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IGHOR FITZNER

NUTRIÇÃO
RAIZ

Baseado em evidência científica

Sem Sem Sem


achismo terrorismo enrolação
NUTRIÇÃO RAIZ IGHOR FITZNER

Uma leitura voltada tanto para profissionais como para


estudantes e amantes de nutrição. Uma mistura de informações
atualizadas usando sempre a evidência científica como base.
PARTE 1

Suplementação
de Vitamina D

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NUTRIÇÃO RAIZ SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D

VITAMINA D
POÇÃO MÁGICA OU MITO ?

Inicialmente descrita como uma converte 7-dehidrocolesterol (7-DHC)


substância capaz de curar o raquitismo, em pré-vitamina D3 e essa é convertida
essa vitamina foi denominada 'D', pois em vitamina D3 (colecalciferol) pelo
foi a quarta na sequência de vitaminas calor. Após a ligação à proteína de
descobertas. A vitamina D é uma ligação da vitamina D (VDBP), o
vitamina lipossolúvel que desempenha colecalciferol e o ergocalciferol são
um papel essencial na homeostase do transportados para o fígado, onde são
cálcio e fósforo, pelos efeitos no hidroxilados pela enzima CYP2R1 e
intestino, nos ossos e nos rins, sendo convertidos em 25 hidroxivitamina D
assim importante para a manutenção da (calcidiol). Em seguida, a 25 (OH) D é
saúde óssea e na prevenção do transportada para os rins onde é
raquitismo ou osteomalácia em adultos. convertida pela enzima CYP27B1 para a
Como ilustrado na Figura 1.1, a exposição forma ativa, 1,25 hidroxivitamina D,
aos raios ultravioleta (UV) da luz solar também conhecida como calcitriol. A

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NUTRIÇÃO RAIZ SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D

1,25 (OH) 2D é finalmente convertida em Por outro lado, o PTH favorece o


24,25 (OH) 2D pela enzima CYP24A1 . equilíbrio em relação a CYP27B1 e a
Assim, para uma adequada síntese de ativação da sinalização de vitamina D.
calcitriol ocorrer, necessitamos de rins e
O PTH é inibido por altas
fígado saudáveis.
O nível de vitamina ativa é, portanto, concentrações de 1,25 (OH) 2D e
determinado principalmente pelo induzido por baixos níveis séricos de
equilíbrio entre as enzimas CYP27B1 e cálcio.
CYP24A1. Duas proteínas importantes Logo, ao contrário de outras
para regular esse equilíbrio são o fator vitaminas, os níveis de vitamina D não
de crescimento de fibroblastos 23 dependem apenas da ingestão
(FGF23) e o hormônio da paratireóide alimentar. Na maioria dos pacientes, a
(PTH). O FGF23 muda o equilíbrio para a insuficiência ou deficiência de
CYP24A1, ou seja, a inativação da vitamina D ocorre devido à falta de
sinalização de vitamina D, e é induzido exposição ao sol, já que a produção
por altas concentrações de 1,25 (OH) 2D endógena na pele induzida por
e baixo fosfato sérico. ultravioleta-B (UV-B) contribui em

Figura 1.1 Síntese endógena e metabolismo da vitamina D.

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NUTRIÇÃO RAIZ SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D

grande parte para o status geral de ções de vitamina D < 20 ng/ mL e


vitamina D, representando cerca de 80% entre 20 e 30 ng/ mL são
do suprimento da vitamina. O ideal é se consideradas deficientes e
expor diariamente ao sol por 15 a 30 insuficientes, respectivamente. A
minutos, com as mãos e a cabeça prevalência da deficiência de vitamina
descoberta entre as 11 e as 15 horas. D varia entre 20 até 92% da
população do mundo, com valores
Pessoas com pele escura precisam de
mais altos no Oriente Médio e no
uma exposição maior do que indivíduos
norte da Europa.
de pele clara para atingir os mesmos
níveis séricos de vit. D. A ingestão Nas últimas duas décadas, houve um
alimentar tem um peso menor nos níveis grande aumento no número de
gerais de vit. D. As fontes alimentares estudos publicados concomitante a
naturais são salmão, peixe, órgão (por um aumento no interesse nessa
exemplo, fígado), carne, ovos e vitamina, principalmente após a
cogumelos. Na maioria dos países, vários descoberta de que muitas células
produtos como margarina, leite, imunes expressam o receptor de
laticínios, cerveja, cachorro-quente, pão vitamina D (células B, células T,
e cereais são enriquecidos com vit. D, a macrófagos), sugerindo capacidade
fim de evitar deficiências. A ingestão da vitamina de modular a resposta
recomendada é de 10 µg / d (400 UI / d). imune inata e adaptativa. Estudos
Para idosos, recomenda-se 20 µg / d observacionais epidemiológicos
(800 UI / d). Nos casos de baixa mostraram uma correlação entre
exposição ao sol, a ingestão alimentar muitas doenças, como asma,
torna-se crucial. Em idosos, recomenda- aterosclerose, diabetes, doenças
se uma maior ingestão, porque a autoimunes, câncer, doenças
eficiência de produzir colecalciferol cardiovasculares, infecções e baixos
quando exposto ao UV-B diminui. Como níveis de vitamina D. O curioso é que
o estilo de vida moderno inclui uma se metade da população não
rotina onde estamos mais no interior consegue atingir níveis saudáveis de
(casa, prédio, carro, trabalho) do que no vit. D e as correlações entre o status
exterior, somado a prevenção do sol com de vit. D e essas doenças
o uso de filtro solar para evitar mencionadas acima forem baseadas
queimaduras e câncer de pele, isso nos em causalidade, a prevalência dessas
leva à diminuição da produção doenças deveria ser muito maior na
endógena da vitamina D. As concentra- Ásia, no Oriente Médio e na África,

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NUTRIÇÃO RAIZ SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D

onde a maioria das pessoas é deficiente DM1. Além disso, uma meta-análise
em vit. D, de acordo com o método que avaliou o efeito da
usado atualmente. Na busca de suplementação de vitamina D na DM2
compreender melhor esses achados, não mostrou efeito de vit. D sobre
estudou-se o uso da vitamina D para glicemia em jejum, HbA1c e níveis de
diminuir os sintomas. Em uma revisão insulina em jejum. Em um ECR recente
sistêmica recente de 84 estudos (N = 2.423, acompanhamento de 2,5
observacionais, concluiu-se que a anos), a suplementação diária de
maioria dos estudos observacionais 4.000 UI em adultos com alto risco de
epidemiológicos mostra uma relação DM2 não resultou em diminuição
inversa entre 25 (OH) D e mortalidade significativa no risco de diabetes
por todas as causas. A menor comparado com o placebo. Apesar de
mortalidade foi encontrada nos níveis de estudos observacionais mostrarem
vit. D entre 50-75 nmol / L. Para avaliar uma relação inversa entre a vitamina
se as correlações encontradas nos D e mortalidade, em geral, as
estudos observacionais são baseadas na evidências de alta qualidade indicam
causalidade, os ensaios clínicos que os efeitos terapêuticos da
randomizados (ECR) devem confirmar vitamina D são inexistentes ou muito
esses achados, e é aqui que esse conto modestos, já que na grande maioria
de fada começa a se desestabilizar, visto dos ensaios clínicos randomizados e
que, muitos ensaios clínicos metanálises não foram demonstrados
randomizados (ECR) tiveram resultados efeitos significativos. Logo, os
predominantemente negativos, falhando resultados apresentados por estudos
em mostrar efeitos significativos da observacionais podem ocorrer por
suplementação de vitamina D em vários causalidade inversa. Por exemplo,
casos, onde os desfechos não foram uma saúde precária está relacionada a
significativamente diferentes entre o uma baixa exposição ao sol, o que
grupo controle e o grupo intervenção. consequentemente levaria a baixos
Em um recente ECR, com o níveis de vit. D. Além disso, há uma
acompanhamento de mais de 5 anos e diminuição da VDBP durante estados
uma suplementação de 2.000 UI por dia, inflamatórios, o que pode ter afetado
não foi encontrado efeito da os resultados e levar a uma avaliação
suplementação de vitamina D na incorreta do status de vit. D.
mortalidade por todas as causas. Na
Há dois pontos muito importantes a
revisão feita por Dankers et al. concluiu-
serem considerados. Até o momento,
se que não houve efeito benéfico para

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NUTRIÇÃO RAIZ SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D

os dados disponíveis nos fazem concluir ou então, níveis baixos de vitamina D


que, ou as normas atuais para a têm menos impacto na saúde do que
deficiência de vitamina D são muito altas, o esperado.

Boxe 1.1 VOCÊ SABIA ?

O método de avaliação dos níveis de vit. D não medem o 1,25 (OH) 2D


ativo, mas medem o pool total de seu precursor, 25 (OH) D. Como apenas
10-16% do 25 (OH) D total está biodisponível (a fração livre e ligada à
albumina), o nível total de 25 (OH) D pode variar sem provocar alterações
na concentração de 1,25 (OH) 2D. A meia-vida de 25 (OH) D é de 2 a 3
semanas, enquanto para a forma ativa é de apenas um dia.
Consequentemente, essa medida indireta do status vit. D não fornece
informações sobre a concentração da forma realmente ativa de vit. D.

Referências:

1. Vitamin D A magic bullet or a myth


2. Topical vitamin D3: A randomized controlled trial (RCT)
3. Vitamin D : too much testing and treating
4. 25-Hydroxyvitamin D – Should labs be measuring it?
5. Vitamin D testing and treatment: a narrative review of current evidence
6. The interplay between vitamin D and viral infections
7. Vitamin D in Autoimmunity: Molecular Mechanisms and Therapeutic Potential

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PARTE 2

Introdução ao
comportamento
alimentar

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NUTRIÇÃO RAIZ INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR

PORQUE COMEMOS

O QUE COMEMOS ?
A área da nutrição comportamental tem nesse aspecto, preocupação essa que
crescido bastante nos últimos anos. Isso nem todos os profissionais tem tido, e
é muito positivo, pois significa que aos consequentemente, muita informação
poucos estamos deixando pra trás equivocada é disseminada. O
aquele pensamento antigo e simplista de comportamento alimentar é complexo, e
enxergar a nutrição apenas como precisamos tratá-lo como tal. A ingestão
calories in, calories out (calorias alimentar é ditada por dois principais
ingeridas e calorias gastas). Porém, a mecanismos. Um deles é a regulação
nutrição comportamental tampouco se homeostática, que é coordenada por
resume em apenas pensar além da dois conjuntos de sinalização integrado
estética ou ter empatia por seu paciente. e atuante em áreas do cérebro, tendo o
A nutrição é uma ciência, assim, hipotálamo como o principal
precisamos entender o comportamento orquestrador. São eles: os sinais de curto

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NUTRIÇÃO RAIZ INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR

prazo e os de longo prazo. O sinal de também, como sistema de


curto prazo se dá em resposta ao recompensa. Além de saciar nosso
estiramento da parede do estomago, apetite, o ato de comer nos
com a liberação de alguns componentes
proporciona sentimentos prazerosos.
como grelina, neuropeptídio Y,
colecistoquinina responsáveis pela Os alimentos palatáveis estimulam os
sensação de fome nos momentos que circuitos cerebrais de recompensa e
precedem a refeição. Os sinais de longo motivação, sob a influência
prazo ocorrem predominantemente pelo modulatória de neurotransmissores e
tecido adiposo, havendo secreção de de neuropeptídios, como dopamina e
hormônios como leptina e insulina, endorfinas. Além das predisposições
sinalizando saciedade no momento pós
genéticas e das necessidades
refeição. No entanto, como a crescente
prevalência da obesidade sugere, uma metabólicas, os aspectos hedônicos
proporção do consumo alimentar parece da ingestão de alimentos são
ser influenciado por prazer e não importantes para entender a
somente pela necessidade de calorias. regulação do peso corporal e a
Visto que, se esse fosse o caso, e a obesidade. Todo tipo de estímulo ao
regulação homeostática fosse o único
redor do comportamento humano
mecanismo regulador da nossa ingestão
alimentar, não existiria obesidade no pode se tornar recompensatório, não
mundo, pois não comeríamos mais do só comida, como também: drogas,
que o necessário mediante a sinalização aposta, sexo, se exercitar, fazer
da saciedade. tatuagem, ouvir música, entre outras
Sócrates disse: “O resto do mundo vive inúmeras atividades. O controle
para comer, enquanto eu como para homeostático é, geralmente,
viver". Embora essa citação
secundário ao controle não-
provavelmente se refira ao fato de que
alimentos fundamentalmente servem a homeostático (hedônico), assim, esse
um propósito nutritivo; na sociedade mecanismo é normalmente o
moderna atual, em particular no mundo responsável por iniciarmos uma
ocidental, a comida parece estar cada refeição. Compreendendo a
vez mais associada a aspectos que vão importância desse mecanismo e sua
além da nutrição, ou seja, influência no comportamento
independentemente das necessidades
alimentar, compreendemos também o
metabólicas. O que nos leva ao outro
mecanismo. Esse, já não mais controlado motivo de tantas pessoas terem
pela liberação de hormônios, se trata da dificuldade em emagrecer. Muitas
liberação de neurotransmissores vezes a resposta mora na rotina desse
responsáveis pela sensação de prazer e indivíduo, e no nível de estresse que o
bem estar. Esse mecanismo é chamado mesmo é submetido diariamente.
de regulação hedônica ou conhecido,

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NUTRIÇÃO RAIZ INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR

As situações estressantes nos fazem para liberação de dopamina de forma


comer pois nos levam a buscar um aguda e isso gera a sensação de
prazer imediato como fuga dessas prazer. O consumo excessivo repetido
situações, e embora tenhamos visto que de alimentos está associado com
muitas atividades nos proporcionam essa alterações neuroadaptativas nos
fuga, a fonte de prazer imediato mais circuitos centrais de recompensa,
acessível e com menos tabu tende ser a incluindo expressão gênica alterada e
alimentação. Os alimentos responsividade do cérebro aos
hiperpalatáveis são também conhecidos alimentos. Em outras palavras, com o
como comfort foods, exatamente por passar do tempo, não se sabe se pela
nos proporcionarem essa sensação de diminuição da sensibilidade ou
conforto diante de situações estressantes aumento dos receptores, a
do dia-a-dia e, embora, basicamente sensibilidade dessa sinalização diminui
todos os alimentos tenham a capacidade e cada vez mais você necessita de
de ativar esse sistema de recompensa, os mais desses alimentos afim de obter
alimentos hiperpalatáveis fazem isso em a mesma sensação, e isso configura
uma magnitude maior. esse comportamento impulsivo por
esses alimentos.
O estresse leva a uma maior exposição
ao cortisol, que por sua vez tem Nós humanos temos uma maneira
interação direta com o cérebro, única de lidar com os alimentos.
aumentando a atividade ou Fatores como a presença de outras
sensibilização do sistema de pessoas, tempo de consumo, cheiro,
recompensa. Além disso, uma revisão cores ou configuração física podem
recente sugere que a exposição de influenciar a ingestão e escolha de
cortisol induzida pelo estresse pode alimentos. Nas próximas edições,
prejudicar a atividade do córtex pré- veremos sobre mais aspectos e
frontal direito, impedindo o controle fatores que influenciam no
cognitivo mais reflexivo sobre a comportamento alimentar. Ademais,
alimentação humana. essas informações nos ajudarão a
entender a complexidade da
Esses alimentos hiperpalatáveis tem a
obesidade já que sua causa é
capacidade de sensibilizar as papilas
multifatorial, e essa compreensão é
gustativas, mandam uma sinalização
um pré-requisito para o sucesso do
para ativação do córtex cerebral (região
tratamento.
cerebral relacionada a tomada de
decisão e pelo comportamento social),

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NUTRIÇÃO RAIZ INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR

Referências:

1. Reward-Induced Eating: Therapeutic Approaches to Addressing Food Cravings


2. Integration of Reward Signalling and Appetite Regulating Peptide Systems in the
Control of Food-Cue Responses
3. Central Nervous System Control of Food Intake
4. The endocrinology of food intake
5. Stress, cortisol, and other appetite‐related hormones: Prospective prediction of
6‐month changes in food cravings and weight
6. Neurobiology of overeating and obesity: The role of melanocortins and beyond
7. Food reward system: current perspectives and future research needs
8. Stress and Eating Behaviors
9. Stress and Obesity: The Role of the Hypothalamic-Pituitary-Adrenal Axis in
Metabolic Disease
10. Stress, Eating and the Reward System
11. Shaping the Stress Response: Interplay of Palatable Food Choices,
Glucocorticoids, Insulin and Abdominal Obesity
12. The Right Brain Hypothesis for Obesity
13. Neuroendocrine mechanisms that connect feeding behavior and stress

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CAPÍTULO 3

Exercício e
sistema imune

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NUTRIÇÃO RAIZ EXERCÍCIO E SISTEMA IMUNE

EXERCÍCIO FÍSICO E A
IMUNOSSUPRESSÃO
Está mais do que claro que a prática de em um período de até 3 horas,
exercício físico é muito mais do que uma retornando aos níveis basais dentro de
questão de capricho ou vaidade com o 24 horas após a sessão de treino. Além
corpo. Vários estudos em humanos e disso, o exercício demonstrou ter um
animais demonstraram que o exercício efeito benéfico na microbiota
físico tem ações imunomoduladoras, e intestinal, principalmente por provocar
sua prática regular reduz a incidência de aumento nas taxas de butirato e
doenças transmissíveis como infecções reduzindo as citocinas pró-
virais e bacterianas, assim como as não inflamatórias (figura 3.1). Apesar dos
transmissíveis, como câncer, doença aparentes benefícios à saúde
cardiovascular e distúrbios inflamatórios. alcançados ao levar um estilo de vida
O exercício aumenta em 2-3 vezes o ativo, o efeito agudo de um sessão de
número total de leucócitos no sangue exercício sobre a função imune

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NUTRIÇÃO RAIZ EXERCÍCIO E SISTEMA IMUNE

Figura 3.1 Como o exercício altera a microbiota intestinal.

permanece um tópico controverso. que no pré-exercício e retornam aos


níveis normais dentro de 24 horas.
Normalmente ouvimos de nossos pais, Porém, um ponto vista mais
ou até de profissionais que não devemos contemporâneo é que ao invés de
nos exercitar quando resfriados, o que supressão, essa diminuição aguda no
reflete a percepção comum de que o número de linfócitos após o exercício é
exercício excessivo e intenso faz benéfica a “ vigilância ” imunológica.
aumentar a suscetibilidade a certas Atualmente, é proposto que ocorra
enfermidades. uma redistribuição dessas células
Em 1995, surgiu a teoria da “ janela imunes para tecidos periféricos, onde
aberta ”, proposta por Pedersen & é provável que sejam encontrados
Brunnsgaard, que se trata de um período patógenos durante e após o exercício
que pode durar entre 3 a 72h após o (ex.: pulmões, intestino). Um estudo de
exercício onde a imunidade estaria Kruger e colegas, usando
alterada, sujeitando o indivíduo a um rastreamento celular fluorescente em
risco mais elevado de infecção (figura roedores, descobriram que as células T
3.2). Um dos pontos dessa teoria é que, são “ reimplantadas ” ou deslocadas
aproximadamente 1-2 horas após a em grande número para tecidos
cessação de um exercício, ocorre uma periféricos, incluindo intestino e
diminuição drástica de linfócitos na pulmões, e medula óssea após o
corrente sanguínea, à níveis menores exercício.

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NUTRIÇÃO RAIZ EXERCÍCIO E SISTEMA IMUNE

aumentou em resposta a
ambos os exercícios. Embora
a evidência nesse tópico seja
pouco esclarecedora, os
autores do estudo levantaram
um ponto interessante:
o exercício tem um “ efeito na
quantidade de saliva, mas não
na qualidade da saliva. ”
De qualquer maneira, a IgA
salivar é altamente vulnerável
a variações de curto prazo,
devido a fatores como
diferenças sexuais, dieta,
etnia, doença, uso de
medicamentos, tabaco, fase
do ciclo menstrual. Como a
secreção salivar de IgA é
Figura 3.2 A teoria da janela aberta. controlada pelo sistema
parassimpático e sistema
nervoso simpático, o estresse
A teoria também tinha como argumento psicológico também desempenha um
os níveis de IgA presentes na saliva e papel poderoso na regulação de seus
dado que a IgA é a imunoglobulina mais níveis. No entanto, seus níveis variam,
abundante na mucosa e que seu papel principalmente, em decorrer do ritmo
principal é a inibição de patógenos, circadiano, tipicamente atingindo o
alterações de IgA salivar após o exercício pico de manhã e caindo
pode ser considerado importante à luz posteriormente. Assim, com todas
do risco supostamente maior de essas considerações, parece no
infecções entre atletas. Embora alguns mínimo ambicioso dizer que qualquer
estudos demonstrem que o IgA reduziu sutil alteração no IgA salivar após o
no período pós-treino, em geral são exercício reflete uma supressão na
estudos que não controlam o nível de imunidade e um risco aumentado de
saliva produzido, o que pode, infecções.
consequentemente, afetar os resultados, Embora exista controvérsia em alguns
deturpando a secreção de IgA. Um pontos propostos em teorias e
estudo de Blannin e colegas avaliou os consequentemente algumas
efeitos de exercícios em diferentes
justificativas sugeridas no passado
intensidades (moderada/alta) e os
resultados mostraram que, embora a possam apresentar erros, há outros
taxa de fluxo da saliva tenha diminuído, a motivos para que exercício promova
taxa de secreção de IgA, na verdade, imunodisfunção, e provavelmente está

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NUTRIÇÃO RAIZ EXERCÍCIO E SISTEMA IMUNE

relacionado ao status nutricional A verdade é que estudos não nos


diminuído e efeitos imunossupressores fornecem respostas definitivas. Na
do cortisol. As células imunes são tentativa de achar uma resposta ou
fortemente reguladas pela consenso em relação ao exercício
disponibilidade de substrato, e reduções quando doente, nada melhor do que
na concentrações de glicose e seguir a recomendação das
aminoácidos induzidas pelo exercício autoridades. São elas:
podem contribuir para o
1) se houver sintomas comuns de
comprometimento do sistema
resfriado (por exemplo, coriza e
imunológico. Durante o exercício, há
garganta inflamada sem febre), poderá
uma enorme utilização de glicose assim
voltar a rotina de treinamento intenso
como uma diminuição na quantidade de
alguns dias após a resolução dos
glutamina pelo estímulo da contração
sintomas;
muscular repetida.
2) exercício leve a moderado (por
Após o exercício prolongado em alta
exemplo, caminhar) quando estiver
intensidade, a concentração sérica de
com resfriado comum não parece ser
cortisol eleva significativamente acima
prejudicial;
dos níveis pré-exercício por várias horas.
Foi relatado que níveis altos de cortisol 3) se houver sintomas de febre,
deprimem a função do sistema imune, cansaço extremo, dores musculares e
inibindo a função de citocinas gânglios linfáticos inchados, levar de 2
específicas, suprimindo a função das a 4 semanas para retomada do
células natural killer e deprimindo tanto a treinamento intensivo.
produção como a função das células T.
Logo, isso nos leva a questão Existe também a recomendação de
mencionada anteriormente. Se o que não há problemas em se exercitar
exercício, em algum nível causa uma durante um resfriado, desde que os
imunossupressão, será que podemos sintomas estejam localizados acima do
treinar doente ? pescoço, ou seja, se você manifestar
sintomas que se limitem a um nariz
escorrendo, congestão nasal e dor de
DEVO TREINAR RESFRIADO ?
garganta leve. Ainda assim, você
provavelmente deverá diminuir a
Atletas e entusiastas do fitness muitas intensidade do treino e evitar aqueles
vezes não sabem se eles devem se de alta intensidade/longa duração.
exercitar ou descansar durante a doença. Caso seus sintomas de resfriado sejam

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NUTRIÇÃO RAIZ EXERCÍCIO E SISTEMA IMUNE

intensificados com a prática de atividade do pescoço (i. e., congestão torácica,


física, pare de se exercitar e repouse. tosse ou dor gástrica). Além disso, não
Deixe para retomar sua rotina de treinos se exercite caso esteja febril, com
gradualmente, à medida que começar a fadiga geral ou dores musculares
se sentir melhor. Em contraste com as amplamente disseminadas. Você
recomendações anteriores, existem poderá retomar o treinamento quando
algumas situações em que você não os sintomas localizados abaixo do
deve se exercitar. Por exemplo: você pescoço tiverem passado e a febre
deve adiar o treino se apresentar tiver desaparecido.
sintomas de resfriado localizados abaixo

Referências:

1. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho


8º edição
2. Nutrients, Immune System and Exercise: Where it will take us?
3. Exercise and the Gut Microbiome: A Review of the Evidence, Potential
Mechanisms, and Implications for Human Health
4. T-cells and their cytokine production: The anti-inflammatory and
immunosuppressive effects of strenuous exercise
5. Debunking the Myth of Exercise-Induced Immune Suppression: Redefining the
Impact of Exercise on Immunological Health Across the Lifespan
6. Can exercise affect immune function to increase susceptibility to infection?
7. Is Regular Exercise a Friend or Foe of the Aging Immune System? A Systematic
Review
8. The effects of exercise on the immune system and stress hormones in
sportswomen
9. The Effect of Exercising to Exhaustion at Different Intensities on Saliva
Immunoglobulin A, Protein and Electrolyte Secretion

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Você também pode gostar