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D. M. LLOYD- JONES
Título original:
Editora:
1978
Copyright:
Lady E. Catherwood
Tradução do inglês:
Odayr Olivetti
Revisão:
1996
Impressão:
Imprensa da Fé
PREFÁCIO
Estou pronto a confessar que, ao adotar este procedimento, bem pode ser que me
pese a culpa de permitir que o meu coração pastoral governasse o meu
entendimento teológico, e especialmente o meu entendimento do invariável
método do apóstolo Paulo. A minha única defesa é que naqueles outros volumes
eu salientei repetidamente que só se pode entender o ensino à luz da
grande doutrina que o apóstolo formula neste primeiro capítulo. E agora espero
fazer plena reparação neste volume, e, “querendo Deus”, nos futuros volumes
sobre os capítulos 3, 4 e 5:1-18.
O nosso mundo está num estado de completa confusão e, que pena, dá-se o
mesmo com a Igreja Cristã e com muitos cristãos individuais. Será ocioso
chamar pessoas para ouvir-nos, se nós mesmos estivermos inseguros quanto ao
que queremos dizer com as expressões “cristão” e “Igreja Cristã”. Neste
primeiro capítulo desta Epístola aos Efésios, o apóstolo trata dessas mesmas
questões de maneira a mais sublime, fazendo-nos lembrar desde o início
que fomos abençoados “com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais
em Cristo”. Ele prossegue, dizendo que essa verdade se refere aos crentes judeus
e gentios, que o poder da ressurreição está operando em cada um de nós e na
Igreja, que é o Seu corpo. A Epístola aos Efésios é a mais “mística” das
Epístolas de Paulo, e em nenhum outro lugar a sua mente inspirada se eleva a
maiores alturas. Não há maior privilégio na vida do que ser chamado para expor
o que Thomas Carlyle denominou “infinidades e imensidões”! Só posso orar e
esperar que Deus abençoe os meus indignos esforços, e use-os para ajudar
muitos a se elevarem à altura da nossa “alta”ou “soberana vocação em Cristo
Jesus” e libertar aqueles cujas vidas até aqui estão “presas a frivolidades e
misérias”.
ÍNDICE
Efésios 1: 1-23
1. Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, aos santos que estão
em Efeso, e fiéis em Cristo Jesus.
2. A vós graça, e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo.
3. Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo;
4. Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em caridade;
5. E nos predstinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito de sua vontade,
6. Para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no
Amado.
11. Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, haven-do sido
predestinados, conforme o propósito daquele que
12. Com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que primeiro
esperamos em Cristo;
13. Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o
evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o
Espírito Santo da promessa.
15. Pelo que, ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor Jesus, e a
vossa caridade para com todos os santos,
16. Não cesso da dar graças a Deus por vós lembrando-me de vós nas minhas
orações;
17. Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em
seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação;
18. Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual
seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos
santos;
19. E qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos,
segundo a operação da força do seu poder,
22. E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu
como cabeça da igreja,
23. Que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos.
INTRODUÇÃO
“Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, aos santos que estão
em Efeso, e fiéis em Cristo Jesus.’’ - Efésios 1:1
Longe de mim querer competir com os que assim tem procurado descrever esta
Epístola, mas me parece que qualquer descrição geral que dela se faça deve
observar de modo especial certas palavras que lhe são características, e que o
apóstolo usa mais vezes nela, talvez, do que em qualquer outra Epístola. O
apóstolo fica maravilhado ante o mistério, as glórias e as riquezas do método
de redenção de Deus em Cristo. Como eu mostrarei, estas são as palavras que ele
usa com muita freqüência - a glória disso, o mistério e as riquezas do método de
redenção de Deus em Cristo!
Outra maneira pela qual se pode expor a característica peculiar desta grande
Epístola é mostrar que esta é uma carta na qual o apóstolo olha para a salvação
cristã da vantajosa posição dos “lugares celestiais”. Em todas as suas Epístolas
ele expõe e explica o caminho da salvação; ele trata de doutrinas específicas, e
de discussões ou controvérsias que tinham surgido nas igrejas. Mas o
peculiar traço e característica da Epístola aos Efésios é que aqui o
apóstolo parece estar como ele mesmo diz, nos “lugares celestiais”, e
dessa posição especial ele está contemplando o grandioso panorama da salvação
e da redenção. O resultado é que nesta Epístola há muito pouca controvérsia; e
isso porque o seu grande interesse foi dar aos Efésios, e a outros aos quais a
carta é dirigida, uma visão panorâ-
mica desta maravilhosa e gloriosa obra de Deus em Jesus Cristo, nosso Senhor.
Comecemos procurando ter uma visão geral dela, pois só poderemos captar e
entender verdadeiramente as particularidades se fizermos uma firme tomada do
conjunto todo e da exposição geral. Por outro lado, aqueles que imaginam que ao
fazerem uma tosca divisão da mensagem desta Epístola de acordo com os
capítulos terão tratado dela adequadamente, exibem a sua ignorância. É quando
passamos aos detalhes que descobrimos a riqueza; um sumário da sua mensagem
é muito útil como começo, porém é quando chegamos às declarações
particulares e às palavras individuais que encontramos a glória real exposta à
nossa maravilhosa contemplação.
O tema geral da Epístola é proposto logo no seu primeiro versículo. Isso é
característico do apóstolo; ele não pôde refrear-se, e parte imediatamente para o
seu tema. “Paulo, apóstolo Jesus Cristo, pela vontade de Deus” - aí está! O tema
da Epístola, primeiramente e acima de tudo, é Deus - Deus o Pai. “A vós graça, e
paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo. Bendito o Deus e
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.” O apóstolo Paulo sempre começa dessa
maneira, e é assim que todo cristão deve começar. Esse é o tema que domina
tudo o mais. Nunca houve perigo de que
Paulo se esquecesse disso, pois mais que ninguém ele sabia que tudo é de Deus e
por Deus, e que a Ele se deve dar glória para todo o sempre.
Toda esta Epístola nos diz que sempre devemos contemplar a salvação desta
maneira. Não devemos partir de nós e depois ascender a Deus; devemos partir da
soberania de Deus, Deus sobre todos, e depois descer a nós. Ao caminharmos
através da Epístola, veremos que não somente a salvação é inteiramente de Deus
em geral; também é de Deus em particular. Vejam, por exemplo, o grande tema
que Paulo desenvolve no capítulo 3. A tarefa especial que lhe fora confiada
como apóstolo é: “demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que
desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou” (“por Jesus Cristo”,
VA). O mistério é que os gentios sejam co-herdeiros com Jesus. Foi esse o
“mistério” que noutras eras não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, e
agora é revelado aos Seus santos apóstolos e profetas pelo Espírito.
Deus domina todas as coisas; o fator tempo em particular. Quando vocês lêem o
Velho Testamento, alguma vez perguntaram por que foi que todos aqueles
séculos tiveram que passar antes que de
fato o Filho de Deus viesse? Por que foi que tão longo tempo somente os
israelitas, os judeus, tiveram os oráculos de Deus e o entendimento de que há
somente um Deus vivo e verdadeiro? A resposta é que é Deus quem decide o
tempo em que tudo deve acontecer, e assim Ele revela esta verdade que até aqui
tinha sido secreta. Este fato é apenas outra ilustração da soberania de Deus. Ele
determina o tempo para que as coisas todas aconteçam. Deus é sobre todos,
dominando sobre todos, e marcando o tempo de cada acontecimento, em Sua
infinita sabedoria. Numa época como esta, não sei de nenhuma outra coisa que
seja mais consoladora e que dê mais segurança do que saber que o Senhor
continua reinando, que Ele continua sendo o soberano Senhor do universo, e
que, apesar de que “se amotinam as gentes, e os povos imaginam coisas
vãs”, Ele estabeleceu o seu Filho sobre o Seu santo monte de Sião (Salmo
2). Virá o dia em que todos os Seus inimigos lamberão o pó, virão a ser o estrado
dos Seus pés e serão humilhados diante dEle, e Cristo será “tudo em todos”.
Dessa maneira a soberania de Deus é ressaltada na introdução desta Epístola e
repetida até o fim dela, porque é uma das doutrinas cardinais, sem a qual
realmente não entendemos a nossa fé cristã.
Depois, tendo dito isso, o apóstolo passa a tratar do mistério de Deus, Sua
grandeza e a majestade da Sua soberania. A palavra “mistério” é utilizada seis
vezes nesta Epístola aos Efésios, mais vezes, portanto, do que em suas outras
Epístolas. Assim, estou justificado em dizer que este é um dos mais importantes
temas desta Epístola, o mistério dos procedimentos de Deus com relação a nós, o
mistério da Sua vontade. Nós o vemos neste capítulo primeiro - “Descobrindo-
nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si
mesmo”. Pergunto se sempre compreendemos isso como deveríamos. É de
temer-se que, às vezes, os cristãos abordam estas grandes verdades como se as
compreendessem com o seu próprio entendimento. Jamais pensemos assim. Se
você começar a imaginar que pode entender a mente e a vontade de Deus, estará
condenado ao fracasso, pois há mistérios aos quais nenhuma mente humana pode
fazer frente. “Grande é o mistério da piedade”; ninguém o pode entender. E se
você tentar entender os procedimentos de Deus com respeito ao homem e ao
mundo, garanto-lhe que você se verá tão confuso que sentirá acabrunhado e
infeliz. Na verdade você poderá acabar quase perdendo a fé e tendo um
sentimento de rancor contra Deus. “O mistério da sua vontade”! Ele é
infinito e eterno, e nós somos finitos e pecadores, e não podemos ver nem
entender.
Se você se sentir tentado a dizer que Deus não é justo, aconselho-o a, com Jó,
pôr a mão na boca, e tratar de compreender de quem você está falando.
Certamente, fazer objeção ao mistério é quase negar que sequer somos cristãos.
Haverá algo mais maravilhoso, mais encantador, mais glorioso para o cristão do
que contemplar os mistérios de Deus? Espero que ao aproximarmos
destes grandes temas, você já esteja cheio de um sentimento de
divina expectação, e aspire a adentrá-los cada vez mais. Um dos aspectos mais
maravilhosos da vida cristã é que nela você está sempre avançando. Você pensa
que já o conhece todo, e então dobra uma esquina e de repente vê algo que não
conhecia, e vai adiante, sempre adiante. É por isso que o apóstolo escreve acerca
das “riquezas da sua graça”; é o glorioso mistério que a Ele aprouve revelar-nos
por Seu Santo Espírito. Mas não permita Deus que alguma vez imaginemos que
seremos capazes de entender isso tudo no sentido de abarcá-lo totalmente. Meu
interesse não é somente aumentar o nosso conhecimento intelectual de Deus, e
sim desvendar “o mistério” dos Seus caminhos, a fim de que possamos vê-lo
e adorar o Senhor, e confessar a nossa ignorância, pequenez e fragilidade, e Lhe
agradecer o mistério da Sua santa vontade.
O próximo tema é a graça de Deus; e esta palavra é utilizada treze vezes nesta
Epístola. O apóstolo a fica sempre repetindo. No versículo dois ele a coloca na
frase inicial: “A vós graça, e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor
Jesus Cristo”. Este é o tema que, acima de tudo mais, é desenvolvido nesta
Epístola - a estupenda graça de Deus para com o homem pecador,
providenciando para ele salvação e redenção. “A graça de Deus”; sim, e
abundante em particular - “as riquezas da sua graça”. Essa idéia acha-se
aqui mais do que em qualquer outro lugar - “as riquezas da sua graça”! “Bendito
o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com toda as
benção espirituais nos lugares celestiais em Cristo. “Nesta Epístola nos é dado
um vislumbre das riquezas, da abundância, da superabundância da graça de Deus
para conosco; e se não estivermos ansiosos por um exame e investigação com
a mais ávida antecipação possível, é duvidoso se somos cristãos. A maioria das
pessoas se interessa por valores e riquezas; gostamos de ir a museus e a outros
lugares onde se guardam e se armazenam coisas preciosas, gostamos de ver jóias
e pérolas; ficamos em filas e
pagamos pelo direito de ver tais valores e riquezas. Gabamo-nos disso como
indivíduos e como nações. Repito, pois, que o supremo objetivo desta Epístola é
fazer-nos entrar e olhar, e ter um vislumbre das riquezas, das superabundantes
riquezas da graça de Deus. Tudo começa com Deus, Deus o Pai, que é sobre
todos.
Mas tendo dito isso, paseemos para o que invariavelmente vem em seguida em
todas as Epístolas deste apóstolo, na verdade o que sempre vem em segundo
lugar em toda a Bíblia - o Senhor Jesus Cristo. “A vós graça, e paz da parte de
Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo”. Vocês notaram quantas vezes
ocorre o nome, o nome que era tão caro e bendito para o apóstolo? “O apóstolo
de Jesus Cristo”, “A vós graça, e paz de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos
abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”, e
assim continua. No versículo primeiro Paulo nos diz logo de início que ele é um
“apóstolo de Jesus Cristo”. Soa quase ridículo ter que dizê-lo, e, todavia, é
essencial salientar que não há evangelho nem salvação fora de Jesus Cristo. É
necessário porque há pessoas que falam de cristianismo sem Cristo. Falam
em perdão, mas o nome de Cristo não é mencionado, pregam sobre o amor de
Deus, porém em sua opinião o Senhor Jesus Cristo não é essencial. Não é assim
com o apóstolo Paulo; não há evangelho, não há salvação sem o Senhor Jesus
Cristo. O evangelho é especialmente acerca dEle. Todos os propósitos
misericordiosos de Deus são levados a efeito por Cristo, em Cristo, mediante
Cristo, do princípio ao fim. Tudo o que Deus, em Sua vontade soberana, por
Sua infinita graça, e segundo as riquezas da Sua misericórdia e do mistério da
Sua vontade - tudo o que Deus se propôs realizar e realizou para a nossa
salvação, Ele o fez em Cristo. Em Cristo “habita corporalmente toda a plenitude
da divindade”; nEle Deus entesourou todas as riquezas da Sua graça e sabedoria.
Tudo, desde o início até o fim, é nosso Senhor Jesus Cristo e por meio dEle.
Somo chamados e escolhidos “em Cristo” antes da fundação do mundo,
somos reconciliados com Deus pelo “sangue de Cristo”. “Em quem temos a
redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua
graça”. (VA: “...pelo seu sangue, o perdão dos pecados...”).
Todos nós estamos interessados no perdão, mas como sou perdoado? Será
porque eu me arrependi ou tenho vivido uma vida virtuosa que Deus me vê e me
perdoa? Digo com reverência que
nem mesmo o Deus todo-poderoso poderia perdoar o meu pecado simplesmente
com base nesses termos. Há unicamente um modo pelo qual Deus nos perdoa; é
porque Ele enviou Seu Filho unigênito do céu à terra, e à agonia, à vergonha e à
morte na cruz: “Em quem temos a redenção pelo seu sangue”. Não há
cristianismo sem “o sangue de Cristo”. É central, absolutamente essencial. Sem
Ele não há nada. Não somente a Pessoa de Cristo, todavia em particular a Sua
morte, o Seu sangue derramado, o Seu sacrifício expiatório e substitutivo! É
dessa maneira, e somente dessa maneira, que somos redimidos. Nesta Epístola
Cristo é exposto como absolutamente essencial. Veremos isso quando entrarmos
em detalhes. Ele está em toda parte, tem que estar. Somos escolhidos nEle,
chamados por Ele, salvos pelo Seu sangue. Ele é a Cabeça da Igreja, como
nos lembra o capítulo primeiro. Ele está “acima de todo o principado, e poder, e
potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas
também no vindouro”. Ele é a “cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude
daquele que cumpre tudo em todos”; e Ele está à mão direita de Deus, com toda
a autoridade e poder no céu e na terra. Jesus, o nosso Senhor, é supremo; Ele é
o Filho de Deus, o Salvador do mundo. Esse vai ser o nosso tema. Você está
começando a ansiar por isso - por vê-lO, contemplá-lO em Sua Pessoa, em Seus
ofícios, em Sua obra, em tudo o que Ele é e pode ser para nós?
mundo antigo estava na mesma situação. Não há nada de novo nisso, é tudo
resultado do pecado e do ódio do diabo a Deus. E resultado do fato de que o
homem perdeu sua verdadeira relação com Deus. O homem se põe como Deus, e
com isso causa todo o transtorno e confusão no mundo. Mas nos é exposto
como, no princípio, ainda no Paraíso, Deus anunciou o Seu plano e começou
a pô-lo em prática.
Isso, por sua vez, leva a outro tema importante, a Igreja. O propósito de Deus se
vê muito clara e objetivamente na Igreja e por meio dela, o Seu grande propósito
de unir todas as nações em Cristo. Nela se vêem indivíduos diferentes, de
nacionalidades diferentes, procedentes de diferentes partes do mundo, com
experiências diferentes, diferentes na aparência, diferentes psicologicamente e
em todos os aspectos concebíveis; todavia, são todos um só “em Cristo Jesus”. É
isso que Deus está fazendo, até que finalmente haja “novos céus e nova terra, em
que habita a justiça” (2 Pedro 3:13), e Jesus reine “de costa a costa, até que as
luas não tenham mais crescente nem minguante”.
JESUS”
“Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, aos santos que estão
em Efeso, e fiéis em Cristo Jesus.’’ — Efésios 1:1
Chamo a atenção para este fato porque muitas vezes as pessoas interpretam mal
o ensino das Epístolas do Novo Testamento é dirigido única e exclusivamente a
cristãos, a crentes no Senhor Jesus Cristo. É completamente errôneo e herético
tomar o ensino de qualquer das Epístolas do Novo Testamento e aplicá-lo ao
mundo em geral. O ensino é dirigido a pessoas particulares, e aqui o
apóstolo não nos deixa em nenhuma dúvida quanto às pessoas às quais ele está
escrevendo. Ele se dirige a elas e imediatamente as descreve.
Também é preciso ficar claro para nós o fato de que o apóstolo estava
escrevendo o que se pode descrever como uma carta geral. A Versão Revista
inglesa não diz: “aos santos que estão em Éfeso”. A palavra “Éfeso” é omitida, e
isso nos faz lembrar que nalguns dos manuscritos antigos as palavras “em Éfeso”
não estão incluídas. Os manuscritos mais antigos não contêm as palavras “em
Éfeso”, mas elas se encontram noutros manuscritos antigos. Contudo, as
autoridades concordam em dizer que o que realmente aconteceu foi que o
apóstolo escreveu uma espécie de carta circular a várias igrejas, e que o seu
amanuense provavelmente deixou um espaço em branco para que se pudesse
inserir o nome de alguma igreja em particular. Esta carta à igreja de Éfeso foi
também a outras igrejas da Província da Ásia, e é provável que a descrição
tradicional, “A carta para os efésios” tenha surgido do fato de que o exemplar
original foi para a igreja de Éfeso.
Permitam-me ressaltar também que esta carta não foi destinada a alguns cristãos
incomuns e excepcionais, não é uma carta dirigida a algum grande erudito ou
teólogo, não é uma carta dirigida a professores, não é uma carta dirigida a
eruditos especializados no estudo das Escrituras. Não é uma carta para
especialistas, porém para membros de igreja comuns. Esta é, sob todos os pontos
de vista, uma observação muito importante, e pela seguinte razão, que tudo o que
o apóstolo diz aqui acerca dos cristãos e membros das igrejas deve, portanto, ser
verdade a nosso respeito. Toda a elevada doutrina que temos nesta Epístola é
algo que eu e vocês fomos destinados a receber. A Epístola aos Efésios - talvez a
realização máxima da vida do apóstolo e dos seus escritos - é uma
Epístola destinada a pessoas como nós. O objetivo é que membros comuns de
igreja, de todas as igrejas, tomem posse desta doutrina e as entendam e se
regozijem nelas. Não são apenas para certas pessoas especiais e cultas; são para
cada um de nós e para todos nós.
Voltando-nos, pois, para a descrição que o apóstolo faz do
cristão, de todo cristão, temos aqui o que se pode chamar o mínimo irredutível
do que constitui um cristão. No corpo desta carta diz o apóstolo que ele está
desejoso de que essas pessoas aprendam mais verdades, verdades mais
profundas e mais elevadas. Daí ele ora no sentido de que os olhos do seu
entendimento sejam iluminados: “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo,
o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de
revelação; tendo iluminados os olhos do vosso entendimento”. Esse é o objetivo
supremo, mas antes de chegar a isso ele lhes lembra o que já são e o que já
sabem. Esta descrição do cristão é uma descrição dos cristãos efésios daquele
tempo. Eles nunca seriam membros da Igreja, nunca seriam destinatários desta
carta, se estas coisas não fossem próprias deles. Vemo-nos, pois, confrontados
aqui pelo que o Novo Testamento ensina que é o mínimo irredutível do que
constitui um cristão.
Estou dando ênfase a isso porque me parece que a necessidade primária da Igreja
na presente hora é compreender exatamente o que significa ser cristão. Como foi
que os cristãos primitivos, que eram apenas um punhado de gente, tiveram tão
profundo impacto sobre o mundo pagão em que viviam? Foi porque eles eram o
que eram. Não foi a sua organização, foi a qualidade da sua vida, foi o poder que
eles possuíam porque eram cristãos verdadeiros. Foi desse modo que o
cristianismo venceu o mundo antigo, e cada vez me convenço mais de que essa é
a única maneira pela qual o cristianismo pode influenciar verdadeiramente o
mundo moderno. A falta de influência da Igreja Cristã no mundo em geral hoje,
em minha opinião, deve-se unicamente a uma coisa, a saber (Deus nos perdoe!),
que somos muito diferentes da descrição dos cristãos que vemos no Novo
Testamento. Se, portanto, estamos preocupados com o estado em que a Igreja se
encontra, se sentimos o peso dos homens e mulheres que estão fora da igreja e
que, em sua miséria e aflição, estão se precipitando para a sua própria destruição,
a primeira coisa que temos que fazer é examinarmos, e descobrir até que ponto
nos amoldamos a este modelo e a esta descrição. O apóstolo descreve o cristão
com três expressões. A primeira é “santos”. “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo,
pela vontade de Deus, aos santos...” - aos santos de Efeso, aos santos de
Laodicéia, aos santos de todas as outras igrejas locais, pequenas ou grandes. A
primeira coisa a dizer do cristão é que ele é santo. Receio que isso soe um tanto
estranho para alguns de nós. Temos a tendência de dizer: “Bem,
eu sou cristão, mas estou longe de ser santo”. Tememos fazer tal afirmação; de
algum modo tememos esta designação particular; e, contudo, o Novo Testamento
se dirige a nós como a “santos”. Portanto, precisamos descobrir porque o
apóstolo usa essa palavra, e o que se quer dizer com “santo”, em seu sentido
neotestamentário.
A primeira coisa que o termo significa é que somos pessoas separadas. Esse é o
significado radical da palavra que o apóstolo emprega aqui, e como outros
escritores bíblicos a utilizam. Primariamente significa separado, posto à parte.
Uma boa ilustração desse sentido vê-se no capítulo 19 de Atos dos Apóstolos,
onde lemos que, quando surgiram certas dificuldades e oposições, o
apóstolo separou os discípulos e então começou a reunir-se com eles na escola
de Tirano (versículo 9), e se pôs a ensiná-los e a edificá-los na fé; ele os separou.
Essa é a significação essencial da palavra “santo”, e a Igreja é um agrupamento
de santos. A Igreja não é uma instituição, é primordialmente uma reunião, um
encontro de santos. A ilustração perfeita é a dos filhos de Israel na antiga
dispensação. Eles eram um povo separado por Deus, foram tirados do
mundo, foi-lhes conferida por Deus uma certa singularidade, eram “povo de
Deus”. São descritos como “a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o
povo adquirido” ou “peculiar” (1 Pedro 2:9) - povo para ser uma possessão e um
interesse especiais de Deus. Esjsa é a definição dos filhos de Israel no Velho
Testamento (e.g., Êxodo 19:5,6; Deuteronômio 7:6). Num sentido eles eram uma
nação entre muitas outras, e, todavia, eram diferentes; eles tinham certos direitos
que outras nações não tinham, haviam recebido de Deus certas revelações da
Palavra de Deus a que Paulo se refere como “os oráculos de Deus”. Noutras
palavras, eles eram um povo separado, no mundo mas não no mundo, postos à
parte de maneira peculiar por Deus; quer dizer, eles eram “santos”. Assim, o
cristão é primariamente alguém que é segregado do mundo.
O apóstolo diz precisamente a mesma coisa no início da sua carta aos Gálatas -
“Graça e paz da parte de Deus Pai e da de nosso Senhor Jesus Cristo. O qual se
deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau,
segundo a vontade de Deus nosso Pai”. Fomos libertados do mundo, separados
do mundo. O cristão hoje, como os filhos de Israel da antigüidade, embora
esteja no mundo, não é do mundo; é homem como os outros, e, todavia, é muito
diferente. Isso é uma verdade básica, primária. O cristão não é semelhante a
ninguém mais; ele é separado, posto à parte, único.
Ele sobressai, ele foi chamado por Deus, foi separado do mundo, separado para
Deus. Seria isso óbvio acerca do cristão atual? A separação não significa apenas
que freqüentamos dominicalmente um local de culto, enquanto que muita gente
não o faz. Isso é uma parte muito importante; no entanto não é a parte vital, por
que essa freqüência pode ser resultado de simples costume ou hábito, ou pode
ser simples parte de roda social. A questão é: somos verdadeiramente separados
como pessoas, somos essencialmente diferentes do mundo?
Não significa somente que fomos postos à parte num sentido externo; significa
que fomos postos à parte porque fomos purificados interiormente. Esse é o real
sentido da palavra “santo”. Instinti-vamente pensamos num santo como uma
pessoa pura. Isso está certo, e devemos captar este segundo elemento do sentido
desta palavra. Um santo é alguém que foi purificado de muitas maneiras. Ele foi
purificado da culpa do seu pecado, purificado daquilo que o exclui da presença
de Deus. Se ser santo significa que você foi tirado do mundo e levado à presença
de Deus, não estaria^ claro que aconteceu algo que o habilitou a ir à presença de
Deus? É o pecado que separa de Deus o homem; daí, antes de alguém poder ser
separado para Deus, precisa ser purificado da culpa do pecado. Assim, essa é a
primeira coisa que caracteriza o cristão; ele foi purificado, como nos lembra o
apóstolo, pelo sangue de Cristo, “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a
remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça”.
Mas a purificação não pára nesse ponto. O santo é alguém que também foi
purificado da corrupção do pecado. Não se trata de uma purificação externa
apenas; também é interna, porque o pecado afeta o ser completo. Um santo é
alguém que foi purificado daquilo que corrompe a sua mente e o seu coração, as
suas ações, e tudo mais. Ele é purificado exteriormente, ele é purificado
interiormente; ele se tornou, como a Bíblia lhe chama, uma pessoa “santa”.
Ao Monte Sião a Bíblia se refere como “o monte santo”, e os vasos que eram
utilizados no templo eram chamados “vasos santos”. Significa que eles foram
purificados e postos à parte, e não eram utilizados para nenhuma outra coisa;
eram “santos ao Senhor”. É isso que se quer dizer com “santo”; um santo é
alguém que foi purificado e separado, e é “santo ao Senhor”. Antes de ser
aplicado ao cristão, esse termo era aplicado originariamente aos filhos de Israel.
“Vós sois uma nação santa, um povo peculiar”, um povo para ser
Nesta altura faço dois comentários práticos. O primeiro é que estas observações
se aplicam a todos os cristãos - aos santos de Éfeso, aos santos do mundo inteiro,
aos fiéis de toda parte. Devemos aprender uma vez por todas a desfazer-nos da
falsa dicotomia que o catolicismo romano introduziu neste ponto. Ele destaca
certas pessoas e lhes chama “santos”. Não há nada de errado em pagar tributo a
quem é proeminente; entretanto não é isso que os romanistas fazem. Eles
chamam aquelas pessoas especiais de “santos”, e somente aquelas. Mas isso é
errôneo e não é bíblico. Todo cristão é santo; você não pode ser cristão sem ser
santo; e não pode ser santo e cristão sem ser separado deste mundo num sentido
radical. Você não pode mais pertencer a ele, você está nele mas não é dele;
há uma separação que se deu em sua mente, em sua perspectiva, em seu coração,
em sua conversação, em seu comportamento. Você é uma pessoa essencialmente
diferente; o cristão não é uma pessoa do mundo, não é governado pelo mundo e
sua mentalidade e perspectiva. Devemos examinar-nos e descobrir se
correspondemos a esta descrição. Porventura não é certo que a multidão de
homens e mulheres que vivem ao redor de nós e por perto (muitos deles infelizes
e inquietos acerca de si e de suas vidas) não vêm falar conosco e fazer-nos
perguntas, não correm para nós em sua angústia, porque não nos acham em nada
diferentes deles, porque não há nada em torno de nós que dê a idéia de que
somos essencialmente diferentes? Aceitamos a falsa idéia de que somente
certos cristãos são santos, não nos apercebemos de que o propósito é que todo
cristão seja separado do mundo.
pode ser cristão sem ter certa crença; o que nos faz cristãos é que cremos em
certas coisas. Voltemos ao capítulo 19 de Atos dos Apóstolos. O que nos é dito
(versículos 1 e 2) é que Paulo encontrou certos discípulos, porém não ficou
satisfeito quanto a eles, pelo que lhes perguntou: “Recebestes vós já o Espírito
Santo quando crestes? E eles responderam: “Nós nem ouvimos que haja Espírito
Santo”. “Em que sois batizados então?”, perguntou-lhes, e eles responderam:
“No batismo de João”. Então lhes disse Paulo: “Certamente João batizou com o
batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de
vir, isto é, em Jesus Cristo”. Tendo ouvido isso, foram batizados em nome
do Senhor Jesus.
Nesse incidente nos é dito claramente o que é que nos faz cristãos. O cristão não
é meramente um bom homem, um homem bondoso, um homem que gosta de ser
membro de uma igreja cristã, um homem vagamente interessado em elevação
moral e no idealismo. Certos homens hoje descritos como cristãos
proeminentes crêem tão-somente no que se chama “reverência pela vida”;
mas isso não está de acordo com o ensino do Novo Testamento. O cristão é
alguém que crê em certas verdades específicas; e a essência da sua crença
centraliza-se na Pessoa do nosso Senhor Jesus Cristo. O cristão, o santo, é “cheio
de fé”. Em quem e em quê? Fé no Senhor Jesus Cristo. Ele crê que Jesus de
Nazaré é o Filho unigênito de Deus. Ele é cheio de fé na encarnação, crê que a
Palavra eterna, “o Verbo foi feito carne e habitou entre nós”, que o Filho eterno
veio em natureza humana a este mundo, crê no nascimento virginal, e que, por
Seus milagres, Jesus tornou manifesto que Ele é o Filho de Deus. __
Vemos a mesma idéia no capítulo 5 de Romanos, onde Paulo elabora uma grande
analogia e um contraste. Diz ele que todos nós estávamos originalmente em
Adão. Adão não foi somente o primeiro homem, foi também o representante de
toda a raça humana. Todo aquele que nasceu neste mundo estava em Adão,
era uma parte de Adão, estava ligado a Adão, resultando em que a ação praticada
por Adão teve conseqüências em todos. Contudo, o apóstolo continua e
argumenta no sentido de que, assim como todos nós estávamos “em Adão”,
agora estamos - os que somos cristãos -“em Cristo”. Como “em Adão”, assim
“em Cristo”. Tudo o que o Senhor Jesus Cristo fez passa a ser verdade quanto a
nós.
afirma que quando Cristo foi crucificado, nós fomos crucificados com Ele;
quando Ele morreu, nós morremos com Ele; quando Ele foi sepultado, nós
fomos sepultados com Ele; quando Ele ressuscitou, nós ressuscitamos com Ele.
Ele está sentado nos lugares celestiais. No capítulo 2 da Epístola aos Efésios
Paulo diz: “Deus nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais em Cristo Jesus”. Estamos sentados nos lugares celestiais com
Cristo neste momento porque estamos “em Cristo”. Que verdade tremenda,
estonteante, irresistível - sou parte de Cristo, pertenço a Ele, sou membro do
corpo de Cristo! Não sou meu, fui “comprado (adquirido) por preço”. Estou em
Cristo. Ele é a cabeça, eu sou um dos membros. Há uma união vital, orgânica,
mística entre nós. Todas as bênçãos que gozamos como cristãos nos vêm porque
estamos em Cristo. “E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça
por graça” (João 1:16). “Eu sou a videira verdadeira”, diz o nosso Senhor, “vós
as varas”.
Tudo isso é para você, se você é cristão. Não fale da sua fraqueza ou desamparo;
Ele é a Vida, e você está ligado à Vida, você faz parte da Vida, você é um ramo
da Videira, “em Cristo”. Voltaremos a isso, mas vamos apossar-nos disso em
princípio agora. Meditemos nisso, e permitam-me animá-los a fazê-
lo concluindo com dois breves comentários. Por que vocês acham que, ao
descrever o cristão, o apóstolo coloca estas três coisas na seguinte ordem -
“santos”, “fiéis”, “em Cristo”? A resposta é muito simples. A primeira coisa e a
mais evidente acerca do cristão sempre deve ser o fato de que ele é “santo”. O
apóstolo tinha em mira a cidade de Éfeso; ele viu o que lhe parecia um oásis
no deserto de riquezas, paganismo, feitiçaria e vida libertina. Sobressaindo no
deserto, este verdejante oásis - a Igreja, os santos. Essa é uma boa maneira de ver
o cristão . Quem quer que olhe para o mundo deve impressionar-se logo com o
fato de que há nele certas pessoas que sobressaem e que são completamente
diferentes porque são “santas”. Essa é primeira impressão que devemos causar;
todos - vizinhos, amigos, colegas e companheiros de trabalho - devem saber que
somos cristãos. Isso deve ser óbvio, deve sobressair porque somos o que somos,
por causa destas coisas que nos caracterizam. Lemos a respeito do nosso bendito
Senhor que Ele “não pôde esconder-se” (Marcos 7:24), e isso deve ser verdade a
nosso respeito neste sentido; deve ser impossível esconder o fato. Mas não quer
dizer que eu prego e imponho o meu cristianismo aos
outros, tornando-me uma pessoa molesta. Trata-se antes de uma qualidade que
recende santidade, algo que é cheio de graça e de encanto, uma tênue
semelhança com o Senhor. Deve ser evidente e óbvio que somos um povo
separado, um povo diferente, porque somos um povo santo.
“A vós graça, e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo.” -
Efésios 1:2
No versículo 2, que ainda faz parte das saudações do apóstolo à igreja de Éfeso e
de toda parte, ele passa a falar-nos dos benefícios que devemos estar gozando
por sermos cristãos. Ele o faz com palavras que de uma forma ou de outra se
vêem no começo de muitas Epístolas do Novo Testamento - “A vós graça, e
paz”. Era costume entre os antigos saudarem uns aos outros dessa maneira
quando se encontravam, e a saudação favorita que um judeu fazia a outro era,
“Paz, paz seja com você”. “Paz” era o termo preferido dos judeus. O apóstolo,
porém, não diz apenas isso, vai além. Ele toma o termo conhecido e o eleva a
uma nova esfera, à esfera cristã. Assim, a expressão de cumprimento e saudação
cristã é muito mais grandiosa, mais ampla e mais profunda do que a saudação
mais ou menos formal com a qual os homens costumavam saudar-se uns aos
outros.
Faço breve digressão para assinalar que, quando lemos a Bíblia, nada é mais
importante do que examinar cada palavra e questionar o seu significado. Como é
fácil fazer leitura bíblica diária de certa porção, seguida talvez por uma certa
oração! Se o seu maior interesse é simplesmente ler uma certa porção cada dia,
poderá muito bem saltar por cima de palavras como estas, destas profundezas da
nossa fé. Aqui, logo no início, nesta saudação preliminar, o
É minha opinião que este versículo dois é o prelúdio de toda esta Epístola; nele
se insinuam todos os seus temas principais. Mais tarde vamos penetrá-los mais
minuciosamente, mas vejamo-los logo no início - “graça” e “paz”. “A vós graça,
e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo.” Não há outras
duas palavras em tudo quanto compõe a nossa fé que sejam mais importantes
do que as palavras “graça” e “paz”. Todavia, com que superficialidade tendemos
a soltá-las das nossas línguas sem parar para considerar o que elas significam. A
graça é o começo da nossa fé; a paz é o fim da nossa fé. A graça é o manancial, a
fonte, a origem. É aquele local particular da montanha do qual o caudaloso rio
que vocês vêem rolando para o mar começa a sua carreira; sem ela não haveria
nada. A graça é a origem, a procedência e a fonte de tudo o que há na vida cristã.
Entretanto, que significa a vida cristã, que é que ela foi destinada a produzir? A
resposta é “paz”. Portanto, aí temos a fonte e o estuário levando ao mar, o
começo e o fim, a iniciação e o propósito a que tudo visa e se destina. É
essencial, pois, que levemos em nossas mentes estas duas palavras, porquanto
dentro da elipse formada pela graça e pela paz tudo está incluído.
Com relação a “paz”, o perigo sempre presente é dar a essa palavra uma
conotação, ou ligar a ela um sentido que fica muito aquém do seu significado
completo. “Paz” não é mera cessação da guerra, repousa e tranqüilidade, porém
significa muito mais. O perigo constante com relação a “paz” é pensar nela
apenas como ausência de coisas tais como agitação ou discórdia ou conflito.
Pode muito bem ser que, porque as nações do mundo pensam em paz naqueles
termos, nunca tivemos paz verdadeira. A paz de que falam os livros de história é
mera cessação da guerra; mas na Bíblia “paz” não significa apenas que você
parou de contender; vai além disso. É interessante que o verdadeiro significado
radical da palavra grega traduzida por “paz” é “união”, “união após separação”,
uma re-união, uma reconciliação depois de uma contenda e de um conflito.
A palavra tem seu lugar na expressão “oferta de paz”, como uma oferta
apresentada por um homem que faz uma proposta de paz. Ele propõe uma união,
uma aproximação, uma reconciliação. Noutras palavras, duas pessoas que
brigaram e estiveram em conflito depuseram suas armas, olharam-se e apertaram
as mãos. Uniram-se, houve uma reconciliação; onde antes havia contenda
e separação, agora há aproximação e união. Esta idéia é exposta no capítulo 2 da
nossa Epístola, onde lemos: “De ambos os povos fez um; e, derribando a parede
de separação que estava no meio...” (versículo 14). As duas partes foram
aproximadas, a parede de separação que estava no meio desapareceu, e por um
só Espírito se juntaram a um só Senhor. Esse é o sentido de “paz”.
“A vós graça, e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo.” Aí
temos a graça no começo e a paz no fim; todavia não terminamos. No momento
em que você se defronta com tal declaração, é levado a fazer uma pergunta. Por
que é que o apóstolo deseja isso para esses efésios? A resposta a essa pergunta,
como já
Por que precisamos de graça e paz? Por que é que o apóstolo quer que as
conheçamos? Por que ele usa esses termos, e não outros? A resposta nos leva
imediatamente às verdades cristãs fundamentais. Ao desejar-nos graça e paz, ele
nos está dizendo a verdade acerca de nós mesmos, ele nos está dizendo o que
necessitamos. Necessitamos da graça que nos leve à paz porque o homem é o
que é em conseqüência da Queda e do pecado. O que isso significa em detalhe é
exposto plenamente pelo apóstolo no capítulo dois. O homem em pecado está
em inimizade com Deus. O homem por natureza, como nasce neste mundo,
odeia a Deus. Não somente está separado de Deus, mas luta contra Deus, é um
inimigo de Deus; tudo nele é, por natureza, completamente oposto a Deus. Essa
é a verdade acerca do homem, e o resultado é que o homem, nessa condição, está
combatendo a Deus, está pelejando contra Ele e O está odiando. Em seu estado
natural, o homem está pronto a crer em qualquer afirmação de jornal de que
alguém provou que Deus não existe. O homem pula diante de declarações desse
tipo e se deleita nelas porque ele odeia a Deus. Está num estado de inimizade
contra Deus.
Além disso, uma vez que o homem está nessa relação com Deus, também está
num estado de inimizade contra si próprio. Ele não está somente engajado nesta
guerra contra um Deus que está fora dele; mas também está travando uma guerra
consigo mesmo. Aí está a real tragédia do homem decaído; ele não acredita no
que estou dizendo, porém esta é certamente a verdade a respeito dele. O homem
está num estado de conflito interno, e ele não sabe por quê. Ele quer fazer certas
coisas, entretanto algo dentro lhe diz que é errado fazer essas coisas. Ele tem
dentro de si algo que chamamos consciência. Embora pense que pode ser
perfeitamente feliz, faça o que fizer, e embora possa silenciar os outros, não
consegue silenciar esse monitor interno. O homem está num estado de
guerra interna; ele não sabe a razão disso, mas sabe que é assim.
Nas Escrituras, contudo, nos é dito exatamente por que a situação é essa. O
homem foi feito de tal maneira por Deus que só pode estar em paz consigo
mesmo quando está em paz com Deus. Nunca houve o propósito de que o
homem fosse um deus, mas ele está
Mas nem aí a coisa pára; o homem trouxe tudo isso sobre si próprio por sua
desobediência a Deus. Ele não consegue fugir disso. Ele tem procurado propor
todas as explicações concebíveis da sua condição, porém nenhuma delas é
adequada. Ele tentou explicar isso com a teoria da evolução, e, com base nesse
modo de ver e nesse ensino, agora o homem deveria estar emancipado e deveria
haver paz; mas a paz não veio. O homem tenta explicar o seu quinhão de outras
maneiras; entretanto não consegue. O homem trouxe todo este mal sobre si
próprio por causa do seu desejo de ser deus. Prova-o o fato de que ele não gosta
de ser corrigido, e na verdade detesta toda a idéia de lei. Ele a ridiculariza, e
considera a lei um insulto; não reconhece a necessidade de ser mantido na linha
pela lei, e se ofende com a sua interferência.
imposta de fora. Ele gosta disso e, com essa atitude, mostra o seu terrível ódio a
Deus e sua inimizade contra Deus. O homem sempre rejeitou o que Deus
providenciou para ele e, assim, há somente uma conclusão a que se pode chegar
com relação ao homem: o homem merece sobejamente o destino que ele mesmo
trouxe sobre si. De fato, podemos ir além e dizer que o homem merece coisa
pior; merece ser punido. O homem não é somente um infrator que merece
punição; também é louco. Ele rejeita a lei de Deus e não quer dar-lhe ouvidos, e,
portanto, merece castigo, merece condenação. Não há desculpa para o homem;
ele pecou deliberadamente e caiu no princípio, e ainda rejeita deliberadamente a
direção divina. Não há argumentos que se lhe possa oferecer. Dê-lhe a Bíblia, e
ele ri dela. Embora vejamos na Bíblia que os homens que se ajustaram a ela
encontraram felicidade e paz, os homens a rejeitam; apesar de estar claro que, se
todas as pessoas do mundo fossem verdadeiramente cristãs a maior parte dos
problemas desapareceria, o homem continua rejeitando o cristianismo. Criaturas
desse naipe não merecem nada, senão castigo e o inferno. Essa é a condição do
homem, em conseqüência da sua queda no pecado.
Por exemplo, Paulo escreve em Romanos, capítulo 5: “Cristo morreu por nós,
sendo nós ainda pecadores. Logo muito mais agora, sendo justificados pelo seu
sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque se nós, sendo inimigos, fomos
reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já
reconciliados, seremos salvos pela sua vida”. Diz ele que éramos não
somente pecadores, mas inimigos; não somente havíamos caído, distanciando-
nos de Deus, e Lhe tínhamos desobedecido, e nos vimos nesta desgraça, mas,
além disso, há esta inimizade, este ódio, este antagonismo no espírito. O
evangelho assevera que, a despeito da nossa inimizade contra Deus, Ele deu Seu
Filho por nós e para a nossa salvação. O que Ele fez foi estabelecer a paz. No
capítulo dois desta Epístola lemos que Ele nos reconciliou conSigo e
nos introduziu num estado de união com Ele. Seu olhar para nós, com Sua graça,
redundou em paz, e em paz perfeita. A graça de Deus em ação desfaz
completamente tudo quanto descrevemos como resultante do pecado.
Primeiramente e acima de tudo, ele dá paz com Deus: “Sendo pois justificados
pela fé, temos paz com Deus” (Romanos 5:1). Fomos reconciliados com Deus; a
inimizade entre nós e Deus foi-se, graças ao que Deus fez por Sua graça. Mas o
resultado da graça não é somente paz com Deus”; ela dá ao homem paz
interior. Ela capacita o homem, pela primeira vez em sua vida, a dar resposta a
uma consciência acusadora; ela capacita o homem, pela primeira vez em sua
vida, a ter descanso na mente e no coração. Pela primeira vez o homem pode
viver consigo mesmo, e pode saber que tudo está bem. O conflito acabou, neste
sentido fundamental, e ele entende pela primeira vez a causa de todos os seus
problemas. Ele enxerga um modo de sobrepor-se a todas as suas dificuldades,
e vislumbra a vitória final que o espera em Cristo.
Isso, por sua vez, leva-o a um estado de paz com as outras pessoas. Trataremos
disso em detalhe mais adiante, porém ei-lo aqui em resumo, logo no início. No
momento em que um homem se torna cristão, nada continua o mesmo, e
ninguém continua sendo o mesmo para ele. A pessoa que antes ele odiava, agora
ele vê como uma vítima do pecado e de satanás, e ele começa a ter pena
dela. Conhecendo a graça de Deus e experimentando esta nova paz que lhe foi
dada, seu ex-inimigo passou a ser alguém por quem ele ora. Começa a pôr em
ação a injunção do seu Senhor, que diz: “Amai a vossos inimigos e orai pelos
que vos maltratam”. A inimizade é
abolida pela nova visão. Ele agora deseja ser reconciliado e estar em paz.
Mas a esta paz com Deus, paz interior e paz com os outros, as Escrituras
prosseguem dizendo que se acrescenta algo chamado “paz de Deus”. Significa
que, aconteça o que acontecer ao seu redor e por perto, vocês tem dentro de si “a
paz de Deus que excede todo entendimento” e que guarda “os vossos corações e
os vossos sentimentos em Cristo Jesus” (Filipenses 4:7). Deus não somente
lhes deu paz, mas providenciou a preservação da paz. Vocês estão guarnecidos
de um poder e de uma Pessoa que os manterá em paz. Muitas coisas podem
acontecer-lhes, vocês serão vítimas da tentação para pecar e poderão ficar sem
saber o que fazer, porém esta paz de Deus que excede todo o entendimento
estará de guarda, protegendo os seus corações e as suas mentes, São esses alguns
dos elementos da paz à qual a graça de Deus leva, não obstante o que estou
desejoso de ressaltar acima de tudo mais é que tudo isso nos vem como resultado
da graça de Deus. “A vós graça, e paz da parte de Deus.” Não merecemos nada,
nem sequer o desejamos, nem podemos obtê-lo; mas Deus no-lo dá. É tudo pela
graça, uma dádiva inteiramente gratuita de Deus.
Agora devemos fazer uma segunda pergunta: como é que tudo isso nos
acontece? A resposta é dada imediatamente nas duas palavras: “nosso Pai”. “A
vós graça e paz da parte de Deus nosso Pai.” A graça logo muda toda a nossa
atitude para com Deus porque mudou todo o nosso conceito de Deus. Para o
cristão, Deus é “nosso Pai”. Para o cristão, Deus não é apenas um X filosófica à
distância, sobre quem ele fala e argumenta inteligentemente em seus livros
filosóficos; Deus não é tão-somente uma grande força, um grandioso poder num
céu distante; Ele é o Pai, o meu Pai, o nosso Pai. Toda a relação entre o homem e
Deus foi inteiramente renovada e mudada. Deus não é mais um terrível e distante
legislador esperando para punir-nos; Ele continua sendo legislador, mas também
é “meu Pai”.
Devemos, porém, ser cautelosos quanto às armadilhas que nos cercam. Em que
sentido Deus é meu Pai? “Deus”, dirá alguém, “é o pai de todos os homens.” É
verdade que há um sentido em que Deus é o Pai de todos os homens. Paulo,
pregando aos atenienses, afirma que Deus é nosso Pai nesse sentido, que todos
somos “sua geração” (Atos 17:28). Isso se refere a Deus em Sua relação
conosco como Criador. O autor da Epístola aos Hebreus escreve de
maneira semelhante quando descreve Deus como o “Pai dos espíritos”
(Hebreus 12:9). Deus é o Pai de todos os espíritos como Aquele que os fez,
como o seu Criador, e nesse sentido Ele é o progenitor dos espíritos de todos os
homens. Mas quando Paulo diz aqui “nosso Pai”, não está falando naquele
sentido geral. Deus é Pai não somente no sentido geral, mas no sentido particular
é “nosso Pai”. Todos os homens tendo pecado, caíram e perderam aquela
relação inicial, e, portanto, o nosso Senhor pôde dizer a certos judeus: “Vós
tendes por pai ao diabo” (João 8:44). Evidentemente, eles não eram filhos de
Deus.
Assim, o apóstolo aqui não está simplesmente descrevendo Deus em termos
gerais de paternidade, em termos da criação. Há um novo elemento, o qual é
introduzido com a próxima palavra: “A vós graça, e paz da parte de Deus nosso
Pai e da do Senhor Jesus Cristo”. Esta é a “differentia”* do cristianismo, o
elemento que muda tudo. É o Senhor Jesus Cristo. Para que não fique nenhuma
incerteza ou confusão, notemos o que Paulo diz nesta mesma saudação: “A vós
graça, e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo”. A graça e a
paz vêm igualmente do Senhor Jesus Cristo e do Pai. Esta é uma doutrina vital.
Isso de um cristianismo sem o Senhor Jesus Cristo não existe; não há nenhuma
benção de Deus ao homem no sentido cristão, exceto no Senhor Jesus Cristo e
por intermédio dEle. Qualquer coisa que se declare cristianismo sem ter Cristo
no começo, no meio e no fim, é uma negação do cristianismo, dêem vocês a isso
o nome que quiserem. Sem Cristo não há cristianismo; Ele é tudo.
Quem é esta Pessoa que o apóstolo liga com Deus o Pai? Observem os termos
empregados. Ele é o Senhor, isto é, Jeová.2 3 A palavra traduzida por “Senhor” é
a palavra que os judeus empregavam na antiga dispensação para “Deus”. Era o
maior de todos os nomes, o nome que era tão sagrado que eles nem se atreviam a
Mas Ele é também Jesus. Significa que Ele é também verdadeiramente homem.
Nasceu em Belém, e o nome que Lhe foi dado é “Jesus”. Ele veio a ser um
menino no templo - Jesus de Nazaré. Ele foi um carpinteiro, Filho de José e
Maria, e lemos a respeito dos Seus irmãos. Ele é o homem que começou a pregar
com a idade de trinta anos, Jesus, o operador de milagres.
No versículo seguinte, porém, nos é dito algo mais sobre Ele: “Bendito o Deus e
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. Ele é o Senhor, Ele é Jeová, Ele é Deus, mas
Deus é também o Seu Deus, e Deus é Seu Pai. Este é um grande mistério. Ele
mesmo disse, pouco antes do fim da Sua vida terrena: “Eu subo para meu Pai e
vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (João 20:17). Ele já dissera: “O Pai é maior
do que eu”; todavia, Ele é Jeová, porém é também Jesus - o Deus-homem. A
assombrosa doutrina da encarnação está aí, no versículo dois. Cristo é a segunda
Pessoa da Trindade santa e bendita, que, em Seu condescendente amor, desceu
para reconciliar-nos com Deus. Ele próprio é o Senhor Jeová. Ele é também
“o primogênito entre muitos irmãos”. Ele é o Senhor Jeová que Se tomou
“Jesus”, tomando sobre Si a nossa natureza, tomando sobre Si os nossos
problemas, e mesmo as nossas fraquezas, e finalmente
A ALIANÇA ETERNA
“NOS ELEGEU NELE”
10
“PELO SEU SANGUE”
TODAS AS COISAS REUNIDAS EM CRISTO
“OUVISTES, CRESTES, CONFIASTES”
EXPERIÊNCIAS REAIS E FALSAS
PROVAS DA PROFISSÃO DE FÉ CRISTÃ
SABEDORIA E REVELAÇÃO
“A SOBREEXCELENTE GRANDEZA DO SEU PODER”
“A IGREJA QUE É O SEU CORPO”
RECONCILIAÇÃO: O MÉTODO DE DEUS
O PECADO ORIGINAL
A MENSAGEM CRISTÃ PARA O MUNDO
NOS LUGARES CELESTIAIS
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ
15
18
21
ORANDO NO ESPÍRITO
CIDADANIA CELESTIAL
HABITAÇÃO DE DEUS
O CRESCIMENTO DA IGREJA
“O MISTÉRIO DE CRISTO”
“A MULTIFORME SABEDORIA DE DEUS”
ORANDO AO PAI
CRISTO NO CORAÇÃO
“ALICERÇADOS EM AMOR”
“LARGURA, COMPRIMENTO, ALTURA, PROFUNDIDADE”
Devemos falar conosco mesmos dessa maneira, e apli
A GRANDIOSA DOXOLOGIA
GUARDANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO
AYIVAMENTO
UMA SÓ FÉ
“UM... CADA UM”
APÓSTOLOS, PROFETAS, EVANGELISTAS, PASTORES E MESTRES
NÃO MAIS MENINOS
CRESCENDO
VIDA VAZIA - A VIDA SEM CRISTO
O PECADO NUM MUNDO PAGÃO
OUVINDO A CRISTO E APRENDENDO A CRISTO
QUANDO NÃO ORAR, MAS AGIR
JUSTIÇA, SANTIDADE E VERDADE
“DEIXAI A MENTIRA”
COMO COMUNICAR-NOS COM OS NOSSOS SEMELHANTES
“IMITADORES DE DEUS”
MALES QUE NEM SE DEVE MENCIONAR ENTRE OS SANTOS
FILHOS DA LUZ
AGRADÁVEL AO SENHOR
ANDANDO PRUDENTEMENTE
VIDA NO ESPIRITO
NOVA VIDA NO ESPÍRITO
Essa é a maneira de abordar este versículo particu
CASAMENTO
Aí estão, pois, como as vejo, as principais deduçõ
Por que o Senhor faz tudo isso? Por que morreu pel
Dá-se exatamente a mesma coisa na relação matrimon
O LAR
Contudo, repito: a punição, a disciplina, jamais d
TRABALHO
condição de escravidão - e coloca tudo num context
O COMBATE CRISTÃO
O INIMIGO
AS CILADAS DO DIABO
SEITAS
“FILOSOFIAS E VÃS SUTILEZAS”
O FÍSICO, O PSICOLÓGICO E O ESPIRITUAL
INVESTIDAS CONTRA A SEGURANÇA (2)
TENTAÇÃO E PECADO
O EGO
O COMBATE CRISTÃO
QUEM COMBATE?
EXERCÍCIO
“CONFIE EM DEUS E
TODA A ARMADURA DE DEUS
A ESCRITURA DA VERDADE
VESTINDO A COURAÇA
MOBILIDADE
A ESPADA DO ESPÍRITO
O SOLDADO CRISTÃO
1
Os quatro livros aí mencionados já foram publicados em português pela PES, com os seguintes títulos
e nas seguintes datas: Reconciliação: O Método de Deus (1995), Vida no Espírito (1991),
O Combate Cristão (1991), e O Soldado Cristão (1996). Nota do tradutor.
2
“Diferença. Em latim no original. Nota do tradutor.
3
No hebraico, puramente consonantal, os chamados massoretas introduziram sinais representativos
dos sons vocálicos, que eram memorizados pelos hebreus. Para isso criaram um extraordinário
sistema para representar, não somente os sons vocálicos, mas também a cadência, o ritmo etc. Eles
utilizaram os sinais vocálicos da palavra “Adonai” (“Senhor”) - ocasionalmente a palavra
“elohim” (“Deus”) e os usavam com as consoantes do nome inefável, impronunciável do Deus da
Aliança. Assim, o hábito de não se pronunciar o Nome foi preservado.
Ao se chegar ao Nome, as vogais de Adonai levavam o leitor a ler “Senhor”, e não o Nome inefável de
Deus. Os primeiros tradutores modernos desconheciam esse fato e leram a palavra como se as
consoantes e os sinais vocálicos pertencessem a uma só palavra - ao Nome inefável. Daí surgiu uma
palavra inexistente no hebraico - Jeová. As versões modernas evitam essa palavra. Algumas usam o
termo Senhor ou SENHOR. Contudo, dado o uso generalizado do termo “Jeová”, não faz mal utilizá-
lo pcasionalmente, pois, para o leitor comum fica simples o entendimento, e o leitor erudito sabe do
que se trata. Nota do tradutor.
A ALIANÇA ETERNA
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com
todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo.” - Efésios 1:3
Aqui, mais uma vez, temos uma das gloriosas e estonteantes declarações que se
acham tão profusamente nos escritos do apóstolo Paulo. Talvez nada seja mais
característico do seu estilo como escritor do que a freqüência com que ele parece
expor o evangelho completo numa frase ou versículo. Ele nunca se cansa de
fazer isso; ele sempre diz a mesma coisa de muitas maneiras diferentes. Esta
é uma das suas, até mesmo das suas, mais gloriosas declarações.
estão “em Cristo”, e, como resultado disso, devem estar gozando graça e paz da
parte do Senhor Jesus Cristo, ele agora passa a mostrar, neste versículo três,
como isso tudo é possível. Há um sentido em que se pode dizer verdadeiramente
que este versículo três é o centro da Epístola inteira. Acima de tudo mais, o
apóstolo está interessado em fazer isto. Ele deseja que estes cristãos cheguem ao
entendimento e à percepção de quem e do que eles são, e das grandes bênçãos
para as quais eles estão abertos. Noutras palavras, o tema é o plano da salvação,
e o caminho da salvação, este tremendo processo que nos coloca no caminho
onde estamos e aponta para Deus e para as coisas que Deus tem preparado para
nós. Paulo faz isso porque ele deseja que estes cristãos efésios e outros
entrem na sua herança para poderem gozar a vida cristã com devem, e
para viverem suas vidas para o louvor e a glória de Deus. E, naturalmente, a
mesma coisa se aplica a nós. Quer o saibamos quer não, o nosso maior problema
como cristãos hoje continua sendo a falta de entendimento e de conhecimento
das doutrinas das Escrituras. É a nossa carência fatal nesse ponto que explica
tantos fracassos em nossa vida cristã . A nossa principal necessidade, segundo
este apóstolo, é que “os olhos do nosso entendimento” sejam
abertos amplamente, não apenas para que gozemos a vida cristã e
as experiências que ela nos propicia, mas a fim de que entendamos o privilégio e
as possibilidades da nossa alta “vocação”. Quanto maior for o nosso
entendimento, mais experimentaremos estas riquezas.
Falta de conhecimento sempre foi o maior problema do povo de Deus. Essa foi a
mensagem do profeta Oséias no Velho Testamento. Diz ele que o povo de Deus
daquele tempo estava morrendo por “falta de conhecimento” (4:6). Foi sempre
esse o problema dos israelitas. Eles não se davam conta de quem eram e do que
eram, e porque eram o que eram. Se tão-somente tivessem sabido estas coisas,
nunca teriam se afastado de Deus, nunca teriam se voltado para os ídolos, nunca
teriam procurado ser como as outras nações. Sempre houve esta falta de
conhecimento. O Novo Testamento está repleto do mesmo ensino.
Certamente todos concordarão que é impossível ler o Novo Testamento sem ver
que esta deve ser a realidade suprema na vida cristã. Tem que ser assim,
necessariamente, porque se o evangelho é verdadeiro quando diz que Deus
enviou Seu Filho ao mundo para fazer por nós as coisas que estamos
considerando, então é de se esperar que os cristãos sejam inteiramente diferentes
dos incrédulos; esperar-se-á que eles vivam numa relação com
Deus completament e evidente para todos, e acima de tudo mais, que apresentem
esta qualidade de alegria. Até os católicos romanos, cuja doutrina e cujo ensino
em geral tendem a ser depressivos e opor-se à certeza da salvação, antes de
“canonizarem” alguém estabelecem como um elemento essencial absoluto, esta
qualidade de alegria e de louvor. Nesse ponto eles estão absolutamente certos - o
louvor deve ser a característica de todos os “santos”, de todos os cristãos. Dai,
vemos esta constante exortação no Novo Testamento a louvarmos a Deus e a
elevemos ações de graças. É isso que nos diferencia do mundo. O mundo é
deveras mísero e infeliz; vive cheio de maldições e de queixas. Entretanto o
louvor, a ação de graças e o contentamento marcam o cristão e mostram que ele
não é mais “do mundo”.
Temos que lembrar-nos que o propósito primordial do culto é dar louvor e graças
a Deus. O culto deve ser da mente e do coração. Não significa apenas repetir
certas frases mecanicamente; significa o coração irromper em fervente louvor a
Deus. Não devemos vir à casa de Deus simplesmente para buscar bênçãos e
desejando várias coisas para nós, ou mesmo simplesmente para ouvir sermões;
devemos vir para servir e adorar a Deus. “Bendito o Deus e Pai” sempre deve ser
o ponto de partida, o ponto mais alto.
Ora, não devemos somente ter o cuidado de verificar que as três Pessoas estejam
em nossas mentes e em nosso culto, mas também devemos ser igualmente
cuidadosos quanto à ordem em que elas nos são apresentadas nas Escrituras - o
Pai, o Filho, O Espírito Santo. Existe o que os nossos antepassados
denominavam “economia divina” ou ordem na questão da nossa salvação entre
as próprias Pessoas benditas; e assim devemos preservar sempre essa
ordem. Devemos prestar culto ao Pai mediante o Filho, pelo Espírito Santo.
Muitos cristãos evangélicos, em particular, parecem elevar todas as suas orações
ao Filho, e há outros que esquecem completamente o Filho, porém os dois erros
não formam uma coisa certa. Por isso notamos aqui, no começo desta Epístola,
que o apóstolo não somente louva, mas louva as três Pessoas benditas, e atribui a
Elas ação de graças e glória, nessa ordem invariável.
O segundo princípio é que Deus seja louvado. O meu primeiro princípio foi que
a verdadeira compreensão da natureza da salvação leva ao louvor. Agora
passamos a considerar porque as benditas Pessoas da Trindade santa devem ser
louvadas dessa maneira. Há muitas respostas a essa questão, todavia
devemos concentrar-nos na que o apóstolo salienta especialmente
neste versículo. Deus deve ser louvado porque Ele é o que Ele é. A característica
suprema ou o supremo atributo de Deus é a bem--aventurança. E indescritível,
mas se há uma qualidade, um atributo de Deus que faz de Deus Deus (falo com
reverência), se há uma coisa que faz de Deus Deus mais do que qualquer outra
coisa, é a bem-aventurança. E Deus deve ser louvado. Devemos dizer “Bendito
seja Deus” por causa do que Deus é e do que Ele faz.
Deus deve ser louvado também porque Ele nos tem abençoado: “Bendito o Deus
e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos
espirituais”. Contudo, antes de chegarmos a isso, observamos que o apóstolo foi
adiante para algo mais. Deus deve ser louvado, e deve ser louvado por causa
da maneira pela qual Ele nos abençoa. Já fiz alusão a isso quando lembrei a
vocês a importância da nossa relação com as três Pessoas da Trindade santa e
bendita. Noutras palavras, a grandeza acentuada neste versículo é o
planejamento de nossa salvação; e não somente o planejamento, mas a maneira
pela qual foi planejada, a maneira pela qual Deus efetua a salvação. Mais uma
vez, pergunto se não devemos reconhecer-nos culpados da tendência de
negligenciar e ignorar isso? Quantas vezes já nos sentamos e
tentamos contemplar, em seqüência à leitura das Escrituras, o planejamento da
salvação, o modo como Ele elaborou o Seu plano e como Ele o pôs em
operação? A nossa salvação vem inteiramente de Deus; entretanto, por causa da
nossa mórbida preocupação com nós mesmos e com o nosso estado, o nosso
temperamento e as nossas condições, inclinamo-nos a falar da salvação somente
em termos de
Chamo a atenção para essa questão, não por estar animado por algum interesse
acadêmico ou teórico, mas porque nos privamos de muitas glórias e riquezas da
graça quando deixamos de dar-nos ao trabalho de entender essas coisas e de
enfrentar o ensino das Escrituras. Tendemos a tomar um capítulo por vez;
passamos adiante, e não paramos para analisar e compreender o que ele nos diz.
Alguns até chegam a tentar escusar-se dizendo que não estão interessados em
teologia e doutrina. Em vez disso, querem ser cristãos “práticos” e desfrutar o
cristianismo. Mas quão terrivelmente errôneo é isso! As Escrituras nos dão este
ensino; o apóstolo Paulo escreveu estas cartas para que pessoas como nós
pudessem entender estas coisas. Alguns daqueles a quem Paulo escreveu eram
escravos que não tinham recebido instrução secundária, nem mêsmo
primária. Muitas vezes dizemos que não temos tempo para ler - que vergonha
para nós, povo cristão! - quando a verdade é que não nos damos ao trabalho de
ler e entender a doutrina cristã. Mas é essencial que o façamos, se realmente
desejamos prestar culto a Deus. Se não há louvor na vida cristã de alguém, é
porque ele ignora estas coisas. Se desejamos louvar a Deus, temos que examinar
a verdade e dar expansão às nossas almas quando nos defrontamos com ela. Se
queremos dizer de coração “Bendito seja Deus”, temos que saber algo sobre
como Ele planejou esta grande salvação.
Todavia, antes de afastar-nos deste ponto, devo acrescentar que o que realmente
aconteceu naquele conselho eterno foi que Deus redigiu uma grande aliança,
chamada aliança da graça, ou aliança da redenção. Por que o fez? Permitam-me
fazer uma pergunta a modo de resposta. Por que é que o apóstolo diz: “Bendito o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”? Há quem diga que a resposta é que
ele quer que nós saibamos a espécie de Pai que Deus é. Concordo com isso.
Lembro-me de um velho pregador que uma vez disse que se dissessem a certas
pessoas que Deus é Pai, elas ficariam horrorizadas e alarmadas. Há algumas
pessoas, disse ele, para as quais o termo “pai” se refere a um ébrio que gasta
todo o dinheiro da família e vem para casa bêbado. Essa é a idéia que elas tem de
um pai; é o único pai que elas já conheceram. Por isso Deus
em Sua bondade e a fim de podermos saber que tipo de Pai Ele é, diz: Eu sou o
Pai do Senhor Jesus Cristo. O Filho é igual ao Pai; mas mesmo isso não vai
suficientemente longe; há muito mais do que isso aqui nesta passagem.
Esta nova descrição de Deus é uma das declarações mais importantes do Novo
Testamento. Voltem ao Velho Testamento, e verão Deus descrito como “o Deus
de Abraão, de Isaque e de Jacó”. Deus também Se refere a Si mesmo como “o
Deus de Israel”, entretanto agora temos “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo”. A finalidade disto é ensinar-nos que todas as bênçãos que nos
vêm, vêm-nos do Senhor Jesus Cristo e por intermédio dEle, e como parte
daquela aliança feita entre as três benditas Pessoas antes da fundação do mundo.
Mesmo as bênçãos vindas aos santos do Velho Testamento, vieram-lhes todas
por meio do Senhor Jesus Cristo. Antes da fundação do mundo, Deus viu o que
ia acontecer com o homem. Ele viu a Queda, e o pecado do homem que teria que
ser enfrentado, e ali o plano foi feito, e foi feito um acordo entre o Pai e o Filho.
O Pai deu um povo ao Filho, e o Filho voluntariamente Se fez responsável por
esse povo perante Deus. Acordou fazer certas coisas por ele, e Deus o Pai, de
Sua parte acordou fazer outras coisas. Deus o Pai disse que concederia perdão,
reconciliação, restauração, nova vida e uma nova natureza a todos os que
pertencessem ao Seu Filho. A condição era que o Filho viesse ao
mundo, tomasse sobre Si a natureza e o pecado da humanidade, sofresse
a punição do pecado, assumisse o lugar dos homens, sofresse por eles e os
representasse. Essa foi a aliança, esse foi o acordo feito, acordo feito “antes da
fundação do mundo”. Deus pôde falar com Adão sobre isso no Jardim do Éden,
quando lhe disse: “A semente da mulher ferirá a cabeça da serpente”. Isso foi
planejado antes da criação, e ali mesmo Deus começou a anunciá-lo.
Mais tarde foram feitos alguns arranjos subsidiários. Foram feitas alianças com
Noé, com Abraão, com Moisés. Estas não são a aliança original, feita com o
Filho. Eram alianças temporárias, mas todas essas alianças subsidiárias apontam
para esta grande aliança. Os tipos e as ofertas e sacrifícios cerimoniais, todos
apontavam para Cristo. “A lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo” e à
Sua grande oferta. A lei dada a Moisés não anula a aliança feita com Abraão,
porém essa, por sua vez, aponta para a grande aliança feita com o próprio Filho
na eternidade.
Assim é que começamos a ver por que Paulo diz: “O Deus e Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo”. Antes de haver tempo, e antes de haver mundo,
Deus viu a nossa situação desesperadora e entrou nesse acordo com Seu Filho.
Fez um juramento, assinou-o, empenhou-Se numa aliança, comprometeu-Se. É
tudo em Cristo. Ele é o nosso Representante, Ele é o nosso Mediador, Ele é o
nosso Fiador - todas as bênçãos vêm nEle e por meio dEle. Quem pode
compreender o que isso tudo significou para o Pai, o que isso tudo significou
para o Filho, o quer isso tudo significou para o Espírito Santo? Contudo o
evangelho é isso, e é somente quando entendermos algo destas coisas que
começaremos a louvar a Deus.
Você continuará dizendo que não se interessa por teologia? Continuará dizendo
que não tem tempo para interessar-se por doutrina? Você jamais começará a
louvar a Deus ou a servi-10 ou a adorá-10, enquanto não começar a aperceber-se
de algo do que Ele fez por você. “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo.” Estamos na aliança; e agora vamos tentar estudar algumas das
conseqüências daquela aliança.
‘‘Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com
todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo.” - Efésios 1:3
sumamente infelizes em sua vida espiritual são as que estão sempre pensando em
si mesmas e em suas bênçãos, seu temperamento, seus estados e condições. Para
se receber bênçãos é preciso contemplar a Deus; e quanto mais O cultuarmos,
mais gozaremos Suas bênçãos. Isso é muito prático. O homem prático não é o
que corre atrás de bênçãos, porém o que considera a Fonte das bênçãos e se
mantém em contato com essa Fonte.
A primeira coisa que se deve observar é a maneira pela qual nos vêm essas
bênçãos. Elas nos vêm “em Cristo”. Embora essa expressão esteja no fim do
versículo, ela é vital: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual
nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”.
Se vocês deixarem de lado “em Cristo”, nunca terão bênção nenhuma.
Naturalmente, isso é axial e central em conexão com a totalidade da nossa fé
cristã. Toda bênção que gozamos como cristãos nos vem por meio do Senhor
Jesus Cristo. Deus tem bênçãos para todas as espécies e condições de homens. O
Sermão do Monte, por exemplo, ministra-nos o ensino do nosso Senhor segundo
o qual Deus “faz que o seu sol se levante sobre maus e bons” (Mateus 5:45).
Há certas bênçãos comuns e gerais que são desfrutadas pela humanidade toda.
Há o que se chama “graça comum”, entretanto não é disso que o apóstolo está
tratando aqui. Aqui ele está tratando da graça particular, da graça especial, das
bênçãos desfrutadas unicamente pelo povo cristão. O mau como o bom, o justo
como o injusto, gozam bênçãos comuns, mas ninguém senão os cristãos gozam
estas bênçãos especiais. Muitas vezes as pessoas tropeçam nesta verdade,
todavia a distinção é traçada claramente nas Escrituras. Os ímpios podem gozar
muitas bênçãos neste mundo, e as suas bênçãos lhes vêm de Deus de modo geral,
porém eles nada sabem das bênçãos mencionadas neste versículo. Paulo está
escrevendo aqui a cristãos, e o seu interesse é que eles entendam e tomem para si
as bênçãos e os privilégios que lhe são possíveis como cristãos, e assim ele
acentua que todas essas bênçãos vêm no Senhor Jesus Cristo e por intermédio
dEle, e unicamente nEle e por meio dEle. Você não pode ser cristão sem estar
“em Cristo”. Cristo é o princípio, como também o fim, Ele é o Alfa, como
também o Ômega; não há bênçãos para os cristãos fora de Cristo.
assistente - “Nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos
ser salvos”, diz Pedro em Atos 4:12. Uma tradução alternativa disso é, “não há
um segundo nome”. O Senhor Jesus Cristo não tem necessidade de nenhum
assistente, de nenhum suplemento. Toda e qualquer bênção está nEle, nem uma
única bênção vem de outro lugar. Ele é o único canal; há “um só mediador entre
Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo 2: 5). Portanto, toda a
conversa sobre um “Congresso Mundial das Crenças”, ou toda defesa de um
ecletismo no qual, das diversas religiões do mundo você pode escolher a melhor,
é uma negação do cristianismo. No momento em que você acrescenta algum
nome ao nome do Senhor Jesus Cristo você O está diminuindo. Ao mesmo
tempo, você está se iludindo. Esta grande mensagem que, dentre todos
os apóstolos, foi confiada a Paulo, dá ênfase a esta particularidade, a esta
exclusividade, a esta intolerância para com quaisquer outras sugestões ou
acréscimos.
Vê-se esta ênfase talvez mais claramente ainda, telvez, na Epístola aos
Colossenses: “Foi do agrado do Pai que toda plenitude nele (no Senhor Jesus
Cristo) habitasse” (Colossenses 1:19). É tudo nEle. No fim deste capítulo desta
Epístola aos Efésios lemos também : “E sujeitou todas as coisas a seus pés, e
sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (vers. 22-23). Paulo não se
contenta em dizer isso uma vez. Ele o diz de novo no capítulo dois da
Epístola aos Colossenses: “Em quem estão escondidos todos os tesouros
da sabedoria e do conhecimento” (versículo 3). Não se pode acrescentar nada a
isso; todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão em Cristo, toda a
plenitude da deidade está nEle. “Nele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade” (Colossenses 2:9). Cristo é o único Mediador de todas as bênçãos, o
único e exclusivo canal por meio do qual elas vêm. Repito e saliento isto porque
sei em meu coração e por minha experiência, como o sei pela experiência de
outros, quão propensos nós somos a esquecê-lo, como nos inclinamos a ir à
presença de Deus em oração sem compreender a absoluta necessidade de ir em
Cristo e mediante Cristo.
o que é porque se uniu ao Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, ele, como vimos no
primeiro versículo, está “em Cristo Jesus”. A vida completa para cada uma das
partes do corpo, vem da Cabeça; é a nossa união mística com Ele, a nossa
misteriosa relação com Ele, que explica o que somos. O cristão é um participante
da vida do Filho de Deus. A vida completa vem dEle, e nós simplesmente a
haurimos dEle. “De Ti bebemos, Manancial”. Os nosso hinos, como também as
Escrituras, afirmam esta verdade muitas vezes; os santos dos séculos se
aperceberam dela. Não há nada tão importante quanto a nossa relação com o
Senhor Jesus Cristo. E por isso que Paulo fica nos lembrando isso; e não
devemos esquecê-lo jamais. Sem Ele, ainda estamos “em nossos pecados”.
Todas as bênçãos que desfrutamos, todo bem que realizamos ou
experimentamos, tudo vem dEle. “Toda idéia de santidade é unicamente dEle”,
do Senhor Jesus Cristo.
Ele recebesse o Espírito Santo, e no Evangelho Segundo João nos é dito que
“não lhe dá Deus o Espírito por medida” (3:34). Em Seu batismo, quando nosso
Senhor estava dando início ao Seu ministério público, o Espírito Santo desceu
sobre Ele para habilitá-10 e ungi-10 para Sua grande tarefa. Isso era necessário,
porque Ele estava vivendo nesse mundo como homem.
Pois bem, a estupenda verdade ensinada aqui é que, como o Espírito encheu Sua
vida e O habilitou a viver como se descreve nos Evangelhos, a mesma coisa nos
é possível, por intermédio dEle. O mesmo Espírito Santo que habitou nEle habita
em nós, cristãos, e não somente isso, Ele nos traz a vida do próprio Cristo e dela
nos enche.
Assim é que as bênçãos que gozamos como cristãos são, todas elas, bênçãos no
Espírito Santo e por intermédio dEle. Esse é o tipo de vida, essa é a qualidade de
vida que se espera que vivamos como cristãos diz o apóstolo João, num
notável versículo de sua Primeira Epístola, que “qual ele é, somos nós também
neste mundo” (4:17). Não é nosso propósito aqui agora desenvolver isto em
detalhe; mas sabemos que o Espírito nos vem vivificar. Pensem em Cristo
em toda Sua plenitude, e pensem no pecador em seu pecado - “mortos em
ofensas e pecados”. Como pode tal pessoa vir a ser espiritual? O Espírito Santo
vem e nos vivifica. “E vos vivificou estando vós mortos em ofensas e pecados”
(Efésios 2:1). Ele começa esse processo de iluminação, Ele começa a dar-nos
capacidade para penetrar nas coisas espirituais.
O homem, por natureza, não se interessa pelas coisas espirituais; estas lhe
parecem estranhamente remotas. Ele está interessado na vida deste mundo, nas
coisas que se pode ver, tocar, sentir e manipular; porém quando você começa a
falar com ele sobre a alma e sobre as coisas do espirito, ele realmente não sabe
do que você está falando. Isso porque ele está morto, e a sua vida é
governada pelo “príncipe das potestades do ar”. Ele está interessado em
casas, cavalos, cães, animais, móveis, prazeres de vários tipos, e negócios e
grandes realizações; todavia, comece a falar com ele sobre a comunhão com
Deus e a vida do Espírito, e ele de imediato se vê numa esfera completamente
estranha. E permanecerá nessas condições enquanto o Espírito Santo não
começar a vivificá-lo e a colocar um princípio espiritual em sua vida. Ele
necessita mente espiritual, perspectiva espiritual e entendimento espiritual; e o
Espírito lhe dá essas bênçãos na regeneração. Essas são as bênçãos
preliminares que nos vêm por meio do Espírito para preparar-nos para
recebermos a plenitude que está em Cristo. Ele então passa a convencer-nos do
pecado, a fazer-nos ver algo da nossa total vacuidade e miséria. Ele nos faz ver
quão espantoso é que não tivéssemos nenhum interesse por Deus, que para nós
as coisas da eternidade fossem tão completamente remotas, e que essas
coisas grandiosas do Espírito nos parecessem tão aborrecidas e sem atrativos.
Ele nos faz ver a enormidade do nosso pecado.
Contudo, devemos entender que isso não significa uma coisa completa e
exclusivamente extraterrenal. Não significa que devemos tornar-nos
automaticamente monges ou eremitas ou anacoretas; mas significa, sim, que nós
temos que ter uma correta visão deste mundo e da nossa relação com ele. O
cristão, segundo o Novo Testamento, está numa posição muito estranha e
maravilhosa; ele
continua neste mundo, porém realmente não lhe pertence. Este mesmo apóstolo,
escrevendo aos Filipenses, diz: “A nossa cidade está nos céus”, ou, como James
Moffatt o traduziu, “Somos uma colônia dos céus” (3:20). A nossa verdadeira
cidadania está nos céus. O apóstolo emprega com freqüência esta idéia de
cidadania, e afirma que não pertencemos a nenhuma cidade ou estado
terrestre. Simplesmente residimos aqui, longe do lar; a nossa cidadania não
é aqui; mas nos céus. Um conhecido hino expõe isso muito bem -
É muito difícil transpor isso tudo para a linguagem, mas é o que os escritores do
Novo Testamento ficam dizendo e repetindo.
Houve tempo em que o apóstolo passou por grande dificuldade neste mundo,
porém ele diz: “A nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso
eterno de glória mui excelente” (2 Coríntios 4:17). E “Se a nossa casa terrestre
deste tabemáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por
mãos, eterna, nos céus” (2 Coríntios 5:1). Isso é típico do seu conceito extra--
mundo. De novo, na Epístola aos Colossenses ele diz: “Pensai nas coisas que são
de cima, e não nas que são da terra” (VA: “ponde o vosso afeto...”) (3:2). A
relação do cristão com este mundo consiste em que ele compreende que este
mundo é de Deus e que ele pode gozá-lo e gozar tudo o que Deus lhe dá nele e
por meio dele; mas ele nunca põe o seu afeto nele. Por essa razão, a atitude do
cristão para com as coisas deste mundo, e para com as discussões e disputas que
lavram entre os homens e as mulheres, é sempre uma atitude de desapego.
Ouvi recentemente duas declarações que ilustram o meu ponto. Ouvi um homem
dizer que não pode entender como um cristão pode ser um conservador
(politicamente). Mas ouvi outro dizer que realmente não entende como é
possível algum cristão ser um socialista. O fato é que os dois estavam errados;
toda tentativa de igualar o ensino do Novo Testamento ao de qualquer dos
partidos políticos, ou de algum outro tipo de partido, é fazer violência ao ensino
de Cristo. O cristão, por definição, não se entusiasma com essas coisas; ele as
toma de leve, porque o céu é o seu lar. Ele é um cidadão do céu, e as suas
bênçãos estão lá, não na terra. Embora receba, como recebe, muitas bênçãos
temporais enquanto está aqui na terra, as verdadeiras bênçãos estão nos lugares
celestiais em Cristo Jesus. Regozijar-se neste ensino, ou decepcionar-se e não
gostar desta religião extraterrena, depende da idéia que você faz de si próprio e
da sua alma. Se você se vê pelo que você é realmente, a saber, um viajor
passando por este mundo, você não somente não se queixará desta perspectiva
extra-mundo, mas também dará graças a Deus por ela, e saberá algo sobre a
herança “incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardada
nos céus para vós que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a
salvação, já prestes para se revelar no último tempo” (1 Pedro 1:4-6).
Ao mesmo tempo, Ele dará a você poder para resistir ao pecado e a satanás. No
último capítulo desta Epístola são-nos dadas instruções espirituais - “Tomai toda
armadura de Deus” (6:13). A armadura nos é dada gratuitamente, porém em
acréscimo nos é dada
Para quando será o gozo de todas essas grandes, ricas e estupendas bênçãos? A
resposta é: aqui e agora! Evidentemente, tudo isso nos vem de maneira
progressiva, pois, se “a plenitude da divindade” entrasse em nós repentinamente,
racharíamos e arrebentaríamos. Por isso ela nos vem aos poucos,
progressivamente. “Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra
da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido,
fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa
herança para a redenção da possessão de Deus, para louvor da sua glória”
(versículos 13 e 14). Ele nos dá ai uma prelibação de algo vindouro, a primeira
entrega parcial de uma grande herança. Recebemos muito aqui e agora, no
entanto as coisas que desfrutamos agora são apenas o começo, a sombra. O
nosso recebimento aumentará e se desenvolverá, até que, final e
conclusivamente, receberemos tudo em sua gloriosa e bem-aventurada plenitude,
e o gozaremos para todo o sempre. “Amados”, digo eu com João, em sua
Primeira Epístola, “agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que
havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos
semelhantes a ele; porque assim como é o veremos” (3:2). Já somos filhos de
Deus e, portanto, devemos estar desfrutando estas coisas, comendo algo das
primícias. Você as está desfrutando? Deus já nos tem dado muitas bênçãos; e
estas vão aumentando, até quando raiar o dia bendito em que a
“possessão” adquirida será finalmente redimida, e seremos conduzidos à Sua
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo.” - Efésios 1:3
Já temos visto que muitos erram em todo o seu pensamento sobre o cristianismo
porque partem de um ponto de vista errado. Eles têm uma concepção
materialista do cristianismo, e não se dão conta de que a fé cristã é positivamente
extra-mundo. A conseqüência é que eles ficam constantemente em dificuldade.
Há muitos que dizem que não podem ser cristãos por causa do estado do mundo
e das coisas que estão acontecendo nele. O argumento deles é que, se Deus é
amor, que promete abençoar todo aquele que O buscar, os cristãos não deveriam
sofrer - não deveriam adoecer ou sofrer adversidade. Temos aí um claro exemplo
daqueles mal-entendidos resultantes da não percepção de que as bênçãos
advindas ao cristão são “espirituais” e estão “nos lugares celestiais”.
Mas devemos examinar este assunto de maneira mais minuciosa. Nem nesta
Epístola, nem em qualquer outro lugar, o apóstolo sobe a maiores alturas do que
neste versículo particular, onde ele nos eleva aos “mais altos céus” e nos mostra
o ponto de vista cristão em sua maior glória e majestade. De muitas maneiras a
expressão “nos lugares celestiais” é a chave desta Epístola, em particular,
onde ela ocorre não menos que cinco vezes. Acha-se neste versículo 3, e também
no versículo 20 deste capítulo primeiro, onde Paulo escreve sobre o fato de
Cristo estar assentado à mão direita de Deus nos lugares celestiais. Alguns
comentaristas não gostam da palavra “lugares”, pois acham que ela tende a
localizar o conceito. Contudo, não basta dizer “celestiais”. Vê-se a mesma
expressão também no capítulo 2, versículo 6, e no versículo 10 do capítulo 3. A
última referência é no versículo 12 do capítulo 6, na declaração: “Não temos que
lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes
espirituais da maldade, nos lugares celestiais”. É óbvio que o apóstolo não
repetiria esta frase, se ela não tivesse um significado real e profundo; e ela é,
repito, uma das
Contudo, há um “terceiro céu”, que não se trata do céu atmosférico nem do céu
estelar. Trata-se da esfera em que Deus, de maneira muito especial, manifesta a
Sua presença e a Sua glória. É também o lugar em que o Senhor Jesus Cristo, em
Seu corpo ressurreto, habita. Além disso, é o lugar em que os “principados
e potestades” aos quais o apóstolo se refere no capítulo 3 têm a sua habitação; na
verdade, é o lugar a respeito do qual lemos no capítulo 5 de Apocalipse, onde a
glória de Deus se manifesta. Lemos ali a respeito de Cristo em Seu corpo
glorificado, “um Cordeiro, como havendo sido morto”, dos brilhantes espíritos
angélicos, dos animais e dos “vinte e quatro anciãos”. Todos esses
dignitários angélicos e poderes têm sua habitação ali. E, ainda mais maravilhoso
e glorioso, ali também estão “os espíritos dos justos aperfeiçoados”. Os que
morreram no Senhor, “em Cristo”, estão ali com Cristo neste momento. Estão
nos “lugares celestiais”, no “terceiro céu”, naquele domínio em que Deus
manifesta algo da Sua glória eterna.
está naquele domínio em Seu corpo glorificado, como disso nos faz lembrar o
versículo 20. O que, portanto, o apóstolo está dizendo é que tudo o que temos, e
tudo o que gozamos como cristãos, vem de Cristo, que está naquela esfera, e por
meio dEle. Mais que isso, pelo novo nascimento, por nossa regeneração, somos
ligados ao Senhor Jesus Cristo, e nos tornemos partícipes de Sua vida e de todas
as bênçãos que dEle vêm. O ensino do apóstolo é que nos estamos “em Cristo”.
Somos parte de Cristo; estamos tão ligados a Ele por esta união orgânica mista
que tudo quanto lhe seja próprio, nos é próprio espiritualmente. Assim como Ele
está nos lugares celestiais, assim também nós estamos nos lugares celestiais. As
bênçãos que gozamos como cristãos são bênçãos “nos lugares celestiais”
porque elas fluem de Cristo que lá está.
É minha opinião que aqui vemos mais claramente do que em qualquer outro
lugar a profunda mudança a que alguém se sujeita por tornar-se cristão. Não se
trata de uma mudança superficial, não é apenas que vestimos uma roupa de
respeitabilidade ou decência ou moralidade, não é um melhoramento na
superfície ou uma mudança temporal. É tão profunda como o fato de que somos
tomados de um reino e colocados em outro. Assim como Deus tirou o
Senhor Jesus Cristo do túmulo, e dentre os mortos, e O colocou à Sua
mão direita nos lugares celestiais, assim o apóstolo ensina que a mudança pela
qual passamos em nosso novo nascimento e regeneração leva a esta
correspondente mudança em nós. É a fim de que os cristãos efésios possam
entender isso mais completamente que Paulo ora por eles: para que “tendo
iluminados os olhos do vosso entendimento... saibais qual seja a esperança da
sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos; e qual a
sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo
a operação da força de seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dos
mortos, e pondo-o à sua direita nos céus” (VA: “nos lugares celestiais”). Essa, e
nada menos que essa, é a verdade acerca do cristão. Dada a limitação das nossas
capacidades, em conseqüência da nossa condição finita e do nosso pecado,
achamos muito difícil apossar-nos destas coisas; mas tudo o que esta
Epístola aos Efésios procura fazer é concitar-nos a lutar para que tomemos posse
delas, a orar pedindo iluminação para podermos entender.
óbvio (não é?) que os cristãos simplesmente não podem entender nada destas
questões. O apóstolo expõe isso claramente no capítulo 2 da Primeira Epístola
aos Coríntios, onde ele descreve a diferença entre o homem “natural” e o
“espiritual”. Ele escreve: “O que é espiritual discerne bem tudo, e ele de
ninguém é discernido”. “Discernir” (VA: julgar) significa entender. O cristão, diz
Paulo, entende todas as coisas, mas ele mesmo não é entendido por ninguém. Ele
é, por definição, um homem que o incrédulo não tem a mínima possibilidade de
entender. Portanto, um dos melhores testes que podemos aplicar a nós mesmos é
descobrir se as pessoas acham difícil entender-nos porque somos cristãos. Se a
afirmação de Paulo é verdadeira, o cristão deve ser um enigma para todos os não
cristãos”. Aquele que não é cristão acha que há algo estranho quanto ao cristão;
este não é como os outros, é diferente. É como tem que ser, por definição,
porque o cristão tem esta vida celestial e pertence a este domínio celestial.
Entretanto, ele não somente escapa ao entendimento do não cristão: num sentido
é certo dizer que ele próprio não pode entender a si mesmo. Ele tornou-se
um problema para si próprio, por causa dessa nova natureza que há nele.. “Vivo,
não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20). Eu sou eu e não sou eu.
Analisemos isto um pouco mais. O cristão tem duas naturezas. Num sentido ele
ainda é um homem natural. O que por nascimento ele herdou de seus
antepassados, ele ainda possui. Ele ainda está neste mundo e nesta vida, como
todos os demais. Ele tem que viver, tem que ganhar a vida e fazer várias coisas
da mesma maneira que os outros. Ele ainda vive a vida secular, a vida “normal”,
a vida vivida em termos do intelecto e do entendimento. Ele estuda
vários assuntos e, como todos os demais interessa-se pelas condições políticas e
sociais; ele tem que comprar e vender como todos os outros. Ele pode estudar
artes, pode interessar-se por música. Essa é a sua vida “normal”, sua vida
secular, sua mentalidade, coisas que ele compartilha com os não cristãos. Na
verdade, podemos ir além e dizer que ele ainda experimenta falhas em vários
aspectos; ele tem consciência do pecado. Por vezes ele se olha e indaga se é
diferente das outras pessoas; parece idêntico a elas. Ele falha, faz coisas que não
devia fazer, ainda se sente culpado do pecado. Continua parecido com o homem
natural. Se vocês tiverem apenas uma idéia superficial do cristão, poderão muito
bem chegar à conclusão de que na verdade não há diferença alguma entre ele e
qualquer outra
pessoa. Mas isso não está certo, pois essa não é toda a verdade sobre ele. Em
acréscimo a tudo isso, há outra natureza, há uma outra coisa que ocorre; e é esta
outra coisa que faz do cristão um enigma para os outros e para si mesmo. Num
sentido ele é um homem natural, porém ao mesmo tempo é um homem
espiritual. O apóstolo contrasta o homem natural com o homem
espiritual, porque o que há de grande acerca do cristão é que ele tem
esta natureza espiritual adicional. Esta é a característica principal, e é o fator
dominante em sua vida. O cristão, mesmo na pior condição, sabe que é diferente
do incrédulo.
Expondo isso em sua expressão mais baixa, o cristão continua sendo culpado de
pecado, mas o cristão não aprecia o pecado como apreciava, e como os outros
apreciam. Há algo diferente até quanto ao seu pecado, graças a este princípio
espiritual que há nele, a esta natureza espiritual, a esta consciência de uma nova
vida, de uma vida que pertence a uma ordem diferente e a uma esfera diferente.
E muito difícil expor isto em palavras; há algo evasivo nisso tudo e, todavia, há
algo que o cristão sabe. É essencialmente subjetivo, embora resulte da fé na
verdade objetiva. Noutras palavras, a menos que você sinta que é cristão, fica
uma dúvida se você o é. A menos que lhe tenha acontecido algo
existencialmente, experimentalmente, a menos que lhe tenha acontecido algo na
esfera da sua sensibilidade, você não é cristão.
Pois bem, não é só certo dizer que o cristão tem duas naturezas; também tem
dois interesses, porque vive em dois mundos. O cristão é cidadão de dois
mundos ao mesmo tempo. Pertence a este mundo, tem nele a sua existência; e,
contudo, sabe que pertence a outro mundo tão definidamente como a este. Isso é
conseqüência inevitável do fato de que ele tem duas naturezas. Daí dizer o
apóstolo que o cristão é alguém que foi transferido “da potestade das trevas
para o reino do Filho do seu amor” (Colossenses 1:13) - ele foi transferido,
transportado, e recebeu uma nova posição. E essa mudança é, num sentido,
paralela a que se deu com o próprio Cristo. Deus manifestou o Seu poder quando
ressuscitou a Cristo dentre os mortos e O colocou à Sua direita nos lugares
celestiais. Com efeito, algo similar aconteceu com todos os cristãos. Não
ficamos onde estáva-mos, fomos transportados, fomos transferidos de um lugar,
de um domínio para outro, de um reino para outro, de um mundo para outro.
Este é um elemento vital da experiência total do cristão.
Não significa que o cristão sai do mundo. Historicamente muitos cristãos caíram
nesse erro, e diziam: visto que sou cristão não pertenço ao Estado. Há cristãos
que dizem que não se deve votar nas eleições parlamentares, e que não se deve
ter nenhum interesse pelas atividades do mundo. Mas isso não se harmoniza com
o ensino das Escrituras, pois o cristão ainda é cidadão deste mundo e pertence à
esfera secular. Ele sabe que este mundo é de Deus, e que nele Deus tem um
propósito para ele. Ele sabe que é cidadão do país a que pertence, e está ciente de
que tem as suas responsabilidades. A verdade é que, desde que é cristão, terá que
ser um
cidadão melhor do que ninguém no território. No entanto, ele não para aí, ele
sabe que também é cidadão de outro reino, de um reino que não se pode ver, um
reino que não é deste mundo. Todavia, ele está neste mundo, e o outro reino
colide com ele. O cristão sabe que pertence a ambos os reinos. Assim, isto vem a
ser um teste da nossa profissão de fé como cristãos. Sabemos das exigências que
a nossa terra natal nos faz, e também sabemos das exigências do reino celestial.
Nosso desejo é não transgredir as leis da terra, e maior ainda é o nosso desejo de
não ofender o “Rei eterno, imortal, invisível” (1 Timóteo 1:17, VA, ARA) que
habita aquele outro reino e que é o Senhor.
O aspecto glorioso desta verdade é que, devido eu estar “em Cristo”, o meu
corpo vai ser emancipado; a adoção, a redenção dos nossos corpos vai acontecer;
virá o dia em que eu estarei nos lugares celestiais, não somente em meu espírito,
mas também em meu
“Os espíritos glorificados no céu”, os cristãos que partiram e estão com Cristo
são mais felizes do que nós. Isso porque nós, que ainda estamos nesta vida,
estamos “sobrecarregados”, e, por isso, “gememos, desejando ser revestidos da
nossa habitação, que é do céu” (2 Coríntios 5:2). Os cristãos que partiram, já não
têm que combater o pecado na carne, e no mundo; disso eles estão
completamente livres; isso acabou, no que se refere a eles; porém
nós continuamos na carne, no corpo, continuamos lutando, continuamos
gemendo. Porque partiram, eles são “mais felizes”; mas não estão mais seguros.
Não estão “em Cristo” mais do que nós. Eles estão lá agora porque estavam “em
Cristo” quando estavam aqui; nós, mesmo agora, estamos “em Cristo” e estamos
assentados espiritualmente junto com eles nos lugares celestiais - com eles e
com Cristo, neste exato momento. Como nos lembra o autor da Epístola aos
Hebreus, “não chegastes ao monte palpável, aceso em fogo, e à escuridão, e às
trevas, e à tempestade, e ao sonido da trombeta, e à voz das palavras, a qual os
que a ouviram pediram que se lhes não falasse mais, porque não podiam suportar
o que se lhes mandava: se até um animal tocar o monte será apedrejado. E tão
terrível era a visão que Moisés disse: estou assombrado, e tremendo.
Mas chegaste ao monte de Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e
aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e Igreja dos primogênitos,
que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos
aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador duma Nova Aliança, e ao sangue da
aspersão, que fala melhor do que o de Abel” (Hebreus 12:18-24). Estamos lá
agora em nossos espíritos; estaremos finalmente lá em nossos corpos também.
Com relação à Igreja Cristã, num sentido ela não tem nada a ver com os
problemas do mundo, e não deve gastar muito tempo com eles. A tarefa
primordial da Igreja é apresentar a perspectiva, o ponto de vista espiritual. Ela vê
a causa de todos os problemas de maneira inteiramente diversa. A visão
mundana enxerga a causa da guerra como uma questão de “equilíbrio do poder”
entre as nações e em termos de como lidar com isso de maneira a mais
eficiente. Isso está certo, dentro dos seus limites; porém não é esse o problema
fundamental que, como Paulo nos ensina no último capítulo desta Epístola,
consiste em que “não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra
os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século,
contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (6:12). O cristão
sabe que o mundo está como está devido ao pecado, devido ao diabo; ele
vê todas as coisas com uma nova perspectiva e com um novo entendimento. Ele
sabe que estas coisas são apenas a manifestação do poder satânico; e que, em
última análise, o conflito deste mundo é um conflito espiritual, não um conflito
material. Os problemas do mundo não são meramente resultantes da colisão de
concepções materiais apenas; são produzidos pelos poderes do inferno e
de satanás lutando contra o poder de Deus. Em contraste com a visão que o
mundo tem, a visão do cristão é muito mais profunda. O cristão não vê as coisas
meramente ao nível horizontal; ele as vê perpendicularmente também. Para ele
há sempre este elemento básico - “sub specie aeternitatis” 2
Ele sabe, ademais, que a única maneira de lidar com estes problemas só pode ser
espiritual. O cristão sabe que Deus tem duas maneiras de tratar destes problemas
que resultaram das atividades do diabo, da queda do homem e do pecado. A
primeira é que Deus restringe o mal, e o faz de muitas maneiras. Primeiro o fez,
em parte, dividindo o mundo em países e estabelecendo limites para cada um
deles. Isso Ele fez ordenando que houvesse reis e chefes de Estado, magistrados
e autoridades. Nunca nos esqueçamos de que as potestades que existem foram
ordenadas por Deus (Romanos 13:1). Foi Deus que ordenou os governos e os
sistemas de governo. É por isso que o cristão é exortado a honrar o rei,
os senhores e todos os que estão revestidos de autoridade. Dessa maneira Deus
mantém o mal dentro de certos limites, restringindo o mal. Ele faz isso por meio
dos governos, pelo uso dos estadistas, das conferências internacionais e pelo uso
de diversos outros meios. No entanto, eles são somente negativos,
simplesmente restringem o mal. A força policial pode impedir que um
homem faça certas coisas más, porém, nenhuma força policial pode transformar
alguém num homem bom. O mesmo aplica-se também aos governos. Também se
aplica esta verdade à cultura, à educação e a tudo quanto esteja destinado a
melhorar os costumes e a tornar a vida ordeira, harmoniosa e agradável. Todas
essas agências fazem parte do mecanismo de Deus para refrear o pecado e as
suas manifestações e conseqüências. Entretanto, elas são negativas. Um homem
altamente civilizado nunca fará certas coisas; mas isso não significa
necessariamente que ele é um bom homem. E certo que a cultura não faz dele
um homem espiritual.
Mas existe este outro aspecto positivo: Deus trata dos problemas do mundo de
maneira positiva e curativa, a saber, em Cristo e por meio de Cristo e Sua grande
obra de salvação. Ele tira um homem deste “presente mundo mau” em espírito, e
o coloca dentro do reino de Cristo. Coloca dentro dele um novo princípio que
não somente lhe tira a disposição para pecar, mas também lhe dá amor
à santidade. O homem se torna positivamente bom e passa a ter “fome e sede de
justiça”. Ele se torna semelhante ao Senhor Jesus Cristo. Há um novo reino
dentro “dos reinos deste mundo”; é o reino de Deus. Essa é a única cura. O reino
de Deus finalmente vai ser tão grande que o pecado será destruído e banido, e
não mais existirá. O cristão, e somente ele, vê o plano e o propósito de Deus. Os
estadistas do mundo, os não cristãos, na melhor das hipóteses nada sabem
Estas duas maneiras de ver também são inteiramente diversas com respeito ao
futuro. O incrédulo liga a sua fé às conferências, e imagina que se tão-somente
os homens pudessem ter uma Conferência de Mesa Redonda e acordassem
nunca mais fazer uso da bomba atômica ou da bomba de hidrogênio, o mundo se
tornaria mais ou menos perfeito. Mas, ao que parece, isso nunca se efetuará. Ele
não pode ir além da sua visão horizontal, ele nada sabe deste elemento espiritual
superior. Ele a credita na perfectibilidade do homem e na evolução de toda a raça
humana. Ele acredita que o homem ficará cada vez melhor, à medida que se
torne mais instruído, e que finalmente abolirá a guerra.
Ora, infelizmente isso nunca acontecerá por causa deste elemento espiritual em
conflito. Conquanto o homem tenha pecado em sua natureza, ele não somente
será culpado do pecado individualmente, mas também numa escala nacional e
mundial. Porque a mente de uma multidão seria diferente da mente de um
indivíduo? Graças a Deus, há outra mensagem; e a maior tragédia do mundo
é que a Igreja, em vez de pregar a sua verdadeira mensagem, está pregando uma
mensagem terrena, humana, carnal. Não teria a Igreja algo melhor para pregar do
que apelar para os estadistas para que resolvam os problemas? Isso é realmente
uma negação da fé cristã, e revela uma abismai ignorância dos “lugares
celestiais”. Como cristãos, temos outra maneira de ver, temos algo inteiramente
diverso. As preleções sobre a temperança nunca tornarão sóbrios os homens,
nem as estatísticas das perdas de guerra porão fim à guerra. Sabemos que o
problema é espiritual, e que a solução tem que ser igualmente espiritual. Como é
de satanás que basicamente vêm os maus desejos, as paixões e as cobiças, assim
é de Cristo, e dEle somente, mediante o Espírito, que vem o poder para
sobrepujá-los. E Ele virá não somente para o indivíduo, graças a Deus, Ele virá
para o mundo todo. O cristão sabe que Cristo, que agora está nos lugares
celestiais, voltará a este mundo em forma visível, cavalgando as nuvens do céu e
rodeado pelos santos anjos e pelos santos que já estão com Ele; e os que
estiverem na terra quando Ele vier serão transformados e serão elevados aos ares
para encontrar-se com Ele, e estarão todos “sempre com o Senhor”. Ele
derrotará os Seus inimigos, e banirá o pecado e o mal. Seu reino se estenderá “de
mar a mar” (Salmos 72:8; Zacarias 9:10), e Ele será aclamado
como o Senhor por todas as coisas “que estão nos céus, e na terra, e debaixo da
terra” (Filipenses 2:10).
Isso é otimismo cristão, e significa que sabemos que somente Cristo pode
vencer, e vencerá. Você está “nos lugares celestiais”, você está ciente das duas
naturezas que há em você, está ciente de que pertence a duas esferas? Tem você
esta nova visão espiritual da guerra e da paz e dos problemas do mundo? Você vê
tudo pela perspectiva do céu, de Deus e do Senhor Jesus Cristo, assentado com
Ele nos lugares celestiais? Bendito seja o nome de Deus!
1
Em latim no original. Nota do tradutor.
2
“Com a visão da eternidade.” Nota do tradutor.
“NOS ELEGEU NELE”
“Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor."
-Efésios 1:4
porém, que não é essa a primeira coisa que o apóstolo diz; ele não diz que
gozamos estas bênçãos porque cremos no Senhor, ou porque tomamos uma
decisão, ou porque nos entregamos a Ele, ou porque O aceitamos como nosso
Salvador pessoal. Isso está envolvido, é claro; mas Paulo não começa desse
modo. Nem tampouco parte ele da obra realizada pelo Senhor Jesus
Cristo. Provavelmente, muitos colocariam isso em primeiro lugar. Eles diriam
que tudo isso se nos tornou possível graças ao que o Senhor Jesus Cristo fez por
nós quando veio a este mundo - em Sua vida, morte e ressurreição - e ao que Ele
continua fazendo. Entretanto, nem isso o apóstolo põe em primeiro lugar. Na
verdade observamos que ele não parte de nada do que aconteceu no tempo neste
mundo. Ele vai direto à eternidade, antes da fundação do mundo, antes
da fundação do mundo; e parte daquilo que foi feito por Deus o Pai.
O ensino é que aqueles que gozam estas bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo gozam-nas porque foram escolhi-
dos por Deus para isso: “Como também nos elegeu nele antes da fundação do
mundo”. Essa é a explicação da coisa toda; daí o apóstolo começar aí. Todas as
bênçãos e todos os benefícios que desfrutamos têm essa origem, vêm dessa
fonte. O homem, por natureza, rebela-se contra Deus. Isso como conseqüência
da Queda. Tendo dado ouvidos à sugestão do diabo, e tendo caído e se afastado
de Deus , está debaixo da “ira de Deus”. Como é que alguma pessoa pode sair
desse lamaçal? A resposta é que Deus escolheu essa pessoa para ser libertada
dali para a salvação. Essa é a afirmação categórica do apóstolo.
A questão com que nos defrontamos aqui é, portanto, esta: como encarar isso?
Coloco a questão dessa maneira pela seguinte razão, que muitíssimos cristãos
hoje simplesmente não encaram a questão.
Decorre disso, portanto, que esta é uma declaração que não deve ser abordada
primariamente em termos do nosso entendimento. Devemos dizer como George
Rawson, autor de hinos -
diferente, que é que me fez diferente, por que estou interessado nestas coisas, por
que me incomodo com elas - por que sou cristão?” Considere seriamente o que
foi que o separou daqueles outros, o que foi que o colocou numa categoria
diferente. E quando você estiver de joelhos, orando a Deus, procure examinar-se
e pergunte a si mesmo o que foi que o levou a orar. Pergunte a si mesmo se o
desejo de orar vem somente de si próprio, ou de alguma outra coisa. Aborde esta
profunda indagação intelectualmente, e com o entendimento, como também do
ponto de vista da experiência.
De fato devemos ir mais longe; podemos dizer, em segundo lugar, que não
somente a Bíblia não argumenta conosco sobre estas doutrinas, porém nos
desaprova e nos repreende quando começamos a argumentar porque não as
entendemos. O apóstolo expõe isso claramente na Epístola aos Romanos: “Dir-
me-ás então: porque se queixa ele ainda? Porquanto, quem resiste à sua
vontade?” (9:9). Tomem nota da resposta do apóstolo: “Mas, ó homem, quem és
tu que a Deus replicas?” Ele não tenta dirigir uma discussão e desenvolvê-la e
explicá-la, como poderia fazer; simplesmente diz: “Mas, ó homem, quem és tu
que a Deus replicas?” Noutras palavras, o apóstolo nos está dizendo que
devemos iniciar dando-nos conta de quem e do que Deus é, que devemos
compreender de quem estamos falando. E ele prossegue e nos lembra que a
nossa relação com o Deus de quem estamos falando é a mesma relação que há
entre um bloco de barro e um oleiro. Trate de compreender, diz ele, antes de
fazer perguntas e apresentar argumentos baseados em sua falta de entendimento,
que você está pressupondo que a sua pequena mente é capaz de entender o que
Deus faz. Trate de compreender que na verdade você está insinuando que,
mesmo sendo simples criatura, mesquinha e desprezível tantas vezes em
suas relações humanas, você, que deu ouvidos ao diabo e trouxe a ruína
sobre si próprio - trate de compreender que você está tendo a pretensão de que a
sua mente anã pode entender a mente infinita e inescrutável do Deus eterno. Não
somente a Bíblia não argumenta; também nos repreende por nossa arrogância em
trazer as nossas dificuldades e pô-las contra o que Deus revelou.
Um quarto princípio, que é útil neste contexto, é notar que a Bíblia nos dá várias
afirmações desse tipo, todas elas paralelas à afirmação que consta no versículo
que estamos examinando. Uma das declarações mais completas sobre este
assunto acha-se no capítulo 6 do Evangelho de Segundo João. Talvez se possa
dizer que o Evangelho Segundo João apresenta esta doutrina mais claramente do
que qualquer outro livro das Escrituras. Leiam todo o capítulo 6, depois leiam o
capítulo 15, e depois leiam o capítulo 17 de João, com o seu registro da oração
sacerdotal de nosso Senhor, e vocês verão precisamente esta verdade exposta de
maneira muito vigorosa. Dou ênfase a isso porque há muitos que repetem como
papagaio o que ouviram ou leram em livros, no sentido de que esta doutrina só
aparece nos escritos do apóstolo Paulo. Naturalmente Paulo a declara
frequentemente. Vejam, por exemplo, a Segunda Epístola aos Tessalonicenses,
capítulo 2: “Devemos sempre dar graças... por vos ter Deus elegido desde o
princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade; para o
que pelo nosso evangelho vos chamou, para alcançardes a glória de nosso
Senhor Jesus Cristo” (versículos 13 e 14). Que declaração significativa! “Por
vos ter Deus elegido para a salvação em (por meio da) santificação do Espírito.”
Ele separou você pelo Espírito para você crer na verdade. Você foi escolhido, foi
posto à parte, pelo Espírito, a fim de que pudesse crer na verdade. Você não foi
separado porque crê nela, mas para que pudesse crer.
Vemos o apóstolo Pedro dizer a mesma coisa em sua Primeira Epístola, capítulo
primeiro, versículo 2: “Eleitos segundo o pré--conhecimento de Deus o Pai,
mediante a santificação do Espírito, para obediência e aspersão do sangue de
Jesus Cristo” (VA). De novo, a separação vem antes da obediência e da fé na
verdade. Há incontáveis outras passagens similares que dão suporte a
esta declaração diretamente.
Há, além disso, outras afirmações que mostram a mesma coisa indiretamente.
Vejam os dois primeiros versículos do capítulo 2 desta Epístola: “E vos
vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados. Em que noutro tempo
andaste segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, o
espírito que agora opera nos filhos da desobediência”. Notem as declarações
“mortos em ofensas e pecados”, e “vos vivificou”. Na primeira Epístola
aos Coríntios, capítulo 2, versículo 14 lemos: “ora o homem natural não
compreende as coisas do espírito de Deus porque lhe parecem loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. O ensino de Paulo
é que nós cremos nestas coisas porque “não recebemos o espírito do mundo, mas
o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado
gratuitamente por Deus” (ICoríntios 2:12). Os príncipes deste mundo
não reconheceram Cristo, diz-nos Paulo, porque eram homens naturais. Muitos
deles eram grandes homens, homens capazes, porém não O reconheceram, “pois,
se o tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória”. “Mas” diz
Paulo, “Deus no-las revelou (certas coisas) pelo seu Espírito; porque o Espírito
penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus” (1 Coríntios 2:8-
10). Cremos por uma única razão, a saber, graças a obra realizada pelo Espírito
Santo em nós.
o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus. Porque Deus,
que disse que das travas resplandeça a luz, é quem resplandeceu em nossos
corações, para a iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus
Cristo” (versículos 3-6). Aí está a resposta á pergunta sobre como se origina a fé.
O deus deste mundo cega os homens e os torna incapazes de crer; o único Deus
vivo e verdadeiro brilha em nossos corações, e nós cremos. A doutrina da
regeneração é outra maneira de dizer a mesma coisa. Podemos expô-la assim: se
afirmarmos que nos tornamos regenerados porque já criamos, teremos que
mostrar por que precisamos ser regenerados, afinal de contas. O propósito e
objeto da regeneração é habilitar-nos a receber esta nova faculdade, esta
capacidade para receber a verdade de Deus. A doutrina da regeneração
tem muita coisa para dizer acerca da eleição e desta doutrina da escolha divina.
Na verdade, vou longe a ponto de dizer que sempre se deve abordar esta doutrina
em termos da doutrina da regeneração, que ensina que eu necessito de uma nova
natureza antes de poder começar a entender estas coisas.
Mas notem agora que este aspecto da verdade não tem nada a ver com a
evangelização. Há os que argumentam que esta doutrina da eleição e escolha
divina não dá nenhum lugar à evangelização, à pregação do evangelho, à
insistência com as pessoas para que se arrependam e creiam, e ao uso de
argumentos e de persuasão na obra evangelística. No entanto aqui não há
contradição, como não há em dizer que, uma vez que é Deus que dá a colheita do
cereal no outono, o agricultor não tem necessidade de arar, gradar e
semear; sendo que a resposta a isso é que Deus ordenou ambas as coisas. Deus
escolheu chamar as pessoas por meio da evangelização e da pregação da Palavra.
Ele ordenou o meio, como também o fim.
Finalmente, toda vez que vocês se virem confrontados por uma declaração das
Escrituras que acham difícil e os deixam perplexos, uma boa regra é consultar a
experiência e a interpretação dos que viveram antes de nós. Devemos agradecer
a Deus por poder fazê-lo. A Igreja Cristã tem ensinado através dos séculos o que
o apóstolo está dizendo aqui, a saber que Deus escolheu os cristãos, a despeito
do que eles eram, não por causa de algum mérito que Ele tivesse previsto neles,
mas porque Ele foi movido unicamente por Sua misericórdia e compaixão. Antes
de alguém ser tentado a desdenhar esta doutrina com um gesto de mão, achando
que tudo é muito simples, permitam-me lembrar-lhes os nomes de alguns
que aceitavam esta interpretação.
Devemos dar atenção também à história dos homens que deram início à várias
sociedades missionárias estrangeiras, como a Sociedade Missionária da Igreja
(anglicana) e a Sociedade Missionária de Londres, e certamente a Sociedade
Bíblica Britânica e Estrangeira. A verdade pura e simples é que os homens que
deram início a essas sociedades missionárias tinham a mesma opinião.
Os maiores evangelistas que o mundo conheceu, os maiores promotores que a
Igreja conheceu, tinham esta opinião específica. Realmente é certo que, com
apenas algumas exceções, o conceito universal da Igreja Cristã, até o princípio
do século dezessete, era este.
Embora tenha havido oposição a este conceito no século dezessete, ela veio a ser
muito conhecida por meio de João Wesley e dos seus seguidores e do seu ensino
arminiano no século dezoito. Também é conhecido que, quando a Alta Crítica da
Bíblia conquistou a aceitação geral e popularidade no final do século dezenove,
o conceito mais antigo retirou-se mais ainda para os fundos. Com o advento do
que se conhece como liberalismo ou modernismo, o ensino da eleição de Deus e
da escolha do Seu povo na eternidade desapareceu quase que completamente.
Certamente isso é de grande significação.
Ora, alguém poderá dizer que, se a doutrina que defendemos não determina a
nossa salvação, doutrina é coisa que não importa.
Mas essa dedução é falsa. Esta declaração acerca da escolha feita por Deus está
aqui nas Escrituras e, portanto, deve ser considerada. Paulo a coloca primeiro a
fim de mostrar como nos tornamos cristãos e gozamos as bênçãos cristãs, e
como eu disse, embora o entendimento que tenhamos dela não determine a nossa
salvação, ela é de grande importância. Ela tem relação com a soberania de Deus
e com a majestade de Deus e, na verdade, é da maior importância do ponto de
vista do nosso entendimento do amor de Deus. Vemos aí o amor de Deus em seu
ponto mais elevado. Além disso, é à luz desta doutrina que vemos com maior
clareza a certeza do plano da salvação. Se o plano da salvação dependesse
do homem, certamente fracassaria; porém, se é de Deus do princípio ao fim, é
infalível. Nenhuma outra coisa pode dar-me senso de segurança. Não há
nenhuma doutrina que seja tão consoladora como esta: a minha segurança
depende do fato de que sou o que sou única e inteiramente pela graça de Deus.
Seja qual for a autoridade que eu possa ter como pregador, não é resultado de
qualquer decisão da minha parte. Foi a mão de Deus que me tomou, me tirou e
me separou para esta obra. Sou o que sou pela graça de Deus; e a Ele dou toda a
glória. Se eu tivesse que acreditar que meu futuro depende de mim e das minhas
decisões, eu tremeria de medo; mas, graças a Deus que eu sei que estou em Suas
mãos, e que “Aquele que começou a boa obra” em mim levará avante a obra.
Apesar de mim mesmo, e do que eu fui e sou, o Senhor não deixará que eu me
perca; “a Seu propósito Ele não renunciará”. É porque eu sei que antes do
princípio do tempo, antes da fundação do mundo, Ele olhou para mim, viu-me e
me escolheu, e em Sua mente deu-me a Cristo - é porque eu sei disso que, com
o apóstolo Paulo posso dizer que “nem a morte, nem a vida, nem os anjos nem
os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura,
nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de
Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 8:38-39). É por isso
que toda esta matéria importa; disso dependem o meu senso de segurança e
a minha alegria. Apesar do fato de que o meu entendimento desta verdade não
determina a minha salvação, determina, sim, a minha experiência da alegria da
salvação, e o meu senso de segurança e a minha certeza. Encare esta gloriosa
verdade de joelhos, coloque-a no contexto geral das Escrituras, lembre-se dos
nomes dos homens que eu mencionei e peça a Deus que lhe dê iluminação e
entendi-
mento pelo Espírito para que esta declaração especial traga a você, à sua alma, à
sua mente, ao seu coração e à sua experiência o recebimento parcial e crescente
das abundantes riquezas da Sua graça.
“Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor.”
- Efésios 1:4
importância que nos lembremos de que tudo isso é feito “nele”. O apóstolo
repete continuamente a verdade segundo a qual não há absolutamente nada que
seja dado ao cristão independentemente do Senhor Jesus Cristo; não há nenhuma
relação com Deus que seja verdadeira e salvadora, exceto a que é no Filho de
Deus e por meio dEle. “Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os
homens, Jesus Cristo homem” (ITimóteo 2:5).
É nos dito que fomos escolhidos “para que fôssemos santos e irrepreensíveis
diante dele em amor”. Aqui, de novo, o apóstolo nos propicia uma das mais
extraordinárias sinopses do evangelho todo. Ele quer dizer que é propósito de
Deus em Cristo para o Seu povo desfazer, remover e retificar completamente os
efeitos do pecado e da queda do homem. O objetivo de Deus na salvação é
retificar completamente os resultados e as conseqüências daquele evento terrível
e sumamente desastroso. Isso está claro nas Escrituras. Lemos, por exemplo, no
capítulo 3 da Primeira Epístola de João: “Para isto o Filho de Deus se
manifestou: para desfazer as obras do diabo”(versículo 8). A queda foi obra do
diabo. Que tolos os que pensam que podem escolher e pegar porções da Bíblia e
rejeitar outros a seu bel-prazer! A Bíblia é um todo, e não há esperanças de que
venhamos a entender o evangelho do Novo Testamento a menos que aceitemos
os primeiros capítulos do livro de Gênesis, com a sua narrativa da queda do
homem em pecado. Aqui, nestes versículos do capítulo primeiro da Epístola aos
Efésios, o apóstolo passa a mostrar que a obra do diabo está sendo destruída e
desfeita, de modo que aquelas pessoas que Deus o Pai deu ao Filho
ficarão inteiramente livre de todos os efeitos e conseqüências daquele
evento tremendamente trágico denominado “A Queda”. Diz o apóstolo que o
propósito de Deus na escolha que fez na eleição é que sejamos “santos e
irrepreensíveis”. Ele diz três coisas: que devemos ser
O apóstolo está dizendo que, como resultado do fato de Deus ter nos escolhido, o
que acontece é que o pecado é removido, o obstáculo entre nós e Deus é
removido, e assim podemos comparecer perante Ele. E não somente isso, mas
comparecemos à presença de Deus “em amor”. Só pensar em comparecer à
presença de Deus como o nosso juiz é algo terrível! A grandiosa realização feita
a nosso favor em nossa salvação é que comparecemos perante Deus “em amor”.
pesados”. Isso constitui um dos melhores testes para vivermos a vida cristã?
Gostamos da vida cristã? Queremos ser mais parecidos com Cristo, cada dia?
São estes os testes, e eles são provas de amor. Realmente, a lei de Deus nos
chama para amarmos. O nosso Senhor ensinou isto certa ocasião, quando um dia
alguns homens aproximaram-se dEle, tentando apanhá-10 mediante perguntas.
Perguntaram-Lhe: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” Sua resposta
foi que o primeiro de todos os mandamentos é: “Amarás ao Senhor teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas
as tuas forças: este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é:
amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do
que estes” (Marcos 12:28-31) Todo o objetivo da lei de Deus é primeiro o amor,
sua relação com Deus, e depois sua relação com o seu semelhante. É tudo uma
questão de amor.
Nesta altura faço uma pergunta: causa-nos surpresa que seja esta a primeira coisa
que o apóstolo nos diz? Esperávamos alguma outra coisa, como por exemplo,
que Deus nos escolheu para que fôssemos perdoados? Não é o que Paulo coloca
primeiro; em vez disso, ele escreve, “para que fôssemos santos e
irrepreensíveis diante dele em amor”. Fazendo assim o apóstolo está sendo
coerente com todo o ensino bíblico. Porque é que isso deve vir em primeiro
lugar? A resposta é que é plano de Deus, é propósito de Deus. “Esta é a vontade
de Deus, a vossa santificação” (1 Tessalonicenses 4:3). O desejo de Deus quanto
a nós é, primeiro, que sejamos santos, e depois, a nossa felicidade ou alguma
outra coisa. Sermos santos vem em primeiro lugar porque Deus é santo.
Lembrem-se também de que nós estamos “em Cristo”. O que nos faz cristãos é
que estamos em Cristo; não somente porque fomos perdoados, embora isso seja
essencial. E se estamos “em Cristo”, só temos que ser santos porque Ele é
“santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores” (Hebreus 7:26).
À luz disso tudo, há certas deduções essenciais que são da máxima importância.
Primária e essencialmente, salvação significa estar na relação correta com Deus -
nada menos do que isso. Não se deve pensar na salvação primariamente em
termos da felicidade nem em termos das leis, nem da moralidade. Não se deve
pensar nela, única ou primariamente, em termos do perdão. Não devemos pensar
na salvação em termos da ajuda que Cristo vai nos dar, para orientação ou
qualquer outra coisa. Primeiramente, salvação significa estar na relação correta
com Deus. É preciso que seja assim porque a essência do pecado é a separação
de Deus. Isto nos leva a condições miseráveis e a tornar-nos escravos do diabo;
mas o problema primordial é a perda da relação com Deus. Portanto, esta deve
ser a primeira coisa da salvação; e se alguma vez pensamos em nossa salvação
em quaisquer termos que não os da nossa reconciliação com Deus e de estarmos
de bem com Deus, interpretamos mal o ensino bíblico sobre a salvação.
fim e leva a esse fim. Disso eu deduzo que não há nada que seja tão errado, e que
seja uma interpretação tão falsa das Escrituras, como separar a justificação da
santificação. As Escrituras ensinam que, primordialmente, a salvação envolve
uma correta relação com Deus; daí sempre se deve pensar na salvação, do
começo ao fim, em termos da santidade. E pois, completamente errado o homem
dizer que ele tem a justificação mas que ainda não entrou na santificação. Você
não pode estar justificado diante de Deus e depois decidir ser santificado. Não
existe nada mais perigoso e antibíblico do que a divisão ou separação
completamente ilógica destas duas coisas. A santidade é o princípio e o fim da
salvação; e a salvação, em sua totalidade, visa levar-nos a esse fim.
Por isso devemos começar sempre pela santidade, como fazem as Escrituras, e,
portanto, a pregação da santidade é parte essencial da evangelização. Dou ênfase
a este ponto porque existem certas idéias completamente diferentes acerca da
evangelização, algumas das quais de fato dizem exatamente o oposto. Há alguns
que afirmam que na evangelização o pregador não trata da santificação. Seu
único objetivo é “conseguir conversões”; depois é que se pode levá-los à
santidade. Todavia, que é a salvação? Ser salvo é estar corretamente relacionado
com Deus, e isso é santidade. O propósito geral da evangelização é,
primordialmente, dizer aos homens o que o pecado fez com eles, dizer-lhes por
que eles são o que são, isto é, que estão separados de Deus. É dizer-lhes que o
que eles necessitam acima de tudo mais, não é que os façamos sentir-se
felizes, porém, que os reconduzamos à correta relação com Deus, que é “luz, e
não há nele trevas nenhumas”. Mas isso significa pregar santidade. Separar estas
duas coisas, parece-me, é negar um ensino bíblico essencial. Temos que começar
pela santidade, e continuar com ela; porque ela é o fim para o qual fomos
escolhidos e libertados. Nunca devemos pensar que a santidade é algo em
que podemos decidir entrar; se você não é santo, não é cristão. Estas coisas são
próprias uma da outra. Cristo “para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção”. Não podemos dividir Cristo ou selecionar porções
dEle; ou você está em Cristo, no Cristo completo, ou não está “nele”. E se você
está “nele”, você é “santo”.
Além disso, visto que fomos escolhidos para a santidade, temos que ser santos, e
o seremos. Esta é uma declaração impressionante; no entanto, é necessariamente
verdadeira, à luz desta
Meu comentário final é que o ensino segundo o qual a escolha que Deus fez de
nós é somente “em Cristo” ou por causa de Cristo, longe de levar ao chamado
antinomismo, isto é, ao relaxamento na vida e no modo de viver, é o maior
incentivo à santidade. Muitos têm procurado argumentar que a doutrina sobre os
escolhidos leva os homens a dizerem “Se eu sou escolhido, tudo está bem,
não importa o que eu faça ou deixe de fazer”. Mas a coisa não funciona desse
jeito. Na verdade é precisamente o oposto que se dá, pela seguinte razão: uma
vez que o propósito de Deus é que sejamos santos, esse propósito será levado a
efeito. Significa que se Deus escolheu você para a salvação, Deus o fará santo.
Se você tolamente não quiser ser dirigido por Deus e atraído por Seu amor,
Ele empregará outro meio para torná-lo santo, visto que o escolheu. Esta verdade
é indicada pelo que lemos no capítulo 12 da Epístola aos Hebreus: “A quem o
Senhor ama, ele corrige” (versículo 6, VA). O homem que não está sendo
corrigido é um bastardo; não é filho de Deus. Que declaração momentosa! Deus,
que escolheu você para a santidade, vai torná-lo santo; e se a pregação do
evangelho não o fizer, Deus tem outros meios e métodos. Ele pode abater
você pela doença, pode arruinar os seus negócios. Deus o tornará santo porque o
escolheu para a santidade. O antinomismo é um absurdo. Se você foi escolhido
por Deus para a santidade e para ser irrepreensível, Ele o levará àquela condição;
se você O desafiar, bem, então, coisas terríveis poderão acontecer com você.
ADOÇÃO
“E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito de sua vontade.”
-Efésios 1:4
A palavra inicial deste versículo lembra-nos a sua íntima relação com o que a
antecede, onde vimos que o propósito da salvação é destruir a obra do diabo e
restaurar-nos, colocando-nos numa condição em que possamos estar de novo
diante de Deus, santo e irrepreensíveis em amor, e ter comunhão com Ele como
Adão tinha antes da Queda. Mas a coisa não pára aí. Neste versículo 5 o apóstolo
nos leva a algo ainda mais glorioso. É como se estivéssemos subindo as escadas
de uma alta e maravilhosa torre. Chegamos a uma espécie de plataforma e temos
uma vista gloriosa, parecendo impossível existir algo mais grandioso. Poder-se-
ia pensar que não se poderia acrescentar mais nada à declaração anterior; no
entanto o apóstolo lhe acrescenta algo, e o faz porque sente que não nos
tinha falado tudo sobre “as abundantes riquezas” da graça de Deus. Por isso
prossegue, e nos fala de mais uma verdade, a saber, que Deus “nos predestinou
para filhos de adoção”. Não somente estamos diante de Deus, estamos diante
dEle como Seus filhos, como Seus filhos adotivos.
A próxima questão que deve prender a nossa atenção é ver que o apóstolo
introduz uma novas expressão. No versículo anterior ele dissera: “Como também
nos elegeu”; porém agora ele escreve em termos de que Deus “nos predestinou”.
Tratar-se-ia apenas de uma distinção, sem qualquer diferença? A resposta é que
não é isso. O apóstolo não está simplesmente se repetindo, empregando
uma ligeira variação; está realmente dizendo algo novo, algo diferente. Há uma
importante diferença entre “elegeu” e “predestinou”. “Predestinar” significa
determinar de antemão, declarar de antemão. Com esta expressão o apóstolo
quer dizer que este foi o plano supremo de Deus; refere-se ao plano
propriamente dito. “Eleger” ou “escolher”, por outro lado, salienta o meio ou o
método ou o modo pelo qual esse plano foi posto em operação e foi executado.
Permitam-me ilustrar o ponto. Se você disser que alguém é filho adotivo, estará
dizendo que ele não tem relação de sangue com determinado homem e
determinada mulher. Ele não tem uma ligação natural com eles, mas foi adotado
legalmente por eles; ocupa o lugar de filho deles, embora não participe de fato
da sua natureza. É essa distinção que o apóstolo emprega aqui, e obviamente é
uma distinção importante. A natureza do cristão como novo homem em Cristo,
como filho, é determinada, não pela adoção, e sim pela regeneração. Tornamo-
nos filhos de Deus porque nascemos de novo, porque nos tornamos
“participantes da natureza divina”, porque o Espírito Santo entra em nós, porque
nascemos de cima, porque somos uma nova criação. Recebendo isso, nós nos
tornamos filhos de Deus. Mas isso não é comunicado pelo termo “adoção”,
termo que não coloca ênfase na natureza que temos em comum,
porém, inteiramente no lugar legal ocupado, na categoria, na posição, assim
como nos privilégios provenientes dessa posição. Noutras palavras, pode-se
definir adoção como proclamação da nova criatura em sua relação com Deus
como Seu filho. Pela adoção, então, nos tornamos filhos de Deus, e nos são
apresentados e dados os privilégios pertinentes à categoria de membros da
família de Deus.
De novo alguém poderá perguntar: “Por que o apóstolo introduz este termo, e
qual é exatamente a diferença entre ele e a regeneração; por que ele diferencia e
distingue entre eles?” A resposta nos é dada no capítulo 4 da Epístola aos
Gálatas, versículos 1 a 5. O argumento do apóstolo corre assim: “Digo, pois, que
todo o tempo que o herdeiro é menino em nada difere do servo, ainda que
seja senhor de tudo; mas está debaixo de tutores e curadores até ao tempo
determinado pelo pai. Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos
reduzidos à servidão debaixo dos primeiros rudimentos do mundo, vindo, porém,
a plenitude dos tempos, Deus
enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei... a fim de recebermos a
adoção de filhos”. Observem a distinção que Paulo traça. Um menino nasce de
seus pais e tem em si a natureza de seus pais; e por causa disso ele é, num
sentido, “senhor de tudo”. Mas, enquanto ainda é criança, ele é pouco diferente
de um servo. Na verdade, ainda está sob tutores, serviçais que podem corrigi-lo
e puni-lo, e que podem ensiná-lo. Eles parecem superiores a ele e, como criança,
ele pode ter esse tutor ou esse servo especial. Ele é um verdadeiro filho; não é
filho adotivo, porém, não tem idade. Mas a “adoção” significa que quando a
criança chega à maioridade, é feita uma declaração concernente ao seu status e à
sua posição como herdeiro ou herdeira. Não é agora mais filho do que
antes, entretanto há igualmente uma diferença. O filho agora ocupa um certo
lugar, e a sua relação com os que o dirigiam e com os mestres tornou-se
diferente. Agora eles o tratam de “senhor”. Num sentido fundamental, a sua
relação com os seus pais não mudou; no que se refere a seu sangue e à sua
natureza, permanece exatamente o que era. Todavia, do ponto de vista da
categoria e da posição legal, ele está numa posição diferente.
Agora podemos^ ver por que o apóstolo usa este termo em particular, “adoção”.
É como se ele não se contentasse em dizer que nos tornamos filhos de Deus pelo
segundo nascimento, ele quer que nos demos conta do lugar que ocupamos, e de
quais são a nossa categoria e os nossos privilégios. Aí está por que é tão
difícil entender a razão dos responsáveis pela tradução dada na Versão Padrão
Revista (“RSV”) deixarem de fora o termo. O entendimento teológico e o
entendimento espiritual evidentemente são tão importantes na obra de tradução
como a proficiência lingüística, e são comprovadamente mais importantes.
Passemos então a considerar algo dos privilégios da nossa posição como filhos
de Deus. Que possamos gozá-los é a finalidade principal e suprema da redenção.
Não há nada que lhe seja mais elevado. A nossa adoção é a mais elevada
expressão do próprio amor de Deus. Falo cautelosamente e com reverência
quando afirmo que esta declaração apostólica e as declarações paralelas que se
encontram no capítulo 8 de Romanos e no capitulo 4 da Epístola aos Gálatas são
a mais elevada expressão do amor onipotente de Deus. Não existe nada mais
elevado, como o deixa claro a maneira pela qual o apóstolo João o expõe: “Vede
quão grande amor nos
tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos de Deus” (1 João 3:1). Não
há nada no mundo que lhe seja comparável. O mundo está muito interessado em
grandeza e louvor, está muito interessado nos grandes homens. Ele louva os
grandes homens e os honra efusivamente.. Ele fala em posições privilegiadas e
em status, categoria, honorabilidade. Mas tudo o que o mundo conhece
neste sentido é decadente e transitório. “Mudança vejo em tudo, e corrupção.”
As honras do mundo são decadentes, só duram enquanto você está nesta vida e
neste mundo. Você não pode levá-las consigo através da morte e da tumba. O
modo de ser deste mundo é passageiro. O que o nosso Senhor disse acerca destas
coisas e de tais pessoas foi: “Em verdade vos digo que já receberam o seu
galardão” (Mateus 6:5). Que desfrutem o máximo que puderem disso enquanto
estiverem neste mundo.
Vejam o rico e Lázaro; que contraste! O rico tem tudo o que o mundo pode dar -
alimento, bebida, honra e posição. Mas na morte ele vê que não tem nada,
enquanto que o pobre Lázaro, o mendigo que jazia à sua porta neste mundo,
cheio de chagas, tem tudo no outro mundo. O mundo presente nada sabe da
verdadeira honra e da riqueza verdadeira. Não as entende nem as aprecia. Diga a
um homem do mundo que ele pode tornar-se uma criança, um filho de Deus, e
nada significará para ele. Ele não está interessado no que ele chama castelos no
ar, e não os entende. O mundo não compreendeu o Filho de Deus quando Ele
esteve aqui; repudiou-O vendo nEle apenas o carpinteiro; não viu glória
nenhuma nEle. Todavia os Seus fiéis discípulos O entenderam, e diziam com
João “Vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e
de verdade” (João 1:14). Eles viram refulgir a glória apesar de Ele ter assumido
a forma de servo. Esta glória continuou a transparecer; e eles a viam. Alguns
deles a viram no Monte da Transfiguração, e a viram noutros lugares. E a glória
que pela adoção é dada aos filhos de Deus é semelhante àquela glória. Como diz
o escritor de hinos:
O mundo não conhece os seus verdadeiros grandes homens, os seus reais heróis.
Os nossos livros de história indicam que os homens aos quais o mundo dá
recompensas, geralmente não têm valor, no sentido espiritual, ao passo que os
homens verdadeiramente grandes foram objetos de riso, foram ridicularizados
em
A glória que Deus dá é invisível, mas é real, porque é dada por Ele. Permitam-
me mencionar algumas das suas manifestações nos privilégios que nos são dados
como filhos adotados por Deus. O primeiro é que levamos o nome de Deus;
somos filhos de Deus, somos membros da Sua família. Paulo nos lembra isso no
final do capítulo 2 desta Epístola - somos “da família de Deus”. Você
está acabrunhado, você se sente ignorado, você está desanimado com o fato de
que o mundo não o conhece? Você acha que não é importante, e que não importa
o que os homens lhe façam? Deixe que eles o desprezem, o rejeitem e o
ignorem, bem como a tudo o que você faz; ignore-os, e cante com Horatius
Bonar:
Você é filho de Deus; o nome de Deus está sobre você, o “novo nome” de Cristo,
na expressão do livro de Apocalipse. Seu novo nome é escrito em você, e se
você se sentir desprezado e estiver acabrunhado, junte-se ao escritor de hinos na
oração:
Seu novo nome já está lá; Deus mesmo o escreveu porque Ele adotou você. Você
tem direito legal a ele, pode reivindicá-lo. Assim, alce o seu coração e obedeça à
exortação de John Cennick:
Erga a cabeça, você tem a glória da qual o mundo nada sabe, glória que jamais
se desvanecerá. É indestrutível e imaculada.
Dom que o Pai nos concedeu - A nós, filhos dos homens, pecadores -Chamar-
nos filhos de Deus!
Pois bem, dado sermos filhos, somos “herdeiros de Deus e co-herdeiros com
Cristo” (Romanos 8:17, ARA). Se você está interessado em honras e posses,
veja que, devido você ser filho de Deus, é um herdeiro de Deus. A adoção
confere o direito legal à propriedade. Somos “herdeiros de Deus e co-herdeiros
com Cristo”. “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino
dos céus”; “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra” (Mateus
5:3,5).
Escrevendo aos Coríntios, o apóstolo vai além e diz: “Não sabeis vós que os
santos hão de julgar o mundo?”, e logo acrescenta: “Não sabeis vós que havemos
de julgar os anjos?” (1 Coríntios 6:2-3). Fomos destinados a julgar os anjos
porque somos filhos de Deus. Somos superiores aos anjos. Eles são apenas
“espíritos ministradores”. Haverá um dia em que estaremos julgando os anjos de
Deus em todo o seu brilho e pureza. Seremos elevados a esse nível porque
somos filhos de Deus. Esse é o grande argumento do capítulo 2 da Epístola aos
Hebreus. Cristo foi feito por algum tempo um pouco menor do que os anjos; mas
Deus nos elevou a um nível mais alto que o dos anjos. Você se apercebe destes
privilégios? Se nos apercebêssemos, nunca seriamos culpados de um espírito
de escravidão e temor. Teríamos em nós este “Espírito de adoção”? Clamamos
“Aba, Pai”? Acaso compreendemos estas coisas e nos regozijamos nelas? Esse é
o teste pelo qual se prova se somos guiados pelo Espírito. “Porque todos os que
são guiados pelo Espírito de Deus”, afirma Paulo em Romanos 8:14, “estes são
filhos de Deus”.
1
Prefiro “pré-conhecimento” a “presciência” (ARA, ARC, Bíblia de Jerusalém etc.), porque,
mormente nos tempos atuais, o leitor desavisado pode associar o termo “presciência” com a idéia de
ciência , e não de conhecimento. Aliás, entre os sentidos de “presciência” consta o de “ciência inata”
(Aurélio), “ciência do futuro” (Juca Filho), “ciência do porvir” (Caldas Aulete). Grego: prognosis.
Nota do tradutor.
2
“Children” no original, termo que primariamente significa “crianças” e secundariamente “filhos”.
Nota do tradutor.
10
SUPERIOR A ADÃO
“E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça, pela
qual nos fez agradáveis a si no Amado. ” - Efésios 1:4
Não se pode ler o Novo Testamento sem que veja que logo no início da história
da Igreja os erros começaram a insinuar-se, começaram a surgir heresias, e
alguns se desviaram em sua doutrina e entenderam mal certos aspectos da
verdade. Pode-se dizer, na verdade, que, em sua maior parte, as Epístolas do
Novo Testamento foram escritas para corrigir os mal-entendidos e os erros; e é
por isso mesmo que nós estamos considerando estas coisas. Ainda estamos na
mesma situação. O nosso interesse nestas coisas não é meramente teórico. Isso
mesmo o apóstolo nos faz lembrar na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo
15, versículo 33, dizendo que “as más conversações corrompem os bons
costumes”, com o que ele quer dizer que, se nos desviarmos em nossa doutrina, a
nossa vida acabará por desviar-se também. Não podemos separar o que o homem
crê do que ele é. Por essa razão a doutrina é vitalmente
importante. Certas pessoas dizem ignorantemente: “Não acredito em doutrina;
acredito no Senhor Jesus Cristo, sou salvo, sou cristão e nada mais importa”.
Falar desse jeito é cortejar desastre, e por esta razão: o próprio Novo Testamento
nos adverte desse perigo. Temos que nos guardar do perigo de sermos “levados
em roda por todo o vento de doutrina”, pois, se a sua doutrina se desviar, logo a
sua vida sofrerá também. É, pois, necessário que estudemos as doutrinas para
nos protegermos de certos ensinos errôneos e heréticos que são tão numerosos e
comuns no mundo atual como o foram nos dias da Igreja Primitiva.
É corrente a idéia de que Deus é o Pai de todos, que, portanto, todos são filhos
de Deus, e aquilo que o evangelho ressalta muito - especialmente na
apresentação que os evangélicos fazem dele - a respeito da necessidade da morte
de Cristo na cruz, é completamente desnecessário e não passa de um tipo de
legalismo judaico. O ensino de que falo assevera que os judeus, como muitos
outros povos primitivos, acreditavam que os deuses tinham de ser aplacados por
meio de sofrimentos; mas, naturalmente, isso tudo não tem a mínima relação
com o único Deus vivo e verdadeiro, que é amor. Os propugnadores desses
ensinos afirmam que, se tão-somente entendêssemos apropriadamente o ensino
do Novo Testamento, saberíamos que Deus é nosso Pai e que Ele é o Pai de
todos os homens. Não há necessidade de se falar em conversão e regeneração e
novo nascimento, e de se fizer que a cruz é absolutamente vital e central. Todos
são filhos de Deus, argumentam eles, e Deus é um Pai amoroso. Considerar o
pecado com demasiada seriedade é mórbido e nada saudável, e não passa de
restos do legalismo judaico. Se pecarmos, nosso Pai nos perdoará gratuita e
imediatamente. Não precisamos incomodar-nos com essas coisas; pois, sendo
todos os homens filhos de Deus, todos vão para o céu. Todas as advertências
acerca do inferno, do castigo, da retribuição, dizem eles, devem ser banidas de
nossas mentes e da nossa terminologia. Devemos livrar-nos, uma vez por todas,
das idéias legalistas que especialmente o apóstolo Paulo inseriu enganosamente
no original e primitivo evangelho de Cristo, sendo este nada mais que a
elaboração do tema único segundo o qual Deus é nosso Pai e que Deus ama
todos os homens.
Os que sustentam tais idéias não se limitam meramente a fazer
declarações; tentam comprovar pelas Escrituras o que eles dizem. Eles assinalam
que o próprio apóstolo Paulo, pregando sobre Deus aos atenienses, disse:
“Somos também sua geração”; e então eles perguntam: “Isso não é suficiente?”
Além disso, dizem eles, lemos na Epístola aos Hebreus, capítulo 12, versículo 9:
“Não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?” Aí,
dizem eles, está uma afirmação de que Deus é o Pai de todos os espíritos, dos
espíritos de todos os homens. Depois nos é dito na Epístola de Tiago, capítulo
primeiro, que Deus é o “Pai das luzes”, o que significa que Ele é o Pai da luz que
há em todo homem. Eles lançam diante de nós essas afirmações e nos desafiam a
contestá-las.
Contestamos dizendo que, certamente, ninguém pode ler a Bíblia, ainda que de
modo superficial, sem ver claramente que ela ensina que há uma divisão
fundamental e central da humanidade em dois grupos. Há os que pertencem a
Deus, e há os que não pertencem a Deus, existem pessoas que são de Deus, e
pessoas que estão fora da Sua aliança, existem os bons e os maus, os salvos e os
perdidos, os que vão para a bem-aventurança eterna, e os que vão para a
perdição eterna.
Essa divisão começa com Abel e Caim, continua com os que foram salvos do
Dilúvio na arca e os que se perderam - a família de Noé e todo o resto do mundo.
Depois vemos essa divisão em Abraão e todos os seus descendentes, em
distinção de todas as outras nações. Vemo-la no ensino concernente ao caminho
largo e ao caminho estreito, e também a vemos numa variedade de metáforas.
Essa divisão percorre nitidamente todas as Escrituras, até que no livro de
Apocalipse vemos os que estão dentro da cidade celestial, em contraste com os
que estão fora, com os cães e com os destinados à perdição. Como, porém,
conciliar isso com as declarações anteriormente citadas de Atos, capítulo 17, e
de outras passagens? A resposta, como já vimos anteriormente, é que Deus é
o Pai de todos os homens no sentido de que Ele é o Criador de todos os homens.
Ele é o originador da humanidade toda; e quando nos é dito que todos nós somos
“sua geração”, quer dizer que todos nós somos produto da Sua obra, da Sua
atividade; somos todos produto da Sua criação. E é nesse sentido que Ele é “o
Pai dos espíritos”.
Mas não vamos ficar nisso; há declarações específicas das Escrituras que
expõem a divisão ainda mais fortemente. Deus, no Velho Testamento, diz
repetidamente dos filhos de Israel: “Israel é meu filho” (e.g., Êxodo 4:22). Ele
não descreve outros povos como Seus filhos. Vejam depois a declaração que
temos nesta mesma Epístola, onde Paulo diz: “Entre os quais todos nós também
antes andávamos nos desejos da
confrontados com as palavras: “Nunca vos conheci: apartai-vos de mim, vós que
praticais a iniqüidade” (Mateus 7:23).
O apóstolo faz cuidadoso uso das palavras. Notem que, quanto à nossa
santidade, ele afirma que estamos “nele”, mas, quanto à adoção, ele diz “por
Jesus Cristo”. É em decorrência da minha união com Cristo, ou por meio da obra
realizada por Cristo que eu recebo a adoção e me torno filho de Deus. Noutras
palavras “por meio de” ou “por” ressalta a obra que Cristo realizou, as coisas
que Ele teve que fazer antes de eu vir a ser filho.
Para expormos esta verdade ainda mais explicitamente, precisamos ver com
clareza que não somos deuses; não nos tornamos divinos, nesse sentido. Apesar
de ser verdade que somos participantes da natureza divina, continuamos sendo
seres humanos. O Senhor Jesus Cristo é a “Substância da Substância eterna”,
“Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus”. 1 Ele é essencialmente diferente de nós;
todavia fomos adotados e introduzidos na família. É impossível compreender
isso; mas é importante que o reconheçamos, porque às vezes certas pessoas
que têm ensinado erroneamente que cristãos se tornam deuses, se
tornam divinos. Não há ensino disso nas Escrituras. O lugar que ocupamos,
a nossa posição, a nossa classe é de filhos adotivos. Há um sentido em
que podemos chamar o Senhor Jesus Cristo nosso Irmão, porém, devemos fazê-
lo com cautela. Ele é eternamente o Filho de Deus que assumiu a natureza
humana. Nós somos humanos, adotados como membros da família de Deus, e
recebemos os privilégios, a posição e o status próprios da filiação.
pertence esta filiação? Diz o apóstolo Paulo: “E nos predestinou para filhos de
adoção por Jesus Cristo, para si mesmo”. Aplica-se a todos os cristãos, ou
somente a alguns cristãos? Levanto esta questão porque há um ensino de que
nem todos os cristãos se tornam filhos de Deus, que essa adoção só se refere a
alguns. Diz este ensino que todos os cristãos são “crianças” de Deus, mas
somente certos cristãos especiais se tornam “filhos de Deus”. Há alguns anos foi
dada notoriedade a esse ensino por certas pessoas que se arrogavam um grau de
santidade incomum, uma peculiar profundidade de instrução doutrinária.
Elas alegavam que tinham avançado mais que os outros cristãos e que, portanto,
tinham direito de separar-se dos outros por causa da profundidade do seu
conhecimento doutrinário. O ensino delas era que, enquanto que todos os
cristãos são crianças,2 nem todos os cristãos se tornam filhos. Iam além e
ensinavam que somente os filhos terão parte na “primeira ressurreição”.
Somente eles têm direito de estar “com Cristo” As crianças (a prole cristã em
geral, diziam aquelas pessoas, não estarão com Cristo, serão deixadas na terra;
mas os filhos estarão com Cristo sempre, e gozarão Sua glória de maneira
excepcional. Trata-se de um ensino que separa os cristãos em “crianças” e
“filhos”.
As bases deste ensino errôneo eram como segue. Seus propugnadores diziam que
na Versão Revista Inglesa (“RV”) a tradução de Mateus capítulo 5, versículo 9
diz: “Bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados/í7/zíw de
Deus”. Depois, no versículo 45 de Mateus capítulo 5, é dito aos cristãos que
amem os seus inimigos, “para que sejais filhos do vosso Pai que está no céu”.
Igualmente em Lucas 20:36 nos é dito que os cristãos “são filhos de Deus, sendo
filhos da ressurreição”.3 Também alegam que nos capítulos 3 e 4 de Gálatas
há diferença entre os santos do Velho Testamento e os filhos do Novo,
que somente estes últimos são chamados filhos no sentido mais elevado. À luz
do ensino das Escrituras propriamente dita, aquela doutrina é totalmente falsa.
Realmente não temos necessidade de ir além deste versículo 5 deste capítulo
primeiro da Epístola aos Efésios: “E nos predestinou para filhos de adoção”. O
apóstolo está claramente se referindo a si próprio e a todos os cristãos aos quais
estava escrevendo, membros das igrejas de Éfeso e Colossos e a várias outras
igrejas às quais esta carta
circular estava sendo enviada. Ele não diz: “predestinou a certo número dentre
nós”, “predestinou a uns poucos elementos seletos dentre nós”, para adoção de
filhos por Jesus Cristo para si mesmo”. O que ele diz é “E nos predestinou” - a
todos os cristãos, sem nenhuma divisão, sem nenhuma distinção.
Há, no entanto, uma declaração mais notável ainda no capítulo 3 da Epístola aos
Gálatas, versículo 26, na tradução da Versão Revisada Inglesa: “Pois todos vós
sois filhos de Deus, pela fé em Cristo Jesus”. Todos filhos de Deus pela fé! E de
novo em Gálatas, e capítulo 4: “Pelo que já não és mais servo, mas filho; e se
filho, 5 logo também herdeiro de Deus por meio de Cristo”. Exatamente o
mesmo é o argumento da Epístola aos Romanos, onde Paulo usa a palavra
“criança”.
Mas talvez a prova final do erro total do referido ensino seja a que se acha nos
escritos do apóstolo João. No Evangelho e nas suas Epístolas, ele nunca emprega
a palavra “filhos”; sempre usa a palavra “crianças”. Às vezes a Versão
Autorizada traz “filhos”, porém é um erro. A palavra que João usa no original é
sempre “crianças”. Claramente se vê que o apóstolo João estava ciente da
distinção à qual o falso ensino de que falamos dá tanta ênfase.
Como o diabo é astuto! Ele vem como anjo de luz e traça divisões e distinções
que não se vêem nas Escrituras. Ele confunde os cristãos e os ilude, levando-os a
imaginar que eles têm algo superior, algo esotérico, algo que só é entendido
pelos poucos especiais e que não
se pode ensinar à maioria dos cristãos porque não estão preparados para recebê-
lo. Quão importante é que leiamos com cuidadosa atenção as Escrituras! “E nos
predestinou para filhos de adoção”. Todos os cristãos são filhos de Deus;
compartilham os mesmos privilégios na terra, e gozarão os mesmos privilégios
no céu, e por toda a eternidade. Não existe nenhuma dessas graduações. Graças a
Deus, todos nós somos, pela graça de Deus em Cristo, filhos de Deus na mesma
posição privilegiada.
Os cristãos estão “em Cristo”. Nesta qualidade, fomos elevados a um nível mais
alto que o de Adão. Embora perfeito, Adão estava sujeito a cair e fracassar;
todavia - e o digo com reverência e para a glória de Deus - os que estão “em
Cristo” jamais poderão cair definitivamente, jamais se perderão. “Ninguém as
arrebatará da minha mão” (João 10:2829). Cristo, em Sua obra, não somente
desfez os trágicos resultados da Queda, não somente riscou os nossos pecados;
Ele promoveu a nossa posição. “Onde o pecado abundou, superabundou a
graça”, declara Paulo em Romanos 5:20. Isaac Watts, numa grandiosa estrofe
lamentavelmente muitas vezes deixada fora de seu hino que começa com as
palavras, “Jesus reinará onde quer que o sol...”, diz:
Eis que as tribos de Adão se gloriarão Em mais bênçãos que as que seu pai
perdeu.
11
A GLÓRIA DE DEUS
“Para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no
amado.” -Efésios 1:6
Deus fez por nós tudo o que estivemos considerando, e tudo o que o apóstolo
passa a dizer-nos, “segundo o beneplácito de sua vontade” (versículo 5). Ele não
foi movido a fazer isso tudo por algo existente em nós; é tudo inteiramente dEle
próprio. A salvação não é segundo o desejo ou pedido do homem. A salvação
não é uma resposta de Deus a algo existente no homem; é inteiramente de Deus.
Ele foi movido por Sua graça, misericórdia e compaixão. O apóstolo estivera
dando ênfase a esta verdade; e agora ele passa a dar-nos a razão pela qual Deus
agiu dessa maneira. Aqui temos o grande motivo que está por trás da redenção, o
propósito supremo na mente e na sabedoria de Deus, que leva a todas as bênçãos
resultantes deste grande propósito de salvação. O motivo supremo é “para louvor
e glória da sua graça”. É tudo para a glória de Deus.
Mas o que é espantoso, na verdade quase incrível, é que Deus teve o propósito
de revelar essa glória em nós e por meio de nós. Fomos escolhidos para sermos
santos, e para filhos de adoção, para que fôssemos “para louvor e glória da sua
graça”. Notem como todas estas declarações são inter-relacionadas, e como
todas elas, separadamente e juntas, destinam-se ao “louvor e glória da
sua graça”. O apóstolo nos mostra como devemos considerar-nos a nós mesmos
à luz disso tudo, e como devemos reagir a tudo isso. Não existe prova mais
completa da nossa profissão de fé cristã do que a nossa atitude para com estas
coisas. Acaso corresponde aos termos que as Escrituras sempre usam quando
fazem referência a algum aspecto do plano de redenção? A Bíblia sempre se
refere ao advento do Filho de Deus a este mundo em termos emocionantes.
Os profetas do Velho Testamento sobem às maiores alturas quando profetizam a
vinda do Filho de Deus a este mundo. Pensem, por exemplo, como Isaias escreve
sobre isso e sobe às maiores culmi-nâncias no capítulo 40 do seu livro.
Recordamos também a descrição que Isaias faz do que aconteceu quando ele foi
chamado para o seu ofício profético. Foi-lhe dada a visão de um templo que “o
séquito” do Senhor enchia, e ele diz: “E os umbrais das portas se moveram com
a voz do que clamava, e a casa se encheu de fumo” (Isaias 6:1-4). A glória do
Senhor manifestou-se a ele, e ele disse: “Sou um homem de lábios impuros”; a
experiência o deixou completamente humilde.
Mas é quando chegamos ao Novo Testamento que vemos este elemento com
maior clareza. No lírico anúncio da encarnação feito aos pastores quando eles
guardavam os seus rebanhos de noite, vemos que de súbito se ouviu uma
multidão dos exércitos celestiais que louvavam e diziam: “Glória a Deus nas
alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens”. Observem a ordem.
Nasceu o Salvador, o Menino, na manjedoura da estrebaria de Belém; entretanto
o responso dos exércitos celestiais foi: “Glória a Deus nas alturas”, e só depois
disso, “paz na terra, boa vontade para com os homens”. No momento em que se
menciona a salvação, a glória de Deus é que fica mais proeminente. A salvação a
revela mais que qualquer outra coisa, e não admira que Paulo escreva a
Timóteo dizendo que o que lhe fora confiado é “o evangelho da glória do Deus
bendito”. Escrevendo aos Coríntios, ele diz: “Deus, que
E dessa maneira que devemos pensar em nossa salvação. Será que ela nos enche
de um sentimento de encanto, louvor e admiração? Compreendemos que fomos
chamados “para louvor e glória da sua graça”? Assim como o principal elemento
do pecado é que não damos a Deus a glória devida a Seu nome, assim o
principal quanto à salvação deve ser que ela nos leva à percepção da glória
Mas o que estou acentuando é que em nossa redenção no Senhor Jesus Cristo,
vemos a glória de Deus em seu auge. Em primeiro lugar , é na redenção que
vemos mais plenamente a sabedoria de Deus. Vê-se isso, repito, na natureza e na
história, porém para vê-lo em sua glória genuína vocês terão que vê-lo “na face
de Jesus Cristo”.
Acima de tudo mais, porém, a glória de Deus nos foi revelada em Sua graça.
Deve surgir em nossas mentes a questão sobre por que, em vista da nossa
rebelião, arrogância e pecado, Deus faria algo pelo nosso bem. A resposta acha-
se em Sua graça; e vocês nada saberão disso, enquanto não o virem “na face de
Jesus Cristo” e na graça que dela flui. Foi em vista disso que Samuel
Davies bradou em seu grandioso hino:
Mas as fulgentes glórias da Tua graça Resplendent sem rival, e muito mais!
Ainda mais assombroso, em certo sentido, é o fato, ao qual já fiz alusão, de que a
glória de Deus deve revelar-se finalmente em nós e por meio de nós. Deus nos
escolheu para a santidade, predestinou-nos para filhos de adoção, com essa
finalidade. Fazendo de nós Seus filhos, fazendo-nos santos, Deus revela a glória
da Sua santidade. Notem como Paulo expõe isso no capítulo 3, versículo 10,
desta Epístola: “Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja
conhecida dos principados e potestades nos céus”. O apóstolo Pedro diz, à sua
maneira: “para as quais coisas os anjos desejam bem atentar”. Eles não
entendem bem o assunto, mas “atentam bem” para ele. “Todas as minhas coisas
são tuas, e as tuas coisas são minhas”, diz o nossos Senhor ao Pai no
Evangelho Segundo João, capítulo 17; “e nisso sou glorificado” (versículo
10). Diz Ele também: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para
que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”
(Mateus 5:16). Fomos chamados “para louvor e glória da sua graça”. Devemos
viver e conduzir-nos de tal
maneira que quando os homens e as mulheres nos virem eles sejam compelidos a
dizer: “Que Deus glorioso! Nada pode explicar essas pessoas, salvo a glória de
Deus onipotente”.
Como devemos ver a nós mesmos à luz destas verdades todas? Eis a resposta do
apóstolo: fomos chamados. Sabemos que Ele “nos fez agradáveis a si no
Amado”. Desafortunadamente, a Versão Revista Inglesa (“ERV”) e a Versão
Padrão Revista (“RSV”) (como também a ARA) perderam completamente o
rumo em sua tradução aqui. Dizem elas: “Para louvor da glória da sua graça (da
sua gloriosa graça) que ele nos concedeu gratuitamente no Amado”. A tradução
da Versão Autorizada diz: “nos fez aceitos no Amado”. Essa tradução chega
mais perto do que o apóstolo escreveu, mas mesmo aí não aparece o verdadeiro
sentido. A palavra que o apóstolo usou aqui é a mesma utilizada no Evangelho
Segundo Lucas, capítulo primeiro, 28: “E, entrando o anjo aonde ela estava,
disse: salve, agraciada; o Senhor é contigo: bendita és tu entre as mulheres” (VA:
”... Salve, tu que és altamente favorecida...”). A referida palavra é a que significa
“altamente favorecida”. Portanto, devemos traduzi-la exatamente da mesma
maneira nesta Epístola, e dizer: “Para o louvor da glória da sua graça, sabemos
que ele nos favoreceu altamente no Amado”. Certamente é esse o sentido que
o apóstolo estava interessado em comunicar! Com relação a nós ele usa á mesma
palavra que o arcanjo acerca da virgem Maria: “Salve tu que és altamente
favorecida”. Significa que, dentre todas as mulheres, Deus escolheu Maria para
que por ela nascesse o Seu Filho. Ela fora criada para isso, para que o Filho de
Deus nascesse do seu ventre.
O apóstolo fala de maneira semelhante a nosso respeito. Ele já nos dissera que
fomos predestinados para a adoção como filhos. Todavia é até mais grandioso do
que isto! Não somente fomos feitos filhos de Deus, mas Cristo vem estar dentro
de nós - “Cristo em vós, esperança da glória” (Colossenses 1:27). Como Ele
estivera fisicamente em Maria, assim Ele está espiritualmente em cada um de
nós, que somos filhos de Deus. “O Santo, que de tí há de nascer, será chamado
Filho de Deus” (Lucas 1:35). Sim, e visto que somos participantes da natureza
divina, Cristo, por assim dizer, nasceu em nós, e assim como Maria, somos
“altamente favorecidos”. Deus nos elegeu, não sabemos por que, mas sabemos,
sim, que isto significa que somos “altamente favorecidos”. Deus, em Sua infinita
sabedoria, e em Seu infinito amor, graça e misericórdia, antes da fundação
Por que sou o que sou como cristão? Há somente uma resposta: porque fui
“altamente favorecido” pela graça de Deus. A Ele dou toda a glória - “Aquele
que se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Coríntios 1:31). Seria assim que você vê a
sua salvação? Você está dando a Deus toda a glória, ou está reservando um
pouco para você? Você anda dizendo que é a sua fé que o salva? Se é o que faz,
você o está fazendo em detrimento a glória de Deus. A glória é inteiramente dEle
- “para o louvor da glória da sua graça, pela qual ele nos favoreceu altamente no
Amado”.
12
“NO AMADO”
“Para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no
amado.” - Efésios 1:6
vez de dizer “para o louvor da glória da sua graça, pela qual nos fez aceitos no
Senhor Jesus Cristo” (VA), ele diz, “pela qual nos fez aceitos no Amado”.
Devemos indagar por que o apóstolo variou os termos. Podemos ter toda a
certeza de que não foi acidental. Ele está escrevendo sob a inspiração do Espírito
Santo, de modo que nada que ele faz é acidental. Ele estivera usando as
expressões “Jesus Cristo”, “O Senhor Jesus Cristo” e “Cristo”, mas de repente
fala “no Amado”. Por quê? Ao passarmos a considerar isto, lembremo-nos de
que quando lemos as Escrituras nunca devemos considerar coisa alguma como
ponto pacífico; devemos estar sempre vivos e alertas, e sempre prontos a fazer
perguntas. Quão facilmente podemos perder as grandes bênçãos que se acham
logo na introdução de uma Epístola como esta, simplesmente por passar
ligeiramente pelos termos, como se eles não fossem importantes! O apóstolo
diz deliberadamente “no Amado”, e não “no Senhor Jesus Cristo”, nem “em
Jesus Cristo”, nem “em Cristo”. Ele o faz, opino eu, porque está interessado em
assinalar toda a sua força e intensidade - o que, afinal de contas, é o que há de
mais maravilhoso acerca desta grande salvação. É glorioso e maravilhoso eu e
vocês sermos feitos santos; é igualmente maravilhpso que, pela adoção, sejamos
transformados em filhos de Deus. É quase incrível, mas não obstante, é verdade
que é por meio de pessoas como nós que Deus vai finalmente mostrar aos
“principados e potestades nos lugares celestiais” a Sua multiforme sabedoria; é
pela Igreja que Ele planeja manifestar a glória da Sua sabedoria. Entretanto o
mais maravilhoso acerca desta salvação é o modo pelo qual Deus fez tudo isso.
Ele o fez, diz o apóstolo, chegando ao ponto culminante do seu clímax:
“no Amado”.
Observemos a sua ênfase. Esta é a chave que nos introduz em todo o mistério da
encarnação, e de tudo quanto Deus fez em Seu Filho. É “no Amado”. A primeira
mensagem que esta frase nos transmite é acerca da Pessoa do Senhor Jesus
Cristo. É a maneira pela qual Paulo nos lembra que Jesus Cristo é o Amado
Filho de Deus, “O Filho unigênito” de Deus. É isso que torna o cristianismo e
a salvação contida nele, único, separado e diferente de tudo mais. Ele não é o
registro das tentativas feitas pelo homem para subir a Deus e para encontrar
Deus; é o registro do que Deus fez, especialmente do que fez por meio de Seu
Filho unigênito. “O Amado” é a
expressão sempre utilizada para dar ênfase a esta verdade. Vemo-la, por
exemplo, em conexão com o batismo do nosso Senhor. Veio uma voz do céu que
dizia: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo: escutai-o” (Mateus
17:5). Cada vez que, por assim dizer, o véu do céu é recuado um pouco, e é dado
ao homem um vislumbre da glória eterna mediante o Filho, a expressão
empregada é essa.
Vimos também que, como resultado de havermos sido feitos santos, e da nossa
adoção como filhos, devemos viver “para o louvor da glória de Deus”. E o
mundo deve ver algo da glória de Deus em nós e por meio de nós. Mas a glória
de Deus se manifestou em sua plenitude e intensidade na Pessoa de Seu Filho, “o
Amado”. O autor da Epístola aos Hebreus expressa-o com as
palavras: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de
muitas maneiras, aos pais pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo
Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo. O
qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e
sustentando todas as coisas, pela palavra do seu poder, havendo feito por si
mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas
alturas” (1:1-3). O nosso Senhor é “o resplendor da glória de Deus”, é
a “expressa imagem da Pessoa de Deus”. Portanto, o que nos é dito
aqui é que a nossa redenção foi realizada, e foi possibilitada, porque Deus
enviou a este mundo o Seu Filho amado, o resplendor da Sua glória e a expressa
imagem da Sua Pessoa, o fulgor, a reful-gência da glória, da majestade e do
resplendor de Deus.
Agora, entretanto, vamos examinar esta expressão como uma medida do amor
do Pai para conosco. O apóstolo estivera acentuando, como a Bíblia toda
acentua, que a nossa salvação é resultado do amor, da graça e da misericórdia de
Deus, Mas, se realmente conhecêssemos o amor de Deus, haveríamos de
compreender algo da verdade acerca da Sua Pessoa. Os que dizem que crêem no
amor
O fato é que o Senhor Jesus Cristo, o Filho, estava no seio do Pai desde toda a
eternidade. Essa é a expressão empregada pelo apóstolo João no prólogo do
Evangelho que ele escreveu: “O Filho unigênito, que está no seio do Pai, é quem
o revelou” (ARA). Ele esteve eternamente no seio do Pai, gozando pura e
perfeita bem--aventurança, o amor, a santidade, a glória do céu e da eternidade;
e a verdade estupenda que nos é dita quanto à nossa salvação é que “vindo a
plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho” (Gálatas 4:4), enviou-0 daquela
glória, do céu e do fulgor, esplendor e magnificência daquela realidade; enviou-0
ao mundo.
O Pai O enviou. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho
unigênito” (João 3:16). É somente à luz desse fato que começamos a avaliar o
eterno amor de Deus. Foi Seu Filho bem--amado, Seu filho unigênito, que Deus
enviou com essa missão terrível, e a um povo terrível. A semelhança do pai de
que fala a parábola sobre os lavradores maus, Deus, o Pai eterno, envia
Seu Filho, Seu único Filho. Ele tinha enviado os Seus profetas e outros líderes,
todavia eles tinham sido rejeitados e a sua mensagem tinha sido ignorada; mas
agora chegou o tempo em que o Pai eterno diz: enviarei Meu Filho, Meu Filho
amado, eu O enviarei a eles.
Ademais, se é que havemos de ter algum conceito sobre o amor de Deus, temos
qije ler os quatro Evangelhos, e em nossas mentes e
Teu único Filho não poupaste, Mas pelo mundo mau O deste
“Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, para que o
mundo conheça que tu me enviaste a mim” - e então, e o mais estonteante - “e
que os tens amado a eles como me tens amado a mim”. Isso vai além da filiação;
de fato, significa uma intimidade de comunhão com Deus que compartimos com
o Filho. Não é apenas uma questão de grau ou de posição, não é meramente que
fomos adotados legalmente: o Pai agora nos ama como sempre amou o Filho. É
estonteante e estupendo!
O apóstolo não diz isso somente aqui, mas o diz noutros lugares também. Na
Epístola aos Colossenses ele faz um apelo quanto à conduta ética, à moralidade e
ao comportamento, e eis como ele o coloca: “Revesti-vos, pois, como eleitos de
Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia” (3:2). Notem como ele nos
descreve: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus”, “santos” - mas ainda mais
maravilhoso, “amados”. Somos os amados de Deus. É o ponto apical da nossa
salvação e redenção, que o Cristo que desceu da glória à terra e foi ao Hades,
ressuscitou e nos levou para o alto conSigo. Ele nos colocou numa posição na
qual somos amados como Ele é amado, “santos, e amados”. Paulo diz a mesma
coisa na Segunda Epístola aos Tessalonicenses: “Mas devemos sempre
dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor” (2:13). Não somos
somente irmãos, somos amados, “amados do Senhor”, “por (nos) ter elegido
desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade”.
REDENÇÃO
“Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo
as riquezas da sua graça." - Efésios 1:7
a nós. Seu propósito era que “fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em
amor”, que recebêssemos “a adoção de filhos”, por Jesus Cristo, para Si mesmo,
“para louvor e glória da sua graça”, e para que nos tornássemos “os amados” no
“amado”.
Mas agora passamos a considerar como esse propósito foi levado a efeito no
Filho e por intermédio dEle. Assim, desde o princípio deste versículo 7 até o fim
do versículo 12 estaremos considerando a obra particular do Filho na economia
da redenção. Depois, nos versículos 13 e 14 estudaremos a obra do Espírito
Santo neste grande plano e propósito. Foi-nos dado o grande quadro descritivo
do supremo objetivo de Deus com relação a nós; e vislumbramos a nossa
exaltada posição de filiação, e a sua exigência de que estejamos na presença de
Deus santos, sem culpa, sem defeito e sem mancha. Entretanto, ainda estamos na
terra, ainda falíveis e ainda pecadores; e a questão que se levanta em
nossos corações é: como podemos ser levados a um estado e a uma condição tão
exaltados?
E evidente que muita coisa precisa ser feita antes de podermos ser levados a tal
posição. O grande obstáculo para chegarmos lá é o pecado; o pecado em geral e
os pecados em particular. São os nossos pecados que se interpõem entre nós e
Deus, como nos lembra o profeta Isaías, quando diz: “Eis que a mão do Senhor
não está encolhida, para que não possa salvar; nem o seu ouvido agravado, para
não poder ouvir. Mas as vossas iniqüidades fazem divisão entre vós e o nosso
Deus”, os nossos pecados se interpõem entre nós e o nosso Deus (59:1-2).
Portanto, antes de sequer podermos chegar à posição predestinada que Deus
planejou para nós, algo terá que ser feito acerca deste problema do nosso pecado
e dos nossos pecados. Foi para realizar esta obra especial e peculiar que o Filho
de Deus veio a este mundo. Deus em toda a Sua eterna sabedoria e pré-
conhecimento, e segundo o Seu propósito, idealizou um meio pelo qual o
homem poderia ser reconciliado com Ele. E o meio é o que está esboçado aqui: o
obstáculo foi removido, o problema foi resolvido.
Por isso, permitam-me expô-la claramente mais uma vez. No cerne e no centro
do evangelho ergue-se a verdade segundo a qual não há salvação fora do Senhor
Jesus Cristo. “O cristianismo é Cristo”. Qualquer coisa que se apresente como
cristianismo, mas que não insista na absoluta e essencial necessidade de Cristo,
não é cristianismo. Se Ele não for o coração, a alma e o centro, o princípio e o
fim do que é oferecido como salvação, não é a salvação cristã, seja lá o que for.
Em primeiro lugar, vamos expor negativamente que não nos salvamos a nós
mesmos e não podemos fazê-lo. Ou, coloquemos a questão de outra forma, nós
mesmos não podemos fazer-nos cristãos. Poder-se-ia pensar que, após quase dois
mil anos de cristianismo no mundo, seria desnecessário fazer tal afirmação.
Todavia, assevero que é mais indispensável do que nunca. Se você
continua pensando em termos de fazer-se cristão, ou de tentar ser cristão, com
isso está indicando claramente que você está no caminho errado; e, enquanto
estiver nesse caminho, você nunca será cristão. A primeira coisa de que temos de
nos aperceber e que temos de entender, é que nenhum homem jamais se fez
cristão a si próprio; que ninguém jamais pode, por si mesmo, fazer-se cristão.
Todos os esforços que acaso façamos - jejuar, labutar e orar - não farão nenhuma
diferença, na verdade podem ser um grande obstáculo. Essa foi, é claro, a
experiência do próprio apóstolo Paulo. Ele estivera tentando reconciliar-se com
Deus; e a sua grande descoberta
no caminho de Damasco foi que isso era a própria essência do erro, e que tudo
aquilo em que se gloriava não passava de “esterco” e “refugo”. Essa é a história
dos grandes santos. Foi a compreensão dessa verdade que levou à Reforma
Protestante. Foi o que revolucionou a vida de Martinho Lutero, João Calvino,
João Knox, e de todos os grandes líderes da Igreja verdadeira, inclusive João
Wesley e todos os demais, até os dias atuais. O ponto nevrálgico da declaração
em foco, “Em quem temos a redenção”, consiste em dizer-nos que nunca
poderemos fazer-nos cristãos por nós mesmos, e que tentarmos fazer-nos cristãos
é mostrar que não entendemos nem sequer o primeiro passo do caminho da
salvação.
Além disso, o fato é que o Senhor Jesus Cristo não veio a este mundo para dizer-
nos o que temos de fazer para tornar-nos cristãos. Há alguns que pensam que
podem colocar-se em boas relações com Deus sem sequer mencionarem Cristo.
Mas há outros que acreditam que o Seu principal propósito ao vir ao mundo foi
ensinar-nos, instruir-nos e dar-nos estímulo e exemplo quanto ao que temos
de fazer para sermos salvos. Todavia isso é igualmente errado. O que Ele nos
manda fazer é até mais impossível do que a lei dada por Moisés. O Sermão do
Monte, exposição que o Senhor fez dos Dez Mandamentos, mostra quão
completamente impossível é a quem quer que seja, com seu próprio poder,
guardar os Dez Mandamentos. O Senhor não veio para dizer-nos o que temos de
fazer para salvar-nos; Ele veio para salvar-nos. Veio fazer algo por nós, agir em
nosso favor. Essa é a verdadeira essência do evangelho. “Em quem.” E nEle que
temos salvação. “O Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido”
(Lucas 19:10). É Ele, e o que Ele fez em nosso favor, que constitui a nossa
salvação.
Outros entendem que o nosso Senhor veio a fim de dizer-nos que Deus estava
pronto a nos perdoar. Dizem eles: há muitas declarações no Velho Testamento
que nos dizem que Deus é Pai; que Deus é amor e está pronto a perdoar. Elas nos
dizem que Ele é “abundante em benignidade”, “piedoso e misericordioso”,
“Como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se
compadece...’’etc. Pois bem, continuam eles, tudo isso foi revelado no Velho
Testamento. Deus tinha anunciado à nação de Israel, e por intermédio dela ao
mundo, que Ele era um Deus que estava pronto a perdoar pecados. Mas a
humanidade acha difícil aceitar esse ensino e acreditar nele. Por isso, continuam
eles, Deus decidiu mandar Seu filho para que quando as pessoas O vissem e O
ouvissem, e contemplas-
sem as Suas obras, acreditassem que Deus é amor, e que Ele está pronto a
perdoar. Eles argumentam que Ele fez isso na parábola do filho pródigo, e assim
por diante.
Mas nem aí eles param. Eles dizem que Deus foi até mais longe que isso; até
mesmo à cruz. Ele enviou Seu Filho; e o que vocês realmente vêem na cruz do
Calvário é uma grande e gloriosa demonstração do amor de Deus e da prontidão
de Deus para perdoar. Eles afirmam que a coisa funciona desta maneira:
Deus enviou Seu Filho ao mundo, porém o mundo não O reconheceu,
na verdade o mundo O crucificou, mas da própria cruz Deus nos diz: “Estou
pronto a perdoar-lhes até isso”. “Tal é o meu amor’” diz Deus ao mundo, “que,
apesar de vocês terem crucificado o Meu único Filho, até isso lhes perdoarei!”
Para essas pessoas, a morte do Senhor na cruz é a suprema declaração de que
Deus está pronto a perdoar.
No entretanto, não é isso que o apóstolo nos diz aqui. Sua declaração não é no
sentido de que o Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para proclamar que Deus
está pronto a perdoar, ou que Deus é um Deus perdoador. E que a cruz de Cristo
é o modo pelo qual Deus torna possível o perdão. A mensagem não é que Deus
está disposto a perdoar o fato do Calvário, mas que Deus perdoa por meio do
Calvário. É o que Deus fez no Calvário que produz o perdão para nós. O
Calvário não é meramente uma proclamação ou um anúncio do amor de Deus e
da Sua prontidão para perdoar; é Deus mediante o que Ele fez em Cristo e por
meio dEle na cruz do Calvário, criando um meio pelo qual Ele pode reconciliar-
nos conSigo.
O apóstolo afirma isso muitas vezes. Ele não diz que Deus estava em Cristo
anunciando ou fazendo uma proclamação de reconciliação e perdão. O que ele
diz é: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios
5:19). E em Cristo que Deus reconcilia conSigo o mundo. “Em quem temos a
redenção.” A redenção é em Cristo. Ele não é o mero anúncio dela; Ele é a
redenção, Ele próprio. “Deus estava em Cristo” - “reconciliando consigo o
mundo”. O apóstolo vai adiante e diz: “Aquele que não conheceu pecado, o fez
pecado por nós; para que nele fossemos feitos justiça de Deus” (versículo 21).
Cristo foi feito “pecado por nós”. Os nosso pecados foram lançados sobre Ele. E
é como resultado dessa ação que Deus nos reconciliou conSigo.
Isso é vital. Se o Senhor Jesus Cristo é meramente uma declaração de que Deus
está pronto a perdoar, Ele é apenas uma das
diversas declarações semelhantes; e se você tivesse entendimento suficiente,
poderia ser salvo pelo ensino do Velho Testamento, mesmo sem a vinda de
Cristo. Ele seria simplesmente o desenvolvimento de uma declaração já feita.
Contudo, não é essa a doutrina cristã da salvação e da redenção. A doutrina da
salvação e da redenção é esta - que Cristo, pessoalmente, é a redenção. A
nossa salvação está nEle; como vemos Paulo afirmar no capítulo 2, “ele é a
nossa paz, o qual de ambos os povos fez um, e nos reconciliou”. Ele! O Senhor
Jesus Cristo! Não há como exagerar na repetição disso, nunca se pode exagerar
na ênfase a essa verdade. Coloco o ponto na forma de perguntas: você acredita,
você sabe que os seus pecados estão perdoados? Você sabe que Deus o perdoou?
Se sabe, faço-lhe mais esta pergunta: como Deus o perdoa? Permita-me fazer-lhe
outra pergunta, ainda mais penetrante: você acredita, você vê, e você sabe que é
por causa do que aconteceu em Cristo, e por causa disso somente, que Deus o
perdoou? Quando você pensa em si próprio e no perdão dos seus pecados, você
pensa unicamente em termos do fato de que Deus é amor, que Ele é bom,
misericordioso e compassivo? Cristo é meramente a maior declaração do amor e
da compaixão de Deus jamais feita, ou Ele meramente fez a maior declaração a
respeito? Ou você vê e sabe, e põe sua confiança unicamente no fato de que o
que aconteceu em Cristo é o modo como Deus perdoa? Essa é a questão. “Em
quem temos a redenção pelo seu sangue.” Ele não é tão-somente um pregador ou
um mestre; Ele é a salvação. Paulo resume tudo também numa
grande declaração que consta na Primeira Epístola aos Coríntios: “Mas vós sois
dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção” (1:30). Ser salvo é estar em Cristo; não simplesmente
crer no Seu ensino, mas estar nEle, e ser participante da Sua vida, da Sua morte,
do Seu sepultamento, da Sua ressurreição, da Sua ascensão. “Em quem temos a
redenção pelo seu sangue.”
Como este termo é vital, devemos ter claro entendimento do seu significado no
Velho e no Novo Testamentos. Significa “libertação pelo pagamento de um
resgate”. Uma coisa é redimida (ou remida, ou resgatada) pelo pagamento de um
preço estipulado. Isso é ilustrado de muitas maneiras no Velho Testamento. Por
exemplo, se um homem se havia tornado escravo por ter sido capturado
ou dominado por outro, podia ser “remido” por seu parente mais próximo, se
este pudesse pagar o preço exigido. O mesmo se aplicava a quem fosse
aprisionado. Podia ser solto se o parente pagasse o preço adequado. É dessa
maneira que o termo é empregado no Velho Testamento. E é empregado do
mesmo modo no Novo Testamento; é o termo utilizado acerca da libertação de
um escravo. O escravo poderia ser libertado por alguém que pagasse certo
preço para comprá-lo. O escravo podia ser comprado no mercado ou no lugar da
escravidão. Essa é a essência do sentido do termo “redenção”. E como esse é o
termo empregado para explicar a doutrina da salvação, deve ser interpretado em
conformidade com o seu significado neo e veterotestamentário.
O nosso Senhor Jesus Cristo confirma esse uso do termo. Numa declaração
sumamente importante que se vê no Evangelho Segundo Mateus, lemos que o
nosso Senhor disse: “Bem como o Filho do homem não veio para ser servido,
mas para servir, e para dar sua vida em resgate de muitos” (20:28). Ele disse aos
Seus seguidores que não tinha vindo ao mundo para que eles O servissem,
porém para que Ele os servisse. Ele tinha vindo para fazer por eles algo que
nenhum deles poderia fazer, a saber, “dar a sua vida em resgate de muitos”.
Em verdade, no Senhor Jesus aconteceu algo novo. Ele veio a este mundo para
redimir-nos. Veio para pagar o preço do resgate que nos poria em liberdade, para
fazer o depósito que asseguraria a nossa emancipação. O termo “redenção” não
pode ser explicado em nenhum outro sentido, pois este é o seu significado
característico em toda parte das Escrituras. O resultado que a nós se nos diz
é este: “Não sois de vós mesmos, porque fostes comprados por bom preço” (1
Coríntios 6:19-20). Portanto, diz Paulo, o cristão é “servo”, “escravo” do Senhor
Jesus Cristo. O apóstolo sempre se descreve a si mesmo dessa maneira. O que
ele diz acerca de si próprio é praticamente o seguinte: “Sou escravo de Cristo; eu
era escravo de satanás, mas Cristo me comprou no mercado. Por isso agora sou
escravo de Cristo, sou Sua propriedade, pertenço a Ele”. Como cristãos, não
somos de nós mesmos, porque fomos redimidos, fomos comprados, fomos
adquiridos. Notem como a questão é expressa no livro de Apocalipse: “Digno és
(o Cordeiro de Deus) de tomar o livro, e de abrir os seus selos”, cantavam os
santos glorifi-cados. Por quê? “Porque foste morto, e com o teu sangue
compraste para Deus” - nos redimiste para Deus (Apocalipse 5:9). É em
Cristo que somos salvos; e o que Ele fez para salvar-nos foi que Ele
nos comprou, Ele nos redimiu.
do penhor para resgatá-lo. Assim nos salva o Senhor Jesus Cristo, redimindo-
nos, resgatando-nos pagando o preço necessário para a nossa libertação.
Outra questão que devemos considerar é o preço exato que foi pago para
redimir-nos, e o apóstolo não nos deixa na ignorância sobre isso: “Em quem
temos a redenção pelo seu sangue”. “Seu sangue”! Aqui está o centro
propriamente dito, o coração da doutrina da nossa salvação. Quando você leu
essa declaração você notou que o apóstolo diz especificamente: “Em quem
temos a redenção pelo seu sangue”? Por que não disse “por sua morte”?
Muitos fazem objeção a essa verdade; dizem que não podem suportar
essa “teologia do sangue”. Se fosse “por sua morte” não se oporiam tanto.
Acham eles que as palavras do apóstolo são demasiadamente materialistas e se
assemelham a sacrifícios cruentos de povos primitivos. Daí devemos salientar de
novo o fato de que o apóstolo, no uso que faz dos termos, sempre o faz
deliberadamente. A minha opinião é que ele dá deliberadamente ênfase no
sangue porque o que sucedeu na morte de nosso Senhor só pode ser entendido
em termos da linguagem sacrificial do Velho Testamento.
19). Similarmente, o apóstolo João escreve: “... o sangue de Jesus Cristo, seu
Filho, nos purifica de todo o pecado” (1:7). É o sangue que purifica. É sempre o
“sangue”. Também no livro de Apocalipse vemos a mesma ênfase: “Àquele que
nos ama, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados” (1:5).
sangue de Cristo”. Isso é para mostrar-nos que o Senhor Jesus Cristo fez em
nosso favor pela Sua morte está em harmonia com toda a doutrina do Velho
Testamento quanto ao valor dos sacrifícios. O nosso Senhor declarou
pessoalmente: “Não vim para destruir (a lei), mas para cumprir” (Mateus 5:17
VA). Diz Ele que o céu e a terra não hão de passar, enquanto não se cumprir todo
jota e todo til da lei (versículo 18). Ele veio para cumprir a lei. Após a Sua
ressurreição, Ele diz: “São estas as palavras que vos disse estando
ainda convosco: que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava
escrito na lei de Moisés, e nos profetas, e nos salmos” (Lucas 24:44). Os
sacrifícios e ofertas do Velho Testamento apontam para Cristo; eles têm o seu
sentido em Cristo; o que eles ensinam sempre tem relação com Ele. O ensino é
que a intenção e o objetivo dos sacrifícios consistem em propiciar a Deus. O
sangue de touros e de bodes e do cordeiro pascal era derramado para propiciar a
Deus, para que houvesse reconciliação com Deus. Tudo foi feito para propiciar,
para aplacar a Deus.
Observem que a expiação sempre foi realizado de maneira vicária. O que quero
dizer é que a culpa era transferida para alguma outra coisa, para um animal; este
morria vicariamente. O resultado de tais ofertas pelo pecado sempre era produzir
absolvição e perdão do ofensor que desse modo sofrerá em seu substituto e por
meio dele. Esse é o ensino do Velho Testamento.
“Se isso está claro para você, nunca mais fale em tentar tornar-se cristão, ou
tentar fazer de si mesmo um cristão, ou que você é cristão porque está levando
vida virtuosa e não comete certos
pecados. Unicamente a Sua morte, o Seu sangue salva você. Pode salvá-lo e o
salvará. Embora você tenha pecado até as profundezas do inferno até este
momento, se você confiar nesta mensagem, será perdoado. Esse é o caminho da
salvação; você deve confiar única, completa, exclusiva e inteiramente no fato de
que Cristo é o Cordeiro de Deus sobre quem os seus pecados foram lançados.
Ele pagou o preço do seu resgate. Ele o libertou da lei, do inferno, da morte e do
sepulcro, e o reconciliou com Deus. Você não pertence mais a si próprio, foi
“comprado por bom preço”. Foi redimido pelo “precioso sangue de Cristo”. Não
há nada no céu nem na terra que se compare com isto, que eu posso dizer: “O
Filho de Deus... me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gálatas 2:20),
deu Sua vida como resgate por mim. Seu sangue foi derramado para que
eu pudesse ser perdoado.
Fique lá até ver o que você nunca teve nem nunca terá, um vestígio da justiça,
que toda a sua bondade é como “trapo de imun-dícia” (Isaías 64:6). Veja, porém,
os seus pecados lançados sobre Cristo, e veja-0 pagando o preço da aquisição, da
sua redenção, da sua salvação. Caia a Seus pés, adore-O, louve-O, entregue-se a
Ele, dizendo:
1
Credo Niceno. Nota do Tradutor.
2
Complementando nota anterior: “Children” significa etimologicamente “pro-gênie”, “prole”;
literalmente, (do) ventre.
Nas três passagens aí citadas, onde a Revised Version diz “sons” a Authorized Version diz
“children”. Notas do tradutor.
5
Tekna. Notas do tradutor.
6
Na Inglaterra os jogos de futebol são geralmente realizados aos sábados à tarde.
7
Palavra hebraica que salienta a permanente presença ou habitação de Deus com Sua glória. Nota do
Tradutor.
“PELO SEU SANGUE”
“Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo
as riquezas da sua graça.” - Efésios 1:7
Voltamos para essa declaração crucial para descobrir nela e dela extrair mais
algumas riquezas da graça de Deus. Ao fazê-lo, gostaria de oferecer-lhes uma
observação geral. Quando examinamos uma declaração como essa, lembremos
da importância das particularidades. Ora, sempre o grande perigo na leitura
dessa declaração está em examiná-la somente de maneira geral, e considerar as
palavras específicas e as declarações precisas como sendo mais ou menos
importantes. Esse é um modo falso de interpretar a passagem em foco e qualquer
outra. As particularidades são da maior importância, as minúcias são
impregnadas de significado, como já vimos quando consideramos o termo
“sangue”. O apóstolo diz “pelo seu sangue”, não “por sua morte”. Toda palavra é
importante, é significativa e tem sentido; e é nosso dever observar exatamente
o que o apóstolo diz; não o que achamos que ele devia dizer, mas o que ele de
fato diz, para que por seu intermédio derivemos real benefício. Há os que
imaginam que podem tratar da introdução que o apóstolo faz da Epístola num só
discurso. Contudo, isso é fazer mau uso dela e perder a rica doutrina e verdade
que ela contém. Toda particularidade deve receber seu devido peso e sua
devida ênfase.
Temos que retornar à palavra “redenção”, porque o apóstolo nos força a fazê-lo:
“Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas”(ou, “o
perdão dos pecados , VA). Quando a examinamos em nosso estudo anterior,
estivemos interessados mais no fato de que nos ensinou algo acerca do método
da redenção e vimos que este consiste no pagamento do preço de um resgate.
Mas agora devemos examinar este vocábulo mais do ponto de vista do que ele
nos traz, do que ele nos dá e do que ele faz por nós. É em conseqüência do
pagamento do preço do resgate que há alguns resultados para nós. Primeiro,
somos redimidos e recebemos o “perdão dos pecados”. Pelo que, devemos
considerar a expressão,
“o perdão dos pecados”, como nos falando algo sobre a redenção. Pois bem, aqui
devemos ter o cuidado de aplicar o princípio de interpretação de que falei. Se
vocês lerem superficialmente a declaração de Paulo, poderão chegar à conclusão
de que ele está dizendo que a redenção consiste no perdão de pecados e é
equivalente a esse perdão. Isso virtualmente faria o apóstolo dizer: “Em
quem temos a redenção pelo seu sangue (precisamente), o perdão dos pecados”.
Entretanto não é o que ele diz; e há bons motivos para que ele não o faça.
Provavelmente muitos de nós se vêem lendo ou citando esse versículo daquela
maneira. Como espero mostrar, há um sentido em que isso está certo; mas há
outro sentido em que está errado, por ser incompleto.
tão: então, por que o apóstolo introduz neste ponto “o perdão dos pecados”, se
esta expressão não é um modo de definir redenção? É justamente aí que vemos
algo que é de vital importância, não somente para a experiência desta salvação,
mas também para que as nossas mentes a entendam. A razão pela qual o apóstolo
acrescenta essa frase concernente ao perdão dos pecados nesta altura, só pode ser
a seguinte: ele tinha empregado o termo “redenção”; e depois prossegue dizendo
que o primeiro elemento da redenção é “o perdão dos pecados”. A redenção vai
finalmente dar na glorificação do meu corpo, porém começa com o perdão dos
pecados. Esta é a preliminar essencial da santificação, e também da glorificação.
Portanto, devemos partir do perdão, e dar-lhe ênfase. É o primeiro passo vital, a
chave que abre a porta para tudo o que se segue.
Contudo, o evangelho não começa nesse ponto, embora talvez gostássemos que
começasse aí. Pela mesma razão, muita gente prefere ouvir pregar sobre a
ressurreição, e não sobre a cruz; e essa pregação é popular hoje. Virtualmente
não há mal na pregação que dá ênfase à ressurreição e a um Cristo vivo
oferecido como amigo, ou como Alguém que cura o corpo, ou que pode guiar-
nos e resolver os nossos problemas para nós de diversas maneiras. Mas
nada disso será possível, se não se começar com a cruz de Cristo, Sua
Todos nós, por natureza, temos aversão pela idéia de perdão dos pecados porque
não nos agrada pensar que precisamos de perdão. Não gostamos que nos digam
que somos pecadores, e não gostamos de palavras como “justificação”. Dizemos:
“Isso é legalismo”. Não nos interessa a justiça, a retidão; queremos felicidade,
queremos ter poder em nossas vidas, queremos qualquer coisa que nos dê
alegria. Todavia, antes de podermos experimentar essas coisas, temos que
humilhar-nos até o pó. Não gostamos do arrependimento, porque é penoso, e
porque significa que temos de encarar a nós mesmos, examinar-nos e ver-nos
como realmente somos. Mas nesta passagem de imediato o apóstolo nos faz
lembrar que não poderemos experimentar libertação do poder do
pecado enquanto não formos, primeiramente, libertados da culpa do pecado. A
redenção vem primeiro, e começa com o perdão dos pecados. Não hesito em
asseverar que, se você não compreende que os seus pecados têm que ser
perdoados, você não é cristão. Talvez você diga, porém: “Mas estou cônscio de
que Cristo nos está ajudando”. Replico afirmando que Cristo não poderá ajudá-
lo, e não o ajudará, enquanto o problema da sua culpa não for tratado.
Atualmente há muitos que usam o nome de Cristo psicologicamente;
todavia, mesmo que as experiências psicológicas sejam reais e benéficas, não
devemos desviar-nos do ensino escriturístico. Nas Escrituras, a primeira coisa é
o perdão dos pecados; e todas as experiências devem ser examinadas à luz dessa
verdade.
Essa é a situação de muitos. Nossa réplica pode ser exposta da seguinte maneira:
a necessidade fundamental do homem é a necessidade que ele tem de Deus.
Tudo o que vai mal na vida neste mundo, vai mal porque não estamos bem
relacionados com Deus. O de que necessitamos, acima de tudo, é a redenção que
somente Ele pode propiciar, a qual nos reconciliará com Ele. Não podemos ser
abençoados por Deus, se não estivermos bem relacionados com Ele. A ira de
Deus está sobre “todos os filhos da desobediência” Como todas as bênçãos vêm
de Deus, a primeira coisa de que necessito é reconciliação com Ele, e não
poderei ser reconciliado com Ele enquanto a questão dos meus pecados, e da
minha culpa por causa deles, não for tratada devidamente. Daí, toda vez que
a Bíblia fala acerca da redenção, sempre começa com o perdão dos pecados.
O perdão dos pecados constituiu um problema tão grande que nada, senão o
derramamento do sangue de Cristo, poderia resolvê-lo. Deus não poderia perdoar
pecados simplesmente dizendo uma palavra. Para Ele foi simples criar o mundo
pelo “fiat” da Sua Palavra: “Haja luz”. Perguntamos com reverência: por que
Deus não disse: “Sejam perdoados os homens?” A resposta é que não foi desse
modo que entrou o perdão. E isso porque - digo-o de novo com reverência -
Deus não poderia fazê-lo. “Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas” (1 João
1:5). Deus é eternamente justo, reto e santo; não pode contradizer-Se. Havia
somente um meio pelo qual Deus poderia perdoar o pecado. “Nenhum outro bem
havia, que suficiente fosse para pagar o preço do pecado.” Somente “pelo sangue
de Cristo” esse perdão se torna possível. Pensem na força e no poder de Deus.
Vemos o Seu poder na neve e na geada, e podemos ler sobre ele em muitos
lugares das Escrituras, por exemplo, no Salmo 147. Pelo poder da Sua palavra
Deus governa a natureza e a criação, e as nações do mundo são para Ele “como o
pó miúdo das balanças” (Isaías 40:15). Mas quando surgiu o problema do
perdão dos pecados da humanidade, foi necessário que o Filho de Deus saísse do
palácio da realeza celestial e viesse à terra, nascesse como uma criança, sofresse
a contradição dos homens contra Ele, fosse levado à morte e derramasse o Seu
sangue. Era a única maneira. Tal a dificuldade levantada pelo problema do
perdão dos pecados!
Outra verdade aqui sugerida é que o modo como Deus perdoa os pecados é
completo. Não é apenas uma questão de dominar os nossos pecados e
transgressões. Os pecados não podem ser tratados dessa maneira. Antes que
Deus pudesse perdoar os nossos pecados, Ele tinha que tratá-los de maneira
completa. O versículo que estamos considerando poderia ser traduzido assim:
“Em quem temos a redenção pelo seu sangue, o perdão dos nossos delitos”. A
palavra
Também não podemos dizer que o modo como Deus trata o pecado é
absolutamente justo. Como é importante essa verdade! O apóstolo dá forte
ênfase a ela em sua Epístola aos Romanos, capítulo 3. Versículos 24, 25 e 26:
“Sendo justificados gratuitamente pela Sua graça, pela redenção que há em
Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para
demonstrar sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a
paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para
que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”. Essa é a maneira
de Paulo dizer que o método pelo qual Deus trata o pecado é estritamente justo.
Perdoar um pecador ou
pecados às vezes pode ser injusto. Podemos fazer grande dano e grande injustiça
a uma pessoa, se perdoarmos o seu pecado muito ligeiramente e com muita
facilidade; podemos encorajá-la a continuar agindo mal. Deus, porém, não
perdoa o pecado de um modo que permite que a pessoa continue pecando,
confiando em que o amor de Deus acerte tudo. Isso não seria justo. Tudo o que
Deus faz só pode ser justo, reto, santo e coerente com o Seu caráter. E o
Seu modo de perdoar os pecados pelo sangue de Cristo explica-se simplesmente
porque Deus em Cristo puniu o pecado. O pecado merece punição. Deus disse
que puniria o pecado e que a punição significaria morte. Assim, se Deus voltasse
atrás nisso, Ele não mais seria reto e justo. A maneira pela qual Deus perdoa é
dando o devido tratamento ao pecado, golpeando-o e dando-lhe a punição
que merece, a punição condigna. E foi o que Ele fez em Cristo na cruz. Quando
Deus perdoa os meus pecados pelo sangue de Cristo, Ele declara a Sua retidão e
justiça. Ele continua sendo justo e , ao mesmo tempo, o justificador da minha
pessoa como crente em Cristo. Essa é a doutrina bíblica do perdão dos pecados.
Isso mostra a dificuldade do problema e completude do tratamento que Deus
lhe dá, e também que a solução é justa e reta. Deus nos perdoa, porque, e
somente porque, o nosso pecado foi punido, e a nossa culpa foi expiada.
Mas, graças a Deus, podemos ir adiante e dizer que o perdão dos pecados,
adquiridos pelo sangue de Cristo e por seu intermédio, é tão completo que leva a
um total restabelecimento do ofensor no favor de Deus. Visto que Deus tratou
com o pecado da maneira explicada nas Escrituras, somos perdoados
absolutamente e uma vez por todas. O perdão é definitivo. Somos reconciliados
completamente com Deus pela morte de Seu Filho. “Deus estava em
Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados.”
“Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos
feitos justiça de Deus” (2 Conntios 5:1921). Deus tratou dos nossos pecados de
maneira tão completa em Cristo, e por Seu sangue, que Ele os pôs para fora uma
vez para sempre, e nunca mais os tornará a ver.
Deus Se descarta do pecado. Lemos no Salmo 103: “Quanto está longe o oriente
do ocidente, assim afasta de nós as nossas transgressões” (versículo 12). Não
poderia ser para mais longe. Deus fez uma promessa específica nesse sentido
quando, por meio de Jeremias, fez a promessa da nova aliança: “Nunca mais me
lembrarei dos seus pecados” (Jeremias 31:34; Hebreus 10:17). Que
coisa espantosa! De tal maneira Deus tratou dos nossos pecados que Ele os
tomou e os lançou nas profundezas do mar do Seu esquecimento. Um
esquecimento eterno. Os nossos pecados, em Cristo, são perdoados absoluta,
final e completamente; para que não se vejam nunca mais.
Só Deus poderia fazer isso. Eu e vocês dizemos que perdoamos as pessoas, mas
achamos difícil esquecer. A glória da doutrina do perdão dos pecados nas
Escrituras é que Deus não somente perdoa, mas também esquece. “Nunca mais
me lembrarei dos seus pecados.”
Notemos, finalmente, que o apóstolo diz: “Em quem temos a redenção pelo seu
sangue, o perdão dos pecados”. Ele não diz que poderíamos tê-lo; diz que o
temos; é uma posse atual. É algo que já desfrutamos aqui e agora. “Sendo pois
justificados pela fé, temos paz com Deus”, diz Paulo. Ser cristão verdadeiro é
saber que os seus pecados já estão perdoados. Pode-se expor a doutrina
assim: Deus lançou sobre o Senhor Jesus Cristo todos os nossos pecados, todos
os pecados já cometidos por nós, todos os pecados que viermos a cometer. Todos
eles foram lançados sobre Ele, foram todos punidos e tratados devidamente na
cruz. Quando caímos em pecado, Deus não precisa fazer algo novo, já fez tudo
em Cristo. O quer Ele faz é aplicar a nós agora o remédio da cruz. Quando um
homem crê no Senhor Jesus Cristo não é necessária uma nova ação da parte de
Deus; Ele simplesmente aplica ao homem o que foi feito uma vez por todas no
Calvário; e, caso ele torne a cair em pecado, é “o sangue de Jesus Cristo, o Filho
de Deus” que vai purificá-lo de todo pecado e injustiça. Essa é a maneira, a
única. A nossa salvação está baseada numa transação já realizada
completamente. É por isso que o apóstolo dá ênfase ao “sangue de Cristo”.
Cristo morreu uma vez para sempre. Não há necessidade, diz a Epístola aos
Hebreus, de que Ele repita o sacrifício; isso aconteceu uma vez por todas.
Você sabe que tem a redenção? Você sabe que os seus pecados estão perdoados?
Olhe para Ele; permaneça junto à cruz até saber desta verdade bendita, até vê-la
e regozijar-se nela, e possa dizer: “Estou reconciliado; tenho paz com Deus, por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo, seu Filho”.
“Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo
as riquezas da sua graça.” - Efésios 1:7
Passamos agora a tratar da última frase deste versículo -“Segundo as riquezas da
sua graça”. Há muitas maneiras de considerar e estudar as Escrituras; é preciso
que fique claro, a esta altura, que sou seguidor e exponente de um método em
particular. Considero as Escrituras e estas grandes declarações nelas
contidas como comparáveis a uma grande galeria de arte onde há
pinturas famosas penduradas nas paredes. Há pessoas que, quando visitam tal
lugar, compram um catalogo do guia à porta, e com o catálogo em mãos
percorrem a galeria. Elas notam que o Item número 1 é uma pintura de Van
Dyck, digamos; e dizem: “Ah, este é um Van Dyck”. Depois passam depressa ao
Item número 2, talvez um retrato feito por Rembrandt. “Ah”, dizem elas, “este é
um Rembrandt, um quadro famoso. “Movem-se depois, passando por outros
itens mais, da mesma maneira. Admito que esse é um possível modo de ver os
tesouros de uma galeria de arte; e, todavia, tenho a impressão de que quando tais
pessoas acabam de passar por todas as salas da galeria e dizem: “Bem, já
“fizemos” a Galeria Nacional, vamos agora à Galeria Tate”, 1 a verdade é que
elas nunca viram de fato nenhuma dessas galerias ou seus tesouros. Dá-se o
mesmo com relação às Escrituras. Há os que percorrem este capítulo primeiro
desta Epístola aos Efésios mais ou menos da maneira que descrevi, e acham
que o “fizeram”. Certamente melhor será ficar, se necessário, horas diante deste
capítulo que nos foi dado por Deus por meio do Seu Espírito, contemplá-lo e
procurar descobrir as suas riquezas, tanto em geral como em seus pormenores.
As Escrituras visam alimentar as nossas almas, enriquecer as nossas mentes e
comover os nossos corações; e, se havemos de ter essas experiências, temos que
demorar-nos nestas coisas, bebê-las e tomar da sua plenitude.
riquezas de Cristo”. A “graça” que fez dele um pregador através dos continentes
e dos mares; fê-lo pregar dia e noite, com clamor e lágrimas; era a força mais
vital da sua vida. Era isso que o “constrangia” e o levava a dizer: “Ai de mim, se
não anunciar o evangelho!” Pensar nessas riquezas da graça o impulsionava,
como também pensar na ignorância dos homens e das mulheres concernente a
elas. Essa foi a sua principal razão para escrever esta Epístola aos Efésios.
Paulo diz aos efésios que lhes está escrevendo porque eles estão constantemente
em sua mente, e que está sempre orando por eles - “tendo iluminados os olhos do
vosso entendimento, para que saibais... quais as riquezas da glória...”. Uma
declaração similar ocorre no capítulo 3, onde ele diz: “Por causa disto me ponho
de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos
céus e na terra toma o nome, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos
conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem
interior”, sendo o propósito do apóstolo que eles conhecessem “o amor de
Cristo, que excede todo o entendimento”, em sua largura e comprimento, em sua
altura e profundidade. Noutras palavras, ele quer que eles conheçam “as riquezas
da graça de Deus”.
e nele vemos a expressão, “misericórdia sem limites”. Não há limite, não há fim
para isso. Seu irmão Charles escreve similarmente -
Como podemos tentar avaliar e computar este grande tesouro? Em certo sentido,
estamos ensaiando uma tarefa impossível, porque o próprio apóstolo disse:
“...conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento”. Mas o fato de
não podermos jamais penetrá-lo e compreendê-lo plenamente não significa que
não devemos
prova que a pessoa é generosa. Mas quando pensamos nesta grande salvação,
todas as dádivas menores empalidecem em sua significação. Deus não nos
perdoa porque Lhe pedimos que nos perdoe. Deus não enviou Seu Filho ao
mundo porque o mundo ficou clamando a Ele que o fizesse. Na salvação nada
nos é dado por Deus como resposta a um pedido nosso, absolutamente nada!
Tudo vem inteira e absolutamente de Deus. Ele no-lo dá sem que Lho peça-mos;
Ele no-lo derrama sem que haja pedido algum. E, na verdade, apesar de nós,
apesar de sermos inimigos, alheios e rebeldes, apesar de Lhe darmos as costas. E
apesar de tudo o que somos e de tudo o que fizemos que Deus nos deu “as
riquezas da sua graça”. DEle é a iniciativa, como também o ato de dar.
Mais que isso, é uma completa reconciliação com Deus. Se você crê no Senhor
Jesus Cristo, se você crê que Ele morreu pelos seus pecados e levou sobre Si o
castigo que cabia a você, se você põe somente nEle a sua confiança, proclamo a
você, com autoridade, que você goza completa reconciliação com Deus. Agora
não há nada entre você e Deus porque Cristo morreu por você. Você
foi plenamente restabelecido à comunhão com Deus, e foi habilitado a desfrutar
tanto quanto Adão desfrutava antes da Queda. Sim, e até mais, porque você está
“em Cristo”! Você está gozando esta plena comunhão com Deus? Quando você
busca a Deus em oração, você vai com um espírito acovardado, hesitante e cheio
de dúvida? Ou
vai ciente de que o caminho para Deus está amplamente aberto, graças ao sangue
de Jesus? Esse é o ensino das Escrituras, e constitui um dos aspectos das
“riquezas da sua graça”.
Receio que muitos de nós são como o filho pródigo. Em desespero, voltamos
para casa, e cremos em certas coisas. Mas como era inadequada a idéia, a
concepção, que o pródigo tinha do amor do seu pai. Ele foi com temor e tremor,
dizendo: “Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus
jornaleiros”. Do que é que você está falando?”, diz o pai, noutras palavras.
“Tragam a melhor roupa, tragam o anel, e vão matar o bezerro cevado.” Esse é o
modo de Deus. E plena reconciliação; é como se o pródigo nunca tivesse feito
nada errado, como se nunca tivesse insultado o pai antes de sair de casa, como se
nunca tivesse saído de casa. Tudo é esquecido e banido; a reconciliação é
completa. Esta é agora a nossa relação com Deus em Cristo Jesus. Se confiamos
em Cristo, estamos reconciliados plenamente.
Todavia, as riquezas da graça de Deus vão até além disso! Não somente isso é
uma verdade a nosso respeito, mas também podemos saber que é verdade.
Podemos ter conhecimento disso, e segurança disso, e certeza quanto a isso aqui
e agora. Já seria uma coisa magnífica e maravilhosa se Deus nos tivesse
reconciliado com Ele em Cristo, e não nos tivesse dito que o fizera. Seria algo
maravilhoso se todos nós, quando morrêssemos, tivéssemos a súbita surpresa de
que, apesar de sentirmos todos que, através das nossas vidas, tínhamos pecado
tanto contra Deus que Ele não poderia perdoar-nos, e, em conseqüência, nos
sentíamos acabrunhados e infelizes, todavia Deus já nos tinha perdoado, e isso
desde o início em que cremos em Seu Filho. Seria maravilhoso; porém Deus
não nos trata dessa maneira. Segundo as riquezas da Sua graça, Ele não somente
nos perdoa, mas também nos diz que o fez. Podemos ter “inteira certeza de fé” e
da esperança, mesmo enquanto estamos neste mundo. Regozijamo-nos em que,
“sendo justificados pela fé, temos paz com Deus”. É um pobre cristão aquele que
não sabe que os seus pecados estão perdoados. Não temos direito de ficar sem
a certeza da salvação; é nosso direito de nascimento. Deus no-la dá; faz parte do
Seu propósito a nosso respeito; é um aspecto da supera-bundância que Ele nos
dá “segundo as riquezas da sua graça”.
essa verdade até se verem firmes sobre os seus pés louvando a Deus. Lembrem-
se, então, mais uma vez, do que significa estar “em Cristo”. E ainda outra vez
considerem o dom do Espírito Santo e o fato de que fomos “selados” pelo
Espírito de Deus até o tempo da “redenção da possessão de Deus”, por Ele
adquirida. Assegurem-se de que vocês conhecem algo do poder do Espírito
Santo agindo em vocês. O apóstolo orou no sentido de que esses efésios
tivessem aquele conhecimento. Ele desejava que eles conhecessem
“a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos” (1:19). Deus
não nos salva e perdoa os nossos pecados, e depois nos deixa entregues a nós
mesmos para combatermos o mundo, a carne e o diabo. Ele nos deu o dom do
Espírito. Pelo Espírito Cristo habita em nós, e Ele “é poderoso para fazer (por
nós) tudo muito mais abundante além daquilo que pedimos ou pensamos”
(3:20). Quando você estiver inclinado a sentir-se oprimido pelo diabo,
pelo mundo e pela carne, lembre-se do poder que ressuscitou a Cristo dentre os
mortos e que agora opera em você “segundo a riqueza da sua graça”.
Prossiga depois e lembre-se do que Paulo diz no capítulo 2 sobre o acesso que
temos à presença de Deus como resultado das “riquezas da sua graça”. “Porque
por ele (Cristo) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito” (versículo
18). “Céu” significa estar na presença de Deus e fruí-10 sem empecilho ou
obstáculo ou restrição; e o apóstolo nos lembra que, segundo as riquezas da
graça de Deus, é-nos dada uma prelibação daquela bênção aqui neste mundo.
Temos acesso ao Pai por Cristo, mediante o Espírito. Você conhece a Deus?
Você está fruindo a Deus? Você está desfrutando uma Vida de comunhão com
Deus? Você sabe que a intenção de Deus é que você tenha essa alegria? Você não
deve contentar-se com menos que isso. Você deve crer nestas palavras, deve crer
na mensagem. Não espere por um sentimento especial; tome a Palavra de Deus
como é, e aja com base nela. Deus nos possibilitou isso; e nos cabe receber
destas riquezas.
O apóstolo escreve também sobre Cristo “habitar em nossos corações pela fé”.
Na verdade, ele vai adiante e diz algo ainda mais estupendo. Devemos “conhecer
o amor de Cristo que excede todo entendimento, para que (nós sejamos) cheios
de toda a plenitude de Deus” (3:17-19). Com Charles Wesley, não há nada que
possamos dizer neste ponto, exceto “Quem poderá explorar Seus
estranhos desígnios?”, mas nós devemos conhecê-los, experimentá-los e
Isaac Watts nos encoraja a isso lembrando-nos que o “fruto celestial” pode
desenvolver-se neste solo terrenal em que vivemos. Eis como ele o expressa:
Dos rios que manam da Sua graça Vamos beber prazer infindo.
Então iremos entoar canções,
Pense ainda na armadura de que Paulo fala no último capítulo desta Epístola.
Somos supridos de todo o necessário para habilitarmos a permanecer firmes no
dia mau contra as astutas ciladas de satanás; cada parte de nós é coberta
completamente.
São assim “as riquezas da graça de Deus”. E, naturalmente, tudo isso leva à
alegria, à paz e ao amor. Também leva a um sentimento de certeza e segurança; e
isso tudo, lembremo-nos , é simplesmente com referência à nossa vida neste
mundo e no tempo. Ergam os olhos e vejam, à nossa espera, “a esperança da sua
vocação” e “as riquezas da glória da sua herança nos santos”, a
“herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardada
nos céus para nós”, que estamos em Cristo. Tudo está preparado, e tudo faz parte
das “riquezas da sua graça”. Nós O veremos como Ele é, estaremos com Ele,
reinaremos com Ele, nós O fruiremos, seremos semelhantes a Ele e senhores do
universo com Ele. Quando nos voltamos para Deus em arrependimento e fé, não
o fazemos como servos, pois somos adotados como filhos! E a nós nos
cabe gozar tudo quanto o coração e o amor do Pai preparou para nós. É isso que
nos é oferecido em Cristo Jesus, segundo as riquezas da graça de Deus.
Assim como estou, sem mesmo esperar Minh'alma livrar de algum borrão,
A Ti, cujo sangue pode limpar-me,
-Efésios 1:8-9
Para entendermos estes dois versículos, devemos ter bem claro em nossas
mentes exatamente o que o apóstolo está dizendo, e isso envolve um estudo da
fraseologia exata das duas declarações. A Versão Autorizada inglesa diz: “Na
qual ele foi abundante para conosco”, porém em geral se concorda que essa
tradução não é muito boa. É melhor traduzir: “A qual ele tornou abundante
para conosco” (semelhante à Versão de Almeida: “que ele fez abundar” (ARC);
“que Deus derramou abundantemente” (ARA). Esta é preferível porque “na qual
ele foi abundante para conosco” dirige a atenção para Deus, ao passo que nesta
altura o apóstolo está desejoso de concentrar-se nas “riquezas da sua graça, que
ele tornou abundante para conosco”. Ele está dando ênfase à maneira pela qual
Depois há o problema adicional quanto a decidir qual a relação da frase “em toda
a sabedoria e prudência”. Tem havido muito desacordo sobre isso. Na Versão
Autorizada (“AV”) e na Versão Revista Inglesa (“ERV”) as palavras “em toda a
sabedoria e prudência” estão no versículo 8 e estão ligadas a Deus tornando
abundante a Sua graça para conosco. Mas na Versão Padrão Revista
inglesa (“RSV”) há uma diferença. Nela essas palavras são colocadas
no versículo nove, e a tradução diz: “A graça que ele prodigalizou para nós. Pois
ele nos fez conhecidç, em toda a sabedoria e discernimento, o mistério da sua
vontade”. É claro que, em última análise, vem a dar na mesma; entretanto, se se
trata de uma descrição de como a graça de Deus se torna abundante para
conosco, devemos colocar “sabedoria e prudência” no versículo 8, e não no 9, e
tomá-los em conexão com a graça de Deus.
Há três maneiras pelas quais podemos tratar desta questão. Podemos dizer que
Deus, no exercício da Sua sabedoria e prudência, foi abundante para conosco em
graça. Ou podemos dizer que Deus nos tornou conhecido, em toda a sabedoria e
prudência, o mistério da Sua vontade. É como entende a Versão Padrão
Revista Inglesa (“RSV”). Mas me parece que a melhor maneira, a sugerida pela
Versão Autorizada e Revista inglesa (“ARV”), é simplesmente mudar a primeira
parte do versículo 8 para: “A qual (referindo-se à graça), juntamente com toda a
sabedoria e prudência, ele tornou abundante para conosco”. Eu argumento no
sentido de que se deve entender dessa maneira porque não acho certo atribuir
“toda a sabedoria e prudência” a Deus, pela seguinte razão: como Deus é
sabedoria absoluta não temos direito de dizer que Deus faz algo “em toda a
sabedoria”. De um homem podemos falar que ele faz coisas “em toda a
sabedoria”, porém Deus é sabedoria essencial e, portanto, não Lhe podemos
aplicar tal expressão. É falta de reverência.
Com maior razão quanto à palavra “prudência”. Em parte alguma de toda a gama
das Escrituras se atribui “prudência” a Deus. Pode se usar o termo com
referência aos homens, mas é impróprio com relação à Deus, cujos caminhos são
perfeitos, e que é sabedoria absoluta e eterna. Por isso afirmo que devemos
considerar a “sabedoria” e a “prudência” como aplicada a nós, e que Paulo
está dizendo que elas nos vêm como resultado da operação da graça de Deus.
O que o apóstolo está dizendo é, pois, que as riquezas da graça de Deus para
conosco não ficaram restritas à questão do perdão, mas foram tão abundantes
que nos trouxeram algo mais, a saber, a sabedoria e a prudência, que são
absolutamente necessárias para que se possa ter algum conhecimento do mistério
da vontade de Deus e do Seu propósito eterno em nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo.
Epístola aos Efésios, onde ele fala da dispensação da graça de Deus, que para
convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação
como acima em pouco vos escrevi; pelo que, quando ledes, podeis perceber a
minha compreensão do mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi
manifestado aos filhos dos homens...” (versículos 2 a 5). O apóstolo se
repete freqüentemente, como todo bom mestre faz, especialmente um mestre do
evangelho, que tem algo que vale a pena repetir. Vemos ainda a palavra na
Primeira Epístola a Timóteo, capítulo 3: “Grande é o mistério da piedade”
(versículo 16). É patente que se trata de um termo chave; e, se não entendermos
o seu significado, certamente nos perderemos nesta questão de como um homem
se torna cristão, e quanto à relação da razão com a fé, e da mente com a
salvação.
palavras. Daí dizerem eles que a Bíblia é um livro falível porque são somente
tentativas de homens para expor e explicar a experiência vital que tiveram no
momento do encontro. Isso, sustentam eles, é muito diferente de chamar as
pessoas à fé em certas proposições. Dizem eles: “A verdade nunca pode ser
exposta proposicionalmente” porque é um mistério. Noutras palavras, eles
definem mistério como algo incompreensível, algo que o homem não pode expor
ou expressar, e eles acrescentam que qualquer tentativa para fazê-lo o deprecia e
o invalida.
Tais asserções fazem completa violência ao que o Novo Testamento quer dizer
com o termo “mistério”, e subvertem inteiramente a fé cristã. No entanto,
certamente dão excelente base para outro movimento ecumênico de sucesso. A
única esperança de se ter um movimento ecumênico de sucesso é dizer que se
pode evitar descer às particularidades, e que não se deve insistir em coisa
alguma. Desde que de algum modo creiamos em Cristo, somos todos um, e se
tem em vista uma igreja mundial que inclua todas as pessoas religiosas. Como
uma publicação religiosa, agora defunta, disse por ocasião de uma grande
campanha evangelística a alguns anos: “Tenhamos tréguas teológicas durante a
campanha”! Contudo, toda essa conversa baseia-se na idéia de que a verdade
cristã é misteriosa no sentido de que é incompreensível para o intelecto humano,
que nunca pode ser entendida ou exposta em proposições e que a única coisa que
importa é que todos nos devemos crer vagamente em Cristo.
Falando dessa maneira, o apóstolo está apenas repetindo o que o nosso Senhor
tinha dito antes dele. No capítulo 11 do Evangelho Segundo Mateus lemos que o
nosso Senhor dirigiu-Se a Seu Pai e disse: “Graças te dou, o Pai, Senhor do céu e
da terra, que ocultastes estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos
pequeninos. Sim ó Pai, porque assim te aprouve” (versículos 25 e 26).
Deus esconde dos “sábios e entendidos”a verdade; e esta continua sendo um
mistério para eles; não, porém, para os “pequeninos”. Deus a revela aos
“pequeninos” para que eles a desfrutem. Noutras palavras, o termo “mistério”
significa que esta grande verdade concernente a vontade de Deus e ao Seu
propósito de salvação só pode ser recebida quando Deus a faz conhecida e a
revela. E diz o apóstolo que ele o fez. “Que ele derramou abundantemente
para conosco em toda a sabedoria e prudência, descobrindo-nos o mistério da
sua vontade.”
dos céus” (Mateus 18:3). A glória do evangelho diz o apóstolo, é que Deus, em
Sua graça, nô-lo revelou. Sua graça foi tão abundante para conosco que podemos
dizer: “Nós temos a mente de Cristo” (1 Coríntios 2:16). Assim o apóstolo
termina a sua argumentação. Mas observem que ele diz também no capítulo 2 de
sua Primeira Epístola aos Coríntios: “O que é espiritual discerne bem tudo, e
ele de ninguém é discernido” (versículo 15). O cristão entende, porém o
incrédulo não o entende. E então Paulo faz uma pergunta: “Quem conheceu a
mente do Senhor, para que possa instruí-lo?” Sua resposta é que, conquanto
ninguém possa instruir Deus, não obstante, “nós temos a mente de Cristo”, e a
temos por causa das riquezas da graça de Deus que “foi abundante para conosco
em toda a sabedoria”. Ele nos deu poder para entender e compreender.
como a mente. Assim, pode se traduzir por “perspicácia” - “Em toda a sabedoria
e perspicácia”. Significa “discernimento espiritual”, a capacidade de discernir a
excelência das coisas de Deus, e de ter um correspondente afeto para com elas.
Portanto, as riquezas da graça de Deus tornaram-se abundantes para conosco,
não somente na sabedoria que me dá entendimento; toda a minha alma é
envolvida, o homem integral. Estão incluídos os meus afetos, o meu interesse, o
meu amor; todo o meu ser é conclamado; e eu o desejo de todo meu ser.
Em segundo lugar, as Escrituras, e somente elas, devem ser a nossa única e final
autoridade quanto a todas estas questões. A modernidade não faz absolutamente
nenhuma diferença. A revelação acha-se na Bíblia, e ali permanece sem mudar e
imutável. Não há nada adicional no século vinte, e nunca haverá. Deus revelou
o mistério; portanto, falar em mente moderna e em homem moderno é negar as
Escrituras. Nunca haverá, nunca poderá haver algum progresso sobre o qual
tenha havido revelação. Vivemos sobre “o fundamento dos apóstolos e profetas”,
e não podemos ir além deles.
Por último - e com prazer o digo! - visto que se trata do método de Deus, há
esperança para todos, de que o entendam. Como é algo que é revelado por Deus
e que Ele nos habilita a entender dando nos “sabedoria” e “prudência”, haja
intelecto ou não, não faz diferença vital. O entendimento dado por Deus
mediante o Espírito Santo está á disposição de todos. Torno a lembrar-lhes o que
o apóstolo diz aos Coríntios: “Não são muitos os sábios segundo a carne, nem
muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados”. “Deus escolheu
as coisas loucas”, as fracas, as vis, as desprezíveis, “as que não são; para
aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele” (1 Coríntios
1:26-29). Não é o poder do intelecto que faz o cristão; a salvação é espiritual; é
tudo dado por Deus. Ele nos dá a sabedoria e a prudência, como também a
verdade. Estamos todos no mesmo nível, e, portanto, não devemos gloriar-nos
em nada e em ninguém, exceto no Senhor.
1
“The National Gallery of London”, Trafalgar Square, Londres; “The Tate Gallery”, Millbank,
Londres. Nota do tradutor.
TODAS AS COISAS REUNIDAS EM CRISTO
Ainda que não seja qualificado para aconselhar estadistas, eu fui comissionado
para expor as Escrituras. Não sei o que vai acontecer neste mundo; ninguém
sabe. Não sei se haverá paz ou guerra, e se será tempo perdido tentar mexer
nesse assunto. Mas me proponho a tratar de um assunto que conheço, que
pertence a uma esfera muito mais ampla, e estou pronto para fazê-lo com a
autoridade que Deus me dá. O futuro imediato poderá trazer guerra ou paz;
não sei; todavia sei algo a respeito do futuro distante. Este é um dos pontos nos
quais o cristão e o não cristão se diferenciam e estão separados um do outro. O
cristão está interessado no futuro distante e no plano de Deus, e ele sabe que a
história terá fim de uma certa maneira. Há muitos que acreditam que é possível
cristianizar o mundo, e que o principal dever da pregação é procurar persuadir
as pessoas a aplicarem o ensino cristão às atividades do mundo. Mas esperar
comportamento cristão de pessoas não cristãs indica uma colossal ignorância
sobre o pecado e os meios de que se serve como são revelados na Bíblia. Não é
essa a mensagem revelada aqui e, na verdade, em parte nenhuma da Bíblia. O
que nos é dito aqui é algo que vai acontecer apesar do que os homens e as nações
façam ou deixem de fazer, pois é plano de Deus, e é absolutamente certo.
Se você entende estas coisas, esse entendimento o habilita a ver a presente crise
mundial e a permanecer calmo; você sabe que o supremo Deus é infalível.
Como poderemos saber qual dos dois sentidos adotar? Tudo depende de se você
a considera do ponto de vista de uma pessoa que exerce autoridade ou do ponto
de vista de uma pessoa que está sob autoridade. Se você considera a palavra do
primeiro ponto de vista, significa um plano, um esquema, uma economia; se a
considera do segundo, significa ofício, mordomia, administração. É certamente
claro que o primeiro significado aplica-se aqui, no versículo 10; ao passo que no
versículo 2 do capítulo 3 é óbvio que se aplica o segundo significado, sendo a
referência a ofício - “Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus,
que para convosco me foi dada”. Era sua obra, seu ofício. Uma mordomia, uma
administração lhe fora dada, diz ele. Mas no versículo 9 do capítulo 3 é
igualmente claro que o termo “dispensação” significa “plano” - “E demonstrar a
todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em
Deus”. Aqui no versículo 10 do capítulo primeiro o termo é obviamente aplicado
a Deus, Aquele que exerce autoridade e, portanto, significa plano,
esquema, economia. O apóstolo está dizendo que nos foi dado este
conhecimento, esta penetração no grande plano de Deus. O mistério que foi
revelado é que Deus tem um grande esquema, uma “economia” com relação a
este mundo, e que Ele o está pondo em operação.
presente hora é que este grande plano de Deus está sendo levado a efeito - “na
plenitude dos tempos”, nestes “últimos dias”, “nos fins do mundo” - e continuará
até for completado finalmente. Deus nos propiciou este conhecimento por meio
da “sabedoria” e do “discernimento”, da “prudência” que Ele nos deu. Podemos
ver que este grande plano original de Deus foi posto em operação neste mundo
pela vinda de Cristo, que ele está tendo prosseguimento e que continuará até ser
realizado completamente por Sua volta a este mundo.
Outra coisa que se nos diz é que este grande plano está sendo levado a efeito no
Senhor Jesus Cristo e por meio dEle. Paulo escreve: “De tornar a congregar em
Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que
estão nos céus como as que estão na terra, nele” (VA). O apóstolo deu-se ao
trabalho de repetir isso, e, não se satisfazendo em dizer “em Cristo”, teve que
acrescentar “nele”. Já tivemos ocasião de salientar isso diversas vezes. E sempre
Cristo; o apóstolo fica mencionando reiteradamente o Seu nome; e o faz porque
é tudo em Cristo. O apóstolo Lhe prestava culto e adoração, e ele parece estar
nos dizendo: jamais mencionarei demasiadas vezes o Seu nome, pois tudo é
nEle. Portanto, a Ele demos toda a glória e todo o crédito - sim, a “Ele”. A
mesma nota ocorre em Colossenses, capítulo primeiro, versículo 20:
“por ele...por meio dele”. Cristo é central, é essencial, e o que quer que se chame
cristianismo e não vá repetindo o nome bendito, em última análise é uma
negação do cristianismo.
Isso nos leva a considerar o que significa e o que inclui a expressão “todas as
coisas”, pois a dispensação, o plano, o propósito que está sendo levado a cabo na
hora presente e que começou com a Encarnação, é que Deus reconcilie em Cristo
todas as coisas. Isso é logo ampliado ou explicado pela frase “tanto as que estão
nos céus como as que estão na terra”. “Todas as coisas” haverão de ser re-unidas
em Cristo.
Várias idéias têm sido apresentadas para explicar essa expressão. Alguns não
hesitam em dizer que significa absolutamente todas as coisas em toda parte. Um
segundo grupo não vai tão longe, mas afirma que deverá ocorrer uma redenção
universal de todos os seres dotados de inteligência. Os desse grupo não hesitam
em dizer que tanto os homens bons como os maus, os anjos maus, e o próprio
diabo, vão ser redimidos e salvos - todos serão restabelecidos em sua relação
com Deus. Esse é o chamado universalismo; e é pena, porém está se tornando
cada vez mais popular atualmente. Segundo outro conceito, a expressão “coisas
no céu e na terra” refere-se aos judeus e aos gentios. Seu ensino é que os judeus
pertencem ao reino dos céus e ocupam posição especial; e que os gentios
pertencem à terra. Essa é uma das extravagâncias que se vêem em certa escola
de interpretação que traça uma distinção entre o reino dos céus e o reino de
Deus, apesar do fato de que essas expressões são empregadas uma pela outra nas
Escrituras. Essa escola de pensamento traças uma aguda divisão entre judeu e
gentio, e ensina que os judeus terão um lugar especial no reino de Deus.
Estarão em nível mais alto que os outros, pertencem aos céus, ao passo que os
restantes salvos pertencem à terra. Por isso os seguidores dessa escola explicam
“céu” e “terra” em termos de “judeu” e “gentio”. Outros dizem que a expressão
“todas as coisas” é uma referência a todos quantos pertencem a Deus, a todos os
remidos. “As coisas dos céus e as coisas da terra” dizem eles, referem-se
aos cristãos que já deixaram este mundo e estão na glória; já estão no céu, de
modo que “estão nos céus”, enquanto outros estarão vivendo na terra quando do
regresso de Cristo; são eles que “estão na terra”. Assim a expressão “tanto as que
estão nos céus como as que estão na terra” significa os remidos que já foram
para a glória e os remidos restantes, ou seja a totalidade dos remidos.
A chave disso tudo está na breve expressão “de novo”. O plano de Deus,
segundo o apóstolo Paulo, é re-unir todas as coisas em Cristo, congregá-las e
juntá-las de novo, trazê-las de volta, levar para diante, mais uma vez, todas as
coisas em Cristo. A expressão sugere imediatamente que as coisas já estiveram
outrora numa condição perfeita, entretanto não estão mais naquela condição.
Mas estarão de novo. Serão “re-unidas”.
A mesma idéia aparece na Epístola aos Hebreus, capítulo 12, onde se nos diz
que, como cristãos, já chegamos “ao monte de Sião, e a cidade do Deus vivo, à
Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e
igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e
aos espíritos dos justos aperfeiçoados...”. “Muitos milhares de anjos”? Eles são
parte integrante da harmonia; não é que eles são redimidos (eles jamais caíram),
porém estão sob a chefia de Cristo e O adoram e Lhe prestam serviço. Eles estão
conosco agora, e estarão conosco participando da glória eterna.
A terra também está envolvida. Diz-nos o apóstolo Pedro, em sua Segunda
Epístola, capítulo 3, que virá o dia em que haverá destruição da presente terra e
do mundo pelo fogo: “Os elementos, ardendo, se desfarão”. O mal e o pecado
serão queimados e eliminados do universo, e haverá “novos céus e nova terra,
em que habita a justiça” (versículos 12 e 13). O apóstolo Paulo, igualmente, no
capítulo 8 da Epístola aos Romanos, diz-nos que “toda a criação
geme e está juntamente com dores de parto até agora”. Ela está esperando “a
manifestação dos filhos de Deus”. A criação será envolvida na restauração de
todas as coisas: ela “será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da
glória dos filhos de Deus” (versículos 19-21). O autor da Epístola aos Hebreus se
lhes junta e diz, em seu capítulo 2: “Porque não foi aos anjos que sujeitou
o mundo futuro, de que falamos. Mas em certo lugar testificou alguém dizendo:
que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o
visites? Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o
coroaste, e o constituíste sobre as obras de tuas mãos: todas as coisas lhe
sujeitaste debaixo dos pés. Ora, visto que lhe sujeitou todas as coisas, nada
deixou que lhe não esteja sujeito. Mas agora ainda não vemos que todas
as coisas lhe estejam sujeitas; vemos, porém, coroado de glória e de honra
aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão
da morte”.
Cristo nos representa e nós estamos nEle, e assim vamos ser de novo elevados à
posição de “senhores da criação”, e todas as coisas serão colocadas sob nós. A
antiga harmonia original será restabelecida. Isaías fala disso profeticamente. Ele
viu que viria o dia em que “morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com
o cabrito se deitará, o bezerro e o filho do leão e a nédia ovelha viverão juntos, e
um menino pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e seus filhos
juntos se deitarão; e o leão comerá palha como o boi. E brincará a criança de
peito sobre a toca do áspide, e o já desmamado meterá a sua mão na cova do
basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o monte da minha santidade,
porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o
mar” (Isaías 11:6-9).
Mais uma vez devo fazer algumas perguntas. Você conhece estas coisas? Está
disposto a dedicar tempo a estas coisas - a ouvidas ou a ler sobre elas? Você sabe
que estas coisas são tão maravi-
lhosas que jamais ouvirá nada mais grandioso, nem neste mundo nem no mundo
por vir? Você se dá conta de que tem parte nestas coisas? Como eu disse no
início, não sei se está para haver outra guerra mundial ou não; mas, haja guerra
ou não, como cristãos estamos neste plano de Deus. Não se poderá inventar
bomba nenhuma, não se poderá cultivar e usar bactérias, não se poderá pôr em
uso armas químicas ou gases que possam fazer a mínima diferença para estas
coisas. Esse é o plano de Deus, como nos é revelado nas Escrituras, e o plano de
Deus será levado a cabo; e se eu e você estamos em Cristo, estamos envolvidos
nesse plano. Fomos destinados a ser elevados e restaurados ao que o homem
estava destinado a ser. Seremos “senhores da criação”. “Não sabeis vós que os
santos hão de julgar o mundo... (e) os anjos?”, diz Paulo aos Coríntios (1
Coríntios 6:2-3). Tratemos de decidir-nos a passar menos tempo lendo jornal e
mais tempo lendo a Bíblia.
Não permita Deus que façamos mau uso das Escrituras reduzindo-as ao nível das
nossas idéias ou dos eventos contemporâneos. Tenha em vista o propósito
supremo, o grande e glorioso propósito de Deus. Não seja exageradamente
particular em sua interpretação histórica contemporânea, não desperdice o seu
tempo em tentativas de fixar “tempos e estações”. O que importa é o plano de
Deus, o esquema eterno de Deus, esta “dispensação”, esta “economia”, este
propósito de que fazemos parte e que está sendo efetuado desde o princípio da
“plenitude dos tempos”. Pense na restauração final daquela gloriosa harmonia
vindoura, quando com todo o nosso ser louvaremos “o Cordeiro que foi morto”.
Viva por essa gloriosa restauração. O Cordeiro nos redimiu. Cantemos: “Ao que
está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, sejam dadas ações de graças, e
honra, e glória, e poder para sempre” (Apocalipse 5:13). Venham guerras,
venham pestes, seja solto o inferno “nada nos poderá separar do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus nosso Senhor!” Essa é a mensagem cristã para hoje. Dê
graças a Deus por ela, e regozije-se nela.
Não podemos senão notar de passagem a maneira interessante pela qual Paulo
expõe os seus temas. Nada é tão absorventemente interessante como observar a
sua mente em ação. Todo escritor tem as suas características particulares, o seu
estilo particular. Todo aquele que está familiarizado com o Novo Testamento
imediatamente pode dizer se um dado parágrafo vem de Pedro ou de Paulo ou de
João. E as características do apóstolo Paulo como escritor podem ser vistas com
muita clareza nos versículos que estamos examinando. Vêem-se nos próprios
termos que ele introduz. Paulo nunca se contenta em, dizer uma coisa uma só
vez; tem que repeti-la. Aqui o vemos dizer; “Em quem também fomos feitos
herança” (VA; “...Obtivemos herança”). Mas ele não se satisfaz com a afirmação
de que nós fomos feitos herança; diz-nos como foi que isso aconteceu -
“havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as
coisas, segundo o conselho da sua vontade”. Ele já tinha utilizado expressões
similares, contudo está disposto a continuar a utilizá-las.
Chamo a atenção para este ponto, e lhe dou ênfase, por esta boa razão, que esse
desenvolvimento é uma boa maneira de provar a nossa apreciação da fé cristã.
Paulo não pode dizer estas coisas sem espantar-se e admirar-se. Seu interesse por
elas não era meramente intelectual; ele não era apenas mestre; era
pregador, evangelista, pastor. Ele não pode considerar estas coisas de
maneira simplesmente desligada e objetiva. Por isso, quando diz: “fomos feitos
herança”, fica tão admirado com esse fato que parece indagar como foi que nos
aconteceu, e nos dá a única explicação possível, a saber, que foi “segundo o
conselho da vontade de Deus”. Uma palavra parece incendiá-lo, e ele vê nela
todo o panorama da salvação.
Naturalmente, os pedantes consideram isso um mau estilo. O apóstolo, dizem,
não era um bom estilista literário; ele não tinha um estilo castiço e polido; ele
enfeita, multiplica adjetivos; é repetitivo, amontoa epítetos sobre epítetos. As
autoridades o acusam do uso de “anacolutos”, o que significa que, tendo iniciado
uma linha de argumentação, permite que uma palavra o afaste, e ele se vê
tão arrebatado e posto em fogo por ela que interpõe louvores a Deus. Parece
esquecer o que ia dizer, e depois retoma àquele ponto. As vezes, porém, ele não
volta, e deixa inacabada a sentença. O que estou sugerindo é que os seus
“anacolutos” são uma indicação da sua espiritualidade. Ele não era um mero
litterateur,2 um mercenário; escrever não era o seu ganha-pão. Ele era um
evangelista, um apóstolo de Cristo e gostava de escrever a respeito de Cristo e
das coisas de Cristo. A sintaxe e a composição de sentenças, não eram o seu
principal interesse. A verdade era o objeto do seu interesse; e nestes versículos
ele a despeja sobre nós.
Estes catorze versículos, como já lhes fiz lembrar, são a introdução da Epístola
toda, e esta pode ser comparada com uma espécie de abertura que, numa ópera
ou numa sinfonia, apresenta os diversos temas. O apóstolo nos lembra o fato de
que Deus está executando este grande plano de re-unir, de levar para diante em
Cristo todo o cosmos, e agora ele começa a dizer-nos como Deus está fazendo
isso. Notem, primeiro, duas frases, uma no começo do versículo 11 e a outra no
começo do versículo 13. “Em quem também obtivemos uma herança”(VA), e
“Em quem também vós”.
Nestas duas frases Paulo nos mostra o início da execução deste grande plano.
Naturalmente, é preciso que esteja claro para nós qual a exata referência de
“Nós”, a quem ele se refere no versículo 11, e de “Vós”, no versículo 13. Há os
que dizem que “Nós” é apenas uma espécie de “Nós” editorial; que o apóstolo
está se referindo a si mesmo, mas, em vez de dizer “Eu”, diz “Nós”. Há outros
que dizem que “Nós” inclui judeus e gentios, todos os cristãos,
independentemente das suas origens. No entanto, certamente ambas as idéias são
insustentáveis.
Em minha opinião, “Nós” está em contraste com “Também vós” - Nós e Vós.
Está bem claro que “Vós”, no versículo 13, é uma referência aos gentios, aqui
representados pelos efésios e pelas diversas outras igrejas às quais esta carta
provavelmente foi enviada. Por isso devemos insistir em dizer que “Nós”, aqui é
uma referência aos judeus. Há mais um argumento, o qual põe um fecho nesta
exposição. Notamos que, concernente a este “Nós”, ele diz no versículo 12:
“Com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que primeiro esperamos
em Cristo” (ARC, semelhante à Versão Autorizada inglesa). A Versão Revisada
inglesa (“ERV”) diz: “Nós, que anteriormente havíamos esperado em Cristo”
(semelhante a ARA). Isso prova que “Nós”, aqui, é uma referência aos judeus.
Se vocês tomarem o texto como o vemos na Versão Autorizada, onde temos. “Os
que primeiro confiamos em Cristo”, a ênfase é ao fato de que os judeus creram
em Cristo cronologicamente antes de os gentios terem começado a fazê-lo. Eles
creram primeiro, e então os outros os seguiram. O nosso Senhor dissera aos Seus
apóstolos que eles deveriam ser Suas testemunhas “tanto em Jerusalém como em
toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (Atos 1:8). Historicamente, o
fato é que os judeus foram os primeiros cristãos. Ou, tomando a Versão Revista
inglesa, que diz: “Nós, que anteriormente havíamos esperado em Cristo”, a
referência é ao fato de que em toda a dispensação do Velho Testamento, os
judeus esperavam a vinda do Messias. De qualquer forma, ainda é
uma referência aos judeus.
A ênfase dada pelo apóstolo recai em “Nós” e em “Vós” -Nós, judeus, Vós,
gentios - em vista do assombroso fato de que eles foram aproximados, foram
feitos um em Cristo. “Em quem também obtivemos herança ... também vós” -
nós estamos juntos nisso. Este, como já sugeri, não é somente o grande tema
desta Epístola particular; é o tema de todo o Novo Testamento e,
particularmente, das
Paulo começa a sua Epístola aos Romanos com a mesma nota: por Cristo
“recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as
gentes” (1:5). De novo: “Um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os
que o invocam” (Romanos 10:12), venham estes de onde vierem. Ainda, na
Epístola aos Gálatas: “Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há
macho nem fêmea” (3:28). Foram-se as mais antigas divisões, e perpetuar
tais distinções é uma negação do evangelho de Jesus Cristo. Esse é o ensino, e
essa é a glória dele. Esta foi uma coisa assombrosa que aconteceu. Na mesma
Epístola aos Gálatas ele diz: “Se sois de Cristo (quer judeus quer gentios), então
sois descendência deAbraão, e herdeiros conforme a promessa” (3:29). Temos
que livrar-nos de todas as idéias carnais, materialistas, nacionais. Tudo isso
acabou; o que vale aos olhos de Deus é a semente espiritual em Abraão e
em Cristo. Existe uma nova nação, que consiste do povo de Deus; nós, cristãos,
somos o povo de Deus. Este é o novo caminho, o grande tema do Novo
Testamento, da nova dispensação; tudo mais foi abolido. Foi propósito de Deus
usar temporariamente os judeus; mas
agora Ele tem algo maior e mais grandioso, que inclui tanto os judeus como os
gentios.
A primeira coisa é que o que faz de nós cristãos é que estamos “em Cristo”. Não
há esperança de unidade fora do cristianismo. Nunca haverá verdadeira unidade
entre os homens, enquanto os homens não forem cristãos. Não se pode conceber
duradoura unidade e harmonia, não há esperança de restauração de acordo com
o que Deus fez originariamente, exceto quando os homens são transformados em
cristãos. E só somos cristãos quando estamos “em Cristo”.
Em terceiro lugar, numa exposição que mostra tanto o lado de Deus como o do
homem, Paulo nos dá uma explicação da maneira pela qual passamos a
participar destas bênçãos.
Em quarto lugar, ele nos mostra a garantia do fato de que temos estas bênçãos, e,
ainda mais importante, a garantia do fato de que
Jamais haverá ilustração mais perfeita disso tudo do que esta extraordinária
descrição de judeus e gentios. Entre eles havia aquela parede de separação no
meio; o judeu se via de certa maneira, e o mesmo fazia o gentio. No entanto as
relações entre eles eram tão más porque cada um fazia de si e da sua posição um
deus, e havia um conflito entre os seus respectivos deuses. O judeu orgulhava-se
de pertencer ao povo de Deus e de possuir a lei. A lei divina tinha sido dada à
sua nação. Os judeus não paravam para indagar se eles guardavam a lei, se eles a
honravam; isso não importava, o importante era possuir a lei. Os gentios nunca
tiveram a lei; não lhes fora dada. Os judeus desprezavam todos os que esta-vam
fora da comunidade de Israel considerando-os como cães, “sem Deus no
mundo”.
Mas esse tipo de atitude não se restringia aos judeus. Era igualmente
característica dos gentios, dos gregos, por exemplo. Os gregos tinham uma
grande herança de cultura e de capacidade intelectual; e tinha havido um período
espantosamente florescente na história da mente humana quando os principais
filósofos gregos -Platão, Sócrates, Aristóteles, e outros - examinaram a fundo
os problemas da vida e elaboraram as suas teorias e traçaram os seus planos para
a Utopia. Nenhum outro povo tinha feito isso; eles eram uma raça à parte, um
povo único. Os judeus e todos os demais eram para eles bárbaros. Assim se
orgulhava o grego de sua superioridade.
A maneira cristã é a única de lidar com tal situação. Isto, porém, não significa
como tanta gente ensina, que o que é necessário é aplicar o ensino de Cristo aos
problemas modernos, e que o dever da Igreja é dizer às pessoas como portar-se
de maneira cristã e como aplicar os princípios cristãos. Não é esse o ensino de
Paulo. Não há maior heresia, em certo sentido, do que esperar, conduta cristã de
pessoas não cristãs. Por que deveriam portar-se de maneira cristã? Elas não
concordam com o ensino cristão e não o aceitam. Ninguém pode viver a vida
cristã sem primeiro tornar-se cristão. O apóstolo deixa isso bem claro no capítulo
2 da nossa Epístola, onde ele diz: “Não vem das obras, para que ninguém se
glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas
obras” (versículos 9-10). Temos que ser “criados em Cristo”, antes de podermos
fazer boas obras; temos que estar vivos, antes de podermos agir. Um morto não
pode agir, e todos os que não estão em Cristo estão “mortos em ofensas e
pecados”. Eles não podem pôr em execução o ensino cristão, e nunca o fizeram.
Dou ênfase a isso porque às vezes é uma pedra de tropeço para os cristãos fracos
na fé, e certamente é uma pedra de tropeço para muitos que estão fora da igreja.
A dificuldade se apresenta da seguinte maneira: alguém nos diz: não posso crer
no seu cristianismo; ele tem sido pregado e ensinado durante quase dois mil
anos, e, todavia, veja o mundo! “Se a sua mensagem é certa” dizem muitos,
“então, por que o mundo não está melhor do que é?” A resposta é que o
cristianismo verdadeiro nunca afirmou que o mundo se tornaria cada vez melhor
dessa maneira, pois ele não é um ensino que deve ser aplicado pelos homens
como eles são. Só funciona quando os homens estão juntos “em Cristo”, numa
nova relação.
Vejamos como foi que isso aconteceu. Que foi que aproximou Paulo e os
efésios? Que foi que levou o judeu e o gentio a dobrar juntos os seus joelhos
diante de Deus e orar em um só espírito?
Cristo é a resposta. Cristo veio, viveu, ensinou, morreu e ressuscitou pelo judeu
e pelo gentio igualmente, pois o judeu não tinha guardado a lei mais do que o
gentio, e foi condenado pela mesma lei da qual se orgulhava. Quando Paulo,
judeu, enxergou o verdadeiro significado da lei e o seu caráter espiritual, e
enxergou principalmente o significado da cruz, ele viu que “todo mundo
era condenável diante de Deus”, que “não há um justo, nem um sequer”. O judeu
não era melhor que o gentio. “Todos pecaram e destituídos estão da glória de
Deus” (Romanos 3:9-23). O judeu não é superior ao grego; o grego não é
superior ao judeu. Todos eles rastejam no pó, no mais completo fracasso, e são
todos pecadores aos olhos de um Deus santo. Estão todos unidos na
condenação e no pecado. Arranca-se o orgulho de ambos, e eles são
esmagados no solo. Não há nada do que um deles possa gabar-se contra o outro;
a situação deles é de igual desamparo.
Mas então o evangelho prossegue e lhes diz que ambos podem ser redimidos e
reconciliados com Deus e um com o outro pelo sangue de Cristo. Unicamente
porque Cristo Se fez responsável pela culpa e pelo fracasso deles, e morreu por
eles, é que eles podem ter esta reconciliação; e ambos a recebem exatamente da
mesma maneira. Não é a lei que aproxima alguém dessa reconciliação; não é a
filosofia que o faz; é Cristo que introduz a ambos. Eles são iguais em todos os
pontos. Ambos também necessitam igualmente de força e poder para levar
adiante esta nova vida na qual foram introduzidos; por isso é dado a eles o
mesmo Espírito Santo, é-lhes dada a mesma nova natureza. Cristo está neles e
eles estão em Cristo . É tudo “nele”, e tudo provém dEle, e todos eles desfrutam
essa bênção juntos. Foram criados de novo, nasceram de novo, “em Cristo”. “Em
que nós...em quem vós...” (Efésios 1:11, 13).
a mão fala desse modo a qualquer outra parte do corpo. Todas são essenciais (1
Coríntios 12:14-27). Essa é a descrição. Todos um -não em Cristo como mestre,
mas vital, espiritual e misticamente membros do Seu corpo reunidos nEle pelo
Espírito Santo.
Insisto nisso, e digo que aVersão Autorizada inglesa está muito mais perto da
verdade. E pela seguinte razão: no versículo 14 o apóstolo fala definida e
explicitamente sobre herança - “O qual é o penhor da nossa herança, para
redenção da possessão de Deus” (VA: “para redenção da possessão adquirida”).
E evidente que é certo dizer que os cristãos são herança de Deus. Paulo mesmo
diz isso no versículo 18, porém aqui ele não está salientando essa verdade, mas
antes a nossa herança. O que ele diz aqui é que o judeu e o gentio são feitos um,
não somente porque tiveram os seus pecados perdoados da mesma maneira,
como também eles são juntamente herdeiros da mesma herança. “Nós”
obtivemos uma parte dela, diz Paulo, e “vós” obtivestes uma parte; estamos
nisso juntos,
somos “co-herdeiros”.
Parece claro que é isso que o apóstolo está dizendo aqui. Como já lhes fiz
lembrar no capítulo 3 ele diz que a mensagem especial a ele confiada era que os
gentios deveriam ser “co-herdeiros, e de um mesmo corpo”. De fato ele diz a
mesma coisa no capítulo 2, versículos 12 e 13 - “Que naquele tempo estáveis
sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da
promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em
Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes
perto” e vos tornaste membros da “família de Deus” (versículo 19). Agora eles
estão na mesma família.
Em Cristo , o judeu e o gentio não somente estão juntos e são co-herdeiros; ainda
mais maravilhoso, são co-herdeiros com Cristo. Essa é a declaração que o
apóstolo faz em sua Epístola aos Romanos , capítulo 8, versículo 17 - “E, se nós
somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus e (portanto) co-
herdeiros de Cristo” (ou, “com Cristo” - VA e ARA). Estamos “nEle”,
pertencemos a Ele, e, portanto, somos co-herdeiros com Ele - co-herdeiros uns
com os outros e co-herdeiros com Ele. Tudo é e está em Cristo.
Se captássemos isso como devíamos, não somente seriamos o povo mais feliz na
face da terra, mas também nos regozijaríamos “com gozo inefável e glorioso”.
Isso porque, com Paulo, compreenderíamos que temos interesse em tudo isso,
temos parte nisso; pertencemos ao povo que vai participar disso. Virá o grande
dia em que o pecado e o mal serão destruídos, e o diabo será lançado no lago da
perdição. Esta harmonia perfeita será então restabelecida na totalidade do
cosmos. Essa é a bênção que vem a quem está “em Cristo”, ao cristão. Ele é
herdeiro da bênção completa; ele vai ser um herdeiro dela. E assim será com
todos os seus conservos cristãos. Aguardemo-lo juntos, pois.
Em última análise, significa ver a Deus. Significa estar com Cristo e usufruir a
Sua glória. Significa reinar com Cristo: se sofrer-mos com Ele, também
reinaremos com Ele. O reino de Deus e do Seu Cristo vem; e nada poderá detê-
lo. E é certo que nós, que estamos “em Cristo”, estaremos lá. Será naquela nova
terra e sob os novos céus, e gozaremos o Paraíso, e comeremos os seus frutos
celestiais. Passaremos a eternidade fazendo isso. Vamos “julgar os
homens”, vamos “julgar os anjos”, porque estamos “em Cristo”. Com Ele
desfrutaremos aquele estado eternamente bem-aventurado que jamais terá fim.
Os homens e as mulheres que crêem nesta verdade, e que sabem que esta
verdade lhes diz respeito, não se interessam demais por este mundo e pelo que
nele acontece. As nações entram em conflito porque desejam dilatar os seus
impérios, ou tomar alguma porção de terra. Dá-se o mesmo com os indivíduos.
Assim é por causa do seu senso de valores. As pessoas lutam por dinheiro,
por posição, por popularidade, por qualquer coisa. Isso é o resultado do seu
espírito possessivo, do seu egoísmo, da sua cobiça. Essas são as únicas coisas
com as quais se preocupam e que valorizam; e tão logo vêem as coisas dessa
maneira, continuarão brigando e lutando por elas, não importa quão instruídas e
culturalmente avançadas elas sejam. Se servir aos seus propósitos adotar
princípios cristãos, elas os adotarão; há nações que muitas vezes usaram o
cristianismo para estender impérios! Contudo isso não é cristianismo. A
essência da posição do cristão é que ele enxergou a herança
“incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardada nos
céus” por Deus, para aqueles que estão em Cristo Jesus. O homem que não teve
mais que um vislumbre dessas coisas passa de leve por esta vida e seus
interesses. Ele pensa “nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra”
(Colossenses 3:2), e sabe que todos quantos fizeram isso são co-herdeiros com
ele. Desapareceram pois, a luta, a briga e a parede de separação que estava no
meio. Somos todos um, buscamos as mesmas coisas. A única harmonia que este
mundo conhecerá é a harmonia produzida nos homens e nas mulheres, e por
meio dos homens e mulheres que em Cristo fixaram o seu pensamento nas coisas
que são de cima. “Em quem também obtivemos herança; em quem também
vós...”
Ah! Que alegria estar entre os remidos! Que alegria saber que, ainda que
sejamos despojados de todas as coisas aqui, a nossa herança final está garantida,
a salvo e segura! Você tem parte nela? Foi-lhe dada uma “porção”? Foi dada,
afirma Paulo, a todos os que estão “em Cristo”, a todos quantos têm sua
esperança nEle posta.
Agora passamos a considerar, em terceiro lugar, a maneira pela qual tudo isso
nos aconteceu, como foi que isso veio a ser uma realidade com relação a nós,
conhecendo-nos a nós mesmos como nos conhecemos. Como é que alguém se
torna cristão? Como é que alguém entra nesta posição na qual ele está “em
Cristo” e é “co--herdeiro” com Cristo? Afortunadamente o apóstolo trata
desse assunto também. Ele não se contenta em dizer que isso é verdade
quanto a nós; ele nos diz como isso aconteceu. E ele o faz, por certo, porque era
algo que nunca deixara de causar-lhe admiração. Conforme avançamos, veremos
Paulo usando diversos termos que já encontramos. Vimo-los nos versículos 4 e
5. Estão incluídos certos grandes termos e frases que se encontram em toda a
extensão do Novo Testamento, termos absolutamente essenciais a um verdadeiro
e supremo entendimento do evangelho: “Em quem também obtivemos herança,
havendo sidos predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as
coisas, segundo o conselho da sua vontade”. Nos versículos 4 e 5 lemos: “Como
também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos
e irrepreensíveis diante dele em amor; a nos predestinou para filhos de adoção
por Jesus Cristo, para si mesmo”. Eis os termos. Estamos aqui face a face com
elevada doutrina, com algumas das grandes profundidades da fé cristã e da
mensagem cristã. Alguém poderá perguntar: por que o apóstolo repete esses
termos aqui, tendo-os usado já nos versículos 4 e 5? A explicação não somente é
simples, como também é importante. Nos versículos 4 e 5 o apóstolo
estava tomando uma vista geral do propósito de Deus, vendo-o, por assim dizer,
do ponto de vista eterno. Agora ele não o está examinando de modo geral,
apenas, mas também em sua aplicação particular a nós. Lá era o grande esquema
propriamente dito; aqui é o esquema aplicado a nós. Todavia ele continua a usar
os mesmos termos que tinha usado lá. Eles servem não somente para o
pensamento, mas também para a aplicação.
Muitos cristãos nunca estudam esses termos, nunca se demoram neles, nunca
voltam a eles em suas mentes. Permitam-me provar essa afirmação fazendo uma
pergunta. Quantas vezes você ouviu alguém passar lentamente, termo por termo,
por esse grande capítulo? Ou quantas vezes você o leu dessa maneira? Não
corremos o risco de evitar esses grandes termos por certas associações que eles
têm? Isso é uma coisa sobre a qual nós, como cristãos, precisamos ser muito
cautelosos na hora presente, porquanto alguns aspectos da verdade do Novo
Testamento simplesmente não estão sendo considerados por causa de certo
elemento de controvérsia ligado a eles. É grande o número de cristãos que
ignoram totalmente a verdade profética, por exemplo, porque a sua atitude para
com ela é determinada pelo fato de que ela leva à argumentação e contenda
sobre várias teorias. Eles imaginam que assumir essa posição é sábio e seguro.
Mas o que de fato estão fazendo é ignorar
submeter-nos às Escrituras.
Saliento isso negativamente dizendo que não devemos abordar estas questões em
termos da filosofia. Todos nós tendemos a começar de idéias próprias ou
herdadas quanto ao que Deus deveria fazer, e ao que é correto que Deus faça, e
se Deus não Se porta daquela maneira, podemos até imputar injustiça a Ele. Isso
é filosofia; é um exemplo do filósofo pondo a sua mente contra a revelação de
Deus. Não há nada que seja mais perigoso. Por se comportarem dessa maneira,
muitas pessoas mostram que são por demais anticristãs. Elas dizem: “Não posso
entender essa idéia de encarnação - duas naturezas em uma pessoa” - e assim a
rejeitam. A insistência no entendimento faz parte da filosofia. Não podem
entender a expi-ação, dizem tais pessoas, e por isso não crêem nela. Muitos
que rejeitam o evangelho, rejeitam-no simplesmente porque não conseguem
entendê-lo. Tecnicamente não são filósofos; não obstante, falam filosoficamente.
Este ensino não está restrito à Epístola aos Efésios; acha-se em toda parte nas
Escrituras. É um tema grandioso que percorre todo o Novo Testamento, talvez
com maior clareza no Evangelho Segundo João. Este aspecto particular da
verdade acha-se de maneira a mais clara nos lábios do nosso bendito Senhor e
Salvador, como se vê nos capítulos 6 e 10 do Evangelho Segundo João. Vê-se
igualmente no capítulo 17, na oração sacerdotal. Mas é igualmente certo dizer
que essa é a doutrina que também sobressai no Velho Testamento. Somente ela
explica porque Israel foi a raça escolhida, por que os judeus foram o povo
escolhido. Não foi por coisa alguma que houvesse neles. A verdade é que, como
alguém disse - e eu acredito que há forte justificação para esse dito - Deus os
escolheu a fim de mostrar que, se Ele pudesse fazer algo daquela gente, poderia
fazê-lo de qualquer outra. Considerem a história que se vê no Velho Testamento;
não há nada que seja tão miserável e sem esperança. Sua salvação era de Deus, e
Deus diz isso, e o diz especificamente a eles. Ele lhes fala clara e repetidamente
que os tinha escolhido, não porque houvesse algo de meritório neles, porém
por amor do Seu nome, e para que se manifestasse a Sua glória. Toda a história
do Velho Testamento, da vocação de Abraão em diante, é de Deus. “De todas as
famílias da terra a vós somente conheci”, diz Ele por meio do profeta Amós
(Amós 3:2). .
Esse é o aspecto da verdade que cobre todos os demais, mas Paulo o divide em
suas partes componentes. A primeira coisa que ele nos diz é que Deus planejara
tudo isso segundo o Seu “propósito”. “Nele, digo, em quem também fomos
feitos herança, havendo sido predestinados segundo o propósito daquele...” Esta
palavra “propósito” acentua o fato de que a idéia original, o pensamento em seu
início, é algo que teve Deus por seu autor. O Deus eterno engendrou o propósito
de restabelecer esta unidade, esta harmonia, e isso em termos de certas pessoas,
“antes da fundação do mundo”. Mas depois o apóstolo acrescenta algo a isso,
dizendo: “conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o
conselho da sua vontade”. Esta frase sumamente importante, “o conselho da
sua vontade”, é acrescentada parece-me, para salvaguardar a idéia prévia de que
o propósito é inteira e unicamente de Deus; razão pela qual o apóstolo já dissera
a mesma coisa. Ele o fizera no versículo
5: “E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito de sua vontade”. Também no versículo 9: “Descobrindo-
nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si
mesmo”. A repetição é o modo de dizer do apóstolo que este propósito
concebido por Deus não foi sugerido a Deus por ninguém. Torno a citar a
pergunta do capítulo 14 de Isaias: “Quem guiou o Espírito do Senhor? E
que conselheiro o ensinou?” (versículo 13). É tudo “conforme o conselho da
vontade de Deus”.
Ninguém sugeriu a Deus que seria bom fazer isto ou aquilo. Não somente não
foi sugerido por ninguém, mas nem mesmo foi sugerido a Deus, como alguns
supõem, em razão do Seu pré--conhecimento, pelo qual Ele viu que certas
pessoas iam pensar e fazer certas coisas, em conseqüência do que os Seus
pensamentos foram determinados. Tal idéia é uma completa negação daquilo
que o apóstolo ensina na passagem que estamos estudando. É tudo de acordo
com o conselho da Sua vontade. Ele pensou conSigo mesmo, ele deliberou e
meditou conSigo mesmo. Todo o plano da salvação, do começo ao fim, é
exclusivamente de Deus, com coisa alguma vinda de fora. Tudo se origina em
Deus, tudo provém de Deus. Eu disse no princípio que estávamos considerando
uma elevada doutrina. Não existe nada que seja mais glorioso que isto, que tenha
sido do agrado de Deus revelar-nos estas coisas. E por isso que constantemente
devemos dar graças a Deus pela Bíblia e seus ensinamentos, que ressaltam a
aplicação do grande plano de Deus a mim e a vocês.
grandioso e mais estonteante do que o fato de que Deus pensou em mim, pensou
em vocês, no conselho da Sua vontade?! Ele não somente concebeu o plano; viu-
nos nele. “Nós”, diz Paulo - “nós judeus, que primeiro confiamos em Cristo,
fomos predestinados, e vocês, gentios, também têm parte nesta herança. Deus
predestinou que tanto nós como vocês, judeus e gentios, estivéssemos nisso. Não
estamos só na mente e no coração de Deus; sempre estivemos ali. Estamos ali
agora porque estávamos ali antes da fundação do mundo.”
E Deus que executa este propósito. Esta é a verdade mais admirável e mais
consoladora e fortalecedora que podemos conhecer. Ela é toda a base da minha
segurança no presente momento; é também a garantia do meu futuro. Foi Deus
que me colocou onde estou, e “aquele que em vós começou a boa obra a
aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6). Estou neste plano de
Deus, e sou o que sou, apesar do meu pecado, apesar de toda a verdade a meu
respeito, apesar do fato de que, com os outros, eu estava morto em ofensas e
pecados”. “Havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que fez
todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade.”
Contudo, não devemos pensar nisso somente num sentido pessoal, Este
propósito concebido na mente eterna de Deus, além da referência particular a
mim e a vocês, também tem em vista a “plenitude dos judeus”. Esta constituirá o
grande reino, o povo, a família de Deus, reunida daquela maneira, e sendo
reunida através dos séculos. Esse é o plano de Deus.
Deus anunciou o Seu plano, o Seu propósito, dizendo que a semente da mulher
esmagaria a cabeça da serpente. Quando lemos o Velho Testamento, vemos Deus
executando o Seu plano. Ele é o trabalhador, aquele que faz todas as coisas.
“Somos feitura sua.” Nada vem de nós - “Não vem das obras para que ninguém
se glorie” (Efésios 2:9). Quando lemos a história, vemos Deus produzindo o
Dilúvio, porém, salvando um remanescente, apenas uma família - oito almas,
Noé e sua família. Foi Ele que lhes disse o que fazer para salvar-se; Ele os
colocou na arca. Mais tarde chegamos à vocação de Abraão. Tudo isso faz parte
da execução do grande propósito de Deus. Ele estava preparando tudo para a
vinda do Seu Filho, o Messias, em quem o plano se centralizava. Mas a
preparação era necessária; e esta era inteiramente obra de Deus. Ele olhou para
Abraão em suas circunvizinhanças pagãs, e o chamou dentre elas. Esse foi outro
passo vital na execução do plano. Ele fez daquele homem uma nação. Em
seguida vieram os patriarcas e os seus descendentes, os filhos de Israel. Logo os
vemos como escravos no Egito, e numa situação aparentemente desesperadora.
Todavia Deus os livra do Egito e os conduz à Canaã. Constantemente pecam e
se desviam, e Ele lhes envia profetas para admoestá-los. Finalmente são levados
para o cativeiro na Babilônia; mas Ele traz de volta à Canaã um remanescente.
Se o plano tivesse dependido dos judeus, teria fracassado. Contudo era o próprio
Deus que o estava executando.
Depois, “vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei...a fim de recebermos a adoção de filhos” (Gálatas 4:4-
5). Deus está executando agora o Seu plano por intermédio do Seu Filho. O
Filho veio para efetuar a nossa salvação. Ele obedeceu à lei, fez manifestações
da Sua glória, e levou sobre Si os pecados do Seu povo em Seu corpo no
madeiro, fazendo com isso expiação pelos nossos pecados. Depois ressurgiu do
túmulo, subiu ao céu e enviou o Espírito Santo. E tudo obra de Deus; é Deus
levando a efeito o Seu propósito em todas as coisas, “segundo o conselho da sua
vontade”. E isso está sendo efetuado em nós também. Não fosse assim, nenhum
de nós seria cristão. Ele nos desperta, nos convence do pecado, nos regenera e
nos dá o Espírito Santo para habitar em nós.
Mas alguém poderá perguntar: que dizer da injunção: “Operai a vossa salvação
com temor e tremor”? A resposta é “Deus é o que
opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade”
(Filipenses 2:13). Foi Deus que nos deu “o Espírito (que) penetra todas as coisas,
ainda as profundezas de Deus” (1 Coríntios 2:10), se não, jamais entenderíamos
estas coisas. Do começo ao fim, Deus está efetuando o Seu grande esquema e
propósito. No capítulo 8 de Romanos, o apóstolo diz, no versículo 28:
“Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto” (VA: “...todas as
coisas trabalham juntas (cooperam) ... daqueles que são chamados segundo o seu
propósito”). Notamos aí os mesmos termos - “propósito”, “chamados”,
“trabalhar” ou “efetuar”. E então Paulo continua: “Porque os que dantes
conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho;
a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a
estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que
justificou a estes também glorificou”. É Deus que efetua toda essa obra, desde o
começo até o fim - “Ele”! “Ele”! “Ele”!
Mas isso não é o fim da história; é só o começo. Essa parte nos explica por que e
como nos tornamos cristãos. Explica por que nos interessamos por estas coisas e
gostamos do culto público, e por que não continuamos tendo uma vida mundana
como tantos outros fazem. Não há nada de excepcional em nós; não é que nós
somos diferentes ou melhores do que os outros por natureza. Não
somos melhores do que o mundo, precisamente como Jacó não era melhor do
que Esaú. De fato, pode muito bem ser que o contrário foi a verdade. Como
homem natural, Esaú parece que foi um tipo muito melhor, mais cavalheiro e
mais agradável do que Jacó. A salvação não se baseia em coisa alguma que haja
em nós. É fruto do propósito de Deus , “segundo o conselho da sua vontade”. É a
execução feita por Ele daquilo que Ele predestinou, predeterminou.
Ainda iremos considerar os meios que Deus usou para realizar essa obra, o modo
como Deus a efetua, e o que Ele requer de nós na execução do Seu grande e
glorioso propósito. Mas, como era nosso dever, começamos onde o apóstolo
começa, porque o que sempre deve estar em proeminência é a glória de Deus.
“Com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que primeiro
esperamos em Cristo.”
1
Quando a referência é a Cristo como cabeça da Igreja (Seu corpo), a tradução deve ser “Cristo, a
cabeça”, como em Colossenses 1:18, quando a referência é a Cristo como Chefe (sem a ligação
orgânica que há entre Ele e a Igreja), a tradução deve ser “Cristo é o cabeça”, como faz ARA em
Colossenses 2:10. Nota do tradutor.
2
Literato; pessoa que se ocupa de literatura. Em francês no original. Nota do tradutor.
“OUVISTES, CRESTES, CONFIASTES”
Já vimos que somos cristãos porque Deus executa Seu plano, e faz isso usando
meios. Nestes versículos nos é dito exatamente quais os meios de que Ele faz
uso a fim de colocar-nos “em Cristo”, a fim de fazer-nos herdeiros da herança
que Deus preparou para nós em nosso bendito Senhor e Salvador. No versículo
13 Paulo diz: “Em quem também vós crestes, depois que ouvistes a palavra da
verdade, o evangelho da vossa salvação”. 1 Estas palavras descrevem os meios
que Deus sempre usa para tornar-nos cristãos. No livro de Atos dos Apóstolos
vemos isso claramente na prática. O Senhor Jesus Cristo, a Cabeça da Igreja, a
quem fora confiada esta obra, deixou apenas um punhado de pessoas na terra,
quando ascendeu ao céu. Parecia totalmente impossível que este grande esquema
de Deus fosse levado a efeito por um simples punhado de pessoas - e que
pessoas! Mas aconteceu! Foi dito aos apóstolos que esperassem em Jerusalém
até que o Espírito Santo viesse sobre eles, e depois partissem', como testemunhas
de Cristo. Eles deviam ir pregar a Palavra. E foram, como consta no livro de
Atos dos Apóstolos. Assim é que Ele nos torna cristãos. Foi dessa maneira, e por
intermédio da “palavra da verdade, o evangelho da nossa salvação”.
Pois bem, não hesito em asseverar que, se a experiência dessa pessoa pára nesse
ponto, ela não é cristã no verdadeiro sentido do termo. O cristão é alguém que
compreende que toda a sua posição depende unicamente da Pessoa e obra do
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo . A “palavra da verdade”, “o evangelho da
nossa salvação” é essencial. A pessoa que acabo de descrever está exatamente na
mesma situação dos judeus do Velho Testamento. Estes criam em Deus,
tentavam agradar a Deus, guardar os Seus mandamentos e servi-lO. Muitas
vezes se sacrificavam bastante para fazê-lo. Essa era a situação dos fariseus.
Jejuavam duas vezes por semana e davam o dízimo dos seus bens aos pobres;
adoravam a Deus e viviam para Ele conforme o seu modo de pensar. Mas não
eram cristãos, e foram grandes oponentes do Senhor Jesus Cristo.
O que nos diferencia dos não cristãos é que confiamos inteiramente nesta
“palavra da verdade”, neste “evangelho da nossa salvação”. A boa nova não
consiste em dizer que se deve servir a Deus e agradá-10. A boa nova consiste em
falar do que Deus fez por nós em Cristo. O evangelho é isso; é esta salvação que
é acessível graças ao que o Senhor Jesus Cristo fez. Daí decorre que lemos sobre
o apóstolo Paulo exortando o jovem Timóteo a “pregar a palavra”. Ele não lhe
diz que simplesmente exorte as pessoas a servirem a Deus ou a terem vida
melhor ou a buscarem certa experiência. Sua exortação é: “Que pregue a
palavra”, “faze a obra dum
Por natureza estamos todos sob a ira de Deus, somos todos pecadores; portanto,
antes de começarmos a buscar um sentimento feliz ou uma “experiência”, temos
que aperceber-nos da nossa perigosa situação. Estamos condenados pela lei de
Deus, estamos debaixo da Sua ira, corremos perigo de perdição eterna.
Precisamos ser libertados da “ira futura”. A boa nova da salvação é que podemos
ser libertados da ira por vir porque o Senhor Jesus Cristo levou sobre Si a ira por
amor de nós. O apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios, esclarece que a sua
obra como pregador era proclamar que “tudo provém de Deus que nos
reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da
reconciliação; isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo”.
Mas, para evitar mal-entendidos, ele desenvolve esse tema em detalhe para os
seus leitores, e acrescenta: “não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós
(os pregadores) a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores da
parte de Cristo, como se Deus por nós
rogasse. Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus.
Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos
feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:18-21). A boa nova é que Deus fez tudo em
Cristo, Ele nos livrou da ira vindoura, Ele nos reconciliou conSigo. Ele nos
preparou para esta herança e fez de nós Seus filhos. Tudo isso é resultado do
fato de que Deus tomou os nossos pecados, colocou-os sobre o Seu Filho e os
puniu e os tratou ali. Dessa maneira Ele nos perdoa e nos dá todos estes
benefícios. Essa é a mensagem da salvação. Essa é a “palavra da verdade”. Não
é suficiente que nos perguntemos a nós mesmos se cremos em Deus, e tentamos
servir a Deus, agradá-10 e viver uma vida virtuosa. Compreendemos o que Deus
fez por nós em Cristo? Chegou a nós esta “palavra da verdade”? Dou-me
conta de que toda a minha posição se baseia nesta palavra da verdade,
no evangelho, nas boas novas de salvação?
Há outra declaração desta verdade, feita por este mesmo apóstolo, em sua
Primeira Epístola a Timóteo, onde ele afirma que Deus “quer que todos os
homens se salvem” (2:4). Notem, porém, que ele tem todo o cuidado de
acrescentar imediatamente que essa declaração significa “vir ao conhecimento da
verdade”. Não basta ser capaz de dizer: “Estou tendo uma vida modificada, sou
um homem diferente, sou melhor do que era”. A questão vital é: você tem
conhecimento da verdade? Você sabe em que crê? Você pode dar a “razão da
esperança que há em vós? Diz o apóstolo Pedro que devemos estar preparados o
tempo todo para dar a razão da esperança que há em nos “com mansidão e
temor” (1 Pedro 3:15). Portanto, o cristão é alguém que tem conhecimento da
verdade, e da Palavra da verdade, e sabe que tudo lhe veio mediante
aquela Palavra. Deus realiza esta obra em nós através e por intermédio
da Palavra.
as partes, crentes e incrédulos, tinham ouvido a mesma palavra; por isso é óbvio
que não é apenas uma questão de apresentar a mensagem. Isso tem que ser feito
porque a palavra da verdade é essencial; mas a mera apresentação da palavra da
verdade, em si e por si, não realiza a obra. O fator adicional e essencial é a obra
realizada pelo Espírito Santo.
Espírito Santo, não há quem possa fazê-lo. Para o homem natural essas coisas
são loucura. “O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus,
porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente” (1 Coríntios 2:14). Nenhum homem, como o homem é por
natureza, e em conseqüência do pecado, tem possibilidade de crer no evangelho.
A obra do Espírito Santo é absolutamente essencial. Com relação a isso o Senhor
proferiu as seguintes palavras, registradas no capítulo 11 do Evangelho Segundo
Mateus: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas
coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos”. E prossegue,
dizendo que só há uma explicação dessa ação, a saber: “Sim, ó Pai, porque assim
te aprouve” (versículos 25-26). Não há explicação senão esta, que o Pai teve esse
propósito, “segundo o conselho da sua vontade”. Não podemos entender isso,
mas sabemos que é a verdade. Não nos fizemos cristãos; não é coisa alguma que
haja em nós - “Sou o que sou pela graça de Deus” - e esta verdade refere-se a
todos os cristãos. Isso não é para ser entendido, e sim, para ser cri do e para
ser admirado.
Trata-se de uma operação dual. O Espírito está na Palavra, mas precisa estar em
meu coração também, e abri-lo, para que eu possa receber a Palavra. É o Espírito
que nos vivifica; é o Espírito que nos dá vida, tirando-nos da morte do pecado na
qual todos estamos por natureza; é o Espírito que nos dá a faculdade da fé; é o
Espírito que nos dá um novo princípio de vida que torna possíveis todas
estas coisas. Há um resumo disso tudo no capítulo 2 desta Epístola aos Efésios,
versículo 8: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de
vós; é dom de Deus”. A fé é dom de Deus. Pelo Espírito Deus nos capacita a
crer. Sem esta operação do Espírito, permanecemos mortos para a Palavra, e não
a “vemos”. Mas quando o Espírito sopra na Palavra, Ele traz à luz a verdade.
Vemo-la, e por isso cremos nela.
Isso nos leva ao terceiro e último passo no que diz respeito àquilo que eu e vocês
temos que fazer. Sem que o saibamos, o Espírito esteve operando e, como
resultado disso, acontecem três coisas. Ouvimos a Palavra, cremos nela,
confiamos ou esperamos nela. As três palavras que o apóstolo emprega aqui,
nesta Epístola são: “Em quem também vós crestes (ou confiastes ou
esperastes), depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da
vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo
da promessa”. Devemos entender claramente que Deus, mediante o Espírito
Santo, não opera ou age em nós mecanicamente. Deus não força a nossa
vontade; Deus não compele ninguém a crer contra a vontade no evangelho. Não
é essa a Sua maneira de agir. Não somos tratados como autômatos. O que
acontece é que Deus persuade a vontade; Ele torna atraente a verdade para nós.
Assim é que homem nenhum jamais creu no evangelho contra a sua vontade;
foi-lhe dado vê-lo de tal maneira que ele o deseja, admira-o, gosta dele.
Essa é a verdade com relação à nossa experiência. Houve tempo em que não
víamos nada destas coisas, mas agora elas se tornaram tudo para nós. A
diferença é explicada pelo fato de que há uma mudança em nós resultante da
operação mediante o Espírito Santo em nós. A verdade que nos parecia coisa
aborrecível, nada interessante e sem atrativo, de repente se torna a coisa mais
maravilhosa que ouvimos em toda a nossa vida. É a mesma verdade, e pode ser
que a tenhamos ouvido do mesmo pregador. O fato é que somos diferentes,
agora temos em nós um novo princípio ou dispo-
Tendo-nos tornado possível agir, Deus nos chama à ação. A palavra é pregada e
nós a ouvimos. Mas ouvir não é suficiente. Não somente devemos ouvir esta
Palavra; temos que crer nela. E o homem que verdadeiramente a ouve, crê nela.
Ele passou a ver-se como pecador, passou a ver a lei de Deus o condenando;
agora ele tem alguma concepção sobre a santidade de Deus; e compreende que
tem de comparecer perante Deus no juízo. E assim ele fica preocupado e
alarmado com a sua situação. Que é que ele pode fazer? Ele ouve esta mensagem
que fala de Cristo morrendo pelos pecados e diz: “Ai está exatamente o de que
necessito; quero esta mensagem; creio nela, apesar de não compreendê-la
plenamente”. Portanto, tendo-a ouvido, ele crê; e percebe que o seu dever é crer,
porque todos são chamados ao arrependimento e à fé.
O último termo usado pelo apóstolo é traduzido pela Versão Autorizada (inglesa)
por “confiastes”. Na Versão Revista (inglesa) e nalgumas outras versões é
traduzido por “esperastes”. Essa tradução é igualmente boa porque as duas
palavras significam praticamente a mesma coisa, a saber, que colocamos a nossa
esperança, a nossa fé pessoal, a nossa confiança, em todos os aspectos,
no Senhor Jesus Cristo. É isso que nos torna cristãos. Por isso o apóstolo diz
aqui, acerca dos judeus, “com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os
que primeiro esperamos em Cristo”; ou, noutras palavras, nós, judeus, que fomos
os primeiros a compreender que Cristo é a nossa única esperança e a nossa única
fonte de confiança, a única base de nossa certeza. O apóstolo
prossegue, dizendo: “Em quem também vós confiastes”. A palavra confiastes foi
acrescentada, e nem ela nem a palavra esperastes (ARC: “estais”) estão no
original. “Em quem também vós (obtivestes uma herança)
O cristão é alguém que centraliza toda a sua esperança no Senhor Jesus Cristo.
Quando ele pensa em seu passado e olha retrospectivamente, é-lhe dada paz com
relação a isso, não simplesmente porque ele crê que Deus é um Deus de amor
que está pronto a perdoar; não, é-lhe dada paz acerca do seu passado porque
ele sabe que os seus pecados passados foram lançados sobre o Senhor Jesus
Cristo em Sua morte na cruz do Calvário. Ele sabe que Cristo os levou sobre Si e
os eliminou. É unicamente este fato que lhe dá fé segura, esperança e confiança
quando recorda o seu passado; nada menos do que isso. Sem isso, ele não teria
segura esperança, não seria cristão. Com relação ao presente, ele está ciente da
sua fraqueza, está ciente da sua indignidade, está ciente do terrível poder
do pecado e da tentação em seu interior; mas, ainda assim, ele tem
esta esperança, fé e confiança. Sempre com base na verdade, isto é, no Senhor
Jesus Cristo e Sua obra -
e -
Tais são as expressões da sua confiança, com relação ao presente. E quando ele
olha para o futuro, essa confiança permanece inabalável. Ele não sabe o que vai
acontecer, ele está no mesmo mundo de todos os demais; poderão vir guerras,
poderão vir pestes, o diabo certamente estará presente, a tentação e o pecado não
mudarão, o mundo não mudará, nada mudará, e, além, disso, ele é fraco;
como pode, pois, encarar e enfrentar tudo isso? Ele sabe que Aquele que está
com ele “nunca o abandonará nem o desamparará”. E então, acima de tudo o
mais - a morte! É certo que ela vem, e tem que ser enfrentada. Mas ele continua
feliz, cheio de esperança, confiança e certeza. Aquele que tem estado com ele na
vida, estará com ele na morte. “Não te deixarei, nem te desampararei” (Hebreus
13:5). Por isso ele pode dizer com Paulo: “Estou certo de que, nem a morte, nem
a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente,
nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade,
nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em
Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 8:38-39). Seria Cristo a base de toda a sua
esperança, confiança e fé? Se não é, você não tem direito de dizer-se cristão.
Contudo, se você pode dizer:
Não ouso confiar na mais rica disposição Mas de todo me apóio no nome de
Jesus:
- Efésios 1:13
Nestas palavras nos vemos face a face com mais outro acréscimo a esta série de
extraordinárias declarações que o apóstolo vem fazendo com respeito à nossa
posição e à nossa herança no Senhor e Salvador Jesus Cristo. Já observamos
como a sua fórmula para a introdução de alguma bênção adicional é a expressão
“Em quem também vós...”. Ele dissera no versículo 7: “Em quem temos
a redenção”, depois no versículo 11, continua dizendo: “Em quem também
obtivemos uma herança” (VA). Mas agora temos algo que nos leva ainda mais
longe: “Em quem também, depois que crestes, fostes selados com o Espírito
Santo da promessa” (VA). E espantosa a maneira pela qual, nesta grande
declaração que, como vimos, vai do início do versículo 3 ao fim do versículo 14,
o apóstolo parece estar empilhando uma glória sobre outra à medida que nos
desvenda as bênçãos que são nossas como frutos das riquezas da graça de Deus.
Deus de fato as tornou abundantes para conosco. Aquele algo mais que o
apóstolo quer apresentar-nos é, “depois que crestes, fostes selados com o
Espírito Santo da promessa”. Aqui ele nos apresenta, de maneira explícita, pela
primeira vez neste capítulo, o Espírito Santo. Evidentemente, como notamos, o
Espírito estava envolvido em tudo o que encontramos até aqui. Não podemos
estar cientes da nossa necessidade de redenção, sem o Espírito Santo;
na verdade, não podemos crer, sem a operação do Espírito Santo. Mas aqui Ele é
mencionado explicitamente, o Seu nome propriamente dito é introduzido, e
somos postos face a face com certos aspectos vitais do ensino do Novo
Testamento concernente ao Espírito Santo e Sua obra. É, pois, um acréscimo
importante, e é lamentável que, quando esta carta foi dividida em versículos, não
foi iniciado um novo versículo neste ponto; pois este é um novo assunto, e
isso deveria ser salientado daquela maneira.
Estou cada vez mais persuadido de que é o nosso malogro quanto a entendermos
esta precisa declaração que explica tanta letargia entre nós cristãos na hora
presente. Pelo menos chego a afirmar que todo cristão que não esteja
experimentando a alegria da salvação acha-se nessas condições em grande parte
por não compreender a verdade ensinada neste versículo particular das
Escrituras, pois nele nos vemos face a face com a maneira pela qual podemos
penetrar na plenitude que deveríamos estar experimentando em
Cristo. “Regozijai-vos no Senhor”, e regozijar-nos sempre, é uma parte essencial
do propósito de Deus quanto a nós em Cristo. O nosso Senhor, no fim da Sua
vida terrena, não somente disse, “A minha paz vos dou”; disse também; “o meu
gozo” (ou “a minha alegria”) (João 15:11). Essa é a herança do cristão. O povo
cristão deveria estar cheio de alegria, paz e felicidade. Não somente isso,
mas também, se sentimos que somos ineficientes como cristãos e que a nossa
utilidade não é muito evidente, então opino que, de novo, deve-se isso ao mesmo
fato, a saber, a nossa incapacidade de compreender o que se quer dizer com o
selo de Deus aplicado aos Seus pelo “Espírito Santo da promessa”. Além disso,
esta é uma das doutrinas mais vitais do Novo Testamento com respeito ao aviva-
mento e ao despertamento dentro da Igreja Cristã.
Tomemos primeiro o termo “selo” em seu sentido comum, em seu uso habitual
entre os homens. O termo tem três sentidos principais. Primeiro, o selo autentica
ou veicula autoridade. Dois homens fazem um acordo; pode ser a venda de uma
casa ou o acerto de um negócio, ou alguma outra coisa nessa área. Concordaram
nos termos a serem lavrados, mas, como sabemos, esse documento não
será realmente válido, e nem um nem outro ficarão satisfeitos com ele, enquanto
não for “assinado e selado”. Mesmo à assinatura é preciso acrescentar o selo.
Isso torna o acordo mais autêntico, mais absoluto - “assinado e selado”.
Portanto, um selo é aquilo que transmite autoridade, ou estabelece a
autenticidade, a validade, a veracidade de um documento ou de uma declaração.
Além disso, o selo também é utilizado com fins de segurança. Se você deseja
que uma encomenda chegue bem ao seu destino, pelo correio ou pelo trem, você
não somente a embala e amarra bem, mas também lacra e carimba os nós com
um selo. Se de algum modo o selo for rompido ou estragado, quer dizer que
alguém violou a encomenda. Há um exemplo disso no Novo
Testamento. Quando nosso Senhor foi sepultado, as autoridades romanas e
os judeus ficaram preocupados com o que os Seus seguidores poderiam fazer
com Seu corpo, pelo que rolaram uma pedra sobre a boca do sepulcro e depois o
selaram, por segurança.
figura ousada, mas aí está! Seu oposto (embora a palavra “selo” não seja
empregada concretamente) acha-se na Primeira Epístola de João: “Quem a Deus
não crê mentiroso o fez: porquanto não creu no testemunho que Deus de seu
Filho deu” (5:10). Crer no evangelho é colocar o seu selo nele e dizer que ele é
verdadeiro; não crer é virtualmente dizer que Deus é mentiroso.
De que modo Deus tinha selado o Senhor Jesus vê-se em toda parte nos
Evangelhos. Deus O tinha selado por ocasião do Seu batismo, enviando sobre
Ele o Espírito Santo em forma de pomba. O Evangelho Segundo João diz-nos
que “não lhe dá Deus o Espírito por medida” (3:34). O Espírito foi enviado sobre
Ele em toda a
Sua plenitude. Embora continuando a ser o Filho de Deus, eterno e igual ao Pai,
Ele Se havia limitado a Si próprio, tinha vindo na forma de servo; e para poder
realizar a Sua obra como o Salvador. Necessitava do poder do Espírito Santo.
Por isso o Espírito Lhe foi dado, não por medida, mas em toda a Sua plenitude.
Foi desse modo que Deus pôs nEle o Seu selo.
Além disso, “eis que uma voz do céu dizia: este é o meu Filho amado, em quem
me comprazo” (Mateus 3:17). Ouviu-se essa voz em três ocasiões, autenticando-
O, selando-O, proclamando que ele é o Filho de Deus, o Messias, o Libertador.
Foi devido Ele ser revestido de poder por Deus, mediante o Espírito Santo, que o
nosso bendito Senhor pôde falar e realizar Suas obras poderosas. Disse Ele: “As
palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em
mim, é quem faz as obras” (João 14:10).
Portanto, no que se refere às obras, Ele afirma que está realizando as obras que o
Pai Lhe confiara para realizar. Essa foi a Sua autenticação, e essa se manifestou
em Sua capacidade de expor as Escrituras, embora nunca tenha recebido
instrução para isso. Pessoas que O ouviram disseram: “Nunca homem algum
falou assim como este homem” (João 7:46), pois Ele falava na plenitude
do poder do Espírito. A mesma verdade aplica-se às Suas obras. Ele pôde dizer:
“Se não credes em mim, crede nas obras” (João 10:38). As obras eram Sua
autenticação. Foi esse o argumento que Ele usou no caso de João Batista, que
tinha ficado na incerteza quanto a Ele: “Os cegos vêem, os coxos andam, os
leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres
anuncia-se o evangelho” (Lucas 7:22). São essas as coisas que os profetas
haviam dito que o Messias faria; portanto, o fato de que Ele as estava fazendo é
o selo de que Ele era o Messias.
O bispo Westcott resume muito bem o “aquele que o Pai selou” dizendo que
significa “solenemente separado para a incumbência de (uma) responsabilidade,
e autenticado por sinais inteligíveis”. O Pai autenticara o Filho mediante sinais
inteligíveis -os milagres, as obras, as palavras, tudo quanto Lhe diz
respeito. Tendo recebido o Espírito Santo em toda a Sua plenitude, Ele
fora “selado”, fora autenticado.
Suas obras e por Suas palavras. O que quer que os homens Lhe façam, Ele está
credenciado, autenticado como o Filho de Deus e como o Salvador, e ainda que o
inferno seja solto contra Ele, o propósito de Deus será levado a efeito nEle e por
meio dEle. “A este o Pai, Deus, o selou.”
Pois bem, para chegarmos ao significado do termo “selo” com ainda maior
clareza, consideremos quando se dá a aplicação do selo. Onde é que a selagem
entra na vida e na experiência do cristão? Tem-se visto que essa é uma questão
interessante e, na verdade, para alguns, um problema. A Versão Autorizada
inglesa diz: “Em quem também vós, depois que crestes, fostes selados com o
Espírito Santo da promessa”. A Versão Revista inglesa (“ERV”) diz: “Em quem
tendo também crido...”; e a Versão Padrão Revista (“RSV”): “também vós, que
crestes nele...”. Portanto, a questão que se levanta é qual tradução está correta.
Quando ocorre esta selagem com o Espírito Santo? Será no momento em que a
pessoa passa a crer, ou depois? A Versão Autorizada, que não é só tradução mas
também exposição, claramente indica que se trata de algo que se segue ao crer,
que é diferente, separado e distinto do crer, e que não faz parte do crer. Somos,
pois, confrontados pela questão: este selo do Espírito Santo é uma experiência
distinta e separada na vida cristã, ou é algo que acontece inevitavelmente com
todos os cristãos, de maneira que não se pode ser cristão sem este selo?
traçam aguda distinção entre crer (o ato de fé) e a selagem com o Espírito Santo.
Eles asseveram que as Escrituras ensinam que, conquanto seja verdade que
ninguém pode crer sem a influência do Espírito Santo, não obstante, não é a
mesma coisa que ser selado com o Espírito, e que o ser selado com o Espírito
nem sempre acontece imediatamente quando a pessoa crê. Eles ensinam que
pode haver um grande intervalo, que é possível a pessoa crer, e, portanto, ter o
Espírito Santo, e ainda não conhecer o selo com o Espírito. É certamente óbvio
que os piedosos homens que nos legaram a Versão Autorizada sustentavam essa
idéia, porque introduziram deliberadamente a palavra “depois”.
Geralmente se concorda que a Epístola não diz: “Em quem também vós, crendo,
estais selados com o Espírito Santo”. O verbo está no passado; não é “como
crieis” ou “quando crieis”; é no mínimo, “tendo crido”. A Versão Revista (RV)
sugere o passado, “tendo também crido, fostes selados com o Espírito Santo da
promessa”; minha opinião é que mesmo a frase “tendo crido” sugere que
estas duas coisas não são idênticas e que o selo não acompanha imediatamente o
ato de crer. O que torna isso tão importante é que se supõe que o selo com o
Espírito, ou o batismo com o Espírito, é algo que todos os cristãos têm que ter
necessariamente experimentado. Sustenta-se, pois que não é algo que ocorre na
esfera da consciência ou na esfera da experiência, e sim, algo que acontece com
todos os cristãos inconscientemente. Daí não o buscam. E a conseqüência de não
o buscarem é que nunca o experimentam; e, em conseqüência, vivem num estado
de fide-ismo ou crede-ismo, dizendo a si mesmos que eles têm que ter recebido
isso, e portanto, o têm. E assim continuam a viver sem jamais experimentar o
que foi experimentado pelos cristãos do Novo Testamento e também por muitos
outros cristãos na subseqüente história da Igreja Cristã.
Por isso eu afirmo que este “selados com o Espírito” é algo subseqüente ao crer,
algo adicional ao crer, e dou suporte à minha alegação lembrando-lhes algumas
declarações das Escrituras. Primeiro vou ao capítulo 14 do Evangelho Segundo
João. Ali o nosso Senhor Se dirige aos Seus discípulos crentes. Ele traça
aguda distinção entre eles e o mundo, e lhes diz que o Espírito Santo lhes será
dado como outro Consolador porque eles pertencem a Deus. Diz Ele que o
mundo não pode recebê-10, mas que eles estão prestes a recebê-lO. A distinção é
entre crentes e não crentes. No capítulo 16 Ele acrescenta: “Digo-vos a verdade,
que vos convém
que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós”. Sua vinda é uma
grande bênção, à qual deverão estar aguardando. Deveriam alegrar-se, diz Ele,
que Ele vá ao Pai, porque assim esta bênção lhes virá. Ele está falando com
crentes; mas lhes diz que eles vão receber uma bênção adicional. Passando aos
dois primeiros capítulos do livro de Atos, vemos, que o ensino é ainda
mais claro. O nosso Senhor está falando com homens sobre os quais Ele já tinha
“soprado” o Espírito Santo, e aos quais Ele dissera: “Recebei o Espírito Santo”
(João 20:22); todavia, lemos em Atos, capítulo primeiro, “E, estando com eles,
determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a
promessa do Pai, que (disse Ele) de mim ouvistes. Porque, na verdade, João
batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não
muito depois destes dias” (versículos 4 e 5). Eles já criam nEle plenamente; Ele
já tinha soprado o Espírito sobre eles; contudo, diz a eles que esperem. Eles
tinham necessidade de mais alguma coisa. E no capítulo 2 de Atos temos uma
narrativa de como veio a bênção; exatamente o que o nosso Senhor tinha
prometido aconteceu dez dias depois. É evidente que os discípulos já eram
crentes nEle antes disso. E absurdo sugerir que eles não eram crentes antes do
dia de Pentecoste. Eram plenamente crentes no Senhor Jesus Cristo. Ele lhes
expusera a doutrina da expiação e eles a entenderam após a Sua ressurreição. Ele
soprara sobre eles o Espírito. Eles sabiam que ele era o Filho de Deus. Tomé
fizera a sua confissão “Senhor meu, e Deus meu!” Contudo, eles ainda não
tinham recebido o Espírito Santo. No Pentecoste é que eles foram “selados”; foi
ali que lhes foi dada a autenticação; e foi ali que começou o glorioso
ministério deles.
nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados em nome do
Senhor Jesus). Então lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo”. Já
eram crentes, já tinham crido no Senhor Jesus Cristo. Não poderiam tê-lo feito se
o Espírito Santo não operasse neles e não lhes abrisse os corações e as mentes.
Mas o “selo” ainda não lhes tinha sido dado. Houve um intervalo. Como é
errôneo dizer que a pessoa crê e imediatamente é selada pelo
Espírito! Certamente não foi o que aconteceu com estes samaritanos,
como tampouco acontecera com os apóstolos.
Outro exemplo deste selo vê-se no capítulo 19 do livros de Atos. Paulo chegou a
Efeso, “e achando alguns discípulos, disse-lhes” - segundo a Versão Autorizada
(inglesa) - “Recebestes o Espírito desde quando crestes?” (versículo 2). Mas
aVersão Revista (“RV”) e a Versão Padrão Revista (“RSV”) oferecem uma
tradução que diz: “Recebestes o Espírito Santo quando crestes?” (semelhante ao
que diz Almeida). Não pode haver dúvida de que esta última é a tradução
correta. Muitos acham que isso estabelece e prova que crer e receber o Espírito
Santo são atos sincrônicos. Eles lamentam que a Versão Autorizada tem levado
muitos a pensarem que é possível alguém crer e não receber o Espírito Santo
senão mais tarde.
No entanto, isso não resolve o nosso problema; de fato eu afirmo que, longe de
apoiar a idéia de que o recebimento do Espírito Santo sempre acompanha
imediatamente o ato de crer, esta
incidente prova que os homens que nos legaram a Versão Autorizada estavam
interpretando Efésios capítulo 1, versículo 13 corretamente. Eles estavam
teologicamente certos ao dizerem: “Em quem também vós, depois que crestes,
fostes selados com o Espírito Santo da promessa”. Houve um intervalo entre o
seu ato de crer e o ato de serem selados, como foi no caso do próprio Paulo e de
todos os apóstolos, como foi no caso dos samaritanos, como foi no caso dos
discípulos de Éfeso.
Contudo, deixemos claro que, embora eu esteja acentuando que há uma distinção
entre estas duas coisas, e que sempre há um intervalo - que o ser selado não
acontece imediata e automaticamente no ato de crer - eu não gostaria que
entendessem que estou dizendo que sempre tem que haver um longo intervalo
entre ambos. Pode ser um intervalo muito curto, tão curto que pode fazer parecer
que crer e ser selado são simultâneos; mas há sempre um intervalo. Primeiro o
crer, depois o selo. Unicamente os crentes são selados; e você pode ser um crente
e não ter sido selado; as duas coisas não são idênticas. Crer é que nos torna
filhos de Deus, que nos une a Cristo; ser selado com o Espírito Santo é que
autentica esse fato. O selo não nos faz cristãos, porém autentica o fato, como faz
o selo em geral.
“Em quem, depois que crestes, fostes selados com o Espírito Santo da
promessa.” - Efésios 1:13
Para estarmos firmes nessas coisas, primeiro temos que estabelecer a nossa
doutrina, pois, se não estivermos satisfeitos quanto à doutrina, nunca haverá a
probabilidade de a experimentarmos. E é porque tantos sustentam uma doutrina
errônea quanto a esta questão do selo do Espírito, que lhes falta a experiência
disso. Observo, primeiramente, que o apóstolo nos dá frutuosa sugestão
quando afirma que os crentes efésios tinham sido “selados com o Espírito Santo
da promessa”. Ele não diz apenas: “Fostes selados com o Espírito Santo”, porém
se refere especificamente ao “Espírito Santo da promessa”. Realmente o que o
apóstolo disse foi: “Fostes
selados com aquele Espírito daquela promessa que é santa”. Essa é a tradução
exata. Ele repete a palavra “aquele(a)” - “aquele Espírito daquela promessa que é
santa”. Evidentemente, ele focaliza a nossa atenção em “aquela promessa”, no
Espírito Santo daquela promessa; o que significa: “Fostes selados com aquele
Espírito Santo que fora prometido”, o Espírito em relação a quem certas
promessas tinham sido feitas. É simples provar que em todas as Escrituras
há esta promessa concernente à vinda e à dádiva do Espírito Santo daquela
maneira particular que aconteceu em Jerusalém, no dia de Pentecoste.
Consideremos algumas das passagens que indicam isso.
Na profecia de Isaías há muitas referências ao dia em que o Espírito Santo seria
derramado. Pode-se dizer isso principalmente do capítulo 40 até o fim. O povo
foi ensinado a aguardar esse evento. Na profecia de Ezequiel vê-se também de
maneira notável, especialmente nos capítulos 36 e 37, com promessas do
Espírito vivificante. Deus tirará o coração “de pedra” da “casa de Israel” e lhe
dará “corações de carne”; derramará Seu Espírito sobre eles. Mas talvez o
exemplo mais notável seja o que nos é dado no capítulo 2 do profeta Joel. Foi
essa a passagem que o apóstolo Pedro citou e expôs no dia de Pentecoste,
imediatamente depois que ele e os seus colegas de apostolado foram batizados
com o Espírito Santo. Ao ser interrogado, e ao ouvir a insinuação de que ele e
os seus companheiros estavam bêbados, Pedro ouviu o povo dizer: “Estão cheios
de mosto”, e começou ele a falar, dizendo: “Estes homens não estão
embriagados, como vós pensais, sendo a terceira hora do dia. Mas isto é o que
foi dito pelo profeta Joel”. Então expôs o ensino de Joel ao povo. A profecia
dizia: “Nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei
sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os
vossos mancebos terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos”, e assim por
diante. “Esse é o Espírito da promessa”, diz o apóstolo; Deus fez o que tinha
prometido por meio dos profetas naqueles tempos antigos. Esse é o sentido da
expressão: “O Espírito da promessa”.
Voltando do Velho Testamento para o Novo, temos a mesma evidência. Essa era
a essência da pregação de João Batista. Esta era a mensagem de João: “Eu, na
verdade, batizo-vos com água, mas eis que vem aquele que é mais poderoso do
que eu, a quem eu não sou digno de desatar a correia das alparcas; esse vos
batizará com o Espírito Santo e com fogo. Ele tem a pá na sua mão, e limpará a
sua
eira, e ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca
se apaga” (Lucas 3:16-17). Ele contrasta “Eu, na verdade batizo-vos com água”,
com “Esse vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. Essa é a promessa. O
precursor do Messias chama a atenção para a diferença” que há entre o seu
ministério e o do nosso Senhor em termos da vinda do Espírito: “Esse vos
batizará com o Espírito Santo e com fogo”.
Então, em que sentido se pode dizer que o Espírito Santo não foi dado antes do
dia de Pentecoste? Evidentemente não significa que o Espírito Santo não tinha
sido dado de forma alguma, ou em nenhum sentido, até o dia de Pentecoste. Não
pode ser isso, porque vemos que mesmo os homens da dispensação do Velho
Testamento tinham o Espírito. O que Davi mais temia, depois que cometeu
os terríveis pecados de adultério e homicídio, vê-se em sua oração:
“Não retires de mim o teu Espírito Santo” (Salmo 51:11). O Espírito Santo
estava em Davi; ele foi o homem que foi porque o Espírito Santo estava nele.
Perder o Espírito era a coisa que ele temia acima de tudo mais. Fizesse Deus
com ele o que fosse para puni-lo, ele roga a Deus que não retire o Seu Espírito.
O Espírito Santo estava em todos os santos do Velho Testamento - em Abraão,
Isaque, Jacó, e em todos os eleitos de Deus. Foi o Espírito neles que fez deles
o que eles foram. Eles eram filhos da fé; e, como Paulo nos diz, nós, como
cristãos, somos todos filhos de Abraão porque somos filhos da fé. Abraão,
Isaque, Jacó, Davi e os demais estavam no reino de Deus. Nenhum homem pode
estar no reino de Deus a não ser que seja filho de Deus; e não pode ser filho de
Deus sem o Espírito. O Espírito estava em todos esses homens. A nossa posição
é que estamos compartindo com eles, fomos feitos co-herdeiros com eles
destas bênçãos de Deus.
é preciso que sejamos negativos primeiro, para corrigir o que consideramos falso
ensino. Evidentemente, pois, este selo com o Espírito prometido não significa a
obra do Espírito Santo na regeneração, ou no arrependimento, ou na fé. Que os
apóstolos não eram regenerados antes do dia de Pentecoste, é uma idéia
impossível. Como vimos, é evidente que eles tinham nascido de novo antes
daquele dia, e que tinham recebido o Espírito Santo. Eles criam no
Senhor, tinham se arrependido, tinham recebido nova vida.
Mas talvez alguém argumente que isso foi antes do Pentecoste e que desde o
Pentecoste estas duas coisas acontecem juntas. A resposta a essa alegação é dada
pelo caso dos samaritanos, no capítulo 8 do livro de Atos, os quais tinham crido
no evangelho como resultado da pregação de Filipe. Eles tinham crido no Senhor
Jesus Cristo - o que não se pode fazer sem o Espírito Santo - eles
tinham exercido a fé, tinham nascido de novo, tinham se arrependido e crido e
tinham sido batizados; entretanto ainda não tinham recebido o Espírito no
sentido de “selo”. E isso não se aplica só aos samaritanos, mas também ao
próprio Paulo, e igualmente aos discípulos efésios no capítulo 19 de Atos.
Segundo, o cumprimento não se refere à unção que nos é dada pelo Espírito
Santo para o nosso entendimento espiritual. Que a unção provém do Espírito
Santo Paulo deixa mais que claro em sua Primeira Epístola aos Coríntios,
capítulo 2. Os príncipes deste mundo não reconheceram o nosso Senhor e não
creram nEle. Mas nós O reconhecemos e cremos nEle porque o Espírito, que
revela todas as coisas, até as profundezas de Deus, capacitou-nos, a nós, crentes,
a fazê-lo. “Vós tendes a unção do Santo”, diz João em sua Primeira Epístola
(2:20,27). É evidente que este selo com o Espírito não se aplica aí, porque
podemos ter essa unção e entendimento espiritual e ainda não conhecer este selo,
como está provado no último capítulo do Evangelho Segundo Lucas, onde lemos
que o nosso bendito Senhor e Salvador, tendo ressuscitado dos mortos, conduziu
os Seus discípulos através das Escrituras - os Salmos, os Profetas e Moisés - e
lhes mostrou a verdade concernente a Ele próprio. Eles a receberam; e não
poderiam recebê-la sem a iluminação do Espírito Santo; mas ainda não tinham
recebido a bênção especial que lhes veio no dia de Pentecoste.
santificação pode-se provar pelo fato de que não há brecha ou intervalo entre a
justificação e a santificação. O ensino das Escrituras é que no momento em que a
pessoa “nasce de novo”, sua santificação começa, ou deve começar. O processo
de fazê-la santa e de separá-la para Deus já começou. Não há maior erro do que
ensinar que você pode receber a sua justificação pela fé e depois a
santificação pela fé. A santificação não é uma experiência, nem um dom que
se recebe; é uma obra realizada pelo Espírito Santo no coração, obra que começa
no momento da regeneração. Portanto, este selo com o Espírito Santo não pode
ser a santificação; na verdade, nada tem que ver com ela, num sentido direto. E
algo completamente distinto e separado.
O que ajuda a entender este ponto é o fato de que, ao descrever este selo, o
apóstolo se refere a ele como algo que aconteceu no passado - “Em quem, depois
que crestes, fostes selados”. Mas a santificação não é uma coisa que acontece
uma vez por todas; é um processo que prossegue crescentemente e se desenvolve
mais e mais. Os gálatas estavam em condições muito pobres, quanto
à santificação; todavia, Paulo afirma que eles tinham recebido o Espírito neste
sentido de “selo”. A mesma coisa aplica-se à Igreja de Corínto, e de maneira
ainda mais extraordinária. O selo é uma experiência, algo que Deus nos faz, e
nós ficamos sabendo quando acontece. Não se pode dizer isso acerca da
santificação, que é uma obra que Deus realiza nas profundezas da alma,
convencendo do pecado, levando a melhores desejos. É uma obra que vai
avante firme e progressivamente, começando no momento do nosso
novo nascimento. Contudo, está claro que pode haver, e geralmente há, um
intervalo entre o ato de crer e o selo. Logo, o selo com o Espírito e a santificação
não são a mesma coisa.
Vou mais longe ainda e digo que o selo com o Espírito não é nem mesmo uma
manifestação do fruto do Espírito . “O fruto de Espírito é amor, gozo, paz,
longanimidade, benignidade”. Afirmo que se pode manifestar tal fruto sem
necessariamente haver conhecimento do “selo do Espírito”, pois a produção
desse fruto faz parte da obra do Espírito dentro de nós, obra que prossegue firme
e constantemente no processo de santificação. O fruto não aparece de repente; é
o resultado de um processo, é um desenvolvimento gradual, um
amadurecimento. Há os que desenvolvem e mostram o fruto do Espírito, mas
não podem dizer que conhecem o “selo do Espírito”.
A opinião que dou, pois, é que o “batismo com o Espírito” é o mesmo que “selo
com o Espírito”. Mas alguém poderá perguntar: “Então, por que usar duas
expressões diferentes?” Se o que se quer dizer é batismo, por que não dizer
batismo? Na verdade, por que
Isso é pertinente à nossa discussão sobre este assunto. O livro a que me referi
declara categoricamente: “Não há nenhuma experiência ou sentimento em
relação ao batismo do Espírito”. A explicação do motivo pelo qual esse escritor
diz uma coisa dessas é muito simples. Ele acha que tem que dizer isso em vista
do que se acha na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 12, versículo 13,
onde Paulo diz: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando
um corpo”. Essa, alegam eles, é obviamente uma referência ao batismo do
Espírito Santo; e daí eles concluem que o batismo do Espírito Santo
evidentemente se refere à ação de Deus na qual Ele nos incorpora no corpo de
Cristo. É, pois, uma ação de Deus que se aplica a todos os crentes, na qual eles
são inconscientemente incorporados no corpo de Cristo. O argumento se baseia
no fato de que sucede que a palavra “batismo” é utilizada neste versículo
particular.
Uma real dificuldade surge neste assunto em conexão com a palavra “batismo”.
Pressupõe-se que onde quer que as palavras “Espírito” e “batismo” se achem
numa mesma declaração, o sentido deve ser sempre o mesmo, e assim se conclui
que o batismo do Espírito significa a nossa incorporação em Cristo, o que é
um evento inteiramente alheio à consciência e à esfera da experiência da pessoa.
A falácia aqui certamente se deve à incapacidade de compreender que a palavra
“batizar” é empregada de muitas maneiras diferentes nas Escrituras. De um
modo ou de outro, esta palavra “batismo” parece ter um efeito hipnótico sobre
nós e sobre as nossas mentes e o nosso pensamento. Vejam, por exemplo,
uma declaração feita pelo nosso bendito Senhor: “Importa, porém, que (eu) seja
batizado com um certo batismo; e como me angustio até que venha a cumprir-
se!” (Lucas 12:50). É óbvio que o nosso Senhor não estava se referindo à água
do batismo; isso já lhe havia sucedido. Ele não estava dizendo que ia ser
rebatizado nesse sentido. Ele estava se referindo à Sua provação e à Sua morte
que se avizinhavam. Isso é comparável ao que muitas vezes se diz a um
soldado que pela primeira vez participa de fato de uma batalha. O que se diz é
que com isso ele recebe um batismo de fogo. Há muitos usos especiais e
diferentes com relação a esta palavra “batismo”, e a declaração de 1 Coríntios
12:13 é apenas um deles. Somos colocados nos domínios de Cristo pelo Espírito
Santo, e em Seu corpo, que é a Igreja. Todos os cristãos são desse modo feitos
membros em particular do corpo de Cristo. Mas não se segue que esse é o
único sentido possível da expressão “batizados com o Espírito Santo”.
Este é um ponto vital, e a razão disso é que, se é certo dizer que este selar com o
Espírito Santo é algo que se dá fora da esfera da nossa consciência, e que é
inteiramente não experimental, então, num sentido, é algo acerca do qual não
devemos preocupar-nos muito, e certamente é algo que de modo algum atende
ao propósito do apóstolo aqui em Efésios 1:13, onde o seu interesse é dar-
nos certeza concernente à nossa herança.
Espírito Santo, assim como também a nós” (versículo 8). Como Pedro soube
disso tudo, se o batismo do Espírito Santo é algo que se dá fora da esfera da
consciência e que não passa de uma ação pela qual Deus nos incorpora
individualmente no corpo de Cristo? Como Pedro pôde dizer que aqueles gentios
tinham-se tornado cristãos? Pedro era judeu, e um judeu muito rígido; foi preciso
que houvesse uma visão do céu no terraço de uma casa de Jope para convencê-lo
de que ele devia receber gentios na Igreja Cristã. E sabemos que mesmo depois
daquela visão ele ficou em dúvida sobre a posição dos gentios na Igreja, e Paulo
teve que resistir-lhe na cara em Antioquia. Contudo, Pedro diz: (como eu poderia
recusá-los, depois que) “Deus que conhece os corações, lhes deu
testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós?” É
óbvio que houve evidência externa tangível, suficiente para convencer
o apóstolo vacilante. Todavia, isso é descrito como não “experimental”. Pedro
pôde ver que aqueles homens foram cheios do Espírito Santo, foram batizados
com o Espírito Santo, assim como ele e os outros tinham sido batizados no dia
de Pentecoste. Quando temos este “selo do Espírito”, ficamos sabendo disso, e
os outros também ficam sabendo. E a mais elevada, a mais grandiosa experiência
que o cristão pode ter neste mundo. “Deus lhes deu testemunho”. Ele colocou
neles o Seu selo, diz efetivamente Pedro, pelo que eu os recebi na Igreja. Quem
era eu para negar-me a batizá-los com água, quando Deus já os tinha batizado
com o Espírito Santo de maneira tão óbvia para todos? Nada, senão algumas
claras manifestações externas poderia convencer o apóstolo.
Uma das provas mais convincentes da minha alegação acha-se na pergunta feita
por Paulo aos gálatas, no capítulo 3 da sua Epístola a eles: “Recebestes o
Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” (versículo 2). Tinham eles
recebido este batismo com o Espírito Santo pelas obras da lei ou pela pregação
da fé? Como alguém poderia responder essa pergunta, se fosse algo alheio
aos domínios da experiência? Como eu poderia saber se recebi ou não o Espírito,
se não fosse algo experimental? Todas essas citações das
Nada disso afeta a sua posição real, nada disso afeta a sua relação; contudo até
aqui, essa é a sua experiência. É pura questão de experiência, não de posição ou
status. “Assim também nós”, diz Paulo, “quando éramos meninos, estávamos
reduzidos à servidão, debaixo dos primeiros rudimentos do mundo, mas, vindo a
plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a
lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de
filhos” (versículos 3-5). Mesmo então éramos
filhos, porém éramos mantidos debaixo da lei. Mas agora Cristo veio, e
recebemos a adoção de filhos; “E, porque sois filhos, Deus enviou aos seus
corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai”. Agora vocês começam a
“experimentar” o que eram antes, sem o saber de fato.
Podemos dar maior explicação dizendo que a bênção peculiar dada ao cristão o
diferencia dos santos do Velho Testamento. Esse é o real argumento do capítulo
4 de Gálatas. Os santos do Velho Testamento, Abraão, Isaque, Jacó, Davi - todos
eles - eram filhos de Deus como nós. Se não entendermos bem isso, ficaremos
confusos em todos os pontos. Mas Paulo, na Epístola aos Gálatas, argumenta
Similarmente, na Epístola aos Efésios o apóstolo afirma que a mensagem que lhe
fora confiada era anunciar que os gentios seriam “co-herdeiros” com aqueles
judeus que já pertenciam ao reino de Deus. Portanto, podemos ver que diferença
o selo do Espírito faz, da seguinte maneira: os santos que estavam sob a
dispensação do Velho Testamento, e também os apóstolos, como crentes e filhos
de Deus antes do dia de Pentecoste, não somente eram crentes, mas também
filhos de Deus. Até aqui, porém, eles eram como servos, estavam sob tutores,
faltava-lhes a verdadeira compreensão da sua posição, não podiam clamar “Aba,
Pai”. Eles criam que Deus era seu Pai, mas não gritavam das profundezas de seu
ser, “Aba, Pai”. Entretanto, uma vez batizados com o Espírito, tendo vindo o
“selo”, eles clamaram: “Aba, Pai”, porque Deus tinha derramado em
seus corações este Espírito de adoção, o Espírito do Seu Filho.
Você foi “selado” com o Espírito? Não estou perguntando se você é crente no
Senhor Jesus Cristo; não estou nem mesmo perguntando se você tem o tipo de
certeza que se baseia no primeiro e no segundo fundamento; estou perguntando
se você conhece algo da experiência de ser tomado poderosamente em sua alma
pelo testemunho direto do Espírito.
como Mediador entre Deus e o homem, e Sua maravilhosa, grande, plena, pura e
suave graça e amor, e de Sua terna e gentil condescendência. Esta graça que se
mostrou tão tranqüila e suave, mostrou-se também grandiosa, acima dos céus. A
Pessoa de Cristo pareceu-me inefavelmente excelente, com uma excelência
grande o suficiente para tragar todo pensamento e concepção, o que durou,
quanto posso julgar, perto de uma hora, e me manteve a maior parte do
tempo numa torrente de lágrimas e chorando alto”.
Que contraste com o ensino tão popular hoje que diz que o selo não é
experimental, que é tudo pela fé! Jonathan Edwards continua o seu relato: “Senti
um ardor na alma, desejando ser não sei como expressá-lo doutra maneira,
esvaziado e aniquilado; jazer no pó para ser cheio unicamente de Cristo; amá-10
com um amor santo e puro; confiar nEle; viver apoiado nEle; servi-10 e segui-
10, ser santificado perfeitamente e tornado puro com uma pureza divina
e celestial”.
Tenhamos em mente que Jonathan Edwards foi um dos maiores filósofos desde
Sócrates, Platão e Aristóteles.
Vejamos agora um homem muito diferente, D.L. Moody, que não era filósofo
nem um grande intelecto. Ele escreve: “Comecei a clamar como nunca antes. A
fome disso aumentou. Eu realmente senti que não quereria mais viver se não
pudesse ter poder para o serviço. Continuei clamando o tempo todo, que Deus
me enchesse com o Espírito. Bem, um dia, na cidade de Nova Iorque, ah,
que dia, nem posso descrevê-lo. Raramente me refiro a isso, é uma experiência
quase sagrada demais para se mencionar. Só posso dizer que Deus Se revelou a
mim, e de tal maneira experimentei o Seu amor que tive de pedir-Lhe que
detivesse a Sua mão”.
“Logo depois disso eu vi e senti que estava livre de um fardo que me oprimia
pesadamente; o espírito de tristeza me foi tirado, e eu soube o que é regozijar-me
verdadeiramente em Deus, meu Salvador, e por algum tempo não pude evitar
cantar salmos onde quer que eu estivesse. Mas a minha alegria tornou-se
gradativamente mais serena e, bendito seja Deus, permanece e cresce em
minha alma sempre, daí em diante, salvo alguns intervalos casuais.
Assim terminaram os dias da minha tristeza. Após uma longa noite de deserção e
tentação, a Estrela da Manhã raiou em meu coração. Agora o Espírito de Deus
tomou posse da minha alma e, como humildemente espero, selou-me para o dia
da redenção”.
Ele era crente havia algum tempo antes disso, porém agora ele estava selado com
o Espírito. Ele continua, dizendo: “Meus amigos ficaram surpresos ao me verem
parecer tão alegre e portar-me tão alegremente, depois de muitas informações
que tinham recebido a meu respeito”.
Ele já cria antes, mas agora passou a ter certeza, foi-lhe dada esta experiência
direta, imediata, irresistível, experiência e testemunho dados pelo Espírito, o selo
do Espírito, e ele sentiu essas
É quase inacreditável que alguém possa dizer que a “selagem com o Espírito”
não é experimental, e assim privar-se de tais experiências. O seu coração foi
arrebatado? Você teve essa irresistível experiência do amor de Deus? Examine-
se cada um a si mesmo.
1
Efésios 1:13, cf. Versão Autorizada (inglesa). Nota do tradutor.
2
De Robert Sandeman (1718-71). As seitas sandemanianas são semelhantes às seitas glassitas, cujo
fundador foi John Glass, ministro dissidente da Igreja da Escócia. Robert Sandeman era genro de
John Glass. Nota do tradutor.
EXPERIÊNCIAS REAIS E FALSAS
“Em quem também vós, depois que crestes, fostes selados com aquele Espírito
da promessa.” - Efésios 1:13
Outro resultado deste selo é descrito pelo apóstolo Pedro quando, escrevendo aos
cristãos em sua Primeira Epístola, no capítulo 1, ele os trata como “estrangeiros
dispersos”. Mas, apesar de os não conhecer, pode dizer-lhes: “Ao qual (a Jesus
Cristo), não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos
alegrais com gozo inefável e glorioso” (versículo 8). A relação deles com
o Senhor Jesus Cristo é que eles O amam e se regozijam nEle com “gozo
inefável e glorioso”. Esse é outro resultado deste selo. Será certo supor, como
fazem muitos, que esta é a experiência normal, costumeira, de todo os cristãos?
Neste estágio alguém poderá muito bem inquirir acerca dos dons espirituais, pois
pelo capítulo 2 do livro de Atos se vê claramente que aqueles que naquela
ocasião foram batizados pelo Espírito receberam certos dons; falavam em outras
línguas, e evidentemente houve outras manifestações. Está claro que no dia de
Pentecoste e subsequentemente esta selagem com o Espírito foi
acompanhada por dons. Isso apareceu nas várias passagens que já
examinamos. Por isso é válido que se faça essa indagação sobre se, portanto,
toda vez que uma pessoa é selada com o Espírito, decorre que necessariamente
ela tem alguns desses dons especiais. Afortunadamente, é-nos dada resposta a
essa questão no capítulo 12 da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, onde o
ensino é que o Espírito Santo é o Senhor desses dons, e que Ele os dispensa e
distribui à Sua conveniência. A este homem Ele dá um dom, àquele, outro. Não
têm todos os mesmos dons, não têm todos um certo dom particular. Paulo faz a
indagação: “Falam todos em línguas?” “Interpretam todos?” “Todos operam
milagres?” E é claro que não. Há muitos dons, e o apóstolo dá uma lista deles -
“sabedoria”, “socorros”, “discernimento”, etc.
Houve dificuldade na igreja de Corínto por causa disso, pois toda a igreja ficara
dividida em grupos e facções quanto à posse de dons especiais. Uns eram mais
espetaculares que outros, e os homens que tinham os dons espetaculares
desprezavam os que tinham os menos espetaculares. Por isso Paulo ministra o
seu ensino concernente à Igreja como “corpo”; mas a sua maior ênfase é que a
concessão de dons é prerrogativa do Espírito Santo. Ele pode dar e negar dons,
como quer e como Lhe apraz.
Certamente é só à luz disso que podemos entender o sentido da frase que foi
empregada pelo nosso Senhor quando Ele falou com os discípulos pouco antes
da Sua morte. Disse Ele: “Digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá;
porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, enviar-vo-lo-
ei” (João 16:7). O Filho de Deus estava entre os discípulos e lhes dizia que não
deixassem que os seus corações se turbassem porque Ele
estava para deixá-los, de fato lhes dizia que para eles era uma boa coisa que Ele
partisse. E quase incrível que isso pudesse acontecer. Ele era o Filho de Deus,
com todo o conhecimento; Ele os estivera ensinando, e sempre estivera lá para
aconselhá-los quanto ao que fazer e ao que não fazer, e podendo dar-lhes poder
para pregar e expulsar demônios. Mas agora Ele se vai, e ainda diz: “Para vocês
é bom que eu vá”.
Para ser ainda mais explícito e claro, consideremos várias questões que são
levantadas quando se prega esta doutrina. Lembro-lhes que esta doutrina não é
nova. Considerá-la como tendo se originado neste presente século indica a
medida da ignorância do movimento evangélico moderno. Nós a vimos no
ensino dos puritanos do século dezessete. João Wesley disse muitas vezes que
ele acreditava que Deus tinha levantado os metodistas em grande parte para
pregarem esta doutrina especial da certeza. Ele cria tão intensamente nesta
verdade que, a princípio, tendia a dizer que se você não tem esta certeza, você
não é cristão. Mais tarde ele modificou isso, dizendo de si próprio que antes da
sua experiência na Rua Aldersgate, em maio de 1738, ele tinha a fé própria de
um servo, não de um filho.
decorrente da justificação, ele sabe que os seus pecados estão perdoados, e lhe é
dado um sentimento de paz e tranqüilidade. Daí, não seria a mesma coisa? A
resposta é que a “selagem com Espírito” vai muito além daquilo que se
experimenta na conversão. O homem que é justificado pela fé crê na Palavra e
crê no ensino da Palavra, e em decorrência disso ele tem este sentimento de
repouso e de satisfação. Contudo, isso muitas vezes pode ser provado e sofrer
abalo, e ele será levado de volta à Palavra e terá que extrair os argumentos
escriturísticos para silenciar suas dúvidas. Mas, como vimos, quando ocorre a
selagem com o Espírito, já não há argumentação. E assim porque nesse caso há
uma certeza direta, é o Espírito mesmo que dá testemunho com o nosso espírito
de maneira inequívoca.
Outra pergunta que quase invariavelmente se faz é sobre a relação do selo com a
santificação. Muitos se confundem acerca do
selo do Espírito por causa dessa infeliz confusão dele com a santificação. Alguns
tendem a evitar totalmente esta doutrina da selagem com o Espírito porque as
únicas pessoas que eles conhecem que a mencionam também acreditam na
doutrina da completa erradicação do pecado nesta vida. É verdade que até sobre
João Wesley pesa a culpa dessa confusão em seu ensino sobre o “perfeito amor”
e sobre o que ele denominava “santidade escriturística”. A resposta a essa
pergunta é que não há conexão entre a selagem com o Espírito e a santificação.
Nesta parte da Epístola aos Efésios, o apóstolo não está ensinando a doutrina da
santificação; ele ainda não passou a fazê-lo. O que o apóstolo está fazendo do
versículo 1 ao versículo 14 é dizermos o que Deus nos fez em Cristo. Ele nos
está mostrando a nossa posição em Cristo como filhos e herdeiros.
Posteriormente ele tratará da santificação. Paulo afirma que a selagem
acontecera com os efésios; portanto, não pode ser algo contínuo. Contudo a
santificação é contínua.
chuva'e do sol sobre a terra, ela tem marcante efeito sobre a santificação da
pessoa. Não é santificação, mas tem um inevitável efeito sobre a mesma. Não há
vida na chuva; a vida está na semente; porém a chuva e o sol promovem e
estimulam grandemente o florescimento da semente; é similar o que acontece
com esta experiência.
Podemos dizer que a selagem com o Espírito promove a santificação, mas não a
garante necessariamente. Não é a mesma coisa. Decorre disso, pois, que é
possível que um homem que teve esta admirável experiência da selagem com o
Espírito venha a ser um apóstata. Isso tem acontecido com freqüência. Ele ainda
se lembra do que lhe aconteceu; não consegue desfazer-se disso. Há homens que
lhes dirão, relatando a experiência que tiveram, que esse conhecimento foi, por
vezes, a única coisa que os impediu de suicidar-se. Eles tinham esse
conhecimento, apesar de todos os argumentos pareceram contraditá-lo. O selo
não garante a continuidade de uma vida santificada. O poeta William Cowper
ajuda-nos neste ponto. Diz ele -
que se aprofundam tanto que por vezes me provocam lágrimas”. Não sou um
Wordsworth; entretanto sou capaz de apreciar a beleza das flores. A intensidade
pode variar, mas não se deve entender isso como significando que às vezes a
experiência pode ser duvidosa. É sempre definida e inconfundível; isso é
inquestionável! Se você tiver que persuadir-se sobre ela, você não a conhece. É
da essência do selo que ele é inconfundível quando dado, porquanto é ação
de Deus.
Isso, por sua vez, levanta a questão do lugar que as emoções ocupam nesta
experiência. Muitos se preocupam com isso. Os cristãos modernos parecem ter
mais medo das emoções do que qualquer outra coisa. Deve-se isso ao fato de que
não fazem distinção entre emoção e emocionalismo. Devido temerem o
emocionalismo, temem as emoções. Há alguns que vão tão longe que chegam
a gabar-se de que não há emoção na experiência cristã. Gostam quando as
pessoas não mostram nenhuma emoção em sua conversão. Desse modo podemos
ser levados a extraviar-nos por pensamentos confusos. Há uma real diferença
entre emoção e emocionalismo. Seria concebível que alguém possa saber
diretamente de Deus que ele é filho de Deus, e contudo não sentir nada, não
sentir nenhuma emoção? Jamais houve homem que por natureza fosse mais
impassível e infenso às emoções do que João Wesley. Ele era um típico mestre
na lógica, um tanto pretensioso e pedante, que desconfiava de toda tendência
para excessos; todavia, na reunião que houve na Rua Aldersgate o seu coração
foi “estranhamente aquecido”.
“Mas”, dirá alguém, “que dizer dos excessos, do fanatismo, e dos diversos
fenômenos que às vezes são relatados? Você não estaria tendendo a encorajar a
desordem? Nos relatos dos aviva-mentos muitas vezes há informações sobre
fenômenos estranhos; acaso tudo isso faz parte deste selo?” Em resposta
devemos salientar que visitar Deus uma alma é a experiência mais empolgante
que se pode conhecer; e, portanto, não é surpreendente que às vezes a estrutura
física não lhe possa resistir. Podemos lembrar-nos do caso de Moody, que se
sentiu a ponto de cair em colapso físico; não é surpreendente se, às vezes,
quando o Espírito de Deus visita as pessoas com grande poder, elas percam seu
autocontrole por algum tempo. Isso não deveria perturbar-nos. Mas se ainda
ocorrer isso, o melhor caminho será ler um grande livro de Jonathan
Edwards intitulado Sobre a Natureza dos Afetos Religiosos (On the Nature of the
Religious Affections). Jonathan Edwards passou pelo grande
Ninguém jamais conheceu mais destas coisas do que o próprio apóstolo Paulo.
Como cristãos, não podemos ler as suas cartas sem ficarmos comovidos. A
emoção parece perspassá-las e apanhar-nos
também. Portanto, ela se torna uma prova do nosso conhecimento dessas coisas.
Já o nome do Senhor Jesus Cristo sempre comovia o grande apóstolo, e às vezes
parece fazê-lo esquecer o seu argumento e a sua lógica por algum tempo. Ele
irrompe repetidamente num hino de louvor e ação de graças; contudo, notamos o
seu auto--rebaixamento. Com todo o seu amor inflamado e apaixonado, sempre
há reverência. Os dois elementos estão sempre presentes no mesmo homem. Ele
sabia o que é ser arrebatado ao terceiro céu e, todavia, dá-nos o seu ensino
incomparável, caracterizado pelo equilíbrio, sabedoria, e entendimento. Sejamos
cautelosos, pois, para que não suceda que por nosso medo de agitação, de
emocionalismo, de estranho entusiasmo e de alguns fenômenos esquisitos,
venhamos a ser culpados de “extinguir o Espírito”, e, com isso, privar outros
destas bênçãos maravilhosas que Deus tem para todo o seu povo. A pergunta
para cada um de nós é: o amor de Deus foi derramado em meu coração? Sei
acima de todo argumento, acima de ter que convencer-me, que sou filho de Deus
e co-herdeiro com Jesus Cristo? É a esse resultado que o selo do Espírito leva.
PROBLEMAS E DIFICULDADES CONCERNENTES À SELAGEM
“Em quem também vós, depois que crestes, fostes selados com aquele Espírito
da promessa.” - Efésios 1:13
Temos tratado deste assunto amplamente porque, pelo Novo Testamento e pela
longa história da Igreja Cristã, parece muitíssimo claro que não existe nada que
seja tão essencial, do ponto de vista do testemunho cristão, como esta
experiência do selo. É possível testemunhar de maneira mecânica, mas isso tem
muito pouco valor; somente os que conhecem esta experiência do selo são
testemunhas realmente eficientes. Foi por isso que o nosso Senhor disse aos
Seus discípulos que ficassem em Jerusalém até recebê-lo. Não é somente a mais
elevada experiência que o cristão pode ter; é o meio de fazer de nós cristãos
efetivos, de tornar-nos vivos e radiantes. Prova-se isso em todos os períodos de
avivamento e despertamento.
Mas há certas dificuldades com relação a esta questão, das quais devemos tratar.
A questão mais importante é: todos os cristãos primitivos tiveram esta
experiência? Paulo parece estar dizendo que todos os membros da igreja em
Éfeso e das outras igrejas às quais esta carta-circular foi enviada tinham sido
selados pelo Espírito: “Em quem também vós , depois que crestes, fostes selados
com o Espírito Santo da promessa”. Se é esse o caso, argumenta-se, não
se aplicaria a mesma coisa atualmente? Então, como se pode dizer que é possível
ser cristão sem se conhecer o selo do Espírito?
De muitas maneiras esta é a questão mais importante com respeito a este ensino.
Acrescento que é também uma questão extremamente difícil; e eu posso apenas
sugerir que, para mim é, de qualquer forma, uma resposta adequada e suficiente.
A declaração desta passagem é uma das muitas declarações similares e
comparáveis que encontramos nas Epístolas do Novo Testamento. Vejam, por
exemplo, a declaração que consta no capítulo 5 da Epístola de Paulo aos
Romanos, onde lemos que “a esperança não traz confusão, porquanto o amor de
Deus está derramado em nosso corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”
(versículo 5). Nessa passagem Paulo parece estar dizendo que o amor de Deus
foi derramado em toda a sua profusão no coração de todos os cristãos.
Assim, podemos muito bem perguntar se isso aconteceu com todos os cristãos
primitivos. E se é assim, por que não acontece com todos os cristãos agora? Ou
se afirma que acontece com todos? A questão não é se sentimos alguns
ocasionais vislumbres do amor de Deus, mas se esse amor foi derramado em
nossos corações até eles se transbordarem. Este versículo é, pois, um versículo
comparável. Também na Primeira Epístola de Pedro temos uma declaração,
que já citamos: “Ao qual (a Jesus Cristo), não o havendo visto, amais; no qual,
não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso”
(versículo 8). Isso seria verdade com relação a nós? Pedro faz o que parece ser
uma declaração universal acerca de todos os cristãos. Há outras declarações
semelhantes que poderíamos citar. Parecem universais e aplicáveis a todos os
cristãos aos quais as cartas foram enviadas.
Qual será, então, a explicação, e como conciliar tais declarações com a nossa
alegação de que o selo não se aplica a todos os cristãos? Pois bem, é óbvio que o
apóstolo não conhecia todos e cada um dos membros da igreja de Efeso e das
outras igrejas, a de Roma inclusive. O apóstolo Pedro, como é demonstrado
claramente, não conhecia as pessoas para as quais estava escrevendo; ele as trata
como “estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia”. Mas
ele tinha ciência de que havia cristãos em certos lugares; e lhes escreve uma
carta-circular geral. Certamente ele não tinha um detalhado conhecimento de
cada membro individual ao escrever-lhes esta carta geral. Logo, podemos tirar a
conclusão de que em todas estas declarações universais e gerais os escritores
estão tratando de algo que eles consideram como norma ou padrão. Não estão
dizendo que essa experiência é necessariamente real com relação a cada cristão
individual. Quando escrevem uma carta geral a uma igreja, escrevem na
suposição de que os seus membros são o que todo cristão deveria ser; e se
dirigem a eles considerando-os tais. Pedro obviamente está fazendo isso, e
apesar de saber que havia variações na experiências dos membros das igrejas ele
lhes escreve em geral, dizendo: “Ao qual, não o havendo visto, amais; no qual,
não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso”. Ele
está claramente proclamando o que constitui a norma ou padrão para todo
cristão verdadeiro. Esta é uma parte da resposta.
cem anos sem avivamento. Não que nas épocas mais comuns a Igreja deixe de
ser cristã. Nesses períodos o Espírito Santo está realizado a Sua obra mais
regular, e os que recebem esta experiência são mais ou menos excepcionais;
todavia em tempo de avivamento a experiência vivida propaga-se mais.
Portanto, para explicar por que Paulo aqui escreve desta maneira aos Efésios,
temos o direito de dar uma outra destas duas explicações - ou que todos os
cristãos tinham de fato recebido esta bênção porque pertenciam à Igreja
Primitiva, no princípio, ou que os apóstolos estavam falando em termos gerais
sobre a norma e o padrão, e não em termos de cada membro individual da Igreja.
Nossa próxima pergunta é ainda mais relevante para nós, e ainda mais prática: a
experiência que venho descrevendo destina-se a todos os cristãos? “Notei”,
alguém poderá dizer, “que você deu ênfase ao que aconteceu nos tempos
apostólicos e ao que acontece em tempos de avivamento; e também que os
indivíduos cujas experiências foram citadas eram homens proeminentes, como
Whitefield, Wesley, Jonathan Edwards e D.L. Moody”. Muitos deduzem
disso que a experiência é só para pessoas importantes, e não para os cristãos
“comuns”. Mas essa é uma dedução inteiramente falsa, como prontamente se
pode mostrar pelas Escrituras. Quando o apóstolo Pedro pregou no dia de
Pentecoste, no poder do Espírito, os homens clamaram: “O que faremos, varões
irmãos?” Pedro respondeu: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em
nome de Jesus Cristo (do Senhor Jesus Cristo ), para perdão dos pecados;
e recebereis o dom do Espírito Santo; porque a promessa vos diz respeito a vós,
a vossos filhos, e a todos os que estão longe: a tantos quantos Deus nosso Senhor
chamar” (versículos 38 e 39). Não há limite, não há distinção; não se destina
somente aos apóstolos ou a proeminentes servos de Deus; destina-se a todo o
povo cristão. Deus é o pai de todos os cristãos exatamente da mesma maneira.
Ele é o pai do cristão mais humilde precisamente da mesma maneira como o é
do mais ilustre servo na Igreja. A história subseqüente da Igreja confirma isso
abundantemente. Já vimos que parece ter sido esse o caso na Igreja do Novo
Testamento: “Os estrangeiros dispersos” aos quais Pedro escreveu regozijavam-
se em Cristo com “gozo inefável e glorioso”.
Na subseqüente história da Igreja vocês verão que pessoas de cujos nomes nunca
se tinha ouvido falar experimentaram o selo do Espírito. Foi o que se deu nos
dias do despertamento evangélico há duzentos anos. Algumas das primeiras
igrejas metodistas não recebiam como membro da igreja o homem que não
tivesse plena certeza. Essa pode ser uma condição excessiva, porém certamente
é um erro admissível, e prova a espiritualidade dos líderes daquelas igrejas.
Contudo, repito, esta experiência visa a todos nós; e tenhamos sempre em mente
que ela nem sempre está presente com a mesma intensidade.
A analogia do selo em lacre ajuda aqui. As vezes, quando uma pessoa usa um
selo vê que o impresso no lacre se enxerga com clareza; mas às vezes é tão fraco
e indistinto que mal se pode entender. No entanto, distinto ou indistinto, está lá;
e deve estar. Não devemos insistir em que todos tenham a profunda e comovente
experiência de um homem como Jonathan Edwards, que nos conta que a sua
percepção da glória e do amor de Deus veio sobre ele em ondas e com tal
intensidade que ele ficou suando, embora a temperatura ambiente estivesse
baixa. E vocês verão que um homem como Charles G. Finney, embora tão
diferente teologicamente, descreve a mesma experiência quase exatamente com
a mesma terminologia. Conquanto não precise ser de tanta intensidade, repito
que é um direito de nascimento de todos os cristãos estarem
absolutamente certos e seguros da salvação - “Porque sois filhos, Deus enviou
aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai” (Gálatas 4:6).
Para usar uma analogia humana: pode haver um filho não muito normal ou não
plenamente desenvolvido numa família, mas é tão filho do pai e da mãe quanto
os membros da família
Tenhamos, pois, claro em nossas mentes que não recebemos esta bênção dessa
maneira e sem levar em conta os sentimentos; quando formos selados com o
Espírito Santo de Deus, teremos conhecimento disso. Não é para ser aceito pela
fé, sentimentos à parte. Você deve continuar pedindo a bênção até obtê-la, até
você saber que a tem. O ensino do “Tome-o pela fé”, creio eu, é res-
ponsável por grande parte do indesejável estado atual da Igreja Cristã. Muitos
passam a vida cristã inteira desse modo, dizendo: “Não nos preocupamos com
nossos sentimentos, nós o tomamos pela fé” resultando disso que eles nunca
chegam a ter nenhuma experiência. Vivem baseados no que eles mesmos
sugerem a si próprios, numa espécie de auto-sugestão ou coueismo.* Mas
quando Deus abençoa a alma, a alma fica sabendo disso. Quando Deus revela o
Seu coração de amor a você, o seu coração se derrete com a experiência. Os
apóstolos e outros que foram cheios do Espírito Santo no dia de Pentecoste
ficaram radiantes, arrebatados acima e além de si mesmos, e falaram com
espantosa autoridade e segurança; e todos os que os viram e os ouviram ficaram
admirados e perguntaram: “Que quer isto dizer?” (Atos 2:12). Tenhamos
cuidado, para não suceder que nos privemos de algumas das mais ricas bênçãos
de Deus. Quando Deus o selar com o Espírito, você saberá. Não terá que “Tomá-
lo pela fé” independentemente dos seus sentimentos e das suas condições
pessoais, e continuar dizendo: “Devo tê-lo, porque eu creio, tomei a palavra de
Deus para isso”. Você não terá que pesuadir-se; a persuasão será feita pelo
Espírito Santo, e você conhecerá algo desse regozijo com “gozo inefável
e glorioso”.
Não estou sugerindo, porém, que devemos ser condescendentes com o que às
vezes denominam “reuniões de espera”. Há um sentido em que os que deram
início a tais reuniões estavam certos; em todo caso, eles compreendiam que tal
plano de ação era algo experimental. Mas erraram quando passaram a dizer:
“Vamos reunir-nos e esperar até obtermos a bênção que buscamos”.
Costumavam esperar dias e às vezes semanas resultando em que de vez em
quando certos resultados infelizes tendiam a ocorrer. Isso era mais ou menos
inevitável, pois eles criavam certas condições psicológicas. Se as pessoas ficam
esperando dessa maneira, sem comer nem beber, e numa atmosfera tensa, há
sempre um inimigo por perto, pronto a produzir falsificação. E há sempre a
nossa própria psicologia, o poder de persuasão, e o perigo de as pessoas
entrarem num falso êxtase. Esse perigo ganhava especial realidade quando eles
diziam: “Não sairei do edifício enquanto não obtiver a bênção”. Alem disso, há o
perigo muito real de se esquecerem do
’ De Émile Coué (1857-1926), chamado “apóstolo da auto-sugestão como método de cura”. Natural de
Troyes, França. Nota do tradutor.
senhorio do Espírito e da soberania de Deus. É Ele quem decide quando dar esta
bênção. É Ele quem decide a quem dá-la. Não podemos mandar nisso, e nunca
devemos adotar a atitude de dizer: “Vou cumprir as condições e esperar até
acontecer”. Isso é antibíblico; não é o método de Deus. É certo que o Senhor
disse aos discípulos que esperassem em Jerusalém até o dia de Pentecoste, pois
Ele tinha determinado aquele dia em particular, como já havia revelado aos
santos do Velho Testamento; porém isso não estabelece precedente para as
“reuniões de espera”.
O próximo passo é que façamos tudo o que pudermos para preparar o caminho.
“Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra” ( Colossenses
3:5). Temos que ser purificados e purificar-nos a nós mesmos, se é que este
Hóspede amoroso deve entrar. “Mortificai, pois, os vossos membros.” Livrem-se
do pecado, purifiquem os seus corações; livrem-se, diz Paulo, “De toda
a imundícia da carne e do espírito” (2 Coríntios 7:1). “Vós de duplo ânimo,
purificai os corações”, diz Tiago (4:8). Vejam então o conselho de Pedro no
capítulo Primeira da sua Segunda Epístola : “Acrescentai à vossa fé a virtude”
etc. (versículos 5-8). O homem que deixa de agir assim é cego, diz Pedro; não vê
nada ao longe, e não se dá conta de que foi feita a “purificação de seus antigos
pecados” (versículo 9). Mas se vocês praticarem aquelas coisas farão “cada vez
mais firme” a sua “vocação e eleição” e lhes “será amplamente concedida a
entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (versículos 10
e 11). Devemos concentrar-nos em “Fazer cada vez mais firme” a nossa
“vocação e eleição” .
Se vocês lerem as vidas dos grandes homens de Deus cujas experiências citei,
verão que todos eles seguiram essas injunções. Todos eles eram homens que se
empenhavam na leitura das Escrituras e em entendê-las; purificavam suas vidas
pelo auto-exame e pela mortificação da carne. Quando lerem as biografias de
Whitefield, Wesley, Jonathan Edwards, John Fletcher, de Madeley, e
outros, vocês verão que todos eles se dedicavam a exercícios espirituais, não
tomavam nada “pela fé”, nem se persuadiam a si mesmos de que tinham que
receber a bênção; dedicavam-se a buscar a Deus. Naturalmente, tudo isso leva
invariavelmente à oração. E preciso orar por esta bênção. Gosto da palavra de
Thomas Goodwin aqui: “Requeste-0 pela bênção”. Ele diz: “Requeste-0 pela
benção”. Ou
Não conheço melhor oração para elevar a Deus do que a que se vê num dos
hinos de William Williams, galês, escritor de hinos, hino que foi assim
traduzido:
Ah, com Tuas suaves palavras Sopra em meu turbado espírito Paz que a terra
nunca dá;
Esse é o caminho! Faça a Deus esse tipo de oração até que Ele a responda.
“Salvador, dize que és meu, dá-me certeza cabal.” Ele já lhe atendeu esse
pedido? Ele já lhe sussurrou, já lhe falou? Ore rogando a Sua bênção, busque-a,
busque-a com avidez, com fome, com sede. Mantenha-se orando até que a sua
oração seja respondida. Noutras palavras, tome tempo. Tome tempo! Não
somente “tome tempo para ser santo”, mas também para buscar a selagem com o
Espírito. Persevere, não cesse nunca; e um dia a sua experiência será:
Isso muito bem pode acontecer quando você menos espera. As vidas e os
testemunhos dos santos através dos séculos concordam em dizer que Deus tende
a fazer isso por nós em ocasiões especiais.
Às vezes, quando a pessoa tem que passar por uma grande provação, Deus lhe dá
esta bênção pouco antes de chegar a provação. Como é bondoso o nosso Deus!
Que Pai amantíssimo! Quando Ele sabe que algo está para acontecer com você,
algo que o provará até as profundezas do seu ser, Ele lhe concede esta bem-
aventurada certeza, para que você passe triunfantemente pela provação.
Isso pode acontecer após um período de aparente abandono. Ãs vezes, depois de
um período em que a figueira não floresce e todas as árvores estão desnudas,
quando tudo deu errado, de repente irrompe a luz, e Ele fala e sussurra o Seu
amor por nós, e nos dá “a pedra branca” com “o nome novo”, e nos alimenta
com o “maná escondido”.
Vimos que a selagem com o Espírito é a certeza excepcional que Deus dá ao Seu
povo; é “o Espírito testificando com o nosso espírito que somos filhos de Deus”.
No entanto, o apóstolo em seu desejo de fortalecer, consolar e edificar os efésios,
percebe que não deve abandonar o assunto ali, porque há outro aspecto da
verdade, que, do ponto de vista experimental e existencial, é, em certo sentido,
mais precioso ainda. Ele trata disso no versículo 14. A conexão é como segue:
“... depois que crestes, fostes selados com aquele Espírito Santo da promessa,
que é o penhor da nossa herança até a redenção da possessão adquirida” (VA).
Começamos, pois, estudando o sentido deste termo penhor -“o qual é o penhor
da nossa herança”. É um termo empregado freqüentemente com relação a
transações comerciais, embora não seja usado tão comumente hoje como dantes.
Houve tempo em que era um termo muito comum em todas as transações de
compra e venda, e geralmente se concorda que, nesse caso, ele tinha
dois sentidos. Um deles significava que eram uma espécie de fiança, de garantia.
Um homem que comprasse um lote de terra, por exemplo, e não tivesse dinheiro
para pagá-lo à vista; o costume era que, como prometesse pagar em data
posterior, dava à outra pessoa algo como fiança e garantia de que finalmente
pagaria o preço total.
Mas há um sentido mais rico deste termo, a saber, que não somente se trata de
uma fiança ou garantia, porém também de um pagamento parcial, de fato uma
pequena parte do preço total. Há uma diferença sutil, mas real, neste ponto. Você
pode dar como garantia algo que não é da mesma natureza da aquisição feita.
Por exemplo, na compra de um lote de terra você pode dar uma garantia em
dinheiro; é uma fiança, uma garantia, entretanto não um penhor. O que é peculiar
no penhor é que é uma fiança ou garantia da mesma espécie e da mesma
natureza do objeto de aquisição. Por exemplo, no caso da transferência de
dinheiro, se você der uma parte do dinheiro, será um penhor, além de ser uma
fiança; ao passo que, se você der uma peça de vestuário ou de mobília como
garan-
tia, será uma garantia, porém não um penhor. A característica do penhor é que é
um pagamento parcial, o primeiro pagamento em espécie da mesma espécie do
que está sendo adquirido. É vital para o verdadeiro entendimento desta doutrina
que compreendamos que o penhor é o primeiro pagamento do total, uma garantia
de que se seguirá o restante, e nesse sentido é uma fiança. Mas há outra também
diferença entre fiança e penhor. Se você der uma garantia para cobrir uma
transação, quando você fizer realmente o pagamento, o que você dera em
garantia lhe será devolvido. Os termos “fiança”, “garantia” e “caução”
significam a mesma coisa. Você deixa o seu depósito, porém quando chega a
hora e você faz o seu pagamento, o seu depósito ou a sua garantia lhe é
devolvida. Mas isso não acontece no caso do penhor (no sentido dado pelo
autor). A razão é que o penhor é uma parte ou porção do total, e, portanto, não
lhe é devolvida quando o restante é pago.
Vejamos uma ilustração simples: imagine que você deve à alguém uma libra.
Você pode dar uma garantia por essa dívida; por exemplo, pode dar um livro
como garantia. Depois, quando você pagar o seu débito, terá de volta o seu livro.
Todavia, se em vez de dar um livro como garantia der um penhor, digamos um
xelim, então, quando você acertar as contas com o homem que lhe fez
o empréstimo, você não terá de volta o xelim, e como lhe deve uma libra (20
xelins), simplesmente completará o pagamento dando-lhe dezenove xelins. Isso
porque o seu penhor era de fato uma parte do todo. Assim, se havemos de auferir
pleno benefício do ensino do apóstolo aqui temos que apegar-nos a essa idéia.
O “penhor”, então, é algo dado “por conta”. A palavra “até” esclarece ainda mais
o ponto - “O qual é o penhor da nossa herança até...”, até o que? “Até a redenção
da possessão adquirida”. Notem de novo a colocação feita pela Versão Revista
Padrão: “o qual é a garantia da nossa herança até nós obtermos posse dela”. Isso,
de novo, é legítimo, é possível; mas a sua ênfase está em ‘‘obtermos”. A Versão
Autorizada diz: “até a redenção da possessão adquirida”. A palavra “redenção” é
omitida na Versão Revista Padrão. A Versão Revista (inglesa) (“ERV”) é
ligeiramente diferente da Versão Autorizada, e traduz assim: “o qual é um
penhor da nossa herança, para a redenção”. Ela mantém a palavra “redenção” e
também a palavra “penhor”. E continua: “penhor da nossa herança, para a
redenção da possessão de Deus” (semelhante à Versão de Almeida, Revista e
Corrigida). Ora, “Deus” não é mencionado na Versão Autorizada. A referência a
Deus na verdade não se acha no original; os revisores fizeram interpretação
nesse ponto, como o uso de itálicos o demonstram (tanto na VA com em ARC).
Quanto à palavra “redenção”, vemos que ela está no grego, no original; o que
torna muito mais significativa a sua omissão por parte dos tradutores da “RSV”.
Está claro que “a consumação final do plano de Deus” é o significado dessa
palavra aqui. Vemos o mesmo sentido na Primeira Epístola aos Coríntios,
capítulo 1, versículo 30, onde o apóstolo diz: “...em Jesus Cristo, o qual para nós
foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”. Nessa
passagem alguns pensam em “redenção” somente em termos do perdão de
pecados; porém em diversas passagens ela tem escopo mais amplo. As vezes
significa “perdão”; mas o contexto geralmente esclarece o sentido. Obviamente,
como vem empregada em 1 Coríntios capítulo 1, versículo 30, “redenção”
significa “consumação final”, o fim, o propósito completo de Deus cumprido
em sua total emancipação e libertação.
foi pago por nossa redenção e libertação final. Assim, o apóstolo está dizendo
aqui que a bênção a nós trazida pelo Espírito Santo, e em particular o selo, é um
pagamento parcial que nos é dado até recebermos em toda a sua plenitude o que
Cristo adquiriu para nós com o Seu precioso sangue. A palavra “obter”
(“Acquire”), da “RSV”, introduz uma idéia alheia à ênfase do apóstolo.
Não obstante, parece-me que aVersão Autorizada é melhor neste caso. A maneira
de decidir a questão não é unicamente em termos de lingüística, mas também em
termos do contexto e da doutrina. Neste ponto o apóstolo está interessado em dar
conforto, consolo e segurança aos seus leitores, pelo que opino que ele está
examinando esta matéria do ponto d vista humano, e não do lado de Deus. Ele
está dizendo que Deus nos fez um pagamento parcial da nossa herança, até
recebermos a totalidade. A tradução da Versão Autorizada encaixa-se natural e
confortavelmente no contexto inteiro. Alternativamente, faz pouca diferença,
porque o dia em que entrarmos plenamente em nossa herança é o dia em que
toda a possessão de Deus em Seu povo também estará completa.
O ensino do apóstolo é, pois, que o Espírito Santo me foi dado, e que Ele,
testificando com o meu espírito, garantiu-me que sou filho de Deus. Deus me
disse, “Tu és meu filho”, e, mediante a selagem, deu-me prova cabal de que está
peculiarmente interessado em mim em Cristo; mas Ele deu-me também este
penhor da minha herança.
uma colheita das primícias, um exemplar daquilo que será a nossa parte no céu.
Estas Epístolas do Novo Testamento nos concitam constantemente a olhar para o
futuro, para o gozo no céu. Pouco sabemos do que significa isso, e as Escrituras
nos falam pouco a respeito, porém com certeza podemos dizer que as duas
principais bênçãos do céu serão ver o nosso bendito Senhor e Salvador, e tornar-
nos semelhantes a Ele. “Bem aventurados os limpos de coração; porque eles
verão a Deus” (Mateus 5:8). “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não
é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se
manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim é como o veremos” (1 João
3:2). Ver o nosso bendito Senhor e Salvador face a face, ver a Deus; isso
está além da nossa compreensão, e não conseguimos captá-lo porque
é sumamente glorioso. No entanto, no céu veremos a Deus, e fitaremos o rosto
do nosso bendito Salvador, que morreu por nós. Tudo o que temos no presente,
mesmo as nossas experiências mais altas, são as primícias; são apenas o
antegozo da bem-aventurança.
Peregrinando cantai...
Não vemos nada disso, porém Deus, em Sua infinita graça, bondade e
compaixão deu-nos um antegozo. Nós o estamos fruindo? Você O conhece?
Você O vê com o rosto descoberto, como num espelho? Sua glória já foi revelada
a você? Você conhece algo do Seu amor, e você O ama? Você conhece a alegria
da santidade, da pureza e da santificação? E você está gozando “a paz de Deus,
que excede todo o entendimento”? “O qual (o Espírito Santo) é o penhor da
nossa herança, até a redenção da possessão adquirida.”
1
Versão Autorizada (inglesa); cf. Almeida, Revista e Corrigida, margem. Nota do tradutor.
PROVAS DA PROFISSÃO DE FÉ CRISTÃ
“Pelo que, ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor Jesus, e o vosso
amor para com todos os santos, não cesso de dar graças a Deus por vós,
lembrando-me de vós nas minhas orações.”
- Efésios 1:15-16
Não devemos esquecer que esta é uma Epístola pastoral, e que o seu propósito
era eminentemente prático. Não se deve pensar no apóstolo como sendo um
teólogo que se assenta para escrever uma dissertação teológica; seu objetivo era
ajudar os cristãos, fortalecê-los e animá-los em sua vida cristã diária. Este é o
jeito apostólico de fazê-lo; os apóstolos acreditavam que a melhor maneira
de ajudar os cristãos era ensinar-lhes as grandes doutrinas da fé cristã e depois
aplicar a doutrina a eles.
Portanto, neste ponto, o apóstolo parece sugerir que até aí ele e os seus leitores
estiveram examinando o cristianismo em sua essência. Ele se regozijara no fato
de que o cristianismo é para os gentios, bem como para os judeus, sendo ambos
co-participantes de Cristo e das primícias da grande colheita vindoura. Ele está
particularmente interessado em que os crentes efésios a quem ele está
escrevendo se apercebam de que são participantes destas bênçãos; e assim
ele começa a sua nova seção com um enfático “portanto” ou “pelo
que”, expressão que age como elo entre o precedente e o subseqüente. Visto que
tudo o que ele estivera escrevendo é verdade quanto aos cristãos de Éfeso, ele
lhes diz que ora por eles constantemente e
sem cessar - “Pelo que, ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor
Jesus, e o vosso amor para com todos os santos, não cesso de dar graças a Deus
por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações”.
Depois o apóstolo passa a indicar a natureza exata da sua oração. Observem que,
como sempre deveria ocorrer com a oração cristã, há dois aspectos em sua
oração. Primeiramente, ele não cessa de dar graças por eles. Agradece a Deus o
fato de que eles estão na vida cristã; o fato de que eles foram feitos co-herdeiros
com os judeus no grande e glorioso reino vindouro de Deus. Eles foram selados,
têm o poder do Espírito, e estão aguardando o tempo da “redenção da possessão
adquirida”. Sua ação de graças é significativa porque é parte essencial da vida
cristã. Não há quem possa ser verdadeiramente cristão e que não se regozije
porque outros também se tornaram cristãos. Nada deveria alegrar mais o coração
do crente do que saber que há outros que se acham em igual posição e gozando
as mesmas bênçãos. Por isso o apóstolo dá o seu constante louvor e ação de
graças a Deus; e então, e somente então, ele começa a fazer as suas petições, que
se acham no trecho que vai do versículo 17 ao fim do capítulo.
No entanto, o que foi exatamente que Paulo ouviu sobre estes cristãos? Que é
que dá ao apóstolo esta definida certeza concernente a eles? Que é que ele tem
em mente quando, de joelhos, na presença de Deus, dá graças por eles? Isso é
importante porque nos supre de provas que podemos aplicar a nós mesmos.
Como sabemos se somos cristãos? E os outros, como podem saber que somos
cristãos? Que bases temos para dar graças a seus por sermos cristãos e para dar
graças a Deus por outros cristãos? O simples fato de que um homem pode dizer
que é cristão não prova que é: a história da Igreja Cristã no transcurso dos
séculos prova que essa é, talvez uma das maiores falácias em que podemos cair.
Por vezes pessoas que se diziam cristãs foram os maiores inimigos da fé cristã.
O simples fato de pensarmos que somos cristãos não basta; o fato de outras
pessoas talvez dizerem que somos cristãos não basta. É preciso haver alguma
prova. Se havemos de ter certeza real e sólida, temos que ter algumas provas
válidas para aplicar; e afortunadamente para nós, o apóstolo no-las fornece aqui.
O primeiro fato concernente a eles é a sua “fé no Senhor Jesus” (cf. a VA), ou,
como se poderia traduzir, “a fé que entre vós há” (como na Versão de Almeida).
Refere-se à sua fé individual, pessoal no Senhor Jesus. Naturalmente, isso é o
que há de mais vital; é o que podemos chamar a differentia * da fé cristã. Esta é
a prova central, vital, segura. Não devemos colocar na primeira posição a
nossa maneira de viver; não devemos colocar na primeira posição a
nossa conduta e o nosso comportamento. Existe no mundo muita gente boa,
muitas pessoas bondosas, muitas pessoas de boa moral, muitas
’ Diferença. Em latim no original. Nota do tradutor.
pessoas benévolas que não são cristãs. Muitas nem mesmo se dizem cristãs; de
fato, podem ser opositoras à fé cristã. Mas, quanto à vida e ao modo de viver, são
boas pessoas. Evidentemente, pois, não é este o ponto no qual devemos começar.
Também devemos indicar que não é o homem de idéias nobres que importa, nem
o seu idealismo; um conceito vago, geral, benevolente, idealista não significa
que o homem é cristão. É preciso dar ênfase a isso no presente por causa da
confusão que existe a respeito. Dificilmente se pode ler uma notícia obituária
acerca de um grande homem nos jornais sem que haja alguma confusão. O tipo
de observação que geralmente se faz sobre um homem que morreu é que ele não
era cristão, porém era um grande homem, um homem que fazia muitos
benefícios e que tinha muitas idéias nobres com relação à vida; depois, para
resumir tudo, acrescentam: “Não podemos dizer que ele foi formalmente cristão,
mas ...” O que eles querem dizer é que, embora ele não dissesse que era cristão,
e não fosse membro de igreja e não subscrevesse os credos cristãos, não
obstante era cristão. Ninguém poderia ter tido uma vida tão maravilhosa sem ser
cristão. Noutras palavras, a vida, ou as idéias, ou a nobreza de caráter de um
homem, ou a sua preocupação com a elevação da raça ou com o melhoramento
da vida em geral, determinam se ele é cristão. A característica peculiar dos dias
atuais é esta completa confusão sobre os primeiros princípios e sobre as
definições primordiais; e, que pena, essa não é apenas a verdade em
termos gerais, mas até com relação ao segmento mais
fundamentalmente evangélico da Igreja Cristã! Os referenciais estão ficando
cada vez menos distintos, e o clamor hoje é; “Não se preocupem com definições.
Se um homem se diz cristão, ele é cristão; trabalhemos juntos”.
apóstolo não se preocupa muito com as outras provas, mas vem logo ao centro.
Ao que lhe parece, ele agiu com base no princípio frequentemente empregado na
esfera da química. Um químico que está tentando identificar uma substância
conta com diversas provas que se pode aplicar, entretanto, se ele tem pressa, não
se dá ao trabalho de utilizar todas as provas possíveis; imediatamente aplica a
prova cabal e definitiva. Na esfera do cristianismo a prova definitiva é o próprio
Senhor Jesus Cristo, pelo que diz o apóstolo: “a vossa fé no Senhor Jesus”.
Vejamos como o apóstolo, em muitos lugares dos seus escritos, salienta esta
verdade. Na Epístola aos Filipenses ele adverte os seus leitores contra certos
judaizantes que percorriam as igrejas dizendo: “Sim, é certo crer em Jesus
Cristo, mas também você precisa ser circuncidado”, você precisa tornar-se judeu,
em acréscimo, por assim dizer. O apóstolo responde a esse ensino com esta
asseveração: “Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito,
e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne” (3:3). Termos fé no
Senhor Jesus significa que vemos todas as coisas nEle, vemos que ele é nosso
tudo em tudo. Se um homem me diz que tem fé no Senhor Jesus, com isso me
diz que não tem fé em si mesmo, que ele passou a ver que a sua própria justiça
não passa de refugio, é trapo imundo, é inútil e indigna. Ele não tem confiança
na carne, não tem confiança em si mesmo; ele confia total e inteiramente no
Senhor Jesus Cristo e em Sua obra a favor dele. Ter fé no Senhor Jesus significa
que você confia nEle completa, inteira e absolutamente. Significa que você crê
que Ele veio a este mundo para salvar você e que é Ele mesmo que o salva.
Dou ênfase a isto porque há alguns que parecem pensar que ter fé no Senhor
Jesus significa que você acredita que Ele veio a este
mundo para dizer-lhe que Deus o ama e que Deus perdoa os seus pecados. Mas,
como eu entendo o Novo Testamento, não é essa a fé no Senhor Jesus. Aquelas
pessoas ensinam que a cruz é apenas uma declaração do fato de que Deus está
pronto a perdoar-nos, que até está pronto a perdoar a própria cruz. Todavia, se
fosse assim, o Senhor Jesus não seria o Salvador; simplesmente estaria
anunciando que Deus perdoa e que a salvação é possível. Contudo, o
Novo Testamento nos diz que o Senhor. Jesus é, pessoalmente, o Salvador, que
Ele veio ao mundo para salvar-nos. É Ele, e o que Ele fez por nós, que
constituem o meio da nossa salvação. É isso que significa “fé no Senhor Jesus”.
Noutras palavras, significa que se ele não viesse não haveria salvação. Mas, de
acordo com o outro ensino, Deus ainda perdoaria e nos daria esta mensagem de
maneira lancinante e comovente. Dizem eles que Deus está fazendo isso pela
manifestação de Seu amor na cruz, quando perdoou os que O mataram, e com
isso anunciaram o amor de Deus. No entanto, não é isso que o Novo Testamento
quer dizer quando declara que Ele é o nosso Salvador. Ele assevera que nEle
“temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas”. A fé no Senhor
significa, pois, que eu lanço minha inteira esperança sobre Ele e sobre o que Ele
fez a meu favor; significa que eu não tenho nenhuma confiança em minha vida,
em meus atos, nem nos de ninguém mais; que eu compreendo que sou um
pecador perdido e sem esperança, e que só sou salvo “graças ao sangue e à
justiça de Jesus”. Um hino escrito pelo conde Zinzendorf e traduzido do alemão
por João Wesley expõem essa verdade perfeitamente -
Jesus, Teu sangue e Tua justiça São meu adorno e minha veste;
É com essa veste que ousarei levantar-me no grande dia vindouro. Fé no Senhor
Jesus significa que não tenho interesse por nenhuma outra coisa, e não ponho a
minha confiança em parte alguma, senão nEle e em Seu sangue e em Sua justiça,
a qual me é dada.
Mas eu devo chamar a atenção pela maneira pela qual o apóstolo expõe este
assunto. Observem que ele diz “fé no Senhor Jesus”. Sempre devemos prestar
atenção em cada termo empregado
pelo apóstolo. Ele estava escrevendo sob a inspiração do Espírito Santo, e por
isso ele nunca faz coisa alguma ao acaso ou acidentalmente. Quando varia as
suas expressões e os seus termos, tem boa razão para fazê-lo. Já vimos que ele
fez uso deste nome umas quinze vezes neste capítulo. Referiu-se a Ele como
“Cristo Jesus”, como “Jesus Cristo”, como “o Senhor Jesus Cristo”, etc.; mas
aqui ele diz deliberadamente: “fé no Senhor Jesus”. Não fé em Jesus Cristo,
não fé no Senhor Jesus Cristo, não fé em Jesus, mas “fé no Senhor Jesus”. No
versículo 17 temos a expressão “o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo” - a
expressão completa; mas aqui, “o Senhor Jesus”. A explicação deve ser que,
como ele está aplicando a prova definitiva, usa os elementos puramente
essenciais, o mínimo. Seu objetivo imediato é chamar a atenção para a Pessoa.
Sua tese é que o Salvador é Alguém do qual posso dizer ao mesmo tempo que
Ele é o Senhor, e também Jesus. Ele é Deus, Ele é homem. A expressão é
totalmente inclusiva; entre “Senhor” e “Jesus” tudo está incluído.
Senhor e Jesus são os dois pólos, os extremos que incluem tudo. O Salvador do
cristão é o Senhor da glória, a substância da substância eterna, a segunda Pessoa
da bendita e santa Trindade, o Filho eterno; todavia, Jesus também. “Chamarás o
seu nome Jesus” (Mateus 1:21). Este Senhor é o bebê em Sua completa
debilidade, Aquele que desceu e Se rebaixou tanto, o homem, Aquele que
foi para a cruz, Aquele que foi sepultado, Aquele que ressuscitou. Tudo está
incluído ali em “Senhor Jesus”.
Naturalmente, se uma pessoa crer nisso, não terá nenhuma dificuldade em crer
nos milagres realizados pelo Senhor Jesus. Quando Deus está na terra, o crente
espera o sobrenatural e o miraculoso; e assim não tropeça nas narrativas dos
milagres, nem tenta explicá-los psicologicamente. O Senhor Jesus é Aquele em
quem repousa a minha fé. Não posso salvar-me; homem nenhum pode salvar-
me; mas o Senhor Jesus pode. Essa é a fé que caracteriza o cristão; e nada menos
que isso pode satisfazê-lo. Somente Deus pode salvá-lo, Deus em carne, o
Senhor Jesus. Crer no Senhor Jesus diz-me porque Ele veio e explica o que Ele
fez. Quando contemplo tal Pessoa e considero por que o Filho de Deus veio, vejo
que há somente uma resposta: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou
seu filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que esta-vam
debaixo da lei” (Gálatas 4:4-5). Ele viveu como homem, e “em tudo foi tentado,
mas sem pecado” (Hebreus 4:15). Ele é verdadeiramente Jesus, o homem, e em
nada foi poupado nesse aspecto. Veio para prestar obediência à lei de Deus, e o
fez. Veio para levar sobre Si a penalidade que a lei impõe ao pecado, e o fez.
Jesus é o Crucificado. Ele era o Senhor que foi crucificado. Filho de Deus, Deus
o Filho, morreu por mim e por meus pecados. Está tudo incluído aqui, nesta
Epístola aos Efésios.
ser libertado do poder e da corrupção do pecado. Não podemos crer “em Jesus”
omitindo “o Senhor”. Cremos numa pessoa indivisível. Nele há duas naturezas
em uma só Pessoa; e quando cremos nEle, cremos nEle como o Senhor da glória
e o Senhor da nossa vida. Quando cremos nEle, cremos que Ele morreu pelo
nossos pecados, que Ele nos comprou, adquiriu-nos, resgatou-nos. Quando
cremos nisso, nós nos entregamos a Ele. Não “vimos a Jesus”, não cremos em
Jesus; vimos ao Senhor Jesus, cremos nEle como Ele é.
O apóstolo é sempre cuidadoso nesta questão. Por exemplo, vemos isso escrito
na Epístola aos Colossenses: “Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo,
assim também andai nele”. Não podemos recebê-lO como coisa alguma, senão
como o Senhor, e, portanto, o Senhor da nossa vida. Você tem esta fé no Senhor
Jesus? Você descansa sua fé unicamente nEle como Aquele que morreu para
expiar as suas transgressões? Você pode dizer:
Passemos agora ao segundo aspecto, que é, “e o vosso amor para com todos os
santos”. Um segue o outro como a noite segue o dia. Como eu já disse, este é o
argumento da Primeira Epístola de João. Na verdade é o argumento que se vê em
todas as partes do Novo Testamento. O apóstolo Pedro tendo lembrado aos
destinatários da sua Primeira Epístola que eles tinham purificado as suas almas
na obediência à verdade mediante o Espírito para o amor fraternal não fingido,
imediatamente passa a dizer: “Amai-vos ardentemente uns aos outros com um
coração puro” (1:22). Por natureza nos odiamos uns aos outros, como o apóstolo
no-lo relembra. “Porque também nós éramos noutro tempo
insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias concupiscências
e deleites, vivendo em malícia e inveja, odiosos, odiando-nos uns aos outros”
(Tito 3:3) - o homem em seu estado natural, não redimido! Mas Paulo soube que
os cristãos de Efeso amam todos os irmãos; e por isso sabe que alguma coisa
acontecera com eles.
Além disso, o homem natural, o não cristão, o homem que não nasceu de novo,
não tem o mínimo interesse pelos cristãos. Geral-
mente não gosta deles, porque os acha insípidos e desinteressantes, e acha que
eles têm mente estreita. São essas as expressões que ele usa a respeito dos
cristãos, e certamente não gostaria de passar horas na presença de uma pessoa
desse tipo. Ele percebe que não há nenhuma afinidade, nenhuma comunhão de
interesses. Segue-se, pois, que quando se pode dizer de um homem que ele ama
os santos, você pode estar certo de que a esse homem foi dada uma nova
natureza, de que ele nasceu de novo. Isso é algo completamente inevitável. Os
semelhantes se atraem: “Aves de igual plumagem voam juntas”. “O sangue é
mais denso do que a água”. 1 Estamos prontos a perdoar em pessoas relacionadas
conosco por laços de sangue coisas que não perdoaríamos noutras pessoas,
porque somos do mesmo sangue; pertencemo-nos mutuamente, há
esta comunhão de interesses. Por isso, quando nos vemos começando a ter esses
sentimentos acerca dos cristãos, acerca dos santos, temos uma prova de que só
podemos ser um deles. Há comunhão de interesses, e sentimos que pertencemos
à mesma família. Esta é a verdade imutável acerca do cristão. Paulo tinha ouvido
que estes efésios amavam os santos; gostavam de estar com eles, gostavam de
passar o tempo com eles; eles eram as pessoas das quais eles gostavam mais do
que de quaisquer outras.
Às vezes dou graças a Deus por esta prova, quando satanás me ataca, quando ele
me pressiona duramente com as suas acusações e me empurra para um beco sem
saída. Nessas ocasiões, alegra-me poder rebatê-lo com este argumento, e dizer-
lhe: “Bem, o que quer que seja, prefiro passar o meu tempo na companhia do
mais humilde cristão do que na do maior homem da terra, que não seja cristão”.
O diabo não tem resposta para isso; é uma das provas finais da salvação. Ou,
exponhamos a matéria de maneira diferente: é uma prova de que o Espírito
Santo está em nós. Não podemos amar verdadeiramente, se o Espírito Santo não
estiver residindo dentro de nós. É Ele que produz o amor, especialmente o
amor dedicado a todos os santos. Portanto, se amamos os santos, é prova de que
o Espírito Santo está em nós. O apóstolo já se referira ao Espírito Santo como
“selo”, “penhor”, e como aquele que habita em nós; e amar os irmãos, amar os
santos, é prova disso. O apóstolo
Notem que o apóstolo declara que soubera do amor deles “para com todos os
santos”. Não só amavam aqueles dos quais já gostavam; mas todos os santos.
Não só os inteligentes, não só os cultos, não só os agradáveis, não só os que
pertenciam a determinada camada social - não, todos os santos. O cristão sempre
tem uma nova prova para cada um e para cada coisa. Quando se encontra com
alguém pela primeira vez, ele não repara na roupa dele, não repara na sua
aparência externa geral. Essa é a maneira carnal de avaliar as pessoas. Ele não
fica a perguntar-se: de onde ele veio? Que escola freqüentou? Qual é seu saldo
bancário? Já não são essas as suas perguntas e as suas provas. Ele só se interessa
por uma coisa agora: ele é filho de Deus? Ele é meu irmão em Cristo?
Somos parentes?
Conta-se uma boa história relacionada com Philip Henry, pai do comendador
Matthew Henry. Ele e certa jovem se apaixonaram. Ela pertencia a um círculo
social mais “alto” do que o dele, mas se tornara cristã e, portanto, a questão de
posição social deixara de ter valor para ela, ou não constituía nenhum tipo de
obstáculo para o casamento deles. Seus pais, porém, não gostaram e, discutindo
com ela, perguntaram: “Esse homem, Philip Henry, de onde veio?”, a que ela
deu a imortal resposta: “Não sei de onde ele veio, mas sei
para onde vai”. Amamos os santos porque sabemos para onde eles vão. Juntos
caminham para Sião. Pertencemos ao mesmo Pai, à mesma casa, à mesma
família; vamos indo para o mesmo lar, e sabemos disso. Alguns de nós são muito
difíceis, muito molestos e muito indignos; entretanto, graças a Deus, visto que
somos filhos de Deus, estamos viajando juntos para o nosso lar celestial; e
sabemos que virá o dia em que todos os nosso defeitos, manchas, máculas e
rugas desaparecerão, e, todos juntos, seremos glorificados e aperfeiçoados,
gozando a mesma eternidade gloriosa.
“O PAI DA GLÓRIA”
“Pelo que, ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor Jesus, e o vosso
amor para com todos os santos, não cesso de dar graças a Deus por vós,
lembrando-me de vós nas minhas orações; para que o Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de
sabedoria e de revelação
- Efésios 1:15-17
Aqui o apóstolo diz aos cristãos efésios que está orando por eles, que não cessa
de dar graças a Deus por eles, fazendo menção deles em suas orações a Deus. Já
observamos que a sua oração se divide, como toda oração sempre deveria
dividir-se, em ação de graças, que inclui adoração e culto geral, e depois petição.
Agora vamos considerar como o apóstolo faz as suas petições a Deus. Temos
aqui uma grande lição objetiva neste aspecto. Talvez não haja nenhum outro
aspecto da nossa vida cristã que tantas vezes levante problemas nas mentes da
pessoas como a oração. E é certo que seja assim, porque a oração é, afinal de
contas, a mais elevada atividade da alma humana.
Portanto, ao encararmos toda esta questão da oração, não podemos, não podemos
fazer nada melhor do que observar alguns dos grandes modelos e exemplos que
temos nas Escrituras com tanta abundância. Entre tais exemplos, certamente não
há nenhum maior do que o próprio apóstolo Paulo. Observemo-lo quando ele
ora. Afortunadamente, não somente aqui, neste capítulo, porém também noutros
lugares, ele nos diz como ora, e nos diz algo do que a oração significa para ele.
Vejamo-lo e notemos tudo o que ele diz, observemos cada uma das suas
palavras.
É fácil ler uma declaração como a que estamos estudando e supor que não passa
de certo número de palavras sem muita significação. Felizmente o apóstolo se dá
ao trabalho de contar-nos exatamente o que ele diz na oração e por que ora como
ora; e, se tivermos êxito em captar a essência do seu ensino, este fará todos
os manuais sobre oração parecerem totalmente desnecessários. Há os que se
interessam pela questão da postura: devemos ajoelhar-nos? Devemos ficar de
pé? Devemos prostrar-nos? Os manuais sobre oração geralmente tratam dessas
questões, e também do tempo que se deve passar em oração, da ordem das
nossas petições, e assim por diante. Concedo que, dentro de certos limites, há
lugar para tais coisas; mas, quando lemos a literatura sobre a questão da oração,
e sobre as vidas dos santos, vemos que esse tipo de abordagem tende a
caracterizar o que podemos descrever como o conceito católico--romano sobre o
culto. Por outro lado, o conceito protestante, certamente o conceito mais
espiritual, dá muito menos atenção a esses detalhes, pois quando estamos bem no
centro, e preocupados com os princípios fundamentais, estas outras coisas
tendem a cuidar de si mesmas.
A primeira coisa que observamos é que o apóstolo ora a Deus o Pai. Ele não ora
ao Senhor Jesus Cristo, não ora ao Espírito Santo. Não devemos dar exagerada
atenção a esta questão, apesar de ter tomado a atenção de teólogos e expositores,
e com razão. Certa-
mente é um assunto sobre o qual não podemos falar em termos finais, pois é um
grande mistério. O próprio Senhor nos ensinou que a vida eterna é “conhecer o
Deus único e verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17:3). Ao
cristão é possível ter comunhão com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo, e não
somente mediante o Espírito Santo, mas também com o Espírito, como
John Owen e outros ensinaram. Não obstante, é interessante observar que a
Bíblia, geralmente falando, ensina-nos a dirigir as nossas orações a Deus o Pai.
Faço uma pausa na argumentação por uma única razão, a saber, que muitos
cristãos parecem pensar que a marca por excelência da espiritualidade é orar ao
Senhor Jesus Cristo. Mas quando recorremos às Escrituras, descobrimos que
realmente não é assim, e que, como na passagem que estamos estudando,
normalmente as orações são elevadas ao Pai. O Senhor Jesus Cristo é o
Mediador, não é o fim; Ele é que nos leva ao Pai. Vamos ao Pai por
intermédio dEle; Ele é o grande Sumo Sacerdote; é o nosso representante.
Normalmente não oramos a Ele, mas ao Pai, em nome do Senhor Jesus Cristo,
mediante o Senhor Jesus Cristo, confiantes no Senhor Jesus Cristo. Como o
apóstolo Pedro nos faz lembrar, tudo o que Ele fez destina-se a levar-nos a Deus,
não a Ele. Não devemos dar demasiada importância a isso, porém, é importante
que o observemos porque há um inimigo por perto que está sempre pronto a
fazer com que nos extraviemos; e a persuadir-nos a dar falsa ênfase a
certas questões.
A segunda questão que observamos é a maneira pela qual o apóstolo ora ao Pai.
Prestemos bastante atenção nos seus termos e perguntemos a nós mesmos por
que ele diz certas coisas e expressa seus pensamentos como o faz. Á melhor
maneira de tirar proveito da leitura das Escrituras e formular perguntas das
Escrituras, é
tomar cuidadosamente cada frase e perguntar: “Por que ele disse isto, por que
disse aquilo?” A primeira coisa que observamos é que o apóstolo faz pausas para
lembrar-se de certas coisas. Ele está escrevendo aos cristãos efésios e procura
faze-los lembrar-se das riquezas da graça de Deus e do seu regozijo pelo fato de
que eles a experimentaram. Ele deseja dar graças a Deus por eles, mas antes faz
uma pausa para lembrar-se do que vai fazer. Em particular, lembra-se dAquele a
Quem vai falar. Este é um ponto de vital importância quanto à oração; na
verdade estou disposto a asseverar que é a chave de toda a questão da oração.
Vou além, e sugiro que, em última análise, todas as dificuldades relacionadas
com a oração surgem porque não fazemos o que o apóstolo
invariavelmente fazia. Ele não se põe de joelhos nem fica de pé - não toma esta
ou aquela postura - ele começa imediatamente. Ele pára, faz pausa, recorda,
medita, fala primeiro consigo mesmo, e procura lembrar-se do que ele está
prestes a fazer. Lembra-se dAquele a Quem ele vai falar. Se todos nós
fizéssemos o mesmo, começaríamos a orar verdadeiramente, talvez pela primeira
vez.
Todos nós somos propensos a ser criaturas dos extremos; tendemos a oscilar de
um extremo a outro; e assim há dois excessos comuns em relação à oração. Um
deles é adotar o conceito litúrgico da oração, que concentra a atenção na beleza
do culto, na beleza da linguagem das frases, na beleza das palavras e da dicção,
no equilíbrio e na perfeição das formas, disposições e cerimônias. Isso se aplica
ao tipo católico de culto, seja romano, ortodoxo ou anglicano. Pode ser muito
bonito; mas certamente, falando em termos gerais, tende a ser distante; há tanta
ênfase à beleza, à grandeza e à sublimidade que de algum modo sente-se que
Deus está muito longe, à distância, e em torno disso há uma sensação de
irrealidade. Pode estar bem próximo da perfeição do ponto de vista estético ou
artístico, contudo não sugere um ato vivo de culto.
O perigo que surge é que muitos de nos, em reação ao tipo litúrgico de culto,
correm para o outro extremo e consideram a oração apenas como uma série de
petições telegráficas, sem nada de adoração, culto ou louvor. De fato, alguns
parecem pensar que isso é sinal de grande espiritualidade. Acham que têm tanta
familiaridade com Deus e se sentem tão seguros da sua posição diante dEle, que
podem correr para a Sua presença, e levar uma ou duas sentenças de petição, e
terminar. Mas certamente ambos os extremos são errôneos; e no modelo e
exemplo dado pelo grande apóstolo vemos
que ele invariavelmente combina o que é bom e certo nos dois métodos
extremos. Os dois elementos estão sempre presentes, e ele invariavelmente os
coloca na ordem certa. Ninguém sabia orar melhor do que este apóstolo; e não
houve ninguém que tenha obtido maior abundância de respostas às suas orações.
Ele ora com confiança, com acesso ousado, e com certeza; e, todavia, o
outro elemento de culto e adoração, estava sempre lá e sempre vinha
em primeiro lugar.
Todos nós só temos que sentir-nos culpados quando nos examinamos à luz do
ensino e dos métodos do apóstolo. Paramos de pensar, de recordar, e de lembrar
a nós mesmos o que de fato estamos fazendo quando oramos. Eu, pessoalmente,
estou pronto a admitir que muitas vezes falho nesse aspecto. Um dia,
recentemente, quis dar graças a Deus em certa questão; mas na ocasião eu
também tinha em mãos uma responsabilidade que requeria urgente atenção. Eu
estava a ponto de elevar uma apressada palavra em ação de graças a Deus para
poder atender à tarefa urgente; todavia, percebendo o que estava acontecendo, de
repente disse a mim mesmo: “Não é essa a maneira de agradecer algo a Deus;
você se dá conta de quem é Aquele a quem você está prestes a dar graças?” É
preciso pôr tudo de lado quando você se dirige a Ele; tudo, todos, todas as
coisas, por mais urgentes que sejam. Em que se comparam com Ele? Pare! Faça
uma pausa! Espere! Recorde! Trate de aperceber-se do que está fazendo.
Contudo, o apóstolo não ora ao “Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”; ele ora
ao “Deus de nosso Senhor Jesus Cristo”; e faz isso porque há uma nova aliança.
Deus agora fez uma aliança com o homem na Pessoa do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Esta é a “aliança da graça”, a “aliança da redenção”
aparecendo numa nova forma. Na essência, é a mesma aliança antiga, mas agora
é na Pessoa do Filho, o segundo Adão, o novo homem. O representante da raça
humana é o Senhor Jesus Cristo, e Deus fez aliança com Ele por Seu povo.
Assim, quando Paulo se lembra de que está orando ao “Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo”, ele se lembra de que está orando ao Deus da nossa salvação, ao
Deus que originou e ocasionou todas as coisas que estivemos considerando do
versículo 3 ao versículo 14 do presente capítulo. Ele está orando ao Deus
que, antes da fundação do mundo, escolheu-nos e elegeu-nos, e planejou Seu
glorioso propósito em Cristo para a nossa final e completa salvação. Que
diferença faz para a oração quando você começa a orar dessa maneira! Você não
vai mais à presença de Deus com
Paulo, porém, vai mais longe, pois as suas palavras nos lembram que Deus é de
fato o Deus do Senhor Jesus Cristo. Porventura compreendemos o que isso
significa? Na eternidade Deus o Pai não era o Deus de Deus o Filho, embora a
relação do Pai e do Filho tenha existido eternamente. Mas quando o Senhor
Jesus Cristo veio a terra e Se fez “semelhante aos homens”, assumindo a
“semelhança da carne do pecado”, agora buscava o Pai como homem, e assim
Deus tornou-Se o Seu Deus. Desse modo Ele podia falar em “meu Pai e vosso
Pai, meu Deus e vosso Deus” (João 20:17). O Deus a quem busco, é com efeito
o que Paulo diz, é o Deus de Jesus, meu Senhor, é o Deus do Senhor Jesus
Cristo. Nos quatro Evangelhos lemos que o Senhor Jesus Cristo às vezes “se
levantava antes do alvorecer” e subia a um monte para orar. E eu, diz o apóstolo,
estou orando ao mesmo Deus a quem Ele orava.
O Senhor Jesus confiava em Deus para todas as coisas; era Deus que O
sustentava. Disse ele: “As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo”
(João 14:10). O Pai Lhe tinha dado tanto as palavras como as obras que as
acompanhavam. Nada é tão óbvio acerca da vida do nosso Senhor como a sua
total confiança em Deus o Pai. Ele recebia força e poder dEle, na verdade toda a
sustentação de que necessitava. Assim é que Paulo declara que está orando
ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus que O sustentava, o Deus que
nunca O abandonou. Até mesmo o terrível momento do grito do sentimento de
abandono na cruz foi imediatamente seguido por “Em tuas mãos entrego o meu
espírito” (Lucas 23:46). Foi Deus que O ressuscitou dos mortos, que não O
abandonou no inferno nem permitiu que Sua alma visse corrupção (Salmo 16:10;
Atos 2:27). Este é o Deus a quem estou orando, diz Paulo, “o Deus de nosso
Senhor Jesus Cristo”. Mas ainda além disso, Ele é o Deus em cuja presença o
Senhor Jesus Cristo está neste momento, o Deus em cuja presença Ele é o nosso
Advogado e Intercessor. Ele está assentado a mão direita cio Pai, “vivendo
sempre para interceder por (nós)” (Hebreus 7:25). À luz disso tudo, podemos ir
com segurança ao “Deus de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Podemos resumir o que acima foi dito dizendo que o nosso Deus é o Deus no
qual não se pode pensar com real acerto separadamente do Senhor Jesus Cristo,
porque não podemos conhecer a Deus sem Jesus Cristo. “Deus nunca foi visto
por alguém. O Filho unigênito que está no seio do Pai, este o fez conhecer” (ou
“este o tornou conhecido”, VA) (João 1:18). É com base nessa declaração que eu
vou a Deus, ao Deus que foi revelado por Cristo; é Cristo que me leva a Deus,
foi Cristo que morreu para que eu pudesse ter acesso a Ele. Chego à Sua
presença unicamente de um modo, como diz o autor da Epístola aos Hebreus:
“Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário pelo sangue de Jesus...”
(Hebreus 10:19). Só sou admitido à presença de Deus pela vida, morte e
ressurreição do Senhor Jesus. Aproximo-me do Deus que enviou Seu Filho
para salvar-me e que entesourou nEle todos os tesouros da sabedoria e da graça.
As riquezas da graça que eu gozo me vem do Deus de nosso Senhor Jesus Cristo.
Noutras palavras, eu me aproximo do Deus que me prometeu todas estas coisas
em Seu Filho; comprometeu-Se a elas em Seu Filho; fez aliança com o Filho.
Jeová foi quem outorgou a aliança e a cumpre, e Ele jamais quebrará a Sua
palavra. E Ele me disse estas coisas em Seu Filho - já não nos profetas, já não
em partes ou tipos, mas em Seu Filho (Hebreus 1:1-3). Daí dizer o apóstolo no
capítulo 3 desta Epístola: “No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela
nossa fé nele” (versículo 12). Sempre que oramos a Deus devemos lembrar-nos
destas coisas, devemos aproximar-nos dEle, na plena certeza da esperança,
por causa do Senhor Jesus Cristo; e nunca devemos deixar de parar e de recordar
isso, e de lembrar-nos disso tudo, como invariavelmente o apóstolo fazia, antes
de começarmos a falar em oração.
Mas o apóstolo acrescenta ainda mais; ele descreve o Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo como “o Pai da glória”. Este acréscimo tem preocupado os
comentadores. Alguns tentaram explicá-lo dizendo que significa e deve ser lido,
“o Deus da glória, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. No entanto isso é fazer
violência à língua grega. As duas frases são separadas e distintas, como as
temos na versão inglesa, a Versão Autorizada (e em Almeida).
Permitam-me tentar expor estas palavras, com temor e tremor. Quem sou eu,
para falar sobre tais palavras? Ao abordá-las, é bom que nos lembremos das
palavras ditas a Moisés, junto da sarça ardente: “Tira os teus sapatos de teus pés,
porque o lugar em que tu
estás é santo” (Êxodo 3:5). “O Pai da glória”! Não pode haver dúvida que isto
significa, em parte, que Deus é em Si mesmo a origem e a incorporação de toda
a glória. Há muitas frases semelhantes a essa nas Escrituras. A respeito de Deus
lemos no capítulo 12 da Epístola aos Hebreus, que ele é “O Pai dos espíritos”
(versículo 9). Sobre Ele também lemos na Epístola de Tiago, que Ele é “O pai
das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” (1:17). No
livro do profeta Isaías Deus é descrito como “o Pai eterno” ou “Pai
da eternidade” (9:6). Assim, “o Pai da glória” significa a origem, a fonte de toda
a glória. Quanto à “glória”, que podemos dizer? As palavras nos falham
completamente. Glória é Deus. Glória é a suma de todas as excelências,
perfeições e atributos do Senhor Deus Todo--poderoso. E por isso que às vezes
se faz referência a Ele nas Escrituras como “a glória”. A característica suprema
de Deus é glória. Ele o é em Si mesmo. Sua essência é gloriosa. Esta é
indescritível, é perfeição absoluta. Assim, só podemos ficar extasiados diante
desta expressão: “o Pai da glória”.
Além disso, tudo quanto Deus faz é manifestação da Sua glória. Recordemos
como Paulo terminou a sua descrição do plano de salvação com as palavras:
“Para louvor da sua glória”, no versículo
14. Tudo quanto Deus faz é manifestação da Sua glória. Na Epístola aos
Romanos diz Paulo que Cristo foi ressuscitado dos mortos “pela glória do Pai”
(6:4). Cada ato Seu é uma manifestação da Sua glória. “Os céus manifestam a
glória de Deus” (Salmo 19:1). Acaso vocês vêem a glória de Deus no sol, na lua
e nas estrelas, no firmamento, nas flores, em toda a criação? Todos eles
manifestam a glória de Deus. Tudo o que Deus faz é glorioso, perfeito em
sua beleza e em todos os outros aspectos. Falo com reverência quando digo que
a maior realização do Senhor Jesus Cristo foi manifestar a glória de Deus. Em
Sua oração sacerdotal, registrada no capítulo 17 do Evangelho Segundo João,
Ele o diz de várias maneiras. E quando Ele descreve Sua segunda vinda, as
palavras que emprega são:
“Porque o Filho do homem virá na glória do seu Pai com os seus anjos” (Mateus
16:27). Tudo o que Ele fez visava a glorificar Seu Pai. Deus, e a glória de Deus,
são o fim, o término da salvação.
Mas a expressão de Paulo também pode ser legitimamente lida como “O Pai
glorioso”. É um hebraísmo, uma forma de expressão que se acha frequentemente
na língua hebraica. Vejam como exemplo disso a declaração de Paulo de que lhe
foi dado o privilégio de pregar o “glorioso evangelho do Deus bendito” (1
Timóteo 1:11 VA). Estou citando a frase como se acha na Versão
Autorizada (inglesa). Todavia uma tradução melhor seria: “o evangelho da
glória do Deus bendito”(como na versão de Almeida) - não “o
glorioso evangelho”, mas “o evangelho da glória”. Portanto, no caso de “o Pai da
glória”, podemos ler “o glorioso Pai”. Nesse caso significa que Deus o Pai não
somente é glorioso, e a fonte de toda a glória, e a suma de toda a glória, Ele
próprio também está disposto a manifestar e infundir essa glória. Ele é o Pai, e,
como Pai, Ele dá, Ele gera, Ele transfere glória. Deus não guarda a Sua glória
para Si, se posso me expressar assim; Ele a manifesta, a infunde. Ele o fez com o
Filho, e assim vemos o nosso Senhor dizer no capítulo 17 do Evangelho
Segundo João: “E agora, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela
glória que tinha contigo antes que o mundo existisse” (versículo 5). Ele tinha
posto de lado essa glória com vistas ao propósito da encarnação, e agora Ele
pede que possa tê-la de novo. E o Pai Lha deu. Há também a Sua oração
registrada no capítulo 12 do Evangelho Segundo João: “Pai, glorifica o teu
nome” (João 12:28).
O apóstolo Pedro escreve: “E por ele credes em Deus, que o ressuscitou dos
mortos e lhe deu glória, para que a vossa fé e esperança estivessem em Deus” (1
Pedro 1:21). O Pai glorificou o Filho quando Este estava na terra. E ele deu-Lhe
poder para realizar milagres, deu-Lhe palavras para dizer, capacitou-0 a ressurgir
dos mortos; glorificou-0 em Sua morte, glorificou-0 na ressurreição. Ele é o Pai
glorioso, o Pai que dá Sua glória ao Filho. Este é um pensamento que nos
desnorteia por causa da sua imensidão, porém é certo dizer que, posto que ele dá
a Sua glória ao Filho, está pronto a dá-la também a nós. Estamos no Filho
porque Ele é o nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é a Cabeça, como Paulo diz no fim
do capítulo que estamos estudando, e nós somos membros do Seu corpo.
Portanto, a glória que está nEle torna-se nossa; e vamos ao Pai, que nos está
dando esta glória. Esperamos nEle, desejamos
conhecer mais da Sua glória. Paulo está prestes a orar para que estes efésios
tenham “o espírito de sabedoria e revelação” no conhecimento desta glória, a fim
de que, sendo aberto os olhos de seu entendimento, eles possam ver esta glória e
recebê-la plenamente. Deus é o nosso Pai, e Ele manifestará a Sua glória a nós.
Termino citando de novo o que se registra que Cristo diz no capítulo 17 do
Evangelho Segundo João: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver,
também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste”
(versículo 24). Quando vamos em oração à presença de Deus, devemos fazê-lo
esperando alguma revelação desta glória. “Mas todos nós, com cara descoberta,
refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória
em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Coríntios 3:18).
O processo da nossa glorificação já começou; finalmente será aperfeiçoado, e
seremos glorificados também em nossos corpos, bem como em nossos espíritos.
Estaremos na presença do Pai da glória, e O veremos.
Nunca voltemos a tentar orar sem nos lembrarmos de que vamos falar ao “Pai da
glória”. Não precisamos ficar aterrorizados; devemos ir com reverência e santo
temor por causa de Seu caráter glorioso; mas, ao mesmo tempo, podemos ir com
confiança e certeza, porque Ele é o Deus do nosso Senhor Jesus Cristo, e, nEle e
por meio dEle, o nosso Pai. Por isso podemos orar: “Pai nosso, que estás nos
céus, santificado seja o teu nome”. E, se começarmos dessa maneira, não
poderemos errar.
“Pelo que, ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor Jesus, e o vosso
amor para com todos os santos, não cesso de dar graças a Deus por vós,
lembrando-me de vós nas minhas orações; para que o Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de
sabedoria e de revelação.”
- Efésios 1:15-17
Passamos agora à petição que de fato o apóstolo faz e que está registrada no
versículo 17: “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos
dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação”. A petição
continua até o fim do capítulo, mas pode ser dividida em duas partes,
principalmente. Há primeiro uma petição geral, e depois Paulo se volta para
certos pontos particulares. Portanto, comecemos examinando a petição
geral. Evidentemente, esta e muito importante, e deve vir em primeiro lugar
porque domina tudo o que vem a seguir.
As orações apostólicas são sumamente importantes porque nelas nos são dados
claros retratos da vida cristã, em sua altura e em sua profundidade, em seu
comprimento e em sua largura; nelas vemos algo da glória da vida à qual fomos
trazidos pela admirável graça e amor de Deus.
Uma prova da nossa situação na vida cristã é se a petição feita pelo apóstolo nos
chega como uma surpresa. Digo isso porque o ensino popular, durante muitos
anos, vem sendo que a vida cristã pode ser dividida em duas seções. Primeiro,
dizem-nos que as pessoas precisam ser salvas; precisam ser libertadas da culpa e
da pena do pecado. Essa é a tarefa da evangelização. Eles concordam que esse é
apenas o começo e que há um segundo passo. O passo subseqüente que uma
pessoa como as acima descritas deve dar, dizem eles, é ser libertada do poder, da
tirania e da escravidão do pecado. Ou, para usar outra terminologia, eles dizem
que a nossa primeira necessidade é a justificação, e depois tudo o que resta é a
santificação. Assim, o convertido deve agora ser introduzido na doutrina
da santificação. Portanto, tudo o que devemos pedir em oração a favor de
pessoas nessas condições é que elas sejam santificadas.
Naturalmente, tudo isso está certo, mas o que estou interessado em salientar é
que não é por isso que o apóstolo ora a favor dos efésios. Ele ora no sentido de
que Deus lhes dê “em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação”.
A significação disso para nós é que a maioria dos nossos problemas na vida
cristã surgem do fato de que as nossas idéias são muito centralizadas no homem,
muito subjetivas. Partimos do homem e suas necessidades, em vez de partirmos
de Deus. O homem necessita de perdão e, então, de libertação do pecado, a fim
de não ser infeliz numa vida de fracassos. Ficamos obcecados com o homem e
suas necessidades e com o que se pode fazer pelo homem. Contudo a
abordagem do apóstolo é inteiramente diversa. O nosso conceito da salvação não
deve ser antropocêntrico; sempre deve ser teocêntrico. Essa é a característica
particular do ensino do apóstolo. Temos visto que ele começa no versículo 3 com
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. Assim, quando ele chega à
sua petição por estes efésios, não é tanto pela santificação deles, nem pela sua
felicidade, nem pela sua alegria, mas para que tenham “em seu conhecimento o
espírito de sabedoria e de revelação”. É isso que ele apresenta em primeiro lugar.
Por isso, a primeira petição é no sentido de que os efésios tenham “em seu
conhecimento” este “espírito de sabedoria e de revelação”.
Aqui estamos face a face com os pontos mais altos do alcance da fé e vida cristã,
e quando os contemplamos só podemos dizer: “Quem é suficiente para estas
coisas?” O conhecimento de Deus é que o apóstolo pediu em oração para todos
aqueles cristãos recém--convertidos de Éfeso. É a oração de que necessitam
todos os
Para expor o assunto com outras palavras, quando Paulo escreve sobre
chegarmos ao conhecimento de Deus, ele quer dizer mais do que o
conhecimento que devemos ter de diversas coisas acerca de Deus. Há uma boa
razão para isso, como Tiago explica em sua Epístola, quando diz: “Também os
demônios o crêem, e estremecem” (2:19). Os demônios têm esse tipo de
conhecimento de Deus. Não são ignorantes no que se refere à grandeza, ao poder
e à majestade de Deus. Eles crêem em Deus nesse sentido, mas
esse conhecimento de Deus não é salvífico porque leva a nada mais que tremor.
Assim, devemos ressaltar que o conhecimento que o apóstolo tem em mente não
se detém no conhecimento de certas coisas próprias de Deus. Precisamos
conhecer tais coisas; precisamos saber que ele é o “Criador dos confins da terra”,
que Ele é o “Juiz de toda a terra, que ele é todo-poderoso e eterno. É a nossa
ignorância dessas verdades concernentes a Deus que explica tanta
superficialidade e vacilação em nossa vida cristã. Não há “temor de Deus diante
de seus olhos”, ainda é verdade a respeito de muitos. Não somos homens e
mulheres piedosos como foram os nossos pais. Tratemos de dar atenção às
palavras do apóstolo.
Outra coisa, Paulo não está se referindo somente ao conhecimento das bênçãos
que Deus dá. Ele irá tratar dessas bênçãos mais adiante, como veremos em sua
tríplice petição, a saber, que os efésios conheçam em particular qual a esperança
da vocação de Deus, quais as riquezas da glória da sua herança nos santos, e qual
a sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós os que cremos. Todavia, ele
não chegou a isso ainda, e ainda está orando num sentido mais geral. O que
temos aqui é estonteante e espantoso. Ele está interessado em que tenhamos um
conhecimento imediato de Deus, uma real comunhão com Deus. Para usar a
expressão teológica corrente, ele está interessado em que tenhamos um
“encontro” com Deus. Ele se refere a um conhecimento pessoal e íntimo. Seja
o que for que pensemos de certas tendências modernas do ensino teológico, ao
menos devemos concordar que esta reiterada ênfase sobre a idéia de um encontro
divino-humano, uma reunião com Deus, este “momento existencial” em que
Deus está ali e eu aqui, a relação “Tu-eu” e “eu-Tu”, é boa. O conhecimento que
Paulo tem em mente não é mera teoria, mera noção; não é algo abstrato
ou acadêmico; é um encontro real, imediato, pessoal. Ele está orando acerca do
verdadeiro conhecimento de Deus.
Torno a salientar que isso não é somente uma crença geral no amor de Deus;
significa que começamos a saber algo do amor de Deus, e a experimentá-lo
direta e pessoalmente. “Conhecer” uma pessoa significa algo que vai além de um
contato casual. Somos propensos a dizer: “Conheço Fulano de Tal”, quando o
qüe realmente queremos dizer é: “Uma vez eu fui apresentado a ele e lhe disse
algumas palavras”, ou: “Ele é meu conhecido”. Mas isso não é conhecer
realmente uma pessoa. O termo “conhecimento”, como empregado pelo apóstolo
aqui e noutras partes das Escrituras, significa um conhecimento íntimo. Isso é
evidente quando o termo é empregado com referência ao conhecimento que
Deus tem de nós. Deus diz dos filhos de Israel, por meio do profeta Amós: “De
todas as famílias da terra a vós somente conheci” (3:2). E óbvio que
não significa que Deus não saiba da existência das outras, pois Deus conhece
todas as famílias da terra. Conheci, neste contexto, significa conheci num sentido
especial, pessoal, imediato, particular; significa que Ele tivera um interesse
especial pelos filhos de Israel. Portanto, o apóstolo estava orando para que estes
efésios conhecessem pessoalmente o amor de Deus por eles, e sentissem
também esse amor.
Significa ter comunhão com Deus num sentido real e verdadeiro. Esse é o
sentido da declaração que já citamos: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a
ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17:3).
Os judeus tinham
Moisés expressa a mesma idéia em muitas ocasiões. Deus lhe tinha dado a
grande e importante tarefa de conduzir os filhos de Israel para Canaã, e ele, o
homem mais manso, consciente da sua incapacidade, diz: “Se a tua presença não
for conosco, não nos faças subir daqui”. Moisés, porém, não ficou satisfeito
mesmo quando Deus prometeu aquilo. E levantando-se com grande ousadia,
voltou-se para Deus e disse: “Rogo-te que me mostres a tua glória” (Êxodo
33:12-21). Você já sentiu esse desejo? O apóstolo está orando no sentido de que
estes efésios comecem a ter fome e sede disso, compreendam que tudo o que
lhes acontecera tinha a finalidade de levá-los a ver e a conhecer a glória de Deus,
este Pai da glória.
Você conhece a Deus? Não estou perguntando se você crê em coisas a respeito
dEle; mas você O encontrou? Você se viu com certeza em Sua presença? Ele fala
com você, e você sabe que fala com Ele? A Prática da Presença de Deus (The
Practice of the Presence of God), de autoria do irmão Lawrence, diz-nos que
isso é possível na cozinha, quando você está lavando os pratos e fazendo as
tarefas mais insignificantes. Não importa onde você está, contanto que você
saiba que isso é possível, que Cristo morreu para torná-lo possível. Ele morreu
“para levar-nos a Deus”, e a este conhecimento. Acaso sua comunhão é “Com o
Pai e com o seu Filho Jesus Cristo”? Oxalá conheçamos a Deus! Comece a
clamar com Jó: “Ah, se eu soubesse que o poderia achar!”, e logo você se verá
com desejo, com fome de conhecê-10. A pergunta mais vital que se deve fazer
acerca de todos os que se dizem cristãos é esta: eles têm em sua alma sede de
Deus? É este o anseio deles? Há algo acerca deles que lhe diga que eles estão
sempre esperando pela próxima manifestação pessoal de Deus? A vida deles está
centralizada nEle? Podem eles dizer com Paulo que se esquecem de tudo o que
houve no passado? Eles vão avante mais e mais para poderem conhecê--10, e
para que o conhecimento dEle aumente até finalmente ultrapassar a morte e o
túmulo, e eles possam aquecer-se eternamente ao “brilho do sol do seu rosto”?
“Para que eu possa conhecê-lo!”
1
Alguns ditados correspondentes: “Dize-me com quem andas, e te direi quem és”; “Farinha do mesmo
saco ...”; “O sangue fala mais alto...”. Nota do tradutor.
SABEDORIA E REVELAÇÃO
“Pelo que, ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor Jesus, e o vosso
amor para com todos os santos, não cesso de dar graças a Deus por vós,
lembrando-me de vós nas minhas orações; para que o Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de
sabedoria e de revelação”
- Efésios 1:15-17
A grande questão que agora se nos levanta é: como pode o homem vir a
conhecer a Deus? Jó colocou essa questão uma vez por todas quando perguntou:
“Pode o homem, por sua pesquisa, achar a Deus?” (11:7; cf. VA e ARA). A
resposta é dada no versículo que mostra o conteúdo da oração do apóstolo.
Precisamos do “espírito de sabedoria e de revelação”; esse é o segredo!
Devemos ter o cuidado de observar que o apóstolo não está orando aqui no
sentido de que estes efésios tenham um espírito geral de sabedoria; ele não está
orando para que eles se tornem sábios, ou que as suas ações e as suas atividades
sejam caracterizadas pela sabedoria. Esse tipo de sabedoria é excelente, e todos
nós devemos procurar tornar-nos sábios nesse sentido. Mas Paulo não está
orando no sentido de que toda a conduta deles na vida, e todas as suas relações
sejam governadas por esse tipo de sabedoria e entendimento. Antes, sua oração é
no sentido de que eles tenham em abundância o próprio Espírito Santo, o único
meio pelo qual podemos ter sabedoria e entendimento espiritual. Noutras
palavras, concordo com os que dizem que a palavra espírito aqui deveria ser
escrita com inicial maiúscula. Vocês verão em muitos lugares nas Escrituras, na
Versão Autorizada (inglesa) e em diversas outras traduções, que, embora a
referência seja claramente ao Espírito Santo, é empregada inicial
minúscula. Geralmente se pode decidir isso em termos do contexto; e, neste caso
particular, a oração e petição é certamente no sentido de que eles tenham em
abundância o Espírito Santo, o Espírito que dá e traz sabedoria, o Espírito que,
só Ele, pode revelar-nos coisas. Noutras palavras, mais uma vez o apóstolo está
dando ênfase à obra peculiar do Espírito Santo.
mostra que a obra da salvação é dividida entre as três Pessoas da Trindade santa
e bendita. Nada é mais “admirável”, para usar o termo empregado por Isaac
Watts (“amazing”), do que o fato de que as três Pessoas da Trindade santa e
bendita estão envolvidas juntas na obra de resgatar-nos e redimir-nos deste
“presente mundo mau” e preparar-nos para a glória eterna. Desde o versículo
13 Paulo nos vem lembrando que a obra peculiar, especial do Espírito Santo é
selar-nos e ser o nosso “penhor” até à redenção da possessão adquirida. Agora
ele nos lembra outra obra do Espírito, sem a qual jamais poderíamos conhecer a
salvação. Quer dizer, a obra peculiar do Espírito Santo consiste em aplicar-nos a
redenção que foi planejada pelo Pai e posta em ação e efetuada pelo Filho.
Nada proclama de maneira final e com tanta clareza se a pessoa tem a idéia certa
sobre si como pecadora, e a idéia certa sobre a salvação, como a sua consciência
da sua necessidade do poder do Espírito Santo, e da sua ativa e constante
dependência dEle. A atitude da pessoa para com o ensino bíblico referente ao
Espírito Santo proclama claramente se ela tem idéias corretas sobre a doutrina
do homem, a doutrina do pecado, a doutrina do Senhor Jesus Cristo, a doutrina
da redenção - na verdade a totalidade da doutrina da redenção. Isso porque não
há doutrina que nos mestre tão claramente o nosso completo desamparo de
desesperança como este singular ensino concernente à obra do Espírito Santo na
aplicação da redenção a nós.
O fim, a meta, é levar-nos a conhecer a Deus. Deus fez o homem; Ele o fez à Sua
imagem e semelhança, e o homem foi destinado a viver uma vida em
correspondência com Deus, a estar em comunhão com Deus. A criação do
homem foi uma expressão do amor de Deus. Deus como amor dá-Se a si mesmo,
Seu amor externa-se; e o homem foi feito para ser recipiente desse amor
e corresponder a ele. Contudo veio o pecado e separou de Deus o homem;
alienou-o, rompeu a comunicação. O homem tornou-se um fugitivo errante;
tornou-se um estranho para Deus e não O “conheceu” mais. Todo o fim e
objetivo da redenção é levar o homem de volta a esse conhecimento. O ensino da
Bíblia é que somente o Espírito Santo pode levar-nos de volta a esse
conhecimento de Deus e Seus caminhos. Por isso o apóstolo ora, “Para que o
Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento
o espírito de sabedoria e de revelação”. Ele ora rogando que o Espírito Santo
faça isso porque só Ele pode fazê-10. Passemos a
Mas podemos ir adiante e dizer que o homem, entregue a si mesmo, por todos os
esforços que faça, jamais pode chegar ao conhecimento de Deus. Pela pesquisa,
pela capacidade natural, pela confiança em sua sabedoria e em seu
entendimento, os homens nunca poderão achar a Deus. Essa é a proposição
absoluta firmada pelo apóstolo Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios, na
memorável declaração: “O mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria”
(1:21). Essa tentativa de encontrar Deus tem sido a grande busca da humanidade
desde o princípio. Os filósofos gregos tinham tentado isso. Há no homem um
senso inato da consciência de que Deus existe; todo homem tem isso. O ateu,
assim chamado, tem isso, e está simplesmente tentando argumentar contra esse
fato, está tentando montar defesas contra algo em que ele, em sua mente,
não quer crer, porém que algo dentro dele continua afirmando. A pesquisa
arqueológica mostra que todas as tribos mais primitivas do mundo têm senso de
um Deus supremo, de um Ser supremo que está por trás de todas as coisas. É um
sentimento universal da humanidade. Por isso o homem tem procurado satisfazer
este sentimento de anseio, esta consciência que ele tem; e em geral faz isso
utilizando a sua mente. Tudo quanto procuramos descobrir nesta vida o fazemos
por meio das nossas mentes. As descobertas científicas resultam do uso da
mente. Você coloca a sua hipótese ou suposição ou teoria; e depois a submete à
prova por meio das suas experiências. Na esfera do mundo esse procedimento é
perfeitamente correto
Concordo com aqueles que ensinam que Deus determinou a hora particular em
que enviaria Seu Filho ao mundo de tal maneira que seria dada à filosofia grega
a sua oportunidade, e ela faria o máximo para levar a humanidade a este
conhecimento de Deus, falhando nisso completamente. Este é um puro fato da
história. Deus permitiu que os filósofos gregos tivessem a sua ocasião, antes
de enviar Seu Filho a este mundo. Ele dispôs tudo aquilo primeiro, a fim de que
se pudesse fazer esta afirmação: “O mundo não conheceu a Deus pela sua
sabedoria”. Ficou provado da maneira mais positiva que o homem, nas alturas da
sua capacidade, é tão desvali-do como uma criança pequena, quando
confrontado pelo conhecimento infundido aos crentes efésios pelo Espírito. A
situação é essa, daí as razões que o apóstolo passa a dar no capítulo 2 da
Primeira Epístola aos Coríntios.
No entanto, essa não é a única dificuldade, e num sentido não é a maior. O real
problema está no fato de que “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o
adorem em espírito e em verdade” (João 4:24). Toda verdade concernente a Deus
é de caráter
mente desamparado e desvalido. Não importa quão grande seja a sua mente, ou o
seu entendimento, o homem, por natureza, não é mais espiritual; é “carnal”,
“vendido sob o pecado”. A faculdade espiritual com a qual ele foi criado
originalmente atrofiou-se, e não pode ser mais exercitada. Seja o que for que o
homem faça, por mais que ele tente elevar-se e estimular a sua mente, ele não
pode produzir a necessária faculdade e afinidade para chegar ao conhecimento
de Deus. Estas coisas, diz o apóstolo noutra frase, “se discernem
espiritualmente” (versículo 14). Sem a faculdade espiritual, você não as pode
discernir. Daí, as coisas de Deus são loucura para o homem natural, e ele não vê
nada nelas. Falta-lhe esta capacidade ou faculdade essencial.
Portanto, devemos começar vendo claramente que, sem o Espírito Santo, o
homem jamais poderá chegar a este conhecimento de Deus. É a função peculiar
do Espírito Santo levar-nos a este conhecimento. Isso contraria toda a nossa
maneira normal de ver a verdade e o conhecimento. E inteiramente diferente. O
nosso Senhor expôs isso uma vez por todas com as palavras: “Se não
vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no
reino dos céus” (Mateus 18:3). Essa é uma verdade universal. Seja a pessoa
quem for, qualquer que seja a sua habilidade ou a sua cultura ou a sua instrução,
ela tem que descer e tornar-se como criança; tem que compreender o seu
completo desamparo, a sua ruína total. Acima de tudo, ela tem que admitir a sua
completa incapacidade de conhecer a Deus, apesar dos seus poderes intelectuais.
Se não o fizer ou negar-se a fazê-lo, nunca terá este conhecimento. Foi a
Nicodemos, mestre em Israel, homem de intelecto e de cultura, que o nosso
Senhor disse: “Não te maravilhes de te ter dito: necessário vos é nascer de novo”
(João 3:7). Nesta esfera nenhum homem pode partir de onde está, tem que
retroceder a outro princípio; tem que fazer uma saída completamente
nova. “Necessário vos é nascer de novo”, porque esta é uma esfera inteiramente
diferente. É a esfera do Espírito, e ninguém pode entrar nesta esfera por sua
própria força e habilidade. Todos nós temos que entrar neste reino da mesma
maneira. Não há vários caminhos para entrar; há apenas um, o caminho do
arrependimento, envolvendo completa admissão de fracasso e total bancarrota.
Sem o Espírito Santo, o conhecimento de Deus é impossível; e Ele foi enviado
para dar-nos este conhecimento.
A grande questão é: que é que realmente necessito conhecer a fim de viver como
devo neste mundo? Seria melhor começar com um curso de leitura da história, a
longa história da humanidade, e dizer: “Pois bem, onde é que os homens erraram
no passado, onde cometeram seus enganos? Se eu tão-somente puder descobrir
isso, saberei o que evitar e o que não fazer”. Muitos pensam que é esse
o caminho. Outros discordam e dizem: “Não! Tudo o que você precisa é
examinar-se, fazer-se psicólogo e analisar a sua mente e os seus motivos”. É por
esta razão que a psicologia está na moda no presente século. Em geral a teoria é
que precisamos ter um conhecimento
especial de nós mesmos; por isso nos sondamos a nós mesmos e analisamos a
nossa mente inconsciente, assim chamada, registramos os nossos sonhos e os
analisamos, e permitimos que psicanalistas nos examinem enquanto ficamos
passivamente deitados em seus sofás num estado de “associação livre”. Este,
pensamos, é o meio de chegarmos ao verdadeiro conhecimento e entendimento.
Mas a Bíblia diz “não” a tudo isso, e nos garante que o conhecimento de que
necessitamos é de diferente ordem; é um conhecimento ao qual somente o
Espírito Santo pode levar-nos. É um conhecimento do próprio Deus. Devemos
começar desse conhecimento de Deus, o Autor e Criador de todas as coisas.
Antes de eu começar a analisar-me ou de deixar que os outros o façam, eu
deveria perguntar: quem sou eu, de onde venho, como posso explicar o meu
próprio ser? Essas perguntas me levam de volta a Deus. Eu vejo a natureza e a
criação, e tudo me sugere Deus. Mas não posso achá-lO ali. Vejo ali os sinais dos
Seus dedos, mas é a Ele que eu quero. Como posso achá-10? “Ah, se eu
soubesse onde achá-lO” (Jó 23:3, VA). Essa é a questão! Examino a história,
examino a providência, examino a mim mesmo, examino tudo, em toda parte,
e, contudo, não posso achá-10. Onde posso encontrar Deus? Há somente uma
solução: devo esperar em Deus; e Deus haverá de falar-me sobre Si. Isso é
revelação; e é função do Espírito Santo dar-nos esta revelação.
Suba com a sua mente natural ao seu ponto mais alto e olhe para a cruz do
Calvário. Que é que você vê lá? O máximo que você pode ver é a morte de um
mártir, a morte de alguém de alma pura, a morte de uma pessoa honesta que, em
vez de retratar-Se ou retirar o Seu ensino, preferiu sofrer a morte. O homem
natural, com a mente e a capacidade humanas em seu mais alto nível, não pode
ver nada mais que isso na cruz. Ele não consegue enxergar o “amor
tão admirável, divino”. Essa “maravilhosa” e gloriosa verdade só é
vista pelos olhos que foram iluminados pelo Espírito Santo. Unicamente o
Espírito Santo pode habilitar-nos a entender que Deus “fez cair sobre ele a
iniqüidade de nós todos” (Isaías 53:6). O mundo ri-se disso e o ridiculariza. É
natural que o faça, diz Paulo, pois “o homem natural não compreende as coisas
do Espírito de Deus”. Não as compreende porque “elas se discernem
espiritualmente”. O homem natural nem começa a entendê-las; ele não se
conhece a si mesmo, não conhece o pecado, não conhece o amor de Deus,
e assim, como pode entendê-las? Somente o Espírito Santo pode propiciar este
conhecimento, e ele o faz. Nem mesmo os discípulos entenderam o Calvário e o
seu propósito, senão depois da ressurreição, a despeito do fato de que tinham
passado três anos olhando o Filho de Deus nos olhos e ouvindo todas as Suas
palavras. Eles não puderam receber isso, não puderam entendê-lo. Você terá que
ter esta iluminação dada pelo Espírito Santo, e este conhecimento infundido,
antes de poder ver isso. Deus revela a verdade concernente a Si próprio; se Ele
não o fizesse, seriamos deixados nas trevas mais densas. Por isso Paulo ora no
sentido de que os crente efésios tenham o Espírito de sabedoria, o Espírito que
dá a sabedoria, o conhecimento.
Este conhecimento a princípio foi dado por meio dos apóstolos e profetas. Daí
dizer Paulo no fim do capítulo 2 que a Igreja Cristã foi edificada sobre “o
fundamento dos apóstolos e dos profetas” (versículo 20). A verdade veio por
meio deles, da sua prédica e do seu ensino. Mas logo foi dada noutra forma, no
que chamamos Novo Testamento, nos Evangelhos, no livro de Atos, nas
Epístolas e no livro de Apocalipse. Este conhecimento já tinha sido dado de
forma parcial por meio do Velho Testamento. Os escritores dos livros
que constituem o Velho Testamento não estavam apenas expressando as suas
idéias sobre a vida. Conforme o apóstolo Pedro, em sua Segunda Epístola,
capítulo primeiro, “nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação”.
Ele quer dizer que as profecias não eram simplesmente uma interpretação que os
homens faziam da vida, sua visão pessoal do mundo e do que acontece nele.
Nada disso, diz ele, mas, antes, “homens santos de Deus falaram
movidos (inspirados, conduzidos) pelo Espírito Santo” (versículos 20 e 21), (cf.
VA(inglesa), ARC e ARA). Foi o Espírito Santo que lhes deu o que eles viram. E
que os guiou quando o escreveram: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão”, diz igualmente o apóstolo Paulo (2Timóteo
3:16). As Escrituras não
são fruto de pesquisa feita pelo homem, mas sim, da revelação e inspiração de
Deus. O Espírito de sabedoria opera agora mediante esta Palavra que se acha na
Bíblia e nos leva a este conhecimento.
dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho, a glória de
Cristo que é a imagem de Deus.”
estavam só no começo, eram crianças em Cristo. Havia tanta coisa que eles
ainda não tinham visto. Uma das experiências mais emocionantes que o cristão
tem é ler a Bíblia toda, ano após ano, e de repente, ao ler uma passagem que já
lera muitas vezes antes, encontrar algo que sobressai e lhe fala admiravelmente.
Ele estivera cego para isso. É isso que torna possível a pregação ano após ano.
O Espírito Santo dá aos pregadores novas revelações da verdade. Elas sempre
estiveram lá, mas o pregador é levado a vê-las de maneira progressiva por este
“espírito de revelação”. Sem este Espírito de revelação o pregador fracassa e se
torna uma ruína de idéias. Dependendo dEle mais que nunca. A verdade é tão
grande, e a minha mente é tão pequena! Mas o Espírito de revelação nos dá
entendimento.
Noutras palavras, vimos que o apóstolo ora pelos crentes efésios no sentido de
que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, lhes dê “o Espírito de
sabedoria” (Testimonium Spiritus Externos) e “o Espírito de revelação”, a
capacidade de vê-la e recebê-la, de ter prazer nela e alegrar-se nela
(Testimonium Spiritus Internus). Que provisão perfeita para os pecadores
condenados, cegos, desamparados e indignos! E tudo dado gratuitamente
mediante o Espírito Santo de Deus! Quão perfeita salvação! “Tudo
quanto necessito, em ti achar!”
Glória seja a Deus o Pai, Glória seja a Deus o Filho, Glória seja a Deus o
Espírito -Grande Jeová, Três em Um! Glória, glória, Enquanto infindas eras
rolam!
“Tendo iluminado os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a
esperança da sua vocação - Efésios 1:18
Mas o apóstolo não pode começar a tratar destas particularidades sem de novo
fazer-nos lembrar um princípio vital. Ele ora: “Tendo iluminados os olhos do
vosso entendimento, para que saibais” essas três coisas. À primeira vista,
podemos achar que ele já disse tudo isso quando disse que necessitamos do
“Espírito de sabedoria e de revelação”. Contudo este não é um caso de
tautologia; o apóstolo não está se repetindo. Ele lhes está dizendo, efetivamente:
eu lhes disse que o que é supremo, central, é conhecer a Deus; mas eu quero que
vocês conheçam estas verdades subsidiárias também, estas particularidades; e,
no entanto, devo dizer-lhes de novo e lembrar-lhes que vocês só poderão recebê-
las na medida em que o seu entendimento seja iluminado pelo Espírito Santo. A
Versão Autorizada (como ARC) emprega a palavra entendimento neste
ponto, porém algumas outras versões (como ARA) dizem: “iluminados os olhos
do vosso coração”. A variação depende de quais manuscritos originais o
tradutor adota como sendo os melhores. Mas, de qualquer forma, não há
contradição. Na Bíblia, muitas vezes o “entendimento” e o “coração” são
considerados idênticos. De acordo com o uso bíblico, o termo coração não
significa somente emoções; significa também o centro da personalidade, a fonte
do nosso ser e da
nossa atividade. Portanto, o apóstolo está orando para que, num sentido total -
não meramente de maneira intelectual, ou acadêmica, ou teórica - venhamos a
conhecer estas coisas. Ele está orando no sentido de que, com a totalidade do
nosso ser, venhamos a conhecer estas verdades e reagir bem a elas.
A melhor maneira de entender esta oração é compreender mais uma vez que o
apóstolo está contrastando a condição do homem natural com a do homem
espiritual. Mais adiante, no capítulo 4, ele mostrará o que todos nós somos por
natureza, e demonstrará a necessidade de termos iluminados os olhos do nosso
entendimento. Diz ele: “E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis
mais como andam também os outros gentios, na vaidade do seu
sentido. Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus
pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração; os quais, havendo
perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez
cometerem toda a impureza” (versículos 17-19). A frase operativa aqui é,
“Entenebrecidos no entendimento”, sendo a conseqüência que eles estão
“separados da vida de Deus”, na “ignorância” e “andam...na vaidade do seu
sentido”(VA: “...da sua mente”). Significa que o de que todos nós necessitamos
não é de uma nova faculdade, pois todos nós temos a faculdade da mente e do
entendimento, no sentido natural. O que há de trágico quanto ao homem não é
tanto que ele tenha perdido uma faculdade, mas que, em conseqüência do pecado
e da Queda, ele não pode usar e exercitar apropriadamente as suas faculdades.
Falando sobre os pagãos, sobre os gentios incrédulos, Paulo afirma que o
entendimento deles está “entenebrecido”. Eles têm entendimento, porém está
obscure-cido.
Vejamos uma ilustração simples. Há certas pessoas que ficaram cegas, que não
conseguem ver nem a luz. Seu problema não é que perderam os olhos; ainda os
têm. O problema pode ser que há algo errado com o cristalino dos seus olhos.
Mas isso não significa que o cristalino desapareceu, e sim, que cresceu uma
película sobre ele, uma opacidade que leva o nome de catarata. O cristalino está
lá como quando essas pessoas enxergavam normalmente, mas, porque se
desenvolveu essa opacidade, elas não conseguem ver. Os olhos se tornaram
“entenebrecidos”, obscurecidos; um véu os cobriu, e assim já não podem receber
a luz que vem de fora. O estado da mente do homem como ele é por natureza e
“em pecado”,
A minha ilustração ajuda dentro dos seus limites. Todavia devemos acrescentar
outra verdade ensinada nas Escrituras, a saber, que o problema do homem não é
só que o seu entendimento ficou entenebrecido, mas também, por causa disso,
ele carece de poder. É como se os olhos, por não estarem sendo utilizados,
se atrofiassem; o próprio nervo ótico, por assim dizer, perdeu o seu poder. Assim
o homem necessita de uma operação dual; necessita da remoção da opacidade, e
também da restauração da energia e da força do seu nervo ótico espiritual.
O Espírito Santo atende a ambas estas necessidades, e somente Ele o faz. Vimos
que grandes homens do mundo, quando confrontados pela verdade espiritual,
não podem ver nada. Não há propósito nem sentido em levar um cego para ver
um belo cenário; ele simplesmente não o pode ver. E ali está! “Os olhos do nosso
entendimento” precisam ser iluminados para podermos apreciar verdades
espirituais.
Também devemos ter o cuidado de lembrar que esta é uma oração que Paulo faz
em favor de cristãos. Ele está orando aqui por aqueles que já estão em “Cristo
Jesus”, que são co-herdeiros com os santos, e que já foram selados com o
Espírito Santo. Deste fato deduzimos os seguintes princípios: primeiro, que,
enquanto estivermos nesta vida e neste mundo, sempre teremos necessidade da
obra iluminadora do Espírito Santo. Nunca estaremos numa situação em que não
teremos mais essa necessidade. Enquanto estivermos aqui, e cercados de
fraquezas, e num mundo pecaminoso, tendo na verdade um princípio do pecado
que ainda resta em nós, necessitaremos desta operação iluminadora do Espírito
Santo. Certamente
todos nós sabemos disso por experiência. Por mais que tenhamos aprendido, por
maior que seja o nosso entendimento das Escrituras, se começarmos a desviar-
nos em nosso viver diário, veremos que a Palavra não nos fala como falava. Esta
é uma lei invariável. Jamais poderemos ter feriado espiritual. Nunca poderemos
viver de uma reserva que tenhamos acumulado. Como foi com o maná no
deserto, assim o entendimento espiritual tem que ser coletado novamente cada
dia. Se não nos dermos conta da nossa dependência do Espírito Santo, a Palavra
não nos falará. Se lermos a Palavra de Deus sem orar pedindo iluminação,
provavelmente colheremos bem pouco dela. Jamais devemos apartar-nos da
consciência desta dependência do poder e da iluminação do Espírito. A “unção
do Santo”, de que fala o apóstolo João, é necessária sempre e crescentemente
(1 João 2:20,27).
Portanto, isso constitui o que me parece uma boa prova de toda a nossa posição
cristã. O nosso conhecimento espiritual seria maior
hoje do que há um ano? Olhando para, digamos, os passados dez anos de vida
cristã, você pode dizer que o seu conhecimento espiritual é maior do que era?
Não estou perguntando se você tem maior conhecimento da letra das Escrituras,
como você pode ter crescente conhecimento de Shakespeare; não estou
perguntando se você memorizou um grande número de versículos bíblicos.
Estou perguntando se o seu conhecimento e entendimento espiritual cresceram.
A sua compreensão da verdade é mais profunda? Você realmente sente que está
sempre sendo levado para a frente, como que de aposento em aposento numa
grande mansão, e descobrindo novos tesouros de sabedoria e conhecimento?
Essa é a prova. Paulo orou no sentido de que os efésios tivessem cada vez maior
conhecimento e entendimento da verdade.
O terceiro princípio que deduzimos é que devemos estar orando por esta
iluminação dos olhos do nosso entendimento. Isso também pode ser exposto na
forma de pergunta. Porventura oramos dia após dia a Deus, ao Deus de nosso
Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, rogando que ilumine os olhos do nosso
entendimento? Essa deve ser a nossa oração constante e diária. Sempre devemos
prefaciar a nossa leitura da Palavra, orando pela nossa iluminação. O constante
desejo das nossas vidas deve ser que “cresçamos na graça e no conhecimento do
Senhor”. O problema com muitos de nós é que nunca nos despertamos para esta
compreensão. Parece que pensamos que já “chegamos”, que já “sabemos”.
Sabemos mais do que os teólogos liberais, do que os modernistas, do que os
não cristãos; assim, parece que pensamos que abarcamos todo o conhecimento
cristão. O fato é que não passamos de principiantes, de crianças, estamos
meramente no começo. Devemos empenhar-nos em ir adiante rumo à perfeição.
Estaríamos interessados na doutrina cristã? Vemos realmente a sua importância,
ou a achamos coisa aborrecível e insípida? Estaríamos sempre em busca de algo
que nos agite e nos entretenha? Nós nos damos conta de que, tendo sido salvos,
chamados e colocados em Cristo, o que Deus deseja é que cresçamos em nosso
entendimento da verdade e da doutrina, que devemos ocupar-nos mais disso do
que de qualquer outra coisa, que os “olhos do nosso entendimento”, a nossa
compreensão, sejam iluminados com esse fim?
efésios soubessem, a saber, “qual seja a esperança da sua vocação”. Tem havido
considerável disputa quanto ao sentido da palavra “ esperança” nesta declaração.
Alguns dizem que significa as coisas pelas quais esperamos. Mas não pode estar
certo, pois é dessas coisas que Paulo trata na segunda petição, concernente ao
conhecimento das “riqueza da glória da sua herança nos santos”. Às
vezes “esperança” significa isso nas Escrituras, mas aqui não. Certamente o
apóstolo está se referindo à nossa esperança propriamente dita. Ele se refere à
nossa percepção de que fomos chamados para estas coisas e por estas coisas.
Noutras palavras, mais uma vez a referência é à certeza da salvação.
A próxima palavra que se nos depara é “vocação”- “para que saibais qual seja a
esperança da sua vocação”. Esta palavra nos apresenta de imediato uma grande
questão teológica, um grande princípio teológico, uma importante matéria de
doutrina. Submetamo-nos a uma prova, mais uma vez. Tenho acentuado que não
há nada mais importante do que os olhos do nosso entendimento ficarem
iluminados. Os seus “olhos” foram tão iluminados que, como cristão, digamos,
já há um bom número de anos, você entende este termo “vocação”? A intenção é
que o entendamos. Mas, que é esta “vocação” a que o apóstolo se refere?
Provavelmente você já leu esta Epístola aos Efésios muitas vezes, mas você sabe
o significado deste termo? Temos ai um grande termo do Novo Testamento,
um termo que infelizmente ouvimos muito poucas vezes nos tempos atuais,
porém um termo que antes era considerado importante, especialmente entre os
evangélicos.
criam no Senhor Jesus Cristo. Portanto, esta é uma referência a outro tipo de
chamado que se acha nas Escrituras.
lugar, “com uma vocação celeste.” Noutro lugar ele diz que os cristãos foram
chamados com “uma santa vocação”, (cf. 2 Timóteo 1:9 e Hebreus 3:1). O que
ele deseja que conheçamos é a esperança desta vocação, a segurança, a certeza
dela. Você tem certeza da sua salvação? Para empregar as palavras de Pedro,
você tem feito “cada vez mais firme a sua vocação e eleição”? (2 Pedro 1:10).
Esse é o segredo de uma vida cristã feliz. O inimigo está aí, o diabo
ataca sugerindo dúvidas e incertezas; o pecado nos perturba e nos faz pensar que
talvez nunca tenhamos sido cristãos. Você está seguro da esperança da sua
vocação?
outro modo o apóstolo não estaria orando desta maneira pelos crentes efésios.
Ele simplesmente diria: graças a Deus que vocês têm segurança; vocês foram
selados com o Espírito, e não precisam de mais nada. Mas o que ele diz é, com
efeito: eu sei que vocês foram selados com o Espírito, porém ainda oro para que
os olhos do seu entendimento sejam iluminados, e para que conheçam qual é
a esperança da sua vocação - a vocação pela qual Deus os chama.
A distinção parece que é como segue: a selagem com o Espírito, como vimos, é
mormente subjetiva, é algo que sucede na esfera da experiência e que, em certo
sentido, não pode ser exposto com palavras; que é o Espírito dando testemunho
com o meu espírito diretamente, que eu sou o filho de Deus. Mas, graças a Deus,
esta não é a única base da segurança, pois, se formos depender da
nossa consciência, poderemos ver-nos um dia num estado de grande dúvida.
Você pode ter tido a selagem com o Espírito e, todavia, em conseqüência de
alguma queda em pecado, ou em razão das circunstâncias, doença ou alguma
fraqueza da carne, o diabo pode bombardeá-lo tanto, a ponto de abalar a sua
confiança. Ele é como um leão a rugir, como nos lembra o apóstolo Pedro, e ele
pode vir atacar-nos com tal poder que todo o seu universo fica abalado, e você
pode ser tentado a dizer: “O que eu tive deve ter sido uma experiência falsa, e eu
devo estar me iludindo”. Se você confiar só no subjetivo, poderá ver-se em
condições miseráveis. Por isso o apóstolo está grandemente interessado em que
conheçamos outras bases da segurança a e tenhamos outra base mais para toda a
nossa posição. Ele está se referindo agora a algo objetivo, e os olhos do nosso
entendimento precisam ser iluminados para o recebermos. E algo que vem pela
mente e depois age em todo o nosso ser. Não é teórico, mas começa pela mente;
é essencialmente uma questão de entendimento. Nosso entendimento já não está
obscurecido, tomamo-nos despertos para a verdade espiritual; e a nossa
segurança e certeza baseiam-se nesse entendimento.
Deus. “Não ouso confiar na mais suave disposição”, como nos lembra o hino,
porque as disposições são mutáveis, mas em Deus eu posso confiar sempre.
Deus é eterno, Deus é imutável, Deus é sempiterno; Deus nunca muda o Seu
propósito. Não há maior conforto ou consolo do que este. Deus nunca inicia uma
obra sem terminá-la. Sobre mim e você pesa a culpa de fazermos isso
constantemente. Ficamos cheios de emoção, entusiasmo e animação com certos
projetos, e os outros, vendo-nos, ficam espantados com o nosso entusiasmo, com
a nossa energia e com os nossos esforços, e acabam se sentindo como não tendo
feito nada. No entanto, com muita freqüência, no prazo de seis meses o quadro é
inteiramente outro. Perdemos o entusiasmo e o interesse, e voltamos a ser
cristãos frouxos e formais. Mas com Deus nunca acontece isso. Deus
é eternamente o mesmo, é “o Pai das luzes, em quem não há mudança nem
sombra de variação” (Tiago 1:17). Não há maior conforto ou base de segurança.
Pois bem, foi este Deus eterno e imutável que me chamou; e com outro hino nos
lembra:
Podem levá-10 a evadir Seu propósito Ou minha alma cortar do Seu amor.
aliança é somente uma, o plano é somente um; se um elo estiver presente, todos
os outros elos terão que seguir-se. “Ninguém as arrebatará da minha mão”, diz o
nosso Senhor (João 10:28). Isso está claro para você? Você vai freqüentemente
ao capítulo 8 da Epístola aos Romanos, e o lê e ora e diz: “Acaso isso é
verdadeiro a meu respeito; eu fui chamado logo estou justificado, logo já fui
glorifica-do em Cristo? Quando o diabo o ataca, você lhe responde citando estas
Escrituras? Foi o que o nosso Senhor fez quando foi tentado pelo diabo. Ele
tinha este entendimento, e respondeu ao diabo citando as Escrituras. Isso
constitui uma parte do que significa termos os olhos do nosso entendimento
iluminados.
Torno a perguntar: estas coisas significam tudo para você? Essa é a prova da
nossa espiritualidade, a prova do nosso crescimento na graça.
Não ouso confiar na mais suave disposição Mas de todo me apóio no nome de
Jesus:
E pergunto se você pode continuar a recitar esse hino, mesmo quando as nuvens
são negras e tudo parece ir contra você, e dizer -
Mas, acima de tudo, você pode juntar-se ao escritor do hino em sua estrofe final?
-
Você conhece “a esperança da sua vocação”? Você tornou “mais firme a sua
vocação e eleição”? Você está repousando em “Seu juramento, Sua aliança, e
Seu sangue”, em Sua imutabilidade, quer você O veja quer não, quer você O
sinta quer não? Você pode descansar na verdade concernente a Ele, a qual, em
Sua graça, Ele nos revelou em Sua Palavra por meio do Espírito Santo, e que
Ele nos capacita a captar e apreender pela iluminação dos olhos do nosso
entendimento? Busque-a! Você foi destinado a regozijar-se, a ter uma firme
esperança que nada pode abalar. Você pode tê-la dessa maneira.
t
“Tendo iluminado os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a
esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos
santos.” - Efésios 1:18
Há duas idéias principais com respeito a esta segunda petição. Alguns sustentam
que ela se refere a uma herança pertencente a Deus, à herança de Deus nos
santos. A declaração do Velho Testamento de que “a porção do Senhor é o seu
povo” empresta algum colorido àquela idéia sobre o assunto (Deuteronômio
32:9), e há frases no Novo Testamento que significam praticamente a
mesma coisa. O apóstolo Pedro, em sua Primeira Epístola, diz aos cristãos: “Vós
sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido” (VA
“...um povo peculiar”). A expressão “povo peculiar”, como se vê na Versão
Autorizada (inglesa), realmente significa “um povo para possessão pessoal de
Deus”. Por isso há os que dizem que na passagem de Efésios a referência é à
soma total do povo de Deus quando for redimido finalmente. Deus está
chamando do presente mundo mau um povo para Si; Ele o está chamando dentre
judeus e gentios. Virá o dia em que a “plenitude dos gentios” terá sido reunida, e
igualmente em que “todo o Israel” terá sido salvo. Isso constituirá a totalidade do
povo de Deus. Aqueles expositores alegam que, nesta expressão, o apóstolo está
olhando para o futuro, para aquele dia, e está orando no sentido de que estes
A outra idéia é de que o apóstolo está orando para que os olhos do nosso
entendimento sejam iluminados a fim de que venhamos a conhecer o caráter da
herança para a qual vamos indo, a herança que Deus está preparando para nós.
Esta é a mesma idéia expressa por Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios: “As
coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração
do homem, são as que Deus preparou para os que o amam” (2:9). O apóstolo
está orando no sentido de que venhamos a ver mais e mais daquilo que nos
aguarda, e que tenhamos mais freqüentes vislumbres disso. Ele não quer que
estas coisas sejam algo distante e estranho para nós. Seu desejo é que não nos
limitemos a olhar as Escrituras e às especificações do documento de posse, mas
que pela fé tenhamos vislumbres ocasionais da herança propriamente dita, e, por
assim dizer , estejamos com Moisés no alto do Monte Nebo contemplando a
terra prometida da nossa herança.
Ambas as explicações são possíveis, e não nos é possível dizer dogmática nem
categoricamente que uma está certa e a outra está errada. É questão de
preferência pessoal, e, quanto a mim, não hesito em adotar a segunda idéia,
como fizemos quando expusemos os versículos 11 e 13. Isso porque não me
agrada a idéia de que Deus tenha uma herança. Tudo pertence a Deus; o universo
inteiro é de Deus. Por isso me parece impróprio empregar a expressão
“herança de Deus” neste sentido. Por outro lado, nada pode ser mais apropriado
do que examinar isso do outro ponto de vista que também se ajusta ao argumento
deste capítulo primeiro. Paulo afirma que nós não somente cremos, mas também
fomos “selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa
herança, até a redenção da possessão adquirida” (VA). A possessão foi adquirida
para nós pelo sangue de Cristo; já somos herdeiros, porém ainda estamos neste
mundo. Contudo Deus nos dá o penhor do Espírito, dá-nos uma prelibação, até
entrarmos nesta possessão adquirida, até a nossa redenção final. Assim o termo
“herança” neste versículo 18 aponta na mesma direção.
Para responder não precisamos de nada mais que o nosso texto. O apóstolo Paulo
ora de um modo que refuta diretamente toda essa prosa. Ele ora no sentida de
que saibamos “qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da
glória da sua herança nos santos”. Mas, fora as palavras do apóstolo, não há nada
mais fátuo como crítica desta visão do mundo além recomendada nas Escrituras,
do que o argumento particular que acabei de esboçar. Só a história já por si o
prova, sem nenhuma dúvida. Os maiores benfeitores que este mundo já
conheceu, os homens que fizeram o maior bem a este mundo, foram os que mais
ênfase deram à importância de se “ver o invisível”. Basta ler o capítulo 11 da
Epístola aos Hebreus para achar prova disso. Temos ali uma lista, ou digamos
uma galeria, dos maiores benfeitores que este mundo já conheceu; é por isso que
eles sobressaem na história. E todos eles eram pessoas que, como nos é dito,
tinham os seus olhos fixos não tanto neste mundo como no vindouro. Não
significa que eles ignoravam este mundo. Não eram monges ou anacoretas
vivendo em mosteiros ou no deserto; não subscreviam o falso ensino católico-
romano sobre o ascetismo que tanto diaboliza essa questão toda. A alternativa
para o conceito popular que esta sendo advogado hoje não é o monasticismo. Os
“heróis da fé” que constam no capítulo 11 de Hebreus tinham seu ponto de
partida no mundo invisível, e depois, à luz desse, eles se aplicam ao mundo
presente.
Mas essa verdade não se aplica somente aos grandes personagens das Escrituras,
e sim também a todo o curso da história. Os hospitais, por exemplo, foram
iniciados pelos santos. Sempre houve homens que, tendo uma idéia verdadeira
do homem e da vida à luz da eternidade, sempre se preocuparam com o
sofrimento
humano. O homem que forma os seus conceitos com base numa visão deste
mundo, geralmente vive para si e pouco se interessa pelo seu próximo. Foram
homens espirituais que geralmente introduziram as maiores reformas. Hospitais,
educação e cultura, leis trabalhistas e coisas semelhantes surgiram graças aos
esforços de santos, geralmente pessoas evangélicas que se interessavam
em saber quais “as riquezas da glória da herança de Deus nos santos”. Isso é
verdade a respeito dos santos católico-romanos mais evangélicos, bem como dos
santos protestantes, mas particularmente destes últimos. Ninguém foi mais
preocupado com um viver próprio e decente neste mundo do que João Calvino.
A história desse homem e de como ele reformou a vida em Genebra
inspirou muitos outros que copiaram as suas idéias, e isso tem constituído
a grande força motriz da história da democracia.
Vindo para mais perto do nosso tempo, é um simples fato da história que os
sindicatos vieram a existir em grande parte como resultado das atividades de
homens que tinham sido salvos por este evangelho, e que começaram a ver que
os trabalhadores não deviam viver como animais na embriaguez, no vício e na
ignorância. Muitas vezes se diz popularmente que o sindicalismo deve mais ao
Durante os recém passados trinta ou quarenta anos, a ênfase tem recaído neste
mundo, e a pregação sobre o céu e a glória tem sido impopular. Mas, vejam
como este mundo está hoje; veja o que está acontecendo nele e com ele. Quando
os homens se esquecem do mundo por vir e se concentram unicamente na
presente vida, este mundo se torna uma espécie de inferno em vida, com a
confusão, a ilegalidade, a imoralidade e o vício desenvolvendo-se a pleno vapor.
Somente os homens que têm uma visão completa da vida é que realmente sabem
viver neste mundo. O único homem que realmente respeita a vida neste mundo é
o que sabe que este mundo é apenas a antecâmara do mundo vindouro. É
somente o homem que sabe que é filho de Deus, e que sabe que este mundo
pertence a Deus, que realmente se preocupa com a decência neste
mundo. Assim, se vocês quiserem ter uma vida plena e gratificante neste mundo,
terão que começar compreendendo que a estrada real rumo a tal vida é levar em
consideração o mundo para o qual vamos indo, é meditar “nas riquezas da glória
da sua herança nos santos”.
Foi necessário tomar tempo respondendo aquele argumento fátuo e tolo. Mas,
positivamente, por que devemos examinar estas coisas? Por que devo preocupar-
me em saber algo sobre “as riquezas da glória da sua herança nos santos”? Uma
resposta suficiente é o conforto que nos traz. É à luz disso que o apóstolo pode
desenvolver o seu grande argumento na Epístola aos Romanos, capítulo 8. Diz
ele: “Para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para
comparar com a glória que em vós há de ser revelada” (versículo 18). Essa é a
conclusão do argumento. Os cristãos de Roma estavam passando por um período
duro e difícil, e o apóstolo não tem consolo para oferecer-lhes, senão essas
palavras. Ele admite que as coisas eram más e penosas. O cristianismo
sempre é realista; nunca pretende que não há nada errado, nem defende a idéia
de que se deve sorrir e dizer que está tudo bem. Antes, ele diz com o apóstolo,
nos versículos 19-23 desse mesmo capítulo 8: “Nós mesmos, que temos as
primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos”. O cristão não é um
simplório que dá um sorriso fátuo e finge que não há nada errado; ele nunca
tem problema e vive cantando “e agora sou sempre feliz”. Essa é a posição, não
do cristianismo, e sim de uma falsa psicologia. Acima de todos os demais
homens, o cristão sabe que mundo terrível é este; mas também sabe que está
apenas “esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo” (Romanos
8:23). E isso que o capacita a proferir a asseveração do versículo 18. O apóstolo
diz a mesma coisa aos coríntios, na Segundo Epístola: “A nossa leve e
momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente”
(4:17). É o “peso eterno da glória mui excelente” que nos dá o conforto e,
portanto, o encorajamento e o estímulo para a luta neste mundo. Haveria algo
mais encorajador, mais estimulante?
No entanto há um argumento que define a questão uma vez por todas. É o que
nos é dito acerca do nosso bendito Senhor. O autor da Epístola aos Hebreus o
expõe assim, no capítulo 12: “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé”
(versículo 2). É o que deve-
mos fazer. Temos que fazer uma corrida. Ela exige que “deixemos todo o
embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia, olhando para Jesus, autor e
consumador da fé”. Mas o autor tem o cuidado de acrescentar: “O qual pelo
gozo que lhe estava proposto” - à luz do gozo que Lhe estava proposto, por
causa do gozo que Lhe estava proposto - “suportou a cruz, desprezando a
afronta”. Essa era a verdade concernente ao nosso bendito Senhor e Salvador
Jesus Cristo quando estava neste mundo. Não desprezou fixar os olhos
na “recompensa”. Desde que Ele estava com os olhos postos no gozo da glória
que O aguardava, passou por tudo, até a cruel morte na cruz; isso O ajudou a
prosseguir. E no capítulo 17 do Evangelho Segundo João, como já vimos, Ele
ora no sentido de que tenha de novo aquela glória que Ele compartia com o Pai
antes da fundação do mundo.
Opor-se à petição do apóstolo que deseja que conheçamos estas coisas, não
somente é anti-espiritual, mas também é inteiramente antibíblico. O apóstolo de
fato declara isso na forma de mandamento na Epístola aos Colossenses : “Pensai
nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra”. (3:2). A comparação é
com a agulha da bússola. Devemos colocar os nosso afetos, mantê-los em ordem
e resolutamente fixos “nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra”.
Isso me leva ao derradeiro ponto, e eu pergunto: que coisas são estas que
devemos conhecer? Somente o Espírito Santo pode torná-las claras para nós.
Muitos de nós temos que concordar com Richard Baxter quando ele diz: “o meu
conhecimento daquela vida é pequeno, os olhos da fé são obscuros”. Afinal de
contas, quão pouco
sabemos destas coisas! Muitos ficam em dificuldade nesta questão. Como pastor,
frequentemente me fazem esta pergunta: “Por que não sabemos mais acerca do
céu e da vida para onde vamos? Por que não nos é dito mais a respeito? Dou
uma resposta bem simples. É que a glória é tão maravilhosa, tão magnífica, tão
perfeita, que a nossa linguagem humana é incapaz de transmitir uma idéia fiel
dela. A glória é tal que, se se fizesse uma tentativa para descrevê-la, visto que o
pecado rebaixou tanto a cunhagem do nosso linguajar, teríamos concepções
indignas dela. Tentar descrevê-la seria diminuí-la. Por isso, em Sua misericórdia,
Deus não nos disse muita coisa a respeito. Concentremo-nos, porém, no que nos
foi dito.
Depois, também, o nosso Senhor, em Sua oração sacerdotal, ora fazendo uma
petição muito especial a Seu Pai: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu
estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me
deste: porque tu me hás amado antes da criação do mundo” (João 17:24). Sua
maior oração por nós é que O vejamos como Ele é, e em Sua glória. Não há
nada superior a isso! Assim João também escreve em sua Primeira Epístola:
“Ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele
se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos” (1
João 3:2). Quando chegarmos a esta glória, os nosso próprios corpos serão
transformados. “(Cristo) transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme
o seu corpo glorioso”, o corpo da Sua glorificação (Filipenses 3:21). Seremos
Isso é algo do que Paulo quer dizer quando fala em “tendo iluminados os olhos
do vosso entendimento, para que saibais quais as riquezas da glória da sua
herança nos santos”. É para a cidade celestial que eu e vocês vamos indo. O
apóstolo Pedro a seu modo o expressa com as palavras: “Bendito o Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou
de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo, dentre os
mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode
murchar, guardada nos céus para vós” (1 Pedro 1:3-4). Notem o que ele diz: é
“incorruptível”. Não há nada pecaminoso ali, nada que seja indigno.
“Incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar.” Não podemos
imaginar isso; estamos acostumados com um mundo de pecado, e com a morte e
a decadência. Que belas flores! Mas, olhem para elas amanhã ou depois. Vocês
as lançam ao monturo. Há decadência e corrupção em tudo quanto é deste
mundo. Aplica-se o mesmo às nossas estruturas físicas. Estamos sujeitos à
doença, ao envelhecimento, e assim por
Mas isso é só para “os santos”. “Nada que contamine” entra na cidade santa; fora
ficam os cães, os adúlteros, os idólatras, os mentirosos, e tudo o que é
abominável. O que venho tentando descrever é somente para os santos. O Senhor
Jesus Cristo fala similarmente em Mateus 25: “Vinde, benditos de meu Pai,
possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo”
(versículo 34). Foi preparado somente para “os santos”; para os que amam
os Seus pequeninos, e os visitam na prisão e os alimentam e os vestem, etc. O
Reino foi preparado para eles, e para eles somente, antes da fundação do mundo.
Paulo declara que lhe fora ordenado chamar pessoas “das trevas para a luz, e do
poder de satanás para Deus, para que recebessem o perdão dos pecados e
herança entre os que são santificados pela fé em mim (Cristo)” (Atos 26:18, cf.
VA).
Daí se chega a isto: enquanto estamos nesta vida e neste mundo, um grande
processo de separação e de joeiramento está ocorrendo. Deus lança Sua mão e
apreende os que deverão ir para esta glória, para esta herança; eles são
“chamados santos”. Os santos são aqueles que foram separados e postos à parte
para Deus pelo Espírito Santo. O resultado é que eles creram no evangelho
da salvação em Jesus Cristo, e Este crucificado. Confiam nEle e em Sua obra
perfeita, e somente nisso. Todos nós neste momento, ou somos santos, ou somos
ímpios.^ Esta glória da qual estivemos falando é somente para os santos. É para
eles; e ninguém nem coisa alguma podem tirá-la deles. “Nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente,
nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos
poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”
(Romanos 8:38-39).
Se você é santo, se você faz parte do povo de Deus, você está indo para esta
glória da qual estive falando, e nada pode impedir que isso aconteça. Você sabe
se você é santo? Tem certeza de que faz parte do povo de Deus? Certifique-se
disso. Depois, tendo-se certificado, demore-se sobre isto, aplique a isto a sua
mente, leia as Escrituras, sonde-as, confie-as à memória, repita-as para si
próprio diariamente. Diga a si próprio: “É para isso que eu fui destinado, essa é a
herança que foi preparada para mim, é assim que eu vou
passar a minha eternidade”. Quanto tempo você passa fazendo isso? Oremos
rogando para nós o que o apóstolo rogou para os efésios . Oremos a Deus por
Seu Espírito para que “ilumine os olhos do nosso entendimento”, para que estas
coisas se tornem reais para nós, e assim não passaremos o nosso tempo pensando
neste mundo e nesta vida passageira, mas, antes, naquilo que certamente virá
e que é tão glorioso! “As riquezas da glória da sua herança nos santos.”
“Pensai”, ponde o vosso afeto, o desejo do vosso coração, no Senhor e nas coisas
que Ele preparou para aqueles que O amam. “O dia final de glória vem
chegando.” Há a nossa espera uma glória que “o olho não viu nem o ouvido
ouviu”, que nunca penetrou o coração do homem nem na imaginação.
Procuremos conhecer estas coisas; contemplemo-las; vivamos à luz delas. E
então, como homens que as viram, tenhamos a nossa vida neste mundo vivendo-
a em seu nível máximo, falando aos outros deste Deus glorioso e do que Ele faz
por todos os que nEle confiam, e ajudando da melhor maneira que pudermos,
andemos “fazendo o bem” neste mundo fugaz e limitado pelo tempo, como o
nosso bendito Senhor fez quando estava aqui.
1
Testemunho externo do Espírito. Nota do tradutor.
2
’’ Testemunho interno do Espírito. Idem.
“A SOBREEXCELENTE GRANDEZA DO SEU PODER”
- Efésios 1:19-23
faço, e mais o poder que nos é dado por Deus. Eu, mais o poder de Deus! É
concedido que eu não posso realizar a salvação sem o poder ou a ajuda que Deus
me dá, mas esta concepção da salvação é que Deus me ajuda e me habilita a
chegar a ela. O outro conceito é que a salvação é resultado do poder de Deus em
ação - em mim e por meu intermédio, e é este conceito que devemos tomar
desta passagem particular.
Neste ponto aVersão Padrão Revista inglesa (“RSV”) é útil. Em vez de dizer:
“qual a extraordinária grandeza do seu poder para conosco que cremos” (VA),
diz “Qual a imensurável grandeza do seu poder em nós, que cremos”. O apóstolo
está dando ênfase ao poder de Deus em nós. Naturalmente é certo dizer que
Deus nos dá força e poder; e necessitamos desse poder constantemente; e em seu
lugar e contexto isso deve ser ensinado. Mas aqui o grande objetivo que o
apóstolo tem em mente é fazer com que os efésios vejam e compreendam, e nós
com eles, a grandeza do poder de Deus em nós, o que Ele está realizando em
nós. O resultado seria que os nossos temores se desvaneceriam, e teríamos nova
confiança e segurança com respeito a nossa salvação. Na verdade, esta é, em
última instância, a base final da segurança, tanto objetiva como subjetiva -
aquela levando a esta.
É inevitável porque ninguém pode ter qualquer concepção dessa herança, dessa
glória, para a qual vamos indo, sem imediatamente tomar consciência de certas
coisas. A própria grandeza da glória por um lado, e o nosso estado e condição
em pecado por outro, tendem a criar dúvidas dentro de nós. Ouvimos ou lemos
as
São tais sentimentos que têm levado muitos a se fazerem monges, a segregar-se
do mundo e a entregar-se a santa meditação, à oração e ao jejum. Esses
pensamentos são quase inevitáveis para quem quer que leve a sério estas coisas.
E então eu começo a pensar em minha desobediência, em minha fraqueza, em
meu egoísmo e em minha propensão para pecar. Digo a mim mesmo: “Uma
coisa é quando estou na casa de Deus e ouço estas coisas, ver como
são maravilhosas, e divisá-las e determinar-me a fazer algo sobre elas; porém
depois eu sei que muitas vezes tive tais pensamentos e sentimentos, mas falhei
em pô-los em prática. Deliberadamente me determinei e decidi buscar estas
coisas com todo o meu ser; todavia sou tão desobediente e indigno de confiança!
Não posso confiar em mim mesmo, em meus sentimentos, em meu
temperamento, em minha disposição, em minhas resoluções. Essa é a espécie de
criatura que eu sou; e você me confronta com essa glória, essa herança, essa
pureza, essa perfeição inefável! É impossível”.
Finalmente, atrás disso tudo, sabemos que somos confrontados por um poderoso
adversário, um inimigo por demais astuto, o diabo, “bramando como leão,
buscando a quem possa tragar”, confrontando-nos em cada esquina, “o acusador
dos irmãos”, que conhece todas as nossas fraquezas e que, com a sua astúcia,
está sempre nos instigando, nos atraindo e nos induzindo ao pecado, ao fracasso
e à indolência. Além disso, vemos que entre nós e aquela glória está a realidade
da morte, o temível espectro, “o último inimigo”, e o poder da morte e do
sepulcro. Não poderemos entrar na glória prometida sem passar pela morte; e
sabemos que muitos santos tremiam quando pensavam na dissolução do corpo,
na passagem pelo “vale da sombra da morte”, e na travessia do último rio.
São esses os pensamentos que povoam nossas mentes, e eles vêm com
especialidade aos que vêem mais claramente “as riquezas da glória da sua
herança nos santos”. E por causa disso que pago meu modesto tributo à grandeza
do coração pastoral do apóstolo e ao trabalho da sua mente majestosa. Ele nos
leva adiante, passo a passo. Ele sabe que se captarmos o sentido das outras duas
coisas pelas quais ele tinha orado, teremos urgente necessidade de mais esta
petição. Ele trata de todos os nossos problemas e dificuldades. Por isso ele ora
também para que saibamos “qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre
nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder, que manifestou
em Cristo, ressuscitando-o dos mortos, e pondo-o à sua direita nos céus”. Se
vocês acharam que me demorei demais no vestíbulo deste texto, por assim dizer,
minha resposta é que o simples vestíbulo é mais maravilhoso que os mais
grandiosos palácios do homem. Estamos prestes a entrar num dos aposentos
mais sublimes do palácio, onde “as abundantes riquezas” da graça de Deus estão
armazenadas. O apóstolo está pronto a falar-nos da extraordinária grandeza do
poder que Deus está exercendo nos crentes.
Digo que Paulo está pronto a tratar disso, mas então a glória transcendente dos
seus pensamentos parece levá-lo para longe do seu objetivo e propósito de
ajudar-nos, direto à glória eterna; contudo é só uma aparente digressão, pois ele
nos vem de volta no versículo primeiro do capítulo 2. Seu tema é a grandeza do
poder de
Deus para conosco, ou em nós, os que cremos. Ao descrever esse poder, ele
menciona a ressurreição do Senhor Jesus Cristo dentre os mortos, e a colocação
dEle na mais alta posição de poder. O apóstolo nos diz como Ele foi feito Cabeça
da Igreja. Dessa maneira nos é dada, por assim dizer, a doutrina completa da
Igreja num pequenino estojo. Mas, tendo feito isso, Paulo retorna ao seu tema
predominante no versículo primeiro do capítulo 2 da Epístola.
Seu tema pode ser dividido em duas partes principais: primeiro, a grandeza do
poder propriamente dito, segundo, como podemos estar certos e seguros de que
esse grande poder está operando em nós.
sua própria pregação, diz o apóstolo: “Para isto também trabalho, combatendo
segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente (Colossenses 1:29).
No entanto, talvez nenhuma expressão do que é que nos faz cristãos mostre esta
idéia com tanta clareza como a declaração de Paulo de que o cristão é “nova
criatura” (VA: “nova criação”) (2 Coríntios 5:17). Não é nada menos que isso.
Não é apenas membro de igreja, não é apenas um bom homem, não é apenas
alguém que tomou uma decisão. Uma pessoa pode fazer tudo isso, e ainda
não ser cristã. O cristão é alguém que foi criado de novo; e há somente Um que
pode criar, a saber, Deus. Requer-se o poder de Deus para se fazer um cristão.
Que idéias indignas muitas vezes temos do cristianismo e do que é ser cristão!
Pensamos muito em termos de nós mesmos, e do que fazemos, do que
decidimos, do que assumimos e do que nos propomos fazer. Certamente temos
muito a fazer, mas todo o ensino do Novo Testamento salienta acima de tudo
mais que não podemos fazer nada enquanto Deus não faz primeiro algo em nós.
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados” (Efésios 2:1).
Estamos todos mortos por natureza, e ninguém poderá fazer coisa alguma
enquanto não for vivificado, ressuscitado, trazido à vida, criado de novo.
Segundo o Novo Testamento, nenhuma categoria é adequada para descrever o
que somos em Cristo, exceto este conceito do novo nascimento, da regeneração;
e nenhum homem pode dar nascimento a si próprio. O poder de Deus é o
princípio e o fim da salvação; é tudo dEle e do Seu poder.
Devemos analisar esta nova frase, pois é uma das mais grandiosas que o próprio
Paulo utilizou. Devemos conhecer “a sobreexcelente grandeza do seu poder
sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder”. Uma
palavra melhor do que “operação” seria “energia”. Energia é uma palavra
muito mais forte porque dá a impressão de algo eficaz. Não se trata de um mero
poder estático ou potencial; energia é poder que foi liberado e está de fato em
ação. E poder cinético, poder manifesto, a energia agindo e permeando tudo.
Depois vejam esta segunda palavra, força, que significa força de maneira muito
especial. A palavra de Paulo sugere uma força que domina, que prevalece, que
vence, uma força que, levantando-se contra a resistência, a sobrepuja. É o tipo de
força que pode “arrasar” toda alta montanha e pode “exaltar” todo o vale; não há
nada que lhe possa resistir. O apóstolo está descrevendo este poder de Deus
como “a energia do poder” de Deus, para Quem nada é impossível.
Uma similar descrição do poder de Deus é feita por Isaias, no capítulo 40 da sua
profecia. Ele o expressa fazendo uma série de perguntas: a quem podemos
assemelhar Deus? Com quem podemos compará-10? E, tendo dito que todas as
comparações são inúteis, prossegue e diz: “Ele é o que está assentado sobre o
globo da terra” (versículo 22). Ele contrasta Deus com os ídolos, contrasta-
0 com os poderes políticos e governamentais, com príncipes e governadores e
homens de sabedoria; mas isso tudo nada é, comparado com o poder de Deus.
Não há quem lhe possa dar conselho, nem coisa alguma; Ele é tudo em Si e por
Si; Ele é sempiterno de energia, força e poder.
O apóstolo Paulo está asseverando que esta energia e força do poder de Deus
atua em nós e sobrepuja todos os obstáculos de resistência. Para expô-lo com
diferente linguagem, podemos dizer que o apóstolo está dizendo a estes cristãos
efésios que ele está
Assim o apóstolo nos faz lembrar que, ressuscitando ao Senhor Jesus Cristo da
morte e do túmulo, Deus nos fez esta demonstração e manifestação de que o
último inimigo foi vencido. “O último inimigo que há de ser aniquilado é a
morte”; mas Cristo já venceu a morte. “O aguilhão da morte é o pecado, e a
força do pecado é a lei. Todavia, graças a Deus que nos dá a vitória por nosso
Senhor Jesus
Só se pode tirar uma conclusão disso: seja o que for que se possa dizer com
verdade da nossa experiência, seja qual for a verdade sobre o mundo e suas
trevas, seja qual for a verdade a respeito das sementes da decadência, da
enfermidade e da morte em nossos corpos, e por maior que seja o poder do
ultimo inimigo, podemos estar certos e confiantes nisto, que nada pode impedir o
cumprimento do propósito de Deus com relação a nós. Não há força que possa
frustrá-10; não há poder ou influência que possa competir com Ele; não
possibilidade de que haja um antagonista que O iguale. Os inimigos mais
poderosos, o diabo, a morte e o inferno, já foram subjugados, e a ressurreição de
Cristo é a prova disso.
Temos assim uma prova positiva de que não há nada que seja “difícil demais
para o Senhor”, e de que “Para Deus nada é impossível”. Portanto, se pensamos
na glória, na perfeição, na maravilha e no encanto do que nos espera, e depois
nos sentimos tão indignos e tão fracos que ficamos sem esperança de usufruí-lo,
aqui está a resposta. O Deus que está agindo em nós nos manterá
enquantç estivermos aqui, e nos fará aptos para a indescritível glória futura.
É Ele que está fazendo isso, não nós. “Para ele nada é impossível”, nada pode
resistir-Lhe de maneira final. Assim, podemos dizer com Paulo: “Estou certo de
que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as
potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem
alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus nosso Senhor!” (Romanos 8:38-39), e então cantar com Augustus Toplady:
Nada que há embaixo, nada que há em cima, Podem levá-10 a evadir Seu
propósito Ou minha alma cortar do Seu amor.
Primeiramente, tenhamos claro em nossas mentes o que exatamente ele quer que
compreendamos e experimentemos deste poder de Deus extraordinariamente
grande em nós. Há os que dizem que o que o apóstolo tinha em mente era
simplesmente a nossa ressurreição futura, e que ele não estava interessado em
nada mais. Eles sustentam que Paulo estava dizendo mais ou menos o seguinte
aos efésios: muito bem, eu estabeleci o fato de que vocês são herdeiros de Deus,
e lhes propiciei um vislumbre da herança para a qual vocês estão indo, e agora
quero que vocês saibam que nem mesmo a morte pode tirar-lhes isso, porque o
poder de Deus O habilitará a ressuscitá-los dentre os mortos, assim como Ele
ressuscitou Seu Filho dentre os mortos. Eles afirmam que isso é tudo, e que se
trata exclusivamente de uma referência à nossa ressurreição no último dia e à
nossa entrada na glória eterna. Será? Ele inclui isso, é claro, porém eu afirmo
que ele não está se referindo somente ao clímax dos eventos que se dará na
“consumação final”, mas também à totalidade da vida cristã, do começo ao fim.
siva grandeza do seu poder para conosco, que cremos, segundo a operação da
sua poderosa energia que ele pôs em ação em Cristo quando o ressuscitou dos
mortos”. O significado destas duas palavras, “segundo a”, é a chave para a nossa
interpretação. Porventura elas se referem aos “que crêem”, expressão que as
precedeu imediatamente, ou, por assim dizer, fez uma pausa enquanto escrevia
“para conosco, que cremos” e antes de prosseguir dizendo, “segundo a sua
poderosa energia que ele pôs em ação em Cristo”? Qual o sentido de “segundo
a”? A resposta dada no Léxico de Grimm-Thayer é que “segundo a” realmente
significa “em conseqüência de” ou “em virtude de”, ou “por meio de”, ou “por
causa de”, “decorrente de”, “devido a”. São essas as palavras que eles sugerem
como melhor tradução do que “segundo a”. Portanto, poderíamos ler o texto
assim: “qual a excessiva grandeza do seu poder em nós, que cremos, em
conseqüência da (em virtude da) operação da sua poderosa energia, a energia da
força do seu poder”. Noutras palavras, o apóstolo está explicando como nós
passamos a crer. Cremos em virtude do Seu poder, cremos em conseqüência do
Seu poder, cremos “por meio do”, “por causa do”, “devido ao” Seu poder.
Para que ninguém pense que nos estamos apoiando unicamente num léxico,
permitam-me aduzir algumas declarações e passagens paralelas nas quais a
mesma palavra é empregada exatamente da mesma maneira. Várias delas acham-
se neste capítulo primeiro da Epístola, começando no versículo 5 onde lemos: “E
nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo
o beneplácito de sua vontade”. Isso claramente significa: “como conseqüência
do beneplácito de sua vontade”. E de novo, no versículo 7: “Em quem temos a
redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua
graça”, isto é, “em virtude das”, “como resultado das”, “em conseqüência
das” riquezas da Sua graça. Ainda no versículo 9 vemos: “Descobrindo-nos o
mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si
mesmo”. Em cada caso o sentido é “como resultado de”, “em conseqüência de”,
“em virtude de”. O mesmo sentido se vê no versículo 11: “Nele, digo, em quem
também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito
daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”.
Esse ponto é de tão crucial importância que eu não me desculpo por procurar
mais exemplos e ilustrações. Vejam o capítulo 3, versículo 7, desta Epístola.
Referindo-se ao evangelho de Cristo,
diz o apóstolo: “Do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me
foi dado segundo a operação do seu poder”. O apóstolo foi feito ministro “em
virtude do”, “em conseqüência do” dom da graça de Deus. Foi isso que o
produziu, foi sua causa. Mas vejam o versículo 10 desse mesmo capítulo, onde
Paulo diz: “Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja
conhecida dos principados e potestades nos céus”. E então, no versículo 16, ele
ora: “Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda...” Depois, no
versículo 20: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais
abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que
em nós opera”. Evidentemente significa “em virtude de”, “em conseqüência de”;
e não tem outro sentido nessa passagem. A mesma palavra é empregada
exatamente da mesma maneira em todos esses casos. Vejam mais um
exemplo na Epístola aos Filipenses, onde o apóstolo diz: “Porque sei que disto
me resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro do Espírito de Jesus
Cristo, segundo a minha intensa expectação e esperança” (1:19-20).
Talvez o exemplo mais notável seja o que se acha no fim do capítulo 3 dessa
mesma Epístola aos Filipenses, onde Paulo diz: “Mas a nossa cidade está nos
céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que
transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso,
segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas”. Nesse
exemplo “segundo o” não nos diz muito, porém se lermos “em virtude do seu
eficaz poder”, “como resultado do seu eficaz poder”, o significado se abrirá
perfeitamente. Outros exemplos mais acham-se em Filipenses 4:19; no capítulo
1 de Colossenses, versículos 11 e 29; na Segunda Epístola aos Tessalonicenses,
capítulo 1, versículo 12; e capítulo 2, versículo 9; também 2 Timóteo 1:8, Tito
1:3, Hebreus 2:4, 1 Pedro 1:3 e 2 Pedro 2:15.
qualquer pessoa que se disponha a “crer” pode fazê-lo. Com que leviandade e
verbosidade muitos falam em crer no Senhor Jesus Cristo, ou de crer no
evangelho! Há muita prosa acerca da nossa necessidade de poder depois que nos
tornamos cristãos. Mas como é raro ouvir-se algo sobre a necessidade de poder
antes de nos tornarmos cristãos! Há muita ênfase ao crer e à “decisão”, e se
sugere que quem quiser tornar-se cristão pode realizá-lo facilmente.
Não há escusa para isso porque o ensino bíblico concernente ao homem natural
deveria proteger-nos de tal erro. Esse ensino acha-se no Velho Testamento, bem
como no Novo. “Pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas
manchas?” (Jeremias 13:23). Só isso já deveria ser suficiente para provar o
ponto. Depois há as declarações que citei várias vezes por causa da sua
importância crucial, nos capítulos 1 e 2 da Primeira Epístola aos Coríntios,
especialmente no versículo 14 do capítulo 2: “O homem natural não compreende
as coisas do Espírito de Deus, porque lhes parecem loucura; e não pode entendê-
las, porque elas se discernem espiritualmente”.
Para tornar isso mais simples e mais claro, vejamos algumas das coisas que têm
que ser sobrepujadas antes de qualquer de nós poder ser cristão. Não me refiro a
um frouxo assentimento intelectual a certo número de proposições, mas a uma fé
viva e verdadeira.
Paulo equaciona o crer com o nascer de novo, como faz o apóstolo João na sua
Primeira Epístola. O verdadeiro crente é alguém que “nasceu de novo”, não o
homem que pode dizer “sim” hoje e “não” amanhã. Por que é necessário este
poder de Deus para que o homem possa crer nesse sentido verdadeiro? Vê-se a
resposta considerando alguns dos efeitos da Queda e do pecado sobre a
raça humana.
Considerem da seguinte maneira o que a Queda fez com a mente do homem: eis
aí um homem “nascido em pecado, formado em iniqüidade”, nascido “filho da
ira, como os outros também”, num mundo onde o evangelho é apregoado pela
Igreja Cristã. Qual a relação da mensagem com o homem? Dizem-nos as
Escrituras que o seu “entendimento está entenebrecido”, que a sua mente está
num estado de trevas, em conseqüência do pecado. Não significa meramente que
ele é ignorante. Ele é ignorante, é claro, e desconhece a mensagem do
evangelho. Contudo, não é ignorante só nesse aspecto; há algo muito pior.
Mesmo que vocês ponham o evangelho diante dele, ele não consegue vê-lo. “Se
ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto.
Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos” (2
Coríntios 4:3-4). “O véu está posto sobre o coração dejes” (2 Coríntios 3:15), diz
o apóstolo sobre os judeus incrédulos. É por isso que Paulo já tinha orado
rogando que os efésios tivessem “em seu conhecimento o Espírito de sabedoria e
de revelação”. Meramente colocar o evangelho diante de um homem não basta; é
preciso que se faça algo no homem. O Espírito está na Palavra; mas o Espírito
precisa estar no homem também, e sem isso ele não consegue ver a verdade.
Estas coisas “se discernem espiritualmente”, declara Paulo aos
coríntios (ICoríntios 2:14). Quando o homem caiu, não somente foi separado de
Deus; sua faculdade espiritual ficou paralisada. Sua mente está obscurecida e
embotada, todo o seu entendimento está entenebrecido, faltam-lhe a habilidade e
a capacidade.
Mas isso não é o fim da história, quanto à mente do homem. Ele vive num
mundo no qual falsos conceitos são ensinados e recomendados por grandes
nomes. Tais conceitos são anunciados com grande publicidade; e ele, como
homem do mundo e filho do seu tempo, é inteiramente induzido a predispor-se a
favor deles. A verdade de Deus é ridicularizada, criticada, escarnecida e
rejeitada. Todo o preconceito da vida do mundo ao seu redor e acerca dele é
contra o evangelho; e isso tem um tremendo efeito sobre o homem. Todos
nós sabemos da tendência que as pessoas comuns têm de acreditar no que lêem
nos jornais, especialmente quando eles publicam os conceitos de pessoas
influentes como filósofos e cientistas, a respeito da Bíblia. Tudo isso influencia
muitíssimo a mente e o pensamento do homem quando este se defronta com o
evangelho. Todavia, dão-nos a impressão de que crer no evangelho é coisa muito
simples!
Entretanto há algo até muito pior do que isso. Considerem o estado do coração
do homem natural. A primeira coisa que a Bíblia diz sobre o coração do homem
é que, em conseqüência da Queda, o homem é orgulhoso. O apóstolo usa
constantemente a palavra “gabar-se”, muitas vezes traduzida por “gloriar-se” na
Versão Autorizada (inglesa) (como também na Versão de Almeida). “Não
permita Deus que eu me glorie” significa “Não permita Deus que eu me gabe”.
Não há nada tão característico do homem decaído como o gabar-se, ou gloriar-
se, o seu orgulho, e especialmente o seu orgulho do intelecto! Essa é a última
cidadela. Não é de admirar, pois a mente do homem é o seu dom supremo. É o
que mais o separa de todos os animais - a sua mente, a sua razão, a sua
capacidade de pensar e de olhar objetivamente para si mesmo. Temos a
autoridade do nosso Senhor para dizer que as pessoas mais difíceis de convencer
da verdade são os “sábios e entendidos”. Diz ele: “Graças te dou, ó Pai, Senhor
do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as
revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve” (Mateus
11:25,26). É ele, de novo, que diz: “Em verdade vos digo que, se não vos
converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no
reino dos céus” (Mateus 18:3). Esta exigência de semelhança com as crianças é
por causa do orgulho do intelecto. O homem natural sempre acha que tornar-
se cristão é tornar-se tolo, que o cristão “tornou-se um fraco”, um emocionalista,
e jogou fora a sua mente, a sua razão e a lógica. A idéia é que se você ainda crê
na “velha história”, você não está à altura dos tempos, você não é leitor, não é
pensador, não está em dia com a cultura. Essa atitude se baseia no orgulho do
homem, principalmente em seu orgulho do intelecto e do entendimento. Ele não
pretende ser considerado um tolo! Ele quer estar à altura dos tempos, estar
sempre “atualizado”.
Também nos é dito que o coração do homem decaído esta “endurecido”. Quer
dizer que o homem não somente está num estado de pecado, ele também se
deleita e se gloria nele. Como o apóstolo
diz em Romanos 1:32: “eles não somente as fazem (pecados terríveis), mas
também consentem aos que as fazem” (VA: “...mas também têm prazer naqueles
que as fazem”). E mais: “Do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a
impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça”, diz o
apóstolo em Romanos 1:18. Deliberadamente rebaixam a verdade porque os
seus corações estão endurecidos. Se se sentem premidos por alguma convicção,
procuram abafá-la e pisoteá-la, usam camuflagem e todas as espécies de
resistência. Resistem à força da verdade com esforço e com violência.
Ah, como posso eu, cuja esfera nativa E obscura, e cuja mente ê fosca,
suas forças.
À luz disso tudo, ainda lhes é possível dizer que o homem decaído poderá crer
facilmente no evangelho, se ele se decidir a fazê-lo? Será ele capaz de crer nele?
Certamente há somente uma resposta a essa pergunta: está nas palavras: “Qual a
transcendente grandeza do seu poder para conosco, que cremos em virtude da
sua poderosa energia que opera em nós”. Levar uma única alma a crer em Deus e
em Cristo exige “a transcendente grandeza da força do poder eterno de Deus”; e
sem isso estamos total e completamente perdidos. “Pela graça de Deus (e
somente por Sua graça) sou o que sou” (1 Coríntios 15:10). Por que eu creio
neste evangelho? Por que não sou hoje como tantos milhões no mundo? Por que
me interesso pela Bíblia? Por que eu creio nela? Há somente uma resposta.
É pela graça de Deus, que opera em mim poderosamente. Ele começou a obra,
Ele a continuará, Ele a terminará; e eu estarei diante dEle perfeito, inteiro,
completo, e lançarei a minha coroa diante dEle, “perdido em encanto, amor e
louvor”.
Eis a mais urgente questão prática para todos os cristãos: estarí-amos cientes do
fato de que o poder onipotente de Deus está agindo em nós? Compreenderíamos
que somos que somos única e inteiramente pela graça e pelo poder de Deus?
Damo-nos conta em nossas vidas e experiências pessoais de que é este
extraordinariamente grande poder de Deus que explica tudo o que ocorre na vida
cristã? Volto a insistir nestas perguntas porque estou convencido de que
o principal problema da maioria de nós é a nossa incapacidade de perceber a
grandeza da salvação a que fomos levados, e que todos desfrutamos. Não se
pode ler o Novo Testamento, e especialmente o livro mais lírico, que
denominamos livro de Atos dos Apóstolos, e também as Epístolas, observando a
sua terminologia, sem perceber que havia uma qualidade jubilosa, de fato
emocionante, quanto aos cristãos primitivos, os cristãos do Novo Testamento .
Vê-se isso claramente na Epístola aos Filipenses, o que num sentido é um
grandioso refrão sobre o tema do regozijo: “Regozijai-vos sempre no Senhor;
outra vez digo, regozijai-vos” (4:4).
E devido nos faltar esse elemento que - para tomar emprestada a linguagem do
apóstolo - não “resplandecemos como astros (como luzes) no mundo, no meio de
uma geração corrompida e perversa” (Filipenses 2:15). De um modo ou de outro,
não captamos a idéia desta poderosa ação de Deus na salvação. Muitas e muitas
vezes só pensamos nela em termos de perdão. Pensamos na vida cristã apenas
como uma questão de saber que estamos perdoados, e então viver a vida cristã o
melhor que pudermos. Omitimos o drama, a grandeza e a grandiosidade disso
tudo, e especialmente este poder que o apóstolo está desejoso de que os efésios
conheçam. Concebemos a vida cristã em termos que não postulam como
necessidade absoluta “a excessiva grandeza do poder” do onipotente Deus.
Contudo a vida cristã é isso.
mos que, quando Ele morreu na cruz, ofereceu-Se, como se nos diz na Epístola
aos Hebreus, “pelo Espírito eterno” (9:14). Ficamos tão familiarizados com os
fatos acerca da cruz e da morte do Senhor que parece que perdemos o senso do
poder que estava envolvido ali. E quando chegamos à ressurreição do Senhor
Jesus Cristo, acaso compreendemos que ela foi a mais grandiosa manifestação
da energia da força do poder de Deus que o mundo já conheceu? Segundo as
Escrituras, nada senão o onipotente poder de Deus poderia ressuscitá-lO dentre
os mortos e exaltá-lO à alta posição na qual Ele está neste momento, à direita de
Deus. Esquecemos que Ele foi “declarado Filho de Deus em poder...pela
ressurreição dos mortos” (Romanos 1:4). Parece que nos falta essa idéia de
poder em todos os aspectos da vida cristã. E um milagre que exista um
único cristão no mundo, ou que alguma vez tenha existido. Por natureza nenhum
de nós creria ou poderia crer no evangelho; nada, senão o poder de Deus, pode
fazer-nos crentes.
Mas é também por esse mesmíssimo poder que continuamos na vida cristã.
Requer-se o mesmo poder que nos capacitou a crer, para capacitar-nos a
simplesmente continuar na vida cristã. Não seriamos capazes de resistir uma
hora sequer na vida cristã, não fora este poder que está agindo em nós. Isso é
verdade, apesar do fato de que temos em nós um novo princípio de vida, bem
como uma nova mente e uma nova perspectiva. E quando pensarmos
na perfeição à qual fomos destinados, deveria ser óbvio que, sem este poder de
Deus, a nossa situação seria completamente sem esperança, se não tivéssemos
nada senão a nossa própria força e poder.
Não há dificuldade em mostrar que o que o apóstolo ensina aqui, nesta Epístola,
é fartamente confirmado por outras declarações que constam nas Escrituras.
Fazemos isso, porque esta questão é vital para o nosso gozo da vida cristã. Se
não conhecemos este poder, mais cedo ou mais tarde ficaremos deprimidos e
infelizes, e começaremos a indagar se afinal somos cristãos; e depois
começaremos a indagar se poderemos continuar e por fim chegar à glória. O
diabo logo nos desencorajaria completamente.
No capítulo 3 desta Epístola o apóstolo diz: “Ora, àquele que é poderoso para
fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos,
segundo o poder que em nós opera...” (versículo 20). Ou vejam a declaração que
há na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 5: “Porque sabemos que, se a
nossa casa
terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não
feita por mãos, eterna, nos céus” (versículo 1). Caso morrêssemos ou fôssemos
mortos, tudo estaria bem; isso nós sabemos! Depois ele prossegue e diz: “Quem
para isto mesmo nos preparou foi Deus” (versículo 5). Fomos produzidos, fomos
feitos, fomos modelados, fomos formados por Deus, pelo poder de Deus para
este destino. Essa é a nossa esperança, aquilo em que descansamos, a base da
nossa segurança.
Mas vejam mais um exemplo, tomado do apóstolo Pedro. Diz ele que como
cristãos fomos gerados de novo “para uma viva esperança, pela ressurreição de
Jesus Cristo, dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável,
e que se não pode murchar, guardada nos céus para vós, que mediante a fé estais
guardados na virtude de Deus para a salvação já prestes para se revelar no último
tempo” (1 Pedro 1:3-5). Somos pelo poder de Deus; e sem isso não poderíamos
resistir. Pedro escreve também na sua Segunda Epístola: “Visto como o seu
divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade” (1:3). O Seu
“divino poder” deu tudo.
Depois também podemos ver a bênção que consta no fim da Epístola de Judas:
“Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos
irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória...”. E Ele não somente pode
guardar-nos, impedindo que caiamos, mas efetivamente o está fazendo.
Por que este poder é essencial? Por que é importante que conheçamos este
excessivamente grande poder que está operando em nós? Há duas respostas
principais, uma negativa, outra positiva. A primeira é que devemos conhecer e
compreender este poder por causa do poder das forças que se põe contra nós. O
cristão nesta vida e neste mundo é como o seu Senhor antes dele; e há
certas coisas que ele tem que enfrentar. Ele tem que travar uma constante guerra
contra a mente e a perspectiva do mundo. Receio que muitos de nós não estão
cientes do sutil poder do mundanismo - de tudo aquilo pelo que o mundo luta.
Permitam-me citar de novo o apóstolo João: “Não ameis o mundo, nem o que no
mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele - a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1
João
2:15-16).
Nada é tão perigoso para a alma, por causa da sua sutileza, como o mundanismo
com que nos deparamos a cada passo. Você começa isso com os seus jornais de
manhã. Eles não se limitam a importantes notícias internacionais ou nacionais, a
matérias de urgência e de crise, ou a ameaças de guerra, porém
constantemente em suas notícias e opiniões sugerem luxúria, desejo e tudo o que
se opõe aos mandamentos de Deus. A mesma influência perniciosa vê-se na
interminável sucessão de livros e filmes de maneira muito sedutora e atraente.
Depois há o que o apóstolo descreve como “soberba da vida”, tudo o que é
representado pela “vida social”, assim chamada, orgulho dos antepassados e de
classe, e a pompa e a exibição exteriores. É tão agradável e tão encantador para
o homem natural, e tanta gente boa participa nisso! Esta é certamente a maior
luta que a Igreja Cristã tem que empreender na hora presente. Houve um
rebaixamento dos padrões morais em toda parte. Temos nos desviado para muito
longe dos dias do puritanismo. A linha entre a Igreja e o mundo é quase
invisível, e o povo de Deus não sobressai mais em sua singularidade como
outrora. O Novo Testamento está cheio de advertências acerca deste tremendo e
sutil poder do mundo, que quer arrastar-nos para longe do Cristo em quem
cremos, que quer fazer com que O neguemos na prática e quer reduzir-nos ao
estado descrito pelas palavras: “Tendo aparência de piedade, mas negando a
eficácia dela” (2 Timóteo 3:5).
Não temos, porém, que lutar somente contra o mundo, mas também contra a
carne. “Carne” nem sempre significa pecado grosseiro; pode aparecer na forma
de letargia e ociosidade. Como é fácil sentir-nos indispostos, física ou
intelectualmente, para ler a Bíblia! Você sente um impulso para ler a Bíblia, mas
diz: “Estou cansado, tive um dia pesado no escritório, minha mente não está boa
para isso, e não é direito ler as Escrituras quando não se está nas melhores
condições; por isso vou ler o jornal agora, mais tarde lerei as Escrituras, quando
me sentir renovado e melhor”. O resultado é que você vai dormir sem ter lido as
Escrituras. Temos que travar uma constante batalha contra a letargia e a
preguiça, e contra a igualmente sutil tentação para a procrastinação. São
instrumentos que o diabo usa para estorvar o nosso progresso.
Depois há o diabo. Às vezes penso que a nossa falha em não nos darmos conta
da extraordinária grandeza do poder de Deus deve-se ao fato de que nunca nos
damos conta do poder do diabo. Quão pouco falamos sobre ele! E, contudo, no
Novo Testamento as suas atividades são mencionadas enfaticamente! Se tão-
somente compreendêssemos algo do poder do diabo, faríamos esta oração
que Paulo elevou em favor dos efésios, no sentido de que “os nossos olhos
fossem abertos para vermos a grandeza do poder de Deus” em nós. A Bíblia
ensina que o poder do diabo só vem em segundo lugar depois do de Deus. O
poder do diabo mostra-se terrivelmente claro na história de Adão e Eva. Ambos
eram perfeitos. O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus; estava em
comunhão
com Deus, falava com Deus, conhecia a Deus. Além disso, ele estava no Paraíso
- ambiente perfeito. Ele nunca tinha pecado, e não havia nele nada que o
arrastasse para baixo - nenhuma cobiça, nenhuma corrupção. Fora dada a ele
uma justiça original; ele se mantinha íntegro, e na verdade era um reflexo de
Deus. E, apesar disso, ele caiu; e caiu por causa do poder e da astúcia do
diabo. Todavia, muitos cristãos consideram o diabo quase como uma criatura de
brinquedo, e podem até negar a sua existência. Por isso eles não se dão conta da
sua necessidade deste poder de Deus. Adão, o homem perfeito, foi derrotado e
derrubado por este inimigo poderoso. Judas nos diz em sua Epístola que o poder
do diabo é tão grande que até o arcanjo Miguel, quando contendia com ele
acerca do corpo de Moisés, “não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele;
mas disse: o Senhor te repreenda” (versículo 9). O arcanjo sabia do poder do
diabo. O apóstolo Pedro escreve: “O diabo, vosso adversário, anda em derredor,
bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1 Pedro 5:8). Porventura
sabemos disso, como o apóstolo Paulo sabia, e como ele no-lo faz lembrar
no versículo 12 do capítulo 6 desta Epístola aos Efésios: “Não temos que lutar
contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados, e potestades, contra os
príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos
lugares celestiais”? Por causa destas coisas precisamos ser iluminados com
relação ao poder de Deus operante em nós. Nenhuma outra coisa pode capacitar-
nos a resistir contra as ciladas do diabo.
que os nossos pecados estão perdoados, e então procurar algum poder de Deus
para viver uma vida virtuosa.
Só Tu salvas, Tu somente.
nele está. É a nossa compreensão disso que varia; entretanto, desde o momento
em que Deus põe Sua mão sobre um homem e o leva ao novo nascimento e à
nova vida, Ele continua a exercer este poder nele.
O modo como o Seu poder opera em nós é exposto pelas palavras de Paulo aos
filipenses, quando ele diz: “Deus é o que opera em nós tanto o querer como o
efetuar” (Filipenses 2:13). O poder de Deus se manifesta e opera em nós por
meio da Palavra escrita e por meio do Espírito Santo. Ele opera em minha
personalidade, afeta a minha vontade, e cria desejos e anseios dentro de mim.
Repentinamente sinto o desejo de ler a Palavra, ou de orar a Deus. E resultado da
operação de Deus o Espírito Santo gerando uma oração, ou me estimulando a
alguma outra atividade. Ele está constantemente estimulando a minha vontade e
me dando poder para agir. Como Isaac Watts nos lembra, “O Seu poder subjuga
os nosso pecados”. Ele está operando em nós constantemente; o seu Espírito
“sopra sobre a Palavra” e ilumina o nosso entendimento, que, por sua vez,
enternece os nosso corações e estimula as nossas vontades. O que precisamos
compreender é que Deus está operando, e que às vezes, mesmo quando não
sabemos disso, Ele está operando. Além disso, se ignorarmos os Seus impulsos,
as Suas solicitações e a Sua direção, de repente poderemos ver-nos castigados
por Deus. Então nos despertaremos para o fato de que nos esquecemos dEle e da
nossa necessidade da Sua força e poder; e voltaremos para Ele e começaremos a
orar pedindo perdão e forças. Esse é outro aspecto da operação de Deus em nós.
“Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hebreus 10:31). Se vocês são
filhos, diz o autor da Epístola aos Hebreus, estejam preparados para castigos. Se
vocês têm em si a vida de Deus, se Ele começou em vocês a “boa obra”, Ele
não desistirá, Ele a levará à perfeição. Se vocês não se deixarem levar por Ele,
serão levados à força; se recusarem ser induzidos e atraídos, serão castigados.
Deus quer o nosso aperfeiçoamento, e Ele não Se deterá por nada menos que
isso. A obra continuará, o poder de Deus continuará sendo exercido em nós até
ficarmos sem defeito; até que nos tornemos todos uma “igreja gloriosa, sem
mácula, nem ruga, nem coisa semelhante”. Ele quer que sejamos santos e sem
mancha em Sua presença.
Poderia haver algo mais importante para nós do que conhecer isso tudo?
Estamos nas mãos de Deus, e Ele está operando em nós. Ele nos deu poder para
crer, Ele está agindo em nós agora,
“E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como
cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em
todos.” - Efésios 1:22-23
A difícil natureza da doutrina, porém, não deve ser usada como desculpa para
não estudá-la. Muitos são culpados desta falta, e dizem que não têm nem tempo
nem capacidade para estudá-la. Mas, é bom assinalar que estas Epístolas do
Novo Testamento foram escritas para homens e mulheres como nós; na verdade,
foram escritas a pessoas às quais faltavam muitas das vantagens que temos.
Parece claro que, na maioria, os membros da Igreja Primitiva eram escravos,
sem nenhuma instrução escolar no sentido moderno. Quando o apóstolo
escreveu esta carta para eles, seu propósito era que eles a lessem e a
entendessem; sua intenção era que eles se apegassem a ela. Ele sabia que eles
não poderiam fazê-lo somente por suas capacidades naturais, porém sabia que
qualquer que seja iluminado pelo Espírito Santo, não somente fica ansioso
por entendê-la, mas também pode entender e compreender que é seu dever fazê-
lo. Não há nada mais desanimador acerca da Igreja moderna, nada mais culposo,
do que a sua falha em não apegar-se a estas grandes verdades do Novo
Testamento. Hoje em dia há muita prosa sobre simplicidade, alguns dizendo que
“não podem incomodar-se com doutrina”. Dá-se também muita ênfase ao canto;
no entanto, a igreja não é lugar para entretenimento, ou onde as pessoas se
assentam e ouvem ou cânticos ou experiências de outros, isso acoplado a uma
breve, leve e agradável mensagem. Se devemos crescer, se devemos subir às
alturas da nossa “soberana vocação em Cristo Jesus”, e se devemos ser cristãos
viris neste trágico mundo moderno, precisamos encarar estas grandes e gloriosas
doutrinas, e assim exercitar as nossas mentes, o nosso entendimento e todos os
nossos sentidos, para que comecemos a ter uma vaga concepção de nós mesmos
neste grande cenário e contexto do corpo de Cristo.
Comecemos então a considerar o que o apóstolo tem para dizer acerca da Igreja.
É evidente que o apóstolo sabia da dificuldade de transmitir esta verdade. Por
isso ele varia as suas comparações e metáforas. De todas as suas figuras, reitero,
a mais comum é a da
Igreja como o corpo de Cristo. Mas não é a única. Vemos no capítulo 2 que ele
compara a Igreja com um edifício. Jesus Cristo, diz ele, é “a principal pedra da
esquina”, e os apóstolo e profetas são o fundamento. Contudo ele também
compara a Igreja com uma casa, com uma família. Os crente são a “família de
Deus”. Ele também a compara com um grande império. Sendo prisioneiro em
Roma, naturalmente parece ter-lhe ocorrido que a Igreja Cristã é, em muitos
aspectos, como o Império Romano. Há uma grande sede central da autoridade,
mas tem o seu povo espalhado pelo mundo inteiro, e diversos oficiais que
governam o Império. Mais adiante, no capítulo 5, ele compara a Igreja com uma
esposa, e afirma que a relação entre Cristo e a Igreja é semelhante à que existe
entre o esposo e sua esposa. Recordemos também como o nosso Senhor, no
capítulo 15 do Evangelho Segundo João, compara a Igreja com uma videira
e seus ramos.
corpo é que ele não é um certo número de partes soltas que de um modo ou de
outro se ligaram ou se juntaram umas às outras. A maravilha do corpo é que
todas as suas partes são realmente uma, que elas estão numa unidade orgânica,
essencial e vital. Para fazer uma colocação nua e crua, os meus dedos não estão
ligados à palma da minha mão frouxamente, não estão simplesmente atados a
ela; há uma conexão viva, há uma conexão vital, há um sentido em que não se
pode dizer onde exatamente a palma termina e os dedos começam. São partes
integrantes uns dos outros - os dedos e a palma; a conexão é íntima, orgânica,
vital, vivida; Este é o primeiro princípio essencial a que devemos apegar-nos, se
é que havemos de captar a doutrina sobre a Igreja. Todas as figuras e analogias
sugerem isso; mas é particularmente claro na analogia do corpo.
Não devemos forçar, porém me parece que temos direito de dizer que, assim
como as partes do meu corpo se desenvolveram de uma célula original da qual
todos começamos, nesse sentido cada um de nós é verdadeiramente membro da
Igreja Cristã, e verdadeiramente nasceu de novo, é um rebento de Cristo, algo
que se desenvolveu a partir de Cristo. Nós somos provenientes dEle;
não estamos apenas frouxamente ligados a Ele. Esta é a idéia vital da Igreja. Na
Primeira Epístola aos Coríntios o apóstolo diz-nos que isso acontece assim:
“Pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando um corpo” (VA:
“Pois todos nós fomos batizados por um só Espírito em um corpo”) (12:13).
Trata-se de uma unidade espiritual, de uma unidade mística; e, portanto, é algo
indissolúvel, porquanto é vital e orgânico.
Certas verdades subsidiárias emergem disso. Fica patente que é uma unidade que
nós mesmos não podemos produzir. Estamos de volta a este princípio
fundamental, segundo o qual tudo é resultado da ação e do poder de Deus. É
unicamente a obra do Espírito Santo que faz de nós cristãos. Para expor o ponto
doutra forma, vemos que esta relação do crente com Cristo não é algo
espasmódico; não é algo que pode existir hoje e não existir amanhã. Não é algo
que depende da nossa concentração ou da nossa fidelidade. Como é obra do
Espírito, e realizada por Ele a Seu modo, é permanente. Você não pode entrar e
sair do corpo de Cristo. Isso de “cair da graça” não existe. Você pode desviar-se,
pode ser excluída da comunhão da igreja visível; mas, se você está no corpo de
Cristo, está no corpo de Cristo, e permanecerá no corpo de Cristo. A união
Mas não é a isso que o apóstolo está dando ênfase nesta altura; ele está
interessado em dizer que, como Cabeça da Igreja, Cristo é a origem e o centro da
vida da Igreja. A analogia do corpo mostra isso com muita clareza. No corpo a
cabeça é a origem e o centro da energia ou poder. O corpo deriva a sua energia
vital da cabeça. Nada oferece maior prova da divina inspiração das Escrituras
do que a maneira pela qual o apóstolo Paulo e outros foram levados a usar esta
analogia. Eles não possuíam o conhecimento que agora temos de anatomia e
fisiologia; porém a analogia é perfeita, em termos dessas ciências. Não há
nenhuma parte do corpo que não seja controlada pelos nervos e pelo sistema
nervoso. A vida de cada músculo e de cada parte lhes é transmitida pela energia
e força nervosa. E, em última análise, todos os nervos podem ser rastreados de
volta ao cérebro, situado na cabeça. Esta constitui o centro e a origem, pelo que é
ela que controla a energia nervosa do corpo todo e de cada parte e partícula do
sistema. Quando o apóstolo declara que Cristo é a Cabeça da Igreja, ele fala
nesse sentido. Não temos vida fora dEle; toda a energia e todo o poder provêm
dEle. Para expor negativamente o ponto, podemos dizer que, como cristãos, não
temos vida independente. Ele é a Videira, nós somos os ramos; os ramos nunca
existiriam sem a videira. Tudo vem do Senhor. Diz o apóstolo João: “Todos nós
recebemos também da sua plenitude, e graça por graça” (João 1:16). A vida do
corpo todo e todas as partes
Outra dedução óbvia é que a mesma vida se acha em cada parte e porção do
corpo; e é isso que dá unidade ao corpo. O corpo humano é uma unidade simples
graças a esta conexão íntima, graças a esta inter-relação. Nenhuma parte do
corpo tem existência independente; todas as partes estão interligadas umas às
outras por causa deste princípio de unidade orgânica. Num tempo como
este, quando tanto se fala da unidade da Igreja e de uma igreja
mundial, lembremo-nos de que a unidade concebida em termos de mera junção
de organizações externas é completamente anti-escriturística. Amalgamar
diversas denominações não pode produzir unidade espiritual. Têm sido feitas
muitas tentativas nesse sentido, entretanto nunca tiveram êxito real, e nunca
terão. Mas, tenham ou não êxito em termos de organização, não o terão
espiritualmente. É o Espírito Santo que faz ey constitui a unidade; é a vida e
energia comum que nos faz um. É esta qualidade vivida e essencial presente no
sistema nervoso, e no sangue que corre por todo o corpo humano, que explica a
unidade do corpo. Precisamente o mesmo princípio prevalece na vida da Igreja
Cristã. Que certo número de pessoas se reunam numa conferência e concordem
em dizer que, por amor da unidade, não darão ênfase ao nascimento virginal, ou
à teoria da expiação vicária, ou à fé nos milagres, ou a diversas outras doutrinas,
não pode produzir a unidade da qual fala o apóstolo. A única unidade é a
unidade no Espírito, uma unidade feita pelo Espírito, ditada pelo Espírito,
sustentada e mantida pelo Espírito. E como Ele é o Espírito da verdade, e Ele
revelou essa verdade como a temos no Novo Testamento, a unidade só pode
resultar da aceitação dessa verdade, e não pode ser produzida por algum
denominador comum forjado por eclesiásticos astutos.
A nossa terceira dedução é tirada da declaração, “da igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. Estas palavras dizem-nos que
Cristo enche com a Sua própria vida o corpo. Dizem-nos as Escrituras que no
Senhor Jesus Cristo habita “corporalmente toda a plenitude da divindade”
(Colossenses 2:9), e na passagem que estamos estudando nos é dito que da
mesma maneira, e pela mesma analogia, a plenitude do Filho está na Igreja que é
o Seu corpo.
Mais uma vez é útil a analogia do corpo humano. Há um sentido em que cada
parte do meu corpo está cheia da minha vida e de
mim. Minha vida e meu ser estão em cada parte do meu corpo; na verdade, no
momento em que eu deixar de existir, cada membro individual do meu corpo
morrerá. Se eu cortar o nervo principal, ou o suprimento de sangue, por
exemplo, a um dedo, este logo deixará de ser parte do meu corpo. A totalidade
da minha vida está em cada parte singular. Essa é a assombrosa declaração feita
aqui acerca da Igreja Cristã, e acerca de nós mesmos como membros da Igreja
Cristã. Sua “plenitude” está nela, em nós. Toda a vida da videira está no ramo.
Está toda ali, num sentido, embora noutro sentido, naturalmente, ela não esteja
toda ali. Mas neste sentido orgânico, vital, está toda ali. Portanto, como cristãos,
devemos compreender que, embora estejamos bem conscientes da nossa
fraqueza, e da força do pecado dentro e fora de nós, e da força do mundo, da
carne e do diabo - devemos compreender que todos os atributos, poderes
e graças do Senhor Jesus Cristo estão em nós, como membros que somos do Seu
corpo. Toda a Sua vida está em nós; fomos feitos “participantes da natureza
divina” (2 Pedro 1:4). Ele é a fonte de todo o poder em nós, que somos membros
do Seu corpo. Ele nos dá a energia necessária para desempenharmos as nossas
funções individuais.
Sua maneira e usando os materiais que Ele fornece. Sem Ele, não podemos fazer
nada; mas com Ele, todas as coisas são possíveis. Por isso podemos dizer com
Paulo: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4:13).
Tudo isso está implícito na idéia de que o Senhor Jesus Cristo é a Cabeça da
Igreja; e assim, quando contemplamos a vida e todas as suas dificuldades, e
quando somos tentados por satanás a achar que tudo é impossível, e que não
podemos ir adiante porque somos tão fracos e as dificuldades são frustrantes,
devemos lembrar-nos dessa verdade e dizer: sou um pequeno membro do corpo
de Cristo, sou insignificante, mas sou membro do corpo de Cristo; estou “nEle”
e, portanto, o que quer que se possa dizer com verdade sobre mim pessoalmente,
a vida da Cabeça está em mim, estou relacionado com aquele centro nervoso,
estou em contato com Ele, Sua energia vital está em mim. O apóstolo ora nos
sentido de que os efésios, e nós com eles, venhamos a entender isso. Ele quer
que tenhamos “iluminados os olhos do nosso entendimento”, e conheçamos
“a extraordinária grandeza do seu poder para conosco, os que cremos”. Por isso
não devemos pensar em Cristo como uma espécie de grande casa de força à qual
podemos estar ocasionalmente ligados, e às vezes desligados, como que por um
interruptor. Estamos sempre “nEle”, somos membros do Seu corpo, Ele é a
Cabeça e nós somos os Seus membros, e há esta conexão vital, indissolúvel,
entre nós. Quando os nosso olhos são abertos para esta verdade, podemos tomar
novo ânimo, reassumir a nossa tarefa e dizer: em Cristo não posso falhar, não
devo falhar, Ele não permitirá que eu falhe.
A cabeça necessita do corpo, e não se pode pensar numa cabeça sem corpo.
Assim, o corpo e a cabeça são uma só realidade, neste sentido místico. Nessa
qualidade, nós, cristãos, somos parte da “plenitude” do Senhor Jesus Cristo.
Prossigamos, porém, para algumas conclusões. Uma das mais gloriosas é que,
em vista do fato de que a Igreja é o corpo de Cristo, e de que ele é a Cabeça,
estamos autorizados a dizer que o que é verdade a respeito de Cristo, é verdade a
nosso respeito. A mais clara exposição disso vê-se nos capítulos 5 e 6 da
Epístola aos Romanos. Assim como todos nós estávamos “em Adão”, assim
todos os que cremos no Senhor, agora estamos “em Cristo”. Adão pecou, e todos
nós pecamos com ele. Estávamos em Adão, por assim dizer, estávamos nos
lombos de Adão, e quando ele agia, agia por nós todos como a nossa cabeça e
como o nosso representante. Somos responsáveis pelo pecado de Adão; isto é,
pelo pecado original. Mas devemos ver o outro lado. Agora estamos “em Cristo;
Ele é a Cabeça do corpo do qual fazemos parte. O que quer que a Cabeça faça, o
corpo todo faz também. Portanto, fomos “crucificados com Cristo”. Quando Ele
foi crucificado, eu fui crucificado; o meu velho
homem, o homem que eu era em Adão, foi crucificado. Eu, o homem que nasceu
em pecado, morri com Cristo. Nesse sentido eu estou tão morto como Ele esteve.
Estou “morto para o pecado”, “morto para a lei”. Ambos os aspectos estão
liquidados. Crucificado com Ele, morto com Ele, sepultado com Ele! Mas, eis
um fato glorioso, o que o apóstolo declara enfaticamente é que eu
também ressuscitei com Ele. Exatamente como o poder de Deus
ressuscitou Cristo dentre os mortos, também me ressuscitou com Ele. O apóstolo
argumenta na Epístola aos Colossenses: “Portanto, se já ressuscitastes com
Cristo ... pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra” (3:1-2).
Em Romanos 6:11 ele o expõe assim: “Assim também vós considerai-vos como
mortos para o pecado, mas vivos para Deus”.
tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar”
(versículo 12-13). O sentido absolutamente não é que, se queremos ter vitória em
nossa vida, devemos parar de agir; o erro que cometemos é que agimos demais,
somos demasiado ativos. Não devemos fazer nada, senão olhar para o Senhor, e
Ele o fará por nós! Essa é a teoria! Mas Paulo dá uma ordem específica, dizendo-
nos que devemos agir, e fazê-lo com “temor e tremor”. E acrescenta: “Porque
Deus é o que opera em nós tanto o querer como o efetuar”.
Isso ilustra a verdade vital acerca da nossa vida e luta cristã, acerca do nosso
desenvolvimento, acerca do nosso crescimento em santidade e santificação. As
duas escolas de pensamento que estão nos extremos opostos estão patentemente
erradas em seu ensino e em suas conclusões. Os que afirmam que os crentes
fazem tudo na vida cristã estão errados; e os que dizem que os crentes não têm
que fazer nada, exceto “olhar para Cristo” e “esperar que Ele o faça” estão
igualmente errados. Visto que a Igreja é o corpo de Cristo, e todas as partes e
porções singulares estão vitalmente ligadas a Ele como a vida de todas elas, todo
cristão tem em si este poder. Mas
A CONSUMAÇÃO FINAL
-Efésios 1:19-23
Mas o apóstolo ainda não terminou. Ele continua com a sua descrição da glória e
da honra dadas ao Filho. Deus O colocou “à sua direita nos céus, acima de todo
o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia,
não só neste século, mas também no vindouro”. Os eruditos comentadores, como
é seu costume, quando chegam a esta passagem, passam muito tempo tentando
descobrir a quem se referem os termos “principado”,
No entanto, eu afirmo que o apóstolo não se refere somente a tais poderes, mas
também aos anjos bons, os anjos bem-aventurados. Ele foi colocado acima deles
todos. Uma perfeita descrição disso acha-se no capítulo primeiro da Epístola aos
Hebreus, onde o autor descreve algo da grandeza dos anjos e do seu poder, e
depois conclui dizendo que, afinal de contas, eles são apenas
“espíritos ministradores” (versículo 14). Eles não são iguais ao Filho; falta-lhes a
Sua singularidade. Deus não disse a nenhum deles: “Tu és meu Filho, hoje te
gerei” (Hebreus 1:5). Essa linguagem está reservada unicamente para o Seu
Filho. O meu parecer é, pois, que o apóstolo nos está dizendo que o Filho de
Deus, o nosso Senhor Jesus Cristo, é elevado e exaltado até mesmo acima dos
arcanjos Gabriel e Miguel, os servos especiais de Deus. Ele está acima
deles todos, Ele está à direita de Deus, compartindo o trono com Seu Pai, muito
acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio. Tal é a medida do
poder de Deus que se mostra no Senhor Jesus Cristo. O Pai não somente O
ressuscitou dentre os mortos e do túmulo, como também O elevou e O colocou
no lugar de suprema honra e autoridade, à Sua direita.
Mas Paulo ainda acrescenta algo a isso, e diz: “E sujeitou todas as coisas a seus
pé”. Todas as coisas estão em sujeição ao Senhor Jesus Cristo. Ele é Senhor
sobre cada uma delas. Ou, vejam-no mais positivamente: “e sobre todas as coisas
o constituiu como cabeça”. Deus fez do Seu Filho o Dominador sobre todas as
coisas, o universo material inclusive. Ele “dá asas ao anjo, guia o pardal”.
Quando Deus fez o mundo, não o fez, como alguns ensinam, como o fabricante
de relógios faz um, dá-lhe corda e o deixa. O universo é sustentado ativamente
por Deus, e Ele passou ao Filho essa autoridade. Ele é o Dominador, o Cabeça
sobre todas as coisas. Ele dirige
“os astros em suas órbitas”, o oceano em seu movimento, o vento e a chuva, o
furacão e a tempestade, a luz do sol, tudo. Toda forma de vida está em Suas
mãos, Ele é “cabeça sobre todas as coisas”.
O autor da Epístola aos Hebreus dá expressão a esta gloriosa verdade com estas
palavras: “Todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés. Ora, visto que lhe
sujeitou todas as coisas, nada deixou que lhe não esteja sujeito. Mas agora ainda
não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas; vemos, porém, coroado de
glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os
anjos, por causa da paixão da morte” (2:8-9).
Esta honra e esta glória Lhe foram dadas por causa do que Ele fez enquanto na
terra. No capítulo 2 da Epístola aos Filipenses isso é mostrado com clareza pelo
uso que o apóstolo faz da expressão, “pelo que”, no versículo 9. Foi porque
Cristo não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-Se a Si mesmo e
desceu e Se humilhou, até à morte na cruz, que “Deus o exaltou
soberanamente”. Foi porque Ele Se humilhou e Se rebaixou tanto, e sofreu tanto
para redimir-nos e resgatar-nos, que Deus O colocou à Sua direita.
Permitam-me repetir, porém, que o aspecto mais precioso desta declaração é que
toda esta honra e dignidade Lhe foi dada como Mediador, como o Deus-homem.
Ele está à direita de Deus não somente como o Filho eterno. Como o Filho
eterno já estava ali antes da fundação do mundo, Ele estava ali desde a
eternidade. Ele era um com o Pai, coigual, coeterno. Ele sempre participou
da glória com o Pai. Mas aqui lemos que Deus O ressuscitou e O exaltou ao Seu
trono. As duas declarações se conciliam pelo fato de que o apóstolo aqui está
escrevendo acerca de Cristo como Filho do homem, como o Deus-homem.
Pensem de novo nas palavras de Paulo aos filipenses: “Pelo que também Deus o
exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao
nome de Jesus se dobre todo o joelho” ( 2:9-10). Ele não diz, ao nome do
Senhor, e sim, “ao nome de Jesus”. É como “Jesus”, como “o Filho do homem”,
que Ele foi exaltado. Significa que a natureza humana foi elevada àquela
transcendental altura da glória.
Devemos salientar ainda que Deus Lhe deu todo este poder e honra e dignidade
pelo bem da Igreja. Como é que nós, cristãos, podemos ficar tão calados? Por
que não ficamos embevecidos “de encanto, amor e louvor”? “Deus o ressuscitou
dos mortos, e o colocou à sua mão direita...e pôs todas as coisas debaixo dos
seus pés, e
fez dele cabeça sobre todas as coisas para a igreja” (VA). Quer dizer, “por amor
da igreja”, Ele exerceu autoridade e poder no interesse da Igreja, a fim de que
finalmente redimisse o Seu povo e o apresentasse sem defeito a Deus. Não
somente por amor de Si, não somente para que Ele voltasse a participar da plena
glória de Seu Pai, não somente para que exercesse este grande poder sobre o
cosmo e o fruísse; mas também por amor de nós, “pela igreja, que é o seu
corpo”!
Que é que isso significa para nós e quanto a nós? Podemos responder com
algumas proposições simples. Por causa da doutrina da Igreja como o corpo de
Cristo, por que eu estou nEle e sou membro do Seu corpo místico - quase temo
dizê-lo, mas é a verdade! -o que é verdade a respeito dEle é verdade sobre mim,
e é verdade a respeito de todos nós, cristãos. Deus deu tudo a Ele por amor
da “igreja”, que é o Seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”.
Ah! O privilégio de ser cristão! Ah! A honra de ser cristão! Vemos grandes
personagens do mundo rivalizando uns com os outros por algum símbolo ou
título de honra, por alguma alta posição, ou para estar perto de alguma
personalidade notável. Eles estão dispostos a pagar grandes quantias por tal
honra, e a fazer grandes sacrifícios para consegui-la. Entretanto, todos os
cristãos, sejam quem forem, e por mais insignificantes que sejam no
mundo, visto que estão “em Cristo”, estão, sem exceção, participando
da exaltada posição do Senhor na glória. Isso é de fato verdade quanto a nós
agora, como o apóstolo nos diz no capítulo 2 - “E nos ressuscitou juntamente
com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (versículo 6).
Não se pode separar do corpo a cabeça, ou do corpo o tronco, pelo que, o que
vale para a cabeça, vale para o corpo todo. Assim como a nossa cabeça está na
glória, assim também o Seu corpo está ali - misticamente, espiritualmente!
Também devemos dizer uma palavra sobre a segurança da nossa posição. “Vós,
temerosos santos, renovai vossa coragem”, diz um hino. Outro hino dá as bases
sobre as quais se pode fazer essa exortação:
Isso, por sua vez, leva-me a dizer uma palavra sobre o mistério da nossa posição.
“Se você afirma”, dirá alguém, “que tudo isso é verdade, e que estou relacionado
com Cristo dessa maneira, por que é que sempre tenho que sofrer, por que é que
vivo adoecendo, por que me visitam calamidades, por que as minhas colheitas
são arruinadas pelos temporais? Por que deve morrer alguém que me é caro, por
que não estou gozando vida perfeita, sem problemas?” A resposta é dada pelo
mistério da nossa posição “em Cristo”. Não o entendemos plenamente, mas
sabemos que os nossos sofrimentos fazem parte do processo da nossa
santificação. “O Senhor corrige o que ama” (Hebreus 12:6). Não é que Ele não
possa impedir que aconteçam estas coisas, Ele prefere não impedi-las; seria ruim
para nós se Ele o fizesse. Por causa dos efeitos do pecado e das suas operações
dentro de nós, Ele tem que disciplinar-nos; Ele sabe o que é melhor para nós. Há
ocasiões em que precisamos do sol, há ocasiões em que colhemos benefícios da
tempestade. O salmista pôde dizer: “Antes de ser afligido (eu) andava errado” e
“Foi-me bom ter sido afligido” (Salmo 119:67,71).
Vocês, cristãos, sabem destas coisas? Vivem à luz delas e no seu poder?
Entendem agora por que Paulo orou por estes efésios, e por todos os outros que
deviam receber esta carta circular, com tanta constância e persistência? Ele ora
no sentido de que “os olhos do seu entendimento sejam iluminados”. Ele deseja
que eles conheçam “a esperança da sua vocação”, que estejam seguros
dela. Também é preciso que eles conheçam “a esperança da sua vocação”, que
estejam seguros dela. Também é preciso que eles conheçam algo das
“abundantes riquezas da sua graça” e da Sua “herança nos santos”. Vocês têm
saboreado as primícias? Têm desfrutado a prelibação? Estão desapontados
porque eu falei tão pouco de política ou das condições sociais ou da arte
moderna e do teatro e da cultura? Vocês só pensam neste “presente mundo mau”,
ou sabem algo acerca do mundo vindouro? Vocês já tiveram vislumbres
do mundo por vir, e anseiam receber mais? Vocês provaram da colheita que virá?
Esta arrebata o seu coração e estimula o seu apetite? Estas
coisas são reais para vocês? Fraco e derrotado santo, você não sabe que todo este
poder de Deus está em você? Isso porque você está “em Cristo” e Sua vida flui
para dentro de você. Procure compreender esta verdade. Creia nela. Confie nela.
Procure agir baseado nela. E ela virá a você com ainda maior força. Façamos por
nós mesmos a oração do apóstolo: “Tendo iluminados os olhos do vosso
entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as
riquezas da glória da sua herança nos santos; e qual a sobreexcelente grandeza
do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu
poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dos mortos, e pondo-o à sua
direita nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e
de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro; e
sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como
cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em
todos”. Queira Deus, por Seu Espírito, abrir os nossos olhos para estas coisas,
para que vejamos a grandeza da nossa herança, e nos demoremos nela
até podermos dizer confiantemente com o apóstolo: “A nossa leve e momentânea
tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente” (2 Cor 4:17).
D. M. LLOYD-JONES
Título original:
Editora:
Copyright:
Lady E. Catherwood
Tradução do inglês:
Odayr Olivetti
Revisão:
1995
Impressão:
Imprensa da Fé
ÍNDICE
PREFÁCIO
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza e
perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.
janeiro de 1972
Estes sermões foram originalmente impressos na “Westminster Record”, mês a
mês, e agora foram adaptados para a publicação em livro por minha esposa. A
ela, e ao Dr. Frank Crossley Morgan que tem insistido comigo que eu faça o que
venho fazendo há uns dez anos, estou profundamente agradecido.
D. M. Lloyd-Jones
INTRODUÇÃO
- Efésios 2:1
A primeira coi sa que ele nos vai recordando é que é plano de Deus e que é
atividade de Deus. Ele começa dizendo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, o qual nos abençoou...’’.Esse é o ponto de partida. Estamos
interessados em algo que Deus fez. Aqui não estamos interessados na atividade
humana, estamos olhando para algo que o Senhor Deus todo-poderoso fez
acontecer. Este é Seu plano, trazer e reunir, pôr novamente sob a liderança em
Cristo todas as coisas. Isso logo nos lança de volta à doutrina da Queda - onde a
divisão se introduziu, onde as coisas se desencaminharam. O plano e propósito
de Deus é tornar a reunir em Cristo todas as coisas. É Seu plano, e é Deus que
opera ativamente nele. E algo que Deus está fazendo acontecer. Não faço pausa
em cada ponto para acentuar a extrema relevância disso tudo para a nossa
situação presente, não somente como cristãos, mas também como cidadãos deste
mundo. O que está sendo esquecido por uma imensa maioria é que o fato
realmente importante no mundo atual é a atividade de Deus - o que Deus está
fazendo, não o que os homens estão fazendo. Naturalmente, os homens estão
fazendo coisas, e está bem que as façam. Não estou tentando diminuir a
importância do trabalho dos estadistas e de todas essas coisas; entretanto, de
acordo com o apóstolo, o que se deve entender acima de tudo mais é o que Deus
está fazendo. Há esta história invisível por trás da história visível, e a invisível é
muito mais importante. Há esta história espiritual que, por assim dizer,
está subjacente a toda história secular, e à luz da qual a história secular se torna
relativamente sem importância.
Pois bem, tudo isso faz parte do plano de Deus e é resultado da Sua atividade. O
apóstolo nos faz lembrar que isso é algo que Deus planejou “antes da fundação
do mundo”. Temos aqui o alicerce mesmo da nossa fé. Nada é contingente
quanto ao plano de Deus. O que Deus está fazendo não depende do homem, nem
mesmo da resposta do homem depende; em última instância, é tudo de Deus. Se
o plano de Deus dependesse da nossa resposta, então eu estaria sem nenhuma
esperança. Basta que vocês leiam a história da Igreja para verem que,
provavelmente, a Igreja Cristã não teria durado mais que um século, se
dependesse do homem. Mas estas coisas não dependem do homem;
dependem de Deus. Ele planejou tudo antes da fundação do mundo, e, portanto,
é absolutamente seguro e certo.
O que Paulo nos lembra a seguir é que se deve tudo inteiramente à graça, ao
amor, à misericórdia e à compaixão de Deus: inteiramente pela graça. Lembro-
lhes estas coisas porque, quando passarmos aexaminar este capítulo dois,
veremos que o apóstolo continua a repetir-se. Tudo é “para o louvor da glória da
sua graça”(VA). Ele o dissera no capítulo primeiro, versículo 6, e de novo no
versículo 12 - “com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que
primeiro esperamos em Cristo”, e mais uma vez, no versículo 14 - “o qual é o
penhor da nossa herança, para a redenção da possessão adquirida, para louvor
da sua glória”. É tudo resultado da graça de Deus - o próprio fato de que nos
sentamos juntos numa igreja cristã, que comemoramos a morte de Cristo, que
nos pomos a considerar esta grande salvação. E tudo resultado da graça sublime
e abundante, das riquezas da Sua graça. Devemos apegar-nos a estes temas e
mantê-los em nossas mentes.
Isso nos leva ao ponto subseqüente, que apenas mencionei: que é tudo no Senhor
Jesus Cristo e por meio dEle. Isso de salvação sem Cristo no centro não existe.
Não devemos dar ouvidos aos que dizem como Deus os abençoa, se Cristo não
estiver no ponto central. Eles podem pensar que as suas orações estão sendo
respondidas, que eles estão sendo guiados em muitas outras coisas semelhantes;
mas, de acordo com este argumento apostólico, Deus não trata conosco,
exceto em Jesus Cristo. Todas as bênçãos vêm nEle, por meio dEle e por
Ele. Gostaria de lembrá-los de que, nos catorze primeiros versículos do capítulo
primeiro, o apóstolo se refere ao Senhor Jesus Cristo quinze vezes. Ele sabe
como estamos prontos a esquecê-10, e como estamos prontos a pensar que
podemos resolver algumas coisas diretamente com Deus. Nada é tão trágico na
história da humanidade como o fato de que, apesar de Deus haver exposto mais
que claramente a cruz diante de nós,
damos-lhe as costas e parece que pensamos que Deus pode abençoarmos sem
ela. Mas não nos abençoa. “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a
remissão das ofensas.” O Seu propósito é “tornar a congregar em Cristo todas as
coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus
como as que estão na terra”. Tudo deve centralizar-se em Cristo; e se Ele não é
absolutamente central para nós, não temos nenhum direito ao nome cristão.
Como é vital que tenhamos clara compreensão destas coisas!
E então, numa frase memorável, o apóstolo nos dissera o que Deus fez por nós e
nos oferece em nosso Senhor e Salvador e por meio dEle. Eis o que ele diz: “O
qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em
Cristo”, Lembremo-nos destas coisas. Obtivemos perdão - “o perdão dos
pecados”(l:7, VA). Essa é a primeira coisa que todos nós necessitamos. Sem ela,
todos estaríamos desamparados, porém a recebemos - a remissão dos pecados e
o perdão. Não somente isso - a adoção, a filiação, a condição de herdeiros, uma
herança maravilhosa, “co-herdeiros com Cristo”; sim, e Deus selou tudo
isso para nós pelo Espírito Santo. Ele quer que estejamos certos e seguros disso
tudo, e quer que saibamos que estamos em união com Cristo - que estamos “em
Cristo”. São essas as bênçãos. “O qual nos abençoou com todas as bênçãos
espirituais nos lugares celestiais em Cristo.” Aqui estamos, nesta terra, mas
estamos também nos lugares celestiais -verdade que veremos o apóstolo
desenvolver neste capítulo dois. Ora, todas as bênçãos que estamos gozando são
espirituais. Por vezes, a porção do cristão neste mundo é difícil; ele está cercado
de problemas, provações e tribulações; contudo, é abençoado “com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais”. E se ele se der conta disso
e permanecer ali, e puser os seus afetos nas coisas de cima, não nas da terra, irá
regozijar-se com alegria indescritível e cheia de glória.
e revelação”. Ele ora para que os olhos de seu entendimento sejam iluminados,
para que venham a saber certas coisas. Eles tinham sido introduzidos nesta
esfera, ele lhes diz, porém, se realmente hão de usufruir a vida cristã, se hão de
vivê-la plenamente, se hão de funcionar como povo de Deus aqui na terra,
precisam ter este entendimento espiritual de certas coisas. Quais? A grandeza
desta salvação, e a sua glória: “Para que saibais qual seja a esperança da sua
vocação”. Mas então ele prossegue, dizendo que deseja que saibam também da
certeza disso: “e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos”.
Vocês vêem que o apóstolo não está meramente escrevendo um tratado
de teologia. Em toda a linha, o seu objetivo é muito prático, muito pastoral. Ele
quer ajudar estas pessoas, quer que elas se regozijem em tudo isso. Muito bem,
diz ele, esta é a maneira de fazê-lo. Não comece olhando para si mesmo, mas
olhe mais longe, para estas coisas grandiosas e gloriosas: a esperança da sua
vocação; as riquezas da glória da sua herança nos santos; e então esta outra
maravilha: - “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”.
Temos consciência da debilidade, temos consciência das dificuldades, vemos a
oposição que há contra nós, o mundo organizado em pecado, a malignidade
dos homens, o diabo, o inferno, tudo quanto está contra nós. Sei disso,
diz efetivamente Paulo; por isso, a única coisaque vocês devem saber é
esta “sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”. Se tão-
somente soubessem isso! Eles tinham que ter iluminados os olhos do seu
entendimento para fazer isso, pelo que ele ora no sentido de que se lhes
iluminem os olhos.
Ele não somente ora por eles dessa maneira, porém, de imediato passa a dar-lhes
alguma instrução a respeito. Ele lhes diz que o poder que opera neles é o mesmo
poder que ressuscitou a Cristo “dentre os mortos” e que O colocou à direita de
Deus nos céus, “acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e
de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro”.
É esse o poder que opera em nós! Não seriamos crentes, não fora esse poder
operando em nós: “a sobreexcelente grandeza de seu poder sobre nós, os
que cremos, segundo a ...”. Nós cremos “segundo a” operação do Seu grande
poder, quer dizer, em virtude da, como resultado da operação do Seu grande
poder.
somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos; trata-se de uma
unidade orgânica. Assim, o poder de Cristo está em nós; pertencemos a Ele,
estamos nEle, e Ele está em nós. o apóstolo está desejoso de que eles saibam que
nada pode frustrar o propósito de Deus, nada pode resistir a Deus. Estas coisas
são valores absolutos e certos. O que eu e você temos que compreender é que é
justamente esse poder que está operando em nós, e que, se afinal somos cristãos,
é porque esse poder já começou a operar em nós.
O apóstolo já lembrara a estes efésios que isso já tinha acontecido com eles. São
dois os seus temas, e agora ele os desenvolve juntos e ao mesmo tempo: esta
grande idéia ser tudo reunido em Cristo, e do poder de Deus que o efetua. Ele
fizera a mesma coisa no capítulo primeiro, da seguinte maneira: diz ele no
versículo 11: “em quem também obtivemos herança” (VA); depois, no versículo
13, “em quem também crestes” - em quem vós também tendes herança. Ele já
estabelecera lá o seu tema: este grande propósito de Deus já está sendo posto em
ação. Nunca houve nada que o deixasse mais surpreso do que o fato de ser
ele, dentre todos os homens, “o apóstolo dos gentios”. Aqui ele está escrevendo
uma Epístola aos efésios, que eram gentios - ele, que era hebreu de hebreus, da
tribo de Benjamim, fariseu, instruído aos pés de Gamaliel, um dos nacionalistas
mais apaixonados que o mundo conheceu - aqui está ele, este fervoroso judeu,
escrevendo realmente a pessoas que tinham sido gentios pagãos, e se dirigindo a
elas como iguais, regozijando-se com elas por estarem compartilhando a
mesma experiência. Como é que isso viera a acontecer? Há somente
uma resposta: é o poder de Deus. Ele já tinha exposto o seu tema desse
modo nos versículos 11 a 14 do capítulo primeiro. Agora, porém, no capítulo 2,
ele passa a desenvolvê-lo em detalhe. O propósito do capítulo primeiro fora
fazer uma grande declaração geral. Mas ele nunca para nisso. Ele agora diz, com
efeito: vamos adiante e vejamos concreta-mente na prática o que Deus fez. Vocês
se tornaram co-herdeiros, “em quem também vós estais, depois que ouvistes a
palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido,
fostes selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa
herança (a herança que temos juntos), para redenção da possessão adquirida”.
No entanto, isto é tão estonteante que temos que compreender como chegou a
acontecer. Assim, no capítulo dois o apóstolo nos diz em detalhe como foi que os
judeus e os gentios se tornaram um, como foi que Deus conseguiu reunir em
Cristo estes elementos completamente
Mas havia também outra questão, um obstáculo muito sério, a relação dos
gentios com a lei, com a lei de Deus. A lei de Deus só fora dada aos judeus;
nunca foi dada aos gentios. Foi algo que Deus deu somente aos judeus e a
ninguém mais. E, naturalmente, isso logo levantou uma enorme parede de
separação. Aqui estavam os judeus, sob a lei; ali estavam os gentios, os cães, os
fora da lei, estranhos à comunidade de Israel, sem esperança e sem Deus no
mundo. Ora, isso era um tremendo problema, e na segunda metade do capítulo,
do versículo 11 ao fim, o apóstolo passa a mostrar-nos como Deus tratou desta
segunda dificuldade que consistia em vencer o obstáculo da lei. Foi o que Deus
fez, afirma Paulo; Ele venceu esses dois obstáculos. Ele fez “dos dois um novo
homem”, sobrepujou todas as dificuldades; nada ficou sem ser tratado.
Entretanto, vocês notam que imediatamente ele nos faz lembrar da maneira
como foi feito isso, E aqui ele retorna aos seus grandes temas e aos seus grandes
princípios esboçados no capítulo primeiro. Vocês notam que ele começa dizendo:
“E (ele) vos vivificou” - Deus! É Deus o tempo todo, do começo ao fim; foi
Deus que venceu os obstáculos, foi Deus que nos reuniu. E de novo nos lembra
imediatamente - não se atrasa um segundo sequer - que é em Cristo que Deus fez
essas coisas; sim, e pelo sangue da Sua cruz - repete-se tudo. Como estes
apóstolos se repetem, e vão adiante dizendo a mesma coisa! Por quê? Porque é
questão crucial, porque sem isso não hásalvação, e porque somos
constantemente propensos a esquecer estas coisas. Persistimos em introduzir a
nossa justiça própria e os nossos méritos, e continuamos perguntando: bem, não
há nada que eu deva fazer? Desejamos tanto fazer algo e justificar-nos a nós
mesmos. Não, é o que Paulo diz, é tudo em Cristo, e tudo pelo sangue da Sua
cruz. O problema o requer
necessariamente; nenhuma outra coisa poderia fazê-lo. Ele nunca teria vindo à
terra, nunca teria morrido, se houvesse outra maneira. E tudo em Cristo. E vocês
ainda verão que ele continua salientando que é tudo pela graça. Note-se que está
entre parêntesis - “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntamente com Cristo” - e então, entre parêntesis “(pela graça sois salvos)”.
“Você não escapará disso”, diz efetivamente Paulo. “Não deixarei que você vá
embora com a sua constante afirmação do seu ser pessoal, dos seus méritos e dos
seus poderes. Livre-se disso tudo; vocêjamais se gloriaránisto.enquantonão vir
que é tudo pela graça: “pela graça sois salvos”. E ele prossegue, desenvolvendo
e repetindo o tema.
Mas o que ele quer acentuar acima de tudo, no contexto imediato, é que nada
menos que o grande poder de Deus poderia fazê-lo. E nisso que este capítulo se
liga imediatamente ao fim do capítulo anterior, onde ele estivera falando acerca
deste grande poder de Deus, que se manifestou em Cristo, ressuscitando-0 dentre
os mortos e colocando-0 à Sua direita naquela posição de suprema exaltação.
Então, “e vos vivificou” -Ele fez isso com vocês em Cristo, porque vocês
pertencem a Ele, vocês estão nEle, vocês são membros do Seu corpo, e nada,
senão o poder de Deus, poderia fazê-lo.
Pois bem, o apóstolo começa com isso - esse é o tema dos versículos 1 a 3 deste
capítulo dois: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em
que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre
os quais todos nós também antes andávamos nos desejos de nossacarne, fazendo
a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira,
como os outros também”. O homem em pecado é isso, isso é o que todos
nós ainda seriamos, se Deus nos tivesse deixado entregues a nós mesmos. É o
que são todos os não cristãos. E o argumento do apóstolo é este: se você quer
conhecer a grandeza do poder de Deus, você tçm que compreender a
profundidade do pecado, tem que compreender o problema com o qual Deus Se
defrontou, tem que compreender o problema com o qual você se defronta. O
apóstolo quer mostrar-nos este poder. Diz ele que primeiro temos que descer, e
que só nos aperceberemos da altura a que fomos elevados se nos apercebermos
da profundidade em que tínhamos afundado. Esse é o primeiro ponto.
O segundo, naturalmente, segue-se daí. Ele vai adiante para mostrar-nos o que
Deus fez por nós. Esse é o tema dos versículos 4 a 7: “Mas Deus, que é
riquíssimo em misericórdia... estando nós ainda mortos em nossas ofensas” -
estávamos no fundo daquela sepultura, como Cristo esteve na sepultura - Deus,
quando ainda estávamos lá, graças à Sua riquíssima misericórdia, pelo Seu muito
amor com que nos amou, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos
vivificou juntamente com Cristo... e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus”. E é somente
quando entendermos e captarmos algo sobre isso, que compreenderemos
a grandeza do poder de Deus. Muitos há que pensam na salvação e
no cristianismo em termos de um pouco de moralidade e decência. Que insulto
ao cristão! - como se o cristão fosse apenas um indivíduo bondoso, agradável e
inofensivo. Nada disso! O cristão é alguém que passou por uma tremenda
transformação. Houve nele esta ação dinâmi-
ca. Ele foi levantado, ressuscitado; ele está nos lugares celestiais. Este é o poder
de Deus! E se você pensar no seu cristianismo nestes termos, verá que nada,
senão o poder de Deus, poderia fazê-lo. O apóstolo coloca o ponto diante de nós
em detalhe, e temos que considerá-lo.
Depois ele passa ao terceiro ponto, que nunca lhe é possível deixar fora. Nesta
altura você diz a si mesmo: “Isto tudo seria verdade? Eu estava realmente assim,
morto em ofensas e pecados, andando de acordo com o curso deste mundo,
dominado pelo príncipe das potestades do ar, vivendo para as paixões da carne e
da mente, filho da ira e desobediente? Eu estive nesta situação? Seria verdade
que agora estou em Cristo, nos lugares celestiais? Seria verdade que Deus fez
tudo isso e me transferiu daquela situação para esta? Por que Ele o fez?"
Há somente um resposta: é tudo segundo as riquezas da Sua graça, para que nos
séculos vindouros Ele pudesse mostrar as abundantes riquezas da Sua “graça
pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus, porque pela graça sois
salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das
obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura sua...”. Agora vocês
vêem a argumentação do apóstolo. Vocês vêem como este capítulo é seqüência
do capítulo primeiro.
consigo mesmo? Para você é algo espantoso você estar fazendo este tipo de
leitura? Está você interessado nestas coisas - isto lhe causa admiração? Se você
compreendesse a verdade, causaria. A incompreensão destas coisas é que explica
a nossa perda e a nossa falta de sentimento de maravilha e adoração.
É isso que explica a nossa falta de amor a Deus. Você está preocupado com a
frieza do seu coração? Estou certo de que está, como todos nós devemos estar.
Acaso não é de causar espanto, que nos aproximemos da Ceia do Senhor,
comamos o pão e bebamos o vinho, e fiquemos tão impassíveis que os nossos
corações não transbordem de amor a Deus? Por que não transbordam de amor?
Porque não nos damos conta do amor de Deus. Se você quer amar a Deus, não
tente pôr em ação alguma coisa dentro de você; trate de aperceber-se do Seu
amor, e ore no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam iluminados,
para que você possa dar-se conta do poço do qual foi tirado, das profundezas nas
quais você tinha afundado, daquela situação terrível, precária e perigosa em que
se achava, e do que Deus fez por você, por Sua graça, em Cristo. Essa é a
maneira de compreender isso. “Nós o amamos a ele porque ele nos amou
primeiro”, declara João, e o argumento é o mesmo (1 João 4:19). O
entendimento destas coisas é essencial para que se tenha sentimento de
maravilha, de amor e de louvor.
Passemos, porém, a algo ainda mais prático. A razão pela qual não nos damos
conta destas coisas é que não sentimos como devíamos o peso do fardo das
outras pessoas. Os cristãos não passam de um punhado no mundo atual. As
grandes multidões estão fora de Cristo, estão fora da Igreja, vivendo na
impiedade e sem religião, e num terrível estado de pecado. Estamos preocupados
com elas? As suas condições pesam em nós? Temos senso de missão quanto aos
nossos concidadãos em nosso país? As condições em que se acham as multidões
de outros países, envoltas em trevas morais, são um peso sobre nós?
Estamos interessados nos empreendimentos missionários? Pensamos
nestas coisas? Sentimos o peso delas? Oramos a Deus a respeito?
Estamos perguntando: “Que posso fazer? Como posso ajudar? Que
contribuição posso fazer?” Se não, só há uma explicação - nunca chegamos
a compreender a verdade acerca dos que se acham num estado de
pecado. Apenas nos irritamos por causa deles, ficamos incomodados com
eles. Mas isso não basta; temos que preocupar-nos com as almas, temos
que preocupar-nos com o pecado. Temos que ver os pecadores como eles são,
filhos da ira, prisioneiros do inferno, vê-los nesta degradação, nesta corrupção
que o apóstolo descreve. Se tão-somente enxergássemos isso,
os nossos corações correriam para eles; nós os veríamos como nosso Senhor os
vê - e o Seu grande coração transbordava de compaixão por eles. A pobreza do
nosso zelo missionário e evangelístico deve-se inteiramente a isto: não temos
enxergado de verdade a situação dos de fora - o que eles são, o que poderiam ser,
e o que Cristo fez.
Vocês vêem, então, porque é que o apóstolo se preocupa tanto com estas coisas,
porque é que ele ora por estes efésios, para que sejam iluminados os olhos do seu
entendimento. Vocês vêem que a doutrina que ele nos apresenta afeta a
totalidade da nossa vida cristã. Afeta-me individualmente, afeta a minha vida de
oração, o meu louvor, os meus atos de culto, o meu amor, a minha relação com
Deus, a minha relação com outras pessoas - tudo é dominado e dirigido por esta
doutrina. O apóstolo expôs tudo isso em princípio no capítulo primeiro.
Sim, todavia, ele afirma que você não deve vê-lo apenas em princípio; você deve
entendê-lo e captá-lo em detalhe. Por isso ele nos leva aos detalhes, e começa a
fazê-lo neste capítulo dois. E eu e você devemos fazer o mesmo. Devemos
contemplar os homens em pecado até ficarmos horrorizados, até ficarmos
alarmados, até que nos aflijamos por eles, até
que oremos por eles, até que, tendo compreendido a maravilha da nossa
libertação daquele estado terrível, nos percamos num arrebatado sentimento de
maravilha, de amor e de louvor.
O HOMEM EM PECADO
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também. ” - Efésios 2:1-3
Com estas palavras o apóstolo está interessado em mostrar aos cristãos efésios, e
a todos outros cristãos a quem ele estava escrevendo, e portanto a nós, a
grandeza e a glória da salvação cristã. Estes efésios já tinham crido no
evangelho. Paulo já tinha dado graças a Deus pela fé que eles tinham no Senhor
Jesus e pelo seu amor para com todos os santos. Eles tinham sido selados com o
Espírito Santo e tinham em si o penhor da herança. E, contudo, o apóstolo ora
para que os olhos do entendimento deles sejam iluminados. Eles estão apenas no
começo, são simples crianças. Ele quer que eles captem algo da amplitude,
da grandeza e da majestade desta maravilhosa salvação. E, sujeitos como ainda
estão à tentação, e vivendo num mundo contraditório e cercados de paganismo e
de oposição em diversas formas, o apóstolo está particularmente desejoso de que
eles tenham claro entendimento da grandeza do poder de Deus para com os que
crêem. E seguramente essa é uma coisa que necessitamos saber e da qual
devemos estar certos na vida cristã. Nada é mais vital do que termos claro
conhecimento acerca do poder de Deus que se manifesta nesta salvação cristã.
O apóstolo escreve com o fim de ajudá-los nesse aspecto. Ele não somente ora
por eles, mas também os instrui. E as duas coisas devem andar sempre juntas.
Ele ora para que os olhos do seu entendimento sejam iluminados pelo Espírito
Santo. Isso é absolutamente vital. Sem o entendimento que só o Espírito Santo
pode nos dar, palavras como as que vamos considerar, obviamente serão
completamente sem sentido para nós. Além disso, provavelmente as odiaremos e
as acharemos pessimistas e mórbidas. Diz o homem, por natureza, que o que ele
quer é algo que o alegre, não uma terrível análise da natureza humana como esta,
que é tão deprimente. Noutras palavras, sem que tenhamos mente
espiritual, não podemos ter esperança de entendê-las. Por isso o apóstolo coloca
isso em primeiro lugar. Primeiro vem a sua oração. Depois, havendo orado, ele
coloca diante dos efésios o conhecimento e a instrução.
e vaga em suas idéias de redenção. A idéia comum é que o nosso Senhor é uma
espécie de amigo a quem podemos recorrer quando estamos em dificuldades,
como se isso fosse tudo. Ele é isso - graças a Deus porque é! Mas isso não é a
redenção em sua inteireza, nem em sua essência. Vocês não poderão começar a
medir a redenção, enquanto não compreenderem algo do que a Bíblia nos ensina
acerca do homem em pecado e de todo o efeito do pecado sobre o homem. Ou
deixem-me expressá-lo de outro modo. Vocês não terão a mínima possibilidade
de entender a doutrina da encarnação, se não entenderem esta doutrina do
pecado. Diz-nos a Bíblia que o homem estava em tais condições que
era necessária a vinda da Segunda Pessoa da Trindade santa e bendita dos céus à
terra. Ele teve que descer, assumir a natureza humana e nascer como um bebê.
Isso era absolutamente essencial antes de se poder redimir o homem. Por quê?
Por causa do pecado, da natureza do pecado. Portanto, vocês vêem, vocês não
poderão entender a encarnação, se não tiverem claro entendimento sobre o
pecado. De igual modo, vejam a cruz no Calvário. Que é ela? Que significa?
Que nos diz? Que está acontecendo ali? Torno a dizer que vocês não terão a
mínima possibilidade de entender a morte de nosso Senhor e o que Ele fez na
cruz, se não entenderem claramente esta doutrina do pecado. O caráter
completamente vago das idéias de muitos sobre a morte de nosso Senhor deve-se
inteiramente a isto. Não gostam da doutrina da substituição; não gostam da
doutrina do sofrimento penal. Isso porque nunca entendem o problema. Porque
não começam com o homem em pecado. Estas são as grandes doutrinas
cardinais da fé cristã, e não podem ser entendidas, a não ser à luz da terrível
condição do homem em pecado.
Deixem-me, porém, ser ainda mais prático. Talvez alguém diga: ah, bem, você
fala acerca das suas doutrinas. Não estou interessado em doutrinas, não sou um
dos seus teólogos, sou um frio homem do mundo, homem de negócio, e quero
saber algo sobre a vida e como viver. Muito bem, enfrentemos esse caso. Estou
asseverando que vocês não poderão entender a vida como esta é neste mundo
neste momento, se não entenderem esta doutrina do pecado. Vou além, a minha
opinião é que, sem isto, vocês não poderão entender a totalidade da história
humana, com todas as suas guerras, seus conflitos, suas conquistas, suas
calamidades, e tudo o que ela registra. Afirmo que não há explicação
adequada, salvo na doutrina bíblica do pecado. Só se pode entender
verdadeiramente a história do mundo à luz desta grande doutrina do homem,
do homem decaído e em pecado. Leiam os seus livros sobre a filosofia
da história, e verão que eles andam às tontas. Não sabem interpretar os
fatos, não conseguem dar uma explicação adequada; todas as suas idéias são
completamente falsificadas pela história. Isto porque eles nunca se apercebem de
que o ponto de partida é a condição pecaminosa do homem decaído.
São essas, pois, algumas das razões pelas quais devemos considerar esta matéria.
Há, em última análise, somente duas explicações propostas quanto a por que o
homem é como é e por que o mundo é como é hoje, e por que ele sempre foi o
que foi. Há o ensino bíblico; e há todos os outros ensinos não bíblicos.
Contrariamente ao ensino bíblico, há o ensino popular atual, segundo o qual o
homem é o que é, e as coisas são o que são porque o homem não teve tempo
suficiente ainda para avançar até a perfeição. Outrora ele era um animal, é o que
nos dizem, e isso há não muito tempo. Milhões de anos não são nada, e há
apenas alguns milhões de anos o homem era um animal. Habitava nas florestas,
trepava nas árvores, e assim por diante. Não se pode esperar que de repente
se torne perfeito, dizem eles. Ele está se desfazendo desses vestígios e relíquias
animalescos, porém, ainda não o fez completamente. Ele o está fazendo
progressivamente, é certo, mas é preciso dar-lhe tempo. Noutras palavras, o
problema da humanidade é simplesmente problema de tempo. Tais pensadores
não têm muito conforto para dar aos que estamos vivos agora, porque eles dizem
que em muitos bilhões de anos por vir, provavelmente o homem conseguirá
chegar à perfeição. E tudo uma questão de tempo, uma questão de
conhecimento, uma questão de crescimento e instrução, e assim por diante.
Agora, ou vocês crêem nisso, ou nalguma variante disso, ou então crêem no que
a Bíblia diz acerca do homem. Aqui nos é dito exatamente em que consiste
o conceito bíblico.
ele enquanto não o fizer. Isso se chama arrependimento. Ela é realista. E se não
houvesse outra razão para crer na Bíblia, e para crer que a Bíblia é a Palavra de
Deus, esta seria suficiente para mim; ela me diz o que eu sei que é a completa
verdade acerca de mim mesmo. E não sei doutra coisa que o faça. Os seus
romances não o fazem - eles dizem o que me agrada e não me levam apensar
com muito rigor sobre mim mesmo. Eles tentam levantar o meu moral, tratam-
me psicologicamente; no entanto, o que eles dizem não é verdade. Unicamente o
conceito bíblico é realista.
Não somente isso, é também radical, desce às profundezas. Não enfrenta apenas
certos aspectos do problema do homem em geral e do indivíduo; enfrenta todos
eles. Embora penoso, o processo toma o seu bisturi, por assim dizer, e se põe a
dissecar até o câncer ficar exposto. É radical. E é por isso que, às vezes, é
extremamente difícil não nos impacientarmos com o que o mundo está sempre
tão pronto a acreditar. O mundo, com as suas idéias e filosofias, está apenas
medicando sintomas, administrando os seus barbitúricos num sentido espiritual,
e os seus anódinos, as suas aspirinas, etc.; e porque a nossa dor é aliviada por
algum tempo, achamos que estamos bem, mas o estado de saúde nunca foi
diagnosticado, nunca foi posto às claras; não é enfrentado. O mundo não gosta
de nada que seja desagradável; tem medo disso, e assim não o enfrenta. Nunca é
radical. Todavia, como veremos, a Bíblia é muito radical.
Depois, a última coisa que eu gostaria de dizer em geral a respeito disso é que
este conceito bíblico é, ao mesmo tempo, mais pessimista e otimista que todos os
outros conceitos. O homem sempre foi atrás de alguma utopia, sempre tem feito
isso, através dos séculos. Mas nunca chega lá. Portanto, tudo isso é final e
completamente pessimista. Só existe um conceito verdadeiramente otimista da
vida, e é aquele que nos diz que, apesar de estar o homem nas profundezas do
pecado, o poder de Deus pode vir, pode segurá-lo e pode elevá-lo às alturas, e
que isto foi feito em Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Tivemos um visão geral desta situação. Mas partamos agora para os detalhes,
para o ensino específico. Nestes três versículos o apóstolo faz um sumário de
modo o mais admirável, e talvez o mais perfeito da Bíblia toda - um sumário da
doutrina bíblica, do conceito escriturístico sobre o homem em pecado. Ele diz
quatro coisas a respeito disso. Em primeiro lugar, ele descreve o estado do
homem em pecado. Em segundo lugar, ele nos dá uma explicação deste estado e
nos explica por que o homem se acha neste estado. Em terceiro lugar, ele nos diz
a que
esse estado e condição leva na prática. E em quarto lugar, ele nos diz como Deus
vê o homem nesse estado. Seria essa a minha análise destes três versículos. Em
resumo: as condições; por que o homem está nestas condições; quais os
resultados práticos por estar ele nessas condições; e o que Deus pensa disso.
Tudo isso está neste três versículos.
Que significa isso? Suponho que a melhor maneira de definir a morte é dizer que
é exatamente o oposto e a antítese da vida. Então, que é a vida? Bem, na Bíblia a
vida é sempre descrita e definida em termos da nossa relação com Deus. Vejam
as palavras do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo em João 17:3: “E a vida
eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus
Cristo, a quem enviaste”. Isso é vida! Que é a morte? O oposto disso. Deus é o
Autor da vida - “Aquele que tem , ele só, a vida e a imortalidade”. Ele é a
fonte da vida, o mantenedor da vida. Deus é Vida e dá vida, e fora de Deus não
há vida. Portanto, podemos definir a vida como segue: a vida é conhecer a Deus,
estar em relação com Deus, ter prazer em Deus, corresponder-se com Deus, ser
semelhante a Deus, compartir a vida de Deus e ser abençoado por Deus.
Segundo a Bíblia, a vida é isso. Portanto, ao definirmos a morte, devemos defini-
la como o oposto daquilo tudo. E quando o fizermos, veremos de um relance que
o que Paulo diz sobre o não cristão não é nada menos que a pura verdade. Ele
está morto, é o que Paulo diz: Estando vós mortos” (“Vós estáveis mortos”, VA);
e os não cristãos ainda estão mortos. Que é que ele quer dizer? Ele quer dizer
que eles são ignorantes de Deus; não conhecem a Deus. Mais adiante, neste
capítulo, o apóstolo expressa isso claramente. Aqui ele diz que aquelas pessoas,
antes da sua conversão, estavam exatamente nessa condição. No versículo 12 diz
ele que “naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel,
e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus...”.
“Vós estáveis sem Deus”; não O conheciam. Estavam separados da vida de
Deus, sem comunhão com Deus. Ah, vocês podem ter falado sobre Deus, mas
Deus era uma espécie de termo filosófico para vocês, era algum Ser
imaginário nalgum lugar qualquer, apenas Alguém sobre quem conversar.
Vocês não O conheciam, não se correspondiam com Ele; vocês estavam fora da
Sua vida.
Você conhece a Deus? Não pergunto: você fala sobre Deus? Pergunto, sim: Deus
é real para você? Você O conhece? “A vida eterna é esta: que te conheçam...”.
Você pode dizer, “Meu Deus”?
nestas coisas, e não se interessapor elas. O seu interesse está nos homens e em
sua aparência, e no que eles têm falado e dito; o mundo e os seus interesses
exercem tremenda atração sobre ele. A situação é perfeita-mente simples: estas
outras coisas são espirituais, são de Deus, e aquele tipo de homem não vê nada
nelas. Por quê? Porque ele está “morto”, e não tem nenhuma vida espiritual. A
lei das afinidades é certa. Os semelhantes se atraem, “pássaros de penas iguais
voam juntos” - gente do mesmo tipo andajunto. Nasce acriança, e ela quer leite;
a suanatureza o requer, mas um objeto inanimado não. Essa é a segunda verdade
acerca do homem em pecado.
No entanto, ele não somente não gosta destas coisas, vamos adiante e
expressemos o ponto como as Escrituras o expressam; ele até as
odeia. Literalmente as odeia, não somente porque lhe são enfadonhas,
porém, também porque, de algum modo, ele sente que o fato de não gostar
delas o condena. E ele não gosta de sentir isso. Naturalmente ele se dispõe a ter
alguma espécie de religião, mas contanto que a possa controlar, controlar o que
se diz, e coisas como essas. Ah, sim, tem que haver um limite de tempo nas
coisas de Deus; não, contudo, nas coisas do mundo. Esse é o ódio que ele tem de
Deus. “A inclinação da carne”, afirma Paulo, “é inimizade contra Deus, pois não
é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Romanos 8:7).
O que as segue, é claro, é que esse tipo de vida não é abençoado por Deus e,
portanto, é infeliz. A vida do homem em pecado é infeliz. Se você contestar isso,
só há uma coisa para dizer-lhe, e é que você não é cristão. Se você não concorda
que a vida ímpia, que a vida do mundo, é infeliz, e que a única vida feliz é a vida
cristã, você está simplesmente proclamando que não é cristão. Desejar este tipo
de vida, esse tipo de existência, é simplesmente proclamar que você não tem
natureza
espiritual. A verdade acerca dessa vida é que ela é miserável, infeliz. Olhem por
baixo da superfície, e a verão clamar a vocês. O modo de ser do mundo, com
todas as suas mudanças, suas constantes mudanças, é uma proclamação de que
aqueles que o seguem são profundamente infelizes. É por isso que eles vivem
mudando. Cansam-se de tudo, estão sempre em busca de algo novo. Estão
sempre em busca de emoções, e correm atrás delas. Por quê? Porque lhes é
intolerável passar algumas horas a sós consigo mesmos. Acham a sua própria
companhia tão miserável que passam a vida fugindo de si mesmos. Essa é a
extensão da miséria de uma vida de pecado: não hárecursos nem reservas,
porque eles estão fora da vida de Deus. Esse é o homem em pecado. Ele
está morto.
Apresso-me a uma segunda questão. A segunda verdade que Paulo nos diz sobre
essas pessoas é que elas são governadas por este mundo: “Em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo”. Que declaração! “O curso deste
mundo”! A palavra que de fato eleusoufoi era, “a era deste mundo”. Que é que
ele quer dizer com isso? Penso que ele quer dizer que essa espécie de vida é vida
sob o controle, a perspectiva e a mentalidade do presente mundo - o “presente
século mau”, como lhe chamam as Escrituras (Gálatas 1:4). Ora, a
dificuldade quanto ao homem em pecado é que ele é levado, é controlado,
é absolutamente governado por esse tipo de vida e por esse tipo de perspectiva.
Isso é uma coisa que a Bíblia ensina do começo ao fim. De acordo com a Bíblia,
o mundo está sempre contra Deus.
com a expressão “o mundo” não se trata do universo físico, das montanhas, dos
rios, etc. O mundo é uma mentalidade, uma perspectiva, um conceito de vida
sem Deus. Deus é excluído; é o próprio homem concebendo e organizando a
vida, e controlando a vida. Essa mentalidade é que é descrita como “o mundo”.
Paulo o expressou uma vez por todas neste mesmo capítulo que estamos
considerando. Vejam de novo o versículo 12: “Portanto”, diz ele, “lembrai-vos
de... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel,
e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no
mundo”. Estar sem Deus é “estar no mundo”. E estar no mundo é ser governado
pela perspectiva e pela mentalidade do mundo. O apóstolo diz a mesma coisa em
Romanos 12: 2: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos
pela renovação do vosso entendimento...”, Como cristão, diz o apóstolo, não se
amolde a este mundo, com a sua mentalidade e a sua perspectiva; você está
noutra esfera. “Transforme-se”, “renove a sua mente” para condizer com
aquele novo mundo. Ou vejam o que o apóstolo João diz, muito
explicitamente: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há... a
concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João
2:15-17). O mundo é isso. Não amem o mundo, diz com efeito João, vocês não
lhe pertencem, ele é completamente oposto a Deus. Não amem o mundo!
Não somente isso, mas o apóstolo vai adiante para dizer-nos que, por sua vez,
isso é controlado por um princípio mau que há na vida. Ouçamo-lo colocá-lo
desta forma: “Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo,
segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos
da desobediência”. A palavra “espírito” aqui significa princípio; há um princípio
mau que, diz ele, está operando neste mundo. E essa palavra “operar” é forte. Há
nela, uma energia, uma força, um poder. Não há nada mais patético do
que pensar numa vida de pecado como uma vida passiva ou negativa. O fato é
que existe este poderoso princípio do mal em ação neste mundo, e é somente o
homem que crê na Bíblia e teve a sua mente e seu entendimento iluminados pelo
Espírito Santo que pode ver isso. Vocês imaginam que tudo o que vêem na vida
hoje simplesmente sucede de qualquer maneira, de alguma forma? Vocês não
conseguem ver quão organizado é, quão uniforme, quão astuto, quão parecido
em todas as suas partes? Há um princípio do mal em operação. Numa era
obscura como esta, damos graças a Deus por toda e qualquer indicação de
melhoramento. Refiro-me ao fato de que houve certos filósofos que foram
suficientemente sinceros para dizer-nos que a última guerra mundial os
convenceu disso. Pensem num homem como o finado Dr. Joad. Ele eraum ateu,
um incrédulo, antes da guerra. Depois passou a crer na realidade de Deus, e nos
diz por quê. Disse ele que a segunda guerra mundial o convenceu de que, em
todo caso, a Bíblia estava certa nisto, que há um princípio do mal em ação. Disse
ele que não podia explicar a guerra de nenhum outro modo; ele pôde ver que não
se tratava de acidente ou de algo negativo, porém, que havia um poder
demoníaco em ação, o “espírito que agora opera nos filhos da desobediência”.
Cabe-nos como povo cristão,
reconhecer que essa pobre gente que está sem Deus no mundo está sendo
dominada e controlada por esse princípio mau.
Mas ainda precisamos dar mais um passo para trás. Diz o apóstolo que esse
princípio mau é governado pelo diabo e por todos os seus poderes: “Em que
noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar”. Que declaração! Entretanto, certamente, dirá alguma pessoa
sofisticada, você não está querendo dizer que ainda acredita no diabo! A resposta
é simples: acredito no diabo porque tenho que acreditar. Tenho que acreditar,
não apenas porque ele está aí - isso basta para mim - mas eu acredito porque não
posso explicar a vida sem ele. E é porque o diabo é ignorado que o mundo é
como é. O diabo é tão astuto que ele domina o homem e, ao mesmo tempo, o
persuade de que ele não está sendo dominado. O homem até pensa que está se
emancipando ao dar as costas à Bíblia. O diabo é também chamado “o deus
deste mundo”. O Senhor Jesus Cristo chamou-o “o príncipe deste mundo”.
Referência é feita a ele como “Belzebu, príncipe dos demônios”. E é ele que está
dominando tudo. Ele odeia Deus. Ele era um anjo que fora criado perfeito por
Deus, um anjo refulgente. Levantou-se contra Deus porque queria ser Deus;
e odeia a Deus, e o seu único objetivo é estragar a criação de Deus e arruinar o
mundo de Deus. Por isso veio ao mundo e enganou Eva e Adão, e daí em diante
é o que vem fazendo. Ele domina a vida do homem. Todos nós estamos, por
natureza, sob o domínio de satanás. Ele tem as suas forças, os seus poderes; ele é
“o príncipe”. Do quê? “Das potestades do ar.” Vocês notam como Paulo se
expressou sobre isso no capítulo seis desta Epístola, versículo doze: “Não temos
que lutar contra a carne e o sangue”. Se vocês pensam que o problema com
que se defrontam os estadistas hoje é apenas lidar com outros
homens semelhantes a eles, vocês são tragicamente ignorantes
politicamente, para não dizer espiritualmente. Se vocês pensam que é apenas
questão de personalidades, um homem ou outro, como Hitler ou Stalin,
vocês ainda não começaram a entender o ponto. “Não temos que lutar contra a
carne e o sangue, mas sim, contra os principados, contra as potestades, contra os
príncipes das trevas deste século” - isto é, as potestades do ar, trevas - “contra as
hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.”
Diz-nos a Bíblia que existem estes poderes invisíveis, e o diabo é “o príncipe das
potestades do ar”. Pode-se interpretar a palavra “ar” destas duas maneiras: pode-
se dizer príncipe das potestades das trevas, ou príncipe das potestades invisíveis.
Não são poderes terrestres,
pertecem a outra esfera, são etéreos, por assim dizer, são espirituais. Não têm
corpos, mas têm existência real. E a tragédia do homem é que, porque não pode
ver os espíritos do mal, não acredita neles. Como não pode ver o Espírito Santo,
não crê no Espírito S an to. Como não pode ver a Deus, não crê em Deus. Não se
dá conta de que está numa esfera espiritual. Isso é porque ele está morto. É por
isso que ele está sem entendimento espiritual. “O príncipe das potestades!” Ah, o
poder do mal. O não cristão é absolutamente dominado e controlado por
esses poderes, e está morto às mãos deles.
Nós também, que somos cristãos, ainda somos confrontados por eles. É isso que
o apóstolo diz no capítulo seis desta Epístola. Como cristãos, temos que lutar
contra este poder. “Cristão, não procure repouso ainda; fora com os sonhos de
comodidade!” E me parece que muitos cristãos estão sonhando com
comodidade, e estão pensando e sonhando com um tipo de salvação em que não
há conflito e luta. Neste mundo, nunca! Há estes poderes do mal, as potestades
do ar, com toda a sua sutileza e malignidade, com toda a sua esperteza e as
transformações do seu chefe “em anjo de luz” para poder derrubar-nos. E isso
que nos está confrontando. O admirável é algum de nós
simplesmente permanecer nesta vida cristã. Somos confrontados por aquele que
não hesitou em chegar ao Filho de Deus e tentá-10 e dizer-Lhe com
absoluta confiança: “Se tu és o Filho de Deus”. Foi ele que
repetidamente derrotou os patriarcas e os santos do Velho Testamento. Cada um
deles caiu uma e outra vez diante dele. E ele se opõe a nós com todo o seu poder,
força e energia, com todos os batalhões que ele comanda, com o princípio mau
que ele introduziu em toda perspectiva e mentalidade do mundo. Está organizado
em forma visível, porém ele próprio é invisível; e está em toda parte.
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também.” - Efésios 2:1-3
Como é vital que compreendamos isto! Vital não somente do ponto de vista do
entendimento do evangelho, mas certamente, num sentido muito prático,
absolutamente essencial para o entendimento dos tempos nos quais vivemos,
internacionalmente e também num sentido nacional. Nada é tão fátuo como a
idéia de que a doutrina cristã é afastada da vida. Não existe nada mais prático, e
o mundo está hoje em suas atuais condições de desordem porque os homens não
querem reconhecer a veracidade daquilo que a Bíblia ensina sobre o homem.
Observem a situação industrial, e mesmo a financeira. Qual é o problema? Bem,
o que nos dizem é que a produção não é tão alta como deveria ser. Porque não é?
Essa é a questão. Por que não estamos produzindo mais? Ê a resposta é,
obviamente, que não estamos produzindo mais porque o homem se encontra
num estado de pecado. Vocês notam que digo “o homem”, não “os homens”.
Digo “o homem” para incluir todos os homens. Não estamos produzindo quanto
deveríamos produzir porque os empregadores e os empregados estão ampliando
cada vez mais a sua
recordam como um dia o nosso Senhor voltou-Se para os judeus e lhes disse:
“Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (João
8:44). Também se lembram de como, no Velho Testamento, muitas vezes vêem
que certos ímpios são tratados como “filhos de Belial”, ou por outra expressão
semelhante. Devemos, pois, considerar a expressão como dizendo que a
desobediência é a origem deste caráter distintivo. Somos filhos da desobediência
no sentido de que é a desobediência que nos leva a sermos exatamente o que
somos. Pois bem, é isso que o apóstolo está ressaltando aqui.
É sempre esse o ponto essencial da explicação bíblica sobre por que o homem é
assim. O problema primário, essencial, é a desobediência. Foi isso que levou a
todos os nossos problemas e desgraças. Noutras palavras, trata-se da nossa
relação com Deus. E vocês notam que a ênfase é que o pecado não é meramente
negativo, não é meramente ausência de qualidades, não é meramente ausência de
alguma coisa; é positivo, é ativo, á deliberado. É des-obediência, é fuga da
obediência, é questionar o direito que Deus tem de exercer o comando sobre nós,
noutras palavras, é rebelião. E é isso que Bíblia nos diz sobre o homem,
do começo ao fim. O homem não é simplesmente uma pobre criatura que nunca
teve chance e para com quem, portanto, vocês devem ser muito compassivos e
muito tolerantes. Essa é a idéia moderna, vocês sabem. A doutrina bíblica do
pecado saiu realmente do pensamento dos homens háuns sessenta ou setenta
anos, e apsicologiaentrou em seu lugar. Épor isso que a disciplina e a punição
desapareceram. A idéia agora é que, na verdade, todos nós somos,
essencialmente, muito bons, e o problema é que nunca nos foi dada uma chance.
O que necessitamos, dizem, é encorajamento. Não acreditamos na lei e nas
sanções morais. Isso é considerado duro e cruel. O resultado disso tudo é a
bancarrota da disciplina em todos os departamentos da vida-no lar, naescola, nas
ruas, na indústria, no comércio, em toda parte. Vocês vêem como esta doutrina é
vital! A Bíblia ensina que os nossos problemas decorrem todos da desobediência
inicial; que o homem é um rebelde contra Deus e deliberadamente se rebela
contra Deus. E, naturalmente, isso tudo provém do seu amor próprio. É a auto-
afirmação do homem, o posicionamento do homem contra Deus, o seu desejo de
ser deus.
Ele não gosta da idéia de que há alguém acima dele, mesmo Deus. Ele gosta de
pensar que o homem é supremo, está acima de todas as coisas, e pode olhar de
cima para todas as coisas. Esse é o coração e o cerne da objeção do homem a
Deus e da sua oposição a Deus, O homem se ofende por natureza com a idéia de
que existe algo ou alguém que ele não pode abarcar com a sua mente; e quando
se lhe diz que ele é tão-somente uma criatura e que a sua atitude para com o
Criador, o Senhor Deus Todo--poderoso, deveria ser a de humilhar-se e cair
sobre o seu rosto diante de Deus, ele se opõe a isso. Acha que é um insulto, e
afirma que não é uma criatura, e que além dele não existe nada. Daí vocês têm o
ateísmo do homem moderno, a sua objeção a Deus e a sua negação de Deus.
Isso tudo surge do fato de que ele se opõe a esta idéia de que ele é uma
criatura, de que ele é alguém que Deus fez, criou e modelou para Si.
Por isso não há nada que ofenda tanto o homem natural como o evangelho que
lhe diz que ele é salvo unicamente pela graça de Deus, que ele, como um
mendigo, tem que aceitar como uma dádiva gratuita. Diz ele: não afundei tanto
assim, não sou perfeito, talvez, mas não sou um mendigo, há algo que eu possa
fazer e que sou capaz de fazer. É a doutrina da graça que o homem odeia mais
que tudo. Essa é “a ofensa” ou “o escândalo da cruz”; e isso continua existindo
porque o homem acredita em sua auto-suficiência, em sua capacidade, em seu
poder inerente. Essa é uma expressão da sua desobediência. Ele não quer aceitar
a graça, não quer acreditar nela, rebela-se contra ela e luta contra ela.
Certamente todos hão de reconhecer que isso nada mais é que uma descrição do
homem como ele é fora da fé cristã. Ele é completamente desobediente, e se
orgulha disso com arrogância. Ele promove a sua personalidade e a sua auto-
suficiência. E essencial forçar a questão a esse ponto. A desobediência, como eu
disse, é ativa, ativa até igualar-se à inimizade. Se não compreendermos isso, é
sinal que ainda não entendemos esta doutrina. Portanto, deixem-me interpretar o
que o apóstolo diz aqui com o que ele diz na Epístola aos Romanos, capítulo
oito, versículo sete: “A inclinação da carne”, diz ele, “é inimizade contra Deus,
pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser”. Que declaração!
E que importante adendo! O homem desobedece porque está em inimizade
contra Deus; odeia a Deus. Ah, mas, vocês dirão, conheço muitos que não são
cristãos, porém que dizem que crêem em Deus. Não, não crêem! Crêem numa
ficção, num produto da sua imaginação; eles não crêem em Deus. Se cressem em
Deus, creriam em Seu Cristo, como o nosso Senhor mesmo argumenta em João
8:30-45. Mas não crêem. Crêem simplesmente no que eles pensam e
imaginam que Deus é, no deus que eles próprios fabricaram. Isso não é Deus!
“A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus,
nem, em verdade, o pode ser.”
incapaz. O homem natural não é sujeito “à lei de Deus, nem, em verdade, o pode
ser” - ele é incapaz disso. Desde a queda de Adão, isso de livre-arbítrio, de
vontade livre quanto a obedecer a Deus, não existe. Adão tinha livre-arbítrio;
nunca mais ninguém o teve. A liberdade de vontade perdeu-se na Queda; nesta o
homem passou a ser escravo do pecado e a estar sob o domínio do diabo. Sua
vontade está presa. “Se ainda o nosso evangelho está encoberto”, diz o apóstolo
aos coríntios (2 Coríntios 4:3 e 4) “para os que se perdem está encoberto. Nos
quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”, para que não
creiam no glorioso evangelho de Cristo. O diabo não os deixa crer. “O valente
guarda, armado, a sua casa, em segurança...” (Lucas 11:21). Essa é a condição do
homem sob o domínio do diabo; ele não é livre. Não é livre para não pecar.
“Filhos da desobediência”! “Nem, em verdade, o pode ser”! E incapaz disso. Tal
a profundidade em que o homem afundou em pecado. E, contudo, é aí que entra
o paradoxo, por assim dizer. Apesar disso, tudo o que o homem faz, ele o faz
deliberadamente. Ele quer pecar, gosta de pecar, gloria-se em pecar. Não exerce
negativamente a sua vontade para pecar; o que ele não pode fazer é querer o bem
positivo, o bem espiritual. É incapaz disso, e aí está porque ele precisa “nascer
de novo” e ter nova natureza. Mas ele pode querer o mal, e sente prazer em
praticá-lo. O que ele não percebe é que ele se tornou incapaz de querer o bem e
de querer alguma coisa que esteja direcionada para a salvação. Ele não é livre
para isso. Filhos da desobediência, a prole da desobediência, a progênie da
desobediência! Há no universo uma mente má, e nós somos seu fruto. Esse é o
ensino bíblico. Acaso não é extraordinário que alguém que tem
entendimento nestas questões possa discutir isso por um momento que seja? O
mundo atual está simplesmente demonstrando e provando esta verdade.
Os homens e as mulheres são escravos do diabo, estão sob a escravidão
do diabo; estão sob o poder e domínio de satanás.
que aquilo. Somos o que somos, em todos os aspectos, “por natureza”. Se vocês
preferirem outra tradução, poderiam usar em seu lugar a expressão “por
nascimento”, “e éramos por nascimento filhos da ira, como os outros também”.
Noutras palavras, o ensino aqui é o mesmo ensino da Bíblia toda concernente ao
homem em pecado, ensino segundo o qual nascemos neste mundo com uma
natureza desobediente. Não nascemos com equilíbrio justo, com a possibilidade
de ir por este ou aquele caminho. Nascemos com forte inclinação unilateral.
Davi o expressa memoravel-mente no Salmo cinqüenta e um, versículo cinco:
“Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”.
Que profunda peça de auto-análise e de psicologia! Se vocês querem psicologia,
vão às Escrituras. Aí está um homem, Davi, examinando-se. Tinham-no feito
lembrar-se do que ele fizera, o adultério e o homicídio que se lhe seguiu. Ele é
despertado e se examina a si mesmo, e parece estar dizendo a si próprio: como
pude fazer isso? Como pode alguém fazer tal coisa? Que é que torna um homem
capaz disso? Que será? E, diz ele: há somente uma resposta, e é tão profunda
como isto: em iniqüidade fui formado - “formado” em iniqüidade - e “em pecado
me concebeu minha mãe”.
Esta doutrina não é popular hoje. O homem em pecado jamais gostou dela. O
que ele gosta de dizer, naturalmente, é que todos nós nascemos neutros. Vejam
aquela criança, quão maravilhosa e perfeita! Bem, porque é que elapeca quando
cresce? Ora, dizem eles, vocês vêem aqui qual é o problema; é o mundo
pecaminoso ao qual ela vem: ela vê coisas más, vê maus hábitos, e aos poucos
vai sendo influenciada por eles. Dizem eles que com a criança tudo está bem,
mas com o ambiente não. Se tão-somente a criança fosse colocada num mundo
perfeito, ela permaneceria perfeita; entretanto, vem a um mundo imperfeito e vê
e pega hábitos, ouve falar e vê as coisas que as pessoas fazem, e gradativamente
assimila essas coisas e as pratica. E tudo questão de ambiente, mau exemplo, má
influência. Não, diz a Bíblia, não é não. Essa criança foi formada em iniqüidade,
e foi concebida e nasceu em pecado. Quando vimos a este mundo, a nossa
natureza já está corrompida. Herdamos uma natureza pecaminosa dos nossos
antepassados e dos nossos pais; começamos com isso. As tendências e os desejos
estão todos ali, e tudo o que o mundo faz é dar-nos um canal de escoamento. Há
dentro de nós umarebelião, um desejo de ter as coisas proibidas. Isso aparece
logo no início. É uma das primeiras coisas que manifestamos, todos nós. Por
quê? Bem, “por natureza”.
Passamos a seguir à palavra muito importante “todos”. “Em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desbediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira” - e de novo ele o
diz- “como os outros também.” Ou, se vocês preferirem outra tradução - “como
o restante da humanidade”. “Todos”, é universal. Ora, isso é uma coisa
impressionante. Este ponto era muito apropriado para o argumento particular do
apóstolo precisamente aqui. Seu tema é, vocês se lembram, como Deus
em Cristo, na plenitude dos tempos, vai reunir todas as coisas em Cristo, “tanto
as que estão nos céus como as que estão na terra”. E diz o apóstolo que Ele já
começou a fazê-lo, No capítulo primeiro, versículo onze, ele afirma que alguns
que são judeus creram no evangelho e estão no reino. Ele prossegue, dizendo
que alguns que eram gentios também obtiveram herança. Aqui ele retoma o
ponto - “E vos vivificou”. Ele fez a mesma coisa com vocês, gentios. Mas seu
grande desejo é que ninguém pense que ele está dizendo estas coisas somente
acerca dos gentios. Não, “todos” nós andávamos nos desejos da nossa carne,
“todos” nós éramos filhos da ira, como os outros também. O que ele diz aqui
sobre o homem em pecado é verdade com relação ao judeu, como também
com relação ao gentio.
Como era difícil para o judeu acreditar nisso! Durante séculos ele tinha
acreditado que estava completamente separado: o judeu! Fora estavam os cães,
os gentios, os estrangeiros. Estes estavam fora da “comunidade de Israel”. O
judeu era filho de Deus, estava a salvo porque era judeu. Ele era totalmente justo
e melhor do que todos os outros que eram pecadores, os cães dos gentios, os
quais estavam fora. Como lhe era difícil aceitar uma doutrina que afirma que ele
era tão pecador como o gentio! Essa era a pedra de tropeço para o judeu; ele
não gostava disso. E esta classificação da humanidade ainda se vê em diferentes
formas e moldes. No entanto, aqui o apóstolo diz, “não somente os gentios”, mas
“também os judeus”. E vocês notam que até a si mesmo ele inclui. Tendo
começado com “vós”, agora diz “nós”. Essa é a verdade a respeito de Paulo, o
apóstolo! É inimaginável, não é? Mas essa fora a tragédia da sua vida antes da
sua conversão. Como Saulo de Tarso, ele estava satisfeito com a sua vida;
“segundo ajustiça que há
na lei, irrepreensível” (Filipenses 3:6). E (em Romanos, capítulo 7) ele nos conta
como foi que veio a enxergar o seu erro. Foi quando ele entendeu a lei, que
dizia: “Não cobiçarás”. Então “reviveu o pecado, e eu morri”. Quando se deu
conta de que a lei dizia “você não pode desejar”, “você não pode cobiçar”, ele
viu o real significado da lei e viu que ele era um terrível pecador. Escrevendo a
Timóteo, ele diz: “Esta é uma palavra fiel, e digna de toda aceitação, que Cristo
Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”
(1 Timóteo 1:15). Ele se considera o principal dos pecadores. “Todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne...”.
Esta é a verdade com referência a “todos”. Todavia, as pessoas ainda são muito
lerdas para ver isso. Dizem elas: veja esta descrição do pecado que você faz
naqueles três versículos. E claro, diz o homem, que eu posso ver muito bem que
isso se aplica a certas pessoas. Eu ando pelas ruas e vejo aquele pobre bêbado, e
aquela mulher decaída. Vejo pecado em seus trapos e em seus vícios. Você está
totalmente certo no que diz com relação a tais pessoas e quando fala de uma
natureza má e das luxúrias da carne, das luxúrias da mente, e assim por diante.
Concordo plenamente com você. Mas nós não somos daquele tipo de
gente. Porventura não existe gente boa, de boa moral, e decente, gente íntegra e
religiosa? Você está falando isso dessa gente? A resposta do apóstolo Paulo é
“todos”, “como os outros também”; toda a humanidade, sem uma única
excessão. Todos fomos formados em iniqüidade, concebidos em pecado.
“Todos” nós temos esta natureza pecaminosa.
Deixo o assunto nesta altura, porque estou pregando com a suposição de que me
estou dirigindo a cristãos. Mas se eu estivesse pregando isto a um auditório
misto, não pararia aí, não me atreveria a parar aí. Eu continuaria, dizendo: “Mas,
quando estávamos nesta situação, em Sua
infinita graça e amor e misericórdia, Deus nos vivificou”. Nada menos que isso
podeira fazê-lo. Que outra coisa mais poderia tratar do homem em tais
condições? Nada menos que o soberano poder de Deus - o poder que, como
Paulo dissera ao final do capítulo primeiro, fez o Senhor Jesus ressuscitar dentre
os mortos e O elevou e O colocou “à sua direita nos céus, acima de todo o
principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia”.
Nada menos que o poder de Deus pode resgatar e redimir e salvar o homem.
Entretanto, Ele o fez em Cristo. E nós, que somos cristãos, fomos levantados
daquela terrível condição em que estivéramos outrora, unicamente por causa da
Sua maravilhosa graça.
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamosnos desejos da nossa carne, fazendo a vontade
da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os
outros também. ” - Efésios 2:1-3
Agora ele chega ao terceiro ponto, a verdadeira maneira pela qual tudo isso se
mostra e se manifesta na prática, em nosso viver comum. Ao tratar disso, ele
nos apresenta incidentalmente este terceiro grande poder contra o qual nós temos
que lutar nesta vida terrenal. Ele já tinha tratado do mundo e do diabo; agora vai
tratar da carne. Temos um conflito contra o mundo, a carne e o diabo - e agora
vamos examinar este conflito com a carne. O homem em pecado, segundo o
apóstolo, está levando uma vida dominada pelas “concupiscências da carne”.
Isso porque ele nasce com uma natureza corrupta, resultante do pecado original,
por sua vez resultante daquela transgressão e rebelião original do homem contra
Deus, o que produziu a Queda. Noutras palavras,
vemo-nos aqui, nestes três versículos, no centro mesmo das maiores profundezas
da doutrina cristã; e Paulo nos faz lembrá-las a fim de capacitar-nos a ver a
grandeza, não somente do poder de Deus, e sim também do Seu amor e da Sua
graça e da Sua misericórdia. O espantoso é Ele ter sequer olhado para tais
pessoas ou sequer preocupar-Se conosco!
Que é uma ofensa (ou um delito)? É uma transgressão externa. De fato o sentido
radical da palavra é de algo que se aparta do verdadeiro e do íntegro. O homem
foi criado com o propósito de ser ele íntegro, verdadeiro, justo e santo; ele se
apartou disso, afastou-se disso, não é mais íntegro. E como algo inclinado ou
caindo ao chão; saiu da sua posição verdadeira, da posição perpendicular. __
Que é que ele quer dizer com a palavra “pecados”? E um termo muito amplo e
compreensivo. Inclui todas as manifestações do pecado considerado como um
princípio interior. E isso que ele quer dizer com o termo “pecados”. Os pecados
são as manifestações externas deste princípio interior chamado pecado e que
estivemos considerando. Há em cada um de nós este princípio corrupto, e este se
manifesta no que chamamos pecados. Temos, pois, aqui, uma definição muito
compreensiva da vida do homem fora da graça divina- uma queda do
verdadeiro, do certo, do íntegro e do justo, e todas as manifestações externas
deste princípio mau que há dentro de nós. E isso que se quer dizer com ofensas e
pecados. E, de acordo com o apóstolo, esta é a vida do homem separado da graça
de Deus; é como ele “anda”, diz o apóstolo. Vocês notam como ele o expressa:
“em que noutro tempo andastes”. E depois, noutra frase: “Entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne”. O que ele quer dizer
por “conversação”, como geralmente se dá no caso da Versão Atualizada
(inglesa), não é “conversa”, mas “maneira de viver”. Vocês recordam do que o
apóstolo diz no fim do capítulo três da Epístola aos Filipenses: “A nossa
conversação está nos céus”(VA). Não significaconversa ou fala. É um termo que
se usava
nos séculos dezesseis e dezessete para expressar um modo ou maneira geral de
vida.
Essa é a descrição das nossas ações. Contudo, afinal de contas, as ações sempre
expressam alguma outra coisa. Há um ditado que efetivamente diz, “como um
homem pensa, assim ele é”. Examinem a conduta e o comportamento de um
homem e, se fizerem um exame fidedigno, descobrirão a sua filosofia. Todos nós
expressamos as nossas idéias da vida segundo a maneira pela qual vivemos. Isso
é exatamente real quanto ao homem em pecado, diz o apóstolo. O que vocês
vêem são as ofensas e os pecados. Sim, mas o que é que leva às ofensas e
pecados? Ele tem sua resposta para nós. Tudo se deve a esta natureza corrupta,
o que ele explica com as palavras: “Entre os quais todos nós também
antes andávamos nos desej os da nossa carne, fazendo a vontade da carne e
dos pensamentos”.
Essa é a declaração que vamos considerar agora. Essa é a vida do homem sem a
graça de Deus em Jesus Cristo. Ela está corrompida. É uma vida vivida nos
desejos da carne. E o que o apóstolo salienta e que, portanto, eu estou desejoso
de salientar, é: esta verdade se refere a todos os homens, sem exceção. E verdade
universal, válida para toda a humanidade; não se refere apenas a certas pessoas,
porém, a todas: “todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne...e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também”.
Devemos apegar-nos com firmeza a esta idéia da universalidade das condições
do homem. Todos os homens estão, por natureza, vivendo uma vida que
é segundo os desejos da carne.
três: “Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”. É de imediato evidente
que a palavra “carne” é empregada aí pelo apóstolo em dois diferentes sentidos,
doutro modo ele estaria sendo repeticioso. Emprega “carne” primeiro num
sentido geral, e depois num sentido particular. Assim, é muito importante
sabermos a conotação precisa cada vez que ele emprega o termo.
No entanto, há dois outros sentidos que são mais particulares e mais espirituais
em sua conotação. E estes são importantes para o nosso propósito no momento.
O primeiro é de novo moderadamente geral, ou tem um sentido moderadamente
amplo. “Carne” é empregada pelo apóstolo para indicar algo que é a completa
antítese do Espírito, do Espírito Santo. Há um perfeito exemplo disso em Gálatas
5:17: “Porque a carne cobiça contra o Espírito (com E maiúsculo), e o Espírito
contra a carne: e estes opõem-se um ao outro”, Ali ele está empregando o
termo “carne” num sentido espiritual amplo; representa tudo que, no homem, é
oposto à ação, ao poder e à influência do Espírito Santo. Ora, isto
é tremendamente importante, e, portanto, deixem-me oferecer-lhes
mais definições a respeito. Carne, neste sentido, significa a natureza
humana num estado de pecado, o homem em pecado. Ou vejam uma
definição ainda mais compreensiva de “carne”. É a completa natureza do
homem sem a graça renovadora de Cristo; assim, abrange a alma e as
faculdades morais e intelectuais, bem como o corpo. Carne, neste sentido
amplo, geral, espiritual, é o homem em pecado, o homem todo, sem a graça
de Cristo. Inclui, portanto, o meu corpo e as suas funções, a minha mente,
os meus afetos, o meu tudo; o homem total, a totalidade do homem num estado
de pecado.
Mas finalmente o apóstolo usa este termo “carne” num sentido espiritual mais
restrito, referindo-se somente ao que se pode denominar a parte sensorial da
nossa natureza, ao corpo, á parte animal da natureza e às manifestações dessa
porção animal. E importante que tenhamos estas quatro definições claramente
em nossas mentes, e especialmente as duas últimas, as que têm referência
espiritual - o homem todo em pecado e, secundariamente, aparte animal do
homem em pecado, aparte corporal do homem, a parte sensorial, sensual do
homem em pecado.
E importante entender isso com clareza porque temos esta palavra “carne” duas
vezes neste versículo três, com o apóstolo usando-a em dois diferentes sentidos.
Bem, alguém dirá, isso não seria embaralhado e confuso? Como posso saber em
que sentido ele a está usando em dado ponto? A resposta é muito simples. Se
você levar em consideração o contexto, jamais errará. Esteja atento ao contexto,
e o contexto o fará acertar. Veja, por exemplo, este caso aqui: “Entre os quais
todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne” - aí está
a realidade toda, o homem completo; particularmente, ele diz: “fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos”. Agora, neste segundo exemplo, “carne” é
o oposto de “pensamentos” ou “mente”, não sendo mais o homem todo. Que é,
então? Bem, é unicamente a parte corporal do homem, a parte animal da
natureza humana. Vê-se que o contexto dá a resposta. Na primeira vez, carne é
geral; na segunda, é particular, o oposto da mente, do intelecto, da parte superior.
Desse modo, carne em geral cobre os desejos do corpo e os desejos da mente.
Sempre devemos ser cautelosos, observando estas distinções, quando lemos
estas Epístolas.
O que o apóstolo está dizendo é que o homem vive sua vida de ofensas e
pecados porque é governado e dominado pelos desejos da carne - carne no
sentido geral. Mas o que quer dizer ele com desejos? Novamente temos um
termo muito importante, trata-se de um forte desejo (ou cobiça). E de fato o
termo não significa mais que isso. O forte desejo pode ser bom ou mau. Há, por
exemplo, uma bem conhecida declaração feita pelo nosso Senhor durante a
última Ceia com os seus discípulos, quando disse: “Desejei muito comer
convosco esta páscoa, antes que padeça” (Lucas 22:15). O termo traduzido por
“desejei muito” é exatamente o que foi empregado no texto que
estamos focalizando. O sentido geral é, pois, forte desejo. Todavia, de novo
é evidente que se vocês prestarem atenção ao contexto, saberão se se trata
O apóstolo no-lo mostra fazendo aqui estas duas importantes subdivisões. Vocês
percebem como é importante captar isso. Todos nós nos referimos às vezes a
certas pessoas como sendo elas pecadoras. E quando dizemos isso, pensamos em
certa classe de pessoas - pensamos em bêbados, assassinos, adúlteros etc. Por
outro lado, há gente boa, pessoas excelentes, que nunca se fizeram culpadas
dessas coisas, e nós nunca sonharíamos em dizer que tais pessoas vivem segundo
os desejos da carne. “Desejos da carne”, dizemos, “é claro que lemos sobre
eles no jornal. Lá estão, as pessoas que enchem os tribunais com os seus
casos de divórcio.” Os desejos dacarne! Mas o ensino do apóstolo é que
todos nós, sem uma só exceção, vivemos por natureza nos desejos da carne. Não
há uma única exceção, desde que Adão caiu. A humanidade inteira vive nos
desejos da carne. Vejamos como o apóstolo demonstra essa verdade.
Primeiramente ele se refere aos “desejos da carne”. Que é que ele quer dizer
com desejos aqui? A palavra que ele emprega é diferente de “forte desejo”
(cobiça). Desejo é uma ordem, uma ordem categórica. Vou além, desejo é ter
uma vontade imperiosa que nos incita à ação, que
nos leva à ação. Lembro que uma vez ouvi uma expressão utilizada por uma mãe
a respeito das suas filhas, A pobre mulher não fora muito favorecida com os bens
deste mundo e, contudo, viu certa ocasião as filhas muito bem vestidas, como as
demais jovens. Nós sabíamos que ela realmente não tinha como propiciar-lhes
aquele luxo. Algumas pessoas fizeram observações a respeito e perguntaram
como acontecera. A resposta da senhora foi: “Elas tinham que ter isso”. Tinham
que tê-lo! - sem qualquer argumento. Ela de fato não podia dar-lhes
aquilo, porém as filhas tinham que tê-lo! Isso é desejo, esta ordem imperiosa
que vem e à qual não se resiste. As cobiças da carne manifestam-se nos desejos
da carne. Aqui apalavra carne se refere ao corpo, à parte animal da nossa
natureza.
Em que o apóstolo está pensando? Está pensando em fome, sede, sono, desejo de
prazer, desejo de felicidade, desejo de satisfação, sexo, desejo de atrair e de ser
atraente. Ora, todas estas coisas constituemparte essencial da nossa natureza e
estrutura corporal, animal. Há esse lado do homem, e Deus o fez. Portanto, em si
mesmo, é essencialmente bom -a fome, o desejo de comer, de beber, de folgar,
dormir e repousar, o desejo de alegria, felicidade e prazer, o desejo sexual, o
desejo de ser atraente. Vocês vêem esses desejos em toda a criação animal,
nos animais e nas aves. Estão igualmente no homem. E não há nada de
errado nisso. O homem foi feito assim por Deus, e por Ele foi dotado
destes vários instintos, qualidades, faculdades e propensões. São bons,
todos eles. Quando Deus fez o homem, em acréscimo ao restante da
criação, olhou tudo, o homem inclusive, “e viu que era muito bom”.
Mas esperem, não terminamos ainda. Essa é somente uma subdivisão das
cobiças da carne. Todos estarão dispostos a concordar com o que eu disse até
aqui. “Sim, naturalmente”, dizem, “olhem para eles,
Expert, conhecedor. Em francês no original. Nota do tradutor.
vejam, que horrível!” Mas meu caro amigo, agora vou mostrar-lhe que, por mais
respeitável que você possa ter sido toda a sua vida, você é igualmente culpado de
viver “nos desejos da carne”; pois estes não se manifestam somente por meio
dos desejos do corpo, e sim, também, vocês percebem, por meio dos “desejos da
mente”. Nesse ponto um homem como Charles G. Finney erra em sua teologia.
Ele não reconhece esta verdade. Ele limita tudo ao que eu estive dizendo, e não
percebe que a mesma verdade se aplica à mente, ao intelecto e ao
entendimento, como ao outro aspecto.
Vocês percebem a importância disso tudo. Posso imaginar certa espécie de gente
dizendo a si mesma o seguinte: “Bem, por certo isso é muito interessante se a
gente está interessado nesse tipo de coisa, mas, afinal, a Inglaterra está passando
por época de crise no momento; e o mundo inteiro, e o seu futuro, está na mais
precária situação. Por que você não fala algo sobre isso? Causará surpresa a
vocês se eu disser que estou pregando sobre isso o tempo todo? “Como você
comprova isso?”, dirá alguém. A minha resposta é que se comprovará quando
você entender esta doutrina do pecado e enxergar a extrema futilidade
e fatuidade de só confiar na ação política. Os políticos pensam que este tipo de
situação pode ser resolvida implorando aos homens e às mulheres que se
disciplinem voluntariamente. Devemos comer menos, devemos fumar menos,
devemos importar menos, disciplinando-nos pessoalmente, devemos dar mais
duro no trabalho. Já fizeram esse apelo, mas não parece que tenha sido atendido;
por isso eles aumentaram a taxa das compras. Dizem eles que isso funcionará.
Não obstante, não está funcionando. Por quê? Porque eles nunca se aperceberam
do sentido dapalavracoè/pa. Os homens simplesmente não podem atender porque
são levados por seus impulsos, são cativos. Cobiça é força, é poder. Aumenta-se
o preço, mas eles continuarão a comprar; poderão moderar o vício de fumar por
uma semana ou duas depois de se fazer um orçamento, mas os estatísticos nos
mostram que após algumas semanas tudo volta ao nível anterior. E isso
continuará sendo assim. Por quê? Porque o homem é impulsionado por desejos,
por cobiças. Não consegue impor disciplina a si mesmo.
Há somente uma coisa que pode lidar com esse tipo de situação. É aque
mencionei no começo. E “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os
que cremos”. É o que Thomas Chalmers chamava “o poder expulsivo de um
novo afeto”. Assim, se vocês estão pensando simplesmente neste país e numa
crise em particular, o rumo certo para encontrar-se a resposta acha-se nesta
passagem das Escrituras. Mas, além e acima disso, se vocês estão pensando,
como deviam, no fim da sua vida neste mundo e no fim do mundo, em Deus, no
juízo e na eternidade, bem, então, vocês têm que continuar pensando nisso;
porque naquele estado de cobiça vocês não poderão subsistir diante de Deus
e não poderão fruí-IO. É preciso que vocês sejam libertos deste domínio da
cobiça da carne, que se manifesta nos desejos do corpo e nos desejos da mente.
E é somente o poder de Deus no Senhor Jesus Cristo, mediante o Espírito Santo,
que nos pode libertar. No entanto, bendito seja Deus, que pode, que o faz, que o
fará. Pecado! - ah, as profundezas, a imundície, a fealdade, o poder disso tudo!
Há somente um abrigo seguro, e este é estar sempre olhando para Ele, recebendo
da Sua plenitude, confiando na força do Seu poder. Aí, pois, estamos a salvo.
A IRA DE DEUS
“Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da
ira, como os outros também. ”
- Efésios 2:3
O apóstolo se expressa desta maneira: diz ele que todos nós “éramos por
natureza filhos da ira, como os outros também”. Temos aqui uma afirmação
dupla. E não há dúvida de que estas duas questões que somos compelidos a
examinar juntas são dois dos assuntos mais difíceis e complexos de toda a gama
e ramo da doutrina bíblica. E por isso que com freqüência elas têm levado à
grande incompreensão e constituem assuntos que muitas vezes as pessoas, em
sua ignorância, não somente deixam de entender, porém também repelem
ferozmente. Não há, talvez, assunto que tenha levado mais vezes pessoas a
falarem - conquanto inconscientemente - de maneira blasfema, do queprecisa-
mente esta matéria que agora vamos considerar. O apóstolo diz duas coisas: que
estamos todos sob a ira de Deus; e, em segundo lugar, que estamos todos sob a
ira de Deus por natureza.
Por que devemos examinar estas coisas? Pode bem ser que alguém faça essa
pergunta. Por que despendei nosso tempo com um assunto
como este, que é um assunto difícil? Existem muitas outras coisas que no
presente são interessantes e atraem a atenção. Por que não tratar delas? E, em
todo caso, no meio de todos os problemas com os quais o mundo se defronta, por
que dar atenção a algo como este assunto?
Bem, para que não haja alguém que fique agasalhando tal idéia e seja provocado
a fazer tal pergunta, permitam-me aventar certas razões pelas quais nos convém
considerar esta matéria. A primeira é que faz parte das Escrituras. Está nesta
passagem da Bíblia e, como veremos, está em toda parte na Bíblia. E se
considerarmos a Bíblia como a Palavra de Deus, e como a nossa autoridade em
todas as questões de fé e de conduta, não podemos selecionar e escolher aqui e
ali; temos que tomá-la como é e considerar cada uma das suas partes e porções.
Em segundo lugar, devemos fazê-lo porque, depois de tudo, o que nos é dito aqui
é uma questão de fato. Não é uma teoria, é uma declaração de fato. Se a doutrina
bíblica da ira de Deus é verdadeira, é o fato mais importante que nos confronta, a
cada um de nós, neste momento; infinitamente mais importante que qualquer
conferência internacional que se realize, infinitamente mais importante que
a questão se haverá uma terceira guerra mundial ou não. Se esta doutrina é
verdadeira, estamos todos envolvidos nela, e dela depende o nosso destino
eterno. E em toda parte a Bíblia declara que ela é um fato.
Outra razão para considerá-la é que todo o argumento do apóstolo é que nunca
poderemos entender o amor de Deus, enquanto não entendermos esta doutrina.
É o meio pelo qual avaliamos o amor de Deus. Fala-se muito hoje sobre o amor
de Deus e, contudo, se verdadeiramente amássemos a Deus, nós o
expressaríamos, nós o demonstraríamos. Amar aDeus não é meramente falar
sobre isso; amar a Deus, como Ele mesmo assinala constantemente em Sua
Palavra, é cumprir os Seus mandamentos e viver para a Sua glória. Aqui o
argumento é que realmente não poderemos entender o amor de Deus, se não o
virmos à luz desta outra doutrina que agora estamos considerando. Assim,
desse ponto de vista, é essencial que o façamos.
salvação? Por que teve que acontecer tudo isso, antes de podermos ser salvos?
Desafio a quem quer que queira responder à questão adequadamente sem levar
em conta esta doutrina do juízo de Deus e da ira de Deus. Esta se torna ainda
mais comprovadamente verdadeira quando examinamos a grande doutrina da
cruz e da morte do nosso bendito Senhor e Salvador. Por que Cristo morreu? Por
que teve que morrer? Se dizemos que somos salvos por Seu sangue, por que
somos salvos por Seu sangue? Por que foi essencial que Ele morresse naquela
cruz e fosse sepultado e ressuscitasse antes de podermos ser salvos? Há
somente uma resposta adequada a estas perguntas, e essa é esta doutrina da ira
de Deus. A morte de nosso Senhor não é absolutamente necessária, se
esta doutrina não é verdadeira. Assim, vocês vêem, é um assunto vital
para considerarmos.
não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”. Noutras palavras, todos
os homens estão sob a ira de Deus, e se não cremos no Filho de Deus, a ira de
Deus permanece sobre nós. Que é que pode ser mais claro ou mais explícito? Aí
está, no Evangelho Segundo João, o apóstolo do amor.
O ensino do apóstolo é, pois, que, enquanto não crermos no Senhor Jesus Cristo,
estamos sob aira de Deus. E a ira de Deus é uma expressão do Seu ódio ao
pecado, uma expressão dapunição do pecado. Uma clara
Isso nos leva à segunda questão. Diz o apóstolo que todos nós estamos nestas
condições por natureza - “e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também”. Que é que significa a expressão por natureza ? Já mostramos num
estudo anterior desta série que ela só tem um sentido, que é, “por nascimento”.
Todos nós éramos por nosso próprio nascimento filhos da ira, como os outros
também. Notem que o apóstolo não diz “nos tornamos” filhos da ira por causa da
nossa natureza; diz ele que “éramos”. Noutras palavras, em harmonia com
a Bíblia toda, o apóstolo não ensina que nascemos neste mundo num estado de
inocência e num estado de neutralidade, e que depois, porque pecamos, nós nos
tornamos pecadores e passamos a estar debaixo da ira de Deus. Não é o que ele
diz; ele diz exatamente o oposto. O que diz
é que nascemos neste mundo sob a ira de Deus; desde o momento do nosso
nascimento estamos sob a ira de Deus. Não é apenas uma coisa que nos vai
acontecer, tampouco é algo que só resulta das nossas ações. Há quem ensine
isso, mas é flagrante negação, não somente do ensino desta passagem, porém,
como veremos, do ensino apresentado em toda parte nas Escrituras. O apóstolo
não está dizendo que estamos sob a ira de Deus somente por causa da nossa
natureza ou da manifestação da nossa natureza. Ele afirma que estamos nesta
situação “por nascimento”.
Então, que significa isso? Pode-se ver a resposta no capítulo cinco da Epístola
aos Romanos, onde é feita uma argumentação minuciosa e completa, do
versículo doze ao fim do capítulo. Qual é o argumento? Façamos um sumário
dele. Naquele capítulo, a grande verdade que o apóstolo está interessado em
provar é que a nossa relação, como crentes, com o Senhor Jesus Cristo, é
exatamente análoga à nossa relação anterior com Adão. Ele fica repetindo a
comparação, indo e vindo. Fala sobre o que era verdade a respeito de nós em
Adão, e depois mostra o que é verdade a respeito de nós agora, em Jesus Cristo.
Ele começa, no versículo doze, dizendo: “Pelo que, por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que* todos pecaram”, e assim continua. Qualquer leitura
atenta e despreconcebida desse argumento, que é básico para a doutrina paulina
da segurança, compelir-nos-á a vermos que, através dele todo, o apóstolo nos diz
que a nossa relação com Adão era idêntica à nossa presente relação com Cristo.
Portanto, se crermos que somos o que somos em Cristo por causa do que Deus
nos imputou em Cristo, também temos que crer exatamente da mesma maneirana
verdade correlata, quanto ao que nos foi imputado em Adão. Esse é o argumento.
Entretanto o apóstolo não se contenta com uma afirmação meramente geral a
respeito, também o faz em particular. Permitam-me destacar os versículos
pertinentes. Vejam o versículo doze: “Pelo que, como por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que todos pecaram”. A punição do pecado é a morte. Adão
pecou,
“por isso que” - locução pouco usada hoje em dia no sentido de “porque”. Cf. ARA, in loco:
“porque”. Nota do tradutor.
e lhe sobreveio a morte, sim, porém não somente a Adão - sobreveio a todos os
homens. Como conseqüência de um só pecado de Adão, a morte passou a todos
os homens. Por quê? A últimaparte do versículo explica: “todos pecaram” em
Adão. Essa é a afirmação que mais adiante exporemos.
Vejam a seguir os versículos treze e catorze desse capítulo. Paulo introduz uma
afirmação num parêntese, começando no versículo treze: “Porque até à lei estava
o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo lei. No entanto
a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança da trangressão de Adão”. Estaria você tentado a dizer: que significa
isso tudo? Não posso acompanhá-lo, quero um simples evangelho de conforto. É
assim que nos inclinamos a falar, nós que pensamos que porque vivemos
no século vinte somos grandemente superiores a todas as gerações que viveram
antes de nós. Orgulhamo-nos de que somos tão cultos e intelectuais e capazes de
entender grandes coisas, ao passo que as gerações anteriores eram primitivas.
Não percebemos, porém, que o apóstolo Paulo escreveu estas palavras apessoas
que viveram quase dois mil anos atrás, e que ele tencionava que elas as
entendessem. Não estava escrevendo a grandes filósofos; estava escrevendo a
simples cristãos, muitos dos quais eram apenas escravos, e outros eram soldados
da casa de César; e ele tencionava que aquelas pessoas entendessem estas coisas.
Vergonha para nós, cristãos modernos, que precisamos ser mimados e que só
queremos algo agradável, fácil e simples. Se você não aceita esta doutrina, então,
é a Palavra de Deus que você está rejeitando.
Pergunto outra vez: que é que isto significa? Diz Paulo que até à lei o pecado
estava no mundo. A lei foi dada por intermédio de Moisés, vocês se lembram;
todavia houve aquele longo intervalo entre Adão e Moisés, provavelmente pelo
menos um período de quase dois mil e quinhentos anos. Pois bem, durante todo
aquele longo período o pecado estava no mundo, mas, diz ele, o pecado não é
imputado quando não há lei. Noutras palavras, se não há uma lei para definir o
pecado, o pecado não é dado a conhecer ao homem. Cabe à lei dar a entender o
pecado à mente, ao coração e à consciência do homem. Se, por exemplo,
não houvesse leis sobre estacionamento e trânsito, eu e você
poderíamos continuar a praticar coisas errôneas e más, porém, se não houvesse
lei sobre estas questões, não poderíamos ser punidos. É o que ele está dizendo,
“o pecado não é imputado, não havendo lei”. “No entanto”, diz ele, “a morte
reinou desde Adão até Moisés”. Eis o problema: embora a lei não tenha sido
dada até o tempo de Moisés, não obstante,
Notem então o ponto subseqüente, que é mais extraordinário ainda. Diz ele que a
morte reinou de Adão a Moisés, “até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança da transgressão de Adão”. Que é que isso pode significar? Significa
que a morte reinou até sobre as pessoas que realmente não cometeram um ato de
pecado como fez Adão quando caiu. Quem eram? E há só umarespostapossível:
eram crianças que morreram na infância. Todos os outros homens pecaram.
Todos os que viveram, desde Adão, cometeram atos deliberados de pecado. Os
únicos que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, que não
pecaram deliberadamente, são as crianças demasiado novas para exercerem a
sua vontade por serem incapazes de usar a consciência. A morte reinou,
diz Paulo, de Adão aMoisés, até mesmo sobre as crianças pequenas.
Porque estas morrem? Há somente umaresposta. Morrem porque a
transgressão de Adão as envolve. “A morte reinou desde Adão até Moisés, até
sobre aqueles que não pecaram à semelhança de Adão.”
Contudo, passando ao versículo quinze, lemos: “Mas não é assim o dom gratuito
como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos”, Aí está de
novo. Depois ele volta a atenção para o outro lado, acerca de Jesus Cristo. No
versículo dezesseis temos: “E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que
pecou”. E então: “Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para
condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas parajustificação”. O
juízo, acondenação, foi por um só; o pecado de Adão trouxe isto sobre toda a
humanidade. Entretanto, inversamente, diz ele, muitos pecados são perdoados
segundo a justiça de Um, Jesus Cristo. Depois, mais uma vez, no
versículo dezoito: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre
todos os homens para condenação”. Não seria tão explícito quanto
possível? “Assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens” -
sem exceção - “para condenação.” Nascemos “filhos da ira”. E finalmente, no
versículo dezenove: “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos
foram feitos pecadores”. Eu, vocês e toda a humanidade fomos feitos, ou, como
diz uma tradução mais precisa,
“constituídos” pecadores por aquele pecado de Adão. Esse é o ensino. Todos nós
somos “por natureza filhos da ira, como os outros também”.
Ah, dirá você, não entendo isso, não posso compreender isso, parece-me quase
imoral. Claro que você não o entende. Quem pode entender tais coisas? Não é
questão de entendimento, a questão é se você crê nas Escrituras ou não. Pois o
apóstolo diz exatamente a mesma coisa em 1 Coríntios, capítulo 15, aquele
grande e maravilhoso capítulo que se lê nos funerais. “Porque, assim como todos
morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”, e assim por
diante. É precisamente o mesmo argumento. É a base da fé crista. Quer
entendamos quer não, é a verdade. Você tem que explicar a universalidade
do pecado; tem que explicar a universalidade da morte, e especialmente a morte
de crianças. E esta é a resposta bíblica. Adão era toda a humanidade e
representava a humanidade toda. Ele foi o nosso cabeça federal. Assim como o
Senhor Jesus Cristo é o representante de todos os que são salvos, assim como a
Sua justiça nos é imputada, igualmente Adão foi o nosso representante e o seu
pecado nos é imputado. Nele nós caímos, nele e por causa da sua ação sofremos
a condenação eterna. Exatamente da mesma maneira, os que crêem em Cristo
são redimidos por Ele, são salvos nEle e são justificados nEle, por causa da Sua
ação a nosso favor. Esse é o argumento. Se você crê por um lado, acerca de
Cristo, terá que crer por outro, acerca de Adão. Se negar este, estará
virtualmente negando aquele.
Portanto, sejamos cautelosos. Não existe nada mais trágico do que o modo como
muitos cristãos introduzem as relíquias das suas filosofias e do seu entendimento
pessoal na fé cristã. Muitos que afirmam que crêem na Bíblia, e que reconhecem
a sua autoridade, rejeitam-na neste ponto porque não gostam da doutrina, ou
porque não conseguem conciliar certas questões. Mas a conciliação aí está,
diante de nós. Apesar de estarmos mortos em ofensas e pecados, odiosos e
odiando uns aos outros, corrompidos pelo pecado, pecadores na prática, vivendo
em delitos e pecados e sob a ira de Deus, e absolutamente desamparados e sem
esperança, o mesmo Deus contra quem pecamos, o mesmo Deus que ofendemos,
providenciou o caminho da libertação para nós. Ele o fez na Pessoa do Seu bem-
amado Filho, que Ele não poupou do sofrimento, da agonia e do opróbio do
Calvário e daquela morte cruel. Ele nos ofereceu e nos provê o caminho da
completa libertação e reconciliação conSigo, a despeito do fato de que o nosso
pecado em Adão, os nossos próprios pecados, e o nosso estado pecaminoso só
merecem a Sua ira eterna. Esse é o amor de Deus! Esse é o “admirável amor,
divinal”! Deus fez por nós, que nada merecemos senão a ira eterna, o que nós
mesmos jamais conseguiríamos fazer.
Queira Deus, em Sua graça, habilitar-nos a receber estas coisas, para que
possamos considerar o próximo versículo com o seu glorioso “mas”. Apesar de
ser verdade quanto a nós tudo o que estivemos considerando, “Deus, que é
riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando
nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo”.
Bendito seja o nome de Deus!
A MENSAGEM CRISTÃ PARA O MUNDO
Veremos agora estas palavras somente de maneira geral. Faço isso por diversas
razões. Uma é que o próprio texto nos impele a fazê-lo, mas há também certas
razões especiais. Uma acusação frequentemente lançada contra a mensagem
cristã, especialmente contra a modalidade evangélica dessa mensagem, é que ela
é distante da vida, que é irrelevante para as circunstâncias imediatas nas quais os
homens e as mulheres se acham. Noutras palavras, há, da parte de alguns,
uma objeção ao método expositivo de pregar o evangelho; é que esta
nunca parece enfrentar de fato as realidades da situação na qual os homens e as
mulheres se vêem dia a dia, e que é irrelevante para toda a situação mundial em
que nos achamos. Desejo, pois, mostrar que esta acusação
Procuremos mostrar como éfeito isso, ecomo isso éfeito naprópria passagem que
estamos considerando. Já consideramos em detalhe os três primeiros versículos
deste capítulo, e o fizemos para que nos víssemos como somos por natureza e
como o mundo é por natureza. Vocês não poderão começar a resolver os
problemas da humanidade enquanto não souberem a verdade acerca do homem.
Quão fútil é tentar fazê-lo sem isso. Vocês têm que começar com o caráter, a
natureza, o ser do homem. Em vez de começar com conferências e
discursos internacionais sobre eventos contemporâneos, necessitamos ir muito
Temos que começar com esta doutrina. Qual é a verdade sobre o homem em
pecado? Que é que caracteriza o homem quando está em pecado, sem a graça de
Deus? Já examinamos esta matéria. O homem está morto espiritualmente; é
governado pelo diabo, que opera mediante poderosas forças a seu comando que,
por sua vez, produzem e dominam a mente e a perspectiva do mundo. Essa é a
situação do homem. E o resultado é que o homem, dominado por esse mau
poder, leva uma vida de ofensas e pecados; na verdade, ele nasceu de tal
maneira, por ser descendente de Adão, que a sua própria natureza é decaída. Ele
começa com uma natureza corrompida. E, finalmente, ele está sob a ira de
Deus. Essa é a declaração do apóstolo nos três primeiros versículos.
Qual será então a relevância disso tudo para a presente situação? Que é que isso
nos diz, face a toda a situação mundial na época atual? E evidente que
facilmente se pode deduzir várias coisas deste ensino.
contratos internacionais, quando vocês estão lidando com gente que rompe os
seus contratos matrimoniais e outros contratos pessoais, pois as nações
consistem de indivíduos. A nação não é algo abstrato, e não temos direito de
esperar de uma nação uma conduta que não vemos no indivíduo. Todas estas
coisas têm que ser vistas em conjunto.
Noé, assim será também nos dias do Filho do homem”; “Como também da
mesma maneira aconteceu nos dias de Ló” - em Sodoma - “assim será” (Lucas
17:26-30). Desse modo o nosso Senhor via a história.
Se captarmos este ensino, ficaremos livres, uma vez por todas, do falso
entusiasmo e das falsas esperanças dos homens que realmente acreditam que,
introduzindo alguma nova organização, pode-se banir a guerra e eliminá-la para
sempre. A resposta da Bíblia é que não se pode fazer isso enquanto o homem não
nascer de novo. Isso é deprimente? Contesto dizendo que, se é deprimente ou
não, não deve ser essa a nossa preocupação; o que deve constituir a nossa
preocupação é conhecer a verdade. O homem moderno se diz realista. Ele se
opõe ao cristianismo porque, segundo ele, o cristianismo não enfrenta os fatos.
Não é realista, diz ele; é sempre “castelos no ar”, e vocês vão para os seus
templos e lá se fecham, e não encaram os fatos da vida. Contudo, quando lhe
damos os fatos, ele contesta sobre o fundamento de que eles são deprimentes. Os
otimistas políticos e filosóficos é que não são realistas; as pessoas que nunca
encararam os fatos acerca do homem em pecado é que estão fechando os olhos e
dando as costas para a realidade. A Bíblia enfrenta isso tudo; tem uma visão
realista da vida neste mundo e somente ela a tem.
que, vocês se lembram, Paulo nos diz que a pregação da cruz era “loucura para
os gregos”. Que alguém que foi crucificado em fraqueza deva ser o nosso
Salvador, e deva ser o caminho para a salvação, para eles era absurdo e ridículo.
Eles não davam nenhum valor à mansidão e à humildade; a coragem, a força e o
heroísmo eram as grandes virtudes. E, pois, muito importante que
compreendamos que não faz parte da mensagem cristã exortar o povo à
coragem, ao heroísmo e ao sacrifício próprio. Não há nada de especificamente
cristão nessas idéias. O cristianismo não as condena, mas não é essa amensagem
cristã. E o ponto que estou acentuando aqui é que quando isso foi apresentado
como sendo a mensagem cristã, confundiu as pessoas e levou apropria
divisão que o evangelho se destinava a curar.
Pois bem, passemos à terceira questão. Há muitas pessoas que parecem pensar
que a mensagem cristã consiste simplesmente em apelar para que o mundo
ponha em prática os princípios cristãos. Isso éapenas a posição pacifista, assim
chamada. Ora, dizem eles, vocês, cristãos, estão sempre pregando sobre
salvação pessoal e sobre doutrinas e tudo mais; por que não fazem algo acerca
das guerras? Muito bem, dizemos nós, que é que vocês querem que façamos? O
que vocês têm que fazer, replicam eles, é dizer às pessoas que pratiquem o
Sermão do Monte. Por que não lhes dizem que voltem a outra face e amem uns
aos outros e assim por diante? Então se daria fim às guerras. Vocês têm a
solução; tão- somente façam as pessoas porem em ação os princípios do
ensino de Cristo. Qual é a resposta para isso? A resposta é o ensino dos
três primeiros versículos deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios.
Vocês podem pregar o Sermão do Monte a pessoas que estão mortas “em ofensas
e pecados” até ficarem exaustos e nem vocês nem elas ficarão mais sábios. Elas
não conseguem praticá-lo. Não querem fazê-lo. São “inimigos e estranhos em
suas mentes”. São governadas por “cobiças”. Fazem “a vontade da carne e dos
pensamentos”. É isso que as governa e as dirige. Como podem praticar o Sermão
do Monte?
Para resumir até aqui, o princípio negativo é que amensagem cristã, o evangelho
cristão, não tem nenhuma mensagem direta para o mundo, exceto dizer que o
mundo, como é, está sob a ira de Deus, isto é, está sob condenação, e que todos
os que morrerem neste estado irão para a perdição. A única mensagem da fé
cristã para o mundo incrédulo, em primeiro lugar, é simplesmente acerca do
juízo, um apelo para o arrependimento, e dar-lhes a segurança de que, se se
arrependerem e forem convertidos a Cristo, serão libertos. Portanto, a Igreja, a fé
cristã, não tem nenhuma outra mensagem para o mundo fora dessa.
Não somente isso; também podemos ser introduzidos num reino que não é deste
mundo e tornar-nos seus cidadãos. A medida que percorrermos este capítulo,
veremos Paulo elaborar bem as suas próprias palavras. O que é maravilhoso, diz
ele, é que vocês, gentios, estão em Cristo, e, graças ao Seu sangue, se tornaram
concidadãos dos santos; tomaram-se cidadãos do reino de Deus, do reino de
Cristo, do reino da luz, do reino dos céus - um reino que não é deste mundo,
reino inabalável, reino imutável. Esse é o reino no qual entramos.
mundial, que a Liga das Nações ia abolir a guerra para sempre. Havia muitos que
acreditavam que o Pacto de Locarno, de 1925, finalmente ia fazer isso, e
estavam muito alegres. Estavam confiantes em que nunca mais haveria uma
guerra como a de 1914 - 18. E quando começou a guerra de 1939, eles não
sabiam como explicar o fato. Mas o verdadeiro cristão, sabedor de que o homem
é uma criatura governada por cobiças, e que acobiça sempre produz guerra, sabia
muitíssimo bem que nenhum Pacto de Locarno nem qualquer outra coisa poderia
abolir ou eliminar a guerra. Sabia que a guerra poderia surgir a qualquer tempo,
e quando ela veio ele não ficou surpreso. Como o Salmo 112 o expressa
no versículo sete: “Não temerá maus rumores; o seu coração está
firme, confiando no Senhor”. Crendo como cremos nesta doutrina bíblica
do homem em pecado, jamais devemos surpreender-nos com o que acontece no
mundo. Vocês estão surpresos com todos os assassinatos, roubos, violência,
assaltos, mentira, ódio, carnalidade e sexualismo? Vocês se surpreendem quando
vêem os seus jornais? Não deveria acontecer isso, se vocês são cristãos.
Deveriam esperar isso. O homem em pecado necessariamente se comporta desse
modo; não pode conter-se, ele vive, anda em ofensas e pecados. Ele o faz
individualmente, e o faz em grupos; portanto, haverá conflitos e
desentendimentos industriais, e haverá guerras. Ah, quepessimismo!-exclamará
alguém. Eu digo: não, que realismo! Encarem isso, estejam preparados para isso,
não esperem nada melhor de um mundo como este; é um mundo
decaído, pecaminoso, ímpio, mau; e, enquanto o homem continuar em pecado, é
assim que será. E hoje é como nos dias de Sodoma e Gomorra, e como na época
do Dilúvio!
Mas, graças a Deus, ainda não terminei. Continuo e digo que o cristão é alguém
que, compreendendo que vive em tal mundo, e que, não tendo nenhuma ilusão
acerca dele, não obstante sabe que está ligado a um Poder que o habilita, não
somente a suportar o que quer que lhe venha num mundo como este, porém, de
fato o capacita a ser “mais que vencedor” sobre essa realidade toda. Ele não
apenas o suporta passivamente, não meramente o tolera, não somente o
“aguenta” e exercita a sua coragem. Não, isso é estoicismo, é paganismo. O
cristão, estando em Cristo, o cristão, sabendo algo do que o apóstolo chama
“a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”,
é fortalecido, é habilitado a suportar; seu coração não fraqueja, ele não
é derrotado, de fato é capaz de regozijar-se nas tribulações. Que o mundo faça
com ele o pior, que o inferno seja solto, ele é mantido firme. “Esta é a vitória que
vence o mundo, a nossa fé” (1 João 5:4). Assim é que,
EM CRISTO JESUS
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas de sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7
ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela
graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais em Cristo Jesus”.
Pois bem, há, obviamente, algumas observações preliminares que se deve fazer
sobre uma declaração como essa. A primeira que me sinto constrangido a fazer é
que isto é cristianismo verdadeiro; essa é a própria essência do cristianismo, e
nada menos que isso. O que estas palavras descrevem é o centro vital de toda
essa matéria. É o que Deus fez para nós e por nós, e não primariamente algo que
tenhamos feito. Noutras palavras, o cristianismo não significa apenas que eu e
vocês tomamos uma decisão. Naturalmente isso está incluído, mas não é
a essência do cristianismo. As pessoas podem decidir parar de fazer certas coisas
e começar a fazer outras; isso não é cristianismo. As pessoas podem acreditar
que Deus lhes perdoa os seus pecados; porém, isso, em si, não é cristianismo. A
essência do cristianismo é a verdade que temos aqui - e este é o fato real, e nada
menos que isso é o fato real.
Gostaria de acentuar também que isto é verdade quanto a todos os cristãos. Mais
adiante veremos que aqui nos defrontamos com o maravilhoso ensino e doutrina
acerca da união do cristão com o Senhor Jesus Cristo. Com efeito, há certas
escolas de pensamento cristão que têm feito grande dano neste ponto, dando-nos
a impressão de que se trata de algo a que somente certos cristãos chegam, de que
se você realmente se entregar ao cultivo da vida cristã, poderá esperar chegar
finalmente a esta união com Cristo. É óbvio que eles pensam que existem
muitos cristãos que ainda não ocupam esta posição e que precisam ser
exortados e concitados e estimulados a lutar até alcançarem essa condição.
Ora, isso está inteiramente errado, é inteiramente falso. Você não pode
ser cristão, de modo nenhum, sem a verdade que estamos examinando agora; é
esta verdade que nos faz cristãos; sem ela não estamos na posição cristã
absolutamente.
Há duas maneiras de examinar esta grande declaração. Há alguns que têm uma
idéia puramente objetiva dela. Pensam nela exclusivamente em termos da nossa
situação, ou da nossa posição, na presença de Deus. O que quero dizer é que eles
pensam nela como sendo algo que, num sentido, já é verdade a nosso respeito
em Cristo, mas não é verdade a nosso respeito na prática. Consideram esta como
uma declaração do fato de que após a morte ressuscitaremos e participaremos da
vida da glória que está à espera de todos os que estão em Cristo Jesus.
Afirmam que a verdade é que o Senhor Jesus Cristo já ressuscitou dos mortos;
Ele foi vivificado quando estava morto na sepultura, foi ressuscitado, apareceu a
certas testemunhas, subiu ao céu e está na glória, nos lugares celestiais. Pois
bem, dizem eles, isso aconteceu com Ele, e, se crermos nEle, acontecerá
conosco. Eles afirmam que essa verdade quanto a nós é pela fé agora, porém
realmente só pela fé. Não é real em nós agora, é inteiramente real nEle, mas se
tornará real em nós no futuro. Pois é isso que eu considero uma idéia puramente
objetiva desta declaração. E, naturalmente, como declaração, está perfeitamente
certa, exceto que não vai suficientemente longe. Tudo isso é verdade quanto a
nós. Chegará a hora em que todos nós, cristãos, seremos ressuscitados, a menos
que o nosso Senhor volte antes de morrermos. Os nossos corpos serão
transformados e glorificados; e nós viveremos e reinaremos com Ele, e
entraremos em Sua glória e dela participaremos com Ele. Isso é perfeitamente
verdadeiro.
Contudo, há uma prova mais forte, parece-me, no versículo cinco. Diz o apóstolo
que, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou com Cristo”, e
então, entre parêntesis, “(pela graça sois salvos)”. Ele diz, noutras palavras: o
que estou falando é sobre a sua salvação neste momento. “Pela graça sois
salvos” significa “pela graça vós jáfostes salvos”. Esse é o tempo verbal, “fostes
salvos”. Evidentemente é algo experimental. É algo subjetivo, não puramente
objetivo. A tragédia é que muitas vezes as pessoas colocam estas coisas
como elementos opostos, ao passo que, na realidade, as Escrituras
sempre mostram que ambas as coisas devem andar juntas. Há um lado
objetivo da minha salvação, mas, graças a Deus, há também um lado
subjetivo. Eum erro ensinar, como o moderno movimento bartiano tende a
ensinar, que tudo é objetivo, que tudo está em Cristo e que em mim não
há absolutamente nada. Isso me parece um grave erro, porque as
Escrituras, felizmente para nós, sempre acentuam o experimental, o pessoal,
o subjetivo, o que eu desfruto aqui e agora. Minha salvação não está completa e
exclusivamente em Cristo; uma vez que eu estou em Cristo, ela está em mim
também.
É isso que o apóstolo está desejoso de que entendamos. Noutras palavras, esta
realidade deve ser interpretada espiritual e objetivamente, deve ser entendida
experimentalmente. O que Deus fez por nós espiritualmente, diz o apóstolo, é
comparável ao que Ele fez ao Senhor Jesus Cristo no sentido físico quando O
ressuscitou dentre os mortos e O levou para Si para que Ele Se assentasse nos
lugares celestiais. Devemos retornar ao fim do capítulo primeiro. O poder que
está operando para conosco e em nós, os que cremos, é o mesmo poder que Deus
“manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e
pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade,
e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no
vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o
constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos”. Agora, diz Paulo, quero que vocês saibam que
exatamente o mesmo poder que fez isso está operando em vocês espiritualmente.
Isso, então, nos capacita a dizer tudo o que aconteceu conosco, se somos
cristãos, aconteceu por esse mesmo poder de Deus. Todos os tempos verbais que
o apóstolo emprega justamente nestas palavras que estamos estudando estão no
passado; ele não diz que Deus vai nos ressuscitar, vai nos vivificar, vai fazer-
nos sentar nos lugares celestiais; ele afirma que Ele já o fez, que
quando estávamos mortos Ele nos vi vificou. E o tempo aoristo, o passado, é
algo que se completou, e uma vez por todas já foi feito. Assim é que temos que
dizer de nós mesmos, como cristãos, que fomos vivificados,
fomos ressuscitados, e estamos sentados nos lugares celestiais.
Ou, talvez, numa colocação melhor, possamos dizer - e seguramente é o que o
apóstolo tinha em mente - que a situação do cristão é exatamente o oposto da
situação do não cristão. O não cristão é alguém que está morto em ofensas e
pecados, está sendo levado de acordo com o curso deste mundo, de acordo com
o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência; ele vive segundo os desejos da carne, fazendo a vontade da carne
e damente; ele está, por natureza, sob a ira de Deus. Esse é o não cristão. E o
cristão, que é? O exato oposto disso - vivificado; vivo; ressurreto; sentado nos
lugares celestiais; inteiramente diferente, contraste completo. O “mas” assina-a
em toda parte este aspecto de contraste. E, obviamente, não poderemos entender
verdadeiramente a nossa posição como cristãos, se não compreendermos que é
um completo contraste com o que éramos antes. Vocês vêem como, na
interpretação das Escrituras, é importante tomar tudo em seu contexto. Temos
que ter claro entendimento acerca do nosso estado em pecado porque, se não,
jamais teremos claro entendimento acerca do nosso estado na graça e na
salvação.
Cristo, ressuscitou-nos juntos e nos fez sentar juntos nos lugares celestiais em
Cristo Jesus” (VA). Aqui sem dúvida nos vemos face a face com uma das mais
grandiosas e mais maravilhosas doutrinas cristãs, uma das mais gloriosas, fora
de toda e qualquer contestação. Trata-se do ensino completo das Escrituras com
respeito à nossa união com Cristo. É um ensino que vocês encontrarão em
muitos lugares. Remeto-os ao capítulo cinco da Epístola aos Romanos, que, de
muitas maneiras, é a mais extensa exposição da doutrina. Mas igualmente ela
pode ser encontrada no capítulo seis da Epístola aos Romanos. Também
se encontraem 1 Coríntios, capítulo 15, o grandioso capítulo freqüentemente lido
nos funerais; todavia igualmente se vê em 2 Coríntios, capítulo 5. Similarmente
o ensino se acha naquelas belas palavras do fim do capítulo dois daEpístola aos
Gálatas- “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual
me amou, e se entregou a si mesmo por mim”. Esta é a coisa mais maravilhosa e
mais espantosa, e, para mim, é sempre uma questão que me causa grande
surpresa que esta bendita doutrina receba tão pouca atenção. Por uma outra razão
o povo cristão parece temê-la. Não tenho dúvida que é principalmente pela razão
que já dei, que o ensino católico (seja romano ou anglicano ou de qualquer outro
tipo) sempre propenso a dar a impressão de que esta é uma realização final do
místico, a meta suprema do maior santo, mas nada tem a ver com o resto de nós,
cristãos comuns. A nossa réplica é que, de acordo com este ensino, em Efésios,
capítulo 2 e noutros lugares, vocês não são cristãos enquanto não estiverem
unido a Cristo e “nele”. Esta doutrina da nossa união com Cristo não deveria vir
no fim da doutrina cristã, deveria vir no início, onde o apóstolo a coloca.
ou cabeça, o que aconteceu com Adão aconteceu por isso com toda a sua
posteridade e conosco,
Mas a coisa não fica nisso. Há outro aspecto da união, que podemos chamar
místico ou vital. E algo que o nosso Senhor ensinou pessoalmente, nas famosas
palavras do capítulo quinze do Evangelho Segundo João, onde Ele diz: “Eu sou a
videira verdadeira, vós as varas”. A união entre as varas e a videira não é
mecânica, é vital e orgânica. Estão unidas; a mesma seiva, a mesma vida no
tronco e nos ramos. Contudo, essa não foi a única ilustração utilizada. No final
do capítulo primeiro desta Epístola Paulo diz que a união entre o cristão e o
Senhor Jesus Cristo é comparável à união das diversas partes do corpo com o
corpo todo, e especialmente com a cabeça. Pois bem, qualquer dos meus dedos é
parte vital do meu corpo. Não foi simplesmente amarrado nele; há uma
união viva, orgânica, vital. O sangue que corre através da minha cabeça,
corre através dos meus dedos. Isso indica uma espécie de unidade
interna essencial, e não uma união meramente federal ou legal ou pactuai. Há, de
fato, mais uma ilustração empregada nesta Epístola aos Efésios, no capítulo
cinco, onde se nos diz que a união entre a Igreja e Cristo, e, portanto, entre todo
membro da Igreja e Cristo é comparável à união entre um marido e sua esposa -
“ambos serão uma só carne”. Essa união é mística. Essa é a união entre Cristo e
a Igreja.
Todas estas bênçãos que usufruímos tornaram-se nossas porque estamos ligados
a Cristo dessa maneira dupla - de maneira forense, federal, pactuai, porém
também desta maneira vital e viva. Podemos
afirmar, pois, que o que aconteceu com Cristo aconteceu conosco. Este é o
mistério e amaravilha danossa salvação, e é a realidade mais gloriosa que jamais
podemos contemplar. O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Deidade eterna,
desceu do céu à terra; assumiu a nossa natureza humana, compartilhou da
natureza humana; e como resultado da Sua obra, nós, seres humanos,
compartilhamos da Sua vida e estamos nEle, e somos participantes de todos os
benefícios que dEle vêm. Meus amigos, eu os fiz lembrar-se logo no princípio, e
devo repeti-lo, que o cristianismo é isso, e nada menos que isso. E se não
compreendemos isso, eu pergunto: que é o nosso cristianismo? Isto não é algo a
que você chega, é algo com que você começa. Você não obtém nenhum
benefício de Cristo, a não ser em termos da sua união com Ele - “todos nós
recebemos também da sua plenitude”, diz João, “e graça por graça” (João 1:16).
Ora, neste ponto, o apóstolo está primariamente interessado em salientar o
aspecto positivo disso tudo, e não o negativo. Ele tratará do aspecto negativo um
pouco mais adiante, neste capítulo. Mas, necessariamente, é preciso ter em
mente o negativo também. No entanto, o que o apóstolo está primariamente
interessado em salientar é que, ao passo que estávamos mortos, agora estamos
vivos. A pergunta que surge de imediato é: como é que isto pode acontecer? Algo
precisa acontecer antes que nós, que estamos mortos e sob a ira de Deus,
possamos passar a estar vivos. Não posso auferir nenhum benefício, de espécie
alguma, enquanto não se faça algo para satisfazer a ira de Deus, pois não
apenas estou morto e não apenas sou uma criatura de desejos e domínios
pelo deus deste mundo, eu estou sob a ira de Deus - “éramos por natureza filhos
da ira, como os outros também”. E, graças a Deus que alguma coisa aconteceu!
Cristo tomou sobre Si a nossa natureza, levou sobre Si os nossos pecados, foi ao
local de punição; a ira de Deus foi derramada sobre Ele. Esse é todo o
significado da Sua morte na cruz, é o pecado sendo punido, é a ira de Deus se
manifestando contra o pecado. E se não vemos isso na cruz do Calvário, estamos
olhando para aquela cruz sem os olhos do Novo Testamento. Há nesse terrível
aspecto da cruz, e nós nunca devemos esquecê-lo. Jamais devemos esquecer o
brado de desamparo: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”
Isso aconteceu porque Ele estava experimentando a ira de Deus contra o pecado,
nada menos que isso. Mas aqui o apóstolo está muito mais interessado em
acentuar o aspecto positivo. Cristo não somente morreu e foi sepultado; Ele
ressuscitou. Deus agiu “resuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita
nos céus, acima de todo o principado, e
Ora, o cristão é alguém que tem que afirmar esta verdade. O princípio do
cristianismo é dizer: “Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus” (Romanos 8:1). O cristão não é alguém que está esperando ser
perdoado; não é alguém que espera que finalmente será capaz de satisfazer as
exigências da lei e de estar na presença de Deus. Se é um cristão que entende o
cristianismo, ele diz: já estou lá, não estou mais morto, estou vivo, fui vivificado,
vida me foi dada. E o primeiro aspecto importante dessa declaração é o negativo,
que afirma que não estou mais morto. Deixei de ser morto; estou morto para o
pecado, estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus. “Portanto agora
nenhuma condenação há.” Você pode dizer isso? É a declaração que todo cristão
deveria ser capaz de fazer. E se você não tem essa segurança, é simplesmente
porque você não entende as Escrituras. As Escrituras fazem esta asserção
definida: não sou cristão, não posso ser cristão sem estar em Cristo. Segue-se
que, se estou em Cristo, o que
é verdade a respeito dEle é também verdade a meu respeito. Ele morreu uma vez
para o pecado, e eu, nEle, morri uma vez para o pecado. Quando o Senhor Jesus
Cristo morreu naquela cruz no Monte Calvário, eu estava morrendo com Ele tão
definida e certamente (e ainda mais) como sou responsável pelas ações da Grã-
Bretanha, por exemplo, na China, no último século, quando a sua gente
introduziu lá, vergonhosamente o comércio do ópio. Embora eu não o tenha feito
pessoalmente, embora tenha sido feito antes de eu nascer, sou responsável
porque sou britânico, e me sinto responsável e sinto vergonha. Exatamente da
mesma maneira, quando Cristo morreu na cruz e sofreu a ira de Deus contra
o pecado, eu estava participando nisso; eu estava nEle, eu estava morrendo com
Ele. Estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus, eu posso dizer com
Augustus Toplady:
Os terrores da lei, os terrores de Deus Comigo nada têm, nada podem fazer-me;
Mais que isso, porém, Ele nos viviflcou, Ele nos tornou vivos; e se você está
vivo, não está mais morto. Uma coisa ou outra - você não pode esperar tornar-se
vivo; ou está vivo ou está morto. Você está espiritualmente morto, ou está
espiritualmente vivo?
Mas examinemos o caso mais profundamente. Quer dizer que Deus colocou um
novo espírito de vida em mim. “A lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me
livrou da lei do pecado e da morte.” “A lei do Espírito de vida, em Cristo” está
no cristão. Isto é o oposto da morte e da inércia. Antes de entrar em nós este
espírito de vida em Cristo Jesus, estávamos mortos em ofensas e pecados, e
sujeitos a um espírito muito diferente - “o príncipe das potestades do ar, o
espírito que agora opera nos filhos da desobediência”. Todavia a verdade já não
é essa. Há um novo espírito de vida.
põe nova disposição em minha alma. Notem que digo “disposição”, não
faculdades; o de que necessita o homem não são faculdades; necessita é de uma
nova disposição. Qual a diferença, vocês perguntarão, entre faculdades e
disposição? Pode-se dizer que é algo assirm a disposição é aquilo que determina
a tendênciae ouso das faculdades. Éa disposição que governa e organiza o uso
das faculdades, que faz de um homem um músico, de outro um poeta e de outro
alguma outra coisa. Assim, a diferença entre o pecador e o cristão, entre o
incrédulo e o crente, não é que o crente, o cristão, tem certas faculdades que
faltam ao outro. Não, o que acontece é que esta nova disposição dada ao cristão
dirige as suas faculdades de maneira inteiramente diversa. Não lhe é dado um
novo cérebro, não lhe é dadaumanova inteligência, ou alguma outracoisa.
Ele sempre teve essas coisas; são seus servos, seus instrumentos,
seus “membros”, como lhes chama Paulo no capítulo seis de Romanos; o que é
novo é uma nova tendência, uma nova disposição. Ele mudou de direção, há
agora um novo poder agindo nele e guiando as suas faculdades.
E isso que faz de um homem um cristão. Há nele este princípio de vida, há esta
nova disposição. E esta afeta o homem todo; afeta a sua mente, afeta o seu
coração, afeta a sua vontade. É algo que sucede instantaneamente ao homem,
não gradativamente. O nascimento é repentino, o nascimento é instantâneo, não
é um processo gradual. Lá estava o homem, em dado momento morto, no
momento seguinte vivo. Ele foi vi vificado; esta disposição, este princípio de
vida penetrou nele. E, obviamente, é algo que acontece no nosso subconsciente.
O nosso Senhor deixou isso claro (não deixou?) paraNicodemos naquela
famosa declaração: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas
não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que énascido do
Espírito”. E secreto, não se pode ver nem entender, não é possível explicá-lo
plenamente; tudo o que se sabe é que aconteceu. “Eu era cego, e agora vejo” (VA
e ARA). Não entendo isso, não posso explicar, nem fisiologicamente, nem
anatomicamente, nem de nenhuma outra maneira; tudo o que eu sei é que eu era
cego, não podia ver, mas agora posso ver. Eu estava morto, agora estou vivo. É
secreto, é misterioso, é miraculoso, é maravilhoso, é incompreensível; porém
conheço os efeitos, aprecio osresultados, estou ciente do fato de que isso
aconteceu. Então, que será? É um ato criador de Deus. É por isso que vocês
vêem este apóstolo e outros se referindo muitas vezes a esse fato como uma nova
criação - “Se alguém está em Cristo, nova criatura é (nova criação); as coisas
velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. Sim,
ele tem os mesmos olhos, olha para as mesmas coisas para as quais olhava antes,
contudo não as vê como costumava vê-las. O pobre ébrio tinha olhos e podia
olhar para um bar, e via certas coisas; ele continua tendo olhos, continua vendo o
mesmo bar, e, todavia, não é a mesma coisa, é inteiramente diferente. Ele está
olhando para a mesma coisa, mas vê uma coisa absolutamente diferente. Por
quê? - não foi o bar que mudou. Ele mudou, ou melhor, foi mudado. Um novo
homem, umanova disposição, um novo princípio dominante, nova vida!
Você está vivo? Deus colocou em você este princípio de vida? Precisamente
como você é neste momento, você sabe se isto aconteceu com você, que há esta
diferença essencial entre você e o homem do mundo? Terei que entrar nesse
assunto em detalhe mais adiante. Mas este é o começo de tudo. Veja aquela
criança que acabou de nascer. Ela não pode raciocinar, não pode pensar, não
pode dar conta de si, dos seus gostos e do que lhe desagrada; não obstante, ela
manifesta vida: está viva, e tão viva como sempre estará. O seu entendimento e
tudo mais se desenvolverão, mas ela está viva e mostrando que está.
Vivificados! Estávamos mortos, sem vida, não podíamos mover-nos
espiritualmente, não tínhamos apetite espiritual, não tínhamos apreensão
nem entendimento, espiritualmente. No entanto, se somos cristãos, isso não é
mais verdade; fomos vivificados juntamente com Cristo, o princípio de vida
entrou, fomos regenerados. Não há cristianismo sem isso. Meramente crer que
você está perdoado não é suficiente. Cristianismo é isto: crer e saber que, devido
estarmos unidos a Cri sto, algo da Sua vida está em nós como resultado desta
união vital e indissolúvel, desta conexão íntima, mística. A vida da Cabeça passa
pelos membros - “vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (1
Coríntios 12:27). Você tem consciente percepção dEle? Você sabe que Ele
está em você e você nEle? Você pode dizer: “Eu vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim”? Você tem vida? Você foi vivificado? Este é o começo do
cristianismo. Não há cristianismo sem isso. Não é que eu e você não devemos
estar lutando. Claro que devemos lutar, estudar, jejuar, suar e orar. Temos que
fazer estas coisas; mas isso é algo que vem na seqüência. A primeira coisa é este
conhecimento da vida. Porventura você tem consciência de um princípio que
está agindo dentro de você, por assim dizer, a despeito de você mesmo,
influenciando você, moldando você, guiando você, convencendo-o (do pecado),
levando você avante? Você está ciente de que é possesso? - se posso dizê-
lo assim, sob o risco de ser mal entendido. O cristão é um homem possesso;
este princípio de vida entrou nele, esta nova disposição o possui. Ele tem
consciência de uma ação que se efetua dentro dele. “Vivificados juntamente com
Cristo”! Que coisa tremenda! É algo objetivo; porém, graças a Deus, também é
subjetivo. Não é uma coisa que está totalmente nEle e que me deixa onde eu
estava. Nada disso! Deus começou em mim uma boa obra, e eu a conheço. Ele
colocou esta nova vida em mim - em miml Nasci de novo e estou em união com
Cristo.
Queira Deus, por Seu Espírito, iluminar os olhos do nosso entendimento, para
que comecemos a compreender esta estupenda operação do poder de Deus em
nós.
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7
Continuamos o nosso estudo desta declaração do que Deus fez para nós em
nosso desamparo e desesperança nos termos da sua descrição nos três primeiros
versículos deste capítulo. Certamente não existe exposição mais maravilhosa
nem mais extraordinária da verdade concernente ao cristão do que a que se acha
nestes versículos! Portanto, devemos admitir, todos nós, ao lermos os sete
primeiros versículos deste capítulo, que os nossos problemas, na maioria, são
resultantes do fato de que pesa sobre nós a culpa de um duplo fracasso: por um
lado, falhamos em não perceber a profundidade do pecado e, por outro lado,
falhamos em não perceber a grandeza, a altura e a glória da nossa salvação.
Muitíssimas vezes nos contentamos em pensar em nossa salvação meramente
em termos do perdão dos pecados. Não que queiramos depreciar isso, pois não
há nada mais maravilhoso nem mais glorioso. O meu ponto é que parar nisso
certamente é trágico. E na verdade eu acredito que, em grande parte, deve-se
toda a condição e estado da Igreja hoje ao fato de que falhamos nesses dois
pontos. É porque nunca nos demos conta da profundidade do abismo do qual
fomos tirados pela graça de Deus que não o agradecemos a Deus como
devíamos. E depois há a nossa falha em não percebermos as grandes altitudes às
quais Ele nos elevou. É disso que o apóstolo está tratando agora. Ele nos está
falando acerca do livramento, da salvação. Aqui, naturalmente, o apóstolo não
está muito interessado na maneira pela qual somos salvos. Nesta altura ele não
está interessado na evangelização; essa é algo que já aconteceu; ele
está escrevendo a pessoas que já são cristãs, e ele quer que elas percebam
e entendam qual é realmente a verdade concernente a elas como pesso as cristãs.
Ele quer que elas conheçam “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós,
os que cremos”, pelo que ele faz uma exposição a respeito.
Já vimos que o que nos faz cristãos é a nossa união com Cristo. Esta doutrina da
nossa união com Cristo é absolutamente vital. A primeira coisa a que ela leva é a
regeneração, como já vimos.
Agora devemos dar o segundo passo, porque a Epístola não se limita a dizer-nos
que fomos vivificados juntamente com Cristo, mas diz também que Deus “nos
ressuscitou juntamente com ele”. Devemos ter sempre em mente, ao tratarmos
deste ensino, que o apóstolo está elaborando uma comparação aqui. O seu
argumento é que o que espiritualmente é verdade quanto a nós é similar ao que
aconteceu com o nosso Senhor fisicamente, quando Ele foi ressuscitado dentre
os mortos. Ele levou os nossos pecados em Seu corpo no madeiro, morreu, Seu
corpo sem vida foi descido, foi sepultado num túmulo, a pedra foi rolada sobre o
túmulo - não há dúvida sobre isso; é um fato. Ele foi morto, literalmente morreu
pelos nossos pecados. Entretanto na manhã do terceiro dia Ele ressurgiu, Ele foi
ressuscitado dentre os mortos. E o apóstolo desenvolve tudo isso em termos da
nossa experiência. Portanto, tenhamos em mente o que aconteceu com o nosso
Senhor. Lá esteve Ele, por aquele período, morto e numa sepultura, no reino
dos mortos. Mas Ele saiu do estado e lugar dos mortos. As vestes fúnebres foram
deixadas no túmulo, porém Ele não estava lá. Vocês recordam a maneira
pictórica pela qual os evangelistas nos descrevem isso, e a surpresa das mulheres
e de outros que foram ao sepulcro. Foram para ver o corpo na sepultura, mas não
havia corpo algum, somente as vestes fúnebres. Ele ressuscitou, foi tirado, não
estava mais morto, não estava mais na sepultura. Ele agora estava noutro reino,
estava vivo, tomado dentre os mortos. E Ele apareceu, vocês se lembram, a
pessoas escolhidas durante quarenta dias; em várias ocasiões e de várias
maneiras Ele Se manifestou às testemunhas escolhidas; e depois subiu ao céu.
São esses os fatos que devemos ter em mente. A nossa salvação, segundo o
apóstolo, é comparável a isso, nada menos que isso. Houve completa mudança
no reino em que o nosso Senhor estava: morto, no túmulo; vivo, manifestando-
Se, e de uma nova maneira. Ora, essa é a verdade, diz o apóstolo, acerca de
todos os que são verdadeiramente cristãos. Nada menos que isso. Fomos
ressuscitados juntamente com Cristo. Graças à nossa união com Ele, o que
aconteceu com Ele aconteceu conosco - não, como ele assinala aqui, no sentido
físico, todavia no sentido espiritual. Acontecerá também no sentido físico;
isso virá, mas o que ele quer que os crentes efésios entendam agora é
que, espiritualmente, precisamente o mesmo poder (como ele tinha argumentado
no final do capítulo primeiro) que ressuscitou o Senhor Jesus
Cristo está agindo agora em nós, os que cremos, e está realizando esta obra
maravilhosa em nós.
Então, o que é que isso nos diz acerca do cristão? Que é que isto nos diz como
verdade a respeito de nós? Podemos considerar a questão do modo como
consideramos a declaração acerca do nosso Senhor. Podemos considerar este
“ressuscitar juntamente” primeiro de maneira negativa. Logo que o nosso
Senhor ressuscitou dentre os mortos, certas coisas deixaram de ser verdadeiras a
respeito dEIe. E exatamente a mesma coisa se pode dizer do cristão. Há certos
fatores negativos que são de tremenda importância. E talvez a melhor maneira de
expor tudo isso seja em termos do capítulo seis da Epístola aos Romanos,
porque ali vocês têm realmente um amplo comentário sobre esta frase
que estamos considerando. Em todas estas Epístolas vocês têm a mesma doutrina
essencial. Algumas delas desenvolvem um ponto minuciosamente, outras o
fazem com outro ponto, mas a doutrina essencial é a mesma em cada uma delas.
E é por isso que o melhor comentário sobre qualquer Epístola do apóstolo Paulo
sempre será ler as suas outras Epístolas - e se vocês não o fizerem, mais cedo ou
mais tarde perderão o rumo. E outro ponto que defendo é este: se vocês
estudarem de fato qualquer destas Epístolas cuidadosamente, exaustivamente, e
tomarem tempo nisso, cobrirão toda gama da doutrina cristã; ao passo que,
se rasparem de leve a superfície delas, não terão uma verdadeira
concepção sobre o ensino do apóstolo. Vejamos agora como ele desenvolve
isso tudo no capítulo seis da Epístola aos Romanos.
Eis o que, evidentemente, sepode dizer acerca do cristão. Ocristão, por definição,
não está mais morto espiritualmente. Não está mais num túmulo espiritual.
Estava! - estávamos todos mortos em ofensas e pecados. Estávamos mortos,
estávamos num túmulo espiritual. Mas, como cristãos, saímos disso. Como
Cristo saiu do túmulo, nós também saímos do túmulo, e estamos fora dele.
Deixamos para trás as vestes fúnebres, e nada mais. Não estamos mais naquele
reino, não pertencemos mais àquela esfera, a nossa condição é inteiramente
nova. Ora, este é apenas outro modo de dizer que toda esta questão de
regeneração e salvação constitui a mudança mais profunda possível; e tornar-se
cristão é a experiência mais profunda, o fato mais profundo de todo o
universo. Não é nada menos que a diferença existente entre a morte e a vida,
entre estar num túmulo e andar em liberdade e sem amarras pelo mundo.
apegar-nos tenazmente. Aqui estão algumas das negativas. O fato de que não
estamos mais mortos e de que não estamos mais no túmulo é uma prova
categórica de que não estamos mais sob a ira de Deus, e não mais estamos sob
condenação. O apóstolo o expressa de maneira muito interessante no último
versículo do capítulo quatro da Epístola aos Romanos. Referindo-se ao nosso
Senhor, ele diz: “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para
nossa justificação”. Isso quer dizer que a morte do nosso Senhor foi por causa
das nossas ofensas. Ele morreu porque levou sobre Si as nossas ofensas; tomou
sobre Si os nossos pecados e as nossas transgressões, e como o castigo era a
morte, Ele morreu. Mas, como saber se Deus ficou satisfeito com essa oferenda?
A resposta é a ressurreição! “Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para
nossa justificação”! O ressurgimento de Cristo dos domínios damortee do
sepulcro, o Seu reaparecimento, éprova absoluta de que Deus está satisfeito por
ter sido o pecado punido verdadeiramente. Evidentemente, pois, isso se aplica a
nós com igual força. E o apóstolo prossegue, paraconcluiro argumento logo no
versículo seguinte, o versículo primeiro do capítulo cinco. “Sendo pois” - vocês
vêem a lógica! “Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso
Senhor Jesus Cristo.” Fomos ressuscitados dentre os mortos com Ele e, portanto,
fomos justificados e, conseqüentemente, não estamos mais sob a ira de Deus. Ele
o expressacom mais força aindano versículo primeiro do capítulo oito: “Portanto
agora nenhuma condenação hápara os que estão em Cristo Jesus”. Nenhuma
condenação! A condenação leva à morte; mas não estamos mais mortos,
ressuscitamos; portanto, não há condenação. Vocês recordam o contraste. Que
éramos? Mortos. Não somente estávamos “mortos em ofensas e pecados”,
todavia também éramos “por natureza filhos da ira, como os outros
também”. Todos quantos nascemos neste mundo, nascemos sob a ira de Deus,
sob condenação. Mas não estamos mais nessa situação; ressuscitamos dentre os
mortos, demos fim à morte: “portanto agora nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus”.
Todo cristão deve saber essa verdade, e todo cristão deve gozar essa segurança.
Porquê? Porque você está em Cristo, não por causa de alguma coisa existente em
você. Por causa da sua união com Cristo, porque você foi ressuscitado com Ele.
O primeiro fator básico da segurança é que cremos nisto; aceitamos isto pelafé,
reconhecemos a sua veracidade. Fui introduzido em Cristo, fui ligado a Cristo; e,
portanto, quando Ele ressuscitou e deixou aquela esfera, eu também a deixei.
“Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação”! Você se
dá
conta de que não está mais sob a ira de Deus? Você se dá conta de que, portanto,
não há nenhuma condenação para você? Você se dá conta de que o castigo foi
imposto e sofrido, e que você não mais tem por que temer o castigo vindouro?
Essa é a primeira dedução de Paulo.
Depois ele passa à outra. Diz ele que, porque não estamos mais mortos, e sim,
vivos, também estamos mortos para a lei, Não estamos “debaixo da lei, mas
debaixo da graça”, diz ele. E no capítulo sete da Epístola aos Romanos ele
elabora o ponto empregando uma comparação. Diz ele que uma mulher,
enquanto o seu marido não morrer, estará presa a ele e por ele, e não poderá
casar-se com outro homem sem se fazer adúltera. Contudo, quando o marido
morre, ela está livre para casar-se outra vez; não está mais presa àquele marido e
por ele. Diz o apóstolo que exatamente essa é a nossa relação com a lei, como
cristãos. Todos nós nascemos “debaixo da lei”. A lei de Deus nos enfrenta, nos
desafia e nos condenaporcausado nosso fracasso; e Deus nos trata pela lei.
Mas, se estamos em Cristo, não mais estamos debaixo da lei, porém debaixo da
graça. Não significa, é claro, que não temos mais que guardar a lei moral, mas
sim, que a nossa relação com Deus não é mais uma relação legal, judicial; é uma
relação pessoal, de pai e filho. Naturalmente o pai, se for um bom pai, verá que o
filho seja disciplinado e obedeça a certas leis, todavi a a relação mudou. O
homem em pecado está em desarmonia com Deus e é tratado por Ele de maneira
puramente legal. Contudo os que estão “em Cristo” foram retirados daquela
esfera. A lei executou a suapuniçãoplenae completa
enaextensãoplenaecompletano Senhor Jesus Cristo e, se estamos nEle, a lei não
tem mais exigências quanto a nós, nesse sentido. Não estou mais debaixo da lei,
estou debaixo da graça. Essa é a segunda dedução. E que coisa tremenda é
compreendermos que estamos numa relação totalmente nova com Deus. Isso
vem à tona, como veremos adiante, em certos aspectos práticos.
Há, porém, uma afirmação mais extraordinária. Diz o apóstolo que, porque
ressuscitamos com Cristo, agora estamos “mortos para o pecado", No versículo
dois do capítulo seis de Romanos o apóstolo responde a pergunta que ele tinha
feito no versículo primeiro - “Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado
para que seja a graça mais abundante?” - dizendo: “De modo nenhum. Como
viveremos no pecado, nós os que para ele morremos?” (ARA). Uma vez que
ressuscitamos com Cristo, estamos mortos para o pecado. Diz ele ainda,
no versículo seis: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com
ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos
mais ao pecado”. Pois bem, esta é, evidentemente, uma
afirmação muito importante e vital. Que é que significa? Está claro que não
significa que somos perfeitos, que estamos sem pecado e que nunca mais vamos
pecar. Sabemos que isso não é verdade. “Se dissermos que não temos pecado,
enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós”, diz o apóstolo João, em
sua Primeira Epístola, capítulo primeiro. Então, que significa? Em que sentido é
certo dizer que o cristão está morto para o pecado? É certo neste sentido: antes
de nos tornarmos cristãos estamos “mortos em ofensas e pecados”; mas como
cristãos, isso já não é verdade quanto a nós. Antes pertencíamos ao reino
do pecado, aos domínios do pecado, e estávamos sob o poder do pecado. Éramos
controlados pelas cobiças da carne, que se manifestavam como desejos da carne
e da mente. A nossa vida era pecaminosa, éramos controlados pelo pecado,
dominados pelo pecado, governados de várias maneiras por estas cobiças e
paixões da mente e do corpo. Ora, isso não é mais verdade a nosso respeito.
Estamos mortos para aquele reino do pecado, não estamos mais lá, fomos
retirados. “O pecado não terá domínio sobre vós”, diz o apóstolo em Romanos,
capítulo 6. Não mais andamos em ofensas e pecados, como costumávamos fazer.
Outrora estávamos mortos em ofensas e pecados, como os outros
também; “Entre os quais todos nós também antes andávamos” daquela
maneira. Mas, já não é essa a verdade sobre o cristão. Ele não gasta mais o
seu tempo lá, não anda lá, não vive lá; não pertence mais àquela esfera, foi tirado
daquela esfera. Repito que isso não significa que ele é perfeito; porém não
pertence mais àquela esfera. É como alguém que se muda de um país para outro,
é como alguém que está seguindo os trâmites para a sua naturalização; há
completa mudança em sua posição, em sua relação com o Estado. E essa é a
verdade quanto ao cristão. Ele não serve mais ao pecado. Ou, para fazer uso da
ilustração do apóstolo outra vez, ele não é mais servo do pecado. Antes ele era
um consumado escravo. Gostemos ou não, o fato acerca de toda e qualquer
pessoa não regenerada é que é escrava do pecado, governada por um princípio
mau. Todavia, não é mais esse o caso, com referência ao cristão. Não mais
somos escravos do pecado, fomos retirados disso. É verdade que, em
nossa insensatez, aindapodemos dar ouvidos ao diabo, aindapodemos rendermos
à tentação, ainda podemos obedecer a um impulso pecaminoso, mas isso não
significa que somos escravos do pecado. Não somos mais controlados por ele.
Esse é o princípio, e é nesse sentido que estamos mortos para o pecado. “Aquele
que está morto está livre do pecado” (VA).
Talvez possamos fazer uma colocação ainda melhor deste ponto da seguinte
maneira: diz o apóstolo, no versículo seis do capítulo seis de Romanos:
“Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado”, com Cristo.
Esta tradução é melhor do que a da VA, que diz: “Sabendo que o nosso velho
homem está crucificado com Cristo”. Sabemos disso, diz o apóstolo. Como
cristãos, essa é a verdade a nosso respeito. Que significa? Que é o velho homem?
A resposta se acha no capítulo cinco. O velho homem é o homem adâmico, o
homem que estava em Adão. Vocês recordam a comparação. Todos nós
estávamos em Adão, éramos descendentes lineares de Adão, e estávamos nele.
E mais, ele era o nosso chefe e representante federal; mas não somente isso,
estávamos presos a ele pelos laços de carne, sangue e descendência; há a mesma
união dupla, federal e vital - todos nós estávamos em Adão. E cada um de nós
que nasceu neste mundo nasceu filho de Adão. Temos natureza adâmica, nossa
posição diante de Deus é a de Adão. Adão caiu, e nós caímos com ele.
Conseqüentemente, estávamos sob a ira de Deus,
Deus; não estão cônscios de Deus, não têm uma relação viva com Deus. Vivem
neste mundo como se Deus não existisse. Eles estão absolutamente mortos para
Deus. Mas, tendo sido ressuscitados com Cristo, estamos “vivos para Deus”. E
esse é o fato máximo que você poderá saber sobre si mesmo, que você está vivo
para Deus, em harmonia com o Eterno, e foi despertado para uma realidade
infinita e absoluta.
Vocês viram aquela flor? Lá está ela, de noite, fechada; vem o sol e, de repente,
ela começa a abrir-se e a receber vida do glorioso sol. É o que acontece com o
cristão. Ele está “vivo para Deus”. Que significa? Significa que temos uma
atitude inteiramente nova paracom Deus. Não estamos mais em inimizade contra
Deus. O apóstolo continua no capítulo oito da Epístola aos Romanos, dizendo
que a mente natural, o homem natural, está em inimizade contra Deus. De fato
veremos, nesta Epístola aos Efésios que estamos estudando, que Paulo diz mais
adiante que nós éramos “estranhos e inimigos no entendimento pelas
nossas obras más” (cf. Colossenses 1:21). E quanta verdade há nisso!
Mas, quanto ao cristão, já não é verdade. O cristão não está mais em inim
izade contra Deus. Ele quer bem a Deus. Não tem mais a sensação de que Deus é
um monstro terrível que se põe contra nós, esperando para esmagarmos,
condenar-nos, destruir-nos. Não, ele passou a conhecer Deus, e a saber que Deus
é amor, misericórdia, bondade e compaixão. Ele não foge mais de Deus e não
tenta esconder-se entre as árvores, como fez Adão, evitando a Deus a todo custo.
É isso que o homem natural ainda faz; o homem natural faz o que pode para
evitar a Deus. É por isso que ele odeia a idéia da morte. A morte é, para ele, o
inimigo mais terrível. Por quê? Porque ela significa que ele terá que comparecer
à presença de Deus. Nem sempre ele põe esse temor em palavras, porém o sente
nos ossos. Ele sabe que essa é a verdade, e a odeia por essa mesma
razão. Significa postar-se diante de Deus. É por isso que ele não freqüenta
um local de culto, é por isso que ele não lê a Bíblia, é por isso que ele não gosta
de funerais - Deus! A morte leva-o para perto de Deus, e ele odeia isso; fica
aterrorizado e, por isso, evita a Deus.
O cristão, no entanto, não é assim. “Assim como o cervo brama pelas correntes
de águas, assim suspira minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de
Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?”
(Salmo 42:1-2). Que mudança! Mudança da morte para a vida. Mudança
absoluta. Mudança essencial. Haverá mudança maior do que esta, que agora a
pessoa queira bem o Ser que antes temia com tremor e terror? Deus Se torna o
nosso Pai. E o maior desejo do cristão verdadeiro é chegar mais perto de Deus.
Você
pode dizer com sinceridade que o que mais deseja neste momento é conhecer
melhor a Deus e aperceber-se de Sua presença? Se pode, você é cristão. Se não,
será melhor reexaminar os seus fundamentos; pois, quando um homem está em
Cristo, ele tem nova natureza, e esta nova natureza clama por Deus. O nosso
Senhor costumava levantar-Se muito antes do alvorecer para orar a Seu Pai;
costumava passar a noite orando. Seu Pai! Ele queria a Sua presença, tinha
prazer na comunhão. E essa é a característica do cristão, ele está “vivo para
Deus”. Pensemos nas ilustrações óbvias. E como um instrumento elétrico:
desligado está morto; ligando-se, torna-se vivo. O microfone recebe a minha
voz. Por quê? - porque está vivo para mim. Mas, se o desligarem, estará morto. E
como era o homem, não estava vivo para Deus; todavia agora está vivo para
Deus, é sensível a Deus, deseja a Deus, ama a Deus, busca a Deus. “Ah,
soubesse eu onde encontrá-lo!”, é o seu clamor. Não pode ver a Deus como
gostaria, não O conhece bastante bem. Está “vivo para Deus”.
Contudo não somente está vivo para Deus, ele anda “em novidade de vida”. Que
frase maravilhosa! E o completo contraste, vocês vêem, com a morte. O apóstolo
diz isso de novo no capítulo quatro desta Epístola aos Efésios, desta maneira: ele
fala sobre o “novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeirajustiça e
santidade”. Qual é então a verdade a respeito do cristão? E que ele não está mais
andando em ofensas e pecados, está vivendo esta vida inteiramente nova, não
mais governado pela carne e seus desejos, mas governado por esta nova maneira
de ver. Como isto se manifesta? Permitam-me resumir o ponto. Manifesta-se em
sua mente, manifesta-se em seu coração, manifesta-se em sua vontade. Esse é o
modo de dizer se você é cristão ou não. O cristão é alguém que, havendo
ressuscitado com Cristo, anda em novidade de vida. E o homem vive com sua
mente, seu coração e sua vontade.
O cristão tem mente nova. Que é isso? Paulo diz, no capítulo doze da Epístola
aos Romanos: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela
renovação do vosso entendimento” ou “da vossa mente” (VA e ARA). E o
cristão tem mente nova, que se manifesta das seguintes maneiras: ele vê tudo de
maneira diferente. Não pensa mais em termos do tempo, começa a pensar em
termos da eternidade, A vida do incrédulo está inteiramente presa ao tempo, ele
nunca vai além, nem quer ir, pois tem medo, Pensar naquele “desconhecido país
de cujas fronteiras nenhum viajor retorna” o inquieta. Não, ele não está
interessado na eternidade. Mas o cristão está. O cristão vê que esta vida
é temporária, limitada pelo tempo. Eternidade! - sua mente começa a
atuar em função dessa realidade. E agora ele não pensa somente em termos do
corpo e de uma alma racional, também começa a pensar em termos do espírito.
Como pensa o não cristão? Bem, o “mundo do seu pensamento” é limitado por
este mundo e seu conhecimento, sua cultura, sua arte, seus negócios, seus
prazeres e outras coisas semelhantes. Coloquem nisso tudo o que quiserem - não
quero deixar nada fora - coloquem tudo o de que vocês dispõem nisso, mas ainda
lhes digo que é uma vida e uma perspectiva inteiramente limitadas pelo corpo e
pela alma racional, e nada que vá além disso. Entretanto o cristão não para
aí. Ele se dá conta de que há nele o que se chama espírito, há nele aquilo que o
torna consciente do fato de que ele pertence a outro domínio e a outra esfera, e
ele se põe a viver mais e mais nessa esfera, e cada vez menos na outra. Não é
somente o tempo, não é somente o material; é a eternidade, é o espiritual, é o
perene. Ele é elevado a uma “esfera de pensamento” inteiramente nova. E agora
julga todas as coisas à luz dessa nova esfera. Tem um novo padrão de valores,
avalia as coisas de maneira totalmen te diferente. O que ele quer saber agora,
sobre qualquer coisa, não é que tipo de proveito ele pode tirar disso, que tipo de
prazer lhe trará; mas, antes, que valor tem para a sua alma. E como isso afeta a
sua relação com a eternidade. Como toca em sua relação com Deus e com Jesus
Cristo. Ele vê tudo de maneira diferente e tem um padrão de valores totalmente
novo, porque tem esta mente renovada em Cristo. Ele anda em novidade de vida.
Outra coisa óbvia é que ele se interessa pela Bíblia como nunca antes. Antes ele
punha todos os outros livros adi ante daBíblia; agora ele põe a Bíblia adiante de
todos os outros livros. Ele compreende que a Bíblia é o único livro que o leva a
Deus e a uma crescente participação na vida de Deus. Sua mente começa a atuar
com base no Livro; este lhe fala, ele sente prazer nele, gloria-se nele, emociona-
se com ele.
Ele vê também que passa cada vez mais tempo em meditação. Que arte perdida,
a arte da meditação! Todavia o cristão medita. Ele pára para pensar, põe de lado
os jornais, desliga o rádio e o televisor, não fica o tempo todo correndo atrás de
algum entretenimento; ele se assenta repousadamente e pensa em si, em Deus, na
glória e na eternidade. Tem mente nova. Vocês vêem que completo oposto ele é
do homem natural? Uma coisa que o homem natural nunca faz é meditar. Ele faz
tudo o que pode para evitá-lo, e o mundo se afana em satisfazê-lo; o mundo
sabe do que ele gosta e o ajuda a fugir de si mesmo e de todas estas
coisas maravilhosas.
homem tem desejos inteiramente novos. Eis o que o nosso Senhor diz sobre ele:
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”.
O seu maior desejo agora não é de ter mais prazer e satisfação momentânea; é de
justiça, de verdadeira santidade. Ele diz com Davi: “Cria em mim, ó Deus, um
coração puro, e renova em mim um espírito reto”. Esse é o seu maior desejo. O
maior desejo do cristão verdadeiro é estar limpo por dentro, ser puro, ser santo,
ser justo, ter um coração que esteja livre do pecado. E ele se entristece por causa
do pecado. Agora ele não considera a dor que se segue ao pecado como
um aborrecimento e um problema. Não o considera como o
inevitável concomitante do prazer e das práticas ilícitas. Não, agora ele
compreende que opecadonão émeramenteuma ofensa à lei, porém uma ofensa a
Deus que tanto o amou e enviou o Seu Filho unigênito para morrer por ele.
Como você considera os seus pecados e os seus fracassos? Qual é a primeira
coisa que vem à sua mente quando você peca? É o medo do castigo? Se é, você
ainda está debaixo da lei em seu pensamento. Se, antes, é o sentimento de que
você entristeceu Aquele que o ama, então o seu pensamento é cristão. Os desejos
são absolutamente novos; não são mais os desejos da carne e daquela mente
pecaminosa; são desejos, os desejos do próprio Cristo, de ser agradável aos olhos
de Seu Pai.
O novo homem também tem o desejo de orar. Não quero deixar ninguém
deprimido, mas se você tem a nova vida, desejará orar como nunca antes. Será
seu anelo ter tal intimidade com Deus que desejará falar com Ele mais do que
com qualquer outro. Você sabe dos começos dessa experiência? Isto é
essencialmente verdade quanto ao cristão. Oração! Depois, igualmente, ele
deseja comunhão com os santos. “Nós sabemos que passamos da morte para a
vida”, diz João, “porque amamos os irmãos” (1 João 3:14). Os irmãos, seus
conservos em Cristo, a família de Deus, as pessoas que estão interessadas nestas
coisas, estas são as pessoas que amamos e que tanto queremos. E, naturalmente,
outra coisa é um real interesse pelas almas dos que estão fora destas coisas. Você
não pode ser cristão sem ter esse interesse. Eles estão mortos em ofensas e
pecados; são criaturas presas às cobiças - eles não sabem disso, mas nós
sabemos; e eles estão sob a ira de Deus. O nosso Senhor tinha grande compaixão
das pessoas; Ele as via “como ovelhas sem pastor”; e, necessariamente, o cristão
tem que conhecer algo desse sentimento. Aí está o coração transformado.
A seguir, uma palavra sobre a vontade. O cristão exerce a sua vontade numa
nova direção. Ele quer agradar a Cristo e agradar a Deus. O que ele pergunta
agora não é: do que eu gosto? O que eu quero? -
Podemos resumir tudo isso fazendo algumas perguntas simples. Você foi
ressuscitado? Você foi ressuscitado juntamente com Cristo? Você está vivo para
Deus? Você tem consciência de Deus? Você conhece aDeus? Você O deseja?
Estas questões são vitais. “Considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus em Cristo Jesus.” E se estão, esta é a exortação do apóstolo:
“Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre os mortos, e os vossos membros (as
vossas faculdades) a Deus, como instrumentos de justiça”. O cristão é alguém
que ressuscitou com Cristo do domínio do pecado e da morte para uma nova
vida na qual ele está “vivo para Deus”.
NOS LUGARES CELESTIAIS
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7
Expondo o que esta grande declaração fala acerca de nós mesmos como cristãos,
vimos que fomos vivificados para uma nova vida e ressuscitados com o Senhor
Jesus para a nova vida.
Mas a história não termina aí. Vai além. Deus não somente nos vivificou e
ressuscitou com Cristo, Ele “nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo
Jesus". Pois o nosso Senhor, depois de ressuscitar dentre os mortos, não
permaneceu indefinidamente na terra. Ascendeu ao céu, e está assentado à mão
direita de Deus na glória. Portanto, o apóstolo prossegue e afirma que isso
aconteceu também ao crente. E, naturalmente, tem que acontecer com o crente.
Digo que tem que acontecer ao crente por esta razão, que a doutrina da nossa
união com Cristo insiste nisso. Como fomos vivificados com Ele, segue-se
necessariamente que todas as outras coisas que aconteceram com Ele
deverão acontecer espiritualmente conosco. Portanto, por necessidade,
fomos levados a assentar-nos com Ele nos lugares celestiais.
Outra coisa que devemos ter em mente é que todas estas afirmações feitas pelo
apóstolo estão no pretérito. Ele não está dizendo que estas coisas nos vão
acontecer; elas aconteceram. Vocês notam que ele fala com clareza - “pela graça
sois (ou estais) salvos”, “fostes salvos”. Do mesmo modo “fostes vivificados”,
“fostes ressuscitados”, “estais” assentados. É algo que já se realizou. Não é uma
profecia, não é uma predição, não é a apresentação de uma esperança de algo
que vai acontecer. O verdadeiro ponto em que o apóstolo está interessado é
que estes efésios percebam que isto é verdade quanto a eles. Ele diz: quero que
os olhos do seu entendimento sejam iluminados para que vocês possam saber
que esta mudançajá ocorreu, já é algo que constitui um fato concreto. Tem que
ser assim, reitero, por causa da nossa união com o nosso Senhor.
Que é que isso significa? Talvez o melhor plano seja começar considerando a
expressão traduzida por “lugares celestiais”. Vê-se a mesma expressão no
capítulo primeiro, versículo três; “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo”. Uma tradução melhor é “nos mais altos céus”. “Lugares” é
realmente uma palavra acrescentada pelos tradutores, na verdade um acréscimo
infeliz porque não comunica plenamente a idéia que estava na mente do
apóstolo. Localiza-a demais, Os mais altos céus! Que se quer dizer com
a expressão “os mais altos céus”? E a mesma coisa que o apóstolo tem em mente
quando, num notável trecho de autobiografia que temos na Segunda Epístola aos
Coríntios, no capítulo doze, ele nos diz, no versículo dois, que conhecera um
homem, fazia catorze anos, que fora “arrebatado ao terceiro céu”. Era como se
pensava naqueles tempos. O primeiro céu era a atmosfera, as nuvens, etc., que
vemos; o segundo céu eram os domínios das estrelas, da lua e do sol; e o terceiro
céu era o lugar onde Deus manifesta especialmente a Sua presença e a Sua
glória, o lugar em que o Senhor Jesus Cristo, no Seu corpo glorificado,
habita agora. Esse é o terceiro céu. Sempre que temos a expressão
“lugares celestiais”, ou “os mais altos céus”, ela geralmente tem esse sentido e
conotação. Assim, essa é a esfera na qual fomos introduzidos como resultado da
nossa regeneração. Como resultado da nossa regeneração, pertencemos ao
terceiro céu, aos mais altos céus, a esse lugar onde a glória e a presença de Deus
se manifestam desta maneira maravilhosa e esplêndida. Que é que isso significa
concretamente na prática para nós? Para responder esta pergunta precisamos
expor a nossa passagem.
Ao fazê-lo , devemos ter em mente que nestes versículos, quatro, cinco, seis e
sete, temos o contraste com o que tivemos nos versículos
- Ill -
um, dois e três. Estávamos lá - mas Deus! Ele nos elevou a uma posição
inteiramente nova e diferente. Esse é o contraste, o qual se manifesta, como
vimos, com simplicidade e naturalidade. Estando mortos, foi nos dada vida. O
oposto de estar espiritualmente morto é ser regenerado. O oposto de uma vida de
pecado e de estar sob condenação é ser justificado pela fé, não estar mais sob
condenação, viver esta nova vida para Deus. É exatamente como este terceiro
passo, descrito como “assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus”.
O apóstolo tira muito desta idéia. Escrevendo aos gálatas, capítulo primeiro,
versículo 4, ele diz, referindo-se à nossa salvação, que Cristo
“se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau”.
Seu argumento é que Ele faz isso agora. Não é uma referência à morte e àpartida
deste mundo. O cristão é liberto do presente século mau agora. Ele ainda está
nele, porém não é mais dele; não está mais preso por ele, sua perspectiva não é
mais determinada por ele. O apóstolo João é igualmente categórico sobre isto e
igualmente se regozija com isto, como todos nós deveríamos regozijar-nos -
“Esta é a vitória que vence o mundo...” (1 João 5:4). Uma diferença entre o
não cristão (o incrédulo) e o cristão é que o não cristão é dominado pelo mundo,
é absolutamente controlado por ele. Não há necessidade de demonstrar isso; o
modo como o povo vive é prova absoluta disso. Tudo vem retratado nos jornais.
Os não cristãos são totalmente controlados por “o que você tem que fazer”, e por
“o que todo o mundo faz”. Controlado pelo mundo! Por outro lado, o cristão tem
vitória sobre o mundo. Que contraste! Ele foi tirado desta esfera.
Vê-se esta ênfase em toda parte nas Escrituras. Vocês notaram o que nos é dito
acerca daqueles filhos da fé, aqueles homens de fé em Hebreus, capítulo 11 ?
Isso é sempre verdade a respeito deles. Eis o que lemos: eles “confessaram que
eram estrangeiros e peregrinos na terra”. Essa era a situação deles, apesar de
ainda estarem neste mundo. Vocês recordam que nos é dito que os patriarcas
Abraão, Isaque e Jacó habitavam em tendas, em tabernáculos. Por quê? - bem, a
sua idéia era imprimir neles e em todos os demais que eles eram apenas
residentes temporários (essa é a expressão empregada), estrangeiros e
peregrinos, viajores, tão-somente de passagem por este mundo. Este não era o
seu lugar de habitação permanente, eles estavam em marcha, em movimento.
“Aqui”, diziam eles, “não temos cidade permanente, mas estamos em busca da
que é do porvir”; “estrangeiros e peregrinos na terra”. E vocês recordarão como
o apóstolo Pedro, conclamando as pessoas às quais estava escrevendo a terem
uma vida digna da sua alta vocação em Cristo, faz esta colocação: “Amados”,
diz ele, “peço-vos como peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das
concupiscências carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso viver
honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como
de malfeitores, glorifiquem aDeus no dia da visitação, pelas boas obras que em
vós observem” (1 Pedro 2:11-12). Notem os termos do apelo: “Amados, peço-
vos, como a peregrinos e forasteiros”; isto é, vocês não pertencem a este mundo!
Compreendam isso! Na verdade, esta idéia é um dos termos mais importantes de
todas as Escrituras. Assim que o homem se toma cristão, uma das primeiras
coisas de que toma consciência
é que ele foi separado do mundo. Antes lhe pertencia, era da sua própria
essência; agora ele está ciente da separação, foi tirado dele, não lhe pertence
mais. Tornou-se estranho a ele em sua mente, em sua perspectiva, em seus
gostos, em tudo. Naturalmente o mundo ainda pode tentá-lo, mas ele está
cônscio de que está fora dele. Estava nele, agora está fora dele. E se ele for
bastante tolo para olhar de novo para o mundo e para deixar-se seduzir por ele,
bem, estará simplesmente contradizendo o que lhe aconteceu. Uma vez que
estamos nos mais altos céus com Cristo, não pertencemos mais a este mundo.
“Não ameis o mundo”, diz João, “nem o que no mundo há” (1 João 2:15). Essa é
a primeira negativa.
Eis a segunda: visto que estamos nos mais altos céus com Cristo, não estamos
mais sob o domínio de satanás, e não estamos mais no reino de satanás.
Estávamos lá outrora - “em que noutro tempo andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos”. E
nisso que estávamos, vítimas e vassalos de satanás; não somente dominados pela
mente do mundo, mas dominados por aquele que controla a mente do
mundo. Estávamos no reino de satanás, sob o poder de satanás, sob o domínio de
satanás. Essa é a situação do incrédulo. O mundo ri disso e o ridiculariza. Causa
espanto ao mundo que haja quem acredite na existência do diabo, e com isso o
mundo prova que está sob o domínio do diabo. É tão completamente insensato e
cego que nem sequer tem consciência disso. “Se ainda o nosso evangelho está
encoberto”, diz Paulo, “para os que se perdem está encoberto...” (2 Coríntios
4:3). Tais pessoas pensam que não são cristãs porque são cultas e
inteligentes demais. A verdade sobre elas, naturalmente, é que elas foram
golpeadas pelo diabo e tão cegadas por ele que não conseguem ver.
Estão inteiramente sob o seu domínio. Mas quando alguém se torna cristão e é
transferido para os mais altos céus, isso já não é verdade a seu respeito. Esse é
precisamente o argumento de Paulo ao dirigir-se a Agripa, a Festo e aos que com
ele estavam, quando ele compareceu diante deles como prisioneiro (Atos 26:18).
Disse ele que quando Cristo lhe aparecera no caminho de Damasco e lhe dera
Sua grande comissão, Ele dissera: vou enviá-lo ao povo e aos gentios, “para lhes
abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de satanás a
Deus...”. Esse é o dever da pregação, diz o Senhor ressurreto a Paulo, essa é a
Minha comissão a você; estas pessoas estão sob o poder de satanás, estou
enviando você para pregar-lhes o evangelho, a fim de que elas sejam tiradas de
sob o
poder de satanás e trazidas para Deus. - Que transferência! - para fora do seu
domínio! João diz a mesma coisa em sua Primeira Epístola: “Sabemos que
somos de Deus, e que todo mundo está no maligno” (5:19). O mundo inteiro está
nos laços do maligno, porém nós não estamos; somos de Deus, estamos
inteiramente afastados dali. O mesmo apóstolo afirma que o maligno “não nos
toca”. Antes não só nos tocava, dominava-nos; mas agora estamos tão afastados
do seu reino, domínio e poder que ele não pode tocar-nos. Ele pode rugir, pode
seduzir-nos, mas não pode tocar-nos. Ou ainda vejam como o apóstolo se
expressa sobre o assunto escrevendo aos colossenses. Diz ele que o cristão
é alguém que, entre outras coisas, foi transferido do reino das trevas para o reino
do amado Filho de Deus. Estou convencido de que, se nós, que somos cristãos,
percebêssemos que não estamos mais sob o domínio de satanás, que ele não tem
nenhuma autoridade sobre nós, que não precisaremos ter medo dele se
compreendermos quem e o que somos, isso revolucionaria as nossas vidas. Esta
é a verdade concernente a nós. Estamos nos mais altos céus, não nos domínios
de satanás. E nesta esfera celestial, estamos fora do domínio e do reino de
satanás e do mal.
A terceira negativa é a seguinte: posto que estamos nos mais altos céus, não
estamos mais sob a ira de Deus sobrevinda ao mundo inteiro. Vocês se lembram
da coisa final que o apóstolo disse acerca do incrédulo: “Éramos por natureza
filhos da ira” - como que dizendo, pertencemos à esfera da ira - “como os outros
também”. Todavia agora Deus agiu sobre nós e nos ressuscitou juntamente com
Cristo, e não pertencemos mais àquela esfera, pertencemos à esfera dos mais
altos céus. Esta é a coisa mais tremenda e estonteante que há. Este mundo
em que nos achamos é um mundo condenado, é um mundo sob julgamento. Não
há nada que seja exposto mais claramente nas Escrituras, do começo ao fim, do
que isso. Vai haver um julgamento deste mundo, e este mundo com todo o mal
nele existente, em sua própria constituição, além das pessoas a ele pertencentes,
vai ser julgado, e a ira de Deus se derramará sobre ele. Haverá um terrível
julgamento e uma destruição medonha. Fracas prefigurações disso foram o
Dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, os diversos cativeiros dos filhos de
Israel, a destruição de Jerusalém em 70 A.D. Tudo isso dá uma pálida idéia da
ruína e da desgraça que esmagarão o mundo e todos os que se opõem a Deus,
sob a ira de Deus. O cristão é tirado disso tudo; ele já passou da morte, e
do juízo, para a vida. Nada disso o tocará, nada disso o afetará, nem lhe
fará dano algum, ele não precisa temer em nenhum sentido; ele já está fora dessa
esfera porque está nos mais altos céus com Cristo. Aí estão, pois, as
No entanto, eu suponho que não existe declaração mais gloriosa desta verdade
do que aque se acha naEpístola aos Colossenses, de novo, no capítulo três.
Ouçam esta assombrosa afirmação acerca do cristão -“Porque já estais mortos, e
a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. Essa é a verdade a respeito de
você, Se você é cristão, isto só pode ser verdade a seu respeito, você não tem
como evadir-se disto, porque você está em Cristo.Você está morto. O homem
adâmico, o homem que você era, está literalmente morto, e sua vida está
escondida com Cristo em Deus. Você pertence a uma esfera
completamente diferente e a um reino completamente diferente. Cristãos, vocês
sabem
disso? Estão cientes disso? Essa é a questão vital, esta percepção de que são
doutro lugar, estrangeiros e peregrinos na terra - estamos longe de casa, estamos
longe de casa apenas por algum tempo, para cumprirmos o propósito de Deus;
mas o nosso lar, a nossa pátria, a nossa cidadania, é lá no céu. Essa é a
comunidade a que pertencemos.
Não vejo como uma pessoa tem direito de dizer-se cristã se não tem ciência das
influências celestiais em sua vida. “No amor celestial permanecendo, não temerá
mudança o meu coração”. Vocês têm conhecimento disso? Vocês têm
experiência do amor celestial a guiá--los,aconquistá-loseafal ar com vocês?
MentalidadecelestiallÉtriste, porém tenho ouvido crentes evangélicos brincarem
sobre isso e dizerem a respeito de outros: “Eles se tornaram tão celestiais em sua
mentalidade que não têm utilidade nenhuma na terra”. E se julga inteligente essa
afirmação! Que tragédia! Não há como tornar-nos exageradamente celestiais em
nossa mentalidade. O problema com todos nós é que não somos suficientemente
celestiais em nossa mente, não sabemos disso o bastante, não ficamos lá o
suficiente. Não nos damos conta do que é certo a nosso respeito, os olhos do
nosso entendimento não foram iluminados. O cristão é, necessariamente, um
homem de mentalidade celestial, a vida de Deus penetrou nele, e suamente
mudou, como vimos. Ele costumava ser governado pelos desejos, pelas cobiças
da mente e da carne. Já não é mais governado por essas coisas - elas o tentam,
o experimentam; mas não é dominado por elas porque há esta outra influência.
Ele está consciente dela, ele a conhece. O Espírito de Deus trata com ele,
trabalha nele, move-o, e o atrai e o arrasta daqueles poderes para este.
Permitam-me expressá-lo com mais clareza, como com mais clareza essa mesma
Epístola aos Hebreus o expressa no capítulo 10, versículos dezenove e vinte. Aí
está uma prova de que estamos nos mais altos céus e perto de Deus: “Tendo pois,
irmãos”, diz o texto, “ousadia para entrar no santuário” - no lugar santíssimo, no
“santo dos santos”, podemos entrar ali - “pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo
caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um
grande sumo sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com
verdadeiro coração, com inteira certeza de fé...”. Poderão vocês encontrar
uma declaração mais explícita que essa? O cristão está habilitado a entrar
no lugar santíssimo, ou seja, a chegar à propria presença de Deus, onde se vê a
glória da Shekinah - a glória da presença de Deus. Ou escutem esta outra
majestosa declaração a seu respeito, no capítulo doze da Epístola aos Hebreus.
Onde estamos, quando nos reunimos como cristãos na igreja? Onde estamos? Ao
pé do Monte Sinai? Chegamos a um lugar de exigências morais, leis e
condenação? Chegamos a um lugar onde apenas expressamos comiseração uns
aos outros, lamentamos pelos nossos pecados e falhas, baixamos a cabeça e
achamos que não há esperança para nós? Se você vem com essa disposição, você
não é
cristão. Não! Nós chegamos “ao monte de Sião, e àcidade do Deus vivo, à
Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e
igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e
aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma Nova
Aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel”. É aonde
viemos; não estamos indo para lá, estamos lá agora. Como cristão, você já
chegou lá. Aí é onde estamos -na Jerusalém celestial. Estamos nos mais altos
céus, com inumeráveis anjos; não os vemos, mas eles estão aí, nós estamos
naquela esfera, estamos sentados lá com Cristo. E aonde você chegou; aperceba-
se disso, e viva de acordo. Chegando-nos a Deus, entramos no
“lugar santíssimo”, e temos comunhão com Deus. E você? Você conhece
a Deus? Torno a perguntar: você está gozando comunhão com Ele? Você é capaz
de achá-10? Pode aproximar-se dEle e saber que Ele está ali? Deveria, se é que
você está nos mais altos céus. Aperceba-se da sua posição, e viva de acordo.
No entanto, há mais uma coisa. Desde de que estamos nos mais altos céus, já
conhecemos algo da vida do céu mesmo neste mundo. E isso também é algo
essencial e vital. Uma vez que somos cristãos, uma vez que estamos com Cristo
nos mais altos céus, já gozamos algo da vida do céu, agora mesmo. O apóstolo
fala noutro lugar sobre participar das primícias; fala sobre um antegozo; a grande
colheita ainda não chegou, porém os primeiros frutos estão disponíveis, podemos
tê-los em nossas mãos, podemos partilhar deles. Em Israel havia uma festa das
primícias, vocês recordam, justamente para lembrar aquele povo isto, e a
nós também. O antegozo! E vislumbres da glória! Não é dado a muitos de nós
sermos elevados ao terceiro céu, como aconteceu com o apóstolo Paulo. Eu não
tive essa experiência; mas, mesmo assim, deveríamos saber algo da glória,
deveríamos ter tido um ocasional vislumbre. Deveríamos ter ouvido
ocasionalmente algo da música; deveríamos ter uma sensação da vida que se
vive lá. Isaac Watts estava certo disto; eis como o expressa em seus versos:
Se você está em Cristo, está eternamente salvo, completo. Mas você goza o
descanso? Você compreende que estas coisas são verdadeiras? Regozija-se
nestas coisas? Você ainda está tentando fazer-se cristão? Se está, está entendendo
mal toda a sua situação, está negando o que aconteceu com você. Descanse na
obra de Cristo e por Ele concluída - goze o descanso da fé! “Portanto resta ainda
um repouso para o povo de Deus” (Hebreus 4:9). Seja o nosso objetivo entrar
nesse repouso, diz a Palavra, simplesmente nos dando conta de que Ele já
fez tudo. Tomara, irmãos, que especialmente nos demos conta da vitória! -pois
ainda estamos na carne, e ainda há o mundo, a carne e o diabo
para combatermos. Somos mortais medrosos, esmorecemos e trememos, e
Você sabe que está nos mais altos céus? Tem ciência da separação? Tem ciência
da Presença? Você pode chegar perto de Deus e saber que Ele está com você e
você com Ele, e que todos os seus temores são levados embora? Você vê e ouve,
às vezes, algo da glória celestial e sua música e sua alegria? Você alguma vez vê
“as glórias eternais refulgindo ao longe para revigorar seu débil esforço? Tendo
em vista a vida em sua pior expressão, você pode dizer: “A nossa leve e
momentânea tribula-ção produz para nós um peso eterno de glória mui
excelente; não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que não se vêem;
porque as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são
eternas”? “Pensai nas coisas que são de cima, e não nas coisas que são da
terra” (2 Coríntios 4:17-18; Colossenses 3:2).
O apóstolo, vocês recordam, nos esti vera lembrando o que Deus fez por nós em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. Quando estávamos
naquele desesperador estado de pecado, Deus interveio, Deus agiu, e nos
vivificou juntamente com Cristo. Ressuscitou-nos juntamente com Ele em
novidade de vida e nos fez assentar juntamente com Ele nos lugares celestiais.
Mas agora surge a questão, por que Deus fez tudo isso? Qual foi o Seu motivo?
Que levou Deus a fazer tudo isso por criaturas como nós? A resposta é dada no
versículo sete, e é introduzida pela palavra para, logo no início: para mostrar
(ou para que mostrasse). Ele fez tudo isso “para”, “a fim de”, “com a intenção
de”, “com o objeto, ou com o objetivo de”... Esta palavra para (ou para que) é,
pois, tremendamente importante, e é vital considerarmos juntos o que o apóstolo
nos fala aqui concernente a este grande propósito.
Falemos com clareza. Argumentei sobre esse ponto desde o começo do capítulo,
e isso ainda faz parte da essência do que terei de dizer ao expor o versículo sete.
Graças a Deus, há um elemento subjetivo na salvação; graças a Deus por todo
sentimento, por toda experiência, por tudo o de que temos consciência de nós
mesmos. Se não temos consciência deste elemento subjetivo, a nossa situação,
ao que me parece, é muito incerta. Por outro lado, não há nada que seja tão
fatal para o nosso bem estar como pensar unicamente dessa maneira subjetiva e
deixar de captar com as nossas mentes e com nosso entendimento esta
apresentação objetiva da verdade que temos nesta parte de Efésios e na maioria
das Epístolas do Novo Testamento. O que quero dizer é que, se tão-somente
tivéssemos esta genuína concepção escriturística de nós mesmos como somos
como cristãos e membros do corpo de Cristo neste momento, a maior parte das
coisas que nos entristecem se desprenderia de imediato de nós
completamente. Estas coisas passariam a parecer-nos triviais, pequeninas e
insignificantes.
Isto é uma coisa que se pode ilustrar da seguinte maneira: o melhor modo de
livrar-nos de coisas pequenas é olhar para as grandes. Vejam, por exemplo, as
interessantes estatísticas que foram preparadas, penso, pelas autoridades médicas
de Barcelona, Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, pouco antes da
segunda guerra mundial. São muito interessantes. Um determinado número de
pessoas estiveram recebendo
Pois bem, tudo isso acontece igualmente na vida cristã. Em nossas vidas somos
perturbados por isto e aquilo, e nos inclinamos a resmungar e a queixar-nos;
ficamos a indagar por que Deus nos trata dessa maneira e por que permite que
nos aconteçam certas coisas. O antídoto para isso tudo é ver-nos objetivamente
como realmente somos no propósito de Deus. E se tão-somente fizéssemos isso,
todas as nossas dificuldades desapareceriam. Ou permitam-me expressar-me
deste modo: se tão-somente nós tivéssemos uma pequena concepção da glória
que nos espera e para a qual vamos, essa percepção transformaria a nossa
visão da nossa vida neste mundo e das coisas que nos sucedem neste
mundo. Essa é a espécie de tratamento que o apóstolo nos aplica neste
versículo sete. Esta é a cura do egocentrismo e do interesse próprio que
acabam levando à introspecção, a sentimentos mórbidos e a diversas formas
de dificuldade. O que se tem que fazer- e aí está por que o apóstolo escreve esta
carta e por que todas as cartas do Novo Testamento foram escritas - é conseguir
que tais pessoas levantem a cabeça e se vejam objetivamente no grande
propósito e plano de Deus.
Examinemos, então, este versículo desta maneira: por que Deus fez tudo issol
Por que foi que Ele interferiu? Por que nos vivificou, nos ressuscitou e nos fez
assentar nos lugares celestiais com Cristo? A resposta, diz o apóstolo, é que isto
faz parte do Seu plano grandioso e do Seu grandioso propósito - “para”, “a fim
de...”. Façamos o estudo na forma de uma série de proposições.
graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Deus fez tudo isso,
diz Paulo, para apresentar um grandioso espetáculo a todas as eras vindouras,
não somente neste mundo mas também no mundo por vir. Deus vai fazer uma
grande demonstração, vai manifestar a Sua glória. Vocês podem notar que é isso
que o apóstolo coloca em primeiro lugar. Essa é a principal razão por que Deus
fez tudo isso, diz ele. Agora, surge imediatamente a questão: será que
normalmente pensamos em coisas como essa? Não seria verdade que, quanto à
maioria de nós, fazemos exatamente o oposto? Partimos de nós mesmos;
epensamos na salvação como algo para nós, algo de que necessitamos, algo
que queremos, algo em que nós estamos interessados. Sempre somos subjetivos,
sempre começamos a partir de nós mesmos. Mas o que temos de aprender é que
o primeiro objetivo e intenção da salvação - não me entendam mal - não tem a
ver conosco, porém com a glória de Deus. Esse é o ensino das Escrituras todas,
do começo ao fim. Noutras palavras, não devemos nem começar com os nossos
pecados, e sim com o pecado. Temos que aprender a ver todas as coisas mais
historicamente. É extremamente difícil, não é? É dificílimo para qualquer
geração ter uma visão histórica, porque estamos no mundo num momento
particular e há diversos problemas - ouvimos as notícias pelo rádio, vemos
as manchetes nos jornais - e estamos tão mergulhados neles que nos inclinamos a
não ver nada mais. É extremamente difícil dar-nos conta de que havia seres
humanos neste mundo hácem anos, e que eles tinham problemas e dificuldades,
não é? Mais difícil ainda é compreender que há mil anos havia neste mundo
seres humanos que nunca pensaram em nós. Achamo-nos tão importantes, e
pensamos que o nosso tempo neste mundo, o nosso pequenino setor, constitui a
totalidade da história. Entretanto, os que viveram antes de nós pensavam a
mesma coisa; e podemos estar certos de que daqui a cem anos e, se o nosso
Senhor não voltar antes, daqui a mil anos, as gerações então existentes na terra
nunca dedicarão sequer um pensamento a nós. Mas como nos é difícil aperceber-
nos disso! E, contudo, é justamente isso que temos de fazer. Temos que aprender
a ver a nós mesmos e a ver todo o problema do homem, toda acrise da história e
especialmente todo o tema da salvação, desta maneira objetiva, desta maneira
histórica.
Eis o que estou querendo dizer: em vez de começar comigo, com os meus
pecados e com os meus problemas pessoais, tenho que começar a pensar em
termos do pecado, de todo o problema do homem e de todo o problema do mal
neste mundo. Pois somente quando eu fizer isso é que começarei a ver o que o
apóstolo quer dizer quando afirma que o
É assim que se deve ver o problema do pecado. A Queda é uma coisa terrível aos
olhos de Deus. Não é primariamente um problema social.
Vocês pensavam na salvação dessa maneira? Uma pergunta que é bom fazer é:
por que Deus enviou Seu Filho? Não permita Deus que nos limitemos a dar uma
resposta sentimental, subjetiva, deixando de ver queDeus enviou SeuFilho afim
de vindicar-Se. Essa é a maior teodicéia de todos os séculos; Deus está Se
vindicando e está declarando e mostrando a verdade a Seu respeito.
resposta cabal é reconhecer que não sabemos, e não devemos inquirir a respeito
porque isso está além de nós. Mas, de qualquer forma, podemos saber e dizer
isto: se Deus não tivesse permitido a possibilidade do mal e da Queda, o homem
não seria inteiramente livre, e, portanto, não seria inteiramente perfeito. O
homem, como Deus o fez, tinha realmente livre-arbítrio. Ele o perdeu por ter
caído em pecado, todavia originalmente o tinha; e o livre-arbítrio era parte
integrante da perfeição do homem. Contudo, seja qual for a explicação, é
evidente que Deus teve domínio sobre isso de tal modo que, mediante a
redenção, Ele manifestou certos atributos do Seu santo ser, da Sua natureza e do
Seu caráter que doutra maneira nunca poderiam ser conhecidos, mas que
agora certamente são muito conhecidos.
Mas, o que talvez seja muito importante para nós é a terceira proposição: toda
esta manifestação e vindicação do caráter, do ser, da grandeza e da glória de
Deus dá-se mediante a Igreja. Deus realiza este feito tremendo por nosso
intermédio e através de nós, em primeira instância. Examinem de novo o ponto.
Deus fez isso tudo “para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas
da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Este é para
mim o pensamento mais avassalador que podemos captar, que o
poderoso, eterno, sempiterno Deus está Se vindicando, a Si, à Sua santa
natureza e ao Seu santo ser, mediante algo que Ele faz em nós, conosco, e por
meio de nós. Isto é cristianismo, este é o significado da nossa condição
de membros da Igreja, isto é o que significa ser cristão; nada menos que
isto! Aqui somos retirados do nosso estado e dos nossos caprichos subjetivos, e
das nossas condições transitórias, e nos vemos de repente neste grande plano da
eternidade que Deus trouxe à luz e pôs em execução como resultado da queda do
homem em pecado.
- “para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida
dos principados e potestades nos céus”. Essa é a idéia. Deus está usando a Igreja,
e vai usar a Igreja nos séculos futuros, a fim de fazer uma demonstração e uma
exibição da Sua estupenda e eterna sabedoria aos principados e potestades nos
lugares celestiais.
Vocês lêem sobre artistas preparando seus quadros e as suas pinturas para
exposição, e sobre como eles dão os seus toques finais - como a moldura deve
estar direita, deve ser colocada naposição certa, a luz deve vir do ângulo correto,
e assim por diante. Bem, todos nós sabemos disso; temos visto pessoas
preparando cavalos para exposição de eqüinos; ou frutas e verduras para
exposições de horticultura - a seleção, o preparo. Pois bem, é isso que está
acontecendo comigo e com vocês. Essa é a significação do culto público e da
pregação - é apenas uma parte disso. A exposição, a exibição, a manifestação
vem! E o que há de espantoso e admirável é que é por meio de pessoas como
nós, e como resultado do que Ele está fazendo conosco, fez conosco e fará
conosco, que Deus vai vindicar Sua sabedoria eterna, Sua majestade, Sua glória
e todos os atributos da Sua santa Pessoa aos principados e às potestades nos
céus.
mente, fazendo-a penetrar na glória. Que vergonha para nós, cristãos, por nosso
infeliz subjetivismo, por nossa incapacidade de compreender quem somos, o que
somos, o que está acontecendo conosco e o que Deus está fazendo em nós e
através de nós! A intenção da salvação é que tudo isso seja feito para vindicação
do caráter e da glória de Deus.
Não somente isso, Ele projetou e planejou um modo de libertar-nos. Ele mesmo
produziu o método de salvação. O homem não o pediu, o homem não o queria, o
homem não sabia do que necessitava, o homem não foi consultado, não deu nem
uma única sugestão. A salvação é inteiramente de Deus, do princípio ao fim.
Essa é toda a tese de Paulo: “Pela graça sois salvos”, “fostes salvos”, e nada
mais ! Que manifestação do ser e do caráter de Deus !
Outra maravilha é Deus ter-nos feito o que fez, ter feito de nós o que fez, anós
que já fomos vivificados, ter Ele colocado em nós um princípio de vida
espiritual, em nós que estávamos completa, absoluta e desespe-radamente
mortos. Ele pôs nova vida em nós, a Sua própria vida em nós; Ele nos
ressuscitou juntamente com Cristo, estamos vivos para Ele, temos os novos
interesses e a nova perspectiva, estamos assentados nos
lugares celestiais. Ele já nos fez isso tudo, porém quando estivermos na glória,
de vestes brancas e com palmas, seremos absolutamente perfeitos, sem mancha,
nem ruga, nem qualquer outra coisa semelhante. Não haverá nem suspeita de
culpa; a mais poderosa lente de aumento não achará nada de errado em nós e
sobre nós; seremos absolutamente íntegros e completos, purificados de todos os
vestígios do pecado. Não é surpreendente a pergunta do ancião, “Quem são
estes?” Como se tornaram assim? O que é esta brancura imaculada, esta glória?
É tão-somente a manifestação do caráter e do ser de Deus. Mediante a Igreja Ele
o faz dessa maneira especial.
Nada vejo de bom em mim; “Em mim, isto é, naminha carne, não habita bem
algum”; não tenho nada que me recomende, não tenho nada do que me gabar. Eu
não sou nada; Ele é tudo, DEUS! A Sua graça em Cristo Jesus! Se você enxergar
esta verdade, então inevitavelmente você pensará dessa forma.
minada maneira. “Qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo,
como também ele é puro” (1 João 3:3). O homem que se viu como membro da
Igreja e do corpo de Cristo da maneira que estamos considerando, não vai querer
mais ficar tão perto quanto puder do mundo, nem vai considerar o cristianismo
estreito por condenar certas coisas. Nem por um momento! Se tão-somente
pudéssemos ver aqueles que conhecemos e que agora estão além do véu,
daríamos adeus a maioria das coisas deste mundo. Todo aquele que vê isto, todo
aquele que tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é
puro. Se vocês sabem que vão ser absolutamente puros e sem mancha,
bem, avante! “Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os
corações” (Tiago 4:8). Estes são os apelos do Novo Testamento. Fiquem tão
longe do mundo quanto puderem. “Apressa-te da graça para a glória.”
A outra coisa que vejo aqui é a absoluta certeza de todas estas coisas, a
segurança disso tudo. Se a minha confiança na minha salvação cabal e final e na
minha perfeição última se baseasse em mim, na minha energia, no meu zelo e
nos meus propósitos e desejos, sei que nunca chegarialá.
Aminhasegurançasebaseianisto, que Deus, o Deus infinito e eterno, está
vindicando a Sua reputação eterna por meu intermédio. E se Ele tivesse
começado a salvar-me e depois deixasse a obra por fazer ou inacabada, e eu
merecidamente chegasse ao inferno, o diabo teria a maior alegria que lhe fosse
possível. Ele diria: há um ser que Deus começou a salvar, todavia deu em nada.
É impossível, isso não pode acontecer; não existe idéia mais monstruosa do que
a idéia de que você pode cair da graça, que você pode nascer de novo e depois
ser condenado eternamente. O caráter de Deus está envolvido! E impossível.
Seu objetivo não é meramente salvar-me, é vindicar o Seu ser e a Sua natureza,
eeu estou sendo utilizado paraessefim. O fim é absolutamente certo, porque o
caráter de Deus está envolvido nisso. “Aquele que em vós começou a boa obra a
aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6).
Quem sou eu, e o que sou eu, para que Deus sequer olhasse para mim e me
escolhesse para fazer parte do Seu plano e do Seu propósito, para vindicar Sua
Pessoa, Sua grandeza, Sua glória, Sua sabedoria, Seu amor, Sua misericórdia,
Suacompaixão perante os principados e as potestades nos lugares celestiais?
“Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela
sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:7
Devemos ver mais uma vez esta magnífica declaração que começa no versículo
quatro. Jamais o faremos demasiadas vezes. “Mas Deus, que é riquíssimo em
misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos
em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as
abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo
Jesus.”
Quero considerar agora as três últimas palavras em particular: “em Cristo Jesus”
(ou “por intermédio de Cristo Jesus”, VA). Pois aí vocês têm o evangelho todo e,
particularmente, toda a essência da mensagem do Natal.
O apóstolo esti vera explicando que, ao fazer o que fez por nós como cristãos,
Deus estava manifestando a glória do Seu ser e dos Seus procedimentos. Mas no
versículo sete ele vai adiante e nos diz que Deus está manifestando a Sua glória e
as maravilhas da Sua graça, não somente pelo que Ele fez e fará em nós, por
nosso intermédio e sobre nós, porém ainda mais pelo modo como o fez - “em sua
benignidade para conosco por intermédio de Cristo Jesus”
Paulo jamais poderia deixar isso de fora. Receio que muitos de nós poderiam
deixá-lo fora, e o deixem, mas Paulo nunca se esquece dessa verdade. Este
nome! - vocês o vêem em toda parte, em todas as suas Epístolas. Observem-nas,
leiam-nas e vejam como ele o vive repetindo - o nome de Jesus Cristo. Se houve
algum homem que poderia utilizar-se e apropriar-se das palavras do conhecido
hino: “Suave soa o nome de Jesus aos ouvidos do crente verdadeiro”, é o
apóstolo Paulo. Notem como ele o repete nesta passagem o tempo todo: “nele”;
“juntamente
Este sermão foi pregado no domingo anterior ao Natal.
com Cristo”; nos lugares celestiais “em Cristo Jesus”. E, tendo usado o nome
tantas vezes, vocês pensariam que ele poderia terminar dizendo: “para mostarnos
séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça em sua benignidade para
conosco”. Mas ele tem que dizê-lo novamente - “em sua benignidade para
conosco por intermédio de Cristo Jesus”. Aqui chegamos ao ponto no qual, de
todos eles, podemos realmente começar a avaliar as sublimes riquezas da graça
de Deus. Alguns gostariam de traduzir as palavras desta maneira: “... as
incomensuráveis riquezas ou, nas palavras que o apóstolo emprega no
capítulo seguinte, versículo oito: “as insondáveis riquezas” (ARA).
Seria uma tarefa simples provar isto mediante incontáveis citações, mas
tomemos apenas as palavras do nosso Senhor: “Eu sou o caminho, e a verdade e
a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”(João 14:6). Certamente isso
deveria ser suficiente. Não podemos orar sem Ele; oramos em Seu nome, oramos
por amor do Seu nome. Nada podemos alegar em nosso favor senão Cristo.
Como podemos aproximar-nos de Deus sem Ele? Como poderia chegar alguma
coisa a nós sem Ele? João, vocês se lembram, no prólogo do seu Evangelho, faz
exatamente a mesma colocação. Referindo-se ao Senhor Jesus Cristo, ele diz:
“E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça”. É tudo em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle. “Deus estava em
Cristo (Deus, por intermédio de Cristo estava) reconciliando consigo o mundo”
(2 Coríntios 5:19). E assim que Ele reconcilia o mundo; e todas as bênçãos de
Deus nos vêm e fluem para
nós por intermédio dEle. Ele é a “cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude
daquele que cumpre tudo em todos” (Efésios 1:22-23). A Igreja é o Seu corpo.
Auferimos toda a nossa vida, toda bênção, todo poder e a nossa própria
preservação do fato de que somos Seus membros. Ele é a Cabeça, e, portanto,
gozamos todas as bênçãos que temos, por intermédio de Cristo Jesus. Poderei
supor, pois, que todos nós temos claro entendimento disto, que (como Paulo o
expressa noutro lugar) estamos inteiramente “encerrados” para Cristo? (Gálatas
3:23). A própria lei foi o preceptor, o pedagogo, para trazer-nos a Cristo,
para encerrar-nos para Cristo, para fazer-nos ver que não podemos conhecer a
Deus nem receber nenhuma bênção de Deus exceto em Cristo Jesus e por meio
dEle. Ele é o único canal, o único e exclusivo Mediador entre Deus e o homem.
Em todo lugar é - “por intermédio de Cristo Jesus”.
O simples fato de que Ele olha para nós já indica insondáveis riquezas da Sua
graça. Mas temos algo aqui que vai além, pois nos é possível, às vezes, fazer
uma amabilidade a outras pessoas sem sacrificar-nos nem um pouco. Um
multimilionário vêumapessoapaupérrima. Não a conhece, não tem nenhum
interesse por ela, e até pode achar que é uma ofensa a si mesmo olhar para tal
pessoa. Seria uma atitude
excelente, generosaenobre este multimilionário dar um presente àquela pessoa,
especialmente se ela o tiver ofendido de algum modo. Suponhamos que ele lhe
dê mil libras! E uma ajuda muito generosa, todavia realmente nadacusta ao
multimilionário; mal notaquedeu alguma coisa. Em si, é uma grande
generosidade; é uma grande bondade, especialmente se aquela pessoa pobre fez
alguma coisa indigna ou má com relação ao homem rico. Aquele ato de dar é em
si maravilhoso. Mas quanto aumentaria o valor daquele ato se o milionário
fizesse concreta-mente um sacrifício pessoal para ajudar o homem! Noutras
palavras a avaliação final das nossas ações devem ser pelo que elas nos
custam. Nem por um momento quero diminuir a importância da generosidade; é
excelente em seu lugar, porém quando envolve sofrimento pessoal ou perda
pessoal para ajudar outrem, a sua importância torna-se imensamente maior.
Pois bem, é algo semelhante a isso que estamos considerando aqui. Falo com
cautela e com reverência, mas me parece que é quando examinamos isto por este
aspecto que realmente começamos a ter uma noção da medida das
incomensuráveis riquezas da graça de Deus. Tal afirmação é paradoxal, e,
todavia, transmite verdadeiro significado. Nunca seremos capazes de fazer uma
avaliação disto; está além desta possibilidade; a realidade é tão maravilhosa que
as medidas do homem são totalmente inadequadas; e, contudo, as Escrituras nos
exortam a fazer um esforço. Prossigamos, vamos tão longe quanto nos
seja possível. Parece-me que, nesta passagem, é o que o apóstolo nos
está exortando a fazer. Ele ora no sentido de que os olhos do nosso entendimento
sejam iluminados para que possamos tentar medir o imensurável e tentemos
escalar estas alturas, cujas culminânciasjamais poderão ser alcançadas. Estamos
tentando medir, computar, avaliar o que Deus realmente fez. É como Ele vai
manifestar as sublimes riquezas da Sua graça em todas aquelas eras futuras “pela
sua benignidade para conosco”. Sim, mas - o modo como Ele o fez - “por
intermédio de Cristo Jesus”!
Que é que isso significa? Falo cautelosamente por esta razão, que obviamente
estamos penetrando o mistério, não somente do amor de Deus, mas também o
mistério do ser de Deus. E aqui que temos que parar de entender e, portanto,
temos que “tiras os sapatos dos pés” (Êxodo 3:5). Entretanto observemos o que
dizem as Escrituras. Se vocês querem medir as insondáveis riquezas, ou as
sublimes riquezas da graça de Deus em Cristo Jesus, poderão começar vendo o
problema do ponto
de vista do Pai. Eis a questão: Deus pode sofrer? Deus sofre? Os teólogos têm
discutido esta grande e importante questão: “A Passibilidade ou a
Impassibilidade de Deus”; Deus é passível ou impassível? Um tema tremendo!
Nunca poderemos resolver isso, nunca poderemos delimitá-lo. Neste ponto as
nossas mentes começam a vacilar, e nos pomos a especular. Não o entendemos, e
obviamente não fomos destinados a entendê-lo, em parte por causa das nossas
condições finitas e, mais ainda, por causa das nossas condições pecaminosas. E,
todavia, por outro lado, parece que temos de ter o cuidado de não
ignorar declarações escriturísticas, ou, ademais, que não as diminuamos.
Há certas coisas expostas nas Escrituras que devemos estudar e considerar, e nas
quais devemos pensar e meditar, com o maior cuidado possível. De qualquer
forma, isto seguramente podemos dizer, que o que Deus fez por nós mediante
Cristo Jesus não foi feito sem nenhum custo para Deus.
Examinemos a matéria do ponto de vista de Deus como Pai. Estes são os termos
empregados: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei” (Gálatas 4:4). Estou interessado no “envio”. Ah, vocês
poderão dizer, isto é um antropomorfismo, isto é, uma condescendência para
com a nossa incapacidade humana, Deus apresentar-Se dessa maneira. Sim, mas
há uma verdade na apresentação, houve um ato de enviar. O Filho, o
Senhor Jesus Cristo, estava no seio do Pai desde toda a eternidade,
permanecendo etemamente com Deus, co-igual e co-eterno. Deus o Pai O
envia. Não entendo plenamente o que isso significou para Deus, porém sei
que há o propósito de quepensemos nisso nestes termos humanos, que Deus O
enviou. E aí é que fazemos a pergunta: que é que isso significou para Deus o
Pai? E por intermédio de Cristo Jesus que Ele vai mostrar as insondáveis
riquezas da Sua graça, é mediante esta ação que todos os principados e
potestades, nos lugares celestiais, irão admirar a multiforme sabedoria de Deus;
não somente o que eles verão na Igrej a, mas também no modo como Deus
trouxe a Igreja à existência, “por intermédio de Cristo Jesus”.
Vejam alguns outros termos. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito” (João 3:16). Que palavra de peso! -Ele “deu”! Deu Seu Filho
unigênito! Pois bem, nós estamos familiarizados com estes termos. Falamos de
pessoas que dão a vida pelo seu país, falamos de pais que entregam seus filhos
para a obra missionária no exterior; eles os dão, eles os enviam, eles os deixam
partir. Dar - mas quanto custa! Estes são os termos empregados com relação a
Deus. Contudo, vejam outra expressão, mais extraordinária ainda: “Aquele
que nem a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos
não dará também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32). Examinem essa
grande declaração e notem os termos: Ele não O “poupou”. Deus é passível ou
impassível? Que significa a palavra “poupar”? Deus o Pai sabia o que era
necessário antes de se poder elaborar o método da salvação, sabia o que era
necessário antes de Ele poder ser “justo e justificador daquele que crê em Jesus”
(Romanos 3:26). Ele sabia o que isso envolveria para o Filho em sofrimento, e
Ele não O poupou, mas O entregou a tudo quanto aquela morte
significava, aquela morte cruel, angustiosa. Ele sabia disso tudo. Ele não O
poupou, Ele O entregou, por todos nós. Pois bem, estes são os termos com
os quais temos que lutar quando consideramos esta grande questão
da passibilidade de Deus. Mas há outros. “Àquele que não conheceu pecado, o
fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios
5:21). Deus o Pai, de Seu próprio Filho fez pecado
- não pecador, fez com que Ele fosse pecado, com o qual Ele ia tratar
- por nós, para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus. E isso naturalmente
indica retrospectivamente algumas das extraordinárias afirmações registradas no
capítulo cinqüenta e três do livro do profeta Isaías: “O Senhor fez cair sobre ele
a iniqüidade de nós todos”. O Senhor fez isso sem nenhum sentimento? Deus o
fez sem nada sofrer? É um grande mistério.
Depois, avancemos mais e vejamos Sua vida. Vocês já pararam para pensar e
meditar nisso? Como deve ter sido para o eterno Filho de Deus, viver num
mundo como este, um mundo de pecado? Vocês têm às vezes um sentimento de
completo desgosto quando andam pelas ruas
*
Essas coisas são fatos, e devemos concentrar-nos nos fatos, devemos ir direto de
volta aos fatos. Não somos salvos por uma filosofia, nem por alguma bela idéia,
nem por alguma fantasia maravilhosa, nem por alguma concepção poética. Não,
estas coisas são fatos literais, duros, sólidos. Ele desceu à terra e passou por tudo
isso por nós e pela nossa salvação. E tudo fato literal! Vej am-nO no Jardim do
Getsêmani suando em agonia “grandes gotas de sangue”. “As insondáveis
riquezas da sua graça, por intermédio de Cristo Jesus.” E depois a cruz - a dor e
o sofrimento! “Não podemos saber, não podemos dizer, que dores Ele teve que
sofrer!” Mas sabemos que Ele esteve lá, outra vez em agonia. Ele bradou:
“Tenho sede”. E depois, acima de todos os outros sofrimentos, o sentimento de
abandono - “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” “As sublimes
riquezas da sua graça em sua benig-nidade para conosco, por intermédio de
Cristo Jesus”. Suportar o esmagador fardo do pecado do mundo; suportar a ira
do Seu santo Pai;
Ah, se fosse só Londres! Nota do tradutor.
ser feito pecado! Essa é a medida. E quando Ele estava sofrendo estas coisas
todas, continuava sendo o eterno Filho de Deus, bem como Filho do homem.
Sofrimento como o dEle não podemos imaginar; porém Ele sofreu o suficiente
para cumprir plenamente a pena imposta ao pecado. É “por intermédio de Cristo
Jesus” que nos vêm as bênçãos.
Ele morre, eles O levam e O sepultam num túmulo. Vocês recordam como Pedro
falou perfeitamente sobre isso em seu discurso a certos judeus incrédulos,
quando disse: “Matastes o Príncipe da vida” - o que significa, o Autor da vida
(cf. ARA). Aí vocês têm de novo a medida absoluta: morte (“matastes”) - vida
(“o Autor da vida”). O Autor da vida foi morto. Aí está a medida das sublimes
riquezas da graça de Deus. Eles O mataram, fizeram baixar o Seu corpo e O
sepultaram num túmulo, e sobre este rolaram uma pedra. Essa é a medida de
todos esses fatos. Então Deus O ressuscitou, como Paulo nos diz aqui, tirou-O
dentre os mortos, levou-0 para o céu, e O glorificou e O exaltou. Aí está o
movimento completo, da glória da eternidade à terra e ao túmulo, e então de
volta à glória. Essa é a medida das “sublimes riquezas da sua graça”.
O ponto visado pelo apóstolo é que Deus fez isso tudo com a finalidade de
mostrar a todas as eras futuras a Sua glória e grandeza, e especialmente as
sublimes riquezas da Sua graça. E permitam que se torne a salientar, para
mostrá-las não somente aos homens. E de fato um tema pertimente aos homens,
mas não somente a eles; é o que deixa os anjos extasiados. Um hino que às vezes
cantamos expressa perfeita mente esta verdade:
1
Expressão presente no Credo Niceno (125 A. D.). Nota do tradutor.
2
Com inicial minúscula, para advertir os que pensam que Cristo é um Ser (homem) diferente em Sua
humanidade do comum dos mortais; que a Sua natureza humana é na verdade super-humana. Nota
do tradutor.
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para
que andássemos nelas”.
- Efésios 2:8-10
Nestes três versículos o apóstolo resume a grande argumentação que ele nos
transmite nos sete primeiros versículos deste capítulo. Ele a traz toda a um
centro focal. Imagino que, em certos aspectos, podemos dizer que em parte
alguma desta Epístola se vê declaração mais importante que esta. Naturalmente,
tudo vem prenhe de doutrina, como temos visto; mas, certamente, do nosso
ponto de vista, e para que se tenha verdadeiro e claro entendimento do que é que
nos faz cristãos, não há nada que seja mais importante do que essa declaração
particular. E, portanto, é óbvio que é igualmente importante no sentido prático.
Aqui está, seguramente, uma declaração que precisa ser aceita como
determinante em toda obra de evangelização. De igual modo, ela deve
determinar toda a nossa prática da vida cristã, porque a crença e a prática são
inseparáveis. Não se pode separar terminantemente o conceito que a pessoa tem
destas coisas, do seu relacionamento integral com elas. Por isso digo que nesta
passagem estamos face a face com uma das declarações mais cruciais de todas as
Escrituras, e obviamente é por isso que o apóstolo a expõe desta forma especial.
Por essa mesma razão também, ele já tinha orado, no capítulo primeiro, para que
os olhos do nosso entendimento fossem iluminados. Jamais poderemos repetir
isso em demasia. Esta grande Epístola, talvez a maior de todas em
alguns sentidos, impregnada de profunda teologia e de afirmações
doutrinárias, foi, não obstante, escrita primordialmente com o objetivo de ajudar
as pessoas de maneira prática e pastoral. Noutras palavras, não devemos pensar
que ela é, primeiramente e acima de tudo, uma tentativa da parte do apóstolo, de
escrever um tratado teológico. O apóstolo não era um teólogo profissional -
pergunto se deveria existir tal coisa. O apóstolo era pregador e evangelista. Tal
homem, é evidente, tem que ser teólogo - se não o for, não poderá ser um
verdadeiro evangelista - no entanto não se tratava de uma questão profissional. A
abordagem do apóstolo não
é acadêmica, não é teórica; ele estava interessado em ajudar aqueles crentes a
viverem a vida cristã. Foi por isso que lhes escreveu. Mas ele sabia que ninguém
pode viver esta vida cristã se primeiro não tiver um verdadeiro entendimento do
que é que afinal nos faz cristãos. Portanto, quando Paulo lhes escreve, ele parte
desta grande doutrina, e depois passa à sua aplicação.
É o que ele faz aqui, em sua oração por eles, no sentido de que os olhos do seu
entendimento sejam iluminados, para que eles possam conhecer a esperança da
vocação de Deus, as riquezas da glória da Sua herançanos santos e, talvez mais
importante que tudo mais, aimensurável grandeza do Seu poder para conosco, os
que cremos. Essa era a dificuldade daqueles crentes; não se davam conta desse
poder. E é esta a nossa dificuldade - a nossa incapacidade de perceber a
imensurável grandeza do poder de Deus em nós, os que cremos. Assim ele
procurou revelá-la, expô-la e colocá-la claramente diante deles. Ele a
tinha exposto em detalhe: a descrição negativa nos versículos 1 a 3; a
positiva nos versículos 4 a 7. Feito isso ele diz: agora, então, tudo vem a
dar nisto... Vocês podem notar que ele começa com a palavra “Porque”. “Porque
pela graça sois salvos.” É uma continuação; ele retrocede ao que estivera
dizendo, e depois o coloca mais uma vez de um modo que não nos deixará
esquecê-lo nunca mais.
E uma descrição do que significa realmente ser cristão. Cada vez me convenço
mais de que a maior parte dos nossos problemas na vida cristã surge nesse ponto.
Pois, se não estivermos certos no começo, estaremos errados em toda parte. E,
visto que muitos ainda estão confusos nesse primeiro passo, estão sempre cheios
de problemas, dificuldades e perguntas, e não podem entender isto, e não
conseguem ver aquilo. É porque nunca entenderam bem o alicerce.
Bem, aí está para nós - e, como eu disse, não há declaração mais clara sobre isso
em parte alguma das Escrituras.
Que é que o apóstolo diz? Diz ele que somos cristãos inteiramente como
resultado da graça de Deus. Ora, certamente ninguém pode contestar isso.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus.” Notem o método do apóstolo aqui. A declaração toda está em três
versículos e, em certo sentido, podemos tomar os três versículos como nossas
divisões e subtítulos. Primeiro ele faz uma declaração positiva no versículo 8.
Coloca a seguir uma negativa, no versículo 9; e o propósito danegativa é reforçar
a positiva. Está apenas dizendo a mesma coisa negativamente. E depois,
no versículo 10, ele parece combinar as duas, a positiva e a negativa.
Não precisamos demorar-nos aqui, porque já estivemos tratando disso nos sete
versículos anteriores. Qual é o objetivo desses versículos? Não será apenas
mostrar-nos essa mesma verdade negativa e positivamente? Qual é o objetivo
dessa horrível descrição do homem como ele é por natureza em conseqüência do
pecado nos três primeiros versículos, senão justamente mostrar que o homem,
como ele é, não merece nada, exceto a retribuição aos seus pecados? Ele é por
natureza filho da ira, e não somente por natureza, mas também por conduta, por
seu comportamento, por sua atitude em geral para com Deus - vivendo segundo
o curso deste mundo, governado pelo príncipe das potestades do ar. Esse é o tipo
de criatura que ele é; morto em ofensas e pecados, criatura cheia de cobiças,
cobiças da carne, “fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”. Não existe
descrição mais horrorosa do que essa. Não se pode imaginar um estado pior do
que esse. Uma criatura como essa merece alguma coisa? Tem algum direito
diante de Deus? Poderá ir à frente com alguma causa ou demanda para defender?
Todo o ponto visado pelo apóstolo é que tal criatura não merece nada das mãos
de Deus, senão a retribuição aos seus pecados. E depois ele desenvolve o seu
argumento com o seu grande contraste - “mas Deus” - que já consideramos em
detalhe. E o propósito disso, seguramente, é exaltar a graça e a misericórdia de
Deus, e mostrar que, onde o homem não merece absolutamente nada, Deus não
somente lhe dá, e lhe dá liberalmente, mas faz chover sobre ele “as imensuráveis
riquezas da sua graça”.
O apóstolo nunca se cansava de dizer isso. Que mais poderia ele dizer? Quando
ele olhava para trás.paraoblásfemoSaulo de Tarso, que odiava a Cristo e a Igreja
Cristã e fazia o máximo que podia para exterminar o cristianismo, respirando
ameaças e morte; quando olhava para trás e via isso, e depois olhava para si
mesmo como ele agora era, que poderia ele dizer, senão isto: “Sou o que sou
pela graça de Deus”? E devo confessar que ultrapassa a minha capacidade de
entender como algum cristão ou alguma cristã, ao olhar para si, possa dizer
coisa diferente. Se quando você dobra os joelhos diante de Deus não se der conta
de que é “devedor à misericórdia, única e exclusivamente”, confesso que não
entendo você. Há alguma coisa tragicamente defeituosa, ou no seu sentimento de
pecado, ou na suacapacidade de percepção da grandeza do amor de Deus. Este é
o tema sempre presente no Novo Testamento, a razão pela qual os santos dos
séculos sempre louvaram o Senhor Jesus Cristo. Eles vêem que quando estavam
em total desesperança, verdadeiramente mortos, e eram vis e
repugnantes, “odiosos, odiando-nos uns aos outros”, como diz Paulo escrevendo
a Tito (3:3). Deus olhou para eles. Foi “quando éramos ainda pecadores”, mais,
foi “quando éramos inimigos” que fomos reconciliados com Deus pela morte do
Seu Filho - inimigos; alienados em nossas mentes, completamente opostos. Não
seria certo que temos que ver que é pela graça, e somente pela graça, que somos
cristãos? E totalmente imerecido, é somente como resultado da bondade de
Deus.
Não admira que o apóstolo Paulo tenha tanto gosto em colocar a questão dessa
maneira em especial, porque, antes da sua conversão, antes de se tornar cristão,
ele bem sabiao que erajactar-se. Nuncahouve uma pessoa tão satisfeita consigo
ou mais segura de si do que Saulo de Tarso. Tinha orgulho próprio em todos os
aspectos - orgulhava-se de sua nacionalidade, da tribo em que nascera em Israel,
de haver sido criado como fariseu e de haver sentado aos pés de Gamaliel,
orgulhava-se de sua religião, da sua moralidade, do seu conhecimento. Ele nos
fala disso tudo no capítulo três da Epístola aos Filipenses. Ele costumava jactar-
se. Levantava-se e dizia coisas semelhantes a estas: quem pode contestar isto?
Aqui estou, um bom homem, de boa moral, religioso. Observem-me nos meus
deveres religiosos, observem o meu viver, observem-me em todos os aspectos;
tenho-me dedicado a esta vida piedosa e santa, e estou satisfazendo a Deus. Essa
era a sua atitude. Gabava-se. Achava que era um homem de tanto valor e que
tinha vivido de tal maneira que podia orgulhar-se disso. Essa era uma das
suas grandes palavras. Mas chegou a ver que uma das maiores
diferenças resultantes do fato de haver-se tornado cristão foi que tudo isso foi
jogado fora e passou a ser irrelevante. Por isso acostumou-se a usar linguagem
forte. Olhando para trás, para tudo aquilo de que tanto se jactara, ele diz: “É
escória e perda!” Não se contenta em dizer que tudo aquilo era mal; é vil, é sujo,
é nojento. Jactância? Foi excluída! Entretanto o apóstolo conhece tão bem o
perigo neste ponto que não se contenta com uma declaração geral; ele indica
particularmente dois aspectos nos quais somos propensos à jactância.
O primeiro é esta questão de obras. “Pela graça sois salvos, e isto não vem de
vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. E sempre
com relação às obras que somos mais propensos a jactar-nos. É nesse ponto que
o diabo nos tenta de maneira a mais sutil. Obras! Essa era a razão pela qual os
fariseus eram os maiores inimigos de Jesus Cristo; não porque fossem meros
faladores, mas porque realmente faziam coisas. Quando aquele fariseu disse
(Lucas 18:12) -“Jejuo duas vezes na semana”, estava falando a verdade; quando
ele disse: “ dou os dízimos de tudo quanto possuo”, estava sendo rigorosamente
exato. Os fariseus não falavam apenas, faziam realmente estas coisas. E é por
isso que eles ficaram tão aborrecidos com a pregação do Filho de Deus e foram
grandemente responsáveis pela Sua crucifixão. Seria ir longe demais dizer que é
sempre mais difícil converter uma pessoa boa do que uma pessoa má? Penso que
a história da Igreja prova isso. Os maiores opositores da religião evangélica
sempre têm sido gente boa e religiosa. Alguns dos mais cruéis perseguidores de
que fala a história da Igrej a pertenciam a essa classe. Os santos sempre
sofreram mais profundamente nas mãos de gente boa, de bom nível
moral, religiosa. Por quê? Por causa das boas obras. O evangelho bíblico
sempre denuncia a confiança nas boas obras, o orgulho pelas boas obras e
a jactância acerca das boas obras, e aquelas pessoas não aguentam isso. Toda a
sua posição foi edificada sobre isso - o que elas são, o que elas fizeram e o que
elas estão sempre fazendo. Isso constitui toda a posição delas e, se vocês lhes
tirarem isso, elas ficarão sem nada. Por isso elas odeiam a pregação realmente
bíblica, e a combaterão até não poderem mais. O evangelho faz de nós
mendigos. Ele nos condena, a todos e a cada um de nós. Não há diferença, Paulo
afirma em toda parte, não há diferença entre o gentio, que está fora da
comunidade, e o judeu religioso, aos olhos de Deus - “Não há um justo, nem um
sequer”. Assim, é preciso que as obras desapareçam, que não nos gabemos
delas. Mas nós temos a tendência de gabar-nos delas - o nosso viver virtuoso, as
nossas boas ações, as nossas observâncias religiosas, a nossa freqüência aos
cultos (e particularmente quando vimos de manhã bem cedo),
e assim por diante. São estas coisas, as nossas atividades religiosas, que nos
fazem cristãos. É esse o argumento.
No entanto o apóstolo desmascara e denuncia tudo isso, e o faz com muita
simplicidade, da seguinte maneira: diz ele que falar sobre as obras é voltar ao
jugo da lei. Se você pensa, diz ele, que é a sua vida virtuosa que faz de você um
cristão, está tomando a ficar debaixo da lei. Mas é inútil fazê-lo, diz ele, por esta
razão. Se você tornar a colocar-se debaixo da lei, estará condenando a si próprio,
pois “nenhuma came será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela
lei vem o conhecimento do pecado”, Se você quiser tentar justificar-se por
sua vida e por suas obras, você estará indo direto para a condenação, porque as
melhores obras do homem não são suficientemente boas aos olhos de Deus.
Todos fomos condenados pela lei - “Todos pecaram e destituídos estão da glória
de Deus”. “Não há um justo, nem um sequer”. Portanto, não sejam tolos, diz
Paulo; não se apartem da graça, pois fazê-lo é ir para a condenação. As obras de
homem nenhum serão suficientes para justificá-lo aos olhos de Deus. Que tolice,
então, tornar a ficar debaixo das obras!
Mas não somente isso, no versículo dez ele explica que fazer isso é fazer o
contrário do que se deve. Tais pessoas pensam que pelas suas boas obras elas se
fazem cristãs, ao passo que, diz Paulo, é exatamente o contrário. “Somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que
andássemos nelas.” A tragédia é que as pessoas pensam que, se tão-somente
fizeren certas coisas e evitarem outras, e tiverem uma vida virtuosa, e saírem
para ajudar outras pessoas, dessa maneira se tornarão cristãs. Que cegueira!, diz
Paulo. Esta é a maneira de ver as boas obras: Deus nos faz cristãos para
que pratiquemos boas obras. Não é uma questão de as boas obras levarem ao
cristianismo, e sim de o cristianismo levar às boas obras. É exatamente o oposto
daquilo em que as pessoas tendem a crer. Portanto, não há nada que seja tão
completa contradição da verdadeira posição cristã como essa tendência que
temos de jactar-nos e de pensar que, porque somos o que somos e fazemos o que
fazemos, tornamo-nos cristãos. Não; Deus faz cristãos, e depois eles vão praticar
as suas boas obras. A jactância é excluída. “Onde está logo a jactância? É
excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé.” Vemos que as obras
são excluídas na questão de alguém se tornar cristão. Não devemos jactarmos
das nossas obras. Se de alguma forma mostrarmos que achamos que temos
bondade, ou se estivermos confiantes em alguma coisa que fizemos, estaremos
negando a graça de Deus. Isto é o oposto do cristianismo.
Contudo, a lástima é que não são somente as obras e as ações que tendem a
insinuar-se. Existe algo mais - a fé! A fé tende a introduzir-se e afazer com que
nos jactemos. Há uma grande controvérsia acerca deste versículo - “Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”. A
grande questão é, a que se refere a palavra “isto”? E há duas escolas de opinião.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (a fé) não vem de vós, é
dom de Deus”, diz uma escola. Mas, de acordo com a outra escola, a palavra
“isto” não se refere à “fé”, e sim à “graça”, mencionada no início da
frase: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (esta posição
na graça) não vem de vós, é dom de Deus”. Seria possível resolver a disputa?
Não. Não é questão de gramática, não é questão de língua. Vocês verão que,
como usualmente acontece, as grandes autoridades estão divididas entre as duas
escolas, e é muito interessante, quase divertido, notar os lados aos quais elas
pertencem. Por exemplo, se eu perguntasse qual era a opinião de Calvino sobre
isso, estou certo de que vocês logo responderiam que Calvino dizia que “isto” se
refere à fé, e não à graça. Mas a verdade é que Calvino disse exatamente o
oposto, que “isto” se refere à “graça” e não à “fé”. E uma questão que não se
pode resolver. E há um sentido em que realmente isso não tem a
mínima importância, porque no fim dá no mesmo. Noutras palavras, o
importante é não recair nas “obras”.
Mas há muitos que fazem isso. Transformam a sua fé numa espécie de obras. Na
verdade, existe muito ensino evangelístico popular atualmente que afirma que a
diferença que o Novo Testamento faz pode ser expressa desta maneira: no Velho
Testamento Deus olhava para o povo e dizia: aqui está aMinha lei, aqui estão os
DezMandamentos; guardem-nos, e Eu os perdoarei e vocês serão salvos. Mas,
esse ensino continua e diz: não é assim agora. Deus pôs tudo isso de lado, não
existe mais lei, Deus simplesmente nos diz: “Creiam no Senhor Jesus Cristo”, e
vocês serão salvos. Noutras palavras, o que dizem os que tal coisa ensinam
é que, crendo no Senhor Jesus Cristo, a pessoa se salva. Todavia isso
é transformar a fé em obras, porque isso eqüivale a dizer que a nossa ação é que
nos salva. Mas o apóstolo diz: “Não vem de vós”. Se “isto” se refere à fé ou à
graça, não importa; “sois salvos”, diz Paulo, “pela graça, e isto não vem de vós”.
Se é a minha fé que me salva, eu mesmo me salvei; porém Paulo afirma que isso
não vem de você. De modo que jamais devo falar da minha fé de molde a fazê-la
vir “de mim mesmo”. E não é só isso. Se me tornei cristão dessa maneira,
certamente isso também me dá base para jactar-me, para gloriar-me; mas Paulo
diz:
“Não de obras, para que ninguém se glorie”. A minha jactância tem que ser
excluída totalmente.
Portanto, quando pensamos na fé, temos que ter o cuidado de examiná-la à luz
do que foi dito. A fé não é a causa da salvação. Cristo é a causa da salvação. A
graça de Deus no Senhor Jesus Cristo é a causa da salvação, e jamais devo falar
de um modo que apresente a fé como acausa da salvação. Então, o que é a fé? A
fé é apenas o instrumento pelo qual a salvação chega a mim. “Pela graça sois
salvos, por meio da fé.” A fé é o canal, é o instrumento através do qual esta
salvação, que é da graça de Deus, vem a mim. Sou salvo pela graça, “por meio
da fé”. A fé é simplesmente o meio através do qual a graça de Deus, que
traz salvação, entra em minha vida. Portanto, devemos ser sempre extremamente
cautelosos, jamais dizendo que é a nossa fé que nos salva. A fé não salva, crença
não salva, Cristo salva - Cristo e a Sua obra acabada. Não a minha crença, não a
minha fé, não o meu entendimento, nada que eu faça - “não vem de vós”, “a
jactância é excluída”, “pela graça, por meio da fé”.
Isso nos leva ao último princípio, que resumo da seguinte maneira: o fato de
sermos cristãos é totalmente resultante da obra de Deus. O
real problema de muitos de nós é que a nossa concepção do que é que nos faz
cristãos é demasiado fraca, demasiado pobre; é a nossa incapacidade de perceber
a grandeza do que significa ser cristão. Paulo diz: “Somos feitura sua”! É Deus
que fez algo, é Deus que está operando; somos Sua feitura. Não trabalho nosso,
mas Seu trabalho. Portanto, digo de novo, não é a nossa vida virtuosa, não são os
nossos esforços todos e a esperança de por fim sermos cristãos, que nos torna
cristãos. Mas permitam-me ir mais longe. Não é a nossa decisão, o nosso
“decidir-nos por Cristo”, que nos faz cristãos; isso é obra nossa. A decisão entra
nisso, porém não é a nossa decisão que nos faz cristãos. Paulo afirmaque
somos feitura Sua. E assim vocês vêem quão gravemente o nosso
pensamento leviano e nosso falar leviano representam mal o cristianismo!
Lembro-me de um homem muito bom - sim, um bom cristão - cujo modo de dar
testemunho era sempre este: “Eu me decidi por Cristo há trinta anos, e nunca me
arrependi”. Era a sua maneira de expressá-lo. Não é esse o modo como Paulo
descreve o tornar-se cristão. “Somos feitura sua”! Essa é a ênfase. Não algo em
que tomei parte ativa, não algo que decidi, mas algo que Deus fez por mim.
Aquele homem faria melhor se se expressasse assim: há trinta anos eu estava
morto em ofensas e pecados, porém Deus começou a fazer algo em mim; tomei
consciência de que Deus estava lidando comigo; senti que Deus me esmagava;
senti as mãos de Deus me refazendo. E assim que Paulo expressa o fato; não, eu
me decidi, não, eu tive parte ativa na entrada no cristianismo, não, eu
decidi seguir a Cristo, não, absolutamente. Isto tem seu papel, mas depois.
Somos feitura Sua. O cristão é alguém em quem Deus operou. E vocês podem
observar que tipo de trabalho é, segundo Paulo. Não é nada menos que uma
criação. “Criados em Cristo Jesus para as boas obras.” O apóstolo gostava muito
de dizer isso. Ouçam-no dizê-lo aos filipenses: “Tendo por certo isto mesmo, que
aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo”
(1:6). DEUS! Ele começou uma boa obra em você! E obra de Deus! Ele veio
quando você estava morto e o vivificou, pôs vida em você. É isso que faz de um
homem um cristão. Não as suas boas obras, não a sua decisão, mas a
determinação de Deus concernente a você posta em prática.
É aqui que vemos como as nossas idéias, em relação ao que o cristão é, estão
desesperadamente aquém do ensino bíblico. O cristão é uma nova criação. Não é
apenas um bom homem, ou um homem que melhorou um pouco; é um novo
homem, “criado em Cristo Jesus”. Ele foi introduzido em Cristo, e a vida de
Cristo penetrou nele. Somos
Se você está interessado em obras, diz Paulo, vou dizer-lhe qual é o tipo de obras
nas quais Deus está interessado. Não são aquelas miseráveis obras que você
pode fazer como uma criatura por natureza em pecado. E uma nova classe de
obras - “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para
que andássemos nelas” - as boas obras de Deus\ Que quer dizer ele? Ele quer
dizer que o nosso problema é não somente que a nossa idéia do cristianismo é
inadequada, a nossa idéia de boas obras é ainda mais inadequada. Ponham no
papel as boas obras que as pessoas pensam que são bastante boas para fazê-
las cristãs. Juntem-nas e ponham no papel todas aquelas coisas em que elas estão
confiando, Ponham-nas no papel, e depois levem-nas a Deus e digam: é isso que
tenho feito. Quecoisaridícula!-émonstruosa. Vejam o que elas estão fazendo.
Essas não são as obras em que Deus está interessado. Em que consistem as boas
obras de Deus? Bem, o Sermão do Monte e a vida de Jesus Cristo dão a resposta.
Não se trata apenas de um pouco de bondade e moralidade negativas, talvez
fazer ocasionalmente alguma benevolência e valorizar muito isso. Não, amor
desinteressado! “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que
houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve
por usurpação ser igual a Deus, mas se fez sem nenhuma reputação e
tomou sobre si a forma de servo e se fez semelhante aos homens; e, achado
na forma de homem humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte e
morte de cruz” - dando-Se por outros sem pensar no preço. Essas são as boas
obras de Deus. “Amar a Deus de todo coração e alma e mente e forças, e ao
nosso próximo como a nós mesmos”! Não apenas lhe fazendo uma ocasional boa
ação, mas amando-o como a si mesmo! Esquecer-se a si próprio em seu interesse
por ele! S ão essas as boas obras de Deus e foi para essas boas obras que Ele nos
criou.
Segundo esta definição, cristão é aquele que foi feito de novo conforme a
imagem e modelo do Filho de Deus. E o que o apóstolo diz no capítulo quatro
destaEpístola, no versículo 24, nestes termos: “E vos revistais do novo homem
que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade”. Não um pouco de
bondade, mas santidade verdadeira, “a santidade da verdade”, e total e absoluta
justiça! E já no capítulo primeiro Paulo o tinha dito no versículo quatro:
“Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor”. Escrevendo aos
romanos, ele diz: “Os que dantes conheceu também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho”\ Que é um cristão? Simplesmente um bom
homem? Alguém que é só um pouco melhor do que qualquer outra pessoa?
Absolutamente não! Ele é como Cristo! Conforme à imagem do Filho de Deus!
Como pode um homem que está morto em ofensas e pecados ressurgir e chegar a
isso? É impossível. “Pela graça sois salvos”; “não vem de vós”; “para que
ninguém se glorie”. Ninguém pode alcançar isto, ninguém pode elevar-se a isto.
É obra de Deus, e só de Deus. O cristão é alguém que se espera seja semelhante
a Cristo. Ele tem dentro de si a vida de Cristo. “Vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim.” Que é cristianismo? É “Cristo em vós, a esperança da glória”;
“Feitos segundo a imagem do Filho de Deus”. Graças a Deus é de graça! Se não
fosse de graça, não teríamos esperança, estaríamos todos arruinados, estaríamos
condenados. Todavia, desde que é de graça, desde que é obra de Deus, desde que
eu sou feitura de Deus, eu sei que, apesar de mim mesmo, apesar do pecado
que ainda resta em mim, serei aperfeiçoado e me tornarei perfeito. Se isso fosse
deixado conosco, não haveria nenhuma esperança para nós. Quem somos nós
para enfrentar o mundo, a carne e o diabo? Mas, graças a Deus é “pela graça”.
Somos feitura Sua. Estamos em Suas mãos - e se Ele começou boa obra em nós,
continuará com essa obra até completá-la. Se você não se render pronta e
voluntariamente, Ele o castigará, tirará as suas arestas, com o cinzel as aparará
para esculpí-lo. Se você está no plano de Deus, Ele o fará segundo a imagem de
Cristo. Ele continuará a Sua boa obra até remover toda “mácula e ruga e coisa
semelhante”, e você estará na presença de Deus, “santo e irrepreensível” e “com
grande alegria”.
Graças a Deus não são as obras; graças a Deus não é a minha fé; graças a Deus
não é nada de que eu possa me gloriar. “Longe esteja de mim gloriar-me, a não
ser na cruz de nosso ienhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para
mim e eu para o mundo” (Gálatas 6:14). “Pela graça, por meio da fé”!
13
FEITURA DE DEUS
“Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as
quais Deus preparou para que andássemos nelas. ”
-Efésios 2:10
Contudo, é uma declaração tão profunda e gloriosa que seria um grande erro
deixá-la aqui. Ela faz parte de um argumento, mas também é uma declaração em
si mesma, uma declaração positiva, e uma das mais importantes e vitais que já
pudemos ver. Aqui nos é dada uma das definições que Paulo faz do que significa
ser cristão. E não existe, suponho, nenhuma declaração mais elevada a respeito
deste assunto do que justamente esta, que somos feitura de Deus. Essa é a
verdade acerca de nós todos como cristãos, e essa é a verdade acerca da Igreja
Cristã.
Cabe a nós aprender a pensar em nós mesmos desse modo; e somente quando o
fizermos é que funcionaremos verdadeiramente como cristãos,
Cada vez mais me parece que todas as nossas dificuldades provêm realmente da
nossa incapacidade de compreender a verdade a nosso respeito e a nossa situação
como cristãos. A nossa dificuldade central -e éumacoisaespantosade se ver-é
anossa incapacidade inicial de obter o conceito verdadeiro destas questões.
Somos em demasia criaturas presas à tradição. Começamos com idéias erradas -
o homem sempre começa com uma concepção errada do cristianismo.
Persistimos em pensar nele em termos de bondade, de prática do bem ou algo
semelhante; é extremamente difícil desfazer-nos dessa idéia. No entanto, isso é
algo que fica desesperadamente aquém do grande conceito neotestamentário.
Estes cristãos do Novo Testamento estão sendo constantemente exortados a
aperceber-se do privilégio da sua posição. Embora não passando de um punhado
de gente numa grande sociedade pagã, sempre lhes é dito que se regozijem, que
considerem o seu destino maravilhoso; sempre se lhes faz lembrar o que eles
são, e lhes é dito que levantem a cabeça e avancem triunfantemente. Tudo isso é
feito, é claro, à luz do que o Novo Testamento expõe como sendo a
verdadeira doutrina concernente ao cristão.
Essa matéria pode ser colocada na forma de perguntas. Somos dominados por
um senso de privilégio e por um sentimento de alegria? Qual é o nosso
entendimento do que seja um cristão? Qual é o nosso conceito da Igreja? Não é
verdade que, geralmente falando, sempre nos inclinamos a pensar nela
meramente em termos humanos? Temos a tendência de pensar na Igreja de Deus
como um instituição e sociedade humana, pensamos nela em termos das
atividades dos homens e do que os homens estão fazendo e não estão fazendo, e
de comissões e reuniões e organizações ecoisas parecidas. Indubitavelmente,
todas estas coisas fazem parte dela, e são essenciais, mas não constituem a
Igreja. Não é isso que faz da Igreja a Igreja. E também é exatamente a mesma
coisa quanto ao cristão individual. Estamos confiantes, temos segurança, quando
pensamos em nós mesmos e consideramos a vida cristã com-pleta e tudo o
quepertence a essa vida? Pensamos nela unicamente em termos de nós mesmos e
do que fazemos e pretendemos fazer, ou nos vemos como parte de um
grande processo? Compreendemos que temos o privilégio de ser introduzidos
num grande projeto, num grande plano? Ora, essa é a idéia e a perspectiva que
o apóstolo está colocando diante de nós nesta passagem, de maneira
positiva. Passemos imediatamente, pois, àconsideração dos termos que ele
emprega.
Deus éo artífice. Deus é que age. E assombroso que alguém possa ter caído no
erro específico que acabei de esboçar, porque a Bíblia não é senão o registro da
atividade de Deus. Como é possível que alguém possa ler a Bíblia, começando
com as palavras, “No princípio... Deus”, possa depois pensar que a coisa toda é
atividade do homem? Em toda parte é Deus quem age. Ele fez o homem, Ele fez
o mundo. O homem pecou - Deus foi em busca dele. Foi Deus quem chamou
Abraão; foi
Deus quem criou os reis; foi Deus quem chamou os profetas; foi Deus quem deu
a lei; foi Deus quem deu as instruções para a construção do tabemáculo e do
templo; e foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou Seu Filho. É feitura
de Deus, atividade de Deus, do princípio ao fim. E contudo, até nós, que somos
cristãos, somos propensos a esquecer isso, e muitas vezes somos propensos a
pensar em nossa vida cristã, e no fato de sermos cristãos, em termos de algo que
nós fizemos, ou de algo que nós alcançamos. Mesmo tendo começado
damaneiracerta, inclinamo--nos a deixar que, com o tempo, a outra idéia se
insinue. Insistimos em pensar que Deus é mais ou menos passivo e simplesmente
está pronto a reagir favoravelmente ao que fazemos e ao que desejamos. Mas
o próprio termo que o apóstolo utiliza aqui deveria impossibilitar
esses pensamentos. Deus é o artífice. Deus é Quem está modelando a obra. E um
maravilhoso quadro que representa Deus como uma espécie de Artesão, uma
espécie de Artífice. O quadro nos convida a pensar em Deus como numa grande
oficina, e nos impulsiona a observá-lO dando forma, modelando e trazendo à
existência alguma coisa.
Pois bem, este é o ensino bíblico característico com relação aDeus. Vejam a
descrição que as Escrituras nos dão de Deus como Oleiro. Vocês as vêem no
Velho Testamento, vocês as vêem no Novo Testamento. Este mesmo apóstolo,
escrevendo aos romanos, emprega essa metáfora. Aí está um pouco de barro; o
artífice, o oleiro, vem e apanha essa massa de barro informe, e se põe a trabalhar
nele: Ele o faz girar e vai tirando as arestas e as pontas; ele tem certos tomos de
modelagem, e o coloca num deles. Ele vai modelando, vai fazendo algum tipo
de vaso; essa é a descrição que nos é dada - o oleiro e o barro, e essa
é precisamente a idéia do apóstolo aqui, que Deus é o Oleiro, e nós somos o
barro que está sendo formado e modelado. A obra é Sua, não nossa. Ele é o
Oleiro, o Artesão, que está produzindo uma peça de arte.
Na verdade o apóstolo usa outro termo que é ainda mais explícito. “Somos
feitura sua, criados em Cristo Jesus.” Naturalmente isso nos leva direto de volta
à idéia original da criação. “No princípio criou Deus os céus e a terra.” Que é
criação? A idéia mesma, a idéia essencial da criação, é que algo é feito do nada;
não existia, mas foi trazido à existência. E precisamente esse o modo como o
apóstolo pensa no cristão. Portanto, devemos dar adeus para sempre a todas as
idéias de melhoramento, e especialmente de automelhoramento. O fato
mais importante acerca do cristão é que ele é uma nova criação, uma
nova criatura. Deus, o Criador, Deus o Oleiro, Deus o grande Artífice, Deus o
Autor de grandes realizações, Deus o Artesão, trouxe à existência algo
ern rainha vida, algo que não estava lá antes - é isso que faz de mim um cristão.
Eu não seria cristão sem isso. Assim é que, naturalmente, falar em nações cristãs
e dizer que alguém é cristão porque pertence à uma nação cristã é simplesmente
uma gritante negação de todo o ensino bíblico. É ação de Deus, ação específica,
uma nova criação. O Deus que no princípio (como Paulo o expressa em 2
Coríntios 4:6) “disse que das trevas resplandecesse a luz”, esse mesmo Deus, de
igual modo, “resplandeceu em nossos corações, para iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo”. É isso que significa
ser cristão. Nada menos que isso! Como se pode expressar essa verdade mais
claramente? O que me interessa não é simplesmente que tenhamos a idéia certa,
porém que todos nós venhamos a ver que não existe maior falsificação do
cristianismo do que a idéia de que somos cristãos por causa de alguma coisa que
nós somos, ou de alguma coisa que nós fazemos. Temos que dar-nos conta de
que somos feitura do grande Artífice, do grande Artesão. Não existe nada mais
maravilhoso do que isto, que eu, assim como sou, sou algo que foi trazido à
existência, algo que foi modelado por Deus, que sou como barro nas mãos do
oleiro. Quando penso em minha vida cristã neste mundo, devo parar de
pensar nela simplesmente em termos do que faço e do que estou fazendo,
mas, antes, devo pensar nela em termos do que Ele está fazendo comigo,
que estou nas mãos do Autor de grandes realizações, do grande Criador, e
que Ele está trabalhando em mim e sobre mim. Essa é a concepção e esse é o
ensino do apóstolo nesta passagem.
fazendo: Ele está formando Cristo em nós. “Meus filhinhos”, diz Paulo aos
gálatas (4:19), “por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja
formado em vós.” Essa é a idéia neotestamentária do que é ser cristão. Euma
grande concepção mística, umaconcepção vi tal. Neste ponto nós estamos
totalmente fora do domínio das nossas pequenas obras e decências e
moralidades. Cristo está sendo formado em mim!
Como será que Deus faz isso? Vejam por um momento os meios que Deus
emprega para formar Cristo em nós. Tomem a minha ilustração da oficina ou da
fábrica. Vocês podem ir a uma loja e ver ali um artigo já pronto para a venda,
uma bela taça, um belo vaso, ou lá o que seja. Como esse artigo veio a existir?
Talvez vocês tenham tido a feliz ocasião de ser levados a visitar a fábrica. Vocês
já foram a uma fábrica de vidro ou a um lugar semelhante? Lembro-me de haver
visitado uma em Veneza, e lá vimos os homens fazendo realmente as
coisas maravilhosas que tínhamos visto prontas. Ficamos admirados
quando vimos o comecinho. Bem, é algo parecido que temos que pensar
agora. Como Deus produz este artigo concluído, o cristão? Vão à oficina, e
lá vocês verão exatamente como é feito. E isto que esta Epístola nos diz.
atenção aos que os recebem; são dados simplesmente para que Deus faça uso
deles, a fim de levar avante o Seu grande propósito.
Que mais? Vemos outro elemento posto diante de nós no capítulo doze da
Epístola aos Hebreus. Circunstâncias e disciplina. Qual será o ensino do capítulo
doze de Hebreus? Estes cristãos hebreus estavam tendendo a murmurar e
queixar-se porque estavam passando por provações, dificuldades e tribulações; e
o argumento que lhes é apresentado é que tudo isso está acontecendo com eles
porque eles são filhos. “O Senhor corrige a quem ama”! (ARA). O autor faz uso
de uma ilustração. Vej am os nossos pais terrenos, diz ele. Eles nos corrigem;
porém por que nos corrigem? Porque estão preocupados com o nosso bem-estar,
porque estão preocupados com o nosso desenvolvimento. O bom pai castiga
o filho, não simplesmente para aliviar as suas emoções contidas, mas porque isso
é do mais alto interesse do filho, porque ele ama o filho, porque ele está
pensando no futuro do filho. E o argumento do autor é que Deus, como nosso
Pai, faz exatamente a mesma coisa conosco. Não significa que toda vez que algo
vai mal conosco necessariamente estamos sendo castigados por Deus. Estamos
vivendo num mundo de pecado, estamos vivendo num mundo no qual as causas
secundárias operam, e com muita freqüência as nossas doenças, enfermidades
e provações nos acontecem meramente como resultado de causas secundárias;
entretanto há nas Escrituras ensino muito claro e explícito, segundo o qual Deus
castiga os Seus filhos. Ele o faz com a finalidade de aperfeiçoá-los. Noutras
palavras, se não dermos ouvidos ao ensino das Escrituras, se não o aceitarmos
positivamente, se Deus começou a operar em nós e a formar-nos e a modelar-
nos, Ele produzirá o resultado final mediante este outro método. Este pode
incluir correção, castigo -o uso que o oleiro faz do torno sugere isto, certos
ângulos têm que ser removidos, eé preciso eliminar certas arestas. Deus nos
coloca no torno, por assim dizer. Ou, para usar a mesma ilustração deste capítulo
doze de Hebreus, Ele nos coloca num ginásio, Ele faz que passemos por
ditos exercícios para podermos ser perfeitos. Sua intenção é que nos
desenvolvamos. Na verdade, eu gostaria de remetê-los ao capítulo onze
da Primeira Epístola aos Coríntios, com referência à Ceia do Senhor, onde o
apóstolo nos ensina muito explicitamente que alguns membros da igreja de
Corinto estavam doentes e fracos simplesmente por causa do pecado deles e da
sua recusa a julgar-se, examinar-se e corrigir-se a si mesmos. Deus estava
lidando com eles por meio das doenças. E o apóstolo acrescenta: “e (há) muitos
que dormem”. Grande mistério, esse, mas é evidente que o ensino é que alguns
podem até morrer, porque
isso faz parte do método de Deus tratar com eles. Não entendemos isso
plenamente, porém aí está o ensino. E tudo o que me interessa neste momento é
que vejamos que isso faz parte do processo que se segue na grande fábrica. Se
houver resistência desta massa de barro, se houver alguma dureza, se houver
alguma dificuldade, Deus tem o Seu método, Ele tem a Sua maquinaria, Ele tem
a Sua maneira de agir. Ele está produzindo um artigo perfeito e usa todos estes
diversos meios e métodos. Somos feitura Sua!
Se são esses os meios que Deus usa, qual é a obra propriamente ditai O que é
que, concretamente, Ele faz conosco? O que é que Ele faz em nós? De novo
simplesmente destaco certas coisas que são da maior importância. Uma das
primeiras coisas das quais o homem toma consciência quando Deus começa a
agir nele é que ele fica inquieto, torna-se convicto do seu pecado. Olhe para o
passado, para a sua experiência pessoal, e estou certo de que você verá que essa
é a verdade. Você estava levando a sua vida de certa maneira e seguindo certo
rumo. Milhares de outras pessoas estavam fazendo a mesma coisa. Subitamente
(ou gradativamente, não importa), você tomou consciência de certa inquietação.
De um modo ou de outro, deixou de ser feliz como era. Questões começaram a
surgir em sua mente. Note que não digo que você se sentou e disse de si para si:
“Agora estou começando a pensar”. Nada disso - surgiram perguntas em sua
mente. Não foi assim? Donde elas vieram? Vieram de Deus. Isso é obra do
Espírito Santo - a convicção de pecado. O homem é detido. Sente que tem
deparar, fica inquieto; não entende o que se passa, fica aborrecido; de fato
procura safar-se disso. Talvez se entregue à bebida, ou mergulhe no trabalho, em
qualquer coisa, para livrar-se dessa inquietação. Mas aí está, algo está
acontecendo com ele. Deus está em perseguição do homem. Como diz o poeta;
Do Senhor eu fugia
Do Senhor eu fugia
Do Senhor eu fugia
O passo seguinte é uma iluminação da mente para ver a verdade. Que processo
maravilhoso! Um homem para quem estas expressões não significavam nada,
embora as tenha ouvido a vida toda, de repente começa a ver algo nelas. As
vezes ele lia a Bíblia, e ficava aborrecido com ela; agora ele vê que ela é uma
Palavra viva, e a deseja ler. Isso é Deus; Deus no Espírito agindo no homem e
abrindo cada vez mais a sua mente para a percepção e o entendimento da
verdade. E Ele que está fazendo isso - introduzindo o pensamento; a luz e o
poder do Espírito, Deus abrindo as coisas, a Palavra se abrindo diante de nós; os
nossos olhos, o nosso entendimento, sendo iluminados. E então, por sua vez, isso
leva a um desejo da verdade, e à sede da verdade. “Desejai”, diz Pedro, “como
crianças recém-nascidas, o genuíno leite da palavra...” (VA). Como você pode
desejá-lo, se não nasceu? - se não tem vida espiritual? Mas se você tem vida o
desejará, como a criança deseja leite. E, ainda mais importante, alegrar-se na
verdade, regozijar-se na verdade, ter prazer na verdade. Isto é obra de Deus, é
como Deus faz todas estas coisas.
E, por sua vez, essa verdade leva a isto, que ficamos cientes da nossa nova
natureza, que Deus implantou em nós, o novo princípio de vida. Apesar de nós
mesmos, vemos que temos uma nova perspectiva. Digo de novo que podemos
não gostar disso, porém é um fato. Vejo que
não sou mais o que era. Posso dizer a mim mesmo: quisera Deus eu nunca
tivesse ouvido isso, para que eu pudesse sair com os meus companheiros como
antes! Todavia, não consigo. Eu posso forçar-me a ir, mas não me sinto feliz com
eles, vejo que sou diferente. Tenho nova perspectiva, nova maneira de ver; tenho
novos desejos; e tenho novas capacidades. Somos feitura Sua! Ele é o Oleiro, e
nós somos o barro. E o que o apóstolo nos ensina aqui.
E tudo isso está nesta vida. Vocês gostariam de saber qual é propósito
culminante? Isto é um processo. Vocês não se tomam perfeitos num instante. A
santificação é um processo, e Deus nos leva através desse processo pelos meios
que j á indiquei .Vocês querem saber o resultado disso tudo? Bem, este é o fim
pinacular, que valerá para nós na glória, na eternidade, quando a obra realmente
estará terminada. O Senhor deu os apóstolos e os outros ministérios para “o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério...até que todos
cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”. Esse vai ser o fim. Eu e
vocês, tão certo como somos cristãos neste momento, estamos avançando com o
fim de chegar “à medida da estatura da plenitude de Cristo” (VA,
A única outra coisa que eu diria é que, à luz desta doutrina, é absolutamente
certo que chegaremos àperfeição. “Aquele que em vós começou aboa obra a
aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6). Nada que seja de fora
de nós poderá impedí-lo j amais; nada que seja de dentro de nós poderá impedi-
lo jamais. Deus nunca inicia uma obra para entregá-la meio-completa. Isso é
totalmente incompatível com a Sua majestade e a Sua glória. Quando Deus
começa, continua. Se Deus pegou você e começou a modelá-lo conforme a
imagem de Cristo, amigo cristão, tão certo como o sol está brilhando nos céus,
Ele dará prosseguimento a essa obra até você atingir “a medida da estatura da
plenitude de Cristo”. Ele dará continuidade a ela até que não haja “mácula, nem
ruga, nem coisa semelhante”, nenhum defeito, e você possa estar diante
dEle perfeito e completo, exultante de alegria. Que doutrina gloriosa! Sim, mas
em certos aspectos, que doutrina terrificante! Se você é cristão e de alguma
forma resiste à vontade de Deus quanto a você, estej a preparado para o que lhe
virá. Esteja preparado para a correção, para o castigo. Estej a preparado, talvez,
paraum tratamento duro e severo - porque Ele vai aperfeiçoar você. Ele firmou o
Seu amor em você, e você está nas mãos dEle. Em Sua fábrica não há refugos. A
obra de Deus é sempre perfeita, e é sempre completa. Que bendita base de
segurança! - a despeito daminha desobediência, da minha pecaminosidade e
daminha imperfeição. A minha única esperança é que estou em Suas mãos,
que Ele é o Oleiro e eu sou o barro, e que eu sei que Ele fará que se cumpra a
Sua perfeita vontade. Se dependesse de mim, ou de qualquer de nós, de há muito
que a coisa toda seria um completo fracasso. Contudo, somos feitura Sua!
Concluo deixando com vocês três ou quatro perguntas como testes. Isso está
acontecendo com vocês? Vocês podem dizer que são feitura de Deus? Vocês têm
aquele sentimento subjetivo de que Deus está tratando com vocês? Vocês têm
consciência da Presença e das mãos?
OS JUDEUS E OS GENTIOS
Chegamos aqui a uma nova seção da declaração que o apóstolo Paulo faz neste
capítulo dois desta Epístola. Há uma definida interrupção aqui, e o apóstolo toma
uma nova idéia e um novo pensamento. É importante, pois, que tenhamos claro
em nossas mentes o seu argumento e o que ele pretende fazer.
O grande objetivo da Epístola é explicar e expor o grandioso propósito de Deus
durante a presente era. Vem na forma de sumário no versículo dez do capítulo
primeiro - assim, Deus se propusera “tornar a congregar em Cristo todas as
coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus
como as que estão na terra”. Esse é o grande propósito de Deus durante a
presente dispensação, o grandioso propósito de Deus em nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Cristo veio a este mundo - falando em termos do Seu
supremo objetivo - a fim de reunir, de colocar de novo sob o Seu comando todas
as coisas, tanto as do céu como as da terra. O apóstolo está interess ado em
explicar e expor isso aos membros da igreja de Efeso e às outras igrejas às
quais esta carta deveria ser enviada. Vimos também que o apóstolo logo passa a
dizer que este propósito de Deus, grandioso e final, j á está sendo posto em
operação, que a própria Igreja é uma ilustração dessa verdade, no sentido de que
os efésios, juntamente com outros gentios, tinham sido introduzidos na Igrej a,
como os judeus. Tendo dito isso, o apóstolo passa a dizer a estes efésios que a
coisa mais importante para eles era que tivessem iluminados os olhos do seu
entendimento.
esse grande poder. Ele ilustra para eles o que está querendo dizer. É admirável, é
espantoso, que estes efésios, estes gentios, sejam membros da Igreja Cristã, lado
a lado com os judeus. E só existe uma coisa que tornou isso possível, esta
sobreexcelente grandeza do poder de Deus. É o mesmo poder que Deus
manifestou ressuscitando o Senhor Jesus Cristo dentre os mortos.
Como isso é demonstrado? Desta maneira: havia dois obstáculos principais entre
estes e sua vinda para Deus, a fim de serem cristãos e membros da Igreja. O
primeiro obstáculo era o seu estado e condição em pecado. O apóstolo trata
disso nos dez primeiros versículos deste capítulo. Já estivemos tratando disso,
não o olvidemos. Ele os faz lembrar-se do que eles eram. Mas agora são cristãos.
Que foi que os mudou, que foi que os trouxe daquilo para isto? Há só uma
resposta: é o poder de Deus - nada menos que isso. Lá estava aquele
terrível obstáculo - e continua sendo o grande obstáculo entre todos os homens e
Deus - a morte do pecado. Nada, senão o poder de Deus, poderia ter lidado com
tal situação.
No entanto, havia um segundo obstáculo, mais uma coisa que se interpunha
entre estes gentios e a qualidade de membros da Igreja de Cristo e o
conhecimento de Deus. Que seria? Era a sua posição, ou o seu “status”, na
economia de Deus, e especialmente em termos da sua relação com a lei de Deus.
É a esse assunto que o apóstolo se dedica neste versículo onze, continuando até o
versículo doze do capítulo três.
Significa isto: Paulo começa fazendo-os lembrar-se de que de fato eles eram
“gentios na carne”. Era um simples fato da história, um fato literal, sólido, que
como gentios eles não tinham sido circuncidados. Portanto, eram “gentios na
carne”. “Na carne” aqui não é um contraste com “no espírito”, porque, se fosse,
o apóstolo pareceria estar dizendo: é verdade que vocês eram gentios na carne,
porém, naturalmente, no espírito vocês estavam bem. Não é nada disso que ele
quer dizer. Eis o que ele quer dizer: é um duro fato de que vocês eram gentios na
carne; não tinham a marca, o sinal, o símbolo de serem judeus - vocês
não tinham sido circuncidados. Mas ele não abandona o ponto aí. Poderia fazê-
lo, entretanto sai numa espécie de digressão que termina no fim do versículo, e
depois volta ao ponto de origem, no princípio do versículo 12. Mas a digressão
vem carregada de interesse. “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo
éreis gentios na carne”, éreis chamados incircuncisão pelos que a si mesmos se
intitulavam ou se chamavam circuncisão, circuncisão na carne, feitapelas mãos.
A dificuldade era que os judeus se haviam agarrado a isso, que era realmente um
fato, e o tinham transformado num problema. Visto que tinham entendido
mal oensino das suas próprias Escrituras, passaram apensarqueaúnicacoisa que
realmente importava era o sinal na carne. Estavam considerando isso de maneira
material, carnal, e para eles nada importava, senão a circuncisão qua *
circuncisão. Para eles isso era tudo, era da máxima importância, e nada mais
importava. Eles tinham entendido errada-mente o propósito todo, até mesmo a
circuncisão propriamente dita; com isso criaram esta grande barreira, este grande
obstáculo no mundo antigo. O apóstolo faz a sua colocação com estas palavras:
vocês eram gentios na carne. Sim, e por aquelas pessoas que se diziam A
Circuncisão vocês eram apelidados e descritos como A Incircuncisão. Os que
falam somente em termos da carne e daquilo que é feito pelas mãos dos homens,
pensando unicamente nesse nível, põem-se à parte e dizem: “Nós somos A
Circuncisão, e aqueles outros são A Incircuncisão".
Este é um ponto muito importante que vocês devem observar quando lêem as
Epístolas do Novo Testamento. Vejam, por exemplo, o que Paulo escreve aos
filipenses (3:3): “A circuncisão somos nós” -nós, os cristãos! - “que servimos a
Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”. E
exatamente o mesmo ponto. Noutras palavras, para termos um verdadeiro
entendimento
Porque, como. Em latim no original. Nota do tradutor.
destas Epístolas paulinas, temos que entender o ponto que ele está defendendo
neste versículo. Não somente era um fato e uma verdade que os gentios não
tinham sido circuncidados; desafortunadamente, os judeus tinham exagerado
esse fato, e tinham feito daquilo uma parede de separação que parecia
completamente irremovível.
Pois bem, essa pequena exposição é vital para ter-se entendimento de tudo o que
temos para dizer. Havia dois aspectos deste segundo obstáculo que Deus tinha
que vencer antes de os efésios poderem tornar-se cristãos. Primeiramente havia a
atitude dos judeus para com os gentios. E depois, em segundo lugar, havia a
atitude de Deus para com os gentios. A atitude de Deus tinha que manifestar-se
porque, afinal de contas, eles não tinham sido circuncidados, não eram da
semente de Abraão. Mas, antes de passarmos aisso, temos que examinar esta
atitude judaica, esta “circuncisão e incircuncisão”, esta divisão. Há, creio eu, um
elemento próximo do sarcasmo na maneira pela qual o apóstolo se expressa -
“éreis...chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam (ou se intitulam)
circuncisão feita pela mão dos homens". Vocês podem observar a ênfase que ele
dá. O grande ponto que ele defende é que Deus venceu este obstáculo duplo.
Ambas estas dificuldades foram sobrepujadas por Cristo e pelo que Ele fez. A
atitude do judeu para com o gentio foi corrigida, se o judeu se tornou cristão; e
a atitude de Deus para com eles também mudou. Assim, toda a questão da lei foi
solucionada por nosso Senhor e Salvador. Esse é o argumento real e concreto do
apóstolo.
Aqui o apóstolo fala sobre a causa, sobre a moléstia. Vejam este caso dos judeus,
como ele o coloca no versículo onze. Podemos expressá-lo da seguinte forma,
como um postulado: a divisão do mundo antigo era devida a uma só coisa, e essa
era que as diferenças tinham-se tornado barreiras, as diferenças tinham-se
tornado uma “parede de separação que estava no meio”. As diferenças existem, e
menosprezá-las é tolice. As diferenças são fatos. E mesmo quando se tem
verdadeira unidade, permanecem as diferenças. Todavia a tragédia é que os
homens exageram as diferenças e as transformam em barreiras, em
obstáculos, em “cortinas”, em paredes de separação no meio. Era exatamente o
que aqueles judeus estiveram fazendo. A ordenação de Deus era que houvesse
judeus e gentios. Deus é que tinha formado a nação dos judeus. Havia uma real
diferença. Os judeus eram circuncisos, os outros não. Mas isso não era para ser
uma barreira. Deus não criou uma nação para não se importar com as outras; Ele
criou a nação dos judeus para falar por meio deles ao mundo inteiro. Entretanto
o judeu o tinha entendido erroneamente. Ele transformara essa diferença numa
barreira, mantinha-se separado e desprezava os demais. A Circuncisão -
A Incircuncisão!
Como isto se desenvolve e a que leva? Segundo o apóstolo, parece que o faz da
seguinte maneira: primeiramente leva ao orgulho. É certamente um fato que o
problema em foco é causado pelo orgulho, pelo ego. Esta é a causa fundamental
de toda divisão, de toda barreira, de todo obstáculo. Essa é a causa de todas as
barreiras de separação que se interpõem. E acausa basilar de tudo quanto divide
as pessoas. O orgulho e o ego! O orgulho cega, o orgulho é um espírito poderoso
que nos dirige, nos subjuga e nos domina. Sob a influência do orgulho a pessoa
não pensa direito, toma-se preconceituosa. Não é capaz de ver coisa
alguma como verdadeiramente é. O preconceito é uma das maiores maldições da
vida, e geralmente tem a sua base e as suas raízes no orgulho. Tem o poder de
cegar completamente a gente. Como funciona? Primeiramente impede-nos de
ver os dois lados de uma questão. Para quem é governado pelo preconceito, não
existe um segundo lado, há somente um, não há outro. Ele está completamente
cego. Ora, essa era a atitude do judeu: “A Circuncisão”, “A Incircuncisão”! Ele
não admitia os gentios, ele voltava as costaspara eles. Não seria essa a essência
de todas as contendas?
Depois, outro modo de funcionar do preconceito é este: sempre nos leva a ter um
falso conceito de nós mesmos. O preconceito, e o orgulho que leva ao
preconceito, não somente impedem a pessoa de ver que há outro lado; também
produzem nela um conceito próprio inteiramente falso. Dessa maneira, o
preconceito sempre exagera o que há de verdade a seu respeito. Era uma
ordenança de Deus que o judeu fosse circunci-dado, porém o judeu exagerava
isso ao ponto de dizer que só haviauma verdadeiranação na terra, anação judaica.
Os outros povos eram “cães”. Ele exagerava o que era verdade a seu respeito.
Ele pensava que simplesmente porque era judeu, necessariamente estava em
boas relações com Deus, e não precisava de mais nada. Por isso os
judeus crucificaram o Filho de Deus, porque Ele lhes mostrou que isso não
era verdade.
Outra coisa que o preconceito faz é tomar-nos incapazes de ver e perceber que o
que quer que sejamos, e o que quer que tenhamos, não se devem a nós, mas foi
Deus quem nos deu. Os judeus tinham esquecido completamente que a
circuncisão era um dom de Deus. “Somos descendência de Abraão, e nunca
servimos a ninguém” (João 8:33), disseram os judeus a Cristo certa ocasião.
Pobres tolos cegos! Como se pudessem responder por si! Todos nós tendemos a
fazer a mesma coisa. Vejam como os homens se gabam da sua capacidade.
Que direito tem o homem de gabar-se da sua capacidade? Foi ele que
a produziu? Foi ele que a gerou? Não, ele nasceu com ela, foi-lhe dadapor Deus.
Todos estes dons nos são dados por Deus. Um homem se orgulha da sua
aparência. Ele é responsável por tê-la? Ele a produziu? Não obstante, é isso que
o orgulho faz, como vocês vêem. Exagera o que temos, e afirma que nós o
produzimos. E não se apercebe, com humildade, de que é tudo dado por Deus e
vem das Suas generosas mãos. São estas as sementes da desunião, da guerra e do
derramamento de sangue.
Ademais, o preconceito faz que tenhamos um falso conceito dos outros. Visto
que nos faz exagerar o que temos, faz-nos também diminuir o que eles têm.
Vocês o reconhecem atuando em sua própria vida, não reconhecem? Como
sempre aumentamos o que é do nosso lado e tiramos do outro! Relutamos em
reconhecera bondade quando ela está nos outros: não queremos reconhecê-la. E
porque não queremos, não a reconhecemos. De fato, subtraímos, tiramos até não
deixar nada. O judeu estava convencido de que não havia nada de valor nos
gentios; nem lhes pareciam humanos; eram “cães”. Exatamente da mesma
maneira o grego, com a sua cultura, considerava os outros como bárbaros,
Ora, existe uma segunda grande causa de divisão, a saber, um errôneo juízo de
valores. Tendo já feito referência a isto em princípio, permitam-me agora dar-
lhes os detalhes. Toda a tragédia do judeu, naquele tempo, foi que ele omitiu o
ponto essencial. Faltou-lhe um real juízo de valores. Ele achava que o que
importava era a circuncisão. O que Paulo e outros tinham para ensinar-lhes era
que o que importa é a circuncisão do espírito; que a pessoa pode ser circuncidada
na carne e, ao mesmo tempo, estar condenada e perdida; que o homem que está
em boas relações com Deus é o que foi circuncidado no espírito; e que isso é tão
possível para o gentio como para o judeu. Mas o judeu tinha parado na carne;
seu senso de valores estava errado, ele tinha interpretado mal a circuncisão. A
circuncisão era meramente um sinal externo de um estado interno, espiritual. Era
o que a circuncisão fora destinada a ser, porém, o judeu tinha ficado cego para
isso.
Notem as duas coisas que Paulo acentua: “na carne”, e “feita pela mão dos
homens”. “Incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens.” Com a expressão “a carne” aqui, ele se refere à ênfase dada
às aparências, às exterioridades e àquilo que é puramente físico. Nacionalidade!
E puramente da carne. E um cabal acidente nascer numa nação, e não noutra.
Certamente é um fato a existência de diferentes nações e nacionalidades; mas
nós nos
Povo ou nação superior. Em alemão no original. Nota do tradutor.
Vejam, porém, por um momento a outra frase. Não somente “a carne”, mas
também “feita pela mão dos homens”, diz Paulo, isto é, puramente humana.
Quais são as coisas que estão causando divisão na Igreja hoje? Por que não nos
sentamos todos juntos à mesa da comunhão? Ah, diz um, você não pode vir à
mesa e comer do pão e beber do vinho se não foi confirmado, se certas mãos não
foram impostas sobre a sua cabeça. “Feita pela mão dos homens”, vocês vêem!
Não importa se a pessoa nasceu de novo e tem em si o Espírito de Deus e se
está vivendo como um santo a vida cristã. Não participará porque ela não foi
São estas, pois, as causas. Qual a cura? O apóstolo a expõe claramente aqui.
Unicamente Cristo pode curar, e a razão disso é que
é necessáriaumamudançadocoração. Não basta apenas apelar para aboa vontade,
para a bondade, para o amigável e para a fraternidade. Simplesmente não
funciona, e não funcionará; de fato nunca funcionou. Tampouco é suficiente
apenas apelar em geral para que os homens e as mulheres apliquem o ensino de
Cristo. Esse é o apelo popular hoje. Venham, dizem eles, vamos tomar e aplicar
os ensinamentos de Cristo. Alguns pensam que, se você fizesse isso, se este país
fizesse isso, de algum modo até a guerra seria banida e não haveria mais
problema. A resposta
Certamente isto se aplica à profissão de fé feita por adultos batizados na infância, como também ao
batismo de adultos. Nota do tradutor.
a isso é, de novo, que não é verdade, simplesmente não é fato. Já foi tentado. Foi
tentado nas escolas onde não acreditam mais na disciplina. Foi tentado nas
prisões, onde também ninguém mais crê realmente na disciplina. E vocês vêem
os resultados, vocês vêem o aumento da barbárie e do destemor de Deus. Mais
importante que isso, porém, é algo que vai contra as Escrituras, não é bíblico,
não é ensino de Deus, ensino que mostra que, enquanto o homem não vier estar
“sob a graça”, terá que ser mantido “sob a lei”. A natureza humana é má e
sempre se expressará, pelo que você tem de refreá-la, você tem que dominá-
la. Quando há feras selvagens em volta de você, você tem que estar preparado
para enfrentá-las. A idéia de que, se você for falar suavemente com pessoas que
têm a mentalidade de Hitler elas lhes darão ouvidos e deixarão de ser agressivas,
é quase patética e fátua demais, nem merecendo consideração.
Não, há somente um método, o método de Cristo. Ele nos diz a verdade sobre
nós. Ele faz que nos encaremos a nós mesmos. Face a face com Ele, vejo a
minha total inutilidade, a minha indignidade, a minha miséria. Quando
contemplo a face de Cristo, vejo que não tenho nada do que me gabar. Esqueço
tudo o que tenho exagerado, todas as coisas em que tenho confiado. Aqui não
sou nada, sou um mendigo. Cristo faz--rae ver a verdade sobre mim. Você jamais
conseguirá unidade entre os homens, enquanto eles não virem a verdade acerca
deles próprios. Ele faz-me ver também que a mesma coisa vale realmente para
todos os outros; que vale para aquela outra pessoa de quem não gosto, e vale
para a outra nação; que somos todos iguais, que somos um no pecado, um
no fracasso; que estamos todos debaixo da ira de Deus; que as coisas
cuja importância nós temos exagerado são trivialidades. “Não há um justo, nem
um sequer”; somos todos réus condenados diante de um Deus santo. Ele a todos
nos humilha até ao pó. Ele já demoliu a maior parte das diferenças.
Depois Ele nos mostra que todos nós necessitamos da mesma graça, da mesma
misericórdia, do mesmo amor, E juntos recebemos estas bênçãos e todos juntos
as compartilhamos. Prestamos culto à mesma Pessoa e nos regozijamos na
mesma salvação. Tendo compreendido isso tudo, daí em diante a minha lealdade
não é a mim, e sim a Ele; e a do outro homem não é a si, mas a Ele. Assim nos
esquecemos um do outro e não mais somos desconfiados, invejosos e
contenciosos; vamos juntos a Ele, e juntos entoamos o Seu louvor.
Esta é a única base da unidade. Não a organização, nem nenhuma outra coisa,
mas a humildade do novo homem em Cristo, a vida dominada por Cristo, a vida
centralizada em Cristo. Eis o que derruba todas as paredes interpostas: “de
ambos os povos fez um” em Cristo. Queira Deus abrir os nossos olhos para isto
em todas as nossas relações pessoais. Queira Deus abrir os olhos da Igreja para
isto. Que o mundo veja que só há uma esperança de paz verdadeira, vir reunir-se
aos pés do Príncipe da paz, o Rei da justiça.
1
Esta obra, no original inglês, foi publicada em 1972 (Ia edição). Nola do tradutor.
15
SEM CRISTO
O apóstolo trata dessa questão em muitas das suas Epístolas. Ele o faz, por
exemplo, de maneira particularmente clara, na Epístola aos Romanos, capítulo
dois, versículos vinte e oito e vinte e nove, onde ele diz: “Porque não é judeu o
que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas
é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não
na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus”. Noutras palavras,
os judeus tinham sido totalmente incapazes de ver que todo o objetivo disso era
algo espiritual na mente de Deus. O apóstolo estava muito preocupado com isso.
Alguns, quando ouvem quenão existe mais circuncisão e incircun-cisão, judeu e
gentio, e assim por diante, mostram-se propensos a dizer: bem, então não
precisamos dar atenção a estas coisas. Alguns cristãos
têm sido bastante tolos para dizer que, uma vez que somos cristãos, não
necessitamos do Velho Testamento. Todavia, isso, diz ainda o apóstolo na
Epístola aos Romanos, está completamente errado. “Qual é logo a vantagem do
judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” E ele replica: “Muita, em toda a
maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhes foram confiadas”.
Depois, no capítulo nove da Epístola aos Romanos, ele torna a desenvolver o
mesmo argumento. Ele fala da sua grande tristeza e dor no coração - “Porque eu
mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que
são meus parentes segundo a carne; que são israelitas”. Que é que ele quer dizer?
Ele prossegue para dar aresposta: “dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os
concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é
Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito etemamente”. Havia
um propósito e objetivo muito real na distinção entre judeu e gentio. Não era
como os judeus o interpretavam, que o faziam erroneamente, mas lá estava o
fato, e era extremamente importante. Aqui, agora, neste versículo doze de
Efésios, capítulo dois, Paulo nos dá o verdadeiro conceito da matéria em foco.
No versículo onze ele nos dá o falso conceito da circuncisão; no versículo doze
ele nos dá o verdadeiro conceito da circuncisão e da falta dela.
Como devemos entender isto? A resposta é que tudo o que Deus fez aos judeus e
por eles sob a antiga dispensação foi feito na expectação de Cristo. Tudo no
Velho Testamento olha para o futuro, para Cristo. Nunca devemos examinar
aquelas coisas em si e de si. Tudo quanto Deus fez àqueles judeus, àqueles
israelitas, Ele o fez como preparação para a vinda do Senhor Jesus Cristo. O
apóstolo o expressa numa frase em Gálatas 3:23 desta maneira: diz ele que o
propósito de Deus foi manter-nos “encerrados para aquela fé que se havia de
manifestar”; “a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo”, nunca foi seu
propósito fazer coisa alguma em si e de si. Foi aí que os judeus erraram.
Eles pensavam que a lei era alguma coisa em si mesma, e que eles foram salvos
porque possuíam alei, ao passo que os outros não. Não, dizPaulo, alei éonosso
preceptor, o nosso aio, para levar-nos aCristo. Opropósito de todas aquelas
coisas era encerrar-nos para aquela fé que se havia de manifestar.
Podemos ver o ponto mais ou menos assim: Deus fez o homem à Sua imagem, e
o homem vivia em harmonia e em comunhão com Deus. Mas, ele pecou e caiu,
apartando-se de Deus. Que lástima! Depois que ele deu nascimento à sua
progênie, a terra encheu-se de gente, e até ao tempo do chamamento de Abraão o
mundo inteiro e todos os seus povos e nações estavam numa mesma relação com
Deus. Não houve nenhuma divisão importante até à vocação de Abraão. Já havia
uma espécie de divisão entre a linhagem de Caim e a de Sete, contudo Deus
tratava igualmente todas as nações e todos os povos, até quando Abraão
foi chamado. Então Deus fez algo novo. Ele disse a Abraão que ia fazer
dele uma nação, que dos seus lombos surgiria uma grande nação, um
povo especial e peculiar pertencente ao própr: o Senhor Deus. Ele ia criar uma
nova nação, uma nação especial. Ia separá-la de todos os outros povos e
manteria uma peculiar relação com essa nação especial. Essa é a formação de
Israel, essa é a gênese da comunidade de Israel, o povo de Deus. Depois Ele fez
certas alianças com esse povo. Fez-lhe certas promessas. Comprometeu-Se com
ele. Ele separou este homem, Abraão, e lhe disse: “Em ti e em tua semente serão
abençoadas todas as famílias da terra”. Deus fez aliança com Abraão,
comprometeu-Se com ele, fez um juramento - esse é o significado das alianças.
Estas promessas foram repetidas muitas vezes - a grande e única aliança repetida
em várias formas - a Isaquee a Jacó, a Moisés no Sinai, e ainda a Davi, e
pregadas pelos profetas. É isso que se quer dizer com estas expressões,
“a comunidade de Israel”, “os concertos da promessa”, e assim por diante. Todas
tinham em vista a futura vinda do Messias, o grande Libertador. Noutras
palavras, o que temos que compreender é que agora Deus via o mundo e o seu
povo de duas maneiras: via o povo da aliança de um modo; via os demais povos
de outro modo. E o povo da aliança era conhecido pelo sinal e pela marca da
circuncisão. Todo menino nascido em Israel tinha que ser circuncidado no oitavo
dia porque pertencia ao povo da aliança, à nação de Israel, ao povo de Deus. De
um lado está o povo de Deus; do outro estão os gentios.
É isso que o apóstolo está lembrando aos efésios, e este é o seu objetivo ao fazê-
lo: ele quer que eles se apercebam da grandeza da sua salvação. Quer que
compreendam que o fato de agora se haverem tornado concidadãos, co-herdeiros
com os santos e da família de Deus, é a coisa mais assombrosa que poderia
acontecer. A única maneira pela qual eles poderão entender isto é
experimentando algo da “sobreexce-lente grandeza do poder de Deus sobre nós,
os que cremos”. Não é somente o poder que nos ressuscita da morte no pecado, é
um poder que sobrepuja esta tremenda questão de como os que estão fora da
relação pactuai, da aliança, poderão ser introduzidos. Assim, ele prossegue,
para explicar-lhes e expor-lhes isso. Ninguémjamais se regozijará em
Cristo como deve, se não compreender qual era a sua situação antes de se
tomar cristão. O problema com todos os cristãos professos que não se regozijam
em Cristo é que eles nunca se deram conta do que eles eram em pecado. Não
ajuda nada dizer-lhe que você deve ser “sempre positivo”; você tem que partir do
que há de negativo em você. Se você não se der conta do que você era antes de
ser tomado por Deus, jamais O louvará como deve. Por isso Paulo desce a
minúcias. Há muitos que nunca viram qualquer necessidade de Cristo. Por quê?
Porque estão satisfeitos consigo e pensam que tudo está bem com eles como eles
são. Esse é o
problema. Paulo está desejoso de que os seus leitores entendam esta questão. Ele
orou no sentido de que Deus abrisse “os olhos de seu entendimento”, para que
pudessem entendê-la. Vocês estavam longe, diz ele, mas agora “pelo sangue de
Cristo chegastes perto” - você seria capaz de ver o que Deus fez? Você não
consegue ver a medida do Seu amor, da Sua graça e misericórdia, e do Seu
ilimitado poder?
São essas as duas únicas posições que importam. Todos estamos, ou “em
Cristo”, ou “fora de Cristo”. Você sabe exatamente onde está? Isto não é teoria, é
fato real, é experiência. E o que vai determinar o nosso destino eterno. É porque
ignoram o que é estar “fora de Cristo” que milhões de pessoas no mundo atual
passam o domingo de manhã lendo os jornais e o lixo dos tribunais, em vez de
investigarem a Palavra de Deus. Não se apercebem de como é terrível a sua
situação por estarem “fora de Cristo”. Por isso Paulo lhes diz em detalhe o que
significa isso com as cinco expressões já mencionadas. Elas podem ser
classificadas em duas divisões.
Primeiro consideremos: o que significa estar sem Cristo quanto à nossa relação
com Deus. Aqui o apóstolo diz duas coisas, as duas primeiras das cinco
expressões. A primeira é que nós estamos num estado e numa condição de
“separados da comunidade de Israel”. A
referência é àuma agremiação de cidadãos ou de pessoas definidamente
constituídas numa comunidade política. No mínimo significa certo número de
pessoas definidamente constituídas numa comunidade. É algo separado e
distinto, algo que pode ser reconhecido. Portanto, o que nos é dito é que Deus,
da maneira que indiquei, formou uma comunidade para Ele. Este é o método de
salvação estabelecido por Deus; Ele forma um povo, uma comunidade. Ele
separa as pessoas e Se mantém numa relação especial com elas. Uma descrição
minuciosa disso tudo é dada no capítulo dezenove do livro de Êxodo. O apóstolo
Pedro o cita em sua Primeira Epístola, capítulo dois, versículos nove e dez. Deus
reuniu aquelas pessoas antes de lhes dar os Dez Mandamentos, e lhes
disse: “Sereis a minha propriedade peculiar”, “Vós sois a geração eleita,
o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido.” Ele separou esse povo para
Si e o apartou de todos os demais. Mas não ficou nisso. Fez isso porque tinha um
interesse especial por ele. E um povo que constitui a Sua “propriedade peculiar”.
Assim, bem mais tarde, por meio do profeta Amós, Deus disse a respeito da
nação de Israel: “De todas as famílias da terra a vós somente conheci” (Amós
3:2). Obviamente, isso não significa que Ele não tomava conhecimento de todas
as outras. Certamente que tomava. “Conhecer” nas Escrituras significa ter
interesse pessoal e especial por, estar preocupado com, importar-se com, ver com
os olhos de um pai e com amorosa contemplação. “De todas as famílias da terra
a vós somente conheci” - a referência é a Israel. Deus via todas as nações, porém
não as conhecia, não tinha esse interesse especial por elas; elas estavam fora da
comunidade de Israel, eram estranhos. De fato, a palavra empregada por Paulo
aqui é muito interessante. Aqui se lê “(estáveis) separados”; a tradução deveria
ser “tendo-se feito separados”, ou “tendo-se tomados separados”. Noutras
palavras, nunca houve o propósito de que alguém estivesse nessa situação; é
tudo conseqüência da Queda, conseqüência do pecado. O homem separou-se,
passou a estar fora do interesse peculiar de Deus.
Então a primeira coisa que significa estar “sem Cristo” é que você está fora
daquele círculo no qual Deus está peculiarmente interessado. Você não pertence
ao povo da aliança. Você é tão-somente um de uma grande multidão nalgum
lugar; não há este interesse especial, este especial objeto de interesse.
“Separados da comunidade de Israel.” Hoje é a Igreja Cristã que corresponde à
comunidade de Israel. A coisa mais terrível acerca do não cristão é que ele está
fora daquele círculo e não pertence ao povo de Deus. Você está separado da
comunidade de Israel? Você se sente estranho num culto cristão? Você se
pergunta: do
que é que esse homem está falando? Que será isso tudo? Não lhe parece muito
prático, não é como uma pregação sobre conferências internacionais, sobre a
fabricação de armas atômicas ou sobre questões políticas correntes. Não é
relevante, é obsoleto. É alheio a você, é-lhe estranho? Ou você sente que lhe diz
respeito? É uma coisa terrível a pessoa sentir-se um forasteiro, um intruso, sentir
que não tem parte nestas coisas, que de algum modo elas nada têm a ver consigo.
Você está dentro? Você ama os irmãos na fé? Você tem parte nestas coisas? É
terrível estar “fora de Cristo”, “separado da comunidade de Israel”.
O que a seguir o apóstolo nos diz é que os gentios eram “estranhos ao concerto
da promessa”, ou “às alianças da promessa” (ARA). Já lhes fiz lembrar as
alianças feitas por Deus. Deus tomou Abraão. Não porque houvesse algo de
peculiarmente bom em Abraão; ele era um pagão entre outros pagãos. Deus o
chamou e lhe disse: Eu pus Meus olhos em você, vou abençoar você, empenho-
Me pessoalmente com você. Como nos lernbra o autor daEpístola aos Hebreus,
Deus o fez com juramento (6:13-18). Empenhou-Se e fez um juramento, para a
segurança de Abraão e sua semente. As promessas de Deus! Leiam o
Velho Testamento e as verão uma após outra. Deus chama homens, separa-
os, dá-lhes uma revelação, uma visão, dirige-Se a eles, envia-lhes uma palavra. E
o que os mantém em marcha. Este foi o segredo do povo descrito no capítulo
onze da Epístola aos Hebreus - as promessas. Deus olhava para os do Seu povo e
lhes dizia: não se preocupem; deixem que as outras nações os invejem e tentem
destruí-los; deixem que os homens se levantem contra vocês; não importa; vocês
são o Meu povo, nunca os deixarei desaparecer, “Não te deixarei, nem te
desampararei” (Hebreus 13:5); apegue-se à palavra da minha aliança e às
Minhas promessas, olhem para o futuro, para o seu cumprimento.
Isto significa, primeiramente, que ele não tem nenhuma esperança nesta vida.
Vocês já tinham percebido que sem Cristo não hánenhuma esperança nesta vida,
neste mundo? - absolutamente nenhuma! Será exagero? Em resposta eu lhes
peço que considerem as declarações dos pensadores mais profundos que o
mundo conheceu, e verão que, invariavelmente, eles são pessimistas. As maiores
obras de Shakespeare são tragédias. Todas as religiões, fora a fé cristã, são
profundamente pessimistas. O único consolo que lhe dão é que chegará o
tempo em que você escapará deste mundo; poderá ter que passar por uma
série de reencarnações - mas aqui não há esperança, você terá que livrar-se dele
e, de um modo ou de outro, perder-se nalgum nirvana. Elas não dão esperança
alguma ao homem neste mundo. É a carne, o corpo, dizem elas, que causa todos
os nossos problemas, e não há esperançapara você enquanto estiver no corpo.
Por isso você tem que sair deste mundo. O hinduísmo, o budismo e todo o resto
são completam ente sem esperança. São produtos de pensamento profundo sem a
revelação; e todas elas são totalmente destituídas de esperança. Isso é algo que
vocês verão em todas as grandes filosofias, em todas as grandes religiões. Vê-lo-
ão em toda grande literatura. Já notaram que os nossos maiores poetas são 1
Tudo isso nos vem habilmente resumido no livro de Eclesiastes, onde o autor
diz: “Vaidade das vaidades! é tudo vaidade”. Isso não é dito de maneira
superficial, num momento de decepção; é a conclusão a que chegou um
profundo pensador que tentara todas as possibilidades, considerara todas as
coisas que se nos oferecem, e viu que todas elas juntas não chegam a nada. “O
que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; de modo
que nada há novo debaixo do sol” (1:9). Não há esperança para o mundo, ele não
vai ficar cada vez melhor. Todo o fútil idealismo dos últimos séculos é
totalmente condenado por todas as grandes expressões do pensamento dos
séculos - e, naturalmente, está totalmente desacreditado hoje pelos fatos e
eventos. Sem Cristo não há esperança nesta vida e neste mundo. “Vaidade
de vaidades! é tudo vaidade!”, pode-se escrever rotulando todas essas coisas.
Não somente não há esperança de que as coisas melhorem, também não há
esperança de que o próprio homem melhore. Ele não é nada melhor do que era
sob a dispensação do Velho Testamento. Continua cometendo os mesmos
pecados, continua culpado das mesmas faltas; não há prova de que houve
progresso espiritual do homem. O homem é tão podre hoje como quando caiu no
jardim do Éden. Além disso, não há o que ver no futuro. Todos estamos
envelhecendo, as nossas energias vão fenecendo, a morte virá, inevitavelmente.
Façam vocês o que fizerem, não se livrarão dela. Essa é a vida sem
Cristo. Deixemos que Shakespeare, com seu jeito inimitável, resuma o
ponto para nós. Já no período final da sua vida, ele o expressou
perfeitamente num dos seus últimos dramas, A Tempestade (“The Tempest”).
Os suntuosos palácios,
E o que somos,
Como feitos de sonhos, e um sono cerca A nossa curta vida,
Assim como não há esperança nesta vida, neste mundo, certamente não há
nenhuma esperança além desta vida para quem está fora de Cristo. Amorte é
apenas o fim da jornada para ele. Como Horácio Bonar diz em seu hino:
“Falecem os homens cercados de trevas, sem uma esperança que alegre
suatumba”. Eles olham parao futuro, mas o que vêem? Nada! Não conseguem
ver através da morte, não têm “a fé que vê através da morte”. Que é que existe
além da morte? Eles não sabem. Ou dizem que não há nada, ou que há um
tormento, ou uma série dereencamações. Não sabem; e quando chegam ao fim,
deixam tudo, caem os palácios e as torres, e o que fica? - Nada! Sem esperança!
Essa é a vida sem Cristo. Esta é a vida que estão tendo milhões neste país hoje,
milhões que nos julgam tolos porque nos assentamos para ouvir o velho
evangelho nas igrejas. Eles pensam que têm vida e liberdade - todavia eis a
sua situação: “não tendo esperança”!
Mas, pior ainda: “sem Deus”! Que é que Paulo quer dizer com isso? Refere-se
obviamente a uma vida sem nenhuma experiência subjetiva de Deus. Deus
continua existindo, porém essas pessoas não o sabem, não têm consciência disso;
e não O fruem! Permitam-me fazer um sumário disso nos seguintes termos: eles
não conhecem a Deus enão estão em comunhão com Deus; portanto, eles estão
sem a ajuda, a paz e a alegria que vêm mediante o conhecimento de Deus e a fé
nEle. O mundo deles estáenterrado em colapso, tudo vai indo mal e eles se
vêem sós. Em seu completo isolamento e desolação, eles não têm nada,
porque não conhecem a Deus. Os cristãos também têm problemas nesta
vida, ocorrem acidentes, as coisas vão mal; quanto às circunstâncias, o
cristão pode ser idêntico a outro homem. Mas há esta grande diferença: o
outro está sem Deus; o cristão tem Deus e conhece a Deus.
Quão diferente do salmista é esse outro homem sem Deus! O salmista, vocês
recordam, disse isto: “Quando meu pai e minha mãe me
Contudo, esse outro homem não sabe disso; ele é deixado entregue a si mesmo
quando o seu mundo cai por terra e tudo vai mal. Ele não somente está “sem
esperança”, mas também está “sem Deus”, e não pode olhar para o futuro, para o
dia em que, segundo o livro de
Apocalipse, “Deus limpará de seus olhos toda a lágrima”, e não mais haverá
tristeza, nem suspiros, nem pranto. O homem sem Cristo não conhece essas
coisas. Quão diferente é o nosso Senhor! Ouçam o Senhor dizer pessoalmente:
“Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um
para suaparte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo”
(João 16:32). Ele não estava “sem Deus”. Deus estava com Ele quando todos O
tinham abandonado e fugido. “Mas não estou só, o Pai está comigo.”
Que coisa terrível é estar “sem esperança” e “sem Deus” “no mundo” - pertencer
a este mundo passageiro que está debaixo da ira de Deus, debaixo da
condenação, e que deverá ser destruído. “O mundo passa, e a sua
concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”
(1 João 2:17).
Essas palavras vêm a alguém que está “sem Cristo”? Se vêm, você se dáconta de
onde está? Você está fora dacomunidade, fora do interesse especial de Deus,
você não conta com promessas que o sustentem, com “nenhuma esperança”,
você está “sem Deus”, “no mundo”! Se você vê isso, e se você compreende o
que significa, há só uma coisa para você fazer - fugir para Cristo. Outrora os
efésios tinham estado naquela situação - “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. Você não precisa
continuar sendo um forasteiro. Não precisa continuar e achar que estas coisas
não lhe dizem respeito. Deus está falando com você. CreianEle, ouça-O,
aja baseado no que Ele diz, vá a Ele, confesse a Ele tudo quanto sej a
verdade quanto a você, e se lance sobre o Seu amor e graça e misericórdia
e compaixão. E Ele o receberá e lhe dirá que enviou Seu Filho para morrer e
derramar Seu sangue por você, para que você se tornasse “concidadão dos santos
e da família de Deus”. Você verá que passou a ter nova vida e nova esperança,
conhecerá a Deus e saberá que Ele nunca o deixa nem o desampara. Fuja para
Ele.
Se você está ali, regozije-se nEIe. Estar “em Cristo”! Não há nada que sobrepuje
isso. É o céu na terra. E o antegozo da bem-aventurança eterna.
16
CHEGASTES PERTO
“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto. ” - Efésios 2:13
Evidentemente, estas palavras dão prosseguimento à declaração que começa no
versículo onze. Ao mesmo tempo são, por assim dizer, o complemento dessa
declaração, que já foi estudada. O apóstolo está expondo aqui a grandeza desta
salvação cristã. Ele quer que compreendamos que ela é tão grandiosa que nada
menos que o poder de Deus a poderia realizar. Esse é o argumento geral. O poder
que nos toma cristãos é precisamente o mesmo poder que tomou Jesus dentre os
mortos, mostrou-0 na ressurreição gloriosa e depois O elevou às alturas,
aos lugares celestiais, onde Ele está assentado à direita do poder de Deus. Esse é
o tema. Não devemos ignorar a floresta por causa das árvores. As árvores são
gloriosas, mas a floresta é mais, e é melhor. A medida que avançarmos,
mantenhamos as duas coisas juntas em nossas mentes.
E sobre “a sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos” que
o apóstolo está escrevendo, e é o que ele quer que compreendamos.
Necessitaremos do auxílio do Espírito Santo para compreendê-lo, porque as
nossas mentes são por demais pequenas, fracas e inadequadas. Oramos, pois,
como Paulo fez pelos efésios, no sentido de que sejam “iluminados os olhos do
nosso entendimento”, para que realmente possamos conhecer essa verdade. O
apóstolo escreve a sua carta com o fim de ajudar-nos nisso. Duas coisas, diz
ele, são essenciais, se queremos entender a grandeza da salvação cristã: a
primeira é a percepção da nossa condição sem esse entendimento; e a segunda é
a percepção da nossa condição resultante disso. Anteriormente examinamos a
nossa condição sem a salvação, nos termos da descrição feita no versículo doze
deste capítulo. “Naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos aos concertos (ou alianças) dapromessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo.” Somente quando compreendermos isto,
em primeiro lugar, é queperceberemos quão maravilhoso é que alguém
seja cristão. Afinal de contas, o admirável é - não que muitos não são cristãos; o
admirável é que alguém seja cristão. Nada explica isso, a não ser o poder de
Deus em Cristo. Somente captamos isso quando nos
damos conta do que o homem é por natureza, quando nos damos conta do que
ele é em conseqüência do pecado. Mas devemos ir muito além. Se nos cabe
medir este grande poder, não devemos limitar-nos a medir a profundidade da
qual fomos levantados e tirados, entretanto também devemos medir a altura à
qual fomos elevados e exaltados.
Aí estão os dois polos que representam os extremos nos quais todos os cristãos
se acharam: primeiramente, fora de Cristo; depois, em Cristo. É o que o apóstolo
está expondo aqui, no versículo treze. Tendo dado o aspecto negativo, passa
agora aexpor o positivo. Vocês recordam que nos dez primeiros versículos ele
estivera fazendo exatamente a mesma coisa, porém de um ângulo diferente. Lá a
sua preocupação era com a condição espiritual real e concreta - mortos em
ofensas e pecados - e em mostrar como fôramos elevados às alturas. Aqui, como
vimos, ele o expõe mormente em função da lei, e em termos do nosso nível
e posição aos olhos de Deus e em Sua presença. Mais uma vez assevero que é
essencial que compreendamos os dois lados.
Para todos os que têm alguma experiência pastoral, nada é mais claro do que o
fato de que, quando os que se sentem infelizes acerca da sua salvação, não têm
segurança e não têm alegria em sua vida cristã, a causa geralmente está numa
destas duas coisas, ou, com muita freqüência, nas duas juntamente. Eles estão
nessas condições, ou porque nunca se tornaram verdadeiramente convictos do
pecado, porque nunca enxergaram realmente a sua situação de desesperança, ou
então porque nunca enxergaram a sua verdadeira posição como cristãos e as
alturas às quais foram elevados. Assim, as duas coisas sempre devem ser
tomadas juntas. E no Novo Testamento sempre estão juntas-e
invariavelmente são tomadas na ordem acima indicada: primeiro o elemento
negativo; depois o positivo. Já vimos isso neste capítulo.
O apóstolo sempre parte do negativo. Vocês recordam como, quando ele estava a
caminho de Jerusalém e estava se despedindo dos presbíteros desta mesma igreja
de Efeso numa grande e lírica ocasião -ele não tivera tempo de ir a Efeso, pelo
que pedira aos presbíteros que viessem encontrar-se com ele. Encontraram-se em
Mileto, e, num dos mais comoventes trechos da literatura que conheço, o
apóstolo fala, dizendo efetivamente; gostaria de lembrar-lhes como, quando
estava com vocês, não cessei, noite e dia, de dar-lhes com lágrimas o
meu testemunho do evangelho e de pregá-lo. E o que ele pregava?
“O arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos
20:21, VA e ARA). Vocês nunca verão o apóstolo dizer que , primeiro as pessoas
vêm a Cristo e depois se arrependem. Impossível
Temos considerado o negativo; vejamos agora o positivo. Aqui está ele numa
frase - também aqui o apóstolo segue o seu método invariável. Primeiro ele
declara o seu tema geral numa só sentença; depois ele o parte e o toma
fragmento por fragmento. É o que ele faz no restante do capítulo. Neste
versículo treze mais uma vez nos vemos face a face com um dos mais gloriosos
sumários que o apóstolo faz, da fé cristã em geral. Está tudo aí nesse único
versículo. As vezes sinto que se eu pudesse dizer isto como deveria e como o
Espírito Santo pode habilitar-nos a dizê-lo, não haveria necessidade de dizer
mais nada. Ei-lo: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe,
jápelo sangue de Cristo chegastes perto”.
branco, e depois um pouco mais, e um pouco mais, e por fim você diz: ah, isto é
branco! Não é nada disso. Isso é totalmente falso; isso é um completo contraste
com o que o apóstolo está ensinando aqui. É preto ou branco, diz ele, e não há
estágios intermediários quase imperceptíveis. Não é como aquelas sutis
mudanças de cor do espectro, onde não se pode dizer em que dado ponto termina
uma cor e começa outra. Absolutamente não. Este contraste é claro e definido.
Muitos estão em dificuldades quanto à sua posição como cristãos porque nunca
entenderam o ensino das Escrituras sobre este assunto. O contraste entre o não
cristão e o cristão é verdade válida para todos. Digo isso porque posso imaginar
alguém dizendo: ah, espere um minuto, naturalmente posso entender o contraste
em sua forma extrema como ali o apóstolo o coloca, porquanto, afinal de contas,
ele estava escrevendo acerca daqueles efésios que nem sequer criam em Deus,
que eram pagãos, em pleno mundo, vivendo a vida típica de um pagão -
e, naturalmente, quando um pagão desses passa a ser cristão, o
contraste, obviamente, é extremo e espantoso. E os que assim pensam
prosseguem dizendo que ainda é o mesmo nos dias atuais. Alguns que se
tornaram cristãos tinham sido ébrios, maridos espancadores e quase assassinos -
não podiam ter sido mais ímpios. Claro, quando alguém assim se torna cristão,
tem-se este assustador contraste, e você está justificado em ressaltar o seu “mas”,
e em dizer “agora” e “depois”, “tempos passados”, “anteriormente”, e assim por
diante. Todavia, dizem eles, certamente isso não se aplica aos que foram criados
de boa e respeitável maneira, num país cristão, pessoas que eram enviadas à
Escola Dominical quando crianças e eram levadas aos cultos pelos seus pais, e
que nunca praticaram nenhuma dessas coisas violentas, torpes e extremas. Por
certo essas pessoas apenas “cresceram” no cristianismo e nelas a mudança é
quase imperceptível. Certamente, argumentam eles, você não dá ênfase a este
contraste extremo no caso dessas pessoas - pode-se aplicar-se aos pagãos e aos
de fora, não porém, por certo, a alguém que foi belamente criado num país
cristão. A minha réplica é que é tão extremo o contraste no caso daqueles como
no outro; que a diferença entre não cristão e cristão é sempre igualmente grande.
O que decide se somos ou não cristãos não é nem o que fazemos nem o que
somos: é a nossa relação com Deus. “Chegastes perto”, “fostes aproximados”
(VA e ARA), diz Paulo. Ele não diz “progredistes”, ou “melhorastes”, ou “agora
estais vivendo uma vida melhor”. Não, o que faz de você um cristão é que “Vós,
que antes estáveis longe, fostes aproximados”; estais perto de Deus, ao passo que
Ora, é exatamente a mesma coisa em toda esta questão de ser cristão. Não estou
realmente interessado em saber se você vivia nas sarjetas da vida ou nas
vivendas mais respeitáveis. As únicas perguntas que faço são: você está perto de
Deus? Você conhece a Deus? Você entrou nos “santos dos santos”, “no lugar
santíssimo”? Essa é a questão; as outras são irrelevantes. Quanto à
respeitabilidade, à bondade, à moralidade e à ética, você pode ser um exemplo
de todas as virtudes e, todavia, não conhecer a Deus. Fazendo-se o julgamento
por meio desse teste de relações pessoais, segundo as Escrituras não há diferença
entre o mais vil e torpe pecador, de um lado, e o mais respeitável pecador, do
outro. “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” “Não há um justo,
nem um sequer.” Todos eles estão fora da porta, não têm entrada na sala de
audiências, na presença do Monarca, a porta se lhes fecha e ficam fora. Mas
você dirá: ah, eles são diferentes; vejam a roupa que usam, não se vestem igual!
Digo que não me interessa. A única pergunta que faço é: eles estão fora da porta,
ou dentro?
Lembro-me de alguém que me disse uma vez (e uso a ilustração porque penso
que aplica muito bem o ponto): sabe, às vezes quase chego a desejar ter tido uma
vida suja, violenta e extremamente pecaminosa. Por quê?, perguntei. Bem,
respondeu ela, para que eu pudesse experimentar esta grande mudança que tais
pessoas experimentam quando se convertem. Vocês vêem a falácia e o
entendimento errôneo? Essapessoa estava vendo a questão inteiramente em
termos de conduta e comportamento, negativamente. Se ela a tivesse visto
somente em termos de conhecer a Deus e de regozijar-se nEle, teria visto que
não havia diferença entre ela e o mais torpe e vil pecador. O teste é positivo. Este
“mas”, “agora” - “anteriormente”, “tempos passados”, este contraste extremo!
Jamais devemos dar-lhe demasiada ênfase.
este ponto mais minuciosamente. Mas aqui já se vê, nessa forma particular. O
que ele diz é que os que estavam mais longe foram introduzidos, foram
aproximados, de maneira sumamente admirável tiveram entrada, por assim dizer,
no lugar santíssimo. Esta é a verdade referente a todos quantos são cristãos, e é a
esta verdade que devemos dar ênfase. O não cristão está sem Deus, sem Cristo;
não tem acesso, não tem conhecimento, não tem entrada.
Mas agora estou interessado numa visão geral disto. E a coisa mais maravilhosa
da vida. Vejam-na assim: vocês se lembram do que aconteceu quando Adão e
Eva pecaram no jardim do Éden, no Paraíso? Foram expulsos do jardim, e lá no
extremo oriental do jardim, junto à porta, Deus pôs “a espada flamejante, e
querubins”. Para quê? Para proibir a reentrada do homem e da mulher no
Paraíso, no j ardim do Éden. Esse é o efeito da Queda e do pecado. O homem é
mantido fora da presença de Deus. “Sem Cristo”! “Sem Deus no mundo”! E
“sem esperança”! E não pode voltar por causa da espada flamejante e
dos querubins. “Mas agora, em Cristo Jesus”, a porta está aberta, e o homem, a
despeito da Queda e do pecado e da vergonha, e de toda a verdade sobre ele,
pode voltar a entrar, tem acesso à presença de Deus. Foi reconciliado com Deus,
foi restabelecido no favor de Deus, a inimizade foi removida, a ira de Deus
contra ele foi apaziguada e satisfeita. Houve uma substituição - uma expiação;
eles foram postos juntos de novo; o homem foi aproximado, foi introduzido na
sala de audiências, foi apresentado ao Rei da glória. 3
Vejam a verdade também no prólogo do Evangelho Segundo João. Diz ele que
“a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (a autoridade) de serem feitos
filhos de Deus”. Entendemos bem isso? -que o cristão é alguém que não somente
tem acesso à presença de Deus, mas que O conhece como Seu Pai? Cristo lhe
deu autoridade para ser filho de Deus. Foi adotado. E embora esteja indo à
presença do Deus eterno e santo, vai com a confiança de filho. Tem autoridade,
a autoridade do Senhor Jesus Cristo, para dizer que é filho, e não há porteiro que
possaproibi-lo, não há inimigo quepossa fazê-lo recuar. Ele tem o seu certificado
de nascimento nas mãos e diz: vou ver meu Pai. “Aproximados”! Ele sabe que é
filho de Deus não somente por ter nas mãos o certificado-o certificado é a
Palavra de Deus, as Escrituras; tem outra forma de certeza também. “Porque não
recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas
recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”, afirma
Paulo em Romanos (8:15). Essa é a posição do cristão. Ele não ora a um
Deus distante, nem está preocupado com formas, aparências e beleza de
linguagem. Ele vai como um filho a seu Pai. “Aba, Pai”! Conhece a Deus como
seu Pai, tem espírito filial, todo o seu coração busca a Deus, e ele sabe que o
coração de Deus está aberto para ele. Isto é cristianismo verdadeiro. Será
surpreendente que o apóstolo dê ênfase ao contraste entre o que estas pessoas
eram e o que são agora?
E, naturalmente, visto que o cristão sabe que Deus é seu Pai e que é filho de
Deus ele sabe que Deus o ama. Ele sabe que “até mesmo os cabelos da sua
cabeça estão todos contados” (Mateus 10:30). Ele sabe que Deus tem interesse
pessoal por ele, que nada lhe pode suceder independentemente de Deus; que,
embora sendo Deus tão grande e eterno em Sua majestade, em Seu poder, em
Sua glória e em Sua energia, Ele é um Pai interessado em cada um dos Seus
filhos, sabe tudo a nosso respeito e se preocupa com o nosso bem-estar. O cristão
sabe que ali, à direita de Deus, está Aquele que veio do céu à terra e se
identificou conosco, tomou o Seu lugar ao nosso lado, tomou sobre Si o
nosso pecado e morreu pelos nossos pecados. Assim, o cristão vai à presença de
Deus sabendo essas coisas. É o que significa “fostes aproximados”.
O SANGUE DE CRISTO
“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto.” - Efésios 2:13
Temos aqui o lado positivo desta grande dimensão do amor e do poder de Deus
para conosco em Cristo. Vimos que há três coisas aqui, e agora passamos à
terceira e última delas.
A terceira é, pois, a seguinte: como é que tudo isso acontece, como ocorre essa
grande mudança, o que é que nos dá o direito de dizer: “antes... longe” e
“agora...aproximados” - o que é que nos traz para “perto de Deus O apóstolo
trata disso na parte final deste versículo: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. “Pelo sangue de
Cristo.” Aí está a declaração que sempre se vê, em toda parte, no Novo
Testamento, neste contexto. Já a vimos. O apóstolojános tinhafalado no capítulo
primeiro, versículo sete - “em quem (em Cristo) temos a redenção pelo
seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” - e vai
sempre repetindo isso. E continuará a repeti-lo. O restante deste capítulo é, num
sentido, simplesmente um desenvolvimento e uma exposição deste versículo
treze. Ele o expõe em detalhe e fica repetindo as suas frases. É a história
completa do Novo Testamento, é o coração
da men sagem cristã e da fé cristã. Como é que se faz para que cheguemos perto
de Deus? A única resposta é: “em Cristo Jesus”, e especialmente “em” ou “pelo
seu sangue”.
Eis aí o alicerce da fé cristã. Se isto não estiver claro para nós, não poderemos
estar certos em lugar nenhum. Digam os críticos o que quiserem, esta é
certamente a mensagem do Novo Testamento. Em Cristo Jesus, e pelo Seu
sangue. O nosso evangelho é um evangelho de sangue; o sangue é o alicerce;
sem ele não há nada. Portanto, temos que penetrar isto a fundo e dar ênfase às
coisas que o apóstolo está com tanta preocupação em salientar ao escrever aos
efésios.
Como chegamos perto de Deus? Que direito temos de buscar a face de Deus e de
chegar perto dEle? Bem, começamos com negativas. Primeiramente e acima de
tudo, não é pelo que eu sou por natureza. Não é por causa de alguma bondade
existente em mim. Meu direito de ir a Deus não se baseia no fato de que eu vivo
uma vida virtuosa ou tente viver uma vida virtuosa, ou que tenho boa
moralidade. Não é mediante isso que se chega a Deus; não é isso que me leva
para perto de Deus. Há muita gente de boa moral no mundo que nem sequer está
interessada em Deus; e mesmo que estivesse interessada em Deus, a sua
moralidade, sozinha, nunca seria suficiente. Não precisamos demorar-nos nisto,
o apóstolo já o tinha salientado nos versículos anteriores: “não vem das obras”!
Assim é que, se nalgum sentido estamos pondo a confiança em nós mesmos e
em nossa bondade e em nossa moralidade, estamos negando o evangelho. Não
há maior negação da fé cristã do que pensar que porque você é uma boa pessoa
tem direito de chegar a Deus em oração. Isso é uma completa e absoluta negação
disso tudo. Se fosse verdade, Cristo nunca teria precisado vir ao mundo - menos
ainda teria precisado morrer na cruz do Calvário. E, contudo, penso que
vocês concordarão que é essencial dar ênfase a isto. Muitíssimos são os que vão
à presença de Deus exatamente como o fariseu descrito pelo nosso Senhor na
figura do fariseu e do publicano que foram orar no templo (Lucas 18:9-14). O
fariseu foi direto à frente, ficou de pé e disse: “Ó Deus, graças te dou, porque
não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda
como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo
quanto possuo”. Esse homem, diz o nosso Senhor, não vai para casa justificado;
não foi ouvido por Deus, não está perto de Deus. Há um sentido em que
ninguém está mais longe de Deus do que o homem que pensa que a sua bondade
tem algum valor, por pequeno que seja, na presença daquele fogo ardente,
daquele fogo consumidor, a santidade de Deus.
Em segundo lugar, o nosso direito de chegar a Deus não é pelas boas obras que
fazemos aos outros. Muitos são os que tomam essa posição. Dizem eles: bem, é
claro que admito que não sou perfeito, mas, afinal de contas, estou tentando
chegar a isso, estou tentando compensar isso fazendo o bem; estou envolvido em
atividades filantrópicas, procuro ajudar os outros, saio do meu caminho para
fazê-lo. Vocês concordarão que existe aí um grande grupo de pessoas. Admitem
que não têm nada do que se gabar, são suficientemente sinceros para conhecer
que há dentro delas coisas feias, torpes e vis. Ah, sim, dizem elas, porém,
certamente, se procuramos compensar isso e fazer expiação por isto mediante a
prática de boas obras, isso nos dará admissão à presença de Deus. Aí estão os
idealistas, os benfeitores públicos, os que falam em “reverência pela vida” e em
fazer o bem. As vezes fazem grandes sacrifícios; podem renunciar a uma
importante profissão, podem sacrificar as comodidades do lar e ir a distantes
partes do mundo. Certamente estão fazendo um grande benefício, mas, se
pensam que esse benefício que fazem é o que lhes garante admissão a Deus e os
faz aceitáveis a Deus, estão negando o evangelho, exatamente como o primeiro
grupo.
Todavia vou mais longe ainda. Nem porque somos religiosos e temos interesse
nos cultos e em Deus é que chegamos perto de Deus. Aqui está algo que está
num plano mais elevado que o das pretensões anteriores. As outras duas só vêem
o ego. Mas aqui se trata de alguém que realmente se preocupa com religião e
com a relação com Deus. Ele desej a cultuar a Deus. No entanto, se ele põe a sua
confiança unicamente em suas práticas religiosas, de nada lhe valerão. E
contudo, de novo, vocês concordarão que há muitíssimos que pertencem a esse
grupo. Freqüentam cultos, valorizam a ordem. Podem sacrificar-se para
fazer isso e se levantam muito cedo porque acham que há algum mérito especial
nisso. Fazem isto e aquilo, observam formas e seguem o ritual, e confiam nessas
coisas como sendo elas o meio de aproximação. Mas até isso é uma negação da
mensagem cristã. O apóstolo Paulo era um homem altamente religioso antes da
sua conversão. Martinho Lutero era um homem altamente religi oso antes da su a
conversão. João Wesl ey era um homem altamente religioso antes da sua
conversão. Você pode jejuar, suar e orar, porém isso pode ser o maior obstáculo
para chegar “perto de Deus”. Não é esse o caminho.
suas várias formas, está sempre conosco. Nem sempre se vê em sua forma
clássica, ensinada e praticada na Idade Média, especialmente no período final da
Idade Média, por alguns dos grandes mestres da vida mística, assim chamada, e
aindapraticadapor muitos que seguem aquele ensino na igreja católica romana e
em vários outros ramos da Igreja Cristã. Mas o misticismo, em diversas formas
sutis, sempre tende a estar conosco. (Há, naturalmente, um verdadeiro
misticismo cristão evangélico, porém, estou falando de algo que é geralmente
considerado como misticismo.) Pois bem, o misticismo se baseia na alegação de
que o caminho para aproximar-se de Deus é você olhar para dentro de si mesmo.
Provavelmente o místico concordaria com tudo o que eu disse até aqui em
minhas negativas. Se você quer conhecer a Deus, diz o místico, se você quiser
chegar perto de Deus, terá que voltar-se para si próprio e ver-se interiormente;
terá que aprofundar-se em si mesmo. Deus, diz o místico, está dentro de você.
Assim, é preciso que você se feche para todas as exterioridades e para todas as
atividades externas e que, por assim dizer, mergulhe em Deus. E esse, diz ele, é o
caminho pelo qual se chega perto de Deus. O caminho da renúncia, o caminho
da contemplação, o caminho do repouso, o caminho do deixar ir-se,
da descontração, e simplesmente submergir-se no fundamento da existência,
imergir-se em Deus!
naturalmente, é obvio que isso é uma total negação daquilo que o apóstolo
ensina napassagem que estamos estudando. Somos aproximados. Como? “Em
Cristo Jesus”, “pelo sangue de Cristo”.
Como posso entrar à presença de Deus? Uma coisa é clara: não posso fazê-lo por
mim mesmo, por nenhum dos meios que indiquei. Sej a eu ativo ou passivo, seja
eu altamente religioso ou não, seja o que for que eu faça, nunca conseguirei
chegar por mim mesmo à presença de Deus. Totalmente correto, diz o apóstolo;
a verdade a seu respeito é que, em Cristo Jesus, os que antes estavam longe,
agora foram aproximados. E uma coisa que lhe foi feita] você foi aproximado,
trazido para perto. Não é atividade sua, é de Outro, é algo que foi feito para
você, que aconteceu a você. Porque isso é verdade, naturalmente isso é
evangelho. Ouçam o apóstolo Paulo dizê-lo quando escreve aos coríntios:
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios 5:19). Não
é o mundo que se reconcilia com Deus. Não é essa a mensagem. A nova
mensagem é que, ao passo que os homens tinham falhado completamente, Deus
estava em Cristo reconciliando conSigo o mundo. Ou vejam as palavras do
Senhor Jesus Cristo. Não é assustador que nós, tendo nossas Bíblias abertas
diante de nós, podemos continuar tentando encontrar Deus e chegar perto dEIe
pelos meios que estive indicando, quando o próprio Filho de Deus disse: “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”? Dava para
pensar que isso seria suficiente, uma vez por todas. É a afirmação mais
categórica que se poderia imaginar. “Ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
E, todavia, aí estão os que dizem: vou na força da minha bondade, vou sentar-
me, vou relaxar, e verei Deus falar comigo. E Cristo nem é mencionado, nem
parece necessário!
estive perto de Deus. A única maneira pela qual posso estar perto de Deus é
estando em Cristo; nEle eu estou perto de Deus, fui aproximado a Deus. Mas,
em particular, “pelo Seu sangue”! É o que o apóstolo salienta. Ele não se
contenta em dizer apenas: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis
longe fostes aproximados”. Sente a necessidade de incluir: “pelo sangue de
Cristo”. Isso é absolutamente essencial. Sei que esta “teologia do sangue” é
odiosa para muitos hoje em dia. Não gostam dela, odeiam-na, abominam-na.
Lembro-me muito bem como, há uns doi s anos, pouco mai s pouco menos, fui
chamado para ajudar numa discussão que estava havendo entre um homem de
negócio que se tornara cristão, e um profissional não cristão. Era uma
grande discussão, e eis que ouvi o profissional não cristão dizer ao apresentar o
seu argumento: naturalmente, tenho grande respeito por meu amigo aqui, é um
bom homem; posso ver o que lhe aconteceu: tudo bem, ele se dedica muito a
fazer o bem, e eu concordo com isso; porém você sabe, disse ele, o que não
agüento é esse sangue, esse negócio estrondoso de que ele fica falando. O
sangue de Cristo! Gente há que se refere a isso como “esta carnificina”, “este
revolver-se no sangue”. Façamos tudo para viver uma vida virtuosa, dizem,
prestemos culto a Deus, mas você tem que ficar arrastando este sangue
perpetuamente? Parece-lhes um escândalo, parece-lhes algo odioso. E, todavia, o
apóstolo sai da sua rota para introduzir esse assunto. É “pelo sangue de Cristo”.
E o sangue de Cristo significa a morte de Cristo, o derramamento da vida.
sinta quão pobre é a minha vida. Quando leio as vidas dos santos, vejo como são
pobres e imperfeitos os meus esforços. Mas quando olho para o Filho de Deus!
Há os que falam sobre a “imitação de Cristo”, e sobre como vão seguir a Cristo;
porém nunca sabem o que estão dizendo. Cristo nos condena completamente.
Quem pode segui-10? Não há quem possa segui-10; é impossível; Ele é por
demais exaltado. Não é o Seu exemplo que me aproxima de Deus.
Há somente um meio pelo qual mesmo Cristo pode me levar para perto de Deus,
e esse ê - pelo Seu sangue, por Sua morte; pelo Seu corpo partido, pelo Seu
sangue derramado, pela Sua vida vertida. Por isso Ele instituiu a Ceia do Senhor
com o pão partido e o vinho derramado, como uma perpétua rememoração do
fato de que a Sua morte é o único caminho para Deus. Vemos aí o prodigioso
pré-conhe-cimento (apresciência) de Deus em Cristo. Sabendo quão prontos
estão os homens a cair no erro e na heresia, Ele estabeleceu, impôs e ordenou a
Ceia do Senhor - pão, vinho; pão partido, vinho derramado - para ser uma
perpétua pregação do fato de que esse é o único caminho para a presença de
Deus. O véu é o Seu corpo - tinha que ser rasgado. A morte de Cristo! É somente
pela morte de Cristo, pelo sangue de Cristo, que o ser humano pode ser levado
para perto de Deus.
Como pode a morte de Cristo realizar essa obra? Há duas principai s idéias aqui.
Vou expô-las resumidamente a vocês. A primeira é a que comumente é chamada
“expiação”. O sangue de Cristo faz expiação por nossos pecados. Vocês se
lembram da momentosa declaração feita por João Batista no início do ministério
do nosso Senhor? “Eis”, disse João, vejam, “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo” (João 1:29). Aí está, numa única frase. O Senhor Jesus
Cristo, que é Ele? E o Cordeiro, o Cordeiro pascal, o Cordeiro do sacrifício. Ele
é Aquele em quem se resumem todo o cerimonial e todo o ritual do
Velho Testamento. O Cordeiro de Deus, o Cordeiro providenciado por Deus -
não os cordeiros providenciados pelos homens. Por que era necessário um
cordeiro? Por que devia haver um sacrifício? A resposta é que “o salário do
pecado é a morte” (Romanos 6:23). Deus decretou e declarou que o homem,
pecando, morreria. E, portanto, o salário do pecado é a morte. E Deus
igualmente estabeleceu e decretou que isso só poderia ser coberto com uma
morte sacrificial e expiatória. Assim é que lemos: “Sem derramamento de
sangue não há remissão” de pecados (Hebreus 9:22). A punição dada por Deus
pelo pecado é a morte espiritual, a separação de Deus por toda a eternidade.
Gostemos ou não, é um fato. A lei não desculpa a ignorância da lei. Você não
concordar com a lei não faz nenhuma diferença quando enfrenta acusação no
tribunal. E assim é a lei de Deus. “O salário do pecado é a morte.” E todos nós
somos pecadores. E a pena tem que ser cumprida - de outra forma Deus deixa de
ser justo, deixa de ser reto e santo. Então, por que Cristo veio ao mundo? Veio,
diz o autor da Epístola aos Hebreus, para que “provasse a morte por todos”
(Hebreus 2:9). Veio, diz Pedro, por esta razão: levar “ele mesmo em seu corpo os
nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos
viver para a justiça” (1 Pedro 2:24). Foi por isso que Ele veio. Que aconteceu na
cruz? “Aquele que não conheceu pecado, (Deus) o fez pecado por nós”, declara
Paulo; “para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). “Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados.” Deus toma os meus pecados - Ele tomou os meus pecados, eu diria, e
os imputou a Jesus Cristo; Deus os colocou sobre Ele; tomou a minha dívida e a
colocou sobre Ele; exigiu dEle a penalidade; e esta foi cumprida. Esse é o
método de salvação determinado por Deus - em Cristo e pela morte de Cristo.
Por que Cristo morreu? A resposta é que “Deus fez cair sobre ele a iniqüidade de
nós todos”; é que “pelas suas pisaduras fomos sarados”. Deus O feriu para que
nós não fôssemos feridos. Por isso Ele morreu, por isso o Seu sangue
Como isto acontece? Eis a explicação: toda aliança era ratificada e selada com
sangue. Ao lerem o Velho Testamento vocês verão isso em toda parte. Quando
Deus fazia uma aliança com o homem, ela era sempre ratificada e selada com
sangue. Um animal era morto e o seu sangue era esparzido sobre o documento.
De fato verão que o templo foi santificado e consagrado da mesma maneira - os
vasos do templo, os livros e o livro da lei. Verão que os sacerdotes eram
separados pelo sangue esparzido sobre eles. Verão que quando um leproso era
purificado, colocavam
sangue sobre ele. Esse é o método de Deus, o método para firmar e selar esses
atos. Toda aliança de Deus é ratificada e selada por meio da aspersão de sangue.
E a Nova Aliança foi ratificada da mesma maneira, desta vez pelo sangue de
Jesus Cristo. Não mais “o sangue de touros e bodes, e a cinza de uma novilha
esparzida sobre os imundos” (Hebreus 9:13). É o sangue de Cristo. Ele ratificou
a Nova Aliança. Ouçam as expressões utilizadas, especialmente naEpístola aos
Hebreus. Lemos que Jesus é “o Mediador da Nova Aliança” (VA). Verão
isso claramente no capítulo doze. Igualmente no capítulo treze lemos acerca do
“Deus de paz, que pelo sangue do concerto (aliança) eterno tornou a trazer dos
mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor das ovelhas” (versículo 20). O
sangue da aliança eterna! Certamente vocês notaram como o Senhor Jesus
Cristo, quando instituiu a Ceia do Senhor, tomou o cálice, depois de cear, e
disse: “Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue” (Lucas 22:20) - a “nova
aliança no meu sangue”. Notaram como Paulo lembra isso aoscoríntios,em 1
Coríntios, capítulo 11: “Semelhantemente também, depois de cear, tomou
o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as
vezes que beberdes, em memória de mim”. São esses os termos. A aliança é
ratificada com sangue. Noutras palavras, a Nova Aliança entre Deus e o homem
não seria segura para nós, se o sangue de Cristo não fosse esparzido sobre ela.
Esse é o selo que a garante. Levar os nossos pecados não seria suficiente. Antes
de eu poder chegar perto de Deus e de ser aproximado dEle, tenho que ser um
beneficiário, sob a Nova Aliança; e Cristo é o Mediador da Nova Aliança. É Ele
que Se põe entre Deus e o homem. Ele é o Árbitro que nos reúne. É aquele
que estende as mãos para Deus, de um lado, e para nós, de outro. Ele é Deus; Ele
é homem; sim, ele é Mediador completo. Portanto, é por meio do sangue da
aliança que eu posso chegar perto de Deus.
Alguém poderá dizer nesta altura: ouvi tudo o que você disse, mas me vejo tão
grande pecador que, quando começo a orar, aflijo-me com isso; como posso
chegar perto de Deus? A resposta é que você precisa crer neste ensino,
aperceber-se do que ele diz e chegar-se a Deus com ousadia, pelo sangue de
Jesus. A primeira coisa que é preciso que se faça é ouvir o que diz o sangue de
Cristo. Alguma vez lhe ocorreu que o sangue de Cristo fala? Não se lembra do
que nos é dito em Hebreus 12:22-24: que chegamos à Jerusalém celestial, ao
Monte Sião, etc., “e a Jesus, o Mediador de uma Nova Aliança”, e finalmente,
“ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Ábel”? Sangue fala. O de
Abel
falou. Que disse? Ouçam Gênesis 4:10. Deus Se dirigiu a Caim, depois que este
assassinara Abel, e disse: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a
mim desde a terra”. O sangue de Abel derramado estava clamando a Deus por
vingança. E assim que fala o sangue de Abel. Fala de juízo, fala de vingança,
fala de maldição, a maldição que caiu sobre Caim. Mas o sangue de Jesus “fala
melhor do que o de Abel”. Que fala? Fala de perdão, de expiação, fala de paz
com Deus. Está clamando e bradando para você: “Eu morri, você pode viver. A
pena foi cumprida; você está livre.” Você ouve o sangue de Jesus? Ele está
falando, e fala coisas melhores do que as que o sangue de Abel fala. Ouça o
sangue de Cristo, que lhe fala que Ele provou a morte por você e sofreu a
pena imposta a você, que a lei de Deus foi satisfeita e que o caminho para
a presença de Deus está livre.
Entendo, você dirá, vejo agora como posso ir à presença de Deus porque vejo
que os meus pecados receberam o devido tratamento. Estou, pois, na presença de
Deus. Mas, o que será de mim se eu tomar a cair em pecado, o que será de mim
se eu fizer algum mal? Aí está, na Primeira Epístola de João, a sua resposta: “Se
andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o
sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1:7). Você
pecará; mas o sangue de Cristo ainda o purificará do seu pecado. Você foi
trazido para perto de Deus, você está andando em comunhão com Ele, mas
cai empecado. Você pensa: estou acabado, é o fim, pequei contra a luz.
Não! Volte! O sangue de Cristo ainda tem poder, limpará você de todo pecado e
de toda mácula, você pode continuar andando com Deus, gozando da comunhão
com Ele. “Vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo fostes
aproximados.”
Quero fazer-lhe uma pergunta. Você foi aproximado? Posso dizer-lhe, com muita
simplicidade, como saber se foi ou não. Se você ainda fala em ser
suficientemente bom, você não foi aproximado, não chegou perto. Se você ainda
confia em si mesmo de algum modo, ainda está longe. Se você fala que ainda
não é suficientemente bom, também não chegou perto - porque enquanto você
continuar falando que não é suficientemente bom, você estará dizendo que acha
que pode tornar-se suficientemente bom. Todavia não pode. Nunca estará mais
perto que agora. Nunca! Se vivesse mil anos, não chegaria mais perto. J amais
você será suficientemente bom para vir à presença de Deus. Assim, se
você ainda está dizendo: ah, isso é maravilhoso, mas eu não sou bom o bastante,
sou pecador, significa que você não chegou perto. O único que é trazido para
perto é aquele que diz: sei que sou pecador, sei dos meus pecados do passado, sei
que ainda tenho uma natureza pecaminosa; porém, embora eu saiba disso, sei
que estou na presença de Deus, porque estou em Cristo. Ouvi a voz do sangue de
Jesus, e ele me falou de perdão, de reconciliação, de expiação, de Deus estar
satisfeito, de Deus ser “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”
(Romanos 3:26). Foi feita a aspersão do sangue sobre a minha consciência.
Ainda que o inferno me denuncie, sei que Deus me aceita; estou confiante
unica, completa e inteiramente em Jesus Cristo, e Ele crucificado. “Seu sangue
limpa o mais imundo, seu sangue vale para mim.” Unicamente em Seus méritos
sei que tenho acesso a Deus e que Deus me recebe, que fui “aproximado pelo
sangue de Cristo”. Tenhamos, pois, “ousadia para entrar no lugar santíssimo,
pelo sangue de Jesus”; mas ainda “com reverência e santo temor”. Ousadia,
confiança, entretanto sempre lembrando que “o nosso Deus é fogo consumidor”.
Não voluvelmente, não levianamente, não com desatenção, não com petulância,
não tem-pestuosamente, não carnalmente. “Com reverência e santo temor” -
todavia sabendo, tendo certeza, com segurança, porque eu entro à presença de
Deus “pelo sangue de Jesus”.
1
Título de um drama de Shakespeare e nome do seu principal personagem. Nota do tradutor.
2
Hebraico, “aquele que habita”. Implicitamente, “a glória daquele que habita”. Nota do tradutor.
É interessante o original inglês, que salienta a formação etimológica da palavra atonement. Houve
“an at-one-ment” - “an atonement”. “At-one-ment” - ato de ficar no lugar de alguém. Expiação
substitutiva. Nota do tradutor.
18
“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a
parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é,
a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com
Deus em um corpo, matando com ela as inimizades.” - Efésios 2:14-16
O apóstolo sentiu, porém, que não bastava apenas ficar nisso. E algo tão
maravilhoso, tão estupendo, que ele teve que dividi-lo, fragmentá-lo, em suas
partes componentes, a fim de que eles vissem de maneira mais pormenorizada
como essa realidade estonteante veio a existir.
Mas a mensagem da Bíblia é que Deus é Deus de paz, e produz e faz a paz, em
Seu Filho unigênito, o nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo, e por intermédio dEle. 0 resultado é que vocês vêem que o Senhor é
descrito nesses termos em todo o Velho Testamento, na profecia. Vocês vêem,
por exemplo, um homem como Jacó, no fim da sua vida longae cheia de
mudanças, abençoando os seus filhos e as várias tribos que iriam desenvolver-se
daqueles filhos; e quando ele chega a Judá, diz: “O cetro não se arredará de Judá,
até que venha Silo”. Que é Siló? Siló é paz, o Autor da paz, o Príncipe da paz. A
Jacó foi dado ver isso. Não o entendeu plenamente, porém a estes homens,
inspirados pelo Espírito Santo, fora dado certo entendimento do grande
propósito de Deus, e Jacó tinha visto que era de Judá que Siló viria. Siló! “Ele
é a nossa paz.” DELE se diz ainda que não somente é “o Rei de Justiça”, mas é
também “o Príncipe da Paz”. São títulos atribuídos a Ele. Permitam-me lembrar-
lhes também que quando, finalmente, na plenitude dos tempos, o Filho de Deus
nasceu, pastores que vigiavam os seus rebanhos durante a noite ouviram um
grandioso hino entoado por anjos. Sua mensagem era: “Glória a Deus nas
alturas, paznaterra, boavontade para com os homens”. E por toda parte é assim.
“Ele é a nossa paz.” Esta é a essência mesma da salvação. O apóstolo se
expressa desse modo a fim de nos mostrar mais ainda quão admirável e
espantosa é a nossa salvação. Devo lembrar-lhes de novo que esse é o grande
tema, a espécie de “leit motif ”* que segue paralelamente o grande, o grandioso
“motif ” central propriamente dito. O apóstolo queria que estes efésios se dessem
conta da natureza gloriosa da sua salvação. Isto ele expõe de diversas maneiras
nos versículo 1 a 13, eaqui.no versículo 14, dá mais um passo. Como vimos, no
versículo 1 a 10 o apóstolo nos mostra que é o pecado que causa a morte.
Somente quando compreendemos verdadeiramente a natureza do pecado é que
compreendemos verdadeiramente a natureza da salvação. É por isso que não há
nada que seja tão antibíblico e tão tolo como dizer: só quero o positivo. Não
se preocupe com o negativo, não fale muito sobre o pecado; queremos saber do
amor de Deus e do positivo. Contudo você jamais o saberá, se não compreender
o negativo. O apóstolo salienta esta verdade constantemente. Para medir o amor
de Deus você primeiro tem que descer antes de subir. Você não parte do nível em
que está e daí sobe; temos que ser tirados de um calabouço, de um poço horrível;
e se você não tiver idéia da medida dessa profundidade, só medirá a metade do
amor de Deus.
Tema característico que se repete constantemente numa partitura. Em francês no original. Nota do
tradutor.
Nos dez primeiros versículos o apóstolo nos mostra que Deus tem que vencer o
pecado, pois este leva à morte espiritual.
Feito isso, ele prossegue e nos mostra, nos versículos 11 e 13, como o pecado
sempre leva à separação - separação entre os judeus e os gentios, “chamados
incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos
homens”. Separação! Separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças
da promessa! O pecado separa o homem do homem, como também de Deus.
Mas neste versículo catorze o apóstolo nos mostra que o pecado não se detém na
ação de separar os homens, vai além; o pecado põe os homens em inimizade; e
não somente em inimizade uns com os outros, porém também com Deus. Isso é
o cúmulo do pecado, o aspecto deveras horrível do pecado; é onde se vê a
extrema fealdade do pecado. O pecado não somente separa os homens de Deus e
uns dos outros, produz um estado de inimizade contra Deus e de uns contra os
outros. Por isso o grande problema atual é o problema da paz. Essa é a razão
das conferências que se realizam. Essa é a grande preocupação de todo o mundo
- não haveria um jeito de banir a guerra, de reconciliar os homens, de estabelecer
uma paz durável, segura e permanente? Como poderão os homens ser
reconciliados? Sabemos destas divisões, destes conflitos, no mundo inteiro, nas
nações, em grupos dentro das nações, como também entre nação e nação. O
mundo todo parece estar num estado de luta e inimizade. Por quê? E aí que
vocês vêem a relevância das Escrituras. E é neste ponto que se vê como é difícil
às vezes ser paciente, como cristão. E, contudo, temos que ser pacientes. Vemos
o mundo e os seus homens, os seus grandes homens, assim
chamados, visivelmente perdendo tempo tentando o impossível. Às vezes é
difícil ser paciente. Mais difícil ainda quando a gente vê homens, mesmo
na Igreja Cristã, entendendo e interpretando de forma completamente errada as
Escrituras e, por assim dizer, levantando-se diante do mundo e dizendo: vocês só
têm que fazer o que lhe dizemos, e a paz que procuram e esperam logo será uma
realidade. Isso é trágico; não passa de pura incapacidade de entender declarações
como a que estamos considerando.
em Deus; começamos excluindo Deus. Não pode ser assim. Seja o que for, não é
religioso. Não tem a mínima ligação com Deus e com Cristo. Agora somos
adultos, não somos mais crianças, de modo que não se trata disso, isso nem deve
ser levado em conta. Por isso tentamos encontrar alguma outra explicação e cura.
Mas o fracasso terrível é evidente por todos os lados. E, necessariamente,
continuará assim, enquanto o homem não enxergar a explicação verdadeira. Ele
não vê que é devido estar em más relações com Deus que ele está em más
relações com os seus semelhantes.
O Senhor Jesus Cristo fala disso com muita clareza e uma vez por todas. Alguém
aproximou-se dEle um dia e disse: “Mestre, qual é o grande mandamento na
lei?” E esta foi a Sua resposta: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e
grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: amarás o teu próximo
como a ti mesmo” (Mateus 22:36-39). Pois bem, o importante aí é observar a
ordem: primeiro, a relação com Deus; segundo, a relação do homem com o seu
semelhante, homem ou mulher. Toda a tragédia do mundo moderno deve-se ao
fato de que o primeiro é inteiramente descartado, e os homens pensam
que podem começar do segundo. Contudo você não pode fazê-lo, porque deve
amar o seu próximo como a si mesmo, deve amar o seu próximo como você se
ama a si mesmo. Portanto, o problema é: como devo amar a mim mesmo? E,
segundo a Bíblia, eu nunca amarei a mim mesmo da maneira certa enquanto eu
não me vir a mim mesmo como estou na minha relação com Deus. Portanto, não
tenho a mínima possibilidade de cumprir o segundo mandamento, a não ser que
já esteja esclarecido quanto ao primeiro. E impossível. E o homem hoje, não
reconhecendo a Deus, não começando com Deus, e não se submetendo a Deus,
está tentando reconciliar-se com o seu semelhante. E, naturalmente, não
está tendo sucesso, e nunca terá. Ele está violando a lei da sua própria natureza.
Ele foi feito por Deus, foi feito para Deus; e ele não se verá verdadeiramente a si
próprio, e não verá verdadeiramente nenhuma outra pessoa, enquanto não se veja
e não veja os outros à luz da lei de Deus, face a face com Deus.
É isso que está por trás da declaração aqui: “Ele é a nossa paz”. Somente Cristo é
a nossa paz. Sem Ele não há paz. O mundo pode continuar a desenvolver-se
intelectualmente e em todos os outros aspectos, pode aumentar o seu
conhecimento da ciência, da sociologia, da psicologia e de tudo mais, pode
multiplicar as suas instituições, pode
instruir-nos neste e naquele aspectos, porém isso não levará a nada, porque o
problema nunca poderá ser solucionado, exceto em nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo, e por meio dEle. É quase incrível que seja necessário dizer isso.
Mas é. A história prova isso cabalmente. O século vinte deveria ter sido o melhor
e o mais grandioso século que o mundo já conheceu, conforme e entendimento
humano. Vejam-no, porém. É um dos piores, um dos mais aterradores. Isso é
muito deprimente, dirá alguém, não devo estar tão deprimido assim. A resposta é
que não é questão de depressão, é questão de encarar os fatos. Se você está
realmente preocupado com o problema do homem e do mundo, como está com o
seu próprio problema, terá que enfrentá-lo radicalmente. E aí estão os fatos. Se
você tentar partir do segundo mandamento, isso levará ao desastre, porque o
homem não é meramente intelecto, não é meramente um ser social. Segundo as
Escrituras, há um princípio mau atuando nele; ele está infeccionado pelo pecado,
espiritualmente está mal de saúde. E antes de começar a instruí-lo, você terá de
curá-lo. Ele precisade nova vida. O apóstolo o diz em termos de uma declaração
geral que, é claro, é totalmente consoante com o cristianismo - “Ele (e somente
Ele) é a nossa paz”.
Ora, isso significa várias coisas. Primeiramente e acima de tudo, significa que
Ele, pessoalmente, é a nossa paz. O que quero dizer com isso é que o Senhor
Jesus Cristo não somente faz a paz - Ele faz a paz, como espero demonstrar-lhes
- mas Ele mesmo é a paz. Ele é a nossa paz. O que é simplesmente outra maneira
de dizer que nós temos que estar em Cristo, antes de podermos gozar as bênçãos
de Deus como o Deus da paz. Somente quando estivermos relacionados com
Cristo, somente quando estivermos incorporados em Cristo, ou, para usar
uma expressão bíblica, enxertados em Cristo, somente quando formos membros
de Cristo e partes do Seu corpo, participando da vida de Cristo e haurindo da
vida de Cristo - somente quando tudo isso for real em nós é que realmente
gozaremos as bênçãos da paz. Mais uma vez, quando compreendermos isso,
veremos a indescritível superficialidade de muitacoisaque se diz nos dias atuais.
Não quero que me entendam mal, nem quero faltar com o respeito para com os
chamados pacifistas, todavia o real problema com aquele ensino é a sua falta de
entendimento teológico, e a sua incapacidade de compreender o problema do
pecado. E isso não se aplica somente ao caso deles, mas também atoda
conversa leviana dos homens e mulheres que dizem que o problema é
muito simples, que tudo que é preciso fazer é convidar o povo para reunir-se e
falar-lhe agradavelmente, terminando tudo com um aperto de mãos, e
tudo estará bem, Houve estadistas que acreditavam sincera e genuinamente que
se tão-somente pudessem reunir-se com Hitler ao redor de uma mesa e conversar
com ele, toda a coisa seria resolvida. “A paz em nosso tempo”, diziam eles, “nós
nos reunimos com eles, fizemos um acordo de cavalheiros.” No entanto, não
demorou muito, e eles descobriram que o homem cujas mãos eles tinham
apertado não era um cavalheiro. E esse continua sendo o problema. Quão
superficial, quão patético, pensarem ainda os homens que mediante frases feitas
podem resolver os problemas do pecado do homem. Não, “Ele é a nossa
paz”; Ele, o eterno Filho de Deus, que teve que nascer como uma criança
em Belém. É isso que foi essencial para solucionar este problema. E, todavia,
eles dizem que simplesmente sendo bom, agradável e amistoso, e falando através
de uma mesa, podem acertar tudo. Se fosse tão simples assim, a encarnação
jamais precisaria ter ocorrido, a morte na cruz nunca teria acontecido; mas, antes
de poder haver paz, estas coisas tiveram que acontecer. Ele mesmo, a Pessoa
bendita, é a nossa paz. E é somente quando entendemos algo desta mística
doutrina do cristão como membro do corpo de Cristo é que verdadeiramente
participamos dessa paz e a usufruímos.
Entretanto Ele também faz a paz, diz o apóstolo. Este é um ponto sobre o qual
devemos ter claro entendimento. Como Cristo faz a paz? Devemos interpretar
isso escrituristicamente, não sentimentalmente. Notem os termos: “Ele é a nossa
paz”; e depois, Ele fez a paz-fazendo a paz”. Que é que significa isso? A
interpretação superficial, sentimental dos textos a que me referi, parece entender
que o processo é o seguinte: o Senhor Jesus Cristo nos ensina a fazer a paz.
Dizem tais intérpretes: “Você lê as Escrituras e depois, no espírito das
Escrituras, e daquilo que você entendeu das Escrituras, procure o seu
inimigo, ponha em prática o ensino, e você o ganhará”. O argumento, ao
nível internacional, é que, se uma só nação simplesmente se
desarmasse completamente, o efeito que causaria sobre todas as outras nações
seria tão estonteante que nunca mais quereriam outra guerra.
Uma vez ouvi um homem falar numa reunião, creio que uns trinta e cinco
minutos, e que nesse espaço de tempo nos conduziu, assim pensou ele, através
de toda a Epístola dos Efésios sem nenhuma dificuldade! Disse-nos que a sua
mensagem era deleitavelmente simples. Era um pacifista muito conhecido e que
tinha sofrido bastante pelo seu pacifismo; homem honesto, homem sincero, um
bom homem. O que ele entendia do nosso texto (Efésios 2:14-16) era que ele
simplesmente consistia numa questão de aplicar o ensino de Cristo e o espírito
cristão.
O clímax do seu discurso foi uma história que ele nos contou e que, para ele,
provava inteiramente o ponto. Disse ele que fazia parte do corpo diretivo de uma
escola para meninas, escola pública, e ele nos contou que vários colegas de
direção sentiam-se mal com o fato de haver punições e recompensas na escola.
As crianças que procediam mal eram punidas de várias maneiras, e ele e outros
achavam que esse não era o método de Cristo, não era o método cristão. Não
devia haver nenhuma punição, nenhuma disciplina nesse sentido; em vez disso,
as crianças deveriam ser convidadas a agir como adultos, deveriam revestir-se de
dignidade, e deveria ser-lhes dito que no futuro seriam tratadas como adultos, e
que os inspetores e inspetoras de alunos confiariam nelas. Assim, disse ele, após
muitos anos, eles persuadiram os seus colegas da junta diretora e o corpo
docente a concordarem nisso, e naquela escola em especial todas as formas de
punição foram abolidas. Disse ele: alguns dos nossos amigos, naturalmente,
tinham profetizado que isso levaria ao desastre, mas vocês sabem, continuou ele,
no mesmo ano em que fizemos isso, o número de admissões em Oxford e
Cambridge foi mais alto do que nunca antes. É isso que acontece, disse ele,
quando se põe em prática o amor de Cristo. Aí está! Tão simples! Simplesmente
aplicar o ensino. Faça isso individualmente, faça-o em comunidades, em grupos
e em classes; faça-o entre países, e nunca mais haverá problema algum!
Que perversão das Escrituras! Seria realmente necessário que o Filho de Deus
deixasse as cortes celestiais se a resposta fosse essa? A morte de cruz seria
necessária, se a solução fosse apenas uma questão de aplicar algum ensino? Não
é o que nos é dito aqui. Ele, Cristo, fez a paz. Não é que Ele me manda fazer algo
- Ele faz isso, é certo, mas eu só posso fazer o que Ele me diz porque Ele fez
algo primeiro. Ele fez a paz. Ele é a nossa paz. Ele é o Príncipe da paz. E o Deus
de paz que faz apaz. Não é primariamente os homens aplicarem certo ensino, é
algo fundamental feito por Deus em Cristo que produz uma situação
inteiramente nova. E por isso que não me canso de dizer que o dever da
Igreja Cristã não consiste meramente em dar conselho aos estadistas e a outros, e
em dizer-lhes como solucionar os seus problemas; pois não poderá haver paz
entre os homens enquanto os homens não se tornarem cristãos. É impossível. Por
isso o evangelho é necessário, por isso Cristo veio. Não se pode aplicar a não
cristãos um ensino destinado aos cristãos. Fazê-lo é uma rematada heresia. Estas
Epístolas não foram escritas para o mundo, foram escritas para os cristãos.
Temos que nascer de novo, temos que ser criados de novo, antes de ser possível
que isso se aplique a nós. Cristo faz a paz. Essa é a proposição fundamental. Ele
é a nossa
O apóstolo nos diz nestes versículos como Cristo traz à existência a paz. Para
que haja paz verdadeira, duas coisas são indispensáveis. E preciso que os
homens sejam reconciliados com Deus, e que sejam reconciliados uns com os
outros. O apóstolo dá atenção a ambos os problemas. Ele parte da reconciliação
dos homens uns com os outros. Ele procede assim, entendo eu, porque o que
predominava em sua mente naquela hora era o seguinte: ele estava olhando para
a Igreja Cristã e nela via judeus e gentios. Assim ele inicia com o fato concreto
da Igreja. Ali, juntos, louvando a Deus, estão homens que antes eram
inimigos mordazes. Que foi que os juntou? Paulo começacom essa questão e
dela trata nos versículos 14 e 15. Depois, no versículo 16, ele mostra
como ambos juntos foram trazidos a Deus e como foi abolida a inimizade
entre eles e Deus.
Como, então, Cristo reconcilia os homens uns com os outros? Como Ele
aproxima uns aos outros em amor? Como Ele destrói a inimizade que há entre os
homens? Primeiro Paulo o coloca negativamente. Diz ele que Cristo derrubou “a
parede de separação que estava no meio”, entre nós. Neste ponto permitam-me
indicar que a Versão Autorizada, e na verdade a Versão Revista (inglesas), não
são tão boas como deviam ser. Sem dúvida, a Versão Revista Padrão é melhor.
Eis a tradução da Versão Autorizada e (com ligeira variação apenas) da Versão
Revista: “Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e derrubou a parede de
separação que estava no meio, entre nós, tendo abolido em sua carne a
inimizade, até (essa palavra é acrescentada, não está no original, e vem impressa
em itálicos), até a lei dos mandamentos”. Não está muito bom, e é melhor
entendê-lo assim: “Derrubou a parede divisória de hostilidade (ou de inimizade)
abolindo a lei dos mandamentos” (tradução semelhante à de Almeida). Ele
derrubou a parede de separação (de inimizade) que estava no meio. Como? -
abolindo a lei dos mandamentos nas ordenanças. Essa é a melhor maneira de ver
isso. Então, que significa? Que é que uniu o judeu e o gentio na Igreja Cristã? A
resposta é que o Senhor Jesus Cristo desfez a inimizade. Havia no meio uma
espécie de parede de separação entre eles. Havia uma parede divisória entre eles,
no meio. O apóstolo está usando aqui, como figura, algo que era característico
do templo. No templo vimos que o Pátio dos Gentios era o mais distante. Os
gentios não tinham permissão para entrar no Pátio do Povo, dos judeus. Havia
uma parede que os separava, uma parede de separação, no meio. De fato, aquele
velho templo estava cheio
Mas por que lhe chama inimizade? Porque, afinal de contas, foi Deus que
determinou os detalhes concernentes à construção do templo, foi Deus que deu a
lei aos filhos de Israel. E, contudo, Paulo afirma que foi essa lei dos
mandamentos contida nas ordenanças que realmente produziu a inimizade. Esse
é um ponto muito importante e muito sutil, e é aí que vemos exatamente o que o
pecado faz ao homem. Como já vimos, Deus tinha dividido a raça humana em
dois grupos. Deus criou para Si um povo especial descendente de Abraão. São os
judeus, a comunidade de Israel, o povo de Deus. Os judeus estavam
realmente separados de todos os outros povos, e o propósito era que
estivessem separados mesmo. Deus lhes deu leis especiais, estas “leis dos
mandamentos nas ordenanças”, como Paulo as descreve. Ele se refere à
lei cerimonial, à lei acerca das ofertas queimadas e dos sacrifícios, das ofertas de
cereal, e de todas as outras sobre as quais lemos no livro de Levítico e noutros
lugares. Deus as determinou. Eram esses os meios pelos quais os filhos de Israel
deviam aproximar-se de Deus e ser abençoados por Ele; e, se não os
observassem, Deus não Se encontraria com eles, e não os abençoaria. Deus lhes
deu a lei. Não deviam comer certos tipos de animais, e assim por diante. Eram,
todas elas, leis de Deus, a lei cerimonial, a lei dos mandamentos nas ordenanças,
em preceitos. Bem, vocês dirão, se é assim, onde entra a
inimizade? Precisamente onde entra o pecado. Deus dividiu o mundo em
dois grupos, e deu estes mandamentos. Mas não o fez para criar inimizade; fez
isso para que os filhos de Israel dessem testemunho dEle, das Suas santas leis e
do caminho da salvação. No entanto, por causa do princípio do pecado, do ego e
do egoísmo, eles interpretaram o ato de Deus de tal modo que diziam: nós, e
somente nós, somos o povo de Deus, e estes outros são cães, mal chegam a ser
seres humanos.
o judeu odiava o gentio. Mas não era essa a intenção de Deus. A lei fazia parte
da revelação de Deus, fazia parte do plano de salvação feito por Deus. Entretanto
o homem em pecado transforma os próprios dons de Deus em causas de
inimizade. É assim que as paredes intermediárias entram. Não se trata de um
ponto puramente acadêmico. O mundo atual está cheio dessas divisões. Vejam os
dons que Deus dá aos homens. Todos eles são manifestações da Sua
generosidade e bondade. Ele dá o dom da inteligência e do entendimento, dá
perspicácia a certos homens, e eles prosperam e têm sucesso. Ele derrama
chuvas de dons destas várias formas. Mas, pergunto, todos os homens se
ajoelham e agradecem a Deus os dons da Sua graça aos homens? Será que
atribuem com humildade a glória e a honra a Ele e lhe dão graças, sendo que é
Ele quem dá “toda a boa dádiva e todo o dom perfeito”? Sabemos muito bem
que não o fazem. Eles estão fazendo o que o judeu e o gentio fizeram. O homem
dotado de inteligência diz: naturalmente, eu tenho cérebro, tenho entendimento.
Vejam aquele outro sujeito, ele não sabe nada. E assim o despreza. E o outro
homem olha para ele e diz: quem é ele? Quem ele pensa que é? Inimizade! E
tudo por causa dos dons de Deus. Dá-se o mesmo com todos os dons que Deus
dá. São dons de Deus, são maravilhosos, e se nós todos compreendêssemos isso
e fôssemos humildes, todos nós os desfrutaríamos juntos. O homem sem
talento diria: que maravilha esse homem! Que coisa esplêndida Deus tê-
lo dotado de tal capacidade! Todavia não é assim; estas coisas levam à inveja e à
rivalidade, à inimizade, ao ódio, à malícia, à crueldade, ao escárnio e a tudo o
que só serve para envenenar a vida.
Não haverá paz enquanto isso tudo não for derrubado. Cristo, diz o apóstolo
aqui, derrubou tudo isso, nesta questão de religião, e o fez uma vez por todas,
pois “Ele aboliu a lei dos mandamentos contida nas ordenanças Foi como Ele
fez. O que significa que agora o método de Deus não é mais o de ofertas
queimadas, sacrifícios e coisas que só eram peculiares e especiais para o judeu.
É mediante Cristo, e somente mediante Cristo. Assim, aquilo que tinha levado à
inimizade, à inveja e à rivalidade, foi eliminado por Cristo. A causa da inimizade
foi removida. E quando os homens vêem isso em Cristo, a inimizade desaparece.
O judeu que realmente entende a doutrina de Cristo, não se separa mais em
termos da lei cerimonial. Ele diz: isso terminou em Cristo; portanto, agora estou
na mesma posição do gentio. E o gentio também vê que não existe mais essa
peculiar distinção entre ele e o judeu, e que o caminho é em Cristo, tanto para ele
como para o judeu. Assim eles vêm juntos a Deus da mesma maneira, em nosso
Senhor e
FAZER A PAZ:
O MÉTODO DE CRISTO
“Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz. ” - Efésios
2:15
Aqui está a essência do argumento; Cristo é a nossa paz. “Ele é a nossa paz” -
tudo está nEle. E também é verdade que Ele faz a paz: “Para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz”. Ele é a paz; Ele faz a paz. E vimos
que o apóstolo nos diz que o Senhor Jesus Cristo faz a paz entre homem e
homem, e entre o homem e Deus. Ele é a paz em todos os aspectos. O apóstolo
os coloca naquela ordem, homem e homem primeiro, e depois, no versículo 16,
que estudaremos mais adiante, ele mostra como ambos são reconciliados e
unidos num só corpo para Deus. A ordem, naturalmente, é interessante.
Teologicamente a ordem é inversa, porém o apóstolo está falando num
sentido prático e pastoral. Ele parte do fato concreto da Igreja, com judeus
e gentios juntos e de joelhos prestando culto de igual maneira; ele parte daí, de
homem e homem, e depois mostra como ambos vão juntos a Deus. No momento
estamos vendo o modo como Ele reconcilia o homem com o homem. Diz-nos o
apóstolo que isto é feito de duas maneiras: primeiro, negativamente, e depois,
positivamente. Já consideramos o aspecto negativo, expresso nas palavras: Ele
“desfez alei dos mandamentos, que consistia em ordenanças”. Ele já removeu a
parede intermediária de separação - a inimizade - que estava entre judeu
e gentio.
Pois bem, isto é somente negativo, e não é tudo; na verdade, não é suficiente.
Este é o ponto que estou desejoso de salientar agora. Só abolir as paredes
intermediárias de separação não produz paz. Essa é a tragédia de grande parte
do pensamento atual, parece-me, que tanta gente não tenha uma verdadeira
concepção da paz. A paz, segundo as Escrituras, não
significameramenteacessação de hostilidades. Tampouco significa meramente a
prevenção de hostilidades de fato. Mas, pela maneira como se fala de “paz”
correntemente hoje, é óbvio que é isso que muitos querem dizer com o termo
paz. Considera-se a paz apenas como uma condição na qual não ocorre conflito
real. A paz vem a ser mera ausência de guerra. Essa pode ser a idéia que o
homem tem de paz; não é a idéia que Deus tem. Não é essa a noção bíblica de
paz. Meramente deixar de lutar não é paz, meramente prevenir hostilidades
futuras não é paz. Vocês vêem quão dolorosamente o evangelho está sendo
mal usado, mal interpretado, mal apresentado hoje pelos que ensinam que apenas
temos que aplicar “o ensino de Cristo” à situação internacional para resolver o
problema da tensão mundial. Descobriremos mais outras razões para dizer isso à
medida que avançarmos. Deus não Se contenta com mera ausência de inimizade
visível e agressiva e da manifestação dessa inimizade. Quando Deus faz apaz,
faz algo interno, algo vital. Não
satisfaz a Deus que os homens tão-somente não se agarrem pela garganta; a idéia
que Deus tem da paz é que as pessoas se abracem e demonstrem verdadeiro
amor mútuo. Isso é paz cristã, nada menos que isso. Não apenas que não lutemos
uns contra os outros, e sim que nos amemos uns aos outros, que haja união e
unidade, que realmente nos tomemos um e nos amemos uns aos outros como nos
amamos a nós mesmos. Essa é a verdade ressaltada neste trecho particular da
argumentação que agora estamos estudando. Deve-se pensar na paz em
termos de coração, de atitude; é questão de unidade e amor essencial,
vital, interior. O que Paulo nos diz é que Cristo produziu essa paz. Como o
fez? Eis a resposta: “Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo
a paz”.
Vocês vêem a imediata relevância disso tudo, como tudo isso é importante. Não
é uma doutrina e teologia árida. O que está mais agudamente nas mentes dos
homens hoj e é o desej o de paz - porém eles precisam vê-la de maneira certa.
Entretanto, fora esta aplicação geral, não conheço nada que seja mais edificante,
nada que sej a tão fortalecedor da fé, nada, portanto, que seja tão confortante
como a percepção da verdade daquilo que o apóstolo nos diz aqui. A Igrej a, diz
ele, é umanova criação: “Para fazer em si mesmo dos dois um novo homem”
(VA). Ora,
Essa é a verdade: a Igreja é algo absolutamente novo, algo que foi trazido à
existência, algo que não existia antes. É comparável ao que aconteceu no
princípio, quando Deus criou os céus e a terra. Não existia nada antes de Deus os
criar. Criação significa trazer à existência algo que antes não havia, algo não
existente; é fazer algo do nada.
Essa é a frase empregada aqui. Suas implicações nesta questão de produzir a paz
são óbvias. Como Deus faz a paz entre judeu e gentio? Não é por uma
modificação do que havia antes; tampouco por um melhoramento daquilo que
existia antes. Deus não toma simplesmente um judeu e lhe faz algo, e não toma
um gentio e apenas lhe faz algo, e com isso os congrega. Nada disso! E uma
coisa inteiramente nova. Criação! Pois bem, isto é vital para a situação toda.
Quando somos introduzidos na Igreja Cristã, nós entramos como novas
criações, entramos em algo que é inteiramente novo. Há um sentido em que
ela não tem relação com nada do que existia antes.
Permitam-me ilustrar isso. Não se deve conceber a Igreja como uma coalizão de
vários partidos. Não, é a abolição de algo velho e a criação de algo inteiramente
novo. Ou permitam que eu use outra ilustração. O ponto que precisa ser ilustrado
aqui vê-se claramente na diferença entre os Estados Unidos da América e o
Reino Unido, semelhantemente na diferença entre os Estados Unidos da
América e a Comunidade Britânica de Nações. No Reino Unido ou na
Comunidade Britânica de Nações há uma associação de várias nações,
nacionalidades, povos e tribos. Todos eles pertencem à mesma comunidade,
mas continuam como nações separadas - a suanacionalidade não é demolida, não
é destruída. Elas permanecem como nações separadas, porém, por certas razões,
decidiram trabalhar juntas. Essa é a verdadeira característica da Comunidade
Britânica de Nações, outrora mantida pelo poder da força, agora mantida em
união por interesses comuns e propósitos comuns. A idéia de nacionalidade
individual permanece, mas voluntariamente entram num associação. É, portanto,
uma associação que pode
ser desfeita porque não deixaram de existir estes elementos particulares. Dá-se o
mesmo com o Reino Unido - ingleses, galeses, escoceses e irlandeses. A
nacionalidade não foi abolida, ainda está presente, todavia eles decidiram
trabalhar juntos e fazer certas coisas em comum. Mas nos Estados Unidos da
América a situação é muito diferente. Os Estados Unidos da América não são
uma união de nações, não é uma junção de distintas nações. Noutras palavras,
houve homens que foram para aquele país, homens procedentes de diversos
países da Europa e doutros lugares e, para serem verdadeiros cidadãos dos
Estados Unidos, tiveram que por fim ao seu passado. Formou-se uma nova
nação. Não é uma junção de alemães, suecos, finlandeses, noruegueses, ingleses,
franceses, italianos, gregos e outros. Absolutamente não! Eles fazem o máximo
que podem, e com razão, para esquecer tudo isso. São americanos; deram cabo
do antigo alinhamento, dos velhos laços nacionais. Passou a existir umanova
nação. Pois bem, esse é o tipo de coisa que temos na passagem em foco. A Igreja
não é uma espécie de coalizão de judeus e gentios; passou a existir algo
absolutamente novo, algo que simplesmente não existia antes. Criação! - “para
criar em si mesmo dos dois um novo homem”. Este é um princípio sumamente
importante.
orgânica de todas as partes, cada qual fornecendo algo, como o apóstolo nos dirá
mais adiante, no capítulo quatro.
Aí está, pois, o argumento como tal; porém há certas coisas que devemos
salientar. Por exemplo, o velho homem é excluído inteiramente. Isso decorre
necessariamente de tudo o que estivemos dizendo. O judeu, como judeu, foi
posto fora, como também o gentio foi posto fora, em Cristo. Se vocês acreditam
nesta nova criação, têm que compreender que tudo mais foi eliminado, foi posto
de lado inteiramente. “Não há judeu nem grego...porque todos vós sois um em
Cristo Jesus” (Gálatas 3:28). Outro princípio óbvio é que nada do que
pertencia ao velho estado tem valor ou relevância no novo estado. Se isso
nos parece alarmante, só temos que ler o que Paulo diz em Gálatas 6:15: “Em
Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma”. Que
tremenda declaração! Em Cristo Jesus a circuncisão é irrelevante, “nada vale”
(VA). Mas a incircuncisão é igualmente irrelevante, também “nada vale”. Em
Cristo Jesus, na esfera da Igreja, nesta questão de relação com Deus e paz entre
os homens, há somente uma coisa que importa - uma nova criação. Assim é que
o judeu se foi, o gentio se foi; tudo o que pertencia ao judeu, tudo o que
pertencia ao gentio - é tudo irrelevante daí em diante. O que importa é anova
criatura. Não existe pensamento mais fortalecedor ou mais consolador do
que esse. Isso me diz que toda a realidade da minha velha vida não importa mais.
Os pecados que outrora cometi foram enfrentados e vencidos, e não mais
importam. Pesam tão pouco quanto a circuncisão e a incircuncisão. Se estou em
Cristo, sou uma nova criatura. O velho
0 faça, rejeite-o, resista a ele, diga-lhe que tudo se acabou, que o velho homem
que antes você era está morto, e que você não tem mais nada a ver com ele. O
que há é algo absoluta e inteiramente novo.
Um terceiro princípio é que todos nós somos iguais nesta nova relação porque
todos nós nos tornamos algo novo. Como Cristo forma a Igreja, como o judeu e
o gentio andam juntos? Não é porque o gentio se fez judeu ou prosélito do
judaísmo. Havia muitos na Igreja Primitiva que achavam que era isso. Todavia
não é esse o caminho; não é que o gentio se tornou judeu, que ele teve que
sujeitar-se à circuncisão e cumprir todo o cerimonial. Contudo, por outro lado, o
judeu não tem que se tornar gentio. A glória deste caminho é que o velho homem
é inteiramente excluído. Não é uma modificação do gentio e uma modificação
do judeu; não é uma reunião em torno de uma mesa de conferência e os dois
lados opostos concordarem em ceder algo e em buscarem um meio termo numa
base de cinqüenta por cento de concessões mútuas. Absolutamente não! Algo
absolutamente novo é trazido à existência. O judeu não se tornou gentio, o
gentio não se tornou judeu. E um novo homem, uma nova criação.
O nosso quarto princípio leva-nos mais longe ainda. A unidade deste novo corpo
ê uma unidade absoluta. Uso a expressão avisadamente. Não existe isso de um
segmento judaico da Igreja Cristã. Não existe isso de um segmento gentílico da
Igreja Cristã. E isso nunca existirá. O velho homem foi eliminado. O próprio
Senhor Jesus Cristo esclareceu isso uma vez por todas com uma declaração
sumamente importante, deste ponto de vista, em Mateus, capítulo 21, versículo
43. Dirigindo-Se aos judeus, disse Ele: “Portanto, eu vos digo que o reino de
Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos”. Essa nova
nação é a Igreja. Os judeus, na qualidade de judeus, deixaram de ser o povo
especial de Deus. Há uma nova nação. Ej amais haverá um segmento judaico na
Igreja, numa posição diferente do segmento gentílico. Tudo isso acabou. Essa é a
afirmação feita pelo próprio Senhor. Vocês recordam como o apóstolo Pedro diz
a mesma coisa em
1 Pedro 2:9 e 10: “Vós”, diz ele (usando sobre a Igreja, composta por judeus e
gentios, as mesmas palavras que Deus dissera à nação de Israel
pouco antes da dádiva da lei), “Vós” (a Igreja) sois a geração eleita, o sacerdócio
real, a nação santa, o povo adquirido” (“um povo peculiar”, VA). Essa é a nova
nação. E não é uma mistura de judeu e gentio, mas um novo homem; o judeu
acabou, o gentio acabou, uma nova criatura. Não há mais, diz Paulo, judeu nem
gentio, bárbaro, cita, escravo nem livre, homem nem mulher. Graças a Deus tudo
isso acabou, há tão-somente um novo homem, em Cristo Jesus.
O modo como Ele faz a paz pode ser expresso finalmente da seguinte maneira:
eu e você temos paz e gozamos paz um com o outro, e há paz na Igreja, somente
se compreendemos e praticamos os princípios que acabamos de enunciar. Em
última análise, há somente dois grandes princípios. Temos que parar de pensar
em nós mesmos da maneira antiga e nos velhos termos, em todos os aspectos.
Como cristãos, como membros da Igreja, temos que parar de pensar uns
nos outros em termos de nacionalidade. Politicamente ainda fazemos isso. Na
Igreja Cristã temos que deixar de fazê-lo. Temos que esquecer tudo isso. Temos
que deixar de pensar nas pessoas em termos do seu nascimento natural, ou em
termos de sua capacidade. Todas estas coisas dividem: nacionalidade,
nascimento, educação, casta, todas estas coisas dividem. Na Igreja e como
cristãos, não devemos pensar mais em nós mesmos nestes termos, porque no
momento em que começarmos a introduzir essas categorias, não haverá mais
paz; haverá divisão, separação, inimizade. Não somente isso, não devemos nem
mesmo pensar mais uns nos outros em termos da nossa vida e do nosso
comportamento anteriores - a nossa anterior bondade ou maldade, a nossa
anterior moralidade ou imoralidade. Isso não importa, não pesa na Igreja.
Na Igreja Cristã o homem altamente respeitável não deve olhar para outro e
dizer: lembro bem o que ele era, lembro de onde ele veio; terá esse homem igual
direito na Igrej a? Isso é apropria antítese da paz. É a atitude do irmão mais
velho condenada pelo nosso Senhor na parábola do Filho Pródigo. Todas essas
categorias foram-se.
Irei mais longe. Na Igreja Cristã, até a sua religião anterior você esquece. Não
importa se você era muito religioso ou não, a questão é se você é cristão agora.
Você pode ter sido muito devoto; não importa - é possível ser devoto sem ser
cristão. Tudo isso acabou. Os velhos termos e categorias não se aplicam mais, e
na esfera da Igreja você não faz mais nenhuma daquelas perguntas acercade um
homem. Você simplesmente olha para ele e vê nele as marcas de Cristo. Talvez
vocês se lembrem da imortal história relacionada com o velho Philip Henry, pai
do comentador
Outra notável ilustração acha-se em Atos, capítulo 15: “E alguns dias depois
disse Paulo a Barnabé” - Barnabé era um bom homem, vocês se lembram, “o
filho da consolação”; ele e Paulo tinham viajado juntos - “disse Paulo a Barnabé:
tornemos a visitar nossos irmãos por todas as cidades em que já anunciamos a
palavra do Senhor, para ver como estão. E Barnabé aconselhava que tomassem
consigo a João,
chamado Marcos. Mas a Paulo parecia razoável que não tomassem consigo
aquele que desde a Panfília se tinha apartado deles e não os acompanhou naquela
obra”. João Marcos tinha desertado numa viagem anterior, e Paulo dizia: não,
não está direito levá-lo. “E tal contenda houve entre eles, que se apartaram um
do outro. Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre. E Paulo,
tendo escolhido a Silas, partiu, encomendado pelos irmãos à graça de Deus.” Por
que foi que Barnabé quis que João Marcos fosse com eles? - vocês
pensarão. Eles eram parentes! E este excelente e nobre cristão, Barnabé,
esquecendo por um momento a doutrina, disse: vamos levar Marcos conosco. E
a sua única razão para isso era que Marcos era seu parente. Na Igreja Cristã você
deve esquecer isso. Você não deve levar seu parente consigo se ele já falhou e se
há alguém melhor; não dê preferência a um homem porque pertence à sua
família. Não, nem judeu nem gentio; o velho homem se foi. Trata-se de algo
novo! Não arraste para dentro as suas relações familiares. Quantas vezes se faz
isso! Vejo-o com muita freqüência. Um homem é chamado por Deus para iniciar
uma obra, homem indubitavelmente chamado por Deus, e depois, quando
se aproxima da morte, nomeia ao seu filho como o seu sucessor. As vezes pode
estar certo; muitíssimas vezes pode estar errado, e vocês verão a obra começar a
decair e a definhar, e finalmente acaba morrendo. Por quê? Porque o filho não
fora realmente chamado por Deus. É muito natural, concordo, porém não é
cristão. Paulo e Barnabé se separaram porque a questão das relações de família
entrou em cena.
Este perigo de deixar que o passado se intrometa vê-se em toda parte. Lembram-
se de como Paulo teve que resistir a Pedro na cara por causa desta mesma
questão? Certas pessoas tinham descido de Jerusalém, certos judeus, e disseram
a Pedro: você não deve comer com os gentios. Pedro lhes deu ouvidos, e surgiu
uma divisão. Todo o esforço dos judaizantes se baseava nisso. Eles diziam: você
sabe que não basta crer em Cristo, você tem que ser circuncidado também. E
com isso eles causavam divisão. Eles não compreendiam que o antigo se fora.
A circuncisão não tem mais importância. Jánãoimportao judeu <j«ajudeu - o
judeu porque judeu.
De muitas maneiras, a mais perfeita ilustração do que estou tentando dizer acha-
se na Primeira Epístola aos Coríntios. A igreja de Corinto estava em grande
dificuldade, e Paulo teve que escrever-lhe uma carta. Havia divisões
pecaminosas, primeiramente quanto a homens. “Eu sou de Paulo. Eu sou de
Apoio. Eu sou de Cefas.” Qual é o melhor pregador? Qual o mais eloqüente? De
qual deles você gosta?
Mencionei há pouco que bens materiais não deveriam entrar nesta esfera. Tiago
trata disso, vocês se lembram, no capítulo dois da sua Epístola. Diz ele: naigreja,
em sua assembléia, se entrar um homem com um grande anel de ouro, não o
conduza à frente porque ele é rico; e se entrar outro em andrajos, não lhe diga:
você, sente-se lá atrás. Não faça esse tipo de coisa na igreja, diz Tiago; não
reconhecemos essas distinções, não avaliamos os homens por suas roupas ou
seus penduricalhos. Você deve ver a alma, a relação com Deus e com Cristo; e aí
todos são um. “As coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo.”
Para resumir a questão com uma palavra positiva, vamos a Colossenses 3:15.
Paulo estivera lidando com brigas e disputas. Eis o que convém lembrar, diz ele:
“E apaz de Deus (ou apaz de Cristo), para a qual também fostes chamados em
um corpo, domine em vossos corações”. Você sabe o que ele quer dizer com a
frase, “A paz de Cristo domine em vossos corações”? Quer dizer: a paz de Cristo
aja como mediador; a paz de Cristo aj a como árbitro entre vocês (cf. ARA).
Todos vocês, com as suas posições rivais e as suas diferenças, digam: “A paz
de Cristo decida isto. Não vou decidir; não é questão de direitos meus, de
exigências minhas; estou disposto a concordar com qualquer coisa que promova
a paz de Cristo entre nós, bem como a paz de Cristo em meu coração”. Nomeiem
a paz como árbitro, diz Paulo, e a paz reinará entre vocês.
20
O ÚNICO MEDIADOR
“E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as
inimizades.” - Efésios 2:16
se o homem não tivesse rebelado contra Deus e não tivesse caído e se afastado
de Deus.Todos os problemas são devido a isso. Inversamente, portanto, temos
direito de dizer que a unidade entre os homens só é possível quando os homens
forem reconciliados com Deus. A importância dessa afirmação é óbvia. Há os
que falam levianamente sobre a aplicação do ensino cristão aos problemas, e os
que nos dizem que é tudo muito simples. Mas, conforme este ensino é
impossível, enquanto os homens e as mulheres não forem reconciliados com
Deus. É pura perda de energia, de fôlego e de tempo tentar conseguir
comportamento cristão dos que não são cristãos. Eles não têm condições de
reagir de acordo. A pessoa tem que estar de bem com Deus antes de poder estar
de bem com os seus semelhantes. Lembro-lhes como o nosso Senhor
respondeu quando Lhe perguntaram qual é o primeiro e grande mandamento.
A resposta foi: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todo o teu pensamento”; e depois: “E o segundo, semelhante a este, é:
amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Entretanto você não conseguirá
praticar o segundo enquanto não praticar o primeiro. Este é um princípio básico,
fundamental.
Vejamos como o apóstolo desenvolve isto. Num sentido ele está passando a um
novo tema. Noutro sentido ele está dando continuidade ao que vinha expondo. O
fato é que ambos são inseparáveis. Por isso ele os liga com a palavra “e”, que
realmente significa neste versículo “em acréscimo”. Que é que o apóstolo está
dizendo? Talvez, a melhor maneira de abordar o assunto seja examinar esta
grande palavra “reconciliar” - “E pela cruz reconciliar ambos com Deus”. A
palavra que de fato o apóstolo empregou e que é traduzida por “reconciliar” é
muito interessante. Só se acha num outro lugar na Bíblia, e esse é
Colossenses 1:20 e 21. Ali ele usa a mesma palavra - porém em nenhum outro
lugar. A palavra “reconciliar” vocês encontram em muitas passagens na Versão
Autorizada (inglesa; como também em Almeida). Vê-la-ão em Romanos 5:10.
Vê-la-ão em 2 Coríntios 5:18,19 e 20. No entanto, em todos esses casos a
palavra utilizada pelo apóstolo não é a mesma que ele utilizou aqui. A raiz é a
mesma; num sentido o significado essencial é o mesmo, mas aqui ele usou uma
palavra muito especial, ele acrescentou um prefixo que não usa noutros lugares.
Portanto, ao expormos isto, devemos tomar a palavra como ele a usou, o prefixo
inclusive.
Que é, pois, que significa a palavra “reconciliar”? Permitam-me opinar que ela
inclui as seguintes idéias e concepções: primeiramente significa a mudança de
uma relação hostil para uma relação
Mas, em quarto lugar, também significa isto: não é meramente que os dois
envolvidos num problema ou numa disputa ou numa contenda decidam entrar
em acordo. Esta palavra utilizada pelo apóstolo implica que é uma das partes que
toma a iniciativa da ação, e que é a parte superior ou mais elevada que o faz.
Um componente dessa palavra indica uma ação que vem de cima. E a palavra
grega “kata”; ela sugere uma ação descendente, que vem de cima. Não é que as
duas partes se juntem como que voluntariamente; é uma delas trazendo a outra a
esta posição de completa amizade e concórdia. E, finalmente, em quinto lugar, a
palavra tem o sentido de restabelecimento de algo que havia antes. Pois bem, a
nossa palavra “reconciliar” (inglês: “reconcile”), que é uma transliteração da
palavra latina, ela própria sugere isso. Reconciliar! Antes eles estavam
conciliados, agora estão re-conciliados, trazidos de volta para onde estavam. A
palavra tem todos esses sentidos, e é especialmente este último ponto que é
introduzido pelo prefixo especial que se vê na palavra utilizada aqui pelo
apóstolo, o prefixo apo, um trazer de volta, o prefixo re. A isso é que se dá
ênfase aqui.
promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo”. O contrário disso é, “ser
aproximado”, ser trazido para perto. O que há de terrível no pecado, justamente
o que somos propensos a esquecer, é que o pecado não é uma mera transgressão
da lei - é isso; que o pecado não é só desobediência - é i sso; que o pecado não é
só errar o alvo - ê isso; a coisa mais pavorosa quanto ao pecado, e mais
devastadora, é que ele significa romper a comunhão com Deus. Quer dizer que
somos cortados, extirpados de Deus, que ficamos fora da relação com Deus, que
ficamos sem Deus. Ora, é isso que o apóstolo salienta aqui. Todavia nem
aí termina. O pecado produz também inimizade entre o homem e Deus. E essa é,
segundo este ensino em toda parte, a condição do homem em pecado. Isso
aconteceu no princípio da história. Deus fez o homem para Si, e o homem estava
em comunhão com Deus. Oh, se tão-somente fixássemos essa idéia como
devíamos! Fomos feitos para Deus, fomos destinados a Deus; nunca fomos feitos
para o mundo, para a carne e para o diabo. O homem foi fetio para Deus, foi
destinado a viver em comunhão com Deus, foi destinado a fruir Deus. E essa era
a sua condição original. Mas a lástima foi que o pecado entrou; e o que há
de terrível quanto ao pecado não é simplesmente que Adão e Eva comeram o
fruto proibido - isso é verdade, foi uma ação praticada, foi rebelião, foi
arrogância, foi uma infração do mandamento de Deus e desprezo da Sua lei -
porém o terrível foi que rompeu a comunhão. O homem estava andando com
Deus e, de repente, deu-Lhe as costas. É isso que há de mais temível no pecado.
Portanto, o problema é esse, é isso que precisa ser endireitado. Não é apenas
uma questão de sermos perdoados por ações particulares. Não é esse o único
problema. O problema básico é: como se pode restabelecer essa comunhão?
Como é possível recuperá-la? ^
É justamente neste ponto que muitos erram em seu pensamento sobre estas
coisas. Isso porque não entendem o significado da morte de Cristo, e da cruz, e
porque não vêem sentido numa celebração da Ceia. Dizem eles: certamente não
há grande problema; quando uma criança faz algo errado, o pai a perdoa e fica
tudo bem; não é assim com Deus? Se eu confessar os meus pecados, se eu disser
que sinto muito, Deus não me perdoará? E a resposta do Novo Testamento é que
não é tão simples assim. Se fosse, o Senhor Jesus Cristo nunca teria vindo ao
mundo; certamente nunca teria ido para a cruz. Não, o problema é problema
de comunhão, é o problema de como se pode restabelecer a comunhão. E isso
não é importante só em nossa entrada inicial na vida cristã; não há nada que seja
mais vitalmente importante para os cristãos em todos os
Quando Deus chamou Abraão e formou a nação de Israel, Ele já estava dando
um grande passo para que se efetuasse a reconciliação. O mundo todo tinha
pecado em Adão e tinha caído, afastando-se de Deus e, assim, todos estávamos
separados de Deus. O homem não fez nada a respeito, e não poderia fazer. Mas
Deus fez, Deus agiu. Das massas da humanidade Ele formou uma nova nação
para Si, um povo para ser Sua propriedade peculiar, um povo com o qual Ele
poderia ter comunhão e o qual poderia ter comunhão com Ele, uma nova nação,
uma
No entanto, o problema não era só esse. E pena, mas judeus precisavam ser
reconciliados por esta razão também, que eles tinham entendido tão inteiramente
mal o que Deus tinha feito em Abraão, e na nação, que eles achavam que o
simples fato de que eram descendentes físicos de Abraão os salvava. João
Batista sabia disso, porque, quando começou a pregar àqueles judeus, ele disse:
“Não presumais, de vós mesmos, dizendo: temos por pai a Abraão; porque eu
vos digo que, mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mateus
3:9). Mas era o que diziam. Certa ocasião o Senhor Jesus Cristo disse a eles: “Se
vós permanecerdes na minha pal avra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Eles, porém, se ofenderam e
disseram: “Somos descendência de Abraão, e jamais fomos escravos de alguém;
como dizes tu: sereis livres?” (João 8:33, VA e ARA). Os judeus tinham
entendido tudo errado; pensavam que devido serem judeus estavam em boas
relações com Deus, mas com isso trouxeram condenação sobre si. Precisavam
ser reconciliados. E além do mais, como vimos em ocasião anterior, a atitude
deles para com os gentios era terrivelmente pecaminosa. Eles os consideravam
como
Isso nos leva ao próximo princípio, que é que o judeu e o gentio são
reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira, não diferentemente. “E
pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo” - esse é o ponto, essa é a
ênfase aqui. Ora, “um corpo” não se refere ao corpo físico do Senhor Jesus
Cristo. “Um corpo” é a Igreja. Assim, o que ele ensina é que os judeus e gentios
são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira; não há mais
diferença alguma entre eles. Há somente um modo de ser reconciliado com
Deus. “Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus
Cristo homem” (1 Timóteo 2:5). Não há caminhos diferentes rumo ao reino de
Deus para o judeu e o gentio; há somente um caminho, e este é, de novo, “um
corpo”. A razão pela qual dou ênfase a isso é que há um ensino muito popular,
porém que, à luz deste versículo e doutros, parece-me terrivelmente,
perigosamente antibíblico e que afirma que agora, durante esta dispensação, é
em Cristo e por Sua graça e Sua morte que os homens são salvos, mas que no
futuro os judeus serão salvos pela observância da lei. A eles será pregado, não o
evangelho da graça de Deus, e sim o “evangelho do reino”, e a lei, e eles
guardarão a lei e entrarão no reino pela guarda da lei. Digo de novo,
deliberadamente, que isso é uma negação do fato de que há um só modo pelo
qual o homem pode ser reconciliado com Deus, a saber, mediante Jesus Cristo, e
Este crucificado. Não há acesso à presença de Deus, exceto por intermédio do
único Mediador; “reconciliar ambos com Deus em um corpo”, e é este o único
corpo, o único caminho. E neste úniço corpo, a Igreja; e homem nenhum jamais
foi nem jamais será reconciliado com Deus, a não ser por este meio. Abraão e os
santos do Velho Testamento, todos aqueles cujos pecados foram cobertos, estão
realmente reconciliados com Deus em Cristo. Nas gerações futuras todos serão
reconciliados da mesma maneira. É pela graça de Deus, e unicamente pela graça
de Deus, que todo e qualquer homem pode ser salvo.
Nenhum homem, torno a dizê-lo, nunca pôde nem poderá salvar-se por seus
próprios esforços e lutas, não importa o que lhe preguem. Tampouco a lei pode
salvá-lo; como Paulo diz: “O que era impossível à lei, visto como estava
enfermapelacarne...” (Romanos 8:3). Cristo tinhaque vir. “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo”, e não há outro caminho. Aqui o apóstolo dá
ênfase ao Senhor Jesus Cristo. Foi Deus que O enviou, mas foi Cristo que, com a
Sua vinda e com toda a Sua obediência ativa e passiva, o realizou. “Ele é a nossa
paz”, e somente Ele é a nossa paz. Digo e repito que, se não atribuirmos todo o
louvor, toda a honra e toda a glória ao Senhor Jesus Cristo, não somos cristãos. E
Sua ação\ é ação de Deus em Cristo e por meio dEle. O homem está morto em
ofensas e pecados, é um inimigo e estranho em sua mente pelas suas más obras;
ele odeia a Deus; não faz nada realmente bom, e não é capaz de fazê-lo. Como
seria possível a reconciliação? Encontramos a resposta na definição da palavra: é
uma ação do alto, é um movimento da parte de Deus, do Deus contra quem nos
rebelamos e a quem demos as costas. E Ele que inicia o grande movimento. Ele
o começou no Velho Testamento. Ele o continua no Novo; é perfeito. É Sua
ação. E tudo em Jesus Cristo. E tudo a graça de Deus em Cristo. “Deus estava
em Cristo reconciliando consigo o mundo.” Essa é a mensagem.
Mas, em particular se vê que o apóstolo afirma que foi ‘‘pela cruz “E pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo.” Volta a chamar a atenção de vocês
para a maneira pela qual o apóstolo vai repetindo estas coisas. “Mas agora em
Cristo Jesus”, dissera ele no versículo treze, “vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Aqui ele não se restringe a dizer para
“reconciliar ambos com Deus em um corpo”; ele inclui - “pela cruz”. Ele
introduz isto porque tem que introduzi-lo. Não háreconciliação sem acruz.Eque é
que a cruz significa? A passagem paralela de Colossenses 1:20 o
diz perfeitamente: “Havendo por ele feito a paz pelo sangue de sua cruz”. É a
morte, a vida entregue abnegadamente, o sangue derramado, a vida vertida. E
como Deus faz a paz, é como Cristo faz a paz, é como se concretiza a
reconciliação.
O ensino verdadeiro é que, antes de ser possível a reconciliação, algo tem que
acontecer da parte de Deus, bem como da nossa parte. O pecado trouxe
inimizade entre ohomem eDeus. Deus odeia o pecado. A ira de Deus manifesta-
se contra o pecado. E antes que possa haver reconciliação, antes que Deus possa
abençoar de novo, esta inimizade terá que ser removida pelo sangue da cruz. Por
que ele menciona o sangue, por que a cruz, por que a morte? Porque essa é a
explicação de todo o ensino do Velho Testamento acerca dos sacrifícios. Esse foi
o método de Deus, foi Deus que ordenou isso tudo como figura daquilo
que seria feito em Cristo. Não era assim que o faziam? Tomavam o animal e
punham as mãos sobre a suacabeça. Que é que significava isso? Eles estavam
transferindo simbolicamente os seus pecados e os pecados do povo ao animal.
Depois o animal era morto e o seu sangue era derramado; e o sangue era
apresentado como oferta; o animal era oferecido como um sacrifício. Esse é o
ensino. E é precisamente esse o ensino do Novo Testamento acerca da morte de
Cristo na cruz. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes
imputando os seus pecados.” Por que não? Porque Ele imputou os pecados
do mundo aEle\ Deus tomou os meus pecados e os seus e os colocou sobre a
cabeça de Cristo, e então, na qualidade de Cordeiro de Deus, Ele O matou. Não
lhes imputando os seus pecados! Porque “Aquele que não conheceu pecado, o
fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios
5:21). Pelo sangue da Sua cruz! Pela cruz Ele o fez! A inimizade - a inimizade
contra Deus foi posta sobre Cristo e ali foi eliminada. Ele a matou ali. Esse é o
ensino. Esse é o significado do grito de desamparo: “Meu Deus, meu Deus, por
que me desampa-raste?” Visto que o sangue de Cristo, o sangue do Cordeiro de
Deus, foi derramado sobre o Calvário, o caminho da reconciliação está livre.
A inimizade foi removida, e Deus pode olhar para o homem com benig-nidade e
está pronto a abençoá-lo, a recebê-lo e a restaurá-lo. Os judeus precisavam disso,
os gentios precisavam disso, e, juntos em Cristo, eles o receberam. Em Cristo,
pelo Seu sangue, eles podem entrar juntos no “Lugar Santíssimo”. Que
evangelho maravilhoso, que declaração estupenda! Que aconteceu no Calvário?
Cristo foi morto. Sim, mas por Sua morte Ele matou a inimizade! Ele fez dos
principados e potestades um espetáculo público, cravou na cruz a lei, e o homem
foi reconciliado com Deus. Todos são reconciliados da mesma maneira, em
Cristo. Seja você judeu ou gentio, bárbaro ou cita, escravo ou livre, homem
ou mulher, bom ou mau, alto ou baixo, você terá que vir dessa maneira. Cristo
morreu pela Igreja. Ou, como diz o apóstolo Paulo em seu discurso de despedida
aos presbíteros da igreja de Efeso: “...a igreja de Deus, que ele resgatou com seu
próprio sangue” (Atos 20:28). Um corpo! O único modo de reconciliar Deus
com o homem, e o homem com Deus, é pela cruz, pela morte de Cristo, que
mata a inimizade, que remove todos os pecados. “O sangue de Jesus Cristo, seu
Filho, nos purifica de todo o pecado.”
21
PAZ COM DEUS
“E, vindo, ele evangelizou a paz, e vós que estáveis longe, e aos que estavam
perto. ” - Efésios 2:17
Mas agora surge a questão: como é que tudo isso que foi feito e que foi
preparado chega a nós? o versículo que estamos focalizando agora responde
essa pergunta. “E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe e aos
que estavam perto.” Noutras palavras, tendo aberto o caminho e a possibilidade,
o Senhor agora nos vem e nos diz que Ele, tendo feito o que fez, proclama-o,
anuncia esta boa notícia, que a paz entre o homem e Deus, paz da qual o homem
angustiosamente
necessita, é obtenível.
Primeiro, há os que dizem que este versículo é uma referência ao que o nosso
bendito Senhor fez enquanto esteve neste mundo. As palavras que temos que
considerar são: “vindo, ele evangelizou apaz”. Que significa este “vindo”? Um
grupo gostaria de fazer-nos acreditar que é uma referência à encarnação, à
primeira vinda de nosso Senhor, e ao Seu ministério terreno, descrito nas páginas
dos quatro Evangelhos. O segundo conceito é o que afirma que esta é uma
referência à pregação do Senhor Jesus Cristo por intermédio dos apóstolos; não à
Sua pregação feita pessoalmente por Ele, mas à Sua pregação mediante a
Igreja, mediante os apóstolos - o que aconteceu depois da Sua morte,
ressurreição e ascensão e subseqüente envio do Espírito Santo sobre a Igreja no
dia de Pentecoste.
Embora sej a um ponto interessante, não é, felizmente, uma questão vital, num
sentido final. Contudo, é de interesse e, portanto, devemos vê-lo de passagem.
Há certas considerações que, ao que me parece, militam fortemente contra o
primeiro conceito. Lendo os Evangelhos, vocês verão que o ministério do nosso
Senhor limitou-se aos judeus. Ele dizia de Si que não tinha sido enviado “senão
às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus 15:24). Ele disse especificamente
aos Seus discípulos: “Não ireis pelo caminho das gentes” - dos gentios (Mateus
10:5). O Seu ministério estava limitado aos judeus. Vocês recordam o incidente
da mulher siro-fenícia. Quando ela veio pedir uma bênção para a sua filha, a
resposta dEle foi: “Não convém tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos
cachorrinhos” (Marcos 7:27). Essa era a Sua atitude em toda parte. Todavia, não
é tão simples assim, porque vemos que ocasionalmente em Seu ensino Ele
mostrava que realmente viera para todos, tanto para os judeus como para os
gentios. Creio que há uma insinuação disso mesmo na grande declaração de
Lucas 4:18, com a Sua citação de Isaías, capítulo 61, onde se vê que Ele estava
pregando um evangelho para todos os povos, especialmente na seqüência do
Seu discurso. Ele disse também, certa ocasião: “Ainda tenho outras ovelhas
que não são deste aprisco” (João 10:16) - clara referência aos gentios. E depois
vocês se lembram de que, embora tenha recusado o pedido de André e Filipe que
fosse ver os gregos que tinham vindo e disseram: “Queríamos ver a Jesus”, não
obstante Ele continuou e disse: “E eu, quando for levantado da terra, todos
atrairei amim” (João 12:21,32). Foi uma clara predição de que Ele ia fazer algo,
mediante Sua morte, que abriria a porta de entrada até para os gregos, para os
gentios, para os que estavam “longe”. Parece-me, pois, que um bom exame dos
quatro Evangelhos leva-nos à conclusão de que, conquanto o nosso Senhor tenha
limitado deliberadamente o Seu ministério e o dos Seus discípulos aos judeus
durante a Sua vida na terra, Ele deu ocasionais indicações de que haveria algo
mais amplo e maior depois que Ele realizasse na cruz a obra que fora enviado
para realizar.
É a figura do homem sem Deus, inquieto como o mar revolto. Qual a causa
disso? A explicação, no sentido espiritual, é a mesma das condições do mar.
Tudo começou no Éden. O homem foi feito por Deus e foi colocado no Paraíso.
Não havia movimento nenhum, nenhuma inquietação no Paraíso, pois somente
uma coisa atuava sobre o homem - Deus! Deus fez o homem à Sua imagem, o
homem estava em correspondência, em comunhão com Deus, fruía Deus, e a sua
vida era
uma vida de inalterada paz e bem-aventurança. Não havia infelicidade, não havia
problema, não havia dificuldade, não havia ansiedade. O homem estava num
estado de inocência e de completa paz, quietude e liberdade. No entanto, o
homem caiu. Deu ouvidos a outra força, a outro poder, e ao lhe dar ouvidos,
ficou sujeito a esse poder. O poder do diabo, o poder do mal, o poder do inferno
começou a atuar sobre ele, e daquele momento em diante a vida do homem foi
de inquietude e conflito. O homem, fora da relação com Deus, é exatamente
como ornar. Continua havendo nele uma rememoração, uma lembrança, da sua
retidão original. Ele não sabe disso, ele não pode dizer nada a respeito; ele
não acredita na Bíblia, não acredita na teologia; não obstante, é um fato.
A analogia é perfeita, não é? Ah, a lama e a sujeira lançadas por tudo isso!
Milhões passam o domingo lendo sobre isso. A lama e a sujeira! Está em todos
os jornais, em toda parte, nas conversas do povo; está se tomando por demais
óbvio. A respeitabilidade está desaparecendo, o pecado está se tornando
escancarado outra vez. A tempestade soprou durante algum tempo, e a lama e a
sujeira estão ficando cada vez mais evidentes. O homem em pecado é isso - sem
paz, sem sossego, sem tranqüilidade; como as ondas revoltas do mar, a sua vida
espirra lama, sujeira e coisas nojentas. O horror e a fealdade disso tudo! E a
tragédia é que, em sua ignorância e cegueira, o homem não percebe nada
disso. Ele não sabe, não entende; acha que os seus problemas são causados pelas
circunstâncias, ou pelo ambiente, ele está sempre em busca de paz e procurando
ter repouso. Mas não consegue; esforça-se quanto pode, e falha.Tudo isso indica
o fato de que a suprema necessidade do homem, a necessidade fundamental do
homem, é a necessidade de paz e repouso, mente serena, coração tranqüilo.
Observem ainda que longe e perto são distinções relativas, não são distinções
absolutas. Permitam-me oferecer-lhes uma ilustração.
Falemos com clareza sobre isso. Há alguns que obviamente se acham tão longe
quanto é possível estar do reino de Deus. As pessoas às quais me referi há
pouco, cuja idéia de felicidade consiste em embebedar-se e tornar-se piores que
animais, pessoas que vivem em sentinas de vício e iniqüidade sem jamais terem
um pensamento sobre Deus ou sobre moralidade, porém que só vivem de acordo
com a sua natureza animal, estão, vocês costumam dizer, tão longe do reino
de Deus quanto é possível conceber. Mas há outros que são amáveis, pacíficos,
respeitáveis, que nunca praticam males visíveis aos outros, que odeiam essas
coisas, procuram fazer o bem, empreendem luta moral, trabalham pela elevação
da raça, estão cheios de boas obras, de boas ações, de boas realizações, de
interesses e trabalhos intelectuais, que se interessam pelas coisas da mente etc.,
que freqüentam um local de culto, que são membros de igreja, talvez. A primeira
vista, e superficialmente, as duas posições perecem diametralmente opostas, e a
tendência geral é dizer que elas não têm nada em comum.
Posso oferecer-lhes uma ilustração quase ridícula? Você quer sair, e entra numa
fila de ônibus. O ônibus chega, e você está, digamos, no décimo lugar da fila. As
pessoas começam a entrar no ônibus. Você diz: “Ótimo, eu vou entrar”. O nono
passageiro entra, e o motorista diz: “Ninguém mais, lotado.” Ajudaria em
alguma coisa você ter sido o próximo, se ainda houvesse lugar? O fato é que
você está fora do ônibus, e o fato de você ser o próximo na fila não o ajuda. Ou,
a mesma coisa com alguém que vai pegar um trem, e justo no momento em que
ele vai mostrar o bilhete na entrada da plataforma de embarque, ouve-se o
apito e o trem parte. Diz ele: quase o peguei! - mas isso o ajuda?
Essas ilustrações podem ser divertidas, porém espero que os que se riem façam a
si mesmos esta pergunta solene: “Estou dentro do reino, ou apenas perto?” Pode
ser que você estej a à porta de entrada há muitos anos. Você seria incapaz de ver
que isso não o ajudará? Pergunto: você está dentro? Você conhece a Deus? Você
sabe que os seus pecados estão perdoados? E quando você vai orar a Deus
quando tem algum problema, você sabe que O vê e que você está falando com
Ele? Você tem acesso com confiança e ousadia? Você entra pelo sangue de Jesus
no “Lugar Santíssimo”? Essa, digo eu, é a questão, e não há outra. Tão perto e,
contudo, tão longe! Estar uma polegada fora do reino não é nenhuma vantagem
sobre o homem que está a mil milhas de distância. “Paz aos que estavam longe,
e, aos que estavam perto.” Todos têm necessidade da paz. “Os ímpios, diz o meu
Deus, não têm paz.” “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” Ou,
como Agostinho o diz finalmente em sua experiência pessoal: “Tu nos fizeste
para Ti, e os nossos corações não descansam enquanto não acham repouso em
Ti”. Intelectualistas morais, vocês têm repouso? Está tudo tranqüilo por dentro,
há paz em sua alma, e paz entre vocês e Deus? Esta é a necessidade de todos.
E o caminho está livre para você agir assim também, pois Cristo o abriu.
Opecado foi removido, a inimizade, o antagonismo, foi destruído, e você pode ir
confiantemente à presença de Deus.
E tendo levado a Ele os seus problemas e dificuldades, deixe-os com Ele, deixe-
os lá. “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti” (Isaías 26:3).
Firme no Senhor! - você tem ampla, franca e aberta entrada, pelo sangue de
Jesus Cristo. Entre, olhe para Ele, tenha firme a sua mente nEle, e você
começará a gozar a Sua bem-aventurada paz. Cristo nos dá paz com Deus, paz
com os outros, paz interior. “Ele veio e pregou a paz aos que estavam longe e aos
que estavam perto.” Alguém que tem vivido como que nas próprias mandíbulas
do inferno pode ler estas palavras. Meu amigo, você pode ter esta paz, agora.
Mas se a sua situação é de quem sempre esteve interessado e sempre
esteve muito perto, você também pode tê-la, agora. Vocês podem tê-lajuntos. É
dádiva inteiramente gratuita de Deus, mediante Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Você j á a tem? Regozija-se nela? A paz que Jesus Cristo oferece pode ser sua
agora e para todo o sempre.
22
ACESSO AO PAI
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.’’ - Efésios
2:18
mesmo Espírito. Temos que meditar nisto, temos que deter-nos nisto, temos que
aprofundar-nos nisto, temos que dedicar tempo a isto; pois, como tentarei
mostrar a vocês, encontramos reunidas neste único versículo as coisas mais
estupendas que já nos foram ditas ou que já compreendemos acerca de nós
mesmos.
Como estão empenhadas em nossa salvação? Esta Epístola nos esteve dizendo
isso. O apóstolo ocupou quase todo o capítulo primeiro para dizer-nos que foi o
Pai que planejou e deu início à salvação. Vocês se lembram da frase várias vezes
repetidas, “segundo o mistério da sua vontade” ou semelhante, “segundo o
beneplácito de sua vontade”, “segundo o seu beneplácito, que propusera em si
mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da
plenitude dos tempos”. O Pai “faz todas as coisas, segundo o conselho da
sua vontade”. Os teólogos costumavam falar em “Trindade Econômica”, ou
“Economia da Trindade”. Esta grande obra, esta grandiosa tarefa de salvação foi
dividida entre as três Pessoas. O Pai concebeu e planejou a salvação. Ele a
imaginou, projetou-a, decidiu sobre ela, determinou-a. O Deus eterno e
sempiterno! E Seu plano e Seu propósito. Nunca apresentemos a fé cristã e
aposição cristã quanto à salvação como se esta fosse algo que o Filho teve que
arrancar do Pai. Foi o Pai que enviou o Filho. Vocês notam, na oração sacerdotal,
no capítulo dezessete do Evangelho Segundo João, com que clareza o nosso
Senhor diz: “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que (Tu) me
deste a fazer”; Ele veio “para que dê a vida eterna a todos quantos lhe
deste”; “eram teus, e tu mos deste”. Todas essas referências são ao Pai. O Pai é
Quem concebe, inicia e põe em movimento este grande e glorioso plano e
método de salvação.
do mundo”. Tudo o que aconteceu foi conhecido antes e foi previsto. O Pai
concebeu o plano e o Filho ofereceu-Se voluntariamente para vir executar o
plano. O Pai deu-Lhe as pessoas, o Pai deu-Lhe uma obra para realizar, e Ele
veio e arealizou. E ali, pouco antes da cruz, Elepôde dizer que a tinha realizado.
Conhecemos bem os grandes fatos; mas não nos esquecemos. Lembremo-nos
constantemente do que essa obra envolveu para o Filho que, embora sendo
“igual a Deus”, “não teve por usurpação o ser igual a Deus”, contudo,
“humilhou-se, fazendo-se indigno de honra”. Ele veio dessa maneira tão
humilde; Ele soube o que é ser pobre e sofrer privações e pobreza; Ele Se
misturava com as pessoas comuns e teve uma vida comum. Poderíamos
conceber o que isso significou para Ele? Sofreu contra Si próprio “a contradição
dos pecadores”; suportou a ruindade, o despeito e a inveja deles. No entanto,
acima e além de tudo, Ele levou sobre Si os nossos pecados, suportou que por
nós Ele fosse feito pecado pelo Pai, embora Ele não conhecesse pecado;
suportou que fosse lançada sobre Ele a iniqüidade de nós todos; foipara acruz,
para levar “em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro”. Foi o que Ele fez.
Cumpriu a lei ativamente, viveu sob a lei como homem, “nascido de mulher,
nascido sob a lei”, colocou-Se deliberadamente sob ela, por Seu querer foi
batizado por João Batista, identificando-Se com o pecador e com tudo o que está
envoi vido nisso, e morreu e foi sepultado. O Príncipe, o Autor da vida, morreu
e foi colocado num túmulo; mas ressuscitou. Aí estão os fatos magníficos. Essa é
a parte do Filho - procedente do seio do Pai, procedente da eternidade. Ele estava
no princípio com Deus, nada foi feito sem Ele; porém Ele deixa a glória, põe-na
de lado - “Tenro, Ele deixa de lado a Sua glória” - e leva avante a Sua grande
tarefa. Por Ele, mediante Ele, este Filho bendito! Essa é a obra realizada pelo
Filho.
Há então a obra realizada pelo Espírito Santo. E Ele que a leva a cabo em nós,
pessoa por pessoa. Essa é a Sua obra. Vocês notam que o Filho Se subordina
voluntariamente ao Pai. E o Espírito Santo Se subordina ao Filho e ao Pai. São
co-iguais, são co-etemos, e são iguais em todos os aspectos; e, contudo, por
causa da nossa salvação, há esta subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito
Santo ao Filho e ao Pai juntos. E o Espírito S anto vem e aplica a obra redentora.
Aplica-a a mim, aplica-a a você. E Ele que nos faz participantes de Cristo; é Ele
que nos leva a ver a nossa necessidade e todas as outras coisas que espero
considerar mais adiante; é Ele que aplica a grande redenção que foi levada a
efeito pelo Filho. E o faz não somente ao indivíduo, mas também o faz à
Igreja. Ele edifica a Igreja, Ele enche a Igreja com a Sua vida e com a Sua
presença. Essa é a obra realizada pelo Espírito Santo. Ele “não falará de si
mesmo”. Ele falará simplesmente de Cristo. “Ele me glorificará”, diz o Senhor; e
Ele o fez, e ainda o faz.
da Trindade santa e bendita nos amaram tanto que fizeram tudo isso por nós.
Auto-subsistentes, existindo eternamente naquela inefável unidade e glória e,
contudo, preocupados conosco! O Pai Eterno tem Seus olhos postos em você,
conhece você, interessa-Se por você. O Filho de Deus amou tanto você que Se
deu por você. E o Espírito Santo o ama tanto que vem para dentro de você para
aplicar-lhe e levar a cabo tudo isso. Se você não concorda comigo que esta é a
coisa mais estupenda que jamais ouvirá no tempo ou na eternidade, bem então eu
perco as esperanças com você. Haverá alguma coisa que supere isto? - que
a Palavra me diz que estas três Pessoas não somente me amaram tanto, porém
também que agiram desta maneira para que eu pudesse ser redimido? Se tão-
somente compreendêssemos isso como devíamos, o seu efeito sobre nós seria
tremendo, revolucionaria toda a nossa concepção do cristianismo. Não
pensaríamos nele em termos de dever ou de outra coisa qualquer, não
pensaríamos nele em termos de glória, de privilégio e de curiosidade. O
cristianismo seria a coisa mais emocionante do mundo para nós. Teríamos nele a
nossa constante alegria, e diríamos com Paulo: “Longe esteja de mim gloriar-me,
a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. Seriamos tomados de um
permanente sentimento de “maravilha, amor e louvor”.
No entanto, passemos a uma terceira proposição. Vemos que aqui somos postos
face a face com a doutrina da Trindade, é-nos dito que as três Pessoas da
Trindade estão interessadas em nós e em nossa salvação e a estão levando a
efeito em nós. E depois nos é dito que o fim da salvação, a meta suprema da
salvação, o objetivo da salvação, é que conheçamos a Deus como o nosso Pai.
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” Pois bem,
esse é o principal fim e objetivo da salvação. E o que o apóstolo está
especialmente interessado em ressaltar aqui, o fato de virem todos os cristãos
juntos ao Pai. Os judeus e os gentios vêm juntos, como um só corpo e como um
só espírito, à Sua presença. Esse é o clímax. O apóstolo já nos estivera falando
sobre como o Senhor Jesus Cristo removeu as barreiras, os obstáculos e os
empecilhos entre o gentio e o judeu, como Ele removeu esta comum inimizade
entre mim e Deus, e de fato ele foi mais longe, ao ponto de nos dizer no
versículo dezesseis que Ele reconcilia a ambos, o judeu e o gentio, com Deus
“pela cruz em um corpo, matando com ela as inimizades”. Bem, dirá alguém,
certamente você não pode ir além disso. Haverá alguma coisa que supere a
reconciliação? Há! E por isso que eu disse que este versículo dezoito é o clímax.
A reconciliação é
O apóstolo, parece-me, diz-nos três coisas aqui. A primeira é que temos acesso
por um só Espírito ao Pai. Pois bem, a palavra “acesso” é importante e
interessante. Também pode ser traduzida pela palavra “aproximação”, ou melhor
ainda, penso eu, pela palavra “apresentação”: “Porque por ele ambos temos
apresentação ao Pai por um mesmo Espírito.” Significa que a relação foi
restabelecida, aquela relação amigável com Deus com a qual somos aceitáveis a
Ele e temos certeza de que Ele tem boa disposição para conosco. Ora, o
importante para compreender-se aqui é que o Senhor Jesus Cristo não Se limita
a preparar ou abrir o caminho para isto. Ele de fato o efetua, de fato o produz. É
Ele que nos apresenta ao Pai, que nos leva, nos toma pela mão e nos guia até a
Sua presença. Meu desejo é salientar o fato de que este é realmente o grande fim
e objetivo da salvação. E suponho que nunca houve uma época em que fosse
necessário salientar isto mais do que a época atual. Nós todos nos tornamos tão
subjetivos, e estamos tão interessados em nossos temperamentos, estados
mentais, sentimentos e condições que, quando damos os nossos testemunhos,
dizemos que o que a salvação nos fez foi fazer-nos felizes, ou foi eliminar isto
ou aquilo; e aí paramos. Contudo, o grande objetivo da salvação é levar-nos
à presença de Deus - nada menos que isso, nada que esteja abaixo disso.
Certamente vocês notam como o S enhor disse esta mesma coisa no versículo
três do capítulo dezessete de João: “E a vida eterna é esta” - as pessoas dizem:
recebi a vida eterna, estou salvo, tenho a vida eterna. Sim, mas o que é a vida
eterna? Não é apenas que você não é mais o que era; inclui isso, entretanto isso é
relativamente pouco. A grande realidade é a seguinte - “A vida eterna é esta: que
te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste”. Ou então ouçam-nOemHebreus 10:19: “Tendo pois, irmãos,
ousadiapara entrar no santuário, pelo sangue de Jesus” - foi o que o sangue de
Jesus fez, habilitou-me a entrar no “santuário”, no “lugar santíssimo”.
Vocês vêem a figura, vocês captam a idéia que está na mente de Paulo. Sob
o cerimonial do Velho Testamento as pessoas comuns não tinham permissão para
entrar no “lugar santo”, menos ainda no “lugar santíssimo”. Ao lugar santo
somente os sacerdotes tinham permissão para ir. Mas
Mas o que nos diz a passagem que estamos estudando é que mediante Cristo,
pelo Espírito Santo, nós mesmos podemos entrar no “lugar santíssimo”. Temos
acesso ao Pai: não mais ficamos no pátio externo, não mais entre os sacerdotes,
apenas; o “véu” foi rasgado, podemos entrar lá diretamente. Pedro diz a mesma
coisa em 1 Pedro 3:18: “porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados,
o justo pelos injustos...”. Por quê? Para que eu não vá para o inferno? Para
que eu seja feliz? Para que eu não caia mais nalgum pecado particular?
Tudo perfeitamente verdadeiro; porém não é o que Pedro diz; o que ele diz é
isto: “Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-
nos a Deus”. “Estas coisas vos escrevemos”, diz João, já ancião e próximo do
fim da vida, “para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão
(como apóstolos) é com o Pai, e com o seu Filho Jesus Cristo.” Este, meus
amigos, é o grande fim e objetivo da salvação, que entremos na presença de
Deus e tenhamos comunhão com Ele. Não estamos m ai s longe, fomos trazidos
para perto, estamos dentro,
estamos face a face com Ele, temos comunhão com Deus. Conhecer a Deus, e a
Jesus Cristo, a quem Ele enviou! Você tem acesso, vocêdeu--se conta dele? Você
está exercendo o seu direito a ele?
Passemos, porém, à segunda ênfase. A segunda coisa que ele nos diz é que
temos acesso ao Pai, Agora notem a mudança do termo. O que ele diz no
versículo dezesseis é: para Ele (Cristo) “pela cruz reconciliar ambos com Deus
em um corpo”. Por que ele não diz então, “Porque por ele ambos temos acesso a
Deus em um mesmo Espírito”? Ele mudou de termo, ele diz: “ao Pai”. Não é por
acidente. Ele o faz deliberadamente. Por quê? Aqui de novo está algo que é
estonteante em sua imensidão, e irresistível, se tão-somente nos dermos conta
disso, que Deus em Cristo e pelo Espírito Se torna nosso Pai. Por isso o nosso
Senhor, quando nos deu a Sua oração modelo, ensinou-nos a dizer: “Pai
nosso, que estás nos céus”. Por isso também o Senhor Jesus Cristo,
quando falava com a mulher samaritana sobre a adoração, usou o mesmo
termo. Ela, com as suas idéias indoutas sobre adoração, fala “neste monte” e “em
Jerusalém”. Mas o nosso Senhor muda todo o curso da conversação, eleva-a e
diz: “O Pai procura a tais que assim o adorem”; “Deus é Espírito, e importa que
os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”; são essas as pessoas que o
Pai procura para que O adorem. Ou vejam ainda como Cristo o expressa em João
14:6: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por
mim”. Há pessoas que talvez tenham crido em Deus, todavia elas jamais
conhecerão a Deus como Pai, exceto em Jesus Cristo e pelo Espírito. “Ninguém
vem ao Pai, senão por mim.” E ouçam Pedro dizê-lo também em sua Primeira
Epístola: “E, se invocais por Pai aquele que sem acepção de pessoas...” (1:17). E
o Pai que invocamos. E, de novo, João diz: “A nossa comunhão é com o Pai” -
não, “com Deus”, “com o Pai”; ele usa a palavra Pai aqui. Este é, obviamente, o
ensino de todo o Novo Testamento, e é também o que distingue a posição cristã.
O cristão é alguém que foi introduzido na mesma relação com Deus que o
Senhor Jesus Cristo tem com Ele como Filho do homem. Isso é
cristianismo, isso é salvação. Vocês notam como Ele ora. “Pai”, diz Ele, “é
chegada a hora”, e também, “Pai justo”, e “Pai santo”. Não um Deus
distante, mas Pai! Assim é que compreendemos - e é isto que significa - que
Ele está pronto a receber-nos e a ouvir-nos.
Saber isso é saber que Deus tem amoroso interesse por nós. “Nós conhecemos, e
cremos no amor que Deus nos tem”, diz ainda João em I João 4:16, e nós
confiamos nisso, descansamos nisso. “Nós conhecemos, e cremos no amor que
Deus nos tem”; é o que você dirá quando
se der conta de que veio ao Pai. Se você conhece a Deus como seu Pai, você
sabe que até os cabelos da sua cabeça estão todos contados. Você sabe? O Pai - é
ao Pai que estamos vindo. Você notaram aquela declaração sumamente
admirável do nosso Senhor em Sua oração sacerdotal, registrada em João 17:23?
Imagino que, de todas as declarações concernentes ao cristão, nenhuma supera
esta: “Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para
que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tem amado a eles
como me tens amado a mim”. Se somos verdadeiramente cristãos, e se viemos
ao Pai, sabemos que Deus nos ama como ama a Seu próprio Filho.
Logo, sabemos que Ele nunca nos deixará nem nos abandonará. Logo,
sabemos que o que quer que aconteça, por baixo sempre estão os braços do
Eterno.
Isso me leva ao terceiro e último ponto, a saber, que temos este acesso. “Através
dele, ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito”(VA). Nós o temos, diz
Paulo. Posso colocá-lo na forma de várias perguntas? Temos isto? Fazemos uso
do acesso? Descansamos nele? Gozamos a paz dele resultante? Você sabe que
Deus o ama? Você sabe que Ele realmente ama você? Você O conhece como seu
Pai? Você de fato sabe que “todas as coisas contribuem juntamente para o
bem daqueles que amam a Deus”? Mas, venha, deixe-me levá-lo a um
ponto mais alto e fazer-lhe esta pergunta: você sabe o que é estar no
“lugar santíssimo”? Temos acesso, apresentação, pelo Espírito ao Pai.
Somos levados por Cristo, pelo Seu sangue, para dentro do “lugar
santíssimo”, por meio do Espírito Santo. Isso é verdade sobre você? Você
conheceu, sentiu, percebeu a presença de Deus? Foi isso que Cristo veio fazer,
diz o apóstolo. E um avanço com relação à reconciliação, vocês vêem. Não é
meramente perdão, não é meramente que a inimizade se foi. Temos acesso,
temos direito de entrar. Vocês se aproximam de Deus na plena certeza da fé?
Vocês dão ouvidos à exortação da Epístola aos Hebreus quando diz:
“Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça”? (Hebreus 4:16). Vocês
vão a Deus com o instinto, a segurança e a confiançacom que uma criança vai a
seu pai? E ao Pai que estamos indo, diz o apóstolo. Vocês sabem como se porta
uma criança. Ela está em dificuldade, tem o seu pequeno problema, alguma coisa
a está afligindo tremendamente, e ela corre para o seu pai ou para a sua mãe. Ela
fala aos pais sobre o que a aflige, conta tudo, confiante em que eles poderão
dar um jeito naquilo, e então se alegra. Esse é o tipo de coisa que o apóstolo quer
comunicar. “Se não vos converterdes e não vos tomardes como crianças, de
modo algum entrareis no reino dos céus”, diz o nosso
Senhor (Mateus 18:3, ARA). E então, nós vamos instintivamente a Deus como
ao nosso Pai? Levamos a Ele as nossas preocupações e os nossos problemas,
aborrecimentos e ansiedades? Vamos com essas coisas a Ele e, como a criança,
havendo-Lhe falado tudo sobre elas, nós as deixamos com Deus, confiantes e
certos de que Ele tratará delas todas e que, portanto, podemos gozar a Sua paz,
que excede todo o entendimento?
Acaso posso resumir tudo com uma pergunta final? Estamos desfrutando de
Deus? “Qual é o fim principal do homem?”, indaga a primeira pergunta do Breve
Catecismo da Assembléia de Westminster. E eis a resposta dada: “O fim
principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lO para sempre”. E, em
conformidade com o apóstolo nesta passagem, o gozo começa agora, nesta
existência, neste mundo. Não temos que esperar até irmos para o céu. O
propósito quanto a nós é que fruamos a Deus aqui na terra, conheçamo-lO como
nosso Pai, e descansemos neste conhecimento, desfrutemos o conhecimento
e fruamos ao próprio Deus na comunhão com Ele.
Isso é apenas o começo do que este versículo nos fala. Ele nos assegura que o
amor de Deus por nós é tão grande que as três Pessoas da Trindade tomaram
parte no processo de tratar conosco, de tal maneira e por tais meios que eu e
você, perdidos, condenados e sem esperança, pudéssemos, mesmo enquanto
formos deixados neste mundo de pecado e dor, gozar o companheirismo do Pai,
andar com Ele com amizade e em comunhão, e desfrutá-10. Cada vez mais
devemos olhar para a frente, para vê-10 como Ele é, sem nenhum véu que O
esconda dos nossos olhos, e havemos de fruí-10 em plenitude por toda a
eternidade. Desfrutamos de Deus? É totalmente possível, é livre, mediante
Cristo e pelo Espírito Santo.
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” - Efésios
2:18
Mas surge logo a questão sobre como ter esse acesso. Sendo esse o fim, a meta e
o objetivo da nossa salvação, a grande pergunta é: como chegar ali? Noutras
palavras, somos aqui postos face a face com a grande questão da oração. Não me
proponho tratar da questão da oração em sua inteireza ou em sua plenitude. Só
estou interessado em tratar desse assunto na medida em que ele é tratado neste
versículo particular, que centraliza a nossa atenção no ponto mais importante
concernente à oração, a saber, o nosso conhecimento de como obtemos acesso, o
meio de “chegar perto de Deus”.
Não há nada que seja mais importante do que isso. Como estamos usufruindo os
benefícios de nossa fé cristã? Este é o melhor ponto para ser submetido a prova:
se o nosso cristianismo não nos ajuda quando estamos em dificuldades, então,
para dizer o mínimo, ele é muito defeituoso. Se ele não nos ajuda, não nos dá
suporte e não faz toda a diferença do mundo para nós nos nossos momentos de
crise, que valor tem? Há outras coisas que parecem maravilhosas quando o sol
está brilhando e tudo vai bem; o mundo e suas idéias parecem completamente
satisfatórios então. E quando tudo parece estar contra nós que chega a hora da
prova. E quando tudo parece estar contra nós, parece “levar-nos ao desespero”, a
pergunta é: podemos prosseguir e dizer, “Sei que a porta está aberta e que Ele
ouvirá minha oração”? essa é a questão. “Não veio sobre vós tentação”, diz o
apóstolo Paulo aos coríntios, “senão humana; mas fiel é Deus, que vos não
deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o
escape...” (1 Coríntios 10:13). Sabemos disso? Nossas orações são eficientes,
eficazes? Temos confiança nelas? Você sente, depois de orar, que a carga
foi aliviada? Quando você vai aDeus em oração, deixa realmente a questão com
Ele? A criança e seu pai são a ilustração perfeita deste ponto. O pequenino em
dificuldade vai ao pai e logo se sente feliz porque tem a
Essa é, inevitavelmente, a questão com a qual temos que nos defrontar quando
consideramos esta grande declaração. Há muitos que deixam de gozar os
benefícios da salvação; há muitos que não se aproveitam deste acesso ao Pai e
para os quais, portanto, a oração não é real, pela razão que ignoram ou nunca
captaram claramente o ensino deste versículo particular. Todavia, temos aqui a
chave da verdadeira oração. Eles falham porque, ou o ignoram completamente,
ou porque nunca o compreenderam em sua plenitude e, portanto, nunca
agiram firmados nesse ensino. Oração não é matéria simples; não há
maior falácia do que pensar que a oração é coisa simples. Há muitos
que contrastam a oração com o ensino, com a doutrina, com a teologia.
Sua atitude é: não posso incomodar-me com doutrina etc., mas a oração é tudo
para mim; não importa o que você crê, o que importa é orar a Deus. Ora, isso, é
claro, é uma completa negação do ensino deste versículo.
Este versículo nos mostra com muita clareza, não somente que a oração não é
tão simples assim, mas também que a oração está baseada no ensino, num
entendimento verdadeiro. Vejamos isso da seguinte maneira: vocês recordam
como os discípulos certa ocasião foram ao nosso Senhor e disseram: “Senhor,
ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos” (Lucas 11:1).
Você já se sentiu assim? Atrevo-me a dizer que, se você nunca sentiu
necessidade de que lhe ensinassem a orar, é porque você nunca orou. Precisamos
que nos ensinem a orar. Aqueles discípulos tinham observado o seu
Senhor, viram-nO levantar-Se muito antes do alvorecer, subir ao monte
para orar, viram-nO orando horas seguidas, às vezes a noite inteira. Cada
um dizia aos seus companheiros: como é que Ele faz isso? - pois eu vejo que
cinco minutos parecem uma eternidade. Não consigo orar cinco minutos, e Ele
fica orando horas. Cono é que Ele faz isso? “Senhor, ensina-nos a orar.” Eles
estavam certos: precisamos que nos ensinem a orar.
Mas existem outros que tendem a desviar-se num ponto diferente. Eles dão
ênfase a um destes dois princípios e deixam de lado o outro. Dão ênfase à
doutrina correta concernente ao Senhor Jesus Cristo, à Sua obra expiatória etc.,
tudo certinho, porém negligenciam a necessidade absoluta da operação do
Espírito Santo. E, segundo o ensino de Paulo, a oração deles é igualmente inútil.
Você pode ser inteiramente ortodoxo e, ao mesmo tempo, estar espiritualmente
morto. Você pode dizer todas as coisas certas, e ainda não conhecer a Deus e não
ter confiança nas orações que você faz. E pena, mas eu tenho conhecido gente
assim. Pessoas certamente ortodoxas, entretanto não conheciam aDeus, nunca se
aperceberam da vital importância desta doutrina do Espírito nesta questão de
oração. E assim as suas orações eram mecânicas, corretas, porém inúteis.
Por outro lado, há aqueles que colocam toda a sua ênfase no Espírito Santo e
ignoram completamente o nosso Senhor e Suas obras. Este é o perigo peculiar a
todos os místicos. Os místicos descobriram que há um ensino muito definido a
respeito do Espírito Santo. Descobriram, e estão muito certos, que o cristianismo
é algo vivo, vital, real. Dizem eles: toda esta ortodoxia é boa a seu modo, mas
muitos são ortodoxos, porém completamente mortos. O grande valor do
cristianismo é que ele é vivo. Vejam , por exemplo, o caso de George Fox, o
primeiro quaere, o verdadeiro fundador da Sociedade dos Amigos. Essa era a sua
grande mensagem. Ele costumava olhar para os lugares de culto do seu
tempo, há 300 anos, e dizia: vejam estas pessoas; dizem todas as coisas
certas, mas observem as suas vidas; falem com elas e verão que estão
mortas. Ele dizia que o grande valor do cristianismo é que ele leva a gente a
um vivo conhecimento de Deus; é algo interior, um poder, uma luz interior. Até
certo ponto ele estava salientando uma verdade vital. A obra do Espírito Santo é
absolutamente essencial. No entanto a tragédia do movimento posterior dos
quaeres - não estou falando de George Fox neste ponto, pois ele ensinava a
doutrina verdadeira - a tragédia é que nos séculos subseqüentes o movimento
quaere inclinou-se a colocar sua exclusiva ênfase no Espírito, e tem ignorado e
esquecido a doutrina concernente ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Segundo o ensino
do apóstolo nesta passagem, isso é igualmente errôneo. Todo ensino que passa
por alto o Senhor Jesus Cristo é necessariamente errôneo. “Por meio dEle - pelo
Espírito Santo.” Os dois são essenciais.
Devo dar mais um passo e dizer que não somente estes dois princípios são
absolutamente essenciais, mas também nada mais deve ser-lhes acrescentado
jamais. Isso é tudo, é exclusivo. A minha razão para dizer isso é que o ensino
católico - do catolicismo romano e doutras formas de catolicismo que imitam o
romanismo sem crerem no papa -é dado a fazer acréscimos. A igreja católica
romana coloca ao lado do Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo a virgem
Maria. Ela é introduzida como medianeira ~ como um mediador adicional, como
um meio adicional, como alguém que é de importância vital em nossa vinda
a Deus. Todavia, acrescentar qualquer coisa ou qualquer pessoa ao Senhor Jesus
Cristo e ao Espírito Santo, não é somente negar as Escrituras, é também desviar-
se tragicamente em toda a questão de oração. E um erro, é uma negação do
ensino bíblico, orar à virgem Maria, ou aos “santos” que viveram no passado -
“santos” dos quais se afirma que eram tão piedosos que podiam exercer a função
daquilo que os católicos chamam de “supererrogação” - eles têm tal abundância
ou excesso de justiça ou retidão que podem dar um pouco disso à nós, e com isso
podem ajudarmos ! Não devemos acrescentar nada e ninguém àquilo que é
claramente indicado na passagem que estamos estudando. “Por meio dele
ambos temos acesso por um Espírito ao Pai.” Assim vocês vêem a
importância do ensino. Vocês vêem o que o nosso Senhor quis dizer quando
afirmou, “Em espírito e em verdade”. Vocês vêem como é vital que, antes
de começarmos a falar em oração, devemos parar e pensar, e deixar-nos guiar
pelo claro ensino das Escrituras, como estamos prestes a fazer. Vamos olhar
agora a estes dois princípios separadamente.
Permitam-me procurar deixar isto mais claro e mais simples. Háum versículo na
Primeira Epístola de Pedro que me parece demonstrá-lo muito explicitamente.
Ele reúne em si o grande ensino deste capítulo dois da Epístola aos Efésios.
Pedro o coloca desta maneira: “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos
pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos aDeus; mortificado, na verdade,
nacarne, mas vivificado pelo Espírito” (3:18). (Ou “morto” ou “tendo sido
morto” (ARA e VA)). Aí está, parece-me, uma perfeita declaração desta
doutrina. Cristo, vocês notam, “padeceu uma vez pelos pecados, o justo
pelos injustos” - com que fim e objetivo? “Levar-nos a Deus”; “tendo sido morto
na carne, mas vivificado pelo Espírito.” Ou também vocês verão o apóstolo, em
Romanos, dizendo isso com igual clareza. Referindo-se ao nosso Senhor, ele diz:
“O qual por nosso pecados foi entregue, e
ressuscitou para nossa justificação” (4:25). Ele quer dizer que é por meio de
Cristo, é em Qisto, é por Cristo, e pelo que Ele fez, que temos este acesso a
Deus. A parte disso não temos acesso nenhum a Deus.
Do mesmo modo, não podemos ler o Velho Testamento sem ver claramente que
é necessário receber instrução sobre a nossa aproximação a Deus. O Velho
Testamento está repleto deste ensino. Esse é o significado das ofertas queimadas,
dos sacrifícios, das ofertas de cereal e de todo o cerimonial restante. Deus tinha
dito e ensinado àquele povo que esse era o único meio pelo qual podia
aproximar-se dEle. Ele designou um sumo sacerdote chamado Arão, disse-lhe
exatamente o que ele devia fazer, deu-lhe todas aquelas instruções. Arão devia
entrar levando o sangue de um animal morto. Por quê? Porque com isso
Deus nos está ensinando que é somente pelo Seu caminho, o caminho por
Ele prescrito, que temos acesso à Sua presença.
Pois bem, é em nosso Senhor Jesus Cristo e por Ele que temos nosso acesso a
Deus. O Senhor Jesus Cristo nos introduz à presença de Deus porque Ele é o
nosso grande substituto, levando sobre Si os nossos pecados. E isso que
devemos colocar em primeiro lugar, como faz o apóstolo. “Mas agora, em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.”
Vocês notaram a repetição dos termos? Seu sangue, Sua carne, Seu corpo, Sua
cruz? E o que sempre tem que vir primeiro. Spurgeon costumava dizer, e cada
vez mais estou convencido da veracidade do seu pronunciamento, que o modo
definitivo de provar se um homem está pregando verdadeiramente o evangelho
ou não, é observar a ênfase que ele dá ao “sangue”. Não basta falar sobre a cruz
e a morte; a prova é “o sangue”. “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Temos visto que há
pessoas que, embora concordem que os pecadores são trazidos para perto pela
morte de Cristo, pela cruz de Cristo, são contudo muito insatisfatórios na sua
explicação de como isto se dá. Eles consideram grande demonstração do amor de
Deus o fato de Ele perdoar os homens apesar de terem eles crucificado Seu
Filho. Deus, dizem eles, tirou vitória da derrota aparente, e você pode
confiar num Deus que faz semelhante coisa. Essa é a sua interpretação da
morte e da cruz; o sangue de Cristo não entra. Mas Paulo afirma que a salvação é
“pelo sangue de Cristo”. E o autor da Epístola aos Hebreus afirma a mesma
coisa. É o sangue de Cristo que, em primeira instância, é essencial. E por esta
razão: o nosso Senhor Jesus Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo”. “O sangue”, vocês vêem, levamos a pensar necessariamente em
sacrifício, em expiação; e se as
pessoas não mencionarem a expiação, não estarão pregando verdadeiramente a
morte de Cristo. “O sangue” prende a pregação ao sacrifício e à expiação.
Assim, qualquer conceito da cruz e da morte de Cristo que não leve “o sangue”
para o centro e que não faça dele uma necessidade absoluta, é uma falsa
representação da cruz. Cristo é que leva o nosso pecado. Ele morreu no Calvário
pelos nosso pecados, para receber o castigo que os nossos pecados deviam
receber. O justo e santo Deus tinha que punir o pecado, e Ele o puniu ali. A
pregação da cruz que não mencione a retidão e a justiça de Deus, e a necessidade
absoluta de punição, é uma apresentação completamente falsa da doutrina da
morte de Cristo. Aí está, vocês vêem, aberto diante de nós: “pelo seu sangue”,
“seu corpo”, “sua morte”, repetidos em toda parte. E o tema central do
Novo Testamento. Leiam o livro de Apocalipse, e vocês verão que ali se diz que
as pessoas vestidas de branco “lavaram os seus vestidos e os branquearam no
sangue do Cordeiro”. “Aquele que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos
nossos pecados” (7:14; 1:5). Esta verdade está em toda parte. Como podem os
homens querer explicar a sua entrada à presença de Deus sem este fato
sumamente maravilhoso, que o Filho de Deus foi levado à morte por Seu próprio
Pai mediante a lei por causa dos nossos pecados, e com o fim de reconciliar-nos
conSigo!
Mas a coisa não pára aqui. Primeiro Ele é Aquele que leva os nossos pecados,
porém, em acréscimo, Ele é o nosso grande Sumo Sacerdote. “Tendo sido morto
na carne”, diz Pedro, “mas vivificado pelo Espírito.” “Por nossos pecados foi
entregue”, diz Paulo, “e ressuscitou para nossa justificação.” E isso é
maravilhoso. Ou vejam ainda a expressão
do autor da Epístola aos Hebreus, no capítulo quatro, versículos 14-16 - isso é
pregação apostólica - “visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho
de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossaconfissão.
Porque não temos um sumo sacerdote que nãò possa compadecer-se das nossas
fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.
Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar
misericórdia e achar graça, afim de sermos ajudados em tempo oportuno”.
Depois que o sumo sacerdote, em Israel, tinha imolado o animal e juntado o
sangue, ele então entrava com este sangue, através do véu, no “lugar
santíssimo”. E a expiação era finalmente feita quando ele apresentava o sangue
do sacrifício.
O Senhor Jesus Cristo morreu nacruz, o Seu sangue foi derramado, o Seu corpo
foi enterrado numa sepultura. Ah, dirá alguém, esse é o fim; portanto até Ele foi
derrotado! Absolutamente não! Ele ressurgiu. Tendo Ele ressuscitado e tendo-Se
manifestado, entrou no “lugar santíssimo”. Passou pelos céus e entrou no céu
propriamente dito. Foi ímediatamente à presença de Deus, e apresentou o Seu
sangue. Não apresentou sangue de touros e bodes. Ele não tenta purificar com as
cinzas de uma novilha. Ele faz uso do “seu próprio sangue”. É pelo sangue de
Jesus! Ele entrou, Deus O aceitou e aceitou a oferta do Seu sangue. Deus disse,
noutras palavras, que está satisfeito com a obra que Ele realizou. Deus
proclama que a morte de Cristo é suficiente, que a Sua justiça foi satisfeita.
Ele admite o Sumo Sacerdote à Sua presença, e O convida a assentar-Se à Sua
destra. O resultado é que o trono de Deus, que é trono de juízo, toma-se trono de
misericórdia e graça. “Cheguemos pois com confiança ao trono da graça”, é a
mensagem de Hebreus 4:16. E como posso saber que é trono da graça? Meu
único meio de saber isso é que o Senhor Jesus Cristo está assentado ao lado de
Deus. O meu Representante! Aquele que veio e tomou sobre Si a minha
natureza, e que levou sobre Si os meus pecados! Ele foi aceito por Deus, Ele é o
grande Sumo Sacerdote. Ele me conhece, Ele sofreu tentações, como eu as tenho
sofrido, Ele conhece as minhas fraquezas e a minha fragilidade. Ele está com
Deus, e o fato de Ele estar lá me garante que aquele trono é de misericórdia
e graça. Deus é eternamente justo e santo, mas, por causa de Cristo e do que Ele
fez por nós e pelos nossos pecados, Deus em Sua graça sorri para nós e nos
recebe como Seus filhos. Cristo nos salva, então, não somente pelo
derramamento do Seu sangue, e sim também por Sua entrada nos céus como o
nosso grande Sumo Sacerdote.
Há ainda outro modo pelo qual Ele me ajuda a ter acesso ao Pai.
Talvez você diga: muito bem, posso ver que os meus pecados são perdoados
dessa maneira, porém, quando penso em Deus, em Sua eternidade de poder, de
majestade e de grandeza, quando penso especialmente em Sua santidade e em
Suapureza absoluta, continuo achando que estou impuro. Creio que os meus
pecados estão perdoados, mas, infelizmente, ainda me falta retidão; como posso
comparecer diante de Deus? Como posso chegar perto de Deus? Leio nas
Escrituras que Isaías, quando teve uma visão do Senhor, disse: “Ai de mim, que
sou um homem de lábios impuros”, e como posso chegar perto de Deus?
A resposta continua sendo, “em Cristo”. E desta maneira, que Ele não somente
nos livrou dos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação; mais que
isso, porém, Ele foi feito nossajustiça. “Mas vós sois dele, em Jesus Cristo”, diz
o apóstolo Paulo, “o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção” (1 Coríntios 1:30). Ou leiam o que ele igualmente diz
nestes termos: “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós, para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). Permitam-me usar uma
ilustração simples. Veja-se um grande salão de festas, com gente maravilhosa
presente e com uma grande cerimônia em andamento. Lá estou eu, fora, na rua;
eu gostaria de entrar, fui convidado, mas eu me sinto em andrajos, acho que a
minharoupa é indigna. Se eu entrar, todos olharão para mim e eu me sentirei
estranho e infeliz, e não vou gostar. Que posso fazer? A resposta é que me é dado
um novo manto, um manto de justiça. Visto-me da justiça de Jesus Cristo. É o
que as Escrituras ensinam: Sua vida virtuosa, perfeita, Sua vida de santidade, é-
me dada, é atribuída a mim, é-me imputada, é computada em meu favor.
Assim como os meus pecados foram atribuídos e imputados a Ele, também a Sua
justiça é atribuída a mim. Ele cumpriu a lei perfeitamente; Deus considera isso
como tendo sido feito por mim, Ele põe isso na minha conta, para meu crédito,
Sou revestido da justiça de Cristo. Foi por isso que o conde Zinzendorf pôde
dizer, no hino que João Wesley traduziu, e que aqui traduzimos:
Vestido com a justiça de Cristo! Será esta uma doutrina seca e árida? É uma
doutrina tão vital para você que, se não crer nela, você não poderá
orar. Só quando você estiver cônscio de que está coberto pela justiça de Cristo
que poderá ir à presença de Deus com confiança e certeza. Mas, com isso, você
poderá fazê-lo, como esse hino diz tão perfeitamente. Ninguém poderá fazer
alguma acusação contra mim; nem Deus, pois é o próprio Deus que me justifica
e me dá a justiça do Seu Filho.
Finalmente, gostaria de dizer algo assim: temos este acesso por meio de Cristo,
não somente porque nos é dada a Sua justiça, porém também porque nos é dada
a Sua vida. Nascemos de novo dEle, tomamo-nos “participantes da natureza
divina”, Ele é o “primogênito entre muitos irmãos”. Na verdade, Paulo já vem
dizendo isso extensamente neste capítulo. Diz ele, vocês se lembram, naqueles
passos maravilhosos: “Estando nós ainda mortos em nossas ofensas,
nos vivificou juntamente com Cristo, e nos ressuscitou juntamente com Ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus”. Tendo consumado a Sua
obra, Cristo passou pelos céus, tomou Seu lugar, está sentado à mão direita de
Deus; e, de maneira maravilhosa, “em Cristo”, eu também estou ali. É dessa
maneira que eu tenho o meu acesso à presença do Pai. Se Cristo não tivesse
morrido pelos meus pecados, Deus não me receberia; vou além, Deus não
poderia receber-me. E uma necessidade absoluta. Vocês podem imaginar que o
Pai Celeste enviaria o Seu Filho unigênito, o Seu bem-amado Filho ao mundo
para padecer tanto sofrimento e agonia se não fosse absolutamente essencial? A
cruz teria acontecido, se não houvesse total necessidade dela? E inimaginável.
É mediante Cristo. Você depende absolutamente dEle. Se Ele não tivesse entrado
lá com Seu sangue, você nunca poderia entrar. Mas, visto que Ele entrou, você
pode entrar.
E bom lembrar que Ele está lá, um Sumo Sacerdote que pode compadecer-Se,
porque Ele esteve aqui, neste mundo, e por causa de tudo quanto Ele sofreu. Ele
transmite ao Pai as nossas orações com o Seu santo incenso. É, pois,
simplesmente natural que estes vários escritores sempre terminem com
exortações: “Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no lugar santíssimo, pelo
sangue de Jesus”; e também, “Cheguemos pois com confiança ao trono da
graça” - com confiança, com segurança, com certeza. “Pois” - à luz da doutrina
de Cristo como
Aquele que leva o pecado, como o Sumo Sacerdote, como a nossa Justiça,
Aquele em quem fomos incorporados, Aquele com quem fomos crucificados,
Aquele com quem morremos, morremos para a lei, morremos para o pecado, e
fomos resuscitados em novidade de vida -“Assim também vós considerai-vos
como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, por meio de” - e somente por
meio de - “Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6:11, VA).
Você se deu conta da sua completa dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua
obra perfeita? Se não se deu, não admira que as suas orações pareçam vãs e
fúteis e vazias. Doravante, quando você buscar a Deus, comece com Cristo.
Agradeça ao Senhor Jesus Cristo o que Ele fez por você, agradeça a Deus que
Ele O enviou para fazê-lo; diga a Ele que você compreende que depende
inteiramente dEle, mas que, tendo esta fé, você sabe que Ele está à sua espera
para recebê-lo. Chame-Lhe seu Pai, e diga-Lhe que você sabe que Ele é seu Pai
porque Ele é o Pai do seu Senhor e Salvador, Jesus Cristo - “Porque por meio
dele temos acesso ao Pai por um só Espírito”.
ORANDO NO ESPÍRITO
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito. ” - Efésios
2:18
Em vista do fato de que esse é o mais alto privilégio e a maior bênção quejamais
podemos experimentar, não é surpreendente que justamente neste ponto é que a
maioria de nós, na verdade todos nós, muitas vezes vemos grande dificuldade, e
talvez continuemos em grande dificuldade. Suponho que, em última análise, a
coisa mais difícil que tentamos fazer, porque é a maior coisa que fazemos, é
orar. E, quanto à oração, há problemas que muitas vezes agitam as mentes e os
corações do povo de Deus. Não é de admirar, pois não há nada maior que a
oração. Por isso o adversário das nossas almas preocupa-se particularmente em
atacar-nos neste ponto. Isso é uma coisa que todos nós aprendemos pela
experiência. Não há nada, em nenhum sentido, que seja tão difícil como orar.
Permitam-me lembrar-lhes algumas das muitas dificuldades, para que possamos
ver o objetivo que o apóstolo tem em mente quando afirma o que temos neste
versículo.
Estas expressões não são usadas ao acaso pelos escritores do Novo Testamento.
“No Espírito”, para eles, fazia parte da própria essência da oração. E, na verdade,
ao dizerem isso tudo, estavam apenas mostrando como a palavra de Zacarias
cumpriu-se, quando ele profetiza que o4 ‘Espírito de graça e de súplicas” seria
derramado nesta era do Messias (12:10).
Ainda mais, não digo que você não deve ter horas de oração fixas; mas, no
momento em que começar a fazer isso, terá que ser cauteloso. Haverá sempre o
perigo de você estar orando porque é meio-dia ou são 7 horas ou alguma hora do
dia e da noite, e não porque você está ansioso para estar em comunhão com
Deus. Todas estas coisas podem tornar-se em perigos. E por isso que, parece-me,
há certasfrases e expressões que jamais devemos empregar. Este ensino acerca
da oração no Espírito indica que nunca devemos falar em “dizer as nossas
orações”, nem empregar aquela outra frase leviana que tantas vezes está nos
lábios de algumas pessoas, “dizer uma oração”. Há quem fale em entrar
num edifício e “dizer uma oração”. Quer dizer que estão recitando uma
frase. Você não pode “dizer uma oração” quando está tendo comunhão com
Deus. Onde está o Espírito Santo? Onde está o elemento de vida? Repetir frases
não é orar. Não, diz o nosso Senhor, você tem que livrar-se disso tudo; a oração é
uma realidade espiritual. “Deus é Espírito, e importa que os seus adoradores o
adorem em espírito e em verdade.” O Espírito Santo é absolutamente essencial; e
sem Ele não podemos orar de verdade, pois a oração é uma viva, vital e real
comunhão com Deus, que é Espírito. Deus é Espírito. E a oração realmente
significaque o meu espírito está em comunhão com Deus. É pessoal. É
companheirismo, este companheirismo imediato, e nada menos que isso. Dessa
maneira o apóstolo lembra aos efésios que nesta matéria o Espírito Santo
é absolutamente essencial. Você pode ler suas orações sem o Espírito Santo.
Você pode repetir frases sem o Espírito Santo. Você pode ficar de joelhos e falar
sem o Espírito Santo. Entretanto você não pode fazer contato com Deus, não
pode comunicar-se realmente com Deus, que é Espírito, sem a atividade do
Espírito Santo, permitam-me ir mais longe, ao ponto de dizer que, sem o Espírito
Santo, nem o próprio Senhor Jesus Cristo e Sua obra, sós, podem levar-nos a esta
relação vital com Deus. “A hora vem, e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai (não neste monte, nem ainda em Jerusalém, mas) em
espírito e em verdade.” E isso que vem, diz Ele. E é isso que o Espírito Santo
produz e possibilita. Sem o Espírito Santo a oração é mecânica, sem vida,
difícil, a oração fica sendo uma tarefa terrível; mas comEle tudo mudae a
oração se toma livre e gloriosa, e o gozo supremo da alma.
Isso nos deixa agora com a pergunta: o que seria exatamente que o Espírito faz
nesta questão de oração? E as respostas são quase intermináveis. Vou
simplesmente dar alguns títulos. Em certo sentido poderíamos resumir tudo
dizendo que é Ele que, como intermediário, transmite-nos e torna vivido e real
para nós tudo o que foi feito pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todavia,
dividamos o assunto da seguinte maneira: por que eu oro, porque devo orar,
porque tenho desejo de orar? A resposta é, que é o Espírito Santo que cria em
mim uma mente espiritual. Por natureza o homem, como vimos extensamente
neste capítulo, não tem mente espiritual ou perspectiva espiritual. E sem a ação
do Espírito, a oração é uma completa impossibilidade; simplesmente não
conseguimos orar. Naturalmente, pode ser que nos tenham ensinado a dizer
nossas orações, e podemos ir fazendo isso mecanicamente a vida toda. E, que
pena, muitos de nós permanecem crianças nesta questão até o túmulo! Ensinados
a dizer as suas orações de manhã e de noite - e vocês verão adultos, homens
inteligentes, homens de
E o Espírito que nos mostra a nossa necessidade, é Ele que nos faz lembrar-nos
dos nossos pecados. Não há nada que tenha tanta probablilidade de levar um
homem a orar como a sua consciência do seu pecado e da sua necessidade. E
esta é a obra peculiar do Espírito Santo. Vocês vêem a diferença entre
meramente correr para apresença de Deus com certas petições, e
verdadeiramente ter companheirismo e comunhão. Você diz a si próprio: vou ter
esta audiência com o Rei eterno, imortal, invisível. Quem sou eu para entrar lá?
Que espécie de criatura sou eu? Como estou vestido? Como estou calçado? Qual
a minha aparência? Noutras palavras, o Espírito Santo está fazendo você ver
o seu pecado, Ele o está convencendo e o está tornando convicto da
sua necessidade, Ele está produzindo no seu íntimo uma santa tristeza,
um verdadeiro arrependimento. Isso tem o poder de induzi-lo à oração. Ele o
está preparando.
Isso nos leva ao próximo ponto, o qual é que Ele nos mostra a necessidade que
temos de Deus e da misericórdia de Deus e da bênção de Deus. Imediatamente
você é retirado da esfera das generalidades e se dá conta de que é uma alma
isolada. Você já não tem interesse pelas coisas e meros eventos e
acontecimentos; você foi levado pelo Espírito Santo a compreender que Deus lhe
deu esta dádiva especial, a alma, o espírito. Você vei o a este mundo como um
indivíduo, e embora sej a uma só pessoa dos milhões de pessoas neste mundo,
ainda assim você é um
ser isolado, distinto, separado e tem relação com esse Deus que também é
Espírito e é pessoal, e você vai encontrá-10. Assim você começa a sentir o
desejo de conhecê-10 e de estabelecer contato. O Espírito Santo faz isso. Pois
bem, isso é da própria essência da oração; ela se torna pessoal nesse ponto, e
deixa de interessar-se apenas pelas formas, aparências e coisas desse gênero.
Tudo isso ainda é muito vago. Mas um passo vital é dado quando a pessoa
começa a sentir necessidade de Deus. Quanto a vocês não sei, porém cada vez
mais eu me vejo procurando esta coisa singular em todas as pessoas. As pessoas
que me atraem, das quais eu gosto, são as que me dão a impressão de que têm
fome de Deus, que em suas almas anelam pelo Deus vivo. Eu coloco essas
pessoas adiante das demais. Esta é a coisa realmente vital, sentir fome, sentir
sede de Deus. Em certo sentido, não há o que supere isso. Você pode ser muito
ocupado e muito ativo sem isso. Pode sertão ocupado que você se toma quase
impessoal, alheio a si próprio, não percebendo a condição da sua própria alma e
a sua necessidade de Deus e da sua relação com Deus. O Espírito Santo
produz essa consciente necessidade de Deus.
Depois o Espírito de Deus vai adiante e nos revela Deus em Sua glória. Isso
também é algo absolutamente vital e essencial. Tenho para mim que, em última
análise, todas as dificuldades da oração provêm da nossa incapacidade de
compreender a verdade sobre Deus. Ah, que diferença faria! Somos todos como
Moisés, não somos? E acaso não somos como Josué, depois dele? Queremos
correr para a presença de Deus. Vocês se lembram de como Moisés, perto da
sarça ardente, não entendeu muito. Ele ia investigar, ia correr para lá. Então veio
a voz e falou: para trás! “Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em
que tu estás é terra santa.” Esse é o terreno em que eu e vocês estamos quando
nos dedicamos à oração. Vamos estar na presença de Deus. E o Espírito nos
revela Deus em Sua glória e em Sua majestade. Entretanto não só isso, Ele nos
revela Deus como nosso Pai. E assim Ele cria em nós o desejo de conhecer a
Deus e de manter comunhão com Ele. Foi algo semelhante a isto que levou o
salmista a dizer: “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a
minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo”
(42:1-2). O Deus vivo! Ele não quer mais simplesmente orar a Deus, ele quer o
Deus vivo e quer um ato vivo e real de comunhão, a experiência de estar com
Deus. Ora, é somente o Espírito que faz isso. E quando acontece esse tipo
de coisa, a oração é totalmente diferente. Toma-se a coisa mais animadora do
mundo, toma-se a coisa mais emocionante. Ela deixa de ser formal,
Além disso, o Espírito realiza a obra que o próprio Senhor nosso declara que é a
Sua obra mais especial e mais peculiar, a saber: Ele mantém os nossos olhos fitos
no Senhor Jesus Cristo. Disse o Senhor que o Espírito Santo O glorificaria: “Ele
me glorificará” (João 16:14). Esse é o Seu supremo propósito e função. E é
exatamente o que Ele faz. Havendo nos mostrado a nossa total pecaminosidade,
debilidade e pequenez, e a glória de Deus, Ele nos leva ao Senhor Jesus Cristo.
Ele nos faz vê-lO em toda a glória e maravilha de Sua Pessoa, em toda a glória e
maravilha da Sua obra. Vemo-10 como o Mediador. Permitam-me colocá-lo na
forma de perguntas. Sempre que oramos percebemos anossa completa e absoluta
dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua obra expiatória? Estamos sempre
conscientes do fato de que, sem o sangue de Jesus, não podemos ter acesso à
presença de Deus? Certamente nós todos teríamos que confessar que milhares
das vezes em que oramos, “tomamos isso como líquido e certo”. E vejam só o
que tomamos como líquido e certo: o fato mais glorioso da história! Não damos
graças a Deus por ele, não meditamos nele, não pensamos nele até os nossos
corações serem arrebatados. Nós apenas o pressupomos. Haverá coisa mais
terrível, ou, em certo sentido, mais próximo do blasfemo, do que presumir
simplesmente o sangue do Calvário e a morte de Cristo? O Espírito Santo nunca
nos permitirá fazer isso. Ele nos revelará o Senhor Jesus Cristo em toda a Sua
glória e, graças a Deus, em Sua total suficiência. Assim é que, quando estiver na
presença de Deus, e terrivelmente cônscio da sua própria pecaminosidade, da sua
indignidade, da sua impureza, da sua baixeza e da sua fraqueza, o Espírito
Santo revelará a você que foi quando nós estávamos “ainda fracos” que
Cristo “morreu a seu tempo pelos ímpios”; que foi quando éramos “inimigos”
que fomos salvos pela morte do Senhor Jesus Cristo (Romanos 5:6,10). Será
então que o Espírito o fará lembrar que Cristo disse: “Eu não vim chamar os
justos, mas os pecadores, ao arrependimento” (Mateus 9:13). Será então que
você verá desfilarem Maria Madalena e todos os demais chegando a Deus,
conduzidos por Ele. O Espírito Santo mostrará tudo isso a você. E você verá que,
apesar da sua baixeza indescritível, não obstante você tem acesso à presença de
Deus. Você dirá com Charles Wesley:
Ele revela, Ele desvenda o Senhor Jesus Cristo. Quando você se põe a orar, você
tem aquelas exaltadas visões da Pessoa e da obra do Senhor Jesus Cristo? E isso
que prova que você está orando “no Espírito”. Você não pode orar no Espírito
sem ser levado a vê-lO e aperceber-se dEle como nunca antes.
Permitam-me colocar tudo numa pergunta. Você gosta de orar? Você sempre
gostou de orar? E para você a ocupação mais agradável? Se não é, é porque você
esqueceu que as operações do Espírito Santo são absolutamente essenciais à
oração. Portanto, quando você for orar, lembre-se disso. Ore a Ele, peça-Lhe que
o anime, que o vivifique. Ele o fará; Ele já o fez sem você perceber. O desejo de
orar foi produzido por Ele, o simples pensar nisso. É Ele que produz todos estes
bons desejos; Ele “opera em vós tanto o querer como o efetuar”
(Filipenses 2:13); peça-Lhe, pois, e Ele o fará crescer. Vá a Ele, seco e
amortecido como você está, diga-Lheque você tem vergonha de si próprio, diga-
Lhe que você quer conhecer a Deus, diga-Lhe que você quer fruir a Deus, diga-
Lhe que você quer esta liberdade no Espírito; e peça a Ele que torne isso
possível, e persevere até que a resposta venha. E virá! Ouça de novo a palavra do
apóstolo em Romanos 8:26 e 27, neste sentido: “O Espírito ajuda as nossas
fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o
mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que
examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito”. É tão maravilhoso que,
mesmo quando nos vemos completamente desamparados e não sabemos pelo
que orar ou o que fazer, e, digamos, ficamos desesperados-não chegamos a
experimentar esse extremo, graças a Deus - mesmo então nos vemos gemendo,
sem saber o que estamos dizendo. E o próprio Espírito fazendo intercessão por
nós, em nós, por meio de nós, com gemidos inexprimíveis. Se Ele faz isso sem a
nossa solicitação, sem que Lho peçamos, quanto mais certo é que, se
verdadeiramente Lhe pedirmos e buscarmos o Seu auxílio, Ele nós responderá!
E, começando a orar no Espírito Santo, teremos verdadeiro acesso à presença de
Deus, e não somente glorifi-caremos a Deus, como também começaremos a
gozá-lO para sempre.
25
A UNIDADE CRISTÃ
Agora vamos dar nossa atenção às duas palavras do apóstolo, “Assim já” (ARA),
ou “Portanto, agora” (VA). Noutras palavras, em nossa consideração do capítulo
dois desta grande Epístola, chegamos ao ponto no qual o apóstolo, tendo
completado a sua declaração maior, faz um sumário, ou faz uma pausa
momentânea para juntar as diversas verdades que estivera dizendo. E como ele o
faz, é importante que igualmente o façamos. Sempre se corre o perigo, quando se
trata de uma grande seção das Escrituras como esta, de que, ao se tratar dos
vários pormenores, como estivemos fazendo, e tivemos que fazê-lo
necessariamente, pode-se muito bem perder a linha mestra de orientação ou
o argumento principal da seção. Por isso é muito importante que, exatamente
como nos sugerç o apóstolo, façamos uma breve pausa e consideremos o que
estivemos extraindo e captando.
- a lei dos mandamentos nas ordenanças - foi demolida. Há esta entrada, este
acesso à presença de Deus no Senhor Jesus Cristo e por meio do Espírito Santo.
O que precisamos ter em mente é esta grande questão de unidade, da unidade
que existe entre todos os que são verdadeiramente cristãos. E isso que o apóstolo
tem superiormente em seu pensamento
- este “um só corpo”, este “um só novo homem”; “nós ambos”, temos acesso
por um só Espírito, e assim por diante. É sobre isso que ele deseja que tenhamos
claro entendimento. E, portanto, é bom observar o que em geral constitui esta
unidade, o que a produz, o que a traz à existência e lhe dá continuidade. Aqui
nos vemos face a face com uma das grandes e cruciais declarações das
Escrituras.
na Igrej a com os judeus, o apóstolo mostra o que teve que acontecer com o
judeu e com o gentio antes de poderem sequer entrar na Igreja, antes de sequer
poderem ir à presença de Deus. Assim é que, aqui, de passagem, somoslevados
aestapedra fundamental, aestaposição básica na qual vemos claramente o que
nos torna cristãos. Noutras palavras, aí nos é dada uma esplêndida definição do
cristão.
Outra coisa que nos é exposta é que nenhuma outra coisa pode unir
verdadeiramente os homens, a não ser este evangelho. Vemos isso da seguinte
maneira: o apóstolo, ao expor e mostrar como foi produzida esta maravilhosa
unidade, de passagem nos mostrou o que teve que acontecer para que isso se
tornasse realidade. À medida que vamos tendo discernimento das coisas que
dividem homens e mulheres, somos levados e impelidos à conclusão de que
nada, senão o poder de Deus em Cristo e por meio do Espírito Santo no
evangelho, pode unir homens e mulheres. É certamente algo muito importante
que devemos ter em mente na hora presente. Quando digo isso, estou pensando
não somente na Igreja, mas também na situação internacional em geral. Há muita
prosa falsa, leviana e superficial sobre a unidade na Igreja e entre as nações.
Mas, como eu entendo o ensino das Escrituras, e especialmente esta seção
particular, não há nada que seja tão perigoso, e afinal tão fátuo e tão
completamente fútil, como esta vaga e geral conversa sobre juntar pessoas e
estabelecer o que chamam “uma unidade”.
Temos que reconhecer que há ocasiões em que parece haver uma unidade: porém
acabará se evidenciando apenas uma unidade superficial, apenas uma aparência.
As vezes, por causa de certas circunstâncias, as pessoas se unem, levadas talvez
por uma necessidade comum ou por um perigo comum, e então se vêem
conversando e cooperando umas com as outras, e trabalhando juntas. Mas isso
não é necessariamente uma verdadeira unidade, como a história o demonstra
com muita clareza. Pode haver uma aproximação de homens ou nações, ou entre
diferentes segmentos da Igreja Cristã, com objetivos específicos, e as
pessoas superficiais são tentadas a dizer que afinal a inimizade foi abolida e
são todos um. No entanto, uma comunidade de interesse ocasional não é uma
real unidade. Leiam os seus livros de história secular e observem o que as nações
têm feito, notem como houve estranhas combinações de países em ocasiões
diferentes, e como no momento parecia que eles tinham formado uma firme
amizade, que nunca poderia ser dissolvida. Mas então, poucas páginas adiante
em seu livro de história, vocês verão estes dois países, que pareciam ter-se
tomado um, em conflito um com o outro. Eis a explicação. Quando pareciam
estar numa firme amizade,
foi somente porque havia tais circunstâncias no caso de ambos os países, que era
compensador e conveniente a eles que se juntassem. Isso se vê com freqüência
durante uma guerra. Surge de repente um inimigo comum, e os outros (que
realmente não se dão bem e sempre foram antagônicos), por causa daquele
perigo comum, cooperam entre si com a finalidade de manter o inimigo por
baixo; porém depois, no momento em que isto se realiza, eles voltam a
desentender-se. O que parecia unidade não era unidade nenhuma, era pura
fachada, mera aparência. Isso não é unidade real.
unidade viva, unidade de sangue e de nervos. É um todo, com várias partes, não
certo número de partes postas juntas para formarem um todo. Começa-se do
centro para fora, e não vice-versa. Talvez eu possa fazer um sumário disso tudo
dizendo que a unidade entre os cristãos é uma unidade completamente inevitável
por causa daquilo que é verdadeiro quanto a todos e a cada um. Às vezes penso
que esse é o princípio mais importante de todos. Parece-me que, com toda essa
conversa sobre unidade estamos esquecendo a coisa mais importante, que a
unidade não é uma coisa que o homem tem que produzir ou arranjar: a
verdadeira unidade entre os cristãos é inevitável e indeclinável. Não é criação
do homem; é, como tão claramente nos foi mostrado, criação do próprio Espírito
Santo. E a minha tese é que existe essa unidade neste momento entre cristãos
verdadeiros. Não me importa quais sejam os rótulos que lhes ponham, a unidade
é inevitável; eles não a podem evitar, por causa daquilo que realmente
caracteriza cada um dos cristãos, individualmente falando.
fracasso umas das outras e fazendo várias coisas inamistosas umas contra as
outras. Todos nós sabemos muito bem disso. A arte da política, geralmente assim
chamada, seja política local ou imperial ou internacional, baseia-se precisamente
na suposição de que não se pode confiar em ninguém e que você tem que estar
de olho nos seus melhores interesses, fazendo concessões quando lhe for
conveniente.
Então, que é que o evangelho faz para produzir esta unidade? Como foi que estes
judeus e gentios vieram a estar juntos? Por que todos os verdadeiros cristãos são
necessariamente um? Eis algumas das respostas:
Todos somos pecadores, e nada, senão o evangelho, leva as pessoas a verem isso.
Todos nós somos pecadores, cada um de nós. Vou além e digo: todos nós somos
igualmente pecadores. O que determina se você é um pecador ou não, não é a
soma total dos pecados que você cometeu, é a sua atitude total para com Deus.
Aqui é que vemos quão fúteis e superficiais são todas as divisões e distinções.
Era isso que mantinha separados o judeu e o gentio. O judeu dizia: somos o povo
de Deus e temos as Escrituras, os oráculos de Deus, temos a lei, temos
o cerimonial e o templo; estes outros não têm nada destas coisas. E achavam que
isso os acertava, que isso fazia uma diferença vital. Mas o propósito geral da
pregação do evangelho, diz o apóstolo Paulo, é mostrar ao judeu que ele é tão
pecador quanto o gentio. “Não há um justo, nem um sequer.” “Todos pecaram e
destituídos estão da glória de Deus.” Todo o mundo “tornou-se culpado diante de
Deus”. Nesta altura vocês vêem como é inteiramente superficial, e que
disperdício de tempo é favorecer as nossas divisões entre gente muito má, gente
má,
gente boa, gente muito boa, e gente nobre. São nossas classificações, não são? A
um homem chamamos pecador, um de fora; e julgamos outro respeitável, muito
fino e muito bom. Realmente atribuímos significação a todas estas divisões e
distinções. No momento em que você vem para o evangelho, tudo isso é
demolido e se torna completamente irrelevante. A prova, afinal de contas, não é
o que somos entre nós e de acordo com as nossas medidas e os nossos padrões.
Cada um de nós tem que vir à presença de Deus. E, face a face com Ele, somos
todos pecadores, somos todos vis. Não O conhecemos. Não O servimos como
devíamos. Quebramos as suas leis. Cada um foi por seu próprio caminho.
“Todos nós andamos desgarrados como ovelhas” (Isaías 53:6).
todos nós somos igualmente pecadores, porém também somos todos igualmente
incapazes. Pois bem, essa era a dificuldade com o judeu; ele não percebia a sua
incapacidade. Achava que o seu conhecimento da lei ia salvá-lo de um modo ou
de outro. Mas ele passou a ver que não ia. Como o apóstolo diz no capítulo três
de Romanos: “pela lei vem o conhecimento do pecado”. Certamente! Muito
valiosa nesse aspecto! “Eu não conheceria a concupiscência, se a lei não
dissesse: não cobiçarás” (Romanos 7:7). Ela marca a coisa. A lei é de
inestimável valor nesse aspecto. No entanto, o tolo judeu achava que o seu
conhecimento da lei puro e simples de algum modo o salvava. Mas não o
fazia nem podia fazê-lo. A lei simplesmente condena; não ajuda a salvar. Isso é
vital para o argumento geral deste apóstolo, e para o argumento geral do
evangelho em toda parte. Ouçam-no dizê-lo também em Romanos 8:3: “Portanto
o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando
o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado
na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos
segundo a carne, mas segundo o Espírito”. Aí está, uma vez por todas. Não
somente somos todos pecadores, todos nós juntos, porém igualmente somos
todos incapazes em nosso pecado. Podemos, com grande determinação e força
de vontade, tentar ser melhores, mas inutilmente. Há pessoas que podem levar
uma vida excelente, abstêmia e nobre; podem dedicar-se e aperfeiçoar-se e a
elevar-se na escala moral; entretanto quão fútil isso é, pois a tarefa é chegar a
Deus! E ocioso gabar-se dos cavalos de força dos seus carros motorizados
quando você se defronta com uma montanha que o carro mais poderoso não
poderá subir. E essa é a situação do homem em pecado. Não importa quão
grande seja a luta moral de um homem, ele, por si mesmo, nunca poderá chegar
a satisfazer a Deus e às Suas exigências. Ninguém poderá permanecer de pé no
juízo simplesmente firmado em sua justiça própria e por seus próprios
esforços; quando compreendemos isso, todos só temos que dizer:
Meus labores, minha mão Cumprir jamais poderão O que Tua lei exige;
E isso, naturalmente, leva a outro ponto que o apóstolo salienta. Todos nós
viemos ao mesmo e único Salvador. Como o apóstolo se delicia em repetir o
nome! “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue
de Cristo chegastes perto” - vejam vocês como ele o repete logo! “Porque ele é a
nossa paz, o qual de ambos os povos fez um”; “Na sua carne (ele) desfez a
inimizade, isto é, a lei dos mandamentos”; “para criar em si mesmo dos dois um
novo homem”; “e pela cruz (ele pudesse) reconciliar ambos com Deus em um
corpo”; “e, vindo ele, evangelizou a paz”; “porque por ele ambos temos acesso.”
É sempre esta bendita Pessoa. Aqui estamos começando a ver o assunto
positivamente. Estamos todos juntos no pó, nas cinzas e em trapos. Então
erguemos os olhos e olhamos juntos para a mesma Pessoa bendita. Não estou
interessado num Congresso Mundial das Crenças. Não posso ajoelhar-me e estar
com pessoas, das quais uma está com os olhos postos em Confúcio, outra em
Maomé, outra em Buda e outra em algum filósofo. Não posso! Há somente Um
para quem olhar, o bendito Filho de Deus. E eu não tenho nenhum sentimento de
unidade e nenhuma comunhão com quem não esteja olhando comigo para
o mesmo Salvador. “Há um só Deus e um só Mediador (unicamente
um Mediador) entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo 2:5).
Não há unidade sem isso. Estamos juntos no fracasso e na incapacidade, e agora
estamos olhando juntos para a mesma Pessoa bendita. E se não estamos, de que
vale falar em unidade? De que vale falar em ter coisas em comum e em afirmar
que somos todos um, se há alguma dúvida sobre Ele, quanto a se Ele é o Filho de
Deus ou apenas homem? Sehouverqualquerdúvidasobreisso, não haverá unidade,
não haverá comunhão. Temos que confessar juntos que há somente um Salvador,
unicamente um Senhor Jesus Cristo, Deus e homem, duas
Todas estas coisas são comuns a todos os cristãos. Além disso, temos o mesmo
Espírito Santo habitando em nós, vivendo em nós,
Como podemos conseguir unidade, se não houver amor? Mas o Espírito Santo
produz este novo homem, esta nova natureza. Este “fruto do Espírito” vê-se em
todos os cristãos, e assim é que temos a unidade inevitável. Todos os cristãos
nascem do Espírito, do mesmo Espírito. “Necessário vos é nascer de novo”,
disse Cristo a Nicodemos. “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido
do Espírito é espírito.” Isto é absolutamente essencial. Os homen nunca serão
um, se não tiverem esta mesma natureza comum. Em Cristo nós a temos. E Ele
criou em Si mesmo “dos dois um novo homem, fazendo a paz”. Esta Sua
nova humanidade! E assim, com esta no va natureza, com esta nova
disposição dentro de nós, nós que somos cristãos, temos os mesmos
interesses, estamos preocupados com as mesmas coisas e temos os
mesmos desejos. Por isso, quando nos encontramos, logo vemos que temos
esta co-participação em interesses e desejos. Não é difícil achar algo de que falar
quando você se encontra com um cristão. Você o reconhece na hora. Vocês
conversam sobre as mesmas coisas, sobre estes assuntos espirituais; não ficam
mais conversando sobre o mundo e as suas pomposas e superficiais nulidades, e
sim, sobre os interesses eternos, a alma, Deus, Cristo, a salvação, o novo
nascimento, e todas estas coisas. Os cristãos se reúnem e se falam. É como são
descritos os fiéis do Velho e do Novo Testamentos. Pessoas que se conhecem,
que se sentem mutuamente
Depois isso nos leva a esta verdade: temos o mesmo Pai. “Porque por meio dele
(ou por ele) ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito” (VA). Pertencemos
uns aos outros porque pertencemos a Deus. Somos filhos do mesmo Pai. Ora
membros de uma família, podemos discordar e brigar às vezes, porém há por trás
uma unidade fundamental. Essa é a diferença entre a verdadeira unidade entre
os cristãos e esta unidade produzida artificialmente sobre a qual o mundo e,
infelizmente, a Igreja tanto falam no presente. Você pode olhar para uma família
e dizer: eles parecem odiar uns aos outros, vejam como brigam. Mas, se você
procurar conviver com eles, logo verá que eles são um, porquanto há uma
unidade de sangue. Eles pertencem à mesma família, ao mesmo pai. Eles têm
direito, por assim dizer, têm liberdade de discordar, entretanto há sempre esta
unidade básica. Todavia, naquelas outras pessoas, que à superfície parecem tão
unidas, por baixo, no coração, não há nada sólido, e a aparência de unidade entra
em colapso na hora da maior necessidade. Como cristãos verdadeiros, temos um
só Pai. Somos filhos do mesmo Rei celestial. E, portanto, temos os
mesmos interesses familiares.
Não somente o acima exposto caracteriza a todos nós como cristãos, mas até as
mesmas provações nós temos. Temos as mesmas tentações. Temos os mesmos
problemas. Isso às vezes nos faz compreender a unidade mais que qualquer outra
coisa. Quando você pensa que está só em suas dificuldades, provações e
tribulações, e vem à casa de Deus, como fez o homem do Salmo 73, você logo se
dá conta: “Bem, de qualquer forma, não estou sozinho nisto”. Você encontra
alguém e começa a contar-lhe os maus momentos pelos quais está passando.
E quando você lhe pergunta como vão as coisas com ele, ele lhe diz a mesma
coisa que aconteceu com você na mesma semana. Visto que somos espirituais,
visto que temos esta nova natureza, temos os mesmos inimigos - o mundo, a
carne e o diabo - e eles nos atacam do mesmo modo. Assim entendemos,
levamos as cargas uns dos outros, temos compaixão uns pelos outros. “Não veio
sobre vós tentação, senão humana”, ou “senão a que é comum aos homens”
(VA). E o que Paulo diz aos coríntios (1 Coríntios 10:13). Estamos todos
tomando parte na mesma batalha, na mesma luta “contra os principados, contra
as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes
espirituais da maldade nos lugares celestiais”. Mas, louvado seja Deus, na luta
experimentamos a mesma graça divina, a mesma libertação, o mesmo Salvador,
o mesmo Guia, Mentor e Amigo.
E, finalmente, estamos todos marchando e indo para o mesmo lar eterno. Como
cristãos, compreendemos como ninguém que este mundo é passageiro, que esta
existência é tão-somente uma escola preparatória. Este não é nosso lar; estamos
marchando para o céu, para a glória. Temos a mesma esperança posta diante de
nós. Há muitas diferenças aqui - diferenças de nacionalidade, diferenças de
dons. Podemos diferir na aparência, e em mil e um outros aspectos - sim,
mas todos nós estamos indo para o mesmo lugar, para a mesma eternidade e a
mesma glória, para o mesmo Deus, para o mesmo céu. Temos os olhos postos na
mesma “recompensa de galardão”.
Queira Deus, em Sua graça infinita, dar-nos capacidade para ver estas coisas. A
unidade do Espírito é o único e veraz vínculo da paz. Graças a Deus, todos os
que pertencem a Ele, nascidos do Seu Espírito, são dEle e são um, apesar da sua
cegueira, do seu pecado e da sua incapacidade de levar à plena realização essa
gloriosa verdade!
Esse é o tema aqui - o privilégio de ser cristão. Ele quer que estes efésios se
dêem conta disso. É um retorno ao tema do versículo dezenove do capítulo
primeiro e o seu contexto. O apóstolo disse a essas pessoas que ele estava orando
por elas, pedindo que os olhos do seu entendimento fossem iluminados, para que
elas soubessem “qual seja
No caso dos efésios não havia dúvida ou questão alguma acerca desta matéria.
Diz o apóstolo: portanto, agora vocês não são mais aquilo, são isto. Era óbvio,
estava claro e patente para todos. Essas pessoas, quando pagãs, haviam tido certo
tipo de vida. Por outro lado, os judeus tinham vivido um diferente tipo de vida e
seguiam um padrão muito diferente de culto. Ninguém podia ser convertido do
paganismo ao cristianismo e estar na fé cristã sem passar por uma mudança
muito grande. Tinhaque deixar certas práticas e costumes, tinhaque renunciar a
certos deuses aos quais servia antes, declará-los “não deuses”, e muitas outras
coisas. Era uma mudança óbvia. Paulo dizia: “Já não mais sois..., mas (sois)...”.
Isso é algo que se aplica verdadeiramente aos chamados “cristãos da primeira
geração”. Aplicava-se ao caso dalgreja Primitiva. Também é aplicável ao
contexto da obra missionária estrangeira. As missões estrangeiras ocupam-se de
lugares onde o evangelho nunca fora ouvido. O evangelho é pregado a pessoas
que estavam no paganismo e nas trevas. É ouvido pela primeira vez, e as pessoas
crêem, e a mudança delas é óbvia.
Notem como esta questão é sutil. Vemos isso muitas vezes na prática. Alguém
pode estar vivendo na família, alguém que está vivendo na família há anos, é
quase da família e, contudo, não é da família. Embora esta pessoa esteja
compartindo a vida da família de todas as formas que possamos conceber, ele ou
ela ainda não pertence à família. E é aí que entra a dificuldade. Um estranho, um
visitante, poderia muito bem pensar e dizer: obviamente, esta pessoa é da
família. E, todavia,
Aí vemos, numa figura, a idéia que precisamos ter bem presente em nossas
mentes. Esse tipo de coisa acontece na Igreja de Deus; esta mesma situação, de
viver com uma família e não pertencer a ela, estar num país e não ser seu
cidadão. E possível estar num grupo e não ser do grupo. Certamente vocês se
lembrarão de que quando os filhos de Israel subiram do Egito e foram para
Canaã, é-nos dito, numa frase deveras extraordinária, que “subiu também com
eles uma mistura de gente” (ou, “uma multidão mista”, VA, Êxodo 12:38).
Foram com eles, partilharam os mesmos riscos, os mesmos problemas e
dificuldades que os filhos de Israel enfrentaram, porém não pertenciam a eles.
Eram uma “multidão mista”. Mas de fato o apóstolo leva mais longe o ponto,
na Epístola aos Romanos, quando diz: “Nem todos os que são de Israel
são israelitas” (Romanos 9:6). Que frase! Você olha para aquele monte de gente,
e diz: são todos de Israel. Todavia não é essa, necessariamente, a conclusão
certa. Há Israel e “Israel”. Há um “Israel” do espírito, como também há um
Israel da carne. Há um remanescente no povo. Esse é o ensino do apóstolo, e
nestas Epístolas do Novo Testamento, é uma doutrina vital e sumamente
importante. Você pode ser de um grupo e, contudo, não pertencer realmente a
ele. O apóstolo João diz a mesma coisa acerca de certas pessoas que tinham
saído da Igreja Cristã Primitiva. “Saíram de nós”, diz João, “mas não eram de
nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco” (1 João 2:19). Tinham estado
entre eles, mas não eram deles. Tinham estado na Igreja e pareciam
cristãos, porém nunca pertenceram realmente à Igreja.
mudança de alto a baixo. Que houve uma mudança exterior é evidente, mas ele
não está interessado na mudança exterior, e sim, na interior. E, portanto, não há
nenhuma necessidade de hesitar em afirmar que cada um de nós, neste momento,
ou é cristão, ou não é. Ou estamos “em Cristo”, ou estamos “fora de Cristo”.
Aristóteles uma vez lançou como proposição, sem dúvida verdadeira, que “Não
há meio entre os opostos”. Os opostos são opostos, e não há nada no meio, não
há nenhum meio entre eles. E “ou - ou.” No capítulo sete do Evangelho
Segundo Mateus, o nosso bendito Senhor e Salvador dá ênfase exatamente a
este ponto. Você não pode estar ao mesmo tempo no caminho estreito e
no caminho largo. Você não pode entrar por duas portas no mesmo
instante. Você não pode passar ao mesmo tempo por uma borboleta ou catraca, e
por uma porta larga. E impossível. Pois bem, é aí que começa a diferença entre o
cristão e o não cristão. O cristão entra por uma porta estreita e segue um
caminho estreito. O outro faz exatamente o contrário. Temos que ser uma coisa
ou outra. Essa é a afirmação do nosso Senhor. Vocês podem notar como Ele vai
repetindo isso - o profeta verdadeiro, e o falso; a boa árvore, e a ruim; o bom
fruto, e o mau; e, finalmente, nessa tremenda descrição dacasa sobre a rocha e da
casa sobre a areia. É sempre uma coisa ou outra, é ou - ou. Ou vocês são cristãos
ou não são cristãos. E estas coisas são absolutas. Vocês não são mais estranhos e
estrangeiros; vocês são cristãos, estão no corpo.
A posição do cristão não é uma posição vaga, indefinida, incerta. É verdade que
se vocês pensarem nela principalmente em termos de conduta e de
comportamento superficiais, então ela pode muito bem ser vaga. Posso traçar
facilmente um quadro descritivo e mostrar a vocês dois homens. Um deles é
notável por sua elevada moralidade, nunca faz mal a ninguém, sua palavra é sua
promissória, é honesto, justo e reto, um homem completamente bom, em todos
os sentidos da palavra. Entretanto, vejam agora o outro homem. Olhando os dois
de maneira geral, vocês não podem dizer que o segundo é bom como o primeiro.
Às vezes faz coisas que não devia fazer, ele não tem, talvez, um caráter
louvável. E, todavia, pode dar-se o caso deste segundo homem ser cristão e o
outro não. Pois o que determina se um homem é cristão ou não, não é a
sua aparência geral e o seu comportamento. Aquele estrangeiro que vive
em nosso país se parece exatamente com um inglês, faz as mesmas coisas, etc.;
não obstante o fato é que ele continua sendo estrangeiro. O fato de que ele se
parece com o cutro homem não significa que é como ele. A questão é:
suaresidência se apóianum passaporte ou em suacidadania? Vocês vêem, a prova
não é esta aparência geral, superficial. É exata-
mente isto que o Novo Testamento está sempre salientando. Este é um ponto
realmente fundamental. Concordaríamos que, ou somos definidamente cristãos,
ou senão, não somos cristãos? Concordaríamos que não existe isso de haver uma
posição intermediária em que o indivíduo espera ou tenta ser cristão? Se você
está simplesmente esperando ou tentando ser cristão, você não é. Estar na soleira
da porta não é estar dentro, e não ajuda nada estar na soleira quando a questão
é: você está dentro ou não? Quantas vezes isso é descrito nas Escrituras! O nosso
Senhor traça o quadro das pessoas que vêm bater àporta e dizem: “Abre para
nós”; mas a resposta que vem de dentro é: não, vocês estão fora, não são daqui.
Ou somos cristãos, ou não somos cristãos.
Ou vejam a outra ilustração que talvez coloque isso de maneira mais clara ainda.
Tomem o caso de uma pessoa que se acha noutra terra como forasteiro, como
estrangeiro. Pode ter vivido ali vinte, trinta, quarenta anos, gosta de viver ali, é
estimado por todos e se sente feliz. Todas as distinções parecem irrelevantes.
Que importa se o que ele tem é um passaporte, e não uma verdadeira cidadania,
e tem que providenciar renovação e visto e tudo o mais? Mas, esperem! Súbita e
inesperada-mente, o país natal deste homem e o no qual ele está vivendo, têm
um
litígio; não resolvem o litígio, e é declarada guerra. E este homem, que pode
estar vivendo há quarenta anos no país, de repente vê que é um estrangeiro, e
que todos o olham com suspeita. Poderá ser posto em reclusão ou ser enviado de
volta ao seu país. Parecia ser um membro da comunidade, um cidadão do país,
unido aos verdadeiros cidadãos; porém quando surge uma crise, uma prova, uma
tribulação, logo fica claro que, afinal, ele é um estrangeiro. Vimos muito desse
tipo de coisa neste país em 1914 e em 1939. As vezes chega a ser trágico,
contudo acontece.
geral. Não vou testar vocês, vocês vão testar a si próprios. Amigo, você quer
saber se você é ou não um estranho e forasteiro? Bem, responda estas perguntas:
você se sente realmente bem na igreja? Você se sente à vontade entre os
cristãos? Você se sente em casa? Ou você tem a incômoda sensação de que, de
algum modo, é de fora? É o que acontece quando você vai hospedar-se numa
casa de família, não é? Os hospedeiros são excelentes e mostram amizade, mas
você sente que não é dali, não se sente muito à vontade, está cônscio de que não
está em seu próprio lar, não consegue descontrair-se. Você é um estranho, afinal
de contas, embora todos lhe sejam bondosos, afáveis e amigos. Você se sente
em casa entre o povo de Deus? Você fica à vontade? Ou, apesar de tudo, não
passa de um estranho, um de fora, um intruso que realmente não se enquadra?
Ou, permitam-me colocá-lo assim: você se sente bem, tão bem entre os cristãos
como noutros círculos sociais e com outros tipos de companhia- e com as risadas
e pilhérias, as brincadeiras, e talvez as bebidas e o jogo, você tem liberdade com
eles e tem muito que dizer? Você é um deles? É assim? Você se sente um pouco
fora do seu elemento na igreja? Isto é tremendamente importante. Quando você
o coloca em termos de família, você vê como isso é inevitável. É um
desses imponderáveis, como lhes chamamos, algo que dificilmente você poderá
escrever, isto é, pôr no papel, mas você simplesmente sabe o que é. É assim que
eu me sinto, você diz; e o seu sentimento está certo.
mental, orgânico, e mais profundo que qualquer outra coisa. “Nós sabemos que
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos.” Sentimento geral!
Mas não é só questão de linguagem, há algo mais. Você sabe algo dos assuntos
que estão discutindo? Você os entende, tem interesse nas questões? Outra vez,
permitam-me usar uma ilustração. Todos nós já tivemos este tipo de experiência.
Estamos hospedados numa casa de família, talvez. São todos excelentes,
bondosos e afáveis, e nos pomos a conversar. Então, de repente, alguém entra e,
observando o seu semblante, você pode dizer que aconteceu algo de grande
interesse para a família. Eles ficam sem graça, querem falar sobre o assunto,
porém
você está ali, e eles não podem fazê-lo. Por isso falam por meio de insinuações,
alusões indiretas e rodeios. Você não sabe do que estão falando. Eles se portam
desse modo porque você é um estranho - eles gostam de você, não o estão
insultando, mas você não os entende. Há estes problemas e questões íntimos que
eles não podem compartilhar com você, embora gostem muito de você, porque
você não pertence à família. Dá-se o mesmo com um país. E também é assim na
vida cristã. As questões, os assuntos e os problemas da vida cristã são do
seu conhecimento? Você se interessa por eles? Ou quando você se assenta e ouve
pessoas falando sobre eles, ou talvez quando você ouve alguém que está
tentando pregar, você diz a si mesmo: de que se trata? Não entendo. Se ele
estivesse falando sobre a visita de algum estadista estrangeiro, ou sobre alguma
nova medida apresentada no parlamento, claro que eu entenderia; todavia estas
outras coisas - de que se tratam? Que é isso? E tão aborrecível! É desse tipo a
maneira pela qual você pode verificar se é da família ou não.
Eis outras provas que sugiro: você está se amoldando às leis e aos
1
Teólogo puritano inglês (1600-1680). Do período mais recente dos puritanos, t) termo que emprega,
traduzido aqui por “corteje-O” é sue. Nota do tradutor.
CIDADANIA CELESTIAL
“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19
Para as pessoas cujos olhos não foram iluminados pelo Espírito Santo, a Igreja é
tão-somente uma instituição. Eles podem gostar dela como instituição, podem
gloriar nela como instituição, mas não é isso que o apóstolo gostaria que estas
pessoas vissem. Ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento fossem
iluminados para que elas soubessem qual “a esperança da sua vocação, e quais as
riquezas da glória da sua herançanos santos; equal a sobreexcelen te grandeza do
seu poder sobre nós, os que cremos” (1:18). Já iniciamos a nossa consideração
deste versículo mostrando como o apóstolo ressalta a vital importância de
estarmos absolutamente certos de que estamos na posição descrita neste
versículo. Não podemos esperar compreender os privilégios da posição se não
soubermos em que consiste a posição, e se não estivermos completamente
seguros de que estamos nela. Vimos a importância de saber com certeza que não
somos mais estranhos e estrangeiros, de saber, como me aventurei a colocá-lo,
que não residimos mais baseados num passaporte, e sim que realmente nós
temos as nossas certidões de nascimento, que realmente somos membros
da Igreja. A minha opinião é que, se tão-somente nos déssemos conta do que é
ser cristão e membro da Igreja Cristã, muitos dos nossos problemas, senão todos,
seriam imediatamente resolvidos. Se tão-somente pudéssemos subir às alturas
danossa alta vocação em Cristo Jesus e darmos conta de que ocupamos esta
posição, as picuinhas e os problemas
Portanto, certamente não há nada que seja mais importante hoje, de todos os
pontos de vista, do que compreendermos estas coisas. É importante para nós
pessoalmente. Muitas das nossas aflições, dificuldades e tribulações, muitos dos
nossos problemas seriam encarados de maneira inteiramente diferente, se de fato
nos víssemos como somos em Cristo. E, mais importante ainda, se toda algreja
simplesmente compreendesse o que ela é, j á estaria na estrada real de chegada a
um verdadeiro avivamento e a um poderoso despertamento espiritual. É
porque deixamos de compreender estas coisas que não oramos por
avivamento como devíamos, e não o buscamos e não ansiamos por ele. Não é
de admirar, então, que o apóstolo dê tanta ênfase a isto. Aqui ele o coloca na
forma de várias figuras. Temos as três figuras apresentadas juntas, quase
concomitantemente: a primeira, a Igreja como um grande Estado ou reino; sim,
mas ela é também uma família; sim, e também um templo. Ele j á nos dera antes
uma figura na qual compara a Igrej a a um corpo, um só corpo, um só novo
homem. E vocês verão que, no capítulo cinco desta Epístola, ele usa ainda outra
ilustração, pois nessa passagem ele diz que a relação entre a Igreja e o Senhor
Jesus Cristo é a que existe entre uma esposa e o seu esposo. É interessante notar
que, desse modo, o apóstolo usa uma variedade de figuras e ilustrações; e é
importante entender a razão pela qual ele o faz. Toda e qualquer ilustração é
insuficiente. A verdade é tão grande, tão multifacetada, tão gloriosa, que ele se
vê forçado a multiplicar as suas figuras e imagens. Cada uma delas comunica
algum aspecto particular, e nos habilita a ver uma faceta peculiar da verdade não
transmitida muito bem pelas outras ilustrações e figuras.
Passemos agora à primeira figura. “Não sois estranhos e estrangeiros”! (VA), diz
o apóstolo. Bem, nesse caso, o que somos? “Concidadãos dos santos”! Essa é a
primeira figura. Que é que isso nos diz? Ensino deveras rico! Aqui ele compara
a Igreja a uma cidade, ou
a um Estado, ou a um reino. Não nos surpreende que o apóstolo tenha feito isso.
Naqueles tempos antigos havia grandes cidades-Estados, ou Estados-cidades;
certas cidades eram, em si mesmas, verdadeiros Estados. Mas, acima e além
disso, naturalmente, havia grandes Estados, grandes reinos, grandes impérios. Na
ocasião em que escreveu estacarta, provavelmente o apóstolo era prisioneiro em
Roma, a própria metrópole e centro nervoso do grande Império Romano. Roma
era a capital, e tinha os seus povos espalhados por todo o mundo civilizado da
época, com governadores e outros funcionários importantes pondo em execução
as ordens e instruções do governo central e, em última instância, do imperador.
Não admira, pois, que o apóstolo tenha pensado na Igreja como algo semelhante
a isso. Ela é como um grande Estado, um grande império, um grande reino, e ele
usa a ilustração para transmitir a estes efésios um ensino muito precioso.
Não se trata de uma nova idéia que de repente ocorreu ao apóstolo Paulo. E uma
concepção muito importante que se acha na Bíblia toda. Há grandes seções das
Escrituras que simplesmente não poderemos entender, a não ser que captemos
esta idéia particular. Na vocação de Abraão - que é um dos grandes pontos
divisórios da história - Deus estava dando os primeiros passos para a formação
de uma nação paraEle próprio. Até aquela altura Deus tratava com o mundo
inteiro, por assim dizer. Os onze primeiros capítulos do livro de Gênesis tratam
do mundo todo e da história do mundo todo e de toda a sua população. Mas,
no começo do capítulo doze de Gênesis, no chamamento de Abraão, o registro
começa a tratar especial e especificamente da história de uma única nação. Ali
nos é apresentada logo a idéia de que o povo de Deus é reino de Deus, nação de
Deus - toda esta concepção de Estado. No capítulo dezenove de Êxodo repete-se
muito claramente amesma coisa. Pouco antes da entrega dos Dez Mandamentos
e da lei moral, Deus disse a Moisés que o povo devia dar-se conta de que era
uma “nação santa”, que eles eram “cidadãos de Deus”, que pertenciam a Ele, que
Ele era o seu Rei, e eles o Seu povo. Isso deveria dominar toda a perspectiva
dos filhos de Israel. Antes de levá-los e introduzi-los na terra prometida,
Ele queria que eles compreendessem isso. Toda a tragédia dos israelitas foi que
não o compreenderam. Nunca se aperceberam precisamente disso, que eles eram
reino de Deus, um reino de sacerdotes, uma nação santa para Deus. E por causa
da sua incompreensão, toda a sua tragédia desceu sobre eles, e deixou esculpida
a triste imagem que deles vemos descrita no Velho Testamento. Contudo, ainda,
se vocês forem ao livro de Daniel, verão esta concepção exposta de maneira
sumamente admirável. E a
grande mensagem daquele livro. Em todo ele lemos sobre reinos, lutas entre
reinos e a relação deste reino de Deus com aqueles outros reinos; os animais que
representam aqueles outros poderes - a Babilônia, que já existia, a Medo-Pérsia,
a Grécia, e Roma, que surgiram mais tarde -e este reino. Na verdade, a
mensagem de todos os profetas era uma tentativa de inculcar nos filhos de Israel
a sua peculiar relação com Deus como cidadãos do Seu reino eterno. Depois,
quando vocês chegam ao Novo Testamento, vocês vêem que este é um tema
central do ensino do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Vejam as Suas
parábolas do reino. Ele sempre pensava em termos do reino. Ele dizia que tinha
vindo para estabelecer um reino. Ele Se dizia Rei - e foi crucificado por dizê-
lo, num sentido, num nível puramente secular. Todo o Seu ensino é sobre o reino
e sobre pessoas entrando em Seu reino. Ele começa dizendo a Nicodemos:
“Aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Esse tema
integra a Sua mensagem toda. O Sermão do Monte tem sido acertadamente
descrito como o manifesto desse reino. E o tema se vê constantemente nos
escritos do apóstolo Paulo. Vocês o verão igualmente na Primeira Epístola de
Pedro. Ele cita as palavras do Êxodo, capítulo 19, e acrescenta: “Vós, que em
outro temponão éreispovo, mas agora sois povo de Deus” (1 Pedro 2:9-10). Ele
aplica isso a todos os membros da Igreja Cristã. E no livro de Apocalipse vocês
vêem exatamente a mesma coisa. Está claro, então, que esta é uma doutrina vital
na Bíblia; e, como povo cristão, convém que a estudemos, a compreendamos e a
apliquemos a nós mesmos, para que nos gloriemos e nos regozijemos nela, como
se espera que façamos. Qual é, então, o ensino?
Examinemo-lo assim: o que é que isso nos fala acerca de nós mesmos? Que
espécie de definição da Igreja isto nos dá? E muito simples, se vocês tiverem
uma clara concepção de um Estado ou reino ou cidade. A primeira coisa que este
ensino salienta é que nós somos um povo que foi separado e tornado distinto de
todos os outros. As cidades antigas tinham todas um muro ao seu redor, o muro
da cidade. Vocês ainda podem ver restos e remanescentes destes muros
em diversas cidades. Ainda existe uma parte desta cidade de Londres chamada
Muro de Londres, e há outras cidades, como Cantuária e Chester, onde se vê a
mesma coisa. Qual era o propósito do muro? Bem, era para separar os cidadãos.
O muro os mantinha dentro e os outros fora. Havia portas que davam passagem
através do muro da cidade; as portas eram fechadas numa certa hora e eram
abertas noutra hora, na manhã
Ou, se vocês não quiserem pensar em termos de cidade mas preferirem pensar
em termos de países ou de Estados, sempre há limites ou fronteiras. Pode ser o
mar, pode ser um rio ou uma cadeia de montanhas, ou pode ser umalinha de
demarcação imagináriatracadapor autoridades. Não importa qual seja, contudo
sempre tem fronteira, e não se pode passar de um Estado a outro sem cruzar a
fronteira. Você terá que passar pela alfândega e mostrar o seu passaporte e deixar
que examinem os seus objetos, porque está na fronteira! Não se pode pensar num
Estado ou numa cidade ou num reino sem fronteiras. E o dever das fronteiras é
dizer a certas pessoas: até aqui, sim, mas não além deste ponto; e dizer aos que
estão dentro das fronteiras: esta é a sua cidade, este é o seu país, esta é a terra a
que vocês pertencem.
A importância desta doutrina deveria ser evidente por si mesma. Você não pode
ser cristão sem ser uma pessoa separada. Você não pode estar no reino de Deus e,
ao mesmo tempo, no reino “do mundo”. Há este “ou - ou” fundamental,
gostemos ou não. Este mesmo apóstolo lembra aos gálatas que Deus, no Senhor
Jesus Cristo, livrou-nos do “presente século mau” (Gálatas 1:4). Escrevendo aos
colossenses, ele diz: “O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou
para o reino do Filho do seu amor” (1:13). Que concepção
tremendamente importante é essa! Se somos cristãos, somos separados, não
somos mais como os outros todos. Entretanto alguémpoderáperguntar: mas isso
não é ser farisaico? Não é ser orgulhoso? Nada disso! O fariseu separou-
se, porém o fez de modo errado; o erro não estava na separação, estava
no espírito com que ele a fez. Não estou defendendo a atitude do sou--melhor-
que-você, mas o que estou dizendo é que, como cidadão do reino dos céus, sou
diferente dos que não são cidadãos desse reino. Quão prontos estamos para
afirmar isso ao nível nacional - sou inglês, ou lá o que seja! Temos todo o
cuidado de ressaltar a distinção, que não somos outra coisa. E, todavia, quando
passamos à esfera espiritual, há os que se opõem. Isso é ser estreito, dizem eles,
é ser causador de divisão. Mas, sejamos coerentes, sejamos lógicos, acima de
tudo sejamos bíblicos. Seja qual for o nosso pensamento a respeito, o fato é que,
como cristão, como membro da Igreja, você foi tirado do mundo, você foi
separado. E, se você não se der conta disso e não se regozijar nisso, haverá
bom motivo para questionar se você é cristão afinal. É básico, é fundamental, é
uma das primeiras coisas que deveriam ser óbvias.
do reino de Cristo. Onde está o reino de Cristo? O reino de Cristo está onde quer
que Cristo reine; portanto, o reino de Cristo pode estar no coração do indivíduo.
Cristo reina nos corações de todos os que Lhe pertencem e se submetem a Ele. O
reino de Cristo está na terra e no céu, em Seu povo. Seu reino não é deste
mundo, é provisoriamente invisível, mas é real. O reinado, o governo e a
autoridade de Cristo, onde quer que estejam, é o Seu reino. É disso que o
apóstolo está falando. Cristo é o nosso Profeta, o nosso Sacerdote e o nosso Rei,
e todos os que reconhecem o Seu governo e se inclinam diante dEle em
obediência, são cidadãos do Seu reino eterno. O valor e a importância de se ver
este assunto desse modo toma-se evidente quando nos damos conta de que ele
nos diz que aqui e agora podemos ser cidadãos daquele reino, que durará para
todo o sempre. Entramos nele agora, e continuaremos nele por toda a eternidade.
nações têm grande orgulho disso, e muitas vezes as suas rivalidades e invejas as
levam a conflitos. Isso mostra como apreciam o privilégio, e o orgulho que
sentem pela esfera e pela extensão dos seus reinos. Mas por certo vocês
recordam como o nosso bendito Senhor definiu e descreveu o Seu reino neste
aspecto. Ele disse: “O meu reino não é deste mundo”. Referiu-Se a ele como o
reino do céu, ou “o reino dos céus”. E o apóstolo, escrevendo aos filipenses, diz:
“A nossa cidade está nos céus” (3:20). Estamos na terra, porém a nossa
cidadania é lá. Alguém traduziu essa frase com as palavras: “Somos uma colônia
do céu”. Sim, estamos na terra, mas agora simplesmente uma colônia; a nossa
capital não é Londres, Paris ou Nova York, e sim o próprio céu.
de Israel. O que Paulo quer dizer aqui é o que o homem que escreveu o Salmo
oitenta e sete, versículos cinco e seis, tinha em mente quando disse: “E de Sião
se dirá: este e aquele nasceram ali; e o mesmo Altíssimo a estabelecerá. O
Senhor contará na descrição dos povos que este homem nasceu ali”. Vocês vêem
o que ele quer dizer? Ao nível natural, os homens se orgulham de pertencer a
uma nação capaz de produzir um ^Shakespeare - a terra de Shakespeare! A terra
de Marlborough! A terra de Wellington; aterradePitt; a terra de Cromwell - a
terra desses gigantes que foram estadistas, poetas, artistas etc.! Que orgulho,
pertencer a uma nação como esta - tais homens nasceram aqui, foram criados em
nossa terra, ossos dos nossos ossos, por assim dizer, ecarnedanossacarne. Mas
aBíbliadiz: “O Senhor contará na descrição dos povos que este homem nasceu
ali”. E esse o povo ao qual pertencemos. Somos concidadãos de Abraão, o maior
cavalheiro que já viveu, aquele que teve a distinção de ser chamado “amigo de
Deus”. Não seria uma coisa maravilhosa entender e saber que você pertence
à mesma cidade, ao mesmo reino a que Abraão pertenceu? E não
somente Abraão, mas também Moisés, Davi, Isaías, Jeremias, e todos
aqueles valorosos homens do Velho Testamento. Pertencemos a eles, estamos na
mesma cidade, temos estes interesses comuns e esta lealdade comum. Devo
confessar que para mim é, talvez, a maior emoção perceber que sou um
concidadão do apóstolo Paulo, que, como cristãos somos um com ele, que temos
os seus interesses em nossos corações, e que as mesmas coisas que o moviam
nos movem. E o veremos e passaremos a eternidade com ele, e com todos os
outros apóstolos.
E vocês sabem disso? Sabem que eu e vocês vamos reinar com Ele? É o que
Paulo diz em 1 Coríntios, capítulo 6: “Não sabeis vós que os santos hão de julgar
o mundo? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?” É um reino
inabalável. É um reino que não terá fim. E o reino eterno de Deus e do Seu
Cristo. E eu e vocês, se somos cristãos, já estamos nEle, já somos seus cidadãos.
Graças a Deus, “já não somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos
santos”.
PRIVILÉGIOS E RESPONSABILIDADES
“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19
Pensem, por exemplo, nos benefícios que gozamos por sermos cidadãos desse
reino. Essa é uma das primeiras coisas em que se pensa em conexão com um
reino. Como cidadão de um país, você goza todos os benefícios do reino, do
governo e das leis dessa comunidade particular. Com freqüência a orgulhosa
vangloria dos cidadãos deste país (Inglaterra), é que ele é a pátria da liberdade -
da democracia parlamentar, e assim por diante. Pois bem, são essas as coisas que
desfrutamos como resultado da nossa cidadania neste país. Noutros países
hápessoas que não têm estes privilégios, ainda vivem mais ou menos em
servidão. Há outros que estão debaixo de tiranias terríveis. Uma das
melhores coisas da cidadania é que ela dá de imediato a você o direito de
gozar todos os benefícios do sistema e forma de governo, e da economia de
um Estado particular.
Podemos transferir tudo isso para a esfera da Igreja. O apóstolo já nos fizera
lembrar isso, no capítulo primeiro, no versículo três, onde ele diz: “Bendito o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”. Esse é o sumário de todas
as bênçãos deste reino particular. São intermináveis, e é impossível tentar
descrevê-las. Mas devemos apegarmos ao grande princípio de que todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo são nossas. O reino, a cidade
a que pertencemos é um reino, uma cidade em que todas as bênçãos são dadas
gratuitamente; é do beneplácito do Rei que elas sejam dadas. Ele Se deleita em
fazê-lo. Ele Se interessa pelos Seus cidadãos, interessa-Se por todo o Seu povo;
seu bem-estar ocupa um lugar especial em Sua mente e em Seu coração. Ele é o
Pai do Seu povo, e Se interessa por seu bem-estar e por sua felicidade em todos e
cada um dos seus aspectos.
Vejam outra declaração feita pelo mesmo apóstolo: “Aquele que nem mesmo a
seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará
também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32). O nosso Senhor também
afirma que “até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”
(Mateus 10:30), e que nada pode acontecer independentemente de nosso Pai.
Muito do ensino do Sermão do Monte destina-se a inculcar esta idéia do
interesse e preocupação especial de Deus pelo Seu povo. É uma coisa que faz
parte de toda a concepção de um reino com seu rei e seus cidadãos. E por isso
devemos lembrar-nos deste fato deveras maravilhoso. Neste reino de Deus e
do Seu Cristo, ao qual pertencemos, todos os recursos da Deidade são para nós.
Esse é o ensino da Bíblia, em toda parte. O Velho Testamento diz muita coisa
acerca do interesse de Deus por Seu povo. Isso está ainda mais claro no Novo
Testamento. Somos os beneficiários de todas estas admiráveis, indizíveis,
insondáveis riquezas e bênçãos do reino de Deus.
Outro privilégio é que temos o direito de acesso ao Rei. Essa verdade inclui o
mais humilde cidadão do território. Em última instância, ele tem direito de apelar
para o rei. Todo o processo da lei está ali, num sentido, para habilitá-lo a exercer
esse direito. Ele pode recorrer de
uma autoridade para outra superior, até por fim apelar para o rei. Pois bem, isso
aplica-se a cada um de nós, como cristãos. Temos um Rei que, apesar de ser o
Rei dos reis e o Senhor dos senhores, e o Governador dos confins da terra,
conhece os Seus cidadãos individualmente e por eles Se interessa. Você está
sobrecarregado, leva um pesado fardo, está lutando e pelejando? Lembro-lhe que
você tem direito de acesso ao Rei. Leve a sua causa a Ele. Por maior que seja
aquilo que está ocupando a Sua atenção, eu lhe garanto que, se você estender a
mão quando Ele estiver passando e lhe apresentar a sua petição, Ele terá tempo
para ou vi-lo, para olhar para você e para tratar do seu caso. Nunca nos
sintamos sumidos na Igreja ou no grande mundo em que vivemos.
Nunca pensemos que somos tão pequenos e insignificantes que este grande
e exaltado Rei não Se interessa por nós. O ensino geral das Escrituras salienta o
inverso e o contrário. Ele está pronto a ouvir o seu humilde clamor.
outros fiquem sem nada. Essa é a idéia. E caracteriza mais propriamente o reino
de Deus. Há uma injunção específica, neste sentido: “Mas nós, que somos fortes,
devemos suportar as fraquezas dos fracos” (Romanos 15:1). “Levai as cargas uns
dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gálatas 6:2).
Certamente não há nada que nos seja mais precioso do que a maneira pela qual,
como cidadãos juntos, como membros da Igreja Cristã juntos, sabemos e
experimentamos isso na prática. Haveria alguma coisa mais animadora para o
cristão do que saber que outros oram por ele? - que outros têm você, o seu fardo
e o seu problema em seus corações e estão fazendo intercessão por você? Eles
não estão pensando somente em si mesmos, você é um concidadão, vocês se
pertencem. Oramos uns pelos outros, sentimos uns com os outros, entendemo-
nos uns aos outros. Eu poderia desenvolver este ponto extensamente; deixem-
me, porém, dizê-lo simplesmente desta forma: quantas vezes soubemos da
seguinte experiência! Sentimo-nos de tal modo que mal podemos orar, estamos
desanimados, e talvez o diabo tenha estado particularmente ocupado conosco, e
nos esquecemos inteiramente do fato de que temos este acesso direto ao próprio
Rei. Enquanto estamos tendo comiseração por nós mesmos, de repente nos
encontramos com outro cristão e, começando a conversar, vemos que ele ou ela
está com o mesmo problema ou dificuldade. Imediatamente somos
tranqüilizados efortalecidos. E assim vamos adiantejuntos. Levamos as cargas
uns dos outros. “A lágrima de compaixão”, a compreensão! Estamos indo juntos
para Sião, através de uma terra estranha. E deveras maravilhoso aperceber-nos
de que os recursos de outros, a força e a habilidade de outros, estão à nossa
disposição em nossas dificuldades. E, por sua vez, quando eles estão deprimidos
enós estamos alegres, podemos ajudá-los. E admirável a comunhão entre os
concidadãos!
Isso tudo se aplica com mais propriedade à esfera da Igreja. Vejam certos
exemplos do Velho Testamento. Eis aí um homem de Deus duramente
pressionado, seus inimigos a cercá-lo e a atacá-lo. Que poderá fazer? Ele diz:
“Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio”
(Provérbios 18:10). “O nome do Senhor! ” Há uma exposição maravilhosa disso
nos Salmos três e quatro, onde o salmista nos conta que estava cercado por todas
as espécies de perigos e de inimigos furiosos. E, todavia, eis o que ele escreve:
“Tu, Senhor, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a
minha cabeça. Com a minha voz clamei ao Senhor, e ouviu-me desde o seu santo
monte. Eu me deitei e dormi; acordei, porque o Senhor me sustentou. Não
temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra mim e me cercam.
Levanta-te, Senhor; salva-me, Deus meu; pois feriste a todos os meus inimigos
nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios. A salvação vem do Senhor”.
Zacarias diz algo semelhante: “Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: depois
da glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar
vós toca namenina do seu olho” (2:8). Vocês querem algo que vá além disso?
“Aquele que tocar em vós”, diz Deus a você como cristão, “toca na menina do
meu olho” - o ponto mais sensível do Meu ser. Essa é a proteção. “Dou-lhes a
vida eterna”, diz o Senhor Jesus Cristo, “e nunca hão de perecer, e ninguém as
arrebatará daminhamão” (João 10:28). Haverá algum lugar mais seguro que
esse? “Se Deus é por nós”, diz Paulo, “quem será contra nós?” (Romanos 8:31).
“O Senhor é o meu ajudador”, diz o escritor da Epístola aos Hebreus, “e não
temerei o que me possa fazer o homem” (13:6). Diz João, em sua Primeira
Epístola, “maior é o que está em vós do que o que está no mundo” (4:4). Pode
ser que o inimigo esteja atacando e ferindo você; não revide, não se vingue, diz
Paulo, pois “Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o SENHOR” (Romanos
12:19).
fazem isso por qualquer coisa pela qual se interessem. Está alguém interessado
em música? - está sempre falando sobre música. Está interessado em futebol?
Não gritaria, torcendo pelo seu time? Vocês não os têm ouvido aos milhares? O
interesse pela agremiação deles! Não contentes com isso, usam os seus
mascotes, as suas cores especiais, pagam muito dinheiro para ir ver seu time j
ogar. O entusiasmo! A paixão! Essa é a esfera do seu interesse.
Mas, que dizer de nós? Somos cidadãos de um reino que não pertence a este
mundo - o reino celestial que estivemos descrevendo. Que dizer a respeito?
Temos orgulho dele? Estamos mostrando de que lado estamos? Estamos
mostrando as nossas cores? Ou, quando estamos em companhia de certas
pessoas, procuramos ocultar que somos cristãos? Quando estamos com pessoas
que não observam o domingo, e que antes desprezam as que freqüentam a igreja,
procuramos dar a impressão de que essa é também a nossa posição? Não admira
que as multidões estejam fora da igreja, quando tantas vezes nós damos a
impressão de que nos sentimos um pouco envergonhados pelo fato de
estarmos dentro. Todavia não é só questão de envergonhar-nos. Se nos
déssemos conta da verdade acerca da nossa posição, ficaríamos
comovidos, ficaríamos emocionados. Como o homem que diz, “Esta é a minha
terra natal, a minha terra”, nós nos gloriaríamos em nosso reino e
nos gabaríamos dele, estaríamos prontos a aclamá-lo e, se necessário, a morrer
por ele. Nós o enalteceríamos, e enalteceríamos as suas virtudes e todos os altos,
grandes e gloriosos privilégios dele decorrentes, e estaríamos ansiosamente
desejosos de que todos o conhecessem e pertencessem a ele - como acontece
com alguém que se encontra num país estrangeiro. Os homens deste país,
quando no exterior, não escondem que são britânicos, querem que todo o mundo
saiba disso. E as pessoas que vêm para cá de outros países fazem o mesmo, e
fazem muito bem! Do mesmo modo, como cidadãos deste reino glorioso,
devemos mostrar sempre a nossa lealdade a esse reino, e gloriar-nos no fato de
que pertencemos a ele.
Essa é uma boa maneira de estudar a prática cristã. Em nossa vida diária, quando
nos assaltam dúvidas sobre se devemos fazer algo ou não, ou se devemos usar
isto ou aquilo, esta é a nossa prova: serve para mim? Condiz? Se eu vestir este
manto, ele está de acordo com meu chapéu e os meus sapatos? E digno?
Combina com... ? Essa é a figura, a ilustração utilizada pelo apóstolo. Se não
servir, se não combinar, se não for próprio e não estiver em harmonia com o
restante, devo largar dele. Que toda a sua conduta seja governada pelo evangelho
de Cristo. Todas as minhas ações devem ser controladas por ele. E preciso que
seja uma realidade global. Cada ato deverá ser digno, próprio, pertinente.
Assim, você deve pensar nas grandes doutrinas da fé e perguntar: esta espécie de
conduta é consoante com essa fé? Convém ao evangelho de Cristo?
Finalmente, deveria ser óbvio que, como cidadãos deste reino, devemos sempre
estar preocupados com a defesa do reino, com a defesa das suas leis e com a
defesa de tudo o que é propugnado por esse reino. A bandeira! Devemos estar
dispostos a morrer pela “bandeira”; ela representa o país e tudo o que lhe
pertence. Isso é igualmente verdade quanto a nós, no sentido espiritual. Não
mais somos estranhos e
estrangeiros, mas concidadãos dos santos. Em dias como os atuais somos
convocados pera defender esta “bandeira”, a Bíblia. Ela está sendo atacada e
ridicularizada. Vocês a estão defendendo? Não basta dar o
seu testemunhocomoumadefesadaBíblia. Vocês têm que preparar-se
para defender a Bíblia. Para começar, vocês têm que conhecer a Bíblia. E vocês
têm que ter algum conhecimento dos livros que os ajudarão a defender a Bíblia.
Boa vontade e boas intenções não defenderão o país. Para defender o país, o
homem tem que entrar no exército e tem que ser treinado, fazer exercícios e
aprender a ser disciplinado; goste ou não, terá que fazê-lo “à força”, como se diz.
E eu e você temos que aprender “à força” a defender a bandeira, o país, o reino.
O nosso livro está sendo atacado; a nossa fé está sendo atacada. Temos que estar
“sempre preparados”, diz Pedro, “para responder a qualquer que nos pedir
a razão da esperança que há em nós” (1 Pedro 3:15). Como poderemos fazê-lo?
O reino está sendo atacado por um inimigo poderoso, e eu e vocês estamos
sendo convocados como combatentes para que façamos a nossa pequena parte
individual. Não há maior honra, não há privilégio mais alto. A vitória é certa e
segura. Mas seria trágico, quando chegar o grande e glorioso dia de celebrar essa
vitória, se algum de nós achasse que não fez absolutamente nada, que
simplesmente ficamos sentados enquanto alguma outra pessoa fazia o trabalho, a
defesa, a luta, o esforço.
Não precisamos ser todos grandes peritos na arte da guerra. Deixem-me usar
uma analogia humana. Não precisamos ser todos soldados de carreira; você não
precisa ser, necessariamente, um obreiro de tempo integral, pode engaj ar-se na
Defesa Civil do reino de Deus. Um policial de alto nível. Ache tempo para isso.
Tenha um só interesse. Dedique-se a ele. O reino de Deus está sendo atacado e
ridicularizado. Saltemos logo em sua defesa, por pequeno que seja o serviço
que possamos prestar.
Noutras palavras, como cidadãos deste reino, o nosso maior desejo, a nossa
principal ambição, sempre deverá ser que as suas fronteiras sejam ampliadas e
ele se torne cada vez mais poderoso e cada vez mais glorioso, até o dia em que
“os reinos do mundo vierem a ser de nosso Senhor e do seu Cristo”.
“Jánão sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos” neste reino
glorioso. E por essa razão somos apenas estrangeiros e peregrinos neste mundo,
com todo o seu artificialismo, ostentação com toda a sua louca confiança
própria, que darão em nada. Graças a Deus, não pertencemos a isso. Aqui somos
apenas estrangeiros. “A nossa cidadania”, graças a Deus, “está no céu.”
29
DA FAMÍLIA DE DEUS
“Assim, que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19
Tendo considerado a primeira figura que o apóstolo emprega para nos mostrar o
privilégio de sermos membros da Igreja Cristã, a saber, a de cidadãos de um
Estado, agora chegamos à sua segunda figura. Os cristãos verdadeiros não são
somente concidadãos dos santos, mas também são “da família de Deus”.
Obviamente, aqui há algo diferente, há um avanço. No entanto, de novo,
lembremo-nos de que as duas coisas que Paulo quer assinalar são este princípio
da unidade e também a grandeza do privilégio. Podemos perguntar, porém: por
que ele usa desse modo uma segunda figura? E por que, na verdade, ele vai usar
uma terceira figura, que estudaremos mais adiante? A resposta, penso eu,
é óbvia: é que ele sentiu que só a primeira figura não era suficiente. Ela nos dá
uma idéia, apresenta-nos uma parte vital da doutrina, mas não inclui tudo. Não é
suficientemente compreensiva. Ela estabeleceu um tremendo aspecto, que já
consideramos, porém há muito mais para ser dito. Portanto, convém que
consideremos e descubramos porque ele emprega esta segunda ilustração.
Portanto, o que temos que fazer é comparar e contrastar a idéia de Estado com
a idéia de família. E é só quando fizermos isto que compreenderemos porque o
apóstolo introduz a segunda figura e em que sentido esta segunda figura constitui
um definido avanço em relação à
primeira, e nos leva a uma percepção mais profunda da verdade acerca da
unidade de todos os cristãos e da grandeza do privilégio que gozamos. Devemos,
pois, considerar os pontos de contraste entre o Estado e a família.
Vê-se tudo isso na parábola do filho pródigo. O filho foi para casa e disse a seu
pai: “Pai, pequei contra o céu e perante ti, e jánão sou digno de ser chamado teu
filho”. E ia acrescentar, “faze-me como um dos teus jornaleiros”. Mas o pai não
pode considerar o seu rapaz, embora pródigo, como um dos seus serviçais. Isso
simplesmente não pode acontecer. Diz ele: não, não, você volta como meu filho;
e o abraça, e lhe traz o melhor traje e o anel, e mata o bezerro cevado. Meu filho!
Esse é o método divino de salvação. É, pois, importante que captemos
este princípio, a fim de nos habilitarmos a engrandecer a graça de Deus.
Que plano de salvação! Que esquema de redenção! Não satisfeito com
outra coisa, senão que estejamos na Sua presença como Seus filhos! Se não nos
dermos conta disso, não nos daremos conta da grandeza e das riquezas da graça
de Deus.
Outro ponto muito importante é o seguinte: vocês notam que isso só é verdade
quanto a nós no Senhor Jesus Cristo e por intermédio dEle. Isso só é próprio dos
que estão “em Cristo”. Isso é absolutamente vital e fundamental, porque há
corrente hoje um frouxo ensino concernente à paternidade universal de Deus,
assim chamada, e à
Portanto, Deus não é Pai dos que não crêem em Cristo. E não há quem possa ir a
Deus e Lhe pedir algo, dizendo: “Meu Pai”, a não ser que vá “pelo sangue de
Cristo”, confiando unicamente em Sua obra perfeita. Isso, como vocês sabem,
muitas vezes é negado hoje. Muitos falam leviana, desembaraçada e
relaxadamente sobre ir a Deus sem sequer mencionar o nome do Senhor Jesus
Cristo. Um dia se despertarão para verem que Ele nunca os conheceu, que eles
estão fora, que não pertencem à família. Sem Cristo, esse relacionamento não
existe. Por outro lado, deixem que eu diga enfaticamente que esta bênção é
uma realidade quanto a todos os cristãos verdadeiros. Nisso não há
divisões quanto aos cristãos - são todos “concidadãos dos santos e da família
de Deus”. Portanto, devemos rejeitar todos os ensinamentos que dizem que
alguns cristãos não são filhos de Deus, e que traçam uma distinção entre filhos e
criaturas. Criaturas e filhos, neste sentido, são iguais, e você não pode ser cristão
sem ser uma criatura de Deus e um filho de Deus. Os termos aplicam-se
igualmente a todos os cristãos.
É importante compreender isso, pela seguinte razão: se eu e vocês
somos filhos de Deus, não temos direito de viver como se fôssemos apenas
empregados. Não temos direito de viver na cozinha da casa. Somos filhos! - e
todos os cristãos que não se dão conta disso, eque estão levando uma vida de
serviçal, estão desonrando a Deus e estão difamando a glória eterna da Sua
graça. Por isso é importante compreender mais este avanço na doutrina. Se não o
compreendermos, cairemos naqueles diversos erros e, com isso, estaremos
difamando a glória do Senhor Jesus Cristo. Nós O estaremos tirando do centro,
Elejá não será crucial, o Seu sangue estará sendo posto de lado e em descrédito.
Ele não será tudo para nós, e não glorificaremos Seu Pai como devemos.
Esse é, então, o primeiro motivo pelo qual devemos captar esta verdade. E
indispensável para um verdadeiro entendimento da doutrina da salvação.
Quais são estes privilégios? Eis o primeiro: Deus é nosso Pai. O eterno e
sempiterno Deus! Podemos ir a Ele como nosso Pai. Vocês recordam o que
opróprio Senhor Jesus Cristo disse: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e
vosso Deus” (João 20:17). Certamente não há maior honranem maior dignidade
que possamos vislumbrar ou compreender do que justamente esta - levar sobre
nós o nome de Deus. Não admira que João, no prólogo do seu Evangelho, tenha
dito que “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (o direito, a autoridade)
de serem feitos filhos de Deus” (1:12). Não há o que supere isso, não há o
que conceber acima disso, que somos de fato membros da família de Deus. Isso
nos caracteriza literalmente como cristãos. Diz ainda João: “Amados, agora
somos filhos de Deus” (1 João 3:2). Não sabemos o que seremos em toda a sua
plenitude, continua ele dizendo, mas isto sabemos, que já, agora, somos filhos
de Deus. O apóstolo Pedro ocupa-se igualmente disso e afirma que “somos
participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). Cada vez mais me parece que é a
nossa falha neste ponto que realmente explica por que a Igrej a Cristã está como
está. E não se trata do que fazemos ou tentamos fazer; enquanto não voltarmos
a isto, e realmente não o compreendermos, enquanto não o sentirmos e
não experimentarmos o seu poder, não vejo esperança para a Igreja. Somos
filhos de Deus, participantes da própria natureza divina.
Depois, por causa disso, a segunda coisa que nos caracteriza em nossa relação
com Deus como nosso Pai é que temos o direito de aproximar-nos dEle, o
mesmo direito que uma criança tem quanto ao seu pai. Paulo já o dissera num
versículo anterior: “Porque por ele ambos temos acesso” - não a Deus, vocês se
lembram, mas - “ao Pai em um mesmo Espírito”. Isso é tão extraordinariamente
forte que mal podemos recebê-lo; mas é verdade. Posso usar uma ilustração
simples e óbvia? Imaginem um homem, alguém responsável por uma
grande empresa, com centenas, talvez milhares de pessoas a seu serviço e sob a
sua direção, um homem excepcionalmente ocupado. É evidente que esse homem
não pode cuidar pessoalmente de todos os pormenores do seu negócio ou das
obras ou do que seja. Ele só lida com grandes princípios; ele tem os seus
gerentes e subgerentes, chefes etc., e esses tratam das minúcias das coisas dos
seus respectivos departamentos. Se você levar um detalhe de algum
departamento a esse grande homem, que é o chefe de todos, o presidente da
companhia, ele simplesmente o despedirá, pois não tem tempo para essas coisas.
E contudo o vejo ali, um certo dia, em seu escritório, sentado à mesa de trabalho,
com todas estas grandes tarefas em mente, e talvez com vultosas quantias
para administrar, pelas quais ele é responsável. Ele não pode ver os seus gerentes
hoje, só pode ver alguns diretores especiais. Contudo, de repente, ele ouve uma
leve batida à porta. Ele sabe quem é; é o seu filhinho, o seu pequerrucho
cambaleante; e o homem vai pessoalmente abrir aporta, e passa algum tempo
falando com ele, talvez brincando um pouco com ele.
Tudo é posto de lado. Por quê? E seu filho. Essa é a doutrina que estamos
considerando. Deus, que criou do nada todas as coisas, e para quem todas as
estrelas e constelações são o que bolinhas de gude são para uma criança, Deus,
que domina todas as coisas e que existe de eternidade a eternidade, para quem as
nações são como “o pó miúdo das balanças” (Isaías 40:15) - é meu Pai, é seu
Pai, e não há nada, por menor e mais trivial que seja, na minha vida e na sua,
pelo que Ele não Se interesse e, por assim dizer, pelo que não Se disponha a
deixar que o universo inteiro siga adiante por seu próprio impulso por algum
tempo enquanto Ele ouve você e dá atenção somente a você. E isso que essa
doutrina quer dizer.
Como somos tolos! Como nos privamos de algumas das coisas mais preciosas da
vida cristã, simplesmente porque não nos apegamos à
doutrina! Usamos as expressões levianamente, mas não analisamos o seu
conteúdo. Eis o que o apóstolo está dizendo: não somos só cidadãos -lembro-
lhes que o cidadão tem direito de apelar para o rei, mas isto nos leva muito mais
longe - vou como uma criança diretamente à presença de meu Pai, e Ele está
sempre pronto a receber-me. Ou, para dizê-lo invertendo os termos, se tão-
somente nos déssemos conta do interesse de Deus por nós e da Sua amorosa
preocupação conosco! Como é que podemos ler as Escrituras e examinar estas
declarações gloriosas, e, ao que parece, nunca as compreender? Foi o próprio
Filho de Deus que nos disse que, como filhos de Deus, “até os cabelos da nossa
cabeça estão todos contados”. É dessa maneira, e em minúcias como essa, que
Deus nos conhece. O nosso Senhor estava sempre repetindo este ponto. Diz Ele:
“Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas” (Mateus
6:32). Por que inquietar-se e aborrecer-se? Se você tão-somente compreendesse
que Ele é seu Pai, que Ele sabe tudo a seu respeito, e que Ele conhece todas as
suas necessidades e inquietações muito melhor do que você mesmo, como um
pai sabe estas coisas melhor do que seu filho! Por que você não confia nisso, por
que você não põe a sua confiança nisso, por que você vai ao Pai com hesitação e
dúvida? “Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas
coisas.” Somos membros da família de Deus. Não haverá perigo de
abusarmos desta doutrina enquanto nos lembrarmos de que o nosso Senhor
disse na Oração Dominical: “Pai nosso, que estás no céu, santificado seja o teu
nome”. Enquanto você começar desse modo, quando for a Deus recorrendo a Ele
como seu Pai, não haverá leviandade, nem familiaridade indigna, porém
aplenarelação dePai-e-filho permanecerá, e você poderá buscá-10 com
confiança, com segurança, com certeza, sabendo que, por ser Ele seu Pai, e por
Suas grandíssimas e preciosas promessas, Ele estará sempre pronto a recebê-lo.
Mais maravilhoso que o Seu estupendo poder é a relação. Essa é a garantia.
é o nosso irmão, é o primogênito entre muitos irmãos; Ele diz: “Eis-me aqui a
mim, e aos filhos que Deus me deu”. Assim, Ele é um conosco, participante da
nossa natureza. Mas, como mostra a Epístola aos Hebreus, Ele não fica nisso.
Em razão dessa verdade, Ele nos entende, Ele Se identifica conosco, Ele está no
céu para nos representar. Ele está sempre lá com o Pai, intercedendo por nós. E
pensar nisso é, de novo, algo que se nos impõe com extraordinária força. E nEle,
por meio dEle e por Ele que nós vamos ao Pai.
No entanto, não nos esqueçamos nunca de que, graças à nossa relação com o Pai
e com o Senhor Jesus Cristo, temos o direito de dizer, segundo este apóstolo: “E
se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-
herdeiros de Cristo” (Romanos 8:17). E neste momento, seja qual for a sua
situação, esta é a pura e simples verdade a seu respeito, você é um herdeiro de
Deus. Há uma glória que nos espera, glória tão maravilhosa que até as Escrituras
pouco nos falam dela. As vezes as pessoas perguntam: por que tão pouco se nos
fala do céu, por que tão pouco nos é dito em detalhe sobre o estado eterno?
A resposta é muito simples. Porque somos pecadores, porque somos decaídos, a
nossa linguagem também é decaída, e qualquer tentativa de descrever a glória do
céu seria uma falsa apresentação. Por isso não recebemos descrições
pormenorizadas. Tudo que nos é dito é que estaremos com Cristo - e isso deveria
ser suficiente para nós. Estaremos com Ele. Seremos semelhantes a Ele.
oração”, seja o que for. Ele próprio empregava o termo Pai. Não pense em Mim,
parece Ele dizer, como um Deus distante, na glória e na eternidade; estou lá, mas
em Cristo vim a você, sou seu Pai, venha a mim. Assim como o Senhor fazia o
Seu amoroso convite e convidava a que fossem a Ele todos os que estavam
cansados e sobrecarregados, igualmente Deus convida os Seus filhos. “Vinde a
mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus
11:28). Aquela criança que está zangada e triste porque desej a uma coisa que
elanão tem - seu pai a ergue e abraça, e a criança fica satisfeita só por isso,
porque sabe que o abraço significa que tudo o que o pai tem é dela
também. Assim Deus está pronto a tomar-nos nos Seus braços e a envolver-
nos no Seu amor. Busquem a Deus, cristãos, Ele é seu Pai, vocês são “membros
da família de Deus”.
(Mateus 5:43-45). Aí está porque temos que fazê-lo, para que sejamos
semelhantes ao nosso Pai, para que proclamemos a família a que pertencemos.
“Pois, se amardes aos que vos amam, que galardão havereis? Não fazem os
publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vosssos irmãos,
que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois
perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” Portanto, na próxima
vez que você estiver em dúvida quanto à ação que deva praticar ou não, se você
deve fazer certa coisa ou não, não perca tempo perguntando a alguém se aquilo
é certo ou errado; simplesmente pergunte: “Essa espécie de coisa é digna de um
filho de meu Pai? E coerente com afamília a que eu pertenço, com o Pai que pôs
o Seu nome em mim e a quem eu represento entre os homens?”
“Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da
família de Deus.”
HABITAÇÃO DE DEUS
Tratamos das duas primeiras figuras que o apóstolo usa para habilitar-nos a ver
os privilégios de sermos membros da Igreja Cristã, e, assim, agora chegamos a
esta terceira e última figura. E a figura da Igreja como “templo de Deus”, “casa
de Deus”, edifício em que Deus habita.
pela qual uma criança pode aproximar-se do seu pai. Isso mostra uma relação
mais íntima e um privilégio superior e maior. Todavia aqui o apóstolo vai além
disso. A sua concepção de Igrej a nesta passagem é que a Igreja é templo santo
do Senhor, que “todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no
Senhor”. Pois bem, o filho tem acesso ao Pai, mas o filho não habita dentro do
Pai. Entretanto a idéia aqui apresentada é de Deus habitando conosco, fazendo
em nós a Sua habitação. Ora, isso é um tremendo avanço do pensamento, como
a segunda figura fora sobre a primeira. Não somente estamos nesta
relação íntima com Deus e temos esta liberdade de acesso a Ele; além e acima de
tudo isso, o mistério e a glória final da Igreja é que Deus habita nela. Ela é Seu
templo, o templo santo do Senhor. Como a Sua presença habitava no santuário
interior do antigo templo entre os filhos de Israel, as sim agora Ele habita na
Igrej a, entre o S eu povo. Não há n ada, na esfera do pensamento, que supere
isso.
“Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo”, e o nosso Senhor lhe disse: “Eu te digo que
tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mateus 16:16-18). Aí
está aprimeira utilidade da analogia; aí está abase sobre a qual todos os outros
têm edificado. Espero referir-me a essa declaração particular mais adiante, para
que tenhamos algum entendimento do que o nosso Senhor quis dizer com ela;
mas ela é tratada aqui pelo apóstolo, indireta e implicitamente.
Também diz a mesma coisa quando ele lembra a esses coríntios, no capítulo seis,
versículo dezenove, que o Espírito Santo habita neles. Ele está pensando mais
nos indivíduos do que na Igreja, porém isso faz parte do mesmo conceito. “Não
sois de vós mesmos, fostes comprados por bom preço.” O apóstolo lhes diz que
não cometam certos pecados do corpo. Por quê? Porque “o vosso corpo é o
templo do Espírito Santo, que habita em vós”. Há aindauma declaração muito
notável na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo seis, versículo dezesseis,
onde ele diz:
“Que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo
do Deus vi vente, como Deus disse: neles habitarei, e entre eles eu andarei.,Aí
está, mais uma vez, a Igreja como templo do Deus vivo. De novo vocês o têm na
Primeira Epístola a Timóteo, capítulo três, versículo quinze. Cito todas estas
passagens para mostrar quão vitalmente importante é esta doutrinano ensino do
Novo Testamento. “Mas, se (eu) tardar”, diz Paulo a Timóteo, “para que saibais
como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e
firmeza da verdade.” Continua sendo a mesma idéia. E o apóstolo Pedro faz
uso da mesma ilustração. Diz ele: “Vós também, como pedras vivas,
sois edificados casa espiritual...” (1 Pedro 2:5). Há outros exemplos que também
poderiam ser citados, mas estes são os principais.
Com todas estas passagens em nossas mentes, vejamos o que o apóstolo nos está
ensinando realmente neste ponto do nosso capítulo. Parece-me que podemos
dividir a sua declaração em duas partes principais. Primeiro, há nela uma
afirmação geral acerca desta idéia de Igreja, especialmente em termos de
unidade e privilégio; segundo, há nela verdadeiros detalhes daconstrução.
Sempre que você examinar um edifício, é importante que tenhaem mente essas
duas coisas. Você pode ter uma visão geral do edifício; há certas características
marcantes que você poderá notar imediatamente. Todavia, depois há aquele
outro aspecto que se deve estudar num edifício - o exame dos alicerces,
em detalhe, o processo empregado na construção das paredes, e o que mantém
toda a estrutura interligada. Há esse aspecto, o lado mais mecânico. De maneira
fascinante, o apóstolo trata aqui de ambos os aspectos.
A primeira coisa que o apóstolo nos diz é que a Igreja é um edifício que está em
processo de edificação. Não conheço melhor maneira de pensar na era atual, na
presente dispensação, do que simplesmente ver a Igreja desse modo. Que é que
Deus está fazendo no presente? Que será que na verdade Deus tem feito desde
que o nosso Senhor completou a Sua obra e retomou ao céu? Que é que na
verdade Deus tem feito desde a queda do homem? A resposta é que Deus está
erigindo um edifício, e esse edifício é a Igreja. Este é um processo que está em
andamento. E o apóstolo nos dá idéia disso aqui, com estas palavras, “edificados
sobre
o fundamento”, ou, mais precisamente, “que estão sendo edificados sobre”. Está
presente ai a idéia de processo. E também noutra expressão, “no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor”. Vocês podem ver o
processo em andamento, um edifício crescendo para o alto e aumentando. Gosto
de pensar nisso como um quadro descritivo daquilo que está acontecendo no
mundo. Vocês podem ler os livros da história secular, podem examinar a história
do mundo e da raça humana como o faz o homem de mentalidade secular, e
verão que é muito difícil formular alguma idéia disso tudo; mas quando o
examinam do ponto de vista da Bíblia, vêem claramente o que está acontecendo.
Deus tem um grande plano. Ele é o Arquiteto eterno, que traçou a Sua planta e as
especificações, e está edificando. E de cada geração Ele está retirando certas
pedras, escavando as pedreiras, extraindo as pedras, levando-as da maneira que
espero descrever posteriormente, e adicionando-as ao edifício. Em algumas
gerações houve poderosos avivamentos e houve grande acréscimo, podendo-se
ver o edifício como que saltando para o alto; porém também há períodos em que
parece não acontecer nada, e um observador casual poderia dizer que não
hácrescimento, que não há expansão, que as paredes não sobem nada e que nada
acontece. E, contudo, o edifício está crescendo, uma pedra aqui, outra ali, talvez.
É tudo parte deste grande processo.
Pois bem, devo ressaltar logo o segundo ponto sugerido na passagem em foco,
que é o seguinte: este processo é vital. Outra vez devo anotar como é fascinante
observar como opera a mente do apóstolo. Ele deve ter percebido, logo que
começou com esta concepção, que as pessoas poderiam pensar na Igreja, e no
edifício da Igreja, de maneira mecânica. Põe-se tijolo em cima de tijolo,
acrescenta-se pedra a pedra, coloca-se um pouco de reboco, etc. - o que é mais
mecânico do que edificar? O apóstolo, penso eu, teve tanto receio de que as
pessoas o entendessem mal dessa maneira, que estranhamente introduziu a
palavra “cresce”: “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce...” Um edifício
pode crescer? Segundo o apóstolo, pode; e, a fim de tornar isso claro, ele quase
incorre no erro, na verdade incorre no erro de misturar as suas metáforas. Ele
mistura a metáfora do crescimento das flores, da relva, com a de um edifício
desenvolvendo-se, erguendo-se, estendendo-se e indo para cima. É interessante
notar que no capítulo três da Primeira Epístola aos Coríntios ele também põe
estas duas idéias lado a lado. Diz ele no versículo nove: “Porque nós somos
cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus”. Ao mesmo
tempo o apóstolo se refere a si próprio como agricultor e como arquiteto.
Vocês, diz ele, são como uma lavoura de trigo, e são também um edifício.
Ele coloca as duas idéias juntas e parece fundi-las numa só. O edifício crescendo
- um processo vital.
O apóstolo Pedro faz a mesma coisa. Se ele recebeu de Paulo a idéia ou não, eu
não sei. (Sabemos que ele tinha lido as cartas de Paulo porque ele nos disse que
algumas delas eram um pouco difíceis de entender 2 Pedro3:15-16).) Vocês
notaram as palavras de 1 Pedro 2:5 quehá pouco citei: “Vós também, como
pedras vivas...”? Uma pedra pode ser viva, pode estar viva? Há vitalidade numa
pedra? Pedro afirma que há, pois esta é a sua metáfora: “Vós também, como
pedras vivas, sois edificados casa espiritual”.
Na verdade aqui, no versículo 22, o apóstolo expõe também a mesma idéia: “no
qual todo o edifício, bem ajustado” - bem ajustado! Ele faz uso desta mesma
idéia no capítulo quatro quando, falando sobre o corpo, diz: “Do qual todo o
corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas”. Ora, tudo isso é
muito simples no caso do corpo, mas seria tão evidente no caso de umaparede,
no caso de um edifício? A única maneira de entender isso, de acordo com o
apóstolo, é captar a idéia de que se trata de um edifício vital, um edifício vivo.
Esta é uma das coisas que precisam ser expostas com ênfase urgentemente hoje.
Há toda a diferença do mundo entre apenas acrescentar nomes
Isso me leva ao meu terceiro comentário. Vocês notam que o apóstolo diz que
este é um “templo santo ”. Quando você anda em volta deste templo e o
examina, qual a sua impressão maior? Bem, diz o apóstolo, a impressão maior
que ele causa é de “santidade”. Ele não diz uma palavra sobre o seu tamanho,
não fala nada sobre o seu caráter ornamental. Não diz nada sobre algo nele que
se preste para exibição. Contudo, ele diz que o templo é santo. Essa é a sua
grande característica, “...cresce para templo santo no Senhor.” “No qual também
vós sois edificados para morada de Deus em Espírito” (ou, “mediante o
Espírito”, VA). Ah, como temos esquecido esta característica! Quão tristemente
está sendo esquecida hoje! Certamente foi essa a fatalidade que aconteceu
quando Constantino ligou o Estado romano à Igreja Cristã. Foi esquecido que ela
é um templo santo, que a principal característica da Igreja sempre é que ela seja
santa - não que ela seja grande e influente. Decerto vocês se lembram da
afirmação que um homem fez, talvez em parte brincando, mas como é
verdadeira! Discutindo a questão dos milagres na Igreja, este homem assinalou
que era quando a Igreja podia dizer: “Não tenho prata nem ouro”, que ela
podia continuar, dizendo, “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e
anda” (Atos 3:6). Atualmente a Igreja não pode fazer nenhuma
dessas afirmações. Ela tem prata e ouro, tornou-se grande e poderosa, todavia se
esqueceu da santidade. No entanto, esta é a característica do templo, “um povo
santo”, “um local de encontro para Deus nele habitar”.
O ÚNICO FUNDAMENTO
Vimos que o apóstolo utiliza aqui três figuras a fim de transmitir a estes cristãos
efésios uma verdadeira concepção de sua posição na Igreja Cristã e, portanto,
uma verdadeira concepção da natureza da própria Igreja Cristã. Já tratamos de
duas delas. A primeira foi a figura de um Estado, de um reino, um país. Todos
nós somos membros, somos cidadãos do reino de Deus. Mas, na segunda figura
ele compara a Igreja com uma família. E todos nós somos filhos de Deus e
membros da família de Deus. No entanto, mesmo isso não foi suficiente.
Ele prossegue e passa a esta terceira figura, que já começamos a estudar, a figura
da Igreja de Deus como um grande edifício em que Deus habita.
Já os fiz lembrar, e agora os faço lembrar de novo, que existem dois grandes
princípios que devemos ter firmemente no primeiro plano das
preocupar-se. Você não pode viver isoladamente. Todos nós vivemos juntos,
temos comunhão uns com os outros. “Nenhum de nós vive para si, e nenhum
morre para si” (Romanos 14:7). E a verdade é que se não pensarmos nestas
questões, acabaremos sendo influenciados por outros e acabaremos sendo
envolvidos em suas decisões. Permitam-me usar uma ilustração. Lemos
constantemente nos jornais em nossos dias que o real problema do mundo
industrial, quanto às greves e conflitos, é em grande parte causado pelo fato de
que, em sua imensa maioria, os membros dos sindicatos simplesmente não se
dão ao trabalho de ir às reuniões e votar. O resultado é que poucas pessoas, que
podem ser comunistas, sempre vão, e visto que eles vão e os outros não, mas
deixam que as questões se decidam à revelia, o programa de um sindicato
pode muito bem ser governado por um pequenino grupo de pessoas, ao
passo que todos os outros, que poderiam não estar de acordo, têm que seguir as
decisões tomadas. A pura negligência e indolência, a recusa a interessar-se
ativamente, permite que a situação vá à revelia. Exatamente a mesma coisa
poderá acontecer na Igreja. Muitas vezes aconteceu que cristãos, em sua
indolência, e negando-se a incomodar-se e a dedicar suas mentes a estas coisas,
permitiram que decisões fossem tomadas em lugar deles por um pequeno grupo
de oficiais. E nosso dever, digo eu, como cristãos, entender algo daquilo que o
apóstolo ensina aqui referente a esta questão de unidade.
Pois bem, quando dizem coisas desse tipo, não gostamos; entretanto quando
precisamente o mesmo argumento é utilizado dentro do protestantismo, achamos
que o argumento é maravilhoso. Mas o princípio continua sendo exatamente o
mesmo. Não se começa, e não se deve começar com unidade. A unidade é algo
que resulta doutra coisa. Não se pode criar unidade. Vejam, por exemplo, esta
figura que o apóstolo usou acerca da família. A unidade que existe entre os
membros de uma família não é criada artificialmente. A unidade é inevitável
por causa do relacionamento deles. E toda forma de unidade é assim também. A
unidade é um resultado. Não se parte da unidade; a unidade é algo que existe
porque certos princípios fundamentais estão em operação.
Consideremos outra ilustração. Há poucos anos lemos nos jornais sobre o modo
como foi celebrado o décimo aniversário da fundação da Organização das
Nações Unidas. Com relação a esse evento tiveram uma reunião à qual
chamaram “Festival da Fé”. E o festival da fé consistiu num grande culto em que
judeus, maometanos, hindus, budistas, confucionistas e cristãos participaram
juntos e juntos recitaram as mesmas orações. O argumento era o seguinte - e
quantas vezes este argumento é utilizado hoje! - as pessoas diziam: todos nós
cremos no mesmo Deus. Os maometanos, os hindus, os budistas, os cristãos,
todos crêem no mesmo Deus. A verdade é como uma grande montanha; há
um só pico, todavia há muitos caminhos que levam para lá. Por que eu deveria
dizer que só eu estou certo? Que direito têm os cristãos de dizer que só eles estão
certos e que todos os outros estão errados? Não importa que caminho você siga
para subir a montanha, contanto que você chegue ao topo. Portanto, juntemo-nos
todos num grande festival da fé, num festival das crenças, num grande
congresso, num congresso mundial das religiões. Cremos no mesmo Deus; logo,
porque brigar por causa destas coisas? Esse é o tipo de argumento que seusa
hoje. As vezes me pergunto o que estas pessoas pensariam de Paulo se ele
vivesse hoje. Pergunto-me o que muitos membros da Igreja Cristã diriam dele.
Notem o que ele diz aos gálatas: “Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”
(Gálatas 1:8). Ah, diriam eles, que homem impossível, que individualista,
queisolacionista! Só ele está certo, todos os outros estão errados. Ele não quer
saber de entrar conosco, está sempre fora, em certos pontos. Acaso não é
evidente que, às vezes, por deixar-nos influenciar por prosas gerais e vagas, nós
nos tornamos completamente
Ele toca no mesmo ponto numa frase do princípio do capítulo nove da Primeira
Epístola aos Coríntios. “Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Não vi eu a Jesus
Cristo Senhor nosso?” Essa é a prova de que ele é um apóstolo. No entanto, não
somente isso! Um apóstolo era alguém especialmente chamado, designado e
enviado como pregador do
evangelho pelo próprio Senhor ressurreto. Essa é também uma parte vital da
vocação de um apóstolo. Leiam o capítulo vinte e seis do livro de Atos, e verão
ali o relato de como o Senhor comissionou pessoalmente o apóstolo Paulo no
caminho de Damasco. Assim, o apóstolo é alguém que, tendo visto o Senhor
ressurreto dentre os mortos, foi especialmente comissionado por Cristo para ir e
pregar a mensagem. Além disso, aos apóstolos era dada uma autoridade muito
especial. Recebiam o poder de operar milagres e de fundar igrejas, e estas
coisas eram um atestado da sua autoridade como apóstolos. Essas eram, então, as
três principais características de um apóstolo. Veremos num instante quão vital é
que as tenhamos todas em mente. Sem essas três qualidades nenhum homem
poderia ser apóstolo, e isso torna a “sucessão apostólica” uma impossibilidade.
Passemos agora aos profetas .Queé um profeta ? Tem havido muita discussão a
respeito. Os comentaristas mais antigos concordavam todos em dizer que esta
palavra “profeta” refere-se aos profetas do Velho Testamento, aqueles que
profetizaram a vinda de Cristo, a vinda do reino, e nesse sentido estabeleceram
um fundamento. Mas, por outro lado também há muitos que são da opinião de
que não é uma referência aos profetas do Velho Testamento, e sim, uma
referência aos profetas do Novo Testamento, aos profetas que agiam na Igreja do
Novo Testamento. Eles argumentam que tem que ser esse o caso pois, se
o apóstolo estivesse pensando nos profetas do Velho Testamento, teria dito
“sobre o fundamento dos profetas e dos apóstolos”; contudo ele diz, “sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas”. Portanto, é evidente que ele estava
pensando em termos doNovo Testamento. Eles vão mais longe e dizem que o
apóstolo faz a mesma coisa no versículo cinco do capítulo três, onde lemos: “O
qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem
sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas”. E ainda, no
versículo onze do capítulo quatro, ele diz: “E ele mesmo deu uns para
apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para
pastores e doutores” (ou “pastores e mestres”). Assim, com base nestas
coisas, eles argumentam que a referência é patentemente aos profetas do
Novo Testamento, aos profetas da Igreja Cristã.
Isso então levanta a questão: que é um profeta? - quer na antiga dispensação quer
na nova, A resposta é que profeta é alguém que recebe uma mensagem direta de
Deus. Profeta é aquele a quem a verdade é revelada diretamente pelo Espírito -
não como resultado da leitura das Escrituras ou de alguma outra coisa, mas por
uma mensagem dada
diretamente, mensagem que, por sua vez, ele transmite a outros. O apóstolo o
define para nós: “o que profetiza”, diz ele, “fala aos homens para edificação,
exortação e consolação” (1 Coríntios 14:3). Na Igreja Cristã dos primeiros
tempos havia os chamados profetas. Os cristãos não tinham então as Escrituras
do Novo Testamento; não dispunham nem dos Evangelhos nem das Epístolas;
porém havia aqueles que recebiam elementos da verdade e entendimento
espirituais por revelação e eram habilitados a proferi-los. O profeta do Velho
Testamento fazia exatamente a mesma coisa. Deus lhe revelava verdades e o
habilitava a proferi-las. Essa é a característica do profeta.
Mas isso, por seu turno, leva ao segundo aspecto, e este, provavelmente, tinha
maior presença na mente do apóstolo do que o primeiro -o ensino dos apóstolos
e dos profetas. Este é, por excelência, o fundamento, afinal de contas. Nenhum
de nós poderia pertencer à Igreja sem crer. E como resultado da nossa crença que
obtemos todos os nossos benefícios, e que nos tornamos o que somos. A
diferença existente entre cristãos e não cristãos é a que existe entre crentes e
incrédulos. Os incrédulos não estão na Igreja; os crentes estão. No que é que
aqueles crentes criam? Criam no ensino. Assim é que, em última análise,
o fundamento é o ensino dos apóstolos e dos profetas, a sua doutrina.
Eles ensinavam o que eles mesmos criam; eles davam expressão à fé por aquilo
que eles viviam; portanto, as duas coisas são realmente uma só.
Essa é, pois, a verdade vital que nos cabe entender e fixar num tempo como este.
O que faz de nós membros da Igreja, o que faz de nós parte deste grande templo,
deste edifício maravilhoso que está sendo construído, é a nossa fé, é a nossa
aceitação do ensino, da doutrina. Isso é básico e fundamental. Foi sobre isso que
o apóstolo escreveu no capítulo primeiro da Epístola aos Gálatas. “Maravilho-
me de que tão depressa passásseis” - vocês podem notar quão abruptamente ele o
diz. Imediatamente após a sua breve saudação preliminar, ele diz: “Maravilho-
me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo
para outro evangelho; o qual não é outro” - porque não há outro, e não pode
haver outro. Como ele fala forte e dogmaticamente! Gostemos ou não, o
cristianismo é uma fé muito intolerante. Diz ele que isto, e somente isto, é
verdadeiro. O apóstolo diz até: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie um outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja
anátema”! (Gálatas 1:8).
Não há outro evangelho. “Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto” (1 Coríntios 3:11). Noutras palavras, a única base da unidade hoje,
como foi a única base da Igreja Primitiva, é a mensagem apostólica. E seja o que
for que os homens pensem ou digam, devemos asseverar isso. Chamem-nos
intolerantes, isolacionistas, ou o que quiserem, devemos tomar posição com este
homem de Deus! O que importa não é a minha opinião ou a de outro qualquer, o
que importa é - que é que aPalavra ensina? Que é que os apóstolos ensinam?
Fora disso não reconheço nada. O que importa não é o conhecimento moderno,
ou a pesquisa ou o entendimento moderno, ou a idéia moderna sobre Deus. O
que estes homens ensinaram é o único evangelho.
Pois bem, evidentemente, isso é algo que se pode definir. Se não se pudesse
definir, como poderia o apóstolo repreender os gálatas? Eles sabiam o que ele
ensinava e ele lhes lembra o conteúdo do seu ensino. A idéia de que o
cristianismo é tão maravilhoso que não há como defini-lo, que é um espírito tão
maravilhoso que não pode ser reduzido a proposições, é uma negação do ensino
do Novo Testamento. As Epístolas foram escritas para que soubéssemos o que
cremos e o que exatamente representamos. Nenhum de nós pode alegar
ignorância deste ensino; tudo isso está neste capítulo dois da Epístola aos
Efésios. E o fundamento é este - que o homem, por natureza, está morto
em ofensas e pecados; que ele está sob a ira de Deus. E o apóstolo que o diz. E,
portanto, se você não crê que o homem, por natureza, está morto em ofensas e
pecados, e que a ira de Deus sobre o pecado é uma realidade, seja qual for a
verdade sobre você, você não está neste santo templo no
Senhor, no qual Deus habita. Esta é uma parte essencial do fundamento. Todavia,
graças a Deus, o ensino não pára aí, vai adiante e nos fala da graça de Deus. Vai
adiante e nos fala do Senhor Jesus Cristo, da Sua Pessoa e da Suaobra. Diz-nos
aindaqueEle é o Filho Unigênito de Deus. Mesmo que alguém se diga cristão, se
não crê na deidade de Cristo, eu digo que ele não é cristão! Eu tenho que ser
intolerante! Não posso fazer concessão neste ponto. Se Cristo não é o Filho de
Deus, eu continuo em meus pecados e vou para o inferno.
E quanto à Sua obra? Acaso teríamos notado, enquanto vamos percorrendo este
capítulo dois - e deliberadamente tomei bastante tempo, porque não posso
estudar superficialmente estas coisas - teríamos notado a ênfase ao sangue de
Cristo? Épor Sua morte, por Sua morte sacrificial, pelo fato dElenos substituir
para sofrer a punição dos nossos pecados, é que somos salvos. E pelo sangue de
Cristo! “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e
chamados incircuncisão... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados
da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos dapromessa, não
tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós,
que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Pelo sangue
de Cristo! E contudo há os que zombam do sangue de Cristo! Há pessoas que se
dizem cristãs e que zombam disso! Nas grandes denominações há líderes que
afirmam que é escandaloso falar em expiação vicária. E me pedem que me una a
eles em comunhão. Como posso fazê-lo? É impossível. Não tenho escolha; esta
questão é fundamental. O sangue de Cristo! “Meu pecado Ele levou em Seu
corpo no madeiro.” E unicamente pelo Seu sangue que eu sou posto em
liberdade, e pelo poder de Deus na regeneração, e pelo dom do Espírito. A união
com Cristo! Essa é a doutrina - tudo isso o apóstolo nos vem ensinando
neste capítulo maravilhoso.
É esse, então, o fundamento dos apóstolos e dos profetas. Não uma vaga prosa
acerca do cristianismo! Não um espírito maravilhoso segundo o qual nos
amamos uns aos outros, mantemo-nos juntos e não nos preocupamos com
definições! Se vocês quiserem esse tipo de unidade espúria, poderão tê-la, mas
quando chegar “o dia” e chegar o juízo, vocês verão que o que o apóstolo disse
escrevendo aos coríntios, “Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto”, é a única verdade. Ele pregava a “Jesus Cristo, e este crucificado”,
com a exclusão de tudo o mais. Ele era intolerante. Não dêem ouvidos a
esse outro ensino, ele diz aos gálatas, é espúrio, é uma mentira, não é evangelho,
é uma negação do evangelho. O fundamento dos apóstolos
Tracemos agora algumas deduções muito atuais desta doutrina. A primeira é que
a Igreja é fundada não somente no apóstolo Pedro, mas nos apóstolos e nos
profetas - todos os apóstolos e profetas. Essa é a nossa resposta ao catolicismo
romano, e na verdade é simples assim. Ora, dirá alguém, que dizer de Mateus,
capítulo 16, quando em Cesaréia de Filipe, o nosso Senhor diz: “Tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha igreja”? - deve ter sido unicamente Pedro. A
resposta é o que eu disse há pouco, que essa foi a confissão de Pedro. Pedro
tinha acabado de fazer a sua grande confissão! O nosso Senhor dirigira aos
Seus discípulos a pergunta: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?”
“Uns, João Batista, outros, Elias, e outros, Jeremias ou um dos profetas.” “E vós,
quem dizeis que eu sou?”, indagou o nosso Senhor. E Pedro, adiantou-se como
porta-voz, como era seu hábito e disse: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. E
o Senhor lhe respondeu, dizendo: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas,
porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus”. Que
é que isso quer dizer? Tendo visto a verdade, Pedro a confessa, e sobre essa
rocha Cristo diz que construirá a Sua Igreja. A confissão, a crença, a fé! E essa
verdade não se refere somente a Pedro. O apóstolo não está contradizendo
o ensino de nosso Senhor aqui. Segundo o ensino católico-romano, ele estava
fazendo isso. Muitos contrastam o ensino de Cristo com o ensino de Paulo, mas
não há nenhuma contradição. O fundamento são os apóstolos e os profetas, todos
eles, não somente Pedro. Esta é confissão feita primeiramente pelos apóstolos e
pelos profetas. Esse é o único fundamento da Igreja Cristã. E, portanto, não
podemos juntar-nos aos que dizem que toda ela está fundada somente em Pedro
e que tudo depende de Pedro. Essa é uma base falsa.
Mas é igualmente importante que tiremos esta segunda dedução, que, à luz do
que vimos que caracteriza os apóstolos e os profetas, não pode haver repetição
de apóstolos e profetas. Eles são o alicerce. Não se repete um alicerce. O
alicerce é lançado de uma vez por todas. E, portanto, toda conversa sobre
sucessão apostólica é uma negação do nosso texto. Não há sucessores especiais
dos apóstolos. Na verdade não há sucessores dos apóstolos, nenhum sucessor.
Apóstolo era um homem que tinha visto o Senhor ressurreto e, portanto, podia
ser uma testemunha da ressurreição. Há dessas pessoas hoje? Apóstolo era
alguém especialmente comissionado pelo Senhor, de maneira visível. Há
dessas pessoas hoje? Eram-lhe dados poderes especiais, milagres e outros, e
Isso me leva à terceira dedução, que coloco desta forma: obviamente, não pode
haver acréscimo a este fundamento. No que se refere ao ensino, quero dizer. Se
o fundamento é o ensino dos apóstolos, não se pode acrescentar nada a ele. Por
isso não creio na “Imaculada Conceição”; não creio na “Assunção” da virgem
Maria; não creio em nenhuma das outras coisas que a igreja romana acrescentou,
e que outras igrejas acrescentaram. Nada se pode acrescentar a um alicerce, e
nada se pode tirar dele. Temos aqui um corpus de verdade, um corpo
de doutrina. Você não pode acrescentar nada a um alicerce, não pode subtrair
nada dele, não pode tocá-lo. Você pode pensar que pode, mas estará enganado. O
que você estará fazendo é simplesmente pôr-se fora do edifício. O alicerce tem
que ser lançado uma vez e para sempre, e nunca poderá ser repetido. Deus é o
Construtor, eEle constrói sobre “o fundamento dos apóstolos e dos profetas”.
Assim é que a próxima dedução, muito prática, é que não basta dizermos que
somos cristãos ou que queremos ser cristãos, e que nada mais é necessário. A
questão vital é: em que você crê? Você não poderá ser cristão se não souber o
que você crê. É impossível. É a verdade que nos leva a Deus, é pela verdade que
nós somos santificados. Somente quando conhecemos a verdade concernente ao
nosso bendito Senhor e Salvador, anós mesmos e anossa necessidade, e oque
Deus fez pela Sua graça, é que podemos ser partes e parcelas deste grande
edifício.
Portanto, a minha derradeira dedução terá de ser que, falar em 2
Portanto, as perguntas práticas que fazemos a nós mesmos são estas: eu sei o que
creio acerca do Senhor Jesus Cristo? Eu O conheço? Eu estou nEle, nesta relação
vital? Teremos que responder estas perguntas, porque o apóstolo trata dessa
questão em detalhe. “No qual todo o edifício”, diz ele, “bem ajustado...”. Se essa
verdade não diz respeito a nós, não estamos nEle. Mas no momento eu me limito
à questão do fundamento. Você está solidamente baseado no fundamento dos
apóstolos e dos profetas? Ou só está interessado num cristianismo
vago e nebuloso que diz que você não deve preocupar-se com doutrina porque a
doutrina separa? É essa a sua posição? Certamente não era a posição do homem
que disse: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro
evangelho... seja anátema”. Temos que saber em quem temos crido. Temos que
saber o que cremos. Este apóstolo fala em “meu evangelho”; e não há outro
evangelho. É o seu? Você sabe e confessa que, como você era por natureza, era
um filho da ira e estava morto em ofensas e pecados? E que, não fora a graça de
Deus em Jesus Cristo, não fora a Sua morte expiatória, sacrificial e vicária, você
ainda estaria nesta situação? Você sabe que Ele morreu por você, que Ele Se deu
por você e pelos seus pecados, que pelo poder do Seu Espírito Santo Ele o
regenerou, Ele o vivificou e o ressuscitou da morte resultante do pecado, que
você até está assentado nos lugares celestiais com Cristo, porque você está nEle
e está ligado a Ele, pela graça de Deus?
Passamos agora a mais um estudo desta terceira figura. Tivemos uma visão geral
do assunto, mas também observamos que o apóstolo não se contenta só com
isso, embora seja importante. Em acréscimo a oferecer-nos uma descrição geral
do edifício e, portanto, da natureza e do caráter da unidade própria da Igreja, o
apóstolo trata também dos detalhes da planta e das especificações.
Agora, tendo feito isso, a próxima coisa da qual o apóstolo trata, a próxima
coisanaqual evidentemente estamos interessados, é esta: onde nós entramos nisso
tudo? Somos edificados sobre o fundamento, somos partes integrantes das
paredes que estão subindo neste processo em que se vai erguendo este grande
templo que Deus está construindo para Si e para a Sua habitação, este templo
santo no Senhor. Noutras palavras, passamos agora a estudar a nossa parte, o
nosso lugar e a nossa posição neste admirável edifício de Deus. O apóstolo
regozija-se no fato de que os efésios estão sendo edificados no edifício. A obra
tinha começado antes deles entrarem, mas eles são acrescentados a ele, são
colocados nele, e assim prossegue a edificação. Outros, muitos outros, entraram
Devemos ter em mente três coisas. Obviamente, cada parte desta estrutura tem
que estar numa relação especial com o fundamento. Quase não é preciso dizer
isso e, contudo, é um ponto tão importante que eu devo salientá-lo outra vez.
Num templo como este que está sendo construído, em qualquer edifício grande e
magnífico, sempre tem que haver correspondência entre as diversas partes. Você
não pode por material falsificado aqui e ali num edifício perfeito. Se você vai
erigir um edifício incomum, um grande e santo templo, cada parte terá
que corresponder às demais. E assim é vital que nos lembremos de que
nós, como partes individuais deste grande templo de Deus,
devemos corresponder ao fundamento, devemos estar verdadeira e corretamente
relacionados com esse fundamento. Isso é algo de importância crucial.
Permitam-me lembrá-los da maneira como o apóstolo expressou essa verdade no
capítulo três da Primeira Espístola aos Coríntios. Trata-se de uma palavra
particularmente dirigida àqueles de nós que temos o privilégio de pregar e de
servir como pastores. Somos edificadores sob Deus, somos Seus colaboradores.
E eis o que o apóstolo diz: “Ninguém pode por outro fundamento além do que já
está posto”. “Mas veja cada um como edifica sobre ele.”
Você pode edificar sobre ele, diz o apóstolo, com ouro ou prata ou com metais
preciosos. Isso tem valor; mas também há os que querem construir com madeira,
feno e palha; e isso não é nada bom. A madeira, o feno e a palha não são
coerentes com o fundamento que foi posto. O fundamento é tão precioso, e a
principal pedra da esquina é tão preciosa, que nada senão ouro ou prata ou
metais preciosos são adequados. Colocar ali madeira, feno e palha é uma
indignidade. Não somente isso, diz ele; estas coisas não resistirão, afinal. Esta
obra será submetida a prova - “o dia a declarará”. E ela será provada pelo fogo.
E quando for posto o fogo, a madeira, o feno, apalha e a serragem desaparecerão
num momento e não restará nada. Um edifício construído com material de
má qualidade nunca passa naprova. Há gente que fica tão ansiosa pela
rápida construção de um edifício que não toma cuidado com o que põe
nas paredes - qualquer coisa serve para levantá-las, e depois se cobre tudo
Portanto, diz o apóstolo, vejacada homem como constrói sobre este fundamento.
Noutras palavras, o ponto é que o dever deste construtor auxiliar não é
simplesmente levantar uma parede, mas certificar-se de que tudo o que vai
dentro dela está em harmonia com o fundamento. Ele não deve edificar na Igreja
apenas número num papel ou num rol, todavia aqueles que realmente estão
firmados no fundamento da fé. O tipo de gente que quer ser cristão só para obter
certos benefícios, não pode entrar nesta parede. Somente podem aqueles que
compreendem que estão mortos em ofensas e pecados, completamente sem
esperança e em desamparo, e que dependem unicamente da graça de Deus em
Cristo para a sua salvação; que compreendem que, se Ele não tivesse derramado
o Seu sangue por eles e por seus pecados, eles ainda estariam perdidos, e que
confiam somente na expiação de Cristo, expiação vicária, sacrificial, perfeita e
consumada, e no poder do Espírito Santo - somente estes entram nestas paredes.
Não aqueles que meramente foram habituados a freqüentar um local de culto ou
que têm moralidade razoável. Tem que haver esta relação definida com o único e
exclusivo fundamento.
Se você não der assentimento intelectual a estas verdades, certamente você não
estará no edifício. Mas, meramente subscrever estes princípios não basta. Temos
que “estar em Cristo”. Temos que estar ligados a Cristo. Temos que conhecer
esta união vital, esta relação vital com Ele. A principal pedra da esquina mantém
todas as partes juntas - razão pela qual o apóstolo vai repetindo: “...no qual todo
o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também
vós juntamente sois edificados...”. O capítulo todo dá ênfase a isso. Fomos
vivificados juntamente com Cristo, fomos ressuscitados juntamente com Cristo,
e juntos nos assentamos nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Não se pode fugir
disso, é algo que não se pode evitar. Não somente cremos e aceitamos a verdade
como está em Cristo Jesus, temos que ser incorporados nEle, temos que estar em
união vital com Ele. “Eu sou a videira, vós as varas”, disse Ele, e a idéia é a
mesma. De modo que, como membros, como partes deste grande edifício,
estamos relacionados com o fundamento, e todos nós estamos relacionados com
Ele desta maneira mística e vital.
Algumas das outras ilustrações que o apóstolo utiliza expõem isso com maior
clareza. A ilustração do corpo, que já vimos de relance, faz isso de maneira ainda
mais perfeita. O corpo não é uma junção de partes afixadas umas nas outras. A
essência da unidade de um corpo é que a sua unidade é vital e orgânica. Não se
forma um corpo afixando os dedos às mãos, as mãos aos punhos, e os punhos
aos braços. Ao contrário, eles são vital, íntima e organicamente relacionados.
Assim todos nós somos relacionados com Cristo, em Cristo, somos partes dEle,
pertencentes a Ele, e somos mantidos juntos por Ele. Isso é também, então,
obviamente, uma coisa de fundamental importância.
Isso nos leva ao terceiro ponto, ponto que devemos considerar em detalhe, qual
seja, a nossa relação uns com os outros. Pensem num edifício e nas pedras de
um edifício. Estão todas relacionadas com o fundamento, estão todas
relacionadas com a principal pedra da esquina, porém também estão
relacionadas umas com as outras. Não se pode ter uma parede sem que as suas
partes estejam interligadas. Este é um princípio que o apóstolo ilustra com esta
afirmação importante e pitoresca que no versículo vinte e um é traduzida pelas
palavras “adequada e conjuntamente ajustado” (VA) - “no qual todo o edifício”,
ou, como a temos na Versão Revista (inglesa, RV), “no qual todo edifício
adequada e conjuntamente ajustado”. A frase importante é “adequada e
conjuntamente ajustado”.
É uma expressão muito interessante. Temo-la aqui com três palavras (em inglês;
com duas em português, Almeida), mas na verdade o apóstolo utilizou somente
uma palavra no grego. Há outra coisa muito interessante acerca dessa palavra. É
uma palavra que só se acha aqui e no versículo dezesseis do capítulo quatro
desta Epístola, em toda a Bíblia. Não se acha em nenhum outro lugar. Contudo
há ainda outra coisa mais interessante sobre ela. É uma palavra que, obviamente,
foi feita, foi inventada e formada pelo próprio apóstolo. Ele não a copiou
de ninguém; ele não a tinha visto em lugar algum. Este é o primeiro
uso conhecido desta palavra. Dou ênfase a isso pela seguinte razão: obviamente
o apóstolo considerava este ponto particular como excepcionalmente importante,
tanto assim que ele cunhou uma palavra para expor a sua idéia. Todavia, apesar
de todo o trabalho tomado pelo apóstolo, é patética a maneira como algumas
traduções atualmente populares omitem completamente o significado exato.
Vejam, por exemplo, a Versão Revista Padrão (inglesa, RSV). Ela traduz a
palavra simplesmente por “unido juntamente”, deixando completamente de lado
o ponto específico dapalavra que o apóstolo cunhou. O apóstolo podia
ter empregado muitas outras palavras para expor a idéia de “unido juntamente”.
Moffatt chega um pouco mais perto. Ele diz, “caldeado juntamente”. Mas até
essa tradução é errada, pois não se caldeiam pedras juntamente, e toda a
concepção e toda a figura do apóstolo são em termos de edificar com pedras.
Tudo isso está envolvido. Há uma seleção pessoal e particular. Cada pedra é
selecionada e colocada individualmente na posição. Isso de produção em massa
não existia quando a construção era feita desse jeito, nos tempos antigos.
Quando se constrói com tijolos, um é tão bom como qualquer outro. Entretanto
não é assim com o tipo de edifício no qual o apóstolo estava pensando. Não foi
assim que o antigo templo de Jerusalém foi construído, e é essa afigura que
Paulo tem em mente. Não, ali há uma seleção deliberada, pessoal, particular e
individual. E, graças a Deus, isso caracteriza todo aquele que se toma cristão.
Não existe produção em massa na Igreja Cristã. Alguns parecem pensar que
existe, mas não existe, e não pode existir. Graças a Deus, num mundo em que o
individual está perdendo valor cada vez mais, ele fica bem no centro nestas
questões.
Todo esse assunto é também exposto pelo apóstolo no uso que faz da figura da
madeira, do feno e da palha, em 1 Coríntios, capítulo 3. O nosso Senhor deixou
isso claro em Sua parábola da rede que é lançada ao mar e recolhe grande
número, uma grande multidão de peixes; mas depois é feito um exame, e os bons
são mantidos e os maus são jogados fora. Eles ficam na rede por um momento,
porém não são mantidos, são devolvidos ao mar. O construtor apanha uma pedra.
Vai colocá-la na parede? Parece que ele vai usá-la. Mas não. Lá vai ela de volta,
jogada fora, rejeitada. Nem tudo que parece certo a mim e a vocês é certo
aos olhos de Deus. É um pensamento terrível este, mas a Bíblia o ensina em toda
parte. No Dia do Juízo haverá muitos que pensavam que estavam no edifício, no
entanto Cristo lhes dirá: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que
praticais a iniqüidade”. Trata-se de uma seleção individual, envolve uma
escolha, e uma rejeição. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é que as pedras deste edifício não são todas idênticas. Dêem
uma olhada nalgum magnífico edifício de pedra e
façam uma atenta busca desse ponto. As pedras não são iguais nem no tamanho,
nem na forma, nem em nenhuma outra coisa. São todas diferentes e , contudo,
estão harmoniosamente ajustadas e unidas, e fazem parte de uma parede
magnífica. Umas são muito grandes, outras são pequenas, outras são de tamanho
médio. Elas diferem no tamanho, na forma e em muitos outros aspectos. Torno a
dizer, graças a Deus por isso. Esse também é um ponto muito importante, que, ao
que me parece, é ignorado e esquecido hoje. Tive o privilégio de estar presente
numa discussão de pastores e clérigos há não muito tempo, na qual uma questão
muito pertinente foi levantada por um participante. Ele perguntou: por que será
que o cristianismo atual só parece atrair um tipo particular de gente? E
acrescentou: é evidente que não estamos sensibilizando as classes trabalhadoras,
assim chamadas. Só estamos sensibilizando uma certa classe, uma camada da
sociedade. Por que será? Em minha opinião era uma questão muito profunda.
Minha resposta foi que há algo radicalmente errado em nossa concepção
fundamental da Igreja. Atrair classes é o tipo de coisa ligada à psicologia, mas é
contrário ao gênio do cristianismo. A glória do cristianismo é que ele
sensibiliza todos os tipos, espécies e condições de homens. Este elemento
de variedade e variação, e de falta de mesmice, é sumamente interessante. A
característica essencial de uma parede de pedra em distinção de uma parede de
tijolo é que as pedras variam de tamanho, porém são ajustadas juntamente para
compor o modelo. Não há nenhuma uniformidade monótona e insípida na Igreja.
É uma característica das seitas que todos os seus seguidores tendem a ser sempre
idênticos. Na Igreja Cristã há diversidade na unidade. Portanto, sempre devemos
olhar com suspeita qualquer tipo de ensino que leve a uma espécie de mesmice
nos resultados. Há certas pessoas que, só pelo modo de falar e pelas frases que
empregam, quase contam a você onde foram convertidas. São produzidas em
massa, são todas amesmacoisa. Falam as mesmas coisas, e as falam da mesma
maneira, e fazem as mesmas coisas. São como uma série de selos postais. Não é
esse o princípio que o apóstolo está enunciando aqui. Nunca fomos destinados a
ser desse jeito, fomos destinados a ser diferentes. Todos na mesma parede, sim,
mas muito diferentes uns dos outros - alguns grandes, alguns médios,
alguns pequenos; alguns com esta forma, alguns com outra, porém
todos igualmente na parede. Essa é a verdadeira unidade, não a
uniformidade monótona e insípida que vemos hoje em muitos aspectos da vida,
e, lamentavelmente, na Igreja. Permitam-me expressá-lo com simplicidade e
clareza dizendo isto: como cristãos, não fomos destinados a ser
Nem todos fomos destinados a pregar. Mas há um ensino hoje que quaseparece
dizer que fomos. Assim que apessoaé convertida, tem que dar o seu testemunho,
e então pregar. Contudo nem todos nós fomos destinados apregar. Nem todos
fomos destinados a ir para algum campo missionário estrangeiro. Nem todos
fomos destinados a ser obreiros de tempo integral na causa de Deus. Há pessoas
que procuram passar a idéia de que fomos. Em suas conferências eles
pressionam os jovens, fazendo-os sentir que quase estarão pecando se não se
apresentarem como voluntários para as missões estrangeiras. Mas esse ensino é
muito falso. Não fomos destinados a ser iguais. Todos nós temos o nosso papel
a desempenhar, anossafunção arealizar; estanão é amesmaem cadacaso. Aí está a
pedra grande, que suporta um peso tremendo. Ali está a pedra pequena - é
igualmente importante, ajusta-se àquele ponto ao qual nenhuma outra coisa se
ajustaria.
Livremo-nos, pois, da idéia de que todos nós temos que ser iguais, e procuremos
descobrir o que Deus quer fazer conosco e o que Deus quer que nós sejamos. A
história da Igreja dá eloqüente testemunho do fato de que, às vezes, um cristão
obscuro e desconhecido, de quem a Igreja pouco ouvira falar, que passava o
tempo em oração e intercessão, fez muito mais do que os grandes pregadores
populares que edificaram com muita madeira, feno e palha, que não subsistirão
no Dia do Juízo. Aprendamos a ver estas coisas espiritualmente. Alguns de nós,
como cristãos, talvez sejam chamados simplesmente para serem bondosos com
as pessoas, para serem amigáveis e compreensivos, para fazerem pouco mais que
sentar-se e ouvi-las. Você pode ajudar tremendamente as pessoas apenas
ouvindo-as e deixando que descarreguem os seus corações. Mas há alguns de
nós que somos tão ativos e ocupados, e
falamos tanto, que nunca damos às pessoas oportunidade para falarem; nunca
temos tempo para ouvi-las e, portanto, não as ajudamos.
Procuremos captar bem este princípio vital - que há esta grande variedade e
variação nas pedras que devem estar no mesmo edifício, no mesmo templo santo
do Senhor, neste edifício de Deus. Você pode não ser grande e importante; bem,
não se glorie no fato de não ser, porém lembre-se de que o fato de não o ser não
significa que você não está no edifício. Ele sabe. Ele nos vê a todos. Voltemos a
1 Coríntios, capítulo 12, e vejamos como o apóstolo desenvolveu ali este
princípio minuciosamente, em termos do corpo. O corpo completo não é o olho,
não é o ouvido, não é a mão, não é o pé. Todas estas diferentes partes estão
no mesmo corpo, embora alguns sejam mais elegantes que outros. Todavia ele
acentua que as nossas partes menos elegantes são tão indispensáveis como as
mais elegantes. Portanto, não caiamos na tolice de desejar que todos sejamos
iguais e idênticos. Não pensemos em termos de produção em massa ou em
termos de tijolos. Pensemos numa parede de pedra, e demos graças a Deus que,
seja o que for que sejamos, Ele nos tomou e colocou na parede do Seu edifício, e
que Ele tanto nos conhece como conhece apedra grande, bem proporcionada e
sólida. E maravilhoso para mim, e estupendo o fato de que somos colocados ali
um por um, e que o cristão mais humilde é objeto de conhecimento de Deus
como o é o maior e mais poderoso santo, que Ele vê o lugar exato para nós na
parede e nos coloca ali; e nos coloca ali exatamente da mesma maneira
como coloca todos os demais.
Não tentemos, pois, atalhar ou violar o plano de Deus, o método de Deus e a Sua
maneira de edificar. Procuremos estar cientes deste terrível perigo psicológico
com que se defronta a Igreja hoje - a idéia de produção em massa, sempre
levando ao mesmo resultado e produzindo o mesmo tipo particular. E uma coisa
grave quando a Igreja só produz certo tipo de cristão e somente apela a certo tipo
ou classe de pessoa. Quando este evangelho é pregado corretamente, ele toca
todos os segmentos da sociedade. A história da Igreja o comprova. Operigo
hoje é entender que todos nós devemos ser meramente pessoas finas, tranqüilas e
respeitáveis, pessoas que ainda se apegam à moralidade própria, e que algreja só
deve consistir de tais pessoas - somente pessoas da classe média. Jamais houve
tal propósito. Reconsideremos a nossa pregação, o nosso ensino, e especialmente
os nossos métodos, para não acontecer que inconscientemente deslizemos para a
prática do método psicológico e, com isso, nos persuadamos de que estamos
construindo um edifício maravilhoso, para somente descobrir no fim que não
Como se faz? Pela pregação e pelo ensino. É esse o dever geral da pregação e do
ensino; é modelar-nos, preparar-nos. Todos nós temos estes estranhos ângulos e
arestas e, como somos por natureza, não nos ajustamos à construção. Estas
coisas têm que ser podadas. Angulosidades, grosserias, gente grosseira na Igreja!
Todos nós somos grosseiros, em certo sentido, uns mais, outros menos. Somos
pedras rudemente talhadas quando saímos dapedreira, como que arrancadas
delamedi ante uma explosão. Temos mais ou menos a forma geral certa, mas é
necessário muito trabalho com o cinzel antes de nos adequarmos bem aos
nossos lugares particulares na construção. E enquanto não formos
aparelhados, não seremos colocados nela. Como nos inclinamos a esquecer isso!
Se lermos o Novo Testamento, se dermos ouvido à pregação e ao
ensino, veremos a absoluta necessidade e urgência desta preparação. Há os
que dizem: sou deste tipo de pessoa. Sou daquele tipo de pessoa. Sempre tenho
que dizer o que tenho na cabeça. Se todos fossem assim, que tipo de igreja vocês
teriam? Que espécie de edifício vocês teriam, se todas as pedras fossem
pontudas e difíceis assim? Seria impossível, vocês não poderiam construir; estas
arestas têm que ser debastadas. Pois bem, é aí que entra a disciplina pessoal.
Temos que ser menos difíceis, como pessoas. Temos que ajustar-nos - adequada
e conjuntamente ajustados.
Ele não Se importará com você, Ele o jogará fora, e lá você poderá ficar com
todas as suas angulosidades e anomalias pelo resto da sua vida, dizendo: eu sou
deste tipo de pessoa! Muito bem! Seja esse tipo de pessoa! Saiba, contudo, que
você não está no templo santo do Senhor, e nunca estará, enquanto for desse j
eito. Esta é uma questão muito grave e solene, uma questão de importância
eterna para nós. Temos que ser amoldáveis, e que ajustar-nos uns aos outros, se é
que desejamos estar neste templo santo. Assim, se nós não compreendermos este
princípio, não virmos a importância desta preparação vital, e não nos
submetermos a ela, seremos rejeitados, e se não compreendermos isso no
tempo, certamente o compreenderemos na eternidade.
2
Em latim no original. Nota do Tradutor.
O CRESCIMENTO DA IGREJA
Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do povo cristão
e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma espécie de edifício,
um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai habitar de maneira mais
ampla e mais completa. Temos examinado esta figura de modo geral. Mas o
apóstolo não nos oferece meramente uma descrição geral deste edifício, ele nos
fala em detalhe sobre a planta e as especificações que foram obedecidas, e que
sempre deverão ser obedecidas, na construção deste edifício.
Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma delas pode
transmitir a verdade completa. E por isso que o apóstolo usa aqui três figuras
diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta maneira, ao tratar
anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu mostrei que certa dose de
preparação era necessária de antemão, e também que, em certo sentido,
apreparação continua a vida inteira. Essa
Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas pedras são
colocadas no edifício. “No qual também vós juntamente sois edificados”, diz
Paulo, “para morada de Deus”. Vocês efésios, diz ele, foram colocados neste
edifício, são partes agora desta construção, são partes deste grande templo que
está sendo erigido no Senhor para morada de Deus em Espírito (ou “mediante o
Espírito”, VA).
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: “Vós sois a carta de Cristo... escrita,
não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas
nas tábuas de carne do coração” (2 Coríntios 3:3). E uma obra interna, uma obra
misteriosa, que se realiza naquela parte do homem chamada alma. Certamente
vocês se lembram de um famoso anatomista que zombou da alma há alguns
anos. Disse ele que tinha dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e nunca
tinha encontrado um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é uma das coisas
secretas que um anatomista materialista não pode entender. Menos ainda
tal homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra é tão
secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo realizada não
sabe o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age
em nós durante algum tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo o que
sabemos é que estamos sendo levados a fazer certas perguntas que nunca
tínhamos feito antes. Tudo o que sabemos é que, de repente, ficamos insatisfeitos
com nós mesmos e com as nossas vidas, e não sabemos por quê. Alguém talvez
diga que não estamos bem e que deveríamos consultar um médico; e pode ser
que concordemos. Talvez pensemos que estamos cansados, ou procuremos
alguma outra explicação. E uma obra misteriosa. Novos interesses surgem,
novos anseios, desejos e aspirações, e dizemos: “Que será isso? Não entendo o
que se passa comigo. Parece que alguma coisa está acontecendo comigo.
Não sou mais o mesmo. Que será isso?” E não entendemos. Ignoramos esta obra
secreta que o Espírito está realizando. Mas aí está ela, e faz parte da preparação.
Esse trabalho era feito antes de as pedras serem levadas para Jerusalém.
grande apóstolo que exponha isso. Vejam como ele o faz na Primeira Epístola
aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele que quando o Senhor Jesus Cristo estava
neste mundo, os príncipes deste mundo não O reconheceram, pois, se O tivessem
reconhecido, “nunca crucificariam o Senhor da glória”. Eles viam simplesmente
um homem, o carpinteiro de Nazaré. Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam
admirados com o Seu conhecimento e com a Sua cultura; todavia não entendiam,
não sabiam que Ele era o Filho de Deus. Mas o apóstolo declara: “Deus no-
las revelou pelo Seu Espírito”; sim, pelo Espírito que “penetra todas as coisas,
ainda as profundezas de Deus”. Ele prossegue, dizendo: “Nós não recebemos o
espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos
conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”. E ainda: “O homem natural
não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e
não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. E então ele
acrescenta isto: “Aquele que é espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne
(ou, “julga” VA) bem tudo, e ele de ninguém é discernido (ou, “por ninguém é
julgado”). Noutras palavras, o cristão, por definição, deveria ser um problema e
um enigma para todos os não cristãos. Como isso é importante como umaprova
para cada um de nós! Se um incrédulo pode entender você e tudo o que você lhe
diz, então, pelo menos dentro deste contexto, você não está dando prova de que
você é cristão.
Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande problema para
as pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um homem comum, nunca foi
instruído como fariseu, não é escriba, não é sacerdote, nunca teve erudição e
cultura; no entanto, olhem para Ele, ouçam o que Ele está dizendo. Ele parece ter
conhecimento; vejam os Seus milagres - quem é este? Ele era um problema e um
quebra-cabeça para eles. Porventura vocês se lembram de que, nos capítulos
iniciais do livro de Atos somos informados de que acontecia a mesma coisa com
os Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta Formosa do
templo, e as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos a julgamento,
e tudo o que puderam dizer foi que “eles haviam estado com Jesus” (4:13). Isso
era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes, indoutos, mas cheios de poder!
Que será isso?
É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por ter sido
formado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém pode entender,
exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não é irracional, mas
transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de Pascal: “A suprema
realização da razão é levar-nos a ver que há um
limite para a razão”. Aqui nos encontramos numa esfera em que Deus age
imediata e diretamente. Assim, o cristão não é meramente alguém que decide
adotar certo número de proposições e um ponto de vista, ou esposar uma
filosofia. O cristão é, por definição, alguém que foi formado, modelado, posto
em forma, adaptado e ajustado para ser uma pedra nesta parede, neste edifício,
que vai ser um “templo santo no Senhor”, uma habitação de Deus. O cristão é
alguém que nasceu de novo, foi transformado, renovado, regenerado. Estes são
termos do Novo Testamento. Ele é uma “nova criatura”, uma “nova criação”.
No entanto, isso nos leva aum segundo princípio: tudo isso tem que acontecer
conosco antes de podermos fazer parte da Igreja. Nosso texto fundamental, 1
Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. “Edificava--se a casa com pedras
preparadas, como as traziam se edificava”, (ou, “...com pedras preparadas antes
de serem trazidas...”, VA). Não estamos numa igreja para nos tornarmos cristãos.
Estamos numa igreja porque somos cristãos. A razão para ser membro dessa
igreja não é que finalmente você venha a ser cristão; é porque você já o é. Nunca
foi propósito da igreja ter em seus róis uma multidão mista - composta
de cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder tomar-se
cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o suficiente em
parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este também, lembro a vocês,
é um ponto tremendamente importante, sobretudo na hora presente, quando a
questão da natureza da Igreja é levantada agudamente por todos quantos falam
em união, re-união e unidade.
são cristãos. Pois bem, os não conformistas rejeitavam isso completamente. Eles
diziam: porque sucede que um homem vive numa paróquia, não é
necessariamente um cristão. Simplesmente porque certas pessoas vivem neste
país, não significa que são cristãs. Eles asseveravam que a Igreja consiste
unicamente dos que foram preparados, dos que nasceram de novo, dos
regenerados, dos renovados, dos santos, dos crentes, do povo de Deus; e a Igreja
é a reunião destes. Isso é a Igreja, os “santos reunidos”.
Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais, quando há
uma tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas e cada vez mais
vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os que se dizem cristãos
devem ser considerados cristãos, e que todos somos um, e assim por diante. De
fato às vezes chegam a sugerir que não deveríamos dar demasiada ênfase até
mesmo ao termo “cristão”. Temos um “Congresso Mundial de Crenças” que
incluem todos os que crêem em Deus, de uma forma ou de outra. Todos esses
são um, dizem, contrariamente aos que não crêem em Deus.
E vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história, mas ainda
mais à luz das Escrituras - esta Escritura de Efésios e aquela declaração
registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certamente o ensino das Escrituras é
simples e cl aro. E é que a Igreja consiste somente daqueles que crêem na
doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. “O fundamento de Deus fica
firme, tendo este selo: o Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere
o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2 Timóteo 2:19). Há alguns que
negam a fé, diz Paulo a Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é coisa do
passado. Não se aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube onde
eles estão. Ele conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece seguro.
Ele não pode negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz. Em
última análise, o Arquiteto da Igreja é Ele.
Podemos ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja completamente
tolo e calamitoso, quando pensamos na Igreja, como pensar nela em termos de
tamanho e de número. Mas esse é o pensamento determinante hoje. Igreja
mundial! - dizem: o único modo de combater o comunismo e as outras coisas
que se opõem ao cristianismo é tornar-nos um; devemos reunir os nossos
grandes batalhões, e então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é anti-
escriturístico! Nós cantamos em nossos hinos, “poucos fiéis”, e a Bíblia está
repleta de ensinamentos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera
por meio de grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está
interessado napureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para o uso do
Senhor. Não devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim na
doutrina, na regeneração, na santidade, na compreensão de que este edifício é
um templo santo no Senhor, uma habitação de Deus.
Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes, quando lemos
os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus Cristo passava grande
parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje forçamos as pessoas a tomarem
decisão, fazemos tudo o que podemos para fazê-las vir, quer queiram quer não.
Mas não era esse o método do nosso Senhor. Certo homem correu para Ele e
disse: “Senhor, seguir--te-ei para onde quer que fores”. Que maravilhoso
acréscimo à Igreja! - dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele
homem e disse: “As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho
do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Vá pensar no que você está fazendo,
diz o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você compreenda o
que isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele prosseguiu, falando com um
homem que lhe pediu permissão para primeiro ir para casa e sepultar o seu pai, e
Ele diz: “Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos”. Disse ainda: “Ninguém
que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus” (Lucas
9:57-62). Ele põe à prova, parece estar rejeitando - Ele examina. Avalie o preço,
diz Ele. Que tolo, diz Ele, é o homem que começa construir um castelo, porém
não fez uma avaliação para saber quanto lhe custaria e se ele teria condições e
recursos para dar prosseguimento à obra! Ele fala demaneira semelhante sobre o
homem que se aprestapara fazer guerra contra outro país, e não sabe qual é o
número dos componentes das suas tropas e das suas reservas. Ah, que loucura é
isso! Pare! Considere! Ele parece estar rejeitando os homens. A Sua preocupação
era com a pureza da Igreja, não com o tamanho, nem com os números. E quando
Ele partiu deste mundo, deixou apenas um pequeno grupo de homens comuns,
indoutos, sem instrução, iletrados para continuarem a Sua obra. E esse o Seu
método.
Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também pode ser
entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver discussão nem ruído
de debate na Igreja, não estou querendo dizer que
a Igreja não deve interessar-se por doutrina; o que estou querendo dizer é que
deve haver acordo sobre a doutrina logo de início, de modo que não haja mais
necessidade de discussão. Contudo, isso está sendo mal entendido hoje, e está
sendo colocado desta forma-, ah, dizem muitos, não devemos ter discussões
sobre doutrinas porque elas sempre causam divisão; portanto, não as tenhamos,
mas vamos todos concordar em chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que
for que creiamos. Uns poderão dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem,
outros dirão que Ele é também o Filho de Deus. Que importa isso realmente?
Afinal de contas, todos nós concordamos em Seu ensino, em que este é nobre
e enaltecedor e em que, se tão-somente o praticássemos, não haveria todo este
problema que o mundo enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos parar de discutir
sobre a Sua Pessoa. E depois, que dizer da Sua morte na cruz? Uns dizem que foi
o maior crime da história, e nada mais, a suprema tragédia de todos os tempos.
Outros dizem: não, é mais que isso. Deus O enviou para que morresse; Ele
morreu “pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23); morreu
para levar a culpa dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós
estaríamos ainda em nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não
importa em que você crê. Muitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi
maravilhosa e comovente e, portanto, todos nós podemos vê-la, podemos
interpretá-la de diferentes maneiras. Isso não tem importância, todos nós
cremos nEle, e todos nós estamos procurando ser semelhantes a Ele e segui-
10. Somos todos cristãos; avante, pois!
Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que foi acontecendo
na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos a resposta. A Igreja tem
discutido doutrinas fundamentais. Por que será queum alarmante número de
igrejas estão quase vazias atualmente? Por que os números vão baixando ano
após ano? E a própria Igreja a responsável. Há cinqüenta anos, em Londres, a
Igreja toda esteve debatendo o que chamavam “nova teologia”. O debate era
principalmente sobre a Pessoa de Cristo! - seria Ele realmente o Filho eterno
de Deus? Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam sobre
fundamentos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas! Muitos não
criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam discutindo sobre pontos
fundamentais. Será surpreendente que a Igreja se tenha tornado ineficiente, que
não lhe dêem valor, que os homens não estejam sendo salvos e que o Espírito
não esteja operando?
Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm que
concordar em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos fundamentais.
Há certas questões nas quais nem todos os cristãos concordam, certos detalhes
acerca da profecia, certas questões como o modo do batismo, e muitas outras.
Não são princípios fundamentais. O povo cristão jamais deve contender, brigar e
pelejar sobre esses pontos. Devem discuti-los como irmãos. Mas não devem
ocorrer discussões sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos
fundamentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para a
Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus e Salvador.
A maior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes
princípios. Agora se realizam grandes conferências mundiais, uma após outra.
Todavia, como usam o tempo? Não em oração a Deus, não esperando pelo
Espírito, não se deixando encher do Espírito. Usam o tempo para tentar achar
uma base de acordo. Tentam achar um mínimo irredutível acerca do qual não
discordem.
Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal apior. Eles têm a
fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a verdade é que não há
nada que una, exceto a doutrina - pois a única unidade digna de menção é a
unidade do Espírito, que produz a mesma crençano mesmo Senhor, na mesma fé
e no mesmo batismo. É a unidade dos que têm a mesma mentalidade e estão em
harmonia, que não põem a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho
de Deus e na perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra
para a Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a Moisés na antigüidade,
é simplesmente esta: “Atenta pois que o faças conforme ao seu modelo, que te
foi mostrado no monte”. O monte do Sermão do Monte! O monte da
transfiguração! O monte Calvário! O monte das Oliveiras, o monte da ascensão!
Aí estão os grandes picos. Em nossos dias e em nossa geração, edifiquemos,
aconteça conosco o que acontecer, diga de nós a Igreja, a Igreja visível, o que
disser, seja o que for que o mundo fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo
que nos foi mostrado no monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem
discussão nem ruído nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da
Epístola de Paulo aos Efésios, pois o fundamento é - o homem morto em ofensas
e pecados, desamparado e sem esperança; ressuscitado pela graça de Deus; salvo
pelo sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a Cristo pelo Espírito
Santo e transformado numa pedra do templo santo no Senhor.
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza e
perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.
D.M.LLOYD-JONES
Título original:
1979
Copyright:
Lady E. Catherwood
Tradução do inglês:
Odayr Olivetti
Revisão:
ÍNDICE
(Efésios, capítulo 3)
PREFACIO
Cada capítulo deste livro registra um sermão por mim pregado nalgum domingo
de manhã durante o ministério que exerci regularmente na Capela de
Westminster, Londres, no transcorrer do ano de Í956.
Uma destas é a descrita como fideísmo, ou fé fácil. Esta, em sua mais tosca
forma, ensina que, à luz de Romanos 10:9, se tão-somente dizemos que cremos,
estamos salvos. Mas talvez a mais perigosa é a atitude altamente intelectualista
que alega que, à luz do versículo três do capítulo primeiro da Epístola aos
Efésios, todos os crentes já receberam tudo que é possível ao cristão receber, e
que jamais se deve buscar alguma bênção posterior. Este ensino errôneo, avesso
a toda e qualquer ênfase à experiência fatual, não passa de uma versão
moderna daquilo que outrora foi propagado pelos glassitas na Escócia e
pelos sandemanianos na Inglaterra, 1 no século dezoito, e que levou a
muita aridez, dureza e esterilidade espiritual.
A resposta simples a esse ensino acha-se neste capítulo três de Efésios, onde
Paulo nos conta que orava constantemente no sentido de que os efésios, que já
criam e recebiam tanto, recebessem muito mais — a ponto de serem “cheios de
toda a plenitude de Deus”! Os puritanos do século dezessete, igualmente,
traçavam e acentuavam a vital distinção entre crer no que é possível ao cristão, e
apropriar-se dessa possibilidade. Esta atitude moderna que tanto teme a
experiência do amor de Deus, devido aos excessos de certas pessoas que põem
as experiências à frente da verdade, constitui virtualmente uma defesa da atitude
dos membros da igreja de Laodicéia, que diziam: “de nada tenho falta”.
D.M. Lloyd-Jones
Efésios 3:1-21
1 - Por esta causa eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por
vós, os gentios;
de Cristo),
5-0 qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora
é revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas;
todos os séculos esteve oculto em Deus, que por Cristo Jesus criou todas as
coisas;
Senhor:
17 - Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; para que,
20 - Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundan
“Por esta causa eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por
Aqui, clara e obviamente, não é o que acontece. “Por esta causa”, ou “Por causa
disto”, diz o apóstolo; mas a que se refere ele? Evidentemente ao que acabou de
dizer, a saber, que a estupenda verdade que veio à luz no evangelho de Jesus
Cristo é que os gentios que creram no evangelho foram feitos um só corpo com
os judeus em Cristo Jesus. Essa é a mensagem do capítulo dois. Estes gentios
efésios que antes estavam “mortos em delitos e pecados”, que eram “estranhos
às alianças da promessa e separados da comunidade de Israel, não
tendo esperança, e sem Deus no mundo”, foram “trazidos para perto” (de Deus).
Não só isso, mas destes dois fora criado um “novo homem, fazendo a paz”. Isto
levou à doutrina da natureza da Igreja Cristã, mostrando que os cristãos gentios
são agora “concidadãos dos santos, e (membros) da família de Deus”,
“edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas”, e são feitos
“santuário” para o Senhor habitar
nele. Isso é verdade tanto com relação aos gentios como com relação aos judeus;
todas as paredes intermediárias de separação foram derrubadas e abolidas; e toda
a inimizade se foi. Esta admirável unidade e paz foi levada a efeito por meio do
sangue de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2:13).
Tendo exposto essas verdades aos efésios, diz o apóstolo: agora, pois, por causa
disso, “eu, Paulo, o prisioneiro de Cristo Jesus, por amor de vós, gentios, ...”. De
repente, porém, parece que ele pára. Obviamente ele ia dizer mais alguma coisa,
mas faz uma pausa, hesita, e não a diz, senão ao chegar ao versículo 14, onde
vemos de novo a mesma fórmula — “Por esta causa (eu)” — e depois
prossegue, dizendo-lhes que está orando por eles. Noutras palavras, do
versículo 2 ao fim do versículo 13, temos uma longa digressão, e a
pontuação devia ter dado indicações disto no fim dos versículos 1 e 13.
Nesta digressão o apóstolo faz aos efésios um relato do seu ministério — sua
vocação, seu ofício — e do seu grande objetivo e propósito. Depois, havendo
feito isto, ele volta ao seu tema e diz o que estava começando a dizer no
versículo primeiro.
Devemos entender que Paulo não estava se pondo a escrever aqui um tratado ou
uma obra prima de literatura. Talvez nenhuma das Epístolas de Paulo contenha
mais teologia e doutrina do que esta Epístola aos Efésios, todavia ele a escreveu
por motivo puramente pastoral. Escreveu-a com o fim de ajudar estes cristãos
efésios, de animá-los na fé, de firmá-los, de levá-los para as maiores alturas e
para as maiores profundidades desta grandiosa salvação. Visto que esse era o seu
objetivo e o seu real motivo, estas questões de estilo e forma não passavam de
impertinências para ele. Não lhes dava atenção. Que importância tem o estilo,
em comparação com o desejo de que estas pessoas viessem realmente a
compreender a verdade? Que valor haveria, até em ensinar-lhes teologia, se iam
sucumbir nalgum ponto prático? Portanto, todas estas coisas deviam ser tomadas
juntas; e o apóstolo invariavelmente levava isso em conta.
Poderíamos tomar muito tempo com este assunto, porém não é meu propósito.
Contento-me em dizer de passagem uma palavra aos pregadores, aos que
pretendem vir a ser pregadores e aos que estão se preparando para serem
pregadores. Muitas vezes penso que o que explica em grande parte as presentes
condições da Igreja Cristã é que nós que temos o privilégio de pregar, de algum
modo olvidamos o método apostólico e nos afastamos do modelo apostólico.
Provavelmente foi por volta do segundo quartel do século passado que uma
sutil mudança aconteceu em nossos púlpitos. A pregação começou a tomar-se
erudita. Os pregadores começaram a dar atenção ao estilo literário e à forma
literária. Bem pode ser que a publicação de livros tenha sido responsável por
isto, pois disso resultou que se desse cada vez mais atenção à forma e ao estilo, à
dicção e à linguagem, às citações e alusões históricas e literárias.
Este é um estudo fascinante. A longa história da Igreja Cristã mostra que cada
novo avivamento e reforma teve que romper essa tendência. Isso aconteceu, por
exemplo, na Reforma Protestante. O método católico-romano de pregar, com o
seu manejo e exame de argumentos filosóficos e com as suas sutis distinções,
tinha se tomado completamente árido e estéril espiritualmente. Pode ser que
fosse estimulante, do ponto de vista intelectual, mas não transmitia nenhuma
verdade e vida espiritual às pessoas. Por isso Lutero e Calvino tiveram
que introduzir um estilo de pregação inteiramente novo, baseado num método
expositivo.
De maneira similar o apóstolo Paulo, com o seu coração amoroso e com o seu
interesse pastoral, preocupava-se em que os homens e as mulheres fossem
edificados na fé. Por isso não hesitava em partir para uma digressão; mas sempre
retomava, retomando o seu tema anterior.
Mas volto a perguntar, por que fez isso, por que a digressão? A resposta é que ele
sabia que estes efésios iam ficar inquietos com o fato de que ele era um
prisioneiro em Roma. O apóstolo sabia que iriam ficar preocupados com a sua
saúde e com o seu futuro. Não só isso, mas sabia outra coisa, muito mais
importante, a saber, que os seus sofrimentos e tribulações como prisioneiro
poderiam muito bem tomar-se uma pedra de tropeço para eles. Sabia do perigo
de ficarem a discutir e a perguntar-se: pois bem, quando Paulo estava conosco e
nos pregava, falava-nos das bênçãos da vida cristã e de como, na qualidade de
filho de Deus, ele sempre estava em segurança e nada poderia causar-lhe dano;
de fato, que Cristo dissera que “os cabelos da nossa cabeça estão
todos contados”. Ele dava ênfase a estes gloriosos aspectos da vida cristã; porém
agora está prisioneiro e está sofrendo como prisioneiro. Isto combina com o
cristianismo? Deus permite que o Seu povo sofra desta maneira? Paulo sabia que
talvez eles estivessem pensando e arrazoan-do desse modo (como os cristãos
sempre tendiam a fazer) e que isto poderia levá-los a tropeçar na fé. Assim,
conquanto o seu propósito fosse expor as gloriosas possibilidades da vida cristã,
o que vemos do versículo 14 ao fim do capítulo, ele foi um mestre bastante
prudente para perceber que de nada lhe valeria mostrar-lhes as riquezas espiri-
tuais da vida cristã se fossem levados a duvidar do próprio evangelho pelo fato
de estar ele sofrendo em Roma naquele momento.
Nada tem deixado tantas vezes perplexo o povo de Deus como a questão do
sofrimento. Por que Deus permite que o Seu povo sofra provações e tribulações?
Por que um servo de Deus que tanto se distingue de todos os demais, como
Paulo, deveria alguma vez ser deixado cair prisioneiro? Aí está por que este
assunto é tratado tantas vezes nas Escrituras, e particularmente por este apóstolo
Paulo. Vê-se isto em sua Epístola aos Filipenses, em cujos dois primeiros
capítulos ele o expõe de maneira a mais extraordinária. Ele o fez
particularmente ao escrever Timóteo, porque este parece ter sido o problema
perpétuo de Timóteo. Ele estava perplexo com o fato de que o apóstolo Paulo
fora deixado a sofrer e seria levado à morte. Timóteo não podia compreender
isto, e isto sempre o deprimia. Por isso Paulo teve que escrever-lhe. Aqui, no
início do capítulo três da sua carta aos efésios, o apóstolo toma este mesmo
tema. É esse o propósito desta digressão. Ela trata deste problema particular do
sofrimento dos piedosos e dos justos e da razão por que o povo cristão tem que
passar por provações e tribulações neste mundo.
ou dor, ou seja qual for a decepção — não importa o que seja — aqui está o
modo como se deve encarar isso.
O fato é que se vocês lerem com serenidade este capítulo, só poderão chegar à
conclusão de que o apóstolo parece alegrar-se em meio às suas provações. Há
uma nota de exultação aqui, uma nota de triunfo. No fim do versículo 13 ele diz:
“Portanto vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, que são a
vossa glória”. Ele quer que os irmãos efésios sejam “mais que vencedores”,
como ele é “mais que vencedor”. Ele não está apenas suportando as
circunstâncias que o envolvem; está indo além, está exultando em seu
sofrimento. Está triunfante, está jubiloso. Há um elemento maravilhoso nisto, ele
lhes diz, se tão-somente puderem vê-lo. Esta é uma característica do ensino do
Novo Testamento. Já afirmei que o apóstolo dá o mesmo ensino na Epístola aos
Filipenses, no versículo 12 do capítulo primeiro. Ali também ele está escrevendo
como prisioneiro e diz: “E quero, irmãos, que saibais que as coisas que me
aconteceram contribuíram para maior proveito do evangelho”. Não desperdicem
as suas lágrimas por mim ou pela minha situação, diz o apóstolo. Quero que
olhem para estas coisas de modo que vejam, como eu vejo, que todas estas
coisas que me sobrevieram, certamente aconteceram “para maior proveito do
evangelho”. Diz ele virtualmente: graças a Deus por isso! Ao escrever
a Timóteo, toca na mesma tecla, na segunda Epístola, capítulo primeiro:
“Deus”, diz ele, “não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e
de moderação” (versículo 7). De novo, no capítulo 2: “Sofre, pois, comigo, as
aflições como bom soldado de Jesus Cristo” (versículo
3). “Se sofrermos, também com ele reinaremos” (versículo 12). E indo além
disso, no capítulo 3, diz ele: “E também todos os que piamente querem viver em
Cristo Jesus padecerão perseguições” (versículo 12). Essa é a doutrina.
Mas esta doutrina não se limita ao apóstolo Paulo. Vemos o mesmo ensino na
Primeira Epístola de Pedro: “Amados, não estranheis a ardente prova que vem
sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-
vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo: para que também na
revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis. Se pelo nome de Cristo sois
vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória
de Deus”, (da parte deles, ele é difamado, mas da parte de vós, ele é glorificado)2
(4:12-14). Aí está, pois, a essência do ensino. O apóstolo deseja que estes efésios
olhem para o seu aprisionamento e para os seus sofrimentos de modo tal que
realmente vejam a glória refulgindo através disso tudo e nisso glorifiquem a
Deus.
também estão. Agora, eis as indagações: como e por que ele é um prisioneiro?
Qual a causa da sua prisão? Em vez de compadecer-se de si mesmo na cela,
acorrentado a um soldado de cada lado, ele diz: devo investigar isto e inquirir
por que estou aqui afinal; por que sou prisioneiro? Como aconteceu, qual é a
explicação, qual a razão? Depois ele passa a dar as respostas, a si e aos efésios.
Assim começamos examinando as respostas dadas no versículo primeiro.
A primeira coisa que nos diz é que ele não é um prisioneiro comum. Esta é a
maneira como ele coloca a questão: “Por esta causa eu, Paulo, sou o prisioneiro
de Jesus Cristo”. Num sentido, ao falar assim já resolveu o seu problema. Ele
não é prisioneiro de Roma. Não está na prisão por causa do poderoso Império
Romano. Ele não é realmente prisioneiro de Nero. Nero é o imperador,
incidentalmente; mas Paulo não é prisioneiro de Nero. Ele não está na prisão por
causa da lei romana; ele não está na prisão como todos os outros
prisioneiros presumivelmente estão, em razão de alguma contravenção ou de
algum crime. Pois bem, se não é isso, por que está na prisão?
Uma vez que vocês comecem a pensar desta maneira, esquecerão as grades, as
celas, os desconfortos e tudo mais. Paulo punha-se a recordar aquele
maravilhoso evento em sua vida quando viu o rosto de Cristo que do alto olhava
para ele, e ouviu a voz. A prisão o remete ao passado, fazendo-o pensar em sua
conversão, na maravilhosa graça de Deus e no amor de Cristo. Ele reflete sobre o
fato de que, embora tenha sido
E depois ele rememorou a comissão que lhe fora dada por Cristo, como iria
desenvolver mais tarde — como por revelação Cristo lhe esclarecera a verdade.
Cristo lhe dissera: vou fazer de você “ministro e testemunha, livrando-te deste
povo e dos gentios, a quem agora te enviou” (Atos 26:16-17), para que lhes dê
testemunho. A comissão! Tudo isso lhe voltou. Se forem estes o pensamentos
que ocupem a sua mente numa prisão, esta se toma um palácio. Vocês estão
assentados “nos lugares celestiais”, embora possam estar sofrendo
fisicamente. Esse é o método do apóstolo. Ele é prisioneiro de Cristo.
Mas a coisa não para aí! Paulo quer dizer também que ele está realmente
sofrendo por causa de Cristo, e não por sua própria causa. Ele não está na prisão
por algo de errado que tenha feito ou praticado pessoalmente. Está ali porque é
pregador do evangelho de Cristo, por causa do seu zelo pelo nome e pela glória
de Cristo. Está literalmente sofrendo como cristão, e por amor a Cristo. Esta era,
para o apóstolo Paulo, uma das coisas mais maravilhosas do mundo. Escrevendo
aos filipenses, diz ele: “Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não
somente crer nele, como também padecer por ele” (Filipenses 1:29). Não
murmurem e não se queixem, ele lhes diz, se é que estão sofrendo por Cristo.
Antes, considerem isso a suprema honra das suas vidas. Era desta maneira que
estes cristãos primitivos sempre viam os seus sofrimentos. Davam graças a Deus
porque finalmente foram achados dignos de sofrer por Cristo. Agiam assim
mesmo quando estavam morrendo na arena, feridos pelos leões. A honra
suprema, a coroa final de glória, era o martírio. Assim é que se deve ver a
questão! É aí que a glória e o triunfo entram.
Todavia há mais uma coisa. Os sofrimentos de Paulo eram, para ele, uma prova
absoluta da sua vocação e do seu discipulado. Isto vem exposto naquilo que já
citei da sua Segunda Epístola a Timóteo: “E também todos os que piamente
querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições” (3:12). Essa é uma
afirmação penetrante. Significa que, se de alguma forma não estamos padecendo
perseguição por amor de Cristo, não somos cristãos. Vocês acreditam que as
Escrituras são a Palavra de Deus? Vocês acreditam que Paulo é um apóstolo
inspirado? Então devem aceitar esta afirmação categórica: “E também todos os
que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições”. Portanto,
se estou padecendo perseguição de alguma forma ou
Finalmente, Paulo dá a entender que a sua lealdade à mensagem que Cristo lhe
confiara é que era a causa imediata do seu encarceramento. Observem o que ele
diz: “eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios”. Um
melhor modo de traduzir isto seria: “eu, Paulo, o prisioneiro de Jesus Cristo por
causa de vós, os gentios” — “por”, “por causa de”, “vós, os gentios”. Que é que
ele quer dizer? A grosso modo, o argumento é como segue: por que,
precisamente, ele está na prisão? “Por esta causa” — aquilo a que ele se havia
referido. O que realmente colocou Paulo na prisão foi que ele ia por toda parte
pregando que o evangelho de Jesus Cristo era tanto para os judeus como para
os gentios. Foi isso que, mais que qualquer outra coisa, enfureceu os judeus. As
narrativas da prisão de Paulo registradas no livro de Atos dos Apóstolos,
capítulos 21 e 22, mostram claramente que foi essa a causa direta da sua
detenção, do seu confinamento e do seu envio a
Roma. Ele persistia em pregar que os crentes gentios eram “co--herdeiros” com
os crentes judeus. Se ele não tivesse salientado esta doutrina, os judeus bem
podiam ter-lhe permitido continuar pregando, mas, para os judeus, o ensino de
Paulo era absolutamente intolerável, era totalmente impossível. Daí se opuseram
a ele, quase o mataram, e ele só escapou da morte pela intervenção das
autoridades romanas. “Por esta causa.” Assim, o que o apóstolo está realmente
dizendo a estes cristãos gentios efésios é que ele está, de fato, sofrendo pelo
bem deles, sofrendo porque insistia em dizer que os gentios haviam de tomar-se
filhos de Abraão pela fé, exatamente do mesmo modo que os judeus. Para que
vocês gozassem a liberdade do evangelho, estou em cadeias, estou na prisão, foi
o que ele lhes falou. Se eu tivesse retirado esse aspecto da verdade, eu ainda
estaria livre; mas quero que saibam, diz ele, que estou sofrendo alegremente por
amor a vocês — regozijo-me nisto. Estou na prisão, porém vocês estão
usufruindo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
Que homem! Que cristão! Alguns de nós seriam muito mais populares na Igreja,
como também no mundo, se não dissessem certas coisas. Se um pregador quiser
ser popular, nunca deverá desgostar os outros. Todavia Paulo não queria ser
popular. Foi-lhe dada a verdade, e ele pregava toda a verdade; não tirava nada.
Se tão-somente retirasse este aspecto particular, tudo ficaria bem. Mas não, diz
ele, foi-me dito que pregasse isto, o meu Senhor me enviou aos gentios, bem
como os judeus. Por isso ele está sofrendo alegremente pelo bem deles.
Contudo Paulo vai mais longe ainda. Notem suas palavras no versículo 13 —
“Portanto vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, que são a
vossa glória”. Há glória para eles nos sofrimentos do apóstolo. Como se dá isto?
Podemos procurar uma resposta indagando que valor tem para nós a história dos
mártires. Lemos as vidas dos santos e dos mártires, porém qual é o valor
preciso da morte dos mártires para nós? Por que devêramos ler o Livro
dos Mártires, de Foxe? Por que devêramos ler sobre os pactuários escoceses?
Por que devêramos ler sobre todos os homens e mulheres que deram a vida pela
fé cristã? Diz o apóstolo a estes efésios que os sofrimentos dele restabeleceriam
a segurança deles com relação à verdade sobre eles mesmos. Por que Paulo está
na prisão? A resposta é, porque ele está absolutamente certo da mensagem de
que Cristo morreu pelos gentios, como pelos judeus. Embora soubesse que
pregá-la significaria prisão e provavelmente a morte, não obstante a
pregava porque era verdadeira. Que tremendo fortalecimento da fé dos
efésios resultaria disso! Eles diriam a si mesmos: Paulo só pode estar
absolutamente certo disso; jamais se submeteria ao sofrimento desta maneira,
se tivesse alguma dúvida sobre isso! Ele está com tanta certeza disso, como ele
nos diz, que preferiria sofrer o que tivesse que sofrer, a evitá-lo. Então, isso só
pode estar certo, esta é a verdade a nosso respeito, somos feitos um corpo com
os judeus em Cristo Jesus. Vemos, pois, que os sofrimentos de Paulo centraliza a
atenção neste aspecto sumamente glorioso do evangelho, do ponto de vista deles;
e isto explica por que ele continua a dizer-lhes, com minúcias, nos versículos
subseqüentes, como Cristo lho revelara pessoal e individualmente, de
maneira especial.
Os crentes efésios são levados a recordar que Cristo morreu por eles e que, por
sua vez, Paulo agora está sofrendo por eles e está pronto até a morrer por eles, e
que ele considera isto um privilégio. Muitos deles eram apenas escravos e
pessoas muito simples e comuns, mas ele lhes diz que o Filho de Deus morreu
por eles, e que ele, como apóstolo deles, considera grande privilégio estar na
prisão por eles. Quando um homem como Paulo diz uma coisa dessas, sentimos
desejo de levantarmos, cantar e gritar. Sentimo-nos indignos e, contudo, estamos
cientes do privilégio, da maravilha e da glória disso tudo. E ao mesmo tempo, ao
sofrer desta maneira, que magnífico exemplo o apóstolo dá aos cristãos quanto a
como se deve encarar estas coisas. Haverá alguma coisa mais fortalecedora da
fé, do que ler sobre a morte dos mártires? Se alguma vez você tiver dúvida ou se
sentir hesitante acerca da fé cristã, se alguma vez sentir-se atraído pelo mundo, e
ficar sem saber se deve perseverar sofrendo perseguição como estudante, por
exemplo, ou em sua profissão, ou em seus negócios, leia as histórias da morte
dos mártires. Observe o fim do homem reto, diz o salmista (37:37). “Lembrai-
vos dos vossos pastores”, diz o autor da Epístola aos Hebreus, “atentando para a
sua maneira de viver (ou, segundo a AY: “considerando o fim do seu viver”).
Observem o modo como eles morreram. “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje,
e etemamente” (13:7-8). Não há nada que fortaleça tanto a fé como isso! Estes
homens enfrentaram triunfalmente os tiranos e “a ensangüentada juba dos leões”
porque conheciam a Cristo e a realidade da verdade.
1
Em ambos os casos, discípulos do escocês John Glass (1695-1773). Nota do tradutor.
2
Parte entre colchetes: AV. Nota do Tradutor
“O MISTÉRIO DE CRISTO”
“Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me
foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima em
pouco vos escrevi; pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha
compreensão do mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado
aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus
santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um
mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho; do qual
fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a
operação do seu poder. ” Efésios 3:2-7
Escrituras. Vocês sabem tudo sobre isto, diz o apóstolo, mas outra vez vou fazê-
los recordá-lo. A quintessência do bom ensinar é a repetição. Todos nós
pensamos e supomos que sabemos certas coisas, porém quando somos
examinados a respeito delas, muitas vezes descobrimos que não as sabemos. Não
só isso; conquanto possamos sabê-las teoricamente, de um modo ou de outro ao
ver-nos em dificuldade ou com problemas, falhamos na aplicação do
conhecimento. É, pois, necessário que nos façam recordá-las. É o que o apóstolo
faz aqui. Eles sabiam tudo isso — o próprio apóstolo lhes falara a respeito,
outros lhes tinham falado — entretanto desde que estavam perturbados por
ele estar na prisão, era preciso fazê-los lembrar-se disso de novo. Ele o faz com
muita deliberação, pois eles estavam entendendo mal as suas tribulações porque
na verdade não tinha entendido a lição. Contudo, ao mesmo tempo, não se pode
ler esta digressão sem sentir que o apóstolo alegra-se em repassar mais uma vez
a grande história. E tão gloriosa, tão magnífica! Há certas coisas que não se pode
contar em demasia, tão magníficas elas são.
O objetivo de Paulo era levar os cristãos efésios a verem que somente quando
compreendessem o que Deus fizera por eles por meio dele, como apóstolo de
Cristo, é que não só não ficariam escandalizados com o seu aprisionamento, mas
na verdade acabariam louvando a Deus, apercebidos da perfeição dos Seus
inescrutáveis caminhos. Naturalmente a mesma coisa continua sendo aplicável a
nós. Além de toda dúvida, não há nada que dê tanta consolação e segurança à fé,
não há nada que nos cause tanta alegria na vida cristã, como
simplesmente postar-nos a contemplar, e compreender nalguma medida o
grandioso plano, esquema e propósito da redenção de Deus. É isso que o
apóstolo descerra aqui para estes efésios e, por meio deles, descerra para nós.
Ele lhes está oferecendo uma rápida descrição de como foi que o
evangelho chegou a eles, pagãos como eram. Ele os faz lembrar-se de que
levavam vida ímpia, adorando uma multiplicidade de deuses, e
particularmente em Éfeso adorando a grande deusa Diana, fazendo imagens e
ídolos e, naturalmente, vivendo no baixíssimo nível moral que sempre
caracteriza o paganismo e o politeísmo. Tais foram eles outrora, porém agora são
santos da Igreja de Deus, e juntamente com os judeus convertidos adoram a
Deus. Esse fato é mais que surpreendente, é quase inacreditável. Mas a grande
interrogação é: como foi que isto veio a acontecer? O apóstolo passa a dizer-
lhes, e especialmente o faz na longa frase que começa aqui no versículo 2 e que
vai até o fim do versículo 7.
A primeira coisa que ele diz aos crentes efésios é que, no momento, ele está na
prisão por ser um apóstolo dedicado a servi-los: “Se é que tendes ouvido a
dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este
mistério manifestado pela revelação...”. Ele prossegue dizendo que este mesmo
“mistério” foi “revelado pelo Espírito aos santos apóstolos e profetas (do
Senhor), do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado
segundo a operação do seu poder” (versículos 2 a 7). Aqui começamos a
olhar para a extraordinária provisão que Deus fez para nós e para a
nossa salvação. Triste é dar-nos conta de quão poucas vezes paramos
para meditar em tudo isto! É-nos dito com muita freqüência nas Escrituras que
Deus planejou e quis a nossa redenção “antes da fundação do mundo”, porém
quantas vezes contemplamos isso pormenoriza-damente? Quantas vezes
meditamos nesse grande plano-mestre de Deus, e compreendemos como cada
parte e parcela foi planejada é predeterminada, e como, na plenitude do tempo,
Deus o pôs em ação? Deus tivera este grande propósito de unir gentios e judeus
e de enviar esta mensagem de salvação por todo o mundo. Para que isto
acontecesse, como o apóstolo nos dirá no capítulo 4, Deus fez surgir a Igreja.
Há “um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus de Pai e
todos” (versículos 5 e 6). Também “deu dons aos homens”, incluindo-se vários
encargos: “deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos
santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (versículos
11 e 12). Que perfeição de plano! Tudo isto foi ordenado por Deus, diz o
apóstolo, e como uma parte disto, ele foi chamado por Deus para ser apóstolo.
Observem a bela linguagem com a qual ele o expressa: “a dispensação da graça
de Deus, que para convosco me foi dada.”Deus, diz o apóstolo, confiou-me uma
tarefa
como um despenseiro desta Sua maravilhosa graça. Deus me designou para ser
um dos defensores e guardiães deste precioso favor que Ele está manifestando
para a humanidade no Filho do Seu amor, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Vemos agora por que o apóstolo não pede desculpas por repetir estas coisas.
Jamais olvidou o espanto e a maravilha disto — que ele, que fora blasfemo e
perseguidor, que odiara a Cristo e Sua Causa, e que pensava estar prestando
serviço a Deus quando perseguia a Igreja Cristã — que a ele tivesse sido dada de
fato esta dignidade, esta honra, este privilégio de ser chamado pelo próprio Deus
para ser um apóstolo desta mensagem, um mordomo desta verdade, alguém
chamado para propagar as estupendas boas novas vindas ao mundo por meio de
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Noutras palavras, a sua reivindicação é
que, como em toda parte nos diz em seus escritos, ele é um apóstolo no sentido
mais completo do termo. É tão apóstolo como Pedro, Tiago, João e todos os
demais. Ele, que fora tão oposto ao evangelho, é um dos principais arautos do
evangelho. “Esta graça me foi dada”, diz ele. Devemos examinar o que ele inclui
nesta definição, nesta designação.
Temos outro exemplo desta ênfase na carta aos gálatas: “Paulo apóstolo” —
depois, entre parênteses, “não da parte dos homens, nem por homem algum, mas
por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos” (1:1). Observem
o modo como Paulo o coloca, e como é importante a negativa — “não da parte
dos homens, nem por homem algum”. Não se pode ser apóstolo “de” homens
nem “por” homens. Ele dá ênfase à declaração por este bom motivo,
que, perambulando pelas igrejas naqueles primeiros dias, havia certos falsos
apóstolos, homens que diziam, “Eu sou apóstolo”, e que instavam com as
pessoas a que não dessem ouvidos à pregação do apóstolo Paulo, que segundo
eles, não era apóstolo. Eles alegavam que eram os
Mas Paulo sustenta que ele é um verdadeiro apóstolo: “Esta graça”, diz ele, “foi-
me dada”. Que expressão! O próprio ofício constitui uma graça; é uma
dispensação da graça; todavia também inclui a idéia de que quando Deus
chamava um homem para ser apóstolo, por Sua graça o equipava para ser
apóstolo. Dava-lhe certos dons. Invariavelmente havia certos “sinais” e “marcas”
de apóstolo. Ao verdadeiro apóstolo sempre era dada a graça e o poder de operar
“milagres, prodígios e sinais”. Homem nenhum era apóstolo, se não era capaz de
produzir esta autenticação. Há muitas referências a isto nas Escrituras do
Novo Testamento. Um dos “selos”, “marcas”, “sinais” de um apóstolo era que
tivesse este poder sobrenatural, miraculoso. Assim, quando lemos o livro de
Atos dos Apóstolos, encontramos expressões como esta: “Deus pelas mãos de
Paulo fazia maravilhas extraordinárias”. Maravilhas extraordinárias! Eram tão
numerosas que o povo se levantava, cheio de espanto e admiração. De fato isto
acontecera nesta mesma cidade de Éfeso quando Paulo estivera lá, e se originou
grande tumulto, como se pode ler no capítulo 19 do livro de Atos.
Acima disso tudo, e muito mais importante para o nosso propósito imediato, está
o fato de que um apóstolo era um homem a quem Deus dera, de maneira muito
especial, a mensagem de salvação. Paulo declara: “Uma dispensação da graça de
Deus me foi dada”. Os apóstolos foram os “despenseiros”, os guardiães, os
defensores do mistério da fé. Há vários outros lugares nas epístolas em que o
apóstolo diz a mesma coisa. Lemos, por exemplo, na Primeira Epístola
aos Coríntios: “Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e
despenseiros dos mistérios de Deus” (4:1). Isso tudo é de tremenda importância
para nós. Já nos foi dito pelo apóstolo, no fim do capítulo 2, que a Igreja de Deus
está estabelecida “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas” (versículo
20). Aqui o apóstolo nos ajuda a entender isto. Deus toma estes homens, estes
homens especiais, e os faz despenseiros, guardiães, administradores da
mensagem da Sua maravilhosa graça redentora.
Filho não tivesse vindo, ensinado e morrido, se não tivesse levado sobre Si os
pecados dos homens e seu castigo, se não tivesse ressuscitado e retomado ao
céu, a salvação jamais teria sido possível. A graça de Deus vem por intermédio
do Senhor Jesus Cristo. Depois Deus enviou o Espírito Santo no dia de
Pentecoste para que esta graça que fora preparada fosse administrada, nos fosse
dispensada. Não haveria proveito em providenciá-la, a não ser que fosse
preparado o canal pelo qual viesse até nós individualmente, para que
pudéssemos recebê-la e desfrutá-la. O Espírito Santo faz isto dando esta
habilitação e este entendimento, este poder e capacidade àqueles homens que
Deus chamou e designou para serem os defensores, guardiães e
despenseiros dela.
No início do livro de Atos dos Apóstolos pode-se ver claramente este plano e
propósito de Deus. Nosso bendito Senhor ressurgira dos mortos e Se manifestara
durante quarenta dias aos Seus discípulos. Eles conheciam os fatos acerca da Sua
vida, morte e ressurreição, entretanto ainda não estavam em condições de ir e
pregar. Não poderiam fazê-lo enquanto não recebessem a plenitude, o batismo
do Espírito Santo (Atos 1:8). Mas depois podiam, e o fizeram. Cheios do
Espírito de Deus, foram e pregaram esta mensagem do evangelho.
É isso que Paulo quer dizer quando fala que uma dispensação, uma
administração deste admirável mistério da graça de Deus lhes fora dada. Deus o
enchera do Espírito, capacitara-o a compreender. Deus o enviara a pregar e lhe
dera poder para pregar, e para atestar a verdade com a realização de milagres. No
tempo devido ele viera aos efésios e lhes pregara, e os que creram foram
acrescentados à Igreja. E agora ele lhes diz que por isso está na prisão.
nisso também.
Algo lhe foi confiado, diz o apóstolo. Ele foi feito despenseiro. O quadro é
familiar. Um grande homem, dono de um castelo e de grandes possessões, não
pode fazer tudo sozinho; o que ele faz é nomear mordomos. Coloca um a cargo
disto, outro a cargo daquilo. São responsáveis perante ele e a favor dele
administram os seus negócios de acordo com as diferentes “dispensações” a eles
confiadas. Portanto, Paulo foi feito despenseiro. Mas despenseiros de quê? Ele
lhe chama “mistério” — “Como me foi este ministério manifestado pela
revelação” — e o repete — “como acima em pouco vos escrevi; pelo que quando
ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo”.
desassistido, nem por meio da capacidade humana pura e simples. É algo claro
em si mesmo, mas devido o homem ser o que é — finito e pecaminoso — não
pode chegar a ele nem compreendê-lo com o seu intelecto desassistido. A
exposição clássica disto acha-se na Primeira Epístola aos Coríntios, onde o
apóstolo o definiu uma vez por todas. “Todavia”, diz ele, “falamos sabedoria
entre os perfeitos; não porém a sabedoria deste mundo, nem, dos príncipes deste
mundo que se aniquilam; mas falamos a sabedoria de Deus oculta em mistério, a
qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum
dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem,
nunca crucificariam ao Senhor da glória. Mas, como está escrito: as coisas que o
olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as
que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-das revelou pelo seu
Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de
Deus”(2:6-10).
contra eles, quando de repente, por volta do meio dia, vi uma luz nos céus, luz
mais brilhante do que o sol, e ouvi uma voz. Foi o Senhor Jesus Cristo, o Senhor
da glória, que me apareceu. E noutras palavras Ele me disse: “Eu te apareci,
Saulo, com o fim de dizer-te certas coisas”. Revelou-me o mistério concernente
a Si próprio e ao Seu grande propósito, e me deu esta dispensação, fez de mim
um apóstolo, e me disse que estava prestes a me enviar aos judeus e aos gentios.
Observem que ele escreve a mesma coisa acerca de todos os “seus santos
apóstolos e profetas”. Lembra ele aos efésios que a Igreja é edificada “sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas”, no sentido de que foi aos apóstolos e
aos profetas que Deus revelou o mistério (2:20). Os maiores homens do mundo
não puderam compreendê-lo. Olhavam para Jesus de Nazaré e nada viam, senão
um homem, um carpinteiro; não viam que Ele era o Filho de Deus. Esta verdade
tem que ser revelada como “o mistério de Cristo”. Eles não o conseguiam ver;
não lhes foi revelado. Cristo mesmo dissera: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do
céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste
aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve” (Mateus 11:25-26). Deus
revelou esta verdade aos apóstolos e aos profetas uma vez e para sempre.
É evidente que os profetas não eram apóstolos. Os apóstolos eram uns poucos
escolhidos, doze, incluindo-se Paulo. Os profetas eram homens aos quais foi
dado um entendimento especial da verdade que
fora revelada, e podiam ensiná-la aos outros. Assim, o que temos no Novo
Testamento é o ensino dos apóstolos e dos profetas. A Igreja Primitiva,
conduzida pelo Espírito Santo, não admitia nenhum livro do cânon do Novo
Testamento se não se provasse que havia sido escrito por um apóstolo, ou que o
fora sob a influência de um apóstolo. Nada que não venha com a autoridade
apostólica é canônico. Temos a mensagem apostólica, a revelação do mistério,
aqui na Palavra de Deus.
Procuremos aprender de tudo isto certas lições vitais para nós. A primeira é a
natureza gloriosa daquilo que Deus fez por nós mediante o evangelho da
redenção . Acaso não nos vem algo da sua glória com renovado vigor quando
nos damos conta de que o Todo-poderoso e eterno Deus tanto Se afanou com
aqueles escravos de Éfeso, aqueles pagãos que vieram a conhecer esta verdade e
se tomaram filhos de Deus? Que plano perfeito! Tudo de graça, tudo de Deus.
Não foi Saulo de Tarso que decidiu fazer-se cristão e ir pregar em Éfeso.
“Uma dispensação” desta graça maravilhosa “me foi dada”, afirmava ele.
O Senhor tinha olhado para ele no caminho de Damasco e tinha Se apoderado
dele, porque o escolhera para ser um despenseiro deste mistério. A graça de
Deus, a bondade, a misericórdia, a compaixão de Deus! Que verdade estupenda!
Receio que nós, cristãos modernos, não contemplamos o plano de salvação como
o faziam nossos pais. Refiro-me aos pais de um, dois e especialmente três
séculos atrás, e aos grandes pais protestantes do século dezesseis. Eles se
deleitavam em contemplar este grandioso plano de redenção. Quando eu e você
o fizermos, seremos levados a gloriar-nos e a triunfar nele, como Paulo queria
que estes efésios fizessem.
Uma verdade clara nas Escrituras é que não pode haver repetição do ofício de
apóstolo, e que falar em “sucessão apostólica” é simplesmente negar o ensino
escriturístico. Não pode haver nenhum sucessor dos apóstolos; a verdade foi
revelada uma vez e para sempre. Não temos necessidade de revelação adicional,
pois a verdade foi revelada aos
apóstolos e aos profetas. Uma vez que eles a transmitiram e a pregaram, e a sua
mensagem foi escrita, nós a temos. Está, pois, implícito na definição de um
apóstolo que ele é um homem que recebeu a revelação de maneira única e,
portanto, é óbvio que não pode ter nenhum sucessor. Noutras palavras, nossa luta
com a igreja católica romana e seus adeptos não é política, é escriturística; eles
negam as Escrituras. Um alicerce é feito uma vez e para sempre: “sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas”.
Igualmente, espero que tenhamos visto algo da natureza da verdade cristã. Não é
um conhecimento comum. Não é algo que o intelecto desassistido pode entender
e receber. Sem a iluminação que somente o Espírito Santo pode dar, as verdades
do evangelho permanecem tão escuras e ocultas para nós como o eram para “os
príncipes deste mundo”, quando o Senhor da glória estava concretamente entre
os homens. “Mas Deus no-las revelou pelo seu espírito.” “Nós não recebemos o
espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos
conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”(l Coríntios2:10,12). Esta
não é uma verdade comum. Seja qual for a capacidade do nosso intelecto, seja
qual for o nosso brilhantismo, não será suficiente. Todos nós temos que nos
tomar “como crianças”. Precisamos da inspiração, da bênção e da unção do
Espírito, antes de podermos receber e compreender a verdade divina.
Por último, somos inteiramente dependentes das Escrituras, Não temos nenhuma
verdade salvadora fora do que nelas encontramos. E obviamente, à luz do que
vimos dizendo, nada pode ser acrescentado às Escrituras, jamais. Mais uma vez
vemos onde nos separamos da igreja católica romana que, às vezes explícita, às
vezes implicitamente, alega ter recebido revelação adicional. Todavia é claro que
não pode haver revelação adicional, porque a revelação vem somente por
meio dos apóstolos e dos profetas, e atualmente não existe apóstolo, e
por definição não pode existir. Assim, estamos inteiramente limitados
às Escrituras, e não podemos acrescentar-lhes nada. Tampouco podemos tirar
delas alguma coisa. Não nos cabe escolher e retirar porções delas. Não podemos
dizer: creio nisto e rejeito aquilo; gosto muito do ensino de Jesus, porém não
acredito em milagres. Admiro a maneira como Ele morreu, mas não acredito que
Ele nasceu de uma virgem, ou que ressuscitou da tumba. No momento em que
começarmos a fazer isso, estaremos negando a revelação. Estaremos dizendo que
o nosso intelecto desassistido é capaz de julgar a revelação e de peneirar
e encontrar o que é verdadeiro e o que é falso. Isso é negar totalmente
o princípio da revelação, do apostolado e desta obra singular do Espírito Santo.
Quão importante, pois, é esta digressão para nós! Estamos encerrados na Bíblia e
em seu ensino. Nada sei fora dela. Nada posso acrescentar-lhe, nada posso tirar
dela; tomo-a como nos foi dada com a autoridade dos apóstolos. Contudo, se
este ponto de vista é rejeitado e a pessoa diz: isto é o que eu penso, é nisto que
eu creio. Replico: você não tem direito de falar desta maneira; mas se você
prefere fazê-lo, então, de acordo com esta autorizada palavra dos apóstolos, a
autorizada Palavra de Deus, você está nas trevas, não recebeu a iluminação; você
permanece fora da vida de Deus e sem nenhuma experiência da Sua graça e da
Sua bênção em Cristo, nosso Senhor.
“Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me
foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima em
pouco vos escrevi; pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha
compreensão do mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado
aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus
santos apóstolos eprofetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de umsó
corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho; do qual fui feito
ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do
seu poder. ” Éfésios 3:2-7
Passamos agora à questão quanto à natureza deste mistério que lhe fora revelado.
Nesta longa frase o apóstolo emprega a palavra “mistério” duas vezes, nos
versículos 3 e 4; primeiro, “como me foi este mistério manifestado pela
revelação” — depois, na Versão Autorizada inglesa há uma afirmação entre
parênteses. Infelizmente, outras versões, entre elas a Versão de Almeida, tanto a
Edição Revista e Corrigida como a Edição Revista e Atualizada no Brasil, não
utilizam os parênteses, e isto confunde a questão. A Versão Autorizada
acertadamente começa com parêntese (“como acima em pouco vos escrevi;”—
quer dizer, “quando reexaminais isso”— “pelo que, quando ledes,
podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo”). A seguir, depois
de fechar o parêntese, o trecho continua: “O qual noutros séculos não foi
manifestado aos filhos dos homens”. Fica claro que a expressão entre parênteses
é definidamente um parêntese. A afirmação principal é: “Como me foi este
mistério manifestado pela revelação, o qual noutros séculos não foi manifestado
aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus
santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um
mesmo corpo”. As palavras entre parênteses são uma afirmação
subsidiária (“como acima em pouco vos escrevi...”). Paulo se refere aí, não
a alguma outra suposta Epístola, e sim ao que já disse nos capítulos 1 e 2. Hoje
expressaríamos isto com as palavras: “Como eu disse acima, como vocês
poderão reler”. O apóstolo os faz lembrar-se de que ele já lhes indicou algo da
sua “compreensão do mistério de Cristo”.
Está bem claro que o apóstolo está empregando a palavra mistério com relação a
duas coisas diferentes. Já definimos “mistério” como tendo o sentido de algo que
a mente humana não pode alcançar por seus próprios esforços desassistidos, e
que só pode ser revelado pelo Espírito. Não significa algo nebuloso ou incerto
sobre o qual nunca se pode ter idéia clara; porém algo que, sem a iluminação e a
revelação do Espírito Santo, nunca poderemos compreender. Ele utiliza o termo
em dois sentidos. O mistério a que se refere no parêntese, no versículo 4, é “o
mistério de Cristo”. Podemos denominá-lo mistério geral. Mas o que ele está
realmente interessado em desenvolver é outro mistério, o mistério que ele
descreve nos versículos 5 e 6. Este é um mistério que “noutros séculos não foi
manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito
aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros”.
Este é o mistério particular.
declaração inteira. Mais uma vez é interessante observar, não somente como
funciona a mente deste grande apóstolo, mas também seu espírito. Ao que
parece, é como se houvesse certas coisas que o apóstolo não pode deixar de
fazer. Embora isto cause estrago em seu estilo literário (como vimos), parece que
ele é totalmente incapaz de controlar-se. Assim, conquanto esteja
primordialmente interessado em expor o mistério particular, não pode conter-se
de dizer uma palavra sobre o mistério geral.
espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido acima
na glória” (3:16). “Grande é o mistério da piedade!”
Paulo não pode deixar de fazer esta declaração porque a vinda de Cristo ao
mundo é a coisa mais tremenda, mais emocionante, mais grandiosa e mais
gloriosa que já aconteceu na história. O mistério é a espantosa maneira pela qual
Deus enviou a salvação aos homens; é a maneira pela qual Ele o fez; é tudo
quanto aconteceu com o Senhor Jesus Cristo e por meio dEle. Que mistério!
Quem jamais teria tido um simples vislumbre dele, quem jamais o teria
conhecido, não fora a iluminação, a revelação que só o Espírito Santo pode dar!
Depois considere tudo que aconteceu a Ele e com Ele. Procure contemplar todo
o processo da encarnação. Considere como Ele Se
despojou da insígnia da Sua etema glória para nascer como um bebê. Depois
continue a pensar em Sua humilhação e em tudo que Ele suportou e sofreu; e
então a morte, o sepultamento, a ressurreição e a ascensão. Esse é o caminho da
salvação estabelecido por Deus! Esse é o modo como Deus trata as críticas
condições do homem, o problema humano! Esse é o meio pelo qual Deus
reconciliou conSigo os homens e pelo qual produzirá finalmente ordem e glória
do caos das coisas como estas são agora! Esse é o mistério ao qual Paulo está se
referindo! Esse é o mistério, a compreensão que lhe fora dada do mistério
de Cristo!
Creio que já não estamos tão surpresos como talvez estávamos quanto à razão
pela qual Paulo fez este parêntese, deixando de lado o estilo. Muitas vezes achei
que grande parte da explicação do trágico estado da Igreja moderna está no fato
de que já não temos parênteses! Somos perfeitos demais, a nossa forma literária
é soberba; o ensaio pode ser belo, mas falta vida, falta realização. Somos
demasiadamente auto-controlados; e isto é porque não temos visto “o mistério
de Cristo”. Graças a Deus pelos parênteses que nos lembram “o mistério de
Cristo”!
dos gentios”, e se gloria nesse encargo. Ele se refere a isso nesta altura porque
está escrevendo aos cristãos efésios, que tinham sido pagãos, e o seu objetivo,
como eu já disse, é habilitá-los a dar-se conta da maravilha e do portento da sua
salvação.
Mas nós temos nosso próprio motivo para dar cuidadosa atenção a esta
declaração particular. Digo com a maior franqueza que preferiria não tratar deste
assunto, porém o trabalho da pregação não é só exortar e consolar, e sim também
instruir; e é só quando compreendemos as doutrinas com as nossas mentes que
podemos viver verdadeiramente a vida cristã e desfrutá-la, como é o seu
propósito para nós. Sei que há aqueles que usam certas “Bíblias” com notas que
dão muita ênfase a esta declaração particular, e dela constroem toda uma
perspectiva e esquema de ensino. Refiro-me ao ensino comumente conhecido
como dispensacionalismo, e sei que há sempre o perigo, quando vemos notas na
Bíblia, de crer inconscientemente que as notas são inspiradas como o texto.
Temos a tendência de as engolir e tomá-las como autênticas. Portanto, somos
impulsionados a ver essa declaração a partir desse ponto de vista particular.
O significado disto para a nossa posição hoje é que aqueles que acreditam no
ensino dos dispensacionalistas estão ocupados demais pregando sermões e
fazendo discursos sobre o Egito e sobre o que está acontecendo na Palestina e no
Oriente Próximo. Alguns têm até a pretensão de que podem predizer o que vai
acontecer, e quando. Encontram isso tudo nas Escrituras, dizem eles. Por esta
razão fazem grande uso da declaração particular que estamos examinando.
Salientam que o apóstolo diz: “Como me foi este mistério manifestado, o qual
noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens”, e param nisso.
Depois dão prosseguimento, argumentando que estas palavras deixam
perfeitamente claro que o “mistério” pertencente à Igreja não foi conhecido sob a
antiga dispensação; na verdade, enquanto não foi revelado ao apóstolo Paulo. De
fato alguns se aventuram a afirmar que em parte alguma o Velho Testamento
ensina que os gentios seriam salvos.
quando reconheceram que os samaritanos, que não eram judeus, também tinham
recebido os benefícios da salvação, pelo que impuseram as mãos sobre eles para
que recebessem o Espírito Santo. De novo Pedro, no dramático acontecimento
que ocorreu antes de sua ida à casa de Comélio, foi levado a ver a mesma
verdade. Foi necessária uma visão oriunda do céu para fazer Pedro enxergá-la.
Como judeu, ele não podia entender isto. A despeito do fato de que ele era um
homem salvo e de que passara pela experiência do Pentecoste, a idéia de que
os gentios haveriam de tomar-se co-herdeiros com os judeus era, em sua opinião,
impossível. Mas com a visão que teve, e havendo testemunhado o cair do
Espírito Santo sobre Comélio e sua casa, ele viu esta verdade uma vez e para
sempre, e assim admitiu os gentios na Igreja. Ele foi criticado por fazê-lo e se
defendeu, como se nos diz nos capítulos 11 e 15 do livro de Atos dos Apóstolos.
Fica, pois, claro que, antes de Paulo haver-se tomado apóstolo aos gentios, esta
verdade já fora pregada.
O mistério agora feito claro e simples não é apenas o fato de que é para os
gentios serem salvos, mas que é para os gentios e os judeus estarem juntos na
Igreja Cristã — em estreitas relações uns com os outros. Paulo não está dizendo
que agora se deve permitir que os gentios se tomem judeus prosélitos. Nisso os
judeus já criam; na
para mim um povo”. Entretanto isto não é mais somente para os judeus; é
também para os gentios; é para mim e para você. Estamos na vontade de Deus,
somos herdeiros junto com os judeus, a velha nação, o antigo povo de Deus,
nesta admirável promessa dos benefícios da nova aliança.
rei Agripa e Festo. “E agora”, diz ele, “pela esperança da promessa que por Deus
foi feita a nossos pais estou aqui e sou julgado. À qual as nossas doze tribos
esperam chegar, servindo a Deus continuamente, noite e dia. Por esta esperança,
ó rei Agripa, eu sou acusado pelos judeus. Pois quê? Julga-se coisa incrível entre
vós que Deus ressuscite os mortos?” A promessa é que o Messias viria e
venceria a morte e o túmulo, e traria à luz a vida e a imortalidade. É a promessa
da ressurreição, da ressurreição final, e da vinda do reino glorioso, “novos céus e
nova terra, em que habita a justiça”. Isso era uma coisa que o judeu pregava
acima de tudo mais. Ele teve que sofrer muito em sua vida neste mundo, mas
olhava para além disso tudo, como se nos diz em Hebreus, capítulo 11 — ele
aguardava o cumprimento daquela promessa, a ressurreição e a vida gloriosa.
Primeiro essa promessa estava restrita ao judeu; o gentio estava sem esperança,
sem Deus no mundo, como Paulo já dissera no capítulo 2, versículo 12; mas
agora diz ele que os gentios são co-participantes da promessa de Deus em Cristo
pelo evangelho.
Para nós isto significa que podemos aguardar anelantes a ressurreição do corpo,
um corpo glorificado. Podemos aguardar anelantes nossa morada numa nova
terra sob novos céus, em que habita a justiça; co--participantes da promessa,
“Cristo em vós, a esperança da glória”.
Esses são os dois mistérios que o apóstolo nos diz que lhe foram dados, para os
pregar: o mistério geral, o mistério de Cristo; e o mistério particular de que o
propósito de Deus agora é manifesto e está em operação na Igreja; e de que a
Igreja é a forma final deste propósito, até completar-se. O judeu e o gentio estão
juntos em Cristo, compartem as bênçãos de Deus agora e participarão dos
benefícios da glória eterna e sempitema. Estarão sempre surpresos e
maravilhados por toda a eternidade ante a graça de Deus que fez isto possível,
que nEle nos juntou e que a nós e aos judeus fez co-herdeiros, co-membros do
corpo e co-participantes de tão bem-aventurada esperança.
“Do qualfui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo
a operação do seu poder.
“A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre
os gentios, por meio do evangelho, as riquezas insondáveis de Cristo. ” Efésios
3:7-8
Depois o apóstolo passa a expressar o seu assombro por lhe ter sido dirigido este
chamamento para o ministério. Notem o modo como ele se expressa. “A mim, o
mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça. ” Não e falsa modéstia, nem
afetação, nem hipocrisia. Ao mesmo tempo, não é, em nenhum sentido, uma
contradição daquilo que ele diz noutro lugar sobre si mesmo, quando alega, “em
nada fui inferior aos mais excelentes apóstolos” (2 Coríntios 11:5). Como
conciliar estas afirmações? A resposta é que ele nunca deixou de admirar-se do
fato de que o pernicioso e blasfemo Saulo de Tarso fora chamado, não somente
para a vida cristã, e sim também para ser apóstolo, e de que lhe fora dado o
privilégio único de ser, de maneira muito especial, “o apóstolo aos gentios”. É
um mau dia na vida de qualquer cristão quando este se esquece da sua origem,
quando se esquece da fossa da qual foi tirado. Não significa que devemos ficar
perpetuamente olhando para trás e tomar-nos mórbidos, sempre nos lembrando
dos nossos pecados. A essência da posição cristã é que sempre devemos
compreender que é pela graça que somos salvos, que somos o que somos única
e inteiramente pela graça de Deus. Se deixarmos de agir assim, perderemos o
elemento de ação de graças e louvor em nosso testemunho cristão. O apóstolo
jamais caiu nessa condição. Jamais se esqueceu de que era o que era “pela graça
de Deus”. Ah, o privilégio disso tudo!
Mas havia outro elemento também nesta situação. Paulo era um homem que
vivia tão perto do seu Senhor que tinha vivida consciência das suas deficiências
e defeitos. Trabalhando infatigavelmente como trabalhava, não obstante estava
cônscio de quão pouco fizera e de quanto mais poderia ter feito. Ele expressa
isto em muitos lugares e de muitas maneiras, demonstrando com isso verdadeira
humildade, verdadeira modéstia. Se a pessoa não estiver sempre consciente da
honra
Ademais, o apóstolo explica aos efésios, e a nós, como tudo isso lhe aconteceu; e
mais uma vez a sua explicação é que tudo lhe veio “pela graça de Deus”. Notem
como ele fica repetindo esta palavra, “dado”: “Do qual”, diz ele no versículo 7,
“fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a
operação do seu poder. A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta
graça”. Esta é a palavra que apresenta o evangelho e a salvação — “dado. É tudo
de graça, tudo é “dado”. O apóstolo não se achava digno de coisa alguma; tudo
lhe fora dado livremente segundo o amor, a misericórdia e a compaixão de Deus.
Tomo a dizer que se não percebemos isto, é porque todo o nosso entendimento
da salvação é defeituoso.
Paulo, porém, continua e nos diz que o dom lhe foi dado de maneira particular:
foi “segundo a eficaz operação do seu poder”. Desafortuna-damente a Revised
Standard Version, tão popular hoje em dia, e tambéma Versão de Almeida,
mormente a Edição Revista e Corrigida, são fracas neste ponto. Dizem
simplesmente: “pela” ou “segundo a operação do seu poder”. Mas a palavra é
muito mais forte; e a Versão Autorizada (Authorized Version) a traduz
acertadamente: “pela eficaz operação do seu poder”. Também poderíamos
traduzi-la, “pela vigorosa operação do seu poder”. A palavra empregada veicula
essa idéia; e o apóstolo a utilizou com o fim de explicar o que é que
transformara aquele perseguidor e blasfemo inimigo de Cristo num dos
Seus principais pregadores e apóstolos. Nenhuma outra coisa pode produzir tal
mudança.
Uma das questões mais fundamentais que nos confrontam quando pregamos o
evangelho é, o que é que pode levar uma pessoa a deixar de ser um inimigo de
Deus para ser alguém que ama a Deus? O que é que pode transformar o homem
natural, para quem as coisas de Deus são “loucura”, num homem que se deleita
nelas e as desfruta e vive por elas, e cuja suprema ambição é conhecê-las mais e
mais? De acordo com o apóstolo Paulo, há somente uma resposta: é a “eficaz
operação” do poder de Deus — nenhuma outra coisa.
O apóstolo Paulo estava bem cônscio deste poder. Se tivesse sido deixado a si
mesmo, teria continuado sendo o fariseu perseguidor e blasfemo. Ele tinha
ouvido falar da pregação de Cristo, tinha ouvido a pregação de Estêvão; sabia
tudo que os cristãos pretendiam. No entanto ele odiava as “boas novas”; nada via
nelas, exceto blasfêmia. Que foi que aconteceu com este homem? Há só uma
resposta: ele tinha sido
feito um novo homem. Tinha sido regenerado, tinha nascido de novo, tinha sido
feito “uma nova criatura” — nada menos que isso! E tudo como resultado da
“eficaz operação” do poder de Deus.
É a eficaz operação do poder de Deus que faz deste ou daquele um cristão. Isto
significa renascimento, regeneração. Não é resultado da nossa decisão, não é
algo que eu e vocês podemos decidir fazer; é o que nos é feito! “A eficaz
operação do seu poder!” Paulo nunca teria sido um cristão, se não fosse este
poder. Mas mesmo após tomar-se cristão, ele teria sido ineficiente, sem este
mesmo poder. E esta operação, é este poder de Deus que não só transformou
totalmente a sua perspectiva, porém também o chamou para o ministério e lhe
deu os dons que são os requisitos para o ministério, para a compreensão da
verdade, para a capacidade de falar, para a capacidade de escrever, para a
capacidade de ensinar. Era tudo de Deus. O apóstolo trata disto detalhadamente
no capitulo subseqüente e afirma que quando Cristo ressurgiu dos mortos e
ascendeu às alturas, “deu dons aos homens”, a alguns, apóstolos, a alguns,
profetas, a alguns, evangelistas; e a alguns, pastores e mestres.
Tudo é dado por Deus. Os ministros são dados por Deus à Igreja, e todos os dons
e toda ajuda presentes na Igreja são dados por Deus. Em nós e por nós mesmos,
somos desvalidos. Ninguém pode pregar verdadeiramente o evangelho por sua
própria força e poder. Talvez se possa falar, e falar eloquentemente; mas falar
não é pregar, e não levará a nada. Sempre que há um ministério eficaz, é por
causa desta “operação”, desta “operação vigorosa” do poder de Deus mediante
o Espírito Santo. Como nos diz o apóstolo em 1 Coríntios, capítulo 2,
sua pregação “não consistiu em palavras persuasivas de sabedoria humana”. Ele
não dependia de quaisquer dons ou métodos ou artifícios humanos. Foi “em
demonstração do Espírito e de poder”. Assim, aqui ele de novo salienta que
recebeu o seu ministério e foi posto em sua posição pela “vigorosa operação” do
poder divino.
Sabemos alguma coisa sobre isto? Vocês sentiram a mão de Deus sobre vocês?
Vocês experimentam a operação de Deus em suas vidas e em suas almas? Vocês
sabem o que é receber tratamento e ser moldado e modelado? Isto está envolvido
no cristianismo verdadeiro. É tudo resultado da “vigorosa operação do seu
poder”. O apóstolo resume isto com perfeição numa grandiosa frase, no capítulo
primeiro da Epístola aos Colossenses (vers. 29). Vinha ele dizendo que
pregava “admoestando a todo o homem e ensinando a todo o homem em toda a
sabedoria; para apresentar todo o homem perfeito em Jesus Cristo”, e em
seguida acrescenta: “E para isto também trabalho, combatendo segundo a sua
eficácia, que opera em mim poderosamente”. Estou labutando, diz Paulo, estou
trabalhando, para não dizer agonizando em
meu trabalho. Sim, mas este e o resultado daquilo que Ele está fazendo em mim
e operando em mim! Estou externando o trabalho que Ele está realizando em
mim. Estou labutando, claro, porém em conformidade com esta tremenda
operação de Deus que age em mim poderosamente. Temos assim esta perfeita
fusão do divino e do humano, o poder de Deus “energizando” um homem e
capacitando-o a levar avante a sua obra no ministério.
Diz o apóstolo que deste modo ele foi preparado, equipado e chamado para
pregar entre os gentios “as insondáveis riquezas de Cristo”. Que frase! Que
profunda, que sublime afirmação! Todavia é também uma declaração que nos
prova e nos examina. Não hesito em asseverar que a prova de toda pregação está
em sua conformidade com esta definição da mensagem, e com este padrão. A
função de todo aquele que alega ter sido chamado para ser ministro do
evangelho é pregar “as insondáveis riquezas de Cristo”.
elevada na Igreja quer não, exprimir as suas opiniões sobre esses assuntos. O
ministro cristão é chamado para pregar “as insondáveis riquezas de Cristo”.
Por outro lado, não é função da Igreja Cristã pregar patriotismo. Ela o tem feito
numerosas vezes. Muitas vezes a Igreja não tem passado de agência de
recrutamento , de posto de recrutamento em tempos de guerra. Isso é uma
falsificação do ministério cristão. O mundo estava envolto em grande
dificuldade quando Paulo escreveu estas coisas; e o mundo sempre esteve em
dificuldade; mas a ocupação e tarefa peculiar à Igreja Cristã e a seus ministros é
fazer o que o apóstolo diz aqui. Muitíssimas vezes os ministros cristãos não têm
sido senão uma espécie de Capelão da Corte, declarando vagas generalidades.
Vou dar mais um passo; tampouco constitui a função primária dos ministros
cristãos ensinar e pregar a doutrina de Cristo relacionada com certas questões
específicas. Há homens que parecem reduzir “as insondáveis riquezas de Cristo”
a nada mais que pacifismo. Pregam-no todos os domingos: a guerra é o pecado
absoluto e, se tão-somente nos portássemos com boas maneiras para com as
outras pessoas, e nos
negássemos a brigar por qualquer coisa, seriamos muito mais felizes. Para eles
esse é o supra-sumo do cristianismo. Todas estas coisas ficam desesperadamente
abaixo desta grande e prodigiosa definição do evangelho dada aqui pelo
apóstolo. Pensem em todos os pomposos pronunciamentos feitos por ministros
da Igreja domingo após domingo sobre a situação internacional. Onde entram
“as insondáveis riquezas de Cristo”? Pensem nos apelos ético-morais, e nos
apelos feitos em nome do país, sistematicamente repetidos. Onde Cristo e as
Suas insondáveis riquezas entram nisso tudo? Isso é uma máscara do evangelho;
é um desperdício de tempo. É uma negação do dever e da tarefa de que fomos
incumbidos.
Então, que é que Paulo prega? Que devemos pregar? Primária e essencialmente,
o Senhor Jesus Cristo. As riquezas são “as insondáveis riquezas de Cristo"! A
essência do evangelho é Cristo e o que Ele nos dá. Não o que fazemos, não o que
Ele pede que façamos. Isso vem mais tarde. O claro princípio e essência do
evangelho é o que Ele nos dá, o que recebemos dEle. Paulo vibra de emoção
simplesmente ao pensar nisso. Diz ele, noutras palavras: foi-me dado este grande
privilégio de chegar até vocês, e eu lhes dei as boas novas, as maravilhosas
e emocionantes novas concernentes às riquezas de Cristo — o que Ele lhes deu,
o que pode dar-lhes e o que lhes dará — “as insondáveis riquezas de Cristo”. A
primeira mensagem é, pois, sobre o dom de Deus, antes de qualquer
chamamento para fazermos alguma coisa.
(versículo 16) — “da sua plenitude”! Estamos unidos a Ele e dEle fluímos; Ele é
o manancial. Assim, pois, a mensagem do evangelho é o próprio Cristo; o que
Ele nos dá, apesar da sua imensa importância, vem em segundo lugar.
O Senhor Jesus Cristo me ensina sobre Deus, porém isso me faz cônscio da
minha pecaminosidade. Sinto-me incapaz de ousar aproximar-me de tal Deus.
Estou em agonia, estou em crise, porquanto posso morrer a qualquer momento e
ter que me apresentar a Deus. Como pode um pecador apresentar-se a Deus?
“Como se justificaria o homem para com Deus?” (Jó 9:2). Cristo foi feito
“justiça” para nós. Embora vocês tenham vivido uma vida de pecado ate este
momento, se crerem no Senhor Jesus Cristo os seus pecados serão perdoados,
vocês serão revestidos da justiça de Jesus Cristo neste exato momento e
poderão estar na presença de Deus. A justiça faz parte das “insondáveis
riquezas de Cristo”.
Mas não termina aí; devo prosseguir. Como poderei continuar com Deus?
Embora saiba que estou perdoado, e que me foi dada a justiça de Cristo, sei que
o pecado continua em mim, e sei que o diabo continua sendo meu inimigo.
Como poderei permanecer firme na luta contra o pecado e o mal? Paulo
responde: Cristo foi feito para nós, não somente sabedoria e justiça, e sim
também santificação. Seja quando for que venhamos a morrer, podemos estar
certos disto, que em Cristo
Cristo é também a nossa redenção, o que significa que Ele ressuscitará o meu
corpo e o glorificará e o transformará. A redenção é completa e total; nada estará
faltando em meu corpo, mente e espírito. Em sua pobreza, em sua necessidade,
vocês se defrontarão com “as insondáveis riquezas de Cristo”. Ele é tudo de que
vocês necessitam.
O apóstolo desenvolve mais este ponto no final deste capitulo três, mas devo
acentuar de novo que Cristo mesmo é as riquezas, e é quando eu O conheço e O
tenho, que sou participante das riquezas. O apóstolo teve um conhecimento
pessoal do Senhor Jesus Cristo, e esse é o maior tesouro do mundo. Muitas vezes
dizemos, e é verdade, que a maior bênção que podemos ter neste mundo é ter um
bom marido ou mulher ou amigo. Dizemos que isso é uma possessão
inapreciável. Entretanto no evangelho nos é oferecido este conhecimento de
Cristo e este companheirismo com Ele. Escrevendo aos filipenses, diz o
apóstolo: “Para mim o viver é Cristo” (Filipenses 1:21). É vida para ele
— conhecer a Cristo. Depois ele prossegue, dizendo que a sua maior ambição é
“conhecê-lo”. Não quer dizer simplesmente conhecer algo acerca dEle; quer
dizer conhecê-lO, para poder andar e falar com Ele,
e ouvi-lO. Assim vivia o apóstolo Paulo. Ele vivia neste estado de comunhão
com Cristo. Cristo estava mais perto dele e lhe era mais precioso e mais real do
que qualquer coisa no mundo. Ele já desfrutava isto e disto queria mais e mais.
Ele ora pelos outros: “que Cristo habite pela fé nos vossos corações” (3:17).
OSenhorvem ao coraçãoenele habita. Elemesmodiz: “Eis que estou à porta, e
bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com
ele cearei, e ele comigo” (Apocalipse 3:20). Todas as riquezas e todos os
tesouros de Deus estão em Cristo, e Ele entra na vida e no coração, e ali habita
— “Cristo em vós, a esperança da glória” (Colossenses 1:27). O apóstolo
prossegue e ora por estes efésios, no sentido de que sejam “fortalecidos com
poder pelo seu Espírito no homem interior; para que Cristo habite pela fé nos
vossos corações”. E o objetivo disto é que venham a compreender “a largura, e o
comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que
excede todo o entendimento”. Nada no mundo é comparável a isto — ser amado
por Cristo, senti-lo e experimentá-lo. Que são as riquezas do universo inteiro, em
comparação com isto? Ser amado pelo Filho de Deus! “As insondáveis riquezas
de Cristo.”
Ainda assim, além da dádiva de Si mesmo, Cristo também nos dá o Seu Espírito
Santo. “Eu, na verdade, vos batizo com água”, disse João Batista; “ele vos
batizará com o Espírito Santo, e com fogo” (Mateus 3:11). Recebemos o dom da
habitação do Espírito Santo, residente em nós; e, ademais, o Seu poder de ativar-
nos e habilitar-nos para “operar a nossa salvação” (Filipenses 2:12) e para
sermos testemunhas disto para os outros.
Mas há também certas riquezas particulares que resultam disto. A primeira que
Cristo nos dá é descanso: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e
oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Vocês têm experiência disto? Ele
o pode dar-lhes copiosamente. Depois é a paz. Isto é o que Ele diz: “Deixo-vos a
paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o
vosso coração, nem se atemorize” (João 14:27). Não posso ajudar nenhuma alma
necessitada e atribulada pregando sobre a situação internacional, mas eis a
mensagem de Cristo para vocês: “Paz vos dou”, não importa o que lhes
esteja acontecendo. Os jovens podem ser convocados para a luta, não
sei; calamidades podem sobrevir, não sei; porém sei que o de que necessitamos é
paz interior. Aconteça o que acontecer no mundo exterior, Ele nos dá Sua paz.
“Não estejais inquietos por coisa alguma”, diz Paulo; isto é, “Em nada vos
oprimais com ansiosa preocupação”; aconteça o que acontecer com o seu
marido, ou com os seus filhos, não se inquiete. “Antes as vossas petições sejam
em tudo conhecidas diante de Deus
pela oração e súplicas, com ação de graças.” E logo a seguir: “a paz de Deus,
que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos
sentimentos em Cristo Jesus” (Filipenses 4:6-7). Tudo isso está incluído nas
riquezas “insondáveis”.
Pensem então na alegria. “Até agora”, diz o Senhor, “nada pedistes em meu
nome; pedi, e recebereis, para que o vosso gozo se cumpra. "Isso foi dito no
contexto, “no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”
(João 16:24, 33). Acaso vocês precisam de sabedoria? “Se algum de vós tem
falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em
rosto, e ser-lhe-á dada”, diz Tiago em sua Epístola (1:5). O Senhor nos oferece
direção, entendimento, sabedoria e discernimento. Isto leva a uma das coisas
mais maravilhosas, a saber, a capacidade de estarmos contentes com o quinhão
que nos toca, haja o que houver. Paulo diz aos filipenses: “já aprendi a contentar-
me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância... Posso
todas as coisas naquele que me fortalece” (4:11-13). Que maneira de enfrentar o
futuro, por mais trevoso e problemático que seja! Seja o que for que aconteça,
podemos encará-lo com serenidade e firmeza. “Posso todas as coisas naquele
que me fortalece.”
Mal comecei a falar-lhes das riquezas, mas estas são algumas das coisas que se
acham na casa do tesouro da graça de Deus. Vocês estão usufruindo estas
riquezas, “as insondáveis riquezas de Cristo”? Vocês são infelizes? Estão
abatidos? Sentem-se despojados de tudo? Deus tenha misericórdia de vocês!
Com todos estes tesouros dados gratuitamente, não temos direito de passar
necessidade; e somos uma desonra para Cristo, se estamos nessa condição. Vocês
usufruem a Cristo? Ele está à porta e bate. Esse texto não é para os incrédulos; é
para os convertidos. É mensagem para a igreja em Laodicéia (Apocalipse 3:20).
Ele está à porta, e bate; Ele quer entrar e enchê-los de paz, de alegria e de tudo
quanto vocês necessitam. Deixem-nO entrar! Contemplamos estas riquezas?
Demoramo-nos nelas? Nós as estamos recebendo cada vez mais? Seu desejo por
elas vai ficando cada vez
maior, cada vez maior? Vocês vivem por essas coisas? Como vocês vão passar o
restante deste dia? Será em termos das “insondáveis riquezas de Cristo”, ou
vocês vão cair de novo nos jornais ou na leitura de um romance ou no rádio ou
na televisão? Em Cristo é que são abundantes as riquezas. Não permita Deus que
sejamos como os crentes em Laodicéia, que achavam que tinham tudo e que
estavam ricos! A mensagem do Filho de Deus aos que pensam assim é: “Como
dizes: rico sou, e estou enriquecido...” Se alguém tende a dizer, sou convertido,
não sou como esses incrédulos; sou fundamentalista, e não modernista; comigo
está “tudo bem”, e posso sentar-me e relaxar; se pensa assim e acredita que não
precisa de nada, a verdade a respeito dele é: “Não sabes que és um desgraçado, e
miserável, e pobre, e cego, e nu”. Acaso vocês estão em dúvida sobre si mesmos
e sobre o que têm? Se é assim, esta é a palavra do Senhor para vocês:
“Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te
enriqueças; e vestidos brancos, para que te vistas, e não apareça a vergonha da
tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas” (Apocalipse
3:18). Dessa maneira Ele oferece a todos os que nEle crêem as suas “insondáveis
riquezas”.
Não permita Deus que nenhum de nós viva como mendigo! Não permite Deus
que qualquer de nós esteja em penúria, em necessidade e carência, em angústia,
em condição alarmante e insegura! O mundo hoje nos oferece uma oportunidade
única de falar aos homens e às mulheres das “insondáveis riquezas de Cristo”.
Estamos sendo vigiados, estamos sendo observados; e muitos, em sua ruína
espiritual, ficam a indagar se, afinal de contas, a resposta está em Cristo. O
mundo O julga pelo que vê em nós. Se dermos a impressão de que, afinal,
ser cristão não ajuda muito quando há uma crise, não ouvirão a nossa mensagem
e não olharão para Ele. Mas se vêem que somos inteiramente diferentes deles, e
capazes de manter calma, equilíbrio, paz, estabilidade, e até alegria em meio aos
furacões da vida, sob Deus isso poderá ser o meio para abrir os seus olhos e
levá-los ao arrependimento, trazendo-os ao Senhor Jesus Cristo e às Suas
“insondáveis riquezas”.
“A MULTIFORME SABEDORIA DE DEUS”
Outro grupo, não tão propalado como outrora, consiste dos otimistas e
humanistas, assim chamados. Eram pessoas que falavam aos brados e
vociferavam no fim da era vitoriana e no período de Eduardo VII. Um dos
sinais mais seguros do entendimento cristão é o que vemos através da
loucura total do vitorianismo e do eduardianismo, com o seu otimismo
completamente falso. Eles criam que o mundo ia adiantar-se, desenvolver-se
e progredir inevitavelmente. Com Tennyson eles entoavam cânticos sobre a
vinda do “Parlamento do homem” e da “Federação do mundo”. Esperava-
se que o século vinte seria maravilhoso, como resultado do conhecimento
secular, especialmente do conhecimento cientifico, da educação e da cultura.
Quanto à Bíblia, eles se apegavam ao ensino ético, moral do Senhor Jesus no
Sermão do Monte. Mas, naturalmente, eles eram inteligentes demais, eram
demasiado científicos, para acreditarem em milagres e no sobrenatural. Se
ensinássemos a todos a “ética de Jesus”, todos os homens se abraçariam
e seriam amigos uns dos outros, e nunca mais haveria guerra. Não ouvimos
falar muito disso agora, e certamente não é de admirar. Havendo nós
experimentado os horrores das duas guerras mundiais, e à luz do que está
acontecendo no mundo nos dias atuais, há pouca evidência que sugira
termos chegado à idade de ouro em que os homens, tendo conseguido a
sanidade pela educação, transformam as suas espadas em arados. As
evidências apontam para uma conclusão
Eis a luz que o apóstolo recebera para dar a todos os homens: “Fazer que
todos os homens vejam qual é a comunhão do mistério” (AV). “Comunhão”
é uma tradução infeliz; realmente significa “plano” do mistério, ou
“administração” do mistério, ou “mordomia” (ou “dispensação”, Almeida)
do mistério, ou “concretização” do mistério. Este é o plano de Deus para as
eras. Paulo repete a afirmação no versículo 11: “Segundo o eterno
propósito”, o propósito das eras, “que fez em Cristo” — o qual já começara
a pôr em execução — “em Cristo Jesus nosso Senhor”.
A segunda coisa que o apóstolo diz é que este plano estava na mente de Deus
antes do início do tempo. Ele escreve: “E demonstrar a todos qual seja a
dispensação do mistério, que desde os séculos “ — ou “desde o princípio das
eras” — “esteve oculto em Deus”. Deus o manteve oculto até quando Cristo
veio e começou a revelá-lo; até então, através dos séculos e das eras, esteve
oculto na mente de Deus. Entretanto estava lá! Esta é a grande verdade que
precisamos captar. Graças a Deus por isso! A história não saiu das mãos de
Deus. A primeira coisa necessária a ser compreendida é que Deus não
depende do fluxo do tempo. Ele não está sujeito às mudanças da política das
nações, às mentiras e à desonestidade. Está inteiramente acima disso tudo.
Ele habita na eternidade. Ele olha sobranceiramente o tempo e o
mundo, mas não lhes está sujeito. Seguramente, o fato mais consolador que
se pode descobrir num tempo como este é que o plano de Deus foi projetado
perfeito e completo antes de criar-se o mundo, antes de iniciar-se o processo
do tempo. Ele subsiste independentemente de tudo quanto acontece; e é
indubitavelmente certo. Nada é contingente no que se refere ao plano de
Deus. Deus nunca teve que improvisá-lo ou que modificá-lo por causa de
algo que alguém mais tenha feito. É plano existente desde antes do início das
eras, desde antes de haver sido criado o próprio tempo. É um propósito
eterno. Se, à luz dessa verdade,
vocês não se sentem firmados na “Rocha dos Séculos”, duvido que sejam
cristãos.Trata-se da nova mais gloriosa que se pode receber num mundo
como este.
Depois diz o apóstolo que esta verdade esteve oculta. Chama-lhe mistério, e
vimos que um mistério é uma coisa que existe, porém ainda não foi revelado
plenamente, e que a mente humana jamais o pode alcançar por seu próprio
esforço. Todavia Deus o revelou, diz o apóstolo. Há uma diferença entre a
situação no passado e o que se dá agora. Tinha estado oculto através dos
séculos, mas “...agora”, diz ele, “pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus
será conhecida dos principados e potestades nos céus”. É-nos dada a idéia
de que aqueles fulgentes espíritos angelicais foram levados a perquirir;
sabiam que Deus estava para realizar alguma coisa, no entanto não sabiam
o quê. Precisavam ser iluminados pela Igreja, diz Paulo, pelo que
acontece comigo e com vocês. Contudo, mesmo sem ter sido revelado ainda,
o plano e propósito de Deus lá estava, e estava sendo executado por
Deus paulatinamente e com segurança. Vê-se isto em toda a história
do Velho Testamento, através do qual ele passa como um fio de
ouro, bastando que vocês tenham olhos para vê-lo. Muitas vezes parece
que as coisas vão mal, porém o propósito de Deus continua a
avançar persistentemente-, embora oculto, continua existindo. Através
dos séculos sempre existiu um propósito eterno de Deus, seguro e certo.
Isso nos leva à indagação crucial: qual é este plano que Deus determinou
antes da fundação do mundo, que Ele manteve oculto dos homens e dos
anjos, que, não obstante, continua existindo e em processo de execução? A
resposta é dada na frase final do versículo 9: “E demonstrar a todos qual
seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus,
que tudo criou”. Por que é que Paulo, ao falar do nome de Deus, acrescenta,
“que tudo criou”? Aí eu encontro a chave para a resposta a esta pergunta.
O apóstolo nos relembra o fato de que, afinal de contas, este mundo é de
Deus. Não é do homem; é dAquele “que tudo criou”. Se já houve tempo em
que o homem necessitava ouvir a verdade sobre a criação, é agora. Temos
nos tomando tão inteligentes... dividimos o átomo! Como somos prodigiosos,
como somos maravilhosos! Acreditamos que fizemos tudo e que somos
responsáveis por todas as coisas. Não passamos de guias cegos
Então, como Deus realiza o Seu propósito em Cristo Jesus, nosso Senhor? A
resposta já do dada no capítulo dois desta Epístola. Não é apenas que Cristo
nos diz o que devemos fazer. O grande propósito de Deus é realizado por
meio do que Cristo fez por nós. A salvação é atividade de Deus, não é nossa
— nem sua nem minha. “Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus.” É o
que Deus fez e faz em Cristo que ainda leva a efeito o grande propósito
divino.
primeiro fato. A inimizade terá que ser retirada de nós; temos que ser
reconciliados com Deus, e Deus realiza isso em Cristo. Ele pôs os nossos
pecados sobre Cristo, castigou-os nEle e, portanto, Ele olha para nós e nos
perdoa. Ele faz de nós Seus filhos, Ele nos adota em Sua família.
Isso nos leva à estupenda declaração feita pelo apóstolo precisamente neste
versículo: “Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja
conhecida dos principados e potestades nos céus”. Quer dizer que Deus
finalmente restabelecerá a paz, a unidade e a concórdia no mundo mediante
Cristo e por intermédio da Igreja. Deus, que no princípio criou o mundo e o
fez perfeito, que segundo a Sua inescrutável vontade tolerou e permitiu que
o pecado e o mal entrassem por meio do diabo, determinou restabelecer à
perfeição o universo inteiro — porque é Seu mundo. Planejou fazê-lo por
meio de uma nova criação. Uma parte dessa nova criação é a Igreja.
Isso constitui uma parte vital da mensagem bíblica. A situação do
homem em pecado é tal, que nada menos do que uma nova criação
poderá resolvê-la. A humanidade jamais poderá ser levado de volta à
perfeição mediante as diversas aplicações externas. É necessário haver um
novo princípio, uma nova criação. E o que Deus está fazendo em Cristo
é trazer à existência esta nova criação, esta nova humanidade, este
novo corpo, este “homem novo” em Cristo, que inclui o judeu e o
gentio; noutras palavras, a Igreja. Todas as divisões são abolidas, uma
nova realidade é trazida à existência . Não é que os judeus e os gentios
são fixados frouxamente uns nos outros, porém ambos são criados de
novo e, com isso, são amoldados num só corpo, do qual todos eles se
tomam membros.
Ele enviará de novo o Seu Filho a este mundo, cavalgando as nuvens do céu,
como “Rei dos reis e Senhor dos senhores". Voltará para juízo e destruíra
todos os Seus inimigos — Satanás e todas as suas hostes, e todos os que o
seguiram, rejeitando a Cristo; na verdade, todo o mal, todas as iniqüidades
e todo o pecado, em todos os seus tipos e formas, serão lançados no lago de
fogo e de perdição. O universo será lavado e purificado.
Vem o dia, descrito pelo próprio Senhor como a hora da “regeneração,
quando o Filho do homem se assentará no trono da sua glória” (Mateus
19:28). Ocorrerá uma regeneração de todo o cosmos; até o mundo físico
será perfeito. Haverá “novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (2
Pedro 3:13). “E o lobo morará com o cordeiro... o leão comerá palha como o
boi” e “um menino pequeno os guiará” (Isaías 11:6-7). Perfeição absoluta!
Ela vem! É o fim definitivo do propósito de Deus. Há um mundo novo à
nossa espera.
É isso que foi revelado a Paulo; é o que ele anseia que todos os homens
vejam; essa é a luz que brilha nas trevas hoje.
Meu amigo, você se sente tentado a dizer que está decepcionado com esta
mensagem, que a acha muito depressiva, que pensava que poderia ouvir
falar de alguma esperança imediata para o mundo, e que perdeu o interesse
pelo cristianismo? Se é assim, tenho duas coisas para dizer-lhe. A primeira é
que, patentemente, você não é cristão, pois nenhum cristão fala dessa
maneira. O cristão não está apenas interessado em bem-estar e consolo
pessoal. O cristão é alguém interessado na glória de Deus e na grandeza do
Seu santo nome. Esse bem-estar que você procura é oferecido pelas seitas e
pelas várias falsificações da mensagem cristã. Em segundo lugar, digo a
quem quer que pensa que esta pregação é irrelevante e não ajuda os homens
nas situações presentes, que esta é a única mensagem que lhes diz a verdade
sobre a situação presente. É a única que explica por que o mundo é como é.
Você acha que isto é irrelevante para você? Se acha, e se continuar com essa
forma de pensar e com essa opinião até ir para o seu túmulo, virá o dia em
que, de repente, descobrirá que não existia nenhuma outra coisa que fosse
mais relevante. Você faz parte do propósito e plano de Deus. Deus “julgará o
mundo com justiça”, e como cidadão deste mundo você será julgado com
justiça. Este é o propósito eterno que Deus estabeleceu antes da fundação do
mundo. Ele certamente está sendo levado a efeito, e será levado a cabo.
Todos os que pertencem ao diabo e às suas hostes, todos os que rejeitam este
evangelho por não oferecer um pouco de bem-estar ou consolação
temporária, todos os que rejeitam o Senhor ver-se-ão rejeitados naquele
grande dia, e não ficarão na companhia dos que estarão se aquecendo ao
fulgor da glória de Deus, e que estarão reinando com Cristo como “reis e
sacerdotes de Deus” por toda a eternidade. Graças a Deus pela luz do
evangelho nesta hora tenebrosa, luz que mostra que, a despeito de tudo que
vemos no mundo, Deus ainda está no trono. Seu propósito certa e
seguramente está sendo realizado; e está sendo realizado também em nós e
por meio de nós, que somos verdadeiramente membros da Igreja,
verdadeiramente membros do corpo de Cristo.
vista de maneira maravilhosa nas coisas que são feitas. Apanhem qualquer
flor e dissequem-na, e verão que ela foi estruturada e construída segundo
um plano e desenho bem definido. De muitas maneiras, a maior
característica de todas as obras das mãos de Deus na natureza é a
simplicidade essencial do padrão pelo qual Ele sempre opera. Algumas
flores parecem altamente complexas, mas se vocês as dissecarem, verão
sempre um padrão muito simples, e verão que o que parece complexo é
apenas uma coleção de vários modelos muito simples. Este princípio
percorre a natureza toda. A sabedoria essencial é exposta neste modelo
simples. Esta é, na verdade, a característica dominante de todo gênio, da
maior competência em qualquer departa mento. O grande artista sempre dá
a impressão de que o que ele está fazendo é muito simples. O homem que em
seu trabalho é presunçoso e dá a impressão, de que o que ele está fazendo é
realmente difícil, mostra que não é competente.
Além disso, os anjos tinham visto os filhos de Israel descerem para o Egito e,
finalmente, tomarem-se escravos em grande desamparo. Depois,
subitamente, viram como Deus feriu Faraó e os seus exércitos no Mar
Vermelho e levou de volta os filhos de Israel para Canaã, e
No entanto, diz o apóstolo, não foi por meio disso tudo que os anjos viram
realmente a sabedoria de Deus. Antes, foi pelos resultados da mensagem
confiada a Paulo, a mensagem do evangelho de Cristo, e principalmente a
mensagem acerca da Igreja, que estes principados e potestades nos lugares
celestiais puderam ver a multiforme sabedoria de Deus. É aí que as
múltiplas facetas, o caráter variegado, a grande variedade de cores da
sabedoria de Deus aparecem. Já conheciam a essência dela; mas aí está a
plena florescência em sua glória. Noutras palavras, o argumento do apóstolo
é que os anjos, estes principados e potestades, foram levados a ver, mediante
a Igreja, que a sabedoria de Deus é maior do que imaginavam; que é mais
variada, mais variegada; que nela há cores e matizes dos quais nunca
tinham tido ciência. Havia nela glórias ocultas das quais eles nada sabiam,
apesar de terem vivido sempre na presença de Deus. Empregando a palavra
multiforme, o apóstolo nos transmite a idéia de que a luz, o brilho da luz da
sabedoria de Deus, subitamente, por assim dizer, irrompera nestas diversas
cores do espectro e a exibira em suas partes componentes. Os anjos
tinham visto apenas o brancor; agora estão vendo todas as nuanças, todas
as variedades da cor — a variegada sabedoria de Deus.
Devemos tirar duas importantes conclusões deste ponto. Que terrível erro
dos que a si mesmos chamam dispensacionalistas, dizerem que a Igreja
Cristã foi apenas um dêutero-pensamento na mente de Deus, que realmente
Ele nunca tivera essa intenção na eternidade, que o Senhor Jesus Cristo veio
à terra para pregar o evangelho do reino aos judeus, e que foi porque eles
não O receberam que Deus introduziu a Igreja como uma idéia ulterior. A
maior coisa do universo, a maior manifestação da sabedoria de Deus, uma
idéia ulterior! Assim é que negamos as Escrituras com as nossas teorias.
Longe de ser um dêutero--pensamento, uma idéia ulterior, a Igreja é o
brilho mais esplendente da sabedoria de Deus. É igualmente errôneo dizer
que a Igreja é apenas temporária, e que virá o tempo em que ela será
retirada e o evangelho do reino voltará a ser pregado aos judeus! Não existe
nada acima da Igreja. Ela é a manifestação mais elevada e suprema da
sabedoria de Deus; e olhar adiante, à espera de alguma coisa alem da Igreja,
é negar não somente este versículo, mas também é negar muitos
outros versículos das Escrituras. A Igreja é a expressão final da sabedoria
de Deus, a realidade que, acima de todas as demais, capacita até os anjos a
compreenderem a sabedoria de Deus.
Para explicar o terceiro princípio devo expor como Deus mostra e manifesta
a Sua variegada sabedoria na Igreja, por meio da Igreja e na salvação.
Procuremos meditar nisto, pois este será o tema dos nossos louvores por
toda a eternidade. Sobre isso diz o apóstolo Pedro, no capítulo primeiro da
sua primeira Epístola: “para as quais coisas os anjos desejam bem atentar”
(versículo 12). Refere-se à salvação e à Igreja Cristã. Diz uma melhor
tradução que os anjos de Deus “se abaixam para vê-las por dentro”. Este é o
sentido real da palavra empregada por Pedro. Na glória os anjos estão
olhando do céu para
baixo, estão se abaixando para olhar para mim e para vocês, para olhar
para a Igreja Cristã — esta manifestação da multicolorida sabedoria
de Deus. Eles nunca viram nada parecido, embora tenham passado a
sua eternidade na presença de Deus. Nós devemos estar olhando para
ela agora com todo o nosso ser, pois daqui por diante estaremos
olhando para ela por toda a eternidade, e nunca cessaremos de estar
surpresos e maravilhados diante dela.
A essência do problema está no fato de que Deus não é somente amor, e sim
também justo, reto e santo.Deus é o “Pai das luzes, em quem não hã
mudança nem sombra de variação” (Tiago 1:17), e não pode negar-Se a Si
mesmo. Etemamente Ele é sempre o mesmo; em
Sua perfeição jamais há alguma sombra de contradição. Daí o problema
levantado pelo pecado. Se Deus deve perdoar o pecado, deve fazê-lo
de modo que não somente manifeste o Seu amor, como igualmente manifeste
a Sua justiça, a Sua retidão, a Sua santidade, a Sua verdade, a Sua glória
eterna e a Sua imutabilidade. Será possível? O amor de Deus não terá que,
inevitavelmente, entrar em conflito com a Sua justiça? Poderá a Sua
misericórdia ser levada a compatibilizar-se com a Sua retidão? Esse é o
problema; e a glória central do evangelho é que ele é a revelação do modo
como a sabedoria eterna de Deus resolveu este problema.
Vocês são capazes de ver que nada, senão a eterna sabedoria de Deus
poderia habilitá-lO a fazer isto e continuar sendo Deus, inalterado e
fulgindo em todas as direções com a mesma glória e a mesma perfeição?
Não conheço nada que seja mais comovente do que meditar nesse mistério.
Privaremos a Deus de Sua glória se imaginarmos que o perdão e a salvação
são simples e fáceis. Eles constituíam um problema na mente do Eterno.
Eles frustraram os anjos. Só Deus podia resolver o problema.
Esse era o problema visto de modo geral, mas agora vamos examiná-lo
pormenorizadamente. Afim de solucionar o problema, Deus enviou o Seu
próprio Filho ao mundo. Como redimir a humanidade decaída? Disse Deus:
“Enviarei meu Filho ao mundo de pecado e vergonha. Ele
Vejam ainda outro aspecto desta admirável sabedoria de Deus. O Pai não
enviou Seu Filho para nascer num palácio, e sim numa manjedoura. Ah, a
sabedoria de Deus! Quem jamais poderia ter esperado tal coisa? Mas
podemos ver o propósito brilhando através disso tudo. Se Ele não Se
submetesse à pobreza, à necessidade e a condições inferiores, não poderia
soerguer os de condição mais baixa. Nós, com a nossa sabedoria, teríamos
agido de maneira a mais espetacular, não teríamos? Contudo, Deus age
desta maneira essencialmente simples, por meio de um bebê e de tudo
quanto se Lhe seguiu.
Ainda mais, quando os anjos O viram na cruz devem ter ficado perplexos
com o que estava acontecendo. Parecia a hora da vitória do inferno, do
diabo e do mundo, no que este tem de pior. Não foi assim, porém. O que
estava acontecendo ali, Paulo o diz em sua Epístola aos Colossenses,
capítulo 2, era que, na cruz, e por Sua morte ali, o Senhor estava expondo
todos os poderes contrários a Ele “à vergonha pública, e deles triunfando
em si mesmo”. Deus os estivera usando, na inteligência deles, para fazer
cumprirem-se os Seus grandes e gloriosos propósitos; pois na cruz Deus
estava fazendo de Seu Filho Aquele que leva o nosso pecado. Estava pondo
os nossos pecados sobre Ele, dando-lhes o tratamento devido. Deus os estava
punindo; portanto, Deus continua sendo justo e reto porque o pecado é
punido e a lei é cumprida. O nosso Senhor cumpriu perfeitamente a lei, e no
madeiro sofreu por nós a penalidade por ela imposta. A lei foi honrada em
todas as suas peculiaridades, e Cristo a estava estabelecendo. Mas ao mesmo
tempo Deus estava abrindo um caminho para o perdão dos nossos
pecados. Essa é a sabedoria de Deus.
O resultado de tudo isso é que temos o direito de dizer que a Igreja remida é
a suprema e final manifestação da sabedoria de Deus. Vimos como Ele
conciliou os Seus atributos; porém , ao mesmo tempo e de maneira
extraordinária, Ele efetuou o que particularmente está na mente do
apóstolo nesta altura, a saber, Ele reuniu o judeu e o gentio. Isto é
espantoso! O judeu e o gentio pareciam desesperadamente irreconciliáveis.
Eram inteiramente diferentes, e inimigos tradicionais, com todas as suas
tradições em antagonismo. Os anjos tinham visto o mundo dividido em
judeus e gentios, e tinham meditado no problema aparentemente insolúvel.
Eles observaram as fúteis tentativas feitas pelos maiores filósofos de resolvê-
lo quando escreviam, e ainda escrevem, sobre as suas utopias. Parecia não
haver solução. Mas agora eles vêem a solução concretizando-se na Igreja. O
judeu e o gentio são reunidos na Igreja, não em tréguas temporárias, não
mediante a colocação de uma espécie de tropa entre eles para impedi-los
de aproximar-se e matar-se uns aos outros; não pelo uso de alguma
ação policial. Não; eles foram feitos um, foram feitos co-membros de um
só corpo.
Tomem a pensar na variedade de maneiras pelas quais Deus faz todas estas
coisas, maneiras pelas quais Ele nos trata a todos individualmente. Um
Saulo de Tarso tem que ser lançado ao solo na estrada de Damasco, e o
Senhor ressurreto lhe aparece. O coração de Lídia é aberto serenamente.
Um terremoto é utilizado para salvar o carcereiro de Filipos. Não têm fim as
variações nas experiências pessoais, e cada uma delas oferece mais um
vislumbre da sabedoria de Deus, que apresenta tantas facetas. Ele conhece a
cada um de nós individualmente, e sabe qual o tratamento exato de que
necessitamos.
Eis a pergunta que nos vem: estamos nós manifestando esta sabedoria de
Deus? É por meio da Igreja que Deus a mostra. Ela está sendo vista em nós?
Somos refletores, em nossa pequenez, deste esplendente brilho da sabedoria
eterna? Vocês estão nalgum lugar do espectro? A luz está sendo refletida
por meio de vocês? Deus nos perdoe, se estamos falhando. A maneira do
cristão brilhar consiste em meditar nestas coisas, contemplá-las,
compreender a verdade sobre si mesmo como parte da Igreja. Depois,
continue meditando nisso, e dedique-se ao Senhor diariamente. Aí a luz
brilhará por meio dele numa das suas variegadas cores, e os anjos ficarão
maravilhados com o que irão ver nele. Foi o nosso bendito Senhor que disse
que “há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”
(Lucas 15:10).
Tudo é misericórdia, a terra O adore; e as mentes dos anjos não mais inquiram.
(Charles Wesley)
OUSADIA, ACESSO, CONFIANÇA
Nesta declaração particular Paulo leva esta parte da sua mensagem a uma
espécie de grande clímax e conclusão. Num sentido podemos dizer que tudo
que o apóstolo estivera dizendo não teria sido de nenhum valor para os
efésios, se não os levasse inevitavelmente a esta conclusão particular.
Noutras palavras, o propósito principal de toda a doutrina cristã, do ensino
cristão, na verdade a finalidade da própria salvação cristã, é levar-nos
àquilo que nos é dito neste versículo. Precisamos lembrar-nos disso porque
vivemos dias em que muitos pensam na salvação cristã e nos seus benefícios
noutros termos, como alguma bênção particular que desejamos ou alguma
necessidade que desejamos ver suprida. Graças a Deus todas estas coisas são
verdadeiras, e jamais poderemos exagerar nossa gratidão a Deus por elas.
Mas além e acima de todas elas, e na verdade antes de todas elas, o
grande objetivo para o qual tudo é determinado, é levar-nos à presença
de Deus, e habilitar-nos para a adoração e para a oração.
O apóstolo está dizendo aos efésios que eles não precisam desfalecer ou ficar
angustiados ou sentir-se infelizes por causa dele. Paulo diz que ele próprio
não está desfalecendo e que não precisa de compaixão.
Ele está perfeitamente feliz porque está em contato com o Deus eterno, e
desfruta acesso à Sua presença. E o seu desejo é que os seus amigos efésios
compreendam que a mesma experiência é acessível a eles e lhes é possível.
Daí, se forem agredidos, e forem levados a ficar tristes e perplexos, não
precisarão gastar nenhum tempo dando atenção a estes acontecimentos,
mas deverão ir direto à presença de Deus. Quando agirem assim, todos os
seus problemas assumirão novo aspecto; verão propósito mesmo nas
tribulações, nos problemas e nas provações, e acabarão louvando a Deus e
glorificando o Seu santo nome. Pelas mesmas razões também devemos
considerar este versículo particular.
Devemos, por certo, dar igual ênfase ao outro lado, para termos equilíbrio.
A doutrina, repito, visa a ser prática e a levar a grandes riquezas na vida
cristã. No entanto, é igualmente importante dizer que as nossas vidas cristãs
nunca serão ricas, se não conhecermos e não apreendermos a doutrina.
Estas coisas não devem ser separadas uma da outra; são uma só coisa, e
indivisível. Uma das principais causas de dificuldade na Igreja está em que
temos a tendência de nos dividirmos em segmentos. Alguns só se interessam
pelas doutrinas e se consomem nesse interesse. Raramente os vemos orando,
nem nos impressionam a santidade e a pureza das suas vidas. Entretanto as
suas mentes estão repletas de doutrina. Para um segundo grupo a doutrina
não tem nenhum valor. Aqueles outros, dizem estes, só falam e
discutem teologia; nós somos gente prática, nada queremos com doutrina.
Mas falar assim é estar tão errado como aqueles que vocês estão
criticando. Estas duas coisas devem andar juntas; a doutrina não deve
ficar separada do elemento prático, nem o elemento prático da
doutrina. Devemos aprender a preservar o equilíbrio das Escrituras, e
devemos lutar para preservá-lo, “manejando bem a palavra da verdade”
(2 Timóteo 2:15). Devemos tomar as coisas como vêm nas Escrituras. Você,
meu amigo, não tem direito de dizer: “Sou um homem prático; portanto,
não leio os capítulos 1,2,3 e parte do capítulo 4 da Epístola aos Efésios;
começo a ler no meio do capítulo 4”. Se for assim, você estará fazendo
violência à Palavra de Deus. Contudo, se por outro lado você se deti ver no
meio do capítulo 4 e não for até o fim da epístola, será igualmente culpado.
Pois bem, o real propósito de tudo que o apóstolo estivera lembrando a estes
efésios — que eles tinham sido gentios, separados e estranhos aos concertos
da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo, agora, por este glorioso
evangelho que ele lhes havia pregado, foram feitos co-herdeiros com os
santos, conservos dos judeus como membros do corpo, e co-participantes
das grandes promessas — o real propósito, digo, era que se regozijassem
nisso, porque esse fora o meio pelo qual eles vieram a ter “ousadia e acesso
com confiança” à presença de Deus. Aquilo com que Paulo desejava que se
regozijassem era que agora eles, que outrora estavam longe de Deus, foram
aproximados, podem chegar à presença de Deus, e podem orar como os
judeus sempre oraram.
Examinem todas as instruções que Deus deu aos filhos de Israel no Velho
Testamento sobre como Ele deve ser cultuado. Por que tiveram que
construir um tabemáculo, e depois um templo? Por que essas estruturas
eram divididas em vários compartimentos e seções? Por que o
compartimento interior mais adentrado era chamado “O Santo dos Santos”,
no qual ninguém tinha permissão para entrar, exceto o sumo sacerdote, e só
uma vez por ano? Por que Deus instituiu todo o cerimonial, incluindo
numerosos sacrifícios — ofertas queimadas, ofertas pelo pecado, ofertas
pela transgressão, e outras? Qual o significado disso tudo? Quem deu as
instruções foi Deus, não os homens. Não foram imaginadas pelas mentes dos
homens. Deus chamou Moisés e o fez subir a uma montanha, e lhe ensinou
como Ele devia ser
do Seu Filho e que quando me ponho diante dEle, Ele não vê os meus trapos
sujos, e sim a perfeita roupagem da justiça produzida por Jesus Cristo para
mim — somente então poderei ir a Deus com ousadia. Quem preparou essa
roupagem foi o Filho de Deus, e me foi dada por Ele; assim eu sei que sou
aceito. Não há outro caminho. Como diz o capítulo 10 de Hebreus: “É
impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados” (versículo
4). Cobria o pecado pelo período aprazado, mas não podia limpar realmente
a consciência. E, contudo, há os que ensinam que você não tem necessidade
de fazer nenhuma oferta — nem do sangue de touros e bodes, nem das
cinzas de uma novilha, nem do Filho de Deus e do Seu sangue derramado
— simplesmente você vai a Deus como você é!
Sem Cristo não podemos orar verdadeiramente. Como de novo diz o autor
da Epístola aos Hebreus: “Visto que temos um grande sumo sacerdote,
Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a
nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa
compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi
tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança (ousadia;AV) ao
trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a
fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (4:14-16).
Sabemos o que aconteceria com o tipo de gente que pensa que pode entrar
no Palácio de Buckingham e aparecer diante da rainha na hora que quiser;
seria logo abordado e posto para fora, e talvez lançado na prisão, como
merecia. E ainda há pessoas que imaginam que, justamente como estão, sem
nenhuma meditação ou mediação, podem comparecer na presença de Deus!
Há só Um que pode introduzir você, há só Um que pode rubricar o seu
cartão de visita. É o Filho de Deus, e Ele escreveu Seu nome com o Seu
próprio sangue. Graças a Deus, não importa quem ou o que você é, nem as
profundezas do pecado em que se afundou, nem em que lamaçal tenha
passado a sua vida, andando e rastejando no pecado. Se você tem esse
cartão com a assinatura feita com sangue, as portas do céu estão abertas
para você, e pode entrar com “ousadia”, você tem “acesso com confiança”
pela fé nEle!
para levar sobre Si os meus pecados, para morrer por mim. Cristo cumpriu
a lei por mim e me vestiu com a Sua roupagem de perfeita justiça. Vestido
com ela, posso ir à presença de Deus”. Havendo-se convencido disso, você
obtém confiança e começa a orar.
E depois, imediatamente você dará graças a Deus por tudo isso — “pela
oração e súplicas, com ação de graças”, diz este apóstolo, quando ensinava
os filipenses a orar (4:6). Esqueça por ora todas as suas necessidades e
desejos, até mesmo aquela coisa particular que o levou a orar. Antes disso,
apenas agradeça a Deus o Seu amor, agradeça-Lhe a Sua misericórdia e
compaixão, dê-Lhe graças por enviar o Seu Filho a um mundo como este;
dê-Lhe graças por ir à cruz e morrer por você; dê-Lhe graças por enviar o
Espírito Santo. Derrame o seu coração em louvor e ação de graças. Logo
você achará liberdade; seu coração se comoverá e, pela primeira vez em sua
vida, você saberá o que é “ousadia e acesso com confiança”. Então ore,
rogando a Deus que derrame o Seu Santo Espírito amplamente em seu
coração, de modo que venha a experimentar a autenticação de todas estas
coisas. Precisamos ir à presença de Deus empregando as palavras que o
conde Zinzendorf escreveu, e que João Wesley traduziu:
Jesus Cristo, o Teu sangue e a Tua justiça minha elegância são, gloriosas
vestes; entre os mundos em chamas, com tal traje alçarei a cabeça, jubiloso.
Ousado me erguerei no grande dia; pois quem irá fazer pesar meu fardo ?
Mediante as vestes já fui absolvido do pecado e temor, da culpa e opróbrio.
Pode a tormenta ao meu redor rugir, meu coração desmoronar; porém, ao meu
redor está meu Deus, poderei fraquejar?
“Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, do qual toda afamília nos céus e na terra toma o nome. ” Efésios 3:14-
15
Por ora me proponho apenas a fazer alguns comentários sobre o modo pelo
qual o apóstolo introduz a grande oração que oferece pelos efésios. A
primeira coisa que se deve acentuar é que ele ora por eles. E, tomando isto
em seu contexto, é uma coisa de grande valor para nós. Quando Paulo
estava escrevendo esta carta era prisioneiro; esta é uma das “epístolas da
prisão”. Provavelmente era prisioneiro em Roma, porém isto é pouco
importante. O importante para nós é saber que ele está realmente dizendo
que, embora prisioneiro, embora um perverso inimigo o tenha encarcerado,
o tenha posto em grilhões, o tenha impossibilitado de visitá-los em Éfeso e
de pregar-lhes (ou de ir a qualquer outro lugar para pregar) há uma coisa
que o inimigo não pode fazer — não pode impedi-lo de orar. Ele ainda pode
orar. O inimigo pode confiná-lo numa cela, pode meter ferrolhos e trancas
nas portas, pode algemá-lo a soldados, pode pôr grades nas janelas, pode
enclausurá-lo e confiná-lo fisicamente, entretanto nunca poderá obstruir o
caminho do coração do crente mais humilde para o coração do Deus
eterno. De muitas maneiras, neste nosso incerto mundo moderno esta é
uma das mais confortantes e consoladoras verdades que podemos
aprender. Pensem no que isto significa para centenas, para não dizer
milhares de cristãos em diversas partes do mundo neste momento. Alguns
estão na prisão, alguns em campos de trabalho forçado. Estão sujeitos
a incontáveis sofrimentos e indignidades, porém graças a Deus ainda podem
asseverar que “muros de pedra não fazem uma prisão, nem barras de ferro
uma jaula”. O espírito de oração continua livre, apesar de toda a
malignidade dos cruéis tiranos. Os homens podem proibir-nos de falar com
os lábios, mas ainda que juntassem os nossos lábios e os costurassem,
poderíamos continuar orando em nossos espíritos, poderíamos continuar
orando a Deus.
Isto será sempre aplicável a nós, sejam quais forem as nossas circunstâncias
e condições. Há ocasiões em que parece que nós, cristãos, estamos numa
espécie de prisão. Podemos ser enclausurados e amarrados, talvez por
alguma doença ou debilidade física, ou pelas
circunstâncias, ou pode ser que as circunstâncias nos impeçam de vir à casa
de Deus ou de manter companheirismo com outros. Com frequência os
cristãos se vêem nessas circunstâncias ou condições. Lembremos que, o que
quer que as circunstâncias ou os perversos nos façam, sempre estará aberto
para nós este ministério e atividade. Nada terá por que impedi-lo. Noutras
palavras, se você se achar doente e preso ao leito, não significa que será
inútil durante esse período, não significa que não poderá fazer nada. Ainda
poderá orar. Poderá orar por si mesmo; poderá orar por outros; poderá
tomar parte num grande ministério de intercessão.
Às vezes temo que nos inclinamos a esquecer isto. Tomamo-nos uma geração
de cristãos tendentes a viver de reuniões. Isto pode soar estranho numa
época em que a frequência à igreja é muito baixa. Não obstante, penso que é
verdade que os que ainda se reúnem tendem a depender demais da sua
frequência às reuniões e a achar que, quando são deixados de lado em seus
leitos de enfermidade, não há nada que possam fazer, exceto esperar até
ficarem bem de saúde novamente. Isso é uma total falácia. Paulo estava
muito ativo e ocupado na prisão. Passava o tempo, deduzimos, em oração
por várias igrejas. Vemos nas epístolas da prisão que ele afirma que estava
orando constantemente, diariamente por elas. Ocasionalmente podia enviar-
lhes cartas, embora apenas algumas tenham sobrevivido. Contudo ele
constantemente amparava todas as igrejas com as suas orações, e orava
pelas pessoas a elas pertencentes. Estava exercendo um grande ministério
na prisão. Não era o seu ministério usual, pois ele era pregador, evangelista,
era um mestre incomparável. Ele não diz aos seus amigos que agora
não pode fazer nada, pois está sem ânimo na prisão, e a única coisa que
pode esperar é que, de um modo ou de outro, logo seja posto em
liberdade. Absolutamente não! Esta tremenda atividade na oração
continua. Tenhamos este fato em mente.
E quanto mais há pelo que orar na época atual, com o mundo como está, e
com tantos cristãos sofrendo como estão! Posso fazer uma pergunta simples
e óbvia? Quanto do nosso tempo dedicamos diariamente à oração em favor
de cristãos doutros países? Temos o tempo e o vagar; nem estamos na
prisão. Temos tempo para fazer muitas coisas não essenciais e nem mesmo
proveitosas. Quanto tempo estamos dedicando à intercessão e à oração pelos
outros? Somos chamados para levar as cargas uns dos outros, para
compartir os infortúnios uns dos outros. Eis aqui um homem que fez isso na
prisão tendo tudo contra ele. Vamos, digo eu, vamos dar ouvidos a este
chamamento para a oração. Assim como Paulo sabia que podia ajudar os
efésios orando por eles, nós também podemos ajudar outras pessoas —
pessoas com as quais
talvez nunca nos tenhamos encontrado, mas sabemos que nesta hora estão
sofrendo e estão com vários tipos de problema. Passemos algum tempo
junto ao trono da graça em favor delas.
Tiremos uma lição muito prática disso. Todos nós temos amigos não
cristãos,com os quais nos preocupamos. Desejamos muito ajudá-los e lhes
falamos acerca destas coisas. Citamos e explicamos as Escrituras
O apóstolo é perfeitamente coerente com a sua doutrina. Ele sabia que era
tão essencial orar por estes efésios como instruí-los por meio desta Epístola.
Nós, igualmente, jamais deveremos esquecer que a instrução e a oração
andam juntas. Se você, irmão, está interessado numa pessoa em particular, e
deseja a sua salvação, você não deve ficar só nisso de favorecê-la, ajudá-la,
gastar tempo com ela e expor-lhe a verdade; também deve orar por ela. De
fato vou longe a ponto de dizer que, se você não der mais peso à sua oração
do que à instrução que lhe oferece, o seu trabalho terá a probabilidade de
ser um fracasso. Note o lugar dado à oração intercessória no Novo
Testamento. É extraordinário e espantoso, e é exemplificado
particularmente no apóstolo Paulo. Observe também quão dependente era
Paulo das orações doutros cristãos. Na maioria das suas cartas ele insta com
eles para que orem por ele. Ele os concita a orar no sentido de que haja para
ele uma porta à oportunidade, de que tenha liberdade, e assim por diante.
Ele compreendia plenamente a sua dependência das orações alheias.
Nalguns aspectos isto é um mistério; e alguns são tentados a dizer: Deus é
Todo--poderoso, não há nada que Ele não possa fazer; por que, pois,
há necessidade de oração? A resposta é que Deus, em Sua sabedoria eterna,
escolheu operar deste modo. Ele faz divisão do trabalho e, de um modo ou
de outro, usa as nossas orações e leva os Seus grandes propósitos à execução
mediante a instrumentalidade da intercessão dos santos.
Outra importante questão que devemos notar é a maneira pela qual o
apóstolo ora; ou seja, devemos dar atenção ao método, modo ou maneira da
sua oração. Vê-se aqui uma coisa notável e significativa. “Por causa disto
me ponho de joelhos perante o Pai.” Não é preciso afirmar que no momento
em que escrevia, o apóstolo se pôs de joelhos literalmente. Pode tê-lo feito;
não sei. Mas o que evidentemente ele está dizendo é que orava por eles, e o
que nos interessa é o modo como ele decidiu descrever a oração. Ele não
orava ao acaso, acidentalmente,
Esta expressão nos coloca face a face com a questão geral da nossa postura
na oração. É um ponto que tem perturbado muitas pessoas de duas
maneiras diametralmente opostas; a tendência é ir de um extremo a outro.
Contudo as Escrituras são muito claras sobre a questão. Elas ensinam que
às vezes os homens dobram os joelhos ou se ajoelham para orar; mas
igualmente é clara em seu ensino que outros ficam de pé para orar. Ambos
os métodos são mencionados nas Escrituras, e ainda outros, como prostrar-
se em terra.
Esta questão deve reter-nos por um momento, porque pode ser manipulada
de maneira errônea, e até estulta. Há dois extremos que devemos observar.
Um é o formalismo, e o outro é a irreflexão ou negligência. O formalismo
virtualmente ensina que, se não ajoelharmos de verdade, não estaremos
orando de modo algum. Há gente que acredita sinceramente que os não-
conformistas, isto é, pessoas não anglicanas nunca oram verdadeiramente
na igreja simplesmente porque não se ajoelham. Para tais pessoas o
ajoelhar-se é vital e essencial à oração. Esquecem-se totalmente das
referências bíblicas ao ficar de pé. Podemos colocar dentro da mesma
categoria todos os que pensam que as formas de liturgia são absolutamente
essenciais. Do outro lado estão os que afirmam o princípio da liberdade. No
entanto, também é possível exagerar no princípio da liberdade, dando em
licença, frouxidão, relaxamento e irreflexão, podendo levar a um modo de
orar totalmente indigno de Deus.
ou cunhando outras atitudes; mas isso não tem valor, se não for verdadeira
expressão do estado dos seus corações. Contudo — e isto precisa ser
salientado — o estado do coração expressa-se inevitavelmente. E é aqui que
a expressão utilizada pelo apóstolo é tão interessante.
Observemos que o apóstolo não cüz somente “na terra”, e sim também “nos
céus” —"toda a família nos céus e na terra” — e a linha de interpretação a
que me referi há pouco dá a seguinte explicação. No versículo 10 Paulo diz:
“Para que agora os principados e potestades nos céus”; e no fim do capítulo
primeiro ele escreveu mais detalhadamente ainda, dizendo que Cristo está
“acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o
nome que se nomeia”. Há diferentes grupos no céu; os seres angélicos se
dividem em anjos e arcanjos, e há várias outras subdivisões. Dividem-se,
por assim dizer, em grupos, famílias e tribos. Assim aqui, conforme
afirmam, o apóstolo está dizendo que não somente toda paternidade, nação,
tribo e divisão tem sua origem última na paternidade de Deus, mas também
que os próprios agrupamentos do céu estão todos sob esta paternidade
universal. Na verdade dizem que o Velho Testamento se refere aos anjos
como “filhos de Deus”, de modo que, num sentido, eles são Sua prole, e
Deus é o seu Pai.
Deus. Ele é o Pai no sentido em que é o Criador de todos. Se isto for mantido
em mente, a interpretação a que me referi é legítima e veraz. E contudo,
quanto a mim, não a aceito aqui, e isso porque não me parece adequar-se ao
contexto; parece extrair algo que, neste ponto em particular, é irrelevante.
Deus, está em Sua família, e seu Pai olha por você. Nada poderá acontecer a
você sem a Sua participação e a Sua permissão; “os cabelos da vossa cabeça
estão todos contados” (Mateus 10:30). Você é tanto filho de Deus como o
maior santo, como o mais poderoso apóstolo que já viveu. Há somente uma
família, “toda a família”, e Ele é o Pai de toda a família, tanto da Igreja
“militante” como da Igreja “triunfante”. Todos nós temos este acesso à Sua
presença. E aqui este grande irmão, o apóstolo Paulo, este poderoso irmão
que era tão adiantado em conhecimento, diz aos seus humildes irmãos, aos
seus recém-chegados irmãos de Éfeso, que ele vai à presença do “nosso Pai”
a favor deles e que está a ponto de pedir-Lhe certas coisas para eles.
Queira Deus abrir os nossos olhos para os privilégios que temos graças ao
Nome que levamos, e também para a alta e, de muitas maneiras, tremenda
responsabilidade de levar sobre nós o nome de Deus!
“O HOMEM INTERIOR”
Efésios 3:16
Estas palavras são uma parte da exposição que, começando no versículo 14,
vai até o versículo 21: “Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual a família nos céus e na terra toma o
nome, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais
corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior; para que
Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e
fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os
santos, qual seja a largura, e o cumprimento, e a altura, e a profundidade, e
conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais
cheios de toda a plenitude de Deus. Ora àquele que é poderoso para fazer
tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos,
segundo o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por Jesus
Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém”.
Por mais tempo que vivamos neste mundo, seja qual por o orador que surja,
vocês jamais ouvirão coisa alguma que se iguale a isso quanto à eloqüência,
à elevação do pensamento, à profundidade da linguagem e à concepção. É
indubitavelmente um dos picos culminantes das Escrituras. De fato há
muitos que dizem que este é o pico mais elevado em toda a cadeia de
montanhas da verdade e da revelação divina nas Escrituras. Lembremo-nos
de que estamos focalizando a oração que concretamente o apóstolo eleva em
favor do povo cristão de Éfeso. Estudamos o modo pelo qual ele se aproxima
de Deus, e notamos quão cuidadoso ele é ao fazer-nos recordar os seus
pontos essenciais e a nossa necessidade de nos ajustarmos a isso. Ele “se
põe de joelhos” perante o Pai, perante Aquele a quem, graças ao
nosso bendito Senhor e Salvador, também temos o direito de chamar
“nosso Pai”. Tendo assim chegado à presença de Deus, que é que o
apóstolo pede em oração a favor destes cristãos efésios, que tão
profundamente estão em seu coração?
Vindo, pois, ao conteúdo real da sua oração, notemos primeiro aquilo pelo
que ele não ora. Nas Escrituras o negativo é sempre significativo. Às vezes é
quase tão importante como o positivo. E aqui, aquilo pelo que o apóstolo
não ora merece atenção. Imaginem-se na situação do apóstolo. Como vocês
poderiam orar por estes efésios? Que é que rogamos quando oramos uns
pelos outros? Quando sabemos que outros estão com problemas e em
dificuldades, qual é a nossa petição a favor deles, qual o caráter da nossa
intercessão? Paulo não ora pedindo que haja mudança nas circunstâncias,
nem com relação a si mesmo, nem com relação a outros. Sua oração não é
no sentido de que ele seja solto da prisão para poder voltar a pregar-lhes em
Éfeso. Isso era muito desejável e, sem dúvida, ele orava pedindo isso; mas
não era essa a coisa de maior importância, não era o que ele colocava no
centro, não era a coisa que ele queria inculcar neles. Tampouco fez apenas
um tipo geral de oração por eles, rogando a Deus que os abençoasse e
fosse bom para eles. Saliento particularmente isto porque me parece
que muitíssimas vezes as nossas orações são deste caráter. Oramos
pedindo a Deus que abençoe as pessoas. Rogamos a Deus que seja graciosa
para com elas, e que olhe por elas; e assim no limitamos a um tipo de
oração geral.
Notem que Paulo não faz pouco caso dos problemas envolvidos. A
abordagem neotestamentária, a abordagem verdadeiramente cristã
dos problemas da vida, nunca os menospreza. Contudo, é característico
da psicologia que esta geralmente o faz. Interessada primariamente
em fazer-nos felizes, não toma muito cuidado quanto à maneira de
conseguir isso. Assim é que ela vem e nos dá uma certeza geral de que
tudo estará bem e que o pior nunca acontecerá. Ou poderá examinar
a situação da pessoa e dizer que, depois de tudo, a situação não é tão
ruim como poderia ter sido. Esse não é, absolutamente, o método
do apóstolo, e esse método não se encontra em parte alguma do
Novo Testamento. As Escrituras jamais procuram diminuir um problema
ou uma dificuldade; fazem exatamente o oposto. O modo terrenal de
tentar ajudar-nos quando estamos em dificuldade é dar palmadinhas
nas costas e dizer: “Está tudo bem! ” Mas é muito errado dizer que está
tudo bem quando não está. Uma sinceridade essencial sempre caracteriza
a abordagem bíblica e cristã.
Notem ademais que Paulo não ora pedindo que apareça um método para
combater diretamente estes problemas, dificuldades e situações. Nunca o
cristianismo se preocupa primariamente com a destruição dos nossos
inimigos, ou com a solução das nossas dificuldades e problemas. Antes, o
método do apóstolo consiste em orar no sentido de que, face a face com
todas estas coisas, antes o aprisionamento e tudo mais que Deus possa
permitir, sejamos “corroborados (ou fortalecidos) com poder pelo seu
Espírito no homem interior”, “segundo as riquezas da sua glória”. Noutras
palavras, o modo cristão de lidar com todos os problemas da vida não é, em
primeiro lugar, fazer algo acerca deles, mas sim, tratar das nossas condições
espirituais. O método cristão consiste em edificar a nossa resistência em
nosso homem interior, pelo Espírito.
Uma ilustração lançará luz sobre o que estou querendo dizer. O ensino
bíblico referente à nossa reação aos ataques é análogo ao que sucede na
natureza no caso do corpo físico e da doença. É um modo conveniente de
estudar este problema em geral. O pecado, o mal, Satanás e todos os poderes
que querem derribar-nos, deprimir-nos e destruir-nos, são como doenças
resultantes dos ataques de germes, micróbios e viros fortes e poderosos,
capazes até de destruir a vida. Estamos sendo atacados constantemente
desta maneira, quer estejamos conscientes disso, quer não. Eles estão dentro
de nós; há em nossos corpos muitos milhões de germes, alguns dos quais a
qualquer instante podem tomar-se letais e destruir-nos. Como o corpo lida
com estas coisas? Há no corpo um mecanismo destinado a resistir a tais
ataques. É questão de infecção e resistência. Às vezes se faz referência à
Esta é a única maneira pela qual poderemos vir a saber o que é regozijar-
nos na tribulação. Esta é a única maneira pela qual poderemos ser o que o
apóstolo intitula “mais que vencedores”, apesar de tudo aquilo que nos
ataca. Ou, como ele afirma no capítulo 4 da sua Segunda
O princípio deveria ser óbvio para todos. E, todavia, é tão forte a nossa
tendência para deixar de vê-lo, que precisa se repetido e salientado
constantemente. Outro modo de expô-lo é dizer: acerte bem o centro, e o
restante se ajustará sozinho. Acerte a fonte, e não precisará preocupar-se
muito com as tensões e pressões. Geralmente o problema está na fonte, pelo
que nós temos que retomar ao início. Há um provérbio que diz: “como (o
homem) imaginou na sua alma, assim ele é” (Provérbios 23:7), e isto
corresponde perfeitamente à vida. Assim, acerte o homem, acerte o seu
pensamento. Não o trate aos pedaços, tratando primeiro deste problema,
depois aquele, e simplesmente remendando as coisas; retome ao centro. O
que está errado é o pensamento do homem; então conserte o seu
pensamento. Ou siga o método expresso pelo homem que escreveu o livro de
Provérbios, no capítulo 4, versículo 23: “Guarda o teu coração, porque dele
procedem as saídas da vida”. Realmente o coração exerce controle sobre
todas as coisas; e aqui, “coração” significa o centro da personalidade, e
não apenas a sede das emoções. Acerte isso, e tudo mais se acertará.
Esdras expressa isto de maneira mais lírica. Vê-se que ele entendeu este
princípio quando disse: “A alegria do Senhor é a vossa
força” (Neemias8:10). Como isto é verdadeiro! Quando você quer forças
para fazer o seu trabalho e para enfrentar uma tarefa que o aguarda,
a tendência é dar atenção unicamente aos seus músculos. Isso está
certo, dentro de limites. Mas não adianta quão apto você esteja
fisicamente, se algo lhe corrói a mente. Se tiver alguma preocupação ou
ansiedade, não será capaz de realizar o seu trabalho. Você poderá estar cem
por cento apto fisicamente, porém, se houver alguma coisa a mortificar o
A tragédia final do homem natural é que ele não tem nenhum homem
interior no qual refugiar-se nas horas de dificuldade, pressão e provação.
Vocês sabem o que quero dizer com “refugir-se no homem interior”? Sabem
o que é, quando as suas vidas de homens ou mulheres neste mundo são
afligidas pelas coisas que lhes estão acontecendo e vocês ficam a ponto de
cair e desfalecer — sabem o que é refugir-se no “homem interior”? Essa é
uma das experiências mais abençoadas que podem ter. Ali estava o apóstolo
Paulo, velho antes do tempo devido às suas pregações, às suas viagens e às
perseguições e provações que sofrerá e suportara, seu corpo em decadência,
ainda atribulado por um antigo mal, obviamente um homem muito doente.
“O nosso homem exterior vai perecendo”, diz ele; mas não se assenta num
canto, dizendo: é o fim; tive minhas boas oportunidades, agora devo ceder
o lugar a outros, chegou a minha hora; eu bem que poderia virar o
rosto para a parede e encarar o fato de que o fim está aí. Absolutamente
não! Ao compreender a verdade de tudo quanto está acontecendo com
o homem exterior, ele se retira para o homem interior e diz: “o
interior, contudo, se renova de dia em dia”. À medida que o exterior fenece,
o interior se fortalece. À medida que o mundo vai levando embora a
vida exterior e inevitavelmente vai se afastando dele, este homem
interior vai recebendo novo acervo de poder do céu e da glória. Ele se
refugiou no homem interior.
Aquele que não é cristão ignora isso tudo. Pobre sujeito! Depende só das
circunstâncias, e é dominado inteiramente por elas. Ele vive unicamente
numa esfera, e não sabe absolutamente nada da outra. Por isso ele não goza
nenhum conforto, nenhuma consolação, e por isso terá que cair na
psicologia, nas drogas e em várias tramóias que ele mesmo faz para si.
Corre em busca de prazer, apenas para esquecer os seus problemas pelo
momento que passa, e assim por diante. Ele realmente não pode enfrentar a
vida porque vive só numa dimensão, e quando esta se vai, tudo se vai. Ele
fica deprimido e desconsolado, sente-se infeliz e fica desiludido. Mas quando
nos tomamos cristãos e recebemos o dom do novo nascimento e da nova
vida, um novo homem é implantado em nós, uma nova ordem de vida
começa, e entramos numa nova esfera, numa esfera espiritual e invisível.
Não é o temporal, o físico, o desvanecente, porém é algo que é de Deus.
Somos feitos
Vocês têm algum conhecimento sobre “o homem interior”? Sabem que têm
um “homem interior”? Há este outro do qual estão cientes e no qual podem
refugiar-se? Sabem que, enquanto o homem exterior vai decaindo,
arruinando-se e se decompondo, o homem interior vai sendo renovado dia a
dia, vai sendo fortalecido, e tem visão de uma glória que é “incorruptível,
incontaminável, e que se não pode murchar”? Nosso segredo como cristãos,
como no-lo recorda o apóstolo, é que temos um homem interior, e quando
esse homem interior é fortalecido pelo Espírito Santo, o que acontece ao
nosso redor e ao próprio homem exterior é relativamente sem importância.
Oxalá Deus nos dê a segurança da posse do homem interior, do homem
espiritual, do novo homem em Cristo Jesus.
“Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais
corroborados com poder pelo seu Espirito, no homem interior. ” Efésios 3:16
Diz-nos agora o apóstolo que está orando para que o homem interior seja
corroborado ou fortalecido com poder pelo Espírito Santo. Devo acentuar
que esta oração está sendo elevada a favor dos que já são cristãos. Está
orando pelas pessoas que estivera descrevendo nos dois primeiros capítulos,
onde dissera algumas coisas muito notáveis, como, “Em quem também vós
estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa
salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da
promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão
de Deus” (1:13-14). Nãosó isso! O apóstolo já elevara uma grande oração
por eles no capítulo 1, a saber, “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus
Cristo, o pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e
de revelação” (17). Mas ainda não estava satisfeito. Ele continua a orar por
eles, e os faz sabedores de que, conquanto na prisão e distante deles, ele está
se ajoelhando e está orando na presença de Deus, está com os olhos
postos no semblante de Deus em favor deles, e está orando para que,
no homem interior, fossem fortalecidos com poder pelo Espírito de Deus.
Saliento o fato de que ele eleva esta oração em favor dos cristãos porque a
experiência do perdão e da salvação é meramente o princípio da vida cristã.
É só o primeiro passo, uma indicação da entrada para o reino de Deus.
Desafortunadamente, há muitos cristãos que parem nesse ponto; só se
preocupam com a sua proteção e segurança pessoal; seu único interesse é
pertencer ao reino de Deus. Seu desejo é saber que os seus pecados estão
perdoados, que não vão para o inferno e que podem ter a esperança de ir
para o céu. Contudo, assim que passam por esta experiência inicial,
parecem descansar nela. Jamais crescem, jamais poderemos perceber
alguma diferença neles, se os encontrarmos cinqüenta anos mais tarde.
Permanecem onde estavam. Pensam que têm tudo, e neles não há sinal
nenhum de desenvolvimento.
Ora, isso está muito longe do que vemos aqui sobre os cristãos. Há
A mesma coisa acontece com o novo homem em Cristo Jesus. Por mais idoso
que o homem seja quando é convertido, a princípio é um bebê em Cristo. E
como bebê ele acha, no início, que tudo está resolvido, que nunca mais terá
outra dificuldade. Com muita freqüência os evangelistas são responsáveis
por esse modo de pensar; eles lhe dão essa impressão. Em sua total candura
o bebê imagina que nunca mais haverá outra nuvem, em toda a sua vida.
Mas, infelizmente, as nuvens vêm, surgem as dificuldades, problemas
cruzam o seu caminho; e ele fica desnorteado e muitas vezes cai. Pode até
vir a ser um apóstata. Em grande parte acontece isto porque ele era um
bebê e não estava ciente dos fatos. Assim, o bebê necessita ser fortalecido.
Em sua primeira epístola o apóstolo João escreve aos “filhinhos”, aos
“jovens” e aos “pais”, porque há esta gradação na vida cristã, que é um
processo de crescimento e de desenvolvimento.
que temos que lutar contra a nossa própria carne e sangue, isto é, contra os
nossos corpos. Tampouco é apenas uma luta contra outros homens. O
verdadeiro problema, diz Paulo, é a luta “contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes
espirituais da maldade, nos lugares celestiais”. O homem interior precisa ser
fortalecido porque este poder não somente é grande em força, como também
em sutileza e em astúcia. Este mesmo apóstolo diz aos coríntios que o arqui-
inimigo é tão poderoso que é capaz de “transfigurar-se em anjos de luz” (2
Coríntios 11:14). Ele pode citar as Escrituras, pode arrazoar com você, pode
expor argumentos e apresentar exemplos, e pode confrontar você com uma
aparência da verdade que parece correta e verdadeiramente cristã, porém
que é falsa; e pode levá-lo a desviar-se e a cair em armadilhas que o
prenderão. Não existe razão mais forte para a necessidade de fortalecimento
com poder pelo Espírito no homem interior, do que a realidade do diabo.
Sempre o diabo faz deste homem interior um alvo especial. Muitas vezes
tive que lidar com pessoas que estavam com problemas e dificuldades em
sua vida espiritual simplesmente porque não se haviam dado conta da
existência e da astúcia do diabo. Pareciam pensar que os únicos pecados
eram os da carne. Mantinham-se cautelosas e vigilantes contra estes, e
tinham chegado a um ponto em que eram relativamente livres. Por isso
achavam que essa era a única linha em que o diabo ataca, e não tinham
consciência de que, com grande sutileza e como anjo de luz, ele pode fazer
ataques diretos ao homem interior, e ali insinuar os seus pensamentos e
idéias malignos, as suas induções e sugestões. Inconscientes disto, aquelas
pessoas de repente se viram infelizes e em condição miserável, e se
perguntavam se alguma vez foram cristãs. Isto era totalmente devido ao
fato de que o diabo, em sua sutileza, tinha deixado por completo o exterior e
concentrara toda a sua atenção no homem interior. Daí a exortação presente
no Velho Testamento: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu
coração, porque dele procedem as saídas da vida” (Provérbios 4:23).
afirmo que, nos termos da própria argumentação do bispo, sua causa está
completamente errada. Certamente perde de vista a intenção espiritual da
oração do apóstolo neste ponto que, em minha opinião, é que aquilo que
vamos receber é tão poderoso, tão vigoroso, tão forte, que precisamos ser
fortalecidos para podermos recebê-lo.
mente, a mente precisa ser fortalecida num sentido espiritual. Isto porque
somos assaltados por dúvidas. Alguns dos maiores santos relataram que
foram assaltados até o fim das suas vidas por dúvidas. Eles não davam
crédito às dúvidas, mas estas se apresentavam a eles e os perturbavam por
algum tempo. Depois vem o problema da depressão. É muito difícil definir a
depressão. Você pode despertar de manhã e ver-se com a mente num estado
de depressão. A mente que pode ter estado funcionando perfeitamente
ontem, não parece estar funcionando bem hoje. Sentimos uma espécie de
entorpecimento, lentidão e incapacidade para pensar com clareza. Parece
que a mente precisa ser fortalecida. Ou podemos ser perturbados por maus
pensamentos que invadem a mente. Parece que estes estão sendo lançados
em nós. Mais adiante, no capítulo 6, Paulo fala dos “dardos inflamados do
maligno”. O diabo os arremessa na mente. Eles começam quando você
acorda de manhã, antes de ter tempo para pensar. Assim a mente precisa
ser fortalecida. Outro problema é o de pensamentos dispersos. Todos
nós temos experiência disto. Você vê que pode ler uma literatura leve ou
um jornal sem dificuldade, no concernente à concentração. No
entanto, quando procura ler a Bíblia, a sua mente parece vagar por todas
as direções e você não consegue concentrar-se. Está olhando para
as palavras, está lendo os versículos, mas a sua mente parece estar
noutro lugar.
direito de falar dessa maneira. Se vocês não fazem nenhum esforço para
entender esta Epístola aos Efésios, ou todos os outros
ensinamentos profundos do Novo Testamento, culpa de pecado pesa sobre
vocês. Esta Epístola foi escrita para cristãos comuns. O propósito é que
todos nós entendamos estas coisas; e não temos nenhum direito de reduzir
as nossas responsabilidades e dizer que queremos uma mensagem simples,
um evangelho comum. Dizer um cristão que ele não pode perder tempo, que
fazer isso requer muito esforço, que sua mente está cansada, que ele tem
muitas ocupações e muitos problemas na vida diária, que não tem
inclinação para ser leitor ou pensador — é negar as Escrituras. O apóstolo
ora no sentido de que as mentes destes efésios sejam fortalecidas para que
venham a compreender estas possibilidades mais elevadas da vida cristã, e
venham a experimentá-las, a regozijar-se nelas e a dar vigoroso testemunho
e demonstração da glória de Deus. A letargia intelectual é, sem dúvida, o
maior pecado de muitos cristãos hoje em dia. Jamais crescem no
conhecimento; terminam onde começaram. Estão sempre falando das
primeiras experiências que tiveram, porém nunca adentraram estas
riquezas a que Paulo se refere; jamais escalaram os picos das montanhas, e
jamais respiraram o ar puro da santa verdade de Deus. Estão contentes com
o nível comum; ignoram o ensino mais avançado porque este exige esforço
intelectual.
De igual modo a vontade precisa ser fortalecida. Nossas vontades são fracas
e irresolutas, como resultado do pecado e da Queda. Com sinceridade
resolvemos e fazemos o propósito de fazer certas coisas; e realmente
desejamos fazê-las. Então, no último instante, ficamos com
medo ou desistimos. Por causa de indagações como esta: que será ou que
acontecerá se eu o fizer? A vontade parece ficar paralisada ou tornar-se
irresoluta, e deixamos de fazer aquilo que sabemos que devíamos fazer.
Quantas vezes falhamos exatamente no ültimo instante!
Mais maravilhoso ainda, porém, Paulo diz: “para que vos conceda segundo
as riquezas da sua glória ”. A glória de Deus é a suma, a soma total de todos
os atributos de Deus — Seu poder, Sua majestade, Sua santidade, Sua
pureza, Sua retidão, Sua justiça; Deus na totalidade do Seu ser. A glória de
Deus! E é segundo as riquezas, a plenitude dessa glória, que Deus pode
fortalecer-nos com poder. Ele o faz “pelo seu Espírito”. É função especial do
Espírito Santo fazê-lo. Foi o mesmo Espírito Santo que nos convenceu do
pecado e que nos deu o dom da fé que nos capacitou a crer. Jamais
poderíamos crer sem Ele, porque “o homem natural não compreende as
coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode
entendê-las, porque elas se discernem
Assim é, pois, a oração que o apóstolo faz. Estamos vivendo dias em que
constantemente ouvimos falar do reforço de materiais. Reforçam o
concreto, e temos o concreto armado. O concreto é muito forte, mas, se
puser algum ferro nele, ficará mais forte. E quando se constroem novos e
pesados edifícios, alguma coisa é necessária para agüentar com segurança o
peso que terão que suportar. Esse é o princípio que está por trás daquilo que
o apóstolo diz aqui. Se eu e vocês havemos de conter o Senhor Jesus Cristo
dentro de nós e se havemos de ser “cheios de toda a plenitude de Deus”,
temos que ser reforçados no homem interior pelo Espírito Santo, E se
compreendermos que há estas possibilidades para nós, e as desejarmos, e
pedirmos a Deus que “segundo as riquezas da sua glória” nos reforce pelo
Espírito Santo, Ele prometeu fazê-lo, e Cristo habitará pela fé em nossos
corações.
Estamos nós tão acima do nível do cristão comum como o cristão comum
está acima do nível do homem que não é sequer cristão? Ser alguém assim é
uma extraordinária, uma gloriosa possibilidade para cada um de nós neste
momento, em Jesus Cristo, pela graça de Deus.
“Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações. ” Efésios 3:17
Passamos agora à petição, “para que Cristo habite pela fé nos vossos
corações”. Tem havido muita discussão sobre como se deve tomar
esta petição e as duas anteriores (ver vss. 14-16). Dizem a mesma coisa
de maneira diferente, ou o apóstolo estaria colocando primeiro a
petição sobre “serem fortalecidos” por ser uma essencial preliminar a
esta petição posterior? Eu pessoalmente não duvido que esta última
possibilidade é a correta, embora haja um sentido em que é igualmente
certo dizer que estas coisas sempre se fundem mais ou menos e não
podem ser dividas em nenhum sentido terminante. O apóstolo as coloca
nesta ordem — o fortalecimento primeiro e, depois, “para que Cristo
habite pela fé nos vossos corações”.
Noutras palavras, o apóstolo não está orando com o fim de que estas pessoas
se tomem cristãs; está orando com o fim de que Cristo habite pela fé nos
seus corações, conquanto Ele já esteja presente. Paulo não está orando pela
conversão delas, ou pela sua salvação, ou pela sua justificação. Tudo isso é
tomado como líquido e certo; já se realizou. Para tirar qualquer possível
dúvida ou confusão concernente a isto, lembremo-nos de novo da exposição
do apóstolo na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 13, versículo 5:
“não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é
que já estais reprovados”. Diz ele que sermos crentes, sermos cristãos,
significa que Jesus Cristo está em nós. Ninguém pode ser cristão se Cristo,
nalgum sentido, não estiver nele. Igualmente há a declaração registrada
em Romanos, capítulo 8, versículo 9: “se alguém não tem o Espírito de
Cristo, esse tal não é dele”. Isso era verdade quanto a estes efésios; eles já
são cristãos. De fato é porque eles são cristãos que ele vai adiante e faz esta
oração por eles, para que Cristo habite pela fé nos seus corações.
Lança luz sobre esta concepção o que lemos no capítulo três do livro de
Apocalipse, na mensagem à igreja de Laodicéia, principalmente no versículo
20.0 Senhor ressurreto diz: “Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a
minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele
comigo”. Às vezes penso que não há nenhuma declaração das Escrituras
mais freqüentemente mal compreendida, mais mal empregada e mais objeto
de abuso do que essa declaração em particular. Quase invariavelmente é
tomada num sentido evangelístico. Cristo é retratado como de pé, do lado de
fora da porta fechada do coração humano, e implorando ao pecador que O
deixe entrar e que O receba em seu coração. Mas essa é uma interpretação
completamente falsa de Apocalipse 3:20. A carta aos laodicenses é,
naturalmente, uma carta dirigida a uma igreja; é “o que o Espírito diz às
igrejas”. Suas palavras não são dirigidas a incrédulos, e sim a cristãos que
estão dentro da Igreja Cristã. Todo o conteúdo dos capítulos 2 e 3 do livro
de Apocalipse, devemos lembrar, é dirigido a cristãos, a crentes, a
pessoas que já criam no Senhor Jesus Cristo e que estão unidos a Cristo,
que estão nEle, e Ele nelas. E ainda a mensagem do bater à porta trancada é
dirigida a essas pessoas, em particular à igreja do laodicenses. Eles eram
cristãos; mas estavam em más condições, “nem frios, nem quentes”;
achavam que eram ricos e que tinham tudo; no entanto, na realidade eram
pobres e estavam nus, cegos e vazios. É a tal espécie de cristãos que o nosso
Senhor diz: “Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e
abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo”.
Então, essas palavras são dirigidas a cristãos que têm vida espiritual, porém
que se acham em condições de muita pobreza e imaturidade. Há um sentido
em que eles conhecem o Senhor Jesus Cristo, mas num
A carta à igreja dos laodicenses nos fornece uma chave para entendermos a
petição que está sendo elevada pelo apóstolo Paulo em favor dos efésios. Ele
dá graças a Deus por tudo quanto lhes acontecera; mas deseja ansiosamente
que eles percebam o que ainda lhes é possível, e especialmente esta ulterior
intimidade pessoal com o Senhor Jesus Cristo. Isto não poderá acontecer,
enquanto não forem fortalecidos. Temos que ser preparados para isto, como
um lar tem que ser preparado para algum grande e importante hóspede.
Como já lhes dissera, o cristão foi feito para ser, e é para ser “morada de
Deus em Espírito” (ou “mediante o Espírito,” 2:22), e individualmente os
cristãos devem ser moradas para Cristo mediante o Espírito. Isto ainda não
acontecera com os cristãos efésios, entretanto Paulo deseja que aconteça.
O apóstolo anseia que isto aconteça com eles porque ele mesmo sabia
exatamente o que significa experimentá-lo. Este é o homem capaz de dizer,
escrevendo aos gálatas: “vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a
vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou,
e se entregou a si mesmo por mim” (2:20). Ele estava numa posição em que
podia dizer, sem dúvida ou hesitação: “vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim”. Assim ele ora no sentido de que os efésios tenham e gozem uma
experiência semelhante.
Quando o Senhor lhes estava falando, eles já eram cristão, pelo que
continua a dizer-lhes: “Vós já estais limpos, pela palavra que vos
tenho falado” (15:3). Ele diferencia também entre eles e o mundo no
capítulo 17, quando diz: “Eu rogo por eles: não rogo pelo mundo...”
(versículo
9). São cristãos; porém não se dão conta de que eles estão nEle e de que Ele
está neles. Ou veja o versículo 21 nesse mesmo capítulo 14 do Evangelho
segundo João. O Senhor está falando acerca do cristão a quem o Espírito
terá vindo e que está guardando os Seus mandamentos. Diz Ele: “eu o
amarei e me manifestarei a ele”. Ele acentua que não se manifestará desse
modo ao mundo, mas unicamente a quem já é cristão. Isto não pode referir-
se à revelação geral que temos nas Escrituras porque os discípulos já criam
nela. A referência aqui é a algo mais, como fica ainda mais claro quando o
Senhor continua, no versículo 23, a dizer, falando de Si mesmo ao Pai:
“viremos para ele, e faremos nele morada”. A palavra “morar” ou
“habitar” é característica do Evangelho segundo João. Ela transmite esta
mesma idéia de “instalar-se”, de “estabelecer residência permanente” —
não de estar presente ocasionalmente, mas de estar ali permanentemente.
Está bem claro que isso é algo que está muitíssimo além do simples crer;
muitíssimo além da justificação; muitíssimo além da salvação no sentido da
experiência do perdão dos pecados. Bem podemos referir-nos de novo, nesta
altura, às palavras de Spurgeon sobre a existência de um ponto na
experiência do cristão que se acha tão acima da experiência do cristão
comum como a experiência do cristão comum está acima do não cristão.
Então, em favor do quê o apóstolo está realmente orando aqui? Devemos
examinar outra palavra, antes de responder a pergunta. A palavra
“habitar” realmente diz tudo, no entanto o apóstolo a sublinha, por assim
dizer, orando “para que Cristo habite pela fé nos vossos corações. ” Nas
Escrituras a palavra “coração” geralmente significa o próprio centro da
personalidade. Não é apenas a sede das afeições; inclui igualmente a mente,
o entendimento e a vontade. É, portanto, a verdadeira cidadela da alma.
Assim, o que o apóstolo deseja para os efésios é que Cristo habite em suas
mentes; não somente nos seus intelectos, mas também no centro mesmo
das suas personalidades. Cristo já estava nas mente deles, pois eles
já tinham crido; contudo há uma grande diferença entre ser crente
em Cristo e ter Cristo morando no coração. Essa é a distinção que
Paulo está traçando com nitidez aqui, no caso dos cristãos efésios.
capaz de dizer: “vivo, não mais eu...”. O desejo de Paulo é que Cristo habite
igualmente em suas afeições, que Cristo habite em sua vontade, que Cristo
seja o fator dominante na totalidade da vida deles, exercendo o controle
sobre ela e dirigindo-a. Cristo deve ser o próprio coração deles, deve estar
no verdadeiro centro das suas vidas.
Quando Cristo Se manifesta a nós, Ele Se toma real para nós como pessoa.
Chegamos a conhecê-lO num sentido pessoal. Noutras palavras, tal
experiência é o cumprimento de tudo que o Senhor promete no capítulo 14
do Evangelho segundo João. Permita-me fazer-lhe uma pergunta pessoal:
você conhece de fato o Senhor Jesus Cristo pessoalmente? Você O conhece
como pessoa? Como pessoa Ele é real para você? Ele Se manifestou a você
nesse sentido? É evidente que isso tinha acontecido com o apóstolo Paulo.
Não somente O vira de fato na estrada de Damasco, não somente tivera uma
visão no templo mais tarde; em acréscimo a isso, e acima disso, diz ele,
escrevendo aos gálatas: “aprouve a Deus revelar seu Filho em mim” (1:15
-16). Ele diz “em mim”, não “a mim”. Éuma manifestação interna do Filho
de Deus na qual Ele Se faz tão real para nós como qualquer outra pessoa, e
até mais. Neste ponto não posso fazer melhor que citar uns versos
que Hudson Taylor costumava usar como oração por si mesmo todo dia
de sua vida:
Ó Senhor, faze-Te para mim uma fulgente e viva realidade, mais presente à visão
da fé vibrante do que qualquer objetivo exposto à vista mais caro e mais
intimamente próximo que o laço terrenal mais doce e amado.
deseja para estes efésios, “para que Cristo habite pela fé nos vossos
corações”. E, naturalmente, quando isto é real, é obvio que Ele domina tudo
em nossas vidas. Podemos sumariar o assunto repetindo
palavras empregadas pelo apóstolo noutro lugar. É quando Cristo nos é
conhecido desse modo, e está em nossos corações, que podemos dizer
com sinceridade e verdade: “vivo, não mais eu” (Gálatas 2:20), e
“Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4:13). O
apóstolo não está se gabando quando escreve essas coisas. Há sempre o
perigo, quando lemos as suas Epístolas, de o considerarmos como um
homem literário que gosta de hipérboles. Mas não é esse o caso. Quando
o apóstolo utiliza estas frases está sendo rigorosamente preciso,
está expondo a sua experiência; tudo isso foi real quanto a ele. Ele
conhecia tão bem o Senhor Jesus Cristo, que podia dizer: “Posso todas as
coisas naquele que me fortalece” e “Sei estar abatido, e sei também
ter abundância” (Filipenses 4:12), ser rico e ser pobre. Não importa o
que aconteça, afirma Paulo, desde que Ele esteja comigo, Ele me fortalece, e
eu posso fazer todas as coisas. Não estou só. Esta é na verdade doutrina
sumamente elevada.
Demos, porém, um passo mais. Esta presença de Cristo no coração é algo
real. Não significa somente que Ele está presente por meio do Espírito, ou
que está presente no sentido de que nos influencia de maneira geral, e nos
dá graças e nos habilita a sentir-nos seguros da Sua influência. É mais que
isso. Significa que Ele próprio, nalgum sentido místico que nem começamos
a compreender, realmente habita em nós. É isto que o apóstolo tem em
mente quando repreende os cristãos coríntios como culpados de certos
pecados corporais da carne, e diz: “não sabeis que o nosso corpo é o templo
do Espírito Santo, que habita em vós?” (1 Coríntios 6:19). Não significa
apenas que o Espírito Santo nos influencia de modo geral. Quando Paulo
diz “corpo” quer dizer “corpo” — carne, ossos, músculos; quer dizer nossa
estrutura física. Isto se refere, não à Sua influência, mas ao fato de que Ele
está pessoalmente em você. Eis por que pecar com o seu corpo é tão grave; e
é desta maneira que o cristão deve encarar o pecado. Não deve olhar só para
os pecados particulares e confessar que fez o que é errado e que não deveria
tê-lo feito; o apóstolo ensina que temos que dar-nos conta de que o Espírito
Santo reside em nossos corpos e de que não devemos usar o templo do
Espírito Santo de maneira indigna.
coMigo. Então você Me conhecerá com uma intimidade que nunca ainda
tinha experimentado. Entrarei em seu ser, e farei habitação em você. É real
assim!
Devemos notar que tudo isso se toma possível pela fé — ”Para que Cristo
habite pela fé nos vossos corações”. “Pela fé” significa que é a fé que nos
revela esta possibilidade. Você tinha percebido que isto era uma
possibilidade para você? É-nos possível ler as Escrituras com muito
entendimento intelectual, porém sem fé será possível passar os olhos sobre
estas grandes palavras sem entender o seu significado real. Você pode ter
lido este capítulo três da Epístola aos Efésios e ter dito muitas vezes,
“Maravilhoso! Magnífico! Como o apóstolo é eloqüente!” Mas você
compreendeu que ele está dizendo que Cristo quer vir para dentro do seu
coração e quer que você O conheça num sentido vivido e real? É a fé que
revela esta possibilidade para nós.
Posso levar o assunto para mais longe ainda. A fé revela que se trata de uma
realidade para mim, pessoalmente. A fé capacita você a dizer a si mesmo,
quando a lê ou a ouve: é a Palavra de Deus que afirma que me é possível
conhecer o Senhor Jesus Cristo desta maneira íntima. A fé toma posse da
promessa pessoal e individualmente. A fé, e tão-somente a fé, capacita o
homem a crescer na palavra proferida por Deus, a aceitá-la plenamente e a
descansar nela. E depois de vir a crer, começa a orar pela bênção prometida.
O apóstolo, ele mesmo crendo nisso e tendo experiência disso, orava sem
cessar pelos cristãos efésios. Ele “se põe de joelhos” diante do Pai e ora para
que sejam fortalecidos, a fim de que lhes suceda isto. E se eu e você crermos,
começaremos a orar desde este momento, pedindo isto para nós mesmos.
Diremos: não conheço a Cristo desta maneira íntima, e quero conhecê-lO
assim. Creio que isso é possível, e vou pedi-lo. Assim você vai a Deus com
fé, com confiança, com ousadia, com segurança, e diz: “Sei que isto
não depende de mim, mas oro, rogando que TU me fortaleças com
poder pelo Espírito em meu homem interior, para que eu obtenha este
Assim você começa a orar, e continua a orar dessa maneira, com fé, até que
chega um momento maravilhoso e, de repente, você se vê conhecendo a
Cristo. Ele ter-Se-á manifestado a você, Ele terá feito Sua habilitação em
você, instalando-Se em seu coração. E, admirado, você dirá: “Como pude
passar tantos anos satisfeito com os simples rudimentos do cristianismo,
com os simples portais do templo, quando me era possível tão glorioso e
magnificamente entrar no “lugar santíssimo”?
Cada dia, Senhor, Teu poder que sustenta Continue a envolver minha
debilidade; a minha escuridão Tua luz desvanece,
O meu desejo é ser a Tua imagem viva, tanto nas alegrias como nas tristezas.
Oh, faz-me, diariamente, pela graça, mais disposto a levar Teu santo nome!
“Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de,
Além disso, uma grande e profunda verdade está sempre sujeita a ser mal
compreendida. Quando manejamos uma verdade de natureza tão profunda,
somos incapazes da precisão que podemos exercer quando estamos lidando
com os princípios elementares da fé cristã. É evidente que haveria pouca
dificuldade em expor com clareza a doutrina da justificação pela fé. Quem
não é capaz de fazer isso, jamais deveria levantar-se num público. Nessa
matéria deve haver exatidão e precisão; contudo quando chegamos a
afirmações como as que vemos neste parágrafo, a situação é muito diferente.
A própria natureza e caráter da verdade em apreço toma isso quase
impossível. Deve-se esperar um elemento de incompreensão e dificuldade.
Há, na verdade,
um sentido em que é assim que deve ser. Não se pode dissecar um aroma,
não se pode analisar o amor. E é disso que estamos tratando aqui — do
amor de Cristo e de Deus. O que só podemos fazer é ir adiante, e ir tão longe
quanto pudermos em nossa tentativa de trazer à luz a verdade em sua
riqueza e elucidá-la quanto possível. Mas o fazemos com “temor e tremor”.
Pode-se entender muito bem como surge a confusão. Como já vimos, nesta
esfera é muito difícil catalogar realidades espirituais e colocar rótulos nelas,
como coisas definidas e separadas, porque toda experiência, e
principalmente toda experiência de alto nível, relaciona-se necessariamente
tanto com o Espírito Santo como com o Senhor Jesus Cristo. Como
acentuamos anteriormente, você não poderá ser Cristão se Cristo não
estiver em você, e se levanta a questão: se Cristo está em todos os cristãos,
que é que o apóstolo pretende ao orar no sentido de que Cristo habite em
seus corações? Já respondemos à pergunta; mas para muitos parece
continuar havendo confusão neste ponto. Isto se deve à impropriedade da
linguagem e à gloriosa natureza da verdade. E a mesma coisa se aplica
quanto ao Espírito Santo: “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal
não é dele”. Todavia, isso é diferente de ser “batizado pelo Espírito” ou de
ser “selado pelo Espírito”, como vimos. Num sentido continuamos
empregando as mesmas expressões, continuamos falando sobre o Senhor
Jesus Cristo e sobre o Espírito Santo; há uma diferença, porém. Estes
crentes efésios já tinham sido selados e, contudo, Paulo ora para que aquilo
que ele
esposa, e viver com a sua esposa num estado de amor anos e anos. O
primeiro êxtase entusiástico não tem continuidade; porém não significa que
há menos amor. Há menos entusiasmo nisso, há menos alvoroço e menos
proporção do elemento demonstrativo, mas não quer dizer que há alguma
diminuição do amor. Na verdade pode significar exatamente o oposto, isto é,
um amor mais profundo. É minha opinião que o mesmo princípio aplica-se
aqui para explicar a diferença entre receber o selo do Espírito e Cristo
habitar no coração. Este é um maior amor, um conhecimento maior, uma
intimidade maior, uma comunhão mais profunda; todavia não vem
acompanhado pelo vibrátil elemento invariavelmente trazido pela primeira
experiência do poder do Espírito.
Aqui estamos num terreno que testa e desafia o nosso entendimento, mas
devemos perseverar e procurar captá-lo. É Cristo habitando dentro do
crente — não como uma influência, não como uma lembrança, não apenas
através dos Seus ensinamentos, não meramente através do Espírito Santo. É
Cristo habitando pessoalmente nele, numa relação mística. Tenho que
utilizar o termo “mística” porque nada mais, nada menos faz justiça ao
ensino do Novo Testamento concernente a este assunto. Tome-se a passagem
do capítulo 6 do Evangelho segundo João; ou as declarações registradas nos
capítulos posteriores desse mesmo Evangelho às quais nos referimos
anteriormente, onde Cristo afirma que Se manifestaria aos Seus discípulos,
onde Ele afirma que viria e faria Sua morada neles, que Ele e o Pai fariam
Sua morada neles. A oração sacerdotal do Senhor, no capítulo dezessete do
Evangelho segundo João, faz declarações similares. Ou tome-se a expressão
do apóstolo na Epístola aos Colossenses: “Cristo em vós, a esperança
da glória” (1:27). Não é Cristo “entre vós”, mas Cristo “em vós”,
a esperança da glória. Ou ainda, “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim” (Gálatas 2:20). Todos estes pronunciamentos e
expressões descrevem uma relação mística.
Expresso-me deste modo porque alguém poderá dizer: “Que é que você
quer dizer com a afirmação de que Cristo habita em mim? Não posso
entender isso”. Eis minha resposta: “Naturalmente que não pode; eu não
posso entender isso; ninguém pode. É uma declaração e experiência que está
além da compreensão humana. Nossos corpos, é o que se nos diz, são
“templos do Espírito Santo, que habita em nós”. O Espírito Santo está no
céu; mas também está em mim. O Senhor Jesus Cristo está no céu, mas
também está em mim. Isto só se pode descrever
como uma relação mística. Não devemos diminuí-la, não devemos rebaixá-
la. Devemos atribuir-lhe todo o seu peso. Se o não fizermos, não estaremos
fazendo justiça às Escrituras.
Fonte da vida e Luz dos homens; da melhor bênção desta terra despidos nós a Ti
voltamos.
Jesus é isto para você? Isso é verdade quanto a você? É possível crer na
obra que o Senhor realiza por você, você pode ser cristão e pode ser salvo
por Ele, e não ser capaz de dizer com toda a sinceridade que Ele é “a alegria
da sua alma”, “do seu coração”. Os que escreveram hinos como este
queriam dizer de fato o que escreviam; estavam sendo sinceros e estavam
relatando suas experiências, e não fazendo mera poesia.
Isso é verdade quanto a você? Você pode empregar estas palavras com
sinceridade? Meu argumento é que estes homens estão expressando as suas
experiências nestes hinos. Não é teoria. Estes homens tinham lido as
Escrituras, tinham compreendido a aplicação delas a si mesmos, e tinham
procurado e obtido esta experiência. Continuemos, porém, com este grande
hino:
“Seus amados é que o sabem.” Eles não podem falar muito desse amor de
maneira exata ou lógica, mas o sabem, o conhecem, regozijam-se nele.
Muito se pode dizer a favor da idéia de que não devemos cantar certos hinos
em público. Muitas vezes podemos ser insinceros ao cantarmos hinos. Com
freqüência entoamos este hino, porém, ele seria verdadeiro quanto a nós? A
pretensão é de que estamos cantando experiência — “Tu, ó Dulçor
indescritível! Acha-se em Ti toda a alegria”. É verdade sobre você? Estes
homens pensavam assim; por isso cantam assim. Não são insinceros; estão
contando a experiência deles. O escritor daquele hino prossegue, dizendo:
Quando visitas uma alma, põe-se a brilhar Tua verdade; vão-se as vaidades
deste mundo, e o amor divino então se inflama.
Aqui nos achamos numa esfera diferente, numa esfera muitíssimo mais
elevada que a da apreensão intelectual. Aqui experimentamos
a luminosidade, o fulgor da verdade. É o que acontece quando Cristo
se instala e habita no coração.
Contudo, para terminar com uma nota prática: como é que isso tudo se
toma possível para nós? Que é que nos cabe fazer para chegarmos à posição
na qual podemos apropriar-nos realmente destas declarações com
sinceridade e fazer delas a linguagem dos nossos corações e a expressão da
nossa experiência pessoal? Minha resposta é que devemos repetir os
versículos 16 a 17 deste capítulo, e devemos ter o cuidado de tomá-los na
ordem certa. Primeiro o apóstolo ora no sentido de que Deus lhes conceda
que, “segundo as riquezas da sua glória, sejam fortalecidas com poder pelo
seu Espírito no homem interior”. Sem isso, não há esperança. Primeiro é
preciso que o Espírito Santo opere em nossas mentes, em nossos corações e
em nossas vontades. Vocês percebem que a sua mente precisa ser
fortalecida, ao defrontarem-se com uma verdade como esta? Quanto mais
fácil é entender história, ou literatura, ou geografia, ou geometria, ou
direito, ou medicina! Vocês não perceberam, ao examinarmos estas
grandes profundezas da verdade, que suas mentes precisam ser fortalecidas,
e que têm que ser fortalecidas, se não, tudo isso parece impossível?
Por natureza, todos nós temos a tendência de pensar como as pessoas que
estavam ouvindo o Senhor quando Ele falava sobre comer a Sua carne e
beber o Seu sangue; elas disseram: palavra dura é esta; quem pode seguir
esta espécie de pregação? E O abandonaram. Necessitamos ter nossas
mentes fortalecidas para que não nos abalemos quando
formos confrontados por algo maravilhoso e transcendental. Nossas
mentes não podem entender essas verdades; não podemos captá-las
com facilidade e dizer: “Eu as compreendi”. Elas sempre parecem
escaparmos e ir muito além de nós. Portanto, a mente precisa estar
preparada e, graças sejam dadas a Deus, o Espírito Santo pode realizar esta
obra.
Portanto, precisamos orar para que o Espírito Santo nos fortaleça em todos
estes aspectos. O apóstolo orava constantemente pelos efésios. Um serviço
que compete a todo aquele que é chamado para ministrar a homens e
mulheres é orar por eles. Perdoe-nos Deus a nossa negligência! Mas também
devem orar por si próprios. Se vocês se derem conta de que esta experiência
é uma possibilidade para vocês, orem até obtê-la. Orem para que sejam
fortalecidos com este poder, com estas forças do Espírito em seu homem
interior. Quando a experiência lhes chegar, seguir-se-ão certos resultados.
Vocês começarão a ver o seu pecado e a sua pecaminosidade como nunca os
viram antes. Pensavam que tinham conhecimento sobre o pecado;
descobrirão que sabiam muito pouco sobre isso. Descobrirão em si
mesmos uma vileza que nem puderam imaginar; descobrirão que o mal está
em sua própria natureza.
É aí que a fé entra — “Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações”.
Cremos na possibilidade, sabendo que poderá vir a ser uma realidade. Não
significa o que muitas vezes se entende pela expressão, “recebendo-o pela
fé” — que vocês simplesmente se persuadem de que Ele veio, ou ficam
repetindo a si mesmos que Ele veio. Não, quando
O CORAÇÃO PREPARADO
“Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando
arraigados e fundados em amor ” Efésios 3:17
Tu, oculta Fonte de calmo repouso, amor divino mais que suficiente, auxílio e
abrigo contra os inimigos, firme e seguro estou, se Tu és meu.
e minha alma feliz no alto mantém; traz-me consolação, poder e paz, traz-me
alegria e traz-me amor eterno; com Teu amado nome são me dados perdão e
santidade e, enfim, o céu.
Jesus, és tudo em tudo para mim, repouso no lidar, na dor alívio; bálsamo ao
quebrantado coração Na guerra és minha paz, na perda o lucro; meu sorriso à
carranca do tirano, minha glória e coroa na vergonha.
Faço uma pergunta simples e óbvia: esta é a sua experiência? Vocês podem
adotar estas palavras e empregá-las? Cristo significa isto para vocês? É isso
que acontece quando Cristo habita no coração. Observem a intimidade da
relação, a plenitude da satisfação. Cristo é seu “tudo em tudo”, sejam quais
forem as circunstâncias e condições. Isto é experimental, é experiência
pessoal; não é mantido só na mente; não é teoria. Charles Wesley achava a
sua completa satisfação em Cristo. Ele tinha provado a veracidade das
palavras ditas pelo Senhor, quando Ele afirmara que se alguém fosse a Ele,
“jamais teria fome”, se alguém cresse nEle, “jamais teria sede”. Ele tinha
dentro de si “uma fonte de água viva a jorrar para a vida eterna”.
de muitos desmaiam de medo, eles tendem a olhar para nós. Assim, não
somente por nós mesmos, como também por Deus e Sua gloriosa salvação,
pelo Filho de Deus que veio e tanto suportou para que pudéssemos ocupar
esta posição, cabe-nos ser capazes de testificar este grande fato de Cristo
habitar em nossos corações, dia após dia.
A seguir, o apóstolo continua, dizendo que isto é algo que acontece “pela fé”.
Que significa isto exatamente? Mais uma vez topamos com
Devemos, pois, rejeitar o ensino que fala de “recebê-lo pela fé”. De qualquer
forma, não há nada que tanto induza ao erro que dizer que é “muito
simples”. Os defensores deste falso ensino muitas vezes usam uma
particular ilustração. Pedem-nos que imaginemos com as persianas
cerradas, ficando em conseqüência na escuridão, apesar de haver fora um
sol refulgente. Dizem eles: “Tudo que você precisa fazer é abrir as persianas,
e torrentes de luz solar entrarão. É tão simples como isso! ” Tal ensino deixa
muitos perplexos, porque estes dizem que durante anos vêm tentando pôr
em prática esse conselho. Acreditaram que é
“muito simples”, porém por algum motivo nada parece acontecer, e eles
continuam sem esta experiência. Contudo a fé não é “simples”, nesse
sentido; não é auto-sugestão, nem alguma espécie de “fideísmo”. A fé é
muito mais ativa. Se lermos as biografias dos filhos de Deus que souberam o
que é ter Cristo pela fé no coração, veremos que nenhum deles afirma que é
“muito simples”; ao contrário, veremos que muitos deles, na verdade a
maioria, experimentaram um longo processo de busca e exame, quase
perdendo as esperanças e quase desistindo em desespero. No entanto,
perseveraram na busca, procuraram e lutaram, e por fim ficaram cientes de
que Cristo na verdade e de fato habitava dentro deles.
evadir-se disto alegando que a sua posição ou as suas circunstâncias são tais
que não lhe é possível, naturalmente nunca o experimentará. Mas agir assim
é completamente antibíblico. Você estará negando o ensino do apóstolo, e
não somente isso, estará negando a experiência cristã da Igreja através dos
séculos. Já diz advertência contra a dicotomia totalmente falsa de que se
fazem culpadas a igreja católica romana e outras formas de catolicismo,
quando dividem os cristãos em “santos” e cristãos comuns. Segundo o Novo
Testamento, todo cristão individual é santo. Todos os membros da igreja de
Corinto eram “chamados santos” e foram considerados santos pelo
apóstolo. Assim, devemos deixar-nos persuadir pelo ensino de que esta
experiência é possível a cada um de nós. Todos nós gozamos a mesma
salvação pelo sangue de Cristo, recebemos o mesmo dom da vida, fomos
destinados a experimentar e a viver a mesma vida, a morrer no mesmo
conhecimento da ressurreição, e a ir para o mesmo céu, de modo que todos
nós fomos destinados a entrar nesta experiência. E é um simples fato da
história que o tipo mais comum de indivíduo tem esta bendita experiência
e pode dar testemunho dela. Não está restrita a pessoas proeminentes; tem
sido a experiência das pessoas mais comuns, bem como de
pessoas extraordinárias porque finalmente não depende de coisa alguma
existente em nós, e sim do Senhor. O que temos que fazer é confiar nisto, vê-
lo, ficar convencido disto. Se não ficarmos convencidos de que isto é uma
possibilidade para nós, obviamente não o buscaremos.
Tu, oculto Amor de Deus, cuja altura e cuja profundeza ninguém sonda, de
longe vejo Tua luz esplêndida, anelo teu repouso desfrutar.
Ele não somente vira isto como uma possibilidade intelectual; tomara-se
uma realidade espiritual para ele. Tersteegen continua:
Total misericórdia foi levares minha mente a buscar em Ti sua paz; mas, se na
minha busca eu não Te achar, paz nenhuma verá minha alma andeja.
Oh, quando terão fim os meus vagares, e meus passos irão só rumo a Ti ?
Para este fim, o primeiro passo prático que devemos dar é manter esta
questão constantemente em nossas mentes. Vocês podem ter sido atraídos
pela possibilidade muitas vezes; os hinos que têm lido e cantado podem tê-
los levado a desejá-la. Mas como é difícil manter na mente este sentimento e
desejo! A única maneira de fazê-lo é ler a Bíblia, e especialmente passagens
como esta e outras semelhantes, e então meditar nisso, pensar nisso com
freqüência e, deliberadamente, fazer a sua mente dirigir-se a isso. Outra
prática de inestimável valor é ler sobre as experiências dos santos, como as
vemos em nossos hinários e nas biografias dos fiéis homens de Deus.
Observem como eles buscavam esta experiência, e o que faziam a respeito. E
ao fazer isso, estarão mantendo-a diante da sua mente. Temos que fazer
isso deliberadamente, e temos que ser duros conosco mesmos.
Acima de tudo, temos que lembrar constantemente que está envolvido nisto
um relacionamento pessoal com o Senhor Jesus Cristo. Isso é absolutamente
central. Não estamos lidando com algum “Isto”, ou com alguma experiência
como tal; estamos falando acerca dEle, acerca de Cristo no coração, e da
experiência que decorre da intimidade com Ele. Portanto, devemos
perguntar a nós mesmos deliberadamente se Jesus Cristo é real para nós.
Cremos nEle, aceitamos a fé cristã; porém, nós O conhecemos neste
sentido? Podemos falar dEle como Charles Wesley falava? Precisamos
continuar a questionar-nos e a manter diante de nós a pessoa do Senhor.
Essa é a primeira e a mais importante questão.
O segundo ponto que temos que compreender é que certas coisas são
completamente incompatíveis com esta experiência. Se Cristo está em
nossos corações, certas outras coisas não devem e não podem estar em
nossos corações. Uma declaração muito clara sobre este aspecto
da experiência acha-se em 2 Coríntios, capítulo 6, onde lemos: “...
que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz
com as trevas? E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte
tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os
ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: “nelas
habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo”
(versículos 14 a 16). Não há necessidade de argumentar sobre isto. Certas
coisas são incompatíveis. Não há concórdia entre Cristo e Belial. Se Cristo
está em meu coração, há certas coisas que têm que sair do meu coração. Ele
não habitará com elas. Ele é o Filho de Deus; Ele é santo e sem pecado.
Mas Ele me achou; contemplei-O na maldita cruz a sangrar, e Lhe ouvi orar:
“Pai, perdoa-lhes! ”
Mesmo após ter-se tomado cristão e ter cessado de dizer: “Do ego tudo, e
nada de Ti”, houve um estágio em que ele dizia: “Do ego um pouco, e um
pouco de Ti”. Contudo ele continua:
Sua eterna mercê, dia a dia, curando, ajudando em plena graça, vigoroso, suave
e paciente, fez me abaixar, e eu sussurrei:
Mais alto que o mais alto céu, mais fundo que o mais fundo mar,
Cada instante eleva da terra minha alma, que espera a Tua voz;
“Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de,
Com o fim de acentuar que a principal característica da vida cristã deve ser
o amor, o apóstolo utiliza duas figuras: “arraigados” e “fundados”. A
primeira logo nos faz pensar numa árvore; a segunda, num edifício. O
apóstolo usa deliberadamente as duas comparações, e minha opinião é que
ele o faz devido a certas semelhanças das duas figuras, e também devido a
certas diferenças. Vê-se claramente que a idéia dominante e central presente
nas duas figuras é a de permanência. Mas há também uma sutil distinção
entre as duas. O que é comum às duas figuras é o que uma grande árvore
tem em comum com um grande edifício, a saber, a idéia de profundidade e
firmeza, de permanência e durabilidade. “Arraigados” quer dizer
“profundamente arraigados”. Não devemos pensar num tenro renovo que
poderia ser derrubado por uma ligeira rajada de vento, mas, antes, num
majestoso carvalho cujas raízes descem às profundezas da terra e que se
espalham em muitas direções e se agarram firmemente no solo e nas rochas.
Devemos pensar numa árvore de considerável idade e tamanho, e que dá
a impressão de que vai permanecer para sempre. Na outra figura, devemos
ver um edifício grande e alto, erigido sobre um alicerce firme e forte.
Quanto mais olhamos para ele, a idéia que se estampa em nós é a de solidez.
Dois elementos — profundidade e força — e, portanto, permanência e
durabilidade, são comuns a ambas.
Este não é o único lugar em que o apóstolo coloca juntas estas duas idéias.
Na verdade parece que ele pensa em termos destas duas figuras toda vez
que pensa na Igreja. Voltemo-nos, pois, para 1 Coríntios 3:9, onde vemos o
apóstolo lembrar aos membros da igreja de Corinto: “vós sois lavoura de
Deus e edifício de Deus”. Eles são “lavoura”, “fazenda” de Deus; contudo
são também edifício de Deus. Diz igualmente o apóstolo que ele pensa em si
como agricultor e construtor. Uma idéia sem a outra não parece adequada
ao seu propósito de comunicar certas grandes verdades acerca da Igreja e
da vida cristã. Precisamente da mesma maneira ele emprega as duas idéias
com o fim de falar-nos da centralidade do amor na vida do cristão. Um só
quadro não basta.
A força real da vida cristã é o amor. Vivemos dias em que, com freqüência, o
amor é considerado como algo fraco, frouxo e sentimental. Mas o amor é
forte. “O amor é forte como a morte” (Cantares de Salomão 8:6); é na
verdade mais forte do que a morte. Não há nada mais forte do que o
verdadeiro amor. Aqui vemos a diferença essencial entre o amor e a mera
sentimentalidade ou sentimentalismo, que é sempre fraco, piegas e frouxo, e
incapaz para a ação. O amor é a influência mais grandiosa e mais poderosa
no mundo.
Dou ênfase a isso de novo porque isso tem sido uma armadilha para muitos
na Igreja através dos séculos. Para alguns cristãos professos a armadilha
não é perturbar-se acerca do conhecimento; essas pessoas já se acham numa
posição falsa. Outros podem ver claramente que é para termos
conhecimento, que as Escrituras nos concitam a isso, e assim eles se põem a
buscar conhecimento. Então o diabo entra e transforma isso numa coisa
puramente intelectual. O resultado é que eles têm cabeças repletas de
conhecimento e de doutrina, mas os seus corações são frios e duros como
pedras. São áridos, e tão diferentes de uma árvore majestosa quanto é
possível ao homem ser. O verdadeiro conhecimento cristão é conhecimento
de uma Pessoa. E porque é conhecimento de uma Pessoa, leva ao amor,
porque Ele é amor. “Deus é amor.” Cristo é o amor encarnado. Assim,
conhecer a Deus e conhecer a Cristo leva necessariamente ao amor. Se o
conhecimento que alegamos ter não tem levado a um maior amor em nossas
vidas, será melhor examinar-nos com muita seriedade. Conhecimento sem
amor vem a ser o que as Escrituras denominam “obstinados” e
“orgulhosos”. (2 Tim. 3:4). Toma-nos autoridades; introduz um espírito
crítico e uma
Outra verdade ainda é que somente o amor pode dar-nos real poder para
vivermos a vida cristã e para trabalharmos e labutarmos nesta vida cristã.
Isto é frequentemente acentuado nas Escrituras. Ao exortar o povo a
trabalhar na reconstrução, após a destruição e devastação feita em
Jerusalém, Esdras fez esta extraordinária declaração: “A alegria do Senhor
é a vossa força” (Neemias 8:10). Não há nada no mundo que nos dê tanto
vigor como o amor. Tomo a salientar a diferença entre o amor e o
sentimentalismo. A pessoa sentimental senta-se em sua poltrona e goza
algum estímulo passageiro. Sente-se feliz no momento, e depois fica
esperando o próximo estímulo ou experiência, mas ela nada faz. O amor
enche de energia o homem e o envia a uma tarefa, concita-o e o impulsiona a
sair para a ação.
O apóstolo Paulo expõe esta mesma verdade em sua Epístola aos Gálatas,
onde o vemos dizer: “em Jesus Cristo nem a circuncisão nem
a incircuncisão tem virtude alguma; mas sim a fé que opera por caridade
(por amor)” (5:6). Dificilmente Paulo menciona a fé sem juntar-lhe o amor.
Na verdade a fé, a esperança e o amor andam juntos, como uma tríade
gloriosa. Assim, neste capítulo três da Epístola aos Efésios, depois de
escrever sobre Cristo habitar pela fé em nossos corações, ele passa
imediatamente a mencionar o amor. Ele o faz porque a fé opera pelo amor, a
fé é energizada pelo amor, e a vida da fé só é ativa graças ao amor. E este se
refere, lembremo-nos, ao nosso amor a Deus, aos irmãos e ao serviço do
Senhor.
Deixem-me ilustrar o que quero dizer. Um homem pode pregar por ser este
o seu trabalho, sua tarefa, ou porque se anuncia que o fará. E pode ser
energizado, se o é, somente por isso. Contudo é um trabalho difícil, uma
tarefa árdua. Mas como é diferente, quando esse homem é energizado pelo
amor — pelo amor a Deus e a Cristo, e pelo amor às almas! “Fé que opera
pelo amor.”
Vejamos agora este tema numa sua representação veterotestamentária
belíssima e quase idílica. O ponto que estou defendendo é que unicamente o
amor realmente nos dá poder e força na vida cristã. O conhecimento pode
dar um conhecimento restrito ao intelecto, e uma compreensão e um
interesse puramente intelectuais. No entanto o de que necessitamos é a
dinâmica que o amor propicia. Vemos isto em ação na história de Jacó, no
Velho Testamento. Tendo fugido de casa e da ira do seu irmão Esaú, ele foi
para a terra natal da sua mãe e entrou em contato com Labão e sua família.
Ali enamorou-se de Raquel, uma das filhas de Labão, e pediu que lhe fosse
cedida para ser sua esposa. Mas foi ludibriado por Labão e forçado a
receber Lia, irmã mais velha de Raquel, e depois lhe foi dada Raquel, com a
condição de que concordasse em trabalhar sete anos por ela. Então vem a
interessante declaração registrada em Gênesis: “Assim serviu Jacó sete anos
por Raquel; e foram aos seus olhos como poucos dias, pelo muito que
a amava” (29:20): Sete anos parecem um longo tempo quando alguém está
esperando por alguma coisa. Um estudante que tem que fazer um curso de
sete anos, acha que é que quase interminável. Ou se alguém está esperando
receber um dinheiro que deverá vir-lhe em sete anos, parece um período
muito longo. Mas a Jacó o trabalho e a espera por Raquel, durante sete
anos, pareceram apenas uns poucos dias. A explicação está no seu amor a
Raquel. O amor muda tudo. Parece ter o poder de cancelar o tempo. Faz os
segundos, os minutos, as horas, os dias, os meses e os anos parecerem algo
inteiramente artificial e irreal. O amor tem a sua própria cronologia; e
assim é porque ele produz esta energia, este poder, este potencial, esta
capacidade de ver todas as coisas de uma nova maneira. Não entra em conta
o preço, nem o tempo;
Como já dissemos, o amor deve ser o motivo mesmo para o santo viver. O
real motivo para ter uma vida santa deve ser que isto agrada a Deus, e que o
pecado Lhe é desagradável. Não devo estabelecer o meu diminuto padrão de
santidade e retidão e o meu diminuto código moral, e orgulhar-me de que
sou um homem que sempre cumpre a sua palavra e vive de acordo com o
seu código e com o seu padrão. Isso não é ser cristão, em última análise.
Frequentemente o mundo age com base nesse motivo. O único motivo
verdadeiro para o santo viver é que quando não sou santo, isto entristece a
Deus e O ofende. Meu desejo deve ser agradá-lO; não simplesmente
obedecer a lei divina, mas causar alegria a Deus e ao Senhor Jesus Cristo.
Esse deve ser o motivo para todas as nossas ações e atividades. Todos nós
temos que confessar que nem sempre é assim. Homens que têm sido muito
ocupados na vida da Igreja muitas vezes têm sido ativados por motivos
muito diferentes deste. Muitíssimas vezes o motivo tem sido a exaltação do
seu nome, da sua reputação, da sua importância, do seu sucesso. Todavia
isso é totalmente indigno da nossa “soberana vocação”. O nosso motivo deve
ser o amor.
pelo motivo que a originou, e pelo elemento de amor presente nela. Este é o
sentido da história da pequena oferta da viúva. No que se refere à soma, era
uma oferta irrisória, mas expressava o amor do seu coração e, aos olhos de
Deus, tinha valor infinitamente maior do que milhões sem amor. Ela deu
tudo que possuía, deu seu amor e demonstrou o seu desejo (Marcos 12:41-
44). Vê-se o mesmo princípio no Evangelho segundo Lucas, que fala de
como o nosso Senhor esteve na casa de Simão, o fariseu. Simão não Lhe
ofereceu água para lavar os Seus pés, nem Lhe ofereceu óleo para ungir a
Sua cabeça. Simão não mostrou para com Ele as cortesias comuns e
costumeiras. Era um fariseu incapaz de compreender bem esta Pessoa.
Tinha interesse até certo ponto, no entanto não O conhecia, não cria nEle,
não O amava. Todavia, desejava que Ele entrasse em sua casa e Se
assentasse à sua mesa. Mas então uma pobre mulher, uma pecadora da
cidade, veio e caiu aos Seus pés. Lavou-Lhe os pés com suas lágrimas,
enxugou-os com os seus cabelos e ungiu-os com ungüento (Lucas 7:36-50).
Suas lágrimas foram mais aceitáveis aos olhos do Senhor do que o precioso e
caro ungüento utilizado por ela. Ser ungido por lágrimas nascidas
no coração, mesmo que aplicadas somente aos Seus pés, é
infinitamente mais valioso que ter a cabeça ungida com preciosa nardo ou
com especiarias do mais alto preço e fragrantes perfumes. Nada tem
valor aos olhos do Senhor, a menos que venha de um coração cheio de amor.
«FUNDADOS EM AMOR”
“Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando
arraigados e fundados em amor... " Efésios 3:17
Vimos que há certas coisas comuns às duas figuras e que cada uma delas
acentua certas particularidades. Portanto, agora dirigimos a atenção
àqueles aspectos deste assunto que são ilustrados pela figura de um edifício.
Não somente devemos estar arraigados em amor, mas também devemos
estar “fundados” em amor, precisamente como um grande edifício requer
um alicerce profundo e sólido. O princípio ensinado é que a vida e a
atividade do cristão devem ser edificadas sobre o amor, pois o amor é uma
parte essencial e inevitável da vida de todos aqueles em cujos corações
Cristo fez a Sua habitação.
coisa não pode ser apressada. Num sentido, a qualidade do edifício vai
depender disso, razão pela qual o alicerce deve ser bem feito,
e corretamente.
garantir alguma altura em particular, as raízes devem ser tão fundas como a
altura que você requer. Era esse o princípio secreto. De igual modo, é
preciso que a altura e o peso de um edifício correspondam ao alicerce em
que ele repousa.
Certamente é esse o princípio que o apóstolo está enunciando aqui. Ele está
preparando o caminho para “a largura, e o cumprimento, e a altura, e a
profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o
entendimento”, e para que fossem “cheios de toda a plenitude de Deus”.
Como essa deve ser a qualidade do edifício, diz ele, não se apresse no seu
alicerce. Gaste tempo com isso, assegure-se de que ele sera adequado. O
nosso próprio Senhor disse isto perfeitamente, uma vez por todas, na
famosa parábola das duas casas, no final do Sermão do Monte. O que Ele
salienta de maneira tão notável é a importância vital do alicerce. A mesma
parábola no Evangelho segundo Lucas dá-nos um pormenor que não se
acha no Sermão como o temos em Mateus. Em Lucas lemos: “Qualquer que
vem a mim e ouve as minhas palavras, e as observa... é semelhante ao
homem que edificou uma casa, e cavou, e abriu bem fundo, e pôs os
alicerces sobre rocha” (6:48). Segundo Mateus, o Senhor fala simplesmente
do “homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha” (7:24). Lucas
acrescenta a informação de que este homem particular “cavou, e abriu bem
fundo” a fim de colocar o alicerce sobre a rocha. O contraste é com o
homem que edificou a sua casa sobre a areia. Este segundo homem
desejava retomo rápido. Ele estava interessado só em casas, não em
alicerces; queria uma casa na qual pudesse viver confortavelmente. Não
se preocupava com alicerces; construiu sobre a areia. Mas quando
sobrevieram os temporais e provações, a sua pobre casa, que parecia
tão maravilhosa, foi demolida. O ponto acentuado pelo nosso Senhor é que,
se você realmente quiser viver uma vida correspondente às bem--
aventuranças, se você quiser realmente ser Seu discípulo, terá que cavar
fundo e lançar um sólido alicerce sobre a rocha.
É neste ponto que vemos o contraste apresentado pelas seitas. Elas são
essencialmente diferentes da experiência cristã. Com as seitas tudo
é tão fácil e rápido! Não há necessidade de nenhum preparo ou alicerce.
“Operai a vossa salvação com temor e tremor”, diz a Escritura
(Filipenses 2:12). Não é assim como as seitas, nem com qualquer sistema
fundado numa falsa interpretação das Escrituras. Sem o fortalecimento
com poder pelo Espírito de Deus, sem a habitação de Cristo no coração,
sem estarmos arraigados e fundados em amor, não temos esperança
de conhecer as mais altas experiências da vida cristã. Diz-nos um hino bem
conhecido: “Tempo para ser santo tu deves tomar”; e isso está certo. E
também devemos tomar tempo para certificar-nos de que a nossa vida está
baseada no amor. Ninguém pode passar precipitadamente por estas coisas e
dizer: quero essa experiência aqui e agora. Só se obtém pelo método de
Deus. Há regras para a construção da vida e experiência cristã; e esta é uma
das mais vitais de todas elas.
Para nos dirigirmos agora aos pormenores: que significa este alicerce?
Como deve ser construído? A primeira resposta é que todas as relações da
vida cristã devem basear-se no amor. Tudo deve estar baseado, fundado no
amor. Isto é verdade, primeiramente, quanto às suas relações com Deus.
Jamais conhecerei o amor de Deus, a não ser que a minha relação com Ele
seja uma relação de amor. Isto é deveras básico. Qual é a nossa maneira
costumeira de pensar em Deus? É somente teórica? É somente intelectual?
Como é fácil pensar em Deus só intelectualmente, e ficar discorrendo sobre
Ele, lendo sobre Ele e discutindo sobre Ele! Com que verbosidade fazemos
isto! Quantas vezes temos dito que Deus devia ter feito isto ou aquilo! Esse é
um conceito puramente teórico de Deus; não há amor nele. Mas se a
nossa atitude para com Deus for apenas teórica e intelectual, não
temos nenhuma esperança de sermos “cheios de toda a plenitude de Deus”,
ou de conhecer realmente o Seu amor e as insondáveis riquezas de Cristo.
Exatamente do mesmo modo, a minha atitude para com Deus não deve ser
de receio ou medo. Naturalmente, sempre deverá haver um temor
reverente; porém este não é “o temor que tem consigo a pena”, pois “o
perfeito amor lança fora o temor” (1 João 4:18). A relação do cristão com
Deus deve ser a de um filho para com o seu Pai. Para os cristãos, Deus não é
apenas algum grande poder distante nos céus; Ele é nosso Pai. Paulo declara
que “se põe de joelhos perante o Pai do Senhor Jesus Cristo, do qual toda a
família nos céus e na terra toma o nome”. Só oramos de verdade quando
sabemos que estamos falando com o nosso Pai. Ele nos ama e nós O amamos
porque Ele é o nosso Pai.
Como é vital que tomemos tempo com estas questões! Não basta você fazer
as suas orações todo dia. Muito mais importante que fazer as nossas
orações, e mais importante que aquilo que digamos e desejemos em nossas
orações, é a nossa atitude para com Deus quando Lhe dirigimos as nossas
orações. Às vezes inclinar-nos simplesmente e ficar em Sua presença sem
dizer nada, mostra melhor a correta relação com Ele. “Extasiar-me, e
extasiar-me diante de Ti”, como o expressa
É evidente que esta atitude é algo que devemos cultivar, e que devemos
certificar-nos de que possuímos. Estou tendo amor pelos meus inimigos e
costumo abençoar os que me amaldiçoam e que falsamente dizem todo tipo
de coisas contra mim? Devo considerar isto cuidadosamente, e não devo
dar-me por satisfeito enquanto não puder dizer com sinceridade que os
amo, que oro para que Deus tenha misericórdia e piedade deles e lhes abra
os olhos, e os atraia para Si. Enquanto eu não fizer isso, de nada me valerá
procurar uma experiência mais elevada. Quão importante é o alicerce!
O perfeito amor de Deus é produzido por Ele mesmo; não depende de coisa
alguma de fora dEle; é um amor que principia dentro dEle e sai para
outros. É por isso que Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu
Filho unigênito. Isto a despeito do que Ele viu no mundo e, certamente, não
em resposta a uma solicitação do homem. Foi o Seu próprio amor, nascido
dEle mesmo e se derramando copiosamente. Este amor começa em Deus e se
baseia em si próprio. O meu amor e o de vocês devem ser assim também. E
o será quando a nossa vida estiver fundada no amor. O nosso amor deve ser
tão firme, e deve esta tão fixamente firmado neste alicerce, que nada seja
capaz de movê-lo, sacudi-lo ou afetá-lo nem um pouco. Esta, devemos todos
concordar, é a prova de um sólido alicerce. Quando cai a chuva, ocorrem
enchentes e o vento sopra, a casa sobre a rocha permanece. A casa sobre a
areia cai e é destruída. Se vocês querem um edifício que não se abale
na tormenta, cave fundo e façam um sólido alicerce.
O nosso amor pelos outros varia conforme eles viram? Se for assim, não está
alicerçado na rocha, não está deveras baseado neste alicerce. Shakespeare,
como também as Escrituras, reconhece isto quando ele diz:
Amor não é o amor que sofre alteração quando alteração vê, ou que se inclina
com o mutável a mudar.
Soneto 116
Firme no celeste amor mudança não temerei; segura é tal confiança, pois nada
se altera aqui; rujam temporais lá fora, meu coração fique em baixa,
Poderei desfalecer?
Quando tudo que cerca a minha alma se vai, toda a minha esperança e o meu
esteio é Deus.
Quando não posso compreender o que se passa, quando o meu intelecto luta
em vão, e quando não posso explicar, o amor continua a sustentar-me. Quão
vitalmente importante é que tomemos tempo com o alicerce e nos
certifiquemos de que estamos “arraigados e fundados em amor”. É só
quando as nossas vidas tiverem este alicerce, que realmente se aplicará a
nós a petição do apóstolo: “a fim de... poderdes perfeitamente compreender,
com todos os santos, ... este amor de Cristo, que excede todo o
entendimento”. Certifiquemo-nos, pois, de que o alicerce foi bem
construído.
Estes dois versículos nos dizem qual era o objetivo do apóstolo em sua
oração por estes cristãos efésios. Todas as petições anteriores nos preparam
para esta petição e a ela nos conduzem. Eram essenciais como preparativos,
mas não eram fins em si mesmas; destinavam-se a chegar a este grande
objetivo. Vemo-nos aqui, por assim dizer, no pináculo da verdade cristã.
Nada é mais elevado que isto. Conceda-nos Deus o Seu Espírito para que
possamos considerá-la direito! Encontramo-nos numa atmosfera rarefeita;
num local a que, infelizmente, não estamos acostumados. Muitíssimos de
nós contentam-se em passar o tempo nas baixadas e planícies, em meio a
brumas e a outras características desse nível da vida. Portanto, nas palavras
do apóstolo Pedro, é necessário que “cinjamos os lombos do nosso
entendimento e que sejamos sóbrios” (1 Pedro 1:13).
Confesso que abordo este grande tema com “temor e tremor”. E nos seus
escritos está patente que todos os que ensaiaram tratar dele e expô-lo
estiveram cônscios da mesma inaptidão. É por isso que, em geral, eles nos
propiciam tão pequeno auxílio. No caso de numerosas passagens das
Escrituras há ajuda abundante; os comentadores e os expositores
expandem-se e se abrem amplamente, e têm muito que dizer. Mas é
interessante notar que quando chegamos a uma passagem como esta, eles
têm pouco que dizer. Isto por causa da própria natureza e caráter da
verdade de que estamos tratando. É um assunto que não se pode dividir e
analisar em puras categorias e compartimentos de maneiras vulgar. Uma
vez alguém disse, com muita propriedade, que “não se pode dissecar uma
fragrância. ’’Menos ainda se pode analisar e dissecar o amor. Tudo que se
pode fazer é dizer algumas coisas sobre ele. Acima de tudo, é preciso ter
experiência dele. E há experiências que são quase inexprimíveis, dada a sua
exaltada natureza e caráter. Assim é esta
Argumento, pois, que aqui Paulo passa para algo mais elevado ainda.
Observemos que ele não está falando do nosso amor, mas do amor de Cristo
por nós. Do nosso amor ele falara na frase, “estando arraigados e fundados
em amor” que, como vimos, refere-se ao nosso amor a Deus e aos nossos
semelhantes, nosso amor pela vida cristã e pela lei de Deus. Nos versículos
18 e 19, porém, Paulo não está falando mais do nosso amor, embora isso
tenha sido necessário primeiro, para levar-nos à percepção e ao
conhecimento do Seu amor por nós.
Outra dificuldade pode surgir aqui. Talvez alguns digam que você não pode
ser cristão sem conhecer o amor de Deus e de Cristo para com você. Isso é
verdade. Se você crê que Cristo morreu pelos seus pecados, necessariamente
crê no amor de Deus e no amor de Cristo por você. Daí há muitos que
acham que o cristão começa com um conhecimento desse amor. Todavia é
evidente que não é essa a explicação daquilo de que estamos tratando aqui.
O apóstolo está escrevendo a pessoas, e orando por pessoas já cristãs. No
capítulo primeiro ele já as fizera lembrar-se de que elas confiaram no
Senhor depois de ouvirem a palavra da verdade, o evangelho da sua
salvação. Creram no evangelho e, por isso, perceberam algo do amor de
Deus por elas. E, ainda assim, a oração do apóstolo por elas aqui, é para que
venham a compreender
Então, de que maneira se pode obter esta experiência? Parece claro que é
questão de grau. Há uma consciência preliminar do amor de Deus; mas,
comparada com o que Paulo tem em mente aqui, essa consciência é, nas
palavras de um hino, “fraca e tênue”. Na verdade, o amor que agora
estamos contemplando é tão maior do que esta consciência, que todos os que
já tiveram experiência dele inclinam-se a dizer que nunca antes tinham
conhecido o amor de Deus. Sentem que haviam tido algum conhecimento
dele, e que tinham conhecido algo a respeito dele, porém que realmente não
tinham conhecido o amor propriamente dito. Essa é a diferença entre os
dois graus de conhecimento do amor de Deus. Jamais devemos cair no erro
de imaginar que, porque somos cristãos, sabemos tudo sobre o amor de
Deus. Na maioria não passamos de crianças chapinhando na praia do mar;
há, neste amor de Deus, profundidades abismais que desconhecemos. O
apóstolo ora para que estes efésios, e nós com eles, partamos para estas
profundezas e profundidades e descubramos coisas que nunca sequer
tínhamos imaginado.
Que tolas criaturas somos! Muitos de nós não têm o mínimo interesse pela
doutrina; somos cristãos ociosos — cristãos que não lêem, não pensem e não
procuram sondar os mistérios. Tivemos alguma experiência, e não
desejamos nada mais. Outros de nós, deplorando tal atitude, dizem que,
visto que a Bíblia está repleto de doutrina, devemos estudá-la, agarrá-la e
tomar posse dela. Assim, ficamos absortos em nosso interesse pela doutrina,
e nos detemos aí. O resultado é que, quando a esta questão do amor de
Cristo, não
É por esta razão que alguns de nós sempre acharam perigosos submeter a
exame o conhecimento escriturístico. Alguns dos Reformadores defenderam
essa opinião, especialmente Martinho Lutero. Alguns dos puritanos também
a defendiam. Nunca deveria existir algo como um “Grau em Conhecimento
das Escrituras”. E isto não somente porque em si mesmo é errado, mas
também porque se presta a encorajar esta tendência de parar nas verdades
e omitir a Pessoa. Jamais devemos estudar a Bíblia ou qualquer coisa
relacionada com a verdade bíblica, sem nos darmos conta de que estamos na
presença do Senhor, e de que se trata da verdade acerca dEle. E isto deve ser
feito sempre numa atmosfera de adoração. A verdade bíblica não é um
assunto entre outros; não é algo próprio de um plano de estudos. É verdade
viva acerca de uma Pessoa viva. É por isso que uma faculdade de
teologia deve ser diferente de todas as outras espécies de faculdade; e é por
isso que um culto religioso é essencialmente diferente de todas as
outras espécies de reunião que o mundo possa organizar. É sempre
adoração; estamos na presença de uma Pessoa.
O apóstolo diz isto de maneira extraordinária no capítulo três da sua
Epístola aos Filipenses. Conquanto ele tivesse progredido tanto na
vida cristã, e tivesse tido muitas experiências maravilhosas, diz ele que
esta era a sua ambição: “Para conhecê-lo, e à virtude da sua ressurreição,
e à comunicação de suas aflições, sendo feito conforme à sua
morte” (versículo 10). E ele prossegue: “esquecendo-me das coisas que
atrás ficam, prossigo”. O amor nunca fica satisfeito o bastante. Uma vez
que você conhece esta Pessoa e começa a amá-lA, você sente que tudo
que recebeu não é suficiente, quer mais e mais. É pelo que o apóstolo
está orando em favor destes efésios. Seu anseio é que eles conheçam
a Cristo, pois conhecê-10 é conhecer o Seu amor. Quanto mais
O conhecermos, mais conhecermos o Seu amor para conosco. Estas coisas
são indivisíveis, não podem ser separadas.
Isso é verdade a respeito de vocês? Pode ser que tenham crido, e que sejam
doutos na Bíblia e na doutrina; entretanto a questão a encarar é: vocês O
conhecem realmente? Vocês conhecem o Seu amor? Este é o objetivo
principal de todos os esforços cristãos.
Dou ênfase a isto porque receio que muitos pensem consigo mesmos que esta
experiência é possível, talvez, a um ministro ou a um obreiro cristão de
tempo integral que tem tempo para ficar meditando e orando no escritório,
mas não a alguém que tem que passar o dia numa atividade comercial ou
profissional e que bem pode ter que levar trabalho para casa à noite. Essa é
uma mentira própria do diabo. Todos nós temos a mesma oportunidade e
possibilidade. É possível a um homem desperdiçar tanto tempo num
escritório como em qualquer outra parte. Mesmo num mosteiro a mente
pode estar ocupada noutras coisas. Graças a Deus, esta bênção é para todos
os santos, seja qual for a sua posição, seja qual for a sua situação.
Precisamos tomar a linguagem do apóstolo e dos santos de todos os séculos e
apropriar-nos dela, e determinar que esta há de ser real em nossa
experiência pessoal. Contentar-nos com qualquer coisa menos que isso é
virtualmente dizer a Deus que não cremos em Sua Palavra, e que nos
contentamos em permanecer na igreja como estamos. Nada desonra tanto a
Deus e Sua Palavra como esse estado de satisfação própria, como esse
contentamento em continuar como infantes em Cristo, e em negar-se a
escalar as alturas e de lutar para subir ao pico culminante do amor de
Deus. Todos os santos devem procurar isto.
Até aqui estivemos apenas fazendo um exame geral da situação. Temos que
ir adiante para “compreender” e “conhecer” mais acerca das dimensões
deste amor. Por enquanto, faça a si próprio a pergunta: conheço realmente
o amor de Cristo? Busque-o dEle! Vá a Ele, dirija--se a Ele para pedi-lo!
Peça a Deus, “segundo as riquezas da sua glória, que vos conceda que sejais
fortalecidos com poder pelo seu Espírito no homem interior, para que Cristo
habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados
em amor, poderdes perfeitamen-te compreender, com todos os santos...”.
Essa oração jamais é feita em vão. Entregue-se, confiante, ao Seu amor. Seu
amor por você é um amor sempitemo; portanto, deixe-se descansar em Suas
mãos. Guarde os Seus mandamentos, faça todas as coisas que já temos
considerado, e prossiga no espírito do hino que diz:
Peleja e luta e ora, todo o poder das trevas pisa, triunfal seja o teu dia.
“LARGURA, COMPRIMENTO, ALTURA, PROFUNDIDADE”
“(A fim de) poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja
a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de
Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a
plenitude de Deus. ”
Efésios 3:18-19
A causa fundamental do fracasso dos judeus foi que eles jamais captaram
esta particular dimensão. Eles pensavam que a salvação era só para o judeu.
No entanto, aqueles dentre eles cujos olhos foram abertos pelo Espírito, o
próprio apóstolo inclusive, que era “hebreu de hebreus” e outrora defendia
este conceito exclusivista, vieram a enxergar que aquele conceito estreito e
naturalista era totalmente errado, e que em Cristo “não há grego nem
judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre”
(Colossenses 3:11). Nada é mais animador e revigorante que recordar que,
mesmo nestes dias de decadência religiosa, há no mundo, em cada país, em
cada continente — embora diferentes na cor, na cultura, nos antecedentes,
em quase tudo — homens e mulheres que se reúnem regularmente para o
culto a Deus e para agradecer-Lhe Seu amado Filho e Sua grandiosa
salvação. Na glória ficaremos arrebatados de encanto diante disto, quando
compreenderemos o que o amor de Deus em Cristo realizou, apesar do
pecado, do inferno e do diabo.
Terminou de vez sua luta com a morte e com o pecado; amplos se abrem os
portais de ouro, e entram os vencedores!
Que conforto, que consolação, que força isto nos dá! Que esteio em tempos
de provação e adversidade! Se Ele pôs Seu coração e Seu afeto sobre nós,
eles permanecerão ali. Nada jamais poderá arrancar-nos da Sua mão, nada
poderá jamais privar-nos desse amor. Nada! Se o inferno ficar às soltas, se
tudo for contra nós, nada poderá jamais fazer com que Ele nos abandone.
E isto continuará pela eternidade adentro. Principiou na eternidade,
manifesta-se no tempo, e vai de volta à eternidade. Esta linha é ininterrupta.
O autor da Epístola aos Hebreus o expõe assim: “Portanto” — noutras
palavras, porque Cristo tem um sacerdócio eterno —
sob o peso da pesada cruz, a caminho do Gólgota. Olhem para Ele cravado
no madeiro e ouçam as Suas expressões de agonia pela sede que sentia e pela
dor que padecia. Pensem no terrível momento em que os nossos pecados
foram postos sobre Ele. Perdeu de vista a face do Seu Pai uma tinica vez,
entregou o espírito e morreu, e foi sepultado e posto num sepulcro. Ele, o
Autor da vida, o Criador de todas as coisas, jaz morto numa tumba! Por
que fez Ele isso tudo?
A espantosa resposta é: por causa do Seu amor por mim e por você; porque
Ele nos amou. Tal é a profundidade do Seu amor! Não há outra explicação.
Seu amor se mostra ainda maior e mais profundo quando nos lembramos de
que não havia nada em nós que atraísse tal amor. “Todos nós andamos
desgarrados como ovelhas”. Todos pecamos e estamos “destituídos da glória
de Deus” (Isaías 53:6; Romanos 3:23). Em nosso estado natural, todos nós
éramos criaturas odiosas e sem esperança. Para que possamos ter uma
verdadeira concepção do nosso real estado e condição, e da profundidade do
Seu amor, vejamos o que Paulo nos diz acerca da condição da humanidade
enquanto a graça de Deus em Cristo não se assenhoreou de nós. Vemo-lo no
capítulo três da sua Epístola aos Romanos, onde lemos: “Não há um justo,
nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque
a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há
quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro
aberto; com as suas línguas tratam enganosamente: peçonha de áspides
está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e
amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus
caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não
há temor de Deus diante de seus olhos. Ora, nós sabemos que tudo o que a
lei diz aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja
fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus” (versículos 10-
19). Foi para esse tipo de gente que Cristo veio, suportando a cruz
e desprezando a vergonha. O apóstolo expõe o mesmo ponto no
capítulo cinco da Epístola aos Romanos. O nosso Senhor disse: “Ninguém
tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus
amigos”; mas Paulo diz: “Deus prova o seu amor para conosco, em que
Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” e “se nós, sendo
inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho...”. Tudo
isso Ele fez por pecadores, por Seus inimigos, pelos que eram seres vis
e cheios de pecado e que nada tinham que os recomendasse. Essa é a medida
da profundidade do Seu amor. Ele veio do céu, desceu às profundezas e
ressurgiu por essas pessoas. Somente quando meditamos nestas coisas e nos
damos conta da sua veracidade é que começa-
Isso nos leva, por sua vez, à altura do Seu amor. Mediante esta dimensão o
apóstolo expressa o supremo e final propósito de Deus quanto a nós. Ou
podemos dizer que este é o meio pelo qual ele descreve a altura a que Deus
se propõe elevar-nos. A maioria de nós tende a pensar na salvação
unicamente em termos de perdão, como se o amor de Cristo só adquirisse
para nós o perdão dos nossos pecados. Quem quer que se detenha nisso
mostra claramente que nunca soube coisa alguma da altura do amor de
Cristo. Vê-se alguma coisa dessa altura no fato de que Ele morreu não
somente para que fôssemos perdoados; morreu para fazer-nos bons.
Morreu não somente para que os nossos pecados fossem eliminados, e sim
também para que nos fosse dado um novo nascimento; não meramente para
livrar-nos do castigo, como também para que fôssemos os remidos de Deus,
filhos de Deus, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo. Esse é o Seu
propósito quanto a nós, e tudo o que Ele fez tinha esse fim em vista. Além
disso, havendo-nos dado este novo nascimento, este novo princípio de
vida, Ele faz que habite em nós o mesmo Espírito que estava nEle. “Não
lhe dá Deus o Espírito por medida”, é o que se nos diz (João 3:34). Ele
nos dá o mesmo Espírito por medida. Essa é a altura do Seu amor
para conosco.
Devemos ir mais longe ainda, e lembrar como, em Sua última oração ao Pai,
quando estava na terra, orou com estas palavras: “Pai, aqueles que me deste
quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a
minha glória” (João 17:24). O amor do nosso Senhor
para conosco não conhece limites; o Seu desejo quanto a nós é que
estejamos com Ele e vejamos algo daquela glória que Ele comparte com o
Pai desde toda a eternidade. Ele não Se satisfaz em conseguir o
nosso perdão e livrar-nos da corrupção deste mundo mau; Ele quer
que estejamos com Ele lá na glória, e que lá passemos a nossa eternidade.
Filhos do celeste Rei, na viagem cantai suave; cantai hino ao Salvador glorioso
em obras e em Seu ser.
Uma grande causa das presentes condições da Igreja é que não conhecemos
o amor de Cristo por nós. Gastamos nosso tempo com
Erguei o olhar, filhos da luz, eis a cidade de Sião; será ali nosso eterno lar, ali
veremos o Senhor.
Não se pode contestar que a nossa maior dificuldade nestas questões é que
toda a nossa noção do amor é gravemente defeituosa. Temos a tendência de
considerar o amor de maneira sentimental, como se fosse algo puramente
emocional. O conceito de amor comum no mundo hoje é que ele é
puramente irracional. Falando de modo geral, não é amor, mas
simplesmente o que se chama paixão, e não há nenhum elemento intelectual
na paixão! Todavia há sempre um real elemento intelectual no amor, um
elemento de entendimento. O amor pode dar razões de si. Esta é a idéia
transmitida pelo emprego que o apóstolo faz da palavra “compreender”. Ao
mesmo tempo, porém, ele não está dizendo que o amor deve ser apreendido
por um puro ato do intelecto, e sim que há um elemento no amor que jamais
devemos ignorar. O próprio apóstolo elucida este ponto em sua Epístola aos
Filipenses, onde ele diz que está orando pela igreja de Filipos: “E também
faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno
conhecimento e toda a percepção, para aprovardes as coisas excelentes e
serdes sinceros e inculpáveis para o dia de Cristo” (1:9-10). Notem que ele
está orando para que o
No Novo Testamento o amor jamais deve ser entendido como algo intuitivo
ou instintivo, como algo puramente emocional e irracional. Duas palavras
são empregadas no Novo Testamento para descrever o amor — “eros”e
“agape”. Pois bem, o apóstolo não está se referindo aqui ao que se pode
descrever como amor erótico. Isso é simplesmente da carne; é animal e
carnal. É o conceito comum de amor que prevalece no mundo hoje. Os
jornais populares constantemente fazem exibição dele. Na verdade, é um
dos maios problemas desta geração moderna, dominada pelo sexo, na qual
vivemos. Nenhum aspecto do mundo nesta hora presente é mais trágico do
que o modo pelo qual os prazeres e a sexomania estão rebaixando a
qualidade do pensamento, como também estão levando a grandes tragédias
nas vidas dos homens e das mulheres. Ficamos livres deste mal quando nos
damos conta da veracidade daquilo que o apóstolo está salientando com esta
palavra “compreender” ou “apreender”.
Diz o apóstolo que a nossa primeira real reação a este amor é que
começamos a captá-lo com as nossas mentes. É o que estamos fazendo ao
considerarmos a sua largura, comprimento, profundidade e altura. Com
nossas mentes devemos demorar-nos sobre estas dimensões, falar conosco
mesmos sobre elas e meditar nelas. Não é meramente questão de se ter um
sentimento. Envolve pesquisa nas Escrituras e exame da manifestação do
amor de Deus objetiva e exteriormente. À medida que aplicarmos as nossas
mentes a isto, veremos aumentar o nosso amor a Cristo. Não se trata de
entrar num estado passivo e de esperar que, ao fazê-lo, alguma grande
emoção de repente vá apossar-se de você. Você tem que aplicar
deliberadamente a sua mente a isto, tentar captar o conceito e obter uma
compreensão
por este amor, completamente tomados por ele e por ele arrebatados.
“Conhecer” descreve a nossa consciência do fato de que Cristo nos ama; de
que o nosso Senhor nos está deixando claro e nos está dizendo pessoalmente
que nos ama com imensurável amor.
Somos forçados a utilizar analogias nesta altura. Você pode ficar ciente do
amor de outrem por você pelas ações dessa pessoa, porém o que o amor
sempre requer é uma declaração pessoal. O amor sempre deseja uma
palavra pessoal; não se contenta com manifestações gerais. Aqui o apóstolo
está afirmando que ao cristão é possível “conhecer” o amor de Cristo neste
sentido imediato, direto, experimenta] e vivencial. Além e acima do
conhecimento conceptual há este conhecimento experimental. É uma
possibilidade tão gloriosa que o apóstolo afirma que dobra os seus joelhos
diante de Deus Pai e ora incessantemente para que os cristãos efésios
tenham esse conhecimento. Ele sabe que eles são crentes, e já os fez lembra-
se disso; eles foram “selados com o Espírito Santo”, e há muitas outras
coisas verdadeiras sobre eles: entretanto, ele sente que não conhecem este
amor como deviam. Não só lhes falta um conhecimento conceptual dele; não
o conhecem por experiência, como ele o conheceu; razão porque ele ora no
sentido de que venham a conhecê-lo desse modo.
Em cada cor vive algo Que sem Cristo nunca os olhos viram;
As flores com maior beleza brilham Depois que eu soube, como agora sei,
Ah, com que descanso bendito Cristo pode encher o coração que ama!
Muitos outros hinos poderiam ser citados. Num hino traduzido do galês
para o inglês, escrito por um dos grandes “pais” metodistas do século
dezoito, William Williams, vemos a oração:
Ele sabia o que era ouvir a voz deste “gentil Jesus”, e quando
temporariamente deixava de ouvi-la, ficava ansioso para ouvi-la outra vez.
Nenhuma outra coisa podia satisfazê-lo. Podemos apropriar-nos desta
linguagem? Charles Wesley repete freqüentemente a mesma coisa com
palavras como,
Quase uma semana, e várias vezes por dia, uma pressão do Seu grande
amor sobreveio ao meu coração em tal medida que fez meu cérebro latejar,
e todo o meu ser, alma e corpo geme sob a tensão da quase insuportável
pletora de alegria. E, contudo, em meio a esta plenitude, há uma fome de
mais, e em meio à consumidora chama de amor, está sempre em meus lábios
o paradoxal brado: “Queima, queima, ó Amor, dentro do meu coração,
queima ferozmente noite e dia, até que toda a escória dos amores terrenais
esteja extinta e seja eliminada”.
O celestial habitante da minha alma mudou tudo isso. Ele abriu todos os
compartimentos do meu ser e os encheu e inundou com a luz da sua radiosa
presença; o vacuum tomou-se um plenum', uma intocável mancha foi
alcançada, e toda a suas aspereza derreteu-se na presença daquele solvente
universal, “O Amor divino, que excede todos os amores”. Agora eu gostaria
de ter o poder de mil corações para amar, e a capacidade de mil línguas
para proclamar Jesus, o Senhor absolutamente admirável, o Salvador
completo, capaz de salvar totalmente aqueles que por Ele se chegam a Deus.
E finalmente:
Steele e Edward Payson, com total sinceridade, que habitamos “na terra de
Beulá”, e que Cristo pessoalmente nos fez conhecido o Seu amor pessoal por
nós.
presença, são todavia menos absorvidos por esta do que aqueles, e podem
ser vistos um pouco mais afastados, empenhados aqui e ali em suas várias
ocupações, seus olhos geralmente postos em seu trabalho, mas com
freqüência olhando para o alto, para a luz que amam.
Uma terceira categoria, para lá destas duas, mas ainda dentro dos raios
vivifícantes, inclui uma duvidosa multidão, muitos dos quais se acham tão
envolvidos em seus esquemas terrenais que podem ser vistos de lado para
Cristo, olhando mais para o outro caminho e só de vez em quando voltando
os seus rostos para a luz. E mais longe ainda, entre os últimos e difusos
raios, tão distantes que muitas vezes é duvidoso que possam entrar na área
da sua influência, está um grupo misto de indivíduos ocupados, alguns com
as costas inteiramente voltadas para o sol, a maioria deles tão preocupados
e aflitos com as suas muitas coisas, que dedica apenas um pouco de tempo
ao seu Salvador.
Aí entendo que temos uma análise justa e exata. Cristãos há que se acham
naqueles vários círculos, naquelas várias posições. De fato é possível estar
no terceiro círculo descrito por ele, e ainda ser cristão. Este círculo contém
cristãos que parecem passar a maior parte do seu tempo com as costas
voltadas para Cristo, e que só muito ocasionalmente se viram para procurá-
lO e olhar para Ele. Há muitas gradações possíveis entre essa posição e o
círculo interior daqueles para quem Cristo é tudo e que podem dizer com o
apóstolo Paulo: “Para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho”. O ponto
que estou acentuando é que aqueles que pertencem ao círculo do extremo
externo são cristãos, e a oração do apóstolo os inclui. Ela nada tem a ver,
naturalmente, com os não cristãos; o apóstolo está interessado na relação
dos que já creram, como estes efésios, e que, como eles, tinham
experimentado muito, os quais ele ainda sente que não conhecem este amor
de Cristo que excede o conhecimento.
Payson prossegue e diz algo que, penso eu, é profundamente verdadeiro: “A
razão pela qual os homens do mundo fazem pouco caso de Cristo é que não
olham para Ele; suas costas estão voltadas para o sol, eles só podem ver as
suas próprias sombras e, portanto, estão completamente fechados em si
mesmos; ao passo que o verdadeiro discípulo, olhando só para cima, vê
unicamente o seu Salvador e aprende a esquecer-se de si mesmo”. Temos aí
a chave da vida cristã
Desde a ocasião em que ele foi levado a ver claramente a Cristo como seu
Tudo, sua alma encheu-se da glória de Cristo, como um Salvador presente e
um amigo que vive sempre e para sempre. Sua
Uma bênção que está além de todas as demais é ter ouvidos moucos para a
música do mundo, mas estar totalmente desperto para a voz dAquele que é
o Principal entre dez mil, e totalmente admirável. Bem-aventurança é estar
realmente nEle. Nenhuma alma desperta deveria privar-se da percepção e
do gozo experimental da união com o Senhor. Nenhuma alma convertida
deveria ficar satisfeita enquanto não pensasse e não falasse tudo que se pode
falar em comunhão com Jesus. A um confessante carnal, ou a um filho de
Deus ainda em grande medida carnal, isto pareceria um padrão demasiado
alto, mas ter um padrão mais baixo é ignorar a nossa posição em Cristo, o
que nEle temos, a intimidade da nossa união com Ele e o caráter que
devemos manter para estarmos em harmonia com a nossa profissão de fé
em Seu nome.
Não posso imaginar melhor de expor o que o apóstolo Paulo tinha em mente
quanto aos efésios.
À luz disso tudo, à questão é: onde estamos? Não é mais que verdadeiro
quanto a muitos de nós, que somos como pessoas às quais foi legada uma
grande fortuna no testamento de alguém, mas que não parecem perceber
que isso é um fato? Parece bom demais para ser verdadeiro. Estamos há
tanto tempo acostumados à pobreza e à penúria, e a lutar para viver dentro
do orçamento apertado, que, embora nos digam que nos foi deixada uma
fortuna, continuamos a viver como se nada tivesse acontecido. Ou, para
variar a figura, parecemos pessoas que receberam convite para ir a um
grande banquete, as quais ficam na rua, fora da sala do banquete, no frio e
na chuva, olhando ocasionalmente pelas janelas e vendo as brilhantes luzes
lá dentro e tentando imaginar a natureza da festa que foi preparada.
Do mesmo modo, muitos de nós, com freqüência, dizem que o padrão é alto
demais, que estas coisas são impossíveis. Mas o que é totalmente importante
é que devemos examinar-nos à luz do ensino do Novo Testamento. Já
atingimos este nível? De fato, deixem-me fazer uma pergunta mais
penetrante ainda: já chegamos ao padrão e ao nível do Velho Testamento?
Lemos sobre um salmista que dizia: “Vale mais
um dia nos teus átrios do que em outra parte mil”, e: “Preferiria estar à
porta da casa do meu Deus, a habitar nas tendas da impiedade”
(Salmo 84:10). Isso seria verdade a nosso respeito? Podemos dizer isso?
Para ajudar-nos neste exame introspectivo, sirvamo-nos de
Augustus Toplady. Sua posição doutrinária era militantemente calvinista,
mas nestas questões ele e os Wesley, com suas fortes opiniões
arminianas, estão de acordo. Eis como Toplady escreveu:
Jesus, na cruz morto por mim; todos quantos aspiram à felicidade acham-na
somente em Ti:
Enquanto eu sentir Teu amor por mim, tudo explodirá de alegria; oxalá eu ande
sempre conTigo; épara mim glória pura e imensa:
Há, por certo, um misticismo falso. Isto se vê com clareza nos livros sobre o
assunto, e especialmente nas biografias de certos místicos. Sem dúvida
houve aberrações nas vidas de muitos deles, e havia muita coisa mórbida e
não saudável. Há um tipo de misticimo mórbido, introspectivo, egoístico,
nada prático e inútil. Mas, devido certos místicos serem condenáveis por
essas coisas, não devemos deixa-nos cegar para o misticismo legítimo e
saudável, misticismo ensinado pela própria Bíblia. Há sempre o risco de
rejeitarmos um ensino verdadeiro por não gostarmos de uma falsa
apresentação dele. Há muitos que hoje estão fora da Igreja pela única razão,
aparentemente, de que conheceram um homem que era cristão e membro
da igreja e que levava uma vida egoística e era maldoso para com a esposa e
os filhos. Repudiam o cristianismo todo por causa de um representante
indigno! Mas, evidentemente, isso não é nada inteligente, e as mesmas
pessoas não usam esse mesmo argumento noutras áreas. Na área da política,
por exemplo, jamais diriam que não poderiam ser conservadores
simplesmente porque conhecerem um homem indigno que era um ativo
membro do Partido Conservador. Igualmente com o Partido Trabalhista.
Na esfera
política eles não julgariam desse modo, porém procedem assim com respeito
à religião. Da mesma maneira há cristãos que usam exatamente esse
argumento e, por causa de certos excessos no caso de alguns místicos,
repudiam o misticismo por completo. O corretivo para tal raciocínio é
assinalar que o oposto ao falso misticismo não é uma total negação do
misticismo, e sim o verdadeiro misticismo. Entretanto, acima de tudo, temos
que ser governados pelas Escrituras, e apegar-nos ao que elas ensinam.
Além disso, porém, no dia de Pentecoste o apóstolo Pedro disse aos seus
ouvintes: “A promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que
estão longe” (Atos 2:39). Apromessa de nosso Senhor não foi feita somente
aos apóstolos. O apóstolo Paulo não estava presente naquela ocasião, mas
posteriormente ele teve experiências iguais às de qualquer dos outros
apóstolos. E, como vemos, agora ele está orando para que a mesma bênção
venha para os cristãos efésios, e para “todos os santos”. O Senhor Jesus
Cristo não está agora entre nós na carne; todavia no Espírito Ele pode ser
muito mais real, e podemos conhecê--ÍO com uma intimidade que os
discípulos e os apóstolos não desfrutaram quando Ele estava aqui nos dias
da Sua carne.
O apóstolo João faz um sumário deste ensino para nós em sua primeira
Epístola, onde ele diz àqueles cristãos primitivos que lhes estava escrevendo,
“para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o
o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo” (1:3). O desejo não era apenas que
tivessem comunhão com ele e com os demais apóstolos. Isso eles já gozavam
em certa medida. Seu profundo desejo era que eles entrassem na comunhão
que ele e os demais apóstolos estavam gozando com o Pai e o Filho, para que
a alegria deles fosse completa. Eles já tinham a alegria preliminar,
experimentada pelos que crêem no Senhor Jesus Cristo e compreendem que
os seus pecados estão perdoados; não obstante, o desejo do apóstolo é que a
alegria deles “seja completa”. É a “paz perfeita” a que Augustus Toplady
se refere. E isso é possível a todo cristão. Não é um misticismo vago.
Não deve ser entendido em termos do falso misticismo das pessoas que
se retiram do mundo, usam vestes de pelos de camelo e escarificam
a própria carne. Aquilo a que Paulo se refere é possível a todos os
que verdadeiramente crêem na Palavra de Deus, e crêem no Senhor
Jesus Cristo.
Portanto, este ensino não pode e não deve ser rejeitado com base nalguma
vaga objeção ao misticismo. Mas também devemos tratar da crítica quanto
ao aspecto prático. Vivemos dias em que o aspecto prático do cristianismo
está sendo acentuado quase exclusivamente por
Comecemos com o exemplo supremo. Que foi que levou o Senhor Jesus
Cristo a fazer tudo que fez? Ele nos diz repetidamente que foi para que
glorificasse a Seu Pai. Foi por essa razão que Ele veio do céu à
terra, suportou a contradição dos pecadores contra Ele, e foi
resolutamente para Jerusalém e para a cruz. Ele declara em Sua oração
sacerdotal registrada no capítulo dezessete do Evangelho segundo João:
“Eu glorifiquei-te na terra” (versículo4). Seu único motivo era mostrar
Seu amor pelo Pai e o amor do Pai por Ele.
Alarga, inflama e enche o meu coração com Teu ilimitado e divinal amor!
Assim minha energia porei em ação, e os amarei com zelo igual ao Teu, Senhor.
Talvez o maior perigo que confronta a Igreja e o povo cristão hoje seja que,
em vez de percebermos que a suprema necessidade do momento é este
conhecimento do amor de Cristo, gastamos nosso tempo e energia
organizando atividades. Fazemos da atividade um fim em si. Dizemos que
temos que “estar em atividade”. E de maneira carnal tentamos realizar a
obra de Deus. Mas quão pouco acontece! Isso não é de admirar. Estamos
esquecendo o verdadeiro motivo e o poder que energiza. Não devemos
trabalhar como cristãos simplesmente porque é bom e certo que os cristãos
trabalhem. O motivo é absolutamente importante. Devemos trabalhar por
causa do amor de Cristo. Não devemos trabalhar porque decidimos fazê-lo
ou porque nos disseram que agora que somos convertidos temos de “estar
em atividade”. Querer as igrejas cheias também não deve ser o nosso
motivo. Isso é inverter o quadro e o método do Novo Testamento, como
também o é toda a idéia de treinar pessoas a fim de serem testemunhas e
para fazerem evangelização pessoal. Tudo hoje tem que ser organizado, e
a impressão que se tem é que ninguém pode testemunhar sem fazer
um curso de treinamento.
A resposta para essa idéia moderna é descobrir o que aconteceu nos séculos
passados, especialmente no primeiro. Não havia aulas de treinamento,
exames e diplomas naqueles tempos. O segredo dos
Concluo com a pergunta que fiz no princípio: a qual dos círculos vocês
pertencem? Estão se esforçando para chegar ao círculo central? Talvez
tenham visto pessoas em multidão, quando a rainha ou alguma outra pessoa
notável está passando, e elas se esforçam para ir para frente, a fim de ver
melhor. A mesma coisa ocorre em vários jogos. Há aqueles que sempre
querem estar na frente para terem melhor visão. Estamos nós fazendo
esforço rumo ao círculo mais central? Estamos em busca do rosto do
Senhor? Ambicionamos o conhecimento do Seu amor? O apóstolo orou em
favor de cada um dos membros da igreja em Éfeso para que ele ou ela
pudesse “perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a
largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor
de Cristo, que excede todo o entendimento”. Que tragédia, alguns de nós
viverem como mendigos nas ruas frias, quando a sala do banquete está
aberta e a festa preparada. Busquemos o conhecimento do Senhor nas
Escrituras e leiamos as vidas dos santos de todos os séculos. Quando o
fizermos, não ficaremos satisfeitos enquanto não estivermos no círculo mais
próximo do centro, contemplando a bendita face do Senhor.
PROCURANDO COMPREENDER
Conto com a autoridade do Novo Testamento para dizer que é possível aos
cristãos experimentarem algo como um sentimento de vergonha quando
virem o Senhor como Ele é. Em sua primeira Epístola, o apóstolo João
exorta os cristãos primitivos a se esforçarem para progredir nestes aspectos
para que não sejamos “confundidos por ele”, ou “não fiquemos
envergonhados diante dele em sua vinda” (2:28). Existe claro ensino sobre
um julgamento que envolve recompensas entre os crentes, de maneira que
devemos estudar este assunto à luz daquele ensino. O homem cujo
pensamento é: “contanto que esteja perdoado, contanto que esteja salvo,
contanto que vá para o céu, tudo está bem” descobrirá que, ao adotar essa
atitude, rejeitou o ensino do seu Senhor. O propósito do Senhor era fazê-lo
desfrutar muito mais benefícios, usá-lo para ajudar outros e usá-lo como
padrão e exemplo. Assim, considerações pessoais à parte, devemos examinar
esta questão do ponto de vista de que a medida em que falharmos em
ajustar-nos a esse padrão, será a medida em que estaremos falhando com o
nosso bendito Senhor.
A descrição muitas vezes feita no Novo Testamento é que Deus é nosso Pai e
que, como um pai terreno tem orgulho dos seus filhos e gosta de olhar para
eles protetoralmente, e de sorrir para eles, e deseja que todos pensem bem
deles, assim Deus, como nosso Pai do céu, deleita-Se em nós e deseja exibir-
nos como “padrões e exemplos das obras das Suas mãos”. Ele quer mostrar
a Sua graça aos outros através de nós e por nosso intermédio, como vimos
quando estivemos estudando o versículo 10. Por todas estas razões nos
convém descobrir como é que nós, com todos os santos, podemos vir a
conhecer este amor que ultrapassa o conhecimento. Há abundante ensino
com respeito a isso no Novo Testamento. Há um sentido em que o restante
desta Epístola aos Efésios trata precisamente deste assunto, Nos capítulos
seguintes o apóstolo continua a tratar em detalhe de vários assuntos
relacionados com a conduta e com o comportamento, e esse é um dos
melhores modos de ensinar como conseguir este conhecimento do amor
de Cristo.
Devo desenvolver isto porque sei, por experiência própria, deste perigo, e sei
que é um laço do diabo. Às vezes funciona da seguinte maneira: você está
lendo a biografia de um grande santo, por exemplo, um daqueles cujas
obras tenho citado. Ali você lê sobre um homem que fora cristão durante
anos, mas que nunca tinha conhecido este amor de Cristo, e então ele lhe
conta como veio a conhecê-lo. Isso pode ter acontecido de uma dentre
muitas maneiras. Pode tê-lo procurado anos e anos, sem nada acontecer;
então, um dia, quando estava lendo um livro, quase casualmente a página
pareceu iluminar-se e ele percebeu que Deus lhe falava diretamente, e ele
passou a conhecer este amor de Cristo que excede o conhecimento. A
tentação que vem neste ponto é
você procurar descobrir que livro ele estivera lendo e depois começar a ler o
mesmo livro, persuadindo-se de que aquilo que acontecera ao outro terá que
acontecer a você. Daí você lê a página, todavia ela parece completamente
morta! O erro foi ter um conceito mecânico. O santo estava fazendo isso
quando obteve a bênção; logo, se eu fizer a mesma coisa, também obterei a
bênção!
Por outro lado, você lê a respeito de homens que testificam que tinham lido
a Bíblia muitas vezes sem jamais enxergar estas coisas, porém, súbita e
inesperadamente, quando liam dado capítulo, veio a iluminação. Entretanto
esta não vem a você, quando lê o mesmo capítulo. A falha que está por trás
desta abordagem errada é que estamos lidando com relações pessoais, e que,
nos domínios das relações pessoais, os métodos mecânicos não somente não
contam, mas também podem ser o maior obstáculo possível. Não
estamos lidando com algum objeto ou com alguma experiência como
tal; estamos falando de conhecer “o amor de Cristo que excede o
conhecimento”. Discernimos instintivamente, quanto ao amor de um
ser humano, que ele é intensamente pessoal e direto; assim, devemos ter
o mesmo discernimento aqui.
Temos que começar dando-nos conta de que isto é algo que está
inteiramente nas mãos de Deus, e que ele dispensa as Suas bênçãos como
quer, quando e onde, e a Seu próprio modo. Vocês não podem garantir coisa
alguma, nestas questões. Não podem dar nenhuma garantia de que, se
fizerem “isto”, logo acontecerá “aquilo”. Sabemos que nas relações
humanas comuns tais idéias fracassam completamente. No momento em que
sentimos que estamos sendo subornados, ou que alguém está tentando nos
manipular, imediatamente toda emoção e todo real afeto se apagam. Isto é
igualmente verdade na esfera espiritual de que estamos tratando. É por isso
que se pode dizer que, conquanto os livros e manuais sobre a vida de
devoção e consagração sejam de utilidade e de valor até certo ponto,
também podem ser extremamente perigosos. O diabo pode usá-los para
introduzir a noção mecânica, e acabaremos ficando mais longe dAquele a
Quem estamos procurando.
Voltando-nos para o positivo, vemos que certas coisas são ensinadas com
simplicidade e clareza nas Escrituras. A primeira é que existe isso, de
colocar-se alguém no caminho da bênção. Não podemos ordenar bênçãos ou
“reclamá-las”. Deus, em Sua soberana vontade e graça, dispensa as Suas
bênçãos. Mas, embora não possamos ordená-las, podemos fazer o que fez o
cego Bartimeu. Lemos que Bartimeu ouvira que o Senhor Jesus Cristo ia
passar por certa estrada, e que ele
foi bastante inteligente para fazer seu ponto ao lado dessa estrada. É o que
todos nós podemos fazer. O Senhor caminha por certas estradas; é Sei
costume e Seu hábito passar em certas direções. Assim, tudo que posso fazer
é dizer-lhe como tomar posição ao lado destas estradas. Coloque-se no
caminho das bênçãos. Não lhe posso garantir nada; contudo sei que as
Escrituras nos exortam a fazer certas coisas. T ambém sei que todo santo
que já chegou ao conhecimento do amor de Cristo, neste sentido íntimo e
pessoal, geralmente cumpriu estas coisas.
Esta é de novo a experiência universal dos santos. Ninguém jamais foi tão
tentado pelo diabo neste mundo como o Filho de Deus; e quanto mais perto
dEle chegarmos, mais provados e tentados seremos. A princípio o diabo faz
tudo que pode para impedir que o indivíduo se tome cristão; no entanto, se
ele falha e nos tomamos cristãos, todo o seu esforço então será no sentido de
manter-nos como meninos em Cristo, de manter-nos unicamente no estágio
dos princípios elementares, de manter-nos satisfeitos com o círculo
periférico. No momento em que começamos a crescer e a desenvolver-nos, o
diabo fica preocupado, porque nesse caso nos tomamos melhores
recomendações de Cristo. Se nos tomamos homens, adultos, o reino do
diabo fica ameaçado, de modo que ele faz tudo para impedir o nosso
crescimento, e põe em ação os seus agentes e os seus poderes contra nós.
foi levado pelo Espírito para o deserto para ser tentado pelo diabo durante
quarenta dias. “Os momentos batismais são sempre seguidos de uma
tentação no deserto”. Todo aquele que sempre se esforçou para percorrer
esta estrada sabe quanta verdade há nisso. Quanto mais buscarmos o rosto
do Senhor e o conhecimento do Seu amor, mais conhecermos “as ciladas do
diabo” e “os dardos inflamados do maligno”. Com isso o diabo nos faz um
grande cumprimento; mas devemos lembrar-nos de que ele é forte e
poderoso, e se formos com a nossa própria força e poder, certamente ele nos
derrotará. Portanto, devemos orar para que sejamos fortalecidos com poder
pelo Seu Espírito no homem interior, e também, como o apóstolo o expressa
no último capítulo desta Epístola, devemos “revestir-nos de toda a
armadura de Deus”. Sem esta, estamos condenados ao fracasso. Se você
procurar estar perto de Cristo, o diabo porá em ação todas as suas reservas
contra você, e você terá consciência das profundezas de Satanás de um
modo que nunca antes imaginou.
A seguinte questão vital a que devemos dar ênfase é que temos de aprender
a buscar o Senhor. Quero dizer que não devemos contentarmos com idéias
concernentes a Ele, ou com proposições a respeito dEle. Mais uma vez é
essencial salientarmos que, se bem que as doutrinas, a teologia e o
entendimento são absolutamente vitais para o cristão, é sempre errado
parar unicamente nestas coisas. Temos que ir além, e compreender que o
propósito de todo conhecimento da doutrina é levar-nos ao conhecimento da
Pessoa de Cristo. Como vimos, “Para
Esta é uma questão muito sutil. Todos os que se têm interessado por estas
questões sabem que os esperam laços. Às vezes um homem, ao corrigir um
subjetivismo falso, vai para o outro extremo e se toma tão objetivo que a sua
alma e o seu espírito ficam secos. Entretanto os extremos são errôneos. A
glória do evangelho é que ele envolve o homem todo, sua mente, seu
coração, sua vontade, realmente, a personalidade inteira. Se falta um
aspecto, falta equilíbrio. Saliento este grande perigo de contentar-nos com
idéias e verdades acerca do Senhor Jesus Cristo, em vez de conhecermos o
Senhor Jesus Cristo. Você se enamorou dos pensamentos, dos princípios e
dos conceitos, e pode ficar tão embevecido neles que eles podem intrometer-
se entre você e a Pessoa. A própria doutrina concernente a Ele pode ocultá-
lO aos seus olhos. Nada é mais trágico do que isso! Muitos de nós têm
que confessar terem estado nessas condições por anos. É uma
armadilha terrível; é tão perigosa como permanecer uma criança em Cristo.
Esta verdade não vale só para as reuniões; também pode acontecer com
livros. É possível viver de livros uma espécie de vida espiritual de segunda
mão. Dá-se da seguinte maneira: sentindo-nos insatisfeitos e inquietos,
interiormente conscientes de que a nossa vida não é o que deveria ser, e que
há algo muito mais grandioso possível, pomo-nos a ler certos livros — a
biografia de um santo, por exemplo, ou um livro que fala dos níveis mais
elevados da vida cristã. Apreciamos grandemente fazer isso, e nos
comovemos. Embora não tenhamos tido pessoalmente a experiência da qual
estamos lendo, sentimo-nos melhor e mais felizes. Podemos fazer isto
durante anos, sem percebermos que estamos vivendo de livros, em vez de
vivermos de Cristo. Podemos viver das experiências doutras pessoas que
ouvimos numa reunião, ou que lemos em livros, sem termos experiência
propriamente nossa. Só porque nos sentimos bem e um pouco mais felizes,
damo-nos por satisfeitos e não vamos em busca do Senhor.
Na verdade, é possível que façamos tão mau uso dos meios da graça que
vivemos deles, em vez de prosseguirmos através deles para descobrir o
Doador de toda a graça. Como é sutil isso tudo! Assim é porque ainda não
somos perfeitos, e por causa das ciladas do diabo. A grande regra que
jamais devemos esquecer é: busquem o Senhor. Busquem a Pessoa. A vida
cristã não é simplesmente uma questão de adotar certo número de idéias; o
cristianismo não é uma filosofia, não é uma coleção de pensamentos e
conceitos. Sua glória especial, e o que o toma único, é que ele não somente
nos ensina a aplicar um ensino, como também a conhecer tuna Pessoa
(Deus) e a andar com Ele na luz.
George Müller, de Bristol, sabia mais sobre a oração do que a maioria dos
cristãos; e vocês verão que a primeira coisa que ele sempre fazia quando
orava era assegurar-se de uma percepção da presença de Deus. Ele não
apresentava as suas petições enquanto não se apercebia da Sua presença.
Este era o segredo daquele grande homem de oração. Falamos da fé
grandiosa de Müller, e naturalmente era uma grande fé; mas o real segredo
de George Müller não era a sua grande fé, e sim o fato de que ele conhecia a
Deus e falava com Deus como alguém que O conhecia. Percepção da
presença de Deus! Vocês não poderão conhecer o amor de Cristo enquanto
não conhecerem a Cristo. Essa é a razão pela qual o apóstolo diz aos
filipenses que a sua maior ambição era “conhecê-lo” (3:10). A primeira
coisa que temos de fazer é aperceber-nos da presença da Pessoa, buscar o
Senhor pessoalmente — não Suas bênçãos, não pensamentos ou ensinos
concernentes a Ele. Estas coisas são excelentes, e devemos continuar a
buscá-las; mas não devemos deter-nos nelas. Devemos apropriar-nos delas e
usá-las para buscar a bendita Pessoa propriamente dita.
todas elas são revelações dEle. Assim, toda vez que vocês lerem a Bíblia,
poderão vê-10, se souberem como fazê-lo.
Quando, por exemplo, você ler os Evangelhos, lembre-se de que são retratos
de Cristo, mostrando como Ele era quando estava neste mundo. Depois,
lembre-se de que Ele ainda é, essencialmente, a mesma Pessoa. Devemos
aplicar deliberadamente as nossas mentes à procura dEle e ao conhecimento
do Seu amor. Noutras palavras, devemos ir às Escrituras com espírito de
grande expectativa. Devemos ir num estado de grande avidez, indagando:
será que Ele vai falar comigo pessoalmente, como também o faz
indiretamente mediante a Palavra? Tendo olhado o retrato, lembre-se de
que Ele continua o mesmo — “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e
etemamente” (Hebreus 13:8). Essa foi a maravilhosa e comovente
descoberta feita pelos diversos apóstolos que O viram após a Sua ascensão.
você quiser obter as melhores colheitas das suas terras, valerá a pena fazer
uma análise científica do solo. Você envia uma amostra do solo ao
laboratório, e lhe dirão se é demasiado ácido ou demasiado alcalino. Depois
terá que tratá-lo de acordo com a análise feita. Se puser cal numa terra que
já é demasiadamente alcalina, arruinará o seu campo. Mas se a terra foi
ácido, então precisará de mais álcali. No entanto, é interessante notar que,
ao levar avante o processo, verá que o solo muda de natureza
completamente. Assim você não poderá dizer que, porque a primeira
amostra era ácido, sua terra precisará de álcali para todo o sempre. Você
pode muito bem chegar a um ponto em que ela tenha se tomado alcalina
demais e, então, precisará dar-lhe ácido. Parecerá estar se contradizendo,
mas de fato estará simplesmente sendo inteligente. Você compreende que
está lidando com processos vivos no solo, não com materiais inorgânicos
estáticos, e que, portanto, precisa tratar do solo como ele é em dada ocasião.
A mesma coisa se aplica à estrutura e constituição humana. Alguém pode
corrigir com tanto exagero o hiper-acidez do seu organismo, que causará uma
outra doença chamada alcalose. Ele se toma demasiada alcalino e talvez
precise tomar algum ácido para restabelecer o equilíbrio.
O mesmo princípio se aplica nos domínios da vida espiritual. Pode ser que,
pela disposição natural, comecemos sendo moles e indolentes. Entendemos
que precisamos ter um horário, e adotamos um. Contudo, inconsciente e
gradativamente nos tomamos escravos do nosso horário, e será necessário
que nos digam que esqueçamos o horário e experimentemos mais da
liberdade do Espírito. Por causa dos restos de pecaminosidade que
permanecem em nós, vamos de um extremo ao outro. Assim, temos que
conhecer-nos a nós mesmos, temos que examinar-nos e vigiar a nós mesmos,
e temos que assegurar-nos bem de que não perdemos de vista o grande
objetivo, o qual é, conhecer a Cristo e conhecer o Seu amor.
Insisto, pois, em que, quanto à oração, não há nada mais importante que a
meditação e exame preliminar daquilo que vamos fazer. Isto é o que os
santos chamavam de “reflexão”, a qual realmente significa que você
conversa consigo mesmo sobre você e sobre o que anda fazendo. A maior
falta que cometemos é que não conversamos conosco mesmos o quanto
deveríamos. Temos de falar conosco sobre nós mesmos. Há pouco propósito
em começar a falar com Deus e a orar, se não compreendemos a nossa
própria condição. Não proceder assim significa que talvez estejamos indo à
presença de Deus num estado pessoal completamente falso. Podemos achar
que temos sido tratados de maneira muito dura, nada bondosa e, na
verdade, muito cruel; enchemo--nos de auto-piedade; vamos a Deus nessas
condições e Lhe pedimos
Com alegria meditamos nós na graça do nosso Sumo Sacerdote nas alturas;
Fazer isso, e compreender que isso vale para nós, transformará a nossa
maneira de orar. Estaremos verdadeiramente buscando o Senhor, e
esperando dEle uma resposta viva.
Espírito está em nós aonde quer que formos e seja o que for que fizermos.
Portanto, se você anela a manifestação do Seu amor, evite fazer as coisas
que sabe que Ele não pode suportar, as coisas que Ele odeia, as coisas que O
enviaram à morte na cruz. Evite-as!
Posso ilustrar isso com uma ilustração simples, que muitas vezes me ajudou
pessoalmente, e ainda me ajuda. É uma história simples, quase ridícula, de
uma coisa que aconteceu dentro da esfera da minha experiência pessoal; e
sempre me faz lembrar tudo que tento dizer a mim mesmo quando enfrento
esta questão particular.
Fui criado num distrito rural, agrícola, onde todos nós sabíamos tudo uns
dos outros, e sabíamos tudo que acontecia. Havia um homem naquela área,
filho de um lavrador, que estava muito apaixonado por uma certa moça e
queria desposá-la. E ela o amava. Não obstante, havia um obstáculo para
ser transposto. Este pobre sujeito, como muitos outros, tinha uma fraqueza,
que era a de beber muito quando ia à cidade, uma vez por semana. Ela
odiava esse hábito, e ele lutava para deixá-lo. Mas, de repente ele
escorregava e caia, ao ser tentado. Ela então não queria mais nada com ele.
Toda a vizinhança vinha observando como as coisas se desenrolavam,
durante vários anos. Ela deixou perfeita-mente claro que, enquanto ele
tocasse em bebida, não quereria mais nada com ele. Todos nós
perguntávamos qual seria o resultado disso tudo. O que de fato aconteceu
foi que o homem a amava tanto, que abandonou a bebida para todo o
sempre. O resultado foi que eles se casaram e viveram juntos e felizes por
muitos anos.
Essa singela história ilustra a essência mesma desta questão. A escolha com
a qual este homem se defrontou era, que é que ele queria mais, esta jovem
que ele amava, ou a bebida e os alegres companheiros do dia da feira? Ele
tinha que chegar a uma decisão básica; e o seu amor pela moça era tão
grande que ele desistiu da bebida para sempre. Assim, ele a conquistou,
recebeu o seu amor, e ela se deu a si mesma a ele.
certeza em seu coração de que elas são um empecilho, elas têm que sumir.
“Se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti”;
“Se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti”
(Mateus 5:29-30). Esse é o ensino do próprio Senhor nesta matéria. Agrade-
O positivamente; e evite tudo que você sabe ser desagradável aos Seus
santíssimos olhos. E faça isso não somente durante um período limitado,
como o da quaresma; faça-o, sempre.
O quarto princípio envolvido nesta questão requer importunidade, quer
dizer, concentração ou dedicação total. Vemo-lo exposto no livro de
Jeremias: “E buscar-me-eis, e me achareis quando me buscardes de todo o
vosso coração” (29:13). Isso veio a ser muito conhecido num oratório, com
as palavras: “Se de todo o vosso coração verdadeiramente me buscardes,
certamente me achareis”. A ênfase cai na frase, “de todo o vosso coração”.
Tambémno livro de Salmos lemos: “Une o meu coração ao temor do teu
nome” (86:11). O salmista está cônscio da dificuldade, de modo que ora a
Deus, pedindo-Lhe que una o seu coração para que ele O busque com todo o
seu ser. Recordemos o ensino do nosso Senhor concernente aos bons olhos:
“Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se, porém, os teus
olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso” (Mateus 6:22-23). (AV,
versículo 22: “Se o teu olho for único”, “não duplo”).
Nada é mais importante, nesta esfera, do que ter o “olho único”, isto é, o
olhar posto numa só direção, concentrado, fechado para tudo mais que
esteja fora do campo de visão; quase uma monomania. Este tem sido uma
grande característica dos santos de Deus. Ou tomem o ensino do nosso
Senhor registrado no Evangelho segundo Lucas, acerca da viúva importuna
(18:1 -8). O juiz injusto, “que nem a Deus temia nem respeitava o homem”,
foi confrontado por uma viúva que persistia em ir ao tribunal com a sua
petição. Afinal o juiz, reduzido a um estado de desespero, decidiu que era
melhor conceder-lhe o que pedia. Vão a Deus com a importunidade daquela
viúva, diz o Senhor Jesus Cristo. Quem mais teria ousado dizer isso? A
importunidade é essencial. Todos estamos prontos para começar, todavia
também prontos para contentar-nos com um sentimento ocasional e, com
esforços espasmó-dicos ocasionais. Mas devemos perseverar, persistir, e
nunca desistir.
Isso nos leva ao nosso último princípio, que, como todos os outros, também é
sumamente vital. Pode ser descrito como responsividade1 às iniciativas de
aproximação do Senhor. Estamos tratando de questões muito sensíveis e
delicadas. Ou, para variar a descrição, estamos no monte do Senhor, onde o
ar é muito puro e rarefeito, e as leves alterações são imediatamente sentidas.
A responsividade às aproximações de Deus significa buscá-las, esperar por
elas, contar com elas. Muitas vezes ficamos tão ocupados lendo as
Escrituras, orando e fazendo tudo que estivemos considerando, que
achamos que nada está acontecendo. Entretanto, muita coisa pode estar
acontecendo, e o problema é que somos tão lerdos e tão destituídos de
responsividade, ou estamos tão ocupados, que não tomanos consciência
disso.
“Já vim para o meu jardim, irmã minha, minha esposa: colhi a minha
mirra com a minha especiaria, comi o meu favo com o meu mel, bebi o meu
vinho com o meu leite: comei, amigos, bebei abundamente, ó amados.”
“Eu dormia, mas o meu coração velava; eis a voz do meu amado, que estava
batendo; abre-me, irmã minha, amiga minha, pomba minha, minha
imaculada, porque a minha cabeça está cheia de orvalho, os meus cabelos
das gotas da noite: já despi os meus vestidos; como os tomarei a vestir? Já
lavei os meus pés; como os tomarei a sujar?” Seu amado está ali,
implorando-lhe que abra a porta; porém ela está cansada e acha que não
deve incomodar-se e deixar o leito e sujar de novo os pés para abrir a porta.
Ela o deseja, naturalmente, mas não lhe é conveniente recebê-lo naquele
momento. “Eu dormia, mas o meu coração velava.” Ela reconhece a voz,
contudo não pode ser importunada para levantar-se naquele momento. A
narração continua:
Ela pensava que ia vê-lo e que seria arrebatada pelo seu amor. No entanto,
eis que lemos em seguida:
“Eu abri ao meu amado, mas já o meu amado se tinha retirado, e se tinha
ido: a minha alma tinha-se derretido quando ele falara; busquei-o e não o
achei; chamei-o, e não me respondeu”.
E conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais
cheios de toda a plenitude de Deus. " Efésios 3:19
Ele não estava satisfeito com estes crentes como eles estavam. Ele dá graças
a Deus pelo fato de que eles, que tinham sido pagãos, e então estavam longe
de Cristo e sem Deus no mundo, foram aproximados — “chegastes perto”.
Mas ele não está satisfeito; isso é apenas o começo, não a totalidade de
redenção. Ele tinha sido chamado e separado para “pregar entre os gentios
as insondáveis riquezas de Cristo”, e eles ainda tinham pouco conhecimento
a respeito disso. Eles tinham os primeiros princípios, os elementos
incipientes da fé cristã, e nada mais. É por isso que ele ora da maneira que
ora por eles. Ele quer que compreendam que existem possibilidades mais
altas, maiores, infinitas; e não somente isso, quer também que eles
participem delas; deseja ansiosamente que as desfrutem. Por isso planejou
que a sua oração subisse de degrau em degrau; e aqui chegamos ao clímax,
ao apogeu, ao zênite disso tudo.
Tem-se dito, e com acerto, que “a perfeição do homem consiste em ser cheio
de Deus”. Aqui o apóstolo está orando por essa perfeição. A conexão entre
os vários passos da oração é importante, e assim notamos que a primeira
expressão desta frase é “para que”, “a fim de que”. Ele deseja que eles
compreendam com todos os santos qual é a largura, o comprimento, a
altura e a profundidade, e que conheçam o amor de
Cristo, que ultrapasse o conhecimento, para que eles (e nós com eles) “sejam
cheios de toda a plenitude de Deus”.
Em toda a extensão das Escrituras não há afirmação mais estonteante que
esta. Estamos face a face com a realidade máxima em matéria de
experiência, com a doutrina mais elevada de todas. Devemos, pois, abordá-
la com um sentimento de reverência, e com um sentimento de total
inadequação; e todavia, graças a Deus, com um sentimento de ardente
antecipação. Não há no mundo privilégio mais alto do que examinarmos
juntos esta declaração particular. As nossas mentes naturais, é claro, são
totalmente inadequadas para conceber isto plenamente, ou para entendê-lo.
Já nos foi lembrado várias vezes nesta epístola que os olhos do nosso
entendimento precisam ser iluminados pelo Espírito, se é que havemos de
compreendê-lo pelo menos em parte. Àqueles cristãos que se orgulham de
serem práticos, e para os quais nada importa senão a aplicação social ou
política ou cultural do cristianismo, isto não passa de uma doentia
consideração dos nossos estados, disposições e experiências interiores. No
entanto, os que dão abrigo a esses sentimentos, estão simplesmente
confessando que os seus olhos não foram iluminados; e, como vimos
anteriormente, eles não se deram conta de que, historicamente, os homens
que de fato têm feito mais para o alívio do sofrimento neste mundo são os
que mais conheceram da “plenitude de Deus”. Concentremos a nossa
atenção nisso, a fim de que, sob o domínio de Deus, também possamos
tomar-nos utilizáveis, e possamos ser usados por Ele para fazermos
alguma coisa neste mundo para aliviar a sua dor, a sua tragédia e a sua
tristeza. As pessoas verdadeiramente práticas, diversamente dos meros
tagare-las e teóricas, são homens e mulheres que, à semelhança do
apóstolo Paulo, têm algum conhecimento desta plenitude. Eles são os
maiores benfeitores da raça humana que o mundo já conheceu.
Outros pensam que o que temos nesta frase é o que se chama, numa figura
de linguagem, hipérbole. Eles virtualmente insinuam que o apóstolo estava
sendo arrebatado pela sua própria eloqüência. Claro, um homem pode ser
arrebatado pela sua própria eloqüência, e pelo ímpeto do seu falar. Ele pode
ter chegado a um estágio em que quase parou de pensar. Isso de fato
acontece, e um orador ou escritor pode usar palavras e frases sem pensar
sóbria e seriamente no que está dizendo. Muitas vezes foi feita esta acusação
contra o apóstolo Paulo; mas é uma acusação inteiramente falsa. Quanto
mais analisamos as suas declarações, mais vemos que quando ele escreve
uma frase como esta, apesar da sua mente se comover pela glória e
transcendência daquilo que ele está dizendo, ele não esquece a conexão
lógica com o que foi dito antes. Ele continua construindo a sua
argumentação; a lógica ainda está ali, a estruturação não foi abandonada.
Seu clímax continua coerente com tudo que foi dito até ali, e na verdade é
a conclusão inevitável disso. Portanto, não é mera eloqüência, não é um caso
de empilhar afirmação sobre afirmação, e de atirar palavras ao léu, sem
pensar. É uma afirmação lógica, clara e muito precisa. Jamais o apóstolo se
fez culpado de fazer “arte pela arte”. Nunca se propôs deliberadamente ser
eloqüente. Sua eloqüência é incidental, ou melhor, quase incidental. É a
glória da verdade que produz a eloqüência. O apóstolo não estava
interessado em formas literárias, ou em meramente causar impressão. Ele
não foi um retórico profissional, nem tampouco um literato profissional.
A última interpretação errônea para a qual chamo a atenção é a que afirma
que tudo aquilo a favor do que o apóstolo está realmente orando
é que os efésios recebam e gozem as múltiplas bênçãos que Deus tem para
dar-nos, e que quando ele diz, “para que sejais cheios de toda a plenitude de
Deus”, de fato está dizendo, “para que sejais cheios de todas as múltiplas
bênçãos que Deus pode dar ao cristão que crê”. Rejeito tal insinuação
também, e por esta razão, que seria um anticlímax, e não um clímax.
Referir-se somente às bênçãos da vida cristã depois de falar de Cristo
habitando pela fé no coração, e de compreender “a largura, o comprimento,
a altura e a profundidade”, e conhecer o amor de Cristo de maneira
imediata e direta, seria patético. Essa é uma coisa da qual nunca se pode
culpar o apóstolo. Não! Aqui se trata do passo final numa série ascencional.
Aqui ele chegou ao ápice, está num dos grandes picos do plano divino de
redenção, não havendo nada mais alto. Esta afirmação não deve ser
reduzida ao nível de uma bênção geral. Ele quer dizer o que diz; podemos
ser verdadeiramente “cheios de toda a plenitude de Deus”.
Portanto, que é que pode ser mais importante do que saber exatamente o
que o apóstolo quer dizer com esta expressão? Desafortunada-mente, a
“Authorized Version” (Versão Autorizada) é um tanto falha, pois introduz a
palavra “com” — “para que sejais cheios com toda a plenitude de Deus”.
Isso tende a dar a impressão de que é possível a nós, seres humanos, sermos
cheios com toda aquela plenitude que é Deus. O apóstolo não está dizendo
isso, como devo passar a demonstrar. Uma tradução melhor seria, como
geralmente se concorda, não “para que sejais cheio com toda a plenitude de
Deus”, e sim “para que sejais cheios para ou com respeito a toda a plenitude
de Deus.2 Traduzir assim evita aquela idéia sumamente infeliz.
morrereis (se comerdes do fruto). Porque Deus sabe que no dia em que dele
comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o
mal (versículos 4 e 5). Noutras palavras, o diabo estava insinuando que Deus
fora injusto para com o homem e a mulher; que Ele os estava mantendo em
baixa condição, porém, se comessem do fruto, viriam a ser como “deuses”
(AV), e iguais a Deus.
Talvez seja melhor tratar da questão que está diante de nós de maneira
teológica. Tradicionalmente tem sido costume, no ensino da doutrina e da
teologia cristãs, dizer que se pode dividir os atributos de Deus em dois
grupos. Certos atributos de Deus são incomunicáveis; não podem ser
comunicados. Mas certos outros atributos são comunicáveis. A vital
distinção entre os dois grupos dá-nos a chave para entendermos a nossa
frase, “para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus”. Se fosse certo
dizer que a totalidade de Deus pode habitar em nós, tudo que é próprio de
Deus seria própria de nós. Todavia os atributos incomunicáveis de Deus
tomam imediatamente claro que isso não pode acontecer.
Isto é possível graças àquilo que é próprio do Senhor Jesus Cristo. Se Cristo
habita pela fé no meu coração, segue-se que a plenitude da Deidade está em
mim pela fé. Permitam-me demonstrar que é este o caso. Referindo-se ao
Senhor Jesus Cristo, diz-nos o apóstolo em sua Epístola aos Colossenses que
“foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse” (1:19). Pouco
depois, a respeito de Cristo, ele diz: “Em quem estão escondidos todos os
tesouros da sabedoria e da ciência” (“do conhecimento”) (2:3). Toda a
sabedoria e todo o conhecimento de Deus estão ocultos em Cristo. E depois
ele vai ainda além, e diz: “Porque nele habita corporalmente toda a
plenitude da divindade” (Av: “Divindade”, com inicial maiúscula) (2:9).
Sua glória! O fulgor, a expressa imagem da Sua pessoa! Não é apenas uma
aparência, e sim a própria coisa, o resplendor da glória e da imagem de
Deus.
Ademais, neste capítulo quatro da Epístola aos Efésios, o apóstolo diz a estes
cristãos que, à luz disso tudo, eles devem “despojar-se do velho homem, que
se corrompe pelas concupiscências do engano”. “E vos renoveis”, diz ele,
“no espírito do vosso sentido; e vos revistais do novo homem, que segundo
Deus é criado em verdadeira justiça e santidade”, ou “na santidade da
verdade”, na própria santidade de Deus. Esse é o método de Paulo para
ensinar santidade. Você não poderá ser santo, se não conhecer bem a
doutrina. Doutrina é a ligação direta que leva à santidade. É somente
quando compreendemos estas verdades fundamentais que podemos atender
ao apelo lógico para a conduta e o comportamento agradáveis a Deus.
Com relação a isso, ouvi uma vez uma ilustração que achei útil para
mostrar como podemos ter a plenitude, e todavia ter mais dela. Implicava o
sopro de ar numa bexiga ou num balão. Você sopra certa porção de ar nele,
e pode dizer que ele está cheio de ar; depois sopra mais ar nele, e ele
continua cheio de ar, se bem que maior do que antes. O balão estava cheio
de ar em ambas as ocasiões, todavia ficou maior. Ou você pode pegar uma
garrafa e enchê-la de água do mar. Pode dizer que a garrafa agora está
cheia do mar. Mas você pode usar um grande tanque para fazer a mesma
coisa. Tanto a garrafa como o tanque têm uma plenitude, porém não têm a
mesma quantidade. A plenitude do mar é sempre a mesma, e a pequena
garrafa tem as mesmas características do mar em sua plenitude, como o
tanque, embora em termos de galões haja grande diferença. Assim, é-me
possível “crescer na graça” como também no “conhecimento do Senhor”.
Não significa que somos todos idênticos porque todos temos a plenitude de
Deus. Não significa que todos temos os mesmos dons. O apóstolo continua a
dizer no capítulo seguinte que há variedades — alguns são apóstolos; alguns
são profetas; alguns são evangelistas; alguns são pastores; alguns
são mestres; e assim por diante. Os dons diferem e as graças
também. Contudo Deus é sempre um, e como a plenitude de Deus está em
todos nós, somos todos um, porém não idênticos em todos os aspectos.
Dessa maneira, pode-se ter dois cristãos, um dos quais tem um brilhante
intelecto, e o outro sendo uma pessoa bem comum, sem nenhum dom
notável. Não obstante, graças a Deus, este pode ser cheio da plenitude de
Deus exatamente do mesmo modo que aquele. Esta plenitude não
transforma o homem comum num gênio de repente; ele não se toma
subitamente um brilhante escritor ou orador ou pregador ou outra coisa
qualquer. Seus dons permanecem como eram, como permanecem todas as
suas inclinações e faculdades. Mas, porque Cristo está nele, e por causa da
sua relação com Cristo, ele é cheio de toda a plenitude de Deus tão
verdadeiramente como o outro cristão. O que importa não é a quantidade, e
sim a qualidade da nossa relação com Cristo, e a nossa experiência do amor
de Cristo. Isso o eleva acima da esfera dos dons e faculdades.
A EXPERIÊNCIA DA PLENITUDE
“E conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento,
Receio que é próprio acrescentar que a Igreja não percebe isto, pois temos a
curiosa idéia de que ser prático é entregar-nos a atividades do nosso próprio
nível. Não é esse o ensino do Novo Testamento. Se realmente desejamos
fazer algo para Deus e por Cristo, então, de acordo com o ensino do Novo
Testamento, não devemos começar de imediato; primeiro devemos
certificar-nos de que somos cheios da plenitude de Deus, e do poder que,
necessariamente, disso resulta. É de presumir que o apóstolo Paulo fez mais
na Igreja e por ela do que qualquer homem que já viveu, mas nunca
esqueçamos que ele passou três anos na Arábia antes de empreender o seu
ministério. Ele não começou a agir a partir do momento em que foi
convertido. Ele não subscreveu o moderno lema: “Dê ao recém-convertido
algo para fazer”. Três anos na Arábia! Todavia, quando se retirou da
Arábia, veio cheio da plenitude de Deus e de poder. Essa é a explicação da
sua atividade vigorosa e dos maravilhosos resultados que acompanharam o
seu ministério.
servos de Deus através dos séculos. Em certo sentido, nunca houve homem
mais ocupado nem mais ativo que João Wesley antes de 1738; no entanto ele
era um completo fracasso. Mas depois, e como resultado daquela
experiência singular na Rua Aldersgate, Londres, quando seu coração
“aqueceu-se estranhamente”, todo o seu ministério mudou e logo ele se
tomou um poderoso e vigoroso evangelista. Nisso ele seguira o padrão do
Novo Testamento. Percebia que lhe faltava poder, e especialmente que lhe
faltava o conhecimento de Cristo que certos irmãos morávios tinham; de
fato achava que devia parar de pregar; e foi só depois que lhe foi dada a
certeza de que os seus pecados foram perdoados, que Deus o usou e o
empregou de maneira extraordinária.
Por isso garanto que não existe nada mais prático do que esta experiência.
O homem verdadeiramente prático não é o que está sempre alvoroçado,
ocupado, agitado, sempre correndo para lá e para cá, mas sim, é o que está
sendo usado por Deus o Espírito Santo. Ah, se a Igrej a fosse levada a
compreender isso! Este é o avivamento de que a Igreja necessita. Somente
quando ela for avivada pelo Espírito é que se tomará poderosa. Enquanto
continuarmos confiando em nossas habilidades e atividades, não serviremos
para nada. A Igreja precisa desta plenitude de Deus — a única maneira pela
qual ela poderá ser levada à verdadeira atividade prática.
Não é isso que o apóstolo pede em oração para os efésios. A fé cristã não é
um fundo de reserva a que você possa recorrer. Não é um pronto-socorro
para o qual você possa telefonar pedindo ajuda numa hora de dificuldade.
Não é algo que se possa descrever como “não examinado e quase não
utilizado”. Sabemos o que é ser “fortalecido com poder”
dominado por Deus e, assim, o que preocupava agora não era o que as
pessoas diziam e pensavam dele, e sim o que pensavam de Deus e do Senhor
Jesus Cristo.
tinha sido a sua oração, e esta fora respondida, tinha se concretizado. Mais
adiante, em Atos, vemos uma quase exata repetição do que ele dissera em
Éfeso. Certos amigos estavam insistindo com Paulo que não fosse para
Jerusalém, porque sabiam que ele seria tratado com crueldade. Entretanto
Paulo respondeu: “Que fazeis vós, chorando e magoando-me o coração?
porque eu estou pronto não só a ser ligado, mas ainda a morrer em
Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus” (21:13). Ele não tinha vontade
própria; sua vontade se absorvera na do seu Senhor; ele a entregara, e na
dEle ela desaparecera. Ele era inteiramente governado pela mente, pelo
coração e pela vontade do Senhor Jesus Cristo que habitava pela fé em seu
coração.
Gastar e ser gasto por aqueles Que ainda não conhecem o Salvador;
Com estas comoventes palavras, Charles Wesley nos conta o que ele pedia
para si em oração, e é apenas um reflexo daquilo que Paulo pedia em oração
para os efésios. Quando a plenitude de Deus habita em nós, a mente, o
coração e a vontade são subjugadas e governadas pelo Senhor Jesus Cristo.
Nalgum grau, este desejo deve estar em todo filho de Deus. Ele continua
tendo interesse por outras formas de conhecimento; entanto estas são todas
secundárias, em relação a este desejo de conhecer o Senhor. Similarmente,
há nele um instinto amoroso, bradando e clamando por satisfação. Refiro-
me não somente a conhecer o amor de Deus e de Cristo, e sim ao fato de que
um filho de Deus anela estar cheio de amor. Ele se sente infeliz se o amor
está ausente da sua vida. Com William Cowper, ele diz:
Ele anseia amar a Deus mais verdadeiramente, e amar mais a Cristo. Ele
quer ser cheio de amor a seus semelhantes, homens e mulheres. E quando lê
1 Coríntios 13, diz: meu anelo é ser assim; quero estar cheio desse amor e
ser alguém que exemplifica esse amor.
-nascido em Cristo. Se você tem que se arrastar para prestar culto a Deus, é
uma pobre criança, se é que na verdade é uma criança afinal. Examine-se a
si mesmo. Instintivamente o filho de Deus tem um anseio, um desejo de
justiça e santidade. E temos a bendita promessa de que seremos cheios, de
que o instinto será satisfeito.
Outro desejo instintivo é o anseio por ter capacidade para servir ao Senhor
e glorificar o Seu nome. O hino de Charles Wesley expressa isso
perfeitamente; era sua única e ardente paixão. Mais poderosamente ainda,
Paulo conta como era governado por isso. Na Epístola aos Colossenses,
referindo-se ao Senhor Jesus Cristo, ele diz: “A quem anunciamos,
admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem em toda a
sabedoria; para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo; e
para isto também trabalho, combatendo segundo a seu eficácia, que obra
em mim poderosamente” (1:28-29). O apóstolo sabia o que era ser movido
pelo emocionante poder de Deus mediante o Espírito Santo. De igual modo,
ele diz aos coríntios que o seu falar e a sua pregação eram em demonstração
do Espírito e de poder. Sabemos alguma coisa disso?
Permito-me dizer com toda a humildade que não há nada debaixo do céu
que seja mais bem-aventurado do que conhecer algo do poder do Espírito
Santo. Lamento por aqueles que nunca o experimentaram quando
pregavam e procuravam expor as Escrituras. Há uma diferença quase
inexprimível entre pregar com o próprio poder, e pregar com o poder do
Espírito. Isto pode acontecer também na conversação e em todas as
atividades e esforços do cristão. Quando somos cheios de toda a plenitude de
Deus, todos os nossos instintos e alvos espirituais são satisfeitos. O hino de
Johann Caspar Lavater, citado anteriormente, e que deveria ser nossa
oração diária, diz tudo:
Mas o nosso Senhor não Se contentou em dizer isso só uma vez. Ele o repete
nesse mesmo Evangelho segundo João, capítulo 6, versículo 35: “Aquele que
vem a mim não terá fome; e quem crê em mim nunca terá sede”. Você está
com fome? Está com sede? É infeliz? Não está bem? Às vezes você se vê sem
saber o que fazer na próxima hora? Você tem uma sensação de incerteza e
de perda, de vacuidade e de irresolução? Se se sente assim simplesmente
significa que você não se mantém na busca do Senhor Jesus Cristo. “Aquele
que vem a mim” significa “aquele que persevera em vir a mim”. Como é
que pode ter fome ou sede, se a própria vida, a vida de verdade, a vida mais
abundante, está dentro de você?
(versículo 19). É isso que significa ser “cheio de toda a plenitude de Deus”.
Povo cristão, conhecemos esta alegria? Isto é cristianismo! Foi para tomar
isto possível que o Filho de Deus deixou o céu, veio à terra è foi para a cruz
no monte do Calvário. Ele não morreu somente para que pudéssemos ser
perdoados e salvos do inferno. Morreu para que pudéssemos ser “cheios de
toda a plenitude de Deus” — aqui, nesta vida! Não quando vocês estiveram
mortos e tiverem passado para o céu e para a glória, mas aqui e agora!
Vamos tê-lo em maior plenitude lá, porém é para sermos completamente
cheios aqui e agora. E por isso que Paulo estava orando em favor destes
efésios. Não é um vago ideal que ele está pondo diante deles; está orando
para que eles conheçam verdadeiramente isto, exatamente como ele o
conhecia.
E ainda uma bênção em tudo que sucede E a refulgir por entre todos os
mistérios.
Ó Salvador, cumpre o meu profundo desejo E faze que minha seja esta vida
bendita.
John Ryland, pregador que viveu de 1753 a 1825, e que também conhecia
algo desta plenitude, assim a expressa:
“Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundamente além
daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a esse
glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre.
Amém. ” Efésios 3:2021
“Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundamente além
daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a
esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o
sempre. Amém.”
Com estas palavras, uma doxologia, o apóstolo termina esta notável oração
que elevou a Deus em favor dos cristãos efésios. Nada poderia ser mais
pertinente que isso, depois de uma oração como essa. Na verdade, nenhuma
outra coisa seria pertinente. Temos visto como o apóstolo foi subindo de
petição em petição, e de altitude em altitude, até que chegou ao clímax, ao
apogeu, além do qual nada é possível. Nada maior jamais poderá acontecer-
nos do que a resposta à petição que sejamos “cheios de toda a plenitude de
Deus”, e a sua satisfação. Tendo pedido isso e orado por isso, nada mais se
pode fazer, não há oração suplementar, nada mais resta, senão louvar a
Deus.
Assim o apóstolo conclui com esta doxologia, e não é surpreendente que ele
tenha sentido este desejo de louvar a Deus. Ele estivera orando para que
estes efésios fossem “fortalecidos com poder pelo Espírito no homem
interior”. Essa já é em si uma grande solicitação. Ele prosseguira, orando
para que Cristo “habitasse pela fé nos seus corações” e, então, para que
“conhecessem o amor de Cristo que ultrapassa o conhecimento”, e, acima de
tudo, para que fossem “cheios de toda a plenitude de Deus”. Em seguida,
por assim dizer, ele pára e pergunta a si mesmo que é que toma possível
tudo isso. Há somente uma resposta, é a graça de Deus. Ele já estivera
enaltecendo essa graça no capítulo dois, lembrando aos cristãos efésios que é
Deus que, “pelo seu muito amor com que nos amou”, fez isso tudo: que tudo
se deve às “insondáveis riquezas da sua graça” e à “sua bondade para
conosco em Cristo Jesus”.
Estou opinando que o apóstolo conclui com esta doxologia porque não podia
fazer outra coisa. O que ele tinha pedido para estes cristãos era um
possibilidade tão gloriosa que ele irrompe neste grandiosa hino de louvor
devoto e de adoração. Seu desejo é que toda a glória seja atribuída Àquele
que é o Autor e Doador da salvação e que é o único que merece a glória, a
honra e o louvor.
Isto não é algo que pode ser considerado de maneira puramente objetiva.
Juntamo-nos ao apóstolo de coração e sentimos esta doxologia jorrar de
dentro de nós? Receio que muito de nós mereçam a repreensão que Deus
passou aos filhos de Israel na antigüidade, no Salmo 81, quando os faz
lembrar-se do que Ele teria feito por eles se não fosse a sua incredulidade.
Diz Ele: “Ah, Israel, se me ouvísses!” Não há fim para o que Ele fará por
eles, se tão-somente derem ouvidos. “Abre bem a tua boca, e ta encherei.”
“Ah, se o meu povo me tivesse ouvido! Se Israel andasse nos meus
caminhos! ” (versículos 8,10,13). Mas eles não ouviram; temiam o inimigo, e
lhes faltava a fé para receberem estas promessas. Achavam que eles eram
grandes demais; eles hesitavam na incredulidade. Não criam na Palavra de
Deus, não criam nas promessas, e por isso vagaram e deram voltas em sua
peregrinação, como o registro nos informa, cheios de dúvida, de vacilação e
de medo, muitas vezes ficando sentados em suas tendas, com pena de si
mesmos. Que triste figura faziam! Tudo devido ao fato de que não podiam
crer nas promessas porque achavam que elas eram boas demais para
serem verdadeiras. Qual a nossa posição com respeito a elas? Qual a
nossa reação às petições que Paulo apresentou, uma após outra, e que
levaram ao grande clímax quanto a sermos “cheios de toda a plenitude
de Deus”?
Você tem dúvidas sobre estas coisas? Você crê realmente que Cristo pode
habitar pela fé em seu coração? Ele está habitando em seu coração pela fé?
Você tem sido capaz de “compreender, com todos os santos, qual seja a
largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade”, e já conheceu “o
amor de Cristo, que excede todo o entendimento”? Você
A linguagem nunca foi tão forçada e usada até ao limite extremo como nesta
doxologia. Isto porque a linguagem é inadequada. O apóstolo agora está
tentando definir o indefinível. Está tentando tomar a medida do
imensurável. Está tentando colocar em termos humanos aquilo que é
ilimitado — o absoluto! Vejam como ele empilha as palavras umas sobre as
outras. A Versão Autorizada (“Authorized Version”) 1 é muito defeituosa
aqui, e não expressa adequadamente o pensamento. Diz ela: “Àquele que é
poderoso para fazer muitíssimo mais abundantemente acima de tudo que
pedimos ou pensamos”. Contudo, o que de fato o apóstolo escreveu consiste
de um superlativo acrescido de um superlativo. Primeiramente ele diz:
“Àquele que é poderoso acima (ou além) de todas as coisas”. Poderíamos
pensar que isso era suficiente, mas Paulo não ficou satisfeito. Ele
acrescenta: “muitíssimo mais abundantemente, além de tudo que pedimos
ou pensamos”. Assim, a sentença inteira pode ser traduzida desta
maneira: “Ora, àquele que é poderoso acima de todas as coisas para
fazer muitíssimo mais abundantemente além do que podemos pedir
ou pensar”. Isto mostra a total inadequação da linguagem.
mente além do que podemos pensar. John Newton compreendeu isso, pelo
que nos concita, num dos seus bem conhecidos hinos, a parar e pensar, e a
lembrar-nos de certas coisas, antes de começarmos a orar. Não devemos
precipitar-nos com nossas petições e correr para a presença de Deus.
Precisamos fazer certas perguntas. A quem vou orar? Quem é o Ser e qual é
a verdade concernente ao Ser a quem estou prestes a dirigir-me? Newton
responde sua própria pergunta, dizendo:
Pois Sua graça e Seu poder são tais Que ningue'm pode pedir demais.
E não só isso, o poder de Deus está até além do que podemos pensar. Não se
trata de uma divisão sem distinção. Há diferença entre o que pedimos e o
que pensamos. Constantemente traçamos esta distinção na vida diária.
Falamos acerca da esfera do possível. “A política”, dizem-nos, “é a arte do
possível”; esse é o limite da sua capacidade. Há coisas das quais dizemos que
seria maravilhoso se pudéssemos tê-las, mas estão além dos limites da
possibilidade. Os homens têm pensado e escrito acerca de um ideal, um
estado perfeito, um tipo de utopia, porém num mundo como este, isso é
inatingível. Temos de restringir-nos ao que é possível. Noutras palavras, há
distinção entre o que pedimos e o que pensamos. Pomos limite a nossos
pedidos, a nossas petições reais, porque sabemos que estamos cercados e
limitados por esta idéia do possível. Não obstante, logo queremos voar em
nossas mentes e imaginações, e pensar em impossibilidades e com elas
sonhar. Subimos a um nível mais alto e, embora saibamos que tais coisas
não podem acontecer neste mundo, ainda assim podemos concebê-las e
pensar nelas. Mas o apóstolo abrange isso também. Deus não somente
pode fazer muitíssimo mais abundamente além de tudo que podemos
pedir; pode também fazer além de tudo que podemos imaginar, de tudo
que podemos pensar, de tudo que podemos suplicar com os nossos
mais elevados e mais inspirados pensamentos e imaginações.
Sigamo-lo agora, quando ele nos pede que examinemos a grandeza do poder
de Deus subjetivamente e na esfera da experiência. “Ora, àquele que é
poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que
pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera”. Com as
palavras, “segundo o poder que em nós opera”, entramos na esfera do
subjetivo. Pode-se ouvir ou ler estas descrições maravilhosas do poder de
Deus e, todavia, achar que tudo está longe e muito afastado da nossa vida e
experiência diária. Soa “bom demais para ser verdade”, algo que não pode
acontecer conosco de maneira alguma. Não somente pode acontecer, mas de
fato acontece, afirma Paulo, “segundo o poder que em nós opera”. O
apóstolo não está falando de maneira puramente acadêmica ou teórica, e
sim está apelando à nossa experiência. O poder do qual ele está falando,
assevera ele, é o poder que já está operando em nós. Isto, num sentido, é
uma prova ainda maior do poder de Deus, porque responde a todas as
objeções que possam surgir dos nossos sentimentos subjetivos. O apóstolo
resume aqui muito do que disse nesta Epístola, nos três primeiros capítulos.
É como se estivesse desafiando qualquer que, em Éfeso, estivesse duvidando
do poder de Deus, e estivesse sendo tentado a achar que Paulo estava indo
longe demais e buscando o impossível. Daí dizer ele que, em acréscimo a
todas as provas externas do poder de Deus, há outra prova, a saber, o poder
que está operando em nós.
Mais uma vez fazemos uma pausa para fazer-nos uma pergunta:
conhecemos este poder? Acaso este argumento particular sobre “o poder
que em nós opera” aplica-se a você e o convence? Você tem experimentado
esse poder concedendo-lhe nova vida? Está consciente da nova vida
vibrando em seu ser? Porventura tem consciência do Espírito santificando
você, revelando o pecado a você, “trazendo à luz as coisas ocultas das
trevas”( 1 Coríntios 4:5), explicando-lhe a Palavra de Deus, criando desejos
de santidade e de justiça no seu íntimo? Está ciente de que Deus está
lidando com você? Ele está agindo em você? Você acha e sabe que Ele pode
impedi-lo de cair? Este argumento é sem valor para todos os que jamais
conheceram a origem do poder. Mas se conhece este poder de Deus
operando em você, então deve ira adiante; deve ser lógico e dizer: o Deus
que já fez isto por mim é um Deus que fará tudo que prometeu! Não há fim
nem limite para este poder; é necessariamente infindável e eterno.
Em terceiro e último lugar, Paulo lhes pede que examinem a grandeza deste
poder como se vê e se manifesta na Igreja. “Àquele que é poderoso para
fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou
pensamos, segundo o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por
Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém”. Uma vez
mais o apóstolo faz um sumário daquilo que já tinha ensinado. Além dos
argumentos propiciados pelas provas objetivas do poder de Deus e pelas
nossas experiências pessoais e individuais dele, há outro poderoso
argumento para levar-nos à percepção deste poder de Deus. Devemos
estudar a Igreja Cristã.
Não há nada que tanto mostre o poder e a glória de Deus como a Igreja
Cristã. O apóstolo nos lembra isso, dizendo: “Para que agora, pela igreja, a
multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades
nos céus” (3:10). E a sabedoria é exposta mediante o poder. O apóstolo já
utilizara este argumento no capítulo primeiro, quando ele ora para que os
efésios conheçam “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que
cremos”. Este é, diz ele, o “poder que (o Pai) manifestou em Cristo,
ressuscitando-o dos mortos, e pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo
o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se
nomeia, não só neste século, mas também no vindouro; e sujeitou todas as
coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja,
que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”
(versículos 19 a 23). Paulo está apenas repetindo isso aqui, como gosta de
fazer em toda parte.
Não há nada que dê tanta glória a Deus como a Igreja Cristã. Deus
manifestou o Seu poder quando disse: “Haja luz”, e houve luz!
As montanhas, os rios e o furioso mar, os raios e os trovões,
proclamam todos a Sua glória. “Os céus manifestam a glória de Deus e o
firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Salmo 19:1). Mas não há nada
que tanto proclame a glória de Deus como a Igreja Cristã, o corpo cuja
Cabeça é Cristo, nada é tão maravilhoso como o fato de que homens e
mulheres, como eu e vocês, homens e mulheres envoltos, perdidos e mortos
em pecado, haveríamos de tomar-nos membros do corpo de Cristo.
Aqui temos a mais grandiosa manifestação da glória de Deus. Assim, não
é surpreendente que o apóstolo diga: “A esse glória na igreja, por
Jesus Cristo”. É tudo “por Jesus Cristo”, e é tudo por intermédio
dEle. Estamos nEle, Somo “membros do seu corpo, da sua came e dos
seus ossos”. O Filho glorifica o Pai, e o Filho é glorificado em nós. É o
que Ele diz em Sua oração ao Pai, antes de sofrer (AV): “Neles
sou glorificado” (João 17:10). Ele glorificou o Pai, e nós, estando “nEle” e
na Igreja, também contruibuímos para a glória do Pai. Que
quadro maravilhoso!
Isso nos leva à frase final em que, de novo, o apóstolo parece estar fora de si
próprio, e empilha adjetivo sobre adjetivo e superlativo sobre superlativo.
De novo a Versão Autorizada é inadequada, com a sua expressão, “A ele
seja a glória na igreja por Cristo Jesus, através de todas as eras,
etemamente”. O que Paulo de fato escreveu deveria ler--se: “A ele seja a
glória na Igreja para todas as gerações, da era das eras”. Nada se pode
acrescentar a isso! “Todas as gerações." De quê? “Da era das eras.” Que é
“a era das eras”? Não existe era para as eras; é a era das eras, era sobre era
sobre era, para sempre e sempre, um número infinito de eras.
Notem o que Paulo diz. A Igreja existirá para todo o sempre. Eu e você
existeremos, para todas as gerações da era das eras. Os principados e
poderes nos lugares celestiais olharão para nós com espanto e admiração e,
ao ver-nos, atribuirão a Deus toda a honra e a glória e a majestada e a força
e o domínio e o poder. É em nós, na Igreja, que eles vêem a glória e a
sabedoria de Deus, como não as vêem em nenhum outro lugar. Estaremos
assim manifestando a glória de Deus para todo o sempre, “para todas as
gerações da era das eras”. Tal é o poder de Deus. Enquanto estivermos neste
mundo, é um poder suficientemente grande para livrar-nos de cair. A
doxologia de Judas nos leva a lembrarmos dAquele “que é poderoso para
nos guardar de tropeçar”, e a Ele nos encomenda. Mas Ele não é somente
poderoso para guardar-nos e manter-nos; também é poderoso para
“apresentar-nos irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória”. Não
admira que Judas acrescente: “Ao único Deus, Salvador nosso, por Jesus
Cristo, nossos Senhor, seja glória e majestade, domínio e poder, antes de
todos os séculos, agora, e para todo o sempre. Amém” (versículos 24 e 25).
A UNIDADE CRISTA
Exposição sobre Efésios 4:1-16
D. M. Lloyd-Jones
Título original:
Christian Unity
Editora:
1980
Copyright:
Lady E. Catherwood
Tradução do inglês:
Odayr Olivetti
Revisão:
1994
Composição e impressão:
Imprensa da Fé
ÍNDICE
(Efásios 4:1-16)
PREFACIO
E igualmente correto dizer que nenhum assunto causou tanta confusão nas
mentes e nos corações dos membros das igrejas.
Fosse meramente uma questão de organização, não seria tão grave; mas,
como o mostra a exposição desta passagem chave, de Efésios 4:116, ela
envolve doutrinas vitais. Geralmente o problema surge porque os defensores
do que se conhece como “o movimento ecumênico” se contentam em fazer
declarações gerais e vagas - muitas vezes sentimentais - ou em salientar uma
parte de uma declaração, em vez do todo. Por exemplo, no versículo 15, dá-
se ênfase exclusivamente ao amor, à custa da verdade.
Só posso orar para que este estudo seja abençoado por Deus para ajudar
muitos cristãos perplexos e confusos.
D. M. Lloyd-Jones
Efésios 4:1-16
1. Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação
com que fostes chamados,
8. Pelo que diz: subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos
homens.
9. Ora, isto - ele subiu - que é, senão que também antes tinha descido às partes
mais baixas da terra?
10. Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus,
para cumprir todas as coisas.
11. E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores.
16. Do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas,
segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua
edificação em amor.
“PORTANTO”2
“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação
com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com
longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a
unidade do Espírito pelo vínculo da paz. ” Efésios 4:1-3
A primeira seção, que consiste dos três primeiros capítulos, foi inteiramente
doutrinária. O apóstolo esteve desdobrando e demonstrando, à sua
maravilhosa maneira, as grandes doutrinas essenciais da fé cristã, tudo
aquilo que é central e vital para a compreensão do meio de salvação. Não há
maior exposição das doutrinas da fé cristã do que a que se acha nos três
primeiros capítulos desta Epístola. Pois bem, havendo feito isso, o apóstolo
agora parte para a aplicação prática da sua doutrina; vai mostrar como a
doutrina se relaciona com a vida e também com o modo de viver diário.
Assim, estamos num ponto sumamente importante desta Epístola, um ponto
que marca uma divisão muito real.
doutrina e prática. Os que pensam que podem fazer isso é que sempre ficam
sem as glórias da fé cristã.
O meio de que Paulo se utiliza para fazê-lo é a palavra “pois”, e tudo o que
me proponho a fazer no momento é extrair algumas das coisas sugeridas
por essa palavra. “Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor.” “Pois” é uma
palavra que, de maneira muito prática, diz-nos como ler as Escrituras. O
predominante princípio, como estive indicando, é que nunca devemos
escolher textos aqui e ali em nossa leitura das Escrituras. Devemos ler as
Escrituras completas, cada parte das Escrituras. Instintivamente não
gostamos de fazer assim; temos as nossas passagens favoritas; há certos
salmos ou certas porções das Epístolas do Novo Testamento ou certos
quadros dos Evangelhos nos quais nos deleitamos e que sempre nos
comovem quando os lemos. A tendência e o perigo é estarmos sempre
voltando a essas porções. Esse é, porém, o caminho aberto para o
desenvolvimento de uma vida e experiência cristã desequilibrada e
truncada. Nossa regra invariável para com a Bíblia deve ser a seguinte: lê-la
de Gênesis ao Apocalipse, lê-la constantemente e totalmente, sem deixar
nada de fora, mas seguindo-a e sendo dirigidos por ela. Se cremos que ela é
a Palavra de Deus, que tudo nela é a Palavra de Deus, segue-se que há
sentido e significado em
cada parte dela, nas porções históricas e nas genealogias bem como nas
porções explicitamente doutrinárias. Portanto, devemos percorrê-las todas e
lê-las todas, procurando captar o sentido de tudo.
Podemos expor isso de mane ira diferente. Não há nada tão perigoso como
extrair certos versículos e certos parágrafos das Escrituras, arrancá-los do
seu contexto, e só examiná-los isoladamente. Há o perigo de fazer isso no
caso do capítulo três desta Epístola. Mas a palavra “pois” proíbe isso e
insiste em que devo aplicar esse ensino e prosseguir. Não devo isolar essa
grande passagem, devo desenvolvê-la, devo considerar o que leva a ela e o
que se lhe segue. Embora possa haver algum valor em afixar textos nas
paredes de nossas casas ou em ler uma coleção de textos de um livro como
Luz Diária (“Daily Light”), jamais nos esqueçamos de que tais práticas
podem ser perigosas, porque há um equilíbrio nas Escrituras, e o contexto
de cada versículo é sempre importante. Precisamente esta seção que
estamos examinando ilustra e salienta a importância daquilo que estou
acentuando. É a pura verdade dizer que a maioria das heresias que
têm pertubado a Igreja através de toda a sua longa história surgiu
porque homens e mulheres esqueceram este princípio simples. Tomaram
um texto fora do seu contexto, e dele formularam uma doutrina. Se tão-
somente eles o tomassem em seu contexto, seriam poupados do erro que
abraçaram. Lembremo-nos, então, de que esta palavra pois faz-nos pensar
na totalidade das Escrituras, na importância de tomá-las em sua inteireza, e
da loucura de isolar textos ou parágrafos do seu cenário no conjunto maior.
A segunda questão é até mais importante, a saber, que esta palavra pois é
uma conjunção que nos leva adiante, e nos indica a vida que devemos viver
à luz das doutrinas que já consideramos. Vocês verão - e isto é um princípio
geral - que em todas as Epístolas, num ponto correspondente a este, vocês
têm geralmente esta palavra “pois”. Elas começam invariavelmente com as
doutrinas fundamentais. Depois, havendo feito isso, elas dizem: “Portanto” -
à luz disso, por causa disso, segue-se. Como esta é uma questão claramente
vital e básica, devo analisá-la mais amplamente. Há sempre o perigo - e este
afeta mais umas pessoas do que outras - de esquecer que o cristianismo
é, acima de tudo, um modo de vida e um modo de viver. Naturalmente há
certas pessoas que só dão ênfase a isso, e que nada sabem de doutrina e não
se interessam pela doutrina. Tais pessoas consideram o cristianismo como
um sistema de moralidade ou ética. Mas, ao contrário, estou tratando com
pessoas de mentalidade evangélica firme, cujo perigo é ficar somente com a
doutrina.
por Deus mentes acima da média, talvez, e elas gostam de ler, estudar,
arrazoar e manejar as grandes verdades e doutrinas. Seu perigo particular é
passar todo o tempo com doutrina e deter-se na doutrina. Elas lêem as
porções doutrinárias destas Epístolas e depois, tendo chegado ao fim de um
trecho como Efésio, capítulo 3, inclinam-se a dizer: “Naturalmente, o
restante é aplicação prática, que é óbvia; isso eu sei”. E assim não
continuam a leitura; ficam só nas doutrinas. Lêem livros sobre doutrina e
teologia. Isso é excelente, é claro, e muito desejável. Todavia, pode ser a
própria armadilha do diabo. Houve igrejas, denominações e grupos na
passada história da Igreja, que gastavam o tempo todo discutindo,
argumentando, e salientando certas doutrinas, mas esqueciam os incrédulos
ao seu redor. Deixavam de transformar as doutrinas em prática, ficavam tão
absorvidos em seu interesse pelas doutrinas, que até brigavam uns com os
outros e, desse modo, negavam as doutrinas em que acreditavam. A
doutrina vem primeiro, porém não devemos deter-nos na doutrina.
Há outro grupo cujo perigo é ficar só com a experiência. Eles lêem, por
exemplo, os versículos finais do capítulo três de Efésios que descrevem a
tremenda possibilidade de conhecermos o amor de Cristo de maneira
experimental e de termos os nossos corações emocionados e arrebatados
pelas manifestações do Seu amor, e de sermos cheios da plenitude de Deus, e
eles acham que nada mais importa, que nada mais conta. Há pessoas que
figuraram na história da Igreja e que passaram todo o tempo das suas vidas
buscando experiências. Foi esse, num sentido, o perigo dos monges e
eremitas; e tem havido muitos monges e eremitas evangélicos! Houve
pessoas com inclinação mística que virtualmente saíram do mundo, por
assim dizer, e procuravam estas experiências e manifestações do amor de
Deus, e ficavam tão preocupadas com essas questões que não faziam mais
nada. O homem que só se interessa pela doutrina, e o homem que só se
interessa pelo tipo místico de experiência, estão igualmente negligenciando
esta importante palavra “portanto”. Esta palavra nos salvaguarda de todos
esses perigos.
Vemos esta mesma verdade noutra exposição feita por Paulo em sua carta a
Tito. Ele está escrevendo acerca do Senhor Jesus Cristo e da Sua morte na
cruz, e diz: “O qual se deu a si mesmo por nós”. Mas na seqüência ele não
diz que o propósito do Senhor era que ele tivesse alguma experiência
estranha, extática, e sim “para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar
para si um povo seu especial, zeloso de boas obras” (2:14). Na verdade o
Senhor já dissera isso, com as palavras: “Se sabeis estas coisas, bem-
aventurados sois se as fizerdes” (João 13:17). Conhecer doutrina é uma
questão muito responsabilizante; ter
A vida não estava na chuva; não estava na luz do sol; estava na semente e
nos pequeninos rebentos. O valor do sol e da chuva é que eles fornecem um
estímulo ao crescimento. Eles o incentivam e o promovem. A vida já estava
na semente. Precisamente a mesma coisa pode-se dizer da experiência que
temos na vida cristã e do nosso entendimento da doutrina. As experiências
promovem a santificação. Quando estou perto do Senhor e cônscio da Sua
presença, não quero pecar. Quando sinto o Seu amor, o pecado é-me odioso
e detestável. Compreender realmente a doutrina tem o mesmo efeito. As
experiências e o conhecimento estimulam, promovem e encorajam; mas a
santificação mesma não é uma experiência. É resultado da vida que recebi e
do conhecimento que tenho; é algo que, à luz disso tudo, eu devo começar a
pôr em prática. “Operai a vossa salvação com temor e tremor ; porque (por
causa do fato de que) Deus é o que opera em vós tanto o querer como o
efetuar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2:12 e 13).
Diz o apóstolo que lhes está rogando, está instando com eles, com o fim de os
estimular. Não lhes está dizendo apenas que tudo que eles têm que fazer
agora, à luz das grandes doutrinas, é simplesmente “olhar para o Senhor”.
Ele poderia ter concluído a sua Epístola rapidamente neste ponto, se
acreditasse em tal ensino concernente à santificação. Não haveria
necessidade de mais três longos capítulos. Simplesmente teria que escrever:
“Pois bem, agora, à luz de tudo isso, tudo que vocês têm que fazer é olhar
para o Senhor e deixá-10 viver a Sua vida em vocês; é muito simples, vocês
simplesmente não fazem nada, vocês olham para o Senhor, e Ele viverá a
Sua vida em vocês”.
Entretanto, não é o que o apóstolo diz; em vez disso, lemos: “Rogo-vos, pois,
eu, que andeis como é digno...” O ensino que nos assegura que não temos
que fazer nada, senão receber a santificação como um dom, isto é, apenas
deixar Cristo viver Sua vida em nós, deixa de lado as Escrituras, elimina
seções completas das Escrituras. Nos três capítulos, deste ponto em diante,
até o fim da Epístola, vocês vêem que o apóstolo entra em detalhes. Ele diz
coisas como: “Aquele que furtava, não furte mais”, ele nos concita a evitar
“parvoíces” e “chocarrices”. Ele entra em detalhes, ele exorta os efésios,
repreende-os, ordena-lhes, apela para eles, argumenta com eles, lança os
seus grandes imperativos. Ele o faz porque esse é o ensino do
Novo Testamento sobre a santificação. É o desenvolvimento, a
vivência dinâmica, pelo poder que Deus nos dá e que já está em nós, da
doutrina em que cremos e das experiências que temos desfrutado de
Suas bondosas mãos. E espantoso que alguém possa extraviar-se quanto
a isto; pois o nosso Senhor mesmo expõe a verdade claramente no capítulo
17 de João, onde Ele ora: “Santifica-os na verdade: a tua
O apóstolo dá-nos também razões pelas quais isso deve ser assim. Para isso
fomos chamados, e essa é a razão pela qual tudo o que nos aconteceu, de
fato nos aconteceu. Leiam de novo os três primeiros capítulos desta Epístola
- “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”. Você crê
nisso, meu amigo? Se crê, o “portanto” forçosamente virá logo à sua mente.
Tudo em você o fará ansiar por ser digno disso e por elevar-se a isso. Ou
vejam o versículo dez do capítulo primeiro: “De tomar a congregar em
Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que
estão nos céus como as que estão na terra”. Você crê que é propósito de
Deus em Cristo reunir nEle todas as coisas? Se crê, você dirá: “Não devo
fazer nada que se oponha a esse propósito, mas devo fazer tudo para ajudá-
lo e para amoldar-me a ele.” Você crê no que Deus nos diz no versículo
catorze do mesmo capítulo, onde Ele afirma que o Espírito é também “o
penhor da nossa herança para redenção da possessão de Deus”? Você crê
que Deus fez de você um herdeiro e co-herdeiro com Cristo, e que você vai
receber aquela gloriosa herança? Se crê, então você concordará com a
lógica do apóstolo João, como também com a do apóstolo Paulo, e dirá: “E
qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também
ele é puro (1 João 3:3).
“Rogo-vos, pois, eu, o preso do senhor, que andeis como é digno da vocação
com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com
longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a
unidade do Espírito pelo vínculo da paz. ” Efésios 4:1-3
Começamos, pois, com a descrição geral que Paulo faz do caráter da vida
cristã: “Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da
vocação com que fostes chamados”. Se tão-somente soubéssemos o que
significam estas palavras, a maioria dos nossos problemas seria resolvida
imediatamente. Outra e melhor tradução o expressa assim: que andeis como
é digno do chamamento com que fostes chamados. Há um sentido em que
“vocação” significa “chamamento”, mas nestes tempos desenvolveu-se um
sentido ligeiramente diferente, que pode fazer-nos extraviar.
lado prático das suas vidas, porém depois os concita a mostrarem a mesma
diligência na questão de captarem as doutrinas da fé, e especialmente a da
completa certeza da esperança, até o fim. Aqueles cristãos hebreus estavam
em dificuldade porque tinham deixado de manter o equilíbrio entre a
doutrina e a prática; não estavam sendo “dignos” da vocação. ^
Estou ciente de que a arte moderna se deleita nesse tipo de coisa. Vê-se a
mesma coisa em muita música moderna, assim chamada, que despreza a
melodia e tem prazer na cacofonia, nos contrastes e nas discordâncias. Mas
isso é perversão, não arte. A arte verdadeira sempre tem beleza, porque
sempre tem como seu centro a idéia de equilíbrio e de congruência. Não há
beleza verdadeira fora disso. Isso
tem sido reconhecido através dos séculos; portanto, estejamos cientes dessas
perversões modernas. Agora o apóstolo está utilizando essa espécie de
quadro descritivo: “Seja o vosso andar”, diz ele, “como convém à vocação
com que fostes chamados.”
Assim, o ensino do apóstolo é que o modo pelo qual devemos viver a vida
cristã, é, primeiramente, lembrar sempre que fomos chamados para ela,
chamados das trevas, chamados para a luz. O apóstolo estivera salientado
esta idéia desde o começo da Epístola. No capítulo primeiro ele dissera:
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; como
também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos
santos e irrepreensíveis diante dele em caridade; e nos predestinou para
filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de
sua vontade” (versículos 3-5). No capítulo dois fizera os seus leitores
lembrar-se disso: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e
pecados” (vers. Is), e assim por diante. Agora, todavia, mais uma vez ele
retorna a isso, outra vez e renovadamente. Estou interessado em acentuar
que este é, de todos, o maior motivo para a santificação. A principal
razão pela qual devemos viver uma vida de pureza e de santificação é
que somos “os chamados”. Certamente não é correto pecar, e é correto viver
a vida cristã, e estas coisas são boas em si e por si, mas primariamente
devemos viver uma vida santa porque fomos “chamados” para isso.
4). Deus nos chamou não apenas para que não fôssemos para o inferno, e
não somente para que soubéssemos que os nossos pecados estão perdoados;
Ele nos escolheu “para sermos santos”, e para sermos “irrepreensíveis
(“inculpáveis”, VA) diante dele em amor”. Não temos direito de argüir ou
questionar ou pôr em dúvida. Essa é a vida para a qual Ele nos chamou.
somente filho de Deus, sou herdeiro e co-herdeiro com Cristo. Lemos sobre
pessoas que foram preparadas para certas coisas e instruídas nos costumes,
conduta, procedimentos e comportamento antes de apresentar-se à corte ou
de tomar parte nalgum grande acontecimento. Assim devemos viver, como
sempre lembrados de que vem o dia em nossas vidas em que seremos
levados à presença de Deus. “Ora, àquele”, diz Judas, “que é poderoso para
vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria,
perante a sua glória...” (vers. 24). Devemos viver como apercebidos de que
vamos para a glória. E tendo sido apresentados, receberemos a nossa
recompensa e entraremos em nossa herança. Esta vem - “a possessão
adquirida”. Desta só recebemos as primícias e o antegozo neste mundo;
todavia depois a receberemos em plenitude.
2
Empregaremos os termos “portanto” e “pois” um pelo outro, conforme o contexto. Nota do tradutor.
3
Almeida, Atualizada: “Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho...”; Revista e Corrigida:
“Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho...”; Tradução Brasileira: semelhante à
tradução de Almeida; Figueiredo: “Somente vos recomendo que vos porteis conforme o evangelho...”.
Nota do Tradutor.
GUARDANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO
tempo, enviar o Seu Filho unigênito à este mundo. Foi para “tornar a
congregar (ou para reunir) em Cristo todas as coisas, na dispensação da
plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na
terra; nele...”. Este é o principal objetivo do plano divino de salvação. O
pecado é uma força dilacerante. O pecado sempre divide, sempre separa,
sempre despedaça. Divide o homem dentro de si e contra si mesmo. Produz
sempre a luta e o conflito de que todos estamos cientes em nossas vidas. Há
o constante problema do bem e do mal, do certo e do errado; farei? Não
farei? O pecado também produz divisão entre homem e homem; leva à
inimizade, à guerra e à discórdia. O mundo foi destroçado pelo pecado.
caro senhor, que dizer dos capítulos 1 a 3 da Epístola aos Efésios? Não sei de
nenhuma unidade, exceto a que provém e brota das grandes doutrinas que o
apóstolo estabelece naqueles capítulos”. Qualquer que seja essa unidade,
somos compelidos a dizer que ela deve ser teológica, deve ser doutrinária,
deve basear-se num entendimento da verdade.
Além disso, esta unidade só pode ser entendida a medida que a obra do
Espírito Santo é entendida. Se nos faltar um correto entendimento
com todos vós. Amém” (13:13). Onde reina o Espírito, ali há unidade.
Mas notem mais um acréscimo feito pelo apóstolo! “...com toda a humildade e
mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor”. Se
você, irmão, amar as pessoas, será longânimo e paciente para com elas porque de
coração se interessará por elas. Você não estará tão interessado em mostrar que
você está certo e que elas estão erradas. Você desejará que elas estejam certas
como você. Você as ama e se interessa por elas, e se preocupa com elas; e por
causa disso
você é paciente com elas. Se você ama uma criança, será paciente com ela. Ela
poderá fazer a mesma pergunta mil vezes, mas você continuará respondendo
pacientemente. Você faz algo, e a criança diz, “Faça de novo”, e você faz, e torna
a fazer, até ficar quase exausto. Você até gosta de fazê-lo, embora esteja quase
sofrendo colapso físico. É porque você ama a criancinha. Esta não sabe, não
entende; e seria muito errado esperar que entendesse, naquela idade. Você desce
ao nível dela, veste o avental, põe-se de joelhos para identificar-se com ela. E, se
você a ama, fará isso com prontidão e com alegria.
O CORPO DE CRISTO
Com estas palavras o apóstolo Paulo começa a dar-nos uma grande razão, uma
incontestável razão pela qual devemos, “com toda a humildade e mansidão, com
longanimidade, suportando-nos uns aos outros em amor, procurar (esforçar-nos
diligentemente para) guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Na
verdade, nestes três versículos ele introduz uma das suas grandes declarações
relativas à doutrina da Igreja Cristã. Este será o seu assunto até o final do
versículo
16.
Nestes três versículos ele o faz de maneira muito interessante. Ele joga com a
palavra “um” - “um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados
em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só
batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em
todos”. Ele repete a palavra um(a), e com isso estabelece este princípio da
unidade essencial da Igreja.
Outro ponto sumamente importante é que cada um dos três grupos é disposto ao
redor das pessoas da Trindade bendita e santa. Os três primeiros referem-se ao
Espírito Santo. Os três seguintes referem-se ao Senhor Jesus Cristo, o Filho. E
finalmente temos Deus o Pai. Ver o significado disto é o único modo pelo qual
podemos captar esta doutrina da unidade e ver a sua importância em nossa vida e
em nosso viver diários. No momento em que vemos isso, somos retirados
do nosso desprezível e mórbido interesse próprio e somos levados a postar-nos
face a face com a santa e bendita Trindade, Três em Um, Um em Três. A Igreja é
um reflexo e uma manifestação da Trindade santa e bendita.
onde estamos, habitados pelo Espírito, por meio do único e exclusivo Mediador,
para Deus o Pai. O método dele é prático e experimental; ele não está
interessado numa doutrina seca como o pó, algo remoto e distante; ele nos
encontra onde estamos. Ele nos mostra que estamos onde estamos e que somos o
que somos devido à obra do Espírito; todavia o Espírito nunca teria vindo, nunca
nos teria sido enviado e dado, não fosse pelo Filho e pelo que Ele fez. E o Filho
nunca teria vindo, não fosse que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu
o seu Filho unigênito”. Isso é total e intensamente prático. Como cristãos, não
somos deixados a nós mesmos. O Espírito Santo está em nós e nos leva ao Filho.
Ele nos ensina a orar, pois “não sabemos o que havemos de pedir como convém,
mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Romanos
8:26). E Ele nos leva ao Filho; e, como nosso Mediador e grande Sumo
Sacerdote, o Filho nos apresenta ao Pai.
Examinemos esta unidade como deve ser vista em conexão com o Espírito Santo
e a Sua obra. Esse é o tema do versículo quatro. Com o seu desejo de ser prático,
a primeira coisa que o apóstolo faz é lembrar-nos do que somos como membros
da Igreja. Ao fazê-lo, ele usa esta analogia do corpo - “um só corpo”. Um exame
cuidadoso das Epístolas de Paulo nos levará à conclusão de que essa era a
sua ilustração favorita quando tratava da doutrina da Igreja. Ele tem
outras ilustrações, como se pode ver nos primeiros capítulos desta Epístola. No
capítulo 2 ele compara a Igreja com um grande império -“concidadãos dos
santos”. Diz ele também que os cristãos são “membros da família de Deus”. Não
só isso, a Igreja é como um edifício, “Edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e dos profetas”. Mais
Ele já utilizara esta ilustração duas vezes nesta Epístola. Ele o faz no fim do
capítulo primeiro, onde escreve, “E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre
todas as coisas o constituiu como cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. Ele o repete no capítulo dois,
com as palavras, “e pela cruz reconciliou ambos com Deus em um corpo,
matando com elas as inimizades” (versículo 16), e, em sua declaração sobre
fazer dos dois um novo homem, ele está realmente usando a mesma ilustração
(versículo 15). Nesses exemplos ele apenas o menciona de passagem, mas aqui
ele o expõe. Com freqüência tenho comparado o método de Paulo com o de um
compositor musical, que no prelúdio sugere os seus temas, e não faz mais que
sugeri-los. Mas depois, no corpo da obra, ele toma as sugestões, dá-lhes trato e
as desenvolve mais detalhadamente.
Que é que o apóstolo quer dizer com a sua referência à Igreja como “um só
corpo”? Esta é uma pergunta muito importante, e especialmente nos dias atuais,
com todo o interesse que há pela unidade da Igreja e pelo ecumenismo. E
certamente óbvio que Paulo se refere necessariamente à Igreja mística, invisível
e espiritual. Não pode significar a Igreja visível e externa pelo bom motivo de
que a Igreja visível e externa consiste de muitos corpos, de uma multiplicidade
de corpos. Portanto, não era nisso que o apóstolo estava pensando. Pensava
na Igreja essencial, na Igreja mística, que é invisível, o corpo místico de Cristo.
A incompreensão deste princípio muito importante do Novo Testamento levou a
muitas tragédias na história da Igreja. Por não compreender isso, a igreja católica
romana se diz a única igreja verdadeira e afirma que todas as outras igrejas
visíveis não são igrejas. E houve outros que faziam a mesma afirmação,
deixando completamente de entender o caráter místico, interno, invisível da
Igreja verdadeira e essencial. Portanto, o apóstolo está asseverando que
há unicamente uma Igreja verdadeira. Não podem existir muitas porque a Igreja
é o corpo de Cristo, e um homem não pode ter muitos corpos; há somente um.
Há uma só Igreja mística e perfeita, invisível e espiritual. Há somente um corpo.
Esta Igreja consiste de pessoas de todos os tipos, espécies e cores, de muitos
continentes e climas. Mas essas diversidades não fazem diferença para esta
Igreja, invisível,
Da mesma maneira, o tempo não faz diferença para este fato. Os cristãos
primitivos estão neste corpo. Os mártires da Reforma estão neste corpo. Os
puritanos, os pactuários, os primeiros metodistas, todos eles estão neste corpo; e
eu e vocês estamos neste corpo, se estamos verdadeiramente em Cristo. A Igreja
transcende os séculos. As habilidades naturais não desempenham nenhum papel
nesta questão. Não importa o que você seja, ignorante ou de grande potencial
de conhecimento, inteligente ou deficiente em suas faculdades, grande
ou pequeno, rico ou pobre. Todas estas coisas não passam de insignificâncias;
este corpo é um só. É a Igreja de todas as eras - a plenitude do povo de Deus. E o
corpo único, é a Igreja invisível, mística. A única coisa que, em última instância,
importa para cada um de nós é que pertençamos a este corpo. Podemos ser
membros de uma “igreja” visível, e, lamentavelmente, não ser membros desta
Igreja mística e invisível. O Novo Testamento ensina isso. Ser membro de
uma “igreja” visível pode sertão inútil como a circuncisão o era nos dias
da Igreja Primitiva. A única coisa que importa é que sejamos achados nesta
Igreja mística, invisível, espiritual que, somente ela, é o corpo de Cristo.
Há certas coisas que devemos entender sobre esta “Igreja invisível, mística”, e
evidentemente Paulo achava que essa figura, essa analogia do corpo, as
comunica bem. A melhor maneira de compreendermos este ensino é considerar o
que o apóstolo diz no capítulo doze da sua Primeira Epístola aos Coríntios, onde
ele trata disto de maneira exaustiva. A primeira coisa que emerge é o caráter
orgânico da unidade que há na Igreja. A Igreja é uma nova criação, e, ao trazê-la
à existência, Deus fez uma coisa tão inteiramente nova como a criação do
universo. Ele não tomou simplesmente um judeu e um gentio e os juntou algo
assim como uma espécie de coalizão, e os fez sentar-se juntos a uma mesa e os
levou a um acordo de amizade mútua. Não! A Igreja é uma nova criação. Ela
não é uma coleção de partes. O antigo foi destruído, já não há mais judeu e
gentio. Essa distinção é eliminada por este corpo. Houve uma destruição antes de
haver uma nova criação. Fomos libertos das coisas que nos separavam antes de
Deus “criar dos dois um novo homem”.
Isto se pode ver claramente na analogia do corpo. O corpo consiste de dez dedos
nas mãos, dez nos pés, duas mãos, dois pés, duas pernas, dois braços, e assim
por diante. No entanto, o corpo não é uma coleção dessas partes; e nenhuma
delas foi criada independente ou separada-
mente e depois colocada junta com as outras. Não é assim que o corpo se
desenvolve e vem à existência. Como dissemos antes, tudo parte de uma célula
que começa a desenvolver-se e a crescer, e pequenos filamentos germinam. Um
destes filamentos será o antebraço direito, o braço e a mão; outro formará o
mesmo no lado esquerdo. Então o filamento que forma o tronco desce, e as
pernas se formam, provenientes do tronco. E tudo vem da célula original
primitiva. As partes nunca tiveram existência independente; todas são rebentos,
produtos desta célula central primitiva. E por isso que há uma unidade
essencial no corpo.
Ambas estas verdades devem ser salientadas. Todo ensino que apresenta os
membros da Igreja manifestando uma nebulosa uniformidade é antibíblico. Há
variedade na unidade essencial. Vejam um dedo e comparem-no com um olho. A
princípio não parece haver nada em comum. O dedo parece muito comum. Mas
depois considerem o olho. As vezes penso que não há no mundo nenhum
instrumento comparável ao olho. Pensem em sua delicadeza, sua sutileza, o
refinamento, o
equilíbrio, a ternura - que instrumento! À primeira vista parece não haver relação
nenhuma entre um olho e um dedo, ou um pé, ou outras partes do corpo ainda
menos elegantes. E, contudo, a verdade é que, embora todas elas sejam tão
diferentes, pareçam diferentes e cumpram funções diferentes, são todas uma só
coisa, neste sentido essencial de que todas pertencem juntas ao corpo e são
partes essenciais deste. O corpo não é completo se tão-somente uma dessas
partes não estiver ali. Diverso e, todavia, um só!
A seguir examinem o seu argumento sobre as partes menos honrosas. Diz ele
que, se você tiver um correto conceito sobre o corpo, não desprezará nenhuma
parte do seu corpo. Nenhuma parte é destituída de importância. Cada uma das
partes conta. Cada membro individual da Igreja é importante. Pessoas há na
Igreja que às vezes dizem, “Não sou um membro muito importante”, ao que
replicamos que não existe isso de membro não importante. O que talvez elas
queiram dizer é que não têm certos dons notáveis e incomuns que outras pessoas
têm. Talvez queiram dizer que não têm capacidade para falar ou pregar ou orar
eloquentemente em público. Mas estão desprezando o dom que possuem. “E os
que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais”,
diz Paulo. Na vida da Igreja Cristã cada membro é essencial para o harmonioso
funcionamento do todo. Às vezes o exponho desta maneira, que o simples fato
de você ser membro de uma igreja e de ocupar um assento, já é uma grande
coisa. Isto ajuda o pregador porque para este é desanimador ter bancos vazios em
sua frente. Na igreja, pessoas e ações, tudo importa; e, portanto, qualquer coisa
que façamos para eliminar esta idéia de interdependência, não somente falseia a
doutrina, mas introduz uma divisão artificial, fazendo-nos culpados de cisma
desta ou daquela forma.
Outro princípio evidente é que todas as partes do corpo trabalham juntas com a
mesma finalidade e têm o mesmo objetivo. Cada parte do corpo tem sua própria
função, pois desempenha o seu papel no todo. O homem pensa com o seu
cérebro e age com a sua vontade. Entretanto, precisa ter um instrumento pelo
qual executar o seu propósito. Se eu quero fechar um livro, faço isso com as
mãos ; penso nisso, quero isso, porém o ponho em prática com as mãos. Se estou
sem mãos e sem braços, não posso fechar o livro. Assim, todas as
partes cumprem uma grande função, e todas elas trabalham para o
mesmo grande fim e objetivo. A Igreja é o corpo de Cristo, e nós
somos membros em particular. O apóstolo já dissera aos efésios que é
por intermédio da Igreja que Deus vai revelar certas coisas, “para que agora, pela
igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e
potestades nos céus” (3:10). Os principados e potestades estão olhando desde os
céus; e é por meio da Igreja, por meu intermédio e por meio de você, de cada um
de nós, de todos nós juntos, que estes principados e potestades estão começando
a entender a multiforme sabedoria de Deus. É para isso que somos chamados.
“UM SÓ ESPÍRITO”
Podemos deduzir desta certas outras verdades que também nos ajudarão a expor
e a ressaltar a indivisibilidade, e, portanto, a unidade da Igreja. Posto que se trata
do próprio Espírito Santo, e devido à obra ser obra que Ele realiza, temos o
direito de dizer que Ele sempre realiza a mesma obra; e é porque Ele realiza a
mesma obra em nós todos, que há esta unidade essencial na Igreja. Não devemos
entender mal o ensino neste ponto. Há diferenças insignificantes e superficiais
nas manifestações da Sua obra, porém toda ela é essencialmente uma só. Muitas
vezes tem-se assinalado que não existem duas flores absolutamente idênticas.
Elas pertencem à mesma família, ao mesmo grupo, à mesma espécie, mas não há
duas que sejam perfeitamente idênticas. Você pode ter duas tulipas, por exemplo.
Ambas são tulipas, todavia sempre há alguma pequena diferença. A mesma coisa
é válida quanto aos membros de uma família, mesmo no caso dos chamados
“gêmeos idênticos”. Nunca são de fato idênticos; quase parece que são, e
no entanto, sempre há alguma diferença. O mesmo se aplica à vida cristã. Visto
que a obra realizada é do Espírito Santo, é sempre a mesma; mas os cristãos não
são como selos do correio. Isto é da maior importância
Estas duas coisas acontecem juntas. Sou capacitado a ver a mim próprio.
Começo a compreender que o meu problema não é tanto o fato de eu fazer coisas
que não devo, e sim que eu sempre desejo fazê-las. Tomo consciência do fato de
que existe dentro de mim algo vil, corrupto e errado, uma natureza pervertida e
tortuosa; e começo a perceber que não conheço a Deus, que realmente estou em
inimizade para com Deus, que nas profundezas do meu coração há ódio de
Deus. Alegrava-me falar de Deus enquanto Ele não interferia em minha vida, e
eu podia buscá-10 em minha necessidade e orar a Ele em busca de socorro. Mas
eu não queria que Deus dominasse a minha vida, não queria ser guiado por Deus.
O Espírito Santo desperta em nós uma percepção disso tudo. Ele também nos
leva à convicção da nossa condição de perdidos, do vazio que há em nós, e da
nossa miséria. Quando isso acontece, o resultado é um só, a saber, somos
humilhados, somos rebaixados; somos habilitados a ver-nos a nós mesmos
como realmente somos. O nosso orgulho é ridicularizado e começamos a dizer
com Isaac Watts -
E mais:
“Desdém derramo em todo o meu orgulho 56
Nada temos de que possamos gabar-nos ou que nos faça pensar que somos
melhores do que os outros. Enxergamos a verdade acerca de nós mesmos; e
sabemos que a mesma coisa é válida quanto aos outros. O apóstolo Paulo,
enquanto Saulo de Tarso e antes de o Espírito Santo ter realizado a Sua obra
nele, era um grande fanfarrão - “Hebreu de hebreus, da tribo de Benjamim,
circuncidado ao oitavo dia” (Filipenses 3:5), homem que se sentara aos pés de
Gamaliel, o melhor dos sábios, homem que excedia a todos os demais em zelo,
em energia e no serviço de Deus. Mais tarde, porém, ele veio a dizer: “Mas o que
para mim era ganho reputei-o perda por Cristo”. Os seus privilégios e os
seus trabalhos tinham-se tornado “esterco” e “perda” (Filipenses 3:7-
8). Escrevendo mais tarde a Timóteo, ele disse: “Esta é uma palavra fiel e digna
de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores,
dos quais eu sou o principal” (1 Timóteo 1:15). Ele tinha perdido o seu orgulho,
a sua jactância, tudo o que era seu; ele não é nada; em seu conceito, não havia
maior pecador no universo. Charles Wesley expressa a mesma verdade com as
palavras:
nascer de novo. O nosso Senhor afirmou esta verdade uma vez por todas a
Nicodemos (João 3:1-8). Você não poderá ser membro do corpo de Cristo se não
tiver em você algo da Sua vida. Você pode unir-se à igreja ou ser membro de
uma sociedade qualquer, mas não poderá pertencer a Cristo, a menos que a Sua
vida esteja em você. As expressões utilizadas para descrever isto são
regeneração, nova criação, nascer de novo. Quando nos tornamos cristãos, o
Espírito não somente nos melhora um pouco, não somente nos livra de
algumas manchas e nódoas aqui e ali. Ele faz muito mais que limar-nos
um pouco e, por assim dizer, pôr-nos uma nova capa de tinta e um pouco de
verniz. Não! Temos que ser reconstruídos desde os alicerces. “Ele vos
vivificou”, diz o apóstolo no início do capítulo 2 desta Epístola. O cristão é um
“participante da natureza divina”. É “membro da família de Deus”. Repito que
isto não significa que somos idênticos em cada detalhe; todavia, significa
realmente que temos esta nova vida, vida que é a mesma em cada um de nós.
Somos todos co-participantes da natureza divina desta mesma vida nova
essencial. Pertencemos à mesma família, somos relacionados uns com os outros
como irmãos e irmãs; o mesmo sangue, por assim dizer, corre por nossas veias
e artérias. Essa é a base da unidade da Igreja e dos cristãos. É quando isso está
ausente que as divisões surgem.
Depois o Espírito Santo dá alento à vida do corpo todo. O apóstolo expressa essa
verdade na Primeira Epístola aos Coríntios: “Não sabeis vós que sois o templo
de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo
de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo” (1
Coríntios 3:16-17). Quando ele diz: “Não sabeis vós que sois o templo de
Deus?”, está falando da Igreja, coletivamente. No capítulo 6 daquela Epístola ele
fala do indivíduo, quando diz: “Não sabeis que o nosso (VA: “vosso”) corpo é o
templo do Espírito Santo?” - porém no capítulo 3 ele se refere à Igreja. O próprio
Espírito Santo é o Agente por intermédio de quem e por meio do qual a unidade
orgânica do corpo é preservada. Nesta questão Ele é comparável à vida dos
nossos corpos físicos, ou, na verdade, ao sangue dos nossos corpos físicos. Ele é
o Espírito unificador, que os liga a todos e os faz um só; e quando Ele não
está presente, o corpo está morto. É por isso que falamos em igreja “morta”. Mas
ao dizê-lo, não estamos falando da Igreja invisível, porque esta nunca está morta,
e sim, está sempre viva. Podemos ir adiante e dizer que, enquanto Ele dá vida a
todo o corpo, dá vida igualmente a cada parte, separadamente, ao mesmo tempo.
Vê-se isso no contraste entre 1 Coríntios 3:16-17 e 1 Coríntios 6:19-20. Isso é
um grande mistério, contudo é um fato. O Espírito Santo realiza exatamente a
mesma obra de santificação em cada um de nós, individualmente. A
santificação significa sermos feitos semelhantes ao Senhor Jesus Cristo, e,
portan-
to, todos os que estão sendo santificados devem ter uma similaridade
fundamental, pois todos estão se tomando cada vez mais semelhantes a Ele; e,
finalmente, como diz o apóstolo João, “quando ele se
os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus”. Como podem? Tais
coisas levam' a divisão, à guerra; são feias e vis. A seguir, ele descreve um
quadro completamente contrastante, e parece que estamos vendo um magnífico
pomar, repleto de belos frutos. Precisamos examinar os espécimes individuais.
“Mas o fruto do Espírito é amor.” E o amor sempre une. Depois “alegria”. Esta
também sempre une. Diz o nosso Senhor que a mulher que encontrara a sua
moeda perdida, saiu e foi dizer às suas vizinhas: “Alegrai-vos comigo, porque j á
achei a dracma perdida” (Lucas 15:9). O pastor que tinha encontrado a sua
ovelha perdida falou de modo semelhante. Em seguida vem “paz”, o oposto da
guerra e da divisão. “Longanimidade”, em lugar de conflito e divisão.
“Benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança.” Estes termos explicam-se a
si mesmos, e cada uma destas virtudes promove a unidade. Quando o Espírito
Santo produz este fruto, deixa de haver lugar para divisão ou discórdia. Assim é
que Ele produz a unidade; e a nós compete, “com toda a humildade e mansidão,
com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor”, manter
esta “unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. O Espírito é representado por
uma forma de pomba que, desde os dias da arca de Noé, simboliza benignidade e
paz; e esta obra em nós sempre produz benignidade e paz. A obra que o Espírito
realiza em nós sempre produz esse fruto, e assim leva à unidade.
Pergunto: realizou Ele a Sua obra em você? Realizou Ele a obra de preparação e
a obra de incorporação? Ele habita em você, e está produzindo o glorioso fruto
da Sua graça em você?
AYIVAMENTO
Até aqui estivemos tratando daquilo que podemos denominar, por falta de
melhor expressão, a obra comum ou normal do Espírito Santo. Essa obra pode
ser dividida em ordinária e extraordinária, naquilo que é comum e aquilo que é
especial. Esta é uma distinção importante. Em acréscimo à obra que Ele realiza
normalmente em todos os cristãos, o Espírito Santo concede dons particulares
aos membros individuais da Igreja. No capítulo doze da sua Primeira Epístola
aos Coríntios, o apóstolo ensina que Ele dá apóstolos, profetas e mestres;
também ensina que alguns cristãos têm dons de milagres, outros têm dom
de curas, outros têm fé, e assim por diante. Ao fazê-lo, ele nos relembra a
verdade de que é só quando compreendemos que os dons procedem do Espírito,
que temos verdadeira unidade. No momento em que começamos a pensar neles
como algo que possuímos, ou como algo de que podemos gabar-nos, há divisão.
Esta foi uma das principais causas de divisão na igreja de Corinto; alguns tinham
dons muito especiais, e outros tinham dons comuns. Dificuldades surgiram
porque os homens que tinham dons especiais desprezavam os que tinham
dons comuns; e os que tinham dons comuns tinham inveja dos que tinham
Falando de si próprio e do seu ministério, o apóstolo Paulo expõe isto com muita
clareza em sua Segunda Epístola aos Coríntios, quando ele diz: “Temos, porém,
este tesouro (este poder para pregar e este entendimento do evangelho) em vasos
de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós” (4:7). Diz
ele efetivamente que esta é a explicação da sua constante fraqueza, do seu
desânimo e do seu trazer no corpo a morte de Cristo. É claro que o apóstolo
Paulo teve uma luta pessoal constante com a enfermidade física, com fraqueza,
com sua doença nos olhos e com vários outros problemas. À luz disto, diz ele,
ninguém poderia atribuir a ele o caráter e os resultados do seu ministério. Ele
padecia estas coisas para que pudesse ser claro que o poder que operava nele e
por meio dele não era dele, mas, era o poder de Deus, por intermédio do Senhor
Jesus Cristo e do bendito Espírito Santo.
Uma obra do Espírito Santo ainda mais especial é a que se manifesta no que
denominamos operações ordinárias do Espírito, constantemente em andamento
na Igreja Cristã, semana após semana. As pessoas são levadas à convicção, os
crentes são levados a ver a sua insuficiência e a sua indignidade, e são
incentivados a orar. O Espírito Santo realiza a Sua obra de santificação na Igreja
constantemente; todavia também vem claramente ensinada nas Escrituras e na
história uma obra incomum, extraordinária e especial do Espírito, realizada
de tempos em tempos. Podemos considerar isto como geral e particular. Vê-se a
obra geral e extraordinária do Espírito na vida da Igreja em termos gerais; a obra
particular, em indivíduos, na Igreja. É a obra geral e extraordinária do Espírito, a
qual chamamos avivamento. Não há assunto que seja de maior importância ou
de maior urgência para a consideração da Igreja hoje, do que este: o avivamento.
Se é que tenho alguma compreensão dos tempos, se é que tenho alguma
compreensão do ensino bíblico a respeito da natureza da Igreja e da obra do
Espírito Santo, não hesito em asseverar que a única esperança para a Igreja
na presente hora está no avivamento. Não vejo esperança em nenhuma espécie
de movimento, organização ou esforço especial planejado pe-
No próprio livro de Atos dos Apóstolos há instrução que mostra que esse ensino
é totalmente errôneo, pois o Espírito Santo não foi somente derramado, e veio a
encher a Igreja no dia de Pentecoste, mas isso aconteceu subsequentemente. No
capítulo 4 do livro de Atos lemos: “E, tendo orado, moveu-se o lugar em que
estavam reunidos; e todos foram cheios do Espírito Santo, e anunciavam com
ousadia a palavra de Deus” (4:31). Certamente isso é uma repetição do
que aconteceu no dia de Pentecoste. Ali estão estes apóstolos e os
outros discípulos e seguidores que tinham sido batizados e sobre quem o Espírito
Santo tinha vindo no dia de Pentecoste. Dois apóstolos tinham estado na prisão
por causa da sua pregação; após a sua libertação, voltaram para a igreja reunida,
e todos juntos oraram e pediram a Deus que tivesse misericórdia deles e os
protegesse. O Espírito de Deus desceu sobre eles, e as próprias paredes
começaram a mover-se; e todos eles foram de novo cheios do Espírito, e com
ousadia deram testemunho concernente à ressurreição. Coisa parecida aconteceu
em Samaria, como se vê registrado no capítulo 8 de Atos; e outra vez
em Cesaréia, na casa de Comélio. É-nos dito que o Espírito Santo caiu sobre ele
e sobre o grupo reunido, como fizera no dia de Pentecoste, em Jerusalém. Pedro,
que era cético e hesitante quanto à admissão de gentios na Igrej a, teve que
admitir que Deus os havia recebido, quando viu que o Espírito tinha sido
derramado sobre eles “como também sobre nós no princípio” (Atos, capítulos 10
e 11). A mesma coisa é certa quanto àqueles discípulos que o apóstolo Paulo
encontrou em Éfeso, segundo o registro do capítulo 19 de Atos.
Em acréscimo a isso, e fora da história registrada no cânon do Novo Testamento,
há a admirável história da própria Igreja Cristã. Quando examinamos a
subseqüente história da Igreja, o que vemos é que o que se conta da Igreja não
mostra um nível constante de realização, progresso e êxito. Pelo contrário,
vemos uma história de altos e baixos no transcurso dos séculos. Na verdade há
um sentido em que se pode dizer que a história da Igreja é a história de
avivamentos seguidos por períodos de inércia, e avivamento vindo outra vez.
Vemos o maravilhoso início no livro de Atos e lemos sobre o extraordinário
poder e sobre as transformações que aconteceram. Isso, porém, foi
passando gradativamente, e nos movemos para a Idade das Trevas, para
a obscura Idade Média, aquele período de torpor, letargia e ausência de vida, no
sentido evangélico, na história da Igreja Cristã. Apesar disso, houve ocasionais
movimentos do Espírito, condenados pela Igreja institucional como movimentos
heréticos - os montanistas, os catharis, os waldenses e outros. Veio depois a
brilhante e flamejante Reforma Protestante, que foi um verdadeiro
“avivamento”, um retorno ao livro de Atos, uma restauração do antigo poder e
de tudo a que isso levou. Todavia, de novo se vê que isso passou, até chegarmos
à era dos puritanos, que nalguns sentidos foi um movimento. Vieram depois
os grandes avivamentos do século dezoito, em vários países. E houve ainda
avivamentos no século dezenove, notavelmente de 1857 a 1859. Essa é a história
da Igreja. Portanto, ensinarem quaisquer cristãos que não devemos buscar, ansiar
e orar por avivamento e esperar por ele, não só me parece antibíblico, mas
também uma negação de algo sumamente glorioso na história da Igreja.
Vendo a questão de um ângulo diferente, podemos dizer que não há nada que,
como o avivamento, prove com igual clareza o caráter
sobrenatural e divino da Igreja, e que mostre tão evidentemente a obra realizada
pelo Espírito Santo; e, acima de tudo, podemos dizer que não há nada que
promova tanto a unidade da Igreja como um avivamento e despertamento
espiritual. Como tenho salientado repetidamente, a tragédia da situação moderna
é que os homens pensam na unidade em termos de organização, não em termos
deste poder do Espírito; pois é unicamente o Espírito que pode produzir a
unidade. A unidade é sempre vital, cheia de energia, orgânica; somente o Santo
Espírito de Deus pode produzi-la na Igreja.
Com isto em mente, vejamos o que a história dos avivamentos nos ensina. A
primeira coisa que descobrimos quando lemos a história dos avivamentos ilustra
perfeitamente este ponto concernente à unidade. A história de todos os
avivamentos é de caráter quase sempre idêntico. Isto é deveras espantoso,
porque não se pode dizer o mesmo da história geral da humanidade. Há
diferenças nas reações face à vida, e no comportamento dos homens em geral de
era a era e de país a país. Há costumes locais, há costumes nacionais; há
características que pertencem a um século, e que não pertencem a outro, e assim
por diante. Mas o que é notável, acerca de cada avivamento, é que parece igual a
todos os outros avivamentos. Seja no século primeiro, ou no século
dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove ou vinte, é sempre o mesmo. A
história de qualquer avivamento lembra-nos o capítulo dois do livro de Atos dos
Apóstolos. Sempre há, por assim dizer, um retomo àquele derramamento inicial
do Espírito. A explicação disto é que o avivamento é essencialmente obra do
mesmo Espírito. Há um só Espírito, e Ele sempre age no avivamento da mesma
maneira fundamental. Isto se aplica, não somente a todos os séculos, mas
também a todos os países.
Outro fato notável é a maneira pela qual o avivamento acontece numa variedade
de lugares ao mesmo tempo, como já observei quanto à Reforma do século
dezesseis. O século dezoito mostra precisamente
Não podemos dizer quando o Espírito Santo irá visitar-nos e fazer reviver a Sua
obra. O ponto que desejo acentuar é que Ele virá. É Ele que vem. “E de repente
veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a
casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas,
como que de fogo”. O avivamento não é o resultado de algo que os homens
façam. E algo que os homens não podem fazer. Isso também aparece com
regularidade na história dos avivamentos. Muitas vezes vemos que Deus usou
uma pessoa particular mais do que quaisquer outras numa época de avivamento.
E muitas vezes vemos que o homem que Ele escolhe é alguém que homem
nenhum teria escolhido. Nem sempre ses trata de um grande homem ou de
alguém superdotado ou incomum. As vezes é um homem muito humilde e
inconspícuo, demonstrando-se assim o fato de que é obra do Espírito. Não pode
ser explicada em termos de homens ou dos seus dons ou de suas personalidades.
Assim, a honra e a glória devem ser dadas ao Espírito Santo. “Não por força nem
por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor” (Zacarias 4:6).
Nada é mais proveitoso que a leitura da história dos avivamentos. Vocês verão
que, por vezes, o avivamento veio depois que um grupo de pessoas, talvez
apenas um punhado, pessoas com os corações quase despedaçados por causa do
estado da religião em seu distrito, e por causa da inércia e falta de vida da sua
igreja, reuniam-se para orar, suplicando a intervenção de Deus. Estiveram quase
a ponto de desistir, quem sabe, porém persistiram com a sua pequena reunião de
oração. Um dia foram à reunião mais ou menos desanimados e
desconsolados, mas ali estavam orando quando, “de repente”, todos tomaram
consciência de que acontecera algo; o Espírito de Deus tinha vindo sobre eles, e
eles foram transformados. Era como se a reunião não pudesse terminar. Isso
continuou no dia seguinte e por meses, e vinha gente de toda parte para ver o que
estava acontecendo. É assim que Deus age no avivamento - de repente,
inesperadamente, ele vem.
O que sucede é que tais cristãos de repente se tornam cientes de uma presença,
de um poder, de uma glória, e são tomados de um senso do
Seu efeito sobre os crentes é dar-lhes nova clareza de entendimento das verdades
em que eles anteriormente criam. Os apóstolos começaram a falar, é o que se nos
diz, sobre “as maravilhosas obras de Deus”. Em tempo de avivamento, cristãos
há que dizem que enxergaram as coisas com maior clareza num segundo do que
em toda a sua vida anterior. Há aquela conhecida experiência de John Flavel, o
puritano, que uma vez teve uma experiência admirável dessa natureza, quando
estava a sós. Disse ele que aprendeu mais naquela única experiência do que em
toda a sua vida de leitura da Bíblia e de livros sobre a Bíblia, e oração. Há um
novo senso de clareza, uma luminosidade com respeito a isso tudo. É isso que
acontece, e é desse modo que o Espírito Santo produz unidade. Pessoas que
estavam com dúvidas, incertas e hesitantes e, por isso, discutindo umas com as
outras, subitamente são cheias do Espírito Santo e de um novo entendimento.
Elas se sentem quase como se vissem o Senhor Jesus Cristo e O conhecem como
o Filho de Deus e como o seu Salvador com uma nova certeza. É o que
acontece com todos os que experimentam isso, e assim há uma unidade real.
Isto, por sua vez, leva a um desejo de dizê-lo aos outros, e assim começam a
falar e a proclamar estas “maravilhosas obras de Deus”. Os apóstolos o fizeram
com uma ousadia e com uma autoridade que nunca antes haviam experimentado.
Aquele Pedro que poucas semanas antes havia negado que conhecia a Cristo,
porque temia ser levado à morte, falou no dia de Pentecoste com ousadia e com
autoridade. Ele repreendeu os judeus e os censurou, e os colocou face a face com
o juízo. A maior necessidade da Igreja hoje é essa ousadia, essa autoridade e esse
poder. Que é que podemos fazer com uma geração como esta na qual nos
encontramos, com o seu orgulho de conhecimento e cultura, sua zombaria e sua
arrogância? Mediante o poder do Espírito Santo esta geração pode ser abalada,
convencida do pecado e renovada. O homem não pode realizar esta obra, porém
o Espírito pode, como o fez no dia de Pentecoste, e como Ele tem feito de
tempos em tempos daí em diante, nos períodos de poderoso avivamento.
Não se pode senão notar nos registros do livro de Atos o senso de unidade que os
crentes tinham. Todos eles se mantinham juntos. Durante certo período até
vendiam os seus bens e viviam uma espécie de vida comunal. Isto porque
sentiam que eram um, não num sentido mecânico, mas porque agora nada
importava, senão esta nova vida. Tinham-se unido como num processo de fusão;
sentiam o Espírito a dominá-los e a governá-los. Este senso de unidade é
inevitável quando o Espírito Se faz presente com poder.
Examinando o outro lado do quadro, vemos o efeito que isso teve sobre outros.
Eles se juntaram às pressas, perguntando: “Que será isto?” E Pedro pregou, e
eles foram convencidos do pecado e se renderam. Judeus que recentemente
haviam gritado acerca do Senhor, “Fora com ele, crucifica-o”, ao ouvirem a
pregação sobre Ele, gritaram, “Que faremos, varões irmãos?” Isto sempre
acontece nas épocas de avivamento. Há certas pessoas das quais a gente se
sentiria tentado a dizer, falando em termos naturais, que nada poderia convertê-
las jamais, e que, de repente, são convencidas e convertidas pelo Espírito Santo.
É o que tem acontecido nos avivamentos ocorridos na Igreja através dos séculos.
Não há nada que atraia tanto as pessoas para a Igreja como o avivamento. Os
homens tentam fazer propaganda da Igreja hoje; a Igreja está criando
departamentos de publicidade, e tem agentes de publicidade; e nos dizem que
devemos fazer propaganda da Igreja para o povo. Contudo, se irrompesse um
avivamento aqui ou em qualquer outro lugar, não haveria necessidade de
propaganda. Viria gente de
toda parte, como no dia de Pentecoste, perguntando, “Que será isto?” Quando o
poder do Espírito está presente, o povo vem, por admiração, talvez por
curiosidade, e muitas vezes acontece que “tolos que vieram para zombar, ficam
para orar”.
Que é que devemos fazer com relação a isso tudo? Qual é o caminho para o
avivamento? A resposta é que nós temos que aperceber-nos da nossa impotência,
temos que aperceber-nos de que de nós e por nós mesmos nada podemos fazer. O
poder é de Deus, quem age é o Espírito. O que nos cabe fazer “unanimemente” é
perseverar “na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e
nas orações”. A doutrina vem primeiro. A principal obra do Espírito Santo é
glorificar ao Senhor Jesus Cristo. Portanto, não haverá valor em nossas orações,
se não crermos nEle, em Sua divindade singular, em Sua encarnação, nascimento
virginal, milagres, morte expiatória, ressurreição e ascensão. O Espírito O
glorifica e, portanto, devemos crer nEle e ser “unânimes” em nossa doutrina.
Também devemos orar. Devemos passar tempo rogando pelo Espírito, como
aquelas pessoas oraram durante aqueles dez dias. E vocês verão na história da
Igreja através dos séculos que, quando as pessoas oravam e eram levadas a ver a
sua impotência e a sua debilidade, elas perseveravam, firmadas no nome de
Cristo, o seu Salvador e Mediador, e pleiteavam com Deus para que de
novo derramasse o Seu Espírito. E muitas vezes, quando achavam que o
fim chegara e que não havia mais esperança, subitamente Deus lhes respondia e
derramava o Seu Espírito sobre elas. Se vocês realmente sentem o peso do fardo
dos tempos em que vivemos, se vocês realmente se entristecem de coração ao
verem a impiedade do mundo, se vocês tiverem em seus corações compaixão
pelos homens e mulheres que se acham na escravidão do pecado e de satanás, o
seu primeiro dever é orar por avivamento. Quando o avivamento vem,
pode acontecer mais num dia do que num século de obra comum da
Igreja. Quando o Espírito vem, os corações mais valentes são quebrantados, os
intelectos mais vigorosos são derribados, e homens e mulheres bradam pedindo
misericórdia e procurando conhecer o caminho da salvação. A primeira tarefa, o
primeiro dever dos cristãos e da Igreja Cristã hoje é orar “unanimemente” e
clamar por uma repetição do Pentecoste, por um avivamento feito pelo Espírito
Santo, Deus vindo outra vez com autoridade, vigor e poder no meio do Seu
povo. O Espírito Santo ainda está em disponibilidade, com todo o Seu
poder; assim, orem a Deus, rogando-Lhe que O envie. E quando Ele
vier, veremos coisas que nos surpreenderão e que encherão de pasmo o mundo
escarnecedor e incrédulo que está do lado de fora.
UMA SÓ ESPERANÇA
Minha opinião é que há duas razões que tornam inevitável que esta seja a
terceira coisa que ele mencione. A primeira coisa é compreender por que o
Espírito Santo fez em nós, cristãos, o que fez. Por que é que Ele nos chamou
eficazmente, como nos lembra o versículo primeiro deste capítulo? Quando
estávamos mortos em pecados, fomos chamados e vivificados pelo Espírito
Santo: Ele nos convenceu do pecado e nos habilitou a ver os méritos do sangue
de Jesus. Ele nos deu nova vida; Ele nos chamou do mundo e nos batizou no
corpo de Cristo. Será que isso tudo é um fim em si mesmo, ou haverá mais
algum propósito por trás? A resposta é que todas estas coisas ocorreram
meramente como uma preparação para algo que ainda iria acontecer. É um
passo num grande processo; uma atividade intermediária que há de levar a uma
atividade final. A Igreja não é um fim em si e por si; a Igreja é o
Uma segunda razão pela qual o apóstolo introduz esta frase neste ponto é que o
Espírito Santo, em acréscimo à Sua obra de preparar-nos para a incorporação no
corpo, Sua obra especial na revivificação, realiza outra obra especial, mais
pessoal. O apóstolo já se referiu a isso no capítulo primeiro, onde ele escreve:
“Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o
evangelho da vossa salvação; e, tendo também nele crido, fostes selados com o
Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança, para redenção
da possessão de Deus” (versículos 13-14). Isto se refere à obra do Espírito,
como “selo” e “penhor”. Tendo-nos feito cristãos, tendo-nos colocado no corpo
de Cristo, Ele nos sela e age como penhor; e todo o objetivo do selo e do penhor
tem relação com a “possessão adquirida” (VA) da qual ele fala. O selo é, por
assim dizer, a estampilha posta em nós para mostrar que pertencemos a Deus,
que somos Seus filhos e que somos herdeiros da grande herança vindoura. O
penhor é um antegozo daquela herança, ou as suas primícias. É um pagamento
parcial que nos é feito aqui e agora como garantia de que a receberemos
plenamente.
dissera no capítulo primeiro, onde lhes diz que está orando por eles, para que
Deus lhes dê “em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação”.
“Tendo iluminados os olhos dos seus entendimentos”, ele ora no sentido de que
eles saibam “qual seja a esperança da sua vocação”. O seu desejo é que eles
saibam qual é a esperança à qual Deus os chamou, que conheçam, percebam,
apreciem e entendam o grande propósito que Deus tem por trás do Seu grandioso
plano de redenção. “A esperança da sua vocação”! Também precisam saber quais
“as riquezas da glória da sua herança nos santos”; e, depois, “a sobreexcelente
grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”. No primeiro capítulo ele ora
por isso em geral, mas aqui ele trata disso e lhe dá atenção especificamente em
conexão com este princípio de unidade. Ele lhes roga que, “com toda a
humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-os uns aos outros em
amor”, se esforcem para “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”
porque são “chamados numa só esperança da sua vocação”. Nada promove
tanto a unidade, e a guarda e a protege, como a nossa percepção da
bendita esperança que está diante de nós, a mesma gloriosa herança
que devemos compartir.
sido judeu, outro, gentio. A posição deles, na vida, era diferente, e o seu
comportamento pode ter variado da respeitabilidade ao pecado grosseiro e
flagrante. Logo ocorrem divisões intermináveis.
Posso ilustrar isso por meio de um incidente que eu mesmo testemunhei uma
vez. Eu e outros estávamos envolvidos numa reunião ao ar livre. Eu não tinha
originado a reunião, mas estava tomando parte nela com outros; sucedeu que o
trabalho estava a meu cargo na ocasião. Segui o procedimento geralmente
empregado, e eis o que aconteceu: um homem foi à frente, pôs-se no círculo, e
narrou sua experiência, sua história, fez um relato da sua conversão. Contou-nos
que tinha sido um homem terrível, pesava-lhe a culpa de pecados horrendos, e
contou-nos como, apesar disso, a graça de Deus se apoderara dele e o convertera.
Depois, outro homem caminhou para a frente, um homem mais velho, homem
que se convertera uns dez ou quinze anos antes do primeiro orador. Isto é quase
literalmente o que ele disse: “Vocês ouviram o nosso irmão falar-lhes sobre a sua
conversão e sobre a vida de pecado da qual ele foi convertido. Ele não sabe o
que é pecado; eu vou dizer-lhes o que é”. Então começou a descrever a sua vida
pregressa com de- talhes sombrios. Pareceu-me que a reunião estava virando
uma competição de crime. O segundo homem não estava consciente disto, mas o
que ele estava fazendo realmente era gabar-se da sua pecaminosidade; ele estava
traçando uma distinção entre o seu pecado e o do outro homem, para provar que,
portanto, a sua conversão foi mais grandiosa que a do outro. Mas tudo isso é
errôneo e completamente antibíblico. Todas as conversões são idênticas, num
sentido último. Requer graça e o poder do onipotente Deus, salvar
qualquer alma. Não importa se você era judeu ou gentio, homem ou
mulher, bárbaro, cita, escravo ou livre; o que você era é irrelevante, não importa.
Mas nós vivemos perpetuando estas diferenças e divisões, resultando em que, na
Igreja, alguns são considerados mais importantes que outros. Ainda se pensa
neles em termos do que eles eram por natureza, ou da sua posição social, sua
riqueza, suas habilidades, ou de alguma outra coisa própria do homem natural.
Tudo isso acontece porque persistimos em esquecer que não devemos olhar para
aquilo de que fomos salvos, mas devemos olhar para aquilo para o que
fomos salvos.
tal de Philip Henry, não conheciam a família dele. Por fim o pai dirigiu-se a ela e
lhe perguntou: “De onde ele veio?” E a filha, boa cristã que era, deu sua imortal
resposta, dizendo: “Eu não sei de onde ele veio, mas sei para onde vai”. Que
mais importa, realmente? Como cristãos devemos fixar-nos na “esperança da
nossa vocação”. Essas outras coisas são resultado da Queda, do pecado e da
divisão. Nunca houve o propósito de que o mundo se dividisse em judeu e
gentio, bárbaro, cita, escravo ou livre, superior ou inferior, grande ou pequeno.
Não devemos olhar para trás, para essas coisas; devemos olhar para a frente,
para “esperança da nossa vocação”. Essa esperança é somente uma, é sempre a
mesma, e é para todos nós.
Devo acentuar o fato de que não somente não devemos olhar para trás e
permanecer naquilo de que fomos salvos, mas tampouco devemos permanecer
nas experiências da nossa conversão, quer dizer, nos detalhes concretos da
experiência da conversão propriamente dita, pois isso também é algo que
inevitavelmente tende a dividir-nos. Há alguns que tiveram uma conversão muito
dramática, envolvendo agonias de arrependimento e remorso que podem ter
durado longo tempo. Afinal, nalgum momento sumamente dramático, eles viram
a luz e foram salvos. Há outros que realmente não podem dar o momento exato,
a hora exata da sua conversão. Esta foi tranqüila, quase não notada. Eles não
podem identificar nenhum evento ou momento particular; todavia o que sabem é
que, enquanto que antes estavam mortos, agora estão vivos; sabem que amam o
Senhor Jesus Cristo, e O querem acima de tudo mais, e desejam estar com Ele e
ser semelhantes a Ele. Os dois tipos de experiência são muito diferentes. Como
pastor e ministro, posso testificar o prejuízo e o dano, divisões e distinções, que
a ênfase à forma da experiência da conversão causa à vida da Igreja. v
Isto funciona numa variedade de maneiras. As vezes faz grande dano ao próprio
homem que teve uma conversão dramática. Ele fica orgulhoso dela; torna-se
uma espécie de peça de exposição, é um cristão diferente dos outros, e tende a
desprezar o homem que não está muito seguro do modo como lhe aconteceu, ou
quando aconteceu. Por outro lado, o cristão que teve uma experiência tranqüila
às vezes é levado a pensar que talvez ele nem seja cristão, porque a sua
experiência não se enquadra no modelo dramático. Nas reuniões em que se dão
testemunhos, ele fica com a impressão de que somente a experiência dramática é
verdadeira. As pessoas serenas nunca são chamadas à frente para falar, e, assim,
ele começa a perguntar a si mesmo se é realmente cristão e se está de fato no
reino. É dessa maneira que muitas vezes
Permitam-me salientar isto repetindo algo que ouvi uma fez o famoso John
Macneil dizer nesta conexão. Num sermão ele estava imaginando uma conversa
entre dois cegos que foram curados por nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo - o
cego cuja cura está registrada no capítulo nove do Evangelho Segundo João, e o
cego cuja cura está registrada no capítulo oito do Evangelho Segundo Marcos.
No caso do homem do capítulo nove de João, o nosso Senhor cuspiu num
pouco de argila do solo, misturou-o, untou os olhos do homem com a mistura de
argila e saliva, e lhe disse que fosse lavar-se no tanque de Siloé. No caso do
homem do Evangelho Segundo Marcos, Ele não fez isso; e John Macneil ficou a
imaginar estes dois homens encontrando-se mais tarde e conversando; e ele
descreveu a conversa do seu jeito peculiar e inimitável, assim: o homem do
capítulo nove de João perguntou ao do capítulo oito de Marcos: “Que é que você
sentiu quando Ele pôs aquela mistura de argila e saliva nos seus olhos?” “Argila
e saliva?”, disse o homem de Marcos 8, “Nada sei de argila e saliva”. “O
quê?” replicou o outro, “Não lembra como Ele cuspiu no chão, fez a mistura e a
pôs nos seus olhos? - estou perguntando: que é que você sentiu?” “Mas”, disse o
homem de Marcos, capítulo 8, “não foi posto nada em meus olhos.” E a
conversa continuou e continuou, o homem do capítulo nove de João repetindo as
suas perguntas, e o outro expondo a sua ignorância. Por fim, o homem do
capítulo nove de João disse ao outro: “Olhe aqui, não acredito que você tenha
sido curado; você só pode estar cego ainda. Se Ele não pôs lodo em seus olhos,
você continua cego”. “Noutras palavras”, disse John Macneil, “vieram a existir
duas denominações de uma vez - os lodo-ítas e os antilodo-ítas.”
Mas, lamentavelmente, isso ilustra o que tem acontecido com muita freqüência
entre nós. Há essa tendência constante de olhar para trás. A única maneira de
lidar com esse problema é dizer com o grande apóstolo Paulo: “Esquecendo-me
das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim,
prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”
(Filipenses 3:13-14). O que importa não é como você entrou no reino; a questão
vital é: você está no reino? Não importa se o seu nascimento foi dramático
e excitante, ou se foi tranqüilo e quase imperceptível. Graças a Deus, isso não
importa! Em parte nenhuma das Escrituras nos é dito que você precisa ser capaz
de dar o momento exato, ou o versículo exato que foi utilizado, ou o nome de
certo pregador. Essas coisas não importam. A única coisa que importa é que
você esteja no reino.
numa campanha particular ou num dado ano! Desse modo a Igreja fica dividida
em função dos convertidos de certos evangelistas, ou do ano particular da
conversão. É assim que se causam cismas na Igreja. Isso é pecaminoso; e a causa
do pecado é que estamos deixando de olhar para frente, para “a esperança da
nossa vocação”. Não estamos esquecendo as coisas que atrás ficam, e não
estamos olhando para a frente, para o prêmio da sublime vocação de Deus em
Cristo Jesus, como devíamos.
Mas agora devemos ir um pouco mais adiante e dizer que tampouco devemos
permanecer naquilo que somos agora. Devemos sempre estar olhando para a
frente porque, se permanecermos no que somos agora, continuará havendo a
tendência de dividir e separar. Essa tendência entrou crescentemente na Igreja
nos últimos cem anos. Dividimo-nos em jovens, pessoas de meia idade e mais
velhos; irmandades masculinas, irmandades femininas e muitos outros
agrupamentos. Fazemos isso porque insistimos em olhar para nós mesmos como
somos agora, em vez de olharmos juntos para aquilo que vamos ser, isto é, para
“a esperança da nossa vocação”. Não estou insinuando que essas diferenças não
têm significação; entretanto, o que de fato digo é que elas não devem ser
sublinhadas e salientadas. Não vemos essas divisões na Igreja Primitiva; eles
eram todos um. As diferenças de idade não contavam; e não devem contar agora.
Um homem idoso pode ser um bebê em Cristo; e uma pessoa jovem pode ser
espiritualmente madura. A única coisa que importa é esta união, esta unidade; as
outras divisões se relacionam com a natureza, com o tempo e com o homem não
regenerado, e não com o Espírito. O apóstolo, embora tendo avançado mais que
a maioria das pessoas, ainda diz: “Não que já a tenha alcançado, ou que seja
perfeito; mas prossigo para o alvo pelo prêmio da soberana vocação de Deus em
Cristo Jesus”. Em toda parte o Novo Testamento nos concita a olhar para a
frente. Diz o nosso Senhor: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus,
crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse
assim, eu vo-lo teria dito” (João 14:1-2). Escrevendo aos romanos, diz
o apóstolo Paulo: “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo
presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada”
(Romanos 8:18). Em sua Segunda Epístola aos Coríntios, ele diz: “Porque a
nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória
mui excelente; não atentando nós nas coisas que se vêem; porque as que se vêem
são temporais, e as que se não vêem são eternas” (4:17-18). Ele continua, no
capítulo 5: “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se
desfizer, te-
mos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus”
(versículo 1). A Tito ele escreve desta maneira: “Aguardando a bem-aventurada
esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus
Cristo” (2:13). Esta é a grande característica do ensino do Novo Testamento. O
apóstolo João escreve de igual maneira: “Amados, agora somos filhos de Deus, e
ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se
manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos” (1 João
3:2).
O fato é que o Novo Testamento não nos oferece muito neste mundo. Disse o
Senhor Jesus Cristo: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci
o mundo” (João 16:33). O apóstolo Paulo faz eco disso, dizendo: “Neste
tabernáculo gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do
céu” (2 Coríntios 5:2). “Agora vemos por espelho em enigma, mas então
veremos face a face” (1 Coríntios 13:12). Quão importante é, portanto, que
olhemos para essa ‘ ‘vocação com que somos chamados” - ‘ ‘a esperança da
nossa vocação”! Não olhemos para trás, não gastemos o nosso tempo olhando
para o presente e comparando-nos e contrastando uns com os outros,
mas olhemos para diante, para “a esperança da nossa vocação”. Há uma
só esperança; há a mesma esperança para todos; e vamos indo todos juntos para
a mesma glória. Não haverá divisões e distinções lá.
Vamos indo avante, para uma vida inteiramente livre do pecado. É o pecado que
sempre divide e separa. O objetivo da vinda do nosso Senhor Jesus Cristo é que
as obras de satanás e do pecado sejam abolidas e destruídas (1 João 3:8), e que
tudo venha a reunir-se nEle (Efésios 1:10). E, graças a Deus, isto vem! Chegará
o dia em que seremos todos sem defeito e inculpáveis, sem mancha ou ruga
ou qualquer coisas desse gênero. Que prospecto maravilhoso! Agora
temos manchas e rugas. Uns têm poucas, outros têm muitas. Todos nós somos
tão diferentes, e olhamos uns para os outros, e há divisão! Mas vem o dia em que
não haverá mancha, nem ruga, nem qualquer outra coisa desse tipo, e seremos
todos perfeitos. Não haverá pecado em nós, e não haverá tentação fora de nós. O
pecado não será retirado de nós somente; será retirado do universo inteiro.
Haverá “novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pedro 3:13). E
estaremos com o Senhor. Nós O veremos como Ele é, e O fruiremos juntos.
Quando estivermos em Sua presença e O virmos como Ele é, não
estaremos interessados em nenhuma outra coisa. Estaremos absorvidos
“no encanto, no amor e no louvor”. Não haverá divisões e distinções. Ninguém
estará interessado se você era judeu ou gentio ou bárbaro ou cita, escravo ou
livre, se você fora nascido numa grande família ou numa favela. Graças a Deus,
tudo isso terá desaparecido; estaremos olhando para Ele, e nenhuma outra coisa
será lembrada. “A unidade do Espírito pelo vínculo da paz”.
Ademais, estive lembrando a vocês, não somente O veremos todos juntos, mas,
ainda mais extraordinário, seremos como Ele. Acredito que as nossas identidades
serão preservadas, porém seremos todos semelhantes a Ele. O apóstolo Paulo diz
aos crentes filipenses que devemos aguardar o retorno do nosso Salvador porque
Ele tem poder para “transformar o nosso corpo abatido (este corpo da nossa
humilhação), para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder
de sujeitar também a si mesmo todas as coisas” (Filipenses 3:21). Nesta vida uns
são coxos, outros podem andar altaneiramente; uns podem ter beleza, outros são
feios; uns têm alguma habilidade, outros não. Isso não terá valor lá; seremos
todos semelhantes a Ele. Mesmo os nossos corpos serão como “o corpo da sua
glorificação”. Não haverá ciúme, nem inveja, nem desprezo, nem condenação.
Deus nos perdoe por sermos sempre culpados dessas coisas na esfera da Igreja,
no corpo de Cristo!
De fato, nos novos céus e nova terra que Ele vai produzir, não somente
estaremos com Ele, estaremos reinando com Ele, seremos “reis e sacerdotes de
Deus” para todo o sempre. Esse há de ser o nosso destino, de todos nós, cristãos.
A nossa expectativa é uma e a mesma. Mesmo aqui e agora estamos tendo o
mesmo antegozo da glória, participando das mesmas primícias. Como, então,
podem existir divisões e distinções na Igreja? O caminho da unidade da Igreja, a
maneira de salvaguardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz, é fazer o
que Paulo diz aos colossenses: “Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que
são da terra” (Colossenses 3:2). Focalizem o seu afeto lá, como se faz com uma
bússola ou com uma câmara. Centralizem o seu afeto
Uma só, a luz da presença divina Por sobre o Seu povo remido
espalhou, Expulsando a treva e todo o terror,
Um só o conflito, um só o perigo,
Uma única marcha teve início em Deus;
UM SÓ SENHOR
Esta declaração vital deve ser considerada como parte da exposição completa, do
versículo 4 ao versículo 6: “Há um só corpo e um só Espírito, como também
fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só
fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e
em todos” (VA: “em todos vós”). Nela o apóstolo continua com o tema da
unidade, que tanto o preocupa. Esta unidade deve caracterizar a vida da Igreja,
diz ele, porque, em última instância, a Igreja é obra da bendita e santa Trindade.
No versículo 4 a temos visto em termos da obra do Espírito, “um só corpo e um
só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa
vocação”. Agora Paulo põe-se a descrevê-la em termos da obra do Filho, como
também em termos da obra do Pai.
Neste quinto versículo chegamos à segunda das três divisões em que o apóstolo
divide o seu ensino, a saber, a unidade da Igreja, tendo-se em vista a doutrina da
segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, o Filho de Deus, nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Torno a lembrar-lhes a ordem em que o apóstolo coloca
estas coisas, a seqüência empregada por ele. Tendo começado com a obra do
Espírito porque essa é a abordagem prática, agora passa a considerar a
parte desempenhada pelo Filho, pois a obra central do Espírito Santo é glorificar
o Filho, como o nosso Senhor mesmo disse: “Ele não falará de si mesmo - Ele
me glorificará” (João 16:13-14). Não significa que Ele não falará sobre Si
mesmo, porém que a Ele será dado o que falar, isto é, ensino que glorificará o
Filho. O Pai enviou o Filho e o Filho glorificou o Pai; depois o Pai e o Filho
enviaram o Espírito, e o Espírito glorifica, em particular, o Filho. O apóstolo
Paulo nos ensina que, “ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo
Espírito Santo” (1 Coríntios 12:3). O Espírito Santo nos conduz ao nosso
Senhor; somente Ele nos habilita a vê-10 e a conhecê-10. “Os príncipes
deste mundo não o conheceram, porque, se o tivessem conhecido, nunca teriam
crucificado o Senhor da glória. Mas Deus revelou-nos estas
coisas pelo seu Espírito, porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as
profundezas de Deus” (1 Coríntios 2:8-10).
Mais uma razão pela qual o apóstolo passa agora a falar do Filho é que, havendo
considerado a Igreja como o corpo - “um só corpo” -inevitavelmente surge a
pergunta: quem é a cabeça do corpo? - pois um corpo sem cabeça não funciona.
A resposta é: o próprio Senhor Jesus Cristo. O apóstolo já nos fizera lembrar isso
no capítulo primeiro, onde, falando sobre Ele, diz: “(Deus) sujeitou todas as
coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que
é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (versículos 22 e
23). Vemos a mesma verdade exposta freqüentemente pelo apóstolo em suas
várias Epístolas. É importante observar esta abordagem doutrinária. Estas coisas
não são registradas acidentalmente; há um sistema definido aqui. O Espírito
Santo ilumina a mente, e aqui vemos uma mente espiritual iluminada
descortinando a verdade.
Quais são as implicações, ou que é que devemos deduzir desta ênfase a “um só
Senhor”? O apóstolo está usando a expressão no interesse do seu apelo para
manter “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Seu andamento dá-se da
seguinte maneira: Cristo, e somente Ele, é o cristianismo. “O cristianismo é
Cristo.” Não é uma coleção de idéias; não é uma coleção de pensamentos ou
filosofias; não é mera questão de ensino. Primariamente, o cristianismo é o
próprio Senhor e a nossa relação com Ele. Ensinos, pensamentos e filosofias
variam, e, portanto, tendem a dividir. Todavia, há uma questão de relaciona-
Uma segunda dedução que devemos tirar é que, visto que Ele é o único Senhor,
não pode ser dividido. Este é o argumento que este apóstolo Paulo utiliza ao
escrever aos coríntios no capítulo primeiro da sua primeira Epístola. Estou sendo
informado, diz ele com efeito, que há divisões entre vocês em Corinto.
Disseram-me que um diz, “Eu sou de Paulo”, outro diz, “Eu sou de Apoio”, e
outro, “Eu sou de Cefas”. Depois ele faz esta pergunta: “Está Cristo dividido?”.
Ele está lhes perguntando se compreendem as conseqüências de formar partidos
e de se alinharem desse modo por trás de certos homens e certos nomes. Diz a
eles que estão tentando dividir Cristo, e que isso não pode ser feito, porque Ele é
Um. Há unicamente um Senhor, e Ele é indivisível.
Esta é a elevada doutrina das duas naturezas numa só Pessoa. As duas naturezas
acham-se tão interligadas nEle que elas não podem ser divididas. Quando lemos
a história da Igreja e notamos as diversas heresias que surgiram, vemos que
geralmente foi devido ao fato de que os cristãos se esqueceram do único Senhor
- “um só Senhor”. Num sentido eles estiveram produzindo uma multiplicidade
de senhores. Muito cedo na Igreja Cristã houve aqueles que ensinavam que as
duas naturezas na Pessoa única se haviam fundido numa só e não mais
se distinguiam. Havia alguns, porém, que iam ao outro extremo e diziam que
havia duas Pessoas - Deus e Homem; não duas naturezas numa Pessoa, e sim
duas Pessoas, Cristo como Deus, Cristo como homem.
Essas heresias ainda são ensinadas na Igreja moderna. Homens sinceros em seu
desejo de acentuar os dois aspectos da Pessoa do nosso Senhor, vão longe
demais. Pregam sobre Jesus Cristo como Deus e sobre Jesus Cristo como
homem isoladamente um do outro. Jamais deve-
mos fazer isso. Jesus Cristo é sempre o Deus-Homem; portanto, devemos ser
muito cuidadosos e prudentes quanto a dizermos que Ele fez certas coisas como
Deus, e outras como homem. Não! Ele é o Deus--Homem, indivisível. Não se
pode dividir Cristo em nenhum sentido. Graças a Deus por isso. Ele é sempre o
mesmo; sempre será o mesmo. “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e
etemamente” (Hebreus 13:8). Um hino de Horatius Bonar lembra-nos que “não
há noite” em Cristo, “não há mudança” nEle. Isso é verdade, aconteça o que
acontecer no mundo. Este é o maior consolo do santo. Jesus Cristo é um só, o
Senhor é um só, há somente Um, e Ele é sempre, para sempre e etemamente
o mesmo.
Tiremos sempre estas deduções. O cristianismo é Cristo, este único Senhor. Ele o
faz. Sem Ele não há cristianismo. Ele é essencial ao cristianismo. Com respeito a
isto, é diferente de todos os outros ensinos. Outros ensinos podem ser
divorciados dos seus propagadores, por exemplo, o budismo separado de Buda;
não faria nenhuma diferença vital. Mas no cristianismo, o nosso Senhor é tudo.
Todo ele resulta deste assombroso e singular fato da Encarnação e do que
Ele tem feito.
Outra dedução inevitável é que não podemos crer em partes dEle. Ou cremos
nEle, ou, de outro modo, não cremos nEle. Também com respeito a isso não
podemos dividi-10. Mais uma vez o apóstolo expressa isto muito explicitamente
no capítulo primeiro da Primeira Epístola aos Coríntios, que é o melhor
comentário desta matéria: “Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós
foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (versículo 30).
Ele -Cristo, o Senhor, o Senhor único e indivisível - foi “feito” isso tudo para
nós. Portanto, crer no Senhor Jesus Cristo é crer na totalidade dEle e crer em
tudo o que nEle há. Não podemos dizer - não devemos dizer - que cremos nEle
quanto à “justiça”, mas não quanto à “santificação”, não quanto à “redenção”, ou
que em certa altura nós O recebemos somente quanto à nossa justificação, e que
mais tarde nos será possível recebê-10 quanto à nossa santificação. Isto seria
dividir Cristo. Recebemos a totalidade de Cristo. Não há alternativa.
Esta doutrina leva a uma questão sumamente importante. Será que está certo
formar movimentos em torno de diferentes aspectos da Sua obra, e separá-los e
dividi-los do todo? Será que é certo ter um movimento que ensina somente a
justificação, outro que só dá ênfase à santificação, outro somente à Sua segunda
vinda? Não “tomamos” somente o Seu ensino; é por Ele que somos salvos, e Ele
é um só, e é indivisível. Cristo não pode ser dividido - “um só Senhor”.
Devemos ter todo o cuidado de começar com esta grande doutrina do único
Senhor, e de lembrar-nos também de que Ele “foi feito” o mesmo para todos os
crentes. Ele não é uma coisa para um, e outra coisa para outro. Não há muitos
Cristos, há somente um; e se eu creio nEle, estou na mesma posição em que se
acham todos os outros que crêem nEle. “Um só Senhor”; portanto, uma só
Igreja.
O ponto que estamos acentuando agora é que há somente um Salvador. Que não
há muitos Salvadores, mas somente um, é o grande tema do Novo Testamento. É
isto que faz do cristianismo uma fé única. O mundo acredita em muitos
salvadores, em muitos libertadores. Ele tem a sua lista de salvadores que vive
repetindo. Fala de Moisés, Jeremias, Isaías, João Batista e Jesus, e talvez de um
dos apóstolos, Pedro ou Paulo, e depois acrescenta alguns grandes homens que
têm figurado na história do mundo. Algumas listas acrescentam Confúcio e
Buda, e talvez Sócrates e Platão. Mas o Novo Testamento denuncia essa idéia e
afirma que o nosso Senhor Jesus Cristo é único, que Ele é o único e exclusivo
Salvador. Negar isto será negar a verdade central e mais essencial da fé cristã.
que devêssemos adicionar, nada que devêssemos completar. “Ele pisou o lagar
sozinho.” Ninguém mais poderia fazê-lo; mas Ele o fez.
Ou vejam o que o apóstolo Paulo diz em sua Primeira Epístola aos Coríntios.
Havia pessoas na igreja de Corinto que não tinham claro entendimento disso
tudo. Tinham sido convertidas, mas ainda, embora tivessem vindo a crer no Deus
único, havia outros deuses, os deuses nos quais eles estavam acostumados a crer,
os deuses aos quais eles anteriormente serviam e aos quais eles costumavam
fazer os seus sacrifícios nos templos pagãos. Eles ainda não viam isto com
clareza; alguns deles eram “irmãos mais fracos”. Por isso Paulo lhes diz: “Ainda
que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como
há muitos deuses e muitos senhores), todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de
quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual
são todas as coisas, e nós por Ele” (1 Coríntios 8:5-6). Há quem fale em deuses,
porém não há deuses; há somente um Deus. Estes supostos deuses são ficções
das imaginações dos homens; são apenas projeções das idéias dos homens; não
são seres vivos, não têm existência. Há somente um Deus. E há somente um
Senhor Jesus Cristo. Não poderia haver outro, não há outro. De novo,
escrevendo a Timóteo, Paulo diz: “Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus
e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo 2:5). Um, e somente um! Não há
quem possa introduzir-se entre Deus e o homem, exceto esta Pessoa. Para
empregar a linguagem de Jó (9:33), da antigüidade, não há “árbitro” que nos
possa juntar, senão Cristo. Deus está no céu em Sua santidade, e nós estamos na
terra em nosso pecado. Como podemos orar a Deus, como podemos ir a Deus,
como podemos ouvir a Deus e ter acesso a Deus? Há somente um caminho.
Necessitamos de um Mediador entre nós, diz o apóstolo, “Um só Deus, o único
Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” - o único que “foi feito
o resgate”.
Nenhum outro! Jamais haverá outro. Qualquer mestre ou ensino que conteste
isto, é o que o Novo Testamento chama anticristo; e há muitos deles. Mas o
apóstolo Paulo diz: “Nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este
crucificado” (1 Coríntios 2:2). Ele conhecia muita coisa da filosofia e das idéias
dos gregos, e conhecia as idéias dos judeus; mas ele põe ambos de lado. A
Encarnação é única, e única é a morte de Cristo. Por que falar doutra coisa,
quando Deus fez isto uma vez por todas? Por que é que Deus enviou o Seu Filho
ao mundo, se podemos chegar a Deus sem Ele?
Isto, por sua vez, leva ao fato de que Ele é o Mestre de todos nós. Disse Ele aos
discípulos, no Cenáculo, na ocasião em que lhes lavou os pés e os enxugou com
uma toalha: “Vós me chamais Mestre e senhor, e dizeis bem, porque eu o sou”
(João 13:13). E esta é a relação única que subsiste entre nós e Ele. Há somente
um Senhor, há somente um Dono, há somente Um que morreu por mim e me
comprou. Não há outro. E esta verdade vale para cada um de nós, como cristãos.
As implicações são óbvias. Não pertencemos mais a nós mesmos. Não somos
mais os nossos próprios mestres. Não temos direito de crer no que quisermos,
não temos direito de fazer o que quisermos. Não somos de nós mesmos. É este
precisamente o argumento usado por Paulo ao escrever aos coríntios. Ele lhes diz
que, ao cometerem pecado, não percebiam o que estavam fazendo: “Não sabeis
que o nosso corpo
Não somos mestres de nós mesmos; e é igualmente certo dizer que ninguém
mais é nosso mestre. Também não somos mestres de ninguém. Ninguém deve
dominar-nos; e nós não devemos dominar ninguém. O nosso Senhor mesmo
estabeleceu isto claramente no Evangelho Segundo Mateus: “Vós, porém, não
queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e
todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o
vosso Pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, porque um só é o
vosso Mestre, que é o Cristo. Porém o maior dentre vós será vosso servo. E o
que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será
exaltado” (23:8-12). Um só Senhor! Posto que Ele é o único Senhor, nós estamos
num só nível. Nenhum de nós é mestre. Ele é o Mestre, e todos nós estamos na
mesma posição; e devemos servir-nos uns aos outros. De novo Ele expôs isso
com muita clareza na ocasião do lava-pés (João 13:13-14). Segue-se isto por
inevitável lógica. Sejam vocês quem forem, diz Ele, Eu sou o Mestre, e vocês
são apenas servos; e se Eu, o Mestre, fiz isto, todos vocês devem fazê-lo. Paulo
diz: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” e “Fostes comprados por bom
preço; não vos façais servos dos homens” (2 Coríntios 10:17; 1 Coríntios 7:23).
E de novo, no sexto capítulo desta Epístola aos Efésios, ele diz, em suas
particulares injunções: “E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles (com
vossos servos), deixando as ameaças, sabendo também que o Senhor deles e
vosso está no céu, e que para com ele não há acepção de pessoas” (versículos 9).
Esta é a doutrina de Cristo como o nosso Senhor, como Aquele que, somente
Ele, tem posse de nós, como o Único que tem autoridade sobre nós. De novo
vemos Paulo dizendo exatamente a mesma coisa na Epístola aos Colossenses:
“Vós, servos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo
só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de
coração, temendo a Deus. E, tudo quanto fízerdes, fazei-o de todo o coração,
como ao Senhor, e não aos homens; sabendo que recebereis do Senhor o
galardão da herança, porque a Cristo, o Senhor, servis”. E mais: “Vós, senhores,
fazei o que for de justiça e eqüidade a vossos servos, sabendo que também
tendes um Senhor nos céus” (3:22-24 e 4:1). A doutrina do único Senhor
leva inevitavelmente à doutrina da única Igreja e à “unidade do Espírito pelo
vínculo da paz”. Estamos todos ligados a Ele, à mesma Pessoa; e Ele está em
todos nós, e é o nosso “tudo em todos”.
O amor que devemos procurar conhecer, diz o apóstolo, é “o amor de Cristo, que
excede todo o entendimento” (Efésios 3:19). No entanto, acima de tudo, o
apóstolo usa este argumento em sua grande exposição da Encarnação no capítulo
dois da Epístola aos Filipenses, que já citamos. Ele descreve a auto-humilhação
do nosso Senhor para poder dizer, “haja em vós o mesmo sentimento”, o
sentimento que havia em Cristo e que O levou a fazer tanto por nós. E também,
“Nada façais por contenda ou por vangloria, mas por humildade; cada
um considere os outros superiores a si mesmo” e “não atente cada um para o que
é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros” (Filipenses
2:3-5). Certamente todos hão de concordar que, se tão-somente entendêssemos
com clareza a nossa relação com Ele e a nossa doutrina da Segunda Pessoa da
bendita e santa Trindade, a maioria dos nossos problemas seria resolvida
imediatamente. Se apenas O conhecêssemos de maneira que fôssemos capazes
de dizer com Paulo, “Para mim o viver é Cristo”; ou com o conde
Zinzendorf, “Tenho uma só paixão, Ele, e somente Ele”, a maior parte dos
nossos problemas desapareceria. As divisões, os cismas e todos os
fracassos devem-se em última instância à incapacidade de compreender que
há somente “um Senhor”. Quando cada um de nós compreender que o eterno
Filho de Deus pôs de lado a insígnia da Sua eterna glória, desceu à terra, nasceu
como bebê num estábulo de Belém e suportou a contradição dos pecadores
contra Si mesmo por trinta e três anos, foi cuspido, escarnecido e ridicularizado,
sofreu zombaria, e que Ele passou por tudo isso apesar de ter aquela destra na
qual segurar, a Sua igualdade com Deus no céu, mas renunciou à Sua honra -
quando soubermos que Ele fez tudo isso em favor de cada um de nós, então
veremos que não somos nada, e não nos preocuparemos com o que nos faça o
homem. Nada importará então, exceto que vivamos para Ele e para a Sua glória.
Então estaremos preparados para cantar com Isaac Watts -
1
Irlanda do Norte. Nota do tradutor.
2
VA, Almeida Atualizada, e o original grego: “temos”. Nota do tradutor.
UMA SÓ FÉ
aqui, de novo, há uma dificuldade. Se dissermos que quando ele se refere a “uma
só fé” está se referindo a um corpo objetivo no qual se crê - não o meu ato de
crer, porém aquilo em que eu e todos os demais cremos - outra dificuldade
surgirá. E que aqueles que defendem essa idéia tendem a dizer que a fé objetiva
a que se refere Paulo é uma completa confissão ou um compêndio da fé. Aos
olhos desses mestres, “uma só fé” significa que os cristãos adotam e subscrevem
uma das grandes confissões de fé, como a de Westminster, ou os Trinta e
Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, ou o Catecismo de Heidelberg. Fé
aqui, dizem eles, significa um esboço completo do que cremos, um completo
compêndio de teologia. Mais uma vez, esta não me parece uma possível
explicação de “uma só fé”. Na verdade, os que a adotam admitem, e têm que
admitir, que se vêem em dificuldades a esse respeito, e por esta razão, que a
história da Igreja mostra com muita clareza que nem sempre todos os cristãos
concordam com todos os pormenores relacionados com a fé cristã. Tem havido
divergências de opinião sobre diversas questões. Eles admitem que, se vamos
definir “uma só fé” como um completo e detalhado compêndio de
teologia, nunca existiu “uma só fé”. Eles assinalam que o próprio
apóstolo parece insinuar isso mais adiante, quando ele diz, no versículo 13,
“Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus,
a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo. Para que não sej amos
mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo
engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente. Antes, seguindo
a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo”
(versículos 13-15). O apóstolo parece estar concedendo que, até aqui, não
estamos concordes em tudo, entretanto chegará o dia em que nós todos
seremos levados juntos a essa unidade, veremos tudo claramente e estaremos de
acordo acerca de todas as coisas - mas, não ainda!
Parece-me, pois, que não devemos tomar a expressão “uma só fé” no sentido de
acordo em detalhe acerca de todas as coisas, acordo quanto a um completo
compêndio de teologia ou doutrina. O apóstolo utiliza a expressão “uma só fé”
como um argumento em prol da unidade, e diz que todos eles sabem o que é essa
fé. Para ele é um teste objetivo que pode ser aplicado, é algo tão definido como
“um só Senhor”, “um só Espírito” e “um só Deus”, e todas as outras afirmações.
“Uma só fé” é claramente algo que podemos e devemos definir, e sobre o que
devemos dizer que todos os cristãos devem estar de acordo. Que é que isto
significa?
teologia, é algo que com muita freqüência é tratado no Novo Testamento, algo
sobre o que devemos ter claro entendimento. O que defendo é que se refere à
própria essência do evangelho, àquilo que os apóstolos foram especificamente
chamados para pregar, em sua obra de evangelização. É de fato a grande
mensagem do evangelho concernente à salvação ou justificação somente pela fé.
Opino que é a única exposição possível e satisfatória da expressão “uma só fé”
é dizer que o apóstolo está se referindo à fé justificadora; e que esta não é
somente uma fé, mas também a única fé.
cristãos, mas que, se desejavam ser cristãos verdadeiros, eles, como gentios,
deviam sujeitar-se à circuncisão. O apóstolo escreve a sua Epístola para mostrar
que, se alguém faz tal acréscimo à fé, “caiu da graça” e “tem outro evangelho,
que não é evangelho”. De fato ele lhes diz que tivera até que corrigir o apóstolo
Pedro sobre essa questão. Pedro tivera claro entendimento disso, mas tinha
ficado assustado e alarmado com certo gente que descera de Jerusalém, e ele
começara a dissimular e a transigir. Paulo declara que teve que resistir-lhe na
cara (a Pedro) em Antioquia, e o levara a ver de novo que o princípio da fé é o
centro e a glória do evangelho cristão - “uma só fé”.
Mas talvez a exposição mais clara dessa verdade seja a que se acha no décimo
capítulo da Epístola aos Romanos. O apóstolo compara e contrasta as falsas
idéias dos judeus com o verdadeiro método de salvação, e escreve: “Mas que
diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da
fé, que pregamos” (versículo 8). Esta expressão, “a palavra da fé”, refere-se ao
que ele já dissera no versículo 6: “Mas a justiça que é feita pela fé diz assim”. A
afirmação é acentuada pelo contraste com o que diz a Lei - “Moisés descreve
a justiça que é pela lei, dizendo: o homem que fizer estas coisas viverá por elas”.
Depois continua: “Mas a justiça que é pela fé diz assim: Não digas em teu
coração: Quem subirá ao céu? ... Ou: quem descerá ao abismo?... Mas que diz?
A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé que
pregamos”. “A palavra da fé” é a palavra da “justificação pela fé”. É a palavra da
justiça pela fé. É esse o sentido da expressão, “a palavra da fé”. É a palavra
acerca da fé, a palavra acerca da fé como o princípio justificador, a palavra da fé
no sentido de que “O justo viverá da fé”(VA e Almeida, Atualizada, “O justo
viverá por fé”). “A palavra da fé” é a palavra que devemos contrapor à palavra
da Lei.
A justificação é uma ação de Deus, uma ação legal, uma ação forense.
Absolutamente independente de nós, Deus faz um pronunciamento concernente
a pecadores, dizendo que Ele considera aquela pessoa ímpia em particular como
sendo agora justa. Deus a declara justa e livre de todo pecado. A justificação
significa que Deus declara o homem justo aos Seus olhos.
No entanto, como Deus faz isso? Façamos de fato a pergunta que Paulo faz em
Romanos, capítulo 3, versículos 25 e 26: como Deus pode fazer isso? Pois Deus
é santo, justo, reto e puro. Deus não pode
fingir nem disfarçar; Deus não pode dizer uma coisa um dia e desdizê-la no dia
seguinte. Ele é o “Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sobra de
variação” (Tiago 1:17). Ora, Deus disse, desde o início da criação, que, se o
homem pecasse, seria punido e expulso da Sua presença. Ele repetiu isso e o
deixou mais claro quando deu a Lei por meio de Moisés. Ele disse que mantinha
o homem responsável. Deus deixou claro que, por causa do Seu caráter, do Seu
ser, da Sua santidade, da Sua retidão, justiça e eqüidade, o pecado tem que
ser punido. Portanto, como é que Deus pode justificar o ímpio, como é que Ele
pode fazer esse pronunciamento com relação a algum pecador? A grande
resposta é dada numa passagem maravilhosa da Epístola aos Romanos, capítulo
3, versículos 21 a 31. Deus “propôs Cristo para propiciação pelos nossos
pecados”. Quer dizer que Deus tomou os nossos pecados e os colocou sobre
Cristo, e os puniu. Tratou deles em Seu próprio Filho na cruz do Monte Calvário.
Essa é a doutrina: “Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu
sangue”. Este é o coração do cristianismo; de fato, não há cristianismo sem isto.
Esta é “a fé” que todos nós devemos ter e crer, a saber, que “Deus estava
em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados”;
que Deus “fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos”, e que “o fez pecado por
nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Em 2 Coríntios, capítulo 5,
Paulo nos diz: “Somos embaixadores da parte de Cristo, como se Cristo por nós
rogasse. Rogamos-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus”.
Esse é o método de reconciliação, essa é a mensagem de reconciliação que
nos foi transmitida.
tinha feito tudo o que o Pai O enviara para fazer. Ele foi descrito pelo arcanjo
Gabriel a Maria como “o Santo” (VA: “a coisa santa”) (Lucas 1:35). Ele nasceu
cheio de retidão, guardou perfeitamente a Lei e agradou a Deus em tudo,
prestando uma obediência perfeita. O que Deus faz é tomar a justiça de Cristo e
pô-la em nossa conta. Há, por assim dizer, uma grande transação, uma grande
transferência no livro--razão do céu. A nossa injustiça foi posta sobre Ele; a
justiça dEle é posta sobre nós. E assim Deus, tendo tirado de nós os nossos
pecados, e tendo posto sobre nós a justiça de Cristo, declara-nos justos. Esta é a
gloriosa verdade que capacitou o conde Zinzendorf a escrever o grande hino que
João Wesley traduziu com tanta nobreza:
A palavra da fé que pregamos é que a nossa salvação é, toda ela, ação de Deus
por meio deste único Senhor Jesus Cristo. É por isso que “uma só fé” segue-se a
“um só Senhor”. O “um só Senhor” foi enviado pelo Pai. Ele tomou sobre Si a
natureza humana, viveu uma vida perfeita na terra, e então “Deus lançou sobre
ele a iniqüidade de todos nós” e transfere para nós a Sua justiça. Esta nos vem
pela fé, pela “uma fé”, a única fé. Não contribuímos com nada para tudo isso. Os
nossos feitos, as nossa ações não desempenham parte alguma, a nossa bondade
não entra, pois não é bondade aos olhos de Deus, é apenas como “esterco” e
refugo aos olhos de Deus. A nossa busca não ajuda, a nossa capacidade não
ajuda, nada em nós ajuda, em absoluto. É tudo de Deus, é tudo de graça, é tudo
feito por Deus, do princípio ao fim.
A justiça é posta sobre nós. Estávamos em andrajos, por assim dizer, como
condenados no banco dos réus; mas Deus enviou Cristo, pelo Espírito, para tirar-
nos os trapos e vestir-nos com o manto da
perfeita justiça de Cristo. Deus agora olha para nós e vê, não os nossos pecados,
porém a justiça de Cristo. Ele nos vê “em Cristo”. O nosso nascimento natural
não faz nenhuma diferença, a nossa nacionalidade não entra nisso. O grau do
arrependimento que experimentamos não importa, nem o volume da emoção que
o acompanha. Se fizermos do nosso arrependimento um ato meritório, estaremos
negando a fé. O que somos, ou o que fizemos ou não fizemos, não conta; nada
em nós conta; a nossa justiça está toda em Cristo, e pela fé, somente pela fé. O
apóstolo já nos disserano capítulo 2, versículo 8, que a salvação não vem de nós:
“Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus”.
Esta justiça de Cristo nos é dada, e passa a ser nossa, mediante a
instrumentalidade da fé, que também é dom de Deus.
Dessa maneira fica mais claro que o apóstolo menciona “uma só fé”. Neste
ponto em particular ele está interessado no princípio essencial da unidade, e isto
nos ajuda a ver esta unidade. Este é o único meio de salvação. Na verdade diz o
apóstolo que este sempre foi o único meio de salvação. No quarto capítulo da
sua Epístola aos Romanos, Paulo expõe este fato. Diz ele que, embora, num
sentido, o que ele pregava e ensinava era novo por causa da vinda do Filho
de Deus ao mundo, realmente este sempre fora o meio pelo qual Deus justifica o
homem. Ele mostra como Abraão foi justificado aos olhos de Deus, e isso pela
fé, não por suas obras. Ele prossegue e mostra que Davi tinha ensinado a mesma
verdade, dizendo: “Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa
maldade” (Salmo 32:2). A imputação foi também o método de Deus na antiga
dispensação. Pela mesma razão Paulo diz no terceiro capítulo da Epístola aos
Gálatas que Abraão é o pai de todos nós, o pai de todos os que confiam na fé, o
pai de todos os cristãos. Como cristãos, somos filhos de Abraão porque somos
filhos da fé. O décimo primeiro capítulo da Epístola aos Hebreus ensina que isto
vai mais longe, no passado, chegando A Abel, Enoque e Noé. Sempre foi este o
método de Deus. E errado pensar que havia um meio de salvação no Velho
Testamento, e agora outro, no Novo. Não! Deus sempre justificou os homens
pela fé. Abraão foi declarado justo por Deus, mediante a fé. É “uma só fé”; esta
foi sempre a única fé.
Uma vez mais, devemos dar ênfase igualmente ao meio de salvação para judeus
e gentios. Nenhuma outra coisa importa, senão a fé. Não importa se somos
bárbaros, citas, homens ou mulheres, escravos ou livres. Todos viemos pelo
mesmo caminho, e este é sempre o caminho da fé. Somos todos culpados perante
Deus: “Não há um justo, nem um sequer”, “todos pecaram e destituídos estão da
glória de Deus”. Somos
Há, infelizmente, muitas maneiras pelas quais podemos romper a unidade com
relação a esta fé. Uma delas é introduzir algo nosso. Se introduzirmos a nossa
“vida virtuosa” e as nossas “boas obras”, estaremos virtualmente dizendo que
somos melhores do que os outros. Seremos como o fariseu que foi ao templo
orar e que deu graças a Deus porque era um homem tão bom, e muito melhor do
que o publicano. Mesmo que, como cristãos, comecemos a gabar-nos do que
estamos fazendo ou do que somos, estaremos desacreditando a fé e
causando divisão. Qualquer jactância acerca das nossas boas obras, das
nossas vidas, da nossa piedade, e até da nossa fé, é negação do princípio de fé.
Se nos jactarmos do nosso entendimento e nos orgulharmos dele, e desprezarmos
o homem que sabe menos, estaremos rompendo a unidade e violando o princípio
de fé. Quão cuidadosos devemos ser!
Temos que ser cuidadosos para não cairmos nessa heresia sutil. Todo aquele que
ensinar que há alguma outra coisa essencial para a salvação, seja lá o que for,
estará negando esta “uma só fé” e estará dividindo a Igreja. A “uma só fé” é a fé
justificadora. Isso, e somente isso, é essencial. Há muitos outros ensinos que
podem ou não ser verdadeiros. Estamos divididos em nossos conceitos sobre
profecia, em nossas idéias concernentes ao batismo, e sobre muitas outras coisas.
Graças a Deus, essas idéias não determinam a nossa salvação. O único e
exclusivo meio de salvação é que eu venho a Deus e digo de coração: “Nada
trago nas mãos, só me apego à Tua cruz” - e
Assim como estou, sem nada pleitear, senão que morreste por mim E que me
chamaste a vir a Ti,
Isso é fé justificadora! Você sabe que não pode apoiar-se em nada que haja em
você; que toda a sua justiça não passa de “trapo da imundícia” (Isaías 64:6), que
se pudesse viver outros mil anos e jejuar, suar e orar, não estaria mais perto da
salvação do que está neste momento, que não há nada em você que conte, que
tudo está em Cristo,
mediante o Espírito Santo, e que só nisso você põe a sua confiança. Se você crê
nisso, você é cristão. Se não crê, não é. Nenhuma outra coisa é essencial; esta é a
“uma só fé”. Não quero dizer que não há outras matérias muito importantes e
que não precisamos instruir-nos sobre elas, mas sim, que elas não são essenciais
para a salvação. Esta é a única e exclusiva coisa que é um essencial absoluto; e,
portanto, é a única e exclusiva fé.
Você tem isso? Não estou fazendo uma pergunta teórica. Você compreendeu que
esta é a única coisa que nos faz um em Cristo? Você está se apoiando em seus
antecedentes? Você está pondo, na mínima extensão que seja, a sua confiança no
fato de que os seus pais podem ter sido cristãos, e que você foi sempre educado
num lar piedoso e numa atmosfera piedosa, que você sempre freqüentou igreja,
que você sempre acreditou em Deus, que você não cometeu adultério
ou assassínio ou quaisquer pecados grosseiros ou perversos, que você sempre
procura fazer o bem e fazer doações às boas causas? Você está confiando numa
dessas coisas? Se a sua resposta for positiva, você está fora da “uma só fé”, e
está fora de Cristo. A mensagem do evangelho, a mensagem da salvação é sobre
“a justiça de Deus pela fé”, “de fé em fé”, “O justo viverá pela fé”, ou, “O justo
pela fé viverá”. A “uma só fé” é a fé que pronta, alegre e sinceramente reconhece
esta verdade, dá graças a Deus por ela, regozija-se nela, é a fé que, com o
apóstolo Paulo, diz: “Longe estej a de mim gloriar-me, anão ser na cruz de
nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e
eu para o mundo” (Gálatas 6:14). Conceda-nos Deus que todos nós tenhamos a
“uma só fé” e que nesta fé descansemos, nela nos alegremos, para a glória de
Deus o Pai, do único Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, e do bendito Espírito
Santo.
UM SÓ BATISMO
Uma terceira interpretação fala de “um só batismo” como uma referência ao rito
do batismo, e nada mais. Eles não crêem na regeneração batismal; não ensinam
que algum modo particular é essencial. Alegam que há o rito do batismo e,
assim, o apóstolo estava simplesmente se referindo ao fato de que, quando as
pessoas se tornavam cristãs, eram batizadas, e que essa era a sua iniciação
no corpo visível da Igreja. Como veremos, há algo que se pode dizer em favor
desta terceira idéia, mas temos que ser cuidadosos, porque sempre há o perigo de
fazer do batismo algo essencial para a salvação. Mesmo que rejeitemos a
doutrina da regeneração batismal, que evidentemente não é ensinada em parte
alguma das Escrituras, porém foi introduzida para estabelecer o poder do
sacerdócio e da igreja, há o perigo de fazermos do próprio rito um elemento
essencial. Certamente não devemos fazer isso nunca. Não devemos dizer que o
batismo, em qualquer forma ou modo, é vital e essencial para a salvação, e que
um homem não pode ser salvo, a não ser que seja batizado. Isto pela boa e
suficiente razão que tem havido excelentes cristãos entre os quaeres,
particularmente os quaeres primitivos, e entre os membros do Exército de
Salvação hoje, e outros. Tome-se o caso do ladrão moribundo na cruz, ao lado do
nosso Senhor. Seguramente ninguém duvida da sua salvação, da sua conversão,
da sua regeneração; todavia, ele não foi batizado. Tem havido outros
que chegaram a ver a verdade em seus leitos de morte e nunca foram batizados.
O batismo não é essencial para a salvação; assim é que não pode ser que o
apóstolo estivesse dando ênfase ao rito em si.
Parece claro, portanto, que devemos rejeitar essas três sugestões. No lugar delas
eu sustento que o apóstolo está se referindo àquilo que o batismo representa e
significa. Era, como sabemos, costume na infante Igreja Cristã, como devia ser
ainda, batizar todos os que se tomavam crentes. Temos exemplos disto no livro
de Atos dos Apóstolos. Vejam, por exemplo, o que aconteceu no dia de
Pentecoste. Quando certas pessoas clamaram e disseram a Pedro: “que
faremos, varões irmãos?” A resposta de Pedro foi: “Arrependei-vos, e cada
um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e
recebereis o dom do Espírito Santo”. Mais tarde se nos diz que o carcereiro de
Filipos “creu e logo foi batizado, ele e todos os seus”. Isso era feito em
obediência a uma ordem do Senhor. O Batismo e a Ceia do Senhor deviam ser
observados; estas são as duas, e as únicas duas ordenanças que reconhecemos,
porque são as únicas duas ensinadas nas Escrituras. No entanto, é muito
importante compreender que estas são simplesmente representações externas de
uma graça interna, invisível e espiritual. O significado é o elemento vital.
Portanto, estou preparado para argumentar que o único sentido concebível que
esta expressão pode ter deve estar na esfera dessa representação espiritual que é
significada pelo rito externo do batismo, seja qual for a forma ou maneira ou
modo que você escolha ou empregue. Não é o modo do batismo que importa, é a
realidade significada. É assim porque somente esta interpretação é coerente
com o princípio da unidade acerca da qual o apóstolo está escrevendo e
está interessado em salientar. Quero mostrar que no batismo, seja que
você batize uma criança ou um adulto, quer o faça por imersão quer
por aspersão, esta unidade é possível - quer dizer, se a pessoa batizada se toma
cristã. Estamos rejeitando completamente a opinião de que batizar uma criança
faz dela uma cristã; e igualmente esse batismo não faz de um adulto um cristão.
O ato do batismo não efetua nada por si
mesmo; mas ele representa e significa algo, e é isto que exibe o elemento de
unidade.
Esta é uma descrição daquilo que é próprio de todos os que estão em Cristo.
Portanto, o batismo representa e significa a nossa introdução na esfera e sob a
influência do Senhor Jesus Cristo. Significa que anteriormente nós pertencíamos
ao mundo, pertencíamos ao domínio do mundo; mas no momento em que nos
tornamos cristãos, saímos do domínio do mundo para o domínio de Cristo, e o
batismo significa isso. Escrevendo aos colossenses, Paulo diz que Deus ‘ ‘nos
tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu
amor” (1:13).
Assim, o batismo representa e significa que eu e vocês, que somos cristãos, não
pertencemos mais ao mundo, ao seu reino e aos seus interesses; mas, sim, que
agora pertencemos ao Senhor Jesus Cristo. Ele é para nós o único Senhor, o
único que reconhecemos como Mestre e Senhor. Compreendemos que estamos
por completo numa nova esfera e num novo reino; deixamos o mundo e O
seguimos. E isso que o batismo representa. Pensem de novo nos ouvintes de
Pedro no dia de Pentecoste. Havia judeus e prosélitos, e outros; eles estavam
ouvindo o sermão de um homem cheio do Espírito Santo. Enxergaram e
creram a verdade, e deram o momentoso passo de batizar-se em nome de
Jesus Cristo. Sabiam que isso poderia muito bem levá-los a sofrer perseguições,
que as suas famílias poderiam odiá-los, e talvez votá-los ao ostracismo porque
criam neste Jesus, neste Nazareno, que tinham sido crucificado como criminoso.
Mas, tendo enxergado a verdade, identificaram-se com Ele, submeteram-se ao
batismo e, ao serem batizados, identificaram-se com Cristo e Sua causa. Estavam
declarando que Jesus de Nazaré é o Senhor, que no reino espiritual César não é
o Senhor, porém Jesus é o Senhor, e não há outro, que Ele é o Messias, o
Libertador há tanto tempo esperado.
Todos nós que dizemos que estamos “em Cristo” estamos proclamando que
abandonamos tudo mais, que unicamente Ele é o nosso Mestre e Senhor, que
doravante vamos segui-10. Ele mesmo disse: “Se alguém quiser ser meu
discípulo, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me” (cf.
Mateus 16:24). O batismo representa e significa que fizemos isso. A importância
disto, com relação à unidade, é óbvia. Antes éramos indivíduos, cada
homem exercendo a sua própria vontade e cada qual seguindo o seu
caminho; cada homem centralizado em si mesmo e egoísta. Ao nos
submetermos ao batismo, negamo-nos a nós mesmos, tomamos a cruz e
seguimos a Cristo. E óbvio que quando o fazemos sinceramente, não pode haver
divisão, só terá que haver unidade. Visto que todos nós desistimos de nós
mesmos, negamo-nos a nós mesmos e estamos olhando e seguindo o único
Senhor. Como os filhos de Israel não decidiram sobre a travessia do Mar
Vermelho, mas atenderam ao chamado de Moisés e o seguiram, assim nós não
somos mais guiados pelas nossas vontades, e sim O seguimos; e, daí, somos
todos um. O único batismo leva inevitavelmente à unidade.
No entanto, esta verdade maravilhosa ainda não se finda nisso. Há algo mais
profundo, a saber, aquilo que vemos no sexto capítulo da Epístola aos Romanos.
“Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo, fomos
batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na
morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, assim
andemos nós também em novidade de vida” (versículos 3 e 4). Esta declaração
faz parte da seção de doutrina que começa no versículo 12 do capítulo cinco da
Epístola aos Romanos, onde o apóstolo está mostrando aos crentes, pessoas
cristãs, que como outrora eles estavam “em Adão”, e ligados a ele, agora estão
“em Cristo” e ligados a Cristo, e são uma parte de Cristo.
Pois bem, este é o argumento: Adão foi o primeiro homem. Nele estava junta
toda a humanidade, e ele era a totalidade da raça humana. Não somente isso,
Deus o fizera chefe e representante de toda a raça humana. Deus falou com ele
nessa qualidade, e lhe destinou e fez com ele uma aliança. Deus lhe disse que, se
ele pecasse, seria punido com a expulsão do Jardim, e sofreria a morte. Adão
desobedeceu e, como a argumentação do apóstolo mostra no restante do capítulo,
as conseqüências do pecado de Adão caíram sobre toda a sua posteridade. Todos
nós pecamos em Adão, porque todos estávamos “em Adão”; todos estávamos,
por assim dizer, nos lombos de Adão. Toda a humanidade vem de Adão; assim, o
que ele fez, todos nós fizemos. Isso por causa da raça humana. Adão foi o nosso
chefe federal e o nosso representante, de modo que o que ele fez, ele o fez por
nós; e somos responsáveis por isso, e as conseqüências vêm sobre nós.
“Em Adão todos morremos.”
Tudo que aconteceu a Cristo, diz o apóstolo, aconteceu conosco. Ele foi
crucificado; e fomos crucificados com Ele. “Fui crucificado com Cristo”, diz
Paulo aos Gálatas; e, como vimos em Romanos 6:3, “Ou não sabeis que todos
quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?”
Quando Adão pecou, nós pecamos. Quando Cristo morreu, nós morremos. Nós
morremos com Ele. Fomos sepultados com Ele, o que significa que estamos
“mortos para o pecado”. “Nós, que estamos mortos para o pecado, como
viveremos ainda nele?” O apóstolo passa a explicar que “aquele que está
morto está justificado do pecado” (Romanos 6:7). Diz ele: “Sabendo
que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não
terá mais domínio sobre ele”. Quanto a nós isto significa que estamos mortos
para o reino do pecado, estamos mortos para toda a autoridade do pecado,
estamos mortos para “o mundo”. Diz ainda o apóstolo aos gálatas: “Longe esteja
de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o
mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (6:14). Sintam-no vocês
ou não, se estamos em Cristo, essa é a verdade concernente a nós. Todos nós
pertencemos por natureza ao mundo, ao diabo e ao pecado; mas, tendo sido
crucificados com Cristo, não pertencemos mais àquela esfera. Fomos
crucificados para o mundo, e o mundo foi crucificado para nós. Coloquemos
o ponto desta maneira: outrora eu era um homem em Adão, mas tendo morrido
com Cristo, não estou mais naquela situação. Não pertenço mais à raça de Adão;
eu pertenço à nova raça que começou no Senhor
Jesus Cristo, que é “o primogênito entre muitos irmãos”. “Sabendo isto, que o
nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja
desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” (Romanos 6:6).
Nada é mais importante que a compreensão desta verdade particular. Ela afeta o
princípio de unidade da seguinte maneira: o pecado sempre leva à divisão e à
discórdia. No momento em que o homem pecou e caiu, a discórdia e a desunião
entraram no mundo. Vocês podem delinear a história nos primeiros capítulos de
Gênesis. Vocês vêem Caim chegar a matar o seu irmão. Esse é o efeito do
pecado. O pecado sempre divide porque leva ao egoísmo. O homem rebelde
e pecador não dobra mais os seus joelhos para Deus; ele próprio se fez um Deus.
Cada qual se faz um Deus, e assim há discórdia e desunião, rivalidade e conflito.
Assim é sempre o homem adâmico. E assim o mundo está dividido hoje como
sempre esteve no transcurso dos séculos; e há divisões entre nações, raças,
grupos e alinhamentos de nações, por causa da natureza adâmica que está no
homem. Mas quando um homem está “em Cristo”, está ligado a Ele; morreu
com Ele; o velho homem está morto; ele é um novo homem. E posto que essa é a
verdade a respeito de todos os que estão em Cristo, não deveria haver nenhuma
divisão, nenhum conflito, nenhuma separação.
“Um só Senhor, uma só fé, um só batismo.” Não somos mais criaturas adâmicas.
Não devemos estar mais exercendo as nossas vontades separadas, e não deve
haver mais divisão, rivalidade, ciúme, inveja. Não devemos começar a dizer:
“Eu sou de Paulo, eu sou de Apoio, eu sou de Cefas”. Não devemos gabar-nos
de nomes; há somente um nome - “um só Senhor, uma só fé, um só
batismo”. Estamos nEle, não somos mais adâmicos, somos cristãos, somos
povo de Cristo. Morremos com Ele, fomos sepultados com Ele. O velho homem
e os seus caminhos foram levados ao fim. Mas, graças a Deus, há também o
positivo. Também “ressuscitamos com ele”. Recebemos nova vida dEle, através
dEle. Embora estivéssemos mortos em ofensas e pecados, fomos vivificados
“juntamente com Cristo”.
um membro do corpo. Cristo é a Videira, e ele é um ramo. Ele está “em Cristo”,
faz parte de Cristo. A vida de Cristo está nele, e é a mesma vida que está em
todos os membros. Tudo isso é verdade quanto ao cristão porque ele foi batizado
naquele corpo único de Cristo pelo Espírito Santo (1 Coríntios 12:13). Este é o
verdadeiro significado de “um só batismo”. Quando e enquanto
compreendermos isto, e quando todos vivermos à luz disto, não poderá haver
divisão. Cristo não está dividido, o corpo é um só; ele tem uma unidade
orgânica. Não deve haver cisão no corpo, não deve haver guerra civil. Todos nós
e cada um de nós estamos “nele”, a Cabeça viva, e Sua vida está em
nós, permeando o nosso ser, enchendo-nos com o seu poder,
derramando amplamente o seu amor dentro de nós.
Vemos assim, o que o apóstolo quer dizer com este “um só batismo”. Ele não
está pensando em termos do rito; não é nada mágico; é esta percepção de que há
somente um nome e um só Senhor, há somente uma vida, a vida do Filho de
Deus, que nos redimiu, que ascendeu ao céu, em quem fomos incorporados, e
cuja vida é a nossa vida. Escrevendo aos Colossenses, Paulo diz: “Quando
Cristo, que é a nossa vida, se manifestar...”. (3:4). Ele é a nossa vida. Quando
cada um de nós poder junta-se à proclamação: “Vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim”, seremos todos um nesta unidade espiritual viva. O velho ego terá
desaparecido e seremos um em Cristo, a Cabeça viva.
UM SÓ DEUS
principal desejo e propósito do Filho era glorificar o Pai. Isto precisa ser
salientado na época atual porque há uma tendência de se deixar de lembrar isto.
Há uma escola popular de teologia que dá ênfase ao aspecto cristocêntrico da
salvação. Num sentido é correto fazê-lo; todavia nunca devemos parar no Filho.
O apóstolo Pedro, em sua primeira Epístola, lembra-nos isto quando escreve:
“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos a Deus” (3:18).
O apóstolo está interessado em mostrar que tudo que se relaciona com a nossa
salvação sugere o elemento de unidade; e em nenhuma outra parte se vê isso
mais claramente do que na doutrina das Pessoas da bendita e santa Trindade.
Cada Pessoa da Trindade está interessada em nós e em nossa salvação; cada
Uma delas trata de um aspecto particular dessa obra, e cada Uma delas coopera
com as Outras. O apóstolo está incentivando os crentes efésios a se lembrarem
disto sempre. Ele não começa falando-lhes imediatamente a respeito
deles mesmos; lembra-lhes, em vez disso, a grande verdade objetiva concernente
à salvação deles. Esta é a chave para a maior parte dos nossos problemas. Vejo
cada vez mais que a maioria das dificuldades da vida cristã deve-se^ao fato de
que somos demasiado subjetivos e passamos muito tempo examinando-nos a nós
mesmos e tomando o nosso pulso espiritual, por assim dizer. A cura para muitas
doenças e enfermidades da alma está em dar atenção à grande verdade
objetiva, à glória da nossa redenção e salvação. Se tão-somente nos
déssemos conta de que as três benditas Pessoas de Trindade santa estão íntima e
ativamente interessadas em nós e em nossa salvação, toda a nossa situação
mudaria completamente. O ensino bíblico concernente à salvação é que, antes
mesmo do tempo, num eterno conselho do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a
nossa salvação foi planejada e projetada; e na plenitude do tempo ela foi posta
em ação. Como membros da Igreja, ensina-nos o apóstolo, estamos em relação
com o Espírito e o Filho e o Pai. E esta relação torna inevitável a questão
da unidade.
Como será que isto nos ajuda a entender este princípio de unidade? A primeira
expressão é, “um só Deus”. Isto quer dizer que, como cristãos, constatamos que
existe somente um Deus. O mundo pagão ao qual os cristãos efésios tinham
pertencido anteriormente não cria nesta verdade. Como o apóstolo lembra aos
coríntios, “sabemos (nós, cristãos) que o ídolo nada é no mundo, e que não há
outro Deus, senão um só. Porque, ainda que haja também alguns que se chamem
deuses, quer no céu, quer na terra (como há muitos deuses e muito
senhores), todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem
nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós
por ele” (1 Coríntios 8:4-6). Aqui também, no interesse da unidade, o apóstolo
está apresentando o argumento do “um só Deus”. A crença numa multiplicidade
de deuses sempre leva à divisão. Este adora a Júpiter, aquele a Mercúrio, outro
adora ao deus Marte ou a algum outro Deus. As vilas e cidades dos pagãos
estavam repletas de altares dedicados aos diversos deuses, como Paulo viu em
Atenas. Isso, Paulo ensinava em toda parte, era resultado da obra do diabo;
pois há unicamente “um Deus”. E, uma vez que há somente um Deus, tem que
haver unidade essencial entre os que crêem nEle.
O apóstolo não está só ensinando que há somente um Deus, mas também está
acentuando o fato de que Deus é um só. Este é um grande mistério, porém é a
essência da doutrina da Trindade. Não cremos que existem três deuses; há um só
“Deus em três Pessoas, a bendita Trindade”. A grande doutrina específica que os
judeus tinham que preservar e proteger era esta verdade e doutrina concernente à
unidade de Deus, que “Deus é um”. Isto explica por que alguns dos judeus
a princípio achavam difícil crer no Senhor Jesus Cristo, que Se dizia um com o
Pai. Isto parecia insinuar que há dois deuses, mas não é assim. Não tentem
entender isto; ninguém pode entender este mistério último. Contudo é a verdade
que encontramos nas Escrituras. Deus é Um - há uma só Deidade. Todavia há
três Pessoas na Deidade. Isto não implica três deuses, não triteísmo, e sim
monoteísmo - três Pessoas na Deidade Eterna e Una. Evidentemente, esta
verdade está na mente do apóstolo aqui. Reconhecemos o Espírito;
reconhecemos o Filho; reconhecemos o Pai; não obstante, dizemos que os três
são um só Deus.
As Escrituras ensinam isso do começo ao fim. Lemos que o Espírito está em nós,
que Cristo está em nós, que Deus está em nós. Lemos que o Espírito fez certas
coisas, lemos noutras partes que Cristo fez as
mesmas coisas, e ainda que o Pai fez as mesmas coisas. Essa é apenas uma
maneira de salientar esta verdade, que os Três são Um na Deidade etema - “Deus
em três Pessoas, a bendita Trindade”. É Trindade em Unidade, é Triunidade. Isso
de novo reforça e acentua o princípio de unidade na Igreja. Assim como as três
benditas Pessoas são um só Deus, também nós, que adoramos e pertencemos a
Deus, somos igual e necessariamente um só. Portanto, devemos lembrar-nos de
“guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” examinando, crendo
e admirando esta doutrina da Trindade.
Sendo este o grande fim e objetivo da salvação, todos nós, que somos cristãos,
devemos, portanto e evidentemente, vir juntos ao mesmo Deus; e se viermos ao
mesmo Deus, não poderá haver divisões. Todos nós temos um e o mesmo objeto
de culto. O apóstolo já tinha tratado disso várias vezes em porções anteriores
desta Epístola. No capítulo 2, versículo 18, ele diz: “Porque por ele (Cristo)
ambos (judeu e gentio) temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito”. O judeu
era anteriormente um adorador de Deus, enquanto que o gentio era um adorador
de uma das divindades pagãs; mas agora tudo isso passou e tanto o judeu como o
gentio têm “acesso ao Pai em um mesmo
Além disso, podemos e devemos lembrar-nos de que todos nós estamos indo a
este único Deus, ao mesmo Deus. Estamos agora na terra e estamos juntos como
membros da Igreja. A nossa salvação nos reconcilia com Deus, e nos habilita a
cultuá-10. Mas não somos estáticos; somos apenas “estrangeiros e peregrinos”
neste mundo, estamos “marchando para Sião”. Todos vamos encontrar e ver
o mesmo Deus. “Bem-aventurado os limpos de coração, porque eles verão a
Deus.” Estamos indo para o mesmo lar eterno. Como o hino já citado nos
lembra:
Ah, que possamos compreender que estamos todos sob os olhos de Deus, e que
todos estamos indo a Deus! Há somente um Deus, e nada mais importa.
Contudo, o apóstolo não nos deixa nisso; diz ele: “Um só Deus e Pai de todos, o
qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. É sumamente importante que
notemos que a palavra todos não está no gênero neutro, e sim no masculino. Isto
é importante porque, quando ele diz, “Um só Deus e Pai de todos”, não quer
dizer todas as coisas - a criação, o
universo, o cosmos e tudo o que ele contém - mas todas as pessoas. Não
obstante, devemos apressar-nos a acrescentar que não significa cada indivíduo
singular que já viveu ou ainda viverá. Há os que se dispõe a dizer que o sentido é
esse, e que vêem neste versículo um argumento em prol daquilo que eles
chamam “Paternidade Universal de Deus”. Deus, afirmam eles, é o Pai de todos,
e nós, como cristãos, não devemos restringir a paternidade de Deus unicamente a
nós. Uma cuidadosa análise da declaração mostra que não pode ser esse
o sentido. O apóstolo está escrevendo acerca da Igreja; não está escrevendo
acerca do mundo. Está escrevendo aos que pertencem a um “corpo”, aos que
estão “em Cristo”; está escrevendo a cristãos aos quais exorta a se esforçarem
para “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Ele não está pensando
no mundo em geral, porém nos que foram recolhidos do mundo e incorporados
no corpo de Cristo, e que são membros do Seu corpo místico. A referência toda é
unicamente ao povo cristão; o termo “todos” cobre todos os cristãos, e
ninguém mais.
Não só isso, pois a última frase aí, “e em todos”, basta para firmar a questão uma
vez por todas. Essa frase nunca é utilizada acerca do incrédulo, do não cristão.
Deus está somente “no” crente, “no” cristão. Contudo, podemos ir adiante e dar
uma conclusiva prova afinal. O versículo seguinte - o versículo 7 - estabelece a
nossa argumentação além de toda e qualquer dúvida, no sentido de que o
apóstolo está falando acerca da Igreja - “Mas a graça foi dada a cada um de
nós segundo a medida do dom de Cristo” - e ele passa a tratar da distribuição de
dons e trabalhos dentro do corpo, da Igreja. Assim, desde o início ele está
limitando a sua atenção à Igreja, ao povo cristão, e não está dizendo coisa
alguma sobre os de fora.
no capítulo 3, ele se refere ao “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a
família nos céus e na terra toma o nome” (versículos 14 e 15), e ele está apenas
repetindo isso aqui. Se tão-somente víssemos e entendêssemos pelo Espírito que
somos filhos de Deus, isto revolucionaria todo o nosso modo de pensar e de
viver. O apóstolo Pedro, empregando uma expressão diferente, afirma que somos
“participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). Não significa que os
tornamos deuses, mas sim, que nos foi dado um princípio de vida que vem
do próprio Deus.
E isso que realmente significa ser cristão. O cristão é alguém que nasceu de
novo, nasceu do Espírito, nasceu de Deus. Este princípio da vida divina e eterna
foi posto nele; portanto, ele é o filho de Deus. Deus é seu Pai. Isto
necessariamente introduz o princípio da unidade. Como cristão, somos todos
filhos de Deus, filhos do mesmo Pai, pertencentes à mesma família. Pertencemos
à família da qual Paulo nos lembrara no fim do capítulo dois, onde ele diz: “Já
não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família
de Deus”. Fomos adotados na família de Deus, e Ele enviou aos nossos corações
o Espírito de Seu Filho, que clama: “Aba, Pai” (Gálatas 4:6). Quão pouco
pensamos nestas coisas, e quão raramente falamos delas! Como nos
preocupamos com exterioridades e com as coisas que se acham na periferia e na
circunferência da nossa vida cristã! Se retomássemos a estas centralidades, se
tão-somente nos déssemos conta do sentido desta particular declaração de que
Deus é nosso Pai, de que pertencemos à Sua família, e de que Ele cuida de nós
como Seus filhos queridos e bem-amados, toda a nossa perspectiva mudaria e a
unidade se seguiria inevitavelmente, como a noite segue-se ao dia.
O apóstolo era um sábio mestre. Conhecia estes efésios, e a nós. Por isso não
deixa isto como uma declaração geral; vai adiante, às particularidades,
acrescentando: “O qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. Este acréscimo
não é mero floreio retórico nem vão acúmulo de palavras. É o desenvolvimento
do que ele já dissera em detalhe, sabendo que, se eles captassem isto,
solucionaria os seus problemas e os ajudaria a guardar “a unidade do Espírito
pelo vínculo da paz”. Ele divide a declaração geral em três pontos
particulares. Alguns interpretam isto entendendo que, obviamente, o apóstolo
está se referindo de novo à doutrina da Trindade. Dizem eles que “um só Deus e
Pai de todos, o qual é sobre todos” refere-se a Deus o Pai; “por todos” refere-se a
Deus o Filho; “e em todos (vós)” refere-se a Deus o Espírito Santo. Muitos
grandes e cultos comentadores argumentam desse modo, provavelmente
inclinados a se repetirem uns aos outros.
Mas por certo essa é uma explicação e exposição totalmente impossível pela boa
e suficiente razão que o apóstolo está tratando aqui unicamente do Pai, de “Um
só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. Ele já
falara do Espírito e do Filho; agora fala do Pai, e, indubitavelmente, estas três
afirmações referem-se ao Pai.
Minha opinião é que Paulo já nos dera nos três primeiros capítulos uma
exposição do que ele quer dizer aqui. A primeira coisa que ele diz acerca do Pai
é que Ele é “sobre todos”. Significa que Deus está acima de todos. E uma
referência à supremacia de Deus o Pai, à posição exaltada do Pai, ao fato de que,
na “economia” da Trindade, Deus o Pai é supremo. Na obra de salvação o Filho
subordinou-Se ao Pai, embora sendo co-igual e co-etemo com Ele; e o Espírito
subordinou-Se ao Filho e ao Pai. O Pai está “acima de todos”; a Ele pertence a
supremacia final. Refere-se isto ao fato de que Deus é Criador, de que Deus
é supremo, acima de todo o universo, de todo o cosmos? Isso é verdade; mas não
é isso que o apóstolo tem em mente aqui. Ele está pensando em termos da Igreja.
E quando ele diz que Deus, o único Pai, é sobre todos, está querendo dizer sobre
todos na Igreja e para a Igreja dos redimidos. Certamente o sentido é que em
toda esta questão da Igreja, esta questão dos redimidos, no meu caso, no seu e de
todos nós que estamos no corpo de Cristo e nesta bem-aventurada unidade, Deus
o Pai é o originador de tudo isso. A Igreja é o Seu grande propósito e desígnio. O
apóstolo já estivera dizendo e expondo isto no primeiro capítulo: “Bendito o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (versículo 3). Aí é onde ele começa, e
aí é onde nós devemos começar em nosso pensamento. Ele está prestes a expor a
doutrina cristã, ele está prestes a revelar a coisa admirável que Deus fez,
trazendo a Igreja à existência, e começa com, “Bendito o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo”. Mas ele continua dando ênfase à mesma coisa
nos versículos seguintes: “Como também (Deus o Pai) nos elegeu nele (Deus o
Filho) antes da fundação do mundo, e nos predestinou para filhos de adoção por
Jesus Cristo para si mesmo (Deus o Pai)”. O Pai concebeu a idéia, planejou-a,
projetou-a. Notem depois a significativa frase no final do versículo 5, “segundo
o beneplácito de sua vontade” - a vontade de Deus.
Paulo diz, porém, em segundo lugar, que Deus não somente é “sobre todos”, mas
também é “por todos”, ou “produz energia” em todos. Pode-se considerar isto
como uma descrição da providência de Deus. Noutras palavras, Paulo está
dizendo que Deus permeia toda a vida da Igreja e a sustenta. É a energia de Deus
que trouxe à existência a Igreja, mantém em existência a Igreja e a manterá
existindo até à consumação final. O apóstolo mesmo expõe isto no fim do
capítulo primeiro, onde, tendo dado graças a Deus pelos cristãos efésios, diz-lhes
que está orando por eles desta maneira: “... tendo iluminados os olhos do vosso
entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as
riquezas da glória da sua herança nos santos; e qual a sobreexcelente grandeza
do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu
poder, que manifestou em Cristo” (versículos 18-20). O seu desejo quanto a eles
é que se apercebam da sobreexcelente grandeza do poder de Deus, “a energia da
força do seu poder”, para com os todos os que crêem. Este é o poder que os
havia tirado das trevas e da morte para a luz e a vida, quando eles estavam
“mortos em ofensas e pecados”. Ele os vivificara e os ressucitara dos mortos
com essa energia. Homem nenhum seria salvo, nem poderia ser salvo, a não ser
pela energia de Deus; é Ele que nos vivifica e nos ressucita da morte decorrente
do pecado.
Isto é desenvolvido no capítulo 2. Deus não parou em nossa vivificação. Ele nos
mantém e nos sustenta. Nada é mais importante, diz Paulo a estes efésios, do que
o fato de conhecer esta “sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que
cremos”. E este poder está em todos nós. A mesma energia, a mesma vida e o
mesmo poder estão em todos nós. O conhecido hino, que fala da natureza da
Igreja, lembramos isto:
Uma só, a luz da presença divina Por sobre o Seu povo remido espalhou,
Com a mesma idéia em mente, Paulo, escrevendo aos fdipenses, diz: “Operai a
vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o
querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (2:12-13). Vê-se aenergia de
Deus na santificação, como em todas as partes da nossa salvação. Ele é “sobre
todos”; Ele é “por todos”. Finalmente, Ele é “em todos vós”. Esta, a coisa mais
espantosa de todas, não significa nada menos que o fato de que Deus o Pai,
como Deus o Filho e Deus o Espírito Santo, está em todos nós. O
apóstolo dissera no capítulo 2: “Já não sois estrangeiros, nem forasteiros,
mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; edificados sobre
o fundamento dos apóstolos, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina;
no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no
qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito”
(versículos 19-22). A Igreja é habitação de Deus; Ele habita nela, e, portanto, em
nós. O nosso Senhor mesmo já tinha ensinado isto, como vemos no Evangelho
Segundo João: “Jesus respondeu, e disse-lhe: se alguém me ama, guardará a
minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele a morada”
(14:23). Estas palavras expõem a verdade em todo o seu esplendor, encanto e
glória. Não podemos contemplá-la sem sermos um. Não é surpreendente que o
nosso Senhor, em Sua “oração sacerdotal”, tenha orado assim: “Para que todos
sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um
em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a
mim
me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para
que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me
enviaste a mim, e que tens amado a eles como me tens amado a mim” (João
17:21-23). “Um só Deus e Pai, o qual é sobre todos, por todos, e em todos.”
Você tem contemplado esta grande verdade? Você tem considerado o fato de que
Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo estão interessados em sua
redenção? Você entendeu que somente a percepção disso no faz um? O fim de
toda a doutrina é levar ao conhecimento de Deus e ao serviço de Deus; todo e
qualquer conhecimento que possamos ter será inútil se não nos levar a esse
ponto. Se o seu espírito não for humilde, se você não tiver amor, se não estiver
interessado nesta unidade do povo de Deus, você não terá nada melhor do que
um conhecimento intelectual que, além de estéril, na verdade pode até ser do
diabo. Disse o nosso Senhor: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as
fizerdes” (João 13:17). Você está lutando para aperceber-se de que há “um só
corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da
vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de
todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”? Diz-nos o apóstolo Pedro
que os anjos desejam examinar bem isso. Você o está examinado?
“Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo.
Pelo que diz: subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens.
Ora, isto - ele subiu - que é, senão que também antes tinha descido às partes
mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de
todo os céus, para cumprir todas as coisas.”
Efésios 4:7-10
Embora esta grande declaração comece com a disjuntiva “mas”, é óbvio que o
assunto de que trata está estreitamente relacionado com o de que estivemos
tratando. Noutras palavras, “mas” é, afinal de contas, uma conjunção. Implica
um contraste, porém, ao mesmo tempo, levamos de volta ao que se passou antes.
Evidentemente, o apóstolo está continuando ainda com o assunto da unidade da
Igreja; ainda está desenvolvendo a exortação a “guardar a unidade do Espírito
pelo vínculo da paz”. Entretanto, agora vai fazê-lo de maneira
ligeiramente diversa; ele vai examinar outro aspecto do assunto. Por isso
emprega esta particular palavra “mas”. E essencial que o tenha feito, pois, se
não o fizesse, correríamos o real perigo de ter um falso entendimento e uma falsa
concepção do que significa esta unidade.
família de Deus, não há diferença. Pensem numa família, numa família grande;
uns podem ser meninos, outros meninas, mas todos eles são filhos. Os meninos
não são mais filhos do que as meninas, e as meninas não são mais do que os
meninos. Podem ser diferentes em muitos aspectos, mas isso não faz a menor
diferença quanto à sua relação, quanto ao fato de que são filhos, quanto ao fato
de que eles estão nessa peculiar relação com o seu pai. A imagem e ilustração do
corpo transmite claramente a mesma noção, a mesma idéia.
Nesses aspectos somos todos idênticos, somos todos um, somos todos iguais.
Contudo - e é disto que o apóstolo vai tratar agora - a nossa unidade não
significa que somos idênticos em cada um dos aspectos singulares. Mil vezes
não! “A cada um de nós.” Nesta expressão ele inclui diversidade, diferença,
variedade e variação. A especial glória da unidade é que é uma unidade na
diversidade, uma unidade que abrange variação e variedade. Somos
essencialmente um, porém em muitos aspectos diferimos. Devemos manter em
nossas mentes estes dois princípios juntos o tempo todo. A diversidade
não destrói a unidade; e a unidade não elimina a diversidade. Esta é a especial
glória da graça redentora; este é o milagre da redenção. Este é o fenômeno
peculiar que a Igreja Cristã deve manifestar e demonstrar ao mundo, e que
nenhuma outra coisa o pode fazer.
O apóstolo firma o grande princípio com as palavras: “Mas a graça foi dada a
cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo” (versículo 7). O princípio
determinante é que o próprio Senhor Jesus Cristo é a Cabeça da Igreja e é o
Doador da variedade de dons de que se serve a Igreja em geral e cada membro
em particular. Este é o princípio que garante a unidade na diversidade. O
apóstolo desenvolve este mesmo princípio no capítulo doze da sua Primeira
Epístola aos Coríntios. Ali ele o faz em termos do Espírito. Chega quase à
mesma coisa, porque,
como ele nos diz aqui, é o Senhor Jesus Cristo que dá o Espírito, e dá os Seus
dons por intermédio do Espírito. Aos coríntios ele diz: “Ora há diversidade de
dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é
o mesmo” (1 Coríntios 12:4-5). Aí temos precisamente o mesmo princípio
central e determinante.
Agora, no entanto, surge uma questão que insiste em chamar a nossa atenção. É
algo que é muito característico deste apóstolo, e que ele vai desenvolver: “Mas a
graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo”.
Antecipamos que ele está para dizer imediatamente, “e ele mesmo deu uns para
apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para
pastores e mestres”. Mas não o faz. E o que ele eventualmente, e claramente,
tenciona dizer; todavia ele se interrompe e insere o conteúdo dos versículos 8,9 e
10. Estes versículos constituem uma espécie de parênteses, e é isso que é tão
característico do método de Paulo como escritor. Ora, por que será que ele segue
este método? Há apenas uma resposta a essa pergunta. Ele tinha mencionado o
nome de Cristo: “Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do
dom de Cristo”. A menção do nome bendito imediatamente o inflama e o
entusiasma. Ele não pode conter-se, e despeja estes três versículos com esta
tremenda declaração acerca do nosso bendito Senhor e Salvador. Dou ênfase a
isto porque ilustra o fato de que o apóstolo Paulo amava tanto o Senhor
Jesus Cristo que a simples menção do Seu nome sempre o comovia até
às profundezas do seu ser. Ele podia dizer, em grau ainda mais elevado, o que
disse Bernardo de Claraval:
Jesus, o só pensar em Ti
Isto o leva não somente a atribuir toda a glória ao Senhor, como também a
mostrar-nos como o Senhor Jesus Cristo chegou à condição de poder fazer isso.
Por que Cristo é a Cabeça da Igreja? Por que Ele é o doador de todos os dons?
Como foi que o Filho de Deus chegou a essa condição particular que Lhe dá o
direito de fazer isso? Esta é a questão respondida nos versículos 8, 9 e 10.
Mas o apóstolo vai além, porquanto se põe a comentar a sua citação. Ele o faz
nos versículos 9 e 10. Estes três versículos, 8, 9 e 10, são extremamente
interessantes e importantes. Todo aquele que estiver familiarizado com a história
da Igreja, principalmente com a história das doutrinas e da teologia, saberá que
aqueles versículos muitas vezes desempenharam importante papel nas discussões
e controvérsias, e com freqüência têm sido mal compreendidos. Convém, pois,
considerá-los cuidadosamente e tomar tempo para entendê-los, não somente
em sua significação geral, mas também em seu ensino particular, e mesmo num
sentido técnico.
A dificuldade nos lembra algo que devemos ter sempre em mente quando lemos
a Bíblia;, Se não o fizermos, a nossa leitura será pouco inteligente e confusa. E
que muitas vezes veremos um duplo sentido nas declarações do Velho
Testamento. O mesmo acontece com muitos salmos; é igualmente o que se pode
dizer dos profetas e dos seus escritos. No Salmo 68 a primeira coisa presente na
mente de Davi foi um evento histórico e local, um acontecimento
contemporâneo acerca do qual ele quer escrever. Contudo, posto que ele está sob
a influência do Espírito Santo e, por isso, é um homem inspirado, é levado a
algo além do tempo então presente. Davi mesmo talvez não tenha percebido isso,
mas é levado pelo Espírito a uma verdade mais alta. A inspiração leva Davi a
descrever a circunstância local de tal maneira que ela também se torna uma
perfeita prefiguração daquilo que vai acontecer mais tarde. É uma profecia de
Cristo; é uma primoriosa e exata descrição do que aconteceu com o Senhor Jesus
Cristo. Similarmente, os profetas escreveram para o seu tempo e a sua geração;
tinham uma
mensagem local e imediata; entretanto esta não ficava nisso. Emparelhada a ela
havia a mensagem profética mais ampla e maior, concernente à vinda do
Messias. O imediato e local continha também o remoto e mais grandioso. O
nosso primeiro princípio é, pois, que o salmista, sob a inspiração divina, viu no
evento local um quadro e uma leve representação da vinda do Filho de Deus e do
que Ele ia fazer. Esta é uma das grandes provas da inspiração das Escrituras.
Do Pai não se pode dizer que Ele recebeu dons para os homens. Do Pai não se
pode dizer que Ele subiu, porque Ele está no céu, e sempre esteve e sempre
estará. Há somente um de quem podemos dizer que subiu às alturas - o Senhor
Jesus Cristo. Assim deduzimos esta grande verdade que está no coração e no
centro da mensagem cristã. Jesus de Nazaré é o Filho de Deus. Não é um ser
criado. É co-igual e co-etemo com o Pai, igual a Ele em majestade e poder.
Acha-se aqui a verdade concernente ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, a
completa doutrina da Trindade, O Filho subordinou-Se para a obra de salvação;
mas Ele, como tal, não é subordinado. É nesse ponto que a heresia ariana
surgiu na Igreja Primitiva e lhe ameaçou a própria vida. Essa heresia
ensinava que Cristo é um ser criado, criado anteriormente ao tempo,
porém, ainda, um ser criado. É aí que o unitarismo está igualmente errado. Cristo
é Jeová, Cristo é o Senhor. O termo “Senhor”, empregado no Velho Testamento
com referência a Deus, é o mesmo termo aplicado e atribuído ao Senhor Jesus
Cristo no Novo Testamento. A nossa segunda dedução é, portanto, que Jesus
Cristo é Senhor, que Jesus Cristo é Jeová.
eram mantidos numa espécie de cativeiro. O que o Senhor Jesus Cristo fez após
a Sua morte, argumentam eles, foi descer ao Hades, tirá-los do seu cativeiro e
introduzi-los numa esfera mais alta. Esse é o ensino dos católicos romanos neste
ponto. Eles falam de algo a que chamam “limbus patrum”, onde os pais ficaram
até Cristo livrá-los do seu cativeiro. Rejeito isso como uma interpretação
inteiramente falsa aqui, porque o quadro é de triunfo sobre os inimigos, de levar
os inimigos em triunfo. Nos tempos antigos, se um rei ou príncipe ou
comandante em chefe empreendia vitoriosamente uma guerra, quando
regressava ao seu país, sempre havia uma espécie de parada triunfal. Os
reis, príncipes, comandantes e capitães derrotados eram postos a marchar em
procissão, acorrentados. O vencedor estava “levando cativo o cativeiro”. Ele
tinha feito os seus adversários cativos e agora os exibia publicamente. Ao
mesmo tempo ele atirava presentes para o seu povo. Ele ia em seu carro
distribuindo-os ao povo que o aclamava e, ao mesmo tempo, ia levando esses
homens derrotados com cativos. Esse é, indubitavelmente, o quadro aqui. Assim,
não devemos interpretar isso em termos de alguma libertação dada aos santos
redimidos do Velho Testamento. É um quadro do Senhor Jesus Cristo levando
em Seu séquito triunfal o diabo, o inferno, o pecado e a morte - os
grandes inimigos que estavam contra o homem e que tinham mantido
a humanidade em cativeiro por tanto tempo. Os príncipes que tinham exercido o
domínio sobre o cativeiro, agora estão sendo levados cativos. O apóstolos nos
está dizendo que o Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para haver-Se com os
nossos inimigos e vencê-los, e, tendo concluído a Sua campanha e tendo-os
derrotado, Ele voltou para o céu levando cativos todos esses inimigos, e
despejando sobre nós os Seus presentes, a nós, Seu povo que O aclama. O
apóstolo não se contentou em deixar o tema nesse ponto, como veremos; não
obstante, a coisa grandiosa que devemos ter em nossas mentes é que o princípio
de unidade é acentuado pelo fato de que Cristo é o dispensador, o doador de
todos os dons. Ele é o grande Capitão celestial, e nós somos o Seu povo. Tendo
derrotado os Seus inimigos, Ele dispensa e derrama os Seus dons sobre nós. Mas
todos os dons, sempre e eternamente, vêm dEle.
O DRAMA DA REDENÇÃO
“Ora isto - ele subiu - que é, senão que também antes tinha descido às partes
mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de
todos os céus, para cumprir todas as coisas.” Efésios 4:9-10
Como vimos, o Salmo 68 é um grande hino de louvor a Jeová, que dera a Davi
uma vitória maravilhosa, como na antigüidade dera uma notável vitória aos
filhos de Israel sobre Faraó e seus exércitos quando os levou através do Mar
Vermelho. Mas Davi afirma que Jeová tinha “subido”. A questão é: como pode
Jeová, o “Eu sou o que sou”, o Único Ser etemamente existente, sem princípio e
cujos dias não têm fim - como pode Jeová subir? A resposta do apóstolo é que há
só um modo de explicar isso. É que o próprio uso do termo “subir” implica uma
descida anterior - “Ora isto - ele subiu - que é, senão que também antes tinha
descido às partes mais baixas da terra?” Há somente uma maneira pela qual
podemos falar de uma descida da Deidade, e é com relação a Jesus de Nazaré, o
Filho de Deus. É nEle, e somente nEle, que Deus, Jeová, desceu. Assim o
apóstolo argumenta que a declaração do Salmo 68, versículo 18, só pode ser uma
referência ao nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ele não está fazendo
violência às Escrituras quando aplica isso tudo ao nosso Senhor. Não há
outra explicação concebível, não há outra possibilidade, é a única maneira
Com relação às duas primeiras sugestões, tudo o que necessito dizer é que,
obviamente, no Salmo 139, versículo 15, a referência é a algo que aconteceu na
terra; certamente não aconteceu em lugares profundos da terra. O homem não é
formado nalgum buraco ou poço nas profundezas da terra. Trata-se
simplesmente de uma frase pictórica que descreve como o homem é produzido
no ventre da sua mãe. Portanto, não há referência a descer num sentido físico ou
material. O mesmo se aplica, naturalmente, ao túmulo. A interpretação que nos
é importante considerar é a terceira, pois é a que tem figurado
mais proeminentemente na história da Igreja e na história das doutrinas.
Há, digo, aqueles que crêem que as palavras de Paulo ensinam que o nosso
Senhor, depois da Sua morte e do Seu sepultamento, desceu
ao inferno e fez certas coisas, em particular que Ele derrotou ali o diabo e as suas
hostes. Outros dizem que o que Ele fez no Hades foi pôr em liberdade os santos
do Velho Testamento que tinham sido mantidos numa espécie de cativeiro desde
a sua morte. O nosso Senhor, dizem eles, desceu, tirou-os e os fez subir com Ele.
Outros acreditam que o que o nosso Senhor fez quando desceu ao inferno foi
proclamar a salvação a certas pessoas que estavam lá. Eles baseiam essa idéia,
não somente neste texto, e sim também no que vemos na Primeira Epístola de
Pedro, capítulo 3: “Porque melhor é que padeçais fazendo o bem (se a vontade
de Deus assim o quer), do que fazendo o mal. Porque também Cristo padeceu
uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus;
mortificado, na verdade, na carne, mas vivifi-cado pelo Espírito; no qual também
foi, e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes,
quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se
preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água”
(versículos 17
20). A frase importante é, “pelo Espírito; no qual também foi, e pregou aos
espíritos em prisão”. Isto, sustentam eles, só pode ter o sentido de que o nosso
Senhor, após a Sua morte e sepultamento, desceu ao inferno e lá pregou o
evangelho aos que foram destruídos no Dilúvio dos dias de Noé, com o fim de
conceder-lhes “uma segunda chance”, outra oportunidade para arrependimento e
fé. Há alguns que vão além e ensinam que haverá “uma segunda chance” e mais
uma oportunidade para todos depois desta vida, no Hades. Das explicações
sugeridas, da expressão “as partes mais baixas da terra”, essa é a mais popular. É
a mesma explicação que aquela dada sobre 1 Pedro 3:19, a saber, que é uma
indicação de que o nosso Senhor, depois da Sua morte, foi pregar àqueles
“espíritos em prisão”, ou foi evangelizá-los.
Outra explicação é que o que o nosso Senhor fez não foi pregar o evangelho a
eles no sentido de que lhes estava dando oportunidade para crerem, porém que
Ele desceu e proclamou a Sua retumbante vitória sobre o diabo e o inferno a
todos os habitantes e hóspedes do inferno. Ele lhes disse como tinha vencido
todos os inimigos de Deus, em toda parte, e que Ele era Senhor sobre todos.
exposição verdadeira; é a única que evita a idéia de que o evangelho foi pregado
somente a certos pecadores particulares, e não a todos.
cima, no céu; e sinais em baixo, na terra, sangue, fogo e vapor de fumo”. Não
devemos literalizar as expressões “em baixo”, ou “as partes baixas” ou
“debaixo”. O contraste é, patentemente, entre o céu em cima e a terra em baixo.
Diz o apóstolo que este Jeová subiu “acima de todos os céus”. Aí de novo temos
uma frase pictórica, pois “acima de todos os céus” significa no mais alto céu, no
lugar mais alto que se pode conceber. O apóstolo não diz, “no lugar mais alto
que se pode conceber”, e sim, “acima de todos os céus”. Não existe nada “acima
de todos os céus”, porque céu é céu; essa é uma expressão empregada
para ênfase. Assim como os céus são mais altos, as partes mais altas, assim a
terra são “as partes mais baixas”. O contraste é entre o céu e a terra.
Assim o apóstolo está asseverando que o que coloca o nosso Senhor na condição
em que Ele é o doador de todos estes dons à Igreja, a Cabeça da Igreja e o
Senhor de toda a Igreja, é a obra que Ele realizou quando esteve aqui na terra.
Ele subiu, e está em condições de dispensar dons porque primeiro desceu e veio
à terra para aqui habitar e para fazer certas coisas enquanto estivesse aqui. Esta
exposição e explicação evita toda confusão e toda especulação desnecessária
sobre o que o nosso Senhor pode ou não ter feito depois da Sua morte e antes da
Sua ressurreição. Estas especulações se infiltraram nos credos, mas não têm
nenhuma sanção bíblica real.
pregar o evangelho, foi-lhe dito que fosse para o povo e para os gentios “para
lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de satanás a
Deus” (Atos 26:18). Satanás, o arqui-inimigo, é o comandante dos exércitos do
inferno; e ele atacou e derrotou a humanidade, e a tomou cativa. Ele exerce um
terrível domínio e poder sobre a humanidade. O pecado é semelhante a uma
terrível escravidão - “O caminho dos prevaricadores é áspero” (Provérbios
13:15).
Muitos pensam que uma vida de pecado é uma vida de liberdade, mas é a maior
escravidão de todas. Pensem nas multidões que no mundo atual são escravas da
bebida e das drogas, do sexo e de mil e uma outras coisas. Falam da sua
liberdade e vida maravilhosas, porém são pobres escravos ignorantes, como logo
descobrem quando tentam libertar-se. Quem quer que tenha tentado livrar-se de
um hábito mantido e praticado há muito tempo sabe algo sobre a escravatura e
sobre o poder da escravidão do pecado. Acresce que a humanidade está debaixo
da maldição da lei: “A cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de
alguma maneira nos era contrária”, diz Paulo em Colossenses (2:14). A lei de
Deus é contra nós por causa do nosso pecado, e está pronunciando um
julgamento sobre nós. Estamos “debaixo da lei” por natureza. Esta é a
condenação, e dela não podemos escapar. E depois há o fato da morte. “Ora o
último inimigo que há de ser aniquilado é a morte” (1 Coríntios 15:26). Eis o
poderoso inimigo que mantém a humanidade em escravidão a vida inteira, o
medo da morte. Satanás maneja e usa esse medo para manter-nos na
escravidão. A humanidade em pecado odeia esse temível espectro que cada
vez mais se aproxima de nós. Ela faria qualquer coisa para evitá-lo, todavia não
consegue. Estes são os inimigos que derrotaram o homem. O Filho de Deus veio
a este mundo a fim de vencer estes inimigos e pôr em liberdade todos os que
nEle crêem. Cristo veio para redimir a Igreja, para resgatar o Seu próprio povo
dessa escravidão, desse cativeiro, dessa tirania. Ele veio com esse objetivo
específico, e o levou a cabo.
O nosso Senhor agora está na glória, assentado à destra de Deus, tendo posto
todos os inimigos debaixo dos Seus pés. Mas, quando pensarmos nEle, devemos
pensar também nalguma coisa mais - “que é, senão que também antes tinha
descido às partes mais baixas da terra?” Ele está nos altos céus agora, mas já
esteve na terra. Ele “veio à terra para ficar”. O hino das crianças lembra-nos isso:
Ele “deixou o palácio real celestial”, Ele “humilhou-se”; estes são outros modos
de dizer, “que é, senão que também antes tinha descido?” Estes são modos de
descrever a Encarnação. Como John Henry Newman o expressou:
Ele não poderia levar cativo o cativeiro enquanto não descesse primeiro e
enfrentasse o inimigo. No entanto Ele veio, Ele desceu.
(Lucas 2:46). E lhes disse: “Não sabeis que me convém tratar dos negócios de
meu Pai?” Embora Ele conhecesse os “negócios” do Seu Pai, foi obediente a
José e Maria. “Sendo obediente.” Procedeu assim porque isso fazia parte da luta.
Sujeitou-Se ao batismo, apesar de não ter feito nada de errado e não ter nenhuma
necessidade de ser batizado. Recordem o que João Batista Lhe disse. Mas Ele
estava Se identificando com o Seu povo, pelo qual Ele ia lutar. Ele foi tentado
pelo diabo. Durante quarenta dias e quarenta noites no deserto, Ele esteve
em combate singular e mortal com o principal inimigo. Pensem na oposição dos
fariseus, dos escribas, dos saduceus e dos doutores da lei. Tudo isso faz parte do
drama da redenção e da luta, do conflito para libertar o Seu povo. Ele “desceu”
para fazer isso. “Ele se tornou obediente” (VA). Nunca falhou; prestou perfeita
obediência à vontade do seu Pai. Veio depois aquele terrível momento no Jardim
do Getsêmani, quando Ele viu claramente o que a nossa redenção ia envolver, e
clamou: “Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja
como eu quero, mas como tu queres”. Obediência! Sim, “obediente até à morte,
e morte de cruz”. Ele foi até à cruz a fim de que esta vitória fosse completa.
Ele foi derrotado afinal? Sabemos a resposta, graças a Deus. Não houve derrota;
foi sempre vitória, o tempo todo. Ele morreu e foi sepultado; os Seus amigos
fizeram rolar uma grande pedra sobre a boca do túmulo, e os Seus inimigos
puseram soldados para vigiá-lo. O inimigo parecia vitorioso, e tudo parecia estar
perdido. Mas Ele “rompeu as ataduras da morte” e Se levantou triunfante sobre
o túmulo. “Tragara foi a morte na vitória.” Ele venceu a morte e o túmulo, de
modo que podemos dizer com Paulo: “Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde
está, ó inferno, a tua vitória? Ora o aguilhão da morte é o pecado, e a força do
pecado é a lei. Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Jesus Cristo”.
O nosso Senhor venceu o último inimigo. Todo inimigo que alguma vez
escravizou o homem e o manteve em cativeiro foi vencido e derrotado. Assim,
tendo completado a obra, Ele ressurgiu e subiu da terra ao céu. Os discípulos
estavam com Ele no Monte Olivete e O viram subir ao céu. “Ele passou através
das nuvens.” Como diz o apóstolo, “Aquele que desceu é também o mesmo que
subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas”.
A asserção do apóstolo é que é porque Ele fez tudo o que viera fazer na terra,
que Ele está agora “acima de todos os céus”. Ele expressa a mesma verdade na
Epístola aos Filipenses: “Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe
deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo
o joelho dos que estão nos céus, na terra, e debaixo da terra” (2:9-10). É por
causa do que Ele fez, que Deus O exaltou a esta posição suprema. O nosso
Senhor mesmo afirmou isso, quando disse: “É-me dado todo o poder no céu e na
terra. Portanto ide, ensinai todas as noções ... e eis que eu estou convosco todos
os dias (estarei convosco), até à consumação dos séculos” (Mateus 28:18-20).
Depois voltem-se para o livro de Apocalipse, capítulo 5, com o seu relato de um
livro e selos nele, o livro da história, e observem o choro e o lamento porque
ninguém é bastante forte (ou digno) para abrir os selos; não há ninguém, nem na
terra nem no céu, que seja suficientemente grande para ter o controle da história.
Outra vez, tudo parece perdido e sem esperança; mas “eis aqui o Leão da
tribo de Jüdá, que venceu para abrir o livro e desatar os seus sete selos”. O Leão
da tribo de Judá! Jesus, o Filho de Deus! Aquele que “desceu”, também “subiu”,
e é grande o bastante e suficientemente forte! O Livro é dado a Ele, e Ele rompe
os selos. Ele é o Senhor da história! Ele está assentado à mão direita de Deus,
“esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo dos seus pés”
(Hebreus 10:13). Senhor da criação, Senhor da história, Senhor de tudo!
O apóstolo já dissera tudo isso no capítulo primeiro desta Epístola. Ele quer que
nós conheçamos a sobreexcelente grandeza do poder de Deus sobre nós, os que
cremos, “segundo a operação da força do seu poder, que manifestou em Cristo,
ressuscitando-o dos mortos, e pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo
principado, e poder, e potestado, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não
só neste século, mas também no vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e
sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (versículos 1923). “Subindo ao
alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens.” “A graça foi dada a cada
um de nós segundo a medida do
dom de Cristo.” E em tudo isso porque Aquele que subiu e está em condições de
dar dons, primeiro desceu, venceu todos os nossos inimigos e captores e os levou
em Seu séquito triunfal. Ele conquistou o direito de ser a Cabeça da Igreja, e tem
todo o poder. Assim, Ele dispensa estes dons ao Seu povo na Igreja, segundo a
medida que Ele próprio determinou.
DONS DIFERENTES
“Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo. ”
“E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores. ” Efésios 4:7 e 11
Agora devemos dirigir a nossa atenção para estes dois versículos em particular.
Estivemos considerando o parêntese dos versículo 8-10 porque é essencial que
captemos o seu ensino, se é que havemos de compreender verdadeiramente o
ensino destes dois versículos que o circundam. Tendo o apóstolo escrito a
declaração que vemos no versículo 7, a saber, que “a graça foi dada a cada um de
nós segundo a medida do dom de Cristo”, em vez de passar a explicar de
imediato o que exatamente o Senhor Jesus Cristo dá, explica primeiro como
Ele está em condições de fazê-lo. Também devemos lembrar-nos, mais uma vez,
de que o tema fundamental da seção toda é o da unidade da Igreja. Ele está
interessado também em mostrar que esta unidade não implica uma mesmice
monótona, mas é uma unidade na variedade, uma unidade na diversidade, é
resultado da obra que o nosso Senhor, como a Cabeça da Igreja, realizou a favor
do Seu povo.
não tenhamos nenhum sistema, tornando impossível fazer tudo “com ordem e
decência”, segundo a injunção apóstolica. Portanto, devemos dedicar-nos ao
exame destes princípios.
O segundo princípio é que a Igreja consiste de membros, cada qual tendo uma
função sob a Cabeça. E o que é exposto no versículo 7, “Mas a graça foi dada a
cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo”. Quando o apóstolo fala
em “graça dada”, não está se referindo à graça de salvação, porque ele já tinha
tratado desse assunto. Agora ele está preocupado com o funcionamento da Igreja
como corpo de Cristo. Obviamente, a todos nós foi dada a graça da salvação, do
contrário não estaríamos na Igreja; agora, porém, como o indica a expressão, “e
ele mesmo deu uns para apóstolos”, o seu tema é a graça dada a cada membro
individual da Igreja Cristã, homem ou mulher, habilitando-o a desempenhar
alguma função particular. A cada um é dada uma função, e, com esta, Ele lhe dá
capacidade para exercer essa função particular. A analogia do corpo esclarece
muito bem nisso. Cada parte do meu corpo, em particular, tem uma função para
executar. Nem sempre sabemos qual é a função; entretanto, o fato de não sabê-la
não significa que não haja uma função para cada parte.
Muitas vezes os cientistas caíram em erro quanto a esta questão. Há cem anos, e
depois, houve aqueles que, acreditando na teoria da evolução, diziam
dogmaticamente que a glândula tireóide não tem nenhuma função, sendo apenas
um dos vários vestígios rudimentares. Falavam semelhantemente de diversas
outras glândulas inativas. Mas hoje sabemos que essas glândulas executam
funções vitais. Tais pessoas ainda dizem que o apêndice não tem nenhuma
função, todavia o que realmente querem dizer é que não sabem o que ele é, e
provavelmente descobrirão que ele tem uma função muito importante. O ponto
em que
estou insistindo é que não há nada no corpo, nem sequer uma célula mínima,
nem um fio de cabelo, sem alguma função, algum propósito. Pode parecer muito
insignificante em si; mas está no corpo, opera com os outros elementos e tem o
seu papel a desempenhar.
Quando examinamos esta verdade e nos testamos por meio dela, como nos
vemos como membros da Igreja Cristã? Surgiu uma fatal tendência de pensar e
dizer que, em sua grande maioria, as pessoas da Igreja estão destinadas a ser
inteiramente passivas. Muitos parecem pensar na Igreja apenas como um edifício
ao qual as pessoas vêm, sentam-se e ouvem sermões e palestras, e no qual não
fazem nada. Isto é negar a proposição fundamental de que a graça foi dada a
cada um de nós na Igreja e como partes do corpo de Cristo. Cada um de nós
tem uma função, e não somos destinados a ser inteiramente passivos. Todo o
segredo do funcionamento do corpo humano é que cada parte e partícula tem
uma função particular destinada a ser cumprida.
A primeira coisa que temos que fazer, portanto, é descobrir qual é a nossa
função. Quando compreendemos isso, é que vemos que privilégio é sermos
membros da Igreja Cristã. A glória da nossa posição é que, neste corpo que
Cristo está formando por meio do Espírito, temos uma parte e um lugar. Em 1
Coríntios, capítulo 12, são nos lembrados algumas dessas funções, mas Paulo
não nos dá uma lista exaustiva. Há alguma posição particular que cada um de
nós é chamado para ocupar e na qual trabalhar. Assim, como cremos que a Igreja
é a guardiã e a defensora da única mensagem que pode salvar o homem neste
terrível mundo moderno, o nosso primeiro dever é descobrir qual é a nossa
função, e exercê-la. Esta função pode parecer não importante, como vou
mostrar, mas isso não importa; o que é vital é que há algo para cada um de nós
fazer - “A graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo”.
O terceiro princípio é que é o próprio Cristo que dá a cada um de nós esta graça
particular. O apóstolo dá ênfase a este ponto nos versículos 7 e 11. A graça nos é
dada “segundo a medida do dom de Cristo”. Infelizmente, no versículo 11, a
Versão Autorizada não assinala o sentido, pois diz: “E Ele deu uns, apóstolos”.
Contudo, a tradução correta e melhor é; “E ele mesmo deu uns para
serem apóstolos” (como Almeida). É enfático; não “ele”, mas “ele mesmo”, para
que não deixemos de compreender e de lembrar que é o próprio Senhor que dá
todos estes diversos dons.
O primeiro princípio é que a pessoa não se chama a si própria. Não nos cabe
decidir fazer isso ou aquilo na Igreja, como se tem feito com freqüência. Por
exemplo, um decide que vai pregar, e o faz. Não lhe interessa a doutrina da
vocação; nunca ouviu falar dela. Ele faz o que deseja fazer. Mas, segundo o
ensino do apóstolo, o homem não se chama a si próprio; menos ainda, por certo,
ele entra no ministério, ou em qualquer outro ofício da Igreja, como profissão. A
história dos períodos sem vida nos anais da Igreja mostra como a idéia de entrar
no ministério como profissão tendia a prevalecer. A tradição e costume das
grandes famílias era que o filho mais velho se engajasse na Marinha, o segundo
filho ia para o Exército, enquanto que o terceiro filho entrava no ministério da
Igreja como clérigo. O filho que ia para o ministério, ia exatamente da mesma
maneira como os seus irmãos iam para a Marinha ou para o Exército. Isto
freqüentemente explicava as tristes condições da Igreja Cristã. E não
imaginemos que esse costume se restringe ao passado; ainda há aqueles que vão
para o ministério exatamente do mesmo modo. Um homem que poderia ser um
poeta e que deseja uma vida sossegada em que possa ter tempo para ler obras da
literatura e para compor poemas ou escrever romances ou outros tipos de
literatura, pode entrar no ministério por essas razões. Isto explica por que tantas
vezes a Igreja é fraca e ineficiente. Os homens esqueceram que é Cristo quem
chama, e que não somos nós que decidimos o que fazer na Igreja, nesta ou
naquela posição.
Devemos ir ainda além e acentuar que a necessidade não é a vocação. Esta é uma
negativa importante, porque um ensino evangélico popular tem insistido em que
a necessidade é a vocação. A resposta a isso é que é o Senhor que chama.
Naturalmente Ele pode chamar-nos para fazermos algo devido a uma certa
necessidade; mas a necessidade não pode ser a vocação, pela boa e suficiente
razão que, se a necessidade constituísse a vocação, todos nós deveríamos
estar atendendo a essa necessidade, e isso é patentemente ridículo. O propósito
não é que a necessidade seja a vocação. O Senhor mesmo vê o campo todo, e é a
Cabeça do corpo todo. Ele vê uma necessidade aqui, uma necessidade ali, ao
mesmo tempo. Ele vê, como nós, de maneira parcial; Ele vê perfeitamente.
Devemos salientar este princípio, que, simplesmente porque eu vejo uma
necessidade num dado lugar, não devo concluir daí que tenho a incumbência de
satisfazê-la.
Pode não ser da vontade de Deus que eu o faça. Pode ser que Ele tenha alguma
outra coisa para eu fazer, e talvez Ele queira que outra pessoa realize a obra que
eu insensatamente me apresso a empreender. O ensino segundo o qual a
necessidade é a vocação não somente não é escriturístico, é uma negação do
ensino de que o Senhor, como Cabeça da Igreja, é o único que pode dar a
vocação, e de que Ele no-la dá diretamente.
Em terceiro lugar, devemos acentuar que a Igreja sozinha não dá a vocação. Não
estou avançando a minha própria opinião ou interpretação daquilo que o
apóstolo diz aqui - “A graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do
dom de Cristo.... E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e
outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores” - pois o próprio
Cristo deu o mesmo ensino nas muitas vezes citada declaração de Mateus 9: “A
seara é realmente grande, mas poucos os ceifeiros”. Será a Igreja, então, que
deve lançar mãos de pessoas e enviá-las à seara? A resposta do nosso Senhor
é: “Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a sua
seara” (versículos 37-38). Nós não lançamos obreiros; Ele o faz; e tudo o
que fazemos é orar rogando-Lhe que os envie. Em nosso zelo e
entusiasmo carnal, muitas vezes julgamos que o nosso objetivo é chamar
pessoas para tarefas na igreja, e fazemos isso de diferentes maneiras. Sugerimos
a jovens que entrem no ministério, ou preguem, ou ensinem. Como isso é
escandaloso! Não temos direito de sugerir a outrem qual pode ser a sua função
na igreja ou o que ele deve fazer. Há muitos homens que estão no ministério por
uma só razão, a saber, que a certa altura um velho ministro ou algum presbítero
ou diácono foi lhes perguntar se alguma vez tinham pensado em entrar no
ministério, e então os persuadiu a fazê-lo.
Perdoem-me uma referência pessoal que pode ajudar a ilustrar este assunto. Há
uns trinta anos, quando me senti chamado por Deus para entrar no ministério e
para pregar o evangelho, recebi uma carta do Secretário Geral de uma certa
sociedade de missões estrangeiras. Em sua carta ele me sugeriu que, ao invés de
pregar o evangelho na Inglaterra, eu devia ser um médico missionário na índia.
Parecia-lhe óbvio isso. Na ocasião havia tremenda necessidade de um homem
em certo hospital da índia, e aqui estava eu apressando-me para pregar
o evangelho na Grã-Bretanha, quando obviamente eu era o homem para aquele
posto na índia. Minha resposta àquele bom homem - cujos motivos,
naturalmente, eram excelentes e de quem eu muito me compadecia - foi
simplesmente fazer-lhe uma pergunta. Perguntei-lhe se ele cria na doutrina
bíblica da vocação, se ele cria que o Senhor da
seara ainda escolhe os homens e escolhe o lugar para onde enviá-los. Disse-lhe
eu que, quanto a mim, não somente creio, mas ajo baseado nisso e, daí, não fui
para a índia.
Estou dando ênfase a isto, não somente por tratar-se de matéria de interesse
teológico, mas também porque com freqüência têm ocorrido tragédias
resultantes dessa prática. Há pessoas cujas vidas foram completamente
arruinadas por este ensino que proclama que é o dever de todo jovem cristão
irpara o campo missionário. Não se preocupem com a ausência de sentimento,
diz este ensino, a necessidade é a vocação; vão para o campo missionário e, se
virem, quando chegarem lá, que não há propósito em ficarem lá, bem, então, vão
para casa! Isso é exatamente o oposto do ensino do nosso Senhor, e também do
ensino do apóstolo. Assim a confusão entra na Igreja, e muitas vidas se arruinam
simplesmente pela falta de aplicação do ensino das Escrituras.
Cada um de nós deve estar disposto a fazer qualquer coisa que o Senhor nos
chamar para fazer - ir para o campo missionário, e igualmente talvez, não irpara
o campo missionário. Às vezes pode ser mais fácil ir do que não ir. Há pessoas
que tranqüilizam e satisfazem as suas consciências fazendo algo heróico, tal
como ir para o coração da África e construir um hospital. No entanto, pode não
ser a vontade de Deus que o façam. Sua vontade pode ser que fiquem fazendo
algo monótono e comum neste país. Como povo cristão, como membros
do corpo de Cristo em particular, devemos estar à disposição dEle, prontos a
fazer o que quer que Ele nos chame para fazer. Os que Ele chama para que vão, e
envia, realizam uma obra fiel e trazem glória ao Seu nome.
Tem havido muita confusão quanto a todo este assunto de obra missionária
estrangeira, e muitas vezes o nome de Cristo foi difamado. Pessoas que se
lançam emocionalmente à obra, quando chegam ao campo descobrem o seu
engano e, quando retornam ao país de origem apresentar relatório do trabalho,
não voltam mais ao campo, e disto ficam sabendo os de fora da Igreja. Ouvi
dizer que, nalguns países,
Mas alguém poderá perguntar como havemos de saber quando vem esta
vocação. Há quem pergunte se a igreja tem algo que ver com isto. Que se há de
fazer com um homem que se apresenta e afirma que foi chamado pelo Senhor
para realizar uma obra em particular? As Escrituras nos fornecem uma resposta
para o problema. Elas começam, como temos acentuado, com a grande e central
doutrina de que o Senhor mesmo é Aquele que chama. No entanto, em
acréscimo, as Escrituras mostram que o que qualquer de nós pode considerar
como vocação deve ser provado e testado. E justamente aqui que a igreja entra;
porém a função da igreja é mormente negativa. A igreja deve aplicar certos testes
ao homem que alega que foi chamado pelo Senhor para uma tarefa. Tal homem
não deve pôr-se em ação imediatamente; deve vir à igreja e fazer a sua
declaração; e então a igreja deve estudar a questão.
Notem, por exemplo, o que vemos no capítulo seis do livro de Atos dos
Apóstolos, e também nas Epístolas pastorais. Ali vemos minuciosas regras e
regulamentos com vistas aos presbíteros e diáconos e acerca dos que pregam e
ensinam. E dever da igreja aplicar esses testes a qualquer candidato. Há dois
lados nesta questão. Posso ilustrar isso repetindo a conhecida história sobre
Charles Haddon Spurgeon, que tinha o seu próprio método de aplicar esses
princípios. Uma vez um jovem o procurou e lhe disse que tinha sido chamado, e
que o Espírito lhe dissera que ele devia pregar na terça-feira seguinte no
Tabernáculo de Spurgeon. Spurgeon respondeu que era muito estranho, porque
o Espírito não tinha dito nada a ele (a Spurgeon) sobre isso. Quando o Senhor
chama pelo Espírito, não fala somente com o jovem; fala com Charles Haddon
Spurgeon também! “Faça-se tudo decentemente e com ordem”, diz Paulo, para
que o ministério não seja censurado (1 Coríntios 14:40; 2 Coríntios 6:3). É
preciso que não haja confusão na igreja; e quando o Espírito opera, sempre o faz
de modo ordeiro. Assim, demos estas instruções à igreja, e com isso temos uma
prova que nos assegura de que não fomos mal conduzidos por um
impulso passageiro. Todos nós somos tão frágeis, e o inimigo é tão astuto!
Ele pode “transfigurar-se em anjo de luz” ( 2 Coríntios 11:14), com o fim
Não há nada que esteja tão distante da descrição apostólica da Igreja como o
instuticionalismo e o eclesiasticismo. Não se encontram esses “ismos” em parte
alguma de Novo Testamento. O institucionalismo é uma negação da descrição da
Igreja como corpo de Cristo, e de Cristo somente com a Cabeça, e do Espírito
Santo produzindo e preservando esta bendita unidade. O eclesiasticismo é tanto
uma negação do ensino da Escrituras, como é o caos que se vê noutros círculos
na hora presente, onde os homens se estabelecem a si próprios e não reconhecem
nenhuma autoridade. Devemos ser guiados pelo conjunto com-
pleto das Escrituras, e esforçar-nos conforme nos sejam dados graça e poder pelo
Espírito, para manter um genuíno equilíbrio.
Isto nos leva ao quarto princípio, que é mais prático ainda. Esta graça que o
Senhor dá a cada um de nós difere e varia de caso a caso. “E ele mesmo deu uns
para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para
pastores e doutores.” É Ele que determina os diversos ofícios e funções na
Igreja; portanto, quem não crê em nenhuma organização, está numa posição
inteiramente antibíblica. Há os que imaginam que é muito espiritual não
ter organização, mas sim, ter uma comunidade solta e livre. Contudo, o nosso
Senhor determinou ofícios específicos para a Igreja. Não é um artifício feito pelo
homem; tudo proveio de Cristo, por meio destes apóstolos inspirados. Ele não
somente determinou que houvesse ofícios e funções, porém também determinou
a natureza e a variedade deles. 1 Coríntios, capítulo 12, ensina-nos isso
claramente. Uns ofícios são mais importantes do que os outros e, todavia, cada
um deles é essencial. Como no corpo físico algumas partes não são tão
elegantes como outras, entretanto estas partes deselegantes são necessárias e lhes
concedemos mais abundante honra. As várias funções diferem umas das outras,
e o propósito é que sejam diferentes; porém todos são indispensáveis para o
funcionamento harmonioso do conjunto total.
Além disso, é-nos dito que o nosso Senhor designa os homens para estes ofícios.
“Ele mesmo deu uns para serem (ou como) apóstolos.” E o Senhor mesmo que
escolheu os apóstolos, os profetas e todos os demais. Ele estabelece estes
diferentes ofícios, chama homens para eles e lhes dá capacidade para exercerem
as funções que estão destinadas a exercer naquele ofício particular. Aqui, de
novo, é óbvia a desigualdade. As próprias Escrituras ensinam que se preste
excepcional honra aos presbíteros que pregam e ensinam, pois essa função é
excepcionalmente importante. Há uma graduação de ofícios na Igreja; uns são
mais importantes, outros são menos, contudo todos são essenciais. Portanto,
devemos ter constantemente em vista estas duas coisas ao mesmo tempo - a
divisão de ofícios, a graduação dos ofícios e, todavia, o fato de que todos eles
são igualmente essenciais, e todos são designados pelo próprio Senhor.
E interessante observar que, dentre todos os homens, foi o apóstolo Pedro que
escreveu: “Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de
exemplo ao rebanho” (1 Pedro 5:3). Os nossos antepassados puritanos e vultos
da Igreja Livre derramaram o seu sangue por este princípio; porém hoje a
tendência é dizer que estas coisas de nada valem. Temos que reconhecer que
existem diferentes funções, vocações e ofícios; todavia eles não devem ter
caráter hierárquico. O homem de um ofício inferior não tem por que dobrar
os joelhos ao de um ofício superior e chamar-lhe, “Meu Senhor”. Todos nós
recebemos a mesma graça e, apesar de nos serem dadas funções diferentes,
somos igualmente essenciais. Na Igreja, a ninguém chamo Senhor, a ninguém
chamo mestre. Reconheço as divisões e respeito o homem que exerce uma
função superior, mas não me sujeito como escravo, como súdito de um nobre ou
de um rei ou de alguém que tem autoridade monárquica. A idéia monárquica é
uma negação daquilo que aqui se ensina com clareza.
insignificante ela é; não importa se não recebo louvores dos homens, e se o meu
nome nunca está nos jornais; isso é completamente sem importância, porque foi
o Senhor que chamou a cada um, e a minha função é essencial. Faço tudo para a
Sua glória; alegro-me nisso; a Deus louvo porque estou no corpo, mesmo sendo
uma das partes menos elegantes, e uma parte que não parece necessária. “Pela
graça de Deus sou o que sou” (1 Coríntios 15:10). Foi Ele que me chamou, foi
Ele que me deu a incumbência e a capacidade.
Também devemos aplicar isto com relação à nossa maneira de ver os outros. Foi
isso que deixaram de fazer em Corinto, resultando em que aquela igreja foi
dividida em seitas, cisões e grupos, cada qual seguindo um homem em particular
e se gabando de um dom particular. Eles tinham esquecido que “Paulo não é
coisa alguma, e Apoio não é coisa alguma, senão ministros de Cristo”, e que
nenhum deles teria dom nenhum, se o Senhor Jesus Cristo não lhos tivesse dado.
Assim Paulo diz-lhes que não se gloriem no homem, mas que se
gloriem somente no Senhor, o Doador dos dons, a Cabeça da Igreja.
Não seria crescentemente óbvio que é a nossa falta de estudo das Escrituras que
leva às dificuldades e à confusão, às divisões e cismas, às mágoas, aos pesares,
ao ciúme, à inveja e rivalidade, e a toda balbúrdia e confusão nas igrejas, e que
retarda o avivamento? Como poderá o Senhor honrar uma tal igreja, um tal
aglomerado de pessoas? Devemos retomar ao ensino bíblico sobre a Igreja. Isso
não é algo teórico, só para presbíteros e líderes, não é somente algo para
ser discutido nos concílios da Igreja. Esta Epístola foi escrita para todos os
membros da igreja de Efeso. Todos nós precisamos ter idéias claras acerca destas
coisas, de modo que, quando lermos sobre elas, possamos ter opiniões e
expressá-las. E nossa obrigação ver que a Igreja funcione como o seu Senhor
planejou que funcionasse. Portanto, humilhemo-nos, todos nós, diante dEle,
confessemos o nosso orgulho ou ciúme, a nossa inveja ou o nosso fracasso, o
nosso egoísmo, a nossa autovalorização, os nossos sentimentos de que somos
negligenciados. Voltemos ao Senhor, é o que digo, e humilhemo-nos diante
dEle; peçamos-Lhe que nos perdoe, que nos purifique; peçamos-Lhe que nos
mostre de modo simples e claro a obra para cuja realização Ele nos chamou, que
é que Ele deseja que façamos; e depois levantemo-nos e vamos fazê-lo com
todas as nossas forças, firmados no poder, na autoridade e na energia do próprio
Espírito Santo.
APÓSTOLOS, PROFETAS, EVANGELISTAS, PASTORES E MESTRES
“E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores. ” Efésios 4:11
Esta é mormente uma matéria de instrução que, a primeira vista, pode parecer
distante da vida do cristão individual, porém há muitas razões importantes pelas
quais devemos estudá-la. A história da Igreja, através dos séculos, mostra que
nada, talvez, foi mais prolífico na produção de dificuldade, contenda, cisma e
grave dano à Igreja e, conseqüentemente, do nome de Cristo e da Sua obra de
salvação, do que a incompreensão deste assunto. Esta verdade se vê
particularmente no caso da igreja católica romana; mas não se restringe a ela.
Houve outros segmentos da Igreja e movimentos dentro da Igreja em geral que
são igualmente culpados de confusão neste aspecto, e nos estaremos referindo a
alguns deles.
O segundo ponto essencial é que é preciso que ele tenha sido chamado e
comissionado para realizar a sua obra pelo próprio Senhor, em pessoa; não pela
Igreja, não por alguma delegação. Vê-se isto, de novo, em Gálatas, capítulo
primeiro. De fato Paulo geralmente começa as suas Epístolas descrevendo-se
como “Paulo”, chamado para ser
Em terceiro lugar, apóstolo era um homem a quem tinha sido feita uma revelação
sobrenatural da verdade. O apóstolo já tinha tratado disso no capítulo três desta
Epístola, onde ele diz: “Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus,
que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela
revelação” (versículo 2-3). Ele recebera “pela revelação” o conhecimento da
verdade que devia pregar. No capítulo primeiro da Epístola aos Gálatas, onde
ele defende o seu apostolado e declara anátema sobre qualquer, mesmo um anjo
do céu, que pregasse algum outro evangelho que não o que ele lhes tinha
pregado, Paulo justifica a sua linguagem forte e alega com as seguintes palavras:
“Persuado eu agora a homens ou a Deus? Ou procuro agradar a homens? Se
estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo. Mas faço-vos
saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os
homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação
de Jesus Cristo” (versículos 10-12). É isso que dá a um apóstolo a sua autoridade
e competência como mestre excepcional.
explica por que o apóstolo Paulo pôde escrever ao povo e dizer: “Sede meus
imitadores” (1 Coríntios 4:16; Filipenses 3:17). Isto não era egoísmo, nem
presunção; era a humildade de um apóstolo que sempre deixou claro que as suas
palavras não eram propriamente suas, e sim as do Senhor. A importância da
ênfase a isto é evidente.
O quinto e último teste que se deve salientar é que apóstolo era um homem que
tinha o poder de realizar milagres. Afirma-se isto em Hebreus 2:4, onde se nos
diz que, primeiro, a palavra foi proclamada pelo Senhor, e pelos que O ouviram,
“Testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias
maravilhas”. O Senhor dissera aos Seus discípulos: “Maiores obras do que estas
fareis” (João 14:12). Isto se refere a milagres; a realização de milagres era uma
das marcas de um apóstolo, como vemos profusamente no livro de Atos dos
Apóstolos.
Tudo isso é importante porque, mesmo nos dias da Igreja Primitiva e dos
apóstolos, havia homens que, dizendo-se apóstolos, arvoravam-se em apóstolos e
mestres. Paulo refere-se a eles na Segunda Epístola aos Coríntios. Esses homens
estavam perturbando a igreja de Corinto e outras igrejas; e é isto que Paulo diz a
respeito deles: “Porque tais falsos apóstolos são obreiros fraudulentos,
transfigurando-se em apóstolos de Cristo. E não é maravilha, porque o próprio
satanás se transfigura em anjo de luz” (11:13-14). O fato de que havia
falsos apóstolos torna vitalmente importante que entendamos o que é
um verdadeiro apóstolo. Os falsos apóstolos não tinham visto o
Senhor ressurreto, e nunca tinham sido chamados e comissionados por Ele. Não
compreendiam a verdade, nunca tinham recebido a revelação, não realizaram
milagres. Eram impostores que davam e recebiam “cartas de recomendação” uns
dos outros (2 Coríntios 3:1). Por definição, este ofício de apóstolo era claramente
um ofício extraordinário e temporário. Era impossível que continuasse,
simplesmente por este fato, que, desde o apóstolo Paulo, homem nenhum viu a
olhos nus o Senhor ressurreto, nem teria a mínima possibilidade de alegar que O
vira daquela maneira. Alguns têm alegado que tiveram visões, contudo visões
pertencentes a uma categoria inteiramente diferente. Paulo não teve uma visão
no caminho de Damasco; ele realmente viu o Senhor Jesus Cristo.
Portanto, não há nenhum sucessor dos apóstolos. Por definição, nunca poderá
haver, nem houve, sucessor dos apóstolos. Que isto é ensinado no próprio Novo
Testamento pode-se provar assim: recordem como, por causa da apostasia e do
suicídio de Judas Iscariotes, os apóstolos decidiram designar um sucessor dele; e
designaram Matias, como somos informados no capítulo primeiro de Atos. Mas
depois há
Que lástima! Esta falácia não se restringe à igreja de Roma. Fora o ensino dos
setores católicos da Igreja da Inglaterra e de certas outras igrejas sobre a
“sucessão apostólicaz”, houve outros na Igreja que se diziam apóstolos e que
afirmavam que o que se ensina em 1 Coríntios, capítulo 12, deve perpetuar-se na
Igreja. Vê-se isto, por exemplo, na extraordinária história de Edward Irving, dos
irvingitas e da assim chamada Igreja Católica Apostólica que ele fundou em
Londres por volta de 1830. Irving era um brilhante jovem escocês pregador,
que tinha sido assistente do Dr. Thomas Chalmers, e que, para muitos,
era superior ao próprio Chalmers, em sua eloqüência e oratória. Ele veio para
Londres, onde foi o pregador da moda durante bom número de anos; mas,
subitamente, para espanto e consternação de todos, come-
çou a dizer que todo o sistema da Igreja estava errado, que ele era um apóstolo, e
que o apostolado era algo que devia perpetuar-se na Igreja. Assim ele
estabeleceu o que denominou A Igreja Católica Apostólica, com apóstolos,
profetas e outros ofícios. Sua vida terminou em tragédia. A informação pode ser
lida num livro intitulado, Edward Irving e o seu Círculo (“Edward Irving and his
Circle”), escrito por A.L. Drummond. A partir daí passou a existir uma igreja
que a si mesma se chama, A Igreja Apostólica, Tudo isso baseia-se num
falso entendimento do ensino do Novo Testamento concernente ao ofício
de apóstolo.
Podemos dizer, contudo, que o profeta era uma pessoa a quem a verdade era
dada pelo Espírito Santo. De fato, pode-se dizer que ele recebia uma revelação
da verdade, e também lhe era dado poder para falar e proferir esta verdade de
maneira mais ou menos extática. Isto fica evidente pelo fato de que um dos
problemas da igreja de Corinto era que estes pronunciamentos extáticos dos
profetas estavam tendendo a causar confusão. Alguns que profetizavam lá
desculpavam-se dizendo que ficavam anulados sob o poder do Espírito. Paulo
vai
contra isso, dizendo: “E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas”. Ele
ensina que os profetas podem e devem controlar-se, e que devem falar um de
cada vez e sem interromper uns aos outros.
Devemos acentuar que o profeta é uma pessoa a quem veio uma revelação da
verdade. Isso está claro no ensino de Paulo em 1 Coríntios, capítulo 14, onde ele
diz: “Falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas se a outro, que
estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro” (versículo 29-
30). Vinha-lhes uma revelação ou mensagem ou algum discernimento da
verdade e, cheios do Espírito, podiam fazer declarações benéficas e proveitosas
para a igreja. Certamente está claro que também isto era temporário, e por esta
boa razão, que naqueles primeiros dias da Igreja não havia Escrituras do Novo
Testamento, a verdade ainda não tinha sido exposta em palavras.
como freqüentemente os hereges são, e grande parte da crítica que eles faziam ao
estado da Igreja era correta. Eram pessoas de propensão espiritual, mas
exageravam na ênfase a uma verdade particular, e o diabo vinha e os concitava a
irem além das Escrituras, e assim se tornavam hereges. Deveras ironicamente,
entretanto, a própria igreja católica romana é a principal herege nesta questão,
como na do apostolado. No passado, a igreja católica romana muitas vezes
não hesitou em reivindicar e asseverar que recebeu novas relações da verdade,
além daquilo que se acha no Novo Testamento. Isso se aplica à maior parte do
seu ensino acerca da virgem Maria. Não se acha nas Escrituras, mas eles alegam
que o receberam mediante novas revelações. Em geral eles não ensinam isso no
presente de maneira nua e crua como o faziam, porém dizem que estas coisas
estavam latentes nas Escrituras. Contudo, quando o papa fala “ex cathedra” e
promulga a doutrina da imaculada concepção, assim chamada, ou a da assunção
da virgem, alega-se que ele está falando com a autoridade dos apóstolos e
profetas e como vigário de Cristo. Tudo isso deve-se a um falso entendimento
destes ofícios de apóstolos e profetas. Porventura não é certo que devemos estar
cientes destas coisas quando muito nos concitam a juntar-nos a Roma para a
formação de uma grande igreja mundial?
Além disso, devemos lembrar que isso não se limita ao catolicismo romano. Na
época da Reforma Protestante surgiram certas seitas -freqüentemente
classificadas, um tanto injustamente, sob o título geral de anabatistas - no
continente europeu, as quais causaram muito problema a Martinho Lutero em
particular, e também a Zwínglio e Calvino. Essas pessoas, chamadas “profetas de
Zwickau”, alegavam que eram profetas e que estavam recebendo revelações do
céu. Alguns dos mais fanáticos foram tão longe que chegaram a repudiar e
ignorar a Palavra escrita e a substituir a sua autoridade pelo que eles diziam
que eram revelações diretas do Espírito. Vê-se a mesmâ tendência na Inglaterra,
no caso do movimento dos quaeres, que surgiu no século dezessete, na época do
avivamento puritano. George Fox, o seu fundador, foi sem dúvida um santo
homem de Deus, mas cada vez mais foi dando ênfase à “luz interior” e a uma
direção e orientação direta como superior à Palavra escrita, e os seus seguidores
fizeram mais ainda disso. Eles realmente se diziam profetas no sentido do
Novo Testamento.
A resposta para tudo isso é que a necessidade de profetas terminou, uma vez que
temos o cânon do Novo Testamento. Não temos mais necessidade de revelações
diretas da verdade; a verdade está na Bíblia. Nunca devemos separar o Espírito
da Palavra. O Espírito nos fala por
Opino também que o mesmo vale para o termo “evangelista”. Se alguém ficar
surpreso por eu colocar o evangelista e o seu ofício na mesma categoria
extraordinária e temporária dos apóstolos e dos profetas, a probabilidade é que
ele está pensando num evangelista nos termos do uso moderno da palavra. Este é
algo essencialmente diferente do seu uso no Novo Testamento, onde não temos
muita informação acerca dos evangelistas. Filipe, que é mencionado no capítulo
oito do livro de Atos, era um evangelista. Ele é mencionado outra vez, no
capítulo vinte e um. É mais que evidente, também, que Timóteo e Tito eram
evangelistas. O apóstolo Paulo lembra a Timóteo que faça a obra de evangelista.
Dessas referências parece claro que o evangelista era um homem muito especial,
que estava em estreita associação com os apóstolos. Alguns dos chamados Pais
Primitivos da Igreja inclinavam-se a dizer que foram os evangelistas que
escreveram os quatro Evangelhos; mas não pode ser, à luz do que nos é dito
nas passagens jámencionadas. O evangelista é um homem a quem foi
dada habilidade e poder especial para tomar conhecidos e expor os fatos
do evangelho. Geralmente era um homem designado pelos próprios apóstolos, e
pode ser descrito como uma espécie de aprendiz dos apóstolos. Era alguém
enviado pelos apóstolos para fazer determinada obra. Às vezes era enviado
adiante dos apóstolos, como Filipe foi enviado a Samaria, porém geralmente
seguia os apóstolos.
apresentar a mensagem geral do evangelho. Essa era a sua tarefa particular. Ele
não tinha visto o Senhor ressurreto, não podia testificar a ressurreição dessa
maneira. A história de Tito e Timóteo prova isso além de toda dúvida. Mas o
evangelista era um homem que o Espírito Santo levara os apóstolos a
escolherem. Foram dadas a ele certas habilidades; ele conhecia os fatos,
conhecia as verdades do evangelho, e ele podia apresentá-las de maneira clara e
com aunção, a autoridade e o poder do Espírito Santo. Desse modo ele
suplementava a obra dos apóstolos e a estendia e a fazia espalhar-se e tornar-se
firme. Assim, o evangelista era um homem cujo ofício era temporário, e quando
as igrejas estavam constituídas e se tornaram mais solidamente estabelecidas,
este ofício igualmente desapareceu.
Isso não significa que, desde aquele tempo, não pode haver homens na Igreja
hoje a quem é dada uma vocação especial para pregar o evangelho de jeito e
maneira particular, mas, estritamente falando, não são evangelistas no sentido
neotestamentário da palavra. Seria melhor chamá-los “exortadores”, como eram
chamados no tempo do despertamento evangélico do século dezoito.
Apesar de eu dizer que estes dois ofícios geralmente andam juntos, e isso através
da longa história da Igreja, às vezes um homem tem mais dom pastoral do que de
ensinar ou pregar, e outras vezes tem mais dom de ensinar e pregar do que de
pastorear. Esta é uma questão de variação individual, de acordo com o dom do
Espírito. Mas na Igreja vocês têm estes ofícios, estes homens que ensinam,
pregam e cuidam das almas dos membros da Igreja. A igreja católica romana
inclinou-se a dividir estes ofícios, ao passo que os puritanos nos séculos 16 e 17,
nomeavam “preletores” que não tinham cargo pastoral. Estes casos, porém,
são exceções à regra geral.
com o resultado que o mundo nem sequer olha para ela, porém a ignora. O
mundo vê esta mundaneidade na Igreja, vê a caça de ofícios, as rivalidades, as
maquinações e as manipulações que ele conhece muito bem em sua própria
esfera, e diz que por isso não se interessa pela Igreja. Noutras palavras, uma das
mais urgentes necessidades da presente hora é que demonstremos ao mundo que
a Igreja ainda é o corpo de Cristo, que ela ainda é espiritual, que tudo quanto lhe
diz respeito, especialmente estes ofícios, é determinado pelo Senhor, e não por
eclesiásticos astutos. Como a verdadeira Igreja continua sendo o corpo de Cristo,
será só quando a Cabeça chama e designa os homens para estes ofícios que o
mundo ouvirá a Igreja e sua mensagem, e se livrará da escravidão do pecado e de
satanás, e seus membros se tomarão santos na Igreja do Deus Vivo.
EDIFICANDO O CORPO
Grande declaração essa, e quão poderosa! Seu propósito é dizer-nos por que o
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo designou na Igreja vários ofícios e os
homens para ocupá-los. É com a finalidade de aperfeiçoar a Igreja e torná-la
inteira e completa em todos os aspectos.
Mais uma vez estamos olhando para um maravilhoso quadro da Igreja. Somente
quando nós, que estamos na Igreja, tivermos um conceito certo da Igreja, é que
começaremos a funcionar verdadeiramente. Por exemplo, a primeira questão
quanto ao problema da evangelização não é o estado do mundo lá fora; é a
condição da Igreja. Conceitos defeituosos da Igreja e do seu funcionamento
levam ao emprego de métodos mundanos e carnais. Se víssemos a Igreja
como retratada pelo apóstolo, tudo mudaria. O real problema continua sendo a
natureza da Igreja.
Chamo a atenção para a maneira pela qual os crentes são descritos aqui. Cada
um deles é um santo - “para o aperfeiçoamento dos santos”. Todo membro da
Igreja Cristã é um santo. As Epístolas do Novo Testamento tornam isso claro e
simples; elas são dirigidas “aos santos que estão em Corinto” ou “aos santos que
estão em Roma”, ou nalgum
outro lugar. É muito entristecedor que os cristãos tenham permitido que esta
palavra fosse mal empregada, e em particular que tenhamos permitido que a
concepção católica romana de um santo nos influenciasse tanto. Em nossa
estultícia dizemos: “Ah, eu não sou um santo”, ou “Não gosto de dizer que sou
um santo”. Todavia, devemos dizer que somos santos. Que é um santo? Um
santo é um homem que foi separado do mundo. A palavra mesma significa “uma
pessoa santa” -“para o aperfeiçoamento das pessoas santas”. “Uma pessoa santa”
é alguém que foi tirado de onde estava e foi posto à parte. O termo é empregado
constantemente no Velho Testamento. Um monte foi tornado santo e, neste
sentido, foi separado para uso de Deus. Os vasos do templo tornavam-se santos
quando era aspergido sangue sobre eles. Eles eram santificados desse modo e
postos à parte. O modo como devemos conceber-nos a nós mesmos como
cristãos e como membros da Igreja é, portanto, que fomos separados do mundo,
que não somos mais profanos, e não pertencemos mais a essa esfera. Deus nos
moveu, separou-nos e nos pôs à parte para Si. Somos “a geração eleita,
o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido” (ou “um povo peculiar”) -
um povo para a Sua possessão peculiar. Fomos segrega-dos e separados. Mais
uma vez afirmo que a Igreja é como está porque esta idéia foi esquecida. Esta
separação não está mais em evidência; somos parecidos demais com o mundo. O
mundo penetrou na Igreja, e ficou difícil dizer a diferença entre um cristão e um
não cristão. A palavra “santo” nos lembra todo o processo pelo qual somos
chamados, separados e postos de lado para Deus. Regozijemos-nos no fato de
que somos santos, e gloriemo-nos em nossa alta vocação.
Todos nós juntos somos o corpo de Cristo, mas somos membros em particular; e
cada um de nós tem que ser aperfeiçoado; e quando cada um de nós for
aperfeiçoado, todo o conjunto será aperfeiçoado. Portanto, a obra está sendo
realizada em cada um de nós, estamos sendo ajustados adequadamente para o
nosso lugar particular na Igreja, com o resultado que o corpo todo funcionará de
maneira harmoniosa e satisfatória. Tudo o que o Senhor designou para a
Igreja tem em vista esse fim e objetivo, a saber, que este corpo de Cristo,
em todos os seus membros, venha a tornar-se perfeito e completo.
Passando agora para a questão seguinte, quanto a como isto deve ser realizado,
chegamos à segunda declaração - “para a obra do ministério”. Este é um dos fins
subsidiários. Aqui de novo há muito debate e discussão, quanto ao sentido desta
frase particular. Alguns afirmam que significa “para a realização de serviço”, que
o nosso Senhor estabeleceu todos estes ofícios na Igreja para que nos
tomássemos aptos ou “equipados para” fazermos o nosso serviço, seja este qual
for. Alguns afirmam que significa que o apóstolo está dizendo que todos estes
ofícios são designados para capacitar-nos, como membros do corpo, para servir-
nos uns aos outros. Parece-me, porém, que, como exposição, isso é
insustentável. Naturalmente, há um sentido em que isso é verdade, porém a
questão é se isso que o apóstolo está salientando aqui. Meu parecer é que não é,
pela razão de que todo o contexto o contraria, e de que a idéia do apóstolo em
todo o contexto é a dos ofícios ministeriais na Igreja. Para esse fim ele os
especificou - “apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres”. Ele não
está pensando nos membros tipo médio, nos membros comuns da Igreja; ele está
ilustrando deliberadamente o seu tema destacando certos ofícios e certas
vocações especiais. Noutras palavras, ele está ressaltando que o Senhor
determinou uma forma e uma ordem de ministério na Igreja Cristã. Esse é o
contexto completo; e ele inclui aqueles, e somente aqueles, que exercem ofícios
ministeriais. De fato, no Novo Testamento esta palavra para “ministério” é
geralmente utilizada naquele sentido e com aquela conotação. Vejam, por
exemplo, o que o mesmo apóstolo diz em 1 Coríntios 3:5: “Pois quem é Paulo, e
quem é Apoio, senão ministros pelos quais crestes, e conforme o que o Senhor
deu a cada um?” O que ele quer dizer com, “e conforme o que o Senhor deu a
cada um” é, “e conforme o Senhor designou o seu ofício para cada um”. Ele
prossegue, dizendo: “Eu plantei”; essa foi a obra confiada a ele; “Apoio regou”;
essa foi a tarefa dada a ele. No entanto, observem que o apóstolo descreve a si
próprio e a Apoio como “ministros”. Ele o faz de novo no capítulo subseqüente,
em 1 Coríntios
O Senhor Jesus Cristo ressurreto, em toda a Sua glória, enviou estes dons para a
Igreja. Estes não são de instituição humana; Ele mesmo os ordenou e os
designou, Ele decidiu qual a natureza dos ofícios, e Ele decidiu sobre os homens
que devem exercer estes ofícios. Assim é que eles são “ministros” da Igreja. O
apóstolo é um ministro. Os profetas, os evangelistas, os pastores, os mestres, são
todos ministros de Cristo e dispenseiros dos mistérios de Deus. O que os
ministros fazem na Igreja domingo após domingo não é algo que o homem
desenvolveu através dos séculos; foi originado pelo próprio Senhor, e nós
o realizamos porque é nosso dever fazê-lo, pois fomos chamados para realizá-lo.
“O aperfeiçoamento dos santos” não pode efetuar-se fora da obra do ministério.
Esta obra do ministério é “para edificação do corpo de Cristo”. Esta palavra
“edificação” significa “construção”. O apóstolo Paulo já tinha utilizado essa
palavra no fim do capítulo dois, onde ele diz que somos “edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra
da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado...” Na verdade, é a mesma
idéia que o nosso Senhor utilizou, quando disse: “tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei (ou “construirei”) a minha igreja”. Portanto, ocupamo-nos aqui da
idéia de construção. O apóstolo parece estar misturando as suas metáforas,
como parece estar fazendo também no capítulo dois. Sua idéia dominante é a do
corpo, entretanto ele fala de construção do corpo. Ele combina esta idéia de
erigir um edifício com a de crescimento de um corpo e, assim, escreve sobre a
construção do corpo. Fazemos algo similar quando falamos sobre alimentos que
“constroem o corpo”. Paulo ensina que a obra do ministério é “construir o
corpo”.
Todas estas passagens nos instruem quanto à obra do ministério. Elas mostram a
maneira de edificar o corpo de Cristo. É “pregar a Palavra” - “a Palavra da sua
graça, que é poderosa para vos edificar”. A obra do ministério não consiste em
falar acerca de atividades ou eventos correntes, o ministro não deve achar a sua
mensagem nos jornais, não deve entreter as pessoas contando-lhes histórias
ou provocando risadas. Deve “pregar a Palavra”. Esta é a única Palavra que pode
edificar a Igreja, e edificar cada membro do corpo de Cristo.
Voltando-nos agora para a questão prática quanto a como esta Palavra deve ser
pregada, a primeira regra é que a pureza doutrinária deve prevalecer. O apóstolo
Pedro, em sua primeira Epístola, escreve: “Desejai afetuosamente, como
meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele
vades crescendo” (2:2). O leite “não adulterado”, “puro”, sem mistura,
correspondente ao padrão, vitorioso no teste - o leite puro e não adulterado da
Palavra. E não “a palavra do homem”, mas “a palavra de Deus” (VA). Não é
de admirar que a Igreja seja hoje como é; foram-lhe dados filosofias
e entretenimento. Por esses meios o ministro pode atrair e reter uma
multidão por algum tempo; porém esses meios não podem “edificar”. E o dever
dos pregadores é edificar, não atrair multidões. Nada, senão a Palavra de Deus
não falsificada, edifica. Fora desta não existe autoridade alguma; e é preciso que
ela não seja modificada ou enfeitada para enquadrar-se na moda da ciência
moderna ou nalguns supostamente “seguros resultados da crítica”, que sempre
estão mudando. É o “evangelho eterno”, é a “Palavra eterna”, a mesma
Palavra que Paulo e os outros apóstolos pregaram, a mesma Palavra que
os reformadores protestantes pregaram, e os puritanos, e os grandes pregadores
de há duzentos anos, e igualmente Spurgeon no século passado, sem modificação
alguma. E porque isso foi esquecido nos últimos cem anos que as coisas estão
como estão hoje.
Em segundo lugar, deve ser a palavra apropriada, o alimento apropriado. Vimos
como o apóstolo Paulo diz: “Com leite vos criei, e não com manjar”, e como o
autor da Epístola aos Hebreus diz exatamente a mesma coisa. Não damos
alimento forte a um bebê; o bebê tem que ser alimentado com leite. Quer dizer
que o ministro precisa ter discernimento e juízo nestas questões. Não é a criança
que resolve qual a particular dieta melhor para o seu crescimento. A criança quer
resolver, é claro, a criança sempre quer ter aquilo que gosta; mas ela não sabe o
que é bom para ela. Não é dever da criança resolver; é dever dos pais. Na
nutrição espiritual há leite e há alimento forte; faz parte do dever do pregador
saber as diferenças entre ambos. Ele deve variar a dieta alimentar de acordo com
a necessidade das pessoas - não só leite, e não apenas alimento forte - doutro
modo a sua pregação não estará edificando. Há também circunstâncias
variáveis; e esta Palavra deve ser aplicada a toda e qualquer
circunstância. Alguns ouvintes estão alegres, outros estão tristes; há os que
talvez estejam sofrendo perseguição e tribulação; alguns poderão
estar celebrando uma vitória. Há uma palavra para todos; e um
completo ministério de toda a Palavra satisfará a todas as condições e a todas
as circunstâncias concebíveis.
Além disso, esta dieta que edifica, não só não deve ser falsificada e apropriada;
também deve ser completa e balanceada. Pode-se ilustrar isto com o que é
próprio da esfera natural. Lemos nos jornais sobre a importância de uma dieta
balanceada de proteínas, gorduras e carboidratos, e vitaminas também. Uma das
grandes descobertas deste século, e especialmente durante a Segunda Guerra
Mundial, é a importância de uma dieta balanceada. Muitas vezes as pessoas
ficam doentes, não somente por não comerem alimento suficiente,
porém também porque a sua dieta não é balanceada. Isto é igualmente certo e
vital com relação ao alimento espiritual. Deve ser uma dieta balan-
ceada, como nos dizem as citações que fizemos. Dieta de ensino e doutrina. Esta
sempre vem em primeiro lugar: “Persiste em ler, exortar e ensinar”, diz o
apóstolo a Timóteo (1 Timóteo 4:13). E outra vez, no mesmo capítulo: “Tem
cuidado de ti mesmo e da doutrina” (versículo 16). Se não estivermos firmes na
doutrina da fé cristã, não teremos a mínima possibilidade de crescer.
Aqui, de novo, devemos ter o cuidado de que o nosso ensino seja balanceado.
Dizia-me recentemente um amigo que ele e muitos dos seus irmãos de igreja
estavam constantemente sendo exortados a fazerem várias coisas sem que lhes
fosse dada a razão para isso. Um
Há pouco tempo um homem disse-me uma coisa que me animou mais do que
qualquer coisa que eu tenha ouvido durante anos. Era um homem de mais de
oitenta anos de idade. Sucedeu que eu estivera pregando sobre a justificação pela
fé e, com lágrimas nos olhos, disse-me ele: “Eu soube essa doutrina a minha vida
toda; mas antes nunca a conheci de modo que me comovesse”. Ele tinha mantido
a doutrina intelectualmente; ele pertencera a um segmento da Igreja no qual
estas coisas eram consideradas objetivamente, de maneira puramente intelectual,
todavia a doutrina não o comovera. O que podemos chamar vitaminas espirituais
sempre deve ser um elemento constitutivo da dieta, se é que há de haver uma
qualidade vivificante no ministério.
e sabia que ele e a sua obra seriam julgados no “tribunal de Cristo”, em parte
pela condição das pessoas. A verdade deve ser apresentada atrativamente, isto é,
de maneira espiritualmente atrativa, não de maneira carnalmente atrativa, não
como entretenimento.
Mais uma instrução para o ministério é que ele deve mostrar em si mesmo um
padrão em sua vida e ministério. Ele próprio deve manifestar crescimento
espiritual, entendimento da doutrina, e interesse por ela, em sua vida e em todo o
seu comportamento. O apóstolo pôde desafiar o povo de Tessalônia neste
sentido: “Vós e Deus sois testemunhas de quão santa, e justa, e
irrepreensivelmente nos houvemos para convosco, os que crestes” (1
Tessalonicences 2:10). E insiste com Tito sobre a importância de mostrar-se ele
próprio um modelo de piedade, retidão e santo viver (2:7-8).
Deus tenha misericórdia de todos nós que fomos chamados para pregar, se
falharmos no exercício deste ministério. Ficamos sem desculpa, pois aqui nos é
dito abertamente o que se espera que sejamos e façamos. O que todos nós
precisamos conhecer é “a palavra da sua graça, que nos pode edificar”. Você está
sendo edificado? Você está “crescendo na graça e no conhecimento do Senhor”?
Você é forte, é varonil? E capaz de levantar-se contra as perigosas infecções que
são epidêmicas no mundo moderno? Você é saudável? Você está
sendo aperfeiçoado, está sendo edificado como membro do corpo de Cristo? É
uma questão solene. “Cada um examine-se a si mesmo.”
FÉ E CONHECIMENTO
Pensem, por exemplo, numa maçã. Pode-se ter o que parece um ótimo espécime;
todavia, se houver nela um só defeito, o mais leve sinal de estrago, ela não levará
o primeiro prêmio na competição de uma exposição de fruticultura. Embora se
destaque de todas as outras quanto a tamanho, forma e cor, não será mais um
espécime perfeito. Assim, não se chegará a ter este “homem perfeito” enquanto
cada parte e porção não estiver plenamente desenvolvida e absolutamente
perfeita.
Uma vez mais, porém, isto não significa que seremos absolutamente iguais e
idênticos. A figura do corpo torna isso impossível. O polegar é diferente dos
outros dedos, os dedos são diferentes da mão; todas as várias partes são
diferentes: haverá variações na capacidade e na função; não obstante, cada parte
terá atingido aquilo que se pretendeu que ela seja e aquilo que se pretendeu que
ela faça.
A idéia que constitui a glória central da Igreja Cristã pode ser considerada
negativamente da seguinte maneira: podemos dizer que toda apresentação da
verdade cristã que tenda a produzir mesmice em seu povo é, por esse teste,
errônea e falsa. As seitas, como vimos, sempre reproduzem um tipo; os seus
membros são quase idênticos, todos se ajustam a um modelo. Eles usam as
mesmas expressões e as proferem da mesma maneira. Não há sugestão disso no
Novo Testamento; e jamais é uma característica de uma obra genuína do
Espírito Santo. Esta analogia do corpo deveria salvar-nos desse erro
particular. As imitações sempre são mecânicas, e se revelam tais
reproduzindo pessoas idênticas em muitos aspectos. A glória da Igreja está
nesta extraordinária variedade e variação; não há somente unidade, mas também
a perfeição de cada uma das partes. Noutras palavras, o corpo não será perfeito
enquanto cada polegar não for perfeito, cada unha não for perfeita, cada fio de
cabelo não for perfeito, cada detalhe não for absolutamente perfeito.
Portanto, o que importa na Igreja não é qual é a nossa vocação ou o nosso ofício,
ou a particular graça a nós concedida, seguudo a medida do dom de Cristo; o que
importa é que cada um de nós seja perfeito nessa posição. O propósito é que
cada um de nós seja cheio da vida de Cristo. Os membros não contêm, cada qual,
a mesma quantidade,
contudo cada um está cheio. Se você foi ao oceano com um copo na mão e o
mergulhou, você dirá: “O meu copo está cheio”, e se levar um grande
reservatório e o deixar encher-se, você dirá: “O reservatório está cheio”. Há uma
grande diferença na quantidade de água do mar no copo e no reservatório,
entretanto ambos estão cheios, e ambos podem estar transbordando. Assim, o
que aqui se ensina não é identidade na quantidade, mas que cada um tem a
plenitude a ele destinada, seja homem, seja mulher.
É neste ponto que vemos que a analogia do corpo é tão valiosa. Toda a
organização do corpo, a sua natureza orgânica e a natureza orgânica da sua
unidade, torna isto absolutamente vital. A vida está no sangue e flui através de
cada parte do corpo, mesmo dos membros do corpo mais distantes. O mesmo
sangue flui através de cada parte levando a mesma vida. A plenitude da Cabeça
está nos dedos. A plenitude de Cristo está em nós. Mas é igualmente certo que o
fato de estarmos cheios completa a Sua plenitude. É assim que devemos ver a
nós mesmos como povo cristão.
igreja por estarem, mesmo frouxamente, ligadas a ela, e que a honram com a sua
freqüência irregular. Não vêem que devem lutar para completar a Sua plenitude,
que não há tempo a perder, que devem purificar-se dos seus pecados, buscar a
santidade e crescer na graça para poderem chegar a esta plenitude. Precisamos
meditar mais e mais neste “homem perfeito” vindouro, na consecução da
“medida da estatura da plenitude de Cristo”.
Consideremos agora com atingir esse objetivo. O ensino do apóstolo é que toda a
obra do ministério deve levar-nos a isso. Há duas coisas que devemos alcançar.
A primeira é a “unidade da fé”. Diz ele: “Até que todos cheguemos à unidade da
fé, e ao conhecimento do Filho de Deus”. (VA: “e do conhecimento do Filho de
Deus”). “A unidade da fé é a fé do “Filho de Deus”. Todos os gramáticos
concordam nisso. Assim, podemos ler: “Até que todos cheguemos à unidade da
fé do Filho de Deus, e do conhecimento do Filho de Deus”. Temos que vir para a
unidade da fé concernente ao Filho de Deus. Este é o meio de chegar àquela
perfeição. Vemos como o apóstolo é prático. Ele não deixa nada ao acaso. A
perfeição sobre a qual ele escreve não é alguma espécie de experiência esotérica
ou mística; o meio de consegui-la é, primeiro e acima de tudo, compreender esta
unidade da fé concernente ao Filho de Deus.
Que significa esta unidade, e como conciliá-la com o que Paulo disse no
versículo 5 sobre “um só Senhor, uma só fé, um só batismo”? Diz ele naquele
versículo que já temos “um só Senhor, uma só fé, um só batismo” e, contudo,
aqui ele diz que chegaremos à unidade da fé. Parece haver uma contradição,
mas, obviamente, não há. Quando
essa perfeição.
Depois devemos pensar nos ofícios do nosso Senhor - Profeta, Sacerdote, Rei.
Devemos examinar o Seu ensino, e agarrar-nos a ele. Devemos crer que “Deus
nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o fez
conhecer” (VA: “este o manifestou”) (João 1:18). Devemos ler os quatro
Evangelhos e contemplar esta manifestação e revelação da glória de Deus, e
examinar o ensino de Cristo. Negligenciamos estas coisas para nosso risco;
devemos viver baseados nelas. Devemos ouvir o Profeta no Sermão do Monte, e
ouvir todos os Seus outros ensinos, porque isso faz parte da “fé do Filho
de Deus”. Em seguida, devemos vê-10 como Sacerdote. Devemos contemplá-10
fazendo Ele a oferta de Si mesmo. Ele fez da Sua alma uma oferta pelo pecado.
Ele renunciou à Sua própria vida, Ele deu-Se até a morte. Ele sujeitou-Se quando
Deus “fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos”, quando Deus O feriu com os
açoites que eu e vocês tanto merecemos. Como o nosso grande Sumo Sacerdote,
Ele fez ofeita de Si mesmo, e depois apresentou o Seu sangue no mais Santo de
todos os Santos, no céu. Este grande Sumo Sacerdote “passou pelos céus” e
tomou o Seu lugar à mão direita de Deus. Meditar nestas coisas é o meio pelo
qual amadurecer e desenvolver-se. Este é o meio para chegar finalmente ao
“homem perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo”.
A seguir pensem em nosso Senhor em Seu ofício real. Ele já é o Rei da Igreja.
Ele veio fundar um reino. A Igreja é a forma atual do reino. Mas Ele voltará e
estabelecerá o Seu reino de maneira visível. Ele instalará aquela condição eterna
em que estaremos com Ele na glória, com os nossos corpos glorificados,
julgando o mundo e julgando os anjos. Também devemos considerar o fato de
que Ele enviou o Seu Espírito à Igreja, de que Ele designou todos estes ofícios, e
considerar toda a obra realizada pelo Espírito, aperfeiçoando-nos, santificando-
-nos, purificando-nos. Tudo isso faz parte desta “fé do Filho de Deus”, e o
conhecimento disto leva-nos à perfeição final.
recebido muito, e dava graças a Deus por isso, mas continuava tentando
“alcançar aquilo para o que fui também preso”. Seu desejo era conhecer ao
próprio Cristo, não se contentava em só crer acerca de Cristo e nEle. É possível
ao cristão este conhecimento mais íntimo do Filho de Deus, uma apropriação do
Seu amor a nós, pessoalmente, um verdadeiro conhecimento do Senhor mesmo.
Foi isso que o nosso Senhor quis dizer quando declarou à mulher de Samaria: “A
água que eu lhe der se fará nele uma fonte d’ água que salte para a vida eterna”
(João 4:14). Significa nunca mais ter fome, nunca mais ter sede, conhecer a Sua
plenitude e receber dela. Noutras palavras, significa viver nEle, de acordo com
as palavras do nosso Senhor com relação a isto, como se vê no Evangelho
Segundo João: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em
mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo
Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim” (6:56-
57). Porventura sabemos o que é participar espiritualmente de Cristo
dessa maneira? Estamos comendo a Sua carne e bebendo o Seu
sangue espiritualmente? Estamos vivendo por Ele? Estamos vivendo
nEle? Podemos dizer com Paulo: “Para mim o viver é Cristo”? Tudo isso
faz parte do “conhecimento” do Filho de Deus. O que se espera de nós é que
sejamos cheios por Ele. Espera-se que experimentemos o que dizemos e aquilo
pelo que oramos quando cantamos juntos -
Estes são os meios pelos quais somos edificados. A atividade da Igreja não é
apenas dizer-nos que podemos ser felizes e como podemos encontrar um Amigo,
ou como dominar o pecado. Somos subjetivos demais, somos centralizados
demais em nós mesmos. O meio pelo qual crescer é olhar para Ele, ter fé nEle,
ter este conhecimento dEle.
Devemos prosseguir em busca disto, “até que todos cheguemos à unidade da fé,
e ao conhecimento do filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura
completa de Cristo”. Oh dia bendito! Oh bendita realização! Então, cada um de
nós será perfeito, aperfeiçoado nEle, e estará participando da Sua bem-
aventurança e glória eterna.
NÃO MAIS MENINOS
“Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o
vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam
fraudulosamente.” Efésios 4:14
Mais uma vez devemos comentar a profunda sabedoria deste apóstolo como
mestre. Ele não estabelece simplesmente a meta, nem nos considera como já a
tendo alcançado; ele é sempre realista e prático, e sempre o move um profundo
zelo pastoral. O primeiro grande princípio de todo bom ensino, seja for o
assunto, é tratar as pessoas como são, não como deviam ser. O bom professor
está sempre ciente do conhecimento ou da falta de conhecimento dos seus
alunos, e se preocupa em relacionar a sua lição com a condição deles. O apóstolo
faz precisamente isso nesta exortação, e com a palavra “doravante”. Como já
indiquei, ele de fato faz uma interrupção com o fim de fazer isso.
O apóstolo nos faz lembrar que há certas coisas que devemos compreender
acerca de nós mesmos. Elas são mormente negativas, todavia são absolutamente
essenciais. Se não estivermos cientes desses elementos negativos, nunca
chegaremos ao positivo e perfeito. Mais uma vez saliento que é a nossa não
compreensão desses fatores negativos que explica muito do presente estado da
Igreja Cristã; e aqui
A primeira coisa que devemos entender é que todos nós começamos na vida
cristã como crianças. Isso parece tão óbvio e, contudo, estamos sempre a
esquecê-lo. “Para que não sejamos mais meninos”, diz o apóstolo, indicando que
todos nós começamos como crianças. E apenas outro modo de fazer-nos lembrar
que a vida cristã é uma vida nova. Não é a continuação de alguma outra vida,
não é um adendo a alguma outra vida, é uma vida nova. A palavra “meninos”
(VA: “crianças”) traça uma absoluta linha de divisão entre o não cristão e
o cristão. Não há mudança gradativa de um movimento do estar no mundo para
o estar na Igreja. É um nascimento, um começo inteiramente novo. Nascemos
numa esfera inteiramente nova que está em completo contraste com a esfera
antiga. E visto que esta nova vida começa com um nascimento, nós, portanto,
começamos como crianças. Constantemente o Novo Testamento da ênfase a este
princípio vital. “Necessário vos é nascer de novo “, diz o nosso Senhor
a Nicodemos (João 3:1-8). Isto implica de imediato o princípio geral
do crescimento e desenvolvimento. Começamos como crianças, e desde esse
começo temos que crescer, desenvolver-se e amadurecer. Este é o princípio
central da vida cristã ensinado em toda a parte no Novo Testamento.
pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente”. Aqui
temos um exemplo do conhecimento que o apóstolo tinha do que hoje se
descreve como “psicologia infantil”. É uma perfeita descrição das crianças, e do
modo de ver e da mentalidade da criança, e isso corresponde fielmente a todos
nós,quando começamos na vida cristã. Há uma passagem paralela no capítulo 3
da Primeira Epístola aos Coríntios, onde de novo ele analisa esta condição, mas
sob um aspecto e um ponto de vista ligeiramente diferentes. Para o nosso
crescimento é essencial que compreendamos e continuaremos sendo crianças.
Não conheço nada que seja mais trágico do que ver cristãos
permanecem exatamente onde sempre estiveram e sendo o que sempre
foram. Terminam como crianças, como começaram. Eles achavam que tinham
tudo no começo e, assim, nunca cresceram espiritualmente, permanecem
crianças a vida toda. Não parecem que tenham compreendido que temos
apropriar-se e apossar-nos do que é prometido e tomado possível a cada um de
nós, e que temos que “crescer na graça e no conhecimento” do Senhor.
Outra coisa que caracteriza esta condição infantil é a falta de domínio próprio. É
por isso que as crianças devem estar sob o controle de pessoas mais velhas. As
crianças são criaturas de impulsos e caprichos; pouco sabem de autodisciplina, e
elas não conseguem dominar-se, controlar-se e controlar o seu gênio. Diz-nos o
livro de Provérbios que o homem pode dominar o seu gênio é o maior do
que aquele que pode capturar uma cidade. O domínio próprio é uma tarefa muito
difícil. A criança não pode dominar-se; ela dá livre expressão de si mesma. Quer
uma coisa, e a quer imediatamente; mostra o seu temperamento e o seu
desagrado, se lha negam. A criança manifesta-se incapaz de controlar as suas
reações e respostas às coisas que lhe sucedem.
Também é certo dizer da criança que, não somente é ignorante, porém também
tem uma tendêcia inata para não gostar de receber instrução e de sujeitar-se à
disciplina. Sabemos que isso é verdade quando olhamos retrospectivamente para
as nossas experiências pessoais, e também para a nossa experiência com as
crianças no presente. Em particular, a criança não gosta de ser ensinada
vagarosamente. A criança é impaciente e sempre quer avançar rapidamente.
Pensem numa criança que está recebendo lições de música. Ela destesta ter
que praticar as escalas; quer tocar a grande peça clássica imediatamente; ela não
gosta de trabalho penoso e de aplicação regular. A criança que está estudando
aritmética não gosta de estudar a tabuada, porém quer resolver os problemas. A
idéia de que se tem que tomar tempo e que se tem de crescer de estágio é odiosa
para a criança. O apóstolo sabia que a criança espiritual mostra o mesmo
desagrado pela disciplina e por receber instrução, e sempre exagera na avaliação
da sua própria capacidade e conhecimento.
Ou, ainda, não há nada que seja mais característico da criança do que o quanto
ela gosta de novidade, de mudança, de algo novo. A criança não se preocupa
tanto com o valor intrínseco de uma coisa,
como com o fato de ser nova. A criança pode estar brincando com os seus
brinquedos favoritos, entretanto, se de repente lhe apresentam um brinquedo
novo, os outros logo são esquecidos e jogados fora pela sua própria mão. A
mente e a mentalidade infantis gostam de mudança e ambicionam o que é
moderno e o que é novo. Atos, capítulo 17, nos fala dos moradores de Atenas,
que “de nenhuma outra coisa se ocupavam, senão de dizer e ouvir alguma
novidade”. Isso é típico da mentalidade infantil, sempre interessada na coisa
mais recente, seja qual for. Como isso é típico de muitos cristãos hoje, que se
denunciam inconscientemente por este gosto por mudança e novidade!
Infelizmente tudo isso tende a ser verdade quanto a nós como cristãos. Às vezes
penso que um dos primeiros problemas e provas que um jovem pastor tem que
enfrentar deve-se exatamente a isto, que tem de ajustar-se ao fato de que muitos
cristãos mostram esta característica da meninice. Gostam de mudança; qualquer
coisa, contanto que seja diferente; mudança, modernidade e novidade, e
especialmente o anseio pelo elemento de entretenimento e animação. Quão
mais gostoso é divertir-se do que passar pela fadiga de uma lição! Se
vocês prestarem atenção nos periódicos religiosos e em seus anúncios,
e aplicarem o ensino do apóstolo a isso, vocês entenderão o que eu quero dizer.
O incomum, especialmente se contiver o elemento de entretenimento e
animação, evidentemente será o mais popular. Essa é uma clara indicação da
perspectiva e mentalidade infantil. O apóstolo está interessado em imprimir isto
nas mentes dos efésios porque, se eles não o percebessem nem o
compreendessem, nunca se desenvolveriam nisso.
Tudo isso é apenas introdutório com relação ao que o apóstolo vai dizer. É
importante que entendamos esta mentalidade por causa dos terríveis perigos que
nos cercam. E de todos os perigos, nenhum é maior do que “o engano dos
homens” e a astúcia com que eles “enganam fraudulosamente”. Mas será sem
propósito continuar estudando mais estas questões, se não nos examinarmos a
nós mesmos e não estivermos conscientes das características da mentalidade
infantil. Duas coisas são essenciais. Acriançadeve compreender que é criança; e
também deve compreender que, devido ser criança, está numa situação
extremamente perigosa. O apóstolo coloca estas coisas na ordem certa. Deus nos
perdoe por sermos tão instáveis, tão inconstantes, tão prontos a deixar-nos iludir,
tão prontos a reagir violentamente! Perdoe-nos Deus também por sermos tão
faltos de disciplina e daquele conhecimento verdadeiro que leva a um interesse
pela glória e honra de Deus e do Senhor Jesus Cristo, e também pela glória da
Igreja, que é o Seu corpo! Todos nós entramos nesta vida como crianças,
“nascemos do Espírito”, “nascemos de cima”, “nascemos de novo”. Pode ser que
alguns de nós estejam na vida cristã por longo tempo. Acaso continuamos sendo
meninos “lançados para lá e para cá e levados em roda por todo o vento de
doutrina”? Deus tenha misericórdia de nós!
AS CILADAS DO DIABO
“Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o
vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam
fraudulosamente.” Efésios 4:14
Agora devemos examinar mais de perto os. perigos a que estão expostas a
meninice e a imaturidade espirituais. É deveras assombroso notar quanto o
espaço e quanta atenção a Bíblia dá a esta questão particular. Há advertências
constantes contra este perigo particular. Vejam, por exemplo, o que lemos no
Evangelho Segundo Mateus: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que
vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores”
(7:15). Que solene advertência! E o nosso Senhor prossegue e a desenvolve.
De novo, no capítulo 24 do mesmo Evangelho, o nosso Senhor diz: “Então, se
alguém vos disser: eis que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe dei crédito; porque
surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios
que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Eis que eu vo-lo tenho
predito. Portanto, se vos disserem: eis que ele está no deserto, não saiais; eis que
ele está no interior da casa, não acrediteis” (versículos 23-26). “Eis que eu vo-lo
tenho predito”, diz o nosso Senhor; todavia, quão pouco ouvimos sobre
estas exortações hoje! De fato, como espero mostrar mais tarde, muitos até se
aborrecem com estas advertências hoje em dia! A Igreja atual não parece estar
consciente do perigo, e dá pouca atenção, se é que dá alguma, a estas infindáveis
advertências que se acham nas Escrituras.
sempre em evidência. Daí, é certo dizer que a maioria destas Epístolas contém
um proeminente elemento polêmico. Elas estão repletas de argumentação,
debate, raciocínio e advertência. Pensem, por exemplo, no capítulo 11 da
Segunda Epístola aos Coríntios, onde o apóstolo os adverte dos falsos mestres.
Diz ele que não é admirar que estes falsos mestres se portem como o fazem, pois
o diabo é capaz de transformar-se num anjo de luz. A Epístola aos Gálatas pode
verdadeiramente ser considerada como tão-somente uma extensa
advertência sobre os falsos mestres. Em sua Epístola aos Filipenses Paulo
escreve: “Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da
circuncisão” (3:2). Em sua Epístola aos Colossenses vemo-lo advertindo os
cristãos: “Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de
filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos
do mundo, e não segundo Cristo” (2:8). Nas Epístolas pastorais ele adverte das
“oposições dafalsamente chamada ciência (conhecimento); a qual professando-a
alguns, se desviaram da fé” (1 Timóteo 6:20-21).
Nada é mais notável neste aspecto, talvez, do que o que vemos no capítulo dois
da Segunda Epístola de Pedro. Ele avisa os seus leitores de que surgiriam falsos
mestres entre eles, exatamente como surgiram falsos profetas entre os filhos de
Israel na antiga dispensação; e ele prossegue e diz coisas terríveis a respeito
deles. A Epístola de Judas também é inteiramente dedicada à mesma espécie de
solene advertência. Na Primeira Epístola de João muita atenção é dada aos
“anticristos”, os falsos profetas, que se levantaram. No livro de Apocalipse as
cartas às sete igrejas tratam especificamente do mesmo problema; na verdade, o
livro de Apocalipse é uma grande advertência à Igreja neste sentido. De fato,
quase se pode dizer que o Novo Testamento veio a existir com a finalidade de
advertir o povo cristão a guardar-se do terrível e sempre presente perigo de ser
levado a extraviar-se por falso ensino concernente ao nosso Senhor e à Sua
grande salvação.
Gostaria de salientar algo de que este versículo nos faz lembrar, a saber, a
extraordinária linguagem empregada com relação a este perigo - a linguagem
forte, a linguagem quase violenta empregada! Vê-se isto até na linguagem do
nosso Senhor. Ao descrever os falsos profetas, Ele diz que eles vêm até nós
“vestidos como ovelhas”, parecendo inocentes, atraentes, fascinantes. Mas
“interiormente”, diz Ele, “são lobos devoradores”. Com essas expressões tão
fortes Ele caracteriza estes falsos mestres! De novo, no capítulo 23 do
Evangelho Segundo Mateus, advertindo os Seus discípulos e seguidores sobre
os fariseus, diz Ele que eles são “sepulcros caiados”. Feitos para parecer
atrativos, mas por dentro estão cheios de nada que ossos e imundícia. Esta
linguagem é muito forte; é quase violenta; contudo, é o Filho de Deus falando, a
encarnação do amor de Deus.
Pintei o cenário de fundo para que possamos compreender que isso não é algo
peculiar a Paulo. A escola da “Alta Crítica”, assim chamada, sempre esteve
pronta a afirmar que isso é peculiar a Paulo que, afirmam eles, era legalista e
intolerante em sua estreiteza, e ficava aborrecido quando alguém discordava do
que ele dizia. Os incrédulos
estão prontos a aceitar aquele ensino, e cristãos jovens e ignorantes têm sido
enganados por ele. Citei o Senhor Jesus Cristo para mostrar que isso não é
verdade e que Ele falou em “lobos devoradores”, “condutores cegos”, “supulcros
caiados”, e assim por diante. O motivo pelo qual dou ênfase a este assunto é que
não posso imaginar, e desafio quem possa apresentar uma descrição mais
perfeita da situação do cristão moderno do que a que temos no versículo 14 de
Efésios, capítulo 4.0 cristão moderno está rodeado de seitas e falsos
ensinos, pelo que devemos estudar as expressões que o apóstolo utiliza, devemos
aplicá-las aos numerosos ensinos falsos e erros que se oferecem às crianças na fé
atualmente.
A expressão seguinte e: “pelo engano dos homens que com astúcia enganam
fraudulosamente”. O real sentido de engano é erro. Significa um extrativo da
ortodoxia ou da piedade; significa algo que é falso, infiel, e mentira. O objetivo
de todos os falsos ensinos, é o que Paulo diz, é persuadir-nos a ir pelo caminho
do erro e a agarrar-nos ao erro, e não temos por que ficar surpresos por ele
empregar uma linguagem forte com relação a eles.
Observemos a seguir a maneira pela qual ele nos diz que estes erros são
ensinados e propagados. “Todo o vento de doutrina”, diz ele, que tende a
desviar-nos e a enredar-nos, é manipulado “peio engano dos homens”. “Engano”
é uma palavra muito interessante. Notemos de passagem o fato de que são
empregadas nesse único versículo duas palavras que não são utilizadas em
nenhuma outra parte das Escrituras, e uma terceira que é empregada somente
aqui e outra vez nesta mesma Epístola, no capítulo 6, versículo 11. Estas
palavras são “hapax legomenom”, expressão técnica empregada para descrever
palavras utilizadas só uma vez nas Escrituras. Outra palavra dessa classe é a
que é traduzida por “inconstantes” (VA: “lançadas para lá e para cá”), que já
consideramos.
a que conhecemos como “dados”. Refere-se a jogar com dados, um jogo de azar
que é praticado e determinado pelo lançamento de um dado. A impressão que
dáé que, com relação atai jogo, há sempre uma abertura para o elemento de
engano e trapaça, de tapeação e chicanice. Quando você não está vigiando
cuidadosamente, o homem que está para atirar o dado manipula-o de alguma
maneira, de modo que ele consegue o particular número que deseja. O jogo de
dados e a sorte dão uma oportunidade ao homem que, pela rapidez da mão, pode
enganar os olhos. O apóstolo está descrevendo os falsos mestres que
se aproximam com artimanha do jovem cristão. Diz o apóstolo que eles são
como homens hábeis nos jogos que dependem do lançamento de um dado e do
fator sorte. Sabem manipular o jogo, são rápidos e sutis, e quando você, em sua
inocência, não está observando atentamente, eles o enganam e o fazem extraviar-
se.
O apóstolo não se contenta em ficar nisso; vai adiante e afirma que eles fazem
isso “com astúcia” e “enganam”. Isto se refere à perícia ou manha que eles
empregam. Isto outra vez chama a atenção para a arte do sofisma, ou fraude,
para a esperteza, a sutileza do ensino e dos métodos deles. Eles sabem o que
estão fazendo, e estão cheios de astúcia e engano.
Chegamos agora a outra palavra, aquela que é usada somente aqui e no capítulo
6, versículo 11. Paulo diz: “com o que eles ficam de emboscada” (VA). “Ficar de
emboscada”, no original, é uma palavra que significa “seguir alguém e persegui-
lo, como um animal persegue e segue a sua presa”. Pensem numa doninha na
pista de um coelho; uma vez que a doninha parte pelo faro, continua indo,
continua indo. O coelho corre e periodicamente pára e se põe à escuta. Julga-se a
salvo, e se vai, porém a doninha o segue lenta, mas implacavelmente, até
que acaba capturando a sua presa. Ou pensem num desses animais predatórios à
espera da sua vítima e depois se lançando sobre ela. Desse sentido original a
palavra desenvolveu este sentido em que o apóstolo a emprega. Ela transmite a
idéia do método de um plano bem feito, de fato a idéia geral de um plano e um
sistema deliberados. É traduzida por “astutas ciladas” no capítulo seis, no
versículo que diz: ’’Revesti--vos de toda a armadura de Deus, para que possais
estar firmes contra as astutas ciladas do diabo”. O apóstolo utiliza esta palavra
particular com o fim de salientar que somos confrontados por algo que é
muito metódico e que é planejado quase à perfeição. Age como a fera,
por instinto, começa a perseguir a sua vítima; e, portanto, a palavra assinala tanto
o sutil engano dos falsos mestres como a patética fraqueza das vítimas.
Podemos, pois, explicar a frase dizendo que o apóstolo ensina que o engano dos
homens “opera segundo a astúcia ou
manha empregada por aqueles que desejam laçar ou capturar”, ou “enganando
segundo a astúcia que o erro usa”. Este, diz o apóstolo, é o perigo com o qual se
defrontam as crianças espirituais.
Certas perguntas devem ser feitas nesta altura. Estaríamos cientes de que esta é a
nossa situação no presente? Diz o nosso Senhor: “Eis que eu vo-lo tenho
predito”, e o apóstolo Paulo fez a mesma afirmação quando se dirigiu aos
presbíteros da igreja de Éfeso; assim repito a minha pergunta: damo-nos conta de
que esta é a nossa situação? No entanto, deixem-me subdividir a questão numa
série de perguntas. Porventura compreendemos como devemos que o erro não é
meramente negativo, mas pode ser muito ativo e muito positivo? O erro não é
apenas a ausência da verdade completa ou do ensino completo; é mal positivo.
Falo assim porque há um ensino que tem tido muita aceitação, com vistas a que
o pecado nunca seja considerado como positivo, que o pecado é meramente
negativo, mera ausência de boas qualidades. De acordo com o ensino
sentimentalista popular, não devemos dizer que um homem é realmente mau; o
que devemos dizer é que ele não é bom. Para esse ensino não existe mal
positivo. Também defende a idéia de que não existe ensino positivamente mau.
Ora, isso é negar o ensino da Bíblia inteira, que, como vimos, acentua o caráter
positivamente mau do falso ensino.
O segundo fato que devemos compreender a respeito do falso ensino é que ele é
planejado e organizado; que não acontece acidentalmente. Se todos estamos
cientes do que está acontecendo hoje, só temos que saber do plano, do método e
da organização dos falsos mestres. Os missionários em terras estrangeiras no
dizem que têm mais dificuldade com os erros e os falsos ensinos, e com as
falsas religiões, do que com a incredulidade como tal. Além disso, vemos que os
erros, as seitas e os falsos ensinos muito raramente conseguem convertidos
diretamente do mundo; eles os obtêm entre os cristãos inexperientes. Após o
missionário ter realizado o seu trabalho e de haver convertidos, eles vão atrás da
sua presa, e como animais predatórios, lançam-se sobre ela. Isto não se restringe
ao campo estrangeiro; é igualmente verdade quanto às Ilhas Britânicas.
Os recém-convertidos são atacados pelos que geram dúvidas nas suas mentes
quanto à autoridade da Bíblia, à Pessoa do nosso Senhor, a expiação substitutiva,
e vários outros aspectos essenciais da fé cristã e, em sua ignorância, podem ser
levados a extraviar-se temporariamente.
Devemos acentuar que estes mestres “ficam de emboscada”, que eles são
metódicos, e sabem exatamente o que estão fazendo. O falso
ensino é sempre bem organizado, e também se caracteriza por extraordinário
zelo. Quando se comparam os falsos ensinos, neste aspecto, com o ensino
ortodoxo, aqueles fazem este passar vergonha. Vê-se isto muitas vezes nos
recursos financeiros que eles controlam e nas sacrificais contribuições feitas
pelos seus seguidores. Vê-se também em sua literatura, em suas reuniões e na
prontidão do seu povo para trabalhar. O nosso Senhor disse uma vez que “os
filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz”
(Lucas 16:8), e certamente isso é verdade neste aspecto particular. Os
falsos mestres “ficam de emboscada”, planejam a sua campanha e a executam
com extraordinária habilidade, astúcia, zelo e energia. Não é de admirar, quando
lembramos que tudo isso provém do próprio diabo. Ele é “mentiroso desde o
princípio”, diz o nosso Senhor, é “pai da mentira”, e pode transformar-se num
“anjo de luz”. O plano mais brilhante já executado neste mundo limitado pelo
tempo foi o do diabo concernente a Adão e Eva no jardim do Éden. Que trama
perfeita! Que esquema perfeito! Com que habilidade o diabo soube abordá-los!
E quão traiçoeiro e insinuante foi o seu método! Essa tem sido a
grande característica dos seus seguidores daí em diante.
É bom e prudente testar todo ensino com esse critério. O apóstolo João, em sua
Primeira Epístola, depois de nos advertir quanto a crermos em todo espírito, e de
nos assegurar que muitos falsos profetas saíram pelo mundo, e que existem
muitos anticristos, diz-nos que o teste que devemos aplicar a todo ensino é,
“Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo o
espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus”, mas é
anticristo (4:2-3). Tudo deve ser testado pela posição atribuída ao Senhor Jesus
Cristo. Se Ele não é essencial, se Ele não é central, se Ele não é único e não está
acima e além de todos, e se Ele não torna pequenos tudo e todos, então o ensino
é falso.
Finalmente aprendemos aqui, como noutras partes, que todo falso ensino deve
ser odiado e deve ser objeto da nossa oposição. O Novo Testamento nos diz que
o nosso Senhor e todos os apóstolos o odiavam, opunham-se a isso, e advertiam
as pessoas a respeito. No entanto, eu pergunto de novo: é o que se faz hoje? Que
dizer da sua atitude pessoal para com isto? Você seria um daqueles que dizem
que não há necessidade desses pontos negativos , e que devemos contentar-nos
com uma apresentação positiva da verdade? Subscrevemos o ensino dominante,
que não gosta de advertências e de criticar os falsos ensinos? Você concorda com
aqueles que dizem que o espírito de amor é incompatível com a denúncia
negativa e crítica do erro que se apresenta ruidosamente, e que sempre devemos
ser positivos? A
resposta simples a tal atitude é que o Senhor Jesus Cristo denunciou o mal e
denunciou os falsos mestres. Repito que Ele os denunciou como “lobos
devoradores”, “sepulcros caiados” e “condutores cegos”. O apóstolo Paulo disse
de alguns deles: “cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles”
(Filipenses 3:19). Essa é a linguagem das Escrituras. Pouca dúvida pode haver
de que a Igreja é como é hoje porque não seguimos o ensino do Novo
Testamento e suas exortações, e nos limitamos ao positivo e ao “simples
evangelho”, assim chamado, e deixamos de acentuar os pontos negativos e
as críticas. O resultado é que as pessoas não reconhecem o erro quando o
encontram. Aceitam o que lhes parece bom, e se impressionam com os que vêm
às suas portas falando da Bíblia e oferecendo livros sobre a Bíblia, sobre a
profecia, e assim por diante. Em sua ignorante condição infantil, muitas vezes
ajudam a propagar o falso ensino porque não vêem nada de errado nele.
Sobretudo, não percebem que o erro deve ser odiado e denunciado. Imaginando-
se cheios do espírito de amor, são enganadas por satanás, o animal predatório
que estava em sua pista e que de repente as apanhou e se apossou delas com a
sua astúcia e sutileza.
Não é agradável ser negativo; não dá prazer ter que denunciar e expor o erro.
Entretanto qualquer pastor que sinta, em pequena medida, e com humildade, a
responsabilidade que o apóstolo Paulo sentia em grau infinitivamente maior,
pelas almas e pelo bem-estar espiritual do seu povo, é compelido a proferir estas
advertências. Não é provável que isto seja apreciado nesta frouxa geração
moderna, mas, se não for feito, o povo será enganado pelos falsos mestres,
“como a serpente enganou Eva”. Que não sejamos mais “meninos inconstantes,
levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com
astúcia enganam fraudulosamente”. Queira Deus abrir os nossos olhos, ter
misericórdia de nós e dar-nos entendimento e discernimento espiritual, para que
possamos resistir às ciladas do diabo em nossos dias e em nossa geração, e assim
honrar e glorificar o nosso bendito Senhor e Salvador, a Cabeça do corpo, da
Igreja, da qual temos a inapreciável honra de ser membros!
Efésios 4:15
Naturalmente, esta frase faz parte de uma declaração maior. Ela introduz o
aspecto positivo do ensino do apóstolo relacionado com a função do ministério
na Igreja Cristã. O objetivo do ministério é levar-nos todos a “varão perfeito, à
medida da estatura completa de Cristo”. Mas, como vimos, a fim de alcançarmos
esse objetivo, devemos começar de onde estamos. E a primeira coisa que
devemos fazer é compreender que somos crianças e que estamos sujeitos a
algumas das características das crianças, quer dizer, crianças no sentido
espiritual. Portanto, havendo-nos advertido no sentido de, doravante, não
continuarmos como crianças, o apóstolo nos exorta a “falar a verdade em amor”
e a “crescer em tudo naquele que é a cabeça, Cristo”.
Ela se tornou o texto favoruo de muitos porque foi arrancada do seu contexto. É
sempre extremamente perigoso tirar uma frase do seu contexto e tomá-la num
lema. Toda declaração das Escrituras sempre deve ser tomada em seu contexto.
É fazer violência às Escrituras tratá-las doutra maneira qualquer. Veremos a
importância deste princípio quando fizermos a nossa exposição. Ao fazê-la,
devemos ter o cuidado de ter em mente o interesse do apóstolo em toda esta
passagem. Quando ele diz: “falando a verdade em amor”, não quer dizer
apenas ser bom e amável. Sinto-me compelido a começar com esse
elemento negativo porque hoje em dia é comum interpretar o texto dessa
forma. Esta se tornou a idéia dominante no presente nas discussões concernentes
à unidade da Igreja. O companheirismo é posto em primeiro lugar. Dizem-nos
que nada é tão importante como companheirismo; a unidade, em si e por si, é a
coisa suprema. Dizem-nos que a falta desta unidade é o principal, senão o
insuperável, obstáculo para a evangelização. Também nos dizem que não
temos direito de esperar avivamento na ausência desta unidade. A explicação do
estado da Igreja e do fato de que as multidões estão fora da Igreja é que há tanta
divisão na Igreja. Na verdade nos dizem que nada é mais importante hoje do que
sermos todos um numa grande igreja e que, a todo custo, devemos pôr o
companheirismo e a unidade na posição suprema. Para esse fim nos dizem que
devemos tolerar qualquer coisa, tudo; que contanto que um homem seja bom e
amável, e mostre espírito amigável e pratique boas obras, especialmente que se
sacrifique para fazê-lo, então, o que ele crê ou não crê é relativamente
sem importância.
Seria fácil dar algumas ilustrações notáveis e quase assombrosas do que estou
dizendo. Por exemplo, é muito divertido notar como um conhecido resenhista de
livros religiosos, quando passa por alguma crítica de outras idéias no livro que
ele está analisando, imediatamente critica o espírito do autor. Essa parece ser a
única prova da sua erudição. “Erudição” veio a significar que você acha todas as
idéias muito interessantes, e que há algo que dizer a favor de todos os pontos de
vista. Se você quiser ser considerado erudito, não deverá dizer se dado conceito
é certo ou errado; não deverá criticar, pois criticar é negar o espírito de Cristo, e
ser inteiramente vazio de amor. “Falando a verdade em amor” passou a significar
que você elogia mais ou menos todas as coisas, entretanto, acima de tudo, que
você nunca crítica fortemente nenhuma idéia, porque, afinal de contas, há uma
certa porção do certo e da verdade em tudo.
Esta idéia moderna é, sobretudo, não somente uma negação das Escrituras, e sim
também uma negação de toda a história da Igreja Cristã. Há segmentos da Igreja
nos quais em todos os cultos os adoradores recitam juntos o Credo Apostólico, o
Credo Atanásio ou
uma parte do Credo Niceno. Todas as grandes Igrejas têm confissões de fé; a
Igreja da Inglaterra tem os Trinta e nove Artigos, a Igreja Presbiteriana
reconhece a Confissão de fé, de Westminster, a Igreja Luterana, no continente,
tem a sua Confissão de Augsburgo, e muitas igrejas usam a Confissão e o
Catecismo de Heidelberg e subscrevem a Confissão Belga. À luz deste grande
fato da história, e sem nenhum desejo de ser crítico, sinto-me constrangido a
dizer que esta atitude moderna é arrogante. É arrogante em que repudia
virtualmente toda a história da Igreja e condena todos os credos e confissões.
Por que e como estes credos e confissões vieram a existir? Conquanto saibamos
que o Credo Apostólico não foi produzido pelos apóstolos propriamente ditos,
foi produzido pela Igreja Primitiva para que os crentes tivessem uma sucinta
declaração daquilo que os apóstolos pregavam e ensinavam. Mas, por que a
Igreja Primitiva achou que isso era necessário? Por que foram redigidos o Credo
de Atanásio e o Credo Niceno? Estas questões são muitos
pertinentes. Deveremos tratar delas dizendo que a vida naqueles dias era sem
muita ocupação, e que os filósofos e teólogos gostavam de discussão,
de argumentação e de sistematização do pensamento? Seria o caso de que os
homens legalistas e lógicos transformaram o agradavelmente “simples”
evangelho de Jesus em algo que era quase exatamente o oposto? A história da
Igreja revela com muita clareza que não era esse o caso e que cada um daqueles
credos e confissões foi redigido para salvar a vida da Igreja e para salvaguardar a
verdade concernente ao nossò Senhor e à Sua grandiosa obra de salvação. Falsos
ensinos e erros se insinuaram, como as Escrituras tinham profetizado
que aconteceria e como os apóstolos tinham advertido. O resultado foi confusão
na Igreja. Na providência de Deus houve líderes na Igreja cheios do Espírito
Santo que viram claramente que, se essa espécie de ensino continuasse, a Igreja
seria destruída. Por isso eles se reuniram em grandes concílios, o que
simplesmente significava que vinham líderes cristãos de diferentes partes do
mundo para tratar da situação.
Diversamente da idéia ecumênica moderna, eles não se reuniam para dizer que
eram todos ume que as idéias divergentes eram de pouca conseqüência; reuniam-
se para declarar explicitamente o que devia ser crido, e para afirmar que os que
recusassem subscrever tal verdade deviam ser denunciados como hereges e
deviam ser excomungados. Eles achavam que toda a vida da Igreja e todo o
futuro da Igreja estavam em perigo, e que era preciso pôr um fim na incerteza e
na confusão concernentes a doutrinas vitais. Por isso redigiram os seus credos,
nos quais definiram o que se devia crer e traçaram uma aguda distinção entre o
certo e o errado, a verdade e o erro. A história registra
Você não poderá “manter-se” na verdade, a menos que saiba o que é a verdade.
Há certas doutrinas que são absolutamente essenciais à fé cristã. Uma é a
autoridade da Bíblia. Sem a absoluta autoridade da Palavra de Deus em questões
de fé e conduta, como se pode discernir entre a verdade e o erro? Se ela não for
reconhecida como a única autoridade, “todo o vento de doutrina” será
permissível; todavia, se fosse assim, não haveria cristianismo e, portanto, não
haveria salvação. Igualmente, não deve ocorrer discussão alguma acerca da
Pessoa do Senhor Jesus Cristo. Ele é Filho de Deus e Filho do
homem; plenamente Deus e plenamente homem. Como vimos, a Igreja Primitiva
viu a crucial importância desta doutrina. O ensino do Novo Testamento está
inteiramente baseado nela. A grande Epístola aos Hebreus foi escrita para
sustentar isto, para mostrar a preeminência de Cristo e para afirmar que “Deus
falou-nos nestes últimos dias pelo Filho”. Foi porque certos cristãos hebreus
tinham ficado em dúvida acerca desta verdade, que o autor de Hebreus lhes
escreveu a sua grande Epístola. Não há que discutir o fato de que o Senhor
Jesus Cristo, o Filho de Deus, é o único Mediador entre Deus e os homens. A
Igreja não deve ter discussão sobre Ele, sobre a Sua Pessoa, o Seu nascimento
miraculoso, a Sua expiação sacrificial e a Sua ressurreição literalmente física. Se
a Sua ressurreição corporal não é verdadeiro e fatual, diz Paulo aos Coríntios, “é
vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos
pecados” (1 Coríntios 15:14,17). É vital assim! Igualmente com respeito à
doutrina da expiação. Paulo diz aos coríntios que a mensagem que, como
embaixador, ele foi comissionado para pregar, era que “Deus o fez pecado por
nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21).
É óbvio que devemos saber exatamente o que é a verdade. Não devemos passar
o tempo todo argumentando acerca de preliminares e pressuposições; devemos
partir da verdade revelada, e expô-la. Cada um de nós deve entender, crer e
“manter a verdade”, e não especular filosoficamente acerca da vida e o seu
significado e os seus problemas. Não cabe a nenhum pregador levantar-se num
púlpito e dizer: “Penso isto”, ou “Cheguei à seguinte conclusão”, mas sim,
“Assim diz o Senhor”. Devemos repetir o que Paulo disse, escrevendo aos
romanos: “Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes
de coração à forma de doutrina (sólido ensino) a que fostes entregues” (6:17); ou
o que ele disse a Timóteo: “Conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens
ouvido” (2 Timóteo 1:13). Paulo ensinara a Timóteo “o modelo das sãs
palavras”; e não escreve a Timóteo meramente para que imite o seu espírito, o
espírito que ele tinha visto
nele, mas lhe diz: “Conserva o modelo das sãs palavras”. Paulo escreveu
similarmente aos gálatas, não porque o que ele pregava era sua idéia, porém,
como ele diz: “faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi
anunciado não é segundo os homens, porque não o recebi, nem aprendi de
homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo” (1:11-12). A Timóteo ele diz:
“E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis,
que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2 Timóteo 2:2).
A mensagem cristã é verdade exata, que consiste de proposições acerca de Deus
e do Senhor Jesus Cristo, Sua Pessoa e Sua obra, acerca do Espírito Santo e Sua
obra, do único caminho da salvação, da Igreja, e de toda a verdade necessária
acerca da vida. Tive que ressaltar tudo isso extensamente porque não há
propósito em ir adiante para a declaração seguinte, se não tivermos entendido
claramente esta questão. “Nós mantemos a verdade.”
14. Ao interpretar esse versículo, dei grande ênfase à força e quase violência da
linguagem empregada pelo apóstolo. Todavia, aqui ele nos está exortando a
“falar a verdade em amor”. Haveria uma contradição entre a linguagem forte do
versículo 14 e “falar a verdade em amor”, no versículo 15? É óbvio que não há
tal coisa, mas isso nos ajuda a interpretar esta frase sobre o amor.
Evidentemente, à luz do versículo 14, não pode significar somente ser bom e
amável. O apostolo Paulo não era um “bom” homem, no sentido
comumente aceito. O homem que está cheio do amor de Cristo não é
meramente “um bom homem” no sentido natural, o que se deve principalmente
à constituição física e inteiramente acidental da pessoa. Não é esse o amor do
que Paulo está falando. O que Paulo está afirmando é que, enquanto “mantemos
a verdade”, devemos vigiar os nossos espíritos. Os falsos mestres tendem a
perturbar-nos e a irritar-nos, e nós temos que opor-nos a eles, e a fazê-lo
fortemente. Contudo, não devemos fazê-lo com espírito mau e amargo.
Ora, em particular, o apóstolo está tratando do modo como falamos uns aos
outros como crentes na igreja, e como corrigir os erros que acaso apareçam entre
nós. A severidade aplica-se mormente aos falsos mestres, aos que Judas descreve
como “tendo-se insinuado inespera-damente” (Judas 4, VA), mas entre nós
devemos falar e manter a verdade em amor. O apóstolo quer dizer que, embora
devamos salientar a absoluta necessidade de definições e credos, nunca deve-
mos ser duros e rígidos, nunca devemos ser legalistas e ostentar justiça própria.
Jamais devemos portar-nos de molde a dar a impressão de que a nossa
preocupação é provar que estamos certos e que todos os outros estão errados.
Jamais devemos fazê-lo apenas para vencer numa argumentação ou numa
discussão. Pode ser que muitos de nós devam confessar-se culpados disso.
A verdade sobre a qual o apóstolo escreve nunca deve ser abordada somente com
o intelecto. Se o meu coração não se comove com a verdade, se eu não a sinto e
não sinto o seu poder, o meu espírito está mal. A verdade deve produzir paixão, e
numa profissão verdadeiramente cristã há emoção e sentimento. Uma verdade
que só seja mantida no intelecto torna-se dura, árida e seca; e o homem de
quem se possa dizer isso nunca poderá falar a verdade em amor. Só
devemos afirmar a verdade em termos fortes com o fim de torná-la clara, com o
fim de ajudar os outros, com o fim de persuadir os homens. Devemos fazer isso
porque temos tristeza por aqueles que se acham desorientados e que se deixaram
extraviar; não com o fim de mostrar-lhes que eles estão errados e nós estamos
certos, porém com o fim de levá-los à verdade. Portanto, devemos fazê-lo com
humildade e reconhecer a nossa falibidade, reconhecer que todos cometemos
enganos e que todos podemos cair no erro. Sempre devemos falar com
humildade e ter o cuidado de não fazer violência às Escrituras ou de interpretá-
las mal, de alguma forma. Devemos “manejar bem a palavra da verdade” (2
Timóteo 2:15).
que devemos tratá-lo empaticamente. Devo reconhecer que talvez ele seja
apenas um bebê em Cristo e que ele defende idéias erradas porque é um bebê e
não recebeu instrução; devo sentir compaixão por ele. É--nos dito que, quando o
Senhor olhou para as pessoas, viu-as como “ovelhas que não têm pastor, e teve
compaixão delas” (Marcos 6:34); é dessa maneira que devemos ver os que são
novos na fé. Devemos ter e exercitar grande paciência para com eles.
No entanto, isso tudo não significa que transigimos em relação à verdade; temos
que manter a verdade a todo custo. Mas temos que mantê-la com este amor, a
fim de persuadir as pessoas, cativá-las e tentar esclarecê-las. Isso é a própria
antítese de dizer que a verdade não conta e que os cristãos podem crer no que
quiserem, contanto que tenham uma vida benéfica e demonstrem espírito cristão.
O erro tem que ser posto às claras; o versículo 14 vem antes do versículo 15.
1
Almeida: “ ... seguindo a verdade em caridade”. Nota do tradutor.
CRESCENDO
provar-nos a nós mesmos nestas linhas e também com relação à nossa conduta e
ao nosso comportamento. Estaríamos crescendo intelectualmente? Teríamos
mais conhecimento da verdade do que tínhamos há um ano? Acaso
compreendemos melhor as Escrituras? Estaríamos menos freqüentemente com
problemas e perplexos acerca de questões espirituais?
Tomemos uma ilustração óbvia. Um estudante que toma um assunto para
estudar, vê-se mergulhado nas lições. A princípio ele não entende praticamente
nada, e fica meio confuso. Pode até querer desistir; no entanto é aconselhado a
prosseguir, e ele o faz, e se assenta e ouve, ainda sem aprender muita coisa.
Contudo, de repente, após uns poucos meses, começa a sentir que está
aprendendo o assunto e que está começando a fazer sentido para ele. Daí em
diante o assunto vai ficando mais claro para ele, e ele percebe que o vai
dominando.
É a mesma coisa na vida cristã. Pessoas há que me dizem, com freqüência, que
quando começaram a freqüentar os cultos cristãos, tinham bem pouca idéia do
que estava sendo dito. Tinham consciência de um espírito geral na reunião que as
empolgava, mas elas realmente não conseguiam acompanhar e compreender as
mensagens. Contudo, continuaram freqüentando e gradativamente começaram a
entender o ensino. Esse é um sinal de crescimento e desenvolvimento; e
isso costuma ir adiante, crescendo progressivamente. Conforme vão passando os
anos, o nosso conhecimento e a nossa compreensão da verdade devem tomar-se
cada vez maiores.
Há também outro aspecto desta verdade que é importante, a saber, que cada parte
do corpo deve estar tão desenvolvida que esteja sempre pronta a responder ao
Senhor. Não somente devemos conformar-nos a Ele, porém também devemos
estar à Sua disposição e ao Seu serviço;
Passamos agora a perguntar como tudo isso vem a existir e como se mantém.
Vê-se a resposta numa das frases mais difíceis do apóstolo, a saber, “pelo auxílio
de todas as juntas”. A dificuldade surge na palavra “juntas”, porque
instintivamente pensamos na palavra junta de maneira como já utilizamos, como
luva e cano encaixando-se para formar uma junta. Entretanto este novo termo
tem um sentido algo diferente e bem poderia traduzir-se por “faixas” * ou “elos
de ligação”. Noutras palavras, Paulo está dizendo que estas faixas não nos
unem apenas. Fazem isso. Mas fazem algo muito mais importante; é por meio
dessas faixas ou por esses elos de ligação que os suprimentos de vida e energia
passam a cada parte do corpo. De fato, é enganoso ler “pelo auxílio de todas as
juntas” porque essa frase dá a impressão de que são as “juntas” que fazem o
suprimento. Contudo não é assim. O suprimento não vem através das juntas,
porém através das faixas. Por isso alguns comentadores traduzem assim a frase:
“através de todas as juntas para auxílio” (ou “para suprimento”), ou “através de
todas as juntas que servem para auxílio” (ou “para suprimento”).
Noutras palavras, as faixas a que Paulo se refere são os canais através dos
quais passa o suprimento de vida e energia para todas as partes do corpo.
Este suprimento vital é veiculado através de cada faixa. Portanto, podemos ler da
seguinte maneira a frase: “Do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo
suprimento veiculado por todas as faixas”.
O olho, a mão e o pé, o nariz e a língua, não são iguais em importância, porém
todos eles são membros do corpo, e todos eles são essenciais ao funcionamento
do corpo. E a cada parte é dado pleno e abundante suprimento de vida e energia
para habilitá-la a desempenhar a sua função perfeitamente.
Qual é o objetivo disso tudo? Por que a Igreja é constituída desse modo? Por que
o corpo é construído dessa maneira? Diz o apóstolo que o objetivo é que tudo
faça “o aumento do corpo”. Ele de fato introduziu um parêntese depois de, “Do
qual todo o corpo”, a saber, “bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as
juntas, segundo a justa operação de cada parte”. Depois ele completa a afirmação
com, “faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor”. Dito de
outra forma, a Igreja foi designada e constituída desta maneira maravilhosa
para que possa crescer. É essa a razão por que há as juntas bem ajustadas, por
que há faixas de comunicação, e por que há este abundante suprimento de vida e
de energia. E para que todo o corpo cresça. Notem o que Paulo diz: “Do qual
todo o corpo, bem ajustado... “O propósito é promover crescimento, ou, para
declará-lo doutra maneira, é para que o corpo seja “construído”, como fora
previamente declarado no versículo 12: “Querendo o aperfeiçoamento dos
santos, para a obra do ministério, para edificação (construção) do corpo
de Cristo”.
Depois, para que não esqueçamos o que ele dissera bem no início, o apóstolo
acrescenta: “para sua edificação em amor”. O amor é a perfeição final, o apogeu.
“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior
destes é o amor”. Nesta questão de unidade, nada é mais importante que o amor.
Se a Cabeça é amor, o corpo deve ser amor. Devemos amoldar-nos à Cabeça; Ele
é amor sempiterno, amor eterno. Ele Se tornou amor encarnado; e o corpo deve
corresponder a Ele ; assim nos edificamos e crescemos “em amor”.
Agora podemos sugerir outra tradução da declaração toda: “De quem todo o
corpo - estando estreitamente interligado, e sendo constantemente mantido por
meio dos canais através dos quais passa o abundante suprimento da energia vital,
a qual é gerada para suprir a capacidade de cada parte - trabalha junto para o
constante crescimento do corpo, resultando na construção dele mesmo em
amor”. Esta descrição da Igreja Cristã corresponde rigorosamente ao que
sabemos do corpo humano. O apóstolo, escrevendo há mais de 1900
anos, parece ter antecipado a filosofia moderna o bastante para fazer uso dessa
ilustração particular. No corpo humano a cabeça contém o cérebro; e todo o
sistema nervoso do corpo vem originalmente do cérebro e a ele está ligado. O
menor nervo, ou o tenro nervo da ponta do seu dedo, pode ser seguido de volta
até ao cérebro. Primeiro vai até a medula espinal que, por sua vez, está ligada
por cordas de nervos ao cérebro, o centro mais elevado e que contém tudo.
Verdadeiramente, os nossos corpos “de um modo terrível, e tão maravilhoso”
foram formados. Eles estão cheios de articulações, das quais estivemos falando.
Junta encaixada em junta, antebraço no braço, braço no tronco, e tudo mais.
Mas, além e acima de tudo isso, há as faixas ou canais de comunicação; o
sistema nervoso une o corpo todo e o mantém unido, e faz dele uma unidade
orgânica de um modo que os ligamentos e as juntas não podem fazer.
Vejamos uma única ilustração. Você pode dizer que a única coisa que importa é a
condição do cérebro, sede da energia e da força vitais, sede do meu pensamento
e da minha plena capacidade. E você pode dizer que, em comparação, o meu
dedo mínimo é destituído de significação. Contudo, não é assim; e o dedo
mínimo pode tornar-se altamente importante. Se de repente aflorar uma infecção
aguda na ponta do seu dedo mínimo resultante de uma ligeira espetada de
um espinho de espinheiro ou de roseira, logo verá que começa a latejar e a doer
terrivelmente; não somente isso, você mesmo ficará doente; terá uma forte dor
de cabeça e poderá delirar e ficar incapacitado para o uso do cérebro. O mal no
dedo mínimo produz, digamos, envenenamento e paralisia da cabeça e do corpo
inteiro.
ATIVIDADES E VIDA
Mais uma razão subsidiária para salientar estes princípios é que só poderemos
entender o que esteve acontecendo na Igreja na primeira metade deste século, se
entendermos o ensino desta passagem. As coisas estão como estão porque os
cristãos não entenderam a doutrina bíblica da unidade. Portanto, necessariamente
estaremos lidando com assuntos altamente polêmicos; todavia, evitar assuntos
polêmicos com espírito de temor é negar as Escrituras. “Deus não nos deu o
espírito de temor, mas de fortaleza e de amor, e de moderação” (disciplina),
diz Paulo (2 Timóteo 1:7). Temos que enfrentar as dificuldades e examiná-las à
luz das Escrituras. Assim, eu me proponho a selecionar certos princípios
notáveis, que são da mais urgente importância.
Para expor a matéria de forma diferente, de acordo com esta analogia nunca
devemos pensar em unidade meramente em termos de retirada das divisões. Isso
também prevalece atualmente. Partindo da proposição de que uma Igreja
dividida é a maior tragédia do mundo hoje, a única questão considerada é como
podemos livrar-nos dessas divisões. Essa é uma abordagem negativa que
imagina que, removendo as divisões, você produz unidade. Entretanto, de acordo
com a analogia do corpo, esse raciocínio é falso. Baseia-se no erro fatal de
partir das coisas como estas são - das organizações, das seitas, das denominações
etc. - e tentar realizar algo com elas. Ao invés disso, devemos pensar de maneira
mais fundamental e compreender que a nossa primeira tarefa é entender a
natureza da Igreja, antes de podermos compreender a natureza da unidade da
Igreja.
Noutrãs palavras, o princípio de unidade nunca deve ser colocado primeiro, pois
a unidade não é algo que subsista por si; é sempre resultado doutra coisa. Não
devemos começar pela unidade, e sim pela natureza da Igreja, e então havemos
de ver que a unidade é inevitável. O corpo propriamente dito é de primordial
importância, e a unidade -essencial como é - é tão-somente uma das
características do corpo.
Estes princípios são absolutamente fundamentais com relação a toda esta questão
de unidade, e é a minha opinião que, devido tudo isso ser esquecido, nós nos
achamos nesta confusão moderna. Realmente, sou bastante ousado para afirmar
que a maneira de enfrentar apresente situação não é simplesmente olhar para a
situação como é e perguntar: “Que é que podemos fazer a respeito?” Temos que
ser muito mais radicais e dizer a nós mesmos: que estas grandes denominações
e agrupamentos sejam o que quiserem e façam o que quiserem, o nosso dever é
descobrir a real natureza da Igreja Cristã. Acaso não estamos, mais ou menos, na
mesma situação de Martinho Lutero no século dezesseis, quando ele viu que
tinha que ir de volta direto à verdade fundamental e à origem da Igreja? Teremos
que retornar a essa mesma posição. Se permitirmos que o nosso pensamento seja
determinado pela situação existente, ficaremos tão presos a ela que toda a
nossa concepção da Igreja será errada. Como outros, começaremos a pensar em
termos mecânicos e a tentar baixar as barreiras e a tentar melhorar a situação um
pouco aqui, um pouco ali, em vez de aperceber-nos de que a situação toda está
errada. A questão vital que se deve encarar é: que é que determina a unidade?
A situação é essa porque eles não compreendem que a unidade resulta doutra
coisa e é conseqüência, corolário dessa outra coisa. Vê-se este princípio também
na frase “seguindo (ou “falando”) a verdade em amor” (versículo 15). Não
devemos pôr o amor antes da verdade; devemos falar as verdade em amor. Não
devemos apenas falar amorosamente, ou ser simplesmente bondosos e amáveis;
devemos falar a verdade em amor. A verdade sempre deve vir primeiro. O
resultado é que é completamente impossível discutir a unidade com um
homem que nega a deidade de Cristo. Embora possa chamar-se cristão,
nada tenho em comum com ele. Se ele não reconhece este único Senhor, nascido
da virgem, e que operou os Seus milagres e sofreu morte expiatória e ressuscitou
literalmente, corporalmente do túmulo, não posso discutir a unidade com ele.
Não há base para a discussão sobre a unidade. É puro desperdício de tempo e
uma máscara do ensino das Escrituras fazê-lo. Devemos estar arraigados e
fundados na verdade, e crer em toda a doutrina ensinada nos capítulos 1,2 e 3 - a
soberania de Deus, que nos chamou e nos escolheu antes da fundação do
mundo; a singular deidade de Cristo e o derramamento do Seu sangue por nós e
pelos nossos pecados na cruz do Calvário; a verdade concernentes a nós mesmos
como “mortos em ofensas e pecados” e andando segundo o curso deste mundo,
criaturas de luxúria, paixão e vícios, filhos da ira, como os outros também - antes
de ser possível qualquer discussão sobre a unidade. Não tenho comunhão com
alguém que diz que nascer neste país nos faz cristãos. Não posso ter comunhão
com alguém que me diz que, porque fui batizado na infância, sou por isso
cristão. Estas coisas são absolutamente vitais e centrais, e o mesmo se aplica
à doutrina do Espírito Santo e à doutrina da natureza da Igreja Cristã.
O princípio seguinte é a nossa correta relação com o Senhor e a nossa união com
Ele. Não devemos ter comunhão “com as obras infrutuosas das trevas” (Efésios
5:11). E, como o apóstolo João diz em sua segunda Epístola, não devemos ter
comunhão com quem não prega e não defende esta verdade, e nem devemos
saudá-lo. Ao mesmo tempo, devemos entender esta doutrina da nossa relação
com o Senhor Jesus Cristo. União não é matéria de organizações, é mais uma
questão de ser um ramo na videira, ou de ser um braço, um membro de
um corpo. Toda a questão da unidade tem que ser examinada desta maneira. A
doutrina da Igreja como corpo de Cristo torna isso completamente inevitável. A
questão não é: posso ter comunhão com esta ou aquela pessoa? É, porém, estou
eu “em Cristo” e aquela pessoa está “em Cristo”? Esse é o ponto do qual
devemos partir - sou um ramo da Videira verdadeira? Pois, se eu sou, não posso
ter comunhão com os que não são ramos da Videira; e vice-versa.
A Igreja ficou confusa quanto à diferença entre atividade e vida. É uma diferença
vital. É a diferença entre o que é feito por uma máquina e o que um homem faz,
ou a diferença entre uma máquina e uma planta
Esta diferença essencial pode ser ilustrada por algo que sucedeu no início da
década de 1920. Naquele tempo liamos nos jornais informes sobre dois homens,
o Sr. Howard Carter e o Lorde Carnarvon, que por meses estiveram escavando e
fazendo pesquisas nos túmulos do Egito. Finalmente descobriram uma espécie
de esquife que parecia estar em quase perfeito estado de conservação, e logo se
deram conta de que era de um antigo rei egípcio chamado Tutancâmon.
Abriram-no e, para seu espanto, viram o corpo daquele rei, que morrera fazia
milhares de anos, perfeitamente preservado. Apesar de morto durante tanto
tempo, o corpo não mostrava nenhum sinal de decomposição. A
explicação desse fenômeno é que os egípcios empregavam um sistema
de embalsamamento pelo qual, quando uma pessoa morria, tratavam o corpo
com vários elementos químicos. Isto, juntamente com a natureza da atmosfera
do Egito, garantia a preservação de um corpo quase indefinidamente, sem
quaisquer sinais de decadência ou decomposição. Encontraram o corpo de
Tutancâmon perfeitamente conservado; mas também estava perfeitamente
morto! Não havia sinais evidentes de decadência ou decomposição, todavia se
lhe fizessem uma pergunta, ele não poderia responder. Seu corpo era totalmente
incapaz de manifestar vida, poder e atividade, embora perfeitamente conservado.
Sinto que a Igreja Cristã em geral tem estado simplesmente preservando uma
instituição durante os últimos cinqüenta anos. A ênfase tem sido às aparências
externas e às finanças. Vejo que os débitos das igrejas e capelas estão mais
baixos que nunca, porém, que dizer da condição espiritual? As finanças estão
bem, apesar de ser menor o
número dos freqüentadores. Toda a abordagem tem sido errônea. Desde cerca de
meados do século passado, o pensamento das igrejas foi dominado pela idéia
institucional. A idéia dominante tem sido a de encontrar meios para segurar os
jovens que não gostam de sermões, mas gostam de teatro, de entretenimento e de
jogos. Assim se introduzia a igreja institucional, e por um tempo parecia
funcionar; no entanto só por um curto período. Tudo isso por não se entender a
doutrina da Igreja Cristã! Não se pode manter a Igreja, o corpo de Cristo, por
tais meios e métodos. Cristo é a vida da Igreja, e, se não houver relação
vital com Ele, não haverá vida, e a Igreja estará morta.
O que importa na Igreja não é o número, e sim a nossa relação com Cristo, e a
pureza da nossa doutrina, e a pureza da nossa vida e do nosso modo de viver. O
que importa é que a seiva esteja fluindo da Videira para os ramos. Portanto, não
devemos estar preocupados primariamente com o tamanho de uma denominação
particular, ou com o que se pode fazer para transformar todas as denominações
numa só Igreja, e então esperar que aconteçam coisas grandiosas. Isso é
enfrentar o problema de maneira totalmente antibíblica. A primeira pergunta
deve ser: estamos cheios da vida da Videira? Enquanto isto não for verdade a
nosso respeito, o que quer que façamos não levará a nada. Disse o Senhor: “Sem
mim, nada podeis fazer” (João 15:5). Quando será que
Isso, por sua vez, leva-nos a outro princípio, que se deduz por lógica simples e
direta. É que é a Cabeça que age. O corpo não age; é a Cabeça que age.
Naturalmente, a Cabeça age por um meio do corpo, mas, não obstante, é a
Cabeça que age. E Ele quem decide e determina quando agir e como agir. O
nosso interesse deve ser que sejamos usáveis ao Seu comando. Ele é o
originador, a ação é dEle, e nós somos apenas os veículos ou os canais através
dos quais a Sua atividade passa. Quando examino a história da Igreja dos últimos
cinqüenta ou cem anos, o que vejo sobressair descaradamente é uma completa
incapacidade de recordar-se deste princípio. Vejo muita atividade febril; contudo,
é a atividade dos membros, não a atividade da Cabeça.
A falácia envolvida nisto deve ser demonstrada por uma ilustração. O que o meu
corpo é para mim, a Igreja é para o Senhor ressurreto. Que é que eu peço do meu
corpo? Que é que eu espero que as minhas mãos e os meus dedos façam? Qual é
a função de todos os membros do meu corpo? Seria agir em meu lugar? Seria
agir por sua própria conta e independentemente? Claro que não! O dever do meu
corpo é simplesmente estar à minha disposição. Eu decido fazer algo, inicio
um movimento e ajo através do corpo, através dos seus membros. Não cabe aos
membros do meu corpo fazer coisas sem mim ou em meu lugar. De fato, se os
braços ou as partes ou os membros do corpo de um homem começam a agir
independentemente dele, é porque ele está em más condições de saúde, está
sofrendo convulsões. Nessas condições, os braços do homem se movem
desordenadamente, e talvez aconteça o mesmo com as suas pernas e com a sua
cabeça; mas ele não quer que eles façam isso. Eles estão agindo por conta
própria, à revelia dele. As ações não são voluntárias, são involuntárias. A soma
de energia despendida pelo pobre sofredor é tremenda; entretanto não há sentido
nisso, não atende a nenhum propósito; é puro desperdício de energia. O homem
que sofre um ataque de convulsões é tremendamente ativo, o dispêndio de
energia é espantoso; todavia não tem valor nenhum; é doença, é completamente
inútil.
Pois bem, a Igreja é o corpo de Cristo; assim, as perguntas que devemos fazer
são: qual é a natureza e qual o caráter das nossas
E neste ponto que surge a questão quanto à diferença entre uma campanha
evangelística e um avivamento. O pensamento que leva a uma campanha
evangelística funciona da seguinte maneira: os homens começam a dar-se conta
de que a Igreja está estagnada e que pouca coisa acontece. Assim, eles se reúnem
para estudar a situação e se decidem a ter uma campanha evangelística.
Escolhem um evangelista (ou às vezes resolvem aceitar o oferecimento dos
serviços de um evangelista!) e começam a organizar uma campanha. Fixam
grandes cartazes nas paredes externas das igrejas, fazem propaganda
pela imprensa, usam outros meios de publicidade, e talvez consigam que
o prefeito compareça à reunião de abertura. O motivo é puro, e visa a chamar a
atenção do mundo para a Igreja e “fazer o povo entrar”. Resolvem fazer isso
para tratar das condições da igreja local.
Mas há outra maneira de abordar o problema. E que a igreja deve reunir-se para
estudar a situação e para fazer a pergunta vital: por que estamos nesta situação?
A primeira pergunta nunca deve ser: que faremos? Deve ser: por que as coisas
estão como estão? Por que as igrejas estão vazias; por que a Igreja não é levada
em conta nesta região? Por que a situação é tão diferente do que era? Estas são
as primeiras perguntas que se deve fazer; e elas levam a uma
abordagem totalmente diversa, Elas levam a algumas outras questões vitais,
como por exemplo: a nossa doutrina é certa? Eu não tenho dúvida de que as
igrejas estão vazias era grande parte porque, durante os últimos cem anos,
muitos púlpitos vêm negando a fé cristã. Uma nova abordagem da Bíblia,
denominada “Alta Crítica”, começou a solapar a sua autoridade e levou a um
ensino que dizia que Cristo era apenas homem, e que dava ênfase ao “Jesus da
História”, não ao Cristo da fé. Ao mesmo tempo, a “Alta Crítica” negava a
Pessoa do Espírito Santo, o caráter substitutivo da expiação e os elementos
sobrenaturais e miraculosos do cristianismo. Isto levou à ausência de oração e
à mudança para as ênfases morais, éticas, políticas e sociais. A cultura e a
especialização acadêmica tomaram o lugar da revelação. Perdeu-se o contato
com a Cabeça, os canais da vida espiritual ficaram bloqueados. Esta abordagem
inteiramente diversa faz-nos compreender que a Igreja, como ela é, não está em
condições de ser anunciada ao mundo. A nossa primeira tarefa é examinar-nos a
nós mesmos; o nosso primeiro dever é assegurar-nos de que a vida da Cabeça
está fluindo através de nós. Isto nos fará cair de joelhos, arrepender-nos
e confessar os nossos pecados, e reconhecer, envergonhados, as
nossas transgressões, e então clamar por misericórdia e compaixão.
Então rogaremos ao Senhor que envie sobre nós o Seu Espírito com grande e
vivificante poder.
Essa última maneira de abordar o problema é a que foi adotada pela verdadeira
Igreja através dos séculos. De maneira geral, a história da Igreja em seus
períodos mais gloriosos, até meados do século passado, é a história dos
avivamentos. Mas, desde meados do séculos passado não tem sido esse o caso; e
a história é de campanhas evangelísticas. Este é apenas um puro e simples fato
da história. Quantas vezes vocês ouviram falar de avivamento? Quantas vezes
vocês oram por aviva-mento? Em vez de orar e esperar de Deus e de rogar Sua
bênção, instalamos nossos comitês, temos almoços e depois traçamos os nossos
planos de ação. Havendo feito isso, pedimos a Deus que abençoe as nossas
propostas e os nossos esforços. Apareceu uma expressão horrível, “apoio da
oração”, como se a oração fosse algo que “dá apoio” ao que decidimos. Ao invés
de começarmos com a oração e então descobrirmos a vontade de Deus, e de nos
colocarmos à Sua disposição e de esperarmos nEle, decidimos e agimos.
Contudo, quem decide e age é a Cabeça.
Eu os exorto, em nome de Deus, a que orem pedindo avivamento. Que não orem
simplesmente pedindo que Deus abençoe algum empreendimento em que vocês
estejam envolvidos; que não orem somente pelos missionários que trabalham
noutras terras; orem também por avivamento neste país. Oremos rogando que
haja avivamento da Igreja em toda a parte, no mundo todo. Oremos no sentido
de que toda a Igreja
seja ligada vitalmente a Ele, a Cabeça, de modo que a Sua vida e o Seu poder
venham sobre nós e para dentro de nós, e aja através de nós, para que a Igreja
receba nova vida e para que os pecadores que se acham fora dela sejam
convertidos. Cristo é a Cabeça. Ele disse: “Eu sou a videira, vós as varas”.
Certifiquemo-nos de que estamos crescendo “em tudo naquele que é a Cabeça,
Cristo”.
A UNIDADE CRISTA
Neste livro o Dr. Lloyd-Jones salienta que todos nós temos a tendência de ser
criaturas preconceituosas e, portanto, convém que nos examinemos em relação a
esta passagem crucial (4:1-16). Os defensores do movimento ecumênico fazem
declarações gerais e vagas - muitas vezes sentimentais - sobre o amor, à custa da
verdade.
AS TREVAS E A LUZ
Exposição sobre Efésios 4:17 a 5:17
D. M. LLOYD-JONES
Título original:
Darkness and Light
Editora:
1982
Copyright:
Lady E. Catherwood
Tradução do inglês:
Odayr Olivetti
Revisão:
1995
Impressão:
Imprensa da Fé
ÍNDICE
PREFÁCIO
Não há nenhuma razão particular para a ordem em que têm sido publicados os
oito volumes que reúnem os sermões do Dr. Lloyd--Jones sobre Efésios. Foi
porque eles não apareceram na seqüência cronológica que a única porção que
restava para completar-se por ocasião da morte do autor, em primeiro de março
de 1981, foi Efésios 4:17-5:17. O presente volume cobre agora a lacuna e, assim,
conclui 1 uma série que já foi extraordinariamente usada por Deus em todo
o mundo. A opinião, outrora ouvida, segundo a qual os que maior atração
sentiriam pelos sermões do Dr. Lloyd-Jones eram os que se beneficiavam
diretamente do seu ministério, foi refutada há muito tempo. Embora seja grande
o número dos que desfrutaram do seu inesquecível ministério, muito maior é o
número dos que já foram beneficiados por suas obras publicadas. E muitos mais,
cremos nós, ainda virão a estar sob a sua influência.
O Dr. Lloyd-Jones foi pregador, de ponta a ponta. Dos seus sermões sobre
Efésios, pregados entre 1954 e 1962, nenhum foi escrito, exceto na forma de
esboço esquemático. Por conseguinte, a sua publicação só foi possível porque
havia gravação completa deles em fita. Dessas fitas, transcritas pela Sra. E.
Burney, o Dr. Lloyd- Jones preparou a exposição de Efésios para publicação, e a
esse labor, conquanto auxiliado por sua esposa e pelo Sr. S. M. Houghton,
ele dedicou muito tempo. Foi um trabalho mais árduo, disse ele muitas vezes,
que a própria pregação!
Agora, passados mais de quarenta anos, certamente este livro servirá também
como parte da ininterrupta obra de Deus.
Este volume, juntamente com todos os demais da série, com a bênção de Deus,
dará ao leitor uma idéia daquilo que o Dr. Wilbur Smith quis dizer. Oxalá ajude
também a promover aquela pregação em todas as nações!
O autor destas páginas já entrou no gozo do seu Senhor. A nós, que continuamos
no presente cenário de peregrinação e serviço, resta lembrar os que nos falaram a
Palavra de Deus, “a fé dos quais imitai . . . Jesus Cristo é o mesmo ontem, e
hoje, e eternamente” (Hebreus 13:8).
AS TREVAS E A LUZ
17 E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam
também os outros gentios, na vaidade do seu sentido.
25 Pelo que deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo;
porque somos membros uns dos outros.
28 Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o
que é bom, para que tenha que repartir com o que tiver necessidade.
29 Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para
promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem.
4 Nem torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não convêm; mas antes
ações de graças.
6 Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de
Deus sobre os filhos da desobediência.
8 Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; andai como
filhos da luz
13 Mas todas estas coisas se manifestam, sendo condenadas, pela luz, porque a
luz tudo manifesta.
15 Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como
sábios,
17 Pelo que não sejais insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor.
“E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam
também os outros gentios, na vaidade do seu sentido. ”
-Efésios 4:17
Chegamos aqui a uma nova divisão de Efésios, e alcançamos uma junção muito
importante, porque esta é de fato a última grande divisão da Epístola. Paulo
comeca no versículo 17 o que continuará como uma seção até ao fim da sua
carta. E, portanto, um ponto decisivo, sumamente importante, e isso torna
necessário que entendamos exatamente o que ele vai fazer e por quê. E, pois,
importante, nesta conjuntura particular, que vejamos com clareza as conexões,
e que tenhamos em nossas mentes uma visão geral, uma espécie de sinopse da
Epístola como um todo.
O apóstolo tinha firmado a sua grande doutrina nos três primeiros capítulos, e
depois, tendo feito isso, prossegue com o seu apelo e exortação á nos, para que
nos demos conta de que somos membros do corpo de Cristo, e de que, portanto,
o nosso primeiro interesse e consideração deve ser esforçar-nos para manter a
unidade do Espírito pelo vínculo da paz em todas as ocasiões. Ele nos ajudara a
fazê-lo lembrando-nos de novo a doutrina da natureza da Igreja; e em particular
nos indicara como o próprio Senhor Jesus Cristo, a Cabeça da Igreja, quando
subiu ao alto, estabeleceu ofícios na Igreja e pessoas para desempenhá-los, e Ele
o fizera com o fim de que fôssemos instruídos, conduzidos e exortados quanto a
preservarmos sempre em nossas mentes essa grande meta (Efésios 4:8,11). Não
fomos salvos meramente para escapar do inferno; fomos salvos para que
Deus apresentasse um povo que causaria espanto ao mundo. Vocês recordam o
que ele disse no versículo dez do capítulo três: “Para que agora, pela igreja, a
multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos
céus”. Assim é que cada vez mais devemos pensar em nós mesmos, não de
maneira atomística ou individualista, mas, antes, como partes da Igreja, como
membros do corpo de Cristo, e a nossa suprema ambição deve sempre ser a de
manifestando a sua verdade. Assim ele volta a dar as suas ilustrações práticas:
“Mas a prostituição, e toda a impureza ou avareza, nem ainda se nomeie entre
vós, como convém a santos”! Cristo morreu para fazer-nos santos. Tanto nos
amou que morreu por nós com o fim de apresentar-nos a Deus como santos.
Portanto, livrem-se destas coisas feias. “Nem torpezas, nem parvoíces, nem
chocarrices, que não convêm; mas antes ações de graças.” Isso, diz Paulo, segue-
se necessariamente dessa doutrina. No entanto ele o desenvolve para nós com
minúcias práticas. Nos versículos 6 a 17 do capítulo 5 o apóstolo faz algo
interessante. Ele estivera firmando doutrina, elaborando as implicações práticas.
Agora ele acha que deve fazer uma pausa por um momento, por assim dizer, e da
a conhecer os pontos que defende. Deu-se conta de que lhe era necessário fazer
isso por causa de certos falsos mestres que estavam visitando as igrejas -
antinomianos, como os nicolaítas de que fala o livro de Apocalipse, homens que
tinham entendido de maneira completamente errada o evangelho e
que virtualmente ensinavam: façamos o mal para que nos venha o bem; homens
que estavam transformando a graça de Deus numa espécie de escusa para a
pessoa fazer o que quiser e pecar como quiser. Por isso o apóstolo diz:
“Ninguém vos engane com palavras vãs”, e tanto se greocupa com isso, e tão
alarmado fica quanto ao futuro da igreja de Efeso, que dedica a isso considerável
espaço (versículos 6-17). Ele adverte os efésios de todos os falsos e especiosos
argumentos que visavam impedir-lhes a prática da vida cristã, ereforça a sua
advertência com outra declaração positiva da verdade concernente aos
cristãos em Cristo. Depois torna a voltar às praticabilidades - isso foi
uma espécie de digressão, esclarecendo, rebitando, por assim dizer, certificando;
ele sempre faz isso.
algo que deve ser posto em ação na prática; é algo que deve governar todas as
nossas relações. Assim, ele passa a considerar as relações entre mulheres e
maridos, e maridos e mulheres; filhos e pais, e pais e filhos; servos e senhores, e
senhores e servos. Notem como em cada caso, em todas essas subdivisões, ele
tem a doutrina apropriada; ele seleciona o aspecto particularmente relevante da
doutrina geral. E assim, quando ele está tratando da vida no Espírito, o que traz
para exame são estas relações humanas pessoais - marido, esposa; filhos, pais;
senhores, servos.
Aí está, pois, a análise da seção final desta maravilhosa Epístola aos Efésios.
Vemos que a Epístola pode ser dividida em três seções: primeira, capítulos 1, 2 e
3, onde Paulo firma a grande doutrina da salvação; depois, em seguida, no
capítulo 4, versículos 1 a 16, vemos a doutrina da Igreja e de tudo o que nos
introduz na Igreja; seguindo-se a isso, na terceira seção, temos a expressão
prática das doutrinas em nossas vidas, conduta e experiência diárias, e em todos
os contatos da vida. Que maravilhoso esquema é este, e como o apóstolo
desenvolve em detalhe cada seção de modo que não há lugar para enganos!
do, há certos princípios ensinados aqui, que são da maior importância. Erraremos
em nossa aplicação dos detalhes, se não o abordarmos do jeito certo, em termos
dos princípios obviamente implícitos no método geral do apóstolo.
Paulo faz isso, é claro, de sorte que, como eu disse, não há desculpa pelo
fracasso. E isso aplica-se a nós, não somente em geral, mas em particular. Eu e
vocês devemos aplicar detalhadamente o que sabemos. A vida cristã não é mera
filosofia geral; é isso, todavia não se detém nisso! É uma vida para ser vivida, e é
uma vida que deve ser vivida em minúcias particulares. E se a nossa vida cristã
não está sendo vivida em minúcias, estamos negando a própria verdade
que proclamamos crer. Nunca se poderá exagerar na ênfase a isso. Todo o
propósito desta seção é mostrar justamente isso. O nosso Senhor mesmo afirmou
isso uma vez por todas quando disse - o que é para mim uma das palavras mais
terríveis de toda a Bíblia - “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as
fizerdes” (João 13:17). E não nos esqueçamos de que é segundo a medida do que
temos que nos será dado. “Àquele que tem, sedará, e terá em abundância
(Mateus 13:12; 25:29). Lembremo-nos também de que conhecer é uma
tremenda responsabilidade. Tiago faz disso um forte argumento quando diz,
no início do capítulo três da sua carta: “Meus irmãos, muitos de vós não sejam
mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo”. Conhecer é uma grande
responsabilidade porque, se conhecemos e não o aplicamos, teremos que
responder por isso. O nosso Senhor de novo ensina isso com toda a clareza,
quando fala sobre o senhor que voltou
e investigou a conduta dos seus servos durante a sua ausência. Diz Ele que
alguns receberão muitos açoites, e alguns receberão poucos. E os servos que
receberão muitos açoites são aqueles a quem muito foi dado! Portanto, digo, eu,
se estivemos entendendo a doutrina desta Epístola e nos alegrando nela, a nossa
responsabilidade é enorme. Cabe-nos aplicar a verdade. “Isto, portanto, digo.” E
notem como ele o reforça, dizendo: “e testifico no Senhor” - chamar o Senhor
como testemunha, é o que ele quer dizer. A verdade é para ser aplicada, e nada
deve ser deixado ao acaso, não devemos parar nas generalidades; a aplicação
deve descer a cada detalhe das nossas vidas.
Que lástima! A gente às vezes vê essa tendência na Igreja dos dias atuais. Há
homens, que, por assim dizer, de repente têm que readquirir o domínio próprio e
vestir uma espécie de uniforme ou máscara, e subitamente se tornam sérios e
solenes, sendo eles normalmente frívolos. Parecem duas espécies diferentes de
homens: são uma coisa na rua, depois cruzam os umbrais de um edifício
especial, e de repente se tornam sérios e solenes. Esse é o tipo de comportamento
que o apóstolo está denunciando. Devemos ser tão reverentes fora da igreja
como dentro; as nossas vidas não devem ser determinadas por edifícios. A vida
do cristão é uma só, ele é um novo homem! Ele não é alguém que simplesmente
veste um terno diferente quando vem à igreja e logo depois o tira, ou apanha a
religião como uma bolsa e a põe no chão pouco depois. Nada disso! Eleé algo; e
porque é algo, é esse algo não somente na igreja, mas onde quer que esteja - no
mercado, na loja, no negócio, na profissão, no lar, em sua convivência com os
vizinhos da porta ao lado, em toda parte. Claro! A doutrina geral prova que o
Espírito está neste novo homem em Cristo Jesus. O Espírito não está no homem
somente quando ele está na igreja, o Espírito está nele quando ele está na
estrada, em toda parte. Não deve haver nenhuma ruptura entre o que somos fora
da igreja e o que somos dentro. É uma coisa só. Há uma gloriosa unidade acerca
dessa vida.
Talvez achemos útil traçar uma distinção entre a moralidade e a vida cristã. Há
grande diferença entre ambas. A moralidade ocupa-se da virtude e retidão da
coisa praticada, em si própria e em termos da sua conseqüência social. Ela
pergunta: é boa? Émá? A que leva? Como afeta as outras pessoas? Há um
sentido em que a moralidade é algo muito ultrajante para o ser humano porque,
em última análise, não está realmente interessada em mim, está interessada
unicamente em meu comportamento. Ah, é nisso que o cristianismo é tão
diferente! O cristianismo está interessado primordialmente em mim; e
está interessado na minha conduta, não em si mesmo e em termos da
sua conseqüência social; está interesada em minha conduta e comportamento por
causa do seu interesse por Cristo, por Deus, pela Igreja, pelo plano de redenção,
por todo o esquema da salvação, pelo fato de que Deus, mediante a Igreja,
deixará pasmos os principados e aspotestades nos lugares celestiais. Não a
conduta em si, mas a conduta em função deste esquema grandioso; Deus
anulando os efeitos do mal, destruindo as obras do diabo e restaurando e
reunindo numa só todas as coisas em
Agora vamos passar a outro princípio. O fracasso na vida cristã só pode resultar,
pois, em última instância, do fracasso na compreensão deste ou daquele ponto da
doutrina e da verdade. Isso não requer maior demonstração. A luz de tudo o que
eu estive dizendo, se algum de nós está falhando em algum ponto da conduta e
do comportamento, é porque não entendemos a doutrina. Se há ira, maldade,
ódio, amargor e um espírito não perdoador em algum de nós, é porque não nos
damos conta de que o Espírito Santo habita em nós, e de que O estamos
entristecendo. Essa é a doutrina! Não podemos continuar sendo assim, se
compreendemos a doutrina. É falhar na doutrina que faz falhar na prática.
Portanto - e quero ser enfático nisto - não há nada pior do que ignorar a doutrina
e falar em ser prático. Os maiores fracassos na vida cristã que conheço são as
pessoas que desvalorizam a doutrina e dizem: não estou interessado em sua
teologia; comigo a prática é tudo. De todas as pessoas, essas são as que falham
mais, como tem que ser, porque a conduta é determinada pela doutrina e
pelo entendimento. Não há nada, repito, que seja mais fatal do que dizer que se
deve contrastar o doutrinário com o prático.
Para expressá-lo doutro modo, não há nada que seja tão errado e tão contra as
Escrituras como fazer apelos constantes e diretos à vontade sem inculcar
doutrina. Nunca se deve abordar a vontade diretamente; deve-se abordar por
intermédio da mente e por intermédio do coração. Portanto, dirigir apelos às
pessoas para que tomem decisões, venham à frente e recebam algo é uma
negação de toda a seção final desta Epístola. É completa e absolutamente errado.
Não se dirige apelo à vontade das pessoas para fazê-las santas; em vez disso, é
preciso fazê-las entender a doutrina! Não é questão de decisão, é questão de
entendimento e de desenvolvimento.
Portanto, não hesito em dizer que todo e qualquer método usado para ensinar a
santificação que não esteja baseado direta e imediatamente na compreensão da
doutrina, seguida de uma exortação a que apliquemos essa doutrina logicamente,
é um falso ensino da santificação. A Bíblia ensina a santificação; o apóstolo a
está ensinando aqui, a partir deste versículo dezessete até o fim da Epístola, e
esse é o seu método. Entretanto há maneiras de ensinar a santificação
que deixam completamente de lado a passagem que estivemos estudando. Não
lhe dão nenhuma atenção. Nada se requer de você para que obtenha santificação,
dizem; você a recebe como uma dádiva; você
não precisa fazer nada. Mas o apóstolo nos está exortando a desenvolver em
detalhe, logicamente, o que declaramos crer, e a compreender por que
inevitavelmente devemos agir assim, se realmente entendemos e captamos a
doutrina.
Pai, que está nos céus.” Devemos viver de tal maneira que as pessoas, entrando
em contato conosco, não nos entendam, fiquem perplexas, achem que somos
uma espécie de enigma, e sejam levadas a dizer: bem, eles são como são porque
pertencem àquele Cristo de quem falam; são diferentes, são novas pessoas. Essa
referência pessoal é da máxima importância. Temos que ver tudo isso em termos
da nossa soberana vocação, da nossa posição privilegiada, do fato de
estarmos juntos e ligados à Cabeça neste Corpo maravilhoso por meio
destes canais de suprimento. A vida da Cabeça está fluindo por meio de nós, de
modo que, quando os homens e mulheres olham para nós, sejam compelidos a
pensar em Cristo. Somos Seus seguidores, somos Seus imitadores, devemos ser
semelhantes a Ele. “Neste mundo”, diz João, “somos como Ele é”, e como Ele
era, e devemos viver sempre para o louvor da glória da Sua graça.
Por esses meios, pois, o apóstolo nos colocou nas linhas certas, e, querendo
Deus, nós o seguiremos à medida que nos conduza através das aplicações da
verdade única, grande, gloriosa e central.
Na língua portuguesaA? Trevas e a Luz é o quinto volume publicado. Ainda restam três volumes
da série.
VIDA VAZIA - A VIDA SEM CRISTO
“E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam
também os outros gentios, na vaidade do seu sentido, entenebrecidos no
entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela
dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se
entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza.
” - Efésios 4:17-19
Lembro-lhes que a questão particular aqui é que, como cristãos, somos homens e
mulheres inteiramente novos, que a regeneração é a mudança mais profunda do
mundo, e que, portanto, sempre devemos manter isso no primeiro plano das
nossas mentes. O cristão não é apenas um homem que decidiu ser um pouco
mais moral do que era, ou que decidiu unir-se a uma igreja, ou que decidiu isto
ou aquilo, seja o que for. O que torna um homem cristão é que ele nasceu de
novo, foi-lhe dada uma nova natureza, é uma nova criação, é
totalmente diferente do que era antes. Esse é o primeiro princípio a que o
apóstolo se dedica nesta seção da Epístola, e neste versículo ele está
começando a aplicá-lo. Lembrem-se dessa verdade acerca de vocês mesmos,
diz ele, e ao fazê-lo, verão que certas coisas são totalmente inimagináveis; elas
são impossíveis, e vocês nunca mais as verão de novo, porque agora vocês vêem
claramente que foram separados uma vez e para sempre de tudo o que vocês
eram antes.
Mas vejamos agora o assunto nas exatas palavras que o próprio apóstolo utiliza.
Ele começa dirigindo-se a eles de maneira a mais solene. Quer chamar a atenção
para algo que é de vital importância para eles. “Isto, portanto, digo, e no Senhor
testifico.” Não se contenta em dizer: “Isto, portanto, digo”; já seria forte, porém
ele lhe acrescenta - “isto, portanto, digo, e no Senhor testifico”. Que quer ele
dizer com
Com essa expressão “no Senhor” ele não quer dizer tanto que está invocando o
Senhor como sua testemunha, embora se encontre isso às vezes nas Escrituras -
“Como Deus é minha testemunha”, diz uma pessoa, ou “Na presença de Deus”.
Mas aqui a expressão não significa exatamente isso, conquanto a idéia
provavelmente esteja presente. Certamente o que Paulo quer dizer é que ele está
testificando isso como alguém que está no Senhor; ele é alguém que está em
comunhão com o Senhor, está, portanto, comunicando algo definidamente
autenticado e que lhe foi confiado; ele é alguém que ousa dizer que está
falando como quem tem acesso à mente do Senhor. Vocês recordam como,
em sua Primeira Epístola aos Coríntios, no capítulo sete, ele traça essa espécie
de distinção; em dado ponto ele diz: agora, é isso que eu penso, não tenho a
mente do Senhor aqui. Ele estave expressando a sua opinião pessoal, e quando se
trate da opinião pessoal de Paulo, ele o diz claramente. Contudo, quando ele não
fala dessa maneira, está falando no Senhor. Noutras palavras, ele está falando
com a plena autoridade de apóstolo. Não somente a grande e gloriosa doutrina
foi-lhe revelada, como ele nos diz no capítulo três da nossa Epístola, mas estes
pormenores acerca da conduta também lhe foram revelados; eles têm a mesma
autoridade apostólica, a mesma autoridade divina, portanto, que as suas
exposições das doutrinas. Então, aqui ele está falando como alguém que foi
revestido da autoridade única que era própria dos apóstolos. Os cristãos são
edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas. Cristo deu estes
apóstolos à Igreja, e quando eles falavam e ensinavam, falavam com autoridade
única, suas palavras eram definidamente inspiradas, elas têm a autoridade
de Deus. “No Senhor testifico”, diz ele.
Então, que é que ele testifica? Que será essa injunção que ele lhes impõe de
maneira tão solene, tendo apreendido a atenção deles, e tendo-os feito
compreender que estão ouvindo as palavras do Deus vivo? Vocês notam que ele
coloca o que tem a dizer, primeiramente em termos negativos: “Isto, portanto,
digo, e testifico no Senhor, para que não andeis mais ..Somos tão ocupados hoje,
não somos?, que não gostamos de elementos negativos, realmente não temos
tempo para elementos negativos, queremos a verdade positiva e não gostamos de
críticas ao que está errado. Deveríamos sempre ser positivos? Vocês vêem a
completa loucura dessa conversa ociosa, fútil? Aqui está a autoridade divina
falando por meio do apóstolo, e a primeira coisa que temos é negativa: NÃO!
Não basta dizer aos homens e mulheres, num mundo como este e na carne,
simplesmente o que eles devem fazer. Todos nós sabemos perfeitamente bem
quão inadequado é isso. Primeiro devemos aprender o que não ser e o que não
fazer. A idéia de que se você simplesmente mantiver o ideal diante dos
homens, eles logo se amoldarão a ele, foi tão completamente reprovada
pela história da raça humana, que é quase incrível que alguém ainda acredite
nela. Áqui se nos diz primeiramente o que não devemos fazer. Que será?
“Vocês não devem”, é o que Paulo diz, “andar como os outros gentios andam”.
As próprias palavras são maravilhosas; cada uma delas nos comunica um
significado importante. Tomem, por exemplo, a palavra andar: “para que não
andeis mais como andam também os outros gentios”. Refere-se à totalidade da
vida e da conversação. Com freqüência vocês verão na V ersão Autorizada
ingles a a palavra traduzida por conversation 1 - “Somente seja a
vossaconvemipãocomo convém ao evangelho de Cristo”, diz este mesmo
apóstolo em Filipenses (Fil. 1:27; ARA: “Vivei, acima de tudo, por modo digno
do evangelho de Cristo”; ARC: “Somente deveis portar-vos dignamente
conforme o evangelho de Cristo”). Diz ele: “a nossa conversação está no céu”
(Fil. 3:20; ARA: “a nossa pátria está nos céus”; ARC: “a nossa cidade...”). Ele se
refere à totalidade da vida, ao teor geral da vida e, ao mesmo tempo, à vida em
detalhe. O andar, como empregado nas Escrituras, significa a vida completa do
homem, interna e externa. Devemos lembrar-nos de que o nosso andar não se
limita ao exterior; envolve também o interior. Isso é importante, e vou salientá-lo
mais tarde
Considerem depois a frase subseqüente: “para que não andeis mais”, e como a
Versão Autorizada e a Almeida, Revista e Corrigida, dizem, “como os outros
gentios”. No entanto vocês notarão que as versões revistas neste ponto não têm a
palavra outros, mas, “para que não andeis mais como andam os gentios”. Bem,
esta é pura questão de documentos, e parece que os documentos mais antigos e
mais credenciados não têm a palavra outros. Não faz a mínima diferença, gorque
em todo caso o que Paulo está dizendo é: vocês cristãos de Efeso não devem
andar mais como andam os gentios, apesar de vocês serem gentios e de terem
outrora andado como eles. Os tradutores da Versão Autorizada certamente
captaram o ponto e também captaram o espírito da expressão. O que o apóstolo
está realmente dizendo é: olhem lá, vocês são cristãos gentílicos, porém, como
cristãos, não devem andar mais como andam os outros gentios. Nesta
conjuntura, pode-se, pois, dividir os gentios em dois grupos - os que se
tomaram cristãos, e os que permaneceram onde estavam, os outros gentios,
os gentios não cristãos. Assim, quer o entendamos como os gentios em geral,
quer como os outros gentios, refere-se exatamente à mesma coisa. Mas a palavra
outros certamente ajuda a assinalar a tremenda mudança ocorrida. Noutras
palavras, com cada palavra que usa, Paulo está imprimindo nas mentes desses
cristãos efésios que eles não estão mais onde outrora estavam. E é este o lugar
onde eles se elevam e louvam a Deus e cantam os seus louvores. “Eu era cego, e
agora vejo”!
- doravante! não mais! Graças a Deus por um evangelho que nos capacita a
falar desse modo e a dizer: doravante nós temos um novo
Então que é que não devemos fazer mais? Em que devemos refrear-nos? Aqui o
apóstolo nos diz como os gentios, os outros gentios, continuam andando, e o
expressa com a tremenda frase: “na vaidade do seu sentido” (VA: “da sua
mente”; ARA: “dos seus próprios pensamentos”). Esta frase introduz a terrível
descrição que o apóstolo faz aqui da vida dos não regenerados, da vida do
mundo pagão daquele tempo. E, digo eu, uma tremenda e terrível descrição. Não
podemos lê-la sem lembrar-nos imediatamente do que Paulo disse no início
do capítulo dois: “E vos vivificou, estando vós mortos” (uma vez, antes de
chegar a vocês o evangelho, “estando vós”) vocês estavam -“mortos em ofensas
e pecados, em que noutro tempo (vocês vêem como ele vai repetindo) andastes
segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do
espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os
outros também”. Ele estaria apenas se repetindo? Não, não está. Naturalmente há
um sentido em que está, porém há uma notável diferença entre o que ele diz no
início do capítulo dois e o que diz aqui. E a diferença é esta: no capítulo dois ele
está fazendo uma descrição objetiva da vida dos gentios não regenerados, a vida
do mundo pagão. Aqui ele faz uma análise psicológica dessa vida. Capítulo 2,
descrição geral; aqui, dissecção, análise, pondo tudo às claras, mostrando-nos
a fonte e origem disso tudo. Em nenhuma outra parte há uma análise mais
profunda da vida não regenerada do que a que encontramos aqui. E quando digo
isso, tenho em mente aquela outra passagem tremenda de Romanos 1:18-32, que
é outra das profundas e magistrais análises da vida e perspectiva do mundo
pagão do seu tempo. Leiam-na, leiam cada uma dessas passagens. Há outra
ainda em 1 Coríntios 6:9-11, e análises similares podem ser vistas em Atos dos
Apóstolos, capítulos 14 a 17. Elas estão cheias de importância e de significação.
Aqui está a que achamos que é a descrição mais magistral que jamais se
pode encontrar da vida sem Cristo. E aqui realmente tudo está contido
numa frase: “na vaidade do seu sentido” ou “da sua mente”.
Estou acentuando esta matéria, não por ser de interesse teórico ou acadêmico,
não porque eu esteja interessado na psicologia da natureza e do comportamento
humanos. Estes são temas fascinantes, concordo, mas não estou chamando a
atenção para eles animado por um interesse teórico desse tipo. Menos ainda
estou sendo movido por uma espécie de interesse de antiquário por aqueles
tempos antigos, fascinante como tal estudo possa ser. A antropologia, como se
lhe chama, leva-nos de
Nesta Epístola o apóstolo mostra a origem do iníquo tipo de vida que ele
descreve. Antes de descrever a vida em detalhe, ele nos mostra por que é que
ninguém jamais deve viver tal vida. Ou, noutras palavras, o que o apóstolo está
asseverando aqui é que não se pode ter moralidade sem piedade. Aí, numa frase,
parece-me, indiquei todo o problema havido em particular durante os cinqüenta
anos recém--passados. Há boa gente na terra que se preocupa muito com
a moralidade; porém não se preocupa com a piedade. Simplesmente não se pode
ter moralidade, finalmente, sem piedade. E o meio século
Ora, a coisa mais fútil e tola é meramente denunciar o mal. Essa é a coisa mais
simples e mais fácil de fazer, como vemos nas ruas e nos nossos jornais; somente
sentir desgosto, dar as costas e dizer: que coisa horrível! Que terrível!
Obviamente issò não vai ajudar a ninguém. O dever do evangelho não é
simplesmente denunciar; não é simplesmente refrear. O dever do evangelho é
tratar da situação da única maneira pela qual se pode tratar dela radicalmente, e
essa é pregar o evangelho da regeneração, este poder de Deus para a salvação,
que pode até dar um jeito nesta situação aparentemente desesperada, neste
problema aparentemente insolúvel. Essa é toda a história do Novo
Testamento. Aí está, pois, a nossa sobrepujante razão para demorarmos neste
ponto e examinarmos a matéria com tanto esmero. Esta é a única esperança para
a sociedade. E façam os homens o que fizerem, multipliquem as sua
organizações educacionais, morais e sociais, não tocarão no problema. Pode-se
ter as costumeiras organizações pró abstinência, as cruzadas pela moralidade, os
seus conselhos morais e mil outras
Ele divide o assunto em três partes. No versículo 17 ele faz uma declaração geral
acerca da condição dos homens - “a vaidade do seu sentido", ou "da sua
mente”. No versículo 18 ele nos fala da causa da vaidade. No versículo 19 ele
nos dá a conseqüência da vaidade. Primeiro, então, devemos examinar o estado e
as condições gerais como ele os descreve. Eis aqui: “que não andeis mais como
andam também os outros gentios, na vaidade da sua mente”. Que é que ele quer
dizer com isso? Que é que ele quer dizer com a palavra mente? E importante que
o entendamos claramente porque o nosso primeiro impulso seria considerá-lo
como sendo uma descrição do intelecto. Mas o termo não se refere unicamente
ao intelecto, pois Paulo faz referência ao intelecto no versículo seguinte (18),
onde ele fala sobre o entendimento entenebrecido. Assim, quando ele fala
“mente” aqui, não está pensando somente no intelecto e no entendimento.
“Mente” aqui significa algo muito maior. Significa a mente com as
suas capacidades emocionais incluídas. Significa pensamento, vontade
e suscetibilidades. Significa razão, entendimento, consciência, afetos. Na
verdade, significa a alma completa do homem. Em muitos outros lugares das
Escrituras o termo mente é empregado neste sentido, como descritivo da alma
completa do homem: intelecto, afetos, consciência, vontade, a personalidade
toda. Para expressá-lo doutro modo, significa toda a perspectiva dos gentios
sobre a vida, toda a sua reação à vida e, portanto, todo o seu modo de viver.
A mente! A personalidade total! Paulo nos diz que esses outros gentios andam na
vaidade da sua mente. Para que se entenda o que ele quer dizer com o termo
vaidade, permitam-me dar-lhes alguns termos alternativos - o que significa
realmente é vacuidade - vacuidade? A “Revised Standard Version” traduziu-o
bem: “na futilidade da sua mente”. Completamente vazios, absolutamento fúteis!
Deveras, a palavra que o apóstolo realmente utiliza significa, em sua
origem, aquilo que não leva ao alvo. Significa, pois, algo destituído de objetivo,
sem indicação, carente de direção, algo que não leva a pessoa a meta nenhuma, e
naturalmente a leva por fim à completa fulilidade, àquilo que é absolutamente
vazio. Essa é, pois, a descrição em geral da vida do mundo pagão dos gentios.
Mas, que descrição, também, do mundo moderno! Que descrição daquilo que
muitos consideram a
fúteis; não leva a nada, no sentido religioso no qual eles estavam tão
interessados.
E depois, que dizer da morte? Que conceito da morte eles tinham? Aqueles
grandes filósofos, acaso tinham eles algum conceito da morte? Para muitos deles
a morte era meramente o fim; o túmulo era a última palavra. Outros acreditavam
no que eles denominavam transmigração das almas, uma série de reencarnações.
Outros defendiam a idéia de que o estado do homem além da morte era
fugidio, vago, indefinido e sombrio. Leiam a mitologia grega, e verão o que
eu quero dizer. Lá estáo os homens, por assim dizer, girando intermina-velmente
numa espécie de sombra e escuridão, sem luz, com todas as suas paixões ainda
dentro deles. Infelicidade! Essa era a sua idéia da morte, e de qualquer vida
acaso existente além da morte e do sepulcro.
E moralmente, como eram? Completo fiasco aqui também! Tornem a ler a parte
final do capítulo primeiro da Epístola aos Romanos, e ali vocês verão um relato
da vida vivida nos esgotos e nas sarjetas do tempo, com todas as perversões e
sujeiras concebíveis! Será surpreendente que o apóstolo descreva tudo isso como
vão, vazio, fútil e sem objetivo? Além disso, muitas vezes os principais filósofos
eram os líderes na imoralidade. Alguns dos maiores filósofos elogiavam o amor
de um homem por um homem como estando acima do amor dos homens por
mulheres; eles justificavam filosoficamente as perversões. Leiam-nos vocês
mesmos. Antes de vocês darem ouvidos aos filósofos modernos que dizem que
não temos necessidade de Cristo, e que Platão, Sócrates e Aristóteles são
suficientes, leiam-nos tão-
Então, em suma, o apóstolo está dizendo: vocês não devem mais ser dominados
e influenciados por uma perspectiva e por uma mentalidade como essas. Vocês,
que nasceram de novo, estão olhando para trás, com olhos saudosos, para aquela
espécie de vida? O mundo os atrai? É essa a sua concepção de como viver?
Longe do que parece, diz ele, é uma vida completamente vazia, fútil, sem meta
nem rumo. “Isto, portanto, digo, e no Senhor testifico, para que não andeis mais
como andam também os outros gentios, na vaidade da sua mente.” Graças a
Deus por afinal ter aberto os nossos olhos para isso, para o mundo e todas as
suas recompensas resplandecentes. “Esta”, diz o apóstolo João, “é a vitória que
vence o mundo, a nossa fé” (1 João 5:4). É a fé, é o evangelho que abre os olhos
da gente para a vaidade e futilidade deste mundo e da sua mente, sua vida e sua
perspectiva. Graças a Deus que, em Sua graça infinita, fez um dia que o facho de
luz do Seu Espírito brilhasse em nossos corações e nos desse
entendimento. Graças a Deus!
AS TREVAS E A LUZ
“E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam
também os outros gentios, na vaidade do seu sentido, entenebrecidos no
entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela
dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se
entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza.
” - Efésios 4:17-19
Aqui o apóstolo nos dá a resposta. E de novo devo salientar que estou chamando
a atenção para isso, e estou seguindo cuidadosa e minuciosamente a sua análise,
porque o que ele diz aqui continua
sendo a pura e simples verdade hoje. Não pode haver nenhuma dúvida de que a
razão pela qual as pessoas vivem essa vida é que nunca entenderam exatamente
o que ela é. A obra prima final de satanás é manter os seus vassalos tão ocupados
que não tenham tempo para pensar. E, como veremos, mesmo quando eles param
para pensar, ele os impede de pensar reta e verdadeiramente. Temos então aqui
uma descrição do que a incredulidade significa realmente. Temos aqui
uma análise intelectual e psicológica magistral da vida do incrédulo, da vida da
pessoa não cristã. Desafio a todos, em qualquer literatura, de todo e qualquer
lugar, a apresentar uma análise magistral como esta; por sua profundidade e
clareza, é deveras inigualável; e se vocês se interessam por psicologia, encontrá-
la-ão aqui. Esta parte da Epístola é simplesmente uma análise psicológica.
Neste versículo dezoito há quatro frases, e cada uma delas faz parte da descrição.
No entanto elas parecem cair em dois pares. O primeiro par descreve essa
condição em geral; o segundo (e é aqui que devemos ser cautelosos), o segundo
par explica a segunda frase do primeiro par somente. Vejamos isso em detalhe.
Qual a situação dessas pessoas que andam na vaidade da sua mente? As duas
principais coisas que se deve dizer sobre elas, diz o apóstolo, são, primeiro, que
os seus entendimentos estão entenebrecidos; segundo, que elas estão separadas,
alienadas da vida de Deus. E então ele nos diz imediatamente por que elas estão
alienadas da vida de Deus. Primeiro, é porque estão separadas da vida de Deus
por meio ou por causa da ignorância que há nelas; e segundo, por causa da
cegueira, ou antes, da dureza do seu coração. Assim, o segundo par de cláusulas
dá-nos realmente um relato e uma explicação da sua alienação de Deus; e ainda,
de maneira maravilhosa, as duas últimas ligam-se às primeiras. Por que essa
gente é ignorante? Por que é que os seus corações estão endurecidos? A resposta
é: porque os seus entendimentos estão entenebrecidos! As-
Shakespeare também sabia algo acerca dessa vida vã, vazia e sem objetivo. Ele
escreve sobre o tipo de gente que passa o tempo todo “buscando a reputação da
bolha de espuma” e que até se dispõe a “procurá-la na boca do canhão”. Neste
mundo vão, há muitos que estáo sempre procurando alguma espécie de
reputação - reputação pelo conhecimento, pela engenhosidade, por algum tipo de
habilidade artística ou executiva, pela coragem e pela bravura - “buscando
a reputação da bolha de espuma”. Sempre a bolha! - e os homens a procuram,
mesmo correndo grande perigo. Vivem desse modo porque os seus
entendimentos estão entenebrecidos; esta é a única explicação. Então, que é que
Paulo quer dizer com entendimento? Neste contexto significa particularmente
intelecto. Pouco antes, ao tratar da palavra mente (versículo 17, VA),
assinalamos que ali a palavra mente é um termo abrangente que inclui, não
somente a razão, e sim também os afetos e a consciência, o homem completo,
toda a atividade da alma. Aqui, porém, entendimento significa realmente
entendimento; significa, noutras palavras, intelecto, em oposição aos
sentimentos e às sensibilidades. Assombra-me e me enche de admiração a
perfeição dessa análise, e ver como Paulo a põe em ação em cada parte da
vida do homem; primeiro ele coloca a totalidade; depois as partes componentes.
O entendimento, o intelecto, diz ele, está entenebrecido nessa gente; os seus
intelectos foram cegados. E que coisa terrível é isso! Uma espécie de véu desceu
e cobre as mentes de todos os que não são cristãos.
ele judeu ou gentio, é que há um véu sobre o seu coração e sobre a sua mente e o
seu entendimento; ele não consegue ver. E o resultado, acrescenta o apóstolo, é
que, mesmo quando o judeu ouve a leitura das Escrituras do Velho Testamento,
como o faz todos os sábados na sua sinagoga, não enxerga o significado; ele
ouve a letra, mas não capta o espírito do ensino. Há um véu, diz ele, que os cega;
eles pensam que conhecem a verdade, passam o tempo a discutí-la e a falar sobre
ela, porém não a vêem. Por quê? Porque há algo entre eles e a verdade, de modo
que não conseguem vê-la. Depois, no capítulo quatro dessa mesma Epístola, ele
se torna ainda mais específico. Ele fala de si mesmo como pregador e
evangelista, e então diz: todavia nem todos crêem no que digo, e ele se expressa
com estas palavras: “Se ainda o nos so evangelho está encoberto, para os que se
perdem está encoberto. Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos
dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de
Cristo, que é a imagem de Deus”. O deus deste mundo cegou os entendimentos,
ou a mente! É outra maneira de dizer que eles foram entenebrecidos no
entendimento.
Pois bem, percorram toda a Bíblia e verão que é isto que ela diz em toda parte
sobre o homem em pecado e sobre o homem que está fora de Cristo. Ela
descreve a espécie de vida que as pessoas vivem, e depois faz a pergunta: por
que elas vivem dessa maneira? Só há uma explicação, diz a Bíblia: a falha está
nas suas mentes, nos seus intelectos e no seu entendimento. A mais elevada
faculdade do homem ficou embotada e cega; ele não consegue ver por causa
desse véu que desceu sobre ele; ele está cercado pelas trevas. Permitam-
me, porém, expressá-lo de modo um pouco mais teológico. O efeito
mais desastroso que a Queda produziu no homem foi em seu entendimento. Essa
é toda a explicação bíblica da razão pela qual o homem é como é, e o mundo é
como é. Deus criou o homem perfeito, dotou-o de faculdades admiráveis, fez
dele senhor da criação e do universo; e, contudo, vemos algo inteiramente
diferente. Por que a diferença? O que aconteceu foi que o homem pecou,
desobedeceu a Deus, caiu. E a Queda teve as conseqüências mais desastrosas
para o homem e para toda a sua vida e para o seu modo de viver; e de todos os
seus terríveis efeitos, o mais desastroso e devastador é na mente do
homem. Entenebreceu o seu entendimento.
Não há palavra que a Bíblia utilize mais freqüentemente, com relação ao homem
não cristão, do que a palavra tolo, ou louco. O pecador não passa de um tolo. O
tolo é estulto, falta-lhe entendimento, é alguém que faz o que faz porque não
sabe fazer melhor; ele se
precipita numa coisa sem pensar. Que tolo! vocês dizem. Que tolo, quem se
meteu nisso! Se tão-somente ele pensasse por um momento, se tão-somente
tivesse olhos em sua cabeça! Certamente lhe falta entendimento! Essa é a
palavra que a Bíblia usa acerca do pecador, sobre o não cristão. Foi o tolo, o
néscio, que disse no seu coração: não há Deus. Claro! É porque ele não tem
entendimento. Vejam a colocação que Paulo faz naquele grande capítulo
primeiro da Epístola aos Romanos, onde ele faz o mesmo tipo de análise. Diz ele
que o que andou mal com a humanidade foi que, embora Deus tenha feito
os homens à Sua própria imagem, embora a criação lhes fale acerca de Deus, e
embora eles tenham começado pela adoração do Criador, agora estão adorando a
criatura. Por quê? Porque, diz ele, “o seu coração insensato” (“o seu tolo
coração”) “se obscureceu”. E ele diz de novo: “Dizendo-se sábios, tornaram-se
loucos”. Tornoalembrar--lhes que essa é toda a explicação do mundo moderno.
Mas Paulo usa também outra palavra. Ele descreve o estado do incrédulo como
um estado de trevas. Ele é alguém que está andando na escuridão em pleno
meio-dia, andando às apalpadelas. Ouçam algumas das expressões típicas do
Novo Testamento. Já no começo dos Evangelhos se nos diz que a vida do Senhor
Jesus Cristo cumpriu uma profecia anunciada por Isaías - “O povo que andava
em trevas, viu uma grande luz” (VA: “O povo que estava assentado nas
trevas”) (Isaías 9:2; Mateus 4:16). Retrata a raça humana sentada nas trevas; ela
tentou achar um caminho de escape, entretanto não conseguiu, e afinal se
assentou no mais completo desamparo e desespero. Afundou-se no cinismo - “O
povo que estava assentado nas trevas” - sem nenhuma luz, sem nenhum
conhecimento. Ali estão eles, sentados sem esperança e sem amparo nas trevas.
Finalmente os homens vêem uma grande luz, isto é, o evangelho. Ou pensem nas
constantes e conhecidas comparações e contrastes do apóstolo. Escrevendo
a crentes ele diz: vejam lá, vocês não devem mais levar esse tipo de vida; vocês
não são mais da noite, vocês são filhos do dia! Vocês não estão mais nas trevas,
pertencem à luz! Filhos das trevas e filhos da luz! Noite e dia! Na Bíblia o
pecado é sempre associado às trevas.
Atentem também ao nosso bendito Senhor na colocação que faz com estas
palavras: “A condenação é esta: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram
mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más” (João 3:19). O
problema, diz Ele, está em amar as trevas, e não a luz. E então, de novo, não
admira que o apóstolo Paulo use essas expressões, em vista do que lemos sobre o
seu chamamento no caminho de Damasco. Disse-lhe o Senhor que ò estava
chamando para que ele fosse uma testemunha tanto para o povo como para os
gentios,
e com esta comissão particular: “Para lhes abrires os olhos, e das trevas os
converteres à luz” (Atos 26:18). Compete à pregação, constitui o evangelho da
evangelização integral, que os olhos dos homens sejam abertos; não que lhes
seja dado entretenimento, ou que sejam levados a rir ou a chorar; mas sim, abrir-
lhes os olhos, tirá-los das trevas para a luz e para o conhecimento. Foi nesses
termos que o apóstolo foi chamado. Devemos lembrar-nos também de que o
próprio Senhor nosso descreveu-Se a Si mesmo como a Luz do mundo - “Eu sou
a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida”
(João 8:12).
Fiz-lhes estas citações a fim de que vocês vejam que é isso que encontramos na
Bíblia acerca da vida do incrédulo. Este está nas trevas, é cego, seu
entendimento se obscureceu. Todos nós seguimos o exemplo da Bíblia nesta
questão, não seguimos? No passado, por exemplo, todos nós tendíamos a
descrever a África como “O Continente Negro”, ou “Obscuro”. É assim que
descrevemos as pessoas que vivem na ignorância e no paganismo - o Continente
Obscuro! Contudo, vocês sabem, William Booth estava igualmente certo
quando escreveu o seu famoso livro - Na Obscuríssima Inglaterra (“In
Darkest England”). Escreveu-o na era vitoriana e, todavia, esse é o título do seu
livro, Na Obscuríssima Inglaterra - e quão densas eram essas trevas!
Ora, é certo dizer isso hoje como há dois mil anos. Os filósofos não se
conheceram a si mesmos, pois eles pensavam que os seus intelectos eram
bastante grandes e grandiosos para descobrir Deus, abarcar Deus e entender a
Deus! Entretanto, o homem que começa pensando que é capaz de fazer isso, não
é nem um pouco melhor do que o tolo, não se conhece a si mesmo. E os homens
continuam agindo assim. Aqui
Talvez uma singela ilustração deixe isso mais claro e mais simples. Acaso vocês
não observaram muitas vezes que o que é dito para zombar do cristianismo por
aqueles supostamente grandes filósofos e pensadores, também é dito exatamente
da mesma maneira por João, José e Joaquim, pelo homem dali da esquina? O
que leva os primeiros ao repúdio não é o seu intelecto; os outros podem não ser
intelectuais, porém dizem exatamente a mesma coisa. O grande filósofo escreve
o seu livro sobre Por que não sou Cristão, e dá a impressão de que a
sua incredulidade é produto do seu intelecto poderoso. Mas, vão ouvir o homem
da esquina, que diz: “Não sou cristão”, e verão que ele lhes dará exatamente as
mesmas razões; não há diferença nenhuma. O cristianismo já deu o que tinha, é
tolice, está fora de época. Sua terminologia é ligeiramente diferente, entretanto o
argumento essencial é precisamente o mesmo.
Esta é uma questão muito importante, que devemos compreender. Vejam algo
como isto: lembro-me de uma experiência que tive há alguns anos; eu estava
sendo levado por um amigo através de uma parte da Irlanda do Norte, e ele me
disse que, em certo ponto da viagem, poderíamos ver a Escócia. Finalmente
chegamos àquele ponto, mas não pudemos ver a Escócia. Por quê? Porque
baixara um nevoeiro! Olhei com toda a intensidade de que fui capaz, a
continuei sem ver nada, senão o nevoeiro. O meu amigo continuava dizendo:
“A Escócia está bem ali”, porém eu não a consegui ver. Ora, por que eu não
pude ver a Escócia? Foi porque de repente comecei a padecer de alguma terrível
doença dos olhos? De repente desenvolvi catarata? Meu nervo ótico ficou
paralisado de repente? Havia algum defeito no funcionamento do meu órgão
visual? Absolutamente não! O funcionamento estava normal como sempre,
todavia eu não consegui ver a Escócia. Por quê? Era o nevoeiro - a escuridão do
nevoeiro. Mas o fato de que eu não pude ver a Escócia não significa que a
Escócia não estava lá. E se eu começasse a dizer: não acredito que a Escócia
está lá, não acredito que ela poderá ser vista alguma vez, estou olhando e não
consigo vê-la - que é que vocês diriam de mim? Teriam dito que
eu era um tolo, e teriam dito isso com razão. Essa é precisamente a situação de
todos os não cristãos. Os seus entendimentos estão obscurecidos! Não estou
dizendo que os poderosos filósofos não têm grandes cérebros. Contudo o maior
cérebro do mundo não consegue ver através do nevoeiro, e quando o véu das
trevas desce, como desceu sobre toda a raça humana, a maior mente do mundo
fica inútil.
O apóstolo está dizendo exatamente a mesma coisa nos dois primeiros capítulos
da Primeira Epístola aos Coríntios. “Vede, irmãos”, diz ele, “a vossa vocação,
que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem
muitos os nobres que são chamados”. E por que não? Porque confiam em seus
próprios entendimentos; estão entenebrecidos, estão cegos e não conseguem ver.
Quando o Senhor veio, os príncipes deste mundo não O conheceram. Eles
disseram; “Este sujeito, este carpinteiro, fora com ele, crucifiquem-no!” Por que
fizeram isso? Porque não o conheceram, “pois, se o conhecessem, nunca
crucificariam ao Senhor da glória”. Como, então, nós sabemos que Ele é o
Senhor da glória? Ah, diz Paulo: “o Espírito no-las revelou”, “porque o Espírito
penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”. “O homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” - ele não tem como
remediar isso. Brilhante como possa ser, se houver nevoeiro, não conseguirá ver!
Vocês continuam surpresos porque esses não cristãos ridicularizam a encarnação,
os milagres, as duas naturezas em uma só Pessoa, e derramam o seu escárnio
sobre a expiação sacrificial e substitutiva, e sobre a idéia de que Deus puniu os
nosso pecados em Seu Filho? Não é razoável, dizem; é irracional e imoral; não
posso aceitá-lo. Há somente uma resposta apropriada, quando eles dizem isso, e
a resposta é esta: claro que você não pode! Alguma vez pensou que pudesse?
Você não se deu conta de que a sua mente está toda obscurecida, que a sua
natureza está toda pervertida, que o véu da ignorância desceu sobre você, como
sobre todos os demais, que você está na mesma situação da mais simples
criança, do homem mais humilde, mais ignorante do mundo, e que toda a sua
mente e o seu entendimento estão entenebrecidos? E nós, como cristãos, não
temos por que surpreender-nos com isso, não temos por que ser perturbados por
isso. Graças a Deus, a verdade é essa! Graças a Deus que não se trata,
primordialmente, de uma questão de entendimento. Graças a Deus, digo, por esta
boa razão, que o maior filósofo do mundo neste momento está exatamente na
mesma situação do mais ignorante membro de uma tribo numa selva primitiva.
O grande filósofo não tem vantagem alguma sobre o pagão, nesta questão do
evangelho. En-
quanto os dois não estiverem sob a influência e poder do Espírito Santo de Deus,
nenhum deles o verá. Mas, graças a Deus, quando o Espírito Santo vier sobre
ambos, ambos o verão; não somente o filósofo, nem somente o pagão, e sim os
dois juntos! Voltemos à minha ilustração. Tome-se o maior filósofo do mundo
esta manhã, e tome-se um homem iletrado e ignorante; juntem-se eles a mim
enquanto estou là na Irlanda do Norte olhando na direção da Escócia. E nenhum
de nós consegue ver nada. No entanto, depois o nevoeiro se evola, e nós três
podemos ver a Escócia. Não é questão de capacidade intelectual, pequena
ou grande; é questão de se ter este poder de visão; o homem o perdeu, o seu
entendimento ficou obscurecido, e isso é efeito da Queda.
Neste ponto deixem-me fazer uma pergunta simples. Você, amigo, crê neste
evangelho? Crer neste evangelho é tudo para você? Se não é, o seu coração está
entenebrecido. Você pensa que sabe, pensa que entende, mas não. Esta é a única
razão pela qual as pessoas não crêem no evangelho e não são cristãs. Contudo,
deixem-me expressá-lo assim: você é cristão, mas tem em sua mente perfeito
entendimento quanto ao que está errado com os outros que não são cristãos?
Você se tornou um tanto impaciente, talvez, com o marido ou com a mulher ou
com os filhos ou com os pais que ainda estão na incredulidade? Você se enerva
quando lhes fala destas coisas? Você se sente como se os estivesse sacudindo
porque eles não enxergam isso? Se é assim, é porque você ainda não entende que
o problema com os incrédulos é que o entendimento deles está obscurecido!
Você pode demonstrar a verdade, pode argumentar, arrazoar e expô-la a eles à
perfeição, e eles não verão nada nela. E isso simplesmente por causa das trevas
do entendimento; não têm como ajudar-se, não podem fazê-lo. _
Há uma história que, para mim, ilustra isso tudo perfeitamente. É sobre William
Pitt, o Jovem, um dos maiores Primeiros Ministros que a Inglaterra já teve. Ele
era amigo de William Wilberforce, o libertador dos escravos. Mas havia uma
grande diferença entre eles:
Não tenho dúvida de que, a julgar os homens segundo a carne, William Pitt era
maior do que William Wilberforce, maior cérebro, maior estadista. Mas não é
isso que realmente importa. A verdade celestial, espiritual, proferida por Richard
Cecil não significava absolutamente nada para ele; ele não sabia do que se
tratava; aborreceu-se, e não via a hora em que aquilo acabasse! O outro homem
se deleitava e se regozijava! Vocês vêem o que faz a diferença? As trevas!
Trevas que ninguém senão o Espírito Santo pode eliminar.
Qual é, então, o objetivo do meu argumento? É que nós, cristãos, devemos estar
cientes disso, quando pensamos em outros que ainda não são cristãos.
Reconhecemos nós a causa da dificuldade, que essa espantosa escuridão
sobreveio e amortalhou o entendimento? E mesmo que façamos tudo o que
pudermos, de nada valerá. Há somente uma coisa que pode afastar o nevoeiro e
tirar o véu, e essa é o impacto do Espírito. Já tentamos quase tudo mais, não
tentamos? Temos organizado, arranjado e utilizado meios e métodos que nós
mesmos sentíamos que eram duvidosos. Resolvemos usar qualquer coisa que nos
trouxesse as pessoas e as levasse à conversão. Mas não funciona! Como pode ser
isso? As trevas no entendimento, o véu do pecado é a causa do problema. E só
há uma coisa que pode tratar disso. Graças
a Deus, diz Paulo aos coríntios, isso aconteceu conosco: “As coisas que Deus
preparou para os que O amam... Deus nos revelou pelo Seu Espírito” (1
Coríntios 2:9 e 10). “Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o
Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado
gratuitamente por Deus.” E a quem quer que ache todo este assunto aborrecido,
eu gostaria de dizer: se você não sabe do que é que eu estou falando, se você não
entende estas coisas, digo que é porque a sua mente, o seu entendimento está
obscurecido, você está sob o domínio do diabo, de satanás, você está
amortalhado por estas trevas do mal e do inferno. Trate de dar-se conta disso, é
o que aconselho, e clame por luz, peça a Deus que abra os seus olhos! Veja a
aterrador condição em que você está.
Também digo outra palavra aos que são cristãos, aos que gozam e vêem estas
coisas. O meu supremo dever, e o seu, é orar por avivamento, orar rogando que o
Espírito Santo desça sobre a Igreja de modo que venhamos a falar de tal maneira
que os homens vejam. Eu mesmo não posso fazê-lo; sou como este apóstolo, e
ainda pior, “em fraqueza, e em temor, e em grande tremor”; não tenho confiança
em mim mesmo, nem na igreja, nem em nenhuma organização, nem em qualquer
outra coisa. Nenhum agente humano pode fazê-lo. Mas o Espírito pode - “em
demonstração de Espírito e de poder”. Você ora diariamente por seu pastor para
que ele seja cheio do Espírito de poder, para que ele possa pregar em
demonstração do Espírito e de poder? Você ora nesse sentido, ou deixa tudo com
ele? Porventura oramos rogando que o Espírito tome posse de nós? Oramos por
avivamento? Sabemos do estado da sociedade, sabemos do estado de
Londres, sabemos do estado do mundo, vivemos falando disso. No entanto,
isso não basta! Não devemos confiar em nenhum homem, nem em numerosos
homens. Necessitamos do Espírito de Deus, necessitamos de uma visitação com
poder avivador, e somos chamados para orar por isso, cada um de nós. Só somos
cristãos porque o Espírito de Deus abriu os nossos olhos cegos e tirou de nós as
trevas. E essa é a necessidade de todos os outros. Que palavra, que frase, a do
apóstolo! Os homens “andam na vaidade do seu sentido, entenebrecidos
no entendimento”. Pobres e tolos obscurecidos, apesar da sua sofisticação e
inteligência, dos seus argumentos e debates pelo rádio e pela televisão, e dos
seus artigos e livros! Que brilhante! Mas é o brilho da bolha de espuma! Não há
nada nela. E a cegueira deles é resultado das trevas. Tenham compaixão deles.
Não se contentem em denunciá-los; orem por eles. Acima de tudo, orem rogando
que o Espírito de Deus venha com tal poder que as trevas deles sejam removidas
e os seus olhos sejam abertos.
“E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam
também os outros gentios, na vaidade do seu sentido, entenebrecidos no
entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela
dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se
entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza.
” - Efésios 4:17-19
significam o tipo de vida que Deus aprova, e certamente isso está incluído,
todavia elas querem dizer muito mais. A vida de Deus não é meramente a vida
piedosa, a vida que Deus nos indica nas Escrituras como sendo a vida reta. A
vida de Deus não significa uma vida virtuosa apenas, ou uma vida vivida de
acordo com as veredas de Deus, e de acordo com a Sua santa lei. Inclui isso,
porém a frase em foco vai além. Permitam-me provar-lhes isso.
Deixem-me ilustrar o que quero dizer. Eis o que o apóstolo Pedro escreve na
primeira parte da sua Segunda Epístola: “Pelas quais ele nos tem dado
grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da
natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no
mundo”. Ali Pedro está dizendo a seu modo exatamente o que o apóstolo Paulo
está dizendo aqui. Ambos dizem a mesma coisa. É por isso que, se você
realmente entende e estuda completamente uma grande Epístola, como
esta Epístola aos Efésios, você de fato comhece toda a doutrina da Bíblia. A
Bíblia é um livro uno. Paulo fala da “vida de Deus”. Pedro nos diz que os filhos
de Deus são “participantes da natureza divina”. Assim, Paulo se refere aqui à
vida que vem de Deus, à vida que Deus dá. Os pagãos, os incrédulos, os não
cristãos, diz ele, são completamente alheios a essa vida, estão inteiramente
separados dela, alienados.
A tragédia do homem em pecado, do homem que não é cristão, é que ele está
fora da vida de Deus, não participa dela, não a conhece,
não a desfruta. O nosso Senhor realmente expressou isso uma vez por todas,
simples, clara e perfeitamente, em Sua grande oração sacerdotal, registrada no
capítulo dezessete do Evangelho Segundo João. Foi assim que Ele orou: “E a
vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus
Cri sto, a quem enviaste”. Diz Ele: fui enviado ao mundo por Ti, e fui enviado
para dar ao Teu povo este dom da vida eterna! Essa é a vida eterna. O homem
que está sem ela não conhece o único Deus verdadeiro, nem a Jesus Cristo. Esse,
diz Paulo, é o problema com estes “outros gentios”; eles estão andando
na vaidade da sua mente, estão caçando bolhas. Não somente porque os seus
entendimentos estão obscurecidos, mas também porque são absolutamente
alheios à vida de Deus; não a conhecem, não são participantes dela.
Aqui devemos notar uma coisa muito interessante (cada palavra é tão
importante!): “Entenebrecidos no entendimento, estando separados. ..” (VA). A
tradução deveria ser, “tendo se tomado separados”. Importante e iluminadora
diferença! Não é que eles são ou estão separados da vida de Deus; tornaram-se
separados da vida de Deus. Aí está mais uma referência à Queda do homem. Já
vimos que o entendimento do homem está entenebrecido por causa da Queda;
o homem perdeu esse entendimento quando Adão caiu em pecado. Aqui está
outra conseqüência. O homem se tornou alienado da vida de
Deus. Originalmente ele estava em comunhão com Deus; Deus fez o
homem para Si, e o homem foi destinado, não somente a conhecer a Deus, como
também a gozar comunhão com Ele. Deus o fez à Sua imagem justamente por
essa razão. E essa era a situação no princípio. Lemos sobre a vinda de Deus ao
jardim. O homem olhava para Deus com o rosto descoberto, e fruía a Deus.
Estava em perfeita comunhão e amizade com Deus, e compartilhava algo da
sempiterna e eterna vida de Deus.
E aí está por que a Queda do homem é a maior tragédia da sua história, e por que
a doutrina da Queda é essencial para ter-se algum entendimento da vida atual
neste mundo. Por que vemos o homem “andando na vaidade da sua mente”?
Porque ele abandonou a vida de Deus! Caiu em Adão e desde a Queda ele
continua naquelas condições. Ele está fora do jardim, e os querubins e a espada
flamejante estão guardando a porta oriental de entrada. O homem não pode
voltar para lá; está fora; e a vida se tornou uma solidão por causa dessa queda e
da perda da vida de Deus. Como resultado da Queda, o homem foi cortado da
verdadeira vida, foi cortado da fonte do seu ser, e é desse jeito que ele ficou daí
em diante. De modo que, o que eu e vocês
chamamos vida não é vida, é mera existência. O homem em pecado não vive,
existe, vive como um animal, está em busca de vaidades. Ele foi cortado da vida
de Deus, a fonte do seu ser, e está meramente existindo. Não está mais no
paraíso, está fora, num deserto - sem repouso, intranqüilo e insatisfeito. Tem
dentro de si uma vaga reminis-cência de que fora destinado a algo maior; não
pode livrar-se dela; há dentro dele um senso de Deus. Ele tem consciência de
uma contradição. “Ele sente que não foi feito para morrer”, como o poeta
o expressa. Ele tem uma vaga recordação doutra existência e doutro tipo de vida,
e o resultado é que ele anela por um paraíso que perdeu. Ele o está sempre
buscando, todavia não o pode encontrar. Ele ficou alienado da vida de Deus.
E, contudo, com este senso de Deus dentro de si, o homem tem que cultuar
alguma coisa, pelo que ele faz os seus deuses, faz os seus ídolos. Nos tempos
antigos os faziam de madeira, de pedra e de metais preciosos. Ainda fazem isso
nalguns lugares, mas temos outros meios de fazê-lo hoje, pois somos idólatras
por natureza, todos nós e cada um de nós. Adoramos a nós mesmos, adoramos a
nossa família, adoramos o nosso país, adoramos os nossos bens, a nossa posição
- temos que ter um deus! E o homem sempre esteve fazendo deuses. Há um
espírito de adoração dentro de nós, e o homem procura satisfazê-lo. No entanto,
nada disso satisfaz; no fim ele sente que está fazendo papel de bobo. E os deuses
que ele fabrica para si não satisfazem. Ele está sempre em busca do “Deus
desconhecido”, e não consegue achá-10. Já tentou achá-10 com a sua filosofia,
mas nunca teve sucesso. “O mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria” (1
Coríntios 1:21). Assim é que, como digo, o homem está nessa solidão, e a sua
vida, a sua existência, é insatisfatória. Ele é um pobre infeliz e, tendo perdido o
contato com Deus e a vida de Deus, perdeu o seu senso de valores; não
compreende a verdadeira natureza de si próprio, não percebe o que realmente é
de valor. Assim, passa o tempo caçando vaidades, sonhando com espirais de
fumaça, e não encontra paz nem descanso, e nunca encontra satisfação.
de outro, ele tem que admitir e confessar: “Tentei as cisternas rotas, Senhor, mas
ah, suas águas falharam!” Muitos homens, se não são cristãos, vão perdendo as
esperanças cada vez mais, à medida que envelhecem. O cinismo e o desespero se
lhes apegam e os penetram, porque tudo parece tão fútil, e todo o esforço não
leva a nada. Qual é a questão? O real problema é justamente esta mesma coisa da
qual o apóstolo está falando. O homem não vê e não sabe que a sua necessidade
suprema é a sua necessidade de Deus, o conhecimento de Deus, a participação
na vida de Deus! O homem não compreende o que o autor do Salmo 42
compreendeu tão claramente, quando disse: “Como o cervo brama pelas
correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma
tem sede de Deus, do Deus vivo!” Esse é um homem que sabe, que descobriu a
sua necessidade e está na pista da solução. Se tenho Deus, diz ele, tenho tudo.
Entretanto o homem em pecado, na vaidade da sua mente, não sabe disso, não
o compreende; seu entendimento está obscurecido, e assim ele se tomou alienado
da vida de Deus.
Meus amigos, não peço desculpa por fazer-lhes algumas perguntas simples nesta
altura. Vocês conhecem a Deus? Vocês participam da vida de Deus? Vocês
encontraram paz e descanso para as suas almas? Citemos mais uma vez a
declaração imortal de Agostinho: “Fizeste--nos para Ti, e os nossos corações não
descansarão enquanto não acharem descanso em Ti!” Vocês gozam descanso no
coração, paz na alma? Tendo experimentado as cisternas rotas e tendo-as visto
falhar, vocês encontraram o Manancial de águas vivas, a Fonte de toda bem--
aventurança? Essa, vocês vêem, é a diferença entre os não cristãos e os cristãos.
O não cristão está separado da vida de Deus. O cristão é, por definição, alguém
que não está mais separado e alienado; ele conhece a vida de Deus, ele a
desfruta, ele está nessa vida.
Mas devemos ir adiante. Por que é que o incrédulo, o ímpio, está separado dessa
maneira da vida de Deus? O apóstolo nos dá duas respostas a essa pergunta, e
ambas se acham neste versículo dezoito. A primeira é: “pela ignorância que há
neles”; em segundo lugar, “pela cegueira (ou dureza) de seu coração”. Devemos
examiná-las bem, porque, se há alguém que não conhece a Deus e que não
está desfrutando a vida de Deus, devo dizer-lhe o porquê disso. Para mim, esta é
a essência da evangelização: mostrar às pessoas por que elas não estão
desfrutando a vida de Deus. É, diz o apóstolo, por causa da ignorância que há
nelas. Vimos que essa ignorância está nelas porque os seus entendimentos estão
obscurecidos. Ah, sim, porém a pergunta vital aqui é: de que exatamente elas são
ignorantes? Através da Bíblia
Pensem então na majestade de Deus e em Sua eternidade. Deus é o Pai das luzes,
em quem não há mudança, nem sombra de variação. De eternidade a eternidade,
Ele é o mesmo. Uma vez alguém o expressou com uma frase impressiva: “O
tempo não imprime nenhuma ruga na fronte de Deus”. Sempitemo e Eterno! O
Eterno, o Deus bendito para sempre e sempre! A humanidade alguma vez deu
alguma atenção a isso? A humanidade pensa na santidade de Deus? Vocês já
notaram como isso vem expresso no cântico entoado por Moisés e pelos filhos
de Israel? “Ó Senhor, quem é como tu entre os deuses? quem é como tu
glorificado em santidade, terrível em louvores, obrando maravilhas?” (Êxodo
15:11). Vocês têm alguma concepção da santidade de Deus? Pensem depois,
também, na Sua justiça e na Sua retidão. Ouçam falar o salmista destes atributos.
“Atuajustiçaécomo as grandes montanhas; os teus juízos são um grande
abismo!” (Salmo 36:6). Deus é o Deus de toda a terra. E vocês têm pensado em
Seu poder? “No princípio criou Deus os céus e a terra.” Deus falou, e foi feito;
Deus disse: “Haja luz. E houve luz”. Sim, diz o cântico de Moisés e dos
israelitas redimidos: “Ele é glorioso em poder” (Êxodo 15:6, VA); é o poder da
Sua glória. Deus não somente fez todas as coisas, Ele sustenta todas as coisas.
Como o Salmo 103 o expressa, se Deus retirasse o Seu Espírito, ainda que por
um momento, todo o cosmos entraria em colapso; toda árvore, todo animal, todo
ser humano. Tudo é sustentado e mantido pelo Espírito do Senhor e, se Ele Se
retirasse, imediatamente a criação inteira entraria em colapso e cairia. Ele não é
somente o Criador, é também o Sustentador de tudo. É o Seu poder que mantém
todas as coisas andando.
Ora, o problema com os que levam a vida de vaidade e estão separados da vida
de Deus é que eles não O conhecem. Se tão-somente pudessem ver estas coisas,
dariam as costas a todas as outras coisas e passariam o tempo a contemplá-10, a
admirá-lO, a meditar nEle, a buscar saber mais e mais sobre Ele. Mas não vêem,
são ignorantes e, portanto, passam o tempo indo atrás de tolices e vaidade. Não
foi exatamente isso que Paulo disse aos pagãos de Listra? Eles estavam para
adorar a Paulo e a Barnabé e a oferecer-lhes sacrifícios. Parem! - diz o apóstolo
noutras palavras. Somos homens como vós e pregamos “que vos convertais
dessas vaidades ao Deus vivo...”. É porque não conhecem a Deus que pensais
que somos deuses; é ignorância vossa!
Entretanto não quero deixá-los com o aspecto negativo. Quero, antes, salientar
que esta é a tragédia, o patético, do homem em pecado. Os nossos corações
deveriam sangrar por todos os que não são cristãos, porque eles não percebem o
que estão perdendo; não percebem que, mesmo neste mundo, como ele é neste
momento, eles podem começar a conhecer a Deus. Não sabem que podem ser
reconciliados com Ele e podem ter este conhecimento dEle, e que podem
começar a desfrutar
Senhor, eu era cego! Não podia ver Em Teu desfigurado rosto a Tua graça;
Mas agora a beleza de Tua augusta face Em radiosa visão irrompe sobre mim.
Senhor, eu era surdo! Não podia ouvir A comovente música de Tua voz;
Senhor, eu era mudo! Não podia falar De Tua graça e da glória do Teu santo
nome;
Mas agora, tocados por Tua chama viva, Meus lábios Teus ardentes louvores
despertam.
Senhor, eu estava morto! Não podia agir Trazendo a Ti minha alma fria,
inanimada; Agora, porém desde que me deste vida, Fora estou da trevosa tumba
do pecado.
Ó meu Senhor, fizeste o pobre cego ver, Fizeste o surdo ouvir, falar fizeste o
mudo, Ao morto deste vida; e eis que rompo então As cadeias do meu horrível
cativeiro.
1
“Conversation” tem outros sentidos, além de conversação. Há também alguns sentidos obsoletos,
arcaicos. Uma antiga edição do dicionário de Webster traz, entre outros, os seguintes sentidos:
intercâmbio, comunhão, familiaridade, discurso, diálogo. Um dos sentidos dados por NuttalVs
Standard Dictionary (1926) é “behaviour”, comportamento. Nota do tradutor.
2
Só na Inglaterra?! Nota do tradutor,
O PECADO NUM MUNDO PAGÃO
“E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam
também os outros gentios, na vaidade do seu sentido, entenebrecidos no
entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela
dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se
entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza. ” -
Efésios 4:17-19
Continuamos o nosso estudo desta descrição - alarmante porque é tão exata - que
o apóstolo aqui faz da vida ímpia, da vida do não cristão. Ele estava descrevendo
particularmente o paganismo dos seus dias e da sua geração, porém, como
vimos, temos abundantes provas de que é igualmente uma descrição precisa da
vida dos ímpios desta presente hora. O interesse do apóstolo é que os efésios aos
quais está escrevendo e os quais, tendo-se tomado cristãos, haviam se
emancipado do modo de vida pagão, não vivam mais daquela maneira;
ao contrário, devem ver essa vida com horror. Para usar o termo
utilizado noutros lugares das Escrituras, eles devem fugir dela, devem
recuar dela como faz o cavalo quando alguma coisa o espanta. Esse é o
seu grande objetivo. Mas também, como estive indicando, ele queria fazê-los ver
quão gloriosa salvação eles estavam desfrutando. Esta os libertara daquelas
condições e os introduzira em algo que era essencialmente diferente. E é
importante, acho eu, que compreendamos que este é um dos problemas com que
a Igreja se defronta. E o problema dos homens e mulheres que ainda se acham
naquelas condições. E no momento em que virmos isso, perceberemos que em
nós e por nós mesmos nada poderemos fazer, e que a maior necessidade desta
hora é a necessidade de avivamento e despertamento espiritual. Espero, pois, que
estaremos orando mais e mais por uma visitação do Espírito de Deus à Igreja
nestes tempos terríveis pelos quais estamos passando.
Pois bem, nós vimos que os homens e mulheres estão procurando vaidades futeis
porque não conhecem a Deus, Seu ser e Seus atributos; e, ao retomarmos o nosso
estudo neste ponto, quero ressaltar esta pequena palavra em. Vocês notam que
Paulo diz: “separados da vida de Deus pela ignorância que há neles” (em eles).
Ora, isso é algo que não podemos deixar escapar. O apóstolo usa
deliberadamente a
palavra em, a fim de poder fazer com que os seus leitores em Éfeso, e todos
quantos viessem a ler essas palavras, entendessem o fato de que esta ignorância
da qual ele está falando não é algo superficial, não é meramente uma falta de
conhecimento no sentido intelectual; é isso, mas é muito pior que isso! É algo
entranhado profundamente no homem como resultado da Queda e do pecado.
Portanto, não devemos pensar nela como sendo mera falta de conhecimento
intelectual, que se pode retificar facilmente dando informação - simplesmente
como se pode dar informação aos homens sobre política, ciência ou
qualquer outra coisa. Não é esse o problema aqui; esta ignorância está neles.
É algo que os agarra e se torna parte da própria tessitura de toda a sua vida e
perspectiva.
Eles estão separados da vida de Deus, diz o apóstolo, pela - por causa da -
ignorância que há neles, por causa (aqui está a explicação), por causa da
cegueira do seu coração. Estou utilizando aqui a Versão Autorizada que,
infelizmente, neste ponto erra completamente em traduzir a palavra por
“cegueira”. Naturalmente, chega à cegueira,
mas a palavra que Paulo usou não é cegueira, e as versões inglesas Revista e
Revista Padrão indubitavelmente estão certas neste ponto (como se dá com a
versão de Almeida, tanto a Edição Revista e Corrigida como a Edição Revista e
Atualizada no Brasil). A palavra significa dureza ou endurecimento: “por causa
do endurecimento”, ou “por causa da dureza do seu coração”. A ignorância que
há neles é, em parte, a explicação da alienação, porém em acréscimo há um
processo de endurecimento realizando-se no coração.
O que Paulo quer dizer com essa palavra não é meramente que o coração é duro,
mas que se tomou calejado; uma espécie de calosidade o recobriu. A maioria de
nós sabe o que é calosidade. Quando a pele fica grossa na sola do seu pé, por
exemplo, você tem uma calosidade. Esse, diz o apóstolo, é o tipo de coisa que
aconteceu com os corações dos homens. A cobertura, o revestimento, tomou-se
espessa e dura, enrijecida e fibrosa; usem qualquer destes termos, a seu gosto.
Contudo é essa a expressão utilizada aqui; é uma espécie de termo médico. A
coisa toda é uma figura, é claro. O coração mesmo não sente nada; mas o
coração é considerado como o centro e a sede dos afetos e das emoções, e ainda
mais que isso, nas Escrituras é geralmente entendido como valendo pelo próprio
centro e sede da personalidade. No entanto aqui, indubitavelmente, o apóstolo
está pensando primariamente nas emoções e nas sensibilidades. Ele estivera
lidando mais com o intelecto, sob as expressões entenebrecidos no
entendimento, e ignorância que há neles, mas aqui ele diz que, quando seguimos
mais longe a pista do problema, descobrimos que a ignorância que há nas
pessoas e que as domina deve-se, em última instância, ao fato de que se deu
um processo de endurecimento nas profundezas do seu coração, e por causa
deste engrossamento, endurecimento, calosidade, há uma ausência de
sensibilidade; e o resultado da ausência de sensibilidade é que os homens não
são mais suscetíveis à verdade. Não somente não crêem, porém também não são
mais suscetíveis à verdade, pois os seus corações estão endurecidos.
Vejam, por exemplo, aquela grande passagem lírica e evangélica que se acha em
Ezequiel, capítulo 36, começando no versículo 17. Pois bem, deixem-me citar-
lhes o versículo 26 em particular, que é a promessa que Deus faz ao povo
concernente ao que o evangelho vai fazer: “E vos darei um coração novo, e porei
dentro de vós um espírito novo; e tirarei o coração de pedra da vossa carne, e vos
darei um coração de carne”. Aí está, perfeitamente exposto. O coração não
é mais flexível, não é mais sensível, mas está endurecido e rijo; tomou-se como
pedra; e a promessa do evangelho é: “tirarei o coração de pedra da vossa carne, e
vos darei um coração de carne”, um coração capaz de sentir, um coração cálido,
um coração capaz de reagir, um coração flexível. A seguir, permitam-me dar-lhes
um exemplo do Novo Testamento, para contrabalançar o que lhes dei do
Velho Testamento. Vamos à Epístola aos Hebreus, e a uma citação que ali é feita
de um salmo: “Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a sua voz,
não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no
deserto, onde vossos pais me tentaram, me provaram, e viram por quarenta anos
as minhas obras. Por isso me indignei contra esta geração, e disse: estes sempre
erram em seu coração, e não conheceram os meus caminhos. Assim jurei na
minha ira que não entrarão no meu repouso”. Neste ponto a citação termina, e o
escritor prossegue, dizendo: “Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós
um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo. Antes exortai-vos uns aos
outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de
vós se endureça pelo engano do pecado; porque nos tomamos participantes de
Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim.
Enquanto se diz: hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações,
como na provocação. Porque, havendo-a alguns ouvido, o provocaram; mas não
todos os que saíram do Egito por meio de Moisés”. Aí está de novo, exposto
largamente, e repetido, vocês observam, numa Epístola cheia de advertências
ameaçadoras por causa do perigo da apostasia. O que se deve ter em conta é o
coração! “Filho meu, dá-me o teu coração”, diz o Velho Testamento. “Guardem
os seus corações”, diz outro escritor. De acordo com as Escrituras, o problema
está, eventual e finalmente, no coração.
Dou como ilustração o modo como a Teoria da Evolução prendeu as mentes dos
homens, e até muito recentemente não havia oportunidade de réplica para os que
não acreditam nela. A “British Broadcasting Corporation” não costumava dar
oportunidade ao outro lado; não permitia que o assunto fosse debatido pelo
rádio. O que chamam Livre Pensamento não é nada dessa espécie, é preconceito
- o coração envolvido. O fato de que essa rigidez agora relaxou um pouco é
porque os evolucionistas não são tão dogmáticos como eram! Mas
continuam ensinando como fato uma coisa que não passa de teoria. E
esses homens que costumam descrever-se como cientistas frios, desprendidos e
desapaixonados, estão mostrando desse modo, diante dos nossos olhos, a
maneira pela qual o coração se intromete e os governa e os domina. Do começo
ao fim, as Escrituras salientam isso; dizem elas que o homem é uno, que a sua
personalidade é indivisível, e que se tem um conceito inteiramente falso do
homem e da vida quando se tenta isolar essas coisas e desenvolver uma parte a
expensas das outras.
na dos sentimentos. Deus quer manter vocês por baixo, disse o diabo a Eva; Ele
sabe perfeitamente bem que no momento em que vocês comerem daquele fruto,
serão deuses, vocês mesmos, e serão iguais a Ele. Noutras palavras, ele estava
jogando no orgulho dela. Contudo, não se trata do intelecto, quando se apela
para o orgulho, a paixão e o desejo de grandeza das pessoas! Deixou-se
completamente a esfera do intelecto; não é mais científico, não é mais
argumentative. Mas o diabo sabia que esse era o ponto em que era provável que
o homem caísse, de modo que concentrou nele todo o seu poder e toda a
sua atenção. O pecado original, a queda original do homem, deveu-se
a dificuldades em seu coração, em suas sensibilidades, em seus sentimentos, em
suas paixões; e continua, persistindo como sempre, desde aquele tempo.
Não sabemos nós como fato da nossa experiência pessoal e pela observação dos
outros, que a persistente desobediência à vontade de Deus e aos caminhos de
Deus sempre produz endurecimento? Toda vez que você comete um pecado, fica
menos sensível. Toda vez que você repete um pecado, a sua consciência o
perturba menos que antes. Na primeira vez, há uma agonia, há uma espécie de
crise, há um sentimento de pesar, um remorso e um sentimento de vergonha;
porém não seria certo que quando se vai repetindo o mesmo ato, há cada
vez menos vergonha, cada vez menos pesar, cada vez menos remorso? A que se
deve isso? Ah, é o tal endurecimento, o endurecimento do coração! Ele vai
ficando cada vez menos capaz de responder, cada vez menos capaz de reagir,
cada vez menos sensível aos apelos. Não há nada na vida, que eu saiba, que seja
mais trágico do que o gradual declínio e endurecimento de uma alma. Vocês não
viram isso? E pena, mas toda pessoa de mais de cinqüenta anos de idade viu isso
mais de uma vez; como um homem que você conheceu quando jovem e
que gradativamente se tornou mais e mais duro, mais e mais frio, e agora parece
completamente insensível. Endurecimento do coração! Éuma coisa pavorosa,
uma das coisas mais tristes da vida. E o que a toma pior é que os homens a
cultivam, e deliberadamente.
Que é que se segue? Tendo feito isso por algum tempo - esta é a coisa terrível! -
essas pessoas que cultivam a dureza vêem que realmente se tornaram duras, e
mesmo que ocasionalmente queiram ter algum sentimento, não conseguem.
Assim, por exemplo, quando a morte visita a família, são incapazes de derramar
lágrimas, já não conseguem sentir nada, de tal forma subjugam os sentimentos
que no fim não têm nenhum. E assim a vida se torna cruel. Os idosos se tornam
um estorvo. Que vão para um lar de anciãos, dizem elas. Desse modo, as coisas
que tomavam a vida amena, nobre e feliz rapidamente vão desaparecendo, e
todos nós estamos vivendo esta vida curiosamente dura, isolada, na qual o
principal desejo é que não nos perturbem, que não nos incomodem. É assim,
digo eu, que os homens se vêem incapazes de sentir. E tudo isso, naturalmente,
aplica-se supremamente à atitude para com Deus. O endurecimento
leva finalmente a uma total inimizade, e assim a Bíblia afirma que a
mente natural é “inimizade contra Deus” (Romanos 8:7); ela odeia a
Deus. Falem aos homens sobre as glórias do evangelho e da vida de Deus e de
Cristo, e eles dirão: isso me deixa completamente frio! Claro que deixa! Quão
precisos são eles! As coisas mais gloriosas do universo, as coisas mais
maravilhosas, enobrecedoras e comoventes - deixam-me completamente frio, diz
o incrédulo, não me importam nada! Que frase terrível, que confissão trágica!
Incapazes de sentir, completamente frios, impassíveis!
Ei-lo aí, pois, diz o apóstolo; os entendimentos dos homens estão obscurecidos,
eles estão separados da vida de Deus por causa destas duas coisas, a ignorância,
que há neles e o endurecimento do seu
coração. Eu lhes ofereci a análise psicológica que Paulo faz deles, e é perfeita.
Vocês jamais encontrarão melhor ou mais profunda. Como análise, é
devastadora. Mas devemos perguntar: a que é que isso tudo leva? Sendo os
homens o que são, como vivem? Aqui de novo o apóstolo nos dá a verdade
terrível: “Os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à
dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza”. Examinemos as
frases.
destruídos, a sensibilidade sumiu, não sentem mais nada, não reagem mais. É
dessa maneira que eles trataram das suas consciências, e é dessa maneira que
sempre se viveu essa espécie de vida. Se você quiser gozá-la de uma forma ou de
outra, é essencial tratar com muita energia o coração e a consciência; você tem
que secá-los ou queimá-los ou tentar silenciá-los de um modo ou de outro. E,
segundo o apóstolo, há este passo terrível no fim, quando você teve tanto
sucesso nisso que fica realmente sem sentimento. Mesmo que você queira sentir,
não pode, ficou totalmente insensível, parece ter perdido o seu senso moral,
ficou mais ou menos como um animal. E o que é quase inacreditável é que os
homens e as mulheres fazem essa cauterização da consciência deliberadamente.
ignoraram a sua consciência por tanto tempo, e foram tão diligentes e constantes
em silenciá-la e cauterizá-la, que por fim se tornam incapazes de sentir.
E assim, nesse estado, diz o apóstolo, é isto que elas fazem: “entregam-se à
dissolução”, o que significa que elas se deixam levar pela dissolução. Ou, para
usar uma fraseologia moderna, elas deixam a coisa correr. Abandonam toda
restrição, todas as tentativas para domínio próprio e para disciplina; não dão a
mínima para a consciência e para a opinião pública, para a tradição, para a
decência, para a moralidade, ou outra coisa qualquer. Ameaças divinas, pensar
na morte ou no juízo, deixam-nas impassíveis. Nada importa! Se tiverem que
encarar essas coisas, bem, elas se fortalecerão com álcool ou com alguma outra
coisa, e deliberadamente vestem uma fachada. Tornam-se completamente
avessos à lei, nada as pode conter ou restringir. “Tendo perdido todo o
sentimento, se entregaram à dissolução.” A linguagem do apóstolo neste ponto
nos reporta ao que ele nos diz no capítulo primeiro da Epístola aos Romanos -
“E, como eles se não importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os
entregou.. .” - Deus os abandonou. Sim, esse é o estágio final, e aqui em
Efésios temos o estágio que ocorre antes disso. Primeiro eles se entregam,
e depois, finalmente, Deus mesmo os entrega. Essa é a história de Sodoma e
Gomorra. Graças a Deus, penso que ainda não chegamos completamente a essa
situação na Inglaterra; às vezes fico em dúvida; mas acho que não chegamos
completamente a esse ponto! Mas o mundo já chegou a esse estágio muitas
vezes antes; chegou a ele no tempo do Dilúvio; chegou a ele quando Sodoma e
Gomorra foram destruídas; chegou a ele pouco antes do cativeiro babilônico;
chegou a ele por volta do ano 70 A.D.; chegou a ele em certos períodos trevosos.
Será que vai chegar a esse estágio outra vez? Estamos vendo muito deste
“entregar-se”. A Primeira Guerra Mundial não o sustou; tampouco o fez a
Segunda Guerra Mundial. Vocês poderiam pensar que elas o fizeram!
Nadaparece detê-lo-os pensamentos dos homens, a decência, Deus, a eternidade,
nada parece servir para isso, “eles se entregam”. A menos que aconteça alguma
coisa que os impeça, a menos que haja um poderoso avivamento, só uma coisa
poderá decorrer, e é que Deus desistirá deles, os abandonará e os entregará a um
sentimento perverso (Romanos 1:28).
A que é que os homens se entregam? “Dissolução!” (VA:“Lascívia!”) Significa
libertinagem, franca, irrestrita e desavergonhada luxúria! Acaso vocês não têm
observado isso desde cerca de 1940? A conduta das pessoas, até nas ruas, a
impudência, o descara-
mento disso tudo! Existem algumas coisas que, certamente, pertencem à vida
privada, coisas que nunca foram destinadas à exibição pública. Todavia, cada
vez mais se vêem essas coisas em público -lascívia, conduta desregrada e
ultrajante! “para com avidez cometerem toda a impureza”! Impureza significa
devassidão, falta de castidade, toda a imundície da vida, no sentido moral.
E tudo isso, diz ele, vem acompanhado pela avidez ou avareza, pelo espírito de
cobiça e de extorsão. Realmente significa que o ego é tudo, que nada importa
senão o ego. Tenho que obter o que eu quiser, e quanto mais eu tiver, melhor!
Portanto, quero dinheiro, porque não se pode fazer esse tipo de coisa sem
dinheiro. Tudo está centralizado no ego. Os homens gastam fortunas na
gratificação das suas cobiças, e ao mesmo tempo manifestam o seu egoísmo e a
sua avidez avara. Se resolvem dar-se a uma noite de prazeres e alguém que lhes
é muito caro cai de cama, eles não deixam que isso interfira; não permitem que
nada interrompa o prazer. Avidez! Avareza! Sempre no interesse do ego, e tudo o
que se levante entre mim e o prazer terá que ser posto de lado, terá que ser
varrido do caminho! Aí está essa dureza, manifestando-se em avidez de
avarento. O egoísmo de quem vive no pecado! Parece uma vida vigorosa e sadia,
e a bonomia parece constituir a característica mais evidente. Mas, mergulhem
fundo nisso, e verão que cada qual só se interessa por si mesmo; é tudo uma
representação teatral; eles não são nem alegres nem brilhantes e felizes; fingem
ter amor, porém não têm; o que têm é luxúria, e esta tem o seu preço. A
coisa toda é feita em função do ego, do engrandecimento do ego e
da gratificação do ego. O apóstolo está perfeitamente certo. Os homens se
entregaram à cegueira dos seus corações e à dureza da sua consciência, e
perderam todo o sentimento; entregaram-se à dissolução, para com avidez
cometerem toda a impureza.
É dessa espécie de vida, diz Paulo aos crentes efésios, que eles foram salvos e
emancipados. Não permita Deus que algum deles olhe com saudade para os que
levam aquela vida! Paulo não diz, é claro, que cada membro individual da
sociedade pagã era culpado de toda a gama de aspectos do mal, sempre e ao
mesmo tempo. Absolutamento não! Contudo, está descrevendo a vida pagã de
modo geral, vocês vêem. Apesar de vocês estarem chapinhando na beira do
oceano, não se esqueçam de que estão no oceano, e que estão chapinhando
no mesmo mar em que outros estão nadando e afundando. O ponto é que vocês
não devem nem querer chapinhar entre eles! Essa é a vida deles. “Fora dela!” diz
Paulo. Mantenham os pés enxutos e limpos, tratem de não ter nada a ver com
ela, de não ter nada a ver com as obras
Por certo, a primeira coisa que elas nos transmitem é uma sensação de alívio e
um sentimento da gratidão. Começo com isto porque penso que é a coisa da qual
devemos estar conscientes antes de tudo. Temos acompanhado a magistral
análise feita pelo apóstolo, a sua dissecção psicológica da vida do incrédulo, do
pagão, do homem que não é cristão, e vemos como tudo vai de mal a pior porque
a sua mente é má. Ele se acha num estado de trevas, o coração foi afetado, e ele
está separado de Deus. Também temos visto homens se entregarem, em
sua torpeza e lascívia, para praticarem com avidez toda sorte de iniqüidade e
impureza. Estivemos vendo e observando tudo isso. E depois, Paulo diz: “Mas
vós”! E logo dizemos: bem, graças a Deus, não estamos mais ali, essa não é a
nossa situação! E é isso, repito, que deve vir em primeiro lugar; só temos que ter
uma sensação de alívio e um sentimento de profunda gratidão a Deus por
estarmos cobertos por estemas, por Paulo estar aqui passando do pecado para a
salvação, e por termos experimentado a mudança da qual ele vai falar agora.
Saliento este ponto porque me parece que não existe melhor teste da nossa
profissão cristã do que a nossa reação a estas palavras, “Mas vós”. Se meramente
mantivermos a verdade em nossas mentes em termos teóricos, isso não nos
mudará em nada. Se examinamos a descrição do pecado meramente numa
espécie de maneira desligada, científica, ou como faria o sociólogo; se anotamos
grupos e categorias de pessoas, e o temos feito de maneira completamente
desligada, então não teremos nenhuma sensação de alívio e nenhum sentimento
de gratidão quando nos deparamos com essas palavras. No entanto,
se compreendemos que tudo isso vale a nosso respeito; se compreendemos que
estamos nas garras do pecado e sob o seu domínio; se compreendemos que ainda
temos que lutar contra ele, então, digo eu, essas palavras nos dão imediatamente
uma sensação de maravilhoso e esplêndido alívio. Esta não é toda a verdade, é
claro; há mais que dizer. Mas ao respondermos a essas palavras, em nossos
sentimentos, em nossas sensibilidades, como também com as nossas
mentes, estamos proclamando se somos cristãos de verdade ou não. Lemos essas
palavras em Paulo, e depois lemos os nossos jornais, e quando olhamos para o
que está à nossa volta, dizemos: sim, é absolutamente certo e verdadeiro, essa é a
vida neste mundo. E então, subitamente paramos e dizemos: ah, mas espere um
minuto, há mais uma coisa! -há o cristão, há a Igreja Cristã, há esta nova
humanidade que está em Cristo! Aquilo parece verdadeiro acerca de quase todos
neste mundo, porém não o é, pois “agora neste tempo ficou um resto (ou
“um remanescente”, VA, ARA), segundo a eleição da graça”! (Romanos 11:5).
Graças a Deus! No meio de toda a escuridão há um fiapo de luz. Nesse sentido, o
cristianismo é um protesto; algo aconteceu, há um oásis no deserto. Ei-lo aqui;
graças a Deus por isso! E, portanto, estou dizendo que nos testamos a nós
mesmos segundo estas linhas. Aqui estivemos viajando neste ermo, neste
deserto, e ele parece interminável. Parece não haver nada pelo que esperar.
Subitamente o vemos-“Mas vós”! Afinal de contas há uma cabeça de ponte
desde o céu neste mundo de pecado e vergonha! Mas vós! Alívio! Açao de
graças! Um sentimento de esperança, afinal!
nho do evangelho de Cristo”, diz ele, e por esta razão: “é o poder de Deus para
salvação”. E porque é o poder de Deus, oferece esperança até aos homens e
mulheres que se entregaram, que se abandonaram, para com avidez cometerem
toda a impureza.
Tenho dito muitas vezes que não há nada tão cativante quanto a pregação do
evangelho. Nunca se sabe o que vai acontecer. Tenho esta absoluta confiança em
que, se o caráter mais vil e mais tenebroso desta cidade de Londres ouvisse hoje
esta mensagem, mesmo que ele fosse o mais abandonado pobre infeliz na mais
abjeta sarjeta, vejo uma esperança para ele, por causa do evangelho, deste mas
que entra em cena, deste poder de Deus! O evangelho se introduz no meio
do desespero e da desesperança; entra olhando a vida com olhos realistas. Não
há nada, fora do evangelho, que tenha condições de poder ser realista; toda e
qualquer outra coisa tem que procurar persuadir-se como numa espécie de auto-
hipnotismo. Aqui está a única coisa que pode ver o homem como ele é, em suas
péssimas e trevosas condições, em seu estado mais desesperado, e ainda dirigir-
se a ele. Por quê? Porque o poder de Deus está nele. E este é o poder que pode
fazer os homens de novo e amoldá-los de novo à imagem do Senhor
Jesus Cristo, como o apóstolo está prestes a dizer-nos. Isso é obra do Criador.
Assim é que o evangelho entra dessa maneira, e as palavras “Mas vós” nos
fazem lembrar a coisa toda.
horrível e do lamaçal, e de seus pés terem sido firmados sobre a rocha. Ele teve
que ser puxado para fora do lodo, do poço horrível! do lamaçal! apanhado de lá,
levantado e posto sobre uma rocha, enquanto que o seu modo de agir foi
estabelecido num nível diferente (cf. Salmo 40:2, etc.). Ora, isso é cristianismo,
e só quando a Igreja volta à compreensão disso é que haverá alguma esperança
de avivamento.
uma colônia do céu”, o que vem a ser a mesma coisa. Significa que a nossa
comunidade política, por assim dizer, a nossa pátria, a nossa sede do governo,
está ali', a nossa cidadania está no céu! Ainda estamos neste mundo, mas, se
somos cristãos, não pertencemos a ele; não pertencemos à sua mentalidade, à sua
perspectiva, à sua organização; somos estrangeiros e peregrinos, somos um povo
que está longe de casa, somos pessoas que simplesmente vivem aqui com
passaporte; não somos daqui. O nosso Senhor o disse claramente por nós em
Sua grande oração sacerdotal; diz Ele: “Não são do mundo, como eu do mundo
não sou”.
Devemos ser claros sobre isso. Eu não estou dizendo que, em vista de tudo o que
estive citando, o cristão não deve tomar parte na política e em nada que se lhe
assemelhe. Não significa isso, de modo nenhum, porém significa, sim, que ele
está inteiramente separado em seu ser, em sua essência e em sua perspectiva.
Porque o cristão sabe que este continua sendo o mundo que finalmente Deus vai
redimir, ele crê que o pecado e o mal têm que ser dominados. Segundo o seu
conceito, a política e toda a cultura são negativas e simplesmente se destinam
a manter o pecado e o mal dentro de limites, e impedir que as suas manifestações
corram soltas. Mas o que o cristão faz, ele o faz na qualidade de estrangeiro,
como quem pertence a outra esfera, mas que tem piedade desta; e assim ele
dedica o seu tempo e as suas energias a um esforço para manter o mal dentro de
limites. Ele não põe a sua fé em coisas terrenais, não acha que se pode introduzir
uma nova Jerusalém mediante leis do parlamento, como tanta gente
estulta pensava no início deste século. Ele não vê utilidade no
evangelho “social”, porque este sempre falhou e só tem que falhar sempre,
pois se baseia na falácia de não compreender que o coração do homem
está endurecido e que toda a sua perspectiva está obscurecida. De todos
os ensinos, esse é o mais fátuo. Mas o cristão foi separado de todas as esperanças
que tais. Ele foi transferido do reino das trevas para o Reino do amado Filho de
Deus.
Mas estas palavras de Paulo mostram uma outra coisa acerca do cristão e do seu
caráter. Por causa da transferência ocorrido, a vida do cristão é para apresentar
um completo contraste com aquela outra vida. “Mas vós; não aprendestes assim
a Cristo.” Paulo dá ênfase à palavra assim. Não foi dessa maneira que
aprendestes a Cristo, diz o apóstolo. Não aprendestes a Cristo de modo tal que
digais: bem, sim, eu creio em Cristo, mas continuo vivendo como antes.
Impossível!-diz ele. Fora com a sugestão! De novo ele utiliza litotes, uma das
suas figuras de linguagem favoritas. “Vós não aprendestes assim a Cristo” - isso
é
negativo, não é? O que ele quer dizer é algo muito positivo. Litotes é uma figura
de linguagem muito boa para empregar-se, se se deseja dar ênfase. Deixem-me
dar-lhes outro exemplo conhecido disso. Vejam o que eu já citei, em Romanos
1:16, onde o apóstolo diz: “Não me envergonho do evangelho de Cristo”. O que
ele quer dizer é que ele está tremendamente ufanoso do evangelho, que ele tem
absoluta confiança nele, e que se gloria nele. Mas o expressa por meio de
uma negativa enfática, não me envergonho. Semelhantemente, ele diz aqui: “Vós
não aprendestes assim a Cristo”. Com o que ele quer dizer que a própria
sugestão é completamente impossível; é inimaginável; a coisa é grotesca, diz ele,
você não poderá retê-la nem por um momento, se entendeu realmente estas
coisas. O apóstolo está ressaltando que a vida do cristão é para ser inteiramente
diferente da dos “outros gentios”. Cabe-lhe sugerir e apresentar o mais
completo e extraordinário contraste com tudo o que aquele tipo de vida
mundana apresenta. A vida do cristão não é para ser algo vago e indefinido,
algo difícil de definir e difícil de reconhecer. De acordo com o ensino de Paulo, e
com o ensino da Bíblia toda, a vida do cristão tem contornos nítidos, é óbvia -
sobressai, é perfeitamente definida, e toda gente deveria ser capaz de reconhecê-
la de relance.
sobressai na sociedade porque é cristão. Não significa que ele deva ser quadrado
ou deleitar-se em ser esquisito ou mostrar-se excêntrico ou bobo, mas significa,
sim, que quando lemos arespeito do nosso Senhor que Ele “não pôde esconder-
se” (Marcos 7:24), isso é igualmente certo a respeito do cristão. Quando a pureza
aparece no meio da impureza, não há necessidade de exagerar ou de mandar um
trombeteiro na frente para anunciar a sua presença, como faziam o fariseus,
como quando faziam os seu filactérios amplos. Não! A pureza faz ela própria a
sua publicidade: o contraste se encarrega de tudo.
Pois bem, essa é a espécie de coisa que o apóstolo está calcando e inculcando
aos efésios aqui. Ele diz a eles, noutras palavras: é inimaginável que vocês
vivam como vivem os incrédulos; toda o seu viver e o seu comportamento, a sua
conduta e o seu procedimento deveriam sugerir algo maravilhoso e
estranhamente diferente. Estou salientando, vocês vêem, que não deveria ser
difícil para as pessoas saberem que somos cristãos. Contudo, eu pergunto se é
assim. Pergunto se às vezes elas não ficam surpresas quando lhes dizem
que somos cristãos. Não seria esta uma das tragédias da época em que vivemos,
que a linha de demarcação entre a Igreja e o mundo ficou tão obscura, tão mal
definida e tão incerta? Sei que, indubitavelmente, há uma reação contra um falso
puritanismo, e eu não estou aqui para defender nunhum falso puritanismo; não
permita Deus que eu o faça! Vocês notam que o denominei falso puritanismo -
mera moralidade que perdeu contato com a verdade.
Isso estava em grande evidência no fim da era vitoriana, e não permita Deus que
tenhamos de volta aquela religião mecânica! Mas estou opinando que, em nossa
reação, fomos longe demais para o outro extremo e obscurecemos algo que é
absolutamente vital no Novo Testamento, a saber, esta linha de demarcação entre
o mundo e a Igreja.
obra realizada pelo Espírito, porque ele foi criado de novo, é, necessariamente,
um homem diferente, e deve mostrar que é diferente.
Mas vou adiante. Não só o cristão sabe que é diferente; o não cristão também
sabe. De imediato o cristão e o não cristão ficam cientes de que há uma diferença
entre eles. Têm consciência de uma falta de afinidade. Quero salientar isso,
porque me parece que é um dos mais completos testes que sempre podemos
aplicar a nós mesmos. Se não estivermos cônscios da falta de afinidade com as
pessoas que ainda pertencem ao mundo, nem sequer poderemos ver que somos
cristãos. Não quer dizer que não podemos compartilhar certas coisas com
elas, que não podemos ser agradáveis, que não podemos passar horas com elas,
por assim dizer. Mas de fato significa que estamos cientes de uma diferença, de
uma barreira, de que pertencemos totalmente a diferentes domínios e a diferentes
posições. Podemos manter relações sociais com não cristãos, porém o tempo
todo estamos cônscios dessa differença, não nos sentimos bem naquela
atmosfera. Pode ser que, por várias razões, tenhamos que estar com eles
ocasionalmente, mas estamos cientes de que não pertencemos ao mundo deles. E
eles também estão igualmente cientes do fato de que não pertencemos ao seu
mundo. E é isso que é tão importante, que até o não cristão, o homem do mundo,
espera que o cristão seja diferente.
Uma das maiores falácias que com respeito a isso encontrei foi uma que ocorreu
durante a Primeira Guerra Mundial. Menciono o fato sem mencionar o homem
que foi o maior responsável por ele; o indivíduo como tal não importa, pois não
estamos interessados em personalidades, e sim em princípios. O que houve foi
uma certa maneira de ver propagada por aquele homem particular, que
argumentava deste modo: “Tomemos aqueles homens nas trincheiras da Primeira
Guerra Mundial; agora”, dizia ele, “se havemos de influenciar aqueles homens
em seu retomo à vida civil, temos de mostrar-lhes que realmente lhes
pertencemos; assim o modo de fazer isso, o modo de conquistar homens para
Cristo, é sentar-nos e fumar com eles, e usar a sua linguagem. Se eles
amaldiçoam e praguejam, vamos amaldiçoar e praguejar também; estaremos
fazendo isso com um bom objetivo, com boa intenção; nós nos
confraternizaremos com eles, mostraremos a eles que, afinal de contas, todos
somos do mesmo ramo, que nos pertencemos uns aos outros; e depois, se tão-
somente fizermos isso com eles, eles virão aos magotes às nossas igrejas para
ouvir”. Mas, vocês sabem, eles não vieram! E graças a Deus que não! O
homem do mundo, homem que ainda é pecador, espera que o cristão
seja diferente, e não respeita muito o tipo de cristão que não é diferente!
Todavia, quais são as coisas que nos diferenciam desse modo? Permitam-me dar-
lhes a resposta de João Bunyan à minha pergunta. Estou dizendo que o cristão,
por ser cristão, é completamente diferente do homem do mundo e que ele e o
homem do mundo têm consciência disso. Deixemos João Bunyan dizê-lo em sua
obra O Peregrino (“Pilgrim’s Progress”).
“Depois eu vi em meu sonho que quando saíram do deserto, logo viram uma
cidade diante deles, e o nome daquela cidade é Vaidade”; (Paulo fala dos homens
andando na vaidade das suas mentes!) - “e na cidade se realiza uma feira,
chamada Feira da Vaidade; é mantida durante o ano inteiro; leva o nome de
Feira da Vaidade porque a cidade onde ela se realiza é mais leviana que a
vaidade; e também porque tudo o que ali se vende, ou que para ali vem, é
vaidade; como diz o ditado do sábio “Tudo o que vem é vaidade”.
“E, como noutras feiras menos momentosas, há diversas alas eruas, com seus
nomes apropriados, onde se apregoam tais e tais artigos; assim, ali você tem
igualmente os lugares, alas, ruas apropriados (viz. países e reinos), onde num
instante se pode encontrar os artigos dessa feira. Ali estão a Ala Inglesa, a Ala
Francesa, a Ala Italiana, a Ala Espanhola, a Ala Alemã, onde várias espécies de
vaidade estão para ser vendidas. No entanto, como noutras feiras uma certa
mercadoria é a principal da feira, assim os artigos de Roma e o seu comércio
têm grande promoção nesta feira; somente a nossa nação inglesa, com algumas
outras, tomaram aversão por isso.” (Isso foi, lembrem-se, há trezentos anos!)
“Agora, como eu disse, o caminho para a Cidade Celestial passa justamente por
esta cidade em que se mantém a feira; e quem quisesse ir para a Cidade Celestial
sem passar pela feira, teria que sair do mundo. O próprio Príncipe dos príncipes,
quando esteve aqui, passou por essa cidade para ir para o Seu País, e isso num
dia de feira também. Sim, e como penso, foi Belzebu, o maior senhor dessa feira,
que o convidou a comprar das suas vaidades; sim, teria feito dele o Senhor da
feira, se tão-somente o tivesse reverenciado quando passou pela cidade; sim,
porque ele era Pessoa de tão alta Honra, Belzebu o levara de rua em rua, e lhe
mostrara todos os reinos do mundo num breve momento, para que, se possível,
engodasse aquele Ser bendito, levan-do-0 a regatear e comprar alguma das suas
vaidades; mas ele não tinha em mente negociar e, portanto, saiu da cidade,
gastando menos que um tostão com aquelas vaidades. Essa feira é, pois, antiga,
de longa duração, e é uma feira muito grande.
“Ora, estes peregrinos, como eu disse, têm que passar por essa feira. Bem, foi o
que fizeram; porém, eis que mal entraram na feira, todos os que estavam lá se
agitaram, e a própria cidade ficou, por assim dizer, em alvoroço, e isso por várias
razões; pois -
“Terceiro, Mas o que não divertiu nem um pouco os negociantes foi que aqueles
peregrinos pouco se demoravam diante das suas mercadorias; limitavam-se a
olhar para elas; e se eram convidados a comprar, punham os dedos nos ouvidos e
gritavam: “Desvia os meus olhos de contemplarem a vaidade” (Salmo 119:37); e
olhavam para cima, querendo dizer com isso que o seu comércio e os seus
negócios estavam no céu”.
Notem as três razões de Bunyan. Eu acredito que elas são tão verdadeiras e
válidas hoje como sempre foram! Mesmo na questão de trajes e aparência, o
cristão é cuidadoso. Ele não se deixa governar pela Feira da Vaidade, com todas
as suas atrações sensuais, todas as suas incitações para o mal e toda a excitação
das paixões. O cristão é cuidadoso e modesto no vestir. E igualmente no falar:
não somente nas coisas de que fala, porém também na maneira como fala delas.
E terceiro, o cristão não se interessa pelas vaidades e bugigangas que continuam
sendo vendidas na Feira da Vaidade. Ele se interessa pela mercadoria do céu. O
seu tesouro e o seu coração estão no céu. “Mas vós não aprendestes assim a
Cristo!” Graças a Deus pelo evangelho da salvação, que nos livra das incitações
da Feira da Vaidade!
O CONHECIMENTO DA VERDADE
“Mas vós não aprendestes assim a Cristo, se é que o tendes ouvido, e nele fostes
ensinados, como está a verdade em Jesus. ”
- Efésios 4:20-21
O apóstolo Paulo nos estivera recordando que para tornar-se cristão significa que
experimentar a mais profunda operação que ocorre em todo o universo. Ser
cristão significa que nascemos de novo, nascemos do Espírito, nascemos de
cima; que somos participantes da natureza divina; que somos uma nova criação.
Essa é essencialmente a definição que o Novo Testamento dá do que o cristão é
realmente. Mas o que é que fez acontecer isso, o que é que explica esse
tremendo contraste, essa mudança essencial? Nos versículos 20 e 21 do
nosso capítulo o próprio apóstolo responde a pergunta. Primeiramente,
no versículo vinte ele o coloca, por assim dizer, como um todo, com as palavras
“aprendestes... a Cristo” - “Mas vós não aprendestes assim a Cristo.” E depois,
no versículo vinte e um, ele analisa aquela expressão e a coloca em detalhe, para
que não haja dúvida ou questão alguma acerca do seu significado. E uma espécie
de parêntese. “Mas vós não aprendestes assim a Cristo ” - travessão - “supondo
que o ouvistes, e que fostes ensinados por ele, como a verdade está em Jesus.”
Pois bem, este versículo 21, repito, é realmente uma exposição do versículo 20.
O apóstolo gosta de adotar este método particular; ele expõe a matéria como um
todo, depois a divide para nós, a fim de podermos ver bem claro em nossas
mentes o que ele está dizendo. Sigamo-lo agora e examinemos as expressões
propriamente ditas que ele emprega.
Em primeiro lugar, o apóstolo diz aos cristãos efésios que eles tinham aprendido
a Cristo. Que é que ele quer dizer com isso? Ambos os termos são importantes.
Este aprender a Cristo é sempre a chave da vida cristã. Noutras palavras, o
cristianismo não é uma vaga, indefinida e nebulosa espécie de sentimento ou de
experiência; é manifestamente algo que se pode definir e descrever; é
primordialmente matéria de conhecimento. Eisso, obviamente, que
transparece aqui. Paulo diz aos crentes: vocês não estão mais lá, no mundo de
pecado; estão aqui, no reino de Deus. Entretanto, por quê? Por causa daquela
maravilhosa experiência que você teve? Não é isso que ele diz! Ele diz que é
porque você aprendeu a Cristo. O cristianismo é primária e essencialmente
matéria de conhecimento; é o conhecimento ao qual aquelas pessoas tinham
chegado. Ele se vê forçado a expressar-se assim, num sentido, porque, como já
vimos, o real problema com os incrédulos é que as suas mentes estão
obscurecidas. Vocês recordam como Paulo ficou dando ênfase a esse fato .
O problema essêncial deles estava nas suas mentes, no seu entendimento.
Obviamente, pois, o cristão é alguém que, em primeiro lugar, recebeu algo na
esfera do entendimento .Aprendestes a Cristo! Este é um ponto tremendamente
importante, porque estamos vivendo numa época que não gosta desta ênfase.
Toda a dificuldade atual, na Igreja e no mundo, é que a este elemento não é dada
a prioridade devida, e as pessoas estão dizendo: ah, bom, contanto que a pessoa
ame a Cristo e ame a Deus... Sempre a colocação é feita em termos de
sentimento, ao passo que no Novo Testamento a ênfase toda é sempre ao
conhecimento; ao aprender e ao entender.
Portanto, devemos considerar o que Paulo quer dizer com esta expressão, “vós
não aprendestes assim a Cristo”. Anteriormente, o entendimento dos efésios
estava obscurecido; eles estavam separados da vida de Deus por causa da
ignorância que havia neles; e ligada a isso, havia a dureza dos seus corações.
Mas agora, diz o apóstolo a eles, tudo aquilo foi superado e vocês têm
conhecimento do Senhor Jesus Cristo. Com freqüência ele usa precisamente essa
frase; por exemplo, no capítulo dois da sua Primeira Epístola a Timóteo, ele
escreve o seguinte: “Deus quer que todos os homens se salvem, e venham
ao conhecimento da verdade”. “Vir ao conhecimento da verdade” é como ele
define o ser salvo. Portanto, o cristão é, por definição, alguém cujos olhos foram
abertos, enquanto que o incrédulo continua cego, pela ação do deus deste
mundo. Então, que é que ele pode ver agora? Primeiro e acima de tudo, ele vem
a estar ciente do seu próprio estado e condição. E essa é, obviamente, a primeira
coisa que tem que acontecer com qualquer homem que se torna cristão. Até
então ele esteve levando uma vida mundana, seguindo a multidão, fazendo o que
toda gente faz, tentando persuadir-se de que a vida é maravilhosa. Ele pode ter
lido a Bíblia ocasionalmente, ou pode ter ficado doente e outros podem ter-lhe
falado sobre coisas cristãs; porém elas não significam nada para ele, elas o
irritam e o aborrecem, e ele não vê nada nelas. Ora, a primeira coisa que
acontece com alguém assim é que ele começa a examinar a situação, os seus
olhos se abrem e ele começa a enxergar o seu estado e as suas condições, e as
condições do mundo e
Logo depois ele começa a pensar em sua relação com Deus. Ele se dá conta de
algo acerca do ser, da natureza e do caráter de Deus! Ele enxerga também a sua
condição de completa desesperança e desamparo. E a seguir ele começa a ver o
significado do evangelho; está aprendendo a Cristo. Começa a ver que Cristo é o
Messias, o Libertador, Aquele que veio ao mundo com o fim de lidar com
pessoas na Feira da Vaidade e tirá-las da vaidade das suas mentes na
qual andavam, e colocá-las no Seu reino e introduzi-las neste outro domínio.
Aprender a Cristo significa tudo isso.
Ou ainda podemos expressá-lo assim: o apóstolo Pedro, no capítulo três da sua
Primeira Epístola, tem uma frase similar; diz ele: “estai sempre preparados para
responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança
que há em vós” (versículo 15). Mas o único homem que pode dar a razão da
esperança que nele há é o que entende por que ele tem essa esperança. Não se dá
a razão disso dizendo meramente: você sabe, eu era muito infeliz, porém agora
sou feliz. Isso não explica nada, porque alguém poderá dizer-lhe: “Ah bom,
claro, você diz isso, e diz que é porque você é cristão, mas ontem eu estava
conversando com um cientista cristão que nega grande parte do que você crê, e
ele disse a mesma coisa; e um pouco adiante encontrei outro que não era nem
uma coisa nem outra, que não tinha nenhuma dessas crenças - era na verdade
alguém que tinha algo de psicólogo -e ele disse que tinha encontrado essa
libertação maravilhosa por meio daquilo que ele denominou pensamento
positivol” Você não dá a razão da esperança que há em você dizendo apenas que
se
sente melhor do que antes. Absolutamente não! Antes de você poder dar a razão
você terá que ser capaz de dar explicações, terá que ter entendimento; e isso
significa conhecimento, significa que você só pôde ter aprendido algo. E é por
isso que o apóstolo diz aos cristãos: “Vós... aprendestes assim a Cristo”. Não é
nada menos do que este maravilhoso conhecimento de Cristo e concernente a
Ele. Ora, é isso que nos torna cristãos, afinal. Se não conhecemos o que cremos,
como podemos ser cristãos de acordo com a definição, “Vós não
aprendestes assim a Cristo”? Esta, diz o apóstolo a estes efésios, é a
coisa estupenda que aconteceu com vocês, que, enquanto que outrora
vocês estavam em densas trevas, com corações obstinados, endurecidos, quando
nada da verdade divina conseguia tocar vocês ou penetrar, agora a situação toda
mudou inteiramente; vocês receberam o conhecimento e o aprendizado, e os seus
corações foram abrandados; vocês agora têm corações de carne que podem sentir
e ser mudados.
Então, como foi que isso tudo aconteceu? Há somente uma explicação - que isso
é obra do Espírito Santo. Nada mais, ninguém mais pode fazer isso, senão o
Espírito Santo. É a Sua obra especial, é a Sua obra peculiar. Ele é o único que
pode remover o véu do coração. A perferita exposição disto está, naturalmente,
em 1 Coríntios, capítulo 2, onde o apóstolo explica que os príncipes deste mundo
não conhecem o propósito de Deus no Senhor Jesus Cristo, pois, diz ele, se O
conhecessem, “não teriam crucificado ao Senhor da glória... Mas Deus no-las
revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as
profundezas de Deus”. “Mas nós não recebemos”, diz ele no versículo doze do
mesmo capítulo, “o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para
que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus.” Esta obra
é, necessariamente, a obra realizada pelo Espírito Santo. Tudo o que o apóstolo
estivera dizendo sobre a vida pecaminosa, má e ímpia faz disso uma necessidade
absoluta. Ninguém senão o Espírito Santo, pode iluminar as trevas, abrandar o
coração e capacitar a verdade a penetrar, segurar e dominar um homem ou uma
mulher.
O apóstolo João faz duas declarações maravilhosas sobre isso no capítulo dois da
sua Primeira Epístola. Diz ele: “Mas vós tendes a unção que vem do Santo, e
conheceis todas as coisas” (VA). Aí está o velho apóstolo no fim da vida
escrevendo a cristãos novos. Estes eram pessoas muito comuns, na maioria
provavelmente escravos, e ele vai morrer e vai deixá-los, porém ele sabe que há
muitos anticristos, falsos mestres, cercando-os e propagando as suas doutrinas
perniciosas. Como ele os conforta? Bem, diz ele, este é o único conforto:
“Vós tendes a unção que vem do Santo, e conheceis todas as coisas”. Mais
adiante ele diz: “E a unção que vós recebestes dele, fica em vós, e não tendes
necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas
as coisas, e é verdadeira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim nele
permaneceis”.
Esta verdade é a coisa mais gloriosa que podemos compreender juntos. Não é
primariamente a capacidade natural do homem que importa. Não é preciso
menosprezar isso, todavia tornar-se cristão não depende da capacidade natural e
do entendimento natural da pessoa. Graças a Deus por isso! Se fosse questão de
aceitar ou entender um ensino filosófico, que salvação desigual seria! As pessoas
mais dotadas de cérebro e entendimento, com lazer para a leitura e com preparo
acadêmico, estariam numa posição inteiramente vantajosa, e haveria bem pouca
esperança para a ocupada dona de casa ou para o homem destituído de
capacidade natural e que nunca recebeu nenhum ensino, nem instrução ou
educação. Graças a Deus, não é esse o método usado por Ele para salvar
pessoas! Seria completamente parcial e injusto, não seria um modo equitativo de
tratar da situação. No entanto, o método de Deus é muito diferente. Nenhum
homem, seja qual for o seu entendimento, pode realmente aceitar, crer e
captar esta verdade por si mesmo. Por outro lado, o Espírito Santo de Deus pode
dar entendimento a qualquer pessoa! Não importa quão ignorante e iletrada a
pessoa seja. Ele pode dar-lhe este discernimento, este ungir, esta unção, que abre
o entendimente e a mente. A história da Igreja está cheia desse tipo de coisa. Ela
mostra como alguns dos mais simples, mais iletrados tiveram um conhecimento
da verdade que faltou a alguns dos cérebros mais grandiosos. Não somente isso,
por vezes deu-se o caso de que uma pessoa simples, iletrada, pôde levar
um grande cérebro ao conhecimento da verdade, graças à unção do Espírito!
É isso, pois, que se quer dizer com aprendera Cristo, e chegar a este
maravilhoso e bendito conhecimento. É o que explica a mudança desses cristãos
efésios da posição antiga para a nova. E é uma coisa que se vê através de todas
as Escrituras. Vejam o caso de Lídia, a primeira pessoa, em certo sentido, a ser
convertida no continente europeu. Vocês se lembram do que nos é dito sobre ela
em Atos 16:14. Paulo se juntara a uma reunião de oração de mulheres em Filipos
numa tarde de sábado. Ele se assentara e lhes pregara, anunciando-lhes a palavra
do Senhor; e então se nos fala desta mulher, Lídia, vendedora de púrpura oriunda
da cidade de Tiatira, e que “o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse
atenta ao que Paulo dizia”. - Estivesse atentai Se o Senhor não lhe abrisse o
coração, ela não estaria atenta. Muitos ouvem a Palavra, porém não ficam
atentos a ela; isso nada
significa; ela salta por cima deles por causa da dureza dos seus corações. Mas
sobre Lídia lemos: “o Senhor lhe abriu o coração”; foi o abrandamento, a
preparação; e, uma vez aberto o coração, ela esteve atenta às coisas que Paulo
dizia, e assim ela foi salva e se tornou cristã. É sempre a obra do Espírito Santo.
Mas vamos fazer a seguinte colocação: o que aquelas pessoas aprenderam não
foi única e meramente que os seus pecados foram perdoados. Esse é um
conhecimento maravilhoso, não é? Por outro lado, se o evangelho apenas
informasse os homens de que os seus pecados foram perdoados na morte de
Cristo, não os libertaria das coisas horríveis que tinham mantido cativos aqueles
efésios. Eles provavelmente diraim: então, não importa quanto pequemos,
tudo será perdoado - o amor de Cristo é tão grande e maravilhoso! - mesmo que
continuemos a pecar, tudo será apagado. Não existe nada mais enganoso que o
ensino que afirma que o evangelho não é mais do que um anúncio do perdão dos
pecados. Graças a Deus, é um anúncio do perdão dos pecados! - mas não é
somente isso! Essa é toda a argumentação do apóstolo aqui. “Não aprendestes
assim a Cristo”, não como se dissesse: “E isso, o evangelho é uma espécie de
apólice de seguro, posso fazer o que quiser, estou protegido”. Não, diz
o apóstolo, “Vós não aprendestes assim a Cristo”.
Devo acrescentar ainda outra negativa, e com igual ênfase. A aprendizagem dada
aos crentes não é meramente sobre doutrina e teologia, de modo puramente
intelectual e teórico. Tal aprendizagem de nada vale; de fato, pode ser uma
maldição para nós. Lembro-me de um homem que, estando sob a influência da
bebida, discutiu comigo a doutrina da expiação. A teologia era o seu grande
interesse, a paixão da sua vida; ele era um grande estudante da Bíblia. Mas isso
não fez dele um cristão. Não é isso que se quer dizer com “aprendestes
a Cristo” \ Não me entendam mal neste ponto. Este conhecimento, esta instrução
na doutrina e na teologia, não é somente importante, é essencial. Homem
nenhum pode ser cristão sem doutrina; doutro modo, não sabe o que crê; porém
você pode tê-la em sua mente, pode tê-la em teoria, mas, como tal, ela não terá
nenhum valor para você; ela está fora de você, não lhe tocou, não se apossou da
sua vida, não o mudou, não o tornou mais e mais amoldável ao modelo e
exemplo do Senhor Jesus Cristo. Portanto, não diz o apóstolo que os
cristãos efésios tinham aprendido apenas a teoria e a doutrina; não
tinham chegado apenas a um conhecimento acadêmico destas grandes verdades
intelectuais.
Mas Paulo subdivide a matéria. E aqui ele a introduz, como já assinalei, com a
curiosa expressão, “se é que”. Devemos ter claro entendimento do sentido aqui.
Ele não quer dizer que não tem certeza sober eles e sobre o conhecimento deles.
Ele já dissera no capítulo primeiro que eles o tinham. Com “se é que” ele quer
dizer,presumindo que. Ele está dizendo: “Na pressuposição de que vocês
realmente O ouviram e foram ensinados por Ele, como está a verdade em
Jesus”. Contudo, ele quer deixar isso bem claro, pelo que o divide para nós.
A primeira coisa é que temos esse conhecimento da verdade como está em Jesus.
O apóstolo introduz aqui uma mudança muito interessante. Primeiramente ele
diz: “Vós não aprendestes assim a Cristo”; agora ele fala sobre “a verdade como
está em Jesus”. Por que não Cristo de novo? Por que Jesus! Por que diz ele
Cristo no versículo 20, e Jesus no versículo 21? Há nessa diferença uma verdade
muito profunda que ignoramos ou negligenciamos, com grande risco para nós.
Ela ilustra o que eu diria que é uma particularidade do evangelho. Paulo está
realmente dizendo que não devemos pensar na salvação em termos frouxos,
vagos; não devemos falar de um grande Cristo cósmico, que exerce influência
sobre os homens deste mundo; não devemos apegar-nos à salvação meramente
como uma idéia e como
Aqui está um perigo muito real e muito grande. Uma coisa é apegar-se à noção
de perdão, à noção de renovação, à noção de uma vida divina. Você pode apegar-
se a tudo isso sem o Senhor Jesus Cristo! Mas o apóstolo não vai deixar-nos
fazer isso. Diz ele: este conhecimento de Cristo é a verdade como está em Jesus.
Noutras palavras, você está ligado ao Novo Testamento, você está ligado
aos quatro Evangelhos. E por isso que eles foram dados. Houve pregação cristã e
pessoas que se tornaram cristãs antes que tivéssemos os quatro Evangelhos e
antes que o restante do Novo Testamento fosse escrito e entrasse em circulação;
então, por que foram escritos? A resposta é que o diabo entrou imediatamente
em ação e tentou transformar estes grandes fatos em meras idéias e em meras
teorias, e com isso o significado deles foi esvaziado. Por isso o apóstolo diz que
o conhecimento de Cristo é a verdade que está em JESUS, “como está em
JESUS”. E desse modo somos postos face a face com esta verdade sumamente
profunda acerca do cristianismo, que é a fé que diz respeito à história. E dessa
forma ele difere das religiões do mundo.
O apóstolo quer dizer várias coisas, quando usa esta expressão. Num sentido, a
mais importante delas é que a verdade estásomente em Jesus, e em nenhum outro
lugar. Ao usar estas palavras, Paulo está somente repetindo um tema favorito
dele. Por exemplo, escrevendo aos colossenses ele diz: “Quero que saibais quão
grande combate tenho por vós, e pelos que estão em Laodicéia, e por quantos
não viram
o meu rosto em carne; para que os seus corações sejam consolados, e estejam
unidos em amor, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento
do mistério de Deus, Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da
sabedoria e da ciência” (2:1-3). É em Cristo Jesus que estão escondidos todos os
tesouros da sabedoria e do conhecimento. Toda a verdade está em Jesus, e não há
verdade que não esteja ligada a Ele, pois todas as coisas estão nEle e unicamente
Ele é a verdade.
É isso que faz de um homem um cristão; é isso que liberta o homem e muda
completamente a sua condição, e o tira do mundo e da sua vaidade mental,
coloca-o na Igreja Cristã e faz dele um filho de Deus e herdeiro da glória e da
bem-aventurança eterna.
Você, amigo, aprendeu a Cristo? Você sabe em quem você tem crido? Você O
conhece? E, em acréscimo, você sabeoque crê? Você pode dar a razão da
esperança que há em você? O homem que aprendeu a Cristo pode fazê-lo; ele O
conhece e conhece a verdade como está em Jesus.
1
VA: “alguns de vós”. Grego: “alguns fostes” (implícita a expressão “de vós”). Nota do tradutor.
OUVINDO A CRISTO E APRENDENDO A CRISTO
“Mas vós não aprendestes assim a Cristo, se é que o tendes ouvido, e nelefostes
ensinados, como está a verdade em Jesus. ”
- Efésios 4:20-21
Voltamos uma vez mais a estas notáveis e dramáticas palavras endereçadas pelo
apóstolo aos efésios que outrora tinham sido pagãos mas que agora tinham se
tornado cristãos. O ensino de Paulo é que o evangelho prega a santidade; prega o
viver cristão contrariamente ao viver pagão e pecaminoso que ainda caracteriza a
vida do mundo. Se vocês O ouviram, diz ele, se vocês foram ensinados por Ele,
como a verdade está em Jesus, vocês simplesmente não podem continuar
no pecado. Obviamente, pois, da mesma maneira como é errado
e completamente antibíblico, não há nada que seja mais ridículo do que dizer que
você pode ser justificado sem ser santificado, que pode receber uma dessas
bênçãos sem a outra, que você simplesmente crê em Cristo e está salvo e então,
mais tarde, vai a certas reuniões para poder aprender algo sobre a santidade e a
santificação. Isso está patentemente errado. Se você tem algum conhecimento
dEle, isso terá que levá-lo à santidade. É por isso que, pessoalmente, eu
nunca pude entender como se pode ter Movimentos pró-
evangelização, Movimentos pró-santidade, Movimentos acerca da Segunda
Vinda, Movimentos sobre a temperança, e várias outras coisas. E um erro total e
uma falsa divisão das Escrituras, é pura manifestação de pensamento confuso.
Tudo no evangelho leva à santidade. De modo que, em nenhum estágio da vida
cristã podemos dizer: ah, sim, ainda não ficamos interessados em santidade; isso
virá depois - como se estas coisas fossem departamentos especiais com ligação
apenas muito branda entre elas. Paulo afirma que, se “aprendemos assim a
Cristo”, não temos a menor possibilidade de continuar vivendo como
antes vivíamos. Sigamo-lo, então, no desenvolvimento disto.
O que é de grande valor, afirma Paulo, é este conhecimento da verdade que está
em Jesus. Como vimos, isto significa, primeiramente, conhecimento da pessoa
histórica de Jesus de Nazaré, e que é
preciso que a nossa fé esteja solidamente baseada nEle. Não devemos ter vagas e
filosóficas idéias da salvação; estas devem decorrer todas de Jesus, desta Pessoa
que tem a ver com a história. O velho Credo está perfeitamente correto: “nasceu
da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e
sepultado”. Apeguemo-nos à história! Uma vez que tenhamos perdido a história,
perdemos tudo. Por isso a tendência moderna da teologia do continente europeu
é tão perigosa (está vindo para o nosso país, e de fato já chegou). Diz ela que os
fatos não importam; apegamo-nos à mensagem, à verdade. Esta pretensamente
nova abordagem da Bíblia diz-nos que podemos apegar-nos à Alta Crítica e
rejeitar todos os milagres e todos os fatos que não se ajustam à ciência moderna,
e ainda continuar apegados à “verdade que está em Jesus”. Isso, certamente, é do
diabo, porque esta verdade está toda em Jesus, esta pessoa histórica, e nEle
somente.
Ao mesmo tempo, porém, devemos estar bem certos de que aceitamos a verdade
acerca de Jesus como é. Não somente é certo dizer que toda a verdade está nEle;
temos que aceitar toda a verdade como ela está nEle. Quero dizer com isso
exatamente a mesma coisa que João menciona com freqüência em sua Primeira
Epístola. Nos primeiros dias da Igreja, antes mesmo do término da formação
do cânon do Novo Testamento, houve falsos ensinos sobre o Senhor
Jesus Cristo. João fala dos anticristos que já se insinuavam e, em oposição a eles,
desenvolve este tema - a verdade como está em Jesus. Toda a Primeira Epístola
de João não é nada senão uma exposição dessa frase. É o oposto de tudo quanto
é falso. João desmascara esses mentirosos, que estão ensinando em nome de
Jesus, porém que de fato estão negando a verdade. Quem é que nasceu de Deus?
- pergunta ele. E a resposta é esta: é aquele que crê que Jesus Cristo veio em
carne! Ele escreve desta maneira porque os anticristos, esses falsos
mestres, estavam dizendo que Cristo não tinha vindo realmente em
carne. Diziam que Ele tinha tomado um corpo tipo fantasma, que não era
um corpo real de carne e sangue. Eles não acreditavam na Encarnação,
E isso que se dá o nome de Falso Dualismo. Foi, num sentido, a primeira heresia
da era cristã - uma espécie de gnosticismo. Teve diversos nomes, geralmente
gnosticismo ou docetismo, todavia os termos exatos não importam. O ponto é
que aqueles homens que se professavam cristãos estavam negando o evangelho,
dizendo que Jesus não tinha vindo realmente em carne. Por isso, quando lemos
a Primeira Epístola de João, vemos que ele fala repetidamente da carne, da água
e do sangue, da realidade dessas coisas em contraposição àqueles falsos mestres.
Precisamos certificar-nos, pois, de que realmente cremos na verdade acerca do
Senhor Jesus Cristo como exposta na Bíblia, e não nesse falso ensino místico.
Que é a verdade que está em Jesus? Pensem nela como uma revelação de Deus.
“Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai,
esse o fez conhecer.” Nós nos lembramos de que o nosso Senhor disse: “Quem
me vê a mim vê o Pai”! No entanto, que foi que Ele ensinou acerca do Pai? Ele
tinha vindo para fazê-10 conhecido, para O revelar, para O expor. Ele
disse também que tinha vindo “para dar testemunho da verdade”. E esta
é, primordialmente, a verdade a respeito de Deus! Em que consiste? E a verdade
que todos nós aprendemos - de qualquer forma a maioria de nós, tenho certeza -
quando éramos pequeninos, e não entendíamos o que estávamos dizendo, mas
tudo se achava na Oração do Senhor: “Pai nosso, que estás no céu” (VA). É o
que você ensina a uma criança, não
Que mais? O Senhor continua, dizendo: “Venha o teu reino, seja feita a tua
vontade, assim na terra como no céu”. A evangelização é necessária porque a
vontade de Deus não é feita. Não devo demorar-me nisso. Mas ouçam o próprio
Cristo orar ao Pai; e é isto que vocês ouvirão: “Pai Santo”! “Pai Santo”! (João
17:11). Ele era o Filho unigênito; Ele tinha vindo do seio eterno; todavia, é assim
que Ele Se dirige a Ele - “Pai Santo”. A Cristo, então, é confiada a revelação
de Deus.
Pois bem, que é que Ele diz acerca de Si mesmo? Que nos é dito a respeito dEle?
Antes do Seu nascimento no mundo foi dito a Maria, na anunciação, que “o
Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus”! O Nascimento
Virginal declara a Sua impecabilidade. Ele não nasceu das núpcias naturais, não
nasceu como todos os demais nascem. Foi dito a Maria: “Descerá sobre ti o
Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra”. Houve
necessidade de um processo purificador. Ele não teve natureza pecaminosa.
A natureza humana foi purificada para Ele, era perfeita. O Seu
próprio nascimento é santo. Portanto, você não pode mencionar o Seu nome sem
perceber logo que você está sendo dirigido para a santidade e para um novo tipo
de vida. “O Santo, que de ti há de nascer ...”
E depois, acompanhem a vida do nosso Senhor; notem como era separada, como
era incomum; assim é que Ele pode dizer no fim: “Quem me convence de
pecado?” (VA: “Quem me acusa de pecado?”). Diz Ele ainda: “... se aproxima o
príncipe deste mundo, enada tem em mim”. Ninguém pôde achar nada contra
Ele. Como o autor da Epístola aos Hebreus o coloca, Ele era “santo, inocente,
imaculado, separado dos pecadores” (7:26). Vocês não poderão pregar
Jesus Cristo sem pregar santidade; é inconcebível! E se vocês tentarem fazer
Ah, diz muito homem moderno, não estou interessado nessas Epístolas, sou
pelos Evangelhos, sou crente no evangelho simples. Bem, aí está o evangelho!
Aí estão os seus Evangelhos simples, carregados do começo ao fim da
importância do coração e sua pureza e limpeza, porque Deus é Deus, e Deus é
Luz, e nEle não há trevas nenhumas. E depois lemos como uma pobre mulher,
pecadora notória, aproxima-se dEle. Lava os Seus pés com as suas lágrimas,
e Ele, bondoso e compassivo, diz a um fariseu a respeito dela: “Os seus muitos
pecados lhe são perdoados”. Para outra mulher, igualmente pecadora, diz Ele:
“Vai-te, e não peques mais”\ Ele não Se limita a dizer: “São-te perdoados os teus
pecados”, mas acrescenta,, “vai-te, e não peques mais”. Ainda a outra pessoa,
por Ele curada, Ele disse: fiz isso por você, “não peques mais, para que não te
suceda alguma coisa pior”. E foi sempre assim. Ele não veio apenas para dar às
Vejamos agora a morte do nosso Senhor. Por que diz Ele que tem que ir para
Jerusalém? Por que manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém? Ele sabia o
que ia acontecer; Ele fala daquela “raposa, Herodes”. Ele sabia tudo sobre a
conspiração e as maquinações dos Seus inimigos, e, contudo, vai; Ele
“manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém”. Por quê? Porque Ele tinha
vindo para dar Sua vida em resgate por muitos. Sua morte é essencial para a
nossa salvação. E essencial por causa da gravidade maligna do pecado e da
santidade de Deus. Nenhuma outra razão. Assim, se vocês pregam a morte
de Cristo, como poderão pregá-la sem pregar a santidade? A verdade que está em
Jesus é uma condenação da vida de pecado; ela mostra a enormidade do pecado.
Não há nada que pregue com igual força a santidade como a cruz do alto do
Calvário. E porque Deus é santo, justo e reto, que a cruz teve que acontecer. Ela
envolveria uma contradição no Ser e na natureza de Deus, se Ele tivesse que
perdoar o pecado sem puni-lo. Portanto, não se pode pregar a cruz sem pregar a
santidade, a retidão e a justiça de Deus; a cruz é a suprema manifestação destas.
E qual é o propósito e o objetivo da Sua morte? Escrevendo a Tito, o apóstolo
Paulo o expressa com muita clareza: “O qual se deu a si mesmo por nós para nos
remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de
boas obras”. Essa é toda a mensagem da cruz. E se alguma vez pregarmos a cruz
sem darmos ênfase ao fato de que o seu propósito é tornar-nos santos -
“Ele morreu para que fôssemos perdoados, Ele morreu para fazer-nos bons” -
não estaremos pregando o evangelho completo.
Não admira, pois, que o apóstolo se expresse com as palavras, “Mas vós não
aprendestes assim a Cristo”, querendo dizer, como vimos, que o crente é retirado
de uma vida de pecado, e habilitado a ter vida santa. Alguém discutirá isso? Eu
simplesmente tomei algumas das grandes e óbvias coisas, a fim de mostrar como
é inevitável a mudança radical. Contudo vou expressar isso como um desafio.
Desafio qualquer pessoa a dar-me um único pormenor acerca da vida do Senhor
Jesus Cristo - Sua vinda, Sua vida, Seus feitos, Seu ensino, Sua morte,
Sua ressurreição, e o Seu ato de enviar o Espírito - que inevitavelmente e, por
assim dizer, automaticamente, não dirija a atenção para a santidade e para a vida
própria do reino de Deus. Não há nada que seja tão pecaminoso e que negue
tanto o evangelho como fazer separação entre a salvação e uma vida de
santidade. De todas as divisões, a mais terrível é a que fazemos quando
separamos o que cremos do que somos, e explicamos e desculpamos o que
estamos fazendo com aquilo em que alegamos crer. É impossível, não se pode
fazer. “Não aprendestes assim a Cristo”; nenhuma pessoa que tenha
aprendido assim a Cristo pode fazê-lo. Portanto, diz o apóstolo, se alguém
está levando uma vida pecaminosa, uma vida mundana, a pergunta que se lhe
deve fazer é: você aprendeu a Cristo, você O ouviu?
Ouvir a Cristo, conhecer a verdade como está em Jesus, depende de duas coisas.
Estas são muito simples e muito práticas; ao mesmo tempo, são muito profundas.
A primeira é ouvir a Cristo, “...seéque o tendes ouvido”. Que é que Paulo quer
dizer? Obviamente, ele não quer dizer, “Se vocês, efésios, realmente ouviram o
Senhor Jesus Cristo pregar . . porque ele sabia perfeitamente bem que não
O tinham ouvido. Nunca tinham estado na Palestina, nunca tinham visto o
Senhor Jesus, nunca tinham ouvido a Sua mensagem propriamente dita dos Seus
lábios. Eram pagãos, gentios, muito distantes de Jerusalém e da Palestina.
Portanto, não quer dizer isso. Mas quer dizer que eles tinham ouvido a
mensagem do evangelho. Provavelmente não ouviram nenhum dos apóstolos,
fora Paulo, de modo que aprender a Cristoe ouvi-10 referem-se aqui à
mensagem apostólica. Paulo diz: “Sou embaixador de Cristo”, de modo que,
quando vocês me ouvem O estão ouvindo. O embaixador fala pelo rei, pelo
chefe do reino, e Paulo é um embaixador e diz: “Rogamo-vos da parte de Cristo
que vos
reconcilieis com Deus”. Logo, ouvir o apóstolo é ouvir a Cristo; sempre significa
ouvir a mensagem.
Então, que é que a palavra ouvir significa de fato? “... se é que o tendes ouvido”.
As palavras do apóstolo implicam uma diferença entre escutar e ouvir, que pode
ser ilustrada da melhor maneira com as palavras que o nosso Senhor proferiu:
vocês as encontrarão no Evangelho Segundo João, capítulo 5: “Na verdade, na
verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou,
tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para
a vida”. “Quem ouve a minha palavra.” Todas as pessoas às quais Ele estava
pregando o estavam escutando, porém - apesar disso - não O ouviam. “Quem
ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não
entrará em condenação.” Ouvir é algo tremendo. Deixem-me dar-lhes outra
ilustração do mesmo ponto. Diz respeito àquela maravilhosa história lírica da
primeira pessoa convertida que Paulo conseguiu na Europa - Lídia, a vendedora
de púrpura da cidade de Tiatira. O que nos é dito sobre ela é isto: “e o Senhor
lhe abriu o coração para qne estivesse atenta ao que Paulo dizia” - ela
não somente escutava, mas estava atenta. Os homens e as mulheres
podem escutar sermões evangelísticos sem ouvir a Cristo. Há pessoas que podem
sentar-se e escutar o evangelho a vida inteira, e nunca ouvi-lo. Não estão atentas
a ele.
E a mesma distinção que fazemos entre ver e perceber. Você pode olhar uma
coisa e não ver nada senão a coisa mesma. Você pode olhar um panorama
maravilhoso e ver árvores, pastos, animais, montanhas e rios, e nada mais. Como
diz Wordsworth sobre Peter Bell:
E nada mais.
Apenas uma prímula! E não existem tantas prímulas? E, no que se refere a Peter
Bell, não havia nada mais que isso. Para ele uma prímula era uma prímula, e
nada mais! Entretanto, Wordsworth diz noutro dos seus poemas:
Para mim a mais singela flor pode inspirar Pensamentos profundos demais para
as lágrimas.
botânico, vem e a disseca -pétalas, estame e tudo mais! Você vê o meu ponto?
Ouvir a Cristo não é apenas escutar sermões ou escutar o evangelho. Nem
mesmo significa gostar deles. Você pode apreciar a pregação e ainda não ouvir a
Cristo. Se um homem é um pregador que vale o que lhe pagam, vocês devem
apreciar a pregação; mas há perigo mesmo assim - vocês podem apreciar a
pregação e não ouvir a Cristo! Ouvir a Cristo tampouco significa estar ciente do
que Ele disse. Podemos estar cientes do que Ele disse nos quatro Evangelhos
e, contudo, não ouvir a Cristo! É possível o homem tomar este
assunto intelectualmente; não há nada que o impeça; e se ele tem bom intelecto,
pode traçar os livros das Escrituras com a maior facilidade. Todavia pode nunca
ouvir a Cristo. Talvez possa dizer o conteúdo da Epístola aos Efésios; talvez
possa fazê-lo em cinco minutos! Mas pode nunca ter ouvido a Cristol Ter
conhecimento intelectual, estar ciente, não basta. Na verdade, vou além e digo
que aceitar a verdade somente com o intelecto não é o mesmo que ouvir a Cristo.
Ouvir a Cristo vai além de todas essas coisas. Significa que o ouvinte do
evangelho não somente escuta, porém crê que ele é a verdade, entende o que ele
diz, e até entende o que ele implica. Além disso, o ouvir a Cristo inclui o ungir, a
unção que o Espírito Santo dá, unção que nos dá uma compreensão espiritual.
Não se trata de um fideísmo chocho e fácil; é algo que absorve toda a
personalidade. Noutras palavras, compreendemos a sua significação, e a sua
significação para nós. O homem que ouve a Cristo é o homem que diz: esta é a
coisa mais importante do mundo, é tudo; conheço muitas outras coisas, e não
menosprezo o seu valor, mas esta, esta é verdade, esta é a verdade! Ele ouviu a
Cristo! Ele diz: “Que tudo se vá, menos isto; sacrificarei tudo, contanto que
possa ter a vida eterna que o evangelho promete aos crentes”. A mensagem o
agarrou, apreendeu-o, e ele a está apreendendo. Significa que ele se rende a ela.
Quando umhomem ouviu a Cristo, Cristo e o Seu evangelho passam a ser as
coisas principais da sua vida, ele é dominado por eles, governado e dirigido por
eles, ele se rende a eles, vive para obedecer a Cristo e para obedecer ao
evangelho. É, de fato, mais que óbvio, de todo o contexto e de todo o conteúdo
do Novo Testamento, que ouvir a Cristo significa que Cristo domina e determina
as nossas vidas. Não pode significar menos que isso! “Se é que o tendes ouvido”,
eu sei quem Ele é, diz o crente, sei por que Ele veio, e sei que o evangelho de
Cristo é a verdade, a verdade de DEUS; portantç, isso tem que estar em primeiro
lugar e ser supremo em minha vida. É isso que se quer dizer com ouvir a
Cristo. Basta isso, então, para a primeira condição!
Passemos à segunda condição. “Se é que o tendes ouvido, e por ele fostes
ensinados.” Assim diz a Versão Autorizada; mas devia ser: “Se é que o tendes
ouvido, e nele fostes ensinados” (como diz Almeida), ensinados nEle - uma
diferença muito importante. Que é que o apóstolo está querendo dizer? Não
meramente “ensinados na doutrina concernente a Ele”, porque ele já dissera isso;
agora vem um acréscimo, significando que fomos ensinados em união com Ele.
Noutras palavras, o ensino sobre o qual ele está falando não é uma espécie
de ensino desligado. Ouvir a Cristo e ser ensinado em Cristo significa que você
já não é um de fora, você está em Cristo. É por isso que esta espécie de ensino é
tão diferente de todas as outras espécies de ensino levadas a efeito no mundo.
Uma pessoa pode lecionar-lhe história, ou poesia, ou ciência, ou qualquer outra
matéria e, naturalmente, o tempo todo há este desligamento, não somente entre
os que escutam e a pessoa que fala, mas também entre os que escutam e até
acreditam no que é ensinado, e a verdade mesma; você não está nela. No entanto
o significado a nós transmitido por Paulo aqui é que, se você ouviu a Cristo,
você está em Cristo, e assim você está aprendendo de dentro. Esta é uma coisa
tremenda, e até certo ponto já estivemos tratando dela. O apóstolo introduz esta
espécie de ensino no fim do capítulo primeiro. Ele ora pelos efésios, no sentido
de que tenham “iluminados os olhos do vosso entendimento”; ele ora “para que
o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu
conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação; tendo iluminados os olhos
do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e
quais as riquezas da glória da sua herança nos santos, e qual a sobreexcelente
grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do
seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-
o à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade, e
domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no
vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o
constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele
que cumpre tudo em todos”. E também neste capítulo quatro, Paulo nos estivera
dizendo que estamos em Cristo, no corpo. Ele estivera fazendo declarações
tremendas - “do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas
as juntas, segundo ajusta operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para
sua edificação em amor”; e a sua oração é para que todos nós “cresçamos em
tudo naquele que é a cabeça, Cristo”.
Que é que tudo isso significa? Significa que estamos sendo ensinados em Cristo!
A vida de Cristo está em nós! Não é teoria, é
natureza; Ele me uniu a Si mesmo; sou membro do Seu corpo místico; sou filho
de Deus e herdeiro do céu.
É isso que conhecer a Cristo significa, aprender a Ele, ouvi-10, ser ensinado
nEle! Eu creio no ensino segundo o qual nada que contamine terá permissão de
entrar no céu; que o céu é etemamente puro e santo, a antítese deste mundo e do
pecado, o oposto do inferno. Essa é a maneira como aprendi a Cristo, essa é a
maneira como fui ensinado nEle - que estou nEle, a Cabeça viva, e que sou uma
parte dEle; e que além desta vida e da morte e do véu, estarei com Ele para todo
o sempre. Se vocês crêem nestas coisas, diz Paulo, vocês não terão comunhão
“com as obras infrutuosas das trevas”. Se vocês crêem nestas coisas, diz João,
“qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele
é puro”. A lógica é inevitável e somente uma dedução é possível, a saber: tudo o
que diz respeito a Cristo e à nossa relação com Ele torna a velha vida
inimaginável, como também impossível.
DESPINDO-NOS E REVESTINDO-NOS!
“Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe
pelas concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito do vosso sentido; e
vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça
e santidade. ”
- Efésios 4:22-24
Nestes versículos o apóstolo está lembrando aos cristãos efésios o que eles
tinham aprendido em Cristo Jesus. Vocês vêem quão logicamente ele se move na
seqüência. Primeiro ele os faz lembrar-se do tipo de vida que eles costumavam
viver, e depois lhes diz que “aprender a Cristo” é aprender que não se vai mais
viver daquela maneira. Mas de novo, para que não houvesse nenhuma
incerteza sobre isso, ou alguma falha da parte deles quanto a entendê-
lo verdadeiramente, ele desce ao nível prático e lhes lembra o que é a verdade
em Jesus - esta verdade que eles já aprenderam e ouviram, e lhes fora ensinada.
Os três versículos que vamos considerar agora têm importância incomum, num
sentido teológico, e partícularmente quanto à doutrina da santificação. São
versículos cruciais, com relação ao correto entendimento do ensino
neotestamentário sobre a questão sumamente importante da santidade e,
portanto, não conseguiremos dar-lhes atenção demasiadamente concentrada e
cuidadosa, quando não, ao menos por essa mesma razão. Contudo, em
acréscimo, e de algumas maneiras ainda mais importantes, eles são de grande
significação para nós, do ponto de vista prático. O apóstolo, como sempre,
combina a sua doutrina com a sua prática. Diversamente de muitos dos
seus seguidores, ele nunca incorre na culpa de separá-las; as duas vão sempre
juntas. Se posso expressá-lo com uma frase - muitíssimas vezes a Igreja Cristã
hoje dá a impressão de que é uma espécie de loja de departamentos, com toda
uma série de departamentos com frouxa ligação entre eles. Mas a Igreja nunca
foi destinada a ser desse jeito. A Igreja é una, e existem certas coisas que jamais
devem ser divididas. Doutrina e prática; justificação e santificação;
evangelização e edificação. Todas elas andam juntas, e isso em termos da
verdade.
Há toda uma série de contrastes deveras notáveis aqui, nestes dois versículos, 22
e 24. Temos, por exemplo, o velho homem e o novo homem; o velho homem
encaminha-se para a destruição, o novo homem é uma nova criação. Opostos
exatos! O velho homem vai se corrompendo sob o poder da concupiscência; o
novo vai se desenvolvendo sob o poder de Deus. O velho homem é dominado
pelo engano, o novo, pela verdade. Noutras palavras, os contrastes são
absolutos. E é isso que Paulo está interessado em mostrar, a saber, que as
duas coisas são tão essencial e inteiramente diferentes que nenhum cristão que
de fato tenha aprendido a Cristo pode sequer sonhar ou pensar em continuar no
velho modo de viver e no velho nível. E é dessa maneira que o Novo Testamento
ensina a santidade. Simplesmente nos pede que sejamos lógicos, que nos demos
conta daquilo em que cremos, e que, portanto, o ponhamos em prática. E um
grande apelo dirigido à razão, ao entendimento e à lógica - ter aprendido a
Cristo! tê-10 ouvido! e ter sido ensinado nEle como a verdade está em Jesus!
E qualquer outra apresentação da santificação e da santidade não é ensino do
Novo Testamento; não é escriturística; cheira mais ao psicológico.
Historicamente falando, esta é uma das coisas mais importantes que podemos
captar na vida. Sou um dos que defendem a idéia de que o dano real foi feito nos
fins do século passado, quando a Igreja Cristã começou a formar organizações
para tratar de pecados particulares. Inconscientemente, ela caiu do nível
espiritual para o moral. Ora, não faz parte do meu dever denunciar estas coisas,
porém estou apenas pedindo a vocês que observem os fatos. Apesar de termos
organizações especiais com vistas à observância do santo descanso semanal,
à temperança, ao jogo e a muitas outras questões - todas conduzidas por pessoas
excelentes, que têm trabalhado arduamente - que é que realizaram realmente?
Penso que os fatos atuais mostram que realizaram muito pouco. E não fico
surpreso. Não é esse o modo de tratar dessas coisas. O modo de lidar com elas é
ter & verdade positiva do evangelho. Foi o que aconteceu no século 18. Às vezes
penso que a via régia para o avivamento é a simples percepção de que, quanto
mais cedo esquecermos o século 19 e voltarmos ao 18, melhor será. A pregação
do evangelho no poder do Espírito Santo tratou desses vários problemas,
inevitavelmente; sempre o faz. Esse é o tipo de questão que emerge aqui. Não
nos despimos meramente do velho homem e paramos nisso; não, trata-se de uma
ação combinada. Despimo-nos do velho homem, revestimo-nos do novo; jamais
devemos permanecer numa condição neutra, de nudez. As duas coisas devem ser
tomadas juntas. E, todavia, entendemos que elas devem ser
consideradas separadamente, a fim de podermos ter pleno entendimento delas.
Mas, embora as estudemos separadamente, não significa que delas efetuemos
ações isoladas e distintas, como se disséssemos a alguém: pois bem, agora, por
enquanto, dispa-se do velho homem e então, mais tarde, talvez o levemos a uma
reunião ou convenção onde você poderá
vestir-se do novo. Nunca! Nunca! Jamais se deve dividir essas coisas. Nós as
consideramos separadamente apenas por amor da conveniência e da
compreensão, porém nunca devemos dividi-las nesse sentido completo e
absoluto em nosso pensamento.
O meu segundo comentário geral sobre estes versículos é que despir-se e vestir-
se, de acordo com a maneira expressa pelo apóstolo aqui, devem ser ações
realizadas uma vez para sempre, se bem que o elo de ligação, a renovação que
ocorre no espírito da mente, é contínuo. Infelizmente, a tradução da VA não tem
a clareza que devia ter. “Para que vos despojeis quanto à vossa conversação, do
velho homem”, Paulo coloca no tempo aoristo, que indica uma ação realizada
uma vez por todas; o cristão se despe uma vez para sempre do velho homem,
diz ele, e se veste uma vez para sempre do novo. Sim, mas você continua sendo
renovado no espírito da sua mente; essa é uma ação continuada, está no presente
contínuo; nunca pára. Contudo, a outra é uma vez para sempre, como espero
mostrár a vocês. Esta diferença é importante para o entendimento da doutrina da
santificação.
Mais uma explicação é necessária neste ponto. Refere-se àpalavra traduzida por
“conversation” (conversação) na Versão Autorizada. Nessa versão a palavra
sempre significa conduta e comportamento, modo ou maneira de viver. Temos
várias ilustrações disso. Escrevendo aos filipenses, diz o apóstolo: “Somente seja
a vossa conversação” (“conversation”) “como convém ao evangelho de Cristo”(l
:27). Mas ele não quer dizer o que conversação sempre significa hoje; ele
não estava se restringindo ao falar. Não, ele se referia à totalidade da vida. Mais
adiante ele torna a dizer aos filipenses: “A nossa conversação está no céu”, e o
que ele quer dizer é, a nossa cidadania (3:20). Assim, aqui o que ele quer dizer
com “a velha conversação” é o antigo modo de viver que ele estivera retratando
nos versículos 17 a 19. E esta é a colocação que ele faz: o que lhes estou
dizendo, pois, é que aquilo que vocês “aprenderam a Cristo” é que, com relação
ao antigo modo de viver que vocês tinham, vocês têm que despir-se do velho
homem, uma vez para sempre.
Ora, que é que devemos despir? “Que, quanto ao trato passado”, diz Paulo, “vos
despojeis do velho homem." “Velho homem” é uma espécie de expressão técnica
que ele usa, e muito importante. Vocês a verão constantemente em suas
Epístolas, e é essencial que captemos o seu significado. Com homem, é claro, ele
quer dizer personalidade, a totalidade da personalidade. O homem é isso. Assim,
o que ele quer dizer aqui é a pessoa não regenerado que éramos outrora,
dominada por uma natureza depravada, e para ajudar-nos dá-lhe o nome
dcvelho homem. Não há nada difícil nesses termos. Falamos do nosso eu melhor,
e assim fazemos uma espécie de divisão de nós mesmos, e da mesma maneira
Paulo usa esta expressão, velho homem. Por que velhol Uma razão é que ele está
contrastando algo que costumava ser próprio dos crentes de Éfeso, porém não o
é mais. Ele se refere ao antigo comportamento, e esse é velho porque pertence ao
modo de viver deles no passado; refere-se ao que eles eram outrora - ao antigo.
Há, porém, mais que isso no uso que Paulo faz da expressão “velho homem”.
Penso que ele o usa no sentido daquilo que a Bíblia quer dizer com pecado
original, porque o velho homem que há em nós é de fato muito velho; ele é na
verdade tão velho como Adão. E, portanto, realmente so deve pensar no “velho
homem” como o velho homem que todos nós éramos de nascença e como
resultado da nossa descendência de Adão. A expressão fala de tudo o que
herdamos de Adão como resultado da Queda. De modo que há um sentido em
que o velho homem é o mesmo em cada um de nós. Todos nós nascemos com
uma natureza corrupta, com uma natureza contaminada, com uma
natureza maculada. Certamente ninguém irá querer discutir isso! Não há
nada tão óbvio como a universalidade do pecado. Todo mundo peca, e
todo mundo peca assim que é capaz de tomar alguma decisão por si mesmo. A
criança mais pequenina gosta de fazer o que se lhe pede que não faça; gosta de
fazer o que não é bompara ela. Isso é pecado, pecado original; é uma
manifestação da corrupção da nossa natureza, da depravaçâo, da contaminação
que há na natureza humana desde a queda de Adão. Podemos ver a
universalidade disso hoje. Vocês lêem a Bíblia e a vêem em toda parte nela;
aparece desde o começo mesmo, e é por isso que Gênesis é um livro tão
importante. A passagem clássica sobre isso tudo é o capítulo cinco da Epístola
aos Romanos, onde lemos a respeito do fato de que estamos “em Adão”, e
depois, de que estamos “em Cristo”. E o mesmo tema aqui. O velho homem é,
pois, o que todos nós somos por nascimento e por natureza; decaídos,
maculados,
Então, por que temos que fazer isso? Aqui de novo há um ponto preliminar que,
na verdade, me parece de muito grande interesse, pois com freqüência as pessoas
tropeçam aqui, e acham que há quase uma incoerência no ensino do apóstolo.
Aqui, dizem elas, na Epístola aos Efésios, Paulo nos está dizendo que nos
despojemos do velho homem, ao passo que em Romanos, capítulo 6, versículo 6,
ele diz: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado”, com
Cristo. Como explicar isso? O argumento em Romanos, capítulo 6, é que o velho
homem foi crucificado com Cristo e morreu com Cristo. Paulo continua dizendo,
“vós estais mortos para o pecado”, “vós estais mortos para a lei”, o vosso velho
homem morreu com Cristo. E contudo, continuam aquelas pessoas, aqui em
Efésios 4:22 ele nos está dizendo que nos despojemos do velho homem. Como
você poderia despir-se do velho homem, se o velho homem já está morto?
Aí está, pois, uma dificuldade aparente, mas de fato não será dificuldade
nenhuma, se vocês tomarem o cnsino tão-somente como ele é. Romanos 6:6
declara algo que é um fato. E uma descrição de algo que é certo a nosso respeito
em nossa relação com Deus. Como digo, cada um de nós nasceu como um filho
de Adão, cada um de nós nasceu em Adão, pertencemos a Adão, e sofremos
todas as conseqüências da queda de Adão. Sim, isso é verdade, porém também é
certo dizer do cristão que o homem que ele era em Adão está morto. Se
um homem está em Cristo, não está mais em Adão, e se eu sou cristão, o homem
que eu era em Adão já se foi, para sempre. Deus não o reconhece; eu fui
justificado livremente pela graça de Deus em Jesus Cristo. Deus não me vê mais
como um homem em Adão, porque sou um homem em Cristo. Portanto, é
perfeitamente correto dizer que o velho homem foi crucificado e morreu com
Cristo. Essa é uma declaração absoluta de fato acontecido.
Muito bem, pois, vocês dirão, se isso é verdade, como Paulo poderia exortar-nos
aqui a despir-nos do velho homem? A resposta é esta: é porque o velho homem
está morto que eu devo despojar-me dele. A única pessoa que pode desfazer-se
do velho homem é a que sabe que, no seu caso, o velho homem está morto.
Deixem-me expressá-lo assim: embora em minha relação com Deus seja
certo dizer que o meu velho homem está morto, não obstante, do ponto de vista
experimental, por causa dos hábitos, das práticas e da falta de conhecimento e de
entendimento, muitas das características do velho
Expresso doutra forma, o que o apóstolo nos está dizendo realmente aqui é que
devemos SER O QUE SOMOS. Isso faz sentido para vocês? Seja, irmão, o que
você é. Trate de dar-se conta do que você é, e seja isso! Uma ilustração pode
ajudar-nos aqui. Parece que depois da Guerra Civil Americana e da libertação
dos escravos no sul, alguns deles, muito naturalmente, permaneceram esquecidos
de que agora eram homens livres, e continuaram vivendo e se comportando
exatamente como se ainda fossem escravos. O mesmo espírito servil e o mesmo
temor estavam lá. Ora, de fato houvera uma proclamação que estabelecia que
eles não eram mais escravos, porém estavam completamente livres. Essa era a
realidade, posicionai e legalmente; era a justificação. O antigo escravo não o era
mais; o mesmo homem ainda estava vivo, entretanto o escravo que ele fora
outrora tinha se ido para sempre e estava morto. Sim, mas o pobre homem, por
puro hábito, prática e costume, continuou vivendo como se ainda fosse
escravo. Assim, o que se devia dizer a ele era: despoje-se da escravidão!
Você não é mais escravo! Você é um homem livre; viva como um homem livre,
pare de viver como escravo, pare de comportar-se como escravo, você está livre!
Seja o que você é! Pois bem, é isso exatamente o que o apóstolo está dizendo
aqui. ,
Não há contradição entre Romanos 6:6 e Efésios 4:22. E porque o velho homem
foi crucificado e morreu que somos exortados a despojar-nos dele. Nunca o
Novo Testamento diz a um homem não regenerado que se despoje do velho
homem; seria estranho e seria ilógico. Contudo, o homem regenerado tem que
fazê-lo, e tem que livrar-se das lembranças, das recordações e dos hábitos que
lhe pertencem e que tendem a persistir nele. Espero que isso esteja claro, porque
admito que o ensino é um tanto difícil. Se vocês quiserem conhecer uma coisa
mais difícil ainda, leiam o capítulo sete da Epístola de Paulo aos Romanos; ali
vocês verão que ele parece estar
falando de três pessoas ao mesmo tempo! Ele fala do velho homem, do novo
homem e de mim mesmo. E ele está perfeitamente certo.
Permitam-me ilustrar o que Paulo está dizendo. Quando me torno cristão, vejo-
me virtualmente como um homem que está conduzindo uma parelha de cavalos.
Eu sou o condutor, com as rédeas em minhas mãos; há o cavalo da direita; há o
da esquerda; eu estou conduzindo os dois cavalos. O velho homem, o novo
homem e eu! E agimos juntos, e estamos cientes de que estamos fazendo isso.
Estou ciente do velho homem que eu era, estou ciente do novo homem que me
tomei, e ainda eu, por assim dizer, sou capaz de considerar esses dois. Aí, está.
Isso talvez ajude a levar em sua mente essa figura. E assim o apóstolo diz a mim:
despoje-se desse velho homem! Despoje-se de tudo o que lhe diz respeito, ele
não é mais você; portanto, despoje-se de tudo o que o caracterizava; e vista-se do
novo homem.
Mas há outra dificuldade. Há os que têm problema porque dizem que na Epístola
aos Colossenses (capítulo 3, versículo 9), o apóstolo diz: “Não mintais uns aos
outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos”. Aqui ele
está dizendo que nos despimos do velho homem com os seus feitos e, todavia,
em Efésios, capítulo 4, ele diz: despojai-vos do velho homem com tudo o que a
ele se refere. É contradição? Naturalmente que não. Apesar de eu dizer que
esta ação de despojar-se do velho homem é uma ação feita uma vez por todas,
não quero dizer com isso que você o faz uma só vez na vida e nunca mais tem
que fazê-la de novo. No momento em que um homem se torna cristão, ou toma
consciência do fato de que é cristão, está se despindo do velho homem, e
obviamente chega a certas conclusões e decisões. Diz ele: uma vez que sou
cristão, há certas coisas que não posso mais fazer, e vou fazer outras coisas.
Estou despindo o velho homem, e vestindo o novo.
Nos primeiros dias da Igreja, quando um pagão era convertido e pedia para ser
batizado, isso era um sinal evidente de que ele estava fazendo justamente esta
ação. E isso tinha acontecido com os crentes efésios. A profissão que eles tinham
feito em seu batismo, ou em qualquer outra forma de admissão na igreja, era
definidamente despir-se do velho e vestir-se do novo. Então, como sucede que
Paulo lhes diz que o façam outra vez, quando já o tinham feito uma vez por
todas? A resposta está naquilo que há pouco estive dizendo. Embora cada
um deles, a seu tempo, tenha dito: estou dando fim à velha vida e
estou assumindo a nova, contudo, ao se passarem os anos, e talvez
vindo tentação e pecado, eles se viram esquecendo estas coisas, e
inconscientemente a princípio, viram-se arrastados de volta àquele velho tipo
de vida. Por isso o apóstolo lhes escreve e lhes diz: para onde vocês estão indo?
Que é que estão fazendo? Acaso não vêem que estão mais ou menos de volta ao
ponto em que costumava estar? Despojem-se do velho homem, e façam isso uma
vez para sempre! Assim é que, conquanto seja uma ação destinada a ser uma vez
por todas, infelizmente na experiência vemos que temos que repetir a ação
muitas vezes. Assim, não há contradição! Paulo está dizendo aos
colossenses: vocês estão sendo incoerentes; diziam que estavam dando cabo
da velha vida, mas vejo que estão continuando com ela - despojem-se dela! Não
há, pois, contradição mesmo neste ponto. Cada vez que surge a necessidade, é
preciso que haja uma ação inteira e completa, sem nenhum tipo de reserva.
Pois bem, já temos examinado uma razão para despir-nos do velho homem e
vestir-nos do novo. Devemos fazê-lo por causa do homem novo que está em nós,
e por causa do que aconteceu conosco. Vejam, por exemplo, o argumento de
Paulo em Romanos, capítulo 6, que, em certo sentido, é um extenso comentário
dos versículos que estamos considerando. Diz o apóstolo: por que vocês não se
dão conta destas coisas? Por que não compreendem que agora vocês mesmos
estão mortos para a sua antiga maneira de viver, no pecado? “Assim
também vós”, diz ele, “considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus”; depois continua: “Não reine portanto o pecado em
vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências”. Diz ele:
tratem de compreender a verdade acerca de vocês mesmos! Cristo morreu para o
pecado uma vez por todas, e vocês estão nEle e morreram com Ele e, portanto,
vocês estão mortos para o pecado; ponham esta lógica em prática e em ação,
“nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de
iniqüidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre os mortos, e os
vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça.” E então, vocês
se lembram, havendo dado o seu grande argumento, ele diz - “Falo
como homem, pela fraqueza da vossa carne”. Essa é a maneira de Paulo dizer:
agora vou usar uma ilustração com o fim de tentar deixar isto claro e simples
para vocês. Diz ele: “Pois que, assim como apresentastes os vossos membros
para servirem à imundícia, e à maldade para maldade, assim apresentai agora os
vossos membros para servirem à justiça para santificação”. Todo o argumento
eqüivale a isto: em vista do que ocorreu dentro de nós e aconteceu conosco,
devemos agora seguir avante e renunciar e dar fim uma vez para sempre ao
velho homem e todos os seus modos, hábitos e práticas. Temos que aperceber-
nos da verdade acerca de nós mesmos em Cristo Jesus. Precisamos lembrar-nos
do que aprendemos nEle. Além disso, temos
que lembrar que somos realmente membros da Sua carne e dos Seus ossos, que
somos partes do Seu corpo. E portanto, diz o apóstolo, tudo o que diz respeito ao
velho homem terá que ser abandonado, e terá que ser deixado de lado uma vez
para sempre. Estaríamos tratando aqui do que somos compelidos a denominar
um ponto teológico? Indubitavelmente! Mas há quem tenha que se desculpar
pela teologia? Não o permita Deus! É o não entendimento destas coisas que leva
a tanta dificuldade na prática.
Por isso eu gostaria de levantar uma questão a todos os crentes. Você sabe, você
está plenamente consciente de que o seu homem velho foi crucificado? Você
elevou-se à gloriosa compreensão de que você não é mais filho de Adão, de que
você não está mais em Adão? Você se deu conta de que o homem que você era
em Adão foi apagado da vista de Deus por toda a eternidade? Esse é o
significado da justificação pela fé. Deus faz o pronunciamento num sentido
forense. Ele nos diz que somos justos e retos aos Seus olhos, porque estamos em
Cristo. O homem que eu era se foi, deixou de existir. E a realidade mais gloriosa
que o cristão pode compreender. Ele não se considera mais um homem que está
tentando fazer-se cristão, ou que está esperando vir a ser cristão. Esta ação é de
Deus, é Deus que o tira de Adão e o coloca em Cristo; é Seu pronunciamento
judicial. Como a escravidão foi abolida e os escravos foram declarados livres,
assim aconteceu com todos os cristãos, com todos os que verdadeiramente crêem
no Senhor Jesus Cristo; Deus os proclama livres do pecado original, de tudo o
que eles herdaram em Adão, de todos os pecados que eles próprios cometeram.
É uma declaração legal do Juiz do universo. O velho homem adâmico deixou de
existir, o velho homem foi crucificado com Cristo, está morto; você nunca é
chamado para crucificar o velho homem, nunca lhe é dito que tente matar o
velho homem; somente Deus em Cristo pode fazer isso, e Ele o fez! E somos o
novo homem em Cristo Jesus. Quanto eu saiba, não há nada que seja tão
fortalecedor da fé, tão fortalecedor da vida cristã em seu viver diário, como ter
plena consciência de que o velho homem se foi para sempre. E é por causa disso
que devo repelir toda e qualquer coisa que lhe dizia respeito ou que de algum
modo o lembre.
“Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe
pelas concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito do vosso sentido; e
vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça
e santidade. ”
- Efésios 4:22-24
Hosana! Bem vindo aos nossos corações! pois aqui Também tens um templo,
Senhor, como Sião amado;
Frustra-os, derrota-os, de modo que nunca mais Profanem com vil comércio o
santo lugar, jamais!
Vocês notam a colocação que ele faz: quando Cristo entrou em Jerusalém, no
início da Sua última semana na terra, Ele foi ao templo
suas partes componentes. Segundo a Bíblia, todos nós herdamos uma natureza
corrupta. Não há nada da teoria de Peter Pan na Bíblia. “Eis que em iniqüidade
fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Salmo 51:5). A natureza
que herdamos é corrupta e contaminada. Tudo na vida dá eloqüente testemunho
disso. A mais pequenina criança dá muita prova disso. Nascemos com uma
natureza já corrupta, sim, mas de acordo com o apóstolo aqui, é pior que isso,
pois essa natureza torna-se mais corrupta ainda! Lemos aqui, na
Versão Autorizada, “quee corruptoporém uma tradução melhor seria: “que está
sendo corrompido”, ou “que está.ve tornando corrupto”, ficando pior do que era
no princípio; (cf. Almeida, RA: “que se corrompe segundo as concupiscências
do engano”; RC: “que se corrompe pelas concupiscências do engano”).
Então, o argumento do apóstolo aqui é que a vida dos gentios não cristãos é uma
vida decadente e em processo de putrefação, uma vida que vai caminhando para
uma destruição final. E que exposição eloqüente é esta, do estado da sociedade e
do mundo hoje! Não estariamos presenciando na presente hora este declínio, este
processo de decadência? Não o vemos acontecer em todos os aspectos da
esfera moral? Vejo-me constantemente dirigindo a atenção a isso, porque
o declínio moral que estamos testemunhando hoje neste país, e em todos os
países do mundo, é o resultado direto da impiedade, da irreligiosidade e da
ausência do espírito cristão na sociedade. É uma prova absoluta do que o
apóstolo diz. Despojem-se desse velho homem, diz ele, ele está decaindo, ele
está marchando para a destruição! E o mundo inteiro hoje está tornando
manifesta a veracidade do diagnóstico do apóstolo. O mundo nunca melhora,
nuncal
Essa verdade não é só com relação ao mundo em geral; também o é com relação
ao indivíduo. Todo homem que passa da meia-idade para a velhice tem que lutar
contra o cinismo. Muito pouca gente leva consigo o idealismo da sua mocidade
até a meia idade e além dela. A que se deve isso? Claro, a essa corrupção, a essa
putrefação, a esse processo de decadência! O homem entregue a si mesmo
inevitavelmente decai, e perde o brilho, a visão, a capacidade de
recuperação moral e a reação contra a indignidade. Ele se protege, vive
na comodidade, faz o mínimo que pode, e diz: por que devo me incomodar?
Tudo por uma vida sossegada! Isso faz parte da corrupção. Não é que tenhamos
começado perfeitos. O meu ponto é que, embora fôssemos imperfeitos quando
começamos, ficamos piores. O velho homem está sendo corrompido, e vai indo
para a destruição.
Essa é a primeira coisa que Paulo nos diz acerca dessa velha natureza que temos
de despir. Agora, em segundo lugar, ele nos diz algo sobre as influências que
impelem, dirigem e apressam esse velho homem rumo à destruição. Paulo as
denomina concupiscências (ou cobiças): “que se corrompe pelas
concupiscências do engano”. Concupiscências! Já encontramos esse termo no
início do capítulo dois, mas devemos assegurar-nos de que temos claro em
nossas mentes o seu significado. A palavra significa realmente desej o forte e
dominador. Lembramo-nos de que, pouco antes do fim, o nosso Senhor
disse: “Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça”
(VA: “Com desejo desejei . . .”). A palavra empregada aí é a mesma empregada
noutros lugares para concupiscência e concupiscências (ou cobiça, cobiças).
Significa desejo veemente, bom ou mau. No entanto, o próprio fato de que nos
inclinamos a pensar instintivamente agora em algo que é mau quando usamos a
palavra cobiça, diz-nos muita coisa sobre o homem e sobre a natureza humana,
não diz? Hoje em dia cobiça veio a significar algo quase inteira e
exclusivamente mau, e por esta boa razão, que os desejos compulsivos e
dominadores da imensa maioria do povo são maus; assim cobiça tornou-se
um sinônimo de mau desejo. E o apóstolo diz aqui que essas cobiças que estão
dentro de nós são corruptoras e destruidoras. “O que semeia na sua carne, da
carne ceifará a corrupção.” Elas nos conduzem na direção da corrupção e da
destruição. Paulo de fato diz: “... o velho homem, que é corrupto segundo as
(como resultado das) cobiças do engano”. Essa é a tradução exata.
Devemos tentar fazer uma análise bíblica da expressão, e é aí que vemos a real
tragédia do pecado. Os instintos naturais em todos nós - por exemplo, a fome, o
sexo, o instinto de conservação - não são errados em si mesmos, não há nada
errado com os instintos naturais. Todos os instintos pertencem à nossa natureza
humana e são, em si e por si, não somente não maus, mas bons. Foi Deus quem
os colocou no homem; foi Deus quem nos dotou deles. Foram dados ao
homem para o gozo e a preservação da vida. Deus fez o homem perfeito, e
uma parte dessa perfeição aparece no fato de que os seus vários
instintos, faculdades e propensões foram postos em tal ordem e peculiar
arranjo no homem que atendem ao propósito de servir ao seu bem e ao seu
gozo da vida.
Não há nada errado no sexo; se houvesse, seria o mesmo que dizer que Deus
colocou uma coisa má no homem! Fora com esse pensamento! Ao mesmo
tempo, porém, todos temos consciência de que os nossos instintos têm que estar
em seu lugar certo, governados, dirigidos e ordenados pela mente e pelo
entendimento; e este, pela consciência; e esta, pelo próprio Deus. Ah, eis aí a
tragédia do homem em pecado, eis aí a tragédia do mundo: que a ordem foi
invertida, e que a humanidade está sendo governada por seus instintos, e quando
os instintos assumem o comando, tornam-se cobiças. Quando aquilo que tem o
propósito de estar sob controle assume as funções e governa a totalidade da vida,
há o caos; e é exatamente isso que se quer dizer com cobiça (ou concupiscência).
É um afeto ou um instinto tomando conta de nós e nos governando, silenciando a
mente e a consciência, e rejeitando a voz de Deus. Quando isso acontece, o
estado do homem é de caos e confusão.
E isso nos leva à terceira e última coisa que o apóstolo diz sobre este ponto
particular. Vocês acompanham a sua análise? O povo fala em análise psicológica.
Se vocês estão interessados em psicologia, aí a têm, em sua modalidade mais
brilhante, perfeita e maravilhosa. Sem Deus, diz Paulo, o homem vai na direção
da decadência. Que é que o levaparalá? Suas cobiças, suas concupiscências.
Aqui está a resposta que ele dá; diz ele que é o engano: “segundo as cobiças
enganosas” (VA). Uma tradução melhor, como já sugeri, é “segundo as
cobiças ou concupiscências do engano” (como na Versão de Almeida). Noutras
palavras, o poder dominante real e fundamental é esse engano, como lhe chama
Paulo; e o que o engano faz é manipular as cobiças. Por sua vez, as cobiças
manipulam o homem; e aí está ele, o velho homem, movendo-se rapidamente
rumo à destruição. Esta é, deveras, ummodo maravilhoso de descrever o
processo, não é? Oengano! Fico a indagar se todos nós compreendemos que a
maior característica da vida do mundo é o engano. O poder que está por trás de
todo este problema é um poder enganoso, e isso a Bíblia ensina em toda
parte. Examinemos agora a situação.
Contudo, a acusação toda pode ser resumida com uma única palavra - a palavra
Judas! Judas! - o homem que traiu o seu Senhor e Mestre. Judas! - o homem
caracterizado acima de todas os demais pela falsidade, pela astúcia e pela
insinceridade. Não há nada mais terrível que se possa dizer sobre um homem do
que dizer que ele se portou como Judas. O pecado sempre envolve traição, como
nos dizem todas as partes das Escrituras. Vocês até verão Judas mencionado
como traidor no livro de Salmos. 1 O pecado endurece o homem, o pecado
engana. Cuidado “para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado”,
diz o escritor da Epístola aos Hebreus (3:13). Se um cristão se endurece, é
sempre por causa do pecado. Há os que dizem: você sabe, não me sinto como
costumava sentir-me; parece que me tornei duro e frio. Se é assim, então, de um
modo ou de outro você está sendo enganado pelo pecado.
Paulo tem uma palavra para nós sobre a matéria em Romanos, capítulo 7:
“Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou, e por ele
me matou”. E não seria essa toda a sua argumentação naquele capítulo? Notem
como ele a desenvolve. Diz ele: ah,
que coisa terrível e enganosa é o pecado! O pecado é tão enganoso que logra o
homem com relação à lei. A lei é boa, reta, santa e justa, mas você sabe, disse
ele, vejo que a própria lei que foi dada ao homem a fim de salvá-lo do pecado,
levou-o a pecar! A própria lei que lhe diz que não pratique o mal, cria nele o
desejo de praticá-lo!
É por essa razão que muitas vezes tenho assinalado que toda a nossa confiança
no ensino moralista não somente é anticristã e antibíblica, é também credulidade
ingênua, pois mostra uma profunda ignorância sobre a psicologia do homem em
pecado. “Todas as coisas são puras para os puros.” Sim! Mas para os que não são
puros, até o que é puro se torna impuro, escreve Paulo a Tito. O fato é que, por
causa da natureza enganosa do pecado em nós, sermos esclarecidos acerca
da natureza do pecado pode levar-nos a pecar. Ao dizer às pessoas que não
façam certas coisas, você está estimulando dentro delas o desejo de fazê-las. É
por isso que sempre digo aos jovens que, longe de aconselhá-los a lerem livros
sobre o domínio do sexo, assim chamado, e assim por diante, digo-lhes que os
evitem como se fossem a própria peste. Tais livros fazem mais mal que bem.
Não há nada que possa tratar desse problema, senão a obra do Espírito Santo
dentro de nós; qualquer coisa que seja menor do que a operação do Espírito
Santo é insuficiente para a tarefa.
E depois, outra coisa que o pecado faz - e esta faz parte de toda a sua arte de
enganar - ele sempre desestimula o pensamento, sempre desestimula a
meditação. O pecado sabe que só tem uma esperança de sucesso, e esta é jogar
nos sentimentos e desejos da pessoa. Se a mente começar a funcionar realmente,
o pecado estará acabado e, portanto, em sua astúcia, ele joga nos sentimentos e
desestimula a mente e o pensamento. Todos nós sabemos alguma coisa sobre
isso. Você se irrita simplesmente porque não pensou no que estava fazendo.
O pecado o governou e o dominou. Ele nos faz viver só para o
momento. Deixamos de pensar além do momento presente, e então ele pega
você! Se os homens e as mulheres tão-somente pensassem de antemão,
quão diferente seria a vida! Mas não o fazem; o pecado desestimula
o pensamento, e isso faz parte da sua estratégia de engano.
Pensem também nos argumentos plausíveis que o pecado apresenta. Tal e tal
coisa é muito natural, diz o pecado, não é como se lhe pedissem que fizesse algo
antinatural; afinal de contas, todos vocês fizeram algo parecido com isso. Por
que se requer que você crucifique os seus poderes pessoais? Isso é negar a sua
personalidade; você não poderá dar expressão ao seu ser; certamente você foi
destinado a expressar-se e a expressar a totalidade do seu ser; é
simplesmente natural, diz o pecado. Como são plausíveis os seus argumentos!
E depois, o ponto seguinte é que ele não só é plausível em seus argumentos; ele
oculta certos fatos e fatores. Ele aparece diante de nós enfeitado, vestido e
atraente, e deliberadamente mantém na parte dos fundos as diferenças entre o
certo e o errado; as categorias morais não têm permissão de entrar. Deus,
naturalmente não! A lei de Deus,
E então a sutileza do apelo do pecado, os falsos motivos! Ah, quanto homem foi
para a destruição porque realmente pensava que ia obter algum conhecimento!
Alguém poderia dizer: claro, eu não creio na leitura de maus livros, mas, afinal
de contas, é dever do homem na vida equipar-se com conhecimento. Realmente
estou procurando conhecimento e entendimento teórico. Assim ele lê e continua
lendo! Qual é precisamente o seu motivo e a sua real razão para ler todos
os pormenores dados nos jornais dos casos de divórcio? Seria para você poder
discutir certos assuntos modernos com homens e mulheres, e para ser capaz de
advertir os jovens de certos perigos? É essa a sua razão? Provavelmente é essa a
razão que o pecado nos sugere. A plausibilidade, a falsidade disso tudo! Vamos
de fato em busca de instrução, de conhecimento, de entendimento? Algumas das
maiores tragédias de que tive que tratar em minha experiência pastoral surgiram
desta maneira: pessoas, muito inocentemente como pensavam, preocupavam-se
em ajudar outras pessoas e salvar as suas almas. Estavam plenamente convictas
de que não tinham outro motivo. Contudo, aquilo quase terminou em sua
destruição. Não fora que o homem pode salvar-se, ainda que por meio do fogo,
teriam ido para a destruição. Todavia o diabo tinha sugerido que o desejp de
ajudar era bom, e lhes propiciou uma esplêndida oportunidade. Às vezes
tenho que dirigir a palavra a estudantes de teologia e a jovens ministros
sobre este assunto, e tenho que exortá-los a serem cautelosos em tudo. Isto se
aplica tanto aos homens como às mulheres, e é perigoso de um lado e do outro.
As pessoas dizem que querem ajuda espiritual, mas às vezes não é realmente
ajuda espiritual que elas querem, pois o pecado está cheio de engano. “As
cobiças do engano!”
Finalmente, o pecado oferece o que ele nunca pode dar, isto é, satisfação. O
pecado nunca satisfaz; nunca o fez e nunca o fará; não consegue porque é errado
e é sórdido. Nunca satisfaz, embora esteja
O Novo Testamento está repleto deste ensino. O pecado é tão horrível, tão torpe,
tão enganoso! “Despojem-se, então concernente ao modo de viver do velho
homem, que está sendo corrompido e vai indo rumo à destruição, em
conseqüência das cobiças do engano.”
1
Cf. Salmo 41:9; Atos 1:16; João 13:18, 21, 26. Nota do tradutor.
QUANDO NÃO ORAR, MAS AGIR
“Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe
pelas concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito do vosso sentido; e
vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça
e santidade. ”
- Efésios 4:22-24
O primeiro princípio é claro. “Despojar-se” é uma coisa que o cristão tem que
fazer. Não é uma coisa que outros façam por ele. A exortação chega a ele como
uma ordem definida. “Despoje-se do velho homem!” Começo expondo a
exigência negativamente. Despir-se do velho homem não é algo sobre o que se
deve orar. Isto soa muito anti-espiritual, não soa? Imaginem um pregador num
púlpito cristão dizendo aos ouvintes que eles não devem orar sobre esse assunto!
Mas é essencial que digamos isso, porque muitos têm a tendência de, seja qual
for o problema, dizer leviana e imediatamente:
“Devemos orar sobre isso! Devemos levar isso ao Senhor em oração”. É muito
simples, dizem, não há nada que fazer, senão orar. Alguma coisa o preocupa?
Ore sobre isso! Nada disso, diz Paulo; nada de orar sobre isso; dispa-se do velho
homem; avante com isso! Há algo que chega a ser quase violento nessa questão;
e eu penso que ela requer violência porque há muito de sentimentalismo doentio
e de falsa piedade com relação a este assunto, o que leva certas pessoas a
viverem uma espécie de vida espiritual sempre esmorecida. Claro que
precisamos orar sobre todas as coisas; toda a nossa vida deve ser uma vida de
oração. Devemos orar sem cessar. O que estou dizendo é que não se deve
resolver este problema apenas orando sobre ele. O apóstolo não diz aos cristãos
de Éfeso: “Com relação a este problema, quero que vocês orem a respeito”.
Longe disso! Ele de fato diz: “Pelas razões que lhes apresentei, dispam-se desse
velho homem, não orem sobre isso, digo-lhes que ajam; vão adiante com isso, e
façam-no”.
No entanto, que dizer se um crente falar da sua fraqueza, da sua falta de poder?
A resposta a isso é que, como uma criatura regenerada, um ser nascido de novo,
ele tem o poder. Se o Novo Testamento nos manda fazer uma coisa,
acertadamente podemos esperar receber do Senhor o poder para fazê-la, e, por
conseguinte, não há desculpa neste ponto. Esta questão é muito sutil portanto
deixem-me expô-la da seguinte maneira: minha opinião é que, muitas vezes, por
orarem sobre uma questão como esta, as pessoas, longe de resolverem os
seus problemas, simplesmente o aumentam, pois oram com espírito de temor.
Dizem elas: sinto-me tão fraco, nada posso fazer. E oram pedindo que sejam
libertas disto, em vez de atirá-lo para longe! A maneira de solucionar este
problema não é orar; é pensar e aplicar o ensino e a doutrina do apóstolo para
despojar-se do velho homem.
Há muitos anos, uma senhora veio ver-me por causa de um problema que vinha
estragando a sua vida já fazia uns vinte e dois anos. Pode parecer algo trivial a
outros, porém estava prejudicando a vida dela. Aquela senhora tinha fobia,
terror, horror, por temporais com trovões. Uma vez estivera numa terrível
tempestade carregada de trovões, e achava que ia ser morta, e isso ficara fixo em
sua mente. E por fim chegara a um ponto tal que, se ela ia indo a um local de
culto num domingo de manhã e visse uma nuvem negra, esse medo
sugeria imediatamente a vinda de temporal e trovões, e, de medo, em vez de ir
para a igreja, voltava para casa. A fobia tinha assumido várias formas: tinha
impedido que ela fizesse muitas coisas que desejara fazer, e tinha criado
dificuldades na família. Pode-se imaginar os problemas que surgiam, decorrentes
disso. A senhora veio falar comigo simplesmente em conseqüência de algo que
me ouvira dizer
de passagem num sermão, e eu ouvi o relato do seu caso. Pois bem, disse eu, que
é que você tem feito a respeito? Tenho feito tudo o que posso, respondeu ela;
tenho falado com todo tipo de gente. Suponho que você tem orado sobre isso,
disse eu. Não oro sobre outra coisa, disse ela; sempre oro sobre isso.
Provavelmente, repliquei, aí está por que o problema persiste! E continuei: o de
que você precisa não é orar, mas pensar! E depois lhe mostrei que mau
testemunho era isso numa pessoa cristã como certamente ela era. Alguma vez
pensara nisso? Alguma vez fizera a si mesma a pergunta: por que devo ter mais
medo de uma tempestade e dos trovões do que qualquer outra pessoa? Se todas
as outras pessoas podem continuar indo a um local de culto, por que eu não
posso? Por que essa dificuldade é tão especial para mim? Ela nunca havia
pensado nisso. Em vez disso, tinha orado sincera e honestamente, e com grande
intensidade, durante vinte e dois anos, rogando que fosse liberta do medo de
tempestades e trovões, todavia o medo continuou e estava aumentando.
Existem pontos, digo eu em nome de Deus e em nome das Escrituras, acerca dos
quais vocês não necessitam orar, mas necessitam, sim,pensar e aplicar a
doutrina. Despojem-se do velho homem! Vocês não precisam orar pedindo
orientação sobre isso! Uma vez apercebidos do seu caráter, fora com ele! Não é
questão de orar, é questão de agir. E assim vemos que o diabo, com a sua astúcia
e como anjo de luz, às vezes pode animar-nos a orar de maneira cega e
nada inteligente, porque ele sabe que, enquanto fizermos isso, não exerceremos o
pensamento e não encararemos o ensino bíblico para aplicá-lo a nós mesmos e a
este problema particular.
Mas devo expor a força da palavra do apóstolo com outra negativa. Esta não é
uma experiência que você recebe ou que lhe acontece. Muitos cristãos conhecem
bem o ensino que afirma que a solução de todo e qualquer problema da vida
espiritual é muito simples; tudo o que você tem que fazer é levá-lo ao Senhor e
deixá-lo com Ele. Ele o livrará. Vá deixá-lo com Deus! Muito simples! - dizem
eles, você simplesmente tem que levá-lo a Ele; e depois terá esta
maravilhosa experiência de libertação. Já faz anos que este ensino vem
sendo propagado, e existem os que estão tentando praticá-lo. Entretanto,
não ficaram livres dos seus problemas. Podem ter uma libertação passageira
enquanto estão nas reuniões, mas o problema volta; e eles persistiram tentando
“largá-lo e deixá-lo com Deus”! Mas, diz o apóstolo, não é disso que se
necessita; você mesmo tem que despir-se do homem velho. Não peça a Deus que
tire de você o homem velho; tire-o você mesmo!
Certamente devemos reconhecer que este ensino sobre “largá-lo e deixá-lo com
Deus” e completamente antibíblico. Se fosse verdadeiro, toda esta parte da
Epístola aos Efésios, do versículo 17 do capítulo quatro até o fim da Epístola,
jamais teria sido escrita. O apóstolo não teria escrito essas palavras, e não teria
prosseguido com o que disse em seguida: “deixai a mentira; falai a verdade, cada
um com o seu próximo, irai-vos, e não pequeis; não deis lugar ao diabo; aquele
que furtava, não furte mais”. Ele não teria dito essas coisas; estaria cometendo
um erro, se as dissesse. Ao invés disso, ele diria: se alguém entre vós, crentes, é
tentado a furtar, ore sobre isso; que vá pedir ao Senhor que o livre disso!
Contudo ele não diz nada desse tipo. Ao contrário, ele diz: “aqueles que, dentre
vós, dedicavam-se a furtar, parem de fazê-lo, não furtem mais, despojem-se do
velho homem”! Assim é obvio que o ensino que talvez pareça muito espiritual,
pode ser completamente antibíblico. Não somente passa de largo
pelas Escrituras; nega as Escrituras.
Mas certamente, vem o protesto, você recebe a sua santificação como recebe a
sua justificação; você recebe a sua justificação pela fé, e deve fazer o mesmo
com relação ao velho homem. Ora, é aí que a falácia entra. A justificação é, sem
dúvida, inteiramente pela fé, porque é dada quando a pessoa não tem nenhuma
vida espiritual, não tem capacidade nenhuma. Não é assim, porém, quanto ao
despojamento do velho homem. Mas, alguém perguntará: Paulo não tinha dito
no capítulo 2, “Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras”?
Eu respondo: essa é uma referência à justificação, e à regeneração; nisso somos
inteiramente obra realizada por Deus. Lembremo-nos, porém, que o mesmo
Paulo que escreve, “Somos feitura sua”, também diz aos que foram salvos,
“operai a vossa salvação com temor e tremor”! (ARA: “desenvolvei...”,
Filipenses 2:12). Noutras palavras, ponham fora, dispam-se, e depois vistam-
se. “Somos feitura sua.” Claro! Não podemos fazer nada enquanto Ele não nos
faz de novo. Mas, uma vez que nos tenha feito de novo, somos capazes de agir.
Por isso ele diz: operai ou desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor. A
justificação é unicamente pela fé. A santificação não é unicamente pela fé. A
totalidade da vida cristã é uma vida de fé, porém na santificação temos que agir,
e desenvolver; despir-nos e vestir-nos; como o apóstolo nos diz em todos
esses pormenores que nos oferece aqui. Começamos, pois, dando-nos conta de
que isso é algo quenós mesmos temos que fazer. Não o fazem outros por nós.
Não esperamos passivamente, apenas, nem relaxamos e ficamos à espera de que
seja realizado por outrem a nosso favor. Absolutamente não! Despojem-se!
Parem de fazer certas coisas, diz
o apóstolo. E digo de novo, que tragédia é que homens e mulheres tenham
pensado que era altamente espiritual negar esta clara ordem e exortação e ensino
das Escrituras! Aquele outro ensino, como assinalei muitas vezes, realmente
significa que a segunda metade de cada uma das Epístolas do Novo Testamento
nunca deveria ter sido escrita. No caso que temos diante de nós, tudo o que o
apóstolo deveria ter dito, no começo do capítulo 4 ou no versículo 17,
é simplesmente isto: à luz desta doutrina, tudo o que vocês têm que fazer é
deixar a coisa correr, permanecer em Cristo, e tudo estará bem; você será liberto
de todos os seus problemas; é muito simples; é justamente como abrir as
venezianas e deixar o sol entrar; não há mais nada a fazer. Isso é tudo o que ele
precisava dizer. Mas notamos que os escritores do Novo Testamento dedicam
quase a metade das suas Epístolas a minuciosas instruções práticas; eles dizem
às pessoas o que não devem fazer, e lhes dizem o que devem fazer. E evidente
que esses dois ensinos são inteiramente incompatíveis. No entanto, o ensino
das Escrituras é claramente: despojem-se\ É algo que nós mesmos temos que
fazer. E como lhes tenho feito lembrar, é inútil dizer que não temos poder.
Temos! Se você é cristão, o poder está ao seu alcance. Deus nunca o manda fazer
uma coisa sem capacitá-lo a fazê-la. Se eu e vocês nascemos de novo, o Espírito
de Deus e de Cristo está em nós, o Espírito Santo está em nós, o poder aí está. E
temos que aperceber-nos disso e, na força da energia e do poder divinos, nós
agimos e fazemos precisamente o que temos dito.
acordar, e lhe dirá mil e uma coisas para deprimi-lo antes mesmo de você sair da
cama. Portanto, temos que tomar uma resolução; vamos levantar-nos e dizer: eu
sou um novo homem em Cristo. Isso tem que ser feito literalmente e em detalhe
dessa maneira.
Não é de admirar que falhemos tanto. Não começamos o dia como devíamos.
Nós gememos: aí estão esses pensamentos de novo, e aí está o meu problema,
outras dezoito horas, mais ou menos, que se me apresentam. Que posso fazer? E
antes que o percebamos, já estamos derrotados. Vamos dar ouvidos à exortação
do apóstolo - despojai-vos do velho homem! E se você o fizer, e quando o fizer,
compreenderá que Cristo entrou em sua vida e o libertou. Portanto, não pule
da cama para ajoelhar-se e fazer uma oração de um deprimido. Ao invés disso,
lembre-se primeiro de quem você é, pois, se você orar de maneira deprimida,
realmente não estará orando no Espírito, de modo nenhum. Essa oração é de
incredulidade, não de fé. Realménte não poderemos orar enquanto a nossa
doutrina não for clara para nós. Portanto, lembremo-nos de quem somos, antes
de buscar a Deus.
De fato, sucedia que a causa das suas brigas era o seu bigode, porque algum
outro homem o desafiava a provar que o seu bigode media mais de ponta a ponta
que o dele. E assim começava uma discussão, e acabavam brigando. Entretanto,
ele não se orgulhava somente do seu bigode; também se orgulhava de que
nenhum homem podia resistir às suas façanhas como lutador. Então o inesperado
aconteceu. Ele veio para a igreja, foi convertido, e o evento o deixava
maravilhado.
Ora, a história é esta: umas seis semanas após a conversão do homem, ele veio a
uma reunião noturna de meio de semana, e notei imediatamente, quando ele
entrou, que o bigode tinha desaparecido. Ele não tinha apenas cortado as pontas
extensas, porém tinha rapado o bigode inteiro. Minha reação imediata foi de
contrariedade; eu disse a mim mesmo: algum intrometido desta igreja disse a
esse homem que fizesse isso. No fim da reunião, quando ele ia saindo, eu o
derive e lhe disse que queria ter uma palavra com ele. Quem lhe disse que
tirasse o bigode?, perguntei. Ninguém!, replicou ele. Vamos lá, disse eu;
não proteja ninguém; esse tipo de intrometido faz muito dano à igreja. Estou
querendo ficar livre desses detetives espirituais autonomeados, continuei. Diga-
me a verdade. Quem lhe disse que tirasse o bigode? Ninguém me falou isso,
disse ele. Continuei a pressioná-lo duramente, mas ele persistiu. Bem, disse eu,
por que você o tirou então? Vou dizer-lhe por quê, disse ele. O fato é que eu me
levantei esta manhã e, depois de lavar-me, fui ao espelho, e lá estava eu, disse
ele, penteando o cabelo. De repente vi os meus bigodes - por causa do tamanho
do bigode, ele dizia que eram dois - e disse a mim mesmo: essas coisas “não é
boa” para um cristão! Por isso cortei as pontas e rapei o resto.
O homem, deixem-me acrescentar, não sabia nem ler nem escrever. Tinha levado
uma vida tão dissoluta e má, e tinha sido criado de maneira tão solta que,
literalmente, não sabia escrever e não sabia ler; e essa foi a sua expressão:
“Essas coisas não é boa para um cristão!” Iletrado e ignorante, sim, mas tinha
nascido de novo, e o Espírito de Deus tinha entrado nele; e o Espírito de Deus,
com a Sua unção e o Seu poder, lhe tinha ensinado esta lição: “Essas coisas não
é boa para um cristão!” “Despojai-vos do velho homem!” E ele se despojara
do velho homem, naquele aspecto. Eram coisas próprias da velha vida, nada
tinham a ver com a nova vida. Muito simples, não? Homem ignorante, iletrado!
Quisera Deus que esta igreja estivesse cheia de gente assim! Vejo cristãos hoje
que, até deliberadamente, me parece, estão vestindo o homem velho! - estão
vestindo coisas pertencentes à vida da carne, do diabo e do mundo. Elas não
perceberam ainda que “Essas coisas não é boa para um cristão”! Esse é o
argumento do
Existem certos lugares que são ruins para você - fique fora deles! Você sabe de
antemão que, se entrar, a carne será estimulada. Isso é fazer provisão para a
came. Portanto, nunca entre num lugar desses. E falo não somente de lugares,
mas também de pessoas. Se há pessoas que sempre exercem má influência sobre
você, evite-as! Fora com o velho homem! Não ore sobre isso, não argumente;
você não precisa de orientação especial sobre isso. Se a experiência lhe ensina
que uma pessoa tende invariavelmente a ter má influência sobre você, evite
essa pessoa. Não faça provisão para a carne.
A mesma coisa vale com respeito à leitura. Não hesito em dizer que os jornais
populares deste país são hoje, indubitavelmente, a pior influência que há, com
relação à vida espiritual. Eles estão repletos de sugestão e insinuação. Portanto,
seja discriminativo e cauteloso quando lê o seu jornal. Evite aquilo que tenda
afazer-lhe mal e arrastá-lo para baixo. Não faça provisão para a carne! Ouça a
Jó, quando ele nos fala no Velho Testamento. Ele era um homem piedoso, e eis o
que ele diz: “Fiz concerto (ou aliança) com os meus olhos”! (31:1). No versículo
7 do mesmo capítulo ele diz: “Se os meus passos se desviaram do caminho, e se
o meu coração segue os meus olhos .. Notem: os seus corações seguem os seus
olhos! Os olhos são o problema. Vocês vêem algo, e os seus corações vão atrás.
Por isso Jó diz: “Fiz aliança com os meus olhos”. Deixem-me expressar a
questão positivamente, como a vemos em Provérbios 4:25: “Os teus olhos olhem
para a frente, e as tuas pálpebras olhem direto diante de ti”. Se há alguma coisa
tentadora, não olhem para ela! É isso que significa despojar-se do velho homem.
Façam aliança com os seus olhos, olhem direto para a frente, não deixem que os
seus olhos passeiam errantes, não os deixem cobiçar coisas, não os deixem
desviar-se do caminho reto. Este ensino é bíblico: não se limitem a orar sobre
isso; simplesmente não olhem\ Mantenham os seus olhos longe das coisas que
têm a probabilidade de seduzi-los ou atraí-los, sejam elas quais forem. Reitero:
façam aliança com os seus olhos, olhem direto para diante, mantenham-se
firmes, olhando no direção de Deus e do céu e da santidade. Não façam provisão
para a carne.
E isso me leva ao último princípio - procurei colocar os princípios numa ordem
ascendente: não só não devemos fazer nenhuma provisão para a carne, mas
realmente nos é dito que mortifiquemos a carne. “Se pelo Espírito mortificardes
as obras do corpo, vivereis”, diz Paulo aos cristãos romanos (8:13). Lemos uma
exortação similar em Colossenses 3:5: “Mortificai pois os vossos membros, que
estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, o apetite desordenado, a vil
concupiscência, e a avareza, que é idolatria”. Mortificai os vossos membros, que
estão
sobre a terra! Cristão, você tem que fazer isso, e eu tenho que fazê-lo; não o
fazem por nós; o mal não é extraído de nós numa experiência maravilhosa,
emocionante. Temos que empenhar-nos nessa obra de mortificação; temos que
mortificar os feitos do corpo. E isso mediante o Espírito! O Espírito é dado;
temos o Espírito. Portanto, diz o apóstolo, em Seu poder, mortificai . . .
Mortificar significa amortecer, significa atacar deliberadamente, significa
deixar passar fome para que os nossos inimigos morram de inanição; prive-os de
alimento, não faça nenhuma provisão para eles, noutras palavras. Outra boa
maneira de mortificar uma coisa é não usá-la. Se você não usar os
seus músculos, eles ficarão atrofiados e se enfraquecerão. Portanto, não usar é
um excelente meio de mortificar. Retire o alimento e o sustento; não use. E à
medida que você fizer essas duas coisas, os nossos inimigos serão mortificados
gradativamente.
Mas o apóstolo vai mais longe ainda. Nós não apenas não alimentamos a carne e
o corpo neste sentido mau; não somente não devemos exercitar o corpo, se
desejamos mortificá-lo. O apóstolo vai mais longe em sua Primeira Epístola aos
Coríntios, dizendo; “Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim
combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à
servidão”! (9:26-27). Logo vem a objeção: “Isso é legalismo, é um homem
fazer algo, cair de volta na lei das obras”. Contudo, é o apóstolo que o ensina! E
o sentido literal da expressão que o apóstolo usou de fato, aqui traduzida por
“subjugo o meu corpo”, é dar um soco no olho; esmurrar (Cf. ARA), inutilizar
um antagonista, como faz o pugilista! O apóstolo diz realmente: “Eu me esmurro
no olho”. Virtualmente, ele diz: sou como um boxeador, não estou batendo no ar,
estou surrando a mim mesmo, estou deixando o meu corpo cheio de manchas,
estou dando a mim mesmo olhos roxos; para que esta carne não me lance
ao chão. Subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão.
O cristão é assim! Portanto, não devemos dizer acerca do nosso problema: “Ah,
a solução é muito simples; basta abrir as venezianas e deixar o sol entrar, e as
trevas desaparecerão”! Todavia não desaparecerão! E as pessoas que usam essas
expressões sabem que não; e tem havido pessoas que, durante anos, vêm
tentando abrir as venezianas, e continuam derrotadas por pecados particulares.
Claro que continuam! Elas estão negando as Escrituras. Subjugo o meu corpo e o
surro, esmurro o meu olho com toda a minha força; levanto-me contra
um antagonista, e como um pugilista, estou tentando nocauteá-lo. Esse é o
método bíblico. Assim, não somente não fazemos provisão para a carne; temos
que mortificar a carne, subjugá-la, mantê-la baixo, compreendendo que, se não
fizermos isso, a carne nos porá abaixo
Queira Deus dar-nos honestidade! Queira Deus abrir os nossos olhos para as
Escrituras! Queira Deus livrar-nos de passar por alto as Escrituras e de eliminar
partes completas delas no interesse de uma teoria! E quando Deus fizer assim, e
quando compreendermos que temos o Espírito de Deus em nós, nós nos veremos
capacitados a despojar-nos do velho homem e de tudo quanto é tão
horrivelmente certo a respeito dele, para que não mais desonremos o glorioso
nome do nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo.
r - Efésios 4:23
A primeira coisa que o apóstolo nos diz é: “e vos renoveis” -expressão de grande
interesse! De fato, literalmente significa precisamente o que diz; significa re-
novar, ou ser feito de novo. Sugere restauração a uma condição prévia que
existia outrora. Sugere que
houve uma saída daquela condição, e que o que necessitamos é ser levados de
volta a ela. Pois bem, eu espero mostrar-lhes o significado dessa declaração, mas
é exatamente isso que ela significa. É importante observar que a Versão
Autorizada não nos dá o tempo verbal exato aqui (VA: “E sede renovados...”). O
tempo verbal é realmente o presente contínuo; diz Paulo que eles devem
continuar sendo renovados dessa maneira. Não é uma coisa que acontece uma
vez por todas. Vimos antes que “despir-se” é algo que se faz uma vez por todas;
“vestir-se” ou “revestir-se” também; todavia esta “ser renovado” é algo que
continua; é presente e deve continuar constantemente. E evidente que esse ponto
é muito importante. E o terceiro ponto acerca dessa palavra é que está na voz
passiva; não é algo que cabe ao cristão fazer. O “despojar-se” ou “despir-se”,
como estive acentuando é nossa ação; similarmente, o “revestir-se” é nossa ação;
mas a renovação não é nossa acão, é algo que nos acontece. Nós vamos sendo
renovados.
É de fato obra de Deus, obra do Espírito Santo. E todavia, penso eu, é óbvio que,
embora tenhamos que salientar e reforçar esse aspecto da questão, a própria
maneira pela qual o apóstolo a coloca indica claramente que podemos impedir
essa obra. Não há dúvida acerca disso tudo. Não estou falando da conversão,
porém de algo que está acontecendo com o homem que já nasceu de novo, pois é
a pessoas regeneradas que o apóstolo está escrevendo. É porque elas já nasceram
de novo, Paulo diz a elas, que ele as exorta dessa maneira. Por isso dizemos
acerca do cristão que ele pode impedir essa obra, pode apagar o Espírito, pode
entristecer o Espírito. Assim, embora a ênfase maior esteja no fato de que
sermos renovados é algo que nos é feito, devemos ter cuidado para não impedir
ou frustrar de algum modo essa obra, mas que façamos tudo o que pudermos
para promovê-la e fomentá-la. Podemos, pois, traduzir a declaração desta
maneira: “que continueis sendo renovados constantemente”, pois isso é o que
Paulo está dizendo de fato.
-nos dito que o Espírito Santo habita em nós, mas Ele não é nosso Espírito
Santo. Assim, o espírito da mente não pode significar o Espírito Santo
influenciando a mente. O Espírito Santo influencia a mente, porém Paulo aqui
está falando do espírito da mente. De igual modo devemos assinalar que aqui o
apóstolo não está se referindo aos nossos espíritos.
Neste ponto devemos lembrar-nos de novo da maneira pela qual a Bíblia disseca
e analisa a personalidade humana; noutras palavras, devemos por um momento
olhar de relance a psicologia bíblica. E o que ela nos diz sobre nós é que há no
homem a mente, a sede do entendimento; o coração, a sede das emoções e dos
sentimentos; a alma, a sede das sensações; e também o espírito. Há,
naturalmente, uma grande argumentação quanto a se o homem consiste de duas
ou de três partes. Uns dizem que só devemos falarem corpo o alma, o não em
corpo, alma e espírito, que é o conceito tricotômico. Este é um assunto que
jamais poderá ser resolvido de maneira final, porque notamos que este apóstolo
mesmo, no último capítulo da Primeira Epístola aos Tessalonicenses, fala acerca
de todo o nosso espírito, alma e corpo. E lemos no capítulo quatro de Hebreus
sobre dividir em partes até mesmo a alma e o espírito, e as juntas e a medula.
Realmente não importa qual dos conceitos você adota, contanto que
reconheça que, se disser que há somente um órgão (por assim dizer) em
acréscimo ao corpo, baseia-se no reconhecimento de que esse órgão tem
duas partes - alma e espírito. Portanto, chega-se à mesma coisa, no fim. Aí está a
alma do homem, a sede das sensações, pela qual o homem tem comunhão com
os seus semelhantes. Mas existe algo superior, o espírito que há no homem; e,
indubitavelmente, é a coisa mais elevada que há em nós e em nossa constituição.
Ao lerem a Bíblia, vocês devem ter notado que muitas vezes esses termos são
utilizados uns pelos outros; às vezes a palavra mente é utilizada significando a
pessoa completa; às vezes a palavra coração é utilizada, não somente para
indicar a sede dos afetos e das emoções, mas de novo pela personalidade toda,
incluindo a mente; alma é empregada do mesmo modo; e também espírito, da
mesma maneira. Alguém poderá perguntar então: temos alguma possibilidade de
saber que sentido é indicado em qualquer contexto particular? A resposta é que,
se você der cuidadosa atenção ao contexto, geralmente será capaz de determinar
o sentido. Eé esse o caso em nosso presente estudo. Em nosso texto de Efésios
Paulo fala sobre o espírito da mente; assim, obviamente, espírito e mente não
significam a mesma coisa. E, na verdade, ele não está falando nem mesmo dos
nossos espíritos; está falando particularmente do que ele chama espírito-da-
mente, e deve-
Testamento sem o Velho, porque o fato é que Deus fez o homem perfeito, porém
o homem caiu. E o que acontecu quando ele caiu? O apóstolo nos informa.
Quando o homem caiu, não foi somente que ele desobedeceu a Deus num
aspecto particular e, por isso, tornou-se transgressor. Ao mesmo tempo, e como
resultado direto da sua queda, ele começou a sentir-se miserável e infeliz.
Também viu que tinha perdido vários benefícios que antes usufruía. Mas, diz o
apóstolo, o fato mais devastador que lhe sucedeu foi que a sua mente entrou
por maus caminhos.
Vemos que o apóstolo oferece o mesmo ensino no capítulo dois desta Epístola
aos Efésios, onde se nos diz que, por natureza, todos os homens estão “mortos
em ofensas e pecados”, e que andam “segundo o curso deste mundo, segundo o
príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência”. Vemo-lo também no capítulo oito da Epístola aos Romanos,
onde lemos (VA) que “a mente carnal é morte”. Não há nada de errado com a
mente propriamente dita, mas o espírito da mente é carnal. “Amente carnal” (a
inclinação da carne), diz ele, “é morte, mas a mente espiritual (a inclinação do
espírito) é vida e paz.” A isso Paulo acrescenta: “Porquanto a mente carnal é
inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode
ser”. O espírito da mente é que está errado. Este é, pois, o real problema com o
homem. Não é meramente que ele faz coisas que não deve fazer, e que não faz o
que deve. A tragédia de todo aquele que não é cristão é simplesmente esta, que
na própria cidadela do seu ser, no seu ponto mais elevado, no espírito da sua
mente, ele perdeu o rumo. Que tragédia pode ser maior do que essa?! Algumas
pessoas que vivem para o mal neste mundo, que fazem dinheiro disso e que o
organizam, têm cérebros maravilhosos; são gênios nisso; têm grande capacidade,
porém essa capacidade está sendo prostituída, está sendo manobrada e utilizada
numa direção completamente errada. O “espírito da mente” extraviou-se e,
portanto, precisa ser renovado.
Havendo, então, ocorrido a mundança, a que leva? Significa que o cristão não
somente pensa em coisas diferentes, mas, o que é ainda mais importante é que
ele pensa de modo diferente. Ouçam o que diz o poeta sobre a mudança
ocorrida:
Há certa vida em cada nuança Que olhos sem Cristo nuança vêem.
Os olhos sem Cristo podem ver, naturalmente. Podem ver as flores, como podem
ver os olhos cristãos, e observam as mesmas flores. E o não cristão pode dizer o
nome da flor, como o cristão, talvez melhor; pode dissecá-la, analisá-la, sabe
tudo sobre ela, vê e pode redigir o seu relatório; o cristão também pode; ambos
vêem as mesmas coisas, e até certo ponto os seus relatórios são idênticos.
Contudo, o cristão vê algo que o outro não vê. O céu em cima é azul mais suave\
O não cristão apresenta o seu relatório. Diz ele: os céus são azuis! Ele
está perfeitamente certo. Mas não viu a suavidade. O cristão olha para os céus e
não vê apenas algo material, físico; há um resplendor que o outro não consegue
ver; é a glória de Deus por trás deles. Tudo isso está lá no Salmo oito. “Quando
vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas...” O cristão vê algo
extra. Não vê somente o que está ali, ele vê os dedos de Deus que os fizeram. “A
luz e as estrelas que tu ordenastes!” (VA). O céu em cima é azul mais suave. E a
terra -que dizer dela? Bem, é verde, diz o incrédulo, e é evidente que ele
está perfeitamente certo. Entretanto, diz o cristão, verde mais leve é a terra em
volta. Que se passa? Nos dois homens, a capacidade cerebral é mais ou menos
idêntica; porém há algo extra, o espírito da mente mudou, no cristão. Há certa
vida em cada nuança que olhos sem Cristo nunca vêem.
Que foi que aconteceu com esse homem? O apóstolo dá a resposta. O espírito da
mente foi renovado! Ele não tem intelecto maior do que o que tinha antes, mas o
seu intelecto está sendo habilitado a funcionar de uma nova maneira, ele agora
pensa de uma nova maneira. Ele não somente fala de coisas diferentes, porém
faz diferentemente tudo o que faz. “As coisas velhas já passaram; eis que tudo se
fez novo.” E isso que acontece com o cristão. Como “homem natural”, pode ser
que ele tenha sido um escravo da bebida, e não pudesse passar em frente de
um bar sem se sentir tentado a entrar; lá ia ele. Mas, agora que se tornou cristão,
passa em frente do mesmo bar, todavia não o vê como o via
antes. Fisicamente ele vê exatamente a mesma coisa, o mesmo edifício, a mesma
pintura, a mesma cor, o mesmo nome no letreiro; não houve mudança; e, no
entanto, tudo é diferente, não é mais o mesmo lugar. Que terá acontecido? Não
houve mudança no bar; não houve mudança no cérebro do homem, enquanto
cérebro,qua cérebro. O que mudou foi o espírito da sua mente! Ele agora pensa
diferentemente. Embora observe precisamente os mesmos dados, neles medite e
sobre eles cogite, já não faz a mesma coisa do mesmo jeito. O espírito da sua
mente mudou. A sua perspectiva é completamente nova.
Ora, alguém poderá perguntar: que é que isso tudo significa na prática? Bem,
aqui vão algumas deduções práticas. Quando o apóstolo nos exorta a despojar-
nos do velho homem e a revestir-nos do novo, ele não está pedindo que haja uma
conformidade mecânica, mas sim, que ponhamos em prática uma mudança
inteligente. Essa é a razão para falar em ser renovado no espírito da sua mente no
intervalo entre o “despojar-se” e o “revestir-se”. O apóstolo não dá estas
ordens como o faria um sargento duro na disciplina. O sargento duro não recorre
à inteligência. Ele berra as ordens-Despoje-se! Revista-se! Não é o que temos
aqui, de modo nenhum! A vida cristã não é mecânica. Haveria necessidade de
salientar isso? Receio que sim. Vejo cristãos fazendo coisas como se estivessem
numa parada militar, nestes dias; “Despojem-se!” “Revistam-se!” Assistem a
aulas de instrução, e são treinados para fazer isso, aquilo e outras coisas mais. Se
eles dizem isto, yocê o diz também - sejam evangelistas e dêem o seu
testemunho pessógl! Não há nada sobre isso no Novo Testamento. O que o Novo
Testamento faz é treinar o homem, endireitá-lo, e depois ele vai realizar a obra. E
o espírito da mente que precisa ser mudado. O cristão não deve fazer coisas sem
saber por que as faz. Não deve fazê-las cegamente só porque lhe disseram que as
faça. Nada disso! A inteligência é essencial! O espírito da mente! Se você não
sabe por que vive a vida cristã, você está sendo um pobre cristão. O cristão
deve ser capaz de dar a razão da esperança que nele há, com mansidão e temor.
Não é uma coisa mecânica; isso tem que ser realizado pelo espírito da sua
mente!
Num sentido, foi essa a maldição dos últimos anos do período vitoriano e dos
primeiros anos do século atual. As igrejas cristãs estavam repletas de gente que
tinha tirado a velha veste e vestido a nova, entretanto os espíritos das suas
mentes não sofreram mudança. Essas pessoas não sabiam por que estavam
fazendo aquilo; era a tradição; tinham sido criadas aprendendo a ir a locais de
culto; a não fazer isso e a fazer aquilo. Essa foi, sem dúvida, a maldição do
período final do vitorianismo. Graças a Deus chegamos ao fim disso! Prefiro a
presente situação àquela, porque os vitorianos que tinham essa forma de piedade
julgavam-se cristãos verdadeiros e, todavia, muitos deles nunca foram cristãos e
jamais tinham conhecido de coração a fé. Se este despojar-se e revistir-se não for
resultado da renovação da mente, não terá nunhum valor. Não somente devemos
viver a nova vida, mas devemos querer fazê-lo, devemos achar que é inevitável
fazê-lo, devemos achar que não temos escolha. Devemos entender a lógica
da verdadeira profissão cristã. O cristianismo não está interessadç unicamente
em nossas ações, está muito mais interessado em nós. É por isso que a Bíblia nos
diz que, no resultado final, Jacó, e não Esaú, foi homem de Deus. Esaú tinha
muito mais de cavalheiro que o seu irmão, e era muito mais simpático, porém
não era piedoso, era “profano”, como nos é dito claramente na Epístola aos
Hebreus. Não obstante toda a corrupção de Jacó, ele era homem de Deus. Não
são as nossas ações, e nada mais, que importam; somos nós, e o espírito
da mente.
Mas vamos agora ao meu terceiro e último princípio prático. Reconhecemos que
fazer-se cristão não é simplesmente você trocar de terno moral ou de conduta
externa. Tampouco é apenas mudar as suas opiniões, nem a sua mente.
Entretanto, sem dúvida nenhuma,é mudar o espírito da sua mente. Que
distinção! Noutras palavras, o cristianismo não é algo de que eu e você nos
apossamos intelectualmente; é algo que se apossa de nós, nos cativa, nos
governa e nos domina. Mas é
preciso que eu toque um sinal de alarme! Conheço gente - não permita Deus que
eu cometa o pecado de julgar! - porém conheço gente que, tendo passado a viver
em círculos evangélicos, começam a usar frases evangélicas. Essas pessoas as
ouvem tantas vezes que as adotam e começam a usá-las. E, se você for um
observador superficial, poderia dizer: essas pessoas agora são verdadeiramente
cristãs, você não as ouve? Agora falam como crentes evangélicos! Todavia um
papagaio também pode fazer isso. Pode repetir frases e clichês
evangélicos; basta que os ouça suficientes vezes, e os repetirá. E ao homem
é possível fazer o mesmo. Você pode perguntar-me: mas como é que você sabe
isso acerca dessas pessoas? Da seguinte maneira. Se de repente você as
confrontar com uma pergunta ou com um problema a que não possam dar uma
resposta apropriada, você verá que elas não sabem pensar espiritualmente. O
espírito das suas mentes não mudou nada; é a velha mente que fica repetindo
frases, usando o linguajar, porém elas se traem - quão tragicamente! - revelando
que realmente jamais começaram a pensar de maneira cristã. De vez em quando
elas dizem coisas que o chocam e o espantam, e você diz: eu pensava que Fulano
tinha de fato visto a verdade. E ele se trai logo, mostrando que nunca a viu
realmente. Tais pessoas ficam repetindo frases emprestadas, e nada mais!
Qualquer pessoa de inteligência média, ouvindo uma coisa freqüentemente, deve
ser capaz de fazê-lo! Mas o cristão é testado, não simplesmente pelo que ele diz,
nem simplesmente pelas opiniões que ele apresenta, e sim pelo espírito da sua
mente!
O nosso texto é uma declaração que realmente não deve ser tomada
isoladamente. Pertence à seção que começa no versículo 22: “Que, quanto ao
trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas
concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito do vosso sentido; e vos
revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e
santidade”. ^
Mas este mal não se restringe ao misticismo. O mesmo erro, a saber, olhar
somente para o negativo e concentrar-se unicamente no despojamento do velho
homem, é indubitavelmente a causa direta de alguns dos aspectos menos
agradáveis daquilo a que chamam purita-nismo. O perigo do puritanismo sempre
é cair no legalismo. E não há nenhuma dúvida de que alguns puritanos, deveras
inconscientemente, tornaram-se legalistas porque davam mais atenção ao
despojamento do velho homem do que ao revestimento do novo. Ficavam
perpetuamente se examinando, demorando-se sobre os seus pecados, tentando
livrar-se deles, impondo a si mesmos regras disciplinares, e assim, sem dúvida
nenhuma, alguns deles tornaram-se mórbidos, introspectivos e depressivos. Por
causa disso fizeram um quadro da vida cristã desequilibrado e, portanto, infiel;
de maneira muito inconsciente, tornaram-se legalistas. Além disso, se dermos
toda a ênfase ao aspecto negativo - ao despojamento do velho homem - essa
ênfase levará indubitavelmente à depressão, e isto pode ser muito grave.
Os escritos de Paulo mostram a vida equilibrada que ao cristão cabe manter.
Temos uma excelente ilustração disso no começo dos capítulos 4 e 5 de 2
Coríntios. Ao procederem à sua leitura, notem os paralelos; vejam como ele
coloca o positivo contra o negativo: “Abatidos, mas não destruídos”, e assim por
diante. Ele não continua caído no chão; está passando por um período terrível,
sim, todavia ele sempre acentua a contraparte, que é o revestimento do novo
homem. As suas frases são perfeitamente equilibradas. E cristianismo é
vida equilibrada; temos que ter o cuidado de ver que não nos
concentremos totalmente no negativo.
No entanto, de igual modo, devemos ter muito cuidado para não colocar toda a
nossa ênfase unicamente no positivo - no revestimento do novo homem - sem
nos preocuparmos em despojar-nos do velho homem. Muitos também têm sido
culpados desse erro. Este erro é a estrada real que leva ao que se chama
antinomismo, em que as pessoas dizem: bem, naturalmente, eu tenho que me
revestir do novo homem; não importa muito, quanto ao velho homem;
simplesmente o ignoro. Se as coisas vão moralmente mal, não sou eu, é a carne
em mim. Havia pessoas desse tipo na Igreja Primitiva, e tais pessoas sempre
existiram, daí em diante. Ah, dizem elas, o valor está em você concentrar-se
no fato de que você nasceu de novo, e de que você deve ser animado e
alegre! Mas o que se vê é que as suas vidas estão salpicadas de pecados, culpas e
fracassos, o que anula o seu testemunho da veracidade dá fé cristã. E isso tudo se
deve ao fato de que, em vez de se despojarem do velho homem, como também
se revestirem do novo, resolveram só revestir-se do novo.
pessoas não cristãs, porque estas não podem despojar-se do velho homem, não
podem revestir-se do novo, ainda estão em seu velho estado, não foram
regeneradas.
Vejamos o problema à luz do que este mesmo apóstolo diz em sua Epístola aos
Filipenses. Se vocês fizerem uma leitura superficial, poderão achar que ele está
se contradizendo. “De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes,
não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim
também operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera
em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (2:12-13). De
um lado ele nos diz que façamos algo, nós mesmos; depois ele diz que é Deus
que o faz. Como conciliar as duas coisas? É muito simples. Devemos operar a
nossa salvação com temor e tremor, porque é Deus que opera em nós. É pelo que
Deus fez em nós que somos capazes de fazê-lo, e devemos fazê-lo porque Deus
o fez em nós. Porque Ele o operou em nós, devemos operá-lo também. Não há
contradição. Devemos dar-nos conta do que somos, e viver de acordo. É
porque você é um novo homem que você deve revestir-se do novo homem. Esta
é uma pitoresca, porém útil, maneira de expressá-lo.
Lembro-me de uma senhora que uma vez se queixou a mim de uma sua amiga
que fora convertida, e ela disse: “Você sabe, ela só fica falando sobre nascer
outra vez; não entendo isso, ela me parece estar perdendo o rumo; antes ela era
uma mulher agradável, decente e boa; sempre ia à igreja; mas agora está sempre
falando desse novo nascimento!” Parecia-lhe algo muito terrível e errado, algo
tinto de fanatismo. Ela receava que a sua amiga estava perdendo o rumo, talvez
até em sua mente. E, todavia, era uma boa mulher, de bons princípios e religiosa.
Mesmo assim obviamente, ela não sabia nada acerca do novo homem, apesar de
ser este o próprio centro nervoso e vital da fé cristã.
A primeira coisa acerca do novo homem, diz o apóstolo, é que ele é criado.
Notem a completa antítese em relação ao velho homem. O que ele diz a respeito
do velho homem é que ele é corrupto, condição que já vimos significar que ele
foi se corrompendo cada vez mais. Qual é a característica do novo homem? Ele é
“criado”! No primeiro caso há um processo de morte e decadência, no segundo,
de criação! A própria palavra “criação” nos sugere algo novo, um completo
contraste com o velho. Vimos também, depois, que a corrupção do velho homem
resultou em destruição. Entretanto a criação é o começo da vida. O velho homem
está ligado a tudo o que vai se desvanecendo, fenecendo e decaindo, ao passo
que o novo é o exato oposto de tudo o que sugere corrupção e decadência.
Mas, o que é ainda mais importante nesta palavra “criado” é a idéia de que algo
foi trazido do nada à existência. Quando Deus criou os céus, a terra e todas as
coisas, Ele os criou do nada. Foi pela palavra do Seu fiat. Ele dizia, “Haja”, e
dessa maneira os trouxe à existência. Criar é fazer algo do nada.
Semelhantemente, o novo homem, diz Paulo, é algo que écriado. Noutras
palavras, o novo homem não é uma coisa que se desenvolve a partir do velho
homem por um processo gradual. Não é um lento e quase imperceptível processo
de renovação. Não é um melhoramento do velho homem. É uma criação, uma
nova obra. Deus colocou em nós algo que não estava ali antes. E isso que
Devemos, pois, entender que Deus fez em nossas almas a mesma coisa que fez
quando criou o mundo e quando criou o homem. O “novo homem” é
verdadeiramente uma nova criação! O apóstolo já nos estivera dando este
ensinamento nesta mesma Epístola; diz ele, por exemplo, que “somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que
andássemos nelas” (2:10). Um novo princípio é colocado em nós por Deus
mediante o Espírito Santo, e este é o princípio da própria vida de Jesus Cristo.
Assim é que vemos o apóstolo Pedro dizendo que somos “participantes da
natureza divina” (2 Pedro 1:4). A verdade é tão estonteante que mal
conseguimos recebê-la. E pergunto: a Igreja Cristã não está nas condições
em que hoje está devido não compreendermos o que somos e quem somos?
Somos gente que apenas procura viver um pouco melhor do que a maioria
descrita nos jornais? Somos tão-somente um grupo de pessoas de boa moral,
pessoas decentes... ? Somos isso, porém somos infinitamente mais; Deus
colocou algo da Sua própria natureza dentro de nós: somos “participantes da
natureza divina”! É isso que significa ser cristão.
Ouçam o apóstolo Paulo dizê-lo de novo em 2 Coríntios 5:17: “Se alguém está
em Cristo, nova criatura é (uma nova criação); as coisas velhas já passaram; eis
que tudo se fez novo”. Um novo princípio de vida foi introduzido no cristão. Ele
tem uma nova disposição - a vida de Deus na alma do homem! Isso é
cristianismo! Estou dando ênfase a isso por esta boa razão: a percepção disso
constitui a estrada real, não somente para um verdadeiro entendimento, e sim
também para o verdadeiro gozo da vida cristã. Na verdade, irei mais longe. É
a estrada real que leva ao avivamento! Jamais nos esqueçamos de que, há
duzentos anos, o livro (fora as Escrituras) que mais que qualquer outro
influenciou George Whitefield e John Wesley foi A Vida de Deus na Alma do
Homem, escrito pelo escocês Henry Scougal. E foi quando eles leram o livro de
Scougal que lhes veio a convicção, a ambos igualmente: não tenho isso; sou um
bom homem, sou homem de princípios morais, sou religioso; mas não tenho
isso; é algo
diferente, é algo de fora de mim, por assim dizer, é algo que é preciso que Deus
infunda em mim! E eles foram ao Novo Testamento e encontraram lá a mesma
verdade! Aprenderam que o Criador, Aquele que no princípio fez o homem, vem
e o refaz, por assim dizer, e põe dentro dele este princípio de vida. A ação é de
Deus; os crentes são obra das Suas mãos; a obra não é algo que nós penosamente
realizamos; é algo que Ele faz. E porque Ele fez isso em nós, vivamos de acordo.
E isso que significa revestir-se do novo homem, porque o novo homem está em
você.
No entanto, isso não esgota a doutrina. O novo homem, diz Paulo, é criado; mas
ele introduz a frase adicional: “segundo Deus”, outra expressão deveras vital!
Ele não diz “por Deus”. Ele não quer somente dizer que Deus o fez, se bem que
foi Deus que o fez. Isto é algo adicional. Literalmente significa que o novo
homem foi criado por Deus segundo a Sua imagem; que o que Deus criou e
implantou em nós é algo que participa da Sua semelhança. Isto não é teoria
minha, todos os eruditos concordam que essa é a única maneira de interpretar
a expressão “segundo Deus”. Estas palavras levam-nos de volta ao capítulo
primeiro de Gênesis, onde vemos Deus dizendo: “Façamos o homem à nossa
imagem, conforme à nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e
sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil
que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem”; e depois, para
que jamais pudéssemos esquecê-la, a palavra é repetida, “à imagem de Deus o
criou; macho e fêmea os criou” (versículos 26-27). Notem a repetição de
imagem e semelhança, pois “imagem” e “semelhança” significam
essencialmente a mesma coisa.
imagem e fez dele o senhor da criação: fez dele rei e príncipe sobre todos os
animais e sobre tudo quanto há na terra. Deus pôs dentro do homem algo daquilo
que O caracteriza. O próprio corpo do homem dá prova disso. Deus fez o homem
ereto. Os animais não são eretos. Deus fez o homem ereto para mostrar que ele
tinha essa dignidade, essa qualidade régia concernente a ele. O homem não anda
de quatro, anda ereto; a própria constituição ereta do corpo homano faz parte
da imagem de Deus nele. Mais importante ainda é o fato de que Deus fez o
homem, originariamente, reto. Deu-lhe integridade moral e intelectual. O
homem, como foi feito por Deus, era reto, santo e verdadeiro. Não havia pecado
nele, não havia defeito, ele permanecia diante de Deus como uma criatura
moralmente reta, apta para a comunhão com Deus, e que gozava comunhão com
Deus.
Por que o mundo está como está? - vocês indagarão. A resposta é que o homem
caiu. E quando o homem caiu, a imagem de Deus no homem foi desfigurada.
Não digo que a imagem foi destruída ou completamente perdida, porque quando
o homem pecou e caiu, não deixou de ser homem, não se tornou um animal,
continuou sendo homem. E essa é a tragédia do homem, que ele ainda leva
algumas das marcas da imagem de Deus. Ele ainda pode pensar; ainda
pode raciocinar; ainda fica ereto, de pé; ainda tem poderes psíquicos com
os quais pode raciocinar acerca de si próprio e pode contemplar-se. Esses traços
permanecem. Mas o que de fato foi o dom supremo da imagem - a justiça, a
retidão, a santidade, a verdade - perdeu-se, e o homem foi expulso da presença
de Deus e se tornou um estranho para Ele.
Que é, pois, a nova criação? Que é o novo homem? Que é essa nova coisa que
Deus cria e introduz em nós? Dizem-nos as Escrituras que os crentes foram
criados de novo segundo a imagem de Deus, e que recebem de volta a justiça, a
santidade e a verdade outrora perdidas por causa do pecado e da Queda. Pode
haver alguma coisa mais importante do que compreendermos o que é nascer de
novo e termos a vida de Deus em nossas almas? Se tão-somente cada cristão que
há no mundo hoje se desse conta de que esta nova criação, este novo homem,
este novo ser, está dentro dele, a Igreja toda seria revolucionada! Todos
os nossos fracassos, todos os nossos pecados, devem ser rastreados até se chegar
fínalmente ao fato de que não compreendemos como devíamos o que Deus fez
por nós, e o caráter e a natureza do novo homem, da nova vida, que Ele colocou
dentro de nós. Somente quando compreendermos isso plenamente é que, seja
como for, seremos capazes de revestir-nos do novo homem. Você sabe que a vida
de Deus está em sua alma? Essa é a questão.
1
Em latim no original. Sentido da frase: o cérebro humano, pelo que o cérebro é (enquanto cérebro).
Nota do tradutor.
JUSTIÇA, SANTIDADE E VERDADE
Devemos, porém, lembrar que esta é a segunda metade desta grande Epístola,
onde Paulo está aplicando o ensino e está preocupado com a conduta e com o
comportamento daqueles cristãos. Por isso aqui ele não faz um tratamento
exaustivo de toda essa questão da imagem, nem mesmo da regeneração; visto
que ele tem em mente esta preocupação prática, por isso mesmo ele se afana em
salientar de maneira muito especial os aspectos éticos e práticos desta
coisa tremenda que Deus faz conosco na regeneração, restaurando assim em nós
a imagem de Si próprio. Portanto, examinemos isso agora.
Este processo, este ato de regeneração, esta renovação da imagem, esta coisa que
sucede conosco no novo nascimento, nesta nova criação, é como o apóstolo João
o expressa, como a implantação em nós de uma semente divina. Pedro diz que
nos tornamos participantes da natureza divina, João nos diz que esta semente
está em nós. Neste ponto Paulo está interessado em acentuar que há duas
características especiais da semente, desta vida divina, deste novo princípio que
foi colocado em nós, e nos é dito que elas são o exato oposto das características
do velho homem, descritas como concupiscências. O oposto das
concupiscências, afirma Paulo, é a justiça e santidade; “o novo homem, que
segundo Deus é criado em justiça e verdadeira santidade”.
Quão importante é que tenhamos uma correta concepção desses termos! Justiça
é retidão essencial, amor pelo que é certo e verdadeiro. E talvez ainda mais
importante, é uma justa e reta relação entre os poderes da alma. No velho
homem os poderes da alma não estão em correto equilíbrio ou na proporção
certa. E um ser anômalo e desequilibrado. Em lugar de ser governado por sua
mente e por seu entendimento, mais ainda pelo espírito da sua mente, é
governado por
Parece-me que este é um modo muito frutuoso de examinar a vida cristã, e é algo
freqüentemente ressaltado no Novo Testamento. No capítulo oito do Evangelho
Segundo João, por exemplo, onde se registra que o nosso Senhor estivera
pregando sobre a Sua relação com o Pai, é-nos dito que isso maravilhou tanto
aos que O ouviam que muitos deles creram nEle; e mais adiante nos diz o texto:
“Jesus dizia pois aos judeus que criam nele: se vós permanecerdes na
minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade,
e a verdade vos libertará”. Averdadel Permanecei, diz Ele, nesta Minha palavra
que ouvistes, e então “verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a
verdade, e a verdade vos libertará”!
Mas por que será que a espécie de exortação que temos aqui, sobre o
despojamento do velho homem e o revestimento do novo, é sempre necessária?
Por que é que todos nos, como cristãos, não somos perfeitos? Por que é que a
Igreja parece como parece nos dias atuais? Que acontece? Qual a real
explicação? Eu não hesito em afirmar que é em parte e principalmente porque o
nosso conceito fundamental da salvação é errôneo. Não pensamos nela em
termos da verdade. Com demasiada freqüência pensamos nela somente em
termos do sentimento ou da experiência. Talvez tenhamos estado em
péssimas condições e infelizes depois de havermos sido derrotados por
alguma coisa; depois fomos libertos, e nos inclinamos apensar: agora tudo
está bem, sou feliz, ao passo que antes eu me sentia miseravelmente mal; agora
sinto uma alegria que não sentia antes, e tenho vitória onde antes fora derrotado.
E ficamos nisso! É natural, porém está completamente errado. A experiência é
uma parte vital da nossa vida cristã, mas não é toda ela. E é porque tendemos a
deter-nos nestes pontos e nestas conjunturas, ao invés de irmos adiante e
concebermos as nossas experiências em termos da verdade, que nos vemos
nestas constantes dificuldades e problemas. O apóstolo escreve a sua Epístola
para levar os cristãos a compreenderem que o homem é como é, em sua
condição de pecador, porque acreditou numa mentira, porque se tomou
um desconhecedor da verdade; e o que o homem necessita acima de tudo mais, é
ser levado de volta ao conhecimento da verdade! É certo que ele necessita ser
liberto dos seus pecados particulares; é certo que ele necessita receber alegria e
muitas outras coisas; todavia o real problema com o homem é que ele acreditou
na palavra do diabo, acreditou numa mentira, seguiu o pai da mentira, aquele que
foi mentiroso desde o princípio; e daí em diante ele vive uma vida de engano e
debaixo do domínio do engano. O que o homem necessita acima de tudo mais
é ser levado de volta ao conhecimento da verdade.
Há somente um modo pelo qual isso pode acontecer; e esse é que precisa ser
dado ao homem um novo princípio de vida. Sem o mesmo ele não pode enxergar
a verdade. “O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus”;
ele é incapaz disso, ele está em inimizade contra Deus, toda a sua vida é
antagônica a Deus. Portanto, não é suficiente dar-lhe instrução. Se a verdade for
colocada diante dele, ele não conseguirá vê-la. Mas quando um homem é criado
de novo segundo a imagem de Deus, e lhe é dada esta nova vida, ele tem a
capacidade de compreender a verdade, crer na verdade, gozar a verdade, e de
crescer na graça e no conhecimento dessa verdade. E é exatamente isso que nos
acontece na regeneração. Recebemos essa nova capacidade, a capacidade da
verdade, a qual literalmente não
tínhamos antes, e isso, por sua vez, torna mais importante que tenhamos o
conceito certo sobre a salvação. Sempre devemos examiná-la como um todo,
nunca devemos deter-nos em pontos particulares.
Para algumas pessoas, a salvação parece ser apenas uma questão de perdão. Elas
estavam inquietas, eram acusadas por sua consciência, sentiam e ouviam o
tonitroar da lei de Deus, sentiam-se como se estivessem aos pés do Monte Sinai;
viam o clarão dos relâmpagos, ouviam o rolar dos trovões e a voz temível,
tremiam e estremeciam, e ansiavam por saber se havia um caminho para o
perdão. E viram que há. Mas, que lástima! A tragédia de tantos é que param
nesse ponto; e o resultado é que as suas vidas são indignas, elas caem
repetidamente no pecado. Ah, dizem elas, o sangue de Cristo me cobre. ..! Isso
é perfeitamente verdadeiro, entretanto continuam nesse nível, nunca se elevam,
nunca crescem. Para tais pessoas Paulo diz: “Despojei-vos do velho homem. .
.revistai-vos do novo homem”; é porque vocês não compreenderam a verdade
que estão vivendo nesse baixo nível. Elas só tomaram uma pequena parte dela;
detiveram-se no perdão, ou nalguma outra experiência. Alguns ficam só na
justificação, e não hesitam em dizer que podem, por assim dizer, receber a sua
justificação isoladamente, de Cristo, e depois, mais tarde, receber a
sua santificação. Contudo isso é um erro. Não se pode dividir Cristo; não se pode
dividir a verdade. Todas as partes da salvação resultam do conhecimento da
verdade! E a verdade é que “Jesus Cristo.. .foi feito por Deus sabedoria, e
justiça, e santificação, e redenção” (1 Coríntios 1:30). Não é possível dividi-la e
tomar partes dela. E um todo. Portanto, o que o apóstolo quer que estes efésios
entendam é que este princípio justo e santo que está dentro deles os habilite a
compreender, reter, gozar e praticar a verdade. Ao que me parece, Paulo coloca
a matéria num só versículo em sua Epístola aos Romanos; “Graças a Deus”, diz
ele, “que vós fostes servos do pecado”, mas agora! -“obedecestes de coração à
forma de doutrina a que fostes entregues” (6:17). Por que a obedeceram de
coração? Porque a tinham compreendido e haviam crido nela; a mente fora
capacitada a recebê-la; e, como conseqüência, ela os movera à ação. Assim, o
intelecto, o coração e a vontade estão envolvidos; a verdade absorve o
homem completo, e move todo o seu ser. O homem foi criado de novo na justiça
e na santidade da verdade!
Isso nos leva à maior e mais importante de todas as questões. Qual é esta
verdade que leva à justiça e à santidade? A resposta é: a verdade acerca de
DEUS, o Pai, é a grande mensagem da Bíblia, do começo ao fim. Não termina
nem mesmo no Senhor Jesus Cristo. Ele não é o
limite terminal; Ele nos leva a DEUS! É porque nos esquecemos disso que
estamos em dificuldade ao nível moral e ético. Há somente um modo de
assegurar que os homens e as mulheres vivam uma vida reta e santa, e é que eles
conheçam a DEUS. Vejam o tema do Velho Testamento. Deus revelou a Sua
santidade aos homens logo no princípio. Ele continuou fazendo isso. Em certos
lugares ela é preeminente, na dádiva da lei, nos termos e no caráter da lei e
dos mandamentos. Acha-se no transcurso de todo o ensino de uma vigorosa
sucessão de profetas. O seu fardo e a sua mensagem era a santidade de Deus
contraposta à loucura do próprio povo de Deus, povo que Ele formara para Si,
em esquecer-se da santidade de Deus!
Depois leiam o ensino do próprio Filho de Deus, o Senhor Jesus Cristo, e verão
que Ele exorta o povo a fugir da ira vindoura. Ele fala sobre o lugar onde o
verme não morre e o fogo não se apaga, onde está posto um abismo eterno onde
os maus e os impenitentes passam a eternidade em sofrimento. Prossigam para o
livro do Apocalipse, e
verão que nada que seja impuro ou imundo terá permissão de entrar pelas portas
da cidade santa. Fora ficam os cães, os feiticeiros e todos os que praticam a
iniqüidade; não estarão dentro, mas sim, fora, expulsos e mantidos fora, e fora
permanecerão. Deus revelou isso; isso faz parte da verdade! Não esperem por
uma experiência, leiam a Palavra de Deus e estudem-na. Agora vocês têm uma
natureza que os habilita a fazê-lo, a recebê-la e a assumi-la. Revistam-se do
novo homem! Ele é criado na justiça e na santidade da verdade!
Ainda mais, vão adiante para compreenderem que esta comunhão com Deus só é
possível em certas condições. Vejam o Salmo 15: “Senhor”, diz este homem,
“quem habitará no teu tabernáculo? Quem morará no teu santo monte?” Ele
responde: “Aquele que anda sinceramente, e pratica a justiça, e fala a verdade no
seu coração”. E tomem a ouvi-lo no Salmo 24. “Quem subirá ao monte do
Senhor, ou quem estará no seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e
puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente.
Este receberá a bênção do Senhor e a justiça do Deus da sua salvação. Esta é a
geração daqueles que buscam, daqueles que buscam a tua face, ó Deus de Jacó.”
“Santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14, VA). Quem
habitará com as labaredas, com o “Fogo Consumidor”? Quem dentre nós
habitará com as chamas eternas? Mas vocês dirão: você está citando o Velho
Testamento, você nos está levando de volta aos Salmos e a Isaías. Que dizer do
sangue de Cristo? Ele não tornou tudo diferente? Acaso agora não posso correr
para a presença de Deus tendo-0 como o meu Pai? Bem, ouçam o autor da
Epístola aos Hebreus. Embora alguém entre com santa ousadia pelo sangue de
Cristo no Santo dos Santos, ainda o fará com “reverência e santo temor” (VA),
“porque o nosso Deus é um fogo consumidor” (Hebreus 12:28-29). Sem
santidade ninguém verá o Senhor, sem santidade ninguém pode ter comunhão
com Ele, ninguém pode orar verdadeiramente a Ele.
APRONTE-SE E FAÇA!
Até aqui estivemos examinando algumas das razões pelas quais devemos
revestir-nos do novo homem. Resta-nos considerar uma coisa, e é sumamente
importante - como nos revestimos do novo homem? Se evitarmos essa pergunta
ou nos esquivarmos dela, estaremos numa situação muito perigosa. Não há nada,
suponho, que seja tão perigoso como examinar uma grande verdade como esta
de maneira meramente teórica. Nada pode ser mais perigoso para a alma do que
ter forma de piedade, mas negar o poder dela. Disse o nosso Senhor: “Se sabeis
estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes” (João 13:17). Pode ser
assolador, como a história o prova plenamente, os homens examinarem esta
sublime e gloriosa doutrina do novo homem de maneira puramente objetiva,
acadêmica e teórica, vendo-a como um conceito maravilhoso. Todavia, o
apóstolo aqui, e em toda esta seção da sua Epístola, está interessado em ser
intensamente prático. Nós o veremos prosseguir e dizer: “Pelo que deixai a
mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo”, e assim por diante.
Mas, antes de chegarmos aos pormenores fatuais, examinaremos, de maneira
geral, esta questão de como revestir-nos do novo homem.
o poder necessário; você tem o poder, e o que você é exortado a fazer é dar-se
conta de que o poder está em você e que, à medida que você se exercitar,
descobrirá que o poder está ali. Esse é o mistério do método divino de
santificação. Não fique à espera do poder; no novo nascimento o poder está
presente, e à medida que você o exercitar, você verá que o tem, e continuando a
exercitá-lo, você terá ainda mais dele. E exatamente como se dá com os nossos
músculos; você não conhecerá o seu poder muscular enquanto não começar a
usar os seus músculos, e à medida que os usar, muitas vezes ficará surpreso com
a força e poder que possui. Deus nos dá o poder; o que somos chamados a fazer
é usá-lo e exercitá-lo.
Vejam ainda um caso similar no capítulo 8 da Epístola aos Romanos: “Se pelo
Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis”. “Pelo Espírito!” O Espírito
dá o poder, e o Espírito está em nós. Portanto, sendo esse o caso, somos
exortados a despojar-nos do velho homem e a revestir-nos do novo.
Em segundo lugar, o revestimento do novo homem é algo que precisa ser feito
completamente, sempre tem que ser feito como um todo, e terá que ser aplicado
à totalidade da nossa vida continuamente. Noutras palavras, jamais deveremos
realizar a obra por compartimentos; temos de revestir-nos do novo homem não
somente em certas partes das nossas vidas, tem que ser na totalidade da nossa
vida. Não devemos revestir-nos do novo homem somente em certas ocasiões
ou quando estivermos com certos companheiros, ou quando estivermos em
certos lugares. Isso seria negar o princípio todo. O novo homem terá que ser o
princípio dominante e condutor de toda a nossa vida; tendo nascido de novo,
fomos transferidos do mundo para o reino de Deus; e, portanto, a totalidade da
nossa vida e da nossa conduta será e terá que ser inteiramente diferente da nossa
vida e da nossa conduta do passado. Mas a expressão “revestir-se” do apóstolo
pode ser mal empregada. A expressão “revestir-se” ou “vestir-se”, como já
vimos, faz-nos pensar no ato de vestir uma capa ou um vestido ou alguma outra
peça do vestuário. E uma boa expressão para usar-se, desde que não abusemos
dela. Entretanto, somos muito propensos, receio, a fazer justamente isso. Que
pena! Na era vitoriana, digamos, as pessoas costumavam vestir sua “roupa
religiosa” nos domingos, e ir a um local de culto; e depois de voltarem para casa
domingo à noite, despiam-na, e viviam o resto da semana como duros homens
de negócio, de forma que ninguém jamais suspeitava que alguns deles eram
cristãos. Em nossos próprios dias podemos ver um grupo de pessoas
conversando. Olhamos para elas e achamos que todo o seu
Num sentido, nunca deveria ser necessário que o cristão se esforçasse para
lembrar-se de que é cristão. Se você de fato se revestir do novo homem, sempre
se lembrará de que é cristão! Naturalmente há pessoas que têm tanto medo de ser
uma fraude como cristãs, têm tanto medo de ser hipócritas, que nunca chegam a
revestir-se do novo homem; ninguém sabe que essas pessoas são cristãs, pois
simplesmente parecem homens e mulheres do mundo. E isso é igualmente tolo
e igualmente mau. Devemos ter em mente que o apóstolo está apenas usando
uma figura para gravar em nós que sempre, em todas as coisas e em todos os
lugares devemos viver a vida do novo homem em Cristo Jesus.
mesmo: eu sou o novo homem em Cristo Jesus, não sou o velho homem, não
pertenço ao mundo, pertenço a Cristo. Essa é a verdade sobre você, sejam quais
forem os seus sentimentos. Você vê a analogia; no sentido físico, você pode não
gostar de se levantar de manhã, porém se levanta. Talvez não queira vestir-se,
prefira ficar na cama, mas você se levanta e se veste. Você tem que fazer o
mesmo no sentido espiritual, diz o apóstolo. O diabo estará lá, governando
os seus sentimentos, e ele vai sugerir pensamentos, alusões malignas
e insinuações, no momento em que você acordar. Virão os maus pensamentos, e
mil e uma coisas. Então é hora de levantar-se e dizer: não! Eu sou o novo
homem em Cristo, e não vou continuar vivendo daquela maneira, vou viver
como o homem que eu sou! Isso é revestir-se do novo homem. Você o diz a si
mesmo, sejam quais forem os seus sentimentos, porque você sabe que é verdade.
E que esse princípio de atividade se aplique ao meu terceiro ponto geral. Usem
tudo o que vocês sabem, que os faça lembrar-se do novo homem e que alimente
e ajude a edificar o novo homem. Este é o exato oposto do que vocês têm que
fazer no despojamento do velho homem, a respeito de quem diz o apóstolo:
“Não façais provisão para a carne”. Não o alimentem! Se vocês sabem que a
leitura de certo tipo de literatura os rebaixa, parem com essa leitura! Deixem o
velho homem passar fome, estrangulem-no, sejam violentos com ele,
mortifiquem--no, diz o apóstolo. E mortificar significa mortificar; vocês o
golpeiam, vocês o surram, vocês o asfixiam, para livrar-se dele! Mas, quanto ao
novo homem, alimentem-no, dêem-lhe o sustento propício para ajudá-lo e para
fazê-lo crescer; e façam isso diligente e constantemente. Como fazê-lo?
Depois, também devemos orar. Jamais devemos tentar ler as Escrituras sem orar
rogando a Deus que faça delas uma bênção para nós e que nos ilumine pelo
Espírito. Ah, que diferença faz! E devemos orar sobre todos os aspectos das
nossas vidas. Somos filhos de Deus; bem, busquemos a Deus como nosso Pai,
falemos com Ele sobre as nossas dificuldades e as nossas fraquezas, peçamos-
Lhe que nos dê sabedoria e entendimento. Quanto mais orarmos, mais
daremos graças a Deus pelo que Ele tem feito por nós e para nós em Cristo,
pelo Espírito, mais estaremos vestindo o novo homem, e mais se manifestará a
sua vida nas nossas atividades. Portanto, a oração -solitária, isolado, a sós, e
também com outros - é a segunda maneira de revestir-nos do novo homem.
no mesmo bando, inevitavelmente. O novo homem está onde está outro, fala
com ele e reconhece a sua presença. E quando você vê a nova natureza noutra
pessoa, você se fortalece. Esse é o valor da igreja; e é por isso que o seu rádio, a
sua televisão e todas as demais coisas semelhantes, juntos, nunca serão um
substituto da igreja. Impossível! Não podem! A igreja está onde dois ou três se
reúnem! E não somente Cristo está presente, mas também nos reconhecemos uns
aos outros, e isso estimula a vida de cada um. Assim, a igreja é essencial. O
autor da Epístola aos Hebreus faz a exortação: “Não deixemos de congregar-nos,
como é costume de alguns” (10:25, ARA) - “alguns”, sem dúvida, inclui os que
se extraviaram. A comunhão dos crentes pertence ao padrão divino. Quando os
santos se reúnem e o Espírito está presente, então Deus age; Ele continua agindo
por meio da Igreja; a Igreja é Sua criação.
E isso, por sua vez, leva-nos a isto, não leva? - ao privilégio e à dignidade da
nossa posição. “Criado”, diz o apóstolo, “segundo Deus” na justiça e na
santidade da verdade. Você sabe, se eu e você tão-somente lembrássemos quem
somos e a dignidade da nossa vocação e da nossa posição, restariam muito
poucos problemas em nossas
vidas. Mas nós temos que lembrar-nos disso; temos que dizer a nós mesmos
quem somos e o que somos. Ouçam Paulo na colocação que faz aos
tessalonicenses; diz ele: vocês não são filhos da noite, são filhos do dia, vocês
são filhos da luz! “Nós não somos da noite nem das trevas. Não durmamos, pois,
como os demais, porém vigiemos e sejamos sóbrios.” “.. .agora sois luz no
Senhor”, diz ele aos efésios. “Andai como filhos da luz”! Vocês notaram como
ele o expressa, ao escrever aos romanos? “A noite é passada”, já acabamos com
tudo isso; para nós já não há nada de “desonestidades” nem de “dissoluções”.
Essa palavra poderosa veio, vocês se lembram, a Agostinho, e para ele foi a
palavra da vida, a palavra de Deus e da regeneração. “A noite é passada, e o dia
é chegado. . .” Portanto, não andemos mais daquela maneira, . .mas revesti-vos
do Senhor Jesus Cristo, e não façais provisão para a carne” (VA). Somos filhos
de Deus, filhos da luz, filhos do dia; e o nosso propósito ao revestir-nos do novo
homem, éque nos lembremos disso e, lembrando-nos disso, que andemos
como tais, e que todo o nosso procedimento e comportamento, a nossa postura,
toda a nossa atitude, seja a completa antítese dos que pertencem à noite e às
trevas, e que se escondem atrás da porta e se envergonham da luz e do sol.
“Filhos do celeste Rei, enquanto jornadeais, cantai suavemente”! “Somente
deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo”, diz Paulo em
Filipenses 1:27. Bem aí está, lembremo-nos destas coisas.
E isso, por sua vez, leva-nos a recordar isto; lembremo-nos da família a que
pertencemos e, portanto, da família que representamos. Somos de fato filhos de
Deus. “Amados”, diz João, “agora somos filhos de Deus” - agora, já! E esta é
uma concepção de tal maneira espantosa e estonteante da vida cristã que o
homem que uma vez a compreenda, vê-se inevitavelmente revestindo-se do novo
homem. Agora somos filhos de Deus! Esse é todo o problema com a
Igreja Cristã hoje, ela não compreende isso. A Igreja é considerada apenas como
outra instituição, e as nossas reuniões parecem reuniões políticas. Somos filhos
de Deus! E somos completamente diferentes do mundo - é isto que devemos
recapturar, e que é nosso privilégio representar a família neste mundo temporal.
Somos estrangeiros e peregrinos neste mundo. Como cristãos, realmente não
pertencemos mais ao mundo; ainda estamos nele, porém a nossa cidadania está
no céu, e aqui somos peregrinos, somos estrangeiros, estamos aqui por algum
tempo; e devemos viver como tais; não devemos conformarmos com este
mundo, pertencemos àquele, e toda a glória e dignidade da família depende de
nós e em muitos sentidos está em nossas mãos.
homem e ele governa toda a nossa atividade porque, sendo estrangeiros numa
terra estranha, estamos sendo observados, e as pessoas nos estão olhando; e
dizem: quem são estes? Bem, vem a resposta, são cristãos. Ah, dizem elas, o
cristianismo é isso? E se põem a julgar o cristianismo, e a julgar a Deus, e se
põem a julgar a totalidade do evangelho, pelo que elas vêem em nós.
Naturalmente elas estão completamente erradas em fazer isso, mas fazem, e
vocês têm que aceitar as pessoas como são, e não podem culpá-las por fazê-
lo. Portanto, eu e vocês devemos lembrar-nos disso. Revestir-nos do novo
homem significa estarmos sempre conscientes da nossa responsabilidade.
Ouçam Pedro dizer isto. Vejam 1 Pedro 2:11-12. “Amados”, diz ele, “peço-vos,
como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais
que combatem contra a alma; tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para
que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus
no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem.” Ora, aí está,
em resumo. Vocês são estrangeiros e peregrinos, diz Pedro, não são daqui; pois
bem, estes gentios os estão observando, estão olhando para vocês, estão falando
contra vocês, eles dizam que vocês estão loucos, que vocês são tolos, que vocês
são hipócritas; estão dizendo coisas desse tipo, todavia, diz Pedro, vivam de tal
maneira que os convençam e os silenciem, e os levem a tal situação que venham
a louvar e glorificar a Deus no dia da visitação. Vocês encontrarão a mesma
injunção em toda parte, percorrendo as Escrituras todas. Ora, revestir-nos do
novo homem significa isso. E se realmente cremos nestas coisas e que Cristo
morreu para fazer-nos assim e para tornar estas coisas possíveis para nós, eu
digo que se dispensa pressão; o nosso próprio senso de honra está envolvido, e
nos sentiremos canalhas se de algum modo O desapontarmos ou representarmos
mal a Sua graça maravilhosa e o Seu extraordinário amor para conosco.
E isso me leva ao meu último ponto, que é o seguinte: o nosso destino! Todas
estas coisas dão-se numa seqüência lógica. Haverá algo que seja mais forte como
argumento? Havendo-se lembrado que você é apenas um estrangeiro neste
mundo, bem, então prossiga, e lembre-se do lugar para onde você vai indo! “E
isto, conhecendo o tempo, que jáé hora de nos despertarmos do sono, porque
agora a nossa salvação está mais perto do que quando cremos”! (Romanos
13:11, VA). Vamos indo avante. Cada dia chegamos mais perto. Mais perto do
quê? Do que vem-a noite é passada, o dia já vem. Que dia? O dia de Cristo, o dia
do Senhor, o dia da Sua volta, o dia do Juízo, o dia em que todos os homens
terão que comparecer perante Ele, o fim da história. “A noite é passada, o dia
está às portas”! (VA). Ou vejam a
colocação que João faz a seu modo: “E qualquer que nele tem esta esperança.
. - que será? Bem, o que ele diz é isto: “Ainda não
sabemos o que seremos”, mas bem sabemos “que O veremos como Ele é, e
seremos semelhantes a Ele”; com os nossos corpos glorificados, seremos
perfeitos e sem mácula, sem nenhum vestígio do pecado que para trás fica;
seremos semelhantes a Ele! É para isso que vamos indo. Agora, se real mente
cremos no evangelho, se verdadeiramente aprendemos a Cristo, aprendemos que
tudo o que Ele fez o fez para preparar-nos para aquele dia. Se cremos nisso,
cremos que devemos levantarmos, vestir o novo homem; a noite é passada, o dia
já vem; não continuemos dormindo, preparemo-nos para o dia do apogeu que
vem, para a visão beatífíca, para a nossa final glorificação, para a nossa entrada
na cidade eterna, para o júbilo, a bem-aventurança e a glória de participarmos da
vida de Deus por toda a eternidade. Isso é revestir-se do novo homem, é você
lembrar-se você desta verdade.
E finalmente lembremos isto (e creio que este é o clímax, o argumento mais forte
de todos). Se somos cristãos, significa, como já nos dissera o apóstolo no
capítulo três, que Cristo habita em nossos corações pela fé. Ou vamos ouvi-lo de
novo: “Não sabeis que o vosso corpo”, o vosso próprio corpo, “é o templo do
Espírito Santo, que habita em vós?” Que é revestir-se do novo homem? É você
lembrar-se de que Cristo habita em seu coração pela fé, que o Espírito Santo de
Deus que habitava em Cristo habita em nós. Se tão-somente todo cristão do
mundo atual vivesse neste mundo como se se lembrasse de que o Espírito Santo
habita nele ou nela, que revolução produziria! A Igreja Cristã se transformaria!
As pessoas não se reconheceriam! E o mundo veria tudo, cheio de pasmo e
espanto! É isso que significa revestir-se do novo homem, dar-se conta de que Ele
está em você, e de que tudo o que seja indigno ou pecaminoso ofende o Espírito
Santo que está dentro de nós.
“Pelo que deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo;
porque somos membros uns dos outros. ” - Efésios 4:25
Chegamos agora ao que, num sentido, é uma nova seção subsidiária desta grande
Epístola. Vocês se lembram de que a Epístola se divide vagamente em duas
grandes partes: a exposição da doutrina; e agora, aqui, a aplicação dessa
doutrina; mas o apóstolo não se estendera o suficiente antes de retomar a grande
e fundamental doutrina concernente à natureza da Igreja. Ele trata dessa doutrina
até o versículo dezesseis deste capítulo quatro, e então chega realmente a esta
parte prática, que se inicia no versículo 17: “E digo isto, e testifico no Senhor,
para que não andeis mais como andam também os demais gentios”. Aí vemos de
novo que isto o envolveu numa descrição muito necessária e pormenorizada da
espécie de vida que os gentios viviam, para que lhes pudesse dizer: “Vocês não
têm a mínima possibilidade de viver esse tipo de vida; se é que de fato vocês
aprenderam a Cristo, e se de fato conhecem a verdade como está em Jesus.
Muito bem então”, diz ele, manejando e resumindo tudo de novo, eu os exorto,
pois, a que “quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se
corrompe pelas concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito da
vossa mente; e vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado
na justiça e na santidade da verdade”. Aqui, depois, tendo dito isso, ele agora vai
adiante, com a expressão “pelo que”, ou “portanto”. E aqui ele nos está
introduzindo no aspecto realmente prático de todo este ensino. O princípio geral
determinante é que nos despojemos do velho homem e que nos revistamos do
novo. No entanto, o apóstolo não deixa a coisa aí, nessa forma geral; ele sente
que lhe é necessário aplicá-la em detalhe e levantar questões específicas,
aspectos particulares da conduta e do comportamento. E é o que ele começa a
fazer aqui, no versículo 25; e, em certo sentido, veremos que ele
continua fazendo isso até o fim da Epístola. Contudo, como assinalei antes,
ele continua entremeando o texto com doutrina, e isso pelo motivo do
qual espero tratar agora.
Este é, pois, o seu argumento. Vocês não são mais o que eram outrora, na
verdade se tornaram algo inteiramente diverso; agora então, despojem-se, por
todos os meios, de tudo o que lembre o que vocês foram outrora, revistam-se de
tudo o que realmente pertença a este novo homem em Cristo Jesus, e que lhe seja
próprio. O apóstolo agora quer que eles vejam como se pode fazer isso. Portanto,
ao abordarmos esta parte, que é longa, pareceu-me que seguramente
nada poderia ser mais útil ou mais vantajoso do que examinar o ensino como um
todo, antes de mais nada; porque há certos princípios, com respeito a ele, que
governam cada uma das aplicações pormenorizadas e singulares. E por isso os
convido a considerarem estes princípios gerais, estas lições comuns, que me
parecem sobressair clara e proeminentemente em toda esta parte. Aqui vão
alguns deles.
O primeiro é que sempre se deve aplicar a verdade. “Portanto”, “pelo que”, diz o
apóstolo. A verdade não é meramente uma coisa para ser observada
objetivamente e para ser desfrutada intelectualmente; a verdade deve ser
aplicada. Lembro-me de uma ocasião, quando um homem estava pregando com
grande eloqüência, e ele disse uma coisa muito notável. Como resultado,
algumas pessoas, dentre os ouvintes, irromperam em espontâneo aplauso.
Bateram palmas, e o bom pregador, homem de Deus que era, conteve-as e disse:
“A verdade não é para ser aplaudida, é para ser aplicada!” Quanta verdade no
que disse! Faremos violência à verdade, se não compreendermos que ela deve
ser aplicada. O propósito de toda doutrina, e de todo conhecimento, é levar-nos a
ter uma vida que esteja em conformidade com a verdade em que cremos. Não
preciso demorar-me nisto, o nosso Senhor o expressou uma vez por todas numa
frase memorável: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois seas fizerdes”
(João 13:17). Terrível coisa é deter-se somente no conhecimento. O
conhecimento é absolutamente essencial, pelo que o apóstolo dedicou a ele os
três primeiros capítulos completos, e na verdade a maior parte deste capítulo
quatro. O conhecimento é absolutamente essencial, nada podemos fazer sem ele;
mas parar no conhecimento - no conhecimento teórico, acadêmico - é tão mau
como ser ignorante, senão pior.
totalidade da vida, e a afetam totalmente, em cada detalhe. Paulo nos diz que não
mintamos, mas que falemos a verdade; que não furtemos e que não falemos
insensatamente. Ele entra em minúcias com referência a pais e filhos, maridos e
esposas; todas as coisas concebíveis são abordadas, todos os aspectos, hábitos e
departamentos da vida. A verdade e a fé cristãs aplicam-se a todos eles. Não
há compartimentos na vida espiritual, e não existe nada que seja tão fatal como
dividir as nossas vidas em compartimentos. A zombaria característica do
presente século lançada contra os nossos avós da era vitoriana é que eles eram
muito religiosos no domingo, porém se esqueciam do cristianismo no resto da
semana. Pode haver alguma verdade na acusação, e pode haver substância nela,
quando se aplica a nós também. De fato, esta pode ser uma das razões pelas
quais a maior parte do povo está fora da Igreja Cristã hoje. É preciso
acentuar que o cristianismo abrange a totalidade da vida: devemos ser
religiosos não somente no domingo, e sim sempre! A nossa conduta deve ser
a mesma em toda parte, na igreja, no mercado, onde estivermos. Ou, para
expressá-lo doutra maneira, a nossa fé cristã deve manifestar-se e deve ser posta
em prática, não somente em nossa conduta pública ou profissional, mas em todas
as partes da nossa conduta. Existe um tipo de homem que é muito escrupuloso
em sua conduta pública, todavia que não aplica as mesmas regras quando passa
ao comportamento privado. Há homens de negócio que nem sonhariam em dizer
uma mentira ou em fazer algo desonesto, homens que cumprem o seu código
profissional com a máxima fidelidade; entretanto os padrões que seguem na sua
conduta privada, nos seus lares e no seio das suas famílias, é uma coisa estranha
e extraordinariamente diferente. Paulo nos mostra aqui que essas variações são
inteiramente erradas. O ensino cristão, o princípio cristão, cobre e governa toda a
nossa vida, em cada detalhe. Num sentido, a suprema glória da vida cristã é
que ela nos dá esta integralidade, e nos livra das dicotomias e divisões
que sempre caracterizam o pecado, não somente entre os homens, mas
até mesmo dentro do próprio homem.
ação)”. Espero que vocês estejam tão fascinados pelo método como eu estou.
Pode-se analisar estas Epístolas como se pode analisar as sonatas ou as sinfonias
de Beethoven; há estes passos definidos; o ensino não é atirado de qualquer
maneira; há um esquema definido aqui - o negativo, o positivo, a razão.
Sempre devemos s aber por que paramos de fazer uma coisa, por que
começamos a fazer uma outra coisa, a fim de podermos dizer aos outros o
porquê. Quando outros nos abordam e nos perguntam: “Por que vocês pararam
de fazer as coisas que costumavam fazer conosco?” e “Por que andam agindo do
modo diferente?” - não respondemos simplesmente: “Não sabemos; estamos
ligados a uma agremiação na qual não se fazem essas coisas ese fazem outras”, e
nada mais. Temos que estar prontos, não somente a dar sempre a razão da
esperança que
há em nós; temos que ser capazes de dar a razão da nossa conduta e da nossa
maneira de portar-nos.
Por que será que este ponto sobre a singularidade ou sobre o caráter especial da
razão é tão importante? É de vital importância porque existem outras formas de
ensino sobre comportamento moral e ético. O cristianismo não é um monopólio
do ensino moral e ético. Existem moralidades pagãs. Existem moralidades
humanistas, assim chamadas, e sistemas éticos e culturais, e eles são muito
evidentes neste mundo moderno, no qual nos achamos. Como crentes, devemos
ser capazes de traçar uma clara distinção entre a moralidade, a ética e a cultura
cristãs, e todas as outras formas de moralidade, ética e cultura. Caso contrário,
seremos incapazes de expor a verdade cristã com simplicidade e clareza.
Permitam-me pôr isto em seu cenário histórico, para dar-lhe maior simplicidade
e clareza.
Contudo, não hesito em dizer que a doutrina de Arnold nega totalmente o que o
apóstolo está ensinando aqui na Epístola aos Efésios. Não há nada, afinal, que
seja mais oposto à mensagem cristã do que justamente esse tipo de doutrina. E,
portanto, parece-me tremendamente importante que, antes de passarmos a
estudar em detalhe questões como mentir, irar-se e sujeitar-se a ira, furtar
e empregar linguagem torpe, devemos ter claro em nossas mentes que a
mensagem cristã nada tem em comum com idéias e ensinamentos pagãos e
humanistas, morais e éticos, com relação à vida.
Se para nós isso não estiver claro, estaremos sempre apagando o caráter único da
mensagem cristã. A nossa afirmação é que o cristianismo é absolutamente único,
que não há nada semelhante a ele, nunca houve e nunca haverá. Todavia se
adotarmos aquele ensino, eliminaremos totalmente a unicidade do cristianismo.
Ele passará a ser uma simples coleção de princípios morais e éticos,
exatamente como vemos nos escritos de muitos dos filósofos pagãos gregos
que viveram, ensinaram e morreram antes da vinda do Senhor Jesus Cristo a este
mundo; desaparecerá a singularidade do cristianismo, e este fícará sendo apenas
um dentre outros grandes sistemas de moralidade. Mais grave ainda, porém,
aquele ensino elimina a singularidade do nosso Senhor, faz dEle apenas um
dentre outros grandes mestres, no que diz respeito à vida. E quando lemos os
escritos de pessoas pertencentes àquela escola (e há muitas delas ainda, e muitas
vezes elas escrevem em livros e periódicos religiosos), notamos que elas sempre
revelam a sua posição compilando listas daqueles que eles chamam grandes
mestres de moral e ética - Moisés, Isaías, Jeremias, Jesus, Paulo, Maomé, Buda,
e por aí afora. O nosso Senhor é colocado numa categoria comum a outros, é
simplesmente um entre muitos grandes mestres, não está mais sozinho numa
categoria à parte. Não passa de um grande mestre, de um dos grandes mestres,
um dos grandes gênios; Ele apenas pertence a uma série. E assim Ele
é despojado da Sua unicidade e da Sua glória essencial. Algumas das pessoas
mais difíceis a quem pregar e a quem conquistar atualmente são os pagãos
cultos, pois eles acham que não necessitam do cristianismo. Não mentem, não
furtam, não cometem adultério, não usam linguajar torpe. E quando o
cristianismo é apresentado como nada mais que um sistema moral e ética que
nos diz que não façamos certas coisas e que façamos outras, eles reagem
dizendo: “Eu já estou vivendo esse tipo de vida; é nisso que eu já creio; pratico
esse tipo de coisa, e não vejo nenhuma necessidade de ir às suas igrejas no
domingo; posso viver a minha vida muito bem no campo; na verdade, sou
ajudado pela glória e pela beleza da natureza. Por que a Igreja Cristã? Por que
vocês se separam dos outros? Por que vocês têm algo separado e diferente?”
Portanto, esta é uma matéria que envolve o próprio coração e cerne da posição
cristã; e assim eu quero sugerir algumas das diferenças essencias entre o
cristianismo e toda e qualquer forma de cultura pagã ou de qualquer coleção de
virtudes pagãs.
A primeira diferença importante acha-se nos motivos que os não cristãos dão
para viverem o seu próprio tipo de vida. Eles invariavelmente isolam a sua
conduta e o seu comportamento como algo que vale por si mesmo. Isolam certas
virtudes, ou fazem uma lista de uma séria de virtudes abstratas que, dizem eles,
são as coisas que os homens devem pôr em prática - sua abordagem é
essencialmente teórica e abstrata; selecionam certas virtudes que são apreciadas
por eles e nos concitam a aplicá-las. E assim nos fizem o seu apelo em termos do
país ou da escola ou da família ou da classe a que pertencemos. Eles
dizem: nunca fazemos isso, “isso não se faz” -nós sempre fazemos isto; isto é “o
que se faz”. A virtude que eles isolam e nos concitam a aplicar é sempre algo
impessoal e abstrato. O motivo cristão, porém, é sempre essencialmente
diferente. O motivo pelo qual o cristão não faz certas coisas, mas faz outras, é
sempre em termos do Senhor Jesus Cristo! Ele raciocina e vê que, porque Cristo
veio ao mundo e morreu por ele e ressuscitou, e lhe deu uma nova
vida,portanto...! Notem a bela frase utilizada no versículo 27 do capítulo
primeiro da Epístola aos Filipenses: “Somente seja o vosso comportamento
como convém ao evangelho de Cristo” (VA): não o seu país, nem “o que se faz”,
e sim “como convém ao evangelho de Cristo”! O nosso motivo é sempre
pessoal, sempre se remete ao Senhor, quem Ele é, o que Ele fez, como o fez e
por que o fez. Os motivos são diametralmente opostos e diferentes.
Em segundo lugar, estes sistemas pagãos (chamo-lhes pagãos mesmo que usem
terminologia cristã) sempre pressupõem capacidade natural; obviamente, porque
vêm a nós e nos dizem que entremos na linha, que nos enquadremos no
esquema. Eles pressupõem que temos capacidade e poder para fazê-lo. Por isso é
geralmente uma espécie de doutrina que só apela para certo tipo de pessoa. Nos
velhos tempos ela só apelava para os cultos, para os capazes e instruídos; e o que
se vê é que quando o nosso Senhor estava exercendo o Seu ministério, e
João Batista Lhe enviou seus dois discípulos com a pergunta: “És tu aquele que
havia de vir, ou esperamos outro?” (Mateus 11:3) esta foi a resposta que Ele
enviou de volta: “Ide e anunciai a João as coisas que
“haja em vós o mesmo sentimento (ou a mesma mente) que houve também em
Cristo Jesus”, sentimo-nos no chão, no pó. É óbvio que os dois sistemas são
completamente antagônicos, do começo ao fim.
satisfação própria, são perfeitas, mas você não consegue despertar a compaixão
delas, falta-lhes calor, elas não o incentivam, não se solidarizam com você. Pois
bem, quando você se aproxima do cristão, que contraste! Ele tem calor, é
humano, é compassivo, é acessível; comunica ânimo, não fica eternamente
empinado em sua dignidade; pode esquecer-se de si mesmo, pode entusiasmar-
se, é governado pelo princípio do amor, que se acha no centro da sua vida e se
irradia dele. Não fica sempre a vigiar-se e a observar-se de fora; há esta
espontaneidade, este princípio, este bendito princípio de vida. Ele é o que é pela
graça de Deus e, porque a graça de Deus pôde fazer isso por ele, ele faz você
sentir que a graça divina pode fazê-lo por você também!
Lembro-me doutro caso semelhante. Há uns trinta anos, passei a noite na casa de
um médico, então já idoso, e ele me contou a história da sua vida, depois do
culto vespertino. “Você sabe”, disse ele, “tenho tido problemas em minha vida
desde o início; começou quando eu estava em casa. Meu pai era membro de uma
igreja anglicana; minha mãe era membro de uma igreja unitária. E esse”, disse
ele, “era o meu problema. Meu pai, embora fosse uma pessoa amável e
bondosa, simplesmente não podia ir ao mercado às sextas-feiras à noite e
voltar sóbrio para casa. Minha mãe, quanto eu saiba, nunca fez nada errado. Era
pessoa de alto nível moral, como os unitários geralmente são. Mas você sabe”,
disse ele, “não me saía da cabeça, havia algo quanto ao meu pai que, apesar da
sua grande falha, me ajudava e me atraía mais do que a perfeita retidão da minha
mãe. Quando eu fazia algo errado, podia procurar meu pai, porém nunca achava
que podia procurar
minha mãe; havia aquela frieza”. E então ele disse que quando se tomou
estudante de medicina, o seu velho problema perpetuou-se. “Aos domingos de
manhã eu costumava ir ouvir o grande pregador unitário, o Dr. James Martineau,
que nas pregações fazia grandes discursos éticos; e eu admirava a linguagem e a
dicção, e divisão do assunto, o pensamento e a lógica. E depois”, disse ele, “aos
domingos à noite eu costumava ir ao Exército de Salvação, onde não havia
culto formal, eloqüência e muitas outras coisas cuja falta realmente
me desgostavam, como homem de cultura; todavia”, disse ele, “ali o
meu coração se aquecia; eu sempre achava que havia algo que me ajudava em
minhas falhas pessoais e nos meus problemas pessoais. No culto matutino eu me
sentava e admirava, com alheamento e frieza intelectuais, mas não recebia ajuda
para os meus problemas morais e pessoais, e o meu coração não se aquecia. No
entanto, de noite, que diferença!”
Todos nós precisamos aprender a lição que essas histórias nos transmitem.
Quando paramos de mentir e começamos a falar a verdade, quando paramos de
usar linguagem torpe, quando paramos de furtar e de fazer todas as outras coisas
más, temos que agir de tal maneira que o beberrão, o homem desesperançado
que perdeu toda a sua força de vontade, encontrando-nos e entrando em contato
conosco, sinta que há esperança para ele. Sempre devemos agir, nessas coisas, de
tal maneira que levemos as pessoas a olhar para Cristo e saber que somos o que
somos unicamente pela graça de Deus em Cristo Jesus.
1
British Broadcasting Company. Nota do tradutor.
“DEIXAI A MENTIRA”
“Pelo que deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo;
porque somos membros uns dos outros. ” - Efésios 4:25
ela pertence aos plenos domínios da verdade. Descrevemos o que aconteceu com
o homem que se tornou cristão dizendo que ele viu a verdade, ou que viu a luz.
Igualmente é o que reivindicamos para o evangelho e para a Bíblia. Não é? Esta,
dizemos, é a verdade,e nenhuma outra coisa é verdade! Todos os outros
conceitos da vida, do homem, da existência,do propósito da vida e do que está
além dela, são mentiras! Damos graças a Deus que fomos libertos do reino
da mentira, pela qual o mundo é governado. Mas fomos trazidos para o reino da
verdade, e nisso nos gloriamos. “Deus nosso Salvador”, diz Paulo, escrevendo a
Timóteo, “deseja que todos os homens sejam salvos, e cheguem ao pleno
conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4). Em sua Primeira Epístola, João
argumenta repetidamente no sentido de que o cristão está no reino da verdade; as
trevas se foram, veio a luz. E evidente, pois, que tudo o que nos diz respeito deve
ser indicativo do fato de que, tendo chegado ao conhecimento da verdade, agora
estamos vivendo na verdade,e estamos vendo a totalidade da vida de modo
legitimo. Assim, naturalmente, havendo terminado com a palavra verdade, Paulo
retoma o ponto. E, portanto, é isso que vem em primeiro lugar: “Pelo que, deixai
a mentira ...”; ela é totalmente incompatível com o reino ao qual vocês
pertencem agora.
Isso por certo nos leva necessariamente a outros aspectos da questão. Haveria
algo que seja, em última análise, uma parte de importância tão vital e tão
essencial do caráter de Deus como a verdade? Este ensino está por toda parte na
Bíblia. Vocês já notaram a extraordinária afirmação que o apóstolo faz no início
da sua carta a Tito? - “Deus que não pode mentir...” Deus não pode mentir!
Deus é isso! Deus é o “Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de
variação”. Que tremenda declaração! Há uma coisa que Deus nunca pode fazer,
Deus não pode mentir. Seria uma contradição em Sua própria natureza, em Seu
própria Ser. Deus é luz, e nEle não há treva nenhuma. Ele não pode ser tentado
com pecado, nem pode tentar ninguém. Deus é a verdade essencial, sempitema e
eterna. E ser cristão significa que fomos trazidos para a comunhão com tal Deus!
Quando o apóstolo diz que devemos deixar a mentira, não está interessado nisso
nos termos dos moralistas e dos humanistas; ele não diz meramente que mentir é
uma coisa terrível, que pode causar muito dano, etc. etc. Claro que é uma coisa
terrível, mas, como cristãos, nós temos razões melhores para deixar a mentira.
Fomos reconciliados com Deus. Dizemos que conhecemos a Deus, que temos
amizade com Deus e que estamos em comunhão com Ele. O apóstolo João
acentua o fato de que, se alguém diz: “Eu o conheço”, no entanto não guarda
voluntário, não havia compulsão, e várias pessoas o tinham feito, entre elas
Ananias e Safira. Estes procuraram os apóstolos e disseram: fizemos o que
prometemos, e aqui está o produto. Mas retiveram uma parte do dinheiro; e o
Senhor levou Pedro a dizer a Ananias: “Ananias, por que encheu satanás o teu
coração, para que mentisses ao Espírito Santo?” Satanás enchera o coração do
homem! Não era apenas uma questão de dizer uma mentira! Quando você é
cristão, o pecado não fica nisso, vai além. “Satanás encheu o teu coração, para
que mentisses ao Espírito Santo”; e a fim de mostrar que coisa terrível era, ele
caiu morto naquele instante, para que Deus chamasse a atenção da
Igreja Primitiva e de todo o povo cristão em todos os lugares, até o fim
dos séculos, para o caráter terrível daquele pecâdo particular. Do nosso ponto de
vista como cristãos, mentir é indicar que temos afinidade com o diabo. E o
mentiroso, o mentiroso habitual, pertence ao reino do diabo, cujo ser é, todo ele,
mentira. Ele é o pai da mentira, não há verdade nele. Ele é a encarnação do mal,
e o que ele ensina aos outros é mentir.
Portanto, diz o apóstolo em sua Epístola àqueles crentes. Como novos homens e
mulheres,revistam-se do novo homem que está em vocês; e, com respeito a
isto,primeiro e acima de tudo, parem de mentir, e falem a verdade, cada um com
o seu próximo; porque, se não o fizerem, estarão dando a impressão de que
vocês ainda estão presos ao diabo e que pertencem ao seu reino. Mas isso não é
verdade sobre nós, como cristãos! Como o apóstolo João igualmente o expressa
em sua Primeira Epístola:“Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo
está no maligno”. Nessa passagem, e noutras semelhantes, os apóstolos nos
levam de volta aos fundamentos da nossa fé. Continuo dizendo isso porque nos
ajudará, não somente com relação a esta primeira injunção, porém com todos
elas. Temos que aprender a examinar estas coisas de maneira cristã, e no
momento em que o fizermos, não importa qual o assunto, seremos levados de
volta aos fundamentos da fé. Assim, quando vocês dizem a alguém da
Igreja Cristã que pare de mentir, vocês estão fazendo uma coisa que é totalmente
diferente do modo como normalmente se faz no mundo, que está sempre
interessado na fachada e na aparência; pois você não poderá fazê-lo de maneira
cristã sem retornar à sua doutrina sobre Deus, à sua doutrina sobre o diabo.
Eis o que vem a seguir: temos que parar de mentir porque o primeiro pecado do
homem foi resultado de uma mentira. Noutras palavras, o mundo é como é por
causa de uma mentira. Aqui, de novo, retornamos a uma verdade básica,
fundamental. Por que o mundo é como é? O apóstolo Paulo, escrevendo a sua
segunda carta aos coríntios, expres-
sa-o com estas palavras: “Como a serpente enganou Eva com a sua astúcia”
(11:3). A causa daquele primeiro pecado foi a mentira que o diabo sussurrou a
Eva. Foi uma mentira sobre o caráter e o ser de Deus. “Deus disse?” Deus finge
que é bom para vocês, que os ama e que busca os melhores interesses de vocês,
diz o diabo; mas a verdade real e concreta, disse o mentiroso e pai da mentira, é
que Ele é contra vocês e que os mantém em situação inferior por Seus próprios
interesses, porque Ele sabe que, no dia em que vocês comerem do fruto
proibido, vocês se tornarão como deuses, serão iguais a Ele, e então vocês
terão de fato os seus direitos; Ele é contra vocês! De tal monta foi a mentira do
diabo! Essa foi a causa do problema. Foi o que levou à Queda, e foi o que
começou o processo que levou à história humana como a conhecemos. E o que
explica o estado atual do mundo. O pecado original foi produzido por uma
mentira. Temos que compreender que aqui estamos vendo algo que constitui
uma completa representação daquilo que levou à rebelião do próprio diabo e
depois, por meio dele, à rebelião do homem. Foi isso que levou o mundo para
baixo, do paraíso que era ao mundo no qual eu e vocês estamos vivendo
neste momento. E é quando o examinamos desta maneira doutrinária e vemos a
sua natureza e o seu caráter fundamentais que verdadeiramente podemos tratar
dele de maneira radical.
das outras e o que realmente crêem? Posso dizer com segurança que, em geral, a
vida da sociedade, em qualquer esfera e em qualquer nível - apesar do
refinamento e elevação - segue este princípio de engano e mentira. E todos nós
sabemos que é assim. No entanto, o fingimento, a falsidade e a representação
prosseguem. Esta é, sem dúvida, a coisa mais característica acerca do viver no
pecado.
De igual modo, não seria o hábito de mentir uma das principais causas das
complicações da vida? Por que a vida é tão complexa, complicada e difícil? A
resposta é que é por causa desse fator mentira, porque, no momento em que nos
afastamos da verdade, como digo, isso tem que ser encoberto por outra mentira,
e essa por outra, e assim a vida se torna, toda ela, uma complexa e complicada
rede de mentiras. Às vezes vemos isto patente num processo criminal ocasional
divulgado pela imprensa. Um homem começa cometendo uma falta,
talvez trivial, porém, por pequena que seja, é uma falta, e ele não devia tê-
la cometido; mas, desde que a cometeu, acha que deve encobri-la, e a coisa toda
evolui e se avoluma como bola de neve, como dizemos, até que o pobre homem
se vê no tribunal com uma tremenda acusação nas costas. Devido à mentira
original, a sua vida se enche de problemas e se complica; ele se vê obrigado a
providenciar isto e a cobrir aquilo, a manipular este ponto e ser cauteloso
naquele, e assim, toda a sua vida que pretendia ser, e que fora, relativamente
simples, torna-se complexa, e ele tem que dar uma de malabarista; vê-se forçado
a continuar com a coisa de algum modo, sendo que todas as suas dificuldades
se devem a uma mentira.
Haveria alguma coisa, uma única coisa, pergunto, que neste mundo cause tanta
infelicidade e desgraça como a mentira? De novo, simplesmente precisamos
conhecer a vida e os fatos da vida para sabê-lo. A mentira, o fingimento, a
dissimulação e a falsidade - ah, que infelicidade causam! As suspeitas que
levantam, a falta de sossego, de repouso, de tranqüilidade, e a falta de confiança!
Se tão-somente a mentira fosse inteiramente banida, que fardos seriam retirados
das nossas mentes e dos nossos corações. Ah, a destruição causada pela mentira,
o abatimento, a tristeza, a infelicidade, o sofrimento que a mentira causa a
pessoas inocentes! Não admira, pois, que o apóstolo nos diga que nos
desfaçamos imediatamente da mentira como a primeira coisa com a qual lidar!
Acaso não podemos dizer, também, que não há nada que nos mostre a real
natureza e caráter do pecado como a mentira? Qual é a real essência do pecado?
Que é que está por trás dele? Que é que o causa? Não pode haver dúvida sobre a
resposta a essas perguntas! O ego! O ego é a causa fundamental do pecado. E ele
se manifesta no interesse
próprio, no egocentrismo e no egoísmo. Bem, vocês dirão, que é que isso tudo
tem a ver com a mentira? Posso dizer-lhes. Nós nos expressamos profundamente
em nosso falar, expressamo-nos mais em nosso falar do que em qualquer outra
coisa. É, talvez, de todas as coisas, aquilo que mais distingue o homem do
animal. O animal pode expressar a sua natureza em seu comportamento; pode
haver um cão manso ou feroz (bravo); e assim com todos os outros animais. Mas
o homem tem esta capacidade única de falar e, num certo sentido, esta é a sua
glória. Não existe coisa alguma pela qual a pessoa expresse mais profundamente
a sua personalidade do que o falar. Este dom da fala e da comunicação, ligado ao
interesse próprio, ao egocentrismo e ao egoísmo do homem, leva-o ao desejo de
ser altamente considerado, de ser elogiado, de impressionar as pessoas, de ser
importante. Queremos que todo mundo pense bem de nós. Queremos que
todos nos façam elogios. Queremos ser importantes, ter boa imagem. E como se
há de fazer isso? No mundo que está no maligno, muitas vezes isso é feito pela
mentira, que habilita você a construir a personalidade que você pensa que é e
que gostaria de ser, aquela que quer que as outras pessoas pensem que você é.
Você tem que ser importante, de modo que às vezes você faz deliberadamente
afirmações falsas, você inventa “fatos”. A anatomia do pecado, a anatomia da
mentira! Neste momento estou dissecando-a, e acaso não é uma coisa feia que
vai aparecendo? Estou fazendo isso a fim de que tratemos de eliminá-la de uma
vez e para sempre, como o apóstolo nos está exortando a fazê-lo.
gem, parecendo que somos uma coisa que na realidade não somos. Não há nada
que finalmente mostre tanto o verdadeiro e sujo caráter do pecado como a
mentira, porque, em última instância, o falar é a maneira suprema de manifestar
a nossa personalidade.
com a nossa mente, nós a praticamos! E com isso mostramos que o pecado
introduziu em nós um dualismo e uma falsa dicotomia. Isso mostra que somos
escravos e vassalos.
Fimalmente, quero enfatizar o que o apóstolo destaca neste ponto, a saber, que
não há nada que seja tão oposto e tão contrário à doutrina da Igreja como a
mentira. Como vimos, a primeira parte do capítulo quatro desta Epístola aos
Efésios é inteiramente dedicada à doutrina da Igreja - um só Senhor, uma só fé,
um só batismo; um só corpo, um só Espírito, fomos chamados numa só
esperança da nossa vocação. A Igreja é como um corpo adequadamente
interligado e compacto, todos os membros ligados à Cabeça e recebendo o
mesmo suprimento de sangue. Verdadeiramente, o corpo é um só! Haveria algo
que cause tanta destruição a esta verdade como a mentira? Não mintais uns
aos outros, diz o apóstolo, mas “falai a verdade cada um com o seu próximo;
porque somos membros uns dos outros”! E eu acredito que aqui ele estava
pensando particularmente na Igreja. Há os que opinam que ele estava falando de
maneira mais geral, porém não estou convencido disso. Por certo isso vale no
aspecto geral, mas vale particularmente com relação à Igreja, e aqui Paulo está
tratando de toda essa questão no contexto da vida da Igreja. Somos todos
membros uns dos outros! Se você diz uma mentira a outro membro,
você realmente está se prejudicando; em certo sentido está mentindo a si próprio.
Isso de existência independente não existe. “Nenhum de nós vive para si, e
nenhum morre para si”, diz o apóstolo Paulo aos romanos (14:7). Assim é que
mentir a outro membro do mesmo corpo de Cristo é mentir a si próprio. Você faz
dano a si próprio porque está fazendo dano ao corpo ao qual você pertence. Você
pode dizer: “Posso fazer um corte no meu dedo sem fazer nenhum mal a mim
mesmo”. Ora, o fato é que não pode! Se você ferir o seu dedo, você sofrerá,
o todo sofre. Somos membros uns dos outros.
Pensem nisto mais ou menos assim: como poderá haver comunhão, se houver
mentira? A mentira é o oposto exato da comunhão verdadeira. Não é? O que
torna possível a comunhão é a confiança, a confiança mútua, a fidedignidade
mútua, a certeza de que vocês podem confiar uns nos outros e, portanto, podem
falar, e falar livre e francamente, uns aos outros. Todavia no momento em que
entra o fator mentira, a comunhão é destruída: você deixa de ser livre; não
sabe quanto pode acreditar, ou no que acreditar; você não sabe quanto
pode confiar na outra pessoa. E se a comunhão se rompe, você fica numa espécie
de estado policial em que todos são espiões de todos. Você diz: fico sem saber se
o que é dito é realmente o que se quer dizer. Seria verdade mesmo? Dessa
maneira se destrói a comunhão. A mentira
Esse tanto basta referente ao aspecto geral; mas, como na Epístola, a nossa maior
atenção deve ser dada à esfera da Igreja e dos remidos. Quando dizemos que
outrora estávamos sob “o poder das trevas”, porém fomos libertos e
transportados para o reino do amado filho de Deus por meio do lavar
regenerador e renovador do Espírito Santo, que caminho nos resta, senão o
deixar de mentir, e falar a verdade, cada um ao seu próximo? Oxalá saibam todos
e a todos seja óbvio que não somos mais filhos do diabo; não somos mais filhos
das trevas e da noite; nem da falsidade e do fingimento, tão característicos do
mundo, com a sua diplomacia e com a sua afabilidade em que ninguém acredita!
Suponho que não há nada que cause tanto dano às relações entre as nações como
a expressão daquilo sobre o que estamos falando. Estadistas há que escrevem as
suas memórias depois que acaba uma guerra; durante a guerra lemos sobre as
suas reuniões e sobre quão maravilhosamente bem iam eles juntos; mais tarde
surgem as suas memórias e nos oferecem citações dos seus diários, nos quais
eles nos dizem as coisas que diziam uns dos outros secretamente. Como
vocês podem ter confiança enquanto esse tipo de coisa continua? Como
pode haver confiança quando a coisa toda é fingida, falsa, é como
uma representação teatral, e se baseia em mentiras e dissimulações? Esse mal
está presente na totalidade da vida, é o que faz do mundo o que ele é hoje. Mas
entre os cristãos tal conduta deveria ser inimaginável. Somos filhos de Deus,
filhos da luz, pertencemos à verdade, somos filhos dAquele de quem está escrito,
“Deus, que não pode mentir”, e
“Pelo que deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo;
porque somos membros uns dos outros.”
“Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deis lugar
ao diabo. ” -Efésios 4:26-27
Com estas palavras o apóstolo continua a séria de injunções particulares que ele
está dando aos cristãos efésios a fim de ilustrar e deixar bem claro para eles o
que significa exatamente despojar-se do velho homem e revestir-se do novo
homem. Em particular ele está interessado na doutrina da Igreja, naunidade da
Igreja, na Igreja como o corpo de Cristo e em nós como membros, juntos e
individualmente, do mesmo corpo e nele. Assim é que o que ele está realmente
dizendo é, com efeito, que nós temos que desfazer-nos daquela velha vida
de pecado e revestir-nos desta nova vida de santidade porque o pecado não é
somente algo mau em si mesmo e indicativo da velha vida - o pecado sempre
rompe a comunhão; e essa é a sua imediata preocupação prática neste ponto
particular. O pecado rompe a comunhão; por outro lado, a santidade sempre
promove a comunhão, e enquanto trata destes exemplos e ilustrações
particulares, é óbvio que ele mantém isso em mente o tempo todo.
totalmente da ira, a melhor coisa que possa fazer é reprimi-la, e mantê-la sob
domínio quanto você puder. E isso, eu opino, está completamente errado. As
Escrituras ignoram tal ensino. É isso que o mundo faz, e o resultado é que toda
vez que os homens são tomados de surpresa, a porta do alçapão se abre de
repente e tudo reaparece, violenta como sempre antes. Não, certamente a
repressão não é o método cristão de lidar com a ira e seus problemas. Então, que
é que o apóstolo quer dizer? É claro e óbvio que esta é uma ordem positiva. Não
é uma concessão feita à fraqueza. Diz ele que é nosso dever irar-nos com relação
a certas coisas, mas que nunca devemos irar-nos de maneira pecaminosa, nunca
perder o controle.
Para provar que a ira não é pecaminosa e que, na verdade, é uma coisa
inteiramente correta em si mesma, simplesmente necessito chamar a atenção
para uma declaração feita no Evangelho Segundo Marcos acerca do nosso
Senhor: “E, olhando para eles (para os fariseus) com ira, condoendo-se da
dureza do seu coração. . .” (3:5, VA). Uma declaração similar acha-se no
Evangelho Segundo Lucas: “Respondeu-lhe, porém o Senhor, e disse:
Hipócrita!” (13:15). Um desses escribas, um dos fariseus, mestres da lei, tentava
pegá-10 em
contradição e fazê-10 cair. Nosso Senhor virou-se e lhe disse: “Hipócrita”. Ele
falou com ira! Leiam também a narrativa do capítulo 2 do Evangelho de João,
sobre a ira do Senhor com os que negociavam no Templo: “E tendo feito um
azorrague de cordéis, lançou todos fora do templo, também os bois e ovelhas, e
espalhou o dinheiro dos cambiadores, e derribou as mesas” (2:15). Ali estava o
nosso Senhor, com justa indignação e ira, fazendo um açoite de cordéis e
literalmente expulsando os vendilhões o purificando o templo.
Além disso, ninguém que conheça a Bíblia pode ter deixado de observar uma
expressão constantemente utilizada no Velho e no Novo Testamentos acerca do
próprio Deus - a ira de Deus! Por exemplo, o apóstolo Paulo, escrevendo aos
romanos, diz: “Não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de
Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do
grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito:
mas o justo viverá da fé” (1:16-17). Por que Paulo mostra tanto prazer nisso?
Por que o vemos tão desejoso de proclamá-lo em Roma e em toda parte? Ele dá
a resposta no versículo 18: “Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda
a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça”. A ira de
Deus! Tanto João Batista como o nosso Senhor pregaram exortando o povo a
“fugir da ira vindoura”. O apóstolo João, no livro do Apocalipse, falando do fim
do mundo, do tempo e da história, bem como do julgamento que será conduzido
pelo Senhor Jesus Cristo, diz graficamente: “Porque é vindo o grande dia da sua
ira” (Apocalipse 6:17). Compreendemos, pois,que esse é uma verdade na qual
não devemos deixar de pensar.
mal!” (97:10, VA). As duas coisas vão juntas: se você amar realmente o Senhor,
terá que odiar o mal; devemos definitivamente odiar o mal e o pecado.
Absolutamente não causa surpresa que o apóstolo faça essa exortação aos
crentes efésios, àqueles gentios cujo modo de viver anterior à sua conversão ele
descreve com as palavras: “Entenebrecidos no entendimento, separados da vida
de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração; os quais,
havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez
cometerem toda a impureza” (4:18-19). Já vimos que a expressão “havendo
perdido todo o sentimento” significa que as suas consciências tinham
ficado calejadas e endurecidas, a sua sensibilidade ficara embotada e obscura,
eles não conseguiam reagir a coisa nenhuma: tinham “perdido todo o
sentimento”, tinham se encharcado tanto no pecado que não havia mais nada que
os comovesse ou que os chocasse. Tinham perdido todo o sentimento! - tinham
se tornado moralmente indiferentes, tinham ficado lerdos. Isto sempre
caracteriza a impiedade e a irreligiosidade. Um dos terríveis aspectos do
paganismo é que os homens e as mulheres tanto se chafurdam no pecado que não
se dão conta do fato de que estão pecando, não podem reagir, nunca têm nenhum
sentimento de indignação e de horror; jamais se iram; perderam todo sentimento.
Na segunda metade do capítulo primeiro da Epístola aos Romanos, Paulo nos
fala tudo a respeito disso. Os homens e as mulheres tinham se esquecido de
Deus, e estavam adorando aves, quadrúpedes e insetos; também se adoravam uns
aos outros. E não somente se tomaram imorais, quase perderam totalmente o
senso de moralidade; pesava sobre eles a culpa pelas perversões mais torpes e
repulsivas. O mundo inteiro se tomara um imundo poço de iniqüidade.
Por essa razão Paulo diz aos cristãos: vocês têm que romper com os pecados do
mundo; vocês têm que aprender a irar-se com eles; têm que levantar-se; não
devem ser complacentes e dizer que o pecado não importa! Essa atitude era
própria do passado deles, disse Paulo, mas não devem ser mais como eram. Não
reagir com indignação e ira contra o pecado e o mal é sempre sinal de
decadência moral, de impiedade e de irreligiosidade. Lembro-lhes uma palavra
que citei antes, palavra do profeta Jeremias, capítulo 8, que descreve o
pecado em seu auge. Permitam-me dar-lhes o clímax da declaração toda, porque
é grandioso. Ouçam-no. Diz ele: “Porventura envergonham-se de cometer
abominação? Pelo contrário, de maneira nenhuma se envergonham, nem sabem
que coisa é envergonhar-se”. Que terrível estado de coisas! Você não está
completamente sem esperança
enquanto pode envergonhar-se; significa que ainda há em você alguma coisa que
lhe dá sentimento de indignação, de vengonha e de ira. Mas certas pessoas
afundaram tanto no pecado que o profeta diz: “Nem sabem que coisa é
envergonhar-se”. E o de que necessitamos, se estamos nestas condições, é esta
exortação do apóstolo: “Irai-vos!” Levante a cabeça! Não se deixe governar por
aquela velha mentalidade ! Dispa-se do velho homem, vista-se do novo! Temos
que aprender, diz Paulo, a irar-nos realmente contra a iniqüidade, contra o
pecado. Deus nos fez de tal maneira que essa deve ser a nossa reação natural; foi
a reação natural do próprio Senhor Jesus Cristo; é a reação de Deus contra o
pecado.
E quão necessária é esta exortação a irar-nos no mundo hoje! Acaso não é uma
das maiores tragédias do mundo na presente hora a falta de sentimento de
indignação e ira moral porque estão acontecendo estas coisas? Não há uma
tendência fatal de ser complacente, de desculpar tudo e de ficar indiferente?
Mesmo quando ouvimos gente dizer “no ar” e nas tribunas públicas, “Mal, sê tu
o meu bem”, ainda assim parece não haver protesto nenhum. Parece que
perdemos a capacidade de agir moralmente movidos por um sentimento de
indignação. Para mim, este é um dos maiores problemas do mundo atual. Tem
havido um constante declínio moral, não somente no comportamento,
como também na perspectiva e na reação. Meramente damos de ombros
e deixamos que o pecado fique sem contestação. Creio que é o que se pode dizer
da atitude do mundo para com Hitler, antes da Segunda Guerra Mundial. Essa
atitude seria inimaginável cinqüenta anos atrás.1 Haveria protestos, e Hitler teria
parado. Mas não foi assim na decadência mundial da década de 1930! Não
podíamos incomodar-nos, queríamos continuar gozando a vida, sem
preocupações, e esperávamos que de algum modo os problemas mundiais não
nos afetariam, e tudo iria bem. E assim foi que se deixou que todo aquele triste
processo começasse e prosseguisse.
No entanto, isto não se evidencia apenas em nossa atitude para com as questões
internacionais - como, por exemplo, para com o surgimento de ditadores e a
tolerância de coisas, nas nações, que nunca deveriam ser toleradas - mas também
me parece que se está insinuando em todos os aspectos da vida. Eu mesmo não
pude deixar de ficar horrorizado com a reação a um documento como o
Relatório Wolfenden, com a sua idéia de que podemos considerar naturais certas
perversões. Defrontamo-nos com o puro fato de que a própria categoria geral do
Mas devemos ir adiante. Qualquer ira ou expressão de ira que seja excessiva,
violenta, incontrolável, fora de domínio, é um tipo errado de ira. Falamos de um
homem enfurecido, que ele subiu a serra. Isso é definitivamente, completamente
pecaminoso. De certas pessoas dizemos que estão fervendo de raiva, que estão
esbravejando. Ora, isso é pecar com a ira - o rosto lívido, o corpo a tremer, os
olhos fuzilando.. .Vocês já o viram, não viram? Pois bem, isso é completamente
errado e pecaminoso. É falta de controle, e tal homem está irado e pecando; está
se irando de maneira pecaminosa.
errado. Da mesma maneira, a nossa ira jamais deverá ser pessoal, mas, antes,
contra oprincípio da iniqüidade e do pecado. A minha irajamais deverá ser
resultado do fato de ser eu do tipo de homem apimentado, como dizemos,
rabugento, e sempre nos limites, facilmente irritável e pronto a explodir. É disso
que se requer que nos desfaçamos. Noutras palavras, a ira de que fala o apóstolo
é a que sempre se levanta contra o mal e contra o pecado - coisas que
ocasionaram a ira e a indignação vistas em nosso bendito Senhor.
Isso nos leva ao nosso terceiro grande princípio. Como devemos lidar com esta
ira pecaminosa, com esta tendêndia de perder o controle e de render-nos ao tipo
errado de ira? Devemos notar que o apóstolo nos manda lembrar que essa perda
de controle de nós mesmos pertence ao velho homem, à velha vida, e que
devemos despojar-nos disso. Em segundo lugar, essa perda de controle sempre
dá ao diabo a sua maior oportunidade. Paulo acrescenta o versículo 27 ao 26:
“Não deis lugar ao diabo”! O que ele quer dizer com isso é: nunca abra a porta
para o diabo. Quando você perde o equilíbrio emocional você a escancara; não
poderia abri-la mais amplamente. Não há nada que abra mais amplamente a
porta do que a ira, e por esta boa razão: no momento em que você se deixa
dominar pelo temperamento, perde a capacidade de raciocinar, não pode mais
pensar, não é mais capaz de fazer um julgamento equilibrado, pois você fica com
total preconceito em favor de um lado e contra o outro. Noutras palavras, perde a
capacidade de raciocinar, de pensar, de tratar de maneira equânime, de avaliar -
tudo o que faz do homem um homem, já se foi; pois por algum tempo ele vira
um animal, criatura da sua paixão e de um tipo instintivo de energia. E,
naturalmente, essa é justamente a situação na qual o diabo vê a sua mais
esplêndida espécie de oportunidade! Foi quando ele persuadiu Eva e Adão de
que se irassem contra Deus que os teve em suas mãos com toda facilidade. Ele
os incitou ao amargor e à inimizade contra Deus, e os fez acreditar que Deus
estava contra eles; e assim, imediatamente o diabo pôde fazer o que quis. E
pensem no assunto como vocês o conhecem na vida. Haveria alguma coisa
que leve a maior dificuldade que a ira? As coisas proferidas com raiva e num
momento de azedume! - você quase cortaria a sua língua, se pudesse, para trazê-
las de volta; e às vezes, apesar de obtido o perdão, elas deixam feridas e
cicatrizes indeléveis. Que estrago a ira pecaminosa faz no mundo!
o diabo entra. Ele fará que ela permaneça, e insinuará pensamentos e idéias, e os
implantará. Na verdade, a totalidade da vida pode ser arruinada tão-somente por
causa da ira. A ira é sempre causa de confusão, não somente na vida do
indivíduo, mas também nas vidas de todos os que estão envolvidos nos
quefazeres da vida com tal indivíduo. Não existe nada, eu afirmo, que tão
constantemente dê oportunidade ao diabo como a perda de controle na ira.
E o lançou na prisão! O senhor chamou aquele homem e disse: Você, servo mau!
- porque não tratou seu conservo como eu tratei você? E o nosso Senhor Jesus
Cristo, aplicando a parábola, disse: “Assim vos fará, também meu Pai celestial,
se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas”.
Se você não pode perdoar o seu irmão, digo-lhe em nome de Deus, você não é
perdoado. Você não pode agir com leviandade no universo moral de Deus. Ouça
a exposição que João faz da verdade em sua Primeira Epístola: “Se alguém diz:
eu amo a Deus, e aborrece a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu
irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?” O mau
comportamento é uma negação do próprio fundamento do evangelho. O novo
homem, diz-nos Paulo, que segundo Deus, é criado em verdadeira justiça
e santidade, é criado à imagem de Deus! Assim, se eu afirmo que sou cristão, eu
creio que sou renovado à imagem de Deus e, portanto, devo fazer aos outros o
que Deus me fez. Ele me perdoou, apesar de eu ter sido o que fui. Eu devo
perdoar o outro, apesar de ser ele o que ele é. A lógica é essa! É uma verdade
fundamental do evangelho.
ou raiva falsa, pecaminosa, a minha pergunta final é esta: quando devo fazê-lo?
Quando devo lidar com ela? E o apóstolo nos dá uma das respostas mais
gloriosas da Bíblia toda: “Não se ponha o sol sobre a vossa ira”! Faça-o
imediatamente! Não vá para a cama, não se entregue ao sono com isto em sua
mente ou em seu coração. Resolva isso logo. Nunca vá para o leito sem acertar
as suas contas morais. Nunca deixe uma coisa como essa na sua escrituração.
Livre-se dela! Apague-a! Passe sobre ela o sangue de Cristo! Liberte-se da
coisa! “Não se ponha o sol sobre a vossa ira.” Jamais vá dormir com
um pensamento amargo, odioso, raivoso em seu coração. Não permita que estas
coisas encontrem guarida. Se você sofreu uma terrível provocação durante o dia
- e tais coisas de fato acontecem - e você teve realmente uma justa ira e
indignação, não deixe que ela s cfixe e venha a ser um ódio maligno e amargo.
Escrituras! - ódio ao pecado, mas nunca ódio ao pecador; ira, nunca porém de
maneira pecaminosa. E acima de tudo, reitero, sempre assegurar-se de nunca
pousar a cabeça no travesseiro para descansar e dormir de noite com um espírito
de azedume ou ódio ou falta de perdão em seu coração ou em sua mente ou em
sua alma. “Não se ponha o sol sobre a vossa ira”! Você pode ter um grande
conflito consigo mesmo, porém não vá descansar enquanto não o resolver. Você
poderá ter que questionar por todos os lados; vá adiante, digo eu, até que se
aperceba do amor de Deus em Cristo para com você, até que veja Cristo
sangrando e morrendo na cruz para que você fosse perdoado; demore-se nisso
até que Ele amoleça o seu coração, faça-o prostrar-se quebrantado e o leve a
entristecer-se por aquele que ofendeu você, e até que você o perdoe livremente.
Depois, mas não antes disso, vá para a cama, ponha a cabeça no travesseiro e
durma o sono dos justos, dos retos e dos santos, pois então terá direito de
fazer isso; você estará fazendo como o Filho de Deus fez; você terá agido em sua
vida e em sua esfera como Deus agiu com relação a você.
“Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deis lugar ao
diabo.”
NÃO FURTAR,
Aqui chegamos à questão do roubo, e não podemos deixar de notar que em cada
uma das suas exortações práticas o apóstolo está selecionando coisas que
realmente são de vital e axial importância. Há muitas declarações no Novo
Testamento no sentido de que pessoas que praticam certas coisas simplesmente
não são cristãs. Agora permitam-me mostrar-lhes este mesmo apóstolo, que às
vezes é descrito como o apóstolo da fé, fazendo justamente esse tipo
de declaração. “Não sabeis”, diz ele, “que os injustos não hão de herdar o reino
de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem
os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os
bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus” (1
Coríntios 6:9-10). E vocês notam que nesta lista de 1 Coríntios se faz menção
dos ladrões. Assim também, vocês vêem, Paulo nos está lembrando que, se um
homem persiste em roubar, com isso prova que não é cristão. Vocês observarão
que eu digo se elepersiste em roubar, se não há mudança nele nesse aspecto.
Paulo não diz que o cristão não pode cair em tentação uma vez, ou quem sabe
mais de uma vez, mas o que ele diz é que o Novo Testamento diz em toda parte
que o homem que persiste em roubar está com isso provando que não é cristão,
sejam quais forem as suas crenças doutrinárias.
Aqui o apóstolo usa o mesmo método que utilizara antes. Primeiramente ele nos
diz o que não fazer; depois nos diz o que fazer; depois nos dá a razão para não
fazer uma coisa e fazer a outra. “Aquele que furtava, não furte mais”, é a
negativa; “antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom”, é a positiva; e a
razão disso tudo, “para que tenha que repartir com o que tiver necessidade”.
Muito bem, nessa importante injunção há certamente algumas coisas que logo
sobressaem
Passo, então, a uma segunda proposição que às vezes é mal entendida, porém
que evidentemente é de central importância. O evangelho nos livra de todos os
tipos de pecados; sim, mas é importante observar o modo como o faz. Temos
aqui uma injunção que com freqüência deixa muitos surpresos. Perguntam eles:
o evangelho diz realmente a alguns cristãos que eles devem deixar de roubar?
Eu pensava, diz alguém, que você estava dando ênfase ao fato de que
essas pessoas foram regeneradas, nasceram de novo, foram criadas
segundo Deus neste novo molde, e que a imagem de Deus foi restaurada nelas; e
agora você nos vem dizer que o apóstolo tem que dizer a essas mesmas pessoas:
“Aquele que furtava^ não furte mais”? Sim, é precisamente isso que o apóstolo
diz. E uma coisa com a qual não devemos ficar surpresos. Se estamos surpresos,
sem dúvida é porque estamos errados em nossa conceituação da doutrina da
regeneração, do novo nascimento, e do que ela significa. Há
considerável incompreensão sobre isso. Vejam, por exemplo, a declaração de
Paulo aos coríntios: “Se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas
já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Coríntios 5:17). Muitas vezes essas
palavras são mal interpretadas, como se significassem que, quando um homem é
regenerado, quando ele está em Cristo e passa a ser nova criatura, tudo o que
antes lhe era próprio acabou; nada daquilo permanece, e ele é um homem
inteiramente novo, em todos os pormenores e em todos os aspectos. Mas,
obviamente, isso
Lembro-me bem de dois homens que eram membros da mesma igreja e que, em
seus tempos anteriores à conversão, eram ébrios. Ouvindo o evangelho, ambos
foram convertidos, foram salvos, foram regenerados; porém foi muito
interessante notar a diferença que houve na experiência de ambos. No caso de
um deles, até o gosto pela bebida foi tirado imediatamente; literalmente, nunca
mais teve problema com isso, nem por um momento. Mas o segundo homem,
que igualmente renunciara à bebida, não era mais seu escravo e não mais estava
sujeito a ela em nenhum sentido, não se viu livre dela num instante, como
aconteceu com o outro homem; sabia que tinha que lutar e, às vezes, sentia-se
tentado. E, todavia, os dois homens eram igualmente regenerados. Aprendemos,
pois, que as exortações que vemos na Epístola são necessárias. Nascemos como
crianças em Cristo e não ficamos sabendo tudo de uma vez; não vemos logo tudo
claramente; precisamos de instrução, é preciso que nos ensinem,
precisamos crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo. Por
isso foram escritas estas cartas.
Vamos, porém, examinar um pouco mais esta matéria. Por que a prática do roubo
tem que ser abandonada? Por que diz o apóstolo, “Aquele que furtava, não furte
mais”? Este é um assunto muito relevante e, infelizmente, tem referência prática
muito urgente. Os jornais nos estão falando sobre o pavoroso aumento dos
roubos e furtos
Desse modo devemos entender que a exortação a parar de roubar tem relevância
muito ampla e muito prática, e devemos ter o cuidado de tomá-la desta maneira
ampla. Não devemos apropriar-nos de coisa nenhuma que pertença a outrem, ou
ao Estado, nem usá-la para os nossos fins e objetivos pessoais, por mais elevados
que sejam. O roubo inclui também o deixar de pagar a outrem o que lhe é
devido. Reter de outros o que lhes é devido, seja do Estado, na forma de
taxas alfandegárias ou de imposto de renda, ou seja lá o que for, é roubo.
Se pertence a outros por lei e de direito, e o retemos, somos culpados de roubo.
Não pagar o que se deve, é roubo, bem como apropriar-nos de fato daquilo que
não nos pertence.
“Que o ladrão não roube mais.” Essa é a exortação do apóstolo. Não existe nada,
talvez, que mais do que o roubo mostre quão desprezível é o pecado. E, de
acordo com o Novo Testamento, o modo de sobrepujar o pecado é vê-lo como
ele é, desprezá-lo, odiá-lo e dizer: isso é impossível para o cristão! Não haveria
algo inerente e essencialmente vergonhoso quanto ao roubo? Envolve
clandestinidade, ação oculta, furtiva, busca de oportunidade quando ninguém
está olhando, agir depois de escurecer, fazê-lo quando ninguém está por perto.
Ah, certamente há algo completamente desprezível em torno do roubo! Há
vergonha e traição inerentes e essenciais em tomo desse tipo de ação. Tudo o que
está envolvido nele, tudo o que é indicado por ele, está cheio dessa característica
horrível. E depois entra outro elemento: o roubo sempre envolve o mau uso de
uma capacidade que nos é dada. Como eu disse, o apóstolo está pensando em
termos das mãos. Vejam aquele homem, ele viu algo que cobiça; pertence a
outro, e as mãos que Deus lhe deu ele usa para agarrá-la e tomar posse dela. Que
mau uso destes instrumentos maravilhosos! As mãos! Dadas a nós por Deus!
Instrumentos admiráveis! - e vejam o uso que o ladrão lhes dá!
Mas isto não se refere somente às mãos da pessoa; refere-se a todos os outros
aspectos que eu estive delineando. Observem a maneira como os ladrões usam
mal o poder do pensamento, do poder da razão, do poder da lógica, do poder de
fazer previsões e de planejar. Vejam o puro engenho, a mestria do ponto de vista
do cérebro que penetra em muito comércio ilícito, e em tudo o que está
envolvido no grande e compreensivo termo roubo! A argúcia, a abilidade que os
homens demonstram quando fogem e se esquivam, e na sua busca.
Que prostituição de alguns dos mais potentes e mais nobres dons que Deus deu
aos homens! Pensem também no prazer perverso que o ladrão tem neste mau uso
dos seus dons. Ele de fato pensa que é esperto quando rouba! Ah, que perversão!
Será esse o padrão da habilidade, será essa
Acresce que o homem que rouba se persuade de que tem direito a tudo de que
gosta e que deseja. Ele só vê o objeto do seu desejo. Ele não pára para perguntar
se é dele ou não, ou de quem é; tudo o que ele diz é: ora, eu gosto disso, eu
quero isso, eu ficaria muito alegre se o tivesse, eu poderia fazer maravilhas com
isso, portanto eu o tomo. Esse é o raciocínio, essa é a mentalidade, o que mostra
completa e total falta de respeito pelos outros e suas posses. E essa é, talvez, a
pior coisa acerca do furto e do roubo - a falta de respeito pelos outros. Só
penso em mim, no que é bom para mim, no que eu quero e no que
posso desfrutar. Se começasse a pensar do mesmo modo acerca doutro homem,
eu nunca tomaria o que é dele porque respeitaria os seus direitos àquilo. Mas eu
o excluo, faço violência à sua personalidade, só me importo comigo, ninguém
mais conta. Essa é a filosofia que está por trás do que o ladrão pensa.
Vemos, pois, por que o apóstolo estava forçando tanto essa questão aos efésios.
O modo de ver do gatuno torna impossível a comunhão. E Paulo está escrevendo
aos membros das igrejas, e havia pouco lhes dissera que todos eles eram
membros do corpo de Cristo e que o corpo é um só. No entanto, como pode
existir essa unidade e comunhão, se cada um estiver se apropriando dos bens de
outrem e se cada um for por si? A mão diz: o pé não me interessa, tiro dele tudo
o que posso! O resultado é o caos, é uma monstruosidade; não há
comunhão possível onde não há confiança. Portanto, diz o apóstolo, que o
ladrão não roube mais! Roubar éuma ilegalidade, é anarquia, é cada qual por si,
é egoísmo absoluto. É por isso que o apóstolo diz: “Aquele que furtava, não furte
mais”!
Então, como deve o cristão considerar e tratar todo esse problema e essa tentação
para roubar? De novo devo assinalar que o apóstolo não diz apenas: ore sobre
isso, peça a Deus que tire isso da sua vida, e Ele o fará por você! Você mesmo
não precisa fazer nada, deixe que Ele faça tudo, Ele fará tudo, simplesmente olhe
para Ele, Ele tirará isso da sua vida se você Lhe pedir! Não é o que o apóstolo
diz. Em vez disso,
eie dá uma injunção positiva. Parem de fazer isso, diz ele. Aquele que furtava,
não furte maisl Pare de fazer isso! Mas, como parar? Primeiramente, dê uma boa
olhada na coisa. Analise-a, observe-a bem, e diga: será que é isso? Porventura eu
sou culpado disso? É impossível! E você pára de roubar. Entretanto não fica
nisso. Depois você faz uma abordagem positiva do problema. E qual será
essa abordagem? O apóstolo não nos deixa na dúvida - aquele (ladrão)
que furtava, não furte mais - “antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é
bom”. Esta é deveras uma grande palavra: labute, trabalhe!
Acaso não é espantoso notar como sempre somos lerdos para aprender as
grandes lições da vida e da história? Certamente nós temos observado que é uma
coisa muito perigosa herdar riqueza. Não estou dizendo que sempre a situação
em apreço vai mal, porém estou dizendo que é sempre perigosa. Lamento muito
quando jovens herdam riqueza, porque eles ficam numa situação perigosa; não
é surpresa que muitas vezes eles vão mal. Quantas vezes tem acontecido
que um pai trabalhou duro e labutou, como as Escrituras mandam; edificou
grande e rendoso comércio, e lançou bom alicerce; vem o seu filho, herda tudo e
esbanja tudo. Pobre rapaz! Sinto por ele. Recebeu riqueza sem trabalhar por ela,
sem labutar por ela; tem atitude errada para com a vida e para com p modo de
viver, e não admira que faça mau uso da riqueza herdada. É perigoso ter riqueza
e posses sem as ter adquirido de algum modo, e uma sociedade que passa por
muito dessa espécie de coisa está procurando problema.
“Trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha que repartir com o
que tiver necessidade.” Nosso próximo passo é notar os elementos essenciais do
princípio de mordomia. Por que possuo coisas? Ah, não como o larápio, o
ladrão, vejo isso, não meramente para mim mesmo, e o que posso tirar delas.
Absolutamente não! Sou um mordomo, estas coisas estão comigo, mas
realmente não são minhas. Não são um fim em si mesmas, nunca foram
destinadas à satisfação pessoal apenas. Simplesmente as mantenho para o
Doador, porque Deus é o Doador de todo bem e de todo dom perfeito, e Ele
me designou para ser guardião, para tê-las em custódia, para ser o mordomo.
Não são minhas; simplesmente as tenho por algum tempo.
Não somente Cristo não furtou o que não Lhe pertencia, mas nem sequer reteve
o que ere dEle, as riquezas eternas, e por amor de nós se fez pobre. E Ele viveu
neste mundo como um dos pobres; não teve casa própria; não teve lar que fosse
propriamente Seu - “O Filho do homem”, disse Ele, “não tem onde reclinar a
cabeça.” Lemos que “cada um foi para a sua casa; Jesus foi para o Monte das
Oliveiras”!
1
Como se vê no Prefácio, os sermões sobre Efésios, parte dos quais está no presente volume, foram
pregados entre 1954 e 1962. Nota do tradutor.
COMO COMUNICAR-NOS COM OS NOSSOS SEMELHANTES
“Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para
promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem. ”
- Efésios 4:29
A injunção negativa corre: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe”, que
eqüivale a dizer que, nessa questão de falar, o cristão deve ser completamente
diferente do não cristão. Devemos, pois, indagar a nós mesmos o que é que
caracteriza a fala, a conversação dos não regenerados e dos ímpios, e isso é
sugerido pelos próprios termos usados pelo apóstolo, que vemos elaborados
noutras partes das Escrituras. Uma característica do falar dos ímpios é o excesso,
a falta de controle. Os ímpios falam demais; falam sem pensar, estão
sempre falando. Se você viajar de ônibus ou de trem, ou se estiver numa
sala pública, verá esse constante falatório; é sempre uma característica
dos ímpios. Provavelmente nem todos percebemos que o povo cristão não fala
tanto como o povo não cristão.
com a palavra, anseiam por auto-expressão e por conseguir algo para o seu ego.
Se vocês analisarem uma fala e uma conversação tendo todas essas coisas em
mente - o excesso, o não falar na vez e a interrupção uns dos outros - vocês serão
forçados a concluir que não há nada nelas, senão a pura manifestação do ego e
da importância própria, o desejo de admiração e de elogio. A conversação dos
ímpios está repleta dessas características.
Depois o apóstolo introduz algo que seguramente tem também uma nova
urgência nos dias atuais, a saber, a falta de polidez. Que lástima! Ele se refere ao
que é torpe, indigno, feio, indecente, corrupto e sujo. Estas são traduções
alternativas da palavra que ele usa. Naturalmente, temos termos polidos para
essa coisa má; falamos de mordacidade, de acrescentar um pouco de tempero à
conversação, de algo sugestivo, vulgaridade, impureza, grosseira, obscenidade.
Esta é sempre a característica da conversação da sociedade pagã, mesmo em
sua melhor condição. Digo mesmo em sua melhor condição! Talvez seja uma das
maiores manifestações da Queda e do corruptor efeito do pecado, que mesmo
homens pertencentes a profissões e sociedades cultas, quando se encontram em
seus jantares e festas, passam o tempo contanto anedotas uns aos outros,
repetindo anedotas, colecionando-as, dando-se ao trabalho de recordá-las. Fazem
isso porque sabem que serão admirados por isso, e se tomarão o centro de
atração. E quanto mais atrevidos, mais maravilhosos! Homens capazes e
inteligentes, em alta posição em suas p/ofissões, literalmente passam o tempo
fazendo esse tipo de coisa. É clara evidência da grosseria que o pecado introduz
na vida humana e nos corações dos homens; contudo, isso é considerado esperto,
divertido. “Vocês ouviram esta?” perguntam, e toda gente ouve! Homens dotados
de inteligência, sim, e homens honrados, são capazes de passar o tempo dessa
maneira, uma horrorosa manifestação do corruptor efeito do pecado!
Seria fácil fazer neste ponto uma digressão para chamar a atenção de vocês para
o óbvio aumento desse tipo de coisa na vida do nosso país e de outros. Uma
baixeza, um relaxamento está se insinuando na conversação. As pessoas usam
em público termos que ninguém sonharia em usar há quarenta anos. Acaso vocês
não notaram a entrada disso nos artigos e nas revistas, não somente nos jornais?
Isso não estaria acontecendo em geral? Esta curiosa tendência de desafiar -
na verdade se tomou tão costumeira que não desafia nem choca ninguém. E está
se tornando espantosamente comum. Até em periódicos de boa reputação não se
pode senão notar o curioso e triste declínio que tão evidentemente vem
ocorrendo. E frequentemente o mundo ímpio faz
disso uma brincadeira, e considera divertido o que realmente é trágico. Por que
se deveria considerar divertida a infidelidade de um homem para com a sua
esposa? Por que as constantes pilhérias sobre esse tipo de coisa? Nada causa
maior infelicidade a homens, mulheres e crianças do que justamente esse mal, e,
todavia, é considerado como tema para brincadeira. Atos de infidelidade tornam-
se objetos de riso e diversão! Comunicação torpe, conversação torpe, é marca
dos nãp regenerados. Não se envolvam com nada disso, diz o apóstolo. É prática
corrupta e corrompe outros. E isso era o que mais ocupava a mente do apóstolo
aqui, como em todas estas diversas injunções. Ele quer que os crentes
considerem a influência das suas palavras sobre os outros, pelo que diz: não saia
da sua boca nenhuma palavra torpe; algum espectador pode ouvi-la, e isso lhe
poderá ser nocivo.
Que influência as palavras podem ter? Tiago nos lembra que elas inflamam, com
uma paixão do inferno! Muitos homens se desgarraram na vida simplesmente
por terem ouvido conversa que estimula, inflama e provoca tudo quanto é
indigno. Escrevendo aos coríntios, o apóstolo Paulo adverte-os de que “as más
conversações corrompem os bons costumes” (1 Coríntios 15:33). Portanto, diz
ele, por amor aos outros, que nada disso saia da sua boca. Para expressá-lo com
muita simplicidade e clareza, o que ele está realmente dizendo é: parem de fazer
esse tipo de coisa! Notem particularmente, porém, mais uma palavra que ele
utiliza: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe”. Noutras palavras, se
isso chegar a entrar em sua mente, se começar a tomar forma em seus lábios e
em sua língua, pare! Se chegou em sua boca, não o deixe sair! Crucifique-o,
mate-o, assassine-o, detenha-o! Se já lhe pesa a culpa de maus pensamentos, se
o diabo os sugere a você - se você não conseguir detê-lo, ele atirará em você os
seus dardos inflamados, ele os insinuará a sua mente, as suas sugestões malignas
- mesmo assim, diz o apóstolo, o que lhe estou dizendo é isto: jamais saiam
palavras torpes da sua boca, faça-as morrer em seus lábios pelo bem dos outros.
Esta é a sua injunção negativa, antes de tentar persuadi-los com a positiva.
Que é que deve sair da sua boca? “A que for boa para promover a edificação.”
Devo salientar de novo que uma parte da glória central da fé e vida cristã é que
nunca é meramente negativa. Não é moralismo, é cristianismo. O moralista pode
pôr breques e freios, e pode não ser culpado de certas coisas, mas pára nesse
ponto. Paulo, porém faz soar uma nota positiva. O evangelho de Cristo dá-nos
vida, nova vida, e está cheio de atividade positiva e de diligente esforço; e é
sempre este o método cristão. Observem a expressão do apóstolo -“a que for boa
para promover a edificação”. Desafortunadamente, a
Versão Autorizada (.Authorized Version) (e com ela, ARC) realmente não é boa
neste ponto, pois traduz mal a frase. Diz ela: “a que for boa para proveito da
edificação”; entretanto o que Paulo diz de fato é: “a que for boa para a edificação
da necessidade”. A Versão Revista inglesa (Revised Version) a traduz melhor:
“aquela que for boa, conforme a necessidade” (como ARA). Todavia a Versão
Revisada Padrã (Revised Standard Version) é melhor ainda: “Somente
aquela que for boa para edificação, de acordo com as circunstâncias”.
Então, quais são os princípios que devem governar o meu falar e a
minha conversação com outros? Examinaremos primeiro os princípios gerais.
A segunda coisa evidente acerca do linguajar do cristão é que não é mais egoísta
ou egocêntrica. O crente nunca deve sair só querendo ser admirado ou ser
importante ou ser considerado uma maravilha na conversação. Nunca! Quem faz
isso é o velho homem. Fora com ele! Detenha-o! - diz Paulo. Não se envolva
nisso, você foi tirado disso; nunca se ponha na frente, nunca procure
oportunidade para a sua exibição pessoal. O que deve caracterizar o falar do
cristão é o interesse pelas outras pessoas. Paulo disse isso em cada uma destas
injunções específicas. Disse ele: “Falai a verdade cada um com o seu próximo”,
pelo bem do seupróximol “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a
vossa ira” - não vá dormir com um pensamento mau sobre o seu próximo!
“Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que
é bom, para que tenha que repartir com o que tiver necessidade”! Em cada
ordem dada o próximo é proeminente, e continua sendo nesta questão do falar,
do prosear e da conversação. Você não deve exibir-se e mostrar-se, como
dizemos, pois o cristão é alguém que não só pensa em seus próprios interesses, e
sim também nos dos outros. Ele é como o Senhor, e a mente do Senhor deve
estar em nós. Ele não pensou em Si; por amor dos outros, por amor de nós, Ele
Se humilhou.
Não, diz o apóstolo; essa abordagem é errônea. Se fizer essa abordagem, você
estará mais preocupado consigo próprio e com o cumprimento do seu dever, do
que em manifestar a atitude verdadeiramente cristã nesta questão. A palavra de
edificação dita pelo cristão sempre deve ser de acordo com as circunstâncias!
Portanto, não devemos repetir frases como papagaio e achar que agimos bem
e cumprimos o nosso dever. Nada disso! Em vez disso, devemos primeiro
descobrir qual a exata situação das outras pessoas. Compete-me falar-lhes de
modo tal que as ajude exatamente no ponto em que elas estão; “não deiteis aos
porcos as vossas pérolas”, diz o nosso Senhor (Mateus 7:6). Não dê um bife,
digamos, de boa carne vermelha a um bebê que só pode tomar leite! Estes são os
termos das Escrituras, não são? “Eu, porém, irmãos, não vos pude falar”, diz
Paulo aos coríntios, “como a espirituais; e, sim, como carnais, como a
crianças em Cristo. Leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido”. O fato é
que eles não podiam suportá-lo! (1 Coríntios 3:1-2, ARA).
O autor da Epístola aos Hebreus lamenta o mesmo fato. Diz ele aos seus leitores:
eu gostaria que vocês fossem adiante, para a perfeição, mas tenho que retroceder
em meu ensino, pois vocês não estão querendo receber mais que os primeiros
princípios do evangelho de Cristo. Sim, mas que sábios mestres eram os homens
desse tipo! Reconhecendo que os seus leitores ainda não estavam em
condições de receber ensino mais avançado, davam-lhes ensino próprio para
as condições deles, “de acordo com as circunstâncias”! Evidentemente, esse é o
modo como todos os cristãos devem falar. Não só falamos e falamos e falamos;
não apenas fazemos afirmações corretas. Temos que aprender a entender os
outros e suas necessidades. E devemos estar tão desejosos de ajudá-los que
tomemos tempo, meditemos, pensemos, experimentemos o nosso método,
observemos a situação, e então aplicamos a palavra necessária e apropriada. Isso
requer
grande sabedoria, grande compreensão, grande paciência. Não sejamos injustos
com as pessoas, não esperemos que elas sejam o que não são. O nosso dever é
receber as pessoas como são e procurar levá-las dessa posição a outra. Portanto,
sejamos cuidadosos no sentido de que a nossa palavra, a nossa palavra boa para
edificação, sempre seja de acordo com as circunstâncias e seja apropriada para
qualquer ocasião, em cada caso individual.
O objetivo da nossa “palavra” é “para que dê graça aos que a ouvem”, isto é,
para que, de algum modo, lhes transmita graça. Nunca esqueçam, diz com efeito
o apóstolo, que o homem ou a mulher ou o grupo de pessoas a quem vocês
estiverem falando, possuem almas imortais; que a vida deles não termina neste
mundo, que eles vão para a eternidade. E se o mantivermos em mente,
certamente isso dominará e governará toda a conversação. Dê-lhes graça!
Acontecerá que alguns com os quais você vai conversar não são convertidos; que
haja quanto a você, quanto à sua maneira de falar e quanto ao que você
diz, alguma coisa que os prenda e chame a atenção deles para a verdade. Não
pregue, porém que a sua conversação em geral seja tal que algum aspecto da
graça se torne evidente para eles. E, por outro lado, se eles são filhos de Deus,
ajude-os a edificar a sua pequena provisão de graça, de conhecimento e de
entendimento; eles são exortados, como nós somos, a crescer na graça e no
conhecimento do Senhor. Que o contato com você ajude esse processo, e que a
sua conversação com eles leve à edificação deles.
Posso resumir o ensino do apóstolo assinalando que o que ele está fazendo
realmente aqui é pedir-nos que nos portemos como o nosso Senhor. Como é que
Ele se portava? Temos uma descrição dEle, feita pelo profeta Isaías numa das
suas grandes passagens messiânicas. No capítulo cinqüenta ele olha para o futuro
e O vê, e nos diz que o Messias está dizendo as seguintes palavras: “O Senhor
Jeová me deu uma língua erudita, para que eu saiba dizer a seu tempo uma boa
palavra ao que está cansado”. Meu querido povo cristão, há gente cansada
ao nosso redor, cansada do pecado, cansada no pecado, cansada da vida. Há em
torno de nós cristãos carregando fardos, carregando cargas, padecendo
enfermidades e doenças, decepções, traição de amigos, alguma acariciada
esperança que se foi de repente, ilusões frustradas e desvanecidas; há por perto
de nós homens e mulheres cansados! E quando nos encontrarmos com eles e lhes
falarmos, esqueçamo-nos de nós mesmos, não consideremos o encontro como
uma ocasião na qual podemos demonstrar como somos maravilhosos. Não o
permita Deus! Oremos para que tenhamos esta língua erudita que nos habilite a
falar
uma palavra a seu tempo a alguma pobre alma cansada. O nosso Senhor veio do
céu para fazer isso; e a respeito dEle foi escrito, e Ele o concretizou em Sua
vida: “A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega” (Isaías
42:3). Esse é o caminho para nós também. Durante o nosso jornadear pela vida,
devemos ajudar os homens eas mulheres com umapalavra,umapalavra de
encorajamento, uma palavra de entusiasmo, talvez uma palavra de reprovação,
mas uma palavra que os faça lembrar-se de que estão sob Deus, e de que, se
estiverem em Cristo, serão preciosos para Ele. Saiamos, pois, para socorrer os
cansados e ajudar os fracos. Ajudemos verdadeiramente uns aos outros, em
todos os aspectos da nossa vida e da nossa conversação, porém sobretudo em
nosso falar. Não proceda da nossa boca nenhuma comunicação corrupta, e sim
somente a que for boa para a edificação dos outros, para o melhor proveito da
necessidade, de acordo com as circunstâncias, para que possa ministrar graça
aos ouvintes. Graças a Deus pela vida cristã, em que tudo passa por mudança, e
tudo o que somos, fazemos e dizemos é tão diferente daquilo que caracterizava a
antiga vida não regenerada. Bendito seja o nome de Deus, que teve misericórdia
de nós e enviou o Seu Filho, não somente para morrer por nós e libertar-nos de
inferno e sua corrupção, mas também nos deu esta nova natureza e modelou de
novo as nossas vidas à Sua imagem.
“E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia
da redenção. ” - Efésios 4:30
Em segundo lugar, neste versículo temos o que se pode descrever muito bem
com a differentia 1 da ética cristã; quer dizer, temos aqui o que realmente faz da
ética cristã o que ela é e a distingue de todas as outras espécies de sistema ético
ou moral. Todos os outros lhes dirão que não mintam, que falem sempre a
verdade, que não percam o equilíbrio emocional, mas sempre se dominem e
sejam disciplinados; eles lhes dirão que não roubem, que não usem mau
linguajar e nenhum tipo de comunicação corrupta, e que vocês sejam amáveis e
bondosos, que estejam dispostos a ajudar e que sejam filantrópicos; eles
fazem tudo isso, porém nunca em seus sistemas você encontra a ordem: “e não
entristeçais o Espírito Santo de Deus” - nunca! Esta, digo eu, é a peculiaridade, a
differentia, aquilo que o marca, que o separa de tudo mais. E, naturalmente, isso
é importante da seguinte maneira: se a nossa concepção da vida cristã e do viver,
da conduta e do comportamento cristãos não incluir essa ordem e não estiver
baseada nela, e não estiver nos levando sempre nessa direção, não é
verdadeiramente cristã. Uma boa conduta não é necessariamente cristã. E é um
fato trágico na vida e na história da Igreja que com muita freqüência
o moralismo, moralismo que até pode usar terminologia cristã, é confundido
com o cristianismo. Mas eis o teste: a totalidade da nossa vida está centralizada
numa verdade como esta? Ela está no coração de toda a nossa perspectiva da
conduta e do comportamento, e no cerne da nossa prática?
mos muito bem descrever como o coração, o cerne e o centro da doutrina bíblica
da santificação. É um apelo, sim, mas notem a espécie e o tipo de apelo que é.
Notem a natureza do apelo feito pelo apóstolo. Negativamente, ele não está
apelando para que se amoldem a uma lei ou a um código moral ou a um código
de ética. Ele não menciona tal coisa em seu apelo. Seu apelo não está num nível
legal, não é no sentido de que o cristão deve obedecer a um certo padrão. Os
padrões são bons no lugar que lhes cabe, porém isso não é peculiarmente cristão.
Mais importante ainda é observar que o apelo de Paulo não é para que os crentes
se refreiem quanto a certas coisas para o seu próprio benefício. Nisso o seu
ensino é completamente oposto a certas escolas populares de pensamento e de
ensino que invariavelmente ensinam a santificação em termos de nós mesmos.
Elas nos dizem: você está com algum problema em sua vida? Você está preso a
algum pecado específico? Você é derrotado constantemente? Se é assim,
procuremos, venha à nossa clínica, e nós o ajudaremos a lidar com o
pecado específico que o está arrasando. Não há uma só palavra disso aqui,
pois não é o modo bíblico de apresentar a santificação. Esta não
começa conosco, não é em termos de nós mesmos. Não nos diz: se você quer ter
uma vida vitoriosa, ser realmente feliz, ter grande gozo e experiências
maravilhosas, pare de fazer isto e aquilo. Absolutamente não! Naturalmente, as
coisas malignas são más para mim, e, obviamente, como estou prestes a
demonstrar-lhes, elas afetam a minha experiência, todavia não é essa a primeira
coisa. Se nos falta entendimento da doutrina bíblica, revelaremos o fato pelas
coisas que pomos em primeiro lugar, é a coisa que o homem põe em primeiro
lugar que realmente nos diz onde ele se firma e qual é o seu fundamento.^
Aqui ele nos mostra o que deve ser. Deve ser a Sua gloria! É por isso que não
devo fazer certas coisas. “Não entristeçais o Espírito Santo de DEUS no qual
estais selados para o dia da redenção.” Aí está o modo cristão, aí está o modo
bíblico de ver toda esta questão de santificação. Não por nós mesmos, mas por
amor de Cristo! A nossa santificação, a nossa vida, a nossa conduta, sempre deve
ser a percepção, o resultado e o desenvolvimento daquilo que Ele fez por nós,
do fato de sentirmos a Sua glória e do nosso desejo de viver para o louvor da
glória da Sua graça.
o coloca: “o Espírito, sim, o santo Espírito de Deus, em quem vós sois selados
para o dia da redenção”!
Obviamente, a primeira coisa que esta passagm nos ensina refere-se ao Espírito
Santo na vida do crente. Lembra-nos que no capítulo primeiro o apóstolo o
expressa desta mesma maneira interessante e extraordinária, em termos de selo.
E aqui, no capítulo quatro, ele nos diz que o selo que Deus nos dá do fato de que
estamos entre os remidos é o próprio Espírito Santo. Não é uma declaração
concernente ao que o Espírito Santo nos faz, mas que Deus nos sela com o
Espírito Santo. O próprio Espírito Santo é o selo. E Ele nos sela para o dom da
salvação e todos os seus concomitantes, como no-lo garante o apóstolo
no capítulo primeiro, onde ele diz: “e, tendo nele também crido, fostes selados
com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança, para
redenção da possessão adquirida”. E aqui, neste capítulo quatro, o apóstolo,
tomando por líquido e certo que os crentes efésios guardam na mente o que eleja
lhes falara, agora simplesmente faz uso desse argumento a fim de reforçar e
aplicar esta série de injunções particulares relacionadas com a sua conduta ética,
com o seu comportamento ético.
A segunda coisa que o apóstolo nos diz é que é possível entristecer o Espírito
Santo. Ora, digo eu, esta é uma afirmação mais que magnífica e espantosa, e
derrama abundante luz sobre a doutrina cristã
Pois bem, como conciliar essas duas coisas? Essa é a questão. Num sentido
conclusivo, não podemos conciliá-las, é um grande mistério que ultrapassa o
nosso entendimento; mas temos o direito de dizer que, por causa do meio de
salvação e redenção, e como parte destas mercês, Deus, por assim dizer, desceu
ao nosso nível. Vemos isso na encarnação do Filho; Ele assumiu a natureza
humana e, portanto, conhece a nossa ignorância, a nossa fraqueza e a nossa
fragilidade; Ele sabia por experiência o que é ter fome e sede e estar cansado;
Ele mesmo Se conduziu a essa possibilidade. E a presente passagem nos diz a
mesma coisa acerca do Espírito Santo, que, tendo em vista os propósitos
da redenção e da salvação porque Ele veio residir e permanecer em nós, é-nos
possível entristecê-10. Agora, esta é uma espécie de condição temporária; não
obstante, é uma condição real. Na salvação Ele Se pôs numa relação conosco
que nos possibilita feri-10, entristecê-10, desapontá-10.
A analogia que devemos ter em nossas mentes é obviamente esta, que a nossa
relação com o Espírito Santo é de amor. E esta é a essência da doutrina cristã da
salvação. Demos fim à lei, não estamos mais debaixo da lei; mas estamos
debaixo da graça, e jamais devemos pensar em nós mesmos naqueles velhos
termos legais. Quando o cristão peca, não é tanto de que ele fez algo errado, nem
mesmo de que quebrou a lei, que ele deve tomar consciência; o que realmente
deve preocupá-lo é que fez ofensa ao amor. O próprio termo entristecer
o comprova. A nossa relação agora é pessoal. E é porque nos esquecemos desta
relação pessoal que temos a maioria dos nossos problemas e dificuldades em
nossas vidas e experiências cristãs. Persistimos em considerar o Espírito Santo
como nada mais que uma influência ou que uma espécie de poder. Mas temos
que compreender que Ele é uma
Agora, é obvio que tudo isso só é verdade quanto aos crentes; não pode aplicar-
se ao não crente. O incrédulo pode resistir ao Espírito Santo, mas não pode
entristecê-10. A única pessoa que pode entnstecê-40 é a que pertence à família e
que está nesta relação pessoal. É dessa maneira que eu, como cristão, devo ver a
santificação; não simplesmente em termos de ações ou acontecimentos ou
experiências. Devo esquecer isso tudo, por assim dizer, e dar-me conta de que o
Espírito está em mim e está sempre comigo. Ele conhece todos os meus atos, e
me é possível entristecê-lO, desapontá-10, contristá-10. Isso é que significa o
termo entristecer.
O nosso próximo ponto segue-se em seqüência lógica. Então, como é que
entristecemos ou podemos entristecer o Espírito Santo de Deus? E a resposta
está clara diante de nós. Qualquer coisa que façamos que não seja santa O
entristece. “Não entristeçais o Espírito Santo de Deus!” E isto deve ser
interpretado em seu sentido mais completo. Evidentemente, as coisas que o
apóstolo estivera detalhando entristecem o Espírito. Qualquer coisa pertencente à
carne entristece o Espírito. Vejam a lista dada em Gálatas, capítulo 5: “Porque
as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza,
lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas,
dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas
semelhantes”. Todas obras da carne, e elas entristecem o Espírito Santo de Deus.
Mas, lembremo-nos de que O entristecemos não somente com ações e práticas
concretas. Já fomos lembrados que podemos entristecê-10 com as nossas
palavras. Ele está sempre conosco, Ele ouve tudo o que dizemos; portanto, “Não
saia da vossa boca nenhuma palavra torpe”. Isso O entristece, como também O
entristecem outras coisas que Paulo continua mencionando. Devemos, porém,
dar mais um passo. Você pode entristecê-10
com os seus pensamentos. Ele está em você! Ele está dentro de você! Quantas
vezes o diabo a todos nos fez tropeçar neste ponto? Você dirá: ora, eu não faço
tal e tal coisa. Não, eu sei que você não faz, e talvez não a tenha feito por
covardia, todavia pensou nela, teve prazer com isso e o fantasiou em sua
imaginação, e pensou que tudo estava bem porque não o tinha feito. Nada disso!
Você O entristeceu! Um pensamento indigno, um pensamento impuro, um
pensamento de raiva, de ciúme ou inveja, entristece-O, fere-0 tanto como a ação.
Ele conhece todas as coisas; Ele conhece os mais íntimos recessos da sua mente,
do seu coração e do seu ser, e Ele se entristece tanto com pensamentos indignos
como com palavras e atos indignos.
Mas essas não são as únicas maneiras pelas quais O entristecemos. Há algo que
eu penso que é pior ainda, a saber, o nosso fracasso em não nos darmos conta da
Sua presença dentro de nós, o nosso fracasso em não honrá-10 como devíamos,
o nosso fracasso em não nos cientificarmos de que Ele está sempre conosco.
Existe algo mais ultrajante do que isso? Poderia outra pessoa insultar você ou
feri-lo mais dolorosamente do que comportar-se como se você não
estivesse presente, comportando-se e conduzindo-se como se você não estivesse
na sala? Haverá algo mais humilhante? Como cristãos, pois, jamais nos
esqueçamos de que o Espírito Santo de Deus está em nós e conosco. Nós O
honramos? Deixar de fazê-lo é entristecê-10!
A seguir, outra maneira pela qual entristecemos o Espírito está em nosso fracasso
em não responder às Suas sugestões, à Sua direção, às Suas influências, e a tudo
o que Ele faz em nós, para nós e conosco com o fim de favorecer a obra de
santificação dentro de nós. O Espírito Santo foi dado para aplicar a redenção que
foi adquirida e levada a efeito pelo bendito Filho de Deus. E Ele que opera em
nós tanto o querer como o efetuar, diz Paulo, segundo a Sua boa vontade. E
nós então realizamos o que o Espírito Santo opera em nós constantemente, pois
Ele habita em nós. “A carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a
carne”! Ele está em nós para fazer isso. ÉElequenosconcita, que nos dirige, que
cria desejos dentro de nós. Você de repente se vê desejando ler a Palavra: o
Espírito em ação! Subitamente Ele o incentivará à oração, talvez, ou à
meditação. Ele lhe dirá que desista de algo, e que faça algo; tudo vem do
Espírito, é tudo parte da Sua grande obra de santificação. Não responder, ou
postergar, ou dizer, bem, não posso fazer isso agora, estou fazendo outra coisa;
ou não se render a Ele e não se deixar levar por Ele - ah, são estas as
maneiras pelas quais O entristecemos! “Todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus”, diz Paulo aos cristãos de Roma, “esses são filhos de
Deus.” Se você não segue a Sua direção, ou se você tenta contrariá-la, ou se
Assim vocês vêem, estas são as maneiras pelas quais entristecemos e podemos
entristecer o Espírito. Por que não devemos entristecer o Espírito? Por que
devemos dar atenção a esta exortação do apóstolo: “Não entristeçais o Espírito
Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção”? As palavras são
um apelo dirigido tanto aos nossOs corações como ao nosso entendimento. Não
é só o entendimento, é, como estive acentuando, em grande medida o coração e
as sensibilidades. Por que não devemos entristecê-10? Num sentido eu já
estive respondendo a pergunta. Não devemos entristecê-lO porque Ele é quem e
o que é. E isso deveria ser suficiente! Ele é a terceira Pessoa da bendita e santa
Trindade, e Ele está habitando como hóspede dentro de nós, em nossos corpos,
“Hóspede bondoso, Hóspede benfazejo”. A própria grandeza da Sua Pessoa
deveria ser suficeinte para nós. Todos nós sabemos o que isto é na prática, não
sabemos? Há certas coisas que normalmente podemos fazer, porém se acontecer
de termos algum hóspede distinto em nossa casa, deixamos de fazê-las;
sentimos instintivamente que devemos estar com o nosso melhor comportamento
quando temos alguma honorável pessoa conosco. Se há crianças na casa, elas
recebem ordens para ficar quietas, não fazer muito barulho de manhã, ou em
qualquer outra hora, porque Fulano de Tal está hospedado em casa. Muito certo!
É sinal de respeito e de honra. As pessoas fazem grande esforço para ler livros
de etiqueta para portar-se apropriadamente em certos círculos da alta sociedade.
Pensem na meticulosidade com que as pessoas estudam as regras, se têm o
privilégio de ser apresentadas à rainha. Quanto cuidado teríamos com a nossa
linguagem no Palácio de Buckingham! Devemos ser infinitamente mais
cuidadosos com a nossa linguagem onde quer que estivermos, em atenção ao
Hóspede que habita em nós. Nossos pensamentos, nossas imaginações - ali está
Ele, Ele os conhece! É comparável a praguejar na presença de um santo, ou usar
linguagem indigna na presença de alguma pessoa santa. Isto é santificação
cristã - a compreensão de que Ele está dentro de nós! Não é: como posso livrar-
me deste ou daquele pecado? Em vez disso, devemos pensar
Outra coisa que entristece o Espírito Santo, como o apóstolo nos lembra aqui, é o
completo fracasso de nossa parte em não entendermos o objetivo final da
salvação. Qual é o objetivo final da salvação? Que os meus pecados sejam
perdoados? Que eu seja feliz o tempo todo? Que eu fique livre de todos os
problemas da minha vida? Nada disso! Esses são incidentais. Qual o fim e
objetivo em vista? É o dia da redenção! “Não entristeçais o Espírito Santo de
Deus, no qual estais selados até...” - esse é o fim! Ah, estas coisas menores,
graças a Deus por elas, enquanto passamos por este mundo do tempo; mais
são temporais. O grande final está adiante. Qual é ele? É o dia do Senhor que
vem, o dia em que Cristo voltará e julgará o mundo com justiça, e destruirá
todos os Seus inimigos, e removerá do cosmos todo vestígio do mal, e instaurará
o Seu reino eterno. E nós, como crentes, estaremos lá, em corpos glorificados,
perfeitos, sem mancha nem ruga nem coisa semelhante, parte integrante desta
Igreja gloriosa, a noiva de Cristo, removido tudo o que é indigno e mau. Esse é o
fim, o dia da redenção, a entrada na salvação plena, final e perfeita!
dele em amor” - neste mundo, sim, porém especialmente naquele grande dia da
redenção! Portanto, o homem que entristece o Espírito não entende como ele
devia o pleno objetivo e propósito da redenção. Por que Cristo morreu na cruz?
Simplesmente para que você não fosse para o inferno? Não! Responda a
pergunta positivamente - para que você fosse para a glória! Não olhe sempre
pela negativa; não diga: estou livre disto, disso e daquilo; claro que está,
entretanto você está livre para, está preparado paral É isso que importa. Acaso
não é trágico quando as pessoas pregam a santificação em termos
subjetivos, pessoais, em vez de porem diante de nós a visão do dia da
redenção, da glória que nos espera, da perfeição para a qual estamos
sendo preparados? Esse é o objetivo disso tudo! Pedro, colocando com o
seu estilo e com as suas palavras o que Paulo diz aqui, declara-nos: “Aquele em
quem não há estas coisas é cego, nada vendo ao longe, havendo-se esquecido da
purificação dos seus antigos pecados”. “Acrescentai à vossa fé a virtude, e à
virtude a ciência” (ou “o conhecimento”, VA e ARA), e assim por diante, diz
Pedro em sua Segunda Epístola, porquanto, se fizerdes isso, “vos será
amplamente concedida a entrada” naquele estado final do reino de Deus. É
pena, mas o problema das nossas vidas é que, ou não conhecemos, ou
não cremos, ou não aplicamos estas doutrinas cristãs. E demonstrar um tipo final
de ignorância naparte central do objetivo global da redenção, é entristecer o
Espírito.
Dessa maneira lhes ofereci as grandes verdades, e deviam ser suficientes, mas, a
fim de animar e ajudar, permitam-me tornar-me pessoal, na verdade, subjetivo.
Pelo seu próprio bem, não entristeça o Espírito, porque, se O entristecer, isso o
levará inevitavelmente à perda das benéficas manifestações da Sua presença.
Entristeça-O, e Ele Se retirará. Quero dizer com isso que Ele retirará as
manifestações de Si próprio. Se você entristecer o Espírito, não sentirá o amor
de Deus por você, não terá a alegria da salvação, não terá segurança, não terá
certeza, não terá paz, não será capaz de dizer: o Espírito dá testemunho com o
nosso espírito de que eu sou filho de Deus. Tudo isso está implícito no selo; e se
você entristecer o Espírito, as evidências do selo em você ficarão esmaecidas e,
de fato, poderão desaparecer completamente. Não me entenda mal, não estou
dizendo que você estará perdido, porém estou dizendo que lhe faltarão, que você
perderá as consolações do Espírito! O cristão é alguém de quem se espera que
experimente a alegria do Senhor. “Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez
digo, regozijai-vos”, diz Paulo aos filipenses. Também o diz aqui, aos efésios. O
cristão não é alguém que se arrasta
pelo seu enfadonho caminho neste mundo gemendo e chorando. Quando ele olha
para dentro de si, só vê pecado, e chora; no entanto, não deve olhar só para
dentro, deve olhar para fora, e, quando se vê em Cristo, deve encher-se de
alegria indescritível e cheia de glória; ele deve ir cantando, em sua marcha para
Sião. “Filhos do celeste Rei, peregrinando cantai! Vosso Salvador louvai.
Glorioso Ele é, e o que faz!” Mas você não poderá fazê-lo, se entristecer o
Espírito! Todas as ternas visitações do Seu amor, e as influências do Seu regozijo
em você, serão retiradas, e você será deixado entregue a si mesmo, e
você perderá todas as experiências das ocasiões em que Ele vem e o abraça e o
envolve nos braços do Seu amor e o faz saber que você Lhe pertence. Portanto,
pelo seu próprio bem, não entristeça o Espírito.
retiradas. E então, porque Ele contina em você, Ele o convencerá de pecado, Ele
o derrubará, Ele o prostrará, Ele o fará sentir-se desamparado e sem esperança. E
depois, quando você achar que Ele o abandonou, Ele lhe revelará de novo o
Senhor Jesus Cristo como o Seu Salvador que morreu por você e ainda o ama, e
de novo Ele o lavará do seu pecado, sorrirá outra vez para você e restabelecerá
em você a alegria da salvação. Não entristeça o Espírito Santo de Deus. Ele
está em você e o terá e o levará à glória da perfeição; e se você não quiser ser
conduzido por Ele, esteja certo de que Ele o castigará! “Aquele que em vós
começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo.” Não O entristeça,
eu o advirto, não O entristeça! Pois, se você o fizer, trará sobre si próprio
dolorosas experiências e agonias de alma que nunca precisaria ter.
Então, que devemos fazer? Simplesmente isto - lembre-se de que o Espírito está
sempre em você. Comece o dia dizendo: sou filho de Deus e, portanto, o Espírito
Santo de Deus permanece dentro de mim. Onde quer que eu esteja, o que quer
que eu faça, o que quer que aconteça, Ele estará comigo; cada um dos meus
pensamentos, palavras e atos será visto por Ele e estará em Sua presença. Ah,
como dou graças a Deus pelo privilégio! Como devo ser cauteloso, para em
nada entristeçê-10 ou desapontá-10! Não entristeça o Espírito Santo de Deus,
com o qual você foi selado até o dia da redenção. Lembre-se dEle, lembre-se do
que Ele está fazendo em você, pense na glória para a qual Ele o está preparando,
e as coisas que O entristecem se tornarão inimagináveis.
PERDOADO E PERDOANDO
Nos dois últimos versículos deste capítulo quatro, o apóstolo está continuando a
lista de injunções particulares que ele está dando aos efésios a fim de ensinar-
lhes como, exatamente e na prática, despojar-se do homem velho e revestir-se do
novo. Esse é o princípio dominante, essa é a doutrina que abrange tudo. O
apóstolo não está interessado na conduta como tal, está interessado na conduta
como expressão e reflexo da nova vida que eles tinham recebido como resultado
da regeneração. No versículo 31 chegamos a exortações que em geral nos fazem
lembrar as exortações que se acham nos versículos 25 a 29. Vemos lá referências
ao falar, à ira, etc., e, portanto, alguns podem indagar se o apóstolo não está
repetindo aqui as suas injunções. Mas não está. Embora os termos sejam os
mesmos em certos aspectos, há uma diferença essencial; e a diferença foi
introduzida pelo versículo trinta, no qual se nos diz que não entristeçamos “o
Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção”. A
diferença é que nos versículos 25 a 29 Paulo tem em vista a conduta em geral,
dando uma descrição muito geral e ampla da conduta, ao passo que após
o versículo 30 ele se torna muito mais pessoal e íntimo, e está muito
mais interessado no estado dos nossos espíritos. Podemos, pois, considerar estes
dois versículos como uma espécie de exposição prática do que devemos evitar,
se estamos desejosos de não entristecer o Espírito Santo que habita em nós.
Notem, em primeiro lugar, que o apóstolo adota a mesma fórmula de antes; põe a
sua proposição negativa primeiro, depois a positiva, e então nos dá uma razão ou
um motivo ou um argumento. Vemo-lo fazer isso em cada uma destas injunções
particulares, de modo que nada nos resta fazer senão seguir a divisão e
classificação do próprio apóstolo. Portanto, no versículo 31, ele nos apresenta
primeiramente a proposição negativa: “Toda a amargura, e ira, e cólera, e
gritaria, e
blasfêmia e toda a malícia sej am tiradas de entre vós”. E quando lemos estas
palavras horríveis, temos de novo um quadro descritivo da mentalidade, da
perspectiva e da vida interior dos não cristãos. O apóstolo nos deu diversas
descrições do mundo incrédulo nesta Epístola; e, naturalmente, o que ele quer é
que essas pessoas vejam aquela velha vida como realmente é, para que, vendo-a,
tanto a odeiem que renunciem a ela e lhe dêem as costas para sempre. Ponham-
na fora, diz Paulo, não se envolvam mais com os seus males morais, descartem-
se deles; estas coisas nunca se deve poder atribuir a vocês, em nenhum sentido!
No entanto, obviamente ele de novo sente a importância de particularizar. E nós
também temos de fazer isso. Não basta confessar o pecado em geral, temos de
confessar os pecados particulares. Antes, é perigoso confessar o pecado em
geral. Tomamos plena consciência destas coisas confessando os pecados
em particular. E o apóstolo nos ensina a fazê-lo dando-nos estas listas.
Ele começa com a palavra amargura, “Toda a amargura... sejam tiradas de entre
vós”. A amargura é um estado de espírito. Denota uma espécie de azedume e
ausência de cordialidade. É uma condição inamistosa. Na verdade, é uma
condição que nunca vê algum bem nalguma coisa, mas sempre inventa um jeito
de ver algo errado, ou algum defeito e alguma deficiência. Diz-nos o provérbio
que “Quem sofre de icterícia vê tudo amarelo”, e o mesmo se pode dizer
do amargor de espírito. Este põe em tudo o que vê um elemento indigno. Porque
a pessoa mesma é ictérica e amarga, tudo o que ela vê tem a mesma cor; é como
olhar através de óculos coloridos. O apóstolo expõe isso em muitos lugares,
como por exemplo no capítulo três da sua carta a Tito, “Porque também nós
éramos noutro tempo insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias
concupiscências e deleites, vivendo em malícia e inveja, odiosos, odiando-nos
uns aos outros”. Não precisamos demorar-nos nisto. Lembro-lhes que já tivemos
ampla oportunidade de ver a falsidade, o fingimento e a fachada que o mundo
veste. Dá uma extraordinária expressão de afabilidade, enquanto que o fato é que
por trás da pintura e do pó de arroz não há nada, senão amargura, resultado do
hábito de ficar incubando males, reais ou imaginários. No estado de não
regenerados, todos somos amargos por natureza; razão pela qual, como
cristãos, temos que expulsar de nós a amargura. Concedo que ocorrem
ofensas genuínas; porém o que nos toma amargos é ponderar e meditar nelas e
nos demorarmos com elas; noutras palavras,alimentamos as ofensas feitas a nós,
permanecemos nelas, damos grande atenção a elas, e se tivermos a tendência de
esquecê-las, deliberadamente as trazemos de volta e deixamos que nos levem de
novo a um estado de amargura.
Ora, naturalmente, isso não acontece apenas com ofensas reais; muitas são
puramente imaginárias, sem nunhuma substância real, todavia, visto que nos
tornamos amargos, vemo-las onde realmente não estão, e as alimentamos, e
acabamos nos tornando cada vez mais amargos.
A amargura descreve, pois, o tipo de vida que se tornou ácida; não se dispõe a
acreditar que alguém ou algo seja bom, mas sempre está pronta a crer no que é
mau; é sempre um tanto cínica, arranca a glória de tudo, procura estragar tudo.
Quando mostram uma coisa bonita, ela não elogia os noventa e nove por cento
que são belos, porém sempre aponta para o um por cento de defeito. Todos nós
conhecemos o tipo de indivíduo que está sempre apontando para os problemas,
os defeitos, as faltas e as manchas. Há muitos assim. Todo pregador, estou certo
disso, poderia mencioná-los. Há alguns que nunca lhe escrevem para agradecer-
lhe os sermões, entretanto se você, por um mero lapso da língua, disser algo
errado, eles lhe escreverão acerca disso. E só então que lhe escrevem. O espírito
amargo vê as falhas e manchas, contudo parece que nunca vê o que é bom. Não
quero deter--me aqui.
Naturalmente, há muitas pessoas que acham que têm boa causa para o seu
amargor; nas duas guerras mundiais, muitas pessoas perderam o marido ou o
filho único. É muito fácil entender como se tornaram amargas com relação a
tudo na vida; mas isso não as desculpa, é um erro, nunca deviam permitir-se
tornar-se amargas. Sofreram duros golpes da vida, no entanto isso não é
justificação para a amargura, para o azedume, ou para se tomarem cínicas.
Mesmo que se lhes descreva a vida em suas melhores condições, a
expressão daquelas pessoas faz-nos sabedores de que elas realmente não
estão dispostas a permitir-se desfrutar coisa alguma. As pessoas mais tristes que
eu conheço neste mundo são essas pessoas amargas; elas se fazem a si mesmas
miseráveis, e com o tempo fazem todas as outras miseráveis também. É uma
coisa terrível alimentar uma ofensa, real ou imaginária. Ponham-na para fora de
vocês, diz Paulo, ponham-na para fora de vocês; isso é o velho homem, isso é o
pagão, isso é o mundo não regenerado, jamais deve aparecer no cristão.
fogo branco do calor em alto grau, como acontece com a cólera; é uma condição
mais equilibrada da mente e do espírito.
Por sua vez, a ira e a cólera tendem a expressar-se no falar. Aqui, de novo, Paulo
usa dois termos, e o primeiro é gritaria.
Gritaria, no texto, significa uma espécie de briga; inclui gritos e violência. Ah,
todos nós sabemos o que significa; homens e mulheres, num estado de furor ou
de cólera, não se falam, gritam uns com os outros, levantam a voz. Que coisa
terrível é o pecado! E que anatomia do pecado temos neste capítulo, que
dissecação! Mas é a verdade! A vida é isso! E, infelizmente, é uma coisa com a
qual todos nós estamos familiarizados, este alvoroço de briga, estes gritos, tudo
de maneira descontrolada. É algo que nunca deve estar presente na vida do
cristão, quer no sentido individual, quer no comunitário.
Contudo há uma coisa ainda pior do que o alvoroço de briga ou do que a gritaria,
a saber, a blasfêmia (VA, “o falar mal”, a calúnia). Falar mal é a fria e
deliberada menção de coisas que prejudicam outras pessoas; inclui o prazer de
difamar os outros, deliberadamente dizendo ou repetindo coisas sobre os outros
calculadas para causar-lhes dano. Falar mal dos outros! Que descrição da vida
moderna! Que descrição do mundo atual! E como o mundo sempre foi! É um
mal que toma tão completamente fátua toda a conversa absurda que ouvimos
sobre o desenvolvimento, a evolução e o progresso! O mundo incrédulo
era assim há dois mil anos; é exatamente assim hoje. Absolutamente nunhuma
mudança! Pensem nas difamações a que o mundo se entrega, e no mal que dessa
maneira se faz ao caráter, e»no mal que se faz à vida.
Diz ele que todos esses males têm que ser expulsos para longe de nós, uma vez
por todas, como algo repugnante e blasfemo. De fato, a expressão falar mal é
realmente a nossa palavra b/as/êmia (cf. Almeida), e, portanto, o ensino é que
não somente blasfemamos quando dizemos coisas más acerca de Deus, mas
podemos realmente ser culpados de blasfêmia quando dizemos coisas más acerce
de alguma outra pessoa. Afinal de contas, o homem foi feito à imagem de
Deus, e falar mal doutra pessoa é uma forma de blasfêmia, pois é falar mal
de algúem que foi feito à imagem de Deus. Por isso o apóstolo afirma que todo
Pois bem, de novo devo lembrar-lhes que o apóstolo está exortando os efésios a
desfazer-se de todo esse mal. Ele não diz que, uma vez que eles se tornaram
cristãos, esse mal caiu por si. Assim, todo tipo de pregação evangelística que dê
a impressão de que no momento em que você se torna cristão todos os problemas
são deixados para trás não é verdadeira, e o apóstolo compreendeu que os efésios
ainda estavam sujeitos a esse tipo de coisa. E também notamos que ele não lhes
diz meramente que orem para que esses pecados sejam tirados das suas vidas.
Orar é bom sempre, porém não se esqueçam de que Paulo diz aos efésios que os
ponham para fora, e nós devemos fazer o mesmo. Não é agradável. Não é nada
agradável até pregar sobre essas coisas; para nós é muito desagradável encará-las
e ver se há em nossos corações algum amargor de espírito, ou malícia ou ódio ou
ira ou cólera; todavia, diz o apóstolo, temos que fazê-lo, e se
encontrarmos qualquer vestígio ou traço dessas coisas em nós, teremos que
agarrá-lo e jogá-lo fora, pisoteá-lo, trancar-lhe a porta e nunca mais deixá-lo
voltar. Temos que fazer exatamente isso! Que essas coisas sejam tiradas de
vocês, diz o apóstolo! Ponham-nas fora de uma vez, e tratem de compreender
que isso é uma negação, uma completa negação de tudo o que vocês dizem que
são e que têm como pessoas renascidas no Senhor Jesus Cristo, pessoas em
quem o Espírito Santo de Deus veio para fazer Sua bendita residência. Se essas
coisas estiverem em nós, o Espírito Santo ficará triste, pois o fruto do Espírito é
amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão e
temperança. Tudo quanto for contrário a esse fruto terá que ser posto fora, diz
Paulo. Mas, graças a Deus, o apóstolo não fica nisso! Ele vai adiante, passando à
sua injunção positiva. “Sede uns para com os outros benignos, misericordiosos,
perdoando-vos uns aos outros."
Graças a Deus, digo eu, o apóstolo não pára na injunção negativa, porém nos
leva à positiva. Na verdade, como eu já disse, não se pode tratar adequadamente
da negativa se não se tratar ao mesmo tempo da positiva. O jeito de se livrar dos
defeitos é cultivar as virtudes. Para usar a conhecida frase de Thomas Chalmers,
o de que necessitamos é aplicar o expulsivopoder de um novo afeto. Faço uso de
uma ilustração simples. O meio pelo qual se retiram de algumas árvores as
folhas no inverno não é que as pessoas as arranquem; não, é a nova vida,
o impulso que vem e solta a folha morta para conseguir lugar. Do mesmo modo,
o cristão se livra de todas essas coisas, como a amargura, a ira, a cólera, a
gritaria, o falar mal dos outros e toda a malícia. As novas qualidades se
desenvolvem e as outras simplesmente ficam sem lugar;
Precisamos observar com muita atenção a maneira precisa pela qual o apóstolo
dá a sua instrução. Lemos “sede benignos”, porém o que ele realmente escreveu
foi: “tornai-vos benignos”. Não simplesmente .sw benigno, mas tornar-se
benigno. Noutras palavras, ele está sugerindo um processo de cultivo. Devemos
cultivar deliberadamente esse tipo de personalidade e de atitude para com a vida
e, ao fazê-lo, as nossas vidas se encherão dessas qualidades positivas, e não
haverá lugar para as do tipo oposto. Lembrem-se também da ilustração que o
Senhor utilizou sobre este ponto. Será inútil livrar-se dos demônios que estão na
casa e varrê-la e adorná-la; se o Espírito Santo não entrar, o espírito que foi
expulso voltará com outros muito piores do que ele (Lucas 11:24-26). Ora, é esse
o princípio aqui. É onde, em última análise, a moralidade em si nunca tem
sucesso. E que pena! Eu e vocês, na segunda metade do século vinte, estamos
vivendo numa era que é justamente uma prova visível da bancarrota da
moralidade pura e simples. No transcurso dos últimos cem anos as pessoas vêm
dando as costas ao cristianismo, dizendo que os milagres, o novo nascimento e
muitas outras coisas sobrenaturais não são necessários. Mas naturalmente, dizem
elas, há bom ensino moral e ético na Bíblia, pelo que retemos coisas como o
Sermão do Monte, por exemplo, porém jogamos fora o resto; queremos a
moralidade, e só ensinaremos a moralidade. E qual é o resultado? O atual estado
imoral e até amoral em que se encontra a sociedade! Não, não se pode fazer
essas coisas sem o fator positivo. Tomai-vos, diz o apóstolo; cultivem-no,
tomem interesse por isso, dediquem-lhe tempo e atenção. Noutras
palavras, vocês vêem que a palavra utilizada indica que isso não
acontece automaticamente. Vocês não o recebem numa experiência de crise. Ao
invés disso, tornem-se! Avante! Vocês não poderão livrar-se de repente da
amargura e tornar-se benignos num piscar de olhos; longe disso! Isso é também
uma condição determinada, um processo de cultivo, que resulta da aplicação da
verdade que vimos e na qual cremos.
do termo em sua origem é ser útil a, ser útil para os outros. Assim é que não se
trata meramente de uma condição ou de um estado, porém de uma condição e
um estado que levam a um desejo; o homem benigno é aquele que é útil e
benéfico para os outros. O homem amargo, é claro, fica de lado e olha, e em seu
azedume nunca é benéfico, nunca é útil. Como vimos, o amargor sempre tira,
sempre subtrai, mas a benignidade dá, é útil, é benéfica, é sempre
proveitosa. Significa ser benévolo para com os outros.
Paulo, em sua Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 13, diz-nos: “O amor é
sofredor, é benigno”. “Sede uns para com os outros benignos”! Tenham e
cultivem esta benevolência de espírito e de atitude; em vez de estarem sempre à
procura de alguma coisa na qual possam achar defeito, estejam sempre à procura
de alguma coisa que possam elogiar. Ajudem os outros. A vida pode ser dura,
difícil e muito penosa, e, em conseqüência, certas pessoas de fato se
tomam azedas e amargas. Não aumentem esse amargor, mas, antes,
procurem ajudá-las - ajudem-nas a transpor barreiras, ajudem-nas a levar os
seus fardos, a resolver os seus problemas e a suportar as suas dificuldades. É isso
que se quer dizer com benignidade. Estejam sempre em busca de uma
oportunidade para demonstrar benevolência e dar assistência e ajuda.
vós sinto nas entranhas de Jesus Cristo” - 1:8), com o que ele quer dizer: “Tenho
saudade de todos vós com o afeto, a emoção e o sentimento de Jesus Cristo”. E
então, de novo, mais tarde: “Se há algum conforto em Cristo, se alguma
consolação de amor, se alguma comunhão no Espírito, se alguns entranháveis
afetos e compaixões” (VA: “.. .no Espírito, se algumas entranhas e
misericórdias.. .”-2:1). Mais uma vez ele está falando sobre simpatia,
compaixão, compreensão e natureza amorosa. O apóstolo Pedro usa o mesmo
termo em sua Primeira Epístola: “E, finalmente, sede todos de um mesmo
sentimento, compassivos, amando os irmãos, entranhavalmente misericordiosos
e afáveis” (3:8); significa que você não está calejado, numa condição na qual
nada do que acontece com alguém faz a mínima diferença para você. Significa
que você não chegou à triste conclusão de que a vida é dura e terrível, que é cada
um por si, que você vai viver para si mesmo, e que realmente você não pode
dedicar tempo e energia aos outros e aos seus problemas. Pois bem, essa é a
atitude que você tem que pôr fora. E o oposto disso é tornar-se misericordioso.
Isto significa que você se interesse pelos outros e que você sente pelos outros,
que você tem empatia pelos outros, e que você tem um grande coração cheio de
compaixão para com eles; que na verdade você vê tanto os problemas dos outros
que se esquece dos seus.
Haverá alguma palavra que seja tão necessária neste nosso mundo moderno
como esta? Para mim não existe nada que seja tão pavoroso quanto à vida atual
como a dureza de coração que a invadiu. Estou constantemente ouvindo a
respeito de pessoas que têm esse tipo de queixa contra o Serviço Nacional de
Saúde da Inglaterra. Não poucos médicos e enfermeiros são bons cristãos, e o
que estou dizendo não se aplica a eles, eu sei, mas se aplica a muitos outros. O
paciente é considerado como um número. Para mim está quase além do
entendimento o fato de que alguém que está tratando de um enfermo nunca fale
com ele nem lhe explique o que há com ele, ou o que está aconteceodo com ele,
ou não lhe dê uma palavra de conforto e de ânimo. Ele não é um tubo de ensaio!
Todavia, que lástima! - dão-nos a entender que muito desse tipo de coisa está
entrando, e a misericórdia e o sentimento solidário estão em maré vazante. Que
os pacientes sejam vistos impessoalmente dessa maneira é coisa que ultrapassa
a capacidade de entendimento. Mas é verdade, infelizmente. A vida tornou-se
dura. As profissões passaram a ser meios de fazer dinheiro para que os homens
possam gozar de várias maneiras, e o maravilhoso toque pessoal e a simpatia do
passado estão desaparecendo. E isso está acontecendo ao nosso redor e por todos
os meios. Não estaria
acontecendo que muitos problemas estão sendo evitados? Acaso não se está
fugindo deles? Sei que existem grandes dificuldades na vida atual, e que houve
muitas mudanças; mesmo assim, acho muito difícil entender as pessoas que de
algum modo parecem tão egocêncticas que são capazes de evitar claras
responsabilidades humanas e de endurecer-se contra a necessidade dos outros.
Isso é pagão; o pagão não se importa com os outros; ele se interessa por si
mesmo e pelo seu prazer. Contra tudo isso precisamos dar ouvidos à palavra de
Paulo - “tomai-vos misericordiosos”!
Partamos agora para a última divisão, que nos dá a razão pela qual devemos
fazer isso, ou como devemos fazê-lo, o grande motivo para isso tudo. Ouçam o
apóstolo: “Sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-
vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo”. Notem este
como também. Quer dizer que se você perdoar e for benigno e misericordioso
para com os outros, você se tomará como Deus. O nosso Senhor colocou o
mesmo ensino com as seguintes palavras: “Amai, pois, a vossos inimigos, e
fazei bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e
sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e
maus” (Lucas 6:35). Sejam benignos, diz Paulo, tomem-se
No entanto, um segundo argumento é utilizado pelo apóstolo. Ele nos diz que
perdoemos dessa maneira porque Deus nos perdoou. Notem que ele não diz:
perdoem uns aos outros porque Deus vai perdoarv ocês. Absolutamente não! Ele
diz: “como também Deus vos perdoou em Cristo”. Já aconteceu. Isto é
sumamente importante, pois as únicas pessoas que podem levar a cabo essa
exortação do apóstolo são as que sabem que Deus as perdoou. Ninguém mais!
Mas as que sabem que Ele fez isso, perdoarão as outras. Portanto, a questão
vital é: você sabe que os seus pecados foram perdoados? Como posso saber, dirá
alguém, que os meus pecados estão perdoados? Ofereço-lhe um teste muito bom.
Se você quer saber se os seus pecados estão perdoados ou não, eis o meu teste:
você está perdoando os outros? Você está pronto a perdoar os que o prejudicaram
e pecaram contra você? Ou veja a coisa doutra maneira: este argumento do
apóstolo chama a sua atenção? Quando eu leio as palavras, “Sede uns para
com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como
também Deus vos perdoou em Cristo”, você sente abrandarem os seus
sentimentos? Sente-se enternecer? Está pronto a perdoar neste momento? Se
está, não hesito em dizer que você é cristão. Contudo, se ainda se inflama o seu
amargor, e se, a despeito daquelas gloriosas palavras, você está dizendo: “Mas,
afinal de contas, não fiz nada e não mereço esse tratamento”, melhor seria você
voltar a examinar os seus fundamentos. Acho muito difícil ver como tal pessoa
pode ser cristã afinal.
capítulo anterior. Um servo devia ao seu senhor dez mil talentos; não podia
pagar, pediu tempo, e o seu senhor disse: muito bem, meu amigo, dou-lhe tempo.
Mas quando ele saiu, encontrou-se com um servo que lhe devia alguns centavos,
mera fração do que ele mesmo devia; ele pegou o outro pela garganta e lhe disse:
pague-me o que me deve! Tenha misericórdia, tenha compaixão, dê-me algum
tempo e lhe pagarei, replicou o outro. Nem um pouco, disse ele, você me deve
isso, e tem que me pagar imediatamente. Qual foi o comentário do nosso Senhor
sobre esse comportamento? Disse Ele: se vocês se portarem dessa maneira, não
terão direito de pensar que Deus os perdoou. O ensino dessa parábola não é que
Deus nos perdoa porque nós perdoa-mosprimeiro. Issoéumainversão. Entretanto,
o ensino édefinidamente que o homem que compreende o que é perdão, perdoa!
O homem que se dá conta da misericórdia, da benignidade e da compaixão
que cancelaram o seu grande débito, diz: “Não posso recusar”. O seu coração
amoleceu, ele tem sentimento de compaixão. “Como também Deus vos
perdoou” \ Ele o fez por você? Então, o que Deus fez por você, você não deve
recusar a outrem.
Acima de tudo, lembrem-se de como Ele o fez. “Como também Deus vos
perdoou em Cristo” Deus, que não nos devia nada, por Sua benignidade, Sua
misericórdia, Seu amor, Sua graça, Sua bondade, Sua compaixão, não somente
enviou Seu Filho unigênito, Seu Filho amado a este mundo de pecado e
vergonha, porém até O enviou à cruz do Calvário, para que pudéssemos ser
perdoados. “O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” (Isaías 53:6).
Ele tomou os nossos
pecados e os colocou sobre o Seu Filho e os castigou nEle, para que pudéssemos
ser perdoados. Foi assim que Deus perdoou você; Ele suportou o sofrimento em
Seu próprio Filho. Se Ele fez isso por nós, temos nós alguma possibilidade de
negar perdão a outros? É inconcebível. Se você quer saber se você é cristão ou
não, aqui está o teste: quando eu torno a lembrar a você como Deus o perdoou
em Cristo, e por Sua morte e por Seu sangue derramado na cruz, e Seu
sepultamento no sepulcro, pergunto-lhe: o seu coração se enternece? Neste
momento você está com malícia com relação a alguma pessoa? Você
pode recusar perdão a outros, mesmo que o tenham ferido nas profundezas do
seu ser? Você está pronto agora a perdoá-lo? Se está, acredite-me, você é cristão.
Estou certo disso. Em nome de Deus eu lhe digo que os seus pecados estão
perdoados; eu o solto dos seus pecados. Todavia, se você continua duro e
incapaz de perdoar, nada mais tenho para dizer-lhe, exceto isto: enquanto você
permanecer desse jeito, eu não tenho prova, e você não tem prova, de que você
foi perdoado. O homem que conhece o perdão tem coração quebrantado;
compreende que é um ser vil a quem Deus não deve nada, mas em favor de
quem Deus enviou Seu Filho único, e o Filho levou sobre Si todo o seu pecado e
iniqüidade, e a salvação lhe foi dada como uma livre dádiva, inteiramente,
completamente e unicamente em Cristo.
1
A diferença ou o ponto distintivo. Em latim no original, Nota do tradutor.
2
Certamente subordinação funcional, em termos da Economia da Trindade; não subordinação
ontológica. O contexto imediato o comprova. Nota do tradutor.
“IMITADORES DE DEUS”
“Sede pois imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como
também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e
sacrifício a Deus, em cheiro suave. ”
- Efésios 5:1 e 2
Aqui, neste novo capítulo, chegamos ao que talvez seja o supremo argumento de
Paulo, ao mais alto nível da doutrina e da prática, ao ideal culminante. Nâo há
possibilidade de mais nada além disso. Esta é a suprema declaração da doutrina
que se pode conceber ou sequer imaginar. É realmente desnorteante, é quase
incrível; mas aí está. “Sede imitadores de Deus”! Seria muito interessante, do
mero ponto de vista da mecânica, saber se esta injunção pertence à seção
anterior da Epístola ou à que se lhe segue. Francamente, não posso determinar a
minha opinião, realmente acredito que pertence a ambas. Isto é em parte
sugerido, penso eu, pelo que Paulo diz no fim do capítulo 4: “Sede uns para com
os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como
também Deus vos perdoou em Cristo. Sede pois imitadores de Deus”. E,
contudo, os bons homens que dividiram esta carta em capítulos terminaram o
capítulo 4 e começaram esta nova seção no capítulo 5, e eu acredito que também
se pode dizer muito a favor disso; pois me parece que aqui Paulo está firmando o
que, afinal de contas, é um princípio que governa tudo; ele está ajuntando a
sua mensagem, por assim dizer; e depois passa a fazer as suas deduções práticas,
nos versículos 3 a 5. Mas o ponto é que o apóstolo aqui nos está fazendo lembrar
algo que nunca devemos esquecer em toda a nossa vida, em todo o nosso pensar,
em toda a nossa conduta, prática e comportamento! “Sede imitadores de Deus,
como filhos amados”! Agora, pois, que é que isto significa?
Bem, primeiramente vocês notam que de novo ele nos está apresentando um
princípio de doutrina. Nesta parte sumamente prática, na qual ele está tratando
das coisas mais comuns da vida, subitamente ele nos apresenta isso. É por isso
que estas Epístolas são tão românticas, se as estudamos corretamente. Talvez
você diga a si próprio: ah, bem, terminei minha doutrina no fim do capítulo 3,
posso ir adiante com outra coisa! Entretanto não pode! Você não terminou sua
doutrina.
Paulo não pode falar sobre coisa alguma, a não ser em termos da verdade, e
assim, subitamente, como vocês vêem, quando ele está tratando das coisas mais
práticas da vida, repentinamente nos lança isto, e nos vemos diante da declaração
mais estoneante e espantosa que jamais poderíamos encarar. Que declaração?
Vejamo-la.
Sua ternura! Sua paciência! Seu carinho! Sua fidelidade! Sua clemência! Todos
estes atributos de Deus são comunicáveis, e se espera de nós que os
manifestemos, que os tenhamos, que os mostremos; eles devem ser partes
integrantes da nossa vida e do nosso modo de viver.
No entanto, por que devemos ser imitadores de Deus? Por que devemos ser,
nestes aspectos, como Deus em nossa vida diária? Primeiramente e acima de
tudo porque somos filhos de Deus. “Sede pois imitadores... como filhos
amados.” Mais uma vez entramos aqui numa esfera completamente diferente da
que o mundo conhece, e de novo o argumento me compele a repetir o que
salientei muitas vezes; refiro-me à diferença essencial entre o cristianismo e a
mera moralidade. Algumas das pessoas não cristãs do mundo atual são homens
e mulheres cujas vidas são retas e de bom nível moral, estão satisfeitas consigo
mesmas e pensam que isso é o máximo. O que digo é que isso é o oposto do
cristianismo, é bondade pela bondade. São pessoas muito boas, eu sei, mas o
ensino do apóstolo é uma coisa acerca da qual eles não sabem nada. É porque
somos filhos de Deus que devemos abster-nos de algumas coisas e fazer outras.
O apóstolo, é óbvio, já nos estivera lembrando isso; não se trata de uma idéia
nova que ele introduz aqui de repente. Nós o vimos logo no início da
Epístola. “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual
nos abençoou com todos as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo;
como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos
santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou” - para quê? -
“paia. filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito
de sua vontade”. Isso ecoa no capítulo dois, onde lemos: “Assim que já não sois
estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e da família de Deus”
- filhos de Deus, adotados como membros da casa e da família de
Deus, pertencentes a Deus, parentes de Deus!
Todavia não somos somente Seus filhos, somos Seus filhos queridos (VA) ou -
numa tradução melhor - filhos amados (Almeida). O apóstolo assegura que
somos filhos de Deus não somente no sentido de que estamos nessa relação legal
de fato; somos filhos amados, Ele mostrou Seu amor para conosco e continua a
mostrá-lo a nós. Ele mostra o cuidado que tem por nós, Sua solicitude por nós.
Você sabe que, se você é um cristão verdadeiro, você é precioso a Deus? Eu
tenho a autoridade do Senhor Jesus Cristo para dizer isso. Os próprios
cabelos das nossas cabecas estão todos contados! Deus conhece os Seus
filhos um por um, tem interesse por nós; a analogia é humana, mas
podemos multiplicá-la por um valor infinito. O interesse e o cuidado de Deus por
Seus filhos é infinitamente maior do que o maior e mais nobre interesse de um
pai (ou mãe) humano por seu filho. Deus interessa-Se amorosamente por nós.
Ele vigia como o pai humano vigia o seu filho pequeno quando dá os seus
primeiros passos, ou quando vai à escola pela primeira vez. Ele fica à porta e
observa o filho até virar a esquina e sair do seu campo visual; essa é uma
expressão de interesse amoroso. Não é uma reação mecânica; os filhos são
queridos, os filhos são amados! E, diz Paulo, essa é a relação de Deus conosco;
do alto Ele olha por nós, e Ele nos ama; Ele Se interessa por nós,somos caros
ao Seu coração, Ele tem um intenso interesse pessoal por nós.
Qual deverá ser, pois, a nossa resposta ao amor de Deus? Inevitavelmente, se eu
creio e capto algo desta verdade, o maior desejo deve ser o de mostrar o meu
amor por Ele, e agradá-10 em tudo. Nada causa a Deus maior alegria - digo-o
com a autoridade que o meu texto me confere, bem como todos os textos
paralelos das Escrituras - nada causa a Deus maior alegria do que ver os Seus
filhos vivendo de maneira digna dEle. Se somos filhos dignos deste nome, o
nosso supremo desejo na vida deve ser o de agradá-lO e dar-Lhe alegria. É--nos
dito que há alegria entre os anjos de Deus por um pecador que se arrepende, e
que também há alegria no coração de Deus quando os Seus filhos vivem de
maneira digna dEle. “Tomai-vos imitadores de Deus, como filhos amados”!
enquanto ainda estamos neste mundo como ele é, perto de nós e ao nosso redor,
com todo o seu pecado e vergonha, confusão e agonia, deveria comover-nos e
entusiasmar-nos. Haveria maior privilégio que o de ser cristão? Poderiam vocês
mencionar alguma coisa deste mundo que seja comparável ao fato de que somos
filhos de Deus, que pertencemos ao Seu parentesco, à família deDeusl Não nos
sentimos em casa neste mundo; a nossa cidadania está no céu; somos de lá;
Deus nos deixa neste mundo por algum tempo, e o mundo é antagônico, odioso e
pecaminoso. Mas nós fomos chamados das trevas do mundo, fomos tirados do
reino de satanás, transferidos para o reino do amado Filho de Deus, adotados
como membros da família celestial e introduzidos na realeza deste lar. Haveria
neste mundo honra que se compare a isso?
Se você se der conta da honra, terá cuidado com o seu comportamento. Quando
andar pela rua, dirá a si mesmo: sou filho de Deus, pertenço à família do Rei
celestial, e as pessoas me olham e me vigiam, e estão perfeitamente certas em
fazê-lo; elas estarão julgando Deus, estarão julgando Cristo pelo que vêem em
mim. Por isso, diz Paulo, “Sede imitadores de Deus”; ande pela rua, se me posso
expressar assim, como representante de Deus. Viva de tal maneira que todos
os que o conhecem sejam levados a pensar em Deus porque você é filho de
Deus. O nosso Senhor o expressa claramente: “Um novo mandamento vos dou:
que vos ameis uns aos outros; nisto todos conhecerão que sois meus discípulos”
(João 15:34-35). Olhando para vocês e vendo vocês amando-se uns aos outros,
deles dirão: que é isso? Nunca vimos nada parecido antes: isso não pode
acontecer entre pessoas comuns. E serão levados à única explicação adequada:
“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos”. Ou ainda, como o
nosso Senhor o coloca no Sermão do Monte: “Resplandeça a vossa luz
diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a
vosso pai, que está nos céus”. Noutras palavras, a conduta do cristão faz
os homens pensarem no Pai celestial do cristão; eles não podem ver um filho em
seu andar e em seu comportamento, sem pensarem no Pai. “Tomai-vos
imitadores de Deus, como filhos amados”!
“Pois”, diz o nosso Senhor, “se amardes os que vos amam, que galardão
havereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?” Os publicanos amam os
que os amam; não há nada de inteligente ou de extraordinário nisso. E depois Ele
diz: “E, se saudardes unicamente os vossos irmãos que fazeis de mais? Não
fazem os publicanos também assim?” Não há maravilha nenhuma nisso! Não
passa de moralidade do mundo. “Que fazeis de mais?” diz o nosso Senhor; o que
de fato significa: “Que é que há de especial nisso?” A nossa vida, vocês vêem,
deve ser muito especial. Você não pode ser filho de Deus sem ser uma pessoa
muito especial! Não há nada de ordinário no cristão; ele é extra-ordinário, em
cada detalhe e aspecto, porque ele é filho de Deus e faz coisas que ninguém que
não o seja pode fazer - os “publicanos” não podem, os não cristãos não podem,
só ele pode! Toda a nossa vida deve ser especial, porque somos filhos de Deus.
E assim fazemos a colocação final: “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o
vosso Pai que está nos céus”. Ah, você dirá, mas Ele está no céu, e eu estou na
terra; pode-se fazer isso na terra? Sim, pode, diz Paulo; “andai em amor, como
também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e
sacrifício a Deus, em cheiro suave”. Examinaremos isso mais detalhadamente
mais tarde. É uma das declarações mais gloriosas da Bíblia. Contudo aí está,
caso alguém pense: ah, tudo isso está certo; muito bem que se diga; “Sede
perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus”, mas eu estou
andando nas ruas deste mundo pecaminoso. Tudo bem, você tem um Irmão
que já esteve nele, e Ele andou pelas ruas deste mundo, e eis como Ele
andou-emamor! Ele Seentregou por nós, em oferta e sacrifício. Deu a Sua vida, o
Seu corpo para ser partido, o Seu sangue para ser derramado por Seus inimigos,
por vis pecadores. Esse sacrifício subiu para Deus como cheiro suave. E quando
eu e você imitarmos a Deus e imitarmos o Senhor Jesus Cristo, que é o
primogênito entre muitos irmãos, as nossas vidas e as nossas atividades subirão à
presença de Deus como cheiro suave; Deus gostará, Seu coração paternal
se dlilatará de amor e de satisfação quando Ele vir os Seus filhos imitá--10 aos
olhos dos homens.
“E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por
nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave. ”
- Efésios 5:2
Nos versículos 1 e 2 deste capítulo o apóstolo está fazendo o mais elevado apelo
aos cristãos que se pode conceber, com vistas a uma conduta e a um
comportamento dignos da sua alta vocação em Cristo Jesus. Depois de concitá-
los a tornar-se imitadores de Deus como filhos amados, a seguir ele diz: “Andai
em amor, como também Cristo vos amou”. Noutras palavras, o apóstolo nos
ensina que a totalidade da nossa vida cristã deve ser ordenada na esfera do amor.
Esta é a prova final da nossa profissão de fé cristã. Todas as nossas
profissões, pretensões e atividades devem ser medidas pelo metro do
amor. “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não
tivessse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.” Ainda
que eu tenha um magnífico entendimento e um esclarecido conhecimento de
doutrina, e tanta fé que possa remover montanhas, e não tiver amor, isso de nada
me valerá. Ainda que eu entregue o meu corpo para ser queimado - não somente
que eu seja muito ativo na igreja ou muito religioso ou dedicado à obra cristã,
mas que até entregue o meu corpo para ser queimado - e não tiver amor, não
haverá nada nisso, não terá valor nenhum. O amor é o teste; tudo na vida cristã
destina-se a trazermos a esta condição. Como filhos de Deus, devemos ser
semelhantes a Deus. Deus é amor. Portanto, a maior característica das nossas
vidas, como o apóstolo o expressa, deve ser o amor! Andar em amor! O apóstolo
está muito desejoso de que saibamos o que isso quer dizer; já no-lo tinha dito em
parte, em termos do que Deus fez por nós, no fim do capítulo 4, onde ele diz:
“Sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos
outros, como também Deus vos perdoou em Cristo”. E aqui ele prossegue para
mostrar que a mais elevada manifestação do amor de Deus é a que vemos em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e em Sua obra em nosso favor. “Andai
em amor”, diz ele, “como também Cristo vos amou.” E depois ele vai adiante
para mostrar-nos como o nosso Senhor demonstrou esse amor por nós.
Pois bem, mais uma vez não posso continuar sem me desviar para assinalar que
aqui somos confrontados por uma destas coisas presentes no estilo e nas
características deste grande homem de Deus como escritor. Aqui, nesta parte
sumamente prática da sua Epístola, quando ele está falando do nosso
comportamento para com os outros, do nosso falar, da nossa conduta, até aos
mínimos detalhes, de repente, no meio disso tudo, ele introduz esta tremenda
declaração da doutrina da expiação. Ele não pode deixar de mencioná-la porque,
na vida cristã, a doutrina e a conduta estão interligadas indissoluvelmente, e
não devemos separá-las nunca. De nada vale falar de conduta e comportamento
no sentido cristão, sem doutrina. E quando as pessoas negligenciam a doutrina,
sempre se nota isso em suas vidas. Mas, por outro lado, a doutrina, só, não tem
valor. As duas coisas devem andar juntas, e andam. E aqui, vocês vêem, de
repente, como digo, inespe-radamente, no meio desta seção muito prática, ele
põe diante de nós uma das suas maiores e mais vigorosas declarações da
doutrina da expiação. Não sei o que vocês acham, porém eu sempre achei que
não há nada mais animador do que ler as Epístolas deste homem. Nunca se sabe
o que vem; e se vocês ainda julgarem que, quando terminaram os três primeiros
capítulos da Epístola aos Efésios, terminou a doutrina, verão que estão
cometendo um grande engano. De repente lá vem ela quando menos se espera,
não importa onde ele está e com que está lidando - estas grandes verdades
centrais, sempre estão em sua mente e no seu coração, e subitamente ele as atira,
sem nenhum aviso.
Aqui, pois, parece-me, o apóstolo nos diz duas coisas importantes, e devemos
examiná-las. Primeiro, é claro, ele nos oferece esta declaração objetiva da
doutrina da expiação, claramente definida e exposta. Depois, em segundo lugar,
ele nos mostra como essa doutrina pode influenciar-nos e vir a constituir o nosso
exemplo como cristãos. As duas coisas estão aí. A seguir, à medida que as
examinarmos, é óbvio que convém que tenhamos certos pontos em mente. Eis
a primeira coisa.
amor; não entendem o amor de Deus, não sabem o que ele significa; tudo o que
eles têm é uma noção doentia, sentimental do amor de Deus; porém a Bíblia
nunca se detém aí; ela nos conhece tão bem, ela sabe que precisa definir
exatamente os seus termos. Temos que saber o que é este amor, e por isso Paulo
nos oferece esta exposição doutrinária a respeito.
E o segundo ponto é que a nossa conduta, como digo, é sempre determinada por
nossa doutrina. “Como o homem pensa, assim ele é” (Provérbios 23:7, VA). Isso
é verdade em todas as esferas. Pela nossa conduta e pelo nosso comportamento,
todos nós proclamamos os nossos conceitos, a nossa filosofia de vida. É
inevitável. O nosso comportamento é determinado pelo nosso pensamento;
mesmo se houver falta de pensamento, isso aparece em nossa conduta. “Como o
homem pensa, assim ele é.” Muito bem, como o cristão pensa, e ele pensa em
termos das suas doutrinas, assim ele se comporta. Inevitavelmente, a nossa
conduta é determinada pela nossa doutrina.
nunca fez mal a ninguém, ora, naturalmente, seria estranho se Ele não o amasse,
não seria? E isso não lhe diz muito acerca do amor de Cristo. Mas quando você
se dá conta de que a verdade sobre nós é o que Paulo nos diz no capítulo cinco
da Epístola aos Romanos, então você começa a ver algo do amor de Deus. Que é
que nós somos? Não somos somente fracos, somos ímpios, somos pecadores,
somos inimigos de Deus, somos vis. “Em mim”, diz também Paulo, “isto é, na
minha carne, não habita bem algum” (Romanos 7:18). Contudo “Cristo nos
amou”! Aí está a medida! Não podemos ter um verdadeiro conceito sobre o
amor do Senhor Jesus Cristo sem o pleno ensino do evangelho. É inútil
falar vagamente sobre o amor. É preciso ter algum padrão pelo qual avaliá-lo. E
esta declaração apostólica nos dá esse padrão: “Ele nos amou”. Inteiramente do
Seu amor Ele nos amou. Não havia nada em nós que nos recomendasse a Ele,
nada que extraísse o Seu amor, nada que o atraísse. Feios, vis, sórdidos - são os
termos utilizados; “odiosos, odiando-nos uns aos outros”, diz Paulo aTito (3:3); é
o que nós éramos. E é só na media em que compreendemos quão horríveis
criaturas nós somos por natureza e em conseqüência do pecado, e em
conseqüência da herança que recebemos de Adão, que começamos a entender
o significado do amor de Deus e do amor do Senhor Jesus Cristo. “Ele nos
amou”! No capítulo anterior Paulo nos estivera descrevendo em nosso estado
não regenerado - gentios que andavam “na vaidade do seu sentido,
entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que
há neles, pela dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o
sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a
impureza”. Foi esse tipo de gente que Ele amou - Ele nos amou! Essa é a
primeira declaração.
E a que vem em seguida é: “nos amou, e se deu por nós” (VA). Uma tradução
melhor seria: “Ele se entregou” (assim Almeida). Ele não apenas deixa que as
coisas aconteçam com Ele. “Elese entregou.” Ele teve parte ativa nessa obra.
Evidentemente, o apóstolo está desejoso de que se dê ênfase a isso. Ele dá ênfase
igualmente ao fato de que Cristo não entrega meramente as Suas posses. É certo
que Ele entregou muitas posses, como nos é dito, por exemplo, na exposição que
o apóstolo faz desta mesma frase no capítulo dois da Epístola aos Filipenses:
“que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação o ser igual a Deus”; o
que realmente significa, “não considerou como um prêmio a que apegar-se, a
que agarrar-se”. Ele não Se apegou às Suas prerrogativas, às prerrogativas da
Sua deidade eterna, mas as pôs de lado, esvaziou-Se, despojou-Se destes sinais e
insígnias da Sua glória sempitema, e “aniquilou-se a si mesmo”. Eis aí um tema
do qual
ocupar-nos por toda a eternidade! Ele entregou coisas que possuía, e que possuía
por direito! Ele não Se agarrou a este Seu direito, às prerrogativas da Sua
deidade com o Pai e a todos os seus sinais e acompanhamentos; não,
deliberadamente os colocou de lado. Ou, como se expressa o apóstolo quando
escreve a Segunda Epístola aos Coríntios, “sendo rico, por amor de vós se fez
pobre”.
Nessas declarações há uma indicação das posses que Cristo pôs de lado; Ele
desistiu dos Seus bens, colocou-os à margem, por assim dizer, e não somente
assumiu a natureza humana, porém também tomou a forma de servo; Ele
humilou-Se, não somente para Se tornar homem, mas também para Se tornar
servo, operário. Considerem tudo o que estava envolvido nesse “pôr de lado”.
Todavia, o que o apóstolo assinala não é meramente que Ele entregou todas as
coisas, mas que Ele Se entregou. A Si mesmo\ Sua vida! O Seu próprio Ser!
Fez entrega total, como um sacrifício. Não somente as coisas sobre as quais
tinha o comando e que Ele podia pôr de 1 ado, porém o Seu próprio Ser!
Submeteu-Se; sacrificou-Se completamente, absolutamente! E, como torno a
dizer, devemos dar ênfase à participação ativa aqui envolvida, à natureza
positiva do que Ele fez. Ele “se entregou a si mesmo por nós”. No capítulo 10 do
Evangelho Segundo João, o nosso Senhor faz esta colocação: “Por isto o Pai me
ama, porqueí/ow a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim,
mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tomar a tomá-
la. Este mandamento recebi de meu Pai”. Isso corresponde ao que o apóstolo
está dizendo aqui. Soma-se à medida do amor. Não foi uma submissão passiva.
Foi ativa, deliberada e positiva. Quando se avizinhava o fim, Ele disse que tinha
que ir para Jerusalém; “Importa que o Filho do homem seja levantado” (João
3:14). Os discípulos tentaram dissuadi-10, mas Ele disse: não, Eu tenho que ir.
Quando eles tentaram defendê-lO, até Pedro com uma espada, Ele disse: torne
a embainhar a sua espada. Você não sabe que eu poderia dar ordens a doze
legiões de anjos e poderia ser levado para o céu sem passar por isto? Para isto
vim, é preciso, “a hora chegou”! Devemos dar ênfase à participação ativa, ao
caráter deliberado disso tudo. Ele Se entregou a Si mesmo\
Após isso chegamos a estes dois grandes termos, “em oferta e sacrifício”. Oferta
é uma dádiva presenteada, uma coisa oferecida a alguém. E o que o apóstolo diz
aqui é que Cristo Se entregou a Si mesmo como uma oferta a Deus. No entanto,
a palavra oferta não é suficiente para comunicar tudo o que o apóstolo quer
dizer. É necessário um segundo termo - “sacrifício”! Para encontrar o sentido de
sacrifício precisamos voltar ao Velho Testamento. O apóstolo era
O sacrifício era algo que era oferecido por um sacerdote sobre um altar. No livro
de Levítico em particular, como também noutros livros, Deus deu instruções
completas a Seu servo Moisés sobre como todos aqueles sacrifícios deveriam ser
definidos e sobre como deveriam ser apresentados e oferecidos. Deus estava
indicando a Moisés, por meio daqueles tipos e símbolos, o único modo pelo
qual, finalmente, os homens poderiam ser reconciliados com Ele; apontavam
para o futuro, para o Senhor Jesus Cristo, que é o sacrifício. Na antiga
dispensação, tomava-se um animal, e tinha que ser perfeito. Tinha que estar
isento de todo e qualquer defeito. O sumo sacerdote, representando o
povo, punha as mãos sobre a cabeça do animal, com isso
simbolicamente transferindo para ele os pecados do povo. Então o animal era
imolado; sua vida era tirada e o seu sangue era derramado e recolhido
numa tigela. Matava-se o animal porque agora ele recebia a punição devida à
culpa dos pecados do povo, pecados que foram transferidos ao animal. A seguir,
o sumo sacerdote levava o sangue e o apresentava a Deus diante da arca, no
santuário que ficava mais para dentro, no interior do templo; ele o aspergia na
arca e na frente dela. Depois o corpo do animal era colocado sobre o altar, no
átrio externo do templo, onde o queimavam, e o cheiro subia para a presença de
Deus. Tudo isso o termo sacrifício significa! E aqui o apóstolo nos está
dizendo que foi isso que aconteceu quando o Senhor Jesus Cristo morreu na cruz
do Calvário, quando o Seu corpo foi partido e o Seu sangue foi derramado -
oferta e sacrifício a Deus!
Mas há mais um termo que requer explicação - “em oferta e sacrifício a Deus,
em cheiro suave”, ou com “perfume de aroma suave”, Que significa isso?
Talvez a maneira mais simples de entendê-lo é ler os dois versículos do capítulo
oito do livro de Gênesis, os quais nos dizem que, após o Dilúvio, “Edificou Noé
um altar ao
Pois bem, eu devo apresentar-lhes mais uma expressão, para que a observem.
“Cristo nos amou, e se entregou a se mesmo por nós, em oferta e sacrifício a
Deus, em cheiro suave” - por nós\ Que é que significa? Significa, em
substituição a nós, em nosso lugar. Ora, o termo propriamente dito, a palavra
“por”, pode ser traduzida desse modo, mas nem sempre - não estou baseando
toda a minha doutrina na palavrapor, eu a estou baseando na palavrapor, mais o
uso do termo sacrifício e todo o contexto. E, tomando estes elementos juntos, é
certo que aqui por significa em nosso lugar. É vicário, é substitutivo; a palavra
mais o contexto, como digo, toma-o inevitável. Num sentido, a palavra por é
neutra; sempre temos que interpretá-la à luz do seu contexto próximo, e ao fazê-
lo aqui, somos levados à conclusão inevitável de que o Senhor realizou a Sua
obra sacrificial em nosso lugar, a nosso favor.
Em vista do que estivemos dizendo, vocês só têm que perceber que essa
explicação é impossível! Ele Se entregou. Ele teve parte ativa! Não se trata de
uma atitude passiva! Portanto, a morte do nosso Senhor Jesus Cristo não é
apenas uma manifestação da crueldade dos homens. Nessa transação não
devemos pôr a nossa ênfase nos homens. Pedro, pregando no dia de Pentecoste
em Jerusalém, disse que o que tinha acontecido estava “de acordo com o
predeterminado conselho e presciência de Deus”! Ele o repete em seu discurso
no capítulo quatro do livro de Atos dos Apóstolos, onde ele diz que foi Deus que
levou Herodes e Pôncio Pilatos a fazerem o que fizeram com Cristo; Deus já o
tinha determinado. Portanto, não olhem para os homens. O nosso Senhor não
estava apenas Se submetendo passivamente às ações cruéis dos homens; não foi
isso que aconteceu, de modo nenhum! Ele veio afim de ir para o Calvário. Ele
podia tê-lo evitado, podia ter fugido, mas manifestou no semblante a intrépida
resolução de ir para Jerusalém (cf. Lucas 9:51, ARA). Ele podia ter ordenado a
mais de doze legiões de anjos que viessem em Seu auxílio, porém não o fez;
Ele disse: se Eu fizesse isso, como poderia cumprir toda a justiça? Ali estava o
cálice, e Ele viera para bebê-lo. Disse Ele: “Que direi eu? Pai, salva-me desta
hora?” Não! “Para isto vim a esta hora” (João 12:27). O tempo todo, o que está
sendo salientado é a atividade intensa. Assim é que, quando vemos Sua morte na
cruz, não devemos pensar nela como o nosso Senhor meramente suportando o
que os homens Lhe fizeram em sua crueldade e perversidade. Nem mesmo o
nosso Senhor estava apenas sendo obediente à vontade de Seu Pai, embora
esta incluísse sofrimento como esse às mãos dos homens. Em si, isso não era
suficiente; isso não é sacrifício, não traz à tona o conteúdo dessa grande palavra
com todos os paralelos veterotestamentários.
Posso dizer-lhes por que a Igreja Cristã está como está. Ela vem esvaziando a
doutrina bíblica da cruz, retirando dela a morte de cruz, e a vem descrevendo
como uma vaga manifestação de amor. E tem chorado de tristeza e de compaixão
por Ele. Mas Ele disse às mulheres de Jerusalém: “Não choreis por mim; chorai
antes por vós mesmas” (Lucas 23:28); não vos entristeçais por Mim, disse Ele,
para isso vim. “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas”
(João 10:11). Todas as Escrituras, do começo ao fim, dão ênfase à mesma coisa,
que é na obra sacrificial de Cristo que vemos o amor de Deus; que Deus O
enviou e O entregou à morte de cruz, e lançou sobre Ele, sobre o Seu Filho
unigênito, os pecados dos homens. “Deus amou o mundo de tal maneira que
deu” - à vergonha, à agonia, ao sofrimento, à separação entre Ele e Seu Filho
quando Este foi feito pecado - “deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele
que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Essa é a medida do amor!
nasceu sob a lei, “para remir os que estavam debaixo da lei”. A lei diz: “Maldito
todo aquele que for pendurado no madeiro”. Ele Se fez maldiçãopornósl Nada
menos que isso! Ele levou sobre Si os nossos pecados. Ele assumiu
voluntariamente a nossa posição. Elejáotinha indicado no início do Seu
ministério público, quando foi a João Batista para ser batizado. João não podia
entender isso, mas Ele insistiu com João que O batizasse, porque Ele estava Se
identificando com os nossos pecados! Ele não precisava ser batizado - João
estava certo em dizer isso - mas como o Messias, o Libertador, Ele Se põe em
nossa posição, os nossos pecados vêm sobre Ele, Ele leva a carga. Diz
Ele: “Deixa por agora, porque assim nos convém cumprir toda a justiça”. Do
começo ao fim do Seu ministério terreno houve a mesma ênfase.
É muito próprio, pois, dizer que ninguém que não creia na doutrina da expiação
substitutiva e penal sequer começa realmente a entender o amor de Deus e o
amor do Senhor Jesus Cristo. Pensem nisso. Onde vocês vêem o amor de Deus,
se o Filho de Deus está simplesmente sofrendo a crueldade e tudo o que os
homens estão fazendo com Ele, de maneira inútil? Que valor há nisso? Não
realiza nada; se não é substitutivo, se não é penal, se Ele não está realmente
tratando com pecados, é sofrimento inútil. É sem propósito, é pura crueldade,
não há amor ali. Ah, que tragédia pensarem os homens que estão exaltando o
amor de Deus dessa maneira, enquanto que, na realidade, o estão esvaziando da
sua verdadeira essência e das suas profundidades infindas e eternas! Eis onde se
vê o amor de Deus, que Deus “nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o
entregou por todos nós”! Deus não Lhe poupou nada; derramou sobre Ele o
frasco da Sua ira contra o pecado. Não Lhe poupounada. Epor nós, e por causa
do Seu amor por nós! Não o que os homens Lhe fizeram, mas o que Deus
Lhe fez como Juiz de todo o mundo, o justo Juiz eterno, o Pai Santo - esse é o
supremo ponto visado na “morte na cruz”! E o Filho deu-Se espontaneamente;
não houve compulsão. Ele manifestou no semblante a Sua intrépida resolução. O
Seu único desejo era fazer a vontade do Pai e assim possibilitar a nossa salvação.
E é somente quando você O vê como a vítima inocente, o substituto, que
voluntariamente se pôs em nosso lugar para receber o castigo que nós
deveríamos receber, que você de fato começa a entender e a avaliar o eterno
amor de Deus em Jesus Cristo, o nosso Senhor. E o apóstolo Paulo confirma
tudo quanto lemos noutras partes das Escrituras - “como também Cristo nos
amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro
suave”.
Qual será a lição para nós? “Andai em amor, como também Cristo
nos amou.” O preceito é óbvio. O nosso amor deve fluir do amor de Cristo, e
deve corresponder a ele. Cristo não pensava em Si. “Haja em vós o mesmo
sentimento (ou “mente”) que houve também em Cristo Jesus.” “Não atente cada
um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos
outros”, diz o apóstolo na Epístola aos Filipenses. Foi o que o nosso Senhor fez.
“Haja em vósa mesma mente ..qual era a Sua mente? Ele não pensava em Si, não
reclamava os Seus direitos, não considerava a Sua inocência, não considerava
os Seus sentimentos, não considerava o Seu bem-estar, não considerava a Sua
comodidade; absolutamente não tomava em consideração a Si próprio. Ele Se
entregoul “Andai em amor, como também Cristo nos amou, e se entregou a si
mesmo por nós.”
Finalmente, reitero o que já disse, o nosso Senhor realizou a Sua obra por nós
apesar de nós. Como Ele argumenta no fim do capítulo cinco do Evangelho
Segundo Mateus, no Sermão do Monte, não há nenhum mérito em amar os que
amam você; os gentios fazem isso. Não há maravilha nenhuma em ser bondoso
para os que são bondosos com você; o pior homem do mundo faz isso! Mas o
que nos toma cristãos, e prova que o somos, é que fazemos pelos outros o que
Ele fez por nós. Somos ímpios, pecadores, inimigos, vis, não temos nada que nos
recomenda; e Ele Se entregou por nós em oferta e sacrifício a Deus. Assim é que
quando eu e você encontramos pessoas difíceis, pessoas que não têm nada que as
recomende, pessoas vis e tão censuráveis e sórdidas quanto podem ser, pessoas
que nos agridem, nos perseguem, nos tratam maldosamente e nos caluniam,
devemos tratá-las como o Senhor nos tratou. Ande em amor! Ore por elas!
Procure sentir tristeza por elas; tanta tristeza que você tenha no seu íntimo um
desejo ardente de que elas sejam libertas; tanta tristeza que você se ponha
de joelhos e tenha no fundo do coração preocupação por elas, por serem vítimas
do pecado e de satanás. Ame os seus inimigos! Abençoe os que o amaldiçoam!
Ore pelos que o perseguem e o tratam com maldade e o caluniam. “Andai em
amor, como também Cristo nos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em
oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave.”
- Efésios 5:3-5
estavam eles no alto do monte, nessa atmosfera rarefeita e gloriosa; sim, mas o
mundo continuava ali, ao pé do monte; de fato, naquele mesmo momento um
pobre homem com um filho lunático tinha vindo em desespero aos demais
apóstolos perguntando-lhes se eles podiam ajudá-lo. Por isso o nosso Senhor não
lhes permitiu ficar desfrutando aquele prazer no topo do monte. Mandou-os
descer, e descendo viram uma grande discussão em andamento, com
contestações e ruidosos argumentos, tudo como se, por assim dizer, estivessem
falando de assuntos diferentes, em confusão. Ao invés de ficarem no alto
do monte armando tendas como Pedro tinha proposto, tiveram que descer à
planície e voltar às duras e feias realidades da vida neste mundo, resultantes do
pecado. E é exatamente isso que nos diz esta pequena palavra mas.
Falando por mim, devo confessar que nada seria mais excelente e deleitável do
que continuar com os versículos 1 e 2, olhando para Deus e para a nossa relação
com Ele, compreendendo o Seu amor por nós, que não somente somos Seus
filhos, porém que somos Seus filhos muito amados, e contemplando o Senhor
Jesus Cristo e tudo o que Ele fez pos nós em Sua obra expiatória sacrificial em
nosso favor. Como é maravilhoso ir adiante sempre e sempre, em tal atmosfera!
Todavia não devemos fazer isso; devemos seguir as Escrituras e devemos tomar
as Escrituras como um todo. Não há nada que seja mais perigoso para a vida da
alma do que sempre ficar lendo as nossas passagens favoritas, e não somente é
um perigo para a alma, é abusar das Escrituras. Devemos seguir as Escrituras
aonde quer que elas nos levem ou nos conduzam. Hoje em dia há muitos que
dizem: não gosto deste aspecto negativo da verdade; por que não podemos ficar
sempre com o positivo? Digo-lhes, muito bem, façam isso, e logo
descobrirão por que é necessário o negativo. Temos que tomar as Escrituras
como elas são, não simplesmente tomar o que nos agrada. Devemos sujeitar-nos
a elas completa e absolutamente, e segui-las em todos os nossos passos. Noutras
palavras, o cristianismo é muito prático e, se não nos damos conta disso, o nosso
entendimento das Escrituras é completamente errôneo. Naturalmente somos
filhos de Deus - graças a Deus por tudo o que estivemos aprendendo nos
versículos 1 e 2; e devemos ser como Cristo, andar em amor como Ele andou;
sim, e as Escrituras mostram tanto desejo de que andemos de maneira digna de
nosso Pai celeste, e de Jesus Cristo, que Se identificou conosco, que elas
se afanam em instruir-nos quanto aos pormenores do nosso andar, negativa e
positivamente. Até aqui, neste capítulo, tivemos a argumentação positiva;
passemos agora à negativa.
E a mensagem é que há certas coisas que nós, como filhos de Deus, nunca
devemos fazer. Devemos compreender que há certas coisas que são
completamente incompatíveis com a nossa vida como amados filhos de Deus e
como pessoas ligadas ao Senhor Jesus Cristo. As pessoas não gostam das
negativas, porém o fato é que a extensão em que você não gosta de negativas é a
medida da sua falta de espiritualidade. Aqui, todo o objetivo é mostrar a
importância das negativas.
Porventura não seria suficiente contemplar a nossa posição gloriosa? Isso não
resolveria todos os nossos problemas? A resposta é: não! As negativas são
penosamente essenciais, por várias razões. A primeira é que, infelizmente,
precisamos que nos lembrem constantemente que o grande fim e objetivo do
cristianismo e da salvação é tornar-nos santos. Notem como o apóstolo se
expressa a respeito no capítulo primeiro desta Epístola: “Bendito o Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais
nos lugares celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes
da fundação do mundo” - para quê? - “para que fôssemos santos
e irrepreensíveis diante dele em amor”. Esse é o fim e objetivo do evangelho
cristão, da fé cristã. Mas todos nós somos tão subjetivos! Temos dificuldades, e
por isso queremos orientação; queremos que as coisas aconteçam
miraculosamente conosco; achamos que o cristianismo existe para fazer isto e
aquilo para nós e por nós. Primordialmente, não é isso. Graças a Deus, isso está
incluído, todavia nunca devemos perder de vista o fato de que o objetivo
primordial do cristianismo é tornar-nos santos e inculpáveis na presença de
Deus. O apóstolo o diz de novo no capítulo dois da Epístola a Tito, onde
ele afirma que Cristo “ se deu a si mesmo por nós” - para quê? - “para nos remir
de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas
obras”. Ele veio com o fim de fazer precisamente isso, não simplesmente para
salvar-nos do inferno e dar-nos perdão, mas para purificar para Si este povo para
ser Sua propriedade peculiar; e a característica deste povo é que ele nega a
impiedade e a injustiça e é zeloso de boas obras. Precisamos lembrar-nos disso
sempre porque, infelizmente, em conseqüência da Queda e do pecado que ainda
há em nós, estamos sempre rebaixando o alvo e objetivo final da fé
cristã. Portanto, precisamos lembrar-nos disso e, assim, as negativas
são essenciais.
Uma segunda razão em prol das negativas é que sempre corremos o perigo de
não aplicar a fé cristã a nós mesmos, mas sim de contentarmos somente em
desfrutá-la de maneira teórica. Pode-se fazer isso com muita facilidade. O que
será mais agradável do que uma grande
exposição da verdade como a que temos nesta Epístola escrita pelo apóstolo? É
um grande prazer intelectual. Contudo, o que será mais fácil do que apenas
tomá-la em geral e dizer: como é maravilhosa, como é magnífica! - e nunca
aplicá-la a nós mesmos? Todos nós temos feito isso, somos todos culpados disso.
E por essa causa precisamos ser obrigados a encarar a realidade; precisamos
das negativas.
Gostaria de dar-lhes ainda esta razão final: é preciso que nos lembremos sempre
de que a vida cristã é o combate da fé. O apóstolo está muito preocupado com
isso. No último capítulo da Epístola somos exortados a revestir-nos de “toda a
armadura de Deus”, nós, povo cristão! Porquê? “Porque não temos que lutar
contra a carne e o sangue, mas sim, contra os principados, contra as potestades,
contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais
da maldade, nos lugares celestiais.” Não devemos considerar a vida cristã como
algo que se recebe numa grande experiência e que depois os problemas e as
tentações nunca mais tornam a acontecer, pois o crente é absolutamente perfeito.
Nada disso! É o combate da fé, e necessitamos de toda a armadura de Deus;
temos de vigiar e orar; temos de compreender que estamos cercados de inimigos
e perseguidores visíveis e invisíveis, alguns deles dentro de nós, e durante
todos os dias nós temos que estar alerta. E o apóstolo ilustra o seu
argumento tomando estas coisas particulares que são perigosas para a alma
e mostrando-nos, negativamente, a sua total incompatibilidade com a vida e
profissão de fé cristã.
Esta é, pois, a primeira reação geral que se tem ao mas do apóstolo, e ao fato
dele recorrer ao uso de negativas. Ah! Não estou mais no Monte da
Transfiguração, porém estou com os olhos postos no rapaz lunático; desci às
monótonas planuras da vida, voltei à dura realidade da vida e do viver, e gostaria
de poder ficar lá em cima, mas não posso; essa experiência me aguarda na
glória; primeiro tenho que viver neste mundo; tenho que ir avante com
discernimento e fé.
Também não se pode deixar de notar o método que o apóstolo emprega para
lidar com estas questões morais. Como invariavelmente é o seu costume, ele
trata destes problemas de prostituição (ou fornicação), impureza, avareza,
torpezas, parvoíces, chocarrices e todos os demais, inteiramente em termos da
sua doutrina cristã. Notem as expressões que ele usa - “como convém a santos”;
“que não convêm” - com as quais ele quer dizer que essas coisas más não
são convenientes, não se ajustam, não são pertinentes aos crentes em Cristo. E
então, especificamente: “Porque bem sabeis isto: que nenhum fornicário, ou
impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de
Deus”. É por causa desse reino, não dos reinos desta terra, que Paulo se
preocupa com estas coisas. Seu interesse é doutrinário - santos, convenientes,
pertinentes, reino de Cristo e de Deus! Noutras palavras, vocês jamais
encontrarão no Novo Testamento nenhum apelo para que as pessoas sejam
morais firmado nas bases que nos são conhecidas. Talvez, quando você deixou o
lar
pela primeira vez, você tenha prometido a seu pai e a sua mãe que não faria
certas coisas; logo você começa a vacilar, e vem o moralista e lhe diz: não
quebre a sua promessa, lembre-se do que prometeu aos seus pais. No entanto,
vocês nunca verão esse tipo de apelo na Bíblia; isso pertence ao mundo; não faz
parte do cristianismo. A exortação do apóstolo é - porque somos santos, porque
estamos no reino de Cristo e de Deus, por causa das coisas que são convenientes
nessa esfera. O Novo Testamento se interessa pela moralidade, não por causa da
honra da escola, ou por causa da honra do país, ou pelo bem da
humanidade; nem um pouco! Santos! Cidadãos do reino de Cristo e de Deus!
E também não se interessa pela moralidade em si, não se interessa
pela moralidade como uma idéia, não está interessado nos pecados em si, e
porque são maus, e por causa das suas más conseqüências e dos seus nefandos
resultados. Absolutamente não! Não se vê nada sobre eles nestes aspectos. Paulo
se concentra na incompatibilidade do pecado com quem somos e com o que
somos! As suas palavras se aplicam unicamente aos cristãos, e a mais ninguém.
Se não entendermos estes princípios, estaremos interpretando mal as Escrituras.
diante. Creio que devo dizer aos meus amigos por que, como ministro do
evangelho, sou cauteloso com tais coisas, não tenho um Domingo de
Temperança, depois um Domingo de Moralidade, e todos esses vários outros
domingos, e por que não tomo parte nessas organizações e atividades. Vocês
sabem dos conselhos moralistas, das sociedades pró temperança, e de várias
outras sociedades que cuidam deste ou daquele interesse. Todos eles estão
empenhados em melhorar a situação moral. E, na verdade, devemos preocupar-
nos com a situação moral. Entretanto, para mim, é muito urgente que saibamos
claramente como preocupar-nos e que papel devemos desempenhar nisso
tudo. Muito recentemente foi realizada uma importante série de reuniões;
as reuniões da Associação dos Magistrados foram realizadas em Londres 2, e
várias pessoas discursaram. E nos relatórios dessas reuniões eu notei um
marcante elemento de confusão. Vejam, por exemplo, as declarações sobre a
delinqüência juvenil feitas por um eminente estadista que, segundo me disseram,
é um cristão autêntico. Disse ele: “A prevenção do crime requer a compreensão e
a ação da sociedade como um todo”. Depois ele se referiu à “insolência e a
visível desconsideração para com a justiça que prevalecem entre os
nossos jovens de certa idade hoje ...”. “Dependemos”, continuou ele,
“dos tribunais, da polícia e de todas as outras agências diversas, que trabalhem
conosco numa livre síntese, e assim lutemos e trabalhemos pela liberdade e para
defendê-la. Qualquer tentativa de mudar esse sistema seria, estou certo, uma
invasão na liberdade ... O meu apelo é dirigido a um auditório mais amplo, às
igrejas, aos pais e aos professores, no sentido de que façam a sua parte no trato
destes problemas de crime juvenil; sem eles seremos incapazes”.
Nessas palavras, sugiro, vê-se uma característica confusão, que não se restringe
unicamente ao estadista, e sim - infelizmente! - vê-se também na própria Igreja.
E é com o fim de indicar o perigo que resulta dessa confusão, que eu estou
chamando a atenção para este assunto. O apóstolo me compele a fazê-lo, pois a
sua maneira de abordar a situação não é a que acabei de lhes apresentar. Como,
então, justifico a minha afirmação de que a Igreja não deve preocupar-se da
maneira indicada, e de que aquele apelo dirigido pelo estadista “as igrejas,
aos professores e aos pais” é uma total incompreensão das Escrituras?
A Igreja Cristã não é uma agência moral. Que é, então? É uma agência de
regeneração! Ela não é uma agência moral; agências morais existem muitas; a
Igreja não é isso, ela é sobrenatural, é divina, é cheia do Espírito; ela converte
homens, regenera homens; digo que ela o faz, que ela é utilizada por Deus para
fazê-lo. Essa é a sua esfera. Além disso, a Igreja não existe para produzir bons
homens. Existe para produzir novos homens! E um novo homem é infinitamente
maior que
um bom homem; você pode ser um bom homem sem ser cristão. Reitero a
palavra: a Igreja existe, não para produzir homens morais, mas sim, para
produzir aqueles que, nas Escrituras, são chamados santos. Se você não enxerga
essa distinção, você não sabe o que é cristianismo! Certamente o cristão é um
bom homem e um homem moral, porém se você o descrever simplesmente
nesses termos, você o estará insultando; não o estará descrevendo corretamente.
O cristão é um santo! É um homem regenerado! É filho de Deus! Pertence
a Cristo, está “em Cristo”! Não estamos na esfera da moralidade e da bondade,
estamos na esfera da santidade e do Espírito! E, portanto, eu afirmo que a Igreja
aceitar o papel de agência de moral significa que a Igreja está falseando a sua
mensagem. E por essa razão que não posso dar atenção aos apelos do eminente
estadista que citei anteriormente. É insultar a Igreja Cristã apelar para ela como
se apela para os professores, para os pais e para várias outras pessoas que têm
que tentar tratar do problema da delinqüência juvenil; é não entender o que ela é
e o que foi destinada a fazer.
apoio a essas boas causas e sociedades, e assim por diante, estarei desperdiçando
o meu tempo e o tempo da igreja. Por esta razão, que, enquanto estou fazendo
isso, não posso pregar a mensagem positiva de salvação e libertação. E vou além
e digo que, no fim, não há nada que possa tratar desse problema, senão a
dinâmica, o poder espiritual, do evangelho. É o poder de Deus para salvação!
Para ilustrar o que quero dizer, faço menção da primeira parte do século dezoito.
As condições morais da Inglaterra naquele tempo eram até piores que as de hoje.
Leiam England: Before and After Wesley (A Inglaterra: Antes e Depois de
Wesley), por J. Wesley Bready. Leiam sobre as condições de Londres e doutros
lugares deste país. Houve esforços naquele tempo para tratar do problema,
porém deram em nada. Subitamente veio o despertamento evangélico com o
evangelho pregado como o poder de Deus para salvação e o Espírito Santo
derramado em avivamento. Que aconteceu? As condições morais foram
alteradas! - não inteiramente, todavia a mudança foi quase inacreditável! Foi o
que aconteceu então. Já tinha acontecido na época da Reforma. Em certo sentido
tinha acontecido de maneira muito semelhante no século 17 como resultado dos
puritanos. Aconteceu também, em grande medida, no século 19. Quando a Igreja
prega o evangelho como o poder de Deus, como a dinâmica espiritual que pode
atuar nos homens e transformá-los, é então que ela trata do problema social; não
quando ela fica falando sobre o problema social, dando estatísticas e fazendo
apelos morais. Isso é desperdício de tempo, e devemos rejeitá-lo como tentação
do diabo! Não hesito em dizê-lo. O diabo fica perfeitamente satisfeito quando a
Igreja fica apenas lendo, domingo após domingo, pequenos ensaios
morais, procurando promover uma pequena elevação moral, e fazendo
apelos para que as pessoas sejam decentes. Estou certo de que em tais ocasiões o
diabo se alegra, porque ele sabe que o seu reino não será afetado.
Qual é, então, a relação da Igreja com esta situação moral? Aminha opinião é
que, em primeiro lugar, a Igreja trata diretamente da situação moral na pregação
de um evangelho que pode converter e mudar os homens. Em segundo lugar,
pela produção numérica de cristãos, ela afeta igualmente a vida do Estado para o
bem. Em todo caso, os cristãos não podem conseguir melhoramentos desejáveis
por meio de leis do Parlamento hoje, pois os votos são tão poucos! Os cristãos
são apenas uma pequena porcentagem da comunidade. E os poderes existentes
sabem perfeitamente bem que eles podem ignorar a Igreja Cristã, e de fato
ignoram a Igreja Cristã. Eles estão interessados em
votos, estão interessados nas maiorias, estão de olho nos resultados das eleições;
essa é a verdade com relação a todos os partidos, e eles dão pouca atenção a nós,
pois nós não pesamos na balança. Mas no século passado, em conseqüência do
grande despertamento e avivamento do século 18, e depois, dos avivamentos de
1858 e 1859, havia tantos cristãos neste país que os políticos tinham que dar
atenção ao voto cristão, ao voto não conformista, assim chamado! Este era
tão poderoso que Charles Stewart Parnell * foi realmente posto fora da vida
pública pelo voto não conformista! De fato, havia tantos eleitores cristãos que o
Estado tinha que dar ouvidos à sua voz. Portanto, se os cristãos querem ajudar o
Estado, a melhor maneira é pela pregação de um evangelho que produza tantos
cristãos que o Estado terá que dar atenção ao que nós dizemos. No entanto,
enquanto se pregar nada mais que moralidade, não somente o Estado não nos
dará ouvidos, mas também não se produzirão cristãos.
As tradições que passavam do avô ao pai e ao filho estão morrendo
gradativamente, as pessoas já não se deixam influenciar por essas coisas; as
igrejas estão vazias, e a visão cristã não conta para nada. Assim, se eu quero
ajudar o Estado, eis o meu modo de fazê-lo: tentar encher o Estado de autênticos
cristãos, novos homens e mulheres em Cristo Jesus. Essa é a maneira de ajudar o
Estado. Eu digo que tudo mais é dever do Estado, é esfera do Estado, designado
por Deus para realizar certa obra. Contudo as duas tarefas, como devemos ver,
são muito diferentes. Ao mesmo tempo, concordo que os homens e as mulheres
cristãos desempenhem seu papel no Estado. Que os homens e as mulheres
cristãos se façam membros das câmaras, que ingressem no Parlamento, que
façam tudo o que puderem pare influenciar os decretos do Estado. Wilberforce e
Shaftesbury, no século 19, são um exemplo para outros. Não são os ministros,
que ocupam os púlpitos, que devem estar pregando sermões políticos. Que eles
preguem o evangelho aos Wilberforce e aos Shaftesbury, para animá-los,
para edificá-los na. fé, para inspirar-lhes confiança. Então, os que são chamados
para essa obra podem ir para o Parlamento, falar, agir e organizar movimentos.
Os leigos é que devem fazer isso, não a Igreja!
Ora, que é que ao Estado cabe fazer? O apóstolo mostra isso claramente no
capítulo treze de Romanos. É dever do Estado lidar com
‘ Charles S. Pamell (1846-91) foi um influente e poderoso político irlandês e membro do Parlamento
do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte - Ulster). Pamell foi tão ativo e
influente que chegou a ser chamado “rei não coroado da Irlanda” e a inspirar um movimento
denominado “Movimento Pamellita”. Nota do tradutor.
certas questões mediante leis e decretos. Ele existe para impedir o crime, para
dominar o crime quanto possível, por todos os meios legítimos. E não somente
isso, mas também é dever do Estado punir o crime. “O magistrado não traz
debalde a espada!” Contudo, alguns modernistas se dispõem a dizer que as
punições devem ser abolidas. Dizem eles que se tão-somente formos bondosos e
falarmos bondosamente com os bandidos, com os covardes que atacam crianças
e mulheres, aos poucos faremos deles pessoas melhores. Essa é uma completa
incompreensão da doutrina sobre o pecado e da doutrina bíblica sobre o Estado.
É dever do Estado punir. As pessqas têm que guardar a lei enquanto não venham
para debaixo da graça. É tão ocioso e fútil falar de maneira suavemente razoável
e fazer apelos morais a um homem dominado pelo mal, pela luxúria e pelo vício,
como ocioso e fútil foi o finado Sr. Neville Chamberlain fazer coisa parecida
com um homem como Hitler. Não cabe ao Estado pregar; o dever do Estado é
usar a espada; é governar; é fazer as leis do Parlamento; é punir e ensinar aos
homens que se eles não responderem como devem a uma correta visão da vida,
merecerão castigo, e certamente o receberão. A graça e a lei não podem se
misturar; não pertencem à mesma esfera.
Mas alguns dizem: certamente você está indo longe demais, está sendo
extremista; por que a Igrej a deveria opor-se a esses movimentos que tanto bem
estão fazendo? Replico que se você fizer do “fazer bem” um fim, você terá que
participar de tudo quanto há. Tenho que admitir que a Ciência Cristã faz muito
benefício, conheço gente que parou de beber como resultado da Ciência Cristã,
conheço pessoas que viviam em desesperada angústia e pararam de angustiar-se:
devo por isso pregar e apoiar a Ciência Cristã? Claro que não! O que nos
interessa é a verdade, não estamos simplesmente preocupados com as coisas
que fazem bem. O que desejamos é que os homens sejam levados a este novo
relacionamento cristão; eles precisam tornar-se santos, filhos de Deus! Esse é o
nosso dever; o outro é da esfera do Estado. Que o Estado continue com as suas
atividades. Entretanto que não haja confusão de pensamento; doutro modo,
haverá fracasso em ambas as esferas. Não posso senão achar que é porque o
Estado, faz uns vinte ou trinta anos, vem pensando que é uma instituição
reformadora, que tem havido ultimamente um substancial aumento da
criminalidade. O Estado traz a espada, e deve punir. Deve ensinar as pessoas
dessa maneira, se elas não querem dar ouvidos a qualquer outra. Que o Estado
exerça a sua função própria, que deixe de tentar pregar; e que a Igreja continue
a cumprir a sua função.
2
Cerca de 1960
- Efésios 5:3-5
Até aqui, temos considerado estas solenes palavras num sentido geral. Devemos
examiná-las agora mais minuciosamente. Como o apóstolo mesmo segue esse
procedimento, também nós devemos fazê-lo, por penoso que seja o processo.
Conquanto o cristão nunca deva contentar-se com a compreensão de princípios,
contudo, deve começar com princípios. Grande parte do problema atual da Igreja
deve-se, inegavelmente, ao fato de que as pessoas não buscam captar princípios;
não vêem a mata por causa das árvores. Por outro lado, é igualmente perigoso
preocupar-se unicamente com princípios. Cabemos primeiro captar os princípios,
e depois aplicá-los em detalhe a cada ação e aspecto da nossa vida e do nosso
viver cristão. Notem como o apóstolo desce a minúcias e abrange a totalidade da
vida.
Não faz parte da pregação cristã gastar muito tempo com essas coisas; por certo
deveria bastar ao povo cristão mencioná-las e certificar-se de que entendem
claramente o que elas significam e descrevem, e o que representam. O apóstolo
está dizendo realmente que são essas coisas que caracterizam a sociedade não
cristã, e essa é também a única descrição certa da vida dos pagãos do tempo
do apóstolo. No entanto, aqueles cristãos efésios tinham sido tirados daquele tipo
de vida; haviam sido transferidos do reino das trevas para o reino do amado
Filho de Deus, e Paulo lhes está dizendo virtualmente: vocês não podem trazer
essas coisas para dentro do reino de Cristo; Seu reino é totalmente diferente. Ele
morreu para “purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras”. Não
tenham mais ligação nenhuma com essas coisas; elas pertencem ao tipo de vida
vivida onde não imperam o evangelho e a sua doutrina.
-Io, mas as parvoíces e chocarrices parecem estar entrando cada vez mais na
obra da Igreja Cristã. Por que se há de considerar como uma excelente peça
técnica o orador que sobe a uma tribuna cristã começar com um gracejo?
Todavia é o tipo de coisa que está aumentando muito. E muitas vezes a anedota
não tem a mais remota ligação com o evangelho, mais é contada simplesmente
(como se diz) para fazer contato com os ouvintes! Uma vez participei de um
culto de aniversário em certa parte da Inglaterra. Havia cerca de mil e
oitocentas pessoas presentes, e eu tive que sentar-me e ouvir o primeiro
orador que - sem exagero - ficou uns quinze minutos simplesmente
contando anedotas. Eu não conseguia ver a mais remota aplicação cristã
em nenhuma delas e, na verdade, o orador nem sequer tentava aplicá-las. E o
povo tonitroava com gargalhadas, na maior alegria. Contudo, o entretenimento
não tem nada a ver com a vida cristã e com as atividades da Igreja Cristã. As
parvoíces e as chocarrices não têm lugar na vida cristã, na conduta cristã e entre
os cristãos. Não são próprias do cristianismo. Mesmo que você deixasse de lado
o que é grosseiramente ofensivo, ainda estaria usando a mesma terminologia, o
mesmo tipo de técnica. Os cristãos não contam anedotas uns aos outros; eles têm
coisa muito melhor para dizer uns aos outros. É isso que o apóstolo está dizendo.
Então, como havemos de evitar esses males? O apóstolo nos diz como. Primeiro
ele nos diz simplesmente que não devemos praticá-los. Mas não pára aí; diz ele:
“Nem ainda se nomeie entre vós”. Vocês não devem nem sequer mencionar essas
coisas! Não devem insinuá-las. Vocês não devem aproximar-se disso em lugar
nenhum. Não somente vocês não devem fazer essas coisas; não devem falar
sobre elas, não devem mencioná-las, são indignas de menção, não devem entrar,
de nenhum modo ou forma, nem no linguajar, nem no pensamento de vocês.
Temos que ser cautelosos quanto a toda e qualquer coisa que nos prejudique e
que tenda a fazer-nos inclinar na direção das coisas que não são próprias da vida
cristã. E nestes tempos modernos estaremos lutando o tempo todo, desde o
momento em que nos levantamos de manhã até quando vamos dormir à noite;
pois o mundo inteiro está aclamando essas coisas diante de nós. Ele o faz em
seus jornais. Evocê começa de manhã, com o seu jornal, talvez àmesa do café.
“Nem ainda se nomeie entre vós”, diz Paulo; sim, mas isso será nomeado,
provavelmente na primeira página. E essencial que você leia o seu jornal com
discriminação, deixando de ler certas coisas. Você quer estar a par das notícias, e
quer ser um cidadão bem informado, também quer ler o jornal para poder votar
inteligentemente. Entretanto, ao ler, deve evitar, afastar, deve ficar com o que
importa e evitar todas as demais coisas. A mesma coisa com as revistas. Você
olha para uma banca de jornais na estação ferroviária, e as vê, e nota como são
sugestivas! Você vê as pessoas a comprá-las, revistas que por seu próprio título
lhe dizem o que são. Só Para Homensl Porquê? Obviamente há algo errado ali.
Depois, as fotos e os anúncios! Evitem-nos, não se envolvam com eles, desviem
deles o olhar. Peças teatrais! Filmes! Coisas que vêm pelo rádio e pela televisão,
as parvoíces, as chocarrices, a esperteza, a sugestão, as insinuações!
Você quer tomar a luta mais difícil para você? Você acha que de fato pode
resistir ao diabo e às concupiscências que estão dentro de você? Não seria
melhor para você fazer o que o apóstolo manda no fim do capítulo treze da sua
Epístola aos Romanos: “Não façais provisão para a carne” (VA)? Se vocês
olham para coisas e lêem coisas que
sabem que são más, vocês estão fazendo provisão para a carne. Não fiquem
surpresos, então, se vocês caírem. Não dêem a mínima atenção a essas coisas.
Não permitam que sequer sejam mencionadas entre vocês. Cortem-nas no botão,
parem no início, não tenham o mínimo interesse por elas. E que dizer dos livros,
dos romances e até das biografias? Cada vez mais se publicam biografias, uma
após outra, nas quais são revelados pormenores revoltantes e sem valor, que
não elevam ninguém. Atualmente as pessoas se deleitam com a pornografia, e se
sentem atraídas pelo fétido e pelo indecente. A insistência do apóstolo é,
realmente, no sentido de que nos afastemos do mal in toto. * Se houver suspeita
da presença de algo impuro num livro ou num artigo, não o leiam; vocês poderão
passar sem esse conhecimento e sem essa informação. Ah, alguém dirá, mas eu
sou estudante de sociologia, interesso-me por isto e aquilo. Pois então renuncie
ao seu interesse, digo eu. Para os puros todas as coisas são puras, porém se vocês
não forem puros, até as coisas boas se tornarão más. Toda a ênfase do apóstolo é
que não devemos ter nenhuma ligação com as coisas más, que estas coisas não
sejam nem mencionadas entre vocês, como convém a santos; fiquem o mais
longe que puderem delas todas.
Logo a seguir o apóstolo passa a dizer-nos como fazer isso positivamente; ele
não se contenta em dar-nos somente o aspecto negativo. Diz ele: “Nem ainda se
nomeie entre vós, como convém a santos; nem torpezas, nem parvoíces, nem
chocarrices, que não convêm; mas antes” - aí está o positivo, o que devemos
fazer - “ações de graças”. Isto ele desenvolve mais adiante no mesmo
capítulo (versículos 19 e 20), onde ele diz: “Falando entre vós em salmos,
e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso
coração; dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo”. Examinaremos estes versículos mais tarde. Por enquanto,
lembro-lhes de novo que aqui o apóstolo está tratando daquilo que deve
prevalecer entre os cristãos nos círculos cristãos. Ele não está dizendo aqui como
devemos falar e conduzir-nos em relação aos incrédulos, e sim, em relação à
Igreja de Deus. E ele ressalta que devemos dar graças, como igualmente o faz
em sua Epístola aos Tessalonicenses - “Em tudo dai graças, porque esta é
a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (1 Tessalonicenses 5:18).
Ora, vocês poderão dizer, como devemos fazer isso? Aqui também devo
começar com uma negativa. Há gente que imediatamente interpreta o que acabei
de dizer acrescentando-lhe alegria gaiata e alacridade. Não permita Deus que o
façamos jamais! Isso é tão ruim como a melancolia do falso puritano. Não
devemos adicionar coisa alguma. Certa atitude jovial deve expressar-se em nós
por sermos cristãos. Não se deve acrescentar algo como boca escandarada em
riso frívolo, e nada de querer ser uma pessoa eufórica, exageradamente alegre,
jovialmente explosiva. Não posso imaginar o apóstolo Paulo fazendo uma coisa
dessas. Tampouco, é bom lembrar, significa que devemos usar levianas frases
feitas e clichês. Há um tipo de gente que, na conversa, fica sempre usando
interjetivamente as palavras, “Louvado seja o Senhor! Louvado seja o Senhor” -
pensando que, fazendo isso, está obedecendo à injunção; “Mas antes ações de
graças”. Todavia não é isso que se quer dizer com ações de graças! Não
frases feitas, não clichês, não expressões que saem levianamente dos lábios! É,
antes, algo profundo que está na mente do apóstolo aqui, algo que expressa a
profundidade do ser e da personalidade. E o homem não tem consciência disso,
não o faz de cor ou mecanicamente. É resultado de uma mudança do coração, é a
nova criatura se expressando, é uma evidência da vida “mais abundante”.
Vou além. Não vejo nada aqui que exclua até mesmo um elemento de humor na
conversa do cristão. Mas sempre, é claro, um humor que está sob controle.
Nunca uma conversa tola, nunca leviana (nem parvoíce, nem chocarrice). O
humor do cristão é o que vem naturalmente, inevitavelmente. O cristão não tenta
ser divertido; isso é que tem que ser eliminado. O cristão nunca o faz
simplesmente para causar impressão, para chamar a atenção para si, para fazer
uma imagem, ou para ser o centro de interesse numa conversação; nunca!
Tampouco ele monopoliza uma conversação. Quanto melhor for o
cristão, melhor ouvinte será. Se Deus lhe deu dom de humorista, que o use,
que venha naturalmente; no entanto será sempre controlado, nunca obsceno,
nunca indecente, nunca prejudicando quem quer que seja; haja nele uma espécie
de beleza que seja de valor e que seja enobrecedora.
nestas questões, não somos? Mas, tratem de compreender o que devemos ser, diz
o apóstolo. Que as coisas do Espírito de Deus caracterizam as nossas vidas, de
modo que quando as pessoas vierem falar conosco, vejam em nós algo atraente,
algo limpo e puro, algo enobrecedor, inteligente, refletido e proveitoso; que elas
sintam que há um elemento de louvor em toda a vida de vocês, algo que as leve
a dizer: acerca do que será que eles louvam a Deus? Onde será que eles o acham,
num mundo como este? Quisera eu ser assim!
A seguir, notem que o apóstolo está muito preocupado com a questão da avareza,
pois a menciona duas vezes; e também disso o cristão deve tratar positivamente.
O amor do dinheiro, diz Paulo a Timóteo mais tarde, é a raiz de todo mal. Mas o
termo traduzido por “avereza” inclui mais que dinheiro; também inclui o que o
dinheiro pode conseguir e produzir, e se um homem ama o dinheiro
daquela maneira, não admira que ele cause o naufrágio da sua vida. É a raiz de
todo mal. A maneira de evitar este laço e perigo particular é usar o seu dinheiro
corretamente! Dê graças a Deus por meio de seu dinheiro; mostre sua gratidão a
Ele dando suporte a tudo o que diz respeito a Ele e ao Seu reino. Se você acha
que esse mal o está aborrecendo, elimine-o dando o seu dinheiro para uma boa
causa. Não digo que o homem deve dar todo o seu dinheiro; o Novo
Testamento não diz isso. No entanto, ele nos diz que somos mordomos das
nossas posses. Mordomo não é alguém que dá tudo o que tem, porém é alguém
que o utiliza de maneira certa e não o usa erroneamente. Se ele desse tudo, não
seria mais mordomo, pois não ficaria nada do que cuidar. O meio de eliminar a
avareza é usar as nossas posses para a glória de Deus como expressão da nossa
gratidão e do nosso louvor a Deus por tudo o que Ele fez por nós, enviando o
Seu amado Filho para morrer por nós e para libertar-nos daquela velha vida que
era tão suja e tão má, tão superficial, tão inútil, a vida do mundo.
Além disso, notem como o apóstolo introduz a palavra “santos” em seu apelo.
“Mas a prostituição, e toda a impureza ou avareza, nem ainda se nomeie entre
vós, como convém a santos”! Os cristãos são santosl Nada do que a igreja
católica romana fez é pior do que o seu mau uso da palavra santo; segundo
aquele conceito, só certos cristãos são santos. A igreja romana os canoniza, e
então um homem ou uma mulher se torna “Santo (ou “Santa”) Fulano de Tal”.
Completamente falso. Todo cristão é santo. As Epístolas são dirigidas aos
“santos” que estão em Corinto, aos santos de todas as igrejas. “Como convém
a santos”, diz Paulo a todos os membros da igreja de Éfeso. Cada um
de nós é um santo, portanto denunciemos e rejeitemos aquele erro católico-
romano. Mas, que é um santo? Éumapessoa santa, alguém que foi separada por
Deus para o Seu prazer e para o Seu próprio uso. Vemos a mesma palavra no
Velho Testamento. Em Êxodo, em Levítico e noutras partes lemos acerca dos
vasos que deviam ser colocados no tabernáculo e sobre o altar; eram chamados
vasos santos, quer dizer, não deviam ser utilizados para fazer refeições comuns,
nem para o comum comer e beber, todavia eram separados para um propósito
especial e para o uso de Deus. E a mesma coisa é verdade quanto aos cristãos. E
isso que o santo é, e eu eu vocês somos santos. Já vimos que os cristãos são
filhos de Deus, queridos e amados, sim, e por essa razão, são santos, propriedade
peculiar de Deus, são os que Deus separou para Si, para o Seu deleite e prazer. E
todo cristão verdadeiro é santo! Lembrem-se de quem você é, diz o
apóstolo. Lembrem-se disso, a primeira coisa de manhã, diga isso quando
está indo para o seu escritório ou para a oficina em seu carro ou no metrô ou no
ônibus. Se você está caminhando ou pedalando, diga a si próprio: sou santo, sou
uma pessoa separada, estou no mundo mas não sou do mundo e, portanto, há
certas coisas que não devo fazer, nem sonhar em fazer.
“Porque bem sábeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é
idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. ”
- Efésios 5:5
Neste versículo cinco do capítulo cinco de Efésios vem-nos defrontados por uma
advertência solene, e por um pronunciamento alarmante a respeito do viver
impuro. “Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento,
o qual é idólatra, tem herança” -absolutamente nenhum lugar - “no reino de
Cristo e de Deus.” Aqui está, pois, uma advertência que temos de encarar.
Devemos tomar as Escrituras como são. O apóstolo achou necessário ministrar
esta severa advertência aos cristãos efésios, e não podemos senão concluir que é
uma advertência necessária para os cristãos de todas as eras e de todos os
lugares.
Em primeiro lugar, somos alertados pela maneira pela qual esta advertência é
apresentada. “Bem sabeis isto”, diz Paulo - ele quer dizer que esta é uma coisa
além de toda a dúvida, algo que ultrapassa toda a discussão. Isto, diz ele, é uma
coisa que é auto-evidente. Como se pode ser cristão sem saber isso? Como se
pode aprender a Cristo nalgum sentido real sem estar logo ciente disto? Diz ele
que não há necessidade de nenhuma instrução a respeito. E, todavia, embora
diga isso, ele nos faz lembrar disso. Nesta era moderna eu repito a pergunta do
apóstolo. Sabemos todos o que aqui se declara? Vemos isso com perfeita
clareza? É algo que não necessita de demonstração ou de explicação para o
cristão moderno? Só posso responder dizendo que, embora o apóstolo diga aqui
que esta é uma coisa que deveria ser auto -evidente, não podemos ler as
Epístolas, e nem mesmo qualquer dos escritos do Novo Testamento, sem sofrer
certo impacto com o fato de que os escritores estão constantemente lembrando às
pessoas coisas como esta, e fazendo isso da maneira mais solene. Noutras
palavras, só pode dar-se o caso que muitos de nós que deviam saber certas
coisas, não as sabem, e por isso temos que entrar nessas coisas em detalhe. Ora,
por que há esta alarmante possibilidade de que podemos saber essas coisas
teoricamente, sem verdadeiramentecon/zecé-Zaí', entendê-las e captá-las?
Muitas vezes as pessoas ficam surpresas comisso. Às
vezes elas vêm dizer-me: imagine, pregar isso a cristãos! Minha única resposta é:
os apóstolos o fizeram; se era necessário então, é necessário agora, e não é difícil
saber por que é sempre necessário. Temos que examinar a questão.
Uma vez que seguimos esse caminho subjetivo, é espantoso quão brilhantes
podemos tornar-nos na proteção de nós mesmos e dos nossos interesses. No
capítulo dois da sua Epístola aos Romanos, Paulo nos diz que “acusamos ou
defendemos” neste sentido\defendemo--nos cacusamos outros acerca das
mesmas coisas. Por trás de tudo isso está a astúcia do diabo, que pode chegar a
nós como amigo, na verdade como um anjo de luz, e pode persuadir-nos com
tanta facilidade porque desejamos ser persuadidos, de que aquilo de que nos
acusamos como pecado não é realmente pecado nenhum, e sim apenas
algo natural - estávamos tendo demasiado pudor, estávamos
sendo exageradamente sensíveis em nossas consciências, tínhamos desenvolvido
uma espécie de escrupulosidade mórbida. E o maligno (satanás) vem e lhe
imprime tanta plausibilidade, e nós, querendo estar de bem conosco mesmos,
rendemo-nos às suas lisonjas. E assim ficamos cegos e entramos num estado tal
que é necessário que o apóstolo nos fale nos termos do versículo que agora está
diante de nos.
Observemos a freqüência com que a declaração feita em nosso texto aparece nas
Escrituras. “Não sabeis”, diz Paulo aos coríntios, “que os injustos não hão de
herdar o reino de Deus? Não erreis; nem os devassos, nem os idólatras, nem os
adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os
avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o
reino de Deus” (1 Coríntios 6:9-10). E de novo, mais adiante na mesma Epístola,
vemo-lo dizer: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os
bons costumes. Vigiai justamente (VA: “Despertai para a justiça”) e não pequeis;
porque alguns ainda não têm o conhecimento de Deus; digo-o para vergonha
vossa” (15:33-34). E segue-se daí uma vigorosa dissertação sobre este assunto.
Depois, na Segunda Epístola aos Coríntios, lemos: “Não vos prendais a um jugo
desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça?” -
Agora respondam a isso! - “E que comunhão tem a luz com as trevas?” -
Quem pode dizer-me? - “E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte
tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos?”
(6:14-16). Naturalmente, as perguntas do apóstolo são feitas para mostrar que
não há comunhão, que não há acordo nenhum, entre os opostos; são
incompatíveis eternos, e nunca podem ser postos juntos. Não há meio entre dois
opostos, diz Aristóteles. Essas coisas são antíteses eternas. Jamais poderá haver
cinza nos domínios em que Deus impera, é uma coisa ou a outra, preto ou
branco, e nunca podem misturar-se. O apóstolo João ensina a mesma coisa. No
capítulo primeiro da sua Primeira Epístola ele diz: “Se dissermos que temos
comunhão com ele, e andarmos nas trevas, mentimos, e não praticamos a
verdade”. E de novo, no capítulo dois: “Aquele que diz: eu conheço-o, e não
guarda os seus mandamentos, é mentiroso” - não há nenhuma outra coisa que
dizer a seu respeito, ele não passa de um mentiroso descarado! - “e nele não está
a verdade”. Ele é um estranho para a verdade. E depois, no último livro da
Bíblia, como se para lembrar-nos - justo no fim - uma coisa que somos tão
propensos a esquecer, vemos escrito: “E não entrará nela (na cidade santa)
coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira; mas só os
que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro . . . Bem-aventurados aqueles
que guardam os seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e
possam entrar na cidade pelas portas. Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e os
que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e qualquer que ama e comete a
mentira” (Apocalipse 21:27; 22:14-15). Ah, esta é uma distinção eterna - fora! -
aí estão elas, as pessoas das quais João está falando, que não têm herança
no reino de Cristo e de Deus, estão fora, eternamente do lado de fora, e lá
permanecerão. Não têm entrada na cidade santa. O nosso Senhor disse
pessoalmente a mesma coisa no Sermão do Monte: “Nem todo o que me diz:
Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu
Pai, que está nos céus” (Mateus 7:21). Este é o cristianismo do Novo
Testamento. Não estamos agora pensando em nossa felicidade ou em nossos
sentimentos subjetivos, estamos? Aqui está a declaração grandiosa, objetiva,
eterna. Há uma cidade na qual entrar, e se queremos entrar naquela cidade, temos
que lembrarmos de que é uma cidade santa e que a entrada nela é controlada
pela categoria de santidade. As Escrituras falam sobre a santidade sem a qual
ninguém verá o Senhor. “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles” -
e ninguém mais - “verão a Deus”.
Agora, a primeira questão que nos confronta é esta: que é que esta declaração do
versículo cinco significa? O apóstolo o deixa claro. Ele está afirmando que
aquele cuja conduta habitual é manchada por
pecados como os que ele menciona, não tem herança no reino de Deus. Ele não
está dizendo que todo aquele que cair nalgum desses pecados estará etemamente
excluído do reino. Hão significa isso, graças a Deus! No entanto significa, sim,
que se esses pecados constituem a característica da vida de alguém, se é esse o
seu modo de viver, se é essa a sua atmosfera, se é essa a esfera em que ele se
sente feliz e como quem encontrou o que procurava, então ele não tem nenhuma
herança no reino de Cristo e de Deus. Temos no próprio Novo
Testamento ilustrações de cristãos caindo temporariamente em pecado, sem
que isso tenha passado a ser o seu habitat, por assim dizer; eles não voltaram a
viver em pecado. Essas pessoas não estão incluídas nas solenes palavras do
versículo 5. Digo isso porque a verdade me compele a dizê-lo. Sei que existem
pessoas que se agarrarão a essa afirmação, e a usarão e a torcerão, como diz
Pedro, para a sua própria destruição. Mas a essas pessoas eu garanto que a
persistência, a continuidade, a permanência no pecado, ou uma reversão a
ele, significa que elas não estão dentro do reino. Homens e mulheres
cujo procedimento, cuja vida, é caracterizada por coisas contrárias à lei de Deus,
não estão no reino de Deus; não têm nenhuma herança ali. Ora, por que é que
isso é necessariamente verdadeiro? Por que é que o apóstolo diz: “Bem sabeis
isto”? Bem, aqui ele nos dá uma explicação muito interessante. Diz ele: não
“tem herança no reino de Cristo e de Deus".
Vocês verão que os comentadores cultos gastam a maior parte do seu tempo, ao
tratarem deste versículo, com essa frase particular. Preocupam-se em dizer que o
que o apóstolo de fato escreveu foi, “não tem herança no reino de Cristo e
Deus”; disso muitos deles deduzem, e acertadamente, penso eu, que uma das
coisas que o apóstolo tinha em mente era que Cristo é Deus - o reino de Cristo e
Deusl Não o reino de Cristo cde Deus, mas o reino d&Cristo eDeus, do Cristo
queéDeus. Ora, é perfeitamente legítimo dizer isso e, contudo, não posso
senão achar que o apóstolo não estava primariamente interessado em dizer isso,
embora seja verdade e ele diga coisas similares noutros lugares. O Senhor Jesus
Cristo é Deus, é a segunda Pessoa da Deidade. Mas eu prefiro pensar que aqui o
apóstolo estava dizendo “o reino de Cristo e de Deus”, para poder acentuar o
fato de que o reino que Cristo abriu para nós e que, portanto, com acerto pode
ser chamado reino de Cristo, é também o reino de Deus. E é sobre esse reino que
estamos falando, o reino no qual Deus é o centro e a alma, no qual Deus é tudo,
e no qual tudo tem que ser semelhante a Deus; e “Deus é luz, e não há nele
trevas nenhumas”!
Mas surge neste ponto um perigo muito sutil, e não tenho dúvida de que o
apóstolo o tinha em mente quando escreveu precisamente as palavras que
estamos considerando. Há pessoas que dirão: “Ora, espere um minuto; você não
nos estaria pregando a lei? Você deve ser um ministro da graça, e, contudo,
parece estar pregando pura lei. Porventura você nos está lembrando o Ser e o
caráter de Deus como expressos nos Dez Mandamentos e em Sua lei moral? Não
nos está simplesmente colocando de volta debaixo da lei? Você não
está excluindo cada um de nos do reino de Deus? Certamente você
está esquecendo o evangelho! Você esteve se referindo ao reino original e à lei
original que Deus pôs diante da humanidade; porém agora o Senhor Jesus Cristo
veio, e somos confrontados por algo inteiramente novo; não mais nos
defrontamos com a lei; tudo o que se pede que façamos como cristãos é crer no
Senhor Jesus Cristo. Não podemos ser salvos sob a lei, porquanto a lei o
impossibilitou, dizendo: “Não há um justo, nem um sequer”. Entretanto agora
Deus introduziu outro meio que o torna fácil para nós; não nos defrontamos mais
com as exigências da lei e com a tremenda santidade de Deus. É apenas
uma questão de crer no Senhor Jesus Cristo, e seremos salvos”. Ora, esse é o
argumento delas, mas sou forçado a dizer que é uma das mais sutis
No reino de Cristo somos postos face a face com DEUS! E qual é a obra
realizada pelo Senhor Jesus Cristo? Por que Ele veio? Veiopara levar-nos a Deus,
diz o apóstolo Pedro. Veio, diz Paulo, e Se deu a Si mesmo por nós para
“purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras”; veio para fazer-
nos santos! Vemos uma perfeita exposição da matéria na Epístola aos Romanos:
“Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne,
Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo
pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da lei se cumprisse
em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (8:3-4). E o
reino de Cristo e de Deus, e o padrão do reino de Cristo não é inferior ao do
reino de Deus. O reino é um só, e a santidade é sempre o único padrão. O Senhor
Jesus Cristo não veio a este mundo para rebaixar o padrão ou tomá-lo mais fácil
do que era, para que deslizássemos para dentro do reino, como se pudéssemos
entrar dizendo: cremos em Cristo, e fiquemos ainda apegados aos nossos
pecados. Disse o nosso Senhor: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!... mas
aquele que faz ... ”! E lembremo-nos da ilustração da casa edificada sobre a
rocha e da casa edificada sobre a areia. Ela foi introduzida com as palavras:
“Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-
ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha” (Mateus 7:24); o
homem que ouviu as palavras de Cristo, e não as pratica, é semelhante ao
homem que edificou a sua casa sobre a areia.
coisas em minha mente como princípios; teologicamente não entendo o que você
está dizendo. Certamente, colocando as coisas como você o faz, você está
realmente ensinando de novo a justificação pelas obras. Você não estaria dizendo
que o que nos dá admissão ao reino é a nossa vida? Você não estaria dizendo que
o homem culpado dessas coisas está fora, ao passo que o não culpado está
dentro? Isso não seria ir direto de volta à justificação pelas obras? Você não
estaria efetivamente dizendo que o homem é justificado por sua
santificação? Não estaríamos dizendo que se ele é santificado é justificado, mas
se não é santificado não é justificado e está fora?” Pessoas há que muitas vezes
ficam em dificuldade quanto a isso. Ficam igualmente em dificuldade
exatamente da mesma maneira quanto ao capítulo seis da Epístola aos Hebreus.
Dizem elas: “Vejam ali aquelas advertências terríveis; apassagem nos diz quese
o homem que crê retroceder, estará fora para sempre; não podemos conciliar esta
justificação somente pela fé e este seu ensino da pura graça com esta outra
ênfase que parece pôr de novo tudo sobre nós, sobre a nossa conduta e sobre o
nosso comportamento. Como conciliar estas coisas?”
Mas o nosso texto é mais que um teste. Vocês percebem que versículos dessa
espécie fazem parte do método pelo qual Deus nos santifica? Lembrem-se da
oração do Senhor que se encontra em João, capítulo 17. Ele orou: “Santifica-os
na verdade; a tua palavra é a verdade”. Ele já tinha dito a certas pessoas: “Se vós
permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Vocês já compreenderam
que é por meio de palavras como essas que Deus nos santifica? Fazem parte do
Seu método de santificação. Estas advertências, estas
ameaças, estas declarações alarmantes, são as coisas que Deus usa para nos
santificar; Ele as aplica a nós pelo Espírito com este propósito. Todos nós
devemos testar a nós mesmos para saber se somos cristãos ou não. Como você
reage, meu amigo, ao texto que estou usando? Ele o preocupa? Ele o deixa
alarmado? Ele o faz sentir vergonha de si mesmo e da sua vida? Você diz: ele
está absolutamente certo, e eu estou sempre correndo o risco de cair no
antinomianismo? Se é assim, digo-lhe que você está no reino. Deus usou este
versículo por meio do Espírito Santo para promover a sua santificação. Estas
palavras vêm para despertar o crente verdadeiro; não tocam os outros. Os
outros apenas são levados a aborrecer-se. Dizem eles: “O que você me diz está
totalmente errado, eu pensava que eu estava justificado pela fé somente”. Mas o
que realmente querem dizer é: “Eu pensava que o evangelho dizia que não
importaria se eu continuasse pecando, e que tudo estaria bem comigo, se eu
cresse em Cristo!” Eles fazem do sangue de Cristo uma capa para cobrir os seus
pecados, mercadejam com a cruz, estão pondo a balança a funcionar, estão se
acertando. Entretanto o homem verdadeiramente chamado, o homem que está
no reino, diz: “Isso está certo, só pode estar certo”.
Deus é santo, Deus é luz, e nEle não há trevas nenhumas. E estas palavras são
empregadas para ampliar, aprofundar e acelerar a santificação do crente
verdadeiro. Lembro-lhes de novo as palavras do apóstolo João em sua Primeira
Epístola: “E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como
também ele é puro” (3:3). Naturalmente, um homem pode dizer levianamente:
“Quero ir para o céu; eu tenho esta esperança nEle”. “Não tem não!” diz João.
Aí está o teste. Se você tem realmente esta esperança nEle - a esperança de que
no fim vai entrar na cidade santa, e de que nela vai passar a eternidade - todo
aquele que tem esta esperança nEle, purifica-se -naturalmente que o faz, só tem
que fazê-lo - como também Ele é puro. Mas aquele que só tem a esperança nos
lábios, e não no coração, não se purifica, continua vivendo a velha vida; e a
verdade sobre ele é que ele não tem nenhuma herança no reino de Cristo e de
Deus. Ele não pertence a esse reino. Ele diz: “Senhor! Senhor!” porém o seu
falar é barato e leviano.
por meio dele estamos sendo aperfeiçoados, não se pode tirar senão uma
conclusão - nunca estivemos no reino; temos que voltar ao início, temos que
arrepender-nos e crer no Senhor Jesus Cristo.
A IRA DE DEUS
“Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de
Deus sobre os filhos da desobediência. ” - Efésios 5:6
Mas há, depois, um terceiro princípio, a saber, que esta nossa relação com Deus
aplica-se não somente ao tempo, e sim também à eternidade. É importante não
somente por causa da nossa vida e da nossa felicidade enquanto estamos neste
mundo; é o que determina a nossa condição eterna, interminável, ou de
felicidade, ou de profunda miséria e infelicidade.
O mundo incrédulo não faz idéia destes três princípios que o apóstolo enuncia
aqui. Não se interessa pela relação com Deus. Não
se dá conta de que todo ser humano, ou está no reino de Cristo e de Deus, òu está
fora e sob a Sua ira. Não se dá conta de que além desta vida e além do túmulo
existe outra vida, que vamos prosseguir interminavelmente, eternamente, numa
das duas situações, ou de bem--aventurança inefável, ou de sofrimento e agonia
que desafiam a nossa imaginação. E bem que podemos indagar por que será que
tantos homens e mulheres ao nosso redor se mostram tão desatentos a estas três
grandes verdades. Deve-se achar a resposta nas palavras do apóstolo como vêm
registradas em nosso texto.
Diz ele, em primeiro lugar, que o povo do mundo geralmente é enganado por
palavras vãs. “Ninguém vos engane com palavras vãs”! O homem está como
está, em pecado, e o mundo está como está, sofrendo todos os tipos de agonias e
tumultos, porque está sendo enganado. De acordo com a Bíblia, essa é a essência
da tragédia humana, da tragédia do mundo. Todos os problemas e dificuldades
da humanidade são conseqüências do fato de que, no princípio, o homem foi
logrado, foi enganado, foi seduzido, por satanás que, como diz a Bíblia, foi um
enganador desde o princípio. As Escrituras falam também do “engano do
pecado” (Hebreus 3:13). Essa é a coisa mais terrível nesta questão - ele nos
seduz para o mal antes de nos apercebermos. Engana-nos com palavras vãs.
O homem moderno se vangloria acima de tudo mais daquilo que ele chama seu
conhecimento, sua cultura, seu entendimento. Ele acredita que tem um
verdadeiro conceito da vida; e neste contexto talvez não haja nada de que o
homem moderno típico tanto se orgulhe e com que se alegre como a maneira
pela qual ele se emancipou da religião. A religião, diz ele, é uma espécie de
superstição própria da infância da raça; é característica do homem em sua
condição primitiva. Seus acompanhamentos e concomitantes sempre tiveram um
espírito de temor e de escravidão. O homem sob a religião é uma criatura de
tabus e temores a ele impostos. Mas agora o homem moderno acha que
se desenvolveu e se desfez desse pesadelo; livrou-se desses tabus; adquiriu uma
visão da vida científica, saudável, varonil, e agora está livre para usar a sua
inteligência e a sua cultura. Assim, digo eu, ele se regozija com a emancipação
que conseguiu.
Ele de fato chega ao ponto de dizer que o homem que não segue essas práticas é
digno de dó; ainda está sujeito aos tabus da religião, ainda é meio vitoriano em
sua perspectiva, e não se desenvolveu à plena maturidade. Ele sustenta que,
embora no passado essas coisas tenham sido consideradas pecaminosas, não
devendo nem ser mencionadas, atualmente as nossas pesquisas e o nosso
desenvolvimento científico ensinaram-nos que o homem é uma criatura
constituída de tal maneira que deve dar plena expressão a essas forças,
propensões e qualidades que há dentro dele. A dedução do homem moderno é
que o que se costumava chamar pecado, na verdade não é nada mais que a ação
do homem expressando-se e vivendo plenamente a vida, não o tipo de vida
mutilada e truncada dos nossos antepassados, mas o homem entrando na sua
realidade e dando evidência daquilo que ele é realmente. E assim, tudo é natural,
e não devemos dizer que isto ou aquilo não é natural ou é pecaminoso, pois, em
última análise, tudo o que o homem faz é natural, e a conclusão final do homem
moderno é que não exercitar ou não dar expressão a estes instintos e
forças naturais é pecaminoso, e, no mínimo, deplorável - se é que existe
tal coisa.
O equilíbrio das suas glândulas endocrínicas é tal que ele só faz o que é natural
para ele. E dessa maneira se desfaz toda a idéia de pecado. As vezes, como eu
disse, a colocação é não tanto em termos de variações do normal como em
termos de doença. E não se pode deixar de notar que essa atitude está se
insinuando nos argumentos utilizados nos tribunais. Um homem comete um
crime; sim, porém a defesa alega que ele não pôde evitá-lo naquele momento;
ele está em
péssimas condições de saúde. Este homem não devia ser considerado criminoso,
devia ser levado a um hospital, em vez de ser trazido para o tribunal! A,doença
foi a causa da sua ação, e, portanto, ele não é responsável. É dessa maneira, e
doutras semelhantes, que toda a noção de pecado, mal e erro moral antagônicos
ao direito e à verdade vai desaparecendo gradativamente.
Isso, por sua vez, leva ao relaxamento de toda a idéia de disciplina - disciplina
no lar, na escola, em todos os aspectos da vida em geral. A velha idéia era
ensinar as crianças a portar-se bem, e ensinar-lhes os três erres,3 gostassem ou
não, e estivessem interessadas ou não. Contudo, isso agora deu lugar à idéia de
que os problemas educacionais devem ser abordados psicologicamente, e cabe à
criança determinar o que se lhe deve ensinar e como se lho deve ensinar; deve-se
tomar tudo agradável e interessante. Se no momento ela não quer
estudar aritmética, contem-lhe uma história; e assim por diante. E assim toda a
idéia de disciplina, de ordem e de governo está desaparecendo. Não estou
ridicularizando a coisa, estou expondo literalmente o que está acontecendo. É
realmente nisso que se acredita hoje em dia. Está sendo posto em prática em
casa, na escola, com relação ao trabalho nas prisões, e em todos os aspectos da
vida. A noção de disciplina é objeto de aversão hoje, e é considerada um mal,
pois o homem deve ser livre e deve ter a permissão de expressar-se.
Essas idéias têm estado em prática faz algum tempo. E é muito interessante notar
as pessoas que originariamente foram mais respon-
sáveis por elas. Não é sem significação que a força motriz desse tipo de atitude
foi o homem que foi um dos primeiros propulsores dos esforços conciliatórios
com Hitler. E eles continuam fazendo isso. Apesar de haver ficado claro para
todos que isso não funcionou com Hitler, eles ainda acreditam que funcionará
com outros criminosos. É tudo resultado dessa nova atitude para com a vida e,
em particular, para com o pecado e o crime. Para resumir tudo, a situação toda
está sendo considerada do ponto de vista da psicologia, e nos dizem que
palavras como pecado, crime e punição são feias, e devem ser banidas do
nosso vocabulário.
Tudo sobre o que estive falando vocês verão amplamente exposto no Relatório
de Wolfenden. Seu principal argumento é que não devemos falar mais de certas
perversões horríveis, como eu as denomino, como sendo anomalias, pois elas são
naturais para os que as praticam! Essa é a base geral do Relatório de Wolfenden e
do movimento que luta por legitimar a prática dessas imundas e indescritíveis
perversões em privado, senão em público. Esse é o argumento que está por trás,
que elas são naturais para os que as praticam; são variações dentro do normal, ou
senão são conseqüências de enfermidade.
Mas finalmente o meu argumento é o seguinte: não há nada que mostra com
tanta clareza que isso tudo não passa do engano de satanás e de palavras vãs e
vazias, como o caos para o qual esse modo de ver está levando. Dêem uma
olhada no mundo moderno, e no estado em que se acha a sociedade, pois estas
idéias vêm sendo postas em prática há algum tempo. Não tenho dúvida de que
quando os historiadores
Além disso, porém, o mundo está como está não somente porque está sendo
enganado desse modo, mas também porque não conhece a verdade sobre a ira de
Deus. “Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira
de Deus sobre os filhos da desobediência.” Os sofistas a quem venho me
referindo são particularmente sarcásticos acerca desta frase, “a ira de Deus”. Ah,
exclamam eles, isso é tão típico da religião! - assustador, alarmante, a ira de
Deus! Os nosso pais ficavam aterrorizados com esse tipo de coisa, e quando
os pregadores trovejavam do púlpito sobre a ira de Deus, eles estremeciam e
tremiam e se decidiam por Cristo, e as igrejas e capelas ficavam cheias de gente;
todavia isso não funciona com o homem do século vinte! Ele já viu tudo. Eles
dizem que o homem moderno tem o novo entendimento a que venho me
referindo. Não há nada, digo eu, que os sofistas mais desejem ridicularizar e
eliminar do que esta noção da ira de Deus. Mas, seguramente, não há nenhum
outro lugar onde a cegueira do homem moderno seja mais evidente e onde o
engano que ele sofre de satanás seja mais óbvio do que justamente neste ponto.
Cristo, e pelos apóstolos, cada um deles. Se você não crê na ira de Deus, só
tenho uma coisa para dizer-lhe: você não crê na Bíblia! Você não pode crer na
Bíblia sem crer na ira de Deus. Se você tirar dela a ira de Deus, não será mais a
Bíblia, ela será o que você pensa; você terá feito uma bíblia própria, uma bíblia
sua. Contudo, sejamos claros sobre o que é a ira de Deus. Não devemos pensar
nela como pensamos na ira do homem. A ira do homem é algo terrível de se
testemunhar; é furor descontrolado, é mau gênio, é violência. Mas não há nada
de descontrolado quanto à ira de Deus. Sua ira é Sua atitude para com o mal e
para com o pecado, é Seu desprazer face ao pecado, é o Seu determinado ódio
contra o pecado. A ira de Deus é a declarada determinação de Deus de punir o
pecado. É, se posso dizê-lo, a reação do Deus eterno, que é imutável e
sempitemo em Sua santidade, ao pecado e ao mal, ao que se originou do diabo e
que ele inseriu na raça humana e introduziu na vida do mundo. Deus o odeia
com toda a intensidade do Seu Ser divino e eterno. Deus não pode entender-
Se com ele, e revelou desde o início que o punirá. Essa é a Sua
atitude determinada; esse é o significado da “ira de Deus”. E, diz o
apóstolo: “Por estas coisas” - os males por ele mencionados - “vem a ira de
Deus sobre os filhos da desobediência”. E agora vem a questão vital: como e
quando esta ira vai manifestar-se?
Considerem a palavra dita por Moisés às duas e meia tribos que queriam
estabelecer-se no lado leste do Jordão. Disse ele: se não cumprirdes o que
prometestes fazer, “sentireis o vosso pecado, quando vos achar” (Números
32:23). O pecado nos encontra. Pode levar anos, porém a sua busca nunca falha.
Há ainda o castigo positivo. Leiam o Velho Testamento; vejam como Deus puniu
indivíduos; vejam com Ele puniu nações, mesmo a nação de Israel, o Seu
próprio povo. Ele o enviou ao cativeiro! Ele puniu reis, derrubou-os! Está escrito
nas histórias das nações e do mundo em geral. E essa verdade é
ensinada explicitamente no Novo Testamento. Leiam, por exemplo, as
palavras lidas quando da Ceia do Senhor: “Por causa disto há entre vós
muitos fracos e doentes, e muitos que dormem”. Porque alguns de vocês
de Corinto, diz Paulo, não se examinavam antes de virem para a mesa
da comunhão, alguns de vocês estão fracos, alguns estão doentes,
alguns morreram! Era parte da punição de Deus ao pecado. Sim, diz o capítulo
doze da Epístola aos Hebreus: “O Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer
que recebe por filho”. A ira de Deus manifestando-se no presente contra o
pecado e o diabo!
Mas há uma coisa para a qual desejo chamar a atenção, ao nível nacional e ao
nível internacional. Na Epístola aos Romanos se nos diz, com relação aos
incrédulos: “Tendo conhecido a Deus, não o glorifí-caram como Deus, nem lhe
deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração
insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tomaram-se loucos. E mudaram a
glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e
de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Pelo que também Deus os entregou
às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos
entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram
mais a criatura do que o Criador, que é bendito etemamente. Amém. Pelo que
Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o
uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os varões,
deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para
com os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos
a recompensa que convinha ao seu erro. E, como eles se não importaram de ter
conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para
fazerem coisas que não convêm; estando cheios de toda a iniqüidade,
prostituição, malícia,
E o apóstolo diz tudo isso para expor o que dissera no versículo 18: “Porque do
céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens,
que detêm a verdade em injustiça”. Diz ele que foi assim porque o mundo antigo
era o que era. Deus entregou os homens a um sentimento perverso - a
humanidade rebelou-se contra Ele, deu as costas a Ele, julgava-se sábia, julgava-
se entendida - Deus os abandonou. Retirou Sua graça restringente e os deixou
espojar-se na sua imundícia. E, quando lemos essa passagem terrível, acaso
não sentimos que estamos lendo uma perfeita descrição do mundo moderno? O
mundo está como está hoje porque pecou e porque Deus está punindo o pecado!
Durante cem anos e mais o homem tem se jactado da sua inteligência. Desde
cerca de 1859, com Charles Darwin e a sua Origem das Espécies (“Origin of
Species”), temos sido presenteados com a visão científica! O homem não é mais
uma criação especial de Deus, mas está evoluindo do animal! Os homens deram
as costas a Deus, e à maneira como Deus vê o homem, a vida e o mundo;
dedicaram-se às suas filosofias e arrogantemente se rebelaram contra Deus. E,
em conseqüência, a despeito da educação, do conhecimento e da cultura, o
mundo tornou a sèr o que Paulo descreve naquela segunda metado do capítulo
primeiro da Epístola aos Romanos. O mundo e o que vocês lêem nos jornais, e
agora aprática das perversões é declarada legal para adultos. A degradação
começou a será cada vez pior. Os homens do mundo podem apresentada sua
psicologia, podem construir prisões e podem fazer muitas outras coisas, mas não
encontram um remédio -Deus lhes deu um sentimento perverso! (VA: “... mente
reprovada”!). Essa é uma das maneiras pelas quais Deus trata com este
mundo. Quando o mundo não dá ouvidos aos apelos do Seu evangelho, Deus o
abandona, retira-Se, e o mundo afunda num estado tão sujo e horrível que, por
fim, “cai em si”, começa a clamar por misericórdia e volta para Deus. Essa é a
mensagem da Bíblia, e eu afirmo que essa é a única explicação adequada do
estado em que se encontra o mundo neste exato momento. Acredito que tivemos
duas guerras mundiais neste século como castigo da arrogância, do orgulho, da
vaidade e da loucura
A ira de Deus, no entanto, não se manifesta somente agora, no presente; ela será
revelada também no futuro, por ocasião da segunda vinda de Cristo, do fim do
mundo e do julgamento do universo inteiro! Jesus Cristo, o Filho de Deus, o
Salvador negligenciado, escarnecido, voltará a este mundo. Estará cavalgando as
nuvens do céu, e virá para julgar o mundo todo com justiça. O apóstolo nos
anuncia a sua certeza na Segunda Epístola aos Tessalonicenses: “Quando se
manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder, como
labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos
que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais
por castigo padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu
poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável
naquele dia em todos os que crêem (porquanto o nosso testemunho foi crido
entre vós)” (1:7-10). O mundo ridiculariza isso, eu sei; chamam-me louco por
pregá-lo. Digam o que quiserem. Eles ridicularizaram Noé; ridicularizaramLó
diante de Sodoma e Gomorra; ridicularizaram João Batista; ridicularizaram o
Filho de Deus; ridicularizaram os profetas, sempre. Não importa. Esta é a
Palavra de Deus e a verdade de Deus. Vocês não a podem ver sendo manifesta
sobre o mundo moderno e sobre o homem moderno? Bem, se vocês a vêem ali,
creiam no restante! O mundo está sob o julgamento de Deus, Sua ira está sobre o
mundo. Cristo voltará e destruirá todo o mal e todo o pecado, e punirá todos os
que pertencem a esse reino das trevas. Haverá novos céus e nova terra, em que
habita a justiça. E os que
Que venha uma terceira guerra mundial; sim, que venha o Juízo Final - estamos
seguros, já pertencemos a Cristo. Não há presunção nisso! Entretanto, se não
pertencemos a esse mundo, pertencemos ao mundo que está sob a ira de Deus
cada vez mais, e que experimentará a condenação total e final. Ah, só há uma
coisa a fazer; é o que o apóstolo diz aos efésios que façam - “Não sejais seus
companheiros”! Não participem da vida deles! Apercebam-se do fim a que isso
leva! Retirem-se! Corram! “Fugi da ira vindoura”! Humilhe-se você
em completa penitência e contrição. Peça a Deus que tenha misericórdia de você.
Arrpenda-se e creia no evangelho do Senhor Jesus Cristo. E você não somente
será perdoado, ser-lhe-á dada uma herança em Seu reino glorioso e sempiterno.
Ah, queira Deus abrir os nossos olhos para a verdade, e oxalá nos dediquemos a
incessante oração em favor do mundo que está sendo enganado por palavras vãs.
Os cristãos são chamados para abrir os olhos dos homens, para mostrar-lhes o
engano, a loucura e a vaidade da sua situação e daquilo em que eles
crêem. Oremos, pois, a Deus, rogando-Lhe que nos dê poder para fazê-
lo. Noutras palavras, oremos por avivamento. Oremos, pedindo que o Espírito de
Deus desça de novo sobre a Igreja hoje, como fez há duzentos anos, e como fez
em 1859, de modo que ela se levante com
1
Ao todo; totalmente. Em latim no original. Nota do tradutor.
2
Como. Em latim no original. Nota do tradutor.
3
Ler, escrever e aritmética. Em inglês, “reading, writing and ’rithmetic”, em que a letra R soa como
inicial na pronúncia. Nota do tradutor.
FILHOS DA LUZ
“Portanto, não sejais seus companheiros. Porque noutro tempo éreis trevas, mas
agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz. ”
-Efésios 5:7-8
Também há outro ensino, iqualmente popular, que quer fazer-nos crer que tudo o
que é necessário para sermos santificados e sermos santos é simplesmente como
abrir as venezianas e deixar a luz entrar num quarto excuro. Tudo o que é
necessário, dizem, é que o crente olhe para o Senhor; ele não tem necessidade de
fazer nada, não há problema, não há luta, não há dificuldade; ele apenas olha
para o Senhor, e o Senhor faz tudo por ele. E esse, dizem-nos, é todo o
ensino sobre a santificação; sempre se tem feito muito alvoroço e
transtorno sobre isso, dizem, e contudo é muito simples, você apenas olha para
o Senhor e Ele o fará por você, Ele será vitorioso em você, etc., etc. Bem, tudo o
que eu pergunto é: se esses ensinamentos são verdadeiros, por que estas
Epístolas foram escritas? - e especialmente nestas seções práticas, por que o
apóstolo se dá ao trabalho de apresentar argumento após argumento - colocando
o tema primeiro de uma forma, depois de outra?
Certamente é hora de começar a considerar de novo estas questões e ver que esse
é o método neotestamentário de santificação e de santidade; é compreender a
verdade e depois aplicá-la. Naturalmente o nosso Senhor dissera tudo a respeito,
antes da Sua morte, quando disse: “A verdade vos libertará”. “Se vós
permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” No fim Ele orou (vocês o
verão em João, capítulo 17): “Santifica-os na verdade; a tua palavra é
a verdade”. Bem, é exatamente isso que o apóstolo está fazendo aqui. Aí está a
palavra da verdade, e quando nos vem a verdade e a vemos e a entendemos,
devemos aplicá-la. Assim ele nos assedia, com argumento e mais argumento,
construindo o seu caso. Dá-nos argumentos positivos, dá-nos argumentos
negativos, para levar-nos a obedecer à sua injunção: “Andai em amor”, e
pensaríamos que isso bastasse. Mas não; ele apresenta agora, neste versículo que
estamos examinando, mais um argumento. Ele nos manda andar como filhos da
luz - antes, andar em amor, agora, andar na luz. E é este assunto que o mantém
ocupado direto do versículo 7 ao versículo 14. Notem como ele se expressa. Diz
ele que o fruto do Espírito está em “toda a bondade, e justiça e verdade; . . . Não
comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as... todas
estas coisas se manifestam, sendo condenadas pela luz... Pelo que diz: desperta,
tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá”. (VA: “..., e
Cristo te concederá luz”)
monte” que “não se pode esconder”. “Vós sois a luz do mundo.” (João 8:12;
Mateus 5:14-15)/ No prólogo do Evangelho Segundo ^João vemos a vinda da
verdade ao mundo expressa em termos de luz. É-nos dito que Cristo era “a luz
verdadeira, que alumia a todo o homem que vem ao mundo”. “Nele estava a
vida, e a vida era a luz dos homens.” “A luz resplandece nas trevas, e as trevas
não a compreenderam.” E assim por diante. Evidentemente, esta é uma das
principais maneiras pelas quais o Novo Testamento nos apresenta todo o corpo
da verdade cristã, a nossa fé nela e a nossa sujeição a ela.
que essa! “Se alguém está em Cristo, nova criatura é”, uma nova criação! (2
Coríntios 5:17). Aqui somos levados direto de volta à origem! Uma criação traz
algo do nada à existência. Não é melhoramento, não é adaptação, é criação.
Quem foi feito cristão, foi criado de novo. Uma expressão fundamental! Dou
ênfase a esta questão para assinalar o pensamento do apóstolo expresso em nosso
texto. “Éreis. .., sois luz.” Ora, esses termos são absolutos, e devemos provar-
nos a nós mesmos quanto a se sabemos alguma coisa sobre eles -
“éreis” e“sois”. Notem que Paulo nos dá mais duas palavras. Dizei e:
“noutro tempo”, quer dizer, era uma vez. E o contraste disso, que é,
“agora”. Olhem para tras, diz ele, lá no passado, era uma vez, uma vez, a
sua situação era essa; mas agoral Conforme viemos expondo esta Epístola, mais
de uma vez tivemos ocasião de mostrar como o apóstolo se glória nas palavras
mas agora. Nós as consideramos no capítulo dois, onde Paulo - usando-as com
aquela força e poder - lembra aos santos efésios que no passado eles estavam
“sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos das
promessas, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora. ..”! Graças
a Deus, diz ele, vocês não estão mais nas condições anteriores. Agoral E então,
mais adiante no mesmo capítulo, ele diz: “Já” (ou “Agora”) “não sois
estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de
Deus”. Vocês eram; vocês são! Noutro tempo; agora! E essa é a diferença, digo
eu, entre não ser cristão e ser cristão.
A seguir notamos que Paulo passa a contrastar as trevas com a luz. Não posemos
misturar a luz com as trevas. São etemamente opostas. Paulo diz aos coríntios
que “não há comunhão entre a luz e as trevas”. E ele quer que os efésios
compreendam que não são mais trevas, e sim luz no Senhor. Pois bem, quero
deixar isso perfeitamente claro. Ele não está se concentrando na maneira pela
qual passamos das trevas para a luz, ou no momento exato em que isso
aconteceu. Muitos ficam aflitos porque não podem pôr o dedo num momento
particular ou num texto particular ou numa ocasião particular. Entretanto não é
esse o ponto. A questão que o apóstolo está levantando não é quando ou como
exatamente você passou do que era para o que é; é, antes: pode dizer você sober
si mesmo: sou isto, não sou mais aquilo? A preocupação dele é que sejamos luz,
e não trevas, pode acontecer subitamente, pode acontecer gradativamente. No
caso de alguns é como ligar uma corrente elétrica; subitamente, no meio das
trevas há uma centelha de luz. Com outros, é muito semelhante ao que
acontece na natureza: passadas as trevas da noite, surge o primeiro indício
da aurora - a primeira promessa da luz do dia. Não se preocupe com a questão de
tempo. O fator tempo não importa, como tampouco
importa o método exato do processo. A analogia do nascimento confirma o que
estou dizendo. Não importa se o seu nascimento levou muito tempo para
acontecer. A questão é: você está vivo, ou não? Se você é tão-somente um
recém-nascido em Cristo, você está vivo.
Diz o apóstolo que, ou somos luz ou trevas, uma coisa ou a outra. Ou somos
cristãos ou não somos; não há meio termo. Não se pode ser meio cristão. A
estrada para o inferno está pavimentado com boas intenções. Usei a ilustração
antes, permitam-me usá-la outra vez. Você pode estar numa fila de ônibus. O
ônibus chega, e as pessoas entram. E então, para a sua total consternação, de
repente o cobrador levanta a mão; o homem que estava em sua frente pôde
entrar, porém você não. Não seria nenhum consolo saber que você teria sido
o próximo a entrar se ainda houvesse lugar para um, seria? O ponto é que você
não está no ônibus; você quase tomou o ônibus, eu sei, todavia não tomou, e não
é consolo algum saber que quase o tomou. Ou estamos no ônibus ou somos
deixados ali de pé na fila. Somos cristãos ou incrédulos, estamos na luz ou nas
trevas.
O apóstolo nos está dizendo, naturalmente, que isso é algo tão claro que nós
deveríamos sabê-lo. E não somente nós deveríamos sabê-lo, mas todos os outros
deveriam saber disso. Ele não pode aplicar o seu argumento, se não o
soubermos. Se não temos certeza se somos luz ou trevas, como podemos ouvir o
argumento que se aplica aos que são luz? Através de todo o Novo Testamento há
uma clara e marcante distinção entre o cristão e o não cristão, entre a Igreja e o
mundo. E toda a tragédia da Igreja hoje é que se perdeu essa distinção.
Os reformadores protestantes diziam que a Igreja Cristã leva três marcas. É um
lugar onde se prega a doutrina verdadeira, as ordenanças são administradas e é
aplicada a disciplina. Contudo tem havido confusão. Têm surgido ensinos que
obscurecem essas normas O moralismo entrou e se misturou com a religião.
Perderam-se os padrões. Presume-se que, se um homem vive uma vida correta,
ele é cristão. Mas isso basta? O homem está certo? Todos os outros estão certos?
O apóstolo, digo eu, está insistindo neste ponto tremendamente essencial,
dizendo que você tem que compreender que a diferença é a que existe entre a luz
e as trevas. “Éreis... sois; noutro tempo... agora. Trevas... Luz! Por isso, a
pergunta que apresentamos a nós mesmos é: estamos na luz do Senhor? Somos
recém-nascidos, pelo menos? Deixo a coisa aqui. No entanto, o apóstolo
continua a pressioná-la.
agora sois luz no Senhor”. Ele não diz: houve um tempo em que estáveis nas
trevas; porém simplesmente, éreis trevas. Ele quer dizer que não somente eles
estavam na escuridão, e sim que a escuridão estava neles! E depois, por outro
lado, ele não diz apenas; agora estais iluminados, ou estais na luz\ não, ele diz:
sois luzl Outrora eles eram a própria treva! Agora eles são a própria luz! Que é
que ele quer dizer com isso? Permitam-me expressá-lo desta maneira: esta é uma
das mais urgentes questões do ponto de vista da evangelização - quando digo
evangelização, não me refiro somente à pregação, refiro-me à nossa conversação
com as pessoas sobre estes assuntos. Uma declaração como essa é muito
importante quando precisamos entender a exata condição e situação da pessoa
que não é cristã. O apóstolo nos afirma que o não cristão não somente está na
escuridão, mas sim, que ele faz parte da escuridão; quer dizer, do pecado.
O problema com o homem não é simplesmente que ele está num mundo trevoso,
e sim que a luz que havia nele desaparecera! Deus colocou luz no homem.
Quando Deus fez o homem, soprou nele o Seu Espírito; o homem se tornou alma
vivente, e estava em comunhão com Deus; havia uma luz em sua alma. O pecado
apagou essa luz. Nãoé simplesmente que estamos num mundo de trevas, mas que
há trevas dentro de nós, em nosso ser e em nossa constituição. Ouçam
as palavras do nosso Senhor no Sermão do Monte! “A candeia do corpo são os
olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se,
porém os teus olhos forem maus, todo o teu corpo será tenebroso” \ Visto que os
olhos da alma e do espírito ficaram abumbrados e obscurecidos, nenhuma luz
passa para dentro do corpo, e o resultado é que a totalidade do corpo, da mente e
do coração, a personalidade toda, está cheia de trevas (VA). É apenas outro
modo de dizer o que o apóstolo diz sobre os não cristãos no início do
capítulo dois desta Epístola aos Efésios: “E vos vivificou, estando vós mortos
em ofensas e pecados” - não meramente nas trevas, mas mortos, sem uma
centelha de vida em vocês. Isso, diz o apóstolo, é exatamente o que vocês eram.
E de novo, o nosso Senhor expressou isto com muita clareza no Evangelho
Segundo João: “E a condenação é esta: que a luz veio ao mundo, e os homens
amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más”. Veio a luz!
Por que os homens não crêem nela, por que não se voltam para ela? Eles amam
as trevas, gostam delas; elas os atraem; as trevas estão dentro deles.
“Noutro tempo éreis trevas”, diz Paulo.
E então, por outro lado, Paulo não diz acerca do cristão simplesmente que ele
está sendo iluminado, ou que ele veio para a luz. Isso é perfeitamente verdadeiro,
todavia ele diz uma coisa muito mais maravilhosa: “Agora sois luz no Senhor”.
A luz entrou nele, irradiou-se por todo o seu ser, apossou-se dele, iluminou-o!
“Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em
nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de
Jesus Cristo.” Os nossos corações foram feitos luz, foi colocada luz dentro deles.
“A luz semeia-se para o justo”, diz o salmista no Velho Testamento (Salmo
97:11). Portanto, o cristão não é simplesmente o homem que tem os olhos do seu
entendimento iluminados; tem isso, porém tem mais; seus olhos foram feitos
bons, com a conseqüência lógica de que todo o seu corpo está cheio de luz. O
cristão é alguém que foi transformado, ficando cheio de luz. Ora, por que isso é
tão importante? Por uma coisa, e é que salienta a diferença radical entre o
incrédulo e o cristão. Mostra-nos que a mudança pela qual passa o homem
quando se toma cristão é a mudança mais profunda do mundo. Afeta os centros
vitais do seu ser, a sede da sua personalidade, o coração, o entendimento, os
afetos, tudo.
A dificuldade com o incrédulo não é apenas que é preciso que lhe mostremos
luz, mas que, em acréscimo a mostrar-lhe a luz, é preciso iluminá-lo. Ele precisa
nascer de novo, é necessário que o Espírito Santo faça uma operaçãone/e, pois
“o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe
parecem loucura”. Vocês podem pôr a verdade diante dele, citar os seus
versículos, apresentar os seus argumentos, porém estas coisas continuam sendo
loucura para ele, “e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente” (1 Coríntios 2:14). Não devemos somente apresentar a luz e
a verdade, mas também devemos orar para que o Espírito Santo ilumine a mente
e o coração. E uma operação dual; fato que me faz dizer mais uma vez que nada,
senão um poderoso avivamento e a visitação do Espírito de Deus, pode tratar da
situação presente. Bíblias continuam sendo vendidas em larga escala; livros
sobre estas verdades estão sendo produzidos e lidos; a educação está sendo
promovida aqui, ali e em toda parte; todavia, a situação vai de mal a pior, pois
até a verdade do evangelho, se não chegar aos homens “em demonstração
do Espírito e de poder” (1 Coríntios 2:4), VA e ARA), não efetuará coisa alguma.
O pai desse tipo de evangelização que imagina e pensa que é suficiente
simplesmente manter a verdade diante das pessoas, foi de fato um grande
homem, chamado Finney. Era exatamente isso que ele ensinava. Ele não
acreditava no pecado original, mas acreditava que tudo o que se necessitava
fazer era manter a verdade diante das pessoas. Isso feito, dizia Finney, elas têm
capacidade para crer nela e assimilá-la. Contudo não podem! Elas são trevasl E
porque são trevas, manter a luz da verdade diante delas não é suficiente;
elas precisam sofrer mudança no centro do seu ser, precisam ser transformadas
em luz. A operação do Espírito Santo é essencial. Os príncipes deste mundo não
O reconheceram quando Ele veio, pois, se O tivessem
Como alguém crê nestas coisas? Desta maneira, diz Paulo: “Deus no-las
revelou”. Como? Pela pregação ou pela Palavra escrita? Não, “Pelo seu Espírito;
porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus” (1
Coríntios 2:10). Nunca devemos separar a Palavra e o Espírito! Não somente de
luz externa necessita o homem; necessita de luz interior. É obra do Espírito abrir
a Palavra e abrir o coração para recebê-la. Vocês se lembram da história de
Lídia, a primeira pessoa que foi convertida na Europa graças ao trabalho
do apóstolo Paulo? Como aconteceu a conversão dela? O livro de Atos nos diz:
“o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia”
(16:14). Verdadeira evangelização é a que se põe na completa dependência do
poder do Espírito de colocar luz dentro do homem. Este precisa ser transformado
em luz, não apenas ser iluminado.
Há ainda outro fator que opera para produzir essa mudança, essa transição. Que
é que explica esta diferença entre o cristão e o não cristão? Bem,
afortunadamente o apóstolo no-lo diz: “Noutro tempo éreis trevas, mas agora
sois luz no Senhor”. “No Senhor”! É tudo no Senhor. Não há nada que seja sem
Ele. O Senhor Jesus Cristo é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. Ele é tudo, e
está em tudo. Não há nada fora dEle. Tudo está nEle. Voltemos à Segunda
Epístola aos Coríntios, onde Paulo faz disto uma colocação tão gloriosa e
bela. “Noutro tempo” éramos “trevas”. Como nos tornamos cristãos?
Desta maneira, diz Paulo: “Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz”
- foi assim que me tornei cristão, diz ele, não foi nada menos que a ação e a
operação de Deus que, no princípio, quando o Espírito Santo pairava vivificante
sobre o caos, quando o mundo ainda era sem forma e vazio, disse: “Haja luz”.
“Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em
nossos corações.” Ele não somente nos colocou numa atmosfera de luz, porém
resplandeceu em nossos corações. Uma espécie de raio X, o mais poderoso que
se pode imaginar! “Resplandeceu em nossos corações.” Para quê?
“Para iluminação (ou para revelar a luz) do conhecimento da glória de Deus, na
face de Jesus Cristo”!
Pergunto: não é surpreendente que Paulo faça uma colocação como essa?
Recordem o que tinha acontecido com ele. Sigam com ele pela estrada de
Damasco quando ele sai de Jerusalém respirando ameaças e mortes, um não
cristão e perseguidor dos cristãos. Havia nele trevas que o faziam respirar
ameaças e mortes, que o faziam sentir-se extasiado à simples antecipação do
massacre de cristãos inocentes;
eram as trevas a manifestar-se, as trevas em sua alma! Então ele viu a luz,
superior ao mais fulgente brilho do sol; e não somente a luz, mas um Rosto!
“Quem és, Senhor?” Donde vem esta resplendor, esta luz, esta glória? De quem é
este Semblante? Quem é, Senhor? Tu me iluminaste, nunca vi nada semelhante.
Quem és? E a resposta foi: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues”. Paulo já tinha
visto que era Senhor, uma pessoa divina, e agora ele passa a ver que é deveras o
eterno Filho de Deus, perfeitamente igual ao Pai, perfeitamente eterno com o
Pai. E por meio dEle e pela visão do Seu rosto, ele viu a Deus -“a luz
do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo”! (VA). O apóstolo
tinha que ver o Rosto a fim de ser um apóstolo e uma testemunha da
ressurreição. Não teremos aquela visão direta que ele teve e que foi tão gloriosa
que o cegou; porém isto posso dizer, que ninguém pode ser cristão sem que algo
dessa luz que está na face de Jesus Cristo venha ao seu coração e à sua alma.
“Mas agora sois luz no Senhor”!
“Deus nunca voi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai,
esse o fez conhecer.” Sim, mas ainda mais, Ele brilha em nossos corações. Ele
entra neles, e nós estamos nEle. Agora somos luz no Senhor! Não meramente
cremos em Cristo, estamos unidos a Cristo, estamos em Cristo, e Cristo está em
nós, a esperança da glória. Há um elo indissolúvel. Eleé a Videira, nós os ramos.
Estamos nEle, somos participadores, participantes da Sua vida, da Sua luz e da
Sua glória. Ele nos torna luz. Isso está inteira, total e exclusivamente em Jesus
Cristo. O cristão não é meramente o homem que crê no ensino, aceita a ética
cristã ou a moralidade cristã, e que depois passa a aplicá-la à sua vida. Muitos
são os seres humanos bons e de bom nível moral que fazem isso. Todavia não
são cristãos, pois não foram feitos luz. Estão simplesmente tomando emprestado
um pouco da Sua luz, como fizeram Gandhi e outros. Mas isso não faz de um
homem um cristão. O que faz de um homem um cristão não é que ele viu certa
porção de luz, tomou-a e aplicou-a, mas que ele foi feito luz\ que ele está
no Senhor,em Cristo, e Cristo está nele; que ele, assim, derivou a sua vida, a sua
energia, o seu poder e tudo quanto é seu da Cabeça viva. Somos o corpo de
Cristo, e membros em particular. Ele nos enche de vida, luz e poder, e assim
somos capacitados para a sua prática. Nós o fazemos. Não apenas ficamos sem
fazer nada e passivamente olhamos para Ele. Ele nos habilita a agir; portanto,
andemos “como filhos da luz”.
Graças a Deus o apóstolo expõe isto assim, para podermos compreender que a
diferença entre um cristão e um incrédulo é absoluta; para podermos
compreender que não estamos meramente olhando para a luz; graças a Deus
estamos, porém a luz está dentro de nós. Não somos
mais trevas; não posso mais cantar sinceramente, “Ah, como hei de poder, eu,
cuja natural esfera é obscura, cuja mente é confusa”. Graças a Deus não é
confusa, não é opaca. A luz do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus
Cristo entrou; eu vejo, pois a minha mente e ,o meu coração foram enchidos pela
luz. Tenho que aprender infinitamente mais, contudo não sou mais trevas, sou
luz no Senhor. Como Ele é luz, nós somos luz. Como Ele é a Luz do mundo, nós
somos a luz do mundo. Somos lâmpadas, luminárias, a luz está em nós; não a
estamos apenas refletindo, ela está dentro de nós. “Agora sois luz no Senhor.”
“Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; andai como
filhos da luz. (Porque o fruto do Espírito está em toda a bondade, e justiça e
verdade); aprovando o que é agradável ao Senhor. E não comuniqueis com as
obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as. Porque o que eles fazem
em oculto até dizê-lo é torpe. Mas todas estas coisas se manifestam, sendo
condenadas pela luz, porque a luz tudo manifesta. ”
-Efésios 5:8-13
lugar, são ignorantes de Deus! “Disse o néscio no seu coração: não há Deus.” Ele
diz que não há Deus porque lhe falta o conhecimento de Deus. Isso é sempre
típico dos ignorantes, não é? Você lhes dá alguma informação, e eles dizem: não
acredito nisso! Não posso acreditar nisso! Não é verdade! Não está provando que
a informação é falsa, simplesmente nos estão revelando muita coisa sobre si
mesmos. Uma vez ouvi um homem expressá-lo muito bem. Disse ele: “Quando
um homem me diz que não vê nada em Beethoven, ele não me está dizendo nada
sobre Beethoven, porém me está dizendo muita coisa sobre si mesmo!” E esse é
precisamente o nosso objetivo aqui. Aquele que não é cristão, o incrédulo, é
ignorante de Deus. Se tão-somente os homens e as mulheres conhecessem a
Deus, e conhecessem a verdade acerca de Deus, não continuariam vivendo como
vivem. Eles nada sabem sobre o Seu caráter santo, falam com leviandade sobre
Deus, expressam as suas opiniões, não hesitam em criticá-10. Se apenas
tivessem uma difusa, vaga, tênue noção de Deus como Ele realmente é, poriam a
mão na boca, como fez Jó, e ficariam calados.
Qual é o objetivo geral da nossa estada neste mundo, a que fim tudo isso está
levando? Sobre esses temas eles estão completamente no escuro. Toda a sua
noção da vida, como consta nas Escrituras, é: “Comamos e bebamos, que
amanhã morreremos” (1 Coríntios 15:32). Que insulto à vida, ao viver e à
natureza humana! Somos apenas animais? Comer, beber, jogar, ceder aos
instintos naturais - estas coisas constituem a vida verdadeira? Muitas vezes os
não cristãos pensam que sim! Contentam-se em permanecer
completamente ignorantes acerca do propósito da vida, e quanto ao que acontece
além dela. Diz a Bíblia: “Aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo
depois disso o juízo” (Hebreus 9:27). Segundo as Escrituras, a vida é algo
tremendo, é cheia de responsabilidade de natureza a mais momentosa. Tudo o
que fazemos e dizemos está sendo registrado. Deus conhece todas as nossas
ações. O livro do Apocalipse o expressa pictoricamente, dizendo que os livros
serão apresentados e serão abertos. Sabemos das responsabilidades, não
sabemos? Sabemos que os Ministros da Coroa têm grande e terrível
responsabilidade, e que quanto mais alto sobem, maior a sua responsabilidade,
sendo que o Primeiro Ministro é responsável diante da própria Rainha. E cada
um de nós, como nos dizem as Escrituras, é direta, imediata e pessoalmente
responsável diante de Deus. Teremos uma audiência com Ele, e teremos que
prestar contas do que tivermos feito por meio do corpo, ou bem, ou mal (cf. 2
Coríntios 5:10). Um julgamento! Mas os incrédulos ignoram inteiramente as
coisas de Deus. Por isso vivem como vivem. E não são só ignorantes de Deus,
porém igualmente são ignorantes acerca do Senhor Jesus Cristo, o eterno Filho
de Deus, e acerca da razão da Sua vinda a este mundo. Ignoram a necessidade
de salvação, pelo que não se interessam pela salvação.
Os cristãos têm submetido isso à prova com freqüência. Se vocês não o fizeram,
é tempo de fazê-lo. Procurem descobrir o que as pessoas realmente sabem acerca
do cristianismo e acerca do Senhor Jesus Cristo. É quase incrível que, embora a
Bíblia e outros livros cristãos sejam abertamente acessíveis, e embora elas
tenham sido criadas numa cultura cristã, assim chamada, e em muitos casos
tenham um vago senso da importância disso, todavia continuam completamente
ignorantes do verdadeiro Senhor Jesus Cristo e do Seu método de salvação.
Ignoram a Sua Pessoa e a Sua obra, ignoram a única maneira pela qual podemos
ser reconciliados com Deus, ser salvos e obter segurança por toda a eternidade.
Façam certas perguntas simples ao homem da rua - você já se deu conta de que
tem alma? Você já se deu conta da verdade acerca de Deus, e de que você tem
que encontrar-se com Ele e enfrentá-lO? Você compreende, dia após dia, a
responsabilidade de viver, a preciosidade deste dom que Deus lhe deu? Você
pensa em si mesmo como alguém que foi feito e criado à imagem de Deus Todo-
poderoso? Qual é o seu conceito sobre você? Você tem pensado sobre a sua
morte e sobre o fato de que terá que enfrentar a Deus e Lhe prestar contas do que
você fez? As respostas, se houver alguma, que você obtiver a essas perguntas,
estou certo disso, somente vão confirmar a veracidade daquilo que o apóstolo
nos diz acerca da pavorosa ignorância da humanidade. Trevas que se pode
apalpar!
ponto de vista, e assim nunca se pode tratar da conduta diretamente. Tentar fazê-
lo é o erro fatal de todo sistema não cristão. E estamos vendo o fracasso por
todos os lados. Os homens se recusam a reconhecer o princípio fundamental de
que, como o homem pensa, assim eleé. Portanto, inútil será tentar controlar o seu
comportamento, se o seu pensamento é mau.
Por longo tempo pensadores não cristãos nos têm dito que uma grande causa do
crime era a pobreza. Entretanto na hora presente, o que eles nos dizem é que a
grande causa do crime é a prosperidade! Os jovens, dizem eles, estão ganhando
dinheiro demais, e não sabem o que fazer com ele. Dizem que é essa
prosperidade que tem produzido a onda de crimes! Não me entendam mal.
Devemos preocupar-nos com o problema da pobreza e da angústia que muitas
vezes ela causa. Mas no momento estou simplesmente interessado em assinalar
a patética falácia do pensamento não cristão que não quer encarar esta verdade
central, que é a atitude total do homem para com a vida, para consigo mesmo,
para com Deus e para com as suas relações, que em última análise e
inevitavelmente determina e controla a conduta e o comportamento. O apóstolo
o coloca com muita clareza no capítulo primeiro da sua Epístola aos Romanos,
onde ele diz: “do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e
injustiça dos homens”. Observem a ordem! A impiedade primeiro! É a
impiedade que leva à injustiça. E tentar tratar da injustiça sem tratar da
impiedade é puro desperdício de tempo, energia e dinheiro. Assim, que
os homens tragam novas leis do Parlamento, que aumentem as suas prisões, que
convoquem todos os professores e todas as instituições sociais, de nada lhes
valerá tudo isso; nunca valeu, nunca valerá. Há somente uma coisa que pode
lidar com toda essa questão de moralidade e de comportamento, e é que os
homens e as mulheres sejam tirados das trevas e levados para a maravilhosa luz
de Deus, para que deixem de ser trevas e se tornem luz no Senhor. A história
comprova o meu ponto de vista; a situação contemporânea o está demonstrando
novamente.
Talvez vejamos isso hoje mais claramente do que a humanidade jamais viu antes.
Os jornais da atualidade estão se tornando cada vez mais o melhor comentário
que eu conheço da Bíblia. Neles vemos o completo artificialismo da vida vivida
nas trevas. Não há nada que seja real, mas algo foi erigido e exposto; é tudo obra
realizada pelo homem, o homem o faz. E assim a vida continua, e lhe chama
civilização. No
entanto, a Bíblia lhe chama “obras das trevas”! E não haveria algo de
tragicamente mecânico nisso tudo? A coisa mais temível acerca da vida de
pecado, parece-me às vezes, é o seu caráter mecânico, a maneira como ela vai se
repetindo, como uma máquina. Nada de novo, nada artístico no que lhe diz
respeito. Vai girando como uma batedeira, sempre tirando a mesma coisa velha
dia após dia, o mesmo pecado, a mesma tentação, o mesmo vício, a mesma coisa
feia que desanima você. Tal vida é mecânica, repetitiva, simplesmente
como uma máquina, produzida por máquina; é só “obras". É como a diferença
entre uma máquina e uma flor ou qualquer coisa dotada de vida real. “As obras
das trevas”! E todos nós estamos envolvidos nisso, na maquinaria. Organizam
por nós as nossas vidas, as pessoas não pensam mais, apenas fazem o que já é
“coisa feita”, aquilo que todos os outros estão fazendo. A originalidade é
excluída; as pessoas, independentemente dos seus interesses reais, simplesmente
caem nisso. E todos nós parecemos iguais, nos vestimos igualmente, e somos
produzidos em massa, em todos os aspectos. Somos induzidos a desfrutar as
mesmas coisas, a crer nas mesmas coisas, a fazer as mesmas coisas. A expressão
“as obras das trevas” é uma descrição perfeitamente precisa da vida não cristã!
Quão contemporâneo o livro de Deus é!
E então deixem-me ver de passo a segunda palavra de Paulo. Ele fala das obras
infrutuosas das trevas. Ele não está somente contrastando a máquina com a vida
real e com o crescimento, mas está vendo o outro lado. Diz ele que não se pode
achar valor numa vida vivida nas trevas. Ele diz a mesma coisa no capítulo seis
de Romanos: “Porque, quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça.
E que fruto tínheis então das coisas de que agora vos envergonhais? Porque o
fim delas é a morte”. Que fruto tínheis então! Nenhum! Essa é a coisa espantosa
acerca desta vida de pecado, desta vida de trevas. É inútil para o homem que a
vive. Não acrescenta nada à sua mente, ao seu entendimento, ao seu
conhecimento, à sua pureza, à sua limpidez. Leva o seu dinheiro, leva as suas
energias, e no fim da vida ele não passa de um pobretão exausto. A vida que
começou com tanto encanto pode terminar numa sargeta. A beleza inicial torna-
se - ah, um rosto arruinado! É uma vida sem valor, sem fruto, sem proveito; toma
tudo de você.
Vemos isso ilustrado no caso do filho pródigo, não vemos? Ele partiu com os
bolsos cheios de dinheiro; terminou sem nada, com os bolsos vazios, sem
amigos, sem coisa nenhuma. Essa é a vida de pecado, leva tudo de nós, é
infrutífera, não tem nenhum valor para
quem a vive! E o que é pior é que ela não tem valor para ninguém. Não faz
nenhuma contri buição. E essa é, suponho, a acusação final que será lançada
contra a presente geração. Que contribuição estamos fazendo à história da
humanidade e da raça humana? Não há nada de enobrecedor, de animador ou de
estimulante nisso. Não leva as pessoas a se erguerem para uma realização
elevada. Não estamos interessados em realizações, estamos interessados em
comodidade; o nosso interesse é o lazer; até pelo trabalho perdemos o interesse!
O que nos interessa é o tempo em que não estamos trabalhando. E então, como
passamos esse tempo? Será com algum interesse positivo? Algo que melhora a
mente ou alarga o coração? Nada disso! Sempre um entretenimento passivo,
mecânico! Completamente infrutuoso, sem nenhuma contribuição a outros,
deixando de produzir algum fruto até para as próprias pessoas. Na verdade, essa
vida nunca leva a algum tipo de crescimento, exceto o crescimento de alguma
erva daninha. Forma na alma um jardim coberto de cizânia e espinhos; e não há
fruto ali, nada que sirva para comer, nada que ajude a viver. Não o ajuda no
presente, se você se sente mal, ou se fica prostrado no leito de enfermidade, ou
se encara a morte e a eternidade, pois embora espere poder recorrer às
suas reservas, vê que não tem nada! Lembrem-se das palavras ditas ao
rico insensato que se alegrava consigo mesmo, dizendo: “Alma, tens
em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga”. Mas
Deus lhe disse; “Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado,
para quem será?” (Lucas 12:19-20) - não é teu, não podes levá-lo contigo, és
forçado a deixá-lo para trás.
É devido as pessoas não pensarem nessas coisas que elas continuam vivendo
como vivem. A vida não é maravilhosa?-diz o jovem. Será? Examine-a, meu
amigo, veja para o quê ela o está levando, vá até o fim! Há algum fruto para
você ou para algum outro? Não! Estas coisas transitórias são completa e
inteiramente infrutíferas. E isso não é verdade só ao nível pessoal; é verdade a
um nível mais amplo, no caso dos países, nações e impérios. É um fato da
história que o que causou o declínio e a queda do grande Império Romano foi
esse tipo de coisa. Roma declinou e caiu devido à deterioração interna. Gibbon
lhes ensinará isso! Os histori adores seculares põem is so à mostra. A queda veio
quando as pessoas se tomaram indolentes e amantes dos prazeres; construíram as
suas maravilhosas banheiras de ouro e de prata, e passavam o dia indolentemente
nelas, enquanto lhes tocavam música suave. A raça toda se tomou indolente, e
frouxa, e perdeu as suas ambições e o senso da sua missão e grandeza. Esse tipo
de vida, diz o apóstolo, é sempre infrutuoso, em todos os aspectos. E o que
é alarmante é a questão: estaremos nós testemunhando algo semelhante
em nosso país na presente hora? Não será essa deterioração toda a essência da
dificuldade? Nem a moralidade, nem mesmo o idealismo político podem ser
mantidos sem algum grande motivo ou sem alguma nobre idéia e concepção
sobre o homem. E estamos como estamos hoje, e estamos testemunhando o que
estamos testemunhando porque em meados do século passado o povo começou a
dar ouvidos a homens como Charles Darwin e outros, que afirmavam que o
homem não é uma criação especial de Deus! - se é que existe algum Deus - o
homem aparece no fim de um processo! Assim, degrada-se o conceito sobre o
homem; e os homens se esqueceram de Deus.
Ah, o amor de Deus, que, vendo este mundo de trevas, ignorância e vergonha,
enviou-lhe o Seu unigênito Filho para ser a Luz do mundo e, morrendo na cruz,
livrar-nos dela e transportar-nos do reino das trevas para o reino do Seu amado
Filho! Mas, povo cristão, gostaria de expressar-me assim: você está preocupado
com as multidões que estão nas trevas? Sei que você sente repugnância com
relação a elas; todos nós sentimos; todavia se você meramente sente
repugnância, levanta a roupa e vai para o outro lado da rua, você é quase tão
ruim como aquela gente. Não foi mais que isso que o levita e o sacerdote fizeram
quando viram o homem ferido na beira da estrada. Isso não tem valor nenhum.
Se nos dermos conta de que pessoas que encontramos estão levando vida indigna
por causa dessa ignorância e dessas trevas do mundo, então, digo eu, como
cristãos, isso deveria levar-nos a indagar: que é que eu posso fazer por estas
pessoas? Como se pode levar a elas a luz e o conhecimento do evangelho? E
mais uma vez digo que não existe nada que possa tratar da situação, senão um
derramamento do Espírito de Deus, uma visitação do Espírito de Deus
em avivamento, como o que se experimentou durante a Reforma Protestante, e
no período dos Puritanos; no século 18 sob a pregação de Whitefield e dos
Wesley; e também sob Romaine e outros aqui na cidade de Londres; e outra vez
em 1859. Portanto, parece-me que a maneira de provar se realmente levamos a
sério estas coisas é perguntar a nós mesmos se estamos orando a Deus, rogando-
Lhe que nos envie um avivamento. Peçamos a Deus que derrame sobre nós o
Seu Espírito, para que a Igreja se encha de tal poder que os homens e
as mulheres desta geração apática, ímpia, trevosa, ignorante e vergonhosa sejam
compelidos a ouvir, sejam compelidos a pensar e sejam compelidos a encarar a
Deus e o destino eterno que os aguarda.
O FRUTO DA LUZ
-Efésios 5:9-10
Tendo lembrado aos efésios o que eles tinham sido no passado -“Noutro tempo
éreis trevas” - Paulo passa em seguida a lembrá-los do que eles são agora e do
que se espera deles agora: “Agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz”.
Portanto, devemos elaborar o ensino em detalhe, para que possamos
compreender, não somente a diferença entre o cristão e o homem que, gritante e
obviamente, não é cristão, mas também a diferença entre o homem que é cristão
verdadeiro e “luz no Senhor”, e o homem bom e de boa moral, assim chamado,
que não é cristão. Isto ganha importância por causa deste versículo nove, onde se
nos diz que “o fruto do Espírito está em toda a bondade, e justiça e verdade”. Há
um tipo de homem não cristão que se vê no mundo, que nos declara que não é
cristão e quase se gaba do fato de não ser cristão. Todavia, na superfície, ele
parece ser um homem bom e reto, interessado na verdade e na integridade,
noutras palavras, “um bom pagão”.
ter nada a ver com o cristianismo. Este é sempre algo ligado à verdade, pelo que
começamos com a mente. E a primeira coisa que temos para dizer sobre o cristão
é que ele mostra que, uma vez tendo se tomado luz no Senhor, tem um
conhecimento que lhe faltava antes. As trevas são caracterizadas pela ignorância;
a luz é caracterizada pelo conhecimento e pelo entendimento, sobretudo por um
conhecimento de DEUS; não mero conhecimento de certas coisas concernentes a
Deus ou acerca de Deus. Esse conhecimento é accessível a todos. Mas o cristão
tem um conhecimento maior. Ele se acha na condição descrita pelo nosso Senhor
no Evangelho Segundo João: “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só,
por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (17:3). Inclui um
conhecimento acerca de Deus, é claro; porém vai além; inclui uma apreensão e
um conhecimento de Deus abertos somente para o cristão, e que faltam aos
outros.
Paulo disse aos cristãos coríntios que “o homem natural não compreende as
coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las,
porque elas se discernem espiritualmente”. Quer dizer, o homem pode ter
grandes poderes intelectuais e capacidade de raciocínio, entretanto, se ele não é
cristão, ignora totalmente as verdades espirituais; não vê nada nelas, não as
entende. A faculdade espiritual éo que diferencia o cristão de todos os
demais: ela é que lhe dá penetração, entendimento e apreensão da
verdade espiritual. De fato, falta isso a todos os não cristãos. Eles têm
mente, têm intelecto; se lhes apresentarem uma situação de natureza
política, eles podem entendê-la, podem raciocinar a respeito, podem assimilá-la;
podem fazer o mesmo com a poesia, com a música, com a sociologia, com a
ciência e com mil e um outros assuntos. Contudo, quando são levados à esfera da
verdade espiritual, eles não têm nenhuma faculdade que os habilite a entendê-la.
Nada vêem nela, é loucura para eles, não passa de absurdo, e se despedem dela
com um aceno de mão. Há muitos assim, e se lhes dá grande proeminência
nos programas de rádio e na televisão. Mas vocês têm notado como eles ignoram
a verdade espiritual? Têm notado como eles não conseguem nem pensar
espiritualmente? Não podem, claro que não! São cegos, falta-lhes a faculdade
própria, não são luz no Senhor, são trevas! Eles padecem dessa ignorância, seus
tolos corações estão entenebrecidos, suas mentes foram cegadas pelo deus deste
mundo.
Vocês vêem, a fé em Cristo e no evangelho não é questão de capacidade
intelectual. Há os que pensam que certas pessoas não são cristãs por causa dos
seus grandes cérebros, da sua grande capacidade intelectual. E há muito cristão
que tende a pensar desse modo e ainda se perturba com o fato de que esses
grandes homens não são cristãos.
Que pena! No entanto, vocês vêem, essa é uma negação de todo o cristianismo.
Não importa quão perfeito o instrumento seja, se lhe falta esta qualidade
espiritual, esta faculdade espiritual, de nada vale. “O homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura.” Ele é
“trevas”, não é “luz no Senhor”. Mas, no momento em que o homem se torna
cristão, a primeira coisa da qual ele toma consciência é que ele tem uma
faculdade espiritual; possui agora entendimento numa esfera na qual era antes
um estranho e se sentia como um de fora. Ele começa a ter uma apreensão de
Deus, do ser de Deus, da verdade sobre Deus e, em acréscimo, começa
a entender que tem uma alma.
Além disso, visto que os cristãos são “luz no Senhor”, eles têm um entendimento
e uma apreensão da realidade do pecado! Os não cristãos não sabem o que
significa ser pecador; toda essa idéia lhes parece monstruosa e ridícula. Eles
explicam toda a conduta em termos de ambiente ou de hereditariedade ou de
educação, ou de coisas como essas; eles não têm consciência de que há no
homem um princípio do mal que vicia todos os seus julgamentos, uma
propensão, uma tendência para o mal. Paulo lhe chama “lei em nossos
membros”, sempre nos arrastando para baixo. Isso nada significa para eles, eles
nada sabem sobre o conflito espiritual interior. Mas, no momento em que o
homem se toma cristão, toma consciência de que ele é sede desta
tremenda batalha e luta; fica ciente de que ele é uma espécie de enigma;
fica ciente destas forças em conflito dentro dele, umas lutando a favor da alma,
outras contra.
O chamam Jesus; Ele é o Senhor Jesus Cristo para o povo da luz! Todavia os
não cristãos olham para Jesus e vêem apenas um homem, um carpinteiro, um
simples mestre, e assim por diante, um pacifista ou algo semelhante, e isso é
tudo o que vêem nEle. Você precisa ter olhos ungidos pelo colírio do Espírito
Santo, antes de poder vê-10 realmente e de começar a ver a maravilha e o
mistério da Sua Pessoa. Você vê o divino, vê o humano; vê a natureza divina, vê
a natureza humana, você vê as duas juntas; não se misturam; estão ambas ali;
mas não se fundem. Você vê a maravilha e o mistério, e toma a sua posição
com o apóstolo Paulo e diz: “Grande é o mistério da piedade: DEUS
se manifestou em carne”! (1 Timóteo 3:16). Ora, para o cristão esta é a realidade
máxima da vida. Não é mais algo ridículo que ele põe de lado e diz que não pode
compreender cientificamente; para ele a verdade mais maravilhosa e mais
gloriosa, é que a Encarnação tenha acontecido. “DEUS se manifestou em carne”,
“o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”, e assim ele contempla a Pessoa do
Senhor e a verdade concernente a Ele, e isto o leva a maravilhar-se e à adoração.
Ademais, o cristão não somente tem este novo entendimento e apreensão, mas
também um coração que lhe corresponde. Alguns parecem ser constituídos de
tal modo que podem ter uma espécie de interesse intelectual pela Bíblia, porém
os seus corações não correspondem a isso. Certas pessoas estão interessadas na
Bíblia como literatura, ou como filosofia, etc. Todavia não são cativadas
e impulsionadas pela verdade. Mas, quanto ao homem que é luz no Senhor, seu
coração é luz. E ele sente o poder da verdade, o poder da palavra que aí se acha;
é impulsionado por ela. Pois bem, isso é necessariamente verdadeiro quanto ao
cristão. Este é luz no Senhor, e o homem integral é luz no Senhor. Como o
apóstolo o expressa, escrevendo aos Romanos, ele obedeceu “de coração à forma
de doutrina” que lhe fora confiada (cf. Romanos 6:17). O homem completo está
engajado. E assim sou enfático em dizer que o cristão
é alguém que tem luz no coração. Suas emoções estão envolvidas, ele deseja a
santidade. Deseja forçosamente a santidade. Não estou dizendo que ele não peca
e que é perfeito. Nadadisso! Mas, conquanto peque, deseja a santidade, tem fome
e sede de justiça. O desejo do seu coração é ser libertado do pecado. É conhecer
a Deus e ao Senhor Jesus Cristo, conhecer a Bíblia, conhecer a verdade. Esta é a
relação do seu coração com esta questões. Seu coração tornou-se luz no Senhor.
A grande característica da vida do cristão verdadeiro é fruto, e isso nos diz que é
só quando o homem se toma cristão que ele se toma realmente natural. É só o
cristão que começa a aproximar-se daquilo que o homem foi destinado a ser,
quer dizer, daquilo que o homem era em sua primeira criação. Ele foi feito e
criado à imagem de Deus, foi feito reto, foi-lhe dada retidão original; contudo,
em conseqüência da Queda e do pecado, tudo isso foi perdido. E o problema
quanto ao homem em pecado é que ele é uma monstruosidade, é inatural.
Se vocês quiserem ler o que talvez seja uma das mais grandiosas exposições
sobre isto em toda a Bíblia, concito-os a lerem o Salmo 104, e ali verão o
salmista falar da criação e dizer-nos como tudo manifesta a glória de Deus - as
montanhas, os rios, as aves, as árvores, os cedros do Líbano, ricos de seiva. E ele
via longe. Depois, tendo descrito as
obras da criação, ele olha para o homem e sente que só há uma coisa a dizer
sobre ele - “Desapareçam da terra os pecadores, e os ímpios não sejam mais”.
Por quê? Porque o pecador é uma monstruosidade no universo de Deus. É
inatural. Mas quando o homem se torna cristão, a primeira verdade sobre ele é
que ele se torna natural. Começa a funcionar segundo o propósito para o qual foi
criado. O que compete a uma árvore é produzir fruto; essa é a ordem natural.
No entanto, quantas vezes pensamos no cristão nestes termos? Por outro lado, os
não cristãos são inaturais, são monstruosidades, são uma negação do verdadeiro
ser do homem. Somente o cristianismo faz de nós homens dignos do nome.
Ainda, nunca há nada artificial ou mecânico ou que pareça uma máquina na vida
do cristão. A vida do cristão lembra antes o modo como o fruto cresce na árvore.
Jamais o cristão deve parecer uma máquina ou um produto dela. Não se pode
produzir cristãos em série, como tampouco a sua vida, as suas atividades e as
suas ações. Agora, para mim, isso é de tremenda importância. Vemos aí a real
diferença entre o comportamento e o viver do cristão, por um lado, e a
espécie de conduta e comportamento que caracteriza os devotos das seitas e das
religiões falsas, por outro lado. Estes últimos são sempre feitos a máquina,
sempre produzidos em série. Nunca a vida do cristão deve dar a impressão de
que ele se impõe a si próprio um certo número de coisas. Sua vida é comparável
a uma árvore, ao passo que a vida dos adeptos das seitas, e dos falsos religiosos,
parece uma árvore de Natal. No caso da árvore de Natal, você tem que pendurar
o fruto nela, as dádivas e os presentes. É uma árvore artificial. Mas a
característica da árvore verdadeira é que o fruto nasce dela, você não o pendura
nos ramos. Assim o cristão e o seu modo de viver nunca dão a impressão de que
ele se impôs a si mesmo uma certa linha de conduta e de comportamento. As
seitas podem simular a realidade. É muito difícil, às vezes, dizer a diferença
entre uma flor viva e uma flor artificial, não é? Há pessoas muito hábeis, capazes
de fazer uma rosa artificial de tal maneira que, à primeira vista, quase engana o
entendido. O diabo se faz de anjo de luz, e imita o verdadeiro, porém continua
sendo artificial, sem vida, algo manufaturado e feito. Tratemos de nunca dar essa
impressão. Seja o nosso fruto “o fruto da luz”!
Mas, para levar a analogia mais longe, sempre deve estar presente algo que
lembre a idéia de firme crescimento e desenvolvimento na vida do cristão. Sem
forçar a analogia, continuemos a examiná-la em termos desta árvore frutífera.
Uma noite você vai para a cama, tendo olhado a árvore pouco antes, e lá estava
ela, apenas ramos e folhas,
nada mais. Na manhã seguinte você se levanta, abre a porta, vai ao pomar, e lá
você vê a árvore, coberta e pejada de frutos plenamente desenvolvidos. Isso
nunca acontece, acontece? Não, não, você tem os botões; mais tarde você vê
flores, e depois consegue apenas ver uma insinuação de que o fruto está a
caminho; só depois é que o fruto começa a desenvolver-se, até chegar finalmente
à maturidade. O cristão é isso - o fruto! Não acontece de súbito, não é imposto,
não é pré-fabricado. Entretanto, vejo muitíssimos cristãos pré-fabricados, com
relação à conduta. Primeiro, uma pessoa é levada a uma reunião evangelística e
ali obtém a salvação; a seguir, dão-lhe vigilante instrução, e se lhe diz o que deve
fazer. Quase imediatamente chega à perfeição, um exemplo de cristão pré-
fabricado e produzido em massa. Oraisso não é cristianismo. Digo-o
deliberadamente, isso não é cristianismo. Isso é o que as seitas fazem, é o que as
religiões falsas fazem, é o que o legalismo faz. Isso a religião pode fazer. Mas
o cristianismo verdadeiro produz FRUTO genuíno, e na sua produção há sempre
o fator crescimento e desenvolvimento, que leva à maturidade.
Permitam-me lembrar-lhes, ainda, que o fruto sempre vem de dentro para fora.
Num sentido, o fruto é expressão da vida da árvore
que o produz. É algo que provém do caráter, da natureza, da vida! E assim é com
o cristão. Conseqüentemente, não devemos impor formas ao cristão. E não
somente formas de conduta e comportamento! Há gente que até gostaria de
impor a você o que você deve fazer da vida; pode querer fazer de você um
missionário nas missões nacionais, ou um missionário nas missões estrangeiras,
ou um dente de uma engrenagem da máquina eclesiástica. Não o permitam!
Nunca façam nada porque alguém lhes diz que façam. O fruto deve provir de
você mesmo; deve provir da sua luz, da sua experiência pessoal, da sua própria
vida, da sua vitalidade. Tudo deve ser resultado do que somos e não nos
tomamos o que somos pelo que fazemos; fazemos o que fazemos porque somos
o que somos. O fruto sempre vem de dentro e é expressão da verdadeira
natureza. “Noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; andai como
filhos da luz; pois o fruto da luz é... ” Essa é a ordem das coisas!
Vou mais longe ainda, e afirmo que não somente não devemos permitir que
outras pessoas nos ditem e nos imponham coisas, porém nem mesmo nós
devemos forçar a nós próprios. Isso é muito importante com vistas à orientação.
Muitas vezes já disse, e o direi de novo: nunca decidam fazer alguma coisa
unicamente em função da sua mente e do seu entendimento. As pessoas que
ensinam que o necessário é a vocação, estão realmente negando este princípio.
O necessário não é a vocação. Se fosse, todo cristão, homem ou mulher, deveria
renunciar ao trabalho secular e dedicar-se à obra cristã com tempo integral. A
necessidade não é, e nunca foi, a vocação. A necessidade faz parte dela, interfere
nela, todavia não será uma vocação enquanto eu não souber nada a respeito
desse constrangimento interior, desta pressão exercida pela seiva que sobe dentre
de mim e que me leva a dizer com Lutero: “Não posso fazer outra coisa”.
Estas coisas vêm de dentro, como expressão da natureza. Daí o
Novo Testamento sempre coloca a sua maior ênfase, não no que fazemos, porém
no qu& somos. Mas toda a teoria dominante na Igreja hoje, e até nos círculos
evangélicos, é o exato oposto. Que lástima! Ao trabalho! Prossigamos, diz o
povo. No entanto, a decisão de agir, a decisão para querer prosseguir, não nos
pertence. Deus colocou certos princípios dentro de nós. A luz na mente, no
coração e na vontade, esse é o dínamo, é isso que nos impulsiona a prosseguir, a
pressão interior. E o que somos chamados a fazer é cultivar a alma, o fruto
aparecerá; a conduta, o comportamento, a vocação e todas estas outras coisas
virão! Há estufas demais na Igreja Cristã, e demasiado aparelhamento
para forçar o crescimento. Essa é uma marcante característica da vida atual, não
é? E talvez venha a ser um dos maiores problemas para a
civilização dentro de alguns anos. Acaso não o temos visto, por exemplo, na
questão da produção de ovos? Como se usa luz artificial nos galpões das
galinhas, luz artificial a noite inteira, de modo que as pobres aves são forçadas a
produzir! É uma violação da natureza, um pecado. Também é pecado na vida
espiritual. Não temos que visar primeiramente à produção ou à quantidade
produzida! Sempre devemos preocupar-nos com a nossa capacidade de produzir,
e com a qualidade do que produzimos. Como Paulo o coloca escrevendo
a Timóteo, é nossa obrigação ver que sejamos vasos aptos para o uso do Senhor.
Prossigamos, dizem os homens; mantenhamo-nos ativos! Expressões
conhecidas! Mas isso é agir como máquina, como se estivessem acionando
algum mecanismo. Não é o método cristão. Nosso dever é sermos vasos próprios
para atender ao uso do Senhor. Pensemos em nós como árvores, com o nutriente,
a seiva, a vida. O nosso Senhor é a Videira, nós os ramos. Na medida em que
virmos a verdade desta maneira, estaremos capacitados a evitar a maioria
das armadilhas, tão perigosas para a alma e para a experiência do indivíduo, e
igualmente perigosas para toda a Igreja e para a sua vida e a sua atividade.
Concluo fazendo-os lembrar-se de que não é mais uma questão de obras; agora é
questão de fruto. Somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para boas obras.
Esse é o caminho. O homem tem que tomar-se luz no Senhor; quando isso
acontece, ele começa a produzir o fruto. Pergunto-lhes: não é a tragédia da Igreja
moderna que ela está cheia de obras, de atividade e de ativismo, porém é tão
escasso o fruto, este glorioso fruto da luz e do Espírito, que se vê entre nós?
Tratemos, pois, de ver que os nosso conceitos fundamentais sejam verdadeiros,
claros e bíblicos, e tratemos de compreender que somos ramos da
Videira verdadeira, e que o propósito a nosso respeito é que produzamos
fruto para a glória de Deus.
AGRADÁVEL AO SENHOR
“Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; andai como
filhos da luz. (Porque o fruto do Espírito está em toda a bondade, e justiça e
verdade); aprovando o que ê agradável ao Senhor. E não comuniqueis com as
obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as. Porque o que eles fazem
em oculto até dizê-lo é torpe. Mas todas estas coisas se manifestam, sendo
condenadas pela luz, porque a luz tudo manifesta. Pelo que diz: Desperta, tu
que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá. ”
-Efésios 5:8-14
Continuamos com o nosso estudo do cristão como uma pessoa que é “luz no
Senhor”, e no versículo 9 vemos o apóstolo dizer-nos que a luz em questão se
mostra de certas maneiras. Ele aqui parece estar segurando uma espécie de
prisma sob a luz. E, naturalmente, o que o prisma faz é dividir a luz em suas
partes componentes. Desse modo ele produz uma espécie de espectro que Paulo
demonstra com as palavras “o fruto da luz” (versão do Autor: cf. ARA) “está em
toda a bondade, e justiça, e verdade”. Sua real exortação é: “Mas agora sois luz
no Senhor; andai como filhos da luz, aprovando o que é agradável ao Senhor”;
mas, para que não se esqueçam das características da luz, ele a divide aqui para
nós (num parêntese), como um prisma divide a luz natural, em bondade, justiça e
verdade - toda a bondade, toda a justiça e toda a verdade - e devemos examinar
cuidadosamente estas três palavras sumamente importantes.
ver, penso eu, porque a ordem não é a mesma nos dois casos. Em Romanos,
capítulo 5, o apóstolo vai em pós de alguma coisa de baixo para cima, entretanto
em nosso texto de Efésios ele está trabalhando de cima para baixo; por isso
começa com a palvara bondade. “O fruto da luz está em toda a bondade.” Que é
bondade? Eis aí uma palavra que nos inclinamos a usar chochamente, sem
pensar e levianamente, mas é uma palavra grandiosa. A bondade é uma das
características do próprio Deus. “O Senhor é bom para todos” (Salmo 145:9).
“Aterra, Senhor, está cheia da tua bondade” (Salmo 119:64, ARA). Ou
vejam ainda como o apóstolo a define um pouco no capítulo dois da sua Epístola
aos Romanos: “Desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e
longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao
arrependimento?” (2:4, ARA) - a bondade de Deus! Deus é bom!
O segundo termo é justiça. Esta difere da bondade em que traz consigo noções e
conceitos legais. Justiça significa conformidade com a lei, e é um termo mais
estreito qaebondade. Justiça é uma coisa na qual se pensa em termos das
prescrições e das exigências de uma lei, e da conformidade com essa lei.
Significa retidão, e uma manifestação da justiça. Significa, de fato, ser reto. Você
testa a retidão de uma parede ou de uma porta usando um nível ou um fio de
prumo. Isso supre toda a idéia de justiça. E o apóstolo está dizendo que a
justiça é uma característica do cristão. Ele é reto e justo em si mesmo:
no controle de se mesmo, o que ele faz é reto e justo, e também é equânime na
maneira de tratar os outros; nunca viola as regras e as leis referentes a eles;
nunca lhes faz qualquer mal; e respeita os seus direitos e as suas posses. Noutras
palavras, podemos pensar na justiça em termos dos Dez Mandamentos e do que
nos é dito sobre não cobiçar as coisas que pertencem ao próximo. O homem que
tem luz em si nunca incorrerá na culpa de cobiçar os bens e os direitos do
próximo. Ora, não estamos pensando tanto em benevolência neste momento,
como naquilo que é reto, verdadeiro e justo, naquilo que é indicado pela lei
moral de Deus. Noutras palavras, o homem que tem luz em si não é egoísta, e
não é governado por preconceitos. Não é governado pelos impulsos dos
seus pensamentos pessoais, quer saber o que é reto, o que é justo, o que
é equitativo, o que é realmente imparcial quanto aos seus semelhantes. Ele ama o
seu próximo como a si mesmo. A justiça está em perfeita conformidade com a
lei, não somente com a letra, mas também com o espírito.
Uma característica comum da vida não cristã é o desprezo pela lei, cada qual por
si, sem dar a mínima aos direitos alheios. Vemos muito desse tipo de vida na
sociedade atual. De fato, grande parte das dificuldades e dos problemas com que
se defrontam os políticos e outros deve-se à ausência desta justiça; não somente
não há bondade,
também não há justiça; e, naturalmente, estas coisas vão juntas. Já lhes fiz
lembrar a colocação que o apóstolo faz a respeito no capítulo primeiro da sua
Epístola aos Romanos: “Porque de céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a
impiedade (primeiro) e (depois) injustiça dos homens”. A ausência de piedade é
sempre seguida pela ausência de justiça. Não existe falácia maior do que a que
caracteriza o ensino dos cem anos recém-passados, mais ou menos, a saber, que
você pode jogar fora a piedade e continuar apegado à justiça; que você
pode descartar-se da Bíblia e ainda ter a conduta inculcada pela Bíblia.
Isso simplesmente não pode acontecer. Uma vez que você perca a
piedade, sempre perderá a justiça. Por isso o apóstolo está lembrando aos crentes
efésios que, inversamente, voltar para Deus, ter esta luz do conhecimento da
glória de Deus na face de Jesus Cristo brilhando em nossos corações, leva não
somente à bondade que caracteriza o próprio Deus, e sim, por sua vez, leva à
justiça ou retidão no caráter e na conduta, em todas as esferas da vida. Noutras
palavras, a vida do cristão é governada por princípios. Ele sabe o que faz, e sabe
por que o faz. Não está apenas se amoldando a um modelo, ele tem razões,
ele está pondo em ação a sua doutrina, ele é reto porque sabe que a lei do Senhor
é perfeita (reta), e refrigera a alma, como diz o salmista (Salmo 19:7).
aberto, que não tem nada para disfarçar ou ocultar. Ele não finge ser o que não é.
Ele é o que é pela graça de Deus, muito diferente daquele outro tipo de homem,
que leva uma vida de falsidade. O não cristão não confia em ninguém, e
ninguém confia nele; não se pode acreditar nele, nunca se sabe quando ele está
falando a verdade. Adão e Eva, depois que pecaram, cobriram-se com folhas de
figueira e foram para trás das árvores do jardim para esconder-se de Deus, e o
ímpio continua fazendo a mesma coisa, a seu modo. Sempre é essa
a característica da vida em pecado - oculta!.. .indigna de confiança!... enganosa!
O cristão, porém, é o exato oposto disso, há transparência nele; você conhece o
homem, pode-se dizer; ele está patente aos olhos, não é algo oculto, não tem
fingimento, é sincero. Em sua Primeira Epístola, Pedro o descreve como sem
malícia, sem engano, sem fingimentos (2:1), o que diz a mesma coisa que o
apóstolo Paulo expressa ao tratar deste ponto na Epístola aos Efésios. O cristão é
o que é graças à verdade de Deus, pois esta verdade penetrou nele e tomou posse
dele; e assim a sua vida é caracterizada pela verdade, em todas as sua variadas e
gloriosas manifestações.
Podemos resumir o que o apóstolo nos está dizendo sobre a luz afirmando que
ela é a coisa mais benéfica do mundo. Ela própria é uma coisa maravilhosa. Ah,
o bem que ela faz! Ninguém gosta de um dia de nevoeiro, mas nos gloriamos
com a luz e com o fulgor do sol. Luz! Cura os nossos corpos. Dá vigor a tudo, e
age até nas partes mais profundas da nossa constituição física. O nosso Senhor
nos disse, como já o lembrei a vocês, que, por nossa vez, somos a luz do
mundo, cabendo-nos irradiar este benefício entre os nossos companheiros
de existência, homens e mulheres. Vimos que a luz sempre expõe o que está
errado, põe-no à vista e o condena, por assim dizer, e nos mostra o que é certo,
verdadeiro e bom. E é a luz que faz com que tudo fique aberto, simples e claro,
Um homem está estudando uma porção das Escrituras, e não a entende. Gostaria
de ter alguma luz sobre isto! - diz ele. A luz revela as coisas, torna tudo simples,
claro e translúcido. E, de acordo com o apóstolo e com o Novo Testamento em
toda parte, os cristãos são caracterizados por essas qualidades. Quando
fazemos visita, as pessoas devem sentir quando vamos embora: “Foi bom
que eles vieram,” dizem elas, “sua visita nos fez sentir melhor”. Da
mesma maneira, sendo nós o que somos, devemos ser um castigo para o mal, e
devemos ser manifestações da vida justa e verdadeira, santa e reta. Acima de
tudo, devemos ter este elemento de franqueza e de veracidade em todos os
nossos procedimentos e em todas as nossas associações.
tudo o que eu estou dizendo é que, se isso é tudo o que ele é capaz de me dizer,
digodhe que ele não é cristão. Isso não passa de um excelente paganismo. É o
ensino dos grandes filósofos gregos anteriores a Cristo; eles inculcavam estas
virtudes como princípios, como princípios abstratos. Mas o cristão não está
interessado nelas como princípios abstratos. Está interessado nelas porque sabe
que elas constituem a vontade do Senhor. É o Senhor que lhe interessa, e desde
que o Senhor é caracterizado por estas coisas e está desejoso de que o Seu povo
também o seja, o cristão se interessa por elas. O apóstolo vai adiante, pois, e
acrescenta esta verdade diferencial - “provando o que é agradável ao Senhor”.
No entanto, devo ir além. Há muitos que estão tendo um bom modo de viver
simplesmente porque temem o que as pessoas diriam se eles vivessem doutra
maneira. Temem ser descobertos e condenados, temem perder a boa opinião dos
seus vizinhos, receiam uma publicidade adversa se vacilarem; e este temor e esta
preocupação com a boa opinião das outras pessoas governam a totalidade das
suas vidas. São governados em toda a sua conduta pelo que os outros pensam ou
dizem ou fazem a seu respeito. O cristão é diferente. Na Primeira Epístola aos
Coríntios o apóstolo diz: “A mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou
por algum juízo humano; nem eu tão pouco a mim me julgo... Quem me julga é
o Senhor” (4:3-4). Isso é cristianismo! Paulo não é governado pelo que outras
pessoas venham a dizer, nem
mesmo é governado pelo que ele próprio diga de si mesmo. “Nem eu tão pouco a
mim mesmo me julgo.” Digam o que quiserem, diz Paulo, não faz nenhuma
diferença para mim; confiei o meu julgamento ao Senhor. Assim é o cristão; ele
prova o que é agradável ao Senhor!
Mas temos que dar mais um passo. O cristão cuja vida é caracterizada pela
bondade, pela justiça e pela verdade não é tampouco alguém que está tentando
viver em conformidade e de acordo com o ensino do Senhor Jesus Cristo por
achar que esse ensino é o mais elevado e o melhor. Ora, de novo, há muitos que
fazem isso. Eles lêem a ética dos filósofos gregos e outros, depois vêm ao
Sermão do Monte, e dizem: aqui está o ápice! Aqui está o que há de supremo e
de mais excelente! Nunca houve um ensino ético como este! Muito bem, diz o
homem, vou viver de acordo com os ditames e com o ensino do Sermão do
Monte, o conceito mais alto e mais nobre que já encontrei. Ele é cristão? Bem,
tudo o que eu digo é que, se ele pára nesse ponto, não é cristão, pois o cristão é
governado pela necessidade de provar “qual seja a boa, agradável, e perfeita
vontade de Deus”. Devemos ser absolutamente claros sobre isto. O que prova
que somos cristãos é que, além e acima de tudo mais, a nossa principal
consideração, a nossa consideração final, é o nosso desejo de buscar e conhecer,
descobrir, a vontade do Senhor, a fim de podermos agradá-10. É esta
relação pessoal com esta Pessoa bendita.
Essa é, como estive dizendo, a differentia da ética cristã, que a coloca numa
categoria inteiramente única. O seu motivo, a sua mola mestra, a coisa mais
importante nisso, é que ninguém senão o cristão pode alegar ou sequer falar
sobre o desejo de viver para a glória e louvor do Senhor, e para agradá-10 em
todas as coisas; como este apóstolo o coloca, “como eu não agrado a mim
mesmo”. Sua obediência consistia sempre em agradar ao Senhor e em viver por
amor ao Senhor.
Por quê? Bem, seguramente esta deve ser a verdade. O cristão é um homem que
compreende que deve tudo o que ele é, tem e espera ser, a este Senhor, Àquele
que tanto o amou quando ele ainda estava nas trevas, quando ainda era pecador,
quando ainda era ímpio, quando ainda era um inimigo, tanto o amou que Se
entregou por ele. O Seu corpo foi partido, o Seu sangue foi derramado, para que
ele, um pecador, pudesse vir a ser luz no Senhor. O cristão é alguém que diz a si
mesmo: “Não sou meu, fui comprado por preço”. Não é um livre agente; é, com
o apóstolo Paulo, escravo do Senhor Jesus Cristo, que morreu para que fôssemos
perdoados, que morreu para que fôssemos feitos bons, que morreu para que
tivéssemos esperança de entrar no céu. É o Senhor! Este é o Ser que lhe deu
tudo, o Senhor Jesus é o
motivo - o qual é: agradá-lO. O motivo do cristão não é cumprir um certo código
de moralidade, não é evitar a crítica dos outros, não é estar em paz consigo
mesmo, não é ser um paradigma de todas as virtudes, não é formar uma grande
imagem pessoal ou ter um grande nome entre os homens. Não, não! Ele diz:
“Não permitas que nada me agrade ou me aflija sem Ti, ó Senhor!” “Provando o
que é agradável ao Senhor”! Escrevendo aos coríntios, o apóstolo expressa a
mesma coisa: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa,
fazei tudo para glória de Deus”! Isso está em 1 Coríntios, capítulo 10. Leiam--no
ainda: “. . . consciência”, diz ele, “não a tua, mas a do outro”. “Todas as coisas
me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm.” Que é que ele quer dizer?
Bem, há o irmão mais fraco! Por que devemos considerá-lo? Porque Cristo o
considerou! “O que quer que façais” (VA) - ele o desenvolve, levando-o a um
grande clímax no fim - “quer comais ou bebais, ou o que quer que façais, fazei
tudo para a glória de Deus”. É só o cristão que faz isso.
O cristão não é alguém que está interessado em virtudes abstratas como tais,
ainda que elas sejam a bondade, a justiça e a verdade; está interessado nelas
unicamente porque está interessado no Senhor. Cristo morreu para que fôssemos
a luz do mundo, para que fôssemos reflexos dEle, para que fôssemos como uma
cidade edificada sobre um monte que não se pode esconder, e como a candeia
que não se põe debaixo do alqueire, porém num lugar proeminente, para que
irradie a sua luz pela sala toda. Resplandeça a sua luz, diz Ele, diante
dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem a seu Pai, que está
nos céus. Sim, diz a resposta à primeira pergunta do Breve Catecismo: “O fim
principal do homem é glorificar a Deus e gozá-10 (como vocês estão fazendo
agora) para sempre”.
“Portanto, não sejais seus companheiros. Porque noutro tempo éreis trevas, mas
agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz. (Porque o fruto do Espírito
está em toda a bondade, e justiça e verdade); aprovando o que é agradável ao
Senhor. Enão comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes
condenai-as. Porque o que eles fazem em oculto até dizê-lo é torpe. Mas todas
estas coisas se manifestam, sendo condenadas pela luz, porque a luz tudo
manifesta. Pelo que diz: Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos,
e Cristo te esclarecerá. ” - Efésios 5:7-14
Continuamos o nosso estudo das aplicações práticas da doutrina apostólica,
tendo já considerado como os cristãos, que são “luz no Senhor”, devem portar-se
e conduzir-se. Resta, porém, o problema quanto a qual deve ser a nossa atitude
para com as próprias trevas que ainda nos cercam e nos rodeiam. Afinal de
contas, os cristãos não vivem numa espécie de estufa de jardim. Não temos uma
vida isolada, segregada, temos que viver a vida cristão no mundo; esse é o
ensino do Novo Testamento sobre esta matéria. Há um ensino
errado, naturalmente, chamado monasticismo, que diz que os cristãos devem sair
do mundo, segregar-se e viver numa espécie de clausura com algum tipo de
cortina ao seu redor. Mas este é um falso conceito de cristianismo, um falso
ascetismo, que de muitas maneiras é inimigo da verdade cristã, porque priva o
evangelho de uma das suas maiores vitórias, a saber, capacitar-nos a viver uma
nova espécie de vida no mesmo mundo em que vivíamos antes. A maioria de
nós, senão todos, sabe muito bem o sentimento que deu surgimento as
monasticismo; muitas vezes houve que esperamos poder livrar-nos de
dificuldades, de problemas e de gente, de tudo aquilo que tende a irritar-
nos, transtornar-nos e derrubar-nos. Compreendemos o sentimento do salmista
quando clamava e dizia: “Oh, quern me dera ter asas como de pomba!”, para
poder fugir de tudo (55:6). É esse o espírito que leva ao monasticismo, todavia
não é cristianismo; e graças a Deus que não é! Ele nos dá o auxílio que nos
habilita a viver a vida cristã, uma vida como a de Cristo, no meio das nossas
lutas e provações.
homem que vivia na região dos gadarenos, o homem que tinha uma legião de
demônios. O nosso Senhor, por Seu poder, exorcizou aqueles demônios,
expulsou-os do homem, e o vemos sentado, vestido e mentalmente equilibrado.
De repente ele viu que o nosso Senhor partia, à solicitação do povo, e estava
para entrar num barco. O homem correu após Ele, expressando um desejo,
rogando-Lhe que lhe permitisse ir com Ele. Mas o nosso Senhor recusou-lhe o
pedido; disse Ele: não, volte para a sua cidade natal, volte para o lugar onde você
sofreu tanto e onde você viveu nessas condições terríveis. Parece absurdo
o nosso Senhor mandar aquele homem, sozinho e aparentemente sem defesa
alguma, de volta à cidade e ao lugar da sua anterior possessão demoníaca e da
sua miséria; Jesus Cristo não lhe permitiu que fosse com Ele. Ora, o desejo do
homem era muito natural, não era? Ele deve ter pensado: ah, se Ele me deixar, os
demônios vão voltar, minha única segurança é estar com Ele! Deixa-me ir
conTigo, diz Ele. Não, diz Cristo, volte! Envia-o de volta ao local da sua
desesperada miséria. Por que Ele fez isso? A resposta é dada pelo próprio
Senhor: vá contar aos seus amigos, diz Ele, o que Deus fez por você; vá
testemunhar e testificar ali. Assim Ele o envia de volta para testemunhar e
testificar em seu torrão natal. Entretanto o envia revestindo-o de um poder
do qual o homem ainda não se apercebera.
Pois bem, isso é cristianismo! Não temos que sair do mundo, temos que
continuar vivendo nele, e no seio da nossa vizinhança anterior temos que viver a
vida cristã. E aqui, em sua carta aos efésios, o apóstolo nos diz como fazê-lo.
Certamente não existe nada que seja mais urgentemente importante para os
cristãos, ao nível prático da presente hora, do que justamente esta questão. O
mundo está se tornando cada vez mais ímpio, irreligioso, e na verdade,
ativamente, positivamente pagão. Cada vez mais estamos retomando às
condições que prevaleciam na cidade de Éfeso há dois mil anos; e ainda é um
problema muito difícil, e que deixa perplexos os cristãos, saber como conduzir-
se nos negócios, em suas profissões, na política e em quase todas as situações
atuais, com homens e mulheres ímpios e irreligiosos, pagãos em sua perspectiva
e em sua prática. Qual deve ser a nossa atitude para com eles? Qual deve ser o
nosso relacionamento com eles? O apóstolo responde com três notáveis
afirmações neste capítulo cinco.
Passemos agora para a segunda injunção (no versículo 11), que não é tão clara.
“E não comuniqueis” (ou, “e não tenhais comunhão”, VA), “com as obras
infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as.” Que é que significa a primeira
parte da frase? Há uma importante diferença entre “não ser seus companheiros”
(ou “participantes com elas”, VA), e “não ter comunhão”. O apóstolo não utiliza
a mesma palavra nos versículos 7 e 11. Tudo o que nos é dito no versículo 7 é
que não devemos juntar-nos aos pecadores na prática de coisas más, porém
a doutrina não pára aí, vai muito além. O versiçulo 11 nos diz que nem sequer
devemos mostrar interesse por elas. Para ser mais prático ainda, nem devemos
falar sobre elas de maneira errônea. Todos nós sabemos da distinção na prática.
Uma coisa é não fazer essas coisas; coisa muito diferente é não interessar-se por
elas. E há muitos cristãos que se interessam por coisas proibidas, por coisas das
quais o apóstolo afirma que até falar delas dá vergonha - “o que eles fazem em
oculto
até dizê-lo é torpe”. Eles não as faziam, mas estaria clara para nós que é
igualmente torpe ler sobre elas nos jornais e nos romances modernos, nos livros
e nos diários? Porventura vocês não notam o interesse que alguns cristãos
mostram, cristãos que nem sonhariam em participar dessas coisas? Todavia às
vezes vocês os observam e notam o interesse nos seus semblantes, o brilho dos
seus olhos, quando eles ouvem uma conversa sobre essas práticas. Podem até
fingir, é claro, que o seu interesse é psicológico, para conhecerem os fatos,
senão, certamente, não poderão ajudar as pessoas. Essa pode ser a capa
que cobre uma espécie de prazer com essas coisas na mente, na imaginação e no
coração; estão tendo comunhão com elas, estão realmente gostando da prosa e da
conversa, e assim permitem que digam em sua presença coisas que não deveriam
ser ditas. O apóstolo deixa absolutamente claro que o cristão não só não deve
dar-se a práticas más, porém também não deve gostar das pilhérias sobre essas
coisas, não mais deve considerá-las inteligentes ou alegres ou divertidas ou
boas para distrair. Ele não deve ter nenhuma comunhão com elas. Nunca deve
ser conivente nessas coisas, mas deve mostrar aos outros que elas pertencem a
uma esfera à qual ele não pertence mais.
Portanto, devo mostrar exatamente como este ensino deve ser posto em prática
porque, se eu o deixar neste ponto, há aqueles que poderão dizer-me: você não
estaria ensinando um tipo de monasticismo? Você
não nos estaria dizendo que não devemos ter ligação nenhuma com os
pecadores, com os que não são cristãos? Não devemos andar segundo o seu
conselho, não devemos parar nas esquinas com eles, não devemos sentar-nos na
roda dos escarnecedores. Daí, você nos estaria dizendo que devemos passar todo
o nosso tempo somente com os cristãos, e nunca ter conversa alguma com os que
estão numa vida de pecado? A resposta a essa pergunta perfeitamente justa pode-
se ver no capítulo cinco da Primeira Epístola do apóstolo Paulo aos Coríntios, e
é uma declaração muito importante. Paulo diz ali: “Já por carta vos tenho escrito,
que não vos associeis com os que se prostituem. Isto não quer dizer
absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os
roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do
mundo. Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se
irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou
roubador; com o tal nem ainda comais. Porque, que tenho eu em julgar também
os que estão de fora? Nãojulgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que
estão de fora. Tirai pois dentre vós a esse iníquo (versículos 9-13).
poderiam ter relações de nenhuma espécie com os não cristãos. Assim o apóstolo
explica a distinção que ele traça; se alguém que pertence à igreja se torna
culpado de práticas pecaminosas, os da igreja não devem ter comunhão com ele.
Por quê? Porque se espera algo mais dele! Ele é cristão, tem que ser repreendido,
precisas receber o devido tratamento e ser castigado. Paulo fala em entregar tal
pessoa a satanás, para a destruição da carne, para que o espírito seja salvo. Mas
ele não diz (e é isso que desejo ressaltar) que não devemos ter nenhum tipo
de relação com os de fora, os quais sabemos serem culpados de pecado.
Com efeito, observemos que o ensino do apóstolo não se detém nem nesse
ponto. A nossa atitude não deve ser somente negativa, também deve ser positiva.
Diz ele; “Não tenhais comunhão com as
obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as”. Aqui está de novo uma
palavra que facilmente pode ser mal compreendida. Condenar não significa
simplesmente repreender, reprovar ou denunciar. É muito fácil fazer essas coisas.
Entendemos que condenar significa mostrar o nosso desagrado, denunciar a
coisa, censurá-la, condená-la imediatamente, tratá-la com severidade. Contudo,
não é nada disso que o apóstolo quis dizer. Essa era a atitude dos fariseus que,
quando viam essas coisas, pegavam suas capas e saíam. Essa é a típica
atitude farisaica e, de muitas maneiras, é exatamente o oposto da atitude cristã. E
puramente negativa. Concordo que é muito difícil não agir deste modo num
tempo como este, quando vemos e lemos coisas revoltantes e imundas. Como é
difícil deixar de mostrar horror, aversão e aborrecimento, e deixar de
simplesmente denunciá-las totalmente, ficando, porém, no outro lado da rua!
Mas não é isso que o apóstolo quer dizer.
Então, que é que o apóstolo quer dizer quando diz: “Mas antes condenai-as”?
Bem, o real significado da palavra - e não é teoria minha, vocês podem verificar
isso - é convencer mediante prova, levar à convicção dando esclarecimento e
entendimento. Significa que devemos lançar luz sobre essas coisas de tal
maneira que realmente convençamos a quem estamos falando da natureza do que
ele está fazendo e do que isso significa para a sua alma imortal e eterna,
Não devemos apenas denunciar as coisas más em si; em vez disso,
devemos lançar sobre elas toda a luz do evangelho. Não devemos falar com
os não cristãos somente sobre males morais particulares; mas, de
maneira amorosa, simpática e compreensiva, falar com eles sobre eles próprios,
sobre as suas almas e sobre toda a sua relação com Deus. A tragédia do escravo
da bebida não é simplesmente que ele fica bêbado e sofre péssimas
conseqüências sociais, é antes, que a relação desse homem com Deus é
completamente errônea. Diz-nos o apóstolo que “nenhum devasso, ou impuro,
ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no
E é para fazer isso que eu e vocês somos chamados. Não devemos desligar-nos
dessas pessoas; não devemos fazer como os fariseus, confiantes em sua justiça
própria, mostrando a nossa aversão, o nosso aborrecimento ou a nossa
superioridade e a nossa pureza. Não permita Deus que jamais façamos tal coisa,
ou que a Igreja de Deus faça tal coisa! Ela fez isso muitíssimas vezes no
passado. Ela o fez no período vitoriano, e creio que continua fazendo o mesmo.
O povo em geral, as classes trabalhadoras, assim chamadas, estão fora da Igreja
hoje, e isso em parte porque estamos muito prontos a dar a impressão de que
somos tão-somente pessoas respeitáveis, não que somos cristãos.
Devemos condenar desta maneira certa, devemos falar do evangelho a
essas pessoas; não pregar para elas, e sim falar do evangelho. Elas saberão que
somos diferentes, que talvez no passado tenhamos tomado parte em certas coisas
mas que não fazemos mais isso. É nosso dever levá-las a saber da mudança
operada em nós. Devemos dar-lhes relances de uma vida melhor, de uma vida
mais limpa e mais pura, sim, e de uma vida mais agradável. A tragédia é que elas
pensam que a nossa vida é miserável, infeliz e, na melhor das hipóteses,
enfadonha. E não devemos culpá-las por pensarem dessa maneira. Se como
grupo de pessoas parecemos infelizes, elas pensam que isso significa apenas que
renunciamos a todas as coisas e que o cristianismo, para usar as palavras de
Milton, é “escarnecer dos prazeres e viver dias laboriosos”. É porque não
mostramos a alegria do Senhor e a alegria da salvação que elas ficam com essa
falsa noção do cristianismo. Devemos condená-las mostrando que cristianismo é
vida de gozo, vida de felicidade, vida de paz. Usufruímos mais prazer aqui do
que elas jamais experimentaram, ou do que nós mesmos jamais experimentamos
quando vivíamos como aquelas pessoas. Façam brilhar sobre elas a luz do
evangelho.
O apóstolo vai mais adiante, no versículo 13, quando acrescenta: “Mas todas
estas coisas se manifestam, sendo condenadas pela luz”.
Ele quer dizer que quando uma coisa é exposta e condenada pela luz, ela se toma
visível e clara. Façam brilhar sobre ela a luz do evangelho, “porque tudo o que
se manifesta é luz” (VA), que se pode traduzir, “tudo o que toma as coisas claras
é luz”. Embora continuemos a manter conversação com os incrédulos, embora
mantenhamos contato social com eles, devemos desejar fazê-los sentir que lhes
falta algo tremendo. Por que os publicanos e pecadores se aproximavam
do Senhor Jesus Cristo? Ele era pureza absoluta, santidade absoluta e, contudo,
agia como um ímã sobre eles e os atraía a Si. Os fariseus os odiavam, os
denunciavam e se mantinham longe deles, porém quando os publicanos e as
meretrizes viam o Deus encarnado andando diante deles, aproximavam-se dEle.
Ah, existe algo atraente na santidade; faz-nos sentir muito indigos e impuros
quando a vemos; faz-nos ver as coisas que fazemos como a denúncia negativa
nunca o faz nem pode fazer; mostra-nos a nossa necessidade, e ao mesmo tempo
dá-nos um vislumbre de algo que é tão diferente do nosso passado, tão
superior, muito mais maravilhoso do que qualquer coisa que conhecemos.
A santidade deve ser atraente, deve ser afável, deve ser cativante ,deve ser
fascinante, deve aproximar as pessoas. É esse o sentido de condenar. Devemos
condenar as obras infrutuosas das trevas sendo luz, sendo o que somos, em nossa
conversação, em nosso falar, em nossa exposição ou manifestação do evangelho.
O NÉSCIO E O SÁBIO
“Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como
sábios. Remindo o tempo; porquanto os dias são maus. Pelo que não sejais
insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor.” -Efésios 5:15-17
Que nos diz ele então? Bem, aí está uma exortação: “portanto, vede”, estejam
atentos, sejam cautelosos, sejam cuidadosos. Isso, diz ele, é tremendamente
importante. Portanto, vejam bem isso, assegurem-se de que o farão, cuidado com
esta questão. Dêem toda a sua atenção, sem distrair-se. É uma exortação notável;
é uma ordem, arrasta-nos, por assim dizer. Ele está se dirigindo a nós e nos
pedindo que o ouçamos com toda a diligência. “Portanto, vede.” Que nos diz ele
então? A que devemos dar atenção? Em que aspecto temos que ter cuidado?
Bem, diz ele, quanto a este andar de vocês, vejam que andem prudentemente.
Esta palavra “andar” é, por certo, uma palavra característica do Novo
Testamento. Refere-se à generalidade da nossa conduta, do nosso
comportamento, do nosso procedimento. E um termo inclusivo, e há muitos
termos como esse no Novo Testamento. Vocês verão um deles, por exemplo, na
próxima Epístola, na Epístola aos Filipenses, capítulo 1, versículo 27, onde
lemos na Versão Autorizada, “Somente seja a vossa conversação como convém
ao evangelho de Cristo”. “A nossa conversação” veio a ter atualmente
uma conotação diferente para nós. Pensamos em conversação como uma questão
de falar, todavia, como andar, conversação é um termo
Portanto, o que interessa ao apóstolo é que vivamos de tal maneira que estejamos
sempre agindo como a luz, tanto em nossa conduta e comportamento pessoal
como em nosso efeito sobre os outros. Mas aí surge a questão: como havemos de
fazê-lo? Como havemos de andar neste mundo da maneira que o Senhor Jesus
Cristo andou? “Como ele é, assim somos nós neste mundo” - devemos seguir os
Seus passos. É isso que somos chamados a fazer. Somos chamados
para funcionar, a nosso modo, como Ele o fez quando estava neste
mundo temporâneo. Como podemos fazer isso? É com isso que o apóstolo está
preocupado e é disso que ele trata particularmente nesta exortação. Eis a
primeira coisa que ele nos diz: fazemo-lo não sendo néscios, não sendo tolos,
mas sendo sábios e manifestando e exercendo a sabedoria.
Parece-me que o apóstolo divide o que tem para dizer em três partes principais.
Que é ela, então? Pois bem, de maneira sumamente interessante, o apóstolo nos
apresenta o assunto neste mesmo contexto. O próprio modo como o faz dá-nos
uma indicação quanto a como se deve definir a sabedoria. No versículo 14 ele já
nos dissera que nós temos conhecimento, que temos luz - “Desperta, tu que
dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá”. Ninguém poderá
ser cristão, se Cristo não brilhar sobre ele, e vimos que isto significa que Cristo
lhe dá este conhecimento, este entendimento. Assim pois, o cristão tem
conhecimento, tem luz. No entanto, aqui o apóstolo vai adiante e afirma que
devemos exercer e demonstrar sabedoria. Penso que, correta e legitimamente,
podemos inferir disso que sabedoria não é sinônimo de conhecimento e de luz. É
nisto que, por certo, chegamos à distinção mais vital. Sabedoria não é mero
conhecimento ou habilidade ou inteligência ou até mesmo gênio. Pode-se ter
todas estas, e ainda não ter sabedoria. Nem mesmo é bondade. Aí está uma coisa
que a Bíblia repete sempre. Não devemos pensar na sabedoria como sendo ela
apenas a posse de conhecimento. Não devemos pensar nela como significando
apenas que a pessoa tem grande habilidade, poderes, propensões e faculdades
naturais. O homem até pode ter alto nível de inteligência, a ponto de ser um
gênio e, todavia, ser falto de sabedoria.
lembrar todo tipo e espécie de fatos, mas são incapazes de exercer julgamento.
Conseqüentemente, não podem equipar o seu conhecimento, não conseguem
aplicá-lo, são incapazes de usá-lo para enfrentar problemas particulares. São
como discos de vitrola, podem repetir informações porém não as podem aplicar,
e daí dizerem delas: “Ah sim, ele é muito instruído, mas incapaz de julgar;
realmente lhe falta sabedoria”.
Ou ainda, nos domínios da música, há homens que são muito bons técnicos -
bons executantes. Bons executantes no sentido de que são corretos, jamais
cometem erros, e assim por diante. Entretanto, não podem ser bons musicistas.
Não podem ser bons críticos. Falta-lhes a facilidade de chegar realmente à alma
daquilo que estão tocando. São mecânicos, por assim dizer, são mecanicamente
corretos, o que é bom e essencial, e podem ter a destreza e a agilidade
necessárias. Ah, sim, mas lhes falta aquele fator final, aquele fator que, em
última instância, pesa. É o que faz a diferença entre eles e o homem que parece
ter esta amplitude de visão, esta profundidade de entendimento, esta capacidade
de tomar tudo o que ele é e tudo o que ele sabe e tem, e levá-lo à execução numa
dada situação.
Vamos um pouco mais adiante. Para isso somos chamados. Não podemos portar-
nos como luzes, não podemos ser verdadeiros representantes do Senhor Jesus
Cristo se não possuímos e não manifestamos esta sabedoria. Assim, devemos ir
além da minha exposição geral e passar a uma análise e definição mais
particular.
Tomemos o próprio contraste feito pelo apóstolo. Vocês vêem isso em seu
método. Ele lança uma negativa. Quero que vocês vivam como sábios, diz ele.
Todavia vocês notam que primeiro ele desliza para o seu elemento negativo,
“não como néscios”. Ele espera que o analisemos. Como devo saber o que é um
sábio? Como devo portar-me como sábio? Não seja néscio, diz ele, não se porte
como néscio, como insensato. Assim é que posso chegar a uma definição
da sabedoria contrastando-a com a insensatez. Quais as características
do homem descrito na Bíblia como “néscio”, como uma pessoa tola, insensata,
não sábia? Aqui vão algumas das suas características. São coisas que temos de
combater constantemente, para podermos comportar-nos como pessoas sábias.
No entanto, vocês vêem que isso se aplica à vida. São muitos os que se deixam
governar inteiramente por seus sentimentos, negando-se a fazer uso da sua mente
e do seu cérebro. Mesmo no culto, o que eles querem é felicidade e prazer.
Querem passar uma boa hora, como dizem, querem agitação, querem exercitar-
se cantando hinos, cânticos e “corinhos”, que ficam repetindo, repetindo, até
ficarem num estado de intoxicação mental. Não querem que os façam pensar. A
vida já é dura, dizem eles, sem se ter que lutar com este pensamento e
aquele; assim, tenhamos mais cânticos e menos pregação, assim por
diante. Sentimentos! Somente agitação e prazer - essa é a pessoa
néscia, insensata. Vocês vêem a relevância disto tudo para as condições da Igreja
atual? Não importa quanto se encham as suas igrejas, sejam quais forem os seus
países. O que eu quero saber é, que acontece quando a multidão se reúne ali?
Como se passa o tempo? E,
Outra sinal do néscio, do insensato, é que ele é sempre governado pelo desejo.
Tenho que ter o que quero, e o que quero é justo. Se aquilo me atrai, é o que me
fará realmente feliz, e tenho que tê-lo. A razão não entra em cena, nem o
entendimento; nada, senão o desejo. Cada um de vocês pode desenvolver isso.
Um dos grandes problemas do mundo atual é que a sociedade está sendo
governada pelo desejo, o que explica o fracasso do casamento e de tudo o mais.
As pessoas são dirigidas e determinadas unicamente pelos desejos inatos que há
em nós como conseqüência da Queda e do pecado. Pois bem, o néscio é aquele
que se deixa governar por esses desejos, em detrimento de tudo o mais.
Há também os que obedecem a algum instinto que têm dentro de si. Não podem
explicá-lo, e naturalmente, às vezes o elevam à posição de virtude quase
suprema. Há pessoas que realmente acham que os julgamentos e decisões
instintivos são melhores do que os que se baseiam em considerações racionais e
no entendimento. Sei o que elas querem dizer, até certo ponto. Tenho ouvido
homens desse tipo dizerem que quando precisam fazer uma nomeação realmente
importante em seu negócio ou em seu escritório, sempre confiam no julgamento
instintivo das suas esposas. Bem, pode haver algo nisso! Mas o que estou
dizendo é que se vocês elevarem isso à condição de princípio, certamente estarão
fazendo uma coisa perigosa, sob todos os pontos de vista e, sem dúvida,
contrária ao ensino das Escrituras.
Eis a que tudo isso chega: a pessoa insensata não pensa adequadamente. Não
pensa direito num assunto; em particular não pensa adiante. Só está preocupada
com o momento particular. Essa é a essência do insensato, não é? Eis aí algo que
o confronta. Ele gosta disso, sente-se atraído. Eu quero isso, diz ele, e vou tê-lo.
Não pensa no que vem depois. É apenas este momento imediato, este segundo
em que vive. Neste ponto estamos tocando num assunto que poderia
ser discutido extensamente porque é uma das filosofias populares no momento.
É o existencialismo; este momento é tudo o que importa, este momento
imediato.
Já antecipei a próxima negativa, que é esta - e vocês vêem que elas estão ligadas
umas às outras - o extraordinário é que há uma espécie de coerência no néscio.
Tudo o que ele faz é coeso. Visto que ele não olha adiante e, visto que não
considera as conseqüências, está sempre impaciente. Essa é uma grande
característica de todo aquele a quem falta sabedoria. Essa é toda a dificuldade
com a criança pequena. Esta quer agir imediatamente. Ela é impaciente. As
vezes você tenta ensiná-la daquela maneira, retendo algo dela, mas ela não
consegue controlar-se, quer aquilo imediatamente. A falta de sabedoria
é característica da criança. Assim, quando vocês vêem um adulto procedendo
desse modo, vocês dizem: que sujeito insensato! Impaciente ! Vocês vêem que se
pode ser impaciente numa boa causa, como também numa causa má. Um homem
pode ver certa meta desejável, porém depois, porque lhe falta sabedoria, ele
investe (como dizemos) como um touro na porteira. Ele não espera, não vê que o
jeito certo de chegar a ela é ir com cuidado e certificar-se do que está fazendo.
Ele se lança loucamente e causa mais dano e mal à sua própria causa do que o
homem que é ativo e militante opositor da sua causa. Por quê? Simplesmente
porque é impaciente, e não pode esperar o tempo e a hora certos e apropriados
para que essas coisas aconteçam.
De muitas maneiras, o real problema com a pessoa insensata, néscia, é que ela só
vê uma coisa de cada vez. E essa monopoliza a sua atenção. E cego para todas as
outras coisas. Há homens que vêem somente uma doutrina, esquecendo-se de
tudo o mais. As outras estão lá, nada obstante. Mas, devido à concentração num
só elemento, o conjunto fica desequilibrado. Este é o ponto final. Sempre
falta equilíbrio ao néscio. Ele é vesgo e, portanto, sempre há fealdade
na insensatez, na necedade. Agora pois, diz o apóstolo, “Vede prudentemente
como andais, não como néscios...”.
Às vezes penso que o sinal distintivo do sábio é que ele é sempre um bom
ouvinte. Lembrem-se de que ele não é, como eu já disse, um homem que não faz
outra coisa senão ouvir e de quem vocês podem dizer: “O silêncio é a virtude
dos tolos”. Todavia, o sábio é extremamente bom ouvinte. Por quê? Bem, ele
reúne os seus fatos, junta os dados. Diz ele: não posso chegar a um julgamento
sem ter diante de mim todos os dados, e assim é muito paciente. Não se
precipita. Não entra em ação imediatamente. Examina tudo o que há em tomo
do ponto em questão, havendo reunido todas as evidências, e então passa a
inquirir, a ponderar e a avaliar tudo. E isso leva algum tempo. Mas este homem
faz isso, insiste em fazê-lo. Este é também um dos sinais distintivos da
sabedoria. Pode tomar muito tempo ou pouco - depende do homem, da sua
experiência e das circunstâncias - porém ele é um homem que nunca age sem ter
feito exame da situação toda.
Podemos ilustrar tudo isso com a história da Igreja. Quantas vezes foi
introduzido o erro na Igreja independentemente do que acontece no mundo!
Alguns homens de repente ficam com a cabeça tomada por uma só idéia e, às
custas de tudo mais, são arrastados por ela. Não, não; há algo de completo, de
global, há equilíbrio, há o que o apóstolo chama “a proporção da fé” (Romanos
12:6, VA e ARA). Todas essas coisas devem ser mantidas como um todo, e o
homem que tem sabedoria o faz. Ele tem doutrina e prática. Não só doutrina, não
só prática, mas ambas, e sempre juntas. É a mesma coisa em tudo. Portanto, o
sábio é alguém que se assenta e avalia as evidências.
a verdade de Deus, com a mensagem uma vez e para sempre entregue e confiada
aos santos? Vejam então, filhos da luz, vejam então que andem prudentemente,
não como néscios, mas como sábios; como homens que se tornaram sábios com
a sabedoria de Deus, como homens que possam dizer: “Temos a mente de
Cristo”.
ANDANDO PRUDENTEMENTE
“Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como
sábios, remindo o tempo; porquanto os dias são maus. Pelo que não sejais
insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor. ” - Efésios 5:15-
17
Estamos considerando o que é esta sabedoria, sobre a qual a Bíblia diz tanto.
Todavia, opinei que além dela o apóstolo diz outras duas coisas. A primeira é,
pois, a sabedoria propriamente dita, a segunda é a sua afirmação do que todos os
cristãos têm esta sabedoria, e a terceira, como se manifesta esta sabedoria.
Chegamos agora ao segundo ponto - a asserção feita pelo apóstolo de que todos
os cristãos são possuidores desta sabedoria. Notem como ele se expressa:
“Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como
sábios”, com o que ele quer dizer: vocês não têm por que portar-se como
néscios, porque são sábios. É precisamente em razão disso que ele pode dizer-
lhes negativamente que não lhes cabe comportar-se ou andar como pessoas
néscias ou não sábias.
A Bíblia, vocês vêem, divide a humanidade toda em dois grupos. Ela tem muitos
e diferentes modos de descrevê-los, mas todos dão na mesma - cristão e não
cristão, pertencente a Cristo, pertencente ao mundo. Sim, mas esta outro
distinção é igualmente verdadeira. Sábio, não sábio. Vocês o têm completo na
famosa parábola do fim do Sermão do Monte - o sábio que construiu a sua casa
sobre a rocha, e o outro que a construiu sobre a areia, o néscio. As virgens
sábias, as virgens néscias. Essa divisão é fundamental. Vocês a
encontram precisamente da mesma maneira no Velho Testamento. Todos
os patriarcas e profetas eram sábios; às vezes eram até chamados “videntes” por
essa razão. Portanto, isso é algo inteiramente básico para o nosso entendimento
da vida cristã. O apelo do apóstolo ao cristão é sempre em termos do fato de que
este é sábio, de haver-se tomado sábio em distinção do outro homem.
Agora focalizamos isso, por um momento apenas. Como foi que aconteceu?
Bem, aconteceu porque os seus olhos foram abertos para essa sabedoria suprema
que está no Senhor Jesus Cristo. Como Paulo o expressa no capítulo dois da
Epístola aos Colossenses: “Em quem estão escondidos todos os tesouros da
sabedoria e do conhecimento”
(versículo 3, VA; cf. ARA). Tudo está em Cristo. A resposta aos problemas do
mundo estão no Senhor Jesus Cristo. Essa é outra afirmação estonteante, não é?
Mas é a afirmação que fazemos como cristãos. Não há problema que confronte o
indivíduo ou a sociedade em geral hoje que não tenha resposta em Jesus Cristo.
Tudo! Não hesito em asseverar isso. Diz o apóstolo que todos, todos os
tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos nEle. Está tudo ali. E se
os homens e as mulheres tão-somente O conhecessem, seriam possuidores dessa
sabedoria.
Ser cristão significa, então, que vocês estão nessa posição. O cristão é o homem
cujos olhos foram abertos para a verdade, para a sabedoria como esta se acha no
Senhor Jesus Cristo. O cristão passou a ver estes grandes princípios que
governam a totalidade do pensamento e da vida. Gostem vocês ou não, o
cristianismo é a única filosofia completa. Não é uma filosofia humana; Paulo
nega que o seja em Colossenses, capítulo 2, bem como em 1 Coríntios, capitulo
2. Não é a sabedoria deste mundo, porém é sabedoria, nada menos que
sabedoria. Nosso dever como povo cristão é capacitar-nos disso. É um perfeito e
completo sistema de pensamento e de entendimento. Prestaremos um grande
desserviço à causa cristã se não captarmos isto e se vivermos somente na esfera
de algum pequeno e confortável sentimento. O que se espera de nós é que demos
uma razão para a esperança que há em nós. Se havemos de funcionar como
luz, compete-nos mostrar que em Cristo estão toda a sabedoria e todo
o conhecimento de que necessitamos. O cristão é um homem cujos olhos foram
abertos para isso, e ele vê estes grandes princípios eternos e fundamentais
relacionados com a totalidade da vida e com a totalidade do cosmos, com a
totalidade da história - relacionados com todas as coisas.
Há outra maneira pela qual esta sabedoria chega a ele. Ele tem em si um novo
princípio de vida. Ora, isso é tremendamente importante. Não é apenas que os
seus olhos foram abertos para aquela sabedoria objetiva que há fora dele em
Cristo. Não, há ao mesmo tempo um novo princípio de vida. E vocês vêem como
isso é importante. Fizemos uma análise da pessoa néscia, não sábia, e vimos que
ela é néscia porque é uma criatura de certos impulsos e instintos que há dentro
dela. Todos nós os temos em nós, estes ímpetos e compulsões, e eles são mais
fortes que a nossa vontade e que o nosso entendimento natural. É por isso que,
como estive indicando, homens que podem ser muito instruídos e
reconhecidamente capazes, podem ser néscios consumados em sua vida e em sua
prática por causa dessas outras forças. Assim para tomar-me verdadeiramente
sábio, preciso não somente do conheci-
mento, da sabedoria objetiva que ali está, preciso de algo que opere dentro de
mim, e que aí está em Cristo, a nova vida, novo poder e novo princípio. Somos
participantes da natureza divina. Há agora em nós um princípio que está
operando na direção da verdade, da sabedoria e do agrado a Deus, e esse
princípio mantém dominadas as outras forças e energias que há em nós por
natureza e em conseqüência da Queda. É por isso que o apóstolo se dirige a nós
como sendo nós sábios. Não devemos pensar no cristão meramente como
alguém que mudou o seu ponto de vista. Ele fez isso, é claro, mas essa não é a
única coisa. Graças a Deus, há esta outra, a regeneração. O cristão tem mente
nova, nova capacidade, novo poder, um novo princípio de vida, e estes fatores
operam juntos, com o conhecimento que ele agora tem.
Aí estão, pois, três razões, sem ir atrás de mais nada, pelas quais o cristão pode
ser considerado como sábio. Vocês vêem que ele é totalmente diferente do não
cristão. O não cristão é cego para a verdade. Não tem em si o princípio da nova
vida. Não é regenerado e o Espírito de Deus não habita nele. Que possibilidade
tem ele de ser sábio? Nenhuma. Ele é vítima de si próprio e do mundo em que
vive. Ele é néscio e nada pode fazer por si mesmo. Não é assim com o cristão,
porém. Tudo em tomo dele o separa, coloca-o noutro lado e numa categoria
diferente, e aí está ele, é um sábio. Esta é a espantosa afirmação do apóstolo.
Há algo deveras triste - não há? - no fato de que, como cristãos evangélicos,
demasiadas vezes damos a impressão de que ser cristão
significa passar muito tempo cantando cânticos e sendo animado, jovial e feliz;
contando breves contos e histórias, gracejando e fazendo rir as pessoas. Caros
amigos, nAquele que está em nós e em Quem nós estamos, estão ocultos todos
os tesouros da sabedoria e do conhecimento. E eu e você devemos mostrar isso.
Estaremos representando mal aCristo, se o não fizermos. A acusação que
constantemente fazem contra nós, evangélicos, e que não há nada em nós que
favoreça o intelecto, que somos anti-intelectuais e obscurantistas, que
enterramos a cabeça na areia, que não encaramos os problemas, não mostramos
esta sabedoria e este conhecimento. Vergonha para nós, se for verdade! O cristão
é sábio. É possuidor desta sabedoria suprema, e deve mostrá-la e torná-la
manifesta. Quando o fizer, estará clamando ao incrédulo: “Desperta, tu que
dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá”.
O sábio compreende que tem que considerar muitas coisas antes de agir. Agora,
isso não é, como eu disse, a prudência ou cautela exagerada do homem que
nunca faz nada - “Quem observa o vento,
Não, andar prudentemente significa que você olha em volta, vê que existem
certos alçapões, e que se puser o pé neles, afundará. Você faz uma inspeção antes
de mover-se, procura ter uma visão geral, e só depois começa a andar. O
apóstolo, por certo, gosta muito da idéia toda, e fala a seu respeito em diferentes
Epístolas. Ouçam-no também em Colossenses, capítulo 4, versículo 6, onde ele
diz: “A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais
como vos convém responder a cada um”. É isso que significa andar
prudentemente. Noutras palavras, temos que fazer avaliações, temos
que considerar estas outras pessoas. Devemos indagar: qual seria o efeito desta
minha ação sobre elas? Vocês vêem, existem muitas coisas que são legítimas
para o cristão, mas que ele não faz por causa do seu efeito sobre outros. O
apóstolo o expressa em 1 Coríntios desta maneira: “Digo, porém, a consciência,
não a tua, mas a do outro”; diz ele também: “Todas as coisas me são lícitas, mas
nem todas as coisas convêm”. Pois bem, o sábio está ciente disso. O outro diz:
“Bem, se isso é certo, eu tenho direito de fazê-lo; que mal há nisso?” - e o
faz. Ah, porém ele ofendeu o seu irmão mais fraco, por quem Cristo morreu, e
causou grande dano à igreja e aos de fora. Andar prudentemente significa
considerar como isso vai afetar os outros. Isso faz parte do exercício da
sabedoria.
Portanto, o cristão é alguém que deve exercer grande tato e grande paciência. Ele
vê a verdade com muita clareza, e o seu instinto é, naturalmente, fazer que todos
os outros a vejam. Não conhecemos isso? Preocupamo-nos com alguém e
tentamos explicar-lhe a verdade cristã. Para nós é tão simples e elementar, mas
essa outra pessoa não
pode vê-la, e você sente vontade de martelar-lhe os ouvidos para fazer com que
ela a veja, todavia, se você o fizer, é óbvio que ela nunca a verá. É aí que entram
a paciência e a sabedoria do cristão. O cristão deve dizer a si próprio: “Pois bem,
este homem é muito inteligente; por que não vê este ponto? Ah”, diz o cristão,
“sei por que ele não o vê; o deus deste mundo o cegou. Ele não consegue vê-lo.”
“Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque
lhe parecem loucura.” O cristão compreende isso. Por essa razão é cuidadoso
quanto à sua maneira de falar. Ele não bombardeia as pessoas, nem as caceteia;
não enfia a verdade pelas suas goelas. Não, ele é sábio.
O cristão precisa também considerar os diferentes tipos de pessoas. Ele sabe que
não são todas idênticas. Assim, ele varia a sua abordagem; não a sua mensagem,
mas a sua abordagem. O apóstolo Paulo nos diz que ele fazia isso. Diz ele: “Para
os que estão debaixo da lei, (fiz-me) como se estivera debaixo da lei. Para os que
estão sem lei, como se estivera sem lei. Aos circuncisos de um modo, aos
incircuncisos doutro. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a
salvar alguns” (cf. 1 Coríntios 9:20-22). Eu e vocês devemos agir assim também.
Há diferentes tipos de pessoas, ^com diferentes dons e habilidades. Estão em
situações diferentes. E nosso dever apresentar a verdade de tal maneira que ela
tenha algo para dizer a todos. Não somente a um tipo, e sim a todos. Se não o
fizermos, não estaremos andando prudentemente. Se dissermos: bem, o meu
método é este, e vou usá-lo sempre, é como procede o néscio. Ele não olha ao
redor, não considera. Não observa a situação. Não tem real e profundo
amor pelas almas. Ele só está preocupado consigo mesmo, com o que ele faz e
com o que lhe acontece - que tragédia!
Agora, é necessário que conheçamos estas coisas na Igreja, e todos que são
membros de igreja têm o dever de entendê-las. Se algo não o atrai, lembre-se de
que pode atrair outra pessoa, e é por isso que há estas constantes exortações a
que nos apoiemos uns aos outros. Precisamos crescer juntos. Estamos em
diferentes estágios. Se você não entende bem uma coisa, acredite que alguma
outra pessoa a entende, e procure chegar lá. E assim que nós crescemos na graça
e no conhecimento do nosso Senhor. Isso é sabedoria, é andar prudentemente.
Envolve tudo isto, este grande tato e paciência, esta capacidade de diagnosticar e
de entender, esta capacidade de apresentar a verdade.
Leiam Atos dos Apóstolos e verão tudo isso magnificamente nalguns daqueles
capítulos grandiosos e dramáticos. Leiam, por exemplo, o capítulo 26 e notem
como o apóstolo anda prudentemente. Aí está o apóstolo com o seu apelo ao rei
Agripa e à sua mulher, e a
O segundo ponto nos diz por que devemos ser tão prudentes. Uma vez que o
cristão é sábio, tem uma visão correta da vida neste mundo, e do estado do
mundo. Ele redime o tempo, porque os dias são maus. Ninguém sabe disso,
exceto o cristão. Para o não cristão os dias são maravilhosos; nunca foram
melhores. Qual é a frase? “Nunca foi tão bom.” Os dias não são maus, não falta
trabalho, há muito dinheiro, há abundância de tudov Ah, mas o homem que tem
sabedoria afirma que os dias são maus. É unicamente a sabedoria de Deus que
habilita o homem a dizer isso. O mundo é maravilhoso, diz o outro homem.
Os dias são maus, diz o cristão. Isso, naturalmente, é perfeitamente exposto no
capítulo seguinte, no versículo 12. Dizele: “Não temos que lutar contra a carne e
o sangue, mas, sim, contra os principados, contra os potestades, contra os
príncipes das trevas deste século, contras as hostes espirituais da maldade, nos
lugares celestiais”. Vocês vêem, o que ele quer dizer é que este mundo é mau. Os
dias são maus, e não num sentido abstrato; ele quer dizer que este mundo é
pernicioso. Este mundo está sob o controle de poderes e forças e fatores hostis a
Deus e em ativa oposição a Deus. E isso que ele quer dizer.
Ele já tinha dito isso, é certo, logo no início do capítulo 2! “E vos vivificou,
estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro
Temos que entender que este mundo é a sede do conflito de dois extraordinários
poderes e forças, Deus e Seu Cristo, os Exércitos dos céus, o Espírito Santo, e,
do outro lado, o diabo e todos os seus poderes e emissários. Eu e vocês estamos
envolvidos nesse conflito. Os dias são maus. Devemos compreender isso com
relação a nós mesmos. Por isso o apóstolo nos dirá no próximo capítulo que
temos que revestir-nos de toda a armadura de Deus. Nenhuma outra coisa será
suficiente para nós. “Tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual
podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno.”
Não haveria ocasiões em que vocês sentem que isso é verdade? Vocês estariam
cientes do fato de que os dias são maus? Vocês com João Bunyan, consideram o
mundo como é, e sem Cristo, como uma Cidade de Destruição? Vocês enxergam
o poder infernal que está por trás das aparências? Acaso vocês não podem ver
isso quando passam os olhos em seus jornais populares todas as manhãs? Vocês
não vêem o mal que está por trás? Tudo se faz para fazer dinheiro - e eles
se entregam a tudo, filmes, sexo e tudo mais. É simplesmente uma questão de
fazer dinheiro. Eé este o seu poder maligno. Nada importa, os princípios não
importam. Ah, a vileza e o caráter pernicioso da vida neste mundo! E, vocês
vêem, o homem que anda prudentemente percebe isso e diz: “Tenho que ser
cauteloso. Devo ser cauteloso quanto ao que leio. Há muita literatura ao meu
redor, de vários gêneros e formas, que podem ferir a minha alma e embotar o
meu gosto, pôr abaixo as minhas barreiras, minar a minha resistência e afetar a
minha capacidade de julgar”. Há muito disso; não há nada mais difícil do que
manter-se reto, verdadeiro e puro neste mundo moderno, neste mundo mau. Os
dias são maus!
Deixem-me dizer uma palavra sobre o último ponto - “remindo o tempo” - que é
outro característica desta sabedoria. O cristão é alguém que, por causa de todas
estas coisas, redime o tempo. Que é que isso significa? Bem, temos que ser
cautelosos a esse respeito. Não significa meramente que ele usa o tempo da
maneira certa. Inclui isso, naturalmente. Mas há muito mais que isso. Tempo
aqui não é tanto o dos calendários - o espaço de tempo de janeiro a dezembro.
Não; significa oportunidade. Remindo o tempo deve traduzir-se “comprar toda a
oportunidade” ou “arrematar toda a oportunidade”.
Este é um pensamento muito profundo. Aí está este homem sábio, este cristão.
Como ele mostra sabedoria? Eis como: ele vê a sua vida neste mundo como
sendo uma grande oportunidade. Nisso, é claro, ele é absolutamente diferente do
não cristão. O não cristão vê este mundo como um lugar em que o homem se
estabelece, faz o máximo que pode e o desfruta plenamente. Mas não é esse o
modo de ver do cristão, O cristão compreende que este mundo é passageiro e
que ele não passa de um viajor. Eis aqui os termos do Novo Testamento -
“Amados”, diz Pedro, “peço-vos, como a peregrinos e forasteiros. . .” (1
Pedro 2:11). É o que vocês são, forasteiros ou estrangeiros e peregrinos. Vocês
estão apenas por pouco tempo aqui. O seu lar não é este. “A nossa cidade”, diz
Paulo em Filipenses, capítulo 3, versículo 20, “está nos céus.” É de onde somos.
Neste mundo, sou um homem que está
fora de casa. Sou estrangeiro aqui, estou apenas fazendo uma visita. Estrangeiros
e peregrinos, viajantes e moradores temporários, sempre em movimento. “Todas
as noites eu armo a minha tenda desmontável um dia de marcha mais perto do
lar.” Lar! Meu lar não é daqui, é de lá!
Essa é a posição do cristão. Esta vida não é vida real para o cristão. A vida real é
vindoura. Como diz Paulo em Romanos, capítulo 13: “A noite é passada, e o dia
é chegado”. É isso que o cristão espera. Essa é a esfera a que ele pertence, porém
aqui ele está num mundo mau, e diz: ah, mas enquanto estou aqui, devo fazer
uso da oportunidade. É um lugar temporário de oportunidade. Em espírito estou
fora dele, todavia no sentido físico sou deixado aqui, e assim, que devo
fazer? Bem, vou usar o meu tempo aqui para mostrar a glória de Deus.
Vamos parar neste ponto agora, porque desejo fazer um minucioso esquema de
como o cristão realmente faz isso tudo.
Somos chamados para fazer isso, e especialmente num tempo como este, quando
não é mais costume do povo freqüentar locais de culto, a responsabilidade do
cristão individual aumenta muito. Hoje em dia as pessoas não dão ouvidos ao
evangelho. Muito bem, pois, que o vejam em suas vidas. Que vejam a luz
quando olharem para vocês. Essa é a insistente exortação do apóstolo.
Estivemos examinando os princípios que habilitam o homem a andar de tal
maneira que atue como luz para os outros. Tal homem olha em volta; anda
prudentemente. Ele tem princípios pelos quais pode avaliar tudo e chega à
conclusão de que os dias são maus. Ele vê o inferno por trás da fachada, vê a
miséria, a infelicidade e o diabo existentes. Todas estas coisas o orientam em seu
procedimento pessoal, e em seu comportamento para com os outros. E depois ele
diz a si mesmo: estou aqui para representar a minha família, estou aqui como
representante do meu Pai, estou aqui como representante do Seu Filho, do
Espírito Santo e de todas as hostes angelicais. Pertenço à Sua família, e devo
considerar o meu tempo neste mundo primária e essencialmente como uma
oportunidade para dizer aos homens e às mulheres que existe outra vida, vida de
glória, vida de santidade, vida compartilhada com Deus. Vejo aquelas pobres
pessoas ao meu redor, na escravidão e nas garras do pecado em suas diferentes
formas. Não me interessa a forma que o pecado assuma, devo tentar trazer
aquelas pessoas para a luz, devo despertá-las, devo fazer-me tudo para
todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. Portanto, devo
mostrar esta sabedoria em todas as suas variegadas formas, moldes e cores. Que
todo o espectro se torne manifesto em mim e por meu intermédio, de modo que,
por algum meio, de algum modo, alguma pobre alma,
REMINDO O TEMPO
‘‘Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como
sábios, remindo o tempo; porquanto os dias são maus. Pelo que não sejais
insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor." -Efésios 5:15-17
Voltamos a esta importante exortação mais uma vez porque nela o apóstolo está
dizendo algo de grande valor. O seu grande interesse é que todos os cristãos
percebam a diferença existente entre eles e os não cristãos. O cristão tem a
sabedoria de Deus em Jesus Cristo. Ele sabe das coisas, tem uma capacidade de
discernir a vida que ninguém mais tem e, portanto, o que lhe cabe fazer é andar
prudentemente. Já vimos isso. Cabe-lhe entender as condições do mundo em que
ele vive - os dias são maus. Somente o cristão pode dizer isso. O não cristão até
se ofende com essa afirmação. Ele acredita que o mundo é maravilhoso, que a
vida é estupenda. Não, diz o cristão, os dias são maus. E assim vimos que o
cristão considera a sua vida neste mundo primariamente como uma grande
oportunidade - oportunidade de portar-se como luz, oportunidade de testemunhar
da graça de Deus no Senhor Jesus Cristo. Desta maneira, ele redime o tempo,
não deixando passar nenhuma oportunidade.
A primeira coisa, pois, que devemos salientar é que ele de fato tem que remir o
tempo. O significado da palavra remir, redimir é o de adquirir alguma coisa,
especialmente adquiri-la para nós mesmos. Se vocês preferirem, é a descrição do
homem que está em busca de uma boa compra. Ele quer comprar algo para si e
está de olho nos artigos na banca, ou na vitrina da loja. Está desejoso de fazer o
negócio, e assim olha aqui e ali e mostra grande interesse.
Ora, essa é a exortação que o apóstolo nos faz aqui, como cristãos.
Compreendendo o que vocês são, diz ele, e que os dias são maus, e entendendo
quais são as condições do mundo em que se acham, sejam como os que estão de
olho nas oportunidades. Estejam preparados
Paulo não nos está meramente exortando a não desperdiçar o nosso tempo. Ele é
muito positivo. Diz ele que vocês devem esforçar-se para ir em busca de
oportunidades. Vocês vêem, isso é muito mais forte do que a postura negativa,
embora a negativa esteja incluída, naturalmente. Vocês não conseguirão fazê-lo,
se estiverem desperdiçando tempo. Mas não é só isso. Estejam alerta, sejam
espertos, explorem as oportunidades. Procurem-nas e agarrem-nas avidamente,
toda vez que se lhes apresentarem. Isso é, por certo, da maior
importância, porque os dias são maus e por causa das condições em que
nos achamos.
Agora, parece-me que aqui o apóstolo nos está exortando a apossarmos de todas
as oportunidades por duas razões principais. A primeira é que o façamos pelo
nosso próprio bem. Depois, em segundo lugar, pelo bem doutras pessoas.
Consideremos a primeira delas. Vocês devem remir o tempo, diz o apóstolo, por
amor de vocês mesmos. Então, como devo agora tomar providências para que,
durante o tempo que resta da minha breve vida, eu resgate e aproveite as
oportunidades?
Vejamos primeiro o que ele nos diz negativamente. Depois veremos como ele se
refere positivamente a qual é a vontade do Senhor. Vemos um conselho e uma
instrução muito práticos quanto a isso no Salmo primeiro. Se devo remir o
tempo, há certas coisas que não devo fazer. Não devo andar segundo o conselho
dos ímpios. Não devo desperdiçar tempo detendo-me no caminho dos pecadores.
Não devo vagar pelo tipo de lugar pelo qual eu sei que é provável que
eles passem. Tampouco devo assentar-me na roda dos escamecedores. Se eu
fizer essas três coisas, longe de apossar-me da oportunidade, estarei
Que dizer das positivas? Bem, voltem, e verão tudo no Salmo primeiro. Aí está o
homem bem-aventurado - “mas o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei
medita de dia e de noite”. Vocês vêem, este homem não está perdendo tempo
com literatura indigna e nociva. Antes, ele passa o tempo com a lei do Senhor, e
nela medita de dia e de noite. Não é como o homem que diz que é tão ocupado
que realmente não tem tempo para estudar a Bíblia e ler bons livros. Mas como é
tão ocupado? Ele gasta mais tempo com o jornal do que com a Bíblia? Então, ele
não tem mais desculpa. Que o tempo que ele estava dando para a leitura do
jornal seja dado ao estudo da lei do Senhor. O cristão medita na lei do Senhor de
dia e de noite. Este é o seu prazer. Diz ele: quero algo que me edifique, me ajude
e me habilite a funcionar como luz; por isso é muito cauteloso quanto ao
emprego do seu tempo. Ele não desperdiça o seu tempo, para ver no fim do
dia que não leu a Bíblia, quase não orou a Deus e não fez nenhuma outra coisa
porque o seu tempo foi consumido com as frivolidades das coisas do presente
mundo. Não, não; este é o homem que se apossa da oportunidade. Ele tem que
disciplinar-se. Diz ele: tenho que fazer isto, insisto nisto. Vou fazê-lo, custe o
que custar. Isso nunca foi mais necessário do que hoje.
Ou vejam outra exortação, feita pessoalmente pelo nosso Senhor: “Não ajunteis
tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões
minam e roubam”. Não gaste seu tempo neste mundo fazendo isso. Fazer o quê,
então? “.. .ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem,
e onde os ladrões não minam nem roubam.” Você é um peregrino da eternidade,
que é para onde está indo. Pois bem, não passe o tempo todo ajuntando tesouros
neste mundo, porque você vai sair dele; vai perecer, e os deixará para trás. Olhe
para a frente, prepare-se para o futuro, ajunte tesouros lá, redima o tempo.
Resgate a oportunidade.
Estas são todas diferentes maneiras, vocês vêem, de dizer-nos que nos
despertemos, que nos apercebamos do que somos e de quem somos, e que nos
agarremos a todas as oportunidades. Sejam ativos e estejam alerta. Considerem
este mundo apenas como uma oportunidade de agradar ao Senhor. Granjeai
amigos, até com as riquezas da injustiça; tomem posse da vida eterna.
morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos,
pois as suas obras os seguem.” Aí está de novo. Graças a Deus, as obras que nos
seguem são as nossas boas obras! São as que fazemos conforme fomos
aproveitando a oportunidade ou remindo o tempo. Tudo está sendo registrado,
nada será esquecido; você ouvirá as benditas palavras: venha, bendito do Senhor,
venha, servo bom e fiel, entre no gozo do Senhor. Entre no reino que foi
preparado para você antes da fundação do mundo. É coisa estupenda - “as suas
obras os seguem”.
Muito bem, pois, aí está a exortação em face disso tudo. Para que vocês possam
ter aquela recepção, para que vocês possam ouvir aquele encômio, redimam a
oportunidade. Que coisa maravilhosa será ouvir as palavras: “Vinde, benditos de
meu Pai”. Desenvolvam-nas em termos de Mateus, capítulo 25, sobre as pessoas
que O visitaram na prisão visitando o Seu povo na prisão e levando-lhe alimento,
bebida e roupa. Vocês vêem, eles tomaram cada oportunidade, viveram à
luz disso e remiram o tempo. Essa é a exortação, Está aí com relação a
nós, porém não devemos viver somente para nós, embora devamos começar daí.
Seremos de pouco valor para os outros, se não compreendermos tudo isso acerca
de nós mesmos, e por isso Paulo o coloca em primeiro lugar.
Mas então passamos à segunda aplicação - a nossa relação com os outros neste
mundo. Devemos resgatar a oportunidade com vistas a eles. Como fazê-lo? A
primeira coisa que devemos fazer é procurar compreender o seu estado e as suas
condições. Eles ainda pertencem a este mundo mau. Ainda estão nas trevas e o
seu estado é de pecado. No entanto, sabemos algo mais. Sabemos que o tempo
todo eles nos estão olhando e observando. Todos nós sabemos isso por
experiência pessoal. Além disso, os jornais gritam isso para nós. Vocês
não notaram que, se houver um homem num tribunal com alguma acusação
contra ele, e se descobrem que ele fora professor da Escola Dominical trinta anos
antes, sempre o mencionam? Chegam a pôr como cabeçalho: “Professor da
Escola Dominical em julgamento”, embora não estivesse ali por trinta anos
talvez. Estão vigiando. Dizem eles: essas pessoas dizem que são diferentes.
Muito bem, vejamos como estão se comportando, como vivem. Esse é o
argumento comum, não é? Por que devo ser cristão? Por que devo unir-me a
vocês na igreja? Vejam as pessoas que vão!
Mais importante ainda, as pessoas julgam o cristianismo pelo que vêem em nós.
Não só isso, julgam a Cristo por nós, julgam a Deus por nós. Somos tomados por
Deus e por Cristo, pelo evangelho da salvação, pela totalidade da mensagem
cristã. Somos seus represen-
tantes. Eles a julgam inteiramente pelo que vêem em nós. Não lêem a Bíblia,
nem livros sobre a Bíblia. Nós somos tomados em lugar dela. Assim, eles nos
observam! Vocês vêem por que o apóstolo diz que devemos remir o tempo e
apossar-nos de todas as oportunidades. Muitas vezes Deus levou pessoas ao
arrependimento e à salvação simplesmente levando-as a observarem outros
cristãos, e elas tiveram um sentimento de condenação e, ao mesmo tempo, a
sensação de algo que as atraía. Essa é a razão pela qual devemos ser cautelosos,
diz o apóstolo.
Então, que é que devemos fazer? Como havemos de remir o tempo? Devemos
viver de tal maneira que silenciemos toda a crítica. Pedro o expressa
perfeitamente em 1 Pedro 2:11-12: “Amados, peço-vos, como a peregrinos e
forasteiros, que vos abstenhais das concupiscên-cias carnais que combatem
contra a alma”. Elas são prejudiciais a vocês, pelo que não as pratiquem pelo
bem de vocês mesmos. Mas depois ele continua: “Tendo o vosso viver honesto
entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de
malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em
vós observem”. Vivam de tal maneira, diz ele, que desarmem a crítica que eles
fazem. Não haverá nada que possam dizer. Embora tenham falado contra vocês,
como se vocês fossem malfeitores, as suas boas obras lhes responderão e eles
terão que admitir que estavam errados.
Como fazê-lo, porém? Que espécie de vida devemos viver? O primeiro ponto
essencial, eu diria, é que deve ser uma vida ordenada. Tem que ser uma vida
disciplinada. Uma das coisas que mais
Ou, vejam-no assim: temos que viver uma vida não caracterizada por tropeços e
quedas, desta ou daquela forma. Um cristão que vive tropeçando e caindo é uma
pobre recomendação do evangelho, porque o mundano pode tropeçar e cair em
pecado, em qualquer de suas formas ou tipos, pecado no temperamento, na ira,
na perda de controle, na falta de simpatia e de compreensão. Quem age assim
não está remindo o tempo. Não está recomendando o cristianismo, nem a
Deus, nem ao Senhor Jesus Cristo. Não; a grande característica da vida cristã é a
firmeza. Não pode haver reações violentas de modo algum. Ouçam a descrição
que um salmista faz deste bom tipo de homem, no Salmo 112: “Não temerá
maus rumores; o seu coração está firme, confiando no Senhor”. Vocês sabem que
os tempos de crise sempre ajudam a mostrar o que o homem é realmente. Uma
coisa é ser cristão teórico, mas a prova real é o que você é quando as coisas vão
mal. Subitamente você cai de cama, e se você fica alarmado e não sabe o que
fazer, o mundo diz: eu pensava que ele era cristão, porém isso não parece ajudá-
lo muito. Como é você quando a tristeza ou a aflição chega ao seu lar? Como é
você quando irrompe a guerra? Vocês vêem, é por nossas reações que revelamos
o que somos. Disse o nosso Senhor: “Por tuas palavras serás justificado, e por
tuas palavras serás condenado” (Mateus 12:37). Acontece alguma coisa, e você
fala instintiva-
mente, e mostra exatamente o que você é nas profundezas do seu ser. O cristão é
inabalável; não temerá más notícias. Seu coração está firme, confiando no
Senhor.
Naturalmente, vocês vêem, quando as coisas vão bem esta homem fala consigo
mesmo e diz; “Ora, sim, graças a Deus, as coisas vão indo bem. Deus é
misericordioso e bondoso comigo. Nem isso eu mereço. Não posso entender por
que Ele me abençoa como me abençoa, e Lhe dou graças por isso. Mas eu sei
que num mundo mau como este, nunca se sabe quando as coisas irão mal. O
pecado trouxe toda espécie de conseqüências e complicações, e eu faço parte do
munco e estou sujeito a estas coisas. A qualquer momento elas podem chegar a
mim”. Assim, quando elas chegam, ele não é apanhado desprevenido.
Ele pensou na frente, e previu tudo. Está tudo muito bem, diz ele, isto faz parte
da porção que me cabe neste mundo; neste tabemáculo gememos sob os nossos
fardos, desejando ardentemente ser revestidos da nossa casa, que é do céu. Seu
coração é firme. Ele é um homem inabalável. Tem equilíbrio em sua vida. Ele
tem reservas das quais ninguém sabe. Ele está sobre uma rocha, sobre um
alicerce, e ainda que o mundo todo se convulsione na calamidade final, este
homem permanece firme, confiante no Senhor. Essa é a espécie de vida que
devemos viver.
Ou pode ser que eles lhe façam perguntas. Que oportunidade vinda do céu! Se
tão-somente virmos isso deste modo é admirável quão constantemente as
pessoas nos presenteiam com estas verdadeiras oportunidades. Sim, porém nós
as estamos querendo, as estamos procurando? Estamos sempre prontos a agarrar-
nos à ocasião e a
aproveitá-la? É isso que o apóstolo nos está dizendo que façamos. Ou ainda,
devemos manter os olhos abertos e observar o que está acontecendo com as
pessoas. Aí está um homem que ficou doente, homem que é nosso conhecido e
que não tem interesse pelos assuntos cristãos. E maravilhoso poder ir oferecer-
lhe um pouco de simpatia, tentar ajudá-lo de alguma forma prática, e então, logo
lhe será dada oportunidade de oferecer melhor a maior ajuda. Enfermidade,
doença, acidente, morte, reveses, todas estas coisas estão acontecendo
constantemente com as pessoas, e aí vemos a nossa oportunidade. Quando os
seus corações se abrandam, estejamos lá e estejamos prontos. Redimam o tempo,
tomem posse da oportunidade!
Que significa? Significa exatamente aquilo que o apóstolo nos estivera falando
no versículo 10: “Aprovando o que é aceitável ao Senhor”. Diz ele precisamente
a mesma coisa em Romanos, capítulo 12, versículo dois. Qual será então, a
vontade do Senhor? Certamente não deve haver dúvida sobre isso. O temor do
Senhor é o princípio da sabedoria. Quemais? “Esta é a vontade de Deus, avossa
santificação”, diz Paulo naPrimeiraEpístolaaosTessalonicenses,capítulo4,
versículo 3. Diz ele aqui, na Epístola aos Efésios, capítulo 1, versículo 4:
“Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos
santos e irrepreensíveis diante dele em amor”. A santidade sempre caracteriza o
cristão. A vontade do Senhor é isso. É o que Ele quer que eu seja. Ele quer que
eu seja alguém que aja como luz neste mundo, e a Bíblia está cheia de instruções
sobre o que eu devo fazer e o que não devo. Leiam os Dez Mandamentos, leiam
as Bem--aventuranças, leiam o Sermão do Monte. Essa é a vontade do
Senhor. Para conhecer a vontade do Senhor, digo e repito, vocês têm que ler
a Bíblia. Meditem na lei do Senhor, como o homem do Salmo primeiro, cujo
prazer está nela e que nela medita de dia e de noite. Conheçam--na
exaustivamente, e então apliquem-na.
Se vocês quiserem mais alguma coisa, aqui está: olhem para o Filho de Deus,
vejam como Ele viveu neste mundo. Devemos tentar viver desse modo, seguir os
Seus passos, que não erraram. “Quanto o injuriavam, não injuriava, mas
entregava-se àquele que julga justamente” (1 Pedro 2:23). “Sede pois
imitadores” - já dissera Paulo a estes efésios - “Sede pois imitadores de Deus”.
Imitem o Senhor Jesus Cristo, não para se tomarem cristãos, mas porque vocês
são cristãos. Como Ele é, assim somos nós neste mundo. Devemos seguir os
Seus passos. Devemos negar-nos a nós mesmos, tomar sobre nós a cruz e seguir
a Cristo. E na medida em que o fizermos, as nossas vidas serão santas, serão
firmes. Serão calmas e serenas, serão uma censura ao pecado em todas as suas
formas e modalidades. Serão uma atração para os pobres pecadores que estão
começando a perceber o seu estado e a sua necessidade. “Sempre conhecendo”,
diz ele, “e entendendo qual seja a vontade do Senhor.” Eis aqui a Sua vontade:
“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as
vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mateus
5:16). Essa é a exortação que está em Efésios, capítulo 5, versículos 15 a
17. “Assim resplandeça a vossa luz”!
AS TREVAS E A LUZ
Ad hoc = para isto; em resposta a isto. Expressão geralmente empregada nos casos de funções
emergenciais. E.g. - “Secretário ad hoc”, i.e., designado para o momento, para a reunião do momento.
Em latim no original. Nota do tradutor.
VIDA NO ESPIRITO
NO CASAMENTO, NO LAR E NO TRABALHO
Título original:
Editora:
Copyright:
Lady E. Catherwood
Tradução do inglês:
Odayr Olivetti
Capa:
Antonio Poccinelli
PREFACIO
Janeiro de 1974
20 Dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo:
O ESTÍMULO DO ESPÍRITO
Efésios 5:18
Aqui o apóstolo começa a dar-nos uma visão ainda mais positiva da vida
cristã do que fizera até esta altura. Até este ponto, ele se interessara
mormente em expor, de maneira negativa, a diferença existente entre a
velha vida e a nova. Agora, porém, ele se toma muito mais positivo e pinta o
quadro da nova vida no Espírito em termos mais positivos. No entanto, por
que faz a transição com o que, a princípio, parece um modo estranho,
deveras surpreendente? É quase um choque para nós, no meio de tudo que
estivera dizendo e de tudo que iria dizer, ler de repente: “E não vos
embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito”.
Por que Paulo não expôs este ensino positivo da vida daquele que está cheio
do Espírito de maneira direta? Por que introduziu
Mas esse tipo de vida joga fora outras coisas mais importantes ainda. Lança
fora a castidade, lança fora a pureza. Longe de preservá-las, lança-as
para longe. Os mais preciosos dons que Deus dá ao homem, esse tipo de vida
joga fora - a capacidade de pensar, de raciocinar, de calcular, de
compreender, e de todo o equilíbrio de que venho falando. Tudo isso é
dissipado. Essa é a característica do excesso produzido pela embriaguez;
esta leva o homem a jogar fora a sua castidade, a sua pureza, a sua
moralidade. É isso que faz da embriaguez uma coisa tão terrível. Vemos um
homem assim atirar pela janela as coisas mais preciosas que lhe pertencem;
ele as dissipa. A embriaguez é sempre destrutiva.
Por outro lado, a vida cristã é o oposto exato disso tudo. Desenvolverei este
tema mais tarde. Mas a grande característica da vida cristã é que
ela conserva, edifica e aumenta o que temos. O cristão está sempre
ganhando algo, sempre aprendendo algo novo. Sobre a vida piedosa, o Velho
Testamento declara que é uma vida que enriquece - que nos faz ricos em
todos os aspectos; de fato nos introduz nas “insondáveis riquezas de Cristo”.
A vida cristã faz isso. É uma vida que preserva, conserva e aumenta tudo
que há de melhor no homem. É precisamente o oposto do tipo de vida que o
filho pródigo levava; e o é em todos os aspectos. O pródigo jogou fora seu
dinheiro com as duas mãos. O cristão não é um miserável, mas diz o Novo
Testamento que ele é um “mordomo”. Ele retém e conserva; não joga fora
dinheiro a mancheias, sem pensar no que está fazendo. Compreende que lhe
foi confiada uma solene responsabilidade, e que lhe cabe desincumbir-se
dela corretamente. Portanto, ele é verdadeiramente um mordomo do seu
dinheiro e de tudo mais.
maneira de viver, não é? O pobre sujeito pensa que está sendo estimulado;
na verdade está se exaurindo por causa do seu pródigo uso da sua energia e
de tudo mais. Mas a vida cristã não produz exaustão; na verdade faz
exatamente o oposto, graças a Deus.
O Espírito Santo, volto a dizê-lo, não nos esgota; Ele coloca poder dentro de
nós. Muitos outros elementos esgotam os homens. Se uma igreja ou
uma organização cristã fica exausta após uma campanha evangelística, eu
questionaria muito a base sobre a qual a campanha foi conduzida. O
Espírito não esgota ninguém, mas a energia produzida e gasta pelo homem
esgota. O álcool, ou qualquer estímulo artificial produzido pelo homem,
sempre nos deixa exaustos e fatigados. O Espírito não! A embriaguez
esgota; o Espírito Santo não esgota, mas comunica energia.
não. A vida antiga, natural e pecaminosa nos empobrece e nos deixa sem
nada.
comparação, troveja para nós este fato tremendo, que a vida cristã não é tão
somente uma vida negativa, uma simples ausência do mal e do pecado.
O alcoolizado realmente não se sente responsável pelo que faz, e depois fica
aborrecido pela generosidade que demonstrou enquanto estava bêbado.
Seu coração não foi tocado, absolutamente; tudo aquilo simplesmente pôs
fora de ação o seu controle superior. Parecia generoso; no dia seguinte
deplora isso, e gostaria de poder anular o ato praticado. Isso não toca o
coração. Mas eis aqui algo que toca o coração, dilata-o, abre-o. E
igualmente a vontade. Certo é que a bebida paralisa a vontade e deixa ao
desamparo o homem. “Olhem para ele”, dizemos, “irremediavelmente
bêbado, incapacitado”. A influência do Espírito Santo, porém, é uma coisa
que toca e estimula a vontade.
Meu quinto ponto é que a vida cristã é uma vida feliz; é uma vida repleta de
alegria. Por que aquele pobre sujeito vai atrás da bebida? Porque sua vida
é uma miséria! Ele deseja ser feliz, mas é infeliz. Pensa na vida, e fica mais
infeliz ainda. Olha para outras pessoas, e estas lhe parecem tão infelizes
como ele; mas todo o seu pensamento é ser feliz. Daí ele se sente atraído pela
bebida. Ele está em busca de alegria, de felicidade. “Vocês estão interessados
em felicidade e alegria?”, pergunta o apóstolo. Pois bem, se estão, “enchei-
vos do Espírito”. “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda,
mas enchei-vos do Espírito.” Vocês pensavam que esta vida cristã era uma
vida insípida e
Ainda mais: esta vida não é apenas feliz e alegre, é uma vida que capacita a
pessoa a ser feliz e alegre, mesmo em meio a provações e tribulações.
Ouçam o que apóstolo Pedro diz sobre isso. Falando acerca do evangelho e
suas bênçãos, diz ele: “Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que
agora importa sendo necessário, que estejais por um pouco contristados
com várias tentações” (1 Pedro 1:6). Eles estavam passando por um período
muito duro e difícil, estavam em meio a provações e tribulações, e, contudo,
ele diz: “Sei que vós grandemente vos alegrais”. Ele reforça essas palavras
no versículo oito do mesmo capítulo. Falando de Cristo, diz: “Ao qual, não o
havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais
com gozo inefável e glorioso.” Isto é cristianismo! Ou retomemos a Paulo e
vejamos a colocação que ele faz disso em Romanos, capítulo cinco. Vem ele
dizendo que, sendo justificados pela fé, temos paz com Deus por meio de
nosso Senhor Jesus Cristo, “Pelo qual também temos entrada pela fé a esta
graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de
Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações”. Os
cristãos se regozijam, mesmo em meio a tribulações, Como fazemos isso?
Bem, temos uma esperança, diz ele, e “porquanto o amor de Deus está
derramada em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Vida
miserável, infeliz? Esta é a única vida verdadeiramente feliz!
o seu trigo e o seu vinho.” Esta é a única alegria que persiste até na
adversidade. “Minha alegria”, diz Cristo à sombra da cruz, “vos darei, e
minha alegria ninguém tirará de vós.” Graças a Deus, homem nenhum
poderá tirá-la, porque se trata da alegria do Senhor, da alegria do Espírito
Santo.
A sexta característica da vida cristã é que é uma vida convival. O outro tipo
de gente quer companheiros alegres, convivência social, felicidade;
e argumenta que não pode ter convivência social sem bebida. Tenho lido
livros sérios que tratam disso. “Convivência social”, dizem eles, “é
impossível sem o estímulo da bebida” - naturalmente querem dizer, sem o
efeito soporífico da bebida! Mas pensam que estão desfrutando convivência
e amizade. A réplica apostólica é que somente encontramos isso aqui: “E
não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do
Espírito; falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais”.
Naturalmente, os cristãos gostam da companhia uns dos outros. Se você não
gosta da companhia de cristãos, não posso ver como você pode ser cristão,
de maneira nenhuma. “Nós sabemos que passamos da morte para a vida,
porque amamos os irmãos” (1 João 3:14). Porventura há na terra alguma
coisa comparável ao encontro de cristãos? Eu sacrificaria tudo que o mundo
tem para oferecer para ter cinco minutos com um santo! Que é que o mundo
tem para oferecer-nos de melhor e mais elevado, em todos os seus palácios,
em todos os seus refinamentos, em toda a sua arte e literatura, em tudo que
é seu, quando o vemos à luz disto - a comunhão das mentes congêneres e
cristãs, os filhos de Deus reunindo-se, conversando acerca da grande
libertação, acerca da nova vida e da bendita esperança que jaz diante deles,
conversando acerca do lar, conversando acerca da glória
vindoura, contentes juntos, enfrentando juntos os problemas, ajudando uns
aos outros, fortalecendo uns aos outros, estimulando uns aos outros? Essa é
a alegria dos cristãos que convivem em comunidade na vida da igreja. Não
há nada que se lhe iguale, contanto que seja genuinamente cristã. Ser
membro da igreja não lhes dará isso necessariamente, como tampouco o
fará a moralidade. Mas quando os membros da igreja estão cheios do
Espírito, a resultante é essa vida comunitária feliz; têm amor, têm interesse
uns pelos outros, têm compaixão, desejo de ajudar, e estão todos juntos num
grande e glorioso espírito de convivência, louvando o Senhor, unindo as suas
vozes em cânticos e antecipando juntos aquilo que ainda lhes está
reservado!
Mas, deixem-me dizer isso também, para ser justo - denuncio igualmente o
tipo de cristão que tenta produzir uma jovialidade e alegria falsa, ilusória
e fictícia. Não é essa a obra do Espírito Santo. Refiro-me àqueles que vestem
uma espécie de alegria exibicionista, e dizem: “Eu sempre mostro que sou
feliz como cristão”. O efeito que eles sempre causam em mim é fazer-me
sentir num estado extremamente miserável ao ver a exibição da sua
camalidade, e a sua incapacidade de compreender a doutrina concernente
ao Espírito Santo! Eles tentam criar essa alegria e a usam como máscara.
Então procuram fazer as suas reuniões vivas e alegres. Agora até chegam a
falar de “edifícios cheios de vida e de alegria”. Alguns até argumentam que
isso é essencial para a obra de evangeli-zação! Isso é embriaguez, isso é
excesso, isso é parecido com o efeito do álcool; é o homem tentando produzir
uma aparência de felicidade.
Ele começa com esta afirmação geral: “Agora”, diz ele, “vocês devem
encher-se, não de vinho, mas do Espírito, se é que hão de resolver
certos problemas que defrontam”. Que problemas? Um dos primeiros é o
problema de harmonizar-se uns com os outros. Daí dizer ele no versículo
vinte e um: “Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Deus”. Não é fácil
relacionar-nos harmoniosamente uns com os outros. O mundo é
caracterizado por divisões, por conflitos, cada qual querendo ser o primeiro,
cada qual querendo ser importante. Essa é, naturalmente, a principal causa
de todos os problemas e dificuldades que estão assediando o mundo na
época atual. Ora, a declaração do apóstolo assevera que há realmente só
uma solução para esse problema, e essa é, que os homens e as mulheres se
encham do Espírito Santo de Deus. Somente quando estão cheios do
Espírito Santo de Deus é que podem sujeitar-se uns aos outros no temor de
Deus.
Depois o apóstolo passa para o problema de pais e filhos. De novo, bem que
ele poderia estar escrevendo para os nossos dias. Este é outro dos nossos
Depois disso, Paulo parte para o problema final que expõe aos efésios, a
saber, a relação entre senhores e servos. Como estamos familiarizados com
este problema, em termos de greves de empregados, greves de
empregadores, e de todas as coisas que ferem o trabalho da sociedade e
põem em perigo a paz desta e doutras terras! Senhores e servos!
Este princípio é ensinado em toda parte na Bíblia. Este é o único meio pelo
qual o problema fundamental da guerra poderá ser resolvido, pois a guerra
nada mais é do que aquilo que esbocei acima, mas em grande escala.
Éporque tantos não conseguem enxergar isto, que consomem muito do seu
tempo, do seu fôlego e da sua energia; não conseguem enxergar que a
guerra, afinal de contas, não é senão uma disputa entre duas pessoas,
ampliada - uma disputa entre duas pessoas da mesma família, ou do mesmo
país, uma disputa entre marido e mulher, pais e filhos, senhores e servos. À
guerra é justamente o que está envolvido numa destas situações,
multiplicado e ampliado. A guerra não é uma coisa especial e diferente, não
é um problema único, singular; é apenas o problema das relações humanas
em larga escala. Assim aqui, digo eu, estamos face a face com este princípio
deveras vital, ensinado na Bíblia toda; e aqui está o argumento - que não há
solução para estes problemas fora da solução dada pelo Espírito Santo de
Deus.
Quem quer que venha ao Novo Testamento com mente aberta, sem
preconceito, haverá de concordar que esse é o ensino do Novo Testamento.
Mas, naturalmente, todos somos sabedores do fato de que não é o que está
sendo feito no presente, e que o que está sendo ensinado em nome do
cristianismo e da Igreja cristã muitas vezes é coisa essencialmente diferente.
A idéia agora é que
a “ética” cristã, como lhe chamam, o ensino cristão, tem que ser extraído da
Bíblia, e deve ser apresentado, pregado e ensinado a toda gente, que deve
ser dirigido aos Estados como também aos indivíduos. Está sendo ensinado
que esta ética cristã é uma coisa que todos são capazes de aplicar e pôr em
prática; que o Estado pode fazê-lo, e que o mundo todo pode fazê-lo. Essa é
a noção e idéia moderna. E assim, temos dignitários da Igreja dizendo que
um líder como Nikita Khrushchev fez uma declaração cristã magnífica. Esse
é o modo pelo qual o evangelho está sendo mal compreendido e pervertido
hoje em dia.
A resposta simples para isso é que homem nenhum pode falar como cristão,
a menos que seja cristão. Mas alcançou aceitação geral a idéia de que o
cristianismo é isto: basta que tomemos a ética cristã e a ensinemos, como
digo, a toda gente - toda gente é capaz de apreciá-la e de entendê-la, toda
gente é capaz de aplicá-la e de pô-la em prática e em ação. E assim somos
confrontados por um ensino que, como pretendo demonstrar, é uma total
perversão do ensino do Novo Testamento. De fato, não hesito em ir além: é
esse ensino que constitui o maior perigo para a verdadeira fé cristã; é,
finalmente, a derradeira negação dos princípios fundamentais deste
evangelho cristão. Digo isso porque esse conceito ensina, fundamentalmente,
que o cristianismo visa a reformar o mundo, e que, embora os homens
neguem completamente as grandes doutrinas da fé cristã, podem, não
obstante, aplicar esta ética cristã. Podemos livrar-nos da guerra, podemos
livrar-nos dos armamentos, podemos livrar-nos de todos estes grandes
problemas mediante a simples aplicação da ética cristã; e essa é a principal
função do evangelho cristão, dizem-nos. E assim, no “Domingo Memorial”1,
em milhares de púlpitos essa é a mensagem apregoada. O cristianismo será
apresentado como nada mais do que um ensino que pode ser aplicado pelas
autoridades civis e políticas; e, por conseguinte, serão pregados sermões
sobre questões políticas e sociais, por exemplo, sobre como evitar a guerra,
como livrar-nos de todas as nossas armas, e assim seremos
todos perfeitamente felizes juntos. Essa é a idéia de muitos, quanto ao que
constitui a mensagem cristã.
Mas, vamos para a coisa mais importante, vamos ver quão completa
negação é do verdadeiro ensino do Novo Testamento propriamente
dito. Observem-no do seguinte modo: a primeira coisa que é tão errônea
nisso é que causa divórcio entre a ética cristã e a doutrina cristã.
Frequentemente me refiro a esta questão nos dias presentes porque se ouve
falar disso constantemente. Já na semana passada uma pessoa me falava de
um problema. Era um problema
puramente médico, num sentido; e aquele bom amigo me dizia que o médico
lhe havia sugerido seguir certo tipo de tratamento. Ele quis muito saber se o
médico que sugerira esse tratamento era cristão, de modo que lhe
perguntou qual era a sua posição nessas coisas. A resposta do médico foi:
“Naturalmente, acredito na ética cristã; mas lamento não aceitar o que você
considera como doutrina”. Esta posição é de fato comum - que podemos
defender a ética cristã, sem crer no nascimento virginal de Cristo e em Suas
duas naturezas numa pessoa, nos milagres, na morte sacrificial e expiatória
de Cristo, na ressurreição física literal e na pessoa do Espírito Santo. Não
estão interessados , dizem eles, nestas “doutrinas e dogmas”, mas somente
na ética, no ensino de Cristo, no Sermão do Monte. “É isso que queremos”,
dizem eles, “é isso que precisamos ensinar ao povo; a viver desse modo; e
então eliminaremos a guerra, e tudo ficará bem.”
Não há nada, assevero, que seja tão anticristão como falar dessa maneira, e
pensar que podemos tomar a ética e despejar a doutrina. Por que digo isto?
A resposta se acha no Novo Testamento. Vejam o método de Paulo na
epístola que estamos estudando. Qual é? Os três primeiros capítulos são
dedicados inteiramente à doutrina; e é só depois de ter formulado a sua
doutrina, que ele começa a tratar da sua aplicação prática. Noutras
palavras, o apóstolo, num sentido, está dizendo em toda parte que ele não
tem nenhuma ética separada da sua doutrina. Vocês jamais encontrarão
ensinamento ético no Novo Testamento que não esteja no contexto da
doutrina. É a segunda metade da epístola que contém os ensinamentos
éticos, e estes sempre são introduzidos pelo termo “portanto”, ou seus
equivalentes. “Portanto” - à luz de tudo que estive dizendo -
“portanto”. Mas, sem esse “portanto” não temos ética nenhuma.
O que o apóstolo faz aqui é o que fazem todos os outros escritores do Novo
Testamento; é o que foi feito pelo nosso bendito Senhor. Tomem toda a
prosa atual sobre o Sermão do Monte como uma espécie de carta magna
social, como o meio pelo qual introduzir no mundo o reino de Deus e
segundo esta legislação, reformar a sociedade. O Sermão do Monte, dizem
eles, é o de que se necessita - voltar a outra face, em vez de fabricar armas,
dar um grande exemplo moral, e tudo estará bem. Mas, leiam o Sermão do
Monte, e o que verão é que o Senhor afirma que essa espécie de vida só é
possível a certa espécie de pessoa. Que espécie? É a pessoa que Ele descreve
nas bem-aventuranças. “Bem-aventurados os pobres de espírito”; são estas
as únicas pessoas aptas a oferecer a outra
face. Há outras pessoas que poderão fingir fazê-lo, a fim de alcançar os seus
nefandos fins pessoais; mas nunca veremos ninguém oferecer a outra face
no sentido bíblico, a não ser alguém que seja “pobre de espírito”, que
“chore”, que seja “manso”, que tenha “fome e sede de justiça”, que seja
“pacificador” e limpo de coração”.
O Senhor deixa isso bem claro. É ocioso requerer esse tipo de conduta, a não
ser que o homem já seja um possuidor do Espírito Santo. Se posso expressá-
lo assim, não poderemos viver a vida do reino de Deus enquanto não
tivermos entrado no reino de Deus. Não podemos participar da vida do
reino de Deus sem sermos cidadãos desse reino. Portanto, é errôneo falar de
homens que estão fora do Reino como se estivessem vivendo a vida do
Reino; é uma contradição de todo o ensino do Novo Testamento. Não há
maior negação da fé cristã do que precisamente essa.
o homem é uma criatura egoísta e egocêntrica. O que para mim é tão difícil
entender é como alguém, que tenha os olhos bem abertos, pode discutir
essa proposição. Por que há tanta aflição no mundo? Por que é difícil viver
com outras pessoas? “Ora, pois”, você dirá, “é porque a outra pessoa é
difícil”. Sim, mas aquela outra pessoa está dizendo a mesma coisa a respeito
de você; e a verdade é que vocês dois estão certos! Todos somos difíceis; e
somos difíceis porque todos somos egoístas, porque todos somos
egocêntricos, porque todos damos ouvidos a uma coisa elementar que há
dentro de nós e que quer as coisas para nós. Somos todos injustos, somos
todos incorretos, somos todos capazes de praticar terrível desonestidade,
perversidade, falsidade - cada um de nós! Quem questionaria isso?
Não somente a sociedade, como é hoje, comprova isso, mas todo o curso da
história o comprova. Porventura a segunda guerra mundial não foi
ocasionada principalmente pelo fato de que o povo não captou verdades
como esta, mas acreditou no óbvio mentiroso que foi Hitler, quando ele dizia
que desejava a paz e que ia realizar um grande feito? Acreditaram nele! É
quase incrível. Mas o ponto que defendo é que, não compreender o
evangelho é que leva o povo a cair em tão colossais erros. O evangelho nos
ensina que o homem em pecado é um caráter deveras mau, que nada o
deterá no caminho do seu propósito. Ele aparecerá como um “anjo de luz”,
dirá, “extingamos todas as armas”, e assim por diante. Tudo que digo é que,
se você não tiver examinado, não só o que ele é e diz na superfície, mas
também tudo que ele é, e tudo de que é capaz nas profundezas do seu ser, se
você acreditar nele, você é um tolo!
Contesto: se acreditam que são capazes de fazê-lo, tudo que pergunto é: por
que demoraram tanto tempo para pôr em prática sua crença? Este tipo
de coisa, devemos lembrar-nos, tem sido ensinado durante muitos séculos.
Os filósofos gregos ensinavam utopias “possíveis” antes da vinda de
Cristo. Depois, veio o Sermão do Monte; ele tem estado perante o mundo
por quase dois mil anos. Se um exemplo moral é suficiente, por que não
seguem a Cristo? A resposta pura e simples é que não podem e não querem
fazê-lo. O homem está paralisado pelo pecado; o mal é a força mais
poderosa em sua natureza.
Não há necessidade de gastar mais tempo sobre isto, pelo menos para os
que conhecem bem o ensino do capítulo sete da Epístola aos Romanos. Pois
o que Paulo ensina ali é que a santa Lei de Deus, que Ele deu a Moisés
por intermédio de anjos, em vez de salvar os homens os tomou piores!
Atentem para as suas palavras (nos meus termos): “A Lei de Deus
provocou, estimulou o pecado dentro de mim, produziu em mim toda forma
de concupiscência” (versículos 5,8). “A Lei de Deus”, declara Paulo,
“afundou-me cada vez mais no pecado, matou-me, destruiu-me”. Por que?
Não é porque haja algo de errado com a Lei, diz ele, mas, sim, é devido a
este “pecado que habita em mim”; “o pecado, para que se mostrasse
pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o
pecado se fizesse excessivamente maligno”. E, no entanto, a despeito de tudo
isso, o que se prega com tanta regularidade é simplesmente a ética cristã, e
se dirigem apelos a Estados e governos para a porém em prática. Dizem-
nos: “Se tão somente todos fizermos isso, a guerra será extirpada e tudo
ficará bem.”
Chego, pois, ao último ponto. O que está vitalmente errado nesse ensino é
que constitui uma negação completa da doutrina bíblica do Espírito Santo.
O apóstolo não diz às pessoas que “se sujeitem umas às outras” - aos
“maridos e esposas” que se sujeitem mutuamente do jeito certo e com
espírito certo, e igualmente aos “pais e filhos” e aos “senhores e servos” -
não lhes pede que façam isto sem antes de tudo dizer-lhes: “Enchei-vos do
Espírito”. Ele afirma que tal conduta é totalmente impossível sem que se
preencha aquela condição preliminar essencial. Mas as pessoas de hoje não
crêem no Espírito Santo; não crêem na pessoa do Espírito Santo. Elas falam
acerca do “espírito cristão” e do “espírito de fraternidade e de boa
vontade”, e assim por diante. Isso não é cristianismo; é moralidade; é ensino
pagão.
Livro de Atos. Mas no capítulo treze vemos que Paulo está falando, e eis o
que nos diz o versículo nove: “Paulo, cheio do Espírito Santo, e fixando os
olhos nele, disse”. Lucas, o historiador, está tratando do caso do encantador
Elimas, que estava acompanhando um certo oficial romano. O apóstolo
tomou a resolução de repreender esse homem pelo que ele dissera. Daí se
nos diz que Paulo, cheio do Espírito Santo, fixou os olhos nele. Ele foi
“cheio” para poder falar a esse homem e repreendê-lo severamente.
À luz disso tudo, é óbvio que estamos lidando com uma experiência nítida,
precisa. Todas estas pessoas estavam cônscias do fato de que o Espírito
lhes sobreviera, que tinham sido dotadas de novo poder e de autoridade.
Sabiam exatamente o que havia acontecido. Portanto, esta é uma
experiência que descreve algo que nos sucede, a nossa tomada de
consciência de aumento de poder com um propósito específico. É, pois, uma
coisa bem distinta e clara.
Graças a Deus, isto não se limite à história passada. Pela graça de Deus,
continua acontecendo. Há homens ainda vivos que sabem disso, que
se regozijam com isso, homens que servem a Deus com honestidade e
sinceridade e que de vez em quando ficam conscientes desta experiência.
Então, esse é um modo como se emprega a expressão; estas diversas pessoas
foram cheias do Espírito, e receberam poder e capacidade incomuns.
Santo. Não se declara que num dado momento ele foi cheio do Espírito para
fazer certa coisa. Não, ele foi escolhido para fazer esse trabalho porque já
estava “cheio do Espírito Santo”. Mas tomemos outra afirmação sobre ele
no capítulo sete, versículo cinqüenta e cinco, de Atos. Aqui Estevão estava
sendo julgado, e lemos: “Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando
os olhos no céu, viu a glória de Deus, e Jesus que estava à direita de Deus; e
disse...”
Ora, para mim essa declaração é duvidosa, duvidosa neste sentido, que não
estou certo se devo colocá-la na categoria que estamos considerando
agora, ou na categoria anterior. Na verdade, ela se enquadra nas duas
categorias. Estevão estava habitualmente cheio do Espírito Santo, mas, em
função das circunstâncias, da crise em que agora se achava, embora
estivesse cheio do Espírito, foi “cheio do Espírito” outra vez. Significa que,
embora estivesse cheio do Espírito, houve uma manifestação posterior, um
posterior aumento de poder, um posterior “encher-se” até ao
transbordamento, e lhe foi dada uma capacidade particular para enfrentar
os seus caluniadores e acusadores, e a proferir a Palavra de Deus com
ousadia e convicção. Portanto, essa é uma declaração interessante. Mas
examinemos também a declaração a respeito de Bamabé, companheiro de
Paulo. Sobre Bamabé lemos em Atos 11:24: “era homem de bem, e cheio do
Espírito Santo e de fé”. Parecido com Estevão. Era cheio de fé, e também
era cheio do Espírito Santo. Concluo com uma declaração a respeito dos
discípulos como um grupo. Em Atos 13:52 leio: “E os discípulos estavam
cheios de alegria e do Espírito Santo”.
Há, portanto, uma óbvia diferença entre estas duas proposições, que
parecem semelhantes à primeira vista; e o que toma tão importante
diferenciá-las é que não devemos esperar que a expressão sempre indique o
encher-se especial, para uma tarefa. Esse vem e vai. Mas nos cabe estar
sempre “cheios do Espírito”. Daí a importância de diferenciar ambos os
casos. Por conseguinte, estabelecemos outro ponto. Um homem que está
cheio do Espírito pode, subitamente, ser cheio do Espírito Santo para uma
finalidade especial. Ilustrei isso com o caso do julgamento de Estevão.
Ilustrei-o também com o caso dos próprios discípulos, no dia de Pentecoste.
À luz de todas estas passagens das Escrituras, acaso não fica clara e
evidente que neste versículo - Efésios 5:18- estamos lidando com o
segundo emprego da expressão? Aqui nos é dado um relato de um estado ou
condição.
De fato penso que se pode provar isso, além de toda dúvida, da seguinte
forma: “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas
continuai enchendo-vos do Espírito”. O tempo verbal é da maior
importância, e aqui consta o presente, o presente contínuo. A tradução mais
correta deste versículo é a seguinte: “Não vos embriagueis com vinho, em
que há excesso, mas continuai enchendo-vos do Espírito - sede
perpetuamente cheios do Espírito. Prossiga, continue, seja constantemente
esta a vossa condição”. É o presente contínuo. Argumento que, sendo o
presente contínuo, não pode ter o primeiro significado, que, evidentemente,
é algo que vem, e toma a vir, e ainda se repete, como aconteceu com Pedro,
com Estevão e com o apóstolo Paulo em várias circunstâncias difíceis ou
críticas. O ser cheio para uma tarefa é algo que vem e passa; já este ser
cheio do Espírito significa uma condição constante, permanente, que não
varia nem muda. Noutras palavras, o que nos é dito nesta passagem é que se
tem em vista que sejamos sempre como Estevão, como Bamabé, como Paulo
e como outros que eram homens “cheios do Espírito”.
É vital que isso fique firmado, pois, do contrário, não haverá nada senão
confusão. Há grande confusão acerca disso tudo, e as pessoas ficam
esperando por uma experiência de encher-se do Espírito porque têm uma
concepção equivocada deste ensino particular. Então já está firmado o que
isto significa em termos do uso típico do Novo Testamento. Mas, que
significa na prática hoje? Eis aqui a questão prática para nós.
Então, que significa ser “cheio”, neste sentido? Vou citar uma definição
pelo qual ansiamos. Ao contrário, vocês e eu temos que fazer certas coisas,
se desejamos continuar a encher-nos do Espírito. Quais?
E a positiva, que é? É isto - e nada pode ser mais importante que isto -temos
que dar-nos conta de que Ele está dentro de nós. O Espírito Santo está em
todo cristão. “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo,
que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?”
(1 Coríntios 6:19). Essa é a primeira coisa; e é porque tão
constantemente esquecemos isto, que não somos cheios do Espírito, e não
somos dominados por Ele. Para empregar as palavras de um hino, Ele está
dentro de nós - “hóspede bondoso e bem disposto”.
Permitam-me usar uma ilustração simples, Que é que os pais que têm filhos
pequenos fazem quando têm em casa um hóspede ou um
amigo? Geralmente as crianças acordam cedo, de manhã. Que lhes dizem os
pais? Vocês diriam: “Fiquem quietos, não perturbem o nosso hóspede”.
Vocês os fariam lembrar-se de que este hóspede está na casa, e lhes diriam:
“Agora, tenham cuidado, não gritem, fiquem quietos, vejam bem quem está
aqui”. É precisamente isso que eu e vocês temos que fazer, se é que havemos
de ser dominados pelo Espírito Santo - lembrar-nos de que Ele está aí, está
em nós, habita em nós. Sem esta percepção, nunca seremos dominados por
Ele. Temos que recordar isto, que lembrar-nos disto, e continuar
lembrando.
Mais que isso; temos que desejar tê-lO, temos que ansiar por Ele, por Sua
companhia e Sua comunhão. Já notaram quantas vezes o Novo Testamento
fala da “comunhão do Espírito Santo”? Vejam a bênção: “A graça do
Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo
sejam com vós todos” (2 Coríntios 13:13). Precisamos que nos lembrem
desta comunhão, temos que lembrar-nos a nós mesmos dela, e que buscá-la.
Se Ele está em mim, devo não somente captar o fato, mas devo comungar
com Ele, devo ter comunhão com Ele. Devo consultá-lO, considerar Sua
presença e pedir-Lhe que Se manifeste a mim cada vez mais. É assim que
podemos ser cheios do Espírito.
Todas estas coisas nos sucedem com freqüência. Ele quer conduzir-nos
avante, quer guiar-nos. Sempre o faz, sempre está desejoso de mostrar-nos
mais e mais do Senhor Jesus Cristo. Deixem-nO fazê-lo.Não nos pesará a
culpa de apagar saudáveis insinuações acerca da freqüência à casa de Deus,
acerca da leitura das Escrituras, acerca da oração, e acerca de mil e uma
coisas mais? Ocorrem as sugestões do Espírito Santo com vistas a conduzir-
nos, dominar-nos e dirigir-nos. Deixemos que Ele o faça. Esse é o sentido da
exortação em foco.
Nessas questões não existem atalhos. Não recebemos isso num pacote
fechado e amarrado, como artigo de pronta entrega, já tudo pronto e
completo. Não, esse método é próprio das seitas; não é esse o ensino do Novo
Testamento. É psicologia; não é o ensino das Escrituras.
Aí estão, pois, alguns dos princípios. Mencionei apenas alguns títulos dos
meios pelos quais havemos de encher-nos do Espírito. Constitui
submissão voluntária ser dominado em toda a nossa vida, mente, coração e
vontade, pelo Espírito Santo de Deus.
A que isso leva? É o que o apóstolo vai dizer, na seqüência. Significa que o
fruto do Espírito se manifestará em nós. Onde Ele exerce o controle, o
fruto é evidente e óbvio - “caridade (ou “amor”), gozo, paz, longanimidade,
benig-nidade, bondade, fé, mansidão, temperança” (Gálatas 5:22). Ei-los!
São evidentes. E também todas as coisas que o apóstolo passa a dizer no
versículo seguinte, o versículo dezenove deste capítulo cinco de Efésios -
acerca de como devemos conduzir-nos na casa de Deus, de como devemos
conviver harmoniosamente, maridos e esposas, pais e filhos, senhores e
servos. Quando os homens e as mulheres são dominados pelo Espírito Santo
na mente, no coração e na vontade, essa é o tipo de vida que levam.
Prossigamos, continuemos sendo dominados pelo Espírito Santo, que habita
em nós como “hóspede bondoso e bem disposto”.
Aí está uma proposição que deve ser cuidadosamente vista em seu cenário e
em seu contexto. É importante fazê-lo, para que possamos
compreender verdadeiramente o que o apóstolo de fato está dizendo.
Noutras palavras, devemos dar atenção à conexão por um momento. Há os
que a traduzem de molde a fazer dela uma injunção nova e separada. Dizem
eles que nesta seção o apóstolo está dando uma série de exortação
separadas. Mas isso é inteiramente injustificável. Ele não disse: “Sujeitai-
vos uns aos outros”; disse: “Sujeitando-vos uns aos outros”. Portanto, não
devemos considerá-la uma afirmação ou exortação independente. Outros
dizem que se trata meramente e apenas de uma introdução ao que vem a
seguir, como se dissesse: “Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Deus. Vós,
mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor - e assim por
diante, com “filhos” e “servos”. Assim, fazem dela uma espécie de
introdução ao que segue. Mas, certamente, estas duas opiniões
estão erradas. A segunda é menos errada que a primeira. Não obstante, é
patente que o que o apóstolo está fazendo é continuar o que já vinha
dizendo e, ao mesmo tempo, introduzir o que vai dizer. Parece-me que essa é
a única maneira certa de interpretar esta proposição. É uma espécie de elo
de ligação entre o texto anterior e o posterior. Noutras palavras, é uma
ilustração suplementar do que ele tinha formulado como princípio
fundamental no versículo 18, “E não vos embriagueis com vinho, em que há
contenda, mas enchei-vos do Espírito”. Defendo a idéia de que ele ainda tem
isso em mente, e se dirige a homens e mulheres cheios do Espírito. Ele já
lhes havia falado certas coisas sobre eles mesmos que eram inevitavelmente
verdadeiras, se é que eram cheios do Espírito. Então, aqui é mais outro
ponto. Assim, interpretamos esta proposição à luz do versículo 18, com sua
exortação para que continuemos sendo cheios do Espírito.
É inútil sair pelo mundo, dizendo: “Sujeitai-vos uns aos outros no temor de
Cristo”. O mundo não somente não faz isso; não quer e não pode fazê-lo.
Esta é uma exortação sem sentido para quem não está cheio do Espírito.
Daí, insisto em que aqui o apóstolo está dando seqüência às duas idéias que
tem em mente no versículo 18: “E não vos embriagueis com vinho, em que
há contenda (ou “excesso”)”. O bêbado não se submete a ninguém. Ele se
afirma a si próprio. Isso caracteriza o ébrio. Falta-lhe controle,
principalmente neste aspecto. Gaba-se, louva-se a si próprio e se acha
maravilhoso. Se havemos de sujeitar-nos uns aos outros, temos que ser
inteiramente diferentes dos que estão cheios de vinho e vão chegar àquele
excesso. E, por outro lado, temos que encher-nos do Espírito.
1
Refere-se ao dia do armistício da Primeira Guerra Mundial (11.11.1918) - comemorado anualmente.
2
Sentido diverso do uso popular da expressão em português. Nota do tradutor.
Essa é a maneira de abordar este versículo particular. É indispensável
entender exatamente o que significa, porque o apóstolo vai ilustrar esta
verdade em três aspectos particulares. Ele formula o princípio e depois,
tendo feito isso, diz, aplicando-o a casos particulares: “Vós, mulheres,
sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor... Vós, filhos, sede obedientes
a vossos Pais no Senhor, porque isto é justo... Vós, servos, obedecei a vossos
senhores segundo a carne”. Como já vimos, estas três colocações são
ilustrações separadas e particulares deste princípio fundamental que
sempre deve reger a relação dos cristãos, uns com os outros.
Mas, que significa “sujeitando-vos uns aos outros”? Uma tradução melhor,
talvez, seria: “Sendo sujeitos uns aos outros”. A idéia que obviamente ele
Para exprimir a matéria doutra maneira - temos que parar de ser auto-
afirmativos. A auto-afirmação é a antítese do que o apóstolo está dizendo:
“Sujeitando-vos uns ao outros no temor de Cristo”. Quem vai por esse
caminho, jamais será auto-afírmativo. O ego é a causa radical de todos os
nossos problemas. O diabo entendeu isso logo no princípio, quando tentou o
homem pela primeira vez: “Deus disse que não devem comer isto? Claro
que disse, pois sabia que seriam como deuses. Isso é um insulto a vocês; é
manter-lhes por baixo. Não se sujeitem a isso; afirmem suas
personalidades”. - Não se sujeite a isso; afirme-se. Auto-afirmação! Oh,
quanto dano está sendo causado neste mundo devido à auto-afirmação! Esta
foi a causa das duas guerras mundiais que já tivemos neste século. Isto pode
ser nacional, bem como individual - “Meu país, certo ou errado!” - daí as
guerras e os conflitos. Mas é a mesma coisa ao nível das relações
individuais; todo o problema surge deste horrível ego, sempre desejoso de
seguir o seu próprio caminho.
Ainda outro modo de expressar isso é dizer que o cristão jamais deve ser
obstinado, opiniático. O cristão tem, e deve ter, opiniões; mas nunca deverá
ser opiniático. Que diferença, entre o homem que tem opiniões, boas
opiniões, opiniões vigorosas, e o opiniático - cheio de si e orgulhoso das suas
opiniões! Jamais devemos ser opiniáticos porque, de novo, essa é outra
manifestação do ego. O opiniático está muito mais interessado no fato de
que ele crê, do que naquilo em que crê; está sempre olhando para si mesmo;
faz desfile de suas crenças. Naturalmente, o modo como age, sempre
denuncia o homem. Ele se mostra orgulhoso do seu conhecimento. Isso
porque, na verdade, não compreende o assunto sobre o qual tem pequeno
conhecimento. Se compreendesse, se humilharia. No entanto ele não está
interessado na verdade; está interessado em seu relacionamento com ela, em
seu conhecimento dela. Gente opiniática sempre causa conflitos.
Este problema, por sua vez, leva a outro. Tal pessoa sempre tende a ser
ditatorial - mais uma manifestação do ego - e (para empregar a expressão
do apóstolo Pedro), a “ter domínio” sobre os outros. Em sua primeira
epístola, capítulo 5, Pedro escreve: “Aos presbíteros, que estão entre vós,
admoesto eu”.
Paulo faz uma soberba colocação disto quando escreve aos coríntios (1
Coríntios 4:7): “Porque, quem te diferença? E que tens tu que não
tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o
houveras recebido?” Não é maravilhoso? Todavia, como as pessoas são
lentas para compreendê-lo! Eis aí um homem a jactar-se do seu grande
cérebro, da sua grande mente, da sua grande capacidade, e a desprezar os
outros. Espera um
Não somente isso, porém. Ele nos ajuda a compreender que somos membros
de um só corpo. Esse tema aparece logo no início desta epístola.
“Sujeitando-vos uns aos outros”. - Por quê? Porque sois todos como as
diferentes partes e membros de um corpo. O apóstolo introduziu essa noção
no fim do primeiro capítulo, e a desenvolveu no capítulo 4, versículos 11 a
16. E, como já disse, esse é o grande tema de 1 Coríntios capítulo 12: “Ora,
vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (versículo 27). Se
você compreender isso, compreenderá também que o que é realmente
importante não é que você é uma parte, e sim que é uma parte do todo. O
todo tem maior importância que a parte. E, outra vez, essa é a maneira de
resolver todos os nossos problemas. Noutras palavras, isto o levará a
considerar sempre o corpo e o bem dele, em vez de apenas o seu benefício
particular e pessoal. Seguramente, a metade dos problemas de hoje se deve
ao fato de que somos demasiadamente individualistas em toda a nossa idéia
da salvação. Graças a Deus, a salvação é pessoal, é individual, como
devemos acentuar sempre; mas não devemos pensar nela de maneira
individualista. As pessoas estão sempre pensando em si mesmas e tendo em
vista a si mesmas. Vêm à igreja para conseguir alguma coisa para si
mesmas. Procuremos ter um fiel concepção da Igreja, esta grande entidade
na qual fomos colocados. Somos apenas pequenas partes,
membros, porções; portanto, pensemos no todo, não numa parte. O homem
que está no exército não está lutando por si próprio, está lutando por seu
país - esse é o argumento.
porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não
suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo
sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca falha" (1 Cor.
13:4-8). É o que o apóstolo áqui nos diz que devemos pôr em prática:
“Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo”. Não se enfatuem, não
sejam suspeitosos. Livrem-se do ego, encham-se de amor, creiam, esperem
todas as coisas, nunca falhem, sejam pacientes e benignos. De fato posso
resumir tudo isso expressando-o neste termos: o único homem que pode
sujeitar-se a outro no temor de Cristo é aquele que realmente está cheio do
Espírito, porque o homem que está cheio do Espírito é aquele que mostra e
demonstra o fruto do Espírito. E o fruto do Espírito é “caridade (amor),
gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão,
temperança". Se um homem tem essas características, não
criará dificuldades nem problemas. Ele será o tipo de homem que se
sujeitará prontamente, de boa vontade e voluntariamente, sempre pelo
amor dos outros e pelo bem da “causa”. O único homem capaz de fazer isto
é aquele que apresenta o fruto do Espírito por ser cheio do Espírito.
O texto em foco está sofrendo abusos desse gênero, hoje em dia. E eles
tomam a dizer: “Cristo não rogou, na grande Oração Sacerdotal, “para que
todos sejam um”? Daí, indagam: “Por que vocês não se submetem a isto?”
Eles acreditam que esse texto é o argumento final em prol do movimento
ecumênico, da fusão de todas as divisões, diferenças e distinções, e de se ter
uma grande igreja mundial. Vemos, pois, a importância de considerar uma
proposição como a que estamos analisando, dentro do seu contexto. Acaso
vocês imaginam que, neste versículo, o apóstolo Paulo está apregoando paz
a qualquer preço, e dizendo que o homem deve ir a passo leve e frouxo em
pós da verdade, e que deve ser flexível, amoldável e transigente quanto à
doutrina? Estará ele ensinando uma falsa humildade aqui? Estará dizendo
que a lealdade ao cristianismo institucional vem antes de tudo mais, e que o
homem deve pôr de lado as suas opiniões e se acomodar à linha geral de
pensamento e dizer o que todos os outros estão dizendo? Será que o ensino
do apóstolo segue aquelas linhas? Eis a reposta: o apóstolo que escreveu este
versículo tinha escrito os três primeiros capítulos desta epístola, nos quais
formula as doutrina cristãs básicas, essenciais, fundamentais. A proposição
em foco é dirigida somente às pessoas que estão de acordo quanto à
doutrina. Ele não está discorrendo aqui sobre as relações entre pessoas que
estão em desacordo sobre doutrina. Ele presume que os seus destinatários
estão firmados “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas” (Efésios
2:20) e que estão “na unidade da fé" (cf. Efésios 4:5). Não se permitia que
um herege permanecesse na igreja; devia ser excluído; os crentes não
deviam ter comunhão com ele.
Aplicar uma exortação como esta à “Igreja” como ela é hoje, é entender de
maneira completamente equivocada o conteúdo total do Novo
Testamento. Paulo aqui está escrevendo a pessoas que estão de acordo na
doutrina. Está tratando do espírito com que elas aplicam a doutrina
comum, acerca da qual estão de acordo. Se vocês interpretarem doutra
maneira, verão passagens bíblicas contradizendo passagens bíblicas. As
Escrituras nos exortam a “batalhar pela fé” (Judas 3). O apóstolo agradece
aos filipenses o terem estado com ele na sua “defesa e confirmação do
evangelho” (Filipenses 1:7). Se aquela outra interpretação estivesse certa,
eles estariam errados agindo como agiram. Depois, vocês se lembrarão do
que lemos no capítulo dois de Gálatas sobre a atitude de Paulo para com
Pedro. Pedro não tinha a mente e o entendimento claros como Paulo, sobre
a questão de comer com os que não haviam sido
“Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” não significa que você
deve acomodar-se a ensinos e doutrinas errôneos, que não deve dizer
nada quando a falsidade está sendo propagada. Não! Pois isso é negar todo
o Novo Testamento! Não somente isso, é negar algumas das mais gloriosas
épocas e eras da Igreja cristã. Quais são os pontos culminantes da história
da Igreja? Eis um deles: Athanasius contra mundum. Atanásio teve que agüentar
sozinho contra o mundo inteiro, quanto à doutrina da Pessoa de Cristo.
Martinho Lutero - que fez? Bem, foi um homem que agüentou
absolutamente sozinho contra a grande igreja papista e quinze séculos de
tradição. Naturalmente, o que lhe diziam era: “Quem é você? Por que não
se sujeita, no temor de Cristo?” “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de
Cristo”. “Quem é você?” Todavia, ele se manteve firme e disse: “Não posso
fazer outra coisa, assim Deus me ajude”! Por quê? Por que o Espírito o
tinha iluminado. Lutero estava certo; a igreja do papa estava errada.
Não permita Deus que interpretemos mal um texto como este. Esta
proposição tem que ser entendida em seu contexto. Paulo está escrevendo
a pessoas que estão de acordo quanto à verdade, e eis o que ele diz: vocês,
que estão de acordo quanto à verdade, façam-no do modo certo; não
sejam opiniáticos, obstinados; ouçam pacientemente o outro lado; não
percam a calma; procurem ser indulgentes nas discussões; permitam que os
outros falem, que dêem expressão às suas idéias; não sejam críticos; não
condenem uma pessoa por uma palavra - por questões de somenos; estejam
prontos a ouvir; sejam caritativos; façam tudo que puderem; quando,
porém, o que estiver em jogo for a verdade vital, resistam mas sempre da
maneira certa, no Espírito. Façam-no com humildade, com amor, com
discernimento, transbordando esperança. Não sejam ofensivos e grosseiros;
não sejam obstinados; “sujeitai-
vos uns aos outros no temor de Cristo”.
O ESPÍRITO DE CRISTO
Efésios 5:21
Nesta grande injunção, que deve dominar todo o nosso viver cristão, o
apóstolo não se detém no dito: “Sujeitando-vos uns aos outros”. Há
este acréscimo, para o qual chamo a atenção - “no temor de Cristo”.
Aqui nos é dito exatamente como e por que devemos sujeitar-nos uns aos
outros. Noutras palavras, esta última frase do apóstolo nos fornece os
motivos para sujeitar-nos uns aos outros. Vamos dividi-la do seguinte modo:
primeiro, observaremos por que devemos sujeitar-nos uns aos outros - a
razão para fazê-lo. É “no temor de Cristo”. Ora, não se trata de um
acréscimo casual, não é apenas uma frase para completar bem a injunção;
não é uma coisa que Paulo escreveu sem pensar, quase acidentalmente,
como às vezes cometemos o erro de fazer. Os que gostam de fazer-nos
conhecer a sua espiritualidade, muitas vezes entremeiam a sua conversa
com clichês e frases feitas. Vivem dizendo, “glória a Deus” ou “louvado seja
Deus” depois de quase cada sentença. Não foi desse modo que o apóstolo
acrescentou a frase, “no temor de Cristo”; não o fez impensada, prolixa e
superficialmente.
Obviamente, a frase foi feita porque é parte essencial do seu ensino. Posso
prová-lo facilmente. Ele está firmando aqui o seu princípio geral -
devemos levar uma vida caracterizada por isto, que nos sujeitemos uns aos
outros. Depois ele se ocupa de três casos particulares, esposas e esposos,
filhos e pais, servos e senhores. Mas o que é deveras interessante observar é
que, em cada um dos três casos, como também na declaração geral do
princípio, ele toma muito cuidado ao fazer este acréscimo.
de Deus; servindo de boa vontade como ao Senhor, e não como aos homens,
sabendo que cada um receberá do Senhor todo o bem que fizer, seja servo,
seja livre. E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles, deixando as
ameaças, sabendo também que o Senhor deles e vosso está no céu, e que
para com ele não há acepção de pessoas”.
Mas não é isso que o apóstolo diz. Não devemos sujeitar-nos uns aos outros
em atendimento a algum ensino político ou social que acaso defendamos. Há
pessoas que defendem esse ensino, essa filosofia igualitária - de que
todos devem ser reduzidos ao mesmo nível comum. Independentemente do
que ou de quem sejam, todos devem ser levados àquele nível. Isso não é,
absolutamente,
o que o apóstolo diz. “Sujeitando-vos uns aos outros”. Por quê? Não porque
é nossa teoria política ou social, mas “no temor de Cristo” - uma coisa
completamente diversa.
a lei, tem este motivo mais elevado, que é, “no temor de Cristo”.
Então, sempre a marca distintiva do cristão é esta. O cristão não mais pensa
em termos da lei, mas sempre pensa segundo esta relação - “não
como estando sem lei, mas como estando sob a lei de Cristo”, “no temor de
Cristo”, em termos desta relação pessoal com seu Senhor e Salvador (cf. 1
Coríntios 9:21). Portanto, o apóstolo vai repetindo isso com o fim de levar-
nos a gravá-lo; e, naturalmente, é essencial pela seguinte razão: somente
quando somos governados por este motivo, é que somos capazes de fazer
todas estas coisas. Quem é cheio do Espírito está sempre se lembrando do
Senhor Jesus Cristo. O Espírito aponta para Ele, o Espírito O glorifica, o
Espírito sempre leva a Ele; e assim, quem é cheio do Espírito sempre estará
olhando para Cristo. Este é o seu grande motivo - “no temor de Cristo”.
Tendo isto no centro de todo o seu pensamento, ele fica habilitado para fazer
estas diversas coisas.
Aí está por que nos sujeitamos uns aos outros - porque Ele nos ensinou a
fazê-lo. Ouçam-nO dizer ainda: “Nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros” (versículo 35). É assim que vão
saber disso. Na verdade Ele torna a dizê-lo em Sua grande Oração
Sacerdotal, onde ora no sentido de que todos sejam um como Ele e o Pai são
um, para que os homens saibam que eles são Seus discípulos e que o Pai O
enviou. Portanto, a nossa grande e primeira razão para darmos atenção a
isso é que o nosso Senhor deixou de lado Sua posição para nos comunicar
este ensino. Ei-10 aí, o Senhor da glória; mas Se humilhou. Senhor e Mestre
- sim! Mas Ele não é como os príncipes do mundo. É doutra categoria.
Temos que renunciar a todo pensamento humano aqui. Ele é o Filho de
Deus que desceu à terra para servir-nos. “O Filho do homem não veio para
ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos.”
vida deve ser o de mostrar nossa gratidão ao Senhor. Cremos realmente que
Ele é o Filho de Deus, e que desceu à terra para nos salvar? Cremos que Ele
nos salva não somente por viver Sua vida perfeita, mas especialmente por ir
deliberada-mente à cruz e levar sobre Si os nossos pecados, sofrendo a
punição deles? Cremos que Ele deu Sua vida, morreu para que pudéssemos
ser perdoados, para que pudéssemos ser reconciliados com Deus? O
argumento é que, se de fato cremos nisso, o nosso maior desejo deve ser o de
agradá-lO, de mostrar-Lhe nossa gratidão. Ele fez tudo aquilo por nós. Que
deseja Ele de nós? Ele nos pede que guardemos os Seus mandamentos para
que o Seu nome seja engradecido e glorificado entre outras pessoas.
Mais uma vez vemos na grande oração sacerdotal que Ele expressa algo
semelhante a isto. Orando ao Pai, Ele diz: “Eu te glorifiquei na terra”; e
depois
Mas devo tecer considerações num plano mais alto ainda. Há um temor que
deve governar tudo que somos e que fazemos, que nos deve governar
na questão do nosso viver e da nossa santificação, e em todo o nosso serviço.
É uma coisa freqüentemente exposta no Novo Testamento. Pergunto-me
quanto somos influenciados por este temor particular para o qual vou agora
chamar a atenção. O apóstolo expõe isto aos coríntios, na primeira epístola,
capítulo 3, começando no versículo 9: “Porque nós somos cooperadores de
Deus: vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus. Segundo a graça de Deus
que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica
sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode
pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se
alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras
preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará: na
verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo
provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa
parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar,
sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo. Não sabeis
vós que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se
alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de
Deus, que sois vós, é santo”. Aí estamos tratando de um diferente tipo
de temor - “o dia a declarará”.
Epístola aos Coríntios, do versículo 24 até o fim. “Não sabeis vós que os que
correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio?
Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta de tudo se
abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma
incorruptível. Pois eu assim corro, não como a coisa incerta: assim combato,
não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão,
para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha dalguma maneira a
ficar reprovado.” Depois, na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 5,
versículo 9: “Pelo que muito desejamos também ser-lhe agradáveis, quer
presentes, quer ausentes. Porque todos devemos comparecer ante o tribunal
de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do
corpo, ou bem, ou mal. Assim que, sabendo o temor que se deve ao Senhor,
persuadimos os homens à fé, mas somos manifestos a Deus; e espero que nas
vossas consciências sejamos também manifestos”. “Sabendo o temor que se
deve ao Senhor, persuadimos os homens.” “Sujeitando-vos uns aos outros no
temor de Cristo”. - “O temor do Senhor”! Vamos ao capítulo 7 desta mesma
epístola, versículo primeiro: “Ora, amados, pois que temos tais promessas,
purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a
santificação no temor de Deus”. De novo, em Gálatas capítulo 6, a partir do
versículo primeiro: “Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido
nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de
mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado. Levai
as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo”. E ainda:
“Porque, se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si
mesmo. Mas prove cada um a sua própria obra, e terá glória só em si
mesmo, e não noutro. Porque cada qual levará a sua próprio carga.” Depois
temos aquela grandiosa declaração em Filipenses 2:12-13: “De sorte que,
meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha
presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a
vossa salvação com temor e tremor”. Aí está como devem levá-lo avante, aí
está por que devem sujeitar-se uns aos outro no temor de Cristo. “Operai a
vossa salvação com temor e tremor.” Depois, escrevendo a Timóteo, Paulo
diz exatamente a mesma coisa, na segunda epístola, capítulo 2, versículo 19:
há pessoas, diz ele, que andam dizendo e fazendo coisas erradas - “Todavia
o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que
são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade”.
Mas, de muitas formas, o supremo exemplo disso tudo está no final do
capítulo 12 da Espítola aos Hebreus, nos versículo 28-29: “Pelo que, tendo
recebido um reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual
sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e piedade; porque o nosso
Deus é um fogo consumidor”.
É evidente que tudo isso não tem nada a ver com a nossa justificação; nada
tem que ver com o nosso recebimento da salvação. O caso aqui é diferente;
o temor referido é o que se relaciona com a questão de recompensa ou
galardão. Tomemos a exortação do apóstolo, que consta da primeira citação
acima, de 1
Coríntios capítulo 3. Diz ele: “O fogo provará qual seja a obra de cada um,
e, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de madeira, feno ou
palha, será queimado”. Não sobrará nada, “sofrerá detrimento; mas o tal
será salvo, todavia como pelo fogo” (cf. versículos 13c, 12, 15a, 15b). Este é
um grande mistério. Não tenho a pretensão de compreendê-lo; ninguém o
compreende. Mas o ensino se nos mostra claro, e se aplica a todas as outras
passagens. Nenhuma dessas passagens faz referência à salvação do homem,
mas, antes, todas elas se referem à recompensa que ele vai receber. É
possível a um homem ser salvo “todavia como pelo fogo”. E é exatamente o
que se vê em todas estas outras passagens. Não significa que o homem pode
cair da graça; mas significa, sim - que a pessoa salva pode experimentar “o
temor do Senhor” (ou “o terror do Senhor”, K. James). “Porque todos
devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba
segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal” (2 Coríntios
5:10).
Poderíamos imaginar como será olharmos para Ele em Seus olhos? Posso
dar-lhes uma idéia disso. Os Evangelhos nos dizem que o Senhor advertira
ao apóstolo Pedro de que O negaria três vezes antes de cantar o galo, e como
Pedro tinha protestado. Então chegou a ocasião do julgamento do Senhor,
quando a criada incriminou a Pedro, e este, querendo salvar a pele, em sua
covardia, negou a seu Senhor. Lembram-se, porém, do que nos é dito mais
tarde? “E virando-se o Senhor, olhou para Pedro. E saindo Pedro para fora,
chorou amargamente" (Lucas 22:61a, 62). O Senhor não lhe disse uma
palavra, mas simplesmente olhou para ele. Olhou-o com olhar de decepção,
de tristeza, porque Pedro tinha falhado com Ele; não foi um olhar de
reprimenda. Pedro não poderia agüentar isso; ele preferiria palavras,
preferiria levar uma sova, preferiria ser posto na cadeia. Foi aquele olhar
que o quebrantou e quase o matou.
Mas, graças a Deus, Ele nos dá alento, Ele nos dá incentivo. Temos este
glorioso encorajamento. Qual? - O Seu próprio exemplo. Paulo já se
utilizara
dele no início deste capítulo cinco. “Sede pois imitadores de Deus, como
filhos amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou, e se
entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro
suave.” Depois tomemos aquela exposição sumamente gloriosa disso, em
Filipenses 2:3-5. “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por
humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente
cada um para o que é propriamente seu mas cada qual também para o que é
dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus”. Seria difícil sujeitar-nos aos outros da maneira
que temos indicado? Seria difícil dominar-nos e sepultar-nos, e livrar-nos
desse antagonismo, etc. - Seria difícil? Bem, se você acha isso difícil, como
cristão, aqui está sua resposta: ”Haja em vós o mesmo sentimento que
houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por
usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma
de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem,
humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.”
24 De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também
as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.
25 Vós maridos, amai vossa mulheres, como também Cristo amou a igreja,
e a si mesmo se entregou por ela,
31 Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e
serão dois numa carne.
Não se pode contestar que isso é o que o apóstolo está fazendo. Podemos
prová-lo de três maneiras diferentes. A primeira é a palavra “sujeitar-se”,
que se acha na versão “King James” e noutras versões (Almeida, Revista
e Corrigida: “sujeitai-vos”; Atualizada: “sejam submissas”; Tradução
Brasileira: “sejam sujeitas”). “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos
maridos.” Na verdade, no original não consta a palavra “sujeitai-vos”, mas
apenas se lê: “mulheres, aos vossos maridos, como ao Senhor”. Como
explicar a omissão da palavra? Explica-se: o apóstolo estende a injunção
sobre “sujeitando-vos” do versículo 21 ao 22. O fato de que a palavra não é
repetida explicitamente é, pois, uma prova de que o versículo 22 é
continuação do 21, e que Paulo ainda está tratando do mesmo tema, o
princípio geral da sujeição. Ele sabe que isso estará nas mentes dos seus
leitores e, portanto, diz: “Mulheres (nesta questão de sujeição), aos vossos
maridos”. Assim, a mera ausência da palavra “sujeitai-vos” no original é
por si mesma uma prova de que é isso mesmo que o apóstolo está fazendo
aqui.
Eu me afano em salientar isto porque, se não estiver claro para nós que o
versículo 21 é realmente o princípio determinante, não teremos a
mínima possibilidade de compreender corretamente o seu ensino
pormenorizado. Esclarecido esse ponto, prossigamos.
Há certas coisas que saltam à vista neste parágrafo particular que ilustra o
método do apóstolo. Eis a primeira delas: o fato de que nos tomamos
cristãos não significa que estaremos certos em tudo que pensarmos e
fizermos. Há algumas pessoas que parecem achar que é assim. No momento
em que uma pessoa se toma cristã, segundo elas, tudo fica perfeitamente
simples e claro. Muitas vezes os responsáveis por isto são os evangelistas,
porque, em seu desejo de obter resultados, fazem afirmações extravagantes
e, com isso, deixam problemas e mais problemas aos pastores e mestres. Dá-
se a impressão de que você entra nalguma atmosfera mágica; nada é a
mesma coisa de antes, tudo é diferente, nenhum problema, nenhuma
dificuldade! Tudo que lhe cabe fazer é tomar sua decisão, e o ditado será, “e
todos viveram felizes para sempre” - sem nenhum problema ou dificuldade.
É claro que isso está completamente errado.
Havia muito disso na Igreja Primitiva. Vejam o caso de uma esposa. Marido
e mulher tinham vivido juntos como pagãos. Nenhum dos dois sendo cristão,
levaram sua vida matrimonial como os pagãos daqueles dias. Teremos que
referir-nos a isso mais tarde. Mas agora a mulher se converte e se
toma cristã. A tentação que imediatamente sobrevinha a essa mulher era de
dizer: “Muito bem, agora estou livre. Entendo coisas que não entendia. O
evangelho me revelou que “não há bárbaro, cita, macho nem fêmea, servo
nem livre” (cf. Colossenses 3:11 e Gálatas 3:28). Portanto, não continuarei
vivendo como costumava. Tenho uma compreensão que o meu marido não
tem”. O perigo era a mulher interpretar tão mal a nova vida que chegasse a
arruinar o seu relacionamento matrimonial. Dava-se o mesmo com filhos e
pais, e a tendência continua sendo a mesma. Muitas vezes, quando filhos se
convertem e seus pais não, e os filhos passam a ter uma compreensão que os
pais não têm, os filhos interpretam mal a nova situação e são levados pelo
diabo a aplicá-la erroneamente e a exceder-se. Daí, por fim, acabam
quebrando o mandamento de Deus, que manda que os filhos honrem seus
pais. Assim, quase inevitavelmente, com a iluminação que vem com o
cristianismo, surgem novos problemas jamais enfrentados antes. Portanto,
deduzimos desta passagem que a grande mudança que ocorre na
regeneração tende a levantar novos problemas. O resultado é que temos que
pensar cautelosamente, para vermos exatamente o que é certo nesta nova
vida, e como devemos aplicar este novo ensino à nova situação em que
nos vemos.
Eis o terceiro princípio: o cristianismo tem algo que dizer acerca da nossa
vida completa. Não há aspecto da vida que ele não considere e que não
governe. Não devem existir compartimentos em nossa vida cristã. Com
muita freqüência existem, como vocês sabem. O risco que os cristãos
primitivos corriam era que estas pessoas - marido e mulher, ou filhos, ou
pais - ao se converterem e se tomarem cristãos, dissessem a si mesmas coisas
como esta: “Bem, naturalmente, isso é uma coisa que só pertence à minha
vida religiosa, ao elemento relacionado com o culto que devo a Deus; não
tem nada que ver com o meu
casamento, com o meu trabalho, com a minha relação com meus pais” - e
assim por diante. Ora, segundo o ensino que estamos analisando, isso está
completamente errado. Não há nada que seja tão errado e fatal como viver
a vida em compartimentos. Chega domingo de manhã, e eu digo: “Ah, eu
sou religioso.” Portanto, pego a minha pasta religiosa. Depois chega
segunda-feira de manhã, e digo a mim mesmo: “Sou homem de negócio”, ou
outra coisa qualquer, e apanho outra pasta. Assim vivo minha vida em
compartimentos; e fica difícil perceber na segunda-feira que sou cristão.
Naturalmente mostrei que o sou no domingo, quando fui ao local de culto.
Esta concepção é inteiramente errada. A vida crista é integral; a fé cristã
tem o que dizer acerca de cada esfera e cada aspecto da vida.
Existe esta tendência de rejeitar todo o ensino bíblico. Eis minha resposta: o
Novo Testamento, o ensino especificamente cristão, nunca contradiz, nunca
põe de lado o ensino bíblico fundamental quanto às relações humanas e às
ordens da vida. Refiro-me, naturalmente, a questões como o casamento,
como veremos aqui. O argumento de Paulo está baseado, em parte, naquilo
que é ensinado no Velho Testamento, precisamente no Livro de Gênesis. A
mesma coisa se dá com relação à família e, com todas estas ordens
fundamentais da vida. O fato de nos tomarmos cristãos não mexe com elas,
de modo algum. O que isso produz de fato é suplementar o Velho
Testamento, dar-lhe maior abertura, dar-nos visão mais ampla dele, ajudar-
nos a ver o espírito por trás da injunção original. Nunca o contradiz, porém.
É por isso que digo que o não cristão não sabe verdadeiramente o que é ser
homem. Não há ensino no mundo que nos valorize como esta Palavra de
Deus. Não nos trata como crianças nem nos governa com regras e
regulamentos. Ela o coloca para a nossa razão, para o nosso entendimento.
Esse é ensino de verdadeira santidade - não uma coisa que recebemos num
pacote, não é uma coisa que nos vem quando estamos mais ou menos
passivos e inconscientes. É raciocinar sobre o ensino, tomar um princípio e
desenvolvê-lo, como o apóstolo faz aqui. Esse é o método neotestamentário
de santidade e santificação. Graças a Deus por isso!
Havendo dito essas seis coisas, digo em sétimo lugar: obviamente, à luz disso
tudo, quando somos confrontados por algum problema, nunca o abordemos
diretamente, nunca iniciemos considerando a coisa “per se”, a coisa
Tenho usado muitas vezes a seguinte ilustração: alguém que alguma vez fez
química, e lhe pedem que identifique uma substância, logo adotará o
método acima. Como procede? Faz exatamente o que acabei de dizer.
Começa com os teste gerais, com os testes de grandes grupos. Com isso ele
pode excluir certos grupos; e os vai reduzindo até chegar a um grupo.
Depois divide esse grupo, estabelecendo as suas subdivisões; e depois vai
reduzindo mais e mais até que, por fim, chega à particular substância
individual. É esse o método do apóstolo aqui; na verdade, é esse o seu
método em toda parte. É “a estratégia da abordagem indireta”, o
movimento do geral para o particular. Jamais salte num problema, jamais
caia sobre ele, isoladamente; apegue-se ao grande princípio ou doutrina
determinante.
Assinalo o último ponto, outra vez muito prático. Deduzo-o de tudo o que o
precede. Notem o espírito com que o apóstolo conduz a discussão. Aqui
ele está absorvido no problema do relacionamento entre esposas e esposos, e
entre esposos e esposas; mas observem o seu método, o espírito com que ele
o faz. Este assunto é objeto de constantes pilhérias no mundo, não é? É
sempre uma coisa capaz de provocar risada. O mais limitado comediante
procura tirar alguma coisa disto, quando não lhe resta mais nada - relações
matrimoniais, maridos e mulheres. Não é preciso salientar que o apóstolo
não trata do assunto deste modo. Não devemos tratar assim nenhum
problema cristão.
Mas há outros aspectos negativos também. Paulo não somente não o trata
de maneira chistosa, irreverente e superficial; há na passagem uma
completa ausência de espírito partidário. Não há nada de animoso, de auto-
afirmativo, de defesa de direitos, nenhum desejo de provar que um está
certo e o outro está errado. É assim que os assuntos são tratados
normalmente, não é? E é por isso
que há tanto problema. O apóstolo foge disso tudo, como estive dizendo,
elevando-lhes o nível e colocando-os noutro contexto; e, fazendo isso,
evita todas estas dificuldades.
Seu método, positivamente considerado, é este: é o princípio, “no temor de
Cristo”, que já havia formulado no versículo 21 - “Sujeitando-vos uns
aos outros no temor de Cristo”. Depois o repete: “Vós, mulheres, sujeitai-
vos aos vossos maridos, como ao Senhor”. Antes que comecemos a tomar
posição de um lado ou de outro - e, se o fizermos, estaremos fadados ao
fracasso, porque estaremos com um espírito partidário - ele evita todo
espírito partidário, eleva ambas as partes imediatamente “ao Senhor”. Todo
assunto discutido pelos cristãos deve ser discutido dessa maneira. O cristão
ou a cristã que perde a clama numa argumentação, não deveria falar. Quer
provemos o nosso ponto quer não, perdemos tudo se perdemos a calma. É
“no Senhor”, “no temor de Cristo”. Paulo está falando de sujeição, e o
ponto que defende é que, antes de considerarmos os méritos destas duas
pessoas, ambas devem sujeitar-se ao Senhor, “Sujeitando-vos uns aos outros
no temor de Cristo”. E quando ambas fizerem isso, terão a sua divergência
“de joelhos”. Que diferença isso faz! Se posso usar um vulgarismo, não
precisamos subir pelas paredes; precisamos nos pôr de joelhos. Se tão
somente conduzíssemos estas difíceis questões dessa maneira, que diferença
faria!
Eis aí, pois, vimos oito princípios gerais que não governam somente esta
questão particular, mas governam todo e qualquer problema que surja em
nossa vida cristã. Tendo feito isso, passemos à questão particular. Tudo que
estive dizendo é ilustrado à perfeição pela maneira como o apóstolo trata do
conceito cristão do casamento, do ensino cristão sobre o matrimônio. Mas,
uma vez mais, devemos seguir o seu método. Antes de passarmos aos
pormenores, vejamos o que ele nos diz em geral sobre isto.
A primeira coisa importante que ele nos diz é que o conceito cristão sobre o
casamento é único; é um conceito inteiramente diverso de todos os demais;
é um conceito que só se encontra na Bíblia. Qual é a idéia que o cristão tem
do casamento? Qual é o ensino? Comecemos de novo em termos negativos.
O modo pelo qual o cristão entende o casamento não é o modo pelo qual
o casamento é geralmente entendido pela imensa maioria das pessoas. Você
já pensou nisso? Que seria se, nesta altura, eu lhe pedisse que escrevesse um
relato do conceito cristão sobre o casamento? Já fez isso alguma vez? Que
vexame para nós, cristãos, se não tivermos um conceito claro e bem
definido! Acaso temos descoberto a singularidade do conceito cristão, temos
compreendido quão essencialmente difere do conceito geral? Em que
consiste esse conceito
geral?
Outra característica deste conceito - e surge porque lhe falta uma idéia
fundamentalmente correta do casamento - é que faz uma abordagem
do casamento que quase espera problema. Isso acontecia muito no mundo
pagão. Os maridos tendiam a tiranizar suas esposas e a fazer delas
verdadeiras escravas, e as esposas agiam falsamente. A atmosfera era de
ciúme e antagonismo, levando necessariamente a conflitos e brigas. Em vez
da comum sujeição ao Senhor, de que falamos, cada um lutava por seus
direitos. Não havia um verdadeiro companheirismo, mas uma espécie de
acordo de que, para certos propósitos, iam fazer certas coisas juntos; mas,
na realidade, havia subjacentes amargor e antagonismo de espírito e um
sentimento de oposição.
O espírito com que abordamos esta questão é muito importante. Tudo que
se faz na esfera da Igreja é diferente do que se faz fora dela. O mundo, em
suas entidades de debate, discute a questão do casamento, e o faz de
maneira particular - dois lados, pró e contra, defensores e demandantes.
Mas não é esta a maneira como a Igreja encara o problema; ela não
enfrenta nenhum problema desse modo. Aqui, somos confrontados pela
autoridade que nos vem da Palavra. Não nos interessa expressar nossas
opiniões; nosso único propósito é entender o ensino da Palavra. E o fazemos
juntos - não um grupo aqui e outra ali, oposição e governo, por assim dizer,
defesa e ataque. Nós nos reunimos com o fim de encontrar o ensino da
Bíblia; e temos visto que certos princípios grandiosos são formulados com
tanta clareza que tudo isso se eleva ao nível da doutrina cristã em suas
maiores alturas. Somos confrontados por alguns dos mais
profundos ensinamentos das Escrituras concernentes à natureza da Igreja
cristã.
compreensão desta frase, porque ela pode ser, e tem sido, mal entendida.
Não significa: “Vocês, mulheres, sujeitem-se a seus maridos exatamente da
mesma maneira como se sujeitam ao Senhor”. Isto seria ir longe demais. A
sujeição de todas as esposas, e na verdade de todos os crentes cristãos,
homens e mulheres, ao Senhor Jesus Cristo é absoluta. O apóstolo não diz
isso, quanto ao relacionamento das mulheres para com os seus maridos.
Todos nós somos “escravos” de Jesus Cristo; mas nunca se diz que a esposa
é escrava do seu esposo. Nossa relação com o Senhor é de completa, inteira,
absoluta sujeição. As esposas não são exortadas a tal sujeição.
Assim, logo no inicio, o apóstolo eleva esta questão muito acima da esfera da
controvérsia e nos habilita a abordá-la com o espírito apropriado.
Se desejam, diz ele, agradar ao Senhor Jesus Cristo e cumprir Suas ordens e
Sua vontade, sujeitem-se aos seus maridos. Não pode existir motivo mais
estimulante que esse para qualquer ação; e toda esposa cristã que se
preocupe acima de tudo em agradar ao Senhor Jesus Cristo, não verá
dificuldade nesta passagem; de fato, seu maior prazer será fazer o que
Paulo nos diz aqui. Eu iria mais longe. Jamais talvez tenhamos tido, como
povo cristão, maior oportunidade de mostrar o que o cristianismo significa
realmente do que nesta conjuntura atual, quando a vida neste mundo está
cada vez mais revelando as suas verdadeiras cores. Essa vida está se
tomando cada vez mais caótica, nesta questão do relacionamento
matrimonial e em todos os demais aspectos. Aí está uma gloriosa
oportunidade que temos de mostrar que diferença faz ser cristão. Portanto,
mulheres cristãs, diz o apóstolo, vocês têm uma oportunidade
magnífica; podem mostrar que não são mais pagãs, que não são mais
irreligiosas, que não pertencem mais ao mundo. E estas outras pessoas - que
vivem como vivem, que afirmam os seus direitos, que exibem a arrogância a
qual leva ao caos que caracteriza a vida atual - quando olharem para vocês,
verão algo tão diferente que dirão: “Que é isto? Por que vocês se
comportam desta maneira? Qual a razão disto?” E a sua resposta não será:
“Bem, simplesmente nasci deste jeito”, mas:
É por isso que o apóstolo as exorta a que procedam deste modo. O ponto
presente em sua exortação, que vemos no conteúdo total deste capítulo e
na maior parte do capítulo anterior - é que estes cristãos devem mostrar em
todos os pormenores das suas vidas que, uma vez que alguém se tomou
cristão, é diferente em todos os aspectos. Daí, esta grande característica da
vida cristã pode ser demonstrada pelas esposas com sua sujeição aos seus
esposos. Esse é o grande motivo; e se não formos movidos e animados por
ele, nenhum outro argumento nos atrairá. Se já não estivermos sujeitos ao
Senhor Jesus Cristo e interessados em Seu nome e em Sua honra acima de
tudo mais, todos os outros argumentos nos deixarão impassíveis. O apóstolo
coloca isso primeiro; e nós temos que colocá-lo primeiro.
Observem a primeira razão. É que esta faz parte da ordem da criação, uma
parte das ordenaças de Deus, do decreto de Deus, da vontade de Deus,
daquilo que Deus estabeleceu quanto à esta relação entre homens e
mulheres. Este ensino encontra-se em várias porções das Escrituras. Vê-se
primeiramente no capítulo dois de Gênesis, logo em seguida à criação; e se
pode observar como as referências do Novo Testamento nos remetem de
volta para lá. É o que quero dizer quando afirmo que isto pertence à ordem
da criação. Antes de podermos considerar o casamento do ponto de vista
especificamente cristão, devemos ir aos antecedentes, porque a estes o Novo
Testamento nos envia. Envia-nos ao livro de Gênesis, a toda a questão da
criação. Também nos remete à questão da Queda. O relato desta acha-se no
capítulo três de Gênesis. O versículo crucial é o 16, onde lemos o que Deus
disse à mulher por ter ela dado ouvidos a Satanás e à sua tentação, e por ter
comido do fruto proibido. “E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a
tua dor, e a tua conceição; com dor terás filhos, e o teu desejo será para o
teu marido, e ele te dominará.” Esse é um adendo ao capítulo 2, e devemos
prestar muita atenção nele.
adotarem profissões etc. Mas não estou tratando disso, estou tratando
unicamente da questão do casamento. É o que o apóstolo faz aqui; ele está
se dirigindo às esposas. Não está se dirigindo a mulheres não casadas, neste
ponto. Há ensino sobre isso, mas não entra em nosso terreno aqui, a não ser
indiretamente.
O apóstolo Pedro sublinha tudo isso com aquela sua frase significativa na
qual diz aos maridos que dêem honra à esposa “ como vaso mais fraco” (1
Pedro 3:7). Que será que ele quer dizer com “vaso mais fraco”? Vê-se
claramente que ele quer dizer o que é ensinado com muita clareza nos
primeiros capítulos de Gênesis, e, na verdade, em toda parte na Bíblia. Quer
dizer primordialmente esta questão toda da chefia e liderança do varão.
Falando em termos físicos, o homem é mais forte que a mulher; foi criado
para ser mais forte, e é. Eu poderia entrar em minúcias a respeito. Poderia
prová-lo com extrema facilidade, não meramente do ponto de vista da
anatomia, mas ainda mais do ponto de vista da fisiologia. A mulher não foi
destinada a ser forte como o homem fisicamente, quanto aos nervos e às
emoções, e em muitos outros aspectos. Ela foi consituída de maneira
diferente; e quando o apóstolo afirma que ela é o “vaso mais
fraco”, absolutamente não está falando num sentido depreciativo. Está
simplesmente dizendo que ela é essencialmente diferente do homem, e que o
homem sempre deve ter isso em mente. Ele não deve tratar a mulher como
se fosse sua igual nestes aspectos. Deve lembrar que ela foi criada
diferentemente, e que, por conseguinte, deve respeitá-la e honrá-la, defendê-
la e protegê-la.
Esse é o ensino, em sua essência. Mas surge logo uma objeção, uma objeção
que se lê e se ouve com muita freqüência - e, ah, muitas vezes partindo de
pessoas evangélicas que alegam crer nas Escrituras como a inspirada
e infalível Palavra de Deus! Eis o que se ouve tantas vezes: “Ah, mas isso
não passa de opinião do apóstolo Paulo. Obviamente ele era antifeminista
e defendia o conceito comum naquela época sobre as mulheres”. Salienta-se
que, naquele tempo, a mulher estava em posição extremamente baixa.
Todos, sem
exceção, tinham essa idéia; a mulher, por assim dizer, era apenas uma
“mercadoria”, uma escrava. E esta verdade abrange até os judeus, sendo
que o apóstolo não era nada mais que um típico judeu rabínico. Assim se
desenrola o argumento.
Não é surpreendente que as pessoas que não crêem nas Escrituras como a
Palavra de Deus digam essas coisas. Não hesitam em dizer, não somente
que Paulo estava errado, mas também que o Senhor Jesus Cristo estava
errado. Essas pessoas são a autoridade; elas é que sabem, que entendem.
Não discuto com tais pessoas; simplesmente lhes digo que não posso discutir
com elas porque não se trata de meramente pôr a minha opinião contra a
delas. Não há nada mais que dizer sobre sua opinião - esta não é cristã, de
modo nenhum. O cristão é alguém que se submete inteiramente à revelação
bíblico; nada sabe fora desta. Assim, quando ouvimos este argumento, não
somente o deploramos e nos entristecemos; temos que responder-lhe, e lhe
respondemos deste modo: falando em termos gerais, é mais que certo dizer
que no conceito comum no tempo do Senhor Jesus e do apóstolo Paulo, a
mulher era humilhantemente inferior. Mas esse não era o conceito dos
judeus, pois eles tinham estas Escrituras e criam nelas. E é bem certo que
não era esse o conceito do apóstolo Paulo. Notaram o que ele diz em 1
Coríntios 11:11? Suas palavras são: “nem o varão é sem a mulher, nem a
mulher sem o varão, no Senhor.” Este grande apóstolo gloriava-se no fato de
que em Cristo Jesus não há bárbaro, cita, servo ou livre, macho nem fêmea
(Colossenses 3:11; Gálatas 3:28). Constituía parte vital da sua pregação do
evangelho dizer: “Neste assunto da salvação, os homens e as mulheres
são iguais, e o homem e a mulher têm igual oportunidade de salvação. Ele
se gloriava nisso, e não há ninguém que fale com mais delicadeza nem
mais gloriosamente sobre a condição da mulher e de sua glória do que o
apóstolo Paulo. Ademais, observem que ele não se limita unicamente a dar-
nos uma descrição dos deveres da mulher para com o seu marido; também
nos fala sempre dos deveres do marido para com a sua mulher; e demonstra
que o conceito do marido cristão sobre a condição da mulher, sobre a
mulher em geral e sobre a sua esposa, é mais elevado do que qualquer outra
coisa que o mundo jamais conheceu. Ele coloca todas as coisas em seu
devido lugar. Ele sempre nos dá os dois lados.
No entanto, fora disso tudo, o apóstolo nunca apresenta estas coisas como
sua opinião pessoal; ele sempre retoma a Gênesis e à ordem da criação.
Com efeito, diz ele: não é minha opinião; é o que Deus estabeleceu. A
única preocupação do apóstolo é que a verdade de Deus seja conhecida, e
que o que Deus ordenou seja posto em prática constantemente. Portanto, a
tendência de dizer que isso “não passa de opinião de Paulo”, é uma negação
das Escrituras. Devemos ver isto com bastante clareza. Se vocês crêem que a
Bíblia é a inspirada e infalível Palavra de Deus, não devem falar como o
mundo fala sobre o apóstolo Paulo; porque, quando ele escreve, não
somente cita as Escrituras mas também escreve como apóstolo inspirado.
Quando emite sua opinião pessoal, sempre tem o cuidado de dizê-lo, e se não
avisa que é sua opinião
Tendo tratado dessa estulta objeção - e não há nada mais estulto que essa
prosa — deixem-me resumir de novo esta doutrina. A mulher, de acordo
com este ensino, a esposa, recebe certa posição. Ser sujeita ao seu marido
não significa que é escrava dele, não significa que lhe é inferior em tal
condição -nem por um momento! Veremos isso com maior clareza ainda
quando considerarmos os deveres do esposo para com a esposa. O que ele
está dizendo é que a mulher é diferente, que ela é complemento do homem.
O que ele proíbe é que a mulher procure ser máscula, isto é, que a mulher
procure comportar-se como homem, ou que procure usurpar o lugar, a
posição e o poder que foram dados por Deus ao varão. Isso é tudo que ele
está dizendo. Não é escravidão; ele está exortando os seus leitores a cumprir
o que Deus ordenou. Portanto, a esposa deve alegrar-se com a sua posição.
Ela foi feita por Deus para ajudar o homem a agir como representante de
Deus neste mundo. Ela deve ser a construtora do lar, a mãe, a auxiliadora
do homem, sua consoladora, alguém com quem ele possa falar e de quem
possa buscar consolo e estímulo - ela é uma auxiliadora própria para o
homem. O homem entende a verdade sobre si mesmo, ela também entende a
verdade sobre si mesma e, assim, ela o complementa e lhe assiste; e juntos
vivem para a glória de Deus e do Senhor Jesus Cristo.
Uma ilustração pode ser de ajuda neste ponto. A idéia de liderança ou chefia
causa tropeço a certas pessoas, porque estas parecem pensar
que, necessariamente, isso traz a idéia de uma inferioridade inerente e
essencial. Não só isso, porém. Toda esta idéia de chefia do homem, do
marido, na relação matrimonial, é comparável de muitas maneiras à relação
das tropas com o seu chefe. Um exército ficaria completamente caótico se
cada componente tivesse o direito de decidir o que fazer a cada passo. Como
eu já disse, no momento em que um homem se junta às forças armadas, está
se sujeitando, está dizendo que vai obedecer às ordens que lhe sejam dadas,
não importa o que pense delas; é o que lhe compete fazer. Ele cede o seu
direito de comando próprio àquele que é colocado acima dele; e conquanto
possa ter suas idéias e opiniões pessoais, agora renuncia a elas; ele se
submete e fica em sujeição.
Ou, se preferirem, pensem num grupo de homens de uma equipe jogando
futebol ou críquete. A primeira coisa que precisam fazer é nomear um
capitão. Não são todos capitães; se fossem, jamais ganhariam uma partida.
A primeira coisa que fazem é designar um dentre eles para ser o capitão.
Este nem mesmo deve ser o melhor jogador da equipe, mas eles decidem
que, de modo geral, ele
Essa é a exposição positiva deste tremendo ensino que, somente ele, nos dá
um genuíno conceito sobre casamento. Diga-se de passagem, tenho
lidado com um argumento, outra vez um argumento estulto, apresentado
muitas e muitas vezes. Diz alguém: “Você sabe, isso está completamente
errado; conheço muitos casos em que a esposa é uma pessoa muito mais
capaz do que o esposo, muito mais talentosa em todos os aspectos. Você está
dizendo que uma mulher tão brilhantemente dotada tem que sujeitar-se a
seu marido, a um homem que lhe é inteiramente inferior?” Há somente uma
resposta para esse argumento: a pessoa que o formula está argumentando
contra Deus. Deus não ignora esse casos. O que Deus diz é que, se essa
mulher talentosa e brilhante não se sujeitar a seu marido, estará pecando.
Sejam quais forem os seus talentos, ela
Neste ponto farei dois comentários. Mulher nenhuma, sejam quais forem os
seus talentos, tem o direito de sequer pensar em desposar dado indivíduo,
se não estiver preparada para lhe ser sujeita. Trata-se de uma sujeição
voluntária, como Cristo Se sujeitou e Se subordinou. Ela deve portar-se da
mesma maneira e, a menos que esteja preparada para fazê-lo, a menos que
esteja convicta de que poderá submeter-se ao homem em vista, não deverá
desposá-lo. Se entrar na vida matrimonial com qualquer outra idéia, estará
indo contra a vontade de Deus e estará cometendo pecado.
Eis meu segundo comentário: às vezes penso que uma das coisas mais
maravilhosas que já tive o privilégio de testemunhar foi um acontecimento
do tipo a que estou me referindo. Durante bom número de anos, preguei
habitualmente em certa igreja num dos distritos, e depois de pregar
costumava passar a noite na residência do ministro e sua esposa. Sempre
era muito interessante, pois, desde a minha primeira visita me ficou
evidente que, do ponto de vista da habilidade pura e simples, não havia
comparação entre o marido e a esposa. Esta era uma mulher
excepcionalmente capaz e brilhante. O marido não era destituído de dons,
mas estes pertenciam à esfera da personalidade - ele era excepcionalmente
gentil, bondoso, humano e cortês. Mas, quanto à pura capacidade
intelectual, não havia comparação. De fato, seu histórico acadêmico - ambos
tinham formação universitária - tinha comprovado isto. A esposa se
graduara numa matéria que bem poucas mulheres assumiam naquela época
em particular, e ela fora classificada entre os do primeiro nível. O
esposo, que escolhera uma matéria de estudo muito mais fácil, conseguira
apenas graduar-se em segundo nível. Digo que não havia como questionar,
no que diz respeito à capacidade - sua percepção de questões intelectuais e
seu entendimento me impressionaram, e me ficaram cada vez mais
evidentes à medida que os conhecia melhor. Mas o que quero dizer é que
não sei se alguma vez vi algo mais maravilhoso que o modo pelo qual aquela
mulher sempre colocava o seu marido em sua posição verdadeiramente
bíblica. Ela o fazia de maneira muito inteligente e sutil. Ela colocava
argumentos na boca dele, mas sempre de tal modo que dava a idéia de que
eram dele, e não dela! Há um aspecto divertido nisso, mas estou relatando o
fato como uma das coisas mais comoventes e mais tremendas que já
experimentei. Ela não era apenas uma mulher capaz, era uma mulher cristã
e estava acionando o princípio segundo o qual o marido é a cabeça. Á ele
sempre cabia determinar a decisão, embora fosse ela quem lhe fornecia as
razões. Ela agia como uma auxiliadora idônea para ele. Ela possuía
as qualidades que a ele faltavam; ela o complementava e o suplementava.
Mas o marido era o chefe, e os filhos eram sempre encaminhados a ele. Ela
velava pela posição do marido.
Que Deus, por Sua graça, nos capacite não somente a enxergar o ensino,
mas também a sujeitar-nos ao ensino e, com isso, a honrar e glorificar o
nome do bendito Senhor. “Como ao Senhor”.
Isto logo nos leva a tirar certas conclusões. A primeira é que, obviamente,
jamais o cristão deve casar-se com pessoa não cristã. Lemos na
Segunda Epístola aos Coríntios: “não vos prendais a um jugo desigual com
os infiéis” (2 Coríntios 6:14). Indubitavelmente nós temos aí uma referência
a esta questão do casamento. Se precisávamos de uma razão para aceitar a
exortação em foco, temo-la aqui. Se crente se casa com não crente, a
situação resultante será que um dos cônjuges terá este elevado conceito
cristão do matrimônio, ao passo que o outro o ignorará completamente. Já
haverá um defeito no casamento. Não serão os dois um só; não estarão
entrando no novo estado da mesma maneira; já haverá uma divisão. Já
haverá uma semente de discórdia, como o apóstolo o demonstra naquela
mesma proposição de 2 Coríntios capítulo 6.
O apóstolo, com sua mente lógica, sabe que não deve haver dificuldade
sobre isso nas mentes destes efésios, porque já os ensinara sobre essa
mesma doutrina. Ele o fizera no capítulo primeiro da epístola, onde, no fim,
ele ora no sentido de que eles conheçam “a sobreexcelente grandeza do seu
poder” — do poder de Deus para com eles. Explica que se trata do poder
que Deus “manifestou em Cristo, ressuscitando-o dos mortos... E sujeitou
todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça
da igreja, que çe o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em
todos”. Lá Paulo os introduzira na doutrina da Igreja; aqui ele a está
aplicando. Quem corre para o fim da epístola sem ler o começo, sempre
erra. O que temos aqui são deduções.
Estes são os seus argumentos. Indagam: você pode afirmar que o marido é o
salvador da sua mulher como Cristo é o Salvador da Igreja? Isso, dizem
eles,
é um absurdo. Cristo, sabemos, morreu pela Igreja. Ele nos salva por Sua
morte expiátoria e por Sua ressurreição; mas não se pode dizer isso a
respeito de nenhuma outra relação. É absolutamente única, a relação
redentora de Cristo conosco. O apóstolo foi apenas levado pela intensidade
do seu sentimento, e colocou esta frase independente, que não tem nada a
ver com a relação marido/ mulher.
Que diremos sobre isso? Temos que conceder, naturalmente, que, se lermos
uma afirmação como a que estamos focalizando, superficialmente, e sem
examiná-la cuidadosamente, teremos que concordar com isso. Não há
por que argumentar a respeito. Cristo, como o Salvador da Igreja, é o único,
e é óbvio que isso nào se aplica ao marido.
Lembra-nos o Senhor que Deus “faz que o seu sol se levante sobre maus e
bons, e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mateus 5:45); sim, Ele dá
alimento a todos. É neste sentido que Ele é o salvador de todos os homens.
Assim, por que não atribuir esse sentido à palavra “salvador” aqui? Ele é
Aquele que cuida do corpo e o protege. Essa é a réplica que vocês podem
apresentar contra o citado argumento.
Mas eu tenho ainda outras razões para rejeitar a exposição que limita esta
pequena frase unicamente ao Senhor Jesus Cristo e Sua obra salvadora.
Minha segunda razão é a seguinte; meu argumento é que os versículos 28 e
29, que vêm em seguida, militam em prol da nossa interpretação desta frase
como se aplicando ao marido e à esposa, como também a Cristo e à Igreja.
Paulo diz: “Assim devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como
a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque
nunca ninguém aborreceu a sua própria carne”. Bem, que faz ele? “Antes a
alimenta e sustenta” - sim, age como seu salvador, cuida dela, preserva-a.
“Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes a alimenta e
sustenta, como também o Senhor à igreja”, que é o Seu corpo - etc. Diz ele
que o marido deve tratar sua esposa como sua própria carne, seu próprio
corpo. Ele não negligencia o seu corpo, mas o alimenta e o sustenta. Noutras
palavras, ele é “o salvador do corpo”. Quão importante é tomar o versículo
sempre em seu contexto! Mesmo os intérpretes famosos podem cair neste
ponto. Eu argumento que esses dois versículos propugnam esta outra
interpretação aqui, e que esta não é uma frase isolada e independente, só
válida com referência ao Senhor Jesus Cristo. Paulo ainda está falando
sobre esposos e esposas: “Porque o marido é a cabeça da mulher, como
também Cristo é a cabeça da igreja: sendo ele próprio o salvador do corpo”.
Isto é verdadeiro em ambos os casos.
Portanto, julgo que, com base em todos esses pontos, devemos rejeitar a
interpretação que diz que esta é uma frase independente, e que se
refere unicamente ao Senhor. Na verdade, por assim dizer, seria
completamente sem propósito neste ponto; seria uma confusão. O apóstolo
não é dado a fazer esse tipo de coisa. Assim, o que lemos é, pois, que “o
marido é a cabeça da mulher,
Então, que é que isto nos ensina sobre o relacionamento entre a esposa e
o esposo nesta questão de sujeitar-se? Parece claro que não ensina uma pura
e simples passividade; a esposa não deve ser inteiramente passiva. E
uma interpretação errônea desta convivência dizer que a esposa nunca deve
falar, nunca deve dar opinião, mas deve ficar muda ou calada e
completamente passiva. Isso é forçar uma analogia e ilustração a ponto de
deixá-la sem sentido. Mas o que significa é isto: a esposa jamais deve tomar-
se culpada de ação independente. A analogia do corpo e da cabeça reforça
isso. O que compete ao meu corpo não é agir independentemente de mim.
Eu é que resolvo agir com minha mente, meu cérebro e minha vontade. Meu
corpo é o meio pelo qual eu o expresso. Se o meu corpo se puser a agir
isoladamente de mim, ficarei sofrendo de uma espécie de “convulsão”. E isto
exatamente o que significa “convulsão”: partes do corpo se movem de
maneira irracional. Não é uma ação feita com algum propósito; ele não quer
que elas ajam, mas não pode detê-las; agem independentemente da sua
mente e da sua vontade. Isso é caos, é convulsão. Aqui está a analogia: “Vós,
mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos; sede em tudo sujeitas e obedientes a
vossos maridos”. Por quê? Porque como esposa, e neste relacionamento,
você não age independentemente do seu marido. Se o fizer, será o caos será
a convulsão.
O quarto ponto que defendo é que a esposa não deve sujeitar-se a seu
marido a ponto de deixá-lo interferir em sua relação com Deus e com o
Senhor Jesus Cristo. Até este limite ela deve fazer tudo, mas isso não!
1
E. Erskine (1680-1756), um dos fundadores da Igreja da Secessão na Escócia, em 1733. Nota do tradutor.
Aí estão, pois, como as vejo, as principais deduções desta ilustração
maravilhosa. A grande verdade salientada é que a esposa deve ir até os
últimos limites da sujeição ao seu marido, por amor a Cristo e pelas razões
dadas, sob pena de violar os princípios que acabamos de formular. À esposa
que acaso esteja em dificuldades nesta questão, tomo a liberdade de sugerir
certos auxílios práticos. Se você está em dificuldade, faça a si mesma as
seguintes perguntas: por que me casei com este homem? O que aconteceu?
Isso não poderia ser reparado? Procure recuperar aquele objetivo, no
espírito de Cristo e do evangelho. “Ah, mas é impossível”, você dirá, “não
conseguirei”. Bem, então digo-lhe: como cristã tenha pena do homem, ore
por ele. Ponha em prática o ensino do apóstolo Pedro, em sua primeira
epístola, capítulo 3, onde ele diz claramente às esposas que sejam sujeitas a
seus maridos, e não somente aos que são cristãos: “Vós, mulheres, sede
sujeitas aos vossos próprios maridos; para que também, se alguns não
obedecem à palavra, pelo porte de suas mulheres sejam ganhos sem
palavra; considerando a vossa vida casta, em temor”. Tente pôr isso em
prática; procure ganhar seu marido com humildade e mansidão. “O enfeite
delas não seja o exterior, no frisado dos cabelos, no uso de jóias de ouro, na
compostura de vestidos; mas o homem encoberto no coração; no
incorruptível trajo de um espírito manso e quieto, que é preciso diante de
Deus.” Faça
tudo que puder, vá até aos limites, vá além dos limites mínimos
estabelecidos por estes princípios. E, finalmente, faça a si mesma esta
pergunta: poderei sin-ceramente comparecer, com minha atual atitude e
condição, perante o Senhor que, apesar de mim, da minha vileza e da minha
pecaminosidade, veio do céu, enfrentou a cruz do Calvário e Se entregou ali
por mim? Se você puder encará-10, tudo bem; nada terei que dizer. Mas se
você sentir condenada em Sua presença, quanto à sua atitude, quanto ao seu
relacionamento nalgum aspecto, vá acertar isso. De maneira que, quando
voltar a Ele de novo, estará com a consciência tranqüila, com espírito
aberto, e poderá regozijar-se em Sua santa presença. Esta é uma questão
cristã; é semelhante à relação da Igreja com Cristo, o corpo e a cabeça. Tão
logo vejamos as coisas neste termos, não haverá problemas; isso é um
grande privilégio, é uma coisa que Deus contempla com agrado e prazer.
“Vós, mulheres, sede sujeitas” - “um espírito manso e quieto, que é precioso
diante de Deus”, e, por mais que você tenha que sofrer aqui na terra, sua
recompensa no céu será grandiosa.
O VERDADEIRO AMOR Efésios 5:25-33
do Espírito é “amor”.
considerando o sexo um mal, tomam esta posição falsa. Não obstante, não
devemos excluir o natural. O apóstolo está pressupondo que este homem e
esta mulher sentiram esta atração mútua, e que, com base nisso, contraíram
núpcias.
Mais que isso, o apóstolo pressupõe que ambos gostam um do outro. O que
quero dizer é que eles gostam da companhia um do outro. Deixem-me
acentuar que isso também faz parte do casamento cristão. Há certas
afinidades naturais, e as ignoramos, para nosso risco. De novo, muitas vezes
vejo isto. Duas pessoas imaginavam que, porque são cristãs, nada mais
importa, e se casam firmadas nisso. Contudo, na vida conjugal é muito
importante que as duas pessoas gostem uma da outra. Se não, se se casarem
apenas com base no fator físico, logo se acabará. Esse casamento não tem
nada que o faça perdurar; mas, por outro lado, um dos fatores da
permanência é que ambos gostem um do outro. Há certos imponderáveis no
estado matrimonial. É bom que os cônjuges tenham as mesma afinidades, os
mesmos interesses, sintam-se atraídos pelas mesmas coisas. Não importa
quanto se amem, se houver diferenças fundamentais neste sentido, isto
levará a problemas. O problema da vida conjugal e da vida em harmonia
será muito maior. É importante, digo eu, que este segundo elemento, a
expressão que Pedro insistiu em usar, “gosto de ti”, desempenhe o seu papel.
Então, por que ele desenvolve a matéria deste modo? Creio que há três
razões principais: a primeira é que ele quer que cada um de nós conheça o
grande amor de Jesus por nós. Ele quer que compreendamos a verdade
acerca de Cristo, de nós mesmos e de nossa relação com Ele. Por que é que
ele se preocupa com tudo isso? Transparece este seu argumento: é somente
quando compreendemos a verdade sobre a relação de Cristo com a Igreja,
que podemos realmente agir como os maridos cristãos devem agir. Para que
isto fique claro, ele termina dizendo: “Grande é este mistério; digo-o,
porém, a respeito de Cristo e da igreja”. Mas por que ele está falando a
respeito de Cristo e da Igreja? Por que nos levou a esse mistério? A fim de
que os maridos saibam amar suas esposas. E é aqui que as pessoas levianas
e superficiais, que zombam da doutrina, põem à mostra a sua insensatez e a
sua ignorância. “Ah”, dizem elas, “aquela gente está interessada só em
doutrina; nós somos pessoas práticas.” Entretanto você nào pode ser prático
sem doutrina; você não pode amar de verdade a sua esposa, se não
compreende alguma coisa desta doutrina acerca deste grande
mistério. “Ah”, dizem outras, “é muito difícil, não conseguirei seguí-la.”
Todavia, se você quiser viver como cristão, terá que seguí-la, terá que
aplicar sua mente a isso, terá que pensar, que estudar, terá que entender,
terá que agarrar-se a isso. Essa verdade aqui está para você, e se você lhe
der as costas, estará rejeitando uma coisa que Deus lhe dá, e você estará
sendo um terrível pecador. Rejeitar a doutrina é um pecado terrível. Jamais
coloque a prática contra a doutrina, porque você não poderá ter a prática
sem ela. Daí o apóstolo dar-se ao trabalho de elaborar esta magnífica
doutrina acerca da relação de Cristo com a Igreja, não somente para expô-
la, por importante que seja, mas para que eu e você, em nossos lares,
possamos amar nossas esposas como devemos - “como também Cristo amou
a igreja”.
Que nos diz o apóstolo sobre isto? A primeira coisa que ele fala é sobre a
atitude do Senhor Jesus Cristo para com a Igreja, sobre como Ele a vê. Aí
há instrução para os maridos. Qual é a sua atitude? Como você vê a sua
esposa? Precisamente aqui o apóstolo nos diz algumas coisas maravilhosas.
Amados irmãos, porventura dão-se conta de que estas coisas são
verdadeiras quanto a vocês, na qualidade de membros da Igreja cristã?
Observem as características da atitude do Senhor Jesus para com a Sua
esposa, a Igreja. Ele a ama: “como também Cristo amou a igreja”. Que
expressão eloqüente! Ele a amou apesar de sua indignidade, Ele a amou
apesar das deficiências que a caracterizam. Observem o que Ele fez por ela.
Ela precisa ser lavada, purificada. Ele viu os seus andrajos, a sua vileza;
mas amou-a. Esse é o ponto culminante da doutrina da salvação. Ele nos
amou, não por alguma coisa que visse em nós; amou-nos a despeito do que
havia em nós, “sendo nós ainda pecadores”. Ele amou ímpios, amou-nos
quando ainda éramos "inimigos” (Romanos 5:8,10). Em toda a
nossa indignidade e vileza, Ele nos amou. Amou a Igreja, não porque fosse
gloriosa e bela - não; mas para poder tomá-la tal. Dêem atenção à doutrina,
e vejam o que ela tem para dizer aos maridos. O marido se depara com
deficiências e dificuldades, coisas que ele acha que pode criticar em sua
esposa, mas deve amá-la “como Cristo amou a igreja”. Essa é a espécie de
amor que ele deve demonstrar. Isso basta quanto ao primeiro princípio.
A seguir, atentem para o Seu grande interesse por ela e por seu bem-estar.
Ele olha por ela. Preocupa-Se com ela. Ele vê as possibilidades dela, por
assim dizer. Deseja que ela seja perfeita. Por isso Paulo prossegue: “Para a
santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a
apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante, mas santa e irrepreensível”. Vocês vêem como Ele Se interessa
por ela, como a ama, como Se orgulha dela. São essas as características do
amor de Cristo pela Igreja - este grande desejo de que ela seja perfeita. E
Ele não ficará satisfeito enquanto ela não for perfeita. Ele quer poder
apresentá-la a Si mesmo “igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante”. Quer que ela seja perfeita, além de toda crítica. Quer que o
mundo inteiro a admire. Por isso lemos no capítulo 3 desta epístola, no
versículo 10, que Cristo fez isso tudo “para que agora, pela
Portanto, o princípio é que o amor não é uma coisa teórica. O amor não é
meramente algo sobre o que falar; o amor não é apenas uma coisa sobre o
que escrever, nem meramente uma coisa sobre a qual escrever poesia. O
amor não é meramente o tema de alguma grande ária numa ópera, nem de
alguma grande canção, nem das canções populares da moda. O amor não é
uma coisa que se deva examinar só teórica ou exteriormente. O amor é a
coisa mais prática do mundo. Esse é o grande princípio que aprendemos
aqui. Não há, talvez, nenhuma palavra que esteja sendo mais envilecida
atualmente que a palavra “amor”. É óbvio que muita gente não tem idéia do
que ela significa. Talvez o mundo jamais tenha usado expressões de afeto
com tanta liberdade e com tanta freqüência; mas nunca houve tão pouco
amor. Todo mundo se dirige a todo mundo com expressões carinhosas; os
superlativos não faltam. Pessoas que mal se conhecem trocam entre si estas
expressões de ternura por todo lado; mas não há conteúdo nelas. É por isso
que há pessoas que, a julgar pelo que falam, fazem-nos imaginar que são as
mais amorosas que o mundo já conheceu, e que, na verdade, não sabem
nada sobre o amor e podem divorciar-se quase que no dia
O apóstolo põe tudo às claras aqui, e o faz desta maneira admirável: “Vós,
maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja”.
Como sabemos que Ele amou a Igreja? Eis a resposta: “e a si mesmo se
entregou por ela”. Isso é amor - “a si mesmo se entregou por ela”. Mas
Paulo não para aí. “Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também
Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para (a fim de) a
santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para (a fim
de) a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem
coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.”
estamos no centro vital e no cerne da verdade cristã. Sem isso não haveria
Igreja cristã. Esta é a primeira coisa, e é absolutamente essencial; este é o
alicerce. E, portanto, o apóstolo diz, quando escreve aos coríntios: “ninguém
pode pôr outro fundamento” (1 Coríntios 3:11). Este fundamento é só Jesus
Cristo e o que Ele fez. Por isso Paulo decidiu nada saber entre eles, “senão a
Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Coríntios 2:2). Não existiria igreja em
Corinto, senão por isso; tampouco existiria em nenhum outro lugar. E,
naturalmente, esta é uma verdade que deve ser ressaltada em toda parte. E
bom trazer à memória a narrativa das palavras de despedida do apóstolo
aos presbíteros desta igreja de Éfeso. Encontrarão o registro disso no
capítulo vinte do Livro de Atos dos Apóstolos. Diz ele: “Olhai por vós, e por
todo o rebanho... para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com
seu próprio sangue”. Isso faz parte do grande romance de Cristo e a Igreja,
o Esposo e a esposa. Para que esta fosse Sua esposa, precisou comprá-la
antes. O apóstolo o expressa em termos da Igreja em sua totalidade, mas,
lembremo-nos, e fiquemos bem seguros disto em nossas mentes, que esta
verdade se aplica a cada um de nós individualmente, a cada cristão, a cada
membro da Igreja. O apóstolo não hesita em dizê-lo quanto ao seu próprio
caso. Diz ele em Gálatas, capítulo 2, versículo 20: “...na fé do Filho de Deus,
o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim”. Cristo amou a Igreja e
Se entregou por ela - sim, mas também “por mim”, a favor de cada um de
nós, como indivíduos.
Então, o que Paulo está dizendo - e é doutrina suprema - é que tudo o que o
Senhor Jesus Cristo fez, Ele o fez pela Igreja. “Cristo amou a igreja, e a
si mesmo se entregou por ela”. Não há doutrina que lhe seja superior! O
nosso Senhor lembra ao Pai disto em Sua grande oração sacerdotal
registrada no
Portanto, o que temos que lembrar é que jamais seriamos dEle, e jamais
gozaríamos quaisquer benefícios desta vida cristã, se Ele não tivesse feito o
que fez. Eu e você fomos resgatados e redimidos antes que púdessemos
pertencer à Igreja, Nenhuma outra coisa nos toma cristãos. Lembremo-nos
disto de passagem. Você pode ser o homem da mais alta moralidade do
mundo, mas isso jamais fará de você um cristão; jamais fará de você um
membro de Cristo, jamais fará de você um membro da Igreja. Há somente
uma coisa que introduz alguém na Igreja, e é que Cristo o comprou com o
Seu sangue, que Cristo morreu por ele, redimiu-o. Este é o único meio pelo
qual se pode entrar na Igreja verdadeira - não na Igreja visível, mas na
Igreja verdadeira, na Igreja invisível - o corpo espiritual de Cristo. Somos
salvos pelo “precioso sangue de Cristo” (1 Pedro 1:19).
igual a Deus”, não considerou isso como uma coisa à qual devesse apegar-Se
a todo custo por ser Suà, de direito. Em vez disso, “aniquilou-se a si
mesmo”. Ele não tinha necessidade de fazer isso; não havia compulsão
nenhuma neste sentido, exceto a compulsão do amor. Se o Senhor Jesus
Cristo tivesse levado a Si próprio em consideração, se tivesse considerado
Sua glória e Sua dignidade eternas, não teria vindo a existir a Igreja, de
modo nenhum. Ele foi Aquele por intermédio de quem todas as coisas foram
criadas; todos os anjos O adoravam, e todos os grandes poderes e
principados Lhe prestavam homenagem. Eles O adoravam como Filho de
Deus e O glorificavam. Que seria, se Ele dissesse: “Ah, eu não posso, não
posso pôr nada disso de lado! Tenho que ter este respeito que me é devido,
tenho que manter a minha posição”. Ele fez exatamente o oposto: “Ele se fez
sem nenhuma reputação” (AV) - “aniquilou-se a si mesmo”. Nasceu como
um bebê, semelhante ao homem, na forma de homem. Não somente isso; até
Se tomou um servo. Não Se preocupou conSigo, em absoluto. Se o tivesse
feito, nenhum de nós seria salvo, e não haveria Igreja. Ele não falou dos
Seus direitos, não falou dos Seus deveres; não disse: “Por que hei de
sofrer, de humilhar-Me?” Não levou em conta o custo, não levou em conta a
vergonha. Ele sabia o que era envolver-Se, sabia que seria esbofeteado por
aqueles fariseus, escribas, saduceus e doutores da lei, sabia que o povo iria
escarnecer dEle, iria atirar pedras nEle, iria cuspir nEle - sabia que iria
passar por tudo isso, embora sem ter feito nada para merecê-lo. Então, por
que agiu assim? Pela Igreja; por Seu amor à Igreja. “Humilhou-se a si
mesmo”; “aniquilou-se a si mesmo”. Só tinha um pensamento - o bem da
Igreja, o corpo que se tomaria Sua esposa. Ele a estava comprando, não
estava pensando em ninguém mais, senão nfela. Não em Si mesmo, mas
nela! “Haja em vós o mesmo sentimento”, em vós, maridos! “Vós, maridos,
amai vossa mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se
entregou por ela.”
Há ainda outro aspecto disto que devemos salientar a fim de trazer à luz a
profundidade do ensino. O Senhor Jesus fez isso por nós, pela Igreja,
enquanto ainda éramos pecadores, enquanto ainda éramos ímpios,
enquanto ainda éramos inimigos. Em sua argumentação em Romanos
capítulo 5, Paulo emprega precisamente estes termos: “Cristo... morreu a
seu tempo pelos ímpios”, “sendo nós ainda pecadores”. “Porque se nós,
sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho,
muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida,” Notem
os termos. Éramos “ímpios”, éramos “inimigos”, éramos “pecadores”,
éramos vis, não havia absolutamente nada que nos recomendasse. Você que
acha que deve ler romances e que se delicia com a estória de Cinderela, olhe
para isto. Olhe para a Igreja em sua baixeza, em seus farrapos, em seu
pecado, em sua inimizade, em toda a sua fealdade. O Filho de Deus, o
Príncipe da Glória, amou-a quando ela era daquele jeito, e apesar disso;
amou-a até o ponto de entregar-Se por ela, de morrer por ela.
“Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja.”
Nós não somos chamados a amá-las na medida em que Ele amou a Igreja.
Mas Ele, apesar de tudo, amou até o ponto de entregar-Se; Seu sangue foi
literalmente
“Pois bem”, diz o apóstolo, “vocês que estão nesta relação matrimonial,
vêem um no outro coisas de que não gostam e que não aprovam -
deficiências, faltas, falhas, pecados - e são críticos, e se firmam em sua
dignidade, e condenam, e brigam, e se separam. Por que? Simplesmente
porque são incapazes de lembrar a maneira pela qual foram salvos e se
tomaram cristãos e membros da Igreja cristã.” O apóstolo lhes lembra que
se o Senhor Jesus Cristo reagisse ante eles como eles reagem face uns aos
outros, não haveria Igreja. “O amor nunca falha”, o amor continua
amando, apesar de tudo. Esse é o amor com o qual Cristo amou a Igreja.
Haverá alguma coisa tão errada, tomo a indagar, como separar da prática a
doutrina? Como somos culpados disso! Quantos de nós compreenderam
que sempre devemos pensar na vida conjugal em termos da doutrina da
expiação? É esse o nosso modo costumeiro de pensar no casamento -
esposos, esposas, todos nós? É assim que instintivamente pensamos no
casamento - em termos da doutrina da expiação? Onde achamos o que os
livros dizem acerca do casamento? Em que seção? Na que trata da ética.
Mas não pertence a essa seção. Devemos considerar o casamento em termos
da doutrina da expiação.
água, pela palavra” (versículo 26). Aqui está outra declaração gloriosa e
sumamente vital. Observem que este versículo tem duas funções principais.
A primeira é a que já mencionei, que nos lembra o que o Senhor Jesus
Cristo está continuando a fazer pela Igreja. Mas há um segundo objetivo
também. Diz-nos por que Ele fez a primeira coisa. “A si mesmo se entregou
por ela; para (a fim de)” - este é Seu objetivo. Por que Cristo morreu?
Morreu “a fim de santificá-la e purificá-la com a lavagem da água pela
palavra”. Esse é o ensino que temos aqui, concernente à doutrina da
santificação. Acha-se tudo aqui - a expiação, a justificação; e agora a
santificação.
Vamos examinar mais de perto o que o apóstolo ensina aqui sobre esta
grande doutrina da santificação. O primeiro princípio é que nada é
tão completamente antibíblico como separar justificação e santificação.
Muitos o fazem. Dizem eles: “Você pode crer no Senhor Jesus Cristo como
seu Salvador, e seus pecados serão perdoados, e você será justificado. E
poderá parar aí”. Dizem mais: “Naturalmente você não deve fazer isso, deve
prosseguir e dar o segundo passo. Contudo existem muitos cristãos”, dizem
eles, “que param aí. Crêem em Cristo para a salvação e são justificados e
perdoados; certamente são cristãos, porém não se ocupam da santificação”.
E então eles o exortam a “aceitar” a santificação como anteriormente
“aceitaram” a justificação. Tal ensino é uma completa negação daquilo que
o apóstolo diz aqui, e é completamente anti-bíblico. A morte de Cristo não
visa meramente a dar-nos perdão, e a justificar-nos, e a tomar-nos
legalmente justos aos olhos de Deus. “A si mesmo se entregou por ela, para
(a fim de)...”. É somente uma primeira ação de uma série; não é uma ação
final, em nenhum sentido, e jamais deveríamos parar ali.
O apóstolo não ensina esta verdade somente aos efésios; ele a ensina a todas
as igrejas. Vocês a encontrarão na Epístola aos Romanos, capítulo
oito, versículo 3 e 4. Também em Tito 2:14: “Jesus Cristo, o qual se deu a si
mesmo por nós para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um
povo seu especial, zeloso de boas obras”. É por isso que Ele Se entregou por
nós; não meramente para que pudéssemos ser perdoados, nem meramente
para salvar-nos do inferno, mas para purificar e separar para Si este povo
peculiar, zeloso de boas obras. O Senhor Jesus disse tudo isso em Sua oração
sacerdotal (João 17:19): “E por eles me santifico a mim mesmo, para que
também eles sejam santificados na verdade”.
Esse é, pois, o grande princípio que constitui a base deste ensino apostólico.
Como Cristo o leva a efeito? Veja-se a resposta na palavra “santificar";
“como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para
a santificar". Esta palavra “santificar" é empregada de muitas maneiras
na Bíblia, mas o seu sentido primário é, “ser separado” ou “separar"; “ser
separado para Deus, para Sua posse peculiar e para Seu uso". Você verá em
Êxodo 19, por exemplo, que o monte no qual Deus se encontrou com Moisés
e lhe deu os Dez Mandamentos, foi “santificado” desse modo. É chamado
“monte santo” porque foi separado. Não houve alteração na montanha, mas
foi separada para os propósitos de Deus, para o uso de Deus, para ser
possessão peculiar de Deus. Os vasos que eram usados no cerimonial do
templo eram igualmente santificados ou separados. Não houve mudança
material nos copos e nos pratos, todavia como deviam ser utilizados somente
no templo e para o serviço de Deus, não podiam ser empregados no uso
comum. Ser santificado significa ser separado para Deus e para o Seu uso e
propósito especial, como Sua possessão peculiar. Portanto, somos um “povo
para Sua possessão pessoal”.
Aparece então um sentido secundário. Dado que são assim separados, são
também “feitos santos”. Ora, aqui em nossa passagem não pode ser
levantada dúvida quanto ao sentido da palavra “santificação”. Traz aquela
primeira conotação. “Para a santificar.” Tem o sentido de “separar para
Si”, “separar de tudo mais, para Sua possessão pessoal, para Seu próprio
uso, para Seu prazer". Ela não significa mais que isso aqui, pois notamos
que o apóstolo acrescenta a palavra “purificar”, dando-nos o segundo
significado de santificar. Ele faz uma divisão em dois passos. Aqui está a
Igreja em seus farrapos, em sua imundície e vileza! Cristo morreu por ela,
salvou-a da condenação. Ele a toma de onde estava e a separa para Si. Ela é
transportada “da potestade das trevas... para o reino do Filho do seu amor”
(Colossenses 1:13) - isto é, ela é removida do mundo para a posição especial
que, como Igreja, deve ocupar.
Esta é uma coisa maravilhosa. É o que o Senhor Jesus Cristo fez com a
Igreja. A mesma coisa ocorre quando um homem vê que o seu afeto e o seu
amor se fixam numa jovem dentre milhares. Ele a escolhe para si, e a
seleciona dentre todas as demais. “Ela há de ser minha”, diz ele. Assim, ele a
separa, isola-a, “santifica-a”, considera-a uma jovem única. Ele a quer para
si. Essa é a verdade pura e simples acerca de cada cristão entre nós, de cada
membro da Igreja num sentido real. Vocês já tinham compreendido isso -
que o Senhor da glória, o eterno Filho de Deus, nos separou, nos isolou para
Si, para que pudéssemos ser “um povo para sua possessão particular”?
si mesmo, para ser sua possessão peculiar.” Ah, que privilégio ser cristão,
pertencer às fileiras daqueles por quem Cristo morreu, e a quem Ele
está preparando para Si próprio - separados do mundo para a glória que
haveremos de gozar com Ele! Maridos, amem assim as suas esposas.
a Igreja não somente seja liberta da culpa do pecado, porém que seja inteira
e completamente liberta do pecado em todos os seus aspectos e formas.
Seguramente Toplady expõe esta idéia com perfeição, quando assim a
expressa:
O Novo Testamento nunca pára na culpa; sempre vai adiante, rumo a esta
ulterior idéia da purificação do poder do pecado também. Na verdade,
quero acrescentar algo mais a isso. Esta purificação não é só da culpa do
pecado e do poder do pecado, e sim também da corrupção do pecado. Esse
terceiro aspecto é esquecido com muita freqüência. Vocês verão que muitas
associações em sua “Base de fé” mencionam o poder do pecado, mas omitem
a corrupção do pecado. Todavia, de muitas maneiras a coisa mais terrível a
respeito da Queda é que ela corrompeu a nossa natureza. O pecado é
poderoso dentro de nós em grande medida por causa da nossa natureza
corrompida. É isto que o apóstolo descreve de maneira tão impressionante
no capítulo 7 da Epístola aos Romanos, versículo 18. “Porque eu sei”, diz
ele, “que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum.” Pois bem,
isso é corrupção; não é poder. Leva ao poder; mas é porque a nossa
natureza é corrupta, manchada, suja e tomada impura pela Queda, que o
pecado é tão poderoso dentro de nós. Portanto, precisamos ser purificados
não somente da culpa e não somente do poder do pecado,
mas particularmente desta terrível corrupção do pecado - sua mácula e sua
perversão.
Portanto, a questão para nós é: como se realiza isto? Diz o apóstolo que é
feito “com a lavagem da água, pela palavra”. Aqui temos uma frase
muitas vezes mal entendida e mal interpretada. Muitos vêem aqui o ensino
do que chamam “regeneração batismal” - segundo o qual somos
inteiramente libertos e purificados do pecado pelo batismo. Esse erro
começou a engatinhar na Igreja nos primeiros séculos; erro perpetuado pelo
ensino da igreja católica romana e por outras formas de catolicismo, até aos
dias atuais. Não vou tratar a fundo
técnica utilizada pelos católicos romanos e por todo o seu ensino é que “os
sacramentos” agem e são eficazes “ex opere operato". Noutras palavras,
que eles, operam por si mesmos, sem nenhuma atividade da parte de quem
os recebe. O próprio ato do batismo regenera crianças e adultos.
Não há esse ensino nas Escrituras. O batismo, como diz Pedro, é uma
“figura”, “uma verdadeira figura”; é uma representação dramática. A
mesma coisa se dá com a Ceia do Senhor, naturalmente. Não cremos que o
pão se transforma no corpo de Cristo. Éuma representação. O nosso Senhor
diz, com efeito, “Vejam este pão; quando vierem comê-lo, ele lhes fará
lembrar o Meu corpo partido, ele o representará e o figurará para vocês. E
igualmente com o vinho; “este cálice é o Novo Testamento”. Essa é a nossa
resposta aos católicos romanos que dizem que o vinho vira sangue. Dizem
eles que devemos entender literalmente estas palavras. Pois bem, se as
tomarmos literalmente, o que o nosso Senhor disse, foi, “Este cálice”; Ele
não disse, “Este vinho”, mas disse, “Este cálice é o Novo Testamento no meu
sangue”, provando que é simplesmente representativo e simbólico.
Daí, então, a nossa reflexão sobre a frase em seus termos reais. Éuma frase
mas estou dizendo que isso é a exceção. E vou além; digo que qualquer coisa
que possamos pensar que é obra do Espírito em nós deve sempre ser
provada pela Palavra. O Espírito Santo nunca fará nada que entre em
contradição com a Sua Palavra. Assim, somos exortados a “provar os
espíritos”, a “examinar os espíritos”, a “testar os espíritos”. Nem todos os
espírito são de Deus; portanto, você precisa submeter à prova todo espírito
particular. O que nos fornece tal prova? A Palavra. Portanto, esta obra é
realizada pelo Espírito, mas é realizada pela Palavra e por meio da Palavra.
Contudo, isso nos deixa com esta questão vital: qual é esta Palavra que o
Espírito Santo usa? Devemos ser santificados por meio desta Palavra. Em
que consiste a Palavra da santificação? Qual é o ensino que leva à nossa
progressiva santificação e libertação do poder e da corrupção do pecado?
Eis aqui, de novo, um ponto vital em toda esta questão da doutrina da
santificação; porque existe o real perigo de estreitarmos esta mensagem
concernente à santificação, e de reduzi-la a um ensino ou fórmula especial
quanto à santificação. Todos conhecemos bem esse ensino. Há os que dizem
que a santificação é “muito simples” (e esta expressão é deles). Eles têm, eles
pretendem ter uma mensagem especial sobre a santificação e a santidade
que, segundo eles, é “muito simples”. Realmente esta se resume nisto:
“Confie e obedeça” “Solte-se e deixe com Deus”. Dizem eles que esse é o
ensino das Escrituras concernente à santificação. Daí vocês verão que, com
muita freqüência, para não dizer geralmente, eles apresentam o seu ensino
em termos de algumas histórias do Velho Testamento, com relação às quais
eles podem deixar sua imaginação correr solta. A única coisa que lhes
interessa é apresentar esta fórmula, esta fórmula simples, dizem eles, acerca
da santificação. “É muito simples, você pára de pelejar e lutar, e apenas
“confia e obedece”; “você a recebe pela fé”, acredita que a tem, e
segue adiante.” Dizem eles que não há nada mais que dizer ou fazer.
simples” que você tão somente aplica, e então “a” tem. Absolutamente não!
Você tem que aprofundar-se em tudo que o defronta nesta epístola.
Noutras palavras, a Palavra pela qual somos santificados é o conjunto total
do ensino bíblico. Consiste, em particular, de todas as grande doutrinas
ensinadas através das páginas da Bíblia inteira; e é somente quando
compreendemos isto que vemos como aquela outra idéia que estreita e reduz
o ensino da santificação e da santidade a apenas uma pequena fórmula é
ignorar, em última análise, a maior parte da Bíblia.
Em que consiste esta Palavra pela qual o Espírito Santo nos santifica?
Primeiro e acima de tudo é a Palavra acerca de Deus. Quando se ensina
a santificação não se começa pelo homem. Todavia é como se faz
comumente, não é? Dizem: há alguma falha em sua vida? Você é infeliz?
Tropeçou nalguma coisa? Está em situação desconfortável? Sua vida é um
fracasso? Eles começam por aí. “Escute”, dizem eles, “você pode ficar livre
dessas aflições. Tudo que precisa fazer é entregar esses problemas; basta
entregá-los ao Senhor, e Ele o livrará deles. Ele os tirará de você e, depois,
tudo que lhe restará fazer é permanecer no Senhor, e Ele o manterá bem.
Não é isso típico de muito ensino sobre santificação e santidade? Começa
com o homem e seu problema - “Como posso ser mais feliz?”, “Segredo
Cristão de uma Vida Feliz”, etc. Mas não é assim que a Bíblia ensina a
santificação.
Por que somos como somos? Por que há tantas falhas em nossas vidas, e
tanto pecado? A resposta acha-se aqui; simplesmente não conhecemos a
Deus! “Pai justo”, disse o Senhor Jesus, “o mundo não te conheceu; mas eu
te conheci.” “Oh”, disse Ele, “se eles tão somente te conhecessem, não
viveriam
A mesma Palavra também nos revela o nosso estado pecaminoso. Ela nos diz
como era o homem originariamente. Não há melhor maneira de pregar
a santificação do que pregar sobre Adão, como este era antes da Queda.
Assim é que o homem estava destinado a ser. Quantas vezes vocês ouviram
sermões sobre Adão em reuniões sobre santificação e santidade? Ou
sermões sobre a Queda - a queda do homem e suas terríveis conseqüências?
Santificação? Leiam a Epístola aos Romanos, capítulo 5, versículos 12 a 21
sobre o fato de estarmos em Adão e envolvidos em seu pecado. Aí está a raiz
do problema; e devemos entendê-lo bem. A Palavra nos ensina acerca disso
tudo. Esse é o ensino do Novo Testamento acerca da santificação - esta
elevada doutrina presenta nestas epístolas, em vez de histórias sobre
algumas personalidades do Velho Testamento, que podemos usar como
ilustrações em prol da nossa teoria! A santificação se baseia na exposição da
verdade concernente à aversão de Deus pelo pecado e ao castigo com que
Deus ameaça todo pecado. Que vem em
Amor tão admirável, tão divino, exige minha alma, minha vida, todo o meu
ser.
Somos o que somos porque nunca vimos o pleno significado da cruz. Essa é
a causa do nosso fracasso e da nossa fraqueza. Nunca chegamos a
compreender o amor de Cristo por nós. Oh, se tão somente enxergássemos
de fato o sentido da cruz! Se tão somente tivéssemos a experiência do conde
Zinzendorf, que olhando aquele quadro da cruz, clamou -
“Tu fizeste isto por mim, que posso fazer por Ti?”
Eis como o apóstolo João diz a mesma coisa: “Amados, agora somos filhos
de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que,
quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o
veremos”. E depois: “E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se
a si mesmo, como também ele é puro” (I João 3:2-3). A doutrina da
Segunda Vinda leva à santificação, à purificação. A Palavra sobre a qual o
apóstolo está falando aqui, é a completa Palavra das Escrituras - toda a
doutrina, toda a redenção, do começo ao fim, a Bíblia inteira. “Com a
lavagem da água, pela palavra.”
Pedro, em sua segunda epístola, diz-nos que o Senhor “nos deu tudo o que
diz respeito à vida e piedade” (1:3). É isso que toma grave a situação do
cristão queixoso. Nunca poderemos pleitear a escusa de que não houve
alimento suficiente porque estávamos num deserto. O alimento está
disponível, o “maná celestial” (cf. João 6:31-32,49-51) é fornecido; tudo que
se pode necessitar está aí, na Bíblia. Aí está o alimento concentrado, não
adulterado, como o mesmo Pedro o expõe em sua primeira epístola, no
capítulo 2: “o leite racional, não falsificado, para que por ele vades
crescendo”. O Senhor o providenciou. Esta é uma coisa magnífica, para
nossa ponderação - que o Senhor está alimentando a Igreja. O marido, em
seu cuidado pela esposa, trabalha para providenciar alimento e tudo de que
ela necessite. Os pais que cuidam dos seus filhos têm para estes o alimento
certo, e abundante, na hora certa. Que preocupação demonstram eles neste
aspecto! O Senhor está fazendo isso por nós de maneira infinitamente mais
grandiosa.
Como estamos reagindo a isso? Damo-nos conta de que Ele nos está
alimentando? Uma parte do Seu cuidado consiste em prover atos de
culto público. O culto público não é uma instituição humana, uma invenção
do homem. Não é uma coisa dirigida como uma instituição; e as pessoas não
vêm à casa de Deus - pelo menos não devem vir - por uma questão de dever.
Devem vir porque compreendem que não poderão crescer se não vierem.
Vêm para alimentar-se, para encontrar alimento para a alma. O Senhor o
providenciou. Deus sabe que eu não vou ao púlpito só porque resolvo ir. Não
fora pela vocação do Senhor, eu não o faria. Tudo que fiz foi resistir a essa
vocação. Este é o Seu método. Ele chama homens, separa-os, dá-lhes a
mensagem, e o Espírito está presente para dar iluminação. Tudo isso faz
parte do método pelo qual o Senhor alimenta a Igreja.
você alimenta e sustenta uma pessoa, você mostra, com uma vigilância
constante, um cuidado e um anelante desejo de que ela floresça, desenvolva-
se e cresça. Essas são as idéias dadas pelo termo “sustenta” (“cuida”),
acrescentado ao termo “alimenta”.
Não devemos deter-nos em Sua obra por nós na cruz. Começamos aí, mas
vemos que, tendo terminado essa obra, Ele prossegue e faz toda esta imensa
e ampla provisão para nós, e cuida providencialmente de nós, nas coisas que
nos sucedem, dirigindo-nos e guiando-nos. De mil e uma maneiras Ele
alimenta e sustenta a vida da Igreja, pela qual Ele morreu. Não significa que
olvidamos a cruz, ou que voltamos as costas para ela, porém que, em
acréscimo, percebemos mais esta obra que Ele realiza por nós.
Por que o Senhor faz tudo isso? Por que morreu pela Igreja? Por que este
processo de santificação e purificação? Por que a alimentação e o sustento,
o cuidado? Qual o propósito disso tudo? A resposta acha-se na tremenda
declaração do versículo 27: “Pva a apresentar a si mesmo igreja gloriosa,
sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível”.
Tudo visa a esse fim. Tudo que estivemos examinando é o objetivo imediato,
mas tendo em vista esse objetivo final. Esse é o propósito, essa é a grande
finalidade para a qual o Senhor fez e continua fazendo as coisa que
estivemos considerando.
É isso que significa a frase “igreja gloriosa”. Ela estará num estado de
glória. O apóstolo nos ajuda a entendê-lo, primeiro descrevendo sua
aparência externa. Descreve isto em termos de duas negativas. A Igreja, em
sua glória, não terá mácula nem ruga. Não haverá nela nem mancha nem
desonra. É muito difícil percebermos bem isso. Enquanto a Igreja caminha
neste mundo de pecado e vergonha, ela se suja de lama e lodo. Portanto, há
manchas e nódoas nela. E é muito difícil livrar-se delas. Todos os
medicamentos que conhecemos, todos os produtos de limpeza são incapazes
de remover estas manchas e nódoas. Algreja não é limpa aqui, não é pura;
embora esteja sendo purificada, ainda há muitas manchas nela.
Sim, e graças a Deus, “nem ruga” - “sem mácula, nem ruga”. As rugas,
como sabemos, são sinais de velhice, ou de doença, ou de algum tipo
de transtorno constitucional. As rugas são um sinal de imperfeição.
Quando envelhecemos, desenvolvemos rugas. A gordura desaparece da pele.
A enfermidade também pode privar-nos dessa camada de gordura, e assim
fazer-nos parecer prematuramente velhos. Não importa qual seja a causa -
qualquer espécie de aflição ou de ansiedade leva às rugas. É sinal de fadiga
e de decadência, de idade avançada e de bancarrota. Neste mundo a Igreja
tem muitas rugas; parece idosa, velha. Contudo, graças a Deus, diz o
apóstolo Paulo, quando chegar o grande dia em que Cristo vai apresentar a
Igreja a Si mesmo em toda a sua glória, não somente não haverá nela
mácula nenhuma; também não haverá nenhuma ruga.Tudo será apagado e
alisado, sua pele será perfeita, cheia e bem formada. É impossível descrever
esta perfeição. A idéia toda é, num sentido, sugerida no Salmo 110, onde ao
salmista, numa prospectiva profética, é propiciado um vislumbre deste
estado de perfeição: “O teu povo”, diz ele no versículo três, “se apresentará
voluntáriamente no diz do teu poder, com santos ornamentos: como vindo
do próprio seio da alva, será o orvalho da tua mocidade”. A Igreja terá
renovada a sua mocidade. Ousaria eu expressá-lo assim? O Especialista em
Beleza terá dado Seu toque final à Igreja, a massagem terá sido tão perfeita
que não restará nem uma ruga sequer. Ela parecerá jovem e na florescência
da juventude, com a cor das faces, com a pele perfeita, sem mácula nem
ruga. E permanecerá assim, para todo o sempre. O corpo da
sua humilhação terá desaparecido, terá sido transformado e transfigurado
no corpo da sua glorificação.
É isto que nos é dito em geral aqui, acerca da Igreja. Permitam-me, porém,
lembrá-los de que em Filipenses 3, versículos 20 e 21, Paulo nos diz que
essa mesma coisa nos irá acontecer individualmente. É coisa maravilhosa de
se ver. Estes nossos corpos, individualmente, o seu e o meu, vão ser
glorificados. Nenhuma enfermidade restará, nenhum vestígio de doença ou
de falha ou de sinais de velhice; haverá uma grandiosa renovação da nossa
mocidade. E viveremos naquela eternidade de perpétua juventude, sem
decadência nem doença, nem qualquer diminuição da glória a nós
pertencente. Assim será a aparência externa da Igreja. Não se esqueçam de
que a idéia que o apóstolo
Esta é a realidade à qual devemos aspirar mais que tudo. Somos todos
muito assimétricos. Alguns estão cheios de conhecimento intelectual, de
conhecimento teórico da doutrina, e nunca se movem além disso. Outros
não têm
Esse poder é irresistível. Farei, pois, mais uma vez esta exortação: se você é
de fato um filho de Deus e um membro da Igreja, um membro do corpo
de Cristo, permitam-me admoestá-lo, à luz deste elevado e glorioso ensino
de que este corpo está sendo aperfeiçoado e afinal será perfeito. Portanto,
não resista ao Senhor, não resista aos ungüêntos, aos emolientes e ao gentil
ensinamento que de várias outras maneiras, Ele oferece pela instrução na
Palavra. Porque, acredite-me, se você se manchar profundamente com o
pecado, Ele tem alguns ácidos muito fortes que poderá usar, e que de fato
usará, para arrancar você do pecado! “Porque o Senhor corrige o que ama,
e açoita a qualquer que recebe por
será necessariamente por castigo. As Escrituras não dizem isso; mas dizem
que pode ser. Isso tem acontecido muitas vezes. Pode-se ler muitos exemplos
disso nas Escrituras. Paulo compreendeu que o espinho na came lhe fora
dado para mantê-lo humilde e para que ele não se exaltasse (2 Coríntios
12:7-10). Há pessoas tolas e tagarelas que dizem que jamais é da vontade do
Senhor que alguém fique doente. As Escrituras ensinam que “o Senhor
corrige o que ama”, e esta é uma das maneiras de que se utiliza - “há entre
vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem”. Se você é realmente um
filho de Deus, tenha cuidado, esteja alerta. Desde que você pertence ao
corpo do qual Ele é a Cabeça, Ele o purificará, Ele o aperfeiçoará, Ele fará
que você venha a ser aquilo que Ele determinou que fosse.
O que acabo de dizer nos deixa com uma questão final. Quando irá
acontecer tudo isso? Parece não haver nenhuma dúvida quanto a isso. Tem
que ver com a “Segunda Vinda” do nosso Senhor. Será quando Ele vier e
levar a Igreja para estar com Ele. Esse é o ensino das Escrituras. “Vou
preparar-vos lugar. E, se eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez e vos
levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também
(João 14:2-3).
Quando será? Será quando tudo estiver completo, quando a plenitude dos
gentios e a de Israel forem salvas, e a Igreja estiver inteira e completa.
Nenhuma pessoa estará perdida ou faltando, nem uma só. O diabo não
frustará esta realização; ele já é um inimigo derrotado. O apóstolo sempre
se deleita em dizer isto. Ele o diz gloriosamente na Epístola aos Filipenses,
capítulo primeiro,
versículo 6: “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a
boa obra, a aperfeiçoará até” - até quando? - “até ao dia de Jesus Cristo”.
Esse é o dia, “o dia do Senhor”, “o dia de Jesus Cristo”, “o dia de Cristo”,
“o grande e glorioso dia”, “aquele dia” que “se vai aproximando” (cf.
Filipenses 1:6,10; Atos 2:20; Hebreus 10:25 etc.). Ou como Paulo o expressa
no final do capítulo 3 de Filipenses: “Mas a nossa cidade está nos céus,
donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que” - quando
vier - “transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo
glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todos as
coisas”. Nada pode detê-lo! Outra vez o apóstolo, escrevendo aso romanos,
no capítulo 8, nos versículos 22 e 23, diz: “Porque sabemos que toda a
criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela,
mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em
nós mesmos, esperando a adoção” - Que é isso? - “a saber, a redenção” - a
glorificação - “do nosso corpo. Isso significa ficar a Igreja livre das
manchas, nódoas e rugas, e de todas as coisas semelhantes a essas, e estar
completa e gloriosa em Sua presença.
“Para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem
coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.” Ele olhando-a nos olhos;
ela olhando-O nos olhos! Foi esse o objetivo do nosso bendito Senhor
quando Ele veio à terra, viveu, morreu e ressuscitou. É Seu objetivo por nós.
Ele morreu por nós para podermos chegar lá! Ele nos separou para
podermos chegar lá! Ele nos
está purificando para podermos chegar lá! Ele nos alimenta para podermos
chegar lá! Ele nos sustenta e cuida de nós para podermos chegar lá! Queira
Deus dar-nos graça para compreendermos o privilégio de ser um membro
da Igreja cristã! Oxalá nos sejam dadas também graça e força e
entendimento para captarmos algo da glória que nos aguarda, de modo que
canalizemos para ela o nosso afeto, e não para as coisas da terra!
Tomemos, por exemplo, o ensino da igreja católica romana sobre este ponto.
Essa igreja traduz por “sacramento” a palavra que a Versão
Autorizada verte para “mistério” (e também Almeida). Dizem os católicos
romanos (Vulgata): “Grande é este sacramento”, e a partir desta afirmação
é que eles elaboram a sua doutrina de que o matrimônio é um dos sete
sacramentos. Falam em “sete sacramentos” - não apenas nos dois que os
protestantes reconhecem, a saber, o batismo e a ceia do Senhor - e dos sete o
matrimônio é um. Sua suposta prova disso é este versículo. Sobre tal
fundamento, eles apresentam a sua noção de que o matrimônio é
sacramento e, portanto, naturalmente, só pode ser efetuado por um
sacerdote. Isto é apenas uma ilustração do modo pelo qual eles elevam o
sacerdócio e introduzem um elemento mágico no cristianismo. Tudo visa a
esse fim. Todavia isso mostra como as Escrituras podem ser
pervertidas, usadas falsamente e forçadamente adaptadas aos interesses de
uma teoria dominante da qual você parte. Se você começa exaltando a sua
igreja e o sacerdócio, você terá que cercá-los por todos os lados, e por todos
os meios possíveis - e é o que eles fazem. A “extrema unção” é, de novo, uma
coisa que só pode ser ministrada por um sacerdote, de maneira que é um
sacramento; e assim por diante. Todas estas coisas têm por fim reforçar este
poder puramente artificial do sacerdote. Estou fazendo esta advertência
simplesmente para mostrar como uma afirmação como esta pode ser mal
interpretada. O que mostra, finalmente, quão inteira e completamente
errada é essa interpretação católica romana, é o que o apóstolo prossegue
dizendo precisamente neste versículo - “digo-o, porém, a respeito de Cristo e
da Igreja”. Esse é o mistério ao qual se refere. Isto lança alguma luz sobre o
casamento humano entre um homem e uma mulher, mas ele está falando “a
respeito de Cristo e da Igreja.” Assim, o real mistério é a relação entre
Cristo e a Igreja. Daí, os católicos romanos são levados a acreditar que a
relação entre Cristo e a Igreja é um sacramento. Mas não dizem isso, pois
para eles seria um disparate dizê-lo. Todavia, aí está um dos modos pelos
quais este assunto pode ser totalmente mal compreendido.
Certamente deve estar patente que isto é meramente insinuar uma coisa que
de modo algum é sugerida pelo apóstolo, quer no próprio versículo, quer
no contexto inteiro. É uma tentativa de explicar o mistério de um modo
não coerente com o contexto; e, em última análise, quase acaba com o
mistério.
Seguramente, se seguirmos o rumo ditado pelo apóstolo, chegaremos à
verdade explicação. Ele está obviamente citando Gênesis 2:23: “E disse
Adão: esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne: esta será
chamada varoa”. Mas por que seria chamada “varoa”? A resposta dada é:
“porquanto do varão foi tomada". A verdadeira definição de mulher é, pois,
alguém que do varão foi tomado. Esse é o verdadeiro sentido da palavra
“mulher”. A mulher, por definição, por origem, por nome, é alguém que foi
tirado do varão. Contudo, observem de novo o modo pelo qual isso foi feito.
“E disse o Senhor Deus: não
é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma adjutora que esteja como
diante dele” (versículo 18). De novo se nos diz, no fim do versículo 20: “mas
para o homem não se achava adjutora que estivesse como diante dele.” Os
animais foram criados, e são magníficos, mas nenhum deles é um ajudador
à altura do homem. Há uma diferença essencial entre o homem e o animal.
Afinal de contas, o homem é uma criação especial; não evoluiu dos animais.
O melhor animal é essencialmente diferente do mais rebaixado tipo de
homem; este pertence a uma outra ordem, a uma esfera completamente
diferente. O homem é único, foi feita à imagem de Deus. Portanto, embora
os animais sejam maravilhosos, não havia um que pudesse fazer companhia
ao homem, a companhia de que o homem necessita. Assim, vamos adiante, e
lemos: “Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este
adormeceu: e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E
da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher”. A
mulher foi tirada do homem, foi extraída da sua substância, da “sua carne”
e dos “seus ossos”. Deus toma uma parte do homem, e dela faz uma mulher.
Que é, então a mulher? Ela é da mesma substância do homem, “da sua
carne e dos seus ossos”. Deus efetuou a operação. O homem foi posto num
estado de profundo sono, e então a operação foi realizada, a parte foi
tomada, e dessa parte foi feita a mulher.
Vocês deram-se conta disso? Não é por acidente que Cristo é mencionado no
Novo Testamento como “o segundo homem” e como “o último Adão”
(1 Coríntios 15:45,47). Aqui o apóstolo ensina que esta verdade também se
aplica a Ele neste aspecto. Normalmente pensamos em nossa relação com
Ele no sentido individual, e isso está certo. Tomemos o ensino concernente à
relação do cristão com o Senhor Jesus Cristo como se acha em Romanos,
capítulo 5, onde outra vez temos esta mesma comparação entre o primeiro
homem e o segundo; fala-nos sobre como estamos todos envolvidos na
transgressão de Adão, e como estamos envolvidos na justiça de Cristo.
Como aquela relação, assim é esta. Ali a ênfase recai no pessoal. Aqui, recai
na Igreja como um todo, na relação comunitária; e esta é a grande e
misteriosa verdade que Paulo está ensinando. Assim como é certo dizer da
mulher, que ela foi tirada do lado do homem, da sua substância, da “sua
carne e seus ossos”, também é certo dizer que
a Igreja é tirada de Cristo, e nós somos parte dEle, membros do Seu corpo e
dos Seus ossos. Ele é o último Adão, o segundo homem. E como Deus operou
no primeiro homem para produzir a sua esposa, sua coadjutora satisfatória,
assim Ele operou no segundo homem, para fazer a mesma coisa, de maneira
infinitamente mais gloriosa.
Mas precisamos dar o passo final, e ir aos versículos 31 e 32: “Por isso
deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois
numa carne. Grande é este mistério: digo-o, porém, a respeito de Cristo e da
Igreja”. Aqui, de novo, só poderemos entender o que o apóstolo quer dizer
se retomarmos ao capítulo dois de Gênesis. A passagem acima é uma citação
direta de Gênesis 2:24. No entanto, o que ela significa exatamente? Há
muitos que ficam assustados neste ponto, e dizem: “Ah, isso é um grande
mistério, e devemos ter o cuidado de não forçá-lo demais”. Daí dizem eles
que o apóstolo introduziu as palavras, “e serão dois numa came”, citação de
Gênesis 2:24, simplesmente para arrematar a citação que fez. O apóstolo,
contudo, não faz esse tipo de coisa; o apóstolo não faz citações, a menos que
tenha um objetivo e um propósito. Dizem aquelas pessoas: “Naturalmente é
patente que isso não tem nada a ver com o Senhor Jesus Cristo e a Igreja.
Aqui, na verdade, Paulo está apenas falando sobre maridos e esposas; não
está falando da Igreja neste ponto”. Mas não posso aceitar isso, pois Paulo
diz: “Isto” - que acabo de dizer - “éum grande mistério, mas eu estou
falando a respeito de Cristo e da igreja.”
Este é o grande mistério da salvação, e é por isso que precisamos ser tão
cuidadosos. Mas a doutrina da salvação sugere isto, que o bendito e eterno
Filho de Deus, para salvar-nos, impôs a Si próprio uma limitação. Ao Se
revestir da natureza humana, revestiu-Se de uma limitação. Ele continua
sendo Deus, eternamente - não há limite nisso, não há diminuição da Sua
divindade. E um grande mistério, e não devemos tentar entendê-lo no
sentido final. Não pode ser compreendido.Todavia este é o ensino. Ali está
Ele, Uno eImutável! Sim, mas Ele Se fez homem, e Se fez sujeito à
ignorância de fraqueza, enquanto esteve neste mundo, enviado “em
semelhança da carne do pecado” (Romanos 8:3). E como Mediador, digo e
repito, Ele não será completo enquanto a Igreja não estiver completa. Ele
tem uma esposa, à qual deve unir-se, tornando-se ambos “uma carne”.
Quando o Senhor Jesus Cristo voltou para o céu, não deixou para trás o Seu
corpo; levou-o conSigo. Essa natureza humana está nEle agora, e sempre
estará. Ele continua sendo a segunda Pessoa da bendita e santa
Trindade, porém esta natureza humana que eu e vocês temos agora, lá está
nEle, e nEle estaremos por toda a eternidade. Ele Se sujeitou a algo.
Aventuro-me àquilo que é quase uma especulação, mas o apóstolo cita estas
palavras: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua
mulher; e serão dois numa carne”. Não forço os pormenores, no entanto isto
eu digo - que o Senhor Jesus Cristo deixou as mansões da glória e veio a este
mundo terrenal em busca da Sua esposa. Houve um “deixar” em Seu caso,
como no caso do homem que deixa seu pai e sua mãe para unir-se à sua
esposa. Sim, Cristo deixou as mansões da glória - como no-lo recorda
Charles Wesley -
O trono de Seu Pai deixou em cima, tão livre e infinita é Sua graça!
Este é, digo eu, o supremo mistério. Não há nada mais maravilhoso, não há
nada mais glorioso do que isto. Somos participantes da Sua natureza
humana, estamos unidos a Ele, e o estaremos por toda a eternidade. Por isso
nos dizem as Escrituras que estaremos acima dos anjos e os “julgaremos”.
“Não sabeis vós”, diz Paulo em 1 Coríntios 6, “que os santos hão de julgar o
mundo, que havemos de julgar os anjos?” Até os anjos! Por que? Porque
somos elevados acima deles, estamos no Filho, somos parte dEle, estamos
unidos a Ele, somos “uma carne” com Ele. A Igreja é a esposa de Cristo, e
quando pensamos nesta relação, devemos sempre fixar-nos neste mistério e
dar-nos conta de que somos membros do Seu corpo, da Sua came e dos Seus
ossos. Sobretudo, porém, demonos conta do que Ele fez para que viéssemos
a ser dEle. Ele deixou o trono de
Há, porém, mais uma coisa que nos cabe fazer antes da aplicação do ensino
aos deveres particulares dos maridos para com as suas esposas. Há implícita
naquilo que o apóstolo vem dizendo, mais uma coisa que será de grande
importância quando chegarmos à aplicação prática, mas que é
de inestimável valor para cada um de nós, cristãos, quando nos damos conta
da nossa relação com o Senhor Jesus Cristo, e de que, juntos, somos a
esposa de Cristo. Deixem-me explicar isto.
Vejamos, pois, algumas das coisas que Ele nos concede, coisas que dizem
Que é que Cristo nos concede? Primeiramente, Sua vida. Já estudamos essa
verdade, mas preciso mencioná-la outra vez, neste contexto. Ele nos dá uma
parte da Sua própria vida - tomamo-nos partícipes da Sua vida. É o
que acontece quando alguém se casa, não é? Ele vivia sua própria vida,
porém agora não a vive exclusivamente; sua esposa se toma participante da
sua vida. Como é uma parte dele, ela se toma participante da sua vida, das
suas atividades e de tudo que lhe diz respeito. A primeira coisa que um
homem casado tem que aprender é que, quando se vê confrontado por
situações diversas, agora lhe compete fazer algo novo. Antes, o principal
problema para ele era: como isto me afeta, qual a minha reação a isto?
Entretanto, agora ele não pára aí. Agora ele tem que pensar em como isto
afeta sua esposa. Já não leva uma vida isolada, digamos, por sua própria
conta; sempre terá que considerar outra pessoa, que é partícipe da sua vida.
Certas coisas podem ser-lhe aceitáveis, mas agora há alguém mais que ele
tem de levar em consideração.
maneira de dizer que somos participantes da Sua vida. Ora, não há nada
que supere isso! De fato, já estivemos examinando isso quando estávamos
estudando a afirmação de que somos membros do Seu corpo, da Sua carne e
dos Seus ossos. Agora o estamos examinando de um ângulo ligeiramente
diferente; não tanto do ângulo da união mística, e sim da consciência pessoal
do Senhor de que Ele está dando Sua vida, partilhando-a, e de que nós
somos incluídos nela e nos tomamos parte integrante da Sua vida.
Prossigamos, porém, para mostrar isto em suas várias manifestações. Uma é
que Ele nos outorga Seu nome. Tomamos sobre nós o Seu nome porque Ele
mesmo no-lo dá. Somos chamados “cristãos”, e essa é a maior
verdade concernente a nós. Não somos mais o que éramos; mudamos de
nome. Quando a mulher se casa, muda de nome. Quão importante é isso,
para ajudar-nos a entender o ensino do grande apóstolo neste capítulo cinco
desta Epístola aos Efésios! Quanta coisa ele tem para dizer também acerca
deste insensato movimento moderno chamado “feminismo”! Quando uma
mulher se casa, renuncia ao seu nome e toma o nome do seu marido, Isso é
bíblico, e também é o costume do mundo inteiro. Isso nos ensina sobre a
relação entre marido e mulher. Não é o marido que muda de nome, mas a
esposa. Há uma notável ilustração disto, de tempos recentes. Refiro-me a ela
porque espero que ajude a fixar estas verdades em nossas mentes. A nação
toda sabe o que aconteceu no caso da princesa Margaret, como o nome do
marido dela é apresentado sempre que ela é mencionada; e isso está certo.
Não proceder assim é antibíblico. O nome do marido é que é tomado, não o
da mulher. Não importa quem sejam os cônjuges, esta é a posição
escriturística.
Está é a coisa espantosa que acontece com todos os que de fato são cristãos,
com todos os membros deste corpo, que é a esposa de Cristo. Foi-lhes dado
pelo Príncipe da glória e, maravilha das maravilhas é o Seu nome! Não
há honra ou glória maior do que esta. Você desaparece num novo nome, e é
o nome mais elevado de todos. Lemos que vem o dia em que “ao nome de
Jesus” se dobrará “todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e
debaixo da terra” -e esse é o nome que nos é dado, a nós que fomos
constituídos em esposa de Cristo.
Então vemos que disso decorre o fato de que somos participantes da Sua
dignidade, da Sua grandiosa e gloriosa posição. O apóstolo já dissera
algo equivalente no capítulo 2, onde nos dissera a admirável verdade de que
Deus “nos ressuscitou juntamente com ele (com Cristo) e nos fez assentar
nos lugares celestiais, em Cristo Jesus”. Essa verdade agora nos abrange. Se
somos cristãos, estamos “em Cristo”, o que significa que estamos assentados
com Ele “nos lugares celestiais”. Onde quer que o esposo esteja, ali está a
esposa também, e a reputação, a dignidade e a posição que pertencem a ele,
pertencem a ela. Não tem a menor importância quem ela era; no momento
em que ela se toma sua esposa, participa de todas as coisas com ele. E ai
daquele que não lhe conceda a posição e a dignidade a que faz jus! Não há
maior insulto ao esposo do que recusar a honrar a sua esposa. Esta verdade,
diz o Novo Testamento, vale para o cristão. Isto nos é dito repetidamente.
Uma declaração disso ocorre no capítulo 17 do Evangelho Segundo João,
versículo 22, onde o Senhor Jesus diz:
“E eu dei-lhes a glória que a mim me deste”. A glória que o Pai Lhe dera,
diz Ele, Ele deu a Seu povo. É uma coisa que invariavelmente sucede no
casamento: a esposa, sendo uma parte do marido e tendo sobre si o nome do
marido, compartilha toda a posição dele. “Dei -lhes a glória que a mim me
deste”.
poder” (Salmo 103:20); mas estamos destinados a uma posição que será
superior à dos anjos! O autor da Epístola aos Hebreus faz esta
colocação: “Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que
falamos. Mas em certo lugar testificou alguém, dizendo: que é o homem,
para que dele te lembres? ou o filho do homem, para que o visites? Tu o
fizestes um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste, e
o constituíste sobre as obras de tuas mãos; todas as coisas lhe sujeitaste
debaixo dos pés” (Hebreus 2:5-8). “Mas”, diz alguém, “não vejo todas as
coisas sujeitas ao homem; de que é que você está falando?” “Oh não”, diz o
autor daquela epístola, “... ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam
sujeitas; vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora
feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte”
(versículo 9). Estas palavras significam que eu e vocês vamos ocupar aquela
posição. Aos olhos de Deus já a ocupamos; não vemos isto, no entanto, já é
coisa certa quanto a nós. Estamos acima dos anjos porque somos a esposa
de Cristo; e como Ele está acima deles nos lugares celestiais, temos essa
dignidade, essa grandeza e essa posição agora mesmo.
Isso nos leva ao ponto subseqüente, ou seja, que participamos não somente
da Sua vida, mas também dos Seus privilégios. No momento em que
uma mulher desposa um homem, passa a participar dos privilégios dele.
Sejam estes quais forem, ela se toma participante deles. O apóstolo está
dizendo aqui que isto se aplica à Igreja. Participamos do que? Participamos
do amor do Pai. Há um versículo que, de muitas maneiras, é para mim o
versículo mais espantoso da Bíblia. É o versículo 23 do capítulo 17 do
Evangelho Segundo João. Diz o Senhor: “para que o mundo conheça que tu
me enviastes a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a
mim”. É uma afirmação que significa que Deus o Pai nos ama, na qualidade
de povo cristão, como ama a Seu próprio Filho. O que significa que, devido
à nossa relação com o Filho, estamos nessa relação com Deus. Pensem num
homem, sem filhas, cujo filho homem se casou. Ele agora diz à esposa do seu
filho: “Você é minha filha. Nunca antes tive uma filha, mas agora você é
minha filha”. E a considera como tal. Ela e seu filho são um; portanto, ele
estende a ela o seu amor paterno - “para que o mundo conheça que os tens
amado, como me amas”. O privilégio é esse. Opera deste modo - dá-nos
acesso ao Pai. Um pai está sempre pronto a receber a esposa do seu
filho. Antes ela não tinha acesso a ele; não havia nenhum relacionamento
entre ela e o pai; mas no momento em que o filho se casa, ela passa a ter
direito de acesso à presença do pai. Como o Pai está pronto a receber seu
filho e a dar-lhe privilégios que não concederia aos seus servidores favoritos
e mais dignos de confiança, assim agora ele os concede à nora, porque é
esposa do seu filho. Povo cristão, será que tiramos proveito destes altos
privilégios? Será que nos apercebemos de que temos direito de entrada e
acesso à presença do Pai? Apesar de ser Ele o Governador do universo, se
vocês tiverem alguma necessidade, lembrem-se de que têm direito de chegar
à Sua presença. Por amor a Seu Filho, Ele não os rejeitará. Esposa de
Cristo, Ele sempre lhe dará ouvidos, Ele sempre terá tempo para você. Não
há maior privilégio do que este. Ele nos ama como
ama a Seu Filho, e nos dá este direito de entrada e acesso à Sua santa
presença.
Mais ainda, estou simplesmente dando títulos para que reflitam e meditem.
Devemos dedicar muito do nosso tempo a estes pontos, pensando neles.
Quando vocês se ajoelharem para orar, não comecem a falar
imediatamente; parem e pensem. Pensem mesmo antes de dobrar os joelhos.
Procurem dar-se conta do que estão fazendo; lembrem-se do que são, e
porque são o que são; tragam à memória aquilo que lhes diz respeito, e os
direitos e privilégios que lhes são dados. Depois, passem a considerar as
possessões que o Senhor nos dá. Somos participantes das Suas possessões. O
apóstolo Paulo, numa extraordinária exposição escrita à igreja de Corinto,
diz, como se fosse, o seguinte: “Com que vocês se preocupam? Por que se
dividem e têm ciúme e inveja uns dos outros? Que é que há com vocês?
Todas as coisas são suas. Tudo! Não importa o que seja, tudo e todos são
seus. Por que? Porque vocês são de Cristo, e Cristo é de Deus.” Estudem
isso com esmero, no final do capítulo 3.
Tomo a inquirir: não estou certo quando digo que a verdadeira tragédia
hoje está na falha evidenciada pela Igreja de não compreender a verdade
sobre si mesma? “Tudo é vosso” - tudo! Em certo sentido, o cosmo é nosso,
porque pertencemos a Cristo. O apóstolo Paulo ficava emocionado com este
conhecimento; e a prova do nosso cristianismo, a prova da nossa
espiritualidade, é se nos comovemos e vibramos com estas coisas. Pode ser
que estejamos passando por períodos difíceis, que estejamos sendo
perseguidos, que estejamos sendo desprezados, que estejam rindo de nós
porque somos cristãos. Sabem o que devemos dizer a nós mesmos? Devemos
dizer: “se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de
Deus e co-herdeiros de Cristo” (Romanos 8:17). Pouco importa o que o
mundo pense ou diga - “tudo é vosso”; os cristãos são “co-herdeiros de
Cristo”.
mento, será abolida a guerra, tudo será perfeito por todo o tempo restante?
Mas tudo em vão. Este mundo é mau, e o mal e o pecado continuarão a
manifestar-se, enquanto não chegar o dia do juízo determinado por Deus.
Todavia, há um “mundo futuro”; é a Nova Jerusalém que descerá do céu,
este velho mundo restaurado com toda a sua pristina glória, este velho
mundo como Deus o fez no princípio, mas ainda mais glorioso. Isso
acontecerá na segunda vinda de Cristo. Ele mesmo o habitará, e Sua esposa
com Ele. Esse é “o mundo futuro, de que falamos”. Quem irá viver nesse
mundo, quem herdará esse mundo? Bem, diz a epístola que não serão os
anjos. “Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que
falamos”, e sim a nós. Somos nós os herdeiros desta glória vindoura.
Amados irmãos, vocês refletiram nisso alguma vez? Lembraram-se disso
alguma vez? Pode ser que estejam tendo tempos difíceis, lutando com
o mundo, a carne e o diabo; podem estar enfrentando dificuldades e
obstáculos. Dêem as costas para isso! Não olhem só para isso! “Não
atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as
que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2 Coríntios
4:18). Levantem a cabeça; vocês compartilham a herança de Cristo, as Suas
possessões! Vocês O desposaram -ou melhor, Ele os desposou - e coloca todas
estas coisas em suas mãos. Vocês são participantes das possessões de Cristo.
Mas, deixem-me mencionar uma coisa que, para mim, é um dos seus mais
fascinantes e encantadores aspectos. O Senhor não partilha conosco
somente as Suas possessões, os Seus interesses, os Seus planos e os Seus
propósitos; também partilha conosco os Seus servos. Você pode ter sido uma
Cinderela (Gata Borralheira); a Igreja toda era uma Cinderela, em seus
trapos, com sua dura vida de escrava, fazendo todos os trabalhos caseiros
em lugar de suas irmãs. Mas Cinderela casou-se com o príncipe; e o que
sucede? Em vez de mourejar como escrava daquela maneira, agora ela tem
os seus servos. Que servos? Os dele! Uma vez que ela se tomou esposa deste
príncipe, todos os servos dele são servos dela e lhe prestam serviço como
prestam serviço a ele. Vocês já se deram conta de que esta verdade se aplica
a nós? Voltemos mais uma vez à Epístola aos Hebreus, capítulo primeiro. O
escritor compara e contrasta o Senhor Jesus Cristo com os anjos e eis como
se expressa: “a qual dos anjos disse jamais: assenta-te à minha destra até
que ponha a teus inimigos por escabelo de teus pés?" E a seguir: “Não são
porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor
daqueles que hão de herdar a salvação?” (versículos 13 e 14).
O sentido é que, devido sermos cristãos, os anjos de Deus nos servem: aí está
como a epístola descreve um anjo. Este é um “espírito
ministrador”, enviado para nos servir e para ministrar a nosso favor, que
somos herdeiros do “mundo futuro” do qual ela está falando. Receio que
negligenciamos o ministério dos anjos; não pensamos suficientemente nisso.
Entretanto, quer estejamos cientes quer não, há anjos que cuidam de nós;
eles estão ao redor de nós. Não os vemos, mas isso não importa. As coisas
mais importantes nós não vemos; só enxergamos as coisa visíveis. Contudo,
estamos cercados de anjos; são designados para tomar conta de nós e para
ministrar a nosso favor- anjos da guarda. Não tenho a pretensão de
entender isso tudo; nada sei além daquilo que a Bíblia me diz - no entanto
isto eu sei: os servos do Senhor, os anjos, são meus servos. Eles estão ao
redor de todos nós, cuidando de nós e manipulando as coisas por nós de um
modo que não podemos compreender. E sei mais, que quando morrermos,
eles nos levarão para o lugar que nos está destinado. Foi o próprio Senhor
Jesus Cristo que ensinou essa verdade na parábola do rico e Lázaro, em
Lucas capítulo 16. É-nos dito que o rico morreu e foi sepultado. Mas o que
aconteceu com Lázaro? Ele “foi levado pelos anjos para o seio de Abraão”.
Porventura, damo-nos conta de que os anjos de Deus ministram a nosso
favor porque somos a esposa do Filho? Desde sua origem eles
têm ministrado para Ele e nEle têm esperado; e devido à nossa nova
relação, agora são nossos servos, ministrando para nós. Queira Deus dar-
nos a graça de perceber que estamos rodeados de tais ministérios e
ministrações, e de tais ministros! Nada pode fazer-nos dano definitivamente;
aí estão eles, enviados pelo Senhor para velar por nós.
mos algo dos Seus problemas? Estamos cientes disto? “Meus fílhinhos”, diz
Paulo aos gálatas, “por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo
seja formado em vós” (4:19). Ele sentia alguma coisa dessas dores. Todavia,
de modo ainda mais notável ele diz, em Colossenses 1:24: “Regozijo-me
agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições
de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja”. O apóstolo Paulo estava tão
consciente desta relação com o Senhor Jesus Cristo, que dizia que estava
cumprindo em seu corpo o que restava dos sofrimentos de Cristo. A esposa
digna deste título sofre sempre que o seu marido sofre; sofre em seu coração
quando o vê sofrer; ela o partilha com ele, suporta-o com ele. Assim o
apóstolo Paulo completou em seu próprio corpo algo do que restava dos
sofrimentos de Cristo à medida que Este leva a efeito o Seu propósito no
mundo, a agonia do Filho de Deus, que continuará até chegar o “dia da
coroação”. A Igreja é a esposa de Cristo. Será que nós, como partes e
porções do corpo, temos alguma experiência desta agonia, deste
sofrimento, dos sofrimentos da Cabeça?
Que vergonha, por nossa fraqueza, nosso desalento, nossas queixas, nossa
letargia, nossa quase-inveja do mundo e da sua vida pretensamente
maravilhosa, da sua pretensa alegria e do seu pretenso gozo. É um mundo
agonizante; é um mundo mau; está sob condenação; vai desaparecer. O
mundo já “está passando”. Mas eu e você temos esta glória vindoura que
podemos divisar, a glória que compartiremos com o Senhor Jesus Cristo
naquele grande dia. A glória daquele “mundo futuro” é indescritível; e nele
viveremos e reinaremos com o Senhor.
Havendo tomado a Igreja como Sua esposa, Ele lhe outorga isso tudo. Suas
prospectivas são nossas, Sua glória é nossa, tudo é nosso. “Os
mansos herdarão a terra" (Salmo 37:11; Mateus 5:5). Reinaremos com Ele
sobre o universo todo; julgaremos os anjos. Eu e vocês! Assim é o cristão!
Assim é a Igreja cristã, na qualidade de esposa de Cristo!
Desejo, pois, expressá-lo deste modo - que não nos será suficiente consi-
derar nossas esposas como companheiras. São companheiras, mas são mais
que isso. Dois homens podem ser companheiros de negócio, porém a
analogia não é essa. A analogia supera isso. Não é uma questão de
companheirismo, embora inclua essa idéia. Há outra frase freqüentemente
usada - pelo menos era comum
Estou dando ênfase a isto pelo motivo que o apóstolo expõe claramente, a
saber, para mostrar que existe este elemento de indissolubilidade quanto
ao casamento, indissolubilidade que, conforme entendo o ensino bíblico, só
pode ser desfeita pelo adultério. Todavia, o que nos interessa dizer agora é
que o apóstolo faz esta colocação a fim de que o marido veja que não pode
desligar-se da sua esposa. Você não pode desligar-se do seu corpo; assim,
você não pode desligar-se da sua esposa. Ela faz parte de você, diz o
apóstolo; portanto, lembre-se disso sempre. Você não pode viver isolado,
não pode viver separado. Se compreender isso, não correrá o risco de
pensar em separação, não correrá o risco de anelar, querer, desejar a
separação. Menos ainda poderá haver algum antagonismo ou ódio.
Observem como ele se expressa: “Nunca ninguém”, diz ele para
ridicularizar a coisa, “nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes
a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja”. Assim, todo
e qualquer elemento de ódio entre marido e mulher é pura loucura; mostra
que o homem ignora totalmente o que significa o casamento. “Nunca
ninguém aborreceu a sua própria carne” - mas a sua esposa é a sua própria
carne, e o seu corpo; portanto, ele deve amar sua esposa como seu próprio
corpo.
A que isto leva na prática? Chego aqui a um ensino muito detalhado do qual
todos têm necessidade, os cristãos e os demais. Todos falhamos, Deus o
Mas não somente não deve o marido abusar da sua esposa; em segundo
lugar, não deve negligenciá-la. Retomemos à analogia do corpo. Um
homem pode negligenciar seu corpo. Acontece muitas vezes e, de novo, isto
sempre leva à dificuldades. Negligenciar o corpo é mau, é tolo, é errado. O
homem foi constituído de tal maneira que ele é corpo, mente e espírito, e os
três estão em íntima relação uns com os outros. Seguramente estamos todos
cientes disto. Tome-se um exemplo em termos da fragilidade do corpo. Se
sofro de laringite, não posso pregar, ainda que queira fazê-lo. Posso estar
com a mente cheia de idéias, e posso estar dominado pelo desejo de pregar,
porém, se a minha garganta estiver inflamada, não poderei falar. E assim é
com o corpo todo. Se você negligenciar o corpo, sofrerá por isso. Muitos
homens têm feito isso, muitos eruditos têm feito isso, e pela negligência dos
seus corpos o trabalho deles padeceu. Isso por causa da unidade essencial
que há entre estas partes das nossas personalidades.
Dá-se exatamente a mesma coisa na relação matrimonial, diz o apóstolo.
Quão maiores dificuldades são causadas na esfera do casamento
simplesmente pela negligência! Recentemente foi publicado nos jornais um
documentário médico dando provas de que atualmente numerosas mulheres
foram empurradas ao vício de fumar. Por que? Simplesmente porque foram
negligenciadas por seus maridos. Os maridos passam suas noites fora, em
esportes ou em bares ou jogando com os amigos; e a pobre esposa é deixada
em casa com as crianças e com o trabalho. O marido vem para casa na hora
de ir para a cama e dormir; de
Eu poderia desenvolver isto com muita facilidade, porém os fatos são tão
conhecidos que isso se toma desnecessária. Na verdade tenho a impressão
de que existe mesmo nos círculos cristãos, até nos círculos evangélicos
conservadores, a tendência de esquecer este ponto particular. O casado não
deve continuar agindo como se fosse solteiro; sua esposa deve estar
envolvida em tudo. Recentemente recebi convite para uma realização social
relacionada com uma organização evangélica conservadora; mas o convite
foi dirigido somente a mim, sem incluir minha esposa. Automaticamente o
recusei, como sempre faço quando acontece esse tipo de coisa. Este é um
caso de organização cristã conservadora que obviamente não tem uma idéia
clara sobre estas questões. Aventuro-me a estabelecer como regra que o
cristão não deve aceitar convite para programas sociais sem sua esposa. É
irreparável o dano feito a muitos casamentos porque os homens se
encontram em seus clubes sem suas esposas. Isso é errado, pois é a negação
de princípios primordiais. O homem e a mulher devem fazer juntos as
coisas. Naturalmente, em seu trabalho profissional o homem tem de estar
só, e há outras ocasiões em que tem de estar só; mas se se tratar de uma
ocasião social, de algo de que a esposa pode participar, ela deverá participar,
e cabe ao marido providenciar para que ela participe. Sugiro que todos os
maridos cristãos recusem sem pestanejar todo convite que venha para eles e
não inclua as suas respectivas esposas.
Todavia, há outro aspecto desta questão que por vezes me causa grande
preocupação. Constantemente ouço falar daquilo que às vezes
denominam “viúvas cristãs conservadoras”. A expressão significa que o
marido desse tipo particular de mulher fica fora de casa todas as noites,
numa ou noutra reunião. Sua explicação, na verdade seu argumento, é que
ele está envolvido numa boa obra cristã; mas parece esquecer que é casado.
No outro extremo está, é certo, aquele tipo de cristão que não faz nada,
indulgente consigo mesmo e com sua preguiça, e que fica o tempo todo em
casa. Ambos os extremos sempre são errôneos; entretanto, no momento
estou condenando este extremo em particular - o caso do homem que vive
tão ocupado com a obra cristã, que negligência a sua esposa. Conheço
muitos exemplos disto. Recentemente me falaram de um deles, no norte da
Inglaterra - o caso de um homem que todas as noites estava falando em
reuniões, organizando isto e aquilo. O homem que me contou isso confessou-
me que ele mesmo estivera começando a fazer a mesma coisa, mas foi
despertado sobre o problema quando conheceu a mulher do outro homem, a
respeito de quem toda gente estava falando. O meu interlocutor me disse
que a pobre mulher parecia uma escrava - exausta, esgotada, cansada,
negligenciada
Mais uma vez, isto pode ser elaborado em termos da analogia segundo a
qual o homem não aborrece, não odeia o seu próprio corpo, porém o
alimenta e cuida dele. Como o faz? Podemos fazer a seguinte divisão:
primeiramente há a questão da dieta. O homem tem que pensar em sua
dieta, em sua alimentação. Ele tem que nutrir-se suficientemente, que fazê-
lo com regularidade, e assim por diante. Tudo isso tem que ser planejado em
termos de marido e mulher. O homem deve pensar no que ajudará sua
mulher, no que a fortalecerá. Quando tomamos nossas refeições não
pensamos só em calorias, proteínas, gordura e carboidratos; não somos
puramente científicos, somos? Outro fator entra na questão dos alimentos.
Também somos influenciados pelo que agrada o paladar, pelo que nos dá
satisfação e prazer. É assim que o marido deve tratar sua mulher. Deve
pensar no que lhe agrada, no que lhe dá prazer, naquilo de que ela gosta e
que a satisfaz. Naturalmente, antes de casar-se ele renunciava ao seu gosto
para fazer isso; mas, depois de casado, já não o faz. Não é essa
a dificuldade? Muito bem, diz o apóstolo, você não deve parar, deve
continuar
E isso nos leva ao quarto ponto, o qual é o elemento de proteção. Eis aí este
corpo; ele necessita de alimento, necessita de exercício; porém, em
acréscimo, todo homem tem que aprender a entender o seu próprio corpo.
O apóstolo desenvolve o seu argumento. O apóstolo Pedro, vocês se
lembram, se expressa deste modo: diz ele ao marido que se lembre de que
sua esposa é o “vaso mais fraco” (1 Pedro 3:7). Significa que estes nossos
corpos estão sujeitos a certas coisas. Todos somos diferentes, mesmo no
sentido físico. Alguns de nós talvez estejam mais sujeitos a sentir frio, ou
calafrio, de um modo que não parece molestar outras pessoas. Alguns de
nós são constituídos de molde a ter estes problemas menores; e estamos
sujeitos a estranhas infecções e a diversas outras
coisas que nos sobrevêm para provar-nos. Que faz o homem prudente? Ele
toma muito cuidado com estas coisas; usa um pesado sobretudo no inverno,
e talvez um cachecol; e se abstém de fazer certas coisas. Ele se protege, e
protege sua fraca constituição contra alguns dos perigos que nos
confrontam na vida. “Assim devem os maridos amar a suas próprias
mulheres.” Você descobriu que a sua esposa tem alguma fraqueza peculiar
em sua constituição pessoal? Descobriu que ela tem certas características
especiais? É nervosa e tímida, ou muito franca? Não importa qual seja em
particular; ela tem certas características que, num sentido, são fraquezas.
Qual é a sua reação a elas? Você fica irritado, ou aborrecido? E tende a
condená-las e a eliminá-las? Proceda como procede com o seu corpo, diz o
apóstolo. Proteja-a contra elas, vele por ela contra essas fraquezas. Se sua
esposa nasceu com temperamento inquieto, poupe-a disso, proteja-a. Faça
tudo que puder para salvaguardá-la das suas fraquezas, debilidades e
fragilidades; como procede com o seu corpo, proceda com sua mulher.
Que fazemos quanto a estas coisas? Mais uma vez, que é que você faz com o
seu corpo quando você pega esse tipo de enfermidade, quando sofre
aquele ataque de gripe, com temperatura devastadora? A resposta é que
você se mete na cama, com uma garrafa ou bolsa de água quente, sujeita-se
a uma dieta apropriada, e assim por diante. Você faz tudo que pode para
tratar da febre e ajudar seu corpo a resistir. “Assim devem os maridos amar
a suas próprias mulheres como a seus próprios corpos.” Se houver alguma
tentação ou ansiedade ou problema peculiar, excepcional, alguma coisa que
prove ao máximo a sua mulher, então, digo eu, o marido deve deixar seus
interesses pessoais para proteger sua esposa, ajudá-la e apoiá-la. Ela é o
“vaso mais fraco”.
Isso nos leva ao último ponto. Você procura proteger o seu corpo das
infecções, submetendo-se a várias inoculações. Aplique isso tudo ao
estado matrimonial. Faça tudo que puder para estruturar a resistência da
sua mulher, a fim de prepará-la para enfrentar os males da vida. Cabe a
você estruturá-la. Não faça tudo você mesmo, vamos dizer; mas edifique-a,
estruture-a de modo que ela venha a ser capaz de agir também; de maneira
que, se você for levado pela morte, ela não fique sem eira nem beira. Temos
que pensar em todas estas coisas, e minuciosamente, como fazemos com os
cuidados com o corpo. E se sobrevier a doença, cuide dela de maneira fora
do comum, dê-lhe medicamentos apropriados, altere o seu programa para
fazer aquelas coisas incomuns que promoverão e produzirão o
restabelecimento da saúde, do vigor e da felicidade.
Há uns poucos pontos de que devemos tratar a fim de que a nossa exposição
fique completa. Há certas injunções práticas dadas pelo apóstolo aqui, todas
relacionadas com esta grande analogia utilizada por ele. O grande princípio
vital é essa unidade. O que temos que compreender é a unidade essencial
entre o marido e a esposa - “estes dois devem fazer-se (ou tomar-se) uma
came”. Esta unidade é comparável à unidade existente entre o homem e
seu próprio corpo, e também à união mística entre Cristo e a Igreja.
tem que fazer um grande ajustamento mental; tem que pensar em tudo, tem
de assumir novas responsabilidades e de adotar nova maneira de viver. Não
está mais numa condição de subserviência; agora é o chefe de uma nova
família. Deve considerar-se como tal e comportar-se como tal. Na realidade,
deixar pai e mãe significa que não deve permitir que seu pai e sua mãe
mandem nele como sempre mandavam, até então. Neste ponto surgem
dificuldades. Durante vinte, vinte e cinco, trinta anos aquela antiga relação
estivera em existência - pai e mãe, filho. Tomara-se um hábito, e, seguindo-
o, pensava-se instintivamente. Mas agora este homem está casado. É-lhe
difícil - e quiça mais difícil para seu pai e sua mãe - aceitar a nova situação
que passou a existir; mas o ensino dado aqui é que o homem precisa deixar
seu pai e sua mãe para unir-se à sua esposa. Ele tem que manter e
salvaguardar o seu novo estado e, como lhes digo, defendê-lo contra a
interferência por parte dos seus pais. E em seu próprio comportamento, não
deve agir mais simples e unicamente como agia antes, porque agora está
unido à sua mulher. Ele não é mais o que era outrora. É o que era - mais
alguma coisa, e esse mais alguma coisa cria a diferença entre a velha e a
nova relação.
Esse é o sentido da expressão “deixará seu pai e sua mãe”; o homem tem
que firmar a nova posição que passou a existir em decorrência do seu
casamento. E, naturalmente, quando o examinamos do ponto de vista do pai
e da mãe, a situação deverá ser igualmente clara. Eles precisam reajustar-se,
do mesmo modo que o filho. Terão que compreender que a primeira
lealdade do seu filho agora é para com a esposa dele, e que ele será um
pobre espécime da humanidade, um pobre marido e, finalmente, um pobre
filho, se não demonstrar essa lealdade. Eles não devem interferir nesta nova
vida conjugal. No passado sempre mandaram em seu filho, de várias
maneiras, e estavam certos nisso. Já não devem fazê-lo mais; devem
reconhecer que surgiu uma coisa inteiramente nova, e que não devem
pensar mais em seu filho simplesmente como seu filho. Agora ele está
casado, foi criada um nova unidade, e o que quer que façam para ele, ao
mesmo tempo o estarão fazendo para a sua esposa. Portanto, é evidente que
não deverão tratá-lo como o tratavam anteriormente. Tudo isso
está incluído nesta idéia de um homem deixar seu pai e sua mãe para poder
unir-se a sua esposa. Realmente, a essência do ensino do apóstolo acerca do
matrimônio é que todas as partes envolvidas têm que entender que uma
nova unidade veio à existência. Não existia, porém agora existe. O novel
marido tem que compreender que não é mais o que era; a novel esposa tem
que compreender que ela também não é mais o que era em seu
relacionamento com seus pais. Os pais, em ambos os lados, têm que
compreender que não são mais o que eram antes. Tudo é diferente. Terá que
haver um reajustamento em todos os aspectos envolvidos, devido à nova
unidade que passou a existir em decorrência de um casamento. “Por isso
deixará o homem seu pai e sua mãe.”
Quando esta declaração foi escrita pelo apóstolo, foi uma das mais
espantosas jamais postas no papel antes. Quando lemos sobre o conceito
pagão do matrimônio, especialmente sobre a atitude típica dos maridos para
com as esposas - e, na verdade, não somente o conceito pagão, mas também
o que se lê no Velho Testamento - vemos quão revolucionário e
transformador é o ensino apostólico. As esposas virtualmente nada eram
senão escravas. Toda a noção de poligamia dá essa idéia. Há a heróica
ilustração de mulheres rebelando-se contra esse conceito no capítulo
primeiro do Livro de Ester, no caso de Vasti, esposa de Assuero. Entretanto,
coisas desse tipo eram excepcionais. Toda a idéia era realmente de
escravidão, e assim os maridos eram geralmente culpados desta aspereza,
desta atitude dominadora. A esposa era apenas como
um vassalo, uma mercadoria, por assim dizer. Mas logo que a mensagem
cristã entra, toda a idéia sofre mudança, é transformada. Foi em questões
como esta que a fé cristã sacudiu e venceu o mundo antigo no primeiro
século. Nada parecido com isso fora ensinado antes. Foi em parte como
resultado desta nova espécie de vida vivida pelo povo cristão, que o
evangelho do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo espalhou-se por aquele
mundo antigo. É assim que os cristãos dão testemunho da verdade do
evangelho. A idéia de que os cristãos dão testemunho levantando-se e
falando numa reunião não aparece muito no Novo Testamento, se é que
aparece alguma vez. O testemunho era dado em sua vida normal diária. Um
homem falar com amabilidade e afetuosamente à sua esposa era uma coisa
quase desconhecida; e era quando viam isto que as pessoas começavam a
perguntar: que é isto? Especialmente quando o viam num homem que havia
sido muito diferente como pagão. Uma nova ternura se introduzira na vida
humana.
do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim
também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos”. Aqui ele volta
ao mesmo ponto. “Que a mulher trate seu marido com a devida deferência,
com obediência reverente.”
Pode ocorrer a alguém fazer esta pergunta: porque, em conexão com o claro
ensino sobre o matrimônio, é-nos dito que o homem deve deixar pai e mãe e
unir-se à sua mulher, ao passo que não há nenhuma afirmação
correspondente acerca da mulher, quer em Gênesis capítulo 2, quer em
Efésios capitulo 5. Ao que me parece, a resposta é muito simples. A mulher
está sempre na posição de mostrar deferência. O homem está nesta posição
antes de casar-se; porém, desse ponto em diante, passa a ser a cabeça. A
mulher cabe ter deferência para com os seus pais; casada, passa a tê-la para
com o seu marido. Ela está sempre na
Não há nada que seja tão fatal para um casamento como o fato de um dos
parceiros estar tendo deferência para com terceiros. Agindo assim,
estão rompendo a unidade, estão deixando de compreender o fato desta
nova unidade e a chefia do homem na nova unidade. Assim, a esposa deve
tratar de ter esta deferência reverente para com o seu marido. Ela precisa
fazer um ajustamento mental e espiritual, como o seu esposo também
precisou fazer no caso dele. Ela já não recebe ordens dos seus pais, não se
submete a eles, submete-se ao seu esposo. Naturalmente, continua mantendo
a sua relação de filha; todavia precisa velar no sentido de que a sua atitude
seja certa, e de que seja certa a atitude de seu pai e de sua mãe. Daí, muitas
vezes há falhas nesse ponto, de um lado e do outro. Sucede que o homem
que se casa, deixa-se absorver pela família da sua esposa, ou esta se deixa
absorver pela família do marido. Isso é um erro, nos dois lados, e jamais se
deve permitir que aconteça. Esta é uma nova família. A relação de amor
deve ser mantida com os pais, nos dois lados, mas nunca em termos de
deferência e submissão. E a essência, todo o segredo do casamento cristão, e
da vida conjugal feliz, está em que o homem e a mulher que se
casam compreendam isto no princípio, atuem com base nisso e se
mantenham firmes nisso, custe o que custar. Se houver interferência dos
pais, de um lado ou do outro, eles estarão pecando e estarão mostrando sua
incapacidade de compreender o ensino bíblico concernente ao matrimônio, e
de viver em conformidade com esse ensino. “E a mulher reverencie o
marido.” Esse é o grande ajustamento que ela faz. Sujeita-se a ele. É preciso
que ela não entre em competição com ele, que não rivalize com ele; ela
precisa reconhecer que a essência do casamento consiste em que ela tenha
esta deferência para com ele.
O apóstolo Paulo resume tudo no versículo 33: “Assim também vós, cada
um em particular, ame a sua própria mulher como a si mesmo, e a
mulher reverencie o marido”. Na medida em que os dois façam isso, não
haverá risco de disputa acerca de “direitos” ou de “posição” ou de “minha
categoria”. Aqui está um homem incumbido da chefia; sim, mas sendo que
ele ama sua esposa como a si mesmo, nunca abusa da sua posição. E aqui
está uma mulher que se sujeita a este grande e glorioso ideal. Ela não tem
por que temer que será tirado proveito dela, ou que ela será pisada. Marido
e mulher se tratam como tais, e o equilíbrio é perfeito e total. Devemos
entender, naturalmente, que nesta proposição o apóstolo Paulo está
escrevendo baseado no pressuposto de que o marido e a esposa são cristãos.
O apóstolo Pedro, como vimos em sua primeira epístola, capítulo 3, estava
escrevendo em parte com base no pressuposto de que o marido podia não
ser um cristão; mas tudo o que temos aqui é baseado na pressuposição de
que ambos os cônjuges são cristãos. E como o apóstolo Paulo não trata de
nenhuma outra coisa, eu também me abstenho de fazê-lo. É assim que um
homem cristão e uma mulher cristã se casam e se tomam esta nova unidade
- e tomo a repetir que não há maneira mais maravilhosa que essa, pela qual
dar testemunho da diferença que faz ser cristão.
1. Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais no Senhor, porque isto é justo.
FILHOS SUBMISSOS
Efésios 6:1-4
A Bíblia, em seu ensino e em sua história, diz-nos que isto é uma coisa que
sempre acontece nas épocas de irreligiosidade, nas épocas em que não há
temor a Deus. Temos um notável exemplo naquilo que o apóstolo Paulo diz
sobre o mundo, na Epístola aos Romanos, na segunda metade do capítulo
primeiro, do versículo 18 até o fim. Nessa passagem ele faz uma descrição
das pavorosas condições do mundo por ocasião do nascimento de Cristo.
Eram condições de consumada impiedade. E nas várias manifestações dessa
impiedade enumeradas por ele, o apóstolo inclui esta mesma questão que
agora estamos considerando. Primeiro ele diz: “Deus os entregou a um
sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm” (versículo 28).
Segue-se então a descrição -“Estando cheios de toda a iniqüidade,
prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio,
contenda, engano, malignidade; sendo murmura-dores, detratores,
aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de
males, desobedientes aos pais e às mães; néscios, infiéis nos contratos, sem
afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia...” Nessa lista horrível,
Paulo inclui esta idéia de desobediência aos pais. Vemo-lo, ainda, na sua
Segunda Epístola a Timóteo, provavelmente a última carta escrita por
ele, dizer, no capítulo 3, no versículo primeiro: “nos últimos dias sobrevirão
tempos trabalhosos”. Em seguida expõe as características desses tempos:
“Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos,
soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem
afeto natural, “irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem
amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos
deleites do que amigos de Deus”. Até o afeto natural acabou!
Nos dois casos o apóstolo nos faz lembrar que numa época de apostasia,
numa época de grosseira impiedade e irreligião, quando os próprios
fundamentos se abalam, uma das mais chocantes manifestações de
impiedade é “desobedientes a pais e mães”. Assim, não é nem um pouco
surpreendente que ele chame a atenção para isso aqui, quando nos dá
ilustrações de como a vida “cheia do Espírito” de Deus se manifesta.
Quando será que as autoridade civis ouvirão e compreenderão que há uma
indissolúvel ligação entre a impiedade e a falta de moralidade e de
comportamento decente? Há uma ordem nestas coisas. “Porque do céu se
manifesta a ira de Deus”, diz o apóstolo em Romanos 1:18, “sobre toda
Há, porém, uma segunda razão pela qual todos temos necessidade deste
ensino, porquanto, segundo as Escrituras, não é só necessário aos que não
são cristãos do modo como venho indicando, mas também o povo cristão
precisa desta exortação porque muitas vezes o diabo entra em cena neste
ponto de modo mais sutil e procura fazer-nos desviar da rota cristã. No
capítulo quinze do Evangelho Segundo Mateus, o Senhor Jesus Se dedica a
tratar deste ponto com as pessoas religiosas dos Seus dias, porque, de
maneira muito sutil, estavam se evadindo das claras injunções dos Dez
Mandamentos. Os Dez Mandamentos os mandavam honrar seus pais,
respeitá-los e cuidar deles; porém o que estava acontecendo era que
algumas dessas pessoas, que se diziam ultra-religiosas, em vez de fazer o que
o mandamento lhes dizia, declaravam, noutras palavras: “Ah, dediquei este
meu dinheiro ao Senhor; portanto, não posso cuidar dos senhores, meus
pais”. Assim se expressa Cristo: “vós dizeis: se um homem disser ao pai ou à
mãe: aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta
ao Senhor” (Marcos 7:11). Diziam: “Isto é Corbã, isto é dedicado ao Senhor.
Claro que eu gostaria de cuidar de vocês, de ajudá-los, e assim por diante,
no entanto dediquei isto ao Senhor”. Desta maneira estavam negligenciando
seus pais e seus deveres para com eles.
Esse era um perigo sutil, e esse perigo continua presente conosco. Há jovens
que estão fazendo grande dano à Causa cristã por se deixarem iludir por
Satanás neste ponto. São rudes para com seus pais e, o que é mais grave, são
rudes para com seus pais em termos das suas idéias cristãs e do seu
serviço cristão. Assim, são pedras de tropeço para os pais não convertidos.
Tais cristãos não conseguem ver que não deixamos de lado estes grandes
mandamentos quando nos tomamos cristãos, mas, que, ao contrário,
devemos vivê-los e exemplificá-los em nosso viver mais do que
anteriormente.
Notemos, pois, à luz destas coisas, como o apóstolo expõe a matéria. Ele
começa - fazendo uso do mesmo princípio utilizado no caso da
relação matrimonial - com os filhos. Quer dizer que ele começa com aqueles
que devem obediência, que devem sujeitar-se. Ele começara com as esposas,
seguindo depois com os maridos. Aqui ele começa com os filhos, e depois
prossegue com os pais. Age assim porque está ilustrando este ponto
fundamental: “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Deus”. A
injunção é, “Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais”. E depois lhes lembra
o mandamento, “Honra a teu pai e a tua mãe”. Notamos de passagem o
interessante ponto que mostra que temos aqui, mais uma vez, algo que
diferencia o cristianismo do paganismo. Nestas questões os pagãos não
ligavam a mãe ao pai, mas só falavam do pai. Entretanto, a posição cristã,
como na verdade a posição judaica, nos termos dados por Deus a Moisés,
coloca a mãe com o pai. A injunção é que os filhos devem obedecer aos pais,
e a palavra “obedecer” significa não somente dar ouvidos a, e sim
dar ouvidos com a compreensão de estar sob autoridade, dar ouvidos “sob”.
É ver com respeito um mandamento, e não somente dar-lhe ouvidos; é
reconhecer a posição de subserviência a ele e tratar de pô-lo em prática.
É triste ter que dizer isto a cristãos. Como é possível se desviarem, neste ou
naquele ponto, de uma coisa que é tão patentemente óbvia e que pertence
à ordem e ao curso da natureza? Mesmo a sabedora do mundo reconhece
isto. Há pessoas ao nosso redor que não são cristãs, porém que são firmes
crentes na disciplina e na ordem. Por que? Por que tudo na vida e tudo na
natureza indicam isto. Ora, a prole ser rebelde contra os seus pais e recusar-
se a ouvi-los e
“Isto é justo”! Há algo sobre este aspecto do ensino do Novo Testamento que
me parece deveras maravilhoso. Ele demonstra que não se deve separar
o Velho Testamento do Novo. Não há nada que manifeste maior ignorância
do que um cristão dizer: “Claro, como agora sou cristão, não estou
interessado no Velho Testamento”. Isso está completamente errado porque,
como o apóstolo nos lembra aqui, o Deus que criou todas as coisas no
princípio é o Deus que salva. É o mesmo e único Deus do princípio ao fim.
Deus criou o homem e a mulher, os pais e os filhos, tudo mediante a
natureza. Ele o fez dessa maneira, e a vida é para funcionar segundo estes
princípios. Assim, o apóstolo inicia a sua exortação dizendo virtualmente:
“Isto é justo, isto é básico, isto é fundamental, isto faz parte da ordem da
natureza. Não se afastem disto; se o fizerem, estarão negando o Deus que
estabeleceu a vida dessa forma e a fez funcionar de acordo com estes
princípios. A obediência é justa.”
Pois bem, tendo falado assim, o apóstolo parte para o seu segundo ponto.
Isto não é somente justo, diz ele, é também “o primeira mandamento
com promessa”. “Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro
mandamento com promessa.” O que ele quer dizer é que honrar os pais não
só é essencialmente correto, mas também é de fato uma das coisas que Deus
assinalou nos Dez Mandamentos. Este é o quinto mandamento, “Honra a
teu pai e a tua mãe”. Eis aqui, de novo, um ponto interessante. Num sentido
não havia nada de novo nos Dez Mandamentos. Então, por que foram
dados? Pela seguinte razão: a humanidade, os filhos de Israel inclusive, em
seu pecado e em sua loucura, tinham-se esquecido e se extraviado destas leis
fundamentais de Deus pertinentes à totalidade da vida. Portanto, foi como
se Deus dissesse: “Vou declará-los outra vez, um por um; vou escrevê-los e
sublinhá-los para que as pessoas os vejam claramente”. Sempre fora errado
ser desobediente aos pais; sempre fora errado furtar e cometer adultério.
Essas leis não passaram a existir quando foram outorgados os Dez
Mandanentos. O que os Dez Mandamentos foram destinados a fazer era
inculcá-las nas mentes do povo, colocá-las claramente e dizer: “Estas são as
coisas que deverão observar”. O primeiro mandamento com promessa, o
quinto do Decálogo! Deus agiu de maneira incomum para chamar a atenção
para isso.
trazem promessas anexas, puder-se-ia dizer: Paulo, por certo, quer dizer
que este é o “primeiro” dos mandamentos a que Deus juntou uma
promessa". Mas não há promessa ligada aos outros, de modo que esse
sentido não prevaleçe. Então, o que significa? Talvez queira dizer que neste
quinto mandamento começamos a receber instrução com respeito às nossas
relações uns com os outros. Até aqui se trata das nossas relações com Deus,
com Seu nome, com Seu dia, e assim por diante. Entretanto, aqui Ele pende
para as nossas relações uns com os outros; assim pode ser o primeiro,
naquele sentido. Sobretudo, porém, pode significar que é o primeiro
mandamento, não tanto quanto à ordem numérica, mas quanto à categoria,
no sentido de que Deus estava desejoso de inculcar isto nas mentes dos filhos
de Israel em tal medida, que acrescentou esta promessa para que o
mandamento fosse cumprido. O primeiro em categoria, poderíamos dizer, o
primeiro em importância! Não que definitivamente algum deles seja mais
importante que os outros, pois todos são importantes. Não obstante, há uma
importância relativa e, daí, vejo-o desse modo, esta é uma daquelas leis que,
quando negligenciadas, levam ao colapso da sociedade. Gostemos disso ou
não, o esfacelamento da vida doméstica levará finalmente ao esfacelamento
em todas as áreas. Este é, seguramente, o mais perigoso e o mais ameaçador
aspecto das condições da sociedade nos tempos atuais. Uma vez que se
destrua a idéia de família, a unidade familial, a vida em família - uma vez
que isto se vá, logo não haverá nenhuma outra forma de lealdade. Esta é
a coisa mais grave de todas. E talvez seja esta a razão pela qual Deus
tenha anexado esta promessa ao quinto mandamento.
Contudo, eu creio que aqui se sugere mais uma idéia. Há algo sobre esta
relação de filhos e pais que é único, no sentido de que aponta para uma
relação mais elevada. Afinal de contas, Deus é nosso Pai. Esse é o termo que
Ele mesmo emprega; esse é o termo que o Senhor Jesus utiliza em Sua
oração modelar - “Pai nosso, que estás nos céus”. O pai terreno é, pois, por
assim dizer, uma lembrança daquele outro Pai, do Pai celestial. Na relação
dos filhos com os pais temos um quadro descritivo da relação original da
humanidade com Deus. Somos todos “filhos” quando face a face com Deus.
Ele é nosso Pai, “somos também sua geração” (Atos 17:28). Assim, de
maneira maravilhosa, a relação entre o pai e o filho é uma réplica e uma
figura, um retrato, uma pregação de toda esta relação que subsiste
especialmente entre Deus e os que são cristãos. No capítulo três desta
epístola há uma referência a este assunto, nos versículos catorze e
quinze. Diz o apóstolo: “por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra
toma o nome”. Alguns dizem que a tradução aqui deveria ser: “Deus é o Pai
de todos os pais”. Seja isso ou não, há de qualquer forma a sugestão de que
a relação de pai e filho sempre deve fazer-nos lembrar nossa relação com
Deus. Nesse sentido, esta relação em particular e única. Isto não se aplica à
relação de marido e mulher que, como vimos, lembra-nos Cristo e a Igreja.
Mas esta outra relação nos lembra Deus como Pai, e a nós como filhos. Há
algo de muito sagrado acerca da família, acerca desta relação entre pais e
filhos; e Deus, podemos assim dizer,
nos disse isso nos Dez Mandamentos. Quando Ele estabeleceu este
mandamento, “Honra a teu pai e a tua mãe”, anexou ao mandamento uma
promessa.
Que promessa? “Para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra”.
Não pode haver dúvida de que, quando a promessa foi dada
originariamente aos filhos de Israel, significava o seguinte: “Se querem
viver nesta terra da promessa para a qual os estou levando, observem e
guardem estes mandamentos, este em particular. Se querem ter um longo
período de bem-aventurança e felicidade naquela terra prometida, se
querem viver lá sob a minha bênção, observem e guardem estes
mandamentos, particularmente este”. Não há dúvida de que foi essa a
promessa original.
Isso nos traz ao terceiro e último ponto. Vocês vêem como Paulo se expressa:
“Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais. Honra a teu pai e a tua mãe”. A
natureza o ordena, mas não somente a natureza; a Lei o ordena.
Mas devemos ir além - à Graça! Esta é a ordem - Natureza, Lei, Graça.
“Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais “no Senhor”. É importante ligar a
frase “no Senhor” à palavra certa. Não é “Vós, filhos, sede obedientes a
vossos pais no Senhor”. E, antes, “Vós, filhos, sede obedientes no Senhor a
vossos pais.” Noutras palavras, o apóstolo está repetindo o que dissera no
caso dos maridos e das esposas. “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos
maridos, como ao Senhor.” “Vós, maridos, amai vossas mulheres, como
também Cristo amou a igreja." Quando chegarmos às palavras apostólicas
sobre os servos, vê-lo-emos dizer: “Vós, servos, obedecei a vossos senhores
segundo a carne... como a Cristo”. Isso é o que significa no Senhor. Noutras
palavras, este é o motivo supremo. Devemos obedecer a nossos pais, honrá-
los e respeitá-los porque isto faz parte da nossa obediência a nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Em última instância, é por isso que devemos fazê-lo.
A natureza o ordena, a Lei o salienta, porém, como cristãos, temos mais este
motivo, esta grande e poderosa razão -Cristo nos pede que o façamos; é Seu
mandamento; é uma das maneiras pelas
A mesma coisa é válida quanto à Lei. O cristianismo não põe de lado a Lei
como retrato da vida. O que faz é acrescentar-lhe graça, capacitando-nos
a cumprir a Lei. Aos filhos diz: “Honra a teu pai e a tua mãe”. A Lei deu
essa ordem, o cristianismo faz o mesmo; todavia este nos dá um motivo
ainda maior para obedecê-la, dá-nos discernimento e compreensão disso.
Nós, que somos cristãos, estamos cientes de que o fazemos “como ao
Senhor”, ao Senhor que desceu do céu. Ele desceu do céu para honrar a Lei
do Seu Pai. Ele guardou a Lei, viveu de acordo com a Lei. E nos redimiu
para que pudéssemos ser “um povo seu especial, zeloso de boas obras” (Tito
2:14), para que pudéssemos “cumprir” a Lei. Ele Se entregou por nós “para
que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne,
mas segundo o espírito” (Romanos 8:4). A graça eleva o mandamento ao
nível mais alto, e devemos obedecer a nossos pais, honrá-los e respeitá-los,
para agradar ao nosso Senhor e Salvador, que nos vê. O apóstolo já tinha
dito isso no capítulo três, versículo 10, de Efésios: “Para que agora, pela
igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e
potestades nos céus”. Vocês dão-se conta de que quando os anjos, os
principados e as potestades olham para nós, povo cristão, e nos vêem
exemplificando estas coisas em nossa vida diária, admiram-se de que Ele, o
Filho, tenha conseguido formar de nós um tal povo, capacitando-nos a viver
de acordo com os mandamentos de Deus num mundo pecaminoso
como este?
Vamos, no entanto, mais longe ainda. “Vós, filhos, sede obedientes a vossos
pais” por este motivo também, que quando Cristo estava neste mundo, Ele o
fazia. E o que vemos em Lucas 2:51: “E desceu com eles, e foi para Nazaré,
e era-lhes sujeito”. Estas palavras se referem ao Senhor Jesus aos doze anos
de idade. Ele tinha ido a Jerusalém com José e Maria. Faziam a viagem
de volta, e tinham viajado durante um dia, antes de descobrirem que Ele
não estava entre os viajores. Regressaram e O encontraram no templo
arrazoando com os doutores da Lei, argumentando com eles e interrogando-
os, refutando-os e deixando-os confusos, abalados e espantados. Disse Ele:
“Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” Ele tivera sua
realização inicial com doze anos de idade. Mas depois se nos diz que Ele
voltou com eles para Nazaré - “E desceu com eles para Nazaré, e era-lhes
sujeito”. O Filho de Deus encarnado sujeitando-Se a José e Maria! Embora
tendo no íntimo a consciência de que estava no mundo para tratar dos
negócios de Seu Pai, humilhou-Se e foi obediente aos Seus pais.
Contemplemo-lO, demo-nos conta de que Ele estava fazendo isso
primordialmente para agradar a Seu Pai no céu, para que pudesse cumprir
Sua Lei em todos os aspectos e deixar-nos exemplo, para seguirmos os Seus
passos.
Aí vocês têm, pois, as razões desta injunção, e certamente nada mais há que
dizer. É justo cumpri-la. É uma determinação da natureza. A injunção
foi estabelecida pela Lei de Deus, subscrita e sublinhada. Agrada ao Senhor.
A obediência é prova de que Lhe queremos bem, pois estamos fazendo o que
Ele mesmo fez quando aqui esteve, neste mundo pecaminoso e mau. Queira
Deus iluminar-nos, a todos e a cada um de nós, para que vejamos a
importância de observar e guardar esta injunção!
Efésios 6:1-4
Vimos que este assunto, sobre os pais e seus filhos, que é sempre importante,
é extraordinariamente importante na época atual. E é importante para
todos nós. Não diz respeito apenas aos filhos como tais, e aos jovens; e
não somente aos casais que têm filhos; é um assunto pertinente e aplicável a
todos nós. Há uma coisa particularmente patética no fato de que certos
cristãos parecem manter-se alheios a estas questões. Tenho ouvido falar de
alguns, por exemplo, que acham que o assunto relacionado com maridos e
esposas não tem nada a ver com eles porque não são casados. Isso é de
entristecer, porque, casados ou não, pais ou não, os cristãos devem
interessar-se pelos princípios da verdade. Além disso, se você não é casado,
pode ter um amigo casado que esteja em dificuldade quanto à sua vida
conjugal; assim, se você pretende agir como cristão, deve ser capaz de
ajudar essa pessoa. Para isso, você precisa saber como dar ajuda, e só
poderá descobrir como prestar ajuda mediante a compreensão do ensino
escriturístico. Portanto, ninguém deve desligar-se e achar que não tem nada
a ver com tal problema. Você pode ser solteiro ou solteira, ou, tendo-
se casado, pode não ter filhos, mas deve ter simpatia e compaixão pelos que
são pais na presente época deste difícil mundo moderno. É seu dever e sua
tarefa ajudá-los e dar-lhes assistência. Estas injunções particulares não se
destinam somente a pessoas particulares; são para todos nós.
neutralize o que o apóstolo dissera acerca dos filhos; antes, é dado para
salvaguardar isso, e para tirar todo obstáculo que acaso esteja no caminho
da obediência dos filhos aos seus pais. É outra notável ilustração do
equilíbrio e da eqüidade das Escrituras. Como poderá alguém, diante deste
equilíbrio perfeito, desta eqüidade, desta constante colocação dos dois lados
justapostos - como poderá alguém negar que esta é a inspirada Palavra de
Deus? Temos visto o seu caráter divino no caso dos maridos e das esposas, e
aqui o vemos de novo no caso dos pais e dos filhos; e o veremos mais tarde,
no caso dos senhores e dos servos.
A obediência exigida dos filhos deve ser prestada a toda espécie de pai. Há
pais sobre os quais pesa a culpa de provocarem seus filhos à ira. Ora,
deixemos claro que o ensino do apóstolo é que os filhos devem obedecer
mesmo a esses pais. E uma exortação geral. A ordem deve ser obedecida
independentemente do caráter dos pais, e se aplica até ao caso de pais não
cristãos.
Tais “filhos” não estão obedecendo a seus pais, não estão honrando seu pai e
sua mãe. Você deve honrar seu pai e sua mãe, sejam eles cristãos ou não;
esta é a injunção. Muitas vezes é difícil, porém esta é a injunção; e repito
que só há um limite, a saber, o ponto em que eles tentem definida e
deliberadamente impedi-lo de adorar a Deus e de servi-10, ou tentem
deliberadamente levá-lo a cometer algum pecado. O espírito com que
agimos nesse ponto é de vital importância; e toda vez que chegarmos ao
ponto onde somos forçados a resistir e desobedecer, devemos fazê-lo de tal
maneira que eles percebam que isso nos entristece e nos magoa, que o
lamentamos, e que para nós é uma terrível decisão. Para um filho ter de
resistir ao pai é uma das coisas mais solenes e mais graves que se possa
requerer que façamos nesta vida; por conseguinte, sempre que seja feito em
nome de Cristo e de Deus, deve ser feito com o coração
quebrantado. Devemos fazer com que os nossos pais sintam que isto nos está
magoando, está nos causando pesar e nos está custando muito, que
cortaríamos a nossa mão direita para evitá-lo; mas que não temos escolha
nessa questão.
Se for feito dessa maneira, poderá ser utilizado por Deus para influenciá-
los; entretanto, se for feito com arrogância, desdém e crítica, certamente
causará dano. Não terá valor algum e afastará as pessoas de Cristo, fará
que pensem e digam: “Desde que estes filhos se tomaram cristãos, mostram-
se cabeçudos, sabichões, duros, rígidos e legalistas”. Isso colocará uma
terrível barreira entre eles e a perspectiva de chegarem ao conhecimento de
Deus e de nosso Senhor e Salvador. Toda posição que formos compelidos a
tomar, sempre deverá ser tomada com o coração oprimido, com espírito
abatido e humilde. Devemos fazê-los sentir que os nossos corações estão
sangrando quando somos compelidos por esta coisa maravilhosa que Deus
nos fez, e que nos levou a opor-nos aos nossos pais. Sempre devemos pensar
desse modo.
Permitam-me dar algumas razões pelas quais devemos agir assim para
podermos ser auxiliados e guiados toda vez que nos acharmos nessa
situação. Por que deverá o cristão portar-se da maneira que estive
indicando, tanto negativa como positivamente? A resposta é, porque o filho
cristão deve ser o melhor tipo de filho que existe. Essa é uma afirmação
geral, uma afirmação universal. Seja o que for que o cristão fizer, deve fazê-
lo o melhor que puder. Firmo isto como uma proposição geral. O filho
cristão deve ser melhor do que qualquer outro filho, o marido cristão, o
melhor marido, a esposa cristã, a melhor esposa, a família cristã, o melhor
tipo de família de todo o mundo, o negociante cristão, o melhor homem de
negócio concebível, o profissional cristão, o melhor em sua profissão. Não
digo isso do ponto de vista da habilidade, e sim de todos os outros aspectos.
Tudo que o cristão faz deve ser feito com todas as suas forças, com uma
eficácia e com um entendimento de que ninguém mais seja capaz.
Naturalmente é isso que deve estar por trás de todas essas injunções
pormenorizadas que estamos estudando. O cristão, lembrem-se, é um
homem cheio do Espírito. “E não vos embriaguei com vinho, em que
há contenda, mas enchei-vos do Espírito”. Ora, quando um filho é “cheio
do Espírito”, por definição esse filho será exemplar, será um filho
absolutamente melhor do que qualquer outro que não tenha essa
experiência.
A que, então, isso nos leva? À conclusão de que os filhos cristãos devem ser
os melhores do mundo, porque unicamente eles têm uma real e
verdadeira compreensão desta relação. Há um esfalecelamento da família e
da vida doméstica hoje porque ambos os lados, os pais e os filhos, não
entendem o sentido destas coisas. Nada sabem da relação de pais e filhos do
ângulo bíblico. Não podem ver estas coisas “no Senhor”, como devemos vê-
las; porém, desde que estamos “no Senhor”, temos um novo entendimento
destas coisas. Vemos que esta relação de pai e filho é um reflexo e um
quadro descritivo da relação de Deus e o cristão, que é Seu filho. Assim,
temos esta noção exaltada, elevada da paternidade e da relação dos filhos
com seus pais. Posto que unicamente o filho cristão (ou filha) compreende
estas questões e esta relação, ele ou ela sempre deve sobrepujar os outros na
prática. Como cristãos, não agimos automaticamente. O cristão sempre sabe
por que faz o que faz. Ele tem suas razões, tem estas explicações e
exposições das Escrituras; ele entende a situação.
estão nem começando a ver a natureza do problema com que estão lidando.
Não se pode legislar sobre estas questões; é questão de espírito.
mente como pais que estão contra você; veja, antes, o pecado que se
intromete e causa a divisão. Foi isso que o Senhor quis dizer sobre “trazer
espada” e causar esse tipo de divisão. Não devemos ficar surpresos com isso,
mas não devemos reagir violentamente. Nossa abordagem da questão toda
deve ser com espírito de compreensão e simpatia.
Isso leva ao meu último motivo. Façamos eu e você o que fizermos como
cristãos, façamos o que fizermos como filhos cristãos, toda vez que
nos pusermos contra este choque, esta divisão, e nos acharmos até
compelidos a dizer, “Não”, a nossos pais, devemos estar sempre certos de
que o que predomina em nossas mentes nesse ponto é o interesse pelas almas
dos nossos pais. “Honra a teu pai e a tua mãe”. O fato de você agora ser
cristão e eles não, não significa que você deva zombar deles, tratá-los com
descaso e desdém, e repudiá-los. É seu dever honrá-los, e você poderá
honrá-los mais que tudo estando preocupado com as suas almas. Se como
povo cristão não nos interessarmos em nosso espírito e em nosso coração
pelas almas daqueles que se acham ligados a nós nesta relação tão íntima,
então não estaremos obedecendo aos nossos pais, não estaremos “honrado
nosso pai e nossa mãe” do modo indicado pelas Escrituras.
Voltamos agora a nossa atenção para os pais. “Pais”, diz o apóstolo, “E vós,
pais, não provoqueis a ira a vossos filhos”. Notem que ele só menciona
os pais, sem incluir as mães. Ele acabara de citar as palavras da Lei —
“Honra a teu pai e a tua mãe” - mas agora distingue os pais porque todo o
seu ensino é que, como vimos, o pai é aquele que ocupa a posição de
autoridade. É o que sempre vemos no Velho Testamento; é como sempre
Deus ensinou as pessoas a comportar-se; assim, naturalmente, Paulo dirige
esta injunção particular aos pais. Mas não é para limitar-se aos pais; inclui
as mães também; e numa época como a nossa, chegamos a uma situação em
que a ordem quase se inverteu! Vivemos numa espécie de sociedade
matriarcal em que os pais, infelizmente, e os maridos abdicaram de tal
maneira da sua posição no lar, que quase tudo está sendo deixado com as
mães. Portanto, temos que compreender que o que aqui
Ao que me parece, estas questões são levantadas com muita clareza por
meio daquilo que o apóstolo nos diz aqui, e prosseguirei para apresentá-
las pormenorizadamente, a fim de mostrar como as Escrituras nos
esclarecem com relação a elas. Antes de fazê-lo, porém, permitam-me
mencionar uma coisa que ajudará e estimulará todo o seu processo de
pensamento. Um dos nossos
problemas atuais é que não pensamos mais por nós mesmos. Os jornais o
fazem por nós, as pessoas entrevistadas no rádio e na televisão o fazem por
nós, e nós nos sentamos e escutamos. Essa é uma das manifestações do
colapso da autodisciplina. Precisamos aprender a disciplinar as nossas
mentes. Portanto, farei duas citações das Escrituras, uma sobre um lado,
outra sobre o outro lado desta situação toda. O problema da disciplina está
entre ambos. Eis o limite de run lado: “O que retém a sua vara aborrece (ou
“odeia”) a seu filho” (Provérbios 13:24). O outro é: “Pais, não provoqueis a
ira a vossos filhos”. Todo o problema da disciplina está entre estes dois
limites, e ambos se acham nas Escrituras. Equacionem o problema nas
Escrituras, procurem apegar-se aos grandes princípios bíblicos que
comandam esta vital, esta urgente questão, este enorme problema que
confronta todas as nações ocidentais, se não outras também, nesta hora.
Todos os nossos problemas resultam do fato de que vamos a um extremo ou
ao outro. Isso nunca se vê nas Escrituras. O que caracteriza o ensino
das Escrituras, sempre e em toda parte, é seu equilíbrio perfeito, uma
eqüidade que nunca falha, a maneira extraordinária pela qual a graça e a
lei se combinam. Consideraremos estas questões pormenorizadamente.
Continuamos nosso estudo daquilo que constitui uma das questões básicas e
fundamentais concernentes à totalidade da vida e da conduta, É um
problema não só para o povo cristão, mas também para a sociedade toda. O
que particularmente nos afeta, a nós cristãos, é que, como as Escrituras no-
lo recordam, somos postos como “luzeiros no mundo” (Filipenses 2:15)
como “sal” da sociedade, e como “cidade edifícada sobre um monte”
(Mateus 5:13-14). Não há esperança para o mundo separadamente da luz
que lhe vem do ensino cristão. É, pois, duplamente importante que, como
povo cristão, observemos diligentemente e tratemos de compreender o
ensino apostólico. Cabe-nos dar exemplo ao mundo sobre como se deve
viver verdadeiramente a vida. E temos uma oportunidade única, eu acho,
numa época como esta, de mostrar o conceito cristão, bíblico e equilibrado
concernente a este tormentoso problema de disciplina.
Este urgente problema não se limita, é claro, à questão dos filhos. O mesmo
princípio está implícito na atitude moderna para com o crime, a guerra e
toda e qualquer forma de punição, cujo princípio faz parte do mesmo e
mais amplo problema. Aqui, porém, estamos vendo como ele afeta em
particular a disciplina dos filhos e a disciplina do lar. Temos visto que há
duas exortações fundamentais que parecem governar todo pensamento
genuíno acerca desta questão de disciplina. De um lado, temos a conhecida
exortação, “Quem poupa a vara estraga a criança” (cf. Provérbios 13:24), e
as outras formas dessa exortação que se encontram em vários pontos do
Livro de Provérbios e nas demais partes da literatura da “Sabedoria” do
Velho Testamento. Esse é um lado. O outro é, “Pais, não provoqueis a ira a
vossos filhos”. Existem as duas posições fundamentais. Dentro da elipse
formada entre estes dois focos acharemos a doutrina bíblica concernente a
este assunto.
repressiva, às vezes brutal, na verdade se pode dizer que às vezes era até
desumana. O pai vitoriano e o avô vitoriano são tipos bem conhecidos
e reconhecíveis. Havia um elemento - na verdade um elemento considerável
- de tirania em sua concepção da paternidade e da disciplina familiar. Os
filhos eram dirigidos severa e rigorosamente, e se costumava dizer: “Os
filhos são para a gente ver, não para ouvir”. Certamente essa idéia era posta
em ação. Os filhos não tinham permissão para expressar suas opiniões, e às
vezes nem fazer perguntas; era-lhes dito o que fazer, e eles tinham que fazê-
lo; e se recusavam, eram punidos com muita severidade. Não precisamos
tomar muito tempo com isto; tem sido atacado, ridicularizado e
caricaturado tanto, que seguramente toda gente já está familiarizada com o
quadro. Na maioria, provavelmente, não somos suficientemente idosos para
lembrar-nos disso na prática, exceto aqueles que, digamos, já passaram dos
sessenta anos de idade; entretanto, todos nós conhecemos bem a descrição
geral e a idéia. Essa era a situação há cerca de um século, e continuou até à
primeira guerra mundial, mais ou menos.
No entanto, desde então tem havido uma mudança total; e hoje somos
confrontados por uma situação que é quase o exato oposto, pois agora
nos inclinamos a eliminar completamente a disciplina. Como eu já disse, faz
parte de uma atitude geral para com a guerra, para com o crime, para com
a punição em geral, e principalmente para com o castigo físico e a pena
capital. Introduziu-se uma nova atmosfera que rejeita por completo as
idéias que constituíam a perspectiva vitoriana. Na verdade podemos
descrever isto como uma oposição às idéias de justiça e retidão, de ira e
punição. Todos estes termos são abominados e odiados. Em geral, o homem
moderno tem radical aversão por elas. Vemos isso exemplificado em nossos
jornais, nas tendências que se pode observar nos Atos do Parlamento, e nas
mudanças que se introduzem crescentemente. Raramente se ouvem estes
grandes vocábulos - integridade, verdade, justiça, retidão. As palavras
muito usadas hoje são paz, felicidade, prazer, repouso, tolerância. O homem
moderno tem se revoltado contra os grandiosos termos que sempre
caracterizaram os tempos heróicos da história da humanidade, porém em
grande parte é uma reação contra as severidades da era vitoriana.
Este é o ponto em que tudo se toma tão grave. E é interessante notar que
homens que nem sequer alegam ser cristãos estão dizendo estas coisas.
Pode-se até ler declarações em livros, artigos e periódicos que não hesitam
em afirmar que a posição cristã geralmente está sendo expressa hoje, não
pela Igreja, e sim por alguns dos escritores populares, livre-pensadores, que
franca e declaradamente não são cristãos. Dizem-nos que a causa cristã vai
mal, que a Igreja não a está promovendo, e que na verdade o cristianismo
está sendo apresentado hoje por homens de fora da Igreja. Diz-se que eles
estão fazendo a verdadeira exposição do ensino do Novo Testamento,
contrariamente ao ensino do Velho Testamento. Existe esta curiosa aliança
de algumas pessoas que se chamam cristãs, e outras que afirmam
abertamente que não são cristãs; mas juntas concordam que o cristianismo
e o Novo Testamento ensinam este conceito moderno quanto à disciplina, e
que, portanto, estão afastadas do antigo conceito vitoriano, e
particularmente do conceito típico do Velho Testamento.
Essa é a idéia dominante hoje quanto ao tratamento do crime e sua punição. A pena capital foi
abolida, todas as formas de punição corporal precisam ser abolidas; na verdade, toda espécie de
severidade precisa ser abolida; todas a ênfase deve ser dada a este tratamento pela psiquiatria -
a abordagem psicológica, a estruturação, o trabalho fundado neste algo positivo que há na natureza
humana! E, naturalmente, a mesma idéia entra na questão do manejo das crianças. Toda a tendência
hoje, se uma criança não se porta na escola como deve, é de enviá-la a um psiquiatra de crianças;
todas precisam receber tratamento psicológico. Essencialmente todas são boas; portanto, não deve
haver punição. Deve-se jogar fora a vara, a bengala. O que é preciso é induzir, extrair este bem
inerente e oculto. Daí, quando o professor não consegue manter a disciplina, a criança é enviada ao
psiquiatra, ao psicólogo de crianças, para exame e prescrição do tratamento apropriado.
O que ressalto é que tudo isso está sendo feito em nome do cristianismo, e com a alegação de que é o
Novo Testamento contra o Velho Testamento. Esta, segundo se nos diz, é a abordagem que Cristo faz
destas questões. Portanto, em muitos sentidos, toda a posição cristã está envolvida neste ponto, bem
como todo o futuro da Igreja. Aí está um conceito que pessoas incrédulas estão defendendo e
apoiando - com tudo que podem - todavia isso está sendo feito em nome do cristianismo e do Novo
Testamento.
Ampliemos o nosso exame desta questão. Qual é o ensino bíblico, o ensino cristão sobre isso? Não
hesito em asseverar que a atitude bíblica e cristã para com estes dois extremos é que ambos estão
errados; que a posição vitoriana estava errado, e que a posição moderna está mais errada ainda.
Entretanto, estamos especialmente interessados no argumento atual e predominante. Voltarei mais
tarde à idéia vitoriana, a qual pode ser tratada em termos desta exortação: “E vós, pais, não
provoqueis a ira a vossos filhos”; pois era exatamente isso que faziam; e esta atitude moderna é em
grande parte uma reação a isso. Mas vejamos essa posição moderna primeiro.
Minha primeira razão para afirmar que, do ponto de vista bíblico e cristão, esta idéia moderna
quanto ao problema da disciplina está completamente errada, é que o oposto de um tipo errado de
disciplina certamente não é não ter nenhuma disciplina. Todavia, é o que está sucedendo hoje. Os
vitorianos, dizem eles, estavam errados; daí, que haja literalmente nenhuma disciplina, nenhuma
Os modernistas não têm direito de alegar que a nova linha é de Cristo. Não
é Seu ensino; é deles. O Deus que se nos revelou mediante a Bíblia é Deus
santo. Tanto o Novo Testamento como também o Velho Testamento nos
dizem que devemos servir “a Deus agradavelmente com reverência e
piedade; porque o nosso Deus é um fogo consumidor” (Hebreus 12:29,
citando Deuteronômio 4:24). Na verdade o Novo Testamento ensina que no
Velho Testamento nos é dada apenas uma pálida noção da santidade, da
majestade, da glória e da grandeza de Deus. Lá era apenas uma
representação externa. Deus é infinitamente santo. “Deus é luz, e não há
nele trevas nenhumas” (1 João 1:5). Deus é reto, Deus é sempre justo. Deus
é amor, eu sei, contudo é também todas estas outras coisas; e não há
contradição nelas. Todas elas são uma, e todas estão presentes ao mesmo
tempo, e com eterno poder e plenitude, na Deidade. Essa é a revelação das
Escrituras. E a idéia de que Deus é Alguém que pode tolerar o pecado e
fingir que não o vê, e o acoberta, e perdoa todos os transgressores, e nunca
se sente irado e nunca pune ninguém, é, eu o digo, não só negar o
Velho Testamento, mas também é negar o Novo Testamento. Foi o Senhor
Jesus Cristo quem falou do lugar “onde o seu bicho não morre, e o fogo
nunca se apaga” (Marcos 9:44). É Ele que nos fala da separação de ovelhas
e cabritos; é Ele que diz a certos homens, “Nunca vos conheci: apartai-vos
de mim”; “Apartai-vos de mim para o lugar preparado para o diabo e seus
anjos” (cf. Mateus 7:23; 25:41). Nada poderia ser mais monstruoso do que
este ensino moderno disfarçar-se servindo-se do nome do Novo Testamento
e do nome do Senhor Jesus Cristo. É uma negação da doutrina bíblica sobre
Deus, como ela se encontra em ambos
Por que é que o mundo se acha nessa dificuldade? Por que estamos todos,
por assim dizer, tremendo quanto ao que irá acontecer em seguida? Por
que estamos todos alarmados acerca destes novos e terríveis armamentos e
da possibilidade de uma guerra atômica? A explicação, eu opino, é que Deus
nos está punindo deixando-nos entregues a nós mesmos, porque nos temos
recusado a submeter-nos a Ele e a Suas santas e justas leis. Nosso
afastamento do ensino bíblico concernente a Deus, e como conseqüência
disso, de todo a verdade revelada sobre disciplina, governo e ordem,
resultou na própria punição para a qual os homens se acham tão cegos.
Isso é o que eles dizem; mas a Bíblia não ensina isso. Ela está repleta de
ensinamentos concernentes a ofertas e sacrifícios queimados, sobre a
necessidade de derramamento de sangue sacrificial, declarando que “sem
derramamento de sangue não há remissão (de pecados)” (Hebreus 9:22).
Esse é o ensino do Velho e do Novo Testamentos, e esta idéia moderna é uma
completa negação desse ensino. A necessidade de punição é ensinada de
capa a capa; e vemos isto em sua expressão suprema na cruz do monte
Calvário.
há de ser eficaz, precisa conter sanções. Não haveria utilidade em ter-se uma
lei se, quando um homem fosse preso em nome da lei, imediatamente
lhe dissessem: “Ora, não se preocupe; nós o prendemos, mas não haverá
punição”. Haveria eficácia nisso?
O ensino bíblico é que tais pessoas precisam ser punidas, e devem sentir sua
punição. Se não derem ouvidos à lei, então devem ser-lhes aplicadas
as sanções da lei, Quando Deus outorgou Sua lei, fê-la acompanhar de
sanções que deveriam ser aplicadas em seguida à transgressão. Quando a lei
era quebran-tada, as sanções eram executadas. Deus não outorgou uma lei
dizendo que a desobediência às suas exigências não tem importância. Deus
põe em execução a Sua lei. E quando examinamos a história da Inglaterra,
para não ampliar o campo, sempre veremos que os períodos mais
disciplinados e mais gloriosos dessa história foram os períodos
imediatamente subseqüentes a uma reforma religiosa. Vejam o período
elisabetano, logo em seguida à Reforma Protestante, quando os homens
trouxeram de volta a Bíblia - O Velho e o Novo Testamentos - e a puseram
em prática, aplicando suas leis. O período de Elizabeth 1, o período de
Cromwell e o período que se seguiu ao Despertamento Evangélico do século
dezoito ilustram o princípio bíblico. O ensino bíblico é que, uma vez que o
homem é uma criatura decaída, posto que é um pecador e um rebelde, visto
que é uma criatura marcada pela luxúria e pela paixão e por
elas governada, forçosamente tem que ser restringida, tem que ser mantida
debaixo de regras. O princípio aplica-se igualmente aos menores e aos
adultos que se façam culpados de má conduta e delito, e de afastamento das
leis do país e da lei e de Deus. Experimentem algum outro método, e terão
um retomo ao caos, como já estamos começando a sentir. O ensino bíblico,
fundado no caráter de Deus e em Seu Ser, e reconhecendo que o homem se
acha num estado de pecado, exige que a lei seja imposta a fim de que o
homem seja levado a ver e a conhecer
Como fazê-lo? Como os pais devem exercer esta disciplina? E não somente
os pais, mas também os professores e todo aquele que têm a incumbência de
dirigir os mais novos. Mais uma vez devemos retomar ao capítulo 5,
versículo 18. “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda,
mas enchei-vos do Espírito.” A chave é sempre essa. Quando estávamos
tratando desse versículo, vimos que a vida vivida no Espírito, a vida do
homem cheio do Espírito, é sempre caracterizada por duas coisas
importantes - poder e domínio. É um poder disciplinado. Lembrem-se de
como Paulo o expressa, escrevendo a Timóteo: “Porque Deus não nos deu o
espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e de moderação (de
disciplina)” (2 Timóteo 1:7). Não um poder descontrolado, mas um poder
controlado pelo amor e pela moderação, pela disciplina! É sempre essa a
característica da vida daquele que é “cheio do Espírito”.
domínio próprio, não tem equilíbrio. Tal pai, tomo a dizê-lo, não exerce uma
disciplina verdadeira e proveitosa, e a situação do filho fica impossível. Este
é provocado e irritado, vindo a irar-se, e perde todo o respeito pelo pai.
Outro princípio muito importante é que os pais nunca devem ter a mente e
os ouvidos fechados para os argumentos do filho. Não há nada que
aborreça tanto aquele que está sendo disciplinado como a percepção de que
todo o procedimento é completamente irracional. Noutras palavras, é um
pai totalmente mau aquele que não se dispõe a levar em consideração
quaisquer circunstâncias, ou que não quer ouvir nenhuma explicação
concebível. Alguns pais e mães, em seu desejo de exercer disciplina, são
propensos a tomar-se inteiramente irracionais, e eles mesmos podem estar
equivocados. O relato que receberam a respeito do filho pode ser errôneo,
ou podem existir circunstâncias peculiares que eles ignoram; porém ao filho
não é dada permissão nem sequer para expor a sua situação ou para dar
algum tipo de explicação. Naturalmente se pode ver que o filho poderá tirar
proveito disso. O que estou dizendo é que jamais devemos ser irracionais.
Deixe que o filho dê a sua explicação e, se não for uma explicação
verdadeira, castigue-o por isso, bem como pelo ato particular que constitui a
transgressão visada. Mas, negar-se a ouvi-lo, proibir toda espécie de réplica,
é indesculpável.
Este princípio nos fica claro quando vemos um Estado portando-se mal.
Não nos agrada um Estado policial, temos orgulho da Lei do Habeas
Corpus neste país, lei que declara que é um grave mal manter um homem
na prisão sem lhe conceder um julgamento. Somos eloqüentes sobre isto,
porém muitas vezes fazemos exatamente a mesma coisa em nossos lares.
Não é dada ao filho nenhuma oportunidade para expor o seu caso, nem por
um momento a razão tem vez na situação, recusamo-nos a sequer admitir a
possibilidade de que haja alguma explicação a respeito da qual até então
nada ouvimos. Tal conduta é sempre errada; é provocar a ira a nossos
filhos. Com todo a certeza, isso vai exasperá-los e irritá-los, levando-os a um
estado de rebelião e antagonismo.
Tudo isso, bem sei, pode ser muito difícil; porém, se somos “cheios do
Espírito”, faremos bom julgamento nestas questões. Aprenderemos que
nossa ministração da disciplina jamais deverá ser apenas um meio de aliviar
nossas
tensões emocionais. Isso é sempre errado; e nunca devemos deixar-nos governar pelo prazer de punir;
tampouco, como já salientei, devemos pisar na personalidade e na vida do indivíduo com quem
estamos lidando. O Espírito nos admoesta a sermos extremamente cuidadosos neste ponto. No
momento em que a personalidade é posta para fora e esta rígida, dura e áspera idéia de
punição entra, somos culpados das coisas contra as quais Paulo nos adverte. Então estaremos
irritando e provocando a ira a nossos filhos, e os estaremos tornando rebeldes. Perderemos o respeito
deles e os faremos pensar que estão senso maltratados; um senso de injustiça se inflamará dentro
deles, e acharão que estamos sendo cruéis. Isso não beneficia nenhuma das partes e, portanto,
jamais deveremos tentar aplicar disciplina desse modo.
Assim chegamos àquilo que, de muitas maneiras, é a última das nossas considerações em termos
negativos. Nunca devemos deixar de reconhecer o crescimento e o desenvolvimento dos nossos filhos.
Este é outro alarmante defeito paterno que, graças a Deus, não se vê hoje com tanta freqüência
como antigamente. Ainda existem, no entanto, alguns pais que continuam a considerar os seus filhos a
vida toda como se nunca tivessem saído da meninice. Os filhos podem ter vinte e cinco anos de idade,
mas são tratados como se tivessem cinco. Esses pais não reconhecem que esta pessoa, este indivíduo,
este filho que Deus lhes deu por Sua graça, é alguém que está crescendo e se desenvolvendo e
amadurecendo. Não reconhecem que a personalidade do filho está florescendo, que ele está obtendo
conhecimento, que sua experiência está se alargando, e que o filho está se desenvolvendo como
acontecera com eles próprios. Isso é de particular importância no estágio da adolescência; daí, um
dos maiores problemas sociais de hoje é o que está relacionado com o manejo e o tratamento do
adolescente. É o problema das escolas dominicais, como também das escolas diárias. Os professores
da escola dominical atestam que têm pouca dificuldade enquanto as crianças não chegam à
adolescência, mas que, aí, tendem a perdê-las. Os pais acham a mesma coisa. Este período da
adolescência é, notoriamente, a idade mais difícil, pela qual todos têm que passar e, portanto,
precisa de graça especial, compreensão, e do mais cuidadoso manejo.
Como pais, nunca deveremos ser culpados de não reconhecer este fator, e temos que procurar ajustar-
nos a ele. Pelo fato de você poder dominar o seu filho, digamos até à idade de nove ou dez anos, não
deve dizer: “Vou continuar agindo assim, dê no que der. A vontade dele tem que ser dobrada pela
minha. Não me importa o que ele sinta, ou o que ele entenda, as crianças sabem muito pouca coisa, de
modo que continuarei a impor-lhe a minha vontade”. Pensar e agir assim significa que certamente
você provocará a ira a seu filho e, com isso, irá causar-lhe grande dano. Irá causar-lhe dano
psicológico, e até poderá causar-lhe dano físico. Criará nele vários tipos de enfermidades
psicossomáticas, tão comuns nos dias atuais. Essa espécie de comportamento por parte dos pais
é prolífico na produção desses efeitos e resultados. Nunca deveremos ser culpados desse erro.
“Como evitarei todos estes males?”, você perguntará. Uma boa regra é
que nunca devemos impingir nossas idéias em nossos filhos. Até certa idade
é certo e bom ensinar-lhes certas coisas e insistir nelas, e não haverá
dificuldade nisso, se for feito corretamente. Eles até gostarão disso. Mas
depressa chegarão a uma idade em que começarão a ouvir conceitos e idéias
dos seus amigos, provavelmente na escola ou noutras agremiações. É
quando a crise começa a desabrochar. Todo o instinto dos pais leva-os,
muito acertadamente, a proteger o filho, porém, outra vez, isso pode ser
feito de tal maneira que causa mais dano do que benefício. Se você der ao
filho a impressão de que ele tem que acreditar nestas coisas simplesmente
porque você acredita nelas, e porque seus pais também acreditavam,
inevitavelmente criará uma reação. E antibíblico agir assim. E não somente
é antibíblico, mas também põe à mostra uma triste falta de compreensão da
doutrina neotestamentária da regeneração.
Surge neste ponto um importante princípio que se aplica não somente a esta
esfera, mas também a muitas outras. Constantemente estou tendo que
dizer a pessoas que se tomaram cristãs e cujos entes queridos não são
cristãos, que tenham muito cuidado. Eles mesmos vieram a enxergar a
verdade cristã, e não podem entender por que estes outros membros da
família - marido, esposa, pai, mãe, ou filho - não a enxergam. Toda a
tendência desses cristãos é de impacientar-se com eles e de forçá-los à fé
cristã, de impingir neles sua crença. De modo nenhum se deve fazer isso. Se
a pessoa em questão não foi regenerada, não poderá exercer fé. Precisamos
ser “vivificados”, antes de podermos crer. Quando a pessoa está morta “em
ofensas e pecados” (Efésios 2:1), não pode crer; portanto, não se pode
impingir fé nos outros. Eles não enxergam a verdade, não podem
compreendê-la. “Ora, o homem natural não compreende as coisas do
Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-
las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2:14). Muitos
pais caíram neste erro justamente neste ponto. Tentaram arrastar seus
filhos, no estágio do adolescência, para a fé cristã; tentaram impingir-lhes
seus conceitos, tentaram compeli-los a dizerem coisas nas quais na verdade
não criam. Este método é sempre errado.
Finalmente, a disciplina sempre deve ser exercida de modo que leve os filhos
a respeitarem seus pais. Nem sempre eles entenderão e, provavelmente, por
vezes acharão que não merecem castigo. Entretanto, se somos “cheios
do Espírito”, o efeito de nossa ação disciplinar será que eles nos amarão e
nos respeitarão; e virá o dia em que nos agradecerão por havermos agido
assim. Mesmo quando queiram defender-se, haverá alguma coisa dentro
deles que lhes dirá que estamos certos. Terão um respeito fundamental pelo
nosso caráter. Eles ficam vigiando as nossas vidas; observam a disciplina e o
autodomínio que exercemos sobre nós mesmos, e vêem que o que fazemos
com eles não é algo caprichoso, que não estamos apenas dando escape às
nossas tensões emocionais e procurando alívio. Saberão que os amamos, que
estamos interessados em seu bem-estar e em beneficiá-los neste mundo
pecaminoso e mau; e assim haverá este respeito, esta admiração, esta
apreciação e este amor subjacentes.
“E vós, pais, não provoqueis a ira a vossos filhos.” Que tremenda coisa a
vida é! Como são maravilhosas todas estas relações - marido, esposa, pais,
filhos! Vemos pessoas no mundo que nos cerca precipitando-se para o casamento
e precipitando-se para sair do casamento. Quanto aos filhos, muitos deles não
têm a mínima idéia do que a paternidade realmente significa! Para muitos pais os
filhos não passam de um estorvo, ora exageradamente mimados,
ora severamente punidos; muitas vezes deixados sozinhos em casa enquanto os
pais saem para se divertirem; enviados a internatos escolares para que os pais
tenham liberdade! Quão pouco se pensa no filho, em seu sofrimento, nas
pressões que se exercem sobre a sua natureza sensível! A tragédia disso tudo é
que as vidas dessas pessoas não são governadas pelos ensinamentos do Novo
Testamento; não são “cheias do Espírito”; não tratam seus filhos como Deus nos
trata, em Seu infinito amor, bondade e compaixão. Imagine, se Deus nos tratasse
como freqüentemente tratamos nossos filhos! Ah, a longanimidade de Deus! Ah,
a paciência de Deus! Ah, a admirável maneira pela qual Ele tolera as
nossas maldades como fez com as maldades dos filhos de Israel da antiqüidade!
Para mim, não há nada mais admirável que a paciência de Deus, e Sua
longanimidade para conosco. Digo ao povo cristão, e a todos quantos de algum
modo são responsáveis pela disciplina de crianças e jovens, “haja em vós o
mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5). E que o
mesmo amor esteja também em nós, para que não provoquemos a ira a nossos
filhos e, com isso, os envolvamos, e a nós também, em todas as más
conseqüências do nosso fracasso.
Já vimos que a exortação do apóstolo, dirigida aos pais, tem duas facetas. Há a
faceta negativa a qual nos diz que não devemos fazer nada que exaspere os nosso
filhos, que os irrite, que os provoque; e a faceta positiva: “criai-os na doutrina e
admoestação do Senhor”. Voltemo-nos, pois, agora, para esta faceta positiva da
injunção apostólica.
A própria maneira pela qual Paulo coloca a sua exortação é interessante - “criai-
os”, diz ele, e esse é apenas outro modo de dizer, “edificai-os, educai-os para a
maturidade”. Noutras palavras, a primeira coisa que os pais têm de fazer é
compreender a sua responsabilidade para com os filhos. Como temos acentuado,
eles não são nossa propriedade, não pertencem definitivamente a nós, são-nos
entregues por Deus por algum tempo. Com que propósito? Não para obtermos o
que quisermos deles e usá-los simplesmente para nosso agrado, para gratificar os
nosso desejos. Não; o que nos compete é dar-nos conta de que eles precisam ser
“edificados”, “criados”, “educados”, “preparados”, não somente para a vida
deste mundo, e sim especialmente para o estabelecimento de uma correta relação
das suas almas com Deus. Estas injunções nos lembram a grandeza da vida; e
não há nada mais triste e trágico quanto ao mundo atual do que a incapacidade
das multidões para receberem essa grandeza.
O apóstolo não pára ai: “... criai-os”, diz ele, “na doutrina e admoestação do
Senhor”. Os dois vocábulos que ele utiliza são carregados de interesse.
A diferença entre eles é que o primeiro, “doutrina” (ou “educação” ou
“ensino”), é mais geral do que o segundo. É a totalidade do ensino, da
instrução, da criação do filho. Portanto, inclui a disciplina geral. E, como
todas as autoridades concordam em assinalar, sua ênfase recai nas ações. O
segundo vocábulo, “admoestação”, refere-se mais às palavras ditas.
“Doutrina” é mais geral e inclui tudo o que fazemos pelas crianças. Inclui
em geral todo o processo de cultivo da mente e do espírito, a moralidade e o
comportamento moral, a personalidade completa da criança. Essa é a nossa
tarefa. É olhar pela criança, cuidar dela, protegê-la. Já encontramos esse
termo quando estivemos tratando da relação de maridos e esposas, onde nos
foi dito que o Senhor “alimenta e sustenta” a Igreja (ou “alimenta a Igreja e
dela cuida”, Efésios 5:29). “Porque nunca ninguém aborreceu a sua próprio
carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à Igreja." Aqui
nos é dito que façamos a mesma coisa quanto aos nossos filhos.
Chegamos agora à questão prática sobre como se deve fazer isto. Aqui, de
novo, está uma questão que requer a nossa mais urgente atenção. Na
própia Bíblia há abundante ênfase posta no treinamento dos filhos. Tomem,
por exemplo, certas palavras que se acham no capítulo seis de
Deuteronômio. Moisés tinham chegado ao fim da vida, e os filhos de Israel
estavam prestes a entrar na terra prometida. Ele os fez lembrar-se da lei de
Deus e lhes disse como deviam viver quando entrassem na terra da sua
herança. E, entre outras coisas, foi muito cuidadoso ao dizer-lhes que
deviam ensinar a lei aos seus filhos. Não bastava que a conhecessem e a
praticassem, deviam passar adiante o seu conhecimento. Os filhos deveriam
receber o ensino, e nunca mais esquecê-lo. Por isso ele repetiu a injunção,
registrando-a duas vezes no mesmo capítulo. Ela volta a aparecer no
capítulo 11 de Deuteronômio, e freqüentemente, aqui e ali, através de todo o
Velho Testamento. Semelhantemente se acha no Novo Testamento.
O ensino das Escrituras é que o bem-estar do filho, a alma do filho, sempre deve ser a consideração
primordial; e todos as questões de prestígio - para não empregar outra expressão - e todas as questões
de ambição devem ser rigorosamente postas de lado. Qualquer coisa que milite contra a alma do filho
e contra o seu conhecimento de Deus e do Senhor Jesus Cristo, deve ser rejeitada. Invariavelmente, o
primeiro objeto de consideração deve ser a alma e sua relação com Deus. Por melhor que seja a
educação oferecida por um internato escolar, se esta milita contra o bem-estar da alma, deve ser posta
de lado. A promoção desse bem-estar é o elemento essencial da “doutrina e admoestação do
Senhor”, e constitui a principal tarefa e dever dos pais.
No Velho Testamento se vê com muita clareza que o pai era um espécie de sacerdote em sua casa e
entre os seus familiares; ele representava a Deus. Era responsável não somente pela moralidade e pelo
comportamento dos seus filhos, mas também por sua instrução. A ênfase da Bíblia, em todas as
suas partes, é que este é o principal dever e missão dos pais. E continua sendo assim. Se afinal somos
cristãos, temos que entender que esta grande ênfase se baseia nas unidades fundamentais ordenadas
por Deus - o casamento, a família e o lar. Não se pode facilitar nestas coisas. E inútil dizer, como
muitos dizem, sobre o envio dos filhos a internatos ou educandários: “E o que toda gente está
fazendo, e isso garante um excelente sistema de educação”. A questão deveras importante é: isso
ébíblico, é cristão, é realmente servir aos interesses atuais e eternos da alma do filho?
Eis, pois, o cenário! Para ser prático, quero, em segundo lugar, mostrar
como não deveria ser feito. Há um modo de tentar lidar com esta situação
que é completamente desastroso, e que faz mais mal do que bem. Como não
fazer isso? Nunca devemos fazê-lo de maneira mecânica, quase que “por
números”, como se fosse uma espécie de tábua de exercícios. Lembro-me
duma experiência que tive, com relação a isto, faz uns dez anos. Fui
hospedar-me com alguns amigos, quando estive pregando em certo lugar, e
encontrei a esposa, a mãe da família, num estado de aguda angústia.
Conversando com ela, descobri a causa da sua angústia. Certa senhora
estivera fazendo palestras justamente naquela semana, sobre o tema:
“Como criar todos os filhos, em sua família, como bons cristãos”. Foi um
trabalho esplêndido! A preletora tinha cinco ou seis filhos, e organizara o
seu lar e a sua vida de tal maneira que terminava todo o seu trabalho
doméstico às nove horas da manhã, e depois se dedicava a várias atividades
cristãs. Todos os seus filhos eram excelentes cristãos; e tudo era tão fácil, tão
maravilhoso! A mãe que me falava, que tinha dois filhos, estava
Minha última negativa neste ponto é que nunca deveremos forçar a criança
a tomar uma decisão. Que problema e que estrago essa atitude
produz! “Não é maravilhoso?", dizem os pais, “o meu pequeno Fulano, um
simples rapazinho, decidiu-se por Cristo.” Fora feita pressão
constrangedora na reunião. No entanto, nunca se deveria fazer isso; é fazer
violência à personalidade da criança. Em acréscimo, naturalmente, é
demonstrar profunda ignorância do método de salvação. É possível levar
uma criança a decidir-se por qualquer coisa. Os pais têm poder e habilidade
para isso; mas é errado, é anticristão, não é espiritual. Noutra palavras,
jamais devemos ser muito diretos nesta questão, especialmente com uma
criança; jamais devemos agir demasiado emocionalmente. Se o seu filho fica
aborrecido quando você lhe fala de assuntos espirituais, ou se quando você
fala com o filho de alguém e ele se aborrece, é evidente que o seu método é
errado. Jamais se deve levar o filho a aborrecer-se com os assuntos
espirituais. Se acontecer isso é porque estamos sendo diretos demais, ou
estamos apelando demais para o emocional, ou estamos coagindo a criança.
Não é assim que se faz esta obra.
Como dar essa idéia? Principalmente por nossa conduta geral e por nosso
exemplo! Os pais devem viver de modo que os filhos sempre percebam que
eles estão subordinados a Cristo, que Cristo é o seu Chefe. Esse fato deve ser
óbvio em sua conduta, em seu comportamento. Acima de tudo, deve
imperar uma atmosfera de amor. “E não vos embriagueis com vinho, em
que há contenda, mas enchei-vos do Espírito.” Esse é o nosso texto
dominante, nesta como em todas as demais aplicações particulares. O fruto
do Espírito é amor, e se o lar estiver impregnado de uma atmosfera do amor
produzido pelo Espírito, a maior parte dos seus problemas será solucionada.
É isso que realiza a obra; não as pressões e os apelos, e sim uma atmosfera
de amor.
estarão recebendo uma oportunidade para criar o seu filho “na doutrina e
admoestação do Senhor.” Contudo, se havemos de aproveitá-la,
precisamos saber a resposta certa e ter habilidade para apresentá-la. Não
poderão “dar a razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3:15), não
poderão criar seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”, se não
conhecerem a Bíblia e os seus ensinamentos. “Por que vocês fazem isto, por
que não fazem aquilo? Os pais dos meus amigos passam as noites em casas
de diversão; vocês não. Passam as noites em clubes, passam as noites
dançando; vocês não. Por que? Qual a diferença?” Quando interrogados
dessa maneira, vocês não devem menosprezar o filho e dizer: “Ora, somos
diferentes, você vê, e é como preferimos.” Não; antes, vocês dirão ao seu
filho: “No fundo, somo todos iguais, para começar; e não é por sermos
naturalmente melhores do que os outros que nos portamos desta maneira
diferente. Não é essa a explicação. Não é porque nós temos certos
temperamentos e os outros pais têm outros diferentes. Todos nascemos “em
pecado”, todos somos, por natureza, escravos de várias coisas. Há algo de
errado dentro de todos nós, há um mau princípio em nós, e nenhum de nós
conhece verdadeiramente a Deus. Você vê, a diferença é esta, que Deus nos
fez ver como são erradas certas coisas. Mas nós continuaríamos
sendo semelhantes aos pais dos seus amigos, se não tivéssemos crido e
conhecido que Deus enviou ao mundo o Seu Filho único, o Senhor Jesus
Cristo, a respeito de quem você já ouviu, para resgatar-nos, para libertar-
nos”. É assim que se introduz o evangelho; vocês terão que décidir quanto
comunicar. Depende da idade do filho. Mas respondam as suas perguntas,
façam-no saber, façam-no saber com exatidão, quando ele fizer suas
perguntas, por que vocês vivem como vivem. Vocês não devem impingir
nada nele, não devem pregar para ele; mas, se ele fizer perguntas, falem
com ele, falem com muita simplicidade. Digam-lhe cada vez mais coisas, à
medida que ele vá crescendo; mas estejam sempre prontos para responder
suas perguntas. Procurem conhecer bem os fatos, compreender bem o
evangelho, estruturem-se sobre o evangelho para poder transmiti-lo e
infundi-lo. Assim vocês poderão criar os seus filhos “na doutrina e
admoestação do Senhor”.
Que mais? Sempre tenham o cuidado de, toda vez que fizer alguma refeição,
dar graças a Deus por ela, e pedirem a bênção de Deus sobre ela.
Quase ninguém faz isso hoje em dia, exceto os que de fato são cristãos. Se os
seus filhos se habituarem a ouvi-los darem graças, e a repetirem a ação de
graças, e a suplicarem bênção, isto lhes fará algum bem. Vão além. Tenham
o que se chama altar familiar (ou culto doméstico), o que significa que pelo
menos uma vez por dia vocês e os seus se reunirão como família ao redor da
Palavra de Deus. O pai, como chefe da casa, deverá ler uma porção das
Escrituras e elevar uma oração singela. Não precisa ser longa, mas que leve
ao reconhecimento de Deus e a
6 Não servindo à vista, como para agradar aos homens, mas como servos
de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus;
8 Sabendo que cada um receberá do Senhor todo o bem que fizer, seja
servo, seja livre.
Estas palavras não são dirigidas ao mundo como tal. O mundo é incapaz de
fazer o que se ensina aqui. A obediência piedosa só é possível aos que
são “cheios do Espírito”. Igualmente, de novo esta passagem nos recorda
certas verdades importantes. Uma delas é que o nosso cristianismo deve
cobrir a nossa vida inteira e afetar todas as nossas relações. Nada que o
cristão faça é igual ao que é feito pelo não cristão. Este pode fazer as
mesmas coisas, porém as realiza de modo diferente. O cristianismo não se
restringe aos domingos; é algo que se manifesta na totalidade da vida. Não
existe no mundo nada mais prático do que a fé cristã e do que o ensino
cristão. A maneira pela qual o apóstolo se empenha em elaborar o seu
princípio central nestes diversos departamentos da vida é em si mesma uma
prova disso. Ele não se contenta em dizer: “Ora, aqueles que, dentre vós,
são cheios do Espírito, devem sujeitar-se uns aos outros”, parando aí. Como
sábio mestre, ele sabe que é necessário descer a minúcias, tomar estes pontos
um a um e aplicá-los. Por isso ele usa esses exemplos, e são exemplos típicos
da vida diária, especialmente onde as tensões e pressões da vida tendem a
manifestar-se com maior freqüência. É evidente que essa foi a regra que
deve tê-lo guiado na escolha destas ilustrações particulares. A relação mais
delicada é a relação matrimonial, pelo que, por essa mesma razão, as
tensões, as pressões e as torções propendem a chegar ao nível máximo ali.
Depois, em seguida à relação matrimonial, vem a família. Esta é, de novo,
uma relação muito íntima e delicada, e o diabo sempre está ocupado em
seus esforços para romper o lar e sua santidade.
À luz do que o apóstolo nos diz aqui, começo acentuando que há certas
características gerais do ensino cristão que enfeixam esta matéria em
particular. A primeira é que é inteiramente única, singular. O que estamos
estudando é algo que não se encontra em nenhum outro lugar. Há outros
ensinos parecidos, porém é que foram copiados deste. Há muitos tipos de
filósofos que se apropriaram do ensino cristão. Embora não cristãos, viram
a excelência de certos aspectos do ensino cristão e os copiaram e os usaram,
adequando-os aos seus propósitos. Assim, há ensinamentos que imitam o
ensino cristão, mas que sempre deixam fora o que há de mais vital. Desse
modo, eles confirmam a singularidade deste ensino e sua diferença essencial
de todos os demais.
O apóstolo fez lembrar extensamente aos efésios estas verdades nos três
primeiros capítulos. Depois resumiu tudo no capítulo 4, começando no
versículo 17, e especialmente na frase, “vós não aprendestes assim a Cristo”
(versículo 20). Depois, outra vez, no capítulo 5, versículo 8, “noutro tempo
éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor”. Os efésios eram novas criaturas,
e o apóstolo pressupõe isso em seu ensino.
Outro exemplo muito interessante desta mesma coisa, um exemplo freqüentemente deixado de lado,
acha-se em Mateus, capítulo 17, versículos 24 a 27: “E, chegando eles a Capernaum, aproximaram-se
de Pedro os que cobravam as didracmas, e disseram: o vosso mestre não paga as didracmas? Disse
ele: Sim. E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De quem
cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios? Disse-lhe Pedro: dos
alheios. Disse-lhe Jesus: logo, estão livres os filhos; mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar,
lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e, abrindo-lhe a boca, encontrarás um estater; toma-o,
e dá-o por mim e por ti”.
Outra afirmação crucial é a que se acha na Epístola aos Romanos, no início do capítulo 13: “Toda a
alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as
potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso, quem resiste à potestade resiste à ordenação
de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistradores não
são terror para as boas obras, mas para as más”. Depois temos a Epístola a Filemom, que trata direta
e especificamente de toda a questão da escravatura. Há também uma referência ao mesmo assunto,
ao mesmo princípio, na Primeira Epístola de Pedro, capítulo 2, começando no versículo 13: “Sujeitai-
vos pois a toda a ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior; quer
aos governadores como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o
bem”. E o apóstolo prossegue: “Como livres, e não tenho a liberdade por cobertura da malícia, mas
como servos de Deus... Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores, não somente aos bons
e humanos, mas também aos maus”. E convém lembrar que as ordens sobre a obediência
às “potestades que há” foram escritas quando o imperador não era outro senão aquele déspota cruel,
Nero. Os cristãos deviam sujeitar-se a ele e a todas as autoridades semelhantes.
Aí temos exemplos de ensino direto, porém, em acréscimo, há ensino indireto. Um exemplo disso é o
que consta no Livro de Daniel, onde temos relatos da conduta e comportamento de Daniel,
especialmente nos capítulos 3 e 6. Há também um ensinamento implícito, muito interessante, no
capítulo dezesseis do Livro de Atos dos Apóstolos, onde se conta que o apóstolo Paulo e Silas foram
presos, agredidos, açoitados, e lançados no cárcere interior. Mais tarde se nos diz que as autoridades
mandaram libertá-los, mas o apóstolo se opôs e disse que, como eram cidadãos romanos que foram
submetidos erroneamente àquele tratamento e à prisão, viessem elas mesmas, pessoalmente, e
os libertassem. Esta é uma interessante luz indireta sobre toda a questão em foco. E há mais um
exemplo em Atos, capítulo 25, onde o apóstolo Paulo apela para César. Como cidadão romano, tinha
direito de fazer isso, e exerceu esse direito.
trangido, mais uma vez, a fazer alguns comentários gerais. Primeiro, será
que alguma vez vocês ficaram chocados pelo fato de haver relativamente
pouco ensinamento nas Escrituras sobre este assunto, direta e
especificamente? Elas tratam dele de maneira geral, e estabelecem
princípios que devem comandar esta questão. Mas, por que seria que a
Bíblia não dá mais atenção a tais problemas? Por que não nos dá mais
ensinamento direto a respeito do problema imediato que se nos apresenta,
problema sempre presente, era após era, na vida da raça humana? Por que
essa escassez de ensinamento? A resposta, com certeza, deve ser que o
principal interessa da Bíblia toda está na relação do homem com Deus. Toda
a sua força, toda a sua ênfase é posta nesse problema. Como vemos ilustrado
na resposta do Senhor aos fariseus e herodianos, é isso que toma tão
significativo o incidente. De muitas maneiras estas duas seitas eram
representantes típicos do homem moderno. Eles perguntaram: “Mestre,
é lícito pagar tributo a César, ou não?” Hoje as perguntas são: “Que é que a
Igreja tem para dizer sobre “apartheid”, sobre as vítimas da segregação
racial? Que é que a Igreja tem para dizer sobre economia? Que é que a
Igreja tem para dizer sobre a guerra?” Embora os temas reais possam
mudar quanto à forma, o princípio que está por trás das questões
permanece sempre o mesmo. Nunca há uma palavra acerca da relação do
homem com Deus! O tema, em todas as suas variações, é sempre a relação
entre seres humanos - os direitos do homem, como os homens tratam os seus
semelhantes, e assim por diante. A resposta do Senhor Jesus também
continua sendo a mesma. Ele introduz o “E" - aquilo que esquecemos,
aquilo que nos mete em confusão quanto a estes problemas particulares - “E
a Deus o que é de Deus”. Esse é um exemplo perfeito da ênfase típica da
Bíblia. Seu interesse é a relação do homem com Deus. Essa é a sua grande
mensagem, a sua mensagem principal.
Meu segundo comentário é detestado por muitos hoje, que se dizem homens
práticos, homens de negócio. A Bíblia sempre considera a vida neste mundo
como tendo importância secundária; é apenas uma peregrinação,
uma jornada. Que somos? “Peregrinos e forasteiros”, diz Pedro (1 Pedro
2:11). Vemos esta ênfase em todo o Velho Testamento; isto vem resumido
magni-ficamente no capítulo onze da Epístola aos Hebreus, essa galeria de
retratos dos santos e dos heróis da fé. Essa passagem nos diz que aqueles
homens estavam esperando “a cidade que tem fundamentos, da qual o
artífice e construtor é Deus”. Consideravam-se “estrangeiros e peregrinos
na terra”. Eram viajores. É por isso que Moisés, um deles, “tinha em vista a
recompensa”. Por isso preferiu sofrer opressão com Cristo e Seu povo a
“por um pouco de tempo ter o gozo do pecado”. Estes vultos bíblicos
viveram neste mundo com muito desprendimento. Não quiseram
estabelecer-se neste mundo; sabiam que estavam destinados a outro. Ê o
outro reino que importa, é o outro, o reino eterno, que conta. Este ensino se
acha em todo o Novo Testamento. Os ensinamentos do Senhor Jesus estão
repletos dele, e o vemos nas epístolas, como, por exemplo, nas
palavras: “Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra”
(Colossenses 3:2). Também é esse o grandiosa tema do Livro de Apocalipse.
É muito importante que nos lembremos disto, porque são essas verdades
que constituem o princípio que comanda o ensino da Bíblia sobre a
escravidão e todas estas outras questões. O princípio normativo é a relação
do homem com Deus, e o conceito de que a presente vida é algo passageiro,
temporário e fugaz. Não significa, é claro, que esta vida e este mundo deva
ser ignorados; não significa que devam ser desprezados como se não
tivessem nenhuma importância. Menos ainda significa que o cristão deva
decidir-se a tomar-se monge, eremita ou anacoreta, segregando-se do
mundo. Esta foi, por certo, uma compreensão completamente equivocada
do ensino em foco. Todavia significa, sim, que não colocamos esta vida em
primeiro lugar, não pensamos somente neste mundo. Este mundo só é
considerado e entendido à luz do outro mundo. Somos peregrinos da
eternidade; somos “uma colônia do céu”; “a nossa cidadania está no céu”;
ao céu pertencemos (Filipenses 3:20-21). Ainda estamos vivendo neste
mundo, mas o nosso verdadeiro lar está no outro; lá se acha o centro dos
nossos interesses; a sede do nosso governo está no céu. Não sei de coisa
alguma que, nesta época, seja mais importante que a compreensão
deste princípio determinante - o homem em sua relação com Deus, o homem
em sua
correta relação com este mundo. Este mundo e o homem são secundários,
não primordiais. Primeiro Deus, primeiro o céu, primeiro “a glória”. Esta
existência é temporária, preparatória, não duradoura. Estamos de
passagem . Não negligenciamos este mundo, não procuramos evadir-nos do
mundo; mas o mantemos em sua posição certa e subordinada. É à luz desse
princípio, e dele somente, que podemos compreender o ensino de que
estamos tratando.
Nossa dedução do que acima foi dito é que esta ênfase particular sempre
deve constituir a característica primária da Igreja e seu ensino. O que
compete à Igreja é expor as Escrituras; e estes são os princípios normativos
que encontramos nas Escrituras. Portanto, devem ser estes os princípios
normativos presentes na pregação e no ensino da Igreja. A incumbência
primordial da Igreja não consiste em tratar das condições deste mundo, e
sim, antes, da relação do cristão com elas, e da sua conduta enquanto estiver
inserido nelas. Assim como a Bíblia sempre coloca sua principal ênfase no
homem em sua relação com Deus e em sua temporária relação com este
mundo passageiro, assim deve proceder a Igreja.
A Igreja não deve gastar seu tempo e suas energias tratando das condições
deste mundo como tais. Essa não é sua tarefa principal. E é interessante
notar que ela não considerou isso como sua tarefa nos primeiros séculos.
Não há censura no Novo Testamento contra a escravidão. Eu reitero que a
tarefa da Igreja não é tratar das condições como tais, porém, ao contrário,
com a maneira pela qual o cristão deve agir nas condições existentes, e com
o modo como ele deve conduzir-se e portar-se. Jamais deveremos perder de
vista essa verdade. Opino que, em grande parte, a condição atual da Igreja
se deve ao fato de que este grande princípio foi esquecido. Não é meu desejo
causar controvérsia -estou simplesmente expondo as Escrituras - entretanto
não consigo achar nas Escrituras nenhuma justificativa para a idéia dos
supostos lordes espirituais da Câmara dos Lordes. Não consigo achar nas
Escrituras nada que justifique bispos e arcebispos tomarem assento na
Câmara dos Lordes e participarem de debates sobre política e sobre as
condições e as questões sociais. Apresso-me a acrescentar o seguinte:
tampouco há justificação bíblica para os ministros não conformistas ou da
Igreja Livre gastarem seu tempo pregando sobre política, economia e
questões sociais. Ambos os grupos estão errados, tanto um quanto outro. A
missão da Igreja é lembrar constantemente aos homens sua relação com
Deus, a exemplo do que o Senhor Jesus fez. As pessoas nos procuram
com suas perguntas, e nos compete ver que a ênfase esteja em Deus, que as
suas relações com Deus sejam postas em primeiro lugar, e que também
lhes ensinemos a correta atitude que devem ter para com a presente vida e
este mundo. A tragédia da situação atual do mundo é, principalmente, que a
maioria não vê nem percebe que os males do mundo se devem ao seu
paganismo, à sua falta de fé, à sua irreligiosidade. Na Grã-Bretanha e em
todas as outras terras os homens e as mulheres se esqueceram de Deus, da
sua relação com Deus e do seu destino eterno. Apesar de ser essa a situação,
a Igreja passa a maior parte do tempo tratando de questões secundárias, de
questões transitórias, de questões
estes problemas nos séculos passados; e no mundo são muitos os que têm
que encarar urgentemente estes problemas no presente. O fato de que talvez
sejam menos graves na Grã-Bretanha não é razão para não pensarmos
neles. Devemos saber o que faríamos, se surgisse tal situação aqui. Em todo
caso, devemos ser capazes de ajudar outros. É possível que você tenha
amigos ou parentes noutros países, que lhe escrevam e lhe perguntem:
“Vocé é cristão, diga-me, que devo fazer?” È nosso dever conhecer o ensino
bíblico para podermos aplicá-lo a nós mesmos e ajudar outros a fazê-lo a si
mesmos. Queira Deus dar-nos graça para fazermos isso, para a glória do
Seu santo nome!
tudo?
O primeiro princípio é que, obviamente, o cristianismo não suprime a nossa relação com as condições
sociais, políticas e econômicas existentes. É necessário dizer isso porque alguns dos cristãos primitivos
erraram neste ponto, e há muitos que ainda erram. Há os que continuam pensando como
pensavam alguns cristãos primitivos que, uma vez que um homem se tornava cristão, não estava mais
preso à sua esposa, se ela não era cristã. Por isso Paulo teve que escrever o capítulo sete da Primeira
Epístola aos Coríntios. Isso estava acontecendo nos dois lados. O homem, por exemplo, argumentava
desta maneira: “Nós nos casamos quando éramos pagãos e incrédulos, mas agora sou cristão e vejo
tudo diferentemente. Minha mulher não é cristã, de modo que não estou mais preso a ela, pois isto
seria um obstáculo para a minha vida cristã”. Amesma coisa com a mulher. Os cônjuges convertidos
tendiam a abandonar os cônjuges não convertidos. Mas o apóstolo lhes escreveu e lhes disse que não
fizessem isso. Havia filhos tendentes a proceder da mesma maneira. Haviam sido convertidos, mas os
seus pais continuavam pagãos; então diziam: “Naturalmente os nossos pais não mandam mais em
nós. Eles não entendem, são pagãos e, portanto, não precisamos sujeitar-nos mais a eles e à sua
direção”. Paulo, no entanto, os ensina de outro modo. E assim foi com esta questão dos servos em sua
relação com os senhores. De fato, vemos na Segunda Epístola aos Tessalonicenses, no capítulo três,
que havia alguns cristãos que até pararam de trabalhar. Argumentavam que agora estavam num
novo reino e iam passar o tempo aguardando a volta do Senhor. Por isso, abandonaram as suas
tarefas diárias e só ficavam a olhar para os céus e a esperar o aparecimento do Senhor. O apóstolo
teve que lhes dizer com toda a franqueza: “se alguém não quer trabalhar, também não coma”. O que
estavam fazendo era devido à completa incompreensão do cristianismo.