar a luta do amigo pela liberdade.
Em quase todos os países africanos, a população rural é
numericamente superior à urbana. É o caso da Argélia, Lí-
A partir disso, outras conquistas foram obtidas: o Con- bia e Tunísia. Os países africanos exibem, em geral, carac-
gresso Nacional Africano foi legalizado; de Klerk e Man- terísticas típicas de subdesenvolvimento: elevadas taxas de
dela receberam o Prêmio Nobel da Paz (1993); uma nova natalidade e de mortalidade; e baixa expectativa de vida.
constituição não racial passou a vigorar; os negros ad- Na maior parte do continente, mais da metade dos tra-
quiriram direito ao voto; e, em 1994, foram realizadas as balhadores está na zona rural, o que indica a importância

137
da economia rural para a população. Os recursos de pro- e berberes, entre os quais se incluem os etíopes e os tuare-
dução são simples, praticamente não mecanizados nem gues. Embora em menor quantidade, há também judeus e
tecnológicos. descendentes de europeus – também habitantes da África
do Sul, em sua maioria originários das ilhas britânicas e dos
Países Baixos.
Ao sul do Saara, a chamada África negra é povoada por
grande variedade de grupos negroides que se diferenciam
entre si principalmente pelo aspecto físico, diferenças cul-
turais, religiões professadas e diversidade de línguas. Os
grupos mais importantes são os sudaneses, bantos, nilóti-
cos, pigmeus, bosquímanos e hotentotes.
A diversidade linguística é significativa. Línguas e dialetos
Tunis, capital da Tunísia (2014) locais convivem com os idiomas introduzidos pelos coloni-
zadores europeus, em especial inglês, francês e africâner.
3.1. Organização social As condições de vida a que a maior parte da população
está submetida são as piores. A África subsaariana é a
A maior parte da população africana é constituída por di- região mais pobre do Planeta, com os piores indicadores
ferentes povos negros, mas há expressiva quantidade de socioeconômicos conhecidos. Poucos países africanos cor-
brancos que vivem principalmente na porção setentrional respondem ao grupo médio de desenvolvimento humano,
do continente, ao norte do Saara – por isso mesmo deno- como é o caso da Líbia. Quase todos os países do conti-
minada África branca. São principalmente árabes, egípcios nente estão no grupo de baixo desenvolvimento humano.

Mapa da diversidade linguística do continente africano

Afrikaans
Árabe
Inglês
Francês
Português
Espanhol
Swahili
outras línguas africanas

138
A ocorrência de conflitos e guerras vem agravando os
problemas sociais do continente, causam a morte de
3.2. Etnias e faixas etárias
milhões de pessoas e desorganizam ainda mais a eco- Cerca de 80% da população são formadas por diferentes
nomia. A epidemia de aids já infectou milhões de pesso- grupos étnicos negros – bantos, sudaneses, bosquímanos,
as. Todos os países da África subsaariana possuem IDH pigmeus, nilóticos – que ocupam, principalmente, as regiões
central e sul do continente, conhecidas como África negra.
considerado baixo. As taxas de mortalidade beiram os
Os brancos – berberes, árabes e caucasianos – habitam a
13,5% e as de natalidade, 35,2%, o maior crescimento
região setentrional do continente, ao norte do Saara, razão
vegetativo do mundo: 2,17%. A qualidade de vida da
pela qual essa região é conhecida como África branca.
população é decadente. Segundo dados da ONU, cerca
de 150 milhões de africanos não ingerem a quantidade A maioria absoluta da população africana é formada por
mínima de calorias diárias e mais 23 milhões correm o jovens, graças às elevadas taxas de natalidade no conti-
risco de morrer de fome. nente. A expectativa de vida, no entanto, é baixa, em razão
do subdesenvolvimento de grande parte dos países.

Mapa da expectativa de vida no continente africano (2017)

Expectativa de vida (anos em 2012)


78
73
60
55
51
49

N Índice estatístico
Jenks

W E
Mapa da expectativa de vida
no continente africano (2012)
S Fonte dos dados: CIA, IndexMundi
Elaboração: Alyson Bueno Francisco
0 600 1200 km
Data: 22/12/2013

Elaborado com Philcarto * 21/12/2013 22:50:54 * http://philcarto.free.fr

3.3. As duas Áfricas


A África apresenta grande diversidade étnica, cultural e peculiaridades físicas, que possibilitam a subdivisão do território
em África mediterrânea (Magreb) e África subsaariana. O Saara é a barreira natural do continente, bem como o islamismo,
religião predominante no Magreb. Na África mediterrânea, que é banhada pelo oceano Atlântico e pelo mar Mediterrâneo,
estão Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egito, cujas características físicas e humanas são semelhantes às do Oriente Médio.
O clima é desértico e a região é ocupada, desde o século VII, por povos árabes, responsáveis pela propagação do islamismo.
A atividade agrícola é desenvolvida com bastante eficiência nas regiões do vale do Nilo e na área conhecida como Magreb,
no noroeste do continente.
A África subsaariana compreende a maior parte do continente africano, cuja concentração populacional é bem maior, com
predominância da população negra. A diversidade cultural nessa região é imensa, com diferentes grupos étnicos cultural-
mente distintos: dialetos, danças, religiões etc.

139
Não raro, essa diversidade étnica gera conflitos entre dife-
rentes grupos. Durante o processo de colonização, os eu-
ropeus não respeitaram as peculiaridades de cada grupo,
que foram separados, estabelecendo territórios com grupos
rivais. A África Subsaariana continua vítima de problemas
socioeconômicos. A fome e a desnutrição endêmicas casti-
gam grande parte dos habitantes.
A aids é outro fator agravante. Aproximadamente 70% dos
portadores mundiais do vírus HIV estão na África subsaa-
riana. Cerca de um em cada três adultos de Botsuana, Le-
soto, Suazilândia e Zimbábue estão infectados. Até 2020, multimídia: vídeo
em razão da doença, os países africanos mais atingidos Fonte: Youtube
podem ter sua população reduzida em 25%.
Hotel Ruanda
Soma-se a esses fatores a falta de apoio efetivo dos or-
Durante os conflitos políticos entre Hutus e
ganismos internacionais, que fazem com que a maioria
Tutsis que mataram quase um milhão de ruan-
dos países africanos apresente baixa qualidade de vida,
denses em 1994, Paul Rusesabagina, gerente
demonstrada pelo índice de desenvolvimento humano
do Hotel des Milles Collines, na capital do pa-
(IDH). De acordo com o ranking do IDH de 2010, das
ís, toma a decisão corajosa de abrigar sozinho
20 últimas posições, os países da África subsaariana mais de 1.200 refugiados.
ocupam 19.

3.4. Aids na África


Além dos inúmeros problemas sociais enfrentados pela África, nas últimas décadas a aids tem impedido o desenvolvi-
mento do continente. Iniciada nos anos 1980, a contaminação expandiu-se rapidamente; em 1990, já eram 10 milhões
de infectados.
Desde então até os dias atuais, o número de infectados elevou-se mais de quatro vezes – são aproximadamente 42 milhões
em todo o continente, 22 milhões de mortos e 13 milhões de órfãos.
O impacto da aids não se restringe à perda de vidas, mas também interfere e compromete diretamente a composição da
PEA dos países africanos, camada da população composta por adultos que se encontram inseridos no mercado de trabalho.
Na Zâmbia, morreram 1,3 mil professores em consequência da aids, o que corresponde a dois terços desses profissionais for-
mados em um ano. Estimativas revelam que até 2020 os países africanos deverão perder um quatro de sua força de trabalho.
Porcentagem de força de trabalho perdida para a aids

A África subsaariana responde por 70% dos casos de aids. No entanto, isso não quer dizer que a África islâmica esteja imune
aos profundos impactos decorrentes da doença. Os rumos da epidemia são determinados pelos aspectos sociais e pelas
iniciativas implantadas para contê-la. As perspectivas são pessimistas quanto ao número de contaminação. Calcula-se que

140
até 2025 a África tenha, aproximadamente, 200 milhões inhame e batata. Planta-se em grandes extensões de terra
de pessoas contaminadas. Conclui-se, com isso, que o Oci- cultivadas anos seguidos até o esgotamento do solo para,
dente é muito mais alertado com campanhas preventivas em outras áreas, repetir-se o mesmo processo.
do que a África, que é muito mais afetada.

3.5. Ebola
O ebola é uma doença muito grave transmitida pelo con-
tato direto com o sangue e fluidos corporais de pessoas
ou animais infectados. Os principais sintomas do ebola são
febre, fraqueza, dores muscular e de cabeça, inflamação na
garganta, vômito, diarreia, coceira, insuficiências hepática e
renal e hemorragias graves.
A taxa de mortalidade do vírus do ebola alcança 90%.
A epidemia propagou-se nas Áfricas ocidental e central.
Desde março de 2014, foram registrados 1,2 mil casos de
ebola e 672 mortes em Guiné, Libéria e Serra Leoa. Trata-se
de uma das doenças mais mortais do mundo. Altamente
infeccioso, o vírus foi registrado pela primeira vez em 1976,
com surtos em Nzara, Sudão, Yambuku e República Demo-
crática do Congo.
Não raro, médicos e agentes de saúde são infectados du-
rante o tratamento de pacientes doentes. Para manter con-
tato com as pessoas portadoras do ebola, é preciso utilizar
luvas, máscaras e óculos de proteção.
Na África, os primeiros casos da doença foram relatados
em chimpanzés, gorilas, morcegos, antílopes e porcos-
-espinhos. Hoje, os morcegos frutívoros são os principais
hospedeiros naturais do vírus. A doença também pode ser
transmitida por sêmen infectado. O diagnóstico do ebola é Há três grandes formas de produção na zona rural africana:
complexo e deve ser feito com cinco exames laboratoriais. a comercial, voltada para o mercado urbano; a de subsis-
Os primeiros sinais da doença podem ser olhos avermelha- tência, voltada para as populações rurais; e a de planta-
dos e erupções cutâneas. tions, voltada para o mercado de exportação. Frequente-
A doença ainda não conta com um tratamento ou vacina mente, as propriedades estão sob o comando de grandes
empresas agroindustriais, que encaminham os artigos agrí-
específicos. Os pacientes com ebola passam por um pro-
colas para o processamento industrial.
cesso de hidratação, manutenção dos níveis de oxigênio e
pressão sanguínea e tratamento de infecções. A pecuária, por exemplo, raramente tem função comercial.
Em razão das condições naturais pouco propícias, a criação

4. Aspectos econômicos de gado bovino é uma atividade econômica de limitado


alcance, em geral praticada de forma nômade ou extensi-
O continente africano é o menos desenvolvido economica- va. Destacável é a criação de carneiros na África do Sul e
mente. Os poucos polos de crescimento devem-se à explo- na Etiópia, onde pequenos rebanhos são conduzidos por
ração mineral, na África do Sul, Líbia, Nigéria e Argélia, e, nômades nas regiões de estepes. Nos países situados ao
em menor escala, à industrialização, na África do Sul, uma norte do Saara, criam-se camelos e dromedários, animais
das poucas nações que alcançaram relativa estabilidade de grande porte utilizados como meio de transporte. Reba-
política e detém um quinto do PIB de toda a África. nhos caprino e ovino também são significativos.

A África é essencialmente agrícola. As monoculturas para A caça, a pesca e a coleta de produtos naturais ainda cons-
exportação – café, cacau, algodão, amendoim – alternam- tituem importantes fontes de renda para a grande parcela
-se com lavouras de subsistência – rudimentar, itinerante e da população africana. No extrativismo animal, figura em
extensiva – milho, sorgo, mandioca, banana, feijão, pimenta, primeiro plano o comércio de couro e de peles. Nos países

141
cobertos parcialmente pela floresta equatorial, o extrativismo vegetal fornece madeiras, resinas, especiarias e óleo de pal-
meira; nos países desérticos, tâmaras.
As criações de aves e suínos são bem reduzidas. Para isso, basta observar a pequena participação do continente nos reba-
nhos mundiais, o que, entre outros fatores, contribui para a má alimentação no continente africano.
O extrativismo é a principal fonte de renda da África, atividade essa intensificada no final do século XIX em consequência
do desenvolvimento da Revolução Industrial. Sempre associada aos interesses internacionais e uma vez que a indústria é
inexistente no continente, é o setor econômico mais desenvolvido e organizado e que usa as melhores tecnologias.

EXPLORAÇÃO DE RECURSOS COMÉRCIO DE ALIMENTOS


MINERAIS METÁLICOS Países exportadores de
amilentos
bauxíta (alumínio)
chumbo e zinco
cobre
estanho IPH (Índice de Pobreza Humana)
% da população privada do
ferro
progresso econômico e social.
manganês
níquel 20 - 40%
ouro
cobalto
40 - 60%
cromo
platina
Mais de 60%
MINERAIS NÃO METÁLICOS
Sem dados
diamante

MINERAIS ENERGÉTICOS
petróleo e gás natural
urânio
0 550 km
carvão

Apesar da diversidade de minerais encontradas em seu Reservas de recursos minerais na África


subsolo, a África se revela um continente pobre. A ex- fosfato Marrocos
ploração das riquezas minerais fica a cargo de compa-
carvão mineral África do Sul
nhias europeias ou estadunidenses que se instalaram
em regiões com boa infraestrutura, com equipamentos,
técnicas e meios de transporte, com vistas exclusivas à
extração e exportação das riquezas em estado bruto
para os países industrializados. A maior parte dos lucros
provenientes desse setor acaba sendo encaminhada
para fora do continente.
Os subsolos africanos estão entre os mais ricos do mundo,
com 30% das reservas mundiais de recursos minerais –
35% da produção mundial de urânio, 90% das reservas
mundiais de platina, 75% das reservas mundiais de titânio.
Reservas de recursos minerais na África
multimídia: vídeo
ouro África do Sul, Gana e Zimbábue Fonte: Youtube
diamante África do Sul, Botsuana e
República Popular do Congo
Diamante de Sangue
cobre República Popular do Congo e Zâmbia Quando a Guerra Civil se estabelece na década
manganês África do Sul e Gabão de 1990 em Serra Leoa, dois homens, um branco
petróleo Angola, Argélia, Gabão, Líbia e Nigéria
sul-africano mercenário e um pescador negro, se
juntam em uma busca para recuperar uma joia
gás natural Argélia, Egito, Gabão, Líbia e Nigéria
rara que tem o poder de transformar suas vidas.
antimônio África do Sul

142
4.1. Indústria e transportes africanas dedicam-se ao beneficiamento de matérias-pri-
mas e de minérios para exportação. As poucas cidades que
apresentam algumas indústrias estão no litoral.
As indústrias têxteis e alimentícias voltadas para o mer-
cado interno encontram-se em todos os países do con-
tinente, ao passo que, na África do Sul, no Egito e na
República Democrática do Congo, estão instaladas as
principais indústrias de base – siderúrgicas, metalúrgicas,
hidrelétricas.
O sistema de transportes é bastante precário e, de fato,
constitui um entrave ao desenvolvimento industrial. Não
há uma rede rodoviária e ferroviária que interligue eficaz-
mente suas regiões.
Indústria têxtil, em Angola (2013)
A União Africana pretende impulsionar a economia por
À exceção da África do Sul, todos os países do continente meio do programa Nova Parceria para o Desenvolvimento
fazem parte do Terceiro Mundo, ou seja, subdesenvolvidos da África (Nepad), com o objetivo de atrair investimentos
e exibem os mesmos problemas característicos desse blo- estrangeiros que tragam o crescimento em troca da ado-
co, agravados ainda mais pelo fato de que, em boa parte ção de políticas fiscais rigorosas pelos países. A iniciativa
da África, a descolonização ocorreu recentemente. tem o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do
Banco Mundial.
A indústria africana é uma das mais pobres do mundo; par-
ticipa com apenas 26% do PIB da economia do continente. Nos últimos anos, vêm aumentado os investimentos do
O setor que mais se destaca é o da mineração, que constitui governo chinês no continente, que financia projetos de in-
a grande variedade de matérias-primas, infelizmente sem fraestrutura, como estradas de ferro e oleodutos. Dentre os
promover a indústria africana, mas destinada ao mercado produtos mais interessantes estão o petróleo de Angola e
externo. Atuando nesse panorama, as modestas indústrias a platina de Zimbábue.

Aeroportos
Ferrovias
Estradas
Source: FAO Geonetwork

Mapa da rede de transporte do continente africano

143
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS

O Museu Afro Brasil, localizado no Parque do Ibirapuera, tem uma acervo de mais de seis mil obras, entre pinturas,
esculturas, gravuras, fotografias, documentos e peças etnológicas produzidas entre o século XVIII e os dias atuais.
O acervo abarca diversos aspectos dos universos culturais africanos e afro-brasileiros, abordando temas como a
religião, o trabalho, a arte, a escravidão etc., uma vez que registra a trajetória histórica e as influências africanas na
construção da sociedade brasileira.

144
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

Habilidade
Comparar diferentes pontos de vistas, presentes em textos analíticos e interpretativos sobre situações ou fatos de
14 natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas.

O processo de exploração do continente africano atingiu com intensidade o setor agrícola desde o século XIX. Muitos
ricos comerciantes e grandes companhias apoderaram-se das terras férteis, expulsando e, posteriormente, explo-
rando a população que ali vivia. O objetivo sempre foi implantar o sistema de plantation (latifúndios monocultores
voltados para exportação), para atender às necessidades europeias.
Gradualmente, a fome e a miséria tomaram conta do continente. A expropriação da terra e suas terríveis consequên-
cias, associadas à tragédia da escravidão, deixaram marcas que se estendem até nossos dias. A agricultura africana
caracteriza-se ainda pelas formas mais rudimentares de produção. A pobreza dos países impede investimentos para
implantar técnicas mais avançadas. Nas regiões de florestas, grandes áreas estão sendo devastadas para dar lugar
a uma agricultura comercial do tipo plantation, comandada pelo café, amendoim e cacau, produtos que atendem
aos interesses dos grandes grupos transnacionais que exploram a agroindústria. Já na faixa mediterrânea, extremo
norte da África, destacam-se os mesmos cultivos comerciais praticados no sul da Europa: frutas, hortaliças e oliveiras.
Em boa parte do continente, o sofrimento da população cresce à medida que aumenta o processo de desertificação
desencadeado pelo uso de técnicas impróprias pela agricultura de subsistência. Esse fenômeno trágico ocorreu
especialmente na região do Sahel (faixa entre o Saara e a região das savanas): a seca e o consequente avanço do
deserto foram tamanhos que provocaram crises agrícolas de proporções catastróficas, em que centenas de milhares
de pessoas morreram de fome. A partir da década de 1990, as chuvas aumentaram no Sahel. A porção norte, so-
bretudo na Mauritânia, Burkina Fasso, Níger, Chade, Sudão e Eritreia, está agora recoberta por vegetação em áreas
antes consideradas estéreis. É uma espécie de frente verde que está atraindo de volta agricultores expulsos pela seca
para as cidades e campos de refugiados. Outra mudança está ocorrendo também na forma como essa região passou
a ser explorada. Programas patrocinados por entidades de ajuda humanitária e agências da Organização das Nações
Unidas estão ensinando os agricultores africanos a utilizar o solo da região. A ideia é substituir as práticas predatórias
do passado, como queimada, por métodos menos agressivos, como adubagem orgânica e construção de cacimbas
para recolhimento de água.

Modelo
(Enem) A singularidade da questão da terra na África colonial é a expropriação por parte do colonizador e as desigual-
dades raciais no acesso à terra. Após a independência, as populações de colonos brancos tenderam a diminuir, apesar
de a proporção de terra em posse da minoria branca não ter diminuído proporcionalmente.
MOYO, S. A terra africana e as questões agrárias: o caso das lutas pela terra no Zimbábue. In: FERNANDES, B.M.;
MARQUES, M.I.M.; SUZUKI, J.C. (Orgs.). Geografia agrária: teoria e poder. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

Com base no texto, uma característica socioespacial e um consequente desdobramento que marcou o processo de
ocupação do espaço rural na África subsaariana foram:
a) exploração do campesinato pela elite proprietária e domínio das instituições fundiárias pelo poder público.
b) adoção de práticas discriminatórias de acesso a terra e controle do uso especulativo da propriedade fundiária.
c) desorganização da economia rural de subsistência e crescimento do consumo interno de alimentos pelas famílias camponesas.

145
d) crescimento dos assentamentos rurais com mão de obra familiar e avanço crescente das áreas rurais sobre as regiões
urbanas.
e) concentração das áreas cultiváveis no setor agroexportador e aumento da ocupação da população pobre em territórios
agrícolas marginais.

Análise expositiva - Habilidade 14: Em vários países africanos que foram colônias de exploração, as mel-
E hores terras foram destinadas aos cultivos voltados para exportação (café, cacau, amendoim, entre outros). Áreas
com solos mais pobres foram ocupadas pela agropecuária de subsistência com menor produtividade.
Alternativa E

DIAGRAMA DE IDEIAS

ASPECTOS
FÍSICOS

RELEVO CLIMA VEGETAÇÃO

PREDOMÍNIO DE DESÉRTICO (SAARA) ESTEPES


TABULEIRO EQUATORIAL SAVANAS
TROPICAL TROPICAL (FLORESTAS)
MEDITERRÂNEO

IMPERIALISMO

ASPECTOS PROCESSOS DE
HISTÓRICOS DESCOLONIZAÇÃO

GUERRAS CIVIS

146

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