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~
l) I q. NEUAY JOSÉ BOTEGA (ORG.)

... .
~
síaca. Mas é certo também que, como tão bem
nos mostrou o sonho da fam.tlia B; essa ilusão
é alcançada por meio da negação de que o
"chão pode não ser tão plano assim". Podemos
BION, W.R. Aprendendo com a aperiência. · Rio de
Janeiro: Imago, 1962. ·
BRAFMANN, H. Tirando partido das (!Í.fluências
'.

mútuas entre pais e fill)os. Rev. Bras. Psicanal., v.33,


n.2, p.339·326, 1999. ·..
5
negar, cindir, projetar e, em decorrência des~ ..
ses artifícios inconscientes, sentir menos dor,·
ficando incomparavelmente mais serenos, po·.
CAPER, R. Tendo uma mente própria. Livro Anual
de PsicanaL, v.13, p.73·85, 1997. ·
lnterco·ns.ulta psiquiátrica: natureza
KLEIN, M. Notes on some schizoid meclianisms. Inc.
rém em grande perigo de vida: "a um passo dí!
morte da alma, a um passo desta já ter morrldo;
e sem o.beneffdo de seu próprio avis9 prévio'~
J. Psychoanal.,'v.27, p.99·110, 1946. l
LAMANNO, v.L.C. Repetição e transformação na vidà
·efatores de encaminhamento,
(Lispector, 1998). conjugal. São Paulo: Summus, 1997. · ....... ,....
USPECfOR, C. Uma aprendizagem ou o livro ·dos Neury José 8otega
·· ., praure.s. Rio de J!U\eiro: RÓcco, 1998.
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Paulo: UNIMARCO, 1999. p.129·148. ' Psychoanal. Ubrary, v.87)
Não há razão para acreditarmos que todo outros profissionais. Em vários s~
paciente com transtornos mentais deva ser visto ambulatoriais dos Estados Unidos e d<
pQr um especialista. Mas <1 d4tância observa· teira, as taxas de encaminhamento .ao f

~(~).--o~.o~~ ~~~- da entre o número de encaminhamentos e o


total de pacientes que, supQ,st~ente, necessi·
tariam de tratamento psiquiátrico levou mui·
traficam e'ntre 0,1 e 1,5% do total de;
tes atendidos (Houpt; Orleans; George,
No Hospital das Clínicas da UNl
~~·· ~~~ tos pesquisadores a questionar por que algu·
mas pessoas são encaminhadas a um profissfo·
do total de pacientes atendidos nos am
rios de dínlca médica e de cirurgia, l,lt
.Jl J - (\'~o.-·
-0 ......._.. ., ' Qua-~ 02.,qp6 . nal de saúde mental e ouq:as, que podem estar respectivamente, comparecem, depois
I,~ --~ . , I . em condições tão ou má'ls graves, não o são, caminhados, ao ambulatório de pslq1
Uma vez que o médico tenhi detectado alguns Preqominam os casos de transtornos nãc
pacientes com transtornos mentais, quem será, ticds, notadamente os estados ansioso
e quem não será encaminlij:tdo? Quais os dife· préssivos, juntamente com queixas sol
.,-t-~» .......
rentes fatores que interferem nesse processo? para as quais não se encontrou substrat
As respostas a essas·irtdagações são im· nico (Botega e cols., 1988; Suxjus; Yon
N.• . portantes, tanto no sentidp de adoção de medi·
· das administrativas qúahto para compreender
Banzato, 2000). Paradoxalmente, q1.1a
instalou um processo de triagem no am·
e orientar a ação'dos profissionais de saúde. rio de psiquiatria, pequena parte desse
Valendo-se principalmente de estudos epide· gente foi absorvida, ao contrário do
ll}iológicos; este capítulo se 'ocupa da freqüên· observou no caso de pacientes psicóticc
cia e da nat\ll'eza das situações clínicas vistas 72%, respectivamente (Botega e cols.,
_......, na interconrulta psiquiátrica, bem como dos Isso nos leya a pensar nas razões pela
~~ [b3'~ fatores que influenciam a decisão do médico
oe encaminhar seu paciente a um psiquiatra.
não consegUimos acolher esses encaminl
tos de médicos gerais e especisl\stas.
s~ .\ -- ~ um lado, o excesso de demanda; õe Q
inexistência de alternativa:,: ;;"'re.;.oe:.::ica~
oQUE EQUANTO SE ENCAMINHA por exemplo, atendimen.l:r,' "::e p:upv {
pítulo 19) e instalac;ãc> ·i•? ' ·'..''.·l·;o de in
·.>:>nde parte do trabalho do r~iquiatra sulta ambulatoriaL
de ;,._.~;iital geral' é dedicada ao at~:r.dimento No caso de pacbm":, ;, .. , · :: Jdos, 1
de pacientes que lhe são encaminha:br, ?"r ria 01.1r. ~.srudos nadomli$ j;-,,:;·t:· :•: :k 1
.... 77
\) 76 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.I PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL

deles são avaliados pela interconsulta, confor· dio e prover apoio psicológi~o para ~ equipe uinterfere" na rotina da enfermaria. Em mui- No hospital geral, todos os pacientes com·
me se observa na Tabela 5.1 (I<err·Corrêa; Sil- ou para pacientes submetidos a procedimen- tas situações,.a etiologia orgânica de quadros partilham da experiência estressante de uma
va, 1985; Millan e cols., 1986; Magdaleno Jr.; tos traumatizantes, como amputações e gran- confusionais agudos (delirium) não é aventada doença ou de um evento que levou à interna·
Botega, 1991; AndreoU, 1998; Smaira, 1998). des cirurgias. Inadequação do paciente ao .tra- (ver C~pítulo 11 sobre av~açãO do paciente). ção, e suas condições psíquicas são influencia·
.Em hospitais gerais norte-ameriqmos, 4o/o, em tamento, avaliação de sua cap.acida~e pari'te- Há, no entanto, freqüentes. dificuldades das por esse acontecimento. Além disso, nesse
média, dos pacientes internados são vistos pelo cusar procedimentos e tratamentps médicos, para encontrar categorias diagnôsticas que ex- ambiente, a assistência ao doente não se esgo·
psiqwatra (Lipowskí; Wolston, 1981). As ta· dilemas éticos, comunicações dolçrosas e his· pressem o quadro clínico do paciente, bem ta em uma relação diádlca médico-paciente,
xas variam entre as diversas enfermarias e ser· tória pregres.~a de transtorno meptal são ou~ - . como a variedade de situações "diagnosticadas" como a que ocorre no consultório. Há o papel
viços do hospital, tendendo a crescer à medida t:ras situações clínicas comuns nas' quais o psi- em uma interconsulta. Em muitos capítulos da enfermagem e dos 01.1ttos profissionais da
que a ação da interconsulta é reconhecida como quiatra é chamado para atuar. . . deste livro são abordadas questões relativas ·ao área da saúde, de médicos e estudantes em trei·
importante e eficaz. ConsideráveltJarce!a dos pacientes apre- diagnóstico dos quadros mentais observados e
namento, há as regras as rotinas da institui·
A maior parte das interconsultas é soliçi- senta reações de ajustamento à condição de no-hospital geral. O Capítulo 2 tiaz uma visão ção. A elucidação dos componentes desse mo·
tada pelas especialidades da clfnica médicà: · doença e à hospitalização, sendo altàs, tam- geral sobre morbidade psiquiáoica no hospital delo e o entendimento do dinamismo subja-
Alguns estudos revelam maior proporção de bém, as proporções de transtorno depressiyo geral, e o Capítulo 3, sobre reação à doença e cente ao processo de encaminhamento são fun-
mulheres entre os pacientes vistos em intercon- moderado/grave e de quadros· orgânico-cere- à hospitalização. · damentais para o psiquiatra que trabalha no
1

sulta, outros não mostram diferenças entte os brais: 24, 23 e l9o/o ·do total de eJlcanúnha· hospital geral.
sexos. Aproximadamente um terço dos casos-é mentos, respectivament~, no'Hospital das Cli· As cifras da Tabela 5.2 foram baseadas
de pacientes acima de 60 anos. Na m\úoria das nicas da UNlCAMP, o que se aproxima de da· FATORES QUE INFLUENCIAM O em trabalhos realizados no Hospital das Clíni·
vezes, o psiquiatra é chamado para avaliar o dos encontrados em
outros estudos (Magda- ENCAMINHAMENTO AO PSIQUIATRA cas da UNICAMP. Diversos fatpres, disoibuf·
quadro mental do paciente, colaborar no diag· lenoJr.; Botega, 1991). Com freqüência, algu~ dos nos três "filtros", fazem cair uma prevalên·.
nóstico diferencial entre etiologia orgâtúca ou mas dessas condições são subdlagnosticadas, A partir de vários ~studos realizados na cia de 300 a 450 casos psiquiátricos por mil
psíquica, atender a caso~ de tentativ~ ~e suid· nq~damente quando o paciente deprimido não atenção primária, Goldberg e Huxley (1980) internações para 20 interconsultas realizadas.·
propuseram um esquema, que se tomou clás· Isso quer diz.er que, em todo o hospital, ape-
sico, para representar o processo pelo qual pes- nas um em cada 18 pacientes internados que·
soas da comunidade chegam aos serviços de seriam "casos" psiquiáoicos é visto pela psiquí-'.
Tabela 5.1 atria. bbserve que muito raramente é necessá· '
Estudos nacionais sobre lnterconsulta psiquiátrica com pacien.tes internados em hospitais ~erais psiquiaoia (Figura 5.1). São descritos vários
rlo transferir um paciente, atendido em inter·
níveis de atendimento pelos quals o paciente
passa, à medida que alguns "filtros" de seleção consulta, para a enfennaria de psiquiatria, o.
vão sendo vencidos. Em cada um deles, agem que ocorre em, aproximadamente, 5% dos ca·
fdtores relacionados às características do indi· sos (Magdaleno Jr.; Botega, 1991). Fatores
Local
Perlodo
I HC Botuçatu
2 ano$ I
HCSãoPaulo
1ano
I
I HC campinas
1 ano I HC Botuc.1tü
6. mese5
·1· ~t>sp.. do Cãrcer (SPI
1 ano
vfduo, das pessoas que vivem a seu lado e de
seu médico geral. Como enfatizado pelos au-
relacionados ao baixo reconhecimento de trans·
tomos mentais (filtro 1) são abordados no Ca-.
.tores, é interessante observar que os fatores pítulo 2, sobre morbidade psiquiátrica no hos-
~~:
Número do que reduzem a prevalência de 230 casos psi· pital geral.
interconsultas I t31 I 339 I 191 I 47 I 412 Os fatores que atuam na decisão do rné·
•' quiáoicos no consultório do médico geral (ní-
Taxada vel2 da Figura $.1) para 17 encaminhamen- dico de encaminhar um paciente ao psiquiatra
0,5% 1,1% 2;1Yo 1,6% 5% .
encaminhamento tos ao psiquiatra (IÚvel 4) operam dentro do (filtro 2, na Tabela 5.2) serão aqui divididos
Principais neurose/reação psicom reações de transtornO sem em três grupos; ·
diagnóstico consultório do médico geral.
diagnósticos vívencial orgânicas ajusiamento mental
orgânico Com adaptações, esse modelo também
psiquiátricos 1'1 anormal transitórias
pode ser aplicado ao contexto do hospital ge·
Fatores relacion·ad os a condições .
·.\Ú'
alcoonsmo/
delirium
oligofrenia psicoses
orgânicas
transtornos
devi<kls
ao uso dó
I transtorno
do humor ral, ambiente no qual a detecção de ttanstor-
nos mentais e o encaminhamento ao psiquia- sociodemográficas eclínicas do pacie~te
~1~:~.·· álcool tra ganham nova complexidade (Tabela 5.2).
olf·•. '
r~:.
Um estudo realizado na Enfermaria Geral de Cert;as características sociodemográficas
quadros reaÇão de transtornos transtorno transtornr:>~
~~'!
~
.~1ultos do Hospital ·das Clínica$ d;> UNICA.MP, parecem favorecer encaminhamentos ao psi-
d orgânicos ajustamento neuróticos depressivo neuróticos!
r
~:(
~~! cerebrais
reação exógena
depressiva
\ranstornos da transtonov~ da transtorno de
somatck,·~ ....~s

trans :e;;.-•., iMntal


por :::,'"'TlPlo, verificou que a interc:onsulta psí-
,.,~Hc. ,. tvi solicitada para um ern cada sete
pademes detectados como "caso~ r~:quiátricos"
quiatra: pacientes pen:encent<~~ :o das;;e.~ sociab1
mais altas, de meia-idade, ~':'lmeltS de nívê.i .;·J u-
cacional elevado com oc·up:,çGe~ pow:f• •;alol'i· r
~-·.... .
! aguda íJi!rsonal!d~d~ 1 pe•>vr·~lidade
ansiedade orgânico
~
li;!
...-~4---- . . --.. . . ____._. _.
-~
por instrUmentos padronizados de pesquisa
(Botega e cols., 1995).
zadas .;ocialmen.t~ (Upow$ki. l ?67), pad2nte~; ·
jovens {Kessel; Shept.ud, i. :,;;~2: Hopkins:
;::·.... (') Re>!:-citadas as denominações dadas pelos autores ·,,
'·.
"'l'.
78 !
NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.)
I PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAl GERAL 79

~ '
Comunidade
nfvel1
morbidade
psiquiátrica na
Atenção primária
nfvel2
morbidade
nfve! 3
casos
psiqulátriça no detectados
Serviços psiql.liátricos
nfve14
casos
encaminhados
· nfvel5 .

pacientes
Ir. Tabela 5.Z
Adaptação do esquema p~oposto por Go!dberg e Huxley (19801 ao hospital geral

comunidade consultório pelo médico ao psiquiatra internados


Prevalência
mét!ia por 250 ~ 230 ~ 140 ~ 17 ~ 6 !
1.000 por ano Morbidade psiqulétrlc.a
FILTRO 1 FIL'TRO 2 RLTRÓ 3 FILTR04 em pacientes internados 300·450
·no hospUal geral
filtros

lndivlduo-ellave
comportamento
do paciente
Paciente
dettll:çáo do
transtorno
Médico
encaminhamento
ao pslqu latra
Médico
internação
psiquiátrica
Psiquiatra
j I
0Blei:ÇâO de
· um transtorno mental
Morbidade psiquiátrica
FiltorH Influenciando tipo e gravidade técnica de capacidade disponibilidade reconhecida pelo 100·250
o individuo-chave dos sintomas entrevista para lidar deleito_S \_
médico assistente
estresse
psicossocial

atitude
em relaçao
·.
personaUdade disponibilidade disponibilidade
..
trejnamento o
atitudes
de psiquiatras · de tratamento

' atitude
emr?layão
a!ter~ ativo
· ··disponibnidade
de rede de Pacientes ençamlnhados
l li'
Encaminhamento ao
psiquiatra

à doença ao psiqUiatra apolo social para lnterconsulta 20


Outros fator&5 atitude da padrão dos . padrão dos padrão dos psiquiátrica

' .
famllia
.'sintomas
disponibilidade caracterlsticas
sintomas
atitudes do
de.médicos sociodemográficas paciente e

ac8$$o a serviços
sintomas e riscos
atitudes do
psiquiatra
dos familiares
Pacientes transferidos
l 111
Transferência para a
enfermaria de psiquiatria

para a enfermaria de
médicos p~iqviatria
FIGURA 5,1 Nfveis de atenção e filtros que condicionam a detecção eo encaminhamento de tr~nstornos mentais-ao
psiquiatra, segundo Goldberg e Huxley (1980), · l'l Freqüências sej~undo estudos realizados no HC UNICAMP.

Cooper, 1969) e de sexo masculino (Hopkins; podem estar Jig~das a diferenÇas.I:!à distribui- diferenças sigruficativas quanto a idade, sexo, freqüência com que encaminhavam ao psiqul· ·
Cooper, 1969). Freqüentemente, os enca.minlur- ção de certas categorias diagnósticas.~ntre as .estado civil, ocupação, local de nascimento ou atra vários "problemas" psiquiátricos. A lista
mentos de pacientes mais jovens podem estar diversas faixas etárias. Por exemplo, em um nível de instrução entre o grupo de pessoas de "problemas'' baseou·se na compllação dos ·
llgados ao fato de serem efetuados por médi- hospital inglês, a baixa taxa de encaminhamen· encaminhadas a9 psiquiatra e o grupo não-en· termos psiquiátricos mais freqüentemente en· .
cos que são, em sua maioria, igualmente jo- to de mulheres idosas pareceu dever-se à gran- caminhado (Rawnsley; Loudon, 1962). Acha· contrados em um levantamento de cartas de
vens (Schwab; Brown, 1986; Thratp, 1985). de proporção de distúrbios orgânico-cerebrais dos como esses alertam sobre o risco de se afir- encaminhamento ao nosso ambulat6rio e ser· ·
Taxas de encaminhamento proporcipnal· e à ausêncià de tentativas de suicídio nessa fai- mar que uma característica sociodemográfica viço de lnterconsuJta. Posteriormente, investi·.
mente mais baixas de pacientes idosos, ylúvos
e pertencentes a minorias raciais (negros e la-
xa etária. Por outro lado, houve mult.os enca-
núnhame~tos de homens, um grupo· no qual
em particular possa atuar de
modo indepen- gou-se o s~ntido dado pelos médicos a alguns ·
dente na decisão do médico de encaminhar ou desses termos (Botega, 1989; Botega e cols.,
tino-americanos) foram encontradas em um 28% dos casos eram de transtornos da perso- não um paciente ao psiquiatra. 1992). i . .
hospital norte-americano. Os autores do estu- nalidade, dos quais metad~ havia tentado sui- Os ene<Ullinhamentos dão-se segundo o Os médicos parecem mais propensos a
do lembram queos médicos em treinamento cídio. A análise dos dados, 'controlando as vá- problema clínico e a capacidade técnica e encaminhar problemas psiquiátricos menos fre·
nesse local eram, em grande parte, brancos e rias· categorias diagn6sticas, notadamente as afetiva do médico em manejá-lo. A Tabela 5.3 qüentes ~pacientes de manejo mais difícil, cujo ·
anglo-saxões, o que pode ter gerado dificulda- tentativas de suicídio, reduziu as diferenças contém resultadps de um estudo que realiza- comportamento implica riscos para si ou para
de no estabelecimento de rapport com pacien· entre as taxas de encaminhamento nas diver- mos com 50 médicos. do Hospital das Clínicas outros, como psicoses funcionais e tentativas
' tes de diferentes raças e culturaS (Bustamente; sas faixas etárias pa:ra um túvel estatisticamente da UNlCAMP, sorteados entre algwnas especia- de suiddio. O relativo conlienso 'que podemos
Ford, 1981). não-significante (Prltchard,. 1972). lidades clínicas e cirúrgicas, a fim de avaliar encontrar quanto à importância de um d~g­
Ao estudar o efeito da idade nas taXas de Em outro estudo, controlando-se as mes- suas atitudes em relação ao encaminhamento nóstico de psicose ou de tentativa de suiddio,
h encaminhamento; observou-se que as variações mas variáveis, também não se encontraram ao psiquiatra. Solicitou-se que assinalassem a no sentido de desencadear encaminhamentos,
~·:
_,
80 NEURY JOSÉ BOTEGA {ORG.I PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL ~.n:

Tabela 5.3 interferem na rotina da equipe assistencial, é de uma cidade norte-americana filiados a urna
Respostas (em porçe'ntagem) de uma amoS1nl de 50 médicos de especialidades clinicas e cirúrgiças do HC um fator que pesa no encaminhamento. O pa· sociedade que premia os "encaminhadores"
UNICAMP quanto ao encaminhamento de diversos Mproblemas psiquiátricos" ciente deprimido, mais calado, de comporta· com jantares, descontos em compras, etc, Re·
mento discreto, chama menos a atenção de latam, ainda, casos em que pacientes proces-
médicos e enfenneiros; será diferente se ele sam o médico que os encaminhou, bem como
manifestar idéias de suicídio e dependência ex- o especialista indicado, quando o tratamento
cessiva ou negar-se a continuar o tratamento. recomendado não surte efeito ou acaba sendo
-
o
Que tentam o $Uicldio 8 86 Pacientes encaminhados ao psiquiatra em ge- prejudicial (vide noção de culpa in eligendo,
PsltóticOi agudos
Psicóticos crônicos
-
10
12
8
84
80.
ral manifestam mais abertamente sua ansie-
dade, usam menos mecanismos de negação, ex-
no Capítulo 34, sobre aspectos éticos e legais).
Para os advogados, resta' a tarefa de "centrar
......... pressam mais desejo de receber ajuda e têm
Dependentes de drogas 22 26 48 fogon naquele médico que estiver mais bem am-
Depressivos 32 .. 38 26 mais capacidade de comunicar suas dificulda· parado por uma apólice de seguro.
Histéricos 32 26 36 des' em tennos psicológicos. Outro fator relaciona-se à disponibilir:Ja.
Com frigidez 38 28 28 de de serviços psiquiátricos, bem como à ma·
Com Impotência 42 28 \22 neira como estes se inserem na assistência mé-
Agressivos 46 22 24 Fatoras i'e!acie~adas ac meio socilil dica geral. Em nosso país, a inexistência ou a
Alcoólatras 46 .• 20 26
Terminais 62 24 10 eaos SIU11iÇfi5 máilh:os insuficiência de recursos extramuros de aten-
Com déficit mental 68 10 16 ção psiquiátrica, aliada à carência econômica
Com distúrbios funcionais 70 22 6 Há uma. e5pécie de pressão social que in· de muitas pessoas que buscam atendimento
Ansiosos 76 16 6 terfere na decisão de encaminhar alguém ao médico na rede pública, freqUentemente de-
Po~queixosos 80. 12 4 psiquiatra: pressão de familiares e do pacien· sencadeia encaminhamentos. Acometidas ou
Oue não colaboram 86 8 2 te, diminuição ·da capacidade de trabalho do não por algum transtorno· mental grave, es·
com o tratamento médico, problemas sociais e transtornos da con- sas pessoas são dirigidas ao psiquiatra, muf·
tas vezes visando-se a uma internação, com a
... duta. Assim, alguns médicos são influenciados
pelas "deixas" dos familiares ou do paciente desnecessária "psiquiatrização" e o risco de
em relação· ao encaminhamento. A decisão fi- cronlficação. Fecha-se, assim, um conhecido
contrasta com a tendência dos médicos a man· co a encaminhar o pacíel).te ao psiquiatra
caria, então, dependente das atitudes preva- círculo vicioso da atenção psiquiátrica em nos·
terem consigo grande parte dos pacientes com (Piitcllard, 1972; Fauman, 1981). Como exem· so meio.
transtornos neuróticos (notadamente ansieda· plq.'dessa condição, poderíamos citar um 'pa· l,entes na população em relação a certas doen-
de) e com distúrbios funcionais (Pritchard, den;e'demendado, com agitação psicomotora. ças e comportamentos, aos'médicos em gell!l e Vários autores relatam awnf\!nto no nú-
1972; Hul~ 1979; Fauman, 1983). Talvez, em casos nos quais. a fisiologia cerebral ao psiquiatra em particular (Kaeser; Cooper, mero de encaminhamentos após a estruturação
1971; Ludke, 1982). · de serviços psiquiátricos que se integram, de
Casos ele ansiedade podem ser encarados · encontra-se .afetada, o médico assuma a totali-
fato, na as~lstência, mantendo uma posição de
como secundários a problemas físicos, sendo dad~'do trata..n'iento, por não estar convencido É com\\m, por exemplo, algw1s pacientes
ligarem o psiquiatra a uma imagem de ''mé· abertura e cooperação com outros profissionaw'
manejados com tranqililizantes. A baixa inten· dà ajuda que o psiquiatra.poderia prestar. No
dico de lQuco", e isso muitas vezes dificulta o da saúde (Lipowskl, 1983; Mello Filho, 1983), ·
ção de encaminhamento de pacientes depen- entanto, é muito freqüente que, no hospital
. encaminhamento. Alguns médicos sugerem que No caso das imerconsultas, o número de pedi· ·
dentes de álcool poderia estar relacionada ao ger.al, sejam encaminhados ao psiquiatra pa-
a aceitação. do ericalllii$amento a um profis- dos dependerá da imagem que esse serviço tem .
fato de esses pacientes comumente negarem cientes ,cujos transtornos comportamentais ori·
sional de saúde mental é fadUtada quando se no hospital. Isso se relaciona com sua capacJ.
sua condição e a necessidade de ajuda psiquiá- ginam-se em um problema orgânico, o qual não
dade de responder rapidamente e com eflclên·
trica. Isso, aliado ao descrédito de alguns me· foi detectado pelo médico. · fala em psicólogo. A id~ia de que este último
cia, ao longo do tempo, às solicitações dos ·
dicos em relação a tratamentos psiquiátricos, Tem maior probabilidade de ser encami· cliidaria de problemas. ~'mais simples" é mani-
festada por muitos pacientes e igualmente as- médicos da' instituição.
poderia desfavorecer a indicação. A mesma or· nhado ao psiquiatr.a alguém que traz uma his-
dem de resisçências aplica-se aos casos de pa· tória de piora ein uma doença crônica e vida sumida por alguns médicos (Botega, 1989).
cientes "com·distúrbios funcionais" e "poliquei· familiar insatisfatória; também aquele que tem Fatores baseados em questões econômi·
xo~os". No entanto, talvez devido à freqüência antecedente de intem;~ção psiquiátrica, ainda éas e de merchandi.se podem limitar ou favore- f!iinres r5lat:inns~os ans médlc!!s
deste último grupo no dia-a-dia do médico, bem que se apresente em boas condições mentais. cer o encaminhamento. Muitos ·planos de as-
como às dificuldades encontradas para manejá- Talvez, nesse caso, o médico tenha receio de sistência médica restringem a cobertura a tra- Idade, gênero, personalidade, especíali·
• los, muitos acabam sendo encaminhados ao que o. paciente possa "agitar na enfennaria" camenr<:'S osiçoretá;.m:ns e internações psiquiá- dade, característi<:as do treinamento e da pnl··
ambulatório de psiquiatria. (Schwao e cols., 1965). trica~ •: ! ·: Juzir o .run1ero de ~:onsuims com o tica pmfissional são alguns dos fawres concer·
A~'!'edita·se que, quanto mais uma altera- Sabe-se, também, que, denr·m ele uma psiqui<:tr;... Há, nu;l!.,h'n, os "estímulo::" ao en- nentes à pessoa do médico que p<:·dem inte.ofe· ·
\~o org:tnica possa justificar uma alteração de mesmo C<! regoria diagnóstica, o grau de exterio· t:<~mirJh,., ,-!lCnto: Sc.h<lf!i:r e Hollomao :) 985) Ci· rir r;o ;;cconhedmento de transtc •rno; psiqf.tiá-
(;Vf!'lpoctamenlo, menor u propensão do médi· rização dos sintomas, principalmente dos que tam o exemplo de um grup~ de especialistas uicos e na decisão de encamin.h'l' c:m r•(l·~ienr,~
'' 82 NEURY JOSÉ BOTEGA {ORG.)
PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 8~
ao psiquiatta. Cada médico teria um "limiar serviço de lnterconsulta. AlgU.mas críticas mais
'· de encaminhamento" diferente, ou seja, wn IÚ· comumente levantadas são ·(Botega, 1989): Um estUdo reali2:ado com 106 médicos quiatta variam, compreensivelmente, em cada ·
vel pessoal de tolerância, a partir do qual o ingleses, a fim de identificar as razões para não sujeito, região e tipo de serviço.
est:!mulo da situação cl!nica desencadearia o 1. A atuação do psiquiatra muitas, vezes se encaminhar um paciente ao psiquiatra De qualquer ffillJ!eira, o que os médicos
encaminhamento. Esse limiar é influenciado reforça.uma cisão mente-corpo:·, (Mezey; Kellet, 1971), demonstrou que 45% expressam pode ser tomado como um referen·
pelo tipo de formação recebida pelo médico, 2. Os psiquiatras são muito .teóricos. dos médicos acreditavam que "o paciente não cial na tentativa de diminuirmos a distância
por sua exper:,iência pela tolerância à incerte- Formulam "belos diagnósticos~, mas gostaria de ser encaminhado". As razões seguin· entre o que se espera e o que, efetivamente,
:~:a, por seu sens.o de autonomia e Interesse por . ~em muito pouco pelos pacientes. tes referiram-se às "desvantagens de um pa- pode ser realizado pelo psiquiatra no hospital
aspectos psicológicos da prática médica 3. O tratamento psiquiátrico demonstra ciente ser rotulaao como caso psiquiátrico" geral. Com uma citação bem·humorada do Dr.
(Mendelson; Meyer, 1961; Cummins; Jarman; · baixa resolutividade. Além de interna· (21%), à ''falta de serviços psiquiátricos facil- Lipsitt, Krakowski (197~, p.244) procura de·
Whlte, 1981).: ções e medicamentos, não se ofere· mente disponíy~!.~:.~ (20%), ao "sentimento de fender seus colegas psiquiatras de algtlmas crí·
Os médicos jovens, segundo alguns tra- cem soluçõe~ para problemas leves e qu~ o tratamento de pacientes neuróticos é tlcas que lhes são dirigidas, ao mesmo tempo
balhos, parecem reconhecer e encaminhar cdm moderados que o médico atende em tw:efa de qualquer médico" (19%) e à "falta de em que dá conselhos valiosos:
mais freqüênçia os problemas psiquiátricos, seu dia·a·dia. uma relação satisfatória com o psiquiatra"
embora também sejam mais veementes em suas 4. O acesso é difícil. O. psiquiatra deve- (18%). Em oposição, a quase totalidade dos
[0 interconsultor) deve, freqüentemente, es.
queixas de falta de um contato satisfatório cofu ria estar mais disponível diante do 93 médicos norte-americanos entrevistados em
perar pacientemente que os outros reconhe·
o psiquiatra (Mowbray e cols., 1961; Mezey; "caráter de urgência" de.'muitos en·. outro estudo (Hull, 1979) concordou com a çam problemas que ele já percebeu antes que
Kellet, 1971). · caminhamentos. . proposição de que "nos últimos tempos os pa- pudesse oferecer assistência; ele deve ser ca·
A freqüência e o tipo de encaminhamen- '5. O paclehte é visto uma ou duas vezes dentes estão menos preocupados ou temera· paz de tolerar abuso verbal e rejeição de um
to parecem diferir entre as diversas especiali- pela interconsulta e não é mais acom· sos diante da'Sugestão de procurarem um psi· pacieme que, de inicio,. não havia requisitado
quiatra", afinnando que "não hesitariam no en· seus· serviços, uma vez que ele é considerado
dades médicas. Cl.fnicos e cirurgiões geralmente panbado. um agente do médico, e não 4o paciente; d~ve
são tomados como.paradigmas. Os primeiros; 6. O psiquiatra usa medicamentos em caminhamento por julgar desvantajoso o rótu·
·lo psiquiátricQ, recebido pelo paciente". saber como admitit C?IJ\ delicadeza que ele.
dispondo-se mais a tratar transtornos psiquiá- demasia. comumente te!ll pouco ou nada a ofer!lcer;
tricos, como depressão, ansiedade e transtor· 7. Não informa sobre o resultado de sua : Um estudo realizado nos Estados Unidos deve evitar a tentação narclsísta de ter um
nos funcionais, valorizam e solicitam mais avaliação e sobre a evolução dos pa· · · .avaliou casos considerados pela enfermagem desempenho mágico, ou de que ele sabe tra-
interconsultas (Fauman, 1981, 1983; Millan e cientes a ele encaminhados. Seu si· · · · .como problemáticos sob o ponto de vista psi· tar melhor o paciente do que o médico assis-
cols., 1986). Cirurgiões, quando pesquisados, lêncio é visto como arrogância e des· cológico, para. os quais os médicos assistentes rente; deve ter suficiente flexibilidade para ai·
reportam menor freqüência de depressão, compromisso. ' não haviam solicitado interconsulta psiquiátri- terar sua postura de acordo com as necessida·
ca. Após entrevista com esses médicos, apu· des da situação, sem comprometer suas habl·
slndrome orgânico-cerebral e transtornos psi· 8. Usa uma linguagem hermética. Os lidades ou contribuiçpes, e deve prontamente
cossomáticos entre seus pacientes. Diferente ·médicos não vêem o psiquiatra esfor· • ·,. rou-se que, em 60% dos casos, a interconsulta
não foi solicitada porque os sintomas mentais reconhecer que, às vezes, algumas das piores
dos clínicos, tendem a não considerar casos de çando-se para $e comunicar livre de coisas que seus colegas não-psiquiatras dizem
agitação pskomotora como emergência psi• jargão e de rebuscamento teórico. · ' · foram negados ou m!nimizados, ou por não se a seu respeito podem ser verdadeiras.
quiátrica. Por outro lado, situações em que o 9.' Referindo-se à pr,aticá··p!jvada, mui· acreditar no benefício da intervenção psiquiá- ç ·:

paciente não adere às regras hospitalares são tos reclamaram. dos preços -das psico· trica. Em uqt' quarto dos casos, houve um te-
.mor de que a intervenção do psiquiatra gera- A revisão dos estudos sobre fatores que
vistas como emergenciais (Fauman, 1981). terapias, o que impede o encaminha· influenciim o encaminhamento ao psiquiatra
Com a aproximação da psiquiatria da prá· menta .. ria complicaÇõe~, ao aborrecer o paciente e
dificultar sua ·reltjção posterior com o médico sugere que liá uma combinação de diversas
tica médica geral, as opiniões e os interesses condições pessoais e sociais que exercem ações
dos médicos em relação a imagem, prática e Outras resistências ao encaminhamento (Steinberg; Torem; Saravay, 1980).
A ma·neira como o psiquiatra é visto por variáveis em cada situação de encon(:ro entre
ideologia do psiquiatra passaram a ser sonda· incluem a descrença dos médicos em relação médicos e pacientes. A riqueza desse dinamis-
dos com muito empenho. Isso porque se acre· aos tratamentos psiquiátricos e o re~eio de que seus colegas. de outras especialidades também
tem alguma influência. Os médicos, em geral, mo desac~nselha conclüsões reducionistas e
dita que é por influência dessa imagem que o a proposta de co.nsulta com o psiquiatra pro· abre espaço para uma visão compreensiva dos
médico faz.uma seleção de novas mensagens voque complicações, quer ofendendo o pacien· não têm uma representação·única da imagem
do psiquiatra, senão múltiplas representações encaminhárnentos ao psiquiatra, assunto abor-
(inputs), cOntrolando o processo de percepção te e seus familiares, quer.dificultando, posteri· dado no capítulo seguinte.
e interpretação de informações e, segundo suas onnente, a relação médico-paciente. Resulta· fragmentárias que correspondem a tantas ou·
exP.ectativas, tomando sua decisão em relação dos semelhantes a esses foram descritos por tras facetas do 'psiquiatra, relativas a sua práti-
a um problema clmico (Escande, 1979). outros autores (Shepherd e cols., 1966; Mezey; ca, sua eficácia, sua$ modalidades de comuni-
Independentemente de sua significação, Kellet, 1971 i Fahy; O'Rourke; Wilson-Davis, cação, terapêutiéa e instituições. É difícil de- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAs ~
........
as críticas feitas com mais freqüência em rela- 1974; Ayuso Gutierrez; Calvé, 1976; Escande, terminar de que psiquiatra falam, em uma mis·
tu~a de imagens do antigo e do novo, mesclan- ANDREOU, P.B.A. Avaliação dos programas ll$Sis·
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hiterconsulta psiquiátrica:
I,

visão psicodinâmica
Neury José Botega
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A interconsulta psiquiátrica é um proces· relação que mantinham com a pslquiatl'ia
so que se desenrola em um ambiente matlza· (Botega, Í989). . · ·
do pelo sofrimento e pela esperança, em um
espaço de relações interp7ssoais e de entrecru·
zamento institucional. E condicionada pela ENCAMINHAR
... AD PSIQUIATRA
particularidade de cada situação clínica' e pela
participação de cada pessoa nela envolvida, em No âmbito do hospital geral, a "filosofia"
interação consigo mesma e com os outros. A do que, HO prinCípio, era entendido como·utna .
interconsulta é operada por wn profissional que consulta comum, com a ação orientada para o
possui habili9ades especificas e que adota, para paclentle é.ovolven~o pouco ou nenhum con·
pensar e agir, um referencial teórico predomi· tato com a equipe de saúde, veio passándo por
nante. O desenrolar e o resultado desse pro· transforiri~ções. Ferrari, Luchina e Luchina
,, ... <::esso dependem fortemente da interação que (1977) lembram que a tarefa dos serviços de
se estabelece entre médico assistente, pacien· psiquiatria ~m hospitais gerais orientou·se inl·
te e psiquia'tra. Essa tríade conforma um cam· cialmente' "para fora", fazendo seleção e dis·
po relaciona! influenclaqo por normas insti· oibuiçã?;de pacientes para hospitais psiqwá·
tucionais explícitas e implícitas e por um en· tricos bu por meio de atendimento ambula·
tomo de crençàs, 'sentimentos e atitudes indi· torial. Com a ação da interconsulta, reaUzacla
viduais e coletivas, oriundas estas últimas da segundo uma orientação psicodinmuca, a taie-
fallll1ia e da sociedade como um todo. fa do psiquiatra voltou·se "para dentro" da instl·
Este capítulo considera o encaminha· tuição, aprimorando a assistência af prestada.
mento ao Pl1iquiatra <::omo um processo a s~ Os pedidos de interconsulta aparecem em
compreendido em sua vertente psicodinârnica. situações de conflitos não suficientemente ex-
o estudo dos encaminhamentos dentro de um piidtados, Implicando, em maior ou menor
referencial compreensivo amplia a visão so· grau, o paclente, seu médiéo e a Instituição.
bre vários aspec~os da prática médica., abrin· No campo dinâmico da interconsulta, esses
do um campo de investigação multidisciplinar. aspectos podem ser utilizados pelo consultor
Ao 'longo do capítulo, são transcritos trechos como instrumento de avali~~o e de orienta·

-
de entrevistas realizadas com 50 médicos do ção da ação (Nogueira-Martins, 1984). A for-
HÓspita.l das Clínicas da UNICAMP sobre a mulação de um diagnóstico sltuacional coí1si-
88 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.) . PRÁTICA PS!UUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL ~g.
~· ......

•;
dera a presença tanto de um transtorno psi· infonnações são trazidas espontaneamente pe- lhe passou inadvertido seja descoberto pelo cesso não sair a contento, opaciente poderá
quiátrico quanto de estressares psicossociais, los pacientes ou perscrutadas pelo profissional, psiquiatra e se manifeste de forma trágica mais demandar novos exames e tratamentos ou .ser
dificuldades da relação médico-paciente e as- que, assim, vai formando e confrontando sua tarde. Isso às vezes conduz a uma negação dos encaminhado a um especialista para avaliação
pectos da instituição que interferem na assis· identidade profissional. Recebendo e fazendo próprios conflitos e a wna.minimlzação da pro- mais sofisticada. O médico, por sua vez, espe.
tência aos enfermos. · · encaminhamentos, o profissional da saúde ·C!e· blemática psicológica dos pacientes. ra que seu paciente se comporte como tal, te-
As sit\lações que desencadeiam a inter· fine o que quer e aquilo que pode (suporta) Outra condição peculiar relaciona-se ao nha um problema que possa ser diagnostica·
consulta tratem, também, elementos da orga- tratar. receio do médico de que paciente e familiares do, para o quai ele conheça um tratamento que
nltação da equipe de profissionais e da insti· O que -acontece em relação' aos encami- reajam de forma negativa à indicação de uma se mostre eficaz.
tuição que interferem sobremaneira na tarefa nhamentos a profissionais da saúde mental? avaliação psiquiátrica. A suposta objeção por Quando o que acon~ece em uma consulta
assistencial. Quando chega a uma enfennaria, Há diferenças consideráveis entre o encaminha· parte de paciente e familiares leva alguns mé· foge dessas expectativa~; desencadeia-se uma
o psiquiatra passa a ser um observador partiçi· mente de pacientes a esses profissionais e o dicos a encaminharem ao neurologista; ou ao······ crise de confiança na relação médico-paclen·
pante do que está acontecendo entte as pessQ· encaminhamento a especialistas de outras psiquiatra, mas se referindo a este como "neu· te: ou o paciente e seus familiares passam a ter
as pertencentes a wn grupo operacional, ein áreas? Parece que sim. Como sugerido por rologista". É comum, também, na prática dúvidas sobre a capacidade do médico, ou este
que o paciente é a figura centtal, Pode-se d~· Ferrari, Luchina e Luchina (1 ~77), entre o mé· institucional, atender pacientes que se surpre· sente que não pode, sozinho, ajudar seu pa·
tectar uma série de mecanismos psicológicos dico que encaminha e o psiquiatra intercon· endem quando nos identificamos como psiqui· ciente. Tomado tanto por certo grau de incer·
subjacentes ao funcionamento dos grupos. Por sultor geralmente ex·istem importantes e subs· atras. Seu médico não lhes havia dito isso. Não teza quanto por um sentido de responsabU!da·
melo da lnterconsulta pode-se, também, faier tanciais diferenças quanto á critérios de saú· nos alongaremos aqui nas nuances da relação de pelo paciente, o médico pode, então, ded-
uma leitura analítica da instituiÇl.o: ~~cada de, id~ologia, linguagem técnica, modelo de entre o médico assistente e o interconsultor, dir-se pelo encaminhamento a um especialis·
interconsulta é uma verdadeira radiografia ação e objetivos. pois o tema f·abordado especialmente no .Ca· ta. Entenc;lido assim, o encamin:hamento surge
institucional, que revela aspectos não·explici· Os especialistas não-pertencentes à área pitulo 8. a partir desse caráter transacional, cristalizan·
tados de seu funcionamento e organização" de saúde mental têm seu limite de ação restri· De fato, quando um·paclente é encami· do uma série de trocas empreendidas entre os
(Ferrari; Luchina; Luchina, 1979). to a um campo técnico, em geral sem exceder nhado ao psiquiatra, supqsta~ente já está de- elementos participantes d'O encontro médico·
Os encaminhamentos entre profissionais a competência particular e específica da espe- finido um "caso psiquiátrieo';. Mas lembremos paciente: ·
da saúde fazem parte de um contínuo fluxo de cialidade. O psiquiatta ou o psicólogo, ao con· que a definição de quem é. S$ldio e de quem é . .
pacientes para dentro e para fora da vida de trário, colocam sob avaliação a própria rela- doente envolve muitas .aJ;nbigüidades e é algo Tem paciente que é chato, que não acredita,
um médico. Independentemente dos aspectos . ção que se estabelece entte o médico e seu ativamente negociado entre médico e pacien· que questiona. Acha que {a gente] é aluno, que
clínicos envolvidos, preenchem propósitOS SO• paciente. Isso porque wna avaliação psicológi- te dentro de vários coi}textos: cultural, eco· tá enrolando ... o paciente acha que a gente tá
• ciais e psicológicos. Sob um ponto de vista an- ca cabal não pode omitir nenhuma das rela· nõmico, familiar e Institucional. Meyer e Men· enrolando~ mesmo quando. t~ maior .~cu lo.
tropológico, a totalidade do processo de enca· ções importantes do paciehte, incluída a que ·delson (1961), por exemPlo, referem-se a uma Até complica, fica oiJ:lanl;lo. como é?! .
mlnhamento poderia ser concebida como um mantém com seu médico. Esse tipo de ameaça "subcultura" presente em. éáda enfermaria de Depende do que a gente s~nte. Tem pac1enres
ritual de cura que se tomou parte integrant~ sentida pelo profissional que encaminha, até hospital geral que exerce uma ação fundamen· que confiam em você, Entao .dá pra g:~ce ten·
de nossa cultura. A opinião de um especi~Usta certó ponto, encontra-se present~ em todo en· a1 d fi · " ' . tar conversar e traballiar aqudo tranqUIIamen-
t na e 1mçao dos casos~ serem encanu~a· te. Mas às vezes não tem condições ...
notável é rodeada por expectativas de parte caminhamento, independehtemente, da espe· dos. O "anormal", pom.nto, deve ser avahado • ~
do médico que encaminha e de parte do pacien- cialidade. Mas· em nenhlima esfera reveste-se nessa relação estabelecida entre diversos fato- Às ve~es parece que.eles nao estao confiando,
· . " . acreditando no méd1co. Querem fa:z;er exames
te e de seus familiares. Conseguir a consulta, de tanta unportância como no campo psiquiá- re~: e" o d1agnós~co de IJ.;? ~aso encru~unha· de sangue, já foram vária::; vezes a outros mé·
deslocar-se, pagar honorários, ser examinado trico (Balint, 1973; Knobel, 1986). Por isso, não do ~ao d:ve se ll,mitar.ao paaente-caso , deve dicos, muito pesquisados. Ficam sem acredi·
por essa pessoa tão idealizada, tudo isso pode raramente, a necessidade da avaliação do psi· ser Sltua.ctona.!. tar mesmo que a problemática é emocional,
equivaler a um esforço de peregrinação em quiatra pode provocar feações de desconfian· As vezes a gen·te ctá alta, mesmo: "procure o
busca da cura. Visto assim, o encaminhamento ça e hostilidade, de forma franca ou velada: ambulatório só se for realmente preciso! .. ' ·
ao especialista atenderia a um propósito so- Oencami~lmmento slí!bfl~ado
éiocultural, independentemente dos aspectos Confio muito"[nos psiquiatras daqui]. PQr ou- De início, os médicos evitam encaminhar
racionais nele envolvidos (Kiev, 1971). tro lado, a gente tem visto que os psiquiatras A relação médico-paciente é sempre e in- seus pacientes a outros profissionais. Há pelo
Para os profissionais da área de saúde, .. enc:ontra,m problemas ·demais... Opa! Não sei .variavelmente. o resultado -de um compromis· menos duas razões pessoais para tamo:
~se movimento de pacientes é imPQrtimte na. se isso existe, ou tá na cabeça do profissional! so entre as "ofertas" e eldgências do paciente e
estruturação de wn sentido de identidade pro· as respostas do. médico (Balint, 1973). Quan- 1. ' A própria existência de uma especia·
fissional e no desenvolvimento de defesas con- Entre as várias resistências ao encaminha· do é atendido por um médico, o paciente espe- lidade implica perda de capacidade
tra a ansiedade. Ao atender um paciente que mento, pode haver, ainda, o temor do médico ra ser acolhiao e examinado, ser infonnado de funcionamento no campo profis·
lhe foi encaminhado, o profissional recebe in· de ser tomado como incompetente, por não sqbre o que se passa com ele e, dep~is disso, sional e um abalo.no desejo do médi·
formações quanto ao que seu colega comen· resolver casos corriqueiros de transtornos emo· receber um tratamento que resolva ou ameni- co de propiciar cura integral a EJUS
tou sobre seu trabalho, sobre sua pessoa. Essas cionais, ou o temor de que algo orgânico que ze seus problemas. Se algum passo desse pro- pacientes. Aléll) do mais, enquanto o <:
I
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99 NEUflY JOSÉ BOTEGA (ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAl

·, sucesso auferido no tratamento au· balhar isso, eu tenho muita dificuldade e aca- ção. E eu também. Na segunda ou terceira tomada de decisão em relação à necessidade
menta a realização profissional, a ne- bo encaminhando por causa disso. [,';.} Ou~ consulta, se ela tem um eletrocardiograma do auxilio de um especialista siga um curso
cessidade de encaminhar um pacien- tros que a gente enaunlnha são. aqueles que nonnal, se tem prolapso ... Então eu pergt~nto normal. Algo trazido pelo paciente repercute
acabam te aborrecendo de algwna fonna, por- assim pra moça: "Viu, e em casa ... tudo
te ocorre em situações de incerteza e que diferem muito da sua personalidadé;·per· bem... ?". "É, tudo. bem...". "B os filhos, dão profundamente no médico, que, apressadamen·
, de resultados terapêuticos pobres sonalidade de quem tá atendendo. muito. trabalho?". "É, dão...". ''E o marido ... ? te, procura encaminhar sua angústia e respon-
(Botega; Cassorla, 1991). 'Meu marido é um santo..• t". sabilidade para outro profissional. Automáti-
2. o médico pode tomar a necessidade No encaminhamento elaboraÇlo, médico e Todas falam Isso. Af eu já penso: então tá co, podem ser também os encaminhamentos
de encaminhamento como uma.expe· paciente se'convencem de que é inelhor pedir desgraÇada! "Quer dize.; então, que o marido que respondem a nqnnas inStitucionais, quan·
riência ativa e de crescimento profis- é bão ...?". "É, não deixa faltar nada em casa, do médicos residentes e, internos são pr:essio·
a ajuda de um profissional de saúde mentã.l. trabalhad,ot...". Mas a vida sexual é tenivel.
sional, discriminando a problemática Conversam francamente· sobre isso~ inclusive nados a encamlnhar em resposta a "filosofias"
do paciente de seus próprios senti· Então é trabalhador, geralmente de uma mu.lti· de serviço, a partir das quais se dispensa a re·
sobre seus receios e expectativas. A idéia de nacional, faz umas horas extras, sal do traba·
mentos. Mas também pode vivenciá· encaminhar um, paciente ao psiquiatra pode lho, passa no boteco, toma umas três ou quatro flexão:
"la passivamente, no sentido de sub~ não ocorrer de imediato, em uma primeira con- cacllac;as, em casa bebe mais um pouco e de!·
meter-se a uma imposição e ver-se sulta. 11 algo que vai sendo elaborado, com fre· ta na cama de botina. Sábado vai no "snookl· Quando a coisa tá muito fora de meu conhe·
tomado por insegurança quanto à sua qüêncla de modo· penoso; Isso ?orque a i.mpos· nho", bebe mais ainda... E ela fica lá, né... chnento, do meu controle, Isso me angustia, c '
capacidade e ao seu carisma pesso· Mas hoje o negódo tá multo diferente, pois a minha primeira atitucle, a úhl<:a coisa que
sibilidade de condnuru: atendendo o paciente a mu.l.her vê novela, revista, conversa com a pas.sa na mJnha cabeça, e que eu tento fazer, é
ais. Se possível, não gostapa de Cle· pode vir acompanhada\de uma sensação de
pen(ier de outro profissionâ.l. minha e ela pensa: "Pô, e eu aqui, como é passar a bola pra frente. Isso é típico.
luto, q!le não pode. ser aceita de imediato. No que é o negódo?", Tem muita ansiedade. Tal· A paciente teve um 11taque, me Xingando de
decorrer de sua relação com o paciente, o mé· vez; eu e o psiquiatra possamos ajudá•la no estúpida, grosseira. Foi gozado ver minha de·
O registro de algumas circunstâncias em dico vai tomando consciência de suas limita~ seguinte: mostrando pra ela que ela tem um
geral motiva o encaminhamento ao psiquiatra, sorganização. Chamei a ps!qu.latria, ator,doa·
ç~es !! avaliando mais adequadamente suas problema. Que.àsve~es as pessoas desconhe· da. É difícil pra gente.poder aceitar que vai
ainda que se desconheçam os motivos profun- possi.billdades. Tal elaboração, via de regra, cem isso. (Que nem aquele camarada que vi· ficar cuidando: do problema psicológicQ dela.
dos do mesmo. Os médicos encaminliam quan- veu 30 anos angustiado e depois descobriu que Não aceitava â reação eniocioruü dela...
pa~~ por etapas: espera-se por um termo na
do atingem o limite de sua capacidade técnica, estava angustiado porque não gostava do ser·
jnvest'igação clínica, tenta·se um antidepres· viço. Agora, se o psicólogo falar pra ele sai~ Acho que o encaminhamento em geral, não
quando se angustiam demasiadamente com sivo ôu ansiolítico, procura-se, pelo diálogo, só para a psiquiatria, é um "me livrei", passei
uma situação clínica ou mesmo quando há uma do serviço, ele responde: "Como? Vo1;1 me apo·
influenciar o paciente: ·sentar logo, vou sair do serviço... Vou viver de pra outro ...
ruptura da continência que o próprio ambien· quê... ?'') .. Então, o que pode acontecer com Aqui a gente quase que encaminha sempre [...)
te institucional costuma proporcionar. r · A gente acaba tentando resolver bem rapldi· essa mulher. ..? Larg~ do marido e pegar ou- São automlticamente encaminhados. E. dls·
· A tolerância de um médico ante um pa· ·• . ~· nho, no consultório, com panos quentes, e tro, sei lá ... Mas pode ser que ela não saiba do cutindo com o docente: "Encaminha pra psl· ·
ciente que apresenta um transtorno 4e com· . . . acaba não encaminhando... problema dela, que ela tem um problema ... quiatrla, não dá tempo, não é r~osso assunto
portamento é algo individual. A consulta,psi· Encaminho COJll muità freqüênç:ia. Não digo aqui dentro" ...
quiátrlca tende a ser evitada, pelo menos até o· com exagero. Mas aqueles doentes para quem, Adecisão de pedir ajuda pode, no entan-
ponto em que o paciente perturbe seriamente · · usando do direito e do estilo paternal que o . to, ter sido postergadá ao máximo. Ocorre, É comum a realização de múltiplos enca· ,
seu tratamento ou provoque considerável grau médico tem no consultorio, e de fonna colo- minhamentos, às vezes todos ao mesmo tem·
então, de essa decisão ser.tomada em 1.1m mo·
de incerteza no médico (Mendelson; ~eyer, . .: quial, eu dou Conselhos de regra prática da
mento em que o, médico já atingiu o seu limite po. O paciente sai do consultório com um mon· .
1961). Cada médico teria um "limiar de enca- vida, e isso não provoca uma resposta favorá· te de papeizinhos, tão aturdido quanto o mé·
vel em turt!ssimo pra~o. Invariavelmente, de suportar a angúStia desencadeada por uma
minhamento" Influenciado por vários fatores, situação, Quando toma essa decisão, quer a dico que o atendeu. Nessa conduta, podemos
entre os quais: traços de personalidade, trei- encanúnho. ·
presença urgente do psiquiatra, pois urgente é pensar que há, por pane do médico, 1.1ma ten·.
namento recebido na graduação, experiência, tativa de verdadeira "pulverização" da angús·
O encaminhamento elaborado eXige uma a sua aflição. Comúmente, é difícil delimitar o
tolerância à incerteza, senso de autonomia e tia despeitada pelo atendimento. Encaminha·
·espécie d.~ estraçégia de aproximação. O exem· que mais p~a no caráter de urgência de al·
interesse, sobrecarga de trabalho, conflitos mentos désse tipo geralmente acontecem quan·
·plo seguinte ilustra o que pode acontecer no guns encaminhamentos: o problema do pacien·
pessoais: · do o paciente manifesta várias queixas corpo· .
corisu!t6rlo de um médico· clínico ao longo de . te ou a necessidade do médico (Botega;
Cassorla, 1991). rais. O assim chamado \'poliqueixoso'' pode ter
, Não sei... São aqueles pacientes (os encami- duás ou três consultas: uma do'fnça orgânica e manifestar muitas ou·
• ' ,Ilhados] com quem já tentei conversar por traS queixas, fazendo-o de maneira considera·
uma, duas consultas mais longas... Não me ... ou então, supostamente card{acos, que não
sentindo satisfeita, encaminho. são. São pacientes ansiosos, muito comum
Oencaminhamento automRtici! da exagerada. Outras vezes pode ser, simples-
Eu sempre procurei resolver" as coisas pelo lado mulher, desajuste mattimonial. Não vou mui·
mente, o paciente que não se fixa a uma quei·
mais prático, mais simples, deixando o emo- to a fundo nl.sso••• Mas duas, três consultas, e Nos encaminhamentos "automáticos", pa· xa principal. São indivíduos que ttazem~eus
cional para segundo plano. Então, as pessoas você cllega Já, né?l Na primeira consulta, não: rece ocorrer um "curto-circuito" na relação mé- problemas em uma linguagem corporal ~jo
que rodeiam muito e têm dificuldade de tra• ela quer saber se tem um problema no cora· dico-paciente, impedindo que ·o processo de significado é desconhecido por. quem se quei:-
. . '
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xa e intraduzível por aquele que presta assis-


tência (Botega, 1992):
problemática do paciente, cada médicq elege
o que vai tratar, o que vai eneaminhar. Admitir
f
l transferenciais despertadas pelo contato com
o paciente, as quais podem ser acompanhadas
PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL ®~

para o psiquiatra. A projeção, agora, vai adian-


te, e a angústia é depositada naquele que rece-.
sua impotência ou reconhecer se ó conflito se de sentimento de culpa do médico ante o fato berá o cncamiriharnento. .
... ou então alguém que cê vê que não tem encontra no paciente, em si próprio ou na.insti· de seus exames mais conscientes e apurados Ao comentar sobre esse-caráter projetivo
nada, que tá alando coisas incompatíveis com tuição pode ser tão ameaçador que leva o médi· não propiciarem verdadeira luz sobre as doen- dos encaminhamentos, Bourn~ (1976) sugere
a ,queixa, somatização... co a uma atuação maníaca (no sentido psicana- ças nem alívio para o doente. Às vezes, aconte· que os médicos precisam ter seus pacientes e ·
Veja bem, fuj treinado para ser um médico que ütico), encaminhando compulsivamente. É algo, .. r ce de o médico encaminhar o paciente, guar- sua clientela em geral para representar e con·
trata do orgânico [... ] mas o que gostaria.~e
db;er pra você é que, quando não se identifica
desde logo uma seqüência de eventos que pro-
nesse sentidq, automático, inconsciente,
o relacionamento rejeitado não deixa de ~ i dando a sensação de que este não terá melhor
sorte com o colega:
ter objetos que lhes são essenciais, mas difíceis.
de serem mantidos em seu mundo interno. Pre·
voque na minha mente um racloclnio fi~i9.P.\\Jo- ser uma telação, da qual o encaminhamento cisamos manter nossos Óbjetos ao nosso redor,
. lógico, e desde que o doente, por força das pode surgir como um verdadeiro actíng-out, Muitos desses casos [frigidez] encaminho pra projetados e à distância, talvez, mas precisa·
circunstâncias, dê à sua tranSmissão de quel,· servindo de conduta de descarga, tanto para o gineco. Ao mesmo tempo, sei que eles não vão mos deles ali. A maneira como' um médico dis·
xa uma prolixidade quase estéril, !$$o, vamos médico quanto para o paciente. Afrase segu.in· dar uma solução... ·põe seus pacientes, perto ou longe de si, tem a
db;er assim, grosseiramente, acaba aborrecen- te, de Sarano (1978), parece resumir bem o ver com a estrutura de seu mundo interno e c:! o
do e impede o raclodnio clínico. Eu me pre- sentido de alguns encarn.inham(mtos: ''Cada um mundo que constrói pará si mesmo.
parei para um determinado objei:ivo... se livra como pode e livra o que pode", Alguns Oeucaminhromanao como ~ma ~ambu·reiógio O paciente encaminhado' passa a repre·
É di!!cil, muito difícil. A gente ~empre.:: o autores consideram má ..utillzação do encami- sentar o emissário de uma bomba-relógio car·
médico sempre quer descobrir as eausas. Não nhamento quando é feitO- exclusivamente por- Apesar de sua prática, o médico não se regada de sentimentos muito difíceis de serem
tem por onde começar. .. É angustii!Jtte, fica que o iúvel de tolerância foi excedido, vendo protege totalmente dos sentimentos desperta· mantidos no mundo interno do médico. São,
bloqueado, não consegue fazer mais nada, nessa atitude o resultado de sentimentos de dos pelo atendimento de pacientes que estão geralmente, casos terminais, pacientes subrne·
DIW!a ser obrigatório [sorrindo} ao chegar no em condições graves, sob risco de vid~. Desde tidos a procedimentos altamente invas,ivos,
eonsultório: " queixa principal?" hostilidade e de punição dirigidos ao paciente
(Schwab; Brown, 1986). o início de seus estudos, a morte é dissecada aqueles que não evoluem·segundo a expectati· '
Certos encaminhámentos são antes uma no outro. Quem sabe se já aí não se inicia um va inicial da equipe assistencial. Ou, então, a
Como o paciente não oferece utria priori- processo de dessensíbilização ante um destino
dade ao médico, este.fi<;a bloqueado, angus- atitude de defesa do médico do que, propria· "bomba" é a representação de algo trágico a
mente, uma preocupação com o beneficio que que, afinal, aguarda cada um de nós (Botega e ser revelado para o paciente e os familiares.
tia-se e só consegue ~ér wna profusão de quei- cols., 1997).
xas, geralmente dores, "sem sentido" (vale di- se poderia trazer para o paciente. Nessas con· Tais encaminhamentos nem sempre sig·
dições, o encaminhamento ao psiquiatra pode Por meio de teorias que vai dominando e nificam uma ruptura na relação médico-paci-
zer, sem base orgânica). A apresentação de de todo um processo de fonnação profissional,
vários sintomas coryoraís, com não-fixação a ter, de fato, conotação d~ punição a um paci- ente. Ao contrário, podem significar falta mo-
ente que não se ajustou ao esquema referencial o poder de racionalização do médico é refor- mentânea de condições de continência e refle-
uma queixa principal,'1leva a um ~laqueio do çado, mas isso não o livra da própria morte,
raciocínio clínico, com angústia do médico. Já do médico. Pode funcionat; também, como uma tem a responsabilidade (geralmente com sen·
espécie de confirmação de que "nada poderia nem do medo que a idéia da doença e do mor- timentos de culpa) que o médico e toda a equi-
para o paciente fixado, a queixas corporais, deve . rer pode produzir. Em conversas infonnais, qs
haver algum problema sim, mas como·o _médi· ser feito a ma~ pelo paciente, m~smo". pe assist!encial ~entem em relação ao paciente.
O "livrei-me" do médico pode passar ape- médicos em geral manifestam o temor a certas Em algumas situações, vál.ios pedidos de in·
co não encontrou na?t!• a !'culpa", então, pas- doenças. É de se supor que, além dessas doen-
sa a ser dele, Assim, após o deslocamento de nas por ato de esperteza, livrar-se de àlgo difí- terconsulta são solicitados para o mesmo paci·
seus conflitos para.? espaço corporal, ·projeta· cil e passá-lo para outro profissional, menos ças, <:onsdentemente lembradas, devam exis- ente, por diferentes integrantes da equipe assls·
os no médico. · esperto e mais azarado. Esse tipo de encami· tir outras, em nlvel inconsciente; algumas mais tenda!. Ao chegar na enfermaria, o psiquiatra
O desvendar dessa trama em qu~:~ médico nhamento comumente, produz em quem o re· suportáveis, e outras ainda mais preocupantes percebe que todos estão muito apreensivos, à
e paciente se en'(olvem está condicionado ao · cebe uma sensação de raiva, de ter sido usado e temidas. sua espera, com muita necessidade de falar.
reconhecimento de que o sofrimento .de uma e explorado por um colega que se· vale de um Não raramente, para sua surpresa, o paciente
pessoa não tem sua realidade localizada unica· "passar a bola pra frertte" para definir sua di· ... Paciente tenninal ... e aí a gente joga a bom· encontta~se mais tranqüilo do que médicos e .
entela. Mas nem sempre é esse o caso: ba pro psiquiatra. Eu não acho isso cotTeto enfermei;ros.
mente em um. espaço corporal anônimo, mas também, só que às vezes a gente não tem es-
em um espaçp diferent~: o espaço das relaçõ~ Nesses casos, o interconsultor pode se
trutura pra assumir. Então a gente precisa de
do.indivíduo com seu mundo interior e com a Alcoolista, eu mando todos. Lá na minha fa· uma orientação... identificar com o colega ou com a equipe que
culdade, todo alcoolista que eu atendia man· está atendendo o paciente. Pode, então, con- ·
totalidade de sua vida: E essa possibilidade de dava [para a ps!quiattia). Eu sofria, pois real·
reédnhecer o outro permite que ele mesmo, o Em muitas situações, ao encaminhar cer· taminar-se com a angústia que envolve a equi-
mente eu não consigo fazer uma relação <:om pe, deixando de discriminar os diferentes as-
•' paciente, veja-se reconhecido, mudando a orga· alcooli.sta. Então encaminho, sabe... . tos pacientes, :os médicos estão procurando
' nização de seu padecimento (Raimbault, 1985). manter um perigo distante, fora de si, projeta- pectos envolvidos na situaÇão e ficando im·
J.l
Se essa transposição de linguagem não se Alguns encaminhamentos "automáticos" do no outro e sendo cuidado por outro tam- pedido de atuar terapeutlcamente. O que se
espera do interconsultor é que possa:ft0cto-,
\.l
,,.,u:.
opera, o médico passa a sentir-se irritado e frus. não significam apenas descaso ou intenção cons·
trado. Depois de encontrar wn rótulo para a ciente de punir. Parecem, antes, reações contra·
bém. No d!zer de wn colega, referindo-se a al-
guns pacientes tenninais, 'joga-se a bomba" nar como um elemento catalisador, ouvindD
\~~.f . I,....,.
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PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL ~m

mento e o pouco tempo pará dedicar ap paci- lizados por erros advindos de nonnas institu- doxal isso, mas eu sinto que eles têm mais
as pessoas envolvidas na situação. Deve opor· confiança aqui do que fora ...
se às' pressões que recebe para agir rapidamen- ente, costumam ser lembradas entre os princi" cionais ou de orientações com as quais não
te e deixar-se guiar tanto pelos elementos ob- pais obstáculos na relação com os pacientes. concordam. Veja-se, por exemplo, o depoimen· Tenho a impressão de que aqui nesta Instituí·
jetivos que coleta quanto por sua intuição clí- São problemas que exercem um grande impac· to deste médico resident~: ção dá pra crlar vínculo. Apesar de ser um
volume [de atendimento] muito grande, a
nica. Durante esse processo, naturalmente vai- to nos profissionais que tràbalham. na institui- gente acaba tendo um vínculo maior com o
se ampliando a compreensão do comporta- ção e nas pessoas que buscam atendimento. Instalei a diálise nela. De<.'idi hoje, eul Não ia
deixar ela ir sozinha. No meu plantão ela não paciente. O VÚlculo é até maior aqui, eles a<:a·
mento apresentado pelo paciente e das reações Emaranham-se a uma estrutura que parecejo· vai' morrer. A ordem do chefe da enfermaria bam respeitando mais a gente aqui.
da equipe assistencial. Isso costuma restaurar gar uns contra os outros: era pra não fai:er nada. Só que cheguei lá hoje,
a capacidade de contin~nda da equipe em re- e a mulher completamente'zoró... O plantão é O caráter ambíguo ,da instituição, de um
lação ao paciente e aos sentimentos por tO· Tento às vezes manter algum diálogo, mas a r meu, assumi e acabou. Se ela morret; pelo me- lado protegendo e gratificando, de outro im·
dos vivenciados. gente tem que atender super-rápido: Fica di- nos com peso na consciência eu não vou ficar. pedindo o bom desempenho assistencial, pres·
ffcil tirá-lo do box pra aprofundar... ta!se à projeção de conflitos pessoais sobre os
É engraçado, um paciente contou pro interno Podemos observar, notadamente entre demais elementos do grupo ou sobre aspectos
que estavam enrolando ele desde o começo médicos recém-fonnados e internos de medi- da instituição. No plano institucional,' recria-
OCONTEXTO INSTITUCIONAL do ano, até que ele resolveu e,saeveruma càrta cina, como os aspectos 'conflitivos da institui· se um padrão semelhante àquele observado nas
pro Sarney. que respondeu, e, depois disso, ção podem não ser decodificados, confundin· primeiras relações interpessoafs (Bion, 1970),
Quando as instituições assistenciais $,ão nós o chamamos. Eptão, ele concluiu qu~ nós do-se com os sentimentos dos que ali atuam. As vezes; a representação da instituição é, para
criadas, sua finalidade primeira é ~tender às o chamamos ~r um;i pressão superior! E pa-
ciente terminal, deixa ele ficar pensando Com uma assistência emperrada, a prática os seus membros, a de uma entidade que os
necessidades da população, ofereêendo aos institucional às vezes dá um retomo pouco invade, distante e Independente, superior e
profissionais que nela' trabalham 0$ recursos disso ... Por outro lado... e esse foi um caso de
raio X de tórax! E a gente também não tem. satisfatório a quem necessita ir ganhando con· dominadora. A idéia (;lproXima-se, d(lsse modo,
para tanto. No contexto institucional, as res- vaga, manda pra casa, perd~ o contato... Ou· fiança em sua capacidade profissional. Proble- da imago paterna: protetora e castradora. Ou-
postas a essas ~ecessidades cada vez mais são tro ponto é que os retornos são multo espaça- 1
mas institucionais acabam rerorçando a inse- tras vezes, assemelha-se' à imago',m,àtema:
reguladas por uma instância supracUplca., qu~ dos. Essa estrutura joga você contra o paden· gurança e o sentimento de frustração profissi· · alimentadora e devo~ adora, ·que elC)gé sácóff· .
estabelece uma estrutura fundamental, clefinln· te e vice-versa... onal. Sente-se receber menos do que se dá, e o f;ios (Amado; Guittet, 1978).
do espaços, tempo, procedimentos padroniza- ··
descontentamento gerado por essa situação é As fonnas e os conteúdos do i:làr e do re·
dos, enfim, uma série de recursos materiais e No espaço institu.cloniU, é:! assistência aos transmitido e compartilhado com a população ceber primitivos repetem-se na situação insti-
humanos, bem· como rotinas de atendimento. enfermos não se esgota n9 colóquio íntimo assistida. ·
Assim, um conjunto de normas vai sendo cria- entre médico e paciente. Vale lembrar que, em tucional. Os objetos internos bons são manti- ·
Por outro lado, a instituição proporciona dos com o sujeito, reforçados pel<finstituição.
do, institucionalizando-se. A velocidade com nosso país, a maioria dos Sf!rviços de psiquia· certa estabilidade aos profissionais que nela Os objetos internos maus, q1,1e pQdem causar
que as coisas acontecem, aliada ao nosso en- tria em hospital geral encontra-se em institui· trabalham, reassegura a aprendizagem e comu- danos, são depositados (projetad9s) na insti-
volvimento com elas, muitas vezes impei:le essa ções de ensino. O hospital universitário é uma mente pennite a criatividade. Há compensa· tuição, para a qual são canalízados.s'entlmeri-
visão da instituição como um todo e de c?mo organização complexa, com um rol ampliado ções outras, pela patticipação em pesquisas, tos de frustração e de hostilidade. 'A institui·
ela interfere na assistência, por melo de um de objetivos, que procura conclliàr necessida~ experiência administrativa, publicações cientí· ção passa, assim, a ser responsabilizada por
regime que privilegia a ação e restringe o tem- desde assistência, pesqui~a··e ensino:. Diversas · ficas, títulos; etc. Em seu trabalho, os profissio· muitos conflitos que seus profissionais revivem
po de reflexão e de elaboração (Nogueira. soluções vão sendo testadas, como rodfzios de na.is tomam·se impregnados por esses aspec- em situações clínicas. Por outrti lado, a ins·
Martins, 1984). alunos e residentes, criação de serviços de tri· ros gratificantes ·~a instituição •. Ainda que, na tituição também tem uma função reparado1-a:
Ao mesmo tempo em que regula esse ter- agem, ambulatórios especlali2:ados, equipes maioria das vezes, ela apareça como um obs· permite que as pessoas projetem nela suas
ritório, o médico é apenas uma variável a mais multidisciplinares, rotinas de atendimento, di·
no atendimento ao doente. Sua atuação depen· ferentes ocupações do espaço, etc. Há também e
tácu!o na relação entre médico e paciente, isso partes danificadas introjetem algo modifica-.
não quer dizer que não possa ser tomada como ' do, menos destruido. São aspectOS que deno·
de da própÃa inserção na instituição, marcada os interesses específicos dos diversos grupos um agente facilitador da identificação profissi- tam o cará~er primitivo e inconsciente das emo-
P,Or aspectos conflitantes: por um lado, é quem profissionais que circulam na instituição, uma onal e do vínculo entre as pessoas que nela dr· ções que cércam a relação dos profissionais com
deve implementar nonnas para regular a as- instituição que gera suas próprias urgências, culam (Botega, 1991).
sistência e, por ourro, eStá sujeito a obedecer freqüentemente colocadas acima das outras. a instituição onde trabalham (Bion, 1970;
às normas que controlam sua vida profissional Médi~os jovens, os residentes ficam na
Grinberg; Langer; Rodrigué, 1976) ..
Geralmente já passar!lm por vários médicos Outro conceito nascido da psicanálise e
(Ferrari, 1974; Ferrari; Lllchina; Luchina, linha de frente da instituição, e seus depoimen· e, apesardis~o, eles vêm mal·infonnados. Cau- aplicado' a grupos e instituições refere-se à
1Ç)79). tos, mais do que os dos do~entes, revelam pre· · sa certa ans~edade. Chegam desconfiados e
As dificuldades relativas ao funcionamen- ocupações com problemas institucionais que, · convencidos de que não vão ser bem-atendi- compulsão à repetição, mecani$mo qu~, na ten-
to institucional, como o excesso de demanda, concretamente, são vistos como entraves à sua dos outra vez, apesar de que nós, desta insti- tativa de elaboração de conflitos, tende a levar
a demora nas filas de espera para o atendimen- fonnação e ao relacionamento com os pacien- tuição, já temos uma tradição de dar trata- as pessoas a agirem e reagirem sempre de~do
to, a falta de recursos para diagnóstico e trata· tes. Sentem que não devem ser responsabi· mento tirri pouco mais personalizado. É para· semelhante. Julgamos válida a advertêntii"de
I J
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Grinberg, Langer e Rodrigué (1976) quanto à A dificuldade é consegUir que ele chegue e O rodízio, notadamente nos estágios de A gente acaba perdendo a capacidade ... Aqui-
conotação metafísica do termo, que reservaria conte os problemas, expor a problemática dele. curta duração, impossibilita o estabelecimen- lo que eu sabia fuerquando era interno, plan·
Primeiro porque é n:uito rápido: O pad.ente tonísta, não tenho mais ... mesmo se tiver tem·
às instituições um caráter trágico e inexorável, não tem temPl> de se. abrir com 'você, ne1:essi· to de um vínculo. Tanto o médico quanto o
unicamente baseado em fatores psíquicos. Ain· paciente defendem-se da perspectiva de sepa· po. (...) No corre-corre, a gente não tem tem-
ta de alguns contatO$ para conseguir. ..· .•. po nem pra parar pra pensar no que a gente
da assim, julgamos que a noção de compulsão ração, abstendo-se de investir em um relacio·
A gente se dedica um pouco menos do que tá fa~endo ...
à repetição pode ser um fator envolvido em deveria. Quando cê tá disposto, tá trabalhan· namento que já tem data marcada para aca·
muitas das resistências que as propostas de do,, vai bem. Agora, no dia em que esrá cansa· t bar. Algumas vezes, o pouco tempo dedicado
mudanças na instituição são capazes de levan- ao paciente e o esquema de rodízio são algo .Thmbém poderíamos pe\1Sar se, no tem·
tar. Os membros da instituição muitas vezes
do, deu dois plantões, al te Incomoda wn pou·
co, cê foge um pouco. Sabendo em que quar- I. "ativamente" negociado e.ntre os membros da po usual de uma consulta, não é possível atin-
opõem-se a mudanças, parecem evitar situa- to ele está, cê passa filais rápido po~ ali... instituição. Recordo dois exemplos relatados gir:' aspectos mais profundos da vida mental do
ções novas e desconhecidas, recorrendo a um po1· alunos durante reuniões do tipo "grupo paciente, desde que o ~édico altere sua pos-
Aqui na universidade· é muito difícil de se ter
sistema de normas já conhecidas e seguras. wn papo, pois eê chega lá na frente e tem 15 Balint". Cinco alunos estavam estagiando em tura, dando atenção a pontos que a pessoa
Muitas dessas normas foram criadas para "dar pacientes pra ver nuin tempo de quatro ho· uma enfennaria onde havia um paciente jo· deseje, espontaneamente, comentar, ao mes-
segurança" (evitar problemas), garantindo ao ras. Mas vejo problemas psicossomáticos no vem com uma neoplasia em estado avançado mo tempo em que valoriza seus sentimentos
médico e à equipe assistencial a distância dos consultório, isso é m~íto comwn. O paciente de evolução. Sua condição era grave, e a mor· contratransferenciais.
conflitos pessoais no contato com os pacientes. às vezes vem ao médico porque ele tem ne- te, uma questão de dias. Angustiado~, os alu-
cessidade de cont,ar um problema, não tem
Não se trata de negar as div~rsas condi- nada orgânico. nos decidiram "rodiziar": cada dia seria um
ções institucionais cujos determinantes têm deles quem prestaria cuidados ao paciente. SerYiços ds tri'agam ade
origem· poUtica, econômica e cultural, aspec- Outro comportamento observado diante Em outra ocasião, três alunos encarrega· superespecia!izllçáll
tos que se interpenetram com a dimensão psi- dessa pressão "do tempo" é adiar o aprofunda- dos de detenninado "leito" tiveram que cuidar
cológica. No entanto, sob o ponto de vista da mento nas condições emocionais do paciente de uma paciente muito exigente, que, além de O 'hospital geral universitário é uma ins·
psicologia, um conjunto de no~ institucio- para a próxima consulta. Esta, tendo-se em vista doente crônica, era muito "chata", segundo tituição em que grande parte da assistência fun•
nais tem caráter econômico, de defesa. Veja-se a "eficiência" dos esq~emas de rodízio do hos· eles. Não tiveram dúvida: entravam separada- dona etn serviços.superespecializados. Nesses
como o que expusemos até aqui pode ser apli- pital·escola, nunca será com o mesmo médico. mente no quarto, e cada um fazia uma "coisa" serviços, geralmente encontramos critérios de ·
cado à compreensão do ·processo de encami· Tal prática impede a. vinCulação do profissio- diferente: o primeiro realizava exame físico, o seleção-de pacientes bastante estritos. o surgi-
nhamento ao psiquiatra no contexto de hospi· nal com o paciente. A questão ''pra que apro· outro desincumbia·se da evolução, e o terceiro mento'ae wn ou de várioll esquemas de triagem
tal geral. Muitas de nossas qbservações deri- fundar, se sinto medo de 'fazer isso e de não dava algum suporte psicológico às inúmeras passa a ser uma conseqüência disso. Alguns
vam de uma realidade de ll.ospital-escola, mas saber o que fazer depois?" \'fiUda para algo mais reclamações da paciente. Eassim se revezavam pacie:otes não podem ser acolliidos por falta
acreditamos que possam se adequar a encami- a cada dia, alternando suas funções. de "cápaqdade resolutiva quantitativa", ou seja,
fácil de· ser aceito: «pra que aprofundar, se,
nhamentos a profissionais de sa'úde. atuando quando esse paciente retornar à consulta, não São exemplos que falam por si. Nos dois pela àltá demanda de pessoas que afluem ao
em diversos ambientes. casos descritos, o período dedicado aos paci- serviçó. Outros, por falta de "capacidade reso·
serei eu quem irá atendê-lo?":..
entes até poderia ser longo, mas cada um dos lutiva qualitativa", a qual depende da dispo·
'··
A geme até percebe, mas falta .tempo pra alunos dava-lhes pouco de seu tempo, De um nibilklade de recursos humanos, recursos de
Oencanti11hame11tG ~nr {a~a de tGm~o aprofundar na questão. E outra falha grave modo geral, estratégias como essas são comu- apoio diágn6stico e de tratamento.
nossa: a gente não se aprofunda porque niío mente observadas na estrutura assistencial das O traballio de triagem funciona sob di·
Comumente referido como uma limitação sabe o que fazer, não tenho preparo, não te- ' instituições médicas, nas quais o psiquiatra, ao versàS pressões: de demanda, de filosofia do
imposta pela· instituição, o pouco tempo desli· nho respostas. Na área da sexualidade, a gen· atrair encaminhamentos, pode ser visto como serviço, de pressão direta do docente, de nor-
nado a cada consulta esconde outra faceta: evi· te fala: ".Olha, nà próxima consulta ... " ou "a um profissional que tem mais tempo para ou- ma~ imp?stas pela instituição, etc. Não saben· .
ta·se, assim, Udar com os aspectos psicossociais senhora conversa com seu J'!larldo e...". A gen· ~~r e se aproximar do paciente.
te não tem preparo nenhum pra lidar com isso, do o que fazer com tantqs casos que devem sc~r
que surgem no contato com o paciente. O a gente foge na hora. O máximo é fazer um Como vimos, utilizar esquemas de rodí· recusados, bu seja, pacientes cujas queixas não
surgimento desses aspectos na entrevista pode esclarecini.erito, uma orientação ridícula que zio, dar pouco tempo para o paciente, deixar se encaixam nos objetivos do serviço, o médl·
molestar o .médico e é visto como um empecilho qualquer revista faria Igual... Não vale nada, para a próxima consulta são práticas comu· co da triagem passa a encaminhar essas pesso·
ao raciodn!o clínico. O médico pode colocar-se não é o que ela tá qu"erendo. mente justificadas por decorrências institu- as para os diferentes serviços (novas triagens... )
em wna posição defensiva, o que impede a com- Existem alguns problemas menores que até cionais. Mas isso é urna meia-verdade. Penso do hospital:
'pr~ensão do que está ocorrendo no encontro poderiamos seguir o paciente, mas não exis· não estar exagerando ao afinnár que muitos
com o paciente. Dar pouco tempo e logo enca- tem esses retornos para nós próprios. Há o médicos, por trás <!essa implacabilidade do re- Isso depende muito da demanda. Se a gente
minhar o paciente ao psiquiatra, ainda que as retomo "pro serviço", mas quando já estamos lógio e das nonnas institucionais, não conse- , tiver tempo, tiver folgado, a, gente pode pro-
pressões institucionais também justifiquem es· em outrO estágio... · gu;m mais conv~rsar com seus pacientes mes- curar alguma coisa. Como na maioria das ve·
sa atitude, é uma maneira de proteger-se con· No próximo retomo não a atenderei mais, ou mo quando lhes sobra tempo (Makuch; Botega; zes a gente trabalha sob pressão, procÜl;o:3ó
tra a inv.asão do emocional na tarefa assistencial: o que falamos, não anoto e não lembro. Bahamondes, 2000): dar uma t:riada rápida ...

n ·'
98 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL !]g)
O ambulatório superespecializado, por sua É notória a freqüênci~ com que s,e solici. to relatado por um jovem colega ao ouvir de Os encaminhamentos impessoais que ob-
vez, pode se estruturar sob regtas rígidas de fun. · ta, muitas vezes em "caráter de urgêhcia",. a uma senhora vinda à consulta que ele havia servamos no ambiente institucional parecem
ctonamento, privilegiando normas e papéis a presença de un:i. psiquiatta·poucas horas antes sido escolhido apenas "por acaso" em uma reforçar esse caráter de cwnplicidade e de de·
serem cumpridos. O aprimoramento do conhe· da alta de pacientes que estão internados há relação de especialistas constantes da lista fesa em um espaço fusional e mudo, uma Idéia
cimento científico passa a ser. muitas vezes, a vários dias. Comumente, ao chegarmos pàra a telefônica. que vem ao encontro do pensamento de Jaques
finalidade prioritária do serviço, e o paciente é interconsulta, o Interno ou o residente que a No contexto institucional, os encaminha· (1969) e Bleger (1977): muitos encaminha·
transformado em wn agente intermediador do solicitou já não se encontra estagiando naque· mentos não são feitos de pessoa para pessoa. mentos ao psiquiatra dão-se para manter tan·
ensino e das pesquisas em desenvolvimenro. ia enfermaria. Ou então, chegamos à enfenna- o paciente encaminhado comumente desco- to as defesas contra a ansiedade da equipe
Na prática, o que temos observado é que ria ainda na mesma manhã do pedido, o pacien- . nhece o médico que o aten.deu, não se refere a assistencial quanto a funcionalidade de um
o ténnino da exploração diagnóstica, a respos· te já foi embora, e o médico solicitante mos· ele pelo nome. O médico também pode não se pacto institucional de natUreza sunbiótica. Esse
ta desfavorável ao tratamento ou mesmo o fi· tra-se pesaroso pela "nossa" demora '(Magda- ......... lembrar do paciente nem da razão que moti- pacto nasceria de uma situação irreflex.iva que
nal de uma pesquisa .deixam de garantir.,ao leno Jr.; Botega, 1990), É possível que, em si- vou o encaminhamento. Perde-se, assim, todo procura gratificar aspectos silenciados de cada
paciente o lugar que antes ocupava na institui· tuações como 'essas, o término do eStágio em um jogo de identificações e de incentivos para um de seus integrantes (conflitos, expectati·
ção. Ou então, se ele traz queixas que "fujam um ambulatório ou em uma enfermaria revele o desenvolvimento de vínculos hwnanos. Per· vas, histórias pessoais, objetiv:os .e normas
do objetivo" do ambulatório; recebe um rótulo ao Interno ou ao médico r~sidente o caráter de-se, também, a busca de encaixes entre pro· institucionais).
de tranStorno emocional e é encaminhado ao técnico e impes$oal que marcou a. intervenção fissionais e pacientes, que ocorre mais facllmen- Em uma instituição, para conseguirmos
psiquiatra. Não deixa de ser um paciente' "re· junto ao paciente. '., · te em situações na3 quais as pessoas têm nome tratamentos e encaminhamentos mais perso·
cusado", que fica circulando em ditersos servi· , A alta hosp,italar'obriga o médico a rein· e personalidade. na!izados, é necessário um esforço pessoal,
ços do hospital, sujeito a inúmeros encaminha· trojetar suas próprias ansiedades hipocondríà· Encaminha-se para profissionais que cum- maior do que aquele despendi~o para tão-so·
mentos. Referir o paciente ao psiquiatra faz cas projetadas no pacient~, que; regrediçlo, prem papéis e dos quais se esperam determi· mente "tocar a rotina''. Isso garante melhores
parte de wna rotina de encaminhamentos pra· aceitou-as em troca de segurança (Bleger, 1984). nadas atitudes. Esse caráter impessoal do en· chances para o relacionamento que vier a se
ticada compulsivamente na assistência institu· O psiquiatra seria chamad,o para assumir o caminhamento reforça a rumplicidade no ano- . empreender entre médico; paciente e especia·
cional, talvez, nesse caso, guardando-se a es· "lado psicológico" de um paciente prestes a ser nimato existente entre os membros da institui· lista. Em conr:íapo·sição, podemos imaginar o
perança de que um atendimento psiquiátrico "abandonado" por seu médico,·em uma das cri· ção (incluindo-se, mWtas vezes, o próprio pa- triste desenlace de vários encaminhamentos
possa pôr fim ao moyimento errante que cer· ses de contato a que nos ·referimos. Encami· ciente), a partir da qual ninguém se responsa· anônimos, ou ''porque alguém mandou", con-
tos pacientes são condenados a fazer dentro nhamentos ao psiquiatra acompanham esse rit· biliza pelas ações que se praticam ou que dei- ~eqüências do simples "tocar a rotina".
da instituição superespecializada. mo institucional, tentando; assim, reparar o xam de ser praticadas. Essa noção foi desen-
Encaminhar ao psiquiatra passa a ser uma abandono que os médico~.se!ltem impor perio· volvida por Michael Balint, psiquiatra e psica·
tentativa de pôr fim a essa sistemática, de dar. · dicamente a .seus pacientes ...... nalista, ·cuja obra pode ser considerada a es· ~llcaminhamel'itos e ~elaçóes grup~is
melhor destino, com um tratamento persona-
lizado, àquela pessoa que não se encaixa, q!le
... $ência da psicologia médiéa (Balint, 1973):
· Ao entrar em uma enfermaria; o·psiquia·
não será mais vista, mas para a qual o médico Encaminhame~tos impess~il!s·- .:.: Quando o paciente revela a seu médic:o um tra toma-se um observador participante de toda
não consegue, simplesmente, recusar assis- .. problema.desconcertante, e e$te, P:?r sua vez, uma dinâmica d~ relações humanas e meca-
tência. O encaminhando também dá um desti· Com freqüência consideramos se, para ~tá respaldado por uma coru;telaçao de espe· nismos p.si<:ológicos subjacentes ao funciona·
no à angústia que essa situação provoca em si dado paciente, seria m~ll;l9r encaminhá-lo paT<l <:Jallst~, ce~os aconteclm~tos ~ultam qua· mento grupal.
se lnev!távelS. Um dos pnndpaJS consiste na .
Orientado pelos dados que ob·
. .
próprio: tal ou qual colega da especialidade, Geralmen· "cumplicidade no anoniniato". Adotam·se de· .. t~m por me.1? de uma e.ntreVI~ta am~hada (pa·
te escolhemos esp~cialistas a quem respeita· <:isões vitais sem que ninguém assuma a res· Ciente, farrubares, méd1cos, enfermeiros) e por
Ou então, encaminho doente que eu não vou mos profissionalmente .e cujos ~ços de perso- ponsabüidade pelas mesmas. (p.76) sua intuição, poderá captar vários aspectos ali
mais ver. Se, por exemplo, descarto endbcrino· nalidade são adequados às caracterfsticas Qb-· Se posslvel, não se adota nenhuma decisão. : presentes; entre os quais o grau de coesão
patia na triagem e não sei mais o que vai ser servadas nos pacientes. Ao chegar um pacien· Deixam-se as coisas no ar até que os aconteci·· grupal, os..conflitos atuantes (como problemas
dele ... te novo para: consulta, sempre lhe é pergunta· mentos promovam uma decisão, a qual, então, de ciúmes; e rivalidade), a hierarquia entre os
do quem o encaminhou. F~zendo a pergunta reveste a condição anônima. ~ II!odo, todos ~lementos da equipe e o papel dado a cada um
ao paciente, ou pelo qU:e el~ nos fala. procura· sentem que o curso. adotado nao fo1 resultado de seus integrantes (Mello Filho, 1983).
~ncaminhamentos e ritmo institucional· ·mos nos inteirar do que o colega comentou da intervenção particular de cada um. {p.92) São comuns as solicitações· para que o
sobre nossa pessoa e nosso trabalho, como o A 8"a;mpllcl_dade no anonimato~ governa a si· psiquiatrà assuma diversos papéis em uma equi·
Ténn.ino de estágios, finais de semana, paciente vê o encaminhamento, etc. t;' ça?, e n.a~ só do ponto ~e ~ d~s profis· pe na qual há alto grau de dissociação entre
vésperas de feriado, férias escolares, altas hos- Toda3 essas condições· formam um jogo ston81S, po1s também o pa<:Jente participa atl· · · d d · b' d
.,amente dela. Todós se esforçam e gastam suas seus profiss1onrus, ca ~um . "esmcu~ m o-se
pitalares são algumas das chamadas "crises de de identificações essencial para que médicos energias em intentos fúteis, mas ninguém se do tratamento de ~ma p~e do paCiente. H~
contato" por que passam alunos, médicos e e pacientes se reconheçam como pessoas. e atribui a resporu;abilidade do governo - ou um problema SOCial, multas vezes se en!agü-
pacientes (Mello Filho, 1983). como profissionais. Lembro-me do desencan· dcsgovemo - da situação. (p.~O) nha por isso, e a disponibilidade do assistente
I "'::)
1DO NEURY JOSÉ BOTEGA {ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 101 .
social não foi lembrada. O paciente está solici- tão, chamar a psiquiatria~.. Chamávamos pra dando de uma "parte'' do paciente. A respon- BALINT, M. The doctor, his pa.tien~ and the illness.
tando demais, quer alguém para conversar, e interconsulta... mas foi t>em interessànte ... sabilidade final pelo que ocorre ou deixa de New York: Int. Unlversities, 1973.
não se percebeu a boa relação que· uma aUxi- ocorrer fica diluída, empobrecendo o rela- BION, WR. Experiência.s com grupos. ·ruo de Janel·
liar de enfennagem consegue estabelecer com Assim, encaminhamentos ao psiquiatra - cionamento entre médico. e paciente e afetan- ro: Imago, 1970.
ele, acalmando-o. e isso observamos mais em pedidos de inter· do o tratamento. A instituiÇão, por sua vez, fun- BLEGER, J. Simbiose e ambigüidade. Rlo de Janeiro:
O psiquiatra pode ser chamado para aju- con,sultas vindos de algumas enfermarias da ciona como intermediário, regulando esse in· Francisco Alves, 1977.
dar a integrar as partes do paciente que estão instituição- podem ser tentativas de oposição tercâmbio com normas explicitas e impUcitas. _ . Temas de psicologia: entrevista e grupos.
cindidas sob os cuidados de uma equipe igual· a certas pressões de caráter hierárquico. Reve- . Se esse caráter intermediário cresce, deixa de São Paulo: Martins Fontes, 1980.
mente cindida, qu~ quer se reestruturar. Mas lam,- além disso, a inadequação do solicitante ser meio para ser fim. Cria-se um paradoxo BOTEGA, N.J. A palavra do médico e seus sentidos:
também pode ser convidado a manter-se isola· a um pacto que usualmente se estabelece en- assistencial: a assistência toma-se entorpecida um estudo qualitativo de alguns tef111os psiquiátri·
do, participando da dissociação e das defesas tre paciente, equipe··assistencial e instituição. por· processos grupais e institucionais, não aten- cos utilizados na prática médica. ReVista da ABP·
do grupo, assumindo apenas o ''lado psicológi· A solicitação de uma interconsulta psiquiátri- dendo às necessidades daqueles que buscam a APAL, v.l4, n.1, p.33·38, 1992.
co" do paciente. · <:f\ pode significar que a funcionalidade desse instituição. _ , Encaminhamento ao psiquiatra e funclo·
putro aspecto comumente observado em pacto entrou em colapso, porque alguém se Não somente ficam sem atendimento as namento institucional . .Revi.$r:a da ABP.APAL, v.13,
uma enfennarla é que a equipe assistencial se sentiu frustrado em sua expectativa latente de necessidades supostamente prioritárias da po· n.l, p.27-31, 1991.
move segundo dete.nnlnadas regras, algumas gratificação (Ferrari; Luchina; Luchina, 1979). pulação que deve ser assistida, como também _ . No hospital geral: .lidando com o pslqulc:o, .
claramente estabelecidas, outras impliélta- Os médicos residentes e inte'mos, como ns necessidades do grupo profissional que as- encaminhando ao psiquiatra. 1989. 279[, Tesa
mente presentes na atuação de seus profissio- elementos menos impregnados pelas normas siste, as quais também devem ser atendidas (Doutorado)- Universidade Estadual de Campinas, ·
nais. Está marcada por um caráter hierárquico estruturais do serviço, são os que mais soüci- Campinas, 1989.
inexoravelmente. Para complicar ainda mais a
que busca adequar cada um e sua aÇão a uma tam esse tipo de interconsulta, que. adquire, às situação, isso se dá dentro de uma instituição BOTEGA, N.J.; CASSOR!A, R.M.S. Encaminhamento
função predeterminada. o chefe da enferma- vezes, um sentido de que algo não anda bem que gera suas próprias urgências, amiúde co·
ao psiquiatra e relação médlco·paciente: uma análise :
qualitativa dentro de um referencial pslco-dinâml·
ria, como líder do serviço, transfQnna-se no naquela enfermaria. Como certa vez em que locadas acima de outras. Eo que se conhece co. Revista da ABP·APAL, v.13; n.2, p.S3·S8, 1991.
porta-voz das resistências do grupo,'defln.indo um residente nos chamou porque, de um lado, I}._ como paradoxo assistencial das instituições que
~c.t;bla pressões de um docente para que se BOTEGA, N.J. et ai. Attitudes of medicai students
se o trabalho de um profissional de saúde men· :tR· prestam assistência médica (Fenarl; Luchina; to nectopsy. Journal of Clinicai Pathology, v.so,. n.l, ·
tal será ou não bem-recebido; · •apr~sasse na alta de um paciente apresentan·
·do paraplegia ainda sem diagnóstico etiológico. ,,'•
"i Luchina, 1979).
Poderíamos ir além em nossa análise do
p.64-66, 1997.
A:. vezes fico pensando se seria bom mandar • De outro, a família do paciente, desesperada, :1 ~~ processo de encaminhàmento ao psiquiatra no
BOURNE, S. Second opln!on: a study of medicai
. ~- referrals in a seminar for general practltioners at
esse paciente para a psiqwatria... Mas fico com • também presslon·ava o residente: queria, antes ·~ âmbito institucional, concebendo o hospital the Tavlstock Clinic, London. Joumal of the Royal
receio, e a posição do$ docentes também não : d~ alta, 9 diagnóstico e alguma perspectiva de geml como um "espaço social terapêutico", uma Co!!ege of Genera'! Practitionm, v.26, p.487-495,
altera muito, não... · , ' ·tratamento. · o,rganização na qual se corporificam numero- 1976.
... mas encaminhei mais por orientação do ' •. · Em outra ocasião, a médica residente que sas instituições. Justamente por ser um espaço CAPI.AN, G. Princípios de psiquía.rria preventiva.. Rio
docente, tanto que não me lembro [do últinio .cuidava de pacientes oncológicos não sabia de entrecruzamento institucional, está sujeito de Janeiro: Zahar. 1980.
encaminhamento à psiquiatria]... . · mais o que fazer; pois cada dia era um docente às múltiplas influências,de natureza política, COSTA, J.s·.r.a. Organização de instituições para .
·diferente que passava na enfennaiia e orienta· ·econômica, ideológica, etc., do conjunto social uma psiquiatria comunitária, In: CONGRESSO DA
Um elemento integrado recentemente à · va uma conduta distinta (outro exemplo de (Costa, 1976; Mendel, 1984). Posto isso, o con· 1\SSOC!AÇÃO DE PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA DA .
equipe sempre recebe diversas pressões par~.'· esquema de rodíZio ...). Um docente recomen- tato com o paciente. e o relacionamento entre INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA, 2., 1976, Rio de
se adequara uma rotina de funcionamento. Por dava: "Vamos fazer um titmponamento para Janeiro.
profissionais passiriam a ser entendidos em ter-
outro lado, os íptemos e os novos residentes ~onter a hemorragia:". Um dia depois, ela ou- mos de relações sociais mais amplas, em opo- FERRARl, H. lnterconsulta y ti.mcionamlento insti·
que estão de passagem pela enfermaria ligam· via de outro docente: "Se começar a sangrar tucionaJ. Acta P$iquiáirica y Psicológica de América
sição ao pensamento idealista de soluções iso- Latina, v.zo; p.Sl-56, 1974.
se aos pacientes e, muitas vezes, são o emer· de novo, não várnos fazer mais n~da, vamos ladas do conhecimeiito técnico. Surgiria, assim,
·gente dos conflitos vivenciados silenciosamen· deixar _ela morrer em paz...". A residente, an· FERRAR!, H.; LUCHINA, N.; LUCHINA, J.L. Asi.s·
toda uma estrutura macrossocial subjacente às tenda instintcinal: nuevos desarollos de la inte~Wn·
~e pelos ~tegrantes da equipe. É comum, en- gustiada, senda que a decisão sobre a vida ou aplicações técnicas, deslindando as implicações s~:~lta médico-ps!cológica. Buenos Aires: Nueva
tão, que seja um interno quem deixa "escapar" á morte da paciente estava em suas mãos, ao que os fatores sociopolíticos e econômicos têm Visión, 1979.
U!ll diagnóstico mantido em segredo para O pa· seguir a orientação de um OU de OUtrO docen· na evolução de uma enfermidad~ e no proces- _ , La intercornulca. médico-psicológica en el
'ciente, é ele quem pressiona por uma Ucença te: resolveu pedir uma interconsulta "urgente" so de encaminhamento ao especiallsta. marco hospita.!arto. Buenos Aires: Nueva Vlsión,
de fim de semana, quem lembra o médico de à psiquiatria. 1977.
que existem psiquiatras no hospital: Até aqui.. vimos como, cada vez mais, os GRlNBERG, L.; LANGER, M.; RODRIGUÉ, E. Psico-
cuidados com a saúde são prestados por uma REfERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS terapia de grupo. Rio de Janeiro: Foren~e Univerni·
Agora a gente tem facilidades, né ... O interno equipe multiprofissional dentro de um conteX· tária, 1976. 14
que me falou: ~Por que você não chama a psi· to institucional. Muitas vezes, a equipe pode AMADo, G.; OU!TTET, A. A dindmica da comunica· JAQUES, E. Os sistemas sociais como defesa contra
.;f;
quiaoía?". Eu não tinha pensado, num plan· funcionar de maneira dissoci.ada, cada um cui· rõo nos grupos. ruo de Janeiro: Zahar, 1978. a ansiedade persecutória e depressiva. In: I<LEJN1 /
1
" 102

7
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intervenção Individual,. grupal e institucional.' In: MediÇql Association, v.205, n.2, p.65·68, 1986. Uma característica básica e fundamental Este capítulo trata do 111odus operandi da
da interconsulta psiquiátrica é a natureza agu· !nterconsulta, aborda suas etapas, apontando,
.. da e dinâmica dos problemas surgidos no hos-
pital geral. O desafio da formulação diagnóstica
em cada uma delas, asp~tos técnicos, bem
como os principais condicionantes da ação do
e do tratamento é conside~:ável, prlncipalmen· profissional de saúde mental no ambiente de·
te se levarmos em conta a gtavidade de muitos .um hospital geral.
quadros clínicos, a costumeira escassez de in·
formações e a rapidez exigida em nossa atua·
ção. Além dos aspectos concernentes ao paclen· ETAPAS DA lfiJiERCONSULTA
. te, freqüentemente o psiquiatra lida com os con·
dlcionantes psicológicos e instituciónals que Apesar das distinçÕes entre modelos insti·.
modulam a relação entre os membros da equi· tucionais e das controvérsias conceituais que
pe assistencial e desta última com o paciente. penneiam sua prática, os objetivos da intercon·
... Os aspectos técnicos da interconsulta, re· sulta psiquiátrica são: prover tratamento espe· .
!ativamente pouco difundidos em· nosso meio, clfico a P,acientes acometidos por transtornos
são essenciais para o suc(!SSo da intervenção mentais1 atendidos em serviços não-psiquiátrl-.
psiquiátrica. Desde já, enfatizamos que uma cos; modificar a estrutura assistencial centrada
interconsulta não 'produz bons resultados quan· na doença para uma fonna de trabalho cen·
do o psiquiatra falha em um ou todos os se· trada no paciente; valorizar o papel da relação .
guintes pontos: médico-paciente; aJ?rofundar o est1.1do da si tu·
ação do doente e dos profissionais nas institui·.
1. Indiferença ou ignorância a respeito ções médi,cas, bem como aproximar a psiquia-
da doença orgânica do paciente e de tria de outras especialidades médicas e prot1s-
seu tratamento. 'sões da área da saúde.
2. Adoção de técnicas mais apropriadas A interconsulta deve ser atendida com
. \ a pacientes não-hospitalizados, acom· presteza, tendo o seu motivo esclarecido dire-
panhados em psicoterapia pslcodi· tamente com o médico assistente. Aentrevista
nârriica. de avaliação precisa ser ampliada a membros
3. Má interlocução com a equipe assis· da equipe assistencial, a fanúliares, às vezes a
•!' tencial nas etapas de coleta de infor- colegas de quarto, e os exames físico e ps{guí·
·'. mações e de planejamentó terapêutico. co devem ser realizados de fonna cuidltdesa.
'h
i~.:
i C..,
1oq. NEURY JOSé BOTEGA (ORG.I PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 1~~
ôs~I?ª.ddaQe <l.e ~lfl.bo~r wn diagnqst,ico s!ru'!:: manter a qualidade do servíço. bem· como a
çional, a flexibili~!l~~ ~ o_pr11gma~m!? ~e s~~ çon.fiança entre os colegas que solicitam' nosso QUADRO 7.2
ações, bem como a boa interlocução· cori1 pa: auxílio profissional. Etapas a serem cumpridas no atendimento de uma lnterconsutta psiquiátrica
cientes e equipe assistencial ~ão qualidades es:. no Hospital das Clinicas da UNICAMP
peradas de um interconsultor. A cada Inter·
consulta, há o desafio de responder às várias Opedido de intarconsulta s Opedido de interconsulta deve ser recebido na Enfermaria da Psiquiatria, formalizado em impresso próprio.
perguntas reunidas no Quadro 7.1. Quem o receba anota no impresso a data e o horário da chegada e o rubrica.
Ainterconsulta pode ser dividida em et,a· A seguir, encontra-se a transCrição literal a Omédico residente (R·2l da semana, segundo escala de rodfzlo, pa:;sa na enfermaria às 8h30mln, apanha as
pas, e assim a ensinamos no Inicio do estágio de alguns pedidos de interconsulta que seleci- solicitações de interconsu~a, anota-as no livro de registros e dirige·se para o atendimento.,
por que passam os residentes de psiquiatria onamos. Este pequeno conjunto dá idéia do tipo ~ k. solic~$ções a serem atendidas no mesmo dia devem chegar até a5 10h30min, momento em que o
(Quadro 7.2). A experiência mostrou que, de de conhecimento e da flexibilidade exigidos do interconsuitor faz sua segunda passagem pela enfermaria e apanha as eventuais novas solicitações. Nesse
tempos em tempos, vale a pena conferir se ~· interconsultor. Repare como a redação de cada horário, encontra o docente supervisor do dia, que o acompanhará na (re)avaliação dos pacientes.
sas etapas vêm sendo cumpridas nos atendi~ solicitação, de alguma fonna, sugere um "ce- ·~ Inicia-se o atendimento por um contato prévio com o colega que solicitou a interconsulta, na enfermaria de
mentes. Dessa fonna é· que se tem procurado nário" no qual a interconsulta se desenrolará, origem, afim de ampliar acompreensão do enunciado do pedido, bem como para eS1abelecer vinculos e
responsabilidades.
u Olnterconsu~or parte, então, para a avaliação do paciente e a coleta de dados adicionais iunto à equipe
assistencial. ·eventualmente, solícita a convotação da familia.
11 Discute o ca·so com osupervisor•.
11 Transmite ao médico assl.ltente seu parecer sobre a situação cllnica e·o plano terapêutico.
UUADRO 7.1 ~ Faz uma anotação objetiva no prontuário do paciente, contendo dados anamnéstlcos, exame flsico.e pslquico,
Algumas questões que olnterconsuHor deve considerar hipótesediagnóstica econduta. ,
1 De volta à Enfermaria de Psiquiatria, faz anotação em impresso próprio do serviço, colocando-o no arquivo.
ve·se manter o seguimento do caso e o contato com o sollc~ante enquanto o paciente esirver Internado ou se

U
Coleta de lnfõrm~s .
Oque motivou asolicitação de !nten:onsu~a? sim se fizer necessário. Dar o devido encaminhamento para o ambulatório, ou transferência, quando In. dlcàdo.
Oque a equlpeasslste~cial espera do psiquiatra? s pedidos fora do horário normal de trabalho, bem como os de avaliação urgente, serão atendidos peld ~néqico
Oque o paciente e$ pera do psiquiatra? plantllo, que depois passará o caso para o Serviço de lnterconsulta. • ·' · .
__ __ __ ______, • I
Há informações adequadas para uma formulação díagn6Slica7 ._.. ..._ .._...._.._. ~-- .... --.-..--~--------------------·

Exame do ~lente
~condições do paciente e do amblente'permitiram uma boa avaf\ação?
Oexame psrqufco foi feito cuidadosamente? • ..·'
Seria útil aplicar algum instrumento padro.nizado1 Tentativa de suicídio com tiro no·ouvido di·
Oexame flsico foi realizado a contento? colocando-nos, em maior ou menor grau, de
prontidão para a tarefa assistencial: re!to. Paciente encontra·se traqueostomizado,
Aavaliação neurológica permite afastar uma slndrome orgânico-cerebral? com pneumonia e mastoidite. • .'
Quais exame$ complementares são necessários? · ''
PoUqueíxoso, ansiedade muito grande. Solici· Ansiedade + obesidade extrema +' ptoblemas
Formulação dfagnóstica to atendimento breve. de relacionamento tilm!Uar + inc.redibUidade
Opaciente apresenta um transtorno me mal? religiosa. Receberá alta amanljã.:
Em casp afirmativo, qual a provável etiologia? Paciente com. incoordenação de idéias e vis!·
Como o paciente rea9e à sua doença e à hospitalização 7 vel déficit mental. Peço avaUação, (Obs.: pa· Paciente submetido a transplante renal há S
ciente parece pressionada a dar a criança logo meses. Após o tta.nsplante, apresent&ndo alt~..
Ele tem esperança? ao nascimento). Sollc:ito ll$Clarecimenro dlag· rações,do humor, com periodos de choro e de
Com quem pode contar para ajud6-lo7 nóstico para decidirmos se tem indicação de profun?a irritabUidade. Em uso de corticó!de.
Hâ dificuldades na rela~o do médico (equipe assistencial) com o paciente? seguir no alto·risco ou mesmo laquear a pa·
Há problemas institucionais agudos que estejam afetando os cuidados dedicados ao paciente? Pacien$e Internada por diversas vezes por ab~:­
ciente. cessos'de repetição. Investigação imunológica
Manejo . Paciente com insuficiência arterial periférica, nonnal. Chegou-se a suspeitar que alguns abs-
Oque de mais urgente precisa serfeito7 com membro inferior direito amputado há dois cessos eram produúdos por ela (auto·ino-
Como reduzir o impacto de fatores estressantes? anos. Inúmeras cirurgias de ~vascularização culação, já teve mais ou menos 20 lnrracatches
Como ajudar o paciente a enfrentá-los? para membro inferior esquerdo. Operado de que "saíram"). Solicito avaliação do caso.
Qual o tratamento adequado para um transtorno específico? trombose mesentérica hã 3 anos. Paciente atual·
Qual medicamento é o mais indicado em determinada situação cllniea? Hy? (histeria]
mente perdendo a perna esquema. Mesmo as·
Hâ risco de auto ou heteroagressão7 sim, não consegue parar de fumar. Solicito ava· Paciente com câncer de mama avançado, com
Opaciente pode ser considerado C<1PaZ de aceltàr Ou recusar um tratamento? liação e conduta, em vista da necessidade de metástases no pulmão e no fígado, em.,m,.au
Continuidade do tratamento: qual, por quem, quanto (freqüência), em que tocai? parar de fumar, por terem sido esgotadas as estado geral, com multa dot Paciente Q. em
possibilidades terapê_uticas. Obrigado. tado tenninal.
.'..·
~:· ~h
106 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.I PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 1@O
Padente fez tentativa de suicídio há 15 anos, O pedido ddnterconsulta deve vir re- sem deixar claro que, na realidade, está muito dir·lhe que elabore esponta.neame~te obser·
ingerindo ácido muriático, e desenvolveu . digido em impresso destinado para tal fim, mas enraivecido e que gostaria de dar alta para wn vações sobre se1.1 paciente, para que se afaste
estenose cáustica do esôfago. Tem indicação a falta deste não deve servir ao LT\terconsultor pacie..T"Jte de difícil manejo, mas que ainda ins· lentamel)te de seu pedido manifesto. Começa·
cirúrgica, ma$ soUdtamos prognóstico quan· como escusa para post.ergar a avaüação çio pa· plra cuidados. Se o psiquiatra não se der conta rá, então, a dar i.•dícios que apontam para as
to a novas tentativas de $Uicldlo. ciente. São freqüentes os pedidos informais razões profundas ou latentes de ~eu pedido,
disso, o paciente poderá receber alta, com seu valiosas, sobretudo, quando registrou ern si
para novas avaliações, do tipo ~já,que :você está. médico tomando o silêncio do psiquiatra como mesmo aqueles elementos que não pode escla·
Há um "caráter de urgência" nos encami· aqui mesmo...". Essas solicitações feitas rapi· consentimento. · recer consdentemente e que o motivaram para
nhamentos ao psiquiatra. O médico espe~a e darnente n9 corredor referem-se a pacientes Desaconselhamos, no entanto, uma pos· o pedido de intereonsulta (...] tanto no que
tem direito a uma pronta resposta do Inter· ou a situações clinicas que precisam ser avalia- tura adotada de forma estereotipada, que sem- diz quanto no que não diz de seu paciente.
consultor. Esse caráter de urgência nem sem· dos com cuidado, formalmente. pre põe o psiquiatra a investigar o que está "por (Ferrari; Luchina; Luchlna, 1977, p.57)
pre está relacionatio às condições clínicas do A fonna como o pedido de interconsulta trás" de um pedidõ"ae interconsulta. Agindo
paciente, podendb corresponder a um ritmo vem redigido fornece. as primeiras hipóteses assim, pode-se deixar em segundo plano o pa- Esse é o momento de esclarecer a razão
institucional e a um sentimento subjetivo Cio sobre a situação clínica que será. objeto de ava- ciente que sofre concretamente sua dor bem de ser da solicitação de interconsulta, manten·
médico. Se o psiq1,1iatra não puder atender de liação. Mesmo os pedidos sumários e impesso· diante de nossos olhos. Dizemos isso com o do-se duas perguntas em mente: por que a
imediato a wn chamado do pronto-socorro, ou ais já. provocam algum tipo de. reação e de "an· intuito de coibir, em nossa tarefa, interpreta· interconsulta foi solicitada? o que se espera de
se não for capaz de tomar as primeiras provi· siedade antecipatória" no psiquiatra. O rado· ções rebuscadas e onipotentes. Isso s6 vem a mim? Essas questões geralmente não foram
dênclas no mesmó dia da solicitação de uma dnio clínico inicia-se aí. Veja, por exemplo, prejudicar as partes envolvidas na· intercon·
1
explicitadas no pedido de lnterconsulta. Tanto
interconsulta, deve entrar em coritato com o como um pedido lacôri:ico como este: "pacien- sulta. Um sentido latente, quando forte moti· o médico quanto o paciente terão maior chance
médico assistente, a fim de estabelecer~m o que te re<:eberá alta 'àmanhã. Solicito avaliação e vador do pedido de interconsulta, revela-se no de serem aten<lidos em suas necessidades se o
pode ser feito. conduta" já sugere várias hipóteses a serem decorrer do processo de avaliação, empreen· o
interconsultor puder precisar tipo de ajuda
No Hospital das Clinicas da Unicamp, :;oli· testadas: pressões de demanda? hierárquica$? dido de forma cuidadosa pelo psiquia?'a· que cada um espera receber. Alg\llllas dessas
citações de intercon.sulta feitas até as 10h30min atendimento cindido? médico atarefado? cul- in,forrnações são obtidas antes mesmo de ver o
são atendidas no mesmo dia, na maioria das pado? mudança de médico responsável? há um paciente. Outras, naturalmente, vão-se agre· ·
vezes na mesma manhã. Estabeleceu-se wn sis· transtorno mental que demandará acompanha·
tema de plantão para tanto, com residente~ e mento ambulatorial? ...htfl!vista ampliild~ gándo com o desenrolar d,o atendimento. To·
dos esses dados contnbuirão, mais tarde, para
docentes, de modo a viabilizar prontamente o Raramente, os pedidos vêm redigidos em O contato inicial com o profissional que a formulação de um diagnóstico situacional.
atendimento psiquiátrico. Os médicos do hos· primeira pessoa, embora; freqüentemente, a · solicitou a lnterconsulta visa a cumprir várias Nesse contato com o médico assistente, é
pitaljá se deram conta dessa rotina e se esfor- pessoa do médico e a qualidade da relação dos •· n~cessidades, entre as quais apresentar-se como importante averiguar se o paciente já sabe que
çam para que as solicitações de interconsulta · membros da equipe assistencial, entre si e com : o.psiquiatra que avaliará o paciente, esclare· será avaliado por um psiquiatra'. Se o médico
cheguem à psiquiatria até a metade da manhã. o paciente. encontrem-se entte os aspectos que cer a razão do pedido de interconsulta, intei· sentiu-se relutante ou deixou de falar sobre isso
No penodo noturno, em feriados e· finais de o interconsultor deve levar em conta. Lembro· · 'ràr·se a respeito da história, da situação clínl· com seu paciente, não deve ser "interpretado"
semana ou a qualquer momento em um dia me de casos em que mais de. uma solicitação ea e do tratamento do paciente. É possível es- pelo inter.consultor, e sim in!onnado da razão
útU, um psiquiatra de plantão atende os casos de interconsUltá, para o mesmõ·p!ldente, che· . :clilfecer o que se 'quis dize~; por exemplo, com pela qual gostatÍamos que o paciente'soubesse
de emergência. Enfatizamos a importância des- gavam quas~ simultaneamente e~ nossas "a~ucinação'', paciente "confuso" ou "idéias a esse respeito. O paciente deve. ter a chance
ses cuidados. a fim de integrar o atendimento mãos. Ou de casos em que mais de um profis· ..: : delirantes", termós que podem ter sido utiliza- de discutir sua situação com o médico e ouvir
psiquiátrico ao ritmo do hospital geral. sional da equipe assistencial havia contribuído . · dos imprec!sam~nte no pedido de intercon· deste a justificativa para a irtterconsulta. Des-
A solicitação de interconsulta deve partir na redação· do pedido de interconsulta. Nessas sulta. Deve-se observar o grau de proximidade si
de que não haja riscos para OU para OS OU·
do médico responsável pelo paciente ou, se não situações, confirmava-:;e, posteriormente, a a(etiva mantido pelo médico em relação a seu tros, o paciente poderá, afinal, recusar-se a ser
for ess.e o caso, deve contar com sua anuência. intensa angústia, compartilhada pelos mem· . paciente, algo que pode variar desde rejeição avaliado por um psiquiatra.: ·
Se a solicitação vier do paciente, de um médi- bros da equipe, em relação a detehninada si· até Íl.tsão. Observar, também, as preocupações, Há necessidade, em interconsulta psiquiá-
co que estava de plantão ou de outro membro tuação. clínica. . os sentimentos e as reações dos profissionais trica, de qma entrevista ampliada, na qual se
da equipe assistencial, o psiquiatra procederá Fala-se de um conteúdo manifesto e de q!-le possam interferir na tarefa assistencial, i,ncluem, além do médico assistente, outros
à avaUaçãó apenas se cuntar com a concordân· um conteúdo latente (ou mais profundo) nos ·djscriminar a modalidade relaciona! estabe· membros da equipe assistencial e familiares do
cia do médico assistente, que, afinal, tem ares- pedidos de interconsulta. Com freqüência, so- lecida entre membros da equipe, paciente e paciente. Às vezes, a pessoa que ocupa o leito
-ponsabilidade primária por tudo o que aconte· licitações redigidas de forma muito técnica, ou seus familiares, observar como se encontra o ao lado pode acrescentar observações precio·
ce ou deixa de acontecer com o paciente. O mesmo lacônica, escondem aspectos que mo- ambiente da enfennaria. sas sobre o comportamento do paciente. É pos·
psiquiatra pode imaginar como se sentiria se dulam fortemente a relação médico-paciente e sível conferir, por exemplo, se o paciente se
um paciente seu fosse avaliado em intercon- que, também, podem estar motivando, secreta· De todas as entrevistas, a que brinda ou aporta mantém estável no decorrer do dia ou se piora
sulta por outro médico do hospital, sem que mente, o pedido de ajuda. Um médico poàe, os elementos esclarecedores mais impottan· e fica confuso ao anoitecer. Além de asae~os
isso contasse com sua autorização. por exemplo, solicitar'"avaliação e conduta", tes é a do médico assistente..É suficiente pe· objetivos, como esse que exemplificamos, va-
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108 NEURY JOSÉ BOTEGA [ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 10~
lorizam-se os depoimentos, os sinais e a intui· história pessoal do paciente; Será preciso con- Sherlock Não se trata de wna tentativa vaidosa de
ção clfnica, tudo isso capaz de revelar angús· vocar ajamaia. ·. Holmes; Isso é que foi o curioso incidente.. descobrir o que o colega clínico deixou de fa. ·
tias pessoais, dificuldades na equipe assisten· Na interconsulta, são nflces$ários tempo (Silv{!r Blau, 1'--"..hur Cona."l Oqyle) zer ou de diagnosticar. O que importa é manter
<:ial, bloqueios na relação com o paciente e com e boas caminhadas pelos corredores do hospi· a lembrança de. que o médico assistente pode ter
·seus familiares, au$ência de boa comunicação. tal: conseguir encontrar o colega que pediu a . tido seu racioc{nio cl{nico, bem como sua atua·
É de suma importância informar-se com interconsu.lta, entrar em contato com o serviço Em vários pontos de seu livro, Glickman ção, obscurecidos pelo simples fato de ter enca· '
a enfermagem. Em geral, falta aos médkos tem· social, chegar até onde os familiar~ do paciente (1980) compara o trabalho do interconsultor rado o paciente como "psiquiátrico".
po para obseryar mais detidamente o compor· esperam; •• -Em um hospital universitário, a ta- ao do detetive. Faz uma analogia com wn con· Interessante, aqui, lembrar outra regra •
tamento de seus pacientes. Membros da equi· refa complica-se pela profusão de serviços, reu. to de Edgar Allan Poe VI; carta roubada), no que costuma ajudar o in.terçon.sultor a consi· ·
pe de enfennagem, um assistente social ou niões, seminários, rodízios e plantões onde as qu\ll a polícia vasculhara cada canto de um derar o que alguns pacientes provocam na equi·
terapeuta ocupacional convivem mais com o pessoas podem estar. Essa ~cissitude, além de ········ •· apiutamento, .à prqcura de uma carta rouba· pe assistencial, a reK'ia dos adjetivos: paciente
paciente, têm uma visão menos restrita a res- contribuir para a boa." fot1lla física do inter- da. Os policiais não puderam encontrá·la, pre- perturbado - perturbádor, paciente deprimido
peito de sua problemática e podem fornecer consultor. representa tempo e energia bem- cisamente porque estava dependurada na la· ... deprimente, paciente ansioso - ansiogênico,
informações valiosas ao psiquiatra. Precisam gastos. Ao interconsultor cabe essa "costura" reira, à plena visão. Compara, então, essa sltu· raivoso- enraivec~dor... A partir da identifica·
ser encorajados para tanto, superando receios. de diferentes fontes de in.forinação e de aWd· ac;ão com os e5forÇos infrutíferos do lnterc<m; ção do paciente como "psiquiátrico" ou pertur· .
ou vergonha de expressarem suas observações lio potencial para o paciente. Muitas vezes, sultor que ·insiste em encontrar "fantasias in· bador, enraivecedor, etc., o médico pode dei·
e opiniões em tennos não-técnicos: com"O o somos facilitadores da: comunicação ou cataU- conscientes~. perdendo o que lhe salta à vista: xar de observá-lo e de examiná-lo, de solicitar
paciente dorme, alimenta-se, cuida-se, como sadores de uma mobilizàção empreendida para uma pessoa bem concreta, com seu sofrimento ou de inteirar-se aos últimos exames. Se o inter·
está seu estado de ânimo, como interage com de
alterar o estado coisas que bloqueiam o de. e suas preocupações bem conscient~. .consultor detectar essa possibill~ade, terá mais
os outros. Comumente, a enfermagem obser· senrolar adequado da tarefa assistencial. As possibilidades de manejar os principais um motivo para examinar cuidadosamente o
va como reage o paciente ao receber visitas, Além disso, nesses deslocamentos pelos problemas vistos em interconsulta estarão dian· paciente. Ou seja, deverá inverter a aborda·
outra informação útil. corredores do hospital, encqntrfjm·se colegas te de nós, desde que mudemos nossa manei.ra . gem baseada no "é psiquiátrico" para "pode-se
A entrevista ampliada não supera, mas de outras especialidades, disq~tem-se casos, usual de pt:squisar. ·se o interçonsultor não tratar de um distúrbio orgânico não-diagnosti· .
relativiza, a dificuldade do inter~onsultor em trocam-se idéias. O intercGnsultor "recebe" encontrar n~nhum fatQr estressante ou perdas cado". Se sentir-se incapaz de proceder a·uma
iniciar seu trabalho em um contexto de carên· muitas informações e, com siui·postura e in- antecedendo o início dos sintomas, isso será reavaliação clínica completa, deve procurar
cia de informações. Em situações especiais, a teresse, também ~<fornece" informações. Trans· indicativo de que uma Investigação psicológi- rediscU.tir com o médico assistente as diversas
ausência de dados sobre a biografia do pacien· rnite algo de si, desde sua t~cnica até traços de ca em profundidade estará fadada ao insucesso. possibilidades de diagnóstico que tem em men·
te poderá dar vida a boatos e a ''eu·acho·quês". personalidade e de sua disposição para o tra· Nesse caso,· avaliação médica completa seria te, o que deverá reconduzir à procura das pos·
A comunidade do hospital toma esse encargo balho. Essas informações sào muito importan- mais indkada. · : síveis bases orgânicas de detemúnado quaaro
de preencher lacunas a respeito da vida pesso- tes para criar um espírito de''con.fiança e de Antes mesmo de examinar o paciente, o si~tomatológico.
al de alguns pacientes ali internados, às vezes cooperação. Na interconsulta, como se vê, tam· psiquiatra contará com diversas pistas, obtidas
com indisfarçável prazer. De modo geral, ·sem: bém é precis~ "gastar" conV'!lr$~. É dessa for~ de diversas fontes, que o levarão a algumas hi·
2. Qual foi a abordagem psicológica que
pre que houver "várias versões" sobre algum ma que se restabelece a cotAunieação e que se póteses. a serem testadas. Ter-se inteirado do o médico assistente deu para o caso?
fato, o psiquiatra terá de exercer ao máximo vão fortalecendo os vínculos cbm profissionais ·quadro do paci~nte, bem como das formas até
sua capacidade de se informar, discriminar e da saúde e com a medidn~. É por isso que se então utilizadas pela equipe assistencial para Qualquer que tenha sido a abordagem
agir pragmaticamente. diz, com boa dose de ra:t.ã'd, que, no âmbito dó ' o manejo ?a si~ação clí?ica, que~ _Psicoló~- . psicológica adotada pelo médico assistente, não
A leitura atenta do prontudrio, com as hospital geral, o interconsultor é o embaixa· cas, quer b10lógtcas, tudo ISSO pemuttrá ao ps1· · surtiu 0 esperado sucesso e, provavelmente,
anotações do médico e da enfennagem, faz dor da psiquiatria. · quiatra sugerir uma inversão na abordagem precisa ser mudada. Para isso foi chamada a.
pane dessa fase inicial da interconsulta. É pre· a.~otad~ até então. :0r exemplo, ~m ~.ma situa· : psiquiatria. o interconsultor, valen~q·se de uma
ciso rever o prontuário (história da moléstia, çao clfmca na qual causas orgânicas já foram· abordagem alternativa, poderá sa1Ne melhor.
evolução, exames laboratoriais) com 'o mesmo Atécnica de inversão da abordagem excluídas e em que se espera que o psiquiatra Por exem~lo, um paciente do sexo masculino,
espírito com' que um cirurgião examina Ópa. encontre "causas psicológicas" para o proble- com traços paranóides, tende a reagir negati·
ciente tido· pelo clínico como acometido por Inspetor: Há algum pontô para o qual o se- .ma do paciente, o interconsultor deve-se per· vamente ao papel de passividade imposto pela
a~ndiclte. Poderá haver informações sobre o nhor desejaria que eu voltasse mi·
nha atenção? ·
guntar: condição de doente hospitalizado. A passivi·
comportamento e o estado de ânimo do paci·
ente cuidadosamente registradas na papeleta Sherlock dade é viVenctada como submissão, e o pacien·
Holmes: Sim, para o Cllri~so incidente 1. O médico assistente empregou dili· te pode reagir, agredindo a equipe, não se ade· .
' da enfermagem. Todas as pistas que confirmem
envolvendo o cachorro no meio gentemente seu método costumeiro quando às regras da enfermaria. A equipe
ou que forneçam uma "explicação altemativa"
para as expectativas iniciais são importantes. da noite. de procurar uma doença orgânica, em assistencial tende a responder com raiva, for·
Inspetor: O cachorro não fez nada durante a consonância com os sinais e sintomas çando o padente a obedecer, agravandl-lle, ,
Muitas vezes haverá pouca infonnação sobre a noite. apresentados pelo paciente? assim· o conflito. A abordagem alternativa sen
, 1 )(
11 0 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 1~ ~
.I

ria comentar com o paciente que se reconhece hospitalar e do momento, na história de vida da norma, lembramos que o psiquiatra inter· dico na disciplina de Psicologia Médica. Esses
como deve ser duro para alguém suportar o do paciente, em que tal avaliação é coriduzid\lo consultor entrará várias vezes, ao longo do tem- conhecimentos é que permitem a compreen-
desconforto e as privações da internação, per- Neste capítulo não abordamos que-stões po, na mesma enfennatia . Estará a par da filo· são~ancorada em um referencial teórico, ares·
guntar-lhe o que sug~e para minorar isso. específicas referentes à avaliação do pac,iente. sofia do serviço, das hierarquias que aí se esta· peit<? do que se passa, em termos de motiva·
Em suma, o interconsultor deve inteirar· Isso é feito no Capítulo 11, no qual enfatizà'ffios beleceram, das práticas adotadas, da postura ções .e de conflitos psicológicos, sob um fenô·
se da atirude básica do médico em relação ao dois temas principais: esperada dos participantes da equipe assis· meno manifesto.
paciente. Se, didaticamente, essa atirude for tencial, enfim, do clima emocional usual da . O que deve conter, em termos práticos,
colocada ao longo de um continuum, pod~re· 1. A técnica de entrevista: tem nuances . enfermaria. A cada interconsulta realizada, a um diagnóstico situacional? Diríamos que, no
mos observar que ela costuma variar de uma especiais, combinando questões aber-· representação que tem a respeito de determi· mútimo, uma boa compr~ensão dos principais .
distância profissional ótima até uma posttira · tas e fechadas. O mais importante é o nado serviço ou. enfermaria será reforçada ou fatores que motivaram o pedido de lntercon·
extremada, 'tendendo a um dos dois pólos: de· que se relaciona à situação ·de crise dis~orcida. É preciso estar atento a mudanças sulta: Ou seja, qual ou quais elementos em jogo
masiada proximidade (podendo o médico iden· do paciente. Dito de outra fonna, a ne..~se ambiente (que vão de dramáticas a su· na situação cllnica tiveram maior importância
tificar-se com o paciente) ou demasiado distàn· busca por uma história de 'vida (um tis), bem como a situações de tensão institu· para· desencadear o pedido de auxflio da In· .
ciamento (levando à rejeição ou à evitação). dos vetores da enll"evista) não .deve cional que possam estar atuando negativamen- terco.nsulta. De modo mais amplo, um diag·
Quanto mais o médico se afastar de uma dis· afastar o interconsb.ltQr da situàção te na situação clínica sob exame. nóstico situac!onal deve abarcar várias dimen- ·
tãncia adequada em relação ao paciente, mal· atual. Aspectos mais pr9fundos da , Defendemos o esforço para se chegar a sões, resumidas no Quadro 7.3~
or será a chance de não fazer um .diagnóstico vida e da personalidade do paclente um diagnóstico psiquiátrico, registrado no pron· b diagnóstico situacional exige a recocli·
correto, seja de patologia orgânicíl (quando só serão aces~íveis em alguns casos, tuário, que possa orientar .o tratamento espe· ficação das informações, dando-lhes senticlo ·
teme ou tejeita o comportamento d~ pacien- quando houvE~r continuidade na rela- dfico do paciente. É preciso lembrar, no en· dentro de um todo coerente e significativo. Um
te), seja de um transtorno psiquiátrico (quan· ção terapêutica. · canto, que o diagnóstico psiquiátrico fonnal, diagnóstico situacional é capaz de ampliar a
do se identifica com ele, desejando resgatá-lo 2. O exame do paciente deve ser cuid'a- que deveria clarificar o campo de atuação do visão do interconsultor e, assim se espera,. da
de seu sofrimento emoclonal e protegê-lo .do doso (ffsico geral, neurológico, psíqui- o
interconsultor, pode ad.quirlr papel de mas- equipe assistencial a respeito da recente situa·
psiquiatra). · co), com atenção especial às funções carar a complexidade de uma situação clínica. ção de vida do paciente, de como ele vem li· ·
Na tentativa de inverter a abordagem fei~ cognitivas. Isso acontece quando, feito um "diagnóstico", dando com a doença e a hospitalização, de ·
... ta até então, evitar os erros cometidos previa· psiquiatra e médico assistente liberam-se da como se encontram as relações estabelecidas
mente é uma tarefa diffcil para o interconsultor, abordagem.de aspectos situacionais mais com· entre iJ, paciente e as pessoas a seu redor. O
quando se tratam de pacientes com caracterQ- DiagnósticD situacional · · plexos, subs.tituindo-a por outra, especializa· que pode afiançar a decodificação de determi·
patias. Esses pacientes tentam envolver seus da, com. uma proposta restrita de intervenção. nados fenômenos que, combinados, passam a
médicos, psiquiatras ou não, no mesmo· tip9 .'cada situação c:ün.ica: funciona com~ um constituir unia nova visão, pslcodinâmica, é a
.. de relação patogênica que mantiveram com «laboratório de relações humanas", do qual o Devemos levar em conta que a lnten:onsu!ta possibilidade, que assim se abre, de compre·
seus pais. É importante evitar repetir os erros interconsultor é, ao mesmo tempo, participan- aparece em uma situação espec;ial, em um ender e interpretar, de modo significativo, uma
dessas figuras significativas da vida do pàcien· te e observador privilegiado, o· contato ro- momerito éspecial da evolução da enfermi· gama mais ampla de dados (Kohut, 1980).
.. te. Aliás, e este um dos principais riscos que o tineiro com drversas situações clínicas e a ob- .dade. Por conseguinte, o útil é diagnosticar e Entre as variáveis que o interconsultor
interconsultor corre: confundi.r·se nas angús- servação de como normalmente reagem as pes- derermlnar essa ~situação especial" e prlorl· deve avaliar estão a capacitação e a disponi·
..
z.ar a área em que esta se manifesta. Por isso,
... tias da eqUipe assistencial (ou identificar-se pa·
tologicamente com o paciente), deixar de dis·
soas que, no ambiente hospitalar, convivem
com o paciente prop9rcionam ao psiquiatra in·
a equipe de interconsulta deve obter diag- bilidade da equipe assistencial para prover ai·
guma forma de intervenção psicoterapêutica.
nósticos situ'aclonals que permitaln detectar
eliminar, "atuar". Esse tema é aprofundado no fonnações preciosas sobre as características das pontos de urgência de um estado peculiar Normalmente, há dificuldade, em uma enfer·
Capítulo 3. relações interpéssoai's que a{ s~ estabelecem. ("estar enfermo") em um momento também maria especializada, para lidar com um pa-
Temos uma expecti.tiva a respeitq de como peculiar ("estar internado"). (Ferrar i; ciente que· apresenta rranstorno mental. Ou, ·
'i:\ agem e reagem pacientes, familiarés e profis· Luchina; Luchina, 1977, p.60) ainda que não seja este o caso, a equipe pode
Avaliação do .Pacieme sionais .P,iante .de certas situações. Temos, da estar sem condições de lidar com os sentimen·
mesma forma, uma expectativa de como nós Um diagnóstico situacional deve ser for· t.os despertados por determinada situação clí·
A elev'ada freqüência de transtornos men- mesmos reagimos. Variações dessa norma, ·mulado, considerando·se os elementos da nica. Por exemplo, a equipe da enfermaria,
t~is orgânicos e a necessidade de diferenciar quando observadas no outro ou em nós mes· tríade médico·paciente-psiquiatra, bem como enraivecida, gostaria que o psiquiatra manti·
entre as várias causas de transtornos do com- mos, precisam ser compreendidas. Essa com· as influências das inter-relações com outros vesse dormindo o paciente que não pára de
.,, .
.. portamento exigem que, durante a avaliação do
paciente, o interconsultor mantenha wna pos-
tura médica. A avaliação psiquiátrica de um pa-
preensão proporciona recursos para o diag·
nóstico e o manejo da situação cllnica como
membros da equipe, com a famllia e com a ins-
tituição. Para a formulação de um diagnóstico
exigir cuidados exclusivos, em vez de discutir
seus sentimentos de pesar e de culpa (e possí·
vel paralisia terapêutica) diante de uma drur·
um todo. si;uacional, são Imprescindíveis conhecimen·
;,},· ciente internado em hospital geral é condiciQ- Na mesma linha de observar, comparar e tos de psicologia dinâmica. Esta última, em seus gia malsucedida. A "técnica de inverqcq:ie
?;~~:.::i
~
nada pelas caracterlsticas próprias do ambiente ponderar o que, em cada pessoa, se distancia princípios básicos, costuma ser el)Sinada ao mé· abordagem", relatada anteriormente, indTca·
.. ·: .,..._
PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL ~ 'U ~1
112 NEURY JOSÉ SOTEGA (ORG.)

no plano de manejo a ser Implementado- mé· fundir o paciente com opiniões e posturas
.. - QUADRO 7.3
dico e pacientes, e, amiúde, enfenneiros, as·
sistentes sociais, outros profissionais e famili-
conflitantes.
Em algumas situações, notadamente quan·
As divena$ dimensões do diagnóstico situaelonal ares também. (GJ!clanan, 1980, p.43) do for necessário adotar um tratamento espe-
cializado, essa comunicação deverá ser feita
Motivo da intereonsutta Situação do paciente Ap6s ter avaliado o paciente, é aconse· pelo psiquiatra. Em outras, médico assistente
Relação médict>-paclema lhável informar pessoalniente o médico assis· e psiquiatra poderão estar juntos, complemen·
Conflito~ na equipe assistencial tente e, eventualme~te, outros membros da tando-se nas respostas dadas ao paciente e aos
... Relaclonam'ento com a famnia equipe, sobre a impressão dlagnóstica e o tra· fa.m.illares. Há que se tomar os usuais cuidados
Problemas inS1itucionais tam,ento proposto. O médico assistente talvez com a linguagem utiliza~à e com a conotação
CQndlçáo cllnlca do paciente Razão e tempo de Internação aprecie a discussão de alguns achados da hls· de alguns termos médicos. Não se deve acres·
Tratamento utlrllildo t6rl.a, do exame físico· e mental do paciente e, centar às preocupações do paciente e de seus
Resposta ao trata!l'ento po~sivelmente, do resultado de uma escala de familiares mais um problema, trazido por um
Relação médlco-paci~nt~ Empatia sinais e sintoma·s. Essa atitude demonstra o in- termo técnico que pode ser ininteUgível e as·
Oistanciâmento afetivo \ teresse do psiquiatra P,ela situação do paciente sustador.
Comunicação e pelas preocupações do colega que o chamou Vale aqui a regra geral: é.predso ouvir,
Confiança para a intercçmsulta, reforçando um espírito antes de .falar. Por exemplo, o paciente que, ·
ColaboraçãCI reciproca '· de confiança e de trabalho conjunto. exasperadamente, pergunta: "o senhor não
'
Impacto da doença e da hospitalização AtiVidadll$ quotidianas . A formulação diagn6stica e o plano de acha que estou inventando tudo isso; não é?"
Vida pessoal, social, profissional, etc. tra~amento precisam ser traduzidos para uma deverá recebex; geralmente, um' "não". O psl·
Carac:terfstlcas da personalidade linguagem clara, objetiva e concisa, sem jar- quiatra contará, depois, com tempo para deci·
.. Mecanismos de defesa
Mecanismos da enfreniamento (coping)
gão e sem ·grandes teorizações. Espera-se do
interconsultor uma relação simétrica; um tra·
dir-se sobre a melhor forma de abordar o pac!· ..
ente verdadeiramente paranó.ide.
Atitude e expectativa balhar junto em uma situação concreta. Em A comunicação com familiares é imp.res·
Adesão ao tratamento alguns casos, o interconsultor terá que fazer cindível nos casos em que se procura fortale·
Sistema de apolo soçiel Famlfia, amigos um trabalho de convencimento, mostrando às cer um vínculo que permita a continuidade do
Condições de moradia partes envolvidas os riscos e beneficios ao se tratamento de U.'1l paciente com ego fragilizado
Trabalho adotarem ou não suas recomendações. Agin- ou com dificuldades pessoais para retomar às
Afiliações do assim, encontrará um interlocutor interes- consultas.
Plano de saúde sado, que procurará compartilhar esforços Há situações de impasse, felizmente ra·
Condlçóes econômicas terapêuticos. ras, em que o interconsultor tem que se opor
Estressares psicossotlais Ambiente social, amizades Sugestões de exames complementares, de de maneir~J. ~nergica a uma postura ou condu·
VIda· Intima '·· · manejo, bem como de mudança no esquema ta adotada pelo ll).édico assistente. Já tivemos
Família, moradia, finanças terapêutico; devem ser discutidas. É preciso que contra-indicar formalmente ~ alta hospl·
Trabalho mais alguma coisa? Quem o fará? Deve-se es· tal ar, que já havia sido assinada, de um paciente
Problemas com a Justiça
clarecer sobre o seguimento do caso, se o pa· com risco de sui~dio. Em outra situação, ates·
Diagnóstico pslquiâtrico e fonnulaçlio pslcodln6miça dente será acompanhado pelo psiquiatra ou tamos a plena capacidade de um paciente re·
I -· ·-~-~- não. As esferas de responsabilidade precisam cusar tratamento, registrando nosso parecer no
$~r clarameryte defuúdas, o R_Ue exige diálogo prontuário, contrariamente ao entendimento
com as p~rtés envolvidas. e às pressões da equipe assistencial. Também
nos que, nessa situação clínica, equipe assisten- As questões Cl1.lciais aqui são o que comunicar, O que será comunicado ao paciente tam· já nos valemos da contra-indicação formal de
. cial e paci.ente precisam expressar sua frustra· a quem comunicar, como e quando: bém merece discussão. Por exemplo, o intercon- a~ta hospitiuar, registrando-a no prontuário,
·. ção, tarefa para a qual o psiquiatra deverá co- ~ultor poderá recomendar que o pa9ente seja quando o chefe da enfermaria pressionava a
'.locar~se disponível. Formulação é o que você pensa. Comunica· posto a par de seu prognóstico, e o médico as· liberação do leito, não admitindo aguardar até
ção é o que você conta. Você deveria comun.i· sistente, que afinal tem a responsabilidade fi· que consegul$Semos vaga na enfennaria de psi·
cara parte de sua formulação que é relevante nal pelo tratame~lto, poderá discordar dessa quiatria. Faz-se isso,; simplesmente, para pro·
para o problema que está em sua mão, de opinião. Enfim, antes dê transmitir para o pa· teger os direitos do paciente. Esgotadas as pos·
Devolução da iniormação modo a persuadir outros a adotarem seu pia· ctente e seus familiares o resultado da avalia· sibilidades de "negociação", a postura deter·
no de manejo. Comunicação é persuasão, e,
para persuadi~; você tem que ser claro e con· çãó psiqui~trica, é preciso conversar com o mé- minada do intercon~ultor geralmente inii:Vrê)<>
'· A comunicação é um dos pontos capitais
dico assistente, tendo por finalidade não con· médico assistente mais impulsivo. Este último
do êxito ou do fracasso de uma interconsulta. vincente com rodos os que deverão colaborar
'•,
- ..,,....
·. 114 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.l PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 1] ~
ficará temeroso das implicações legais, caso, utilidade das respostas emocionais, tanto em solver" um problema, e sini o entendimento de Às vezes, a principal tarefa do intercon·
si mesmo quanto em seu paclente;.e instru· que tal comunicação é de responsabilidade do sultor será a tentativa de alterar a maneira co·
tendo contrariado as recomendações da inter· mentá-las com êxito a fim de evitar a emer-
consulta, o pior aconteça (sobre as implicações gência de situações de conflito. [...] Através médico assistente, colocando-nos à disposição mo o médico, ou a equipe assistencial como
legais da interconsulta, ver o Capítulo 34). ·: desta e de outras Intervenções o intertol!Sultor, para ajudá-lo nesse mome~to, faz parte da arte um todo, vem lidando com determinada situa·
em uma ou sucessiva.s iriterconsultas, aJuda o de nosso t:rabaJho (Zaidhaft, 1997). ção. Imaginemos um paciente muito descon·
médico a restabelecer a confiança em sua pró. Como já enfatizamos, a detenninação do fiado, negando-se a se submeter a uma neces·
Manejo pria ação e promove assim a manutenção es· . . melhor tratamento para o paciente ou do ma- sárla cirurgia. O cirurgião responde com inita·
senclal de sua auto-estima. (Ferrari; Luchlna; nejo da situação clínica como um todo comu· ção e ameaças, o que reforça o comportamen·
'· Luchfna, 1977, p.l29)
Releinbramos uma das principais tarefas mente envolve n\)gociação. É importante intei· to do paciente. Qual camip,ho o psiquiatra de·
da interconsulta: colaborar com o médico cada rar-se das demandas do médico e do paciente. .Y.~~~ tomar como foco de sua ação? Sem usar
A presença do interconsultor, por si só, já NãCI considerar isso é cair na insatisfação; ne· termos psiquiátricos ou .rebuscamento teórico,
vez que ele não se sinta capaz de manejar uma.'
pode funcionar terap.euticamente, aliviando a nhuma das partes ficará contente. Por exem· mostrará ao colega esse mecanismo e como sua
situação cllrúca. Não abordaremos, aqui, !fll:.
tensão do médico e de toda a equipe assisten- pio; o médico que solicita a interconsulta pode exasperação. aumenta a resistência do paciente.
tamentos espedficos da clínica pslqulátrica, e
cial. Da mesma.forma que um médico de fam{. estar visando à transferência de um paciente Imaginemos outra situação, na qual um
sim alguns recursos que podem ser emprega·. Ua ao çhegar a uma residência, o interconsultor
dos para aliviar situações·de crise que se esta·· ameaçador para a enfennaria de psiquiatria, paciente reage à condição de doença aguda
traz para a equfpe.assistencial a esperança de em vez de mantê·lo sob seus cuidados. A deman· com muita passividade, sem demonstrar força
.belecem na relação com o paciente, a fim de que algo será feito. Declara-se, então, uma es.
tomá-la, novamente, terapêutica.. · da desse médico não podefá ser atendida se o para reagir, "regredido" em seu comportamen·
Devemos lembrar que o psiquiatra é cha, pécle de "moratória ihstítucional", a partir da interconsultor, ao examinar o paciente, obser· to e necessidades. Alguns membros da enfer·
qual todos· se debruçam sobre detenninada si- var que suas condições clinicas (por exemplo, · magem passam a tratá·lo como. criança ("va·
mado a intervir em condições de resultados
tuação clínica. Enquanto isso, o interconsultor
e
terapêuticos pobres pode encontrar um mé· procurará delimitar os principais fatores que
as de um pós-cirúrgico complicado) exigem um
tipo de cuidado especializado que a enferma·
mos tomar o remedinho?", '1mas que feia com
esse cabel!nho todo despenteado... I"), Ointer·
dico inseguro quanto à própria capacidade pro·
·interferem nessa situação, ouvirá atentamente ria de psiquiatria não poderá dispensar. consultor deverá reconhecer a dec;licação cati·
flssional e com medo de parecer lncompeten·
te. A necessidade de pedir ajuda à iriterconsulta
aqueles que dela participam, devendo resistir São muitos os casos em que nossa inter· nhosa da enfermagem, mas acrescentar qi.le o
psiquiátrica pode ser percebida como uma der·
às pressões para que resolva o problema de venção dispensa o uso de medicamentos e re· P,aciente tratado dessa forma poderá sentir que
forma rápida e mágica (Ferrar!; Luchina; cai no que se chama de "orie.rltação da equi· o julg~os incapaz mesmo, que não adian~a
rota, semelhante à que pode se originar quan-
Luchina, 1977). Agindo assim, recodificando pe". Entende-se por "orientação da equipe" o . se esforçar, pois não conseguirá:
do o paciente não melliora ou vem a falecer. O
mensagens e traduzindo-as em termos mais incentivo a um diálogo que considere: Quando a principal· motivação para a
papel do interconsuitor pode ser. percebido
compreensíveis e operacionais e procurando, • interconsulta for a dificuldade na relação en·
-como benéfico e apoiador ou, ao contrário,
como reforçador de um sentimento de baixa·
na devolução, um bom nível de comunicação e 1. A pessoa do paciente, ~uas vivências, tre equipe assistencial e ·paciente, a interven-
entendimento, o interconsultor poderá ampliar seus limites, o significado de sua con· ção poderá centrar-se na equipe, procurando
estima. Caplan (1980), ao propor modelos de !'1 visão do médíco e da equipe assistencial, re·'
co~ultoria em saúde mental, comenta a esse
duta e a possibllidaa~ de alterá-la. propiciar-lhe melhores condições para lidar
novando seu interesse e com eles encontrando 2. A pessoa do médico e de outros mem- · com o problema emergente. Cumpre ao inte:r-
respeito que o que se requer do lnterconsulior
novas alternativas terapêuticas; . bros da equipe assisteqclal, reconhe· · consultor tentar desobstruir os çanais de co··
é um apoio não-específico ao ego. Um apoio Muitas vezes somos chamadós para reve·
que deve ser prestado com muito tato, para cendo seus sentimentos, compreen· municação a fim de que se restaure a- relação
lar ao paciente seu diagnóstico de doença gra- dendo os efeitos CJU~ determinada si- ·. terapêutica. Entre as abordagens que podem
que o consulente não seja ainda mais debilita•
ve. Os médicos podem nos dizer que não se tuação clínica produz sobre eles. ser direcionadas à equipe assistencial, desta·
do pelo reconhecimento explicito de suas difi·
encontram preparados ou, ainda, podem dar a · camos·os grupos de reflexão (inspirados no tra·
culdades, em um contexto que poderá acarre-
entender que julgain mesmo ser essa a nossa A atitude do interco~ltor não deve ser ballio de Balint), abordados nos Capítulos 10 .
tar uma perda ainda mais profunda de autocon· atribuição. Recusar-se pura e· simplesmente a. nem "professora!" nem "psicanalítica". A pos- . e 30. Relatamos, aqui, a título de exemplo, uma
fiança e amor-próprio. assuntir esse papel pode aumentar; no médico, tura deve ser a de um profissional trabalhando interc:onsult'a na qual foi possível empregar essa
a se~ação de desamparo. O que em geral nos· simétrica e- conjuntamente com o outro, tendo técnica de intervenção;
O inte.rconsultor pode ajudar o médico a en·
tender os significados que a conduta do pa· sos colegas requerem de nós é que os aux.ilie· em mente a mesma finalidade: melhorar a qua·
ciente provoca, e como suas resp<~staS (do mé- mos a suportar a carga de uma comunicação !idade da assistência prestada ~os pacientes. O pedido de interconsulta veio assim redigi·
dico), P<Jr sua vez, fecham um círculo vicioso dolorosa ou de uma conduta difícil, em termos Importante aqui enfatizar que ol:lservações do do: "Paciente de 16 anos, com diabete insulina-
que pode ser potencialmente destrutivo. O de custos emocionais (a necessidade de ampu· interconsultor em relação à conduta dos cole· dependente e tumor hepátiCQ, E.m fase termi·
médico pode enCQntrar considerável alivio ao tação, por exemplo). Amelhor opção seria ofe· gas médicos çlevem sempre considerar que um nal. Solicitamos avaliação. e 'Conduta". 'n-ata·
conhecer, por melo do ínterconsultor, os mo- va-se de um paciente que.havia passado por
recer·se para acompanhar o médico assistente pedido de interconsulta não é um pedido de várias internações naquela enfennaria, todos
tivos da CQnduta do paciente, os efeitos que nessa tarefa, e não assumi-la de modo volun· psi~to:!rapia e que interpretações fora do setting
esta lhe promove, tais como angústia. raiva., o queriam 'multo bem, e ele havia se ~for·
culpa, Impotência [...] O interconsultor pode
tarioso. A tática para que essa forma de proce· terapêutico constituem uma má pratica {Fráguas mado numa espécie de "mascote" da eq!llPe
ajudar o médico a reconhecer a riqueta e a der não soe como uma negativa nossa em "re· Jr.; Botega, 2000). assistencial. Aparentava ter menos idade, brin·
'... .
1. ""'
.~
116 NEURY JOSÉ BOTEGA {ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 1~ Ü
cava com carrinhos em cima da cama quando márias no acessório. A idéia preconcebida de que o paciente falou e relatar seu comporta· Um artigo escrito por médicos internistas,
chegou o psiquiatra. Sua condição clínica era que o médico não lerá as anotações do psiqui· mento, com o núnimo possível de interpreta· com o título ~os de:~; mandamentos da inten:on·
realmente delicada, ele corria rl$co de vida, atra não deve orientar a redação, que, entre ção. É bom não perdennos de vista o ideal: sulta eficaz", inicia-se com um comentário so-
mas estava calmo, demonstrava mesmo certa outras funções, tem importância legal. Lembrar prover registros de boa q~alldade, em doeu· bre o tempo que dispendemos fazendo algo tão
alegria por teceber tanta atenção das pesso· que o prontuário, muito além d~ um registro mentos adequadamente guardados e protegi· pouco estudado em suas sutilezas e tão pouco
as. A conversa com a médica residente, com .pessoal de anotações mnemônicas, deve ser dos da curiosidade e de qualquer má intenção ensinado em nossa instrução formal: atender
as enfermeiras e com a docente responsável tomado como um documento passível de aná· de terceiros. · pacientes que já se encontram ern tratamento
pelo caso mostrou que todos estavam angUs-
tiados: o Natal se aproximava, o hospitaUun· Use de terc~iros (auditorias, companhias segu· Aconselha-se sempre registrar no prontuá· com outros médicos (Goldman; Lee; Rudd,
donaria quatro dias em esquema de plantão, radoras, sistema judiciário). Anotações cuida- · rio as visitas de seguimento e manter a comu- 1983). Aprende·se na base .de "tentativa e erro".
estavam dando alta para a maioria dos pa· dosas também orientarão, futur~mente, o pro· nicação com· o médico assistente. A esse res- Alguns profissionais serão muito requisitados
denteS. Cada um planejava seu feriado ... Se cedimento da equipe assistencial ou d~: outro peito, vale o l~mbrete que sempre fazemos aos e respeitados por seus colegas médicos, enquan·
dessem licença para o Carlinhos passar o Na· profissional de saúde. mental que for conduzir prollssionals que estagiam em nosso serviço: é to outros encontrarão dificuldade para tradu·
tal com a famflia (a 300 Km do hospital);·te· o caso. preciso reservar na agenda os horários para o zir seus conhecimentos em ~Juda efetiva. Os
miam que ele mon'eSse em casa ou no trajeto. No registro deve constar a razão especlfi· acompanhamento das intetconsultas, como o conselhos ou "mandamentos" sugeridos são
Se o mantivessem numa enfennarla semi· ça, dada pelo médico assistente, para a solici·
deserta, achavam que esse não era o Natal que fa2:emos no caso de pacientes ambulatoriais. válidos em interconsulta de qualquer especia-
ele merecia.
tação de interconsulta. Esse cuidado costuma · Isso evita a incerteza do paciente, que nunca lidade e condensam muito bem algumas das
Aequipe estava ávida para conversar, de· restringir o <:ampo ele. responsabilidade do psi· sabe quando verá de novo seu psiquiatra, e idéias expressadas neste capítulo (Quadro 7.4),
um
sabafar. Propusemos, então, .grupo de dls· quiatra, em caso de àções legais (mais infor· poupa o interconsultor de ter que arranjar "um
cussão, do qual partic:lparam 12 pes$oas, en• maç5es sobre asi;>ectos éticos e legais da imer· . tempinho extra" para rever o paciente, o que,
tre alunos, residentes da clínica médica e da consulta podem ser obtidas no Capítulo 34). A Infelizmente, acaba ocorrendo em horários lm~ curmm ij "cal'~~gr f!.esc~rmvel"
psiquiatria, enfenneiras e professores. :No de· lústória da moléstia atual e das manifestações apertados de almoço ou em finais de período.
correr das discussões, foi ficando claro que psiquiátricas, a história psiquiátri,ca pregressa Há, também, certas circ:'j.tnstândas, como no · ·O calcanhar de Aquiles da lnterconsulta
todos comungavam dos mesmos sentimentos,
destacando-se a culpa pelo abandono lmpos· e o exame do estado atual devem estar registra· caso de risco de suiddlo ou de sintomas psicó· psiquiátrica é seu aparente caráter descartável.
to ao paciente numa época tão tocante do dos no mesmo padrão que se uti,li7,:a n.a espeda· ticos, que exigem que o psiquiatra se comuni· O. médico assistente pode reconfortar-se com
ano. No entanto, repetidamente, vinha a ques· lidade, quando um paciente rece~e assistência que rapidamente com o médico assistente, não a idéia de que, tendo chamado a lnterconsulta,
tão do recomendar ou não a licença hospita· direta e independente de um psiquiatra. Re· se limltando a deixar uma recomendação es· . já pr9plciou ao paciente certa dose do neces-
lar. Em dado momento, um aluno perguntou, gistrar recomendações n,os .casos de risco de · crita no prontuário. sário humanismo; de que não terá que Interagir
simplesmente: "alguém já perguntou pro conduta auto ou heteroagres~iva. S~,Jgestões de
Carlinhos o que ele gostaria de fazer?". Foi como a equipe deve proceder em situações cri·
uma dessas perguntas que iluminam a expres·
são das pessoas e que ~udam diamettalmen· ticas previsíveis devem vir ~ (!'estaque, ao fi. -,
~ROM
te o rumo da discussão. Entre surpresos e ali· nal das anotações. É também aoonselhávet dei· i

via dos pela saída recém·descoberta, todos en· xar registra~o quem será resp.pnsável por qual .
treolharam·se e responderam que não, nln· tipo de encaminhamentô, bem· como uma for·.
guém havia conversado sobre isso com o prin· ma de entrar em contato em t:a'so de. urgência. Os mandamentos da interçonsu!ta eficaz
dez
cipallnteressado. Consultado, o paciente dis· . Enfatizamos, no Capftulo 11, e damos.
se que queria passar o Natal com seus pais. nossas razões para tanto;· que, logo de início, ' 1. Determine a razão da interconsulta: entre em contato com o médico assistente para saber, especificamente,
Assim foi feito. Ele ainda voltou para o hos- deve-se declarar ao paciente que, tenninada a por que ele o chamou. ••
pital, onde veio a falecer cinco dias depois. 2. Estabeleça o grau de urgência {emergência, urgência, rotina), evitando problemas de comunicação ou
Nesse caso, a principal função da intercon- avaliação psiquiátrica, as. infonnações por ele, demora desnecessária.
sulta foi restabelecer a comunicação natural ·fornecidas serão compartilhadas e discutidas 3. Faça você mesmo o seu trabalho: colete informações, eKamine o paciente. Não se contente com o que já se
entre médico e paciente, bloqueada por sen· com seu médico (esse trato, logiciunente, rou· · encontra no prontuário. i
timentos conflitantes que paralisavam todos dará, . depois, se for estabelecida uma psicote· . 4. Seja conciso e prático, não repetindo informações já registradas no prontuário.
os m.embros dessa nova famflla que adotara rapia ou uma relação terapêutica mais prolon· 5. Mantenha a objetividade: recomendações especificas, em vez de vagas,
Carlinhos. gada). No entanto, é sempre um motivo de pre· S. Antecipe prováveis complicações e deixe um plano de ação para manejá·las.
·ocupação o que deve ser registràdo sobre aquilo .. 7. Não cobice o paciente do próximo. Éseu colega quem deve manter o controle da situação.
, \ que o paciente nos revelou, notadamente quan· 8. Ensine s6 s~ for com tato: troque idéias, ofereça um artigo ao colega ..•
Registro no prontuário do não se pode restringir o acesso de terceiros 9. Discuta seu plano com o médico assistente, notadamente se as recomendações forem cruciais ou
a essa dócumentação. De modo geral, não re· potencialmente controverilas.
As anotações registradas no prontuário gistramos revelações mais íntimas, nem fonnu· 10. ·Mantenha o acompanhaml.lnto durante a internação e planeje o atendimento ambulatorial.
devem ser claras, concisas, evitando-se jargão; !ações psicodinâmicas detalhadas. Épreferível, .Base<~do em Goldman, Lee e Rudd, 1983. 2 21
i;.·
~:
mais detalhadas em aspectos importantes, su· como se orienta na boa anamnese, escrever o
., _')
,,
i
' 118 NEURY JOSÉ BOTEGA !ORG.}

com o psiquiatra, nem valorizar-lhe prescrição


e orientação. O paciente continuará a se!j uni·
camente, objeto de uma aplicação técnica do
conhecimento médico, e o psiquiatra será ape·
hostil ou indiferente, o interconsultor. terá que
lutar contra a sensação, a$sim despertada, de
que seu trabalho é pouco importante, de que
tem caráter descartáveL Hora de concentrar-se,
8
nas tolerado, não valorizado.
Todo interconsultor já se· sentiu frustra·
do ao chegar ·na enfermaria e descobrir que,
ainda mais, em sua tarefa ao lado do paciente.
Relação médic.oamédico
sem prévio aviso, seu paciente tivera alta. Ou- RmRÊIUCIAS BIBUOGRÁFiCAS Neury Jnsé Botega
tra frustração comum é verificar que alguns
médicos assistentes não seguem as recomen· BAUNT, M. The doctor, his patient,. and the illne.s.s.
dações deixadas pela psiquiatria. sentimentos New York: lnt. Universities, 1973. ·
contratransferenclais (como desprezo, irritabi· BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista e gru.
!idade) decorrentes do fato de sua orientaÇão pos. São Paulo: Martins Fontes, 1980,
não estar sendo seguida podem abalar a auto- CAPI.AN, G. Princ;(pios de psiquiatria preventiva. Rlo
estima e dificultar a eficácia da atuação do de Janeiro: Zahar, 1980. ..,
interconsultor (Fráguas Jr.; Botega, 2000). Es· FERRAR.l, H.; LUCHINA. N.; LUCHINA, !.L. Asisten-
ses elementos da prática clínica rqostram·l:t ne- cia institucional: nuevós desároUos de la íntercon- . No hospital geral, as situações nas quais As motivações para a escol.ha da mediei·
cessidade de o interconsultor desenvolver a ca- sulta médito-psico!6gÍca. Buenos Aires: Nueva opsiquiatra é chamado a atuar não se baseiam na como profissão são de cunho sociológico,
pacidade de tolerar a limitação de súa interven· Vlslón, 1979 ·· · em uma problemática restrita ao paciente. De- econômico e psicológico. InfluE:m o ambiente
ção e de sua funçã?, sem cair na armadilha de - · L a interconsulta médico-psicológica en e! mar· las participam vários condicionantes de ordem familiar e o status que a profissão goza na socie-
achar que, por ser pouco valorizado por alguns co hospitaldrio. Buenos Aires: Nueva VISióil, 1917. pessoal, relaciona} e institucional. Há, de um dade, trazendo honra, prestigio e gratificação
colegas, seu trabalho seja mesmo "descartável". · FRÁGUAS JR., R.; B,OTEGA, N,J. Interconsultor . · lado, o momento de crise na vida do paciente; a desejos altruístas de curar os doentes e de
o aparente "éaráter descartável" da inter- em psiquiatria. In: FRÁGUAS JR., R.; FIGUEIRÓ, de outro, pode-se encontrar crise nos profissi· atendê-los em suas·necessidades. Influem; ain-
J.A.B. (Bd.). Depressões· em medicina in tema e em onais que o atendem ou na relação que se es- da, uma sociedade que necessita de médicos,
consulta também' pode impregnar o psiquia- outras condições médicas. São Paulo: Atheneu,
tra, que, pouco hiptivado, poderá folgar com a tabelece entre eles. Não só as condições clíni· os ganhos financeiros que podem ser auferidos
2000. p.89·93. cas do paciente, mas também as necessidades com a profissão e a disponibilidade econômica
idéia de que não é o responsável primário pelo OUCKMAN, LS. Psychiatric coruultation in the /ie·
paciente, desobrigando-se de insistir no escla- e os sentimentos do médico modulam a rela- para cursar uma faculdade. Em relação à voca·
neral hospital. New York: Mareei Dekket; 1980. ção com o especialista. O en,camiQhamento é ção para a medicina, Segulil (1982) fala·nos
recimento e no ~qmpanhamento do caso. De OOLDMAN, L.; LEE, T.; Rl!DO, P. Ten command·
fato, muitos médicos reclamam do abandono utilizado de diferentes maneiras, e do psiquia· de um talento inato, de um "Eros terapêutico",
ments for effective consultation. Archives of Internai tra esperam·se diferentes atitudes. que é algo mais do que um amor humanitário
imposto pelo psiquiatra que só deixa wn regis- Medicine, v.l43, p.l753·17SS, 1983.
tro no prontuário ·~·desaparece. Por isso, ~con- . Neste capítulo, abordam·se alguns aspec· que o médico pode sentir por seu paciente, se·
KOH!Jl', H. La restauraci6n de si-mismo. Barcelona: tos psicodinâmiéos que modulam a relação en- não um m~vtmento autêntico para o Indivíduo
sellia-se sempre registrar suas visitas de segUi· Paidós, -1980.. ·
mento e mantel' ~ c.omunicação coin o médico tre o médico assistente e o psiquiatra chamado particular que se acha diante dele e que não é
ZAIDHAPT, S. A saúde m~tal no hospiral geral e ·para a interconsulta. Trata-se mais de um mode- , um doente, mas um ser humano.
assistente. Nos casos em que este último não seu impa<:to sobre a fonnação médica. Cadernos IPUB
·se Importar c,o~;TJ todos esses cuidádos, sendo (SatldeMentalnoHospitalGeraV, v.6, p.71·84,1997. lo, wna proposta: Q.e entendimento dessa relação, Em urna visão psicanalítica, as brincadei·
do que de wna teoria exclusiva e suficientemente ras infantis e seu corolário, as fantasias incons-
abrangente. Acreditamos que o conteúdo deste cientes que expressam, são a matéria-prima da
capítulo possa dar subsídios, de modo geral, ao fantasia vocacional; No caso do médico, a fan·..
entendimento das relações empreendidas entre tasia primitiva se centraria na esperança e na
os diversos profissionais da área da saúde. necessidade de curar e recuperar seus objetos
queridos (tanger e Luchina, 1978). Freud, em
1.910, já reparara que o brincar de médico sa-
OMEDICO tisfazia especialmente impulsos Infantis de cu·
riosidade sexual. Posteriormente, sem perder
A palavra m~Ú:o vem de medeor, medítor, sua intenSidade, essa pulsão deslocaria seu alvo
que significa pensar, entender, julgar, ser inspi- para outro objeto, não-sexual.
rado, estar entusiasmado. A palavra terapeuta O instinto sexual presta-se bem· a. isso, já que
vem de therapeuin, que sigrufica acompanhar é dotado de uma capacidade de subi~@!:
o doente, auxiliando o poder curativo da na tu· isto é, tem a capacidade de substituir seu ob-
rez.a (Seguin, 1982). jeto Imediato por outros desprovidos de cará-
·.;
,1•,'-'~
130 NEURY JOSÉ BOTtGA jORG.}

do médico modulam sua relação com opsiqui-


atra. No processo de encaminhamento lnflu•.
em aspectos transferenciais e contratrans·
feren<:iais da tríade fonnada por paciente, mé-
KNOBEL, M. La reladón ent:ril el médk~ y el pslcote·
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transtornos psiquiátricos, bem como a lidar tou-se para o âmbito do hospital geral, com
com situações e~ergentes de natureza psicoló· um perfil diferente de patologias e uma mu·
gica que ocorrem com pacientes e familiares. dança de visão sobre a relação entre aspectos
· Essas são, em síntese, as premissas que psíquicos, biológicos e sociais. Nos últimos
devem nortl!ar ·o planejamento e a implanta- anos, tem havido considerável desenvolvímen·
ção de ~erviços Çe interconsulta em hospitais to nos campos de alternativas assistenciais, de
gerais. E desse tema que se ocupa o presente ensino para-médicos e estudantes e de pesqui·
<'.apltulo. Questões especificas sobre outros ser· sas na interfaçe entre psiquiatria e medicina
j' viç~s psiquiátricos no âmbito do hospital geral (Lipowsld, 1983; Miguel Fílho e cois.,l99Qj :1
.I são abordàdas em outras publicações (Botega, ~a residência ·médica em psiquiat::rá',"t> .
:": 1995; Botega; Dalgalarrondo, 1997).
1 •. estágio em lnterconsulta aprimora a qualifica· ... J
1
132
I
' NEURY JOSÉ SOTEGA (ORG.I
,,:..-
PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GEFIAL lJJ
ção do psiqtúatta, mediante sua participação de medicina interna, de psicopato- tivos. Da mesma forma, devido ao pa· do conhecimento e das práticas em inter·
em unidades ou enfennarias da clínica médica logia e de psicologia médica\são tçr pel regulador que as normas insti- . consulta:
e da c;irurgia, nas quais o interconsultor pode dos n$Cessários na formação do inter· tucionais, implícitas ou explfcitas, exer-
ter contato com situações que habitualmente consultor (Fráguas Jr.; Botega, 2000). cem sobre as ações e reações dos pro·
não ocorrem em serviços especializados de psi- 2. Psicologia médica. O trabalho do inter. O leitor, que chegou até aqul, poderá pensar
fiss!onais em sua tàrefa assistencial, é que o psiquiatra ideal, descrito adma, terá que
quiatria (Laurlto Jr.; Botega, 1990; NogueU'a· consultor dá-se ao lado de seus cole. importante adquirir conhecimentos ser wn super-homem ou super-mulher. Deve-
Martins, 1993). Estágios em interconsulta tor· gas médicos e de outros profissionais sobre o funcionamento das instituições rá conhecer métodos de várias áreas, ser um
naram·se cada vez ma.is freqüentes nos progra- da equipe assistencial. O intercon- assistenciais (Botega, 1991). ~expert" em Medicina e Psicologia e ter conhe·
mas de residência médica (Botega, 1992; Calll; sultor deve ser um psiquiatra com for. cimento de outras áreas das Ciências Huma.
Contei, 1999). mação e experiência em psicologia Para orientar a fonnação teórica em inter· nas. Terá. que saber como funcionam grupos e
médica e ter familiaridade com as consúlta há, hoje, um grande número de pu· instituições, nãQ...$.\;:f. alienado politicamente e
..., nuances da relação médico-paciente blicações nacionais e internacionais. De tem- especializar-se nas vldssitudés do relaciona-
Conliucirnentos, habilidad$S e stitildes e com' o trabalho em hospital geral. pos t~in tempos, artigos e números especiais da mento humano. Para isso, terá que conhecer·
se, bastante, a si próprio. E, multo mais...
Nesse ilffibiente, o atendimento se faz Psychosomat:ics ou da General Hospital Psychia- Não penso assim. Acredito que um ps!qul·
Os conhecimentos exigidos do intercon· em condições espeCiais, via de regra try, notadamente, são dedicados a essa temática atta bem formado deverá ter conhecimentos
sultor são de tal amplitude, nutrindo-se em fon- à beira do lei to, sem a privacidade dos (Cohen-Cole; Ha:ggerty; Raft, 1982; Sttain e suficientes de todas ~ssas áreas1 sem precisar
tes tão diversas, que, ao mesmo tempo em' que consultórios e coin freqüentes inter· cols., 1999). O acesso a informações recentes, ser um super-homem. [... ]O psiquiatra do hos·
se fala em interconsulta como uma subespe· rupções, em Virtude dos sintomas do por meio de revistas médicas ou da internet, pita! geral, ou da equipe de saúde, terá que
cialidade da psiquiatria (Lipowski, 1983), há os paciente ou de procedimentos de en· bem como a disponibilidade de uma biblioteca ser um psiquiatra geral, isto é, que lide com
que, por tal ampUtude, defendem-na como uma fennagern. A principal técnica psico.te- básica são imprescindíveis. Os temas essenciais todas as área5 descrltas acima, 9e fonna ade·
quada, Evidentemente, ele poderá também
"supra-especialidade" (McKegneye cols., 1991). rápica utilizada é a psicoterapia de cri· que devem ser desenvolvidos em um progra· pedir a\jl(fiio do especialista em m!mkias...
Três grandes áreas de conhecimento. devem par· se. Eventualmente, outras técnicas ma de formação de médicos psiquiatras são: ; Acredito que este psiquiatra geral, que se cons·
ticipar na fonnação do interconsultór: podem ser úteis ao paciente, como é • dtui num elemento Integrador para a Medjcl·
o caso da hipnose e do relaxamento. 111 O processo de interconsulta . ' na, também será o elemento' de coesão, líder
1. Manifestações psiquiátricas. A forma· Devido às peculiaridades de seu tra· ll!l Modelos de ação e estratégias em in· • • • do movimento interdi.scipl!nar, dentro da pró·
ção do interconsultor requer conhe· balho, a versatilidade, a personalida- terconsulta · ·. · • pri~ Psiquiatria.
cimentos espedficos relacionados a de e a criatividade do interconsultor il Reações psicológicas ao adoecimento
manifes~ções psiquiátricas causadas caminham junto com seus reÇursos e à hospitalização · O interconsultor é um profissional que se
por doenças clínicas 01.1 decorrentes técnicos. De um'lado, sua capacidade llil T~rnas de relação médico-paciente ,:in,tro~duz c;n~o observador participante de si-
de procedimentos médicos e medica· de compreender; em uma postura de 1!1 Smdromes orgânico-cerebrais . t;uaçoes chmcas tocantes, podendo, eventual-
mentos. O interconsultor deve, em acolhimento e reflexão, ouvindo e per· 151 Depressão e ansiedade . ~7nte, tomar-se o depositário de poderosas an-
todo atendimento de interconsulta, mitindo-se identificar com os diferen· li Paciente tenninal S1edades e reagir de forma inapropriada. Tem
conhecer as condições clínicas do pa- tes 'elementos que participam da situ· " Tentativa de suiddio . ~ enfr;ntar situa.i;ões de dor, perdas e mutila-
ciente, ser capaz de exam/.ná-lo fisica ação de interconsulta; de outro lado, 51 Condições clínicas especiais: falência çoe~, s1tuações de regressão psicológica, de
e mentalmente, bem como informar- sua capacidade de, coletadas as infor· e transplante de órgãos, alterações da .ansiedades pslcótjcas e confusionais. Por isso,
se sobre o uso atual e recente de me- mações, distanciar-se emocionalmen· imagem córporal, UTI, vítimas de vio:. ·.deve estar atento a identificações que pode fa-
dicamentos, visando a nortear a even- te e tomar decisões pragmáticas, tudo lência, intetconsulta com crianças, etc. zer co~. as pessoas envolvidas em cada situa-
tual administração de terapêutica isso conta para o sucesso de suas in· lll Elementos de psicologia e psicopata· çãp chmca da qual participa. A importância
fannacol6gica. tervenções; sejam focalizadas no pa· · logia institucional dessa questã~ está ligada à possibilidade de se
Essa peculiaridade diferencia o in· ciente, na relação médico:paciente ou il! Abordagens psicoterapêuticas identificar ta1;1to com os pacientes quanto com
te,rconsultor dos demais profissionais na clinâmica institucional. 111 Noções de técnicas grupais (grupos ~s médicos assistentes, ficando sua ação para-
oo hospital geral. Ao médico assisten- 3. Funcionamento de grupos e institui- Balint, grupo~ de reflexão, etc.) llsa~a ou de'masiadamente influenciada por
te (não-psiquiatra), conhecedor dos ções. A fim de atuar junto à equipe lill Us~ de psicofármacos no hospital geral senumentos comratransferencinis.
mecanismos fisiopatológico:S, falta o assistencial, compreendendo seus me- a Saude mental dos profissionais da
conhecimento sobr€' os fatores psíqui- canismos de funcionamento e coor· saúde ... o novo campo de ação da interconsulta deve
cos. Ao psicólogo do hospital geral, denando grupos de reflexão sobre a ser integrado por pessoas com uma formação
conhecedor dos aspectos p:;icológi<:os, tarefa médica, aconselha-se ao inter· As observações feitas por cassorla (1997, muito especial, que inclua o haver estado ex·
falta a fonnação em fisiopatologia das c;onsultor ter conhecimentos e expe· ·p.S7) salientam o caráter geral da formação postos a situações psicótica~. sumamente gra-
doenças orgânicas. Os conhecimentos riência na condução de grupos opera· do iriterconsultor ao referir-se à abrangência ves, assim como a situações médicas tão sé·
rias como as que se encontram entre a vid€eS

·jC:::
;
~~,-~
134 NEURY JOSé BOTEGA {ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 135
a morte de um paciente. E, por outra parte, 2001). o desenvolvimento d_e técnicas cogni- bre de Melo,1980). A psicologia médica não é Nos dias de hoje, o conhecimento cientf·
para ocupar-se desta tarefa [o interconsultor] · tivas, avaliações neuropsicológicas, diversas 0 estUdo da relação médico-paciente; é o estu- fico; com seu aparato, pode estar permitindo
deverá estar dl.sposto a operar fora do con· formas de terapia·, bem como o estudo da reJa.'
texto psicoterapêutlca habitual, em um am· do do médico em relação com seu paciente, com uma evitação fóbica de alguns professores ao
biente que em geral incrementa a frustração,
ção médico-paciente; passaram a contar com a a sociedade e, notadamente, consigo próprio. contato com o áluno, na sala de aula, no exa·
o que imprime uma sobrecarga emocional participação de profissionais de~sas áreas · Foi Michàel Balint, na década de 1950, o me do paciente ou nos contatos ind~viduais.
adicional a sua tarefa. (Ferrari; Luchina; (Fráguas Jr.; Botega, 2000). grande inspirador da psicologia médica. Foi ele Esse é um dilema da psiquiatria contemporâ·
Luchina, 1977, p.71) · quem nos mostrou a maneira de aprender e nea que atinge a psicologia médica, esta que
\ ' .ensinar nesse campo. Sua obra impressiona, se transformou em nova arena de debates en·
I'J ansiedades geradas no trabalho de !ntercoes~lta 'e psicologia médic~ acima de tudo, pelo fato de l)áO haver pratica· tre o objetivo e o subjetivo,. o explicativo e o
interconsulta podem interferir na percepção do mente qualquer ponto de importância, na re·· compreensivo (Eizirik, 199.4). Por outro lado,
fenômeno que se pretende examinar, com bor· O ensino da psicologia médica vmculáoo'"' !ação médico-paciente e na psicoterapia apli· os objetivos e métodos da psicologia médica
ramento dos Umites egóicos e descompensaçãP. ao da interconsulta pode propiciar a estudan· cada à medicina, que ele não tenha abordado. não são facilmente delimitados. Um levanta·
de defesas psicológicas. Podem, por outro lado, tes; notadamente os do internato, e a reSidentes Na ép,Oca em que muitos médicos generalistas mento que alcançou faculdades de medicina
ser estímulos enriquet;;edores para o autoco· de medicina a oportunidade de observar a im· britânicos tinham que atender solicitações rei- de nosso pais confumou a impressão de que o
nhecimento, awdliand~ no crescimento pesso· portância dos fatores psicosso'ciais envolvidos teradas de pacientes funcionais inscritos em conteúdo programático, o método pedagógico
al e profissional do interconsultot Por essa ra· na doença, bem como da relação !'flédico-pa· suas listas, Ballnt passou a coordenar reuniões e a carga horária aplicados ao ensino da psico-
zão, duas medidas são aconselháveis ao ciente no comporiamen~o e na evolução deste semanais de discussão a respeito dos proble- logia médiça são muito variáveis (Botega,
interconsultor: ·. último (Lipowski; 1983; Kerr-Corrêa; Silva, mas psicológicos da prática médica, em uma 1994).
1985; Sampaio e ools., 1990; Nogueira-Martins, estratégia que ficou conhecida como grupos . A tarefa central, prática, de uma disclpli·
1. Submeter-se a psicoterapia 1996). Ainterconsulta tem esse impórtante pa~ Balint (Balint, 1994). na de psicologia médica é propidar ao estu·
2. Participar de reuniões com os profis· pel no processo de edueação ao participar de Vale a pena reler Balint, dissecção fina da dante um espaço para entrar em contato com
sionais da equipe de intercpnsulta, a situações concretas do exercício profissional, alma do médico, escrita com estilo. Suas prin·. . seus sentimentos e reações, diante das pessoas
fim de lntercambiar sentimentos e propondo urna atitude refleXiva sobre a prática cipais conmõuiçõe$ à. psicologia médica encon· que está começando a atender. Um espaço que
experiência cl{nka médica (Nogue!ra-Marôns;· frenk, 1980). tram·se em O médico, seu paciente e a doença, priorize a reflexão e a troca de experiências.
Hipócrates escrevE;\l. a primeira página da publicado em 1957 (Balint, 1975), e em Técnl. Sot; diferentes estratégias, é preciso apreender
A interconsulta é, também, uma impor· história da psicologia médlca,·e ela peffilane· ca.s psicoterapêuticc.s em medicina, publicação o médico·em sua "vida dramática". Trata-se de
tante estratégia pedagógica destinada a meLho· ceu por muitos anos sem aclição de uma linha. de 1961 (Balint; Balint). Com David Malan, · utilizar a vivência como instrumento de apren·
rar a qualificação profissional das equipes de Ao terapeuta cabia auxiliar o "poder curativo desenvolveu as principais idéias da psicoterapia dizado e de semiologia. •
saúde, aumentando sua capacidade de identi· da naturezan, pei!Ilanêcen® ao lado do enfer· focal. Inspirados por suas idéias, psicanalistas
ficar e resolver problemas de natureza psiquiá· mo, assistindo-o, cuidando dele (therapeuin), e m.édicos generalistas, pfofes.sores e alunos
trica em uma população na qual a preval~ncia. Com o passar dos séeu!os, no entanto, foi-se têm se aglutinado em diversas associações. A ESTRUnJRAÇÁO DE UM S[RYIÇO
de tais problemas é alta. Este é, no entànto, tomando cada vez mais difícil ser um ascle· primeira surgiu em 1967, a Societé Fram;aise DE INYERCONSULTA
um ponto delicado: embora o desejemos, não píade modemd. . . i ·•. . . des Groupes Balint. Em 1970, ano em que
há evidências de que a prcilença da psiquiatria Ernst I<retschmer,· cÓnsiderado ó patriar· Balint morreu, foi fundada em Londres a Balint Aestrur;uração de um serviço d~ intercon·
nos hospitais tome os médicos mais sensíveis cada psicologia mé~~qa, defendeu-a, em l922, Society. Atualmente, existem várias sociedades sulta demanda tempo e recursos. Recomenda-
a aspectos emocionais presentes na prática como discip!ina especial e independente, Se· Balint no m\lndo (Missenard, 1994). se dar prioridade à qualidade do atendimento
médica. Muitos têm enfatizado que o caminho gundo ele, a psicologia médica deveria "preen· No manual de psicologia médica mais fré. · aos pedidos de interconsulta de pacientes in-
para uma convergência entre médicos e psi· cher a lacuna existente na fortl).ação médica, qüentemente adotado nas escolas médicas do ternados, para, de forma progressiva, planejar
quiatras reside no cuidado dedicado ao doen_. ligando a cultura puramente médica, e nl!otura· pai~. Jerunmet, Reynault e Consoli (1989) fa: a extensão e a abrangênda do serviço. As su-
te, e não em um papel primariamente "educa- lista ao domlnio das ciências moiais", bem zem de uma pergunta o título de um capítulo': cessivas experiências permitirão uma reflexão
dor" da interconsulta. CompartiLhamos desta como uatravés .de uma psicologia nascida da "A psicologia médica tem um lugar no contex· crítica e a eventual extensão do serviço para
noção: a interconsulta ensina quando oferece prática médica, atender necessidades práticas to de uma medicina científica?". Reconhecem OUtr;!S unidad'es do hospital (NogÚeira-Martins;
a-alunos e profissionais um modelo de identifi· do exercício profissiona{" (I<retschmer, 1945, oconflito clássico entre uma medicina da doen· Botega; Celeri, 1995).
càção: ufaça como você está vendo eu fazer". p.xvlll). Já como ciência, a psicologia médica ·ça e uma medicín'a mais global, c~ntrada no Com o amadurecimento do serviço, nor·
' , Ao lado da psiquiatria, a psicologia, a não pode ser considerada nova, nem autôno- ser humano doente. Acrescentam que a situa· malmente surgem diversas demand,as de tra·
enfermagem, a terapia ocupacional e o serviço ma, especial ou independente. É modalidade ção médica é um mgdelo de interação concre· halho conjunto ("ligação"), de grupos opera·
social, principalmente nas últimas década.~. da psicologia aplicada à medicina, nutre-se de .ta. Defendem, portanto, o estudo do homem tivos, de participação em projetos d·e pesquisa
vêm formando profissionais voltados parà o diversas fontes. Pode ser concebida mais como em sua. situação concreta, opondo-se à psico- e em encontros científicos. Acaba tornando-se
campo da saúde mental no hospital geral atitude, um recurso para ampliar e aprofundar logia'abstrata. É' preciso apreender o sujeito impossível para a equipe de interconsulta ci-6
(Bruscato; Benedetti; Lopes, 2004; Morais~ a cap.acidade de compreensão do mé~ico (No· em sua "vida dramática". conta de toda essa demanda. Será preciso de-
_?{.
U& NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.) PRÁTICA PSIQUIÁffiiCA NO HOSPITAL GERAL ~ 3}'

finir 'prioridades. Uma saída tem sido abrir al· trevista aos membros da enfermagem e aos podem produzir. É necessário esse tempo de e levar o psiquiatra a assumir urna atitude re·
guns seminários e reuniões cUnicas, bem como familiares, bem como revisar o prontuário do reflexão: ceptiva-ativa.
supervisões individuais, a profissionais de saú· paciente, a avaliação do paciente sofre freqüen~
de mental que estejam prestando assistência tes interrupções, a equipe assistencial ag~,~arda ... a presença de uma equlpe de interconsulta
nas diversas unidades do hospital. um retomo do psiquiatra... AJém disso, dada a em um hospital geral indica a coexistência, Hegist'n dl:ls casos atand!.dos
Os seguintes aspectos devem ser conside· velocidade com que os fatos se sucedem no dentro dessa instituição, de dois tipos de ações
rados na estruturação de um serviço de inter· hospital geral, algumas situações cifnicas re· médicas: uma que, pelo número de collSultas,
fndole das mesmas e objetivo que as anima, Visando a manter e. aprimorar os beneffcJ.
consulta: querem acompanhamento diário, ou várias os que o atendimento psicológico e psiquiátrico
· vezes ao dia: • . apela para wna ação fundamentalmente atl·
va, que solucione os problemas; e outra que, proporciona a pacientes; familiares, médicos e
Não é raro que, ao atender wn paciente, . por causa do esquema referencial em que ope· hospitais, bem como atellder a necessidades de
AiBtercortsulta é mila s~waçáa e\'MI'§e!lciní o interconsultor se depare, no dia subseqüen- ra e da área sobre a qual atua (relação médi· pesquisa, deve ser provid.enciado o registro cul·
te, com mudanças significativas em seu qua- co-paciente), leva a uma ação reflexiva·conti· dadoso dos casos atendidos (Andreo)i e cols.,
Uma característica marcante da mterc~n­ dro clínico. A morte do paciente, a piora do · nente. (Ferrar!; Luchina; Luchina, 1977, 1996). Um impresso próprio do serviço de
quadro clfnlco, com transferência para a UTI, p.l41)
sulta é a necessidade de o psiquiatra respon· interconsulta deve conter, mittimamente, as se·
der rapidamente às solicitações de avaliação. a realização de uma cirurgia em caráter emer· guintes informações: data e origem do pedido,
Os estados contusionais agudos são exemplos · gencial, a alta hospitalar por decisão médica lu reuniões da equipe de lnterconsulta
conformam um espaço para a convivência e a quem o faz, identificação do paciente, motivo
eloqüentes. Outro aspecto a ser aq~;~i (Onside· ou por soUcitação do paciente são alguns exem· da hospitalização, motivo do pedido de inter·
rado é que a decisão de pedir ajuda ao psiquia· plos relativamente freqüentes. Alie·se a esse ·ref!e~eão sobre a tarefa médica (Botega; Perei·
consulta, nível de urgênda, anamnese e exames,
tra pode ter sido postergada ao máximo. Ocor· conteXto o caráter imprevisível de novas ~oU­ ra, 1988). O prQfissional que aprender bem as
técnicas e sutilezas da interc:onsulta aumenta· formulação diagnósôca, conduta. terapêutica e
re, então, de essa decisão ser às vezes tomada citações de interconsulta. 1\.!do isso para enfa· intervenções efetuadas, visitas de seguimento,
em um momento no qual o médico já atingiu tizar que é preciso dedicar o necessário tempo rá sua percepção em relação à problemática
resultados obtidos e encaminhamento do caso.
seu limite de suportar a angústia desencadeada
por uma situaÇão cUnica. Quando· solicita a
.
para a atividade de interconsulta. .. de seus pacientes, utilizará melltor suas reações
como instrumento semiológico, estará mais
Aconselha-se a apresentação de casos cllnJcos
.. capacitado pata trabalhar na atenção primária em reuniões semanais, com os principais dados
interconsult'a, quer a presença urgente do psi- de anamnese e exame do paciente resumidos
quiatra, pois urgente é sua ·afliÇão (Botega; Seminários toóric!.ls e n:mdiies ciirt!cas e terá mais habilidade para interagir com seus
colegas médic~s. em uma ou duas páginas.
Dalgalarrorido, 1997). .
Não se pode adiar a solicitação de uma Essas atividades são imprescindíveis.
interconsulta, nem programá-la burocratica· Constatamos, a partir de um levantamento rea· ~3Cl!lô~3il httií!~cttlê
mente, errturiJ.horário prefixado, Ela deve, por· lizado junto a médicos psiquiatras formados Aiuten:~.Jmw!~m p!Z!ucip~ ~&\f. •
tanto, ser 'considerada uma situação emergen· na UNICAMP e na PUCRS de Porto Alegre, q1,1c alividadm; ~o ltGspitll O cálc1.1lo da necessidade de pessoal deve
cial, e o seryi'ço deve dispor de uma estrUtura metade dos interconsultores realiza um ttaba· considerar o que diversos estudos nacionais
que possa atender à demanda com rapide~: · lho solitáoo, çle sete horas sem:anais, em mé· rsso se dá por meio de jornadas de inte· indicam: solicita-se lnterconsulta para 1 a 2,5%
Pelos mesmos motivos, recomenda-se estabe· dia, sem' horárlo fixo, responderii:lo ..a solicit,a· resse multidisciplinar, palestras, discussões mé· dos pacientes internados. Essa taxa varia mui·
lecer um eiqÚema de plantão à noite, em feri· ções de pareceres. Não tervinculação ·com uma àico-psicológicas, grupos operativos com pro- to entre as diversas enfermarias e serviços, ten·
ados e finais de semana. Quando não houver equipe de interconsulta e fazer consultoria es· . fissi'onais de det~rminada unidade, partld· dendo a crescer à medida que o trabalho do
uma enfermaria de psiquiatria no hospital, poradicamente significam entrar em campo só ' pação nas várias comissões que a instituição psiquiatra for reconhecido como importante e
deve-se procurar a cooperação de outra insti· para atender casos e.speciais, "apagar 'incên· hospitalar reclama: Em geral, o psiquiatra será eficaz. Estima·se que uma interconsulta, na
tuição que pÇ!ssa acolher pacientes que neces· dios". Isso torna: critica a qualidade do traba· chamado para opinar em uma série de situa· qual se inclua pelo menos uma visita de ,segui·
sitam de transferência. No !1ospital das Clfni· lho em interconsulta (Guilhermano e· cols., ções; essa demanda vem de colegas de outras mento, demanda no mínimo duas horas. Épr•e~
cas da UNICAMP, a transferência para a enfer· 2000). . . especialidades, bem como da diretoria clínica ciso, também, reservar tempo para as ativida·
maria de psiquiatria ocorre em 5 a 7% dos ca· Sem o compromisso com a manutenção e da administração do hospital. Poderá, por des de supérvisão, organização e administra·
sos atendidós pelo Serviço de Interconsulta do serviço, sem trocar idéias com seus colegas exemplo, promover medidas de caráter pro- ção, bem como para atividades extras de ensi·
(Magdaleno ?r.; Botega, 1991). da especialidade e sem possibilidade de esta· filático, realizando programas de reciclagem no e pesquisa e eventuais esquemas de plan-
belecer ligações com outros serviços do hospi· em aspectos emocionais, destinados a profis· tão à noite, em feriados e finais de semana. A
tal, o psiquiatra atua como "bombeiro" da ins· sionais de saúde. que traballtam no hospital. carga horáiia dos profissionais da interconsulta
Ainterconsul~a requer dedicação de tem~o tituição, quando, de preferência, deveria ser o Como já lembramos, também haverá contínuas deve incluir as sempre necessárias entreVistas
"inspetor de incêndios". Portanto, na estrutura· solicitações de trabalhos conjuntos nas áreas com familiares e a participação em seminários
O tempo é necessário, pois o médico· as· ção de um serviço, é preciso reservar tempo e de 9ncência, assistência e pesquisa. Todas es· teóricos e reuniões clínicas. ·
sistente custa a ser encontrado, o paciente pode espaço para o crescimento profissional que, sas atividades devem se contrapor ao caráter Outro ponto a ser levado em consi4:7a.
não estar disponfvel, tem-se que ampliar a en· inegavelmente, reuniões clínicas e seminários. passivo da espera por pedidos de interconsulta ção é a manutenção de uma equipe fixa ou de
138 NEURY JOSÉ BOTEGA jORG.} PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAl GERAL ~ 3®

•'- um supervisor cuja presença no hospital seja BAL!NT, M; BAUNT, E. Psichothe'.apeutic techniques interconsulta. Jomal Brasileiro de Psiquiatria, v.34, tal health treatment. AmericanJoumalofPsychiatry.
mais constante. Isso porque o re>d.Wo de inter· in medicine. London: Tavlstok, 1961. ' p.247·252, 1985. v.141, n.lO, p.ll45·1158, 1984.
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'
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'·•' São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. sino de psi,qulatria pela análise dos pedid~s de
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.lnterc.onsulta em psiquiatr·ia infantil
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Antônio Carualhu de Ávila Jaclnthn
tlofsa Helena Rubello Valler Ce!eri
Udi~··srrsus

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As descobertas psicanalíticas de Frei.ld mútua e inclui, além da consultoria em si, a


(1905) conduziram a um crescente interesse colaboração, a educação, o manejo, o apolo e
e à valorização do desenvolvimento emocio· a coordenação de cuidados. Entretanto, tal qual
nal infantil. Dando continuidade a essas idéi· se observa na psiquiatria d~ ligação com pacl·
as iniciais, Anna Freud (1952) passou a apli· entes adultos, existe uma desproporção entre
car o conhecimento psica'n6Htlco à educação o número de crianças que hE!cessita.m ou po·
infantil, inicialmente ent. VIena e depois em deriam se beneficiar de um atendimento
Londres. psiquiátrico e o número de inter<:Onsultas efe·
Outros teóricos da psicanálise, como tivamente solicitadas. 1

Melanie Klein (1924), ~sua original teoria Em um estudo com crianças internadas
acerca do mundo intex:no ·,da criança, Spitz em uma unidade pediátrica, Stocklng e co·
(1945) e Bolwby(l951; Bolwbye cols.,l952), laboradores (1972) verificaram que 64o/o das
criaram o arcabouço teóiiC.O'que permitiu, pro- crianças apresentavam algum tranStorno emo-
gressivamente, uma malor·conscientização so- cional, quer relacionado a dificuldades de adap~
bre os riscos trazidos pela~ r;upturas dos víncu- tação à situação de doençà e hospitalização,
los. afetivos na infância. Tais preocupações es- quer a transtornos psiquiátricos preexistentes
timularam médicos p~qi!'traS a encorajarem a à condição cllnica de então. Contudo, a inter·
·'
permanência das. mãeS durante as internações consulta foi solicitada para apenas 11% das
de seus filhos, participando, inclusive, dos cui- crianças. Para compreender melhor essa ques~
dados com a criança .. Além disso, passaram, tão, é importante levar em consideração alguns
também, a ser consultados pelos pais sobre aspectos da relação entre pediatras e ps!quia•
questões relacionadas ao funcionamento emo· tras da infância. Apesar de se relacionarem de
cional de seus pequenos pacientes. maneira próxima, as personalidades de pedia·
Sob a égide desse particular momento ttas e psiquiatras de crianças tendem a se mos~
histórico nasce a intercons\llta em psiquiatria trar significativamente diferentes {Work, 1989),
infantil. o que pode ser revelado não apenas na prática
' Ctiailças internadas em um hospital ge· médica, mas talvez, de forma menos conscien·
ral podem necessitar de avaliação do psi~uia· te, na escc:~ha da própria especialidade.
tra. Naylor e Mattson (1973) definem a inter- O ped1atra, apesar de não desconsiderar
consulta psiquiát:;rica em pediatria como um as questões emocionais, é mais orientado para
vínculo estreito entre essas duas disciplinas. a ação, para os resultados rápidos, e R~ a si
Uma associação que promove a compreensão próprio mais instrUmentalmente, estando mais
,•
'
'
522 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.I PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 52J
interessado na possibilidade de modificação de fantasias de morte, medo exager;Í.do de perder perguntas, pode não obter respostas ou recebê- grau de certeza e a sensibilidade com que o
comportamentos do que na análise de senti- partes do corpo, de ser deixada ~6, alteraçÕes las de maneira pouco clara, evasiva ou menti- diagnóstico e os futuros procedimentos são
mentos. O psi9.uiatra de crianças, em geral, do sono e do apetite, comportamento régredido rosa, o que só faz aumentar sua ansiedade. comunicados à criança e à sua família.
tolera melhor ambigüidades e incertezas, acei· (chupar dedo, perda do controle de esfíncteres, A forma como um ato médico é vivido Mesmo quando a investigaçãõ diagnóstica
tando mais fa~ente situações em que se sen- fala pueril, etc.), ideação suicida. pela criança depende das características de sua é demorada, a famllia deve ser mantida co os·
te impotente. O pediatra focaliza o comporta- A doença e a internação de uma criança personalidade, do momento evolutivo, da pre- tantemente infonnada, o que contribui para
mento e o alívio dos sintomas. O psiquiatta mobilizam Intensamente seus familiares. Quan- paração da família e do tipo de relação que se diminuir desentendimentos e confusões acer-
iu.fantil parece não ter pressa em finalizar um .. do uma c:riança.(ldoeo!, a família passa por um estabeleceu entre o médico e a criança. Uma ca do real estado da criança. A busca ele send·
diagnóstico, procurando explorar o significa· processo de reorganização implicando perdas, compreensão do impactO que o adoecimento do para o acontecimentq doença é parte es-
do dos comporl;amentos, das interações e dos mudanças de papéis, sobrecarga de tarefas, des. poqe desempenhar sobre o desenvolvimento sencial das preocupações Jamiliares. A tenta ti·
a:fetos envolvidqs nas relações da criança com locamento da atenção para a criança enfenna infantil é essenCial para os profissionais de saú- va de atribuição de sentido para a doença é
sua fanúlia e com ele próprio (Lewis, 1995; em detrimento dos innãos, etc. Todo esse qua- de ~nvolvidos nesse processo (Garralda; Bailey. inerente ao ser humano, assim como o é a refle-
L<~wis; Vitulano; 1988). '·dro poderá se refletir na maneira como a fanú. 1989). xão sobre a morte e o significado da vida (Augé,
Estar disp?nível para lidar com o sofri- üa interage com a criança e com a equipe hos- Quase todas as crianças apresentam al- 1991; Herslkh, 1984, 1991; Crepaldí, 19.95),
mento físico e mental de seus pacientes é tare· pitalar. Inúmeros sentimentos podem aflorar, gtlma reação à experiência da hospitalização, Essa necessidade de sentido pode fazer
fa esperada de qualquer profissional de saúde. também, entre os membros da equipe assisten· sendo ansiedade, depressão, apego exagerado com que os pais se considerem responsáveis
Contudo, devido à natureza não apenas técni· cial. Muitos pedidos de interconsulta trarão, a um dos pais, diminuição da auto-estima, re· pelo aparecimento da doença, quer por fato·
ca, mas também !ifetiva da relação médfc:o-pa· assim, questões mais pertinentes à familia e à cusa ou mau rendimento escolar e não-adesão res hereditários, quer por aç~ diretas ou indi-
ciente, o pediatra poderá se defrontar corq si· . equipe cuiàadora do qiie à própria criança. ao tratamento .as queixas mais freqüentes. A retas que implementaram junto .ao filho. Aan·
tuações emocionais difíceis e conflituosas, fi. Outrils vezes o interconsultor vê-se d!an- 1

intensidade dessas dificuldades é variável e gústia que essa condição de;: "cuipados" provo·
cando aberta a possibilidade de emergirem te de situações socioculturais muito dificéis, tais dependente dos seguintes fatores (Lewis, ca pode ser projetada principalmente sobre a
perturbações na sua relação com a c;riança ou como·pobreza extrema, ambiente familiar vio- 1995): idade da criança, nível do desenvol'>:i· figura do médico ou da- equipe de saúde que
com seus familiares. Pediatras sensíveis àS ques- lento, abuso sexual, custódia e guarda da crian- mento psicológico, personalidade pr~via e ca· atendeu a criança.
t<íes emocionais de seus pacientes irão pr~· ça, entre outras. Algumas dessas situações são pacidade de adaptação, tipo de doença e re-· Devemos ter em mente que a <:ompreen-
rar mais freqüentemente seus colegas psiquia· muito delicadas, envolvendo, além dos aspec- ' .. percussão sociocultural, existência de inter· são consciente (fatores cognitivos) é um com·
tras. Estes, por sua vez; deverão se mostraJ: sen~ tos psiquiátricos, questões éticas e legais, ne· nações ameriores, tempo de hospitalização, ponente importante da resposta da criança à
siveis para acolher os pedidos de ajuda, tendo cessitando o psiquiatra infantil. da assessoria grau de infonnação que a criança tem sobre doença e à hospitalização. Da( a necessidade
consciência de que o pediatra tem, via de re· de um psiquiatra forense. sua doença, equilíbrio familiar, freqüência das de receber, do médico e de seus familiares, uma
gra, inúmeras lnfonnações importantes a for· visitas familiares, cuidados afetivos, grau de explicação consistente e adequada à sua capa·
necer. o pediatra geralmente acompanha a
criança há muito tempo, às vezes, desde o nas- ACRIANÇA HOSPITAI.IlA~A .. prostração, dor, tipo e efeito do tratamento.
A depressão é freqUente em crianças hos·
cidade de compreensão .. O vocabulário deve
ser simples e direto. .
cil:nento, tendo conhecimentos valiosos sobre pitalizadas, podendo se apresentar como uma Vale .lembrar que muitas vezes a criança
o desenvolvimento infantil, a dinâmica fami· 'A doença é uin episódio comum na vida reação de· ajústamento secundária a uma do· doente está regredida, podendo demonstrar
lim; o modo como essa famrua lida com o adoe· de wna criança. Entretanto, a experiência .de ença aguda ou crômc:a ou como um diagnósti· uma capacidade cognitiva inferior ~ esperada
cimento da criança, etc. estar doente pode ter grande significado erno· co primário associado a sintomas psicosso· para sua faixa etária. Mas a comprettnsão lnte·
O psiquiatta poderá ser consultado tanto donal para a criança e sua família. A doença máticos e transtornos de comportamento. Em lectual não é tudo. Fantasias também podem
em situaç~ nas quais a criança apresenta um faz surgir a figura do médico e, eventualmen· um levantamento com crianças (6 a 12 anos) alterar a percepção 'e• a compreensão que a
quadro psiquiátrico instalado e bem-definido te, pode conduzi-la a um hospital. A enfermi· hospitalizadas, Kashani e Hakami (1982) en- criança tem sobre sua doença, sobre os proce-
: quanto em casos em que o processo de adoe- dade provoca uma série de respostas emocio- contraram. depressão em 7% e humor disfórico dimentos médicos e 'sobre o tratamento. Por·
. cer provoca repercussões emocionais. Entre 8:5 nais, sendo as mais constantes a regressão e o em 38% das crianças. exemplo, o medo dii uma cirurgia pode ser
solicitações de interconsulta mais freqüentes, retraimento•.As dores, a fadiga, a febre e ou· A doença reforça os vínculos de depen· exacerbado por uma ansiedade de castração.
podemos citar c:r;ianças com AiDS, vítimas de tros sintomas físicos prov.ocam mudanças na ciência e de necessidade de proteção entre a Os conflitos inconscientes podem distorcer as
queimaduras, com câncer,. com má-formação vivência que a criança tem de seu esquema criança e os adultos que dela cuidam, primei- percepções e favorecer concepções errôneas e
congênita, crianças que sofreram abuso. sexu· corporal e de seu "sentimento de sf", podendo ramente os pais, depois os médicos e seus co- medos desproporcionais. O pensamento mági-
al, com· doenças crônicas, com múltiplas inter- a essas vivências associá.r-se um estado de an· laboradores. O 'processo pelo qual o diagnósti· co e a crença em uma justiça imanente penni-
nações, tentativas de suicídio e adversidades gústia mais ou menos consciente. co é estabelecido desempenha um papel im· tem que a criança pequena tenha a ilusão de
psicossociais. Entre os sintomas mais freqüen· Dentro do hospital, v:ivencia situações no· portante na capacidade da criança e de seus uma ordem e de um controle pessoal daquilo
tel> na criança internada encont;ram-se irrita· · · .vas e, às vezes, incompreensíveis. Pode não pa,is se adaptarem à doença. Aqui, desempe· que parece ocorrer ao acaso. Segundo Anna
bilidade, sentimento de desamparo, sintomas contar com o apoio de um adulto confiável a nham papel relevante o intervalo de tempo Freud (1952), a doença pode parecer j<0l a .
fóbicos, depressivos, conversivos e ansiosos, quem perguntar suas dúvidas; ou, quando faz entre o início dos sintomas e o diagnóstico, o criança "a confirmação de que os atos errados,

•'.
' '•' 524 NEURY JOSÉ BOTEGA IORG.) PRÁllCA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 525
mesmo feitos secretamente, são passíveis de serviço da casa? Com a ajuda do interconsultor, médico e social deficitária, desempre- de abuso fisico (Quadro 33.1). Em geral, as
punição, mesmo aqueles ainda não-descober- os pais puderam conversar com a filha e mos- go, condições ruins de moradia. lesões seguem um padrão similar nas diferen·
tos ou que existem só na imaginação terão uma trar-lhe que o trabalho da casa não era·i.mpor- 2. Famillas nas quais os pais abusadores tes áreas corporais afetadas, ppden.<lo, inclusi·
retribuição de alguma forma". tante; ela é que era, pois a amavam muito. ou negligentes foram abusados na ve, indicar o formato do "instrUmento" utiliza·
infânda. · do para provocar o ferimento,. corno marcas
3. Pais (ou responsáveis) usuários de de fios elétricos, fivelas de cintos, dentes ou as
Acriança com câncer ACRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO EDf NEGLIGÊNCiA substâncias psicoativas. próprias mãos do agressor.
·•. . •, 4. Pais (ou responsáveis) com transtor-
Na infância, a leucemia é o tipo de cful· Crianças v:(timas de abuso físico ou negli- nos psiquiátricos como transtorno da
cer mais freqUente. Com o avançç da quimio- genciadas pelos pais ou responsáveis chegam personalidade, depressão ou psicose. Abuso sexual
terapia e da radioterapia, o curso desta pato'~" constantemente aos serviços de emerg~nçia.
!ogia foi muito alterado. Entretanto, a despei- Abuso físico na Wância é definido como a prá- Crianças vítimas de abuso ·~eX1Jal têm difi·
to dos progressos observados, muitas crianças tlca de ferimentos físicos em uma criança por Achailos no mme ífsico culdades em abrir·se sobre essa questão com o
ainda morrem vitimadas por essa patologia, O pessoa responsável pelo seu bem-estar, de médico que lhes presta atendimento. Na mai·
tratamento é difícil para a criança e para sua modo não-acidental. O abuso podé ser físico, Freqüentemente, os ferimentos presentes. or parte das vezes, são trazidas ao serviço de
fanúlla. As internações são co:tntillS,.e os pro- sexual ou emocional em uma criança vitimada por maus-tratos mos- emergência com outras que~. muitas vezes
C(~dlmentos, dolorosos e invasivos, provo- .. Os primeiros casos descritos' de violência tram-se mais graves do que seria de se esperar conduzidas pelo próprio abusador. Quando o
<:llndo isolamento, perda de peso, de <:libelo, cometida contra aianças datàm de 1946, quan- em relação às <:ausas declaradas pelos respon- abuso é praticado por membro da própria fa·
n!iuseas, vômitos e a possibntdade concreta da. do Caffey rélatou casos 'de crianças com múlti· sáveis (por exemplo, uma criança com ruptura m.flia da criança, ela poderá ser: proibida de
morte. Muitos pais e, às vezes, a própria equi- plas fraturas e hematomas subdurais, que ha· do baço, fratura de clavícula, escoriações no revelar o ocorrido, sofrendo até ameaças. A
pe médica tentam negai a morte, o que sobre· viam sido espancadas pelos pais. Em 1962, rosto e vergões nas costas, cujos responsáveis maioria dos casos de abuso sexual é praticada
carrega a criança, que sevê obrigada a demons- Silvennan descreveu a síndrome da criança '·;' afirmam que ela caíra acidentalmente enquan- por familiares da criança oú por pessoas pr6·
e
trar um falso bem-estar uma falsa disposição espancada (Kempe e cols., 1962). to brincava). Lesões como hematomas, contu- x.imas ao círculo familiar.
para não decepcionar aqucl~ que cuidam dela Segundo estatística$ do Centro Nacional sões, vergões ou mesmo queimaduras no cor- . Como a queixa de abuso sexual não é fre·
(Perina, 1997.). · '.' . de Prevenção ao Abuso e Negligência dos Esta· po da criança estão entre os sinais indicativos qüente,, o médico deve estar atento a sintomas
Uma menina de 9 anos, com diagnóstico dos Unidos, no ano ~e 1992 mais de 3 milhões
de leucetpja mlelóide -aguda, que não respon- de crianças sofreram alguma forma de abuso
deu à quimioterapia, disse ao seu interconsul· ou negligência, sendo que entre 2 e 4 mil mor·

~
-----~---·-----~-----------.

tor: "Antes eu andavá: d~ois conseguia ficar reram por causa dos maus-tratos. Além disso,
se11tada, agora não. A.lites'tomava remédio tJ:ês quase 200 mil casos de abuso sexual contra UUADRO 33.1
ve;:es por dia, agora 'é ·.toda hora. Não tenho crianças são relatados às autoridades compe· Sinais físicos de abuso em crianças
vontade nem de brincar, mas todo mundo entra tentes todos os ano~ (Lewis, 1995). .
aqui e diz que eu estou ~p.elhor, que vou ficar Crianças· vítimas de abuso terão moior 1. Contusões e vergões:
boa. Eu me sinto cada dia pior, mas não posso chance de desenvolver compôrtamento Impu.!· - rosio, lábios, boca, orelhas, olhos, pescoço, cabeça, tronco, costas, nâdegas, coxas, mãos, pés
decepcioná-los. Ele~ f~em tudo por mim". slvo, transtorno de hiperatividade, problemas ., 2. Queimaduras:
Muitas vezes, a: criança precisa de alguém de aprendizado escolar, bem como transtorno - por cigarró$: sola dos pés, palma das mãos, costas ou nádegas
com quem falar sobre a morte. Morrer dói? O da conduta e abuso de substâncias psicoativas
que acontece quando a gente morre? Essas são
perguntas para as quais não temos respostas,
quando entrarem na adolescência (I<a.shani e
cols., 1987). Crianças que sofreram abuso ten·
I - porimersão: especialmente nas extremidades, nas nádegas ou nos genitais
- por aparelhos elétricos, utensllios domésticos {como ferro de passar, panelas quentes, tostadorl:
qualquer parte do corpo
mas podemos tranqüilizar a criança, assegu·. derão a abusar com mais freqüência de seus 3. FraMas: em geral múltiplas
randCH!he de que estará acompanhada e sendo filhos quando ..se tomarem adultas (Kaufman; - nariz, crânio, costelas, ossos longos
cuidada. . Zigler, 1987). Outra associação freqüente rela- 4. lacerações ou escoriações
Uina criança' de 10 ~os em fase terminal cionada a violências cometidas contra crian· 5. Contusões:
- principalmente na parede abdominal
de um aâncet; ao conversar com o psiquiatra. ças é a tentativa de suicidio (Deykin; Alpert;
6. Lesões em órgãos internos/vfsceras: ,
mostravà~se muito preocupada com o que acon- McNamara, 1985). · - hematom~s lntramurais de duodeno ou jejuno, perfuração intestinal, ruprura de flgado, baço, rins,
teceria com sua familia após sua morte. A mãe Alguri.s. fatores têm sido relacionados à bexiga ou veias
era empregada domésticá e ficava o dia todo ocorrência de maus-tratos na infância: 7. lesões no SNC:
fora de casa, cabendo a ela cuidar da casa e de - mais freqüentemente hematoma subdural, hemorragia retinal, hemorragia subaracnóide .
seu irmãozinho. Sua mãe não iria ficar brava
com ela? Se ela morresse, quem iria ajudar no
1. Condições sociais desfavoráveis como
pobreza. promiscuidade, rede de apoio Baseado em Lewis, 1995. 31 I
\~
,.,, 3lli NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.I PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL 521
í

e sinais sugestivos de que a criança tenha so- 5. Pais que abandonam 9u expulSam a
' <~
frido alguma forma de violência sexual. O Qua- aiança de casa. DUADRO 33.3
dro 33.2 destaca alguns indicadores sugestivos 6. Pais que permitem repetidas ausênci- Manejo da crlanga vitima de abuso ou negligência
da oeorrência de abuso. as da aiança à escola ou que não ma-
triculam corretamente ~us filhos, não' • Realizar entrevistas com todos os membros da familla, procurando, inclusive, descartar patologias p~lquiátricas
conferem lições de casa ou não for- ou uso de drogas entre os pais da criança ·
Negligência necem o material didático correto a Realizar avaliações ind'IViduais com a criança, incluindo testes psicológicos ou hora de jogo
exigido pela escola. 111 Fazer minucioso exame flsico da criança, pr~curimdo indícios de lesõ~s (queimaduras, hematomas, vergões)
'· 7. Pais que expõem seus filhos a situa- o Realizar exame neurológico para descartar lesões no sistema nervoso central
A negligência a uma criança pode ser de-
finida como a condição em que seus cuidadores çoos conjugais estressantes: brigas do • lil Estar atento a sintomas na esfera pslquica qu$ sejam recentes e •sem causa• bem·deffnlda: trist&za,

inftin-g~m-lhe dano físico ou emocional devido casal, uso de drogas diante dos filhos. · irritabilidade, ldeação suicida, comportament~ agressivo, r11cusa em ir à escola ·
à omissão dos cuidados necessários para seu .. 8. Pais que expõem a criança a compor. · ~ Proceder ao exame dos órgãos gennals eda região anal, com coleta de secreção (especlíllmente quando
tamentos de risco: subempregos, : hé suspeita de abuso sexual) '.
desenvolvimento e equ.il!brio, sendo que essa ' a Solicitar exames de radiolmagem (especialmente em casos de suspeita ele fraturas)
falha não é resultado de condições de vida que mendicância, consumo de substâncias
psicoativas. \ ; Requisitar exames laboratoriais, como, por exemplo, sorologias para doenças sexualmente transmisslvels,
fogem ao seu controle. Assim, se uma criança teste de gravidez
está desnutrida porque há falta de dinheiro 9. Manifestações Inadequadas de afeto El Encaminhar a criança para pericia, quando a gravidade da situação Indicar
para obter o alimento, não se trata de :uma si··· por parte dos pais. a Realizar entrevista com profissionais e pessoas do grupo social (vi21nhos, parentes, amigos)
\
tu~ção de negligência. Esta ocàrre, por.exem· & Contatar órgão judicial resporniável para notificação do abuso
pio, se os pais util.iza.m·o dinheiro da alime.nta· • Verificar íl possibflldade do retorno da criança ao lar de origem ou a necessidade de internação hosp~alar ou
ção da criança para outros fins, como consu- Manejo institucional ·
mo de drogas ou jogos (Guerra, 1998). 11 Prover tràtamento ffsico e psicológico para a criança e para os agressores
A negligência pode ser física, emocional Diante ela suspeita de que uma criança
QU educacional (Lewis,l995). Uma àrnpla lista sofreu negligência, o médico deve iniciar rigo-
•ie condutas e situações pode ser classificada rosa investigação, necessitando, eventualmen-
•:orno negligência em relação a uma criança: te, entrevistar outras familiares, professores ou
até mesmo vizinhos da criança. Várias condu- gico. O tratamento psicoterápico para a crian· relatou casos de adultos que fabricavam sinto~
I. Falhas ou recusa em oferecer trata· tas poderão ser' tomadas, levando-se em consi· ça, bem como para o agressor, tem sido o mais mas de doenças, ludibriando médicos e sub~
mento de saúde à criança. deração o aspecto multidimensional da violên· indicado. O profissional de saúde também deve metendo·se a procedimentos clínicos, e até
2. Abandono ou mesmo desatenção em cia praticada, que compreenderia as caractc· estar atento ao papel do ambiente, devendo mesmo cirúrgicos, desnecessários. A referên·
relação a riscos a que a crianças~ en- rlsticas dos pais e.da própria criança, bem como buscar os recursos da sociedade (assistentes cia original é ao barão von Milnchausen, de
contra exposta. · o contexto socioeconômico e cultural do gru· sociais, ·instituições oficiais ou não-governa· Hanover, que viveu no século XVJn, tomando·
3. Descuidos com allmentação, vesti· po ao qual pertencem (Lewls, 1995). O Qua- mentais de defesa da criança). O encaminha· se famoso ao narrar histórias cheias ele exage·
menta ou higiene. dro 33.3 Indlca pÔss(veis condutas de manejo mento da criança a um lar abrigado poderá ro e fantâsia sobre suas aventuras nas guerras
4. Comportamentos perigosos dos pais, diante de uma criança vítima, de maus-tratos. ser necessápo. contra os turcos (Lewis, 1995).
como dirigir em alta velocidade ou Crianças vítimas de abuso ou negligência
embriagado. deverão re~~er tratamento médico e psicoló-
SÍNDROME D( JIJIÜNCHÀUSHU AS~fCTOS 1~Cm~~~S BA
PGR PROCURAÇÃO ~NU!iCOillSijl\'A C~M C61A~ÇP.~

A síndrome de Münchausen por procura· A atenção do interconsultor deve abran-


QUADRO 33.2 ção é uma dl)ença psiquiátrica descrita recen· ger três níveis: a criança, sua fumfiia e a dinâ·
Sinais esintoll)as sugestivos de abuso se)(ual na infância temente, na qual uma pessoa (em geral a mãe mica da equipe pediátrica. ·
·da criança) inventa sintomas de uma doença A criança é wn ser em desenvolvimento;
1 Dor, prurido ou lrr~ação nos órgãos genitais ou na via urinária qualquer, de modo que a criança passe a ser ao avaliá-la hospitalizada, o lnterconsultor tem
:í Desconforto da criança ao sentar ou caminhar . considerada doente. No iÍI.tuito de fazer com apenas tim "instantâneo" da vida dessa crian·
Presença de doenças sexualmente transmlsslvels
11: que seus filhos pareçam doentes, as mães po· ça, um "instantâneo" de um momento estres·
e Comportamentos como: irritabilidade, agressividade com outras crianças, manipulação excessiva dos órgãos derão relatar falsos sintomas, falsear exames sante. Seu estado atual só pode realmente ser
genitais, brincadeiras freqüentes de caráter se)(ual, ârisledade, depressão, choro sem motivo aparente, ou até mesmo causar danos físicos à criança. compreendido a partir do co'nhecimento de seu
mutismo. d'rficuldades escolares O nome da Çoença faz alusão à síndrome de comportamento e funcionamento antt@.2fes à
Münchausen, descrita em 1951 por Asher, que doença e à hospitalização. Por isso, em geral, o....
o{
...
528 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.J PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL ~lÍ~
primeiro contato do interconsultor é realizado Alguns aspectos gerais ligados à hospita- 4. É importante que haja na enfermaria as preocupa e ao que gostariam de poder mu-
com os pais, que irão fornecer um relato deta- lização devem ser objeto de interesse do intei·- de pediatria um lugar onde a criança dar em suas vidas.
lhado da hlstória de vida e familiar da crianÇ<'!, consultor: sinta-se "a salvo", isto é, um lugar on·
de seu desenvolvimento e de sua doença. Faz de ela saiba que nenhum procedimen·
parte da função do lnterconsultor tentar com- Uma menina de 9 anos foi submetida à ampu·
1. Manter a qualidade dos yínculos afe- to será executado, onde ela possa tação de membro inferior esquerdo em decor·
preender a criança e sua f'amilia dentro de uma tivos entre os pais 'e a criança hospita· brincar 01.1 realizar atividades apro· rêncla de seqüela de osteomlellte, ocorrida
visão mais ampla, sendo a doença mais um dos lizada. A pennanência da criança com priadas para sua idade e condição ff. logo após o nascimento, Durante toda a sua
vários desafios que eles devem enfrentar du- '· os pais.durante a hospitalização deve sica. Tais atividades podem servir co· vida, a criança procurou negar suas dlficulda·
rante seu processo de desenvolvimento. ser considerada um princípio central. mo um contraponto aos mecanismos des de deambulação, chegando muitas vezes
É, também, função do interconsultor au- Além disso, cabe a,o interconsultor ser a se machucar com seriedade ao tentar reali·
regressivos próprios do adoecer e da · zar atividades motoras.P.m as quais não apre·
xiliar a equipe de enfermaria a compreender o capaz de diferenciar depressão, pato- hospitalização. sentava condições fisicas. Ao ser proposta a
significado do comportamento da criança e de logias de caráter e dificuldades de ajus. rea.llzação da amputação, a criança passou a
cenas reações de seus pais. Para avaliar como tamento. Condições médicas que in· açreditar que sairia da sala de cirurgia com
as dificuldades físicas e emocionais da criança terferem na aliment11ção1 nas possibl- MODA!.mAD~S ~~ TRATAMEfillD uma nova perna. lv:> acordar da anestesia e se
são vivenciadas pela equipe de enfermaria, é Udades de contato'.físico e. que afetam deparar com a realidade da amputação, pas·
útil para o lnterc:onsultor voltar sua atenção a aparência ou deixam a criança mui- Os transtornos psiquiátricos da infância sou a apresentar um quadro de l!gitação
para o conjunto de pacientes da unidade de to Jnitável constituem grandes desa· pslcomotora, agredindo verl>al efisicamente
podem ser abordados por uma ampla gama de a mãe e os enfermeiros. A lnterconsulta psi·
internação, mortes recentes e outros tralimas, fios para o processo ·âe vinculação. Es· modalidades terapêuticas, incluindo a prescri·
atitudes da equipe em relação a certaS do~n­ sas situações requerem dos pais uma quláttlca fof solicitada. Durante o atend!men·
ção de psicofánmicos, a utilização de psicote- to, ~as fantasias a respeito da d!'W'gia foram
ças e identificação de membros da equipe psi- grande maturida~e emocional, ·tuna rapia psicanalítica individual e de grupo, psi· sendo verbalizadas, e ela fez uma série de
cologicamente mais vulneráveis. vez que provocam uma sensação de coterapia cognitivo-comportamental, psicote· désenhos. Em relação a um desses desenhos,
Obtidas as informações com a equipe impotência e incompetência, fadlmen· rapia de apoio, atendimento de pais e familia- cqmei,ltou: "É meu colega de escola. Ele está
pediátrica e com os pais, o interconsultor ·de· te vividas como falta de amor da crian- res e manejo do ambiente em que a criança tti6te;porque cortaram seu chapéu ao meio~,
verá avaliar diretamente a criança. Para tanto, ça por eles. É aqui que a equipe médi· vive e atua, Cabe ao psiquiatra conhecer os Cpm a contlnuidadé das sessões, a tristeza pela
poderá utilizar brinquedos e material gráfico. ca pode desempenhar .um papel im· . petdà <la perna pôde ser abordada e mais ela-
diferentes procedimentos terapêuticos e saber . cp'rada. Alguns dias depois, ela fet. um novo
Após a avaliação desses três níveis, o intercon- portantíssimo, auxiliando e apoiando optar pelo mais adequado para cada situação
sultor poderá realizar uma avaliação e um di· emocionalmente os pais. deseiilio, agora de uma boneca: "Ela 6 minha
em particular, sendo capaz de realizar os enca- boneca. Ela tem uma pema mais curta que a
agnóstico mais amplo e acur~do da situação 2. Possibilitar ao pré-escol'ar uma adap· minhamentos quando o paciente se beneficia· çmtra, mas agora vai colocar pr6teoe e val an·
da criança, um diagnóstico sit:uacional. Poderá, tação mais saudável à sua doença e ria mais com um enfoque terapêutico que ele :dar~~e bicideta. Ela agoro está maís fel!2;",
então, planejar sua conduta terapêutica,·a qual às inteiVenções que se fizerem nece:;- não domina tecnicamente.
vis:uá, acima de tudo, à comunicação rápida, sárias. Para isso, a dor deve ser con· A psicoterapia psicanalftica, isolada ou ·t>; terapia cognitivo-comportamental é uma
efetiva e de qualidade entre os membros da rrolada ou eliminada sempre que pos· associada a outras fonnas de tratamento, é modaliaade d.e terapia que tem como ferramen-
equipe de saúde. slvel; Os procedimentos deve~ ser muito empregada em uma série de transtor· tas de· intervenção a educação, a sugestão, o
O resultado do processo de interconsulta explicados em termos simples, leva!)· nos emocionais da infância. Nessa modalidade encorájainento, o reassegtU'amento e a empa-
deverá ser comunicado verbalmente aos mem- do-se em consideração o nível de com· de tratamento, a criança .se utiliza da comuni· tia. A criança é ensinada, e encorajada a desen·
bros da equipe que cuida da criança em oca· preensão da criança. Deve-se explicar cação verbal, bem como de elementos lúdicos volver comportamentos novos e mais adapta-
s{ão apropriada para discussões e questiona- o que vai ser feito, qual a razão do (brinquedos e matenal gráfico) e dramáticos, dos, aprendendo a prever conseqüências, ma·
mentos. Encerrada essa fase, devem ser regis· procedimento e se este pode serdes· para estabelecer um relacionamento com um nejar cohtingências, estabele<:er estratégias e
!I'ados no prontuário wn resumo do motivo do confortável ou doloroso. A criança adulto que a aceita e a auxilia a compreender soluções alternativas. .
pedido de interconsulta, o relato da história deve também ser informada sobre e a esclarecer suas experiências subjetivas. O terapeuta enfoca funções e distorções
da cri~ça, o exame psíquico, uma formulação onde seus pais estarão durante e após A teoria p~icanalltica considera a criança cognitivas qu~- interferem no funcionamento da
diagnóstica e a q:mduta sugerida, incluindo o procedimento. um sujeito com uma história de vida, e não criança, enfatizando os processos de pensamen·
sugestões de manejo,juntamente com as devi- 3. Além disso, a criança deve ser infor· simplesmente um indivíduo que reage às cir· to capaies de mediar o comportamento, utili·
das justi,ficativas. Consideramos que o jargão . mada com antecedência sobre qual· cunstâncias imediatas. Daí a impo.rtância da zando-se para isso de tarefas esnuturadas, jo-
profissional deva ser evitado a todo custo, bem quer procedimento a que será sub me· valorização dà eXp~riência subjetiva e a Çonsi- gos, atividades pedagógicas e histórias.
como especulações e suposições. Cabe ao lnter- tida. Isso favorece sua confiança, evi· deração pelo impacto que as experiências de Apesar do crescente uso de tratamentos
con,sultor ater-se aos fatos e sobre eles emitir tando que se mantenha constante· vida podem ter sobre o desenvolvimento in· psicofannacológicos em crianças, poucas, pre·
sua opinião especializada, estando sempre mente em estado de alerta à espera fantil., As crianças demonstram-se capazes de liminares e às vezes incompletas têm sido as
atento aos cuidados éticos e legais. de um "ataque-surpresa". ter insights, especialmente em relação ao que pesquisas sobre segurança e eficácia desses g-s
~
'<'~,
530 NEURY JOSÉ BOTEGA (ORG.) PRÁTICA PSIUUIÁTRICA NO HOSPITAL GEflAt ~~ ~

tamentos. Por serem raras as pesquisas basea· 3. O desenvolvimento bíoquímico ,do e raramente uma modalidade única e de suas famfiias pode se realizar. Essa rela-
;. das em protocolos com crianças e adolescen· cérebro continua até o final da ado- de tratamento (Ajuriaguerra, 1985). ção de confiança tem mais possibilidade de
tes, o empirismo terapêutico tomou-se freqüen· lescência, penetrando. na vida adul- 4. A dose inicial deve ser baixa, com ocorrer, mesmo levando-se em conta as inú·
te. Essa pl'ática, por um lado, expõe muitas ta. Considerando-se que o des.envol· ajuste gradual até que ocorra diml· meras diferenças entre as especialidades, com
crianças a riscos médicos, mas, por outro, a ex· vimento neuroquimico. persiste por· . nuição satisfatória dos sintomas, mas a presença freqüente do psiquiatra infantil na
petiêncla clúüca tem demonstrado que muitas toda a vida, é impossível determinar sempre atendo-se à dose. limite supe· enfennaria. É durante as discussões ao lado do
delas são auxiliadas pelo uso desses medica· uma idade a partir da qual as drogas rior recomendada e à presença de leito que o psiquiatra pode percel>er as dificul·
mentos (Wh.lte, 1979). , possam ser seguras sobre o desenvoJ. efeitos colaterais. dades psicológicas da criança e de seus familia-
Na ausência de ensaios clínicos, as doses · vimento do cérebro e do corpo. En· S. É fundamental a conscientização da res. Pode, também, dlagnost\car precocemente
médias dos medicamentos são determinadas tretanto, a clínica tem mostrado que criança e de seus pais sobre a medi· · sinais de problemas envolvendo as equipes mé·
empirlcamente, tomando como base os princl- o cérebro e o corpo da criança nã·~ caçãa;··o que aumenta as chances de dica e de enfennagem, os quais podem com-
plos fannacológicos do adulto. No entanto, o. são mais sensíveis aos efeitos cola- adesão e uso adequado. prometer o atendimento e provoçar um acrés-
conhe<imento dos fundamentos da fannaco· ·· terais das drogas psicotrópicas do que cimo de sofrimento à criança e à sua famflia.
Iogia evolutiva é um requisito necessário para os dos adultos. O mesmo não pode·
a administraÇão segura e eficaz de medicamen- mos dizer a respeito de sua eficácia. · Adolescençe internado com queimaduras
tos psicotrópicos em crianças e adolescentes.
O tratamento psicofarmac:ológico désen· ·
Mesmo assim, é importante ressaltar que atingiam 40% da área corporal apresenta·
va-se agitado, com comportamento querelan·
.
f"""'r.~!Ji:1P.IIr.l·~l:'"~
'
C,l'Ei'u ;'t'i\~rli '~'·í'~"
u~f:~·"~UKIUi;g~l~liJ ~~~jc,~ll'!~\'if{l ~li:!f,~
que os medicamentos psicotrópicos só
volvido para uso adulto exige modificações devem ser usados em crianças após o te; com insônia importante, solicitando cons-
tantement~ medicamentos para dor. Foi medi· AJl.JlUAGUE.RRA, J. Manu~l de psiquiatria Infantil.
quando utj.lizado para o tratamento de trans· relato extenSo de sua utíllzaç.ão em
tomos psiquiátricos em indivíduos com um cor· adultos. 1àl medida visa a diminuir ó cado com benzodiazepínico à noite e acom· Rio de Janeiro: Masson Atheneu, 198S.
po e um cérebro em desenvolvimento (Rutter; risco de toxicidade sobre o desenvol· panhado pelo interconsultor, especialmente AUGÉ, M. Ordre b!ologiq ue, ordre social: !a maladie,.
Taylor; Hersov, 1994). Assim, com relação à vimento (Wiener, 1996). durante os horários dos curativos. A capaci· fo1111e elémentalre de l'événement. ln: AUGÉ, M.;
psicofannacologia evolutiva, 'algumas noções dade do médico em observar e ouvir atenta ·e' HERSUCH, C. (Ed.). I..e úris du mal: ant:ropolog!!!,
são fundamentais: Consideramos que a administração de me· ... respeitosamente as queixas do paciente levou· . histolre, soclologie de la maladie. Palis: Éditioris des
Arcll!ves Contemporalnes, 1991. ·
dicamentos psicotrópicos a crianças e adoles· ' ... o a di$cutir com a equipe assistencial quais
medidas poderiam ser tomadas para diminuir BOLWBY, .J. Cuidados maternos e saúde me:ntal
1. Crianças e adolescentes requerem do- eentes deva se basear nos seguintes prindpios: (1951]. São Paulo: Martins, Pontes, 1988. ·
ses por quilo maiores do que os adul· a dor do paciente. Em conseqüência, a dolanti·
tos a fim de alcançarem níveis plasmá· 1. A avaliação, objetivando o tratamen· na foi substituída por Nubain (IM), e os cura- BOLWBY, J. ec ai. A two·yeaÍ'·~Id goes to hospltal.
ticos e efeitos terapêuticos compará- to f~acológlco, deve,conduzir a um ... tivos passaram a ser realizados no centro ci· The psychoanalytic $I:U<:{y of child. London, 1952. v. 7,
veis. Isso se deve a maior metabo· diagnóstico que identifique e quanti· rúrgico, sob anestesia. A insônia desapareceu. CRm!ALDI, M.A. Hospitq/izaÇüo na lnfdncia: repre·
Uzação hepática, maior filtragem glo· fique os sintomas-alvo, os quais de- .. Houve diminuição das queixas e do compona· sentações sociais da fanúl!a sobre a doença e a
hospitalização de seus filhos em Unidade de Pedia·
merular e menor quantidade de teci- vem ser suficientemente graves e in· mento querelante.
tria. 1995. 234f. Tese (Doutorado) ~Faculdade de
do adiposo (Lewis, 1995). terferlr de forma significatiVa no com· Ciências Médicas, Unlcamp, ~ampinas 1995.
2. Diferenças substanciais na distribui· portamento da criança, prejudicando DEYION,A.;AI..PER.T,J.; McNAMARA,J. Apilotstudy
ção de drogas são obset'Vadas em seu desenvolvimento. Assim, os ?o· m~"'"'fil"n•~·~·,.,.. ~ r.m~"'"'
uu ~ ~~~~m~?J~~b!6 ~~ ~;;u~~ro~E oi the effe<:t of exposure to child abuse or neglect
crianças e adolescentes. Entre os fa· tenclais beneficios da droga devem on suicida! behavior. Am. J. ~chiatly, v.l42, p.l299-
tores físicos que podem influenciar, justificar os riscos concomitantes à 1303, 1985. .
O psiquiatra que trabalha com intercon·
encontram-se o tecido adiposo e o ta· sua administração. sulta pode vir a desempenhar um importante FR.EUD, A. ·The role of bodily il.hless In the mental
manho dos compartimentos de água, 2. Devemo:; levar em conta principal- life o f chlldren. The psychor;~.na.lydc srudy of thc child.
papel na fo!mação e no treinamento de pedia·
o débito cardíaco, a perfusão sangü{· mente o diagnóstico, uma vez que o London, 1952. y.7.
tras, residentes de pediatria, estudantes de
nea regional, a pressão de perfusão mesmo sintoma pode estar presente medicina e enfennagem, enfermeiros e outros FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade. ln:
dos órgãos, a permeabilidade das em diferentes patologias (por e.xem· _ _ • EdiçãÓ .standard brasileira da.~ obra.s psico·
membros da equipe de eiúennaria. Não é in· 16gica.s completas. Rio de Janeiro: lmago. 1905.
membránas celulares, o equilíbrio áci- plo, hiperatividade como parte da <;omum encontrannos pediatras com um subs·
do-básico e a ligação a proteínas pias- sintomatologia do transtorno de dé· GAR.RALDA, M.E.; BAII..EY, D. Psychiatrlc disorders
tanclal interesse em aspectos psicossociais. A in general pae!liatric referrals. Arch. Dis. Child, v.64,
~ · máticas e teciduais. Cada um desses ficit de atenção/hiperatividade; e co· questão que se coló.ca é o que e como ensinar.
fatores pode mudar durante o desen· mo parte da sintomatologia de uma p.1727, 1989.
É pelo desenvolvimento de uma relação GUERRA, V.N.A. Violência de pais contra .filhos: a tra·
volvimento, resultando em alterações criança autista ou com transtorno de confiança e empatia entre equipe de enfer·
invaslvo da personalidade). gédia revisltada. São Paulo: Cone-t, 1998.
na distribuição da droga e, subseqüen- maria,pediátrica e interconsultor que o treina·
temente, no efeito farmacológico 3. O uso dos psicofármacos deve ser HERSUCH, C. La problematique de la représenta~~
mento em relação às questões de diagnóstico et son utlllté dans Je champ de la maladie. Sciemes
(Ka~lan; Sadock, 1997). parte de um tratamento mais amplo, e tratamento psiquiátrico de crianças doentes Sociais et Santé, v.2, n.2, p.71·94, 1984.
~. 532 NEURY JOSé BOTEGA (ORG.)

.;
- · Médicine modeme et guête de sem: la ma-
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le, bem como raciocinando em wna combina· dico, citam-se, freqüentemente, os Estados Uni·
ção delicada de fatores orgânicos e psicodinâ· dos da América. Não é apropriada a simples
micos. Essas características de seu trabalho transposição da doutrina norte-americana para
podem torná-lo mais suscetível diante de vá· o nosso país. O direito anglo-americano não
rios dilemas éticos e de situações com reper- possui uma codificação de leis, ao contrário da
cussões jurídicas. . 1 maioria dos países latinos (Rojo Rodes, 1_997).
''. Passamos de uma época em que o médi- O sistema baseia·se em decisões de tribunais e
co não se preocupava com aspectos médico· de juízes, fup~amentando-se no precédénte
legais (ou esperava ,que situações de conflito legal e nas regras de evidência (a teoria dares
se assentassem com o tempo) para uma época ipsa loquitur, ou de que a coisa fala por si
'
'
.. em que a grande preocupação com o "gerencia·
mento do riscon pode prejudicar a atuação pro·
rnf:lsrna).
O senso prático dos anglo-saxões cons·
fissiona!. Vale aqui lembrar o conselho freqüen· truiu, ao longo do tempo, urna doutrina de re-
t.emente ouvido de especialistas em medicina paração de dano médico baseada na noção de
legal: é preferlvel fazer boa medicina, baseada re.spolt$abilidade objetiva: para a caracterização
em indicações <!Ünicas, a agir como advogado da culpa, não. se toma necessária a iptenção,
e fazer uma "medicina defensiva", excessiva- basta a simples voluntariedade da conduta. O
mente preocupada com futuras ações legais intuito de abranger todos os casos de dano e
(Groves; Vaccarino, 1987). ateo.der ao princípio social da reparação é o
· Este capítulo não foi elaborado por espe· argumento principal dos que defendem a res-
cialista na área da ética ou do direito. Traz a ponsabilidade objetiva. Nesse caso, não se exi·
visão do psiquiatra que se interessa por aspec· ge prova da culpa do médico; sua culpa, por
tos éticos e legais da interconsulta. Longe de ter sido agente de uma ação que gera riscos, é
tentar esgotar O·assunto, destacam-se algumas presumida. Caberá ao profissional provar que
situaÇões cornurnernente encontradas no hos· atuou, no caso em questão, em confonnidj'5

,....,

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