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XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES

CONEXÕES ENTRE ENSINO DE HISTÓRIA E HISTÓRIA LOCAL NO


CONTEXTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EXPERIÊNCIAS DE
ESCOLAS DA HISTÓRICA ÁREA DO CABULA – SALVADOR/BA

Alessandra Rita de Almeida (Colégio Estadual Euricles de Matos)


alessandraritaalmeida@gmail.com

Luciana C. de Almeida Martins (UNEB)


luckianas@gmail.com

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo caracterizar as práticas metodológicas utilizadas pelos docentes
para significar a história local no ensino de História na modalidade da Educação de Jovens e Adultos,
nas escolas públicas da Região do Cabula, em Salvador/Ba. Como pressupostos teóricos, subsidiaram a
pesquisa autores que trabalham com a temática do ensino de história e história local, Bittencourt
(2018) e Fonseca (2006); estudiosos da Educação de Jovens e Adultos como Freire (1986) e Arroyo
(2017); e pesquisadores que têm como tema de estudos essa localidade, Martins (2017) e Nicolin
(2007), entre outros. Ao que se refere à metodologia, desenvolvemos um questionário online com
perguntas abertas e fechadas para uma análise quantitativa e qualitativa. Participaram da pesquisa 6
professores que atuam em escolas públicas no ensino de história na modalidade EJA nos diferentes
bairros pertencentes à área histórica do Cabula. Os resultados confirmam a importância da inserção da
história local para uma aprendizagem significativa, visto que, proporciona aos alunos o
reconhecimento de que são sujeitos históricos e a valorização de suas identidades .

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. História Local. Práticas metodológicas.

Introdução

A Educação de Jovens e Adultos há anos é negligenciada por parte dos poderes


públicos, que propaga uma narrativa de que essa modalidade em breve será extinta, já que
atualmente a maioria das crianças se encontram na escola, o que supera o problema da
defasagem série/idade. Porém, o que constatamos é uma outra realidade, o número de jovens
que estão adentrando essa modalidade de educação básica tem aumentado significativamente.
Os alunos da EJA em sua maioria são trabalhadores que possuem baixa renda e estão
em situação de vulnerabilidade social. Como aponta Arroyo (2017), são passageiros em
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itinerários, do trabalho para o retorno aos bancos escolares, e cabe aos docentes pensar em
estratégias de ensino para transformar a história em um componente curricular significativo
para esses alunos trabalhadores.

Acreditamos que a concretização da história local na modalidade EJA contribui para


uma aprendizagem significativa por proporcionar aos alunos trabalhadores uma valorização de
suas identidades e o reconhecimento de que são sujeitos históricos. Com o objetivo de
caracterizar práticas metodológicas que significam a história local na modalidade de Educação
de Jovens e Adultos no ensino de História, optamos pelas escolas públicas da Região do
Cabula, para desenvolvermos nossa análise. Esta escolha se justifica por ser um local político
da cidade de Salvador, território de bantos e iorubás, que construíram junto a outros povos
oprimidos o Antigo Quilombo do Cabula.
Para conseguirmos realizar o intuito neste período de pandemia em que estamos
enfrentando, que exige o isolamento social, desenvolvemos um questionário com questões
abertas e fechadas e fizemos uma análise quantitativa e qualitativa. Participaram da pesquisa 6
docentes que lecionam no ensino de História na modalidade da Educação de Jovens e Adultos,
em diferentes bairros que compõem a Região do Cabula. Isto implica também, constatar
estratégias metodológicas que rompam o ensino tradicional (bancário) onde não há
um diálogo, colocando o estudante em uma postura apenas passiva.

No que se refere à bibliografia que subsidiou a pesquisa, destaca-se autores que


abordam a relação do ensino de História com a história local, como Bittencourt (2018) e
Fonseca (2006); autores que discutem a Educação de Jovens e Adultos, Arroyo (2017), Souza
(2019) e Freire (1986); bem como, estudiosos da Região do Cabula, entre eles, Martins (2017)
e Nicolin ( 2007).
Entendemos que ao desenvolvermos pesquisas no ensino de História na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos, estamos contribuindo para romper com o estigma que
historicamente se encontra nessa vertente da educação básica, entendida por muitas pessoas
inclusive pelas quais elaboram as políticas públicas, como ensino voltado para atender as
demandas de mão de obra necessárias para o desenvolvimento dessa sociedade capitalista.
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Antigo quilombo do Cabula: um breve histórico

Na histórica área do Cabula encontramos elementos que revelam a resistência histórica


enfrentada por homens e mulheres negras através das memórias que constituem a identidade
dos moradores, bastante perceptível nos cultos de matriz africana, bem como no próprio nome
do local.
Cabula é uma palavra de origem quicongo com múltiplos significados que remetem à
ancestralidade banto. Segundo Martins (2017) apud Nascimento (1989), Kabula é um nome
feminino para um ritmo religioso de matriz africana e também encontramos essa terminologia
traduzida por partilhar (MATTA; REIS; SILVA, 2016 apud CASTRO, 2001). De fato, esta
localidade foi palco de partilha entre povos oprimidos: alguns brancos pobres, indígenas, e em
sua maioria negros de origem banto e iorubá, e também descendentes de outras etnias
africanas que se agregaram em arraiais enfrentando o sistema escravagista, formando o Antigo
Quilombo do Cabula.

Ao que se refere ao Antigo Quilombo do Cabula, Nicolin (2007, p.57) descreve como
“um lugar de resguardo de africanos guerreiros e destemidos que mostravam que, em
momento algum, sentiam-se escravizados,e por isso criaram o palco de guerra pela liberdade e
alteridade africana.” Os quilombos no Brasil foram um dos mais importantes cenários de
guerra contra o sistema escravista, tendo como uma das maiores comunidades de resistência
negra o Quilombo dos Palmares instalado na Serra da Barriga (AL) permanecendo por quase
um século.

Como aponta Munanga (1995), essas organizações de resistência se basearam na


administração dos Kilombos africanos, especificamente região banto, formados nos séculos
XVI e XVII. Os Kilombos eram organizações políticas que obedeciam a uma estrutura
hierárquica, centralizadora e militar.

A partir do final do século XVIII aumentou a quantidade de quilombos que se


formaram na Bahia, sobretudo na capital da província,consequência do desenvolvimento
econômico e a ampliação da mão de obra africana escravizada. Nesse período a Cidade de
Salvador era organizada por meio das freguesias. Como aponta Nascimento (2007) são
localidades delimitadas espacialmente onde os habitantes estavam subordinados à uma igreja
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matriz, perante o Padroado Régio que expressava uma relação intrínseca entre os poderes da
esfera civil e religiosa.

Nas freguesias urbanas ocorria a movimentação do comércio se estabelecendo em um


espaço mais centralizado da cidade,as freguesias suburbanas por sua vez, eram distantes e
possuíam características rurais. Segundo Martins (2017) Cabula se localizava em um espaço
ruralizado pertencendo à Freguesia de Santo Antônio Além do Carmo, que possuía uma
extensa área abrangendo espaços urbanos e suburbanos.
A localidade do Cabula possuía mata atlântica, rios e morros, características que, para
o contexto histórico da Cidade do Salvador, tanto no período colonial quanto imperial,
despertava atração para formação de arraiais de moradias de libertos que, por sua vez,
acolhiam negros fugidos da escravidão. Visto que, lugares como esse forneciam “suporte
ecológico ao desenvolvimento de uma coletividade africana independente.”(REIS,1986, p.70).
O que não significa um isolamento, os habitantes se comunicavam com negros libertos ou
ganhadores que transitavam pela cidade, assim como também, a noite adentravam Salvador
em busca de prover alimentos e equipamentos.

Além de abrigo a natureza que rodeava as comunidades de resistência era entendida


como sagrada e por isso cultuada pelos quilombolas, cada elemento natural representava uma
força ancestral, referenciada por meio das cantigas que permanecem sendo entoadas,
atravessando os séculos nos terreiros de candomblé.

Estudos realizados pela historiadora Maria Baqueiro (2011) apontam que antes do
Antigo Quilombo do Cabula ser formado, final do século XVIII, havia nessa localidade a
presença de Tupinambás, há uma hipótese de que esses povos tenham fornecido mão de obra
para a construção de Salvador. É importante ressaltar que, ao nos referirmos à localidade do
Antigo Quilombo do Cabula, extrapolamos o atual bairro abrangendo também as adjacências
conhecida como a Região do Cabula, composta por outras dezesseis localidades:

Arenoso, Arraial do Retiro, Beiru, Cabula, Doron, Engomadeira, Estrada das


Barreiras, Fazenda Grande do Retiro, Mata Escura, Narandiba, Novo
Horizonte, Pernambués, Resgate, Saboeiro, São Gonçalo do Retiro,
Saramandaia e Sussuarana (MATTA; REIS; SILVA, 2016, n.p.).

O Antigo Quilombo do Cabula, segundo Reis (1986) foi desarticulado em 1807 com o
ataque repressivo do capitão de assalto Severino da Silva Lessa e cabos de polícia, homens
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estes que se encontravam a mando do governador da Bahia, João Saldanha da Gama, o Conde
da Ponte. As mulheres capturadas seguiram para a prisão e os homens foram forçados a
trabalhar nos depósitos militares.
Mesmo com a desarticulação do quilombo do Cabula, a ocupação local por povos de
matriz africana continuou e, ao longo da história, as marcas e registros culturais desses povos
foram sendo significadas e salvaguardadas pelas tradicionais comunidades de terreiros. O
Cabula ainda se manteve com aspectos rurais por muitos anos, com chácaras produtoras de
laranja de umbigo, que teve seu declínio na década de 1950, período em que a Região Cabula,

conhecida também como Miolo da Cidade de Salvador, teve seu início de modernização.

Porém como aponta Nicolin (2016) a chegada da Penitenciária Lemos de Brito, em


1950, assim como o Batalhão dos Caçadores que já havia se instalado na década anterior, não
modificaram muito o sentido de residir ao redor da mata. Houve uma alteração significativa a
partir dos anos 1970 com o projeto do Estado para habitação, implementando no local os
conjuntos para funcionários públicos.
Essa política pública de habitação resultou nesse cenário que encontramos hoje nesta
localidade. A construção da avenida Paralela e BR 324, contribuíram para que o Cabula
fizesse fronteiras com vários outros bairros da cidade, se constituindo como uma região
central de Salvador. Segundo Nicolin (2007) junto com o processo de urbanização dessa
localidade foram instaladas as primeiras instituições escolares, como por exemplo o Colégio
Polivalente fundado em 1971. Atualmente, há na região duas universidades, a Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) e a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e dezenas de
instituições de ensino básico do âmbito estadual e municipal.
Apesar da Região do Cabula ter sido modificada para um projeto urbano do Estado e
ser atualmente alvo da especulação imobiliária, a resistência permanece arraigada nas
comunidades tradicionais que mantém enfrentando um sistema neoliberal racista.
Encontramos estas formas de resistência atualmente nas memórias dos cabuleiros, “expressão
que caracteriza a existência da dinâmica social constituída por formas, modos de linguagens
herdados dos primeiros fundadores de territórios políticos sociais quilombolas e das primeiras
casas de asé.” (NICOLIN, 2016, p.68).
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Bem como, nos projetos que buscam valorizar a cosmovisão de povos africanos que
constituíram esse território e mediá-la com crianças nas escolas da região. A exemplo do
Museu Virtual de Contos Africanos e Itan ( MUCAI) desenvolvido na Escola Municipal
Maria da Conceição Santiago Imbassahy, Tancredo Neves/Beiru e o projeto Irê Ayó Incluso
na Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos anexada ao Ilê Axé Opô Afonjá ( localizado no
bairro São Gonçalo do Retiro), o que nos impele a procurar práticas semelhantes no ensino de
História na modalidade de Educação de Jovens e Adultos em escolas públicas dessa
localidade, discussão que faremos na sessão seguinte.

HISTÓRIA LOCAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: TECENDO


CONEXÕES

A ampliação de pesquisas no campo do ensino de História na modalidade da Educação


de Jovens e Adultos contribui para fortalecer a concepção da EJA apresentada pelo Plano
Nacional de Educação em 2000, isto é, como um “direito à educação básica e também à
educação ao longo da vida”, superando o pragmatismo e fortalecendo a criticidade que os
conteúdos históricos podem oferecer para os alunos trabalhadores.
A conceituação da Educação de Jovens e Adultos enquanto uma modalidade da
educação básica e um direito assegurado para aqueles que não tiveram a oportunidade de
realizar seus estudos na idade regular, é efetivada com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996) que estabeleceu também a idade mínima para o ingresso na EJA,
sendo 15 anos para o ensino fundamental e 18 anos para o ensino médio.

Os sujeitos que compõem a EJA,‘‘tiveram seus direitos violados, suas trajetórias


educacionais interrompidas e se encontram em geral, à margem da
sociedade.”(SOUZA,2019,p.24) Apesar desta modalidade ser historicamente voltada para
adultos e idosos, atualmente muitos jovens estão ingressando na EJA.Vários fatores
contribuem para a defasagem série/idade, perpassando questões econômicas e também
práticas metodológicas adotadas pelos docentes que desestimulam os alunos provocando
evasão.
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Para pensarmos sobre as práticas metodológicas na EJA, temos como um importante


referencial teórico o método freiriano. Paulo Freire (1987) que difundiu uma práxis
pedagógica e política para adultos visando uma educação libertadora que proporciona aos
alunos trabalhadores a consciência de que são sujeitos históricos.
É imbuída dessa concepção freiriana de educação, que nos comprometemos com essa
pesquisa a caracterizar práticas docentes no âmbito do ensino de história que significam a
história local na modalidade EJA da Região do Cabula, Cidade de Salvador. Optamos por essa
localidade para desenvolvermos nossa investigação por compreendermos a importância deste
território político para os habitantes da cidade, visto que, contém uma história de resistência
quilombola contra o processo de escravização, representando atualmente identidade e
ancestralidade de homens e mulheres negras.
Desse modo, temos como norteadora da pesquisa as seguintes questões: A História
Local está sendo significada no ensino de história na modalidade EJA nas escolas públicas da
Região do Cabula? Quais as características das práticas metodológicas que apresentam essa
associação entre o Ensino de História e a História Local?
As práticas metodológicas adotadas pelos professores buscam se adequar a necessidade
de priorizar conteúdos no ensino de História. A seleção das temáticas a serem trabalhadas em
sala de aula, como aponta Bittencourt ( 2018) coloca em conflito a autonomia do educador e
as imposições das diretrizes curriculares estabelecidas pelas políticas públicas, que insufladas
pela concepção neoliberal alinha a proposta curricular a interesses internacionalistas (mercado
financeiro).
De forma geral os currículos que orientam os segmentos dessa modalidade da educação
básica tendem a uma hierarquização dos conteúdos, privilegiando a história e cultura da classe
dominante em detrimento da produção histórica da classe trabalhadora que no Brasil, em sua
maioria é constituída por homens e mulheres negras.

Desse modo, acreditamos que para subverter a hierarquia dos conteúdos presente nos
currículos de ensino de história na EJA é necessário priorizar a História Local, posto que, essa
abordagem historiográfica possibilita uma aprendizagem significativa para jovens e adultos
desenvolvendo a criticidade nos alunos trabalhadores, suscitando o sentimento de
pertencimento e valorização da sua identidade.
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Abordar a história local em sala de aula não significa limitar os estudos a um determinado
espaço. Como aponta Fonseca (2006) se trata de assumir uma postura dialética, analisando as
contradições das sociedades, evidenciando as especificidades sem negligenciar a
universalidade. A história local não se dissocia de memória, elemento fundamental nesta
disputa de narrativas dos currículos, visto que, está em xeque a representação social. Por isso,
houve um empenho da classe dominante para fixar a memória oficial com o intuito de
promover um esquecimento em relação às culturas de lugares tradicionais, como a Região do
Cabula.

Para concretizar essa conexão entre Ensino de História e História local na EJA há diversas
estratégias metodológicas e também desafios que os professores precisam enfrentar, como
pode ser visto na seção seguinte, onde faremos uma análise a partir das contribuições dos
docentes que atuam nessa modalidade da educação básica na Região do Cabula.

Estratégias metodológicas da pesquisa

Para alcançarmos os objetivos propostos optamos pelo questionário online como


instrumento de coleta de dados, posto que, estamos vivenciando uma pandemia e com a
necessidade do isolamento social as escolas estão fechadas, o que impossibilitou a
realização de visitas e entrevistas em campo.

O questionário online elaborado contém questões abertas e fechadas para


desenvolvermos uma análise com abordagem quantitativa e qualitativa. Participaram da
pesquisa 06 docentes que atuam nas instituições públicas do ensino básico na Região do
Cabula:

Quadro 1: Tabela das instituições de ensino e seus respectivos bairros onde atuam os docentes
que participaram da pesquisa.

Instituição Bairro Quantidade de


Docentes
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Colégio Estadual Helena Magalhães Beiru/Tancredo


Neves

02

Escola Municipal Eraldo Tinoco de Sussuarana


Melo

02

Colégio Estadual Professora Marilene Mata Escura


da Silva

01

Colégio Estadual Deputado Luís Arenoso


Eduardo Magalhães

01

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Dos docentes participantes, 04 são do gênero feminino e 02 do gênero masculino; a


maioria possui outro trabalho remunerado, apenas dois atuam exclusivamente lecionando. O
perfil dos professores nos faz refletir sobre a dupla jornada dos trabalhadores da educação no
Brasil ocasionado pela baixa remuneração, e no que se refere às mulheres, a carga de trabalho
tende a ser maior, cumprindo tarefas invisibilizadas no seus lares.

Os participantes possuem uma idade que varia entre 43 e 63 anos; todos com titulação
de especialização.02 docentes são formados em Pedagogia (e ministram aula na EJA do
ensino fundamental I) e 04 graduados em História. Quanto ao tempo de exercício da profissão
no ensino de História varia entre 15 a 21 anos; com relação ao ensino de História na
modalidade EJA o tempo varia entre 10 a 18 anos, o que demonstra que são bastante
experientes no seu ofício.
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Ao perguntarmos sobre a História Local, 05 dos participantes afirmaram que a história


da Região do Cabula está presente em suas aulas na modalidade EJA,o que confirma que os
docentes consideram importante essa abordagem no processo de ensino e aprendizagem.
Apenas um professor não aplica a história da localidade em suas aulas, alegando que está em
fase de construção das metodologias, produzindo um livro paradidático com essa temática
(como parte da pesquisa na pós graduação).

Ao que se refere às práticas metodológicas no ensino de história na EJA, os docentes


participantes apontaram diferentes e inovadoras estratégias utilizadas em sala de aula com os
alunos trabalhadores, demonstrando uma intrínseca relação entre pesquisa e ensino na
educação básica.
Dentre as práticas metodológicas adotadas os docentes apontaram para a árvore
genealógica, fotografias, poesias sobre o bairro Beiru e exibição do Museu Virtual do Antigo
Quilombo do Cabula. Além do uso da História de Vida, pesquisa de campo ( entrevista e
produção de texto), leitura de artigos, rodas de conversa sobre o bairro de Sussuarana.
Como suporte didático, os professores participantes apontaram o livro didático aliado a
outros materiais, como imagens, vídeos, textos elaborados por eles mesmos e relatos orais. As
fontes orais se fazem muito relevantes no ensino da história local, visto que, ampliam as
concepções produzindo outras evidências para e/ com os estudantes . Os professores utilizam
também a oralidade como um modo de avaliação, junto a outros processos mais tradicionais
de provas escritas e seminários e questionário.

Conclusão

Apresentamos nesta pesquisa algumas práticas metodológicas utilizadas pelos docentes


das escolas públicas na modalidade de educação básica de jovens e adultos na Região do
Cabula, para se efetivar o ensino da História local se faz necessário ter uma atitude em relação
ao processo de ensino e aprendizagem que rompa com as dicotomias entre local e global.
Os dados coletados por meio do questionário confirmam que há um empenho por parte
dos docentes para se concretizar o ensino da história da Região Cabula em sala de aula na
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modalidade EJA, indicando práticas metodológicas que conduzem aos alunos a


desenvolverem pesquisa histórica sobre sua localidade, tendo como principal fonte, a
oralidade. Também foi apontado o uso de metodologias ativas, como um museu virtual
(Museu Virtual do Quilombo Cabula) o que contribui muito para o processo de ensino nessa
modalidade, tanto pelo seu conteúdo histórico quanto pela flexibilidade que proporciona por
ser virtual, se adaptando às tantas demandas que os alunos trabalhadores precisam lidar.
Ademais, neste estudo, a história local presente no ensino de história, contribui para
que jovens e adultos se compreendam como sujeitos históricos, desperte o sentimento de
pertencimento e valorize suas identidades, buscando alternativas para preservar o patrimônio
material e imaterial da localidade em que estão inseridos.

Referências

ARROYO, Miguel G. Passageiros da noite: do trabalho para a EJA: itinerários pelo


direito a uma vista justa. Petrópolis, RJ: Vozes,2017.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. 5


ed. São Paulo: Cortez, 2018. (Coleção docência em formação: Série ensino fundamental/
coordenação Selma Garrido Pimenta).

FONSECA, Selva Guimarães. História Local e fontes orais: uma reflexão sobre saberes e
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Representações de resistência em museu virtual 3D aplicada à mobilização do turismo
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MATTA, Alfredo E. Rodrigues; REIS, Larissa de Souza; SILVA, Francisca de Paula Santos
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MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, São


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brasileira do Cabula. Dissertação (mestrado) Universidade Estadual da Bahia.
Faculdade de Educação. Salvador-Ba, 2007.

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Império e República. Vol 1. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2011.

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Editora Brasiliense. São Paulo, SP, 1986.

SOUZA, Edna Rodrigues de. A juvenilização da EJA: Quais saberes? Quais práticas?
Qual currículo? Dissertação ( Mestrado Profissional )Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação de Jovens e
Adultos-MPEJA, Câmpus I, 2019.
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FONTE DO DOUTOR EM CRUZ DAS ALMAS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS


PARA ORGANIZAÇÃO DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

Tereza Verena Melo da Paixão


Universidade do Estado da Bahia – UNEB
verena_sonho@hotmail.com

Francisca de Paula Santos da Silva


Universidade do Estado da Bahia – UNEB
fcapaula@gmail.com

Alfredo Eurico Rodrigues Matta


Universidade do Estado da Bahia – UNEB
alfredo@matta.pro.br

Juliana Andrade do Carmo Martins


Universidade do Estado da Bahia – UNEB
jule.ac@gmail.com

RESUMO

O artigo tem como objetivo construir conhecimento sobre as possibilidades e desafios para a
organização do Turismo de Base Comunitária (TBC) na Fonte do Doutor, o estudo foi realizado em
um ambiente ecológico denominado Fonte do Doutor que se encontra localizado em área urbana no
município de Cruz das Almas, Bahia. Não há citação bibliográfica e nem observação in loco de
atividades específicas realizadas neste ambiente. Trata-se de um estudo qualitativo com base na
pesquisa aplicada de metodologia Design-Basedresearch (DBR). Os resultados mostraram que o
espaço encontra-se em estado de abandono e degradação, o que vem dificultando o contato harmônico
da comunidade com a natureza. A Fonte do Doutor apresenta cobertura arbórea bastante alterada pelas
ações antrópicas, mas ainda apresenta grande relevância em função de favorecer a manutenção de
nascentes hídricas, do microclima da região e a preservação da fauna. Concluiu-se que a Fonte do
Doutor tem uma grande importância, como potencial científico e turístico do município, sendo
possível a organização do Turismo de Base Comunitária nesse espaço valorizando assim o patrimônio
cultural e histórico.

Palavras – chave: Fonte do Doutor. Turismo de Base Comunitária. Desenvolvimento local.

XI ETBCES – Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas em tempos adversos –


De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária –XI ETBCES

1 INTRODUÇÃO

Em um contexto ainda marcado pela crescente crise socioambiental global, e na


tentativa de deter o abuso causado à natureza pelo homem, discute-se que o Meio Ambiente
também é sujeito de direitos e considera-se que a abordagem ético-jurídica do Meio Ambiente
garantirá a preservação da qualidade dos ecossistemas e a biodiversidade para presentes e
futuras gerações. Outros aspectos a ser considerado, é que não é possível enfrentar a crise
ambiental apenas realizando projetos e criando decretos, é preciso ter certeza que as ações
realizadas são efetivas sócio ambientalmente para as comunidades e, deve-se também
considerar as peculiaridades locais, expectativas e medos individuais e coletivos, visando po-
tencializar a prática social e a ética ambiental.
A preservação dos recursos naturais somente será possível quando cada indivíduo
adquirir conhecimentos, valores, habilidades e experiência que os torne capaz de avaliar as
causas, consequências e complexidade dos problemas ambientais, mudando atitudes
individualistas e egoístas em prol de ações voltadas para um desenvolvimento sustentável.
Entender o ser humano como parte da teia da vida e responsável direto pela mitigação dos
danos causados aos ecossistemas é urgente para que não sejam mais desperdiçados recursos e
aconteça o fortalecimento e estímulo de ações coletivas sustentáveis em defesa da
manutenção do patrimônio natural e cultural para as futuras gerações.
Nessa direção, percebe-se a necessidade de promover discussões para possíveis ações
em diálogo com o Turismo de Base Comunitária na localidade para valorizar e assegurar a
preservação da Fonte do Doutor que se encontra localizada no município de Cruz das Almas,
Bahia, guardando resquícios de Mata Atlântica e grande biodiversidade reconhecida no meio
científico, no intuito de incentivar atividades sustentáveis individuais e/ou coletiva por todos
que planejam, implantam e operam ações na Fonte do Doutor, bem como daqueles que
diretamente ou indiretamente usufruem dos seus recursos. Pensando assim também em uma
educação com base nos princípios que regem o TBC.
A Fonte do Doutor é uma unidade de conservação rodeada pelo ambiente urbano e que
hoje, encontra-se bastante alterada devido à ação antrópica, incluindo atividades de

XI ETBCES – Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas em tempos adversos –


De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
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desmatamento, queimada, despejo de lixo, introdução de espécies vegetais exóticas que se
naturalizaram e se multiplicam progressivamente, dentre outros. Entretanto, a região ainda
apresenta grande valor ecológico, científico e educacional.
É valido ressaltar que esse estudo faz parte de uma pesquisa de doutorado em
andamento, e para esse artigo instituímos como objetivo principal construir conhecimento
sobre as possibilidades e desafios para a organização do Turismo de Base Comunitária na
Fonte do Doutor. Ao iniciar este estudo surge a seguinte inquietação: quais possibilidades e
desafios para a organização do Turismo de Base Comunitária na Fonte do Doutor?
O presente artigo está organizado em três partes, além desta introdução, e das
considerações finais. Na primeira parte buscamos resgatar a história da Fonte do Doutor; Na
segunda discorremos sobre as abordagens do conceito do Turismo de Base Comunitária; Na
terceira parte, apresentamos o percurso metodológico, o caminho que seguimos no estudo.

2 FONTE DO DOUTOR: RESGATE DA SUA HISTÓRIA

A área da Fonte do Doutor está localizada na cidade de Cruz das Almas, Bahia. O
município de Cruz das Almas foi criado através da Lei nº 119 de 29 de julho de 1897,
desmembrando-se de São Félix, a sua população é de 63.923 habitantes (IBGE, 2021). Está
localizada a 142 km da capital da Bahia, Salvador, seu Território de Identidade é o Recôncavo
Baiano (BAHIA, 2016), e na divisão das Zonas Turísticas fica localizada Caminhos do
Jiquiriçá - Circuito Recôncavo Sul (BAHIA, 2011).
A Fonte do Doutor originalmente apresenta vegetação nativa de Mata Atlântica do
domínio da floresta Estacional Semi-decidual bastante alterada. Conforme o art. 213 da Lei
Orgânica do município e observando-se o Art. 215 da Constituição Estadual, é uma área de
preservação permanente. De acordo com a adequação do Plano Diretor do Município, Lei nº
10.257, de 2001, esta Fonte é considerada Zona de Proteção Integral (ZPI) por ser uma área
de importância ambiental e paisagística da cidade que necessita de ações de preservação e
recuperação (Cruz das Almas, 2001). O espaço é dotado de valor ambiental, histórico,
científico, estético, cultural, político e social para a população local e as circunvizinhas.

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Criada pelo prefeito Luiz Eloy Passos, levou o nome Fonte do Doutor por esta
localizada em terras que pertenciam à família Passos, entre a Rua da Jurema e o Loteamento
Lauro Passo. Pela dificuldade de encontrar registros sobre a Fonte, foi necessário entrevistar o
professor Alino Matta (2021), onde o mesmo afirma que a descoberta da Fonte do Doutor se
deu em 1934, por um médico chamado Dr. Ribeiro dos Santos que morava na praça, mas
gostava de tomar banho nessa fonte.
Os oito minadouros que existiam na fonte abasteciam várias pessoas que dirigiam-se a
mesma em busca de água e diversão que o lugar proporcionava, tornou-se um ponto de
turismo das famílias cruzalmenses. O acesso a Fonte era por uma ladeira de barro vermelho,
sem calçamento, quando chovia era difícil subir até de pé, muitos automóveis e caminhões
pernoitavam lá por não poderem subir a ladeira, pois derrapava muito.
Com o crescimento da cidade no século XIX e com a falta de água encanada, a Fonte
do Doutor foi o local que marcou a vida das pessoas que viviam naquele período, por ter sido
responsável pelo abastecimento de água para a cidade, a Fonte era muito utilizada em função
dos usos que eram feito, como para o lazer, higiene, desenvolvimento da agricultura e
pecuária, renda para lavadeiras e aguadeiros que carregavam barris d’água e abasteciam as
cidades. O abandono da Fonte se deu pela poluição e pela encanação da água nas casas pela
Embasa. Acabaram-se os aguadeiros e a Fonte foi abandonada.
Do ponto de vista científico, é possível observar a importância da vegetação
estabilizando as margens das fontes, impedindo a erosão, o assoreamento dos cursos hídricos,
filtrando poluentes e sedimentos que seriam transportados para os cursos d’água. A vegetação
e as fontes d’água favorecem a manutenção do micro clima da região e a preservação da
fauna. Trechos de mata formam um corredor ecológico facilitando o deslocamento da fauna e
o fluxo gênico entre as populações de espécies animais e vegetais, o que evita o endemismo
das espécies. Assim, água e mata são indissociáveis, devendo ser preservadas não apenas pelo
aparato legal, mas também pela importância na manutenção do equilíbrio do ambiente.
Devido à falta de informação, de conhecimento técnico e de acesso ao interior do local,
atualmente, o espaço vem sofrendo riscos. A ausência de infraestrutura (sede administrativa,
calçadas, banheiro público, iluminação, placas informativas, segurança, etc.) dificulta o
contato harmônico da comunidade com a natureza. Entretanto, um olhar mais apurado
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permite a observação do estado de abandono e degradação da área. Apesar de totalmente
cercada, verifica-se que a mata vem sofrendo modificações na sua cobertura vegetal, seja pelo
desmatamento, pela introdução de espécies exóticas invasoras, como também pela poluição
através de resíduos sólidos deixados no local.
Apesar da importância da Fonte, não há citação bibliográfica e nem observação in loco
de atividades específicas realizadas no local, sendo assim leva a conclusão de que ela vem
sendo esquecida por gestores e sociedade civil. Desta forma, se faz necessário, o resgate
histórico do local, a análise dos recursos ambientais e das interações entre o meio físico,
biológico e socioeconômico da área, de modo a caracterizar a situação ambiental atual, as
demandas referentes ao desenvolvimento local e a manutenção desse patrimônio natural e
cultural, em diálogo com o Turismo de Base Comunitária.

2.1 TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

Refletindo sobre os interesses da comunidade não poderíamos deixar de pensar no


Turismo de Base Comunitária – TBC, definido como uma “proposta de desenvolvimento
local, através da valorização da cultura e identidade, dos modos de vida, respeitando as
dimensões de uma sociedade em seus aspectos sociais, políticos, culturais e humanos”
(IRVING, 2009, p 21). Silva et. Al (2012, p.11) complementa enfatizando:

[...] como uma forma de planejamento, organização, autogestão e


controle participativo, colaborativo, cooperativo e solidário da
atividade turística por parte das comunidades que deverão estar
articuladas em diálogo com os setores público e privado, do terceiro
setor e outros elos da cadeia produtiva do turismo, primando pelo
benefício social, cultural, ambiental, econômico e político das próprias
comunidades.

Nesse sentido o TBC considerada a valorização da cultura, do modo de viver dos


sujeitos, e o incentivo a preservação e valorização do meio ambiente. Envolvendo o
desenvolvimento e transformação do contexto no qual o sujeito está inserido, com a
participação direta da comunidade, garantindo a valorização dos seus aspectos históricos,

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culturais e ambientais no desenvolvimento de ações que promovam a melhoria de qualidade
de vida das populações envolvidas.
Dentro desse pensamento, Saheb (2008, p. 34) salienta que essa valorização voltada
para o desenvolvimento e transformação “deve ocupar o lugar de um saber holístico, que
atravessa todos os saberes e dialoga com eles”. Silva (2005, p. 46) nos lança a perceber esta
temática dentro de uma perspectiva ética, pois para a mesma “só será possível através de
mudanças pessoais, do desenvolvimento da comunidade e do despertar da ecologia e do
ecossistema para dar lições de como se deveria viver”. Entende-se que a formação de
indivíduos críticos, conscientes e reflexivos, dotados de valores e atitudes positivas e éticas
em relação ao meio ambiente, torna-se fundamental para trabalhar na defesa e no respeito à
vida. Em contrapartida, faz-se necessário considerar que a ética vem da conduta do próprio
ser humano. Com isso, as atitudes individualistas podem romper com a ética coletiva e
ambiental.
Para a organização do TBC, é fundamental reconhecimento de suas condições e
possibilidades enquanto potencial para o desenvolvimento de ações por meio da mobilização
comunitária. Nessa perspectiva o Turismo de Base Comunitária, tem sentido, visto que as
ações de desenvolvimento local sustentável:

Considera todos os fluxos que atravessam um território [...] trata-se de


considerar como esses fluxos podem ser aproveitados ou reorganizados de
maneira sustentável para o bem-viver de todas as pessoas, transformando
tanto os arranjos sócio-produtivos injustos e danosos aos ecossistemas, em
particular, quanto o conjunto das relações humanas, em geral, para que
sejam ecologicamente equilibrados e eticamente solidários (MANCE, 2008,
p. 3).

Com possibilidades de participação direta da comunidade, estimulando pelo TBC a


cultura da cooperação, solidariedade e o resgate de saberes da comunidade local, o respeito às
diferenças culturais, religiosas e de gênero e tantas outras. Nesse sentido a ideia de educação
para o desenvolvimento local está:

diretamente vinculada a esta compreensão, e à necessidade de se formar


pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes
de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando
se tenta promover iniciativas deste tipo, constata-se que não só os jovens,
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mas inclusive os adultos desconhecem desde a origem do nome da sua
própria rua até os potenciais do subsolo da região onde se criaram
(DOWBOR, 2006, p.1).

Compreendendo que é preciso preparar a comunidade para assumir o protagonismo


das ações. O que Dowbor (2006) coloca na citação acima, tendo em vista que os primeiros
passos para a organização do Turismo de Base Comunitária:

[...] consiste na identificação pelas comunidades do potencial cultural,


ambiental, social, tecnológico, político e econômico do contexto onde
habitam. Além disso, pressupõe o desejo de perpetuação das heranças e
legados dos seus antepassados como hospitalidades, crenças e valores. Faz
também necessária a valorização de suas práticas, saberes e tecnologias
sociais, e com isso, a ampliação de suas rendas por meio da produção
associada. (SILVA, MATTA, E SÁ, 2016, p.81).

Configurando o TBC como uma rede solidária na comunidade, organizando roteiros


com base na identificação do potencial cultural e histórico, utilizando aspectos naturais de
forma consciente, visando contribuir o desenvolvimento pautado na igualdade e cidadania,
possibilitando que a comunidade possa participar e usufruir verdadeiramente dos resultados
do seu desenvolvimento. Sendo assim ações em diálogo com o Turismo de Base comunitária
é uma alternativa promissora para a valorização e preservação da Fonte do Doutor resgatando
assim sua cultura e história.

3 METODOLOGIA

Como já salientamos acima que esse estudo faz parte de uma pesquisa de doutorado
em andamento, como lócus de pesquisa teremos a Fonte do Doutor, localizada no município
de Cruz das Almas. Nesse estudo utilizaremos a pesquisa aplicada de metodologia Design-
Basedresearch (DBR), ao qual Matta et al (2014, p.23) defendem como melhor termo em
português Pesquisa de Desenvolvimento. NOBRE et al (2017, p. 131) define-a como

Uma abordagem metodológica que integra métodos qualitativos e


quantitativos, com enfoque intervencionista, realizada em colaboração entre
pesquisadores e participantes, em contextos do mundo real, através de ciclos
iterativos de desing, implementação, análise e redesing, tendo por objetivo
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proporcionar soluções para o problema/desafios da educação, criar artefatos
e práticas pedagógicas, gerara novas teorias e princípios de design.

Essa abordagem metodológica tem a importância de trabalhar com a comunidade e


não para a comunidade, pensando junto com eles ações em diálogo com a Educação Popular e
o Turismo de Base Comunitária para a valorização da Unidade de Conservação Fonte do
Doutor.
Mckennet e Reeves (2012) destacam cinco características da DBR: teoricamente
Orientada - As teorias são ponto de partida, de chegada e de investigação; Intervencionista -
Utiliza-se o fundamento teórico escolhido e o diálogo com o contexto de aplicação;
Colaborativa - O desenvolvimento e a busca por uma aplicação que seja solução concreta para
problemas dados obrigam à colaboração de todos os envolvidos: investigador, comunidade e
pessoas que se relacionam; Fundamentalmente responsiva - É moldada pelo diálogo entre a
sabedoria dos participantes, o conhecimento teórico, suas interpretações e advindos da
literatura; Iterativa - Cada desenvolvimento é o resultado de uma etapa, e necessariamente
será o início do próximo momento.
A pesquisa aplicada de metodologia DBR é realizada através de fases. Nobre et al
(2017), menciona que uma das características da metodologia é a sua flexibilidade
possibilitando o desenvolvimento dos ciclos interativos e o redesing constante, sendo assim
ocasiona várias propostas de fases para realizar o desenvolvimento das investigações. Essa
pesquisa em questão será norteada pelas fases ao qual são expostas por MATTA et al (2014).
Os autores apresentam um quadro onde mostra cada fase, os tópicos e sugestão de estruturas
pertencentes a cada uma delas. É valido ressaltar que todo o processo é feito com o
pesquisador e a comunidade local, de forma coletiva e colaborativa.

Quadro 1: Fases da pesquisa DBR e elementos para a construção do documento de Proposta


de Pesquisa

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Fonte: MATTA et al, 2014, p. 30.

Na Fase I, incide de início, um diálogo com os sujeitos da comunidade para a


definição ou readequação do problema da pesquisa refletindo a construção da proposta,
surgindo à questão de pesquisa e efetivamente a construção da revisão literária.
Nessa fase também será realizada a construção do contexto sócio-histórico da Fonte
do Doutor. A ideia de contexto histórico como aborda Matta et al (2020, p. 02) é “uma análise
da História realizada a partir da interpretação dialética do analista, e em função da análise da
problematização em questão”. Entendendo todo o processo, as continuidades e
transformações interpretando assim o lugar, ou melhor, o lócus da pesquisa. Para assim
desenvolver o conceito do que desejamos alcançar.
Na Fase II, consiste na construção da revisão bibliográfica das bases conceituais da
pesquisa: Educação Popular e Turismo de Base Comunitária. Com o contexto e a base
conceitual estruturados, será realizado o desenho da pesquisa em diálogo com os sujeitos,
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sendo esse o norteador do plano de intervenção, que serão ações para a valorização da Fonte
do Doutor, voltadas para as perspectivas do turismo de base comunitária e da educação
popular tendo em vista o desenvolvimento à escala humana. Nessa fase serão definidas as
categorias de análise e referência, com base nessa categoria serão propostos os critérios de
análise dos resultados.
Já na Fase III, refere-se à realização os ciclos iterativos de aplicação, essa fase será
realizada a partir de rodas de conversa aplicando assim a proposta de ações para a valorização
da Unidade de conservação Fonte do Doutor, em diálogo com o Turismo de Base
Comunitária e da Educação Popular tendo em vista o desenvolvimento local sustentável.
Na IV Fase, consiste na realização da análise da Fase III, para produzir “Princípios
de design” e melhorar implementação da solução, através das rodas de conversa, serão
analisadas, com base nas Categorias de Análise e Referência, a proposta de ações elaboradas e
aplicação, refletindo possíveis melhoramentos na solução para depois acontecer à análise dos
resultados nos Critérios de Análise.
Como o estudo será desenvolvido com a participação da comunidade, é valido
ressaltar que o que foi apresentado em cada uma das fases pode sofrer modificações no
decorrer do processo de diálogo com os sujeitos da comunidade.

4 CONCLUSÃO

O artigo que teve como objetivo principal construir conhecimento sobre as


possibilidades e desafios para a organização do Turismo de Base Comunitária na Fonte do
Doutor, ficou evidente a necessidade de se refletir sobre o potencial que a Fonte do Doutor
possui para a comunidade, sendo importante que todos os setores da sociedade busquem
formas de preservá-lo.
Dessa maneira, promover discussão para possíveis ações em diálogo com o Turismo
de Base Comunitária para a valorização e preservação da Fonte é necessário para se atingir
esse objetivo e quando se trata das ações educativas, reflexões e ações devem ser constantes e
permanentes, e sempre em diálogo com a comunidade.

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O olhar para o planejamento e gestão participativa da Fonte do Doutor, a valorização
pelos centros de pesquisas, a necessidade de um trabalho em conjunto com a população
residente em seu entorno, o aprofundamento desse tema em novos trabalhos, são ações que
revertem-se de uma importância incontestável quando se pensa na manutenção do vasto
conjunto de benefícios e serviços que a Fonte do Doutor pode oferecer para a comunidade,
fomentando a qualidade de vida da sociedade atual e das gerações futuras.
Por fim, concluímos a importância deste espaço como potencial científico e turístico
do município, sendo assim é possível a organização do Turismo de Base Comunitária na
Fonte do Doutor valorizando assim o patrimônio cultural e histórico.

REFERÊNCIAS

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e Sociais da Bahia. Salvador: SEI, 2016. 3 v. p. 259 (Série territórios de identidade da Bahia,
v. 2). ISBN 978-85-8121-017-9.

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CRUZ DAS ALMAS. Lei nº 10.257, de 2001. Adequação do Plano Diretor do Município de
Cruz das Almas – Bahia.

DOWBOR, Ladislau. Educação e Desenvolvimento. 2006. Disponível


http://www.apodesc.org/sites/documentos_estudos/arquivos/DesenvolvimentoEDUCACAO_
E_DESENVOLVIMENTO_LOCAL_Ladislau%20Dowbor.pdf. Acesso em: 15 nov. 2021.

IBGE. Principais informações sobre o município. População estimada - 2021. Disponível


em: <https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ba/cruz-das-almas.html>. Acesso em: 18
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IRVING, Marta A. Reinventando a reflexão sobre turismo de base comunitária: inovar é


possível? In: BARTHOLO, Roberto; SANSOLO, Davis Gruber; BURSZTYN, Ivan
(Org.).Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras.
Rio de Janeiro: Letra e imagem, 2009.

MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues; SILVA, Francisca de Paula Santos da; BOAVENTURA,
Edivaldo Machado. Design-basedresearch ou pesquisa de desenvolvimento: metodologia para
pesquisa aplicada de inovação em educação do século XXI. Revista da FAEEBA –
Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 23-36, jul./dez. 2014.

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MATTA, Alino. Correspondência pessoal. Cruz das Almas, 2021.

MANCE, Euclides A. Desenvolvimento local sustentável: conceitos e estratégias.


Apresentado no "Curso de Formação de Gestores Públicos em Economia Solidária",
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MCKANNEY, S.; REEVES, T. Conducting Educational Design Research. Abingdon:


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NOBRE, Ana Maria Ferreira; mallmann, Elena Maria; FERNANDES, Isabelle Martin;
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SAHEB, Daniell. A Educação Socioambiental na formação de pedagogia. 2008. 105 f.


Dissertação (Mestrado em educação). Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná,
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Comunitária “O ABC do TBC”. Salvador: EDUNEB, 2012.

SILVA, Francisca de Paula, Santos da; MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues; SÁ, Natália Silva
Coimbra de, Turismo de base comunitária no antigo Quilombo Cabula. 2016. Disponível
em: <http://www.ivt.coppe.ufrj.br/caderno/index.php/caderno/article/view/1149>. Acesso em:
29 de nov. de 2021.

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RELATOS DE EXPERIÊNCIA DE PROFESSORES DA EJA NAS


ESCOLAS DO TERRITÓRIO DO ANTIGO QUILOMBO DO CABULA

1
Alaide Santos de Santana
2
Josenita de Oliveira Evangelista de Souza
3
Lívia Villas Bôas
4
Eudes Mata Vidal

RESUMO

Este artigo relata a experiência de práticas pedagógicas em turmas da Educação de Jovens e Adultos
em escolas municipais do território do antigo quilombo Cabula. Iniciamos com um breve histórico da
EJA no Brasil e particularmente na cidade de Salvador no estado da Bahia, depois trazemos a
concepção curricular pensada que posteriormente será colocada em prática com os alunos.

PALAVRAS-CHAVE: Educação . Educação de Jovens e Adultos (EJA). Relato Experìência. Cabula.

1 - INTRODUÇÃO

1
Pedagoga. Especialista em Alfabetização e EJA pelo ISEAC (2013), Coordenadora pedagógica e
professora na Rede Municipal de Educação de Salvador.e-mail: lainegra@gmail.com

2
Pedagoga. Coordenadora pedagógica e professora na Rede Municipal de Educação de Salvador.e-
mail: nicejoevangelista@gmail.com
3
Pedagoga. Especialista em Novas Tecnologias e Educação pela UFBA, professora e coordenadora
pedagógica na Rede Municipal de Educação de Salvador.e-mail: lovboas@hotmail.com

4
Pedagogo. Pedagogo (UNEB), atualmente é professor do Ensino Fundamental (SMED), Doutor em
Difusão do Conhecimento pelo Programa de Pós-Graduação em Difusão do Conhecimento (UFBA),
Mestre em Educação e Contemporaneidade (PPGEduc/UNEB) e especialista em Metodologias de
Ensino para o Educação Básica (FCE).e-mail: eudesmata@gmail.com
A proposta deste artigo é socializar as experiências exitosas com alunos das turmas da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede municipal de educação da cidade de Salvador.
Para iniciar trouxemos um breve histórico da EJA para contextualizar no tempo e espaço as
condições político pedagógicas desta modalidade.

Após a contextualização da EJA e suas particularidades foi necessário trazer no nosso texto a
concepção de currículo pensada e de relevância dela para nortear o trabalho do professor em
sala de aula. Diante da análise da concepção do currículo para a EJA apresentamos a
proposta curricular pensada, elaborada e executada em turmas desta modalidade. Nesta
proposta podemos exemplificar as atividades, e conteúdos significativos para este público,
trazendo à tona seus saberes e experiências vividas conforme preconizava o mestre Paulo
Freire.

Ao discutir sobre os aspectos didáticos, mas também sociais e políticos que engendram a
modalidade de Educação EJA, fazemos um paralelismo com outro conceito importante, no
campo da ação social, que é o Turismo de Base Comunitária (TBC). Este conceito está ligado
a uma modalidade de turismo, no qual o protagonismo das ações está estreitamente vinculado
às formas comunitárias de organização social (VIDAL, 2021).

Sendo assim, por ter características multidisciplinares em sua estrutura e aplicação, o TBC,
além de propor e construir concretamente outro modelo de ação turística, ligada ao
desenvolvimento socioeconômico e cultural de uma determinada comunidade popular que o
adote e aplique, também manifesta uma forte promoção para processos de educação
comprometidos com uma proposta revolucionária e libertária.

Neste sentido, situa-se o projeto TBC Cabula e Entorno, criado no ano de 2010, com atuação
em 17 bairros que compõem o antigo quilombo do Cabula, atualmente grande território do
Cabula. Este projeto teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(Fapesb), tendo seu funcionamento na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) até os dias
vigentes, instituição localizada no Cabula (VIDAL , 2021).

O Cabula, por sua vez, território localizado como “miolo” de Salvador, atualmente foi
demarcado pela gestão pública da cidade composto por 22 bairros, embora o saber popular
local reconheça somente 17 deles. Em sua formação histórica, foi um espaço delimitado por
disputas em torno das relações de poder e das contradições sociais produzidas durante o
período de escravização dos africanos e seus descendentes no Brasil. Com forte
ancestralidade africana, foi palco para a criação do antigo quilombo Cabula, que resistiu até a
sua destruição em 1807.

Igualmente, nesta mesma região, estudos (MARTINS, 2018; COSTA, 2018) mostram que
suas antigas matas fechadas, serviu de abrigo para grupos tupinambás que coexistiam nas
proximidades de seu território, durante o período da colonização do Brasil.

Essa região possui o bairro mais negro da cidade: o bairro de Pernambués, que no censo de
2010 do total de 64.983 moradores, 53.580 se auto declaram pretos e pardos, um Campus da
Universidade do Estado da Bahia - UNEB, o terreiro mais antigo Congo-Angola do Brasil, o
Tumbeci e as histórias de resistências do povo preto que agora vão sendo recuperadas:o negro
Beiru, a Mata Escura, a Engomadeira e a Sussuarana, Quilombo do Cabula.

Por fim, na conclusão deste artigo, trouxemos relatos de experiências com possíveis práticas
interacionistas e totalmente contextualizadas com a realidade vivenciada pelos alunos que
fazem parte das classes da EJA.

2 CONTEXTUALIZANDO A EJA NAS ESCOLAS DO TERRITÓRIO DO ANTIGO


QUILOMBO DO CABULA

Ao pensar na Educação de Jovens e Adultos, várias possibilidades se apresentam e conceituá-


la necessita de contextualização, pois, dependendo do contexto pode-se pensar a qual público
adulto se refere à modalidade. Desta forma, este artigo voltar-se-á ao processo de
alfabetização de Jovens e Adultos no século XXI. Assim sendo, a Educação de Jovens e
Adultos no Brasil é uma modalidade de ensino destinada às pessoas que não estudaram, por
diversos motivos, na considerada idade certa (art. 37 da LDB 9394/96), visando reparar o
direito ao acesso à educação e à aprendizagem dos indivíduos que por motivos diversos,
alheios a sua vontade, tiveram negados o direito fundamental à educação durante a infância e
a adolescência. Os estudantes, sujeitos da EJA têm em comum o fato de pertencer a grupos
historicamente discriminados, colocados à margem da sociedade, como as pessoas com
deficiência, a população LGBTQI+, a população negra e indígena, perfis intrincados a outras
questões como a pobreza.
Olhando bem de perto, a educação de Jovens e Adultos a proposição de EJA não vem com o
caráter reparador, considerando os marcadores raciais e sociais, mas ganha este propósito
com a Educação Popular, movimento que se inicia em 1920, quando o censo escolar apontou
que o nível de escolarização na época, se assemelhava a 1909. Os dados intensificaram a luta
pela democratização da escola pública e o direito ao acesso à educação a todos os cidadãos
considerando os índices do analfabetismo e, com este movimento, correntes educacionais
contrárias ao caráter mercadológico da educação se fortalecem e garantem intervenções e
reflexões mais emancipatórias que favorecem uma concepção de EJA mais dialética, tendo
no sujeito a centralidade do processo.
Paulo Freire, reconhecido em várias partes do mundo por sua atuação no campo da educação,
sendo referência em muitos países africanos, por onde esteve durante o exílio, difundiu a
Educação Popular. Sua perspectiva de educação era contrária a educação bancária, na qual o
aluno é sujeito passivo, mero receptor dos conhecimentos transmitidos. para ele a educação é
ato de transformação. Em (1963), ele marcou em definitivo a educação de jovens e adultos do
país, em 40 dias alfabetizou pessoas adultas na cidade de Angico utilizando o método das
palavras geradoras. Uma proposta de alfabetização centrada na leitura de mundo, as palavras
provocavam reflexões, debates e análises conjunturais.
Freire expõe que é preciso fazer sentido para que ocorra o processo de alfabetização, se a
cultura do sujeito aprendente está presente no processo, se a educação consegue
problematizar o contexto social, é possível aproximar o que se ensina do que se aprende: a
leitura de mundo, antecede a leitura da palavra. Se para a criança ler que Ivo viu a uva, não
faz sentido, menos ainda faz para o adulto que já possui um arcabouço de experiências, para
que a frase seja plausível é importante saber quem é Ivo, porque ele viu a uva e quem foi que
plantou a uva.
Em Salvador, a EJA sempre configurou como a última opção de investimentos. Após um
processo de atenção em educação de forma geral, podendo ser percebida através dos
materiais da chamada Maleta Pedagógica (1996), não se encontram registros até 2012 de
ações para a EJA que envolvessem toda a rede. Em 2011-2012 a EJA passou pela construção
da proposta pedagógica com formações pensando no aluno adulto,
Nesse período existiam então 166 escolas com turmas de EJA na cidade de Salvador e 27
escolas com atendimento de EJA na região do Cabula, hoje a região do Cabula possui 48
escolas municipais públicas, entre escolas com atendimento da Educação Infantil,
Fundamental e EJA, dessas, 24 escolas atendem EJA no turno noturno e 4 atendem também a
EJA durante o dia.

2.1 - RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS PROFESSORAS DA EJA EM ESCOLAS


DO ANTIGO TERRITÓRIO DO QUILOMBO DO CABULA

A prática educativa dos professores da EJA começa com a análise e reflexão sobre: o que
ensinar? Quais conteúdos trabalhar? Qual método e dinâmicas em sala são mais eficazes?
Como posso viabilizar o desenvolvimento das habilidades necessárias para cada etapa de
ensino desta modalidade?
Todas as perguntas acima podem ser respondidas se antes de qualquer análise de proposta
curricular os professores considerem o que Freire já indicava em sua prática:

Por isso mesmo pensar certo coloca no professor, ou mais amplamente, à escola, o
dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes
populares, chegam a ela- saberes socialmente construídos na prática comunitária-
mas, também discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em
relação com o ensino dos conteúdos.(2021, p.31)

Considerar que o aluno não aprende apenas no ambiente escolar e que traz consigo, na sua
história saberes e aprendizagens na troca com outros fora da escola, na sua vida cotidiana. é
de relevância pedagógica o professor considerar estas histórias de vida, com desejos e anseios
diversos.

Inicio este relato contextualizando sobre quem sou eu no cenário da EJA, sou Lívia Oliveira
Villas Bôas, filha de professora, nascida no Recôncavo da Bahia, formada pela UNEB em
Pedagogia e assumi a carga horária de 40 horas na rede municipal de Educação em 2005,
sendo 20 horas pela tarde e 20 horas no turno noturno. Nunca tinha trabalhado com adultos
até assumir a primeira turma de EJA na Escola Municipal Professora Maria José Fonseca,
que fica no bairro de Sussuarana, no território do antigo quilombo do Cabula.

Ao longo da minha jornada de trabalho fui descobrindo as nuances e particularidades de atuar


com jovens, adultos e idosos. Descobri que a minha atuação em sala de aula à noite não
poderia ser igual ao meu trabalho durante a tarde, parece óbvio, mas era comum ver essa
prática pedagógica de alguns colegas na rede. Os alunos da EJA são peculiares: os anseios,
os sonhos, a linguagem, a história de vida, as experiências eram muito particulares deste
público. E nós precisávamos considerar isto na prática e na construção da proposta
pedagógica da nossa Unidade Escolar.

Em 2010, juntamente com o corpo docente do qual eu fazia parte e a coordenação


pedagógica da escola, elaboramos uma proposta didática que denominamos: SEJA
CONSCIENTE. Nesta proposta, organizada para todo ano letivo, que era dividido em quatro
unidades didáticas, colocamos um tema gerador para cada unidade.

Na primeira unidade usamos o tema: Como eu me vejo! A partir deste tema os professores
exploraram a identidade pessoal e a construção da cidadania para construir as suas estratégias
pedagógicas. Baseado neste tema gerador pudemos trabalhar com as seguintes abordagens
didáticas: identidade do estudante; construção da árvore genealógica; documentos pessoais
importantes e suas siglas; construção da linha de vida de cada um; ouvir anseios para o futuro
e o percurso; debate sobre noções de cidadania e identidade; bairro e a relação da pessoa com
a comunidade em que vive e com o meio em que está inserido.
Na segunda unidade decidimos pelo tema: Minha interação com o mundo do trabalho! Com
base nesta temática pudemos pensar no trabalho como instrumento de inserção na sociedade
e construção da cidadania. As abordagens didáticas tinham como norte :a importância do
trabalho como instrumento de inserção na sociedade e construção da cidadania; tipos de
trabalho (status social, diferenças, semelhanças); direitos do trabalhador; história do salário
mínimo; análise e estudos de custos de vida (contas de água, luz, transporte,alimentação);
estudo e análise dos custos da cesta básica.

Na terceira unidade o tema orientador planejado foi: Como me vejo no mundo? Falando
sobre a interação e relação de interdependência da pessoa humana com o meio em que vive,
trazendo possibilidades do aluno da EJA perceber-se como construtor e produto da história
do local onde ele está inserido abordando:noção de democracia e cidadania;deveres e direitos
(saúde, educação, transporte, segurança, moradia, lazer); concepções acerca do idoso, da
criança, do adolescente; eleições e a história do direito do voto.

E para finalizar o ano letivo trouxemos como tema gerador a pergunta : Como o mundo me
vê? Possibilitando o estudo sobre a influência africana na construção do povo brasileiro,
baiano e na sociedade soteropolitana;os tipos de preconceitos (racismo, sexismo, homofobia)
e a importância dos movimentos de resistência (quilombos, insurgências, irmandades).
Utilizamos várias estratégias didáticas para que fosse possível sensibilizar e mobilizar o
envolvimento do maior número possível de alunos da EJA. Fizemos: rodas de conversa com
escuta sensível para as falas destes alunos; palestras com profissionais relacionados aos temas
trabalhados durante as unidades; oficina de cordel; aula lá fora ( quando saímos no bairro
para fazer pesquisa de preços nos supermercados); oficinas de ensinagem (quando os alunos
da EJA ensinavam para os seus pares o que sabiam : culinária, costura de bolsa; hidráulica);
participação na caminhada em celebração ao Dia da Consciência Negra; Sarau Cultural.
Percebemos que esta forma de trabalhar aproximava e motivava a participação e interação
dos alunos. Era notável a melhoria significativa na auto-estima destes alunos que no início do
ano chegavam desmotivados. A experiência de uma proposta didática inclusiva, colaborativa e
dialógica trouxe a evidência para nós, professores da EJA, que a aprendizagem pode e deve ser
significativa para todos ( WALLON, 2008).
Essa proposta apresentada acima contemplava todos os professores que atuavam nas turmas
do EJA 1.

2.2. A experiência educacional das cabuleiras Josenita, Alaíde e Lívia:


Deixe-me apresentar. Meu nome é Josenita de Oliveira Evangelista de Souza. Nascida na
periferia da cidade de Salvador – Bahia. Mulher preta, mãe coruja de menino inteligente (sem
modéstia) e sapeca. Irmã mais velha do núcleo familiar, preocupada e disponível para apoiar
no enfrentamento aos desafios. Filha de mãe amorosa e sábia. O amor que minha mãe irradia
nutre filhos paridos ou não de seu ventre, alcança sobrinhos, amigos e quem dela se
aproxima. Me constituo dessa mãe doce e aguerrida, que sustentou com seu labor formal,
complementado por atividades na esfera informal, a numerosa família.

O relato que apresento é uma das vivências que tive como professora em turma de educação
de jovens e adultos e que considero bela pela simplicidade, significativa por ter oportunizado
aprendizagens em todas as pessoas envolvidas (independente do lugar que se encontrava
naquele momento, estudante, gestão, coordenação) e transformadora, por ter provocado em
mim e em muitos dos estudantes mudança na sua forma de estar, ver e interagir na
comunidade.

O ano foi de 2016, assumi a regência de uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA
I) na Escola Municipal Governador Roberto Santos, pertencente à Regional Cabula. Escola
viva, efervescente, aconteciam ações coletivas que envolviam toda comunidade escolar
regularmente. Fazíamos encontros de planejamento, e partilhávamos questões pontuais,
elaborávamos estratégias no sentido de superá-las.. Portanto, já conhecia parte dos estudantes
da turma, apesar de não ter sido professora de nenhum deles, tínhamos uma relação de
proximidade. Sabia ser uma turma heterogênea, conhecia as limitações (encontravam-se em
momentos diferentes em seu processo de aprendizagem); reconhecia a baixa estima que
envolvia profundamente alguns, e das questões sociais que os distanciavam, provocando
irregularidade na frequência.

O planejamento precisava contemplar o calendário institucional, atender a grade curricular


determinada para aquele ano de aprendizagem e tínhamos a realidade da turma que pedia
atenção e cuidado. Junto à equipe docente e coordenação elaboramos um plano de ação que
visava a autonomia, a ampliação de conhecimentos, a construção e ampliação da base
alfabética.

Inspiradas em Paulo Freire que em seu livro Pedagogia da Autonomia, 1996 afirma que
“Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos” e nos provoca a estar abertos ao risco da
mudança, assumindo postura crítica dos nossos fazeres junto com eles e a comunidade,
propus a escrita da biografia de cada educando. Tarefa difícil, exigia esforço, desnudar-se de
preconceitos, aquisição de habilidades e construção de estratégias.

No projeto de aprendizagem o objetivo principal era o letramento. Escolha que gerou


encontros com a coordenação para reflexão de conceito e abordagem na educação de jovens e
adultos. Encontramos em “Letramento e Alfabetização: as muitas facetas” da professora
Magda Soares, aporte para sustentar o pensamento inicial. A proposição para construção do
projeto com os estudantes em sala de aula, também necessitou de tempo, paciência e
determinação.
Iniciamos com a construção em sala do quadro de cognição. Excelente estratégia de
envolvimento, descoberta e implicação na construção de aprendizagens. Neste quadro
constam as questões: O que sabemos? O que queremos saber? O que vamos fazer? Quando
fazer? Diferente das experiências que tive com esta ação em outros momentos de minha
caminhada na educação, percebi desde o planejamento que na educação de jovens e adultos
essa construção deveria ser lenta, atenta e ainda mais cuidadosa. Considerando a frequência,
considerando que todos deveriam participar respondendo às questões, o investimento de
tempo nesta ação foi extenso. Lembro-me de uma das estudantes desconfiada me
perguntando para que tanta pergunta e se eu não me cansava de ouvir as bobagens que eles
falavam…

Como esperado, as questões de gênero, raça, religião, violência se apresentaram. Com força.
As dores, medos, dissabores, também fizeram questão de se apresentar. Pequenos e grandes
sonhos e desejos se insinuaram. Peguei! Tanto os queria… Chegaram, não deixei escapar. É
interessante sinalizar que os pequenos desejos para alguns eram utopia para outros.

Além da história de cada um, é possível observar que os sujeitos da educação de jovens e
adultos, trazem consigo conhecimentos literários já consolidados. Cantigas de roda, Cantigas
de trabalho, histórias de susto ou de ninar, versos, provérbios, ditos populares, adivinhas,
lendas, parlendas, fazem parte de seu contexto em alguma medida. Organizamos então os
pontos de partida para escrita, reescrita, escrita a partir de escriba.

Proposições:

Quero saber ler e escrever

● Empréstimo de livros paradidáticos – semanal


● Roda de leitura (Sarau) – semanal
● Atividade de produção escrita (do texto a letra) Biografia personalidades negras;
Autobiografia; Livro de Receita;

Algumas ações em parceria com outras turmas de EJA 1 da mesma escola

Quero saber mexer na máquina do banco

● Matemática no meu dia a dia (números naturais, números e operações, geometria,


atividades de matemática relacionada a questões práticas da vida do educando). É de
mais ou de menos professora? Jogos de tabuleiro; Jogos da minha infância....

Algumas ações contaram com a parceria do professor de educação física da EJA 2, utilizando
o espaço externo da unidade escolar.

Quero tirar habilitação e ter meu carro

● Saúde, Meio ambiente, Localização, História (conteúdos do componente curricular


Sociedade e Natureza)
Algumas ações realizadas pela professora segunda regente e professor de geografia da EJA 2

Foi um ano letivo intenso. Cheio de aprendizagens. As evidências produzidas pouco ficaram,
já se perderam com o inadequado guardar. As marcas impressas na alma de vez em quando
descolam e se ressignificam. Antes do fim do ano letivo, uma das estudantes que sonhava em
ler e escrever, leu o bilhete da patroa solicitando comprasse ingredientes para a receita do
almoço daquele dia. Chegou na escola chorando e gritando comigo como se estivesse
passando mal. Um estudante, que estava desempregado, trabalhando com biscates, aprendeu
preparar cuscuz de tapioca, fez um carro e passou a vender na vizinhança. Levou para escola.
Uma delícia! No ano seguinte a estudante que queria saber mexer na máquina do banco, me
contou que não precisava mais pedir a ninguém. Aprendeu a ver e entender os números.
Pequenos sonhos, grandes realizações. Nós professores somos os que semeiam e sonham com
a colheita farta da sociedade.

Assegurando a implementação da lei 10.639;03 na EJA da região do Cabula

“O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-


lo. Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o
diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado
enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial” (FREIRE, 1980,
p.42)

As reflexões de Freire permearam meu processo formativo e continuam presentes na minha


trajetória profissional, que passarei a relatar:

Sou Alaide Santana, mulher preta, conhecedora de parte da trajetória familiar no processo de
escravização desde o primeiro africano da minha família que foi trazido para este país.
Soteropolitana, sou única filha de professora leiga, mais tarde comerciária, que me criou
sozinha, sou mãe de dois meninos pretos, moradora de ocupação urbana (invasão) da e na
Sussuarana, criada no seio das Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs e formada no seio da
Pastoral da Juventude do Meio Popular - PJMP, professora leiga de escola comunitária,
estudei como bolsista no primário/ginásio, concluindo a educação básica em escola pública,
entrei na faculdade de pedagogia da UNEB (1997) em uma época em que apenas 2%
acessava uma universidade pública.

Atualmente sou coordenadora estadual de uma entidade do movimento negro a Associação


Agentes de Pastoral Negros do Brasil - APNs, estou na executiva do GT Direito â Cidade da
Defensoria Pública e sou membro da coordenação da Pastoral Afro da Arquidiocese de
Salvador, além de integrar o Núcleo de Políticas Educacionais para as Relações Étnico-
raciais da Secretaria de Educação de Salvador, responsável pela coordenação das ações na
regional Cabula e integrante da Comissão Permanente da EJA do município.

Antes da faculdade, os cursos de Educação Popular do CECUP - Centro de Educação e


Cultura Popular e do ISPAC - Instituto Social Popular de Ação Comunitária me apontavam
para uma educação de transformação social. Católica por escolha pessoal, chamada ao
candomblé pela ancestralidade aos 20 anos, vivo uma dupla pertença religiosa
aproximadamente uns 20 anos. Durante a graduação, fui estagiária nas turmas de EJA, nos
programas de convênio da UNEB/SESI e UNEB/SMED e foi atuando com adultos que
consegui alcançar a profundidade das desigualdades sociais, embora fosse moradora de um
bairro com número significativo de analfabetos, as minhas relações com estas pessoas se
davam em âmbito mais de reivindicação de melhorias na infraestrutura do bairro, o que
impedia de perceber as implicações da ausência do ensino.

Prestei concurso público em 2003 para professora e no ano seguinte para coordenadora
pedagógica na rede municipal de educação da cidade de Salvador. Optei por escolas dentro
da Sussuarana para atuar, durante 10 anos fui coordenadora pedagógica da Escola Municipal
Professora Maria José Fonseca, em diálogos, visitas e participação em atividades das escolas
na região do Cabula, fui conhecendo a realidade educacional da EJA nesta região,
anteriormente um quilombo: o Quilombo do Cabula, com muitas histórias de resistências,
mas com esvaziamento da construção de sentimento de pertença nos espaços escolares, no
que tangia a EJA. Havia algumas tentativas, mas não havia ação em conjunto.

Em 2015 fui convidada para integrar a equipe técnico-pedagógica da Gerência Regional do


Cabula, nas palavras da pessoa que me convidou, eu tinha elementos que poderiam agregar
ao grupo um diálogo mais centrado nas questões étnico-raciais.Com essa tarefa, em 2016
construí uma proposição, juntamente com o Centro de Pastoral Afro Pe. Heitor Frisotti na
Sussuarana e o Pe. togolês, Bernardino Mossi, roda de conversa para falar sobre o continente
africano hoje, desmistificando o imaginário dos estudantes da EJA, de que a África: a) é um
país, b) só tem pobreza. A ideia inicial era bem despretensiosa, das 27 escolas existentes
iríamos apenas em torno de 10 e somente com o público da EJA.

Ao iniciar a conversa, eu não o apresentava como padre, apenas dizia o nome e falava de qual
país era. Era visível que as pessoas presentes se interessavam pois iriam dialogar com alguém
de fora, um estrangeiro. Ele iniciava perguntando se alguém desejava ir morar com ele na
África e todos recusavam de imediato e os motivos eram os mesmos: lugar ruim, de muitas
guerras e pobreza, as pessoas morrem de fome.

A partir dessa introdução, se descortinava a apresentação dele, com imagens e relatos


pessoais dos lugares que conhecia de perto, da pobreza e da guerra, mas de locais ricos, com
escolas, hospitais e mais bem cuidados do que muitos locais brasileiros. Depois era o
momento de falar da religião, sempre com muito cuidado mas de forma direta, ele contava
que era de família muçulmana e que todos estiveram presentes na ordenação e que ele ao
chegar em Salvador quis conhecer um terreiro e que as festas de caboclo lembrou alguns
rituais da terra dele.

Ao final, fomos em 20 escolas e as escolas solicitaram o diálogo dele com os alunos do


diurno (não acompanhei estes diálogos). As rodas de conversa sobre temáticas raciais
continuaram e somente o ano de 2020 não foi possível, devido a pandemia. As escolas
passaram a realizar com maior constância atividades antirracistas.

3 METODOLOGIA

Estamos utilizando os relatos de experiência das nossas vivências nas turmas de Educação de
Jovens e Adultos em escolas que pertencem ao antigo território do quilombo do Cabula, nos
bairros de Sussuarana e São Gonçalo.
O Relato de Experiência é uma espécie de narrativa, pela qual o conhecimento científico se
atrela, enquanto aporte para subsidiar a experiência a ser comunicada. Dentro da perspectiva
metodológica, o Relato de Experiência é uma técnica pela qual a escrita permite a
comunicação das experiências subjetivas e objetivas.
Sendo assim, é importante que seja dito que o Relato de Experiência não é uma crônica, mas
sobretudo uma experiência ancorada em marcos teóricos, pelos quais a interpretação do relato
se organiza. A interpretação do relato apresentado neste trabalho, também está ancorada na
experiência comunitária e profissional das professoras que escrevem este artigo, a partir de
uma descrição de suas memórias vividas em suas práticas sociais, profissionais e
comunitárias no território do Antigo Quilombo do Cabula.
Por sua vez, a discussão de forma narrativa, traz a interpretação a partir de uma organização
estruturada pelas próprias autoras, que apontam para as práticas docentes identificadas em
cada relato de experiência apresentado.
4 CONCLUSÃO

A modalidade EJA configura como espaço de saberes populares que se entremeiam com os
conhecimentos selecionados pelo sistema educacional, o sujeito presente na EJA transgride,
sempre que há possibilidades, o currículo formal, ampliando a sua compreensão de mundo e
sua atuação no mundo, produzindo novas culturas. Como diz Milton Santos: Gente junta cria
cultura e, paralelamente, cria uma economia territorializada, uma cultura territorializada, um
discurso territorializado, uma política territorializada.

A proposta de relatos apresentados neste trabalho, corroboram com as práticas defendidas


pelo projeto TBC Cabula e Entorno, em razão do protagonismo das educadoras que em seus
relatos, mostraram a força do comprometimento e da valorização com uma educação situada
na contextualidade do Cabula. O território do Cabula, por ser um uma região com o potencial
afrodescendente, manifesta no cotidiano de seus moradores a marca de uma trajetória de
resistência e luta.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 77 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 67 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 42 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

SOARES, Magda. Letramento e Alfabetização: as muitas facetas Disponível em:


<https://www.escrevendoofuturo.org.br/EscrevendoFuturo/arquivos/4106/n25a01.pdf>
Acesso em 07 set 2013.

WALLON, Henri. Do ato ao pensamento: ensaio de psicologia comparada. Petrópolis:


Vozes, 2008.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA: Censo 2010.
Pessoas de 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever. Disponível em:
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/salvador/pesquisa/23/25124> Acesso em 28 nov 2021.

INEP - INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS


ANÍSIO TEIXEIRA. Resumo Técnico: Censo da Educação Básica Estadual 2020
[recurso eletrônico]. ‐ Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2021. xx p. : il. ISBN xxx‐xx‐xxxx‐xxx‐x 1. Educação ‐ Brasil. 2. Educação
Básica. I.Título.

CRISTALDO, Heloísa. Censo Escolar 2020 aponta redução de matrículas no ensino básico:
Foram registradas 579 mil matrículas a menos do que em 2019. Agência Brasil, 2021.
Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-01/censo-escolar-
2020-aponta-reducao-de-matriculas-no-ensino-basico> Acesso em 10 nov 2021.

HADDAD, Sérgio e DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos in


Revista Brasileira de Educação Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/rbedu/a/YK8DJk85m4BrKJqzHTGm8zD/?format=pdf&lang=pt>
Acesso em 5 nov 2021.

NASCIMENTO, Luiz Marine José do e COSTA, Telma Costa (orgs.). Projeto Político
Pedagógico da Educação de Jovens e Adultos: Rede Municipal de Ensino de Salvador -
São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2012.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência


universal. Disponível em:
<file:///C:/Users/Administrador/Downloads/Milton%20Santos%20-
%20Por%20uma%20outra%20globaliza%C3%A7%C3%A3o%20[LIVRO].pdf> Acesso em
11 nov 2001.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES

MEMÓRIA E IDENTIDADE NO CONTEXTO DO TURISMO EM COMUNIDADES


INDÍGENAS

Salete Vieira11
salete.vieira@gmail.com

Ana Paula Carvalho Cruz Feitosa) 2


donana@uneb.br

RESUMO

Atualmente, o turismo tem estado presente nas comunidades indígenas não só como fonte de
renda complementar, mas também como mecanismo de revitalização cultural e integração
ao cenário nacional. O presente artigo tem como objetivo refletir a respeito da relação da
memória e identidade de grupos indígenas, especialmente das comunidades Pataxó
localizadas no Extremo Sul da Bahia, dentro da atividade turística. Para o alcance do
objetivo da pesquisa, a metodologia empregada tem caráter exploratória e contou com
revisão bibliográfica através de artigos, documentos oficiais ecom dados disponibilizados
através de visitase lives realizadas por membros da comunidade indígena que trabalha com
turismo, além de material publicado nos canais oficiais das iniciativas de turismo indígena.
Verificou-se que o turismo constitui-se como uma estratégia de resistência identitária para
os Pataxó do Extremo Sul da Bahia, bem como de adaptação na sua relação com a
comunidade envolvidadentro da dinâmica de um mundo globalizado. O turismo se torna,
além de uma oportunidade de desenvolvimento local, uma forma de (re)afirmação de suas
tradições. No entanto, ressalta-se algumas lacunas nesse processo como a ausência de
instituições públicas, civis ou privadas que apoiem a atividade indígena, uma vez ser esta a
principal fonte de renda desse povo.

Palavras-chave: turismo; cultura; memória; identidade; turismo indígena.

1
Doutoranda no Programa de Pós Graduação Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (PPGDC). Mestre
em Cultura e Turismo (UESC). Bacharel em Turismo- Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora
Assistente do Curso de Turismo e Hotelaria da Universidade do Estado da Bahia (Campus I/Salvador).
Participante do Grupo Multidisciplinar de Estudo e Pesquisa: Sociedade Solidária, Espaço, Educação e
Turismo – SSEETU.
2
Doutora em Artes Cênicas (UFBA). Mestre em Educação (UFBA). Professora Titular da Universidade do
Estado da Bahia (Campus I/Salvador). Participante do Estudo sobre Formação em Exercício de Professores –
FEP/UFBA.
XI ETBCES – Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas em tempos adversos –
De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES
Introdução

Do ponto de vista das tendências culturais há aumento da formação do nível de


informação das pessoas, e isso se reflete nas atitudes adotadas pelos turistas, particularmente,
na diversificação dos modelos de consumo. A partir da década de 1990 algunsturistas tem
preferido locais onde culturas se apresentem de forma autêntica e preservada. Essas mudanças
impõem ao mercado a necessidade de ofertar novos produtos que visam satisfazer esse novo
perfil de turista e, neste sentido o turismo cultural é um dos segmentos que registram maior
crescimento dentro do setor (DIAS, 2003).
Conforme se acentua a uniformização como uma das tendências da globalização, a
possibilidade de vivenciar culturas locais tende a tornar-se um diferencial poderoso conforme
se pode observar em Ignarra (2003):
O turismo também possui um papel importante no desenvolvimento cultural das
comunidades. O contato dos visitantes com os nativos de uma localidade contribui
para o desenvolvimento cultural de ambos os grupos. A produção artesanal, as
manifestações folclóricas podem ser revitalizadas a partir do interesse dos turistas
em conhecê-las (IGNARRA,2003, p.78).

Desse modo, a opção pelo desenvolvimento de turismo ligado aos aspectos culturais
de um determinado povo deve conciliar-se aos objetivos de manutenção do patrimônio, do
uso cotidiano dos bens culturais e da valorização das identidades culturais locais.
O turismo que ocorre em terras indígenas proporciona aos turistas a oportunidade de
ouvir as histórias e lendas regionais, tomar parte de rituais tradicionais, experimentar os pratos
típicos da culinária, tomar banhos de rios, fazer pinturas corporais, visitar suas moradias, ter
contato com os esportes tradicionais e aprender na prática as técnicas do artesanato.
Os traços culturais presentes vinculados na mídia aliados aos costumes característicos
do dia-a-dia, são transformados em atrações que encantam visitantes. São tradições
identificáveis da cultura indígena (muitas vezes com o rótulo de folclore), tanto no espaço
regional como através do tempo (MONTEIRO, 1999).
Sugiro um parágrafo falando de uma maneira geral das diversas etnias indígenas, para
depois adentrar nas comunidades indígenas Pataxó
As comunidades indígenas Pataxó, localizadas no extremo sul da Bahia, desenvolvem
o turismo em suas aldeias e reservas, onde apresentam ao turista aspectos característicos de

XI ETBCES – Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas em tempos adversos –


De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES
sua memória e identidade e outros que foram incorporados ao longo do tempo, não apenas
para a atividade turística mas também numa tentativa de revitalização de suas tradições.
Assim, este artigo tem como objetivo identificar a relação da memória e identidade de
grupos indígenasPataxó, localizadas no extremo sul da Bahia, especialmente atividade
turística, pois a mesma tem sua atratividade ligada ao acesso à história, à cultura e ao modo
vida de seus povos.
Para o alcance do objetivo da pesquisa, a metodologia empregada teve caráter
exploratória e contou com revisão bibliográfica através de artigos, documentos oficiais, dados
disponibilizados através de visitas in loco, entrevistas e lives realizadas por membros da
comunidade indígena que trabalham com turismo, além de material publicado nos canais
oficiais das iniciativas de turismo indígena.

Referencial Teórico
A relação entre turismo e cultura

Martins e Leite (2016) argumentam que cultura constitui-se de mecanismos pelos


quais os indivíduos adquirem características mentais, como valores, crenças ou hábitos, que
lhes possibilitem participar da vida social. É, portanto, um componente do sistema social, que
inclui também estruturas sociais e mecanismos de adaptação, para conservar o equilíbrio com
o contexto ambiental e social.
Segundo a definição do antropólogo Geertz (1989), a cultura é um sistema integrado
de padrões de comportamentos aprendidos, os quais são característicos dos membros de uma
sociedade, e não resultado de uma herança biológica. É resultado da invenção social e é
transmitida e aprendida somente por meio da comunicação e da aprendizagem. Assim, se
entende que tudo que é humano, então, possui uma dimensão simbólica que lhe dá sustento e
todas as nossas decisões são tomadas a partir desses símbolos e imagens públicas que
organizam o mundo e as coisas e lhes confere uma identidade.
De acordo com o Ministério do Turismo (BRASIL, 2010) os estudos específicos sobre
a relação turismo e cultura foram iniciadas a partir de 1960, pelos antropólogos.
Posteriormente, quando o turismo passou a ser visto como alternativa para o desenvolvimento
a atividade turística foi inserida em muitos lugares e revelou-se prejudicial a cultural local ou
XI ETBCES – Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas em tempos adversos –
De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES
ineficaz como estratégia de promoção, quer pela falta de recursos humanos especializados,
pela visitação descontrolada, pelo desrespeito em relação à identidade cultural local, pela
imposição de novos padrões culturais, especialmente em pequenas comunidades, quer pelo
despreparo do próprio turista para a experiência turística cultural.
Considera-se, deste modo, que a relação cultura e turismo baseiam-se em dois pilares
fundamentais: o primeiro é de uma demanda existente para conhecer culturas diversas e o
segundo é a probabilidade do turismo servir como meio de valorização da identidade cultural
e da promoção econômica de bens culturais.
Assim, observa-se o papel da cultura nesse processo de redefinição dos traçados de
identidade e memória dos povos indígenas, no sentido mais de reinterpretar esses traçados do
que defini-los propriamente, por meio de legado ou herança cultural que lhes confere o
sentimento de pertencimento e de identificação para com seus territórios (JESUS, 2014).

Identidade e memória indígenas como fator de atratividade turística

Segundo Batista (2005), a memória tem um caráter primordial para elevação de uma
nação de um grupo étnico, pois aporta elementos para sua transformação, e essa memória
proporciona ao indivíduo a lembrar da própria lembrança e não deixa que se apaguem os
acontecimentos adquiridos por todos envolvidos com aquele episódio.
De acordo com Le Goff

tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações


das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades
históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes
mecanismos de manipulação da memória coletiva (LE GOFF, 1986,p.13).

Já Pozenato (1990, p.10) indica que a identidade não é buscada “no plano das
manifestações externas, mas no uso que existe por trás das manifestações”, ou seja, vai além
dos aspectos externos e das celebrações. Deste modo, as manifestações verdadeiras da cultura
não estão na “exposição” como acontece no turismo indígena, mas no cotidiano dos
indivíduos na comunidade.

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Nas comunidades indígenas existe a resistência de grupos que não querem esquecer
suas memórias, pelo contrário, querem preservá-las e perpetuá-las, para que as futuras
gerações saibam dos acontecimentos por ali passados (BERGAMASCHI; MEDEIROS,2010)
Pollak (1992) corrobora com essa ideia quando afirma que:
A memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual
como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante
do sentimento de continuidade de coerência de uma pessoa de um grupo em sua
reconstrução de si (POLLAK,1992, p. 204).

Contudo, a memória não pode ser enquadrada de acordo com os interesses


individuais, pois é aberta e opera em seus atores de forma bastante livre sem interferências.
Ela pode ser construída de maneira consciente ou inconsciente, pois o que ela exclui ou
armazena é um resultado de um trabalho de organização (BATISTA, 2005).
A memória é fundamental para uma cultura que deseja preservar suas características
e, como ela é intimamente ligada a identidade, fornece subsídios para que a identidade se
construa e se fortaleça a partir de elos comuns. No turismo indígena a memória e a identidade
são essenciais para o desenvolvimento deste segmento turístico, que vem crescendo a cada
década devido às exigências dos padrões do turismo (FORTUNATO; SILVA, 2011).
Segundo Leal (2007), o desenvolvimento turístico em territórios indígenas esteve
atrelado ao processo de aculturação promovido pela atividade, acreditando-se que essa
influência levaria os indígenas a abandonarem seu modo de vida para se inserirem nesta
atividade. Ainda nessa mesma linha, Grunewald (2001) afirma que esse tipo de turismo é um
assunto ainda muito criticado, pois ele está ligado diretamente à problemas sociais como a
artificialização das manifestações culturais, a degradação ambiental, a mudança do cotidiano
da comunidade, etc., estimulando muitas vezes o desenvolvimento de realidades inadequadas.
Essa conjuntura sinaliza para a necessidade de se programar ações conjuntas,
planejadas e geridas entre as áreas de turismo e de cultura, e de se priorizar o respeito à
identidade cultural e à memória das comunidades na atividade turística (IGNARRA, 2003).
Com a participação da comunidade, o turismo pode ser um agente revitalizador da cultura
indígena, mesmo que, em alguns casos, essa cultura seja reinventada, e surjam novas
identidades. De acordo com Sahlins, a tradição pode ser constituída como se dá a

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transformação da mesma, uma vez que “a transformação é necessariamente adaptada ao
esquema cultural existente” (SAHLINS, 1997, p.62).
Leal (2007) afirma que ser indígena na contemporaneidade é ser constituído por
elementos culturais de dentro e de fora dos limites do seu grupo étnico e que esse é um lugar
da construção de estratégias individuais e coletivas não apenas identitárias, mas também
buscando posições de colaboração e contestação no ato de (re)definir sua própria ideia de
sociedade, memória e identidade.
De acordo com Dias (2003), quando o turista visita uma comunidade, este surge como
o diferente em relação àqueles que são semelhantes entre si por pertencerem ao mesmo grupo,
e/ou a mesma etnia. Desse modo, a presença de turistas, com práticas e costumes distintos,
tende a realçar os traços culturais que caracterizam a comunidade receptora, uma vez que se
estabelece uma linha nítida entre ambos. Dito assim, as relações interétnicas promovidas pelo
turismo pode ser um estímulo para o aspecto identitário desses povos diante do outro
(SANTOS; VIEIRA, 2018).
As identidades culturais não são intocadas, estáticas ou congeladas no tempo, o que
implicaria em uma ausência de contato com o mundo externo inviabilizando ou
descaracterizando a sua essência em razão do seu uso pelo turismo (HALL, 1996). Antes,
porém, se devidamente direcionado, o turismo pode oportunizar dinamismo cultural,
produzindo experiências importantes em sua prática e construção (GRÜNEWALD, 2001).
Partindo da percepção de que as comunidades sofreram e ainda sofrem influências
externas, a discussão em torno do reconhecimento ou não das identidades não podem estar
limitadas à busca de traços estereotipados. Essas perspectivas críticas devem estabelecer o
protagonismo dos indígenas no turismo, e por consequência da colonização, nos próprios
processos de transformação de seu povo. Diversos autores como Eduardo Viveiros de Castro
(1996), Mércio Pereira Gomes (2012), Bruce Albert e Alcida Ramos (2002) entre outros,
propõe a ideia contrária para o entendimento do senso comum esterotipado a respeito das
diversas populações indígenas brasileiras, pois as mesmas viveram longos e diversos
processos de interação e transformação com os não-indígenas.

Materiais e métodos
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Para o alcance do objetivo da pesquisa, a metodologia empregada teve caráter
exploratória e contou com revisão bibliográfica através de artigos, documentos oficiais, dados
disponibilizados através de visitas para a caracterização das aldeias durante a apresentação
dos roteiros de visitação pré-pandemia, contextualizando e apontando os protocolos e ações
realizadas para garantir a segurança da comunidade e dos turistas na visitação durante o
período pandêmicoparticipação da apresentação dos , entrevistas e lives realizadas por
membros da comunidade indígena que trabalham com turismo, além de material publicado
nos canais oficiais das iniciativas de turismo indígena.
Foram analisadas de maneira qualitativa a vivência que ocorreu durante a visitação e
procurado aprofundar o conhecimento indígena Pataxó como multiplicadores das sabedorias
tradicionais.
Para desenvolvimento o procedimento metodológico utilizado foi o qualitativo, quanto
às técnicas de pesquisa foi empregado levantamento bibliográfico e documental que
fundamentaram teoricamente os conceitos abordados no decorrer do trabalho por meio de
leituras e fichamentos de literatura específica, em livros e periódicos, sites e artigos.

Resultados e Discussão: A memória e identidade no contexto do turismo indígena Pataxó

O processo do desenvolvimento do turismo teve início nas comunidades indígenas


Pataxó ainda na década de 1970, com o crescimento do número de turistas na região de Porto
Seguro, atraídos pelas belezas naturais e pelo acesso facilitado depois da inauguração da
rodovia federal BR-101, que cruzava o país e os ligava aos seus principais núcleos
populacionais (VIEIRA; CARVALHO, 2013).
Leal (2007) aponta que foi neste mesmo período que grupos indígenas tiveram a
legalização dos seus direitos ocorrendo, desta forma,um favorecimento e retomada de
práticas tradicionais por parte dessas populações. Essas práticas não eram somente heranças
ancestrais mastambém um intercâmbio cultural com a invenção e a proliferação de diversas
manifestações culturais, que eram constituídas de elementos nativos e também absorviam
fragmentos no contexto regional, nacional e transnacional.
No contexto turístico dos Pataxó, o artesanato se apresentou como um dos principais
elementos desta prática dos povos indígenas. Eles passaram a fazer a venda de objetos e
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adornos feitos com materiais e técnicas criadas por seu grupo, após um intenso intercâmbio
cultural, com a invenção e propagação, entre os grupos locais, de determinadas práticas
culturais.
Nas décadas seguintes (1980 e 1990) houveram intensas lutas travadas para
conquista de suas terras e, concomitante a isso, o turismo se tornava uma atividade cada vez
mais comum entre os Pataxó devido ao número crescente de turistas na região, em
consequênciada ampliação do aeroporto de Porto Seguro-Ba e a chegada de grandes
agências de turismo. As comunidades indígenas também tiveram sua imagem desgastada
pois, além da luta territorial, havia a imposição da atividade pelos empresários e
comerciantes interessados no lucro turístico imediato (VIEIRA, 2012).
De acordo com as narrativas dos indígenas durante a apresentação no centro de
visitantes, muitos turistas questionavam as comunidades pelo fato delas não possuírem
traços indígenas estereotipados. Os indígenas eram arguidos a respeito dos tipos de
vestimenta, moradias, cultos, ou seja, perguntas que evidenciavam o estigma imposto sobre
os indígenas brasileiros e exigido pelos não-indígenas, o que dificultava o seu
reconhecimento social e legal.
Em 1999, depois de quase 500 anos de um longo processo de invasão das suas terras,
os Pataxó retomaram a principal referência geográfica, simbólica e histórica de seu
território: o Monte Pascoal. A retomada aconteceu após reuniões do Conselho de Caciques
Pataxó, tendo como principal tema a luta pelo direito à demarcação das terras indígenas
(CANCELA, 2020).
Os indígenas se organizaram através da “Carta do Povo Pataxó às Autoridades
Brasileiras” onde argumentaram que aquele território, que estava como área de conservação
permanente do Governo Federal, foi criado nos limites de suas terras originais, o que dava à
seu povo o direito de “retomar” seu território, sob proteção jurídica e também pela
“memória dos antepassados”.
Posteriormente, após novos conflitos entre os indígenas e as autoridades na ocasião
da comemoração do “pseudo” descobrimento do Brasil em 2000, a retomada do território
Pataxó também veio acompanhada por um movimento de retomada de sua memória e
identidade. Da necessidade de afirmação étnica diante do processo de demarcação territorial
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ao fortalecimento dos laços entre as aldeias, os Pataxó encamparam uma busca para
retomada dos rituais espirituais, da pintura corporal, das danças e da língua (CANCELA,
2020).
Segundo os depoimentos, alguns aspectos dacultura Pataxó que são apresentados aos
turistas não possuíam características específicas, porém, na década de 90, alguns membros
das aldeias Pataxó da região do Extremo Sul baianoforam conhecer e tomar parte de rituais,
artesanato e costumes de outra aldeia Pataxó localizada no Estado de Minas Gerais. Neste
processo, o papel de jovens lideranças e intelectuais foi de fundamental importância, pois
tomaram para si a responsabilidade da pesquisa com os mais velhos, da sistematização dos
dados e da difusão dos saberes e fazeres identificados.
Esse grupo, então perpetuou os conhecimentos adquiridos nas comunidades
indígenas de origem, que passaram a praticar no seu cotidiano e também em apresentações e
venda de artesanato para os turistas que visitam a região. Ainda de acordo com os
depoimentos, a dança conhecida como Awê, praticada e apresentada aos turistas, era própria
da cultura Pataxó, mas o artesanato e suas moradias, o kigeme, foram incorporados e
adaptados de outras etnias indígenas.
Ainda em 2000 foi criado um centro de artesanato Pataxó, na comunidade Pataxó de
Coroa Vermelha, em Santa Cruz de Cabrália e a Reserva Pataxó da Jaqueira, localizada em
Porto Seguro começou a receber seus primeiros visitantes com roteiros estabelecidos onde
contavam a história e a memória de seu povo.
Atualmente, de acordo com os dados levantados através das redes de turismo
estaduais, das Secretaria de Desenvolvimento Rural e Secretaria de Turismo do Estado da
Bahia e Secretaria de Assuntos Indígenas de Porto Seguro, existem 10 (dez) comunidades
indígenas Pataxó que desenvolvem turismo em seus territórios, localizadas nos municípios
de Prado, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália. São elas: Aldeia Cahy, Aldeia Tibá, Reserva
Pataxó da Jaqueira, Aldeia Juruena, Aldeia Velha, Aldeia Mata Medonha, Aldeia Imbituba,
Aldeia Coroa Vermelha, Aldeia Barra Velha e Aldeia Pé do Monte.
Cada uma dessas comunidadespossui roteiros turísticos singulares e experiências que
as diferem entre si, tanto em relação às práticas como saberes específicos. Ou seja, mesmo
que tenha sido buscado a manutenção de suas tradições ao longo do tempo, as práticas e
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costumes foram (são) ressignificados de acordo com as vivências de cada aldeia Pataxó. Lima
(2006) argumenta que as transformações são inerentes às atividades humanas, portanto, é
interessante observar que comunidades ao se envolverem na experiência turística podem se
transformar a partir da geração de novos padrões e ainda permanecerem autênticas, mesmo
através da mudança.
Algumas comunidades possuem em seus roteiros de visitação a apresentação da
escolas indígenas localizadas em suas aldeias. Nestas escolas as crianças estudam, além da
língua portuguesa, a língua Patxohã, bem como aspectos históricos de sua própria cultura
como asdanças e cantos tradicionais. Assim, os visitantes tem acesso, portanto, aos uns
principais eixos da identidade Pataxó: a sua linguagem.
As plataformas de comunicação desenvolvidas pelas comunidades Pataxó,
especialmente para o turismo, apresentam roteiros formatados para visitação a “uma viagem
pela cultura indígena da Bahia” e convida os visitantes a embarcar num passeio pela história
brasileira e indígena, com base nas atividades culturais, tradicionais e a preservação do meio
ambiente.
Os indígenas Pataxó acreditam que, por meio do turismo, podem aumentar a renda,
melhorar a qualidade de vida das famílias e fortalecer sua identidade. O turismo possibilita a
construções de ligações entre o presente e o passado do povo Pataxó, sobretudo através das
lembranças, dos mitos e dos cantos transmitidos pelos mais velhos às novas gerações. No uso
dessas memórias, os Pataxó reconstruíram, no presente, os fragmentos que justificaram a luta
pela retomada do seu território (CASTRO, 2008).
No entanto, ressalta-se algumas lacunas nesse processo como a ausência de
instituições públicas, civis ou privadas que apoiem a atividade indígena, e o perfil de turistas
que visitam a região do Extremo Sul baiano. Os conceitos de raça e de povos indesejados que
ainda são difundidos no senso comum são perigosos, pois geralmente são falhos. Axenofobia
e o racismo não são problemas específicos de países desenvolvidos, pois esses conflitos de
identidades diz respeito àquilo que se é ou o que se acredita ser - não é um mero conflito
político (BARBUJANI, 2007).

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Considerações finais
A apropriação por parte do turismo da memória e identidade de uma comunidade
indígena pode trazer tanto benefícios quanto efeitos negativos, porém, se ocorrer o
planejamento da atividade é possível reforçar e revitalizar tradições, costumes, rituais já
esquecidos.
Nesse sentido, muitas comunidades indígenas buscam sua inserção no mercado
turístico compreendendo que possuem potencial para atrair fluxos de visitantes interessados
nos tipos de experiências e vivências que elas possuem, definindo em seus próprios termos as
estratégias de planejamento da atividade, ainda que não exclusivamente, mas, em alguns
casos, como forma de resistência a pressões externas do seu entorno, entendendo o turismo
como um modelo de gestão de baixo impacto, além da possibilidade de ser associado a outros
modos de subsistência.
Verificou -se que o turismo constitui-se como uma estratégia de resistência identitária
para os Pataxó do Extremo Sul da Bahia, bem como de adaptação na sua relação com a
comunidade envolvente dentro da dinâmica de um mundo globalizado. O turismo se torna,
além de uma oportunidade de desenvolvimento local, uma forma de (re)afirmação de suas
tradições.
Dito isto, é importante evidenciar neste trabalho que foi possível visualizar, por
diversas vezes, o protagonismo das comunidades nas experiências de gestão do turismo no
território retomado e isso possibilitou o surgimento de modelos, roteiros e modos de se fazer
turismo, aliado àbusca da preservação dos recursos naturais, àpromoção da cultura indígena e
a geração de trabalho para as comunidades.

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O PANORAMA DESAÚDE DAS MULHERES DO TERRITÓRIO DO CABULA

Mary Lúcia Souto Galvão 1


mgalvao@uneb.br

Tainá Santana de Deus Oliveira 2


taina.sdo@gmail.com

Ticiana Osvald Ramos3


ticiana@ufrb.edu.br

Francisca de Paula Santos da Silva4


fcapaula@gmail.com

RESUMO

Este artigo é fruto da tese intitulada “Educação, saúde e memória: narrativas e saberes das parteiras
tradicionais no território do Cabula”, e tem como objetivo apresentar o panorama da saúde, mais
especificamente os dados relativos à assistência obstétrica, das mulheres em idade reprodutiva
residentes no território do Cabula, a partir de dados epidemiológicos, narrativas coletadas nos espaços
de vivências em rodas de conversas enquanto ações dialógicas, criativas e afetivas. Estas rodas de
conversa integram as ações educativas dos projetos de extensão desenvolvidos pelo Departamento de
Ciências da Vida, da UNEB, em parceria com as Unidades Básicas de Saúde da Secretaria Municipal
de Saúde de Salvador, no DSCB. Os resultados obtidos nessa pesquisa apontam para baixa cobertura
da atenção básica, agravamento das desigualdades sociais durante a pandemia COVID-19, associadas
ao racismo estrutural, baixa qualidade da assistência pré-natal, desencadeando aumento da morbidade
e mortalidade materna e perinatal. Conclui-se, portanto, que o panorama de saúde da população
domiciliada no Cabula apresenta fragilidades decorrentes do aumento das desigualdades sociais,
acentuando a vulnerabilidade social desta população, comprometendo os dados epidemiológicos de
saúde.

Palavras-chave: Saúde. Cabula. Mulher.

1
Enfermeira Obstetra, Doutora em Educação e Contemporaneidade, Docente da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB).
2
Enfermeira pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
3
Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Ciências da Saúde, Campus
Santo Antônio de Jesus. Socióloga, mestre e doutora em sociologia pela Universidade de Brasília.
4
Pós-doutora e doutora em Educação,. professora e pesquisadora do Curso de Turismo e Hotelaria e programas
de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) e DoutoradoMultidisciplinar
eMultiinstitucional em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
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1 INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto da tese intitulada“Educação, saúde e memória: narrativas e saberes


das parteiras tradicionais no território do Cabula”, da autora Mary Lúcia Souto Galvão
(2020), que para adentrar o Cabula e ocupar o lugar de pesquisadora, pede licença aos
habitantes desse território, que trazem na bagagem a sua história de luta, resistência e
ancestralidade. O lugar de fala é de mulheres que através da UNEB, vivenciaram e
partilharam experiências em roda com as mulheres deste território.

Tem-se como objetivo apresentar o panorama da saúde, e mais especificamente os


dados relativos à assistência obstétrica,das mulheres em idade reprodutiva residentes neste
território, a partir dos dados epidemiológicos extraídos do II Diagnóstico de Saúde da
População Negra de Salvador (2015), do Plano Municipal de Saúde 2018-2021, da Secretaria
Municipal de Saúde de Salvador, e da observação participante enquanto membros do projeto
de extensão “Acolhendo mulheres em situação de vulnerabilidade social”, da
UNEB,frequentando as Unidades Básicas deSaúde desse distrito sanitário.

A estruturação do campo da Saúde no território do Cabula, é considerada através da


lógica da regionalização da saúde, Distrito Sanitário Cabula Beiru (DSCB). A divisão
territorial de Salvador, de acordo com as “Prefeitura-Bairro”, relacionada à definição do
Distrito Sanitário, foi definida em 2016, por meio do Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano do Município de Salvador (PDDU) que foi instituído pela Lei Municipal nº
9.069(SALVADOR, 2016).

De acordo com o Plano Municipal de Saúde (PMS) (SALVADOR, 2017b), o DSCB


constitui a região vinculada com a “Prefeitura-Bairro VIII – Cabula Tancredo Neves”,
possuindo área de 25,89 km² com uma densidade demográfica de 16,27 hab/km² e população
estimada em 421.246 habitantes para o ano de 2015. Conforme definição do PDDU 2016, o
Distrito abrange 22 bairros no seu território (SALVADOR,2016)

2 PANORAMA DE SAÚDE DO DISTRITO SANITÁRIO CABULA-BEIRU

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De acordo com o PMS(2017), a rede de assistência à saúde do DSCB é constituída


por nove Unidades Básicas de Saúde (UBS); nove Unidades de Saúde da Família (USF); dois
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA); e um
Centro de Especialidades Odontológicas (CEO).

Adicionalmente, reconhece-se dois hospitais no território: um Hospital Geral de alta


complexidade, o Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), e um Hospital Psiquiátrico, o
Hospital Juliano Moreira (HJM). A distribuição destas unidades, bem como a relação entre a
cobertura ideal e real, a partir da estimativa populacional pode ser conferida no Quadro 1, a
seguir.

Quadro 1 – Distribuição e alcance de Unidades de Saúde no DSCB

Tipo de Qua Bairros Relação Relação


Unidade ntida Unidade/ Unidade/
de habitante ideal habitante
real
Unidade 09  Calabetão - C74.S. Calabetão 1/18.000* 1/46.805
Básica de  Saboeiro - 11º C. S. Eunísio Coelho
Saúde Considerando a Considerand
Teixeira
população oa
(UBS)  Engomadeira - C.S. Engomadeira
estimada em população
 Mata Escura - C.S. Mata Escura
421.246**, estimada em
 Santo Inácio - C.S. Santo Inácio
deveria haver 421.246, há
 Sussuarana - C.S. Sussuarana cerca de 23 uma unidade
 Pernambués - CS do CSU de unidades no para cada
Pernambués distrito 46.805 hab.
 Arenoso - C.S. Arenoso no distrito
 Estrada das Barreiras - C.S.Barreiras

Unidade de 12  Arenoso - USF Prof. Guilherme 1/12.000* 1/35.104


Saúde da Rodrigues da Silva
Considerando a Considerand
Família  Saramandaia - USF Dep. Cristóvão
(USF) população oa
Ferreira
estimada em população
 Cabula VI - USF Fernando
421.246, deveria estimada em
Filgueiras – Alto da Cachoeirinha
haver cerca de 35 421.246, há
 Doron - USF Prof. Dr. Carlos
unidades no uma unidade
Santana
distrito) para
 Pernambués - USF Prof. Humberto
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Castro Lima – Pernambuezinho aproximada
 Estrada das Barreiras - USF mente35.104
Barreiras hab. no
 Sussuarana - USF Raimundo distrito)
Agripino
 São Gonçalo - USF Padre Mauricio
Abel
 Mata Escura - USF Mata Escura
 Nossa Senhora do Resgate - USF
Claudelino Miranda)
 Arraial do Retiro - USF Antonio
Ribeiro Neiva
 Calabetão - USF Calabetão

Centro de 02  Pernambués - CAPS II Eduardo CAPS I- pop. 1CAPS II/


Atenção Saback Dias de Moraes >15mil hab.*** = 421.246hab.
Psicossocial  Pernambués - CAPS AD 28 unidades

(CAPS)
1 CAPS AD/
CAPS II- pop. > 421.246hab.
70mil hab. *** =
6 unidades

CAPS III- pop. >


150mil hab. *** =
3 unidades (2,8)

CAPS AD- pop.


>70mil hab. ***

= 6 unidades

CAPS AD III-
pop. > 150 mil
hab. *** = 3
unidades (2,8)

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CAPS i- pop. >
70mil hab. ***=

6 unidades

Unidades de 02  Pernambués - PA Edson Teixeira 1/300.000**** 1/210.623


Pronto Barbosa
Atendiment  Tancredo Neves - PA Dr.Rodrigo
o Argolo IV

(UPA)

Centro de 01 Cabula VI -*****


Especialidad
es
Odontológic
as (CEO)

Hospital 01 Cabula
Geral

Hospital 01 Narandiba
Psiquiátrico

Fonte: Elaborada pela autora, com base nas informações referenciadas no corpo do texto.
*Parâmetros apresentados na Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2017)
** Estimativa populacional calculada e apresentada no PMS (SALVADOR, 2017b)
*** Parâmetros apresentados no documento do Ministério da Saúde: Critérios e Parâmetros para o Planejamento
e Programação de Ações e Serviços de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2015).
****Parâmetros apresentados na Portaria nº 1020, de 13 de maio de 2009(BRASIL, 2009).
***** Não foi encontrado o parâmetro.

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O Quadro acima ilustra a distribuição espacial de Unidades de Saúde conforme seu
tipo no território do DSCB. Cabe ressaltar, que os Agentes Comunitários reconhecem que
centenas de famílias moradoras de áreas dominadas pelo tráfico de drogas permanecem
desassistidas em razão da impossibilidade de adentrar esses territórios por conta do risco,
ficando essa população ainda mais vulnerável.

No mesmo Quadro apresenta-se o número de unidades de saúde do DSCB, por tipo


de unidade,bem como a quantidade ideal para atender a população do distrito, de acordo com
os parâmetros recomendados pelo MS de cobertura padrão. Aplicando um método de cálculo
simplificado - um método mais sofisticado de cálculo deveria estimar o número de unidades
considerando os critérios populacionais e os arranjos assistenciais entre os diferentes tipos de
unidades disponibilizados à população –estima-se que o número ideal de UBS fosse de 23
unidades e de USF 35 unidades e conta com apenas 9 UBS e 12 USF. O número ideal de
CAPS varia segundo o tipo, entretanto, conta com apenas duas unidades no DSCB, ambas no
bairro de Pernambués, sendo o ideal, para CAPS I, 28 unidades. O único tipo de unidade que
se encontra dentro dos parâmetros populacionais ideais são as UPA, o que significa que ainda
se encontra longe de efetivar o modelo de transição com alta resolubilidade na atenção básica
do DS. Além disto, as unidades de maior complexidade e de caráter de atendimento às
urgências e emergências apresentam maior força de manobra política, sendo o investimento
privilegiado. Nessa perspectiva constata-se que há uma disparidade entre a cobertura
recomendada e a existente neste território.

Esse fenômeno decorre do modelo hospitalocêntrico instalado no Brasil, a partir da


ciência moderna, com a implementação da tecnologia no campo da assistência à saúde,
reproduzindo uma cultura de valorização da atenção a doença e as intervenções médicas, em
lugar da valorização à promoção da saúde.

O PMS (2017) utiliza alguns indicadores de atenção à saúde para analisar a situação
da população do território, indicando que o DSCB dispõe de uma Cobertura de Atenção
Básica, em 35,8%; de Estratégia de Saúde da Família, em 24,6%; de Cobertura de Saúde
Bucal,em27,9%; e de Saúde Bucal na ESF,em21,97%.Considerando que o DSCB não dispõe
da cobertura preconizada pelo MS, é possível inferir que essa população não recebe a Atenção
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Básica recomendada, sendo que as UBS são a entrada de todo o sistema e potencialmente
deveriam ser responsáveis pela resolubilidade de 80% de toda demanda por serviços de saúde
(BRASIL, 2017).

A baixa cobertura em Salvador prevalece desde o início da implementação da Gestão


Plena, em 2006. Seguindo a tendência de que os municípios assumam cada vez mais a
responsabilidade pelo relacionamento com os prestadores de serviço, à medida que se
habilitem às condições de gestão descentralizada do sistema, a Norma Operacional de
Assistência à Saúde(NOAS/SUS 01/02), instituída pelo MS define duas condições de
participação do município na gestão do SUS: Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, pela
qual o município se habilita a receber um montante definido em base per capita para o
financiamento das ações de atenção básica, e Gestão Plena do Sistema Municipal, pela qual o
município recebe o total de recursos federais programados para o custeio da assistência em
seu território (BRASIL, 2017). Sendo em Salvador adotada a gestão Plena do Sistema
Municipal, visto que o município se responsabiliza tanto pelas atividades primárias, como as
de média e alta complexidade.

Embora os serviços de saúde tenham crescido e melhorado, ainda existem acentuadas


desigualdades regionais nos serviços prestados à população. A cobertura das consultas
médicas pelo SUS constitui um exemplo claro que expressa as diferenças significativas entre
as regiões e as diversas áreas das grandes metrópoles. A melhor performance de consultas
médicas, procedimentos de enfermagem e consultas odontológicas em Salvador está
concentrada na região do Centro, com performance mediana em Distritos Sanitários de
regiões com menor vulnerabilidade. Além da baixa cobertura, os serviços essenciais, tais
como: os exames de diagnose, não são suficientes para atender os usuários (CARDOSO;
VIEIRA, 2012).

Constata-se, portanto, que um dos maiores obstáculos advém da baixa cobertura da


atenção básica, comprometendo os outros indicadores que expressam as condições de saúde
da população. Além de dados sobre a cobertura da Atenção Básica, o PMS (2017b) elencou
uma série de problemas relacionados às Unidades do DSCB, que são interdependentes e
resultantes das dificuldades de gestão e da baixa cobertura da atenção, como: a) dificuldade
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do acesso às ações oferecidas; b) falta de insumos; c) deficiência na manutenção dos
equipamentos; d) insuficiência de equipamentos; e) insuficiência de medicamentos de uso
contínuo; f) falta de um Conselho Local; g) falta de controle social no Distrito; e h)
dificuldade de regulação dos leitos hospitalares, conforme apresentado no Quadro 2, retirado
do próprio documento.

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Quadro 2– Percepção dos Problemas dos Serviços de Saúde do DSCB, Salvador 2017

Fonte: Plano Municipal de Saúde (SALVADOR, 2017b).

Ao analisar esse Quadro, observa-seque parte destas inadequações tem como causa a
baixa cobertura da atenção básica neste território. De acordo com Cardoso e Vieira (2012), a
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baixa cobertura expressa uma associação do crescimento insuficiente da oferta de serviços
acrescido do aumento da população e consequentemente da demanda assistencial. A
ampliação da cobertura das ações da atenção básica oferecidas pelo SUS constitui um dos
principais desafios para a atenção à saúde no Distrito e no município de Salvador.

O panorama de saúde do DSCB aponta para a permanência do problema que já vem


sendo discutido e debatido nas instâncias de saúde do município e do estado há mais de 10
anos, como registro em minhas memórias, e vem gerando sérios agravos de saúde como
registrado formalmente no PMS(2017). Para promover a reorganização das ações da Atenção
Básica torna-se indispensável considerar fatores decorrentes das políticas econômicas e das
desigualdades sociais, das mudanças no perfil epidemiológico, que evidenciam um aumento
da prevalência das doenças crônicas, como apontado no Quadro 3, abaixo, apresentado no
PMS (2017b), potencializado pelos problemas estruturais da sociedade brasileira que
configuram a histórica desigualdade social, persistente por meio da colonialidade do poder
(ORTIGARA, 2016).

Quadro 3 – Percepção dos problemas do Estado de Saúde (Agravos Crônicos), DSCB,


Salvador, 2017

Fonte: Plano Municipal de Saúde (SALVADOR,2017b).

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Como descrito no Quadro 3 acima, observa-se uma alta complexidade relacionando os
problemas elencados, expressando os desafios que são impostos à proposta de reorganização
das ações da atenção básica nesse Distrito Sanitário. A análise desse Quadro descritivo
qualitativo pode ser complementada pelos dados quantitativos fornecidos no PMS (2017),
compilados no Quadro 4, a seguir.

Quadro 4 – Incidência de agravos selecionados no DSCB, segundo o PMS 2017

Crescimento entre o
Incidência Incidência
Agravos selecionados período considerado
anterior em 2015 (%)
e 2015 (%)

Neoplasias (tumores), por 100 mil 66,35 (2010) 78,58 18, 43


hab.

Doenças do aparelho respiratório, por 44,32 (2010) 49,38 11,41


100 mil hab.

Incidência de Meningite, por 100 mil 16,07 (2010) 59,59 170,8


hab.
Incidência de Dengue, por 100 mil 361,0 (2010) 307,9 -14,7
hab.

Incidência de Esquistossomose, por 0,52 (2010) 12,3 2265


100 mil hab.

Incidência de Sífilis em Gestante (por 7,8 (2010) 46,5 496,1


1.000 NV)
Incidência de Sífilis Congênita (por 0,2 (2010) 2,0 900
1.000 NV)
Incidência de HIV-AIDS em X > 13 29,7 (2010) 37,1 25
anos
Incidência de Violência Doméstica, 47,6 (2010) 87,5 83,82
Sexual e Outras Violências
(coeficiente por 100 mil hab.)
Mortalidade por AIDS (coeficiente de 8,3 (2005) 37,1 346,99
óbitos por 100 mil hab.)
Mortalidade por câncer de mama 4,49 (2005) 8,55 90,42
(coeficiente de óbitos por 100 mil
hab.)
Mortalidade por câncer de colo de 1,06 (2005) 2,61 146,23
útero (coeficiente de óbitos por 100
mil hab.)
Fonte: Elaborada pela autora, com dados retirados do PMS, 2017b.

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No Quadro acima apresenta-se a seleção de indicadores relatados no PMS(2017) de
agravos importantes no DSCB, com distintas naturezas etiológicas, mas que em conjunto
demostram sérios desafios para a saúde coletiva local. A alta incidência e crescimento de
agravos crônicos, como neoplasias (neoplasias não identificadas, mortalidade por câncer de
mama e câncer de colo do útero); doenças do aparelho respiratório; arboviroses (dengue),
doenças infecciosas (meningite); parasitárias (esquistossomose); e violências,são alarmantes.
Como pode ser visualizado no Quadro 4, existe registro de redução nos casos de dengue,
porém, ainda assim, sua ocorrência pode ser considerada alta (307, 9/100 mil habitantes) e
além disto, nesse, como em todos os demais agravos, deve-se considerar a provável
ocorrência de subnotificações e notificações incorretas, um problema persistente na saúde
pública brasileira. Outras arboviroses (zika, chikungunya) também apresentam recente caráter
epidêmico no município de Salvador e no DSCB. Reportagem veiculada no Correio alertou
para o crescimento de 407% para a zika em Salvador e um aumento de 185% dos casos de
chikungunya no Cabula/Beiru em maio de 2020 (AMORIM,2020).

O aumento de casos de esquistossomose, uma doença parasitária básica, largamente


conhecida e tratada no Brasil, demostra o quanto os gestores da saúde pública têm falhado em
todas as ações de saúde, seja na atenção básica, na vigilância epidemiológica, educação em
saúde e demais macro áreas, sendo simplesmente vergonhoso o seu aumento vertiginoso de
cerca de 2265%.

O aumento da ocorrência de sífilis em gestantes (496, 1%), sífilis congênita (900%),


infecções por HIV-AIDS (25%), e mortalidade por AIDS (349,66%), demostram, além das
falhas no sistema citadas em relação aos demais agravos, o quão longe está de efetivar direitos
sexuais e reprodutivos. Não se pode deixar de lembrar o quanto esses indicadores, aqui
distanciados das histórias de vida e relatos sobre o cotidiano, atravessam tragicamente a vida
das pessoas por trás desses números, atingindo especialmente as mulheres. Além disto, é
crescente os casos de violência doméstica e sexual: 83,82%, provavelmente subnotificados.

Também estão disponibilizados no PMS (2017) informações sobre a mortalidade


infantil e a Razão de Mortalidade Materna (RMM), indicadores importantes tanto para as
condições maternas e infantis quanto para análise da saúde da população em geral.O
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Coeficiente de Mortalidade Infantil apontada no PMS é de 14,2 por 1000 Nascidos Vivos
(NV) no DSCB, maior que a taxa brasileira, de 12,8, em 2017, e menor que a taxa para a
Bahia de 16,6, em 2017 (IBGE, 2018). Uma breve avaliação das causas da mortalidade
infantil na população do DSCB divulgadas no PMS (2017) aponta as doenças
infecciosase parasitárias como responsáveis pelas mortes em crianças menores de um ano,
numa proporção maior que os dados apresentados em outros distritos sanitários do município.

A RMM do DSCB, em 2015, foi de 57,68/100.000NV e de Salvador 64,87/100.000NV


(PMS, 2017a). No Brasil, estima-se a ocorrência de 62 óbitos por 100.000NVe na Bahia 75,4
óbitos por 100.000NV, segundo é divulgado pela iniciativa “Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável – ODS” (IPEA,2019). Apesar da RMM do DSCB apresentada pelo PMS(2017)
ser a mais baixa entre as consideradas acima (Salvador, Bahia e Brasil), é necessário
considerar a provável subnotificação. Constata-se que essa razão de mortalidade materna
decorre dos problemas elencados, com destaque para baixa cobertura e baixa qualificação da
assistência do programa do acompanhamento pré-natal, indicada também pela altíssima
incidência de sífilis em gestantes e sífilis congênita.

Considerando que o objeto deste artigo é traçar o panorama de saúde do distrito, faz-se
necessário também relatar os agravos de saúde decorrentes ao cenário da pandemia do
COVID-19.

2.1 SAÚDE EM CENÁRIO PANDÊMICO

Os estudos indicam que no Brasil, a população negra é a mais impactada pela pandemia
e pelos seus desfechos negativos, em razão da maior prevalência das doenças crônicas e da
maior vulnerabilidade social e econômica. Goes; Ramos e Ferreira (2020), afirmam que o
panorama da pandemia nesta população está associado às condições desiguais decorrentes do
racismo estrutural e institucional, que dificulta o acesso aos serviços de saúde e é
significativamente maior pela ausência do Estado em seus territórios. A pandemia pelo Covid-
19 desnudou as desigualdades sociais no Brasil, principalmente, em todas as regiões
consideradas periféricas pelas vulnerabilidades, refletindo a alta incidência desse vírus e suas
consequências diretas (alta letalidade, agravo de co-morbidades associadas, necessidade de
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acompanhamento posterior e efeitos ainda desconhecidos) e indiretas (precarização das
relações de emprego e renda, desigualdades de gênero, entre outras) (GOES; RAMOS;
FERREIRA, 2020).

Discorrer sobre a saúde da população do DSCB exige uma compreensão ampliada da


concepção da saúde, uma vez que fazer saúde é sobretudo um posicionamento político diante
da realidade tal qual ela se apresenta. Dados compilados pelo Observatório de Bairros de
Salvador (observaSSA,2010?), apontam que 73,29% dos moradores do Cabula se declaram
pretos ou pardos. Cabula aqui considerado apenas como um dos bairros que compõem a
Prefeitura-Bairro Cabula/Beiru ou o DSCB, com cerca de 23.869 habitantes em 2010
(Observatório de Bairros Salvador: observaSSA).

Assim, a situação de saúde dessa população tem dimensão étnico-racial, determinada


pela discriminação histórica que lhe foi imposta.Diante desse contexto historicamente
racializado, surgiu em Salvador um debate proposto pelo Movimento Negro resultando, entre
outras coisas, na elaboração do Diagnóstico de Saúde da População Negra, que ganhou
destaque por representar um grande avanço para a promoção da saúde dessa população, bem
como fortalecer a reivindicação por políticas focais, setoriais e interseccionais para o povo
negro (SALVADOR, 2015).

As morbidades de caráter étnico que mais afetam a população negra são: doenças
falciformes, deficiência de 6-glicose-fosfato desidrogenase, hipertensão arterial, doença
hipertensiva específica da gestação e diabetes mellitus, incluindo outras decorrentes das
condições de vulnerabilidade a qual essa população está exposta, tais como a desnutrição,
doenças do trabalho, mortes violentas, mortalidade infantil, sofrimento psíquico, transtornos
mentais decorrentes do uso abusivo do álcool e das drogas, doenças infecciosas e parasitárias,
bem como as intercorrências da gestação, parto e pós-parto (BRASIL,2007). O II Diagnóstico
de Saúde da População Negra do Município de Salvador, publicado em novembro de 2015,
acrescentou como problemas que afetam especialmente esta população: deficiência do sistema
de informação em saúde em reconhecer a cor como sendo uma variável importante;
insuficiência na formação de pessoal; organização inadequada dos serviços; dificuldade de
acessibilidade aos serviços.
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Esses problemas constituem iniquidades que historicamente demandam ações eficazes,
porque tem uma forte relação com o racismo e suas práticas discriminatórias que embora não
reconhecidas, afetam diretamente a saúde dessa população expressando o preconceito e
a intolerância praticada contra profissionais e usuários negros (BATISTA; WERNECK;
LOPES, 2012).

Alguns estudos indicam indícios de risco aumentado para contagio pelo COVID-19,
para as gestantes em razão das alterações anatômicas e fisiológicas na gestação, bem como
dos sistemas cardiovascular, respiratório, imunológico e de coagulação, tornando a gestante
mais vulnerável para as infecções virais, observando-se ainda um risco duas vezes maior para
mortalidade em mulheres pretas.Diante disto, a preocupação com os cuidados às gestantes e
puérperas é imprescindível, principalmente pelas dificuldades de acesso ao pré-natal de
qualidade, o que pirou nesse período de pandemia. Não só pré-natal, mas toda assistência à
saúde da mulher foi afetada pela pandemia, seja pelo receio de algumas gestantesde procurar
o serviço de saúde devido às incertezas e ao medo de sair de casa, ou por falhas graves e
muito frequentes da assistência à mulher nos municípios, priorizando a assistência ao
tratamento da COVID-19. Em vários lugares do país foram suspensas as consultas pré-natais
e o sistema foi reorganizado em torno da COVID-19, sendo previsível que os problemas já
existentes da assistência se agravem e possam acontecer mais casos de morte materna por
causas não-COVID-19, o que infelizmente só se comprovará nas estatísticas vitais publicadas
nos próximos anos (AMORIM, 2020).

2.2. NASCER NO CABULA


As políticas de saúde que preconizam direitos de saúde reprodutiva,a exemplo da
Rede Cegonha - estratégia do Ministério da Saúde para a implementação de uma rede de
cuidados às mulheres, nesse sentido, a rede garante às mulheres o direito ao planejamento
reprodutivo, à uma atenção humanizada durante a gravidez, o parto e puerpério (BRASIL,
2011) - são desconhecidas por grande parte da população e pouco asseguradas na maioria das
instituições de saúde desse DS. Durante as ações extensionistas desenvolvidas,ouviu-se
narrativas de mulheres que foram violentadas por crime de racismo nas maternidades,
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denúncias de gestantes atendidas em trabalho de parto por residentes médicos e liberadas
apresentando complicações posteriores, outras que não conseguiram acompanhamento pré-
natal por serem domiciliadas em área de risco por tráfico de drogas, e por conta disso foram
vítimas de violência verbal por ocasião da admissão para assistência ao parto, bebês que
morreram porque as mães não conseguiram atendimento médico em tempo hábil, são
narrativas que contam a vida real da população do Cabula.

Essas narrativas corroboram com os dados apresentados no Inquérito Nascer no


Brasil (2014), que apresenta uma “elitização da assistência”, estando a mulher preta/parda, de
classe social D/E, de baixa escolaridade, atendidas no setor público, insatisfeitas com o
atendimento ao parto (D´ORSI et al, 2014).

É possível fazer uma conexão entre a atenção básica e a assistência hospitalar,


constatando o quanto a falta de conhecimento dos direitos pode comprometer severamente a
saúde desta população. Os indicadores que ilustram essas condições apontam para alta razão
de mortalidade materna e perinatal; alto índice de prematuridade, alta incidência de violência
institucional e outras iniquidades que perduram nessa população desde os tempos do processo
escravagista.

Segundo o Inquérito Nascer no Brasil (2014) os óbitos consequentes à gravidez


foram considerados como fatalidades, sendo que esses eventos foram sendo entendidos como
marcadores do nível de desenvolvimento social por se constituírem, em sua maioria, de
mortes precoces que poderiam ser evitadas pelo acesso, em tempo oportuno, a serviços
qualificados da saúde.

As gestantes do DSCB cadastradas no programa de pré-natal das Unidades Básicas de


Saúde são reguladas e vinculadas a maternidade a partir da 30ª semana de gestação. No início
do pré-natal a gestante é classificada em gestante de risco habitual ou gestante de alto risco,
podendo durante a evolução da gestação, ser reclassificada. As gestantes de risco habitual são
veiculadas para receber assistência ao parto na maternidade Tsylla Balbino, localizada no
bairro Baixa de Quintas, à cerca de 6km do Cabula, e as gestantes de alto risco são vinculadas
a maternidade do HGRS.

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No período 2018 a 2020 ocorreram 12.364 nascimentos no DSCB, sendo 3.953 partos
no HGRS e 3301 na Maternidade Tsylla Balbino. Os demais partos ocorreram em
maternidades fora do DS, a exemplo da Maternidade José Maria de Magalhães (639), ou em
instituições privadas como o Hospital Português (622), o Hospital Teresa de Lisieux (1108), e
o Hospital Santo Amaro (565) dentre outras, conforme Tabela 1, ocorrendo 48 partos
domiciliares.

Tabela 1: Nascimentos por ano no DSCB. 2018-2020

Fonte: TABNET.

Nessa distribuição é importante ressaltar situações vivenciadas no campo da prática


que merecem registros e indagações. De modo geral as gestantes quando entram em trabalho
de parto procuram a maternidade do território, no HGRS. Os motivos alegados por essas
mulheres estão centrados em fatores tais como: a localização geográfica, vez que o HGRS
está bem localizado no território, em relação aos bairros do DS; a confiança no aparato
tecnológico oferecido por se tratar de um hospital de grande porte; o histórico da relação
prévia com a instituição, seja por parto anterior, internamento prévio, ou mesmo casos de

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partos de outras mulheres da família. Assim, a representação social do HGRS para a
população do Cabula é muito forte, visto que, a população tem uma relação de prestígio por
esta instituição, considerada o segundo maior hospital do Estado da Bahia com várias
especialidades. Desde sua inauguração, em 1978, a população desenvolveu o sentimento de
pertença, tomando a assistência oferecida pelo HGRS como um direito, por estar localizado
nas terras de seus antepassados.

Quando as gestantes de risco habitual chegam na maternidade do HGRS, em trabalho


de parto, para serem avaliadas, elas expressam medo e tensão de não serem admitidas, pois
são vinculadas a maternidade Tsylla Balbino, contudo, ignoram essa informação e se dirigem
ao hospital, por acreditarem que lá, serão melhor assistidas. As parturientes mais experientes
com o processo de parto, esperam o trabalho de parto evoluir para evitar a transferência para a
maternidade Tsylla Balbino, uma vez que as normas do Diretrizes Nacionais de Assistência
ao Parto Normal (BRASIL, 2017) proíbe a transferência da parturiente quando a dilatação
está igual ou maior que 7cm. Considerando que o equilíbrio emocional constitui parte
fundamental para evolução do Trabalho de Parto (TP) entendemos que a transferência da
parturiente contra sua vontade representa uma variável negativa que pode interferir no
processo parturitivo.

Com relação ao tipo de parto, evidenciou-se que no período de 2018-2020, 50,04%


(6.178) dos nascimentos no território do Cabula, foram por cesárea, ver Tabela 2, a seguir. É
preciso reconhecer que o fato do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) ser referência para
gestação de alto risco, indica que as gestantes que procuram assistência já apresentam
indicações criteriosas de cesariana. Outro fator que pode justificar essas taxas, são as
mulheres assistidas em instituições privadas, por médicos que atuam dentro do modelo
tecnocrático, e tem preferências por parto cesariana.

Tabela 2. Nascidos vivos segundo Tipo de Parto, 2018-2020

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De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES

Fonte: TABNET

Esse processo se inicia na atenção pré-natal, quando os médicos não informam as


mulheres os benefícios do parto vaginal, nem as boas práticas que podem levar a um parto
fisiológico e seguro. Essas práticas desencorajam a mulher, levando-as a enxergar na
cesariana um procedimento “mais simples, seguro,e indolor”. Assim, as mulheres do grupo
socioeconômico favorável, são as maiores vítimas da cesariana eletiva, que acarreta riscos
para a mãe e especialmente para o RN, por conta de baixo peso, e prematuridade (LEAL,
2014). Com relação a taxa de cesárias das mulheres do Cabula, infere-se que é atribuída às
mulheres que dispõe de seguro saúde, e agendam a cesariana durante o pré-natal por falta de
informação, e conveniência de ambas as partes, profissional médico e gestante.

Um dado importante que merece destaque são os partos que ocorreram fora de
estabelecimentos de saúde e no domicílio da gestante, um total de 48, no período de 2018-
2020, de acordo com a Tabela 3. Infere-se, portanto, que ainda há Parteiras Tradicionais
atuando no território.

Tabela 3: Nascimentos por local de ocorrência, 2000-2020

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Fonte: TABNET

O debate a respeito do parto domiciliar tem gerado muitos questionamentos na área


política, acadêmica e científica. A grande polêmica que envolve esse debate se dar pelo fato
dele ser considerado para a medicina contemporânea, um evento de risco, e um retrocesso
frente aos avanços tecnológicos, expondo as mulheres a complicações. Contudo, o parto
domiciliar, é legitimado em países como Canadá, Holanda e Austrália, com indicadores
epidemiológicos positivos demonstrando que nas gestações de risco habitual, o parto
domiciliar planejado não acrescenta risco para mãe e bebê. No Brasil, a demanda por parto
domiciliar tem aumentado na última década, sob o argumento de garantir protagonismo para a
mulher, e uma experiência rica para toda a família (SANFELICEet al, 2014).

Identifica-se também, no último ano, um aumento significativo no número de partos


domiciliares neste território, podendo estar associado a pandemia do Covid-19 que acometeu
a população mundial, acarretando o medo das gestantes em se expor a ambientes hospitalares,
arriscando-se à infecção.

Ressalta-se a relevância da garantia de acesso à assistência, enquanto estratégia


efetiva, para assegurar qualidade e segurança para mães e bebês, vez que a peregrinação por

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um leito para internamento, durante o trabalho de parto, ainda constitui, segundo o Inquérito
Nascer no Brasil, um dos fatores que respondem pelos desfechos desfavoráveis do parto.

Assim, os gestores do SUS devem reconhecer as complexidades da assistência


obstétrica em contextos de populações vulneráveis por determinantes socioeconômicos e
culturais, no sentido de atender os objetivos da Rede Cegonha: Novo modelo de atenção ao
parto, nascimento, e à saúde da criança; Rede de atenção que garanta acesso, acolhimento e
resolutividade; Redução da Mortalidade materna e neonatal (BRASIL, 2011).

3 METODOLOGIA
O percurso metodológico foi desenvolvido tomando como referência as vivências
compartilhadas com as mulheres do território do Cabula, nos espaços de trocas de
experiências, em ações dialógicas, criativas e afetivas, que nos fundamentou para acolher suas
singularidades na assistência direta a saúde desde a atenção básica, até a hospitalar.
Para elaboração do panorama de saúde de mulheres em idade reprodutiva no
Cabula, utilizou-se dados epidemiológicos secundários extraídos dos documentos: II
Diagnóstico de Saúde da População Negra de Salvador (2015), do Plano Municipal de Saúde
2018-2021, da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, e de informações das narrativas de
mulheres idosas, guardiãs de saberes de parteiras tradicionais, bem como narrativas de
mulheres em idade reprodutiva que participaram das ações educativas por meio de rodas de
conversas, promovidas pelos projetos de extensão.As rodas de conversa são consideradas
como intervenções com metodologia essencialmente participativa e flexível. Ao se considerar
a pesquisadora proponente como parte do processo, ela mesma passa a ser sujeito de
aprendizagem, sempre realizada na perspectiva de troca. Portanto, sempre haverá uma
dimensão educacional e pedagógica na proposição de rodas de conversa (MELO et al, 2013).

4 CONCLUSÃO

A partir dos estudos sobre o Cabula foi possível descrever a situação de saúde dessa
população. Diante dos dados epidemiológicos expostos, e das narrativas das mulheres
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residentes nesse território, identificamos que houve uma piora no quadro de saúde geral desse
distrito. O estudo identificou que a complexidade da situação de saúde do Distrito Sanitário é
multifatorial. Contudo, os determinantes sociais daquela população e a baixa cobertura da
atenção básica,constituem os principais problemas enfrentados por aquela comunidade,
umavez que o crescimento das morbidades, comprometem severamente o quadro de saúde
naquele Distrito. A pesquisa sobre os indicadores epidemiológicos da população do
Cabulaaponta para necessidade de mudanças estruturais importantes na sua atenção básica.

Nocampo da gestação, parto e nascimento, os problemas identificados nessa pesquisa


coincidem com a situação denunciada na literatura, com destaque para a descontinuidade ou
baixa qualidade da assistência pré-natal, especialmente no cenário pandêmico, e o excesso de
intervenções obstétricas, a exemplo da cesareana, o excesso de medicalização, e a
peregrinação das mulheres no momento do parto como sendo fatores que respondem pelas
altas taxas de morbidade e mortalidade materna e perinatal, como apontado pelo Inquérito
Nascer no Brasil.

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A INSURGÊNCIA DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA DO BRASIL: UMA


CONSTELAÇÃO DECOLONIAL E TRANSMODERNA

Para o Mestre Luciano Costa Santos

“Entoarei meu canto aos solitários e aos que se retiraram para solidão aos pares. E a quem
ainda tiver ouvidos para as coisas inauditas quero entorpecer-lhes o coração com minha
ventura”
(Do livro “Assim falava Zaratustra”, Nietzsche)

Tássio Simões Cardoso1


tassioeducacao@gmail.com

RESUMO

Esse artigo objetiva interpretar o Turismo de Base Comunitária (TBC) no Brasil à luz do pensamento
decolonial e transmoderno, num contexto de uma modernidade em crise. Assim, por meio de uma
pesquisa bibliográfica e documental, apresentamos reflexões que demostram que a insurgência do
TBC no Brasil é realizada basicamente por comunidades tradicionais localizadas nos mais diversos
ecossistemas. Estas comunidades, historicamente, foram e ainda são oprimidas pela
modernidade/colonialidade. Entretanto, elas desenvolvem diversas estratégias de resistência para
valorizar as suas tradições e territórios, uma delas é o Turismo de Base Comunitária. Portanto,
conclui-se que TBC é uma práxis decolonial e transmoderna, pois os processos educativos que o
constituem, além de serem distintos e antagônicos em relação à hegemonia da matriz colonial, posto
que estão baseados numa cosmogonia ancestral afro e indígena, ao possibilitarem a interação crítica e
ética entre culturas diferentes (do turista e da comunidade receptora), favorece o diálogo intercultural
crítico fundamental para a construção de uma visão transmoderna da contemporaneidade, capaz de
ofertar criativas reflexões/soluções para os velhos e novos problemas de uma modernidade em crise.

Palavras-chave: Turismo de base comunitária. Decolonialidade. Transmodernidade.

1
Doutorando em Educação e Contemporaneidade pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade (Ppjeduc) da Universidade do Estado da Bahia; Membro do Grupo Interdisciplinar de
Pesquisa em Representações, Educação e Sustentabilidade ( Gipres- UNEB)
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1 INTRODUÇÃO

Nesse artigo buscamos compreender como as iniciativas de Turismo de Base


Comunitária (TBC) no Brasil, na sua contemporaneidade e heterogeneidade, carregam
matizes insurgentes de culturas ancestrais que corroboram para o desvelamento de práticas
educativas decoloniais e transmodernas, num contexto de uma sociedade em crise. Para
pensar o TBC, colocamos em relevo o pensamento teórico de Irving (2009), que considera
esta forma de realizar o turismo em escala local como uma prática social complexa que
favorece o sentido coletivo de comunidade, bem como contribui com a promoção de uma
maior qualidade de vida por meio da adoção de práticas econômicas solidárias e sustentáveis
voltadas para a valorização das matrizes culturais locais. Para ampliar e diversificar a
interpretação do fenômeno social do TBC no Brasil, será utilizado como aporte teórico o
paradigma da decolonialidade, uma vez que este “denota práticas epistêmicas de
reconhecimento e transgressão da colonialidade, que se produzem na América Latina e outras
regiões colonizadas comoresposta à situação de dominação”. (MOTA NETO, 2016, p. 318).

No bojo dessa reflexão decolonial, a noção filosófica dusseliana de transmodernidade,


será evidenciada como um horizonte utópico possível no qual o diálogo crítico entre as
culturas que foram e ainda são oprimidas pelo eurocentrismo oferece novos ensaios
civilizatórios para os problemas complexos e imprevisíveis do mundo contemporâneo. Assim,
diante do exposto, o problema que se formula é: Qual o potencial do TBC no Brasil enquanto
práxis educativa decolonial e transmoderna num contexto de uma modernidade em crise? Para
responder essa pergunta, utilizaremos como caminho metodológico uma pesquisa bibliografia
e documental, a partir da análise de teses, artigos científicos e documentos oficiais.

2 TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: CONCEITOS E PRÁTICAS

O Turismo de Base Comunitária (TBC), ou turismo comunitário, consiste em uma


forma de organização social voltada para uma prática turística em escala local que é
construída e administrada pela própria comunidade. Dessa forma, são os atores comunitários
que definem quais, quando, como e para quem os bens e serviços turísticos serão ofertados.
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Essa modelagem social é gestada pela comunidade a partir dos seus próprios recursos, sejam
eles humanos, naturais, culturais ou de infraestrutura. (FABRINO; NASCIMENTO; COSTA,
2017).

Com objetivo de apresentar uma noção conceitual do TBC, o MTur (BRASIL, 2010),
apresenta um conjunto de princípios e fundamentos, a saber: i) a autogestão; ii) o
associativismo e cooperativismo; iii) a democratização de oportunidades e benefícios; iv)
cooperação solidária; v) a valorização da cultura local e do patrimônio natural.

O desenvolvimento de iniciativas de TBC começa a ganhar destaque, despertando


atenção de pesquisadores, Organizações não-governamentais (ongs) e instituições oficiais, a
partir de um conjunto de mudanças no cenário nacional e internacional. Essas transformações
foram didaticamente sistematizadas por (IRVING, 2009) e envolvem: i) interpretação política
do turismo como uma alternativa para a superação das desigualdades e injustiças sociais; ii) o
fortalecimento de temas como Economia Solidária, participação social e a governança
democrática; iii) adoção por parte de empresas, ONGs e governos de projetos voltados para a
responsabilidade social e desenvolvimento humano, (iv) a mudança sutil no perfil dos turistas,
mais sensíveis às questões socioambientais; (v) a exigência de um turismo mais
comprometido com o desenvolvimento social das comunidades receptoras; (vi) a emergência
dos debates sobre o “turismo e sustentabilidade”.

No contexto atual, onde a crise sanitária provocada pela Covid-19 afetou


drasticamente o turismo 2, bem como desnudou e agravou problemas sociais crônicos como
desemprego, fome, déficit educacional, dentre outros, sobretudo na realidade dos países

2
“Estimativas recentes da OMT (UNWTO, 2020), baseadas em projeções globais apoiadas nadinâmica de
fechamento de fronteiras e nos inúmeros riscos associados às dinâmicas das viagens, em função da pandemia,
indicam, globalmente, a perda de mais de 100 milhões de empregos e 1 trilhão de dólares em termos de impacto
econômico, uma vez que, segundo esse documento, 1 bilhão de turistas deixarão de circular pelo mundo. E, com
as inúmeras incertezas que permeiam esse novo cotidiano e considerando ainda o agravamento provável da crise
sanitária nos próximos meses, essas estimativas podem ser ainda superiores àquelas anteriormente previstas.
Reconhecendo uma redução de 80% na dinâmica de viagens, com relação ao período anterior à pandemia, a sua
recuperação dependerá, certamente, de uma série de acordos internacionais e protocolos a serem estabelecidos
por governos nacionais e subnacionais”(IRVING; COELHO; ARRUDA, 2020, p.89).
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periféricos como o Brasil, estas transformações acima mencionadas poderão ser ainda mais
avivadas diante desse novo cenário pandêmico de múltiplas incertezas onde

o turismo, em bases sustentáveis, não poderia ser orientado apenas pelas


prioridades e demandas do mercado. E mesmo que essa leitura possa
parecer, a princípio, utópica, o compromisso ético com as questões
socioambientais do desenvolvimento e com as gerações futuras no contexto
de uma sociedade em crise, tende a ser um caminho sem volta em
planejamento turístico, principalmente quando se considera o contexto da
Pandemia da Covid-19, a qual parece não deixar dúvidas sobre essa
afirmação. (IRVING; COELHO; ARRUDA, 2020, p.86)

A pandemia trouxe múltiplos desafios para o TBC no Brasil, talvez, uma quantidade
considerável de iniciativas, sobretudo aquelas que não conseguiram consolidar os processos
de autogestão social e planejamento estratégico, tenham dificuldades de retomar suas
atividades no processo de reabertura da atividade turística. Desse modo, num contexto de uma
sociedade atravessada por múltiplas crises – política, econômica, social e sanitária –, faz-se
necessário do ponto de vista acadêmico e social avançar no conhecimento dessas experiências
e das comunidades que as protagonizam.

A maioria das experiências de TBCincorpora, de forma consciente ou não, princípios e


valores da Economia Solidária, da visão agroecológica e da concepção emancipatória da
educação. Entende-se aqui a Economia Solidária como um caminho alternativo à economia
hegemônica capitalista, ou seja, o conjunto de atividades econômicas – de produção,
distribuição, consumo, poupança e crédito –, que tem como base a autogestão social, os
valores democráticos, a solidariedade e a cooperação. Nesteprisma, as práticas econômicas
solidárias estão baseadas na construção utópica de uma sociedade ambientalmente sustentável
e socialmente justa, tendo como horizonte a satisfação das necessidades humanas, bem como
o desenvolvimento comunitário. (SINGER, 2002). Já a visão agroecológica envolve
conhecimentos transdisciplinares – teóricos e empíricos– que visam possibilitar o
desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis e, por extensão, a preservação da
biodiversidade e o aumento da qualidade de vida da população local. (EMBRAPA, 2016).

Do ponto de vista da construção de uma educação emancipatória, as experiências de


TBC são atravessadas por processos educacionais críticos, contextuais e libertários, pois é
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comum nos roteiros comunitários a construção de diálogos e reflexões entre os anfitriões e
turistas sobre políticas públicas, cultura, meio ambiente, bem como as problemáticas sociais
que afligem o cotidiano da comunidade. Neste sentido, há um alinhamento ou mesmo
influência, direta ou indireta, da concepção educacional de Freire (2005) quando tal autor
afirma que o processo de humanização dos oprimidos envolve o reconhecimento e a
libertação das forças opressoras que os oprimem. Assim, nesta luta constante contra a
opressão, o ser humano, no desenvolvimento de uma consciência crítica, se reconhece
enquanto um ser de direitos e agente transformador da sua própria realidade.

No Brasil, as iniciativas de Turismo de Base Comunitária são protagonizadas por


grupos sociais diversos, a saber: reservas indígenas, comunidades quilombolas, assentados da
reforma agrária, ribeirinhos, coletivos periféricos urbanos, caiçaras, dentro outros. Esse
mosaico reflete a diversidade de vivências que os roteiros comunitários proporcionam para os
excursionistas e turistas, possibilitando, desta forma, uma imersão autêntica e memorável no
modo de vida tradicional destes grupos. Estas vivências ensejam práticas educativas
descolonizadoras voltadas para a preservação da cultura tradicional e da biodiversidade local.
Elas envolvem a visitação de sítios históricos e sagrados, realização de trilhas, caminhadas,
mutirões, plantio simbólico, banho de rio, observação de pássaros, contemplação do pôr do
sol, apreciação da culinária local, práticas com o artesanato, contação de histórias e as danças
tradicionais, bem como apresentações artísticas de teatro e poesia e uma série de outras
práticas que desvelam um Brasil plural, autêntico e profundo. Mas qual o potencial dessas
vivências do TBC no Brasil enquanto práxis educativas decolonial e transmoderna? Antes de
buscar pistas para este problema, faz-se necessário refletir sobre o pensamento decolonial e
transmoderno num contexto de uma modernidade em crise.

2.1 DECOLONIALIDADE E TRANSMODERNIDADE: O TBC ENQUANTO


INSURGÊNCIA POPULAR

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Muito se discute no campo das ciências humanas e sociais acerca da crise moderna e
suas inúmeras facetas. O progresso, a ordem, a felicidade individual e coletiva, promessas
dessa modernidade não foram alcançadas, ao passo que a desigualdade social, a pobreza, a
fome, as novas formas de escravidão, o racismo institucional, as mudanças climáticas, a
disrupção tecnológica, a crise migratória, o aumento da deterioração dos recursos naturais e a
eclosão de epidemias e pandemias como a provocada pela Covid-19 são apenas alguns
desafios enfrentados pela humanidade nos prelúdios do século XXI. Mas, até que ponto estas
problemáticas podem ser enfrentadas de forma criativa e resoluta apenas a partir dos
postulados da racionalidade moderna?

É importante evidenciar que para além de uma reflexão teórica, o desenvolvimento de


uma crítica à modernidade envolve também uma práxis política, já que “ultrapassa limites
teóricos se impondo enquanto uma atitude revolucionária, uma vez que toma partido dos
vencidos e denuncia a história dos vencedores como uma história de sucessão de desastres”
(BORGES, 2017,p.184). Porém, o intuito aqui não é negar os aspectos positivos do paradigma
moderno como, por exemplo, as grandes contribuições da ciência moderna europeia para o
avanço técnico-científico da humanidade. O que se coloca em relevo nesta pesquisa doutoral é
o imperativo ético-político de problematizar o lado sombrio da modernidade que foi
constituída por aquilo que Quijano (2005) denominou de colonialidade do poder. Para este
autor, o declínio da colonização e da escravidão enquanto regimes jurídico-administrativos
não significou o fim das relações de dominação/exploração entre países (centro x periferia) e
da hierarquização étnico-racial dos povos (branco europeu “superior” x outras raças
“inferiores”), pois este padrão de poder continua conformando as relações sociais, econômicas
e culturais até os dias atuais.

Para avançar nessa reflexão, faz-se necessário apresentar uma noção conceitual de
modernidade. Entende-se o paradigma moderno como uma visão de mundo construída pela
Europa a partir do renascimento no qual os europeus se autoproclamaram como detentores de
uma cultura superior em relação a outros povos. Ou seja, trata-se de uma autonarrativa
europeia

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construída a partir do Renascimento quando os europeus conceberam-se a si
mesmos como o centro do mundo. A Modernidade é uma narrativa originada
a partir de uma nova visão do ser humano, uma visão antropocêntrica,
racional e impulsionadora do progresso. Sustenta esta autonarração a crença
de que condições internas, isto é, essencialmente europeias, teriam permitido
à Europa a superação, pela sua racionalidade, de todas as outras culturas
(DUSSEL, 2015, p.51)

A partir de uma perspectiva decolonial3 reconhece que essa narrativa de superioridade


da racionalidade europeia foi o elemento matriz que fomentou a repressão e o silenciamento
de outras visões de mundo. Em outras palavras, “Trata-se de uma específica racionalidade ou
perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente hegemônica colonizando e
sobrepondo-se a todas as demais, prévias ou diferentes e a seus saberes concretos”
(QUIJANO, 2005, p.118).

A utilização dessa racionalidade, como o único meio confiável para interpretar a vida,
a natureza e as relações, levou o “ser moderno” a se colocar como o centro do mundo. Esse
antropocentrismo, radicalizado a partir do ideário renascentista e iluminista, evidencia um
projeto de modernidade no qual o progresso seria indubitavelmente alcançado por meio da
ciência e do estado liberal nascente, ambos orientados pelos valores racionais da objetividade,
produtividade, técnica e eficácia. Assim, toda cosmovisão de mundo ou conhecimento que
estivesse fora desse horizonte de sentidos, seria interpretado como algo de menor ou nenhum
valor.

Hegemônica nos espaços institucionais da ciência e da academia, a


racionalidade moderna passa a confundir-se com a própria vida da razão,
longe da qual não restariam senão sombras e incertezas, fanatismos e
fantasias. No interior dessa jurisdição hermenêutica, questionar a
objetividade como critério de sentido é correr o risco de cair no
subjetivismo, questionar eficácia e produtividade como critério de valor é

3
Com uma crítica à hegemonia da cultura europeia, o pensamento decolonial pode ser compreendido como uma
construção epistemológica e teórica, basicamente defendida por intelectuais latino americanos (Aníbal Quijano,
Edgardo Lander, Ramón Grosfoguel, Agustín Lao-Montes; Enrique Dussel, Santiago Castro-Gómez, María
Lugones, Nelson Maldonado-Torres; Walter Mignolo; Catherine Walsh; Arturo Escobar,Fernando Coronil,
Eduardo Restrepo) que objetiva romper com uma produção do conhecimento alicerçado no eurocentrismo,
defendendo, desta forma, uma pluralidade de conhecimentos, práticas e saberes que foram e são silenciados ou
ocultados.

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correr o risco de resignar-se ao inútil, questionar o progresso como sentido
da história é correr o risco de retroceder ao “arcaico”, questionar a
equanimidade normativa como critério de justiça é correr o risco de ceder ao
arbítrio, questionar, enfim, a modernidade como critério de civilização é
correr o risco de tornar-se “bárbaro”. (SANTOS, 2013, p. 208)

Desse modo, a cultura europeia durante a constituição histórica da modernidade, ao se


estabelecer enquanto centro de poder no mundo, impõe o seu modelo civilizatório, fazendo da
racionalidade moderna o único caminho legítimo de produção do conhecimento. Nesta
perspectiva, a diversidade de conhecimentos, culturas e tradições, que nutre o fértil
patrimônio cultural da humanidade e reconhece outras fontes geradoras de sentido, foi
deslegitimada e reprimida pela expansão global da civilização europeia. Neste trabalho, este
fenômeno é reconhecido como um padrão de poder por meio do qual a racionalidade
eurocêntrica mundialmente hegemônica ao colonizar indígenas, africanos e outros povos,
reprimiu/explorou não apenas seus corpos e territórios, mas também alijou suas culturas,
conhecimentos e visões de mundo da história da produção filosófica, científica e cultural da
humanidade. (QUIJANO, 2005; ARROYO, 2014)

Ao problematizar essa visão, aponta-se para uma perspectiva decolonial e


transmoderna onde a “a modernidade não é sinônimo de humanidade, mas apenas uma versão
da aventura humana, a racionalidade moderna tampouco é a razão, mas um modo ou modelo
desta, a respectiva oferta de sua força e a impossibilidade de seus limites”. (SANTOS, 2013,
p. 208).

Santos (2013) apresenta o pensamento fecundo como uma alternativa a esta


racionalidade moderna fechada em si mesma. Nele, outras fontes de sentido são legitimadas
enquanto produtoras de conhecimento, ou seja, há uma diversidade de fontes sapienciais que,
ao estarem situadas para além dos postulados da razão crítica moderna, desnuda perspectivas
potentes e inovadoras sobre os fenômenos complexos da vida.

A alternativa à razão crítica não é, portanto, de modo algum a razão acrítica


– contradição nos termos –, mas o pensamento metacrítico ou fecundo. O
meta (“além de”), referido no termo “metacrítico”, indica a abertura da razão
a instâncias hermenêuticas – tais como tradição, revelação e autoridade –,
nas quais surpreende uma potência de sentido que, por seus próprios
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recursos reflexivos, ela não tem como prover a si mesma. Uma das
características diferenciadoras do pensamento fecundo é, pois, a sua radical
passividade, uma vez que o sentido não resulta da iniciativa intencional da
consciência reflexiva, mas advém-lhe por dom. É encontrado. O pensamento
fecundo recebe o logos daquele núcleo gerador de sentido a que pertence,
escuta e reverencia.(SANTOS, 2013, p.209).

Esse autor traz uma perspectiva de leitura dos fenômenos da contemporaneidade a


partir de fontes alternativas de sentidos que foram desprezadas pelo paradigma moderno.
Estas fontes são oriundas de núcleos sapienciais diversos que relevam uma potência de vida
que acena para o cultivo da transcendência, alteridade e tradição.

Núcleos sapienciais são a transcendência ou relação com a gratuidade do


mistério; a alteridade ou não indiferença pela diferença do Outro; e a
tradição ou pertença à memória de uma comunidade. Reverenciar o mistério,
se responsabilizar pelo Outro ou guardar a memória de um povo são gestos
seminais que, por si mesma, a racionalidade moderna jamais teria como
produzir. (SANTOS, 2013, p.212)

O pensamento fecundo, ao reconhecer os limites da racionalidade moderna, dialoga


com a ideia de transmodernidade. No contexto de uma Filosofia da Libertação, Dussel
(2016a) começa a estruturar a noção de transmodernidade.Tal autor, considera, a partir de
uma crítica à interpretação eurocêntrica da história universal, que a Europa apenas se
estabelece enquanto centro de poder hegemônico mundial depois da revolução industrial 4
(1750), pois foi o advento desta revolução que possibilitou as potências europeias a
produzirem em escala global. Sendo assim, os países europeus, por meio de ações
imperialistas5, passaram a dominar o mercado mundial. Para Dussel (2016a) o expansionismo
marítimo-comercial europeu dos séculos XV e XVI criou as condições históricas para o
surgimento de uma economia globalizada, de um sistema mundo, mas isso não implicou na
4
O processo de Revolução Industrial teve início no século XVIII, na Inglaterra, com a mecanização dos sistemas
de produção. A elite burguesa industrial, ávida por maiores lucros, menores custos e produção acelerada, apostou
na modernização do sistema produtivo como uma alternativa para ampliar a produção de mercadorias e
conquistar novos mercados.
5
O imperialismo precisa ser compreendido como uma política de dominação política, econômica e cultural de
um Estado sobre outros povos. No texto, tal fenômeno histórico refere-se ao imperialismo europeu que se
desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, onde potências europeias industriais como a Inglaterra,
França, Alemanha, Bélgica etc. formaram grandes impérios econômicos. A formação destes impérios implicou
na exploração da mão de obra, matéria prima e domínio do mercado consumidor de vastas regiões do continente
africano, asiático e da América Latina(ou, para manter o padrão dos demais, latinoamericano)

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dominação hegemônica europeia do mercado mundial, posto, por exemplo, que a China fo i
até o século XVIII a maior potência produtora de mercadorias, com destaque para os valiosos
utensílios de porcelana e os tecidos de seda.
Assim, Dussel (2016a) chama atenção que foram pouco mais de dois séculos de
dominação europeia e não cinco séculos como postulava muitos filósofos europeus. Dessa
maneira, este período não foi suficiente para que a globalização técnica e econômica
protagonizada pela Europa se configurasse enquanto uma globalização cultural da vida
cotidiana de toda humanidade. Em outras palavras, Dussel(2016a) apresenta uma suposição
filosófica onde ele afirma que a dominação europeia, por ser historicamente recente, não
destruiu a diversidade de culturas que caracteriza o rico patrimônio cultural da humanidade.
Logo, estas culturas – exteriores à modernidade europeia – continuam vivas, resistentes, com
um desenvolvimento dinâmico próprio e possuem o potencial de oferecer contribuições
inovadoras para se pensar os grandes problemas da humanidade no século XXI.

A centralidade da Europa se reduz agora somente a dois séculos (no máximo


225 anos), e isso nos permite supor que aquilo que não foi subsumido pela
Modernidade tem muita possibilidade de emergir de forma pujante e de ser
redescoberto; não como um milagre anti-histórico, mas como o
ressurgimento de uma potencialidade recente de muitas culturas, só
ocultadas pelo “brilho” deslumbrante – em muitos casos aparente – da
Cultura Ocidental, da Modernidade, cuja globalidade técnica e econômica
está longe de ser uma globalização cultural da vida cotidiana valorativa da
maioria da humanidade. É a partir dessa potencialidade não incluída que
surge, a partir da “Exterioridade” alternativa, um projeto de
“Transmodernidade”, um “mais além” transcendente à Modernidade
ocidental (mesmo que nunca assumida; mesmo que depreciada e considerada
como “nada”), mas que terá uma função criadora de grande significado no
século XXI. (DUSSEL, 2016, p. 141)

Pode-se, assim, considerar que a transmodernidade é uma afirmação cultural que nasce
do diálogo fecundo, crítico e ético entre as múltiplas culturas marginalizadas pela tradição
moderna europeia-norte americana, mas que, ao mesmo tempo, considere os avanços
positivos da modernidade. Ou seja, “Essa Transmodernidade deveria assumir o melhor da
revolução tecnológica moderna – descartando o antiecológico – para colocá-la a serviço de

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mundos valorativos diferenciados, antigos e atualizados, com tradições próprias e criatividade
ignorada” (DUSSEL, 2016a, p. 170).

Assim, teríamos uma “Transmodernidade futura polifacética, híbrida, pós-


colonial, pluralista, tolerante, democrática (porém, além da democracia e do
estado liberal) com esplêndidas tradições milenares, respeitosa da
Exterioridade e afirmativa de Identidades heterogêneas. A maioria da
humanidade conserva, reorganiza (renovando e incluindo elementos da
globalidade e desenvolve criativamente culturas em seu horizonte cotidiano
e ilustrado, aprofunda o “sentido comum” valorativo da existência real e
concreta de cada participante em tais culturas, perante o processo de
globalização excludente, que, por ser excludente, “empurra”
inadvertidamente para uma “Transmodernidade”. É o retorno à consciência
das grandes maiorias da humanidade de seu inconsciente histórico excluído!
(DUSSEL, 2016a, p. 170)

Dussel (2016a) refere-se à transmodernidade como um projeto mundial para além da


modernidade europeia e norte americana. De acordo com o pensador, a transmodernidade, ao
romper com o eurocentrismo, não poder ser considerada pós-moderna, uma vez o pós-
moderno é uma crítica parcial à modernidade, por basear-se ainda numa visão eurocêntrica de
mundo. Assim sendo, a perspectiva transmoderna nasce do diálogo crítico e ético entre os
núcleos ético-míticos 6 das culturas marginalizadas pela modernidade. Esta passa a ser
interpretada nas suas potencialidades e limites, a partir dessa nova consciência transmoderna
que reflete a pluralidade das contribuições históricas de culturas ancestrais. Nas palavras de
Dussel a noção conceitual da transmodernidade aponta para:

Essa novidade radical que significa o surgimento – como se a partir do nada


– da exterioridade, da alteridade, do sempre distinto, de culturas universais
em desenvolvimento, que assumem os desafios da Modernidade e, até
mesmo, da pós-modernidade euro-americana, mas que respondem a partir de
outro lugar, other location (Dussel, 2002), do ponto de sua própria
experiência cultural, diferente da euro-americana, portanto capaz de
responder com soluções completamente impossíveis para a cultura moderna
única. Uma futura cultura transmoderna, que assume os momentos positivos
da Modernidade terá uma pluriversalidade rica e será fruto de um autêntico

6
Utiliza-se nesse documento a expressão núcleo ético-mítico no sentido que Dussel (2016) atribui ao termo no
seu livro: “Paulo de Tarso na filosofia política atual e outros ensaios” quando resgata as ideias de Paul Ricoeur:
“as culturas, no dizer de Paul Ricoeur, têm, por sua vez, um núcleo ético-mítico, ou seja, uma visão de mundo
que interpreta os momentos significativos da existência humana e que os guia eticamente”. (DUSSEL, 2016,
p.176).
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diálogo intercultural, que deverá ter claramente em conta as assimetrias
existentes” (DUSSEL, 2016b, p. 60)

Nas bordas do projeto moderno em exaustão, caracterizado, sobretudo pela


deterioração da natureza e crescimento das desigualdades e injustiças sociais, consta-se essa
pluridiversidade rica onde há núcleos humanos que ainda conservam na sua memória
ancestral e práticas sociais uma sabedoria e criatividade que inspiram modos de vida
sustentáveis. Estes núcleos humanos estão basicamente nas margens dos rios e oceanos, no
campo, nas florestas e nas periferias das cidades da América Latina, África e Ásia.

Portanto, a iniciativas de TBC, por possibilitarem o contato do turista com esses


núcleos humanos, criam condições para a produção, fortalecimento, valorização e difusão de
saberes e práticas de resistência criadora e ancestral. Sendo assim, a própria dinâmica de
realização do Turismo de Base Comunitária no Brasil tem como base a produção de
conhecimento a partir de bases epistêmicas decoloniais.

Nessas vivências, os turistas experienciam junto com os anfitriões processos


educativos diversos que reconhecem a sensibilidade, a intuição, a espiritualidade, o corpo ea
tradição como fontes de conhecimento, transgredindo, desta forma, os postulados do
racionalismo eurocêntrico. Esta práxis educativa tecida por uma subjetividade
tradicional/popular é também transmoderna, pois além de produzir conhecimento para além
dos valores eurocêntricos sobre os quais a sociedade brasileira foi conformada, ensaia novas
possibilidades civilizatórias a partir do diálogo entre culturais distintas.

Aqui, evoca-se a expressão transmoderna na perspectiva filosófica de Dussel (2016a)


onde tal autor sugere a construção um novo projeto de humanidade a partir da emergência do
diálogo crítico e ético entre núcleos míticosdas culturas marginalizadas e subalternizadas pela
modernidade eucentrada e norte-americana. Nesse artigo, defendemos o TBC como palco de
construção de uma cultura transmoderna, síntese das contribuições históricas de culturas
ancestrais que estão vivas e em movimento dinâmico de ressignificação.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivo desse artigo foi interpretar a insurgência do TBC no Brasil à luz do


pensamento decolonial e transmoderno, desse modo, formulamos a seguinte pergunta: Qual o
potencial do TBC no Brasil enquanto práxis educativa decolonial e transmoderna num
contexto de uma modernidade em crise?

Assim, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental, apresentamos reflexões


que demostram que o TBC no Brasil é realizado basicamente por comunidades tradicionais
localizadas nos mais diversos ecossistemas do Brasil plural, autêntico e profundo. Estas
comunidades, historicamente, foram e ainda são oprimidas pela modernidade/colonialidade
eurocêntrica e norte-americana. Entretanto, elas desenvolvem diversas estratégias de
resistência e (re)existência para valorizar as suas tradições e territórios, uma delas é o Turismo
de Base Comunitária, aqui entendido como uma constelação decolonial e transmoderna, ou
seja, um conjunto de práticas insurgentes que legitima outros modos de ser e estar no mundo,
tensionando o pensamento hegemônico.

Portanto, compreendemos o TBC enquanto práxis decolonial e transmoderna, pois os


processos educativos que o constitui, além de serem distintos e antagônicos em relação à
hegemonia da matriz colonial, posto que estão baseados numa cosmogonia ancestral afro e
indígena, ao possibilitarem a interação constante, crítica e ética entre culturas (do turista e da
comunidade receptora), favorece o diálogo intercultural fundamental para a construção de
uma visão transmoderna da contemporaneidade, capaz de ofertar novas reflexões/soluções
para os velhos problemas de uma modernidade em crise.

REFERÊNCIAS

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ARROYO, Miguel G. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
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em:https://bibliotecadigital.fpabramo.org.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/22/Introducao
-economia-solidaria-WEB-1. pdf?sequence=1. Acesso: 04. outubro 2020

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O ECOMUSEU DA HISTÓRIA E CULTURA ALTENSE: processo de organizaçãoe


contribuições para implementação do Turismo de Base Comunitária no Povoado Alto

Juliana Andrade do Carmo Martins1


jule.ac@gmail.com

Francisca de Paula Santos da Silva 2


fcapaula@gmail.com

Alfredo Eurico Rodrigues Matta3


alfredo@matta.pro.br

Tereza Verena Melo da Paixão 4


verena_sonho@hotmail.com

RESUMO

O artigo tem por objetivo construir conhecimento sobre como o processo de organização do Ecomuseu
da História e Cultura Altense contribui para a implementação do Turismo de Base Comunitária no
Povoado Alto. Trata-se de um estudo qualitativo resultante da pesquisa de mestrado em Educação e
Contemporaneidade de uma das autoras, intitulada de Educação para o Turismo de Base Comunitária:
construindo caminhos para o desenvolvimento local do Povoado Alto, Tucano, Bahia. Para um melhor
entendimento sobre o tema, buscou-se apresentar algumas definições acerca do Ecomuseu, bem como

1
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEDUC
da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Mestra em Educação pela Universidade do Estado da Bahia –
UNEB. Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Membro dos Grupos de
pesquisa Sociedade Solidária, Espaço, Educação e Turismo – SSEETU e Sociedade em Rede.
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, Professora Plena da Universidade do
Estado da Bahia - UNEB, filiada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade -
PPGEDUC, Mestrado Profissional em Educação de Jovens e Adultos – MPEJA e ao Doutorado
Multiinstitucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento – DMMDC. Líder do grupo Multidisciplinar
de Estudo e Pesquisa Sociedade Solidária, Espaço, Educação e Turismo – SSEETU.
3
Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, Professor Titular da Universidade do Estado
da Bahia – UNEB, filiado ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEDUC,
Mestrado Profissional em Educação de Jovens e Adultos – MPEJA e ao Doutorado Multiinstitucional e
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento – DMMDC. Líder do grupo de pesquisa Sociedade em Rede.
4
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEDUC
da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Mestra em Educação pela Universidade do Estado da Bahia –
UNEB. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Adventista de Educação do Nordeste – FAENE. Membro dos
Grupos de pesquisa Sociedade Solidária, Espaço, Educação e Turismo – SSEETU e Sociedade em Rede.
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o processo de organização do mesmo no Povoado Alto. Fez-se uma breve exposição dos conceitos e
pressupostos do Turismo de Base Comunitária por meio das contribuições de autores como Silva et al.
(2012), Irving (2009), Maldonado (2009) e Martins (2020). Por fim, compreendeu-se que o processo
de criação e organização do Ecomuseu da História e Cultura Altense, reforça a potencialidade da
mobilização da referida comunidade para a implementação do Turismo de Base Comunitária no
Povoado Alto.

Palavras-chave: Ecomuseu. Turismo de Base Comunitária. Educação. Povoado Alto.

1 INTRODUÇÃO

O Ecomuseu ou Museu Comunitário é uma proposta relativamente recente no Brasil,


que visa, prioritariamente, contribuir com melhorias e desenvolvimento do território,
configurando-se com um importante instrumento de construção comunitária, ancorado na
relação com o patrimônio cultural, social, histórico e natural (MATTOS,2006). Tal
perspectiva, dialoga com os princípios que norteiam o Turismo de Base Comunitária, bem
como, com o contexto do Povoado Alto, um local pleno de riquezas históricas e naturais, mas,
durante muito tempo considerado sem história, por parte de seus habitantes.
Nesse sentido, o conteúdo desse texto está relacionado à pesquisa de mestrado em
Educação e Contemporaneidade de uma das autoras, intitulada Educação para o Turismo de
Base Comunitária: construindo caminhos para o desenvolvimento local do Povoado Alto,
Tucano, Bahia, cujo objetivo central foi construir uma proposta de educação adequada para o
desenvolvimento do Turismo de Base Comunitária no contexto do Povoado Alto em Tucano-
Bahia. Nesse sentido, a criação do Ecomuseu é resultante das ações práticas desenvolvidas na
comunidade, juntamente com o Grupo Filhos do Sertão e os habitantes locais.
Desse modo, instituímos como objetivo principal desse estudo, construir
conhecimento sobre como o processo de organização do Ecomuseu da História e Cultura
Altense contribui para a implementação do Turismo de Base Comunitária no Povoado Alto.
Salientamos que este estudo apresenta duas caracterizações metodológicas, sendo uma o
estudo de caso, que paraAndré(2013,p.97), caracteriza-se por
[...]focalizarumfenômenoparticular,levandoemcontaseucontextoesuasmúltiplasdimensões”,
logo, o foco é no Ecomuseu da História e Cultura Altense. Aoutra metodologia é a Design-

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Based-Research(DBR)ouPesquisaAplicação(MATTA;SILVA; BOAVENTURA,2014), o
caminho metodológico adotado na pesquisa (aplicada) desenvolvida no mestradoe que
resultou na criação do referido Ecomuseu.
Para melhor sistematização, o artigo está organizado em três partes, além desta
introdução e da conclusão. Na primeira parte, discorre-se sobre o contexto do Povoado Alto,
zona rural do município de Tucano. Na segunda, apresenta-se a o processo de organização do
Ecomuseu da História e Cultura Altense. E, por fim, dialoga-se sobre as contribuições do
referido Ecomuseu para o processo de implementação do Turismo de Base Comunitária no
Povoado Alto e a valorização do patrimônio cultural e histórico.

2 E O ALTO TEM HISTÓRIA?

Em 2014, durante uma conversa sobre a história e cultura local, a pergunta de uma
jovem altense “E o Alto tem história?”causou espanto e serviu como fonte de inspiração para
a criação do blog Alto, o Meu Lugar no Sertão, para contar e difundir a história e cultura do
povoado a partir dos relatos dos próprios habitantes (CARMO, 2016). Visto que, a pergunta
da jovem revelou que o Alto era considerado, por grande parte de seus habitantes, como um
lugar sem história. Por isso, faz-se necessário compreendermos os principais aspectos que
demarcam a história e cultura altense.
O Alto é um povoado com 269 habitantes, situado às margens do rio Itapicuru Mirim,
na zona rural do município de Tucano, conforme a imagem 01, localizado a 280 quilômetros
de Salvador, no território do Sisal, Sertão da Bahia.Com aproximadamente 221 anos de
existência, a história do surgimento da comunidade está diretamente relacionada com o
desbravamento do sertão nordestino, o domínio e avanço da Fazenda Casa da Torre, fundada
por Garcia D’ávila, no século XVI (ROCHA, 1987).

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Imagem 01 - Foto via satélite do Povoado Alto com nomes das ruas

Fonte: Google Earth (2018), adaptado pelos autores e João Santana (2019).

A localização do povoado próximo ao rio e a possibilidade de acesso a outros


povoados, inclusive de outras cidades, pode ter influenciado a criação de um antigo curral,
que foi importante no processo de formação do vilarejo (CARMO, 2016). Visto que, a
inserção da criação de gado e, consequentemente, a formação de currais no Sertão da Bahia
contribuíram histórica e culturalmente para a expansão da Casa da Torre e povoamento das
terras mais distantes do litoral.
Neste sentido, acredita-se que a criação de animais de pequeno porte, por parte dos
vaqueiros, homens de confiança dos senhores da terra, favorecia a formação e fixação de
pequenos núcleos de populações, geralmente acompanhando rios e as estradas por onde os
bois passavam, ou contornando a caatinga (ROCHA, 1987). Tanto que, de acordo com
Martins (2020), as comunidades mais antigas de Tucano, comumente, estão situadas próximas
ao rio Itapicuru Mirim.
Portanto, o Alto, zona rural do município de Tucano, tem sua origem diretamente
relacionada com o processo de desbravamento e/ou povoamento do Sertão nordestino, fato
este ocasionado pela necessidade de avanço do domínio da Fazenda Casa da Torre. Para
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Matta (2013, p. 47), “[...] a busca por riquezas minerais certamente foi um dos motivos que
levou os Senhores da Torre a expandir seus domínios”. Há indícios de que na região,
possivelmente, existiam reservas de minerais e ouro, principalmente às margens do rio
Itapicuru Mirim.
As formações dos vilarejos, comumente, viravam centros de trocas de gados, ou de
pouso para as boiadas. Logo, considera-se que juntamente com a implantação dos currais, a
Fazenda Casa da Torre disseminava uma forma de viver e se relacionar. O processo de
criação de gado, culmina em outras atividades como a utilização do couro para a produção de
vestimentas e utensílios. Segundo Matta (2013, p. 48),“[...] a indústria do couro se espalhava,
assim como a da carne charqueada: surgia toda uma cultura alimentar, os primeiros
rudimentos de feiras periódicas assim como o deparar-se com a seca e com a forma de vida
necessária para enfrentar a vida no sertão”. Marcas culturais, alimentares e artesanais que
permanecem presentes no modo de viver sertanejo.
Desde o início, o Alto é habitado por pessoas que comumente trabalham na roça,
praticando a agricultura de subsistência, criação de gado, ovelhas e cabras, assim como
desenvolvendo atividades em olarias de tijolo e telha. Ou seja, uma comunidade tipicamente
rural, com fortes tradições sertanejas, culturais e religiosas.
As práticas culturais do Povoado Alto e região têm sua origem vinculada à religião,
trato com a natureza, formas de trabalho e o modo de viver local. Assim sendo, dá-se ênfase a
algumas atividades que representam a relação da cultura com as formas de trabalho, a saber:
os aboios, cânticos, rezas, repentes e toadas, e, até mesmo, as vestimentas e costumes dos
vaqueiros, tropeiros e carreiros remetem à origem histórica da região. Do mesmo modo, as
práticas laborais nas Casas de Farinha,arrancas de feijão, quebra de milho,geralmente, são
desenvolvidas acompanhadas de muitos cânticos, repentes, rezas e versos entrelaçando cultura
e trabalho(MARTINS, 2020).
Vale destacaras figuras dos vaqueiros, tropeiros e carreiros, que para além da
importância econômica, culturalmente, representam a relação entre trabalho, cultura e
religião. De acordo com Rocha (2016, p. 102), os vaqueiros são o “[...] tipo étnico que
provém do contato do branco colonizador com o índio durante a penetração do gado nos
sertões do Nordeste brasileiro”, tendo como papel principal cuidar dos rebanhos de bovinos,
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procurar ou reunir vacas e bois embrenhados na caatinga, o que deu origem a algumas
atividades como “pega de boi”, vaquejadas e outras. Enquanto os tropeirosrealizavam o
abastecimento da região transportando mantimentos para curtas e longas distâncias, em tropas
de animais, geralmente, utilizavam as mulas (ROCHA, 2007). Já os carreiros faziam o
transporte de cargas mais pesadas como lenhas, feijão e milho em grande quantidade.
Dito de outro modo, para além de transportar mantimentos e animais, ao percorrerem
diversas vilas e cidades distantes, as referidas figuras veiculavam ideias, notícias, sua fé e
modo de vida. Tal influência é também percebida no modo de falar, com o uso de palavras,
criadas e usadas pelos tropeiros, como: apear, arranchar, arreio, cangalha, pisadura, pêa e
outras. Ademais, a culinária sertaneja também remete ao trabalho dos tropeiros, vaqueiros e
carreiros, os quais utilizavam como base alimentar durante os deslocamentos carne seca,
farinha e rapadura.
Por fim, nota-se a influência da religiosidade sertaneja, marcada por muita devoção,
tanto que muitos versos e repentes eram, na verdade, orações de petiçõesoude agradecimento.
Com isso, entende-se que as formas de trabalho nas roças, currais, casas de farinhas,
vaqueiros, tropeiros e carreiros eram, além do modo de garantir a subsistência, espaços e
momentos de produção cultural.
Além disso, existem outras manifestações culturais e festejos locais, como festas de
padroeiros, carurus, festas de São João e São Pedro com casamentos e batismos nas fogueiras.
A proximidade do rio e da caatinga, a passagem de Lampião na localidade e a participação de
altenses na Guerra de Canudos geraram uma infinidade de estórias, lendas e mitos que
permeiam o imaginário dos habitantes locais. Contudo, tais práticas ea herança cultural
sertaneja têm sido desgastadas e, por vezes, esquecidas.Por isso, a seguir discorreremos sobre
a criação da história e cultura altense, uma importante ação para o resgate e valorização das
tradições locais.

3 A CRIAÇÃO DO ECOMUSEU DA HISTÓRIA E CULTURA ALTENSE

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Para contextualizar este estudo, faz-se necessário uma breve discussão acerca do termo
Ecomuseu, sobretudo, por se tratar de algo relativamente recente no Brasil. Visando,ainda,
facilitar o entendimento acerca de todo o processo de organização do Ecomuseu da História e
Cultura Altense.
De acordo com Mattos (2006, p.1), no que tange a sua origem
O termo Ecomuseu está intimamente ligado a uma experiência
comunitária francesa, na região industrial das cidades de Creusot
(siderurgia) e Montceaules Mines (carvão), entre os anos 1971-82, [...]
nasceu sob noções de ecologia humana, de comunidade social, de
entidade administrativa e, sobretudo, da definição do território e da
vontade de contribuir ao seu desenvolvimento. Para aquelas
populações, o Ecomuseu representava um fator de construção
comunitária, apresentando uma inovação: a relação entre patrimônio e
sociedade demonstrada pelo sentimento e pela ação. Para eles, os
testemunhos do passado, traços de identidade de um território, eram
de responsabilidade coletiva servindo de instrumento de educação
popular para a invenção criadora do futuro.

A autora explicita de modo suscinto as ideias centrais da definição do que é um


Ecomuseu, das quais merece destaque o protagonismo da população local, assemelhando-se
aos pressupostos defendidos no Turismo de Base Comunitária. Para além disso, considerar o
Ecomuseu como fator de construção comunitária e instrumento de educação popular acentua a
sua potencialidade educativa para o resgate e valorização do patrimônio cultural e histórico
dos territórios.
Corroborando a autora supracitada, Barbosa e Pedrosa (2014) defendem que a
baseconceitual do Ecomuseu consiste na valorização de conceitos de um território, ou seja,
sua população, patrimônio natural e construído e valores culturais. Assim sendo,os autores
afirmam ainda que a ideia de um Ecomuseu deve partir da consciência que a população tem
de seu território e do desejo de valorização e preservação de seus aspectos naturais, culturais,
históricos e sociais.
Tal perspectiva dialoga com as características atribuídas por Mattos (2006, p.1) aos
modelos de Ecomuseu também definidos como Museus Comunitários, a saber: “1. A
participação ativa, criadora e colaboradora da população envolvida; 2. As ações e processos
inspirados nas especificidades locais;3. A importância da ideia de território (espaço vivido)
enquanto museu; 4. A apropriação coletiva de patrimônio/coleção”.Tais características
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apontam para o Ecomuseu como a expressão do contexto real vivido nas comunidades, com
suas dores, saberes e fazeres. Tal como, o caso do Ecomuseu da História e Cultura Altense,
sobre o qual discorremos adiante.
O estudo do contexto sócio-histórico do Povoado Alto revelou um paradoxo, um lugar
pleno de riquezas culturais e históricas, considerado por muitos altenses como um lugar sem
história. Entretanto, com a criação do blog Alto, o meu lugar no Sertão, aqueles sujeitos que
anteriormente negavam sua identidade altense passarama ter mais consciência e interesse pelo
lugar onde vivem.
Nesse sentido, durante uma roda de conversa com a comunidade em março de 2019,
sobre os principais aspectos que constituem sua cultura local, surgiu a ideia de criar um
Ecomuseu, para além dos aspectos naturais do povoado, consideramos necessária a
organização de um espaço físico para reunir um acervo. O objetivo do Ecomuseu era reunir
objetos, histórias e memóriasdos aspectos históricos e culturais no espaço onde funciona a
Biblioteca Comunitária, com o intuito de possibilitar aos sujeitos locais não só o acesso aos
livros, mas também conhecer objetos que representam um pouco da história e cultura do
Povoado.
Diante disso, o grupo Filhos do Sertão, composto por jovens e adolescentes altenses,
iniciou a mobilização de toda a comunidade para dar início ao processo de garimpo de objetos
e memórias. Para isso, dividimos a proposta do Ecomuseu em 4 grupos, a saber: história local,
práticas culturais,formas de trabalho e momentos marcantes na comunidade. Com base nessa
divisão, os membros do grupo se subdividiram para a coleta e identificação dos objetos,
conforme imagem 02. Um processo muito rico de aprendizagens e troca de saberes, pois
como alguns objetos já não eram tão comuns, além de doar, as pessoas também contavam a
história dos objetos, dizendo para que serviam, como e com o quê eram feitos e quem fez.

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Imagem 02: Ecomuseu da História e Cultura Altense

Fonte: Acervo pessoal de Juliana Martins (2020).

Como dito anteriormente, o processo de garimpo e organização do Ecomuseu foi lento


e muito educativo, pois à medida que perguntávamos aos colaboradores a origem,
identificação e uso dos objetos, já estávamos aprendendo sobre a história e cultura do nosso
lugar no sertão. Do mesmo modo, durante as visitações esses saberes também são
compartilhados, e por vezes, ressignificados. O Ecomuseu ainda está em processo de
organização, mas foi inaugurado juntamente com a Biblioteca Comunitária no dia 08 de
dezembro de 2019.
Desde então, o Ecomuseu tem sido visitado por sujeitos do Povoado Alto e de outras
localidades, inclusive, é um dos pontos de destaque nos roteiros de visitação do Turismo de
Base Comunitária organizados pelo Grupo Filhos do Sertão. Logo, identificamos que a
criação do Ecomuseu da História e Cultura Altense se configura como importante ação no
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processo de resgate e valorização da história e cultura local, contribuindo ainda com o
processo de implementação do Turismo de Base Comunitária no Povoado Alto, como
veremos adiante.

4.CONTRIBUIÇÕES DO ECOMUSEU PARA O PROCESSO DE


IMPLEMENTAÇÃO DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO POVOADO
ALTO

O protagonismo da comunidade local é uma das características que enlaçam a proposta


de Ecomuseu e o Turismo de Base Comunitária– TBC. Diferente do modelo convencional de
turismo que tem o lucro como objetivo central, o TBC prima pela valorização da cultura das
comunidades e os seus saberes. Nesse sentido, pode ser entendido como aquele no qual as
populações locais participam ativamente de todos os processos de gestão, respeitando o meio
ambiente e a cultura local (TUCUM, 2008).
Corroborando a Silva et al. (2012, p. 11) que define o Turismo de Base Comunitária
como:
[...] uma forma de planejamento, organização, autogestão e controle
participativo, colaborativo, cooperativo e solidário da atividade turística por
parte das comunidades que deverão estar articuladas em diálogo com os
setores público e privado, do terceiro setor e outros elos da cadeia produtiva
do turismo, primando pelo benefício social, cultural, ambiental, econômico e
político das próprias comunidades.

Nesse sentido,o TBC caracteriza-se por ser um modelo em que a comunidade local é a
autogestora das ações. Logo, pode ser entendido como um modelo alternativo ao turismo
convencional, com um potencial muito além dos benefícios econômicos que as populações
locais poderão usufruir com o fluxo de visitações.
A forma de organizar o Turismo de Base Comunitária, assim como o Ecomuseu,
pressupõe que as comunidades valorizam sua identidade cultural, a manutenção de suas
tradições culturais e religiosas, a conservação do meio ambiente e o seu empoderamento,
através da criação de redes de solidariedade e colaboração, favorecendo a troca de saberes e
experiências com os visitantes, que são acolhidos conforme as tradições, modo de vida e
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cultura local. Dito de outro modo, o TBC configura-se como uma proposta de
desenvolvimento local, pressupondo a valorização da cultura e identidades, respeitando as
especificidades e os aspectos sociais, políticos e humanos de cada comunidade(IRVING,
2009).
De acordo com Maldonado (2009), as primeiras práticas de TBC surgirampor volta de
1980 em comunidades rurais e isoladas da América Latina, utilizando a cultura local como
forma de resistência aos modelos e padrões do mercado turístico convencional. E, é
exatamente nesta perspectiva que se deu início ao processo de implementação do Turismo de
Base Comunitária no Povoado Alto visando, dentre outras coisas, contribuir com o resgate e
valorização da história e da cultura local.
Dito isto, acreditamos que a criação do Ecomuseu da História e Cultura Altense
contribui positivamente com o processo de implementação do Turismo de Base Comunitária
na localidade, na medida em que reúne um acervo que permite aos habitantes e visitantes
manter viva a história do lugar. Sem contar que, durante as visitações, membros da
comunidade e visitantes trocam saberes e experiências ao compartilharem suas histórias e
memórias através do contato com o acervo. Por fim, acreditamos que o Ecomuseu e o
Turismo de Base Comunitária potencializam o desenvolvimento local e, consequentemente, a
valorização de todos os fluxos que permeiam a comunidade.

4 CONCLUSÃO

O objetivo desse artigo foi construir conhecimento sobrecomo o processo de


organização do Ecomuseu da História e Cultura Altense contribui para a implementação do
Turismo de Base Comunitária no Povoado Alto. Salientamos que, anterior à criação do
ecomuseu, houve a criação do blog Alto, o Meu Lugar no Sertão, ou seja, primeiramente a
comunidade se conscientizou de sua história a partir dos diálogos entre os moradores e, em
seguida, se engajou na criação do ecomuseu e implementação do Turismo de Base
Comunitária, enquanto estratégias para valorizar sua história e cultura.
Dessa maneira, discorremos sobreo contexto do Alto, afim de apresentar a base
cultural e histórica de formação da comunidade, que posteriormente foi retratada no acervo do
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Ecomuseu.Abordamos ainda os conceitos que definem o Ecomuseu, também chamado de
Museu Comunitário, bem como o processo de organização no povoado. Por fim,
apresentamos uma breve discussão acerca das contribuições do Ecomuseu da História e
Cultura Altense para a implementação do Turismo de Base Comunitária no Povoado Alto.
Diante disso, conclui-se que o referido Ecomuseu se constituiu como um importante
instrumento de construção comunitária, que contribui positivamente para a valorização do
patrimônio histórico e cultural do Povoado Alto. Para além disso, identificou-se ainda que as
visitações ao Ecomuseu por parte dos habitantes locais e visitantes são educativas e
potencializam a implementação do Turismo de Base Comunitária no Povoado Alto.

REFERÊNCIAS

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Educação e Contemporaneidade, Salvador. v. 22, n.40, p. 95-103, jul. /dez. 2013.

BARBOSA, Tulio; PEDROSA, António de Sousa. O Ecomuseu como forma de preservação


do modo de vida dos faxinais e como vetor de desenvolvimento sustentável dos seus
territórios, Configurações [Online], 11 | 2013, publicado online no dia 22 setembro 2014.
Disponível em: https://journals.openedition.org/configuracoes/1920. Acesso em: 11 de nov.
de 2021.
CARMO, Juliana Andrade do. O uso de um blog como elemento difusor da história do
Povoado Alto, em Tucano/ Ba. 2016. 137f. TCC (Licenciatura em Pedagogia) –
Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2016.

IRVING, Marta A. Reinventando a reflexão sobre turismo de base comunitária: inovar é


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MARTINS, Juliana Andrade do Carmo. Educação para o Turismo de Base Comunitária:
construindo caminhos para o desenvolvimento local do Povoado Alto, Tucano, Bahia. 2020.
216f. Dissertação (Mestrado em Educação e Contemporaneidade) – Programa de Pós-
Graduação em Educação e Contemporaneidade, Universidade do Estado da Bahia, Salvador,
2020.

MALDONADO, Carlos. O turismo rural comunitário na América Latina: gênesis,


características e políticas. In: BARTHOLO, Roberto; SANSOLO, Davis Gruber; BURSZT
YN, Ivan (org.). Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências
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MATTOS, Yara. Ecomuseu, Desenvolvimento Social e Turismo. Ouro Preto, p. 6-7, 01 jul.
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em:http://morrodaqueimada.fiocruz.br/pdf/15_Ecomuseu%20Desenvolvimento%20Social%2
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ROCHA, Rubens. História de Tucano. Feira de Santana: Impressão Oficinas da Bahia Artes
Gráficas, 1987.
ROCHA, Rubens. A História do Integralismo em Tucano (Partidos políticos, eleições e
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ROCHA, Rubens. Tucano de ontem. Tucano: Gráfica Tibiriça, 2016.
SILVA, Francisca de Paula Santos da, et al. Cartilha (in) formativa sobre Turismo de Base
Comunitária “O ABC do TBC”. Salvador: EDUNEB, 2012.
TUCUM. Rede Cearense de Turismo Comunitário. Presentationheldatthe II
InternationalSeminaronSustainableTourism. Fortaleza, 2008. Disponível em:
https://viajarverde.com.br/rede-tucum-colaboracao-e-resistencia/ Acesso em: 10 ago. 2020.

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PEDAGOGIA PARA A AUTONOMIA: NARRATIVAS TECENDO SABERES EM


ESPAÇOS SOCIO EDUCACIONAIS

Eliana da Silva Neiva Brito1


neivabrito@yahoo.com

Valnice Sousa Paiva2


valnicesp@yahoo.com.br

Caique de Jesus Brandão Silva 3


caiquebrando@yahoo.com

Thiago Sousa Paiva 5 4


thispaiva@yahoo.com.br

Ducimar Alves dos Santos5


ducimar785063@gmail.com

Letícia Araújo Lima6


leticia071@gmail.com

Maria José Pitanga Suzart da Silva7


mjpitangasuzart@gmail.com

Patrícia Matos de Carvalho8


patriciamc_ba@terra.com.br

1
Pedagoga pela UNEB, Especialista em Libras e Educação Especial Inclusiva pela UNIASSELVI. Mestranda pelo
GESTEC/UNEB. Integrante do grupo de pesquisa TIPEMSE/GP-AMEI.
2
Pedagoga, mestre e doutora em Educação e Contemporaneidade pela UNEB, Profa Assistente na
UNEB/DCHTXVI, Líder dos Grupos de Pesquisa TIPEMSE e GP-AMEI. Membro das Redes de Pesquisa- Ação
(REPAP-BR) e Múltiplas Sementes.
3
Estudante do Ensino médio do SESI, membro do Grupo de Pesquisa GP-AMEI
4
Estudante do Ensino médio do SESI, membro do Grupo de Pesquisa GP-AMEI
5
Estudante de Pedagogia da FBB, membro do GP-AMEI/UNEB
6
5 Pedagoga pela UNEB, Psicopedagoga e estudante da Pós-Graduação em Educação Digital UNEB e membro
do grupo de pesquisa TIPEMSE/GP-AMEI
7
5 Pedagoga pela UNEB, Psicopedagoga e estudante da Pós-Graduação em Educação Digital UNEB e membro
do grupo de pesquisa TIPEMSE/GP-AMEI
8
Engenheira, integrante dos grupos de pesquisa TIPEMSE/GP-AMEI.
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RESUMO

O tema do XI ETBCES “Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas


em tempos adversos”, nos convida a refletir de forma colaborativa sobre os desafios
relacionados à educação enquanto sociedade diversa e plural. Articulações que exigem uma
longa caminhada para agenciar uma educação na adversidade. Por isso, antes de iniciar qualquer
tipo de reflexão a respeito da práxis do pedagogo e a postura do aluno contemporâneo, é
necessário identificarmos as transformações educacionais e sócio culturais, ante o advento da
globalização. Nesse contexto atual de educação estão contidas as teorias pedagógicas modernas
que passam pelo crivo crítico da construção de uma sociedade democrática, comprometida com
a transformação social e a superação das desigualdades, a bem do protagonismo e autonomia
do alunado; uma escola multicêntrica e inclusiva. É necessário discutir a adaptação curricular,
pedagógica e tecnológica para educar na diversidade nos espaços sócio educacionais e
implementar novas estratégias para inclusão social nos âmbitos de convivência. Estes
pressupostos foram aguçados em minha vida incentivados pela vivência em todo processo
educacional de minha filha, que nasceu surda. O valor agregado no compartilhamento com
minha filha e com outros surdos foi perceber que cada surdo tem suas especificidades. Mas,
em todas as singularidades encontradas de surdos ou deficientes auditivos, o divisor de águas
para mim e para minha filha foi, nessa convivência, começar a aprender a Língua Brasileira de
Sinais - Libras. A convivência com os surdos me fez maturar alguns ideais e ir ganhando
experiência para chegar a esse momento atual de poder contar minhas vivências na educação,
neste resumo. De fato, o processo contínuo de aprendizagem sobre a cultura e a língua de sinais,
tem facilitado a minha comunicação com minha filha e com outros surdos. O incentivo para o
aprendizado era pensar que a exclusão não podia começar na própria casa do surdo, mas,
também que outros membros da sociedade deveriam ser sensibilizados a aprenderem pelo
menos o básico da Libras. Para esse fim, desenvolvemos um trabalho conjunto a partir da
universidade, com escolas, associações, comunidades, famílias, empresas, para melhoria da
educação onde os participantes e seus responsáveis foram envolvidos em um processo de
formação sobre a problemática da necessária participação coletiva, tendo em vista a melhoria
da interatividade surda/ouvinte. Com isso, a oficina denominada “Mãos que falam Libras”,
teve a demonstração dos potencializadores lúdicos iniciada em 2015 e socializada em várias
localidades da cidade de Salvador-BA e região metropolitana, em várias oportunidades. No
entanto, para este momento, nos deteremos nas memórias e narrativas de como a partir do
momento que me propus a aprender Libras para me comunicar com minha filha, pude socializar
esses aprendizados Mas, são os relatos de como esse aprendizado foi se desdobrando em
mediação de oficinas que intentam a sensibilização de ouvintes e surdos, que merecem uma
atenção especial nesse resumo. Também a necessidade de olhar com atenção o isolamento
linguístico que os surdos experimentam e como a Libras ameniza esse isolamento, que
queremos tratar. Caminhando nesse sentido, a nossa questão norteadora de: Como desenvolver
brincadeiras numa perspectiva de sensibilização para o uso da Libras? implicou aos poucos os
membros do grupo de pesquisa TIPEMSE – Tecnologias, Inovação Pedagógica e Mobilização
Social pela Educação, durante as ações do Projeto UNEB Parque, que resultou numa pesquisa
colaborativa. Assim, traremos relatos de como as oficinas e a execução dessa proposta,
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mobilizou princípios inerentes às metodologias de pesquisa-ação participativa, se aproximando
naturalmente dessa área, quando imergirmos na comunidade acadêmica, nos oportunizando a
observar e dialogar com o público que frequentava a oficina. Conversas individuais ou em rodas
de conversas, que acabaram acontecendo para além dos dias das oficinas, em outros encontros;
experiências essas bem próximas das desenvolvidas na coleta de dados das pesquisas. Perceber
que agentes multiplicadores através de nossas oficinas foram incentivados a pensarem a
inclusão do surdo e que muitos foram implicados a aprenderem a Libras; nos motiva. Da mesma
forma que trazer vivências de pelo menos duas pessoas, frequentadores de nossas oficinas, que
foram implicados, inspirados e hoje, replicam esse aprendizado, é o máximo. Em meio a
diversas atividades lúdicas pensadas para as oficinas, os participantes e seus responsáveis são
envolvidos em um processo de formação sobre a problemática da necessária participação
coletiva. Estas pessoas, para além das leis e decretos instituídos, que precisam da ação da
sociedade para serem efetivadas, tem tentado no seu pequeno espaço social, com sua própria
atitude, diminuindo a limitação implementada pela diferença linguística entre os surdos e
ouvintes. Foram contaminados pelo modelo social de convivência com o surdo, modelo que
não visa olhar o nível da perda auditiva, e sim, evidencia como o surdo experiencia a surdez,
ressaltando a experiência de ser e estar no mundo, acessando por outro canal, no caso pela visão.
Ao nos depararmos com estes exemplos de interação social, transformação e autonomia,
convidamos os escritos de Paulo Freire (2011) para serem elo das inferências deste trabalho por
causa do caráter agregador, interacional, incentivador e propositor de estratégias educacionais,
que há nos seus escritos. As elucidações de Freire (2011) permeia nosso atelier de narrativas
com relatos recheados de memórias afetivas, porque Freire nos lembra o tempo todo que
precisamos ter em mente que educação é: instrução, conhecimento focado nas relações sociais,
objetivando mudanças na sociedade como um todo e que cada um de nós somos protagonistas
no palco da vida para agir com autonomia na conquista do próprio amadurecimento. Por
entendermos a necessidade de implicação dos participantes no processo de pesquisa realizado
com vistas à promoção de mudanças quanto à situação problema apresentada
(THIOLLENT apud Silva 1991) seguimos com o Objetivo Geral de: Desenvolver brincadeiras
perspectivando a sensibilização para o uso da Libras, só que agora, contando de forma efetiva
com as contribuições teóricas de todo grupo de pesquisa e com a multiplicação da oficina de
Libras demandada por dois adolescentes que frequentaram nossas oficinas, e que agora de
forma remota, prosseguem com a atuação. Como relatado acima, fomos convidados para mediar
a oficina Mãos que falam Libras em diversos eventos. Numa das ações feitas na UNEB, em
2015, contamos com a presença dos dois adolescentes alvo do nosso relato, que à época tinha
nove e dez anos respectivamente. Os dois participaram de tudo que foi proposto na oficina.
Mediamos a oficina em outras ocasiões e um deles sempre que podia estava presente. O
adolescente que tinha dez anos participava um pouco mais. O interessante é que sempre que
nos encontrávamos, ele tinha uma novidade para contar: como estava usando o que aprendeu
ensinando para irmã de cinco anos; falava que treinava a Libras através dos sites; dizia que
divulgava entre os colegas; até hoje pede para fazermos um curso básico; etc. Dessas novidades,
escolhemos duas para falar com mais detalhes. São relatos que enchem nosso coração de
satisfação por ver que a ação feita através da oficina de Libras, alcançou incontestável resultado
de conscientização e mobilização pela educação. Resultado alcançado! A primeira vivência a
ser contada, foi a que, o adolescente começou em 2019, disseminando o pouco que tinha
assimilado da Libras nas nossas oficinas e por conta própria, na sua vizinhança, o que acabou
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XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES
contaminando novamente o outro adolescente que na época tinha nove anos. Ele começou com
dois vizinhos e hoje em dia tem mais de 10 jovens que se reúnem para aprender Libras todas as
segunda-feira, através da plataforma Google Meeet. Sempre falamos na oficina mediada da
intenção de que as pessoas sejam sensibilizadas a olhar a situação de exclusão linguística que
os surdos ainda vivem e que procurem fazer cursos, busquem sites e aplicativos onde possam
aprender pelo menos o básico da Libras; falamos ainda aos presentes nas oficinas que façam
uma imersão simples na cultura e língua dos surdos, buscando nos vários espaços a convivência
bilíngue do Português e da Libras, para uma maioria surda que escolhem a língua de sinais
como forma comunicacional; e nesse sentido, o jovem, hoje com dezessete anos, fez
maravilhosamente o dever de casa. Estes adolescentes não desejam ser intérpretes, apenas
conseguir manter contato com surdos, na oportunidade que encontrá-los. E, quando em suas
profissões poder interagir com esse público, atendendo à proposta de fazer jus às leis que
promulgaram a Libras como a segunda língua do Brasil, que preconizam que pais, professores,
alunos, médicos e funcionários públicos sejam bilíngues (Decreto n. 5.626/05). Com essa
atitude eles cumprem o que Freire (2011, p.42) diz: “Assumir-se como ser social e histórico,
como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter
raiva, porque capaz de amar”. Eles mesmos foram criando suas alternativas, se corrigindo e
desenvolvendo de uma forma natural o entrosamento entre eles. Freire (2011, p. 32) infere sobre
esse condicionamento dizendo: “A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos,
transferi-los aos alunos. Aprendidos estes operam por si mesmos”. Por isso, que esta é uma
narrativa muito interessante e uma bela experiência a ser contada. Como mãe, e certamente
esses dois jovens, que continuam como nós divulgando a Libras, queremos algo que seja eficaz
para a redução da solidão dos cidadãos surdos que ainda se acham estrangeiros em seu próprio
país. Esta iniciativa revolucionária de nossos jovens, certamente podem ser implementadas em
em outros microespaços bilíngues, sendo reproduzidos em outras localidades e multiplicados
em várias comunidades do nosso país. A vida do estudante, primeiramente é em sua turma, é
em sua sala de aula. Esse espaço não pode ignorá-los.

Palavras-chave: Sujeito Surdo. Libras. Espaço Bilíngue. Brincadeiras. Autonomia

REFERÊNCIAS

Brasil, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe
sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras
providências.

_______, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de


2005. Regulamenta a Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002.

Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2011.

SILVA, M. O. S. Refletindo a pesquisa participante. 2 ed. rev. ampl. São Paulo: Cortez, 1991.

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Autogestão de projetos comunitários: Unidade de processamento de frutas Sabor


da Roça em Vila Neves – BA.

Hércullys Gomes de Oliveira 1


hercullysgomes@gmail.com

Euclides Santos Bittencourt2


euclyd13@gmail.com

RESUMO

Observando a luta do movimento de mulheres camponesas de Vila Neves, município de


Candiba no interior da Bahia, na perspectiva de conquistar um espaço digno no mundo do
trabalho e as dificuldades em torno do processamento de frutas Sabor da Roça, surgiu o desejo
latente de pesquisar e compreender o ambiente econômico resultante da atividade dos
participantes. Os recursos desse projeto foram fomentados através da Companhia de
Desenvolvimento e Ação Regional (CAR) para construir cinco unidades de processamento de
frutas. A pesquisa tem o objetivo de verificar a evolução econômica da atividade do trabalho
cooperante dos participantes, além de avaliar o estágio que se encontra o empreendimento
cooperativista. O método escolhido foi a pesquisa participativa de abordagem qualitativa,
baseado no modelo de negócio que se alicerça nos princípios da economia solidária. Como a
pesquisa ainda não foi executada existe a proposição de que aconteceu algum impacto positivo
relacionado aos ganhos econômicos resultantes das atividades exercidas pelos participantes do
empreendimento, impactando diretamente na qualidade de vida.

Palavras-chave: Autogestão, Economia Solidária, Projetos Comunitários, Cooperativismo.

1Informações complementares: Graduando em Administração UNEB DEDC-XII.


2Informações complementares: Doutor em Engenharia Industrial UNEB DEDC-XII.

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Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS): Tecnologias Sociais


nas Unidades de Saúde do Distrito Sanitário Cabula/Beirú

Marcelo Peixoto Souza1


mapsouza@uneb.br

Almir Silva Ferreira²


almir.sf@hotmail.com

RESUMO
Apresentação: As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são um conjunto
de abordagens terapêuticas inseridas nas práticas de cuidado não convencionais e que buscam
estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde, utilizando
diversos recursos terapêuticos alternativos. A partir da Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares (PNPIC), e a Portaria GM/MS nº 971 em 2006, as PICS foram
integradas ao Sistema Único de Saúde, com o objetivo de ampliar a visão a respeito da saúde e
a autonomia das pessoas no cuidado, podendo ser consideradas tecnologias sociais. Esses
saberes e práticas integrativas emergem da interação de elementos complexos, sejam eles
sociais, históricos, culturais, científicos (ou não) na comunidade, em particular da relação entre
usuários, trabalhadores da saúde e outros atores sociais que buscam soluções efetivas de
transformação dos processos de saúde-doença-cuidado. Nesse sentido, as PICS, situadas como
tecnologias sociais de saúde são fundamentais à promoção da saúde e do autocuidado nos
territórios, pois demonstram ser eficazes, seguras e de baixo custo econômico. Centrada nas
bases da integralidade em saúde, do atendimento holístico e da construção terapêutica
partilhada de saberes, elas carregam seu potencial na simplicidade de suas ações e na natureza
prática na produção do (auto)cuidado. Objetivo: Identificar a oferta das PICS nas unidades de
saúde do Distrito Sanitário Cabula/Beirú (DSCB). Problematização: O Distrito Sanitário
Cabula/Beirú (DSCB) compreende uma área territorial delimitada, com população adscrita de
421.246 hab. (SALVADOR, 2018) e um sistema municipal com 23 unidades de saúde da rede
própria para a oferta de serviços. Qual é a oferta de PICS nas unidades de saúde do DSCB?
Materiais e Métodos: Trata-se de um estudo observacional, transversal, com coleta de dados
realizada por meio de questionário estruturado em formulário eletrônico, contendo variáveis
gerais do uso das PICS no DSCB e dos trabalhadores envolvidos com as práticas. O critério de
inclusão do estudo foi ser gestor das unidades de saúde no DSCB. Esse trabalho foi realizado
em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de Salvador. Resultados: No DSCB foi
identificado 4 (17,39 %) unidades básicas de saúde que ofertam das PICS no serviço. Dessas,
03 são Unidades Básicas de Saúde e 01 unidade especializada, o Centro de Atenção
Psicossocial. As PICS ofertadas são: Cromoterapia, Aromaterapia, Meditação, Heiki,
Auriculoterapia; Práticas corporais; Teatro; Músicoterapia; Constelações Familiares, Terapia
Comunitária, Aromaterapia. Estas práticas são realizadas por Assistente Social, Psicológa,
Fisioterapeuta, Terapêuta Ocupacional, Médico e Enfermeira. Conclusões: As PICS na rede de
Atenção Primária à Saúde podem ser configuradas como tecnologias sociais e o Distrito
Sanitário Cabula/Beirú é um terrritório que oferta as PICS à população. Considera-se que a

1
Informações complementares: titulação e instituição, grupo de trabalho, etc.
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implementação de mais PICS nos serviços poderá se desenvolver a partir da adoção de medidas
como: a elaboração de políticas públicas de saúde; capacitação dos trabalhadores; inclusão no
programa institucional; inserção das PICS na formação dos curso de saúde e a difusão do
conhecimento das práticas na sociedade. Tais ações engendradas com a comunidade possuem
o poder de potencializar as mudanças necessárias e atender as demandas que emergem da
comunidade.

Palavras-chave: Práticas Integrativas e Complementares em Saúde; tecnologias sociais;


Atenção Primária à Saúde

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MUSEU AUDIOVISUAL DE BRINCADEIRA PARA O RESGATE E VISIBILIZAÇÃO


DA CULTURA DO BRINCAR: PESQUISA-AÇÃO COM/PARA CRIANÇAS EM
UMA COMUNIDADE PERIFÉRICA DE SALVADOR-BA

Valnice Sousa Paiva1


valnicesp@yahoo.com.br

Thiago Sousa Paiva2


thispaiva@gmail.com

Flávia da Silva Gonçalves3


flavia.silva@escolasesiba.com.br

Ducimar Alves dos Santos4


ducimar785063@gmail.com

Letícia Araújo Lima5


leticia071@gmail.com

RESUMO

Os jogos, brinquedos e brincadeiras tradicionais, patrimônio cultural da humanidade, fazem


parte da existência do ser criança, e, alguns deles, independente de serem percebidos pelo
universo adulto, resistem e persistem em fazer parte da cultura infantil, a exemplo do clássico
esconde-esconde, pega-pega e outros que dependem apenas do corpo da criança. No entanto,
temos visto que, a cada dia que passa, brincadeiras milenares têm entrado em vias de extinção,
não repassadas às novas gerações e esquecidas em nossa cultura. Muitos pais e responsáveis,
alegando falta de espaços públicos apropriados ao brincar e crescimento da violência urbana,
optam por oferecer aos seus filhos a alternativa dos brinquedos industrializados e dispositivos
eletrônicos muito incentivados pela sociedade de consumo. Assim, jogos, brinquedos e
brincadeiras tradicionais têm sido cada vez mais substituídos, em nossa cultura, por artefatos
que minimizam possibilidades do exercício corporal e seus movimentos, manualidades,
estratégias de negociações, exploração de diversas linguagens, inclusive artística, dentre outras
articulações fundamentais ao desenvolvimento da criança. Nesta perspectiva, tendo como
objetivo contribuir com o resgate, visibilização e valorização de jogos, brinquedos e
brincadeiras tradicionais em um bairro da periferia da cidade de Salvador/Ba, esse projeto

1 Pedagoga, mestre e doutora em Educação e Contemporaneidade pela UNEB, Profa Assistente na


UNEB/DCHTXVI, Líder dos Grupos de Pesquisa TIPEMSE e GP-AMEI.
2 Estudante do Ensino médio do SESI, membro do Grupo de Pesquisa GP-AMEI.
3 Graduada em Artes Visuais e Licenciatura em Desenho e Plástica pela UFBA, Profa de artes no SESI Djalma
Pessoa.
4 Estudante de Pedagogia da FBB, membro do GP-AMEI/UNEB.
5 Pedagoga pela UNEB, Psicopedagoga e estudante da Pós-Graduação em Educação Digital UNEB e membro do
grupo de pesquisa TIPEMSE/GP-AMEI.

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propõe a criação de um museu audiovisual, tendo como suporte um site onde ficarão
organizados os vídeos de diversas brincadeiras, construindo assim uma memória digital do ato
de brincar, explorando o potencial de registro, divulgação e preservação de memória das
tecnologias digitais para visibilização desse patrimônio cultural. Portanto, utilizaremos,
justamente, os dispositivos tecnológicos digitais, que estão sendo usados para substituir o
tradicional brincar, para favorecer o seu resgate. Esta elaboração faz parte da proposta de
pesquisa-ação desenvolvida juntamente com os grupos de pesquisa da UNEB: TIPEMSE,
GP/AMEI e UMANITA, tendo como participantes do processo de pesquisa, adolescentes e
crianças de 2 a 12 anos que, brincando de entrevistadoras percorreram a sua comunidade, sendo
esta o locus da pesquisa, participando do levantamento das brincadeiras a serem registradas,
tendo como resultado deste levantamento 108 propostas de registros de brincadeiras conhecidas
naquele local. Também, brincando, as crianças se organizam para gravar as brincadeiras
escolhidas, utilizando celular, criando vídeos de um a dois minutos, a serem guardados no canal
do YouTube, e, posteriormente organizados no Site do Museu, onde serão apresentadas as
brincadeiras, sua história, origem, narrativa dos procedimentos e materiais para sua realização.
Esta pesquisa encontra-se em desenvolvimento, tendo como resultados iniciais o envolvimento
implicado das crianças em busca da oportunidade do brincar, a exploração de um espaço de voz
e protagonismo infantil que apresenta suas ideias e organizam de forma autônoma a proposta
do dia para o brincar. E, a partir deste trabalho, tem sido construído relacionamentos com
membros da comunidade com vistas a um processo de participação para contribuir na
organização do espaço de brincar, designado como: A Casa das Crianças, indo além do museu
audiovisual.

Palavras-chave: Museu Audiovisual. Brincadeiras Populares. Criança.

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O CICLO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA EM LAURO DE FREITAS: DA


CULTURA POPULAR À EMERGÊNCIA DO SAGRADO

Tássio Simões Cardoso


tassioeducacao@gmail.com

Não precisa ser especialista no tema para afirmar que o ciclismo é um grande fenômeno
da contemporaneidade, basta transitar pelas ruas da primeira capital do Brasil, Salvador, ou na
primeira cidade da Costa dos Coqueiros, Lauro de Freitas, sobretudo nos primeiros horários dos
dias, para observar a quantidade de grupos de ciclismo dando vida, cor e movimento a paisagem
urbana. Se já era uma febre antes da pandemia, agora virou um fenômeno sem precedentes. Pela
sua própria gênese e dinâmica, o ciclismo é, ao mesmo tempo, esporte, lazer e cultura.
Focado nesta vertente, está sendo gestado em Lauro de Freitas, região metropolitana de
Salvador (Bahia-Brasil), no cenário educativo e esportivo, o projeto “Ciclo Turismo de Base
Comunitária: interfaces entre a tradição e a inovação”, o CTBC.
O projeto é derivado da minha tese de doutorado, cujo título é “En(cantos) e
(re)existências Quilombolas: diálogos decoloniais e transmodernos entre educação quilombola
e turismo de base comunitária”, construída no contexto do Programa de Pós-graduação em
Educação e Contemporaneidade, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). A partir dos meus estudos
no campo do turismo de base comunitária e da minha expertise como ciclista, busquei fazer
uma modelagem conceitual no qual floresceu o conceito de Ciclo Turismo de Base Comunitária
(CTBC).

Cabe colocar em relevo que entendo o TBC como uma prática social complexa que
favorece a coesão do tecido comunitário, bem como a valorização da cultural local e uma maior
preservação da natureza, ocasionando, desta forma, uma melhoria na qualidade de vida da
comunidade receptora (IRVING, 2019). Já o Cicloturismo é uma modalidade de uso da bicicleta
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que une o lazer e a mobilidade. Seja em uma viagem curta de um dia ou em uma aventura de
longa duração, a bicicleta é uma companheira de viagem que permite uma interação ímpar entre
o viajante, a paisagem e a cultura do lugar (ASSOCIAÇÃO DE CICLOTURISMO, 2020).
Sendo assim, o CTBC é um turismo fomentado pelo ciclismo cujo objetivo é promover uma
sustentabilidade ancorada na tríade comunitária, a saber: autogestão social, valorização do
patrimônio civilizatório local e preservação dos recursos naturais.

O CTBC em Lauro de Freitas nasce então do espírito coletivo materializado na


transversalidade de ações entre comunidades, escolas, universidades, governo e entidades.
Nesta perspectiva, está sendo costurado por mãos e vozes diversificadas. Trata-se de uma
construção coletiva diária protagonizada por abnegados gestores culturais, educadores, ciclistas
e empreendedores sociais, que começaram a pensar o ciclismo como um meio para se fazer
turismo e promover a sustentabilidade local. Este programa tem como base a Rota da
Emancipação, interligando os principais sítios históricos, culturais e ambientais de Lauro de
Freitas, tendo como objetivo primordial o desenvolvimento local sustentável.
O projeto, no entanto, não trata apenas de uma mera rota de ciclismo, pois o diferencial
da proposta é o mosaico, ou ciclo de atividades que caracteriza a Rota da Emancipação, a saber:
feiras de economia solidária, apresentações culturais, mostras científicas, pedal inclusivo,
vivências no campo da educação ambiental e cultura da paz, formação em turismo comunitário,
oficinas de artes em comemoração à Semana de Arte Moderna, caminhadas contemplativas
sagradas, entre outras atividades, que, juntas, promovem a qualidade de vida por meio do
esporte, da cultura popular e da conexão com o sagrado.
O componente de inovação do projeto reside na sua capacidade de beneficiar os setores
mais afetados pela pandemia, a saber: a cultura, o turismo e à economia. Nesta perspectiva, o
ciclismo integrado a outras atividades promete movimentar Lauro de Freitas entre 29 de janeiro
a 5 de fevereiro de 2022. Os idealizadores do projeto, pretendem deixar um grande legado para
a cidade, transformando-o em tradição, cujo objetivo maior é projetar o município como
a capital cultural da Costa dos Coqueiros, a meca do Ciclo turismo nacional e referência
mundial no tocante à sustentabilidade.

Rota da Emancipação
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Dentro da programação do Ciclo Turismo de Base Comunitária será realizado a Rota da


Emancipação interligando os principais sítios históricos, culturais e ambientais de Lauro de
Freitas. No dia 29 de Janeiro de 2022, acontecerá a primeira etapa, tendo como ponto de partida
o Parque Ecológico de Ipitanga com destino à praia de Buraquinho, passando por Vilas do
Atlântico. Depois o movimento seguirá pelas ruas do loteamento Miragem e Vilas do Atlântico
para finalizar na Praça da Matriz, no Centro. No dia 30 de janeiro desse ano, o ponto de partida
será no Terminal Turístico Mãe Mirinha de Portão, passando pelo bambuzal, barragem do
Jambeiro, Areia Branca, Quilombo do Quingoma, Vida Nova, Caji, culminando na Praça do
Caranguejo, em Itinga.
Ao longo da Rota da Emancipação, principalmente nas paradas finais, Praça da Matriz
e Praça do Caranguejo, os ciclistas serão contemplados com apresentações culturais, feiras de
economia solidária, entre outras atividades.
Diante do exposto, o CTBC surge como uma resposta insurgente dos núcleos vivos da
sociedade laurofreitense e têm no seu horizonte de sentidos a interface entre cultura, educação,
turismo e esporte. Portanto, é um projeto inovador, fecundado nas tramas, fissuras e brechas de
uma modernidade decadente, que busca renovar o mundo a partir do esporte, da cultura popular
e da emergência do sagrado.

Referências

IRVING, M. A. reinventando a reflexão sobre turismo de base comunitária – inovar é possível?


In: BARTHOLO, R.; SANSOLO, D. G.; BURSZTYN, I. (org.). Turismo de base
comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: letra e imagem,
2009. p. 108-119.

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BIBLIOTECA COMUNITÁRIA DO POVOADO ALTO: semeando leitura


no Sertão
Ana Vitória do Carmo Santos1
hannanowxx@gmail.com

Juliana Andrade do Carmo Martins 2


jule.ac@gmail.com

Leandro Souza Martins 3


leandro.smj25@gmail.com

Ana Júlia Matos Dos Santos4


as2997466@gmail.com

Marta Andrade do Carmo 5


martaandrade153@gmail.com

Amanda Costa de Souza6


mandocacosta13@gmail.com

Pedro Henrique Matos de Santana7


pedrooomatoss@gmail.com

Sarah Oliveira do Carmo 8


saraholiveiira140@gmail.com

A Biblioteca comunitária do Povoado Alto é a primeira do município de Tucano-BA.


Tudo começou no dia 9 de dezembro de 2018, na primeira reunião do grupo Filhos do Sertão,
composto por 23 jovens e adolescentes altenses que lutam por melhorias para a sua comunidade.
O encontro ocorreu na casa do saudoso José Francisco de Andrade e Guilhermina Maria de

1
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
2
Doutoranda em Educação e Contemporaneidade e coordenadora do Grupo Filhos do Sertão.
3
Ensino médio completo e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
4
Estudante do 3° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
5
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
6
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
7
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
8
Estudante do 3 ° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
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Jesus, ambos falecidos, protagonistas do início dos trabalhos sobre a história do Povoado Alto,
até então visto por muitos como um lugar sem história. A referida comunidade possui cerca de
260 habitantes e está localizada na zona rural de Tucano, há aproximadamente 269 quilômetros
de Salvador-BA.
Ao discutirmos sobre as dificuldades e possibilidades do lugar onde vivemos,
concluímos que promover o incentivo à leitura seria um primeiro e importante passo. Para além
de espaço de leitura, a biblioteca se configurou como um espaço cultural, de encontros, sonhos,
resistência e esperança. E, assim começamos a sonhar com nossa biblioteca, sem recursos
financeiros, mas com um sonho e a certeza de que daria certo.
A proposta de criação da biblioteca foi bem aceita na comunidade e em janeiro de 2019,
lançamos a companha para arrecadação de livros em grupos do WhatsApp, Facebook e sites da
região. O primeiro livro recebido tratava sobre a guerra de Canudos, nossa referência de
resistência, fé, luta por igualdade e união, o que nos motivou a permanecermos esperançosos
de que iríamos conseguir. Aos poucos, muitos outros livros foram chegando de diversos
povoados, cidades e estados. A escolha do local para sediar a biblioteca se deu em conjunto,
optamos pela casa de José Francisco e Guilhermina, como forma de honrar a memória deles e
de algum modo dar continuidade ao legado de fé, esperança e amor ao próximo. Na mesma
residência, além dos espaços de leitura, funciona também o Ecomuseu da História e Cultura
Altense.
A biblioteca foi inaugurada no dia 08 de dezembro de 2019 e desde então recebe
crianças, adolescentes, jovens, a adultos e idosos da comunidade e de localidades vizinhas O
funcionamento aberto ao público foi interrompido em março de 2020 por conta da pandemia
do coronavírus, mas com todos os cuidados e uso de equipamentos de proteção individual, o
grupo continuou cuidando do espaço da biblioteca. Em setembro de 2021 com o avanço da
vacinação e queda no número de infectados, demos início a reabertura gradual com a realização
de um concurso literário que foi encerrado com uma gincana para comemorar o dia das crianças.
A seguir, gostaríamos de apresentar algumas fotos e o cordel, que para nós representa bem
nosso sentimento de gratidão pela nossa Biblioteca.

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Lá no interior do sertão
Um lugar chamando Alto
Que trouxe inovação
Na formação de uma biblioteca
Pra esse povoado
Querido e amado

Por orgulho
Digo logo que:
"A literatura resolveu prevalecer".
Com a junção de ideias
Uma biblioteca nasceu
Levando histórias a crianças
E até pra quem nunca nem leu

A partir de um grupo
Que se mobilizou
Com assistência e apoio de altenses
A biblioteca se instalou
Com doações e ajuda regionais
Havia livros pra não acabar mais!

A escolha do nome
Foi de igual por igual
Não é nosso, é de todos
"Biblioteca Comunitária do Povoado Alto"
Ganhou espaço nos sites de notícias regionais

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Mantendo a esperança
De que uma ideia se concretizasse
Com trabalho e muito esforço, hoje,
Vejo como páginas de livros,
Trazem esperanças
E reativam sonhos
Antes, adormecidos no povo

A inauguração:
08 de dezembro de 2019
Ah!! Que importância há
Em propagar

A literatura em um lugar
Onde pouco se tinha acesso a
Livros para ler e estudar.

Por fim, salientamos que para nós, jovens altenses, a Biblioteca Comunitária do Povoado Alto
é sinônimo de esperança, força do coletivo e resistência. Dito de outro modo, é a prova de que
a comunidade trabalhando junto em prol do bem estar coletivo é capaz de promover mudanças
efetivas e positivas no modo de viver local.

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NOMEAÇÃO DAS RUAS DO POVOADO ALTO: a valorização da


história e dos sujeitos locais

Sarah Oliveira do Carmo 1


saraholiveiira140@gmail.com

Juliana Andrade do Carmo Martins 2


jule.ac@gmail.com

Leandro Souza Martins 3


leandro.smj25@gmail.com

Maria Stefanie Pereira dos Santos 4


santosstefani358@gmail.com

Graciele Matos Dos Santos5


Grasielematos888@gmail.com

Marta Andrade do Carmo 6


martaandrade153@gmail.com

Amanda Costa de Souza7


mandocacosta13@gmail.com

Ana Júlia Matos Dos Santos8


as2997466@gmail.com

Ana Vitória do Carmo Santos9


hannanowxx@gmail.com

Pedro Henrique Matos de Santana10


pedrooomatoss@gmail.com

1
Estudante do 3 ° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
2
Doutoranda em Educação e Contemporaneidade e coordenadora do Grupo Filhos do Sertão.
3
Ensino médio completo e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
4
Estudante do 2° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
5
Estudante do 2° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
6
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
7
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
8
Estudante do 3° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
9
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
10
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
XI ETBCES – Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas em tempos adversos –
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A ideia de nomear as ruas do Povoado Alto surgiu durante uma reunião do grupo Filhos
do Sertão, na qual discutíamos aspectos da história do Povoado e ao questionarmos como cada
rua se formou, pensamos que seria interessante investigar isto e propor a nomeação de cada
uma delas. Logo, cada membro do grupo ficou responsável por investigar, em diálogo com
moradores mais velhos, a origem da rua onde morava e algum aspecto marcante como: primeiro
morador, proximidade a algo interessante, planta ou algum acontecimento marcante.
Aproximadamente um mês depois, nos reunimos novamente para apresentarmos o
levantamento dos possíveis nomes para cada rua. Diante de uma infinidade de possibilidades
para nomear as ruas, percebemos o quanto nosso lugar e as pessoas que ajudaram a construí-lo
eram ricos em histórias, memórias, lendas e mitos. Deste modo, para escolher o nome para cada
rua, realizamos uma enquete, a fim de ouvir todos os moradores do Povoado a respeito dos
nomes propostos, o que resultou na aprovação de alguns nomes, trocas e novas sugestões. Feito
isto, finalmente chegamos aos nomes apresentados no mapa abaixo e descritos individualmente.

XI ETBCES – Inovação e Solidariedade em Territórios de Resistência: iniciativas em tempos adversos –


De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES
Ao todo foram escolhidas 10 nomes para Rua, e 3 nomes para Praça, explicados
individualemnte, a seguir.

Rua José Francisco de Andrade


José Francisco de Andrade nasceu no dia 20/07/1924 e faleceu em 09/01/2018.
Seu Bidé, como era respeitosamente chamado, foi um homem muito querido e
conhecido por ser carreiro e rezador, a quem diga que era também muito temido
por rezar para ficar invisível ou virar topo perante os inimigos, ou situações de
perigo. Ele realizava os carurus na comunidade junto com sua fiel companheira Guilhermina
de Jesus. A decisão pela escolha de seu nome para a rua se deu em votação com os moradores
da rua, uma homenagem justa por entender que todo trabalho de contação da história do
Povoado ocorreu, inicialmente, com ele, em 2016, e atualmente sua casa abriga a Biblioetca
Comunitária do Povoado Alto e o Ecomuseu da História e Cultura altense, os únicos do
município de Tucano.

Rua João Oliveira


João Andrade de Oliveira, popularmente chamado de Priquito, nasceu em 24 de junho
de 1929, e morreu em 14 de maio de 1992. Foi o dono da primeira casa da rua que
hoje leva seu nome. Era um homem simples, lavrador que trabalhava na roça
plantando milho e feijão. Foi uma pessoa boa e admirado pela comunidade, sempre
disposto a ajudar no que fosse necessário. Como ele era um dos poucos que tinha trator
costumava “fazer terras”, ou seja, preparar a terra para o plantio sem cobrar nada das pessoas
que não tinham condições de pagar. Além de trabalhar na roça, trabalhou como oleiro, fazendo
telhas. O nome dele foi sugerido durante a enquete e aprovado pela maioria dos moradores da
rua.

Rua Pedro Ribeiro


Pedro Ribeiro da Silva, nasceu em 1913 e morreu em 1993. Popularmente
chamado de Piroca, foi comerciante de sola, telhas e tijolos. A escolha de seu nome
para a rua onde fica a escola, é uma homenagem à sua memória e um protesto,
pois foi Pedro Ribeiro que lutou pela implantação da única escola do Povoado, a
qual era chamada de Escola Municipal Pedro Ribeiro, em homenagem ao seu fundador, mas
que teve seu nome trocado por questões políticas partidárias, e agora chama-se Escola
Municipal São Pedro. Assim, colocar o nome dele na rua foi uma maneira de protestar e
reafirmar a preservação da memória de um homem que lutou por melhorias para a comunidade.

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Rua José Geraldo do Carmo
José Geraldo do Carmo, popularmente conhecido como Zequinha, provavelmnte nasceu entre
os anos de 1910 e 1911, e morreu entre os anos de 1985 e 1986. Trabalhava na roça, plantando
mandioca para utilizar em sua casa de farinha, e durante muito tempo trabalhou no curtume de
couro. Seu Zequinha é sempre lembrado como uma pessoa alegre e festeira, que anunciava e
animava os festejos juninos. A animação começava nos primeiros segundos do dia 23 de junho,
ele ficava acordado esperando dar meia noite para soltar fogos, e assim anunciar a chegada do
dia de São João. O anúncio era disputado com Pedro Ribeiro, segundo moradores muitas vezes
os dois foguetes subiam para o céu ao mesmo tempo.

Rua Guilhermina de Jesus


Guilhermina de Jesus nasceu no dia 10 de janeiro de 1932, e morreu no dia 22
de fevereiro de 2014. Era uma mulher forte e corajosa, conhecida por sua
devoção e os grandiosos carurus, foi uma das mais respeitadas rezadeiras da
comunidade. Ela e seu esposo, José Francisco, eram os responsáveis pelo
batismo dos bebês que nasciam mortos, chamados de anjinhos, os quais após
o batismo eram enterrados na porteira de um curral, simbolizando a entrega do anjinho a Jesus
Cristo, que nasceu em um lugar simples rodeado de animais. A escolha do nome Guilhermina
de Jesus para essa rua, que é a mais nova do Povoado, foi uma maneira de homenageá-la, já
que os quatro primeiros moradores foram seus netos, bisnetos e trinetos.

Rua Enedina Barreto


Enedina Barreto dos Santos, mais conhecida como Cherosa, nascida no dia 14
de maio de 1933, e morreu no dia 14 de dezembro de 2009. Foi a primeira
moradora do local onde hoje é a rua que recebeu seu nome. Dona Cherosa era
uma mulher simples e acolhedora, muito lembrada por suas rezas com
distribuição de arroz doce. Além disto, costumava também realizar batismos na
fogueira, e assim tornou-se a madrinha de muitos altenses.

Rua Edméia Pereira


Edméia Pereira Passos, popularmente conhecida como Guinera, nasceu em 14 de
dezembro de 1919, e morreu em 2006. Era muito engraçada e animava muito o
São João. Lembrada por animar as festas e estar sempre presente nos momentos
difíceis, quando tinha alguém doente ela fazia questão de ficar a noite toda, Mesmo
sem ser parente, as pessoas a chamavam carinhosamente de vó, tia ou madrinha.

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Rua Clautide Pimentel
Clautide Francisca Pimentel, nasceu no dia 10 de junho de 1936, e faleceu no
dia 29 de outubro de 2003. Dona Culó, como era conhecida, foi a primeira
professora na comunidade e alfabetizadora por 10 anos. Sempre disponível
para trabalhar em prol da comunidade, fez cursos com farmacêuticos para
ajudar seus conterrâneos na cura de doenças com remédios naturais, e ajudou
também na construção da igreja católica.

Rua Flamboiã
A escolha do nome Flamboyant, uma planta popularmente conhecida como Flamboiã, se deu
pelo fato de que existia uma antiga árvore na referida rua. A ideia é demonstrar que para além
da importância da preservação da memória daqueles que viveram antes de nós, a preservação
da natureza é muito importante, e devemos incentivar o plantio e não a derrubada de árvores.

Rua do Campo
O nome rua do Campo é uma referência já utilizada por alguns moradores, por ser um dos
caminhos utilizados para chegar ao campo de futebol que fica na mesma direção em que a rua
está situada. A escolha do nome é também uma forma de relembrar que o antigo espaço do
campo era situado próximo a essa rua. Além disto, próximo ao campo de futebol moram
algumas famílias que o utilizam como ponto de referência para a o endereço.

Praça dos Coxos


Esta rua foi nomeada por a Praça dos Coxos, em referência a uma antiga
prática do curtume de couro em coxos, que era realizado onde na atualidade
fica a praça. Os coxos ficavam no chão e próximos ao rio, por isto, muitos
altenses, principalmente os mais velhos, usam o termo descer para os Coxos,
mas, poucos sabiam o porquê do termo descer para os Coxos.

Praça Álvaro Carmo Pereira


Álvaro Carmo Pereira, popularmente conhecido como Nego da Sabina, nascido
em 11 de abril de 1954, e falecido em 14 de outubro de 2011, foi um grande e
importante vaqueiro do Povoado, que ajudou inúmeras pessoas, tornando-se
famoso pela bondade e coragem. O Nego, era o típico homem sertanejo,
destemido e sempre presente em diversas situações na comunidade, como fazer a travessia de
boi bravo no rio cheio, procurar animais na caatinga, fazer buscas por corpos de pessoas que
morriam afogadas, amansava animais ferozes, ou seja, era o vaqueiro herói do Povoado Alto.

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Praça dos Pereiras

Antigamente este local tinha vários pés de pereira, mas atualmente tem apenas
dois, que resistem ao tempo e às ações humanas, por isto a escolha do nome
é para chamar atenção da necessidade de preservação destas lindas árvores.

Diante disso, concluímos que a nomeação das ruas e praças foi algo positivo para toda
a comunidade, pois a falta de um nome pode gerar dificuldades em explicar corretamente onde
mora. Para além disto, com a nomeação das ruas do Povoado Alto, passamos a conhecer melhor
a história dessas pessoas que deixaram seu legado na construção da comunidade. Assim sendo,
essa foi uma forma de homenagear esses altenses, bem como, manter viva a memória e história
desses moradores para as futuras gerações. Por fim, salientamos que todo processo de escolha
dos nomes foi democrático e cada habitante votou e opinou acerca da escolha do nome. Sem
contar que as investigações e diálogos para escolha dos nomes revelaram o quanto cada rua ou
lugar, independente do tamanho, guardam grandes histórias, que precisam ser vistas e
compartilhadas.

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ESCOLA ABERTA À COMUNIDADE: UMA EXPERIÊNCIA EXITOSA ENTRE O
ENCONTRO DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO CABULA E A ESCOLA
VISCONDE DE ITAPARICA

João Max Conceição de Oliveira


E-mail: joao.conceicao@enova.educacao.ba.gov.br

Maria José Santana dos Santos Neres


E-mail: neres.zeze@gmail.com

Valdeze Antonia Silva e Silva


E-mail: valdezesilva@hotmail.com;valdezesilva22@gmail.com

Esse texto tem por objetivo explicitar a experiência ocorrida na Escola Estadual Visconde de
Itaparica (EEVI) na ocasião da abertura à comunidade do Cabula e entorno ao seu acesso,
enquanto espaço educativo plural, ao receber o evento Encontro de Turismo de Base
Comunitária e Economia Solidária (ETBCES), que ocorreu entre 8 e 12 de novembro de 2017,
cujo tema central foi “Comunidades de Prática, Inovação e Tecnologias Sociais”. Verificou-se
que o referido encontro articulou as instâncias - universidade, escola e comunidade local - em
prol do bem comum, a saber, enriquecimento e troca de experiências, exposições de ações
sociais e culturais que envolveram manifestações artísticas, saúde, segurança, educação e
empreendedorismo. Evidenciou-se que a extensão entre a universidade, enquanto função
prerrogativa, a abertura da escola para a comunidade externa e interação com a comunidade
interna promoveu o êxito previsto por parte dos envolvidos na ação comum.

A Escola Visconde de Itaparica

De acordo com os registros contidos no Projeto Político Pedagógico da referida


unidade de ensino, a Escola Estadual Visconde de Itaparica, situa-se na Rua Silveira Martins,
bairro do Cabula e fisicamente faz parte do 19º Batalhão de Caçadores do Exército – 19ºBC,
em área cedida para o seu funcionamento. O nome da escola origina-se do patrono da Polícia
Militar do Estado da Bahia, o Marechal de Campo e Visconde de Itaparica, Alexandre Gomes
de Argolo Ferrão, nascido a 8 de agosto de 1821 e falecido em 23 de junho de 1870. Um dos
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principais comandantes da Campanha do Paraguai. A escola foi fundada em 1954, por iniciativa
do Exército e contava com três salas de aula em atividade apenas no turno matutino, atendendo
uma pequena clientela de soldados analfabetos e a comunidade. Em 1957, o Comandante do
Batalhão Bendoc Alves conseguiu, junto a Secretaria de Educação, aumentar o quadro de
pessoal e nomear a primeira diretora: Lindinalva dos Santos Cardoso. Nesta gestão, a escola foi
ampliada, passando a possuir quatro salas e funcionar nos três turnos; à noite atendia aos
soldados e nos turnos matutino e vespertino à comunidade em geral. Em seis de fevereiro de
1981 a Escola foi regulamentada pela Secretaria de Educação, através da Portaria 199,
publicada em Diário Oficial. Em 1984, ano em que a Visconde de Itaparica passou a contar
com treze salas, foi firmado um convênio entre a Secretaria de Educação e o 19º BC, onde essa
Unidade Militar cedeu o imóvel em que funciona a escola e, em troca, a Secretaria assumiu
integralmente a responsabilidade pela gestão da Unidade Escolar, cujo corpo docente é
composto de professores com graduação e maioria com pós-graduação entre especializações,
mestrado e doutorado.

Imagem 01: Escola Estadual Visconde de Itaparica (Cabula, Salvador, Bahia)

Fonte: Foto dos Autores.

A escola, ao longo de sua existência, sempre desenvolveu ações educativas plurais,


tais como gincanas de cunho lúdico-pedagógico, convite para profissionais das áreas da saúde,
segurança, relações interpessoais, universidades, esportes, dentre outras, a ministrarem
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palestras, cursos e orientações diversificadas para todos os segmentos da comunidade -
estudantes, funcionários, professores, responsáveis, bem como moradores do bairro e
circunvizinhança. O seu caráter de abertura à comunidade, além da qualidade do ensino
ministrado e cuidado com todos que a acessam, foram responsáveis pelo amplo reconhecimento
local. Configura-se como uma escola inclusiva, acolhedora e aberta ao diálogo com a
comunidade. Sempre entendeu o seu espaço como campo de pesquisa e formação para futuros
professores, tendo em vista que, continuamente, acolheu estudantes de áreas diversas para a
realização de estágios formativos, com isso estreitando laços cooperativos com muitas
faculdades e universidades, dentre elas a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), além de muitas instituições privadas de ensino
superior, e empresas que atuam na área da educação.
O caráter de escola com viés quilombola é oriundo da região em que está localizada,
como já explicitado, o bairro do Cabula e segue suas ações com base em investigações, estudo
e apropriação das raízes socioculturais, no tocante à memória coletiva, identidades, práticas
culturais, princípios, valores, acervos, repertórios orais, tecnologias, festejos e tradições,
territorialidade e sua localização geográfica. Cabula palavra de origem banto da Língua
Quicongo que quer dizer “Lugar de afastamento dos males” (CASTRO, 2002). Na
contemporaneidade, o bairro é alvo de uma enorme especulação imobiliária, por ser uma das
áreas do centro da capital baiana com maior espaço urbano de Mata Atlântica e de clima
agradável.
O entendimento do Cabula enquanto região remanescente de quilombo exige o
reconhecimento identitário como produto de reflexões a partir de informações advindas de
estudiosos do tema; reafirmações pluriculturais dos sujeitos que compõem este território;
pesquisas bibliográficas; socializações de saberes da comunidade local e estudos temáticos, em
atendimento às Leis 10.639/03 e 11.645/08, da Presidência da República; Parecer nº 003/04; a
Resolução nº 1/04 do Conselho Nacional de Educação, que instituem a obrigatoriedade do
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e Indígena nos currículos das escolas
públicas e privadas da Educação Básica; e a Resolução CNE/CEB Nº 68/2013 (BRASIL, 2013).
A clientela da Unidade de Ensino é diversificada, visto que os alunos que nela são
matriculados moram em bairros que circundam a escola, desde os mais distantes como Mata
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Escura, Beiru/Tancredo Neves e Sussuarana, como também bairros próximos como São
Gonçalo e Engomadeira.
O Projeto Político Pedagógico, que norteia as ações da escola, baseia-se na premissa
de propor um espaço inclusivo e formativo onde os estudantes possam desenvolver habilidades
e competências, adquirir conhecimentos para estabelecer conexões entre o passado, presente e
perspectivas futuras em tempos de transformações tecnológicas, econômicas, culturais, com
vistas ao pensamento crítico emancipatório e nesse sentido, emancipação significa o mesmo
que conscientização, racionalidade (ADORNO, 1995, p. 143) com a sinalização de que a
realidade requer adaptações constantes.

O Encontro do Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária na Escola Estadual


Visconde de Itaparica

O caráter de abertura à comunidade, práxis da Escola Visconde de Itaparica, acolhe a


ação denominada Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária, advindo da
Universidade do Estado da Bahia, sob a coordenação da Profa. Dra. Francisca de Paula Santos
da Silva. O diálogo entre Universidade e Escola foi se desenvolvendo gradativamente, onde
cada etapa para a realização do evento foi minuciosamente discutida, organizada e pensada no
sentido de promover a maior interação possível entre as pessoas da comunidade local,
instituições parceiras e constitutivo escolar. Todo o período preparatório contou com o
entusiasmo dos participantes e cooperação constante. O objetivo comum convergia para o êxito
da ação. Parceria que somou benefícios para à Unidade Escolar, disponibilizando aos
professores, funcionários e estudantes a oportunidade de estudos e pesquisas sobre a história e
cultura local, bem como, maior interação com a comunidade local, por meio de ações solidárias,
a exemplo de oficinas, doações de literaturas e criação de um espaço de leitura.

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Imagens 02 e 03: ETBCES na Escola Visconde de Itaparica (2017).

Fonte: Foto dos autores.

Fonte: Fotos dos autores.

O Encontro do Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária, que valoriza e


evidencia as construções artístico-culturais da comunidade cabuleira, caracterizou-se numa
ação fortalecedora ao projeto Pedagógico da referida escola denominado: “Visconde conte e
pinte sua história e a história do Cabula”, com vistas a reconhecer e valorizar as identidades
que constituem a Comunidade Cabula, bem como, preservar a memória coletiva como
sustentáculo da cultura local, respeito aos princípios e valores culturais e religiosos.

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Panorama artístico-cultural do Cabula

Os estudantes desenvolveram, durante o projeto, a atividade de observação dos


ambientes de convivência e percepção da beleza cabuleira, tendo como produto a fotografia,
que foi utilizada como instrumento de produção de textos escritos e imagéticos sobre os bairros
do Cabula. Os bairros foram contemplados a partir do desejo dos estudantes, a exemplo de
Engomadeira, São Gonçalo, Mata Escura e Arraial do Retiro.
Na perspectiva de estudar as raízes socioculturais da Comunidade Cabula; os acervos
e repertórios orais que caracterizam a região cabuleira; as tecnologias e formas de trabalho da
comunidade cabuleira; a localização geográfica do Cabula a partir da ideia de território e
territorialidade; e a Escola Visconde de Itaparica no contexto do Cabula, os estudantes
construíram painéis diversificados pautados nas heranças indígenas, heranças africanas e
valores ancestrais.
Imagem 04: construções coletivas

Fonte: Fotos dos autores.

Esses painéis foram frutos de estudos e pesquisas dirigidos; entrevistas; leituras;


realização de oficinas; rodas de conversa; gincana temática, focada no contexto cabuleiro; e
realização do transfomaê cabuleiro, ação da Secretaria de Educação que ganhou uma identidade
cabuleira.

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O Transformaê, virada educacional – 3ª edição, proposta da Secretaria de Educação,
cujo tema foi “Escolas que acolhem” teve por finalidade acolher e apresentar à comunidade
local o produto de discussões, planejamentos e construções coletivas com o apoio de parceiros.
As atividades foram realizadas num formato de oficinas, valorizando conhecimentos
construídos, habilidades, atitudes e valores culturais, sociais e científicos por meio das diversas
linguagens.
Imagem 05 : Tranformaê Cabuleiro

Fonte: Fotos dos autores.

As práticas desenvolvidas possibilitaram às comunidades escolar e local condição para


o exercício da cidadania por meio do acesso e produção de informações relacionadas ao
cotidiano do mundo digital, do trabalho, da saúde, da culinária, da segurança, da arte e do lazer.
Foi realizado com foco na construção da memória coletiva e valorização da cultura local.
Constituiu-se em palco de vivências cabuleiras, durante o dia inteiro com inúmeras atividades
como: dança; oficinas de grafite, culinária, desenho, primeiros socorros; rodas de capoeira;
cinema HQ; trilha da matemática; sala de saúde; jogo da memória; trilha da ciência; soletrando;
circuito de educação física, entre outras atividades.

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Ainda como ação do projeto foi realizada a III Mostra de Talentos com o propósito da
reflexão sobre os talentos humanos seja na área da moda, da música, da dança, das artes cênicas,
das artes plásticas, do esporte, da econômica, da administração, da pedagógica, entre outras
áreas. A partir do entendimento que o talento é inerente ao ser humano foi dada visibilidade às
habilidades artísticas da comunidade escolar, cujo tema é “Escola que acolhe”, um evento que
tem por finalidade valorizar e tornar público as habilidades artísticas da classe estudantil,
considerando as diversas linguagens: música, dança, teatro, produção literária e artes visuais.
O diálogo entre o projeto pedagógico supracitado e o Turismo de Base Comunitária e Economia
Solidária foi o lastro primoroso para a construção e troca de saberes e vivências entre as
comunidades escolar, local, universitária e de outras instituições partícipes. Os estudantes
puderam entender que além da escola, a universidade também valoriza seu modo de vida,
respeitando e oportunizando a expansão do conhecimento.
Imagem 06: Grupo de teatro GAPA (2017).

Fonte: Foto dos autores.

A Escola Visconde de Itaparica experimentou a interação entre a comunidade escolar


e local, por três dias consecutivos, previamente preparados, discutidos e planejados pela equipe
gestora, em constante diálogo com os segmentos da escola. Neste período foi possível vivenciar
momentos convertidos em acervo para sua memória coletiva, a exemplo das ações
desenvolvidas terapia de relaxamento; resgate de brincadeiras infantis; oficina de culinária;
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manuseio com a terra, na produção de horta urbana; atividades esportivas, atendimento em
saúde; orientações em relação a alimentação saudável; informações sobre uso de fitoterápicos;
diálogo sobre DST/AIDS/HIV; saúde bucal; uso racional de medicamentos; orientação de
prevenção à Dengue, Chicungunya, Zica Virus; orientações de prevenção ao câncer;
atendimento para os olhos; oficinas de grafite, fotografia digital, crochê, entre outras atividades.
As atividades que tiveram articulação com a área da saúde foram muito apreciadas
pelos estudantes e seus respectivos responsáveis. Perceberam no evento uma oportunidade de
ter atendimento em um espaço para tirar dúvidas quanto aspectos relacionados às doenças,
prevenções, cuidados pessoais e familiares. Todos os grupos formados contaram com a plena
participação da comunidade. O atendimento feito pela equipe de oftalmologia pôde sinalizar
para muitos estudantes a necessidade de utilizar óculos, forma correta de fazer leitura, dentre
outras orientações às quais contavam com a ávida atenção dos participantes.
Imagem 07: Feira de Artesanato do Coletivo Cultarte (2017)

Fonte: Foto dos autores.

A cada experiência possibilitou deixar armazenado, na memória dos participantes,


informações que contribuirão para o processo de construção identitária e que consequentemente
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fará parte de sua memória individual e coletiva, visto que, segundo Pollak (1989), a memória
individual se constitui nos acontecimentos vividos pessoalmente enquanto que a memória
coletiva é pautada nos acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa
se sente pertencer.
Imagem 08: Grupo Explosão Black, da Comunidade Amazonas (2017)

Fonte: Foto dos autores.

Durante todo o evento os estudantes foram oportunizados a pôr em prática o


conhecimento construído sobre as identidades: de raça, de gênero e de sexualidade, no respeito
e acolhimento às diferenças. Possibilitou-se compreender a riqueza existente na
pluriculturalidade que realça as relações, que a escola é o espaço de educação plural que deve
ser exemplo quanto ao respeito e valorização da singularidade de cada um que forma os grupos
sociais.
Cada atividade desenvolvida representou um convite à reflexão crítica sobre a
importância da preservação da memória coletiva que influencia diretamente na construção de
identidades cabuleiras, visto que as manifestações artísticas traduzem na sua essência as raízes
culturais que podem ser despertadas em cada grupo social. Isto porque Identidade é um:
processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um
conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras

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fontes de significados. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode
haver identidades múltiplas (CASTELLS, 2008, p. 22).

Eventos como este são facilitadores na integração entre as comunidades escolar e local,
por meio de atividades artísticas como dança, teatro, feira de artesanato, oficinas, entre outras.
As expressões artísticas, enquanto elementos de manifestações culturais exercem influência na
aproximação entre os sujeitos e nas interações culturais. Para os adolescentes significam pontes
de relação com o mundo e com os tempos, além de fatores significativos na construção da
identidade de gerações.

Imagem 09: Transformaê - Oficina de Capoeira (2017).

Fonte: Fotos dos autores.


O evento, aberto aos diversos perfis de público, foi significativo na valorização da
diversidade de conhecimento, contemplando inclusive o conhecimento acadêmico, com a
exposição de trabalhos, a exemplo de artigos, resultados de pesquisas, entre outros. Uma ação
aberta às diversas categorias de saberes.
Os caminhos enriquecedores do evento abriram possibilidades construtivas diversas:
os profissionais de educação foram convidados à orientação e exposição de pesquisas
acadêmicas; os estudantes da Educação Básica foram provocados a realizar estudos acadêmicos
e compreender assim que quanto mais conhecedores de elementos e saberes da cultura universal
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forem os indivíduos, mais instrumentalizado estará o grupo social ao qual eles pertencerem; a
comunidade local pôde entender a escola enquanto espaço aberto para ações de construção
coletiva e solidária e a Universidade desempenhou seu significativo papel, ao oportunizar a
comunidade do entorno o acesso à construção coletiva de conhecimentos, a troca de saberes e
valorização da cultura local.
Além do fortalecimento ao projeto pedagógico “Visconde conte e pinte sua história e
a história do Cabula”, o Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária, por
meio da oficina de Horta Urbana, incentivou a criação do projeto “Visconde é Vida –
Preservação da Área Verde”. Projeto que tem por finalidade o cultivo e a valorização da área
verde, como prática cidadã capaz de sensibilizar a comunidade escolar para a educação
ambiental, desenvolvendo o respeito e apreciação da natureza enquanto sua morada e cenário
de beleza.
Imagem 10: Projeto Visconde é Vida – Preservação da Área Verde (2017).

Fonte: Foto dos autores.


Uma ação comprometida com a educação ambiental para toda a comunidade escolar,
visto que é aberto a todos os segmentos da Unidade de Ensino e visa a compreensão da
importância do respeito à natureza; o reconhecimento dos recursos e técnicas de cultivo de horta
e jardim e multiplicação do conhecimento construído com os espaços de vivência para além
dos muros da escola.
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De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
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O cultivo da horta favorece o levantamento do valor nutritivo dos alimentos cultivados
e facilita a compreensão da relação entre o solo, a água e os nutrientes, a partir do processo de
semeadura, adubação e colheita. Numa prática de degustação e nomeação dos alimentos serão
identificados os diferentes tipos de cultivo, bem como, a variedade de técnicas. Ainda em tempo
haverá o entendimento sobre a importância de uma alimentação equilibrada para a saúde.
A manutenção do jardim oportunizará a apreciação ao belo, a contemplação às cores,
a consciência ambiental e sustentabilidade, no uso criativo de materiais recicláveis.

Imagem 11: Inauguração do Jardim – Escola Estadual Visconde de Itaparica.

Fonte: Fotos dos autores.

Considerações finais

Gratidão é a palavra chave que a Escola Estadual Visconde de Itaparica utiliza para se
referir ao evento de ilustre valor e compromisso representados nos cuidados de servir a

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comunidade cabuleira por intermédio da Unidade Escolar, com a oferta de compartilhamento e
troca de saberes nas diversas áreas, desde o saber comum ao saber acadêmico.
Numa oportunidade ímpar as diferenças interagiram de forma harmoniosa, ao validar
a importância de cada indivíduo no cenário social. Daí os estudantes foram oportunizados a
compreender, in loco, quão necessários são o respeito e valorização de cada pessoa na
construção de saberes. Puderam entender que o conhecimento se dá por meio de uma rede de
conexões entre os seres e que um saber não sobrepõe a outro. Os saberes se complementam.
Possibilitou-se entender também que a comunidade cabuleira será mais fortalecida
quando as inteligências dessa comunidade se conectarem com o propósito de elevação coletiva.
Entendimento esse fundamental para um processo emancipatório dos grupos diversos das
comunidades do Cabula e entorno, majoritariamente negras, cujas ações fortalecidas podem
oferecer resistência aos movimentos opressores da sociedade contemporânea.
A conversação permanente entre essas comunidades, Universidade e Escola
apresentam-se como propulsores de ações sociais desenvolvedoras e promotoras da cultura,
educação, fortalecimento dos movimentos sociais, empreendedorismo local, formação
acadêmica e possibilidades de pensar também, politicas públicas para o desenvolvimento local.
A pluraridade de eventos outros, no âmbito escolar, desenvolvidos em articulação com o ETBC
sinalizou a riqueza de possibilidades formativas, de articulação comunal e de explicitar a
importância do diálogo e desenvolvimentos de ações colaborativas entre a Universidade, Escola
e Comunidade.
O desejo de progredir, por parte da comunidade, unido ao compromisso de preparar
cidadãos capazes de se reinventarem e (re)construírem uma sociedade mais consciente de seus
valores, fortalecerá os sujeitos que por sua vez se responsabilizarão por gerações mais
conscientes de suas raízes. A Universidade unida às Instituições de Educação Básica mostrou-
se como possibilidade potencial de formar a ponte necessária à preparação desses cidadãos.
Assim sendo, tem-se a flagrante importância da articulação entre universidade, comunidade
local e a Educação Básica no contexto das escolas.
O projeto Turismo de Base Comunitária, a partir da sua premissa em articular e
potencializar a comunidade local do Cabula, promover a economia e o turismo solidários por
intermédio de ações culturais, exposição do empreendedorismo local, articulação com serviços
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de interesse comum na comunidade em colaboração com a escola, que por sua vez, apresenta-
se aberta ao diálogo e ações conjuntas com a comunidade, resultou em uma potência viva no
que se refere ao processo emancipatório humano e desenvolvimento social e acadêmico.

Referências

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação


Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica.
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da Educação.
Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC,
SEB, DICEI, 2013.

________ Lei No 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro


de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira.

________ Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de


1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.

________ Resolução CNE/CP n.º 1, de 17 de junho de 2004 - Institui Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana.

________ Resolução Nº 68, de 30 de julho 2013. Estabelece normas complementares para


implantação e funcionamento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola na Educação Básica, no Sistema Estadual de Ensino da Bahia.

________ Parecer CNE/CP n.º 3, de 10 de março de 2004 - Institui Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana.

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De 6 a 12 de dezembro de 2021. Anais publicados sob número de ISSN 2447-0600.
XI Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – XI ETBCES
________ Prefeitura Municipal de Salvador. Diretrizes curriculares para inclusão da
história e cultura afro-brasileira e africana no Sistema Municipal de Ensino de Salvador.
/ Prefeitura Municipal do Salvador; Secretaria Municipal da Educação e Cultura. Salvador.
2005

CASTELLS, M. O poder da identidade. Trad. Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e
Terra, 2008.

CASTRO, Yeda Pessoa. A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do
século XVIII. Belo HORIZONTE: Fundação João Pinheiro/ Secretaria da Cultura do Estado
de Minas Gerais. 2002, 240 p.

NUNES, Davi. Cabula: resistência quilombola – ascendência cabulosa.


https://ungareia.wordpress.com/2015/07/05/cabula-resistencia-quilombola-uma-ascendencia-
cabulosa/ - Acessado em 03/11/2020

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. IN: Estudos Históricos. Rio de


Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989. Disponível em: Acessado em 04/11/2020.

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A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS NO POVOADO ALTO: um tempo de


solidariedade

Marta Andrade do Carmo1


martaandrade153@gmail.com

Amanda Costa de Souza2


mandocacosta13@gmail.com

Juliana Andrade do Carmo Martins 3


jule.ac@gmail.com

Ana Vitória do Carmo Santos4


hannanowxx@gmail.com

Maria Lauane Santos do Carmo5


lauanecarmo121@gmail.com

Elaine Matos Dos Santos6


matoselaine035@gamil.com

Vivemos numa comunidade rural chamada Alto com cerca de 260 habitantes, localizada
no município de Tucano, há aproximadamente 269 quilômetros de Salvador - BA. E, assim
como todas as partes do mundo, sentimos os efeitos devastadores da pandemia do coronavírus
que causa a COVID-19. Inicialmente, muitos acreditavam que o vírus não nos atingiria e,
infelizmente, este pensamento acabou desencadeando muitas negligências e negacionismos, por
parte dos habitantes locais.
Diante disso, nós do grupo Filhos do Sertão, formado em 2018 e composto por 23 jovens
e adolescentes altenses que lutam por melhorias para a sua comunidade, apesar do medo,

1
Estudante do 1° ano do ensino médio, altense e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
2
Estudante do 1° ano do ensino médio, altense e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
3
Doutoranda em Educação e Contemporaneidade e coordenadora do Grupo Filhos do Sertão.
4
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
5
Estudante do 9° ano do ensino fundamental e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
6
Estudante do 1° ano do ensino médio e integrante do Grupo Filhos do Sertão.
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ansiedade e apreensão, decidimos agir em prol da conscientização dos habitantes do povoado.
A primeira ação do grupo foi a distribuição de máscaras de proteção, doadas por uma costureira
sensibilizada pelo avanço da pandemia, para moradores mais velhos ou com algum tipo de
comorbidade, principalmente para aqueles que precisavam se deslocar com frequência para a
sede do município, onde havia maior fluxo de pessoas. Mas, isto não foi suficiente diante das
fake news veiculadas diariamente na televisão e redes sociais.
Certos de que precisavamos reagir, tivemos a ideia de fazer gravações de vídeos alertando
as pessoas da comunidade sobre os riscos da doença e a maneira correta de preveni-la. O
objetivo era estebelecermos uma comunicação direta através dos vídeos com uma linguagem
de fácil compreensão e com dados reais da doença do País, Estado, Município até o nosso
Povoado. O vídeo iniciava com a declamação de uma poesia sobre conscientização, seguido da
apresentação dos dados sobre a doença, formas de identificação dos sintomas, medidas de
prevenção como: uso correto das máscaras, higiene pessoal e dos alimentos, importância do
isolamento social, da solidariedade e do cuidado consigo e com o próximo.
Como estavámos numa fase de muitas restrições, cada membro do grupo gravou um
trecho do vídeo em sua casa e depois reunimos as gravações, a fim de que todos participassem
de forma segura. No dia que lançamos o vídeo, fomos surpreendidos com a confirmação dos
primeiros dois casos da doença em nossa comunidade. Mas, o vídeo repercutiu muito bem e foi
bem explicativo, tanto que o áudio foi veiculado na Rádio Tucano FM, num programa de
alcançe em outros municípios.
Mas, infelizmente em maio de 2021, a comunidade abalou-se profundamente, perdemos
nossa querida Josete Oliveira para esse vírus terrível. Peré, como era conhecida, mulher forte e
destemida, sorridente e alegre, sempre apoiou nossas ações e nos servia como referência de
amor pela comunidade, de busca por melhorias e luta pela valorização da história e cultura
local. Ainda hoje é dificil acreditarmos que ela se foi, mas, temos certeza de que a melhor
homenagem à sua memória é seguirmos em frente. E cá estamos, nos fortalecendo uns com os
outros, afinal, somos uma comunidade e, precisamos seguir sempre unidos. O poema
apresentado abaixo, descreve bem nosso sentimento de esperança em dias melhores para todos
as pessoas em todos os lugares.

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A gente tá no mesmo fuso horário
Mas tão distante um do outro;
A gente tá no mesmo fuso horário
Mas o mundo parece dá um grito de socorro.

E eu sei
A ansiedade constante para isso acabar
O medo grande de que um de nós se vá
E o pesar, da ausência de muitos
Que hoje então em um bom lugar.

No momento nos resta orar e respeitar


Acreditar nos dias melhores que irão chegar;

Almejar pelo dia em que todos poderemos nos abraçar.

Por fim, salientamos que nós, membros do Grupo Filhos do Sertão, seguimos atuantes
e esperançosos, transformando a dor do luto em ações de combate a expansão da COVID-19
em nossa comunidade. Agindo, principalmente, no incentivo as medidadas de proteção
individual e vacinação, confiantes de que nossa comunidade em breve poderá promover ações
de calorosos abraços.

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